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Jurisprudência da Corte Especial

Jurisprudência da Corte Especial · enfrenta decisão que lancei nos autos de ação penal, nestas palavras: "Adoto o fiel relatório desenvolvido pela eminente Subpro curadora-Geral

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Jurisprudência da Corte Especial

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO PENAL N.Q. 125 - DF

(Registro n.Q. 97.0073611-3)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Relator p/ acórdão: Ministro Milton Luiz Pereira

Agravante: Eunice Pereira Amorim

Advogados: Alfredo Henrique Rebello Brandão e outro

Agravado: R. despacho de fls. 128/130

17

Réus: Amarílio Tadeu Freesz de Almeida, Maria de Lourdes

Abreu e Trajano Sousa de Melo

Advogado: Luís Maurício Daou Lindoso

Réu: Maurício Silva Miranda

Advogado: Jovistênio Barcelos de Araújo

EMENTA: Processo Penal - Agravo regimental - Queixa-crime

- Requisitos formais - Recebimento ou rejeição - Competência do

Relator.

1. No processamento da queixa, não divisadas as hipóteses de rejeição, dissocia-se da competência do Relator negar seguimento

processual sob o crivo de fundamentação agregada ao mérito.

2. Agravo provido.

ACÓRDÃO

Decide a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo

no julgamento, por maioria, dar provimento ao agravo regimental, na forma

do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Mil­

ton Luiz Pereira. Votou vencido o Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros

Vicente Leal, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Edson Vidigal, Garcia Vieira, Sálvio de

Figueiredo, Hélio Mosimann, Francisco Peçanha Martins e Demócrito

Reinaldo votaram com o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira. Ausentes,

justificadamente, os Srs. Ministros Barros Monteiro, Milton Luiz Pereira,

Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Luiz

RSTJ, Brasília, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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18 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Fontes de Alencar e Cesar Asfor Rocha não participaram do julgamento (art. 162, § 2.14, do RISTJ). Licen­ciado o Sr. Ministro William Patterson, sendo substituído pelo Sr. Minis­tro Felix Fischer. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 2 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente.

Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator p/ acórdão.

Publicado no DJ de 16.11.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O agravo enfrenta decisão que lancei nos autos de ação penal, nestas palavras:

"Adoto o fiel relatório desenvolvido pela eminente Subpro­

curadora-Geral da República, Delza Curvelo Rocha:

'Trata-se de queixa-crime oferecida pela Promotora de Jus­

tiça titular da 1ll. Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Am­

biente, Patrimônio Público e Social - Eunice Pereira Amorim, re­

sidente e domiciliada em Brasília, Distrito Federal, contra Amarílio Tadeu Freesz de Almeida, Procurador de Justiça, Maria

de Lourdes Abreu, Procuradora de Justiça, Trajano Sousa de Melo,

Promotor de Justiça e Maurício Silva Miranda, Promotor de Jus­

tiça, todos do Ministério Público do Distrito Federal e Territó­

rios, em virtude de declarações que, em tese, configurariam os delitos tipificados nos artigos 138 e 139 (calúnia e difamação)

c.c. 141, inciso UI, do Código Penal.

2. Aduz a querelante que foi atingida em sua honra subjeti­va pelo relatório da Comissão, integrada pelos ora querelados, constituída com o fito' ... de realizar estudo destinado a identi­

ficar os motivos que levaram a possível perda dos direitos da

AMPDFT sobre o terreno onde estão sendo construídas as ins­

talações de sua sede social, imóvel este denominado por Lote nll.

2/38 - Trecho 2 - SCE/S - Setor de Clubes Esportivos Sul'. Do

mencionado relatório, destacou a querelante os seguintes trechos,

verbis:

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A comissão, integrada pelos três primeiros querelados, ao concluir seus trabalhos, sem qualquer cuidado, sem pro­ceder a uma apuração criteriosa, teve o desplante de assina­lar, verbis:

'X - Considerações finais.

21. depois da cuidadosa análise dos fatos, verifi­ca-se que a AMPDFT firmou com a Terracap o instru­mento denominado Ordem de Ocupação, com data re­

troativa, conforme demonstrado no item 18 deste rela­tório.'

Representantes do Ministério Público, como sabem ser os querelados, conhecendo a lei penal, jamais poderiam, sem as conseqüências da conduta que adotaram, lançar a invectiva transcrita linhas atrás, mercê da qual imputou-se à querelante, sem rebuços, o comportamento defeso a que alude o art. 299 do Código Penal que tipifica o delito de falsidade ideológica.

Com efeito, dizer-se que um documento tenha sido for­malizado, através de ação direta da querelante, que também é representante do Ministério Público, a exemplo dos que­relados, com data falsa, com data inverdadeira, com data retroativa, corresponde a uma infringência concreta da lei pe­

nal, emoldurando-se desta forma, seguramente, quanto a seus colegas de instituição, o crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal, ...

Se os três primeiros querelados investiram contra a honorabilidade da querelante, não há negar igual carga de reprovação quanto ao quarto querelado. Este, tendo anuído com a apuração empreendida por seus colegas do Ministé­rio Público, chamados a integrar o pólo passivo no presen­

te feito, tendo-se prestado ao papel de divulgar as conclu­sões da Comissão a todos os membros do Ministério PÚ­blico Federal e Territórios, associacios ou não à AMPDFT,

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incorporou-se à conduta defesa, devendo por conseguinte submeter-se às mesmas conseqüências legais.

Percebe-se, desta forma, também, na maledicência que acaba de ser grifada, infringência ao art. 319 do Código Pe­nal, que define o crime de difamação, quando se procura colocar, através de artifício, a querelante no mesmo patamar de outras instituições ou pessoas destinatárias de ação de improbidade administrativa, ousadia a que não chegaram, até o presente momento, seus detratores .

... ' (fls. 2/10).

Notificados, os querelados ofereceram respostas às fls. 51/ 75 e 77/121 alegando que em momento algum do relatório inquinado de difamatório e calunioso, o nome da querelante, como também o de nenhuma outra pessoa é citado. Enfatizam que não agiram por iniciativa própria mas cumpriram determinação do órgão máximo de deliberação de sua associação de classe, no caso a assembléia geral. Aduzem, ainda, não terem agido com dolo e, em preliminar, argüiram a falta de justa causa para a ação e a narrativa de fatos atípicos.' (fls. 123/125).

Acrescento que o Ministério Público recomenda o prosseguimen­to do feito - eis que preenchidos os requisitos formais da queixa.

Em que pese esta respeitável manifestação, tenho para mim que o procedimento não deve ter de continuar.

Com efeito, a leitura do relatório malsinado deixou-me segura impressão de que seus autores não foram movidos pelo intuito de ofen­der a honra, a reputação ou a dignidade da querelante.

Eles noticiaram os fatos que apuraram. Nada criaram. Tampouco, agiram espontaneamente. Simplesmente cumpriram múnus imposto pela entidade de classe.

Os querelados não foram movidos pelo escopo de caluniar, in­juriar ou difamar. A atitude deles não foi dolosa (Código Penal, art. 18, I).

Ora, 'salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente' (CP, art. 18, parágrafo único).

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Manifesta a atipicidade da conduta atribuída aos querelados.

N ego seguimento à queixa-crime (RISTJ, art. 34, XVIII)."

A recorrente desenvolve vários argumentos, que resumo, assim:

21

"a) ao emitir a decisão agravada, o relator praticou ato reserva­

do à competência da Corte Especial, a teor da Lei n>1 8.038/90 (arts.

6>1, 12) do Regimento Interno (art. 11);

b) o art. 38 da Lei n>1 8.038, assim como o art. 34, XVIII, do Re­

gimento Interno não incidem na espécie, porque a qualificação penal

do fato é causa de rejeição da queixa (CPC, art. 43, I) o de absolvi­

ção;

c) em assim procedendo, o relator limitou o direito de petição e

violou o devido processo legal, retirando-lhe o direito de sustentação oral (Lei n>1 8.038/90, arts. 6>1, § 1>1, e 12, I);

d) ao contrário do que pareceu ao relator, os autores do relató­

rio malsinado não se limitaram a noticiar fatos, mas criaram situações

inexistentes, 'na via penalmente reprovável da má leitura e da interpre­

tação dirigida, carregadas sempre de distorções e equívocos voluntá­

rios';

e) com efeito, a pretexto de relatar, os querelados lançaram a

afirmação caluniosa de que a 'AMPDFT firmou com a Terracap o ins­

trumento denominado Ordem de Ocupação, com data retroativa, con­

forme, demonstrado no item 18 deste relatório', ou de que "não consta

no referido instrumento qualquer qualificação e sequer o CGC da As­

sociação;

t) outra expressão de sentido ambíguo diz 'existem também, dis­

tribuídos à 5l!. Vara Criminal da Circunscrição de Brasília, diversos in­

quéritos policiais, instaurados por requisição do Ministério Público para apurar fatos análogos';

g) tais assertivas coincidem com o tipo fixado pelo art. 138 do

Código Penal, traduzindo-se em calúnia;

h) em outras passagens, o relatório envereda pela difamação,

quando registra, verbis:

'22. Tais contratos não foram averbados na matrícula imobi­

liária específica, do Cartório de Registro de Imóveis competente.

RST], Brasília, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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24. Posteriormente, em que pese ter constado do referido

instrumento, que o mesmo teria validade até a formalização do

contrato de concessão do direito real de uso, a AMPDFT firmou,

com data posterior à edição da Lei n.Q. 8.666/93, uma mera auto­

rização de uso.

26. Tais pactos por sua própria natureza, e por expressas

cláusulas constantes dos contratos firmados pela AMPDFT, são

instrumentos que se caracterizam pela precariedade, não garan­

tindo, como não garantem, qualquer direito da Associação sobre

o imóvel ou mesmo sobre as benfeitorias realizadas.

30. Da análise realizada nos livros de ata da AMPDFT não

foi possível constatar nenhuma decisão, quer da Diretoria, quer

da assembléia geral, que autorizasse a assinatura de tais instru­mentos, em especial por sua precariedade.

31. Até o presente momento já foram dispendidos cerca de

R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com as obras realizadas no

imóvel em questão, valores estes decorrentes da contribuição vo­

luntária dos associados.

Concluíram (inciso XI do relatório).

31. A Comissão, como afirmado no início deste relatório,

não irá emitir opinião ou conclusões sobre os fatos ora relatados, até porque já existe opinião oficial do Ministério Público sobre

o assunto, eis que foi ajuizada na 3.3. Vara da Fazenda Pública uma

ação de improbidade administrativa, firmada por um Procurador e dois Promotores de Justiça, questionando càsos análogos, ou

seja, a questão está sob a apreciação do Poder Judiciário' (inciso

XI do relatório).' (fls. 142/143).

i) tais infâmias foram sacadas com evidente propósito de retirar

dividendos políticos, no controle da associação de classe."

Este, o relatório.

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VOTO-VENCIDO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

O agravo suscita duas questões, a saber:

a) competência do Relator, para negar seguimento à queixa;

b) tipicidade dos atos praticados pelos querelados.

Quanto ao primeiro tema, estou seguro de que não invadi competên­cia desta Corte.

Em verdade, a Lei n.Q. 8.038/90 traça o procedimento da ação penal

originária, reservando à Corte, para deliberar sobre o recebimento da quei­xa (art. 6.Q.).

É verdade, também, que a mesma Lei n.Q. 8.038/90 outorga competên­

cia a outro órgão do tribunal: o Relator, para negar seguimento a pedido que lhe pareça manifestamente improcedente.

O texto do art. 38 é imperativo, não outorga uma faculdade; simples­

mente determina: "O Relator negará seguimento a pedido manifestamente

improcedente" .

Isto significa: quando o Relator nega seguimento a pedido manifesta­

mente improcedente, ele não atua por delegação do colegiado, mas como

órgão diferenciado do Superior Tribunal de Justiça.

O art. 38 não limita a competência excepcional do Relator à matéria

cível. Nosso ordenamento legal, tampouco abriga qualquer dispositivo

restritivo.

Ora, a queixa-crime é o exercício do direito de ação. Nela se contém

pedido para que se instaure processo penal contra o querelado.

Ao indeferir tal requerimento não cometi usurpação.

No que respeita à tipicidade, observo que nossa jurisprudência assen­

tou-se no entendimento de que, para a caracterização do crime contra a

honra não basta a materialidade, fazendo-se necessária a constatação do dolo. É o que se verifica da ementa que passo a reproduzir.

"1. A intenção de se defender em inquérito policial, arrolando

fatos, cuja ocorrência pelos detalhes fornecidos, o acusado tem certe­

za ou fundada suspeita, exclui o delito de calúnia porque ausente o dolo imprescindível à sua configuração.

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2. Da mesma forma, na difamação é exigida a presença do dolo

consistente na atribuição de fato desonroso, circunstância que se ex­

clui quando se atua com animus defendendi. Não havendo propósito

de ofender, não se caracteriza a figura da difamação." (RRC n.Q. 7.653,

Sexta Turma/Fernando Gonçalves).

A Quinta Turma exige, mais precisamente, o dolo específico. Veja-se

a propósito:

"Nos delitos contra a honra, é necessário, além do dolo, o pro­

pósito de ofender (animus) que inexiste se ocorre o mero animus narrandi" (REsp n.Q. 118.417/Felix Fischer).

Ora, nossas duas turmas especializadas em Direito Penal coincidem na

exigência de dolo específico - reconhecidamente afastado, na hipótese - não

há como fugir à constatação de que a ação é manifestamente improcedente.

Nego provimento ao agravo.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): sob o

telheiro de dúvidas, pareceu-me conveniente fazer solitário exame das pe­

ças informativas do pleito penal. Concluído, para a continuação do julga­

mento, na esteira do relatório, recordo que se trata de queixa-crime arti­

culada pela Promotora de Justiça, titular da lll. Promotoria de Justiça de De­

fesa do Meio Ambiente, Patrimônio Público e Social contra Procuradores

e Promotores de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Ter­

ritórios.

Como razão, aduziu a querelante que foi atingida na sua honra sub­

jetiva pelo relatório da Comissão Administrativa integrada pelos querelados,

os quais, regularmente notificados, ofereceram respostas negando qualquer

referência injuriosa, difamatória ou caluniosa.

O Ministério Público recomendou o prosseguimento do feito, afirman­

do que estão preenchidos os requisitos formais da queixa (art. 41, CPP),

fundada na prática dos crimes definidos nos artigos 138 e 139, Código Pe­

nal.

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Sucedeu que o Sr. Ministro-Relator, negou seguimento ao processo da

queixa-crime, assim concluindo:

"Com efeito, a leitura do relatório malsinado deixou-me segura impressão de que seus autores não foram movidos pelo intuito de ofen­der a honra, a reputação ou a dignidade da querelante.

Eles noticiaram os fatos que apuraram. Nada criaram. Tampouco,

agiram espontaneamente. Simplesmente cumpriram múnus imposto pela entidade de classe.

Os querelados não foram movidos pelo escopo de caluniar, injuriar ou difamar. A atitude deles não foi dolosa (Código Penal, art. 18, I).

Ora, 'salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente' (CP, art. 18, parágrafo único).

Manifesta a atipicidade da conduta atribuída aos querelados.

Nego seguimento à queixa-crime (RISTJ, art. 34, XVIII)." (fls. 129 e 130).

A decisão ensejou agravo regimental (art. 258, RISTJ), com a análise dos sugeridos ilícitos penais, afirmando a parte agravante:

"Ocorre que, no assim proceder, o ilustre Ministro-Relator pra­ticou ato de competência da egrégia Corte Especial desse colendo Tri­bunal, a quem cabe exclusivamente deliberar sobre o recebimento ou a re­

jeição da queixa e julgar a procedência ou improcedência do pedido como resulta, de modo insofismável, do disposto nos artigos 6!l e 12 da Lei n!l 8.038, de 28 de maio de 1990, e artigo 11 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Não tem, com efeito, incidência na espécie a regra do artigo 34, inciso XVIII, do RISTJ, por isso que no direito vigente a não quali­ficação penal do fato - e, pois, a falta da tipicidade objetiva ou sub­

jetiva - é caso legal de rejeição da denúncia ou da queixa (Código de

Processo Penal, artigo 43, inciso I), ou de julgamento de improce­

dência do pedido, via absolvição (Código de Processo Penal, art. 386, inciso III), que a Lei Federal n!l 8.038/90, ao instituir normas

RSTJ, Brasilia, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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26 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior

Tribunal de Justiça, deferiu ao Tribunal ele mesmo, na sua composi­

ção colegiada, deliberar e julgar, a teor dos peremptórios termos dos

seus artigos 6.Q. e 12 ... "

"E, ao assim proceder - sem a fundamentação reclamada pela

Constituição da República (artigo 92, inciso IX) impôs à querelan­

te limitação ao direito de petição (CR, art. 5.Q., XXXIV, a) e flagrante

violação ao devido processo legal (CR, art. 5.Q., LV), suprimindo-lhe, fundamentalmente, contra os princípios que informam o Estado De­

mocrático de Direito, o 'Juízo Competente', o seu direito de dizer

sobre os documentos trazidos pelos querelados com as respostas (Lei n.Q. 8.038/90, artigo 5.Q.) e o seu direito à sustentação oral prévia e fi­

nal da acusação (Lei n.Q. 8.038/90) artigos 6.Q.) § 1.Q.) e 12) inciso 1), pe­

rante órgão competente para deliberar sobre o recebimento da quei­

xa, que é a Corte Especial desse excelso Tribunal." (fls. 137 e 138

- grifos originais).

o Sr. Ministro-Relator proferindo voto, sustentando a competência

para negar seguimento à queixa diante da atipicidade das condutas dos que­

relados, votou negando provimento ao agravo.

Nesse contexto, para o deslinde, continua pontuada a seguinte propo­

sição: a juízo do Relator, considerando atípicos os fatos, tem competência para negar seguimento processual?

Vamos às considerações pertinentes. E, para tanto, ressalta-se que a

querelante ofendeu-se por entender que os querelados, integrantes da pre­

dita Comissão, atribuíram-lhe dolosamente a prática de falsidade ideológi­

ca (art. 299, CP), conduta ajustada à definição do crime descrito no art. 138,

Código Penal. Também sentiu-se ferida na sua honorabilidade pelos regis­

tros de que se comportou como outros indiciados em vários inquéritos po­

liciais, revelando-se carga de maledicência, grifando que os querelados pra­

ticaram o crime definido no artigo 139, Código Penal.

Para a demonstração dos fatos juntou à inicial prova documental (fls.

17 usque 34).

Estão, pois, prenunciados dois crimes contra a honra na formalização

da queixa-crime.

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Diante desse enredo, o Sr. Ministro-Relator, fundamentando a ferretada decisão, incisivamente, concluiu que os " ... querelados não foram movidos pelo escopo de caluniar, injuriar ou difamar. A atitude deles não foi dolosa (Código Penal, art. 18, I)." - fl. 129.

Aí, o fulcro básico da minha dúvida: pode o Sr. Relator, desde logo, incursionando pelo leito probatório, adiantar juízo de mérito e rejeitar a queixa, obstaculizando o curso processual, sem que o órgão colegiado de­libere sobre o recebimento ou rejeição?

Para a resposta é preciso considerar, primeiramente, que a afirmação da conduta dolosa depende da análise da consciência e vontade do autor, contingente adstrito ao mérito, cuja demonstração probatória é dilargada no correr da instrução criminal. No entanto, para a denúncia ou queixa (hipó­tese ocorrente), formalmente, basta "a exposição do fato criminoso, com to­

das as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pe­los quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando neces­sário, o rol das testemunhas." (art. 41, CPP - grifei).

A bem se ver, a exposição inicial é detalhada e veio custodiada por prova documental. Tanto que os querelados, notificados (art. 4'\ Lei nQ

8.038/90), bem compreenderam as razões a queixa e comentando os refe­ridos tipos penais, clamando pela atipicidade, negaram a prática dolosa im­putada (fls. 51 e 52 e 77 a 90).

Demais, quaisquer imperfeições da queixa podem ser supridas.

Nessa perspectiva, argumentando, no aspecto formal (art. 41, ref.), a queixa não se amolda à hipótese do art. 43, I, CPP, salvo fincando-se juízo de mérito, opção feita pelo Sr. Ministro-Relator.

Não bastante, na senda do debate, mesmo admitindo-se ser viável ve­rificação adstrita ao juízo de mérito, repete-se a indagação: é competente o Relator?

Como visto, o Sr. Ministro-Relator sustentou afirmativamente, a dizer:

"Em verdade, a Lei n Q 8.038/90 traça o procedimento da ação penal originária, reservando à Corte, para deliberar sobre o recebi­mento da queixa (art. 6.Q).

É verdade, também, que a mesma Lei nQ 8.038/90 outorga com­petência a outro órgão do tribunal: o Relator, para negar seguimento a pedido que lhe pareça manifestamente improcedente.

RST], Brasília, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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o texto do art. 38 é imperativo, não outorga uma faculdade; sim­plesmente determina: 'O Relator negará seguimento a pedido manifes­tamente improcedente'.

Isto significa: quando o Relator nega seguimento a pedido mani­festamente improcedente, ele não atua por delegação do colegiado, mas como órgão diferenciado do Superior Tribunal de Justiça.

O art. 38 não limita a competência excepcional do Relator à ma­téria cível. Nosso ordenamento legal, tampouco abriga qualquer dis­positivo restritivo.

Ora, a queixa-crime é o exercício do direito de ação. Nela se con­tém pedido para que se instaure processo penal contra o querelado.

Ao indeferir tal requerimento não cometi usurpação."

Data venia, não comungo com essa interpretação. Deveras, após o ritual estabelecido no art. 4>1., Lei n>1. 8.038/90, as disposições processuais são claras:

"Art. 6>1.. A seguir, o Relator pedirá dia para que o Tribunal de­libere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras pro­vas.

§ P. No julgamento de que trata este artigo, será facultada sus­tentação oral pelo prazo de 15 (quinze) minutos, primeiro à acusação, depois à defesa.

§ 2>1.. Encerrados os debates, o Tribunal passará a deliberar, de­terminando o Presidente as pessoas que poderão permanecer no recin­to, observado o disposto no inciso II do art. 12 desta lei." (lei cit.).

Acentua-se que é permitida a sustentação oral (§ 1>1., art. 6>1., ref.), am­pliando ocasião para o contraditório, em termos substanciais, pilar do de­vido processo legal (art. 5>1., LV, CF). Outrossim, no caso, depois das respos­tas, quanto aos documentos carreados, não foi dada oportunidade para a querelante manifestar-se sobre eles, como assegura o art. 5>1., lei citada.

É certo que o Sr. Ministro-Relator, depois de referenciar na decisão combatida o art. 34, XVIII, RISTJ, trouxe à luz a autorização contida no art. 38, Lei n>1. 8.038/90:

"O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribu­nal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu

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objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifesta­mente intempestivo, incabível ou improcedente ou ainda, que contra­riar, nas questões predominantemente de direito, súmula do respecti­vo tribunal."

Conquanto significativa a invocação, fazendo-se interpretação literal ou teleológica, vincadas as exaustivas hipóteses legais para ser negado segui­mento (intempestividade, descabimento e contrariedade à súmula), aceitan­do-se a correção formal da queixa (art. 41, CPP), no caso, nenhuma delas autoriza decisão antecipada do Relator. Restaria a improcedência, dependente do juízo de mérito, solução que se afasta do momento processual afeito ape­nas à admissibilidade ou rejeição da queixa.

Agrega-se que, em exame sistêmico, não se associa a competência do Relator no processamento da queixa ao do inquérito por crime de ação pú­blica, entregue ao originário crivo do Ministério Público, quando pode, in­clusive, pedir o arquivamento (art. 3Q

, I, Lei nQ 8.038/90). Nesse eito, sabe­se, esta Corte tem aceitado decisão do próprio Relator, motivado por ex­pressa pretensão do parquet. Aqui, a situação processual é diversa, quando muito podendo o agente ministerial agir nos termos do art. 45, CPP.

Por fim, à mão de comentário, é bom aduzir que a Lei nQ 9.756/98, no pertencente ao processamento penal em comento, não trouxe modificações.

N essa lida, no referente à competência do Relator, inexiste lacuna normativa justificadora de interpretação supletiva ou extensiva, e sem de­feitos formais, a queixa, não divisando a hipótese de rejeição, nem presen­te está a oportunidade para adiantamento do juízo de mérito e, inocorrentes as restritas hipótese legais (art. 38, Lei nQ 8.038/90; RISTJ, art. 34, XVIII), convencido de que, tal como se põe o caso concreto, não se viabiliza a trava ao seguimento processual da queixa, com as vênias devidas ao Sr. Minis­tro-Relator, voto provendo o agravo.

É o voto-vista.

VOTO

O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Sr. Presidente, vou pedir, res­peitosamente, vênia ao Ilustre Ministro-Relator para subscrever as razões deduzidas do voto do Sr. Ministro Milton Luiz Pereira. Na compreensão da competência atribuída ao relator pelo art. 38 de negar seguimento a pedi­

do ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, é de entender que esse adjetivo "manifestamente" atinge as três situações, ou

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seja, é necessário que o recurso ou o pedido seja manifestamente in tem­pestivo, manifestamente incabível e manifestamente improcedente. Daí por que só nas hipóteses excepcionais de que a acusação seja manifestamente improcedente, pode o Relator negar seguimento ao pedido.

No caso em estudo, como já foi sobejamente decantado, há uma repre­sentação contra os representados, e o próprio Ministério Público Federal, em seu parecer, entendeu que a acusação tinha condições de ser recebida e processada.

Na linha do voto divergent~, com a respeitosa vênia ao Sr. Ministro­Relator, dou provimento ao agravo regimental.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA: Sr. Presiden­te, Srs. Ministros, com a devida vênia ao eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, estou em que, se a tipicidade se revelasse de pronto, acre­dito que poderia o eminente Ministro-Relator negar seguimento à queixa.

No caso, no entanto, para negá-la teve que se adentrar na questão do dolo e, nessa fase, sem se proceder à instrução do processo, parece-me incabível.

Com essas singelas considerações, acompanho o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.

VOTO

O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Sr. Presidente, com a vênia do eminente Ministro-Relator, acompanho a divergência.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Trata-se de queixa-crime intenta­da por Eunice Pereira Amorim contra Amarílio Tadeu Freesz de Almeida e outros, que teve o seu seguimento negado por decisão singular, da lavra do ilustre Ministro Humberto Gomes de Barros, assentada nestes fundamentos:

"Com efeito, a leitura do relatório malsinado deixou-me segura impressão de que seus autores não foram movidos pelo inwito de ofen­der a honra, a reputação ou a dignidade da querelante.

Eles noticiaram os fatos que apuraram. Nada criaram. Tampouco,

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agiram espontaneamente. Simplesmente cumpriram múnus imposto pela entidade de classe.

Os querelados não foram movidos pelo escopo de caluniar, injuriar ou difamar. A atitude deles não foi dolosa (Código Penal, art. 18, I).

Ora, 'salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente' (CP, art. 18, parágrafo único).

Manifesta a atipicidade da conduta atribuíd~ aos querelados.

Nego seguimento à queixa-crime (RISTJ, art. 34, XVIII)."

Sobreveio agravo regimental, ao qual o eminente Relator negou pro­vimento. Pediu vista dos autos o eminente Ministro Milton Luiz Pereira, que veio a dissentir. Seguiram-se os votos igualmente dissidentes dos ilustres Ministros Vicente Leal, José Arnaldo da Fonseca e Fernando Gonçalves. Chamado a votar, pedi vista dos autos, trazendo-os agora para retomada do julgamento.

A questão primeira que surge consiste em saber se o que se contém no art. 38 da Lei n,Q. 8.038/90, a respeito da competência do Relator para ne­gar seguimento a pedido ou recurso nas hipóteses ali mencionadas, é ou não compatível com a regra do art. 6,Q. do mesmo diploma legal, atributiva de competência ao colegiado no quanto especifica, nestes termos:

"Art. 6,Q.. A seguir, o Relator pedirá dia para que o Tribunal deli­bere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas."

Não vislumbro incompatibilidade, nem mesmo com relação à hipótese de manifesta improcedência, que diz com juízo de mérito, evidentemente.

Apresso-me, entretanto, de modo a não incutir dúvida nos espíritos, a esclarecer que em tal hipótese a possibilidade de decisão singular as­sume caráter bem restrito, pois improcedência manifesta não é senão aque­la flagrante, evidente, que prescinde de maiores indagações, de aprofun­damento, que resulta de um simples juízo de deliberação.

Não me parece possível, e aqui já me inclino claramente pela dissidên­cia, cogitar de manifesta improcedência quando se tem que examinar o ele­mento subjetivo do tipo, se se faz mister perquirir se houve ou não dolo.

Com essas breves considerações, acompanho os votos dissidentes, data venia.

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VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presidente, também peço

vênia ao Relator, para acompanhar a dissidência, que se iniciou com o voto

do Ministro Milton Luiz Pereira.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: A divergência entre os vo­

tos até agora proferidos prende-se à extensão da matéria deferida à decisão monocrática do relator.

O eminente Ministro Humberto Gomes de Barros considerou que

incidia o disposto no artigo 38 da Lei n>2. 8.038, cabendo ao Relator negar seguimento a pedido manifestamente improcedente. E a norma se aplicaria,

no caso, uma vez que, para a configuração do crime contra a honra, se exige

o dolo, inexistente na espécie.

Divergiu o douto Ministro Milton Luiz Pereira, entendendo que a pes­

quisa do elemento subjetivo não haveria de fazer-se nessa fase, devendo

ensejar-se mais amplo contraditório. Após a oferta das respostas, o proces­

so deveria ser submetido ao Tribunal, para deliberar, nos termos do artigo

6>2. daquela mesma lei. Na mesma linha o ilustre Ministro Costa Leite.

Ao que penso resulta do sistema da Lei n>2. 8.038, bem como do Có­

digo de Processo Penal que ao Relator se defere a mesma competência do juiz singular que pode rejeitar a denúncia ou a queixa nas hipóteses do ar­

tigo 43 do CPP. Nem se compreenderia se houvesse de notificar denuncia­

dos ou querelados, para oferecer resposta, e submeter a matéria à decisão

se imputados fatos penalmente irrelevantes, não previstos pela lei como

configuradores de delito.

A verificação desse requisito, pelo Relator, entretanto, há de ater-se ao

disposto no citado artigo 43. No que importa, a rejeição, por decisão

monocrática, é de admitir-se quando a imputação não corresponder a figura

delituosa.

Entendo, pois, que, descrito um crime e existindo elementos que

dêem: algum amparo aos fatos, o procedimento a seguir-se é o do artigo

6>2. da Lei n>2. 8.038. O Tribunal deliberará sobre o recebimento da denún­

cia ou da queixa, podendo rejeitá-los se, do exame de todos os elementos

trazidos, concluir pela inexistência do indispensável elemento subjetivo.

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No caso em julgamento impressionou-me uma circunstância, em rela­ção ao crime de calúnia. Para que exista tal delito, mister que se impute a alguém a prática de um crime e que essa imputação seja falsa. Sem esses dois elementos objetivos não há o crime. Necessário, pois, que a denúncia ou a queixa afirmem que houve a imputação e que essa não é verdadeira.

Ora, lendo e relendo a queixa, nela não encontrei a assertiva de que fosse falsa a asserção de que firmada a ordem de ocupação com data retroa­tiva. À fl. 11 encontra-se consignado, de maneira genérica, que os quere­lados "nada mais fizeram do que articular datas e fatos, verdadeiros e inver­dadeiros, para produzir outros inexistentes, de natureza caluniosa e difa­matória". Não se apontam os fatos não verdadeiros e especialmente, como já dito, não se qualifica como talo que importava. Em outras palavras, não se assevera que a questionada data seria correta, de modo a ter-se como fal­sa a imputação.

Não obstante isso, entendo que não se pode afirmar, nesse primeiro juízo, e examinada apenas a inicial, que não haja a descrição de um crime. Em tese pode haver difamação, que para esse é irrelevante a falsidade ou veracidade da increpação.

Tenho como certo, data venia do eminente Relator, magistrado por quem nutro singular admiração, que o processo deva caminhar para o pas­so seguinte, ensejando-se ao colegiado pronunciamento sobre o recebimento da queixa que, esse sim, poderá alcançar maior profundidade.

Dou provimento ao agravo.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Peço vênia ao Relator, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, para dar provimento ao agravo.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Peço vênia ao Mi­nistro-Relator para acompanhar a dissidência nos termos dos votos profe­ridos pelos Ministros Eduardo Ribeiro e Costa Leite, embora assinalando estar de acordo com o voto do Relator no tocante ao que de início parece não haver divergência, ou seja, de ser perfeitamente possível ao Relator, monocraticamente, decidir, rejeitando a queixa ou a denúncia, quando for o caso.

Acompanho a divergência no caso concreto.

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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NQ. 62.342 - RS

(Registro nl.C 95.0062188-6)

Relator: Ministro Fontes de Alencar

Embargante: Banco do Brasil S/A

Advogados: Leônidas Cabral de Albuquerque e outros

Embargado: Amandio Osvaldo Kuhn

Advogado: Arlindo Bauermann

EMENTA: Embargos de divergência.

Discrepância de julgados não caracterizada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer dos

embargos de divergência. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Hélio Mosimann, Francisco Peçanha Martins, Milton Luiz Pereira, Cesar Asfor Rocha, Vicente Leal, José Del­gado, Fernando Gonçalves, Eliana Calmon, Nilson Naves, Eduardo Ribei­ro e Garcia Vieira. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro (Presidente), José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer. Au­sentes, justificadamente, os Srs. Ministros Edson Vidigal, Waldemar Zveiter

e Humberto Gomes de Barros. Licenciado o Sr. Ministro William Patterson, sendo substituído pelo Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília-DF, 1l.C de setembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro COSTA LEITE, Presidente.

Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

Publicado no DI de 18.10.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Assim admitiu o re­

curso o Ministro Cid Flaquer Scartezzini, quando Relator:

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"Cuida-se de embargos de divergência intentado às fls. 186/196,

contra o v. acórdão às fls. 179/184, cujo sumário expressa:

'Crédito rural. 'Plano Collor'. Março/90. Índice corretivo.

Tratando-se de crédito rural, em que prevista a correção

monetária atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de poupança, aplicável no mês de março/90 o percentual de 41,28%, correspondente à variação do 'BTN'.

Recurso especial não conhecido.'

Na tentativa de comprovar a dissidência, destaca o recursante vá­rios arestos, inclusive da Corte Especial, em que, embora não se tra­tando de caso semelhante ao dos autos, foi admitido o IPC como ín­dice de correção monetária nos meses de março e abril de 1990.

Entendo configurada, em tese, a divergência, pelo que admito os embargos.

Vista ao embargado, nos termos do art. 267 do Regimento Interno

do STJ." (fl. 200).

Decorreu in albis o prazo para impugnação.

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O embar­gante traz alguns julgados da Terceira e Quarta Turmas. Sobre não dizerem eles com a espécie, a Segunda Seção em julgado posterior orientou-se na mesma linha do aresto embargado, consoante assim ficou decidido no REsp n.ll 111.881, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a teor da ementa correspondente:

"2. Os precedentes deste Tribunal afirmam que "em relação ao

mês de março de 1990, a dívida resultante de financiamento rural com recursos captados de depósitos em poupança deve ser atualizada segun­do o índice de variação do BTNF. Ante o atrelamento contratual, é

injustificável aplicar-se o IPC, para a atualização da dívida, se os de­

pósitos em poupança, fonte do financiamento, foram corrigidos por aquele índice', sendo certo que o percentual a ser aplicado é o de

41,28% (RSTJ 79/155)."

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Por outro lado, os demais precedentes (Corte Especial, EREsp n.\!.

37.384, Relator Min. Pedro Acioli, e os REsps n2.i. 58.807, Relator Minis­

tro Garcia Vieira, e 61.013, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgados em Turma) não tratam especificamente de dívida resultante de fi­nanciamento rural com recurso captados de depósito em caderneta de pou­pança, não servindo, portanto, para a caracterização da divergência.

Destarte, não conheço de embargos de divergência.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N.12 155.621 SP

(Registro n.\!. 98.0054331-7)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogados: José Eduardo Cruz Dias Lima e outros

Embargada: Maria Félix Monteiro

Advogados: Nilze Maria Pinheiro Aranha e outros

EMENTA: Processo Civil - Recurso especial - Prequestiona­

mento implícito - Admissibilidade - Orientação da Corte - Embar­gos acolhidos.

I - O prequestionamento implícito consiste na apreciação, pelo tribunal de origem, das questões jurídicas que envolvam a lei tida por vulnerada, sem mencioná-la expressamente. Nestes termos, tem

o Superior Tribunal de Justiça admitido o prequestionamento implí­cito.

II - São numerosos os precedentes nesta Corte que têm por

ocorrente o prequestionamento mesmo não constando do corpo do

acórdão impugnado a referência ao número e à letra da norma le­gal, desde que a tese jurídica tenha sido debatida e apreciada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento,

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acordam os Srs. Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Jus­tiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por una­

nimidade, conhecer dos embargos de divergência e os receber. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Francisco Peçanha Martins,

Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, José Arnaldo da Fonse­

ca, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Edson Vidigal e Garcia Vieira. Ausen­tes, justificadamente, os Srs. Ministros Barros Monteiro, Milton Luiz Pe­reira, Vicente Leal e Fernando Gonçalves. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Costa Leite, Luiz Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter e Fontes de Alencar não participaram do julgamento (art. 162, § 2.Q., do RISTJ). Licen­ciado o Sr. Ministro William Patterson, sendo substituído pelo Sr. Minis­tro Felix Fischer.

Brasília-DF, 2 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente.

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Relator.

Publicado no DJ de 13.09.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: A recorrida ajuizou ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social, pleiteando o pagamen­to de renda mensal vitalícia.

Acolhida a pretensão em primeiro grau, confirmou-a o Tribunal Re­

gional Federal da 3""" Região, em acórdão, assim ementado:

"Previdenciário. Renda mensal vitalícia. Ilegitimidade passiva. Inocorrência. Prova.

1. A teor do disposto no artigo 139, caput, da Lei n.Q. 8.213/91, o INSS é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação de ren­

da mensal vitalícia, até a regulamentação da Lei n.Q. 8.742/93.

2. Comprovada, mediante perícia médica a incapacitação da au­

tora para as atividades laborativas, não há como se lhe negar o bene­fício almejado.

3. Apelação improvida. Sentença mantida."

A autarquia manifestou recurso especial, com fundamento nas alíneas

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a e c do inciso lU do artigo 105 da Constituição, alegando ofensa ao arti­

go 12, I, da Lei n.Q. 8.742/93 mas não instruindo o dissídio.

Admitido na origem, a Quinta Turma deste Superior Tribunal de Jus­

tiça houve por não conhecer do recurso, por ausência de prequestionamento,

em acórdão da relatoria do Ministro Felix Fischer, com esta ementa:

"Processual Civil. Recurso especial. Admissibilidade. Prequestio­

namento.

- Ausente o prequestionamento do dispositivo legal tido como malferido, não merece conhecimento, pela alínea a, o recurso especial interposto (Súmulas n.Q!i 282 e 356 do STF).

- Não se pode conhecer do recurso especial pela alínea c do per­

missivo constitucional se não é apresentada nenhuma decisão diver­

gente.

- Recurso especial não conhecido."

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados, conforme a

seguinte ementa:

"Processual Civil. Embargos declaratórios. Recurso especial.

Admissibilidade. Prequestionamento explícito.

- Inexistente defeito alegado em relação ao acórdão embargado, que não conheceu do recurso especial por ausência de prequestio­

namento, rejeitam-se os embargos declaratórios.

- Embargos rejeitados."

Em seu voto, o Sr. Ministro-Relator afirmou ser necessário o preques­tionamento explícito dos dispositivos legais tidos por violados, acentuando

que, se o recorrente alegou, no recurso especial, violação do artigo 12 da Lei n.Q. 8.742/93 e não foi ele apreciado no acórdão de origem, haveria de

se interpor embargos declaratórios, o que não ocorreu.

Contra esse acórdão insurgiu-se o Instituto Nacional do Seguro So­

cial, por via de embargos de divergência, trazendo como confrontante o

REsp n.Q. 130.031, DJ de 29.09.97, que teve como Relator o Ministro

Adhemar Maciel, assim ementado:

"Processual Civil. Recurso especial, no qual se alega violação aos

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arts. 458 e 535 do CPC, por não ter o Tribunal de apelação mencio­

nado expressamente o dispositivo legal a ser suscitado no recurso es­

pecial. Nulidade do acórdão: não ocorrência, já que a questão federal

foi apreciada e solucionada. Recurso não conhecido.

I - Não há que se falar em ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC,

se o tribunal de 2li. grau apreciou e solucionou a questão federal pos­

ta na apelação, embora não tenha feito menção expressa ao respecti­

vo dispositivo legal, o que é desnecessário para o cumprimento do re­

quisito de admissibilidade do prequestionamento.

II - O tribunal de apelação não está obrigado a fazer menção expressa aos dispositivos legais invocados pelo apelante. Basta que

aprecie e solucione as questões federais insertas no artigos citados pelo

recorrente, com o que estará satisfeito o requisito do prequestio­

namento.

III - Recurso especial não conhecido."

Admitidos os embargos, não houve impugnação.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): 1. Volta a

esta Corte Especial, uma vez mais, o tema do prequestionamento, aqui

enfocado sob uma das suas muitas vertentes, trazido sob o rótulo da dicotomia explícito/implícito.

É tema complexo e tormentoso o prequestionamento, em seu contex­

to geral, que doutrina e jurisprudência ainda lapidam, embora já assente a

sua imprescindibilidade, em face dos nossos textos constitucionais desde a

Constituição de 1891 (art. 59, § 1li., a).

A propósito, colho do voto do Ministro Nilson Naves, nos EREsp nli.

8.285-RJ (DJ de 09.11.98), por sua precisão:

"Ao que penso, inexiste dissenso quanto a que se não prescinde

do prequestionamento. De sua necessidade, aqui no Superior Tribunal

todos nós melhor sabemos como ninguém. Malgrado não se duvide tra­

tar-se de requisito imprescindível, sem dúvida que há dissenso quan­

to à sua exata noção, ou ao seu perfeito alcance, quem sabe porque se

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revela, conforme bem anotou o Ministro Eduardo Ribeiro, 'muitas ve­

zes árdua a tarefa de verificar se concretamente houve o prequestio­

namento'."

Dentre os seus vários ângulos de abordagem, sobressai a polêmica em

torno da possibilidade ou não da admissão do chamado "prequestionamento implícito" .

O Supremo Tribunal Federal, no sistema constitucional anterior, ado­

tava postura mais rigorosa, a exigir não só a expressa referência ao dispo­

sitivo legal na peça de interposição do recurso de natureza extraordinária como também a referência, no acórdão impugnado, à norma legal tida por

vulnerada.

Este Superior Tribunal de Justiça, no entanto, não seguiu, por sua ex­

pressiva maioria, essa trilha, iniciada na Suprema Corte talvez em decor­

rência do então crescente volume do seu serviço forense. Com efeito, qua­

se por unanimidade, temos proclamado a desnecessidade da indicação ex­pressa do dispositivo legal na peça de interposição do recurso especial, con­

tentando-nos com a induvidosa articulação da tese jurídica.

A respeito, na doutrina, o magistério de Barbosa Moreira (Comen­

tários ao Código de Processo Civil, vol. V, 7iJ. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, nQ 321, pp. 576-577):

"É irrelevante o erro na designação do dispositivo constitucional pertinente; mas o Supremo Tribunal Federal tem negado conhecimento

ao recurso, quando o recorrente omite por completo qualquer indica­

ção a respeito - o que se nos afigura excesso de formalismo (consa­

grado, assinale-se, no art. 321 do Regimento Interno), em desarmonia, além de tudo, com o princípio iura novit curia. Claro está que, se se

alega ofensa à norma constitucional (letra a), imprecindível se torna especificá-la: absurdo seria deixar ao Tribunal o cuidado de perlustrar todo o texto da Lei Maior para localizar a suposta violação. Ainda nes­

sa hipótese, entretanto, nem sempre se exigirá a alusão ao número ou à letra do dispositivo pretensamente violado: se, por exemplo, afirma o recorrente a existência de ofensa à liberdade de exercício de culto

religioso, nada importa que deixe de citar o art. 5Q, inciso VI, da Carta

da República, do mesmo modo que não o prejudicaria eventual equí­

voco na citação. O essencial é que seja possível saber com clareza de

que se trata; apenas quando tal não ocorra é que terá cabimento invocar

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a proposição n.Q. 284 da Súmula da Jurisprudência predominante,

verbis: 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiên­

cia na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da con­

trovérsia' ."

São numerosos os julgados nesta Corte que têm por ocorrente o prequestionamento mesmo não constando do corpo do acórdão impugnado a referência à lei, desde que a tese jurídica nele tenha sido debatida e apre­

ciada. A isso se chama prequestionamento implícito.

A regra é que o acórdão tenha sido explícito no exame da norma. Mas,

pode a tese jurídica aflorar da própria fundamentação do acórdão sem que

tenha havido qualquer menção ao número e à letra do texto legal. Aí, esta­remos em face do prequestionamento implícito. Neste sentido, decidiu esta

Corte Especial no REsp n.Q. 6.854-RJ (DJ de 09.03.92), sob a relatoria do

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, com esta ementa:

"Recurso especial. Prequestionamento. Necessidade.

I - Orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

no sentido da indispensabilidade do prequestionamento da questão fe­deral suscitada no recurso especial. A regra adotada é a do prequestio­

namento explícito, admitindo-se, em casos excepcionais, o denominado

'prequestionamento implícito'."

Na mesma direção, sendo Relator o Ministro José Augusto Delgado,

o AgRg nos EDc1 no REsp n.Q. 11 L618-RS (DJ de 22.09.97), assim

ementado:

"Processual Civil. Tributário. Agravo regimental.

1. O recurso especial só é conhecido, aceitando o prequestio­

namento implícito, em situações excepcionais determinadas pela ex­

pansão com que os temas jurídicos foram discutidos no acórdão e no

recurso, guardando harmonia [ ... ]."

Em estudo publicado no Correio Braziliense, Caderno Direito & Jus­

tiça, p. 4, 24.03.97, define Jurandir Fernandes de Souza:

"O Prequestionamento pode ser explícito ou implícito. No primei­ro, exigido por dominante jurisprudência do STF, quaestio juris é

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debatida e julgada expressamente pelo acórdão recorrido. No segun­do, basta que ela exsurja da decisão recorrida, sem que a seu respeito

tenha havido debate e menção a qualquer dispositivo constitucional! legal."

No mais, tenho que o que há, muitas vezes, é simples imprecisão na fixação do que seja "prequestionamento explícito", como se vê em muitos votos nos quais, após ser sustentada a necessidade do prequestionamento explícito, se aduz não ser exigido que o dispositivo legal tido como viola­do seja expressamente citado no acórdão impugnado.

2. No caso, tenho por caracterizada a divergência.

Enquanto o acórdão paradigma dispensou, como se vê do relatório, a menção expressa aos dispositivos legais no texto do acórdão, diversamente se colocou o acórdão embargado.

3. Em face do exposto, ao conhecer dos embargos, os acolho, tendo por

preenchido o pressuposto do prequestionamento.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Discute-se,

nos presentes embargos, a questão relativa ao prequestionamento. O ilus­tre Relator, Min. Sálvio de Figueiredo, processualista emérito, define as formas com que se apresenta o prequestionamento, ou seja, implícito ou explícito, para assinalar que a polêmica em torno do tema resultaria de sim­

ples imprecisão na fixação do que seja "prequestionamento explícito", como se vê em muitos votos nos quais, após ser sustentada a necessidade do

prequestionamento explícito, se aduz não ser exigido que o dispositivo le­gal tido como violado seja expressamente citado no acórdão impugnado.

Penso, data venia, em contrário. Quando se trata de recurso especial,

a Constituição o admite para as hipóteses consagradas no inciso IlI, do art. 105, letras a, b e c. Na alínea a, diz o texto constitucional: "contrariar tra­

tado ou lei federal, ou negar-lhes vigência. Impõe-se, por isso mesmo, in­

dicar no recurso especial, qual o dispositivo violado ou cuja vigência haja sido negada. A sentença, por outro lado, resulta de exercício lógico de apli­

cação da lei aos fatos. As questões jurídicas discutidas na lide, por seu tur­

no, abarcam, não raro, vários temas de direito, regidos por normas legais diversas. Indaga-se, então, como ter por explícita a violação de lei, que se

impõe particularizada no recurso especial, se não se prequestionou, no

RSTJ, Brasília, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL 43

acórdão recorrido, o dispositivo ou dispositivos violados? O recurso espe­

cial não cabe para exame de "questões federais". O âmbito da sua

admissibilidade se restringe à violação da lei ou tratado. E em se exigindo

o prequestionamento, corolário do contraditório, a forma explícita seria a

da abordagem pelo acórdão recorrido, do dispositivo dito violado. A implí­

cita, sim, seria aquela da abordagem da matéria legal sem qualquer referên­cia aos artigos de lei violados.

A Corte Especial, porém, já decidiu que não se faz necessário à con­

figuração do prequestionamento explícito a definição dos artigos de lei regulamentadores das questões decididas e justificadoras do acórdão, bas­

tando que a questão federal haja sido abordada de modo explícito.

Paciência. Vencido, cumpre-me ressalvar o meu ponto de vista e acom­

panhar a Corte, o que faço, acompanhando o voto do Relator, ou seja, aco­

lhendo os embargos.

Relator:

N oticiante:

Noticiado:

Advogados:

NOTÍCIA CRIME N.Q. 90 RS (Registro nQ 98.0055592-7)

Ministro Garcia Vieira

Desembargador-Presidente do Órgão Especial do Tribu­

nal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Manoel Velocino Pereira Dutra

Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira e outros

Sustentação oral: Werner C. J. Becker (pelo noticiado)

EMENTA: Crimes de trânsito - Homicídio culposo - Recebi­mento - Denúncia - Absorção.

Existindo indícios da autoria e prova da materialidade do fato

criminoso, deve a denúncia ser recebida.

A classificação jurídica do fato pode ser alterada no decorrer

do processo.

O momento próprio para o juiz dar ao fato definição diversa da que constar da denúncia será o da sentença.

RSTJ, Brasilia, a. 12, (127): 15-47, março 2000.

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o crime previsto no artigo 306 da Lei n.!! 9.602/98 é absorvido

pelo previsto no artigo 302 (homicídio culposo na direção de veículo

automotor).

Denúncia recebida pelo artigo 302 da Lei n.!! 9.602/98.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, receber a denún­

cia, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os

Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Fontes de

Alencar, Barros Monteiro, Hélio Mosimann, Humberto Gomes de Barros,

Cesar Asfor Rocha, Vicente Leal, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gon­

çalves, Felix Fischer, Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro e Edson

Vidigal. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo,

Francisco Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo e Milton Luiz Pereira. Li­

cenciado o Sr. Ministro William Patterson, sendo substituído pelo Sr. Mi­

nistro Felix Fischer.

Brasília-DF, 1>2. de julho de 1999 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente.

Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 06.09.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: O Sr. Desembargador Cacildo

de Andrade Xavier, Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul, envia a esta alta Corte de Justiça o termo de flagrante

relativo à ocorrência de trânsito contra o Des. Manoel Velocino Pereira

Dutra e documentos pertinentes. Ofício do Sr. Delegado de Polícia, de nú­

mero 24405, apresentando preso em flagrante delito o Desembargador

Manoel Velocino Pereira Dutra pelo fato de, em estado de embriaguez, ao

volante de seu automóvel GM/Chevette, placa HOR6811, ter atropelado

Odilon Alves Chaves, coronel inativo do BM, no dia 22.07.98, na Av. Juca

Batista n>2. 1.684, por volta das 19 horas e 30 minutos, o qual veio a falecer

logo após no Hospital de Pronto Socorro. Comunicação às fls. 4/8. Laudo

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provisório para verificação de embriaguez, positivo, à fl. 9. Termo de fla­grante às fls. 12/16. Fiança à fl. 17. Auto de necropsia às fls. 21122, dando como causa morte traumatismo crânio-encefálico. Exames de laboratórios às fls. 23/26. Laudo pericial às fls. 41/46.

Despacho à fl. 57: solicitação de cumprimento do item "3" do pare­cer ministerial de fls. 34/35, reiterado à fl. 84.

Termo de depoimento de Marco Antônio Oliveira Rogoski, Talita da Cunha Chaves e Lourdes Barbosa Antunes, às fls. 94/99.

Denúncia às fls. 103/1 07 contra Manoel Velocino Pereira Dutra como incurso nas penas do artigo 302, parágrafo único, inciso lU e artigo 306 da Lei n.Q. 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código Nacional de Trânsito).

Defesa preliminar às fls. 133/145.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente, enten­do existir nestes autos prova da existência de fato que caracteriza o crime em tese, de homicídio culposo, previsto no artigo 302 da Lei n.Q. 9.602, de 21 de janeiro de 1998 e indícios de autoria por parte do denunciado. A materialidade está comprovada. As testemunhas ouvidas na polícia (fls. 94/ 99) e no flagrante (fls. 12/17), especialmente Marco Antônio Oliveira Rogoski (fls. 94/95), que viu o atropelamento, a perícia no local (fls. 40/ 53), apontam o acusado como autor do crime de homicídio culposo em di­reção do veículo envolvido no atropelamento que ocasionou a morte da ví­tima. O próprio denunciado, em sua defesa preliminar (fls. 133/145) afir­ma que:

"Os elementos válidos, constantes dos autos, demonstram, pelo auto de necropsia (fl. 21), pela perícia do Departamento de Crimi­nalística (fls. 41 a 44), pela palavra do defendente, colhida no auto de flagrante (fls. 14 a 16), e pelos depoimentos do condutor (fls. 12 e 13), e da testemunha da prisão (fls. 13 e 14), que o acusado, na noite de 22.07.98, mais ou menos às 19h30min. (segundo denúncia de fls. 103/ 107), quando dirigia um veículo tipo 'chevette', colheu o pedestre Odilon Alves Chaves, causando-lhe a morte.

Assim examinados os elementos colhidos até agora, fica induvi­

dosa tipicidade objetiva do fato que, em princípio e segundo a denúncia,

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caracterizaria conduta adequada ao artigo 302, caput, da Lei nQ. 9.503/

97 (Código Brasileiro de Trânsito).

Assim sendo, quanto à situação jurídica que decorre do fato

em exame e da referida tipicidade objetiva, impõe-se o recebimento

da denúncia, para que, no curso do processo que se seguir, possa o

acusado, no exercício de ampla defesa, demonstrar sua inocência." (fls.

133/134).

Insurge o denunciado contra a agravante prevista no item lU do arti­

go 302 do Código de Trânsito, "deixar de prestar socorro, quando possível

fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente". Entende ele que existem

elementos de fato que podem possibilitar o afastamento dessa agravante

mesmo nesta fase de admissibilidade da denúncia. A meu ver, não é esta a

oportunidade de se examinar se o denunciado prestou ou não socorro à ví­

tima. Ensina Mirabete, no seu Processo Penal, 5ll. edição, revista e atuali­

zada até janeiro de 1996, p. 129 que:

"A classificação jurídica do fato na denúncia não é definitiva,

podendo a imputação ser alterada no decorrer do processo. Assim, não

pode o juiz rejeitar a denúncia, por inépcia, mesmo quando entender

errada a classificação do crime oferecida na denúncia, já que se trata

de irregularidade sanável à sentença. O acusado defende-se da impu­

tação contida no fato descrito na denúncia e não de classificação que

lhe deu o seu subscritor."

O momento próprio para o juiz dar ao fato definição diversa da que

constar da denúncia será a sentença (artigo 383 do CPP), Tourinho Filho,

no seu Código de Processo Penal Comentado, volume 1, 4ll. edição atuali­

zada, 1999, p. 116, deixa claro que" ... o momento adequado para se pro­

ceder à perfeita qualificação jurídico-penal do fato é o da sentença, à dic­

ção do artigo 383 do CPP". A egrégia Sexta Turma, no Recurso em HC n!:?

4.881-RJ, DI de 08.12.95, decidiu que "não cabe ao juiz, ao receber a de­

núncia, classificar o crime nela prevista. A definição jurídica dos fatos su­

postamente delituosos cabe ao Ministério Público como titular que é da ação

penal (artigo 41 do CPP)".

No caso concreto, existem dúvidas sobre a referida qualificadora. O

condutor, Valdecir Alves Pereira, no flagrante (fl. 12), disse que o condu­

zido não teria prestado socorro à vítima. A testemunha Miguel Batista dos

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Santos, também no flagrante (fl. 13), afirmou ter sido informado que o de­nunciado teria fugido do local do atropelamento. A testemunha Marco An­tônio Oliveira Rogoski disse ter perseguido o denunciado, logo após o atro­pelamento e que este voltou ao local do acidente. Somente após a instru­ção poderia ser esclarecido se houve ou não a agravante e não nesta fase da denúncia. Por isso, a denúncia deve ser recebida pelo homicídio culposo em direção de veículo automotor, com a agravante do seu item lU.

O crime previsto no artigo 306 da Lei nll. 9.602/98, "conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem" é absorvi­do pelo homicídio culposo na direção do veículo automotor porque é ele­mento deste. É claro que, para praticar o crime previsto no artigo 302 (ho­micídio culposo), seria preciso que o denunciado estivesse bêbado, dirigindo veículo automotor na via pública, sem a devida atenção, e expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Ao ser punido por homicídio culposo na direção de veículo automotor, está o denunciado sendo punido pelo crime de conduzir veículo automotor, na via pública, expondo a perigo a vida dos pedestres (artigo 306). Não pode haver dupla punição porque a conduta cri­minosa é uma só.

Assim sendo, recebo a denúncia pelo artigo 302 da Lei nll. 9.602/98, com a agravante do item lU e deixo de recebê-la pelo artigo 306 da mesma lei.

VOTO

O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presiden­te, ouvi com muita atenção o douto voto do Sr. Ministro-Relator, bem as­sim a ilustrada sustentação oral, e, com atenção, também fiz a leitura do memorial que me chegou às mãos.

Estou de acordo com a conclusão do ilustre Ministro-Relator, que bem faz a diferença entre o crime de dirigir embriagado e o homicídio.

No caso concreto, a primeira infração penal visa a impedir o perigo, somente o perigo, de dirigir em condições sem a devida possibilidade de auto controle ao volante. Em acontecendo concretamente o dano, a morte, é evidente que, pelo princípio da consumpção, só se poderá falar no crime culposo contra a vida, ou, em tese, crime doloso (dolo eventual). A respei­to da omissão de socorro, está, inclusive no memorial, a notícia de que a vítima veio a falecer no hospital. Em face disso, em tese, se prestado o au­xílio, o resultado letal não teria ocorrido.

Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator.

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