Jose Saramago - Chega-se Mais Facilmente a Marte

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Jos Saramago (Portugal)

Jos Saramago

(Portugal, 1922)

Chega-se mais facilmente a Marte...Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da Declarao Universal dos Direitos Humanos. No tm faltado comemoraes efemride. Sabendo-se, porm, como a ateno se cansa quando as circunstncias lhe pedem que se ocupe de assuntos srios, no arriscado prever que o interesse pblico por esta questo comece a diminuir j a partir de amanh. Nada tenho contra esse actos comemorativos, eu prprio contribu para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasio no o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.

Neste meio sculo no parece que os Governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustias multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorncia cresce, a misria alastra. A mesma esquizofrnica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composio das suas rochas, assiste indiferente morte de milhes de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso prprio semelhante.

Algum no anda a cumprir o seu dever. No andam a cumpri-lo os Governos, porque no sabem, porque no podem, ou porque no querem. Ou porque no lho permitem aqueles que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente no democrtico, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas tambm no esto a cumprir o seu dever os cidados que somos. Pensemos que nenhuns direitos humanos podero subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que no de esperar que os Governos faam nos prximos cinquenta anos o que no fizeram nestes que comemoramos. Tomemos ento, ns, cidados comuns, a palavra. Com a mesma veemncia com que reivindicamos direitos, reivindiquemos tambm o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.

No esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer Academia Sueca a atribuio do Prmio Nobel de Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora tambm aos escritores portugueses e de lngua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que no nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam, portanto.

Sexta feira, 11 de Dezembro de 1998