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| ARTE 24 JUAN MUZZI S omente um homem de espíri- to sublime, de alma plena de liberdade, pode reinventar a arte da pintura, a habilidade da es- cultura e a irreverência de criar brin- quedos e objetos lúdicos. Afinal, é preciso se despir de toda rispidez ur- bana e de toda sisudez social para se lançar na brincadeira de inventar, re- ciclar a matéria e inovar as mais sim- ples idéias. Como a famosa “mola”, um brinquedo presente na infância das últimas gerações. O inventor desse objetivo bem humorado é Juan Muzzi, empresário, inventor convicto e artista plástico reconhecido, atuante nas três áre- as com excepcional dedicação. Pelo prazer de contribuir com a arte e a sociedade, ele defendendo valores, sublinha uma mensagem vigorosa, de conceitos saudáveis e impressos numa obra inconfundível, graças ao flexível uso de cores primárias e de elementos que norteiam o nosso convívio diário com o mundo e as pessoas. Seu ateliê, montado no piso su- perior da sua fábrica de brinquedos, tem uma atmosfera salutar, muito mais do que positiva. É uma ener- gia pura, que nos faz levitar diante UM ARTISTA URUGUAIO REGISTRA SEU LEGADO NA ARTE BRASILEIRA de múltiplas situações pictóricas in- teligentes, quase avassaladoras, que estimulam a prática do nosso pen- samento. As paredes repletas de quadros também reservam um espaço para a visão externa da metrópole pau- listana: a imagem da torre da igreja, centenas de telhados em diferentes níveis, o intenso tráfego e os sons urbanos invadem o ambiente e in- teragem com a arte de Juan Muzzi. Arte e cidade, unidas num só mo- vimento, formam um dueto perfei- to entre poética e neurose, abrindo nossa mente diante do fascínio ine- vitável. Porque este é o contexto de to- do o trabalho de Juan Muzzi, cujo trabalho começou utilizando o óleo, até se expandir para a técnica do acrílico sobre tela e outros materiais, transformados em pintura, escultura, cerâmica ou objetos. Desde que sua inspiração o conduza a outras possi- bilidades e questionamentos, a obra define a matéria; a matéria define a técnica; e a técnica define a estética: ciclos que representam um proces- so equilibrado. Foto Jorge Bastos

Juan Muzziquedos e objetos lúdicos. Afinal, é ... ciclar a matéria e inovar as mais sim-ples idéias. Como a famosa “mola”, um brinquedo presente na infância das últimas gerações

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Page 1: Juan Muzziquedos e objetos lúdicos. Afinal, é ... ciclar a matéria e inovar as mais sim-ples idéias. Como a famosa “mola”, um brinquedo presente na infância das últimas gerações

| ARTE24

Juan Muzzi

Somente um homem de espíri-

to sublime, de alma plena de

liberdade, pode reinventar a

arte da pintura, a habilidade da es-

cultura e a irreverência de criar brin-

quedos e objetos lúdicos. Afinal, é

preciso se despir de toda rispidez ur-

bana e de toda sisudez social para se

lançar na brincadeira de inventar, re-

ciclar a matéria e inovar as mais sim-

ples idéias. Como a famosa “mola”,

um brinquedo presente na infância

das últimas gerações.

O inventor desse objetivo bem

humorado é Juan Muzzi, empresário,

inventor convicto e artista plástico

reconhecido, atuante nas três áre-

as com excepcional dedicação. Pelo

prazer de contribuir com a arte e a

sociedade, ele defendendo valores,

sublinha uma mensagem vigorosa,

de conceitos saudáveis e impressos

numa obra inconfundível, graças ao

flexível uso de cores primárias e de

elementos que norteiam o nosso

convívio diário com o mundo e as

pessoas.

Seu ateliê, montado no piso su-

perior da sua fábrica de brinquedos,

tem uma atmosfera salutar, muito

mais do que positiva. É uma ener-

gia pura, que nos faz levitar diante

uM artista uruguaio registra seu legado na arte Brasileira

de múltiplas situações pictóricas in-

teligentes, quase avassaladoras, que

estimulam a prática do nosso pen-

samento.

As paredes repletas de quadros

também reservam um espaço para

a visão externa da metrópole pau-

listana: a imagem da torre da igreja,

centenas de telhados em diferentes

níveis, o intenso tráfego e os sons

urbanos invadem o ambiente e in-

teragem com a arte de Juan Muzzi.

Arte e cidade, unidas num só mo-

vimento, formam um dueto perfei-

to entre poética e neurose, abrindo

nossa mente diante do fascínio ine-

vitável.

Porque este é o contexto de to-

do o trabalho de Juan Muzzi, cujo

trabalho começou utilizando o óleo,

até se expandir para a técnica do

acrílico sobre tela e outros materiais,

transformados em pintura, escultura,

cerâmica ou objetos. Desde que sua

inspiração o conduza a outras possi-

bilidades e questionamentos, a obra

define a matéria; a matéria define a

técnica; e a técnica define a estética:

ciclos que representam um proces-

so equilibrado.

Foto

Jorg

e Ba

stos

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ExprEssiva inérciaEm telas, cerâmicas, papel ou

bronze, ele imprime seu recado, ex-plorando ícones que muitas vezes es-tão submersos no nosso inconsciente: o relógio a marcar o tempo teimosa-mente, sem parar, sem respirar. O ho-mem escravizado pela máquina e pela obrigatoriedade do sucesso, compri-mido de tal forma entre as quatro paredes visionárias, até confundir-se com código de barras. Figuras com a mesma expressão, a mesma inércia.

Cada pintura está repleta de ele-mentos. A multidão que se recicla, nu-ma humanidade que nasce, morre, e novamente nasce e morre... O peixe se repete em quase todas elas. Assim como o enigmático beija-flor, símbolo pré-histórico da era neolítica, que ele retirou de um livro sobre as imagens do chão das planícies do deserto peru-ano de Nazca. Porém, todas as telas de

Juan Muzzi contam uma história, fugin-do do lugar-comum. Sua pintura é es-sencialmente contemporânea, na qual o artista dá o seu recado, materializan-do seus pensamentos, palavras e atos; e concretizando todas as suas idéias.

Há uma constante reinvenção no uso das ferramentas contemporâneas, das referências visuais

Além das figuras enigmáticas, Mu-zzi aplica geoglifos, símbolos arqueo-lógicos representados por desenhos geométricos, que surgem na pintu-ra em seu devido lugar, calculados e constantemente presentes. A gran-de força de sua arte está na admirá-vel dignidade de questionar o sistema impiedoso da nossa atual sociedade, os meios de produção massificados, a competitividade e a corrida pela ri-queza e poder, de uma forma espon-tânea e natural.

E de que forma convivem, num

único corpo e mente, o artista e o em-presário? “Consigo me desligar da arte para me dedicar ao produto. É funda-mental saber inventar, mas também vender, divulgar e gerenciar os recur-sos”, afirma o artista.

Juan Muzzi se confessa um artista, em primeiro lugar: “A arte é minha vi-da. Sou neto de escultores, e tive uma vida de grande convivência com a ar-te, embora nunca tenha conquistado a façanha de viver dela”, admite. Ele nos conta que as Artes Plásticas fazem par-te dos seus finais de semana, e sempre foi trabalhada para ser exposta.

“A alma de artista prevalece, está acima da alma de empresário. Tenho idéias todos os dias, até mesmo como empresário, porque todo tipo de fun-ção torna a criatividade necessária”, ar-gumenta. Na visão de Juan Muzzi, to-da responsabilidade exige um cunho poético.

A/S/T - 150 x 100 cm

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Movido pEla curiosidadE

Expansivo e expressivo, Juan Carlos Calabrese Muzzi nasceu em 1949, no Uruguai. Sua vida é marcada por altos e baixos, conquistas e perdas, surpresas e decepções. De fato, uma história rica que poderia ser retratada em verso e prosa. E foi. Oscar D’Ambrosio assina a série de publicações “Contando a Arte de”, edita-das pela Noovha America. Entre os dife-rentes artistas, está a obra de Juan Muzzi, repleta de reproduções de suas pinturas, esculturas, invenções e enredos.

O livro revela toda a inquietude de um artista “movido pela curiosidade. Ainda criança, Juan lia todo tipo de ma-nual”. Com uma infância povoada de experiências, Juan desde cedo já obser-

vava a figura humana. Era bom aluno, e demonstrava facilidade com a mate-mática, a termomecânica e a resistência dos materiais. Chegou até a arar a terra e a conduzir um boi às 4 da madrugada. Na adolescência, já se posicionava como um empresário. Abriu, com mais dois só-cios, uma empresa de ônibus que ligava Porto Alegre a Montevidéu.

Nos anos 80 comprou um avião, ar-recadando recursos com os amigos. Mas foi no final dessa década que surgiu um de seus projetos mais inusitados. Juan inventou a “molamania”, um de seus produtos de maior sucesso, que exigiu um ano de desenvolvimento. A famo-sa “mola” ganhou a simpatia de crian-ças e adultos do mundo inteiro. Com o invento, participou de feiras nacionais e

internacionais, invadiu programas de TV infantis.

Hoje, Juan Muzzi dirige uma fábrica de brinquedos no Bairro do Limão, em São Paulo/SP. E já tem pronto um novo projeto: a bicicleta ecológica, feita a par-tir de produtos reciclados de PET (Poli Tereftalato de Etila).

É também um inconformado obser-vador do destino da humanidade, sen-timento que ele imprime em suas telas com o auxílio de muita cor, ou apenas em preto e branco, sempre com inesgo-tável presença de espírito e intensa visu-alidade.

Nas Artes Plásticas, Juan Muzzi tam-bém revela toda sua intimidade em tra-balhar diferentes materiais, e sua sensibi-lidade em retratar o cotidiano, o tempo,

A/S/T - 150 x 100 cm

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a vida e a posição do homem diante da sociedade. Temas que motivaram diver-sas exposições realizadas ao redor do mundo. Em abril de 2008, A Hebraica ofe-receu ao público a mostra individual “A Trama do Tempo”, em sua sede na cida-de de São Paulo/SP. Desde então, a con-sul geral do Uruguai Brigida Scaffsqo, em São Paulo, realiza uma exposição perma-nente, representando uma segunda edi-ção, que mereceu o nome de “A Trama do Tempo II”. Em seguida, o artista parti-cipou da exposição “Os novos materiais da arte”, realizada no Espaço Cultural Citi. Essas três últimas exposições contaram com a curadoria de Jacob Klintowitz. O Hotel Tryp Higienopolis, em São Paulo, gerenciado por Golda Boruchowski pro-move uma exposição permanente da trajetória do artista, relatando sua carrei-ra entre a Pintura Moderna e a Arte Con-temporânea, sob o título “O homem, sua expressão e o meio: o eterno ciclo da identidade”. Em 2007, o MuBE-Museu Brasileiro de Escultura cedeu seu espaço para uma grandiosa individual intitulada “Juan Muzzi – Pintura 2007”, com cura-doria de Mário Gravem Borges.

www.juanmuzzi.com.br

A/S/T - 75 x 35 cm

A/S/T - 150 x 100 cm

A/S/T - 100 x 100 cm Prato de Porcelana com Pintura Acrílica - 27 x 27 cm