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Revista Brasileira de Educação 151 Em todos os tempos e em todos os lugares, o diagnóstico do relacionamento dos jovens com a po- lítica suscita de uma forma muito particular o in- teresse e a curiosidade, e solicita com abundância os discursos sábios assim como os discursos co- muns. O estado de saúde de um sistema político e de uma organização social depende disso. Funda- mentalmente, esta interrogação levaria à necessida- de e, ao mesmo tempo, à dificuldade, de transmitir para as novas gerações, os poderes institucionais, reais e simbólicos, que instauram e legitimam o po- lítico. Reflexo e espelho e ao mesmo tempo, ante- cipação do futuro, a juventude cristalizaria, a par- tir dos próprios pressupostos que fundamentam sua identidade e sua especificidade — entre outras coisas, a inocência da mocidade, a força de suas motiva- ções, a exigência das suas expectativas e de suas aspirações, ou ainda a necessidade de se tomar parte e se colocar na sociedade —, as condições da acei- tabilidade ou da rejeição do sistema político vigente. As constatações sobre a “crise da representa- ção política”, sobre a demanda crescente de uma “nova política”, assim como sobre a decomposição Jovens dos anos noventa À procura de uma política sem “rótulos” Anne Müxel Centre d’Étude de la Vie Politique Française (CNRS-FNSP) Tradução de Ines Rosa Bueno Publicado em: PERRINEAU, Pascal (org.). L’Engagement Politique: déclin ou mutation? Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1994. do sistema e a necessidade de sua “recomposição” são abundantes (Cevipof, 1990, J.-L. Missika, 1992). Os jovens, em primeira linha, sofreriam mais mar- cadamente, como um tipo de “espelho agigantador” (A. Percheron, 1991), os traços de uma política de aparência distorcida. Pois, as mesmas constatações tocam o conjunto da sociedade, todas as idades, todas as categorias de população. Não são novos (G. Vedel, 1926), mas têm indubitavelmente, hoje em dia, um relevo e uma acuidade, sobre a base da crise econômica, que não tinham há vinte anos atrás. Em relação aos jovens, faz uns trinta anos que os diagnósticos são mais ou menos otimistas, mais ou menos pessimistas de acordo com os momentos; eles frisam, um após outro, o retrato de uma gera- ção em revolta, engajada e politizada, nos anos ses- senta; depois “apática” e “despolitizada”no decor- rer dos anos setenta até os finais dos anos oitenta, um episódio marcado pelo recuo e a frieza antes do ressurgimento de uma geração “moral” na época do movimento colegial-estudante de 1986; e final- mente de uma juventude “realista”e “pragmática” que dominou em seguida até os dias de hoje. Em-

Jovens Dos Anos Noventa

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A procura de uma política sem rótulos

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  • Revista Brasileira de Educao 151

    Em todos os tempos e em todos os lugares, odiagnstico do relacionamento dos jovens com a po-ltica suscita de uma forma muito particular o in-teresse e a curiosidade, e solicita com abundnciaos discursos sbios assim como os discursos co-muns. O estado de sade de um sistema poltico ede uma organizao social depende disso. Funda-mentalmente, esta interrogao levaria necessida-de e, ao mesmo tempo, dificuldade, de transmitirpara as novas geraes, os poderes institucionais,reais e simblicos, que instauram e legitimam o po-ltico. Reflexo e espelho e ao mesmo tempo, ante-cipao do futuro, a juventude cristalizaria, a par-tir dos prprios pressupostos que fundamentam suaidentidade e sua especificidade entre outras coisas,a inocncia da mocidade, a fora de suas motiva-es, a exigncia das suas expectativas e de suasaspiraes, ou ainda a necessidade de se tomar partee se colocar na sociedade , as condies da acei-tabilidade ou da rejeio do sistema poltico vigente.

    As constataes sobre a crise da representa-o poltica, sobre a demanda crescente de umanova poltica, assim como sobre a decomposio

    Jovens dos anos noventa procura de uma poltica sem rtulos

    Anne MxelCentre dtude de la Vie Politique Franaise (CNRS-FNSP)

    Traduo de Ines Rosa BuenoPublicado em: PERRINEAU, Pascal (org.). LEngagement Politique: dclin ou mutation? Paris: Presses de laFondation Nationale des Sciences Politiques, 1994.

    do sistema e a necessidade de sua recomposioso abundantes (Cevipof, 1990, J.-L. Missika, 1992).Os jovens, em primeira linha, sofreriam mais mar-cadamente, como um tipo de espelho agigantador(A. Percheron, 1991), os traos de uma poltica deaparncia distorcida. Pois, as mesmas constataestocam o conjunto da sociedade, todas as idades,todas as categorias de populao. No so novos(G. Vedel, 1926), mas tm indubitavelmente, hojeem dia, um relevo e uma acuidade, sobre a base dacrise econmica, que no tinham h vinte anos atrs.

    Em relao aos jovens, faz uns trinta anos queos diagnsticos so mais ou menos otimistas, maisou menos pessimistas de acordo com os momentos;eles frisam, um aps outro, o retrato de uma gera-o em revolta, engajada e politizada, nos anos ses-senta; depois aptica e despolitizadano decor-rer dos anos setenta at os finais dos anos oitenta,um episdio marcado pelo recuo e a frieza antes doressurgimento de uma gerao moral na pocado movimento colegial-estudante de 1986; e final-mente de uma juventude realistae pragmticaque dominou em seguida at os dias de hoje. Em-

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    bora seja preciso tomar cuidado com generalizaese clichs que so a receita das manchetes de jornaisnesta rea, estas representaes sucessivas so in-dicadores, no s entre os jovens em questo, daqualidade dos laos entre os cidados e a polticaassim como dos interesses dominantes que esto emjogo na sociedade.

    Os jovens de quem falaremos, atravessaram,de certa forma, estas paisagens polticas. A maio-ria tendo nascido em 1968, quando da efervescnciarevolucionria que tocava a gerao de seus pais,assiste, no incio de sua adolescncia, profundamudana poltica que representa a chegada da es-querda ao poder. A apario progressiva, tecnolo-gicamente mgica como se costuma dizer dorosto de Mitterrand nas telas de televiso, a lem-brana mais frequentemente mobilizada na mem-ria poltica. Segundo as famlias, os prazeres e osmedos que se lhe sucederam, assim como o dia su-plementar de frias dado pelo presidente aos alu-nos, so objeto de muitas estrias e anedotas e for-necem uma primeira estruturao ao quadro de suasocializao poltica. De l para c, s conhecerama esquerda no poder, exceto no perodo de co-ha-bitao do qual guardam basicamente uma lem-brana de uma potencialidade de renovao pol-tica que no vingou.

    A sua entrada no cenrio poltico, para amaioria deles, inesperada: a greve no colgio emnovembro-dezembro 1986 e a experincia de umacomunidade de interesses intermediada pela primei-ra vez, pela poltica e, como pudemos observ-lo,no sem reticncia e ambigidade. Nesta correria,a oportunidade de seu primeiro voto dada quan-do da eleio presidencial de maio de 1988, etapainaugural de sua entrada oficial na poltica.

    Tal o contexto em que cresceram estes jovensde 23-24 anos de idade, assalariados, ainda estudan-tes ou na vspera de sua entrada na vida ativa. Serque as percepes das caractersticas do sistema po-ltico atual esto acompanhadas de representaes,seno novas, pelo menos diferentes, da poltica?Ser que os hbitos e os comportamentos at entovigentes so substituidos por exigncias e prticas

    prprias da gerao ascendente dos cidados dehoje?

    No quadro de uma pesquisa longitudinal quevimos realizando h cinco anos sobre as condiesda entrada na poltica de uma mesmo coorte de jo-vens (A. Mxel, 1990, 1992)1, coletamos umas trin-ta entrevistas aprofundadas, relatando, a partir defragmentos de histrias de vida, a diversidade desuas trajetrias sociais e familiares. Elas revelam ascondies de sua socializao poltica assim comoos mtodos de estruturao de sua identidade po-ltica nos tempos de juventude.2

    1 O perodo de observao fixado pelo protocolo dapesquisa quantitativa relativamente longo (entre 18 e 25anos, ou seja, por volta de sete anos), isto para apanhar asformas de passagem do estado de cidado de direito ao es-tado de cidado ativo. Ele permite seguir a evoluo dasprimeiras escolhas, medir sua durabilidade assim como suaestabilidae no tempo. At hoje, cinco levas de pesquisa fo-ram realizadas: novembro-dezembro 1986, maio 1988, mar-o 1989, maro 1992 e maro 1993. O painel constituidocontem hoje 11200 jovens de 23-24 anos, a maoria delesvivendo em regio parisiense, a metade deles assalariada eo resto estudantes.

    2 Os 31 jovens do painel com quem foram realizadasas entrevistas aprofundadas que representam o lado quali-tativo desta pesquisa foram escolhidos em funo de umcerto nmero de critrios pertinentes, em relao nossaproblemtica de anlise: critrios sociolgicos, para cobriruma diversidade de classes sociais, de nvel de estudos e desituao em relao ao emprego, mas tambm de critriospolticos tais como os seus niveis de interesse pela poltica,o tipo de orientao e de filiao partidria. A amostra sedivide em metade de estudantes e de assalariados em em-pregos mais ou menos estveis, morando na regio pari-siense. A entrevista tinha duas partes: uma primeira parteque solicitava uma histria de vida, visando estabelecer ascondies de sua insero social e de sua experincia exis-tencial do tempo de juventude, uma segunda parte centra-da nas atitudes e comportamentos diante da poltica, a partirde uma instruo no direcionada e muito ampla: Gosta-ria que falssemos do que a poltica representa para voc.

    Anne Mxel

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    A poltica desmascarada rejeio,distncia e perda de credibilidade

    A evocao da palavra poltica suscita, an-tes de qualquer outra perspectiva, imagens negati-vas. A rejeio da poltica, como se pode ver diaria-mente, vivamente expressa, os desvios dos homense das instituies so denunciados com a mesmafora de convico, tanto pelos estudantes comopelos assalariados, pelos jovens sejam eles diplo-mados ou no, de direita, de esquerda ou sem orien-tao poltica definida. A homogeneidade dos ar-gumentos impressionante. A constatao un-nime. A crise da representao poltica se impepelo seu carter evidente.

    Os discursos se alimentam de uma mesma bri-ga e tm como alvo um certo nmero de reivindi-caes que questionam a natureza das relaes en-tre o cidado de base com o mundo poltico. A po-ltica est posta prova dos fatos. A perda de cre-dibilidade das personalidades assim como das ins-tituies um elemento recorrente do conjunto dosdiscursos. Ela define uma argumentao principala partir de trs tipos de denncias:

    Primeiro, a das promessas no cumpridas pelaesquerda e do desencanto duramente sentido quese sucedeu, levando falncia, a prpria idia deeficcia ou de projeto polticos. Esta queixa, liga-da s prprias orientaes polticas do partido so-cialista, no vem apenas dos simpatizantes da es-querda, mas manifesta tambm nos discursos dosjovens que se colocam direita ou se situam forade quaisquer amarras partidrias. Como se esta re-trica do desencanto servisse para alimentar a sus-peita de mentira da qual a poltica to frequente-mente acusada e para manter um relacionamentodesiludido e distanciado para com esta: As pessoasforam ludibriadas, normal que hoje, elas sintamum certo desdm ou prometer coisas sabendo queno se poder cumpr-las, intil ou ainda Querseja um governo ou outro, nada mudou, voltamcomo leitmotivs nos discursos; as brigas politi-queiras despojam a poltica de seus contedos e deseus projetos. Por isto mesmo, esta se encontra re-

    duzida ao jogo das divises internas, das alianase dos oportunismos, cada vez mais complicados pa-ra se compreender e decodificar. As maracutaiasfinanceiras, alm das ambies pessoais e os arri-vismos de todos os tipos dos polticos, condenamqualquer perspectiva de autenticidade poltica. Apoltica domnio das pessoas sem escrpulos, dosfantoches e do dinheiro, no inspira um senti-mento de aprovao. Como disse um dos nossosentrevistados: H mais respeito em uma luta deboxe do que na poltica!

    Finalmente, os escndalos polticos e financei-ros que agitaram o pas nestes ltimos anos exacer-baram, muito particularmente, a perda de confianados cidados para com estes representantes e contri-buiram fortemente para uma impresso de nojo.

    Esta perda generalizada de credibilidade esta-belece um tipo de ruptura nos laos que podem uniros jovens ao mundo poltico. Este percebido comoum mundo paraleloque suscita cada vez mais in-compreenso e em relao ao qual eles tm cada vezmais dificuldade de se identificar e se situar.

    A ruptura denunciada em vrios nveis.A prpria classe poltica responsvel por essa

    situao. Os polticos no so suficientemente pr-ximos dos problemas concretos das pessoas e sosuspeitos, por causa dos privilgios de que dispem,de nem poder compreender e apreend-los. Umaruptura entre dois mundos: Temos a impressoque o mundo poltico um mundo que no o mun-do em que vivemos, disse um. Eles governam pa-ra eles mesmos sem pensar nas consequncias queesta situao pode provocar, diz um outro.

    Alm disso, o jovens tm o sentimento de dis-por de poucas chaves para compreender a atual si-tuao poltica. A sofisticao dos debates e dasclivagens polticas, cultivada pela mediatizao dosshows polticos, mantm uma impresso de confu-so. A poltica mal explicada, mal relatada e por-tanto mal-compreendida, disse uma estudante; ouainda esta: No entendo bem o que eles querem,no entendo bem o que eles dizem. Em relao poltica, eu me sinto pequenininha. Este senti-mento de uma competncia poltica falimentar

    Jovens dos anos noventa

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    amplamente difundido. sem dvida, mais o refle-xo da complexificao dos interesses polticos doque uma diminuio do conhecimento poltico emsi3. preciso fazer um esforo para seguir, se man-ter a par e no h nada particularmente motivadorpara faz-lo.

    Acrescente-se a isto a impostura denunciadapor alguns de uma poltica cada vez mais pr-fa-bricada obedecendo lgica do marketing e daquota de popularidade nas pesquisas de opinio.Um estudante, em uma seo comercial de um IUT(Institut Universitaire de Technologie), declara terse distanciado da poltica depois de um curso decomunicao que apresenta as tcnicas de fabrica-o dos discursos dos polticos.

    Finalmente, esta poltica distante e exclu-dente desemboca no sentimento de uma impotn-cia, de uma ausncia de controle, de domnio sobrea realidade poltica assim como sobre as decisesdos governantes. O dia a dia das pessoas se tece foradas polticas e, por outro lado, a poltica vive parasi mesma, fechada em suas prprias lgicas, comouma torre de marfim superprotegida.

    So s faladores, uma elite que entra na pol-

    tica. Ns, nos matamos dando um duro. Quando a

    gente v os teletons na tev, eu acho genial que todo

    o mundo se mobilize. Mas isso vem dos governantes,

    eles esto muito longe, eles pensam demais em suas

    viagens, em suas quotas de popularidade. (jovem subs-

    tituto, expert em contabilidade)

    ltimo tipo de constatao para fechar estedignstico: no menos em termos polticos do queem termos econmicos que se jogam os verdadei-ros interesses da sociedade. A primazia da econo-mia, a construo europia, a mundializao dosproblemas, as leis da finana internacional relati-vizam de fato a autonomia do poltico e seus meiosde ao. A poltica seria um disfarce, as idias,

    o que se coloca na frente para esconder o dinhei-ro, estando a realidade na vida econmica, e maisgeralmente, no trabalho das pessoas mesmas. Semesquecer o trabalho cientfico, tecnolgico... a po-ltica irreal em relao a tudo isto.

    O conjunto deste discurso de negao da po-ltica, com eventuais acentos de protesto, no for-osamente novo. Em outros tempos, em outras ins-tncias, os argumentos aqui usados serviram de re-trica para outros tipos de discurso a certas corpo-raes profissionais conhecidas pelas suas visesreivindicatrias, como por exemplo, os artesos eos pequenos comerciantes (Mayer, 1986) ou aindapara movimentos polticos tradicionalmente anar-quizantes ou contestatrios.

    Mas o que indubitavelmente novo em rela-o a tempos idos encontr-los partilhados de for-ma to consensual pelas classes de idade mais novas,e em uma interpretao to unvoca. A poltica,como percebida e julgada hoje em dia no evocaimagens positivas e poucas apreciaes nuanadas.

    Da parte dos novos eleitores, os adultos deamanh, a constatao no andina. Desiludidae cnica antes da idade, ser que a viso da polticados jovens deve permanecer nesse patamar? Em con-traponto a um questionamento to radical e todesesperado, ser que encontramos sugestes e atmesmo referentes sobre o que deveria ser a polti-ca? Dito de outra maneira, se eles desconstrem, oque iro eles reconstruir no lugar?

    Em busca de um novo repertrio poltico

    Quando esta mesma pergunta lhes dirigida,o pessimismo rigoroso sobre a eficcia e a legitimi-dade da poltica atual difere singularmente das ex-pectativas fortes e ambiciosas que se expressampara com ela. Esta gerao crtica da poltica e, en-tretanto, dificilmente suspeita de irrealismo, nodesistiu de sua panplia de iluses. A lista dos re-mdios est feita, no sem algum surto de idealis-mo nas expectativas da poltica. L se percebe no-tadamente a confirmao de certas predies sobrea evoluo da participao poltica, sobre a emer-

    3 Os trabalhos de Annick Percheron (1989, 1991) mos-traram um crescimento dos conhecimentos polticos ds crian-as e dos jovens nesses vinte ltimos anos.

    Anne Mxel

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    gncia de novas formas de cidadania e sobre a di-versificao dos modos de ao da poltica. Reco-nhece-se neles valores ps-materialistas, estabele-cendo um lao muito direto com novos imperati-vos morais, e implicando, por novos interesses, oindivduo na coletividade (H. Barnes, M. Kaase etal. 1979, R. Inglehart, 1977, 1990).

    Previamente, a necessidade de uma moraliza-o da poltica se impe: a necessidade de transpa-rncia, uma glasnost que seria aplicada a nossopas, a emergncia de se encontrar uma dignida-de no debate poltico, e at mesmo uma objetivi-dade nos dossis tratados, de dar uma impressode verdade, e mais profundidade, mais amor,tantas expresses da vontade dos jovens de depu-rar a poltica para se reconciliar com ela e voltar alhe devolver a sua credibilidade e legitimidade. Aeducao muitas vezes invocada, notadamente porvia da instruo cvica ou mesmo das aulas de moralna escola, citadas em exemplos do passado, comoos avalistas e substitutos na transmisso de um certonmero de marcas e de referncias a servio, mes-mo indiretamente, do poltico. Como disse um de-les, s vsperas de se tornar professor em um colgio:

    A poltica, para que funcione, preciso que as

    pessoas tenham respeito (...). Podemos chegar a mui-

    to mais coisas com a educao, a cultura. A poltica

    muitas vezes bloqueada por contingncias materiais

    da economia.

    Outros recursos podem ser usados para ali-mentar e substituir a atividade poltica, por exem-plo, a arte e a cultura: Os polticos no podemresponder a todas as expectativas. H pessoas querespondem muito mais nos seus escritos, feitos, can-es, no que se cria. Uma melhor comunicaoentre as pessoas, uma melhor difuso da informa-o fazem, tambm, parte das novas expectativasem relao ao poltico.

    Vem em seguida a necessidade de uma recon-ciliao entre os imperativos econmicos e os impe-rativos comandados por aquilo que poderiamos de-finir como um humanismo de bom senso. A pol-tica seria a interface destes dois tipos de exigncia,

    e assim mesmo constituiria um tipo de esqueletomoral da sociedade, levantando o desafio de pen-sar nas pessoas e na economia ao mesmo tempo.

    O programa ambicioso. Para aplic-lo, asidias, os projetos devem se abrigar novamente apoltica, dando-lhe substncia. Mas no se tratamais das idias polticas de antigamente, sustenta-das pelas clivagens ideolgicas tradicionais e poramarras partidrias que delas decorriam. Agora, preciso convergir antes que divergir, se unir antesque se diferenciar. Tal poderia ser a palavra deordem de uma nova tica poltica. Os rtulos sorejeitados no somente em nome da sua obsoles-cncia, mas tambm porque so fatores que alimen-tam as brigas e impasses e dos quais os jovens que-rem livrar o sistema poltico. As idias so des-ideologizadas em nome da eficcia e da competn-cia polticas. A caricatura desta nova ordem polti-ca est contida nas seguintes palavras:

    A poltica, deveria criar um ambiente para tirar

    idias de tudo quanto lugar para poder fazer avan-

    ar. Eu vejo a poltica um pouco assim, um pouco

    como uma empresa que tem um patro e que vai se

    cercando de colaboradores e de empregados que, cada

    um na sua individualidade e seu trabalho, vai permi-

    tir e fazer progredir seu objetivo, atingir sua meta.

    preciso apelar mais para a competncia epara a boa vontade do que para a ideologia poltica.

    Finalmente, um reforo da democracia direta muito vivamente reclamado, o que confirma anecessidade de aproximao entre o mundo polti-co e a populao. Os cidados devem ser consulta-dos, levados em conta nas decises: Eu sou a fa-vor das pessoas tomarem conta delas mesmas. preciso que reflitam sobre os problemas da socie-dade.A idia de uma poltica interativa est emi-tida, assim como da propaganda que deve encon-trar novas lgicas de comunicao, instaurando umareapropriao pelo consumidor da base das suasmensagens, alm de levar em conta aquelas que elepode emitir em retorno: Outro dia, Sguela diziaque o futuro da propaganda era a propaganda in-terativa. exatamente o que penso da poltica: per-

    Jovens dos anos noventa

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    mitir a volta de uma opinio vai fazer evoluir ascoisas, explica um jovem adido comercial. Um es-pao poltico concebido como grandes orelhasonde se expressariam ao mesmo tempo que seriamcanalizadas todas as tendncias da sociedade. Re-sumindo, a poltica serviria o sonho de uma comu-nicao verdadeira entre todos e entre todas, os do-minantes e os dominados, em nvel local ou em es-cala planetria, no respeito s diferenas das cultu-ras e das individualidades.

    Esta viso de um espao poltico ampliado, emi-nentemente democrtico, reapropriado e habitadopor uma diversidade de tendncias e de interesses,pe em causa a dimenso elitista da poltica, de seusatores, assim como dos seus modos de ao4. Supeuma intensificao da participao, cada vez maisorientada por aes pontuais e objetivadas, de acor-do com os interesses especficos de certos grupos,certas categorias sociais, ou at mesmo em funode comunidades de interesses individuais5.

    O nvel de exigncia que transparece neste re-pertrio das expectativas em relao poltica estalto. Ele mobiliza referentes de alto nvel e lan-a mo dos imperativos que anunciam talvez as con-dies de emergncia de uma nova moral polti-ca: dignidade e transparncia, coeso antes quecoero, unidade e respeito das diferenas, comu-nicao e reforo da democracia, tantas palavras deordem que, por detrs de seu idealismo aparente,redefinem as condies de restaurao entre os jo-vens cidados e a poltica.

    A nebulosa esquerda-direita:formas vazias de filiao

    As pesquisas de opino revelavam, h dez anos,um aumento bastante importante do nmero de pes-soas para quem a distino entre esquerda e direitano fazia mais tanto sentido. Em 1991, 55% dosfranceses estimavam que a distino esquerda-direitaest ultrapassada para julgar as tomadas de posiopoltica, em 1981, s 33% aqueles que comparti-lhavam da mesma opinio; perto de um tero da popu-lao (30%) se recusa hoje, a se colocar entre a es-querda e a direita; em 1981, a proporo s era de20% (R. Cayrol, 1992). Esta evoluo acontece nosentido de uma menor legibilidade das clivagens entrea esquerda e a direita e de um recuo do sentimentode pertencimento. Resta saber entre a maioria dosque se posicionam, o sentido e o significado de seuposicionamento. Os trabalhos de Guy Michelat mos-tram que a existncia de uma coerncia e de umacorrespondncia entre as posies no eixo esquerda-direita e as dimenses do universo sciopoltico per-manecem globalmente verificadas (G. Michelat, 1990).Ser isto vlido, mesmo entre os mais novos, cujosreferentes nesta rea no podem ser to estruturadosquanto os das geraes anteriores? S tendo conhe-cido a esquerda no poder, alm de se tratar de umaesquerda cujas distines prprias foram se confun-dindo, quais referncias podero eles mobilizar?

    A contribuio das entrevistas qualitativas per-mite levar um pouco mais adiante esta reflexo erevela constataes onde se misturam confuso eparadoxos.

    Todos os jovens que interrogamos exceto umadotam uma classificao na escala esquerda-direi-ta6. Mas se as identificaes esquerda ou direi-

    4 Citaremos Max Kaase e Samuel H. Barnes (1979)que, na concluso de sua obra, fazem a seguinte observa-o: No futuro, as posies sociais das elites vo se tornarcada vez menos permanentes, hierrquicas e abrangentes (...)crescentemene variveis e pluralistas. Tomadas de decisose tornaro mais difceis em razo da participao amplia-da dos cidados (p. 531). (Traduo do revisor)

    5 Ronald Inglehart (1990) prev uma mudana dosmodos de participao poltica: um declnio da mobilizaopoltica dirigida pelas elites e um crescimento de gruposorientados por questes contestatrias(p. 6). (Traduo dorevisor)

    6 Na escala esquerda-direita em sete pontos, partin-do da esquerda para a direita, contamos as classificaesseguintes no seio de nossa amostra: dois jovens se colocamna posio 2, dois entre as posies 2 e 3, cinco na posio3, sete na casa central, trs entre as posies 4 e 5, cinco naposio 5 e trs na posio 6. bom observar que as casasnos extremos nunca so ocupadas.

    Anne Mxel

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    ta sempre acontecem (A. Mxel, 1992), elas pare-cem funcionar como formas vazias de filiao, o queresume muito bem um deles (sou de direita por-que sou contra a esquerda), mas sem poder ir mui-to longe em sua argumentao, nem mesmo com-preeender realmente as razes de sua escolha; osdiscursos que elas suscitam s encontram poucasreferncias slidas na prpria realidade da relaode foras polticas, para reconhecer o que os dife-rencia. A observao seguinte exemplar: Muitacoisa est acontecendo, a situao est muito ins-tvel. Por enquanto at eles esto perdidos; conoscoento, no adianta.

    Este sentimento de diluio das referncias compartilhado, quer se esteja reconhecidamente filia-do esquerda ou direita. Alis, esta viso emba-ada e turva das clivagens ideolgicas no aparecemais marcadamente naqueles que no confessamnenhuma filiao particular (os que se colocam naposio central da escala, por exemplo) do que entreos jovens cuja orientao mais determinada.

    Neste marasmo geral, apenas algumas refern-cias mnimas continuam sendo usadas para delimi-tar a esquerda e a direita. Para a primeira so re-servados o campo da ao social, uma aceitaomais popular, a instaurao de mais igualdade, otomar partido das pessoas comuns e a defesa dospobres. Concebida como mais indulgente, maisconciliante, tambm suspeita de impostura: serde esquerda e viver em bairros bonitos, no sei seisso possvel, disse um deles. Geralmente as re-presentaes da esquerda no vo alm da lembran-a destes poucos princpios, exceto alguns raros in-divduos mais engajados que evocam com f a mis-so social que cabe a eles. Por seu lado, a direita associada ao liberalismo, ao capitalismo a palavra ainda usada , ordem e performanceeconmica. Os interesses polticos da direita dizemrespeito sobretudo ao pas e a situao econmica,enquanto que os interesses polticos da esquerda somais percebidos como, prioritariamente, tocantesaos indivduos e suas condies de vida.

    Apesar das diferenas apontadas graas in-sistncia muito particular do entrevistador, os dis-

    cursos permanecem, no conjunto, espantosamentepobres sobre este assunto. H uns vinte anos atrs,no quadro de uma pesquisa similar, teriamos apa-rentemente encontrado discursos mais estruturadosideologicamente, e coletado pedaos inteiros de re-trica doutrinria ou profisses de f polticas. Semdvida, no entre todos, mas certamente de alguns.Hoje em dia, a ausncia total deste tipo de discur-so reveladora da mudana que ocorreu. As pala-vras desta jovem simpatizante comunista, a maisengajada da nossa amostra, dispensam comentrios:Sou comunista com referncias capitalistas. Osdiscursos polticos no so, em absoluto, a receita,da base ao cume da pirmide poltica!

    Se a esquerda e a direita so muitas das vezescolocadas no mesmo p de igualdade, com a suacredibilidade recproca posta em perigo, e seus per-tencimentos fragilizados, em contrapartida, as ni-cas verdadeiras balizas que delimitam o campo pol-tico, facilmente identificveis e identificadas pelosjovens, so os extremos. Extremos contra os quais preciso se garantir e se proteger, mas extremos dosquais eles tm a impresso que so as nicas posi-es polticas a partir das quais se estrutura o de-bate poltico atual. A Frente Nacional (Front Na-tional), por exemplo, desempenha nisto um papelde repelente, claro, mas um papel muito eficaz naconstruo da identidade poltica dos jovens de hojeem dia, nica referncia forte em relao qual elespodem se situar e existe uma posio real a tomar7.

    Alm destes extremos, que muitas vezes de-signam para eles, o limiar de perigo poltico euma exposio da democracia ao perigo, a confu-so reina. A distino entre a esquerda e a direita,embora sempre suscite a idia de dois campos opos-tos, mas de uma maneira formal ou virtual do quereal, com uma barragementre os dois, no maisreivindicada. Entretanto, ela instrumentalizadaem um duplo discurso relativamente ambguo econtraditrio. A interpretao que se d do apagar

    7 Reportar-se contribuio de Nonna Mayer: Amobilizao anti-Front National, infra.

    Jovens dos anos noventa

  • 158 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N 6

    das marcas ideolgicas esquerda-direita revela umtipo de duplo constrangimento em que seu racio-cnio est envolvido maneira do sistema dou-ble bind descrito pelos interacionistas sistmicosamericanos8 , colocando o indivduo diante daimpossibilidade de responder a duas injunescontraditrias.

    De um lado, por detrs das suas palavras, sesubentende uma demanda por clarificao dos in-teresses reais da poltica. Eles sentem falta de umtipo de idade mtica ultrapassada em que as refe-rncias existiam e onde lhes parecia forosamentemais fcil se determinar e decodificar as lgicaspolticas:

    Mesmo que eu no tenha vivido e que tenha,

    portanto, dificuldade para falar a respeito, eu acredi-

    to que em termos histricos, havia realmente mais

    disparidades. Hoje em dia, a gente v como a poltica

    se define: a gente vai esquerda, a gente vai direita,

    a gente vira e depois v no que que d!

    Por outro lado, a rejeio do conflito, a pri-mazia da eficcia e da competnca objetiva sobreas querelas ideolgicas, tornam possvel a crenanesta evoluo. Se, em um primeiro momento, o de-sejo do consenso se imps por meio das prpriascircunstncias da conjuntura poltica, ele designatambm hoje em dia, segundo eles, uma verdadei-ra via de reconstruo do poltico.

    Ainda existem diferenas entre a esquerda e a

    direita. Eu no digo que isto algo desejvel. Se isto

    pode se nivelar, bom. Chegaremos l.

    Ou ainda:

    No vejo a poltica como uma separao: a es-

    querda, a direita e o centro. So todos homens que

    fazem alguma coisa e eu os julgo mais pelos seus atos

    do que pelas filiaes polticas.

    As expectativas em relao poltica pedemportanto, ao mesmo tempo, uma maior legibilidadede seus contedos e de suas referncias e a anula-o da dependncia destes ltimos em relao sgrandes clivagens polticas tradicionais. Um duploconstrangimento difcil de se reconciliar, a no serpor uma total redistribuio das cartas polticas, eisto, com o risco de perder a prpria essncia dapoltica.

    A vontade geral de consenso revela uma evo-luo profunda da cultura poltica no sentido, aomesmo tempo, de uma homogeneizao de suas ex-pectativas e de uma diversificao de seus interes-ses. Como o disse um deles, que acaba de conseguirum diploma comercial: preciso estar no centrodas idias. Tomar o que h de bom esquerda e direita, por todos os lados, e fazer um conjunto queseja o mais homogneo possvel, que possa fazeravanar. As clivagens polticas se estabelecem do-ravante menos no conflito entre as classes ou osgrupos sociais, arbitrados at ento pelos partidostradicionais de direita e de esquerda.

    Um jovem estudante de direito, eleitor do PSou dos comunistas renovadores e que reivindicaporm, um engajamento quase militante, na alamais esquerda da movimentao socialista, decla-ra assim:

    No se pode mais cair na facilidade de pensar

    que as coisas caridosas so o apangio da esquerda e

    que o patriotismo intransigente o apangio da direi-

    ta. Chevnement mostra que o patriotismo pode ser

    de esquerda. Balladur mostrou que ele podia ser so-

    cial sendo de direita.

    Novos valores fundamentam outras clivagensa respeito das quais as palavras de ordem tradicio-nais no funcionam mais. O desejo de autonomiaindividual vem se interpor entre a demanda de con-trole e de planejamento do Estado e a economia demercado, fiadora da liberdade, e isto quaisquer quesejam as filiaes polticas (R. Inglehart, 1990). Ailustrao que prope um jovem estudante das Be-las-Artes, sem filiao poltica definida, deste pon-to de vista, eloqente:

    8 Reportar-se aos trabalhos da escola de Palo Alto,apresentados na obra, dirigido por Paul Watzlawick e JohnWeakland (1977).

    Anne Mxel

  • Revista Brasileira de Educao 159

    Se eu jogar na raspadinha e ganhar 1 milho, eu

    vou votar para uma poltica que conserve meu milho:

    a direita. Por outro lado, se eu trabalhar e o meu pa-

    tro se esquecer de me pagar 1000F, eu vou votar para

    a poltica que vai recuperar estes 1000F.

    Neste caso, mesmo que a esquerda e a direitaestejam bem diferenciadas, podemos, no obstante,duvidar de sua capacidade para fixar amarras fiise duradouras a partir de uma concepo dessas.

    Nesta nebulosa esquerda-direita, como queso, ento, arbitradas as escolhas eleitorais? Nestecontexto, o que significa o voto dos recm chega-dos na poltica? A partir de que dados, de que in-fluncias, os jovens se determinam para decidir assuas escolhas?

    Trajetrias de voto: moderato cantabile

    A memria eleitoral parece espantosamentefraca. Se a eleio presidencial de maio 1988, querepresenta o primeiro voto da maioria dos jovensinterrogados, constitui a referncia mais confivel,as outras eleies so dificilmente citadas e preci-sam da interveno do entrevistador para que se-jam lembrados os interesses e o contexto da po-ca. O perodo , entretanto, curto, cinco anos, ecobre seis eleies9.

    Esta falha de memria destoa da importnciaque a maioria dos jovens d ao direito de votar:Mas mesmo que precise votar em branco, semprevotarei. Tem pases onde se briga para conseguir ovoto. Ns temos este direito mas ao invs de apro-veit-lo, ns no estamos nem a. Francamente, ficodanado quando sei que algum vai ser eleito com70% dos votos. A considerao que eles do aodireito de voto se reveste de uma dimenso simb-

    lica particular: o fato de votar, de expressar a legi-timidade de suas escolhas, considerado como umapassagem significativa para a entrada na vida deadulto (A. Mxel, 1990). O primeiro voto mui-tas vezes investido de um entusiasmo e de um sen-timento de poder: Era excitante se encontrar nomeio dos adultos. A gente se sente inserido com aspessoas que votam pelo mesmo candidato. A gen-te se sente integrado na sociedade. At os que sedeclaram abstencionistas ou desistiram da polticademostram muitas vezes um sentimento de trair umdireito e tambm um dever.

    Deste calendrio eleitoral retraado passo apasso, se revelam vrios itinerrios, nem semprefceis de serem decifrados e interpretados. Elespermitem entender um certo nmero de configura-es reveladoras do relacionamento dos jovens coma poltica, e de sua evoluo nos ltimos quatroanos, isto , desde a reeleio de Franois Mitte-rand em 1988.

    Mesmo que as escolhas no se confirmem sem-pre com muita convico, mais de um tero dosjovens se destacam por um comportamento relativa-mente constante no seio de uma constelao polticadeterminada. Entre eles, as poucas flutuaes obser-vadas permanecem moderadas e se explicam sobre-tudo pelas condies da oferta poltica ou pela ten-tao de uma hora para outra pelo voto ecologista.

    Entretanto, mesmo no caso destas trajetriase votos, cuja sucesso das escolhas expressa umacerta determinao assim como uma relativa esta-bilidade, a eventualidade de uma mudana de cam-po se torna possvel. Quando as filiaes so reco-nhecidas, elas s raramente revestem um carterdefinitivo. A abertura, a fluidez da adeso, e sobre-tudo o livre arbtrio permanecem as condies deexpresso das escolhas polticas, at entre os jovenscujas orientaes ideolgicas so mais definidas.

    Dois outros tipos de trajeto so particularmen-te significativos da sensibilidade eleitoral atual.

    O primeiro, mais ou menos um quarto dos jo-vens entrevistados, resulta de um tipo de partici-pao negativa. Ele junta os abstencionistas, maisou menos constantes, mas tambm os votos bran-

    9 Eleio presidencial de maio 1988, as eleies legis-lativas de junho de1988, o referendo para a Nova-Caledniade outubro de 1988, as eleies municipais de maro de1989, as eleies europias de junho de 1989, e finalmenteas eleies regionais e cantonais de maro de 1992.

    Jovens dos anos noventa

  • 160 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N 6

    cos e as desfiliaes progressivas ao sabor do inte-resse eleitoral. Os abstencionistas constantes soraros e so, de fato, os mais afastados. Mas, h umaoutra famlia de abstencionistas que parece se im-por mais ainda. Nela se expressa uma desfiliaorecente e progressiva da poltica. A inconstncia dovoto resulta muitas vezes da desiluso e do desen-canto em relao esquerda. Ela traduz uma ver-dadeira impossibilidade de saber onde se situar ecomo se sentir novamente envolvido. De cansei-ra, nada se mexe. Eles resolvem os seus problemasentre eles mesmos, eu no me sinto envolvida. Mes-mo que eles administrem o pas onde moro, no mesinto, de maneira alguma, envolvida declara umajovem secretria que votou em Mitterrand no pri-meiro turno da eleio presidencial de 1988 e de-pois no votou mais. Um outro que trabalha cominformtica e votou muitas vezes no PS reconhece,hoje, ter desistido:

    Eu tinha escolhido o Mitterrand porque estava

    um pouco exaltado, o socialismo, a rosa. (...) E depois,

    sempre o mesmo contexto. L, se eu tivesse que vo-

    tar, me absteria. A menos que eu volte decididamen-

    te a ler as notcias e isto me interessar. Mas j que no

    o caso, me sentiria burro de ir votar estupidamente

    nos socialistas.

    E muito menos votar na direita como ele fazquesto de frisar.

    Os votos em branco participam de uma mes-ma lgica. Porm, eles parecem mais investidos desentido por seus usurios. Eles respondem a umapreocupao de se expressar, mas sem tomar po-sio, e a uma vontade de exercer uma pressopoltica. O voto em branco a minha maneira dedizer: no acredito em Sicrano, no acredito emBeltrano, mas eu acredito em alguma coisa, afir-ma um jovem adido comercial. Eles so mais oumenos sistemticos e so mobilizados de forma in-termitente com outros votos: Eu voto na direita ouem branco, Eu voto na esquerda ou em brancoso observaes que sempre voltam na descriodos itinerrios.

    O segundo tipo de trajetria revela uma fra-

    gilidade das identitificaes partidrias, uma verda-deira instabilidade das escolhas e uma mobilidadedos votos, mais ou menos sistematizadas e racionali-zadas. Na amostra, um jovem em trs ultrapassa nomomento de seus votos, a famosa barragem es-querda-direita na adeso aos candidatos. Esta mo-bilidade se apresenta de duas maneiras que no tmexatamente o mesmo alcance poltico.

    Primeiro caso de destaque, a mobilidade ob-servada aparenta mais uma flutuao ligada atra-o de certas polticas na movimentao do centro(entre outros, Raymond Barre, Michel Noir, ou Si-mone Veil...) do que uma verdadeira instabilidade.Ela em geral acompanhada de identificaes par-tidrias seno pouco afirmadas, mas pelo menosrelativamente flexveis. Prioridade talvez dada, emum momento ou em outro, s qualidades pessoaisde um candidato acima das orientaes ideolgicasou partidrias habitualmente expressas pelo indi-vduo. Assim, este entrevistado que votou muitomais vezes na esquerda, mas tambm votou nos eco-logistas,e Simone Veil nas eleies europias pelassuas qualidades pessoais e polticas:

    Quando votamos, para expressar alguma coi-

    sa. Votei na Simone Veil, no era bem no partido dela,

    era nela, para lhe dar voz. H medidas que ela tomou

    que eu gosto. uma boa mulher daquelas que a gen-

    te no v muito na poltica.

    Ou este outro que costuma votar no PS, masque, nas municipais, deu seu voto a Jacques Tou-bon: Embora tenha afinidades com a esquerda,no por causa disso que vou questionar todo otrabalho que ele fez. Na anlise quantitativa, fei-ta com a coorte que seguimos h cinco anos, sobrea mobilidade das posies na escala esquerda-direitaem sete pontos ao longo dos ciclos de pesquisa, sencontramos um nmero muito restrito de passa-gens entre a esquerda e a direita (4%). Em compen-sao, contabilizamos um nmero muito importan-te de hesitantes (36%) que se caraterizam por umflutuamento de suas posies devido escolha in-termitente na casa central. De acordo com as eta-pas da enquete, estes hesitantes se colocam alterna-

    Anne Mxel

  • Revista Brasileira de Educao 161

    damente no centro e em uma posio de esquerdaou de direita, sem por isso ultrapassar a barreira quesepara os dois campos, representada pela posiocentral (Mxel,1992).

    O outro tipo de mobilidade aparece menos fre-qentemente mas se mostra mais radical. Ela tema ver com voto estratgico ou racional(P. Ha-bert, A. Lancelot, 1988) que j no depende estrei-tamente, como no passado, das determinaes so-ciolgicas do eleitor, das variveis ditas pesadas,e questiona na sua prpria lgica, a idia de iden-tificao e de laos partidrios. O caso do jovemestudante citado anteriormente, discutindo com umraciocnio puramente individualista e oportunistaas vantagens respectivas da esquerda ou da direitade acordo com um milho que ele pode ganhar naloto ou um litgio qualquer com seu patro, bemilustrativo como exemplo. Neste caso de destaque,a arbitragem dos votos se faz, em primeiro lugar, apartir das circunstncias e dos interesses da vidapessoal. Alm disso, este tipo de comportamentoeleitoral fica fortemente submetido influncia tan-to da conjuntura como da oferta poltica.

    Certas trajetrias aparecem espantosamentemovimentadas. Assim, esta jovem secretria quevotou FN, no primeiro turno da eleio presiden-cial de 1988, F. Mitterrand no segundo turno, FNnas europias e ecologista nas municipais, e quetodavia, declara: duro ir votar, no algo quese faz levianamente, no s um nome que se co-loca de um envelope, so tambm as idias em queacreditamos.

    Tanto um como outro destes exemplos noslevam dimenso protestatria do voto que tam-bm explica este tipo de comportamento eleitoral.A maneira como o voto Le Pen pode ser utilizadoe argumentado , deste ponto de vista, significati-va. Cinco jovens declaram ter votado pelo menosuma vez em Le Pen, e no discurso de alguns outros,geralmente prximos da direita, ou entre jovensque, decepcionados com a esquerda, passaram direita, a eventualidade de faz-lo um dia no to-talmente excluda. A tentao do voto Le Pen, quan-do ela surge nos discursos, enuncia um tipo de exor-

    cizao do sentimento de mal-estar que se sente tan-to para com a poltica quanto para com a socieda-de em seu conjunto. Se ele funciona para muitoscomo referncia-repelente, ele pode tambm susci-tar a atrao da travessia do proibido, e at mes-mo do perigo, para amedrontar, amedront-los(subentendido o resto da classe poltica). Ele podeser instrumentalizado como uma ferramenta de con-testao, para fazer mudar as referncias e os inte-resses da poltica, para agit-la, em nome da mo-ralizao, da transparncia, e da busca por eficciato reclamadas hoje em dia. O falar-franco de JeanMarie Le Pen, sua coragem para dizer o que osoutros no querem dizer, sua vontade de tratar osreais problemas podem ser considerados por umbom nmero deles (cinco ou seis) como qualidades,embora o espectro do extremismo de direita ou doracismo seja assim mesmo rejeitado. Nos jovenscujas orientaes polticas so pouco fixadas, ou emquem o sentimento em relao poltica parti-cularmente desabusado, isto pode representar umaatrao.

    A decalagem aparente que pode ser observa-da entre, por um lado, a permanncia das classifi-caes na escala esquerda-direita, assim como ofraco nmero, em nvel da coorte, das travessias debarreira mostrada pela posio central entre os doiscampos e, por outro lado, a relativa mobilidade dastrajetrias de votos, significativa da perda de subs-tncia e de contedo das identificaes que acon-tecem esquerda e direita. Formas vazias de filia-o, tais como ns descrevem-las anteriormente,toda a latitude do jogo eleitoral pode se afundarnelas.

    O engajamento poltico, conscincia planetria,e estratgia dos pequenos passos

    Apesar do mal-estar do marasmo poltico e dainstalao de uma morosidade ambiente quanto sesperanas de mudana na sociedade, apesar da di-fuso da ideologia da renncia e do egoismo dafatalidade, a expresso foi encontrada por umdos nossos entrevistados , que parecem afetar

    Jovens dos anos noventa

  • 162 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N 6

    todo o mundo, os discursos dos jovens sobre o en-gajamento poltico revela uma vontade de implica-o e um grau de conscincia espantosos. certoque com bemis e nuances, e sobretudo invocandouma concepo do engajamento que j no tem maismuito a ver com os usos militantes do passado. Masnada deixa transparecer nas suas palavras um re-cuo do terreno de ao poltica. No a ao polti-ca que seria levada no quadro institucional dos par-tidos, mas uma ao poltica com P maisculo,como dizem, o que que significa, atacar por meiosconcretos os verdadeiros problemas, os do diaa dia e tambm os que dizem respeito sociedadeem escala planetria. Eles no acreditam na possi-bilidade de grandes mudanas e medem os limitesde eficcia das aes que eles poderiam realizar suaaltura. Eles desenvolvem uma outra viso da mu-dana social, ao mesmo tempo mais modesta e maisrealista, e imaginam a generalizao e a multiplica-o de pequenas aes, uma ampliao de um en-gajamento artesanal, segundo os meios e as von-tades de cada um, um avano por passinhos. Nose trata de mudar o mundo, mas de to somentemelhorar as coisas. Nem pensar ser revoltados,anarquistas ou utopistas, mas tambm, mui-to menos se desengajar, se desligar de uma obri-gao de conscincia, e talvez de um dever de soli-dariedade que correspondem bastante bem defi-nio que Gilles Lipovetsky d para cidadania pla-netria. Esta ltima enunciar-se-ia de um tipo detica de sntese que reconcilia ecologia e economia,moral e eficcia, qualidade e crescimento, nature-za e proveito(G. Lipovetsky, 1992, p. 227).

    O engajamento poltico, como ele concebi-do hoje em dia, se constri a partir de um discursode dupla voz: a de um idealismo, sempre ativo, nemque seja atravs da obrigao de conscincia, e a queinspira o realismo e a renncia, tamanha a comple-xidade e a amplitude dos problemas que parecemde difcil resoluo. Mas no fundo, h pouco lugarnisso para o recuo individualista. O engajamen-to deve se fazer fora das cores polticas. A recusadas etiquetas, o medo da arregimentao, do as-sujeitamento, e de toda restrio liberdade de pen-

    sar ou de agir, fazem rejeitar o engajamento de tipopartidrio. O carter definitivo do militantismo tra-dicional amedronta.

    A ao no quadro dos partidos polticos ma-culada com a dupla suspeita de uma ausncia deautenticidade e do risco de impostura. Seria no fun-do mais um engajamento para si mesmo do quepara os outros, portanto a prpria negao da idiade engajamento. Alm disso, este tipo de adeso nopoderia escapar da luta pelo poder, das brigas in-ternas e externas do jogo partidrio, cujos defeitosna vida poltica atual, eles denunciam. Nos parti-dos polticos, so profissionais. No existe mais estanoo de associao. Na noo de partido, existea da entidade econmica, procurando desenvolveras suas idias e tomar o poder, esclarece um deles.

    Esta idia de associao a principal peada sua aceitao dos modos de ao e de interven-o dos cidados de hoje. Ela define uma concep-o depurada, a tambm em nome de uma morali-zao da poltica, da noo de partido.

    So benvolos que pedem a outras pessoas para

    serem benvolas para consolar outras pessoas que so-

    frem. Sendo benvolos, no existe mais o lado show-

    bizzdo sistema poltico que faz se avance seu perso-

    nagem para introduzir suas idias.

    Descrito desta forma, este tipo de engajamen-to apela para valores morais e se concebe comouma cadeia de solidariedade de um espao de in-terveno que pode ir da soleira da sua porta atos confins do outro lado do mundo, dos restauran-tes para namorados instalao de bombas degua no Sahel.

    Alm disso, o modelo de associao supe umcontrole mais direto sobre a realidade dos proble-mas, um lao mais estreito com os atores envolvi-dos e, portanto, a posibilidade de uma maior efic-cia. Engajar-se em uma associao, mais objeti-vo, mais concreto. Se eu ajudo, gostaria que isso sevisse, que haja algo positivo e que sirva. O discursocheio de imagens deste desenhista-projetista, sobreo papel dos sindicatos, revelador desta redefinioe desta atomizao dos modos de ao:

    Anne Mxel

  • Revista Brasileira de Educao 163

    10 Lembraremos mais uma vez aqui, as consideraesde Samuel H. Barnes e de Max Kaase que vem, no aumen-to destes modos de ao, a expresso de valores ps-mate-rialistas que redefinem a ao poltica: Eles estaro obvi-amente entre os primeiros a traduzir a insatisfao polticaem uma ao poltica corretiva. (Traduo do revisor).

    Fazer um sindicato dentro das empresas, sim.

    Mas no quero que estejam CGT ou FO por detrs

    dele. Quero que seja o sindicato dos Seres Humanos,

    a par dos problemas, escuta das pessoas, que no

    sejam muito grandes. Um micro-sindicato em uma

    micro-sociedade. O sindicato dos locatrios da 64, rua

    de Lyon. O sindicato das pessoas que tm algumas

    coisas em comum, no trabalho. Que no haja filtro.

    Que as coisas andem mais rpido.

    Idealismo e utilitarismo se misturam para de-finir formas de engajamento mais fraternais.

    As causas pelas quais os jovens se declaraminteressados e eventualmente prontos para se mo-bilizarem dizem respeito tanto aos interesses plane-trios quanto aos interesses da vida cotidiana. Asgrandes causas clssicas de tipo humanitrio ou eco-logista ocupam um espao amplo, em torno de trsquartos dos entrevistados a um momento ou outroda entrevista. A Cruz Vermelha, Mdicos-Sem-Fron-teiras, Anistia International ou os apelos do coman-dante Cousteau so algumas das iniciativas s quaisos jovens poderiam imaginar se juntar um dia. Umponto comum a todas elas, sempre o mesmo: a au-sncia de marca poltica. Embora os jovens que sesituam politicamente na movimentao da esquer-da manifestem uma vontade de engajamento maismarcada que nos outros.

    O racismo, a guerra, a subida dos nacionalis-mos podem suscitar impulsos espontneos parti-cularmente determinados. A respeito das guerrastnicas, um deles, o mesmo porm que avaliava asua escolha poltica em funo de seus interessesprprios, seja de ganhador na loto, seja de explo-rado pelo patro, declara: Se conseguirmos encon-trar 20.000 pessoas, fazer uma cadeia e fazer de talmodo que os dois campos que lutam parem, eu en-tro nesta na hora. Ou deste outro, resoluto a en-trar na guerrilha, de acordo com o modelo mti-co da Resistncia Francesa durante a segunda guerramundial, alis lembrado muitas vezes, caso Le Penchegue ao poder.

    Paralelamente a este registro clssico de mo-bilizao, outros tipos de interveno so imagina-

    dos, tipos de misses sociais no cotidiano, mais cen-tradas, apoiando-se em uma implicao pessoal doindivduo, no seu conhecimento ou na sua experin-cia imediata do problema, que desencadeariam asmotivaes de seu engajamento. A grade dos temasmobilizadores recenseados nos discursos faz apare-cer a dimenso protestatria subjacente a estes mo-dos de ao, cada vez menos substituidos pela me-diao das instituies polticas tais como os par-tidos, os sindicatos ou at mesmo a representaoparlamentar, e cada vez mais administrados pelainiciativa autnoma dos indivduos10.

    Encontramos a a necessidade de democraciadireta mencionado anteriormente. Os exemplos deao a realizar abundam e seriam, se precisassemontar uma lista, to diversos quanto os problemaso so, dos mais graves aos andinos, que afetam avida cotidiana dos franceses, hoje. Um deles, apai-xonado por carros, poderia se engajar em uma as-sociao da estrada, para lutar contra as mortes.Um outro poderia fazer parte de uma associao debairro para ajudar as pessoas e lutar contra asolido. Uma jovem estudante de matemtica, pro-fundamente ligada sua cidade de Aveyron, iria luta para que o campo no morra, para que o mun-do rural continue a existir. Este outro ainda que-ria combater para a programao dos filmes emVO, nas redes pblicas de televiso e nos cinemasdo interior. preciso tambm lembrar da ajuda aosdoentes aidticos, das aes a realizar na periferia,dos direitos das mulheres, sem esquecer a luta con-tra o racismo.

    No final das contas, s um quarto dos jovensentrevistados descarta a perspectiva de qualquerengajamento, seja por excesso de individualismo(A mim, o que me preocupa a minha vida, a dos

    Jovens dos anos noventa

  • 164 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N 6

    meus amigos, dos meus pais, no quero saber comovai o mundo e nem para onde ele vai), seja por-que eles no se sentem nem prontos nem suficien-temente seguros de si para concretizar e assumir aresponsabilidade do engajamento.

    O conjunto destes discursos sobre engajamen-to revela portanto grande disponibilidade potencialdos jovens. A realidade dos engajamentos efetivosque podem deles resultar no sem dvida to oti-mista. Os jovens so, alis, os primeiros a reconhe-c-lo. Tenho vontade de me engajar. Mas h tam-bm uma certa inrcia, uma certa frieza. Uma von-tade de fazer alguma coisa, mas tambm um medodo combate, afirma, como muitos outros, um de-les. Ser que se encontraria, manifestada nas pala-vras dos nossos entrevistados, a expresso da ideo-logia do engajamento que parece se difundir bas-tante amplamente, os textos atuais das canesde variedades so, sob este ponto de vista, eloquen-tes e portadores de novos valores , mas que esta-ria circunscrita nesta nova tica moral indolordaqual fala Gilles Lipovetsky (1992)? Esta supe aomesmo tempo uma forte tomada de conscincia dosproblemas, animada dos valores morais fundamen-tais que so o altruismo e a tolerncia, mas semimplicar em uma obrigao de devotamento ou dedever, sem por em causa o prprio indivduo, nemsem ter incidncia direta sobre o curso da vida co-tidiana. Ser que grandes princpios e pequenos passospodem traar o caminho de engajamentos reais?

    Se todos no esto dispostos a partir para aSomlia, muito pelo contrrio, nem mesmo, de umaforma mais acessvel, a aderir a um movimento ouuma associao que tornaria realidade o seu enga-jamento, a sua disponibilade parece todavia prolon-gar se alm somente de seus discursos. Os seus com-portamentos testemunham de uma capacidade demobilizao no desprezvel. Todos, mais ou me-nos, se implicaram ou participaram de uma formaou de outra, mais ou menos contestatria, em umaao poltica.

    O movimento colegial e estudantil de 1986mobilizou mais da metade dos jovens entrevistados.Foi a oportunidade para uma experimentao di-

    reta da poltica. Esta deixa mais ou menos traosnos seus discursos e os interesses do movimento sodecodificados e muitas vezes despojados de parte doentusiasmo e da iluso que os animava na poca.Mas a experincia permanece inteira e marca datano percurso da sua socializao poltica.

    Alm deste evento maior, precisamos consta-tar a diversidade de aes realizadas por cada um,em mais ou menos grande escala. Raros so aque-les que, a um dado momento, no se envolveramna ao coletiva.

    Os jovens situados esquerda aparecem maismotivados e mais ativos do que os outros. Sinal deque os traos da herana, mesmo em crise, do en-gajamento de tipo esquerda, perdurariam? Revela-dor da necessidade suplementar no campo poltico,dada a conjuntura atual, capaz de redefinir os in-teresses de uma nova esquerda? De qualquer for-ma, as aes s quais eles participaram dizem maisrespeito frequentemente a luta contra o apartheide contra o racismo do que no resto da amostra. Ma-nifestaes, abaixo-assinados, participao em con-certos, at, em certos casos, passagens mais ou me-nos duradouras, em movimentos tais como SOS-Racismo, Anistia International, ou mesmo Luta Ope-rria. Diversas experimentaes da ao polticaque testemunham um engajamento relativamenteconsequente, mas que no so acompanhadas denenhuma estruturao militante ou ideolgica pro-funda e persistente.

    A mobilizao poltica dos outros jovens quese situam direita ou so indeterminados nas suasescolhas polticas, parece mais aleatria e obedecea motivaes mais individualizadas, mais atomi-zadas, defendendo sobretudo interesses categoriais.Por este fato mesmo, ela menos fcil de localizar.

    A relao dos jovens hoje, com o engajamen-to, organiza-se em um espao de duas dimenses,quer se trate da sua prpria geografia ou de suasorientaes estratgicas. Seus territrios podem serao mesmo tempo muito vastos, o conjunto das pai-sagens e dos interesses em escala planetria estenvolvido, e muito restritos, se limitando s paisa-gens familiares das contingncias existenciais do dia

    Anne Mxel

  • Revista Brasileira de Educao 165

    a dia. Define diferentes momentos de implicaorespondendo ao mesmo tempo lembrana dos gran-des princpios idealistas da moral, com o risco deno sobrar seno a intencionalidade de um discur-so e necessidade de reintroduzir um modelo deao concreta, regido pelo imperativo da eficcia.Mesmo com pequenos passos, a sua concepodo engajamento define uma nova tica de respon-sabilidade que pode se revelar futuramente eficientee mobilizadora.

    Concluindo esta leitura exploratria, sentimo-nos desconfortveis e, sem dvida, ligados etapaem que se situa este trabalho primeira explora-o, primeiro inventrio , de no ter dado contada trama existencial que, apesar da homogeneida-de observada, define a relao com o poltico decada um dos jovens entrevistados. Todavia, as cons-tataes esboadas neste texto respondem a certasinterrogaes que animam os debates atuais sobreo estado das relaes entre os jovens cidados e apoltica.

    Em primeiro lugar, a prpria homogeneidadedos discursos reveladora. Ela se encontra, no pre-sente caso, reforada pelo fato que os discursos fo-ram recolhidos no interior de uma mesma classe deidade. Entretanto, estes jovens no compartilhamnecessariamente a mesma comunidade de experin-cias. Estes interesses prprios s suas condies deentrada na vidaadulta, de acordo com o meio,com os nveis de estudos e de qualificao, no tmas mesmas implicaes. Estas diferenas no trans-parecem no nvel das representaes e nem das ex-pectativas que eles demostram em relao polti-ca hoje. Sinal de que o mal-estar geral, sinal de queo estado das reivindicaes o mesmo, sinal de quea espera de uma renovao unanimemente com-partilhada. Deste ponto de vista, a recomposio dopoltico, que s aconteceria atravs da anulaorelativa das determinaes sociais, j est realiza-da. Sem dvida, estas diferenas se encontram ain-da nas urnas. Os eleitores contestadores da nos-sa amostra tm posies mais frgeis ou mais difi-cilmente adquiridas que os outros. Mas, enfim, adifuso do novorepertrio poltico, cujos conte-

    dos ns tentamos explicitar, pode questionar as ar-bitragens clssicas do jogo eleitoral.

    A existncia deste novo repertrio um se-gundo ensinamento. Se a crise da representao po-ltica parece inegavelmente presente, as respostas,s expectativas so tambm desenvolvidas. Assimcomo anunciado, ele permite uma reabilitao dapoltica a partir dos imperativos seguintes: uma exi-gncia de moralizao de todas as instncias envol-vidas; uma recusa dos rtulos e uma forte deman-da de reconciliao dos interesses partidrios, emnome de uma lgica da eficcia e de um maior con-trole sobre a realidade concreta dos problemas aserem tratados; um deslocamento dos interesses euma rejeio dos conflitos; uma restaurao do va-lor de engajamento.

    Terceira constatao, as contradies que le-vantamos em vrias ocasies na sua interpretaoda poltica, e nas suas prprias expectativas, porexemplo, entre a demanda conjunta de esclareci-mento dos interesses, de diferenciao das refern-cias, por um lado, e a recusa das clivagens, por ou-tro, ou entre o idealismo e a eficcia pragmtica,tipo de bandeira bicolor do engajamento poltico,na sua maneira de entender, ou ainda entre a cons-cincia planetria e a estratgia dos pequenos pas-sos, so o produto de uma situao de transioentre dois mundos polticos. Os referentes se mis-turam e se recompem em lgicas que nem sempreso fceis de identificar pelos prprios atores. Nis-to, os discursos dos jovens se inscrevem em umarelao ao mesmo tempo heternoma e autnomaem relao ao poltico, at porque eles sofrem asconsequncias de uma ruptura relativa na transmis-so da cultura poltica entre as geraes.

    Como encontrar novos substitutos para defi-nir as condies de emergncia de uma nova po-ltica que, tal como transparece nos discursos dosjovens, seria uma ps-poltica, sofrendo uma evo-luo comparvel da moral, da modernidade oudo materialismo aos quais foram atribudos os mes-mo prefixos?

    Jovens dos anos noventa

  • 166 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N 6

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    Anne Mxel