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TATIANA MENUZZO DE JESUS Juventude sem direitos: Olhares e escutas sobre os jovens em um Projeto de Intervenção Sócio-educativa. UNISAL AMERICANA - SP 2008

Juventude sem direitos: Olhares e escutas sobre os jovens ...§ões_Tatiana... · A todos os jovens do Projeto que se dispuseram a participar desta pesquisa. A todos os professores

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TATIANA MENUZZO DE JESUS

Juventude sem direitos: Olhares e escutas sobre os jovens em um Projeto de Intervenção Sócio-educativa.

UNISAL AMERICANA - SP

2008

TATIANA MENUZZO DE JESUS

Juventude sem direitos: Olhares e escutas sobre os jovens em um Projeto de Intervenção Sócio-educativa.

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação do Professor Dr. Luís Antonio Groppo.

UNISAL AMERICANA - SP

2008

Comissão Julgadora

________________________________________

Prof. Dr. Luís Antonio Groppo

________________________________________

Profª. Drª. Renata Sieiro Fernandes

________________________________________

Profª. Drª. Sueli Maria Pessagno Caro

DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais, Alda e Gino, pelo apoio incondicional

que sempre me deram e por serem um exemplo para mim.

Ao meu marido Alvaro que sempre soube entender a minha

ausência e me ajudou de todas as maneiras possíveis e por vezes

“impossíveis”, com todo meu amor e carinho.

Aos meus amores Vinícius e Marina, que apesar de pequeninos

entendiam que em alguns momentos a mamãe não podia ser

somente deles.

Enfim, a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para

conclusão de mais esta etapa.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus que me possibilitou realizar este trabalho.

À minha família pelo estímulo e compreensão.

Agradeço as colegas de trabalho, Deise, Márcia, Marcilia e Maria, pela grande ajuda na

finalização deste trabalho.

A minha tia e grande amiga Andecléia, por sua ajuda na elaboração da dinâmica de

grupo utilizada neste trabalho e por suas palavras sábias e amigas que me deram ânimo

quando mais precisei.

A todos os jovens do Projeto que se dispuseram a participar desta pesquisa.

A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação do Centro UNISAL, que

contribuíram para que esta fase da minha vida acadêmica se concretizasse.

Em especial ao meu orientador Prof. Dr. Luís Antonio Groppo, pelo apoio nas

dificuldades, incentivo nos momentos de desânimo, pelas inúmeras conversas e

discussões na elaboração desta dissertação, me conduzindo, de forma amiga, nesta fase

da minha vida acadêmica.

“A juventude é um espelho retrovisor que reflete e revela a sociedade de desigualdades e diferenças sociais”.

(REGINA NOVAES)

RESUMO

Esta dissertação tem o objetivo de compreender as expectativas e vivências de jovens

em conflito com a lei, que cumprem medidas sócio-educativas no Projeto de

intervenção aqui estudado, em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Busca

entender sobre as aspirações destes jovens com relação ao seu futuro, suas crenças e

valores, relacionamento familiar, relação com o Projeto de Intervenção Sócio-educativa,

escola e mundo do trabalho, bem como suas concepções sobre juventude. O trabalho

apresenta as causas da atual crise social causadas pelo capitalismo neoliberal, critica as

soluções apontadas pela chamada Terceira Via e indica as limitações das ações do

Terceiro Setor, através do conceito de práxis social. Também investiga as dificuldades

enfrentadas pelos jovens brasileiros, em especial das camadas populares, e o que pode

levar os jovens ao “conflito com a lei”. Como resultados, destaca-se a pesquisa de

campo que demonstra desejos e expectativas contraditórios daqueles jovens do Projeto,

em relação à sociedade, à família, ao mercado de trabalho e ao próprio Projeto.

Palavras chave: juventude em conflito com a lei, Medidas Sócio-educativas, capitalismo

neoliberal, práxis social e comunitária.

ABSTRACT

This dissertation has the objective to comprehend the expectations and life experience

of youngsters in conflict with the law that fulfils socio-educational measures in the

Intervention Project here studied, in a city in the countryside of Sao Paulo State. It

searches understanding about the aspirations of these youngsters towards their future,

their beliefs and values, family relationship, the relationship with the socio-educational

Intervention Project, the school and work environment, as well as their conception of

youth. This dissertation presents the causes of the current social crisis caused by the

neoliberal capitalism, criticizes the shown solutions by the co called Third Way and

indicates the limitations of the Third Sector actions, trough the concept of social praxis.

It also investigates the difficulties faced by the Brazilian youngsters, mainly the ones

from the more popular social stratum, and what can carry the youngsters to the “conflict

with law”. As for the results, stands out he field research that evidences the

contradictory desires and expectations of the youngsters of the Project regarding the

society, the family, the labour market and the Project itself.

Keywords: youth in conflict with the law, socio-educational measures, neoliberal

capitalism, communitarian and social praxis.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Jovens que freqüentam o Projeto conforme gênero.................................84

TABELA 2 - Jovens que freqüentavam o Projeto conforme gênero no ano de

2005.................................................................................................................................85

TABELA 3 - Jovens que freqüentavam o Projeto conforme gênero no ano de

2006.................................................................................................................................86

TABELA 4 - Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido no ano de

2005.................................................................................................................................86

TABELA 5 - Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido no ano de

2006.................................................................................................................................86

TABELA 6 - Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido no ano de

2007.................................................................................................................................86

TABELA 7 - Jovens do Projeto conforme etnia/cor 2007..............................................87

TABELA 8 - Idade dos jovens que cumprem medida sócio-educativa no

Projeto..............................................................................................................................95

TABELA 9 - Distribuição dos jovens segundo ato infracional cometido......................96

TABELA 10 - Idade dos jovens que cumprem medida sócio-educativa de liberdade

assistida no Projeto..........................................................................................................97

TABELA 11 - Idade dos jovens que cumprem medida sócio-educativa de prestação de

serviços à comunidade no Projeto...................................................................................97

TABELA 12 - Idade dos jovens que cumprem medida sócio-educativa de liberdade

assistida mais prestação de serviços à comunidade.........................................................98

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

1. NEOLIBERALISMO, “TERCEIRO SETOR” E POLÍTICAS SOCIAIS. ......16

2. JUVENTUDE E INTERVENÇÃO SOCIAL .........................................................29

2.1 CONDIÇÃO JUVENIL .................................................................................................30 2.2 JUVENTUDE NO BRASIL ...........................................................................................35 2.3 JUVENTUDE DAS CAMADAS POPULARES NO BRASIL ....................................................39 2.4 A INTERVENÇÃO SOCIAL EM RELAÇÃO À JUVENTUDE..................................................51 2.5 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS..................................................................................56

3. PRÁXIS SOCIAL E COMUNITÁRIA NO PROJETO ......................................68

3.2 O PROJETO DE INTERVENÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA .....................................................75 3.2.1 O Município ......................................................................................................75 3.2.2 Histórico do Instituto Assistencial e do Projeto .........................................76 3.2.3 Descrição geral das ações do Projeto..........................................................78

4. OS JOVENS E A INTERVENÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA DO PROJETO ....83

4.1 A METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO ................................................................83 4.2 Análise dos dados do Projeto ...........................................................................84 4.3 Análise das respostas aos questionários ........................................................98 4.4 Descrição e análise da dinâmica de grupo...................................................104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................130

ANEXO A – MODELO DE QUESTIONÁRIO APLICADO ................................135

ANEXO B – TRECHOS DA ENTREVISTA UTILIZADA PARA A REALIZAÇÃO DA DINÂMICA DE GRUPO ........................................................136

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................145

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INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira parece estar cada vez menos tolerante quando o assunto é

a violência, basta ler um jornal ou assistir a um noticiário para se deparar com o teor das

notícias sobre violência. A divulgação pela imprensa sensacionalista de notícias sobre

crimes “bárbaros” envolvendo jovens causam comoção nacional e faz ressurgir no país

o debate sobre a redução da maioridade penal apoiado por grande parcela da população

que se sente insegura frente à violência e a suposta impunidade dos jovens em conflito

com a lei.

O Senado Federal realizou uma pesquisa de opinião pública em abr./2007 sobre a

violência no Brasil. No que diz respeito à Maioridade Penal a pesquisa aponta que para

87% dos ouvidos pelo DataSenado “os menores infratores devem receber a mesma

punição dos adultos” (DATASENADO, 2007, p. 4). Para 36%, os jovens devem

adquirir idade penal aos 16 anos, outros 29% consideram que desde os 14 anos o jovem

já deve ser imputável, 21% dos brasileiros defendem a punição a partir dos 12 anos e os

demais 14% defendem que a maioridade penal não deveria existir e que o jovem deveria

ser punido em qualquer idade (DATASENADO, 2007). Há que se considerar que o

preconceito e discriminação direcionados aos jovens em conflito com a lei emergem

também de estratos da sociedade que ao que parece os estigmatiza como “marginais”,

“delinqüentes” e tantos outros nomes, mas que deveria vê-los como pessoas em

formação, vítimas e não causadores dos problemas sociais, extinguindo do seu linguajar

o termo pejorativo “menor infrator” carregado de resquícios do antigo Código de

Menores.

Diante deste cenário, movido pelo calor das emoções, no qual a maior

preocupação é tão somente a punição, a pesquisa produzida vem com o intuito de

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construir um “novo” olhar sobre jovens em conflito com a lei na garantia dos seus

direitos e na busca por políticas públicas que auxiliem nessa construção. Para tanto

buscamos compreender quais as expectativas e vivências destes jovens que cumprem

medidas sócio-educativas no Projeto de Intervenção, em uma cidade do interior de São

Paulo, buscamos ainda conhecer as aspirações destes jovens com relação ao seu futuro,

suas crenças e valores, relacionamento familiar, relação com o Projeto de Intervenção

Sócio-educativa, escola e mundo do trabalho, bem como suas concepções sobre

juventude.

A metodologia utilizada nesta pesquisa empírica foi a bibliográfica e

documental, através de observação participante, aplicação de questionários e análise de

documentos do Projeto.

A presente dissertação se divide em 4 capítulos:

No primeiro capítulo, Neoliberalismo, “Terceiro Setor” e Políticas Sociais,

criticamos as atuais políticas sociais realizadas dentro do contexto de um governo

neoliberal gerador de desigualdades sociais, bem como a Terceira Via que tem o

propósito de consolidar o capitalismo neoliberal, porém mantendo as relações de

exploração nas quais as camadas populares são as mais afetadas. É nesse cenário que

estão incluídos os jovens em conflito com a lei. Embora não se possa atribuir a este

contexto toda a prática de atos infracionais por jovens, é a partir dele que qualquer

leitura e estudo que queira ser mais profundo precisa ser feito.

No segundo capítulo, Juventude e Intervenção Social, apontamos o que

entendemos por juventude, discutimos os problemas causados a esta parcela da

população devido à adoção do sistema neoliberal pelo governo brasileiro, apresentamos

dados gerais e específicos sobre a juventude brasileira e também sobre a juventude das

camadas populares, apresentando dados que apontam as diversas dificuldades sofridas

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por esta parcela da população e as tentativas encontradas por estes jovens para escapar

da “exclusão social”. Traçamos ainda um paralelo entre o Código de Menores Mello

Mattos e o Estatuto da Criança e do Adolescente, tratando de temas polêmicos como o

extermínio e a inimputabilidade penal até os dezoito anos. Finalizando este capítulo

tratamos sobre as medidas sócio-educativas quais sejam, advertência, reparação do

dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e

internação, analisando individualmente a prestação de serviços à comunidade e a

liberdade assistida que são as medidas sócio-educativas de principal interesse desta

dissertação, por serem aplicadas pelo Projeto aqui estudado.

No terceiro capítulo, Práxis Social e Comunitária no Projeto, apresentamos

inicialmente e discutimos o conceito, adotado por nós, de práxis social e comunitária.

Analisamos o Projeto e suas medidas sócio-educativas no contexto das políticas em

tempos de neoliberalismo de Terceira Via, bem como no contexto das atuais difíceis

condições enfrentadas pela juventude das camadas populares. Apresentamos dados

sobre o município no qual o Projeto está localizado e a descrição geral das ações do

Projeto.

No quarto capítulo, Os Jovens e a Intervenção Sócio-educativa do Projeto,

anunciamos qual a metodologia utilizada. Apresentamos e analisamos os dados colhidos

em nossa pesquisa sobre os jovens do Projeto, analisamos os questionários aplicados e a

dinâmica de grupo realizada, bem como as concepções dos jovens sobre o que é “ser

jovem”.

Este trabalho visa contribuir para que um novo olhar seja dirigido ao jovem em

conflito com a lei, pois estes, assim como todos os jovens, devem ter seus direitos

garantidos, devem ser respeitados devido a sua peculiar condição de pessoa em

desenvolvimento. Através do presente trabalho, pretendemos ainda conhecer um pouco

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mais sobre o universo destes jovens, sobre seus desejos, expectativas, dificuldades e

relacionamento com o Projeto de Intervenção.

O rap, parte do movimento hip hop, é um dos estilos que os jovens do Projeto

mais gostam. Através de nossa observação participante pudemos ter essa percepção.

Creditamos essa preferência devido às letras dos raps serem em sua maioria de protesto,

seja contra o sistema político-econômico vigente, leia-se Estado, seja contra a sociedade

que fecha os olhos, ouvidos e portas para estes jovens e também, por vezes contra o

crime e contra a violência no país e no mundo, bem como contra a violência dirigida às

minorias.

Trechos da música O Crime vai e vem dos Racionais MCs1 ilustram algumas das

críticas que pretendemos fazer nesta dissertação:

Dinheiro, segredo palavra-chave Manipula o mundo e articula a verdade Compra o silêncio, monta a milícia Paga o sossego, compra a política Aos olhos da sociedade mais um bandido E a bandidagem paga o preço pela vida Vida entre o ódio, traição e o respeito Entre a bala na agulha e uma faca cravada no peito Daquele jeito ninguém ali brinca com fogo Perdedor não entra nesse jogo É como num tabuleiro de xadrez Xeque-mate vida ou morte um dois três Vê direito, pare pensa nada a perder O réu acusado já foi programado pra morrer Quem se habilita a debater Quem cai na rede é peixe não tem pra onde correr O crime vai o crime vem

1 “Racionais MC's é um grupo de rap e hip-hop formado por Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edi Rock (Edivaldo Pereira Alves) e DJ KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões) em 1988 na cidade de São Paulo. Usando a linguagem da periferia, com gírias e expressões típicas das comunidades pobres da cidade de São Paulo, as letras do grupo fazem um discurso contra a opressão à população marginalizada na periferia de São Paulo e procuram passar uma postura contra a submissão e a miséria. Apesar de atuar essencialmente na periferia paulistana e de não fazer uso de grandes mídias como TVs abertas e mesmo de se recusar a participar de grandes festivais pelo Brasil, o grupo vendeu durante a carreira cerca de 1 milhão de cópias de seus álbuns”( http://pt.wikipedia.org/wiki/Racionais_MC's).

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A quebrada tá normal e eu tô também O movimento dá dinheiro sem problema O consumo tá em alta como manda o sistema Eu tô aqui com uma nove na mão Cercado de droga e muita disposição ladrão Fui rotulado pela sua sociedade Um passo a mais para ficar na criminalidade O meu cotidiano é um teste de sobrevivência Já tô na vida então paciência cada história uma lição da própria vida, cada caminho um atalho uma tentativa a qualidade aqui são das piores vários malucos dando sangue por dias melhores, foi dado o golpe de estado cavernoso a máquina do desemprego fabrica criminoso.

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1. NEOLIBERALISMO, “TERCEIRO SETOR” E POLÍTICAS SOCIAIS.

No Brasil contemporâneo as políticas sociais ainda não são, e nem foram uma

preocupação dos governos, aliás, são políticas que mais servem para o controle social,

sendo utilizadas como “válvulas de escape” para conter a população. Não são políticas

voltadas para o desenvolvimento social, a fim de atender as necessidades básicas da

população, garantindo assim qualidade de vida.

No início de 2007, muito se ouviu na mídia sobre o PAC (Plano de Aceleração

do Crescimento), que é um programa do governo federal que busca o crescimento

econômico. Conforme o site do governo federal, o PAC é:

Um novo conceito de investimento em infra-estrutura que, aliado a medidas econômicas, vai estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país. (http://www.brasil.gov.br/pac/)

O PAC prevê um investimento de 503,09 bilhões, na região sudeste e os

investimentos serão destinados aos transportes, rodovias, portos, geração e distribuição

de energia elétrica etc.

A economia tem grande importância e, em longo prazo, acreditamos que pode

promover benefícios sociais para diversas regiões, porém, vemos hoje a urgência em

agir especificamente para a população das camadas populares e excluídas da nossa

sociedade, gerando políticas sociais que de fato levem o indivíduo ao desenvolvimento,

gerando a promoção do mesmo e não políticas assistencialistas, como o famoso bordão

utilizado em campanhas publicitárias do governo Federal o qual diz que o governo “não

dá o peixe, mas ensina a pescar”. O que temos visto é uma sucessão de programas

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sociais assistencialistas como o Programa Bolsa Família2, instituído pelo governo

federal, que tem a proposta de combater a fome e a miséria, porém, em nada contribui

para a transformação social, conforme Frigotto:

[...] a crença de que o problema é conjuntural pode conduzir a políticas públicas focalizadas e de natureza filantrópica ou de “administração e controle da pobreza”, sem atentar para políticas que atacam as estruturas produtoras da desigualdade (FRIGOTTO, 2006, p.194).

Pois, a situação de abandono e miséria da população não é combatida em suas

raízes. Ocorrem apenas ações fragmentadas para manter o controle social, é mais um

programa que tem o intuito de esconder a realidade do sistema, para que o conflito não

ocorra ou apareça.

O neoliberalismo continua presente nas ações do governo atual e por este motivo

julgamos importante fazer uma breve discussão sobre este tema. Uma citação de um dos

principais autores neoliberais contribuirá para o início deste:

Uma sociedade livre requer certos valores que, em última instância, se reduzem à manutenção de vidas: não a manutenção de todas as vidas, porque poderia ser necessário sacrificar vidas individuais para preservar um número maior de outras vidas. Portanto, as únicas regras morais são as que levam ao “cálculo de vidas”: a propriedade e o contrato (Hayek, F. A. apud PEDEX3, 1995, p. 40).

No neoliberalismo a propriedade e o contrato estão em primeiro lugar e a vida

humana fica em segundo plano, já que Hayek diz ser muitas vezes necessário sacrificar

2 O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00) http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e. 3 PEDEX é uma publicação do Programa Educativo Dívida Externa, promovida por CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional; CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae; CMP – Central de Movimentos Populares; DESER – Departamento Sindical de Estudos Rurais; IFAS – Instituto de Formação e Assessoria Sindical “Sebastião Rosa da Paz”; Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço; MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

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vidas, o que supostamente garantiria que um número maior de vidas pudesse prosperar

ao garantir o respeito à propriedade e o contrato.

Hayek não só aceita a desigualdade (“como um mal necessário”); na verdade, ele defende a necessidade da desigualdade, como mecanismo (“natural”) estimulador do desenvolvimento social e econômico. A diferença de expectativas, de capacidades, de sorte, desencadearia a concorrência, considerada estrategicamente como regulador social por excelência [...] (MONTAÑO, 2002, p.80).

O neoliberalismo surge para controlar a crise do capitalismo e sua proposta é que

o Estado não interfira no Mercado, pois as crises existentes são devidas ao excesso de

intervenção do Estado no Mercado. Para o neoliberalismo o Mercado se auto-regula e

para garantir isso é preciso realizar privatizações, a liberalização da economia e o

combate aos sindicatos, para que estes não lutem pelos direitos dos trabalhadores, e não

se contraponham à redução de salários e de direitos sociais que foram conquistados ao

longo dos tempos. Assim o neoliberalismo cumpre a sua verdadeira proposta que é a

maximização dos lucros dos empresários, ou seja, o lucro econômico (PEDEX, 1995).

Para alcançar sua proposta, que é o lucro econômico, é preciso também restringir

a liberdade política, sendo uma característica dos governos neoliberais a repressão.

Apesar de afirmarem que praticam a democracia, através das suas ações os governos

que abraçam o ideário neoliberal demonstram que são governos autoritários. O Estado

tem que ser mínimo, porém somente na garantia de direitos sociais, mas deve ser

máximo na repressão e domínio da sociedade para coagi-la quando necessário, para que

não haja questionamentos sobre o sistema neoliberal e para que a população consinta,

mesmo sendo explorada com a precarização do trabalho e o aumento dos preços dos

produtos da cesta básica e dos serviços básicos como água, energia elétrica e saúde

(quando estes são acessíveis).

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A população das camadas populares está cada vez mais explorada e submetida a

essa situação de completo abandono, sendo mesmo culpabilizada pela sua condição de

miséria e pobreza, pelo seu suposto fracasso.

O capitalismo neoliberal hoje impera em várias partes do mundo. No Brasil isso

também ocorre, gerando grandes problemas sociais, já que no neoliberalismo o social

não é prioritário, o Estado é “mínimo” no que se refere justamente ao social e quem

mais sofre as conseqüências dessa política neoliberal é o trabalhador que tem seus

direitos extinguidos a cada dia, sem contar os altos níveis de desemprego que geram

exclusão social e fatalmente problemas relacionados à falta de condições básicas de

sobrevivência como a fome, falta de moradia, educação, saúde, lazer etc. (PEDEX,

1995). Sobre isso são oportunas as palavras de Bourdieu sobre o que é a ideologia

neoliberal:

[...] uma política de Estado que visa agir sobre as próprias estruturas de distribuição para uma política que visa simplesmente corrigir os efeitos da distribuição desigual dos recursos do capital econômico e cultural, isto é, para uma caridade de Estado destinada, como nos bons velhos tempos da filantropia religiosa, aos “pobres merecedores” (deserving poors). Com o enfraquecimento do sindicalismo e das instâncias mobilizadoras, as novas formas que a ação do Estado reveste contribuem para a transformação do povo (potencialmente) mobilizado em uns agregados heterogêneos de pobres atomizados, “excluídos”, como são designados pelo discurso oficial; aliás, estes são evocados, sobretudo (senão exclusivamente) quando “causam problemas” ou para lembrar aos beneficiados que se trata de um privilégio possuir um emprego permanente (BOURDIEU, 1997, p. 218-219).

Os jovens das camadas populares são alguns dos mais prejudicados por esta

visão neoliberal que é geradora dos problemas sociais, principalmente o desemprego

que gera a vulnerabilidade social e a falta de perspectivas de vida, por vezes levando-os

para o “conflito com a lei”, inclusive por conta das difíceis condições de suas famílias.

O enfraquecimento dos sindicatos leva à precarização dos contratos de trabalho,

extinguindo direitos conquistados pelos trabalhadores através de lutas e reivindicações,

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fragilizando cada vez mais o fator trabalho nas relações sócio-econômicas com o

aumento da exploração das classes que vivem do trabalho. A citação abaixo demonstra

não apenas este fato, mas também que o ideário neoliberal ganhou tamanha hegemonia

nas últimas décadas que penetrou até mesmo na práxis de partidos e governos tidos

como de “esquerda”:

A precarização do contrato de trabalho dos jovens (na França, principalmente os franceses descendentes de africanos) foi introduzida (também) na Itália em 1997, pelo governo de esquerda de Romano Prodi, obtendo como único resultado o crescimento dos lucros do capital às custas da decadência das condições de vida dos jovens trabalhadores. Na França, as primeiras ofensivas contra a estabilidade do trabalho foram obra dos socialistas Mitterrand e Jospin. O ataque à estabilidade do trabalhador permite contratos por tempo breve, diminuição dos salários, aceleração do ritmo e degradação das condições de trabalho, desorganização da resistência sindical etc. No Brasil em 1967, sob as ordens o capital, a ditadura pôs fim a estabilidade por tempo de trabalho, substituída pelo Fundo de Garantia e a multa rescisória em demissões sem justa-causa (MAESTRI apud PARK et.al., 2006, p. 9).

Diante destes problemas, o sistema hegemônico capitalista vem desenvolvendo

outras estratégias para lidar com estes jovens em situação de exclusão e se legitimar,

como a Terceira Via.

A implementação do neoliberalismo no Brasil coincidiu com o auge da Terceira

Via ao longo dos anos de 1990, e vem se consolidando através desse programa político:

O projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira via, sistematizado pelo sociólogo, reitor da London School of Economics and Political Science e intelectual orgânico do novo trabalhismo inglês, Anthony Giddens, apresenta a característica de negar o conflito de classes e até mesmo a existência dessa divisão nas sociedades ditas “pós-tradicionais”, ancorando uma sociabilidade com base na democracia formal, ou seja, na “conciliação” de interesses de grupos “plurais”, na alternância de poder entre partidos políticos “renovados”, na auto-organização e envolvimento das populações com questões ligadas às suas localidades, no trabalho voluntário e na ideologia da responsabilidade social das empresas. Permanecem intocadas, contudo, as relações de exploração, que estão longe de serem abolidas

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no mundo contemporâneo, sobretudo nos países capitalistas periféricos (LIMA; MARTINS, 2005, p. 15).

A citação acima nos dá uma ampla visão do que é a proposta da Terceira via, ou

seja, consolidar o neoliberalismo, porém o Estado continua repassando suas

responsabilidades para a “Sociedade Civil” e as relações de exploração ainda

permanecem.

Através do incentivo ao voluntariado o governo diminui cada vez mais seus

gastos sociais, já que há organizações não-governamentais (ONGs) que atenderiam essa

população excluída com esse tipo de trabalhador que não gera despesas salariais e

empregatícias.

A terceira via afirma que “o governo pode e deve desempenhar um importante papel na renovação da cultura cívica” da sociedade civil, ou seja, dirigir a sociedade civil a partir de certas diretrizes. Esse processo exigiria: a disposição de a sociedade civil trabalhar em parceria com o Estado; o incentivo à auto-organização por grupos de interesses; o incentivo ao potencial das comunidades na resolução dos seus próprios problemas; um pacto social para a solução pacífica dos conflitos. Tudo isso para preservar princípios muito caros ao liberalismo, quais sejam a defesa da liberdade individual, o Estado como instância acima e imune aos conflitos de classes, a economia livre de um controle rígido e a naturalização das desigualdades. São esses os pressupostos políticos que nortearão seus princípios e suas estratégias de ação política (LIMA, 2005, MARTINS, 2005, p. 51).

Assim podemos entender que se trata da “manipulação” da “Sociedade Civil”

para consolidar a hegemonia burguesa, manipulação feita para que esta trabalhe em

parceria com o governo, porém atendendo aos interesses do capitalismo, de uma forma

totalmente ardilosa, que não gere conflitos, pois a “Sociedade Civil” é organizada para

resolver problemas em suas comunidades de forma fragmentada, sem uma visão geral

sobre os problemas que ocorrem no Brasil e no mundo. A raiz do problema não é

atacada, somente trabalha-se superficialmente para que a população não se revolte. Os

problemas que vão aparecendo são considerados como pequenos focos de incêndio que

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são apagados, porém, o grande incêndio continua a queimar. É transferida para a

sociedade a tarefa de lutar contra a pobreza e a exclusão social, mas não de modo a

contestar os fundamentos do sistema capitalista.

Cabe ao governo, nesta proposta da “Terceira Via", promover a “concertação

social”, ou seja, conciliar os interesses divergentes de grupos diferentes conforme a

citação a seguir:

A reforma do Estado [...] enquanto “um princípio orientador básico da política da Terceira via”, deveria ser responsável por um conjunto de medidas inovadoras, tais como promover a sociedade civil ativa e, com isso, assegurar um modelo de inclusão social em bases distintas do que foi tentado pelo Estado de bem-estar social, aprofundar e ampliar os espaços de convivência democrática e de colaboração social, incentivar e fortalecer a economia mista, regular por meio de leis modernas, as atividades que representem riscos para a sociedade. Com essas referências, “uma das principais tarefas do governo [seria] precisamente conciliar as reivindicações divergentes de grupos de interesse especial”, isto é promover a concertação social (LIMA; MARTINS, 2005, p. 55).

Ao se incentivar os grupos de indivíduos para agirem, mesmo que esse agir seja

fragmentado, é quebrada a suposta dependência gerada nas sociedades pelo governo de

bem-estar social, fazendo com que os indivíduos “caminhem com suas próprias pernas”,

se ajudem mutuamente para com isso acabar com a dependência que porventura

possuam em relação ao Estado, deixando claro que o Estado não tem responsabilidade

com as questões sociais, ou seja, a Terceira Via é o neoliberalismo com uma nova

“cara”. A Terceira Via, nada mais é do que defensora do neoliberalismo, para que as

coisas permaneçam como estão: “ela pode ser apresentada como um programa

comprometido com a atualização do projeto burguês de sociedade e pela geração de

uma Pedagogia voltada a criar uma unidade moral e intelectual comprometida com essa

concepção” (LIMA, 2005, MARTINS, 2005, p. 67).

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Quanto ao termo “Sociedade Civil”, já algumas vezes acima citado, este tem sido

muito utilizado, seja no discurso dos indivíduos envolvidos em ações sociais, seja na

política. O seu significado varia de acordo com a época em que se vive, havendo uma

grande diversidade de significados para este termo. Porém, utilizaremos o conceito de

“Sociedade Civil” formulado por Gramsci,

Gramsci afirmava que as modernas formações econômico-sociais ocidentais são resultantes do dinâmico entrelaçamento de duas esferas societárias, a sociedade civil e a sociedade política. Pela nova acepção que conferiu ao termo “sociedade civil”, esta era para ele o conjunto de aparelhos, estruturas sociais, que buscam dar direção intelectual e moral à sociedade, o que determina a hegemonia cultural e política de uma das classes sobre o conjunto da sociedade; e a sociedade política uma extensão da sedimentação ideológica promovida pela sociedade civil, que se expressa através dos aparelhos e atividades coercitivas do Estado, visando adequar as massas à ideologia e à economia dominantes (MARTINS, 2005, p. 8).

As organizações do “Terceiro Setor” ou da “Sociedade Civil” afirmam-se neutras

ético-política e ideologicamente. Mas fica a dúvida sobre sua neutralidade, já que, para

atenderem a demanda de adolescentes em conflito com a lei (no caso do Projeto), ou

mesmo atendendo a demanda da população das camadas populares, dependem de

recursos financeiros de Empresas Privadas e principalmente do Estado – no caso

específico do atendimento ao adolescente em conflito com a lei no Estado de São Paulo,

através da Fundação CASA (Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente)

antiga FEBEM (Fundação Estadual do Bem-estar do Menor).

O discurso dos que utilizam a palavra “Terceiro Setor” para representar um tipo de intervenção social cujos interesses estão além dos modelos cuja sociabilidade articula-se pelo Mercado ou pelo Estado esconde e revela muitas coisas. Revela que o compromisso do “Terceiro Setor” não é propriamente com os projetos globais de libertação das condições que produzem as carências de toda espécie e as vergonhosas desigualdades sociais; sobre essa questão prefere assumir a “neutralidade”, o silêncio, a indiferença, que como diz Gramsci “é o peso morto da histórica”. Esconde, todavia, que os

24

resultados de suas ações sempre fragmentárias não impactam decisivamente o status quo, tornando-se, então, dele colaboradora como ação “típica do pensamento liberal” (MARTINS, 2005, p. 16).

Para Gramsci, a “Sociedade Civil” é o conjunto de aparelhos ou estruturas

sociais como igrejas, escolas e sindicatos, cuja meta é dar direção moral e intelectual à

sociedade, mantendo a hegemonia das classes dominantes. Mas o termo “Sociedade

Civil” hoje também vem sendo utilizado como sinônimo de “Terceiro Setor”, ou seja,

um suposto espaço neutro fora do Estado e fora do Mercado. O “Terceiro Setor” tem

sido muito discutido no mundo contemporâneo. Considera-se um espaço neutro, ou seja,

livre de ideologias políticas e sem nenhum vínculo com o Estado ou com o Mercado. O

Estado seria o primeiro setor e o Mercado o segundo setor, conforme apresenta

MARTINS na citação a seguir:

(O “Terceiro Setor”) exibe-se como uma iniciativa social ou como um setor, um espaço, neutro ético-política e ideologicamente, isto é, nem comprometido com o capitalismo, seja ele na sua versão neoliberal (mais desumana e injusta) ou social-democrata (“mais social”, porém menos intervencionista), e nem, muito menos, com o socialismo, sobretudo pelo alegado peso histórico autoritário que esse modelo historicamente adquiriu (MARTINS, 2005, p. 12).

Contudo, a “Sociedade Civil” nada tem de neutra, já que ela preserva a

hegemonia do grupo dominante com suas ações localizadas no âmbito comunitário, em

busca do consenso, trabalhando muitas vezes em parceria com o Estado e também de

Empresas Privadas, favorecendo a manutenção da hegemonia da classe dominante.

O “Terceiro Setor” não pode ser neutro ético-política e ideologicamente se é

articulado a empresas privadas, e muitas vezes, faz parceria com o Estado que repassa

às Instituições a responsabilidade de lidar com os problemas sociais, mas financiado por

ele e por empresas privadas, para que assim possa manter o controle social.

25

Com a criação das ONGs4 (Organizações não governamentais), OSCs5

(Organizações da Sociedade Civil) e OSCIPs6 (Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público) que são organizações da “Sociedade Civil” inseridas no universo

também chamado de “Terceiro Setor”, os movimentos sociais perdem sua força, já que

não fazem mais reivindicações ao Estado , mas trabalham em “parceria” com ele.

Os movimentos sociais impulsionaram em passado recente mudanças sociais

diversas; realizados em sua maioria pelas camadas populares e excluídas da sociedade,

que, em busca de melhores condições de vida organizavam-se (e, na verdade, ainda se

organizam, mesmo que não na mesma intensidade) para defender suas idéias, mostrar

suas necessidades “Ações sociais coletivas de caráter sóciopolítico e cultural que

viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas“

(GOHN, p.13, 2003).

Houve uma importante mudança de perfil das ONGs nos anos 1990, que diferem

das ONGs dos anos 1980 que trabalhavam junto aos movimentos populares. As dos

anos 1990 e do início do século XXI são inscritas no universo do “Terceiro Setor”,

portanto:

Voltadas para a execução de políticas de parceria entre poder público e sociedade, atuando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo ausente, como na educação e saúde, para clientelas como meninos e meninas que vivem nas ruas, mulheres com

4“É definida como uma organização que não seja parte do governo, nem tenha sido fundada pelo Estado, dispondo de autonomia administrativa e atuando, sem fins lucrativos, em áreas específicas, como as de natureza social, cultura, legal ou ambiental e com objetivos essencialmente não comerciais” (LIMA, 2007, p. 215). 5“O termo é popularmente utilizado, no entanto não possui respaldo legal e passou a ser empregado como sinônimo de organização que atua no terceiro setor, ou ainda, organização de natureza privada sem fins lucrativos. A legislação brasileira prevê que as organizações não lucrativas podem constituir-se das seguintes forma: fundações públicas ou privadas; associações ou sociedades civis; cooperativas; e cooperativas sociais” (BOAS, 2007, p. 219). 6“Segundo a Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999, OSCIP é “[...] a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que as aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social” (BOAS, 2007, p. 221).

26

baixa renda, escolas de ensino fundamental etc (GOHN, 2003, p. 22).

Os movimentos sociais perderam um pouco sua visibilidade, já que, por

exemplo, são raras suas manifestações nas ruas. Desde os anos 1990, o que restava e

resta destes movimentos, através das ONGs, passaram a ser direcionados para um nível

mais “operacional”, propositivo. Não são mais movimentos contra o Estado e sim de

participação nas políticas, na parceria (GOHN, 2003).

É importante ressaltar sobre as “parcerias” que estas não ocorrem somente

conforme o sentido literal da palavra que o dicionário on-line da língua portuguesa7

caracteriza como “reunião de indivíduos para a exploração de interesses em comum;

sociedade; companhia”, ao contrário, dentro do termo parceria está embutida uma gama

de significados nem sempre identificados sem um entendimento sobre a questão social8.

Com o capitalismo neoliberal a parceria ganha um significado diferente do citado, sendo

uma reunião de indivíduos para consolidação dos interesses do capital e não dos

interesses em comum de toda uma sociedade.

Sobre as “parcerias”, Montaño discute-as no contexto da descentralização dos

serviços sociais do Estado conforme a proposta de Bresser Pereira, que define de forma

ampla a parceria como “[...] a transferência de decisões para as unidades subnacionais,

como a delegação de autoridade a administradores de nível mais baixo” (PEREIRA

apud MONTAÑO, 2002).

Montaño fala ainda sobre a criação de leis e incentivos para as “organizações

sociais” (“Terceiro Setor”), para desenvolvimento da “filantropia empresarial”, para o

serviço voluntário e outras atividades, de modo a que assim se desenvolva uma relação

de “parceria” entre estas organizações e o Estado (MONTAÑO, 2002).

7 http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx 8 Sobre isto, ver Montaño (2002).

27

Porém esta parceria entre Estado e as “organizações sociais” (instituída mediante a Lei nº 9.790, de março de 1999), mais do que um estímulo estatal a ação cidadã, representa desresponsabilização do Estado da resposta à “questão social” e sua transferência para o setor privado (privatização), seja para fins privados (visando lucro), seja para fins públicos. No entanto, a motivação do governo para tal reforma não é a declarada, qual seja: aumentar a esfera pública, melhorar o atendimento à população, desenvolver a democracia e a cidadania mediante a ampliação da participação e do controle social. Quem poderia imaginar que estes fossem os objetivos do FMI, dos “Chicago boys” e das autoridades intelectuais que deram sustentação ao Consenso de Washington? A verdadeira motivação desta (contra-) reforma, o que está por trás de tudo isto, no que refere à chamada “publicização”9, é, por um lado, a diminuição dos custos desta atividade social – não pela maior eficiência destas entidades, mas pela verdadeira precarização, focalização e localização destes serviços, pela perda das suas dimensões de universalidade, de não-contratualidade e de direito do cidadão –, desonerando o capital [...] (MONTAÑO, 2002, p.47, grifos nossos).

Neste contexto, o objetivo da participação cidadã passa ao largo do legítimo

fortalecimento da “Sociedade Civil”. Esta cidadania pouco tem da verdadeira cidadania,

segundo a concepção que adotamos, que aponta caminhos para a construção de uma

nova realidade social, ou seja, a transformação social em busca de igualdade, mas

reconhecendo acima de tudo a diversidade cultural.

Para Gohn:

A participação cidadã envolve direitos e deveres (diferentemente da concepção neoliberal de cidadania, que exclui os direitos e só destaca os deveres, vendo o cidadão como um mero cliente de um mercado ou um usuário de um serviço prestado); os deveres, na perspectiva cidadã, articulam-se à idéia de civilidade, a concepção republicana de cidadão (GOHN, p.18, 2003).

O conceito de participação cidadã conforme a citação acima, no qual os sujeitos

de uma comunidade devem estar mobilizados e articulados na busca de um propósito

9 Bresser Pereira define este termo como sendo “a transformação dos serviços não-exclusivos de Estado em propriedade pública não-estatal e sua declaração como organização social” (PEREIRA apud MONTAÑO, 2002, p.45)”.

28

em comum, baseado no respeito às diferenças culturais e aos valores de cada indivíduo,

está distante do estímulo a “ação cidadã” citada por Montaño, que está incluída na

concepção neoliberal de cidadania, que extingue os direitos e enaltece os deveres,

focando na cultura instituída pelo neoliberalismo que prega “faça sua parte”, ou seja,

estimula o voluntariado e tira a responsabilidade do Estado nas ações sociais que

deveriam ser de sua responsabilidade.

29

2. JUVENTUDE E INTERVENÇÃO SOCIAL

Para que os jovens sejam considerados sujeitos de direitos e não estejam apenas

sujeitos aos “direitos" de uma minoria, que possui interesses que não o contemplam, é

necessário que sejam elaboradas políticas públicas que visem à emancipação

econômica, política e social dos jovens. Para tanto é importante à discussão sobre a

condição juvenil para um entendimento do sentido que estamos atribuindo à juventude e

como tal condição afeta os jovens de um determinado momento histórico.

Neste mesmo contexto apresentamos dados sobre a juventude brasileira

baseando-nos, em especial, na Pesquisa Juventude do Instituto Perseu Abramo, para

fornecer subsídios ao leitor sobre a situação juvenil também discutida neste capítulo.

Discutimos, no primeiro capítulo, os problemas causados pelo sistema de

governo neoliberal adotado pelo governo brasileiro, que é responsável por diversos

problemas econômicos e sociais enfrentados atualmente pela juventude como um todo e

com alguns agravantes para aqueles que pertencem às camadas populares – assunto

também deste segundo capítulo.

Neste capítulo, sobre os jovens das camadas populares, discutimos, ainda que

brevemente, os diversos fatores que levam à exclusão e o “extermínio” social, bem

como sobre o extermínio no seu sentido literal, apresentando dados de pesquisas que

apontam para esta realidade.

Ainda neste capítulo discutimos as medidas sócio-educativas preconizadas pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente contrapondo-as com o extinto Código de

Menores.

30

2.1 Condição juvenil

Entendemos juventude como uma categoria social e parte da estrutura das

sociedades modernas e contemporâneas referente a indivíduos que estão na chamada

“socialização secundária” – a que os prepara para a integração nas esferas públicas da

sociedade. Essa “segunda socialização” se dá no âmbito dos relacionamentos existentes

fora do contexto familiar, no qual se dá o que podemos chamar de nossa “primeira

socialização”.

Para a compreensão dos significados sociais das juventudes modernas e contemporâneas, o essencial não é delimitar de antemão a faixa etária da sua vigência. Esta faixa etária não tem caráter absoluto e universal. É um produto da interpretação das instituições das sociedades sobre a sua própria dinâmica. A juventude trata-se de uma categoria social usada para classificar indivíduos, normatizar comportamentos, definir direitos e deveres. É uma categoria que opera tanto no âmbito do imaginário social, quanto é um dos elementos “estruturante” das redes de sociabilidade. De modo análogo à estruturação da sociedade em classes, a modernização também criou “grupos etários homogêneos”, categorias etárias que orientam o comportamento social, entre elas, a juventude.[...] Não são todas as sociedades, porém, que criam grupos sociais a partir destas “fases da vida”, ou de categorias etárias. Na maior parte das sociedades pré-modernas, a tendência é a mistura de idades dentro de grupos heterogêneos (em geral, de parentesco, ou assemelhados), como a sociedade medieval analisada por Phillippe Ariés (1981). A criação de grupos etários homogêneos corresponde a sociedades que criam uma esfera social “pública” mais elaborada, uma parte da vida social mais ou menos separada da família e das relações de parentesco. Nestas sociedades, exige-se uma “segunda socialização”, a socialização secundária, para ensinar o indivíduo a viver também em esferas sociais não organizadas a partir da família e do parentesco (Berger & Luckmann, 1974, parte III), sociedades em que há uma relativa ou absoluta autonomização de esferas sociais como economia, cultura, religião e política. Estas são as sociedades que S. N. Eisenstadt (1976) chama de “sociedades universalistas”. O seu exemplo mais extremo são as sociedades modernas” (Groppo, dez./2004, p. 10-13).

31

Conforme citação, a juventude trata-se de uma categoria social para classificar

indivíduos, normatizar comportamentos, definir direitos e deveres, trata-se também de

uma preparação para a vida adulta.

Outro conceito importante para nossa discussão é o de “condição juvenil”. A

noção clássica de “condição juvenil” segundo Abramo:

remete, em primeiro lugar, a uma etapa do ciclo da vida, de ligação (transição, [...]) entre infância, tempo da primeira fase do desenvolvimento corporal (físico, emocional, intelectual) e da primeira socialização, de quase total dependência e necessidade de proteção, para a idade adulta, em tese a do ápice do desenvolvimento e da plena cidadania , que diz respeito, principalmente, a se tornar capaz de exercer as dimensões da produção (sustentar a si próprio e a outros), reprodução (gerar e cuidar de filhos) e participação (nas decisões, deveres e direitos que regulam a sociedade (ABRAMO, 2005, p. 40).

Esta noção define a condição juvenil como uma preparação para a vida adulta,

de forma igual para todos os jovens, porém esta noção clássica generaliza a juventude

como se todos os jovens tivessem contemplados igualmente os seus direitos. Não que

não tenham em tese os mesmos direitos, porém esses direitos ficam garantidos apenas

no papel. É impossível dizer que os jovens de um país tão desigual como o Brasil vivam

juventudes iguais. É impossível dizer que todos os jovens brasileiros ou de qualquer

outro país (pois o modelo neoliberal no qual estamos inseridos gera profundas

desigualdades em todos os países do mundo) podem desenvolver-se plenamente.

Sabemos que não é bem assim, apesar de concordarmos que deveria ser assim.

Um jovem das camadas populares e um jovem das classes mais abastadas não

vivem a juventude de forma igual, apesar de terem os mesmos direitos como dito

anteriormente.

É difícil viver a juventude com plenitude, tendo todos seus direitos efetivamente

garantidos, quando se precisa trabalhar para sobreviver, assumir responsabilidades de

32

um adulto, ser responsável pela renda familiar, é necessário passar direto da infância

para a vida adulta. Isso nos lembra um fato visto recentemente num noticiário na

televisão, quando um pai que perdera o filho de 16 anos assassinado brutalmente fala ao

repórter que justamente agora que o filho poderia trabalhar para ajudá-lo, uma tragédia

dessas acontece. Este pai, uma pessoa humilde, via no filho a possibilidade de ajuda na

renda familiar.

Há também uma distinção entre condição juvenil e situação juvenil.

A condição juvenil é “o modo como uma sociedade constitui e atribui

significado a esse momento do ciclo da vida, que alcança uma abrangência social maior

referida a uma condição histórico geracional” (ABRAMO, 2005, p. 42).

A situação juvenil é “o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos

recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia, etc” (ABRAMO, 2005, p.

42).

Portanto, a condição juvenil é vista como algo mais geral que afeta os jovens de

um determinado momento histórico. A dimensão histórico-geracional seria os aspectos

específicos que particularizam uma determinada juventude, como por exemplo, branca

ou negra, rica ou pobre, e a situação juvenil remete a como a juventude é vivida

baseando-se nas diferenças sociais.

Um olhar sociológico sobre a condição juvenil torna relativa a sua dimensão biológica. Ou seja, social e historicamente, variam até mesmo as idades que são abarcadas pela faixa etária juvenil. Sociologicamente, a juventude poder ser conceituada como uma categoria social, um momento do curso da vida em que se dá a socialização secundária, ou seja, o contato e a preparação do indivíduo em relação a esferas sociais que estão além do núcleo familiar, da vida íntima e da esfera privada: trabalho, mercado, política, cultura, arte etc. (GROPPO, 2006 a, p.101).

33

A juventude prepara para vida adulta, mas não é somente isso, sair da escola,

entrar no mundo do trabalho, formar uma família, ter filhos, não caracteriza mais tão

simplesmente a chegada à vida adulta. Chegar a essa condição hoje é muito mais

complexo, e “[...] é inegável que os caminhos e contornos para a entrada na vida adulta

se diversificaram, tornaram-se mais complexos e menos lineares” (SPOSITO, 2005, p.

90).

Esta complexidade vai para além de estabelecer uma faixa etária para a

juventude – e mesmo aí, a variação é grande: os índios, por exemplo, não fazem uso

desta faixa de idade, já que na sociedade indígena não existe essa fase, pois em geral o

índio passa direto da infância para a vida adulta. Já de acordo com o IBGE (Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística), a faixa etária que compreende a juventude é o

período de 15 entre 19 anos; em alguns países da Europa a faixa etária que compreende

a juventude é dos 15 aos 30 anos.

Parece que até mesmo em algumas sociedades hoje é possível viver a juventude

eternamente. Groppo fala em seu artigo “A condição juvenil e a revolta dos subúrbios

na França” sobre essa nova concepção da condição juvenil que vem ganhando força

com o avanço da “sociedade de consumo”10; tal concepção “pensa a condição juvenil

como um “estado de espírito”, um “estilo de vida” ou “um modo de ser”, à disposição

daqueles indivíduos que assim desejarem viver sua juventude” (GROPPO, 2006 b,

p.102).

A citação acima se refere ao que pode ser definido como juvenilização da vida:

“A juvenilidade passa mesmo a determinar aos indivíduos a maneira mais legítima de

10 Sobre a “sociedade de consumo” são oportunas as palavras de Bourdieu quando fala que a visão neoliberal “reduz a solidariedade a uma simples alocação financeira” e visa somente permitir o consumo (ou incitar a um consumo maior), sem procurar orientar ou estruturar tal consumo (BOURDIEU, 1997, p. 218).

34

vivenciar o que seria juventude, a partir do consumo de dados produtos e atitudes

indicados pela “sociedade de consumo” (GROPPO, 2006 a, p. 16).

Ou seja, poderíamos ser jovens até quando bem entendermos. A juventude não

seria mais uma fase de vida passageira, pois, cada vez mais a juventude se torna um

estilo de vida. “Trata-se da tentativa de superação da idéia da juventude como

socialização ou preparação para a vida adulta, substituída pela idéia de que a juventude

se torna um ’estilo de vida‘ em si mesmo” (GROPPO, 2006 a, p. 17).

O que houve foi a desinstitucionalização do curso da vida e sua reprivatização.

Como as instituições passaram a perder força, o Estado já não protege mais e nem

garante direitos sociais, ocorrendo a reprivatização do curso da vida, ou seja, cada

indivíduo é responsável pela própria vida, o que parece mais liberdade, porém, para isso

ocorrer de fato você deve ter condições inclusive materiais para praticá-la:

Os indivíduos teriam cada vez mais o direito (ou a obrigação) de comporem segundo suas próprias vontades (e condições) o curso de suas vidas. Flexibilizam-se as normas oficiais e as interferências institucionais sobre a passagem pelas idades da vida (GROPPO, 2006 a, p. 16).

Há uma ilusão envolvida em tudo isso, como se cada indivíduo fosse

responsável pelo curso de sua vida, inclusive responsabilizado pelo seu fracasso, ou

seja, há a culpabilização do indivíduo. Porém, na sociedade em que vivemos não existe

esta autonomia, esta liberdade de escolher e de ter nas mãos o curso da própria vida,

sabemos que somos “levados” pelo sistema capitalismo neoliberal que é excludente, no

qual a juventude, especialmente a juventude das camadas populares, é a mais afetada.

35

2.2 Juventude no Brasil

Atualmente o Brasil possui 34,1 milhões de jovens, o que representa

aproximadamente 20,1% do total da população11. Vivemos em um país marcado pelas

desigualdades sociais, desigualdades estas que geram conseqüências desastrosas para

esta grande parcela de jovens brasileiros.

Um dos maiores problemas relacionados à juventude no Brasil é a falta de

políticas públicas12 destinadas a esta parcela da população. Temos ações destinadas a

resolver problemas sociais, e não há como haver desenvolvimento se não houver

investimentos em políticas destinadas a esta demanda. Na atual fase em que o

capitalismo se encontra, o número de jovens desempregados ainda é muito alto e,

quando empregados, ocupam posições nem sempre com registro em carteira, ou seja, no

mercado formal de trabalho. Os dados da pesquisa Juventude13, realizada pela Fundação

Perseu Abramo no que diz respeito ao jovem e o trabalho14, revelam que 36% dos

11 IBGE (Censo Demográfico 2000 – Características gerais da população – resultado da amostra). 12 “Em sua acepção mais genérica a idéia de políticas públicas está associada a um conjunto de ações articuladas com recursos próprios (financeiros e humanos), envolve uma dimensão temporal (duração) e alguma capacidade de impacto. Ela não se reduz à implantação de serviços, pois engloba a dimensão de projetos de natureza ético-política e compreende níveis diversos de relações entre o Estado e a sociedade civil na sua constituição. Situa-se também, no campo dos conflitos entre atores que disputam orientações na esfera pública e os recursos destinados à sua implantação. É preciso não confundir políticas públicas com políticas governamentais. Órgãos legislativos e judiciários também são responsáveis por desenhar políticas públicas. De toda forma, um traço definidor característico é a presença do aparato público-estatal na definição de políticas, no acompanhamento e na avaliação assegurando seu caráter público, mesmo que em sua realização ocorram algumas parcerias” (CARRANO, SPOSITO, 2003, p. 266). 13 “Trata-se de um estudo quantitativo, realizado em áreas urbanas e rurais em todo o território nacional, junto a jovens de 15 a 24 anos de ambos os sexos, e de todos os segmentos sociais. Os dados foram colhidos e novembro e dezembro de 2003 [...] Universo: População de 15 a 24 anos, residente no território brasileiro – 34,1 milhões de jovens, ou 20,1% do total de população (Censo – 2000 IBGE). Amostra: probabilística nos primeiros estágios (sorteio dos municípios, dos setores censitários e dos domicílios), combinada com controle de cotas de sexo e idade para a seleção dos indivíduos (estágio final). Total de 3501 entrevistas, distribuídas em 198 municípios, estratificados por localização geográfica (capital e interior, áreas urbanas e rurais) e em tercis de porte (pequenos, médios e grandes), contemplando 25 estados da União. Expansão amostral nas 9 regiões metropolitanas e no Distrito Federal. Abordagem: Aplicação de questionário estruturado, em entrevistas pessoais e domiciliares (tempo médio de 1 hora de aplicação)”. (Maiores detalhes ver pesquisa na íntegra disponível em: http://www.projetojuventude.org.br/novo/assets/perfil_juventude_brasileira.ppt#6). 14 Base: Total da amostra.

36

jovens estão trabalhando, enquanto 32% já trabalharam, porém, estão desempregados;

há também 8% de jovens que nunca trabalharam, e o restante, 24%, nunca trabalhou

nem procurou emprego. Do total de jovens desempregados, 34% o está há mais de um

ano, e 26% de seis meses a um ano. Tal fato revela que a maioria dos jovens que fica

desempregada permanece nesta condição por um longo período de tempo, sendo este

um fator agravante para aqueles que pertencem às camadas populares que vivem do

trabalho. Esta mesma pesquisa acusa um crescimento de seis pontos percentuais na taxa

de jovens desempregados15, comparando pesquisas realizadas em 1999 e em 2003, nas

quais o índice de desempregados foi de 32% e 38% respectivamente. Os dados

referentes à ocupação dos jovens que trabalham ou já trabalharam, revelam a

precarização do trabalho, já discutida no capítulo 1 desta dissertação, 37% dos jovens

são assalariados sem registro em carteira, 16% realizam trabalhos informais (free-

lancers e bicos), contra 27% de jovens assalariados que trabalham com carteira

assinada; o restante dos jovens divide-se em: trabalho em agricultura familiar (5%),

assalariado no campo (4%), conta-própria pagando INSS16 (3%), funcionário público

(3%), auxiliar de família sem remuneração fixa (2%) e profissional liberal (1%).

Muitos destes jovens ainda estão fora da escola ou freqüentam a escola sem

terem a garantia de um ensino de qualidade17. Os jovens das camadas populares,

principalmente pardos e negros, são os mais afetados por esta situação, que será

discutida no próximo item.

15 Base: População Urbana das 9 RM’s + DF das amostras. 16 Imposto sobre serviço de qualquer natureza (http://www.portaltributario.com.br/tributos/iss.html). 17 Conforme dados do IBGE, PNAD 2001 “Em 2001, cerca de 60% dos 34 milhões de jovens (de 15 a 24 anos) ainda não estavam freqüentando a escola, apesar de um crescimento significativo, observado a partir de comparações com anos anteriores” (SPOSITO, 2005, p. 97). Apesar dos dados colhidos em 2003, através de pesquisas realizadas pelo instituto Datafolha e IBOPE (SPOSITO, 2005), apontarem para um aumento significativo no número de jovens estudando (63%), ou seja, 23 pontos percentuais acima do resultado apontado em 2001, sabemos que (conforme dados que serão apresentados no item 2.4) este aumento na expansão do ensino se deu de forma degradada.

37

Há uma grande confusão no que diz respeito às políticas públicas destinadas à

juventude. Ao longo da história alguns lutaram e ainda lutam para que o jovem seja

realmente um sujeito de direitos, outros primam pelo controle social do jovem, muitas

vezes vendo-o como ameaça, e outros enxergam somente a profissionalização do jovem,

ou seja, como mão-de-obra especializada e polivalente. Mas sabemos que há muitas

outras necessidades:

No que pese o maior ou menor predomínio de determinada tendência ao longo da história, algumas formulações em torno dos segmentos juvenis têm sido mais fortemente reiteradas nos últimos anos. Os jovens ora são vistos como problemas ou como setores que precisam ser objeto de atenção. Manter a paz social ou controlar a juventude? Controlar a ameaça que os segmentos juvenis oferecem ou considerá-los como seres em formação ameaçados pela sociedade e seus problemas? (CARRANO; SPOSITO, 2003, p. 19).

Os jovens necessitam de políticas públicas direcionadas especificamente a eles,

porém não somente para manter a paz social ou controlar a juventude e, sim, vê-los

como seres em formação que estão se preparando para a vida adulta. Mas o que fazer

com o jovem que já foi afetado pelos problemas sociais? Para entrar neste assunto

gostaríamos de contar um fato presenciado quando assistíamos a uma palestra sobre

jovens em conflito com a lei, quando a palestrante questionou as políticas públicas do

município destinadas à juventude dizendo que ou elas não existem ou não são aplicadas;

uma senhora se levantou e disse a frase célebre e salvadora da pátria: “Nós temos que

investir em educação, nas crianças, pois esses jovens já não têm mais jeito, não há mais

nada que possamos fazer, são uns drogados, que roubam e matam, por isso temos que

investir nas crianças, para que elas não se transformem em jovens deste tipo”. A fala

dessa senhora deixou-nos perplexos. É preciso investir nas crianças, porém, como

deixar esta juventude que aí está de fora? Dizer simplesmente que é uma geração de

drogados, que estão perdidos e cruzar os braços não resolve o problema, mesmo porque

38

essa mesma juventude que, segundo ela não tem mais jeito, através de suas ações pode

afetar também as crianças. Por isto e muito mais há urgência em agir, nosso dever é

lutar pelos direitos dos menos favorecidos contribuindo com a inclusão digna destas

pessoas.

Entre as dificuldades e incertezas sofridas pelo jovem das camadas populares,

sabemos hoje que ele está preocupado com o futuro. Muito mais do que os jovens de

outros momentos históricos, ele teme o futuro. Em um texto de Regina Novaes (2006),

ela relata que em várias pesquisas realizadas por ela, quando se pergunta ao jovem sobre

os dois maiores problemas do país, eles mencionam o desemprego e a violência. Porém

a maior preocupação do jovem é em relação ao seu futuro, conforme a citação a seguir

O medo do futuro é quase um sinônimo de “sobrar” e está muito relacionado à inserção no mundo do trabalho. São muitos os medos nessa área: “medo de não estudar e não conseguir emprego”, “medo de estudar e não conseguir emprego”, medo de conseguir emprego e depois perder”, “medo de ficar desempregado” [...] Com todas as diferenças de expectativas, os jovens de diferentes classes sociais temem o futuro (NOVAES, 2006, p. 110).

A falta de perspectivas é uma constante na vida do jovem brasileiro, que se

encontra ainda desamparado. As diversas ações concretas pelas políticas públicas, ainda

que sinalizem alguns avanços, não parecem transformar a situação. Sabemos também

que são ações fragmentadas, que contribuem (ou visam contribuir) somente para

amenizar o problema da falta de perspectiva que o jovem possui hoje. São ações

pontuais que buscam resolver problemas imediatos que possuem dimensões muito

maiores.

Não vemos políticas públicas para a juventude que levem o jovem a exercer sua

cidadania – no sentido que consideramos mais autêntico, que discutimos no final do

capítulo anterior - que rompam as barreiras da discriminação, seja ela de qualquer tipo,

39

para que o jovem seja realmente “sujeito de direitos” conforme preconiza o ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente).

2.3 Juventude das camadas populares no Brasil

Depois de falarmos sobre a juventude brasileira em geral, é importante

discutirmos sobre o jovem das camadas populares no Brasil, pois além das dificuldades

citadas no item anterior, o jovem das camadas populares sofre outras discriminações.

São problemas causados pelas desigualdades sociais existentes hoje em nosso país.

No item 2.2 desta dissertação, afirmamos que os jovens das camadas populares,

principalmente pardos e negros, são os mais afetados pelos problemas com relação à

escola e o mundo do trabalho. Dados da Pesquisa “Perfil da juventude brasileira”

confirmam esta afirmativa e apontam que:

Não é possível desconhecer que as desigualdades econômicas continuam a delimitar os horizontes possíveis de ação dos jovens nas suas relações com a escola e o mundo do trabalho. Os dados coletados evidenciam o brutal processo de concentração de renda e a distribuição desigual entre os grupos étnicos [...]. Apenas 18% dos jovens brancos possuem renda familiar com mais de cinco salários mínimos; esses índices decrescem significativamente para os jovens pardos e negros (12% e 8%, respectivamente) (SPOSITO, 2005, p. 103).

Acreditamos ser muito importante abordar neste item a questão da violência

sofrida pelos jovens. É comum vermos a associação entre pobreza e criminalidade,

como se fossem sinônimos, ou seja, a criminalização da pobreza. O jovem das camadas

populares sofre discriminação muitas vezes por conta de sua classe social, etnia e

aparência, e como se tudo isso não bastasse, ainda é discriminado por seu local de

moradia e visto como potencialmente criminoso.

40

Apesar de estarmos no Brasil, sabemos que problemas relacionados à juventude

existem em todo o mundo, por este motivo e também por vermos a mesma situação

ocorrer no Brasil com os próprios brasileiros, citamos as palavras de Mitterrand,

presidente da França em 1990, sobre os filhos de imigrantes que moram nos subúrbios

da França:

Que esperança pode ter um jovem nascido em um bairro sem alma, cercado apenas de feiúra, aprisionado pelas muralhas cinzentas, em uma terra baldia também cinzenta, e condenado a uma vida cinzenta, enquanto entorno dele a sociedade prefere ignorar sua situação até que chegue a hora de reprimir, a hora de proibir? (MITTERRAND apud GROPPO, 2006, p.104).

Vemos acontecer o mesmo em nosso país. Que esperança esses jovens que

moram nas periferias podem ter? Estão realmente “condenados” – segundo as palavras

do Mitterrand – a uma vida medíocre enquanto mantivermos o atual status quo.

Vemos o jovem com um imenso potencial a ser desenvolvido. Ele é produto

daquilo que é destinado a ele. Se for vítima de exclusão, discriminação, vai refletir isso

em suas ações. Quando Novaes diz que “a juventude é um espelho retrovisor que reflete

e revela a sociedade de desigualdades e diferenças sociais” (NOVAES, 2006, p. 119),

traduz o que está acontecendo hoje em nossa sociedade. Recentemente, em uma

dinâmica de grupo no Projeto em que trabalhamos com medidas sócio-educativas de

L.A. (Liberdade assistida) e P.S.C. (Prestação de serviços à comunidade) da qual

participamos, nos pediram para escolher um ditado popular que mais se associasse ao

jovem do projeto, no caso o jovem em conflito com a lei. Havia dentre eles o famoso

ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, que nos chamou a atenção

por ter sido escolhido pela maioria das participantes, e por nos incomodar muito não

pudemos deixar de refletir sobre ele. Discordamos do ditado associado a esse contexto,

pois o jovem não pode ser considerado uma “pedra dura”, ao contrário disso o jovem

41

absorve tudo que é dado a ele pela sociedade, e apesar de estar embrutecido pela sua

condição de vida, ele realmente, através de suas ações, reflete e revela a sociedade de

desigualdades e diferenças sociais da qual é vítima.

Quando falamos que o jovem é vítima, não temos a intenção de concordar com

esta postura que o jovem às vezes assume, de uma vida infracional, porém sabemos que,

muitos têm motivos para agir desta forma, devido à falta de perspectivas que narramos.

Diante disto, ao invés de serem vislumbrados caminhos que levem à mudança, à

transformação social, segue-se sempre pelo caminho “mais fácil”. Temos escutado com

freqüência notícias sobre “extermínio” desses jovens excluídos, não somente o

extermínio que vemos diante dos nossos olhos. Não estamos falando desse extermínio

de uma sociedade excludente na qual esses jovens não conseguem, ou melhor, não

podem se integrar, e sim do extermínio no sentido literal da palavra.

Desde o início da década de 1990 os dados nos mostram o crescimento de

assassinatos de jovens no Brasil inteiro. A pesquisa denominada Mapa da Violência IV

realizada em 2004 por Waiselfisz, aponta o crescimento alarmante da violência sofrida

pelos jovens no Brasil devido ao aumento no número de homicídios em todo o país. Os

homicídios na faixa entre 15 e 24 anos18 cresceram 88,6%, taxa bem maior do que o

crescimento de homicídios na população total, que foi de 62,3%. Estes números

sinalizam o crescimento da violência contra a juventude. A pesquisa conclui que a faixa

em que os homicídios atingem maior incidência é na que compreende a juventude, 15 a

24 anos19. O “momento” considerado crítico, ou seja, de maior risco para ser vítima de

homicídio na juventude, é a idade de 20 anos, com uma taxa elevada de 69,1 homicídios

em 100.000 jovens de 20 anos de idade. Outro índice presente nesta mesma pesquisa e

que causa alarme é o de vítimas jovens na faixa etária supracitada que fazem parte da

18 Faixa etária definida para a realização da pesquisa citada. 19 Idem.

42

população negra: enquanto a taxa de homicídios na população branca é de 39,3 em

100.000, a taxa de homicídios dos jovens negros é de 68,4 em 100.000. Neste mesmo

contexto, o único Estado em que o número de vítimas brancas é maior do que de negras

é o Paraná, nos outros estados prevalecem maior número de vítimas negras (Mapa da

Violência IV - 2004).

Uma outra pesquisa realizada por Myriam Mesquita Pugliese de Castro (2002),

do Núcleo de Estudos da Violência, realizada em 1990, estudou assassinatos de crianças

e adolescentes no Estado de São Paulo e registrou que a cada dia quase três crianças e

adolescentes foram assassinados. Trata-se de um número muito alto e revela uma

espécie de intencionalidade nas mortes de crianças e adolescentes. Também em relação

à intencionalidade de matar a pesquisa revela que em 83% dos casos foi utilizada arma

de fogo e na maioria dos casos o tiro foi dado em áreas vitais, como cabeça ou coração.

A faixa etária em que se concentra a maior parte das vítimas é justamente uma que está

compreendida no que costumeiramente se entende como a juventude, de 15 a 17 anos,

sendo que 85% pertenciam ao sexo masculino. Podemos observar também que o

número de vítimas negras é maior, são 51%, enquanto o de brancas é de 45%. O que

mais assusta é que, ao contrário do que se diz, não foi constatado o envolvimento das

vítimas com a violência. A maior parte dos jovens estava estudando, trabalhando ou em

busca de trabalho. Também assusta a impunidade, já que em mais de 70% dos casos não

se identificou o possível autor ou autores desses crimes. Um outro estudo desenvolvido

no mesmo local tem revelado que parte desses crimes é coletivo e foi cometido por

policiais e grupos de extermínio. Apesar de a pesquisa não ter constatado a presença

efetiva de grupos de extermínio, vários estudos têm indicado que tais grupos agem com

o objetivo de vitimizar jovens, particularmente jovens pobres que residem nas áreas que

43

compõem a periferia da cidade de São Paulo e em sua maioria negros (ADORNO apud

ABRAMO et.al., 2002).

Conforme outra pesquisa, que classifica como jovens aqueles na faixa etária

entre 15 e 25 anos, quem é morador do Jardim Ângela, localizado na Zona Sul de São

Paulo, tem mais chances de morrer por homicídio. A taxa chega a 220 jovens por 100

mil habitantes. Para se ter uma idéia, a taxa norte-americana é de 10 homicídios por 100

mil habitantes; a média brasileira é de 24 homicídios por 100 mil habitantes; a do

município de São Paulo é de 48 homicídios por 100 mil habitantes – a do Jardim Ângela

é 120, mas se for jovem na faixa etária que mencionamos anteriormente, passa à ordem

de 220 homicídios por 100 mil habitantes (ADORNO apud ABRAMO et.al., 2002).

Para visualizar melhor podemos utilizar como exemplo um jovem que nasceu no

interior das camadas populares e que desde muito cedo precisou trabalhar para ajudar os

pais, mas na maioria das vezes não consegue um emprego. Como discutimos no item

anterior, este jovem provavelmente não gozou de todos os direitos reconhecidos à

infância e provavelmente não terá reconhecido seus direitos à juventude. De certa

forma, ele tem que pular de uma pseudo-infância para a vida adulta devido as suas

condições de vida. Ele não pode ter o tênis que está na “moda”, nem as roupas, nem o

“carro bacana”, ou seja, não tem direito a consumo e, portanto é excluído da sociedade.

Mas todos nós queremos ter acesso a essas coisas, somos estimulados pela mídia a

sermos consumistas, como falamos acima sobre a “sociedade de consumo”. Vivemos

num mundo que incentiva o consumismo a todo o momento, e mesmo que não

tenhamos a necessidade de determinado produto, cria-se a necessidade de consumir.20

Além disso, nós precisamos e queremos pertencer a um grupo, sermos reconhecidos,

então podemos ver aí um motivo que leva um jovem a se associar ao narcotráfico. Para

20 Isto acontece também entre os adolescentes que freqüentam o Projeto, conforme dados recolhidos na pesquisa de campo que será apresentada no cap. 4.

44

nós, além dos diversos problemas que podem levar o jovem a esta associação, o que

mais nos chama a atenção é a falta de oportunidade de poder trabalhar, estudar, praticar

atividades de lazer e cultura. Olinda Maria Noronha, escrevendo sobre práxis social e

educação sócio-comunitária, discute a questão do “pertencimento” sob o olhar de

Sennet. Ela enfatiza que todos nós temos a necessidade de pertencer a um grupo, isso

faz parte da nossa identidade. Quando Sennet fala de comunidade, segundo a autora,

fala da emancipação do indivíduo através dos “ghetos”: se não estou incluído naquela

determinada sociedade eu vou buscar um grupo que me possibilite essa inclusão

(NORONHA, 2006). A associação ao narcotráfico é muitas vezes um dos únicos

caminhos que esse jovem consegue enxergar, senão a única opção que acaba por ter. De

certa forma, é uma das maneiras que estes jovens encontram para ser “incluídos” na

vida social contemporânea, já que os caminhos ditos “legais” ou “normais” de inclusão

se encontram vetados para eles. É o que nos afiança Frigotto quando fala da inclusão

precarizada com relação ao trabalho:

[...] cresceu o número de jovens que participam de “trabalhos” ou atividades dos mais diferentes tipos, como forma de ajudar seus pais a compor a renda familiar. E isso não é uma escolha, mas imposição de um capitalismo que rompe com os elos contratuais coletivos e os reduz a contratos individuais e particulares [...] (FRIGOTTO, 2006, p. 197).

Noronha fala também da fluidez dos relacionamentos, baseando-se em Wood:

o self humano é tão fluido e fragmentado (o “sujeito descentrado” e nossas identidades tão variáveis, incertas, frágeis que não pode haver base para solidariedade e ação coletiva fundamentada em uma “identidade social comum (uma classe), em uma experiência comum, em interesses comuns [...] a política”, em qualquer um dos sentidos tradicionais da palavra, ligando-se ao poder dominante de classes ou Estados e à oposição a eles, é excluída, cedendo lugar a lutas fragmentadas de “política de identidades” ou mesmo ao “pessoal como político” (NORONHA, 2006, p.17 ).

45

Não há mais classes que lutam por direitos coletivos, existem “grupos”,

“ghetos”, “comunidades”. Essa fluidez e fragmentação levam a associação de pessoas,

porém, os resultados são também fragmentados. Aqueles que pertencem a uma

determinada igreja, por exemplo, se isentam de qualquer outra luta. É neste sentido que

falamos do jovem sem oportunidades, mesmo que não seja da forma tradicional

(pertencer às estruturas sócio-econômicas “legais” ou “formais” da sociedade), ele não

fica de fora, pertence a um grupo, mesmo que seja ao narcotráfico.

A sociedade na qual vivemos nega aos jovens das camadas populares diversos

direitos que deveriam ser estendidos a todos. Sabemos que há muitas discussões ainda

por serem feitas que irão contribuir muito para que haja a transformação da nossa

sociedade. O que pode esperar um jovem pobre para o seu futuro, se já é excluído antes

mesmo de nascer?

Para esses “jovens”, destinados de antemão a esse problema, fundidos com ele, o desastre é sem saída e sem limites [...] Marginais pela sua condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato, eles são os “excluídos” por excelência [...]. Por acaso eles moram naqueles lugares concebidos para se transformar em ghetos? Ghetos de trabalhadores antigamente, de sem-trabalho de sem-projeto hoje [...] Que podem eles esperar do futuro? Como será sua velhice, se chegarem até lá? [...] Bloqueados numa segregação [...] eles têm a indecência de não se integrar (COIMBRA; NASCIMENTO, 2005, p. 355).

O “Código do Menor” foi criado em 1927 para lidar com as “pessoas em

situação de risco” ou em “situação irregular”, neste caso os pobres que, por serem

excluídos, eram considerados perigosos à sociedade. Ele permaneceu vigente até 1990,

quando foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que não faz mais

distinção entre crianças e adolescentes pobres e crianças e adolescentes ricos,

contrastando com o Código de Menores em que estes – os menores – eram diferentes

46

das crianças. O ECA não faz esta distinção e considera crianças e adolescentes como

sujeitos de direitos.

A família era totalmente responsabilizada pela situação em que o “menor” (leia-

se criança ou jovem das camadas populares em dificuldades sócio-econômicas) se

encontrava. Não era levada em conta a situação de pobreza e exclusão em que a família

se encontrava ao se exigir que esta fosse estruturada, segundo os modelos do

capitalismo, no qual as pessoas deveriam (e ainda devem) ter emprego e religião (forma

de controle social), conforme os padrões da família do modelo burguês, para que esse

“menor” não oferecesse riscos à sociedade – mas, caso isto acontecesse, a “solução” era

o confinamento, conforme a citação que se segue:

Ser um “menor”, legalmente (segundo o código de Menores), é estar em situação irregular. No entanto, perante a falta de condições sociais era determinado, de acordo com o Código de Menores, não o oferecimento destas, mas o confinamento para proteger os segmentos disciplinarizados do risco que significava conviver com os “menores”. A política social com o discurso de proteção oferece o confinamento: a exclusão explícita não só da condição de cidadania, mas também da possibilidade de transitar nos espaços além dos internatos (SHEINVAR, 2005, p. 300).

Infelizmente, isso ainda ocorre hoje, mesmo com o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) existindo para garantir os direitos das crianças e adolescentes.

Ainda há muitos abusos contra esses e muito sofrimento, pois são condenados à

exclusão antes mesmo de nascer. Para esses jovens o direito à juventude é negado dia

após dia, conforme nos diz Coimbra e Nascimento (2005).

Mas que opção tem o jovem que é excluído por excelência antes mesmo de

nascer para se libertar da sua condição de exclusão? Conforme a citação abaixo, a

respeito de jovens franceses das camadas populares:

47

[...] suas brutalidades, suas violências são inegáveis. Mas e as devastações de que eles são vítimas? Destinos anulados, juventude deteriorada, futuro abolido. [...]. Eles só podem recusar sua sorte e seu jugo por meios que geralmente descambam para a violência e a ilegalidade, que os enfraquecem ainda mais e respondem em parte aos desejos daqueles que têm interesse em mantê-los nesse abandono, assim justificado [...] (FORRESTER apud GROPPO, 2006, p. 107).

Segundo o senso comum, não existem alternativas para estes jovens escaparem

da exclusão social. Ao que parece, estão fadados a ela, coagidos que são por uma

sociedade individualista. Como se isso não bastasse, ainda existem denúncias de

extermínio desses jovens, como esta abaixo, retirada de uma das muitas páginas

existentes na Internet sobre o extermínio de jovens e adolescentes no Brasil:

O Ceará possui casos recentes de suspeita de grupos de extermínio. Uma investigação do Ministério Público cearense apontou a existência de uma militância privada, formada por policiais em horário de folga, que trabalhava para a rede de farmácias [...]. O grupo teria assassinado cerca de 30 pessoas, entre 2000 e 2002. Ano passado, a delegada Cândida Brum foi afastada do cargo após uma gravação telefônica, autorizada pela Justiça, mostrar que ela negociou o assassinato de um jovem suspeito de assalto a farmácia (Agência Brasil, 2006).

A citação acima é uma amostra de que o extermínio de jovens e adolescentes

ocorre no Brasil, e isso não nos surpreende, pois baseado na proposta neoliberal, da qual

falamos anteriormente, é dessa forma que a problemática do adolescente em conflito

com a lei está sendo “resolvida”, ou melhor, amenizada, uma vez que o Estado não

investe em políticas sociais, deixando esses jovens e adolescentes à mercê de um

capitalismo selvagem que os exclui, os exclui de viver uma juventude saudável e plena

e quando se tornam um problema quase que “sem solução”, o não enquadramento nesta

lógica parece demandar seu extermínio.

A pena de morte, proibida pela Constituição Federal de 1988, está em pleno vigor nos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras e não há interesse do Estado em esclarecer as mortes. As vítimas são

48

principalmente jovens, do sexo masculino, com idades entre 15 e 24 anos, pobres, negros, moradores da periferia, sem antecedentes criminais, mas também sem ocupação formal, tendo em vista os altos índices de desemprego nessa faixa etária e a falta de programas sociais sérios visando garantir direitos básicos como moradia, educação, saúde, oportunidades de trabalho e geração de renda, profissionalização, entre outros. Os autores, na maioria dos casos, têm o mesmo perfil das vítimas e, em outros, são agentes do próprio Estado, como policiais ou então matadores que atuam em grupos de extermínio, que só existem mediante conivência, participação ou omissão das forças policiais. No duelo permanente vivido nas ruas do Brasil, uma geração de jovens que poderiam ter um futuro digno, está tendo suas vidas ceifadas, num processo sangrento e duradouro de extermínio. O resultado da pesquisa divulgada pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) mostra um aumento alarmante, já diagnosticado antes pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e pela Unesco (Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura), das mortes violentas de jovens no Brasil. Não há Nação, entre 65 países comparados, onde os jovens morram mais vitimados por armas de fogo do que no Brasil. Além disso, o País é o terceiro, num ranking de 84, em que mais jovens entre 15 a 24 anos morrem por homicídios. O relatório do Mapa da Violência 2006 demonstra que 15.528 brasileiros, entre 15 a 24 anos perderam a vida em 2004, em acidentes, homicídios ou suicídios causados por armas de fogo. Quando o assunto são mortes violentas, principalmente de jovens, o Brasil lidera inclusive à frente da maioria dos países que estão em estado permanente de guerras ou conflitos armados (Fórum de Entidades Nacionais dos Direitos Humanos, 10/dez/2006).

São dados como esses que nos revelam que o nosso sistema sócio-político não

está preocupado com que a população das camadas populares, os jovens em especial,

tenha as condições de viver dignamente, e sim operar em prol do capitalismo de estilo

neoliberal, gerando problemas sociais cada vez maiores. Há ainda tentativas de

“amenizar” o problema através de atitudes cruéis como o extermínio citado acima,

porém:

Tem-se que estar atento e perceber que, apesar de políticas oficiais e oficiosas, há por parte dos segmentos subalternizados, em especial de seus jovens, resistências e lutas. Eles teimam em continuar existindo apesar de tudo; suas resistências se fazem cotidianamente, muitas vezes, percebidas como fragmentadas, fora dos padrões reconhecidos como organizados e até mesmo como condutas anti-sociais, delituosas e, por isso, “perigosas” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2005, p. 361).

49

Como resistir contra a falta de oportunidades? O meio mais comum é através da

violência, realizada por jovens e adolescentes excluídos por excelência. Envolvem-se

com a criminalidade, como roubos e tráfico de drogas, por falta de oportunidades,

condições e perspectivas.

Esta violência faz ressurgir no país de tempos em tempos o debate sobre a

inimputabilidade penal dos adolescentes. Alguns casos brutais são mesmo muito

divulgados pela mídia, em favor deste debate, como o da adolescente Liana, que foi

violentada e, posteriormente, ela e o namorado foram assassinados por um grupo de

homens com a participação de um adolescente conhecido como “Champinha”, ou

mesmo do menino João Hélio que foi arrastado por quilômetros preso ao cinto de

segurança do carro quando um grupo, em que novamente havia adolescentes

envolvidos, roubou o carro de sua família. Estes casos e tantos outros trazem à tona o

debate sobre a “redução da maioridade penal”. Uma parcela da população apóia

firmemente este discurso e defende que o adolescente entre 16 (há quem defenda

menos) e 18 anos deve ser imputável penalmente, enquanto outra parcela por sua vez

não concorda. Diante de tantas discussões em torno do tema, e sem ter a pretensão de

justificar os crimes citados anteriormente, acreditamos ser importante refletir sobre o

rumo que tais discussões estão tomando conforme Brenner e Monteiro:

A redução da maioridade penal tem sido apontada como a alternativa rápida para a proteção da sociedade contra a participação de jovens cada vez mais jovens em ações delituosas. Mas este momento de dor e comoção social diante da violência, que já não se restringe aos espaços de morros e favelas da cidade, e que incide fortemente sobre aquilo que costumamos chamar de “cidade oficial”, também pode trazer à sociedade, a possibilidade de fazer algumas escolhas, mais complexas e abrangentes que a proposição de reduzir a maioridade penal. E é sobre estas escolhas que devemos refletir (BRENNER; MONTEIRO apud SARAIVA, 2002, p. 1).

50

Hoje vemos que a maior preocupação é “fazer justiça”, punir e reprimir os

responsáveis por tais atos, porém, devemos nos perguntar se é este o caminho que

queremos que a nossa sociedade siga ou se necessitamos pensar em uma forma de

conter a violência sem levar em conta tão somente à punição, investindo em políticas

sociais direcionadas aos adolescentes das camadas menos favorecidas, buscando

soluções para que fatos como estes não mais ocorram, tendo um outro olhar sobre as

condições em que vivem ou sobrevivem os jovens das camadas populares do nosso país,

pois, não se fala sob o olhar de que o jovem é vítima de uma sociedade desigual na qual

impera a exclusão dos menos favorecidos, da total falta de respeito aos seus direitos

essenciais como educação, saúde, cultura, esportes e lazer. Olha-se somente o fato, mas,

não se olha o que ocorreu para que tal fato chegasse a acontecer. Sabemos também que

há casos nos quais deve haver um maior rigor ou ações diferenciadas, como nos casos

em que os problemas são de ordem psiquiátrica, os quais exigem um tratamento

especializado, porém, se continuarmos com este olhar fragmentado, não faremos

avanços em torno desta questão e crimes como estes continuarão a ocorrer e serão,

infelizmente, cada dia mais comuns.

Para contribuir com o melhor esclarecimento deste tema, citamos o artigo 228 da

Constituição, o qual confere:

inimputabilidade penal até os dezoito anos [...]. Sendo a inimputabilidade (derivado de imputare) a possibilidade de atribuir responsabilidade pela violação de determinada Lei, seja ela penal, civil, comercial, administrativa ou juvenil, não se confunde com a responsabilidade da qual é pressuposto. (PLÁCIDO E SILVA apud SARAIVA, 2002, p. 41).

Saraiva explicita em seu texto que inimputabilidade não implica em impunidade,

pois o ECA confere responsabilidade ao adolescente, responsabilidade esta compatível

com a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, “A inimputabilidade –

51

causa de exclusão da responsabilidade penal – não significa, absolutamente,

irresponsabilidade pessoal ou social” (SARAIVA, 2002, p. 20).

Uma vez que a redução da maioridade penal implica a inserção de jovens de 16 a 18 anos no sistema prisional, sistema este que produz mais reincidências do que o sistema sócio-educativo (apesar de todas as suas precariedades), tal decisão levaria a uma piora na situação de violência no Brasil, na medida em que provavelmente veríamos aumentar o número de jovens reincidentes no crime (BRENNER; MONTEIRO apud SARAIVA, 2002, p. 5).

Independente de ser inimputável penalmente o adolescente é responsabilizado

por seus atos e através das medidas sócio-educativas de caráter sancionatório, porém,

educativo, responde por eles, inclusive sendo privado de liberdade quando existe a

necessidade.

Ocorre que o Estado quando se vê sem soluções para os problemas sociais quer

reduzir a maioridade penal, apoiado pela sociedade que se encontra fragilizada com os

muitos outros acontecimentos de violência assustadora. Hoje, há no Congresso

dezessete Projetos de Lei em tramitação para redução da maioridade penal. Entre estes,

há os defendem que a idade penal deve ser de dezesseis anos, catorze anos e até doze

anos21.

2.4 A intervenção social em relação à juventude

No Brasil a partir de 1990, com a criação do ECA, o jovem e o adolescente

passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, porém, ainda há um longo e árduo

21 Número fornecido por Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh na palestra de Direitos Humanos no 3º Encontro de Dependência e Co-dependência Química – Prefeitura de Sumaré em 24 de outubro 2007.

52

caminho a ser percorrido para que estes jovens e adolescentes tenham seus direitos

verdadeiramente garantidos.

No texto Juventud y Politicas Publicas en Brasil, os autores Marilia Pontes

Sposito e Paulo Carrano fazem um balanço das políticas públicas destinadas aos jovens

brasileiros e concluem que a promulgação do ECA, em 1990, foi um grande motivador

de políticas, programas e ações sociais destinadas a esse público, os quais foram criados

não mais organizados pela ideologia do menor infrator e sim pela nova doutrina de

proteção integral das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei.

Frente a tantos problemas sociais existentes hoje no Brasil, é urgente agir em

relação a danos causados especialmente à juventude brasileira das camadas populares.

Para enfrentar esses problemas é necessário, que sejam criados: “programas

deportivos, culturales y de trabajo orientados para el control social del tiempo libre de

los jóvenes, destinados especialmente para las familias que viven em los barrios (más

pobres) periféricos de lãs grandes ciudades brasileñas” (CARRANO; SPOSITO, 2003,

p. 274). Porém, sabemos que essa não é a grande preocupação do nosso Estado, mesmo

porque são projetos que gerarão resultados em longo prazo e necessitam de

investimentos. No final da década de 1990, os indicadores sociais sobre o desemprego

juvenil devido ao capitalismo neoliberal, mostram que, além disso, são necessárias

políticas de inclusão social. Neste sentido, vieram os programas de capacitação do

jovem para o mercado de trabalho. Porém, este mercado vem oferecendo poucas

oportunidades, cada vez menores. Também há programas destinados à juventude como

o protagonismo juvenil22 para jovens em situação de risco social. Porém, essas ações

22 Conforme site do Governo Federal o “Protagonismo Juvenil significa, tecnicamente, o jovem participar como ator principal em ações que não dizem respeito à sua vida privada, familiar e afetiva, mas a problemas relativos ao bem comum, na escola, na comunidade ou na sociedade mais ampla. Outro aspecto do protagonismo é a concepção do jovem como fonte de iniciativa, que é a ação; como fonte de liberdade, que é a opção; e como fonte de compromissos, que é a responsabilidade. Na raiz do protagonismo tem que haver uma opção livre do jovem, ele tem que participar na decisão se vai ou não

53

mostram que o Brasil se decidiu por um conjunto diversificado de ações, muitas delas

baseadas no ensaio e no erro, na falta de concepções estratégicas para delinear

prioridades e formas orgânicas duradouras de ação institucional que compatibilizem

interesses e responsabilidades entre os organismos do Estado e da “Sociedade Civil”

(CARRANO; SPOSITO, 2003).

O governo Federal diz estar investindo em políticas públicas destinadas à

juventude, conforme matéria publicada no site

http://www.brasil.gov.br/noticias/em_questao/.questao/eq526/. A matéria ressalta que

pela primeira vez o Estado cria políticas específicas para a juventude, reconhecendo os

aspectos sociais, culturais, econômicos e territoriais. Como fazer políticas públicas para

a juventude ou não, sem olhar para suas reais necessidades? Sem levar em consideração

os aspectos sociais, culturais, econômicos e territoriais? Como oferecer um curso de

informática ou mesmo de inglês para um jovem analfabeto ou semi-analfabeto, como é

uma situação real que vimos acontecer diante dos nossos olhos?

Sabemos que o país deve investir em educação melhorando e muito a qualidade

do ensino e dos estabelecimentos educacionais, pois, hoje parte relevante das escolas

públicas está em situação de abandono, degradadas23, seja pela ação de alunos ou

mesmo pelo tempo ou falta de manutenção, além da má qualidade de ensino, baixa

fazer a ação. O jovem tem que participar do planejamento da ação. Depois tem que participar na execução da ação, na sua avaliação e na apropriação dos resultados. Existem dois padrões de protagonismo juvenil: quando as pessoas do mundo adulto fazem junto com os jovens e quando os jovens fazem de maneira autônoma” (http://www.protagonismojuvenil.org.br/portal/protagonismo.asp). 23 “Dados do MEC, relativos ao ano de 1995, sobre o aparelhamento das escolas básicas no Brasil, indica que, para o segmento de 5ª a 8ª série, não há, ou são considerados ruins: laboratório de ciências em 82,9% das escolas; computadores em 73,6% das escolas; auditório em 55,1% das escolas; equipamento esportivo em 37,7% das escolas; quadra de esportes em 30,9% das escolas; biblioteca em 32,7% das escolas [...]. Alguns eixos vem sendo apontados como importantes no entendimento do atual fenômeno da escolarização extensiva e degradada: aumento significativo do número de alunos nas escolas, sem concomitante aumento do montante de verbas [...] a manutenção do contingente aumentado de alunos em escolas de estrutura precária tem sido levado a cabo a partir de projetos (aceleração, ciclos, etc) que tem sido mais eficazes em evitar a reprovação, estabelecendo um fluxo mais contínuo de alunos por séries, do que efetivamente, enfrentar a questão da qualidade do aprendizado produzido nas escolas nas redes de ensino” (PEREGRINO, 2005, p. 365-366).

54

remuneração e precárias condições de trabalho dos professores24. O número de alunos

nas escolas aumentou, porém, o número de escolas não, o que gerou certa defasagem na

qualidade do ensino:

Em muitos casos, este crescimento quantitativo não é acompanhado por um aumento proporcional em recursos públicos investidos no setor. Muitas vezes ‘teve-se que fazer mais com menos’. É muito provável que a massificação tenha sido acompanhada de uma diminuição do gasto per capita, esticando ao máximo o rendimento de certas dimensões básicas de oferta, tais como recursos humanos, infra-estrutura física, equipamento didático, etc. (FANFANI apud PEREGRINO, 2005, p. 365)25.

Além de toda a problemática gerada devido à expansão do ensino sem

concomitantemente ocorrer o aumento de verbas para que esta expansão se desse de

forma saudável e principalmente com qualidade - conforme Sposito, “[...] se tratou de

uma oferta desprovida de qualidade e de condições materiais e humanas de

funcionamento adequadas para as unidades escolares [...]” (SPOSITO, 2005, p. 97)26 –,

sabemos que ainda são necessárias a criação e aplicação de programas culturais, de arte,

esporte e lazer nas escolas, fato que se torna mais um problema devido à falta de espaço,

visto que, pátios, refeitórios e auditórios têm sido transformados em sala de aula para

atender a demanda de alunos. Existem alguns Programas hoje como o Programa Escola

da Família, que existem em sua dimensão transformadora somente no “papel” e que se

fossem aplicados como realmente estão no projeto seriam maravilhosos. Mas, o que

podemos ver é falta de interesse, pois, este tipo de ação não dá retorno, retorno aos

24 “As escolas entupidas de alunos, são progressivamente povoadas de professores em regime precário de trabalho” (PEREGRINO, 2005, p. 367). 25 Neste artigo a autora fala sobre a expansão dos sistemas de ensino que alguns autores como Fanfani têm chamado de massificação e que Peregrino prefere chamar de expansão degradada. 26 O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), em 2002, revelou, por exemplo, que no ensino médio os alunos apresentaram uma média de 34,13% pontos, inferior à média de 2001 (40,56%), sendo superior em 2003, com 49,5 pontos numa escala de 0 a 100. Por outro lado, nesse mesmo nível do ensino médio, o aproveitamento de 74% dos alunos foi considerado ‘insuficiente’ ou ‘regular’, e apenas o aproveitamento de 2,5% dos estudantes oi considerado ‘bom’ a ‘excelente’, em 2002 (VASCONCELLOS apud SPOSITO, 2005, p. 97).

55

interesses de alguns políticos. Um adolescente que atendemos e que cumpre a medida

sócio-educativa de prestação de serviço à comunidade foi encaminhado para prestar

serviço no Programa Escola da Família, em uma escola pública e trouxe até nosso

conhecimento que “cheirou cocaína” no banheiro desta escola. A nossa indagação é no

sentido de que a partir do momento que a escola recebe pessoas de fora para a prática de

esportes e atividades de lazer em geral, ela deve ter estrutura e mão-de-obra27 para tal,

mas diante do exposto sabemos que a realidade é outra.

Na cidade onde o Projeto funciona a realidade é a mesma vista na maioria das

cidades do país. Basta andar pelos bairros das periferias para ver o número de crianças e

jovens nas ruas, sem terem uma opção para o seu tempo livre, onde as escolas são

depósitos de crianças e jovens, pois, em grande parte dos casos os pais precisam

trabalhar e lá deixam seus filhos, segundo a diretora de uma escola estadual visitada por

nós no dia 14/nov./2007. Os jovens não respeitam as regras e normas da escola, fazem o

que querem, entram e saem da sala de aula ou mesmo da escola quando bem entendem,

sendo necessário chamar a polícia militar28 quase que diariamente para conter estes

alunos que costumeiramente enfrentam professores, coordenadores e diretores. Segundo

a diretora entrevistada, os pais não comparecem as reuniões nem mesmo quando são

convocados. Ela atribui tudo isso a permissividade dos pais, que por trabalharem demais

e ficarem pouco com seus filhos acabam tentando fazer uma espécie de “compensação”,

27 “Em que pesem as experiências em curso de abertura das escolas nos fins de semana, de modo geral, ainda são muitas as dificuldades para que as instituições se transformem em equipamentos culturais que forneçam a expressividade juvenil e, ao mesmo tempo, dialoguem com os projetos pedagógicos escolares. Há duas ordens de desafios para a superação dessas dificuldades: criar políticas que estimulem outras escolas a abrir nos fins de semana e apoiar iniciativas já existentes. Este apoio passa pela oferta de espaços escolares e materiais suficientes e adequados ás atividades extraclasse, garantia de manutenção dos espaços já existentes e capacitação de agentes culturais para que atuem no tempo livre e articulem os conteúdos escolares com as diferentes propostas culturais”. (CARRANO et al, 2005, p. 182). 28 Conforme citação a seguir podemos ver que o apelo aos policiais militares atualmente em casos de indisciplina é fato comum nas escolas públicas: “Em visita a uma escola estadual de ensino médio, estava eu conversando com a coordenadora pedagógica. Lá pelo meio da conversa, já interrompida várias vezes pelos afazeres e interferências próprias do cargo, eis que entram na sala uma professora, jovem, toda esbaforida, um jovem, aluno, e dois policiais da ronda escolar: cena bem ‘escolar’ [...]” (FELTRIN, 2004, p. 135).

56

além disso, atribui também a falta de atrativos na escola e principalmente ao sistema de

progressão continuada, pelo qual o aluno dificilmente é reprovado - a reprovação só

ocorre em final de ciclo se o aluno não tiver notas suficientes e se sua freqüência for

menor que 75%. Para a diretora este fato gera um sentimento de onipotência nos jovens

que por sua condição de pessoas em formação testam os limites estabelecidos, quando

estes existem, o tempo todo.

Não desejamos comentar sobre todos os aspectos levantados por esta diretora no

que se refere à relação entre os jovens das camadas populares e a escola. Realmente,

desejávamos tão somente arrolar as questões. De todo modo, pode se concluir que o

Estado está agindo nos fins e não nas causas. São feitas legislações que não se

interligam para formar uma “rede” que possibilite um trabalho voltado para a

emancipação do jovem. Quando falamos em adolescentes em conflito com a lei

devemos olhar o que aconteceu para que este adolescente chegasse a infracionar,

devemos vê-los como conseqüência e não como causa dos problemas sociais.

2.5 Medidas sócio-educativas

Apesar dos dados e expectativas negativos apresentados nos itens anteriores,

existem ações legais e realidades que apontam para outras possibilidades baseadas no

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, através das medidas sócio-educativas,

tem o objetivo de incluir, ou seja, ressocializar o adolescente em conflito com a lei.

O ECA, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, representa um grande avanço no trato

da questão da infância e juventude no Brasil. O ECA é um documento baseado na

57

Convenção da ONU29 sobre os Direitos da Criança e Adolescente, que reúne todas as

leis para que crianças e adolescentes sejam sujeitos de direitos, respeitados pela sua

peculiar condição de pessoa em desenvolvimento:

“Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”. [...] sob esta denominação estar-se-á referindo a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Menores, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil. [...] A Doutrina de Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8 (MENDEZ apud SARAIVA, 2002, p. 15).

Nosso dever como cidadãos é lutar para se fazer cumprir o que determina o

ECA. Esta é uma luta árdua, porém, muito foi conquistado através dele, superando o

Código de Menores Mello Mattos, de 1979 (Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979) que

utilizava o termo “menor”, não mais utilizado hoje devido ao seu caráter

discriminatório, no qual o “menor” era entendido como aquele em “situação irregular”.

“Todo o sistema de contenção do adolescente do antigo Código e da ’Política de Bem -

Estar do Menor’ estava organizado para tratar um ’delinqüente’, e não para atender um

adolescente que transgrediu uma norma” (VOLPI, 1999, p. 15).

Nesta citação, Volpi considera ser fundamental distinguir o que é ser infrator

ocasional e o que é ser delinqüente habitual, baseando-se em Michael Foucault:

Michael Foucault usa a denominação infrator para referir-se àquele que infringiu as normas jurídicas estabelecidas, enquanto delinqüente é a condição a que o sistema submete o indivíduo, estigmatizando-o e controlando-o formal ou informalmente, inclusive após ter cumprido sua pena (VOLPI, 1999, p. 15).

29 Organização das Nações Unidas

58

É o que ocorre nos dias de hoje com relação ao adolescente em conflito com a

lei, que continua estigmatizado mesmo após ter cumprido sua medida.

A Doutrina da situação irregular era adotada pelo Código de Menores de 1979,

ela especificava o que considerava situação irregular no o artigo 2º do Livro I – Parte

Geral.

Artigo 2º para efeitos deste Código, considerava-se em situação irregular o

menor:

I – Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V) com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI) autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial (Código de Menores Mello Mattos, lei 6.697, de 10 de outubro de 1979).

Baseado nesta Doutrina se considerava a criança e o adolescente como em

situação irregular mesmo quando o ato ou condição de “irregularidade” não era dele,

mas de sua família ou mesmo da sociedade em que vivia, conforme aponta Saraiva:

Por esta ideologia haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam. Daí a idéia dos grandes institutos de “menores”, até hoje presentes em alguns setores da cultura nacional, onde muitas vezes misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com autores de conduta

59

infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição, estariam em “situação irregular” (SARAIVA, 2002, p.14).

Não havia nenhuma proteção e respeito à peculiar condição de pessoa em

desenvolvimento. Já o ECA reconhece que todas as crianças e adolescentes possuem

direitos e devem ser respeitadas. Baseado na Doutrina da Proteção Integral o Estatuto da

Criança e do Adolescente, como já dito, representa um marco no que diz respeito aos

direitos das crianças e adolescentes, direitos especiais e específicos dada a sua condição

de pessoa em desenvolvimento.

A Doutrina de Proteção Integral, que tem por norte a Convenção das Nações Unidas para o Direito das Crianças, estabelece que estes direitos se constituem em direitos especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento. Desta forma, as leis internas e o sistema jurídico dos países que a adotam devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outros (SARAIVA, 2002, p.15).

Saraiva diz que “na aplicação da Doutrina de Proteção Integral no Brasil, o que

se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação

irregular” (SARAIVA, 2002, p.15).

Realmente, podemos dizer que em situação irregular está o País, o Estado e a

Sociedade, pois, apesar das leis que garantem os direitos das crianças e adolescentes,

sabemos que na realidade há muito ainda a ser feito para que o Estatuto da Criança e do

Adolescente seja cumprido efetivamente em nosso país.

O ECA, no livro II – Parte Especial, é estruturado em sete partes. Aqui iremos

expor as três partes mais importantes para os objetivos desta dissertação:

Título I – Da política de atendimento – Que trata das políticas públicas destinadas a crianças e adolescentes.

60

Título II – Das medidas de proteção – Que trata das medidas de proteção a crianças e adolescentes. Título III – Da prática do ato infracional – Que trata das medidas sócio-educativas aplicadas a adolescentes autores de atos infracionais (ECA, 2003, p. 28-43).

A discussão que se faz a seguir tem o objetivo de clarificar quais são os marcos

legais de atuação do Projeto, a ser descrito no próximo capítulo, no que se refere ao

atendimento de adolescentes e jovens em conflito com a lei.

Conforme o ECA, em seu Capítulo IV, Seção I – Disposições Gerais, artigo 112

–, verificada a prática do ato infracional30, a autoridade competente poderá aplicar ao

adolescente as seguintes medidas sócio-educativas:

I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI31 (ECA, 2003, p. 37-38).

Entre estas medidas sócio-educativas, o Projeto atende aquelas aplicadas em

meio-aberto, que são a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida.

Sendo assim especificaremos estas duas medidas, que são o interesse principal desta

dissertação.

O artigo 117 do ECA estabelece que a prestação de serviços à comunidade

30 Conforme o ECA em seu artigo 103, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. 31 Conforme o ECA em seu art. 101: “Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos”. O artigo 98 estabelece que “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta”.

61

[...] consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único – As tarefas serão atribuídas conforme aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais aos sábados, domingos e feriados ou dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada de trabalho (ECA, 2003, p.39).

O artigo 118 do Estatuto da Criança e do adolescente estabelece que:

[...] a Liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. 1º - A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. 2º - A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor (ECA, 2003, p.39).

A liberdade assistida é aplicada também como progressão da medida de

internação ou como primeira medida. A liberdade assistida, como primeira medida, traz

um benefício muito grande ao adolescente, uma vez que, convivendo com a família ou

responsável, ele pode obter apoio, ao passo que sendo privado de liberdade entendemos

que o prejuízo para este adolescente é muito grande, devido à distância do meio em que

vive, tornando-se muito mais difícil o processo de ressocialização. A internação ainda

hoje traz consigo resquícios do antigo “código de menores”, sendo mais punitiva do que

educativa Embora existam unidades de internação que já funcionam de acordo com os

moldes estabelecidos pelo ECA, ainda há muito que ser feito para que se cumpra de fato

o que é direito do adolescente.

Mesmo com todas essas informações em alguns casos não há como ser

determinada outra medida que não a internação, apesar de sabermos que as medidas

62

sócio-educativas em meio aberto ainda apresentam precariedades, porém, apresentam

também resultados positivos, ao passo que a medida de internação ainda não é

adequada, seja pela falta de investimentos para se fazer cumprir o que determina o ECA,

seja por uma cultura repressiva arraigada em grande parte dos agentes educacionais que

trabalham diretamente com estes adolescentes, prevalecendo ainda o paradigma da

punição e repressão como forma de recuperação do adolescente. O ECA em seu artigo

122 determina os casos em que é necessária a aplicação da medida de internação:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. 1º - O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. 2º - Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada ((ECA, 2003, p.41).

Quando o adolescente é detido por cometer um ato infracional ele deve ficar no

máximo 45 dias em UIP (Unidade de Internação Provisória). Durante este período deve

ocorrer o julgamento e, conforme a determinação judicial, aplica-se a medida que

melhor se afigurar para o ato infracional cometido. O que ocorre é que nem todas as

cidades possuem UIP’s, e o adolescente é levado para a cadeia local, o que é permitido

desde que permaneça isolado dos adultos. Porém, não é isso que ocorre, apesar de ser

Lei muitas cadeias colocam adolescentes juntamente com adultos, fato ocorrido na

cidade onde funciona o Projeto. Um pai de um adolescente foi até à cadeia ver o filho,

um adolescente de 16 anos, e este estava em uma cela com aproximadamente 15

homens. O fato foi denunciado ao Ministério Público que abriu Sindicância para apurar

os fatos. Infelizmente, este fato não é isolado, a matéria exibida pelo Jornal da Globo no

dia 19/nov./2007 trata de uma denúncia feita ao Conselho Tutelar da cidade de

63

Abaetetuba, no Pará, onde em uma cadeia da cidade uma adolescente de 15 anos, presa

por furto foi mantida por 30 dias em uma cela com 20 homens Os presos confirmam que

a adolescente passou lá mais de 30 dias. Há também a denúncia de abuso sexual

cometido pelos presos que dividiam a cela com a adolescente. Apesar de ser

inadmissível uma conduta como esta sabemos que é fato comum, visto a falta de

estrutura e principalmente falta de humanidade das autoridades policiais que a

colocaram nesta situação, demonstrando mais uma vez que ainda prevalece a punição e

o descaso com o adolescente.

O artigo 119 do referido Estatuto trata das incumbências do orientador, com o

apoio e a supervisão da autoridade competente. Cabe ao orientador a realização dos

seguintes encargos, entre outros:

I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório do caso (ECA, 2003, p. 39).

As leis instituídas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) existem para

propiciar ao adolescente e jovem em conflito com a lei, segundo o Estatuto, o

desenvolvimento da capacidade de convívio social, através do cultivo de seus direitos,

deveres de cidadania e construção de sua auto-estima. No intuito de que o ECA saia do

papel e seja cumprido efetivamente, o governo federal criou o SINASE (Sistema

Nacional de Atendimento Sócio-educativo), que é uma política pública de

64

implementação do atendimento das medidas sócio-educativas previstas no ECA (art.

11232 e 5533), destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei.

Para tanto, discutiremos qual é o papel do SINASE que vem para, entre outras

coisas, promover a consolidação do ECA e ampliar o compromisso e a responsabilidade

do Estado e da “Sociedade Civil” em busca de soluções eficazes, eficientes e efetivas

para o sistema sócio-educativo, visando assegurar aos adolescentes que infracionaram

oportunidades de desenvolvimento, inclusão e uma autêntica experiência de

construção/reconstrução de seu projeto de vida

[...] o SINASE visa trazer avanços não só na discussão sobre o tema, mas, principalmente, na efetivação de uma política que contemple os direitos humanos buscando transformar a problemática realidade atual em oportunidade de mudança (SINASE, 2006, p. 21).

Essa transformação da realidade atual deve se dar em aspectos que embora

pareçam óbvios, ainda não são respeitados em sua totalidade, como por exemplo: o

adolescente que estiver em regime de internação ou cumprindo medida sócio-educativa

deve fazê-lo no local mais próximo de sua casa, como forma de garantir a convivência

familiar. Porém, ainda não é o que ocorre, pois, em alguns casos não há vagas próximo

ao local de residência do adolescente.

O SINASE estabelece parâmetros para a efetiva aplicação do ECA e é

caracterizado pelo:

conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração do ato infracional até a execução da medida sócioeducativa (SINASE, 2006, p. 22).

32 Artigo citado acima. 33 Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (ECA, p.21).

65

O SINASE foi criado para nortear o atendimento sócio-educativo do adolescente

em conflito com a lei, estabelecendo os Princípios e marco legal do Sistema de

Atendimento Sócio-educativo, a Organização do SINASE, a Gestão dos Programas, os

Parâmetros de Gestão Pedagógica no Atendimento Sócio-educativo, os Parâmetros

Arquitetônicos para Unidades de Atendimento Sócio-educativo e a Gestão do Sistema

Financeiro34.

Como já dito anteriormente, o ECA estabelece que crianças e adolescentes são

sujeitos de direitos e também quais as ações direcionadas ao adolescente em conflito

com a lei. Sendo assim, se faz necessário detalhar os objetivos específicos das medidas

sócio-educativas em meio aberto, bem como as atribuições do orientador educacional.

A medida de liberdade assistida (conforme artigos 118 e 119 do ECA,

supracitados) existe para interpretar, esclarecer e orientar o adolescente e sua família

sobre a decisão judicial aplicada e as condições de restrição a que está submetido. Ela

estabelece o período de cumprimento e as obrigações e direitos que a medida impõe.

Segundo Termo de Convênio da Fundação CASA, esta medida deve:

1) Estimular o adolescente a desenvolver seu projeto de vida que vise interromper a prática delitiva; 2) Realizar entrevistas individuais semanais para levantamento de dados referentes a sua história biopsicossocial, bem como a construção do PIA – Plano Individual de Atendimento, juntamente com o adolescente e família; 3) Atender individualmente e semanalmente os adolescentes com o intuito de acompanhar a medida aplicada de Liberdade assistida; 4) Atender em grupo os adolescentes e familiares visando o estreitamento dos laços afetivos; 5) Estimular o vínculo familiar entre os participantes do projeto; 6) Efetuar visitas domiciliares, com o objetivo de conhecer e se aproximar da realidade do adolescente/família; 7) Desenvolver oficinas com atividades educativas de caráter sócio-educativas visando o desenvolvimento integral do adolescente; 8) Buscar recursos profissionalizantes e pré-profissionalizantes, visando geração de renda;

34 Para ter acesso ao documento na íntegra ver Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília – DF: CONANDA, 2006.

66

9) Valorizar a inserção na rede oficial de ensino e motivar e acompanhar sua freqüência e desempenho escolar; 10) Propiciar a inserção do adolescente no mercado de trabalho; 11) Realizar articulação com diversos recursos e serviços de apoio à comunidade, para que o adolescente e sua família sejam atendidos através de uma rede de atendimento; 12) Encaminhar os adolescente e seus familiares para tratamento médico, odontológico, psicológico e/ou psiquiátrico; 13) Buscar recursos na comunidade a fim de incluir os adolescentes e suas famílias em projetos de lazer esporte e cultura; 14) Encaminhar o adolescente e seus familiares para a aquisição/atualização de sua documentação; 15) Encaminhar os adolescentes que necessitem de tratamento especializado em dependência química; 16) Favorecer o desenvolvimento pessoal e social do adolescente que cumpre a medida sócio-educativa (MSE) de Liberdade assistida (LA), incentivando o exercício da cidadania de acordo com o que preconiza o ECA; 17) Manter registro de atendimentos dos casos, atualizados (relatórios, entrevistas, observações, contatos com o judiciário, ministério público, acompanhamento técnico e rede de atendimento); 18) Desenvolver trabalho articulado entre a Entidade e o Poder Judiciário; 19) Executar pesquisa dos Processos dos adolescentes no Fórum local para o acompanhamento do caso; 20) Elaborar relatórios de acompanhamento dos casos; promover a capacitação profissional da equipe técnica, visando a qualidade do atendimento; 21) Realizar reuniões entre os orientadores de medida para discussão de casos; 22) Promover encontros sistemáticos a fim de divulgar o projeto com organizações governamentais e não governamentais e o público em geral para discussão e aprofundamento de temas relativos à infância e adolescência; 23) Proporcionar ações visando o resgate e/ou fortalecimento de sua auto-estima, valores pessoais dos adolescentes e seu papel no contexto social; 24) Realizar visitas mensais às escolas com vistas à verificação do aproveitamento escolar do adolescente (Termo nº 019/05 – CTMA – Convênios Processo nº 2027/04 – FEBEM –SP, 10/mai./2004, p. 41-42).

A medida de prestação de serviço à comunidade (artigo 117 do ECA) também

existe para interpretar, esclarecer e orientar o adolescente e sua família sobre a decisão

judicial aplicada, as condições de restrição a que está submetido, o período de

cumprimento, as obrigações e direitos que a medida impõe. Suas ações são muito

semelhantes às da medida supracitada em relação aos itens 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14,

67

15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 24 (Termo nº 019/05 – CTMA – Convênios Processo nº

2027/04 – FEBEM – SP, 10/mai./2004, p. 42 – 44).

A diferença é que são acrescidos: encaminhar e acompanhar o adolescente na

entidade acolhedora; favorecer o estreitamento dos vínculos familiares e a reintegração

dos mesmos à sua comunidade; sensibilizar as ONG’s sobre a importância de se

tornarem parceiras e co-responsáveis no processo de acompanhamento dos

adolescentes, incentivando-as a serem entidades acolhedoras; proporcionar

treinamento/capacitação dos responsáveis pelo acompanhamento dos adolescentes nas

entidades acolhedoras; realizar visitas periódicas aos locais de prestação de serviços à

comunidade (PSC), entrando em contato freqüente com os responsáveis que

acompanham os adolescentes nas entidades acolhedoras; realizar reunião mensal com as

entidades acolhedoras, para troca de experiências; proporcionar atendimento quinzenal

personalizado aos adolescentes inseridos na medida de prestação de serviços à

comunidade (Termo nº 019/05 – CTMA – Convênios Processo nº 2027/04 – FEBEM –

SP, 10/mai/2004, p. 41 – 44).

68

3. PRÁXIS SOCIAL E COMUNITÁRIA NO PROJETO

Neste capítulo discutiremos a noção de práxis social e comunitária. Tal discussão

é também herdeira do principal foco original desta dissertação, a saber, como era e

como são aplicadas as medidas sócio-educativas no Projeto escolhido para realização da

nossa pesquisa. Porém no decorrer desta, passou a ser mais importante a concepção dos

jovens atendidos em relação às medidas sócio-educativas, seus desejos e expectativas

em relação à sociedade, à família, ao mercado de trabalho e ao próprio Projeto.

Mas, de todo modo, este capítulo é importante por analisar o Projeto e suas

medidas sócio-educativas no contexto das políticas em tempos de neoliberalismo de

Terceira Via, discutidas no capítulo 1, bem como no contexto das atuais difíceis

condições enfrentadas pela juventude das camadas populares discutidas no capítulo 2

desta dissertação.

3.1 Práxis social e comunitária

O projeto de intervenção sócio-educativa35 em foco nesta pesquisa é um Projeto

que tem parceria com um Instituto Assistencial que surgiu para atender pessoas que eles

consideravam como “carentes” num Município do interior de São Paulo. É uma

organização da Sociedade Civil para atender a demanda de pessoas com dificuldades de

sobrevivência existentes na cidade, e partiu para o trabalho com adolescentes em

conflito com a lei justamente devido à falta de políticas públicas para os jovens e

adolescentes na cidade, além dos crescentes índices de violência nos últimos que

apontaram para a necessidade do Projeto atender jovens em conflito com a lei. Porém,

35 Não citaremos o nome do Projeto para não o expor.

69

atualmente é uma determinação do Estado que cada município seja responsável pela

aplicação das medidas sócio-educativas aos jovens em conflito com a lei do município,

que é a municipalização36 do atendimento sócio-educativo, ou seja, cada município

passou a ser responsável por atender sua demanda de jovens em conflito com a lei. O

Estado vem, assim, repassando aos governos municipais a responsabilidade de lidar

com problemas sociais gerados pelo sistema neoliberal. O atendimento dos jovens em

conflito com a lei deverá, no máximo a partir de julho de 2008, ser feito pelo município

de residência do mesmo, ou seja, o Estado repassa sua responsabilidade ao município e

este por sua vez, como se verá, repassa a função para o “Terceiro Setor” na forma da

instituição responsável pelo Projeto em questão.

Como discutiremos adiante, um projeto de intervenção sócio-educativa

trabalhando em parceria com o Estado e com o Mercado, acaba, mesmo sem

consciência disto, reproduzindo as relações capitalistas em que a exploração permanece,

em que uma grande parte dos indivíduos é excluída. Não se pode dizer que é neutro e

muito menos que faz parte de um “Terceiro Setor”, pois não é independente do Estado e

nem do Mercado, ao contrário, trabalha em parceria com eles. Porém antes de analisar

mais detidamente o Projeto objeto deste estudo, e justamente para compreender o

sentido de sua intervenção social, consideramos importante a discussão da noção de

práxis.

Quando falamos em práxis sabemos que há diferentes conceitos atribuídos a esse

termo. Para Vasquez “a práxis é a categoria central da filosofia que se concebe ela

mesma não só como interpretação do mundo, mas também como guia de sua

transformação” (VAZQUEZ, 1977, p.05).

36 Sobre a municipalização do atendimento sócio-educativo falaremos mais detidamente no próximo item.

70

Podemos entender que a práxis deve ter obrigatoriamente o caráter de

transformação de uma realidade, deve ser vista como uma força capaz de fazer com que

o homem saia do “senso comum” e passe a enxergar a realidade que o cerca para, assim,

poder transformá-la de acordo com seus anseios e suas necessidades.

A consciência comum da práxis tem que ser abandonada e superada para que o homem possa transformar criadoramente, ou seja, revolucionariamente, a realidade. Só uma elevada consciência filosófica da práxis permite que ele alcance esse nível criador (VAZQUEZ, 1977, p. 11).

O ser humano é um ser social e histórico, mas não tem plena consciência de que

faz parte da história, de que escreve a história humana, não tem a dimensão do seu

poder. Para que o homem saia da sua condição de mero “fantoche” nas mãos de uma

sociedade capitalista cada vez mais excludente e esmagadora, deve ter consciência do

seu papel nesta sociedade e principalmente de seu poder de transformação da sociedade

e do meio em que vive, e isso só pode se dar através da práxis, que de acordo com a

compreensão e explicação de Marx e Gramsci:

[...] engloba certas categorias fundamentais tais como: transformação do meio natural em que vive o homem (conquista e humanização da natureza, modificação supressão e criação de objetos, transformação das condições naturais da vida humana); criação de distintas formas e instituições da vida humana – das interações, comunicação mútua e trabalho cooperativo e associativo. A luta pela sobrevivência leva à transformação das condições sociais da vida humana que é ao mesmo tempo autocriação e criação coletiva do homem (NORONHA, 2006, p. 13).

Neste mesmo contexto acreditamos serem importantes as considerações de

Vasquez sobre o homem comum, que, como dito anteriormente não consegue ver a sua

participação na história como protagonista, que:

71

[...] não consegue ver até que ponto, com seus atos práticos está contribuindo para escrever a história humana – como processo de formação e autocriação do homem – nem pode compreender até que grau a práxis necessita da teoria, ou até que ponto sua atividade prática se insere numa práxis humana social, o que faz com que seus atos individuais influam nos demais, assim como por sua vez, os destes se reflitam em sua própria atividade (VAZQUEZ, 1977, p. 15)

Para que o homem alcance uma consciência filosófica que o ajude a sair do

“senso comum” e possa transpor barreiras em busca de uma nova realidade é

fundamental que ele conheça a história, entenda porque as coisas estão como estão.

Essa consciência filosófica não é alcançada casualmente nem em virtude de um desenvolvimento imanente, interno, do pensamento humano. Ela só é alcançada historicamente – isto é, numa fase histórica determinada – quando a própria práxis, ou seja, a atividade prática material, chegou em seu desenvolvimento a um ponto em que o homem já não pode continuar agindo e transformando criadoramente – isto é, revolucionariamente – o mundo, como realidade humana e social, sem assumir uma verdadeira consciência filosófica da práxis. Essa consciência é reclamada pela própria história da práxis real ao chegar a certo estágio de seu desenvolvimento, mas só pode ser obtida, por sua vez, quando já amadureceram, ao longo da história das idéias, as premissas teóricas necessárias (VAZQUEZ, 1977, p. 16).

Vasquez cita dentre os tipos de práxis a social, em que o homem é sujeito e

objeto dela, atua sobre si mesmo:

Essa atividade prática do homem oferece diversas modalidades. Dentro delas cabem os diversos atos orientados no sentido de sua formação como ser social, e, por isso, destinados a mudar suas relações econômicas, políticas e sociais. Na medida em que sua atividade toma por objeto não um indivíduo isolado, mas sim grupos ou classes sociais, e inclusive a sociedade inteira, ela pode ser denominada práxis social, ainda que num sentido amplo toda prática (inclusive aquela que tem por objeto direto a natureza) se revista de um caráter social, já que o homem só pode levá-la a cabo contraindo determinadas relações sociais (relações de produção na práxis produtiva) e, além disso, porque a modificação prática do objeto não humano se traduz, por sua vez numa transformação do homem como ser social (VAZQUEZ, 1977, p. 200).

72

A práxis social tem como alvo a transformação da organização e direção da

sociedade. Não é somente uma prática para resolver um problema isolado. A práxis

social tem a finalidade de transformação do homem como ser social e também a

transformação da sociedade, ao contrário da práxis comunitária, conforme Martins nos

demonstra na citação abaixo:

[...] a “práxis comunitária” está reproduzindo as relações sociais capitalistas, já que nela uma série de instituições interatuam para buscar alternativas ao momento de crise vivido, especialmente à crise econômica que afeta classes empobrecidas, sem, contudo, se preocuparem em identificar e atacar a raiz dos problemas, ou melhor, o elemento determinante delas, que é o sistema global de vida, isto é, o modo de produção e reprodução da vida vivida sob a forma capitalista (MARTINS, 2005 b, p. 17).

Ao contrário da práxis social que deve estar vinculada à história para poder

engendrar resultados transformadores, a práxis comunitária não tem nenhum ou quase

nenhum apego à história. Não há nela preocupação em transformar a realidade social de

uma forma global e sim amenizar os problemas engendrados pelo capitalismo na sua

atual forma de desenvolvimento em um local determinado.

[...] a “práxis comunitária” tem um limitado alcance histórico, ou melhor, não há nela grandes preocupações em conhecer e nem em transformar globalmente a realidade, mas principalmente promover ajustes parciais, sem afetar a dinâmica global do modo de vida. Ao invés de redirecionar nas relações societárias, as alterações minimalistas que a práxis comunitária nela promove colabora com a sua revitalização e reprodução, o que é bom para as classes dominantes e dirigentes, mas ruim para quem sofre as conseqüências da nefasta exclusão, da coisificação e do fetichismo próprios do sistema de vida sob a forma do “capitalismo flexível” (MARTINS, 2005 b, p.18).

A este respeito Martins considera que isto não significa que a utilização da

“práxis comunitária”, na forma de ações comunitárias, não tenha impacto na vida

concreta, ao contrário, tornando-se inclusive objeto de estudo das Ciências Humanas e

73

Sociais. O que não pode ser esquecido é o seu caráter assistencialista. Como o Estado se

coloca cada vez mais mínimo na consecução dos direitos sociais, e continua sendo

máximo na defesa dos interesses do capital, o ser humano não tem acesso nem ao que é

mínimo, cabendo às associações sociais como as ONGs tentar, de alguma forma,

amenizar esses problemas causados pela falta de condições mínimas de sobrevivência –

em especial em favor do apaziguamento social. Porém, se não houver um engajamento

político e ideológico, as condições permanecerão como são e a práxis comunitária

continuará de certa forma trabalhando ao lado do capitalismo, tentando reconstruir o

que foi destruído por ele, e a esse respeito acreditamos serem importantes às

considerações de Martins quando diz que:

[...] a “práxis comunitária” tem um limitado alcance histórico, ou melhor, não há nela grandes preocupações em conhecer e nem em transformar globalmente a realidade, mas principalmente promover ajustes parciais, sem afetar a dinâmica global do modo de vida [...] Enquanto a “práxis social” buscava a mobilização das massas pela ação politizada e ideologizada, articulada por instrumentos organicamente vinculados entre si (como os partidos, os sindicatos e até mesmo mediante organizações internacionais de trabalhadores, como é o caso das “internacionais”), que indicavam o engajamento permanente e a perspectiva estratégica de transformação global do modo de vida, a “práxis comunitária” é focalizada, despolitizada, e articulada por instrumentos cujo engajamento é eventual e de perspectiva não estratégica, além de afirmar-se como neutra ideologicamente (MARTINS, 2005, p. 17, 21).

Martins também acrescenta que a oposição anunciada entre “práxis social” e

“práxis comunitária” pode ser conferida ao se observar em os sujeitos de cada uma

delas, que respectivamente são o militante e o voluntário.

Mas em nosso dia-a-dia, o que fazer para que possamos transpor a barreira da

práxis comunitária para a práxis social?

O Projeto tem como objetivo o atendimento aos adolescentes inseridos nas

medidas sócio-educativas de Liberdade assistida (artigos 118 e 119 do ECA) e

74

Prestação de Serviço à Comunidade (artigo 117 do ECA) e suas famílias e responsáveis,

conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, propiciando e viabilizando

oportunidades sócio-educativas que os conduzam a um processo de inclusão social

visando o exercício de sua cidadania e a interrupção da vivência infracional.

Este Projeto consiste em uma parceria da Fundação CASA (Centro de

atendimento sócio-educativo ao adolescente) e o Instituto Assistencial37. O espaço

utilizado para o atendimento dos jovens inicialmente foi feito em uma casa cedida pela

Igreja Católica do município. Atualmente, o Projeto tem sede própria, devido a

problemas com a equipe responsável pela casa, que utilizava o local concomitantemente

com o Projeto, organizando reuniões, bazares e grupos de jovens, fato que gerava

problemas com a Fundação CASA, que considera que o Projeto deve possuir sede

própria, por lidar com informações sigilosas. Atualmente funciona em sede própria

custeada pela Prefeitura Municipal e está em vias de municipalização.

A equipe que trabalha neste Projeto é composta por alguns voluntários,

orientadores educacionais e uma coordenadora pedagógica.

Além disso, uma questão fundamental é que a ação sócio-educativa do Projeto

visa resolver um problema imediato, e apesar da ciência de que existe um processo

histórico que desencadeou tudo que ocorre hoje, há também por outro lado, uma

parceria que impede muitas ações. Além disso, sem a compreensão do processo

histórico é impossível realizar qualquer tipo de práxis transformadora, seja ela social,

política ou revolucionária.

O projeto tem foco no jovem que já passou pela Fundação CASA e aqueles que

não chegaram a passar pela Fundação CASA, mas que já praticaram algum ato

37 Organização civil de caráter filantrópico

75

infracional e devem cumprir a medida sócio-educativa em meio-aberto, como a

prestação de serviço à comunidade ou a liberdade assistida.

No Projeto de Intervenção Sócio-educativa, assim como na práxis comunitária,

ocorre a busca para solução de problemas imediatos causados pelo momento de crise

vivido. São raros os movimentos para que ocorra a libertação das condições a que são

submetidos. Estes movimentos não podem trabalhar em “parceria” com o Estado para

que a mudança social aconteça. Neste mesmo sentido, trabalhando em “parceria” com o

Estado, o Projeto reproduz as relações de exploração, mantendo o status quo, pois,

relegando-se ainda ao “senso comum” não conseguem transpor a barreira da exclusão.

Para que esta barreira seja rompida, acreditamos ser necessária uma articulação entre

práxis social e práxis comunitária, pois, como discutido acima, sem esta articulação não

há como ocorrer a libertação das condições de exploração, a qual muitos jovens estão

submetidos.

3.2 O Projeto de intervenção sócio-educativa

3.2.1 O Município

O município onde o Projeto de Intervenção Sócio-educativa funciona está

localizado na Região Metropolitana de Campinas. O município cresceu

vertiginosamente na década de 1980, com a vinda de imigrantes do Paraná, Norte e

Nordeste do país, fato que ocasionou uma ocupação desordenada, principalmente em

sua periferia, composta por famílias de baixa renda que migraram em busca de melhores

condições de vida. Porém, a realidade buscada na maioria das vezes não é atingida,

76

muitas famílias na periferia da cidade vivem em situação de miséria, convivendo no seu

dia-a-dia com a fome, violência, desemprego e falta de condições básicas de

sobrevivência, que são problemas sociais comuns no capitalismo.

O município possui cerca de 250 mil habitantes e é bastante industrializado.

3.2.2 Histórico do Instituto Assistencial e do Projeto

Segundo o projeto de implementação do Projeto, o instituto foi fundado em

1958, como iniciativa da Paróquia de uma cidade do interior tendo por seu representante

o padre e um grupo de senhoras da comunidade, com o objetivo de atender pessoas

“carentes” do município.

O primeiro tipo de ação foi à distribuição de alimentos, leite e enxoval para

famílias “carentes” com crianças recém-nascidas, aproveitando-se também para dar

orientações diversas à estas família. Em 1974 se iniciou o atendimento de crianças, que

depois se transformou em uma creche. O que justificou a criação da creche foi o fato da

grande demanda das mães que necessitavam trabalhar e não possuíam local para deixar

seus filhos.

Hoje a creche atende aproximadamente 110 crianças com idade entre dois e seis

anos.

A demanda por maiores atendimentos é grande devido à falta de políticas

públicas no município. A paróquia, que se apresenta como entidade religiosa que visa a

promoção e valorização da vida, de acordo com os valores evangélicos, questionava-se

quanto à ausência de um trabalho que pudesse ser desenvolvido junto aos jovens.

Havia um bom trabalho desenvolvido em favor das crianças de zero a seis anos

de idade, mediante a Pastoral da Criança, realizado em um espaço próprio onde o

77

projeto é desenvolvido com bastante êxito. Pode-se dizer também que alguma coisa tem

sido feita na assistência aos adultos e suas famílias para responder às suas reais

necessidades, particularmente pelo trabalho dos vicentinos que saem às ruas para

arrecadar alimentos para estas famílias. Igualmente há uma preocupação com a terceira

idade, expressa em um projeto desenvolvido pelo próprio instituto assistencial junto às

mulheres idosas. Mas faltava uma ação direcionada especialmente para jovens.

Com a implantação do projeto de intervenção sócio-educativa em 2005, que

consiste em uma parceira entre o instituto assistencial, a Igreja Católica e a Fundação

CASA (Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente), o Projeto passou a

atender cerca de 117 jovens na faixa etária de 12 a 18 anos excepcionalmente até 21

anos38 e suas respectivas famílias. Além dessas, encontram-se também em atendimento

30 famílias de jovens internos (número variável). Este Projeto visa o cumprimento das

medidas sócio-educativas em meio aberto sendo elas a LA - liberdade assistida (art. 118

e 119 do ECA) e PSC – prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA)

conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, discutidas no item 2.5.

O Projeto utiliza o mesmo CGC39 do Instituto Assistencial, porém, o trabalho é

desenvolvido independente um do outro, uma vez que o trabalho do Projeto é

direcionado especificamente ao jovem em conflito com a lei e o instituto atende famílias

“carentes”.

Atualmente, vive-se uma situação delicada no Projeto, pois, devido à

municipalização dos programas de meio aberto40 ainda não ficou decidido oficialmente

38 Se a infração foi cometida quando o adolescente ainda tinha menos de 18 anos (maioridade penal), ele deve cumprir a medida sócio-educativa de acordo com o ECA mesmo que já tenha 18 anos até no máximo 21 anos. 39 Cadastro Geral de Contribuintes. 40 Prevista no artigo 88, inciso I do ECA – “O significado da municipalização do atendimento no âmbito do sistema sócioeducativo é tanto para as medidas sócioeducativas quanto ao atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei devem ser executados no limite geográfico do município, de modo a fortalecer o contato e o protagonismo da comunidade e da família dos adolescentes atendidos. [...] Diante desse contexto, a municipalização das medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à

78

se a Prefeitura irá manter o funcionamento do Projeto ou se irá, através de algum

departamento interno, realizar o atendimento destes jovens. Outro fator importante é

que o instituto assistencial não tem interesse em permanecer vinculado ao projeto de

intervenção sócio-comunitária, pois considera que após a municipalização a Prefeitura

deve assumir totalmente o Projeto, e o que agrava toda a situação é que o pároco da

cidade, grande defensor que auxiliou na criação do Projeto, está mudando de Paróquia.

Apesar dos limites do Projeto, evidenciados no item anterior, a sua equipe, de

alguma forma, deseja que se dê uma efetiva transformação pessoal e social dos jovens e

familiares, e, por este motivo, espera que a Prefeitura estabeleça parceria com ele, para

que o trabalho que vem sendo realizado continue, porém, de concreto temos somente o

fato da municipalização.

3.2.3 Descrição geral das ações do Projeto

O Projeto como citado anteriormente visa o cumprimento das medidas Sócio

Educativas em meio aberto sendo elas a LA - liberdade assistida (art. 118 e 119 do

ECA) e PSC – prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA) conforme

preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, discutidas mais detidamente no item

2.5 desta dissertação.

O Projeto funciona de acordo com os parâmetros determinados no SINASE

(Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo). Atualmente trabalham no Projeto

seis orientadoras educacionais, uma coordenadora e uma assistente administrativo.

Destas orientadoras 4 trabalham oito horas/semanais e 2 seis horas/semanais. As comunidade é ainda mais premente, uma vez que elas têm como lócus privilegiado o espaço e os equipamentos sociais do Município. Nelas há maior efetividade de inserção social, na medida em que possibilitam uma maior participação do adolescente na comunidade, e, ao contrário das mais gravosas, não implicam em segregação” (SINASE, 2006, p. 29).

79

orientadoras que realizam oito horas/semanais devem atender no máximo 20 jovens41 e

suas respectivas famílias, as que realizam seis horas/semanais devem atender no

máximo 15 jovens42 e suas respectivas famílias, o que totaliza um máximo de 110

jovens. Como atualmente o Projeto atende 117 jovens e este número vem crescendo nos

últimos meses, foi decidido que as orientadoras que realizam 6 horas/semanais, a partir

de janeiro, passarão a realizar também 8 horas/semanais.

No atendimento individual ao jovem, conforme Caderno de Gestão, deve ser

feito um planejamento que irá direcionar o trabalho a ser realizado.

A primeira etapa é a elaboração de um diagnóstico para obter informações sobre

o jovem e sua família: esse diagnóstico inicial se dá a partir de observações, conversas e

visitas domiciliares, para coletar dados que forneçam subsídios para o conhecimento do

problema e o contexto no qual o jovem está inserido.

A segunda etapa deste processo é o planejamento no qual os objetivos devem ser

bem definidos, pois estes apontarão a direção do trabalho a ser realizado.

Quando o jovem chega ao Projeto é realizado o acolhimento inicial, no qual

apresentamos ao jovem e responsável o espaço e demais funcionários do Projeto.

Posteriormente, na sala de atendimento, o jovem e seu responsável são informados

quanto a determinação judicial, ou seja, qual a medida sócio-educativa aplicada, o

período de cumprimento da mesma e as sanções advindas do descumprimento, já

discutidas no capítulo 2 desta dissertação, bem como as normas e regras da Instituição.

Neste primeiro atendimento também verificamos quais documentos o jovem possui e os

encaminhamos para retirar os que porventura estiverem faltando.

O segundo atendimento deve ser feito também com a presença do responsável

para preenchimento do PIA (Plano Individual de Atendimento), que faz parte do

41 Número estabelecido pelo SINASE (Sistema de Atendimento Sócio-educativo). 42 Idem.

80

diagnóstico inicial. A entrevista com o jovem e seu responsável é fundamental para a

elaboração do PIA, que deve ser minuciosa para que, segundo o Caderno de Gestão,

este auxilie no desenvolvimento pessoal e social do jovem. Basicamente o PIA contém

informações sobre composição familiar (número de uniões, relacionamentos, figura de

autoridade, dependência química), sobre moradia (características gerais do imóvel

contendo estrutura, número de cômodos, se é próprio/alugado/cedido/invadido, se

possui água, luz, esgoto) sobre números de pessoas residentes no domicílio (nome,

idade, grau de instrução, ocupação, renda e se contribui ou não para a composição da

renda familiar), sobre os serviços utilizados na rede municipal sócio-assistencial e se

estes atendem as necessidades. Também há dados sobre idade e série em que o jovem

ingressou na escola, qual o nome da atual ou última escola que o jovem estudou, série

que cursa ou na qual interrompeu os estudos e vivência escolar, se já fez algum curso

profissionalizante e áreas de interesse. Para finalizar, há pergunta sobre as expectativas

do jovem e de sua família quanto ao Projeto.

Além do atendimento individual aos jovens e familiares realizam-se

semanalmente, oficinas de artesanato para os jovens, com o objetivo de estreitar o

vínculo afetivo destes com o Projeto e com suas orientadoras para facilitar o trabalho

realizado individualmente. Na oficina de artesanato são confeccionadas peças com

técnicas como pátina, decoupagem e craquelê e, concomitantemente, são discutidos

temas cotidianos na vida destes adolescentes, temas trazidos pelos mesmos ou por suas

orientadoras, que durante todo o tempo acompanham a realização das atividades

buscando conduzir as discussões.

Há também um outro grupo de jovens que se reúne semanalmente, no qual são

realizadas dinâmicas de grupo. São atividades direcionadas pelas orientadoras

educacionais, sempre com a preocupação de que as atividades sejam educativas, são

81

trabalhados diversos temas como: educação, trabalho, drogadição, sexualidade,

relacionamentos, etc, através de dinâmicas, debates e confecção de cartazes. O objetivo

destas atividades, conforme o Caderno de Gestão da Fundação CASA, é:

Construir e/ou fortalecer nos jovens a auto-estima, buscando o autoconhecimento e o exercício dos direitos e deveres, de modo a facilitar a inserção no coletivo, percebendo-se como agente de transformação social, responsável e consciente dos seus próprios limites e possibilidades (CADERNO DE GESTÃO, 2004).

São realizadas também atividades de artesanato para as mães dos jovens do

Projeto e mães de jovens internos na Fundação CASA. No caso específico das mães dos

jovens internos, o motivo da realização das oficinas é para se criar um vínculo com estas

mães para que através destas toda a família seja preparada para receber o jovem quando

ele estiver em liberdade assistida. A justificativa para a realização destas oficinas é a de

que o comportamento de cada membro é afetado e também afeta todos os outros

membros e, portanto, é imprescindível que as famílias participem das atividades para

estreitar os vínculos com o Projeto e assim serem ajudadas e conseqüentemente

ajudarem os jovens.

O intuito na realização destas atividades não é para que tenham um fim em si

mesmas, mas, que através destas seja aberto um “leque” de oportunidades para preparar

estas famílias para que quando recebam o jovem possuam subsídios para obterem um

melhor relacionamento com seus filhos, fornecendo orientações gerais de acordo com os

temas trazidos pelo grupo e também pelas orientadoras que acompanham a atividade.

Além disso, o intuito é de que as mães que se encontrem desempregadas possam ajudar

no orçamento familiar. As atividades realizadas são tricô, crochê, bordado em ponto

cruz, tapetes de malha e guardanapos com decoupagem.

82

Uma vez por mês ocorre a reunião de família. A equipe do Projeto se preocupa

com que as famílias sejam esclarecidas sobre diversos assuntos. As últimas reuniões

realizadas foram sobre os serviços que o município oferece e que são direitos da cada

cidadão e como ter acesso a eles. Algumas reuniões são realizadas por palestrantes e

outras pelas orientadoras que, baseadas na convivência diária com jovens e familiares,

promovem dinâmicas e debates acerca dos problemas vivenciados pelo grupo.

São também realizadas festas de acordo com as comemorações anuais como: a

festa junina e a festa de Natal, na qual participam jovens e seus familiares.

No final de cada mês é realizada uma festa de aniversário aos aniversariantes do

mês.

Atualmente a Fundação CASA destina um valor mensal por jovem. Este dinheiro

é gasto com o lanche, oferecido em todas as ocasiões que o jovem comparece no

Projeto, passes urbanos e interurbanos, água, energia elétrica, telefone, etc.

O Projeto não recebe nenhuma verba para jovens que se encontram

institucionalizados, porém, preocupados em garantir lanche, passes e também verbas

para que familiares dos jovens internos que não possuam condições financeiras possam

visitar seus filhos na unidade de internação, realizou um projeto solicitando essa verba

ao CMDCA43 e conseguiu. Assim, pode prover esta verba para manter o convívio

familiar que contribui muito para a ressocialização do jovem, respeitando seus direitos

de acordo com os parâmetros do SINASE.

43 Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.

83

4. OS JOVENS E A INTERVENÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA DO PROJETO

4.1 A metodologia da pesquisa de campo

As técnicas de coleta de dados utilizadas para esta pesquisa empírica foram as

seguintes: coleta de dados sobre projeto, aplicação de questionário, dinâmica de grupo e

a observação participante.

A pesquisa de campo foi realizada no Projeto de intervenção sócio-educativa

citado nesta dissertação.

Utilizamos a análise quantitativa dos dados para conhecer algumas

características objetivas dos jovens que freqüentam o Projeto:

Quantificar os dados significa mensurar variáveis estabelecidas, procurando verificar e explicar sua influência sobre outras variáveis, através de análise de freqüência e correlações estatísticas. Neste modelo, através da matematização, estatística e probabilidade, principalmente, o pesquisador descreve (os dados), explica (através da freqüência e correlação) e prediz (a partir de análise dos dados já existentes) (GROPPO; MARTINS, 2007, p. 102).

A análise qualitativa foi utilizada para analisar os questionários e as dinâmicas de

grupo. Ela envolveu, basicamente, a análise do discurso para tentar compreender as

motivações e os sentidos das ações dos jovens em relação ao Projeto e a outros aspectos

relevantes de seu cotidiano:

Nestas metodologias, o pesquisador participa, compreende e interpreta. Cada caso é tido como único, particular e não-repetível. Não cabe aqui a proposta de uma lei “geral” ou universal que poderia predizer casos análogos futuros (como no modelo quantitativo). O exemplo, o caso ou a situação estudada, podem tão somente ajudar na

84

compreensão de outros tantos casos, ou colaborar na compreensão de um dado problema mais geral. Por sua vez, a análise qualitativa toma estes dados como parte de um contexto fluente de relações, não apenas como coisas isoladas ou acontecimentos fixos captados num instante de observação. Os dados não se restringem ao aparente, mas contém ao mesmo tempo revelações e ocultamentos. Dá-se importância tanto ao conteúdo manifesto das ações e falas, quanto ao que é latente ou ocultado. (GROPPO; MARTINS, 2007, p. 104).

Utilizamos ainda a reflexão sobre as vivências e experiências da pesquisadora

como orientadora educacional no Projeto – esta reflexão já esteve presente no capítulo

anterior e vai permear a análise dos demais dados coletados sobre os jovens.

4.2 Análise dos dados do Projeto

A pesquisa para obtenção dos dados que serão apresentados neste item foi feita

através dos seguintes documentos fornecidos pelo Projeto: demonstrativo mensal do

atendimento; tabela de consolidação da faixa etária; fichas e prontuários dos jovens.

Através dos dados obtidos com a pesquisa elaboramos tabelas e gráficos que serão

analisados a seguir:

Tabela 1

Jovens que freqüentam o Projeto conforme gênero

n % Masculino 97 92 Feminino 09 8 Total 106 100

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

A tabela 1, com o número de jovens que freqüentam o Projeto conforme gênero,

demonstra que predominam os jovens pertencentes ao gênero masculino. Algumas

hipóteses para explicar essa diferença podem ser levantadas. Elas se relacionam com a

crise social gerada pelo modelo neoliberal já discutido no capítulo 1 desta dissertação,

85

ou mesmo o fato de que o machismo ainda é muito presente no interior das famílias

brasileiras. A cultura “machista” internalizada pelo brasileiro atribui ao sexo masculino

a responsabilidade de sustentar o lar. Muitos dos jovens do sexo masculino são

pressionados pela família a ajudarem no orçamento familiar44, ao passo de que as jovens

não possuem essa mesma cobrança de forma tão acentuada, ficando estas mais

circunscritas ao ambiente doméstico. Aproveitamos para lembrar o caso citado no

capítulo 2, que lamenta a morte do filho justo no momento em que este poderia entrar

no mercado de trabalho e auxiliar no orçamento doméstico. Outra hipótese que pode

explicar este predomínio do sexo masculino entre os jovens em conflito com a lei, é que

a forma de participação das jovens nos atos infracionais geralmente se dá nos

“bastidores”, já que estas dificilmente assumem a posição de liderança, fato que também

pode estar associado à masculinidade.

O número de meninas que cumprem medida sócio-educativa no Projeto

manteve-se estável durante todos o período analisado (tabela 1, 2 e 3).

Tabela 2 Jovens que freqüentavam o Projeto conforme

gênero em 2005 n %

Masculino 94 91 Feminino 9 9

Total 103 100 Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento dez./2005.

44 “[...] vários determinantes da realidade, que vêm transformando, para muitos jovens, a busca por ocupação numa opção imperiosa. Seja porque uma enorme quantidade, a maioria, a rigor, das famílias, em face de suas estratégias de enfrentamento da pobreza, não poderia prescindir dos acréscimos de renda [...]” (BRANCO in SPOSITO, 2005, p. 131).

86

Tabela 3 Jovens que freqüentavam o Projeto

conforme gênero em 2006 n %

Masculino 94 92 Feminino 8 8 Total 102 100

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento dez./2006.

Quando consideramos o ato infracional mais freqüente entre as meninas

podemos constatar (Tabelas 4, 5 e 6) que este número também se manteve estável no

período consultado, não havendo grande variação.

Tabela 4 Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido em 2005 nRoubo Simples 3Roubo Qualificado 2Tráfico de Drogas 2Ameaça 1Extorsão 1Total 9

Fonte: Quadro Demonstrativo Mensal de Atendimento dez./2005.

Tabela 5 Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido em 2006 nRoubo Qualificado 2Roubo Simples 2Ameaça 1Extorsão 1Furto 1Homicídio Doloso 1Total 8

Fonte: Quadro Demonstrativo Mensal de Atendimento dez./2006.

Tabela 6 Jovens do gênero feminino segundo ato infracional cometido em 2007 nRoubo Qualificado 3Roubo Simples 2Ameaça 1Extorsão 1Furto 1Homicídio Doloso 1Total 9

Fonte: Quadro Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

87

Colhemos dados em nossa pesquisa de campo referentes aos jovens do Projeto

quanto à etnia/cor. Apesar de nossa percepção ser de que o número de pardos é maior,

nos deparamos com o número apresentado na tabela 7 que revela que a porcentagem de

brancos é bem maior que a de pardos. Isto pode ser explicado pelo fato de que os dados

sobre cor/etnia usados para o demonstrativo do Projeto vêm do Boletim de Ocorrência,

em que o próprio jovem declara sua cor quando fornece outros dados, como data de

nascimento, nome dos pais, endereço, telefone e RG.

Tabela 7

Jovens do Projeto conforme etnia/cor 2007

n % Brancos 65 61 Pardos 32 30 Negros 9 9 Total 106 100

Fonte: Boletim de Ocorrência do Processo/ nov. 2007.

Gráfico 1

Escolaridade dos adolescentes e jovensatendidos pelo projeto

17%

13%

3%

0%61%

6% Cursando ensino fundamental Cursando ensino Médio

Ensino médio concluído

Curso Superior

Não está estudando

Dados Desconhecidos

Fonte: Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

88

Os dados sobre escolaridade dos jovens que freqüentam o Projeto apresentam

uma realidade muito preocupante. Apesar da “obrigatoriedade” do estudo ao jovem

autor de atos infracionais ser determinado pelo ECA, como se demonstrou no capítulo

2, nos deparamos com a realidade exposta no gráfico 1: 61% dos jovens que freqüentam

o Projeto não estão estudando. Sobre estes 61% de jovens fora da escola, há outros

dados muito preocupantes: 42 não completaram o Ensino Fundamental (deste total

temos 1 na 2ª série, 1 na 3ª série, 2 na 4ª série, 9 na 5ª série, 10 na 6ª série, 9 na 7ª série

e 10 na 8ª série), 8 completaram o Ensino Fundamental e 15 têm Ensino Médio

Incompleto (sendo 09 jovens no 1º ano, 5 no 2º ano e 1 no 3º ano). 17% estão cursando

o ensino fundamental, mas notamos, através da observação participante, que mesmo os

jovens que estão freqüentando a escola possuem uma enorme dificuldade na leitura e

escrita e há dentre estes alguns que não foram efetivamente alfabetizados apesar de

estarem freqüentando a escola, o que pode ser justificado também pela má qualidade do

ensino, já discutida no capítulo 2 desta dissertação. 13% estão cursando o ensino médio

e apenas 3% concluíram o ensino médio.

Tentaremos indicar aqui um dos motivos, que acreditamos ser o mais relevante, e

que pode nos auxiliar na justificativa dos números apresentados.

Um dos motivos que pode justificar este percentual de 61% é a discriminação

sofrida pelo jovem que se encontra em conflito com a lei. Estes encontram muitas

dificuldades de realizarem suas matrículas, freqüentemente esbarrando no preconceito,

já que são conhecidos nos bairros onde residem ou mesmo na escola e acabam por não

ter oportunidade de ressocialização como determina o ECA. Segundo Torezan “[...] os

que querem retornar encontram muitos obstáculos, como a não aceitação de sua

matrícula, em vista da ficha de ocorrências de indisciplina que têm registrada na

secretaria das escolas” (2005, p. 228). Neste artigo, Sônia A. B. Torezan discute a

89

violência sofrida pelos jovens em conflito com a lei nas escolas. O relato da autora, que

trabalha com medidas sócio-educativas em meio aberto em uma cidade da mesma

região do Projeto aqui estudado, vem referendar o que vemos acontecer periodicamente.

Torezan relata que na escola o sistema de disciplina exige uma conduta uniforme por

parte de todos os alunos e os jovens infratores opõem-se a esta ordem, e com esta

resistência há o conflito entre estes e a escola. Torezan também fala sobre os

depoimentos dados pelos jovens com relação à escola e o retorno que tem é de que estes

jovens não estão preocupados em estar fora da escola, pois consideram esta sem

atrativos e a certificação alcançada pelos que a freqüentam atualmente, sem grande

valor (TOREZAN, 2005). Esta última afirmação apareceu na dinâmica realizada para

fins desta dissertação, que narraremos no último item deste capítulo.

Assim como a autora do artigo supracitado, as orientadoras, freqüentemente

somos chamadas para participar de reuniões com diretores e professores para resolver a

situação de um determinado jovem, porém, a resolução já está dada bem antes de nossa

chegada: “a escola não pode expulsar o aluno” (afirmação feita por um diretor de uma

escola Estadual visitada por nós), mas pode exigir que este seja transferido para outra

escola. Conforme Torezan, nestes casos a escola quer “livrar-se do aluno ‘problema’,

passá-lo para frente, encaminhá-lo. Porém a expulsão deixa claro o fracasso do sistema

educacional, que não consegue lidar com estas questões” (TOREZAN, 2005, p. 230-

231). Compartilhamos com a afirmação de Torezan quando diz que “o comportamento

do jovem infrator com relação à escola é entendido por nós como o enfrentamento de

um sistema padronizado que ele se recusa a aceitar [...]” (TOREZAN, 2005, p. 234).

O não-enquadramento aos padrões uniformes exigidos pela escola é a forma que

estes jovens encontram de resistirem contra as injustiças sofridas no tocante aos seus

direitos que não estão sendo respeitados.

90

Torezan relata que nos depoimentos dos jovens que abandonaram a escola, as

afirmações são de que nas aulas eles não podem se dirigir ao professor, devem ficar

calados e responderem somente quando forem chamados. Neste mesmo sentido

gostaríamos de relatar o caso de um jovem atendido pelo Projeto, somente para ilustrar

a situação vivida por aqueles atendidos pelo nosso Projeto que muito se assemelha à

relatada por Torezan. J.45 cumpre medida sócio-educativa de liberdade assistida e

freqüentemente tínhamos que ir até à escola para resolver problemas relacionados ao

jovem. As reclamações eram diversas, desde que ele saía da sala de aula quando bem

entendia, pulava o muro para ir embora, fumava no pátio da escola, até que, por ter

repetido várias séries, era maior que os outros e exercia assim um domínio sobre estes.

Tantas reclamações culminaram na transferência de J. desta escola em ago./2007 para

outra, porém ainda hoje J. continua fora da escola e diz que não quer voltar a estudar,

pois era muito humilhado na escola. Por outro lado, ao participar das atividades grupais

no Projeto, J. se mostrou extremamente ativo, sempre discutindo os temas propostos,

colocando sua opinião – apesar de algumas destas opiniões serem colocadas para, de

alguma forma, nos “chocar”. Pudemos ver neste jovem a presença de valores que

podemos considerar nobres com relação à família e aos amigos. É certo que vimos

acontecer nas atividades grupais muito do que acontecia na escola: o tempo todo ele

questionava, comentava, conversava, ria, mas, a diferença residiu no fato de que esta

impetuosidade do jovem foi aceita no grupo e trabalhada de uma forma positiva, dando

a ele liberdade de se expressar, colocando limites sem impô-los, para que ele pudesse

participar das atividades de forma a não atrapalhar o rendimento do restante do grupo.

Apesar disto, J. não voltou para a escola.

45 Os jovens do Projeto serão descritos apenas pela inicial de seus nomes.

91

Gráfico 2

Dados desconhecidosNão cursaCurso externoCurso interno

8%

90%

2%

0%

Jovens do projeto que fazem cursos profissionalizantes

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

O gráfico 2 refere-se ao número de jovens do Projeto que fazem algum tipo de

curso profissionalizante. A inserção do jovem em atividades profissionalizantes é uma

das incumbências do orientador, conforme preconiza o ECA no seu artigo 119 inciso III

- “diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no

mercado de trabalho” (ECA, 2003, p. 40). Contudo, o gráfico indica que 90% dos

jovens do Projeto não fazem curso profissionalizante, fato que pode ser atribuído às

dificuldades encontradas para inseri-los neste tipo de atividade, uma vez que o

município onde o Projeto está instalado oferece poucas opções deste tipo para os jovens

sem condições de pagar um curso profissionalizante. Uma das nossas tentativas foi a

inserção dos jovens no Programa de Inclusão Digital do governo federal, que tem uma

sede na cidade, chamado Casa Brasil46. Contudo, o que temos é que nenhum jovem do

46 “Casa Brasil é um projeto do Governo Federal que tem como principal objetivo reduzir a desigualdade social em regiões de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), levando para esses locais um espaço que privilegia a formação e a capacitação em tecnologia aliada à cultura, arte, entretenimento e participação popular, com forte apoio à produção cultural local. Superando os conceitos de inclusão digital vigentes, o Casa Brasil não leva somente computadores e conectividade. O projeto permite que a comunidade se aproprie da sua unidade, transformando-a em um espelho cultural do local em que foi implementada, concedendo também aos cidadãos a liberdade de decidir, via conselho gestor, os rumos

92

Projeto foi inserido nos cursos disponíveis, pois, ainda não há vagas. Após inúmeras

visitas ao local (em 2007 e 2008) para tentar reverter este quadro, ainda estamos

aguardando um retorno desde de jul./2007.

Outro problema com relação aos cursos profissionalizantes é que estes, em sua

maioria, são cursos pagos e os jovens do Projeto, estando inseridos nas camadas

populares, não possuem condições financeiras para tal e se as possuíssem esbarrariam

na baixa escolaridade, pois os cursos profissionalizantes oferecidos pelo SENAI

(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), por exemplo, têm como requisito

básico, em sua grande maioria, o ensino médio completo ou o ensino fundamental

completo, o que fatalmente exclui, em sua maioria (vide gráfico 1), os jovens do

Projeto.

O número de jovens inseridos em atividades de esporte, lazer e cultura é de 0%,

ou seja, nenhum jovem do Projeto participa destas atividades freqüentemente.

Com relação ao esporte, chegou ao nosso conhecimento que a prefeitura do

município em parceria com o governo federal havia implantado na cidade o Programa

Segundo Tempo47 que “funciona” em um clube da cidade. Fizemos uma visita ao local e

após explicarmos como funciona o Projeto, agendamos uma visita para que os jovens do

Projeto conhecessem o local e os esportes oferecidos para que assim pudessem

participar destas atividades esportivas. No dia da visita os jovens estavam ansiosos e na

expectativa de que essa possibilidade se tornasse realidade, porém fomos surpreendidos

quando chegamos ao local (o clube) e fomos recebidos por uma professora que antes

mesmo de apresentar o local e as atividades aos jovens despejou sobre estes uma lista

das atividades que são oferecidas aos freqüentadores” (http://www.casabrasil.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=20&Itemid=55). 47 Site do governo Federal diz que “O Programa Segundo Tempo, especificamente, tem como objetivo democratizar o acesso e estimular a prática esportiva dos alunos da educação básica e superior. Implantar infra-estrutura para a prática desportiva nas instituições de ensino e entidades parceiras, atuando na construção e reformas de quadras esportivas, ginásios e instalações necessárias ao esporte educacional” (http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/federal/lista_completa_programas/segundo_tempo.asp).

93

imensa de proibições, dentre elas “não pode fumar”, “não pode entrar no clube fora do

horário das atividades”, “não pode brigar” etc. Regras que através do esporte poderiam

ser trabalhadas de uma forma saudável foram apresentadas de uma forma negativa.

Inclusive porque aquele não era o momento para isso, esta experiência gerou muitos

comentários por parte dos jovens que, no geral, se sentiram muito mal no local e o

interesse em participar das atividades esportivas não foi despertado.

A proposta que recebemos durante a nossa visita é de que fosse formado um

grupo específico para os jovens do Projeto, não tendo sequer a opção de escolherem o

esporte que mais lhes agradasse.

Gráfico 3

Dados sobre trabalho dos jovens do Projeto

9%

36%

47%

8%

Trabalha com vínculoempregatícioTrabalha sem vínculoempregatícioNão trabalha

Dados desconhecidos

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

Os dados sobre trabalho revelam um grande número de jovens que não trabalham

ou estão empregados no mercado informal de trabalho, que oferece baixa remuneração,

porém não exige escolaridade, fator determinante para o emprego dos jovens do Projeto

que, conforme discutido anteriormente, possuem baixa escolaridade (Gráfico 1).

Segundo Sposito, dados da pesquisa Juventude indicam que quase não há relação

entre o nível de escolaridade e o emprego, pois “a taxa de desemprego atinge maiores

94

índices, nos últimos 10 anos entre aqueles que tiveram acesso à escolaridade média

(ensino médio incompleto) [...]” (SPOSITO, 2005, p. 232). Porém, Sposito também

afirma neste mesmo artigo que pouco se sabe sobre o trabalho de jovens com menor

escolaridade e o tipo de ocupações que estes realizam. Pudemos também observar que a

grande dificuldade destes jovens conseguirem um emprego com melhor remuneração

não se dá somente pelo fato destas oportunidades serem escassas no mercado de

trabalho, mas também devido à má qualidade do ensino a eles destinado (assunto

discutido no capítulo 2). Pois estas oportunidades, mesmo que escassas, freqüentemente

são preenchidas não apenas por aqueles que possuem um maior nível de escolaridade,

mas também pelos que puderam ter acesso a um ensino de melhor qualidade. Algumas

reportagens da imprensa chegam até a alardear que algumas vagas de emprego no

mercado formal de trabalho não estão sendo preenchidas devido à falta de qualificação

dos candidatos – algo que também dificulta a inserção dos jovens do Projeto no

mercado de trabalho (conforme Gráfico 2).

Os jovens do Projeto, quando empregados, geralmente realizam trabalhos braçais

e com baixa remuneração, fator que os desestimula a persistir, pois, além do trabalho

exigir muito deles fisicamente, há ainda a questão da remuneração recebida, que não é

suficiente para satisfazer as “necessidades” criadas pela “sociedade de consumo”.

A discriminação é também um dos fatores que dificultam a inserção dos jovens

do Projeto no mercado de trabalho. Há relatos de jovens que conseguiram emprego e

que, quando seus empregadores descobrem que eles estão cumprindo uma medida

sócio-educativa (geralmente informados por alguém que os conhecem, pois estes jovens

não possuem antecedentes criminais registrados) perdem o emprego, ou, como no caso

do jovem P., conforme relatou na dinâmica de grupo realizada no Projeto para esta

pesquisa, são constantemente vigiados no local onde trabalham.

95

Tabela 8 Idade dos jovens que

cumprem medida sócio-educativa no Projeto n % 20 Anos 1 0,94 19 Anos 22 20,75 18 Anos 28 26,42 17 Anos 28 26,42 16 Anos 13 12,26 15 Anos 8 7,54 14 Anos 4 3,78 13 Anos 2 1,89 12 Anos 0 0 Total 106 100

Fonte: Tabela de consolidação da faixa etária nov./2007.

Os jovens que freqüentam o Projeto se concentram principalmente na faixa etária

dos 16 aos 18 anos (Tabela 8), mas há jovens de todas as idades, inclusive maiores de

18 anos, pois, estes se cometeram o ato infracional antes de completarem a maioridade

penal (18 anos), estão sujeitos ao ECA e devem cumprir a medida sócio-educativa até a

idade limite de 21 anos, idade na qual o jovem que cumpre medida sócio-educativa tem

seu processo arquivado por ter atingido a maioridade penal.

No mês de novembro de 2007, quando recolhemos os dados para esta pesquisa,

ainda não havia nenhum adolescente de 12 anos, e analisando os documentos dos anos

anteriores pudemos constatar que não havia na história do Projeto (que teve início em

dez./2005) nenhum adolescente que cometeu ato infracional com menos de 13 anos.

Porém, nos documentos com dados de janeiro de 2008 já existem dois adolescentes com

12 anos. Este dado pode talvez indicar que a idade dos adolescentes que praticam atos

infracionais está ficando menor – inclusive um dos adolescentes de 12 anos nos relatou

que cometeu o ato infracional com um outro de menino de 11 anos e que este menino

chorou muito quando os dois foram presos, pois neste caso os pais foram chamados e o

menino foi encaminhado ao Conselho Tutelar.

96

Quanto ao ato infracional mais cometido pelos jovens que cumprem medida

sócio-educativa no Projeto, verificamos segundo a Tabela 9 que o roubo qualificado (à

mão armada) está em primeiro lugar (29 casos), seguido pelo furto (17) e pelo tráfico de

drogas (14). Analisando os dados sobre ato infracional dos anos de 2005 e 2006,

verificamos que o roubo qualificado também foi o ato infracional mais praticado,

seguido pelo furto e tráfico de drogas, portanto, permanecendo a mesma ordem.

Tabela 9

Distribuição dos jovens segundo ato infracional cometido nRoubo Qualificado 29Furto 17Tráfico de Drogas 14Roubo Simples 8Porte de Arma 7Dano / Depredação / Pichação / Vandalismo 6Desordem / Provocação / Tumulto / Arrombamento 6Dirigir sem Habilitação 5Porte ou Uso de Drogas 5Desacato 4Atentado Violento ao Pudor 3Homicídio Culposo 3Receptação 2Ameaça 1Estupro 1Extorsão 1Homicídio Doloso 1Latrocínio 1Seqüestro 1Total* 115*O total apresentado nesta tabela excede o número de adolescentes do projeto pelo fato de que em alguns casos o adolescente cumpre medida sócio-educativa por duas ou mais infrações.

Fonte: Consulta a Fichas e Prontuários dos adolescentes nov./2007.

A idade dos jovens que cumprem medida sócio-educativa de liberdade assistida

se concentra principalmente na faixa etária que vai dos 16 aos 18 anos (tabela 10). A

dos jovens que cumprem medida sócio-educativa de prestação de serviços à

comunidade se concentra na faixa etária que vai dos 16 aos 19 anos (tabela 11), não

havendo, portanto grande variação ou relação entre a medida e a idade do jovem.

97

Tabela 10 Idade dos jovens que cumprem medida sócio-

educativa de liberdade assistida no Projeto n %

20 Anos 0 0 19 Anos 14 18 18 Anos 23 30 17 Anos 21 28 16 Anos 8 10 15 Anos 5 6 14 Anos 4 5 13 Anos 2 3 12 Anos 0 0 Total 77 100

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

Tabela 11 Idade dos jovens que cumprem medida sócio-

educativa de prestação de serviços à comunidade no Projeto

n % 20 Anos 0 0 19 Anos 7 32 18 Anos 4 18 17 Anos 4 18 16 Anos 5 23 15 Anos 2 9 14 Anos 0 0 13 Anos 0 12 Anos 0 0 Total 22 100

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

98

Tabela 12 Idade dos jovens que cumprem medida sócio-

educativa de liberdade assistida mais prestação de serviços à comunidade

n % 20 Anos 1 14,285 19 Anos 1 14,285 18 Anos 1 14,285 17 Anos 3 42,86 16 Anos 0 0 15 Anos 1 14,285 14 Anos 0 0 13 Anos 0 0 12 Anos 0 0 Total 7 100

Fonte: Quadro do Demonstrativo Mensal de Atendimento nov./2007.

4.3 Análise das respostas aos questionários

Para a aplicação dos questionários com perguntas abertas, primeiramente

definimos uma amostragem entre uma população total de cerca de 106 jovens que

freqüentam o Projeto, e por se tratar de uma análise quase que predominantemente

qualitativa decidimos pela aplicação de 15 questionários. A escolha dos jovens para

responderem os questionários foi aleatória, nenhum critério foi utilizado. Realizamos

um pré-teste com a aplicação de 3 questionários e posteriormente aplicamos mais 12

questionários. Através dos questionários buscamos identificar: ocupações e atividades

profissionais; necessidades; o que os jovens esperam do Projeto e perspectivas para o

futuro.

Antes da aplicação dos questionários, as perguntas foram lidas e explicadas, para

sanar possíveis dúvidas, o preenchimento do questionário foi feito pelos próprios

jovens, o que de certa forma nos impediu de entender ou mesmo aprofundar alguns

assuntos trazidos por eles, fato que nos forneceu subsídio para que numa próxima

99

aplicação de questionário essa tarefa fosse feita pelo entrevistador e não pelo

entrevistado, principalmente em se tratando de jovens com dificuldades na escrita.

O questionário trouxe em seu início dados gerais como: idade, sexo,

escolaridade, ocupação do jovem e ocupação dos pais ou responsáveis e na seqüência

quatro questões:

1. O que você mais precisa e não tem?

2. Você acredita que o Projeto pode ajudar a ter o que você precisa? Por quê?

3. O que você espera que aconteça na sua vida e na vida de sua família após o

término do cumprimento de sua medida sócio-educativa?

4. Quando começou a vir ao Projeto, algo mudou em sua vida? O quê (no caso de

sim)? Por quê (no caso de não)?

A idade dos jovens que responderam aos questionários variou entre 14 e 18 anos,

foram 14 meninos e uma menina.

Com relação à escolaridade, 10 jovens afirmaram que estão cursando o ensino

fundamental, quatro afirmaram estar cursando o ensino médio e um não respondeu.

Quanto à ocupação somente dois jovens afirmaram estar trabalhando, um

respondeu apenas “trabalho” e o outro respondeu que trabalha como servente de

pedreiro, dois responderam que são estudantes, outros dois jovens responderam: “não

faço nada” e “nenhuma”. O restante (9) não respondeu: alguns deixaram em branco,

outros fizeram um traço na frente, um deles fez um X. Baseando-nos no alto índice de

jovens que não estão trabalhando (Gráfico 1) acreditamos que estes jovens se encaixam

nesta porcentagem.

Com relação à ocupação dos pais ou responsáveis, a maioria dos jovens (10)

respondeu: doméstica, do lar, carpinteiro, costureiro, pedreiro, pintor, faxineira e

mecânico. Um jovem respondeu que a mãe está desempregada, outro respondeu que não

sabe porque não tem contato com os pais e três deixaram em branco.

100

Sobre a pergunta 1 (“O que você mais precisa e não tem?”), as respostas mais

freqüentes foram referentes a trabalho (6). Dentre estes seis, dois jovens responderam

mais do que somente “trabalho” ou “emprego”, conforme respostas abaixo que foram

transcritas48:

“Felicidade, família e trabalho e estudos”. “Trabalho, por que preciso cuidar de casa”.

Ainda sobre a pergunta 1, apenas dois jovens responderam que precisavam de

bens materiais conforme transcrição:

“Dinheiro”. “Um play dois e uma bicicreta”.

Dois jovens responderam que precisavam de estudo:

“Estudo”. “Um bom curso”.

Um jovem respondeu que precisa e não tem

“Pais, justiça, liberdade e igualdade”.

Dois jovens responderam que não precisam de nada e outros dois não

responderam.

As respostas dadas para a primeira pergunta demonstram que os jovens estão

preocupados principalmente com a inserção no mercado de trabalho, já que 6 deles

afirmam que precisam de um trabalho ou emprego. Isso pode ser explicado baseando-

nos nos altos níveis de desemprego como discutimos acima, pois de acordo com nossa

48 Na transcrição, respeitamos o texto original mesmo quando havia erros e/ou imprecisões de escrita e/ou pontuação, os quais, aliás, não impedem a compreensão daquilo que os jovens quiseram dizer.

101

observação vimos, com raras exceções, que as famílias dos jovens do Projeto estão

passando por grandes dificuldades financeiras. Alguns jovens também demonstram

preocupação com o futuro, dizendo que precisam de estudo ou um bom curso.

No capítulo 2 no item 2.1 falamos sobre a “sociedade de consumo” e sobre o

impacto que esta causa na vida, principalmente, dos jovens que são estimulados pela

mídia o tempo todo. Através das respostas dadas para a primeira pergunta do

questionário somente dois jovens responderam que precisam de bens materiais, o que

pode significar que este estímulo que a mídia confere é relativo. Porém, analisando por

outro ângulo, muitos disseram que precisam de trabalho, o que, de certa forma lhes

possibilitará consumir.

Em relação à pergunta 2 (Você acredita que o Projeto pode ajudar a ter o que

você precisa? Por quê?), nove dos jovens disseram que sim, em especial por causa de

mudanças para melhor em suas vidas ou porque “gostam” do Projeto, conforme

algumas respostas abaixo que foram transcritas:

“Sim. Porque já fiz e estou fazendo de novo e me ajudou muito a refletir as coisas e passar para o lado bom”. “Eu acredito por que eu acho que vai modificar a minha vida”. “Para o meu futuro”. “Porque estará acompanhando eu na escola”. “Acredito por que ensina a viver sem drogas e violência”. “Sim por que é legal”.

Dois jovens responderam não à pergunta 2, que assim se justificaram:

“Não porque o projeto não é para encaminhar jovens as empresas”. “não por que os fins dessas necessidades não comvem para o projeto”.

Um dos jovens respondeu esta mesma pergunta com um “talvez” e os outros dois

não responderam.

102

O jovem que respondeu que o Projeto não existe para encaminhar jovens as

empresa, demonstra através de sua resposta que para ele isso é muito importante e o que

o Projeto faz para ele não é importante, seria se este o encaminhasse para uma empresa.

Sobre a pergunta 3 (“O que você espera que aconteça na sua vida e na vida de

sua família após o término do cumprimento de sua medida sócio-educativa?”), apenas

dois jovens não responderam e o restante dos jovens (13) mostrou que deseja ter uma

vida melhor, conforme as respostas transcritas:

“Que tudo melhore para todos” “Muita paz na minha família intera”. “espero nunca mais voutar a cumprir”. “Espero arrumar um emprego e terminar a casa da minha família” “Felicidade”. “Eu espero que a minha família fique feliz quando eu sair daqui”. “Que mude bastante”. “Só coisas que façam minha família se orgulhar de mim”. “Armonia e confiança”. “é não ser nunca mais preciso voltar aqui por alguma coisa errada que eu fiz. Que eles tenham orgulho de mim por eu ter saído daquela vida em que eu vivia”. “Eu espero que eu não voute afazer augo que posa prejudicar a mim e minha família espero também que minha família me de mais atensão”. “Uma grande união familiar em nosso convívio do dia-dia e obter progresso em questão financeira”. “Bom, espero para mim a voltar os estudos trabalhar e ajudar a minha família, e para minha família a voltar ter confiança dos meus pais".

Através das respostas dadas para a terceira pergunta, podemos ver que a maioria

dos jovens espera que a vida deles e de suas famílias seja melhor, mostrando que a

família possui um grau elevado de importância na vida destes jovens. Dentro do

contexto familiar esperam que haja união familiar e harmonia e esperam também ganhar

a confiança dos pais e que estes sintam orgulho; houve quem pediu mais atenção da

família e até mesmo um emprego com a finalidade de ajudar a família.

Em relação à última pergunta (“Quando começou a vir ao Projeto, algo mudou

em sua vida? O quê (no caso de sim)? Por quê (no caso de não)?”), a maioria dos jovens

103

respondeu que “sim”, que a vida mudou depois que começou a freqüentar o Projeto

(11); dois responderam que “não”, porém somente um deles justificou; um não

respondeu e outro respondeu que “não sabe explicar”.

As respostas positivas foram:

“Sim depois que eu comecei a freqüentar o projeto adiquirí mais paciência e assim ficou mais fácil superar algumas dificuldades”. “Sim conheci pessoas que me ajudaram a sair de uma enrascada”. “Sim me afastou de coisas erradas”. “Sim por quê este projeto nos ajuda em vários pontos para coseguir nossos objetivos”. “Mudo sim agora eu tô mais bem” “Sim. Meu comportamento, meu jeito aprendi bastante e espero aprender mais”. “Mudou por que eu ficava muito na rua. E agora em ves de eu ir para a rua eu venho para cá”. “Sim, por que não só meu carater mais minha responsabilidade”. “Sim, porque me mostrou o lado bom da vida um jeito de se viver melhor”. “Antes de comesar a vir eu não parava em casa fazia muitas coisas erradas depois que comesei a freqüentar o projeto eu dei uma socegada não saio mais com freqüência dou mais atenção a minha família”. “Sim, por que esta me ajudando muito”.

Os jovens que acreditam que algo mudou em suas vidas, demonstram através de

suas respostas que as mudanças são de ordem pessoal, mudanças relativas ao

comportamento. Dizem ter adquirido maior autocontrole, pois muitos relatam que estão

mais pacientes, que melhoraram o comportamento, que não ficam mais na rua, que

“sossegaram”, ou seja, estão “controlados”, embora não saibamos o quanto e até

quando, já que a observação demonstra casos de reincidência, mesmo de jovens que

acreditávamos terem transformado suas expectativas de vida.

Tais respostas indicam que as ações do Projeto não são transformadoras e nem

poderiam ser, pois, conforme discutimos no capítulo 3, item 3.1, o Projeto, apesar de

não ter intenção, trabalha para amenizar problemas causados pelo momento de crise

vivido, para de certa forma “controlar” os jovens para que um conflito maior não ocorra.

104

Acreditamos que a prática de atos infracionais é, na maioria dos casos, a única forma

como este jovem tem para mostrar a sua exclusão e até mesmo a sua não aceitação e

resistência contra as condições que lhes são impostas pelo capitalismo neoliberal,

mesmo sem ter consciência disto muitas vezes.

Abaixo transcrição da justificativa do único jovem que respondeu “não” a esta

pergunta:

“Não. Por que a vida nossa é no mundão e não no Projeto é apenas uma ocupação para que nóis esqueça o mundão um pouco”.

Para este jovem o Projeto serve apenas para que ele tenha algo para fazer, o que

ele diz ser uma “ocupação” ou uma distração para esquecer o “mundão um pouco”, para

talvez fugir de uma realidade que ele não quer aceitar. Este jovem acredita que não

possui meios para escapar desta realidade, pois a vida é lá fora no “mundão”, onde está

a realidade que, segundo o discurso deste jovem, não pode ser mudada, ou seja, lá fora o

Projeto não vai poder interferir.

4.4 Descrição e análise da dinâmica de grupo

A dinâmica de grupo foi realizada com o objetivo de obter conhecimento sobre o

que os jovens pensam sobre assuntos que fazem parte do seu cotidiano de forma a

desvendar um pouco mais sobre a realidade vivida por eles, colocando estes assuntos de

uma forma implícita para chegar ao resultado esperado. Para isso utilizamos trechos da

uma entrevista realizada pela revista Veja em 28/jun./2000 com Fábio da Silva, único

sobrevivente da Chacina da Candelária, pois julgamos que esta entrevista poderia

provocar identificação e sendo assim os jovens trariam suas vivências e os seus olhares

105

sobre temas tão polêmicos que fazem parte dos seus cotidianos, o tema da entrevista

era: “O sambista que escapou da chacina da Candelária conta sua trajetória, dos

pequenos furtos a uma vida honesta”.

Em posse do material que seria utilizado realizamos uma reunião com a equipe

de orientadores educacionais do Projeto, que é composta por duas psicólogas (uma delas

com especialização em psicodrama), duas assistentes sociais e uma pedagoga. A

formação acadêmica é citada a título de conhecimento, pois toda a equipe desempenha a

função de orientador educacional. Os membros da equipe se dispuseram a auxiliar na

realização da dinâmica e convidamos também para nos auxiliar a coordenadora

pedagógica Andecléia Gualtieri Menuzzo, graduada em história e pós-graduada em

psicopedagogia, devido à experiência adquirida com jovens por mais de 15 anos como

docente no ensino fundamental e também na realização de peças de teatro com jovens e

adultos. Discutimos qual a melhor forma para que o desenrolar esperado fosse atingido

baseado na experiência da equipe e resolvemos pela realização da dinâmica conforme

descreveremos ao longo deste item.

Treze jovens participaram da dinâmica, não houve nenhum critério para a

escolha, o convite foi feito aleatoriamente e caso houvesse interesse do jovem, poderia

participar. Quanto ao gênero, eram onze do gênero masculino e uma do gênero

feminino. A faixa etária do grupo esteve entre 14 e 19 anos.

Primeiramente explicamos aos jovens que se tratava de uma pesquisa acadêmica

sobre juventude, em especial a juventude do Projeto, e explicamos como se daria a

dinâmica.

Iniciamos perguntando se alguém do grupo já havia ouvido falar da “chacina da

Candelária” e nenhum dos jovens havia ouvido falar. Explicamos o que foi a “chacina

106

da Candelária” e lemos um trecho da entrevista para que os jovens pudessem se

contextualizar. O trecho lido foi o seguinte:

"Na rua tem muita gente te puxando para baixo. Nós somos humilhados, não acreditamos em nada". Fábio da Silva, o ”Baby”, passou raspando no vestibular das ruas. Em 1993, aos 16 anos, escapou da morte na chacina da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. Foi por puro acaso: um dia antes, brigou com um dos menores que perambulavam pelo local e decidiu passar a noite em outro lugar. Só ali perdeu oito amigos. Antes, já havia perdido dois irmãos e um punhado de colegas assassinados por grupos de extermínio em Diadema, São Paulo, onde nasceu e viveu até os 10 anos. Hoje, Fábio, 23 anos, divide-se entre o trabalho como camelô e as apresentações do Candelária, conjunto de pagode com letras açucaradas. Na tarde de 12 de junho, Fábio viu pela TV o bandido Sandro do Nascimento, o "Mancha", seqüestrar um ônibus da linha 174 no Rio, o que resultou na morte da professora Geisa Firmo Gonçalves. Sandro, assassinado pela polícia dentro do camburão, era um sobrevivente da chacina da Candelária. Fábio só reconheceu o colega de rua no dia seguinte, ao ler os jornais. Semi-analfabeto, ele é um sobrevivente da chacina e dos perigos que levaram à morte outras dezenas de garotos que dormiam em volta da Igreja da Candelária na época da chacina. Mais de quarenta dos cerca de setenta menores daquela turma barra-pesada foram mortos. Na semana passada, Fábio conversou com VEJA e contou uma história raríssima: a de um menino de rua brasileiro que escapou da morte violenta e do banditismo (VEJA, 2000).

Certificamos os jovens de que a identidade de cada um seria preservada, pedimos

também permissão para gravar o áudio das discussões e não houve nenhuma objeção.

No teste que realizamos com o gravador notamos que se muitas pessoas falassem ao

mesmo tempo seria difícil obter um áudio de qualidade e por este motivo resolvemos

dividir o grupo em dois para que pudéssemos anotar tudo que os jovens dissessem. Para

um melhor aproveitamento o grupo foi dividido em dois subgrupos de seis jovens cada

um (grupo A e grupo B). A divisão foi feita através de sorteio: O grupo B ficou na

mesma sala e o grupo A foi para a sala ao lado.

No grupo A ficaram três orientadoras. Cada uma ficou responsável por anotar as

falas de dois jovens. O grupo era composto por cinco meninos e uma menina.

107

Num primeiro momento reunimos o grupo e pedimos que cada um se

apresentasse brevemente dizendo o nome e a idade, numa tentativa de fazer os jovens

ficarem mais descontraídos. Posteriormente iniciamos a leitura da entrevista com o

cuidado de explicar cada pergunta e resposta para que não restassem dúvidas.

Ao final da leitura ficou um silêncio total, nenhum dos jovens se manifestou.

Perguntamos o que eles haviam achado da história que ouviram e novamente ninguém

disse nada, sendo assim, começamos retomando com o grupo a primeira pergunta da

entrevista que era:

Veja – Por que você não virou bandido? Fábio – Na rua tem muita gente te puxando para baixo. Mas também há certas pessoas que não têm dinheiro, mas têm algo de bom para oferecer, como carinho e amizade, e abrem chance para você tomar um caminho diferente. Mas muitos têm a oportunidade e não sabem aproveitar. É a mágoa, cara. A gente é muito humilhado. Não acredita em nada. Quem foi menino de rua não vota. Tenho título, mas não voto (VEJA, 2000).

Como o silêncio permaneceu, perguntamos aos jovens o que eles pensavam

sobre a resposta que Fábio deu e um dos jovens disse: “Não quero virar menino de rua”,

e o silêncio seguiu. Este jovem não quis justificar sua resposta, interferimos novamente

perguntando o que é mais importante, o dinheiro ou carinho e amizade? A partir dos

nossos questionamentos, começaram a falar um pouco mais. Um dos jovens disse:

“Dinheiro, carinho e respeito, sei lá, bom mais o mundo é muito capitalista você precisa de dinheiro. Carinho a gente conquista, dinheiro é mais importante”.

Outros dois discordaram dele, dizendo:

“Respeito e amizade é mais importante, porque a grana acaba e a gente fica sem nada, sem amigo sem grana, fica só”. “Respeito mano! Sem respeito a gente não é ninguém”.

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Um outro jovem estava muito tímido, parecia não querer falar, e neste momento

sinalizou com a cabeça um “sim”, como quem concorda com o que está sendo dito.

Um deles disse:

“Dinheiro é mais importante, porque tipo assim ó, você precisa dele pra viver senão tem que roubar pra comer, num tem jeito”.

Outro jovem titubeou:

“Respeito (ficou pensativo por alguns instantes e completou), dinheiro, porque minha mãe tá desempregada e só meu irmão faz uns bico em casa e eu tenho que ajudar em casa com as conta de água, luz, comida, essas coisa”.

Ao analisarmos a fala desses jovens percebemos que falamos, conforme a

entrevista, sobre carinho e amizade, mas a maioria deles falou de carinho e respeito. O

respeito para estes jovens parece ser muito importante, pois, mesmo entre aqueles que

citaram o dinheiro como o bem mais importante, apenas um dos jovens foi incisivo

dizendo que o dinheiro é o mais importante, e os outros dois disseram que o dinheiro é o

mais importante, mas por alguns momentos reconsideraram, ponderaram, mesmo tendo

escolhido o dinheiro como o bem mais importante.

Neste momento vimos à necessidade de intervir novamente, assim como no

restante da dinâmica, pois, novamente os jovens ficaram em silêncio e perguntamos o

que mais havia chamado a atenção deles e um dos jovens respondeu:

“Que ele nunca usou arma, arma é comum senhora”.

Perguntamos se é comum usar arma para o restante do grupo e todos eles, sem

exceção, fizeram um sinal positivo com a cabeça. Esse comentário não nos surpreende,

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uma vez que (conforme tabela 9) o ato infracional mais cometido é justamente o roubo

qualificado, com 29 casos de um total de 106 jovens, enquanto o roubo simples (no qual

não é utilizado) arma possui 8 casos.

Há um trecho da entrevista em que Fábio diz: “No assalto seguinte, a uma casa,

pedi para não participar. Eles me pressionaram e eu fugi para o Vale do Anhangabaú,

onde conheci um menino, também deficiente. Ficamos esmolando juntos” (Veja, 2000).

Perguntamos o que eles pensavam sobre isso e um deles disse:

“Ninguém é forçado a fazer nada não, faz o que quer”.

A jovem disse:

“Eu acho que força sim, minha irmã me forçava prá fazer ‘certas’ coisas que eu não gostava, mas acabava fazendo porque ela fazia chantagem”.

Um outro jovem concordou e disse:

“Quando usa a força daí pode ser obrigado a fazer o que não quer ou fugir que nem ele fez”.

O restante do grupo não quis falar, mas concordaram com o primeiro jovem que

disse que cada um faz o que quer e novamente o silêncio invadiu a sala. Colocamos para

o grupo mais um tema, lendo o trecho da entrevista que diz: “chegou uma época de

muita matança na cidade, por causa da atuação dos grupos de extermínio” (VEJA,

2000).

Um longo silêncio abateu o grupo e sentimos um mal-estar em todos eles, que se

entreolharam, abaixaram a cabeça e continuaram em silêncio. Sabemos que este silêncio

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evidencia o medo que estes jovens possuem da polícia, e por isso gostaríamos de relatar

um fato ocorrido em nossa observação participante. Ele se deu em uma festa junina

realizada pelo Projeto para os jovens e seus familiares em jul./2006, em um salão cedido

pela igreja do município que fica atrás do Fórum da cidade. A festa estava muito

animada, havia cerca de 200 pessoas entre jovens e familiares. Os funcionários do

Projeto se vestiram com roupas caipira, fizeram decoração com bandeirinhas coloridas

de papel crepom e chapéus de caipira, e tinha até um sanfoneiro contratado para animar

a festa. Havia muitas comidas típicas e até uma quadrilha (da dança tradicional junina)

foi organizada entre os presentes, contando com a participação de vários jovens do

Projeto, que estavam descontraídos, interagindo com as suas orientadoras e familiares.

Estava tudo correndo muito bem, até o momento em que entraram na festa quatro

policiais militares fardados e pediram para falar com o responsável pela festa. A

coordenadora, os recebeu e os policiais tinham vindo apenas pedir que o volume do som

fosse um pouco baixado, pois estava havendo audiência no Fórum. Mas o que pudemos

observar enquanto isso ocorria é que os jovens ficaram apreensivos, um deles estava

logo na primeira mesa do salão, sentado ao lado da namorada, e quando o jovem virou

para olhar o que se passava e viu os policiais, ele abaixou a cabeça imediatamente

(posteriormente ficamos sabendo que os jovens apanham muito mais se olharem nos

olhos dos policiais, como se fosse um desrespeito). Depois deste fato os jovens

começaram a conversar entre eles e alguns comentários foram feitos com as

orientadoras, um deles ficou com medo de ir embora, uma das orientadoras nos contou

que freqüentemente os jovens reclamam que quando estão chegando no Projeto, a

polícia os pára nos quarteirões próximos e os revista, os ameaçando e os agredindo

verbalmente, quando não fisicamente.

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Não é nossa intenção generalizar e dizer que todos policiais agem dessa forma,

pois sabemos que há muitos que cumprem seu dever de forma correta, sem abusos,

porém os relatos nos mostram que fatos como estes ainda ocorrem.

Retornando a dinâmica perguntamos se ninguém queria falar sobre o assunto e

três jovens se manifestaram dizendo:

“A polícia que é o grupo de extermínio” “Polícia encapuzada”. “Com certeza é polícia, nenhum justiceiro sai por aí matando né”.

A jovem apenas sinalizava com a cabeça como que concordava com o que os três

jovens colocaram, enquanto um outro jovem riu e disse:

“Melhor nem falar sobre isso senhora, deixa quieto”.

Essas falas mostraram que os jovens não confiam na polícia, mas não porque

acreditam que devem ficar impunes. Isso foi percebido mais adiante, no decorrer da

discussão, quando os jovens começaram a falar um pouco mais:

“Que nem o cara que foi assassinado pela polícia, (interferimos perguntando se era o Sandro, no caso do assalto ao ônibus 174, e o jovem confirmou) ele não merecia tinha que pagar pelo que fez, apodrecer na cadeia lá, se ferrano”. “É verdade ele tinha que pagar pelo que ele fez e sofrer pelo que ele fez, não cê morto assim sem chance nenhuma”. “Tinha que fica o resto da vida na jaula que nem animal”.

Os jovens não haviam escutado falar sobre o caso do assalto do ônibus 174 que

resultou na morte da professora Geisa, mas tal fato chamou a atenção, e os comentários

de cada um deles mostraram que eles acreditam que quando alguém faz algo de errado

deve pagar por isso. Quase que diariamente o Projeto recebe jovens para iniciarem o

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cumprimento de suas medidas sócio-educativas, e em nossa observação pudemos notar

que uma grande parte deles acredita que deve pagar pelo que fez.

A jovem tocou no caso do menino João Hélio, já relatado nesta dissertação,

quando falamos de inimputabilidade penal, que gerou uma discussão polêmica. Ela

disse:

“Igual aqueles que mataram aquele menino, arrastaram ele vivo um tempão, eles devia ter parado. Eu parava”. “Eu parava também” “Eu também, eu levava ele pro hospital”

Quando um deles, o único neste grupo, respondeu:

“Levava no hospital prá se preso?. O menino já tava morto, não tinha jeito, eu não parava não”.

Essa fala gerou indignação do restante do grupo. Um dos jovens que estava

calado quase que o tempo todo o olhou admirado com a sua fala e disse:

“Cara, ele era criança, tinha que ter parado”. “Tá loco mano, é criança, num tem culpa de nada não, isso não se faz, não é de Deus esses cara não”.

E este respondeu:

“Já era, eu num parava”.

Todos os outros jovens visivelmente reprovaram o que este jovem disse, e

mostraram que não concordavam com esta postura. Um deles fez um sinal negativo

balançando a cabeça, com um olhar como se ele estivesse muito assustado e não

acreditando no que aquele outro jovem estava falando.

Ficou um clima bem tenso no grupo para com o jovem que disse que não pararia

o carro, o que mostra que esses jovens, apesar de tudo que passam em suas vidas,

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preservam certos valores considerados positivos. Neste momento falamos ao grupo que

todos estavam lá para expressar suas opiniões e que as opiniões de cada um deveriam

ser respeitadas.

Os jovens ficaram quietos novamente, visivelmente abalados pela opinião ainda

sobre a discussão do menino João Hélio. Neste momento, para dar continuidade

retomamos colocando para discussão o ponto em que Fábio conta que o pai era anão e

não conseguia emprego, que ele tinha muito que ajudar em casa: “(meu pai) [...]me

espancava muito. Eu tinha de catar papelão para levar dinheiro para casa” (VEJA,

2000). Perguntamos o que eles pensavam sobre isso e foram vários os comentários:

“Conversa é tudo, batê num resolve, tem que te diálogo”. “Batê não adianta, minha irmã já apanhou muito, ela aprontava demais sabe, ela nunca teve jeito, não teve conserto, acho que foi pior ela ficou revoltada e hoje ta fazendo coisa pior, ah sei lá”. “Meu pai deixava a gente faze tudo que queria, não batia, eu com 12 anos dormia na rua, sumia uma semana, quando eu chegava apanhava da minha mãe, sumia de novo, porque eu ficava com raiva dela, num resolve nada véio, acho que tem que conversa. Apanha dá muita raiva”. “Eu apanho porque mereço, eu apronto, às vezes falo ‘essa eu mereci’ (risos), mas não machuca muito, minha mãe bate com chinelo. Agora minha vó, nossa, ela joga a gente no chão e já pisa na goela, ela é ruim com a gente”. “Quando usava droga apanhei muito, de chinelo, cinta, fio, vara, tudo que podia, mas não resolveu. Acho que tem que conversar, uma, duas, três vezes, sempre tentar”. “Eu apanhei de tudo também, mas não resolveu, preferia conversa, sentia dor e raiva”. “Melhor castigo do que bater é fica trancado um mês sem saí, sem vê televisão”.

Nesse momento um dos jovens que estava mais calado respondeu:

“Daí prefiro apanhar, castigo é ruim, ninguém merece”.

Após esta fala todos riram muito. Após a descontração, falamos sobre ajudar em

casa, se algum deles tinha que ajudar em casa e dois jovens disseram que ajudavam:

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“Nunca faltou nada em casa, mas eu ajudava mesmo assim”. “Ajudo porque precisa tem que pagar luz, comprar comida, acho certo ajudar porque eu moro lá, dou gasto, tenho que dar uma força pro meu pai”.

Os outros jovens afirmaram que não ajudam porque não estão trabalhando:

“Eu não consigo emprego, tá difícil”. “Eu procurei emprego mais não saiu nada ainda, mas minha irmã trabalha e ajuda com despesa, mistura”.

Perguntamos se tinham algo mais a colocar, se queriam fazer alguma pergunta e

eles disseram que não. Falamos que ainda tínhamos dois assuntos sobre os quais

queríamos saber a opinião deles e todos sinalizaram que poderíamos continuar. Lemos a

frase “Quem foi menino de rua não vota. Tenho título, mas não voto” (VEJA, 2000), o

que gerou vários comentários:

“Os político, as autoridade quer só fazer pelos dele e esquece do povo”. “Política só no dia da eleição, depois some todo mundo, ninguém ajuda nada, roba e fica por isso mesmo, se agente roba, ó tamo aqui né? (indaga) apanha da polícia, tudo, mas político num dá nada”. “Mais muita gente fica falano, falano e não cobra dos político, vota lá e depois nem lembra nada. Tem que cobra dos político”. “Não faz nada, só promete e a gente não vê nada acontece”. “Votar é indiferente, tanto faz, votar ou não, vai ser a mesma coisa”. “A gente tem que cobra, falei, não adianta vota e esquece, tem que ir atrás do político”.

Esses jovens em sua maioria mostraram que não acreditam nos políticos. Um

deles disse que deve haver cobrança, afirmando que as pessoas votam e depois

esquecem e que isso não pode acontecer. Ele insistiu no argumento até o final da

discussão.

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Para encerrar essa parte da dinâmica, que durou cerca de uma hora, propusemos

aos jovens dizerem o que fariam se tivessem R$ 6.000,00, como Fábio um dia teve,

mas, conforme disse, acabou gastando tudo com mulheres. As respostas foram:

“Se eu tivesse essa grana eu ia no shopping e gastava tudo na planet, nem pensava amanhã, comprava roupa, sapato, bijoux”. “Eu comprava uns bagulho pra mim relógio, tênis, roupa e guardava um pouco pro futuro, sei lá” “Eu comprava um carro” “Eu ia compra umas roupa e tênis”. “Nem sei mano, só com o dinheiro na mão pra saber, sei lá”.

Os jovens mostraram que o desejo de consumir é grande. Neste grupo nenhum

deles incluiu a família nos gastos e enquanto falavam pudemos ver que respondiam de

um jeito diferente em relação às demais perguntas, sorrindo com satisfação só de pensar

em ter todo esse dinheiro nas mãos. Um deles nem quis comentar, disse que somente

com o dinheiro na mão seria possível dizer algo.

Em seguida perguntamos se daria para viver com R$ 130,00, já que na entrevista

Fábio relata que ganha em torno de R$ 250,00 e gasta R$ 120,00 com o aluguel de um

quarto e esse valor é o que resta:

“Cento e trinta não dá nem pra pagar a água e a luz, nem pra comer”.

Todos concordaram com o que este jovem disse, e sem exceção todos

expressaram que o valor é absurdo. Neste mesmo contexto perguntamos quanto dinheiro

eles achavam que seria necessário para viver e a maioria afirmou algo entre R$ 1.500,00

e R$ 3.000,00. Somente dois jovens justificaram:

“Pra viver bem tem que ter um carro, pagar aluguel, telefone, água, luz, comida, acho que só, (pausa) acho que uns mil e quinhentos real”.

116

“Eu acho que três mil ta bom, os móveis pode parcelar nas Casas Bahia”.

Terminamos esta parte da dinâmica com o grupo bem descontraído, rindo do

comentário sobre as Casas Bahia.

O grupo B era composto por sete jovens com a mesma faixa etária já citada

anteriormente, com a diferença de que havia somente jovens do gênero masculino. A

condução da dinâmica se deu da mesma forma, porém outros temas, que narraremos a

seguir, foram levantados, o que serve para enriquecer nossa discussão.

Durante a atividade a introspecção dos jovens também foi grande e desta forma

tivemos que narrar os pontos mais importantes da entrevista para que os jovens

colocassem as suas opiniões, como ocorreu no grupo A.

A primeira pergunta que foi dirigida aos jovens foi sobre o título da entrevista

“‘O sobrevivente’: O sambista que escapou da chacina da Candelária conta sua

trajetória, dos pequenos furtos a uma vida honesta”. Perguntamos ao grupo o que eles

acreditavam que era necessário fazer para seguir o exemplo do entrevistado e os jovens

se manifestaram dizendo:

“Sorte”. “Força de vontade”. “Roubar não leva a nada”. “Às vezes precisa ter sorte e a força de vontade ajuda”. “Oportunidade”.

Lançamos novamente para o grupo: sorte ou força de vontade? Todos eles

responderam que era ambos, sorte e força de vontade.

Perguntamos se alguém já tinha tomado uma decisão importante e responderam:

“Quero ter uma vida melhor, mas dependo de outras coisas. Tenho um filho de 2 anos e quero casar com a mãe dele, mais prá casar preciso

117

de emprego, prá ter um emprego tenho que ter faculdade, e não tenho dinheiro, daí sempre dependo de outras coisas, eu não decido”. “Eu moro no fundo da casa da minha sogra, mas num casei com a filha dela a gente mora junto, quero ir prá Goiás, onde tá toda minha família e a mãe dela não deixa ela ir, eu penso até em fazer um filho nela pra mãe dela deixar ela ir comigo, mais isso também não posso como vô cuidar de filho?”.

Na entrevista Fábio conta que: “[...] Não conseguia roubar. Fui atropelado ainda

pequeno e fiquei com um problema na coluna que me impedia de correr [...]” (VEJA,

2000) e perguntamos o que o grupo achava disso. Dois jovens falaram:

“Meu sogro tem problemas na perna, não anda direito, manca muito”. “Minha mãe tem paralisia infantil, já foi muito ofendida, sempre humilhava ela porque ela tinha esses problema”.

Mais nenhum dos jovens se manifestou. Sobre essa parte da entrevista o olhar

dos jovens foi para a deficiência física e o preconceito, a palavra “roubar” nem foi

citada.

Entramos no assunto sobre voto. Na entrevista Fábio relata que menino de rua

não vota e os jovens disseram:

“Não tenho vontade de votar, acho uma roubalheira”. “Não acredito em político”. “Político não ta nem aí com pobre”.

O restante do grupo concordou com estes dois jovens, foi geral a opinião de que

político não faz nada pelo povo.

Perguntamos o que o grupo achava da parte da entrevista quando Fábio falou

que: “[...] Havia dias em que eu só conseguia pão para comer, e a cola me sustentava em

pé. Mas também faz muito mal [...]” (VEJA, 2000) e um deles disse:

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“O cara sofreu muito, cheirava cola pra não senti fome, cruel, nunca pensei isso, nem dá pra acreditá numa coisa dessa”.

Ninguém mais se manifestou e dissemos que mesmo assim Fábio mudou de vida

e questionamos o que foi necessário para que isso ocorresse e três deles se manifestaram

e disseram que Fábio teve sorte, Deus e Força de vontade. Durante toda discussão os

jovens falaram muito em sorte e força de vontade, demonstraram que acreditam que a

força de vontade de cada um pode ajudá-los, mas atrelado a esta deve estar a sorte, sem

ela não há como mudar de vida.

Perguntamos aos jovens se a FEBEM (hoje Fundação CASA) é como o

entrevistado Fábio conta e dois jovens que já estiveram em regime de internação

falaram:

“Na FEBEM não tem amigo não, isso não existe, amigo é a família, na hora do aperto os ’amigo’ sai fora e ninguém te ajuda, é cada um se virando”. “Lá sofre muito, só quem vai que sabe”.

Este último relato foi carregado de muita emoção, o jovem abaixou a cabeça

após falar, mostrou que tocar neste assunto o faz sofrer muito. Quanto ao relato do

jovem que diz que não existem amigos dentro da FEBEM ele completa:

“Eu não tenho amigo, uma vez aconteceu um lance e eu levei um tiro na perna, os amigo fugiram e eu quase morri, fiquei quatro horas sangrando até a ambulância chegar, se fosse amigo me ajudava”.

Perguntamos aos outros jovens se concordavam com a fala deste jovem e todos,

sem exceção, disseram que não acreditam na amizade, e quando perguntamos se eles

seriam bons amigos, todos também, sem exceção, disseram que seriam bons amigos.

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Questionamos o que seria um bom amigo e o jovem que relatou sua história

sobre o tiro que levou disse:

“É o que fica lado a lado com você, todos momentos, precisa tê confiança no amigo”.

Todos os jovens concordaram com ele fazendo gestos afirmativos com a cabeça.

Perguntamos sobre oportunidade, pois um dos jovens citou logo no começo da

discussão que, para mudar de vida era preciso ter oportunidade. Perguntamos se alguém

do grupo já havia tido alguma oportunidade na vida e eles disseram que:

“Só tem oportunidade quem luta, oportunidade passa e cê tem que pega, mas também não pode ficar esperando sentado tem que corrê atrás”. “Eu tenho a oportunidade de tá vivo, é bicho feio o mundão”. “Tive de emprego, mas perdi porque larguei pra ir pra um outro emprego que eu ia ganhar mais e depois de vinte dias fui mandado embora, fiquei sem nenhum e perdi outros que me chamaram nesse tempo”. “Eu jogava bola num clube, treinava e tinha oportunidade de jogar fora do Brasil, mas faltou empenho, força e não dediquei e perdi a oportunidade”. “É que tipo assim, o mundo é muito competitivo, sabe, se você arruma um trabalho um quer puxar o tapete do outro, passa por cima prá se dar bem, tem que ficar sempre atento, sempre esperto”.

Perguntamos o que mais chamou a atenção dos jovens na entrevista e várias

partes foram citadas:

“A luta do cara pra sair dessa vida, batalhou”. “A força de vontade dele”. “Saiu da FEBEM e a nova vida”. “Quando a polícia matou o amigo que tinha a mesma vida do Fábio”. “Foi um exemplo prá todos que tão aqui hoje”. “Força prá seguir em frente, pensava nos familiares, queria uma vida melhor”.

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Após esta parte da dinâmica, reunimos o grupo em uma sala para discutir os

principais pontos e opiniões para, assim, saber o que cada grupo trouxe e começamos a

gravar o áudio.

Nesta parte da dinâmica, falamos para o grupo que cada um colocasse o que foi

discutido e falasse um pouco sobre o que o grupo conversou. O silêncio era total e

perguntamos se ninguém queria falar. Uma das orientadoras brincou que iríamos sortear

alguém para falar e o grupo riu, mas mesmo assim o silêncio permaneceu, nenhum deles

falava. Como estávamos gravando perguntamos se eles não queriam falar por causa do

gravador, apesar de que nos grupos muitos estavam quietos mesmo sem gravar –

enquanto alguns falaram mais, houve quem não disse uma palavra sequer e havia outros

que apenas concordavam ou discordavam. Quanto ao gravador, perguntamos se o grupo

queria votar para gravar ou não, dando total liberdade para que eles se manifestassem,

inclusive um das orientadoras levantou a mão optando por parar de gravar para que eles

ficassem à vontade para opinar também. Somente um dos jovens ergueu a mão, riu,

descontraiu e como mais ninguém quis se manifestar, ele mesmo disse:

“Deixa gravando mesmo, a gente vai falá de qualquer jeito”.

Iniciamos a discussão sobre os pontos que foram discutidos nos grupos, e

ninguém se manifestava ainda, brincamos que se ninguém começasse a falar faríamos

um sorteio, os jovens riram e um deles disse:

“tá ó, aqui falamo de oportunidade, que só tem oportunidade aquele que luta, aquele que não luta, nunca vai conseguir nada na vida. E nessa história aí falou a realidade de quase todos nós que tamo aqui, porque se gente não luta, nunca vamo saí dessa vida, se isso não serviu como exemplo pra nós que tamo aqui, eu acho que melhor, sei lá, desistir da vida porque (titubeou) o único objetivo na vida é crescer e ser alguém na vida, hoje eu penso assim, fiz muitos erros, errei bastante, só que hoje eu penso diferente, penso em ter família, um

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trabalho legal, filhos tudo, mais isso aí foi um meio de exemplo que passaram prá gente, prá gente colocá assim (faz gesto com a mão fechada batendo contra o peito) dentro do coração e seguir porque a realidade hoje em dia tá muito difícil”.

Retomamos perguntando se alguém queria falar mais alguma coisa sobre

oportunidade e ninguém se manifestou. Uma das orientadoras que ficou com o grupo B

disse:

“Nós falamos também sobre tomar decisões na vida e que nem sempre é fácil tomar decisões, alguém lembra, quer falar?”.

E um outro jovem se manifestou:

“Sempre assim você tem que tomar decisão na vida, mas nem sempre tem como tomar essas decisão, ah nem sei falar (desabafou)”.

Ele se mostrou bem nervoso, gaguejou, respirou fundo, mas acabou não falando

exatamente o que queria, mas o deixamos a vontade para falar depois se quisesse.

Houve a necessidade de conduzir o tempo todo, cada assunto era discutido

brevemente. Trouxemos o assunto voto, falamos que este é um ano eleitoral e que era

um assunto importante de ser discutido. O tema política foi discutido nos dois grupos,

questionamos um jovem do grupo que havia colocado sua opinião e pedimos que ele

falasse um pouco mais, pois ele fazia parte de uma minoria que não disse que todo

político é corrupto, aliás apenas dois dentre o total de jovens se manifestaram

defendendo o ato de votar:

“Tem gente que vai lá vota e pega e anula o seu voto, será que ele vai tá melhorando o futuro? Claro que não né! Então assim, acho que todo mundo devia, que nem ele (aponta um outro jovem) falou assim, tem político corrupto que promete e não cumpre mais cê anulando seu voto, não vai te a chance de sabe no futuro se ele pode ou não se tornar um bom político, (pausa) sei lá porque a gente tem que pensar

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bem antes de votar, tem gente que fala que tem muito corrupto, mais não são todos corrupto, eles tem que olhar no futuro, pensar bem e votar direito”. “Pra mim política é só no dia da eleição senhora”. “Às vezes o político pode tá ajudando em outro lugar e não na sua região, aí cê julga sem saber mais cê votando nessa pessoa outro dia ele pode tá no seu bairro te ajudando”.

Neste momento interferimos dizendo:

“Os jovens aqui estão começando a votar e não podemos esquecer que daqui podem sair futuros políticos, quem nos garante que daqui não sairá um vereador, prefeito ou até um presidente?”.

Os jovens riem e dizem:

“Ô loco senhora, acha?”. “Deixa de robar na rua prá robar no governo”. “Pode ser uma oportunidade de mudar de vida ou não né? (ri)”.

Nos dois grupos os jovens mostraram que acreditam que se quiserem ter um

futuro eles terão que lutar para isso, no grupo B foi muito discutida a questão da sorte e

da força de vontade, quando tocamos neste assunto, antes mesmo que terminássemos de

falar, um dos jovens disse:

“Desculpa interrompê senhora, mas num acredito em sorte, cê vai sentar e esperar a sorte chegar?”.

Outro jovem interferiu após este dizendo:

“Tê objetivo, é isso que tem”. “Igual eu falei né mano, trabalhar é correria, responsabilidade no serviço, correria, o pessoal que trampar na prefeitura eles pensa que comissionado é protegido, um quer engoli o outro. Tem uns que fica em cima, sabe o que cê fez de errado, o cara tá vendo que cê tá trampando, fazendo seu serviço direito e fica em cima, desconfia, daí tem que quere muito, não pode fica sentado esperando, tem que corre atrás, é só chute”.

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Esse jovem relata como é seu trabalho, ele fala, mesmo que brevemente, sobre a

perseguição que sofre diariamente no trabalho. Mesmo quando vêem que ele está

trabalhando e fazendo seu trabalho corretamente, sempre tem alguém o vigiando,

(conforme discutimos neste trabalho). Ele frisa muito a questão da “força de vontade”,

que é recorrente na falas destes jovens ao longo de toda a discussão, dizendo que tem

que querer muito, e de certa forma repete em sua fala que tem que lutar para conseguir

ficar no emprego.

O grupo A estava bastante calado e pedimos que alguém falasse sobre algum

assunto discutido que considerasse importante e a jovem colocou o assunto sobre

dinheiro e seu comentário gerou outros:

“O lance do dinheiro que acaba, mas carinho, respeito e amizade é mais importante na vida né!”. “É mais, ou cê é ou cê não é amigo, não adianta falar que é amigo, tem que se de verdade”.

Questionamos o que seria um amigo de verdade:

“Amigo é fica junto nas parte boa e ruim te ajudando, não ajudando a te afundar, se afasta de você nas dificuldade, amigo nessa vida é pai, mãe e Deus só”. “Amigo prá mim é dinheiro no bolso, cê tendo dinheiro no bolso mano aparece uma pá de amigo, mais quando acaba sai tudo fora”. “É (pausa) amigo do dinheiro”.

No grupo A falamos também sobre a questão da violência sofrida pelos jovens e

somente um jovem disse que não apanhava, enquanto que o restante afirmou apanhar

muito. Perguntamos se eles gostariam de falar um pouco sobre isso e surgiram vários

comentários:

“Batê em vez de melhorar só piora, hein, cê vai bate, daí eu falo vou fazê pior, daí apanho com motivo, dá raiva hein”. “Quem num quer apanhar é só num fazer nada de errado”.

124

“Já apanhei na rua brigando, mas minha mãe nunca bateu, ela senta e conversa, quem batia era minha vó, quando eu era pequeno eu saía correndo e ela nunca me pegava”. “Prá mim já foi diferente né mano, minha mãe queria batê mais minha vó defendia, ela falava que batê não resolve, se resolvesse os preso já tava tudo sossegado, os polícia bate, cara sai da cadeia e faz pior”. “Polícia não devia existir”. “É, aí se não tivesse polícia num ia existir ladrão”. “Eles devia se menos folgado, porque tipo assim, só pelo que eu visto eles vem me chamar de vagabundo, marginal, pelo que eu visto, não tá certo”. “Se a gente tá vestido com a bermuda caindo eles vem xingando, dano tapa na oreia mandando andar erguê as calça”. “Em vez dos governo gastá com polícia, por que não gasta com as pessoa que tão passando fome, porque não passa um asfalto lá no meu bairro? Tá difícil”. “A polícia tem preconceito pela roupa, pelo jeito de andá, pelo apelido”. “Eles chega e fala assim: Por que cê tá andando assim gingando? Dá uns pedala, fala que isso não é jeito de homem, humilha”. “Agora anda de terno prá vê, tá no estilo, eles nem olha, é muito preconceito contra nós”.

Quando falamos sobre violência, a grande maioria dos jovens afirma que já

apanhou muito dos pais, avós, na rua, etc. Porém, o assunto violência remete também à

violência sofrida por estes jovens por parte da polícia e cada um deles vai contando

alguns acontecimentos e se solidarizam, partilhando histórias comuns entre eles.

Depois destes comentários sobre a polícia falamos sobre escola e os comentários

foram os seguintes:

“Tem que estudar, senão não consegue nada”. “Mas estudar nem sempre ajuda, tem que ter uma faculdade, um curso, um técnico, alguma coisa pra conseguir um serviço bom né, ganhar dinheiro”. “Tem que ter dinheiro prá viver, o feijão tá dez real o quilo”. “Daqui uns dia pedreiro vai ter que ter faculdade”.

Após estes comentários os jovens riram muito e continuam:

125

“Exige muito”. “Até lixeiro tem que ter segundo grau”. “Antes era a oitava série cara, agora segundo grau completo”. “E prá ser lixeiro ce num precisa lê, escrever, nada, só carrega lixo”.

Neste momento questionamos o grupo se era boa ou ruim a exigência de

escolaridade média completa existente atualmente no mercado de trabalho:

“É bom”. “Acho bom né, porque tipo assim, daí a pessoa vai querer estudar prá ser alguém na vida”. “Ás vezes, é bom, ás vezes é ruim, porque tem muita pessoa aí que não tem oportunidade de ter um ensinamento técnico, se for esperar isso pra essa pessoa ter um emprego, nunca ela vai ter, só que às vezes as pessoas pensa assim de não querer estudar, ela vai querer um emprego bom, mas se não abri uma porta assim prá uma pessoa que tem esse pensamento assim, acho que nunca essa pessoa vai subi, mais estudar é bom”. “Se você quiser um emprego, vai ter que estudar, se não estudar, não vai ter, hoje em dia qualquer emprego tá pedindo pelo menos segundo grau, se não tiver já era”. “Tem gente que num quer nada, é vagabundo, não quer estudar, num procura emprego, sabe aqueles cara que saí dez hora da noite e volta seis da manhã e fica dormindo até meio dia?”.

Mediante estes relatos perguntamos aos jovens, o que é preciso para que tudo o

que conversamos mudasse e somente um deles se manifestou dizendo que:

“O que me incentivou muito foi esse filho que nasceu, eu tava levando uma vida assim (pausa) desalinhada, tinha uma saída, mas a melhor foi ter esse filho aí, tenho objetivo de ter minha família e estudo, fazer uma faculdade, eu tenho um sonho de fazer uma faculdade de engenharia, esse objetivo eu tenho e não desisto, sei lá, é uma coisa que tá assim traçada, eu já sei que vou fazer, porque tem muitas coisa que atrapalha, tem coisa que eu já desisti de fazer”.

Perguntamos a ele o que atrapalha e ele respondeu:

“A sociedade né, não tem serviço, quem tem estudo melhor pode pagar, hoje em dia cê consegue bolsa em faculdade, mas tem que ter um estudo prá você, saber fazer a prova e ganha essa bolsa”.

126

Perguntamos aos jovens se queriam falar sobre algum outro assunto e eles

disseram que não.

Finalizamos a discussão, nesta segunda parte que teve a duração de uma hora.

Alguns jovens sentem muita insegurança em manifestar suas opiniões, sendo sempre

uma minoria que fez os comentários mais longos, explicando o que estavam falando.

Enceramos com a “dinâmica do rolo barbante”. Explicamos como se daria a

dinâmica e iniciamos formando um círculo. Os jovens preferiram ficar de pé, com um

rolo grande de barbante. O primeiro jovem segurou a ponta do barbante, jogou o rolo

para outro jovem e assim sucessivamente. Estipulamos antes que cada um diria o que é

ser jovem, o primeiro jovem pegou o rolo, segurou o barbante e jogou para o próximo.

As palavras que surgiram dos jovens do Projeto sobre o que eles entendem ser a

juventude foram sempre iniciadas pela frase “Ser jovem é”, e várias palavras e frases

foram citadas como:

“Ser jovem é ter esperança”. “Ser jovem é ter uma vida legal”. “Ser jovem é curtir a vida”. “Ser jovem é ter alegria”. “Ser jovem é ser feliz”. “Ser jovem é dar amor”. “Ser jovem é crescer na vida”. “Ser jovem é aproveitar a juventude”. “Ser jovem é ter amor à vida, isso é ser jovem”. “Ser jovem é ter muitas amizade”. “Ser jovem é ser realista”. “Ser jovem é ser amigo”. “Ser jovem é ser responsável”.

Ao final formou-se uma grande "teia" e perguntamos aos jovens, o que eles viam

naquele emaranhado de barbante e eles não sabiam dizer. Um deles disse que parecia

uma estrela e mais nenhum deles se manifestou.

127

Falamos que tínhamos formado uma grande “teia” e que se olhássemos nela

poderíamos ver que cada fio de barbante estava passando por cima ou por baixo de

outros fios e que isso poderia significar que a nossa vida é assim, passamos pela vida de

outras pessoas e outras pessoas passam por nossas vidas formando uma grande “teia” de

relações e que se, de repente, quiséssemos seguir um outro caminho, precisaríamos da

ajuda do colega ao lado ou à frente para que pudéssemos fazer isso, que a vontade seria

nossa, mas com certeza precisaríamos de ajuda, assim como é nossa vida.

Os jovens aplaudiram no final e os que mais falaram durante a dinâmica deram-

nos um feedback positivo sobre a atividade, disseram que gostaram da atividade, que as

atividades de grupo realizadas semanalmente poderiam ser feitas dessa forma, o que

posteriormente motivou a equipe do Projeto a fazer um novo planejamento das

atividades de grupo.

Apesar da participação dos jovens ter sido um pouco difícil, pois a todo o

momento tivemos que interferir lançando os temas nos grupos e depois na plenária,

mesmo assim julgamos que a atividade foi satisfatória e nos trouxe algumas

considerações sobre o que os jovens pensam sobre determinados assuntos que são

importantes para esta dissertação.

A fala dos jovens quanto ao que pensam com relação ao mundo do trabalho e

estudo é muito clara, para eles “crescer na vida”, ter um “bom emprego”, “estudar” é

responsabilidade de cada um, e que não atingir resultados também é culpa de cada um,

ou seja, há aqui também entronizada a culpabilização do indivíduo pelo próprio

fracasso, discutida anteriormente no capítulo 2 no item 2.1.

Acreditam também que a “força de vontade” é muito importante, mas falam

também sobre “oportunidade”, e que mesmo tendo força de vontade se não tiverem

oportunidade fica difícil mudar de vida. Porém, no decorrer de nossa observação

128

participante pudemos verificar que os jovens possuem força de vontade, mas não o

suficiente para lidarem com tanto preconceito e discriminação, pois freqüentemente

desistem do emprego (quando conseguem) e da escola, pois não conseguem

acompanhar as aulas ou porque faltam demais.

Essa discriminação pode ser notada na fala do jovem que após “pagar” o que

supostamente devia, ainda é vigiado o tempo todo no trabalho. Na fala deste jovem ele

vive um sofrimento diário no trabalho, e mesmo realizando seu trabalho de forma

correta, ele continua sendo estigmatizado, como se tivesse que “pagar” pelo resto de sua

vida, conforme a citação de Michael Foucault no capítulo 2 no item 2.5 quando falamos

das medidas sócio-educativas.

O preconceito também é percebido quando os jovens falam sobre a polícia que

segundo eles, os julga somente pela roupa que vestem ou pelo jeito que caminham. Eles

afirmam que um jovem bem vestido dificilmente é parado pela polícia. Essa

discriminação também foi vista durante a observação participante, pois todos os jovens

têm alguma história deste tipo para contar, inclusive gostaríamos de relatar uma

conversa informal com um jovem que freqüentava o Projeto, ocorrida na cozinha

enquanto preparávamos o lanche para o jovem. Ele relatou que era muito difícil sair da

vida que estava levando, que ele já havia tentado, mas não obtinha resultado, pois por

ser conhecido por policiais da cidade, era ameaçado constantemente por estes para

trazer-lhes propina. Ele contou que, certo dia, indo embora do Projeto de bicicleta a

polícia o parou, pediram um determinado valor em dinheiro para deixá-lo em paz.

Segundo este jovem a ameaça que esses policiais fazem é que se ele não trouxer o

dinheiro, quando o pegarem novamente, irão forjar provas contra ele, ou seja, colocar

drogas em posse do jovem e levá-lo preso em flagrante. Esse jovem diz não ter opção.

129

Essa dificuldade de sair da vida que levam não se dá somente por problemas com

a polícia como citamos acima, ou mesmo, devido às condições sociais que os impelem a

agir desta forma, esta dificuldade ocorre também por conta da ação de criminosos,

conforme relato de outro jovem que ficou interno na Fundação CASA por um período

de 18 meses devido a um assalto a mão armada. Após sair da internação, o jovem relata

ter sofrido ameaça de morte por parte dos assaltantes que estavam com ele neste último

assalto e que fugiram deixando-o ser preso sozinho e responsabilizado pelo assalto. Os

criminosos exigiam que o jovem pagasse a quantia de R$ 1.200,00 pela arma que foi

apreendida junto com ele no dia do assalto, e como o jovem não tinha este dinheiro os

criminosos deram a ele a incumbência de roubar um carro importado, o que abateria R$

200,00 de sua dívida mesmo se praticasse o assalto, provavelmente esse jovem

dificilmente conseguirá pagar sua “dívida”. Isso também ocorre com jovens que

traficam drogas, e se forem pegos pela polícia a droga apreendida deve ser paga aos

traficantes. Os que são internos têm suas famílias ameaçadas para pagarem a “dívida” e

os que são soltos são obrigados a voltar a trabalhar sem receber para pagar a dívida que

possuem.

Estas considerações são importantes para que entendamos que, por vezes, o

jovem em conflito com a lei é também vítima de um Estado que nega a ele o direito de

viver esta juventude de forma plena, tendo todos os seus direitos contemplados, para

que assim possa exercer o seu papel na sociedade de forma plena e segura, sem sofrer as

conseqüências de uma política que nega a sua juventude, particularmente a juventude

das camadas populares, direitos que deveriam ser estendidos a todos.

130

Considerações Finais

Através desta dissertação, realizamos um estudo sobre o jovem em conflito com

a lei. Buscamos entender os motivos que o levam a cometer um ato infracional, bem

como suas expectativas e vivências, suas aspirações com relação ao futuro, suas crenças

e valores, relacionamento familiar, escola, mundo do trabalho, relação dos jovens com o

Projeto e suas concepções sobre juventude.

Iniciamos este estudo a partir de críticas ao capitalismo neoliberal, que está

presente nas ações do governo atual e que é gerador de problemas sociais,

principalmente o desemprego que gera a vulnerabilidade social e a falta de perspectivas

de vida. Discutimos como esta realidade faz com que a prática infracional, em muitos

casos, seja quase que imperiosa aos jovens afetados por tais condições.

Discutimos ainda como se dão as ações do “Terceiro Setor”, e baseando-nos em

alguns autores, consideramos que este não é um espaço neutro como se assume e sim

que trabalha em “parceria” com o mercado na forma das empresas privadas e com o

Estado, que financia suas ações, transferindo a sua responsabilidade em lidar com os

problemas sociais. Sobre as “parcerias” consideramos que o seu significado no contexto

social atual passa ao largo do que deveria realmente ser, pois essa parceria se dá na

defesa dos interesses do Capital.

Entendemos juventude como uma categoria social e parte da estrutura das

sociedades modernas e contemporâneas, referente a indivíduos que estão na chamada

“socialização secundária” – a que os prepara para a integração nas esferas públicas da

sociedade. É a partir desta ótica que queremos chamar a atenção da sociedade para que

sejamos conscientes quanto à importância de que os jovens sejam respeitados e possuam

131

subsídios para viverem a juventude de forma saudável, ou seja, é a partir desta ótica que

devemos partir para elaborar políticas públicas que contemplem a juventude brasileira.

Os dados apresentados sobre a juventude brasileira com relação aos Programas

de esporte, lazer e cultura revelam e apontam para a necessidade de que tais Programas

sejam universalizados, que necessitam ser levados a sério, saírem apenas do papel e

cumprirem os objetivos propostos quando são elaborados. Estes devem ser estendidos a

todos os jovens, especialmente para aqueles que se encontram em conflito com a lei. A

solução não é criar um grupo específico dos jovens do Projeto, o que ao nosso ver

caracterizou o preconceito com que estes jovens são olhados.

Os dados apresentados sobre o extermínio mostram que de jovens são muito

mais vítimas da violência do que causadores desta.

Com relação à educação, os índices apresentados em nossa pesquisa de campo

apontam que 61% dos jovens não estavam estudando quando realizamos a pesquisa,

portanto analisamos a educação oferecida pelas Escolas Estaduais, uma vez que os

jovens do Projeto freqüentam ou já freqüentaram, em sua maioria, estes

estabelecimentos de ensino. Baseando-nos em vários autores e em nossa observação

participante, pudemos verificar que atualmente o jovem tem acesso à escola, mais do

que em outras épocas, porém esta expansão no ensino se deu de forma precarizada e,

portanto, não corresponde aos direitos que o jovem possui de uma educação de

qualidade. Acreditamos ainda que o estudo deve ir muito além do que está sendo feito

conforme narramos, deve garantir ao jovem um ensino de qualidade atrelado a uma

política social fora dos moldes do neoliberalismo, de modo que o jovem não enxergue

na associação ao narcotráfico a única possibilidade de mobilidade social, já que dentro

dos moldes ditos normais ele jamais conseguirá, sendo esta a única forma de ser

“incluído”. Deve-se também ser um ensino que reconhece as diferenças, enxergando

132

cada um com um potencial diferente a ser desenvolvido e não se manter nos moldes

atuais que prezam pela uniformidade, sendo o jovem em conflito com a lei, em muitos

casos, perseguido e penalizado mesmo após ter cumprido sua medida sócio-educativa.

Conforme o ECA, baseado na Doutrina de Proteção Integral, os jovens devem

ser respeitados devido a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento,

superando os limites do Código de Menores Mello Mattos, no qual o jovem não era

sujeito de direitos.

Baseando-nos em diversos autores, verificamos que as medidas sócio-educativas

aplicadas ao jovem em conflito com a lei possuem caráter sancionatório, porém

educativo. Acreditamos ainda que inimputabilidade penal não pode ser confundida com

irresponsabilidade, pois o jovem é responsável por seus atos conforme o ECA que

determina conforme citado acima que a peculiar condição de pessoa em

desenvolvimento do jovem deve ser respeitada.

Analisamos o Projeto no contexto das políticas em tempos de neoliberalismo de

Terceira Via, para tanto foi importante discutirmos a noção de práxis. Conforme já

havíamos mencionado quando discutimos práxis, podemos afirmar baseando-nos em

nossa observação participante e em diversos autores que o Projeto trabalhando em

parceria com o Estado e com o Mercado, acaba, mesmo sem consciência disto,

reproduzindo as relações capitalistas em que a exploração permanece, em que uma

grande parte dos indivíduos é excluída. Não se pode dizer que é neutro e muito menos

que faz parte de um “Terceiro Setor”, pois não é independente do Estado e nem do

Mercado, ao contrário trabalha em parceria com eles.

As ações realizadas pelo Projeto são determinadas pela Fundação CASA, que é

uma Fundação Estadual, e pela Prefeitura Municipal, devido à municipalização do

atendimento sócio-educativo, determinando ações que visam manter o apaziguamento

133

social e não ações que visem a emancipação do jovem e de suas famílias das condições

a que são submetidos.

A pesquisa de campo nos mostrou que os jovens do Projeto, em sua maioria,

acreditam que são responsáveis pelo curso de suas vidas, podendo mudar se realmente o

quiserem. Analisando suas falas pudemos perceber uma grande insatisfação com o

governo, com os políticos e com a escola, porém percebemos também que foram

“educados” para acreditar que a responsabilidade é somente deles, pois é recorrente na

fala destes jovens a falsa crença no fato de que estarem nas condições que hoje se

encontram é por falta de empenho, ou seja, a culpabilização do indivíduo pelo próprio

fracasso.

Os jovens do Projeto demonstraram que dão muito valor à família, pois em

vários momentos no questionário e durante a dinâmica de grupo disseram que querem

mais atenção da família, querem que a família sinta orgulho deles, dizem que só podem

confiar na família, que querem ajudar a família, mesmo com o difícil relacionamento

familiar exposto por eles, quando relatam que já apanharam muito dos responsáveis.

Quanto à relação dos jovens com o Projeto, apenas um dos jovens foi crítico o

suficiente para dizer que apesar de o Projeto, para ele, ser uma distração ou ocupação, a

realidade fora do Projeto é outra, demonstrando através de sua fala que o Projeto não

pode fazer nada no que diz respeito à realidade existente fora de lá. Os outros jovens

não tiveram este mesmo ponto de vista e afirmaram após começarem a freqüentar o

Projeto estão mais calmos, mais controlados – o que pode ser considerado, levando em

conta o que discutimos nos capítulos iniciais, que está sendo aplicado o objetivo do

apaziguamento social, portanto práxis comunitária.

Na realização da dinâmica de grupo os jovens em sua maioria estavam muito

tímidos e alguns realmente não mostraram muito interesse em participar ou tiveram

134

dificuldade. Mesmo assim a dinâmica nos possibilitou saber o que muitos daqueles

jovens pensam sobre determinados assuntos, principalmente pela utilização da

entrevista, que fez com que os jovens fizessem menção as suas próprias experiências.

Sobre juventude os jovens falaram em: esperança, uma vida legal, amizade,

respeito, “curtição”, crescimento, responsabilidade, ser realista e ter amor à vida.

Quando esse jovem fala que ser jovem é ter esperança, ele estaria se referindo a

ter esperança de que seus direitos sejam respeitados verdadeiramente e não apenas no

papel? E para o que disse que ser jovem é ter uma vida legal, o que seria uma vida legal

para ele? Seria uma vida na qual ele pudesse estudar, ter amigos, ser tratado

dignamente? E quanto ao jovem que disse que ser jovem é ser realista, seria aceitar a

situação em que vive?

Com certeza as respostas vindas destes jovens não seriam nesse sentido, pois

estes, em sua maioria, não possuem esta consciência. Porém, acreditamos que qualquer

estudo que pretenda ir ao cerne da questão do jovem em conflito com a lei deve partir

de um olhar sobre a questão social, para que sejam apontadas soluções consistentes que

tragam benefícios a estes jovens.

Esperamos que esta dissertação possa servir para que um novo olhar seja

direcionado ao jovem em conflito com a lei, que este escutado e respeitado como pessoa

em desenvolvimento, pois uma sociedade que fecha seus olhos e ouvidos para esta

questão, em nada contribui para que façamos avanços em torno desta questão.

135

ANEXO A – Modelo de questionário aplicado

Idade:

Sexo:

Escolaridade:

Ocupação:

Ocupação dos pais ou responsáveis:

1) O que você mais precisa e não tem?

2) Você acredita que o Projeto pode ajudar a ter o que você precisa? Por quê?

3) O que você espera que aconteça na sua vida e na vida de sua família após o término do cumprimento de sua medida sócio-educativa?

4) Quando começou a vir ao Projeto, algo mudou em sua vida? O quê (no caso de sim)? Por quê (no caso de não)?

136

ANEXO B – Trechos da entrevista utilizada para a realização da dinâmica de grupo Entrevista sugerida pela Professora Drª. Renata Sieiro Fernandes.

Revista Veja, 28/jun./2000.

Entrevista: Fábio da Silva

“O sobrevivente”

O sambista que escapou da chacina da Candelária conta sua trajetória, dos pequenos

furtos a uma vida honesta.

(Marcelo Carneiro).

"Na rua tem muita gente te puxando para baixo. Nós somos humilhados, não

acreditamos em nada".

Fábio da Silva, o "Baby", passou raspando no vestibular das ruas. Em 1993, aos 16

anos, escapou da morte na chacina da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. Foi por

puro acaso: um dia antes, brigou com um dos menores que perambulavam pelo local e

decidiu passar a noite em outro lugar. Só ali perdeu oito amigos. Antes, já havia perdido

dois irmãos e um punhado de colegas assassinados por grupos de extermínio em

Diadema, São Paulo, onde nasceu e viveu até os 10 anos. Hoje, Fábio, 23 anos, divide-

se entre o trabalho como camelô e as apresentações do Candelária, conjunto de pagode

com letras açucaradas. Na tarde de 12 de junho, Fábio viu pela TV o bandido Sandro do

Nascimento, o "Mancha", seqüestrar um ônibus da linha 174 no Rio, o que resultou na

morte da professora Geisa Firmo Gonçalves. Sandro, assassinado pela polícia dentro do

camburão, era um sobrevivente da chacina da Candelária. Fábio só reconheceu o colega

de rua no dia seguinte, ao ler os jornais. Semi-analfabeto, ele é um sobrevivente da

chacina e dos perigos que levaram à morte outras dezenas de garotos que dormiam em

137

volta da Igreja da Candelária na época da chacina. Mais de quarenta dos cerca de setenta

menores daquela turma barra-pesada foram mortos. Na semana passada, Fábio

conversou com VEJA e contou uma história raríssima: a de um menino de rua brasileiro

que escapou da morte violenta e do banditismo.

Veja – Por que você não virou bandido?

Fábio – Na rua tem muita gente te puxando para baixo. Mas também há certas pessoas

que não têm dinheiro, mas têm algo de bom para oferecer, como carinho e amizade, e

abrem chance para você tomar um caminho diferente. Mas muitos têm a oportunidade e

não sabem aproveitar. É a mágoa, cara. A gente é muito humilhado. Não acredita em

nada. Quem foi menino de rua não vota. Tenho título, mas não voto.

Veja – Você já chegou a usar armas para assaltar?

Fábio – Nunca. Eu tentava ganhar a vida esmolando. Não conseguia roubar. Fui

atropelado ainda pequeno e fiquei com um problema na coluna que me impedia de

correr.

Veja – Mas seus amigos usavam armas, não?

Fábio – A gente saía em um grupo de oito ou nove garotos. A maioria levava um

pedaço de pau ou um cassetete. Como eu sempre fui o mais novo, acabava obedecendo

aos outros. Um dia, nós fomos assaltar uma loja, mas os guardas reagiram. Todo mundo

fugiu, só eu fui preso. Como era muito pequeno, eles ficaram com pena e me soltaram.

No assalto seguinte, a uma casa, pedi para não participar. Eles me pressionaram e eu

fugi para o Vale do Anhangabaú, onde conheci um menino, também deficiente. Ficamos

esmolando juntos.

138

Veja – Você sabia que o Sandro do Nascimento, que seqüestrou o ônibus da linha 174,

foi menino de rua da Candelária?

Fábio – Eu estava trabalhando na minha banquinha de iogurte. Na hora, tinha uma

televisão ligada no programa Cidade Alerta, dentro de uma padaria, e dei uma olhada.

Mas nem percebi que era o Sandro, os fregueses me chamaram e eu tinha de voltar a

trabalhar. Não dava tempo para ficar vendo TV. Só fui saber que ele foi sobrevivente da

chacina da Candelária no outro dia, lendo os jornais. O Sandro era uma pessoa raivosa,

um sujeito meio afastado, só aparecia na Candelária à noite, para comer. Depois ia

embora. Ele partiu para a violência, não teve a nossa força de vontade. Aquilo foi uma

precipitação. Ele devia estar preso, tinha de viver separado do nosso meio, talvez numa

prisão perpétua. Mas não podia ser morto daquela forma.

Veja – Você conversava com o Sandro?

Fábio – Não, eu não era amigo dele. Aliás, é muito raro um menino de rua se abrir com

outro. Cada um tem sua história triste e não fica falando desses assuntos. Sempre

alguém vai ter uma história pior que a sua para contar. É por isso que os meninos de rua

parecem tão fechados, sempre fugindo de todo mundo.

Veja – Por que você saiu de casa e foi parar nas ruas?

Fábio – Saí de casa quando tinha 7 anos, em Diadema, onde nasci. Foi logo depois do

suicídio do meu pai. Ele pulou do 17º andar de um edifício. Era anão, não conseguia

muitos empregos, vivia de biscates e me espancava muito. Eu tinha de catar papelão

para levar dinheiro para casa. Minha mãe morreu do coração logo depois da morte dele.

Além de catar papelão, eu vendia bala no trem ou no ônibus e dormia na rua. Mas aí

139

chegou uma época de muita matança na cidade, por causa da atuação dos grupos de

extermínio. Eu fazia parte de um grupo que vivia praticando furtos nas lojas.

Veja – Como agiam esses matadores?

Fábio – Exatamente como era eu não saberia explicar. Só posso dizer que a coisa

funcionava mais ou menos assim: de repente, sumia um garoto da nossa turma, depois

sumia outro, depois outro. A maioria dos corpos eram jogados em um rio que corta a

cidade. Eu não tinha coragem de ver o resgate. Quando um companheiro nosso sumia

cinco dias, a gente já sabia que ele tinha sido apanhado.

Veja – O que aconteceu com seus irmãos?

Fábio – Hoje tenho oito irmãos ainda vivos, mas dois já morreram. Fui o único a sair de

casa, mas na época um deles também me acompanhava e ficou muito visado pelos

comerciantes. Um dia, eu estava ouvindo música em uma loja e uma funcionária de uma

das associações comerciais lá de Diadema veio conversar comigo. Eles gostavam de

mim, apesar de saber que eu também estava envolvido nos roubos, e avisaram que eu

devia me afastar daquilo porque muita gente ia ser executada. Perdi dois irmãos,

assassinados pelos grupos de extermínio de Diadema. Um tinha 9 anos, morreu logo

depois que eu me afastei. Tomou 21 tiros. O outro, que era mais velho, só levou dois.

Veja – Nem a morte de seus irmãos fez você sair das ruas?

Fábio – Saí de Diadema e fui para São Paulo. Eu dormia todo dia na Praça da Sé, e

acabei na Febem do Tatuapé. Eu e minha turma tínhamos quebrado as roletas do metrô

da Sé e fomos presos. Menti a idade para ficar menos tempo na Febem, mas mesmo

assim foi sinistro. Eu e mais três parceiros entramos na ala B, a mais complicada. Lá o

140

couro come e ninguém vê. Você tem de jogar no time deles, senão apanha muito. Um

moleque me chamou para pular um muro enorme. Falei que não podia, tinha problema

nas pernas e comecei a chorar. Apareceu um agente e fomos levados para outra ala. Lá

na Febem eu tinha a proteção de um colega. Todo menino tem um protetor, que é

chamado de pai de rua. A gente cheirava cola junto e ele nunca deixou ninguém chegar

perto de mim. Já morreu também.

Veja – Você já tomou outro tipo de droga?

Fábio – Não, nunca provei cocaína nem maconha. Só cola de sapateiro. A cola é um

alívio para a falta de comida. Com ela você fica muito tempo sem fome. Havia dias em

que eu só conseguia pão para comer, e a cola me sustentava em pé. Mas também faz

muito mal. Eu era recordista no hospital, sempre levado pelos meus amigos, com o nariz

sangrando.

Veja – Quando você chegou ao Rio de Janeiro, teve algum tipo de ajuda oficial ou de

ONGs?

Fábio – Sim. Em São Paulo, peguei carona na boléia de um caminhão e me mandei para

o Rio. Eu tinha uns 10 anos e fui procurar o projeto Flor do Amanhã (ONG que

alfabetizava menores carentes e os ensinava como trabalhar na montagem de um desfile

de escolas de samba), do carnavalesco Joãosinho Trinta, no barracão da Beija-Flor. Eu

mesmo aprendi o pouco que sei lá. Todo mundo em São Paulo falava para eu não vir,

que o Rio era muito perigoso. Mas vim como um aventureiro, com o objetivo de subir

na vida. Acabei parando nas ruas de novo. Dormia na Praça Mauá, próximo ao local do

projeto. Foi uma época boa, cheguei a cantar o samba da escola mirim na Eco 92. Mas o

141

Flor do Amanhã acabou não dando certo, e o Joãosinho largou o projeto. Foi então que

fui para a Candelária.

Veja – Há centenas de ONGs e fundações de assistência aos menores carentes, mas o

problema parece não diminuir. Você tem alguma explicação para isso?

Fábio – Vou dar um exemplo. Eu admiro a Yvonne Bezerra de Mello (artista plástica,

mulher do dono da rede de hotéis Othon, que coordenava um projeto social com os

meninos da Candelária na época da chacina), é uma excelente pessoa e boa educadora,

mas o projeto que ela mantém na Favela da Maré, aqui no Rio, não é bom. É tudo lindo,

maravilhoso, mas é um projeto voltado para as crianças pobres daquele local. Não é

para crianças de rua. Há diferenças enormes entre uma criança pobre que tem uma casa,

uma família e uma criança de rua que dorme no chão. Eles não entendem muito isso. A

maioria dos projetos é assim. Acho também que as ONGs que realizam um bom

trabalho não sabem mostrar claramente à sociedade o que estão fazendo de positivo, e

por isso não recebem todo o apoio de que precisam.

Veja – Alguém mais lhe ajudou?

Fábio – Nenhuma autoridade ou político prestou a menor atenção em mim na rua. Era

como se não existisse. Nem antes nem depois da chacina da Candelária, o que é incrível,

pois apareci até no Jornal Nacional. Meu irmão mais velho me procurou e ofereceu

auxílio. Fazia muito tempo que eu estava afastado de Diadema, e toda a minha família

pensava que eu tinha morrido. Mas eu não queria voltar para São Paulo. Fui na Ana

Maria Braga e no Ratinho. A Ana Maria prometeu que iria me ajudar se eu montasse

um grupo musical. Até mandei uma carta para ela e recebi uma resposta. Mas ela não

ajudou em nada. Nem o governo. O grande socorro que recebi foi do Centro Brasileiro

142

de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, uma ONG dirigida pela Cristina

Leonardo.

Veja – Que tipo de apoio ela lhe deu?

Fábio – Foi a ajuda mais básica, mais fundamental. Você não sabe o que é chegar em

casa e não ter o abraço de uma mãe. Pois ela fez um pouco disso por mim. Estendeu os

braços para uma criança.

Veja – Por que você deu a seu conjunto de pagode um nome associado à chacina?

Fábio – Para falar a verdade, também achei o nome estranho no início, mas só queria

mostrar que dali também era possível sair coisa boa. De todos os integrantes do grupo,

só eu fui menino de rua, e isso me dá um chão, como se fosse uma família. A gente

também quer mostrar que a música pode ser uma opção, como fez o pessoal do

Negritude Júnior em São Paulo, que ensina música a garotos pobres. Muita gente diz

que eu uso o nome da Candelária para entrar na mídia. Eu tenho esse direito, porque

passei por aquele sofrimento e só eu sei o que isso me trouxe de ruim. Agora todo

mundo voltou a falar da chacina. Devem estar pensando que isso é bom para a gente,

mas é horrível. Sempre alguém aponta e diz: "Olha aquele bandidinho". Nós estamos

pagando pela atitude violenta do Sandro.

Veja – Por que você não estava na Candelária na noite da chacina?

Fábio – Tive a felicidade de sair de lá um dia antes. Tinha arrumado uma confusão com

um dos líderes dos meninos, o "Come Gato". Ele falou que ia me expulsar de lá. No dia

22 de julho de 1993 eu fui embora. No dia 23, aconteceu.

143

Veja – Até hoje há versões conflitantes sobre o motivo da chacina. Na sua opinião, qual

foi a razão?

Fábio – Depois que acabou o projeto Flor do Amanhã, nós nos dispersamos. Uma

turma foi para a Candelária, outra para a Praça Mauá, no centro do Rio. Na época, o

clima em torno da Candelária era péssimo, muito tenso. Até as mulheres que iam lá à

noite para nos dar comida e ensinar a pintar sabiam que a coisa estava quente. Havia uns

cinqüenta garotos por lá. Nós que somos da rua sabemos que as pessoas que passavam

por ali morriam de medo. E a gente mandava ver mesmo. Os roubos começaram a ficar

cada vez mais freqüentes. O Come Gato queria mostrar para a sociedade que os

meninos de rua não eram bichos, mas alguns deixavam a desejar. O clima foi ficando

ruim para nós, já que ali era a nossa casa.

Veja – Você quase deixou escapar a oportunidade que a música lhe deu, não?

Fábio – Comecei a fazer música na escola de samba Estácio de Sá, depois da chacina.

Arrumei um emprego de faxineiro ali e comecei a compor. Em 1997, ganhei uma

disputa. No ano seguinte, fui para a Beija-Flor de Nilópolis e ganhei novamente.

Arrumei uma boa grana, mas também gastei muito. Com o primeiro samba, faturei uns

6.000 reais, depois perdi tudo. Ajudei uma pessoa que morava comigo a construir uma

casa, acabei me endividando, pegando dinheiro emprestado, e fiquei duro. Fui, então,

para a Beija-Flor, começar tudo de novo. Ganhei ainda mais dinheiro, mas gastei tudo

saindo com mulheres. Ia aos restaurantes, tirava a onda que um menino de rua nunca

poderia tirar. Não guardei nada e hoje me arrependo muito. Tinha 19 anos, não estava

preparado para o sucesso.

Veja – Dá para viver de samba?

144

Fábio – Depois de ganhar dois sambas, resolvi criar meu próprio conjunto, o

Candelária. É um grupo de pagode, com sambas românticos, mas ele ainda não dá

dinheiro. Tenho de trabalhar, vendendo iogurte na Praça da Bandeira (Zona Norte do

Rio). Moro em um quarto alugado, pago 120 reais. Como faturo mais ou menos 250

reais por mês, sobra alguma coisa.

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