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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA KARLA CHRISTIANE RIBEIRO TANAN A MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAMPONÊS NO MUNICÍPIO DE IGRAPIÚNA/BA E O AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NATURAL Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos São Cristóvão SE 2017

KARLA CHRISTIANE RIBEIRO TANAN A MONOPOLIZAÇÃO DO … · 2018-07-17 · Em especial, agradeço a José Danilo Santana por todo apoio que me deu no ano de 2017 na leitura atenta

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

KARLA CHRISTIANE RIBEIRO TANAN

A MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAMPONÊS NO MUNICÍPIO DE

IGRAPIÚNA/BA E O AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NATURAL

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos

São Cristóvão – SE

2017

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KARLA CHRISTIANE RIBEIRO TANAN

A MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAMPONÊS NO MUNICÍPIO DE

IGRAPIÚNA/BA E O AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NATURAL

Dissertação de mestrado defendida no Programa de

Pós-graduação em Geografia da Universidade

Federal de Sergipe, como requisito para a Titulação

de Mestre em Geografia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alexandrina Luz Conceição

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos

São Cristóvão – SE

2017

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III

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

T161m

Tanan, Karla Christiane Ribeiro

A monopolização do território camponês no município de

Igrapiúna/BA e o agronegócio da borracha natural / Karla Christiane

Ribeiro Tanan; orientadora Alexandrina Luz Conceição. – São

Cristóvão, 2017.

125 f. : il.

Dissertação (mestrado em Geografia) – Universidade Federal de

Sergipe, 2017.

1. Geografia agrícola. 2. Geografia econômica. 3. Capital (Economia).

4. Agricultura e Estado. 5. Espaço em economia. 6. Agroindústria –

Igrapiúna (BA). 7. Borracha. I. Conceição, Alexandrina Luz, orient. II.

Título.

CDU 911.3:63(813.8)

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IV

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

KARLA CHRISTIANE RIBEIRO TANAN

A MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAMPONÊS NO MUNICÍPIO DE

IGRAPIÚNA/BA E O AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NATURAL

Aprovada em 16 de agosto de 2017

_________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Alexandrina Luz Conceição

Orientadora

Universidade Federal de Sergipe

_________________________________________________________

Prof. Dr. Lucas Gama Lima

Membro externo

Universidade Federal de Alagoas

________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Marleide Maria Santos Sérgio

Membro interno

Universidade Federal de Sergipe

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos

São Cristóvão – SE

2017

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V

Aos meus amados avôs Camponeses Antônio Ribeiro (In

memorian) e Edezia Lopes os quais me ensinaram com

muito amor a importância e o cuidado com a terra para a

vivência e sobrevivência.

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VI

AGRADECIMENTOS

Nesta jornada de dois anos foram vários os momentos de construção e (re)construção

do processo de aprendizagem, pois a pesquisa em si possibilitou o avançar das idéias, a partir

de leituras, orientações, discussões entre amigos, vivência da pesquisa, nos diálogos com os

camponeses, nas investigações e reflexões próprias do processo. Por isso, é importante

destacar que esta dissertação foi escrita indiretamente por várias mãos. Mas vamos há alguns

nomes que certamente marcaram de forma mais incisiva a minha formação nesta jornada de

construção da pesquisa.

Agradeço a minha família, o meu alicerce, minha mãe Cristina, meu pai Carlos, minha

irmã Kelli e meu sobrinho Miguel. Obrigada pelo apoio, carinho, amor e também pela

paciência e compreensão com relação às minhas ausências por causa da escrita da dissertação.

Obrigada!!!

Agradeço a Leônidas, meu grande companheiro e parceiro da vida, pelo seu amor,

carinho e compreensão, pois esteve sempre ao meu lado ao longo dessa caminhada me

incentivando e apoiando. Eu te amo!

Agradeço com grande ternura e admiração a minha orientadora Alexandrina Luz

Conceição. Muito obrigada pela oportunidade de compartilhar-me dos seus ensinamentos.

Pela sua atenção, dedicação e paciência no processo de orientação. Agradeço por me fazer

intelectualmente e enquanto ser social. Muito obrigada!

Aos meus sogros José Marques e Lourdes pelo apoio e amizade, pelos quais tenho

grande carinho e admiração.

Também agradeço a Rosemy Silva pela sua amizade e carinho.

Aqui em Sergipe agradeço a receptividade de Josélia em seu pensionato, no qual

passei um ano e tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, as quais estão

marcadas na memória e no coração.

Quero agradecer aos meus companheiros da república dos baianos (Sandra, Carlinha,

Eduardo/Dudu e Bismarque); vocês tornaram os meus dias mais leves, com momentos de

descontração e alegria. Muito obrigada!

Em especial a Sandra, amiga-irmã, que sempre esteve ao meu lado em todos os

momentos desde o período da graduação.

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VII

Ao PPGEO agradeço a atenção de todos os funcionários que foram sempre atenciosos

e me ajudaram em tudo que foi possível. Neste sentido, também agradecemos à CAPES pela

concessão da bolsa.

Á professora Suzane Tosta, pelas considerações e sugestões na qualificação do projeto

de dissertação.

Agradeço à professora Marleide Sérgio por toda a contribuição e sugestões no meu

processo de qualificação e pela aceitação de compor a banca de defesa. Também agradeço ao

professor Lucas Gama pela disposição em participar da minha banca de defesa.

Um agradecimento especial aos membros do Grupo de Pesquisa Estado, Capital,

Trabalho e as Políticas de Re-ordenamento Territorial – GPECT. Obrigada pelos momentos

de leitura e experiências trocadas, as quais foram fundamentais para o desenvolvimento da

pesquisa. Obrigada a todos! Em especial, agradeço a José Danilo Santana por todo apoio que

me deu no ano de 2017 na leitura atenta e cuidadosa dos meus capítulos.

Quanto aos meus colegas de turma, agradeço pelos ótimos momentos de trocas e

diálogos, extremamente importantes para a pesquisadora que sou hoje. Agradeço

principalmente a Adelli, Ítala, Hipólito, Anna Maria, Cristina, Clara, Jorge e André.

Por todo apoio e acolhimento nos momentos alegres e também mais delicados,

agradeço todo o carinho de Vanilza, Joseane, Vanessa, Maria, Priscila, Izabela, Janielly,

Patrícia. Também agradeço à professora Aline Lima, do IFBaiano, pela contribuição nas

etapas de trabalho de campo. A Camila Silva, pela leitura minuciosa das versões, contribuição

indispensável para a lapidação do texto final, também lhe agradeço pelos momentos de

conversas fraternas, descontração e boas risadas.

Agradeço a Ricláudio Santos pela ajuda na confecção dos mapas. Obrigada pela

grande ajuda.

Enfim, também agradeço todo o apoio institucional da CEPLAC, em especial do

servidor Valmar Fernandes, que esteve ao nosso lado em todo o processo de coleta de dados.

Sem seu apoio jamais teríamos alcançado a dimensão empírica que tivemos aqui.

Agradecemos a todos aqueles que contribuíram com nossa pesquisa na Prefeitura Municipal

de Igrapiúna, na COOPERVERDE, no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Igrapiúna.

A todos, muito obrigada...

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VIII

Sonhar

Mais um sonho impossível

Lutar

Quando é fácil ceder

Vencer

O inimigo invencível

Negar

Quando a regra é vender

Sofrer

A tortura implacável

Romper

A incabível prisão

Voar

Num limite improvável

Tocar

O inacessível chão

É minha lei, é minha questão

Virar esse mundo

Cravar esse chão

Não me importa saber

Se é terrível demais

Quantas guerras terei que vencer

Por um pouco de paz

E amanhã, se esse chão que eu beijei

For meu leito e perdão

Vou saber que valeu delirar

E morrer de paixão

E assim, seja lá como for

Vai ter fim a infinita aflição

E o mundo vai ver uma flor

Brotar do impossível chão

(SONHO IMPOSSÍVEL – Chico Buarque)

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IX

RESUMO

A presente Dissertação teve como objetivo analisar o processo da monopolização da terra pelo

capital nos territórios camponeses no município de Igrapiúna-Bahia a partir da inserção do

Grupo Michelin no espaço rural desse município. Nossa análise teve como ponto de partida a

introdução da Revolução Verde e os seus desdobramentos face à modernização

técnica/científica e a integração agricultura – indústria (os complexos agroindustriais) via

políticas de subsídios, assistência técnica e de crédito. Apontamos a primazia da atividade

econômica da borracha no Brasil, mediante a internacionalização do capital, no primeiro

momento na região amazônica e posteriormente com a territorialização em escala nacional e

mundial através dos monopólios industriais. Destaca-se que a atividade econômica da

produção da borracha estabeleceu uma divisão social e territorial do trabalho. Esta pesquisa

fundamenta-se epistemologicamente no método do materialismo histórico dialético, para

reflexão crítica das contradições existentes no espaço agrário. Como resultado evidenciou-se

que nas últimas décadas, ocorreu uma intensa apropriação do território pelo capital nas

unidades de produção familiar camponesa, mediante as intervenções públicas e privadas com

o incentivo da expansão da fronteira agrícola da borracha natural no estado da Bahia. Neste

contexto, podemos destacar o Projeto Ouro Verde Bahia, desenvolvido pela multinacional

Michelin e o Programa de Desenvolvimento do Setor da Borracha Natural (PRODEBON),

criado pelo Estado, com a finalidade da expansão do agronegócio da borracha e subordinação

da produção em unidades de produção familiar camponesa por meio do Sistema Agroflorestal

(SAF). As atuais políticas de desenvolvimento para o agronegócio da borracha no estado da

Bahia são apresentadas como sinônimo de desenvolvimento e melhoria das condições de vida

dos sujeitos do campo. Porém, o que se tem apontado é que a inserção da indústria na

agricultura objetiva a acumulação e produção do capital assegurando a extração de mais-valor.

Verifica-se que a produção de seringueiras está atrelada ao circuito do capital: produção,

circulação, distribuição e consumo, em dimensão multiescalar, local/global. O campo

brasileiro vem sendo conduzido a partir de políticas públicas/privadas que reforçam a

manutenção da desigualdade, e da expropriação e/ou da sujeição dos sujeitos do campo.

Palavras-chave: Produção do espaço; agronegócio; políticas públicas; produção familiar

camponesa; Sistema Agrofrorestal/SAF.

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X

RESUMEN

Esto texto tuvo como objetivo analizar el proceso de monopolización de la tierra por el capital

en los territorios campesinos en Igrapiúna-Bahía, teniendo en cuenta la inserción del Grupo

Michelin en su espacio rural. Nuestro análisis tuvo como punto de partida la introducción de

la Revolución Verde y sus desdoblamientos frente a la modernización técnica/científica y la

integración agricultura-industria (los complejos agroindustriales) a través de políticas de

subsidios, asistencia técnica y de crédito. Apuntamos la primacía de la actividad económica

del caucho natural en Brasil, mediante la internacionalización del capital, en el primer

momento en la región amazónica y posteriormente con la territorialización en escala nacional

y mundial a través de los monopolios industriales. Se destaca que la actividad económica de

la producción del caucho estableció una división social y territorial del trabajo. Esta

investigación se fundamenta epistemológicamente en el método del materialismo histórico

dialéctico, para la reflexión crítica de las contradicciones existentes en el espacio agrario.

Como resultado se evidenció que en las últimas décadas ocurrió una intensa apropiación del

territorio por el capital en las unidades de producción familiar campesina, mediante las

intervenciones públicas y privadas con el incentivo de la expansión de la frontera agrícola del

caucho natural en Bahía. Así, podemos destacar el Proyecto “Ouro Verde Bahia”, desarrollado

por la multinacional Michelin y el Programa de Desarrollo del Sector del Caucho Natural

(PRODEBON), creado por el Estado, con la finalidad de la expansión del agronegocio del

caucho y subordinación de la producción en unidades de producción familiar campesina por

medio del Sistema Agroforestal (SAF). Las actuales políticas de desarrollo para el

agronegocio del caucho en el estado de Bahía son presentadas como sinónimo de desarrollo y

mejora de las condiciones de vida de los sujetos del campo. Sin embargo, lo que tenemos

apuntado es que la inserción de la industria en la agricultura objetiva la acumulación y

producción del capital asegurando la extracción de pluvalía. Se constata que la producción de

caucho está acoplada al circuito del capital: producción, circulación, distribución y consumo,

en dimensión multiescalar, local/global. El rural brasileño viene siendo conducido a partir de

políticas públicas/privadas que refuerzan el mantenimiento de la desigualdad, y de la

expropiación y/o de la sujeción de los sujetos del campo.

Palabras clave: Producción del espacio; agronegocio; políticas públicas; producción familiar

campesina; Sistema Agroforestal/SAF;

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XI

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01: Localização do município de Igrapiúna, Bahia.......................................................18

Figura 02: Espacialização das áreas visitadas durante a pesquisa de campo........................ 20

Figura 03: Estrutura do sistema de aviamento na extração da borracha na região

Amazônica................................................................................................................................53

Figura 04: Campanha para a Batalha da Borracha, em 1943...................................................57

Figura 05: Distribuição da produção da borracha natural no Brasil........................................61

Figura 06: Distribuição do cultivo da seringueira no estado da Bahia em 2015, contendo a

produção em toneladas por município......................................................................................63

Figura 07: Polos da produção da borracha no estado da Bahia................................................64

Figura 08: Fotografia do rio Igrapiúna e da BA 001, cortando a área urbana do município de

Igrapiúna..................................................................................................................................70

Figura 09: Igreja de Nossa Senhora das Dores padroeira de Igrapiúna: Início do século XIX,

já construída (A) e na atualidade, século XXI..........................................................................71

Figura 10: Usinas de beneficiamentos do município de Igrapiúna: usina de beneficiamento do

látex (A); Usina de processamento do palmito (B) e a construção da usina de beneficiamento

da fruta (C)................................................................................................................................73

Figura 11: Área destinada à colheita (ha) – Borracha, Cacau, Dendê, Palmito – município de

Igrapiúna/BA..........................................................................................................................74

Figura 12: Área destinada à colheita (ha) e produção (t) da Borracha natural – município de

Igrapiúna/BA..........................................................................................................................74

Figura 13: A porcentagem em produção de pneus por tipo de veículo.....................................75

Figura 14: Os cinco maiores produtores de borracha no mundo (Dados 2015).......................76

Figura 15: Países consumidores de borracha em escala mundial..........................................78

Figura 16: Oscilação de preço da borracha natural (US$/Kg) entre 2005 e 2015....................79

Figura 17: Matéria do Jornal Opinião de 1970 sobre a grilagem de terras pela multinacional

Firestone na Bahia....................................................................................................................91

Figura 18: Prédios do antigo hospital da Firestone...................................................................92

Figura 19: Vilas de funcionários na antiga Fazenda da Firestone............................................93

Figura 20: O maior pneu de mineração e terraplanagem desenvolvido pela Michelin com

tecnologia de baixa pressão.....................................................................................................95

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XII

Figura 21: Área da fazenda Plantações Michelin da Bahia com a divisão a partir do POVB:

reserva ecológica (na cor verde), 12 médias propriedades (na cor amarela) e a área para o

desenvolvimento de pesquisas (na cor vermelha)................................................................... 98

Figura 22: Cachoeira da Pancada Grande (A) e placa indicativa das trilhas na reserva

ambiental (B).................................................................................................................... .......102

Figura 23: Delimitação da área da Reserva Ecológica da Michelin.......................................103

Figura 24: Modelo de arranjo do Sistema Agroflorestal (SAF) com seringueira, cacau e

banana.....................................................................................................................................107

Figura 25: Consórcio em SAF com cultivos: Seringueira, cacau e banana, no povoado da

Baixa da Areia, município de Igrapiúna..................................................................................108

Figura 26: Abertura do painel da seringueira..........................................................................110

Figura 27: Casa do Núcleo de apoio à Agricultura Familiar (NAAF)....................................110

Figura 28: Assinatura do acordo de doações de mudas de seringueira entre indústria de pneus

e SEAGRI................................................................................................................................112

Figura 29: Espacialização das atuais áreas de produção de borracha natural e as novas áreas de

expansão no estado da Bahia..................................................................................................113

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XIII

LISTA DE QUADROS E TABELAS

TABELAS

Tabela 01: Produção e consumo de NPK e frota de tratores na agricultura brasileira (1960 –

2006).........................................................................................................................................36

Tabela 02: Comparação entre a produção e importação de borracha natural...........................78

Tabela 03: Distribuição das áreas de abrangência do PRODEBON por território de identidade

na Bahia.............................................................................................................................. .....114

QUADROS

Quadro 01: Povoações e lugares pertencentes à Freguesia de Camamu...................................69

Quadro 02: Eixos do Programa Ouro Verde da Bahia (POVB)...............................................99

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XIV

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANDA – Associação Nacional de Distribuidores de Adubos

ANIP - Associação Nacional das Indústrias de Pneumáticos

BCB – Banco de Crédito da Barrocha

BNB – Banco do Nordeste do Brasil

CAI – Complexos Agroindustriais

CAR – Companhia de desenvolvimento e ação regional

CBB – Companhia Brasileira de Borracha

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira

CIAT – Centro Latino-americano para a Agricultura Tropical

CIMMYT – Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo

COOPERVERDE – Cooperativa Ouro Verde Bahia

Ctrin-Dtrig – Comissão do Trigo Nacional do Banco do Brasil e Departamento do Trigo

EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAEB – Federação da Agricultura do Estado da Bahia

FMI – Fundo Monetário Internacional

GEB – Granulado Escuro Brasileiro

IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool

IAC – Instituto Agronômico de Campinas

IBC – Instituto Brasileiro do Café

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IED – Investimentos Externos Diretos

IITA – Instituto Internacional de Agricultura Tropical

IRRI – Instituto Internacional sobre o Arroz

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MP – Médias Propriedades

NAAF – Núcleo de Apoio a Agricultura Familiar

NPK – Nitrogênio, fósforo e potássio

PAAF – Programa de Apoio à Agricultura Familiar

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PLEMA – Polo Empresarial da Agroindústria

PMB – Plantações Michelin Bahia

POVB – Projeto Ouro Verde Bahia

PROBOR – Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal

REM – Reserva Ecológica Michelin

SAF – Sistema Agroflorestal

SEAGRI – Secretaria da agricultura, pecuária, irrigação, pesca e Aquicultura

SECTI – Secretária de Ciência e Tecnologia

SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia

SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SESP – Serviço Especial de Saúde Pública

SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural

SUDHEVEA – Superintendência da Borracha

SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento

USAID – Agência dos Estados Unidos o Desenvolvimento Internacional

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XV

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA.................................................................................................................. ...... V

AGRADECIMENTOS.............................................................................................................VI

EPÍGRAFE..................................................................................................................... ........VIII

RESUMO..................................................................................................................................IX

RESUMEN........................................................................................................................... ......X

LISTA DE ILUSTRAÇÕES................................................................................................... ..XI

LISTA DE QUADROS E TABELAS.................................................................................XVIII

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.............................................................................XIV

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 17

CAPÍTULO 1

1. A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO E AS ESTRATÉGIAS DA EXPANSÃO

DO CAPITALISMO NO ESPAÇO AGRÁRIO...................................................................23

1.1. Produção do espaço e suas (re) configurações no modo capitalista de

produção..............................................................................................................................24

1.2. As Estratégias da Expansão do Capitalismo no Espaço Agrário............................31

1.3. Modernização no campo: a materialização da expansão do capitalismo...............35

1.4. O processo de mundialização e as reestruturações na expansão do

capitalismo....................................................................................................................... ...42

CAPÍTULO 2

2. O MOVIMENTO DE EXPANSÃO DA PRODUÇÃO DA BORRACHA NATURAL

EM ESCALA MUNDIAL.......................................................................................................47

2.1. O processo de mundialização na produção de borracha natural no

Brasil....................................................................................................................................48

2.2. A primazia da produção da borracha no Brasil.......................................................50

2.3. A intervenção do Estado brasileiro sobre o monopólio da borracha.....................58

2.4. A produção do espaço do município de Igrapiúna a partir da inserção da

produção da borracha.......................................................................................................61

2.4.1. Os determinantes históricos da formação do município de Igrapiúna....65

2.4.2. A expansão da produção da borracha no município de Igrapiúna...........72

CAPÍTULO 3

3. A MONOPOLIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NO MUNICÍPIO DE IGRAPIÚNA.....................................................................................................................81

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XVI

3.1. A expansão do capital no campo e a subordinação das relações não capitalistas de

produção..............................................................................................................................82

3.2. Da inserção da Firestone à Michelin: da territorialização do capital a

monopolização do território..............................................................................................89

3.3. As intervenções públicas e privadas no incentivo ao cultivo da seringueira na

Bahia....................................................................................................................................97

3.3.1. Sistema Agroflorestal (SAF): uma estratégia de expansão do capital no espaço

agrário............................................................................................................................104

3.3.2. O Programa de Desenvolvimento do Setor da Borracha Natural

(PRODEBON)...............................................................................................................111

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................116

REFERÊNCIAS................................................................................................................ ....119

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17

INTRODUÇÃO

A comercialização da borracha natural é datada de meados do século XIX com a

finalidade de abastecer as indústrias logo após a Revolução Industrial. O Brasil destacou-se na

produção da matéria prima, pois detinha a seringueira da espécie Hevea brasiliensis, a qual

possui uma alta qualidade e produtividade para os fins industriais da época. Assim, a borracha

brasileira penetra nos circuitos da mercadoria tendo, nesse primeiro momento, a região

Amazônica como detentora do monopólio da produção. Esta região é o berço da seringueira

no Brasil, além de que havia um forte investimento de capitais internacionais que investiam

no extrativismo da borracha. No início do século XX, a borracha asiática ganha destaque com

a produção em monocultivos e a borracha brasileira entra em decadência no mercado

mundial.

Com a perspectiva de recuperação e ampliação do cultivo de borracha, novas áreas no

Brasil foram direcionadas para o cultivo da seringueira. Um desses exemplos é o estado da

Bahia, onde a extensa faixa úmida, no bioma de mata atlântica, vem sendo ocupada desde

meados do século XX, pois essas áreas apresentam condições edafoclimáticas necessárias ao

desenvolvimento do cultivo; essas condições foram essenciais para que as indústrias

pneumáticas se instalassem na região do Baixo Sul baiano, na década de 1980, no atual

município de Igrapiúna. A integração da agricultura com a indústria nessa região reestruturou

e reorganizou a divisão territorial do trabalho, com o processo da monopolização do território

camponês.

Nas últimas décadas a região do Baixo Sul baiano tem se tornado alvo de grandes

empreendimentos agroindustriais que se fixaram com diversos interesses. Na proposta dessa

pesquisa destacamos a territorialização do capital internacional via a multinacional Michelin

que se organizou espacialmente no espaço agrário do município de Igrapíuna (Figura 01) para

produzir a matéria-prima essencial para suas indústrias pneumáticas no Brasil.

No município o cultivo da heveicultura1 originalmente desenvolveu-se em grandes

propriedades. No entanto, atualmente, esse cultivo vem ocupando as faixas de terras das

unidades de produção familiar camponesa.

1 Cultivo da seringueira.

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18

Diante desse processo de expansão do capital no campo, mediante a produção de

borracha, destacamos a sujeição da renda terra que ocorre com a venda e compra da terra ou

na subordinação da produção camponesa, conforme aponta Oliveira (2007).

Figura 01: Localização do município de Igrapiúna, Bahia.

Nesse sentido, a presente dissertação teve como objetivo geral analisar o processo da

monopolização da terra pelo capital nos territórios camponeses no município de Igrapiúna-

Bahia a partir da inserção do Grupo Michelin no espaço agrário desse município.

A partir do objetivo geral estabelecemos os seguintes objetivos específicos:

1. Verificar as alterações ocorridas no processo de formação territorial no município de

Igrapiúna;

2. Refletir sobre o processo de produção e reprodução do espaço geográfico a partir da

inserção do Grupo Michelin no município de Igrapiúna;

3. Investigar as formas que se estabelece o processo de monopolização no território;

4. Investigar as alterações nas relações de trabalho e produção no campo;

5. Identificar os principais mecanismos utilizados pelo Estado com a inserção de

Políticas Públicas para a implantação do cultivo de seringueiras na agricultura camponesa;

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Esta pesquisa fundamenta-se epistemologicamente no método do materialismo

histórico dialético, como forma de compreender as contradições existentes no modo de

produção capitalista a partir da monopolização de terras camponesas para o cultivo de

seringueiras, ou seja, compreender o movimento do capital a partir da exploração do trabalho

e da extração da renda da terra. Assim, analisamos como a produção de borracha natural está

inscrita ao circuito do capital: produção, circulação, distribuição e consumo, nas dimensões

multiescalares, do local ao global.

A investigação desenvolvida nesta dissertação se baseou em levantamentos de dados

primários, principalmente com entrevistas, levantamentos de dados secundários, e análise e

sistematização dos dados e informações adquiridos, conforme uma abordagem predominante

qualitativa. O levantamento bibliográfico foi realizado através de leitura de livros, artigos,

dissertações e teses sobre as temáticas debatidas. Nosso percurso analítico foi fundamentado

na teoria critica tendo como leituras básicas sobre o espaço geográfico autores como Carlos

(2008; 2015), Harvey (2005), Lefebvre (2006), Conceição (2005), Silva (2015). Sobre a

expansão do capitalismo no espaço agrário utilizamos: Delgado (2005; 2012), Pereira (2009),

Paulino e Almeida (2010), Paulino (2010; 2012) Conceição (2013), Oliveira (2007; 2011;

2013), Martins (1983), Marx (2008; 2004), Campos (2011), Lima (2015), Silva (2014).

Quanto ao processo de mundialização do capital utilizamos Chesnais (1996), Coggiola

(2012), Harvey (2014). Além desses, consultamos referências sobre a atividade da borracha

no Brasil e na Bahia, entre elas estão: Gonçalves, C. (2015), Galeano (2016), Prado Júnior

(2008), Moreira (2015), Ponte (2014), Lima (2007; 2011), Silva (2013), Gonçalves, R. (2015).

Também foram realizadas consultas a relatórios institucionais e de pesquisas acadêmicas.

Com relação ao levantamento de dados foram considerados os de organizações sociais

(governamentais ou não), tais como: Coordenaria de Ação Regional (CAR), Empresa Baiana

de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Secretária Estadual de Agricultura (SEAGRI),

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),

Comissão Executiva do Plano da Lavoura do Cacau (CEPLAC), Associação Nacional da

Indústria de Pneumáticos (ANIP), Sindicato dos trabalhadores Rurais de Igrapiúna,

Cooperativa Ouro Verde Bahia (COOPERVERDE), Grupo Michelin, e Prefeitura de

Igrapiúna.

Na pesquisa de campo foram realizadas visitas no município de Igrapiúna para

conhecer a realidade do cultivo de seringueira em unidades de produção familiar no Povoado

da Baixa da Areia, e nos Assentamentos Mirante e Mata do Sossego; no total visitamos sete

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pequenas propriedades. Ocorreram visitas também na Cooperativa Ouro Verde, na usina de

beneficiamento de frutas (que se encontrava em construção) e na usina de beneficiamento do

látex da indústria Michelin. Nesta última, fizemos vários contatos anteriormente por e-mail

para a visita técnica, mas não obtivemos êxito; então somente conseguimos realizar a

entrevista com uma funcionária da Michelin, a qual foi responsável pelo antigo projeto do

Núcleo de Apoio da Agricultura Familiar (NAAF). Nesses locais visitados organizamos

entrevistas semiestruturadas, a fim de obtermos com mais detalhes o processo de expansão da

produção de borracha no município. Na Figura 02 é possível observar a espacialização das

áreas visitadas no município.

Figura 02: Espacialização das áreas visitadas durante a pesquisa de campo.

Esta Dissertação está estruturada em três capítulos, além desta Introdução e das

Considerações Finais. O primeiro capítulo: A produção capitalista do espaço e as

estratégias da expansão do capitalismo no espaço agrário, discutimos o processo de

produção e reprodução, entendendo-o como produto histórico do desenvolvimento das

relações sociais, de produção e trabalho. Assim buscamos compreender as contradições e os

conflitos escamoteados na relação espaço-tempo e os seus desdobramentos sobre o espaço

geográfico. Neste sentido, destacamos como as estratégias de expansão do capitalismo sobre o

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espaço agrário brasileiro foi reestruturando as relações sociais, de produção e da divisão

territorial do trabalho sobre o espaço. Assim, destacamos a modernização do espaço agrário

via Revolução Verde e os reflexos do processo de reprodução do capital nas relações de

trabalho para atender a inserção de uma base técnica na produção agrícola. Concluindo este

capítulo, analisamos o processo da mundialização do capital, sob o domínio do capital

financeiro, o qual tem imposto sua dinâmica sobre a agricultura mundial. Assim, são trazidas

novas formas de reestruturação do capital no campo, mediante a inserção do modelo do

agronegócio, a fim de garantir a acumulação em meio a extração de mais-valor.

O segundo capítulo: O movimento de expansão da produção da borracha natural

em escala mundial apresentamos o debate sobre o contexto da atividade da borracha em

escala mundial, nacional e local e como essa atividade estabeleceu uma divisão territorial do

trabalho e das trocas entre o campo e a cidade. Partimos de uma reflexão no contexto de

mundialização da agricultura e os seus rebatimentos na transformação de toda e qualquer

produção do campo em mercadoria, assim transformando-as em commodities regulamentadas

em bolsas de valores e controladas por monopólios e ou oligopólios mundiais. Diante desse

processo o capital cria novas formas de reorganização da produção na busca de extração de

mais lucro. Inserimos na discussão também os determinantes históricos da atividade

econômica da borracha em meados do século XIX e início do XX, período em que o Brasil

desfrutou do monopólio da borracha, com investimentos e controle da internacionalização do

capital sobre a região Amazônica. Destacamos nesse processo as crises da borracha brasileira

devido à inserção da produção dos seringais asiáticos que desbancaram sem dificuldade a

produção extrativista brasileira no mercado mundial. Nesse sentido, destacamos as

intervenções do Estado na recuperação da economia da borracha, bem como a expansão dessa

atividade para novas áreas do território brasileiro. Neste referente capítulo apresentamos

como ocorreu a inserção do estado da Bahia no cultivo da seringueira via expansão do capital

industrial sobre o espaço agrário, trazendo como recorte espacial o município de Igrapiúna e

os seus determinantes históricos de formação e reestruturação das relações espaciais.

No capítulo terceiro, intitulado: A monopolização do agronegócio da borracha no

município de Igrapiúna, mostramos como se dá o processo de expansão do capital no campo

por meio de relações capitalistas e não capitalistas de produção. Destacamos nesse contexto

como se configura a sujeição da renda da terra, principalmente no processo de monopolização

do território ao apresentarmos como referência a implantação da indústria de pneumáticos no

espaço agrário do município de Igrapiúna. Para isso, buscamos compreender porque a

indústria de pneumáticos, no primeiro momento, se organizou em um processo da inserção do

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e domínio do cultivo da seringueira e, a monopolização dos territórios camponeses. A

indústria Michelin, presente no município desde a década de 1980, representa concretamente

a expansão do capital no campo à procura de abastecer suas unidades industriais. Seja através

da mão de obra assalariada no primeiro momento ou então diante das crises estruturais do

capital, a indústria passa a subordinar a produção das unidades de produção familiar

camponesa, a fim de garantir a maximização dos lucros da indústria. Mostramos também

como a partir do desenvolvimento das políticas entre o setor privado e público a fronteira

agrícola da borracha foi se redesenhando e se expandindo para novas regiões do estado da

Bahia. Analisamos neste capítulo os dados sobre a organização da produção de seringueira no

município de Igrapiúna obtidos na SEAGRI e nas entrevistas de campo. Nesse processo de

expansão da cadeia produtiva da borracha, é estabelecido um processo de reestruturação

produtiva por meio dos consórcios em SAF, os quais necessitam de todo um pacote

tecnológico para implementação do sistema, que está presente em quase 100% das áreas

produtivas de borracha atualmente no estado da Bahia.

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CAPÍTULO 1

A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO E AS ESTRATÉGIAS DA EXPANSÃO

DO CAPITALISMO NO ESPAÇO AGRÁRIO

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CAPÍTULO 1: A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO E AS ESTRATÉGIAS DA

EXPANSÃO DO CAPITALISMO NO ESPAÇO AGRÁRIO

Analisar a produção do espaço geográfico é indispensável para que possamos

compreender os processos e os determinantes da constituição da realidade, assim como as

contradições e os conflitos no espaço-tempo. Compreendemos que o espaço geográfico é

produzido historicamente por meio das relações sociais e de produção.

O capitalismo necessita que sua expansão se realize em escala mundial como forma de

garantir a sua reprodução ampliada e continuada, assim como, manter a realização da

produção do espaço mundial. Deste modo é necessário levarmos em consideração a análise do

espaço, partindo de um contexto mundial e que “contemple a especialização das atividades

sociais como entendimento da produção do espaço no conjunto da reprodução da sociedade

capitalista mundial”. (Carlos, 2015, p.74).

1.1 Produção do espaço e suas (re) configurações no modo capitalista de produção

Como ponto de partida para as análises sociais, a ciência Geográfica nos coloca diante

da necessidade de pensar e investigar o espaço, sendo esse compreendido no âmbito da

epistemologia como o objeto central de estudo da Geografia. Como afirma Silva (2015) “não

há ciência sem objeto, e o espaço social2 é o objeto da Geografia; objeto entendido enquanto

movimento, processo”. Deste modo, é necessário que o espaço geográfico seja compreendido

em sua verdadeira essência, em suas contradições e conflitos que estão escamoteados no

processo da produção do espaço.

Consideramos a produção do espaço a partir da relação espaço-tempo. De acordo com

Carlos (2015, p. 13) o espaço e o tempo “aparecem na análise geográfica em sua

indissociabilidade, já que toda ação social se realiza num espaço determinado, num período de

tempo preciso”. Essa noção de tempo é compreendida como momento histórico produzido;

em consonância, as relações sociais estão interligadas nesse movimento, ou seja, cada modo

de produção implica diferentes formas e conteúdos de organização da sociedade, cujos

processos são inerentes a sua manutenção e ocorrem em interação com o espaço.

Compreendemos o espaço geográfico enquanto fruto do trabalho da sociedade,

entretanto esse espaço tem sido apropriado historicamente de maneira desigual e

2 Grifo nosso.

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contraditoriamente combinado, onde as relações sociais de produção se caracterizam pela

divisão social e territorial do trabalho. Segundo Conceição (2005), essa desigualdade

provocada de maneira perversa na sociedade tem causado concentração de riqueza, em

consequência tem se gerado a miséria produzida na relação capital – trabalho. Neste caso, a

relação ocorre mediante exploração da classe trabalhadora, sujeitos históricos que “vivenciam

a fome, a subnutrição, o cansaço da exploração, o descaso e a violência nos diversos lugares

do mundo”. (CONCEIÇÃO, 2013a, p.43), cuja finalidade é acumulação de lucro, ou seja, a

miséria é causada mediante a produção de riqueza.

Ao analisar o espaço geográfico, a partir do viés crítico, é necessário compreendê-lo

na sua essência, enquanto totalidade das relações que estão no processo de

reprodução/produção do espaço. “Nesta trajetória, a dimensão do espaço perpassa o vivido na

sua determinação histórica, o concebido e a realidade percebida, definida pela sua inserção

como classe social, e seu compromisso como grupo social”. (CONCEIÇÃO, 2005, p. 169).

As relações sociais na contemporaneidade são de suma importância para

apreendermos como estas estão/são estabelecidas na produção e nas atividades no espaço, no

qual as forças produtivas são desenvolvidas para atender a lógica da produção capitalista.

Desse modo, o espaço é produzido “pelas relações sociais subordinadas ao modo de produção

que sustenta a sociedade – sua infraestrutura econômica, a partir da qual se erguem as

superestruturas ideológicas, políticas, jurídicas, culturais, etc.”. (SILVA, 2015, p.19). Vale

destacar que no âmbito do modo de produção capitalista as relações sociais são instituídas de

maneira desigual e contraditória no processo da produção do espaço.

Na atual sociedade, sob o modo de produção capitalista o tempo “perde seus

conteúdos ao tornar-se velocidade ou, ainda, quantidade de horas de trabalho; enquanto o

espaço torna-se passagem, movimento das coisas, ou, ainda, capital fixo”. (CARLOS, 2015,

p.14).

Harvey (2005) aponta que Marx em suas análises sobre a circulação do capital

priorizou o fator tempo em relação ao espaço. Deste modo, Marx tentava compreender como

ocorria o controle do trabalho excedente e a transformação em lucro “do tempo de rotação

socialmente necessário”. (HARVEY, 2005, p.145).

Marx apontou a necessidade constante do capitalismo superar as barreiras espaciais e

“anular o espaço pelo tempo”, a partir da produção de configurações espaciais fixas e imóveis

como as redes de transportes e telecomunicações, as quais contribuem na redução de custo e

tempo na circulação, assim como no encurtamento das distâncias com os mercados.

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O espaço é uma barreira que constantemente necessita ser superada no capitalismo, no

entanto, Harvey (2005) aponta que nos deparamos com a seguinte contradição: “a organização

espacial é necessária para superar o espaço”. (Harvey, 2005, p. 145). Ou seja, organizar o

espaço tornou-se fundamental no modo de produção capitalista como forma de garantir e

manter a produção de mercadoria.

Harvey (2005, p.146) ressalta que “a história do capitalismo ficou marcada por

reduções dramáticas no custo ou tempo de movimento, além de melhorias na continuidade do

fluxo. As relações espaciais estão, desse modo, sujeitas à transformação contínua”. No

desenvolvimento do processo de produção ocorreram várias mudanças, dentre elas uma maior

flexibilidade no processo produtivo quanto à dependência das “habilidades localizadas”, a

exemplo da força de trabalho e matéria-prima. “Por meio do aumento da variedade de

possíveis substituições em determinado processo produtivo, os capitalistas podem cada vez

mais se livrar dos limites geográficos específicos”. (HARVEY, 2005, p.146).

Como destaca Carlos (2015),

No capitalismo, essa produção adquire contornos e conteúdos diferenciados dos momentos históricos anteriores, expande-se territorial e socialmente (no

sentido de que penetra em todos os lugares do mundo e em toda a sociedade)

incorporando as atividades do homem, redefinindo-se sob a lógica do

processo de valorização do capital. Nesse contexto, o próprio espaço assume a condição de mercadoria como todos os produtos dessa sociedade

(CARLOS, 2015, p.64).

Carlos (2015) afirma que para analisarmos o espaço devemos ter a compreensão que o

mesmo não é vindo de um vazio, do acaso ou que sua existência é puramente natural. Pelo

contrário, o espaço se constituiu a partir do momento que o homem domina a natureza através

do seu trabalho, desta maneira, “o espaço como produção emerge da história da relação do

homem com a natureza, processo no qual o homem se produz enquanto ser genérico numa

natureza apropriada e condição de nova produção”. (CARLOS, 2015, p.64).

Ao longo do processo histórico da humanidade a produção do espaço vai sendo

organizada, mediante os modos de produção. De acordo com Silva (2015), os modos de

produção são categorias máximas na análise de Karl Marx para periodizar a história da

humanidade. A autora compreende,

(...) que a história dos homens se prende à história de suas relações sociais, das relações de produção contraditórias, porque são executadas por homens

não do ponto de vista individual, mas pelo homem genérico, pela sociedade

de classes, que se negam e, ao mesmo tempo, confrontam-se no decorrer de

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sua existência, na busca da superação das suas contradições

momentaneamente (SILVA, 2015, p.17).

A produção do espaço, deriva das relações sociais, que transformam o espaço em

necessidades específicas de cada período histórico. Deste modo, o espaço apresenta-se

enquanto movimento dinâmico suscetível a mudanças. Nesse processo, o homem apresenta-se

enquanto sujeito transformador da natureza mediante a realização do trabalho. De acordo com

Carlos (2008),

[...] o homem coloca-se como criador do mundo e produto da sociedade; sua

vida individual é a vida genérica, que se produz na práxis humana compreendida como processo de transformação de si próprio. No cerne desse

processo está a relação com o mundo e consigo mesmo, a partir do trabalho,

como processo consciente, na medida em que é ele que transforma a

realidade objetiva (entendida como natural e social), na construção da própria realidade. (CARLOS, 2008, p. 21).

Diante do exposto, podemos apreender que o homem é sujeito fundamental na

produção/reprodução do espaço, a partir do trabalho como mediação da sua relação com a

natureza. Compreendemos o trabalho como processo cumulativo, que está atrelado ao

desenvolvimento das forças produtivas sociais de acordo com cada período histórico. Deste

modo, a cada processo produtivo em um determinado tempo terá espaços produzidos de

maneiras particulares e específicos, a fim de atender as necessidades de uma determinada

sociedade. Por meio da realização do trabalho, o homem produz e reproduz as condições

materiais necessárias como: alimentos, moradias, vestuários e instrumentos, garantindo-lhes

assim, a sobrevivência da espécie humana. Dessa forma, é importante compreendermos que

“[...] o trabalho é, assim uma condição de existência do homem, independente de todas as

formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e a

natureza e, portanto da vida humana”. (MARX, 2013, p. 120).

Como ressaltou Marx (2013), o trabalho está na essência do homem, permitindo-lhe o

intercâmbio com a natureza. Nesse processo, é construído o substrato de uma sociedade,

produzindo as modificações no âmbito social e no espaço. (LIMA, 2012). À medida que são

desenvolvidas as relações sociais e as atividades produtivas, o espaço geográfico também é

produzido, pois o mesmo é condição, meio e produto da atividade humana.

Como destaca Carlos (2015, p. 25) “[...] ao produzir sua vida (sua história, a realidade)

a sociedade produz concomitantemente, o espaço geográfico”. Assim, o espaço geográfico é

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condição de existência do homem, pois é no espaço que se produz e reproduz as condições

necessárias para a realização das relações sociais de trabalho e de produção.

Entendemos o espaço geográfico enquanto movimento e processo. O espaço

geográfico é produzido mediante as relações de produção vigentes, as quais determinam a

divisão social do trabalho, as forças produtivas e as atividades produtivas. Logo, essas

condições influenciam e determinam a relação do homem com a natureza. É esse movimento

histórico no processo de produção que nos permite analisar o espaço geográfico enquanto

produto real e concreto, constantemente mutável, temporário e funcional, determinado pelas

relações sociais. (CARLOS, 2008).

Ao ser produzido, mediante as relações de trabalho, o espaço geográfico está

fundamentado numa relação dialética entre o velho e o novo, como aponta (CARLOS, 2008),

sendo o primeiro conservado como sedimento do segundo.

[...] O novo modo de produção (a sociedade nova) se apropria, ou seja,

organiza para seus fins, o espaço preexistente, modelado anteriormente.

Modificações lentas penetram uma espacialidade já consolidada, mas às vezes a subvertem com brutalidade (LEFEBVRE, 2006, p. 13).

O espaço geográfico encontra-se em constante processo de transformação, ou seja, em

consonância com o desenvolvimento da própria sociedade. Deste modo, neste movimento

ininterrupto e de transformações do espaço, dois processos sobrepostos e articulados se

apresentam: produção e reprodução. Em relação à noção de produção Carlos (2015) destaca

como um processo específico e essencial para a humanidade, e que se apresenta como

intermediação desse processo a divisão social do trabalho numa relação espaço-tempo. Nesse

sentido, o processo de produção apresenta “características comuns em diferentes épocas

fundadas em relações reais que se desenvolvem no bojo de um movimento real e, em cada

momento dessa história, em suas particularidades”. (CARLOS, 2015, p. 28).

A reprodução é condição necessária na manutenção da espécie humana e da

materialização das relações sociais de trabalho e produção que se desenvolvem em diferentes

níveis. No entanto, a relação espaço-tempo permeia e assegura a totalidade do processo entre

produção/reprodução.

Neste sentido, o processo de reprodução do espaço está interligado às relações sociais

de trabalho e produção, as quais determinam o desenvolvimento das relações sociais.

(CARLOS, 2008, 2015). Deste modo,

[...] a perspectiva da reprodução coloca a possibilidade de compreensão do

geral. É evidente que só pode ser reproduzido o que, antes, foi produzido

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pelo trabalho humano; entretanto a reprodução, que se constrói a partir de

particularidades, pressupõe a totalidade (englobando processos de

circulação, distribuição, troca, consumo e seu movimento de retorno à produção de modo interligado e ampliado como um processo que se cria e se

reproduz). (CARLOS, 2008, p. 34).

Nesse movimento real e concreto o processo de produção está articulado ao processo

de reprodução, onde ambos não podem se separar independentemente do período histórico.

Essa articulação surge como demanda, seja de um período determinado ou para atender as

necessidades básicas do ser humano. Desta maneira, estabelecem processos combinados que

se desenvolvem em diferentes escalas. (SANTOS, 2015).

O espaço geográfico é produzido historicamente por meio do desenvolvimento das

relações sociais e de produção. E é reproduzido no cotidiano a partir de um espaço-tempo

determinado, regulado por um modo de produção vigente e por sua intrínseca divisão social

do trabalho, que se encontra no processo de materialização das relações na sociedade. Dessa

forma,

Na medida em que a sociedade produz e reproduz sua existência de um

modo determinado, este modo imprimirá características históricas

específicas a esta sociedade e consequentemente influenciará e direcionará o processo de produção espacial (CARLOS, 2008, p. 33).

Portanto:

O espaço geográfico aparece como movimento historicamente determinado da produção social. Assim, cada transformação ocorrida ao longo do

processo civilizatório implicará espaços diferenciados, com conteúdos

diversos. Nesse sentido, o espaço geográfico é um produto de relações concretas que o homem cria na sociedade e através dela, ao longo de seu

processo de hominização; processo este que se cria como atividade prática

dos homens (em suas relações materiais) que reproduz o processo de

desenvolvimento da humanidade (CARLOS, 2008, p. 35).

O espaço deve ser compreendido como produto das relações de trabalho, num

momento histórico determinado. E na medida em que essas relações são transformadas, o

espaço sofre alterações, e é produzido, a fim de atender às necessidades imediatas do período

histórico. Por isso, é necessário refletir sobre o processo de produção espacial da sociedade

contemporânea perante o modo de produção capitalista. Segundo Carlos (2008) o capital se

define como uma relação social baseada nas lutas e contradições de classe, na qual estão

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inseridos os donos dos meios de produção (os capitalistas) e os que dispõem da sua força de

trabalho (classe trabalhadora).

Conforme Marx (2013, p. 245) o capital só passa a existir “quando o possuidor de

meios de produção3 e de subsistência encontra no mercado o trabalhador livre como vendedor

de sua força de trabalho4, e essa condição histórica compreende toda uma história mundial”.

O capital enquanto relação social passa a se apropriar da força de trabalho, transformada em

mercadoria, ou seja, o trabalhador vende a sua força de trabalho que contém valor5, sendo

esse pago mediante a forma salário6, ou seja, as relações de trabalho estão pautadas em um

trabalho assalariado.

O trabalho é essencialmente humano, visto que o homem para garantir sua

sobrevivência, enquanto espécie e ser social, utiliza-se do trabalho para produzir os bens

materiais necessários para a sua reprodução. Ou seja, o homem passa a assumir o real papel

de sua existência mediante a relação dialética do homem com a natureza. Entretanto, “o

processo de trabalho capitalista fundamentado na contradição capital-trabalho oculta uma

relação de dominação de quem não produz sobre quem produz diretamente” (CARLOS, 2008,

p. 37).

No modo de produção capitalista, a unidade espaço-sociedade traz implícita a

desigualdade que se realiza e se reproduz mediante a divisão do trabalho. Essa desigualdade a

qual estamos apontando aqui tem seus alicerces sustentados pelas relações de dominação e

subordinação, presentes no capitalismo, o qual se fundamenta no processo de acumulação e

centralização do capital, do poder (concentrado nas mãos de poucos) e na existência da

propriedade privada que reorienta e organiza o uso do lugar, produzindo novas contradições

(CARLOS, 2008; SANTOS, 2015).

Como aponta Marx (2013),

O processo capitalista de produção, considerado em seu conjunto ou como

processo de reprodução, produz não apenas mercadorias, não apenas mais-valor, mas produz e reproduz a própria relação capitalista: de um lado, o

capitalista, do outro, o trabalhador assalariado (MARX, 2013, p. 653).

3 Grifo nosso. 4 Grifo nosso. 5 De acordo com Marx (2013) “o valor da força de trabalho, como o de todas as outras mercadorias, é

determinado pelo tempo de trabalho necessário para a produção – e consequentemente, também para a

reprodução – desse artigo específico” (p.245). 6 De acordo com Marx (2013) “Na superfície da sociedade burguesa, o salário do trabalhador aparece como

preço do trabalho, como determinada quantidade de dinheiro paga por determinada quantidade de trabalho” (p.

605).

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Nessa perspectiva, o entendimento desse processo pressupõe o entendimento da

ligação que se estabelece entre as alterações ocorridas nas relações de trabalho e de produção

do espaço que é produto do trabalho da sociedade, em determinado período histórico.

O espaço é condição tanto da reprodução do capital quanto da vida humana,

de outro ele é produto e nesse sentido é trabalho materializado. Ao produzir

suas condições de vida, a partir das relações capital-trabalho, a sociedade como um todo (na cotidianidade de seu processo de trabalho) produz o

espaço geográfico e com ele um modo de vida, de pensar e de sentir

(CARLOS, 2008, p. 24).

Em meio ao avanço do processo capitalista de produção, o homem, sujeito social, só

tem sentido para o capital enquanto força de trabalho, ou seja, este sujeito é explorado ao

máximo nas suas condições de trabalho e no seu cotidiano para garantir a continuidade do

processo de produção e reprodução do capital. Deste modo, a sociedade capitalista se

desenvolve mediante as profundas alterações nas relações sociais de trabalho, que envolvem

contradições e conflitos.

1.2. As estratégias de expansão do capitalismo no espaço agrário

O desenvolvimento capitalista no espaço agrário brasileiro suscitou grandes

transformações sociais e espaciais ao longo de seu processo de expansão, controle e

dominação do território, desde o período colonial com o capitalismo mercantil, até o período

contemporâneo, cuja esfera financeira passou a exercer domínio sobre a economia mundial.

Nesse contexto, surge uma questão agrária7 para ser debatida, a fim de compreendermos os

reais problemas que estão presentes no campo com o processo de desenvolvimento e

expansão do capitalismo.

A difusão do capital financeiro na agricultura brasileira ocorreu a partir do processo de

modernização técnica, ou seja, alterou-se a base técnica da produção agrícola a partir da

inserção e difusão do pacote tecnológico da “Revolução Verde”, durante o período da ditadura

militar, principalmente, a partir da década de 1970.

7 A questão agrária é entendida aqui, como um conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que

procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e na utilização das terras na sociedade brasileira

(STEDILE, 2005, p. 18).

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As transformações ocorridas na política agrária brasileira asseguraram a expansão do

capital financeiro e a subordinação da produção do campo ao mercado externo8. Segundo

Delgado (2012), o período de modernização é marcado pela integração técnica da indústria

com a agricultura.

A integração técnica entre indústria e agricultura estabelece o processo de

industrialização no país.

O meio século de industrialização e urbanização acelerada pelo qual passou

a economia brasileira desde 1930 forjou condições para a transformação técnico – econômica da agricultura. Este fato ocorreu principalmente no

período de 1965 a 1980, caracterizado como auge da “modernização

conservadora”. O papel diretor da política econômica e social do governo federal nesse processo foi crucial, e indissociável de outros processos

coetâneos: centralização política do Estado, construção do mercado interno,

industrialização substitutiva de importações, etc. (DELGADO, 2012, p. 19).

O espaço agrário brasileiro foi (re) configurando-se no espaço-tempo, a fim de garantir

a expansão e a reprodução ampliada do capital. Para isso tomamos como ponto de partida a

Revolução Verde e os seus desdobramentos na modernização técnica/científica no campo,

com a integração da agricultura – indústria (os complexos agroindustriais) via políticas de

subsídios, assistência técnica e de crédito.

Durante a década de 1950 ocorreu de forma mais intensiva o processo de

modernização da agricultura. Esse processo traz em seu bojo o pacote tecnológico da

“Revolução Verde” o qual provocou uma (re) estruturação produtiva no espaço agrário nos

âmbitos técnico, social, econômico e político. O discurso construído para a implantação da

“Revolução Verde” esteve calcado no aumento da produtividade de alimentos, com a

finalidade de combater a fome, que assolava o mundo, principalmente nos países periféricos.

Nesse sentido, o aumento da produção ocorreu por meio do uso de máquinas agrícolas,

fertilizantes químicos e agrotóxicos.

É importante ressaltar que a referida revolução “não é apenas um avanço técnico para

aumentar a produtividade, mas também existe uma intencionalidade inserida dentro de uma

estrutura e de um processo histórico” (ANDRADE; GANIMI, 2007, p. 45). À vista disso, o

modelo de modernização agrícola esteve/está pautado na dominação e ampliação do capital

sobre o espaço agrário, garantindo assim o seu ciclo reprodutivo.

8 A concepção conservadora teve forte influência na construção do espaço agrário brasileiro, destacando o

período militar, cujo debate sobre o campo estava pautado exclusivamente no desenvolvimento econômico

(DELGADO, 2005).

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Embora o marco da “Revolução Verde” seja a década de 1950, a sua constituição

inicia-se ao final da Segunda Guerra Mundial, devido aos avanços e conhecimentos

tecnológicos desenvolvidos na época; nesse período instituições privadas começaram a

investir em técnicas na área de biotecnologia para o melhoramento genético de sementes, a

exemplo do trigo9, milho e o arroz, sementes essas que compõem a base alimentar da

população mundial. (ANDRADE; GANIMI, 2007, p. 45).

Com o fim da II guerra toda a tecnologia desenvolvida pela indústria química e

mecânica, abastecedoras da indústria bélica estava ociosa, além de possuírem grandes sobras

de material de guerra, os quais foram direcionados para a agricultura, por meio da produção

de herbicida, fungicida, inseticida e fertilizantes químicos, como também a inserção da

mecanização do campo com: tratores, colheitadeiras, sistema de irrigação e etc. Então, toda

essa inovação tecnológica promovida pela “Revolução Verde” gerou a base técnica que

reestruturou o processo produtivo do campo.

O movimento de expansão da “Revolução Verde” em escala mundial ocorre a partir de

fundações e instituições que sistematizaram todo o processo (Fundação Ford; Fundação

Rockefeller e o Banco Mundial), principalmente, para os países periféricos. Durante a década

de 1960, as fundações Ford, Rockefeller e a Agência dos Estados Unidos para o

desenvolvimento Internacional (USAID) patrocinaram a criação de centros de pesquisas

agrícola em diversos países10

, com a finalidade do aumento da produtividade e na redução da

pobreza. Sendo assim,

A agricultura tornou-se o terreno operacional em que o Banco mais

explicitamente explorava as ligações entre o aumento da produtividade e a

redução da pobreza, embora o pêndulo se inclinasse à primeira e nenhuma ação tenha sido tomada efetivamente em prol da reforma agrária.

(PEREIRA, 2009, p. 109).

A difusão do pacote tecnológico adaptou terras inicialmente com características

impróprias ao desenvolvimento de cultivos agrícolas, assim esse processo permitiu o avanço e

domínio do capital, de forma avassaladora, sob a agricultura em qualquer parte do mundo.

Como afirma Pereira:

9 Com o apoio da fundação Rockefeller, experimentos realizados em 1943 no estado mexicano de Sonora

desenvolveram sementes híbridas de trigo cuja alta produtividade dependia de condições ótimas de irrigação e do

uso intensivo de pesticidas, fertilizantes químicos e máquinas agrícolas produzidos por agroindústrias norte-

americanas e europeias. (PEREIRA, 2009, p. 109). 10 Instituto Internacional sobre o arroz (IRRI) nas Filipinas (1960); Centro Internacional de Melhoramento de

milho e trigo (CIMMYT) no México (1966); Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA) na Nigéria

(1967); Centro Latino – Americano para agricultura tropical (CIAT) na Colômbia (1967). (PEREIRA, 2009).

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No início da década de sessenta, grandes empresas de fertilizantes

começaram a pressionar a USAID e organismos internacionais como o

Banco Mundial para que financiassem a difusão do pacote tecnológico da

Revolução Verde em todos os países da periferia. (PEREIRA, 2009, p.106,

grifo nosso).

Nessa perspectiva, as transações das políticas de financiamento do Banco Mundial

foram aos países da África, América Latina e o Caribe. De acordo com Pereira (2009) as

transações de financiamento representaram o “assalto a pobreza”, pois o objetivo real dos

empréstimos realizados pelo Banco sempre esteve em garantir a manutenção da circulação do

dinheiro a qualquer custo, e não na melhoria das condições sociais da população dos países

periféricos.

Os investimentos realizados na difusão do pacote tecnológico da “Revolução Verde”

sobre a agricultura em escala mundial garantiram o processo de reprodução ampliada do

capital, assim como as contradições inerentes a esse processo. Nessa perspectiva, Paulino e

Almeida (2010) apontam que:

Desde então, as políticas de financiamento de “desenvolvimento” mundial

empreendidas pelos organismos multilaterais, sobretudo as do Banco

Mundial e do Fundo Monetário Internacional, foram condicionadas ao cumprimento de uma agenda de crescimento econômico nos países

periféricos, cuja moeda de troca deveria ser a privatização e o fortalecimento

das regras de proteção à propriedade privada inclusive a intelectual,

instituindo o mercado pelo qual estavam ávidas grandes empresas norte-americanas, européias e Japonesas. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 79 e

80).

No Brasil, a modernização da agricultura só ganha fôlego no início da década de 1970,

porque as décadas de 1950 e 1960 são de intensa instabilidade política, no campo,

especificamente. É o período das Ligas Camponesas11

, com várias disputas territoriais, nesse

sentido, o capital não tinha no espaço agrário brasileiro uma estabilidade que abonasse sua

reestruturação. Essa estabilidade só foi adquirida com o golpe militar de 1964, uma vez que se

iniciou um processo de intensa repressão e criação de uma falsa harmonia social que

propiciou a inserção do pacote tecnológico da modernização no espaço agrário brasileiro com

maior intensidade. Vale ressaltar que já existiam experiências embrionárias nas décadas

anteriores, como o exemplo dos polos de agricultura irrigada e com a fronteira agrícola da

soja.

11 [...] “A partir dos anos de 1940 as lutas ganham uma dimensão política com a participação de outros sujeitos,

principalmente do Partido Comunista em várias lutas camponesas nos anos de 1950 e parte de 1960. [...] As ligas

camponesas são um marco dos movimentos sociais na história contemporânea do campesinato no Brasil, na

década de 1950”. (SANTOS, 2008, p. 77 e 78).

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De acordo com Silva (2014, p.59), “era necessário transformar o campo para atender a

demanda de produção do comércio exterior, aumentar a produtividade sem alterar a estrutura

fundiária por meio da integração técnica entre indústria e agricultura”. Diante deste modelo de

produção é inserida uma reestruturação produtiva no campo brasileiro, mediada pelas

políticas de crédito do Estado capitaneadas pela ação hegemônica do Banco Mundial.

A expansão geográfica da “Revolução Verde” tem como característica um

desenvolvimento desigual no tempo e espaço. E no Brasil esse processo dialogou diretamente

com o período histórico de efervescência da reestruturação do capital produtivo e financeiro,

os quais se integraram em escala mundial.

1.3. A Modernização no campo: a materialização da expansão do capitalismo

Na leitura de Silva (2014, p. 55) “A mudança na base técnica da agricultura diminuiu a

dependência do ciclo natural da terra e da força de trabalho”. O discurso construído é que o

modelo da modernização representava sinônimo de “modernidade”, baseado na difusão de

insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos), e na mecanização (tratores, colheitadeiras,

equipamentos de irrigação e etc.).

De acordo com Lima (2015) a Revolução Verde operou na antessala, como um

processo de valorização especulativa do capital. Isto é, permitiu sobremodo que o capital

desfilasse seus tentáculos sobre o campo. É o início, portanto, da difusão do capital financeiro

na agricultura.

O processo de modernização do campo brasileiro foi sinônimo de concentração de

terras, expropriação/subordinação dos camponeses, destruição dos recursos naturais e difusão

do capital financeiro.

[...] Através da mesma, o capital financeiro – por meio do capital portador de juros – ofereceu várias modalidades de crédito para o aumento da

produtividade e para a melhoria das técnicas do cultivo e pesquisas de

sementes (o processo de hibridização genética). Nessa época, a liquidez do

crédito oferecido era majoritariamente advinda do Estado e de instituições multilaterais, e os tomadores do mesmo eram insuflados pela ideologia de

que a soberania alimentar somente poderia ser assegurada com a elevação da

produtividade/área (LIMA, 2015, p.231).

Diante do modelo de modernização na agricultura, Delgado (2012) apresenta a

ampliação do pacote tecnológico da Revolução Verde no campo brasileiro nos anos de 1960 a

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1980 (e os anos de 1985 a 2006, inserido posteriormente); com o aumento da frota de tratores

e do consumo de insumos e fertilizantes NPK (nitrogênio [N], fósforo [P] e potássio [K]).

É importante ressaltar que o aumento no consumo de produtos industriais pela

agricultura brasileira teve seu ápice na década de 1970, “[...] com a triplicação das frotas de

tratores, a par de um movimento paralelo e integrado de implantação no país do subsetor

industrial produtor de insumos e bens de capital para a agricultura”. (DELGADO, 2012, p.

16). Observa-se então a Tabela 01.

Tabela 01 – Produção e consumo de NPK e frota de tratores na agricultura brasileira (1960 –

2006)12

.

Ano Consumo de NPK

(mil toneladas de Nutrientes)

Tratores existentes nos

estabelecimentos rurais (unid.)

1960 198,4 61.345

1967 444,9 n.d

1970 999,0 165.870

1975 1.980,0 323.113

1980 4.066,1 545.205

1985 3.127,3 665.280

1995-1996 4.563,6 803.742

2006 9.056,0 820.673 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1970/2006.; Associação nacional para difusão de adubos (ANDA); Brasil.ipni.net

Elaborada: Karla Christiane Ribeiro Tanan (2017)

Adaptada de Delgado (2012, p. 17)

A partir dos dados apresentados acima, percebe-se como se desenvolveu a expansão da

modernização no espaço agrário ainda no período da ditadura militar (1964-1985) e,

posteriormente, na década de 1990. Observamos diante desses dados, um aumento acelerado

de insumos, fertilizantes e tratores num curto espaço de tempo. Entre os anos de 1960 e 1985,

o consumo de NPK cresce mais de 1000%. E na frota de tratores a ampliação também foi

de1000% relativa aos anos de 1960 a 1985.

É curioso observar ainda na Tabela 01, que nas décadas seguintes (1995-1996; 2006)13

o consumo de NPK e de tratores continuou em ritmo crescente. Logo, esse processo contínuo

no aumento de insumos e maquinários evidencia a expansão e penetração das relações de

produção capitalistas na estrutura agrária. Como afirma Delgado (2005, p.60) “O processo de

modernização não só preservou, mas aprofundou a heterogeneidade da agricultura brasileira,

tanto no uso variado de tecnologia como das relações de trabalho predominantes”.

12 Os dados dos anos 1960, 1967, 1970, 1975 foram organizados por Delgado (2012), já os dados do Censo

agropecuário de 1986; 1995-1996 e 2006 foram inseridos posteriormente por Tanan (2017). 13 Períodos do Censo agropecuário do IBGE.

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No âmbito regional, o modelo de modernização concentrou-se nas regiões Sul e

Sudeste e nas áreas de expansão da fronteira agrícola (o Centro-oeste), enquanto que o norte e

o nordeste exerceram o papel de reserva da força de trabalho (altos índices de mobilidade do

trabalho para atender a dinâmica urbano-industrial), e exploração das florestas nativas e áreas

de potencial para especulação.

Conceição (2013b) afirma que o modelo de modernização da agricultura aprofundou a

desigualdade econômica e social no espaço agrário, visto que esse paradigma fortaleceu a

supremacia das oligarquias agrárias e a manutenção e concentração da terra, reforçando

assim, “[...] a perda da condição camponesa, na medida em que acentuou o monopólio da

produção subordinando o trabalho e a terra com o objetivo do lucro” (CONCEIÇÃO, 2013b,

p. 94).

O desenvolvimento da modernização técnica no campo conservou na sua morfologia

as velhas estruturas tradicionais, ou seja, não houve alteração profunda das estruturas sociais

pretéritas. Guilherme Delgado apresenta uma leitura sobre a política de desenvolvimento

agrícola no período do regime militar, a qual denominou de “modernização conservadora” de

um pacto agrário tecnicamente modernizante e socialmente conservador. (DELGADO, 2005).

A construção teórica e política a respeito da questão agrária no Brasil ocorreu de

maneira mais sistematizada nos anos de 1960, período que antecede o regime militar. Ao

entorno deste debate agrário, quatro teses são apresentadas na reflexão da reforma agrária

para o país: a tese da CEPAL14

; a tese do PCB15

; a tese do setor reformista da igreja16

e dos

economistas conservadores17

.

Os economistas conservadores negavam a existência de uma questão agrária, ao

considerar a estrutura fundiária e as relações de trabalho presentes no campo como um

problema simplesmente econômico, e que não comprometeria a agricultura na continuidade

de suas funções, como: i) liberar mão-de-obra para a indústria; ii) gerar oferta adequada de

alimentos; iii) suprir matérias-primas para indústrias; iv) elevar as exportações agrícolas; e v)

transferir renda real para o setor urbano. (DELGADO, 2005).

14 No Brasil a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribé (CEPAL), trouxe suas contribuições a

partir de Celso Furtado. A tese cepalina destaca o caráter inelástico da oferta de alimentos para atender a demanda urbana e industrial. 15Partido Comunista Brasileiro (PCB) compõe na década de 1960, os principais intelectuais agrários, que vão

tecer suas teses sobre o espaço agrário brasileiro, são eles: Caio Prado Jr.; Ignácio Rangel e Alberto Passos

Guimarães. 16O setor reformista da Igreja terá importante papel na formação dos sindicatos rurais, ao mesmo tempo exercerá

forte influência na conceituação do direito da propriedade fundiária, legitimado em sua doutrina social pelo

princípio da função social (Delgado, 2005). 17 Faziam parte: um grupo de economistas da Universidade de São Paulo (USP) liderado pelo professor Delfim

Neto, que no período da ditadura militar foi Ministro da fazenda. (DELGADO, 2005).

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Desse modo, a tese defendida pelo então grupo conservador era de uma modernização

sem reforma, esta proposta também será o caminho escolhido pelo golpe militar de 1964. E,

paulatinamente, cortar-se-á o debate sobre a reforma do espaço agrário.

[...] o debate político é cortado, e lentamente o pensamento conservador vai

impondo o debate exclusivo em torno das questões relativas a oferta e

demanda de produtos agrícolas, seus efeitos sobre os preços, o emprego e o comércio exterior, omitindo as questões sobre a estrutura fundiária e as suas

consequências para o país. (DELGADO, 2005, p. 56).

A política agrária do período da “modernização conservadora” abre espaço para o

desenvolvimento nacional, através dos investimentos na industrialização e modernização da

agricultura no Brasil, no discurso do aumento da oferta de emprego, combate à fome, redução

da pobreza e etc.

Tal modernização é decorrente de uma aliança entre o capital industrial e as

oligarquias agrárias, ambas têm uma tendência complementar: por um lado, o capital

industrial disponibiliza as ferramentas necessárias para a tecnificação do processo produtivo

agrícola, por outro, as oligarquias do campo garantem a expansão da produção agrícola.

Portanto, “a agricultura tornou-se um importante mercado para os produtos industriais e

fornecedor de matérias-primas para as indústrias”. (FABRINI; ROSS, 2014, p. 12).

Na década de 1970 são formados os Complexos Agroindustriais – CAI18

, que tinham

como finalidade integrar a agricultura – indústria no contexto de modernização do campo

brasileiro, ou seja, o movimento de expansão da fronteira agrícola. Além desse intuito, o CAI

“engloba a articulação com o setor financeiro, com segmentos comerciais e o Estado”.

(CAMPOS, 2011, p.103). No entanto, os complexos agroindustriais não se organizaram de

maneira homogênea no espaço agrário, mas estabeleceram uma organização de especialização

das atividades agrícolas, provocando assim, uma divisão territorial do trabalho.

De acordo com Conceição (2013b),

A associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade

fundiária realiza a estratégia econômica do capital financeiro com o objetivo acumulativo do lucro e da renda da terra, associação possibilitada pelo

Estado ao assumir políticas estratégicas estruturadas em programas de

investimentos em infraestrutura territorial. (CONCEIÇÃO, 2013b, p. 87).

18 O termo complexo agroindustrial (CAI) é uma tradução do conceito de agribusiness, cunhado pela primeira

vez por Davis e Goldberg em 1957 nos Estados Unidos.O CAI teve grande repercussão nas discussões

acadêmicas a partir dos trabalhos de Pinnaza e Mueller. Ao final da década de 1990, no Brasil esse termo passou

a ser substituído pelo termo agronegócio. (MARCOS, 2008).

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Os complexos agroindustriais são uma das características do modelo de integração

técnica da indústria com a agricultura, repercutindo na subordinação da produção agrícola aos

ditames dos monopólios industriais e, consequentemente, alterando as relações sociais e de

trabalho da unidade de produção familiar.

Esse paradigma é marcado pela forte presença do Estado na articulação entre

os agentes envolvidos nos circuitos produtivos modernos, gerando uma

maior aproximação e interdependência entre agricultura e indústria, com extensos subsídios a algumas categorias de produtores, incentivos fiscais,

promoção da ocupação de novas fronteiras agrícolas e crédito. (CASTILHO,

2007, p. 35).

Nesse contexto histórico ocorreu forte presença do Estado no desenvolvimento de

políticas de fomento aos grandes produtores e investidores no campo, concedendo-lhes:

subsídios fiscais, mediante a isenção de tributos, crédito e a concessão de patrimônios

fundiários, que inclui terras indígenas, camponesas e terras públicas.

A integração técnica está vinculada à oferta de subsídios, através do Sistema Nacional

de Crédito Rural (SNCR)19

no ano de 1967, período também de reorientação das políticas

agrícolas dos Institutos por produtos20

(IAA, IBC, Ctrin-Dtrig, Ceplac etc.).

O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) ofertou volumosos subsídios aos

grandes proprietários e investidores do campo brasileiro, (SILVA, 2014). De acordo com

Delgado (2005) nesse período, a política agrícola baseava-se nos riscos de produção e de

preços e o incentivo a aquisição do pacote tecnológico da “Revolução Verde” (sinônimo de

modernidade) era proveniente da inserção e aprofundamento das relações de crédito na

produção agrícola, através das políticas públicas de subsídios, incentivos fiscais e de incentivo

a produção agrícola comercial.

A expansão do crédito rural e agroindustrial dos anos de 1970 propiciou

condições para a articulação das relações técnicas agricultura – indústria num patamar de alta densidade [...] O sistema nacional de crédito Rural

cumpriu sua função original de cimentar relações técnicas agricultura-

indústria, tanto o montante quanto a jusante. (DELGADO, 2012, p. 16 e 40).

19Criado por Delfim Neto a partir de recursos da Caderneta de Poupança e do FGTS (Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço), o Sistema Nacional de Crédito Rural é um marco para a inserção do capital financeiro no

campo. (SILVA, 2014, p. 61). 20Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), criado no início dos anos 1930; Instituto Brasileiro do Café (IBC),

criado em 1952; Comissão do Trigo Nacional do Banco do Brasil e Departamento do Trigo (Ctrin-Dtrig) – da

Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), responsáveis pela política do monopólio da

comercialização do trigo até 1990; e a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), criada em

1957.

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Lima (2015) afirma que o capital financeiro já lançava sobre o campo diversas

modalidades de crédito, através dos Estados nacionais, bancos públicos e instituições

internacionais, a exemplo do FMI e do Banco Mundial, desse modo, o capital financeiro já se

encontrava cristalizado nas modalidades das políticas creditícias, no entanto, “não possuía a

capacidade de imprimir uma dinâmica de valorização fictícia do capital como modelo

hegemônico na/da agricultura capitalista”. (LIMA, 2015, p. 232). Esse capital financeiro no

período contemporâneo já constitui autonomia para controlar e comandar a dinâmica da

produção agrícola.

Tais fatores apresentados acima sobre o período de modernização no campo retratam

um longo ciclo de crescimento da agricultura brasileira – 1965 a 1981 – sem mudanças na

estrutura agrária. O ano de 1982 é marcado pelo colapso desse crescimento e estagnação

econômica interna, uma dura crise recessiva com a reversão dos fluxos de financiamento

externo, após moratória mexicana. Nesse contexto, o governo brasileiro adotou medidas

conjunturais de ajustamento econômico, através da geração de saldos econômicos ancorados

no setor primário que exercerá um papel macroeconômico relevante.

De acordo com Delgado,

A partir do início da década de 1980 a economia brasileira se defrontará com

um longo período de relativa estagnação econômica interna, em grande

medida imposta pelas condições do ajustamento à crise do endividamento externo. Neste contexto o papel da agricultura é crucial para a gestão das

várias conjunturas macroeconômicas do período. A maneira como o

establishment econômico promoverá a gestão da crise da dependência externa a partir da reversão do ciclo econômico de crescimento em 1982

requer uma participação expressiva do setor agrícola e das cadeias

agroindustriais conexas na geração de saldos de comércio exterior. Estes

passam a ser essenciais para suprir as necessidades de financiamento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. (DELGADO, 2005, p.

62).

O período de recessão econômica no Brasil provocou diversas intervenções sobre a

política agrária brasileira21

, na tentativa de ajustar a dívida externa. Desse modo, a estratégia

integrada de expansão dos complexos agroindustriais, mercados de terras e sistemas de

créditos - alicerce da construção do modelo de capital financeiro na agricultura é interrompido

devido à estagnação econômica interna. (DELGADO, 2005). Esse esgotamento econômico no

21

[...] o da economia internacional influenciando a economia política da questão agrária – três fases bem

demarcadas analisadas em sequência: i) 1983- 1993, primeira tentativa de resposta à crise do endividamento com

recurso aos saldos comerciais oriundos do setor primário; ii) 1994-1999, folga na liquidez internacional,

liberalização externa e novo endividamento; e iii) 2000- 2003, relançamento da estratégia do saldo comercial

externo a qualquer custo. (DELGADO, 2005, p. 63).

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início da década de 1980, somado ao fim da ditadura militar (1985) representou uma nova

configuração da ordem econômica e política em transformação.

Conforme Conceição (2013b) a década de 1990 é marcada pelo desenvolvimento da

financeirização na economia, e o Estado assumiu o papel de gerir e promover as políticas

públicas no campo, viabilizando assim, novas feições na expansão do capitalismo no campo a

partir do modelo do agronegócio. Nessa perspectiva, Campos (2011) aponta que o

agronegócio representa a face neoliberal de expansão do capitalismo no espaço agrário, assim,

[...] o Estado reduz drasticamente seu papel social e econômico, no sentido

de investidor direto, inclusive nas atividades agropecuárias, o que propicia o aumento da participação de conglomerados estrangeiros em vários setores do

agronegócio, a intensificação dos processos concentração e centralização de

capital nos complexos agroindustriais e uma grande expansão espacial das

atividades vinculadas ao setor em vários estados do país, engendrando múltiplos impactos socioespaciais. (CAMPOS, 2011, p. 106).

A primeira década do século XXI é marcada pela reestruturação de grandes

empreendimentos agroindustriais sustentados na grande propriedade fundiária, cujo objetivo

estava voltado para o aumento das exportações e na geração de saldos comerciais. Esse

processo constituiu-se por um conjunto de iniciativas que convergiram em:

i) um programa prioritário de investimento em infraestrutura territorial com “eixos de

desenvolvimento”, visando à criação de economias externas que incorporassem novos

territórios, meios de transporte e corredores comerciais ao agronegócio;

ii) um explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária,

manifesto pela reorganização da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),

a operar em perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio;

iii) uma regulação frouxa do mercado de terras de sorte a deixar fora do controle

público as “terras devolutas”, mais aquelas que declaradamente não cumprem a função

social, além de boa parte das autodeclaradas produtivas;

iv) a mudança na política cambial, que ao eliminar a sobrevalorização tornaria o

agronegócio (associação do grande capital com a grande propriedade fundiária, sob

mediação estatal) competitivo junto ao comércio internacional e funcional para a estratégia

do “ajustamento constrangido”. (DELGADO, 2005, p.67).

O Estado foi incorporando um conjunto de medidas para manter pujante o agronegócio

sobre a economia brasileira, tornando-o assim, cada vez mais fortalecido por meio da aliança

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entre o capital agrário e o Estado. De acordo com Cleps Júnior (2010, p.47) “o agronegócio é

uma instituição enraizada na história econômico-social e na estrutura de poder político do

País”.

Dessa forma, o Estado em sua essência é funcional aos interesses do capital, na

medida em que a garantia da soberania e segurança alimentar das nações não mais lhe são

asseguradas. Pois, nessa nova etapa de desenvolvimento capitalista, o capital financeiro

controla a agricultura, buscando garantir a valorização do capital especialmente a valorização

especulativa.

A ordem é especular, obter lucros extraordinários por meio de valorização

fictícia de preços dos alimentos. Estes já não são mais alimentos destinados a

assegurar a reprodução mais barata da força de trabalho. Em verdade, se tornaram commodities, ou seja, objetos com índices de preços fixados em

escala mundial, junto às Bolsas de valores, que se destinam a servir de

veículos de especulação e ganhos fictícios. (LIMA, 2015, p. 236).

O que se pode concluir é que o modelo de modernização técnica desenvolvido na

política agrária brasileira no período do regime militar (1964-1985) já apresentava na sua

estrutura as formas que garantiriam a expansão e consolidação das relações de produção

capitalista sobre o espaço agrário. E, essas relações estão pautadas, atualmente, sob o domínio

do capital financeiro, o qual encontra no Estado a possibilidade de viabilizar os seus interesses

para garantir o processo de acumulação.

Percebe-se a subordinação da agricultura brasileira ao capital internacional e uma

materialização do moderno e conservador no campo, que se fundem através: da crescente

expropriação de camponeses; concentração da terra; crescente mobilidade do trabalho;

produção em commodities; aumento do uso de agrotóxicos e sementes transgênicas; formação

de estruturas oligopolizadas que controlam a produção e etc. E no discurso do

desenvolvimento, os direitos sociais dos sujeitos do campo vão sendo paulatinamente

retirados, aumentando assim cada vez mais o risco da soberania e segurança alimentar das

nações.

1.4. O processo de mundialização e as reestruturações na expansão do capitalismo

O processo de mundialização do capital se estabelece para a reorganização e garantia

da acumulação e reprodução do capital, mediante a reestruturação da produção em escala

mundial sob o domínio do capital financeiro. Nesse sentido, a riqueza social produzida pelo

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trabalho humano passa a ser controlada pelo capital financeiro, determinando assim “a

repartição e a destinação social da riqueza”. (CHESNAIS, 1996, p. 15).

François Chesnais procura mostrar a partir do conceito de mundialização, os

elementos que integram o tempo – histórico do capitalismo nos anos de 1980. Período de

reestruturação do capital produtivo e financeiro, os quais alcançaram rentabilidade e lucros no

processo de flexibilização e desconcentração do processo produtivo em escala mundial. Tal

expansão desenvolveu-se também a partir das novas condições trazidas pelo avanço científico

e das técnicas, reorganizando assim o papel da reprodução dos espaços para garantir a

acumulação do capital.

Conforme Chesnais (1996, p.32, grifo nosso) “a mundialização deve ser pensada

como uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua

valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados”.

Compreende-se que, embora não sejam opostas, as noções de internacionalização e

mundialização, são distintas, principalmente com relação às formas de controle da produção e

acumulação do capital.

Ao final do século XIX, já era possível observar a internacionalização do capital, com

o caráter de escala global, mas ainda sob o controle do Estado nacional. O processo de

internacionalização ocorreu “[...] por meio de uma ação imperialista fundada na exportação de

capital, apropriação militar de novas áreas e progressiva fusão do capital industrial e

bancário”. (LIMA, 2010, p. 117). A criação de instituições financeiras como o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial ajudaram a consolidar a expansão do

capitalismo em escala mundial em meados da década de 1940.

Em integração com a escala global, a mundialização do capital apresenta-se como uma

nova configuração do capitalismo e dos meios que o controlam e regulam. De acordo com

Chesnais (1996, p.14) o que distingue a mundialização enquanto processo recente no

desenvolvimento do capitalismo é que apesar de persistirem aspectos de determinantes

históricos anteriores, “o sentido e o conteúdo da acumulação de capital e dos resultados são

bem diferentes”. Conforme o autor, no processo de mundialização do capital, “o estilo de

acumulação é dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros

(os fundos mútuos e fundos de pensão), cuja função é frutificar principalmente no interior da

esfera financeira”. (CHESNAIS, 1996, p. 14-15).

Esse novo cenário no modelo de produção capitalista provocou uma hegemonia das

finanças, tornando assim o capital financeiro à condição de regulador da economia mundial.

Deste modo, de acordo com Chesnais (1996) o processo de mundialização do capital é mais

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marcante na esfera financeira, onde “[...] o domínio do capital financeiro sobre as outras

formas do capital (agrário, industrial, comercial, bancário simples) é próprio de uma etapa

histórica da acumulação”. (COGGIOLA, 2012, p. 18).

Vale ressaltar, que os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – e

continuam nascendo – no setor produtivo “[...] A esfera financeira alimenta-se da riqueza

criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de

qualificação”. (CHESNAIS, 1996, p. 241). Isso significa que a produção de mais-valor é

essencial no processo de acumulação em âmbito mundial.

Chesnais (1996) assinala que a mundialização é fruto de dois movimentos conjuntos,

estreitamente interligados, porém distintos. O primeiro, o autor refere-se à fase mais longa e

ininterrupta de acumulação do capital após a segunda guerra, o período conhecido como –

“dos trinta anos gloriosos” – onde imperaram o fordismo e o keynesianismo. O segundo

movimento é marcado pela ascensão da política neoliberal, encabeçada por Margareth

Thatcher (1979) e Ronald Reagan (1980), uma clara ruptura da política do pós-guerra.

Nessa reestruturação do capitalismo, a política neoliberal proporcionou os movimentos

de liberalização, de privatizações, com a desmontagem do setor produtivo estatal e de

desregulamentações dos direitos conquistados pelos trabalhadores. Essas intervenções

políticas permitiram que o capital financeiro internacional e os grandes grupos das

multinacionais se expandissem pelo mundo, com a finalidade de explorar os recursos naturais,

econômicos e a força de trabalho, onde lhes fossem oportuno. (CHESNAIS, 1996). A

integração internacional dos mercados foi possível mediante a liberalização e

desregulamentação dos mercados nacionais e a livre circulação de capitais internacionais.

As políticas desenvolvidas sob a perspectiva neoliberal de Estado estão pautadas na

garantia de acumulação do capital, em níveis cada vez maiores provenientes, sobretudo, da

exploração de mais-valor. Embora o discurso neoliberal construído esteja pautado na

minimização do poder do Estado, Conceição (2013b, p. 89) aponta que “o contexto histórico

demonstrou que as relações capitalistas não podem desenvolver-se sem a ação efetiva da

governabilidade”.

A atual conjuntura é permeada pela intensificação ainda maior nas formas de

exploração da força de trabalho, principalmente nos países periféricos, onde os índices são de

baixos salários, jornada de trabalho prolongada e poucos direitos aos trabalhadores. De acordo

com Conceição (2008, p. 4) “[...] nos países periféricos as altas taxas de exploração,

alicerçadas na presença de um exército de reserva, levam os salários a baixos patamares e,

consequentemente, um baixo custo para o mercado externo”. Harvey (2014) aponta que o

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mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação através do regime de acumulação

flexível22.

Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do

estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra

excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e

contratos de trabalho mais flexíveis. (HARVEY, 2014, p. 143).

O processo de flexibilização no setor produtivo propiciou também a expansão dos

grandes grupos, os quais detêm o oligopólio mundial. Esses grupos, paulatinamente, foram

conduzindo suas plantas industriais para os países periféricos, a exemplo de países na

América Latina e na Ásia, os quais possuem baixos salários. No processo de mundialização, o

sistema está integrado quanto às mercadorias, às tecnologias e às novas técnicas, mas não se

integra quanto ao trabalho, e sim ao preço da venda da força de trabalho.

As deslocalizações industriais para países periféricos implicaram na relação entre

empresas e trabalhadores também nos países desenvolvidos (sedes das indústrias). Percebe-se

assim, que a “liberalização do comércio exterior e dos movimentos de capitais permitiram

impor, às classes operárias dos países capitalistas avançados, a flexibilização do trabalho e o

rebaixamento dos salários” (CHESNAIS, 1996, p.40).

Além dessas condições apresentadas como processo de avanço da mundialização do

capital, era possível perceber também a presença dos Investimentos Externos Diretos (IEDs).

Conforme aponta Lima (2010)

Os IEDs representaram a verdadeira expansão do capital sobre o espaço mundial, pois eles trataram de espacializar a exploração de mais-valor sobre

o planeta através de deslocalizações das unidades produtivas que produziram

determinadas especializações da força de trabalho e do capital entre as

nações. (LIMA, 2010, p.120).

Esses investimentos passaram a controlar e reorganizar os espaços no processo da

produção, na delimitação das políticas de Estado e na divisão territorial do trabalho.

O lugar atualmente ocupado por muitos “países em desenvolvimento” no sistema mundial de intercâmbio não é resultado de uma dotação fatorial

22 A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na

flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.

Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de

serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial,

tecnológica e organizacional (HARVEY, 2014, p.140).

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natural, que de alguma maneira tenha caído do céu. Em grande número de

casos, sua situação de produtor e exportador de uma ou duas matérias-primas

básicas, de mineração ou agricultura, frequentemente com demanda cada vez menor pelos países industrializados, é resultado de antigos investimentos

diretos, feitos a partir dos anos de 1880 por administrações ou empresas

estrangeiras (CHESNAIS, 1996, p.47, grifo nosso).

Vale ressaltar que o processo de mundialização não é apenas o avanço de grupos

empresariais em escala mundial e dos fluxos de comércio, mas também dos grupos

financeiros que terão total controle da produção mundial. De acordo com Lima “a

financeirização da economia mundial consolidada por um aparato

técnico/científico/informacional permite a construção de uma relação hierárquica entre escala

global e local onde essa última é subsumida à reprodução ampliada do capital” (LIMA, 2010,

p. 119).

Nesse sentido, destacamos a agricultura nacional que nesta atual conjuntura se

estabeleceu em regime de commodities agrícolas, sob o domínio de grupos estrangeiros que

passaram a controlar e organizar as cadeias produtivas.

Grandes tradings agrícolas passaram a associar-se com empresas nacionais, por meio

de fusões e aquisições, reduzindo a concorrência e fortalecendo os monopólios e oligopólios

internacionais. De acordo com Oliveira (2012, p.2) “o capital disseminou-se pelos países

emergentes, arrebatando setores das burguesias nacionais, transformando-as em capitalistas

mundiais”. As multinacionais cumpriram bem esse papel ao expandir em escala mundial.

No ano de 2011, a revista Exame listou as 10 maiores empresas de agronegócio do

Brasil, juntas estas companhias faturaram mais de US$ 56 bilhões de dólares, são elas: Bunge

alimentos, Cargill, Souza Cruz, Brasil Foods, Unilever, Copersucar, JBS, Nestlé e ADM.

Além dessas empresas, existem os grupos de telecomunicações, os grupos de financeiras,

como os bancos Itaú, Santander e Bradesco que têm um controle sobre a economia nacional23

.

Diante desse contexto, observamos que o capital financeiro tem imposto sua dinâmica

sobre a agricultura mundial e principalmente sobre os países periféricos com “[...] a contínua

expansão dos grandes grupos internacionais de comércio e produção de insumos e de produtos

agrícolas, de financiamento e de biotecnologia, alavancados pela ampliação da circulação de

títulos financeiros agropecuários e pelas bolsas de mercadorias”. (MEDEIROS, 2015,

p.6224).

23

No ano de 2014 a revista Exame mostrou que o domínio do capital no Brasil está sob o controle de 20

empresas (dados esses produzidos pela Forbes). “Para se ter uma ideia, só as primeiras quatro empresas da lista

superam o poder econômico da União”. (AS 10 EMPRESAS, 2014).

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CAPÍTULO 2

O MOVIMENTO DE EXPANSÃO DA PRODUÇÃO DA BORRACHA NATURAL EM

ESCALA MUNDIAL

A borracha se inscrevia no coração das máquinas da nova etapa da

revolução industrial e ainda se fazia parte do novo símbolo da modernidade

que era o automóvel. Todavia, em contraposição a esse polo moderno da

nova fase de desenvolvimento capitalista esteve associada uma das mais

brutais formas de opressão e exploração de que se tem notícia.

(GONÇALVES, 2015, p,88).

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CAPÍTULO 2: O MOVIMENTO DE EXPANSÃO DA PRODUÇÃO DA BORRACHA

NATURAL EM ESCALA MUNDIAL

A expansão do capital tem (re)configurado e produzido o espaço em escala global, a

fim de garantir a sua mobilidade espacial. A reestruturação nos meios de produção, através da

inovação tecnológica tem permitido a superação das barreiras espaciais, ou seja, a anulação do

espaço pelo tempo, como é apontado por Harvey (2005). E os meios de transportes e

telecomunicações são de suma importância nesse processo de expansão do capitalismo. De

acordo com Oliveira (2012, p. 3) a “ordem é produzir em qualquer lugar do mundo”, cuja

possibilidade de redução de custos e acesso ao patamar tecnológico vigente seja possível.

Nesse sentido, tomamos como ponto de partida a primazia da atividade econômica da

borracha no Brasil, mediante a internacionalização do capital, no primeiro momento na região

amazônica e posteriormente a expansão dessa atividade sobre outros espaços em escala

mundial e nacional através dos monopólios industriais. Destaca-se que a atividade econômica

da borracha estabeleceu uma divisão territorial do trabalho e das trocas entre campo/cidade.

Portanto, (re) configurando assim a organização do espaço e da expansão da atividade como

necessários a acumulação do capital. (HARVEY, 2005).

2.1 O processo de mundialização na produção de borracha natural

No processo de mundialização da economia e de uma política neoliberal como lastro

para o desenvolvimento econômico, a agricultura que antes se baseava na produção de

alimentos, passou por profundas mudanças, tornando-se assim produtora de mercadorias para

abastecer o mercado mundial. Dessa forma, a produção agrícola passou a ser regulamentada

pelo mercado internacional.

De acordo com Oliveira (2016) a agricultura sob o domínio da mundialização passou a

organizar-se sobre uma tríade: na produção de commodities; em bolsas de mercadoria e de

futuro; e na formação de empresas de monopólio mundial.

O primeiro termo da tríade teve como finalidade transformar toda e qualquer produção

do campo em mercadoria (agropecuária, silvicultura, extrativista e etc.). Os governos

neoliberais deixaram de pautar a política agrária nacional de soberania alimentar, reduzindo

os seus estoques nacionais de alimentos, mediante a inserção de uma política de segurança

alimentar, a qual “passou a ser tarefa do mercado mundial, fortalecido por meio da ampla e

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deliberada desestruturação das práticas policulturas próprias da organização camponesa”.

(PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 94). Deste modo, a produção de alimento tornou-se

mercadoria, regulamentada e controlada pelo mercado.

O segundo termo da tríade são as bolsas de mercadorias e de futuro, as quais

regulamentam os preços em nível mundial das commodities, então toda a produção agrícola

tornou-se condicionada aos ditames do mercado mundial, o qual comercializa todos os

produtos nas bolsas, como por exemplo, o preço da borracha comercializada no Brasil.

O terceiro termo da tríade é o controle da produção de commodities no campo por

empresas de monopólio mundial, as multinacionais. A penetração das multinacionais24

em

países periféricos traz consigo uma reconfiguração espacial em escala mundial; a partir da

formação, compra e fusões de monopólios, os quais passaram a capitanear e controlar a

dinâmica da produção agrícola aos ditames do mercado mundial, como também

(re)configurou a divisão territorial do trabalho.

Entre as principais commodities do campo brasileiro estão: o complexo da soja, as

carnes (bovina, frango, suíno), o complexo sucroalcooleiro (açúcar, álcool), os produtos

florestais, o café, o fumo, o milho, o algodão, o suco de laranja, o cacau e etc. No ano de

2015, as exportações do agronegócio faturaram US$ 90.835 milhões de dólares. As

exportações têm como destino a China, os Estados Unidos e países da União Europeia.

(BRASIL, 2017a).

Nesse processo de (re)estruturação da agricultura sob a mundialização do capital

observamos essa dinâmica circunscrita sobre a cadeia produtiva da borracha no Brasil. É

importante lembrarmos que essa atividade econômica deteve grande importância até o início

do século passado no Brasil, país de origem Hevea brasiliensis (seringueira) que detinha o

monopólio da produção mundial.

[...] A inserção do Brasil no circuito mundializado da mercadoria já se fez a

partir de ciclos econômicos constituídos por bens primários, do pau-brasil ao

café, passando pelo açúcar, pela borracha, entre outros. Estes ciclos alimentaram o processo de acumulação primitiva do capital em favor dos

países que puderam se apropriar dos excedentes monetários gerados pela

geopolítica do colonialismo, que evoluiu para o neoliberalismo sem romper

24 Segundo Chesnais (1996, p. 73) ela é resultado de um processo, mais ou menos longo e complexo, de

concentração e centralização do capital, e que, frequentemente, se diversificou, antes de começar a se

internacionalizar, que a companhia multinacional tem uma origem nacional, de modo que os pontos fortes e

fracos de sua base nacional e a ajuda que tiver recebido de seu Estado serão componentes de sua estratégia e

competitividade; que essa companhia é, em geral, um grupo, cuja forma jurídica contemporânea é a de holding

internacional; e por fim que esse grupo atua em escala mundial e tem estratégias e uma organização

estabelecidas para isso.

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com as regras nas quais está assentado o mecanismo das trocas desiguais.

(PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 77).

2.2 A primazia da produção de borracha no Brasil

Para compreendermos a inserção da produção da borracha na economia brasileira é

necessário trazermos elementos estruturantes e históricos do processo de expansão do cultivo

das seringueiras na Amazônia e, posteriormente, em todo território nacional. Essas relações

vão estar entrelaçadas com um capital internacional e a intervenção de um Estado garantidor

da reprodução e ampliação desse capital no campo brasileiro. Temos então, nesse processo, a

garantia da manutenção do modo capitalista de produção, que tem como base três pilares

estruturais: a terra, o trabalho e o capital, apontados assim por Karl Marx.

A produção de borracha em escala comercial no Brasil é dividida em duas fases: a

primeira é datada do século XIX com a finalidade de abastecer as indústrias oriundas da

revolução industrial e promover a ocupação dos espaços vazios da Amazônia, a partir da

migração de trabalhadores; e a segunda fase, que tinha como propósito abastecer as indústrias

bélicas dos Estados Unidos, onde a borracha era um importante produto para a confecção de

instrumentos para a guerra. Deste modo, a economia da borracha no Brasil perdurou de forma

bastante expressiva até o final da segunda guerra mundial.

Nesse sentido, as primeiras ocupações ocorrem ainda no período colonial com a

extração das chamadas drogas dos sertões, em seguida com a Inglaterra e depois com os

Estados Unidos. Ambas as ocupações ocorrem no período de transição da fase de

mercantilização para a industrialização. Desse modo, a extração da borracha entra no circuito

internacional da revolução industrial. (PONTE, 2014).

O primeiro registro da comercialização da matéria-prima da borracha no Brasil é da

década de 1830 na Amazônia, onde já existia exportação de sapatos e tecidos emborrachados,

sobretudo para os Estados Unidos. (GONÇALVES, 2015). Com a descoberta do processo de

vulcanização25

em 1842, a goma elástica passou a ser de grande relevância para as indústrias

que surgiam naquele período da segunda revolução industrial na Europa, a exemplo da

25A vulcanização foi descoberta em 1842 por Goodyear nos Estados Unidos e Hancock na Inglaterra consistindo

numa combinação de borracha com enxofre que lhe dá grande flexibilidade e a torna inalterável a qualquer

variação de temperatura, que esse material se fez largamente aproveitável na indústria. (PRADO JÚNIOR,

2008).

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indústria farmacêutica, de transportes, na fabricação de fios para redes elétricas, de

comunicação (telégrafo, telefone, energia) e de eletricidade26

.

Deste modo, o boom da borracha na Amazônia entre meados do século XIX e início do

XX apresentou como escopo abastecer os mercados detentores da pujante industrialização,

especialmente a Inglaterra, berço da revolução industrial. É importante destacar que o surto na

expansão da extração de látex esteve fortemente financiado pelo capital internacional.

Ao final do século XIX, a aplicação da borracha em revestimentos de aros das rodas,

dando origem assim aos pneumáticos, ensejará sobre a sociedade uma importante

transformação nos meios de transportes com o advento do automóvel e da bicicleta.

(GONÇALVES, 2015; PRADO JÚNIOR, 2008). Isto tornou a borracha um dos principais

insumos industriais, além de promover o desenvolvimento dos transportes rodoviários,

sistema que paulatinamente foi substituindo o ferroviário.

Nesse período de auge da economia da borracha o Brasil é detentor da maior reserva

mundial de seringueiras nativas (Hevea brasiliensis) da região amazônica. Essa espécie era

considerada pela indústria como de altíssima qualidade e produtividade. Devido a essas

condições o país se transformou em líder na extração e exportação da borracha.

Entretanto, a região amazônica nesse período apresentava uma escassez populacional

que comprometia o ritmo acelerado na extração do látex. Nesse sentido, promoveu-se um

fluxo de povoamento com trabalhadores oriundos do nordeste brasileiro. De acordo com

Pontes (2014) esse movimento migratório foi o mais importante que ocorreu na Amazônia.

Essa migração se tornará ainda mais intensa entre as décadas de 1870 e 1880, períodos

em que assolou uma forte estiagem sobre o nordeste. Os dados apontam que entre 300 mil a

500 mil migrantes nordestinos se deslocaram para a região amazônica. (GONÇALVES,

2015).

No entanto, é importante enfatizar que o trabalho nos seringais era escamoteado, desde

as doenças que assolavam a extrema exaustão dos seringueiros, até as formas degradantes do

trabalho por dívida.

Alguns autores estimam que não menos de meio milhão de nordestinos

sucumbiu às epidemias, ao impaludismo, à tuberculose ou ao beribéri na época do apogeu da borracha [...] Sem nenhuma reserva de vitaminas, os

trabalhadores das terras secas empreendiam a longa viagem para a floresta

úmida. Ali os aguardava, nos pantanosos seringais, a febre. Iam amontoados nos porões dos barcos, em tais condições que muitos sucumbiam antes de

26Na substituição da energia a vapor pela elétrica era necessária a borracha como fonte isolante na fabricação de

fios para as redes elétricas.

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chegar; antecipavam assim seus próximos destinos. Outros, nem sequer

conseguiam embarcar. (GALEANO, 2016, p. 129-130).

Além das graves doenças que assolavam os trabalhadores, o regime de trabalho era

muito semelhante à escravidão – o trabalho por dívida.

[...] As dívidas começam logo ao ser contratado: ele adquire a crédito os

instrumentos que utilizará, e que embora muito rudimentares (o machado, a

faca, as tigelas onde recolhe a goma), estão acima de suas posses, em regras nulas. Frequentemente estará ainda devendo as despesas de passagem desde

a sua terra nativa até o seringal. Essas dívidas iniciais nunca se saldarão

porque sempre haverá meios de fazer as despesas do trabalhador ultrapassarem seus magros salários. Gêneros caros (somente o proprietário

pode fornecê-los porque os centros urbanos estão longe), a aguardente... E

quando isso ainda não basta, um hábil jogo de contas que a ignorância do

seringueiro analfabeto não pode perceber, completará a manobra. (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 238).

A relação de trabalho prescrita no extrativismo da borracha esteve vinculada ao

seringal empresa que se estruturava no sistema de aviamento27

– “representavam uma ligação

primária com o capital mercantil-industrial, eram os responsáveis pelo abastecimento de

víveres e instrumentos de trabalho aos seringalistas que “vendiam” através do barracão aos

seringueiros”. (PONTE, 2014, p. 49).

Os seringueiros eram proibidos de praticar a agricultura, a fim de que obtivessem o

máximo de produção de borracha, então, toda a alimentação era adquirida via barracão.

Conforme Moreira (2015),

[...] inventando o seringalista o sistema do barracão como forma de solução

própria para o problema da reprodução da sua força de trabalho do sistema extrativista. Este consiste num sistema de venda instalado num galpão dentro

do seringal, onde o seringalista fornece ao seringueiro alimentos e utensílios

de que necessita vendendo-os a crédito. Realizando a venda numa condição de monopólio, o seringalista disso se utiliza para manter o seringueiro

endividado, manobrando com os preços para forjar sua dependência e

sujeitá-lo a uma situação quase escrava de trabalho. (MOREIRA, 2015, p. 96

– 97).

O sistema de aviamento da borracha, conforme (Figura 03), só conseguiu manter-se

devido à dívida permanente e estrutural gerada do seringueiro. Esse processo criou um ciclo

27 O seringalista, que comandava a extração da borracha, estava vinculado a uma casa aviadora de Belém ou de

Manaus, de quem recebia adiantamentos de víveres e utensílios necessários à extração da borracha, mediante a

obrigação de a ela entregar toda a sua produção. (GONÇALVES, 2015, p.86).

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vicioso de produção e endividamento. No contexto do conjunto das relações sociais que

envolviam a extração da borracha, ao seringueiro cabia fornecer a produção ao seringalista,

que repassava as casas aviadoras as mesmas forneciam mantimentos e ferramentas de trabalho

aos seringalistas, que repassavam aos seringueiros mediante a produção de borracha.

[...] o Sistema de Aviamento, uma espécie de crédito sem dinheiro, e que se

sustentava com base em relações clientelísticas por todo o vale amazônico

[...] Impedir os seringueiros de plantar para a sua sobrevivência e obrigá-los a só produzir borracha era viabilizar as casas aviadoras que não só

compravam borracha, mas também vendiam alimentos, utensílios e outros

supérfluos. (GONÇALVES, 2015, p. 87).

Figura 03: Estrutura do sistema de aviamento na extração da borracha na região Amazônica.

Fonte: Ponte (2014).

É interessante observarmos a atuação desse sistema de aviamento no processo de

acumulação do capital, mediante a extração de mais-valor sobre todo o processo de produção.

Segundo Moreira (2015) as únicas despesas de capital no seringal estão ligadas ao

abastecimento de mantimentos e instrumentos para a reprodução da força de trabalho, uma

vez que a atividade extrativa da borracha natural é realizada na floresta, necessitando assim de

pouco investimento em capital fixo.

Observamos nesse processo contraditório das relações sociais e de produção na

atividade econômica da borracha uma incessante busca para garantir a reprodução e

acumulação do capital, mediante a extração de mais-valor. E o privilégio de uma classe

minoritária que contrastava com a realidade dos extratores da borracha.

Eduardo Galeano, em seu livro, as veias abertas da América Latina, retrata que na

cidade de Manaus,

SISTEMA DE AVIAMENTO

CASAS AVIADORAS ↔ SERINGALISTA ↔ SERINGUEIRO

ESTRUTURA FINANCIADA PELO CAPITAL MONOPOLISTA

INTERNACIONAL

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[...] os magnatas da borracha edificaram ali suas mansões de arquitetura

extravagante e pejadas de madeiras preciosas do Oriente, cerâmica de

Portugal, colunas de mármores de Carrara e mobiliário da ebanesteria francesa. Os novos-ricos da floresta mandavam buscar no Rio de Janeiro os

mais caros alimentos; os melhores costureiros da Europa cortavam seus

trajes e vestidos; seus filhos eram enviados para estudar nos colégios

ingleses. (GALEANO, 2016, p. 131).

A atividade da borracha apresentou grande relevância para a economia nacional em

seu período de ascensão, chegou a competir com o café na contribuição à entrada do fluxo de

dinheiro ao país. “A seringueira proporciona ao Brasil, em 1890, uma décima parte de sua

renda derivada das exportações; vinte anos depois, a proporção subia para 40 por cento, e as

vendas quase alcançavam o nível do café”. (GALEANO, 2016, p. 130).

Entretanto, a atividade não contou com nenhuma política de sustentação de preços por

parte do governo brasileiro, como no caso do café. (GONÇALVES, 2015, p.88). Deste modo,

ao longo do processo várias fissuras foram sendo abertas na atividade extrativa, o que levou à

decadência da economia extrativa no início do século XX.

Essas fragilidades estão circunscritas no processo rudimentar da extração da borracha,

além da falta de proteção e preservação dos seringais nativos.

A exploração da borracha far-se-á sempre pelos mais rudimentares

processos. Será tipicamente uma indústria de selva tropical, tanto nos seus aspectos técnicos como nos econômicos e sociais. Consistirá apenas em

descobrir a seringueira e suas concentrações na floresta em que se distribui

muito irregularmente, e colher a goma (PRADO JÚNIOR, 2008, p.237).

O complexo seringalista da Amazônia é acometido por uma grave crise na década de

1913 devido à entrada da borracha asiática no mercado mundial.

Em 1900, o Oriente havia exportado apenas quatro toneladas de borracha;

em 1914, as plantações do Ceilão e da Malásia lançaram mais de 70 mil toneladas no mercado mundial, e cinco anos mais tarde suas exportações já

estavam arranhando as 400 mil toneladas. Em 1919, o Brasil que desfrutava

do virtual monopólio da borracha, abastecia apenas a oitava parte do consumo mundial. Meio século depois, o Brasil compra no exterior mais da

metade da borracha que necessita. (GALEANO, 2016, p. 131-132, grifo do

autor).

E como essa atividade extrativa entra em declínio? O que ocorreu é que por volta de

1873 são levadas em contrabando sementes da Hevea brasiliensis, pelo então botânico Henry

Wickham, para a cidade de Londres, e lá são semeadas no Jardim botânico de Kew.

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Posteriormente, as mudas são transportadas para colônias da Inglaterra na Ásia, dando assim

origem as imensas plantações racionalmente conduzidas e selecionadas.

Em vista disso, o sistema de produção da borracha no Amazonas não resistirá

mediante as condições de produção dos seringais asiáticos que competiam mundialmente com

preços menores e que contavam com recursos técnicos e financeiros de países da Europa

como a Inglaterra, França e Holanda.

Além disso, o Brasil nunca passara de mero produtor de matéria-prima; todo

negócio propriamente da borracha, desde o financiamento e o comércio até a manipulação e o consumo do produto industrializado, era-lhe alheio. Estava

assim inteiramente à mercê de seus concorrentes que dispunham de todos os

setores e alavancas econômicas da economia da borracha. (PRADO

JÚNIOR, 2008, p. 239).

As plantações asiáticas racionalmente organizadas desbancaram sem dificuldade a

produção extrativa do Brasil. E, esse sucesso asiático ocorreu não por acaso, mas por fatores

como o valor de custo da matéria-prima, além do monopólio dos países industrializados, os

quais exerciam um controle colonial sobre os seringais asiáticos, assim,

[...] todas as fases da produção, comercialização, distribuição e consumo submetidos diretamente aos seus ditames. Observemos que o mesmo não

acontecia no caso da Amazônia onde, por mais que os grandes importadores

europeus condicionassem as casas aviadoras de Manaus e Belém, tinham que compartilhar com elas parte dos lucros da atividade gomífera.

(GONÇALVES, 2015, p.90).

Nesse contexto do monopólio inglês sobre o preço da borracha é criado o projeto

Fordlândia na Amazônia, no final da década de 1920, por Henry Ford, com o discurso de

produzir a sua própria matéria-prima para a fabricação de pneus dos seus automóveis. Ford

chegava a produzir 1200 automóveis por dia em sua fábrica nos Estados Unidos.

Fordlândia foi a primeira plantação comercial de seringueira no Brasil, esse projeto

representou a inserção do capital norte americano na Amazônia, com a finalidade de constituir

uma concorrência com a borracha inglesa, produzida nos seringais asiáticos. Durante a

segunda guerra mundial, os investimentos dos Estados Unidos sobre a produção de borracha

natural foi mais intensivo.

Nesse período a borracha da Amazônia tem um novo impulso transitório, a chamada

“batalha da borracha” que mobilizou novamente os trabalhadores do nordeste para a região

amazônica, em prol de aumentar a produção do látex no Brasil para abastecer aos Estados

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Unidos. Os seringais asiáticos haviam sido ocupados pelo Japão, inviabilizando a importação

de borracha para os países aliados que necessitavam da matéria-prima para abastecer suas

indústrias bélicas.

A reativação da economia da borracha na Amazônia será realizada através da

assinatura do acordo de Washington em 1942, entre os Estados Unidos e Brasil. Sendo que o

primeiro financiou a produção de borracha na Amazônia e ao governo brasileiro ficou a

responsabilidade de recrutar trabalhadores para os seringais, a fim de aumentar a produção de

látex. (PONTE, 2014).

Nessa época houve uma forte presença do Estado brasileiro no controle da produção e

comercialização da seringueira, “alijando as casas comerciais do lucrativo sistema de

aviamento”. (GUILLEN, 1997, p. 97). Característica essa, que não esteve tão presente na

primeira etapa de extração da borracha no final século XIX.

O Estado brasileiro criou uma série de instituições e organizações como meio para

controlar a produção e a migração dos trabalhadores, dentre as quais, destacaram-se o Banco

de Crédito da Borracha (BCB), o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e o Serviço

Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA). As instituições criadas

“[...] davam a aparência de que o governo federal estava realmente integrando a Amazônia ao

resto do país, bem como os migrantes que para lá se dirigissem não ficariam desprotegidos”.

(GUILLEN, 1997, p. 97).

Havia então uma intensa propaganda promovida pelo SEMTA28

para o recrutamento

de trabalhadores para a região amazônica, no discurso de melhores condições de vida,

principalmente para a população nordestina que sofria com as graves estiagens. O artista suíço

Jean-Pierre Chabloz, foi convidado pelo SEMTA para ilustrar cartazes e cartilhas, convidando

os trabalhadores para colaborarem com a produção de borracha para a guerra e uma vida de

fartura na Amazônia. Conforme é apresentado na Figura 04.

Nesse sentido, novas reconfigurações são produzidas sobre o espaço amazônico e

brasileiro para atender mais uma vez as necessidades e demandas de matéria-prima para o

mercado externo. Assim,

Respondendo ao apelo da propaganda, aos incentivos governamentais e, em

decorrência da seca de 1942, cerca de 50 mil trabalhadores nordestinos se

dispuseram (ou foram dispostos) a enfrentar a batalha da produção. Esses

28 Órgão criado em 1943, com sede em Fortaleza no Ceará, cuja incumbência era de recrutar trabalhadores

nordestinos para a extração de borracha na Amazônia, sendo esse órgão criado como parte do acordo de

Washington.

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trabalhadores acreditaram que conseguiriam refazer suas vidas em bases

mais seguras, uma vez que, além de arcar com os custos financeiros da

viagem para a Amazônia, o Estado prometia encetar novos planos de colonização da região (GUILLEN, 1997, p.95).

Figura 04: Campanha para a Batalha da Borracha, em 1943.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2015.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a atividade extrativa da borracha no Brasil é

marcada por uma segunda crise e o retorno da borracha asiática ao mercado mundial, assim

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como a inserção da borracha sintética no mercado. Neste sentido, “novamente os seringueiros

retornam à produção agrícola e criação de animais de pequeno porte juntamente com a

remanescente produção extrativista da borracha”. (PONTE, 2014, p.54).

Nesse contexto, os investimentos externos na produção de borracha natural foram

sendo retirados da floresta amazônica. E a intervenção estatal se torna a saída para os

obstáculos da produção de borracha na região amazônica.

2.3 A intervenção do Estado brasileiro sobre o monopólio da borracha

Com o fim da Segunda Guerra Mundial o Estado brasileiro no período 1947 a 1967

passou a exercer o papel de comprador da borracha produzida na Amazônia, a fim de

minimizar os problemas ocasionados pela crise da atividade gomífera. A economia da

borracha anteriormente detinha como mercado consumidor os países industrializados da

Europa e os Estados Unidos.

Diante do processo de monopólio estatal, o Brasil desempenha a sua primeira política

de proteção ao extrativismo amazônico. (PONTE, 2014).

[...] por mais vinte anos, durante os quais os preços foram protegidos e o mercado assegurado pelo monopólio estatal, os seringalistas da Amazônia

não realizaram investimentos produtivos nem sociais, não alterando as

tradicionais condições de vida existentes nos seringais. Conforme já foi salientado, essa política acabou viabilizando a reprodução da empresa

seringalista tradicional e de seu sistema de controle sobre os seringueiros,

tendo como justificativa um discurso de defesa do interesse nacional e de proteção ao seringueiro. (ALLEGRETTY, 2002, p. 130).

O governo estabeleceu a Lei nº 86, de 08 de setembro de 1947, na qual foi constituída

uma comissão executiva da borracha com o propósito de: a) prorrogar até 31 de dezembro de

1950, o monopólio estatal de compra e venda da borracha; b) prosseguir no financiamento dos

seringais pelo Banco de Crédito da borracha; c) criar a comissão executiva de defesa da

borracha, responsável por conservar os estoques de borracha, controlar as importações e fixar

os preços de compra e venda da borracha sintética, regulamentar as instalações de novas

fábricas, fiscalizar o emprego de sucedâneos de borracha nos produtos finais. (ALLEGRETTY,

2002).

O escopo destas propostas era de garantir a sobrevivência da atividade econômica da

extração de borracha na Amazônia, após o encerramento dos acordos de exportação com os

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Estados Unidos. Existia uma necessidade de assegurar que a indústria de artefatos de

borracha29

nacional continuasse a consumir a produção interna da matéria-prima. No entanto,

havia resistência por parte do setor industrial, pois declaravam que os preços da borracha

nativa eram mais altos do que a borracha de seringais cultivados (importados). Neste cenário,

tínhamos um setor extrativista regulamentado pelo Estado, enquanto que a borracha

importada (natural e sintética) tinha seus preços regulamentados pelo mercado internacional.

A partir de 1950, o Brasil passou a importar volumes consideráveis de borracha

(natural e sintética), pois a produção interna não desenvolvia no mesmo ritmo do consumo

industrial. A base industrial e em particular a produção de automóveis e de pneumáticos

tiveram rápida expansão. O crescimento pela demanda da borracha passou de 24 mil

toneladas em 1950, para 45, 2 mil toneladas em 1959, já em 1966 o consumo já atingia 94, 6

mil toneladas. (ALLEGRETTY, 2002).

Diante do aumento do consumo de borracha (natural e sintética) pelo setor industrial, o

governo brasileiro instituiu os Decretos nº 30.694, de 31 de março de 1952, no qual as

indústrias de artefatos deveriam reverter 20% dos seus lucros líquidos anuais no plantio de

seringueira. Deste modo, o regime de monopólio pelo Estado funcionava como um

instrumento para manter a produção de borracha no país. Nesse sentido,

[...] diante da expansão da produção de artefatos de borracha, ou teriam que importar a sintética dos Estados Unidos ou a cultivada da Ásia. Para

livrarem-se de ambas, reuniram-se num truste e instalaram a indústria

doméstica de borracha artificial. Em 1952 foi instalada uma fábrica para produção de borracha sintética com base na transformação do álcool, em

Campos. Nos anos seguintes, foram implantadas mais duas unidades: uma

pertencente à Petrobrás, anexa à Refinaria de Caxias, criada em 1955, por sugestão do Conselho Nacional de Economia e outra em Pernambuco, em

1959. (ALLEGRETTY, 2002, p. 117).

O regime civil-militar de 1964 é marcado pelo desenvolvimento da malha rodoviária,

aumento do transporte rodoviário. Deste modo, a indústria automobilística e de pneumáticos

obteve um enorme crescimento à época, assim como a demanda por borracha. Nesse período,

extinguiu-se a lei do monopólio de comercialização da borracha e instaurou-se uma nova

política para o setor no Brasil.

29

A indústria de artefatos de borracha é predominantemente de produtores de pneumáticos, setor controlado por

quatro grandes empresas multinacionais (Firestone, Pirelli, Goodyear e Michelin) que instalaram suas unidades

de produção no Brasil e em outros países da América Latina a partir da década de 1950. (ALLEGRETTY, 2002,

grifo nosso).

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Com isso, surge a Lei nº 5.227, de 18 de janeiro de 1967, que criou a

Superintendência da Borracha (SUDHEVEA) sob a jurisdição do Ministério

da Indústria e do Comércio, instaurando novos parâmetros de auxílio à produção interna de borracha de modo a não alimentar a aquisição do

produto importado, considerado mais vantajoso economicamente do que o

preço do produto nacional. (PONTE, 2014, p.55).

A SUDHEVEA também tinha como função administrar os programas do PROBOR

(Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal), pois segundo Allegretty (2002, p.

134), “o volume de recursos que a SUDHEVEA passou a administrar era crescente e deu

origem ao Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal - PROBOR I, em 1972, e

ao PROBOR II, em outubro de 1977”, e ao PROBOR III, em 1982.

Os objetivos do PROBOR eram “aumentar a produção e a produtividade do setor de

borracha vegetal e criar as condições para a consolidação da expansão da heveicultura no país,

com a gradativa substituição do seringal nativo pelo de cultivo racional” (SOUZA, apud

Pontes, 2014, p. 55).

O PROBOR I tinha como finalidade o estabelecimento de 18.000 ha de seringais

cultivados na Amazônia e no sul da Bahia. O PROBOR II teve como meta financiar o plantio

de 120.000 ha em cinco anos. Já o PROBOR III financiou 250.000 ha, além de estender o

financiamento para novas áreas, além daquelas preestabelecidas no início (Amazônia e

Bahia), incluindo os estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Minas Gerais, Maranhão,

Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. (SOUZA, 2010).

Os resultados da implantação do PROBOR é que não houve a concretização da

autossuficiência de produção de borracha a nível nacional, como tinha sido o planejamento

inicial do programa. Alguns outros fatores também representarem esse não avanço, como:

[...] problemas técnicos, com a impossibilidade de conter o fungo causador do „mal das folhas‟, como principalmente de ordem administrativa e de

planejamento, já que se estimava que muitos dos recursos para a produção

da borracha cultivada eram desviados para outros empreendimentos. (PONTE, 2014, p. 56).

Atualmente, a distribuição da produção de borracha natural no Brasil tem se destacado

entre alguns estados, como: São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Espírito

Santo, Mato Grosso do Sul e, entre outros, conforme a Figura 05. Neste sentido, a região

norte ao longo do tempo foi perdendo a sua hegemonia em escala mundial e nacional na

atividade econômica da borracha, pois os investimentos externos para a produção se

destinaram para as atuais áreas produtoras do agronegócio da borracha.

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Figura 05: Distribuição da produção da borracha natural no Brasil.

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal, 2013.

Diante da expansão da atividade de borracha natural no território brasileiro, buscamos

nessa pesquisa apreender as implicações da inserção da economia da borracha no estado da

Bahia, segunda maior produtora do país. E, como esta expansão reorganizou os espaços e as

relações sociais, a fim de garantir e manter a produção de mercadorias.

2.4 A produção do espaço do município de Igrapiúna a partir da inserção da

produção de borracha

As plantações de seringueira foram introduzidas na Bahia no início do século XX, no

município de Una, local onde se instalou uma estação experimental, porém sua exploração

comercial ocorreu em meados da década de 1950, por indústrias de pneumáticos na atual

região do Baixo Sul da Bahia. Na época, o sistema de monocultura se mostrava

economicamente viável, motivando governo e empresas a prosseguirem com a prática nas

recém- formadas regiões produtivas do estado. A fabricante internacional de pneus Firestone

comprou uma área de dez mil hectares (denominada Fazenda Três Pancadas, entre os

municípios de Igrapiúna e Ituberá) para implantar o monocultivo da seringueira para a

extração de látex, assim tornando o novo projeto empresarial análogo ao projeto da

“Fordlandia” no Pará. A atividade econômica da borracha passou a ser difundida na região e

paulatinamente foi expandindo-se para outras áreas da Bahia. (LIMA, 2011; SILVA, 2013).

[...] já sob comando da Firestone, a estratégia era introduzir a seringueira em

escala comercial no Baixo Sul da Bahia para suprir parte da demanda da

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borracha natural utilizada na própria fabricação de pneus. Isso porque havia

uma determinação do Governo brasileiro de que as fábricas de pneus

instaladas no País só podiam importar 60% da borracha consumida, devendo, portanto, produzir os outros 40% no Brasil. A Firestone, então,

encontrando as condições edafoclimáticas e de mão-de-obra ideais se

instalou na região, começando um processo de substituição da Mata

Atlântica por seringais. (LIMA, 2011, p. 65).

Nesse período da introdução da seringueira no Baixo Sul, outros cultivos também

foram inseridos como: o guaraná, o cravo da índia e a expansão das fazendas de cacau, que se

concentravam anteriormente na região do Sul e Extremo Sul da Bahia.

Esse período é marcado por uma forte presença do Estado no incentivo e manutenção

para garantir a produção de borracha pela indústria Firestone no Baixo Sul. Deste modo, era

concedida a Firestone autonomia para “[...] desmatar, contratar mão-de-obra, construir vilas

de moradores com equipamentos urbanos e promover, a seu modo, as ações sociais”. (LIMA,

2011, p.65). Na década de 1970 o Estado amplia as áreas de produção de seringueiras a partir

do financiamento para pequenos agricultores que tivessem interesse em produzir de dois a

cinco hectares. (LIMA, 2011).

Na década de 1980 a Firestone vende a Fazenda para a Companhia Brasileira de

Borracha (CBB), e em 1983 a CBB repassa a fazenda para a indústria de pneus Michelin. A

partir deste ano a fazenda fica conhecida como Plantações Michelin Bahia (PMB).

As atuais políticas de desenvolvimento para o agronegócio da borracha no estado da

Bahia são apontadas como importantes na dinâmica social e econômica das áreas de produção

de borracha, as quais estão espacializadas na porção sul do estado. Conforme Figura 06.

Compreendendo os municípios: Alcobaça, Arataca, Barro Preto, Belmonte, Buerarema,

Camacan, Camamu, Caravelas, Coaraci, Gandu, Guaratinga, Ibicaraí, Ibirapitanga, Ibirataia,

Igrapiúna, Ilhéus, Itabela, Itabuna, Itacaré, Itajuípe, Itamaraju, Ituberá, Jiquiriçá, Jucuruçu,

Maraú, Mascote, Mutuípe, Nilo Peçanha, Pau Brasil, Piraí do Norte, Porto Seguro, Prado,

Presidente Tancredo Neves, Santa Cruz Cabrália, Santa Luzia, São José da Vitória, São

Miguel das Matas, Taperoá, Teolândia, Una, Uruçuca, Valença e Wenceslau Guimarães.

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Figura 06: Distribuição do cultivo da seringueira no estado da Bahia em 2015, contendo a

produção em toneladas por município.

As áreas de produção estão distribuídas em polos: o Polo de Ituberá (Território de

Identidade do Baixo Sul), o Polo de Una (Território de Identidade Litoral Sul) e o Polo de

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Itamaraju (Território de identidade do Extremo Sul). (Fonte: SEAGRI, 201530

). De acordo

com a Figura 07.

Figura 07: Polos da produção da borracha no estado da Bahia.

Para garantir o desenvolvimento dos polos de produção e expansão da heveicultura

foram estabelecidas parcerias públicas e privadas. As ações firmadas no setor público estão

nos convênios com: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); Secretaria da

Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (SEAGRI); Secretaria de Ciência e

Tecnologia (SECTI); Companhia de desenvolvimento e ação regional (CAR); Comissão

30 Informação extraída do PLANO SAFRA da agricultura, pecuária, pesca e Aquicultura da Bahia 2015/2016.

Da Secretária de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (SEAGRI).

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executiva do plano da lavoura cacaueira (CEPLAC);); Banco do Brasil e o Banco do

Nordeste.

Com relação ao setor privado são realizadas as parcerias com as indústrias

pneumáticas, instaladas no estado, segundo dados da Associação Nacional das Indústrias de

Pneumáticos (ANIP), a Bahia conta com três indústrias: a Pirelli (no Centro Industrial do

Subaé, em Feira de Santana), grupo Continental do Brasil e o grupo Bridgestone (ambas no

Polo de Camaçari). Além de duas usinas de beneficiamento do látex do grupo Michelin e da

Agroindústria Ituberá, respectivamente instaladas no município de Igrapiúna e Ituberá. Estão

presentes na parceria também a Federação da Agricultura do Estado da Bahia (FAEB) e o

Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-BA).

No Plano Safra da Bahia (2015-2016) a autossuficiência na produção de borracha é a

meta principal. Assim, o plano prevê a implantação de “100 mil hectares de seringueira entre

os anos de 2013 e 2032, sendo 75% em sistemas agroflorestais (SAFs) e 25% em substituição

de eritrina por seringueira em plantios de cacau, com recursos globais da ordem de R$1,6

bilhões” (BAHIA, 2015). Além disso, a distribuição de mudas para as unidades de produção

familiar é uma das metas dos planos em parceria com as indústrias de pneumáticos.

Diante desse processo de territorialização do capital internacionalizado sobre a região

do Baixo Sul, novas reconfigurações espaciais foram sendo estabelecidas. A expansão da

economia da borracha implicou na emancipação do município de Igrapiúna, pois sua

instituição teve como argumento a expansão da atividade da borracha. Neste sentido, o lócus

de nossa pesquisa se estabelece neste município; para tanto, abordaremos a formação

territorial de Igrapiúna no contexto da região do Baixo Sul da Bahia, bem como hoje está

organizado o município diante da monopolização do território para a produção de borracha

natural a partir das unidades de produção familiar.

2.4.1. Os determinantes históricos da formação do município de Igrapiúna

A produção do espaço no estado da Bahia não ocorreu de forma homogênea, assim

como a formação e organização do espaço geográfico brasileiro, os quais carregam no

processo de constituição as contradições e os conflitos inerentes ao modo de produção

capitalista, introduzidos ainda no período colonial. Deste modo, o processo de produção do

espaço ocorreu/ocorre em um determinado tempo-espaço, com a finalidade de garantir a

expansão e acumulação do capital por meio da exploração do trabalho.

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No intuito de compreendermos a produção do espaço no município de Igrapiúna, é

necessário trazermos os determinantes históricos, e como estes se inserem na lógica de

reprodução e acumulação do capital. Esses determinantes também nos permitem compreender

como, porque, para que e para quem a produção do espaço foi sendo instituída, e como a

realidade atual do município está atrelada aos processos pretéritos.

No período colonial, as estratégias para a ocupação do espaço brasileiro deram-se por

meio das capitanias hereditárias no primeiro momento, e das sesmarias concomitante à

instalação do governo geral. O primeiro tipo de regime envolvia a doação de terras para

homens nobres da coroa, que dispusessem de recursos para colonizar novas terras sem grande

ônus financeiro a metrópole. No entanto, esse sistema não prosperou, levando Portugal a

extingui-lo e substituindo-o pelo regime de sesmarias junto à instalação do governo geral no

ano de 1549.

Por esse novo sistema, as terras (o solo e seus recursos naturais) eram

distribuídas a quem as requeresse, desde que apresentasse posses e condições

outras que lhe permitissem explorá-la para a agricultura e a pecuária, principalmente. Por seu turno, a Coroa mantinha intocado o monopólio sobre

o comércio externo, a cobrança de impostos e, evidentemente, a concessão

de terras. (COSTA, 2013, p.28).

O processo de ocupação e colonização ocasionou profundas transformações na

estrutura socioespacial, por meio da dominação e expropriação dos povos indígenas; e da

inserção de uma economia colonial sustentada na exportação de monocultivos, como a cana

de açúcar, o algodão, e o café. Estes eram baseados, sobretudo no trabalho escravo, e cuja

finalidade estava em abastecer o comércio europeu (OLIVEIRA, 2007).

O início da ocupação da área onde posteriormente se constituiria o município de

Igrapiúna ocorreu aproximadamente no século XVI, com a divisão do território em capitanias

hereditárias e, depois, na produção de gêneros alimentícios, como a produção de farinha, para

abastecer os engenhos do Recôncavo baiano e Salvador. Nesse processo de dominação e

controle da coroa portuguesa, os espaços foram sendo produzidos para garantir o

desenvolvimento e manutenção da agricultura de exportação da época – a cana de açúcar.

Conforme Moreira (2015, p. 46), “durante todo o período colonial é por excelência a lavoura

de cana de açúcar o epicentro de todo o arranjo do espaço”. Vale destacar, que atrelado ao

desenvolvimento da lavoura canavieira estavam às zonas de produção de alimentos,

responsáveis pelo abastecimento dos engenhos.

Nesse sentido, a sesmaria “das doze léguas”, localizada no extremo norte da capitania

de Ilhéus e ao sul da cidade de Salvador, desenvolveu-se como zona produtora de farinha de

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mandioca31

. Segundo Dias (2007, p.58) [...] “a colônia tinha a mandioca como planta

dominante e a sua farinha como principal alimento, o chamado „pão da terra‟”. Caio Prado

Júnior (2008) apontou esse tipo de atividade como acessória, ou seja, “cujo fim é manter em

funcionamento aquela economia de exportação [...] se destinam a fornecer os meios de

subsistência à população empregada nesta última, e poderíamos, em oposição à outra,

denominá-la economia de subsistência”. (PRADO JÚNIOR, 2008, p.41).

A sesmaria “das doze léguas” foi doada aos jesuítas do colégio da Bahia em 1562. As

terras compreendiam 12 léguas desde a margem norte do rio de Contas até Tinharé. (DIAS,

2007). O primeiro núcleo de povoamento da sesmaria é fundado ainda no século XVI, a aldeia

Nossa Senhora da Assunção de Macamamu ou Camamu, onde existiam cerca de 4.000 índios

Tupiniquins aldeados32

sob o domínio dos jesuítas. De acordo com Marcelo Dias (2007) é

muito provável que os primeiros núcleos de povoamento na parte norte da capitania tenham

sido formados com os aldeamentos administrados pelos jesuítas, e diante desse controle das

terras da sesmaria pelos missionários, os portugueses conseguiram adentrar com maior

facilidade nos espaços que não haviam sido explorados.

Segundo Dias (2007, p. 49),

O segundo núcleo de povoamento da zona setentrional da capitania foi obra dos jesuítas do colégio da Bahia, os quais houveram do governador Mem de

Sá a doação de doze léguas de terras localizadas entre o rio de Contas e a

baía de Camamu, propriedade oriunda de uma primeira doação feita a Mem

de Sá, ainda no tempo do primeiro donatário. Esta grande área, que ficou conhecida como o “fundo das doze léguas” ou “terras de Camamu”.

No século XVII, Camamu é elevada à categoria de vila, sendo essa em nível

econômico, “a mais importante da capitania de Ilhéus ao longo de todo período em que

vigorou o conchavo das farinhas (1648-1738), o que se prorrogou até o momento da expulsão

dos jesuítas e da extinção da donataria (1759-1761)”. (DIAS, 2007, p.325). Com o destaque

para a produção de farinha, a vila de Camamu junto às vilas de Cairu e Boipeba são

31 O desenvolvimento acelerado da cultura açucareira no Recôncavo baiano forçava a agricultura de alimentos em áreas menos “privilegiadas”. A produção e comercialização de farinha de mandioca viriam “dar vida àquela

parte da capitania”. (SANTOS, 2004, p.19). 32 Os aldeamentos foram instituídos em 1548 no período da implantação do governo geral, ganhando mais

impulso na administração do terceiro governador geral Mem de Sá (1557-1572). Para além do discurso religioso

de conversão dos índios, os aldeamentos tinham como projeto mais amplo a manipulação e controle da

população indígena. Os aldeamentos deveriam ficar situados a pouca distância das povoações coloniais, dado o

seu potencial como reduto de mão de obra indígena acessível aos colonos e sua função protetora em relação à

invasão de outros povos indígenas e estrangeiros, além da formação de soldados para formação de tropas

(SANTOS, 2004, p.11).

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denominadas pela coroa portuguesa como as “vilas de baixo”, devido a sua localização no

litoral ao sul de Salvador.

Tão rapidamente se desenvolveu a produção do gênero que em pouco tempo

as “vilas de baixo” se transformaram no “celeiro de Salvador”, fornecendo farinha de mandioca para a cidade e para os engenhos do Recôncavo como

também para as armadas ou frotas de comboio que, partindo para a Índia ou

para a África, buscavam diretamente ali os seus mantimentos (SANTOS, 2004, p.25).

A produção da farinha nas “vilas de baixo” se instituiu a partir de uma mão de obra

escrava indígena e de negros africanos.

Na primeira metade do século XVIII, mais da metade da população da vila de Camamu era composta por cativos de origem africana, o que atesta a

hegemonia daquela força de trabalho nas lavouras comerciais. Enquanto os

jesuítas estiveram presentes, o trabalho indígena ficava mais restrito aos próprios aldeamentos. (DIAS, 2007, p.326).

E, diante das relações de trabalho que predominavam, coexistia uma estrutura

fundiária concentrada em regime de sesmaria – administrada por jesuítas, os quais

arrendavam as terras a pequenos produtores e colonos pobres para o desenvolvimento do

cultivo de mandioca, que se tornou uma especialização das vilas sob forte pressão do Estado.

A produção da farinha predominou na vida econômica da região por todo o período colonial.

As condições para ocupação dos espaços no período colonial deram-se a partir da

influência de fatores naturais, como os rios, principal via de penetração ao interior e de

conexão com o litoral. Dias (2007) aponta em seus estudos sobre a sesmaria de Camamu que

esta era uma importante via de transporte para a capital da colônia, como também para a

ocupação de novas áreas ao interior da sesmaria. Conforme apresentado no quadro 01.

[...] as terras margeadas pela baía de Camamu e seus afluentes são lugar à ampla comunicação por embarcações dentro do território e para fora da baía,

rumo à Salvador. São vários braços de água que penetram o continente,

transformando as margens dos rios em espaços adequados para o estabelecimento de lavouras comerciais. (DIAS, 2007, p. 326-327).

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Quadro 01: Povoações e lugares pertencentes à Freguesia de Camamu.

Fonte: Dias, 2007.

A ampliação do povoamento ao interior da sesmaria de Camamu iniciou-se pelos

canais de rios, pois os mesmos eram utilizados como caminhos de acesso. A facilidade de

circulação e a fertilidade das terras à margem dos cursos d‟água condicionaram a ocupação de

vários povoamentos no interior da sesmaria; associado a esses fatores, a lavoura da mandioca

também se expandiu para o interior, assim como a atividade madeireira. No período colonial

os rios foram essenciais para a expansão territorial, pois serviam de caminhos, deles fazendo

brotar núcleos de povoamento. A analogia entre as redes hidrográficas e a expansão territorial

no período colonial já foi analisado em outros trabalhos, a exemplo da tese de Nacelice de

Freitas (2013), na qual é descrita a expansão territorial do sertão baiano, em consonância com

os rios, destacando o rio Paraguaçu e a sua influência na formação do povoamento do atual

município de Feira de Santana.

A ocupação das terras de Igrapiúna ocorreu mediante a expansão da freguesia de

Camamu ao interior do continente, por meio dos caminhos de povoamento – os canais fluviais

e, posteriormente, a abertura de estradas. No início da ocupação o transporte era todo feito,

ANO FREGUESIA POVOAÇÕES E

LUGARES

PRODUÇÃO

MERCANTIL

1757

Nossa Senhora da Assunção do Camamu

(margens povoadas): - Rio Acarahy - Rio Conduru - Rio Mataperas - Rio Maraú - Rio Tiriri - Rio Pinaré - Rio Igrapiúna - Barra do Serinhaém. - Rio do Campo - Tambarauê

Farinha de mandioca

1799 Camamu - Conduru - Pinaré - Camosim - Igrapiúna

Farinha de mandioca; café; arroz

1808 Camamu - Finca - Lugar do poço - Acarahy - Santarém - Igrapiúna

Farinha de mandioca, café,

arroz, madeiras de tapinhoã e

aguardente.

1818 Camamu - Margens do rio Conduru e

afluentes - Acarahy - Pinaré -Igrapiúna

Farinha de mandioca, café,

arroz e poucas canas.

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exclusivamente, através de barcos, assim a povoação de Igrapiúna foi desenvolvendo-se como

um centro mercantil, vivendo em função dos roçados e do cais fluvial.

Igrapiúna surgiu de uma aldeia de índios tupiniquins denominada „Igarapé-Una‟ que

em Tupi Guarani significa pequeno rio de águas escuras. (IBGE, 2017). Por volta do século

XVIII, inicia-se a ocupação das margens do rio que lhe empresta o nome. Com a abertura da

estrada real no século XIX (atualmente conhecida como BA 001), permitiu-se o avanço da

ocupação para além das zonas fluviais. Na Figura 08, podemos observar o rio Igrapiúna e a

BA 001, cortando a área urbana do município.

Entre o final do século XVIII e o início do XIX, a abertura e o

aperfeiçoamento da estrada desde a vila de Camamu em direção a Valença –

passando pelas povoações de Igrapiúna, Pinaré, pela vila indígena de Santarém, em demanda da vila de Nova Boipeba, seguindo daí para as

povoações de Jordão, Taperoá, Camurugi, Maricoabo etc. – abriu

definitivamente a fronteira. Permitia-se, a partir de então, o estabelecimento

de unidades produtivas ao longo da dita estrada, na “terra dura”, uma alternativa de transporte capaz de expandir a ocupação de terras para além

das margens dos rios navegáveis. (DIAS, 2007, p. 253).

Figura 08: Fotografia do rio Igrapiúna e da BA 001, cortando a área urbana do município de

Igrapiúna.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

A igreja de Nossa Senhora das Dores, padroeira da localidade, conforme a Figura 09,

também representa um marco na formação territorial de Igrapiúna. Sua construção iniciou-se

ainda no século XVIII. Ao redor da igreja se desenvolveu o povoamento, favorecendo o

BA001

Rio Igrapiúna

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crescimento e a ocupação das terras de Igrapiúna. Um processo análogo que ocorreu em

vários outros municípios do Brasil.

Figura 09: Igreja de Nossa Senhora das Dores padroeira de Igrapiúna: Início do século XIX,

já construída (A) e na atualidade, século XXI.

Fonte: Prefeitura de Igrapiúna (A); e (B) trabalho de campo, 2016.

Os relatos do período apontam que Igrapiúna destacava-se em tamanho dentre as

povoações da Capitania de Ilhéus. Os povos se empregavam na plantação de mandioca, arroz,

café, cana-de-açúcar para aguardente, além do corte de madeiras. Em 1816, a povoação já

contava com quatro engenhos de Pilar cereal. (DIAS, 2007). Nesse sentido, a divisão do

trabalho neste período esteve pautada na produção da lavoura comercial, a qual se consolidou

sobre o território.

A criação do município de Igrapiúna aconteceu somente nos anos de 1980. O primeiro

pedido de emancipação aconteceu em 1962, mas foi negado. Em 1980 nova solicitação foi

dirigida a assembléia legislativa do estado da Bahia, fundamentada, desta vez, na expansão do

cultivo de seringueira. Em 1989, Igrapiúna é elevada a categoria de município,

desmembrando-se da jurisdição de Camamu.

B

A

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2.4.2. A expansão da produção de borracha no município de Igrapiúna

O município de Igrapiúna localiza-se na porção sul do estado da Bahia, segundo a

atual proposta estadual de regionalização, no território de Identidade do Baixo Sul33

. Ao

contrário da maior parte da população brasileira, este município apresenta 68% dos seus

habitantes (9.068) residentes em áreas rurais (IBGE, 2010), tendo a agricultura e a

piscicultura como principais fontes de renda.

O território do Baixo Sul destaca-se no estado da Bahia pelo desenvolvimento de

cultivos como: mandioca, banana, dendê, palmito, pimenta do reino, cravo da índia, guaraná,

cupuaçu, borracha, dentre outros. Atualmente, Igrapiúna destaca-se entre os municípios

baianos e do nordeste na produção de borracha natural; no ano de 2015 foram registrados 12,6

mil toneladas de borracha (látex coagulado), segundo dados do IBGE (2015).

Essa produção destina-se, primeiramente, para as usinas de beneficiamento do látex,

que transformam o cernambi (ou coágulo, como é popularmente conhecido) em GEB 1

(Granulado Escuro Brasileiro)34

. Este produto é destinado principalmente para as indústrias

pneumáticas. No município de Igrapiúna encontra-se instalada a usina de beneficiamento do

látex do grupo Michelin, a qual destina a produção do GEB 1 às suas indústrias de pneus no

Rio de janeiro.

Partes da produção do GEB 1 que são descartadas pelo controle de qualidade

da empresa são fornecidas para a indústria de autopeças para a fabricação de peças e acessórios, como amortecedores, calço de motor, buchas etc. E,

eventualmente, a empresa, por questões estratégicas, também vende

pequenos volumes de GEB 1 para outras indústrias de pneus, caso da Pirelli

e da Goodyear. (LIMA, 2007, p.76).

Além da usina de beneficiamento do látex, o município de Igrapiúna possui a usina de

beneficiamento do palmito – Ambial Agroindústria35

, pertencente ao grupo Odebrecht e se

encontra em construção, com recursos do governo do Estado uma unidade comunitária de

beneficiamento de frutas, no polo empresarial da Agroindústria (PLEMA). Conforme Figura

10.

Os dados da produção agrícola do município de Igrapiúna, divulgados pelo IBGE,

mostram que a borracha natural destaca-se em área destinada à colheita, em relação a outros

cultivos tradicionais da região, como o cacau, o dendê e o palmito, conforme Figura 11. Esse

33 O território do Baixo Sul baiano compreende os municípios de: Aratuípe, Cairu, Camamu, Gandu,

Ibirapitanga, Igrapiúna, Ituberá, Jaguaripe, Nilo Peçanha, Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá,

Teolândia, Valença e Wenceslau Guimarães 34 O GEB 1 consegue agregar maior valor comercial que o cernambi ou coágulo. 35 Pertenceu primeiramente ao Grupo Michelin que posteriormente vendeu a usina para o Grupo Odebrecht.

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destaque em área para a produção de borracha está interligado com os projetos que foram

desenvolvidos entre as instituições públicas e privadas, para o aumento da produção de

borracha na Bahia, a fim de atender a demanda do consumo das indústrias pneumáticas que

estão instaladas no estado.

Figura 10: Usinas de beneficiamentos do município de Igrapiúna: usina de beneficiamento do

látex (A); Usina de processamento do palmito (B) e a construção da usina de beneficiamento

da fruta (C)

Fonte: Pesquisa de campo, 2015, 2016.

A partir dos dados fornecidos pelo IBGE (2015), podemos observar que em vinte e um

anos (1994 – 2015), no município, houve uma pequena expansão da área plantada para o

cultivo de seringueira. No entanto, houve um crescimento vertiginoso da produtividade de

borracha natural nos últimos dez anos. (Figura 12).

Acreditamos que esse crescimento esteja ligado ao processo de reestruturação da

produção, mediante a renovação dos seringais antigos e inserção de clones com maior índice

de produtividade, a implantação dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) em unidades

camponesas.

A

B C

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Figura 11: Área destinada à colheita (ha) – Borracha, Cacau, Dendê, Palmito – município de

Igrapiúna/BA

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal 2005- 2015.

Figura 12: Área destinada à colheita (ha) e produção (t) da Borracha natural – município de

Igrapiúna/BA

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal 1994 - 2015.

Atualmente, a produção de borracha natural no estado da Bahia tem se desenvolvido

em unidades de produção familiar, sob a lógica da monopolização do território. Esse processo

é intrínseco à reprodução ampliada do capital em nível global; assim, garante-se a

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maximização dos seus lucros, a partir da reestruturação do espaço agrário, onde a

monopolização da borracha se faz presente e crescente, mediante a subordinação da produção

camponesa aos ditames do agronegócio da borracha e à extração da renda da terra.

No Brasil, hodiernamente, a heveicultura (o cultivo de seringueira) só consegue

abastecer o mercado interno, pois a demanda por borracha natural é maior que a produção

nacional. Diante dessa insuficiência, o país tornou-se importador da matéria-prima.

Somente a indústria de pneus consome cerca de 80% da produção de borracha natural

mundial. De acordo com dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP)

em 2014 foram produzidos 68,8 milhões de unidades de pneus no Brasil para diversos tipos

de transportes, com destaque para a produção de pneus para caminhões, ônibus e carros de

passeio, conforme Figura 13. Os outros 20% da produção da borracha natural são utilizados

na indústria de artefatos em diversos setores como:

- Hospitalar: cateteres, próteses, tubos, preservativos, luvas cirúrgicas, etc;

- Brinquedos: bexigas, bonecos, máscaras;

- Vestuário: tecidos emborrachados, meias, elásticos;

- Calçados: solados, adesivos e etc;

- Construção civil: pisos e revestimentos de borracha, placas, vedantes, etc.

- Maquinário agrícola e industrial: revestimento interno de cilindros, artigos prensados

e peças em geral;

- Autopeças: câmaras de ar, batedores, coxins, guarnições, retentores, camelback (para

recauchutagem), correias transportadoras e etc. (GRUPO HEVEA BRASIL, 2017).

Figura 13: A porcentagem em produção de pneus por tipo de veículo.

Fonte: MARRONE, 2015.

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Atualmente existem no mercado mundial mais de 40 mil produtos constituídos de

borracha natural (IAC, 2017). Nesse contexto, a produção da borracha natural se inseriu no

circuito mundial das mercadorias, e seus preços passaram a ser regulamentados em bolsas de

valores e futuros. No aspecto econômico, esse processo tem tornado os produtores de

borracha reféns dos ditames do mercado mundial.

A bolsa de Cingapura é hoje responsável pela cotação da borracha natural, deste modo,

o preço da borracha doméstica é diretamente influenciado pelo preço internacional. O sudeste

asiático detém o ranking mundial em produção e exportação. Conforme a Figura 14

evidencia-se que países como a Tailândia, a Indonésia, o Vietnã, a China e a Malásia

concentram a produção de borracha natural na escala mundial.

É importante observarmos que a expansão e investimento da produção de borracha

natural para outros países é parte do movimento de reprodução ampliada do capital, “sempre a

procura de áreas de menores custos de produção e de maior competitividade e lucratividade”.

(OLIVEIRA; SANTOS, 2016, p. 44).

Figura 14: Os cinco maiores produtores de borracha no mundo (Dados 2015).

Fonte: Banco Mundial, 2016. Elaborado: Karla Christiane Ribeiro Tanan, 2017.

Perante o cenário de expansão da produção de borracha natural, o Brasil não

conseguiu alcançar o mesmo desempenho que detinha no período de culminância da atividade

da borracha (Século XIX e início do XX). São vários os fatores que culminaram no declínio,

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entre eles, a questão fitossanitária, com a incidência do fungo Microcyclusulei, responsável

pela doença do mal das folhas nos seringais, esse tipo de fungo prolifera-se devido às

condições ambientais com o clima quente e úmido (regiões tropicais) e com o cultivo dos

seringais em monocultivo.

Com o intuito de reduzir os danos provocados pela infestação da já citada doença, o

Estado brasileiro tem investido em parceria com instituições privadas na seleção de clones,

aplicação química e controle biológico para garantir a produção e o aumento da produtividade

do látex. No entanto, a demanda e a oferta encontram-se distanciadas. De acordo com o

Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em 2020, o Brasil consumirá 570 mil toneladas de

borracha, mas a produção será de apenas 360 mil toneladas.

O Governo brasileiro, em 2016, elevou a alíquota de importação da borracha de 4%

para 14%, a medida pretende preservar a oferta interna, que corre riscos com a queda nos

preços internacionais do látex. Em entrevista ao Canal Rural, em 25/12/2016, o presidente da

Câmara Setorial da Borracha Natural do Ministério da Agricultura, Fernando do Val Guerra

afirmou que: “Essa elevação temporária do imposto de importação tem a função de

salvaguardar o potencial produtivo brasileiro, viabilizando o tempo necessário à condução

do setor para um patamar superior de competitividade”.

De acordo com dados do Banco Mundial, conforme a Figura 15 o Brasil aparece entre

os dez países que mais consomem borracha no mundo. No ranking mundial aparece como

maior consumidor de borracha natural a China (38%), seguida da União Europeia (10%),

Índia (8%), Estados Unidos (8%), Japão (6%), Tailândia (5%), Indonésia (5%), Malásia (4%),

Brasil (3%), Coréia (3%) e outros (10%).

O Brasil importou no ano de 2015, 219 mil toneladas de borracha natural36

, para uma

produção nacional de 319 mil toneladas, conforme o Tabela 02 apresentada, no qual se

compara a produção versus importações. A produção de borracha natural no Brasil vem

aumentando em ritmo crescente, entre os anos de 2006 a 2015, a produção cresceu em torno

de quase 100%. No entanto, existe uma carência ainda da matéria-prima para suprir as

indústrias, pois o consumo de borracha natural é inversamente proporcional à produção.

As importações de borracha natural são originadas de vários países, mas o destaque

são os países asiáticos como: Tailândia, Malásia e Indonésia que dominam e controlam a

produção mundial. Conforme Fernando de Val Guerra, “A importação de borracha de países

asiáticos a preços abaixo do ponto de sustentabilidade mundial para a cultura prejudica a

36 A borracha natural faz parte do grupo de produtos florestais do agronegócio.

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evolução da produção nacional, que caminha a passos largos para uma autossuficiência

moderna e competitiva”. (CANAL RURAL, 2016).

Figura 15: Países consumidores de borracha em escala mundial.

Fonte: Banco Mundial, 2016. Elaborado: Tanan, 2017.

Tabela 02 – Comparação entre a produção e importação de borracha natural no Brasil.

BORRACHA NATURAL

(mil toneladas) Ano Produção Importação

2006 175 187

2007 185 230

2008 201 244

2009 211 162

2010 223 260

2011 274 235

2012 295 193

2013 309 220

2014 320 240

2015 319 219 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal/ Ministério da agricultura, pecuária e abastecimento, 2006/2015.

Elaborado: Karla Christiane Ribeiro Tanan, 2017.

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Esses fatores tornam essa atividade bastante peculiar, e à mercê das oscilações do

mercado internacional. Isso afeta diretamente os produtores de borracha, ocasionando,

alternadamente, momentos de retração e expansão da atividade, como aponta em situação

análoga, Paulino (2012) em sua análise sobre a sericicultura no estado do Paraná.

Conforme Paulino (2012, p. 155) “nas últimas décadas, o preço de quase todos os

produtos primários vem caindo sistematicamente, salvo breves altas conjunturais, logo

anuladas pela tendência inversa”. Isso também se aplica à heveicultura, pois o quilo da

borracha natural, que em 2011 era vendido a US$ 4,52 dólares, atualmente alcança US$ 1,37

no mercado internacional, segundo dados fornecidos pelo Banco Mundial (2015). Neste

sentido, considera-se a Figura 16 a seguir, que apresenta os preços da borracha natural no

mercado mundial nos últimos dez anos (2005-2015) e a vertiginosa queda dos preços.

Figura 16. Oscilação de preço da borracha natural (US$/Kg) entre 2005 e 2015.

Fonte: Relatório do Banco Mundial (O World Bank's Commodity Markets Outlook), 2016. Elaboração por Tanan, 2015.

A partir dos dados apresentados acima, percebe-se que as oscilações dos preços da

borracha natural no mercado mundial estão relacionadas à ocorrência de crises, aumento da

demanda da matéria-prima e estoques. No ano de 2008, a demanda mundial por borracha

sofreu uma grave retração, como resultado da crise imobiliária dos Estados Unidos, que

comprometeu o preço da commodity da borracha natural no mercado mundial.

Em 2011, a borracha natural atinge seu recorde no preço, por causa do aumento na

demanda do mercado mundial e a quebra da safra na Tailândia e problemas na Indonésia que

junto com Malásia são os principais produtores de borracha mundial (FOLHA DE S. PAULO

2012). No período de 2012 a 2015 os preços estiveram em queda novamente, segundo

Fernando do Val Guerra, essas recorrentes quedas nos preços da borracha natural estão

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associadas: a) ao excesso de oferta do mercado exterior; b) à desaceleração da Europa e dos

Estados Unidos; c) e à China, grande consumidora da matéria-prima, que fez um estoque

muito grande de borracha forçando os preços para baixo. (BOM DIA CAMPO, 2015). Deste

modo, existe uma tendência de preços cada vez menores na comercialização da borracha

natural com as constantes crises que se propagam no mercado mundial.

Nesse movimento de retração dos preços da borracha e das constantes crises que se

instalaram sobre o mercado mundial, essa atividade tornou-se totalmente à mercê das

oscilações do mercado, assim como quase todas as commodities. Deste modo, os monopólios

industriais passam a ter pouco interesse em atividades mais instáveis, nas quais os prejuízos

sejam mais suscetíveis. (PAULINO, 2012).

No caso especifico do lócus da nossa pesquisa, o plantio e a extração de borracha

natural passaram a ser dirigidos pelos camponeses, mediante a saída do grupo Michelin da

produção direta de sua principal matéria-prima para a fabricação de pneus.

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CAPÍTULO 3

A MONOPOLIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NO MUNICÍPIO DE

IGRAPIÚNA

O campo irradia pobreza para muitos e riqueza para bem poucos

(EDUARDO GALEANO, 2015)

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CAPÍTULO 3: A MONOPOLIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA BORRACHA NO

MUNICÍPIO DE IGRAPIÚNA

3.1. A expansão do capital no campo e a subordinação das relações não capitalistas de

produção

O desenvolvimento da agricultura em escala comercial tem provocado várias

transformações e adaptações no espaço agrário, desde o período colonial até os dias atuais. De

acordo com Oliveira (2007), essa agricultura tem como finalidade abastecer indústrias e

cidades, mas cabe ressaltar que essa ampliação da agricultura ocorreu de maneira particular e

distinta em cada país, mesmo com alguns traços em comum. Dessa forma, “a agricultura

desenvolveu-se em duas direções: de um lado, a agricultura especificamente capitalista,

baseada no trabalho assalariado e nos arrendamentos; de outro, a agricultura baseada na

articulação com as formas de produção não capitalista”. (OLIVEIRA, 2007, p.21).

A agricultura capitalista traz consigo transformações nas relações de trabalho e de

produção, o trabalhador passa a ser “livre” para vender sua força de trabalho. De acordo com

Martins (1983, p. 152) “os trabalhadores se transformam em trabalhadores livres, isto é,

libertos de toda propriedade que não seja a propriedade da sua força de trabalho, da sua

capacidade de trabalhar”. Nesse processo, o trabalhador é expropriado dos seus meios de

produção (ferramentas, máquinas, matéria-prima e objetos), necessários à sua realização

enquanto tal, diante desta realidade o trabalhador não tem escolha, senão a de vender a sua

força de trabalho ao capitalista que detém os meios de produção. Desse modo, os proprietários

dos meios de produção controlam os instrumentos de trabalho, enquanto os trabalhadores

detêm a força de trabalho.

O trabalhador no campo não está subjugado a nenhum proprietário de terra, por isso,

ele é livre para vender sua força de trabalho. A relação social existente nesse processo é

baseada na liberdade e na igualdade, não existe uma relação de dominação de um sobre o

outro, porque é uma relação mediada na troca, “no sentido que um vende e o outro compra

força de trabalho, um trabalha e o outro, paga um salário pelo trabalhador. A relação de

compra e venda só pode existir entre pessoas formalmente iguais”. (MARTINS, 1983, p.153).

A força de trabalho é trocada na forma salário, pago pelo proprietário dos meios de

produção.

O valor da força de trabalho é medido pela parte do valor, da riqueza, criada

pelo trabalhador com seu trabalho que a ele retorna por intermédio do

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capitalista, sob a forma de salário [...] a função do salário é a de recriar o

trabalhador, fazer com que o homem que trabalha reapareça como

trabalhador do capital. Assim, ele recria ao mesmo tempo a sua liberdade e a sua sujeição. (MARTINS, 1983, p.154).

Vale salientar que o salário não pode ser efetuado acima da taxa média de lucro. Logo,

o salário é determinado socialmente e não individualmente. O capitalista que resolve pagar

salários acima da taxa média de lucros corre o risco de obter prejuízos. A essência das

relações no capitalismo está pautada na exploração social, disfarçada de legítima, como

aponta Martins (1983),

A relação social capitalista é uma relação, ao mesmo tempo, aparentemente

igual entre pessoas iguais, mas que produz resultados econômicos

profundamente desiguais entre si, que são o salário e o lucro (o valor a mais criado pelo trabalhador e que não fica com ele, a chamada mais-valia),

personificados por pessoas de fato desiguais, que são o trabalhador e o

capitalista. (MARTINS, 1983, p. 155).

Assim, a relação que, de início, no plano jurídico era de igualdade, revela

sua verdadeira face, tornando-se no plano econômico, uma relação de

desigualdade: o capitalista ganha e o trabalhador perde. O que o capitalista ganha nessa relação é a fração de valor criado que não é revertida para o

trabalhador (mais-valia) e sim apropriada pelo capitalista sob a forma de

lucro do capital, ou seja, como sendo propriedade do capital. (OLIVEIRA,

2007, p. 37).

O discurso construído no capitalismo é que toda produção é proveniente do capital e

não do trabalho; e para o trabalhador garantir sua sobrevivência, ele precisa depender do

capital. “Dessa forma, a riqueza que o capital acumula não aparece como se fosse retirada do

trabalhador, e sim produto do capital” (OLIVEIRA, 2007, p.37).

Por meio dos pontos abordados enquanto processo do capitalismo em expansão, é

necessário ratificar que as relações capitalistas de produção estão baseadas no assalariamento

do trabalho. E no caso da agricultura essas relações ocorrem quando o capitalista compra ou

arrenda a terra, o principal meio de produção no campo, sendo a terra um bem natural que não

pressupõe trabalho em sua constituição. De acordo com Paulino e Almeida (2010, p.10), “a

terra só proporcionará lucro quando estiver inserida no circuito produtivo, via trabalho

assalariado”. O lucro é a extração de mais-valor não pago ao trabalhador, ou seja, é parte da

riqueza que foi gerada pelos trabalhadores e que não lhes foi devolvida pelos proprietários dos

meios de produção.

Em muitos setores presentes no campo ocorre o assalariamento, principalmente em

processos produtivos que necessitam de pouco tempo de trabalho ou naqueles que o avanço

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tecnológico permite uma redução no tempo de produção em relação ao tempo de trabalho.

(OLIVEIRA, 2007). Porém, essas relações não ocorrem de maneira homogênea no espaço

agrário. No processo de expansão do capitalismo foram criadas formas de controle e produção

dos espaços, deste modo o capitalismo “não só redefine antigas relações, subordinando-as à

reprodução do capital, mas também engendra relações não capitalistas, igual e

contraditoriamente necessárias a essa reprodução”. (MARTINS J., 2013, p. 36).

Deste modo, ainda de acordo com Martins J. (2013) as relações não capitalistas de

produção não significam apenas uma forma de reprodução do capital, mas a reprodução das

contradições que estão presentes no modo de produção capitalista. Nesse movimento de

contradições o capital preserva redefinindo e subordinando essas relações de produção.

O processo de produção no espaço agrário brasileiro é marcado pela heterogeneidade,

pois existem dois tipos de propriedade privada da terra: o latifúndio (capitalista) e a unidade

de produção familiar camponesa; ou seja, de “um lado a classe daqueles que usam a terra para

extrair renda e lucro, e produzir dominação política; do outro, a classe dos camponeses que da

terra precisa para viver. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 58).

Na propriedade capitalista, a terra constitui-se enquanto terra de negócio, com

exploração da força de trabalho, ou seja, extração de mais-valor. Enquanto que a propriedade

camponesa configura-se como terra de trabalho, na qual a força de trabalho constitui-se

familiar. O objetivo não é obter lucro, mas a reprodução familiar camponesa em suas variadas

configurações, “[...] como camponês proprietário, parceiro, rendeiro ou posseiro. É assim que

os próprios capitalistas no campo se utilizam desse processo para produzir o seu capital”.

(OLIVEIRA, 2013, p.129).

É, pois, essa unidade dialética entre a expansão do latifúndio e da unidade camponesa, entre trabalho assalariado e trabalho familiar camponês, e entre

a territorialização do monopólio capitalista e a monopolização de frações do

território dominado pelos camponeses que marca a estrutura agrária do

Brasil. (OLIVEIRA, 1994, p. 14 apud PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 21).

Estrategicamente, o capital articula essas questões no campo, recriando e (re)definindo

as relações sociais e, consequentemente, o espaço. Entende-se, portanto, que através da

produção/reprodução do capital, da extração de mais-valor e da reprodução do trabalho

humano ocorre a organização do território.

Nessa perspectiva, Oliveira (2007, 2011, 2013) apresenta dois conceitos que julgamos

essenciais para o entendimento das transformações nas relações de produção ocorridas no

campo brasileiro, os processos de: territorialização do monopólio e a monopolização do

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território pelo capital. O primeiro ocorre na fusão entre capital industrial e proprietário

fundiário, neste processo os camponeses são expropriados. No segundo, o capital em vez de

se territorializar, monopoliza o território, criando e redefinindo as relações de produção

camponesas que não estão despojadas dos meios de produção. Deste modo,

O capital monopoliza as frações do território dominadas pelos camponeses

para se apropriar da renda da terra gerada pelo trabalho familiar, e que está

contida nos produtos que os camponeses necessitam colocar no mercado. Isso acontece tanto nos casos em que a produção camponesa se constitui em

matérias-primas para a indústria quanto quando o destino da produção é o

consumidor final, em que ocorre a intervenção do capital. (PAULINO, 2007,

p. 345).

Destaca-se que no processo da monopolização do território a riqueza produzida na

unidade de produção familiar camponesa é drenada para o capital, mediante a sujeição da

renda da terra. Deste modo, os capitalistas “realizam a metamorfose da renda da terra,

produzida por relações camponesas (não capitalistas, portanto) em capital”. (PAULINO, 2012,

p. 119). Logo, o camponês insere-se no mercado pelo seu produto, o qual contém trabalho.

[...] o próprio capital cria as condições para que os camponeses produzam

matérias-primas para as indústrias capitalistas ou mesmo viabilizem o

consumo dos produtos industriais no campo (ração na avicultura ou para a

suinocultura). Este processo revela que o capital sujeitou a renda da terra produzida pelos camponeses à sua lógica, ou seja, estamos diante da

metamorfose da renda da terra em capital. O que este processo revela,

portanto, é que estamos presenciando o processo de produção do capital, que nunca é produzido por relações especificamente capitalistas. (OLIVEIRA,

2013, p.129).

A renda da terra está diretamente ligada ao monopólio da terra, ou seja, o controle da

mesma encontra-se, com uma pequena parcela da população, os proprietários fundiários têm

como funcionalidade garantir a ampliação e reprodução do capital a partir do domínio da

agricultura e da propriedade privada.

A propriedade fundiária supõe que certas pessoas têm o monopólio de dispor de determinadas porções do globo terrestre como esferas privativas de sua

vontade particular com exclusão de todas as demais vontades. Isto posto,

trata-se de esclarecer o valor econômico, isto é, a valorização desse

monopólio na base da produção capitalista. (MARX, 2008, p. 824-825).

Nesse processo de relação social de produção o capital pode apropriar-se do trabalho

(força de trabalho) e da terra, transformando-os, em mercadoria. Como afirma Martins (1983)

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o capital tem a tendência de dominar e subordinar todos os setores da produção. Mas o capital

também encontra barreiras na sua ampliação e deste modo,

Só não poderá fazê-lo se diante dele se levantar um obstáculo que o impeça

de circular e dominar livremente, que o impeça de ir adiante. A terra é esse obstáculo. Sem a licença do proprietário da terra, o capital não poderá

subordinar a agricultura. Como o capital tudo transforma em mercadoria,

também a terra passa por essa transformação, adquire preço, pode ser comprada e vendida, pode ser alugada. A licença para a exploração

capitalista da terra depende, pois, de um pagamento ao seu proprietário. Esse

pagamento é a renda da terra. (MARTINS, 1983, p.160-161).

O direito de propriedade da terra garante ao proprietário cobrar um preço pela sua

utilização, nesse caso, o pagamento é realizado pelo arrendatário. Esse tributo é conhecido

historicamente como renda da terra e no capitalismo a sua essência está na propriedade

privada da terra.

A renda da terra é uma categoria de análise econômica que tem por base

fundamental a propriedade privada da terra, pois ela é o direito de cobrar de

toda a sociedade um tributo, pelo monopólio que uma classe social tem pela

propriedade da terra. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2012, p.102).

Vale aqui destacar, que a renda da terra tem sua origem no sistema feudal, mas o

capitalismo apoderou-se dela, dando-lhe uma conotação capitalista. No feudalismo, a renda da

terra se configurava em um tributo individual, que o servo pagava ao senhor feudal pelo

direito de trabalhar na terra. Martins (1983) aborda que a renda da terra, no feudalismo era

paga pelo trabalhador, ou seja, o imposto era deduzido da quantidade produzida, já no

capitalismo, a renda da terra é muito mais complexa, pois, é submetida aos domínios e regras

do capital. Sendo assim, Martins (1983, p.163) aponta que “a renda capitalista da terra não

nasce na produção, mas sim na distribuição da mais valia”. Ou seja, o pagamento que o

capitalista realiza ao proprietário da terra é uma parte da mais valia extraída dos

trabalhadores. “Entre a produção de riqueza e a sua transformação em renda da terra existe a

mediação do capital”. (MARTINS, 1983, p.163).

A categoria renda da terra tem seus fundamentos construídos a partir da economia

política clássica, e entre os autores que discutiram essa categoria estão: Adam Smith, Jean-

Baptiste Say e David Ricardo. Entretanto, Karl Marx, também se utilizará da teoria da renda

da terra, analisando a partir da economia clássica (especificamente em Adam Smith). Marx

considerou na teoria da renda da terra, as especialidades que o modo de produção causou nas

relações sociais envoltas na propriedade privada da terra proporcionada pelas atividades

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agrícolas. Karl Marx dá um salto qualitativo ao refutar a teoria clássica da economia.

(OLIVEIRA JÚNIOR, 2012).

A análise construída sobre a renda da terra a partir da economia clássica é de suma

importância para Marx (2004), que utiliza em vários momentos as obras de Adam Smith,

sendo necessárias para desmitificar a análise da renda da terra construída pela economia

clássica. Para Smith, “a renda da terra é apenas o ganho do capital que o proprietário utilizou

para a melhoria do solo”. (ADAM SMITH apud MARX, 2004, p.61). As características

naturais delimitam e quantificam a renda da terra, ou seja, ele considera a fertilidade do solo e

a localização como fatores determinantes. (MARX, 2004). Desta forma, Smith considera a

renda da terra,

[...] como o produto do poder da natureza, cujo uso o proprietário empresta

ao arrendatário. Esse produto é maior ou menor conforme a extensão desse poder ou, em outras palavras, segundo a extensão da fertilidade natural ou

artificial da terra. É a obra da natureza que fica após a dedução ou a

compreensão de tudo o que se pode considerar como obra do homem (SMITH apud MARX, 2004, p.62).

Smith sustenta a teoria da renda da terra em características e propriedades do meio

físico, ou seja, não é levado em consideração o processo histórico de apropriação da terra

pelas sociedades e a transformação da mesma enquanto propriedade privada. (OLIVEIRA

JÚNIOR, 2012).

Em sua análise teórica sobre a renda da terra, Smith leva em consideração a qualidade

do solo e localização, as quais Marx se refere na sua teoria da renda da terra como renda

diferencial I, e renda diferencial II.

De acordo com Marx (2008),

Qualquer que seja a forma específica da renda fundiária, todos os seus tipos

têm de comum: o apropriar-se da renda da terra é a forma econômica em que se realiza a propriedade fundiária, e a renda fundiária supõe propriedade

fundiária, que determinados indivíduos sejam proprietários de determinadas

parcelas do globo terrestre (MARX, 2008, p.845).

Desse modo, para a extração da renda da terra, é necessária qualquer forma de relação

social de produção estabelecida com o solo. Oliveira Júnior (2012) aponta que essas relações

podem se constituir,

[...] seja para os pequenos proprietários camponeses baseados em relações

não capitalistas de produção, seja para os grupos industriais que atuam no

campo baseados na relação tipicamente capitalista de produção, explorando

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trabalho de outros para extração da mais-valia. O mero título de terra lhes

garante esse direito (OLIVEIRA JÚNIOR, 2012, p.102).

Conforme Martins (1983), a terra no capitalismo não é exclusivamente um

instrumento de produção, mas de relações sociais que são constituídas em suas diversas

contradições. Desse modo a propriedade da terra é “um processo que envolve trocas,

mediações, contradições, articulações, conflitos, movimento, transformação”. (MARTINS,

1983, p.169).

No modo de produção capitalista a renda da terra “é sempre sobra acima do valor das

mercadorias, ou seja, lucro extraordinário permanente (acima do lucro médio) que todo

capitalista, que explora a terra através de relações de trabalho assalariado, embolsa”.

(OLIVEIRA, 2007, p. 55).

Martins (1983) aponta que a mais-valia é extraída do trabalhador no processo de

produção, mas isso não ocorre de forma direta com a renda da terra, pois a renda da terra

nasce no processo de distribuição do mais-valor.

[...] o trabalhador produziu mais-valia, incrementou a riqueza, para o capitalista. Quando este paga a renda ao proprietário, não está produzindo

nada; está distribuindo uma parte da mais-valia que extraíra dos seus

trabalhadores. Por isso, a renda capitalista da terra não nasce na produção,

mas sim na distribuição da mais valia. (MARTINS, 1983, p. 163. Grifo do autor).

O modo de produção capitalista cria e recria as contradições para a reprodução

ampliada do capital. No que se refere à propriedade da terra as contradições estão presentes

porque são intrínsecas ao capitalismo.

Assim, as contradições permeiam a todo o momento as discussões sobre a propriedade

da terra e as formas como esta é apropriada e sujeitada. “A contradição fundamental é que a

produção da riqueza é socializada pelo capital, é social, e a sua apropriação é privada: o

burguês e o proprietário da terra se apropriam dessa riqueza”. (MARTINS, 1983, p.172). A

propriedade capitalista gera a exploração, para a obtenção da riqueza, fruto do trabalho

excedente não pago, ou seja, o mais-valor.

Nos liames do avanço do capital no campo brasileiro podemos observar essas relações

de modo bastante contundente no processo de modernização do campo e no avanço do

agronegócio, que em determinados momentos concentra terras e varre os camponeses do

campo e em outros momentos mantém as relações de produção não capitalistas como

garantidor da reprodução e acumulação do capital.

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No nosso recorte de análise pudemos constatar a presença do domínio do processo de

monopolização do território pelo capital pela subordinação da unidade de produção

camponesa aos ditames da indústria. Evidencia-se no nosso caso específico, a inserção da

produção de seringueiras em unidades de produção familiar, através das demandas do Grupo

Michelin, o qual mantém relações de dominação e subordinação na região.

3.2. Da inserção da Firestone à Michelin: da territorialização do capital a monopolização

do território

Como já mencionado nessa Dissertação, a inserção da atividade comercial da

heveicultura na Bahia é iniciada no período da década de 1950, com a chegada da

multinacional Firestone. Em meados do século XX, as antigas florestas exploradas pela

atividade madeireira passaram a ser ocupadas por plantações de seringueira, para a produção

de borracha, e também pelas plantações de cacau, atividade que naquele período estava

concentrada no sul do estado. Naquela época, as propriedades detinham de 100 a 1000

hectares em média. Cabe destacar que a Firestone, em 1956, adquiriu junto a Norberto

Odebrecht37

uma área de 9.000 hectares para a implantação do monocultivo da seringueira, a

Fazenda Três Pancadas, no atual município de Igrapiúna38

. (LIMA, 2011; PORTO, 2016).

Essa fazenda foi adquirida pelo empresário Norberto Odebrecht no ano de 1953. Neste

período;

[...] após a expulsão das comunidades de posseiros que residiam na

localidade, iniciou o plantio de seringueira para produção de borracha. Poucos anos adiante, em 1956, a fazenda é vendida para a Indústria de Pneus

Firestone, que intensificou as atividades produtivas nas duas décadas

seguintes. (PORTO, 2016, p. 260).

A região era ocupada por posseiros que estavam instalados há séculos. Com a inserção

dos novos empreendimentos agrícolas, os posseiros foram sendo expropriados de suas terras,

e como forma de garantir a sobrevivência da família, as alternativas que lhes restavam eram

37

Norberto Odebrecht adquiriu grande quantidade de terras devolutas na região, e criou uma empresa no

município de Ituberá (S.A. Ituberá Comercio e Indústria – SAICI) e uma agroindústria (Agrícola Seringalista da

Bahia S.A. – AGRISA) em Igrapiúna [...] Além disso, o empresário estimulou a instalação de outros investidores

privados na região, a exemplo da Firestone e indústria Reunidas Matarazzo (dedicou-se ao plantio de dendê,

visando a produção de óleo). (GONÇALVES, 2014, p.73). 38 Na época, a área que hoje representa o município de Igrapiúna pertencia ao município de Camamu.

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deslocar-se para outras áreas ou se tornarem trabalhadores assalariados das fazendas recém-

formadas no período.

Os posseiros que residiam nesta área não possuíam nenhum tipo de

documento legal que lhes garantissem formalmente a propriedade dessas terras. Essas comunidades foram sendo formadas ao longo do século XIX e

início do século XX, compostas por uma população de escravos e ex-

escravos fugidos ou alforriados, oriundos principalmente das grandes fazendas de cana-de-açúcar, no Recôncavo, e de cacau, no sul da Bahia.

Encontravam nesses vales tranquilidade e terras fartas, longe das grandes

fazendas e das áreas de expansão urbana no litoral. Tratavam-se, na ocasião, de “terras devolutas”, pertencentes formalmente ao Estado, embora o mesmo

não exercesse nenhum tipo de controle sobre essa localidade, não prestando,

também, qualquer tipo de assistência a essas comunidades que viviam

completamente à margem e sem perspectivas de acesso a direitos civis básicos. (PORTO, 2016, p. 256).

Nesse contexto, a multinacional americana Firestone chega à região encontrando força

de trabalho ociosa, sendo um importante determinante para a construção da fazenda. Os

camponeses expulsos de suas terras eram inseridos nas atividades da borracha e no regime de

assalariamento. “Trabalhar na Firestone foi o destino de muitos homens e suas famílias da

região depois de terem suas terras expropriadas”. (SILVA, 2013, p. 154). Em relação à

moradia os trabalhadores tiveram como opção morar nas “vilas operárias” ou residir nas

cidades do entorno da fazenda. (PORTO, 2016).

Relatos da época indicam que houve grilagem de terras, no entorno da fazenda Três

Pancadas, pela multinacional Firestone que pretendia expandir de forma ilícita suas terras e

produzir mais borracha, assim registra o Jornal Opinião de 11 de abril de 1975, conforme

Figura 17.

Podemos observar que os avanços dos grandes empreendimentos na região acentuaram

a concentração fundiária, a expropriação de camponeses, a inserção do regime de trabalho

assalariado, assim como a apropriação da floresta e sua própria devastação, para a expansão

das atividades econômicas. Diante desse processo de expansão das relações de produção

capitalistas no campo foi estabelecida uma “ocupação fundiária extremamente desigual para a

região, além de um legado de injustiça social”. (GONÇALVES, 2014, p. 81).

O Brasil é um país que privilegiou a concentração fundiária, o latifúndio, a fim de

priorizar uma classe dominante e as suas atividades econômicas no campo. O

desenvolvimento e expansão do capitalismo no espaço agrário têm gerado um enorme

conjunto de miseráveis no campo e na cidade.

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Colocar em primeiro plano a estrutura de poder de classe, em torno da

concentração da propriedade da terra, em nosso país, significa expor em

escala de importância todo o histórico quinhentista de consolidação do latifúndio, como referência de gestão da terra e da estrutura de mando para

todo o tecido social, a inexistência de políticas públicas de Reforma Agrária

e projetos do Estado e dos governos que privilegiem alternativas de interesse

dos trabalhadores, porém consolidam o projeto de sociedade fundado nas grandes empresas, na concentração fundiária e na exclusão social de milhões

de famílias camponesas, e de trabalhadores que se vêem constantemente

ameaçados, em conformidade com os interesses do capital e do Estado. (THOMAZ JÚNIOR, 2008, p. 328).

Figura 17: Matéria do Jornal Opinião de 1970 sobre a grilagem de terras pela multinacional

Firestone na Bahia.

Fonte: Jornal Opinião, 11 de abril de 1975.

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O empreendimento agroindustrial da Firestone envolvia uma grande logística para

atender a demanda de cultivo, extração e beneficiamento da borracha natural. A fazenda era

composta por vilas de trabalhadores, hospital, mercados, escola e clube de lazer. A Figura 18 e

a Figura 19 representam respectivamente, o antigo prédio do hospital e a vila de operários que

ainda estão presentes na fazenda.

“A antiga Firestone tinha 11 vilas, algumas com 06 ou 08 casas e tinha a maior

vila – a vila 08 com 130 casas, também tinha hospital, clube social, centro de

abastecimento e escolas (...) o primeiro hospital da região foi da Firestone. Aqui

já teve, eu não alcancei esse tempo, mas ouvir falar, que a Firestone chegou a ter

2.000 e poucos funcionários diretos e indiretos. Para montar essa fazenda foram

contratados muitos empreiteiros”. (Entrevistado 1).

Figura 18: Prédios do antigo hospital da Firestone.

Fonte: Pesquisa de campo, Igrapiúna, dezembro 2016.

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Figura 19: Vilas de funcionários na antiga Fazenda da Firestone.

Fonte: Pesquisa de campo, Igrapiúna, dezembro 2016.

Com o cultivo da seringueira em grandes monocultivos adotados pela Firestone, vários

hectares de mata nativa pertencentes ao bioma da Mata Atlântica foram derrubados para dar

lugar ao plantio da seringueira. “Era mata bruta, era mata. Era terreno do pessoal, compraram,

aí depois abriram com desmatamento, porque a Firestone é muito grande. Muito grande

mesmo a Firestone, né?” (2014, p. 92), mostra Rafaela Gonçalves em uma das entrevistas que

realizou com sujeitos das comunidades situadas na região em questão.

No ano de 1982, a Firestone resolve não dar continuidade ao projeto do cultivo de

seringueira e então a fazenda Três Pancadas foi vendida para Companhia Brasileira de

Borracha (CBB)39

. O argumento pela Firestone em vender a propriedade foi o de que a

mesma não era mais lucrativa e não atendia às necessidades da empresa na época.

39 Considerando os princípios legais da época, uma propriedade não poderia ser vendida de uma multinacional

para outra multinacional. Nesse sentido, a CBB comprou e explorou os seringais por um ano, até a venda para a

Michelin.

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Em 1984, a CBB repassa o empreendimento para a indústria de Pneus Michelin, desde

então, a fazenda passou a ser chamada de Plantações Michelin da Bahia (PMB). Esta manteve

a estrutura existente no período da Firestone – as vilas de trabalhadores, o hospital, as escolas,

o clube social e a usina de beneficiamento do látex.

A Michelin tinha como propósito, neste novo empreendimento, abastecer sua unidade

industrial no Brasil, localizada no estado do Rio de janeiro. Havia também no período uma

exigência legal do Estado brasileiro que determinava que as indústrias de artefatos deveriam

consumir 40% da matéria prima da borracha produzida em território nacional. Perante essas

condições e sua experiência no cultivo de seringais desde a década de 1920, a empresa não

teve dificuldade em restabelecer e administrar o antigo projeto da Firestone. (LIMA, 2011).

A Michelin é uma empresa francesa e sua história iniciou-se em 1832 quando os

primos Aristides Barbier e Nicolas E. Daubrée abrem uma pequena fábrica de máquinas

agrícolas e bombas. Aristides percebe o potencial da borracha vulcanizada para a indústria, e

passa a utilizá-la na fabricação de juntas, correias, válvulas e tubos. Em 1889 Edouard e

André Michelin assumem o negócio fundado por seu avô, Aristide, e seu primo Nicolas. A

empresa é denominada de Société Michelin e Cie., produzindo no período apenas pastilhas de

freio. O crescimento significativo da Michelin só aconteceu em 1891, com a criação do

primeiro pneu de bicicleta desmontável, e posteriormente com a criação de pneus para

automóveis. No início do século XX, a empresa instala suas unidades fabris em grandes

centros industriais da Europa e na América do Norte. (MICHELIN, 2017a). Atualmente a

Michelin possui 60 unidades industriais espalhadas pelo mundo, fabricando pneus para

bicicletas, motocicletas, automóveis, ônibus, caminhões, tratores, aviões e diversas outras

máquinas.

No Brasil, a Michelin iniciou no ano de 1927 suas operações comerciais, com um

escritório na cidade de São Paulo. Em 1981 é instalada a primeira fábrica da Michelin em

território nacional, no bairro Campo Grande no Rio de Janeiro, para a produção de pneus para

caminhões e ônibus. Atualmente, a empresa contém dois complexos industriais no estado do

Rio de Janeiro: um situado no bairro de Campo Grande, na capital; outro localizado no

município de Itatiaia. Além disso, há ainda uma fábrica no município de Resende, também no

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estado do Rio de Janeiro40

. Além das unidades fabris de pneus, a Michelin possui duas usinas

de beneficiamento do látex, nos estados da Bahia e do Mato Grosso41

.

Em 2003, a Michelin desenvolveu o maior pneu de terraplanagem e mineração do

mundo, além do primeiro pneu agrícola com tecnologia de baixa pressão, que impacta menos

o solo durante a rodagem, conforme Figura 20.

Figura 20: O maior pneu de mineração e terraplanagem desenvolvido pela Michelin com

tecnologia de baixa pressão.

Fonte: Michelin, 2017a.

Em sua trajetória o grupo Michelin configurou-se como uma grande empresa do ramo

de pneumáticos em escala mundial. Ao territorializar-se no espaço agrário, a Michelin

conseguiu agregar ainda mais os seus lucros, mediante a extração de mais-valor, controle da

comercialização e ainda aufere a renda da terra através do controle de mercado. Percebemos

que, no caso da Michelin, a organização produtiva no campo se estabelece através do modelo

agroindustrial que, segundo Oliveira (2007), é a síntese dialética entre o proprietário da terra,

o capitalista do campo e o capitalista industrial. Originalmente, a Michelin não faz parte do

capital agrário, mas passa a ocupar o espaço da agroindústria para ampliar sua capacidade de

reprodução. Dessa forma, pudemos constatar como as empresas de capital estrangeiro vão

40 O Brasil também é a sede da Michelin na América do Sul, a qual abrange a América Central e Caribe. O

escritório encontra-se na cidade do Rio de Janeiro. 41 A Michelin possuía uma área de 8.000 hectares plantados de seringueira no município Itiquira no Mato

Grosso, a qual foi vendida para o grupo Maggi. Na região a Michelin só manteve a usina de beneficiamento, com

capacidade para sete mil toneladas ao ano, a qual será abastecida com matéria prima de terceiros. (GÓES, 2011).

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apropriando-se dos espaços para produzir a matéria-prima essencial para a fabricação do seu

produto principal – pneus. E nesse sentido, o capital vai se territorializando. Ressalta-se que a

empresa instala-se enquanto agroindústria no município de Igrapiúna para produzir a matéria

prima de suas unidades industriais, defendendo seus próprios interesses como empresa

capitalista.

O grupo Michelin explorou diretamente os seringais da PMB por quase vinte anos

(1984-2004). Nesse intervalo de tempo, a atividade da borracha sofreu sérios danos com

ataques do fungo do mal das folhas, reduzindo o ritmo da produção, além da queda dos preços

da borracha no mercado. Essas intempéries são típicas da agricultura, que é

[...] uma atividade produtiva singular pois, diferentemente de todas as outras, está estritamente sujeita aos ciclos da natureza. Enquanto a produção

industrial se faz a partir de um ambiente adaptado às necessidades da

produção, ocorre o inverso na agricultura, que tem de adaptar-se ao meio circundante. (PAULINO, 2012, p. 41).

Assim se desenhou um cenário de fragmentação do processo produtivo da borracha

natural pela Michelin, devido às crises sucessivas que se abateram sobre a atividade no

período. Além da necessidade que existia de renovação dos antigos seringais da fazenda, cujos

custos se tornaram onerosos para a empresa. Nesse sentido, a Michelin desenvolveu o Projeto

Ouro Verde com parceria pública e privada, no sentido de expandir o cultivo da seringueira

em unidades de produção familiar no município de Igrapiúna e região.

Diante da execução desse projeto ocorreu uma reestruturação da produção da borracha

na Bahia, assim a indústria deixou de cultivar a sua principal matéria-prima e delegou essa

função às unidades de produção familiar, mediante as políticas desenvolvidas entre o Estado e

própria empresa.

Nesse processo, a Michelin passou a monopolizar o território, com a finalidade de

garantir a matéria-prima para suas indústrias, reduzindo seus custos com despesas

anteriormente empregadas na produção agrícola, a exemplo dos custos trabalhistas. Deste

modo, a produção camponesa passa a ser controlada por meio de mecanismos de

subordinação da produção e sujeição da renda da terra ao capital.

[...] a presença de grandes complexos industriais a integrar a produção agropecuária. Esse processo contínuo de industrialização do campo traz na

sua esteira transformações nas relações de produção na agricultura, e,

consequentemente, redefine toda a estrutura socioeconômica e política no

campo. (OLIVEIRA, 2007, p. 8).

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O capital mundializado cria e recria novas formas de se desenvolver no espaço

geográfico. Este processo é inerente à reestruturação da produção e do trabalho, mediante a

instituição do regime de acumulação flexível em escala mundial.

Essas estratégias de expansão e reconfiguração do capital no espaço agrário são

apresentadas como sinônimo de desenvolvimento e melhoria das condições de vida dos

sujeitos do campo. Porém, o que se tem apontado é que a inserção da indústria na agricultura

é mais uma estratégia de favorecimento do capital ao seu processo de acumulação através da

extração de mais-valor.

3.3. As intervenções públicas e privadas no incentivo ao cultivo da seringueira na Bahia

O Projeto Ouro Verde Bahia (POVB) começou a ser elaborado no ano de 2000 e foi

concretizado em 2004. Esse projeto contou com a parceria de órgãos do estado da Bahia e

instituições de pesquisa, entre as parcerias estão: CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da

Lavoura do Cacau), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Empresa Baiana de

Desenvolvimento Agrícola (EBDA)42

, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA), o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as principais universidades

públicas do estado da Bahia.

Desta forma, Lima (2011) ressalta que a empresa Michelin passou a utilizar diversas

estratégias, a fim de ampliar o cultivo da seringueira no município de Igrapiúna e região do

Baixo Sul, como:

[...] aliar-se aos próprios órgãos do governo para disponibilizar as

tecnologias de produção da cultura e a incentivar os agricultores familiares,

potenciais produtores e fornecedores de borracha natural na região, uma vez que o que a empresa produzia de borracha natural era insignificante em

relação a seu próprio consumo (LIMA, 2011, p. 66).

O Projeto Ouro Verde Bahia representou a expansão do agronegócio da borracha no

Baixo Sul baiano, assim como, a subordinação da produção em unidades de produção familiar

aos ditames da mundialização do capital, formando a cadeia produtiva da borracha, mediante

o agronegócio da borracha.

Com a implantação do Projeto Ouro Verde da Bahia, a área de 9.000 hectares da PMB

foi repartida em 1.000 hectares para realização de pesquisa, com o propósito de desenvolver

42 A EBDA foi extinta pelo governo do Estado da Bahia no ano de 2014, após 50 anos de prestação de serviços

de assistência técnica, extensão rural e pesquisa agropecuária. Atualmente, no lugar da EBDA, o Estado criou a

Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (BAHIATER).

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clones de seringueira mais resistentes a doenças e com maior índice de produtividade. Outro

montante de 3.000 hectares para a criação de uma reserva ecológica, com o intuito de proteger

e restaurar o bioma da Mata Atlântica. E por fim, 5.000 hectares divididos em 12 médias

propriedades, chamadas de MP, conforme a Figura 21. (MICHELIN, 2017b).

Vale destacar que a área na cor vermelha, na figura 21, encontra-se além dos cultivos e

centro de pesquisa, também estão presentes a parte administrativa da empresa Michelin e a

usina de beneficiamento do látex.

Com a subdivisão da fazenda, a empresa passou a administrar somente a usina de

beneficiamento, a reserva ecológica e a área destinada à pesquisa. A parte dos monocultivos

de seringueira passou a ser dirigida pelos proprietários das doze médias propriedades.

Figura 21: Área da fazenda Plantações Michelin da Bahia com a divisão a partir do POVB:

reserva ecológica (na cor verde), 12 médias propriedades (na cor amarela) e a área para o

desenvolvimento de pesquisas (na cor vermelha).

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

O projeto Ouro Verde Bahia está classificado em três eixos de desenvolvimento:

econômico/científico, ambiental e social, os quais estão descritos no quadro 02;

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Quadro 02: Eixos do Programa Ouro Verde da Bahia (POVB).

EIXO ECONÔMICO E

CIENTÍFICO

EIXO AMBIENTAL EIXO SOCIAL

Criação de variedades de

seringueira mais produtivas e de maior resistência ao

fungo Microcyclus ulei

Reserva Ecológica Michelin com cerca de 3.000 hectares

Instalação da CASA FAMILIAR

RURAL: um centro de formação no

meio rural e aquícola que possibilita

a qualificação profissional e humana dos jovens da região

Diversificação do Sistema Agroflorestal (seringueira,

banana e cacau)

Enriquecimento da

biodiversidade – plantio de 100.000 árvores, de 215

espécies diferentes, em 270

hectares de reserva

Doação de terreno de 18 hectares para a construção de moradias para

250 famílias

Fomento da heveicultura (plantio de seringueira) na

região

Criação do Centro de Estudos

da Biodiversidade

Criação do Programa de Agricultura Familiar: mais de 1.300 famílias

beneficiadas

Ampliação da capacidade de

beneficiamento de borracha

natural

Educação Ambiental para as

comunidades e colaboradores

da Michelin

Fornecimento de infraestrutura:

Posto de Saúde, Escola Municipal e telefonia móvel para a região (uma

parceria público-privada).

Geração de emprego e renda Criação do Parque da

Cachoeira da Pancada Grande

Fonte: Michelin, 2017b. Organização: Karla Christiane Ribeiro Tanan, 2017.

Com as informações que estão dispostas no quadro acima, percebe-se que os eixos

convergem para a ampliação do cultivo da seringueira, por meio do eixo econômico e

científico, o qual associa o desenvolvimento de pesquisas para erradicar o fungo Microcyclus

ulei, agente causador do mal das folhas, considerado a principal doença da seringueira43

;

diante desse contexto se constituem os sistemas agroflorestais, associando os cultivos de

seringueira, cacau e banana, com a finalidade de reduzir a infestação de doenças na produção.

No eixo ambiental a pauta principal foi a constituição da reserva ambiental, associada com a

formação de um centro de estudos da biodiversidade da região, a disseminação da educação

ambiental e a formação do turismo ecológico por meio do Parque da Cachoeira Pancada

Grande. E, por fim o eixo social, o qual está elencado serviços básicos como: educação,

43 O mal-das-folhas é, sem dúvida, a doença de maior preocupação e há mais de cinco décadas representa uma

real ameaça para o agronegócio borracha em áreas tradicionalmente produtoras do Continente Americano. Esta

doença já dizimou muitas plantações tecnicamente formadas tanto no Brasil como em outros países. Na Bahia,

apesar de sua introdução ter ocorrido no final década de 1960; esta doença atingiu a quase totalidade da área

cultivada no período (20 mil hectares) e, ainda hoje, persiste como um dos principais fatores limitante à

ampliação e expansão da heveicultura neste Estado (MARQUES et al, 2012).

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saúde e infraestrutura, além do Programa da Agricultura Familiar responsável pela ampliação

do cultivo da borracha nas unidades de produção familiar camponesa.

Nesse sentido, o grupo Michelin por meio do Programa Ouro Verde Bahia estabelece

uma relação de hegemonia sobre os territórios camponeses, visto que o grupo consegue

controlar a tecnologia, o conhecimento, o mercado e as políticas agrícolas. Assim, o capital

passa a monopolizar o território e subordinar a produção agrícola às necessidades da indústria.

Isso posto, há que se destacar as consequências intrínsecas nesse processo como:

aumento da precarização das condições de trabalho, difusão do pacote tecnológico (insumos

químicos, agrotóxicos, mudas clonadas e ferramentas para o manuseio da atividade). Desta

forma, aumenta-se cada vez mais a relação de dependência dos camponeses a essa lógica de

produção.

O POVB configura-se enquanto um projeto “guarda chuva”, em que estão integrados

outros subprojetos, como: a formação da Cooperativa Ouro Verde Bahia (COOPERVERDE);

A Reserva Ecológica Michelin (REM); O Sistema Agroflorestal (SAF) e o Núcleo de Apoio a

Agricultura Familiar (NAAF). Neste tópico abordaremos a formação da Cooperverde e da

reserva ecológica, no tópico seguinte trataremos do SAF e do NAAF como formas que o

POVB utilizou-se para penetrar nos territórios camponeses.

Perante a divisão das plantações Michelin da Bahia, a área das 12 médias propriedades

foram divididas em tamanhos de, aproximadamente, 400 hectares e vendidas para ex-

funcionários da Michelin, os quais foram convidados a participar do projeto. Quanto ao

pagamento das fazendas houve um prazo de carência e a dívida foi parcelada em oito anos.

Segundo um dos proprietários das MP,

“A Michelin desenvolveu um plano de negócios, levantou todas as informações

dos blocos por área, fazendo uma divisão de forma que as fazendas tivessem um

equilíbrio financeiro igual.” (ENTREVISTADO 1).

Nesse processo de reestruturação os funcionários das Plantações Michelin foram

despedidos e indenizados, de acordo com relatos de entrevista em campo. As doze novas

propriedades recontrataram esses trabalhadores, conforme o acordo preestabelecido entre a

empresa e os proprietários das MP.

Deste modo, com o propósito de concretizar o POVB, a Michelin necessitava formar

uma associação ou cooperativa. E nos estudos da empresa a melhor viabilidade encontrada foi

a constituição de uma cooperativa, a qual se denominou de Cooperativa Ouro Verde Bahia

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(COOPERVERDE), constituída a principio pelos doze novos proprietários das MP e que,

atualmente, constitui-se de 23 cooperados.

O principal objetivo da formação da cooperativa estava na renovação dos antigos

seringais da Michelin, consorciando-os com o cultivo do cacau via SAF. Além de que a

cooperativa é um elo entre as doze fazendas, pois possibilita a venda dos produtos, compra de

insumos, financiamento de créditos junto ao banco, negociação com lideranças locais, dentre

outras.

Os acordos estabelecidos na constituição do projeto foram de que os antigos seringais

seriam renovados num tempo estimado de 20 anos. Para tanto, necessitou-se de força de

trabalho que, segundo informações de membros da Cooperativa, chegou ao patamar de 540

funcionários nas doze propriedades no ano de 2010.

“Tivemos que derrubar áreas e replantar novamente, a gente precisava de mão de

obra. Tínhamos entorno de 500 funcionários diretos, mas necessitávamos de

contratar empreiteiros, máquinas de terraplanagem. A gente estima que chegou a

600 funcionários no total”. (ENTREVISTADO 2).

No entanto, diante de uma nova crise que permeou os anos de 2009-2010 sobre a

atividade da borracha com a queda dos preços, o processo de renovação dos seringais foi

suspenso e, como consequência, ocorreu uma redução da força de trabalho assalariada nas

MP. Diante das intempéries da atividade, o regime de assalariamento não compensava mais

para os proprietários das doze propriedades. Nesse sentido, uma nova reestruturação do

trabalho se configura: o de regime de parceria.

“Implantamos aqui sistema celetista, respeitando todas as obrigações entre

patrão e empregado, mas em virtude das quedas da produção e de preço da

borracha, tivemos que migrar para o sistema de parceria, onde respeitamos a

questão legal, nossos contratos são todos redigidos em cartório e respeitamos a

parceria de 50% [...] foi a forma que encontramos para sobreviver.”

(ENTREVISTADO 2).

“Tem fazenda hoje que é 100% parceria, a minha área de seringueira hoje é de

95%. Para vocês terem uma ideia, eu tinha 22 seringueiros, hoje só tenho dois em

regime celetista.” (ENTREVISTADO 2).

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Como aponta Oliveira, o capital historicamente redefine as formas de apropriação da

renda da terra, procurando assim reorganizar as suas necessidades estruturais. Na “[...]

agricultura brasileira o capital cria e recria relações não-capitalistas de produção,

contraditoriamente necessárias ao seu próprio desenvolvimento (para produzir o capital), e a

renda da terra em produto, na figura da parceria, é uma delas”. (OLIVEIRA, 2007, p. 61).

De acordo com a multinacional Michelin, o POVB representa:

“[...] um dos principais Programas de Desenvolvimento Sustentável do Grupo

Michelin aposta em uma relação equilibrada entre Desenvolvimento Social,

Respeito ao Meio Ambiente e Crescimento Econômico, viabilizando a produção e

comercialização da borracha natural de maneira responsável e duradoura.

Dimensões distintas de progresso que se conectam e se complementam sendo a

Alma e o Coração do Programa Ouro Verde Bahia”. (MICHELIN, 2017b).

Com o discurso do desenvolvimento sustentável o grupo Michelin foi conduzindo os

projetos aos seus interesses, nesse sentido, o grupo criou a Reserva Ecológica Michelin

(REM) no ano de 2005, a qual compreende uma área de 3.096 hectares pertencente às

Plantações Michelin da Bahia, conforme Figura 23. A reserva engloba um mosaico de Mata

Atlântica e plantios de seringueira entre os municípios de Igrapiúna e Ituberá. A criação da

REM está baseada em quatro pilares: proteção, restauração, pesquisa e educação ambiental,

sendo categorizada como uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN Ouro Verde).

A REM está organizada em um zoneamento que determina as possibilidades de uso de

cada área. Alguns espaços estão abertos para a visitação como a cachoeira da Pancada Grande

e as trilhas da floresta da Pancada Grande, de acordo com a Figura 22 abaixo:

Figura 22: Cachoeira da Pancada Grande (A) e placa indicativa das trilhas na reserva

ambiental (B).

Fonte: (A) Pesquisa de campo, 2015; (B) Michelin, 2017b.

A B

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Figura 23: Delimitação da área da Reserva Ecológica da Michelin.

Fonte: Michelin, 2017b.

Em 2017, o programa ambiental da REM está comemorando 10 anos do plantio da

primeira árvore nativa da Mata Atlântica no processo de restauração do bioma, o qual tem

recuperado algumas espécies da fauna e flora, segundo informações da Michelin (2017b). Em

nossa leitura, a empresa Michelin se utiliza do discurso ambiental para justificar a produção

de um dos principais poluidores ambientais – pneus. Assim, legitima um modelo econômico,

cujo caráter fetichista da mercadoria ganha centralidade na atual sociedade de consumo. Além

disso, através da regularização da Reserva Ecológica da Michelin, a empresa passa a ter maior

controle sobre o território ocupado.

Nesse sentido, as áreas de proteção ambiental

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[...] se encontram engendradas pelo modelo desenvolvimentista implantado

no país que, subordina a agricultura e os recursos naturais ao processo de

industrialização, e se “expande” ao campo, e uma das vias de expansão foi o Estatuto da Terra de 1964, que previu a transformação das unidades agrícolas

em empresas rurais, como também, o Código Florestal Brasileiro, 1965, que

previu a privatização, apropriação e transformação dos espaços ditos

“naturais”. (FONTENELE; SANTOS, 2009, p.6).

Deste modo, compreendemos que perante os moldes desenvolvimentistas do

capitalismo a questão ambiental está engendrada para o crescimento econômico. Nesse

sentido, Conceição (2004, p. 6) aponta:

[...] o modelo neoliberal conduz à proposta da sustentabilidade, propondo a

alternativa da estratégia do crescimento econômico capitalista pelo equilíbrio entre as condições ecológicas e valores ambientais, com a introdução do

discurso ideológico da existência do capital natural, humano social e

cultural, possibilitando pensar o desenvolvimento alternativo com equidade e

justiça social, sem questionar o trabalho como mercadoria e a produção intensiva através dos recursos naturais.

Diante do discurso de alcance global como o ecológico, o grande capital utiliza-se para

poder avançar em sua expansão e investimentos, além de se retirar de processos de produção

os quais não são mais vantajosos, delegando isto a outros sujeitos.

3.3.1. Sistema Agroflorestal (SAF): uma Estratégia de Expansão do Capital no espaço

agrário

Como é colocada em vários momentos dessa Dissertação, a reestruturação produtiva do

capital articula um conjunto de estratégias e processos, a fim de garantir a acumulação do

capital. E, é nesse sentido que o Projeto Ouro Verde é constituído, com a finalidade de

garantir que o capital continue se reproduzindo na região, mas com novas estratégias.

Neste ponto do capítulo abordaremos a difusão do Sistema Agroflorestal (SAF),

mediante o Programa de Apoio à Agricultura Familiar (PAAF), responsável pela difusão do

plantio de seringueira em unidades de produção familiar.

A difusão do SAF (seringueira, cacau, banana) no município de Igrapiúna está atrelada

ao projeto Ouro Verde, o qual pretendia implantar o SAF em médias e pequenas propriedades

do município de Igrapiúna e, posteriormente, esse processo foi difundido para outros

municípios do Baixo Sul baiano. Conforme uma matéria pública sobre o POVB e os

processos de reestruturação da produção de seringueira na Bahia, o SAF,

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[...] quebrava a monocultura da seringueira, abria a possibilidade de plantio e

de renda em duas novas culturas locais – a banana e o cacau – num processo

que leva em conta a terra, o sol, a capacidade e a necessidade dos produtores locais e a geração de renda contínua, além da fixação a terra (REVISTA

TUDO SOBRE PNEUS, 2012).

Esse tipo de Sistema agroflorestal tem sido bastante estimulado para o cultivo de

diversos plantios, em regime de consórcios. Segundo Pereira et al. (1996), o SAF constitui um

conjunto de técnicas alternativas no uso da terra consorciadas com espécies florestais, com

cultivos agrícola e atividades pecuárias.

A utilização dos sistemas agroflorestais tem sido defendida e recomendada,

principalmente para as regiões tropicais, onde os fatores climáticos, edáficos e biológicos geralmente não são favoráveis à monocultura de larga escala,

como hoje é praticada por todo o mundo (PEREIRA et al., 1996, p. 5).

Segundo Martins R. (2013), o conceito de agrofloresta mais disseminado foi

organizado pelo ICRAF (Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal), o qual define tais

práticas como “tecnologias de uso da terra onde o elemento arbóreo e herbáceo estão

organizados de forma consorciada e deliberada na mesma unidade de manejo da terra,

incluindo plantas e animais de interesse econômico” (MARTINS R., 2013, p. 18).

A expansão do SAF na região do Baixo Sul da Bahia cumpriu seguramente o papel

que lhe foi conferido, difundir o capital financeiro, pela via do desenvolvimento do sistema de

crédito, dos pacotes tecnológicos e da subordinação da produção camponesa. É possível

observar que por meio do sistema agroflorestal tem-se (re)configurado a produção do espaço

agrário na Bahia.

Na unidade de produção familiar o SAF foi inserido por meio do Núcleo de apoio à

Agricultura Familiar (NAAF) da Michelin, criado no ano de 2005. De acordo com

informações repassadas pela funcionária da Michelin, responsável pelo NAAF, o projeto tinha

como objetivo,

“[...] a expansão da seringueira no estado da Bahia, através de agricultores

familiares, porque 90% do perfil de produtores nessa região são de agricultores

familiares, então a Michelin em parceria com a EBDA, CEPLAC e Banco do

Nordeste desenvolveram esse projeto [...] A Michelin, entrou com a parte de

viveiros para o plantio de mudas de seringueira, a EBDA e a CEPLAC com a

parte de assistência técnica e o Banco para a liberação do crédito”

(ENTREVISTADA 4).

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O NAAF contava com três técnicos e um monitor, os quais estavam direcionados para a

capacitação dos camponeses, como o curso de sangria, e o acompanhamento nas

propriedades, desde o inicio do plantio até a fase de exploração da seringueira que se inicia

após seis ou sete anos de idade. É importante destacar, que esses cultivos estavam todos em

forma de SAF, seringueira, cacau e banana.

Estima-se que foram plantados 1000 hectares de SAF em unidades de produção familiar

no entorno dos municípios de Igrapiúna e Ituberá.

“A gente diz 1000 hectares, mas temos a noção que foi muito mais, pois alguns

produtores foram fazendo seus próprios viveiros e os plantios, esse controle não

temos [...] Nós temos o controle de acordo com a quantidade de mudas que a

gente repassou pelo projeto” (ENTREVISTADA 4).

Sobre o acesso dos camponeses ao financiamento do crédito para a instalação do SAF,

o NAAF representava a função de elaborar e encaminhar os projetos técnicos de agricultores

para avaliação do Banco. Visto que o Banco do Nordeste está localizado no município de

Valença que fica a cerca de 170 km de Igrapiúna.

Segundo Lima (2011, p. 70) “o banco faz a análise formal do agricultor, seja ele

familiar ou médio proprietário, levando em consideração, prioritariamente, os interesses da

Michelin e dos órgãos do governo e, secundariamente, os interesses do próprio agricultor”.

Segue na figura 24, o modelo de SAF, liberado pelo Banco.

A linha de crédito disponível para financiar o consórcio em SAF (Seringueira – Cacau)

em unidades de produção familiar camponesa é via o Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (PRONAF)44

, na linha PRONAF Floresta45

. A aplicação do crédito é

determinada pelo Banco, este só disponibiliza o financiamento para o cultivo determinado, ou

seja, para atender a lógica de necessidade do mercado. (RODRIGUES, 2012). De acordo com

Conceição (2013b) as políticas de crédito são difundidas como sinônimo de desenvolvimento,

“via a financeirização da economia, com a inserção do camponês no mercado gerando a

dependência aos insumos, máquinas, equipamentos, créditos financiados”. (CONCEIÇÃO,

2013b, p. 97).

44 Criado em 1995, como uma linha de crédito voltado para a agricultura familiar, oficializado em 28 de junho. 45 Investimento em sistemas agroflorestais; exploração extrativista ecologicamente sustentável; recomposição e

manutenção de áreas de preservação permanente e reserva legal e recuperação de áreas degradadas, para o

cumprimento de legislação ambiental; enriquecimento de áreas que já apresentam cobertura florestal

diversificada (BRASIL, 2017b).

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Figura 24: Modelo de arranjo do Sistema Agroflorestal (SAF) com seringueira, cacau e

banana.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

No modelo de sistema agroflorestal apresentado na figura acima são plantados 400 pés

de seringueira, 833 pés de cacau e 833 pés de bananeiras. Esse modelo corresponde a um

hectare de SAF, limite financiado pelo Banco em unidades de produção familiar. No sistema

agroflorestal seringueira/cacau pode ocorrer o consórcio com cultivos anuais ou semiperenes,

a exemplo da banana, que consegue garantir uma renda aos camponeses no período de

crescimento da seringueira e do cacau. A seringueira manejada em SAF mostra-se apta para

exploração comercial por volta dos cinco a seis anos de idade. (MARQUES et al, 2012).

O SAF estabeleceu-se na região do Baixo Sul da Bahia, não apenas enquanto

renovação e expansão dos seringais, mas também para a inserção do consórcio com o cacau,

baseando-se na distribuição de renda ao longo do ano entre os dois cultivos, além de reduzir

os riscos de doenças e pragas nessas lavouras. Um entrevistado da pesquisa, respondeu:

“é um consórcio que se mostra vantajoso em todos os sentidos, não só pela parte

econômica, como também pelo casamento entre a seringueira e o cacau que um

não traz dano ao outro, mas claro respeitando suas particularidades. Você

diversificar, sempre tem um pouco”. (Entrevistado 1).

A culminância da colheita de borracha natural ocorre entre os meses de abril e julho. A

partir do mês de agosto a seringueira passa por desfolhamento, e este provoca diminuição na

produção de coleta do látex. No entanto, o ponto de colheita do cacau ocorre entre os meses

de agosto e janeiro. Esses intervalos da produção em consórcios têm uma relação com a

escolha dos clones 46

.

46

Para consorciação com cacaueiro e cultivos agrícolas escolhem-se clones de seringueira que apresentam

arquitetura de copa menos compacta ou reduzida densidade foliar, ramificações laterais voltadas para cima,

aspecto em forma de taça e regular período de troca de folhas, destaca-se o SIAL 1005 e FDR 5788

(MARQUES et al, 2012, grifo nosso).

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Figura 25: Consórcio em SAF com cultivos: Seringueira, cacau e banana, no povoado da

Baixa da Areia, município de Igrapiúna.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Durante a pesquisa de campo, pudemos observar o SAF (Cacau x banana x

seringueira) em unidades de produção familiar. Segundo informações dos camponeses, para

implantar o SAF, o banco disponibilizou um financiamento de R$ 10 mil com carência de oito

anos para o pagamento.

Banana

Seringueira

aa aaaa

aaaa

Cacau

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Uma camponesa relatou em entrevista que antes de implantar o SAF (seringueira-

cacau) em sua propriedade, ela cultivava café. Havia cerca de sete mil pés, os quais foram

derrubados para o plantio em SAF, pois, “no período era o que o banco estava financiando”.

(Entrevistado 5).

Com a inserção do SAF em unidades de produção familiar o camponês precisou

comprar as mudas de seringueira e cacau. A Michelin entrou no processo fornecendo as

mudas clonadas de seringueira para os camponeses, ao custo médio de R$ 2,00 cada. As

mudas de cacau são vendidas pela Biofábrica que fornecem mudas geneticamente melhoradas

ao custo de R$ 1, 40 cada. (PESQUISA DE CAMPO, 2016).

O camponês também necessita adquirir fertilizantes e insumos para o cultivo, além de

ferramentas necessárias para a extração do látex. Em pesquisa de campo constatamos que os

camponeses utilizam agrotóxicos no cultivo da seringueira47

, como estimulantes e fungicidas

no painel da seringueira.

Nesse processo de expansão da cadeia produtiva da borracha no estado da Bahia é

estabelecido todo um pacote tecnológico para garantir o desenvolvimento do agronegócio e,

consequentemente, à extração de mais-valor e acumulação do capital.

Segundo informações da Michelin em pesquisa de campo, o NAAF teve vigência de

2005 a 2010. E no ano de 2016 foi extinto a parte de assistência técnica pela Michelin que

ainda funcionava. O projeto foi finalizado devido aos custos, além das recorrentes crises

econômicas, explica a funcionária responsável pelo núcleo.

Atrelado ao financiamento do crédito para a expansão da cadeia produtiva da borracha

ocorre a subordinação da produção camponesa, gerando um processo avassalador de

integração do campesinato ao mercado externo, direcionando-os a consumirem tecnologia,

mudas clonadas, adubos, insumos industrializados e agrotóxicos.

Rodrigues (2012) analisa a função do financiamento do crédito no campo e as

contradições que estão por trás desta faceta.

[...] com o crédito é possível que o camponês compre insumos, ferramentas, maquinários, sementes e mudas, tecnologias e toda uma gama de

necessidades impostas pelo modelo de desenvolvimento capitalista no

campo, convergindo deste modo, para que os camponeses continuem

prisioneiros de especializações das tecnologias, que em muitos casos já se tornaram obsoletos nos países avançados (RODRIGUES, 2012, p. 167).

47 Como o Ethrel produzido pela Bayer é um estimulante aplicado no painel da sangria e bastante utilizado pelos

produtores, assim como o Manzate que é um fungicida (produzido pela Du Pont e UPL). (Pesquisa de campo,

dezembro, 2016).

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Figura 26: Abertura do painel da seringueira.

Fonte: Pesquisa de campo, dezembro de 2016

Figura 27: Casa do Núcleo de apoio à Agricultura Familiar (NAAF).

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016.

Silva (2014), ao analisar as formas e estratégias do capital financeiro no campo,

destaca que na medida em que,

Painel

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[...] o capital financeiro entrelaça as relações campo-cidade, avançam

também outras formas de entrada do capital financeiro no campo além do

Crédito Rural. Sob o domínio do capital alteram-se as relações de trabalho e de produção, e consequentemente toda vida social e cultural das

comunidades locais que passa a ser influenciada pela lógica de consumo.

Assim, a reprodução da própria vida para ser mediada pelo domínio da

esfera financeira. (SILVA, 2014, p. 96).

O capital financeiro utiliza-se de diversas estratégias para penetrar no setor agrícola e,

dentre estas, o sistema de crédito rural apresenta-se como um importante agente em sua

inserção e expansão. Desde a década de 1970, o capital financeiro tem buscado expandir-se

em todos os setores da economia, impondo uma reestruturação na forma de produzir e na

divisão do trabalho. Neste viés, Conceição (2013b, p. 92) afirma que o capital “utilizando-se

de toda forma de controle expande-se mundialmente apropriando-se de todos os lugares”.

Diante desse movimento, o capital tem buscado garantir a sua reprodução e acumulação em

diversas partes do mundo.

3.3.2. O Programa de Desenvolvimento do Setor da Borracha Natural (PRODEBON)

No ano de 2013 o governo da Bahia lançou o Programa de Desenvolvimento do Setor

da Borracha Natural (PRODEBON), cuja finalidade é de tornar-se autossuficiente na

produção de borracha. Desse modo o programa,

[...] visa alcançar a implantação de 100 mil hectares de seringueira até 2032,

sendo 75% em sistema agroflorestais (SAF‟s) e 25% em substituição de

eritrina por seringueira em plantios de cacau, com recursos globais da ordem de R$ 1,6 bilhões, beneficiando cerca de 21 mil produtores, passando dos

atuais 6.557 mil postos de trabalho, para 34 mil empregos gerados (BAHIA,

2015, s/p).

A multinacional Continental do Brasil junto à Secretária de Agricultura (SEAGRI)

assinou um convênio de investimento de 500 mil reais em doação de mudas de seringueiras

para os anos de 2014-2015, conforme a figura seguinte:

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Figura 28: Assinatura do acordo de doações de mudas de seringueira entre indústria de pneus

e SEAGRI.

Fonte: Bahia, 2014.

Além dos polos da borracha já existentes na Bahia, o Estado tem como estratégia

ampliar a área de produção da borracha para outros territórios de identidade como: Agreste de

Alagoinhas/Litoral Norte, Costa do Descobrimento, Médio Rio de Contas, Recôncavo e Vale

do Jiquiriçá. O Prodebon configura-se enquanto um processo de descentralização e expansão

do cultivo da borracha para outras regiões da Bahia. A Figura 29 apresenta as atuais áreas de

produção e os novos espaços de expansão da heveicultura, conforme proposta da política do

Prodebon.

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Figura 29: Espacialização das atuais áreas de produção de borracha natural e as novas áreas de expansão no estado da Bahia

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No planejamento da política pública do Prodebon estão o cultivo da seringueira, em

formato de SAF com o cacau ou outros cultivos, conforme a região. O programa tem como

meta beneficiar 18.133 mini e pequenos produtores da agricultura familiar e 3.000 empresas

em sete territórios baianos48

, conforme dados da (Tabela 03). E com isso, ampliar novas áreas

de seringais, no Baixo Sul a perspectiva é atingir 25 mil hectares, somando aos outros

territórios a meta é implantar 100 mil hectares de seringueira entre os anos de 2013 a 2033.

Tabela 03: Distribuição da área de abrangência do PRODEBON por território de identidade

na Bahia.

Fonte: VIRGENS FILHO; FREITAS, 2012.

Além da expansão da produção, o programa está atrelado a linhas de financiamentos

de crédito (Pronaf Floresta; Pronaf Eco; FNE verde; Agricultura de baixo carbono e

Propflora). Essas linhas de financiamento têm em comum o seu tempo de carência que são de

oito anos.

Ainda dentro da proposta da expansão do cultivo da seringueira está a aquisição de

mudas para os produtores, através de critérios diferenciados, de acordo com a categoria.

i) Produtor que adquirir menos de 500 mudas: subsídio de 100 % - a muda

será gratuita;

ii) Produtor que adquirir entre 500 e 1000 mudas: subsídio de 80 % - o custo

da muda será de R$ 0,54;

iii) Produtor que adquirir entre 1000 e 2000 mudas: subsídio de 60 % - o custo

48 Informações extraídas do Programa de Desenvolvimento do Setor da Borracha Natural (PRODEBON).

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da muda será de R$ 1,08.

iv) O custo total de uma muda será de R$ 2,7049

.

Ressalta-se que essas mudas de seringueira fazem parte de um aperfeiçoamento

tecnológico produzido pelas Plantações Michelin na Bahia em parceria com Instituições de

Pesquisa para combater pragas que são recorrentes nesse tipo de cultivo. Deste modo,

podemos observar que “o conhecimento e a pesquisa foram privatizados, e seus resultados são

usados como mercadoria para se obterem maiores taxas de lucros”. (STEDILE, 2013, p. 25).

Além dos insumos e equipamentos necessários para o cultivo e extração do látex que

são necessários serem adquiridos pelo produtor, ou seja, a mesma empresa consegue controlar

produção, comércio, fabricação de insumos, equipamentos e maquinários, além da tecnologia

necessária para a produção agroindustrial (STEDILE, 2013). A partir desse processo de

expansão do cultivo de seringueiras no Estado da Bahia, podemos observar a apropriação do

espaço para produção e reprodução do capital.

O PRODEBON tem uma forte ação e ampliação para a viabilização do capital no

campo, o principal sujeito dessa política são os agricultores camponeses como forma de

expandir o cultivo do agronegócio da borracha. Nesse contexto podemos especificar que há

uma reconfiguração espacial presenciada a partir da mundialização financeira (CHESNAIS,

1996). Essencialmente, esse processo está atrelado à reprodução ampliada do capital em

escala mundial, a partir das variadas formas de gerar a acumulação.

49 Informações extraídas do Programa de Desenvolvimento do Setor da Borracha Natural (PRODEBON).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No discorrer desta dissertação constatamos o quanto o processo de produção do espaço

está engendrado nas estratégias da expansão do capitalismo, a fim de garantir a reprodução e

acumulação contínua do capital mediante a extração de mais-valor. Logo, foi necessário

compreender os processos determinantes da constituição da realidade, assim como as

contradições e os conflitos existentes.

Observamos no transcorrer de nossos estudos que o desenvolvimento do capitalismo

no espaço agrário brasileiro desencadeou estratégias e transformações nas relações espaciais,

sociais e de produção. Nesse sentido, a modernização da agricultura teve grande influência na

reestruturação das relações, visto que o processo de modernização representou a engrenagem

da expansão e a reprodução do capital no campo, por meio da difusão do pacote tecnológico e

da integração técnica entre indústria e a agricultura, que se materializou na maior difusão do

capital financeiro sobre o campo.

Diante do processo da mundialização da economia, as novas estratégias de

reestruturação produtiva do capital no campo tem-se apoiado em Políticas Agrícolas locais e

nacionais para a consolidação do modelo do agronegócio. Através do processo de

monopolização do território. De acordo com Conceição (2004, p.87) “o agronegócio se

constitui a principal alternativa no processo de mundialização do capital”. Assim como

representa a face neoliberal de expansão do capital no campo.

No que tange à política-econômica, o agronegócio defende as propostas neoliberais que resultam na abertura de novos locus de acumulação de capital, como as privatizações e as parcerias público-privadas, bem como a

redução do papel do Estado na regulação do mercado de trabalho, no

controle de recursos naturais e na garantia de direitos sociais universais, como saúde e previdência. Entretanto, reivindica políticas protecionistas,

créditos subsidiados e investimentos estatais para viabilizar maior

capacidade produtiva e rentabilidade aos setores do agronegócio. As forças

hegemônicas do agronegócio no Brasil defendem que a base da economia do país deve ser a produção e a exportação de commodities. E é nessa

perspectiva que intervêm nas políticas agrária, agrícola, industrial,

ambiental, cambial, tributária e trabalhista no país. (CAMPOS, 2011, p.108).

O discurso construído pelo agronegócio é de um modelo hegemônico no espaço

agrário brasileiro, cuja finalidade é o aumento da produtividade associada à geração de

emprego e renda, além da redução dos índices de pobreza no campo. No entanto, são as

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contradições inerentes ao modelo da produção capitalista que revestem e redefinem o

agronegócio.

Deste modo, além de não reverter o histórico de desigualdade social tanto no campo

quanto nas cidades, nos últimos anos as condições de vida das populações agravaram-se.

Houve um aumento da concentração de renda e da terra, além da perda da soberania e

segurança alimentar. Portanto houve um crescimento do aumento da pobreza no campo e da

mobilidade do trabalho em direção aos centros urbanos.

Na contramão da desigualdade social, os grupos econômicos como as multinacionais,

ampliam seus lucros anualmente mediante a exploração da força de trabalho e extração de

mais-valor dos sujeitos do campo e da cidade. A expansão de grupos internacionais de

comércio, de produção, de financiamento e de biotecnologia tem avançado sobre o espaço

agrário. E, nessa perspectiva, os investimentos externos diretos passaram a controlar e

reorganizar os espaços no processo da produção, na delimitação das políticas de Estado e na

divisão territorial do trabalho.

Nesse contexto, os investimentos no setor da borracha natural são alguns dos

exemplos das conexões entre os setores públicos e privados. O Governo federal tem buscado

estratégias para o aumento da produção de borracha natural para atender a demanda interna,

principalmente das indústrias pneumáticas e automobilísticas. A meta do Brasil é buscar a

autossuficiência na produção.

O estado da Bahia tem acompanhado essa lógica da expansão da produção de borracha

natural, com a ampliação dos territórios do agronegócio da borracha por meio de projetos da

iniciativa privada e das Políticas Públicas. Os Planos Safra da Bahia 2015/2016 e 2016/2017

apresentaram, dentre as pautas do agronegócio no estado, o apoio à cadeia produtiva da

borracha. Embora o domínio do cultivo de seringueira seja na porção sul da Bahia, tem havido

uma crescente expansão para diferentes áreas do estado, como a Costa do Descobrimento.

A expansão das fronteiras agrícolas da borracha natural no estado da Bahia está

organizada sob a lógica do agronegócio. Desse modo, tem resultado no aprofundamento da

inserção e da subordinação das unidades de produção familiar para o cultivo de seringueiras,

por meio do sistema agroflorestal (SAF). De acordo com Oliveira (2013, p. 127), “[...] o

capital desenvolveu liames de sujeição que funcionam como peias, como amarras ao

campesinato, fazendo com que ele produza, às vezes, exclusivamente para a indústria”.

Nessa realidade, ocorre uma configuração produzida no espaço agrário, onde a

territorialidade da borracha natural se faz presente. Nossa pesquisa destacou o município de

Igrapiúna na região do Baixo Sul da Bahia, com a inserção do Grupo Michelin no espaço rural

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desse município. Mediante o apoio do Estado, esta Multinacional incorporou nessa região a

lógica produtiva do capital em detrimento das necessidades das unidades de produção familiar

camponesa.

Observamos que o cultivo da seringueira no município de Igrapiúna ocorre

principalmente nos territórios camponeses, sob a lógica da monopolização do território pelo

grupo Michelin, o qual determina o que será e como será produzido. Compreendemos isso no

processo de constituição do SAF, o qual engessa o camponês a produzir consorciando

seringueira, cacau e banana. Deste modo, a ação da Michelin sobre o território é de sujeição

da renda da terra ao capital. Em nossa análise, esta relação foi observada em diferentes

dimensões: a) na comercialização de insumos e ferramentas; b) na aquisição de mudas, com

destaque para as espécies clonadas; e c) na compra do látex para ser processado em sua usina

de beneficiamento.

O cultivo da seringueira, assim como as demais atividades primárias, igualmente

encontra-se submetido a ciclos de expansão e retração. É fundamental reforçar que o Grupo

Michelin detinha a territorialização do monopólio da borracha no município de Igrapiúna até

o início do século XXI. Contudo, diante das crises econômicas e da redução dos preços da

borracha no mercado mundial, a empresa não viu mais vantagens em assumir o processo da

produção no campo, então passou a monopolizar o território. Deste modo, o monopólio

industrial passou a sujeitar a renda da terra camponesa aos ditames e necessidades da indústria

pneumática.

As exigências da atividade da borracha e as altas e baixas dos preços no mercado,

certamente tornaram o cultivo da seringueira em unidades camponesas a melhor opção para o

capital quanto ao fornecimento regular da matéria prima. O não pagamento de todo o trabalho

da família contido na borracha é decisivo na composição da taxa de lucro da indústria

pneumática. Ainda assim, salientamos que, entre os altos e baixos da borracha, a condição do

Ser Camponês resiste e se faz presente na terra de trabalho. Podemos observar que entre os

cultivos da seringueira estão presentes os gêneros alimentícios como o feijão, a mandioca, a

abóbora, as hortaliças, a criação de animais e uma variedade de árvores frutíferas.

Concluindo-se que a recriação do campesinato, para além dos liames do capital, prossegue

indicando que outras possibilidades para o campo persistem.

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