Jurisdicao Constitucional No Brasil Gilmar.mendes

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    Jurisdio Constitucional no Brasil: o problema da omissolegislativa inconstitucional

    GGIILLMMAARR MMEENNDDEESS

    I. Introduo. II. O controle de constitucionalidadena Constituio do Brasil de 1988. III. Controle deConstitucionalidade de Omisso do Legislador. III. (i). Ao Direta de Inconstitucionalidade por omisso. III.

    (ii). Mandado de injuno. IV. Concluses

    I. Introduo

    A Jurisdio Constitucional possui razes nas culturas jurdicas formadasnos contextos anglo-americano e europeu-continental. No parece incorreto dizer que quase impossvel fazer um estudo sobre a temtica do controle de constitucionalidadesem fazer referncia aos clssicos modelosdifuso, de origem norte-americana, econcentrado, de origem europia (continental).

    Mais do que modelos estanques fundados nos clssicos sistemas norte-americano ou europeu-continental, a jurisdio constitucional nos pases ibero-americanos caracterizada por modelos hbridos, construdos de forma criativa de

    Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil; Presidente do Conselho Nacional de Justia doBrasil; Professor de Direito Constitucional nos cursos de graduao e ps-graduao da Faculdade deDireito da Universidade de Braslia-UnB; Mestre em Direito pela Universidade de Braslia - UnB (1988),com a dissertaoControle de Constitucionalidade: Aspectos Polticos e Jurdicos; Mestre em Direitopela Universidade de Mnster, Repblica Federal da Alemanha - RFA (1989), com a dissertao Die Zulssigkeitsvoraussetzungen der abstrakten Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht (Pressupostos de admissibilidade do Controle Abstrato de Normas perante a Corte Constitucional Alem);Doutor em Direito pela Universidade de Mnster, Repblica Federal da Alemanha - RFA (1990), com atese Die abstrakte Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht und vor dem brasilianischenSupremo Tribunal Federal, publicada na srie Schriften zum ffentlichen Recht , da Editora Duncker &Humblot, Berlim, 1991 (a traduo para o portugus foi publicada sob o ttulo Jurisdio Constitucional:o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, 395 p.).Membro Fundador do Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP. Membro do Conselho Assessor doAnuario Iberoamericano de Justicia Constitucional Centro de Estudios Polticos y Constitucionales -Madri, Espanha. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurdicas. Membro da AcademiaInternacional de Direito e Economia AIDE.

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    acordo com a heterogeneidade cultural que caracteriza a regio. Como bem analisou oProfessor Francisco Fernndez Segado, um dos maiores estudiosos sobre a matria, ospases latino-americanos constituem um verdadeiro laboratrio constitucional notocante s tcnicas de controle de constitucionalidade1.

    O Brasil no se distancia dessa realidade. Assim como os pases ibero-americanos em geral, a jurisdio constitucional brasileira foi construda num ambienteconstitucional democrtico e republicano, apesar das interrupes causadas pelosregimes autoritrios. Se as influncias do modelo difuso de origem norte-americanaforam decisivas para a adoo inicial de um sistema de fiscalizao judicial daconstitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral, o desenvolvimento dasinstituies democrticas acabou resultando num peculiar sistema de jurisdioconstitucional, cujo desenho e organizao renem, de forma hbrida, caractersticasmarcantes de ambos os clssicos modelos de controle de constitucionalidade.

    A Jurisdio Constitucional no Brasil pode ser hoje caracterizada pelaoriginalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados fiscalizao daconstitucionalidade dos atos do poder pblico e proteo dos direitos fundamentais,

    como o mandado de segurana uma criao genuna do sistema constitucionalbrasileiro ohabeas corpus, o habeas data, o mandado de injuno, a ao civil pblica e aao popular .

    Essa diversidade de aes constitucionais prprias do modelo difuso ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exerccio docontrole abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como aao

    direta de inconstitucionalidade, a ao direta de inconstitucionalidade por omisso, aao declaratria de constitucionalidade e a argio de descumprimento de preceito fundamental.

    Os tpicos seguintes so destinados a uma breve explanao sobre ocontrole de constitucionalidade no Brasil, aps a Constituio de 1988.

    1 Cfr.: FERNNDEZ SEGADO, Francisco. Del control poltico al control jurisdiccional. Evolucin yaportes a la Justicia Constitucional en Amrica Latina. Bologna: Center for Constitutional Studies and

    Democratic Development, Libreria Bonomo; 2005, p. 39.

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    II. O controle de constitucionalidade na Constituio do Brasil de1988

    A Constituio de 1988 foi promulgada aps intensa discusso em umaAssemblia constituinte reunida entre 1 de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988. Odocumento constitucional conta com 250 artigos na parte permanente e 94 artigos nasdisposies transitrias. Cuida-se de um texto extremamente detalhado, que, por isso,tem dado ensejo a sucessivas emendas constitucionais. Alm das 6 emendas aprovadasno processo especial de reviso realizado nos anos de 1993 e 1994, a Constituiorecebeu, at o ano de 2008, 56 emendas.

    A nova Carta confiou ao Judicirio papel at ento no outorgado pornenhuma outra Constituio. Conferiu-se autonomia institucional, desconhecida nahistria de nosso modelo constitucional e que se revela, igualmente, singular ou dignade destaque tambm no plano do direito comparado. Buscou-se assegurar a autonomiaadministrativa e financeira do Poder Judicirio. Assegurou-se tambm a autonomia

    funcional dos magistrados2.

    O princpio da proteo judicial efetiva passou a configurar a pedraangular do sistema de proteo de direitos.

    A Constituio de 1988 preservou o Supremo Tribunal Federal comorgo de cpula do Poder Judicirio, composto por 11 juzes (Ministros), escolhidos

    dentre cidados com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos deidade, de notvel saber jurdico e reputao ilibada. A nomeao dar-se- peloPresidente da Repblica, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do SenadoFederal (CF, art. 101).

    A discusso na Constituinte sobre a instituio de uma Corte

    2 Conferir, a propsito dos dilemas do Poder Judicirio, ARANTES, Rogrio Bastos. Judicirio: entre aJustia e a Poltica. In: AVELAR, Lcia; CINTRA, Antnio Octvio.Sistema Poltico Brasileiro:uma introduo. Rio de Janeiro: Fundao Konrad-Adenauer-Stiftung. So Paulo: Fundao Unesp Editora,2004.

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    Constitucional, que deveria ocupar-se, fundamentalmente, do controle deconstitucionalidade3, acabou por permitir que o Supremo Tribunal Federal no smantivesse a sua competncia tradicional, com algumas restries, como adquirissenovas atribuies. A nova Constituio ampliou significativamente a competnciaoriginria do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne ao controle deconstitucionalidade de leis e atos normativos e ao controle da omisso inconstitucional.

    No h dvida de que, nessa linha, o STF exerce, inadequadamente, opapel de Corte Constitucional.

    De inegvel peso poltico e significado jurdico a competncia doSupremo Tribunal para processar e julgar aao direta de inconstitucionalidade(ADI),a ao declaratria de constitucionalidade (ADC), aargio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), aao direta de inconstitucionalidade por omisso (ADIo) e omandado de injuno (MI). Tais processos juntamente com o recursoextraordinrio formam hojeo ncleo do sistema de controle de constitucionalidade elegitimidade de leis ou atos normativos, bem como das omisses inconstitucionais.

    No controle concreto, a Lei n. 10.259/2001 admitiu o encaminhamentode recurso extraordinrio das decises das turmas recursais dos juizados especiais aoSupremo Tribunal, retendo-se os recursos idnticos na origem. A mesma lei reconheceua figura doamicus curiae no mbito desse processo, afastando-se, dessa forma, de umaperspectiva estritamente subjetiva do recurso extraordinrio.

    A frmula adotada para o recurso extraordinrio no mbito dos juizados

    especiais federais foi estendida para os recursos extraordinrios regulares, nos quais sediscutam matrias repetitivas ou os chamados casos de massa. Esse novo modelolegal traduz um avano na concepo vetusta que caracteriza o recurso extraordinrioentre ns. Aludido instrumento passa a assumir, de forma decisiva, a funo de defesada ordem constitucional objetiva.

    3 CORRA, Oscar Dias. O 160 aniversrio do STF e o novo texto constitucional. In: Arquivos do Ministrio da Justia n. 173, 1988, p. 67 (70).

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    Ademais, consagrou-se, com a reforma do judicirio introduzido pelaEmenda Constitucional n. 45/2004, o instituto darepercusso geral, segundo o qualno recurso extraordinrio o recorrente dever demonstrar a repercusso geral dasquestes constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal

    examine a admisso do recurso, somente podendo recus-la pela manifestao de dois

    teros de seus membros. O recurso extraordinrio passa, assim, por uma mudanasignificativa, havendo de sofrer o crivo da admissibilidade referente repercusso geral.A adoo desse novo instituto dever maximizar a feio objetiva do recursoextraordinrio.

    Tambm introduzida pela Emenda n. 45/2004, asmula vinculante estabeleceu a vinculao dos rgos judiciais e dos rgos da Administrao Pblica,abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faa valer a orientao do Supremopor meio de apresentao de uma reclamao por descumprimento de deciso judicial.

    Quanto ao controle abstrato, especialmente no mbito da ao direta deinconstitucionalidade a ao mais relevante do sistema de controle deconstitucionalidade de normas brasileiro , constitui importante inovao a autorizao

    para que o relator, considerando a relevncia da matria e a representatividade dospostulantes, admita a manifestao de outros rgos ou entidades. Positivou-se, assim, afigura doamicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, ensejando apossibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suasimplicaes ou repercusses. Trata-se de providncia que confere carter pluralista aoprocesso objetivo de controle abstrato de constitucionalidade.

    Ademais, a regulamentao da ADPF introduziu significativas mudanasno sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Questes, at ento excludasde apreciao no mbito do controle abstrato de normas, podem ser objeto de exame nombito do novo procedimento. A estrutura de legitimao desse instituto, a exigncia deconfigurao de controvrsia judicial ou jurdica para a instaurao do processo, apossibilidade de sua utilizao em relao ao direito municipal e ao direito pr-constitucional e o efeito vinculante das suas decises completaram o sistema de controle

    de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no Supremo TribunalFederal.

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    Ainda, o STF passou a considerar admissvel a reclamao4, em sede decontrole abstrato de normas, quando o rgo responsvel pela edio da lei declaradainconstitucional persistir na prtica de atos concretos que pressuponham a validade danorma declarada inconstitucional. Essa jurisprudncia foi positivada com o advento daEmenda Constitucional n. 45/2004, na qual ficou estabelecido que as decisesdefinitivas de mrito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas aes diretas de

    inconstitucionalidade e nas aes declaratrias de constitucionalidade produziro

    eficcia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais rgos do Poder

    Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

    municipal.

    A Constituio de 1988 conferiu nfase, portanto, no mais ao sistemadifuso ou incidente, mas ao modeloconcentrado, uma vez que, praticamente, todas ascontrovrsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao SupremoTribunal Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A amplalegitimao, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive dapossibilidade de suspender imediatamente a eficcia do ato normativo questionado,

    mediante pedido de cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendncia.

    A amplitude do direito de propositura fez com que at mesmo pleitostipicamente individuais fossem submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante aodireta de inconstitucionalidade.

    Assim, o processo abstrato de normas cumpre entre ns dupla funo: a

    um s tempo instrumento de defesa da ordem objetiva e de defesa de posiessubjetivas.

    Por outro lado, particular ateno dedicou o constituinte chamadaomisso do legislador.

    Ao lado do mandado de injuno, previsto no art. 5, LXXI, c/c art. 102,

    4 Cf. julgamentos na Rcl. 399, Rel. Min. Seplveda Pertence, julgada em 07.10.93, DJ de 24.03.95 e Rcl.556, Rel. Min. Maurcio Corra, julgada em 11.11.1996, DJ de 03.10.1997.

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    I, q, destinado defesa de direitos subjetivos afetados pela omisso legislativa ouadministrativa, introduziu a Constituio, no art. 103, 2, o processo decontroleabstrato da omisso.

    III. Controle de Constitucionalidade da Omisso do Legislador

    (i) A Ao Direta de Inconsticucionalidade por Omisso (ADIo)

    Sob a gide da Constituio de 1988, a grande mudana verificou-se nombito do controle abstrato de normas, com a criao da ao direta deinconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal (CF, art. 102, I, a c/cart. 103).

    Nos termos do art. 103 da Constituio de 1988, dispem de legitimidadepara propor a ao de inconstitucionalidade o Presidente da Repblica, a Mesa doSenado Federal, a Mesa da Cmara dos Deputados, a Mesa de uma AssembliaLegislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da Repblica, o Conselho

    Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido poltico com representao noCongresso Nacional, as confederaes sindicais ou entidades de classe de mbitonacional.

    Ao lado da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) criou-se a AoDireta de Inconstitucionalidade por Omisso (ADIo), que, tal como a ADI, no temoutro escopo seno o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela

    incompatveis. No se destina, pela prpria ndole, proteo de situaes individuaisou de relaes subjetivadas, mas visa, precipuamente, defesa da ordem jurdica. Ocontrole abstrato da omisso poder ser instaurado pelos mesmos legitimados para aproposio da ADI .

    Nos termos do art. 103, 2, da Constituio Federal, a ao direta deinconstitucionalidade por omisso visa a tornar efetiva norma constitucional, devendo

    ser dada cincia ao Poder competente para adoo das providncias necessrias. Em setratando de rgo administrativo, ser determinado que empreenda as medidas

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    reclamadas no prazo de trinta dias.

    Objeto desse controle abstrato da inconstitucionalidade a omisso dosrgos competentes para a concretizao da norma constitucional. A prpria formulaoempregada pelo constituinte no deixa dvida de que se teve em vista aqui no s aatividade legislativa, mas tambm a atividade tipicamente administrativa que pudesse,de alguma maneira, afetar a efetividade de norma constitucional.

    No parece subsistir dvida de que a concretizao da Constituio h deser efetivada, fundamentalmente, mediante a promulgao de lei. Os princpios dademocracia e do Estado de Direito (art. 1) tm na lei instrumento essencial. No se trataaqui apenas de editar normas reguladoras das mais diversas relaes, mas de assegurar asua legitimidade mediante a aprovao por rgos democraticamente eleitos.

    A concretizao da ordem fundamental estabelecida na Constituio de1988 carece, nas linhas essenciais, de lei. Compete s instncias polticas e,precipuamente, ao legislador, a tarefa de construo do Estado constitucional. Como aConstituio no basta em si mesma, tm os rgos legislativos o poder e o dever de

    emprestar conformao realidade social. A omisso legislativa constitui, portanto,objeto fundamental da ao direta de inconstitucionalidade em apreo.

    Esta pode ter como objeto todo o ato complexo que forma o processolegislativo, nas suas diferentes fases. Destinatrio principal da ordem a ser emanadapelo rgo judicirio o Poder Legislativo. O sistema de iniciativa reservada,estabelecido na Constituio Federal, faz com que a omisso de outros rgos, que tm

    competncia para desencadear o processo legislativo, seja tambm objeto dessa aodireta de inconstitucionalidade.

    Nos casos de iniciativa reservada, no h dvida de que a ao direta deinconstitucionalidade por omisso buscar, em primeira linha, desencadear o processolegislativo.

    Questo que ainda est a merecer melhor exame diz respeito inertia de-liberandi (discusso e votao) no mbito das Casas Legislativas. Enquanto a sano e

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    o veto esto disciplinados, de forma relativamente precisa, no texto constitucional,inclusive no que concerne a prazos (art. 66), a deliberao no mereceu do constituinte, notocante a esse aspecto, uma disciplina mais minuciosa. Ressalvada a hiptese deutilizao do procedimento abreviado previsto no art. 64, 1 e 2, da Constituio,no se estabeleceram prazos para a apreciao dos projetos de lei. Observe-se que,mesmo nos casos desse procedimento abreviado, no h garantia quanto aprovaodentro de determinado prazo, uma vez que o modelo de processo legislativoestabelecido pela Constituio no contempla a aprovao por decurso de prazo.

    O Supremo Tribunal Federal tem considerado que, desencadeado oprocesso legislativo, no h que se cogitar de omisso inconstitucional do legislador5.

    Essa orientao h de ser adotada com temperamento.

    Essas peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam,inexoravelmente, o processo legislativo, no justificam, todavia, uma condutamanifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que podepr em risco a prpria ordem constitucional.

    No temos dvida, portanto, em admitir que tambm ainertiadeliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ao direta deinconstitucionalidade por omisso. Assim, pode o Supremo Tribunal Federal reconhecera mora do legislador em deliberar sobre questo, declarando, assim, ainconstitucionalidade da omisso.

    Nesse sentido, em 9 de maio de 2007 o STF, por unanimidade, julgouprocedente a ADI 3.682, Rel. Gilmar Mendes, ajuizada pela Assemblia Legislativa doEstado de Mato Grosso contra o Congresso Nacional, em razo da mora na elaboraoda lei complementar federal a que se refere o art 18, 4, da CF, na redao da EC15/96 (A criao, a incorporao, a fuso e o desmembramento de Municpios, far-se-o por lei estadual, dentro do perodo determinado por lei complementar federal, ....).No obstante os vrios projetos de lei complementar apresentados e discutidos no

    5 Cf. nesse sentido: ADI 2.495, Rel. Ilmar Galvo, julgada em 2-5-2002, DJ de 2-8-2002.

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    mbito das duas Casas Legislativas, entendeu-se que ainertia deliberandi (discusso evotao) tambm poderia configurar omisso passvel de vir a ser reputadainconstitucional, no caso de os rgos legislativos no deliberarem dentro de um prazorazovel sobre o projeto de lei em tramitao.

    No caso, o lapso temporal de mais de 10 anos desde a data da publicaoda EC 15/96 evidenciou a inatividade do legislador. Ademais, a omisso legislativaproduziu incontestveis efeitos durante o longo tempo transcorrido, no qual vriosEstados-membros legislaram sobre o tema e diversos municpios foram efetivamentecriados com base em requisitos definidos em antigas legislaes estaduais, alguns,inclusive, declarados inconstitucionais pelo STF.6

    A omisso inconstitucional pressupe a inobservncia de um deverconstitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explcitos da Lei Magna7 comode decises fundamentais da Constituio identificadas no processo de interpretao8.

    Tem-se omisso absoluta quando o legislador no empreende aprovidncia legislativa reclamada. Constatam-se semelhanas com aomisso total ou

    absoluta nos casos em que existe um ato normativo, que, todavia, atende parcialmente avontade constitucional9. Trata-se de omisso parcial.

    A imprecisa distino entre ofensa constitucional por ao ou por omis-so10 leva a uma relativizao do significado processual-constitucional dessesinstrumentos especiais destinados defesa da ordem constitucional ou de direitos

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    Informativo STFn. 466, de 16.5.2007.7 BVerfGE, 6, 257 (264); Vgl auch Christian Pestalozza, Noch verfassungsmssige und blossverfassungswidrige Rechtslagen, in Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, Tbingen, 1976, v. 1, p.526; cf., Friedrich Jlicher, Die Verfassungsbeschwerde gegen Urteile bei gesetzgeberischen Unterlassen,Berlin, 1972, p. 13.8 BVerfGE, 56, 54 (70 e s.); 55, 37 (53); Peter Hein, Die Unvereinbarerklrung verfassungswidrigeGesetze durch das Bundesverfassungsgericht, Baden-Baden, 1988, p. 57; BVerfGG,Vorprfungsausschuss NJW, 1983, 2931 (Waldsterben).9 Peter Lerche, Das Bundesverfassungsgericht und die Verfassungsdirektiven, Zu den nicht erflltenGesetzgebungsauftrgen, AR, 90 (1965), p. 341 (352); Friedrich Jlicher, Die Verfassungsbeschwerde gegen Urteile bei gesetzgeberischen Unterlassen,cit., p. 33; Stern, Bonner Kommentar,2. tir., art. 93, RdNr ., 285; Hans Lechner, Zur Zulssigkeit der Verfassungsbeschwerde gegen Unterlassungen desGesetzgebers, NJW,1955, p. 181 e s.; Schmidt-Bleibtreu, in Maunz et al., BVerfGG, 90, RdNr ., 121.10

    Hans-Uwe Erichsen,Staatsrecht und Verfassungsgerichtsbarkeit , cit., p. 129-170; Christian Pestalozza,Noch verfassungsmssige und bloss verfassungswidrige Rechtslagen, in Bundesverfassungsgerichtund Grundgesetz, cit., p. 519 (526, 530).

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    individuais contra a omisso legislativa. De uma perspectiva processual, a principalproblemtica assenta-se, portanto, menos na necessidade de instituio de determinadosprocessos destinados a controlar essa forma de ofensa constitucional do que nasuperao do estado de inconstitucionalidade decorrente da omisso legislativa.

    Embora a omisso do legislador no possa ser, enquanto tal, objeto docontrole abstrato de normas11, no se deve excluir a possibilidade de que, como jmencionado12, essa omisso venha a ser examinada no controle de normas.

    Dado que no caso de uma omisso parcial existe uma conduta positiva,no h como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princpio, da aferio dalegitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, aindaque abstrato13. Tem-se, pois, aqui, uma relativa, mas inequvoca fungibilidade entre aao direta de inconstitucionalidade (da lei ou ato normativo) e o processo de controleabstrato da omisso, uma vez que os dois processos o de controle de normas e o decontrole da omisso acabam por ter formal e substancialmente o mesmo objeto,isto , a inconstitucionalidade da norma em razo de sua incompletude14.

    certo que a declarao de nulidade no configura tcnica adequada paraa eliminao da situao inconstitucional nesses casos de omisso inconstitucional. Umacassao aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como j admitido pela CorteConstitucional alem em algumas decises.

    Evidentemente, a cassao da norma inconstitucional (declarao de nuli-dade) no se mostra apta, as mais das vezes, para solver os problemas decorrentes da

    omisso parcial, mormente da chamada excluso de benefcio incompatvel com oprincpio da igualdade. que ela haveria de suprimir o benefcio concedido, emprincpio licitamente, a certos setores, sem permitir a extenso da vantagem aossegmentos discriminados.

    11 Ernst Friesenhahn, Die Verfassungsgerichtsbarkeit in der Bundesrepublik Deutschland, Kln-Berlin-Bonn-Mnchen, 1963, p. 65.12 Cf., supra, n. I, item 3.3.4.13

    Christoph Gusy, Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht, cit., p. 152.14 Sobre o tema,vide voto do Ministro Seplveda Pertence no julgamento do pedido de concesso demedida cautelar na ADI 526, contra a Medida Provisria n. 296, de 1991.

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    A tcnica da declarao de nulidade, concebida para eliminar ainconstitucionalidade causada pela interveno indevida no mbito de proteo dosdireitos individuais, mostra-se insuficiente como meio de superao dainconstitucionalidade decorrente da omisso legislativa.

    Portanto, a questo fundamental reside menos na escolha de um processoespecial do que na adoo de uma tcnica de deciso apropriada para superar assituaes inconstitucionais propiciadas pela chamada omisso legislativa.

    fcil ver, assim, que a introduo de um sistema peculiar para ocontrole da omisso e o entendimento de que, em caso de constatao de uma ofensaconstitucional em virtude da omisso do legislador, independentemente do processo emque for verificada, a falha deve ser superada mediante ao do rgo legiferante,colocaram os pressupostos para o desenvolvimento de uma declarao deinconstitucionalidade sem a pronncia da nulidade, tambm no Direito brasileiro.

    (ii) MANDADO DE INJUNO

    Tal como observado, a Constituio de 1988 abriu a possibilidade para odesenvolvimento sistemtico dadeclarao de inconstitucionalidade sem a pronnciada nulidade, na medida em que atribuiu particular significado ao controle deconstitucionalidade da chamadaomisso do legislador .

    O art. 5, LXXI, da Constituio previu, expressamente, a concesso do

    mandado de injuno sempre que a falta de norma regulamentadora tornar invivel oexerccio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e cidadania. Ao lado desse instrumento destinado,fundamentalmente, defesa de direitos individuais contra a omisso do ente legiferante,introduziu o constituinte, no art. 103, 2, um sistema de controle abstrato da omisso.

    Assim, reconhecida a procedncia da ao, deve o rgo legislativocompetente ser informado da deciso, para as providncias cabveis. Se se tratar dergo administrativo, est ele obrigado a colmatar a lacuna dentro do prazo de trinta

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    dias.

    A adoo do mandado de injuno e do processo de controle abstrato daomisso tem dado ensejo a intensas controvrsias na doutrina. O contedo, o significadoe a amplitude das decises proferidas nesses processos vm sendo analisados de formadiferenciada pela doutrina e jurisprudncia.

    Alguns nomes da literatura jurdica sustentam que, como as regrasconstantes do preceito constitucional que instituiu o mandado de injuno no seafiguravam suficientes para possibilitar a sua aplicao, ficava sua utilizaocondicionada promulgao das regras processuais regulamentadoras15. Outrosdoutrinadores afirmam que, sendo o mandado de injuno instrumento dirigido contraomisso impeditiva do exerccio de direitos constitucionalmente assegurados,competiria ao juiz proferir deciso que contivesse regra concreta destinada a possibilitaro exerccio do direito subjetivo em questo16. Uma variante dessa corrente acentua que adeciso judicial h de conter uma regra geral, aplicvel no apenas questo submetidaao Tribunal, mas tambm aos demais casos semelhantes17.

    Segundo essa concepo, o constituinte teria dotado o Tribunal,excepcionalmente, do poder de editar normas abstratas, de modo que essa atividade judicial apresentaria fortes semelhanas com a atividade legislativa18. Para superar asdificuldades que decorrem dessa concepo, procura-se restringi-la, afirmando-se quese o direito subjetivo depender da organizao de determinada atividade ou dedeterminado servio pblico ou, ainda, da disposio de recursos pblicos, ento deverser reconhecida a inadmissibilidade do mandado de injuno19. Assim, no poderia o

    mandado de injuno ser proposto com vistas a garantir, v. g., o pagamento do seguro- 15 Manoel Antonio Teixeira Filho, Mandado de injuno e direitos sociais, LTr, n. 53, 1989, p. 323;Barroso chega a afirmar que No contexto atual do constitucionalismo brasileiro, o mandado de injunotornou-se uma desnecessidade, havendo alternativa terica e prtica de muito maior eficincia (LusRoberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed., So Paulo: Saraiva, 2006,p. 112).16 Jos Afonso da Silva,Curso de direito constitucional positivo, 25. ed., So Paulo: Malheiros, 2006, p.450-452; Lus Roberto Barroso,O controle de constitucionalidade no direito brasileiro,cit., p. 123-124.17 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurana coletivo, mandado de injuno, habeas data,Constituio e processo, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 123.18 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurana coletivo, mandado de injuno, habeas data,Constituio e processo, cit., p. 123.19 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurana coletivo, mandado de injuno, habeas data,Constituio e processo, cit., p. 112-113.

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    desemprego20.

    A expectativa criada com a adoo desse instituto no ordenamentoconstitucional brasileiro levou propositura de inmeras aes de mandado de injunoperante o Supremo Tribunal Federal21, o que acabou por obrig-lo, num curto espao detempo, a apreciar no s a questo relativa imediata aplicao desse instituto,independentemente da promulgao de regras processuais prprias, como tambm adecidir sobre o significado e a natureza desse instituto na ordem constitucionalbrasileira.

    O mandado de injuno h de ter por objeto o no-cumprimento de deverconstitucional de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionalmenteassegurados (falta de norma regulamentadora que torne invivel o exerccio de direitos eliberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes soberania e cidadania).

    Tal como tem sido freqentemente apontado, essa omisso tanto pode tercarterabsoluto ou total como pode materializar-se de forma parcial22.

    Na primeira hiptese, que se revela cada vez mais rara, tendo em vista oimplemento gradual da ordem constitucional, tem-se a inrcia do legislador que podeimpedir totalmente a implementao da norma constitucional.

    A omisso parcial envolve, por sua vez, a execuo parcial ouincompleta de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razo doatendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razo do

    processo de mudana nas circunstncias ftico-jurdicas que venha a afetar alegitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razo deconcesso de benefcio de forma incompatvel com o princpio da igualdade (exclusode benefcio incompatvel com o princpio da igualdade).

    20 J. J. Calmon de Passos, Mandado de segurana coletivo, mandado de injuno, habeas data,Constituio e processo, cit., p. 112-113.21

    Em 1990 e 1991 o STF julgou 203 MIs (dados do BNDPJ). At 16-8-2006 o STF autuou 738 MIs(dados da Secretaria Judiciria).22 MI 542/SP, Rel. Celso de Mello, DJ de 28-6-2002.

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    O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de apreciar pela primeiravez as questes suscitadas pelo controle de constitucionalidade da omisso na decisode 23 de novembro de 198923.

    A inexistncia de regras processuais especficas exigia, tal como jenunciado, que o Tribunal examinasse, como questo preliminar, a possibilidade de seaplicar esse instituto com base, to-somente, nas disposies constitucionais. A respostaa essa questo dependia, porm, da definio da natureza e do significado desse novoinstituto.

    A Corte partiu do princpio de que a soluo que recomendava aexpedio da norma geral ou concreta haveria de ser desde logo afastada. A regraconcreta deveria ser excluda em determinados casos, como decorrncia da naturezaespecial de determinadas pretenses, v. g., daquelas eventualmente derivadas dospostulados de direito eleitoral24. Tanto em relao a uma norma concreta quanto emrelao a normas gerais probe-se que a coisa julgada possa vir a ser afetada mediantelei posterior (art. 5, XXXVI). Como essas decises judiciais haveriam de transitar em julgado, no poderia a lei, posteriormente editada, contemplar questes que foram

    objeto do pronunciamento transitado em julgado25.

    A opinio que sustentava a possibilidade de o Tribunal editar uma regrageral, ao proferir a deciso sobre mandado de injuno, encontraria insuperveisobstculos constitucionais. Tal prtica no se deixaria compatibilizar com o princpio dadiviso de Poderes e com o princpio da democracia. Alm do mais, o modeloconstitucional no continha norma autorizadora para a edio de regras autnomas pelo

    juizado, em substituio atividade do legislador, ainda que com vigncia provisria,como indicado pela doutrina. Portanto, essa posio revela-se incompatvel com aConstituio26.

    Contra esse entendimento colocar-se-ia, igualmente, o princpio dareserva legal, constante do art. 5, II, da Constituio, uma vez que essas regras gerais,

    23 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133.24

    MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 e s.25 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (33).26 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (34-35).

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    que deveriam ser editadas pelos Tribunais, haveriam de impor obrigaes a terceiros,que, nos termos da Constituio, somente podem ser criadas por lei ou com fundamentoem uma lei.

    Por outro lado, a opinio dos representantes dessa corrente, quesustentavam a inadmissibilidade do mandado de injuno nos casos em que o exercciodo direito subjetivo exigisse a organizao de determinada atividade, instituio tcnicaou em que fosse imprescindvel a disposio de recursos pblicos, acabaria por tornarquase dispensvel27 a garantia constitucional do mandado de injuno.

    Aps essas consideraes, deixou assente o Supremo Tribunal Federalque, consoante a sua prpria natureza, o mandado de injuno destinava-se a garantir osdireitos constitucionalmente assegurados, inclusive aqueles derivados da soberaniapopular, como o direito ao plebiscito, o direito ao sufrgio, a iniciativa legislativapopular (CF, art. 14, I, III), bem como os chamados direitos sociais (CF, art. 6), desdeque o impetrante estivesse impedido de exerc-los em virtude da omisso do rgolegiferante.

    Comoomissodeveria ser entendida no s a chamadaomisso absoluta do legislador, isto , a total ausncia de normas, como tambm aomisso parcial, nahiptese de cumprimento imperfeito ou insatisfatrio de dever constitucional delegislar28.

    Ao contrrio da orientao sustentada por uma das correntesdoutrinrias29, o mandado de injuno afigurava-se adequado realizao de direitos

    constitucionais que dependiam da edio de normas de organizao, pois, do contrrio,esses direitos no ganhariam qualquer significado30.

    Todavia, o Tribunal entendeu, e assim firmou sua jurisprudncia, nosentido de que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omisso e a

    27 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11 (32-33).28

    MI 542/SP, Rel. Celso de Mello, DJ de 28-6-2002.29 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/11-31.30 MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ, 133/33.

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    determinar que o legislador empreendesse as providncias requeridas31.

    Aps o Mandado de Injuno n. 107,leading case na matria relativa omisso, a Corte passou a promover alteraes significativas no instituto do mandadode injuno, conferindo-lhe, por conseguinte, conformao mais ampla do que a atento admitida.

    No Mandado de Injuno n. 28332, o Tribunal, pela primeira vez,estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa mora legislativa, sob penade assegurar ao prejudicado a satisfao dos direitos negligenciados.

    No Mandado de Injuno n. 23233, o Tribunal reconheceu que, passadosseis meses sem que o Congresso Nacional editasse a lei referida no art. 195, 7, daConstituio Federal, o requerente passaria a gozar a imunidade requerida.

    Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exerccio de uma tpicafuno legislativa, o Supremo Tribunal Federal afastou-se da orientao inicialmenteperfilhada, no que diz respeito ao mandado de injuno.

    As decises proferidas nos Mandados de Injuno n. 283 (Rel.Seplveda Pertence) e n. 232 (Rel. Moreira Alves) e, ainda, no MI n. 28434 (Rel. Celsode Mello) sinalizaram para uma nova compreenso do instituto e a admisso de umasoluo normativa para a deciso judicial.

    O tema do direito de greve do servidor pblico tem lugar de destaque na

    jurisprudncia firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de mandado deinjuno.

    No Mandado de Injuno n. 20 (Rel. Celso de Mello, DJ de 22-11-1996),firmou-se entendimento no sentido de que o direito de greve dos servidores pblicosno poderia ser exercido antes da edio da lei complementar respectiva, sob o

    31 Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurana,cit., p. 277.32

    MI 283, Rel. Seplveda Pertence, DJ de 2.10.1992.33 MI 232, Rel. Moreira Alves, DJ de 27.3.1992.34 MI 284 - Rel. Marco Aurlio, Red. para o acrdo Celso de Mello, DJ de 26.6.1992.

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    argumento de que o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituanorma de eficcia limitada, desprovida de auto-aplicabilidade.

    Portanto, nas diversas oportunidades em que o Tribunal se manifestousobre a matria, reconhecia-se unicamente a necessidade de se editar a reclamadalegislao, sem admitir uma concretizao direta da norma constitucional.

    Na sesso de 7.6.2006, foi proposta a reviso parcial do entendimento atento adotado pelo Tribunal. Assim, foram apresentados votos que recomendavam aadoo de uma soluo normativa e concretizadora para a omisso verificada.

    Tendo em vista essa situao peculiar, recomendou-se a adoo explcitade um modelo de sentena de perfil aditivo, tal como amplamente desenvolvido naItlia.

    No caso do direito de greve dos servidores pblicos, afigurava-seinegvel o conflito existente entre as necessidades mnimas de legislao para oexerccio do direito de greve dos servidores pblicos (CF, art. 9,caput , c/c o art. 37,

    VII), de um lado, e o direito a servios pblicos adequados e prestados de formacontnua (CF, art. 9, 1), de outro. Evidentemente, no se outorga ao legisladorqualquer poder discricionrio quanto edio ou no da lei disciplinadora do direito degreve. O legislador poder adotar um modelo mais ou menos rgido, mais ou menosrestritivo do direito de greve no mbito do servio pblico, mas no poder deixar dereconhecer o direito previamente definido na Constituio.

    Identifica-se, pois, no caso, a necessidade de uma soluo obrigatria daperspectiva constitucional, uma vez que ao legislador no dado escolher se concede ouno o direito de greve, podendo to-somente dispor sobre a adequada configurao dasua disciplina.

    Em 25 de outubro de 2007, o Tribunal, por maioria, conheceu dosmandados de injuno ns. 670 e 70835 e, reconhecendo o conflito existente entre as

    35 MI 670, Rel. para o acrdo Gilmar Mendes; MI 708, Rel. Gilmar Mendes e MI 712, Rel. Eros Grau.

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    necessidades mnimas de legislao para o exerccio do direito de greve dos servidorespblicos, de um lado, com o direito a servios pblicos adequados e prestados de formacontnua, de outro, bem assim, tendo em conta que ao legislador no dado escolher seconcede ou no o direito de greve, podendo to-somente dispor sobre a adequadaconfigurao da sua disciplina, reconheceu a necessidade de uma soluo obrigatria daperspectiva constitucional e props a soluo para a omisso legislativa com aaplicao, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispe sobre o exerccio do direito degreve na iniciativa privada36.

    Assim, o Tribunal, afastando-se da orientao inicialmente perfilhada nosentido de estar limitada declarao da existncia da omisso legislativa para a ediode norma regulamentadora especfica, passou, sem assumir compromisso com oexerccio de uma tpica funo legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulaoprovisria pelo prprio Judicirio.

    O Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentena de perfil aditivo37,introduzindo modificao substancial na tcnica de deciso do mandado de injuno.

    Estamos, portanto, diante de significativa reviso da jurisprudncia noque concerne ao direito de greve do servidor pblico, que poder ter importantesreflexos na configurao do instituto no Direito brasileiro.

    IV. Concluses

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 manteve osistema hbrido de controle de constitucionalidade, que abrange tanto o sistema concretoquanto o de ordem abstrata.

    36 Os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurlio limitavam a deciso categoriarepresentada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condies especficas para o exerccio dasparalisaes.37

    As sentenas aditivas ou modificativas so aceitas, em geral, quando integram ou completam umregime previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a soluo adotada pelo Tribunal incorporasoluo constitucionalmente obrigatria.

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    No entanto, a Constituio ampliou significativamente a competnciaoriginria do Supremo Tribunal Federal, enfatizando de forma decisiva o controleabstrato, tanto por meio da expanso do rol de legitimados a ajuizar aes diretas deinconstitucionalidade e aes declaratrias de constitucionalidade, quanto peloprocedimento, dotado de amplitude, presteza e celeridade necessrias inclusive paraabsorver pleitos tipicamente individuais.

    No mbito do controle de constitucionalidade, a Constituio deuateno especial ao problema da omisso do legislador, prevendo instrumentospertinentes tanto ao controle difuso, como o mandado de injuno, quanto ao controleconcentrado de constitucionalidade, como a Ao Direita de Inconstitucionalidade poromisso.

    Nesse aspecto, a jurisdio constitucional brasileira tem desenvolvido,gradualmente, diferentes tcnicas de deciso. Se em primeiro momento o STF limitou-se, ao reconhecer a omisso, a emitir determinadas orientaes ao legislador,posteriormente foram empregadas tcnicas como a declarao de inconstitucionalidadesem pronncia de nulidade e sentenas aditivas.

    Em especial, destacam-se os casos de omisso parcial, em que se verificainequvoca fungibilidade entre os instrumentos da ao direta de inconstitucionalidade eda ao direta de inconstitucionalidade por omisso, oferecidos pela ConstituioBrasileira no controle abstrato de normas.

    O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, ainda que em

    desenvolvimento, demonstrou possuir os instrumentos adequados para sanar eventuaisinconstitucionalidades, ainda que originadas da omisso do legislador.

    VERSO FINAL. 27MAI2008