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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP Katia Regina Gonçalves Mori A solidariedade como prática curricular educativa DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2013

Katia Regina Gonçalves Mori Regina Goncalv… · The research informants were, educational coordinators, teachers and people from the community attended by schools under solidarity

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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC ndash SP

Katia Regina Gonccedilalves Mori

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

DOUTORADO EM EDUCACcedilAtildeO CURRIacuteCULO

SAtildeO PAULO

2013

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC ndash SP

Katia Regina Gonccedilalves Mori

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

DOUTORADO EM EDUCACcedilAtildeO CURRIacuteCULO

Tese apresentada agrave Banca Examinadora da

Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo como exigecircncia parcial para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de DOUTORA em

Educaccedilatildeo Curriacuteculo sob a orientaccedilatildeo do

Prof Dr Aliacutepio Maacutercio Dias Casali

SAtildeO PAULO

2013

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrocircnicos

Assinatura

Local e data

BANCA EXAMINADORA

Aos meus filhos Sophia e Rodrigo pelo amor de uma vida inteira

AGRADECIMENTOS

Ao Aliacutepio Casali pois entre tantos tropeccedilos excitaccedilotildees arguiccedilotildees conquistas

orientaccedilotildees provocaccedilotildees tecemos amizade conhecimento tese Pelo meu contentamento

de ter compartilhado este trabalho por dentro com vocecirc meu melhor exemplo de que a

solidariedade eacute praacutetica educativa Muito obrigada

Ao Fernando Joseacute de Almeida e Mozart Neves Ramos pela amizade pelas conversas

instigantes e incentivos constantes

Ao Mario Sergio Cortella por ter me convencido a enfrentar o desafio do doutorado

e tantos outros sempre tatildeo presente tatildeo provocador tatildeo pertinente

Ao Joseacute Seacutergio Fonseca de Carvalho e Maria Nieves Tapia mestres da minha vida e da

minha vida acadecircmica por quem zelo um enorme carinho respeito e admiraccedilatildeo

Aos professores doutores da banca de qualificaccedilatildeo Branca Jurema Ponce e Paulo

Roberto Padilha pela contribuiccedilatildeo atenciosa e valorosa

Ao Francisco Josivan de Souza amigo tatildeo estimado e revisor desta tese

Ao Instituto Faccedila Parte por quase uma deacutecada de aprendizagem parceira

conhecimento vida Sem essa experiecircncia e sem esse apoio esta tese natildeo existiria

Agraves Escolas Solidaacuterias que participaram diretamente desta pesquisa em especial aos

seus diretores coordenadores pedagoacutegicos professores e comunidade que trouxeram as

contribuiccedilotildees essenciais e tornaram possiacutevel a realizaccedilatildeo desta pesquisa

Agrave CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa

A cada um dos meus amigos e amigas que me acompanharam me inspiraram

compartilharam conhecimento e trouxeram conforto e confianccedila para que eu pudesse seguir

adiante Em especial Miro Silmara Nice Cris Murachco Nany Rodrigo Miguel Quique

Deacutebora Ana Luacutecia Marcelo Juliana Rosacircngela Letiacutecia Telma Roberta Ernandes e Gilberto

Agrave minha famiacutelia em atenccedilatildeo especial aos meus pais com todo o meu amor agrave Leda e

ao Zeacute Mori em nome dos quais agradeccedilo aos demais

Ao Renato por compartilhar cada dia cada fraqueza cada alegria Por causa do seu

esmero foi possiacutevel realizar mais este sonho juntos

ldquoA solidariedade como forma de conhecimento

eacute o reconhecimento do outro como igual

sempre que a diferenccedila lhe acarrete inferioridade

e como diferente sempre que a igualdade

lhe ponha em risco a identidaderdquo

Boaventura de Souza Santos

RESUMO

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

Katia Regina Gonccedilalves Mori

Esta pesquisa analisa a solidariedade como praacutetica curricular educativa

e tem como objetivo compreender por um lado em que medida a

solidariedade pode ser inerente agraves praacuteticas curriculares e quais satildeo as

atividades que mediatizam a sua aprendizagem por outro contribuir para o

debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo uma vez que ultimamente tem-se

compreendido de maneira dicotomizada o conhecimento cognitivo e a

formaccedilatildeo para a cidadania O referencial teoacuterico estaacute aportado sobretudo nos

conceitos de alteridade (Leacutevinas) eacutetica (Dussel) compromisso poliacutetico (Freire)

e conhecimento emancipaccedilatildeo (Santos) O universo da pesquisa estaacute

circunscrito a quatro escolas do Estado de Satildeo Paulo com representatividade

das principais redes de ensino (rede puacuteblica estadual e municipal escola

particular e profissionalizante) Trata-se de uma pesquisa de anaacutelise qualitativa

cujos dados foram obtidos mediante questionaacuterios e entrevistas semi-

estruturadas Participaram como sujeitos da pesquisa coordenadores

pedagoacutegicos professores e comunidades atendidas pelos projetos solidaacuterios

desenvolvidos pelas escolas participantes Esta pesquisa permitiu constatar

que existe diferenccedila tanto na compreensatildeo quanto no desenvolvimento de

praacuteticas pedagoacutegicas que visam ensinar solidariedade fato este que sugeriu o

desenvolvimento e a proposiccedilatildeo de uma tipologia especiacutefica do conceito para o

campo da educaccedilatildeo a saber solidariedade curricular assistencialista

discursiva funcionalista-participativa e criacutetica-emancipadora Esta tese visa

contribuir para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo pensada pela

perspectiva da solidariedade enquanto conhecimento e valor fundamental para

a constituiccedilatildeo de uma sociedade que se queira plural e justa

Palavras-chave curriacuteculo solidariedade voluntariado educativo eacutetica qualidade da educaccedilatildeo

ABSTRACT

Solidarity as a curriculum educative practice

Katia Regina Gonccedilalves Mori

This research analyzes solidarity as a curricular practice and aims to

understand two particular points First the extent to which solidarity should be

inherent to curricular practices and which are the activities that emphasize its

teaching process Secondly it seeks to contribute to the debate about the quality

in education which lately has been understood under two dichotomized

functions cognitive knowledge and preparing for citizenship This is a research

on qualitative analysis field and its theoretical framework is based upon the

concepts of otherness (Levinas) ethics (Dussel) political commitment (Freire)

and knowledge emancipation (Santos) The research took place in four schools

of Satildeo Paulo metropolitan area which represent the most important school

systems (public private and vocational schools) For data collection a

questionnaire and semi-structured interviews were undertaken whose results

were recorded and transcribed The research informants were educational

coordinators teachers and people from the community attended by schools

under solidarity projects This research allowed to realize that there is much

variety in understanding how to develop pedagogical practices of solidarity and

this fact led to the development of a specific typology of solidarity practices in

education assistencialist discursive functional-participative critical-

emancipatory This thesis seeks to contribute to the debate about the quality of

education designed from the perspective of knowledge and solidarity as a

fundamental value for the constitution of a society which wants to be plural and

fair

Keywords curriculum solidarity service-learning ethics quality of education

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 12

1 Apresentaccedilatildeo 13 2 Contextualizaccedilatildeo 18 3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa 20 4 A metodologia qualitativa 23

CAPIacuteTULO I

PERCURSO METODOLOacuteGICO 27

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa 31

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino 32 12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino 40 13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada 45 14 Escola4 ndash Escola da Rede Particular Profissionalizante 51

2 Seleccedilatildeo das escolas 54

3 Selo Escola Solidaacuteria 56

4 Instituto Faccedila Parte 60

5 A coleta de dados 63

CAPIacuteTULO II

O CONCEITO SOLIDARIEDADE 73

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo 75

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade 81

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Sousa Santos 88

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas 93

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel 97

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire 101

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia poliacutetica 105

CAPIacuteTULO III

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE 117

1 O conceito de curriacuteculo 117

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade 120

3 A solidariedade e o saber compartilhado 124

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa 127

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional 131

6 O curriacuteculo e qualidade da educaccedilatildeo 137

CAPIacuteTULO IV

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA 144

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas 149

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa 153 21 Solidariedade assistencialista 155 22 Solidariedade discursiva 159 23 Solidariedade funcionalista-participativa 164 24 Solidariedade criacutetica-emancipadora 169

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular 183 31 A solidariedade no ambiente escolar 183 32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade 189

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 195

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 201

APEcircNDICE 214

ANEXO 220

LISTA DE SIGLAS

CONSED ndash Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Educaccedilatildeo

CPE1 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 1

CPE2 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 2

CPE3 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 3

CPE4 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 4

CE2 ndash Comunidade Escola 2

CE3 ndash Comunidade Escola 3

ExCE1 ndash Ex-coordenador Escola 1

PE1 ndash Professor Escola 1

PE2 ndash Professor Escola 2

PE3 ndash Professor Escola 3

PE4 ndash Professor Escola 4

ECA ndash Estatuto da Crianccedila e do Adolescente

ENEM ndash Exame Nacional do Ensino Meacutedio

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

INEP ndash Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira

LDB ndash Lei de Diretrizes e Bases

MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

OEI ndash Organizaccedilatildeo dos Estados Iberoamericanos

ONG ndash Organizaccedilatildeo Natildeo-Governamental

PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO

PCN ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNEDH ndash Programa Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PPP- Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

SENAI ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

UNDIME ndash Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino

UNESCO ndash Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF ndash Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

12

INTRODUCcedilAtildeO

13

1 Apresentaccedilatildeo

Comecei a me formar educadora em 1992 quando ingressei no curso

de graduaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade de Satildeo Paulo Entre

as oportunidades vivenciadas duas delas influenciaram as minhas escolhas e

o percurso de minha carreira A primeira foi ter ingressado no Nuacutecleo de

Pesquisa da Escola do Futuro (1995-1997)1 pois despertou o meu interesse

pela aplicaccedilatildeo das Tecnologias da Informaccedilatildeo e da Comunicaccedilatildeo (TIC) na

escola De 1999 a 2001 trabalhei com projetos sobre o uso do computador na

sala de aula e fiz o mestrado na linha de Novas Tecnologias aplicadas agrave

Educaccedilatildeo defendido em 2004 pela PUC-SP

A segunda foi a experiecircncia de ter sido voluntaacuteria no Centro de Estudos

e Informaccedilotildees Crecheplan atualmente Instituto Avisa Laacute2 com a equipe

pedagoacutegica coordenada por Regina Scarpa O trabalho intensificou o meu

interesse pelos estudos Eu sentia a necessidade de melhorar meu repertoacuterio e

conseguir ajudar agrave creche tanto na intervenccedilatildeo direta com os alunos quanto

nas reuniotildees pedagoacutegicas que acompanhava uma vez por mecircs Assumi um

compromisso de formaccedilatildeo que transcendia a vida acadecircmica e com isso o meu

rendimento melhorou Minha motivaccedilatildeo para os estudos natildeo era mais somente

1 O NAP Escola do FuturoUSP inaugurou suas atividades em 1989 sob a coordenaccedilatildeo

cientiacutefica do Prof Dr Fredric M Litto A partir de janeiro de 1993 instituiu-se como um Nuacutecleo de Apoio agrave Pesquisa passando a intitular-se Nuacutecleo das Novas Tecnologias de Comunicaccedilatildeo Aplicadas agrave Educaccedilatildeo ldquoEscola do FuturoUSPrdquo (NAP EFUSP) Trabalhei diretamente em um dos projetos o Grupo de Ciecircncias via Telemaacutetica coordenado pelo Prof Dr Nelio Bizzo (ESCOLA DO FUTURO 2013)

2 Em 1986 foi fundado o entatildeo Crecheplan por um grupo de profissionais que atuavam em

creches A partir de 1999 ele passou a se chamar INSTITUTO AVISA LAacute - Formaccedilatildeo Continuada de Educadores uma organizaccedilatildeo natildeo-governamental que tem como objetivos contribuir para a qualificaccedilatildeo e o desenvolvimento de competecircncias dos educadores que atuam em instituiccedilotildees educacionais e atendem a crianccedilas de baixa renda oferecer suporte teacutecnico para ONGs agecircncias governamentais escolas de Educaccedilatildeo Infantil e Ensino Fundamental atuar como centro de produccedilatildeo de conhecimento em Educaccedilatildeo por meio de site na Internet com produccedilatildeo de viacutedeos de formaccedilatildeo e publicaccedilotildees e contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que resultem em educaccedilatildeo de maior qualidade (AVISA LAacute 2013)

14

conseguir boas notas mas me preparar para lidar com as vaacuterias situaccedilotildees

enfrentadas na creche o planejamento da atividade a negociaccedilatildeo de conflitos

a contaccedilatildeo de histoacuterias o acompanhamento das discussotildees pedagoacutegicas a

falta de recursos o problema da desapropriaccedilatildeo do imoacutevel e fechamento da

creche (devido agrave construccedilatildeo da Av Roberto Marinho na zona sul da cidade de

Satildeo Paulo) entre outros

Passados aproximadamente cinco anos apoacutes a minha graduaccedilatildeo

recebi um convite para trabalhar em um Instituto3 receacutem-fundado que tinha

como foco estimular o voluntariado por meio da educaccedilatildeo Ateacute entatildeo tinha

optado por seguir pelo caminho do uso das TIC na educaccedilatildeo e minha uacutenica

experiecircncia no terceiro setor tinha sido no Crecheplan que havia se tornado

meu uacutenico referencial tanto de atuaccedilatildeo no terceiro setor quanto de

voluntariado na educaccedilatildeo

Naquela eacutepoca iniacutecio dos anos 2000 o paiacutes vivia um chamado

intensivo da comunidade para o trabalho voluntaacuterio quando o Programa

Comunidade Solidaacuteria coordenado pela Dra Ruth Cardoso no governo

Fernando Henrique Cardoso estimulava o ldquofortalecimento da sociedade civilrdquo e

influenciou a criaccedilatildeo de centros institutos e programas de voluntariado pelo

Brasil O assunto ganhou notoriedade com a cobertura da miacutedia dividindo

opiniotildees da populaccedilatildeo e de especialistas Minha percepccedilatildeo sobre voluntariado

tambeacutem era dicotocircmica pois por um lado eu desconfiava do estiacutemulo ao

trabalho voluntaacuterio que mais parecia uma manobra poliacutetica para que as

pessoas trabalhassem gratuitamente para resolver problemas sociais que

deveriam ser de responsabilidade do Estado ou seja uma praacutetica para

apaziguar a sociedade e manter as relaccedilotildees de poder cada vez mais

fortalecidas (GADOTTI 2008 DEMO 2002 GENTILLI e SILVA 1994) por

outro lado eu tive efetivamente uma experiecircncia positiva na graduaccedilatildeo que

natildeo representava essa maneira de compreender o voluntariado4 Sendo assim

decidi conhecer a proposta do Instituto e soube que a intenccedilatildeo era a de 3 Instituto Faccedila Parte apresentado no Capiacutetulo I

4 No Crecheplan pude contribuir socialmente aprendi que poderia intervir e ajudar a melhorar

uma realidade difiacutecil Sabia que natildeo estava substituindo o papel de nenhum funcionaacuterio da educaccedilatildeo com o meu trabalho pois isso era conversado com a gestora da instituiccedilatildeo aprendi a enxergar o outro a pensar em o que poderia fazer para contribuir para o desenvolvimento do curriacuteculo e do planejamento pedagoacutegico

15

estimular a praacutetica do voluntariado jovem similar agrave que eu tinha vivido e que a

base conceitual de voluntariado seria criada a partir de dois alicerces 1) de

compromisso social sem a substituiccedilatildeo do estado ou a desoneraccedilatildeo do

empregador e 2) ser uma experiecircncia de formaccedilatildeo pessoal e social para o

jovem

O Instituto (presidecircncia conselho consultivo e equipe executiva) era

constituiacutedo de forma bastante ecleacutetica empresaacuterios universitaacuterios pessoas

ligadas ao terceiro setor pesquisadores pensadores e educadores como Frei

Betto e Antonio Carlos Gomes da Costa A oportunidade de aprender com essa

experiecircncia ainda que em meio a tensotildees ideoloacutegicas que a proacutepria

configuraccedilatildeo do grupo sugeria (ainda que pequeno com boa

representatividade da sociedade civil) me instigou a aceitar o desafio

O primeiro material analisado para fundamentar conceitualmente o

voluntariado foi apresentado por Frei Betto em uma das oficinas de estudo

Tratava-se de uma pesquisa desenvolvida por uma brasileira na Itaacutelia

(SBERGA 2001) sobre como o voluntariado pode ser uma ferramenta

pedagoacutegica pela qual os alunos podem ser estimulados a diagnosticar um

problema social real planejar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo e atuar diretamente na

comunidade conceito esse chamado de ldquovoluntariado educativordquo5 Antonio

Carlos Gomes da Costa trouxe o conceito de ldquoprotagonismo juvenilrdquo no qual o

jovem eacute visto como um protagonista na resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

identificados com a escola buscando-se desenvolver aleacutem das habilidades

cognitivas a consciecircncia de que a realidade pode ser transformada Assim

estabelece-se uma relaccedilatildeo mais direta da escola com a comunidade e se

propotildee a contextualizaccedilatildeo do curriacuteculo partindo de um problema local para

propiciar a formaccedilatildeo criacutetica e sobretudo solidaacuteria

Com esses estudos aprendi que o voluntariado natildeo pode ser

compreendido como uma atividade que desonera o Estado ou o empregador

pois essa percepccedilatildeo o afasta da construccedilatildeo de um estado democraacutetico No

entanto responsabilizar-se pela vida em comunidade de maneira voluntaacuteria

5Ver capiacutetulo IV A solidariedade como praacutetica curricular educativa

16

pode ser uma experiecircncia positiva6 na medida em que permite melhor

compreensatildeo sobre a co-responsabilidade e o proacuteprio funcionamento do poder

puacuteblico

Sobre o aspecto da formaccedilatildeo o comprometimento voluntaacuterio para se

resolver problemas sociais reais pode despertar a consciecircncia social e o

interesse pela atitude poliacutetica A aproximaccedilatildeo permite conhecer entre outras

coisas como a sociedade se organiza e quem deve ser cobrado para que a

ordem seja (re)estabelecida Esta concepccedilatildeo de voluntariado despertou o meu

interesse em contribuir para a construccedilatildeo da base conceitual do Instituto e por

extensatildeo para a formaccedilatildeo de jovens que pudessem ter ainda uma visatildeo

distorcida assistencialista exploratoacuteria da praacutetica voluntaacuteria Enquanto

coordenadora de conteuacutedo do Instituto participei do desenvolvimento dos livros

publicados e do principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria7 o que me

possibilitou entrar em contato direto com milhares de gestores de escolas

puacuteblicas ao longo de nove anos de trabalho por todo o paiacutes em momentos

como os de visita agraves escolas palestras eventos de entrega e lanccedilamento de

alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria entre outros

Nas centenas de palestras introdutoacuterias sobre o conceito que proferi

em atividade pelo Instituto iniciaacutevamos a construccedilatildeo teoacuterica a partir da

seguinte formulaccedilatildeo se concordarmos com o artigo segundo da LDB 939496

o qual define que a educaccedilatildeo ldquodeve ser inspirada nos ideais de solidariedade

humana e deve ter por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu

preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo

(grifos meus) como oferecer esta educaccedilatildeo Como preparar os alunos para o

exerciacutecio da cidadania

Estas perguntas despertavam um interesse unacircnime A resposta era

construiacuteda a partir da pedagogia de John Dewey e Paulo Freire entre outros

Aos poucos a necessidade de se criar experiecircncias da decisatildeo e da

6 Haja vista por exemplo a doaccedilatildeo de sangue em todo o mundo ela soacute pode ser exercida

voluntariamente O sangue humano natildeo eacute produzido sinteticamente natildeo pode ser comercializado (vendido ou comprado) e a sauacutede puacuteblica depende de um banco de sangue abastecido

7 Apresentado no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

17

responsabilidade (DEWEY 1979) e de se criar um curriacuteculo vivo

contextualizado criacutetico (FREIRE 1996) era trazida ao primeiro plano

Ao longo de todo o percurso pude perceber que tais reflexotildees faziam

sentido para escolas de diferentes condiccedilotildees regionais sociais

administrativas econocircmicas O desenvolvimento de experiecircncias de

protagonismo juvenil onde o jovem pudesse trabalhar em projetos socais reais

era compreendido como uma das possiacuteveis estrateacutegias para se buscar a

qualidade da educaccedilatildeo pretendida e guiada pela compreensatildeo do texto da

LDB

No entanto pude perceber tambeacutem que a unanimidade sobre

considerar tais questotildees fundamentais para a formaccedilatildeo inicial trazia consigo

divergecircncias intriacutensecas agrave proacutepria concepccedilatildeo conceitual Como pontua

Carvalho citando Azanha (CARVALHO 2013) haacute diferenccedilas na compreensatildeo

do que seja ldquoformar para a cidadaniardquo Da mesma forma deve haver diferenccedilas

para o que eacute ldquoser solidaacuteriordquo A unanimidade aparente pode responder a

intenccedilotildees diversas revelando um tenso jogo de poder entre manter o status

quo por meio do reforccedilo de uma postura acomodada de cidadania ou propor

uma educaccedilatildeo criacutetica que visa agrave emancipaccedilatildeo As contradiccedilotildees e a riqueza da

diversidade sentidas ao longo desses anos me motivaram a voltar agrave academia

a um Programa de Doutorado em Educaccedilatildeo Curriacuteculo para procurar

compreender a educaccedilatildeo enquanto qualidade de formaccedilatildeo para a

solidariedade e a cidadania8

8 Impulsionados por outra concepccedilatildeo de contribuiccedilatildeo para a qualidade da educaccedilatildeo a diretoria

do Faccedila Parte e parceiros fundaram o Todos Pela Educaccedilatildeo em 2006 ndash organizaccedilatildeo social que visa concentrar seus esforccedilos no estabelecimento acompanhamento e desenvolvimento de programas para o cumprimento de metas estabelecidas de qualidade relacionadas ao fluxo desempenho e gestatildeo de processos e recursos para a educaccedilatildeo baacutesica

O Faccedila Parte manteacutem suas atividades poreacutem com atuaccedilatildeo reduzida O Selo Escola Solidaacuteria foi encerrado em sua quinta ediccedilatildeo Em nota o Instituto informou que em 2013 ao completar 10 anos seratildeo reconhecidas as escolas que participaram de quatro ou das cinco ediccedilotildees

18

2 Contextualizaccedilatildeo

Vivemos um momento marcado por avanccedilos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos

que mudaram as relaccedilotildees de tempo espaccedilo produccedilatildeo e conviacutevio Nunca

antes o mundo havia experimentado a convivecircncia planetaacuteria o recebimento

da informaccedilatildeo em tempo real o ldquoestarrdquo de maneira virtual Esta configuraccedilatildeo

incita novos arranjos Nunca antes na histoacuteria a humanidade teve acesso a

tantos conhecimentos teacutecnicas informaccedilotildees e ferramentas de maneira tatildeo

disponiacutevel No entanto tais caracteriacutesticas tecircm propiciado o desenvolvimento

humano9

Segundo um estudo desenvolvido pelo psicoacutelogo evolucionista da

Universidade de Harvard Steven Pinker (2012) a humanidade tem

abandonado as praacuteticas de sacrifiacutecios humanos e meacutetodos crueacuteis de execuccedilatildeo

como a fogueira a crucificaccedilatildeo e a empalaccedilatildeo comuns na idade medieval e

adotado uma postura mais pacifista nos uacuteltimos seacuteculos Ele demonstra a

queda no nuacutemero de mortes por guerras genociacutedios terrorismo que o autor

atribui ao fato de o homem ficar mais inteligente utilizando a variaccedilatildeo meacutedia do

teste de raciociacutenio loacutegico para comprovar sua hipoacutetese No entanto em sua

obra Como a mente funciona (Idem 1999) atribui agrave inteligecircncia humana o fato

do homem buscar estrateacutegias de sobrevivecircncia A primeira delas identificada

na teoria da Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin foi a de estabelecer

um relacionamento cooperativo baseado na reciprocidade muacutetua para a

proteccedilatildeo do grupo e da espeacutecie10

Se considerarmos esses trecircs fatores o acesso ao conhecimento

culturalmente acumulado de forma mais intensa pelo uso das TICs a

globalizaccedilatildeo (comunicaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo) e que o homem busca a

sobrevivecircncia a tendecircncia de natildeo extermiacutenio pode estar na complexidade

dessa relaccedilatildeo uma vez que os interesses ligados agrave proacutepria subsistecircncia

depende de conexotildees planetaacuterias acordos geopoliacuteticos e econocircmicos e

9Desenvolvimento humano compreendido nesta pesquisa como um processo de ampliaccedilatildeo

das escolhas das pessoas para que elas possam por si criar as oportunidades para serem aquilo que desejam ser (MORI CASADEI 2012)

10 Ver Capiacutetulo III Curriacuteculo e Solidariedade

19

sofrem a influecircncia do predomiacutenio da cultura hegemocircnica que continua

tensionando as relaccedilotildees num jogo de interesses que favorece a desigualdade

social a fome e a pobreza absoluta produtos desse sistema poliacutetico ainda

perverso

Para Pedro Demo o desenvolvimento humano estaacute apoiado em dois

pilares fundamentais o instrumento (produccedilatildeo econocircmica) e o fim (cidadania)

Neste sentido o processo educativo pode tender tanto para os fins de consumo

como para os meios de uma formaccedilatildeo criacutetico emancipadora Ele se constitui a

partir de dois movimentos o ldquoformalrdquo constituiacutedo do manejo da linguagem dos

meios da tecnologia das formas e o ldquopoliacuteticordquo que diz respeito agrave capacidade

do sujeito ldquose fazer e fazer histoacuteriardquo Ainda que como ressalva o autor natildeo se

possam segregar as duas coisas pois elas ldquonatildeo satildeo duas coisas satildeo as faces

do mesmo todordquo (DEMO 1996 p 14)

O conhecimento e a instruccedilatildeo podem trazer a capacidade de produccedilatildeo

de inserccedilatildeo social de consumo mas tambeacutem a competitividade a exploraccedilatildeo

a manutenccedilatildeo do status quo Para que isso natildeo ocorra a aquisiccedilatildeo de renda

deve ser compreendida como meio natildeo como fim pois eacute preciso considerar a

qualidade da vida em sociedade o respeito a convivecircncia a liberdade num

processo educativo humanizador

No entanto quando analisamos a tendecircncia educacional dos uacuteltimos

anos vemos que a busca por qualidade tem sido pautada apenas na aquisiccedilatildeo

formal do conhecimento e natildeo na formaccedilatildeo humanizadora Um dos principais

fatores para esse movimento pode ser atribuiacutedo agrave incorporaccedilatildeo de testes

padronizados de conhecimento para mensurar a qualidade da educaccedilatildeo

oferecida no sistema puacuteblico de ensino Se por um lado essa medida tenha

contribuiacutedo para que seja possiacutevel conhecer a qualidade formal da educaccedilatildeo

por outro a apropriaccedilatildeo que se tem feito dos resultados tem reduzido o

conceito de qualidade da educaccedilatildeo agrave esfera da instrumentalizaccedilatildeo da

aquisiccedilatildeo de conhecimentos teacutecnicos formais

A divulgaccedilatildeo de um ranking das escolas promovendo uma disputa

centrada no bom rendimento no exame e natildeo na qualidade da aprendizagem

dos alunos pode ser um dos exemplos dessa maacute apropriaccedilatildeo Aleacutem disso a

adoccedilatildeo dos testes como principal ou uacutenico paracircmetro de qualidade para

20

determinar poliacuteticas puacuteblicas que priorizem accedilotildees para melhorar o desempenho

das escolas pelo estado e por outro lado as escolas adequarem o curriacuteculo de

forma a melhorar a desempenho nos exames limitando as praacuteticas curriculares

ao desenvolvimento de atividades que venham a impactar nos resultados

podem ser outras duas medidas que estejam promovendo o esvaziamento do

conceito de qualidade da educaccedilatildeo (FRIGOTTO 1994)

O objetivo tende a deixar de ser a formaccedilatildeo do sujeito histoacuterico-criacutetico

para ter o fim em si mesmo o que descaracteriza a proacutepria educaccedilatildeo que natildeo

se limita a instrumentalizaccedilatildeo e metodologia mas abrange a qualidade formal e

poliacutetica ao mesmo tempo Neste sentido esta pesquisa pretende retomar o

conceito de qualidade a partir da formaccedilatildeo social humanizadora sem

descartar no entanto a aquisiccedilatildeo e desenvolvimento do conhecimento criacutetico

criativo que favorece a emancipaccedilatildeo

3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa

Segundo a coluna de opiniatildeo puacuteblica assinada por Juan Carlos

Tedesco no perioacutedico espanhol para docente intitulado Escuela (TEDESCO

2013) a ONU divulgou recentemente uma declaraccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e

desenvolvimento social onde denomina as competecircncias relacionadas agrave

formaccedilatildeo eacutetica e solidaacuteria como ldquohabilidades brandasrdquo em contraponto agraves

ldquohabilidades durasrdquo relacionadas ao aspecto cognitivo Na mesma perspectiva

a avaliaccedilatildeo externa ndash padronizada feita em larga escala para avaliar os

sistemas educacionais ndash considera o resultado de testes padronizados em

leitura (portuguecircs) e matemaacutetica como paracircmetro para determinar as notas das

escolas e tem definido o curriacuteculo daquelas que buscam por melhores

resultados Em alguns estados o governo oferece aos professores que

atingem as metas estabelecidas bonificaccedilotildees salariais11 e a cobertura da miacutedia

11

Segundo informaccedilotildees divulgadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Fundaccedilatildeo Victor Civita (CIVITA 2011) sete estados implantaram esse sistema Amazonas Cearaacute Pernambuco Rio de Janeiro Minas Gerais Espiacuterito Santo e Satildeo Paulo

21

nacional e local se encarrega de fazer o ranqueamento das escolas de acordo

com os resultados obtidos Em meio a esse processo se por um lado haacute

ganhos no acompanhamento do sistema educacional os ldquoefeitos colateraisrdquo

tecircm se mostrado perversos como a reduccedilatildeo do curriacuteculo por exemplo que

passa a ser restringido agrave preparaccedilatildeo para os testes O impacto dessas

medidas e tendecircncias na compreensatildeo da qualidade da educaccedilatildeo recai

inclusive sobre a desvinculaccedilatildeo da construccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-

cientiacutefico agrave formaccedilatildeo eacutetica solidaacuteria Eacute o proacuteprio Tedesco (2013) que afirma

Se houver a separaccedilatildeo entre as chamadas ciecircncias duras e as ciecircncias brandas haveraacute a preparaccedilatildeo do terreno para o

divoacutercio entre a dimensatildeo cognitiva da eacutetica e da vida emocional das pessoas o que impede que os alunos e a sociedade como um todo percebam a complexa realidade da vida cotidiana que integra aspectos cientiacuteficos sociais e eacuteticos

A dicotomizaccedilatildeo distancia a escola de oferecer uma formaccedilatildeo para a

cidadania prestando-se a centrar seus esforccedilos na preparaccedilatildeo dos alunos aos

testes ao bom desempenho escolar apenas descartando a formaccedilatildeo para a

cidadania A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (BRASIL 1996)

em seu artigo 2ordm define que ldquoa educaccedilatildeo dever da famiacutelia e do Estado

inspirada nos princiacutepios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana

tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu preparo para o

exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo Tais princiacutepios

permeiam os paracircmetros e referenciais curriculares de educaccedilatildeo No texto de

introduccedilatildeo aos Paracircmetros Curriculares Nacionais o preparo para o exerciacutecio

da cidadania aponta para a

relevacircncia de discussotildees sobre a dignidade do ser humano a igualdade de direitos a recusa categoacuterica de formas de discriminaccedilatildeo a importacircncia da solidariedade e do respeito Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserccedilatildeo sociopoliacutetica e cultural Apresenta-se para a escola hoje mais do que nunca a necessidade de assumir-se como espaccedilo social de construccedilatildeo dos significados eacuteticos necessaacuterios e constitutivos de toda e qualquer accedilatildeo de cidadania (BRASIL 1997 p 27)

22

Vecirc-se aqui que a educaccedilatildeo baacutesica deve estar fundamentada nos ideais

de solidariedade e eacutetica na cidadania e deve assumir o compromisso de

integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a intervenccedilatildeo social e

poliacutetica dando sentido ao emprego dos conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos

Este eacute o problema assumido para esta tese

Para Carvalho (2013 p 47-48) ensinar as ldquovirtudes puacuteblicasrdquo eacute uma

questatildeo formulada haacute seacuteculos desde Platatildeo No entanto tais virtudes como a

solidariedade podem de fato ser ensinadas Considerando que o processo

formativo deve estar fundamentado nos ideais de solidariedade e deve assumir

o compromisso de integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a

intervenccedilatildeo social e poliacutetica o que esta tese se propotildee a investigar eacute se e

como esta formaccedilatildeo articulada entre a preparaccedilatildeo para a vida produtiva

(conhecimentos cientiacuteficos e teacutecnicos) e a educaccedilatildeo para a solidariedade

(sobretudo a formaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica) estaacute acontecendo

A presente pesquisa assume a seguinte hipoacutetese a experiecircncia de

solidariedade pode contribuir com a praacutetica curricular retomando sobretudo a

formaccedilatildeo social e poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para

aleacutem da aquisiccedilatildeo formal dos conhecimentos culturalmente acumulados

Para isso o objetivo desta pesquisa eacute estudar segundo uma

distribuiccedilatildeo de amostragem definida qualitativamente que contribuiccedilotildees

avanccedilos ganhos ou retrocessos podem ser percebidos nas e pelas escolas

investigadas quanto ao desenvolvimento da solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa Tal abordagem visa construir referenciais que tenham por

princiacutepio e fim a solidariedade e contribuam para a formaccedilatildeo para a cidadania e

a construccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica

Satildeo objetivos especiacuteficos desta pesquisa

- contribuir para o debate acerca da solidariedade no acircmbito da

educaccedilatildeo definindo-a conceitualmente

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica

curricular e

23

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade na escola pode ser considerada inerente agrave praacutetica

curricular

Pretende-se como resultado desta pesquisa contribuir para o debate

acerca da educaccedilatildeo de qualidade retomando sobretudo a formaccedilatildeo social e

poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para aleacutem da aquisiccedilatildeo

formal dos conhecimentos culturalmente acumulados compreendendo a

solidariedade como praacutetica curricular educativa

4 A metodologia qualitativa

Por suas caracteriacutesticas intriacutensecas o tema solidariedade12 requer uma

pesquisa de anaacutelise qualitativa

Para desenvolver este estudo foi realizada uma pesquisa de campo

junto a quatro escolas trecircs da cidade de Satildeo Paulo e uma de Satildeo Caetano do

Sul no Estado de Satildeo Paulo13

O estudo qualitativo ganhou espaccedilo entre as ciecircncias sociais e

humanas pois permite a adequaccedilatildeo agrave realidade de cada pesquisa de acordo

com o seu interesse diferenciando-se em forma e meacutetodo Depender do

pesquisador significa que as concepccedilotildees valores e conjunto de significados e

objetivos variam caso a caso (CHIZZOTTI 2008)

12

Fiz um levantamento junto ao Banco de Teses da CAPES (httpcapesdwcapesgovbr) sobre os trabalhos cientiacuteficos relacionados ao tema ldquosolidariedaderdquo Ao todo foram encontradas 589 ocorrecircncias Visando conhecer a produccedilatildeo mais recente fiz um recorte considerando os uacuteltimos cinco anos (de 2007 a 2011) e encontrei 227 tiacutetulos Nesta amostragem observou-se uma maior ocorrecircncia dos enfoques socioloacutegico filosoacutefico teoloacutegico econocircmico poliacutetico e de direito Foram encontradas 45 pesquisas no tema da educaccedilatildeo Haacute pesquisas nas aacutereas de educaccedilatildeo superior educaccedilatildeo do campo educaccedilatildeo natildeo formal educaccedilatildeo profissional educaccedilatildeo especial formaccedilatildeo de professores direitos humanos sauacutede arte literatura educaccedilatildeo fiacutesica novas tecnologias entre outros vinculadas aos saberes eacuteticos teacutecnicos pedagoacutegicos comunicacionais de gestatildeo entre outros Pode-se perceber uma tendecircncia em se considerar a solidariedade como fator de promoccedilatildeo de um ambiente colaborativo de aprendizagem Uma delas trata da questatildeo da solidariedade visando a formaccedilatildeo em valores Eacute uma pesquisa qualitativa teoacuterica ou seja natildeo haacute pesquisa de campo e se propocircs a elaborar o conceito principalmente pela teoria da complexidade e a eacutetica

13 As escolas seratildeo apresentadas no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

24

A anaacutelise qualitativa permite o envolvimento com o tema respeitando

as particularidades e diversidades que o estudo sobre as relaccedilotildees sociais

merece O pesquisador torna-se um ator durante o processo na medida em

que participa interage acompanha recorta compreende e interpreta os dados

de acordo com suas inquietaccedilotildees

Haacute uma interaccedilatildeo direta entre o objeto e a subjetividade do sujeito O

conhecimento portanto natildeo se reduz a um rol isolado de dados pois o

pesquisador pode considerar os fenocircmenos que influenciam o objeto

Os pesquisadores que adotaram essa orientaccedilatildeo se subtraiacuteram agrave verificaccedilatildeo das regularidades para se dedicarem agrave anaacutelise dos significados que os indiviacuteduos datildeo agraves suas accedilotildees no meio ecoloacutegico em que constroem suas vidas e suas relaccedilotildees agrave compreensatildeo do sentido dos atos e das decisotildees dos atores sociais ou entatildeo dos viacutenculos indissociaacuteveis das accedilotildees particulares com o contexto social em que estas se datildeo (CHIZZOTTI 1991 p 63)

Em ciecircncias humanas os fatos natildeo satildeo estanques uma vez que os

objetos de estudo pensam agem e reagem assim como o pesquisador que

igualmente exerce influecircncia durante a pesquisa (LAVILLE DIONNE 1999 p

33)

A complexidade do conceito e as restriccedilotildees exigidas pela metodologia

cientiacutefica fizeram da tese seus recortes e instrumentos um desafio constante

que me propus a enfrentar mesmo diante das dificuldades da mensuraccedilatildeo de

resultados

O erro tiacutepico cometido ldquonas pesquisas sociaisrdquo refere-se agrave tendecircncia de reduzir o relevante ao testaacutevel [] Seria uma distorccedilatildeo grosseira imaginar inexistente ou irrelevante aquilo que natildeo conseguimos captar de modo experimental Se haacute uma falha ela estaria no meacutetodo de captaccedilatildeo natildeo na realidade Eacute pois uma violecircncia contra a realidade pressupor que soacute interessa sua face empiacuterica Diria inclusive que na realidade social raramente o mais relevante

coincide com o mais testaacutevel (DEMO 1985 p9)

25

Para desenvolver este estudo optei por fazer uma pesquisa teoacuterica e

empiacuterica14 analisando escolas de diferentes redes de ensino e contextos

buscando compreender a praacutetica curricular

Esta tese estaacute organizada de acordo com a seguinte estrutura o

Capiacutetulo I traz o percurso metodoloacutegico e apresenta quais foram os criteacuterios

utilizados para a escolha das escolas participantes da pesquisa os

instrumentos de coleta de dados como eles foram empregados e as escolas

os Capiacutetulos II e III satildeo teoacutericos sendo que o primeiro deles traz uma

construccedilatildeo teoacuterica sobre o conceito de solidariedade e o segundo diz respeito agrave

solidariedade no contexto da educaccedilatildeo fundamentalmente no curriacuteculo da

educaccedilatildeo baacutesica e o Capiacutetulo IV apresenta os dados e os analisa costurando

o que pode ser observado e aprendido com os sujeitos da pesquisa agrave luz dos

teoacutericos aportados neste estudo

14

Esta pesquisa foi submetida ao Coacutedigo de Eacutetica nuacutemero CAAE 14483113500005482

26

CAPIacuteTULO I

27

PERCURSO METODOLOacuteGICO

A intenccedilatildeo de fazer uma pesquisa que resgatasse elementos para

elucidar e compreender questotildees relacionadas agrave solidariedade como praacutetica

educativa e portanto praacutetica curricular foi amadurecendo ao longo do trajeto

da pesquisa na medida em que se desenvolvia o estudo teoacuterico sobre a

solidariedade e o curriacuteculo Os autores escolhidos para embasar teoricamente

esta pesquisa (capiacutetulos III e IV) tecircm como ponto de convergecircncia a

abordagem humanizadora da educaccedilatildeo a formaccedilatildeo eacutetica e emancipadora

como paradigma orientador de educaccedilatildeo

Procuramos com esta pesquisa identificar como escolas de diferentes

contextos socioeducativos definem solidariedade como ensinam seus alunos a

serem solidaacuterios e como a adotam na praacutetica curricular

Na investigaccedilatildeo nosso olhar centrou-se nos principais aspectos tanto

nos momentos das entrevistas como nos contatos abertos com as escolas agrave

luz do referencial teoacuterico que foi construiacutedo junto com o acompanhamento nas

escolas buscando encontrar pontos de convergecircncia divergecircncia ou

complementaccedilatildeo que pudessem servir de guia para alocar os diferentes

aspectos mais frequentemente nas falas dos sujeitos da pesquisa como

blocos indicadores das subcategorias de anaacutelise

O objetivo desta manipulaccedilatildeo eacute propiciar uma apreciaccedilatildeo dialoacutegica

entre as falas dos atores com as observaccedilotildees e impressotildees colhidas junto agraves

escolas e agraves consideraccedilotildees dos pesquisadores agrave luz dos autores

selecionados

Nas consideraccedilotildees finais desta pesquisa buscamos desenvolver

provisoriamente algumas reflexotildees quanto agrave praacutetica curricular agrave vasta

compreensatildeo sobre solidariedade agrave formaccedilatildeo para a cidadania visando

colaborar para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo real e desejada

Para a coleta de dados foram utilizados trecircs recursos a aplicaccedilatildeo de

um questionaacuterio para um mapeamento inicial as entrevistas semi-estruturadas

28

e o acompanhamento agraves escolas em um processo investigativo que se

estendeu durante o ano letivo de 2012 ateacute o iniacutecio de 2013

No transcorrer da coleta de dados procuramos fazer com que os

participantes se sentissem beneficiados seguindo alguns criteacuterios a)

desenvolver a pesquisa junto a escolas que responderam voluntariamente ao

questionaacuterio b) as entrevistas foram negociadas previamente com cada

participante c) as entrevistas foram gravadas e transcritas a posteriori

procurando natildeo desviar a atenccedilatildeo nem do pesquisador nem do participante e

d) no caso dos eventos solidaacuterios na escola a participaccedilatildeo foi realizada de

acordo com a proposta sugerida pela escola respeitando o universo de

atuaccedilatildeo de cada uma delas

Para que esta pesquisa atingisse o objetivo de estudar a solidariedade

enquanto praacutetica educativa procuramos selecionar um pequeno universo de

escolas distintas entre si e que apresentassem o desejo demonstrassem o

interesse em serem escolas que oferecem uma educaccedilatildeo como praacutetica

solidaacuteria Neste sentido procuramos escolas que apresentassem as seguintes

caracteriacutesticas a) serem escolas que participaram ou receberam o Selo Escola

Solidaacuteria ao menos nas trecircs uacuteltimas ediccedilotildees (2007 2009 e 2011) b)

comporem entre si uma diversidade de escolas de diferentes redes

administrativas (rede puacuteblica estadual municipal e particular) c) serem de

realidades socioeconocircmicas distintas d) apresentarem entre si diferenccedilas em

relaccedilatildeo ao niacutevel de ensino trabalhado (Ensino Fundamental I Ensino

Fundamental II Ensino Meacutedio e profissionalizante) e) terem atividades

solidaacuterias previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Para se chegar a essas escolas adotamos como medida inicial uma

pesquisa no banco de projetos disponiacutevel na web que apresenta as escolas

que jaacute receberam o Selo Escola Solidaacuteria e seus projetos15

Para partir de um universo de 23690 escolas fizemos inicialmente o

recorte por localidade No Estado de Satildeo Paulo onde desenvolvemos esta

15

A justificativa da seleccedilatildeo das escolas seraacute apresentada ainda neste capiacutetulo Basicamente o Selo Escola Solidaacuteria reuacutene em um uacutenico banco de dados milhares de praacuteticas curriculares de escolas de todo o Brasil da rede puacuteblica e particular que trabalham com atividades e projetos voltados para a formaccedilatildeo acadecircmica e ciacutevica de forma articulada

29

pesquisa 4403 escolas receberam o Selo Escola Solidaacuteria sendo 2179 da

rede estadual 1256 da municipal 967 satildeo particulares e 1 federal

No entanto uma vez que decidimos desenvolver a pesquisa

presencialmente optamos por reduzir o nosso universo de pesquisa para as

escolas da cidade de Satildeo Paulo (557 escolas) e regiatildeo do chamado ABC

paulista composta pelas cidades de Santo Andreacute Satildeo Bernardo do Campo e

Satildeo Caetano do Sul (145 escolas) Assim o nosso universo de escolas passou

para 702 instituiccedilotildees Como ainda o recorte inviabilizava a pesquisa um

segundo criteacuterio foi adotado selecionar escolas que tivessem participado das

trecircs uacuteltimas ediccedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria visando encontrar aquelas que

tivessem inserido a proposta na praacutetica curricular haacute mais de cinco anos e que

tivessem participado das ediccedilotildees mais recentes do Selo Escola Solidaacuteria

Assim chegamos a 53 escolas sendo 48 na cidade de Satildeo Paulo (37 da rede

particular 6 da rede puacuteblica estadual 3 da rede puacuteblica municipal e 2 do ensino

teacutecnico e profissionalizante) e 5 na regiatildeo do Grande ABC (sendo 3 em Satildeo

Caetano do Sul 1 da rede municipal e 2 particulares 1 municipal em Satildeo

Bernardo do Campo da rede particular)

Para essas escolas foi enviado um email de apresentaccedilatildeo do projeto

da pesquisa e o questionaacuterio Quinze escolas responderam voluntariamente

dentro do prazo de um mecircs solicitado A partir da anaacutelise da resposta ao

questionaacuterio chegamos agraves quatro escolas participantes trecircs da cidade de Satildeo

Paulo e uma cidade de Satildeo Caetano do Sul Os criteacuterios utilizados para a

seleccedilatildeo destas escolas foram 1) garantir na mostra final escolas de todas as

redes de ensino 2) nuacutemero de participaccedilatildeo em ediccedilotildees do Selo Escola

Solidaacuteria 3) ter respondido ao questionaacuterio de forma completa e adequada 4)

aceitar participar voluntariamente da pesquisa

O primeiro contato foi estabelecido por email para informar agrave escola

que ela estava dentro do perfil ideal para seguir na pesquisa caso tivesse

disponibilidade e interesse As quatro escolas aceitaram continuar no processo

o que nos levou a agendar a primeira reuniatildeo para conhecer as escolas A

partir daiacute com a pesquisa apresentada e aprovada agendamos as entrevistas

semi-estruturadas com os sujeitos indicados pelas escolas

30

A Escola1 fica localizada em Satildeo Caetano do Sul municiacutepio da

mesorregiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo16 A populaccedilatildeo aferida em 2009 foi de

152093 habitantes e a aacuterea total da cidade eacute de 153 kmsup2 o que resulta numa

densidade demograacutefica de 94308 habitantes por quilocircmetro quadrado (SAtildeO

CAETRANO DO SUL 2012)

Eacute a cidade com o melhor IDH do Brasil (PNUD 2000) e tambeacutem estaacute

em 47ordf posiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao PIB das cidades brasileiras (IBGE 2010a) A

taxa de alfabetizaccedilatildeo do municiacutepio eacute de 9967 sendo uma das trecircs cidades

do Estado de Satildeo Paulo17 que recebeu o Selo Municiacutepio Livre de

Analfabetismo conferido pelo MEC para cidades que atingiram mais de 96

de alfabetizaccedilatildeo A rede de escolas municipais atende aproximadamente a

13000 alunos em 19 escolas de Ensino Fundamental e Ensino Meacutedio Em

2007 a Prefeitura municipalizou 10 escolas de Ensino Fundamental somando

portanto mais 65 mil alunos aproximadamente Aleacutem disso nove escolas da

rede estadual instaladas em Satildeo Caetano recebem investimento da Prefeitura

para sua manutenccedilatildeo e modernizaccedilatildeo Quanto agrave gestatildeo Paulo Pinheiro do

Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro (PMDB) eacute o atual prefeito e o

Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o Professor Daniel Belluci

As Escolas 2 3 e 4 ficam na cidade de Satildeo Paulo que possui a rede

de ensino com o maior nuacutemero de escolas do Brasil tanto da rede municipal

quanto da estadual constituiacuteda por 2725 estabelecimentos de Ensino

Fundamental 2998 unidades preacute-escolares 1199 escolas de niacutevel meacutedio e

146 instituiccedilotildees de niacutevel superior Ao total satildeo 2850133 matriacuteculas e 153284

docentes registrados (WIKIPEDIA 2013) A cidade atingiu exatamente a meta

projetada para o IDEB de 51 em 2011 O iacutendice mede a proficiecircncia em liacutengua

portuguesa e matemaacutetica cruzando com o fluxo adequado de alunos por seacuterie

Segundo o IBGE (2010b) a populaccedilatildeo de Satildeo Paulo aferida em 2010

eacute de 11253503 habitantes sendo que 991 da populaccedilatildeo urbana e 371

da populaccedilatildeo tem idade inferior a 24 anos A taxa de analfabetismo eacute 49

16

A cidade de Satildeo Caetano do Sul compotildee o ABC paulista formada ainda pelas cidades de Satildeo Andreacute e Satildeo Bernardo do Campo

17 Aleacutem de Satildeo Caetano do Sul tambeacutem receberam o Selo Municiacutepio Livre de Analfabetismo

as cidades de Aacuteguas de Satildeo Pedro (294) e Santos (3 56)

31

entre a populaccedilatildeo de 15 anos ou mais Em 2013 o governador do Estado eacute

Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o

Secretaacuterio Estadual de Educaccedilatildeo de seu mandato eacute o Professor Herman

Voorwald Jaacute na cidade de Satildeo Paulo o prefeito eacute do Partido dos

Trabalhadores (PT) Fernando Haddad Ex-Ministro da Educaccedilatildeo (entre julho

de 2005 e janeiro de 2012 nos governos de Luiz Inaacutecio Lula da Silva e Dilma

Rousseff) e o Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o professor Ceacutesar Callegari

cujo uacuteltimo cargo assumido foi o de Secretaacuterio de Educaccedilatildeo Baacutesica no atual

governo federal (Governo Dilma Rousseff)

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa

Escola 1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizaccedilatildeo Bairro Mauaacute Satildeo Caetano do Sul Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica municipal Ano de fundaccedilatildeo 1967 Nuacutemero de professores 160 Nuacutemero de alunos 2400 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio Regular e Teacutecnico Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 72 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental II em 2011 57 Meacutedia no ENEM em 2011 61827 Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011 Escola-membro do Programa de Escolas Associadas agrave UNESCO ndash PEA18 desde 2003

Escola 2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

Localizaccedilatildeo Parque Naccedilotildees Unidas Jaraguaacute Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica estadual Ano de fundaccedilatildeo 1988 Nuacutemero de professores 32 Nuacutemero de alunos 887 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2009 57 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 57 Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009 2011

18

O PEA ndash Programa das Escolas Associadas da UNESCO seraacute apresentado mais agrave frente neste Capiacutetulo

32

Escola 3 ndash Escola da Rede Particular

Localizaccedilatildeo Alto de Pinheiros ndash Satildeo Paulo ndash Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede particular Ano de fundaccedilatildeo 1953 Nuacutemero de professores 250 Nuacutemero de alunos 2953 Niacutevel de ensino Educaccedilatildeo Infantil Ensino Fundamental I e II e Ensino Meacutedio Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011

Escola 4 ndash Escola da Rede Particular ndash teacutecnica e profissionalizante

Localizaccedilatildeo Ipiranga Satildeo Paulo Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede SENAI Ano de fundaccedilatildeo 1949 Nuacutemero de alunos 431 Modalidade de Ensino Educaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizada no Bairro Mauaacute na cidade de Satildeo Caetano do Sul a

Escola1 foi fundada em 1967 Em 1978 ela passou a ser uma autarquia mas

voltou a ser incorporada agrave rede municipal em 2004 A escola possui 160

professores e 2400 estudantes esse grupo ndash que compreende alunos do

Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio regular e teacutecnico ndash estaacute dividido em

trecircs periacuteodos letivos Pelo ensino teacutecnico com duraccedilatildeo de trecircs semestres a

escola oferece cursos ndash como Secretariado Publicidade Informaacutetica

Contabilidade e Administraccedilatildeo O trabalho realizado pela escola visa promover

a potencialidade e o talento dos alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave

praacutetica social para o exerciacutecio da cidadania

A Escola1 obteve meacutedia 67 no IDEB em 2009 e 72 em 2011 para

alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental O resultado eacute superior agrave

meacutedia nacional para os anos iniciais do Ensino Fundamental para 2011 (40) e

ultrapassa a meta nacional para 2021 (60)

33

Seu rendimento foi abaixo do esperado para o Ensino Fundamental II

tendo 67 em 2009 e 57 em 2011 Mesmo assim a escola estaacute acima da

meacutedia nacional prevista para 2011 (41) Ainda em 2011 a nota tirada no

ENEM foi de 61827 pontos e cresceu em relaccedilatildeo ao ano anterior quando os

alunos conquistaram nota 58989 ndash a nota meacutedia entre as escolas do Paiacutes com

participaccedilatildeo superior a 75 dos alunos no ENEM foi 599 pontos (SAtildeO

CAETANO DO SUL 2012)

A direccedilatildeo vecirc a formaccedilatildeo dos professores como um dos fatores que

contribui para a qualidade do ensino Todos os professores tecircm formaccedilatildeo

superior e lecionam na disciplina em que satildeo formados sendo que

aproximadamente 20 satildeo mestres Aleacutem disso a rotatividade eacute baixa a

maioria trabalha haacute mais de dez anos nessa escola como afirma CPE119 ldquoaqui

os professores satildeo participativos elitizados bem formados noacutes temos dez

doze mestres Todos satildeo formados na aacuterea que estaacute dando aula Isso eacute

fundamental para a qualidade da escola Outra questatildeo eacute fundamental que o

professor seja formado na aacuterea em que ele atuardquo

A Escola1 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a Educaccedilatildeo ao Trabalho e agrave Praacutetica Social para o

verdadeiro exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo Os

valores declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico satildeo respeito sincero ao ser

humano responsabilidade nas accedilotildees solidariedade eacutetica profissionalismo

espiacuterito de equipe integridade e honestidade

A Escola1 eacute uma escola-membro do PEA ndash Programa de Escolas

Associadas da UNESCO apresentado a seguir e desde entatildeo se organiza

segundo o Plano Pedagoacutegico anual do calendaacuterio internacional proposto pela

UNESCO e os quatro pilares da educaccedilatildeo aprender a conhecer aprender a

fazer aprender a ser e aprender a conviver Na escola o planejamento

pedagoacutegico eacute seguido de acordo com o tema sugerido pelo PEA e os projetos

solidaacuterios desenvolvidos pela escola satildeo repensados de acordo com essa

temaacutetica

19

CEP1 ndash Coordenador Pedagoacutegico da Escola1

34

A seguir apresentamos os quatro principais projetos desenvolvidos

pela Escola1

Projeto 1 PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO20

O PEA foi criado para estender os objetivos da UNESCO no poacutes-

guerra pelo princiacutepio de educaccedilatildeo para a paz Embora o Brasil tenha

participado de sua criaccedilatildeo somente em 1997 o Programa se efetivou e desde

entatildeo o nuacutemero de escolas associadas quase triplicou chegando a 221

escolas das redes puacuteblicas e particulares dos estados de Alagoas Amazonas

Bahia Cearaacute Espiacuterito Santo Goiaacutes Maranhatildeo Minas Gerais Paraacute Paraiacuteba

Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina e Satildeo Paulo e do Distrito

Federal (PEA 2013)

O objetivo do PEA eacute criar uma rede internacional de escolas que

trabalhem pela ideia da cultura da paz Atualmente a rede eacute formada por

escolas em mais de 130 paiacuteses O Programa consiste basicamente no

estiacutemulo a projetos ligados a um tema central proposto pela UNESCO

anualmente21

Cada uma delas recebe um certificado internacional de escola membro

e tem o direito de utilizar a logomarca Elas ainda podem receber materiais

eventual ou periodicamente produzidos pela UNESCO e participar de

concursos internacionais lanccedilados com frequecircncia pela proacutepria UNESCO ou

outras instituiccedilotildees a ela ligadas O principal benefiacutecio eacute participar de uma

comunidade que trabalha pelo mesmo objetivo troca informaccedilotildees compartilha

projetos e ideais Isso catalisa os esforccedilos e repercute nas escolas em todas

20

Entre os principais parceiros do PEA e da UNESCO estaacute o Instituto Faccedila Parte

21 Anos Internacionais (UNESCO 2013)

2013 - Ano Internacional da Aacutegua e da Matemaacutetica do Planeta Terra 2012 - Ano Internacional das Cooperativas (Resoluccedilatildeo 64136) 2011 - Ano Internacional da Quiacutemica e Florestas 2010 - Ano Internacional para a Aproximaccedilatildeo das Culturas e da Biodiversidade 2009 - Ano Internacional da Reconciliaccedilatildeo Astronomia e do gorila 2008 - Ano Internacional do Planeta Terra e Liacutenguas 2005 - Ano Internacional do Desporto e Educaccedilatildeo Fiacutesica 2004 - Ano Internacional para a Comemoraccedilatildeo da luta contra a escravidatildeo e sua aboliccedilatildeo 2003 - Ano Internacional da Aacutegua doce

35

as suas formas de trabalho pedagoacutegico pela cultura de paz Natildeo haacute

investimentos de qualquer ordem quer seja por parte da UNESCO quer seja

por parte das escolas

Todo ano a Escola1 segue o calendaacuterio proposto pela UNESCO como

eixo temaacutetico para realizar as atividades pedagoacutegicas O projeto das

cooperativas em 2012 teve como objetivo geral desenvolver accedilotildees

educacionais para propiciar a construccedilatildeo de uma nova mentalidade nos alunos

pelo princiacutepio do cooperativismo Como objetivo especiacutefico pretendeu-se

construir com os alunos o conceito de cooperativa intensificar o interesse e a

mobilizaccedilatildeo dos jovens em relaccedilatildeo agraves cooperativas sensibilizar a comunidade

em prol do papel das cooperativas criar situaccedilotildees praacuteticas de aprendizagem

para que se pudessem atuar no meio em que vivem e estruturar um foacuterum

entre alunos professores e a comunidade

Como meta pretendeu-se desenvolver os projetos com todos os

alunos da escola trabalhar os conteuacutedos conceituais procedimentais e

atitudinais relacionados sobretudo agraves disciplinas de Biologia Quiacutemica

Histoacuteria Geografia Filosofia Matemaacutetica entre outras para entender os

elementos indispensaacuteveis para a compreensatildeo global e organizar um foacuterum de

fechamento com a comunidade

Reuniotildees com a participaccedilatildeo de professores de todas as disciplinas

coordenadores direccedilatildeo alunos pais e colaboradores foram feitas para

organizar o projeto

Entre as atividades desenvolvidas constava a participaccedilatildeo dos alunos

em visitas a cooperativas da regiatildeo do ABC Paulista inclusatildeo do tema na

gincana solidaacuteria do Ensino Meacutedio construccedilatildeo de um trabalho acadecircmico por

parte dos alunos bem como viacutedeos e fotos das cooperativas Esse trabalho foi

armazenado num blog que os alunos apresentaram para os professores

continuidade do projeto ldquocientista solidaacuteriordquo que inclui a produccedilatildeo de sabatildeo e

detergente para a distribuiccedilatildeo em instituiccedilotildees de cunho social campanhas de

esclarecimentos sobre a importacircncia das cooperativas para a comunidade

36

ldquoTodos os projetos a gente faz questatildeo estatildeo direcionados para o ano

internacional das cooperativas A gente tem um projeto e no final do ano eles

tecircm que apresentar um TCCrdquo afirma a escola

Em relaccedilatildeo aos resultados espera-se no Plano Pedagoacutegico do projeto

da UNESCO que o trabalho entre os professores seja mais colaborativo que

eles estejam abertos agrave aprendizagem e menos resistentes a mudanccedilas e

inovaccedilotildees Por parte dos alunos espera-se uma postura mais atenta

participativa e criacutetica A comunidade tambeacutem eacute convidada a participar de

diferentes maneiras entre as atividades especiacuteficas dos projetos e por meio

dos foacuteruns organizados como espaccedilos democraacuteticos de ideias

aprofundamento da reflexatildeo formulaccedilatildeo de propostas e troca de experiecircncias

Projeto 2 Gincana Solidaacuteria

A Gincana Solidaacuteria eacute uma atividade que acontece desde 1989 todos

os anos e envolve praticamente todos os alunos do Ensino Meacutedio e tambeacutem

alunos do Ensino Fundamental O projeto eacute interdisciplinar sendo o tema

gerador o proposto pelo calendaacuterio internacional da UNESCO do qual

participam praticamente todas as disciplinas

A Gincana comeccedila no iniacutecio do ano letivo Eacute curricular sendo que natildeo

haacute atribuiccedilatildeo de notas No iniacutecio do ano satildeo oferecidas aulas especiais

coletivas haacute mostra de viacutedeos e materiais produzidos nas ediccedilotildees anteriores

Satildeo convidados especialistas para debater sobre o tema da Gincana do ano

vigente Aleacutem disso satildeo apresentadas todas as atividades que poderatildeo ser

desenvolvidas e os alunos satildeo divididos em grupos que variam entre 5 ou 6

turmas (de 150 alunos aproximadamente) para poderem se organizar e fazer

o planejamento tanto das atividades quanto do conteuacutedo que teratildeo que

estudar para a realizaccedilatildeo das tarefas As pesquisas satildeo orientadas pelos

professores que datildeo subsiacutedios orientam avaliam trabalham os conteuacutedos

escolhidos durante as aulas e tambeacutem em atividades nos laboratoacuterios Todo

esse processo dura em meacutedia trecircs meses

37

A etapa seguinte eacute um foacuterum puacuteblico do qual participam os alunos os

professores e a comunidade Nesse momento tanto a pesquisa quanto as

atividades satildeo discutidas com todos

A uacuteltima fase compreende a realizaccedilatildeo das tarefas da Gincana Tudo eacute

feito pelos alunos com material reciclado que precisam coletar ao longo do

ano Entre as atividades destacam-se a campanha de arrecadaccedilatildeo de

alimentos e produtos de higiene junto agrave comunidade e a campanha de doaccedilatildeo

de sangue que juntas somam pontos para a equipe responsaacutevel

No dia da Gincana haacute uma prova de conhecimentos gerais organizada

pela direccedilatildeo e professores da escola da qual participam os alunos

selecionados pelos grupos e um pai convidado Para animar e envolver os

alunos que estatildeo apenas acompanhando os resultados da prova de

conhecimentos gerais o grupo precisa criar um hino de torcida (letra e muacutesica)

um mascote (personagem com fantasia) e um banner de fundo (com

aproximadamente 7 metros de altura por 2 de largura)

Aleacutem disso o grupo precisa criar uma peccedila de teatro ndash sobre o tema

gerador ndash que seraacute apresentada no dia da Gincana roteiro figurino cenaacuterio

texto direccedilatildeo trilha sonora e uma apresentaccedilatildeo de danccedila (ritmo e tema livres)

Ao final a equipe vencedora recebe o tiacutetulo de campeatilde do ano

Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do

trabalho solidaacuterio Eacute um espaccedilo de trabalho colaborativo onde os alunos

precisam negociar a realizaccedilatildeo de tarefas como relacionadas a pesquisa

teatro danccedila tudo relacionado ao tema que eles tecircm que desenvolver

Projeto 3 Cientista Solidaacuterio

A escola compreende que entre os maiores desafios da aprendizagem

de ciecircncias e tecnologia no Ensino Meacutedio estaacute a aprendizagem individual e

coletiva do aluno para a iniciaccedilatildeo cientiacutefica Para a escola o aprendizado das

ciecircncias aleacutem de promover aprendizagem do conceito e a capacidade de

utilizar foacutermulas pretende desenvolver atitudes e valores por meio da praacutetica

de atividades tais como discussotildees leituras observaccedilotildees experimentaccedilotildees e

projetos cientiacuteficos A ideia eacute desafiar o aluno para o jogo do conhecimento

38

cientiacutefico que deve desenvolver seu interesse pela pesquisa e sua capacidade

de raciociacutenio e autonomia

Neste sentido o projeto tem como objetivo ampliar as aquisiccedilotildees das

habilidades por meio da iniciaccedilatildeo cientiacutefica promover accedilotildees que permitam ao

aluno vivenciar estudos cientiacuteficos em ambientes colaborativos e solidaacuterios

buscando projetar suas accedilotildees no campo do desenvolvimento social gerar

novas formas de participaccedilatildeo do cientista social com compromisso eacutetico e

solidaacuterio com a cidadania promovendo a sauacutede a preservaccedilatildeo do meio

ambiente a inclusatildeo social e ainda gerar qualidade de vida para todos

introduzir na rotina escolar a experimentaccedilatildeo cientiacutefica em laboratoacuterio

aprimorar as teacutecnicas da pesquisa cientiacutefica referendando-as como

instrumento legiacutetimo da aprendizagem promover accedilotildees articuladas entre os

alunos da escola com alunos do Ensino Meacutedio do Brasil e do mundo por meio

das tecnologias selecionar e utilizar ideias e procedimentos cientiacuteficos (leis

teorias modelos) para a resoluccedilatildeo de problemas selecionando procedimentos

experimentais

O projeto tem como meta promover accedilotildees no contraturno ampliando a

permanecircncia do aluno no Ensino Meacutedio de forma a incentivar a pesquisa

cientiacutefica e a solidariedade Aleacutem disso pretende responder agrave demanda de

alunos com problemas de aprendizagem (alunos da escola e de outras escolas

da comunidade) elaborar accedilotildees de conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto ao

uso proposital e enganoso de conhecimentos das ciecircncias e criar eventos que

discutam questotildees sobre por exemplo a relaccedilatildeo entre o meio ambiente o

consumo exagerado e a funccedilatildeo dos cientistas

O grupo de estudos de monitoria com alunos de outras escolas

acontece aos saacutebados A proposta eacute estudar conteuacutedos curriculares produzir

redaccedilatildeo elaborar artigos entre outras atividades O desenvolvimento do

pensamento criacutetico eacute estimulado quando os jovens satildeo provocados a agir como

ldquodetetivesrdquo procurando em jornais TV filmes e demais produtos afirmaccedilotildees

ou accedilotildees que deliberadamente usam os conhecimentos da ciecircncia para

ldquoenganar o consumidorrdquo

Haacute trecircs anos sob nova coordenaccedilatildeo o projeto foi reorganizado e teve

uma continuidade com um grupo de alunos e professores das disciplinas de

39

Quiacutemica Matemaacutetica e Sociologia tendo como objetivo a aprendizagem de

conceitos de Quiacutemica e Matemaacutetica relacionados agrave questatildeo da solidariedade

abordada na disciplina de sociologia Os alunos junto com o professor utilizam

o laboratoacuterio da escola para a confecccedilatildeo de sabatildeo sabonetes shampoo entre

outros produtos para fazer aulas experimentais de Quiacutemica Posteriormente

eles calculam o preccedilo (utilizando os conhecimentos de Matemaacutetica) e por fim

parte dos produtos eacute levada pelos alunos e outra eacute doada para instituiccedilotildees por

eles escolhidas Esse trabalho final eacute acompanhado pelo professor de

Sociologia

Conceitos de Quiacutemica tais como mistura soluccedilatildeo (soacutelida liacutequida

gasosa molecular iocircnica) reaccedilotildees dispersotildees o processo de dissoluccedilatildeo

coeficiente de solubilidade aacutecidos e bases entre outros satildeo estudados Em

Matemaacutetica satildeo trabalhados conceitos como o de porcentagem matemaacutetica

financeira caacutelculo de preccedilo noccedilatildeo de custo fixo noccedilotildees de estatiacutestica Em

relaccedilatildeo agraves questotildees sociais satildeo trabalhadas e desenvolvidas noccedilotildees de

participaccedilatildeo social

Projeto 4 Projeto Mais Vida

O projeto eacute uma parceria entre a Escola1 e o Parque Botacircnico e Escola

Municipal de Ecologia Presidente Jacircnio da Silva Quadros O Parque foi

fundado em 25 de abril de 1992 e eacute uma referecircncia em educaccedilatildeo ambiental

para a cidade e a regiatildeo Ocupa uma aacuterea de 23 mil metros quadrados com

exposiccedilatildeo de espeacutecies da fauna (aves e peixes) e flora (plantas ornamentais

medicinais toacutexicas carniacutevoras frutiacuteferas aacutervores nativas e exoacuteticas)

brasileiras Abriga tambeacutem a Sementeira Municipal que produz mudas para

abastecer os jardins parques e paisagismo da cidade

O projeto comeccedilou em 2000 quando a entatildeo coordenadora dos

projetos solidaacuterios numa visita ao parque soube que eles gostariam de

receber alunos das escolas municipais para visitaccedilatildeo mas natildeo podiam fazecirc-lo

por falta de monitores Naquela ocasiatildeo ela teve a ideia de oferecer ao parque

que alunos do Ensino Meacutedio poderiam se interessar por trabalhar

voluntariamente no contraturno escolar e a proposta foi bem recebida

40

O projeto comeccedilou com a capacitaccedilatildeo dos alunos e a organizaccedilatildeo do

trabalho Cada aluno participante se responsabilizava por duas horas de

monitoria direta ao puacuteblico aleacutem da participaccedilatildeo dos encontros de capacitaccedilatildeo

e planejamento das atividades

A abertura do parque para visitas monitoradas possibilitada pela

parceria foi tatildeo bem recebida pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo que

incluiu a visitaccedilatildeo no roteiro das EMEIs (Escola Municipal de Educaccedilatildeo Infantil)

e EMIs (Escola Municipal Integrada) da cidade Conforme a necessidade das

escolas atividades luacutedicas praacuteticas e criativas para melhorar o

aproveitamento das visitas foram desenvolvidas pelos proacuteprios alunos com a

orientaccedilatildeo da coordenadora pedagoacutegica do Parque e a coordenadora da

escola

Entre as accedilotildees desenvolvidas como desmembramento desse projeto

destaca-se o grupo de teatro e o Encontro de Educadores Ambientais ndash que

reuniam educadores estudantes profissionais e especialistas da aacuterea

ambiental para trocar informaccedilotildees e experiecircncias sobre preservaccedilatildeo de

recursos naturais da cidade de Satildeo Caetano do Sul e do Estado de Satildeo Paulo

Tambeacutem foi criada uma brinquedoteca no parque com materiais de

sucata arrecadados pela escola numa grande campanha promovida pelos

alunos voluntaacuterios O objetivo da brinquedoteca era o de ser um espaccedilo luacutedico

de aprendizagem e entretenimento aleacutem de oportunizar o desenvolvimento de

atividades dirigidas inclusive nos dias chuvosos Ao final do ano os voluntaacuterios

envolvidos recebiam um certificado pela participaccedilatildeo no projeto Os que

continuavam capacitavam os que estavam ingressando e nessa configuraccedilatildeo

o projeto se estendeu por oito anos ateacute a saiacuteda da coordenadora da Escola1

Hoje o projeto consta da proposta pedagoacutegica mas ldquoestaacute hibernandordquo

segundo o coordenador pedagoacutegico

12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

A Escola2 foi construiacuteda em 1988 ainda com nome provisoacuterio para

atender o crescimento da demanda de alunos pois soacute havia uma escola no

local e estava superlotada Esse excedente de alunos compocircs o seu corpo

41

discente Foram convidados professores que residem na regiatildeo para formar o

quadro de professores

Quando inaugurada a escola contava com quatro salas de aula

banheiros masculino e feminino para os alunos e professores A diretoria a

secretaria e os professores dividiam a mesma sala Havia tambeacutem a cozinha

que eacute a mesma ateacute hoje

Em 1990 a escola foi nomeada em definitivo uma homenagem ao

fundador de uma empresa da regiatildeo que colabora com esta escola Com o

crescimento da demanda em 1991 a escola teve que ser ampliada Foi

construiacuteda uma sala ocupando parte do paacutetio Em 1996 com a reorganizaccedilatildeo

a escola passou a funcionar em dois periacuteodos antes funcionava em quatro

periacuteodos atendendo apenas a alunos das seacuteries iniciais (Ciclo I)

A escola atende a quase 900 alunos e tem um quadro de 32

professores Segundo a Coordenadora Pedagoacutegica (CPE2) todos satildeo

formados e eacute baixa a rotatividade o que eacute compreendido como um dos fatores

de qualidade da execuccedilatildeo do projeto pedagoacutegico ldquonoacutes temos 32 professores

pelo menos 20 tem poacutes A maioria dos professores jaacute eacute da casa e estatildeo aqui haacute

algum tempo Digamos que 20 professores jaacute estatildeo aqui haacute muito tempo []

Nossa rotatividade eacute muito pequena e isso garante um padratildeo de qualidade

melhor na educaccedilatildeo oferecidardquo Quanto agraves instalaccedilotildees na parte externa da

escola haacute uma quadra poliesportiva atualmente reformada sala de Educaccedilatildeo

Artiacutestica jardim horta playground uma casinha do conto feita de madeira de

reflorestamento e uma grande parte do terreno acidentado com aacutervores de

diversas espeacutecies sendo que a grande maioria satildeo eucaliptos

Sobre a comunidade constatou-se que as famiacutelias em meacutedia residem

no bairro entre 2 a 10 anos e algumas entre 10 e 15 anos Um grande nuacutemero

da comunidade atendida pela escola mora nos apartamentos do CDHU e

conjuntos habitacionais cedidos pelo Governo do Estado e pela Prefeitura

(movimento iniciado em 1990) aleacutem de 38 possuiacuterem casa proacutepria e 22

viverem de aluguel

Quanto agrave meacutedia de renda familiar 30 estatildeo desempregados 10

ganham ateacute quinhentos reais por mecircs 20 recebem mais de mil reais por

42

mecircs e 40 ganham ateacute mil reais Em relaccedilatildeo agrave escolaridade 60 possuem o

Ensino Meacutedio completo 30 o Ensino Fundamental completo 5 possuem

Ensino fundamental incompleto e 5 ensino superior22

A Escola2 tem como missatildeo construir uma sociedade mais justa

autecircntica solidaacuteria e saudaacutevel na qual os sujeitos sejam mais conscientes dos

acontecimentos gerais Entre seus objetivos destaca-se assegurar ao

educando a formaccedilatildeo para o exerciacutecio da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir em estudos posteriores proporcionar o conhecimento do ambiente

natural e social do sistema poliacutetico da tecnologia da arte do esporte e dos

valores em que se fundamenta a sociedade fortalecer os viacutenculos de famiacutelia

dos laccedilos de solidariedade humana e de toleracircncia reciacuteproca em que se

assenta a vida social incentivar a elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de projetos que

possibilitem o aperfeiccediloamento da accedilatildeo educativa buscar a interaccedilatildeo entre

escola e comunidade de forma contiacutenua favorecendo a compreensatildeo dos

fatores poliacuteticos sociais culturais e psicoloacutegicos que se expressam no

ambiente escolar ficando demarcada pelas atribuiccedilotildees e responsabilidades

Vale pontuar que a escola estaacute situada na regiatildeo de Perus onde a

questatildeo dos aterros sanitaacuterios23 eacute marcante O Aterro Bandeirantes se localiza

no sentido SO do Distrito de Perus jaacute na divisa com o Distrito do Jaraguaacute local

caracterizado por grandes trechos de aacutereas protegidas do Parque do Jaraguaacute a

oeste e do Parque Estadual da Serra da Cantareira a leste

Com uma aacuterea total de 1400000msup2 o Aterro Bandeirantes estaacute

desativado desde marccedilo de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido

ateacute 2006 cerca de 36 milhotildees de toneladas de resiacuteduos Nesse periacuteodo

recebia metade de todo o lixo produzido diariamente em Satildeo Paulo (CALIXTO

2012)

Esse trabalho jaacute valeu agrave Prefeitura de Satildeo Paulo uma das

participantes do projeto o equivalente a 800 mil toneladas de creacuteditos de

22

Fonte Projeto Pedagoacutegico da escola

23 Aterros sanitaacuterios satildeo locais para onde os resiacuteduos soacutelidos urbanos podem ser destinados

Diferentemente dos lixotildees (depoacutesitos a ceacuteu aberto) nos aterros sanitaacuterios existe toda uma preparaccedilatildeo do solo para que natildeo haja contaminaccedilatildeo do lenccedilol freaacutetico e das aacutereas de entorno assim como o monitoramento do ar para que sejam verificadas as emissotildees de gases provenientes dos resiacuteduos ali enterrados

43

carbono de acordo com as normas do Protocolo de Quioto (acordo para

reduzir a emissatildeo de gases de efeito estufa) que deve render aos cofres

municipais quantia proacutexima R$ 40 milhotildees (PEDROZO 2008)

No entanto a populaccedilatildeo local natildeo participou do processo decisoacuterio dos

investimentos recebendo uma parte iacutenfima dos benefiacutecios gerados pelos

contratos alguns parques revitalizados alguns mutirotildees de limpeza urbana e

uma cota de energia eleacutetrica Aleacutem disto em alguns casos a populaccedilatildeo foi

pressionada a deixar os periacutemetros de intervenccedilatildeo dos projetos quando se

encontraram no caminho dos projetos urbano-ambientais (RIZZI 2011)

O principal projeto desenvolvido pela Escola2 eacute o Projeto Reciclar O

projeto comeccedilou para se resolver um problema interno da escola Apoacutes o

recreio percebia-se que o paacutetio ficava muito sujo Mesmo disponibilizando

cestos por todo o ambiente o lixo era jogado no chatildeo e por causa disso

muitos pombos comeccedilaram a aparecer

Buscando resolver tal situaccedilatildeo a coordenaccedilatildeo da escola comeccedilou a

conversar com os alunos mostrando que jogar o lixo no chatildeo natildeo estava certo

e ainda ajudava na proliferaccedilatildeo dos pombos que transmitem doenccedilas

Aproveitando o momento a escola comeccedilou a trabalhar de fato a questatildeo do

lixo como um projeto interdisciplinar A conscientizaccedilatildeo comeccedilou com a

exibiccedilatildeo da seacuterie O mundo de Valentina24 que trata de questotildees referentes ao

desenvolvimento sustentaacutevel consumo consciente destino do lixo a vida dos

catadores a reciclagem e a reutilizaccedilatildeo os aterros sanitaacuterios entre outros

temas

As professoras de todas as seacuteries foram estimuladas a incluir de

acordo com a seacuterieano uma atividade curricular referente agrave reciclagem de

acordo com o conteuacutedo que estivessem desenvolvendo No 1ordm ano os alunos

fizeram listas dos materiais que podem ser reciclados o que colocar em cada

cesto colorido confeccionaram cartaz ilustrando o que aprenderam com

24

O Mundo de Valentina eacute uma seacuterie de televisatildeo exibida pela Rede Globo durante a programaccedilatildeo do Fantaacutestico em junho de 2007 Foram 5 episoacutedios onde o casal de jornalistas Gabriel Moojen e Fran Zanon tentou descobrir como seria o mundo da filha deles a Valentina quando ela fizer 36 anos a idade do pai A seacuterie trata de meio ambiente e das questotildees da aacutegua do lixo do clima dos alimentos e do consumo A seacuterie pode ser assistida na Internet em vaacuterios canais disponiacuteveis no Youtube (O MUNDO DE VALENTINA 2013)

44

pequenos textos de produccedilatildeo oral com destino escrito nos 2ordm anos fizeram um

painel Vocecirc sabia os alunos do 3ordm ano produziram folhetos explicativos

para distribuir para a comunidade com informaccedilotildees sobre a importacircncia da

reciclagem o 4ordm ano elaborou siacutenteses resumos e pesquisas diversas e o 5ordm

Ano produziu um jornal mural

Para destinar corretamente o material arrecadado com a reciclagem a

escola fez uma parceria com uma cooperativa do bairro que passou a recolhecirc-

lo toda semana As famiacutelias foram incentivas a separar o lixo em casa e trazer

para a escola contribuindo com a cooperativa e tambeacutem a educaccedilatildeo das

crianccedilas Com o desenvolvimento do projeto percebe-se na escola uma melhor

limpeza do paacutetio apoacutes o recreio A comunidade estaacute aos poucos aderindo ao

projeto e a escola jaacute virou ponto de coleta seletiva do bairro A cooperativa

reconhece a relevacircncia do projeto uma vez que depende da doaccedilatildeo das

escolas da regiatildeo como principal fonte de entrada de material portanto de

renda

Entre os objetivos da escola em desenvolver esse projeto estaacute a

intenccedilatildeo de se trabalhar com situaccedilotildees de aprendizagem pensadas a partir de

propostas de intervenccedilatildeo na realidade Segundo o Plano Pedagoacutegico a escola

busca desenvolver estrateacutegias onde os alunos possam compreender as

consequecircncias ambientais de suas accedilotildees nos locais onde estudam e

convivem considerando que a soluccedilatildeo dos problemas ambientais deve ser em

acircmbito local O projeto envolve a comunidade escolar (professores alunos

pais funcionaacuterios e direccedilatildeo) e a comunidade (empresas cooperativas

organizaccedilotildees sociais e vizinhos) criando um clima de trabalho colaborativo

baseado na responsabilidade e na solidariedade

Entre os principais objetivos destacam-se

bull possibilitar aos alunos oportunidades para que modifiquem

atitudes e praacuteticas pessoais adotando posturas na escola em casa e em sua

comunidade que os levem a interaccedilotildees de cuidado e atenccedilatildeo com a sociedade

bull observar e analisar fatos e situaccedilotildees sobre os tipos de lixo do

ponto de vista ambiental reconhecendo a necessidade e as oportunidades de

atuar para se produzir menos lixo

45

bull instrumentalizar os alunos na compreensatildeo da realidade e na

busca de soluccedilotildees para questotildees sociais possibilitando participar dos

problemas fundamentais e urgentes da vida social e

bull conscientizar o aluno para a necessidade de pensar na questatildeo

do lixo na reciclagem nos comportamentos responsaacuteveis de ldquoPRODUCcedilAtildeO e

DESTINO do lixo na escola casa e espaccedilos em comum

13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada

A Escola3 estaacute situada em um ldquobairro nobrerdquo da regiatildeo oeste da cidade

de Satildeo Paulo e ocupa uma aacuterea de 50 mil msup2 O atual terreno foi doado em

1953 pela Light de Satildeo Paulo Nessa eacutepoca o bairro era cortado por estradas

de terra e o terreno localizado na vaacuterzea do Rio Pinheiros era pantanoso e

isolado cercado por pastos

A Escola3 funciona em meio a extensos jardins e aacutereas abertas

destinadas a quadras esportivas e paacutetios Possui seis salas de aula para a

Educaccedilatildeo Infantil duas salas especiais de uso comum e um ateliecirc Para os

alunos do Ensino Fundamental I e II satildeo trinta salas de aula dez salas

especiais dois laboratoacuterios de Ciecircncias duas salas de Muacutesica e duas salas de

Artes (espaccedilo em expansatildeo com a reforma do campus) Os alunos do Ensino

Meacutedio e EJA (Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos) contam com dezoito salas de

aula Haacute tambeacutem laboratoacuterios de Quiacutemica Fiacutesica e Biologia

Possui um teatro com ateacute 900 lugares (que tambeacutem atende ao puacuteblico

em geral25) biblioteca26 com aproximadamente 33 mil volumes (que dispotildee de

salotildees para leitura individual e trabalho em grupo aleacutem de computadores para

consulta ao acervo e pesquisa na Internet) Centro de Tecnologias27 (com seis

25

Concebido por J C Serroni e Edson Elito eacute um espaccedilo muacuteltiplo a parte frontal e as laterais satildeo moacuteveis e possibilitam um espaccedilo cecircnico de variadas formas palco italiano palco elisabetano arena completa semi-arena passarela Aleacutem da flexiacutevel sala de espetaacuteculos que pode comportar de 500 a 900 lugares o Teatro abriga ampla aacuterea para coqueteacuteis e exposiccedilotildees uma sala de ensaios e camarins

26 Com um acervo permanentemente atualizado conta com obras literaacuterias cientiacuteficas e de

referecircncia agrave disposiccedilatildeo dos professores funcionaacuterios e alunos Aleacutem disso assina jornais e revistas nacionais e estrangeiras mantendo a hemeroteca sempre atualizada

27 No total satildeo cerca de 200 computadores utilizados para aulas projetos pesquisas e

trabalhos escolares

46

salas multimiacutedia) laboratoacuterios (de Ciecircncias Quiacutemica Fiacutesica e Biologia) campo

de futebol oficial gramado ginaacutesio de esportes (com palco quadras e

arquibancadas) pista de atletismo miniginaacutesio coberto onze quadras

polivalentes para praacutetica de futebol de salatildeo vocirclei basquete e handebol dojo

anfiteatro com 200 lugares capelas28 playgrounds e abundante aacuterea verde

As principais atividades e projetos solidaacuterios desenvolvidos pela escola

satildeo

Projeto 1 Accedilatildeo Comunitaacuteria no Ensino Fundamental II

No Ensino Fundamental II os alunos passam a participar de atividades

voluntaacuterias mantidas pelo Projeto Social da escola Na 5ordf seacuterie no 6ordm ano essa

colaboraccedilatildeo eacute ainda eventual A partir da 6ordf seacuterie os voluntaacuterios se envolvem

com todo um projeto assumindo o compromisso de frequentaacute-lo ateacute a

conclusatildeo

Em 2011 os alunos participam das seguintes frentes de trabalho

5ordf seacuterie Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia e Centro de

Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova (faixa etaacuteria das crianccedilas atendidas de

0 a 6 anos)

6ordf seacuterie Centro da Crianccedila e do Adolescente - CCA (faixa etaacuteria das

crianccedilas atendidas de 6 a 10 anos) e Escola Alfredo Paulino (faixa

etaacuteria das crianccedilas atendidas de 8 anos)

7ordf e 8ordf seacuteries CCA Bom Jesus ndash Projeto

CiecircnciasPortuguecircsFrancecircs (faixa etaacuteria atendida de 7 a 13 anos)

Escola Alfredo Paulino ndash Projeto de acompanhamento escolar (faixa

etaacuteria atendida 8 anos) CCA ndash Curso de Roboacutetica (faixa etaacuteria

atendida de 11 a 14 anos) e Aldeia Indiacutegena ndash Projeto

HistoacuteriaGeografiaArtes (faixa etaacuteria atendida de 2 a 12 anos)

8ordf seacuterie Casa Ronald ndash Projeto Leitura destinado a crianccedilas e

adolescentes em tratamento quimioteraacutepico

28

Haacute duas capelas no Coleacutegio uma delas anexa ao preacutedio do Ensino Fundamental e outra em um dos preacutedios do Ensino Meacutedio A capela do Ensino Meacutedio tem vitrais do artista plaacutestico Alfredo Volpi

47

Projeto 2 Projeto Social

O Projeto Social manteacutem dois Centros de Educaccedilatildeo Infantil

responsaacuteveis por atender a mais de 170 crianccedilas de ateacute 4 anos moradoras da

comunidade Vila Nova Jaguareacute Integrados em sua proposta pedagoacutegica os

CEIs estruturam o trabalho em quatro eixos curriculares Identidadeautonomia

Linguagens e situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Desenvolvimento luacutedico e motor

Conhecimento de mundo

As crianccedilas permanecem nos centros em tempo integral realizando

atividades que tecircm como objetivo natildeo apenas o cuidado mas o

desenvolvimento integral do aluno como um ser autocircnomo complementando a

accedilatildeo da famiacutelia e da comunidade A Educaccedilatildeo Infantil incentiva assim a

curiosidade e a criatividade proporcionando agrave crianccedila a possibilidade de

reconhecer como prazerosas as suas construccedilotildees subjetivas

Os recursos vindos da proacutepria escola de convecircnios com a Secretaria

de Educaccedilatildeo da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo satildeo indispensaacuteveis para

garantir a qualidade da educaccedilatildeo oferecida

Projeto 3 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia

Eacute administrada pela mantenedora da escola com o apoio do SAN

(Serviccedilo de Auxiacutelio aos Necessitados) e atende diariamente a 120 crianccedilas de

ateacute 4 anos de idade Eacute mantida por meio de convecircnio da mantenedora com a

Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira doze professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 120 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

48

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

Projeto 4 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova Jaguareacute

Eacute administrada pela mantenedora com o apoio do SAN e atende

diariamente a 155 crianccedilas de ateacute 4 anos de idade Tambeacutem eacute mantida pelo

mesmo convecircnio e com a Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do

SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira dezesseis professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 155 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

A participaccedilatildeo dos pais e matildees como voluntaacuterios do Projeto Social tem

duplo objetivo a educaccedilatildeo da eacutetica da solidariedade junto aos filhos e o

desenvolvimento dos projetos sociais nas comunidades

Aleacutem dos nuacutecleos ligados ao CATI (Centro de Atendimento

Interdisciplinar) haacute tambeacutem o Nuacutecleo Voluntaacuterio da Moda que reuacutene matildees

voluntaacuterias para apoiar o curso profissionalizante de Costura e Modelagem

realizado na comunidade Vila Nova Jaguareacute

49

Para obter os recursos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo de seus programas

aleacutem de receber financiamentos via FUMCAD29 o Projeto Social organiza

anualmente dois eventos tradicionais do calendaacuterio da escola a Festa Junina

em junho e a Feijoada da Primavera em setembro ou outubro onde mais de

800 pais e matildees participam

Cursos agrave comunidade

A oferta de ensino noturno configura um compromisso assumido pela

escola e pela mantenedora de atuar junto agrave comunidade em que estaacute inserida

No iniacutecio do primeiro semestre de 2012 o nuacutemero de matriacuteculas eacute de 543

alunos 314 no curso de Ensino Fundamental de EJA 163 no curso de Ensino

Meacutedio de EJA e 66 nos cursos teacutecnicos de Administraccedilatildeo e de Logiacutestica que se

iniciam

Os cursos de EJA e os cursos teacutecnicos satildeo gratuitos sendo

financiados pela escola por meio de bolsas de estudos de 100 do valor da

mensalidade Agrave gratuidade somam-se programas de apoio agrave permanecircncia do

aluno na escola na forma de subsiacutedio ao transporte e agrave alimentaccedilatildeo no

periacuteodo das aulas Nas situaccedilotildees em que haacute mais candidatos do que vagas o

principal criteacuterio de aceitaccedilatildeo do aluno eacute a sua situaccedilatildeo econocircmica

favorecendo aqueles em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade social

Haacute tambeacutem a oferta de educaccedilatildeo aos jovens do Jaguareacute (Centro

Cultural e Profissionalizante Jaguareacute) feita pela mantenedora Laacute satildeo

oferecidos trecircs cursos Gastronomia Costura Industrial e Informaacutetica aleacutem dos

cursos de Empreendorismo e Roboacutetica

Aleacutem disso a mantenedora organizou um espaccedilo cultural localizado

estrategicamente na praccedila central da comunidade (Praccedila XI o Centro Cultural

fica na Rua Assum 49) para acolher as manifestaccedilotildees artiacutesticas e culturais jaacute

existentes e estimular a educaccedilatildeo das crianccedilas e jovens para outras

linguagens artiacutesticas e culturais O Centro Cultural da escola dispotildee de nove

29

Parte da renda do Projeto Social Santa Cruz proveacutem da possibilidade de a comunidade Santa Cruz doar parte do imposto de renda devido via FUMCAD para o aprimoramento do trabalho que integra as accedilotildees do SAN e da Congregaccedilatildeo de Santa Cruz especialmente na Vila Nova Jaguareacute (perfazendo um total de aproximadamente trecircs milhotildeesano)

50

salas para a organizaccedilatildeo das atividades Tambeacutem haacute uma biblioteca com 15

mil tiacutetulos

No Curso de Gastronomia e Excelecircncia em Atendimento ao Cliente os

participantes aprendem a fazer pratos da cozinha tradicional e contemporacircnea

(cortes caldos molhos panificaccedilatildeo pizzas e sobremesas) bem como o

manuseio de utensiacutelios da cozinha e elaboraccedilatildeo de cardaacutepio No curso de

Costura e Modelagem e Marketing Pessoal se forma as piloteiras industriais

que podem trabalhar em oficinas e confecccedilotildees das mais diversas profissotildees do

mercado de moda As aulas satildeo ministradas a 60 alunas jovens e adultas da

comunidade do Jaguareacute em 19 maacutequinas de costura industrial O curso tem

duraccedilatildeo de quatro semestres (244 horas) em trecircs diferentes niacuteveis baacutesico

intermediaacuterio e avanccedilado

O Projeto Educacional do Centro de informaacutetica eacute amplo pretende

formar jovens cidadatildeos e natildeo apenas treinaacute-los em Informaacutetica As atividades

incluem reforccedilo em Portuguecircs e Matemaacutetica dinacircmica de grupo visitas

culturais atendimento psicoloacutegico aulas de Eacutetica e Cidadania relacionamento

interpessoal orientaccedilatildeo vocacional aleacutem da iniciaccedilatildeo agraves teacutecnicas de

Informaacutetica (Word Excel Internet Power Point e blog) O participante tambeacutem

desenvolve as habilidades necessaacuterias para ingressar em uma empresa

compreendendo sua estrutura as responsabilidades e rotinas das aacutereas

funcionais e a importacircncia da boa comunicaccedilatildeo no ambiente empresarial O

curso tem duraccedilatildeo de nove meses e atende 44 jovens de 16 a 18 anos

moradores da comunidade do Jaguareacute

A mantenedora da escola em parceria com a Ashoka organizaccedilatildeo

social de atuaccedilatildeo internacional na aacuterea do empreendorismo social organiza

vaacuterios projetos visando desenvolver jovens empreendedores na comunidade

(Geraccedilatildeo Muda-Mundo) Como parte do projeto de formaccedilatildeo integral da escola

que objetiva despertar no educando a responsabilidade social e a consciecircncia

de seu papel transformador alunos da 7ordf seacuterie participam voluntariamente de

um curso de Roboacutetica oferecido a adolescentes da comunidade Vila Nova

Jaguareacute

No caso dos alunos do coleacutegio a atividade eacute extensatildeo do curso

opcional de Roboacutetica frequentado por esses voluntaacuterios durante a 6ordf seacuterie

51

Durante um semestre eles foram introduzidos ao tema realizando montagem

de protoacutetipos e elaborando programas informatizados para o comando das

peccedilas construiacutedas Nos encontros ocorridos semanalmente no Centro Cultural

e Profissionalizante que integra o Projeto Social os alunos do coleacutegio

desenvolvem junto aos adolescentes do Jaguareacute um projeto temaacutetico O

objetivo eacute criar ao longo do ano o protoacutetipo de uma cidade capaz de

proporcionar mobilidade satisfatoacuteria aos habitantes ndash no que diz respeito ao

transporte tanto puacuteblico como privado

Entre os projetos desenvolvidos o selecionado para acompanhamento

desta pesquisa foi o desenvolvido pelos alunos do Ensino Fundamental II com

a Escola Estadual Djekupeacute Amba Arandu na aldeia indiacutegena Guarani no

Jaraguaacute na zona norte da cidade de Satildeo Paulo

14 Escola4 Escola da rede particular profissionalizante

A Escola4 iniciou suas atividades em 1949 Ao longo do tempo a

escola trabalhou com ocupaccedilotildees de aacutereas diversificadas mecacircnica

metalurgia eletricidade e tecircxtil No iniacutecio dos anos 1990 a escola passou a

atender prioritariamente o setor de refrigeraccedilatildeo e ar-condicionado oferecendo

curso teacutecnico e treinamentos Em 1995 foi pioneira na implantaccedilatildeo de um

curso de educaccedilatildeo agrave distacircncia para mecacircnica de refrigeraccedilatildeo e ar-

condicionado (refrigeraccedilatildeo domeacutestica)

A partir do ano de 2001 o SENAI implementou um projeto de

modernizaccedilatildeo da escola O curso teacutecnico foi reformulado adequando-se agrave

nova legislaccedilatildeo educacional afinando agrave sintonia com o desenvolvimento

teacutecnico do setor e possibilitando a habilitaccedilatildeo de Teacutecnico em Refrigeraccedilatildeo e

Climatizaccedilatildeo e duas qualificaccedilotildees profissionais de niacutevel teacutecnico

A Escola4 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave praacutetica social para o verdadeiro

exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo

Satildeo valores da escola declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

- priorizar a disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico

52

- promover o trabalho em equipe

- agregar maior valor aos processos e

- possuir compromisso eacutetico com a sociedade a comunidade e o

meio ambiente

Visa priorizar valores como a promoccedilatildeo do trabalho em equipe primar

pela disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico ter compromisso eacutetico com a

sociedade comunidade e meio ambiente incluindo a realizaccedilatildeo profissional

A Escola4 situa-se na zona leste da cidade de Satildeo Paulo e conta com

uma aacuterea de 7111msup2 alojando os laboratoacuterios especializados em

Termofluidomecacircnica Automaccedilatildeo Predial Comandos Eleacutetricos Informaacutetica

CLP (Controladores Loacutegicos e Programaacuteveis) Desenho e Projetos - CAD e as

Oficinas de Refrigeraccedilatildeo Residencial Refrigeraccedilatildeo Comercial Refrigeraccedilatildeo

Industrial (Amocircnia) Refrigeraccedilatildeo Danfoss Climatizaccedilatildeo Predial Climatizaccedilatildeo

Automotiva Reoperaccedilatildeo de Unidade Selada Instalaccedilatildeo de Condicionador de

Ar Tipo Split

Quanto agrave situaccedilatildeo socioeconocircmica a populaccedilatildeo do bairro estaacute

distribuiacuteda por classes que vatildeo da baixa a meacutedia alta e com favelas situadas

nas proximidades A comunidade conta com todos os recursos de infraestrutura

necessaacuterios ao seu atendimento aacutegua luz esgoto ruas pavimentadas

seguranccedila puacuteblica escolas puacuteblicas e privadas em todos os niacuteveis

universidades hospitais transporte de ocircnibus e ferroviaacuterio proacuteximos agraves aacutereas

de lazer (Parque e Museu do Ipiranga Clube do SESC - Ipiranga Clube da

Prefeitura etc) Ainda na regiatildeo do Ipiranga localizam-se tambeacutem mais trecircs

Escolas SENAI

Programa Comunitaacuterio de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Parceria com o Centro de Formaccedilatildeo Profissional ldquoJoseacute Gomesrdquo instalado

desde o final de 1992 Eacute conveniado com a SAS (Secretaria Municipal de

Assistecircncia Social) desde fevereiro de 1994 Localizado na Vila Gumercindo

atende aleacutem da populaccedilatildeo do entorno a populaccedilatildeo da Vila Mercecircs Satildeo

Saveacuterio Helioacutepolis Jardim Cliacutemax Vila Carioca Sacomatilde Cingapura da Av Dr

Ricardo Jafet e adolescentes encaminhados pelo Nuacutecleo Socioeducativo da

53

regiatildeo (distritos de Cursino Ipiranga e Sacomatilde) Atende tambeacutem a alunos em

semi-liberdade da Fundaccedilatildeo Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente) alunos de classes especiais jaacute alfabetizados indicados pela 16ordf

Diretoria de Ensino de Satildeo Paulo e adolescentes encaminhados pelo Conselho

Tutelar

Oferece proteccedilatildeo social formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo profissional aos

adolescentes em situaccedilatildeo de risco social visando a possibilidade de sua

inserccedilatildeo no mercado de trabalho levando-o a reconhecer a funccedilatildeo social do

trabalho como accedilatildeo transformadora da realidade direito de cidadania

fortalecendo sua autoestima ampliando seu universo cultural e informacional e

desenvolvendo valores eacuteticos de cidadania e incentivando a sua participaccedilatildeo

na vida puacuteblica Nessa parceria a escola desenvolve o Programa Comunitaacuterio

de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Seus projetos solidaacuterios visam colaborar com a qualidade ambiental

Os resiacuteduos de plaacutestico papel e vidro satildeo doados para a cooperativa de

reciclagem onde seratildeo vendidos revertendo para ajudar na subsistecircncia dos

cooperados O resiacuteduo de oacuteleo vegetal coletado eacute doado a uma ONG que

transforma o material em sabatildeo As pilhas e baterias descartadas satildeo levadas

a postos de coleta de empresas que trabalham com responsabilidade social

As latas de alumiacutenio descartadas satildeo vendidas e o valor arrecadado eacute revertido

em cestas baacutesicas para pessoas com baixa renda

A escola desenvolve palestras de sensibilizaccedilatildeo buscando a

conscientizaccedilatildeo das boas praacuteticas na comunidade Promove a Semana da

SIPAT e do Meio Ambiente focando especificamente esse contexto sempre

motivando o aluno a participar dessas accedilotildees

Os alunos participaram ativamente de campanhas solidaacuterias

recebendo doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registrando e

organizando as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos)

e entregando o material coletado em instituiccedilotildees da comunidade do Helioacutepolis

e Sacomatilde proacuteximas agrave escola

54

2 Seleccedilatildeo das escolas

Visando partir de um cenaacuterio onde pudeacutessemos analisar escolas que

se reconhecem enquanto ldquoescolas solidaacuteriasrdquo consideramos convidar

instituiccedilotildees entre as que jaacute receberam o ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo Criado em

2003 pelo Instituto Faccedila Parte em parceria com o MEC o Consed a Undime e

a UNESCO o Programa visa estimular a praacutetica da educaccedilatildeo solidaacuteria nas

escolas de educaccedilatildeo baacutesica

Na concepccedilatildeo do projeto ldquoescola solidaacuteriardquo eacute aquela que entre as suas

atividades (FACcedilA PARTE 2012a)

- Desenvolve projetos de voluntariado educativo ou de aprendizagem

e serviccedilo solidaacuterio Tais projetos satildeo aqueles em que os alunos satildeo

motivados a resolverem problemas reais aplicando o conhecimento

aprendido na escola e na vida para transformar uma realidade com

a qual natildeo concordam

- Trabalha a partir de uma gestatildeo democraacutetica

- Integra em suas disciplinas conteuacutedos relativos a meio ambiente

cidadania direitos humanos consumo consciente sustentabilidade

etc promovendo uma educaccedilatildeo para a paz aproveitando a

diversidade cultural como espaccedilo de aprendizagem

- Une a teoria agrave praacutetica em atividades envolvendo toda a

comunidade escolar

- Incentiva praacuteticas como a de monitoria entre seus alunos (quem

sabe mais estuda com sabe menos) estimulando no cotidiano da

escola atitudes de solidariedade

- Promove parcerias com outras escolas e instituiccedilotildees como asilos

creches ONGs etc visando fortalecer o sentido puacuteblico da

educaccedilatildeo e ampliar os espaccedilos educativos e

- Repassa os conhecimentos gerados na escola para a comunidade

ajudando-a a resolver seus principais problemas e assim busca

enriquecer a qualidade da educaccedilatildeo que oferece melhorando a

qualidade de vida da comunidade

55

De acordo com o Instituo Faccedila Parte promotor do Selo Escola

Solidaacuteria satildeo objetivos desse projeto (FACcedilA PARTE 2012b)

- Reconhecer e fortalecer a escola como nuacutecleo de cidadania em sua

proacutepria comunidade

- Propiciar a troca de experiecircncias e articulaccedilotildees entre escolas com

a online Rede de Escolas Solidaacuterias onde eacute possiacutevel conhecer as

escolas e as atividades que desenvolvem por meio de uma busca

avanccedilada que permite encontrar experiecircncias por niacutevel de ensino

tema aacuterea de atuaccedilatildeo localidade entre outros (FACcedilA PARTE

2012c)

- Divulgar as accedilotildees e os projetos de voluntariado educativo

desenvolvido pelas Escolas Solidaacuterias

- Identificar escolas que desenvolvem projetos de voluntariado

educativo no Brasil e

- Criar um banco de dados a fim de promover a divulgaccedilatildeo das

atividades e projetos e desta forma valorizar a educaccedilatildeo para a

solidariedade

Segundo o Dicionaacuterio Michaelis (2004) selo significa ldquocunho distintivo

marca sinalrdquo O Selo Escola Solidaacuteria foi pensado para reconhecer a escola

pela educaccedilatildeo solidaacuteria que ela oferece imprimindo-lhe uma ldquomarcardquo que a

valorizasse junto agrave sua comunidade escolar visando reforccedilar a sua imagem

como nuacutecleo de cidadania valorizando-a para a sociedade pela qualidade

humanizadora da educaccedilatildeo que oferece

Para que o Selo Escola Solidaacuteria natildeo fosse confundido com um projeto

de ldquopremiaccedilatildeordquo (no sentido de promover uma competiccedilatildeo entre as escolas) ou

ldquosegregadorrdquo os parceiros adotaram como princiacutepios

- Natildeo divulgar a pontuaccedilatildeo da escola para natildeo promover o

ranqueamento entre as escolas participantes em nenhuma ediccedilatildeo

- Natildeo exigir que a escola desenvolva um projeto ou atividade

especiacutefica para submeter ao Selo Para se inscrever a escola

preenche uma autoavaliaccedilatildeo onde descreve uma atividade ou

projeto que esteja desenvolvendo com a comunidade escolar Natildeo

era exigido que houvesse um nuacutemero de alunos especiacutefico ou uma

56

determinada faixa etaacuteria (niacutevel de ensino) tampouco a aacuterea de

atuaccedilatildeo ou disciplina ou qualquer outro recorte A diversidade era

respeitada e desejada A uacutenica exigecircncia era ser uma atividade que

estivesse em andamento no momento da inscriccedilatildeo e que estivesse

de acordo com o voluntariado educativo ou seja que estivesse

desenvolvendo atividades de intervenccedilatildeo social com proposta

formativa

- Natildeo faz distinccedilatildeo entre escolas que estivessem comeccedilando uma

atividade ou jaacute tivesse iniciado haacute anos se a atividade menos ou

mais complexa em termos de nuacutemero de participantes e impactos

alcanccedilados

- Toda escola que se escrevia por adesatildeo espontacircnea respeitando

as regras descritas no manual que recebiam de participaccedilatildeo

recebiam o Selo Natildeo havia um nuacutemero preacute-determinado porque a

ideia natildeo era promover a ldquoescola vencedorardquo Para ser uma Escola

Solidaacuteria era preciso relatar uma atividade que estivesse em

andamento onde o aluno pudesse inferir contribuindo para

melhorar uma realidade com a qual natildeo concorda

3 Selo Escola Solidaacuteria

O Selo Escola Solidaacuteria foi um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Natildeo teve a intenccedilatildeo de ser uma pesquisa nem um processo avaliativo A

veracidade das informaccedilotildees apresentadas era de responsabilidade das

escolas No momento da inscriccedilatildeo a escola ficava ciente de que o relato de

atividade por ela inscrito seria divulgado publicamente Tal expectativa em si

propiciava um controle social As escolas participantes tambeacutem ficavam cientes

de que poderiam receber visitadas de algum representante do Instituto Faccedila

Parte ou do coordenador regional do Selo Escola Solidaacuteria30

30

Havia em cada estado dois coordenadores das accedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria um nomeado pelo Consed (para as escolas da rede estadual) e outro pela Undime (para as escolas da rede municipal) Eles eram convidados tanto para participarem de encontros

57

O Selo Escola Solidaacuteria teve cinco ediccedilotildees 2003 2005 2007 2009 e

2011 desenvolvidas em parceria com o MEC o Consed a Undime a

UNESCO (e a partir de 2009 com a OEI e o UNICEF) Ao todo 23690

escolas de educaccedilatildeo baacutesica de todo o Paiacutes receberam o Selo Para participar

a escola precisava ter o registro junto ao INEPMEC e preencher o formulaacuterio

de inscriccedilatildeo e a autoavaliaccedilatildeo disponibilizada pelo site do Faccedila Parte

gratuitamente A participaccedilatildeo era garantida por meio do preenchimento da ficha

de inscriccedilatildeo e de uma autoavaliaccedilatildeo como anteriormente mencionado Para

receber o Selo os criteacuterios analisados na inscriccedilatildeo estavam relacionados agrave

atividade relatada e desenvolvida pela escola Satildeo eles relevacircncia (a

importacircncia sentida pelos participantes ndash escola e comunidade atendida)

coerecircncia (accedilotildees coerentes com a proposta apresentada) impacto (resultados

sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados) e a atividade estar em desenvolvimento no

ano da inscriccedilatildeo

A autoavaliaccedilatildeo foi o instrumento utilizado para provocar a reflexatildeo da

escola garantir a sua participaccedilatildeo e obter um banco de praacuteticas Como se

tratava de um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo natildeo houve a intenccedilatildeo de

seguir uma seacuterie histoacuterica Ela foi instituiacuteda para propiciar uma reflexatildeo da

comunidade escolar sobre a sua proacutepria praacutetica curricular daiacute tambeacutem a

relevacircncia de se considerar o Selo Escola Solidaacuteria como ponto de partida para

selecionar as escolas para o universo desta pesquisa

A autoavaliaccedilatildeo era constituiacuteda de nove questotildees fechadas de muacuteltipla

escolha e uma questatildeo aberta ndash onde a escola relatava sua atividadeprojeto

de voluntariado educativo Tal formataccedilatildeo atendia a trecircs objetivos a) propiciar

um momento de reflexatildeo sobre a praacutetica escolar b) orientar a reflexatildeo com o

proacuteprio texto das questotildees e c) criar um banco de dados que permitisse a

busca pelas respostas agraves questotildees fechadas

A Figura 1 (ANEXO) mostra o nuacutemero total de escolas que receberam

em uma ou mais ediccedilotildees o Selo Escola Solidaacuteria Satildeo 23690 instituiccedilotildees e

promovidos pelo Faccedila Parte quanto organizavam os proacuteprios encontros regionais Tambeacutem faziam a articulaccedilatildeo com a miacutedia local para a divulgaccedilatildeo dos projetos das escolas e eventualmente organizavam oficinas palestras sobre o desenvolvimento de projetos solidaacuterios e visitavam as escolas

58

entre elas 8941 satildeo da rede puacuteblica estadual 10795 da rede puacuteblica

municipal 3908 da rede particular e 46 escolas federais

Selo Escola Solidaacuteria 2003

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo valorizar a escola por seu

comprometimento com uma educaccedilatildeo solidaacuteria conhececirc-las e saber o que

faziam A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios Um cartaz informativo e manual

de inscriccedilatildeo foi enviado para 98 mil escolas de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil (as

que segundo o registro no MEC tinham mais de 100 alunos)

Das 8766 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 3327 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 4054 agrave rede estadual 1369 agrave rede particular e 16 escolas

federais31

Selo Escola Solidaacuteria 2005

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer e mapear as escolas

comprometidas com uma educaccedilatildeo pautada nos ideais de solidariedade e

cidadania Reconhecer e mapear projetos de voluntariado educativo

Buscando melhorar a qualidade da participaccedilatildeo das escolas a escola

teve nessa ediccedilatildeo a oportunidade de receber um certificado para a escola e

outro para o projeto inscrito visando colher mais inscriccedilotildees sobre projetos mais

estruturados e que estivessem em andamento A divulgaccedilatildeo foi feita por

espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na Internet em jornais e revistas e pelos

correios repetindo a experiecircncia de 2003

Nessa ediccedilatildeo foram certificados 2112 projetos e 12873 escolas

sendo 5396 pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 5183 agrave rede estadual

2262 agrave rede particular e 32 escolas federais32

31

Vide Figura 2 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003)

32 Vide Figura 3 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2005)

59

Selo Escola Solidaacuteria 2007

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo estruturados fortalecer a escola enquanto

nuacutecleo de cidadania em sua proacutepria comunidade

O nuacutemero de escolas que receberam o Selo foi menor Poreacutem o

nuacutemero de projetos aumentou de 2112 para 7474 Nessa ediccedilatildeo o Faccedila

Parte comeccedilou a solicitar agraves escolas a autorizaccedilatildeo para divulgar o projeto

inscrito na aacuterea puacuteblica do site33

A divulgaccedilatildeo do foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios para todas as escolas com mais

de cem alunos

Das 7474 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 2776 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 3054 agrave rede estadual 1632 agrave rede particular e 12 escolas

federais34

Selo Escola Solidaacuteria 2009

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas cujos projetos

melhoraram a qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece melhorando o

desempenho cognitivo e social do aluno ao mesmo tempo em que busquem

melhorar a qualidade de vida da comunidade

A experiecircncia deveria estar de acordo com o Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico e a escola precisava relatar o quanto ela influenciava na

aprendizagem

A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios cedidos no raacutedio na TV

na Internet em jornais e revistas e pelos correios somente para escolas que jaacute

tinham participado de alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria um universo de

aproximadamente dezesseis mil escolas35

33

Disponibilizado pelo seu site wwwseloescolasolidariaorgbr

34 Vide Figura 4 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2007)

35 Aleacutem disso a partir da ediccedilatildeo de 2009 o Faccedila Parte passou a dividir o seu espaccedilo voluntaacuterio

de miacutedia com o Compromisso Todos Pela Educaccedilatildeo organizaccedilatildeo social parceira

60

Das 3863 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1528 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 1432 agrave rede estadual 900 agrave rede particular e trecircs escolas

federais36

Selo Escola Solidaacuteria 2011

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo visando melhorar a qualidade de vida da

comunidade e a qualidade de educaccedilatildeo oferecida Nessa ediccedilatildeo considerou-se

conhecer projetos solidaacuterios que pudessem colaborar para o desempenho das

escolas em relaccedilatildeo aos exames externos como o IDEB37

Essa foi a uacuteltima ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria A divulgaccedilatildeo foi feita

como em 2009 para um nuacutemero de dezesseis mil escolas e poucos espaccedilos

de miacutedia voluntaacuteria

Ainda assim 3039 escolas foram reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1252

pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 983 agrave rede estadual 799 agrave rede

particular e cinco escolas federais38

4 Instituto Faccedila Parte

O Instituto Faccedila Parte foi fundado para gerir as accedilotildees do Ano

Internacional do Voluntariado ndash AIV no paiacutes em 2001 Um grupo formado pela

sociedade civil entre eles empresaacuterios representantes do terceiro setor e

36

Vide Figura 5 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009)

37 Embora o IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica seja calculado

considerando os resultados nas provas nacionais de desempenho de Portuguecircs e Matemaacutetica Prova Brasil e Saeb e o fluxo procurou-se observar dois fatores 1) se as escolas percebiam uma melhora de rendimento dos alunos nessas disciplinas e na frequecircncia escolar a partir do envolvimento dos alunos em projetos solidaacuterios e 2) se o ambiente colaborativo contribui para o desenvolvimento do processo de aprendizagem ainda que o restritamente mensurado no IDEB

38 Vide Figura 6 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2011)

61

miacutedia elaborou um calendaacuterio temaacutetico para contribuir com a visibilidade das

iniciativas voluntaacuterias durante os doze meses do ano foi dado um destaque

especial na miacutedia a cada uma dessas aacutereas Cultura e Artes Terceira Idade

Esporte e Lazer Sauacutede Educaccedilatildeo Meio Ambiente Protagonismo Juvenil

Portadores de Deficiecircncia Defesa de Direitos Infacircncia Solidariedade e

Cidadania O objetivo era mostrar o escopo de possibilidades de atuaccedilatildeo do

voluntaacuterio e provocar o interesse da miacutedia em publicar todo o mecircs mateacuterias

sobre o voluntariado39

O sucesso do AIV motivou a continuidade do trabalho no Brasil Em

2002 a presidente fez um pronunciamento na ONU declarando a deacutecada do

voluntariado Para atingir esse objetivo o Comitecirc ajustou o foco para a

educaccedilatildeo e juventude

O Faccedila Parte surgiu impulsionado pelo movimento iniciado pelo

Programa Comunidade Solidaacuteria (encerrado em 2002) e continuado pelo

Programa Fome Zero A criacutetica ao voluntariado estimulado pela social

democracia estaacute relacionada basicamente agraves implicaccedilotildees de uma ideologia

forjada na ldquoparticipaccedilatildeo social voluntaacuteriardquo onde o que se questiona eacute o

voluntariado como uma ldquoalternativardquo ao desemprego ou subemprego como uma

resposta de confortante retorno ao mercado de trabalho a des-

responsabilizaccedilatildeo do Estado frente agrave sociedade desonerando-o dos

enfrentamentos das questotildees sociais a compreensatildeo de que a assistecircncia

social deixa de ser poliacutetica puacuteblica para ser trazida ao campo individual

privatista ldquoA loacutegica neoliberal tanto identifica os problemas sociais como

responsabilidade dos indiviacuteduos como sugere que eles sejam resolvidos no

acircmbito privadordquo (BONFIM 2010 p 55)

Esta loacutegica da qual tambeacutem discordo natildeo era desenvolvida nas

atividades do Faccedila Parte enquanto estive na coordenaccedilatildeo de conteuacutedo e

posteriormente de projetos O foco de atuaccedilatildeo era o voluntariado como

estrateacutegia educativa para a formaccedilatildeo do jovem propondo o desenvolvimento 39

Uma pesquisa realizada pelo DataFolha em 2001 revelou que 41 dos brasileiros se diziam muito dispostos a trabalhar como voluntaacuterio No entanto essa vontade natildeo se refletia em accedilatildeo efetiva segundo o IBOPE 10 da populaccedilatildeo brasileira estava envolvida com alguma instituiccedilatildeo ou trabalho voluntaacuterio E pela pesquisa o perfil dos voluntaacuterios satildeo as pessoas mais velhas (44 dos voluntaacuterios tecircm entre 40 anos ou mais) e da classe meacutedia (36 satildeo da Classe B) (MACKENZIE 2012)

62

de uma educaccedilatildeo que utilizasse o que se aprende na sala de aula e na vida

para se resolver problemas sociais reais (voluntariado educativo) A ideia era

desfazer a compreensatildeo equivocada de ldquoparticipaccedilatildeo socialrdquo sugerida pelo

ldquovoluntariado assistencialistardquo e sugerir uma discussatildeo a partir da escola para

a participaccedilatildeo solidaacuteria poliacutetica e criacutetica

A base conceitual foi desenvolvida por meio de reflexotildees e estudos

propostos por Frei Betto (idealizador do Fome Zero) e Antonio Carlos Gomes

da Costa (educador e redator do ECA) membros do Conselho Consultivo

Outros educadores como Mario Sergio Cortella e Celso Antunes tambeacutem

participaram diretamente do processo

O Faccedila Parte teve como principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria40

desenvolvido em parceria com o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) o Conselho

Nacional dos Secretaacuterios Estaduais de Educaccedilatildeo (Consed) a Uniatildeo Nacional

dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo (Undime) e a UNESCO O

desenvolvimento do Selo Escola Solidaacuteria permitiu resgatar a escola pela

qualidade de desenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica construiacuteda com a

escola com a comunidade

40

Outros projetos do Instituto a ldquoCampanha Escolas Solidaacuterias e os Objetivos do Milecircnio da ONUrdquo (2004 2005) o ldquoPrecircmio de Reportagem Jovem Protagonistardquo (2008) o Realinhamento conceitual e metodoloacutegico do ldquoAmigos da Escolardquo de 2005 a 2011 projeto que foi lanccedilado em 1999 com um conceito equivocado de participaccedilatildeo voluntaacuteria na escola e mesmo tendo sido submetido a um realinhamento estrateacutegico e conceitual a partir de 2005 continuou sofrendo inuacutemeras criacuteticas por natildeo conseguir se libertar totalmente de sua imagem criada no momento do lanccedilamento Ele passou de uma visatildeo assistencialista e de desvalorizaccedilatildeo do profissional da educaccedilatildeo (primeira fase) para um projeto de reforccedilo da escola como nuacutecleo de cidadania e gestatildeo democraacutetica onde a comunidade pode participar desde que essa participaccedilatildeo esteja de acordo ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola sem a substituiccedilatildeo de qualquer profissional da educaccedilatildeo e sem a desoneraccedilatildeo do Estado (segunda fase)

Aleacutem disso o Faccedila Parte eacute membro fundador da ldquoRede Iberoamericana de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuteriordquo (desde 2005) e tem inuacutemeras publicaccedilotildees disponiacuteveis em wwwfacaparteorgbrbiblioteca onde divulga basicamente o conceito de voluntariado educativo protagonismo juvenil uma sugestatildeo de metodologia de projetos e as experiecircncias de centenas de Escolas Solidaacuterias

63

5 A coleta de dados

Apoacutes as reuniotildees com a direccedilatildeo das escolas iniciamos a pesquisa

propriamente dita Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram

principalmente a) questionaacuterio b) entrevistas semi-estruturadas e c)

acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados pelas

escolas

a) Questionaacuterio

O questionaacuterio foi aplicado para que de maneira padronizada

pudeacutessemos conseguir respostas de uma determinada populaccedilatildeo que

permitissem reunir uma raacutepida quantidade de informaccedilotildees sobre o tema de

pesquisa A uniformizaccedilatildeo das perguntas e respostas facilita a compilaccedilatildeo dos

resultados bem como o fato de ele poder ser enviado e respondido sem a

presenccedila de um aplicador (LAVILLE DIONNE 1999 p 184) Ele foi formulado

com seis questotildees fechadas e duas abertas Oferecer questotildees fechadas com

respostas predeterminadas traz a vantagem de esclarecer aos sujeitos o que

se quer investigar aleacutem de permitir manusear os dados por meio de leituras

exatas e evitar que se tenha o iacutempeto de interpretar subjetivamente as

respostas recebidas (LAVILLE e DIONNE 1999)

O questionaacuterio foi aplicado visando uma primeira aproximaccedilatildeo das

escolas e saber quais poderiam ser as escolas possiacuteveis para o universo da

pesquisa pois queriacuteamos contar com a participaccedilatildeo de escolas que pudessem

contribuir para a compreensatildeo da solidariedade enquanto praacutetica curricular

educativa Como satildeo escolas do universo do Selo Escola Solidaacuteria

consideramos as principais caracteriacutesticas das atividades e projetos de

aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio ou voluntariado educativo como referecircncia

para a seleccedilatildeo

De acordo com Mariacutea Nieves Taacutepia (2001 p 26) as atividades ou

projetos devem estar integrados agrave proposta pedagoacutegica da escola envolver

toda a comunidade educativa (sendo que os alunos devem participar de todas

as etapas do projeto desde o diagnoacutestico ateacute a avaliaccedilatildeo) e devem partir de

64

uma demanda real da comunidade a qual possa ser atendida pelos

estudantes sendo uma atividade de relevacircncia social e pedagoacutegica

Neste sentido as questotildees foram elaboradas da seguinte forma41

Nas perguntas 1 e 2 pretendeu-se atualizar as informaccedilotildees sobre os

projetos desenvolvidos na escola por niacutevel de ensino e aacuterea de atuaccedilatildeo uma

vez que o Selo Escola Solidaacuteria soacute acontece em anos iacutempares

1 - Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos

solidaacuterios atualmente na escola

2 - A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas

atualmente Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas

Com as perguntas 3 e 4 procurou-se saber se a escola tinha

incorporado a praacutetica da solidariedade em seu Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico em

seu curriacuteculo uma vez que eacute interesse desta pesquisa se aproximar de escolas

que tenham de fato incorporado a praacutetica da solidariedade ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

3 - O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios constam

textualmente no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 - As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

As perguntas 5 e 6 foram formuladas porque esta pesquisa precisa

trabalhar com uma amostra de escolas que envolvam a comunidade educativa

no desenvolvimento de projetos solidaacuterios principalmente os alunos para que

seja possiacutevel investigar a solidariedade em um ambiente de gestatildeo

democraacutetica e participativa

5 - Quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

6 ndash Em quais dessas etapas os alunos sempre participam

41

O questionaacuterio completo perguntas e respostas pode ser consultado no Apecircndice

65

Houve um interesse de fazer uma sondagem inicial em relaccedilatildeo aos

resultados sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados para se buscar indiacutecios de como

a comunidade avalia a sua praacutetica se a solidariedade eacute considerada relevante

e sobre quais aspectos Esta eacute a justificativa para a formulaccedilatildeo das perguntas

dissertativas as uacuteltimas

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia

atribuiacutedo(s) ao desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social (ais) de maior relevacircncia

atribuiacutedo ao desenvolvimento do(s) projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola E para a comunidade

b) Entrevistas semi-estruturadas

A entrevista semi-estruturada foi adotada como instrumento nesta

pesquisa por permitir uma maior flexibilizaccedilatildeo na conduccedilatildeo pois no contato

direto pode-se conduzir a entrevista de forma a aproveitar as contribuiccedilotildees

espontacircneas esclarecer perguntas e respostas e corrigir o percurso da

entrevista durante o seu desenvolvimento possibilitando a participaccedilatildeo do

sujeito da pesquisa De uma maneira direta e personalizada a entrevista

permite ampliar o escopo da coleta de informaccedilotildees se comparada ao

questionaacuterio que foi empregado no momento de se fazer um primeiro

rastreamento de colher informaccedilotildees exploratoacuterias

A entrevista oferece maior amplitude do que o questionaacuterio quanto agrave sua organizaccedilatildeo esta natildeo estando mais irremediavelmente presa a um documento entregue a cada um dos interrogados os entrevistadores permitem-se muitas vezes explicar algumas questotildees no curso da entrevista reformulaacute-las para atender agraves necessidades do entrevistado Muitas vezes eles mudam a ordem das perguntas em funccedilatildeo das respostas obtidas a fim de assegurar mais coerecircncia em suas trocas com o interrogado Chegam ateacute a acrescentar perguntas para fazer precisar uma resposta ou para fazecirc-la aprofundar Por quecirc Como Vocecirc pode dar-me um exemplo E outras tantas subperguntas que traratildeo frequentemente uma

66

porccedilatildeo de informaccedilotildees significativas (LAVILLE DIONNE 1999 p 188)

A flexibilidade adquirida permite obter dos entrevistados informaccedilotildees

muitas vezes mais ricas do que se podia prever uma imagem mais proacutexima da

realidade das situaccedilotildees fenocircmenos ou acontecimentos

As perguntas norteadoras das entrevistas semi-estruturadas foram

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo

para a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

As entrevistas foram realizadas respectivamente em suas proacuteprias

escolas Na ocasiatildeo visitamos as instalaccedilotildees e tomamos contato com registros

referentes agraves atividades solidaacuterias como plano de accedilatildeo planejamento de aula

registros como fotos relatoacuterios bem como o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

Os agendamentos ocorreram durante os meses de junho de 2012 a

marccedilo de 2013 Natildeo houve a intenccedilatildeo de se estabelecer um padratildeo entre as

escolas (nem em relaccedilatildeo ao nuacutemero de entrevistas agendadas tempo de

duraccedilatildeo sujeitos da pesquisa) Procuramos desenvolver a pesquisa de forma a

nos adequar agraves possibilidades em cada uma das escolas respeitando o tempo

e o espaccedilo dos atores envolvidos Aleacutem dos momentos de visitaccedilatildeo das

instalaccedilotildees e de conversas informais foram realizadas junto agraves escolas

Escola1 duas reuniotildees e quatro entrevistas sendo uma reuniatildeo com a

diretora da escola uma reuniatildeo com o diretor pedagoacutegico 2 entrevistas

com o diretor pedagoacutegico uma entrevista com uma professora e uma

entrevista com uma ex-coordenadora

Escola2 quatro entrevistas sendo duas com a coordenadora

pedagoacutegica uma com uma professora e uma com uma pessoa da

comunidade atendida pelo projeto

67

Escola3 quatro entrevistas e uma reuniatildeo sendo duas entrevistas com

a coordenadora pedagoacutegica uma entrevista com um professor e uma

entrevista com uma aluna A escola intermediou a negociaccedilatildeo de uma

entrevista com o puacuteblico atendido pelo projeto poreacutem natildeo foi possiacutevel

fazecirc-la porque natildeo houve adesatildeo voluntaacuteria por parte da comunidade

Escola4 duas entrevistas sendo uma com a coordenadora pedagoacutegica

e uma entrevista com um professor

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente tendo

a autorizaccedilatildeo dos entrevistados para a publicaccedilatildeo total ou parcial do conteuacutedo

da mesma com eventuais adequaccedilotildees ao texto escrito Cada uma delas durou

em meacutedia de 90 a 120 minutos de acordo com o professor e com o tempo por

ele disponibilizado Elas aconteceram em locais escolhidos pelos proacuteprios

atores laboratoacuterio sala dos professores sala de aula sala da coordenaccedilatildeo (no

caso dos coordenadores) paacutetio

Durante as entrevistas eram valorizadas as participaccedilotildees

espontacircneas os sujeitos eram estimulados a participar ativamente do

processo o que conferiu caraacuteter de singularidade para cada escola

participante Em todas elas foi demonstrado interesse em se entrevistar atores

das comunidades atendidas pelos projetos dos alunos No entanto naquelas

escolas onde foi percebida certa resistecircncia tais intervenccedilotildees foram

descartadas

Durante o desenvolvimento da pesquisa o contato com os professores

continuou sendo mantido informalmente em intervalos eventuais por

telefonemas e via e-mail para que possiacuteveis duacutevidas ou questotildees surgidas de

ambas as partes pudessem ser esclarecidas

c) Acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados

pelas escolas

A observaccedilatildeo dos eventos anuais solidaacuterios promovidos pelas escolas

foi incorporada durante o desenvolvimento da pesquisa Das quatro escolas

que participaram da pesquisa trecircs delas tiveram interesse de apresentar o

evento de culminacircncia de atividades solidaacuterias onde participam principalmente

68

os alunos Sendo assim o acompanhamento dos eventos solidaacuterios foi

incorporado agrave pesquisa

O momento permitiu observar colher impressotildees e informaccedilotildees junto

aos participantes aleacutem de acompanhar tambeacutem no sentido intriacutenseco de

prestigiar e valorizar o empenho da comunidade escolar em relaccedilatildeo ao

desenvolvimento de atividades solidaacuterias Vale ressaltar que esse foi o

momento onde se pode chegar mais proacuteximo dos alunos Como satildeo propostas

adequadas agrave realidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico de cada escola natildeo

houve um roteiro preacute-determinado de observaccedilatildeo e as observaccedilotildees foram

registradas posteriormente

O evento observado na Escola1 foi a Gincana Solidaacuteria que eacute o de

maior relevacircncia para a comunidade escolar e acontece uma vez por ano

geralmente em um dos saacutebados da segunda quinzena de setembro

Estive na escola no dia anterior e no dia da Gincana Na veacutespera os

alunos do Ensino Meacutedio tinham sido dispensados das uacuteltimas trecircs aulas do

periacuteodo da manhatilde para finalizarem a preparaccedilatildeo das atividades A escola

estava com um clima diferente muitas cores sons ritmos tintas cantos

negociaccedilotildees sorrisos tensatildeo A autonomia dos alunos na organizaccedilatildeo e

coordenaccedilatildeo dos preparativos para a festa faz com que a responsabilidade e o

interesse em deixar tudo pronto aumente Podiam-se ouvir os ensaios e sentir

a contagiante empolgaccedilatildeo com os preparativos por todos os cantos

No dia da Gincana propriamente todos os alunos estavam

devidamente uniformizados representando seus times por cinco cores Cada

torcida tinha o seu mascote e o grupo era acompanhado pelo olhar atento dos

familiares e da comunidade presente Todos os alunos participavam com

interesse das atividades e muito embora o clima de interesse fosse mantido

pela disputa que a proacutepria natureza de uma gincana sugere o prazer em ver

apresentar e participar de algo elaborado coletivamente ao longo do ano

parecia fortalecer ainda mais o respeito e a colaboraccedilatildeo entre eles ldquoToda a

Gincana estaacute imbricado na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento

da cidadania de se criar formas de conversar de negociar Tudo eacute feito por

eles organizado por elesrdquo (CPE1)

69

O evento organizado ao longo de praticamente seis meses de

trabalho envolve uma seacuterie de etapas de aprendizagem tanto de conteuacutedos

disciplinares quanto de espaccedilos de convivecircncia A Gincana eacute curricular

trabalhada de maneira interdisciplinar e jaacute eacute referecircncia para a comunidade

escolar

Na Escola2 acompanhamos a Feira Cultural Trata-se de um evento

organizado para a comunidade escolar onde a escola aleacutem de reunir todos os

trabalhos produzidos pelos alunos ao longo do ano apresenta danccedilas muacutesicas

e fotografias O evento acontece geralmente em um dos saacutebados de outubro

Todo o material das exposiccedilotildees e de decoraccedilatildeo da escola eacute feito pelos alunos

durante as atividades do ano letivo tais como os livros da oficina de literatura

oficina de brinquedos de sucata estudo do bairro por maquetes projeto de

reciclagem tudo eacute organizado e recebe a visitaccedilatildeo da comunidade escolar

A escola eacute preparada um dia antes pelos professores funcionaacuterios e

direccedilatildeo No dia do evento pude assistir as apresentaccedilotildees das danccedilas na

quadra de esporte As letras das muacutesicas tratavam de questotildees sobre o

desenvolvimento sustentaacutevel e a importacircncia do cuidado com o planeta e o

respeito como condiccedilatildeo para se construir um mundo melhor para se viver

Conversas informais com a diretora professores pais e alunos demonstravam

que havia conhecimento sobre o que estava exposto sobre o objetivo das

atividades A avoacute de um aluno do terceiro ano ao me ver interessada em

conhecer as atividades da seacuterie afirmou ldquojaacute pensou uma escolas dessas Natildeo

temrdquo se referindo com ironia e contentamento agrave quantidade das atividades

pedagoacutegicas e ao zelo com que foram montadas para a apresentaccedilatildeo na feira

cultural

Para a montagem das salas temaacuteticas os professores de cada

anoseacuterie escolhem como iraacute organizaacute-la Cada um eacute responsaacutevel pela

exposiccedilatildeo do trabalho da sua sala mas logo apoacutes precisam ajudar a organizar

outras salas ou os espaccedilos comuns da escola como os corredores paacutetios

salotildees tudo eacute decorado O principal projeto de solidariedade da escola o

Reciclar se faz presente de muitas formas nas letras das muacutesicas na

confecccedilatildeo dos materiais de artes (inclusive na utilizaccedilatildeo dos materiais ndash

apenas reciclados) na seleccedilatildeo e apresentaccedilatildeo das poesias na exposiccedilatildeo dos

70

desenhos das maquetes na decoraccedilatildeo da escola A Feira terminou com a

apresentaccedilatildeo dos alunos que estudam no projeto em parceria com a Fundaccedilatildeo

Bachiana Filarmocircnica A accedilatildeo proporciona aos alunos aulas de flauta-doce

violino e viola claacutessica A escola oferece esse projeto em parceria para a

comunidade ou seja ele natildeo eacute destinado somente aos seus alunos Cada

estudante do curso pode utilizar o instrumento que eacute disponibilizado durante as

aulas e aleacutem disso eles recebem todo o material didaacutetico tambeacutem

A Manhatilde da Paz eacute uma manhatilde organizada pela Escola3 com o intuito

de tratar sobre temas ligados agrave Campanha da Fraternidade Em 2012 o tema

foi ldquoFraternidade e Sauacutede Puacuteblicardquo A proposta era fazer uma reflexatildeo com os

alunos do 7ordm ano sobre ldquoqual o meu papel Qual a minha parte O que posso

fazer a partir de hoje para ajudar a tornar o mundo melhorrdquo Recebemos o

convite para participar na ocasiatildeo da reuniatildeo de apresentaccedilatildeo da proposta da

pesquisa para a coordenaccedilatildeo Os temas tratados no evento foram nutriccedilatildeo

reciclagem muacutesica postura corporal e ldquoo que posso fazer para tornar o mundo

melhorrdquo ministrado por noacutes Nessa proposta de intervenccedilatildeo participaram

cinco turmas cada uma delas formada por aproximadamente trinta alunos do

seacutetimo ano

A experiecircncia propiciou um contato direto com os alunos procurando

provocar a reflexatildeo sobre o que cada um tem a ver com a situaccedilatildeo histoacuterica

que vivemos quais satildeo os maiores problemas da humanidade nos dias atuais

e o que podemos fazer para buscar soluccedilotildees a partir do lugar de onde

estamos no seacutetimo ano na escola com a comunidade que vivemos As aulas

especiais foram acompanhadas pela presenccedila de um professor da escola Na

ocasiatildeo exibimos o depoimento da canadense Severn Suzuki de 12 anos na

primeira conferecircncia mundial de meio ambiente a ECO 92 O feito ficou

conhecido como ldquoA menina que calou o mundordquo (SUZUKI 1992) visando

instigaacute-los a pensar sobre o que eacute possiacutevel fazer aos 12 anos de idade Aleacutem

das discussotildees sobre o que pode ser feito para participar socialmente os

alunos foram questionados sobre o que eacute cidadania como aprender a ser

solidaacuterio a ser participativo socialmente No iniacutecio reportavam agrave famiacutelia a

formaccedilatildeo em valores mas logo percebiam que tambeacutem era funccedilatildeo da escola e

71

sugeriam condutas e propostas de atividades para que tais conceitos fossem

trabalhados

Cada escola organiza a praacutetica curricular de acordo com o seu Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico que representa a organizaccedilatildeo quanto agrave concepccedilatildeo de

educaccedilatildeo e de solidariedade Para que seja possiacutevel analisar as praacuteticas

observadas nas escolas faz-se necessaacuterio adentrar no referencial teoacuterico

apresentado a seguir O Capiacutetulo II se propotildee a delimitar o conceito de

solidariedade e o Capiacutetulo III trata da questatildeo da solidariedade a partir do

curriacuteculo

72

CAPIacuteTULO II

73

O CONCEITO SOLIDARIEDADE

Segundo o Dicionaacuterio de Etimologia solidariedade eacute uma palavra de

origem latina seu radical solid ndash derivado de soacutelidus ndash significa solidificar

confirmar soldar do latim solidaresolidariedade (CUNHA 2007) Soacutelidus por

sua vez significa aquilo que tem consistecircncia que natildeo se deixa romper

facilmente que eacute capaz de resistir ao uso ao tempo a qualquer forccedila externa

(CASTELEIRO 2001) trazendo a ideia de solidariedade agrave de formaccedilatildeo de uma

situaccedilatildeo concisa onde as partes se sustentam em coesatildeo numa relaccedilatildeo de

unidade interdependecircncia

A terminologia teacutecnica do Direito Romano obligatio in solidum

(obrigaccedilatildeo global lealdade) converteu-se no francecircs em solidariteacute

conservando poreacutem seu significado juriacutedico Solidum e solidariedade vecircm da

raiz solid que significa soacutelido da onde se deveria o significado etimoloacutegico de

ldquounir prenderrdquo tornar coeso (CUNHA 2007) O sentido completa o conceito

romano-legal insolidum que significa o dever para com o todo a

responsabilidade geral a obrigaccedilatildeo solidaacuteria A solidariedade eacute compreendida

como a responsabilidade muacutetua entre os membros de uma comunidade classe

ou empresa (CASTELEIRO 2001)

No Dicionaacuterio de Filosofia de Nicola Abbagnano o termo significa a

relaccedilatildeo de interdependecircncia de assistecircncia reciacuteproca entre os mesmos

membros de uma famiacutelia ou grupo social (ABBAGNANO 2007) No campo do

direito segundo o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional a conotaccedilatildeo de solidariedade

valida um acordo entre vaacuterias partes num compromisso pelo qual natildeo se

admite o benefiacutecio de ordem isto eacute a escolha de quem em comum iraacute cumprir

a obrigaccedilatildeo (art 124 Paraacutegrafo Uacutenico) O art 264 do Novo Coacutedigo Civil de

janeiro de 2003 diz que haacute uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria ldquoquando na mesma

obrigaccedilatildeo concorre mais de um credor ou mais de um devedor cada um com

direito ou obrigado agrave diacutevida todardquo Uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute portanto aquela

onde um ou mais credores (solidariedade ativa) exigem de um ou mais

devedores (solidariedade passiva) o seu cumprimento Cada credor eacute credor do

74

todo assim como cada devedor eacute devedor do todo natildeo apenas de parte ou

fraccedilatildeo ideal

No Dicionaacuterio Leacutexico e Enciclopeacutedico Ilustrado da Liacutengua Portuguesa

(1970) solidariedade eacute compreendida como a uniatildeo muacutetua entre pessoas que

estatildeo ligadas em torno de uma mesma causa projeto objetivo Neste sentido

em si ela natildeo eacute necessariamente valorada para o bem podendo acontecer

entre pessoas que decidem se unir em um projeto iliacutecito por exemplo ou ateacute

mesmo por interesses comuns sem juiacutezo de valor como os integrantes de

uma torcida de futebol um grupo reunido para uma festividade ou a maacutefia No

entanto seu emprego pode vir carregado de conotaccedilatildeo valorativa No Grande

Dicionaacuterio Etimoloacutegico-Prosoacutedico da Liacutengua Portuguesa o conceito estaacute ligado

ao de ldquosolidaacuteriordquo que significa ldquoaquele que compartilha a responsabilidade de

outrem que lhe demonstra sentimentos de fraternidade de comuns

sentimentos em determinada conjuntura socialrdquo (BUENO 1967)

Para Aliacutepio Casali42 o conceito evolui a partir de soacutelidus com soacutelus

onde solu significa um soacute portanto solidus seria compreendido como algo

com-pacto Se solidatildeo eacute um exemplo desse um soacute que eacute pensado como uacutenico

solidatildeo apresenta-se como um sem-outro No contraacuterio solidaacuterio eacute o outro que

se une (pacto com-pacto) ao um e constitui com ele uma nova unidade

compacta A solidariedade neste sentido eacute a accedilatildeo de compactar-se com o

outro formando com ele um novo-ser-unitaacuterio

No Budismo fala-se de compaixatildeo ao inveacutes de solidariedade mas a

compreensatildeo do conceito eacute similar Para o Budismo a compaixatildeo eacute um

sentimento incondicional sem o apego que traz sofrimento e dor Eacute um cuidar e

amar todos os seres vivos igualmente como se natildeo houvesse distinccedilatildeo entre

eu e o outro A vida em comunidade tambeacutem eacute valorizada pois para os

budistas eacute fundamental pertencer a uma sangha As comunidades vivem em

comunidades uns cuidando dos outros e assim aprendem a partilhar e ajudar-

se mutuamente razatildeo de ser do estilo de vida budista (GANERI 1999)

42

Notas de aula setembro de 2012

75

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo

A preocupaccedilatildeo com a vida em sociedade pensada a partir do bem

comum tem seu registro desde a mitologia grega onde a capacidade humana

de viver em cidades sem que haja uma disputa direta entre os seus membros

o que aniquilaria a espeacutecie eacute o tema do mito acerca da criaccedilatildeo do homem

Nele Epimetheus fica responsaacutevel por ldquoequiparrdquo todas as criaturas criadas por

Zeus com um nuacutemero limitado de habilidades disponiacuteveis Soacute que em sua

tarefa ele se esquece do homem esgotando as habilidades disponibilizadas

por Zeus com os outros animais Os homens consequentemente tornam-se

presas faacuteceis e Prometheus ciente do erro rouba o fogo de Hephaestus e a

arte de Athena e os concede aos homens Com a habilidade da arte os

homens tornam-se capazes de falar e de dar nomes aos objetos e com o fogo

satildeo capazes de se proteger e se alimentar Tais habilidades poreacutem natildeo satildeo

suficientes para salvaacute-los Conscientes de sua fragilidade os homens

passaram a viver em cidades mas por natildeo terem habilidade poliacutetica comeccedilam

a se ferir mutuamente o que comeccedilou a afastar um dos outros Zeus entatildeo

temendo a total destruiccedilatildeo da raccedila humana envia Hermes para ensinar aos

homens as qualidades do respeito muacutetuo e do senso de justiccedila de forma a

trazer a ordem agraves cidades e criar um viacutenculo de amizade e uniatildeo (SILVA C

2012)

Nessa passagem o conteuacutedo traz uma reflexatildeo acerca de um possiacutevel

conceito de solidariedade compreendida entre a noccedilatildeo de que um precisa do

outro para viver que a vida em sociedade o fortalece mas que no entanto eacute

preciso haver respeito muacutetuo senso de justiccedila e uniatildeo Tais reflexotildees eram

propostas ainda que a democracia ateniense fosse uma forma atenuada de

oligarquia (era restritiva aos escravos mulheres e estrangeiros) onde somente

os cidadatildeos varotildees tinham o direito de participar da assembleia e serem

assegurados pelas leis

De um salto ateacute os seacuteculos XIX e XX o conceito de solidariedade

aparece relacionado agraves accedilotildees do indiviacuteduo que satildeo influenciadas pelo contexto

e tecircm consequecircncias no grupo ao qual pertence emanando de interesses e

convicccedilotildees semelhantes Tem-se a ocorrecircncia da compreensatildeo de

76

solidariedade obrigatoacuteria (solidariteacute de fait) exercida em determinados grupos

que acontece pela noccedilatildeo de pertencimento entre seus membros como a que

se daacute em famiacutelia No entanto essa forma de solidariedade natildeo auxilia a

resolver problemas eacuteticos como os de ordem econocircmica por exemplo

Eacutemile Durkheim (1858-1917) considerado um dos pais da sociologia

moderna afirmou que o ser humano eacute constituiacutedo de duas consciecircncias a dos

estados pessoais e a que compreende o que eacute comum para toda a sociedade

uma forma a outra em um movimento permanente No entanto quando o

homem age impulsionado pela consciecircncia coletiva e natildeo por vontades

particulares em si estaacute sendo solidaacuterio ldquoOra embora distintas essas duas

consciecircncias satildeo ligadas uma agrave outra pois em suma elas constituem uma soacute

coisa tendo para as duas um soacute e mesmo substrato orgacircnico Logo elas satildeo

solidaacuterias Daiacute resulta uma solidariedade sui generis que nascida das

semelhanccedilas vincula diretamente o indiviacuteduo agrave sociedaderdquo (DURKHEIM 1977

p 79)

Para exprimir um tipo de ordenaccedilatildeo que favorecesse o

desenvolvimento de um determinado grupo ligado por um interesse comum

quer seja ele os indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia de uma mesma seita de

grupos formados pelo princiacutepio da hereditariedade como as castas na Iacutendia ou

as colocircnias judias Durkheim usou o conceito de solidariedade orgacircnica Nela

a funccedilatildeo de cada indiviacuteduo eacute determinada em seu nascimento e o

descumprimento das regras de solidariedade eacute passiacutevel de puniccedilatildeo Como as

sociedades mais complexas seguem se organizando natildeo mais pela

constituiccedilatildeo espontacircnea ou hereditaacuteria mas por uma intencionalidade que

adveacutem da divisatildeo social do trabalho credita-se agrave consciecircncia coletiva e agrave

divisatildeo do trabalho uma relaccedilatildeo de interdependecircncia criada entre as diferentes

profissotildees para que haja um bom funcionamento da comunidade como um

todo

A constituiccedilatildeo social pela divisatildeo do trabalho soacute eacute possiacutevel porque o

homem eacute um ser social e eacute a sociedade que forma a sua individualidade como

afirma Durkheim A vida coletiva natildeo nasceu da vida individual mas pelo

contraacuterio foi a segunda que nasceu da primeira Esta condiccedilatildeo explica como a

individualidade pessoal das unidades sociais pode formar-se e crescer sem

77

desagregar a sociedade (1977 p 62) Neste caso tem-se a percepccedilatildeo de que

a sociedade natildeo eacute formada pela justaposiccedilatildeo de individualidades que passam

a trabalhar em cooperaccedilatildeo mas sim por uma compreensatildeo de que o homem

enquanto ser social vecirc-se realizado pela ideia de desenvolver sua identidade

coletiva

Portanto para que de fato a divisatildeo social do trabalho melhore o

desempenho da sociedade como um todo o foco natildeo deve estar na

produtividade-lucrativa dos economistas mas sim em novas e melhores

condiccedilotildees de existecircncia para a humanidade que nos satildeo criadas pela

ordenaccedilatildeo do trabalho (Ibidem p 57) O contraponto agrave solidariedade mecacircnica

eacute a solidariedade orgacircnica que traz consigo a analogia referente ao

funcionamento de um organismo vivo onde cada oacutergatildeo desenvolve a sua

funccedilatildeo Na solidariedade orgacircnica segundo o Diccionario de Antropologia

(1980) a ldquovinculaccedilatildeo entre grupos humanos resulta de um sentimento

compartilhado de identidade de interesses de dependecircncia e

complementaridade na presenccedila de uma avanccedilada divisatildeo de trabalho

No entanto Durkheim compreendeu que natildeo era possiacutevel afirmar qual

tipo de solidariedade eacute predominante em uma dada sociedade sem paracircmetros

ou referenciais de observaccedilatildeo Sendo assim ele procurou definir dois tipos de

solidariedade a partir de duas normas de direito (DURKHEIM 1977)

Direito Repressivo ndash por meio da sanccedilatildeo agravequele que natildeo cumprir

determinada norma social por meio da exposiccedilatildeo agrave dor humilhaccedilatildeo ou

privaccedilatildeo de liberdade

Direito Restitutivo ndash a preocupaccedilatildeo principal nesse caso eacute fazer com

que as situaccedilotildees perturbadas sejam restabelecidas e retornem a seu

estado original Ao infrator cabe simplesmente reparar o dano causado

uma vez que o dano causado natildeo afeta a sociedade como um todo

Sendo assim quanto maior eacute a participaccedilatildeo do direito restitutivo em uma

sociedade menor eacute a forccedila e a abrangecircncia da consciecircncia coletiva e

maior eacute a diferenciaccedilatildeo individual

Significa dizer que pelo tipo de direito que predomina em uma

sociedade seria possiacutevel identificar o tipo de solidariedade existente Se

predomina o direito repressivo uma maior quantidade de normas eacute mantida

78

pela consciecircncia coletiva (solidariedade mecacircnica) Se predomina o direito

restitutivo uma menor quantidade de normas diz respeito agrave sociedade como

um todo (solidariedade orgacircnica)

Durkheim tambeacutem reconheceu que o advento da industrializaccedilatildeo e o

desenvolvimento do capitalismo a divisatildeo acirrada do trabalho a mais-valia a

exploraccedilatildeo da matildeo de obra a especializaccedilatildeo cientiacutefica satildeo efeitos que

contribuem para uma sociedade cada vez menos solidaacuteria menos coesa A

rigor quando as pessoas estatildeo ligadas em torno de uma atividade ou

sociedade sem que reconheccedilam um objetivo comum ou seja apenas ldquoorbitam

em torno das grandes vontadesrdquo pode-se dizer que essa integraccedilatildeo resulta de

uma solidariedade negativa aquela que natildeo leva a fins comuns tampouco

consenso apenas vontade (DURKHEIM 1977 p 91-92) Quando os

indiviacuteduos reconhecem que a solidariedade pode gerar desigualdades eacute

preciso acionar outra maneira de se pensaacute-la buscando corrigir falhas no

desenvolvimento social A solidariedade passa a ser valorada pela conduta

eacutetica visando a efetivaccedilatildeo da liberdade e da humanidade

Westphal constatou que no decorrer das mudanccedilas sociais a

solidariedade chamada de obrigatoacuteria praticada em determinados grupos de

caracteriacutesticas semelhantes natildeo contribui para a transformaccedilatildeo do status quo e

retoma o forte papel do estado na compreensatildeo do ldquopacto de solidariedaderdquo

pela coordenaccedilatildeo do bem estar comum

O pacto de solidariedade de Bourgeois organizou uma doutrina contratual especiacutefica que constroacutei direito social e doutrina moral ao mesmo tempo (ZOLL 2000) Nesta visatildeo a sociedade nunca seraacute suficientemente social cada indiviacuteduo estaacute sujeito a relaccedilatildeo com o outro e estaacute comprometido com a efetivaccedilatildeo do bemndashestar de si mesmo bem como com o bemndashestar do outro (EWALD apud ZOLL 2000) Consequumlentemente o Estado tem para Bourgeois um papel de coordenaccedilatildeo Sua ideacuteia de contrato estaacute baseada na justiccedila social Tratandashse de uma necessidade social que eacute ao mesmo tempo um processo reflexivo de permanente negociaccedilatildeo Assim por intermeacutedio da poliacutetica social garantendashse coesatildeo social (WESTPHAL 2008 p45)

79

Na concepccedilatildeo preacute-moderna de solidariedade o termo fraterniteacute foi-lhe

associado sendo que este se tornou lema na Revoluccedilatildeo Francesa para a

construccedilatildeo de uma sociedade de cidadatildeos igualitaacuterios Em consequecircncia a

concepccedilatildeo de luta da fraterniteacute passou a ter um significado poliacutetico e com o

iniacutecio da revoluccedilatildeo dos trabalhadores de 1848 adotou o conceito de solidariteacute

(BRUKHORST apud WESTPHAL 2008)

O sentido de fraternidade ligado ao conceito de solidariedade foi

explorado tambeacutem pela Igreja Catoacutelica agregando-lhe a ideia de justiccedila de

caridade universal Em meados do seacuteculo XX surgiu o movimento social

catoacutelico apresentado por um vieacutes acentuadamente moral que marcou a

compreensatildeo de solidariedade na sociedade ocidental e influenciou a adoccedilatildeo

do princiacutepio de solidariedade pelo Estado e em niacutevel da poliacutetica social O

solidarismo doutrina que defende a praacutetica da solidariedade (CASTELEIRO

2001) foi fundado por Heinrich Pesch (1854-1926) na Alemanha e diferencia-

se da solidariedade como fato e obrigaccedilatildeo sendo considerada um princiacutepio

eacutetico baseado na

necessidade de complementaridade da pessoa diferenciando trecircs subcategorias princiacutepio de direito princiacutepio de formaccedilatildeo comunitaacuteria e princiacutepio de caridade onde os dois primeiros contribuem sobremaneira para a determinaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre liberdade individual e justiccedila social (TRAGL apud WESTPHAL 2008 p 46)

Depois de descartar o individualismo e o coletivismo tendo como

paracircmetro a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) Pesch propotildee como soluccedilatildeo aos

problemas de ordem soacutecio-poliacutetico-econocircmica o solidarismo onde o progresso

tanto pessoal quanto social derivaria de todo o conjunto coordenado de

esforccedilo sacrifiacutecio e empenho capaz de fazer surgir uma sociedade solidaacuteria no

sentido da intercolaboraccedilatildeo e responsabilidade com vistas agrave realizaccedilatildeo do bem

comum (NOTHELLE-WILDFEUER 2008) Os princiacutepios do solidarismo que

seguem por diversas enciacuteclicas papais desde a Rerum Novarum (em 1891) de

Leatildeo XIII (1878-1903) ateacute a Centesimus Annus (em 1987) de Joatildeo Paulo II

(1978-2005) podem ser resumidos em cinco pontos fundamentais 1) na

dignidade humana compreendido pela irmandade cristatilde onde todos satildeo filhos

80

de um mesmo Deus sendo portanto iguais natildeo por determinaccedilatildeo humana

mas por provirem de uma uacutenica fonte de extrema bondade natildeo havendo

restriccedilatildeo de raccedila cor classe social sexo etc 2) na primazia do bem comum

sobre os interesses privados e na forccedila do Estado 3) na compreensatildeo de que

o bem privado eacute como um bem poreacutem de responsabilidade social mais do que

um privileacutegio individual 4) na percepccedilatildeo da primazia do trabalho que admite o

mercado como forma de distribuiccedilatildeo de renda 5) nas instacircncias superiores que

devem promover as inferiores quer seja em niacutevel estatal privado de

organizaccedilotildees sociais uns cuidando dos outros (AMIN 1997)

O Ponto 38 da Enciacuteclica sobre a solidariedade de Joatildeo Paulo II (de

1987) define a solidariedade natildeo como um sentimento superficial perante os

males de tantas pessoas quer estejam longe ou perto Ao contraacuterio eacute a

determinaccedilatildeo firme e perseverante de pensar pelo bem comum eacute decidir pelo

bem de todos e cada um para que todos sejamos verdadeiramente

responsaacuteveis por todos (Ibidem) A solidariedade eacute portanto a orientaccedilatildeo de

cada sujeito em direccedilatildeo ao bem comum

Apesar de ter sido concebido como uma boa alternativa para a

construccedilatildeo de uma sociedade mais justa e coesa o solidarismo sofreu vaacuterias

criacuteticas e resistecircncias principalmente pelos movimentos sindicalistas como

afirma a Liga Internacional dos Trabalhadores

esta eacute mais uma estrateacutegia da burguesia para de um lado eliminar as organizaccedilotildees independentes da classe e por outro lado conseguir que as Associaccedilotildees ldquoSolidaristasrdquo substituiacuteam os sindicatos como organizaccedilatildeo da classe trabalhadora [] o ldquoSolidarismordquo eacute inimigo antagocircnico do Movimento Sindical

porque serve para desmantelar os sindicatos impedindo que os trabalhadores se organizem independentemente (MEacuteNDEZ 2010)

A solidariedade empregada como efeito de poder faz parte de um

mundo ambivalente contraditoacuterio que natildeo eacute soacute altruiacutesmo ou soacute dominaccedilatildeo

Ter essa consciecircncia permite que texto e contexto sejam conhecidos e que

esse conhecimento pondere-se pela eacutetica (DEMO 2002)

81

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade

Pode-se compreender a ideia de solidariedade entre os pensadores

gregos enquanto uma virtude puacuteblica aquela que conduz agrave busca do bem

comum Aristoacuteteles (384 aC-322 aC) introduziu o pensamento da eacutetica e das

virtudes considerando a poliacutetica como a ciecircncia capaz de determinar qual eacute o

bem supremo ao qual se dedicam inconscientemente as accedilotildees Esse bem eacute

pensado portanto tanto para o indiviacuteduo quanto para o Estado sendo que o

segundo abrange a coletividade

Essa reflexatildeo nos remete agrave discussatildeo trazida por Carvalho na qual

pontua o esvaziamento do sentido da formaccedilatildeo para a vida puacuteblica na

educaccedilatildeo onde as virtudes puacuteblicas como a solidariedade passam a ter um

lugar secundaacuterio na medida em que a esfera privada ligada aos interesses

particulares como ter um bom emprego para sustentar a casa e a famiacutelia satildeo

valoradas Eacute evidente que todos noacutes queremos e desejamos viver bem No

entanto formar pessoas capazes de desenvolver-se para atender apenas seus

interesses pessoais natildeo contribui para a formaccedilatildeo humana jaacute que o objetivo

de desenvolver um conjunto de atividades para ser consumido durante o

proacuteprio ciclo vital (esfera privada) natildeo corrobora com a constituiccedilatildeo de um

mundo comum (espera puacuteblica) natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo no sentido de que

todos tenham melhor qualidade de vida ou seja natildeo contribui desta maneira

para a criaccedilatildeo de um universo compartilhado (CARVALHO 2013 p 77-78)

O mundo puacuteblico eacute tambeacutem onde os homens liberados da necessidade da luta pela vida (labor) podem se encontrar para juntos criar e gerir por seus atos e palavras o bios politikoacutes ou seja a dimensatildeo puacuteblica e poliacutetica de sua existecircncia a accedilatildeo (praacutexis) Trata-se de uma terceira dimensatildeo

da existecircncia humana voltada natildeo para a manutenccedilatildeo da vida ou para a produccedilatildeo de objetos mas para a constituiccedilatildeo das relaccedilotildees humanas (Ibidem p 79)

Assim Carvalho vai dizer que na ordem da sociedade contemporacircnea

a constituiccedilatildeo social organizada pela produccedilatildeo e consumo tende a preparar

82

os homens para a sua proacutepria sobrevivecircncia nada mais Esta postura de

ldquotrabalhar para ganhar a vidardquo (CARVALHO 2013 p 81) alimenta o

individualismo o consumismo onde efeitos como a competitividade e a

desigualdade satildeo considerados ldquonaturaisrdquo Natildeo se trata de pensar em trabalhar

para o mundo comum com funccedilatildeo social e durabilidade ganhar a proacutepria vida

e o bem estar familiar satildeo os valores e objetivos almejados Alguma das

consequecircncias eacute que nesta ordem social

O ideal regulador do Estado natildeo eacute a noccedilatildeo de busca do bem comum como em Aristoacuteteles mas a administraccedilatildeo competente

dos interesses particulares ou privados em conflito ndash o que significa a submissatildeo da accedilatildeo poliacutetica ao labor (Ibidem p 82)

Na concepccedilatildeo aristoteacutelica o homem se realiza na poacutelis pois sua

condiccedilatildeo humana eacute compreendida por sua capacidade de ser social e procura

agir em busca da virtude sendo que seraacute verdadeiramente virtuoso aquele que

sempre as pratica Essa concepccedilatildeo de que o homem eacute um ser social trazida

por Aristoacuteteles foi colocada em questatildeo no seacuteculo XVIII mais precisamente

entre filoacutesofos ingleses como Thomas Hobbes (1588-1679) que acreditava

que o homem natildeo tem disposiccedilatildeo para viver em sociedade e ateacute hoje corrobora

com a sociedade organizada pela ordem da vida privada Hobbes (1983 2002)

acreditava em um egoiacutesmo natural do homem o que faria com que prevaleccedila a

competiccedilatildeo a injusticcedila a exploraccedilatildeo

Desde que os homens satildeo pela paixatildeo natural de diversas maneiras ofensivos uns aos outros e todo homem pensa bem acerca de si e odeia constatar o mesmo nos demais eles devem provocar uns aos outros por meio das palavras e outros sinais de desprezo e oacutedio que satildeo incidentes a toda comparaccedilatildeo ateacute finalmente mostrarem a preeminecircncia pela potecircncia e forccedila do corpo

[] Pois todo homem pela necessidade natural deseja o seu proacuteprio bem ao qual aquele estado eacute contraacuterio no qual suponhamos haver disputa entre os homens que por natureza satildeo iguais e aptos a se destruiacuterem uns aos outros (HOBBES 2002 p 96)

83

Na filosofia de Hobbes os indiviacuteduos convivem em sociedade quando

a preservaccedilatildeo da vida estaacute ameaccedilada Em seu estado natural o homem busca

satisfazer o proacuteprio prazer e natildeo estaacute interessado no altruiacutesmo A proacutepria

concepccedilatildeo de uniatildeo estaacute ligada agrave ideia de submissatildeo de vontades de forccedila

dominaccedilatildeo controle

Essa submissatildeo das vontades de todos agrave de um homem ou conselho se produz quando cada um deles se obriga por contrato ante cada um dos demais a natildeo resistir agrave vontade do indiviacuteduo a quem se submeteu isto eacute a natildeo lhe recusar o uso de sua riqueza e forccedila contra quaisquer outros e isso se chama uniatildeo (HOBBES 1998 p 96)

A uniatildeo de Hobbes existe para que seja possiacutevel viver em sociedade

No entanto ela eacute sustentada pela concepccedilatildeo de que deve haver um pacto

social onde todos se submetem a um soberano encarregado de estabelecer a

paz

A ideia eacute comumente confrontada com o contrato social de Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778) Ele parte do mesmo princiacutepio de que o

homem eacute individualista por natureza e que para ser feliz basta-se em si

mesmo A fraqueza do homem o leva a ser sociaacutevel ele se une numa relaccedilatildeo

de dependecircncia Rousseau compreende a essecircncia do homem marcada pela

ausecircncia de moralidade e liberdade natural Considera a formaccedilatildeo como sendo

individual e livre reconhecendo que os outros humanos tambeacutem devam ter a

mesma liberdade

O homem natural designa natildeo o homem primitivo no sentido

cronoloacutegico histoacuterico das civilizaccedilotildees antigas como sugeria Voltaire seu

contemporacircneo iluminista ao qual se opunha Em seu pensamento haacute um

esforccedilo de defender a liberdade individual ainda que natildeo conduzindo ao

individualismo No ldquoestado da naturezardquo o homem natildeo eacute influenciado pela

sociedade Ele natildeo reconhece o outro natildeo pode ser valorado como bom ou

mal natildeo tem virtudes nem viacutecio Rousseau traz o egoiacutesmo instintivo como o

que impulsiona o homem a buscar o seu proacuteprio bem fala do amor-de-si mas

faz a ressalva para natildeo ser confundido com o amor proacuteprio

84

Em sua obra refere-se ao conceito de piedade e a reporta a um

sentimento baseado no amor de si que corrobora para a conservaccedilatildeo da

espeacutecie pois sugere socorrer aqueles que necessitam de ajuda desde que o

indiviacuteduo natildeo se prejudique com isso Neste sentido natildeo se trata de um amor

incondicional ao outro mas parte da preservaccedilatildeo primeira de si mesmo

ldquoAlcanccedila teu bem com o menor mal possiacutevel para outremrdquo (ROUSSEAU 2004

p 79)

Somente a partir do contrato social o homem de Rousseau ganha a

dimensatildeo de moralidade onde a sociabilidade seraacute consequecircncia de um

ldquocontrato socialrdquo um acordo firmado entre seus membros Na origem de uma

sociedade injusta os ricos entatildeo teriam assinado o acordo de terem suas

posses conservadas e garantidas pelo Estado oprimindo os pobres e tolhendo

a sua liberdade

Se para Hobbes a paz eacute garantida a partir da obediecircncia a um

soberano para Rousseau o contrato eacute um pacto que garante a integridade da

liberdade de cada um a ordem social eacute a soberania do povo e natildeo de seus

governantes garantindo-lhes o direito de participaccedilatildeo de definir a vontade

geral

Encontrar uma forma de associaccedilatildeo que defenda e proteja com toda a forccedila comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um ao unir-se a todos obedeccedila somente a si mesmo e continue tatildeo livre quanto antes Esse eacute o problema fundamental para o qual o contrato social oferece a soluccedilatildeo (Idem 2010 p 33)

Haacute nessa associaccedilatildeo uma base contratual de interesses particulares

Outro aspecto que afasta o conceito de solidariedade da obra de Rousseau eacute o

fato de que sua concepccedilatildeo pedagoacutegica estaacute construiacuteda a partir da figura de um

educando agrave parte de uma vida familiar comunitaacuteria cultural Para Rousseau o

projeto pedagoacutegico parte da crianccedila para propiciar que ela por si mesma

explore seus limites e atitudes43 contrapondo-se ao conceito de educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria que parte do professor dos espaccedilos que ele cria 43

Defende em sua obra de referecircncia Emiacutelio ou Da Educaccedilatildeo (2004) escrita por Rousseau em 1762

85

criteriosamente planejados para que o aluno aprenda a pensar com o outro

dialogicamente resolvendo problemas sociais reais utilizando os saberes

culturalmente acumulados e aprendidos para transformar uma ordem social

com a qual natildeo concorda

Rousseau (2004) apresenta sua concepccedilatildeo de pedagogia para a

infacircncia e nela o desenvolvimento cognitivo e moral eacute uma das formas

essenciais para preservar e respeitar a crianccedila em seu mundo deixando-a

explorar seus limites e atitudes como contraponto de relaccedilatildeo ao seu proacuteprio

contexto Ainda que isso natildeo signifique desconsiderar a realidade exterior

mas sim permitir-se agrave crianccedila usaacute-la conforme seus desejos e suas vontades

sempre desenvolvendo com isso os limites necessaacuterios para o bom

entendimento e a integraccedilatildeo ao mundo social Faz ainda a ressalva de que a

educaccedilatildeo natildeo eacute apenas instruccedilatildeo e letramento mas sim uma preparaccedilatildeo

para as virtudes ciacutevicas pois por meio da formaccedilatildeo eacute que homem deixa o seu

estado natural e atinge um estado social

Tal percepccedilatildeo de que o homem eacute livre e motivado pelo prazer e

vontades individuais e deve buscar vencer por seu proacuteprio meacuterito influencia o

pensamento liberal ateacute a atualidade Esse modelo encontra respaldo no

Darwinismo Social teoria proposta ainda no seacuteculo XIX baseada em parte da

Teoria da Evoluccedilatildeo das espeacutecies de Charles Darwin (de 1859) que vecirc como

possibilidade de sobrevivecircncia em uma determinada sociedade a vitoacuteria do

mais adaptaacutevel do melhor preparado daquele que tem mais poder aquisitivo

ou de uma raccedila dominante O estudo abarcado pela burguesia legitima as

condiccedilotildees de desigualdade social uma vez que reforccedila a luta individualista

entre os membros de uma sociedade onde sobreviveraacute o melhor preparado

com melhores condiccedilotildees (FORTUNATO 1998 p 116) No entanto outra parte

menos comentada da Teoria da Evoluccedilatildeo trata da questatildeo de que a

cooperaccedilatildeo entre os indiviacuteduos fortalece a espeacutecie

Natildeo pode haver duacutevidas que uma tribo incluindo muitos membros que possuindo alto grau de espiacuterito de patriotismo fidelidade obediecircncia coragem e simpatia estiveram sempre prontos a ajudar uns aos outros e se sacrificar a si mesmos pelo bem comum seria vitoriosa sobre a maior parte de outras tribos e isto seria seleccedilatildeo natural Em todos os tempos no

86

mundo tribos suplantaram outras tribos e como a moralidade eacute elemento importante em seu sucesso o niacutevel de moralidade e o nuacutemero de pessoas bem dotadas tenderatildeo em toda a parte a emergir e crescer (DARWIN apud DEMO 2002 p 83)

A ideia central deste argumento de que uma sociedade formada por

alto grau de ajuda muacutetua de consciecircncia coletiva de bem comum eacute central

para a compreensatildeo da relevacircncia em se considerar a solidariedade no cerne

do processo educativo

Piotr Ayexeyevich Kropotkin (1842-1921) geoacutegrafo e filoacutesofo foi um

criacutetico do darwinismo social e do capitalismo do iniacutecio do seacuteculo XX que fez

uma reflexatildeo acerca das condiccedilotildees poliacuteticas nas quais as condiccedilotildees sociais

satildeo estabelecidas buscando compreender como as classes populares podem

assumir seu papel na condiccedilatildeo de um sujeito histoacuterico-social protagonista da

transformaccedilatildeo social no contexto da Revoluccedilatildeo Francesa Kropotkin queria

demonstrar que havia meios para se pensar em outra ordem social possiacutevel

para aleacutem do individualismo competitivo do capitalismo que natildeo havia ateacute

entatildeo nada que comprovasse por observaccedilatildeo direta que o homem vive

constantemente contra outro homem em guerras ininterruptas que garantem a

evoluccedilatildeo da espeacutecie (KROPOTKIN 1970 p 13)

A solidariedade segundo Kropotkin implica na reciprocidade no apoio

muacutetuo na compreensatildeo do outro como parte essencial da formaccedilatildeo de cada

sujeito Sendo assim ela fortalece a espeacutecie na medida em que fortalece a

relaccedilatildeo entre os seres dessa mesma espeacutecie Para se chegar a esta

conclusatildeo seus estudos partiram da seguinte investigaccedilatildeo Quem satildeo os mais

aptos Aqueles que constantemente lutam entre si ou pelo contraacuterio aqueles

que se apoacuteiam entre si (Ibidem p 13) Em busca da resposta a esse

problema ele verificou que entre uma variedade consideraacutevel de espeacutecies a

solidariedade eacute o fator essencial para que haja evoluccedilatildeo demonstrando que a

praacutetica do ldquoapoio muacutetuordquo44 entre os animais eacute muito comum e faacutecil de ser

observada tanto entre as espeacutecies menos complexas (como as formigas as

abelhas) como entre as diferentes espeacutecies de aves roedores e mamiacuteferos

44

O Apoio Muacutetuo um fator de evoluccedilatildeo eacute o tiacutetulo da obra na qual o autor apresenta essa teoria (1970)

87

(como as focas os elefantes as hienas entre outros) Ele observou que as

comunidades onde os membros se protegem se fortalecem cada vez mais

enquanto que os grupos onde natildeo eacute observada essa relaccedilatildeo de proteccedilatildeo de

solidariedade tende agrave extinccedilatildeo Os pelicanos por exemplo se reuacutenem em

bandos de 40 a 50 mil e enquanto uma parte dorme a outra pesca para que

possam se cuidar O instinto de proteccedilatildeo muacutetua traz mais seguranccedila quanto

aos predadores faz com tenham mais facilidade na hora de obter alimentos

(provisotildees invernais alimentaccedilatildeo sob vigilacircncia de sentinelas migraccedilatildeo)

prolonga os anos de vida facilita o desenvolvimento das faculdades

intelectuais criam instituiccedilotildees que auxiliam ainda mais a humanidade a

sobreviver na luta dura contra os fenocircmenos naturais e sociais (estes uacuteltimos

criados tambeacutem pelo homem) a auto-aperfeiccediloar-se apesar de todas as

vicissitudes da histoacuteria (KROPOTKIN 1970 FORTUNATO 1998 DEMO

2002)

A solidariedade o apoio muacutetuo satildeo antes de uma compreensatildeo

valorada pela virtude moral ou eacutetica um meio de sobrevivecircncia para a espeacutecie

Natildeo se trata de caridade benevolecircncia amor mas de uma condiccedilatildeo de

organizaccedilatildeo social que permite o desenvolvimento das populaccedilotildees

Em seus estudos sobre os homens Kropotkin considera os grupos

primitivos baacuterbaros e indiacutegenas e se admira com a sociabilidade evidenciada

nas organizaccedilotildees que possibilitaram superar as fraquezas individuais e garantir

o desenvolvimento da espeacutecie enquanto comunidade

Entre outros exemplos cita as aldeias Tupi no Brasil que na eacutepoca do

descobrimento do paiacutes viviam em grandes casas ocupadas por famiacutelias

inteiras que compartilhavam tanto a moradia como os alimentos ajudando-se

uns aos outros Em sua obra O apoio muacutetuo faz uma leitura acerca da

compreensatildeo da ciecircncia a partir de Hobbes Rousseau e Huxley

Naturalmente desde a eacutepoca de Hobbes a ciecircncia tem tido progressos e noacutes pisamos agora em um terreno mais seguro que se pisava em sua eacutepoca ou na eacutepoca de Rousseau Mas a filosofia de Hobbes ainda agora tem bastante adoradores e nos uacuteltimos tempos tem-se formado uma escola de escritores que armados natildeo tanto das ideias de Darwin e de sua terminologia se tem aproveitado desta uacuteltima para predicar em

88

favor das opiniotildees de sobre o homem primitivo e conseguiram ateacute dar a ela um certo ar de aparecircncia cientiacutefica Huxley como eacute sabido encabeccedila essa escola e em sua conferecircncia em 1888 apresentou os homens primitivos como algo semelhante a tigres ou leotildees desprovidos de toda classe de concepccedilotildees sociais que natildeo se detiveram frente agrave luta pela sobrevivecircncia e cuja a vida inteira transcorria em uma ldquopendecircncia contiacutenuardquo (KROPOTKIN 1970 p 94 traduccedilatildeo livre)

Sua tese concorda com os princiacutepios aristoteacutelicos na medida em que

compreende a sociabilidade a necessidade de ajuda muacutetua a solidariedade

como inatas agrave natureza humana e que mesmo diante da guerra os homens

aspiram agrave paz ainda que a um alto custo

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Souza

Santos

Esta tese compreende a solidariedade como praacutetica curricular

educativa apoiando-se na construccedilatildeo teoacuterica de Boaventura de Souza

Santos45 Partiremos com ele da compreensatildeo de solidariedade enquanto

forma de saber em favor da emancipaccedilatildeo

A solidariedade eacute uma forma especiacutefica de saber que se conquista sobre o colonialismo O colonialismo consiste na ignoracircncia da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a natildeo ser como objeto A solidariedade eacute o conhecimento obtido no processo sempre inacabado de nos tornarmos capazes de reciprocidade atraveacutes da construccedilatildeo e do reconhecimento da intersubjetividade A ecircnfase na solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do conhecimento emancipatoacuterio (SANTOS B S 2009 p 81)

45

Portuguecircs nascido em 1940 Santos eacute um dos nomes mais reconhecidos na aacuterea de ciecircncias sociais atualmente desenvolve o tema de epistemologia democracia e direitos humanos entre outros Professor Catedraacutetico Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick eacute Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Coordenador Cientiacutefico do Observatoacuterio Permanente da Justiccedila Portuguesa em outras atividades de produccedilatildeo cientiacutefica e acadecircmica (SANTOS B S 2013)

89

Em sua definiccedilatildeo a solidariedade se constitui a partir da alteridade (na

capacidade de reconhecer o outro em reciprocidade) da eacutetica (o estado de

atenccedilatildeo agrave vida o que nos faz capazes de reconhecer o outro respeitando sua

subjetividade) e do compromisso poliacutetico (na medida em que anuncia a

negaccedilatildeo ao colonialismo e a valorizaccedilatildeo da comunidade) Cada um desses

conceitos fundantes da solidariedade tecem a fundamentaccedilatildeo teoacuterica desta

tese e seratildeo desenvolvidos ainda neste capiacutetulo a partir de Boaventura com a

contribuiccedilatildeo de Leacutevinas Dussel e Freire respectivamente

Para compreender a construccedilatildeo do conceito de solidariedade em

Boaventura partiremos inicialmente da consideraccedilatildeo que o autor faz de que a

racionalidade na matriz da modernidade ocidental produz duas formas de

conhecimento o que estaacute a favor da dominaccedilatildeo chamado de conhecimento-

regulaccedilatildeo (CR) e o criacutetico que estaacute a favor da emancipaccedilatildeo chamado de

conhecimento-emancipaccedilatildeo (CE) ou solidariedade O que define o ponto de

ignoracircncia e o ponto de saber em um e outro eacute diferente No CR a ignoracircncia

eacute o caos e o saber eacute a ordem no CE a ignoracircncia eacute o colonialismo (ou a

incapacidade de reconhecer o outro) e o ponto de saber a autonomia solidaacuteria

Soacute que o fortalecimento do capitalismo reduziu o conhecimento vaacutelido agrave ordem

desprezando a solidariedade como saber Tal caracteriacutestica engessa as

possibilidades de desenvolvimento da humanidade pois em muitos aspectos a

valoraccedilatildeo apenas da ciecircncia natildeo alcanccedila a complexidade da realidade Nas

palavras de Boaventura Santos (2009 p 63)

o rigor cientiacutefico afasta-se pelo rigor das mediccedilotildees As qualidades intriacutensecas do objeto satildeo por assim dizer desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir O que natildeo eacute quantificaacutevel eacute cientificamente irrelevante Em segundo lugar o meacutetodo cientiacutefico assenta na reduccedilatildeo da complexidade

A crise estaacute nesta racionalidade nas ciecircncias sociais que produzindo

conhecimento-regulaccedilatildeo e o conhecimento-emancipaccedilatildeo geram uma

monocultura do saber e do rigor que por muitas vezes restringe a

90

potencialidade da proacutepria produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo Para

melhorar compreender esta argumentaccedilatildeo de Boaventura Santos (2007 2009

2010) vamos partir de suas demarcaccedilotildees conceituais o conhecimento-

regulaccedilatildeo eacute aquele que responde aos princiacutepios do Estado do mercado e da

comunidade quando reproduzindo a operacionalidade teacutecnica e cientiacutefica

despreza a contextualizaccedilatildeo e o diaacutelogo intercultural e produz o silecircncio das

culturas natildeo-hegemocircnicas transformando-as em objetos de superaccedilatildeo

manipulaacuteveis ou descartaacuteveis Esse conhecimento estaacute a serviccedilo de uma

ordem social que se impotildee para racionalizar e dominar (colonizar) A

hegemonia46 do conhecimento-regulaccedilatildeo se valida da ordem e da forma da

ciecircncia para firmar-se enquanto saber pretensamente cientiacutefico O

conhecimento-regulaccedilatildeo eacute apresentado por Santos (2009) como a trajetoacuteria de

um estado de caos para um estado de ordem que reproduz a ciecircncia em favor

a manutenccedilatildeo do status quo do colonialismo A segunda forma de

conhecimento chamada de solidariedade ou conhecimento-emancipaccedilatildeo

parte do princiacutepio de elevar o outro da categoria de objeto para a condiccedilatildeo de

sujeito da proacutepria histoacuteria e se constitui a partir de trecircs loacutegicas da racionalidade

a esteacutetico‑expressiva das artes e literatura a racionalidade

instrumental‑cognitiva da ciecircncia e tecnologia e a moral‑praacutetica da eacutetica e do

direito

No entanto quando haacute hipercientifizaccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo ela tende a limitaacute-lo atribuindo-lhe meacutetodos que congelam a

capacidade criativa por meio da padronizaccedilatildeo do rigor proacuteprio das culturas de

saber dominante Sobre esta questatildeo Pedro Demo diz que ldquoo fato de que a

ciecircncia como eacute entendida metodologicamente natildeo sabe tratar a eacutetica eacute

problema da ciecircncia natildeo da eacuteticardquo (2002 p 62) A saiacuteda portanto poderia ser

produzir o conhecimento-emancipaccedilatildeo por meio de uma ldquoruptura

epistemoloacutegicardquo - transformar o conhecimento cientiacutefico (totalizante e

46

Entende-se o conceito de hegemonia como a capacidade econocircmica poliacutetica material e intelectual de estabelecer uma direccedilatildeo dominante na forma de abordagem de uma determinada questatildeo no caso a questatildeo da democracia Entendemos tambeacutem que todo o processo hegemocircnico produz um processo contra-hegemocircnico no interior do qual satildeo elaborados formas econocircmicas poliacuteticas e morais alternativas No caso do debate atual sobre a democracia isso implica na concepccedilatildeo hegemocircnica e uma concepccedilatildeo contra-hegemocircnica de democracia (SANTOS B S 2005 p 43)

91

antidemocraacutetico) em um novo senso comum que valide outras formas de

conhecimento como os conhecimentos populares os indiacutegenas os

camponeses os urbanos (SANTOS B S 2007 p 29)

O pensamento e a construccedilatildeo do conhecimento eacute um processo

contiacutenuo dinacircmico contraditoacuterio em suas re-significaccedilotildees que acontece pelas

referecircncias que construiacutemos a partir da cultura na qual estamos inseridos e que

provoca discrepacircncias entre regulaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo Segundo o autor a

ciecircncia tem adotado uma postura de reduccedilatildeo da diversidade e da riqueza local

em favor da construccedilatildeo de uma percepccedilatildeo de realidade reduzida aos moldes

do conhecimento cientificista pela qual diz que a ciecircncia cria as ausecircncias

Neste sentido propotildee a reinvenccedilatildeo das ciecircncias sociais para buscar as

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

como aspiraccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial (Ibidem p 19) e encontrar uma saiacuteda

para o vazio que existe atualmente paradoxalmente em todo o mundo que

ora tenciona contra as formas de regulaccedilatildeo que natildeo regulam e ora contra as

formas de emancipaccedilatildeo que natildeo emancipam (Idem 2005 p 17)

Haacute portanto o que o autor chama de desperdiacutecio da ciecircncia

provocado por uma ausecircncia planejada que tende a naturalizar as diferenccedilas

ocultando as hierarquias Ele aponta cinco modos de produzir a indolecircncia da

ciecircncia a) pela monocultura do saber e do rigor que universaliza o meacutetodo

cientiacutefico desprezando o senso comum e a cultura local em detrimento do

conhecimento cientiacutefico b) pela linearidade do tempo que valida apenas uma

ideia e um sentido da histoacuteria os quais privilegiam a esteira da globalizaccedilatildeo c)

pela naturalizaccedilatildeo das diferenccedilas que oculta a hierarquia ndash os que satildeo

inferiores o satildeo por ldquonaturezardquo d) pela escala dominante mais diretamente o

universalismo e a globalizaccedilatildeo onde a realidade global eacute hegemocircnica e

sucumbi a local que se torna invisiacutevel descartaacutevel e) pelo produtivismo

capitalista onde soacute a produtividade ligada ao crescimento econocircmico eacute

ldquovisiacutevelrdquo Estas cinco formas deixam de lado uma seacuterie de experiecircncias e

conhecimentos locais produzindo uma ciecircncia indolente que nada contribui

para romper a loacutegica da desigualdade perversa (Idem 2007)

A contra-resposta seria o desenvolvimento de cinco ecologias O saber

ecoloacutegico comporta as duas formas de conhecimento o tecnoloacutegico-cientiacutefico e

92

o saber de preservar a vida Se queremos as duas coisas temos que pensar

de que maneira podemos constituir as ecologias de conhecimento Essa nova

organizaccedilatildeo encorpa o conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade trazendo-lhe

focirclego sem descartar a racionalidade As cinco ecologias propostas satildeo a) a

ecologia dos saberes onde se valoriza o saber cientiacutefico e local O que de fato

interessa eacute ver o que determinado conhecimento produz na realidade de

maneira pragmaacutetica sem abstraccedilotildees b) a ecologia das temporalidades a

vivecircncia do tempo eacute sentida e aproveitada de maneira diferente pelas culturas

e deve ser valorizada c) a ecologia do reconhecimento onde a principal ideia eacute

a de descolonizar o conhecimento de forma a preservar as diferenccedilas depois

que as hierarquias forem eliminadas d) a ecologia ldquotransescalardquo em que os

conhecimentos sejam valorizados em escala local nacional regional e global

por fim e) a ecologia das produtividades onde haja valorizaccedilatildeo dos sistemas

alternativos de produccedilatildeo de organizaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

A importacircncia de natildeo se limitar agrave concepccedilatildeo racionalista de

conhecimento (CR e CE) contribui para uma visatildeo menos cientificista do

conhecimento-emancipaccedilatildeo na esperanccedila de salvaacute-lo antes que o

colonialismo passe a ser ordem Nas palavras de Boaventura Santos (2007 p

53)

essa eacute a maneira com que tento ver o que se passou e por que eacute necessaacuterio reinventar o conhecimento-emancipaccedilatildeo Porque de alguma maneira a ciecircncia moderna se desenvolveu totalmente no quadro do conhecimento-regulaccedilatildeo que recodificou canibalizou perverteu as possibilidades do CE E eacute por isso que o CE tem de ser uma ecologia de saberes natildeo pode ser simplesmente o saber cientiacutefico moderno que temos este eacute importante necessaacuterio mas tem de estar incluiacutedo em uma ecologia de saberes mais ampla

Segundo Santos a solidariedade requer consciecircncia tomada de

atitude e compromisso na medida em que tambeacutem eacute um modo de agir de

produzir e de estar no mundo A solidariedade eacute a reconstruccedilatildeo dialeacutetica do

conhecimento que parte da subjetividade do sujeito e promove a emancipaccedilatildeo

a interculturalidade respeitando as diferenccedilas Nas palavras de Dussel

93

quando a igualdade destroacutei a diversidade deve-se defender a diferenccedila cultural Quando o uso da diferenccedila cultural eacute uma maneira de dominar os outros deve-se defender a igualdade da dignidade humana As populaccedilotildees naccedilotildees etnia [] foram definidas como membros de uma totalidade poliacutetica unicultural Na verdade nenhum Estado moderno tem como base uma naccedilatildeo uma etnia ou liacutengua mas sim vaacuterias culturas com liacutenguas histoacuterias e ateacute religiotildees diversas Eacute uma ficccedilatildeo a unidade cultural o Estado moderno Satildeo na realidade Estados multiculturais Trata-se entatildeo de reconhecer a multiculturalidade da comunidade poliacutetica e comeccedilar uma educaccedilatildeo num diaacutelogo intercultural com respeito agraves diferenccedilas (DUSSEL 2007 p 145)

No nosso entender para que a educaccedilatildeo seja construiacuteda a partir desse

diaacutelogo intercultural respeitando as diferenccedilas eacute necessaacuterio considerar a

solidariedade visando propiciar o domiacutenio da linguagem cientiacutefica sem

homogeneizar e descaracterizar a essecircncia das culturas valorizando-as Aleacutem

disso para a compreensatildeo da solidariedade como praacutetica curricular educativa

eacute preciso qualificaacute-la a partir da sua intenccedilatildeo (eacutetica) na relaccedilatildeo de

reciprocidade e responsabilidade com o outro (alteridade) em favor de uma

atitude poliacutetica (compromisso) Neste sentido os saberes acumulados

culturalmente podem ser estudados numa situaccedilatildeo de aprendizagem onde os

alunos aprendam a reconhecer o outro a colocar o conhecimento

culturalmente aprendido em favor da vida participando socialmente Educaccedilatildeo

enquanto constructo humano deve ser pensada como forma de intervenccedilatildeo no

mundo para tornaacute-lo um lugar possiacutevel de se viver bem valorizando

respeitando tornando digna a vida em sua diversidade

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas

Um dos principais expoentes teoacutericos em alteridade eacute Emmanuel

Leacutevinas (1906-1995)47 Em 1961 ele produziu uma de suas obras consagradas

47

Filho de livreiro judeu ainda crianccedila sua famiacutelia foi expulsa da Lituacircnia e emigrou para a Ucracircnia onde fez o curso secundaacuterio Sua famiacutelia acabou regressando em 1920 mas em 1923 Leacutevinas voltou para estudar na Universidade de Estrasburgo Viacutetimas da guerra teve que proteger sua esposa e dois filhos para que natildeo fossem capturados pelo exeacutercito sendo que seus pais na Lituacircnia natildeo tiveram a mesma sorte As correntes filosoacuteficas que mais o marcaram foi o existencialismo e o marxismo dominantes no cenaacuterio francecircs

94

que marcaram o seacuteculo XX Totalidade e Infinito Leacutevinas propotildee uma releitura

do sujeito parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o outro pelo

outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser social que tem

obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas onde a responsabilidade infinita de um-

para-o-outro eacute o sentido da vida Leacutevinas se opotildee ao modelo hegeliano pois

considera que a totalidade anula a responsabilidade dos indiviacuteduos perante os

seus proacuteprios atos em nome da impessoalidade inerente agrave totalidade Neste

sentido afirma que anteriormente a toda unidade e onde haacute relaccedilatildeo possiacutevel

ldquoa sociabilidade eacute independente de todo reconhecimento preacutevio e de toda

formaccedilatildeo de totalidadesrdquo (LEacuteVINAS 1997 p 236) o que faz com que a cultura

preceda a poliacutetica numa relaccedilatildeo eacutetica

A responsabilidade pelo outro tanto quanto por noacutes mesmos eacute a ideia

central da alteridade onde haacute a compreensatildeo de que a ldquohumanidaderdquo de cada

ser humano eacute tecida nas relaccedilotildees que se estabelecem Quando algueacutem eacute

indiferente ao outro significa que aquele outro natildeo se relacionou com este

algueacutem pois a relaccedilatildeo foi estabelecida no alius no estranho no estrangeiro

no di-ferente e natildeo no aacutelter de dis-tinto Sobre isso Pedrinho Guareschi nos

ajuda a demarcar tais conceitos e desta forma compreender a alteridade em

Leacutevinas

O ldquooutrordquo eacute ldquodi-ferenterdquo do latim dis que significa divisatildeo ou negaccedilatildeo e ferre que significa levar com violecircncia arrastar Nesse sentido o diferente eacute o arrastado desde a identidade original e coloca-se como o oposto eacute a dialeacutetica monoloacutegica

Na segunda o ldquooutrordquo eacute o ldquodis-tintordquo de dis e tinguere que significa tingir pintar tambeacutem eacute separado eacute o outro natildeo contudo arrastado para fora mas possuindo sua identidade e estabelecendo com o ldquomesmordquo relaccedilotildees de diaacutelogo construtivas de conversatildeo eacute a analeacutetica Essa eacute a verdadeira ldquoalteridaderdquo (GUARESCHI 2002 p157)

Essa reflexatildeo implica portanto no re-conhecimento da alteridade que

transforma e traz referecircncias fundamentais para a constituiccedilatildeo do eu enquanto

sujeito Se o re-conheccedilo estabeleccedilo uma relaccedilatildeo horizontal de confianccedila

95

Eu o reconheccedilo ou seja creio nele Mas se este reconhecimento fosse minha submissatildeo a ele esta submissatildeo retiraria todo valor de meu reconhecimento o reconhecimento pela submissatildeo anularia minha dignidade pela qual o reconhecimento tem valor O rosto que me olha me afirma Mas face a face natildeo posso mais negar o outro somente a gloacuteria numenal do outro torna possiacutevel o face-a-face (LEacuteVINAS 1997 p 61)

Leacutevinas nos mostra que a relaccedilatildeo face-a-face faz com que o

reconhecimento do outro construa a relaccedilatildeo de conhecimento O outro em

uma relaccedilatildeo solidaacuteria eacute distinto e me constitui Nas palavras de Leacutevinas

natildeo haacute ruptura do isolamento do ser no saber [] na comunicaccedilatildeo do saber nos encontramos ao lado de outrem e natildeo confratados com ele natildeo na verticalidade do em frente dele Mas estar em relaccedilatildeo direta com outrem natildeo eacute tematizar outrem e consideraacute-lo da mesma maneira com se considera um objeto conhecido nem comunicar-lhe um conhecimento [] O social estaacute para aleacutem da ontologia (Idem 1982 p 49-50)

Na construccedilatildeo do conceito de solidariedade significa preservar e

valorizar o distinto e com ele construir conhecimento A alteridade por sua

caracteriacutestica de se constituir com o outro evolui para formar a compreensatildeo

de sujeito (social) embasado na concepccedilatildeo de relaccedilatildeo48 A compreensatildeo de

solidariedade portanto constituiacuteda por meio da alteridade estaacute apoiada na

ideia da relaccedilatildeo com o outro distinto em que juntos haacute constituiccedilatildeo de uma

unidade Quando a relaccedilatildeo deixa de ter esta caracteriacutestica ela tambeacutem deixa

de ser solidaacuteria Significa dizer que na solidariedade natildeo haacute relaccedilatildeo de

submissatildeo pois isto seria anular a existecircncia do outro enquanto sujeito da

proacutepria histoacuteria A relaccedilatildeo entre o mesmo e outro natildeo deve partir de uma

reduccedilatildeo do outro apenas sob a compreensatildeo do mesmo nem tentar reduzi-lo

ao rosto enquanto a expressatildeo do que eacute diferente do mesmo

A melhor maneira de encontrar outrem eacute nem sequer atentar a cor dos olhos Quando se observa a cor dos olhos natildeo se estaacute

48

Relaccedilatildeo segundo a reflexatildeo filosoacutefica intriacutenseca do ser se daacute na incompletude ou seja sempre necessita de outro para se fazer (GUARESCHI 2002)

96

em relaccedilatildeo social com outrem A relaccedilatildeo rosto pode sem duacutevida ser dominada pela percepccedilatildeo mas o que eacute especificamente rosto eacute o que natildeo se reduz a ele (LEacuteVINAS 1982 p 77)

Leacutevinas pontua que somente a exposiccedilatildeo ao outro natildeo leva agrave tomada

de consciecircncia ou ainda que a responsabilidade natildeo se daacute espontaneamente

ela eacute resultado de um processo de aprendizagem Neste sentido experiecircncias

educativas que propiciem o contato com o outro responsavelmente

contribuem para a formaccedilatildeo da alteridade para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

que se constitui por meio do desenvolvimento da consciecircncia da obrigaccedilatildeo de

cuidar e desenvolver a vida em todas as suas possibilidades Do contraacuterio a

exposiccedilatildeo ao outro pode reproduzir o preconceito e a indiferenccedila

Assim eacute preciso pontuar que a compreensatildeo de solidariedade pelo

conceito levinasiano de alteridade comporta trecircs caracteriacutesticas fundamentais

parte do outro enquanto referecircncia primeira de re-conhecimento e formaccedilatildeo

pessoal (sendo que tal re-conhecimento eacute aprendido e portanto deve ser

ensinado) natildeo garante que haveraacute re-conhecimento compromisso respeito

somente pela exposiccedilatildeo a outra face e terceiro para se fazer o bem eacute

necessaacuterio saber ouvir e conhecer inicialmente onde o bem natildeo eacute exatamente

aquilo que o sujeito que o pratica quer oferecer mas deve ser aquilo que quem

recebe reconhece como tal ndash este segundo imprime o que deve ser feito Eacute

neste sentido que uma atitude de solidariedade natildeo eacute uma postura paternalista

ou de benevolecircncia pois esta postura submete o outro agrave condiccedilatildeo de objeto

natildeo de sujeito Trata-se sobretudo de uma tomada de consciecircncia de um

compromisso com a dignidade do outro reconhecido enquanto parte

constituinte do proacuteprio ser Haacute portanto uma forma de ldquodesvelamentordquo

intencional um rosto pode provocar a relaccedilatildeo humana Ser-para-o-outro

significa assumir a responsabilidade eacutetica sobre ele onde a transcendecircncia

seja a proximidade medida pela responsabilidade com o outro (Idem 2002)

num estado de atenccedilatildeo agrave vida

O conceito de alteridade tambeacutem sustenta a compreensatildeo do que seria

praticar o bem Contraacuterio ao pensamento de Rousseau Leacutevinas desconsidera

que fazer o bem seja algo intriacutenseco a quem faz a accedilatildeo pois a bondade da

97

accedilatildeo natildeo se mede pela felicidade ou intenccedilatildeo de quem a faz Esta seria uma

medida egoiacutesta centrada no eu antagocircnica ao conceito de alteridade pois

transforma o outro em objeto e natildeo sujeito da accedilatildeo Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria o bem antes mesmo de sentir que se estaacute fazendo o bem

pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar numa aproximaccedilatildeo permissiva de deixar-se

ldquoatingirrdquo pelo outro (HUTCHENS 2007) Desta forma ser solidaacuterio e promover

o bem natildeo eacute sentir-se bem e sim ldquoser atingidordquo pelo bem eacute ser ldquobom apesar de

si mesmordquo

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel

Da alteridade buscou-se a qualificaccedilatildeo de uma solidariedade baseada

na percepccedilatildeo do outro enquanto ldquodistintordquo onde a abertura a relaccedilatildeo ldquoface-a-

facerdquo exige a postura eacutetica compreendida enquanto um estado constante de

atenccedilatildeo agrave vida satildeo os homens que satildeo (ou natildeo) eacuteticos (GUARESCHI 2002)

Ser eacutetico implica em respeitar em responsabilizar-se pela vida do outro A

alteridade eacute o ponto central da Eacutetica da Vida defendida na Filosofia da

Libertaccedilatildeo de Enrique Dussel que iraacute reconhecer na ldquoviacutetimardquo o outro

Enrique Dussel49 eacute um dos principais filoacutesofos da atualidade a tratar a

questatildeo da eacutetica e da poliacutetica Seu pensamento parte da consideraccedilatildeo do outro

pela sua exterioridade a alteridade e a praacutexis da libertaccedilatildeo se opondo agrave

49

Nascido em 1934 em Mendonza Argentina exilado poliacutetico desde 1975 no Meacutexico hoje cidadatildeo mexicano ateacute 1972 Dussel dedicou-se agrave Filosofia da Libertaccedilatildeo latino-americana propondo uma maneira inovadora de se pensar a filosofia a partir do cenaacuterio e contexto latino-americano (nesse ano publicou o livro Para una destruccioacuten de la historia de la eacutetica I) Em 1973 enquanto lecionava filosofia na Argentina sofreu um atentado agrave bomba perpetrado pela extrema direita do sindicalismo (ano da publicaccedilatildeo de Para uma eacutetica de la liberacioacuten) Sua produccedilatildeo acerca da Filosofia da Libertaccedilatildeo se estendeu de 1969 a 1976

Diante de uma situaccedilatildeo insustentaacutevel que se instalou Dussel foi ldquoconvidadordquo a se retirar da Universidade Nacional de Cuyo em marccedilo de 1970 e se mudou para o Meacutexico onde encontrou o refuacutegio intelectual que precisava para continuar seus estudos Aprendeu inglecircs e comeccedilou um contato com os trecircs continentes experiecircncia que considera fundamental para a ampliaccedilatildeo de sua compreensatildeo histoacuterica Passou a dedicar-se aos estudos sobre o pensamento de Marx interpretando-o sobretudo para compreender a Ameacuterica Latina a globalizaccedilatildeo a exploraccedilatildeo e o capitalismo

98

dominaccedilatildeo Em 1998 Dussel apresentou ao mundo uma obra central a Eacutetica

da Libertaccedilatildeo na idade da Globalizaccedilatildeo e da Exclusatildeo (DUSSEL 2002) No

entanto se no iniacutecio seu principal interlocutor era o oprimido e vitimado latino-

americano atualmente sua obra pretende ser universal uma vez que afirma ter

vitimas do sistema-mundo capitalista por toda a parte numa compreensatildeo de

uma eacutetica ecoloacutegica material de libertaccedilatildeo50 Em uma de suas obras mais

recentes 20 Tesis de Poliacutetica Dussel discorre sobre os princiacutepios poliacuteticos de

libertaccedilatildeo natildeo se limitando aos eacuteticos mas jaacute encaminhando a sua teoria para

a compreensatildeo poliacutetica da eacutetica

Em Dussel a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash nasce da

responsabilidade pelo outro A subjetividade eacutetica resiste a qualquer

totalizaccedilatildeo eacute a separaccedilatildeo que constitui o sujeito no mundo Ao tomar

consciecircncia do outro absolutamente novo recorre-se sobre ele a

responsabilidade Na assimetria da ordem social a proacutepria vida do outro afeta

tambeacutem a relaccedilatildeo do eu com as coisas com o mundo (DUSSEL 2002 p 371)

A partir de uma conduta eacutetica de tomada de consciecircncia de

responsabilidade com o outro51 busca-se compreender o mundo dele

participar e produzir vida digna para todos De fato para que haja justiccedila

solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a ordem

estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se converta

em lsquopossibilidade de viver e viver melhor (Ibidem p 382 grifo nosso)

50

Uma eacutetica ldquoecoloacutegicardquo trata a condiccedilatildeo de possibilidade absoluta dos seres vivos exercida em uacuteltima anaacutelise no respeito ao direito universal agrave sobrevivecircncia de todos os seres humanos especialmente dos mais afetados e excluiacutedos dos pobres do presente e das geraccedilotildees futuras que herdaratildeo se adquirem uma consciecircncia pronta e global uma terra ldquomortardquo (DUSSEL 2003 p 23)

51 A responsabilidade pode ser pensada a partir do princiacutepio responsabilidade (JONAS 2006)

onde a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo eacute indissociaacutevel daquela que se deve ter em relaccedilatildeo aos demais Trata-se de uma responsabilidade que o liga a todos os homens e agrave natureza que o cerca numa reflexatildeo que busca atender tambeacutem o universal

A respeito do princiacutepio responsabilidade Santos conclui que podemos partir da Sorge (Heidegger) do cuidado que nos torna responsaacuteveis pelo outro quer seja ele um ser humano um grupo social a natureza etc Esse outro inscreve-se simultaneamente na nossa contemporaneidade e no futuro cuja possibilidade de existecircncia temos de garantir no presente A nova eacutetica natildeo eacute antropocecircntrica nem individualista nem busca apenas a responsabilidade pelas consequecircncias imediatas Eacute uma responsabilidade pelo futuro (SANTOS B S 2009 p 112)

99

Havendo a consciecircncia sobre a possibilidade de viver melhor haacute o

compromisso eacutetico intriacutenseco de fazecirc-la acontecer na complexidade das

relaccedilotildees sociais que se estabelecem O sujeito ao qual se deve reconhecer

sobretudo eacute a viacutetima que em uacuteltima estacircncia eacute o sujeito negado

A viacutetima para Dussel eacute o pobre o que foi por noacutes excluiacutedo do

sistema Natildeo se trata apenas de reconhecer a viacutetima mas de assumir a

responsabilidade pelo outro num compromisso poliacutetico consciente

Sousomos res-ponsaacuteveis pelo outro pelo fato de ser humano sensibilidade aberta ao rosto do outro Aleacutem disso natildeo eacute res-

ponsabilidade pela proacutepria vida agora eacute res-ponsabilidade pela vida negada do outro que se funda num enunciado normativo porque devo produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em geral [] A passagem por fundamentaccedilatildeo do juiacutezo de fato (ldquoHaacute uma viacutetimardquo) para o juiacutezo normativo (ldquoDevo re-sponsavelmente tornaacute-la a cargo e julgar o sistema que a causardquo) eacute agora justificaacutevel (DUSSEL 2002 p 379)

A solidariedade em Dussel se refere ao princiacutepio de reconhecer o outro

como aquele por quem somos responsaacuteveis pela sua fome pela negaccedilatildeo de

sua vida digna Este reconhecimento ldquoestaacute me pedindo solidariedade [] pede

suplica-me ordena-me eticamente que o ajuderdquo (Ibidem p 378) Ser

indiferente agrave fome agrave exclusatildeo eacute o mesmo que ser conivente com o sistema

que a manteacutem Assim a solidariedade eacute tambeacutem uma atitude eacutetica e

compromisso poliacutetico Neste sentido a proposta de solidariedade enquanto

praacutetica educativa sugere uma formaccedilatildeo a partir da tomada de consciecircncia

compreendendo segundo Dussel tanto os campos poliacuteticos quanto ecoloacutegicos

e seus sistemas por vontade-de-viver52 consensual e factiacutevel de garantir a

vida plena para todos Assim eacute preciso considerar os trecircs princiacutepios essenciais

que atribuem qualidade eacutetica agrave poliacutetica o respeito aos cidadatildeos (material) o

dever de atuar cumprindo a democracia (formal) e o de operar o possiacutevel

(factibilidade) No limite a poliacutetica deveria ser o maacuteximo exerciacutecio de produccedilatildeo

manutenccedilatildeo e desenvolvimento da vida em comunidade O instinto do homem

52

A ldquovontade-de-viverrdquo eacute a essecircncia positiva o conteuacutedo como forccedila como potecircncia que pode mover arrastar impulsionar Em fundamento a vontade de adiar a morte de continuar vivo a tendecircncia originaacuteria de todo o ser humano (DUSSEL 2007 p 31)

100

de querer-viver a vontade-de-vida de querer permanecer vivo faz com que

eles procurem estar juntos (DUSSEL 2007) No entanto se as vontades dos

membros de uma comunidade forem distintas e dispersas se os interesses

forem individuais muacuteltiplos isolados a forccedila do grupo seraacute anulada pois a

competiccedilatildeo interna gera impotecircncia para um projeto comum Por outro lado

quando as pessoas estatildeo alinhadas e organicamente compartilhando a

vontade-de-viver-comum pode-se dizer que essa comunidade se potencializa

Segundo Dussel

o consenso deve ser um acordo de todos os participantes como sujeitos livres autocircnomos racionais com igual capacidade de intervenccedilatildeo retoacuterica para que a solidez da uniatildeo das vontades tenha consistecircncia para resistir aos ataques e criar as instituiccedilotildees que lhe deem permanecircncia e governabilidade [] Quanto mais participaccedilatildeo os membros singulares na comunidade tecircm mais se cumprem as reivindicaccedilotildees particulares e comum [] o poder do povo transforma-se em uma muralha que protege e em um motor que produz e inova (DUSSEL 2007 p 27)

Desta forma haacute poder quando os homens se conectam para exercecirc-lo

(potentia) do contraacuterio haacute enfraquecimento A solidariedade nesse processo

traz a capacidade de potentia supera a visatildeo de fraternidade do noacutes e atribui

conhecimento e princiacutepio eacutetico agrave intenccedilatildeo e agrave accedilatildeo promovendo mais chances

de ecircxito no exerciacutecio poliacutetico nos projetos comuns nos quais os outros (as

viacutetimas ndash ainda que institucionais dos sistemas e das instituiccedilotildees) participem

como sujeitos livres e solidaacuterios Para Dussel (2007) o que marca a apariccedilatildeo

da poliacutetica eacute a passagem da potentia para a potestas (necessaacuteria

institucionalizaccedilatildeo do poder da comunidade do povo criando diferenciaccedilotildees

heterogecircneas de funccedilotildees por meio da qual se torne factiacutevel o proacuteprio poder)

Assim enquanto o anarquista deseja com a maacutexima exponenciaccedilatildeo da

potentia o conservador no campo da potestas busca a maacutexima organizaccedilatildeo

institucional exercida como dominaccedilatildeo

A solidariedade incita uma convivecircncia poliacutetica uma praacutexis de

intelectual orgacircnico (Gramsci) que consiga ldquoeducar os movimentos sociais em

sua autonomia democraacutetica em sua evoluccedilatildeo poliacutetica em seus atores

101

mutuamente responsaacuteveis por seus destinosrdquo (DUSSEL 2007 p 119) para

que o compromisso seja efetivado

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire

Pode-se dizer que a base do pensamento de Paulo Freire53 se

desenvolve a partir da compreensatildeo do homem enquanto um ser social

portanto histoacuterico e poliacutetico que tem a capacidade de produzir e transformar o

mundo produzindo conhecimento e cultura Para Freire natildeo eacute possiacutevel ser

humano sem a presenccedila de outros humanos que o constituiacuteram e o

constituem pois o homem natildeo nasce homem mas se torna nas mediaccedilotildees

que estabelece ao longo da vida Eacute na presenccedila do outro na condiccedilatildeo de

sujeito histoacuterico e poliacutetico que a vida acontece daiacute a importacircncia do processo

formativo na constituiccedilatildeo dessa formaccedilatildeo humana que nunca seraacute neutra

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p

40)

Na relaccedilatildeo que se estabelece com os outros eacute que se forma a

consciecircncia sobre ser humano Neste sentido o processo formativo eacute

compreendido como um ato constituidor da pessoa humana social mas

sobretudo poliacutetica quer esteja a serviccedilo da inserccedilatildeo criacutetica no mundo quer

53

Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife numa famiacutelia de classe meacutedia Com o agravamento da crise econocircmica mundial iniciada em 1929 e a morte de seu pai quando tinha 13 anos Freire passou a enfrentar dificuldades econocircmicas Formou-se em direito mas natildeo chegou a exercer a profissatildeo seguindo pelo caminho do magisteacuterio Sua primeira grande contribuiccedilatildeo foi o desenvolvimento de um meacutetodo revolucionaacuterio de alfabetizaccedilatildeo de adultos Em 1963 em Angicos (RN) chefiou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mecircs No ano seguinte o Golpe Militar o surpreendeu em Brasiacutelia onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetizaccedilatildeo do presidente Joatildeo Goulart Foi preso exilado e ainda no exiacutelio publicou o Pedagogia do Oprimido Com a Lei da Anistia voltou ao Brasil em 1979 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e entre 1989 e 1991 foi Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos Foi professor deste Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Curriacuteculo durante os uacuteltimos 17 anos de sua vida

102

esteja a serviccedilo da permanecircncia das estruturas injustas (FREIRE 2000) Eacute por

isso que toda praacutetica educativa libertadora em Freire partiraacute do

reconhecimento no sentido eacutetico da presenccedila humana no mundo onde eacute

impossiacutevel aceitar naturalmente a indiferenccedila a injusticcedila a relaccedilatildeo de

superioridade entre os homens Ser eacutetico eacute compreender-se a partir do outro

(alteridade) e atuar socialmente em favor de uma vida digna para todos (eacutetica)

A construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade na

compreensatildeo de Santos) em Freire mostra-se a partir da relaccedilatildeo mediante

respeito e reconhecimento como modo de estar no mundo de forma

consciente com uma consciecircncia de quem sabe intervir no mundo e natildeo

apenas constataacute-lo ou se adaptar a ele

Eacute nesse sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele Eacute por isso que natildeo apenas temos histoacuteria mas fazemos a histoacuteria que igualmente nos faz e que nos torna portanto histoacutericos (Ibidem p 40)

Freire iraacute frisar a diferenccedila entre estar no mundo e estar com o mundo

o que torna possiacutevel aproximaacute-lo da compreensatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo no qual em se fazer histoacuteria percebe-se o sujeito como capaz

de conduzir a proacutepria histoacuteria e atuar socialmente negando a reproduccedilatildeo do

conhecimento-regulaccedilatildeo como condiccedilatildeo Promover experiecircncias da decisatildeo

da responsabilidade da solidariedade da democracia deve ser o objetivo do

curriacuteculo Nunca Freire iraacute valorar uma educaccedilatildeo tecnicista de treinamento

mas sim em formaccedilatildeo em processo educativo Nas palavras de Freire

a necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutetica dos educandos por que se bate a pedagogia criacutetica natildeo tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e cientificista que caracteriza o mero treinamento Eacute por isso que o educador progressista capaz e seacuterio natildeo apenas deve ensinar muito bem sua disciplina mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social poliacutetica e histoacuterica em que eacute uma presenccedila (Ibidem p 44)

103

A consciecircncia criacutetica e a formaccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo em

Freire estaacute relacionada a uma atitude sobretudo poliacutetica de tomada de

decisatildeo e da praacutexis para que outra ordem seja construiacuteda O discurso ldquomornordquo

da aceitaccedilatildeo da realidade como ela eacute onde a fome e a miseacuteria sempre

existiram e continuaratildeo a existir eacute o discurso veementemente combatido por ele

como o da acomodaccedilatildeo de uma humanizaccedilatildeo que se isenta da

responsabilidade de proteccedilatildeo da proacutepria humanidade (FREIRE 1996 2000) O

saber-se homem eacute o saber que permite o reconhecimento da histoacuteria como

possibilidade

Gosto de ser homem de ser gente porque sei que a minha passagem pelo mundo natildeo e predeterminada preestabelecida Que o ldquodestinordquo natildeo eacute um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade natildeo posso me eximir Gosto de ser gente porque a Histoacuteria em que me faccedilo com os outros e de cuja feitura tomo parte eacute tempo de possibilidades e natildeo de determinismo (Idem 1996 p58)

Embora Freire natildeo tenha vinculado diretamente sua compreensatildeo de

educaccedilatildeo agrave pratica solidaacuteria eacute possiacutevel identificaacute-la como um dos aspectos

fundamentais de sua obra Assim visando pontuar as principais consideraccedilotildees

de Freire sobre solidariedade destacam-se a) ningueacutem educa ningueacutem

ningueacutem educa a si mesmo a partir da constataccedilatildeo de que estamos no mundo

com o outro em relaccedilatildeo (des)construtiva (in)consciente e sobretudo poliacutetica

onde as pessoas se educam em comunhatildeo ldquoa educaccedilatildeo autecircntica repitamos

natildeo se faz de A para B ou de A sobre B mas de A com B mediatizados pelo

mundordquo (Idem 1981 p 84) A educaccedilatildeo eacute poliacutetica e como tal pode formar para

a doutrinaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo quando considera que natildeo se estaacute para o

povo ou sobre ele mas com ele (Ibidem) b) horizontalidade uma relaccedilatildeo

solidaacuteria natildeo eacute assistencialismo pois para que este uacuteltimo aconteccedila eacute

necessaacuterio haver aquele que doa e outro que recebe Este tipo de relaccedilatildeo eacute

desigual e natildeo considera o sujeito que recebe como ator do processo mas

como mero receptor natildeo gera portanto conhecimento-emancipaccedilatildeo apenas

passividade que manteacutem as coisas como estatildeo Em outras palavras o

assistencialismo o paternalismo favorece o status quo c) diaacutelogo chave

104

fundamental da educaccedilatildeo problematizadora em Freire (1991) acontece a partir

de duas dimensotildees que partem da solidariedade do respeito ao outro ldquose

discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o

menino iacutendio a menina rica [] natildeo posso evidentemente escutaacute-los e se natildeo

os escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixordquo (FREIRE

1996 p 136) d) visatildeo criacutetica Freire tambeacutem indica que haacute formas diferentes

de solidariedade e que nem todas satildeo favoraacuteveis ao desenvolvimento poliacutetico-

democraacutetico uma vez que a passividade assistencialista turva o exerciacutecio

criacutetico da responsabilidade comprometendo a democracia

Vale ressaltar que a solidariedade na visatildeo de Freire estende-se para o entrelaccedilamento entre paiacuteses do Sul sem excluir dessa interdependecircncia os pobres dos paiacuteses ricos Ser solidaacuterio para ele eacute assumir o ponto de vista dos ldquocondenados da terrardquo em favor de uma eacutetica universal do ser humano (STRECK 2010 p 379)

O lugar onde vivemos eacute um constructo humano assumi-lo em favor da

eacutetica da vida da igualdade das liberdades eacute acreditar na construccedilatildeo de uma

outra ordem possiacutevel Aceitar a relaccedilatildeo de desigualdade e tomar atitudes

assistencialistas favorece as estruturas dominantes promove a acomodaccedilatildeo e

a aceitaccedilatildeo dos fatos sociais como condicionantes imutaacuteveis Eacute neste sentido

que para Freire a educaccedilatildeo eacute um ato poliacutetico uma forma de intervenccedilatildeo no

mundo jamais neutra

Como experiecircncia especificamente humana a educaccedilatildeo eacute uma forma de intervenccedilatildeo no mundo Intervenccedilatildeo que aleacutem do conhecimento dos conteuacutedos bem ou mal ensinados eou aprendidos implica tanto o esforccedilo de reproduccedilatildeo da ideologia dominante como o seu desmascaramento Dialeacutetica e contraditoacuteria natildeo poderia ser a educaccedilatildeo soacute uma ou soacute a outra dessas coisas (FREIRE 1996 p 110-111)

Eacute nessa tensatildeo entre a ldquoreproduccedilatildeordquo (conhecimento-regulaccedilatildeo) e o seu

ldquodesmascaramentordquo (conhecimento-emancipaccedilatildeo) que a consciecircncia poliacutetica

iraacute se constituir a partir de experiecircncias que propiciem a vivecircncia da

responsabilidade e da autonomia (FREIRE 1996) Eacute neste sentido que faz

105

parte da compreensatildeo da solidariedade aportaacute-la em um posicionamento

poliacutetico criacutetico consciente que inter-fere a ordem social transformando-a

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e

consciecircncia poliacutetica

Para que exista de fato a solidariedade eacute preciso fazecirc-la acontecer

Assim como a construccedilatildeo do estado democraacutetico a solidariedade natildeo se daacute

por decreto tampouco espontaneamente Em ambas eacute preciso tomar parte

ordenadamente compreendendo a construccedilatildeo poliacutetica de forma que a accedilatildeo

conjunta planejada potencialize o que seriam accedilotildees individuais e estanques

Daiacute a relevacircncia de se ensinar a se comprometer politicamente eticamente

solidariamente

Se por um lado como anuncia Santos o conhecimento-emancipaccedilatildeo

quase foi sucumbido pelo conhecimento-regulaccedilatildeo por outro a ideia de que

queremos uma sociedade melhor para se viver ainda eacute presente ldquoas

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

continuam sendo uma aspiraccedilatildeo para a populaccedilatildeo mundialrdquo (SANTOS b s

2007 p 19)

Ao sujeito eacutetico e solidaacuterio implica sobretudo o comprometimento o

envolvimento pelo compromisso pelo acordo selado em relaccedilatildeo que beneficia

os envolvidos Mais do que participar comprometer-se significa construir junto

A participaccedilatildeo eacute uma atitude inerente agrave natureza social do homem pode ser

pensada em diferentes niacuteveis sendo que natildeo necessariamente signifique

assumir um compromisso Uma pessoa pode participar de uma excursatildeo de

uma aula de um projeto de um evento de um partido poliacutetico sem ter criado

nenhuma situaccedilatildeo de identificaccedilatildeo e construccedilatildeo pessoal Ela pode obedecer a

uma ordem estabelecida e ser um a mais cumprindo o que estaacute determinado

contribuindo para alcanccedilar o objetivo proposto ainda que sem total clareza

sobre o que se estaacute construindo

106

Sem a auto-identidade criadora o sujeito natildeo pode agir como tal Ele eacute reduzido a um mero executor de tarefas valores ou projetos preacute-postos por ele perdendo a dimensatildeo da autonomia e tornando-se um indiviacuteduo sujeitado [] O indiviacuteduo ao carecer de identidade de sujeito transforma-se num ator que executa o papel por outros projetados (SIDEKUM 2003 p 238)

Assim a solidariedade estaacute ligada ao conceito de comprometimento

no sentido de natildeo se tratar apenas de participar mas de construir-com

responsabilizar-se Por extensatildeo se a solidariedade eacute o compromisso puacuteblico

assumido para o bem comum eacute preciso considerar que tal comprometimento

estaacute delimitado no campo da cidadania aqui compreendida enquanto a

integraccedilatildeo do sujeito agrave vida poliacutetica de sua cidade54

Para Bernardo Toro (2004) cidadatildeo eacute aquela pessoa que compreende

que a ordem social eacute construiacuteda pelo homem e deve ser reorganizada sempre

que natildeo estiver contribuindo para a dignidade de todos A cidadania eacute

entendida como uma atitude eacutetica na medida em que significa proteger e

responsabilizar-se com os outros pela dignidade de todos Neste sentido eacute

tambeacutem formadora do conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade pois o

fortalecimento social e a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa comeccedilam

pela tomada de consciecircncia55 de que juntos e organizados em torno de

54

Na antiga Roma soacute o senado e o patriarcado tinham o direito de participar da vida poliacutetica num regime basicamente aristocrata Esta distinccedilatildeo de classes marcou o iniacutecio da democracia Naquela eacutepoca somente os cidadatildeos - com essa concepccedilatildeo restrita portanto a elite participava da vida poliacutetica Seus interesses eram trazidos agrave pauta postura esta que contribuiacutea para que fossem mantidos no segundo plano os interesses daqueles que natildeo tomavam as decisotildees da cidade

Na Idade Moderna o espiacuterito renovador de igualdade e liberdade tornou o conceito de cidadania mais universal (Iluminismo) Segundo o artigo primeiro da Declaraccedilatildeo dos Direitos dos Homens e dos Cidadatildeos (1789) todos os homens nascem livres e iguais de direito a liberdade consiste em poder fazer tudo que natildeo prejudique o proacuteximo assim o exerciacutecio dos direitos naturais de cada homem natildeo tem por limites senatildeo aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos (DECLARACcedilAtildeO DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS CIDADAtildeOS Art 4ordm 1789) Ainda segundo a Declaraccedilatildeo cidadatildeo livre eacute aquele que sabe respeitar e participar das decisotildees coletivas gozando dos direitos naturais a fim de melhorar a proacutepria vida e a da comunidade O desrespeito agraves pessoas ao Estado ou as instituiccedilotildees gera negaccedilatildeo agrave cidadania portanto exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo

55 Por conscientizaccedilatildeo compreende-se o ldquodevir progrediente da consciecircncia eacutetico-criacutetica

intersubjetivamente solidaacuteria como exerciacutecio da razatildeo discursivo-criacutetica que comunitariamente aprende a argumentar (criando novos argumentos) contra a argumentaccedilatildeo dominanterdquo (DUSSEL 2002 p 467)

107

objetivos comuns se tem mais poder poliacutetico do que o quadro de segregaccedilatildeo

ou desordem social A competitividade individualista entre membros de uma

mesma sociedade por exemplo eacute uma postura que leva ao enfraquecimento

do grupo

Na concepccedilatildeo de cidadania de Bernardo Toro o cidadatildeo eacute pensado

em sua subjetividade como o sujeito que vive em comunidade nela se

constitui enquanto sujeito-eacutetico e se responsabiliza com a condiccedilatildeo de vida

digna para todos (TORO 2004) A subjetividade eacute compreendida enquanto um

conceito mais amplo ao da cidadania Pode ser uma compreensatildeo do sujeito

enquanto um organismo bioloacutegico que preserva e valoriza as suas

singularidades sem desconectaacute-lo do universo social Eacute a sua intervenccedilatildeo no

mundo seu fazer histoacuterico e cultural que o transforma ao mesmo tempo em

que ele transforma o mundo A subjetividade portanto eacute relaccedilatildeo soacute pode ser

desenvolvida com o outro eacute o domiacutenio das sensaccedilotildees das percepccedilotildees da

consciecircncia de cada sujeito individual (CASTELEIRO 2001)

A formaccedilatildeo do sujeito social aquele que se sente pertencente a um

grupo voltado ao bem comum eacute o princiacutepio da consciecircncia criacutetica na obra de

Paulo Freire

A concepccedilatildeo ldquosolidaristardquo das classes sociais no entanto suponha a conscientizaccedilatildeo do trabalhador natildeo como classe mas como sujeito de dignidade humana Eacute nesta tarefa que Paulo Freire vai trabalhar por meio da Pedagogia Criacutetica (ALMEIDA 2009 p 23)

A solidariedade portanto natildeo eacute considerada uma praacutetica

assistencialista mas a conscientizaccedilatildeo do dever poliacutetico pela vida digna em

comunidade Segundo Paulo Freire a passividade inerente ao assistencialismo

eacute perversa

O grande perigo do assistencialismo estaacute na violecircncia do seu antidiaacutelogo que impondo ao homem mutismo e passividade natildeo lhe oferece condiccedilotildees especiais para o desenvolvimento ou a ldquoaberturardquo de sua consciecircncia que nas democracias autecircnticas haacute de ser cada vez mais criacuteticas [] O

108

assistencialismo faz de quem recebe a assistecircncia um objeto passivo sem possibilidade de participar do processo de sua proacutepria recuperaccedilatildeo (FREIRE 2001 p 65)

No entanto natildeo se pode descartar qualquer atividade assistencial

Embora Dussel reafirme a colocaccedilatildeo ele tambeacutem faz a ressalva de que a

solidariedade assistencial aos que tecircm fome por exemplo eacute uma atitude que

pode salvar vidas na medida em que natildeo seja negada o de comer aos

famintos pois isto seria o mesmo que negar-lhes a vida De fato para que

haja justiccedila solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a

ordem estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se

converta em lsquopossibilidade de viverrsquo e viver melhor (DUSSEL 2002 p 382)

A relaccedilatildeo eacutetica na convivecircncia solidaacuteria natildeo ocorre entre um sujeito

que domina e um sujeito dominado tampouco em uma relaccedilatildeo vertical ou

unilateral Ela se daacute horizontalmente entre um e outro na tomada de

consciecircncia do outro na responsabilidade que se apresenta como a ideia

central da eacutetica da vida a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash

nasce da responsabilidade pelo outro (Ibidem p 371) Leacutevinas propotildee uma

releitura do sujeito e parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o

outro pelo outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser

social que tem obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas A razatildeo eacutetica nasce da

responsabilidade pelo outro onde a proacutepria liberdade do eu eacute facilitada pela

oportunidade dialoacutegica de um-com-o-outro num movimento interior de

identificaccedilatildeo direta exteriorizado em atitude de responsabilidade cuidado con-

vivecircncia Este eacute o sentido da solidariedade e da fraternidade Estar com o

outro enquanto possibilidade de Leacutevinas (1982) remete agrave consciecircncia de

ldquoestar com o mundordquo em Freire

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p 40)

109

A construccedilatildeo histoacuterica marcada por Freire eacute fruto da relaccedilatildeo que se

estabelece entre um e outro pela relaccedilatildeo face-a-face56 na proximidade no

diaacutelogo cujo sentido primordial e uacuteltimo eacute a responsabilidade (JONAS 2006)

Ao inveacutes de o indiviacuteduo agir com o outro eacute a descoberta do outro que lhe deve

impor a conduta adequada pois o homem soacute se realiza em relaccedilatildeo ao outro e

por esta via se estabelece tambeacutem a relaccedilatildeo de poder Neste sentido a

concepccedilatildeo de responsabilidade de ancorar-se na solidariedade revelando um

compromisso necessaacuterio onde a outra face evoca a responsabilidade eacutetica

para com ela O outro trazido por Leacutevinas mais radicalmente na figura do rosto

eacute o que daacute sentido agrave relaccedilatildeo diante da nudez do rosto da fome da pobreza da

violecircncia encontra-se a responsabilidade-solidaacuteria Esse desencadeamento

pode ocorrer pela palavra pela comunicaccedilatildeo onde o diaacutelogo eacute condiccedilatildeo eacute

necessidade existencial (FREIRE 1979) Por meio do diaacutelogo o homem

estabelece a sua relaccedilatildeo com o outro reciacuteproca de igualdade Por meio do

antidiaacutelogo o outro eacute dominado submetido agrave condiccedilatildeo-objeto que anula a sua

existecircncia e a possibilidade de criaccedilatildeo do novo Um e outro natildeo produzem algo

juntos natildeo se enriquecem apenas sofrem um contato unilateral onde a

indiferenccedila e a negaccedilatildeo da existecircncia do outro impera

Em Pedagogia do oprimido Freire apresenta o diaacutelogo enquanto

exigecircncia constitutiva da natureza humana pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees quer sejam elas de reciprocidade cumplicidade ou autoritaacuterias

dominadoras A dialogicidade eacute essencial na educaccedilatildeo problematizadora pois

permite a libertaccedilatildeo Assim como em Dussel o diaacutelogo freireano aponta para a

experiecircncia eacutetica de estar com o outro e dessa relaccedilatildeo pode-se elaborar a

consciecircncia criacutetica Natildeo haacute sujeitos e objetos mas sim sujeitos trabalhando

juntos Eacute neste sentido que se compreende que a proximidade do outro deve

perturbar deve provocar uma reaccedilatildeo natildeo de repulsa nem de superioridade

mas tampouco de indiferenccedila pois esta revela uma postura de negaccedilatildeo agrave vida

portanto antieacutetica Daiacute a relevacircncia atenta da solidariedade ser qualificada

pela alteridade pela responsabilidade

56

O face a face eacute a experiecircncia eacutetica no pensamento de Leacutevinas que fundamenta a possibilidade de universalizaccedilatildeo da razatildeo levantando a questatildeo da pretensatildeo de universalidade da razatildeo ontoloacutegica

110

Leacutevinas aponta trecircs significados para responsabilidade a reaccedilatildeo ao

outro de uma forma indeclinaacutevel o segundo como uma reaccedilatildeo a partir de noacutes

mesmos agrave outra pessoa e o terceiro sobre a reaccedilatildeo para o outro no sentido de

nos substituirmos pela outra pessoa em suas responsabilidades No limite o

que se chama ldquoliberdaderdquo eacute na verdade uma resposta agraves reaccedilotildees de

responsabilidades (LEacuteVINAS 1988) A responsabilidade em Leacutevinas une as

pessoas de tal maneira que cada um deve se sentir responsaacutevel pelo outro

com o outro como se a si mesmo sabendo que a sua proacutepria responsabilidade

ningueacutem iraacute assumir A responsabilidade pessoal eacute pelo cuidado com a do

outro a ponto de devermos ser solidaacuterios e nos colocar no lugar do outro quer

seja dominado ou dominador Em Dussel a responsabilidade tambeacutem constitui

solidariedade pela alteridade numa composiccedilatildeo de tomada de consciecircncia e

praacutexis Eacute o outro que determina o que deve ser feito

Quem estabelece a relaccedilatildeo de solidariedade que tem cordialidade com o miseraacutevel (miseri-coacuterdia) supera a fraternidade da amistosidade no sistema e se arrisca a abrir-se ao vasto campo da Alteridade que se origina por uma ldquoresponsabilidade pelo Outrordquo preacute-ontoloacutegica A solidariedade meta-fiacutesica ou eacutetica eacute anterior ao despregar-se do mundo (ontoloacutegico) como horizonte onde se toma a ldquodecisatildeordquo de ajudar ou natildeo o Outro Mas quem se ajuda ou natildeo ao Outro no efetuar-se empiacuterico da solidariedade natildeo evita que jaacute sempre antes se era responsaacutevel pelo Outro O que natildeo ajuda trai essa responsabilidade preacute-ontoloacutegica De maneira que haveraacute uma solidariedade a priori preacute-ontoloacutegica e um efetuar trans-ontoloacutegico empiacuterico da solidariedade concreta ldquoDei patildeo ao famintordquo (do Livro dos mortos egiacutepcio) (DUSSEL 2005 p 19 traduccedilatildeo livre57)

Cada indiviacuteduo torna-se sujeito ator e criador na medida em que

assume a consciecircncia de sua experiecircncia com o mundo em que vivencia

57

ldquoEl que establece la relacioacuten de solidaridad que tiene cordialidad con el miserable (miseri-cordia) supera la fraternidad de la amistad en el sistema y se arriesga a abrirse al ancho campo de la Alteridad que se origina por una lsquoresponsabilidad por el Otrorsquo pre-ontoloacutegica La solidaridad meta-fiacutesica o eacutetica es anterior al desplegarse del mundo (ontoloacutegico) como horizonte en donde se toma la lsquodecisioacutenrsquo de ayudar o no al Otro Pero el que se ayude o no al Otro en el efectuarse empiacuterico de la solidaridad no evita que ya siempre antes se era responsable por el Otro El que no lo ayuda traiciona esa responsabilidad pre-ontoloacutegica De manera que habraacute una solidaridad a priori pre-ontoloacutegica y un efectuar trans-ontoloacutegico empiacuterico de la solidaridad concreta lsquoDi pan al hambrientorsquo (del Libro de los muertos egipcio)rdquo (DUSSEL 2005 p 19)

111

conscientemente a sua dimensatildeo social O homem eacute essencialmente um ser-

para-o-outro estabelecendo relaccedilotildees culturais temporais de poder de

exploraccedilatildeo mas sobretudo de responsabilidade Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria bom para o outro antes mesmo de sentir que se estaacute

fazendo o bem pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar de fato o outro numa

aproximaccedilatildeo permissiva

Se a nossa opccedilatildeo eacute progressista se estamos a favor da vida e natildeo da morte da equidade e natildeo da injusticcedila do direito e natildeo do arbiacutetrio da convivecircncia com o diferente e natildeo da sua negaccedilatildeo natildeo temos outro caminho senatildeo viver plenamente a nossa opccedilatildeo Encarnaacute-la diminuindo assim a distacircncia entre o que fizemos e o que fazemos

Desrespeitando dos fracos enganando os incautos ofendendo a vida explorando os outros discriminando o iacutendio o negro a mulher natildeo estarei ajudando meus filhos a serem seacuterios justos e amorosos da vida e dos outros (FREIRE 2000 p 67)

Nesta passagem uacuteltimo escrito dias antes de sua morte Paulo Freire

fala do respeito e do reconhecimento do outro como algo que eacute fundamental

para o desenvolvimento da responsabilidade ndash comprometimento valor

fundamental para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e poliacutetico Ela se daacute na relaccedilatildeo

dialeacutetica de enfrentamento onde outros respondem pelos outros pois natildeo haacute

maneira de viver em sociedade de forma neutra uma vez que ateacute mesmo a

acomodaccedilatildeo implica em intervenccedilatildeo na realidade na medida em que contribui

para manter as coisas como estatildeo (FREIRE 1996 p 43) Ser responsaacutevel pela

vida do outro significa ao mesmo tempo ter consciecircncia de que essa

responsabilidade eacute intransferiacutevel e infinita (LEacuteVINAS 1982) Santos aponta

dois problemas centrais sobre este aspecto o do silecircncio e o da diferenccedila O

silecircncio como sendo o silenciamento da cultura dominada algumas vezes

dizimadas pelo colonialismo Daiacute a dificuldade de se imprimir um diaacutelogo

intercultural cujo maior desafio seria o de ldquofazer o silecircncio falar de uma

maneira que produza autonomia e natildeo reproduccedilatildeo do silenciamentordquo

(SANTOS B S 2007 p 55) A diferenccedila o outro desafio deve ser pensada

para aleacutem da reciprocidade porque parte da incomensurabilidade Em outras

palavras num diaacutelogo intercultural ldquonatildeo serve uma poliacutetica nem hegemocircnica

112

nem fundamentalista o semelhante muitas vezes buscado eacute sempre ponto de

partida natildeo de chegadardquo (SANTOS B S 2007 p 56)

Desta forma pensar a solidariedade como praacutetica curricular educativa

implica em criar experiecircncias onde seja possiacutevel perceber a presenccedila do outro

e a partir dele o que deve ser feito para que a sua dignidade seja garantida

num conceito que Santos chama de inovaccedilatildeo teoacuterica onde seja possiacutevel

ldquoconstruir a emancipaccedilatildeo a partir da relaccedilatildeo entre o respeito da igualdade e o

princiacutepio do reconhecimento da diferenccedilardquo (Ibidem p 62) pois na relaccedilatildeo face

a face o outro natildeo eacute simplesmente um diferente mas sim uma viacutetima do

sistema-mundo que o nega violentamente negando-lhe a dignidade como

modo de vida Neste sentido eacute preciso aprender a olhar o outro natildeo como um

estrangeiro um estranho que se pode negar e ateacute mesmo excluir contribuindo

para se manter o status quo

Na construccedilatildeo de Freire tal pensamento nos remete agrave discriminaccedilatildeo

fruto desse comportamento como um mal-social que deve ser banido

Aceitar e respeitar a diferenccedila eacute uma dessas virtudes sem o que a escuta natildeo se pode dar Se discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o menino iacutendio a menina rica se discrimino a mulher a camponesa a operaacuteria natildeo posso evidentemente escutaacute-las e se natildeo as escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixo Sobretudo me proiacutebo entendecirc-los Se me sinto superior ao diferente natildeo importa quem seja recuso-me escutaacute-lo ou escutaacute-la O diferente natildeo eacute o outro a merecer respeito eacute um isto ou aquilo destrataacutevel ou despreziacutevel (FREIRE 1996 p 120-121)

Em Dussel a distinccedilatildeo entre o eu e o outro eacute constitutiva da eacutetica da

vida A metafiacutesica da alteridade pensar o outro a partir de sua outridade da

sua realidade eacute ponto de partida na filosofia da libertaccedilatildeo Dussel aponta como

contraditoacuteria a filosofia centrada em um soacute ser e decide partir do outro da

viacutetima da exterioridade abrindo caminho para a libertaccedilatildeo para uma visatildeo

poacutes-colonialista A Eacutetica da Libertaccedilatildeo em 1998 foi uma proposta de

adensamento de sua primeira fase (1970) material e fenomenoloacutegica na qual

a partir do marxismo posicionou-se contra a hegemonia da globalizaccedilatildeo

113

perversa O princiacutepio vital da eacutetica constitui em trecircs momentos 1) a produccedilatildeo

da vida humana em consciecircncia autoconsciecircncia funccedilotildees linguiacutesticas e

responsabilidade eacutetica 2) o momento da reproduccedilatildeo da vida humana nas

instituiccedilotildees e valores culturais 3) o desenvolvimento dessa vida nas

instituiccedilotildees e culturas histoacutericas da humanidade De acordo com este criteacuterio

material a eacutetica adquire um caraacuteter universal A razatildeo que preside a esse

princiacutepio vida eacute a razatildeo praacutetico-material que transforma o dever ser em um

dever-viver que ser pensado desta maneira a exigecircncia de produccedilatildeo

reproduccedilatildeo e desenvolvimento da vida humana

A Eacutetica deve ser entendida como uma accedilatildeo em favor do outro

afirmando a dignidade humana individual e coletiva onde em uacuteltima instacircncia

natildeo deve ser confirmada em situaccedilotildees de natildeo-vida A comunidade humana

sempre incorre na exclusatildeo do outro tanto no momento da fala como no

acesso aos meios de produccedilatildeo Esta alteridade pensada enquanto uma

comunidade de excluiacutedos natildeo eacute privada da razatildeo mas deteacutem outras razotildees

as quais interpelam expotildee sua exterioridade propugnando pela inclusatildeo

imperiosa ndash muitas vezes essa questatildeo diz respeito a casos de vida ou morte ndash

na comunidade de acordo com a justiccedila

Estar atento agrave vida eacute um conhecimento a ser apreendido social

intercultural e historicamente que deve partir de um processo educativo

pautado pela construccedilatildeo da alteridade e guiado pela eacutetica Neste sentido a

formaccedilatildeo baacutesica natildeo pode estar apenas centrada na re-produccedilatildeo teacutecnica e

cientificista de um conhecimento que regula e corrobora com a ordem

estabelecida A consciecircncia solidaacuteria implica no exerciacutecio da responsabilidade

da consciecircncia criacutetica e mais ainda da tomada de atitude Ao que Freire se

referia como ldquoeducaccedilatildeo bancaacuteriardquo58 propotildee uma educaccedilatildeo poliacutetica

contextualizada criacutetica a partir da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo elaborado em

conjunto com a comunidade onde os alunos possam se envolver em

problemas sociais reais como forma de preparaccedilatildeo

58

Aquela em que natildeo haacute questionamento ou criticidade e o conteuacutedo eacute ldquodepositadordquo no estudante para que ele possa acumulaacute-lo e temporariamente eacute aplicada uma verificaccedilatildeo para saber quanto o aluno sabe se estaacute conseguindo memorizar com sucesso

114

A noccedilatildeo de exterioridade de Leacutevinas e Dussel complementa a ideia de

educaccedilatildeo problematizadora em Freire na medida em que a libertaccedilatildeo do

oprimido constitui a justiccedila e pode promover a abertura eacutetica A justiccedila natildeo eacute

um ato de concessatildeo dentro da totalidade mas uma exigecircncia que parte da

exterioridade que deveraacute ser pensada em sua realidade concreta Eacute preciso

insistir este saber necessaacuterio ao professor ndash que ensinar natildeo eacute transferir

conhecimento ndash natildeo apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos

nas suas razotildees de ser ndash ontoloacutegica poliacutetica eacutetica epistemoloacutegica pedagoacutegica

ndash mas tambeacutem precisa ser constantemente testemunhado vivido (FREIRE

1996 p 27)

Contrapondo-se assim como Freire a uma educaccedilatildeo bancaacuteria Dussel

aposta na conscientizaccedilatildeo no conhecimento que emancipa como pedagogia

da libertaccedilatildeo O conhecimento-solidariedade de Santos como foi dito natildeo se

restringe agrave formaccedilatildeo tecnicista-cientificista que tem como meta o fortalecimento

da cadeia produtiva que submete a humanidade agrave participaccedilatildeo esvaziada de

percepccedilatildeo de consciecircncia poliacutetica A discrepacircncia insiste na realidade

contraditoacuteria em que convivemos entre situaccedilotildees de progressos em relaccedilatildeo ao

direito agrave igualdade e emancipaccedilatildeo dos povos como a Carta da Terra59

enquanto ainda vivenciamos uma ciecircncia voltada ao controle do status quo

reproduzindo a assimetria que natildeo facilmente deixaraacute de existir haja vista que

natildeo haacute somente conhecimento-emancipaccedilatildeo e conhecimento-regulaccedilatildeo mas

sim uma tensatildeo que os manteacutem vivos (SANTOS B S 2009)

Eacute neste sentido que a eticidade do projeto pedagoacutegico deve estar

pautada na solidariedade que parte do princiacutepio do reconhecimento do outro

como igual e igualmente produtor de conhecimento (Ibidem p 246) Desta

forma eacute que se deve criar espaccedilos onde o comprometimento dos alunos em

resolver problemas sociais reais em atuar socialmente onde esta seja a

ldquomateacuteriardquo organizada coletivamente para transformar uma ordem social com a

qual natildeo se concorda em favor da vida comunitariamente vivida Natildeo se trata

de uma formaccedilatildeo para o bem estar da vida privada individual descolada de

um contexto social cultural poliacutetico mas sim de uma tomada de consciecircncia

59

A Carta da Terra um dos mais relevantes documentos interculturais do seacuteculo XXI seraacute tratada no capiacutetulo III

115

criacutetica e responsaacutevel para quebrar a loacutegica da regulaccedilatildeo da desigualdade como

ldquocondiccedilatildeo naturalrdquo da humanidade

116

CAPIacuteTULO III

117

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE

A partir da concepccedilatildeo de solidariedade apresentada no Capiacutetulo II

como pode ser organizado o curriacuteculo enquanto espaccedilo e tempo de formaccedilatildeo

do conhecimento-emancipaccedilatildeo de experiecircncia de praacutetica da alteridade de

praacutetica eacutetico-criacutetica de consciecircncia poliacutetica ndash solidariedade Esta questatildeo seraacute

o fio condutor deste capiacutetulo no qual apresentaremos o conceito de curriacuteculo

sobretudo caminhando em direccedilatildeo agrave praacutetica curricular para chegarmos a uma

reflexatildeo sobre a qualidade da educaccedilatildeo pensada para o desenvolvimento de

uma sociedade mais justa e democraacutetica

1 O conceito de curriacuteculo

O termo curriacuteculo vem do latim currere curriculum que significa

percurso curso Pode ser tambeacutem compreendido enquanto ldquoordem como

sequecircnciardquo e ldquoordem como estruturardquo

O primeiro tratado atribuiacutedo ao curriacuteculo campo de conhecimento foi

elaborado por Franklin Bobbit The curriculum (em 1918) e posteriormente

How to make the curriculum em 1924 (SILVA T T 2011) Os estudos da

eacutepoca definiam qual deveria ser a relaccedilatildeo entre a estrutura do curriacuteculo e o

controle social em um periacuteodo histoacuterico marcado por um crescente processo

de industrializaccedilatildeo divisatildeo do trabalho e ecircxodo rural na formaccedilatildeo dos grandes

centros urbanos Bobbitt e Taylor apresentavam como referencial de educaccedilatildeo

os modelos de ldquoeficiecircnciardquo importados do mundo empresarial padronizaccedilatildeo

homogeneizaccedilatildeo mecanizaccedilatildeo treinamento instruccedilatildeo (Ibidem) A escola

puacuteblica obrigatoacuteria e gratuita foi criada para atender a demanda da era

118

industrial seguindo o mesmo modelo com o intuito de formar matildeo de obra

qualificada para esse mercado emergente de trabalho

Ralph Tyler em 1949 apresentou o paradigma curricular baseado na

ideia de organizaccedilatildeo e desenvolvimento e dominou a compreensatildeo de

curriacuteculo em diversos paiacuteses inclusive EUA e Brasil Segundo Tyler o

desenvolvimento curricular deve responder a quatro questotildees norteadoras a)

quais os objetivos que a escola quer atingir b) quais experiecircncias pedagoacutegicas

podem levaacute-la a atingir esses objetivos c) como elas podem ser organizadas e

d) como saber se os objetivos estatildeo sendo alcanccedilados (SILVA T T 2011 p

24-25)

Percebe-se um foco ajustado ao desenvolvimento e aplicaccedilatildeo e desta

forma sugere a padronizaccedilatildeo do meacutetodo Para tanto o curriacuteculo era centrado

na aplicaccedilatildeo de mateacuterias e verificaccedilatildeo de resultados natildeo se levava em conta

as caracteriacutesticas pessoais dos alunos os aspectos socioculturais e

econocircmicos e tambeacutem natildeo havia criacutetica em relaccedilatildeo ao conteuacutedo que era

ensinado Neste sentido pode-se dizer que o modelo tradicional restringia-se agrave

teacutecnica de como fazer o curriacuteculo contribuindo para se manter o status quo

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt (de Adorno

Marcuse entre outros) em meados do seacuteculo XX comeccedilou a questionar a

defesa desse curriacuteculo hegemocircnico em relaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo da desigualdade

social buscando superar os limites do positivismo ao determinismo baseados

na teoria criacutetica A Escola de Frankfurt faz uma criacutetica analiacutetica a essa

distribuiccedilatildeo de capital cultural (valores atitudes normas sociais) que satildeo

impostos como legiacutetimos pelas classes dominantes A cultura eacute vista natildeo

apenas como uma expressatildeo ideoloacutegica senatildeo como uma reguladora de poder

Assim a escolarizaccedilatildeo apenas como preparaccedilatildeo da classe trabalhadora (e

consumidora) para o trabalho industrial e teacutecnico seraacute questionada

Teoacutericos como Michael Apple Henry Giroux Paulo Freire entre outros

inspiram-se sobretudo em Marx para pontuar a construccedilatildeo de um curriacuteculo

criacutetico ao sistema de reproduccedilatildeo hegemocircnica existente A cultura dominante

que ateacute entatildeo imprimia o seu padratildeo ideoloacutegico tornando-o internalizado na

sociedade sem restriccedilotildees passa a ser revelada como doutrinadora

119

colonizadora O ponto central estaacute em natildeo permitir que as classes dominantes

a lei do consumo decida a dinacircmica social

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aulas do paiacutes Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo que algum grupo tem do que seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Apple iraacute propor uma nova maneira de organizar o curriacuteculo

contrapondo-se ao modelo tradicional que apenas estava focado em garantir

que o conhecimento fosse aplicado aos alunos Para tal estruturaccedilatildeo a

pergunta que buscava responder natildeo era ldquocomordquo mas sim ldquopor quecircrdquo ou

melhor ainda ldquopor quemrdquo ldquotrata-se de um conhecimento organizado por

quemrdquo ldquointeressa a quem que seja dessa forma aprendidordquo (APPLE 1982

1989)

Em teorias mais recentes o componente do multiculturalismo e

posteriormente o interculturalismo atribuiacuteram um resgate ao conceito

ldquohumanordquo no processo de formaccedilatildeo Trata-se de considerar identidades

diferenccedilas eacutetnicas raciais culturais como constituintes inerentes ao processo

educativo Neste sentido surge um novo posicionamento e novos

questionamentos ldquocomo a construccedilatildeo da identidade e da diferenccedila estaacute

vinculada a relaccedilotildees de poder Como a identidade dominante tornou-se a

referecircncia invisiacutevel atraveacutes da qual se constroem as outras identidades

subordinadasrdquo (SILVA T T 2011 p 102)

Esses debates ganham espaccedilo em um contexto histoacuterico marcado pela

emergecircncia da democracia Na teorizaccedilatildeo criacutetica de curriacuteculo a cultura natildeo eacute

vista como um conjunto de conhecimentos acumulados que precisam ser

transmitidos de acordo com os valores vigentes e criteacuterios didaacuteticos de

transmissatildeo de informaccedilatildeo e verificaccedilatildeo do que foi memorizado Haacute uma

concepccedilatildeo de cultura em seu sentido inacabado contemporacircneo ao seu

tempo histoacuterico e social Segundo Moreira e Silva

120

a visatildeo tradicional da relaccedilatildeo entre cultura e educaccedilatildeocurriacuteculo natildeo vecirc o campo cultural como um terreno contestado Na concepccedilatildeo criacutetica natildeo existe uma cultura da

sociedade unitaacuteria homogecircnea e universalmente aceita e praticada e por isso digna de ser transmitida agraves futuras geraccedilotildees atraveacutes do curriacuteculo Em vez disso a cultura eacute vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta Nessa visatildeo a cultura eacute o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepccedilotildees de vida social eacute aquilo pelo qual se luta e natildeo aquilo que recebemos (2001 p 27)

Sendo assim para que haja espaccedilo a ser construiacutedo eacute preciso haver

contextualizaccedilatildeo eacute preciso considerar uma proposta educativa pensada na

formaccedilatildeo como instrumento capaz de favorecer os meios para a compreensatildeo

criacutetica e por esta via a emancipaccedilatildeo Um dos movimentos desta tendecircncia eacute o

de vincular o curriacuteculo agrave construccedilatildeo de cidadania por meio de projetos nos

quais os alunos participam de atividades de intervenccedilatildeo social Esta eacute uma das

maneiras senatildeo a mais eficaz para produzir conhecimento-emancipaccedilatildeo No

entanto como ressaltam Moreira e Silva eacute preciso cuidar pois natildeo satildeo

quaisquer atividades que promovem a formaccedilatildeo criacutetica Estar disposto a criar

situaccedilotildees educacionais a partir do contexto social real pode ser tambeacutem um

bom caminho para o desenvolvimento do conhecimento-regulaccedilatildeo podendo

corroborar com a formaccedilatildeo para a cidadania que fortalece o status quo

(POPKEWITZ apud MOREIRA SILVA 2001 p 34)

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade

A pedagogia criacutetica comprometida com a construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo regula-se em experiecircncias de aprendizagem onde as

contradiccedilotildees sociais sejam campo de estudo e formaccedilatildeo eacutetica por meio do

qual seja possiacutevel quando de acordo com a proposta pedagoacutegica dar voz para

121

aqueles que sempre satildeo silenciados ao inveacutes de falar por eles ou sobre eles

(GIROUX SIMON 2001)60

Para isso eacute preciso superar o curriacuteculo acadecircmico tecnoloacutegico

centrado na produccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico-cientiacutefico que propicia o

controle social Apoiado na proposta criacutetica estaacute a concepccedilatildeo de um curriacuteculo

cujo objetivo principal eacute a transformaccedilatildeo social Nesse sentido a experiecircncia

da aprendizagem eacute marcada pela percepccedilatildeo de que enquanto sujeito poliacutetico

social e eacutetico o homem pode transformar a realidade com a qual natildeo concorda

mudando o curso da histoacuteria Para isso o que se aprende na escola deve ser

para propiciar a consciecircncia de que nada estaacute posto e acabado a

compreender a estudar os problemas que enfrentamos nos dias atuais

integrando as diferentes dimensotildees que constituem o ser humano para aleacutem do

desenvolvimento cognitivo Dentro da abordagem de curriacuteculo

reconstrucionista social (McNEIL apud SANTOS A 2009) homem e mundo

satildeo concebidos de forma interativa e a educaccedilatildeo eacute compreendida como um

agente social que promove a mudanccedila promovendo reflexotildees sobre o contexto

social ao qual o educando estaacute inserido

Sob o norte da emancipaccedilatildeo do indiviacuteduo o curriacuteculo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situaccedilotildees-problema vividos pela comunidade Por conseguinte natildeo prioriza somente os objetivos e conteuacutedos universais sua preocupaccedilatildeo natildeo reside na informaccedilatildeo e sim na formaccedilatildeo de sujeitos histoacutericos cujo conhecimento eacute produzido pela articulaccedilatildeo da reflexatildeo e praacutetica no processo de apreensatildeo da realidade

Enfatizando as relaccedilotildees sociais amplia seu acircmbito de accedilatildeo para aleacutem dos limites da sala de aula introduzindo o educando em atividades na comunidade incentivando a participaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo (SANTOS A 2009 p 127)

60

A respeito da referecircncia ao uso da pedagogia criacutetica ou do pensamento criacutetico nesta tese vale lembrar que estamos nos referindo agrave filosofia de pensadores como Henry Giroux e Paulo Freire que tem por princiacutepio a justiccedila social Portanto se trata do pensamento criacutetico proveniente da construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo Isso porque ldquoos procedimentos criacuteticos [] satildeo historicamente desenvolvidos em solidariedade com os proacuteprios conteuacutedos dos diferentes ramos do conhecimento que integram o curriacuteculo escolarrdquo (CARVALHO 2013 p 123)

122

O curriacuteculo neste caso deve confrontar e desafiar o educando frente

aos temas sociais visando preparaacute-lo para o desenvolvimento progressivo de

toda a coletividade Para que isso ocorra eacute preciso pensar em propostas que

superem a organizaccedilatildeo curricular acadecircmica distanciada da vida em

comunidade e aproximem-se do compromisso de interferir e lidar com

diferentes espaccedilos e processos de formaccedilatildeo e padrotildees culturais Para se

desafiar a ordem social buscando constituir uma sociedade mais democraacutetica

a escola deve criar meios para propiciar aos alunos conhecimentos mas

tambeacutem caraacuteter postura eacutetica e poliacutetica para que sua formaccedilatildeo possa constituir

sua personalidade ciacutevica (GIROUX 1999) Este direcionamento criacutetico eacute

fundamental para que os alunos possam reconhecer as implicaccedilotildees poliacuteticas

de suas experiecircncias reconhecendo-se assim sujeitos no processo de

construccedilatildeo de conhecimento

A realidade natildeo deve ser algo distante fora da escola mas estar no

curriacuteculo de maneira que os alunos aprendam por meio dela transformando-a

num movimento curricular integrado e articulado com a sociedade O

conhecimento neste caso natildeo eacute compreendido enquanto objeto estanque que

pode ser decorado e descartado apoacutes a verificaccedilatildeo do processo de

memorizaccedilatildeo Ao contraacuterio ele deve ser produzido em meio a contradiccedilotildees

levando em conta as formas culturais existentes as tensotildees poliacuteticas para

propiciar a aprendizagem com intenccedilatildeo emancipadora Conhecendo a

realidade que os cerca os jovens podem transformar conhecimento abstrato

em experiecircncias concretas de aprendizagem tendo contato com problemas

reais da sociedade diferentes culturas desigualdades contradiccedilotildees faltas e

excessos o que lhes permite formar a sua proacutepria visatildeo de mundo

Em contraponto ao curriacuteculo tradicional agrave rigidez estrutural de um

curriacuteculo formatador e reprodutor cultural estaacute a construccedilatildeo social formativa

que natildeo acontece somente nos espaccedilos escolares mas sobretudo em outras

fontes de relaccedilotildees sociais ampliando a percepccedilatildeo de curriacuteculo natildeo a

restringindo a disciplinas e conteuacutedos curriculares mas considerando

tambeacutem a formaccedilatildeo eacutetica e social a pedagogia ou formas de organizar os

saberes escolares e as avaliaccedilotildees Neste sentido o saber para a emancipaccedilatildeo

123

e libertaccedilatildeo eacute valorizado numa formataccedilatildeo poliacutetica da escola transpondo o

universo da sala de aula visionando uma educaccedilatildeo para a vida

Henry Giroux eacute um teoacuterico que trabalha as questotildees poliacuteticas e

culturais do curriacuteculo Em sua obra eacute central a ideia de emancipaccedilatildeo por meio

da esfera puacuteblica democraacutetica o intelectual transformador e a voz A escola eacute

compreendida enquanto participante da vida social e seus professores devem

exercer o papel de ldquointelectuais transformadoresrdquo natildeo mais de centralizadores

de conhecimento O conceito de voz exprime o caraacuteter poliacutetico na medida em

que dar voz significa dar poder dar voz para quem a vida toda lhe foi negado o

direito O curriacuteculo estaacute construiacutedo em meio a significados e valores culturais

ou seja natildeo eacute apenas a seleccedilatildeo de conteuacutedos que definem um curriacuteculo mas

sim a possibilidade de se ter um local vivo onde se produzem e reproduzem

significados sociais

Natildeo eacute portanto um curriacuteculo construiacutedo segundo uma base

instrucional ou tecnocraacutetica ao que Giroux chama de ldquopedagogias gerenciaisrdquo

Estas se referem agrave tendecircncia cada vez maior de reduzir a autonomia do

professor embutindo ldquopacotesrdquo curriculares que reduzem a praacutetica pedagoacutegica

agrave adoccedilatildeo de determinados procedimentos para a transmissatildeo de determinados

conteuacutedos

Essas pedagogias ignoram as questotildees referentes agrave especificidade cultural ao julgamento do professor e agrave forma como as experiecircncias e as histoacuterias de vida dos estudantes se relacionam com o processo de aprendizagem [] Os administradores escolares acreditam que a excelecircncia eacute uma qualidade a ser exibida em notas mais altas de matemaacutetica leitura e outras disciplinas [] Simultaneamente tais administradores tambeacutem invocam as amarras da quantificaccedilatildeo como indicadores de sucesso (GIROUX 1999 p 18)

Para Giroux a educaccedilatildeo deve ser compreendida como um

compromisso de preparaccedilatildeo do aluno para participar e construir esferas

puacuteblicas democraacuteticas O curriacuteculo eacute portanto pensado para ampliar tempo e

espaccedilo por meio de novos arranjos articulaccedilotildees intersetoriais e a utilizaccedilatildeo da

124

cidade como espaccedilo educador61 porque contribui para o desenvolvimento local

e assume sua parte no processo educativo

3 A solidariedade e o saber compartilhado

Em meio agrave loacutegica da estrutura das cidades que temos atualmente onde

o interesse estaacute em se criar grandes espaccedilos de compras de circulaccedilatildeo de

bens e mercadorias e a convivecircncia eacute quase reduzida ao de vidas individuais

reduzidas por sua vez a consumidores (CARVALHO 2013) novos

paradigmas que desejam quebrar essa loacutegica como o de aprendizagem

colaborativa cidade educadora cidade sustentaacutevel e cidadania planetaacuteria tecircm

encontrado respaldo no desenvolvimento do conhecimento de forma plural

contextualizada onde a cidade eacute pensada como espaccedilo educador

Cidade educadora eacute um movimento iniciado em 1990 em Barcelona e

constitui-se em um conjunto de cidades que assumiu como objetivo comum

trabalhar juntas em atividades para melhorar a qualidade de vida de seus

habitantes62 O projeto tem como princiacutepio a escola como espaccedilo comunitaacuterio

trabalhar a cidade como grande espaccedilo educador promover o aprender na

cidade com a cidade e com as pessoas valorizar o aprendizado vivencial e

priorizar a formaccedilatildeo de valores (SOROCABA 2013)

Na concepccedilatildeo de cidade sustentaacutevel o desafio eacute o de se criar um

ambiente em que a vida seja viaacutevel para todos e para sempre segundo Tiatildeo

Rocha fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento pioneiro no

movimento das Cidades Sustentaacuteveis

61

No entanto como ressalva Padilha para que haja a ampliaccedilatildeo dos espaccedilos pedagoacutegicos que viabilizem projetos de educaccedilatildeo integral e para que ela de fato passe a ter condiccedilotildees de desenvolvimento e execuccedilatildeo eacute preciso continuar avanccedilando em poliacuteticas puacuteblicas Vale ponderar que o Estado natildeo pode delegar agrave sociedade as responsabilidades que lhe satildeo atribuiacutedas (PADILHA 2012 p 105-106)

62 A Rede Brasileira conta com a participaccedilatildeo de quatorze cidades sendo elas Belo Horizonte

Campo Novo do Parecis Caxias do Sul Dourados Jequieacute Montes Claros Porto Alegre Santiago Santo Andreacute Santos Satildeo Bernardo do Campo Satildeo Carlos Satildeo Paulo e Sorocaba (coordenadora)

125

Em ambos os movimentos a proposta eacute essencialmente poliacutetica e soacute

pode ser realizada a partir da construccedilatildeo de uma cultura integrada que

favorece a formaccedilatildeo da cidadania planetaacuteria na visatildeo do planeta como uma

sociedade mundial (GADOTTI 2000 p 135) onde adotar atitudes valores e

comportamentos estatildeo em sinergia com um projeto comum de cuidado com a

Terra Seu principal objetivo eacute ldquoa superaccedilatildeo das desigualdades eliminaccedilatildeo das

sangrentas diferenccedilas econocircmicas e a integraccedilatildeo intercultural da humanidade

enfim uma cultura de justipaz (a paz como fruto da justiccedila)rdquo (GADOTTI apud

PADILHA et al 2011 p 20) Neste sentido a cidadania planetaacuteria soacute poderaacute

ser vivenciada de fato em experiecircncias de educaccedilatildeo que transcenda a sala de

aula daiacute a necessidade de se considerar uma experiecircncia educativa

comprometida com a formaccedilatildeo cognitiva (ler escrever contar) mas que vaacute

aleacutem que promova o desenvolvimento social e poliacutetico Trata-se de um projeto

de aprender a valorizar as diferenccedilas utilizando a proacutepria cidade numa

proposta de ldquoeducaccedilatildeo na cidaderdquo como afirma Paulo Freire (GADOTTI 2009

p 45-46) Trata-se tambeacutem de se considerar a relevacircncia da solidariedade

como praacutetica curricular educativa como meio para o desenvolvimento da

educaccedilatildeo como precondiccedilatildeo de desenvolvimento e justiccedila social

Essa configuraccedilatildeo permite pensar toda a cidade enquanto um

ambiente colaborativo de aprendizagem um espaccedilo educativo a partir da

escola trazendo possibilidades ao curriacuteculo de se criar experiecircncias que

integrem as escolas aos espaccedilos compartilhados com pessoas diferentes

interesses diversos em um ambiente rico para se aprender a viver junto a

olhar o outro e re-conhecer as suas principais caracteriacutesticas e necessidades

suas forccedilas e fraquezas e o que pode ser feito para melhorar a vida da

comunidade Assim cidade e escola tornam-se um novo territoacuterio para a

construccedilatildeo da cidadania (GADOTTI 2009) Este eacute o cerne da educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria pois ela acontece em todos os espaccedilos dialoacutegicos

que permitam a construccedilatildeo de conhecimento Sua forma de expressatildeo de

transformar e ser transformado e a relaccedilatildeo dialoacutegica compotildeem a compreensatildeo

do aprender a viver junto vivendo junto cuidando-se

A Carta da Terra apresenta a proposta de ser um compromisso

internacional para a construccedilatildeo da cultura de paz e dignidade humana

126

adotando a educaccedilatildeo e a praacutetica solidaacuteria (alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica) como meio e objetivo para ser atingido em niacutevel global

[] devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo bem como com nossas comunidades locais Somos ao mesmo tempo cidadatildeos de naccedilotildees diferentes e de um mundo no qual as dimensotildees local e global estatildeo ligadas [] O espiacuterito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida eacute fortalecido quando vivemos com [] humildade em relaccedilatildeo ao lugar que o ser humano ocupa na natureza (Responsabilidade Universal da Carta da Terra) (CARTA DA TERRA 2013)

A ideia de vida em comunidade no documento vem com a

responsabilidade de promover o bem comum visando um modo de vida

sustentaacutevel que soacute seraacute conseguido por meio da consciecircncia poliacutetica da eacutetica

e da alteridade (solidariedade) na construccedilatildeo de um estado democraacutetico

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de

dezembro de 1948 Trata-se de um acordo internacional de humanidade poacutes

Segunda Guerra Mundial que apresenta logo em seu artigo primeiro a ideia

de que ldquotodas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo

dotadas de razatildeo e consciecircncia e devem agir em relaccedilatildeo umas agraves outras com

espiacuterito de fraternidaderdquo (DECLARACcedilAtildeO UNIVERSAL DOS DIREITOS

HUMANOS 1948) Mais adiante no artigo XXVI a Declaraccedilatildeo aborda

diretamente o tema da educaccedilatildeo

a instruccedilatildeo seraacute orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais A instruccedilatildeo promoveraacute a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e grupos raciais ou religiosos e coadjuvaraacute as atividades das Naccedilotildees Unidas em prol da manutenccedilatildeo da paz (Ibidem)

O texto pontua que a formaccedilatildeo precisa ser orientada no sentido de

garantir o pleno desenvolvimento do homem e seu preparo para a convivecircncia

produtiva e paciacutefica Significa dizer que as referecircncias educacionais que

127

podem ou natildeo influir nas praacuteticas curriculares nem sempre estatildeo circunscritas

no universo escolar

Tais documentos anunciam os desafios para a educaccedilatildeo na atualidade

voltando-se natildeo somente agrave aquisiccedilatildeo de saberes acumulados ou aqueles

medidos pelos exames externos e preparar para a vida democraacutetica como

tambeacutem lidando com relaccedilotildees culturas consumo poder Numa sociedade

planetaacuteria haacute cada vez mais a necessidade de se aprender a viver junto

Tentando compreender o real ndash o homem e o mundo ndash eacute preciso aprender as interdependecircncias que criam a necessidade de solidariedades Estas solidariedades natildeo pertencem ao mundo das boas intenccedilotildees mas resultam das dificuldades do nosso tempo Situam-se em niacuteveis

diferentes em comunidades de tamanhos diversos []

A coesatildeo social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do seacuteculo XX como aspiraccedilotildees e finalidades indissoluvelmente ligadas em harmonia com a dignidade humana O respeito pelos direitos do indiviacuteduo anda a par com o sentido de responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver juntos (GEREMEK 2001 p 228 grifos nossos)

O conhecimento natildeo pode ser isolado dos interesses e valores

humanos que dizem respeito agrave construccedilatildeo de um mundo melhor Neste

sentido o embasamento teoacuterico e pragmaacutetico da solidariedade enquanto

conhecimento sugere uma abordagem pedagoacutegica que incite e esteja apoiada

no desenvolvimento da capacidade de pensarem criticamente por meio de

vivecircncias propiciadas intencionalmente pela escola

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa

O conceito de praacutetica pode ter inuacutemeras interpretaccedilotildees Para Gimeno

Sacristaacuten o significado de praacutetica educativa estaacute imbricado ao de praacutetica

didaacutetica que envolve aleacutem do trabalho docente o proacuteprio curriacuteculo e eacute

diferente do de accedilatildeo Para o autor as formas de organizar o curriacuteculo muitas

128

vezes podem responder a exigecircncias institucionais mas as accedilotildees docentes

nem sempre conseguem influir no tempo espaccedilo dinacircmica e organizaccedilatildeo

curricular exercida pelos procedimentos de controle da proacutepria instituiccedilatildeo

Neste sentido muitas vezes as praacuteticas curriculares estabelecem os limites

para as accedilotildees docentes

A praacutetica educativa eacute algo mais do que a expressatildeo do ofiacutecio dos professores eacute algo que natildeo lhes pertence por inteiro mas um traccedilo cultural compartilhado [] algumas vezes em relaccedilotildees de complementariedade e de colaboraccedilatildeo e outras em relaccedilotildees de atribuiccedilotildees [] A praacutetica educativa tem sua gecircnese em outras praacuteticas que interagem com o sistema escolar e aleacutem disso eacute devedora de si mesma de seu passado (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 91)

Enquanto a praacutetica recebe mais fortemente a carga do ldquotraccedilo cultural

compartilhadordquo a accedilatildeo eacute um campo mais pessoal pertence ao agente

Portanto satildeo as praacuteticas curriculares que satildeo implementadas organizadas e

envolvem a seleccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos saberes escolares O curriacuteculo pensado

a partir das relaccedilotildees que estabelecem tem como base as experiecircncias

anteriores de cada um dos sujeitos envolvidos no processo que as revisitam e

corrigem o rumo das experiecircncias que ainda estatildeo por vir Desta forma satildeo as

praacuteticas jaacute existentes que influenciam na organizaccedilatildeo curricular e no meacutetodo

Nas escolas tradicionais a tendecircncia eacute manter a reproduccedilatildeo e existe a

continuidade cultural tanto em relaccedilatildeo aos processos quanto em relaccedilatildeo ao

conteuacutedo

Nas sociedades abertas espera-se maior renovaccedilatildeo daiacute o interesse

em natildeo se descartar a tradiccedilatildeo inerente mas fazecirc-la de uma nova forma

aperfeiccediloando-a (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) Inerentemente estaacute a

solidariedade enquanto conhecimento praacutetica curricular valor e haacutebito Natildeo eacute

possiacutevel pensaacute-la como uma disciplina Ela (a solidariedade) precisa estar

imbricada no curriacuteculo fazer parte das relaccedilotildees pedagoacutegicas que se

estabelecem e tecem o ambiente escolar habitualmente conferindo

autenticidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

129

Pierre Bourdieu em quem Gimeno Sacristaacuten apoia-se aqui define

habitus por

sistemas de disposiccedilotildees duraacuteveis estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes isto eacute como princiacutepio gerador e estruturador das praacuteticas e das representaccedilotildees que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto da obediecircncia a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenccedilatildeo consciente dos fins e o domiacutenio expresso das operaccedilotildees necessaacuterias para atingi-los e coletivamente orquestradas sem ser o produto da accedilatildeo organizadora de um regente (BOURDIEU 2003 p 53-54)

O habitus se apresenta como um regulador da subjetividade do sujeito

por meio de uma praacutetica social que se percebe estruturada e que tende a inferir

como um regulador das praacuteticas do sujeito embora sua condiccedilatildeo natildeo seja

invariaacutevel Para ele se o sistema muda a tendecircncia eacute uma nova acomodaccedilatildeo

dos sujeitos Neste sentido o habitus tende a conformar e orientar as relaccedilotildees

de interaccedilatildeo ao mesmo tempo em que eacute produto das proacuteprias relaccedilotildees sociais

que se estabelecem

Para Gimeno Sacristaacuten o haacutebito eacute um fator determinante na praacutetica

pedagoacutegica pois as accedilotildees dos sujeitos muitas vezes natildeo satildeo determinadas

pela reflexatildeo sobre o que se deve fazer mais pelo habitus ao qual ela tem sido

feita Por habitus compreende ldquoa organizaccedilatildeo resultante de praacuteticas com

capacidades para dirigir e regular accedilotildees futuras de forma a permitir o alcance

de determinados fins sem que cada indiviacuteduo que assume o habitus tenha de

propor-se a isso explicitamenterdquo (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 82) Assim as

proacuteprias estruturas se cristalizam a partir do habitus e assim tendem a manter

a ordem rejeitando ou refutando as transformaccedilotildees que por ventura venham a

lhe ameaccedilar Muito pouco se pode esperar de mudanccedilas quando as accedilotildees

tentam ser transformadas individualmente Assim ainda que os indiviacuteduos

formem as instituiccedilotildees a institucionalizaccedilatildeo acaba trazendo consequecircncias

cumulativas na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees dos

comportamentos dos valores ldquoAs accedilotildees repetidas com frequecircncia criam uma

pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

130

apreendida como pauta pelo agenterdquo (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho pedagoacutegico e

para a aprendizagem Da mesma forma que pode ser difiacutecil interromper a

loacutegica participativa de um ambiente colaborativo bem sedimentado Significa

dizer que as condiccedilotildees sociais os modos de gestatildeo os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola Disponibilizar o conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa

oferecer um modelo arcaico de educaccedilatildeo O que caracteriza solidificaccedilatildeo eacute a

reproduccedilatildeo de velhos haacutebitos (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) e de nada vale um

discurso do professor que enfatiza a eacutetica e a solidariedade se a praacutetica o

exemplo for outra63

Os valores satildeo aprendidos na escola em propostas de atividades

intencionais mas tambeacutem nas relaccedilotildees que se estabelecem de forma que natildeo

basta o tema estar presente na Proposta Curricular se a praacutetica pedagoacutegica

natildeo consolida natildeo propicia o aprendizado pela vivecircncia daquilo que se deseja

ensinar

Aprendemos a ser professores assim como aprendemos a ser cidadatildeos traficantes ou corruptos Os problemas de uma instituiccedilatildeo escolar sempre satildeo ligados agraves escolhas de objetivos e formas de ensino a partir das quais os alunos seratildeo iniciados em certos comportamentos conteuacutedos e condutas que valoramos [] Podemos empreender esforccedilos no sentido de ensinar um aluno a conviver com a criacutetica mas a indignar-se com a injusticcedila e natildeo a conviver com ela (CARVALHO 2013 p 125)

63

Vale ressaltar que Pierre Bourdieu desenvolve o conceito de habitus se referindo ao conceito natildeo de forma determinista O habitus natildeo eacute um mero produto da subjetividade do sujeito mas eacute construiacutedo a partir de sua trajetoacuteria social Neste sentido natildeo estaacute condenado a ser uma repeticcedilatildeo sem-fim de conduta podendo ser pensado como um sistema aberto que pode ser construiacutedo continuamente Ele natildeo necessariamente se refere agrave loacutegica pura da reproduccedilatildeo ao contraacuterio constitui-se por meio de estrateacutegias e de praacuteticas nas quais e pelas quais os agentes reagem adaptam-se e contribuem criando novas situaccedilotildees (SETTON 2002)

131

Ao se buscar compreender a solidariedade como praacutetica curricular

educativa tanto a ldquosolidariedaderdquo quanto a ldquopraacuteticardquo inferem diretamente na

compreensatildeo de ldquocurriacuteculordquo e de ldquoeducaccedilatildeordquo em quem se deseja formar onde

o curriacuteculo eacute o caminho percorrido durante a vida escolar e a educaccedilatildeo eacute um

conceito mais amplo refere-se agraves experiecircncias formativas ao longo da vida

quer sejam elas propiciadas pela escola ou em outras situaccedilotildees de

aprendizagem e envolvem o desenvolvimento das inteligecircncias ligadas ao

conviacutevio em sociedade pela ecologia dos saberes (SANTOS B S 2007)

Sendo assim sobretudo durante a educaccedilatildeo escolar natildeo se deve

separar a aquisiccedilatildeo de conhecimentos culturalmente acumulados e a

construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo das inteligecircncias ligadas agrave ecologia

dos saberes da aprendizagem de valores pelos quais se aprende a viver com

a consciecircncia poliacutetica necessaacuteria para a construccedilatildeo cotidiana do estado

democraacutetico

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional

Em documentos curriculares nacionais tais como a Lei de Diretrizes e

Bases ndash LDB os Paracircmetros Curriculares Nacionais ndash PCN e os Referenciais

Curriculares Nacionais ndash RCN os ideais de solidariedade pautam a finalidade

da educaccedilatildeo brasileira O preparo para o exerciacutecio da cidadania e a praacutetica

social estatildeo inscritos na LDB (Art1ordm sect 2ordm e Art22 Lei nordm 939496) A inserccedilatildeo

de atividades solidaacuterias na formulaccedilatildeo curricular recai na seleccedilatildeo de

conteuacutedos procedimentos e meacutetodos que seratildeo empregados pela escola para

que ela exerccedila essa formaccedilatildeo

Nos Paracircmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental a

escola na perspectiva de construccedilatildeo da cidadania eacute indicada a assumir a

valorizaccedilatildeo da cultura de sua proacutepria comunidade propiciando aos alunos o

conviacutevio com diferentes grupos sociais o acesso aos conhecimentos

socialmente relevantes em acircmbito nacional e regional o desenvolvimento da

relaccedilatildeo interpessoal cognitiva afetiva motora eacutetica e esteacutetica A

132

aprendizagem de atitudes e valores eacute apontada como uma praacutetica constante e

coerente em que os alunos aprendam a respeitar as diferenccedilas bem como a

reconhecer as semelhanccedilas a estabelecer viacutenculos de confianccedila cooperativos

e solidaacuterios em um clima favoraacutevel de trabalho no qual a avaliaccedilatildeo e a

observaccedilatildeo do caminho por eles percorrido seja de fato instrumentos de auto-

regulaccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem

No entanto de iniacutecio eacute preciso pontuar que um curriacuteculo pautado na

construccedilatildeo do conhecimento solidariedade estaacute apoiado na vivecircncia de

situaccedilotildees de aprendizagem nas quais sejam criadas situaccedilotildees de

aprendizagem a partir da realidade local Portanto haacute de se considerar a

autonomia da escola e do professor em sua organizaccedilatildeo Natildeo se trata apenas

de incluir a ideia de ldquoformaccedilatildeo para a cidadania segundo os ideais de

solidariedaderdquo se esse estiver descolado da praacutetica tampouco seraacute possiacutevel

desenvolvecirc-lo a partir da proposta de padronizaccedilatildeo de um curriacuteculo nacional

uacutenico regulador de um processo de aprendizagem centrado na aquisiccedilatildeo de

conteuacutedo e com foco em bons resultados nos exames externos Assim o

modelo regulador de curriacuteculo nacional uacutenico que tramita no Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo desde o final de 2011 concorre com o princiacutepio de autonomia na

escola pois a proposta visa estabelecer entre outras metas o que o aluno

deve saber ao final de cada uma das seacuteries obscurecendo a mobilidade do

professor de adequar a proposta pedagoacutegica ao perfil de seus alunos

deslocando o objetivo do ensino para o sucesso da aplicaccedilatildeo de determinado

conteuacutedo ao inveacutes de considerar o processo de aprendizagem do aluno A

padronizaccedilatildeo silencia e desfavorece a riqueza da diversidade do conjunto em

cada escola Sobre as grandes generalizaccedilotildees no contexto das teorias gerais

que pode se aplicar neste caso Boaventura S Santos argumenta que

a diversidade do mundo eacute inesgotaacutevel natildeo haacute teoria geral que possa organizar toda essa realidade [] Natildeo posso reduzir a heterogeneidade do mundo a uma homogeneidade que seria de novo uma totalidade que deixaria de fora muitas outras coisas (2007 p 39)

133

Santos propotildee ao contraacuterio um processo intercultural intersocial de

buscar o que chamou de inteligibilidade sem homogeneizaccedilatildeo para natildeo

destruir a diversidade Aleacutem disso o proacuteprio estado tem estabelecido exames

de avaliaccedilatildeo externos metas e sistemas de bonificaccedilatildeo que ldquoregulamrdquo e desta

forma concorrem diretamente com a ideia de uma educaccedilatildeo que ldquoemancipardquo

Portanto ao se aproximar desses documentos eacute preciso manter-se atento

Trazer algumas passagens dos documentos oficiais que apresentam

orientaccedilotildees que permitem a composiccedilatildeo curricular sem restringir a adequaccedilatildeo

e autonomia da escola e trazem no acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica pelo aspecto

da formaccedilatildeo ciacutevica eacute a proposta desta tese para situar a solidariedade nos

documentos oficiais muito embora saibamos que outras passagens e poliacuteticas

adotadas concorram diretamente com o conhecimento-emancipaccedilatildeo

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do

Ensino Fundamental que os alunos sejam capazes de

compreender a cidadania como participaccedilatildeo social e poliacutetica assim

como exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos civis e sociais adotando

no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito

posicionar-se de maneira criacutetica responsaacutevel e construtiva nas

diferentes situaccedilotildees sociais utilizando o diaacutelogo como forma de mediar

conflitos e de tomar decisotildees coletivas

No caderno dos Temas Transversais de Eacutetica (BRASIL 2000) satildeo

objetivos

adotar atitudes de respeito pelas diferenccedilas entre as pessoas respeito

esse necessaacuterio ao conviacutevio numa sociedade democraacutetica e pluralista

adotar no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas e discriminaccedilotildees

compreender a vida escolar como participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico

utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construccedilatildeo de

uma sociedade democraacutetica e solidaacuteria

134

Desenvolver o conhecimento solidariedade estaacute relacionado a aprender

a exercer de fato a cidadania

Natildeo se eacute solidaacuterio apenas ajudando pessoas proacuteximas ou engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente por exemplo) Essas formas satildeo genuiacutenas traduccedilatildeo da solidariedade humana mas haacute outras Uma delas diretamente relacionada com o exerciacutecio da cidadania eacute a da participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico na vida poliacutetica O exerciacutecio da cidadania natildeo se reduz apenas pela defesa dos proacuteprios interesses e direitos mas passa necessariamente pela solidariedade (BRASIL 2000 p 71)

A solidariedade tambeacutem eacute indicada como um dos quatro blocos de

conteuacutedo no caderno ldquoEacuteticardquo dos Temas Transversais64 Pensar a solidariedade

como praacutetica educativa significa criar espaccedilos no curriacuteculo onde ela seja

vivenciada culturalmente no ambiente escolar nas relaccedilotildees que se

estabelecem na intencionalidade das atividades e projetos de intervenccedilatildeo

desenvolvidos junto agrave comunidade O fazer pedagoacutegico solidaacuterio implica em um

fazer eacutetico colaborativo onde a solidariedade eacute relaccedilatildeo Nos Paracircmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Meacutedio estabelecidos pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo propotildee-se a reflexatildeo de um curriacuteculo pensado para organizar

estrateacutegias de realizaccedilatildeo de atividades nos trecircs domiacutenios da accedilatildeo humana a

vida em sociedade a atividade produtiva e a experiecircncia subjetiva Essa

indicaccedilatildeo respalda o desenvolvimento de projetos solidaacuterios na educaccedilatildeo

baacutesica

Da mesma forma o Artigo 3ordm da Lei nordm 939496 na Constituiccedilatildeo

Brasileira afirmando que o respeito agrave liberdade e apreccedilo agrave toleracircncia a gestatildeo

democraacutetica do ensino puacuteblico na forma desta lei e da legislaccedilatildeo dos sistemas

de ensino a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra-escolar a vinculaccedilatildeo entre a

educaccedilatildeo escolar o trabalho e as praacuteticas sociais sugere o apoio a meacutetodos

que permitam o desenvolvimento de projetos solidaacuterios quando cita a gestatildeo

64

Os outros trecircs satildeo respeito muacutetuo justiccedila e diaacutelogo Tais blocos referem-se a toda a proposta de Eacutetica do Ensino Fundamental e estaacute ligada diretamente ao princiacutepio da dignidade humana

135

democraacutetica a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra escolar a vinculaccedilatildeo dos

saberes escolares agraves praacuteticas sociais Em consonacircncia tanto com o texto que

se refere ao Ensino Meacutedio quanto do Ensino Fundamental o desenvolvimento

da capacidade de aprendizagem tendo em vista a aquisiccedilatildeo de conhecimentos

e habilidades a formaccedilatildeo de atitudes e valores bem como o fortalecimento

dos viacutenculos de famiacutelia dizem respeito agrave solidariedade como praacutetica curricular

educativa

O Conselho Nacional de Educaccedilatildeo ressaltou no histoacuterico do Parecer

do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo da Cacircmara de Educaccedilatildeo Baacutesica nuacutemero

072010 que estabeleceu as bases para a definiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica que

a necessidade de definiccedilatildeo de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute posta pela emergecircncia da atualizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que consubstanciam o direito de todo brasileiro agrave formaccedilatildeo humana e cidadatilde e agrave formaccedilatildeo profissional na vivecircncia e convivecircncia em ambiente educativo (MECCNE 2010)

O Programa Ensino Meacutedio Inovador lanccedilado em 2009 e o ENEM

reformulado sugerem o desenvolvimento da solidariedade como praacutetica

curricular educativa O Programa65 entende que o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

de cada unidade escolar deve materializar-se no processo de formaccedilatildeo

65

O Ensino Meacutedio Inovador tem como principais objetivos a superaccedilatildeo das desigualdades de oportunidades educacionais (segundo o PNAD 2006 733 dos jovens matriculados satildeo da regiatildeo Sudeste contra 311 do Nordeste) a universalizaccedilatildeo do acesso e permanecircncia dos adolescentes de 15 a 17 anos no Ensino Meacutedio (segundo o PNAD de 2006 mais de 50 dos jovens natildeo estatildeo matriculados nessa faixa etaacuteria) a consolidaccedilatildeo da identidade dessa etapa educacional considerando a diversidade de sujeitos a oferta de aprendizagem significativa para jovens e adultos reconhecimento e priorizaccedilatildeo da interlocuccedilatildeo com as culturas juvenis

O curriacuteculo meacutedio inovador eacute organizado por um plano de implantaccedilatildeo (gestatildeo operacionalizaccedilatildeo apoio teacutecnico e pedagoacutegico) linhas de accedilatildeo e macrocampos Compreende-se macrocampo o conjunto de atividades didaacutetico-pedagoacutegicas que estatildeo dentro de uma aacuterea de conhecimento percebida como um grande campo de accedilatildeo educacional e interativa podendo contemplar uma diversidade de accedilotildees que qualificam e dialogam com o curriacuteculo escolar

O Programa eacute oferecido para as escolas que apresentaram baixo aproveitamento no IDEB (Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica uma nota que parte do cruzamento dos resultados obtidos pela escola na Prova Brasil ou SAEB e o fluxo de aprovaccedilatildeo) Ele disponibiliza uma linha de creacutedito para as escolas participantes de acordo com a linha de accedilatildeo e o macrocampo previsto por ela no planejamento (BRASILMEC 2009)

136

humana coletiva por meio da articulaccedilatildeo entre trabalho ciecircncia e cultura a

partir de alguns indicativos entre eles

fomentar o comportamento eacutetico como ponto de partida para o

reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania praticando um

humanismo contemporacircneo pelo reconhecimento respeito e

acolhimento da identidade do outro e pela incorporaccedilatildeo da

solidariedade

promover atividades sociais que estimulem o conviacutevio humano e

interativo do mundo dos jovens

realizar parceria com a secretaria de juventude e estimular a

participaccedilatildeo do jovem em pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica atividades

sociais artiacutesticas e culturais

desenvolver accedilotildees de incentivo agrave atuaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da juventude

nos seus processos de desenvolvimento pessoal social e de vivecircncia

poliacutetica

A avaliaccedilatildeo do Ensino Meacutedio - o ENEM66 - eacute uma prova criada em

2009 que comeccedilou a considerar em sua segunda versatildeo como criteacuterio de

correccedilatildeo da redaccedilatildeo 5 competecircncias definidas como modalidades estruturais

da inteligecircncia accedilotildees e operaccedilotildees que se deva utilizar para estabelecer

relaccedilotildees com e entre objetos situaccedilotildees fenocircmenos e pessoas que se deseja

conhecer Entre elas destaca-se a que sugere a tomada de decisotildees para o

enfrentamento de situaccedilotildees-problema e a que cita de fato a intervenccedilatildeo

solidaacuteria como proposta educativa 66

O Exame comeccedilou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades puacuteblicas brasileiras atraveacutes do SiSU (Sistema de Seleccedilatildeo Unificada) Atraveacutes do SiSU os alunos podem se inscrever para as vagas disponiacuteveis nas universidade brasileiras participantes do Sistema (como a utilizaccedilatildeo do ENEM e do SiSU pelas universidade brasileiras eacute opcional algumas universidades ainda utilizam concursos vestibulares proacuteprios para seleccedilatildeo dos candidatos agraves vagas) Aleacutem disso a prova tambeacutem comeccedilou a ser utilizada para a aquisiccedilatildeo de bolsas de estudo integrais ou parciais em universidades particulares atraveacutes do ProUni (Programa Universidade para Todos) para a obtenccedilatildeo de financiamentos atraveacutes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) como certificaccedilatildeo de conclusatildeo do Ensino Meacutedio em cursos de Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos (EJA) Os resultados do ENEM ainda satildeo utilizados pelo governo como ferramenta para avaliar a qualidade geral do Ensino Meacutedio no paiacutes orientando as poliacuteticas educacionais do Brasil Vale ressaltar que a sociedade principalmente a miacutedia tem utilizado o resultado para rankiar as escolas por notas o que acaba tendo um peso valioso para o mercado na avaliaccedilatildeo da melhor escola (puacuteblica ou particular) (INEP 2013)

137

enfrentar situaccedilotildees-problema selecionar organizar relacionar

interpretar dados e informaccedilotildees representados de diferentes formas

para tomar decisotildees e enfrentar situaccedilotildees-problema

elaborar proposta recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola

para elaboraccedilatildeo de propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade

respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural

As avaliaccedilotildees externas como o ENEM tecircm pautado o curriacuteculo uma

vez que as escolas satildeo cobradas segundo os seus rendimentos que satildeo

adotados como iacutendices nacionais de qualidade Neste sentido considerar a

intervenccedilatildeo solidaacuteria como criteacuterio da prova de redaccedilatildeo (a de maior peso)

causa impacto na formulaccedilatildeo curricular do Ensino Meacutedio muito embora a

pressatildeo pelo desempenho nas demais questotildees e o ranking ao qual sobretudo

a miacutedia expotildee as escolas e a educaccedilatildeo como mercadoria fortalece o

conhecimento-regulaccedilatildeo Justamente por se tratar de uma realidade

contraditoacuteria e tensionada pela natildeo neutralidade poliacutetica inerente ao processo

educativo eacute que se faz necessaacuterio desejar todo e qualquer espaccedilo-tempo que

favoreccedila a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento reconhecido e

socialmente valorado daiacute a relevacircncia histoacuterica de se incluir a ldquoelaboraccedilatildeo de

propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidaderdquo como indicador de qualidade

da educaccedilatildeo baacutesica

6 O curriacuteculo e a qualidade da educaccedilatildeo

Pode-se dizer que a qualidade que se deseja imprimir guia o curriacuteculo e

o curriacuteculo determina a qualidade da educaccedilatildeo Neste sentido eacute preciso

ponderar o que se compreende por qualidade da educaccedilatildeo para que seja

possiacutevel alinhar a proposta de solidariedade pensada enquanto praacutetica

educativa no curriacuteculo

138

A histoacuteria da universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo baacutesica no Brasil eacute recente

Somente apoacutes o periacuteodo relativo agrave Ditadura Militar quando o paiacutes enfrentou a

sua mais seacuteria fase de repressatildeo ideoloacutegica e apoacutes a conquista das eleiccedilotildees

diretas (1984) a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal (1988) e a sanccedilatildeo da

atual Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (1996) que determinava

o Ensino Fundamental obrigatoacuterio e gratuito (Art4ordm) eacute que o Brasil alcanccedilou

iacutendices satisfatoacuterios de oferta de vagas para a educaccedilatildeo baacutesica

Nessa mesma eacutepoca a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para

Todos (em Jomtien 1990) organizada pela UNESCO exigia o

comprometimento dos paiacuteses a cooperar adotando medidas necessaacuterias para

propiciar a educaccedilatildeo para todos para o cumprimento das metas de correccedilatildeo

dos iacutendices alarmantes de analfabetismo no mundo Na mesma deacutecada o

desafio passou a ser a busca por imprimir ldquopadrotildees de qualidaderdquo que

pudessem garantir o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade para todos Os

instrumentos foram criados a partir de modelos internacionais que permitem

medir o rendimento de cada escola a partir de testes padronizados e

questionaacuterios socioeconocircmicos (COLEMAN 2008)

Segundo o INEP oacutergatildeo responsaacutevel pelas avaliaccedilotildees do MEC os

testes satildeo aplicados para saber se os alunos estatildeo aprendendo

satisfatoriamente leitura e matemaacutetica habilidades baacutesicas essenciais para a

aprendizagem das demais aacutereas do conhecimento A partir dos dados

levantados e divulgados se pode acompanhar objetivamente as escolas e ter

uma ldquofotografiardquo do desempenho dos alunos nessas avaliaccedilotildees No entanto

para aleacutem da condiccedilatildeo de serem referecircncias por serem paracircmetros

mensuraacuteveis de aprendizagem seu emprego tem promovido uma distorccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do conceito de qualidade na medida em que se tornou

uacutenica referecircncia reduzindo assim o conceito de qualidade da educaccedilatildeo a

rendimentos e resultados cognitivos especiacuteficos fato esse que tem motivado as

escolas a empregarem tais testes como uacutenico modulador curricular sem

mencionar no foco ajustado agrave formaccedilatildeo para o mercado de trabalho dessas

propostas educacionais que visam o preparo pela padronizaccedilatildeo e massificaccedilatildeo

da aquisiccedilatildeo de conhecimento

139

Para Ana Maria Saul isso se deve ao fato de que as avaliaccedilotildees

quantitativas tecircm ecircnfase maior nos produtos e resultados e tendem a querer

simular na escola condiccedilotildees de laboratoacuterio onde satildeo descartadas as

especificidades de formaccedilatildeo dos sujeitos em detrimento das generalizaccedilotildees

estatiacutesticas Nas palavras de Saul

O modelo de avaliaccedilatildeo quantitativa considera a educaccedilatildeo como um processo tecnicista Assume a niacutetida diferenccedila entre fatos e valores a determinaccedilatildeo de fins e objetivos da educaccedilatildeo e a neutralidade eacutetica da intervenccedilatildeo tecnoloacutegica A avaliaccedilatildeo quantitativa tem como preocupaccedilatildeo uacutenica a comprovaccedilatildeo do grau em que os objetivos previamente estabelecidos foram alcanccedilados (SAUL 2010 p 47)

Justamente por essa objetividade em se focar previamente o alcance

das metas estabelecidas no projeto eacute que a avaliaccedilatildeo quantitativa torna-se um

instrumento restrito aos aspectos preestabelecidos observaacuteveis e

quantificaacuteveis No entanto ressalta Saul nem a avaliaccedilatildeo nem a educaccedilatildeo satildeo

processos tecnicistas descolado de valores de subjetividades inerentes ao

proacuteprio processo de aprendizagem Aiacute estaacute a inversatildeo ao inveacutes de se colocar o

foco da qualidade da educaccedilatildeo na qualidade da aprendizagem o objetivo tem

sido unicamente o sucesso no projeto de se conseguir bons resultados nos

exames externos Neste sentido eacute que a avaliaccedilatildeo deveria ser parte do

diagnoacutestico natildeo sua totalidade A insistecircncia tem favorecido o estabelecimento

de uma cultura curricular de preparaccedilatildeo para os exames que favorece uma

loacutegica conservadora de formaccedilatildeo do conhecimento-regulaccedilatildeo (tal como

discutido no capiacutetulo II)

Tal ideia recebe respaldo na importaccedilatildeo do modelo centrado nos

processos de produccedilatildeo em que a utilizaccedilatildeo de modelos hieraacuterquicos lineares e

a eficaacutecia em busca de resultados satildeo diretamente importadas do modelo

empresarial para o universo escolar (BROOKE SOARES 2008) Aleacutem disso a

reengenharia econocircmica gerenciada pelo marketing vem para a educaccedilatildeo

para trazer maior ldquorentabilidaderdquo e ldquocompetitividaderdquo pelo modelo de ldquoqualidade

totalrdquo (CASALI 2011) quase num retorno ao jaacute superado modelo de curriacuteculo

para a formaccedilatildeo da matildeo de obra no advento da industrializaccedilatildeo

140

O foco da educaccedilatildeo natildeo estaacute centrado no processo de formaccedilatildeo e

aprendizagem do aluno mas no cumprimento do plano curricular Essa

inversatildeo na compreensatildeo custa por assim dizer o proacuteprio processo educativo

que em meio a um percurso distorcido acaba favorecendo aqueles que ldquotecircm

condiccedilotildees de acompanhaacute-lordquo Eacute como se a escola estivesse programada para

formar um aluno ldquoidealrdquo assim como a induacutestria produz um artefato com

padronizaccedilatildeo metas prazos riacutegidos controle de qualidade eficaacutecia e

eficiecircncia Eacute justamente o modelo de qualidade que se deseja adotar

No entanto sem um projeto de identidade coletiva o mundo continua a

reproduzir pobreza destruiccedilatildeo ambiental guerra exclusatildeo mesmo com o

avanccedilo da ciecircncia e da tecnologia A sociedade para constituir um estado

democraacutetico precisa de pessoas que saibam con-viver que produzam vida

digna para todos que estabeleccedilam e participem de redes colaborativas Neste

sentido espera-se que sejam pessoas que aprendam a desenvolver sua

autonomia aprendam a respeitar sendo respeitadas em suas particularidades e

que natildeo lhe seja negada a oportunidade de desenvolver-se plenamente A

habilidade de convivecircncia social por natildeo ser natural tem que ser ensinada

aprendida e desenvolvida culturalmente Esta deve ser a tarefa de toda a vida

de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO WERNECK 2004 p 18)

O homem aprende a ser humano quando interage com outro humano

numa relaccedilatildeo que pode ser hieraacuterquica ou colaborativa respeitosa ou

excludente plural ou ativista (FREIRE 1996)

Para Casali (2011) a qualidade da educaccedilatildeo deve ser compreendida

no campo de quatro dimensotildees a saber preacute-condiccedilotildees condiccedilotildees praacuteticas e

resultados Esta compreensatildeo eacute norteadora e esclarece que a emancipaccedilatildeo

dos sujeitos a eacutetica a convivecircncia a solidariedade devem ser os resultados

esperados de um projeto formativo Em sua definiccedilatildeo de qualidade da

educaccedilatildeo no rol das preacute-condiccedilotildees estaacute por exemplo a democracia o estado

de direito as poliacuteticas puacuteblicas com recursos adequados a remuneraccedilatildeo digna

dos profissionais da educaccedilatildeo sua formaccedilatildeo inicial e continuada entre outras

Como condiccedilotildees instalaccedilotildees adequadas (salas de aula laboratoacuterios

equipamentos) vestuaacuterio e alimentaccedilatildeo processo de avaliaccedilatildeo permanente

gestatildeo democraacutetica infraestrutura com direito a acesso agraves tecnologias etc

141

Como praacuteticas um curriacuteculo que integre a escola com a comunidade que

propicie a aprendizagem cognitiva emocional social que respeite cada sujeito

em sua diversidade praacuteticas essas vivenciadas em relaccedilotildees de respeito

solidariedade liberdade Satildeo resultados a formaccedilatildeo pessoal e social a

autoestima a emancipaccedilatildeo dos sujeitos a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico a

capacidade de ser bem sucedido no mundo do trabalho de participar

socialmente

Portanto para se desenvolver uma educaccedilatildeo de qualidade natildeo se

trata de oferecer uma preparaccedilatildeo instrucional teacutecnica apenas Ela precisa

acontecer no espaccedilo da diversidade valorizar-se a partir dela superar a

formaccedilatildeo individualista competitiva consumista O curriacuteculo deve visar uma

educaccedilatildeo em valores que promova o desenvolvimento cognitivo social

cultural emocional e sobretudo eacutetico Aleacutem das diversas aacutereas do

conhecimento como a linguagem em todas as suas formas e miacutedia

matemaacutetica artes ciecircncias naturais ciecircncias sociais filosofia e sociologia ele

precisa ser guiado por um processo avaliativo que permita melhorar o

aproveitamento da aprendizagem e da formaccedilatildeo para a cidadania durante o

percurso O conteuacutedo aprendido na escola natildeo eacute um fim em si mesmo Por

meio de redes de aprendizagem de colaboraccedilatildeo a escola pode criar situaccedilotildees

em que os alunos sejam desafiados a construir conhecimento a serviccedilo de uma

melhor qualidade de vida Vale enfatizar que cabe agrave escola responsabilizar-se

por levantar questotildees sobre o que ensinam e como devem ensinar tendo

consciecircncia do impacto dessa atuaccedilatildeo na constituiccedilatildeo da sociedade Criar

espaccedilos onde haja aplicaccedilatildeo real dos saberes escolares para resolver

problemas sociais reais identificados pela comunidade escolar especialmente

com a percepccedilatildeo do aluno pode ser um diferencial para uma educaccedilatildeo de

qualidade O manejo das tecnologias o acesso ao conteuacutedo acumulado

culturalmente as habilidades de convivecircncia o saber fazer e resolver

situaccedilotildees-problema e o discernimento para saber como empregar a inteligecircncia

para melhorar a qualidade de vida exige mais do processo pedagoacutegico do que

a preparaccedilatildeo para a vida escolar Praacuteticas que sugerem um curriacuteculo

contextualizado criacutetico elaborado em parceria com a comunidade para

142

resolver problemas sociais reais pode ser uma das maneiras encontradas pelas

escolas para oferecer educaccedilatildeo de qualidade emancipadora

Em outras palavras se a questatildeo da qualidade eacute uma conjunccedilatildeo de

fatores como o acesso agraves tecnologias formaccedilatildeo de professores a

infraestrutura da escola a gestatildeo democraacutetica entre outros um bom curriacuteculo

exige articulaccedilatildeo e compromisso com uma educaccedilatildeo emancipadora Leonardo

Boff em seu conjunto de livros nos quais reflete sobre as virtudes para um

outro mundo possiacutevel aponta o intercacircmbio o respeito a convivecircncia o estar

junto e o cuidado com a matildee-terra como a uacutenica alternativa ao suiciacutedio a que

se propotildee uma sociedade individualista e competitiva (BOFF 2005 2006a

2006b)

O processo educativo precisa garantir esses espaccedilos de intercacircmbio

de respeito agraves diferenccedilas de interculturalidade O debate acerca da qualidade

da educaccedilatildeo deve considerar que a todos e a cada um deva ser garantido o

direito agrave formaccedilatildeo emancipadora libertadora solidaacuteria com todas as preacute-

condiccedilotildees e condiccedilotildees asseguradas

143

CAPIacuteTULO IV

144

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA

Esta pesquisa propocircs-se a analisar quatro escolas67 de diferentes

realidades para buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular Natildeo

se pretende comparaacute-las entre si tampouco classificaacute-las relativamente O eixo

central de costura do texto eacute o conceito solidariedade Optamos por considerar

mais de uma escola para compor um universo de anaacutelise mais diversificado e

que nos permitisse buscar compreender em que medida e como a experiecircncia

da solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular e

se ela pode ser considerada inerente ao processo formativo

Durante o desenvolvimento da pesquisa notamos que os sujeitos de

uma mesma escola podem apresentar diferentes compreensotildees de

solidariedade ou que sujeitos de escolas diferentes podem ter interpretaccedilotildees

similares ou ainda natildeo ter clareza em relaccedilatildeo ao desenvolvimento de

atividades solidaacuterias no seu contexto escolar Partindo dessa constataccedilatildeo

agrupamos os dados visando elucidar as praacuteticas curriculares que refletem

diferentes concepccedilotildees a partir de suas falas e da anaacutelise dos documentos das

escolas A construccedilatildeo das possibilidades de arranjos curriculares seus

conflitos e tensotildees tecem o ambiente educativo de maneira dinacircmica e

algumas vezes contraditoacuteria Para identificar os sujeitos que participaram dessa

pesquisa adotamos a convenccedilatildeo das siglas

CP ndash Coordenador Pedagoacutegico

P ndash Professor

ExC ndash ex-Coordenador

C ndash Comunidade

seguidos da identificaccedilatildeo da escola (E1 E2 E3 e E4)

Pode-se observar dois grandes movimentos nos quais eacute possiacutevel

identificar (ou natildeo) a solidariedade no ambiente educativo a) enquanto praacutetica

67

As escolas foram apresentadas no capiacutetulo I

145

educativa no desenvolvimento de atividades intencionalmente planejadas para

que os alunos tenham a experiecircncia de vivenciar a resoluccedilatildeo de um problema

social real e por esta via aprendam por meio da construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo e b) enquanto norma ou conduta adotada entre os sujeitos da

comunidade educativa entre eles professores alunos direccedilatildeo funcionaacuterios e

demais atores por onde se desenvolve o conhecimento-emancipaccedilatildeo pela

praacutetica pelo haacutebito e pelo exemplo Assim a conduccedilatildeo natildeo neutra do curriacuteculo

imprime o processo de formaccedilatildeo da teia de valores posto que natildeo haacute

conhecimento produzido que seja neutro

Grande parte da vida moderna eacute preparada por sistemas de conhecimentos especializados que disciplinam a maneira como as pessoas participam e agem De modo geral o conhecimento especializado modela o lsquonossorsquo pensamento e a lsquonossarsquo accedilatildeo sobre as calorias da nossa dieta contribuindo para a nossa sauacutede pessoal sobre a poluiccedilatildeo no nosso ambiente que afeta a nossa vida sobre o nosso corpo e a nossa mente como possuidores de estaacutegios de desenvolvimento personalidade e processo de auto-realizaccedilatildeo [] Esses pensamentos assumidos como naturais natildeo satildeo naturais satildeo construiacutedos a partir de sistemas de conhecimentos especializados O poder desse conhecimento especializado estaacute no fato de natildeo ser apenas conhecimento As ideias funcionam para modelar a maneira como participamos como indiviacuteduos ativos e responsaacuteveis Tal fusatildeo do conhecimento puacuteblicopessoal que disciplina nossas escolhas e possibilidades pode ser pensada como efeitos de poder (POPKEWITZ apud DEMO 2002 p 36-37)

A tomada de consciecircncia de que todo conhecimento organiza a forma

de como a pessoa se relaciona com o mundo atribui sentido ao tipo de

pensamento que a escola deseja desenvolver Quando haacute o distanciamento do

pensamento criacutetico a produccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-acadecircmico contribui

para uma proposta de educaccedilatildeo que separa o conhecimento cientiacutefico da

formaccedilatildeo para a cidadania Tanto uma praacutetica quanto a outra foram

identificadas nesta pesquisa aleacutem da compreensatildeo de que a solidariedade

contribui para o bom funcionamento do ambiente escolar No arranjo para se

criar situaccedilotildees em que seja possiacutevel vivenciar a solidariedade a escola

promove projetos ou atividades de intervenccedilatildeo onde os alunos satildeo

estimulados a contribuir co-responsabilizando-se pela vida em sociedade

146

Nesse processo a articulaccedilatildeo escola-comunidade permite a construccedilatildeo de um

curriacuteculo que favorece a valorizaccedilatildeo da diversidade do respeito muacutetuo

apropriando-se do bairro da cidade para criar diferentes situaccedilotildees de

aprendizagem Eacute como se expressou o professor

PE3 ndash O nosso projeto eacute desenvolvido com a aldeia indiacutegena localizada proacuteximo ao Pico do Jaraguaacute Atualmente se somados os povos da aldeia de cima e da de baixo satildeo 125 famiacutelias com uma populaccedilatildeo de aproximadamente 650 iacutendios dos quais a maioria quase 400 satildeo crianccedilas Como estatildeo dentro dessa grande metroacutepole (Satildeo Paulo) eles tecircm muitos problemas eles vivem marginalizados Haacute uma absoluta carecircncia de recursos de subsistecircncia da populaccedilatildeo eles natildeo tecircm a posse da terra vivem espremidos nos barrancos natildeo podem mexer em nada natildeo podem caccedilar natildeo podem pescar natildeo podem pegar nada e tambeacutem enfrentam muita dificuldade para conseguir emprego68

A escola quando estaacute aberta a pensar o curriacuteculo considerando a

cidade enquanto possibilidade de aprendizagem se apropria de um espaccedilo de

construccedilatildeo de conhecimento e neste caso intercultural o que natildeo teria feito

se estivesse apenas circunscrita agrave realidade da sala de aula Pensar o curriacuteculo

almejando o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo pressupotildee

ensinar os conteuacutedos programaacuteticos de maneira criacutetica e para isso usar a

cidade como espaccedilo educativo possibilita a articulaccedilatildeo de diferentes atores na

tarefa de fazer uma educaccedilatildeo essencialmente poliacutetica tendo na formaccedilatildeo para

a liberdade e constituiccedilatildeo da democracia seu compromisso maior

(CARVALHO 2013)

No entanto isso pode variar de acordo com a compreensatildeo tanto do

professor quanto da escola sobre o que eacute propiciar a aprendizagem da

solidariedade Se a escola compreende a solidariedade como benevolecircncia ela

teraacute uma postura se acreditar que deve inferir na comunidade e ensinar o

aluno a pensar a partir do outro utilizando os saberes acumulados para o bem

coletivo teraacute outra sendo que as experiecircncias de investigaccedilatildeo de pesquisa

de produccedilatildeo de conhecimento e intervenccedilatildeo social com finalidade educativa

68

Na regiatildeo haacute duas aldeias guaranis separadas apenas por uma rua a Aldeia Tekoa Pyau e a Aldeia Tekoa Ytu esta uacuteltima eacute onde se localiza a Escola Estadual Indiacutegena Djekupeacute Amba Arandu parceira da E3 nesse projeto

147

caracterizam uma proposta de atividade que tem repercussatildeo tanto na

qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece quanto na qualidade de vida da

comunidade Eacute como neste caso

ExCE1 ndash Noacutes daacutevamos parte do conteuacutedo escolar por meio do projeto de voluntariado educativo Os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o Parque tinham ldquoverdadeiras aulasrdquo sobre o conteuacutedo encomendado pela escola deles e os nossos alunos monitores estudavam muito porque tinham que preparar o que iam fazer Eles precisam retomar alguns conteuacutedos para repassar tinham que fazer um texto correto e que despertasse o interesse dos alunos visitantes tinham que falar bem em puacuteblico Eacute uma soma de aprendizados

Ao professor cabe compreender quais espaccedilos pedagoacutegicos iraacute utilizar

para propiciar a aprendizagem de conteuacutedos e outros saberes como a

responsabilidade o autoconhecimento o conviacutevio a pesquisa A motivaccedilatildeo

pelos estudos pode vir pela necessidade de conseguir boas notas mas quando

ela vem pela vontade de participar com esmero de um projeto social que iraacute

transformar uma realidade que se estaacute partindo do que o outro realmente

precisa essa experiecircncia eacute mais significativa para o processo de aprendizagem

(TAPIA 2006) Quando a atividade eacute planejada para de fato atender ao outro

pela escuta atenta de suas reais expectativas eacute possiacutevel perceber que o

comprometimento solidaacuterio eacute significativo para ambos

CE3 ndash A parceria com a E3 eacute muito importante para noacutes porque faz parte da nossa proposta proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque a gente estaacute suprimido pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Hoje temos crianccedilas e jovens que tecircm medo entatildeo eles ficam aqui dentro da aldeia Soacute que a gente natildeo vive s precisamos comprar uma comida uma carne no accedilougue aqui noacutes natildeo podemos caccedilar Mas para entrar nesse sistema natildeo pode ser de qualquer maneira a gente tem que entender esse lugar e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Esta eacute a ideia central do desenvolvimento de praacuteticas que articulam

experiecircncias reais agrave formaccedilatildeo poliacutetica Como afirma CE3 ldquoningueacutem melhor do

que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeiardquo

148

Preparar experiecircncias em que o processo de ensino aprendizagem crie

condiccedilotildees de inferir na sociedade buscando melhorar tanto a qualidade de

vida da comunidade atendida quanto a qualidade da educaccedilatildeo eacute algo que estaacute

sendo discutido haacute seacuteculos Os gregos se preocupavam com a formaccedilatildeo dos

sujeitos que deveriam aprender a viver em suas sociedades cada vez mais

democraacuteticas jaacute pensavam na formaccedilatildeo eacutetica e participativa A compreensatildeo

do ensino pelas virtudes passa a ser um projeto de interesse comum na

medida em que se vecirc a necessidade de formaccedilatildeo de pessoas capazes de

ldquotomar para si a responsabilidade e o desafio coletivo de se criar princiacutepios

regras e formas de convivecircncia comum que estruturassem e preservassem o

mundo puacuteblicordquo (CARVALHO 2013 p 46)

A pedagogia pragmaacutetica de Dewey iraacute dizer que a educaccedilatildeo deve

formar para a vida Paulo Freire completa afirmando que as experiecircncias

devem ser poliacuteticas de decisatildeo e de responsabilidade e que o curriacuteculo deve

ser contextualizado e criacutetico para propiciar o conhecimento de quem iraacute ter

consciecircncia de transformar a realidade com a qual natildeo concorda Em meio agraves

discussotildees mais recentes de praacuteticas de aprendizagem pode-se destacar

ainda a aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio e as comunidades de aprendizagem

que satildeo apostas em metodologias que visam transformar a realidade local por

meio de projetos de intervenccedilatildeo social onde o diaacutelogo igualitaacuterio se converte

em um esforccedilo comum por uma educaccedilatildeo para promover a cultura de paz

combater as desigualdades sociais e prover uma educaccedilatildeo de qualidade

baseada nos princiacutepios eacuteticos e solidaacuterios (FLECHA GARCIacuteA PUIGVERT

2013)

Como esta pesquisa foi desenvolvida junto a escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo ou aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio abaixo

iremos propor uma reflexatildeo sobre tais projetos visando encontrar subsiacutedios

para compreender a solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

149

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas

Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio eacute o nome de atividades pedagoacutegicas

de intervenccedilatildeo social onde o aluno aprende a pensar e a utilizar os saberes

escolares para resolver problemas sociais reais Com isso espera-se que o

conhecimento acumulado seja aplicado e ampliado em favor da tomada de

consciecircncia de que eacute preciso assumir a responsabilidade pela construccedilatildeo de

outra ordem social possiacutevel Tal praacutetica tem sido difundida em diversos paiacuteses

e pode ser reconhecida em diversos nomes tais como ldquoaprendizagem e

serviccedilo solidaacuteriordquo ou ldquoaprendizagem-serviccedilordquo ou ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

(comum entre os paiacuteses ibero-americanos) ldquovoluntariado educativordquo na Itaacutelia e

no Brasil ldquoservice-learningrdquo nos EUA Podem ocorrer situaccedilotildees em que haacute

diferentes nomenclaturas dentro do mesmo paiacutes No entanto para os

especialistas as diferentes ocorrecircncias natildeo querem dizer nem que se tratam

da mesma proposta nem a descaracterizam (TAPIA 2001) Isso porque haacute

adequaccedilotildees regionais para o seu desenvolvimento que consiste a priori em

estimular os alunos a participarem de um projeto de intervenccedilatildeo na

comunidade para que aprendam a ser solidaacuterios utilizando os conhecimentos

aprendidos na escola Neste sentido ldquoeacute uma proposta educativa que combina

processos de aprendizagem e de serviccedilo agrave comunidade em uma soacute atividade

na qual os estudantes se formam ao implicar-se em atender as necessidades

reais identificadas na comunidaderdquo (ZERBIKAS 2013)

Nos Estados Unidos o service-learning integra a aprendizagem formal

ao desenvolvimento de projetos sociais onde os alunos aprendem e se

desenvolvem por meio da participaccedilatildeo em atividades educativas organizadas

para atender agraves necessidades de uma comunidade promovendo a

responsabilidade ciacutevica69 Programas de service-learning envolvem os alunos

em um compromisso muacutetuo em atividades que atendem agraves necessidades

locais durante o desenvolvimento das habilidades acadecircmicas e como

resultado espera-se um melhor desempenho educacional e um impacto na

69

ldquoLearn and Service Americardquo eacute o nome do Programa de Governo que estimula o desenvolvimento de projetos de service-learning

150

qualidade de vida da comunidade atendida numa combinaccedilatildeo de serviccedilo

oferecido agrave comunidade com a aprendizagem da sala de aula70 Desta forma

os estudantes natildeo somente aprendem sobre democracia e cidadania mas

efetivamente contribuem como cidadatildeos visando melhorar a vida da

comunidade71

No Brasil o termo ldquovoluntariado educativordquo remete a uma experiecircncia

formativa onde o aluno eacute estimulado a se envolver em uma atividade de

intervenccedilatildeo social O nome natildeo sugere uma repeticcedilatildeo do voluntariado adulto

mas sim um engajamento poliacutetico voltado agrave formaccedilatildeo para a cidadania

fortalecendo o viacutenculo escola ndash comunidade (SBERGA 2001 MORI e VAZ

2006)

ExCE1 - Noacutes convidamos os nossos alunos do Ensino Meacutedio para serem monitores voluntaacuterios no Parque que cuida da arborizaccedilatildeo da cidade Graccedilas a esse trabalho o Parque pode ser aberto para visitas e acabou entrando no calendaacuterio das escolas municipais da cidade Os alunos-voluntaacuterios dispunham do tempo deles para passar conceitos de Educaccedilatildeo Ambiental para crianccedilas menores num ambiente que era perfeito pra isso Eles faziam a pesquisa sobre o tema estudavam o conteuacutedo preparavam a atividade selecionavam o material partia tudo deles e a gente dava a orientaccedilatildeo Assim aprendiam muito mais sobre o tema mas aprendiam a organizar uma atividade a estudar a preparar uma peccedila de teatro encenar falar em puacuteblico

O voluntariado educativo eacute uma experiecircncia educativa voltada para a

formaccedilatildeo do jovem um espaccedilo planejado de aprendizagem em que os alunos

aprendem a contribuir socialmente assumindo a responsabilidade de estudar e

trabalhar para uma causa comum utilizando para isso os saberes acumulados

Considerando a realidade sociocultural e os muitos desafios e situaccedilotildees conflitivas em que o jovem vive o

70

A principal diferenccedila percebida no desenvolvimento de praacuteticas de service-learning e aprendizagem e serviccedilo estaacute na concepccedilatildeo do que eacute ldquosolidariedaderdquo Para os norte americanos ela estaacute mais no campo assistencial do que de conscientizaccedilatildeo portanto os projetos de tendem a ter um foco assistencialista Aleacutem disso espera-se como resultado das intervenccedilotildees o desenvolvimento eficaz do projeto (etapas cronograma e metas cumpridas) e natildeo a transformaccedilatildeo social propriamente dita (Anotaccedilotildees de palestras conferidas no XIV e XV Seminaacuterio Internacional de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuterio Buenos Aires 2011 e 2012)

71httpwwwlearnandservegovaboutlsaindexasp

151

voluntariado se apresenta como espaccedilo alternativo natildeo soacute de inserccedilatildeo social e compromisso de cidadania responsaacutevel mas tambeacutem como proposta formativa que ajuda o jovem a conhecer a si mesmo e a descobrir suas potencialidades profundas sua vivacidade e seu entusiasmo Por essas suas qualidades o voluntariado sempre foi considerado relevante no setor juvenil seja pela significatividade das suas experiecircncias educativas seja pelo valor do seu empenho (SBERGA 2001 p 158)

Trata-se portanto de uma experiecircncia preparatoacuteria necessariamente

voltada para a formaccedilatildeo do jovem e para a intervenccedilatildeo social No Brasil

milhares de escolas que desenvolvem atividades de voluntariado educativo

foram reconhecidas pelo Selo Escola Solidaacuteria72 Ao se conhecer as

experiecircncias dessas escolas pode-se perceber a diversidade de possibilidades

de adequaccedilatildeo de acordo com as expectativas e necessidades locais daiacute a

necessidade de se ter clareza do que se quer fazer e o que pode ser feito em

relaccedilatildeo ao planejamento pedagoacutegico

Segundo Tapia (2001 p 28) as atividades de aprendizagem e serviccedilo

solidaacuterio (ou voluntariado educativo) se caracterizam dentro de um universo de

quatro ocorrecircncias

a) quando a atividade eacute desenvolvida com pouca intervenccedilatildeo social e tais

accedilotildees satildeo desvinculadas do contexto educativo (por exemplo uma

atividade assistencialista como uma accedilatildeo de arrecadaccedilatildeo de agasalhos

conduzida pela direccedilatildeo da escola)

b) quando a questatildeo da aprendizagem eacute valorizada mas natildeo haacute

intervenccedilatildeo social (por exemplo pesquisas e projetos de estudo do meio

sobre a desigualdade social a pobreza a violecircncia que satildeo desenvolvidos

com os alunos verificados nas avaliaccedilotildees escolares mas natildeo sugerem

intervenccedilatildeo social)

c) quando a escola desenvolve um projeto social para resolver um

problema da comunidade poreacutem natildeo haacute planejamento para utilizar a

experiecircncia como uma intervenccedilatildeo formativa para os alunos (por exemplo

72

Ver capiacutetulo I item 3 ndash ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo

152

a escola oferece agrave comunidade um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos no periacuteodo noturno) e

d) quando haacute planejamento de um projeto de intervenccedilatildeo social e esta

praacutetica eacute pensada enquanto experiecircncia formativa (por exemplo os alunos

participarem como monitores de um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos oferecidos pela escola) Desta forma tecircm que estudar e ao mesmo

tempo contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos do EJA e

aprendem a se engajar em projetos comunitaacuterios

Atividades de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio portanto satildeo aquelas

em que o trabalho pedagoacutegico tem como objetivo melhorar a qualidade de vida

da comunidade e esta proacutepria experiecircncia ensina o aluno a ser solidaacuterio Em

outras palavras satildeo propostas pensadas a partir da articulaccedilatildeo dos conteuacutedos

e saberes que se desejam ensinar permitindo o estreitamento da escola com a

comunidade Tais atividades satildeo pensadas enquanto uma metodologia de

trabalho proposta de organizaccedilatildeo curricular ou ainda uma praacutetica educativa

No entanto essa praacutetica pode variar de acordo com o que a escola

compreende por solidariedade como dissemos no iniacutecio deste capiacutetulo

Se a atividade for conduzida sem uma consciecircncia criacutetica ela pode

reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo ao inveacutes de promover o conhecimento-

emancipaccedilatildeo Portanto ao analisar a qualidade das experiecircncias de

aprendizagem e serviccedilo ou voluntariado educativo eacute necessaacuterio considerar as

diferentes compreensotildees sobre solidariedade pois elas podem levar a

atividade a seguir propostas formativas completamente diferentes uma vez

que a visatildeo que se tem sobre solidariedade altera a qualidade da proacutepria

formaccedilatildeo

Nesse sentido vimos a necessidade de se criar uma tipologia para a

solidariedade desenvolvida como praacutetica curricular educativa visando contribuir

para a compreensatildeo das diferentes nuances que podem ocorrer de acordo com

a percepccedilatildeo do educador e o desenvolvimento das atividades Natildeo

pretendemos com isso delimitar exclusivamente aos eixos apresentados as

ocorrecircncias de solidariedade A tipologia sugere um recurso didaacutetico para

facilitar a compreensatildeo do tema sem querer esgotaacute-lo

153

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

Considerar a solidariedade como praacutetica educativa sugere pensaacute-la a

partir da praacutetica curricular da escola enquanto formada e formadora da

comunidade na qual estaacute inserida Portanto que pode estar localizada num

gradiente desde atender aos anseios de uma sociedade conservadora

reproduzindo o conhecimento-regulaccedilatildeo quanto oferecer uma formaccedilatildeo eacutetica

emancipadora uma vez que a solidariedade tambeacutem eacute um exerciacutecio de poder

(DEMO 2002) Segundo Paulo Freire

quanto mais criacutetico um grupo humano tanto mais democraacutetico e permeaacutevel em regra Tanto mais democraacutetico quanto mais ligado agraves condiccedilotildees de sua circunstacircncia Tanto menos experiecircncias democraacuteticas que exigem dele o conhecimento criacutetico de sua realidade pela participaccedilatildeo nela pela sua intimidade com ela quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingecircnuas de encaraacute-la (2001 p 103)

Desta forma a construccedilatildeo do curriacuteculo requer a previsatildeo de

experiecircncias democraacuteticas reais em meio a esta tensatildeo natildeo-neutra onde se

desenrolam conflitos entre os direitos de propriedade e os direitos das pessoas

onde existem os ldquovalores de mercadordquo de um lado e os ldquovalores

emancipadoresrdquo de outro (APPLE 2000) No entanto conceber experiecircncias

democraacuteticas conduzindo atividades socioeducativas para que os jovens

aprendam a participar buscando soluccedilotildees para problemas sociais reais de sua

comunidade natildeo significa reduzir o curriacuteculo a perspectiva de trabalhar apenas

com o contexto escolar A identificaccedilatildeo do problema deve instigar a intervenccedilatildeo

criacutetica deve disparar estudos de planejamento da accedilatildeo e de contextualizaccedilatildeo

histoacuterica universal do processo para que natildeo haja reducionismo no conteuacutedo

tampouco unilaterialidade Espera-se que tanto o processo quanto o meacutetodo

sejam universais (FRIGOTTO 1994 p 74)

Quando se pretende atingir uma aprendizagem eacutetica educar no meio

(sociocultural e cognitivo) com o meio e para o meio eacute o caminho pois a

solidariedade implica aprender na sociedade com as suas contradiccedilotildees

154

pluralidades e imprevistos Eacute preciso aprender que estar no mundo significa

considerar-se corresponsaacutevel por ele que a nossa existecircncia eacute influenciada e

influencia a existecircncia do outro

O homem como ser histoacuterico corre riscos toma decisotildees coloca-se desafios assume sua vida transforma seus contornos Cada calccedilada com guia rebaixada ou cada rampa de acesso a locais puacuteblicos eacute uma conquista histoacuterica do homem natildeo contente com o ser Os homens vivem uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre seus condicionamentos e sua liberdade Os condicionamentos satildeo limitaccedilotildees da liberdade mas enfrentando-as ele se liberta (ALMEIDA 2009 p 46)

A formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e solidaacuterio acontece a partir do cotidiano

em sociedade no ruiacutedo e no conflito na aplicaccedilatildeo do conhecimento enquanto

uma responsabilidade pela vida digna de todos pelo bem comum Assim as

situaccedilotildees reais satildeo tambeacutem situaccedilotildees de aprendizagem quando

problematizadas pois quando estas estatildeo fora do contexto social de fato a

educaccedilatildeo moral e eacutetica eacute reduzida a uma ladainha de caracteriacutesticas

comportamentais (APPLE BEANE 1997 p 12)

Neste sentido diante das vaacuterias apropriaccedilotildees e ambiguidades do termo

solidariedade percebeu-se a necessidade de se organizar uma tipologia para

que seja possiacutevel avanccedilar no sentido de melhor compreender seus contornos

no contexto da educaccedilatildeo Vale ressaltar que a intenccedilatildeo natildeo eacute delimitaacute-lo

completamente o que seria uma contradiccedilatildeo desnecessaacuteria para os propoacutesitos

de sua compreensatildeo valendo-se de que qualquer tentativa de demarcaccedilatildeo de

conceito que tem uma dinacircmica natildeo-linear e ateacute mesmo ambivalente como eacute

o caso da solidariedade provocaria distorccedilatildeo da realidade A tipologia visa

orientar a leitura dos vaacuterios tipos identificados durante a pesquisa empiacuterica e

teoacuterica da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa O gradiente de

tipos de solidariedade deve ser compreendido como uma potencialidade uma

escala espiral de matizes onde em alguns momentos a mesma atividade

pode apresentar caracteriacutesticas de mais de uma categoria de solidariedade e

pode se desenvolver em escalas mesclas de acordo com o planejamento a

natureza da proposta o objetivo que se quer alcanccedilar a compreensatildeo de

155

quem estaacute envolvido no processo Esta escala estaacute considerada a partir da

percepccedilatildeo assistencialista (em que a solidariedade eacute confundida com caridade

ou boa accedilatildeo) discursiva (aquela que estaacute presente no curriacuteculo poreacutem natildeo haacute

proposta de intervenccedilatildeo social) funcionalista-participativa (a solidariedade eacute

valorizada e haacute situaccedilotildees de aprendizagem com a comunidade poreacutem o foco

estaacute na formaccedilatildeo do aluno haacute uma compreensatildeo de que a experiecircncia escolar

eacute mais relevante do que seu impacto para a comunidade atendida) e a criacutetica-

emancipadora (satildeo criadas situaccedilotildees de aprendizagem visando melhorar a

vida da comunidade e por meio disso oferecer uma educaccedilatildeo emancipadora

os alunos identificam e criam espaccedilos para a intervenccedilatildeo na realidade junto

com a escola) Aleacutem disso a solidariedade estaacute presente no ambiente escolar

e dessa forma eacute compreendida como fator determinante de qualidade para o

desenvolvimento do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

21 Solidariedade assistencialista

As principais caracteriacutesticas da solidariedade assistencialista satildeo

a) Natildeo haacute articulaccedilatildeo da accedilatildeo social com o desenvolvimento do

conhecimento-emancipaccedilatildeo de seus alunos

b) As relaccedilotildees satildeo estabelecidas de maneira hierarquizada onde haacute

aquele que doa e outro recebe

c) O aluno pode ou natildeo ser convidado a participar sendo que natildeo haacute

intenccedilatildeo de promover a consciecircncia criacutetica Tais atividades

portanto podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo e favorecer o

status quo

Conforme jaacute apresentamos e corroborando com o nosso referencial

teoacuterico (apresentado nos capiacutetulos II e III) solidariedade natildeo eacute

assistencialismo

No assistencialismo natildeo haacute responsabilidade Natildeo haacute decisatildeo Soacute gestos que revelam passividade e ldquodomesticaccedilatildeordquo do homem Gestos e atitudes Eacute esta falta de oportunidade para a decisatildeo e para a responsabilidade participante do homem

156

caracteriacutestica do assistencialismo que leva suas soluccedilotildees a contradizer a vocaccedilatildeo da pessoa em ser sujeito e a democratizaccedilatildeo fundamental instalada na transiccedilatildeo brasileira a que jaacute nos referimos Na verdade natildeo seraacute com soluccedilotildees desta ordem internas ou externas que se ofereceraacute ao paiacutes uma destinaccedilatildeo democraacutetica O de que se precisava urgentemente era dar soluccedilotildees raacutepidas e seguras aos seus problemas angustiantes Soluccedilotildees repita-se com o povo e nunca sobre ou simplesmente para ele (FREIRE 2001 p 66)

No entanto durante a pesquisa pudemos identificar na escola uma

forma de solidariedade ainda compreendida por aquela accedilatildeo desenvolvida na

ou pela escola pensada a partir da caridade da benevolecircncia centrada em

quem faz a accedilatildeo e natildeo em quem a recebe

CPE4 ndash Desenvolvemos um trabalho solidaacuterio que atinge quase todo o tipo de populaccedilatildeo Arrecadamos brinquedos para crianccedilas agasalhos ndash tanto para crianccedilas quanto para idosos alimentos natildeo pereciacuteveis para instituiccedilatildeo de pessoas com dificuldade intelectual

Essa percepccedilatildeo por ser recorrente na praacutetica escolar nos sugeriu o

cuidado de considerar a inclusatildeo deste tipo de ldquosolidariedade assistencialistardquo

para demarcar seu campo teoacuterico dentro do universo da solidariedade

enquanto praacutetica educativa No entanto vale ressaltar que seu emprego natildeo

contribui para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica no processo de formaccedilatildeo

uma vez que o caraacuteter assistencialista pode acentuar tal valor agrave formaccedilatildeo do

sujeito

CPE4 ndash A gente usa estrateacutegias diferentes para envolver os nossos alunos porque eles satildeo adultos entatildeo a turma que arrecadar mais ganha uma pizzada Eacute difiacutecil trabalhar com adultos entatildeo damos esse incentivo Para que a gente possa arrecadar mais tem que usar estrateacutegias que sabemos que vai render

Neste caso se a escola compreendesse solidariedade a partir da

formulaccedilatildeo alteridade eacutetica e compromisso social (cidadania) poderia

encontrar outras formas para provocar o interesse dos alunos uma vez que o

fato de serem adultos natildeo justifica a estrateacutegia adotada Ao contraacuterio haacute um

157

leque de possibilidades de intervenccedilatildeo criacutetica para se propor a alunos adultos

O que determina a conduta eacute a compreensatildeo do que eacute solidariedade e em

segundo lugar o objetivo centrado no projeto de arrecadaccedilatildeo e natildeo na

aprendizagem dos alunos Se o foco eacute a arrecadaccedilatildeo em si promover o

espiacuterito de competiccedilatildeo e um momento de confraternizaccedilatildeo pode parecer

adequado mas se o foco for a aprendizagem esta natildeo eacute a melhor estrateacutegia

uma vez que se distanciou completamente da compreensatildeo de solidariedade

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo Desenvolver uma campanha de

doaccedilatildeo natildeo caracteriza intervenccedilatildeo poliacutetica da mesma forma que realizar uma

atividade visando o benefiacutecio proacuteprio estaacute em direccedilatildeo oposta ao

desenvolvimento da alteridade ainda que agraves vezes a escola tenha a intenccedilatildeo

de propiciar uma formaccedilatildeo para a cidadania

Nesta outra experiecircncia apresentada logo a seguir a escola promove

campanhas de arrecadaccedilatildeo dentro de um projeto anual em que os alunos tecircm

uma seacuterie de atividades e entre elas campanhas de arrecadaccedilatildeo Ainda que o

projeto apresente outras atividades caracterizadas pela solidariedade

funcionalista-participativa (conforme seraacute apresentado no proacuteximo subitem)

algumas das accedilotildees reservam o caraacuteter assistencialista

CPEI ndash Sobretudo a questatildeo da doaccedilatildeo de alimentos para instituiccedilotildees de caridade gecircneros de primeira necessidade Noacutes fazemos cinco campanhas ao longo do ano agasalho leite ldquoSustagenrdquo toalhas bolacha Natildeo eacute soacute a doaccedilatildeo a ideia eacute desenvolver nele o ato de pensar no outro eacute nisso que a gente fica insistindo natildeo eacute soacute dar a bolacha eacute olhar para o outro

A escola tem a intenccedilatildeo de propiciar com o desenvolvimento de tais

praacuteticas uma reflexatildeo de percepccedilatildeo diante da desigualdade social No entanto

eacute preciso considerar que o vieacutes conservador pode estar presente em uma

relaccedilatildeo desigual entre os sujeitos O que de fato significa ldquoolhar o outrordquo eacute que

faraacute a diferenccedila pois se a percepccedilatildeo de relaccedilatildeo eacute desigual o fato de a escola

reforccedilar a doaccedilatildeo pode ser compreendido pelos alunos como um reforccedilo a este

tipo de praacutetica que eacute por natureza assistencialista e que coloca o outro em

condiccedilatildeo desigual inferior

158

CPE4 ndash As atividades de solidariedade estatildeo previstas na proposta pedagoacutegica ela estaacute embasada nos ldquoquatro pilares da educaccedilatildeordquo da UNESCO comeccedilando pelo aprender a conhecer vindo para o aprender a fazer Nossa missatildeo eacute formar o profissional para o mercado de trabalho e formar o cidadatildeo e laacute estaacute o trabalho que desenvolvemos a campanha do agasalho do brinquedo de alimentos natildeo pereciacuteveis As doaccedilotildees satildeo feitas para a APM e revertidas para algumas instituiccedilotildees de carentes

Nesta fala pode-se notar o distanciamento da compreensatildeo de

solidariedade enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo A escola ao incluir no

curriacuteculo a preparaccedilatildeo pelos anunciados pilares da UNESCO - aprender a

aprender a fazer a ser e a relacionar-se (UNESCO 2001) - escolhe uma

praacutetica que pouco ou nada contribui para a sua concepccedilatildeo de formaccedilatildeo

Embora seja uma escola que demonstre uma intencionalidade em desenvolver

projetos socioeducativos o modelo adotado pouco contribui para a formaccedilatildeo

criacutetica de seus alunos73

CPE4 ndash Solidariedade eacute super importante A concepccedilatildeo de nossa escola eacute trabalhar em equipe em coletividade Por que eu tenho que ser solidaacuterio com vocecirc Porque vocecirc eacute uma engrenagem e soacute vai funcionar quando todo mundo fizer a sua parte nesta engrenagenzinha

Solidariedade eacute tambeacutem o exemplo e participaccedilatildeo junto Se vocecirc chegar em uma sala e disser ldquoagora eu vou mostrar o que eacute solidariedaderdquo Natildeo eacute assim o professor precisa participar com o aluno e incentivar dando ideias e montando estrateacutegias []

Haacute uma compreensatildeo de solidariedade enquanto valor conduta e para

tanto pode ser ensinada por meio do exemplo e do estiacutemulo agrave participaccedilatildeo de

atividades que propiciem vivecircncias de participaccedilatildeo No entanto na

continuidade da formulaccedilatildeo essa ideia a escola demonstrou que ainda estaacute

73

Para receber o Selo Escola Solidaacuteria a escola relatou outro projeto no qual realizam um evento tecnoloacutegico e convidam muitas pessoas para participar de palestras workshop e visitaccedilatildeo monitorada gratuitamente Ao inveacutes de cobrarem a entrada eacute pedida a doaccedilatildeo de 1 quilo de alimento natildeo pereciacutevel ou 1 agasalho Nessa atividade ainda que seja caracterizada por uma campanha de arrecadaccedilatildeo haacute aprendizagem haacute integraccedilatildeo Segundo a escola ldquoos alunos participaram ativamente da campanha receberam as doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registraram e organizaram as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos) realizam a entrega (comunidades de hospitais da regiatildeo)rdquo

159

centrada na concepccedilatildeo de solidariedade enquanto um projeto assistencialista

centrado em quem faz a accedilatildeo

CPE4 ndash [] Natildeo adianta o professor chegar e dizer ldquogente vai ter campanha tragamrdquo O professor mostrou solidariedade Natildeo ele soacute informou Agora se o professor disser ldquogente eacute o seguinte todo semestre temos a campanha do agasalho para ajudar as pessoas carentes Todo ano noacutes fazemos isso eacute bacana Eu participo tambeacutem com vocecircs e se a gente ganhar ainda teremos a pizzadardquo Essa eacute a diferenccedila o professor estimula participando motivando de verdade

Um projeto de mobilizaccedilatildeo de caracteriacutestica social deve

necessariamente ter como objetivo o bem comum Neste caso trata-se de uma

accedilatildeo pontual de benevolecircncia caridade que pode muitas vezes reforccedilar o

assistencialismo ou o paternalismo como valor

Haacute outro tipo de projeto recorrente

CPE4 ndash Noacutes ajudamos a manter uma escola puacuteblica aqui do bairro Parte da capacitaccedilatildeo dos professores eacute por nossa conta e tambeacutem fazemos a doaccedilatildeo de equipamentos por exemplo computadores Ateacute automoacutevel para as aulas de mecacircnica de automoacutevel noacutes jaacute doamos A prefeitura de laacute manteacutem dando o lanche dos alunos Laacute tem muito aluno carente e tambeacutem em liberdade assistida Eacute uma escola que profissionaliza que oferece cursos raacutepidos mas nenhum eacute teacutecnico Os cursos que seriam pagos eles fazem gratuito e ainda ganham lanche

A escola neste caso contribui socialmente poreacutem com um projeto

institucional assumido apenas pela direccedilatildeo da escola natildeo haacute articulaccedilatildeo da

accedilatildeo com o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo O projeto gera

impacto social promove a aprendizagem da comunidade atendida mas natildeo eacute

empregado para desenvolver o conhecimento emancipaccedilatildeo de seus proacuteprios

alunos

22 Solidariedade discursiva

As principais caracteriacutesticas da solidariedade discursiva satildeo

a) estaacute apoiada no discurso teoacuterico-pedagoacutegico

160

b) tem acentuada proposta reflexiva

c) natildeo estaacute vinculada com atividades de intervenccedilatildeo social

podendo o professor preferir aulas expositivas jogos

simulaccedilotildees diaacutelogos mas natildeo haacute o comprometimento com o

desenvolvimento de uma atividade de intervenccedilatildeo social

d) as praacuteticas levam agrave reflexatildeo ou ao desenvolvimento de um

estudo de caso de uma pesquisa acadecircmica em que o foco

estaacute no aluno natildeo haacute uma figura real o outro

A solidariedade discursiva eacute aquela percebida enquanto princiacutepio de

formaccedilatildeo que fundamenta o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico Poreacutem a praacutetica

distancia-se da proposta curricular ou seja a escola promove uma reflexatildeo

sobre solidariedade enquanto valor mas se atem a uma exploraccedilatildeo discursiva

sem criar situaccedilotildees em que de fato ela seja trabalhada enquanto atitude

poliacutetica e sem que haja intervenccedilatildeo social Por exemplo

PE4 ndash Tem aula que eu proponho uma coisa diferente noacutes fazemos uma dinacircmica Tem uma que eacute ldquoa hora do contordquo essa eacute bem simples cada um conta um pouco da sua vida Outro exemplo eacute a dinacircmica do aquaacuterio eu faccedilo um aquaacuterio gigante na lousa cada um desenha o seu peixinho e traz pra lousa pra colar com um durex A ideia eacute a discussatildeo sobre cooperaccedilatildeo sobre solidariedade O que esse aquaacuterio representa pra vocecirc Os peixinhos estatildeo aiacute o que isso significa Sai cada discussatildeo bacana Tem aluno que chega depois e diz ldquoProfessor foi legal aquela dinacircmica vocecirc tocou num ponto que taacute acontecendo na minha vida com a minha esposa na minha casardquo Entatildeo eacute isso a gente estaacute refletindo na aula

Neste caso a concepccedilatildeo de solidariedade estaacute baseada na relaccedilatildeo de

convivecircncia pensada para favorecer o clima de respeito nas relaccedilotildees sociais

que se estabelecem O professor cria situaccedilotildees de aprendizagem por meio de

dinacircmicas jogos e a troca de impressotildees e desta forma constroacutei um ambiente

onde o clima eacute amistoso O respeito e a colaboraccedilatildeo satildeo desejados e

valorizados

161

PE4 ndash Noacutes marcamos um jogo com um time de Alphaville um time de classe meacutedia alta O treinador deles disse que laacute sai muita discussatildeo entre os alunos eles brigam dentro de campo comeccedilam a se agredir um acha que pode mais que o outro Por causa disso ele natildeo queria marcar esse amistoso achou que ia sair mais briga ainda pelo fato de o nosso time ser de pessoas da comunidade Eu disse que natildeo que era uma oportunidade para todo mundo aprender E o que aconteceu Marcamos o jogo ningueacutem se machucou teve cumprimento a gente trocou as camisas no final foi muito bacana Foi muito agradaacutevel porque natildeo teve confusatildeo todo mundo se respeitou e o placar ficou em dois a dois Ningueacutem ganhou ningueacutem perdeu mas mesmo que algueacutem tivesse perdido natildeo ia importar pois o que estava em jogo neste jogo era justamente essa aproximaccedilatildeo esse aprendizado

Outra caracteriacutestica da solidariedade discursiva estaacute na intenccedilatildeo de

formaccedilatildeo enquanto processo reflexivo Os valores podem ser trabalhados a

partir da exploraccedilatildeo conceitual O educador tende a encontrar no discurso o

meio de formaccedilatildeo ou seja cria situaccedilotildees de aprendizagem sobre eacutetica mas

para muitos autores esta natildeo seria a melhor maneira pois sem a figura do

outro sem a experimentaccedilatildeo o processo tende a tornar-se esvaziado de

sentido (FREIRE 1996 2000 DEWEY 1979 DEMO 2002 CARVALHO

2013)

CPE1 ndash Noacutes temos o projeto Gincana Solidaacuteria onde noacutes colocamos todas as questotildees de cidadania escolar [] No comeccedilo todos os mil alunos satildeo divididos em cinco grandes grupos e noacutes vamos discutir professores e alunos o tema do ano Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento da cidadania de criar formas de conversar Tudo isso eacute uma grande conversa entre as pessoas Eles tecircm tarefa de muacutesica para fazer tecircm teatro pesquisa tecircm todas as fases ateacute chegar num ldquofoacuterumrdquo

Mesmo em situaccedilotildees de aprendizagem reais atividades dessa

natureza natildeo tecircm como objetivo a transformaccedilatildeo social O foco estaacute centrado

na atividade pedagoacutegica em si ainda obedecendo a uma compreensatildeo que

separa a formaccedilatildeo escolar da formaccedilatildeo para a cidadania Em outras palavras

se a intenccedilatildeo da atividade desenvolvida pelo aluno for descolada de uma

proposta real de educaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo pela interaccedilatildeo sem que seja

considerado relevante o impacto social da accedilatildeo tal postura manteacutem a relaccedilatildeo

escola-comunidade dissociada Esta percepccedilatildeo natildeo contribui diretamente para

162

a formaccedilatildeo da consciecircncia emancipadora e pode favorecer a aceitaccedilatildeo da

realidade social tal e qual ela eacute com suas desigualdades substantivas Vale

pontuar que as atividades caracterizadas como solidariedade discursiva natildeo

podem ser compreendidas como de ldquoaprendizagem e serviccedilo solidaacuteriordquo pois

estas satildeo caracterizadas pela intervenccedilatildeo real na sociedade

PE4 ndash Tem outro jogo propriamente dito o limpa-casa E o que estaacute em jogo neste jogo Eacute um jogo atrativo um jogo motivacional e acima de tudo trabalho essa questatildeo O limpa-casa eacute assim tem as equipes A e B e tem as bolas que representam a sujeira No momento em que eu falar eles tecircm que se livrar das bolas o mais raacutepido possiacutevel Parou Quem ficar com mais bola eacute a equipe do sujinho e quem ficar com menos eacute a equipe dos limpinhos No final tem todo um fechamento de como eacute que eles lidam com esta questatildeo em casa quem ajuda a manter a ordem quem limpa a casa Eu valorizo isso Eles contam como eacute Tem muita coisa bacana que daacute para discutir

Trazer atividades recreativas e motivacionais para promover

discussotildees sobre haacutebitos e comportamentos saudaacuteveis eacute uma das maneiras de

valorizar reforccedilar comportamentos sociais de colaboraccedilatildeo de convivecircncia

mas existem outras como valorizando atitudes colaborativas no ambiente

escolar e promovendo experiecircncias de responsabilidade pela transformaccedilatildeo

social

CPE1 ndash Trabalhar a solidariedade a cidadania natildeo eacute algo que vocecirc possa dizer somente Vocecirc tem que dizer mas tem que demonstrar pois eacute o exemplo que autentica aquilo que vocecirc estaacute dizendo Se vocecirc diz uma coisa e demonstra outra todo mundo percebe e isso soa falso Temos que dar informaccedilatildeo para o aluno mas tambeacutem o exemplo

Sobre essa questatildeo Carvalho afirma

eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo

163

os viacutecios como o desrespeito a intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

Tudo o que acontece na escola eacute curriacuteculo o conteuacutedo a conduta o

ambiente o uso do espaccedilo fiacutesico o uso da infraestrutura a gestatildeo a forma de

se relacionar de resolver os conflitos de conduzir o planejamento a

organizaccedilatildeo das mateacuterias as prioridades Desta forma os valores como a

solidariedade a eacutetica a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico satildeo aprendidas

conforme forem vivenciadas e o impacto dessa percepccedilatildeo pode inferir no

desempenho escolar Como seraacute desenvolvido ainda neste capiacutetulo quando

traremos a solidariedade pensada no ambiente escolar um levantamento

desenvolvido para se aferir indicadores de qualidade que pudessem indicar

outros aspectos da qualidade da educaccedilatildeo (RIBEIRO V RIBEIRO J

GUSMAtildeO 2005) para aleacutem dos jaacute mensurados nas avaliaccedilotildees externas de

rendimento a solidariedade aparece como um dos fatores de qualidade

percebidos como relevantes para o desenvolvimento de boas praacuteticas quer

seja nas escolas (UNICEF 2006) quer seja em sistemas de educaccedilatildeo

(UNICEF 2008)

No entanto a concepccedilatildeo de solidariedade pode ser ampliada para

aleacutem das relaccedilotildees de convivecircncias se for pensada enquanto conhecimento-

emancipaccedilatildeo (SANTOS B S 2009 2010) Para isso eacute necessaacuterio expandi-la

o que natildeo significa abandonar a ideia de conviacutevio da aprendizagem pelas

condutas pelo exemplo mas agregar a intenccedilatildeo de intervenccedilatildeo poliacutetica de

desenvolver uma atividade onde seja possiacutevel atuar socialmente vivenciar o

processo de tomada de consciecircncia Neste sentido eacute preciso adotar uma

postura dialoacutegica no processo educativo mas tambeacutem criar experiecircncias de

responsabilidade de atitude ciacutevica

CPE1 ndash Eacute possiacutevel ensinar eacutetica na escola Realmente eu natildeo tenho esta resposta mas que eacute possiacutevel ajudaacute-los a pensar sobre eacutetica o que fazer o que eacute permitido o que natildeo eacute permitido quais as regras sociais que podem eacute preciso que eles reflitam sobre isso dentro da escola A escola eacute um espaccedilo para reflexatildeo para que eles pensem sobre isso sobre eacutetica

164

Reflexotildees como estas provocam discussotildees filosoacuteficas desde a Greacutecia

antiga Carvalho citando Platatildeo lembra-se de sua pergunta ldquoa virtude pode ser

ensinadardquo e de outras formulaccedilotildees da mesma academia menos interessadas

em meacutetodos e procedimentos pedagoacutegicos e mais centradas no campo da

poliacutetica Natildeo se trata pois de se considerar as virtudes puacuteblicas tais como a

eacutetica a solidariedade como um conteuacutedo programaacutetico ajustado ao curriacuteculo

como uma disciplina mas tambeacutem natildeo se trata de isentar a escola de oferecer

uma educaccedilatildeo que prepare pessoas capazes de exercer sua cidadania com

liberdade na constituiccedilatildeo de um estado democraacutetico (CARVALHO 2013 p 45)

23 Solidariedade funcionalista-participativa

As principais caracteriacutesticas da solidariedade funcionalista-participativa

satildeo

a) O foco da atividade estaacute centrado nos saberes escolares no

desenvolvimento do conhecimento teacutecnico cientiacutefico e no acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado

b) Natildeo haacute preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao resultado da accedilatildeo na

transformaccedilatildeo da realidade A atividade eacute desenvolvida como um

exerciacutecio pedagoacutegico

c) A comunidade eacute compreendida como um laboratoacuterio das praacuteticas

pedagoacutegicas

d) A compreensatildeo de participaccedilatildeo social estaacute desvinculada da

formaccedilatildeo do pensamento criacutetico

Inicialmente gostariacuteamos de nos ater ao nome sugerido para esta

categoria A qualidade ldquofuncionalistardquo diz respeito ao foco da atividade

centrado na principal funccedilatildeo da escola promover a aprendizagem do aluno

quando este eacute apresentado junto agrave participaccedilatildeo - ldquofuncionalista-participativardquo

portanto - seu sentido passa a ter uma conotaccedilatildeo de que a participaccedilatildeo estaacute

ligada ao processo educativo independentemente do resultado social em si

Esta eacute a diferenccedila pois tanto a participaccedilatildeo quanto a aprendizagem satildeo

desejaacuteveis mas em se tratando do desenvolvimento da solidariedade

165

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo eacute preciso criar espaccedilos para a formaccedilatildeo

da alteridade portanto da intenccedilatildeo real de transformaccedilatildeo Em outras palavras

criar espaccedilos de participaccedilatildeo eacute fundamental mas se natildeo estiver articulada a

uma proposta criacutetica natildeo gera produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo haja

vista que a participaccedilatildeo em projetos de solidariedade assistencialista eacute

possiacutevel desejada e estimulada

Neste sentido quando as atividades solidaacuterias desenvolvidas pela

escola tecircm o foco centrado no proacuteprio processo educativo o impacto da

atividade recai na aprendizagem dos saberes escolares em detrimento do

impacto social propriamente dito Significa dizer que envolver o aluno em uma

atividade social natildeo necessariamente promove aprendizagem criacutetica

significativa Em uma proposta educativa baseada na construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade) o que se pretende eacute criar a

consciecircncia criacutetica diferente do conhecimento-regulaccedilatildeo Se o aluno eacute

convidado a participar de atividades em que o foco estaacute centrado em

determinadas aprendizagens de conteuacutedos ou saberes especiacuteficos a sua

percepccedilatildeo de intervenccedilatildeo social de transformaccedilatildeo da realidade (no dizer de

Freire) seraacute pouco explorada A ldquofuncionalidaderdquo neste caso qualifica a

solidariedade para uma accedilatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo do ponto de vista

da finalidade educativa onde a principal caracteriacutestica eacute a de que haacute

aprendizagem mas o objetivo natildeo eacute o resultado da accedilatildeo social em si

CPE1 ndash Eu natildeo tenho como dizer se aquela comunidade mudou em funccedilatildeo do projeto Eu natildeo sei o quanto isso vai mudar o asilo ou as pessoas que estatildeo laacute O que os alunos nos contaram eacute que os idosos gostaram muito [] Natildeo sei como os idosos ficam eu sei como os alunos voltam eles voltam transformados

Neste tipo de trabalho o propoacutesito eacute criar uma situaccedilatildeo de

aprendizagem e de conviacutevio com outras realidades e despertar a atenccedilatildeo do

aluno ampliando os espaccedilos educativos para aleacutem da sala de aula

propiciando outras vivecircncias A accedilatildeo pedagoacutegica eacute o objetivo em si mesma

independente do impacto social que venha causar Tais atividades se

caracterizam pelo esforccedilo de organizar a praacutetica curricular para propiciar

166

experiecircncias durante a formaccedilatildeo muito embora tais projetos tambeacutem possam

ser pensados para provocar uma intervenccedilatildeo social e natildeo somente a

constataccedilatildeo de que as diferentes realidades existem

PE1 ndash No Cientista Solidaacuterio a gente faz sabatildeo O principal objetivo eacute fazer ciecircncia fazer o aluno observar ter estiacutemulo para aprender Quanto ao sabatildeo alguns a gente guarda outros os alunos levam para casa outros a gente doa Eacute muito bom doar para quem precisa ser uacutetil a algueacutem

Neste projeto ainda que textualmente no planejamento74 a escola

tenha mostrado uma preocupaccedilatildeo com o compromisso eacutetico e solidaacuterio no

processo formativo a atividade em si estaacute centrada no conhecimento cientiacutefico

Quando o resultado fica restrito ao pedagoacutegico e natildeo ao impacto da accedilatildeo

solidaacuteria o aluno poderaacute incorporar uma visatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo O

outro torna-se um ldquoqualquer outrordquo natildeo haacute de fato um compromisso com o

interlocutor com quem recebe a accedilatildeo

PE1 ndash Agraves vezes no horaacuterio das aulas a gente natildeo consegue dar a parte teoacuterica e praacutetica entatildeo surgiu a ideia de que o aluno viesse no contraturno para ter essa praacutetica no laboratoacuterio Eacute uma atividade voluntaacuteria vem o aluno que quiser natildeo estaacute preso agrave nota agrave frequecircncia nem nada Mas noacutes vemos que eacute bacana que eles ficam estimulados Para isso eu pensava em fazer algo que eles pudessem produzir que eles pudessem mostrar para os outros o que fizeram Entatildeo eu pensei em alguma coisa de higiene sabatildeo Fazer com que o oacuteleo viesse da casa deles da vizinhanccedila Uma vez o aluno ensinou a matildee e ela comeccedilou a fazer sabonete para vender como lembrancinha para receacutem nascido

As oportunidades de aprendizagem criadas que colocam o aluno em

uma situaccedilatildeo de assumir um compromisso com a aprendizagem desvinculada

da nota satildeo bons exemplos de como se ensina a ter responsabilidade A

participaccedilatildeo da comunidade em diferentes contextos faz com a experiecircncia

percorra diferentes percursos de aprendizagens que nem sempre estavam

previstos no planejamento satildeo situaccedilotildees de aprendizagem significativas

74

Apresentado no capiacutetulo I na descriccedilatildeo da Escola1 em ldquoCientista Solidaacuteriordquo

167

poreacutem natildeo eacute possiacutevel perceber como intenccedilatildeo da escola a intervenccedilatildeo criacutetica

da realidade

CPE1 ndash Noacutes temos pombos na escola e os alunos conseguiram durante uma ediccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria haacute uns anos atraacutes a doaccedilatildeo de um aparelho de alta frequecircncia que soacute pombo ouve Esse aparelho emitia o som do gaviatildeo Eles o colocaram em pontos estrateacutegicos e os pombos desapareceram Mas depois a gente teve que desligar porque alguns alunos estavam ouvindo tambeacutem Foi assim que ficamos sabendo que o ouvido humano ateacute os 21 anos de idade pode captar essa frequecircncia Mas natildeo faz mal natildeo tem importacircncia o fato de ele ter sido desligado o importante foi promover a discussatildeo eles conseguirem a doaccedilatildeo houve o envolvimento de todo mundo discutimos sobre os pombos sobre o problema das pragas urbanas etc

CPE3 - O primeiro objetivo eacute a formaccedilatildeo do nosso aluno eacute ele entrar em contato com uma comunidade diferente Eacute claro que por ser um trabalho seacuterio comprometido ele vai surtir efeito nesta comunidade mas o nosso objetivo primeiro natildeo eacute transformar esta realidade E a gente tem que assumir isso Eu natildeo sei Eu tambeacutem estou pensando se essa eacute a funccedilatildeo se eacute assim que iremos trabalhar esses valores a eacutetica Mas pensar soacute ali dentro da sala de aula natildeo eacute via voluntariado educativo me parece um caminho muito bacana

A funccedilatildeo da escola eacute a educaccedilatildeo formal garantir que o aluno tenha a

oportunidade de desenvolver-se em suas capacidades cognitivas ter acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado desenvolver-se pessoal e

socialmente Neste sentido propor uma educaccedilatildeo que crie espaccedilos de

intervenccedilatildeo social abrindo-se para o mundo real com possibilidades de inferir

em uma realidade e nela atuar buscando contribuir para melhoraacute-la faz parte

do processo educativo Natildeo se espera que a escola resolva todos os

problemas da sociedade pois natildeo eacute esta a funccedilatildeo social que deve responder

No entanto o acesso ilimitado ao conhecimento por meio das

tecnologias as novas formas de produccedilatildeo de relaccedilatildeo e de consumo implica

ensinar a coletar e organizar as informaccedilotildees a pesquisar a pensar a resolver

problemas a reconhecer-se parte da sociedade e nela inferir sem que isso seja

pensado em benefiacutecio proacuteprio mas sim visando de fato construir um mundo

melhor para se viver Espera-se que seu principal objetivo seja oferecer uma

educaccedilatildeo de qualidade e o seu projeto pedagoacutegico para tanto precisa ser

guiado pela concepccedilatildeo de qualidade que se deseja imprimir Se a qualidade

168

estiver relacionada apenas com o resultado nos exames externos a estrateacutegia

deveraacute seguir pela preparaccedilatildeo dos alunos para a realizaccedilatildeo das provas mas

se a compreensatildeo de que a formaccedilatildeo deve assegurar o desenvolvimento da

consciecircncia criacutetica e da autonomia ela deveraacute adotar outras estrateacutegias para

atingir tal objetivo Desta forma quando haacute a segunda percepccedilatildeo a

solidariedade pode ser pensada enquanto estrateacutegia intriacutenseca ao processo de

aprendizagem A escola que adota a intervenccedilatildeo social como praacutetica curricular

pode desenvolver a consciecircncia criacutetica a alteridade e a formaccedilatildeo eacutetica se de

fato estiver fazendo com que os seus alunos assumam a responsabilidade em

comprometer-se em pesquisar avaliar planejar agir em favor de um projeto

para melhorar a vida da comunidade A percepccedilatildeo dicotocircmica entre focar na

aprendizagem e no desenvolvimento de projetos de intervenccedilatildeo na

comunidade acontece quando natildeo haacute clareza de tal articulaccedilatildeo quando os

momentos educativos ainda estatildeo dissociados

CPE1 ndash Noacutes temos que trabalhar os conteuacutedos que satildeo cobrados no vestibular e ao mesmo tempo trabalhar os projetos de cidadania Isso estaacute claro na cabeccedila dos professores mas se eu perguntar para eles o que noacutes precisamos mais cidadania ou conteuacutedo eles vatildeo dizer conteuacutedo

CPE3 ndash Natildeo acontece por esta via por exemplo ensinar portuguecircs pelo caminho do social Eu acho que tem um conhecimento aprendido que eacute aplicado eu vejo que tem relaccedilotildees mas ainda eacute descolado

Tecircm momentos em que noacutes conseguimos Por exemplo a oitava seacuterie fez um projeto de liacutengua portuguesa de construccedilatildeo de texto com a comunidade do Centro da Crianccedila e do Adolescente Os alunos participaram da adaptaccedilatildeo do planejamento do lanccedilamento da execuccedilatildeo da visita ao Museu junto com os meninos do CCA foi um trabalho muito legal [] Outro exemplo o professor de ciecircncias passou um semestre no projeto de roboacutetica no centro profissionalizante com quinze alunos Natildeo daacute para ele trazer para a sala de aula esta experiecircncia o tempo todo Entatildeo tem determinados momentos que isso eacute feito mas porque tem um pedido

O fato de o professor ter esta visatildeo distanciada da formaccedilatildeo para a

cidadania em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica reflete a tensatildeo da

formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica ao conhecimento emancipaccedilatildeo

A reduccedilatildeo da emancipaccedilatildeo moderna agrave racionalidade cognitivo-instrumental da ciecircncia e a reduccedilatildeo da regulaccedilatildeo moderna ao

169

princiacutepio do mercado incentivadas pela converso da ciecircncia na principal forccedila produtiva constituem as condiccedilotildees determinantes do processo histoacuterico que levou a emancipaccedilatildeo moderna a render-se agrave regulaccedilatildeo moderna Em vez de dissolver no pilar da regulaccedilatildeo o pilar da emancipaccedilatildeo continuou a brilhar mas com uma luz que provinha [] dos diferentes espelhos que refletiam a regulaccedilatildeo (SANTOS 2009 B S p 57)

O rigor cientiacutefico centrado em validar o que eacute quantificaacutevel promove o

interesse e o desenvolvimento de conhecimentos regulares observaacuteveis

mensuraacuteveis As ciecircncias humanas e sociais importaram o cientificismo das

ciecircncias exatas e bioloacutegicas reduzindo portanto a complexidade da realidade

(DEMO 1985 CHIZZOTTI 1991)

CPE3 ndash O objetivo principal de se desenvolver esses projetos solidaacuterios eacute o aluno levar essa experiecircncia esse aprendizado para o resto da vida E de fato eu tinha alunos que jamais iriam num trabalho voluntaacuterio numa creche porque natildeo tecircm esse perfil [] Quando a gente abriu o futebol entatildeo foi impressionante porque veio uma leva de alunos aqueles que natildeo vatildeo bem na escola Foi muito bacana o perfil que se formou

Nota-se que a escola tem como proposta criar espaccedilos para a vivecircncia

e a aprendizagem solidaacuteria mas que ainda assim pode-se perceber um

distanciamento mesmo que isso natildeo seja comum a todos os professores nem

a todos os projetos que ela desenvolve

24 Solidariedade criacutetica-emancipadora

As principais caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

a) A solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de formaccedilatildeo criacutetica

pelas quais a escola identifica um problema social real planeja as

accedilotildees de intervenccedilatildeo utilizando os saberes acumulados na escola e

na vida e fazem a intervenccedilatildeo para resolvecirc-los

b) Articulaccedilatildeo da intencionalidade pedagoacutegica com a qualidade da

accedilatildeo social visando o desenvolvimento da formaccedilatildeo criacutetica ao

mesmo tempo em que busca melhor qualidade de vida da

comunidade atendida

170

c) Conhecimento colaborativo produzido por meio das relaccedilotildees

horizontais que se estabelecem

d) O fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria comprometimento e co-responsabilidade

As atividades que envolvem solidariedade na escola geralmente satildeo

desenvolvidas a partir de dois princiacutepios segundo Tapia (2006) 1) iniciativas

que visam melhorar a vida da comunidade - no entanto natildeo haacute intenccedilatildeo de

criar situaccedilotildees de aprendizagem para os proacuteprios alunos e 2) atividades

pedagoacutegicas trabalhos de campo reflexatildeo teoacuterica em que o foco estaacute no

desenvolvimento do conhecimento acadecircmico que natildeo visam melhorar a vida

da comunidade

Haacute ainda um terceiro tipo que diz respeito ao que veremos neste

item que estaacute aportado na articulaccedilatildeo entre oferecer um desenvolvimento do

conhecimento acadecircmico a partir da participaccedilatildeo em atividades que visam

melhorar a vida da comunidade Na compreensatildeo de solidariedade tais

experiecircncias devem buscar desenvolver a alteridade a eacutetica e o compromisso

poliacutetico como formaccedilatildeo Portanto enquanto praacutetica educativa podem ser

pensadas a partir do desenvolvimento de projetos de ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

que se referem ao terceiro tipo na medida em que

Falamos em aprendizagem e serviccedilo quando haacute intersecccedilatildeo das duas intencionalidades quando o desenvolvimento de um projeto estaacute presente simultaneamente na intencionalidade pedagoacutegica e na intencionalidade solidaacuteria (Ibidem p 25 traduccedilatildeo livre)

Neste caso a solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de

formaccedilatildeo criacutetica de tomada de consciecircncia do compromisso eacutetico-poliacutetico

pelas quais os alunos identificam um problema social real planejam accedilotildees de

intervenccedilatildeo e interferem na realidade utilizando os saberes acumulados na

escola e na vida para resolvecirc-los Tal experiecircncia eacute portanto centrada tanto

em propiciar uma aprendizagem criacutetica e criativa dos alunos quanto em

promover a emancipaccedilatildeo da comunidade atendida Quando pensada como

171

proposta curricular o curriacuteculo ganha amplitude na medida em que envolve

diferentes conexotildees em favor do saber pensar saber agir saber relacionar-se

para o desenvolvimento de um mundo mais justo e fraterno

Neste sentido o curriacuteculo pode ser pensado a partir de experiecircncias

que promovam a aprendizagem natildeo somente circunscrita entre as disciplinas e

as paredes da sala de aula senatildeo utilizando a proacutepria vida que pulsa em

sociedade para fazecirc-la

PE3 ndash Quando o cacique nos mostrou que o que de fato interessava era justamente essa interaccedilatildeo noacutes vimos que este eacute o caminho que eacute por aiacute que eles querem isso E noacutes somos o branco eu falo isso para os alunos ldquoGente cuidado noacutes somos o branco aqui dentro ou seja quem soacute fez mal a elesrdquo Eu acho bem difiacutecil para os nossos alunos eacute diferente por exemplo do que ir na favela do Jaguareacute Eles tecircm dificuldades mas natildeo eacute outra cultura

O maior aprendizado eacute saber que existe isso dentro da sua cidade acho que ningueacutem se daacute conta disso e conviver eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual eles sentem eles ficam juntos eles rolam na terra eacute uma super-interaccedilatildeo

O professor define o curriacuteculo a partir da concepccedilatildeo de educaccedilatildeo que

se quer desenvolver de acordo com o objetivo que se quer alcanccedilar Neste

caso enquanto forma de conhecimento intriacutenseca ao processo formativo a

descoberta do outro implica tambeacutem a descoberta de si mesmos No

depoimento acima pode-se notar que uma atividade onde a escola cria

espaccedilos para que os alunos possam de fato conhecer outra cultura todas as

suas complexidades e contradiccedilotildees satildeo expostas da maneira como realmente

satildeo A percepccedilatildeo criacutetica eacute provocada pelo tipo de atividade desenvolvida pela

exposiccedilatildeo ao outro ldquode igual para igualrdquo numa construccedilatildeo horizontal de

conhecimento baseada na alteridade

A escola parte para o desenvolvimento de uma relaccedilatildeo solidaacuteria de

construccedilatildeo colaborativa de conhecimento ampliando o espaccedilo educativo para

aleacutem da sala de aula e intervindo em uma realidade com a qual se identifica e

acredita que pode ajudar a melhorar

172

CPE2 ndash Antes de iniciar o projeto aqui dentro da escola eu fui laacute conhecer os cooperados e vi que o nosso trabalho ia ajudar porque quando eles saem na rua para buscar lixo de casa em casa com um carrinho eacute muito mais trabalhoso e a quantidade arrecadada eacute pequena sem contar que eacute constrangedor tambeacutem Aqui eles passam recolhendo com um caminhatildeozinho toda terccedila-feira O trabalho deles natildeo eacute faacutecil o processo de triagem eacute difiacutecil ficar ali eacute mal cheiroso

Na solidariedade criacutetica-emancipadora o projeto parte da loacutegica como

a atividade pedagoacutegica eacute construiacuteda o foco natildeo estaacute dentro da escola no

desempenho escolar de seus alunos (funcionalista) tampouco se trata de uma

atividade de benevolecircncia (assistencialista) mas estaacute centrado no outro o foco

eacute atender a uma necessidade da comunidade que neste caso eacute por um

projeto de troca de conhecimento de socializaccedilatildeo de integraccedilatildeo intercultural

mas poderia ser outra (como no depoimento da escola abaixo) Iniciar um

projeto a partir das reais necessidades daquele que seraacute beneficiado pela accedilatildeo

eacute uma das caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

ExCE1 - O projeto surgiu pela necessidade do Parque Eles natildeo tinham como receber grupos de visitaccedilatildeo porque natildeo haviam monitores entatildeo propus que os alunos do Ensino Meacutedio da nossa escola fossem os monitores-voluntaacuterios no contraturno A coordenaccedilatildeo do Parque adorou a ideia os alunos fizeram um curso de estaacutegio de formaccedilatildeo e o Parque pode ser aberto para visitaccedilatildeo Por causa disso as EMEIs e EMIs da cidade incluiacuteram tal visita no calendaacuterio escolar Entatildeo funcionava assim a coordenadora da escola que ia mandar os seus alunos para a visita dizia que conteuacutedos estavam estudando para a coordenadora do Parque e juntos noacutes faziacuteamos a adequaccedilatildeo da atividade que seria desenvolvida de acordo com este conteuacutedo Era muito bacana Nossos alunos sempre preparavam algo a mais pesquisavam se organizavam e viam o que seria mais interessante Eles acabavam inventando teacutecnicas para aquilo como passar trechos de filmes por exemplo

Criou-se neste caso uma rede colaborativa de aprendizagem Graccedilas

a este projeto toda a rede puacuteblica de educaccedilatildeo infantil da cidade pode incluir

em sua agenda a visita ao Parque Ecoloacutegico responsaacutevel pelo projeto de

paisagismo da cidade A oportunidade de aprendizagem tanto para os alunos

das EMEIs e EMIs quanto para aqueles que planejam e executavam as

atividades foi bem explorada pelas escolas que apostaram em um projeto

integrado de educaccedilatildeo ambiental combinando consciecircncia ecoloacutegica e

173

solidariedade A rede colaborativa de aprendizagem e trabalho em equipe

agregou qualidade agrave educaccedilatildeo demonstrando que eacute possiacutevel incluir no

curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem que faccedilam sentido para a vida em

sociedade

De que adianta obter determinadas quantidades de informaccedilotildees sobre geografia e histoacuteria adquirir a capacidade de ler e escrever se durante o processo o indiviacuteduo perde sua alma se perde sua capacidade de avaliar as coisas de perceber os valores aos quais as coisas estatildeo ligadas se perde o desejo de aplicar o que aprendeu e sobretudo se perde a capacidade de extrair o significado de suas experiecircncias futuras agrave medida que ocorreram (DEWEY apud APPLE BEANE 1997 p 30-31)

A relaccedilatildeo solidaacuteria eacute horizontal e para tanto deve ter como princiacutepio a

alteridade Deve se propor saber ouvir e buscar caminhos para se fazer o que

de fato atenda as reais expectativas do outro Quando a escola parte do

diagnoacutestico inicial quando a atividade eacute organizada com o objetivo de ensinar

solidariedade esta conduccedilatildeo eacute fundamental para que os alunos a vivenciem da

forma correta Natildeo se trata de iniciar um projeto estruturado dentro da escola

planejado por alunos e professores antes mesmo de se conhecer o que a

comunidade necessita de fato Encontrar mecanismos para lidar com as reais

necessidades da comunidade fazendo as adequaccedilotildees necessaacuterias exige

planejamento estudo mas tambeacutem exige ensinar a desenvolver uma relaccedilatildeo

baseada sobretudo no respeito Conhecer outras realidades outras culturas e

com ela compartilhar saberes aprendendo a valorizar a diferenccedila eacute um dos

caminhos da formaccedilatildeo de uma consciecircncia de cidadania planetaacuteria (PADILHA

et al 2011)

PE3 ndash Noacutes comeccedilamos esse projeto porque um iacutendio que era aluno nosso do EJA haacute uns sete anos atraacutes pediu para que noacutes focircssemos ateacute a aldeia dele trabalhar com as crianccedilas principalmente o reforccedilo de portuguecircs Noacutes chegamos laacute para estudar junto fazer liccedilatildeo mas eles natildeo queriam isso A gente natildeo conseguiu entrar por esse vieacutes pedagoacutegico entatildeo seguimos por um caminho alternativo que foi o do artesanato das artes com argila dobradura A relaccedilatildeo seguiu por uma outra loacutegica a deles Ateacute que eu comecei a ficar preocupada e me perguntei o que noacutes estamos de fato fazendo Foi aiacute que eu resolvi procurar o cacique e ele me disse que era justamente isso o que eles queriam que o melhor trabalho que tinha na aldeia era o nosso porque noacutes eacuteramos as uacutenicas pessoas que iam laacute para

174

se relacionar com as crianccedilas que todo mundo vai para dar alguma coisa tipo roupa remeacutedio vacina e a relaccedilatildeo eacute sempre muito distante Ele disse que se pudessem as pessoas arremessariam as coisas laacute dentro Ele falou ldquovocecircs satildeo nossos amigos e satildeo os uacutenicosrdquo A partir desse retorno eu comecei a focar mesmo nessa troca de culturas Entatildeo a gente conta uma histoacuteria para eles eles contam uma histoacuteria para noacutes noacutes fizemos uma receita para eles (de brigadeiro que natildeo vai ao fogo) e eles fizeram uma deles (tipaacute) para noacutes Nessas a gente escreve a receita eles copiam e assim a gente trabalha portuguecircs esse aprendizado eacute meio pano de fundo Em troca eles nos ensinam a falar algumas palavras em Guarani e eacute bem difiacutecil Eacute um trabalho muito bacana75

CE3 ndash O mais importante eacute esse conhecimento de superar as diferenccedilas e preconceitos conhecendo mesmo vendo como eacute que eacute e pondo a matildeo na massa juntos tipo trabalhando com o barro para fazer a ceracircmica indiacutegena com culinaacuteria teve uma aula que a gente ensinou eles a fazer tipaacute e eles fizeram brigadeiro todo mundo adorou a gente vai trabalhando assim de igual para igual

Nestes depoimentos haacute alguns aspectos que gostariacuteamos de pontuar

a) o projeto teve iniacutecio pela necessidade da comunidade e natildeo da escola ou

seja natildeo parte de um interesse de quem faz a accedilatildeo mas sim de quem iraacute

receber b) com o seu desenvolvimento a professora percebeu que a

expectativa da comunidade era outra e novamente mantendo a proposta

dialoacutegica de atuaccedilatildeo se dirige agrave comunidade para que juntos reavaliem o

percurso do projeto numa relaccedilatildeo reflexiva horizontal direta aberta c)

certifica-se ouvindo a comunidade que o projeto estaacute atendendo agraves suas

expectativas e d) a aprendizagem eacute muacutetua as diferenccedilas satildeo valorizadas

Tanto na ldquofalardquo da escola quanto da comunidade eacute possiacutevel perceber a

reciprocidade Aleacutem disso quando o objetivo eacute compartilhado a apropriaccedilatildeo eacute

legiacutetima para ambos fica difiacutecil de saber ldquode quem eacute o projetordquo

PE3 - Eacute uma possibilidade de relacionamento iacutempar natildeo eacute faacutecil mas o nosso papel eacute esse criar oportunidades para eles Tanto os alunos da escola como as crianccedilas e jovens indiacutegenas tecircm interesse de conviver com essa outra cultura Isso eacute ensinar solidariedade cidadania

75

No Jaraguaacute a menor aldeia do Brasil (17 hectare) sofre com as pressotildees por reintegraccedilatildeo de posse a construccedilatildeo do trecho oeste do Rodoanel e a inserccedilatildeo de projetos imobiliaacuterios na regiatildeo A presenccedila indiacutegena remonta ao seacuteculo 16 e a liacutengua materna eacute o Guarani A religiosidade e a produccedilatildeo artesanal estatildeo entre os principais elementos da resistecircncia guarani jaacute que a terra natildeo pode ser mais fonte de sobrevivecircncia (RIBEIRO 2010)

175

CE3 ndash Faz parte da nossa proposta do nosso conteuacutedo proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque noacutes estamos suprimidos pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Entatildeo a gente precisa preparar o nosso aluno para se integrar com outra comunidade Como ele vai sair daqui Ele natildeo pode chegar laacute despreparado sem conhecer nada

Os arranjos que se formam em torno de uma proposta de

solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa propiciam a produccedilatildeo de

um conhecimento colaborativo que acontece em meio a diferenccedilas de culturas

de classe social de niacutevel de escolaridade de idades Para viver os desafios de

uma formaccedilatildeo intercultural eacute preciso tornaacute-los presentes no processo de

formaccedilatildeo A aprendizagem torna-se significativa quando parte da alteridade e

esse planejamento favorece o desenvolvimento de uma atividade de

integraccedilatildeo de construccedilatildeo de conhecimento compartilhado Em outras palavras

aprender a pensar com o outro sem que haja sobreposiccedilatildeo cultural acentua o

traccedilo da alteridade numa perspectiva de desenvolvimento da ecologia do

saberes (SANTOS B S 2009)

Vale considerar ainda que ldquoum dos principais papeacuteis reservados agrave

educaccedilatildeo consiste antes de mais em dotar a humanidade da capacidade de

dominar o proacuteprio desenvolvimentordquo (UNESCO 2001 p 82) deixando a

concepccedilatildeo de desenvolvimento ligada apenas ao aspecto cientiacutefico e

econocircmico para encontrar tambeacutem a valorizaccedilatildeo das liberdades das

possibilidades de escolhas dos valores culturais em favor da vida

Nesse processo os saberes escolares satildeo revisitados em meio a uma

tomada de atitude que iraacute intervir na realidade envolvendo a consciecircncia de

pertencimento a um grupo social e de que cada accedilatildeo tem uma reverberaccedilatildeo

histoacuterica Numa comunidade de aprendizagem os problemas satildeo

compartilhados e aprender a respeitar a diversidade a colaborar faz com que

o grupo todo aprenda

Definidas como experiecircncias que oferecem simultaneamente uma alta qualidade de serviccedilo e um alto grau de integraccedilatildeo com os conteuacutedos formais este tipo de praacutetica implica a mesma continuidade e o mesmo compromisso institucional do serviccedilo comunitaacuterio estudantil poreacutem lhe somam a articulaccedilatildeo

176

das atividades com os objetivos da aprendizagem acadecircmica que caracterizam os trabalhos de campo (TAPIA 2006 p 29 traduccedilatildeo livre)

Os educadores de uma escola que se propotildee a desenvolver uma

educaccedilatildeo solidaacuteria precisam criar espaccedilos que ajudem os jovens a ter

experiecircncias que natildeo se restrinjam ao curriacuteculo formal pois geralmente ele

silencia as culturas que natildeo satildeo dominantes (APPLE BEANE 1997)

PE3 ndash O maior aprendizado desse projeto com a aldeia indiacutegena eacute conviver eacute essa interaccedilatildeo eacute essa troca de culturas Eles ficam juntos eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual Eles rolam juntos na terra Eacute uma troca Noacutes natildeo vamos laacute para ensinar mas eles aprendem coisas com a gente e noacutes aprendemos com eles

CPE2 ndash Eu acho que se aprende a ser solidaacuterio sofrendo com o sofrimento alheio Eu me coloco no lugar das pessoas o que eu posso fazer Em que linha posso trabalhar como posso contribuir O que eu sou eacute uma consequecircncia de tudo o que eu vim somando desde a minha infacircncia ateacute agora Eu aprendo com o outro Sem o outro a gente natildeo eacute nada Entatildeo a gente aprende na dificuldade do outro na vitoacuteria do outro na histoacuteria do outro e vocecirc tenta construir a sua histoacuteria em funccedilatildeo das coisas que vocecirc tem laacute de repertoacuterio

O respeito e o re-conhecimento do outro durante o processo de

formaccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade

consciente ativa da alteridade Essa relaccedilatildeo com o outro que toca afeta em

muitas dimensotildees desafia uma relaccedilatildeo de responsabilidade mais do que de

reconhecimento apenas Diante de sujeitos abstratos teorizados natildeo haacute essa

responsabilidade pois natildeo haacute necessidade real nem fraqueza nem fortaleza

pois natildeo haacute a concretizaccedilatildeo da vida O homem se faz sujeito do conhecimento

na medida em que reconhece suas exigecircncias eacuteticas concretas Como afirma

Leacutevinas (1988) o conhecimento enquanto respeito da alteridade implica em

ensinamento mas tambeacutem em reconhecer a presenccedila do outro onde a

formaccedilatildeo do sujeito eacutetico-poliacutetico se daraacute mediante a relaccedilatildeo dialeacutetica desse

enfrentamento da responsabilidade da atenccedilatildeo agrave vida e tambeacutem como

sustentou Freire

177

Ningueacutem pode estar no mundo com o mundo e com os outros de forma neutra Natildeo posso estar no mundo de luvas nas matildeos constatando apenas A acomodaccedilatildeo em mim eacute apenas caminho para a inserccedilatildeo que implica decisatildeo escolha intervenccedilatildeo na realidade (FREIRE 1996 p 43)

Criar oportunidades de aprender com o outro propicia o

desenvolvimento da alteridade um dos pilares fundamentais do conhecimento-

solidariedade sendo uma abertura para se repensar a formaccedilatildeo humana as

nossas relaccedilotildees pela eacutetica Em qualquer situaccedilatildeo deixar-se afetar pelo outro

implica no autoconhecimento ou ainda na ressignificaccedilatildeo de uma

compreensatildeo de si mesmo vinda do outro Este processo precisa ser

construiacutedo intencionalmente e dependeraacute sobretudo da compreensatildeo sobre a

qualidade da formaccedilatildeo que se deseja desenvolver

CPE2 ndash E quando a gente fala do meio ambiente da sustentabilidade da reciclagem eu natildeo estou falando soacute da questatildeo em si mas a questatildeo do respeito mesmo de respeitar o outro que tambeacutem eacute dono desse espaccedilo do espaccedilo que natildeo eacute soacute meu eacute coletivo do espaccedilo do planeta que se afeta se a gente natildeo cuidar dele Pra mim desenvolver na crianccedila o espiacuterito de solidariedade eacute isso eacute preciso respeitar ser respeitado e respeitar o outro

Estabelecer canais para que o aluno vivencie o respeito eacute fundamental

para o desenvolvimento da alteridade e do sujeito eacutetico onde a

responsabilidade eacute compreendida no campo existencial Portanto natildeo pode ser

incorporada ao homem intelectualmente mas vivencialmente (FREIRE 2001

p 66)

Um projeto baseado na alteridade no respeito ao outro natildeo eacute

sustentado apenas na boa accedilatildeo Eacute necessaacuterio estar de acordo com as reais

expectativas daquele que as recebe e com a percepccedilatildeo de que o sentido da

educaccedilatildeo deve ser o de formar pessoas que se respeitem pelo princiacutepio da

reciprocidade da alteridade A escola que cria espaccedilos de intervenccedilatildeo social

por ter como foco o desenvolvimento do pensamento criacutetico observa a

presenccedila da diversidade dos sujeitos sociais suas condiccedilotildees busca conhecer

seus interesses e deles partir para o desenvolvimento de atividades que

178

venham ao encontro dessa necessidade sem perder de vista o enriquecimento

do processo formativo

ExCE1 - Tem muito aprendizado eacute muito possiacutevel criar situaccedilotildees de aprendizagem muito mesmo disciplina tudo Acabava que eles tinham que se colocar neacute Eles eram monitores mas acabavam se colocando como professores e nesse momento eles percebiam a dificuldade que eacute Eles comeccedilam a ver um fim uacutetil para aquilo que estatildeo aprendendo na escola e aiacute as coisas se transformam Porque eles tinham que desenvolver muitos conhecimentos atuar em muitas aacutereas do conhecimento Resolveram que tinham que usar o teatro o teatro de fantoche criaram um texto para passar a mensagem deles Sim porque tudo isso era de responsabilidade deles eles eacute que resolviam o que iam fazer como fazer e o resultado era baacuterbaro ateacute musiquinha eles criaram para fazer a monitoria Eles fizeram um curso de monitoria para que eles pudessem aprender como entreter as crianccedilas

Propiciar experiecircncias de solidariedade e compromisso significa criar

uma dinacircmica de aprendizagem que favorece o amadurecimento da

responsabilidade numa relaccedilatildeo com a comunidade e com outros de troca e ao

mesmo tempo atende ao planejamento do que se pretende ensinar de

conteuacutedo programaacutetico Portanto envolve disciplina estudo pesquisa

apropriaccedilatildeo da linguagem aleacutem da construccedilatildeo da concepccedilatildeo poliacutetico-social de

tomada de consciecircncia de pertencimento a uma sociedade Neste caso

estudar natildeo se faz necessaacuterio apenas para o desempenho escolar mas sim

para conseguir o melhor roteiro para o teatro a melhor argumentaccedilatildeo para o

texto os assuntos mais interessantes para os visitantes ou o desenvolvimento

da consciecircncia ecoloacutegica Debruccedilar-se criticamente responsabilizando-se pela

comunidade vivendo suas contradiccedilotildees dificuldades criando oportunidades e

maneiras criativas para melhoraacute-la eacute o que nesses casos daacute sentido ao

processo educativo Criar situaccedilotildees reais de aprendizagem significa expor-se

criar um planejamento pedagoacutegico compartilhado que permita adequaccedilatildeo de

quem participa da accedilatildeo O trabalho em conjunto em projetos fora do habitual

com pessoas e situaccedilotildees reais permite a valorizaccedilatildeo das diferenccedilas como

riquezas e como oportunidades de aprendizagem e crescimento

ExCE1- Eu ajudava com o conhecimento pedagoacutegico mas natildeo era soacute isso porque eles tinham que saber como melhor atingir o puacuteblico que vinha

179

visitar o parque A crianccedila de sete anos eacute de um jeito a de oito de outro a de treze eacute de outro a de cinco a de dois O conteuacutedo agraves vezes era o mesmo mas a forma de passar esse conteuacutedo tinha que ser diferente Meu papel era esse de ir adequando o conteuacutedo agrave faixa etaacuteria mas natildeo precisava muito era soacute ensinar alguma coisa para eles deslancharem sozinhos eles mesmos percebiam como eacute que eles deviam fazer

As atividades em que os alunos satildeo estimulados a ter autonomia para

decidirem o que fazer e assumir tambeacutem os riscos desse envolvimento satildeo

ainda mais desafiadoras e formadoras da alteridade da responsabilidade Natildeo

haacute uma metodologia uacutenica uma norma ou uma regra preacute-estabelecida O

processo eacute dialoacutegico e se constitui na improvisaccedilatildeo no dinamismo na

incerteza da realidade natildeo iraacute partir de um universalismo teorizado mas das

relaccedilotildees reais que se estabelecem Nesse processo o professor orientador

deixa-se tambeacutem provocar pelo outro pelo ensinamento que o outro traz ou

deseja Na experiecircncia educativa baseada na solidariedade na alteridade eacute

por meio da relaccedilatildeo direta com as situaccedilotildees de exposiccedilatildeo ao outro que a

aprendizagem acontece extrapolando os padrotildees e planejamentos estanques

Aprende-se a aprender para melhorar a relaccedilatildeo com o outro a relaccedilatildeo

educativa natildeo eacute solitaacuteria tampouco unilateral

ExCE1 - Foi uma soma de aprendizado Para os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o parque e aprendiam aqui uma seacuterie de conteuacutedos e mais ainda para os nossos alunos monitores nossos alunos voluntaacuterios Ele precisa retomar alguns conteuacutedos que vatildeo repassar precisam dominar o conteuacutedo para ensinar certo precisam escrever um texto natildeo soacute correto mas que desperte o interesse do puacuteblico Enfim o resultado eacute brilhante

No processo educativo com um puacuteblico real com um objetivo social a

se cumprir o fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria e comprometimento Natildeo se trata de uma intervenccedilatildeo isolada com

caraacuteter meramente exploratoacuterio pois haacute comprometimento com os resultados

tanto sociais quanto pedagoacutegicos

CPE2 ndash Natildeo tem como pensar em trabalhar com cidadania separado No caso o trabalho com reciclagem comeccedilou porque o paacutetio da escola estava

180

ficando sujo e noacutes natildeo queriacuteamos estimular isso Daiacute comeccedilamos a conversar sobre o impacto da sujeira e com o tempo fomos envolvendo os conteuacutedos de todas as seacuteries Por exemplo no projeto Animais Marinhos eles vatildeo confeccionar os animais com material reciclado o Ler e Escrever traz a questatildeo do destino do lixo eles visitaram a empresa que tem uma estaccedilatildeo de tratamento de aacutegua e de reciclagem do proacuteprio lixo a equipe que arrecadar mais materiais reciclaacuteveis faz uma excursatildeo para o Pico do Jaraguaacute para conhecer e discutir as questotildees ambientais em 2012 fizemos uma brincadeira um concurso de fantasias no carnaval para ver quem fazia a fantasia mais criativa com material reciclado Eles procuraram marchinhas carnavalescas e fizeram paroacutedias sobre a questatildeo ambiental a questatildeo do lixo Desenvolvemos tambeacutem o projeto com o Faccedila Parte sobre o consumo consciente e o plaacutestico e a gente trouxe o autor de diversos livros adotados pela escola sobre meio ambiente para os alunos conhecerem Tudo isso sem descuidar de reciclar o proacuteprio lixo produzido na escola e na proacutepria sala de aula e manter o paacutetio limpo para natildeo virem os pombos

Natildeo se trata de separar o que eacute consciecircncia cidadatilde e o que eacute conteuacutedo

escolar A intervenccedilatildeo social acontece de maneira articulada o conteuacutedo eacute

trabalhado por meio de uma proposta de intervenccedilatildeo real e esta demanda mais

pesquisa mais conhecimento

CPE2 ndash No Reciclar todas as atividades estatildeo ligadas e tudo estaacute ligado a este assunto Aleacutem da questatildeo da escrita do conhecimento acadecircmico tem o conhecimento da vida que eles estatildeo adquirindo Noacutes temos a sequecircncia didaacutetica para trabalhar tem a questatildeo do desmatamento da importacircncia de preservar a mata atlacircntica a mata ciliar a contaminaccedilatildeo dos lenccediloacuteis freaacuteticos nas seacuteries iniciais usamos os materiais reciclados para fazer brinquedos vocecirc comeccedila a falar da importacircncia da reciclagem e eu estou inventando o curriacuteculo Natildeo ele estaacute posto uma coisa vai imbricando na outra natildeo tem como trabalhar paralelo

O projeto desenvolvido pela E2 visa contribuir tanto para a questatildeo

social quanto pedagoacutegica a partir de trecircs frentes de atuaccedilatildeo a) visando

melhorar o comportamento e postura dos alunos em relaccedilatildeo a questotildees

ambientais b) trabalhando o tema como conteuacutedo programaacutetico nas

disciplinas e c) implantando a coleta seletiva com o apoio da comunidade

escolar favorecendo a cooperativa de catadores com o material coletado pela

escola Assim a proposta eacute de refletir tanto sobre os conteuacutedos referentes ao

tema ligado ao meio ambiente reciclagem e sustentabilidade quanto promover

a consciecircncia criacutetica perante a questatildeo ambiental e melhorar a vida da

181

comunidade num projeto de articulaccedilatildeo curricular interdisciplinar onde cabe

ao professor de cada disciplina fazer as adequaccedilotildees necessaacuterias quanto ao

conteuacutedo Nessa proposta a formaccedilatildeo para a cidadania orienta o projeto

pedagoacutegico sendo que os alunos participam das atividades interferindo

socialmente enquanto estudam os conteuacutedos cientiacuteficos e teacutecnicos

O ambiente educador renovado pelo comprometimento o contato com

diferentes culturas em constante transformaccedilatildeo sua tradiccedilotildees e diferenccedilas

enriquecem a proposta de aprendizagem

CE3 - Esse trabalho eacute muito bom por causa da integraccedilatildeo O objetivo da escola indiacutegena natildeo eacute formar alunos para que sejam profissionais pra entrar numa faculdade O nosso objetivo eacute formar alunos que sejam conhecedores de sua proacutepria cultura de sua identidade de sua tradiccedilatildeo que saibam valorizar pensar saibam usar o seu conhecimento em favor da sua comunidade

O desenvolvimento da originalidade e as potencialidades se datildeo na

presenccedila e na construccedilatildeo da sociedade Assim a praacutetica que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos autocircnomos solidaacuterios implica a co-responsabilidade do

conviacutevio humano em dimensotildees planetaacuterias nacionais e locais baseada nos

princiacutepios da justiccedila respeito equidade social no cuidado de si do outro e do

contexto

CPE1 ndash A ideia de cidadania estaacute muito ligada a de autonomia Os professores orientam e quem discute e decide o que fazer satildeo os alunos essa discussatildeo eacute entre eles Vocecirc cria e ensina autonomia quando deixa com eles a responsabilidade sendo que aos professores cabe fazer as orientaccedilotildees que julgarem necessaacuterias

Uma das caracteriacutesticas apresentadas por Tapia (2004) de

aprendizagem e serviccedilo eacute o fato de que as iniciativas partem dos alunos Sobre

este aspecto o educador Antonio Carlos Gomes da Costa ao se referir agrave

participaccedilatildeo do jovem como principal ator em projetos de intervenccedilatildeo social

182

criou o conceito de ldquoprotagonismo juvenil76rdquo Para ele o protagonismo eacute um

laboratoacuterio para o estudo da cidadania uma vez que permite aos jovens

conviver com a realidade nela inferir e tirar suas proacuteprias conclusotildees (COSTA

2000) Neste sentido quanto mais autonomia os alunos tiverem durante a

execuccedilatildeo das atividades maior seraacute o desafio No entanto nas escolas

estudadas nesta pesquisa pode-se perceber a intenccedilatildeo em se criar espaccedilos de

intervenccedilatildeo social com qualidade poreacutem ainda que em estaacutegios e tipologias

diferenciadas natildeo foi identificado um projeto que partiu da iniciativa dos

alunos

CPE2 ndash O projeto comeccedilou porque a gente verificava que quando terminava o recreio o paacutetio ficava muito sujo e daiacute noacutes perguntamos para os funcionaacuterios da limpeza e eles disseram que era porque os alunos tinham o haacutebito de jogar o lixo do chatildeo Daiacute eu comecei a pensar esse haacutebito eles adquiriram onde Passei em todas as salas dizendo que o Seu Joaquim tinha que ficar limpando a sujeira que eles faziam e que tinham pombos vindo para a escola E pergunteita certo isso Daiacute pedi para os alunos comeccedilarem a fazer uma pesquisa sobre as doenccedilas transmitidas pelos pombos e tambeacutem tivemos a ideia de aumentar o nuacutemero de lixeiras daiacute pensamos em instalar coletoras para materiais reciclado Daiacute novamente avisei os alunos que iriacuteamos comeccedilar a reciclar na escola e pedi para que eles comeccedilassem a trazer os materiais reciclados de casa tambeacutem Comeccedilamos a estudar o impacto do lixo do ambiente em todas as seacuteries Enquanto isso tratei de procurar uma soluccedilatildeo para o material que a escola estava comeccedilando a reciclar Procurei uma cooperativa e fui laacute conhecer os cooperados o ritmo de trabalho deles o padratildeo cultural de cada um deles O trabalho eacute difiacutecil tem mau cheiro ficar separando lixo com moscas e tal Eacute um processo bem manual aiacute trouxe essa experiecircncia para a escola o pessoal veio falar com os alunos Entatildeo comeccedilou assim eacute um trabalho feito em parceria envolve os alunos os professores as famiacutelias os cooperados

O fato da atividade natildeo partir do aluno natildeo descaracteriza a

compreensatildeo de educaccedilatildeo critica emancipadora A solidariedade como praacutetica

curricular educativa comeccedila na compreensatildeo de educaccedilatildeo em quem se

deseja formar O saber que mudar eacute difiacutecil mas eacute possiacutevel (FREIRE 2000 p

94) faz com que o projeto de educaccedilatildeo parta da provocaccedilatildeo para a mudanccedila

76

O Protagonismo Juvenil eacute um tipo de accedilatildeo de intervenccedilatildeo no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem eacute o ator principal Eacute uma forma de ensinar cidadania em que o jovem ocupa uma posiccedilatildeo que natildeo dizem respeito agrave sua vida privada familiar e afetiva mas a problemas relativos ao bem comum na escola ou na comunidade Ele eacute a concebido como fonte de iniciativa que eacute accedilatildeo como fonte de liberdade que eacute opccedilatildeo e como fonte de compromissos que eacute a responsabilidade (COSTA 2000)

183

natildeo do puro conhecimento teacutecnico-cientiacutefico A consolidaccedilatildeo de uma

concepccedilatildeo de conhecimento regulador e instrumental cria a incapacidade de

estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro a natildeo ser quando se o transforma em

objeto O saber enquanto solidariedade visa substituir o objeto-para-o-sujeito

pela reciprocidade entre sujeitos (SANTOS B S 2009 p 83)

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular

Muito embora durante o desenvolvimento desta pesquisa as

entrevistas tivessem nos propiciado a elaboraccedilatildeo da tipologia da solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa que tem a pretensatildeo de ser a principal

contribuiccedilatildeo desta tese a discussatildeo teoacuterica e outros apontamentos nos

possibilitou tomar alguns outros aspectos referentes agrave praacutetica da solidariedade

que seratildeo consideradas a seguir e formam organizadas em dois blocos de

apresentaccedilatildeo 1) no ambiente escolar ndash habitus e 2) na organizaccedilatildeo curricular

ndash interdisciplinaridade

31 A solidariedade no ambiente escolar

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa implica na

participaccedilatildeo dos alunos onde eles sejam expostos a situaccedilotildees reais e a partir

desse enfrentamento aprendam a produzir conhecimento para pensar uma

melhor qualidade de vida na sociedade (ecologias do saber) Aleacutem disso ela

pode ser compreendida como um aspecto de conduta que favoreccedila o ambiente

de aprendizagem Pesquisas77 realizadas recentemente pelo MEC o Instituto

77

Aprova Brasil o Direito de Aprender (2006) ndash desenvolvido em 33 escolas o estudo mostra aspectos relacionados agrave gestatildeo agrave organizaccedilatildeo e ao funcionamento que poderiam ter contribuiacutedo para uma melhor aprendizagem O Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que garantem o direito de aprender (2008) apresenta os resultados de um estudo realizado em 37 redes municipais selecionadas pelo bom desempenho escolar em contexto socioeconocircmico desfavoraacutevel Melhores praacuteticas em escolas do Ensino Meacutedio do Brasil (2010) desenvolvida para identificar os fatores responsaacuteveis pela efetividade de 35 unidades escolares de Ensino Meacutedio localizadas nos Estados do Acre do Cearaacute do Paranaacute e de Satildeo Paulo notadamente aqueles relacionados agraves praacuteticas que as proacuteprias equipes escolares associam ao sucesso escolar de seus alunos

184

Nacional de Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira (INEP) e parceiros

tiveram como objetivo foi identificar caracteriacutesticas semelhantes entre escolas

ou redes de ensino que apresentam bom desempenho78

Nos estudos desenvolvidos para se identificar os indicadores de

qualidade para a mobilizaccedilatildeo da escola (RIBEIRO V RIBEIRO J GUSMAtildeO

2005) e adotado pelo Aprova Brasil (UNICEF 2006) dos sete indicadores de

qualidade utilizados pelo grupo responsaacutevel pela pesquisa quatro estatildeo direta

ou indiretamente ligados a valorizaccedilatildeo das relaccedilotildees solidaacuterias o ambiente

educativo ndash o respeito a solidariedade a disciplina na escola a praacutetica

pedagoacutegica da escola apoiada no trabalho em grupo a participaccedilatildeo dos alunos

em projetos especiais (entre eles os que satildeo voltados agrave intervenccedilatildeo social) a

gestatildeo escolar democraacutetica ndash o compartilhamento de decisotildees e informaccedilotildees

com professores funcionaacuterios pais e alunos a participaccedilatildeo dos conselhos

escolares

No estudo Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que

garantem o direito de aprender (2010) o poder de se criar relaccedilotildees natildeo

lineares a intensa conectividade entre os seus membros e o clima de

compromisso de toda a comunidade estabelecem um processo propiacutecio de

contiacutenua aprendizagem Entre as principais atitudes analisadas nas redes a

solidariedade (compreendida como a valorizaccedilatildeo e o compartilhamento das

responsabilidades oportunidades e aprendizagens) estaacute entre as quatro

fundamentais Todas as escolas desenvolveram o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

com a participaccedilatildeo das famiacutelias o apoio das secretarias o compromisso com a

educaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo das escolas foi percebida na comunidade O

diferencial nas praacuteticas pedagoacutegicas dessas escolas eacute a adequaccedilatildeo do

curriacuteculo agrave realidade da comunidade o interesse dos professores em se criar

situaccedilotildees de aprendizagem contextualizadas Segundo o levantamento a

formaccedilatildeo tem impacto quando os professores empregam seus saberes para

tornar as aulas mais interessantes e mobilizadoras aprofundam sua

compreensatildeo sobre o objeto de ensino potencializando as chances de

compreensatildeo pelos alunos tornam-se mais proacuteximos e parceiros com uma

78

Os indicadores adotados nessas pesquisas satildeo o Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica (IDEB)a Prova Brasil e as caracteriacutesticas socioeconocircmicas

185

visatildeo ampla e particular de cada um em seu contexto conhecendo suas

histoacuterias seus interesses e as formas de aprender (UNICEF 2008 p51) Este

reconhecimento da importacircncia de cada um no processo de formaccedilatildeo no

desenvolvimento de um trabalho colaborativo onde a corresponsabilidade o

ambiente agradaacutevel o respeito a participaccedilatildeo a atitude eacutetica satildeo

componentes que tecircm sido apresentados como diferenciais para o bom

desempenho no processo de aprendizagem

CPE2 ndash Ensinar solidariedade Tem professor que tem isso inserido na postura pedagoacutegica dele Ele como educador ensina isso em todas as vertentes atraveacutes dos exemplos nas discussotildees que ele faz como reage a um fato que aconteceu na sala de aula vai muito da postura do professor

Enquanto praacutetica educativa pensada dentro e fora da sala de aula a

solidariedade favorece a aprendizagem na medida em que todos aprendem a

construir sua proacutepria matriz de valores por meio do envolvimento em situaccedilotildees

controveacutersias em contextos plurais nas accedilotildees do cotidiano ou ainda nos

projetos intencionalmente criados como oportunidade para se praticar

cidadania Em outras palavras satildeo espaccedilos educativos em que a convivecircncia

plural e heterogecircnea eacute provocada bem como sentir-se responsaacutevel pelo outro

pelo mundo em que vive e ajudar a construiacute-lo como autores de suas accedilotildees

interfere nas consequecircncias dessa aprendizagem e da intervenccedilatildeo no mundo

(HOYOS MARTIacuteNEZ 2004 p18) Da mesma forma se o professor natildeo

compreende a educaccedilatildeo enquanto um processo de formaccedilatildeo para a cidadania

sua praacutetica pode distanciar a escola de tal formaccedilatildeo daiacute a necessidade de um

acompanhamento atento e da incorporaccedilatildeo da solidariedade no Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

CPE2 ndash Tem professor que diz ldquoeu estou aqui para dar aulardquo A proacutepria postura denuncia que ele natildeo tem esse olhar para a cidadania Mas mesmo assim eu continuo batalhando e incentivando quem faz porque daiacute esse professor acaba sendo contaminado por aquela energia que estaacute fluindo com o tempo ele percebe que estaacute dando resultado

186

Esta percepccedilatildeo incita duas questotildees a maneira de compreender a

educaccedilatildeo escolar como algo limitado ao ler escrever e contar sem relacionaacute-la

agrave formaccedilatildeo para a cidadania e a percepccedilatildeo de que o fazer pedagoacutegico

compartilhado influencia na praacutetica coletiva O curriacuteculo natildeo pode ser

compreendido como fazer isolado A proposta curricular deve ser

compartilhada entre todos Para que natildeo seja o fazer pelo fazer o projeto

pedagoacutegico ganha escopo e significado quando compartilhado e

contextualizado

CE3 ndash Diferente do Juruaacute a gente procura natildeo ensinar para o nosso aluno a entrar na faculdade somente queremos formar um aluno que tenha conhecimento da sua tradiccedilatildeo O iacutendio ensina para melhorar a vocaccedilatildeo de cada um daqui vai sair uma lideranccedila daqui vai sair um pajeacute um cacique e ele precisa ter dentro da escola o momento de aprender a ter a esta postura e tambeacutem de aprender histoacuteria geografia matemaacutetica as mateacuterias que satildeo projetadas no curriacuteculo nacional Entatildeo eacute importante para a gente trabalhar as duas coisas e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Na cultura indiacutegena a convivecircncia plural e heterogecircnea eacute valorizada

faz parte da proposta pedagoacutegica o intercacircmbio cultural e a aprendizagem por

meio da integraccedilatildeo

A maneira de se ensinar nas comunidades indiacutegenas tem como princiacutepios indissociaacuteveis a construccedilatildeo do ser pela observaccedilatildeo pelo fazer experimentando dentro de uma realidade A crianccedila indiacutegena vai aprendendo os valores do que eacute ser etnicamente diferente ao mesmo tempo em que adquire habilidades para enfrentar os desafios do mundo que a rodeia A educaccedilatildeo indiacutegena eacute um processo que acontece em todas as dimensotildees da vida social natildeo se limitando a um uacutenico lugar (sala de aula) ou ainda ao tempo (seacuteries idades) (VALENTINI 2010 p 41)

O saber em diferentes espaccedilos e tempos eacute fundamental para a reflexatildeo

sobre a realidade em sua complexidade

Outro aspecto ligado agrave vida em comunidade dentro da escola eacute a

rotina o haacutebito Pierre Bourdieu apresenta o habitus ldquocomo um sistema de

disposiccedilotildees duraacuteveis e transponiacuteveis que integrando todas as experiecircncias

187

passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepccedilotildees de

apreciaccedilotildees e de accedilotildeesrdquo (BORDIEU 1983 p 64)

O habitus tece a praacutetica curricular na medida em que os sujeitos satildeo

influenciados pela conduccedilatildeo da instituiccedilatildeo e vice-versa As estruturas se

cristalizam a partir do habitus que tende a manter a ordem rejeitando ou

refutando as transformaccedilotildees que por ventura a ameacem protegendo-o de

mudanccedilas No caso da escola indiacutegena eacute bom manter o haacutebito da abertura

intercultural mas em outros contextos ele pode ser entendido como prejudicial

ao sistema

CPE1 ndash Nem todo mundo estaacute aberto a inovaccedilotildees Tem professor que prefere trabalhar de modo disciplinar ele tem o esquema dele de dar aula ele tem convicccedilatildeo e crenccedilas e se dedicam para um trabalho que acreditam de fato ele tem aquela concepccedilatildeo dele e natildeo acha que estaacute errado Na verdade natildeo esta porque ele entende assim Cabe a noacutes que somos coordenaccedilatildeo ficar cutucando o tempo todo tentando provocar um movimento contiacutenuo para que ele comece a mudar comece a pensar outras coisas Aqui na escola jaacute foi muito mais distante mas com dois cinco sete anos isso entra no discurso deles leva tempo

O espaccedilo escolar eacute formativo lastreado por uma cultura colaborativa e

por praacuteticas participativas que satildeo as condiccedilotildees necessaacuterias para a

identificaccedilatildeo de necessidades de crescimento que leva agrave interiorizaccedilatildeo de

novos habitus A mudanccedila de haacutebito quando desejada eacute um processo

compreendido como de meacutedio ou longo prazo e requer um trabalho de

persistecircncia dentro da escola ou fora dela

CPE2 ndash Teve matildee que veio aqui brigar comigo ldquopara com essa histoacuteria pelo amor de Deus eu trabalho fora e tenho que ficar separando lixordquo Porque eacute isso mudar uma rotina daacute trabalho e a gente tem que instituir essa rotina com os pais dos nossos alunos e na escola tambeacutem eacute um trabalho muito repetitivo Eacute preciso ter muita persistecircncia

Tal mudanccedila eacute uma das principais dificuldades apontadas pelos

sujeitos desta pesquisa para se constituir um clima mais favoraacutevel ao

conhecimento-solidariedade na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees

dos comportamentos dos valores As accedilotildees repetidas com frequecircncia criam

188

uma pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

apreendida como pauta pelo agente (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

CPE1 ndash A mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada noacutes colocamos em todas as salas de aula o cesto azul do papel aleacutem do cesto que jaacute havia e toda vez a gente precisa cuidar para que ningueacutem jogue as coisas no cesto de papel A todo momento tem que repetir para eles o que eacute certo e o que natildeo eacute

CPE3 ndash O nosso aluno que faz um trabalho superbacana na comunidade trata malo colega do lado joga o lixo no chatildeo da escola isso me daacute muito incocircmodo mudar uma mentalidade eacute um esforccedilo eacute um trabalho muito difiacutecil

PE4 ndash Eu acredito nesse contato direto logo que um aluno chega para me cumprimentar eu olho nos olhos dele o recebo com sinceridade ldquoseja bem-vindo aquirdquo Ele ao me cumprimentar jaacute demonstra que natildeo me rejeitou Eu acho que falta isso falta essa troca essa solidariedade baseada em ver escutar respeitar o outro

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo muitas vezes criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho

pedagoacutegico e para a aprendizagem Os modos de gestatildeo e os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola o que tornaria difiacutecil interromper por exemplo a loacutegica participativa de

um ambiente colaborativo respeitoso bem sedimentado Disponibilizar o

conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa oferecer um modelo

arcaico de educaccedilatildeo uma vez que a humanidade precisa ter acesso ao

conhecimento produzido para partir dele e avanccedilar

Ao que acrescentaria que eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos o respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo os viacutecios como o desrespeito a

189

intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

O que caracteriza solidificaccedilatildeo do curriacuteculo eacute a reproduccedilatildeo de velhos

haacutebitos que jaacute natildeo trazem benefiacutecios (GIMENOSACRISTAacuteN 1999) Significa

dizer que a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo determina a praacutetica o fazer pedagoacutegico a

colaboraccedilatildeo o respeito ou ainda a solidariedade em menor ou maior grau no

grupo fortalece ou enfraquece o poder de coesatildeo em torno de um projeto

comum

32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade

Durante a pesquisa pudemos perceber que a maneira como as

escolas se organizam para o desenvolvimento de projetos solidaacuterios varia de

acordo com a proposta pedagoacutegica No entanto entre as escolas de educaccedilatildeo

baacutesica percebemos uma tendecircncia em se trabalhar de acordo com uma

proposta de interdisciplinaridade

Segundo Japiassuacute para se compreender interdisciplinaridade vale

partir do conceito de disciplinaridade que se refere ldquoao conjunto sistemaacutetico e

organizado de conhecimentos que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias nos

planos do ensino da formaccedilatildeo dos meacutetodos e das mateacuteriasrdquo (JAPIASSU

1976 p 72) Embora o conceito natildeo seja delimitado respondendo a uma seacuterie

de relaccedilotildees de maturidade e tipologias basicamente pode-se compreender por

interdisciplinaridade os arranjos curriculares entre duas ou mais disciplinas de

forma a provocarem uma integraccedilatildeo muacutetua tomando como base sistemas

globais e natildeo compartimentado como nas disciplinas A interaccedilatildeo pode ocorrer

pelo meacutetodo pelo procedimento e pela organizaccedilatildeo do ensino (JAPIAUSSU

1976 FAZENDA 1979)

Nas escolas pesquisadas os arranjos curriculares para propiciar

espaccedilos de aprendizagem da solidariedade de certa forma tendem a escapar

da organizaccedilatildeo rigorosa das disciplinas

CPE1 ndash A solidariedade estaacute distribuiacuteda ao longo de todo o trabalho [] Noacutes temos um projeto que fecha com tudo isso onde noacutes colocamos todas

190

as questotildees de cidadania Os professores de cada disciplina se organizam para participar

CPE2 ndash Noacutes trabalhamos os conteuacutedos pedagoacutegicos desenvolvendo o projeto solidaacuterio sim porque natildeo fazemos o projeto pelo projeto ele tem que estar interligado em todas as aacutereas eacute interdisciplinar As crianccedilas de todas as seacuteries trabalham todas as atividades estatildeo ligadas ao mesmo assunto Com o Reciclar por exemplo trabalhamos a questatildeo do desmatamento o que estaacute acontecendo com a sustentabilidade a importacircncia de preservar a Mata Atlacircntica a mata ciliar as nascentes a questatildeo do lixo dos aterros sanitaacuterios contaminando o lenccedilol freaacutetico o resgate das brincadeiras na aula de Educaccedilatildeo Fiacutesica e a confecccedilatildeo dos brinquedos com material reciclado junto com a professora de artes Em Portuguecircs trabalham listas de palavras diferentes gecircneros discursivos No material do Ler e Escrever do quarto ano tem a questatildeo do destino do lixo que tambeacutem estaacute dentro do projeto aleacutem de trabalhar o conceito de reciclagem e de fazermos a reciclagem aqui na escola de cuidarmos da sujeira na hora do recreio

Pelo projeto eles foram conhecer a multinacional do bairro e laacute eles tecircm um tratamento de aacutegua A cooperativa de lixo que noacutes ajudamos mandou umas cartilhas que entregamos aos pais para que leiam com seus filhos O projeto jaacute estaacute institucionalizado Agora eles estatildeo estudando o ldquoo impacto do meu lixordquo quando chove o que acontece os cinco erres Vocecirc conhece o autor Fernando Carraro Ele tem vaacuterios tiacutetulos publicados nesta aacuterea e viraacute aqui na Feira Cultural da escola conversar e autografar os livros com os alunos vai ser muito bacana

CPE3 ndash Aqui na escola o professor de Histoacuteria estudou com eles a cultura Guarani Por causa desse projeto de voluntariado ele fez uma aula de Histoacuteria para se trabalhar a questatildeo indiacutegena na qual tambeacutem participou o professor de Artes e de Ensino Religioso Eu acho isso um luxo mas ainda natildeo eacute como deveria ser tinha que ser mais natural Por exemplo se um professor estaacute trabalhando um determinado assunto tem que partir dele a articulaccedilatildeo natildeo da coordenaccedilatildeo

Esses arranjos interdisciplinares podem estar relacionados ao fato de

que o conhecimento-emancipaccedilatildeo tende a natildeo seguir a ordem estanque do

conhecimento-regulaccedilatildeo que mais facilmente pode ser repartido em disciplinas

orientadas em uma sequecircncia unicamente direcionada favorecendo a ordem

descartando o que natildeo eacute passiacutevel de ser mensurado contribuindo para a

produccedilatildeo da ciecircncia positivista

Conscientemente ou natildeo os especialistas decompotildeem o homem em pedaccedilos De certa forma colocam-nos entre parecircnteses para soacute extrair dele um conhecimento chamado de ldquopositivordquo muito embora essa ldquopositividaderdquo soacute consiga atingir ldquoalgordquo do homem muitos outros ldquoalgosrdquo natildeo nos sendo fornecidos nem mesmo por todas as disciplinas juntas cada

191

uma estudando ldquoalgordquo que lhe seja proacuteprio Porque se o saber cientiacutefico tem precisamente uma base rigorasamente empiacuterica as ldquorelaccedilotildeesrdquo que pretende ldquoexplicarrdquo satildeo exatas (pelo menos em certa escala) e verificaacuteveis (direta ou indiretamente) deve-se tomar o meacutetodo cientiacutefico como fio condutor de toda teoria do conhecimento Somente esse meacutetodo pode conduzir a um verdadeiro saber positivo E somente podem ser considerados como dignos de exame os problemas susceptiacuteveis de serem formulados em termos cientiacuteficos [] Os outros os que natildeo se deixam recuperar pelo meacutetodo cientiacutefico assim estabelecido devem ser considerados como inexistentes ou como pseudo problemas (JAPIASSU 1976 p 62-63)

A constataccedilatildeo dos limites de cada disciplina tende a provocar uma

fragmentaccedilatildeo dos conteuacutedos e a interdisciplinaridade por outro lado fornece a

possibilidade de articulaccedilatildeo dos saberes para a compreensatildeo da realidade

numa dimensatildeo mais colaborativa sem precisar reduzi-la ao quantificaacutevel sem

precisar desconsiderar aquela contribuiccedilatildeo que eacute beneacutefica da organizaccedilatildeo

disciplinar

A interdisciplinaridade curricular requer de preferecircncia uma incorporaccedilatildeo de conhecimentos dentro de um todo indistinto a manutenccedilatildeo da diferenccedila disciplinar e a tensatildeo beneacutefica entre a especializaccedilatildeo disciplinar que permanece indispensaacutevel e o cuidado interdisciplinar que em tudo preserva as especificidades de cada componente do curriacuteculo visando assegurar sua complementaridade dentro de uma perspectiva de troca e de enriquecimento (LENOIR 1998 p 57)

Aleacutem disso o conhecimento produzido em experiecircncias solidaacuterias se

caracteriza pela interdisciplinaridade na medida em que se estabelece em

relaccedilatildeo em mediaccedilatildeo num processo contiacutenuo e ambiacuteguo que se aproxima do

mundo real se distanciando da organizaccedilatildeo formal da teoria como sugere

Severino

A substacircncia do existir eacute a praacutetica ao passo que o conhecimento tende naturalmente para a teoria [] Eacute o que testemunham todos os entes que revelam agrave experiecircncia humana [] Eacute na praacutetica e pela praacutetica que as coisas humanas efetivamente acontecem que a histoacuteria se faz (1998 p 33-34)

192

A organizaccedilatildeo curricular a partir da interdisciplinaridade confere

autonomia e mobilidade ao curriacuteculo de forma que eacute possiacutevel organizaacute-lo em

torno de um objetivo comum compartilhado entre os professores para

propiciar a aprendizagem por meio de esforccedilos coletivos que vatildeo se

constituindo durante o percurso A elaboraccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica

baseada no envolvimento em projetos socioeducativos reais requer reflexatildeo

manejo e (re)organizaccedilatildeo curricular pois eacute a praacutetica que pede e sugere a teoria

e eacute o repertoacuterio teoacuterico que orienta e provoca a accedilatildeo a praacutetica

Outro aspecto relevante eacute a questatildeo de administraccedilatildeo do tempo na

organizaccedilatildeo das prioridades curriculares

CPE1 ndash Por exemplo eles tecircm que apresentar uma accedilatildeo solidaacuteria que eles realizaram e o blog que fizeram sobre as cooperativas para uma banca de professores que tomam nota fazem perguntas etc Para fazer isso eu tenho que pegar professores que estatildeo com o tempo livre naquele momento com uma aula vaga eu natildeo tenho como chamar o professor orientador daquele projeto Ou seja eu natildeo posso chamar o professor que estaacute mais envolvido com o projeto se ele estiver dando aula no momento

CPE3 ndash A proacutepria concorrecircncia entre as atividades que a escola oferece a agenda do nosso aluno eacute uma coisa louca a escola oferecer curso de teatro aula de recuperaccedilatildeo e voluntariado no mesmo horaacuterio Entatildeo eles tecircm que optar

EXCE1 ndash A maior dificuldade era conciliar os horaacuterios de todo mundo A pior questatildeo era que um fazia inglecircs o outro violatildeo e para que eles participassem tinha que conciliar todos os horaacuterios isso era o mais complicado

O regime da fragmentaccedilatildeo curricular determinados pela ordem

disciplinar subdivide a produccedilatildeo do conhecimento Ao adotar tais convenccedilotildees

espaccedilo e o tempo da aprendizagem entram em conflito com o espaccedilo e o

tempo da gestatildeo No entanto se as atividades pedagoacutegicas e administrativas

estiverem convergindo para um mesmo fim um projeto pedagoacutegico

compartilhado a tendecircncia eacute a de natildeo haver sobreposiccedilatildeo e concorrecircncias No

entanto quando isso natildeo acontece ldquoa impressatildeo que se tem eacute que cada uma

delas adquire um certo grau de autonomia cada uma trilha seu proacuteprio

caminho como se cada uma tivesse o seu proacuteprio fimrdquo (SEVERINO 1998 p

193

38) Conjugar prioridades e tempos em estruturas mais flexiacuteveis a partir de um

projeto educacional compartilhado permite maior articulaccedilatildeo e convergecircncia

de intencionalidade favorecendo o desenvolvimento do proacuteprio projeto

pedagoacutegico

Outro aspecto observado no desenvolvimento de praacuteticas pedagoacutegicas

solidaacuterias eacute a importacircncia da postura adequada do professor O diaacutelogo a

integraccedilatildeo e as convergecircncias aleacutem da concepccedilatildeo de solidariedade satildeo um

dos maiores desafios para desenvolvimento das atividades no sentido de uma

praacutetica curricular educativa

CPE1 ndash Uma das maiores dificuldades eacute criar consenso entre os grupos de professores para que todos participem Como desenvolvemos um projeto no qual o tema muda todo ano temos um periacuteodo muito curto antes do Projeto Comeccedilar para falar do tema com os professores [] Aleacutem disso nem todo professor tem que entender o projeto ele tem o esquema dele de dar aula e ele vai analisar o quanto isso vai afetar a aula dele

CPE2 ndash Existem professores que acreditam no projeto compram a ideia e fazem aquilo com entusiasmo Outros agraves vezes natildeo acreditam no potencial e faz porque tem que fazer Ensinar solidariedade vai muito da postura do professor [] e a mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada

CPE3 ndash Eu tenho de 20 a 30 professores que em algum momento se envolvem em trabalho voluntaacuterio Eacute uma parcela grande da populaccedilatildeo mas eu natildeo sei como cada um deles pensa essa questatildeo Entatildeo eacute complicado ele toma para si Com que jeito ele vai conduzir esse trabalho que manejo ele vai ter com esses alunos

A praacutetica curricular interdisciplinar natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois requer

participaccedilatildeo e compromisso com um projeto comum enquanto cada um tende

a preservar seus conhecimentos sua praacutetica sua metodologia sua praacutexis

(JAPIASSUacute 1976) Aleacutem da dificuldade didaacutetica inerente agrave proposta existem

as diferenccedilas entre a compreensatildeo de solidariedade dos valores individuais

que precisam ser constantemente revisados para se alinhar ao projeto

pedagoacutegico comum da escola A convergecircncia da intencionalidade a

compreensatildeo do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico os valores pessoais de ordem

eacutetica a concepccedilatildeo de solidariedade satildeo alguns dos ingredientes que atribuem

194

sentido agrave unidade curricular e merecem um processo reflexivo de trabalho

todavia para viabilizar a realizaccedilatildeo da unidade de sentido do projeto

pedagoacutegico

195

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

196

Esta tese investigou o tema da solidariedade como praacutetica curricular

educativa retomando sobretudo o sentido de aquisiccedilatildeo dos conhecimentos

culturalmente acumulados por meio da formaccedilatildeo pessoal social e poliacutetica

como condiccedilatildeo inerente agrave educaccedilatildeo Para tanto desenvolveu um estudo

teoacuterico e empiacuterico da solidariedade no acircmbito do curriacuteculo tendo como

conceitos estruturantes o conhecimento-emancipaccedilatildeo a alteridade a eacutetica e a

consciecircncia poliacutetica e como campo de pesquisa a praacutetica curricular em quatro

escolas do Estado de Satildeo Paulo

A tiacutetulo de conclusatildeo pretende-se pontuar as seguintes reflexotildees

Entende-se como a principal colaboraccedilatildeo desta pesquisa a elaboraccedilatildeo

da tipologia que anuncia quatro formas de solidariedade como praacutetica curricular

educativa (conforme anaacutelise desenvolvida no capiacutetulo IV) a) assistencialista b)

discursiva c) funcionalista-participativa d) criacutetica-emancipadora A uacutenica forma

que propicia a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento apoiado

nos quatro pilares conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica eacute a criacutetica-emancipadora

A qualidade da accedilatildeoproposta de solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa natildeo estaacute vinculada agrave rede administrativa da escola nem agraves

condiccedilotildees socioeconocircmicas da comunidade escolar ou ainda ao niacutevel de

ensino ou aacuterea de atuaccedilatildeo dos projetos A qualidade da accedilatildeoproposta

desenvolvida tampouco estaacute vinculada aos recursos financeiros ou teacutecnicos

disponiacuteveis Percebemos que a maturidade da accedilatildeoproposta estaacute relacionada

antes agrave concepccedilatildeo agrave integraccedilatildeo e agrave articulaccedilatildeo da proposta na apropriaccedilatildeo

curricular e na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e de solidariedade tanto da escola (de

maneira geral) como de cada educador (em particular)

Quando haacute uma compreensatildeo de que a formaccedilatildeo escolar e a

apropriaccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos estatildeo relacionadas ao modo de

pensar e agir em sociedade a escola encontra caminhos para articular o

curriacuteculo e desenvolver atividades sistemaacuteticas onde o aluno participa

197

socialmente e com isso desenvolve suas capacidades cognitivas sociais

pessoais emocionais e o conhecimento-emancipaccedilatildeo Da mesma forma

quando natildeo haacute clareza desta percepccedilatildeo a escola se deixa guiar pelo projeto

de promover uma educaccedilatildeo voltada somente agrave capacidade cognitiva ao bom

desempenho escolar percebendo maior dificuldade em visualizar atividades e

projetos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa natildeo provoca ou

sugere em si a separaccedilatildeo entre conteuacutedos acadecircmicos e formaccedilatildeo para a

cidadania embora esta seja a compreensatildeo de alguns dos sujeitos desta

pesquisa As experiecircncias observadas mostraram que pensar a construccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico por meio da resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

(experiecircncias de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio) estaacute relacionado agrave

compreensatildeo de educaccedilatildeo que a escola deseja imprimir Ao organizar o

curriacuteculo para este fim a escola traz ao aluno a possibilidade de desenvolver

suas habilidades cognitivas e concomitantemente tomar parte com

responsabilidade da vida em comunidade aprendendo a pensar pelo bem

comum desenvolvendo tambeacutem suas habilidades para aleacutem das cognitivas

(emocionais pessoais e sociais)

A maneira identificada para se promover experiecircncias nos diversos

espaccedilos e tempos educacionais satildeo as atividades e os projetos que propiciam

a oportunidade de articular a apropriaccedilatildeo dos saberes culturalmente

acumulados para uma formaccedilatildeo com intervenccedilatildeo na sociedade atribuindo-lhe

sentido social agrave formaccedilatildeo A realidade suas contradiccedilotildees e ambiguidades satildeo

estudadas sofrem intervenccedilotildees e satildeo utilizadas como campo de formaccedilatildeo (na

concepccedilatildeo de articulaccedilatildeo escola-comunidade ou de cidade educadora) No

entanto como tais praacuteticas respondem agrave intencionalidade pedagoacutegica se elas

forem desenvolvidas segundo uma visatildeo assistencialista de solidariedade elas

podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo da mesma maneira que se forem

organizadas segundo a pedagogia-criacutetica podem propiciar a construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo

Ao longo dos uacuteltimos vinte anos as discussotildees sobre qualidade da

educaccedilatildeo tecircm sido pautadas pelos exames padronizados que tendem a

reduzir o conceito de qualidade agrave preparaccedilatildeo para as avaliaccedilotildees externas A

198

padronizaccedilatildeo curricular natildeo valoriza o conhecimento natildeo-cognitivo ligado ao

desenvolvimento pessoal e social do aluno tampouco o conhecimento local a

articulaccedilatildeo escola-comunidade a diversidade a autonomia da escola Ao

contraacuterio a preparaccedilatildeo escolar ao treinamento para as provas numa proposta

de curriacuteculo academicista tecnicista favorecendo o desenvolvimento do

conhecimento-regulaccedilatildeo Em meio a essa cultura de avaliaccedilatildeo que acaba na

praacutetica fortalecendo a competitividade o individualismo e pautando o curriacuteculo

escolar a formaccedilatildeo para a cidadania eacute equivocadamente separada da

proposta de educaccedilatildeo e o foco passa a ser apenas o desempenho acadecircmico

mensurado nos testes Neste sentido esta tese indica que eacute preciso avanccedilar

em estudos que consigam mensurar a qualidade da educaccedilatildeo para aleacutem da

afericcedilatildeo de conteuacutedos curriculares especiacuteficos pois compreendemos que um

dos caminhos que pode inferir diretamente no curriacuteculo das escolas e nas

poliacuteticas puacuteblicas pode ser o proacuteprio instrumento avaliativo

No entanto em meio agrave ambiguidade e agrave complexidade desse arranjo

um exemplo pode ser o proacuteprio ENEM revisado que embora conserve a

mensuraccedilatildeo de saberes curriculares incluiu como um dos criteacuterios de

avaliaccedilatildeo da redaccedilatildeo a valorizaccedilatildeo de experiecircncias socioeducativas

planejadas pela escola nas quais os alunos devam elaborar propostas de

intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade respeitando os valores humanos e

considerando a diversidade sociocultural (conforme apresentado no capiacutetulo

IV) Em nosso entender medidas como essa precisam ser desenvolvidas e

adotadas pois podem promover a ampliaccedilatildeo do conceito de qualidade da

educaccedilatildeo para aleacutem dos rankings numa perspectiva de educaccedilatildeo criacutetica

humanizadora

No curriacuteculo nacional de acordo com as diretrizes paracircmetros e

referenciais curriculares de educaccedilatildeo nacional a solidariedade eacute compreendida

enquanto ideal de formaccedilatildeo e satildeo sugeridas experiecircncias socioeducativas

bem como satildeo estimuladas as relaccedilotildees de colaboraccedilatildeo e de convivecircncia

solidaacuteria no ambiente escolar No entanto muitas vezes a proposiccedilatildeo natildeo

chega a sair da fundamentaccedilatildeo teoacuterica dos documentos e ganhar espaccedilo na

praacutetica curricular Sendo assim sugere-se incluir a questatildeo da solidariedade

199

como praacutetica curricular educativa nos cursos de formaccedilatildeo inicial e continuada

de professores

Por fim tais caracteriacutesticas permitem anunciar que a solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa eacute dever da escola como anunciado no

Artigo 2ordm da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional ldquoa educaccedilatildeo

enquanto dever da famiacutelia e do Estado inspirada nos princiacutepios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e

sua qualificaccedilatildeo para ingresso no mundo do trabalhordquo Natildeo se trata portanto

de atribuir agrave escola algo que natildeo seja de sua responsabilidade Carvalho afirma

que

Ao contraacuterio em uma perspectiva escolar o zelo pelo aprendizado e pelo desenvolvimento do aluno natildeo se separa do zelo pelos valores e pelos conhecimentos que caracterizam certo modo de vida no qual pretendemos iniciar nossos alunos por meio do ensino Se natildeo fosse assim as instituiccedilotildees escolares pouco ou nada difeririam de outras sociais como as igrejas os meios de comunicaccedilatildeo de massas ou as famiacutelias cujas accedilotildees tambeacutem podem resultar no desenvolvimento de certas capacidades (CARVALHO 2013 p 124)

A escola (o curriacuteculo) natildeo apenas natildeo pode ignorar esta

responsabilidade ciacutevica como tem a obrigaccedilatildeo de realizaacute-la enquanto parte

inerente de sua funccedilatildeo social cultural e poliacutetica A solidariedade enquanto

praacutetica curricular educativa pode ser compreendida pela inerecircncia ao ato

educativo quando ensinar solidariedade significar ensinar a compreender o

mundo a partir das decisotildees e escolhas responsaacuteveis Este eacute o ldquoconhecimento-

solidariedaderdquo que liberta O processo educativo precisa construir espaccedilos

onde a formaccedilatildeo da consciecircncia ingecircnua decirc lugar agrave consciecircncia criacutetica para

que seja possiacutevel aprender que cada um eacute responsaacutevel pelo outro e com ele se

tece histoacuteria da humanidade Tomar consciecircncia eacute libertar-se com o outro Para

a formaccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica o saber teacutecnico-cientiacutefico soacute faz

sentido se voltado ao bem comum pela eacutetica da vida digna para todos e cada

um num ato sobretudo poliacutetico

200

Encerramos esta pesquisa com a reflexatildeo de Fernando Almeida que

nos remete agrave compreensatildeo de que somos aquilo o que construiacutemos e uma vez

conscientes da nossa responsabilidade devemos assumi-la como condiccedilatildeo

como possibilidade

Como o ser humano eacute histoacuterico todas as situaccedilotildees de opressatildeo natildeo lhe satildeo um destino mas podem ser superadas Toda opressatildeo eacute um chamado agrave humanizaccedilatildeo contra aqueles que nos querem reduzir a coisas Esta accedilatildeo histoacuterica eacute poliacutetica por essecircncia Poliacutetica pois se os homens satildeo seres solidaacuterios ndash uma espeacutecie que pode ser chamada de homo solidarius ndash a

libertaccedilatildeo de cada um eacute um ato poliacutetico (ALMEIDA 2009 p 38)

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214

APEcircNDICE

215

INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS PARA A PESQUISA

1 QUESTIONAacuteRIO

Tema da Tese A solidariedade como praacutetica educativa

- Nome da Escola

- Email de contato Telefone de contato

- (Opcional) Nome e cargo de quem responde pelo questionaacuterio

1) Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos solidaacuterios

atualmente na escola

Educaccedilatildeo Infantil

Anos iniciais do Ensino

Fundamental

Anos finais do Ensino

Fundamental

Ensino Meacutedio

Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos - EJA

Educaccedilatildeo Especial

multiseriada

216

2) A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas atualmente

Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas abaixo

Portuguecircs

Matemaacutetica

Ciecircncias

Ciecircncias sociais

Histoacuteria

Geografia

Artes

Educaccedilatildeo fiacutesica

Quiacutemica

Fiacutesica

Biologia

Liacutengua estrangeira

Filosofia ou sociologia

Conhecimento de mundo

Formaccedilatildeo pessoal e social

Eacutetica

Meio Ambiente

Cultura e pluralidade cultural

Sauacutede

Orientaccedilatildeo Sexual

217

Pluralidade cultural

Trabalho e Consumo

Campanhas doaccedilotildees e comemoraccedilotildees

Cidadania

Direitos humanos

Geraccedilatildeo de renda

Informaacutetica inclusatildeo digital e novas tecnologias

Consumo consciente e sustentabilidade

Esportes e lazer

Melhorias para a proacutepria escola

3) O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios consta textualmente no

Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Sim tais atividades estatildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Tais atividades satildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola poreacutem

natildeo textualmente

Desconheccedilo o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Natildeo as atividades natildeo constam no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico da escola

Sim

Sim a maioria

218

Sim poreacutem a minoria

Natildeo

Natildeo sei

5 Assinale quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

Direccedilatildeo

Coordenaccedilatildeo

Professores

Alunos

Pais

Comunidade

Funcionaacuterios

6 Em quais dessas etapas os alunos da sua escola sempre participam

Convocaccedilatildeo convite para envolver mais pessoas na atividade

Diagnoacutestico estudo preliminar para se decidir o que fazer

Plano de accedilatildeo planejamento das accedilotildees

Execuccedilatildeo das atividades

Registro por meio de atas das reuniotildees fotografias filmagens etc

Avaliaccedilatildeo reflexatildeo sobre o processo eou resultado

Reconhecimento e comemoraccedilatildeo

219

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social(ais) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento dos projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola E para a comunidade

2 ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Questotildees norteadoras

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo para

a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

220

ANEXO

221

59

307

255

123

1839

1694

99

497

758

594

2316 346

391

882

926

520 462

1433 1601

473

229

120

1770

936

209

4403

448

Figura 1 Distribuiccedilatildeo por estado das 23690 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria em todas as ediccedilotildees (2003 2005 2007 2009 e 2011)

222

19

92

78

42

663

634

32

183

323

208

936 147

188

251

396

190 108

770 603

166

84

42

622

346

92

1383

198

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

Figura 2 Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003

223

24

133

146

39

1025

932

57

308

334

313

1314 169

147

514

466

246 191

667 948

263

107

74

824

409

92

2827

277

Figura 3 Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2005

224

15

118

67

54

428

594

29

149

240

155

700 118

88

206

291

168 139

293 550

147

64

48

802

367

35

1415

194

Figura 4 Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2007

225

11

62

28

45

224

328

134

81

376

77

308 65

69

103

137

90 276

115 298

70

52

30

333

215

38

647

140

Figura 5 Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009

226

12

64

31

9

211

232

18

53

101

65

265 50

57

92

156

58 49

98 206

71

36

22

330

138

19

530

66

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

  • 1 Elementos Preacute-Textuais
  • 2 Elementos Textuais
  • 3 Elementos Poacutes-Textuais

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC ndash SP

Katia Regina Gonccedilalves Mori

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

DOUTORADO EM EDUCACcedilAtildeO CURRIacuteCULO

Tese apresentada agrave Banca Examinadora da

Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo como exigecircncia parcial para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de DOUTORA em

Educaccedilatildeo Curriacuteculo sob a orientaccedilatildeo do

Prof Dr Aliacutepio Maacutercio Dias Casali

SAtildeO PAULO

2013

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrocircnicos

Assinatura

Local e data

BANCA EXAMINADORA

Aos meus filhos Sophia e Rodrigo pelo amor de uma vida inteira

AGRADECIMENTOS

Ao Aliacutepio Casali pois entre tantos tropeccedilos excitaccedilotildees arguiccedilotildees conquistas

orientaccedilotildees provocaccedilotildees tecemos amizade conhecimento tese Pelo meu contentamento

de ter compartilhado este trabalho por dentro com vocecirc meu melhor exemplo de que a

solidariedade eacute praacutetica educativa Muito obrigada

Ao Fernando Joseacute de Almeida e Mozart Neves Ramos pela amizade pelas conversas

instigantes e incentivos constantes

Ao Mario Sergio Cortella por ter me convencido a enfrentar o desafio do doutorado

e tantos outros sempre tatildeo presente tatildeo provocador tatildeo pertinente

Ao Joseacute Seacutergio Fonseca de Carvalho e Maria Nieves Tapia mestres da minha vida e da

minha vida acadecircmica por quem zelo um enorme carinho respeito e admiraccedilatildeo

Aos professores doutores da banca de qualificaccedilatildeo Branca Jurema Ponce e Paulo

Roberto Padilha pela contribuiccedilatildeo atenciosa e valorosa

Ao Francisco Josivan de Souza amigo tatildeo estimado e revisor desta tese

Ao Instituto Faccedila Parte por quase uma deacutecada de aprendizagem parceira

conhecimento vida Sem essa experiecircncia e sem esse apoio esta tese natildeo existiria

Agraves Escolas Solidaacuterias que participaram diretamente desta pesquisa em especial aos

seus diretores coordenadores pedagoacutegicos professores e comunidade que trouxeram as

contribuiccedilotildees essenciais e tornaram possiacutevel a realizaccedilatildeo desta pesquisa

Agrave CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa

A cada um dos meus amigos e amigas que me acompanharam me inspiraram

compartilharam conhecimento e trouxeram conforto e confianccedila para que eu pudesse seguir

adiante Em especial Miro Silmara Nice Cris Murachco Nany Rodrigo Miguel Quique

Deacutebora Ana Luacutecia Marcelo Juliana Rosacircngela Letiacutecia Telma Roberta Ernandes e Gilberto

Agrave minha famiacutelia em atenccedilatildeo especial aos meus pais com todo o meu amor agrave Leda e

ao Zeacute Mori em nome dos quais agradeccedilo aos demais

Ao Renato por compartilhar cada dia cada fraqueza cada alegria Por causa do seu

esmero foi possiacutevel realizar mais este sonho juntos

ldquoA solidariedade como forma de conhecimento

eacute o reconhecimento do outro como igual

sempre que a diferenccedila lhe acarrete inferioridade

e como diferente sempre que a igualdade

lhe ponha em risco a identidaderdquo

Boaventura de Souza Santos

RESUMO

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

Katia Regina Gonccedilalves Mori

Esta pesquisa analisa a solidariedade como praacutetica curricular educativa

e tem como objetivo compreender por um lado em que medida a

solidariedade pode ser inerente agraves praacuteticas curriculares e quais satildeo as

atividades que mediatizam a sua aprendizagem por outro contribuir para o

debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo uma vez que ultimamente tem-se

compreendido de maneira dicotomizada o conhecimento cognitivo e a

formaccedilatildeo para a cidadania O referencial teoacuterico estaacute aportado sobretudo nos

conceitos de alteridade (Leacutevinas) eacutetica (Dussel) compromisso poliacutetico (Freire)

e conhecimento emancipaccedilatildeo (Santos) O universo da pesquisa estaacute

circunscrito a quatro escolas do Estado de Satildeo Paulo com representatividade

das principais redes de ensino (rede puacuteblica estadual e municipal escola

particular e profissionalizante) Trata-se de uma pesquisa de anaacutelise qualitativa

cujos dados foram obtidos mediante questionaacuterios e entrevistas semi-

estruturadas Participaram como sujeitos da pesquisa coordenadores

pedagoacutegicos professores e comunidades atendidas pelos projetos solidaacuterios

desenvolvidos pelas escolas participantes Esta pesquisa permitiu constatar

que existe diferenccedila tanto na compreensatildeo quanto no desenvolvimento de

praacuteticas pedagoacutegicas que visam ensinar solidariedade fato este que sugeriu o

desenvolvimento e a proposiccedilatildeo de uma tipologia especiacutefica do conceito para o

campo da educaccedilatildeo a saber solidariedade curricular assistencialista

discursiva funcionalista-participativa e criacutetica-emancipadora Esta tese visa

contribuir para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo pensada pela

perspectiva da solidariedade enquanto conhecimento e valor fundamental para

a constituiccedilatildeo de uma sociedade que se queira plural e justa

Palavras-chave curriacuteculo solidariedade voluntariado educativo eacutetica qualidade da educaccedilatildeo

ABSTRACT

Solidarity as a curriculum educative practice

Katia Regina Gonccedilalves Mori

This research analyzes solidarity as a curricular practice and aims to

understand two particular points First the extent to which solidarity should be

inherent to curricular practices and which are the activities that emphasize its

teaching process Secondly it seeks to contribute to the debate about the quality

in education which lately has been understood under two dichotomized

functions cognitive knowledge and preparing for citizenship This is a research

on qualitative analysis field and its theoretical framework is based upon the

concepts of otherness (Levinas) ethics (Dussel) political commitment (Freire)

and knowledge emancipation (Santos) The research took place in four schools

of Satildeo Paulo metropolitan area which represent the most important school

systems (public private and vocational schools) For data collection a

questionnaire and semi-structured interviews were undertaken whose results

were recorded and transcribed The research informants were educational

coordinators teachers and people from the community attended by schools

under solidarity projects This research allowed to realize that there is much

variety in understanding how to develop pedagogical practices of solidarity and

this fact led to the development of a specific typology of solidarity practices in

education assistencialist discursive functional-participative critical-

emancipatory This thesis seeks to contribute to the debate about the quality of

education designed from the perspective of knowledge and solidarity as a

fundamental value for the constitution of a society which wants to be plural and

fair

Keywords curriculum solidarity service-learning ethics quality of education

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 12

1 Apresentaccedilatildeo 13 2 Contextualizaccedilatildeo 18 3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa 20 4 A metodologia qualitativa 23

CAPIacuteTULO I

PERCURSO METODOLOacuteGICO 27

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa 31

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino 32 12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino 40 13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada 45 14 Escola4 ndash Escola da Rede Particular Profissionalizante 51

2 Seleccedilatildeo das escolas 54

3 Selo Escola Solidaacuteria 56

4 Instituto Faccedila Parte 60

5 A coleta de dados 63

CAPIacuteTULO II

O CONCEITO SOLIDARIEDADE 73

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo 75

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade 81

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Sousa Santos 88

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas 93

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel 97

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire 101

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia poliacutetica 105

CAPIacuteTULO III

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE 117

1 O conceito de curriacuteculo 117

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade 120

3 A solidariedade e o saber compartilhado 124

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa 127

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional 131

6 O curriacuteculo e qualidade da educaccedilatildeo 137

CAPIacuteTULO IV

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA 144

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas 149

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa 153 21 Solidariedade assistencialista 155 22 Solidariedade discursiva 159 23 Solidariedade funcionalista-participativa 164 24 Solidariedade criacutetica-emancipadora 169

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular 183 31 A solidariedade no ambiente escolar 183 32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade 189

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 195

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 201

APEcircNDICE 214

ANEXO 220

LISTA DE SIGLAS

CONSED ndash Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Educaccedilatildeo

CPE1 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 1

CPE2 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 2

CPE3 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 3

CPE4 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 4

CE2 ndash Comunidade Escola 2

CE3 ndash Comunidade Escola 3

ExCE1 ndash Ex-coordenador Escola 1

PE1 ndash Professor Escola 1

PE2 ndash Professor Escola 2

PE3 ndash Professor Escola 3

PE4 ndash Professor Escola 4

ECA ndash Estatuto da Crianccedila e do Adolescente

ENEM ndash Exame Nacional do Ensino Meacutedio

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

INEP ndash Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira

LDB ndash Lei de Diretrizes e Bases

MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

OEI ndash Organizaccedilatildeo dos Estados Iberoamericanos

ONG ndash Organizaccedilatildeo Natildeo-Governamental

PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO

PCN ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNEDH ndash Programa Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PPP- Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

SENAI ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

UNDIME ndash Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino

UNESCO ndash Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF ndash Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

12

INTRODUCcedilAtildeO

13

1 Apresentaccedilatildeo

Comecei a me formar educadora em 1992 quando ingressei no curso

de graduaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade de Satildeo Paulo Entre

as oportunidades vivenciadas duas delas influenciaram as minhas escolhas e

o percurso de minha carreira A primeira foi ter ingressado no Nuacutecleo de

Pesquisa da Escola do Futuro (1995-1997)1 pois despertou o meu interesse

pela aplicaccedilatildeo das Tecnologias da Informaccedilatildeo e da Comunicaccedilatildeo (TIC) na

escola De 1999 a 2001 trabalhei com projetos sobre o uso do computador na

sala de aula e fiz o mestrado na linha de Novas Tecnologias aplicadas agrave

Educaccedilatildeo defendido em 2004 pela PUC-SP

A segunda foi a experiecircncia de ter sido voluntaacuteria no Centro de Estudos

e Informaccedilotildees Crecheplan atualmente Instituto Avisa Laacute2 com a equipe

pedagoacutegica coordenada por Regina Scarpa O trabalho intensificou o meu

interesse pelos estudos Eu sentia a necessidade de melhorar meu repertoacuterio e

conseguir ajudar agrave creche tanto na intervenccedilatildeo direta com os alunos quanto

nas reuniotildees pedagoacutegicas que acompanhava uma vez por mecircs Assumi um

compromisso de formaccedilatildeo que transcendia a vida acadecircmica e com isso o meu

rendimento melhorou Minha motivaccedilatildeo para os estudos natildeo era mais somente

1 O NAP Escola do FuturoUSP inaugurou suas atividades em 1989 sob a coordenaccedilatildeo

cientiacutefica do Prof Dr Fredric M Litto A partir de janeiro de 1993 instituiu-se como um Nuacutecleo de Apoio agrave Pesquisa passando a intitular-se Nuacutecleo das Novas Tecnologias de Comunicaccedilatildeo Aplicadas agrave Educaccedilatildeo ldquoEscola do FuturoUSPrdquo (NAP EFUSP) Trabalhei diretamente em um dos projetos o Grupo de Ciecircncias via Telemaacutetica coordenado pelo Prof Dr Nelio Bizzo (ESCOLA DO FUTURO 2013)

2 Em 1986 foi fundado o entatildeo Crecheplan por um grupo de profissionais que atuavam em

creches A partir de 1999 ele passou a se chamar INSTITUTO AVISA LAacute - Formaccedilatildeo Continuada de Educadores uma organizaccedilatildeo natildeo-governamental que tem como objetivos contribuir para a qualificaccedilatildeo e o desenvolvimento de competecircncias dos educadores que atuam em instituiccedilotildees educacionais e atendem a crianccedilas de baixa renda oferecer suporte teacutecnico para ONGs agecircncias governamentais escolas de Educaccedilatildeo Infantil e Ensino Fundamental atuar como centro de produccedilatildeo de conhecimento em Educaccedilatildeo por meio de site na Internet com produccedilatildeo de viacutedeos de formaccedilatildeo e publicaccedilotildees e contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que resultem em educaccedilatildeo de maior qualidade (AVISA LAacute 2013)

14

conseguir boas notas mas me preparar para lidar com as vaacuterias situaccedilotildees

enfrentadas na creche o planejamento da atividade a negociaccedilatildeo de conflitos

a contaccedilatildeo de histoacuterias o acompanhamento das discussotildees pedagoacutegicas a

falta de recursos o problema da desapropriaccedilatildeo do imoacutevel e fechamento da

creche (devido agrave construccedilatildeo da Av Roberto Marinho na zona sul da cidade de

Satildeo Paulo) entre outros

Passados aproximadamente cinco anos apoacutes a minha graduaccedilatildeo

recebi um convite para trabalhar em um Instituto3 receacutem-fundado que tinha

como foco estimular o voluntariado por meio da educaccedilatildeo Ateacute entatildeo tinha

optado por seguir pelo caminho do uso das TIC na educaccedilatildeo e minha uacutenica

experiecircncia no terceiro setor tinha sido no Crecheplan que havia se tornado

meu uacutenico referencial tanto de atuaccedilatildeo no terceiro setor quanto de

voluntariado na educaccedilatildeo

Naquela eacutepoca iniacutecio dos anos 2000 o paiacutes vivia um chamado

intensivo da comunidade para o trabalho voluntaacuterio quando o Programa

Comunidade Solidaacuteria coordenado pela Dra Ruth Cardoso no governo

Fernando Henrique Cardoso estimulava o ldquofortalecimento da sociedade civilrdquo e

influenciou a criaccedilatildeo de centros institutos e programas de voluntariado pelo

Brasil O assunto ganhou notoriedade com a cobertura da miacutedia dividindo

opiniotildees da populaccedilatildeo e de especialistas Minha percepccedilatildeo sobre voluntariado

tambeacutem era dicotocircmica pois por um lado eu desconfiava do estiacutemulo ao

trabalho voluntaacuterio que mais parecia uma manobra poliacutetica para que as

pessoas trabalhassem gratuitamente para resolver problemas sociais que

deveriam ser de responsabilidade do Estado ou seja uma praacutetica para

apaziguar a sociedade e manter as relaccedilotildees de poder cada vez mais

fortalecidas (GADOTTI 2008 DEMO 2002 GENTILLI e SILVA 1994) por

outro lado eu tive efetivamente uma experiecircncia positiva na graduaccedilatildeo que

natildeo representava essa maneira de compreender o voluntariado4 Sendo assim

decidi conhecer a proposta do Instituto e soube que a intenccedilatildeo era a de 3 Instituto Faccedila Parte apresentado no Capiacutetulo I

4 No Crecheplan pude contribuir socialmente aprendi que poderia intervir e ajudar a melhorar

uma realidade difiacutecil Sabia que natildeo estava substituindo o papel de nenhum funcionaacuterio da educaccedilatildeo com o meu trabalho pois isso era conversado com a gestora da instituiccedilatildeo aprendi a enxergar o outro a pensar em o que poderia fazer para contribuir para o desenvolvimento do curriacuteculo e do planejamento pedagoacutegico

15

estimular a praacutetica do voluntariado jovem similar agrave que eu tinha vivido e que a

base conceitual de voluntariado seria criada a partir de dois alicerces 1) de

compromisso social sem a substituiccedilatildeo do estado ou a desoneraccedilatildeo do

empregador e 2) ser uma experiecircncia de formaccedilatildeo pessoal e social para o

jovem

O Instituto (presidecircncia conselho consultivo e equipe executiva) era

constituiacutedo de forma bastante ecleacutetica empresaacuterios universitaacuterios pessoas

ligadas ao terceiro setor pesquisadores pensadores e educadores como Frei

Betto e Antonio Carlos Gomes da Costa A oportunidade de aprender com essa

experiecircncia ainda que em meio a tensotildees ideoloacutegicas que a proacutepria

configuraccedilatildeo do grupo sugeria (ainda que pequeno com boa

representatividade da sociedade civil) me instigou a aceitar o desafio

O primeiro material analisado para fundamentar conceitualmente o

voluntariado foi apresentado por Frei Betto em uma das oficinas de estudo

Tratava-se de uma pesquisa desenvolvida por uma brasileira na Itaacutelia

(SBERGA 2001) sobre como o voluntariado pode ser uma ferramenta

pedagoacutegica pela qual os alunos podem ser estimulados a diagnosticar um

problema social real planejar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo e atuar diretamente na

comunidade conceito esse chamado de ldquovoluntariado educativordquo5 Antonio

Carlos Gomes da Costa trouxe o conceito de ldquoprotagonismo juvenilrdquo no qual o

jovem eacute visto como um protagonista na resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

identificados com a escola buscando-se desenvolver aleacutem das habilidades

cognitivas a consciecircncia de que a realidade pode ser transformada Assim

estabelece-se uma relaccedilatildeo mais direta da escola com a comunidade e se

propotildee a contextualizaccedilatildeo do curriacuteculo partindo de um problema local para

propiciar a formaccedilatildeo criacutetica e sobretudo solidaacuteria

Com esses estudos aprendi que o voluntariado natildeo pode ser

compreendido como uma atividade que desonera o Estado ou o empregador

pois essa percepccedilatildeo o afasta da construccedilatildeo de um estado democraacutetico No

entanto responsabilizar-se pela vida em comunidade de maneira voluntaacuteria

5Ver capiacutetulo IV A solidariedade como praacutetica curricular educativa

16

pode ser uma experiecircncia positiva6 na medida em que permite melhor

compreensatildeo sobre a co-responsabilidade e o proacuteprio funcionamento do poder

puacuteblico

Sobre o aspecto da formaccedilatildeo o comprometimento voluntaacuterio para se

resolver problemas sociais reais pode despertar a consciecircncia social e o

interesse pela atitude poliacutetica A aproximaccedilatildeo permite conhecer entre outras

coisas como a sociedade se organiza e quem deve ser cobrado para que a

ordem seja (re)estabelecida Esta concepccedilatildeo de voluntariado despertou o meu

interesse em contribuir para a construccedilatildeo da base conceitual do Instituto e por

extensatildeo para a formaccedilatildeo de jovens que pudessem ter ainda uma visatildeo

distorcida assistencialista exploratoacuteria da praacutetica voluntaacuteria Enquanto

coordenadora de conteuacutedo do Instituto participei do desenvolvimento dos livros

publicados e do principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria7 o que me

possibilitou entrar em contato direto com milhares de gestores de escolas

puacuteblicas ao longo de nove anos de trabalho por todo o paiacutes em momentos

como os de visita agraves escolas palestras eventos de entrega e lanccedilamento de

alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria entre outros

Nas centenas de palestras introdutoacuterias sobre o conceito que proferi

em atividade pelo Instituto iniciaacutevamos a construccedilatildeo teoacuterica a partir da

seguinte formulaccedilatildeo se concordarmos com o artigo segundo da LDB 939496

o qual define que a educaccedilatildeo ldquodeve ser inspirada nos ideais de solidariedade

humana e deve ter por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu

preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo

(grifos meus) como oferecer esta educaccedilatildeo Como preparar os alunos para o

exerciacutecio da cidadania

Estas perguntas despertavam um interesse unacircnime A resposta era

construiacuteda a partir da pedagogia de John Dewey e Paulo Freire entre outros

Aos poucos a necessidade de se criar experiecircncias da decisatildeo e da

6 Haja vista por exemplo a doaccedilatildeo de sangue em todo o mundo ela soacute pode ser exercida

voluntariamente O sangue humano natildeo eacute produzido sinteticamente natildeo pode ser comercializado (vendido ou comprado) e a sauacutede puacuteblica depende de um banco de sangue abastecido

7 Apresentado no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

17

responsabilidade (DEWEY 1979) e de se criar um curriacuteculo vivo

contextualizado criacutetico (FREIRE 1996) era trazida ao primeiro plano

Ao longo de todo o percurso pude perceber que tais reflexotildees faziam

sentido para escolas de diferentes condiccedilotildees regionais sociais

administrativas econocircmicas O desenvolvimento de experiecircncias de

protagonismo juvenil onde o jovem pudesse trabalhar em projetos socais reais

era compreendido como uma das possiacuteveis estrateacutegias para se buscar a

qualidade da educaccedilatildeo pretendida e guiada pela compreensatildeo do texto da

LDB

No entanto pude perceber tambeacutem que a unanimidade sobre

considerar tais questotildees fundamentais para a formaccedilatildeo inicial trazia consigo

divergecircncias intriacutensecas agrave proacutepria concepccedilatildeo conceitual Como pontua

Carvalho citando Azanha (CARVALHO 2013) haacute diferenccedilas na compreensatildeo

do que seja ldquoformar para a cidadaniardquo Da mesma forma deve haver diferenccedilas

para o que eacute ldquoser solidaacuteriordquo A unanimidade aparente pode responder a

intenccedilotildees diversas revelando um tenso jogo de poder entre manter o status

quo por meio do reforccedilo de uma postura acomodada de cidadania ou propor

uma educaccedilatildeo criacutetica que visa agrave emancipaccedilatildeo As contradiccedilotildees e a riqueza da

diversidade sentidas ao longo desses anos me motivaram a voltar agrave academia

a um Programa de Doutorado em Educaccedilatildeo Curriacuteculo para procurar

compreender a educaccedilatildeo enquanto qualidade de formaccedilatildeo para a

solidariedade e a cidadania8

8 Impulsionados por outra concepccedilatildeo de contribuiccedilatildeo para a qualidade da educaccedilatildeo a diretoria

do Faccedila Parte e parceiros fundaram o Todos Pela Educaccedilatildeo em 2006 ndash organizaccedilatildeo social que visa concentrar seus esforccedilos no estabelecimento acompanhamento e desenvolvimento de programas para o cumprimento de metas estabelecidas de qualidade relacionadas ao fluxo desempenho e gestatildeo de processos e recursos para a educaccedilatildeo baacutesica

O Faccedila Parte manteacutem suas atividades poreacutem com atuaccedilatildeo reduzida O Selo Escola Solidaacuteria foi encerrado em sua quinta ediccedilatildeo Em nota o Instituto informou que em 2013 ao completar 10 anos seratildeo reconhecidas as escolas que participaram de quatro ou das cinco ediccedilotildees

18

2 Contextualizaccedilatildeo

Vivemos um momento marcado por avanccedilos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos

que mudaram as relaccedilotildees de tempo espaccedilo produccedilatildeo e conviacutevio Nunca

antes o mundo havia experimentado a convivecircncia planetaacuteria o recebimento

da informaccedilatildeo em tempo real o ldquoestarrdquo de maneira virtual Esta configuraccedilatildeo

incita novos arranjos Nunca antes na histoacuteria a humanidade teve acesso a

tantos conhecimentos teacutecnicas informaccedilotildees e ferramentas de maneira tatildeo

disponiacutevel No entanto tais caracteriacutesticas tecircm propiciado o desenvolvimento

humano9

Segundo um estudo desenvolvido pelo psicoacutelogo evolucionista da

Universidade de Harvard Steven Pinker (2012) a humanidade tem

abandonado as praacuteticas de sacrifiacutecios humanos e meacutetodos crueacuteis de execuccedilatildeo

como a fogueira a crucificaccedilatildeo e a empalaccedilatildeo comuns na idade medieval e

adotado uma postura mais pacifista nos uacuteltimos seacuteculos Ele demonstra a

queda no nuacutemero de mortes por guerras genociacutedios terrorismo que o autor

atribui ao fato de o homem ficar mais inteligente utilizando a variaccedilatildeo meacutedia do

teste de raciociacutenio loacutegico para comprovar sua hipoacutetese No entanto em sua

obra Como a mente funciona (Idem 1999) atribui agrave inteligecircncia humana o fato

do homem buscar estrateacutegias de sobrevivecircncia A primeira delas identificada

na teoria da Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin foi a de estabelecer

um relacionamento cooperativo baseado na reciprocidade muacutetua para a

proteccedilatildeo do grupo e da espeacutecie10

Se considerarmos esses trecircs fatores o acesso ao conhecimento

culturalmente acumulado de forma mais intensa pelo uso das TICs a

globalizaccedilatildeo (comunicaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo) e que o homem busca a

sobrevivecircncia a tendecircncia de natildeo extermiacutenio pode estar na complexidade

dessa relaccedilatildeo uma vez que os interesses ligados agrave proacutepria subsistecircncia

depende de conexotildees planetaacuterias acordos geopoliacuteticos e econocircmicos e

9Desenvolvimento humano compreendido nesta pesquisa como um processo de ampliaccedilatildeo

das escolhas das pessoas para que elas possam por si criar as oportunidades para serem aquilo que desejam ser (MORI CASADEI 2012)

10 Ver Capiacutetulo III Curriacuteculo e Solidariedade

19

sofrem a influecircncia do predomiacutenio da cultura hegemocircnica que continua

tensionando as relaccedilotildees num jogo de interesses que favorece a desigualdade

social a fome e a pobreza absoluta produtos desse sistema poliacutetico ainda

perverso

Para Pedro Demo o desenvolvimento humano estaacute apoiado em dois

pilares fundamentais o instrumento (produccedilatildeo econocircmica) e o fim (cidadania)

Neste sentido o processo educativo pode tender tanto para os fins de consumo

como para os meios de uma formaccedilatildeo criacutetico emancipadora Ele se constitui a

partir de dois movimentos o ldquoformalrdquo constituiacutedo do manejo da linguagem dos

meios da tecnologia das formas e o ldquopoliacuteticordquo que diz respeito agrave capacidade

do sujeito ldquose fazer e fazer histoacuteriardquo Ainda que como ressalva o autor natildeo se

possam segregar as duas coisas pois elas ldquonatildeo satildeo duas coisas satildeo as faces

do mesmo todordquo (DEMO 1996 p 14)

O conhecimento e a instruccedilatildeo podem trazer a capacidade de produccedilatildeo

de inserccedilatildeo social de consumo mas tambeacutem a competitividade a exploraccedilatildeo

a manutenccedilatildeo do status quo Para que isso natildeo ocorra a aquisiccedilatildeo de renda

deve ser compreendida como meio natildeo como fim pois eacute preciso considerar a

qualidade da vida em sociedade o respeito a convivecircncia a liberdade num

processo educativo humanizador

No entanto quando analisamos a tendecircncia educacional dos uacuteltimos

anos vemos que a busca por qualidade tem sido pautada apenas na aquisiccedilatildeo

formal do conhecimento e natildeo na formaccedilatildeo humanizadora Um dos principais

fatores para esse movimento pode ser atribuiacutedo agrave incorporaccedilatildeo de testes

padronizados de conhecimento para mensurar a qualidade da educaccedilatildeo

oferecida no sistema puacuteblico de ensino Se por um lado essa medida tenha

contribuiacutedo para que seja possiacutevel conhecer a qualidade formal da educaccedilatildeo

por outro a apropriaccedilatildeo que se tem feito dos resultados tem reduzido o

conceito de qualidade da educaccedilatildeo agrave esfera da instrumentalizaccedilatildeo da

aquisiccedilatildeo de conhecimentos teacutecnicos formais

A divulgaccedilatildeo de um ranking das escolas promovendo uma disputa

centrada no bom rendimento no exame e natildeo na qualidade da aprendizagem

dos alunos pode ser um dos exemplos dessa maacute apropriaccedilatildeo Aleacutem disso a

adoccedilatildeo dos testes como principal ou uacutenico paracircmetro de qualidade para

20

determinar poliacuteticas puacuteblicas que priorizem accedilotildees para melhorar o desempenho

das escolas pelo estado e por outro lado as escolas adequarem o curriacuteculo de

forma a melhorar a desempenho nos exames limitando as praacuteticas curriculares

ao desenvolvimento de atividades que venham a impactar nos resultados

podem ser outras duas medidas que estejam promovendo o esvaziamento do

conceito de qualidade da educaccedilatildeo (FRIGOTTO 1994)

O objetivo tende a deixar de ser a formaccedilatildeo do sujeito histoacuterico-criacutetico

para ter o fim em si mesmo o que descaracteriza a proacutepria educaccedilatildeo que natildeo

se limita a instrumentalizaccedilatildeo e metodologia mas abrange a qualidade formal e

poliacutetica ao mesmo tempo Neste sentido esta pesquisa pretende retomar o

conceito de qualidade a partir da formaccedilatildeo social humanizadora sem

descartar no entanto a aquisiccedilatildeo e desenvolvimento do conhecimento criacutetico

criativo que favorece a emancipaccedilatildeo

3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa

Segundo a coluna de opiniatildeo puacuteblica assinada por Juan Carlos

Tedesco no perioacutedico espanhol para docente intitulado Escuela (TEDESCO

2013) a ONU divulgou recentemente uma declaraccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e

desenvolvimento social onde denomina as competecircncias relacionadas agrave

formaccedilatildeo eacutetica e solidaacuteria como ldquohabilidades brandasrdquo em contraponto agraves

ldquohabilidades durasrdquo relacionadas ao aspecto cognitivo Na mesma perspectiva

a avaliaccedilatildeo externa ndash padronizada feita em larga escala para avaliar os

sistemas educacionais ndash considera o resultado de testes padronizados em

leitura (portuguecircs) e matemaacutetica como paracircmetro para determinar as notas das

escolas e tem definido o curriacuteculo daquelas que buscam por melhores

resultados Em alguns estados o governo oferece aos professores que

atingem as metas estabelecidas bonificaccedilotildees salariais11 e a cobertura da miacutedia

11

Segundo informaccedilotildees divulgadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Fundaccedilatildeo Victor Civita (CIVITA 2011) sete estados implantaram esse sistema Amazonas Cearaacute Pernambuco Rio de Janeiro Minas Gerais Espiacuterito Santo e Satildeo Paulo

21

nacional e local se encarrega de fazer o ranqueamento das escolas de acordo

com os resultados obtidos Em meio a esse processo se por um lado haacute

ganhos no acompanhamento do sistema educacional os ldquoefeitos colateraisrdquo

tecircm se mostrado perversos como a reduccedilatildeo do curriacuteculo por exemplo que

passa a ser restringido agrave preparaccedilatildeo para os testes O impacto dessas

medidas e tendecircncias na compreensatildeo da qualidade da educaccedilatildeo recai

inclusive sobre a desvinculaccedilatildeo da construccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-

cientiacutefico agrave formaccedilatildeo eacutetica solidaacuteria Eacute o proacuteprio Tedesco (2013) que afirma

Se houver a separaccedilatildeo entre as chamadas ciecircncias duras e as ciecircncias brandas haveraacute a preparaccedilatildeo do terreno para o

divoacutercio entre a dimensatildeo cognitiva da eacutetica e da vida emocional das pessoas o que impede que os alunos e a sociedade como um todo percebam a complexa realidade da vida cotidiana que integra aspectos cientiacuteficos sociais e eacuteticos

A dicotomizaccedilatildeo distancia a escola de oferecer uma formaccedilatildeo para a

cidadania prestando-se a centrar seus esforccedilos na preparaccedilatildeo dos alunos aos

testes ao bom desempenho escolar apenas descartando a formaccedilatildeo para a

cidadania A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (BRASIL 1996)

em seu artigo 2ordm define que ldquoa educaccedilatildeo dever da famiacutelia e do Estado

inspirada nos princiacutepios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana

tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu preparo para o

exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo Tais princiacutepios

permeiam os paracircmetros e referenciais curriculares de educaccedilatildeo No texto de

introduccedilatildeo aos Paracircmetros Curriculares Nacionais o preparo para o exerciacutecio

da cidadania aponta para a

relevacircncia de discussotildees sobre a dignidade do ser humano a igualdade de direitos a recusa categoacuterica de formas de discriminaccedilatildeo a importacircncia da solidariedade e do respeito Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserccedilatildeo sociopoliacutetica e cultural Apresenta-se para a escola hoje mais do que nunca a necessidade de assumir-se como espaccedilo social de construccedilatildeo dos significados eacuteticos necessaacuterios e constitutivos de toda e qualquer accedilatildeo de cidadania (BRASIL 1997 p 27)

22

Vecirc-se aqui que a educaccedilatildeo baacutesica deve estar fundamentada nos ideais

de solidariedade e eacutetica na cidadania e deve assumir o compromisso de

integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a intervenccedilatildeo social e

poliacutetica dando sentido ao emprego dos conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos

Este eacute o problema assumido para esta tese

Para Carvalho (2013 p 47-48) ensinar as ldquovirtudes puacuteblicasrdquo eacute uma

questatildeo formulada haacute seacuteculos desde Platatildeo No entanto tais virtudes como a

solidariedade podem de fato ser ensinadas Considerando que o processo

formativo deve estar fundamentado nos ideais de solidariedade e deve assumir

o compromisso de integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a

intervenccedilatildeo social e poliacutetica o que esta tese se propotildee a investigar eacute se e

como esta formaccedilatildeo articulada entre a preparaccedilatildeo para a vida produtiva

(conhecimentos cientiacuteficos e teacutecnicos) e a educaccedilatildeo para a solidariedade

(sobretudo a formaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica) estaacute acontecendo

A presente pesquisa assume a seguinte hipoacutetese a experiecircncia de

solidariedade pode contribuir com a praacutetica curricular retomando sobretudo a

formaccedilatildeo social e poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para

aleacutem da aquisiccedilatildeo formal dos conhecimentos culturalmente acumulados

Para isso o objetivo desta pesquisa eacute estudar segundo uma

distribuiccedilatildeo de amostragem definida qualitativamente que contribuiccedilotildees

avanccedilos ganhos ou retrocessos podem ser percebidos nas e pelas escolas

investigadas quanto ao desenvolvimento da solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa Tal abordagem visa construir referenciais que tenham por

princiacutepio e fim a solidariedade e contribuam para a formaccedilatildeo para a cidadania e

a construccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica

Satildeo objetivos especiacuteficos desta pesquisa

- contribuir para o debate acerca da solidariedade no acircmbito da

educaccedilatildeo definindo-a conceitualmente

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica

curricular e

23

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade na escola pode ser considerada inerente agrave praacutetica

curricular

Pretende-se como resultado desta pesquisa contribuir para o debate

acerca da educaccedilatildeo de qualidade retomando sobretudo a formaccedilatildeo social e

poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para aleacutem da aquisiccedilatildeo

formal dos conhecimentos culturalmente acumulados compreendendo a

solidariedade como praacutetica curricular educativa

4 A metodologia qualitativa

Por suas caracteriacutesticas intriacutensecas o tema solidariedade12 requer uma

pesquisa de anaacutelise qualitativa

Para desenvolver este estudo foi realizada uma pesquisa de campo

junto a quatro escolas trecircs da cidade de Satildeo Paulo e uma de Satildeo Caetano do

Sul no Estado de Satildeo Paulo13

O estudo qualitativo ganhou espaccedilo entre as ciecircncias sociais e

humanas pois permite a adequaccedilatildeo agrave realidade de cada pesquisa de acordo

com o seu interesse diferenciando-se em forma e meacutetodo Depender do

pesquisador significa que as concepccedilotildees valores e conjunto de significados e

objetivos variam caso a caso (CHIZZOTTI 2008)

12

Fiz um levantamento junto ao Banco de Teses da CAPES (httpcapesdwcapesgovbr) sobre os trabalhos cientiacuteficos relacionados ao tema ldquosolidariedaderdquo Ao todo foram encontradas 589 ocorrecircncias Visando conhecer a produccedilatildeo mais recente fiz um recorte considerando os uacuteltimos cinco anos (de 2007 a 2011) e encontrei 227 tiacutetulos Nesta amostragem observou-se uma maior ocorrecircncia dos enfoques socioloacutegico filosoacutefico teoloacutegico econocircmico poliacutetico e de direito Foram encontradas 45 pesquisas no tema da educaccedilatildeo Haacute pesquisas nas aacutereas de educaccedilatildeo superior educaccedilatildeo do campo educaccedilatildeo natildeo formal educaccedilatildeo profissional educaccedilatildeo especial formaccedilatildeo de professores direitos humanos sauacutede arte literatura educaccedilatildeo fiacutesica novas tecnologias entre outros vinculadas aos saberes eacuteticos teacutecnicos pedagoacutegicos comunicacionais de gestatildeo entre outros Pode-se perceber uma tendecircncia em se considerar a solidariedade como fator de promoccedilatildeo de um ambiente colaborativo de aprendizagem Uma delas trata da questatildeo da solidariedade visando a formaccedilatildeo em valores Eacute uma pesquisa qualitativa teoacuterica ou seja natildeo haacute pesquisa de campo e se propocircs a elaborar o conceito principalmente pela teoria da complexidade e a eacutetica

13 As escolas seratildeo apresentadas no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

24

A anaacutelise qualitativa permite o envolvimento com o tema respeitando

as particularidades e diversidades que o estudo sobre as relaccedilotildees sociais

merece O pesquisador torna-se um ator durante o processo na medida em

que participa interage acompanha recorta compreende e interpreta os dados

de acordo com suas inquietaccedilotildees

Haacute uma interaccedilatildeo direta entre o objeto e a subjetividade do sujeito O

conhecimento portanto natildeo se reduz a um rol isolado de dados pois o

pesquisador pode considerar os fenocircmenos que influenciam o objeto

Os pesquisadores que adotaram essa orientaccedilatildeo se subtraiacuteram agrave verificaccedilatildeo das regularidades para se dedicarem agrave anaacutelise dos significados que os indiviacuteduos datildeo agraves suas accedilotildees no meio ecoloacutegico em que constroem suas vidas e suas relaccedilotildees agrave compreensatildeo do sentido dos atos e das decisotildees dos atores sociais ou entatildeo dos viacutenculos indissociaacuteveis das accedilotildees particulares com o contexto social em que estas se datildeo (CHIZZOTTI 1991 p 63)

Em ciecircncias humanas os fatos natildeo satildeo estanques uma vez que os

objetos de estudo pensam agem e reagem assim como o pesquisador que

igualmente exerce influecircncia durante a pesquisa (LAVILLE DIONNE 1999 p

33)

A complexidade do conceito e as restriccedilotildees exigidas pela metodologia

cientiacutefica fizeram da tese seus recortes e instrumentos um desafio constante

que me propus a enfrentar mesmo diante das dificuldades da mensuraccedilatildeo de

resultados

O erro tiacutepico cometido ldquonas pesquisas sociaisrdquo refere-se agrave tendecircncia de reduzir o relevante ao testaacutevel [] Seria uma distorccedilatildeo grosseira imaginar inexistente ou irrelevante aquilo que natildeo conseguimos captar de modo experimental Se haacute uma falha ela estaria no meacutetodo de captaccedilatildeo natildeo na realidade Eacute pois uma violecircncia contra a realidade pressupor que soacute interessa sua face empiacuterica Diria inclusive que na realidade social raramente o mais relevante

coincide com o mais testaacutevel (DEMO 1985 p9)

25

Para desenvolver este estudo optei por fazer uma pesquisa teoacuterica e

empiacuterica14 analisando escolas de diferentes redes de ensino e contextos

buscando compreender a praacutetica curricular

Esta tese estaacute organizada de acordo com a seguinte estrutura o

Capiacutetulo I traz o percurso metodoloacutegico e apresenta quais foram os criteacuterios

utilizados para a escolha das escolas participantes da pesquisa os

instrumentos de coleta de dados como eles foram empregados e as escolas

os Capiacutetulos II e III satildeo teoacutericos sendo que o primeiro deles traz uma

construccedilatildeo teoacuterica sobre o conceito de solidariedade e o segundo diz respeito agrave

solidariedade no contexto da educaccedilatildeo fundamentalmente no curriacuteculo da

educaccedilatildeo baacutesica e o Capiacutetulo IV apresenta os dados e os analisa costurando

o que pode ser observado e aprendido com os sujeitos da pesquisa agrave luz dos

teoacutericos aportados neste estudo

14

Esta pesquisa foi submetida ao Coacutedigo de Eacutetica nuacutemero CAAE 14483113500005482

26

CAPIacuteTULO I

27

PERCURSO METODOLOacuteGICO

A intenccedilatildeo de fazer uma pesquisa que resgatasse elementos para

elucidar e compreender questotildees relacionadas agrave solidariedade como praacutetica

educativa e portanto praacutetica curricular foi amadurecendo ao longo do trajeto

da pesquisa na medida em que se desenvolvia o estudo teoacuterico sobre a

solidariedade e o curriacuteculo Os autores escolhidos para embasar teoricamente

esta pesquisa (capiacutetulos III e IV) tecircm como ponto de convergecircncia a

abordagem humanizadora da educaccedilatildeo a formaccedilatildeo eacutetica e emancipadora

como paradigma orientador de educaccedilatildeo

Procuramos com esta pesquisa identificar como escolas de diferentes

contextos socioeducativos definem solidariedade como ensinam seus alunos a

serem solidaacuterios e como a adotam na praacutetica curricular

Na investigaccedilatildeo nosso olhar centrou-se nos principais aspectos tanto

nos momentos das entrevistas como nos contatos abertos com as escolas agrave

luz do referencial teoacuterico que foi construiacutedo junto com o acompanhamento nas

escolas buscando encontrar pontos de convergecircncia divergecircncia ou

complementaccedilatildeo que pudessem servir de guia para alocar os diferentes

aspectos mais frequentemente nas falas dos sujeitos da pesquisa como

blocos indicadores das subcategorias de anaacutelise

O objetivo desta manipulaccedilatildeo eacute propiciar uma apreciaccedilatildeo dialoacutegica

entre as falas dos atores com as observaccedilotildees e impressotildees colhidas junto agraves

escolas e agraves consideraccedilotildees dos pesquisadores agrave luz dos autores

selecionados

Nas consideraccedilotildees finais desta pesquisa buscamos desenvolver

provisoriamente algumas reflexotildees quanto agrave praacutetica curricular agrave vasta

compreensatildeo sobre solidariedade agrave formaccedilatildeo para a cidadania visando

colaborar para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo real e desejada

Para a coleta de dados foram utilizados trecircs recursos a aplicaccedilatildeo de

um questionaacuterio para um mapeamento inicial as entrevistas semi-estruturadas

28

e o acompanhamento agraves escolas em um processo investigativo que se

estendeu durante o ano letivo de 2012 ateacute o iniacutecio de 2013

No transcorrer da coleta de dados procuramos fazer com que os

participantes se sentissem beneficiados seguindo alguns criteacuterios a)

desenvolver a pesquisa junto a escolas que responderam voluntariamente ao

questionaacuterio b) as entrevistas foram negociadas previamente com cada

participante c) as entrevistas foram gravadas e transcritas a posteriori

procurando natildeo desviar a atenccedilatildeo nem do pesquisador nem do participante e

d) no caso dos eventos solidaacuterios na escola a participaccedilatildeo foi realizada de

acordo com a proposta sugerida pela escola respeitando o universo de

atuaccedilatildeo de cada uma delas

Para que esta pesquisa atingisse o objetivo de estudar a solidariedade

enquanto praacutetica educativa procuramos selecionar um pequeno universo de

escolas distintas entre si e que apresentassem o desejo demonstrassem o

interesse em serem escolas que oferecem uma educaccedilatildeo como praacutetica

solidaacuteria Neste sentido procuramos escolas que apresentassem as seguintes

caracteriacutesticas a) serem escolas que participaram ou receberam o Selo Escola

Solidaacuteria ao menos nas trecircs uacuteltimas ediccedilotildees (2007 2009 e 2011) b)

comporem entre si uma diversidade de escolas de diferentes redes

administrativas (rede puacuteblica estadual municipal e particular) c) serem de

realidades socioeconocircmicas distintas d) apresentarem entre si diferenccedilas em

relaccedilatildeo ao niacutevel de ensino trabalhado (Ensino Fundamental I Ensino

Fundamental II Ensino Meacutedio e profissionalizante) e) terem atividades

solidaacuterias previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Para se chegar a essas escolas adotamos como medida inicial uma

pesquisa no banco de projetos disponiacutevel na web que apresenta as escolas

que jaacute receberam o Selo Escola Solidaacuteria e seus projetos15

Para partir de um universo de 23690 escolas fizemos inicialmente o

recorte por localidade No Estado de Satildeo Paulo onde desenvolvemos esta

15

A justificativa da seleccedilatildeo das escolas seraacute apresentada ainda neste capiacutetulo Basicamente o Selo Escola Solidaacuteria reuacutene em um uacutenico banco de dados milhares de praacuteticas curriculares de escolas de todo o Brasil da rede puacuteblica e particular que trabalham com atividades e projetos voltados para a formaccedilatildeo acadecircmica e ciacutevica de forma articulada

29

pesquisa 4403 escolas receberam o Selo Escola Solidaacuteria sendo 2179 da

rede estadual 1256 da municipal 967 satildeo particulares e 1 federal

No entanto uma vez que decidimos desenvolver a pesquisa

presencialmente optamos por reduzir o nosso universo de pesquisa para as

escolas da cidade de Satildeo Paulo (557 escolas) e regiatildeo do chamado ABC

paulista composta pelas cidades de Santo Andreacute Satildeo Bernardo do Campo e

Satildeo Caetano do Sul (145 escolas) Assim o nosso universo de escolas passou

para 702 instituiccedilotildees Como ainda o recorte inviabilizava a pesquisa um

segundo criteacuterio foi adotado selecionar escolas que tivessem participado das

trecircs uacuteltimas ediccedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria visando encontrar aquelas que

tivessem inserido a proposta na praacutetica curricular haacute mais de cinco anos e que

tivessem participado das ediccedilotildees mais recentes do Selo Escola Solidaacuteria

Assim chegamos a 53 escolas sendo 48 na cidade de Satildeo Paulo (37 da rede

particular 6 da rede puacuteblica estadual 3 da rede puacuteblica municipal e 2 do ensino

teacutecnico e profissionalizante) e 5 na regiatildeo do Grande ABC (sendo 3 em Satildeo

Caetano do Sul 1 da rede municipal e 2 particulares 1 municipal em Satildeo

Bernardo do Campo da rede particular)

Para essas escolas foi enviado um email de apresentaccedilatildeo do projeto

da pesquisa e o questionaacuterio Quinze escolas responderam voluntariamente

dentro do prazo de um mecircs solicitado A partir da anaacutelise da resposta ao

questionaacuterio chegamos agraves quatro escolas participantes trecircs da cidade de Satildeo

Paulo e uma cidade de Satildeo Caetano do Sul Os criteacuterios utilizados para a

seleccedilatildeo destas escolas foram 1) garantir na mostra final escolas de todas as

redes de ensino 2) nuacutemero de participaccedilatildeo em ediccedilotildees do Selo Escola

Solidaacuteria 3) ter respondido ao questionaacuterio de forma completa e adequada 4)

aceitar participar voluntariamente da pesquisa

O primeiro contato foi estabelecido por email para informar agrave escola

que ela estava dentro do perfil ideal para seguir na pesquisa caso tivesse

disponibilidade e interesse As quatro escolas aceitaram continuar no processo

o que nos levou a agendar a primeira reuniatildeo para conhecer as escolas A

partir daiacute com a pesquisa apresentada e aprovada agendamos as entrevistas

semi-estruturadas com os sujeitos indicados pelas escolas

30

A Escola1 fica localizada em Satildeo Caetano do Sul municiacutepio da

mesorregiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo16 A populaccedilatildeo aferida em 2009 foi de

152093 habitantes e a aacuterea total da cidade eacute de 153 kmsup2 o que resulta numa

densidade demograacutefica de 94308 habitantes por quilocircmetro quadrado (SAtildeO

CAETRANO DO SUL 2012)

Eacute a cidade com o melhor IDH do Brasil (PNUD 2000) e tambeacutem estaacute

em 47ordf posiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao PIB das cidades brasileiras (IBGE 2010a) A

taxa de alfabetizaccedilatildeo do municiacutepio eacute de 9967 sendo uma das trecircs cidades

do Estado de Satildeo Paulo17 que recebeu o Selo Municiacutepio Livre de

Analfabetismo conferido pelo MEC para cidades que atingiram mais de 96

de alfabetizaccedilatildeo A rede de escolas municipais atende aproximadamente a

13000 alunos em 19 escolas de Ensino Fundamental e Ensino Meacutedio Em

2007 a Prefeitura municipalizou 10 escolas de Ensino Fundamental somando

portanto mais 65 mil alunos aproximadamente Aleacutem disso nove escolas da

rede estadual instaladas em Satildeo Caetano recebem investimento da Prefeitura

para sua manutenccedilatildeo e modernizaccedilatildeo Quanto agrave gestatildeo Paulo Pinheiro do

Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro (PMDB) eacute o atual prefeito e o

Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o Professor Daniel Belluci

As Escolas 2 3 e 4 ficam na cidade de Satildeo Paulo que possui a rede

de ensino com o maior nuacutemero de escolas do Brasil tanto da rede municipal

quanto da estadual constituiacuteda por 2725 estabelecimentos de Ensino

Fundamental 2998 unidades preacute-escolares 1199 escolas de niacutevel meacutedio e

146 instituiccedilotildees de niacutevel superior Ao total satildeo 2850133 matriacuteculas e 153284

docentes registrados (WIKIPEDIA 2013) A cidade atingiu exatamente a meta

projetada para o IDEB de 51 em 2011 O iacutendice mede a proficiecircncia em liacutengua

portuguesa e matemaacutetica cruzando com o fluxo adequado de alunos por seacuterie

Segundo o IBGE (2010b) a populaccedilatildeo de Satildeo Paulo aferida em 2010

eacute de 11253503 habitantes sendo que 991 da populaccedilatildeo urbana e 371

da populaccedilatildeo tem idade inferior a 24 anos A taxa de analfabetismo eacute 49

16

A cidade de Satildeo Caetano do Sul compotildee o ABC paulista formada ainda pelas cidades de Satildeo Andreacute e Satildeo Bernardo do Campo

17 Aleacutem de Satildeo Caetano do Sul tambeacutem receberam o Selo Municiacutepio Livre de Analfabetismo

as cidades de Aacuteguas de Satildeo Pedro (294) e Santos (3 56)

31

entre a populaccedilatildeo de 15 anos ou mais Em 2013 o governador do Estado eacute

Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o

Secretaacuterio Estadual de Educaccedilatildeo de seu mandato eacute o Professor Herman

Voorwald Jaacute na cidade de Satildeo Paulo o prefeito eacute do Partido dos

Trabalhadores (PT) Fernando Haddad Ex-Ministro da Educaccedilatildeo (entre julho

de 2005 e janeiro de 2012 nos governos de Luiz Inaacutecio Lula da Silva e Dilma

Rousseff) e o Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o professor Ceacutesar Callegari

cujo uacuteltimo cargo assumido foi o de Secretaacuterio de Educaccedilatildeo Baacutesica no atual

governo federal (Governo Dilma Rousseff)

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa

Escola 1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizaccedilatildeo Bairro Mauaacute Satildeo Caetano do Sul Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica municipal Ano de fundaccedilatildeo 1967 Nuacutemero de professores 160 Nuacutemero de alunos 2400 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio Regular e Teacutecnico Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 72 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental II em 2011 57 Meacutedia no ENEM em 2011 61827 Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011 Escola-membro do Programa de Escolas Associadas agrave UNESCO ndash PEA18 desde 2003

Escola 2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

Localizaccedilatildeo Parque Naccedilotildees Unidas Jaraguaacute Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica estadual Ano de fundaccedilatildeo 1988 Nuacutemero de professores 32 Nuacutemero de alunos 887 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2009 57 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 57 Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009 2011

18

O PEA ndash Programa das Escolas Associadas da UNESCO seraacute apresentado mais agrave frente neste Capiacutetulo

32

Escola 3 ndash Escola da Rede Particular

Localizaccedilatildeo Alto de Pinheiros ndash Satildeo Paulo ndash Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede particular Ano de fundaccedilatildeo 1953 Nuacutemero de professores 250 Nuacutemero de alunos 2953 Niacutevel de ensino Educaccedilatildeo Infantil Ensino Fundamental I e II e Ensino Meacutedio Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011

Escola 4 ndash Escola da Rede Particular ndash teacutecnica e profissionalizante

Localizaccedilatildeo Ipiranga Satildeo Paulo Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede SENAI Ano de fundaccedilatildeo 1949 Nuacutemero de alunos 431 Modalidade de Ensino Educaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizada no Bairro Mauaacute na cidade de Satildeo Caetano do Sul a

Escola1 foi fundada em 1967 Em 1978 ela passou a ser uma autarquia mas

voltou a ser incorporada agrave rede municipal em 2004 A escola possui 160

professores e 2400 estudantes esse grupo ndash que compreende alunos do

Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio regular e teacutecnico ndash estaacute dividido em

trecircs periacuteodos letivos Pelo ensino teacutecnico com duraccedilatildeo de trecircs semestres a

escola oferece cursos ndash como Secretariado Publicidade Informaacutetica

Contabilidade e Administraccedilatildeo O trabalho realizado pela escola visa promover

a potencialidade e o talento dos alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave

praacutetica social para o exerciacutecio da cidadania

A Escola1 obteve meacutedia 67 no IDEB em 2009 e 72 em 2011 para

alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental O resultado eacute superior agrave

meacutedia nacional para os anos iniciais do Ensino Fundamental para 2011 (40) e

ultrapassa a meta nacional para 2021 (60)

33

Seu rendimento foi abaixo do esperado para o Ensino Fundamental II

tendo 67 em 2009 e 57 em 2011 Mesmo assim a escola estaacute acima da

meacutedia nacional prevista para 2011 (41) Ainda em 2011 a nota tirada no

ENEM foi de 61827 pontos e cresceu em relaccedilatildeo ao ano anterior quando os

alunos conquistaram nota 58989 ndash a nota meacutedia entre as escolas do Paiacutes com

participaccedilatildeo superior a 75 dos alunos no ENEM foi 599 pontos (SAtildeO

CAETANO DO SUL 2012)

A direccedilatildeo vecirc a formaccedilatildeo dos professores como um dos fatores que

contribui para a qualidade do ensino Todos os professores tecircm formaccedilatildeo

superior e lecionam na disciplina em que satildeo formados sendo que

aproximadamente 20 satildeo mestres Aleacutem disso a rotatividade eacute baixa a

maioria trabalha haacute mais de dez anos nessa escola como afirma CPE119 ldquoaqui

os professores satildeo participativos elitizados bem formados noacutes temos dez

doze mestres Todos satildeo formados na aacuterea que estaacute dando aula Isso eacute

fundamental para a qualidade da escola Outra questatildeo eacute fundamental que o

professor seja formado na aacuterea em que ele atuardquo

A Escola1 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a Educaccedilatildeo ao Trabalho e agrave Praacutetica Social para o

verdadeiro exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo Os

valores declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico satildeo respeito sincero ao ser

humano responsabilidade nas accedilotildees solidariedade eacutetica profissionalismo

espiacuterito de equipe integridade e honestidade

A Escola1 eacute uma escola-membro do PEA ndash Programa de Escolas

Associadas da UNESCO apresentado a seguir e desde entatildeo se organiza

segundo o Plano Pedagoacutegico anual do calendaacuterio internacional proposto pela

UNESCO e os quatro pilares da educaccedilatildeo aprender a conhecer aprender a

fazer aprender a ser e aprender a conviver Na escola o planejamento

pedagoacutegico eacute seguido de acordo com o tema sugerido pelo PEA e os projetos

solidaacuterios desenvolvidos pela escola satildeo repensados de acordo com essa

temaacutetica

19

CEP1 ndash Coordenador Pedagoacutegico da Escola1

34

A seguir apresentamos os quatro principais projetos desenvolvidos

pela Escola1

Projeto 1 PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO20

O PEA foi criado para estender os objetivos da UNESCO no poacutes-

guerra pelo princiacutepio de educaccedilatildeo para a paz Embora o Brasil tenha

participado de sua criaccedilatildeo somente em 1997 o Programa se efetivou e desde

entatildeo o nuacutemero de escolas associadas quase triplicou chegando a 221

escolas das redes puacuteblicas e particulares dos estados de Alagoas Amazonas

Bahia Cearaacute Espiacuterito Santo Goiaacutes Maranhatildeo Minas Gerais Paraacute Paraiacuteba

Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina e Satildeo Paulo e do Distrito

Federal (PEA 2013)

O objetivo do PEA eacute criar uma rede internacional de escolas que

trabalhem pela ideia da cultura da paz Atualmente a rede eacute formada por

escolas em mais de 130 paiacuteses O Programa consiste basicamente no

estiacutemulo a projetos ligados a um tema central proposto pela UNESCO

anualmente21

Cada uma delas recebe um certificado internacional de escola membro

e tem o direito de utilizar a logomarca Elas ainda podem receber materiais

eventual ou periodicamente produzidos pela UNESCO e participar de

concursos internacionais lanccedilados com frequecircncia pela proacutepria UNESCO ou

outras instituiccedilotildees a ela ligadas O principal benefiacutecio eacute participar de uma

comunidade que trabalha pelo mesmo objetivo troca informaccedilotildees compartilha

projetos e ideais Isso catalisa os esforccedilos e repercute nas escolas em todas

20

Entre os principais parceiros do PEA e da UNESCO estaacute o Instituto Faccedila Parte

21 Anos Internacionais (UNESCO 2013)

2013 - Ano Internacional da Aacutegua e da Matemaacutetica do Planeta Terra 2012 - Ano Internacional das Cooperativas (Resoluccedilatildeo 64136) 2011 - Ano Internacional da Quiacutemica e Florestas 2010 - Ano Internacional para a Aproximaccedilatildeo das Culturas e da Biodiversidade 2009 - Ano Internacional da Reconciliaccedilatildeo Astronomia e do gorila 2008 - Ano Internacional do Planeta Terra e Liacutenguas 2005 - Ano Internacional do Desporto e Educaccedilatildeo Fiacutesica 2004 - Ano Internacional para a Comemoraccedilatildeo da luta contra a escravidatildeo e sua aboliccedilatildeo 2003 - Ano Internacional da Aacutegua doce

35

as suas formas de trabalho pedagoacutegico pela cultura de paz Natildeo haacute

investimentos de qualquer ordem quer seja por parte da UNESCO quer seja

por parte das escolas

Todo ano a Escola1 segue o calendaacuterio proposto pela UNESCO como

eixo temaacutetico para realizar as atividades pedagoacutegicas O projeto das

cooperativas em 2012 teve como objetivo geral desenvolver accedilotildees

educacionais para propiciar a construccedilatildeo de uma nova mentalidade nos alunos

pelo princiacutepio do cooperativismo Como objetivo especiacutefico pretendeu-se

construir com os alunos o conceito de cooperativa intensificar o interesse e a

mobilizaccedilatildeo dos jovens em relaccedilatildeo agraves cooperativas sensibilizar a comunidade

em prol do papel das cooperativas criar situaccedilotildees praacuteticas de aprendizagem

para que se pudessem atuar no meio em que vivem e estruturar um foacuterum

entre alunos professores e a comunidade

Como meta pretendeu-se desenvolver os projetos com todos os

alunos da escola trabalhar os conteuacutedos conceituais procedimentais e

atitudinais relacionados sobretudo agraves disciplinas de Biologia Quiacutemica

Histoacuteria Geografia Filosofia Matemaacutetica entre outras para entender os

elementos indispensaacuteveis para a compreensatildeo global e organizar um foacuterum de

fechamento com a comunidade

Reuniotildees com a participaccedilatildeo de professores de todas as disciplinas

coordenadores direccedilatildeo alunos pais e colaboradores foram feitas para

organizar o projeto

Entre as atividades desenvolvidas constava a participaccedilatildeo dos alunos

em visitas a cooperativas da regiatildeo do ABC Paulista inclusatildeo do tema na

gincana solidaacuteria do Ensino Meacutedio construccedilatildeo de um trabalho acadecircmico por

parte dos alunos bem como viacutedeos e fotos das cooperativas Esse trabalho foi

armazenado num blog que os alunos apresentaram para os professores

continuidade do projeto ldquocientista solidaacuteriordquo que inclui a produccedilatildeo de sabatildeo e

detergente para a distribuiccedilatildeo em instituiccedilotildees de cunho social campanhas de

esclarecimentos sobre a importacircncia das cooperativas para a comunidade

36

ldquoTodos os projetos a gente faz questatildeo estatildeo direcionados para o ano

internacional das cooperativas A gente tem um projeto e no final do ano eles

tecircm que apresentar um TCCrdquo afirma a escola

Em relaccedilatildeo aos resultados espera-se no Plano Pedagoacutegico do projeto

da UNESCO que o trabalho entre os professores seja mais colaborativo que

eles estejam abertos agrave aprendizagem e menos resistentes a mudanccedilas e

inovaccedilotildees Por parte dos alunos espera-se uma postura mais atenta

participativa e criacutetica A comunidade tambeacutem eacute convidada a participar de

diferentes maneiras entre as atividades especiacuteficas dos projetos e por meio

dos foacuteruns organizados como espaccedilos democraacuteticos de ideias

aprofundamento da reflexatildeo formulaccedilatildeo de propostas e troca de experiecircncias

Projeto 2 Gincana Solidaacuteria

A Gincana Solidaacuteria eacute uma atividade que acontece desde 1989 todos

os anos e envolve praticamente todos os alunos do Ensino Meacutedio e tambeacutem

alunos do Ensino Fundamental O projeto eacute interdisciplinar sendo o tema

gerador o proposto pelo calendaacuterio internacional da UNESCO do qual

participam praticamente todas as disciplinas

A Gincana comeccedila no iniacutecio do ano letivo Eacute curricular sendo que natildeo

haacute atribuiccedilatildeo de notas No iniacutecio do ano satildeo oferecidas aulas especiais

coletivas haacute mostra de viacutedeos e materiais produzidos nas ediccedilotildees anteriores

Satildeo convidados especialistas para debater sobre o tema da Gincana do ano

vigente Aleacutem disso satildeo apresentadas todas as atividades que poderatildeo ser

desenvolvidas e os alunos satildeo divididos em grupos que variam entre 5 ou 6

turmas (de 150 alunos aproximadamente) para poderem se organizar e fazer

o planejamento tanto das atividades quanto do conteuacutedo que teratildeo que

estudar para a realizaccedilatildeo das tarefas As pesquisas satildeo orientadas pelos

professores que datildeo subsiacutedios orientam avaliam trabalham os conteuacutedos

escolhidos durante as aulas e tambeacutem em atividades nos laboratoacuterios Todo

esse processo dura em meacutedia trecircs meses

37

A etapa seguinte eacute um foacuterum puacuteblico do qual participam os alunos os

professores e a comunidade Nesse momento tanto a pesquisa quanto as

atividades satildeo discutidas com todos

A uacuteltima fase compreende a realizaccedilatildeo das tarefas da Gincana Tudo eacute

feito pelos alunos com material reciclado que precisam coletar ao longo do

ano Entre as atividades destacam-se a campanha de arrecadaccedilatildeo de

alimentos e produtos de higiene junto agrave comunidade e a campanha de doaccedilatildeo

de sangue que juntas somam pontos para a equipe responsaacutevel

No dia da Gincana haacute uma prova de conhecimentos gerais organizada

pela direccedilatildeo e professores da escola da qual participam os alunos

selecionados pelos grupos e um pai convidado Para animar e envolver os

alunos que estatildeo apenas acompanhando os resultados da prova de

conhecimentos gerais o grupo precisa criar um hino de torcida (letra e muacutesica)

um mascote (personagem com fantasia) e um banner de fundo (com

aproximadamente 7 metros de altura por 2 de largura)

Aleacutem disso o grupo precisa criar uma peccedila de teatro ndash sobre o tema

gerador ndash que seraacute apresentada no dia da Gincana roteiro figurino cenaacuterio

texto direccedilatildeo trilha sonora e uma apresentaccedilatildeo de danccedila (ritmo e tema livres)

Ao final a equipe vencedora recebe o tiacutetulo de campeatilde do ano

Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do

trabalho solidaacuterio Eacute um espaccedilo de trabalho colaborativo onde os alunos

precisam negociar a realizaccedilatildeo de tarefas como relacionadas a pesquisa

teatro danccedila tudo relacionado ao tema que eles tecircm que desenvolver

Projeto 3 Cientista Solidaacuterio

A escola compreende que entre os maiores desafios da aprendizagem

de ciecircncias e tecnologia no Ensino Meacutedio estaacute a aprendizagem individual e

coletiva do aluno para a iniciaccedilatildeo cientiacutefica Para a escola o aprendizado das

ciecircncias aleacutem de promover aprendizagem do conceito e a capacidade de

utilizar foacutermulas pretende desenvolver atitudes e valores por meio da praacutetica

de atividades tais como discussotildees leituras observaccedilotildees experimentaccedilotildees e

projetos cientiacuteficos A ideia eacute desafiar o aluno para o jogo do conhecimento

38

cientiacutefico que deve desenvolver seu interesse pela pesquisa e sua capacidade

de raciociacutenio e autonomia

Neste sentido o projeto tem como objetivo ampliar as aquisiccedilotildees das

habilidades por meio da iniciaccedilatildeo cientiacutefica promover accedilotildees que permitam ao

aluno vivenciar estudos cientiacuteficos em ambientes colaborativos e solidaacuterios

buscando projetar suas accedilotildees no campo do desenvolvimento social gerar

novas formas de participaccedilatildeo do cientista social com compromisso eacutetico e

solidaacuterio com a cidadania promovendo a sauacutede a preservaccedilatildeo do meio

ambiente a inclusatildeo social e ainda gerar qualidade de vida para todos

introduzir na rotina escolar a experimentaccedilatildeo cientiacutefica em laboratoacuterio

aprimorar as teacutecnicas da pesquisa cientiacutefica referendando-as como

instrumento legiacutetimo da aprendizagem promover accedilotildees articuladas entre os

alunos da escola com alunos do Ensino Meacutedio do Brasil e do mundo por meio

das tecnologias selecionar e utilizar ideias e procedimentos cientiacuteficos (leis

teorias modelos) para a resoluccedilatildeo de problemas selecionando procedimentos

experimentais

O projeto tem como meta promover accedilotildees no contraturno ampliando a

permanecircncia do aluno no Ensino Meacutedio de forma a incentivar a pesquisa

cientiacutefica e a solidariedade Aleacutem disso pretende responder agrave demanda de

alunos com problemas de aprendizagem (alunos da escola e de outras escolas

da comunidade) elaborar accedilotildees de conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto ao

uso proposital e enganoso de conhecimentos das ciecircncias e criar eventos que

discutam questotildees sobre por exemplo a relaccedilatildeo entre o meio ambiente o

consumo exagerado e a funccedilatildeo dos cientistas

O grupo de estudos de monitoria com alunos de outras escolas

acontece aos saacutebados A proposta eacute estudar conteuacutedos curriculares produzir

redaccedilatildeo elaborar artigos entre outras atividades O desenvolvimento do

pensamento criacutetico eacute estimulado quando os jovens satildeo provocados a agir como

ldquodetetivesrdquo procurando em jornais TV filmes e demais produtos afirmaccedilotildees

ou accedilotildees que deliberadamente usam os conhecimentos da ciecircncia para

ldquoenganar o consumidorrdquo

Haacute trecircs anos sob nova coordenaccedilatildeo o projeto foi reorganizado e teve

uma continuidade com um grupo de alunos e professores das disciplinas de

39

Quiacutemica Matemaacutetica e Sociologia tendo como objetivo a aprendizagem de

conceitos de Quiacutemica e Matemaacutetica relacionados agrave questatildeo da solidariedade

abordada na disciplina de sociologia Os alunos junto com o professor utilizam

o laboratoacuterio da escola para a confecccedilatildeo de sabatildeo sabonetes shampoo entre

outros produtos para fazer aulas experimentais de Quiacutemica Posteriormente

eles calculam o preccedilo (utilizando os conhecimentos de Matemaacutetica) e por fim

parte dos produtos eacute levada pelos alunos e outra eacute doada para instituiccedilotildees por

eles escolhidas Esse trabalho final eacute acompanhado pelo professor de

Sociologia

Conceitos de Quiacutemica tais como mistura soluccedilatildeo (soacutelida liacutequida

gasosa molecular iocircnica) reaccedilotildees dispersotildees o processo de dissoluccedilatildeo

coeficiente de solubilidade aacutecidos e bases entre outros satildeo estudados Em

Matemaacutetica satildeo trabalhados conceitos como o de porcentagem matemaacutetica

financeira caacutelculo de preccedilo noccedilatildeo de custo fixo noccedilotildees de estatiacutestica Em

relaccedilatildeo agraves questotildees sociais satildeo trabalhadas e desenvolvidas noccedilotildees de

participaccedilatildeo social

Projeto 4 Projeto Mais Vida

O projeto eacute uma parceria entre a Escola1 e o Parque Botacircnico e Escola

Municipal de Ecologia Presidente Jacircnio da Silva Quadros O Parque foi

fundado em 25 de abril de 1992 e eacute uma referecircncia em educaccedilatildeo ambiental

para a cidade e a regiatildeo Ocupa uma aacuterea de 23 mil metros quadrados com

exposiccedilatildeo de espeacutecies da fauna (aves e peixes) e flora (plantas ornamentais

medicinais toacutexicas carniacutevoras frutiacuteferas aacutervores nativas e exoacuteticas)

brasileiras Abriga tambeacutem a Sementeira Municipal que produz mudas para

abastecer os jardins parques e paisagismo da cidade

O projeto comeccedilou em 2000 quando a entatildeo coordenadora dos

projetos solidaacuterios numa visita ao parque soube que eles gostariam de

receber alunos das escolas municipais para visitaccedilatildeo mas natildeo podiam fazecirc-lo

por falta de monitores Naquela ocasiatildeo ela teve a ideia de oferecer ao parque

que alunos do Ensino Meacutedio poderiam se interessar por trabalhar

voluntariamente no contraturno escolar e a proposta foi bem recebida

40

O projeto comeccedilou com a capacitaccedilatildeo dos alunos e a organizaccedilatildeo do

trabalho Cada aluno participante se responsabilizava por duas horas de

monitoria direta ao puacuteblico aleacutem da participaccedilatildeo dos encontros de capacitaccedilatildeo

e planejamento das atividades

A abertura do parque para visitas monitoradas possibilitada pela

parceria foi tatildeo bem recebida pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo que

incluiu a visitaccedilatildeo no roteiro das EMEIs (Escola Municipal de Educaccedilatildeo Infantil)

e EMIs (Escola Municipal Integrada) da cidade Conforme a necessidade das

escolas atividades luacutedicas praacuteticas e criativas para melhorar o

aproveitamento das visitas foram desenvolvidas pelos proacuteprios alunos com a

orientaccedilatildeo da coordenadora pedagoacutegica do Parque e a coordenadora da

escola

Entre as accedilotildees desenvolvidas como desmembramento desse projeto

destaca-se o grupo de teatro e o Encontro de Educadores Ambientais ndash que

reuniam educadores estudantes profissionais e especialistas da aacuterea

ambiental para trocar informaccedilotildees e experiecircncias sobre preservaccedilatildeo de

recursos naturais da cidade de Satildeo Caetano do Sul e do Estado de Satildeo Paulo

Tambeacutem foi criada uma brinquedoteca no parque com materiais de

sucata arrecadados pela escola numa grande campanha promovida pelos

alunos voluntaacuterios O objetivo da brinquedoteca era o de ser um espaccedilo luacutedico

de aprendizagem e entretenimento aleacutem de oportunizar o desenvolvimento de

atividades dirigidas inclusive nos dias chuvosos Ao final do ano os voluntaacuterios

envolvidos recebiam um certificado pela participaccedilatildeo no projeto Os que

continuavam capacitavam os que estavam ingressando e nessa configuraccedilatildeo

o projeto se estendeu por oito anos ateacute a saiacuteda da coordenadora da Escola1

Hoje o projeto consta da proposta pedagoacutegica mas ldquoestaacute hibernandordquo

segundo o coordenador pedagoacutegico

12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

A Escola2 foi construiacuteda em 1988 ainda com nome provisoacuterio para

atender o crescimento da demanda de alunos pois soacute havia uma escola no

local e estava superlotada Esse excedente de alunos compocircs o seu corpo

41

discente Foram convidados professores que residem na regiatildeo para formar o

quadro de professores

Quando inaugurada a escola contava com quatro salas de aula

banheiros masculino e feminino para os alunos e professores A diretoria a

secretaria e os professores dividiam a mesma sala Havia tambeacutem a cozinha

que eacute a mesma ateacute hoje

Em 1990 a escola foi nomeada em definitivo uma homenagem ao

fundador de uma empresa da regiatildeo que colabora com esta escola Com o

crescimento da demanda em 1991 a escola teve que ser ampliada Foi

construiacuteda uma sala ocupando parte do paacutetio Em 1996 com a reorganizaccedilatildeo

a escola passou a funcionar em dois periacuteodos antes funcionava em quatro

periacuteodos atendendo apenas a alunos das seacuteries iniciais (Ciclo I)

A escola atende a quase 900 alunos e tem um quadro de 32

professores Segundo a Coordenadora Pedagoacutegica (CPE2) todos satildeo

formados e eacute baixa a rotatividade o que eacute compreendido como um dos fatores

de qualidade da execuccedilatildeo do projeto pedagoacutegico ldquonoacutes temos 32 professores

pelo menos 20 tem poacutes A maioria dos professores jaacute eacute da casa e estatildeo aqui haacute

algum tempo Digamos que 20 professores jaacute estatildeo aqui haacute muito tempo []

Nossa rotatividade eacute muito pequena e isso garante um padratildeo de qualidade

melhor na educaccedilatildeo oferecidardquo Quanto agraves instalaccedilotildees na parte externa da

escola haacute uma quadra poliesportiva atualmente reformada sala de Educaccedilatildeo

Artiacutestica jardim horta playground uma casinha do conto feita de madeira de

reflorestamento e uma grande parte do terreno acidentado com aacutervores de

diversas espeacutecies sendo que a grande maioria satildeo eucaliptos

Sobre a comunidade constatou-se que as famiacutelias em meacutedia residem

no bairro entre 2 a 10 anos e algumas entre 10 e 15 anos Um grande nuacutemero

da comunidade atendida pela escola mora nos apartamentos do CDHU e

conjuntos habitacionais cedidos pelo Governo do Estado e pela Prefeitura

(movimento iniciado em 1990) aleacutem de 38 possuiacuterem casa proacutepria e 22

viverem de aluguel

Quanto agrave meacutedia de renda familiar 30 estatildeo desempregados 10

ganham ateacute quinhentos reais por mecircs 20 recebem mais de mil reais por

42

mecircs e 40 ganham ateacute mil reais Em relaccedilatildeo agrave escolaridade 60 possuem o

Ensino Meacutedio completo 30 o Ensino Fundamental completo 5 possuem

Ensino fundamental incompleto e 5 ensino superior22

A Escola2 tem como missatildeo construir uma sociedade mais justa

autecircntica solidaacuteria e saudaacutevel na qual os sujeitos sejam mais conscientes dos

acontecimentos gerais Entre seus objetivos destaca-se assegurar ao

educando a formaccedilatildeo para o exerciacutecio da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir em estudos posteriores proporcionar o conhecimento do ambiente

natural e social do sistema poliacutetico da tecnologia da arte do esporte e dos

valores em que se fundamenta a sociedade fortalecer os viacutenculos de famiacutelia

dos laccedilos de solidariedade humana e de toleracircncia reciacuteproca em que se

assenta a vida social incentivar a elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de projetos que

possibilitem o aperfeiccediloamento da accedilatildeo educativa buscar a interaccedilatildeo entre

escola e comunidade de forma contiacutenua favorecendo a compreensatildeo dos

fatores poliacuteticos sociais culturais e psicoloacutegicos que se expressam no

ambiente escolar ficando demarcada pelas atribuiccedilotildees e responsabilidades

Vale pontuar que a escola estaacute situada na regiatildeo de Perus onde a

questatildeo dos aterros sanitaacuterios23 eacute marcante O Aterro Bandeirantes se localiza

no sentido SO do Distrito de Perus jaacute na divisa com o Distrito do Jaraguaacute local

caracterizado por grandes trechos de aacutereas protegidas do Parque do Jaraguaacute a

oeste e do Parque Estadual da Serra da Cantareira a leste

Com uma aacuterea total de 1400000msup2 o Aterro Bandeirantes estaacute

desativado desde marccedilo de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido

ateacute 2006 cerca de 36 milhotildees de toneladas de resiacuteduos Nesse periacuteodo

recebia metade de todo o lixo produzido diariamente em Satildeo Paulo (CALIXTO

2012)

Esse trabalho jaacute valeu agrave Prefeitura de Satildeo Paulo uma das

participantes do projeto o equivalente a 800 mil toneladas de creacuteditos de

22

Fonte Projeto Pedagoacutegico da escola

23 Aterros sanitaacuterios satildeo locais para onde os resiacuteduos soacutelidos urbanos podem ser destinados

Diferentemente dos lixotildees (depoacutesitos a ceacuteu aberto) nos aterros sanitaacuterios existe toda uma preparaccedilatildeo do solo para que natildeo haja contaminaccedilatildeo do lenccedilol freaacutetico e das aacutereas de entorno assim como o monitoramento do ar para que sejam verificadas as emissotildees de gases provenientes dos resiacuteduos ali enterrados

43

carbono de acordo com as normas do Protocolo de Quioto (acordo para

reduzir a emissatildeo de gases de efeito estufa) que deve render aos cofres

municipais quantia proacutexima R$ 40 milhotildees (PEDROZO 2008)

No entanto a populaccedilatildeo local natildeo participou do processo decisoacuterio dos

investimentos recebendo uma parte iacutenfima dos benefiacutecios gerados pelos

contratos alguns parques revitalizados alguns mutirotildees de limpeza urbana e

uma cota de energia eleacutetrica Aleacutem disto em alguns casos a populaccedilatildeo foi

pressionada a deixar os periacutemetros de intervenccedilatildeo dos projetos quando se

encontraram no caminho dos projetos urbano-ambientais (RIZZI 2011)

O principal projeto desenvolvido pela Escola2 eacute o Projeto Reciclar O

projeto comeccedilou para se resolver um problema interno da escola Apoacutes o

recreio percebia-se que o paacutetio ficava muito sujo Mesmo disponibilizando

cestos por todo o ambiente o lixo era jogado no chatildeo e por causa disso

muitos pombos comeccedilaram a aparecer

Buscando resolver tal situaccedilatildeo a coordenaccedilatildeo da escola comeccedilou a

conversar com os alunos mostrando que jogar o lixo no chatildeo natildeo estava certo

e ainda ajudava na proliferaccedilatildeo dos pombos que transmitem doenccedilas

Aproveitando o momento a escola comeccedilou a trabalhar de fato a questatildeo do

lixo como um projeto interdisciplinar A conscientizaccedilatildeo comeccedilou com a

exibiccedilatildeo da seacuterie O mundo de Valentina24 que trata de questotildees referentes ao

desenvolvimento sustentaacutevel consumo consciente destino do lixo a vida dos

catadores a reciclagem e a reutilizaccedilatildeo os aterros sanitaacuterios entre outros

temas

As professoras de todas as seacuteries foram estimuladas a incluir de

acordo com a seacuterieano uma atividade curricular referente agrave reciclagem de

acordo com o conteuacutedo que estivessem desenvolvendo No 1ordm ano os alunos

fizeram listas dos materiais que podem ser reciclados o que colocar em cada

cesto colorido confeccionaram cartaz ilustrando o que aprenderam com

24

O Mundo de Valentina eacute uma seacuterie de televisatildeo exibida pela Rede Globo durante a programaccedilatildeo do Fantaacutestico em junho de 2007 Foram 5 episoacutedios onde o casal de jornalistas Gabriel Moojen e Fran Zanon tentou descobrir como seria o mundo da filha deles a Valentina quando ela fizer 36 anos a idade do pai A seacuterie trata de meio ambiente e das questotildees da aacutegua do lixo do clima dos alimentos e do consumo A seacuterie pode ser assistida na Internet em vaacuterios canais disponiacuteveis no Youtube (O MUNDO DE VALENTINA 2013)

44

pequenos textos de produccedilatildeo oral com destino escrito nos 2ordm anos fizeram um

painel Vocecirc sabia os alunos do 3ordm ano produziram folhetos explicativos

para distribuir para a comunidade com informaccedilotildees sobre a importacircncia da

reciclagem o 4ordm ano elaborou siacutenteses resumos e pesquisas diversas e o 5ordm

Ano produziu um jornal mural

Para destinar corretamente o material arrecadado com a reciclagem a

escola fez uma parceria com uma cooperativa do bairro que passou a recolhecirc-

lo toda semana As famiacutelias foram incentivas a separar o lixo em casa e trazer

para a escola contribuindo com a cooperativa e tambeacutem a educaccedilatildeo das

crianccedilas Com o desenvolvimento do projeto percebe-se na escola uma melhor

limpeza do paacutetio apoacutes o recreio A comunidade estaacute aos poucos aderindo ao

projeto e a escola jaacute virou ponto de coleta seletiva do bairro A cooperativa

reconhece a relevacircncia do projeto uma vez que depende da doaccedilatildeo das

escolas da regiatildeo como principal fonte de entrada de material portanto de

renda

Entre os objetivos da escola em desenvolver esse projeto estaacute a

intenccedilatildeo de se trabalhar com situaccedilotildees de aprendizagem pensadas a partir de

propostas de intervenccedilatildeo na realidade Segundo o Plano Pedagoacutegico a escola

busca desenvolver estrateacutegias onde os alunos possam compreender as

consequecircncias ambientais de suas accedilotildees nos locais onde estudam e

convivem considerando que a soluccedilatildeo dos problemas ambientais deve ser em

acircmbito local O projeto envolve a comunidade escolar (professores alunos

pais funcionaacuterios e direccedilatildeo) e a comunidade (empresas cooperativas

organizaccedilotildees sociais e vizinhos) criando um clima de trabalho colaborativo

baseado na responsabilidade e na solidariedade

Entre os principais objetivos destacam-se

bull possibilitar aos alunos oportunidades para que modifiquem

atitudes e praacuteticas pessoais adotando posturas na escola em casa e em sua

comunidade que os levem a interaccedilotildees de cuidado e atenccedilatildeo com a sociedade

bull observar e analisar fatos e situaccedilotildees sobre os tipos de lixo do

ponto de vista ambiental reconhecendo a necessidade e as oportunidades de

atuar para se produzir menos lixo

45

bull instrumentalizar os alunos na compreensatildeo da realidade e na

busca de soluccedilotildees para questotildees sociais possibilitando participar dos

problemas fundamentais e urgentes da vida social e

bull conscientizar o aluno para a necessidade de pensar na questatildeo

do lixo na reciclagem nos comportamentos responsaacuteveis de ldquoPRODUCcedilAtildeO e

DESTINO do lixo na escola casa e espaccedilos em comum

13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada

A Escola3 estaacute situada em um ldquobairro nobrerdquo da regiatildeo oeste da cidade

de Satildeo Paulo e ocupa uma aacuterea de 50 mil msup2 O atual terreno foi doado em

1953 pela Light de Satildeo Paulo Nessa eacutepoca o bairro era cortado por estradas

de terra e o terreno localizado na vaacuterzea do Rio Pinheiros era pantanoso e

isolado cercado por pastos

A Escola3 funciona em meio a extensos jardins e aacutereas abertas

destinadas a quadras esportivas e paacutetios Possui seis salas de aula para a

Educaccedilatildeo Infantil duas salas especiais de uso comum e um ateliecirc Para os

alunos do Ensino Fundamental I e II satildeo trinta salas de aula dez salas

especiais dois laboratoacuterios de Ciecircncias duas salas de Muacutesica e duas salas de

Artes (espaccedilo em expansatildeo com a reforma do campus) Os alunos do Ensino

Meacutedio e EJA (Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos) contam com dezoito salas de

aula Haacute tambeacutem laboratoacuterios de Quiacutemica Fiacutesica e Biologia

Possui um teatro com ateacute 900 lugares (que tambeacutem atende ao puacuteblico

em geral25) biblioteca26 com aproximadamente 33 mil volumes (que dispotildee de

salotildees para leitura individual e trabalho em grupo aleacutem de computadores para

consulta ao acervo e pesquisa na Internet) Centro de Tecnologias27 (com seis

25

Concebido por J C Serroni e Edson Elito eacute um espaccedilo muacuteltiplo a parte frontal e as laterais satildeo moacuteveis e possibilitam um espaccedilo cecircnico de variadas formas palco italiano palco elisabetano arena completa semi-arena passarela Aleacutem da flexiacutevel sala de espetaacuteculos que pode comportar de 500 a 900 lugares o Teatro abriga ampla aacuterea para coqueteacuteis e exposiccedilotildees uma sala de ensaios e camarins

26 Com um acervo permanentemente atualizado conta com obras literaacuterias cientiacuteficas e de

referecircncia agrave disposiccedilatildeo dos professores funcionaacuterios e alunos Aleacutem disso assina jornais e revistas nacionais e estrangeiras mantendo a hemeroteca sempre atualizada

27 No total satildeo cerca de 200 computadores utilizados para aulas projetos pesquisas e

trabalhos escolares

46

salas multimiacutedia) laboratoacuterios (de Ciecircncias Quiacutemica Fiacutesica e Biologia) campo

de futebol oficial gramado ginaacutesio de esportes (com palco quadras e

arquibancadas) pista de atletismo miniginaacutesio coberto onze quadras

polivalentes para praacutetica de futebol de salatildeo vocirclei basquete e handebol dojo

anfiteatro com 200 lugares capelas28 playgrounds e abundante aacuterea verde

As principais atividades e projetos solidaacuterios desenvolvidos pela escola

satildeo

Projeto 1 Accedilatildeo Comunitaacuteria no Ensino Fundamental II

No Ensino Fundamental II os alunos passam a participar de atividades

voluntaacuterias mantidas pelo Projeto Social da escola Na 5ordf seacuterie no 6ordm ano essa

colaboraccedilatildeo eacute ainda eventual A partir da 6ordf seacuterie os voluntaacuterios se envolvem

com todo um projeto assumindo o compromisso de frequentaacute-lo ateacute a

conclusatildeo

Em 2011 os alunos participam das seguintes frentes de trabalho

5ordf seacuterie Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia e Centro de

Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova (faixa etaacuteria das crianccedilas atendidas de

0 a 6 anos)

6ordf seacuterie Centro da Crianccedila e do Adolescente - CCA (faixa etaacuteria das

crianccedilas atendidas de 6 a 10 anos) e Escola Alfredo Paulino (faixa

etaacuteria das crianccedilas atendidas de 8 anos)

7ordf e 8ordf seacuteries CCA Bom Jesus ndash Projeto

CiecircnciasPortuguecircsFrancecircs (faixa etaacuteria atendida de 7 a 13 anos)

Escola Alfredo Paulino ndash Projeto de acompanhamento escolar (faixa

etaacuteria atendida 8 anos) CCA ndash Curso de Roboacutetica (faixa etaacuteria

atendida de 11 a 14 anos) e Aldeia Indiacutegena ndash Projeto

HistoacuteriaGeografiaArtes (faixa etaacuteria atendida de 2 a 12 anos)

8ordf seacuterie Casa Ronald ndash Projeto Leitura destinado a crianccedilas e

adolescentes em tratamento quimioteraacutepico

28

Haacute duas capelas no Coleacutegio uma delas anexa ao preacutedio do Ensino Fundamental e outra em um dos preacutedios do Ensino Meacutedio A capela do Ensino Meacutedio tem vitrais do artista plaacutestico Alfredo Volpi

47

Projeto 2 Projeto Social

O Projeto Social manteacutem dois Centros de Educaccedilatildeo Infantil

responsaacuteveis por atender a mais de 170 crianccedilas de ateacute 4 anos moradoras da

comunidade Vila Nova Jaguareacute Integrados em sua proposta pedagoacutegica os

CEIs estruturam o trabalho em quatro eixos curriculares Identidadeautonomia

Linguagens e situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Desenvolvimento luacutedico e motor

Conhecimento de mundo

As crianccedilas permanecem nos centros em tempo integral realizando

atividades que tecircm como objetivo natildeo apenas o cuidado mas o

desenvolvimento integral do aluno como um ser autocircnomo complementando a

accedilatildeo da famiacutelia e da comunidade A Educaccedilatildeo Infantil incentiva assim a

curiosidade e a criatividade proporcionando agrave crianccedila a possibilidade de

reconhecer como prazerosas as suas construccedilotildees subjetivas

Os recursos vindos da proacutepria escola de convecircnios com a Secretaria

de Educaccedilatildeo da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo satildeo indispensaacuteveis para

garantir a qualidade da educaccedilatildeo oferecida

Projeto 3 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia

Eacute administrada pela mantenedora da escola com o apoio do SAN

(Serviccedilo de Auxiacutelio aos Necessitados) e atende diariamente a 120 crianccedilas de

ateacute 4 anos de idade Eacute mantida por meio de convecircnio da mantenedora com a

Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira doze professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 120 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

48

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

Projeto 4 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova Jaguareacute

Eacute administrada pela mantenedora com o apoio do SAN e atende

diariamente a 155 crianccedilas de ateacute 4 anos de idade Tambeacutem eacute mantida pelo

mesmo convecircnio e com a Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do

SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira dezesseis professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 155 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

A participaccedilatildeo dos pais e matildees como voluntaacuterios do Projeto Social tem

duplo objetivo a educaccedilatildeo da eacutetica da solidariedade junto aos filhos e o

desenvolvimento dos projetos sociais nas comunidades

Aleacutem dos nuacutecleos ligados ao CATI (Centro de Atendimento

Interdisciplinar) haacute tambeacutem o Nuacutecleo Voluntaacuterio da Moda que reuacutene matildees

voluntaacuterias para apoiar o curso profissionalizante de Costura e Modelagem

realizado na comunidade Vila Nova Jaguareacute

49

Para obter os recursos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo de seus programas

aleacutem de receber financiamentos via FUMCAD29 o Projeto Social organiza

anualmente dois eventos tradicionais do calendaacuterio da escola a Festa Junina

em junho e a Feijoada da Primavera em setembro ou outubro onde mais de

800 pais e matildees participam

Cursos agrave comunidade

A oferta de ensino noturno configura um compromisso assumido pela

escola e pela mantenedora de atuar junto agrave comunidade em que estaacute inserida

No iniacutecio do primeiro semestre de 2012 o nuacutemero de matriacuteculas eacute de 543

alunos 314 no curso de Ensino Fundamental de EJA 163 no curso de Ensino

Meacutedio de EJA e 66 nos cursos teacutecnicos de Administraccedilatildeo e de Logiacutestica que se

iniciam

Os cursos de EJA e os cursos teacutecnicos satildeo gratuitos sendo

financiados pela escola por meio de bolsas de estudos de 100 do valor da

mensalidade Agrave gratuidade somam-se programas de apoio agrave permanecircncia do

aluno na escola na forma de subsiacutedio ao transporte e agrave alimentaccedilatildeo no

periacuteodo das aulas Nas situaccedilotildees em que haacute mais candidatos do que vagas o

principal criteacuterio de aceitaccedilatildeo do aluno eacute a sua situaccedilatildeo econocircmica

favorecendo aqueles em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade social

Haacute tambeacutem a oferta de educaccedilatildeo aos jovens do Jaguareacute (Centro

Cultural e Profissionalizante Jaguareacute) feita pela mantenedora Laacute satildeo

oferecidos trecircs cursos Gastronomia Costura Industrial e Informaacutetica aleacutem dos

cursos de Empreendorismo e Roboacutetica

Aleacutem disso a mantenedora organizou um espaccedilo cultural localizado

estrategicamente na praccedila central da comunidade (Praccedila XI o Centro Cultural

fica na Rua Assum 49) para acolher as manifestaccedilotildees artiacutesticas e culturais jaacute

existentes e estimular a educaccedilatildeo das crianccedilas e jovens para outras

linguagens artiacutesticas e culturais O Centro Cultural da escola dispotildee de nove

29

Parte da renda do Projeto Social Santa Cruz proveacutem da possibilidade de a comunidade Santa Cruz doar parte do imposto de renda devido via FUMCAD para o aprimoramento do trabalho que integra as accedilotildees do SAN e da Congregaccedilatildeo de Santa Cruz especialmente na Vila Nova Jaguareacute (perfazendo um total de aproximadamente trecircs milhotildeesano)

50

salas para a organizaccedilatildeo das atividades Tambeacutem haacute uma biblioteca com 15

mil tiacutetulos

No Curso de Gastronomia e Excelecircncia em Atendimento ao Cliente os

participantes aprendem a fazer pratos da cozinha tradicional e contemporacircnea

(cortes caldos molhos panificaccedilatildeo pizzas e sobremesas) bem como o

manuseio de utensiacutelios da cozinha e elaboraccedilatildeo de cardaacutepio No curso de

Costura e Modelagem e Marketing Pessoal se forma as piloteiras industriais

que podem trabalhar em oficinas e confecccedilotildees das mais diversas profissotildees do

mercado de moda As aulas satildeo ministradas a 60 alunas jovens e adultas da

comunidade do Jaguareacute em 19 maacutequinas de costura industrial O curso tem

duraccedilatildeo de quatro semestres (244 horas) em trecircs diferentes niacuteveis baacutesico

intermediaacuterio e avanccedilado

O Projeto Educacional do Centro de informaacutetica eacute amplo pretende

formar jovens cidadatildeos e natildeo apenas treinaacute-los em Informaacutetica As atividades

incluem reforccedilo em Portuguecircs e Matemaacutetica dinacircmica de grupo visitas

culturais atendimento psicoloacutegico aulas de Eacutetica e Cidadania relacionamento

interpessoal orientaccedilatildeo vocacional aleacutem da iniciaccedilatildeo agraves teacutecnicas de

Informaacutetica (Word Excel Internet Power Point e blog) O participante tambeacutem

desenvolve as habilidades necessaacuterias para ingressar em uma empresa

compreendendo sua estrutura as responsabilidades e rotinas das aacutereas

funcionais e a importacircncia da boa comunicaccedilatildeo no ambiente empresarial O

curso tem duraccedilatildeo de nove meses e atende 44 jovens de 16 a 18 anos

moradores da comunidade do Jaguareacute

A mantenedora da escola em parceria com a Ashoka organizaccedilatildeo

social de atuaccedilatildeo internacional na aacuterea do empreendorismo social organiza

vaacuterios projetos visando desenvolver jovens empreendedores na comunidade

(Geraccedilatildeo Muda-Mundo) Como parte do projeto de formaccedilatildeo integral da escola

que objetiva despertar no educando a responsabilidade social e a consciecircncia

de seu papel transformador alunos da 7ordf seacuterie participam voluntariamente de

um curso de Roboacutetica oferecido a adolescentes da comunidade Vila Nova

Jaguareacute

No caso dos alunos do coleacutegio a atividade eacute extensatildeo do curso

opcional de Roboacutetica frequentado por esses voluntaacuterios durante a 6ordf seacuterie

51

Durante um semestre eles foram introduzidos ao tema realizando montagem

de protoacutetipos e elaborando programas informatizados para o comando das

peccedilas construiacutedas Nos encontros ocorridos semanalmente no Centro Cultural

e Profissionalizante que integra o Projeto Social os alunos do coleacutegio

desenvolvem junto aos adolescentes do Jaguareacute um projeto temaacutetico O

objetivo eacute criar ao longo do ano o protoacutetipo de uma cidade capaz de

proporcionar mobilidade satisfatoacuteria aos habitantes ndash no que diz respeito ao

transporte tanto puacuteblico como privado

Entre os projetos desenvolvidos o selecionado para acompanhamento

desta pesquisa foi o desenvolvido pelos alunos do Ensino Fundamental II com

a Escola Estadual Djekupeacute Amba Arandu na aldeia indiacutegena Guarani no

Jaraguaacute na zona norte da cidade de Satildeo Paulo

14 Escola4 Escola da rede particular profissionalizante

A Escola4 iniciou suas atividades em 1949 Ao longo do tempo a

escola trabalhou com ocupaccedilotildees de aacutereas diversificadas mecacircnica

metalurgia eletricidade e tecircxtil No iniacutecio dos anos 1990 a escola passou a

atender prioritariamente o setor de refrigeraccedilatildeo e ar-condicionado oferecendo

curso teacutecnico e treinamentos Em 1995 foi pioneira na implantaccedilatildeo de um

curso de educaccedilatildeo agrave distacircncia para mecacircnica de refrigeraccedilatildeo e ar-

condicionado (refrigeraccedilatildeo domeacutestica)

A partir do ano de 2001 o SENAI implementou um projeto de

modernizaccedilatildeo da escola O curso teacutecnico foi reformulado adequando-se agrave

nova legislaccedilatildeo educacional afinando agrave sintonia com o desenvolvimento

teacutecnico do setor e possibilitando a habilitaccedilatildeo de Teacutecnico em Refrigeraccedilatildeo e

Climatizaccedilatildeo e duas qualificaccedilotildees profissionais de niacutevel teacutecnico

A Escola4 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave praacutetica social para o verdadeiro

exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo

Satildeo valores da escola declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

- priorizar a disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico

52

- promover o trabalho em equipe

- agregar maior valor aos processos e

- possuir compromisso eacutetico com a sociedade a comunidade e o

meio ambiente

Visa priorizar valores como a promoccedilatildeo do trabalho em equipe primar

pela disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico ter compromisso eacutetico com a

sociedade comunidade e meio ambiente incluindo a realizaccedilatildeo profissional

A Escola4 situa-se na zona leste da cidade de Satildeo Paulo e conta com

uma aacuterea de 7111msup2 alojando os laboratoacuterios especializados em

Termofluidomecacircnica Automaccedilatildeo Predial Comandos Eleacutetricos Informaacutetica

CLP (Controladores Loacutegicos e Programaacuteveis) Desenho e Projetos - CAD e as

Oficinas de Refrigeraccedilatildeo Residencial Refrigeraccedilatildeo Comercial Refrigeraccedilatildeo

Industrial (Amocircnia) Refrigeraccedilatildeo Danfoss Climatizaccedilatildeo Predial Climatizaccedilatildeo

Automotiva Reoperaccedilatildeo de Unidade Selada Instalaccedilatildeo de Condicionador de

Ar Tipo Split

Quanto agrave situaccedilatildeo socioeconocircmica a populaccedilatildeo do bairro estaacute

distribuiacuteda por classes que vatildeo da baixa a meacutedia alta e com favelas situadas

nas proximidades A comunidade conta com todos os recursos de infraestrutura

necessaacuterios ao seu atendimento aacutegua luz esgoto ruas pavimentadas

seguranccedila puacuteblica escolas puacuteblicas e privadas em todos os niacuteveis

universidades hospitais transporte de ocircnibus e ferroviaacuterio proacuteximos agraves aacutereas

de lazer (Parque e Museu do Ipiranga Clube do SESC - Ipiranga Clube da

Prefeitura etc) Ainda na regiatildeo do Ipiranga localizam-se tambeacutem mais trecircs

Escolas SENAI

Programa Comunitaacuterio de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Parceria com o Centro de Formaccedilatildeo Profissional ldquoJoseacute Gomesrdquo instalado

desde o final de 1992 Eacute conveniado com a SAS (Secretaria Municipal de

Assistecircncia Social) desde fevereiro de 1994 Localizado na Vila Gumercindo

atende aleacutem da populaccedilatildeo do entorno a populaccedilatildeo da Vila Mercecircs Satildeo

Saveacuterio Helioacutepolis Jardim Cliacutemax Vila Carioca Sacomatilde Cingapura da Av Dr

Ricardo Jafet e adolescentes encaminhados pelo Nuacutecleo Socioeducativo da

53

regiatildeo (distritos de Cursino Ipiranga e Sacomatilde) Atende tambeacutem a alunos em

semi-liberdade da Fundaccedilatildeo Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente) alunos de classes especiais jaacute alfabetizados indicados pela 16ordf

Diretoria de Ensino de Satildeo Paulo e adolescentes encaminhados pelo Conselho

Tutelar

Oferece proteccedilatildeo social formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo profissional aos

adolescentes em situaccedilatildeo de risco social visando a possibilidade de sua

inserccedilatildeo no mercado de trabalho levando-o a reconhecer a funccedilatildeo social do

trabalho como accedilatildeo transformadora da realidade direito de cidadania

fortalecendo sua autoestima ampliando seu universo cultural e informacional e

desenvolvendo valores eacuteticos de cidadania e incentivando a sua participaccedilatildeo

na vida puacuteblica Nessa parceria a escola desenvolve o Programa Comunitaacuterio

de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Seus projetos solidaacuterios visam colaborar com a qualidade ambiental

Os resiacuteduos de plaacutestico papel e vidro satildeo doados para a cooperativa de

reciclagem onde seratildeo vendidos revertendo para ajudar na subsistecircncia dos

cooperados O resiacuteduo de oacuteleo vegetal coletado eacute doado a uma ONG que

transforma o material em sabatildeo As pilhas e baterias descartadas satildeo levadas

a postos de coleta de empresas que trabalham com responsabilidade social

As latas de alumiacutenio descartadas satildeo vendidas e o valor arrecadado eacute revertido

em cestas baacutesicas para pessoas com baixa renda

A escola desenvolve palestras de sensibilizaccedilatildeo buscando a

conscientizaccedilatildeo das boas praacuteticas na comunidade Promove a Semana da

SIPAT e do Meio Ambiente focando especificamente esse contexto sempre

motivando o aluno a participar dessas accedilotildees

Os alunos participaram ativamente de campanhas solidaacuterias

recebendo doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registrando e

organizando as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos)

e entregando o material coletado em instituiccedilotildees da comunidade do Helioacutepolis

e Sacomatilde proacuteximas agrave escola

54

2 Seleccedilatildeo das escolas

Visando partir de um cenaacuterio onde pudeacutessemos analisar escolas que

se reconhecem enquanto ldquoescolas solidaacuteriasrdquo consideramos convidar

instituiccedilotildees entre as que jaacute receberam o ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo Criado em

2003 pelo Instituto Faccedila Parte em parceria com o MEC o Consed a Undime e

a UNESCO o Programa visa estimular a praacutetica da educaccedilatildeo solidaacuteria nas

escolas de educaccedilatildeo baacutesica

Na concepccedilatildeo do projeto ldquoescola solidaacuteriardquo eacute aquela que entre as suas

atividades (FACcedilA PARTE 2012a)

- Desenvolve projetos de voluntariado educativo ou de aprendizagem

e serviccedilo solidaacuterio Tais projetos satildeo aqueles em que os alunos satildeo

motivados a resolverem problemas reais aplicando o conhecimento

aprendido na escola e na vida para transformar uma realidade com

a qual natildeo concordam

- Trabalha a partir de uma gestatildeo democraacutetica

- Integra em suas disciplinas conteuacutedos relativos a meio ambiente

cidadania direitos humanos consumo consciente sustentabilidade

etc promovendo uma educaccedilatildeo para a paz aproveitando a

diversidade cultural como espaccedilo de aprendizagem

- Une a teoria agrave praacutetica em atividades envolvendo toda a

comunidade escolar

- Incentiva praacuteticas como a de monitoria entre seus alunos (quem

sabe mais estuda com sabe menos) estimulando no cotidiano da

escola atitudes de solidariedade

- Promove parcerias com outras escolas e instituiccedilotildees como asilos

creches ONGs etc visando fortalecer o sentido puacuteblico da

educaccedilatildeo e ampliar os espaccedilos educativos e

- Repassa os conhecimentos gerados na escola para a comunidade

ajudando-a a resolver seus principais problemas e assim busca

enriquecer a qualidade da educaccedilatildeo que oferece melhorando a

qualidade de vida da comunidade

55

De acordo com o Instituo Faccedila Parte promotor do Selo Escola

Solidaacuteria satildeo objetivos desse projeto (FACcedilA PARTE 2012b)

- Reconhecer e fortalecer a escola como nuacutecleo de cidadania em sua

proacutepria comunidade

- Propiciar a troca de experiecircncias e articulaccedilotildees entre escolas com

a online Rede de Escolas Solidaacuterias onde eacute possiacutevel conhecer as

escolas e as atividades que desenvolvem por meio de uma busca

avanccedilada que permite encontrar experiecircncias por niacutevel de ensino

tema aacuterea de atuaccedilatildeo localidade entre outros (FACcedilA PARTE

2012c)

- Divulgar as accedilotildees e os projetos de voluntariado educativo

desenvolvido pelas Escolas Solidaacuterias

- Identificar escolas que desenvolvem projetos de voluntariado

educativo no Brasil e

- Criar um banco de dados a fim de promover a divulgaccedilatildeo das

atividades e projetos e desta forma valorizar a educaccedilatildeo para a

solidariedade

Segundo o Dicionaacuterio Michaelis (2004) selo significa ldquocunho distintivo

marca sinalrdquo O Selo Escola Solidaacuteria foi pensado para reconhecer a escola

pela educaccedilatildeo solidaacuteria que ela oferece imprimindo-lhe uma ldquomarcardquo que a

valorizasse junto agrave sua comunidade escolar visando reforccedilar a sua imagem

como nuacutecleo de cidadania valorizando-a para a sociedade pela qualidade

humanizadora da educaccedilatildeo que oferece

Para que o Selo Escola Solidaacuteria natildeo fosse confundido com um projeto

de ldquopremiaccedilatildeordquo (no sentido de promover uma competiccedilatildeo entre as escolas) ou

ldquosegregadorrdquo os parceiros adotaram como princiacutepios

- Natildeo divulgar a pontuaccedilatildeo da escola para natildeo promover o

ranqueamento entre as escolas participantes em nenhuma ediccedilatildeo

- Natildeo exigir que a escola desenvolva um projeto ou atividade

especiacutefica para submeter ao Selo Para se inscrever a escola

preenche uma autoavaliaccedilatildeo onde descreve uma atividade ou

projeto que esteja desenvolvendo com a comunidade escolar Natildeo

era exigido que houvesse um nuacutemero de alunos especiacutefico ou uma

56

determinada faixa etaacuteria (niacutevel de ensino) tampouco a aacuterea de

atuaccedilatildeo ou disciplina ou qualquer outro recorte A diversidade era

respeitada e desejada A uacutenica exigecircncia era ser uma atividade que

estivesse em andamento no momento da inscriccedilatildeo e que estivesse

de acordo com o voluntariado educativo ou seja que estivesse

desenvolvendo atividades de intervenccedilatildeo social com proposta

formativa

- Natildeo faz distinccedilatildeo entre escolas que estivessem comeccedilando uma

atividade ou jaacute tivesse iniciado haacute anos se a atividade menos ou

mais complexa em termos de nuacutemero de participantes e impactos

alcanccedilados

- Toda escola que se escrevia por adesatildeo espontacircnea respeitando

as regras descritas no manual que recebiam de participaccedilatildeo

recebiam o Selo Natildeo havia um nuacutemero preacute-determinado porque a

ideia natildeo era promover a ldquoescola vencedorardquo Para ser uma Escola

Solidaacuteria era preciso relatar uma atividade que estivesse em

andamento onde o aluno pudesse inferir contribuindo para

melhorar uma realidade com a qual natildeo concorda

3 Selo Escola Solidaacuteria

O Selo Escola Solidaacuteria foi um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Natildeo teve a intenccedilatildeo de ser uma pesquisa nem um processo avaliativo A

veracidade das informaccedilotildees apresentadas era de responsabilidade das

escolas No momento da inscriccedilatildeo a escola ficava ciente de que o relato de

atividade por ela inscrito seria divulgado publicamente Tal expectativa em si

propiciava um controle social As escolas participantes tambeacutem ficavam cientes

de que poderiam receber visitadas de algum representante do Instituto Faccedila

Parte ou do coordenador regional do Selo Escola Solidaacuteria30

30

Havia em cada estado dois coordenadores das accedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria um nomeado pelo Consed (para as escolas da rede estadual) e outro pela Undime (para as escolas da rede municipal) Eles eram convidados tanto para participarem de encontros

57

O Selo Escola Solidaacuteria teve cinco ediccedilotildees 2003 2005 2007 2009 e

2011 desenvolvidas em parceria com o MEC o Consed a Undime a

UNESCO (e a partir de 2009 com a OEI e o UNICEF) Ao todo 23690

escolas de educaccedilatildeo baacutesica de todo o Paiacutes receberam o Selo Para participar

a escola precisava ter o registro junto ao INEPMEC e preencher o formulaacuterio

de inscriccedilatildeo e a autoavaliaccedilatildeo disponibilizada pelo site do Faccedila Parte

gratuitamente A participaccedilatildeo era garantida por meio do preenchimento da ficha

de inscriccedilatildeo e de uma autoavaliaccedilatildeo como anteriormente mencionado Para

receber o Selo os criteacuterios analisados na inscriccedilatildeo estavam relacionados agrave

atividade relatada e desenvolvida pela escola Satildeo eles relevacircncia (a

importacircncia sentida pelos participantes ndash escola e comunidade atendida)

coerecircncia (accedilotildees coerentes com a proposta apresentada) impacto (resultados

sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados) e a atividade estar em desenvolvimento no

ano da inscriccedilatildeo

A autoavaliaccedilatildeo foi o instrumento utilizado para provocar a reflexatildeo da

escola garantir a sua participaccedilatildeo e obter um banco de praacuteticas Como se

tratava de um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo natildeo houve a intenccedilatildeo de

seguir uma seacuterie histoacuterica Ela foi instituiacuteda para propiciar uma reflexatildeo da

comunidade escolar sobre a sua proacutepria praacutetica curricular daiacute tambeacutem a

relevacircncia de se considerar o Selo Escola Solidaacuteria como ponto de partida para

selecionar as escolas para o universo desta pesquisa

A autoavaliaccedilatildeo era constituiacuteda de nove questotildees fechadas de muacuteltipla

escolha e uma questatildeo aberta ndash onde a escola relatava sua atividadeprojeto

de voluntariado educativo Tal formataccedilatildeo atendia a trecircs objetivos a) propiciar

um momento de reflexatildeo sobre a praacutetica escolar b) orientar a reflexatildeo com o

proacuteprio texto das questotildees e c) criar um banco de dados que permitisse a

busca pelas respostas agraves questotildees fechadas

A Figura 1 (ANEXO) mostra o nuacutemero total de escolas que receberam

em uma ou mais ediccedilotildees o Selo Escola Solidaacuteria Satildeo 23690 instituiccedilotildees e

promovidos pelo Faccedila Parte quanto organizavam os proacuteprios encontros regionais Tambeacutem faziam a articulaccedilatildeo com a miacutedia local para a divulgaccedilatildeo dos projetos das escolas e eventualmente organizavam oficinas palestras sobre o desenvolvimento de projetos solidaacuterios e visitavam as escolas

58

entre elas 8941 satildeo da rede puacuteblica estadual 10795 da rede puacuteblica

municipal 3908 da rede particular e 46 escolas federais

Selo Escola Solidaacuteria 2003

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo valorizar a escola por seu

comprometimento com uma educaccedilatildeo solidaacuteria conhececirc-las e saber o que

faziam A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios Um cartaz informativo e manual

de inscriccedilatildeo foi enviado para 98 mil escolas de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil (as

que segundo o registro no MEC tinham mais de 100 alunos)

Das 8766 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 3327 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 4054 agrave rede estadual 1369 agrave rede particular e 16 escolas

federais31

Selo Escola Solidaacuteria 2005

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer e mapear as escolas

comprometidas com uma educaccedilatildeo pautada nos ideais de solidariedade e

cidadania Reconhecer e mapear projetos de voluntariado educativo

Buscando melhorar a qualidade da participaccedilatildeo das escolas a escola

teve nessa ediccedilatildeo a oportunidade de receber um certificado para a escola e

outro para o projeto inscrito visando colher mais inscriccedilotildees sobre projetos mais

estruturados e que estivessem em andamento A divulgaccedilatildeo foi feita por

espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na Internet em jornais e revistas e pelos

correios repetindo a experiecircncia de 2003

Nessa ediccedilatildeo foram certificados 2112 projetos e 12873 escolas

sendo 5396 pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 5183 agrave rede estadual

2262 agrave rede particular e 32 escolas federais32

31

Vide Figura 2 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003)

32 Vide Figura 3 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2005)

59

Selo Escola Solidaacuteria 2007

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo estruturados fortalecer a escola enquanto

nuacutecleo de cidadania em sua proacutepria comunidade

O nuacutemero de escolas que receberam o Selo foi menor Poreacutem o

nuacutemero de projetos aumentou de 2112 para 7474 Nessa ediccedilatildeo o Faccedila

Parte comeccedilou a solicitar agraves escolas a autorizaccedilatildeo para divulgar o projeto

inscrito na aacuterea puacuteblica do site33

A divulgaccedilatildeo do foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios para todas as escolas com mais

de cem alunos

Das 7474 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 2776 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 3054 agrave rede estadual 1632 agrave rede particular e 12 escolas

federais34

Selo Escola Solidaacuteria 2009

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas cujos projetos

melhoraram a qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece melhorando o

desempenho cognitivo e social do aluno ao mesmo tempo em que busquem

melhorar a qualidade de vida da comunidade

A experiecircncia deveria estar de acordo com o Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico e a escola precisava relatar o quanto ela influenciava na

aprendizagem

A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios cedidos no raacutedio na TV

na Internet em jornais e revistas e pelos correios somente para escolas que jaacute

tinham participado de alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria um universo de

aproximadamente dezesseis mil escolas35

33

Disponibilizado pelo seu site wwwseloescolasolidariaorgbr

34 Vide Figura 4 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2007)

35 Aleacutem disso a partir da ediccedilatildeo de 2009 o Faccedila Parte passou a dividir o seu espaccedilo voluntaacuterio

de miacutedia com o Compromisso Todos Pela Educaccedilatildeo organizaccedilatildeo social parceira

60

Das 3863 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1528 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 1432 agrave rede estadual 900 agrave rede particular e trecircs escolas

federais36

Selo Escola Solidaacuteria 2011

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo visando melhorar a qualidade de vida da

comunidade e a qualidade de educaccedilatildeo oferecida Nessa ediccedilatildeo considerou-se

conhecer projetos solidaacuterios que pudessem colaborar para o desempenho das

escolas em relaccedilatildeo aos exames externos como o IDEB37

Essa foi a uacuteltima ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria A divulgaccedilatildeo foi feita

como em 2009 para um nuacutemero de dezesseis mil escolas e poucos espaccedilos

de miacutedia voluntaacuteria

Ainda assim 3039 escolas foram reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1252

pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 983 agrave rede estadual 799 agrave rede

particular e cinco escolas federais38

4 Instituto Faccedila Parte

O Instituto Faccedila Parte foi fundado para gerir as accedilotildees do Ano

Internacional do Voluntariado ndash AIV no paiacutes em 2001 Um grupo formado pela

sociedade civil entre eles empresaacuterios representantes do terceiro setor e

36

Vide Figura 5 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009)

37 Embora o IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica seja calculado

considerando os resultados nas provas nacionais de desempenho de Portuguecircs e Matemaacutetica Prova Brasil e Saeb e o fluxo procurou-se observar dois fatores 1) se as escolas percebiam uma melhora de rendimento dos alunos nessas disciplinas e na frequecircncia escolar a partir do envolvimento dos alunos em projetos solidaacuterios e 2) se o ambiente colaborativo contribui para o desenvolvimento do processo de aprendizagem ainda que o restritamente mensurado no IDEB

38 Vide Figura 6 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2011)

61

miacutedia elaborou um calendaacuterio temaacutetico para contribuir com a visibilidade das

iniciativas voluntaacuterias durante os doze meses do ano foi dado um destaque

especial na miacutedia a cada uma dessas aacutereas Cultura e Artes Terceira Idade

Esporte e Lazer Sauacutede Educaccedilatildeo Meio Ambiente Protagonismo Juvenil

Portadores de Deficiecircncia Defesa de Direitos Infacircncia Solidariedade e

Cidadania O objetivo era mostrar o escopo de possibilidades de atuaccedilatildeo do

voluntaacuterio e provocar o interesse da miacutedia em publicar todo o mecircs mateacuterias

sobre o voluntariado39

O sucesso do AIV motivou a continuidade do trabalho no Brasil Em

2002 a presidente fez um pronunciamento na ONU declarando a deacutecada do

voluntariado Para atingir esse objetivo o Comitecirc ajustou o foco para a

educaccedilatildeo e juventude

O Faccedila Parte surgiu impulsionado pelo movimento iniciado pelo

Programa Comunidade Solidaacuteria (encerrado em 2002) e continuado pelo

Programa Fome Zero A criacutetica ao voluntariado estimulado pela social

democracia estaacute relacionada basicamente agraves implicaccedilotildees de uma ideologia

forjada na ldquoparticipaccedilatildeo social voluntaacuteriardquo onde o que se questiona eacute o

voluntariado como uma ldquoalternativardquo ao desemprego ou subemprego como uma

resposta de confortante retorno ao mercado de trabalho a des-

responsabilizaccedilatildeo do Estado frente agrave sociedade desonerando-o dos

enfrentamentos das questotildees sociais a compreensatildeo de que a assistecircncia

social deixa de ser poliacutetica puacuteblica para ser trazida ao campo individual

privatista ldquoA loacutegica neoliberal tanto identifica os problemas sociais como

responsabilidade dos indiviacuteduos como sugere que eles sejam resolvidos no

acircmbito privadordquo (BONFIM 2010 p 55)

Esta loacutegica da qual tambeacutem discordo natildeo era desenvolvida nas

atividades do Faccedila Parte enquanto estive na coordenaccedilatildeo de conteuacutedo e

posteriormente de projetos O foco de atuaccedilatildeo era o voluntariado como

estrateacutegia educativa para a formaccedilatildeo do jovem propondo o desenvolvimento 39

Uma pesquisa realizada pelo DataFolha em 2001 revelou que 41 dos brasileiros se diziam muito dispostos a trabalhar como voluntaacuterio No entanto essa vontade natildeo se refletia em accedilatildeo efetiva segundo o IBOPE 10 da populaccedilatildeo brasileira estava envolvida com alguma instituiccedilatildeo ou trabalho voluntaacuterio E pela pesquisa o perfil dos voluntaacuterios satildeo as pessoas mais velhas (44 dos voluntaacuterios tecircm entre 40 anos ou mais) e da classe meacutedia (36 satildeo da Classe B) (MACKENZIE 2012)

62

de uma educaccedilatildeo que utilizasse o que se aprende na sala de aula e na vida

para se resolver problemas sociais reais (voluntariado educativo) A ideia era

desfazer a compreensatildeo equivocada de ldquoparticipaccedilatildeo socialrdquo sugerida pelo

ldquovoluntariado assistencialistardquo e sugerir uma discussatildeo a partir da escola para

a participaccedilatildeo solidaacuteria poliacutetica e criacutetica

A base conceitual foi desenvolvida por meio de reflexotildees e estudos

propostos por Frei Betto (idealizador do Fome Zero) e Antonio Carlos Gomes

da Costa (educador e redator do ECA) membros do Conselho Consultivo

Outros educadores como Mario Sergio Cortella e Celso Antunes tambeacutem

participaram diretamente do processo

O Faccedila Parte teve como principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria40

desenvolvido em parceria com o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) o Conselho

Nacional dos Secretaacuterios Estaduais de Educaccedilatildeo (Consed) a Uniatildeo Nacional

dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo (Undime) e a UNESCO O

desenvolvimento do Selo Escola Solidaacuteria permitiu resgatar a escola pela

qualidade de desenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica construiacuteda com a

escola com a comunidade

40

Outros projetos do Instituto a ldquoCampanha Escolas Solidaacuterias e os Objetivos do Milecircnio da ONUrdquo (2004 2005) o ldquoPrecircmio de Reportagem Jovem Protagonistardquo (2008) o Realinhamento conceitual e metodoloacutegico do ldquoAmigos da Escolardquo de 2005 a 2011 projeto que foi lanccedilado em 1999 com um conceito equivocado de participaccedilatildeo voluntaacuteria na escola e mesmo tendo sido submetido a um realinhamento estrateacutegico e conceitual a partir de 2005 continuou sofrendo inuacutemeras criacuteticas por natildeo conseguir se libertar totalmente de sua imagem criada no momento do lanccedilamento Ele passou de uma visatildeo assistencialista e de desvalorizaccedilatildeo do profissional da educaccedilatildeo (primeira fase) para um projeto de reforccedilo da escola como nuacutecleo de cidadania e gestatildeo democraacutetica onde a comunidade pode participar desde que essa participaccedilatildeo esteja de acordo ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola sem a substituiccedilatildeo de qualquer profissional da educaccedilatildeo e sem a desoneraccedilatildeo do Estado (segunda fase)

Aleacutem disso o Faccedila Parte eacute membro fundador da ldquoRede Iberoamericana de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuteriordquo (desde 2005) e tem inuacutemeras publicaccedilotildees disponiacuteveis em wwwfacaparteorgbrbiblioteca onde divulga basicamente o conceito de voluntariado educativo protagonismo juvenil uma sugestatildeo de metodologia de projetos e as experiecircncias de centenas de Escolas Solidaacuterias

63

5 A coleta de dados

Apoacutes as reuniotildees com a direccedilatildeo das escolas iniciamos a pesquisa

propriamente dita Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram

principalmente a) questionaacuterio b) entrevistas semi-estruturadas e c)

acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados pelas

escolas

a) Questionaacuterio

O questionaacuterio foi aplicado para que de maneira padronizada

pudeacutessemos conseguir respostas de uma determinada populaccedilatildeo que

permitissem reunir uma raacutepida quantidade de informaccedilotildees sobre o tema de

pesquisa A uniformizaccedilatildeo das perguntas e respostas facilita a compilaccedilatildeo dos

resultados bem como o fato de ele poder ser enviado e respondido sem a

presenccedila de um aplicador (LAVILLE DIONNE 1999 p 184) Ele foi formulado

com seis questotildees fechadas e duas abertas Oferecer questotildees fechadas com

respostas predeterminadas traz a vantagem de esclarecer aos sujeitos o que

se quer investigar aleacutem de permitir manusear os dados por meio de leituras

exatas e evitar que se tenha o iacutempeto de interpretar subjetivamente as

respostas recebidas (LAVILLE e DIONNE 1999)

O questionaacuterio foi aplicado visando uma primeira aproximaccedilatildeo das

escolas e saber quais poderiam ser as escolas possiacuteveis para o universo da

pesquisa pois queriacuteamos contar com a participaccedilatildeo de escolas que pudessem

contribuir para a compreensatildeo da solidariedade enquanto praacutetica curricular

educativa Como satildeo escolas do universo do Selo Escola Solidaacuteria

consideramos as principais caracteriacutesticas das atividades e projetos de

aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio ou voluntariado educativo como referecircncia

para a seleccedilatildeo

De acordo com Mariacutea Nieves Taacutepia (2001 p 26) as atividades ou

projetos devem estar integrados agrave proposta pedagoacutegica da escola envolver

toda a comunidade educativa (sendo que os alunos devem participar de todas

as etapas do projeto desde o diagnoacutestico ateacute a avaliaccedilatildeo) e devem partir de

64

uma demanda real da comunidade a qual possa ser atendida pelos

estudantes sendo uma atividade de relevacircncia social e pedagoacutegica

Neste sentido as questotildees foram elaboradas da seguinte forma41

Nas perguntas 1 e 2 pretendeu-se atualizar as informaccedilotildees sobre os

projetos desenvolvidos na escola por niacutevel de ensino e aacuterea de atuaccedilatildeo uma

vez que o Selo Escola Solidaacuteria soacute acontece em anos iacutempares

1 - Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos

solidaacuterios atualmente na escola

2 - A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas

atualmente Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas

Com as perguntas 3 e 4 procurou-se saber se a escola tinha

incorporado a praacutetica da solidariedade em seu Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico em

seu curriacuteculo uma vez que eacute interesse desta pesquisa se aproximar de escolas

que tenham de fato incorporado a praacutetica da solidariedade ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

3 - O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios constam

textualmente no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 - As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

As perguntas 5 e 6 foram formuladas porque esta pesquisa precisa

trabalhar com uma amostra de escolas que envolvam a comunidade educativa

no desenvolvimento de projetos solidaacuterios principalmente os alunos para que

seja possiacutevel investigar a solidariedade em um ambiente de gestatildeo

democraacutetica e participativa

5 - Quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

6 ndash Em quais dessas etapas os alunos sempre participam

41

O questionaacuterio completo perguntas e respostas pode ser consultado no Apecircndice

65

Houve um interesse de fazer uma sondagem inicial em relaccedilatildeo aos

resultados sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados para se buscar indiacutecios de como

a comunidade avalia a sua praacutetica se a solidariedade eacute considerada relevante

e sobre quais aspectos Esta eacute a justificativa para a formulaccedilatildeo das perguntas

dissertativas as uacuteltimas

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia

atribuiacutedo(s) ao desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social (ais) de maior relevacircncia

atribuiacutedo ao desenvolvimento do(s) projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola E para a comunidade

b) Entrevistas semi-estruturadas

A entrevista semi-estruturada foi adotada como instrumento nesta

pesquisa por permitir uma maior flexibilizaccedilatildeo na conduccedilatildeo pois no contato

direto pode-se conduzir a entrevista de forma a aproveitar as contribuiccedilotildees

espontacircneas esclarecer perguntas e respostas e corrigir o percurso da

entrevista durante o seu desenvolvimento possibilitando a participaccedilatildeo do

sujeito da pesquisa De uma maneira direta e personalizada a entrevista

permite ampliar o escopo da coleta de informaccedilotildees se comparada ao

questionaacuterio que foi empregado no momento de se fazer um primeiro

rastreamento de colher informaccedilotildees exploratoacuterias

A entrevista oferece maior amplitude do que o questionaacuterio quanto agrave sua organizaccedilatildeo esta natildeo estando mais irremediavelmente presa a um documento entregue a cada um dos interrogados os entrevistadores permitem-se muitas vezes explicar algumas questotildees no curso da entrevista reformulaacute-las para atender agraves necessidades do entrevistado Muitas vezes eles mudam a ordem das perguntas em funccedilatildeo das respostas obtidas a fim de assegurar mais coerecircncia em suas trocas com o interrogado Chegam ateacute a acrescentar perguntas para fazer precisar uma resposta ou para fazecirc-la aprofundar Por quecirc Como Vocecirc pode dar-me um exemplo E outras tantas subperguntas que traratildeo frequentemente uma

66

porccedilatildeo de informaccedilotildees significativas (LAVILLE DIONNE 1999 p 188)

A flexibilidade adquirida permite obter dos entrevistados informaccedilotildees

muitas vezes mais ricas do que se podia prever uma imagem mais proacutexima da

realidade das situaccedilotildees fenocircmenos ou acontecimentos

As perguntas norteadoras das entrevistas semi-estruturadas foram

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo

para a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

As entrevistas foram realizadas respectivamente em suas proacuteprias

escolas Na ocasiatildeo visitamos as instalaccedilotildees e tomamos contato com registros

referentes agraves atividades solidaacuterias como plano de accedilatildeo planejamento de aula

registros como fotos relatoacuterios bem como o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

Os agendamentos ocorreram durante os meses de junho de 2012 a

marccedilo de 2013 Natildeo houve a intenccedilatildeo de se estabelecer um padratildeo entre as

escolas (nem em relaccedilatildeo ao nuacutemero de entrevistas agendadas tempo de

duraccedilatildeo sujeitos da pesquisa) Procuramos desenvolver a pesquisa de forma a

nos adequar agraves possibilidades em cada uma das escolas respeitando o tempo

e o espaccedilo dos atores envolvidos Aleacutem dos momentos de visitaccedilatildeo das

instalaccedilotildees e de conversas informais foram realizadas junto agraves escolas

Escola1 duas reuniotildees e quatro entrevistas sendo uma reuniatildeo com a

diretora da escola uma reuniatildeo com o diretor pedagoacutegico 2 entrevistas

com o diretor pedagoacutegico uma entrevista com uma professora e uma

entrevista com uma ex-coordenadora

Escola2 quatro entrevistas sendo duas com a coordenadora

pedagoacutegica uma com uma professora e uma com uma pessoa da

comunidade atendida pelo projeto

67

Escola3 quatro entrevistas e uma reuniatildeo sendo duas entrevistas com

a coordenadora pedagoacutegica uma entrevista com um professor e uma

entrevista com uma aluna A escola intermediou a negociaccedilatildeo de uma

entrevista com o puacuteblico atendido pelo projeto poreacutem natildeo foi possiacutevel

fazecirc-la porque natildeo houve adesatildeo voluntaacuteria por parte da comunidade

Escola4 duas entrevistas sendo uma com a coordenadora pedagoacutegica

e uma entrevista com um professor

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente tendo

a autorizaccedilatildeo dos entrevistados para a publicaccedilatildeo total ou parcial do conteuacutedo

da mesma com eventuais adequaccedilotildees ao texto escrito Cada uma delas durou

em meacutedia de 90 a 120 minutos de acordo com o professor e com o tempo por

ele disponibilizado Elas aconteceram em locais escolhidos pelos proacuteprios

atores laboratoacuterio sala dos professores sala de aula sala da coordenaccedilatildeo (no

caso dos coordenadores) paacutetio

Durante as entrevistas eram valorizadas as participaccedilotildees

espontacircneas os sujeitos eram estimulados a participar ativamente do

processo o que conferiu caraacuteter de singularidade para cada escola

participante Em todas elas foi demonstrado interesse em se entrevistar atores

das comunidades atendidas pelos projetos dos alunos No entanto naquelas

escolas onde foi percebida certa resistecircncia tais intervenccedilotildees foram

descartadas

Durante o desenvolvimento da pesquisa o contato com os professores

continuou sendo mantido informalmente em intervalos eventuais por

telefonemas e via e-mail para que possiacuteveis duacutevidas ou questotildees surgidas de

ambas as partes pudessem ser esclarecidas

c) Acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados

pelas escolas

A observaccedilatildeo dos eventos anuais solidaacuterios promovidos pelas escolas

foi incorporada durante o desenvolvimento da pesquisa Das quatro escolas

que participaram da pesquisa trecircs delas tiveram interesse de apresentar o

evento de culminacircncia de atividades solidaacuterias onde participam principalmente

68

os alunos Sendo assim o acompanhamento dos eventos solidaacuterios foi

incorporado agrave pesquisa

O momento permitiu observar colher impressotildees e informaccedilotildees junto

aos participantes aleacutem de acompanhar tambeacutem no sentido intriacutenseco de

prestigiar e valorizar o empenho da comunidade escolar em relaccedilatildeo ao

desenvolvimento de atividades solidaacuterias Vale ressaltar que esse foi o

momento onde se pode chegar mais proacuteximo dos alunos Como satildeo propostas

adequadas agrave realidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico de cada escola natildeo

houve um roteiro preacute-determinado de observaccedilatildeo e as observaccedilotildees foram

registradas posteriormente

O evento observado na Escola1 foi a Gincana Solidaacuteria que eacute o de

maior relevacircncia para a comunidade escolar e acontece uma vez por ano

geralmente em um dos saacutebados da segunda quinzena de setembro

Estive na escola no dia anterior e no dia da Gincana Na veacutespera os

alunos do Ensino Meacutedio tinham sido dispensados das uacuteltimas trecircs aulas do

periacuteodo da manhatilde para finalizarem a preparaccedilatildeo das atividades A escola

estava com um clima diferente muitas cores sons ritmos tintas cantos

negociaccedilotildees sorrisos tensatildeo A autonomia dos alunos na organizaccedilatildeo e

coordenaccedilatildeo dos preparativos para a festa faz com que a responsabilidade e o

interesse em deixar tudo pronto aumente Podiam-se ouvir os ensaios e sentir

a contagiante empolgaccedilatildeo com os preparativos por todos os cantos

No dia da Gincana propriamente todos os alunos estavam

devidamente uniformizados representando seus times por cinco cores Cada

torcida tinha o seu mascote e o grupo era acompanhado pelo olhar atento dos

familiares e da comunidade presente Todos os alunos participavam com

interesse das atividades e muito embora o clima de interesse fosse mantido

pela disputa que a proacutepria natureza de uma gincana sugere o prazer em ver

apresentar e participar de algo elaborado coletivamente ao longo do ano

parecia fortalecer ainda mais o respeito e a colaboraccedilatildeo entre eles ldquoToda a

Gincana estaacute imbricado na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento

da cidadania de se criar formas de conversar de negociar Tudo eacute feito por

eles organizado por elesrdquo (CPE1)

69

O evento organizado ao longo de praticamente seis meses de

trabalho envolve uma seacuterie de etapas de aprendizagem tanto de conteuacutedos

disciplinares quanto de espaccedilos de convivecircncia A Gincana eacute curricular

trabalhada de maneira interdisciplinar e jaacute eacute referecircncia para a comunidade

escolar

Na Escola2 acompanhamos a Feira Cultural Trata-se de um evento

organizado para a comunidade escolar onde a escola aleacutem de reunir todos os

trabalhos produzidos pelos alunos ao longo do ano apresenta danccedilas muacutesicas

e fotografias O evento acontece geralmente em um dos saacutebados de outubro

Todo o material das exposiccedilotildees e de decoraccedilatildeo da escola eacute feito pelos alunos

durante as atividades do ano letivo tais como os livros da oficina de literatura

oficina de brinquedos de sucata estudo do bairro por maquetes projeto de

reciclagem tudo eacute organizado e recebe a visitaccedilatildeo da comunidade escolar

A escola eacute preparada um dia antes pelos professores funcionaacuterios e

direccedilatildeo No dia do evento pude assistir as apresentaccedilotildees das danccedilas na

quadra de esporte As letras das muacutesicas tratavam de questotildees sobre o

desenvolvimento sustentaacutevel e a importacircncia do cuidado com o planeta e o

respeito como condiccedilatildeo para se construir um mundo melhor para se viver

Conversas informais com a diretora professores pais e alunos demonstravam

que havia conhecimento sobre o que estava exposto sobre o objetivo das

atividades A avoacute de um aluno do terceiro ano ao me ver interessada em

conhecer as atividades da seacuterie afirmou ldquojaacute pensou uma escolas dessas Natildeo

temrdquo se referindo com ironia e contentamento agrave quantidade das atividades

pedagoacutegicas e ao zelo com que foram montadas para a apresentaccedilatildeo na feira

cultural

Para a montagem das salas temaacuteticas os professores de cada

anoseacuterie escolhem como iraacute organizaacute-la Cada um eacute responsaacutevel pela

exposiccedilatildeo do trabalho da sua sala mas logo apoacutes precisam ajudar a organizar

outras salas ou os espaccedilos comuns da escola como os corredores paacutetios

salotildees tudo eacute decorado O principal projeto de solidariedade da escola o

Reciclar se faz presente de muitas formas nas letras das muacutesicas na

confecccedilatildeo dos materiais de artes (inclusive na utilizaccedilatildeo dos materiais ndash

apenas reciclados) na seleccedilatildeo e apresentaccedilatildeo das poesias na exposiccedilatildeo dos

70

desenhos das maquetes na decoraccedilatildeo da escola A Feira terminou com a

apresentaccedilatildeo dos alunos que estudam no projeto em parceria com a Fundaccedilatildeo

Bachiana Filarmocircnica A accedilatildeo proporciona aos alunos aulas de flauta-doce

violino e viola claacutessica A escola oferece esse projeto em parceria para a

comunidade ou seja ele natildeo eacute destinado somente aos seus alunos Cada

estudante do curso pode utilizar o instrumento que eacute disponibilizado durante as

aulas e aleacutem disso eles recebem todo o material didaacutetico tambeacutem

A Manhatilde da Paz eacute uma manhatilde organizada pela Escola3 com o intuito

de tratar sobre temas ligados agrave Campanha da Fraternidade Em 2012 o tema

foi ldquoFraternidade e Sauacutede Puacuteblicardquo A proposta era fazer uma reflexatildeo com os

alunos do 7ordm ano sobre ldquoqual o meu papel Qual a minha parte O que posso

fazer a partir de hoje para ajudar a tornar o mundo melhorrdquo Recebemos o

convite para participar na ocasiatildeo da reuniatildeo de apresentaccedilatildeo da proposta da

pesquisa para a coordenaccedilatildeo Os temas tratados no evento foram nutriccedilatildeo

reciclagem muacutesica postura corporal e ldquoo que posso fazer para tornar o mundo

melhorrdquo ministrado por noacutes Nessa proposta de intervenccedilatildeo participaram

cinco turmas cada uma delas formada por aproximadamente trinta alunos do

seacutetimo ano

A experiecircncia propiciou um contato direto com os alunos procurando

provocar a reflexatildeo sobre o que cada um tem a ver com a situaccedilatildeo histoacuterica

que vivemos quais satildeo os maiores problemas da humanidade nos dias atuais

e o que podemos fazer para buscar soluccedilotildees a partir do lugar de onde

estamos no seacutetimo ano na escola com a comunidade que vivemos As aulas

especiais foram acompanhadas pela presenccedila de um professor da escola Na

ocasiatildeo exibimos o depoimento da canadense Severn Suzuki de 12 anos na

primeira conferecircncia mundial de meio ambiente a ECO 92 O feito ficou

conhecido como ldquoA menina que calou o mundordquo (SUZUKI 1992) visando

instigaacute-los a pensar sobre o que eacute possiacutevel fazer aos 12 anos de idade Aleacutem

das discussotildees sobre o que pode ser feito para participar socialmente os

alunos foram questionados sobre o que eacute cidadania como aprender a ser

solidaacuterio a ser participativo socialmente No iniacutecio reportavam agrave famiacutelia a

formaccedilatildeo em valores mas logo percebiam que tambeacutem era funccedilatildeo da escola e

71

sugeriam condutas e propostas de atividades para que tais conceitos fossem

trabalhados

Cada escola organiza a praacutetica curricular de acordo com o seu Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico que representa a organizaccedilatildeo quanto agrave concepccedilatildeo de

educaccedilatildeo e de solidariedade Para que seja possiacutevel analisar as praacuteticas

observadas nas escolas faz-se necessaacuterio adentrar no referencial teoacuterico

apresentado a seguir O Capiacutetulo II se propotildee a delimitar o conceito de

solidariedade e o Capiacutetulo III trata da questatildeo da solidariedade a partir do

curriacuteculo

72

CAPIacuteTULO II

73

O CONCEITO SOLIDARIEDADE

Segundo o Dicionaacuterio de Etimologia solidariedade eacute uma palavra de

origem latina seu radical solid ndash derivado de soacutelidus ndash significa solidificar

confirmar soldar do latim solidaresolidariedade (CUNHA 2007) Soacutelidus por

sua vez significa aquilo que tem consistecircncia que natildeo se deixa romper

facilmente que eacute capaz de resistir ao uso ao tempo a qualquer forccedila externa

(CASTELEIRO 2001) trazendo a ideia de solidariedade agrave de formaccedilatildeo de uma

situaccedilatildeo concisa onde as partes se sustentam em coesatildeo numa relaccedilatildeo de

unidade interdependecircncia

A terminologia teacutecnica do Direito Romano obligatio in solidum

(obrigaccedilatildeo global lealdade) converteu-se no francecircs em solidariteacute

conservando poreacutem seu significado juriacutedico Solidum e solidariedade vecircm da

raiz solid que significa soacutelido da onde se deveria o significado etimoloacutegico de

ldquounir prenderrdquo tornar coeso (CUNHA 2007) O sentido completa o conceito

romano-legal insolidum que significa o dever para com o todo a

responsabilidade geral a obrigaccedilatildeo solidaacuteria A solidariedade eacute compreendida

como a responsabilidade muacutetua entre os membros de uma comunidade classe

ou empresa (CASTELEIRO 2001)

No Dicionaacuterio de Filosofia de Nicola Abbagnano o termo significa a

relaccedilatildeo de interdependecircncia de assistecircncia reciacuteproca entre os mesmos

membros de uma famiacutelia ou grupo social (ABBAGNANO 2007) No campo do

direito segundo o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional a conotaccedilatildeo de solidariedade

valida um acordo entre vaacuterias partes num compromisso pelo qual natildeo se

admite o benefiacutecio de ordem isto eacute a escolha de quem em comum iraacute cumprir

a obrigaccedilatildeo (art 124 Paraacutegrafo Uacutenico) O art 264 do Novo Coacutedigo Civil de

janeiro de 2003 diz que haacute uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria ldquoquando na mesma

obrigaccedilatildeo concorre mais de um credor ou mais de um devedor cada um com

direito ou obrigado agrave diacutevida todardquo Uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute portanto aquela

onde um ou mais credores (solidariedade ativa) exigem de um ou mais

devedores (solidariedade passiva) o seu cumprimento Cada credor eacute credor do

74

todo assim como cada devedor eacute devedor do todo natildeo apenas de parte ou

fraccedilatildeo ideal

No Dicionaacuterio Leacutexico e Enciclopeacutedico Ilustrado da Liacutengua Portuguesa

(1970) solidariedade eacute compreendida como a uniatildeo muacutetua entre pessoas que

estatildeo ligadas em torno de uma mesma causa projeto objetivo Neste sentido

em si ela natildeo eacute necessariamente valorada para o bem podendo acontecer

entre pessoas que decidem se unir em um projeto iliacutecito por exemplo ou ateacute

mesmo por interesses comuns sem juiacutezo de valor como os integrantes de

uma torcida de futebol um grupo reunido para uma festividade ou a maacutefia No

entanto seu emprego pode vir carregado de conotaccedilatildeo valorativa No Grande

Dicionaacuterio Etimoloacutegico-Prosoacutedico da Liacutengua Portuguesa o conceito estaacute ligado

ao de ldquosolidaacuteriordquo que significa ldquoaquele que compartilha a responsabilidade de

outrem que lhe demonstra sentimentos de fraternidade de comuns

sentimentos em determinada conjuntura socialrdquo (BUENO 1967)

Para Aliacutepio Casali42 o conceito evolui a partir de soacutelidus com soacutelus

onde solu significa um soacute portanto solidus seria compreendido como algo

com-pacto Se solidatildeo eacute um exemplo desse um soacute que eacute pensado como uacutenico

solidatildeo apresenta-se como um sem-outro No contraacuterio solidaacuterio eacute o outro que

se une (pacto com-pacto) ao um e constitui com ele uma nova unidade

compacta A solidariedade neste sentido eacute a accedilatildeo de compactar-se com o

outro formando com ele um novo-ser-unitaacuterio

No Budismo fala-se de compaixatildeo ao inveacutes de solidariedade mas a

compreensatildeo do conceito eacute similar Para o Budismo a compaixatildeo eacute um

sentimento incondicional sem o apego que traz sofrimento e dor Eacute um cuidar e

amar todos os seres vivos igualmente como se natildeo houvesse distinccedilatildeo entre

eu e o outro A vida em comunidade tambeacutem eacute valorizada pois para os

budistas eacute fundamental pertencer a uma sangha As comunidades vivem em

comunidades uns cuidando dos outros e assim aprendem a partilhar e ajudar-

se mutuamente razatildeo de ser do estilo de vida budista (GANERI 1999)

42

Notas de aula setembro de 2012

75

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo

A preocupaccedilatildeo com a vida em sociedade pensada a partir do bem

comum tem seu registro desde a mitologia grega onde a capacidade humana

de viver em cidades sem que haja uma disputa direta entre os seus membros

o que aniquilaria a espeacutecie eacute o tema do mito acerca da criaccedilatildeo do homem

Nele Epimetheus fica responsaacutevel por ldquoequiparrdquo todas as criaturas criadas por

Zeus com um nuacutemero limitado de habilidades disponiacuteveis Soacute que em sua

tarefa ele se esquece do homem esgotando as habilidades disponibilizadas

por Zeus com os outros animais Os homens consequentemente tornam-se

presas faacuteceis e Prometheus ciente do erro rouba o fogo de Hephaestus e a

arte de Athena e os concede aos homens Com a habilidade da arte os

homens tornam-se capazes de falar e de dar nomes aos objetos e com o fogo

satildeo capazes de se proteger e se alimentar Tais habilidades poreacutem natildeo satildeo

suficientes para salvaacute-los Conscientes de sua fragilidade os homens

passaram a viver em cidades mas por natildeo terem habilidade poliacutetica comeccedilam

a se ferir mutuamente o que comeccedilou a afastar um dos outros Zeus entatildeo

temendo a total destruiccedilatildeo da raccedila humana envia Hermes para ensinar aos

homens as qualidades do respeito muacutetuo e do senso de justiccedila de forma a

trazer a ordem agraves cidades e criar um viacutenculo de amizade e uniatildeo (SILVA C

2012)

Nessa passagem o conteuacutedo traz uma reflexatildeo acerca de um possiacutevel

conceito de solidariedade compreendida entre a noccedilatildeo de que um precisa do

outro para viver que a vida em sociedade o fortalece mas que no entanto eacute

preciso haver respeito muacutetuo senso de justiccedila e uniatildeo Tais reflexotildees eram

propostas ainda que a democracia ateniense fosse uma forma atenuada de

oligarquia (era restritiva aos escravos mulheres e estrangeiros) onde somente

os cidadatildeos varotildees tinham o direito de participar da assembleia e serem

assegurados pelas leis

De um salto ateacute os seacuteculos XIX e XX o conceito de solidariedade

aparece relacionado agraves accedilotildees do indiviacuteduo que satildeo influenciadas pelo contexto

e tecircm consequecircncias no grupo ao qual pertence emanando de interesses e

convicccedilotildees semelhantes Tem-se a ocorrecircncia da compreensatildeo de

76

solidariedade obrigatoacuteria (solidariteacute de fait) exercida em determinados grupos

que acontece pela noccedilatildeo de pertencimento entre seus membros como a que

se daacute em famiacutelia No entanto essa forma de solidariedade natildeo auxilia a

resolver problemas eacuteticos como os de ordem econocircmica por exemplo

Eacutemile Durkheim (1858-1917) considerado um dos pais da sociologia

moderna afirmou que o ser humano eacute constituiacutedo de duas consciecircncias a dos

estados pessoais e a que compreende o que eacute comum para toda a sociedade

uma forma a outra em um movimento permanente No entanto quando o

homem age impulsionado pela consciecircncia coletiva e natildeo por vontades

particulares em si estaacute sendo solidaacuterio ldquoOra embora distintas essas duas

consciecircncias satildeo ligadas uma agrave outra pois em suma elas constituem uma soacute

coisa tendo para as duas um soacute e mesmo substrato orgacircnico Logo elas satildeo

solidaacuterias Daiacute resulta uma solidariedade sui generis que nascida das

semelhanccedilas vincula diretamente o indiviacuteduo agrave sociedaderdquo (DURKHEIM 1977

p 79)

Para exprimir um tipo de ordenaccedilatildeo que favorecesse o

desenvolvimento de um determinado grupo ligado por um interesse comum

quer seja ele os indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia de uma mesma seita de

grupos formados pelo princiacutepio da hereditariedade como as castas na Iacutendia ou

as colocircnias judias Durkheim usou o conceito de solidariedade orgacircnica Nela

a funccedilatildeo de cada indiviacuteduo eacute determinada em seu nascimento e o

descumprimento das regras de solidariedade eacute passiacutevel de puniccedilatildeo Como as

sociedades mais complexas seguem se organizando natildeo mais pela

constituiccedilatildeo espontacircnea ou hereditaacuteria mas por uma intencionalidade que

adveacutem da divisatildeo social do trabalho credita-se agrave consciecircncia coletiva e agrave

divisatildeo do trabalho uma relaccedilatildeo de interdependecircncia criada entre as diferentes

profissotildees para que haja um bom funcionamento da comunidade como um

todo

A constituiccedilatildeo social pela divisatildeo do trabalho soacute eacute possiacutevel porque o

homem eacute um ser social e eacute a sociedade que forma a sua individualidade como

afirma Durkheim A vida coletiva natildeo nasceu da vida individual mas pelo

contraacuterio foi a segunda que nasceu da primeira Esta condiccedilatildeo explica como a

individualidade pessoal das unidades sociais pode formar-se e crescer sem

77

desagregar a sociedade (1977 p 62) Neste caso tem-se a percepccedilatildeo de que

a sociedade natildeo eacute formada pela justaposiccedilatildeo de individualidades que passam

a trabalhar em cooperaccedilatildeo mas sim por uma compreensatildeo de que o homem

enquanto ser social vecirc-se realizado pela ideia de desenvolver sua identidade

coletiva

Portanto para que de fato a divisatildeo social do trabalho melhore o

desempenho da sociedade como um todo o foco natildeo deve estar na

produtividade-lucrativa dos economistas mas sim em novas e melhores

condiccedilotildees de existecircncia para a humanidade que nos satildeo criadas pela

ordenaccedilatildeo do trabalho (Ibidem p 57) O contraponto agrave solidariedade mecacircnica

eacute a solidariedade orgacircnica que traz consigo a analogia referente ao

funcionamento de um organismo vivo onde cada oacutergatildeo desenvolve a sua

funccedilatildeo Na solidariedade orgacircnica segundo o Diccionario de Antropologia

(1980) a ldquovinculaccedilatildeo entre grupos humanos resulta de um sentimento

compartilhado de identidade de interesses de dependecircncia e

complementaridade na presenccedila de uma avanccedilada divisatildeo de trabalho

No entanto Durkheim compreendeu que natildeo era possiacutevel afirmar qual

tipo de solidariedade eacute predominante em uma dada sociedade sem paracircmetros

ou referenciais de observaccedilatildeo Sendo assim ele procurou definir dois tipos de

solidariedade a partir de duas normas de direito (DURKHEIM 1977)

Direito Repressivo ndash por meio da sanccedilatildeo agravequele que natildeo cumprir

determinada norma social por meio da exposiccedilatildeo agrave dor humilhaccedilatildeo ou

privaccedilatildeo de liberdade

Direito Restitutivo ndash a preocupaccedilatildeo principal nesse caso eacute fazer com

que as situaccedilotildees perturbadas sejam restabelecidas e retornem a seu

estado original Ao infrator cabe simplesmente reparar o dano causado

uma vez que o dano causado natildeo afeta a sociedade como um todo

Sendo assim quanto maior eacute a participaccedilatildeo do direito restitutivo em uma

sociedade menor eacute a forccedila e a abrangecircncia da consciecircncia coletiva e

maior eacute a diferenciaccedilatildeo individual

Significa dizer que pelo tipo de direito que predomina em uma

sociedade seria possiacutevel identificar o tipo de solidariedade existente Se

predomina o direito repressivo uma maior quantidade de normas eacute mantida

78

pela consciecircncia coletiva (solidariedade mecacircnica) Se predomina o direito

restitutivo uma menor quantidade de normas diz respeito agrave sociedade como

um todo (solidariedade orgacircnica)

Durkheim tambeacutem reconheceu que o advento da industrializaccedilatildeo e o

desenvolvimento do capitalismo a divisatildeo acirrada do trabalho a mais-valia a

exploraccedilatildeo da matildeo de obra a especializaccedilatildeo cientiacutefica satildeo efeitos que

contribuem para uma sociedade cada vez menos solidaacuteria menos coesa A

rigor quando as pessoas estatildeo ligadas em torno de uma atividade ou

sociedade sem que reconheccedilam um objetivo comum ou seja apenas ldquoorbitam

em torno das grandes vontadesrdquo pode-se dizer que essa integraccedilatildeo resulta de

uma solidariedade negativa aquela que natildeo leva a fins comuns tampouco

consenso apenas vontade (DURKHEIM 1977 p 91-92) Quando os

indiviacuteduos reconhecem que a solidariedade pode gerar desigualdades eacute

preciso acionar outra maneira de se pensaacute-la buscando corrigir falhas no

desenvolvimento social A solidariedade passa a ser valorada pela conduta

eacutetica visando a efetivaccedilatildeo da liberdade e da humanidade

Westphal constatou que no decorrer das mudanccedilas sociais a

solidariedade chamada de obrigatoacuteria praticada em determinados grupos de

caracteriacutesticas semelhantes natildeo contribui para a transformaccedilatildeo do status quo e

retoma o forte papel do estado na compreensatildeo do ldquopacto de solidariedaderdquo

pela coordenaccedilatildeo do bem estar comum

O pacto de solidariedade de Bourgeois organizou uma doutrina contratual especiacutefica que constroacutei direito social e doutrina moral ao mesmo tempo (ZOLL 2000) Nesta visatildeo a sociedade nunca seraacute suficientemente social cada indiviacuteduo estaacute sujeito a relaccedilatildeo com o outro e estaacute comprometido com a efetivaccedilatildeo do bemndashestar de si mesmo bem como com o bemndashestar do outro (EWALD apud ZOLL 2000) Consequumlentemente o Estado tem para Bourgeois um papel de coordenaccedilatildeo Sua ideacuteia de contrato estaacute baseada na justiccedila social Tratandashse de uma necessidade social que eacute ao mesmo tempo um processo reflexivo de permanente negociaccedilatildeo Assim por intermeacutedio da poliacutetica social garantendashse coesatildeo social (WESTPHAL 2008 p45)

79

Na concepccedilatildeo preacute-moderna de solidariedade o termo fraterniteacute foi-lhe

associado sendo que este se tornou lema na Revoluccedilatildeo Francesa para a

construccedilatildeo de uma sociedade de cidadatildeos igualitaacuterios Em consequecircncia a

concepccedilatildeo de luta da fraterniteacute passou a ter um significado poliacutetico e com o

iniacutecio da revoluccedilatildeo dos trabalhadores de 1848 adotou o conceito de solidariteacute

(BRUKHORST apud WESTPHAL 2008)

O sentido de fraternidade ligado ao conceito de solidariedade foi

explorado tambeacutem pela Igreja Catoacutelica agregando-lhe a ideia de justiccedila de

caridade universal Em meados do seacuteculo XX surgiu o movimento social

catoacutelico apresentado por um vieacutes acentuadamente moral que marcou a

compreensatildeo de solidariedade na sociedade ocidental e influenciou a adoccedilatildeo

do princiacutepio de solidariedade pelo Estado e em niacutevel da poliacutetica social O

solidarismo doutrina que defende a praacutetica da solidariedade (CASTELEIRO

2001) foi fundado por Heinrich Pesch (1854-1926) na Alemanha e diferencia-

se da solidariedade como fato e obrigaccedilatildeo sendo considerada um princiacutepio

eacutetico baseado na

necessidade de complementaridade da pessoa diferenciando trecircs subcategorias princiacutepio de direito princiacutepio de formaccedilatildeo comunitaacuteria e princiacutepio de caridade onde os dois primeiros contribuem sobremaneira para a determinaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre liberdade individual e justiccedila social (TRAGL apud WESTPHAL 2008 p 46)

Depois de descartar o individualismo e o coletivismo tendo como

paracircmetro a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) Pesch propotildee como soluccedilatildeo aos

problemas de ordem soacutecio-poliacutetico-econocircmica o solidarismo onde o progresso

tanto pessoal quanto social derivaria de todo o conjunto coordenado de

esforccedilo sacrifiacutecio e empenho capaz de fazer surgir uma sociedade solidaacuteria no

sentido da intercolaboraccedilatildeo e responsabilidade com vistas agrave realizaccedilatildeo do bem

comum (NOTHELLE-WILDFEUER 2008) Os princiacutepios do solidarismo que

seguem por diversas enciacuteclicas papais desde a Rerum Novarum (em 1891) de

Leatildeo XIII (1878-1903) ateacute a Centesimus Annus (em 1987) de Joatildeo Paulo II

(1978-2005) podem ser resumidos em cinco pontos fundamentais 1) na

dignidade humana compreendido pela irmandade cristatilde onde todos satildeo filhos

80

de um mesmo Deus sendo portanto iguais natildeo por determinaccedilatildeo humana

mas por provirem de uma uacutenica fonte de extrema bondade natildeo havendo

restriccedilatildeo de raccedila cor classe social sexo etc 2) na primazia do bem comum

sobre os interesses privados e na forccedila do Estado 3) na compreensatildeo de que

o bem privado eacute como um bem poreacutem de responsabilidade social mais do que

um privileacutegio individual 4) na percepccedilatildeo da primazia do trabalho que admite o

mercado como forma de distribuiccedilatildeo de renda 5) nas instacircncias superiores que

devem promover as inferiores quer seja em niacutevel estatal privado de

organizaccedilotildees sociais uns cuidando dos outros (AMIN 1997)

O Ponto 38 da Enciacuteclica sobre a solidariedade de Joatildeo Paulo II (de

1987) define a solidariedade natildeo como um sentimento superficial perante os

males de tantas pessoas quer estejam longe ou perto Ao contraacuterio eacute a

determinaccedilatildeo firme e perseverante de pensar pelo bem comum eacute decidir pelo

bem de todos e cada um para que todos sejamos verdadeiramente

responsaacuteveis por todos (Ibidem) A solidariedade eacute portanto a orientaccedilatildeo de

cada sujeito em direccedilatildeo ao bem comum

Apesar de ter sido concebido como uma boa alternativa para a

construccedilatildeo de uma sociedade mais justa e coesa o solidarismo sofreu vaacuterias

criacuteticas e resistecircncias principalmente pelos movimentos sindicalistas como

afirma a Liga Internacional dos Trabalhadores

esta eacute mais uma estrateacutegia da burguesia para de um lado eliminar as organizaccedilotildees independentes da classe e por outro lado conseguir que as Associaccedilotildees ldquoSolidaristasrdquo substituiacuteam os sindicatos como organizaccedilatildeo da classe trabalhadora [] o ldquoSolidarismordquo eacute inimigo antagocircnico do Movimento Sindical

porque serve para desmantelar os sindicatos impedindo que os trabalhadores se organizem independentemente (MEacuteNDEZ 2010)

A solidariedade empregada como efeito de poder faz parte de um

mundo ambivalente contraditoacuterio que natildeo eacute soacute altruiacutesmo ou soacute dominaccedilatildeo

Ter essa consciecircncia permite que texto e contexto sejam conhecidos e que

esse conhecimento pondere-se pela eacutetica (DEMO 2002)

81

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade

Pode-se compreender a ideia de solidariedade entre os pensadores

gregos enquanto uma virtude puacuteblica aquela que conduz agrave busca do bem

comum Aristoacuteteles (384 aC-322 aC) introduziu o pensamento da eacutetica e das

virtudes considerando a poliacutetica como a ciecircncia capaz de determinar qual eacute o

bem supremo ao qual se dedicam inconscientemente as accedilotildees Esse bem eacute

pensado portanto tanto para o indiviacuteduo quanto para o Estado sendo que o

segundo abrange a coletividade

Essa reflexatildeo nos remete agrave discussatildeo trazida por Carvalho na qual

pontua o esvaziamento do sentido da formaccedilatildeo para a vida puacuteblica na

educaccedilatildeo onde as virtudes puacuteblicas como a solidariedade passam a ter um

lugar secundaacuterio na medida em que a esfera privada ligada aos interesses

particulares como ter um bom emprego para sustentar a casa e a famiacutelia satildeo

valoradas Eacute evidente que todos noacutes queremos e desejamos viver bem No

entanto formar pessoas capazes de desenvolver-se para atender apenas seus

interesses pessoais natildeo contribui para a formaccedilatildeo humana jaacute que o objetivo

de desenvolver um conjunto de atividades para ser consumido durante o

proacuteprio ciclo vital (esfera privada) natildeo corrobora com a constituiccedilatildeo de um

mundo comum (espera puacuteblica) natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo no sentido de que

todos tenham melhor qualidade de vida ou seja natildeo contribui desta maneira

para a criaccedilatildeo de um universo compartilhado (CARVALHO 2013 p 77-78)

O mundo puacuteblico eacute tambeacutem onde os homens liberados da necessidade da luta pela vida (labor) podem se encontrar para juntos criar e gerir por seus atos e palavras o bios politikoacutes ou seja a dimensatildeo puacuteblica e poliacutetica de sua existecircncia a accedilatildeo (praacutexis) Trata-se de uma terceira dimensatildeo

da existecircncia humana voltada natildeo para a manutenccedilatildeo da vida ou para a produccedilatildeo de objetos mas para a constituiccedilatildeo das relaccedilotildees humanas (Ibidem p 79)

Assim Carvalho vai dizer que na ordem da sociedade contemporacircnea

a constituiccedilatildeo social organizada pela produccedilatildeo e consumo tende a preparar

82

os homens para a sua proacutepria sobrevivecircncia nada mais Esta postura de

ldquotrabalhar para ganhar a vidardquo (CARVALHO 2013 p 81) alimenta o

individualismo o consumismo onde efeitos como a competitividade e a

desigualdade satildeo considerados ldquonaturaisrdquo Natildeo se trata de pensar em trabalhar

para o mundo comum com funccedilatildeo social e durabilidade ganhar a proacutepria vida

e o bem estar familiar satildeo os valores e objetivos almejados Alguma das

consequecircncias eacute que nesta ordem social

O ideal regulador do Estado natildeo eacute a noccedilatildeo de busca do bem comum como em Aristoacuteteles mas a administraccedilatildeo competente

dos interesses particulares ou privados em conflito ndash o que significa a submissatildeo da accedilatildeo poliacutetica ao labor (Ibidem p 82)

Na concepccedilatildeo aristoteacutelica o homem se realiza na poacutelis pois sua

condiccedilatildeo humana eacute compreendida por sua capacidade de ser social e procura

agir em busca da virtude sendo que seraacute verdadeiramente virtuoso aquele que

sempre as pratica Essa concepccedilatildeo de que o homem eacute um ser social trazida

por Aristoacuteteles foi colocada em questatildeo no seacuteculo XVIII mais precisamente

entre filoacutesofos ingleses como Thomas Hobbes (1588-1679) que acreditava

que o homem natildeo tem disposiccedilatildeo para viver em sociedade e ateacute hoje corrobora

com a sociedade organizada pela ordem da vida privada Hobbes (1983 2002)

acreditava em um egoiacutesmo natural do homem o que faria com que prevaleccedila a

competiccedilatildeo a injusticcedila a exploraccedilatildeo

Desde que os homens satildeo pela paixatildeo natural de diversas maneiras ofensivos uns aos outros e todo homem pensa bem acerca de si e odeia constatar o mesmo nos demais eles devem provocar uns aos outros por meio das palavras e outros sinais de desprezo e oacutedio que satildeo incidentes a toda comparaccedilatildeo ateacute finalmente mostrarem a preeminecircncia pela potecircncia e forccedila do corpo

[] Pois todo homem pela necessidade natural deseja o seu proacuteprio bem ao qual aquele estado eacute contraacuterio no qual suponhamos haver disputa entre os homens que por natureza satildeo iguais e aptos a se destruiacuterem uns aos outros (HOBBES 2002 p 96)

83

Na filosofia de Hobbes os indiviacuteduos convivem em sociedade quando

a preservaccedilatildeo da vida estaacute ameaccedilada Em seu estado natural o homem busca

satisfazer o proacuteprio prazer e natildeo estaacute interessado no altruiacutesmo A proacutepria

concepccedilatildeo de uniatildeo estaacute ligada agrave ideia de submissatildeo de vontades de forccedila

dominaccedilatildeo controle

Essa submissatildeo das vontades de todos agrave de um homem ou conselho se produz quando cada um deles se obriga por contrato ante cada um dos demais a natildeo resistir agrave vontade do indiviacuteduo a quem se submeteu isto eacute a natildeo lhe recusar o uso de sua riqueza e forccedila contra quaisquer outros e isso se chama uniatildeo (HOBBES 1998 p 96)

A uniatildeo de Hobbes existe para que seja possiacutevel viver em sociedade

No entanto ela eacute sustentada pela concepccedilatildeo de que deve haver um pacto

social onde todos se submetem a um soberano encarregado de estabelecer a

paz

A ideia eacute comumente confrontada com o contrato social de Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778) Ele parte do mesmo princiacutepio de que o

homem eacute individualista por natureza e que para ser feliz basta-se em si

mesmo A fraqueza do homem o leva a ser sociaacutevel ele se une numa relaccedilatildeo

de dependecircncia Rousseau compreende a essecircncia do homem marcada pela

ausecircncia de moralidade e liberdade natural Considera a formaccedilatildeo como sendo

individual e livre reconhecendo que os outros humanos tambeacutem devam ter a

mesma liberdade

O homem natural designa natildeo o homem primitivo no sentido

cronoloacutegico histoacuterico das civilizaccedilotildees antigas como sugeria Voltaire seu

contemporacircneo iluminista ao qual se opunha Em seu pensamento haacute um

esforccedilo de defender a liberdade individual ainda que natildeo conduzindo ao

individualismo No ldquoestado da naturezardquo o homem natildeo eacute influenciado pela

sociedade Ele natildeo reconhece o outro natildeo pode ser valorado como bom ou

mal natildeo tem virtudes nem viacutecio Rousseau traz o egoiacutesmo instintivo como o

que impulsiona o homem a buscar o seu proacuteprio bem fala do amor-de-si mas

faz a ressalva para natildeo ser confundido com o amor proacuteprio

84

Em sua obra refere-se ao conceito de piedade e a reporta a um

sentimento baseado no amor de si que corrobora para a conservaccedilatildeo da

espeacutecie pois sugere socorrer aqueles que necessitam de ajuda desde que o

indiviacuteduo natildeo se prejudique com isso Neste sentido natildeo se trata de um amor

incondicional ao outro mas parte da preservaccedilatildeo primeira de si mesmo

ldquoAlcanccedila teu bem com o menor mal possiacutevel para outremrdquo (ROUSSEAU 2004

p 79)

Somente a partir do contrato social o homem de Rousseau ganha a

dimensatildeo de moralidade onde a sociabilidade seraacute consequecircncia de um

ldquocontrato socialrdquo um acordo firmado entre seus membros Na origem de uma

sociedade injusta os ricos entatildeo teriam assinado o acordo de terem suas

posses conservadas e garantidas pelo Estado oprimindo os pobres e tolhendo

a sua liberdade

Se para Hobbes a paz eacute garantida a partir da obediecircncia a um

soberano para Rousseau o contrato eacute um pacto que garante a integridade da

liberdade de cada um a ordem social eacute a soberania do povo e natildeo de seus

governantes garantindo-lhes o direito de participaccedilatildeo de definir a vontade

geral

Encontrar uma forma de associaccedilatildeo que defenda e proteja com toda a forccedila comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um ao unir-se a todos obedeccedila somente a si mesmo e continue tatildeo livre quanto antes Esse eacute o problema fundamental para o qual o contrato social oferece a soluccedilatildeo (Idem 2010 p 33)

Haacute nessa associaccedilatildeo uma base contratual de interesses particulares

Outro aspecto que afasta o conceito de solidariedade da obra de Rousseau eacute o

fato de que sua concepccedilatildeo pedagoacutegica estaacute construiacuteda a partir da figura de um

educando agrave parte de uma vida familiar comunitaacuteria cultural Para Rousseau o

projeto pedagoacutegico parte da crianccedila para propiciar que ela por si mesma

explore seus limites e atitudes43 contrapondo-se ao conceito de educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria que parte do professor dos espaccedilos que ele cria 43

Defende em sua obra de referecircncia Emiacutelio ou Da Educaccedilatildeo (2004) escrita por Rousseau em 1762

85

criteriosamente planejados para que o aluno aprenda a pensar com o outro

dialogicamente resolvendo problemas sociais reais utilizando os saberes

culturalmente acumulados e aprendidos para transformar uma ordem social

com a qual natildeo concorda

Rousseau (2004) apresenta sua concepccedilatildeo de pedagogia para a

infacircncia e nela o desenvolvimento cognitivo e moral eacute uma das formas

essenciais para preservar e respeitar a crianccedila em seu mundo deixando-a

explorar seus limites e atitudes como contraponto de relaccedilatildeo ao seu proacuteprio

contexto Ainda que isso natildeo signifique desconsiderar a realidade exterior

mas sim permitir-se agrave crianccedila usaacute-la conforme seus desejos e suas vontades

sempre desenvolvendo com isso os limites necessaacuterios para o bom

entendimento e a integraccedilatildeo ao mundo social Faz ainda a ressalva de que a

educaccedilatildeo natildeo eacute apenas instruccedilatildeo e letramento mas sim uma preparaccedilatildeo

para as virtudes ciacutevicas pois por meio da formaccedilatildeo eacute que homem deixa o seu

estado natural e atinge um estado social

Tal percepccedilatildeo de que o homem eacute livre e motivado pelo prazer e

vontades individuais e deve buscar vencer por seu proacuteprio meacuterito influencia o

pensamento liberal ateacute a atualidade Esse modelo encontra respaldo no

Darwinismo Social teoria proposta ainda no seacuteculo XIX baseada em parte da

Teoria da Evoluccedilatildeo das espeacutecies de Charles Darwin (de 1859) que vecirc como

possibilidade de sobrevivecircncia em uma determinada sociedade a vitoacuteria do

mais adaptaacutevel do melhor preparado daquele que tem mais poder aquisitivo

ou de uma raccedila dominante O estudo abarcado pela burguesia legitima as

condiccedilotildees de desigualdade social uma vez que reforccedila a luta individualista

entre os membros de uma sociedade onde sobreviveraacute o melhor preparado

com melhores condiccedilotildees (FORTUNATO 1998 p 116) No entanto outra parte

menos comentada da Teoria da Evoluccedilatildeo trata da questatildeo de que a

cooperaccedilatildeo entre os indiviacuteduos fortalece a espeacutecie

Natildeo pode haver duacutevidas que uma tribo incluindo muitos membros que possuindo alto grau de espiacuterito de patriotismo fidelidade obediecircncia coragem e simpatia estiveram sempre prontos a ajudar uns aos outros e se sacrificar a si mesmos pelo bem comum seria vitoriosa sobre a maior parte de outras tribos e isto seria seleccedilatildeo natural Em todos os tempos no

86

mundo tribos suplantaram outras tribos e como a moralidade eacute elemento importante em seu sucesso o niacutevel de moralidade e o nuacutemero de pessoas bem dotadas tenderatildeo em toda a parte a emergir e crescer (DARWIN apud DEMO 2002 p 83)

A ideia central deste argumento de que uma sociedade formada por

alto grau de ajuda muacutetua de consciecircncia coletiva de bem comum eacute central

para a compreensatildeo da relevacircncia em se considerar a solidariedade no cerne

do processo educativo

Piotr Ayexeyevich Kropotkin (1842-1921) geoacutegrafo e filoacutesofo foi um

criacutetico do darwinismo social e do capitalismo do iniacutecio do seacuteculo XX que fez

uma reflexatildeo acerca das condiccedilotildees poliacuteticas nas quais as condiccedilotildees sociais

satildeo estabelecidas buscando compreender como as classes populares podem

assumir seu papel na condiccedilatildeo de um sujeito histoacuterico-social protagonista da

transformaccedilatildeo social no contexto da Revoluccedilatildeo Francesa Kropotkin queria

demonstrar que havia meios para se pensar em outra ordem social possiacutevel

para aleacutem do individualismo competitivo do capitalismo que natildeo havia ateacute

entatildeo nada que comprovasse por observaccedilatildeo direta que o homem vive

constantemente contra outro homem em guerras ininterruptas que garantem a

evoluccedilatildeo da espeacutecie (KROPOTKIN 1970 p 13)

A solidariedade segundo Kropotkin implica na reciprocidade no apoio

muacutetuo na compreensatildeo do outro como parte essencial da formaccedilatildeo de cada

sujeito Sendo assim ela fortalece a espeacutecie na medida em que fortalece a

relaccedilatildeo entre os seres dessa mesma espeacutecie Para se chegar a esta

conclusatildeo seus estudos partiram da seguinte investigaccedilatildeo Quem satildeo os mais

aptos Aqueles que constantemente lutam entre si ou pelo contraacuterio aqueles

que se apoacuteiam entre si (Ibidem p 13) Em busca da resposta a esse

problema ele verificou que entre uma variedade consideraacutevel de espeacutecies a

solidariedade eacute o fator essencial para que haja evoluccedilatildeo demonstrando que a

praacutetica do ldquoapoio muacutetuordquo44 entre os animais eacute muito comum e faacutecil de ser

observada tanto entre as espeacutecies menos complexas (como as formigas as

abelhas) como entre as diferentes espeacutecies de aves roedores e mamiacuteferos

44

O Apoio Muacutetuo um fator de evoluccedilatildeo eacute o tiacutetulo da obra na qual o autor apresenta essa teoria (1970)

87

(como as focas os elefantes as hienas entre outros) Ele observou que as

comunidades onde os membros se protegem se fortalecem cada vez mais

enquanto que os grupos onde natildeo eacute observada essa relaccedilatildeo de proteccedilatildeo de

solidariedade tende agrave extinccedilatildeo Os pelicanos por exemplo se reuacutenem em

bandos de 40 a 50 mil e enquanto uma parte dorme a outra pesca para que

possam se cuidar O instinto de proteccedilatildeo muacutetua traz mais seguranccedila quanto

aos predadores faz com tenham mais facilidade na hora de obter alimentos

(provisotildees invernais alimentaccedilatildeo sob vigilacircncia de sentinelas migraccedilatildeo)

prolonga os anos de vida facilita o desenvolvimento das faculdades

intelectuais criam instituiccedilotildees que auxiliam ainda mais a humanidade a

sobreviver na luta dura contra os fenocircmenos naturais e sociais (estes uacuteltimos

criados tambeacutem pelo homem) a auto-aperfeiccediloar-se apesar de todas as

vicissitudes da histoacuteria (KROPOTKIN 1970 FORTUNATO 1998 DEMO

2002)

A solidariedade o apoio muacutetuo satildeo antes de uma compreensatildeo

valorada pela virtude moral ou eacutetica um meio de sobrevivecircncia para a espeacutecie

Natildeo se trata de caridade benevolecircncia amor mas de uma condiccedilatildeo de

organizaccedilatildeo social que permite o desenvolvimento das populaccedilotildees

Em seus estudos sobre os homens Kropotkin considera os grupos

primitivos baacuterbaros e indiacutegenas e se admira com a sociabilidade evidenciada

nas organizaccedilotildees que possibilitaram superar as fraquezas individuais e garantir

o desenvolvimento da espeacutecie enquanto comunidade

Entre outros exemplos cita as aldeias Tupi no Brasil que na eacutepoca do

descobrimento do paiacutes viviam em grandes casas ocupadas por famiacutelias

inteiras que compartilhavam tanto a moradia como os alimentos ajudando-se

uns aos outros Em sua obra O apoio muacutetuo faz uma leitura acerca da

compreensatildeo da ciecircncia a partir de Hobbes Rousseau e Huxley

Naturalmente desde a eacutepoca de Hobbes a ciecircncia tem tido progressos e noacutes pisamos agora em um terreno mais seguro que se pisava em sua eacutepoca ou na eacutepoca de Rousseau Mas a filosofia de Hobbes ainda agora tem bastante adoradores e nos uacuteltimos tempos tem-se formado uma escola de escritores que armados natildeo tanto das ideias de Darwin e de sua terminologia se tem aproveitado desta uacuteltima para predicar em

88

favor das opiniotildees de sobre o homem primitivo e conseguiram ateacute dar a ela um certo ar de aparecircncia cientiacutefica Huxley como eacute sabido encabeccedila essa escola e em sua conferecircncia em 1888 apresentou os homens primitivos como algo semelhante a tigres ou leotildees desprovidos de toda classe de concepccedilotildees sociais que natildeo se detiveram frente agrave luta pela sobrevivecircncia e cuja a vida inteira transcorria em uma ldquopendecircncia contiacutenuardquo (KROPOTKIN 1970 p 94 traduccedilatildeo livre)

Sua tese concorda com os princiacutepios aristoteacutelicos na medida em que

compreende a sociabilidade a necessidade de ajuda muacutetua a solidariedade

como inatas agrave natureza humana e que mesmo diante da guerra os homens

aspiram agrave paz ainda que a um alto custo

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Souza

Santos

Esta tese compreende a solidariedade como praacutetica curricular

educativa apoiando-se na construccedilatildeo teoacuterica de Boaventura de Souza

Santos45 Partiremos com ele da compreensatildeo de solidariedade enquanto

forma de saber em favor da emancipaccedilatildeo

A solidariedade eacute uma forma especiacutefica de saber que se conquista sobre o colonialismo O colonialismo consiste na ignoracircncia da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a natildeo ser como objeto A solidariedade eacute o conhecimento obtido no processo sempre inacabado de nos tornarmos capazes de reciprocidade atraveacutes da construccedilatildeo e do reconhecimento da intersubjetividade A ecircnfase na solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do conhecimento emancipatoacuterio (SANTOS B S 2009 p 81)

45

Portuguecircs nascido em 1940 Santos eacute um dos nomes mais reconhecidos na aacuterea de ciecircncias sociais atualmente desenvolve o tema de epistemologia democracia e direitos humanos entre outros Professor Catedraacutetico Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick eacute Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Coordenador Cientiacutefico do Observatoacuterio Permanente da Justiccedila Portuguesa em outras atividades de produccedilatildeo cientiacutefica e acadecircmica (SANTOS B S 2013)

89

Em sua definiccedilatildeo a solidariedade se constitui a partir da alteridade (na

capacidade de reconhecer o outro em reciprocidade) da eacutetica (o estado de

atenccedilatildeo agrave vida o que nos faz capazes de reconhecer o outro respeitando sua

subjetividade) e do compromisso poliacutetico (na medida em que anuncia a

negaccedilatildeo ao colonialismo e a valorizaccedilatildeo da comunidade) Cada um desses

conceitos fundantes da solidariedade tecem a fundamentaccedilatildeo teoacuterica desta

tese e seratildeo desenvolvidos ainda neste capiacutetulo a partir de Boaventura com a

contribuiccedilatildeo de Leacutevinas Dussel e Freire respectivamente

Para compreender a construccedilatildeo do conceito de solidariedade em

Boaventura partiremos inicialmente da consideraccedilatildeo que o autor faz de que a

racionalidade na matriz da modernidade ocidental produz duas formas de

conhecimento o que estaacute a favor da dominaccedilatildeo chamado de conhecimento-

regulaccedilatildeo (CR) e o criacutetico que estaacute a favor da emancipaccedilatildeo chamado de

conhecimento-emancipaccedilatildeo (CE) ou solidariedade O que define o ponto de

ignoracircncia e o ponto de saber em um e outro eacute diferente No CR a ignoracircncia

eacute o caos e o saber eacute a ordem no CE a ignoracircncia eacute o colonialismo (ou a

incapacidade de reconhecer o outro) e o ponto de saber a autonomia solidaacuteria

Soacute que o fortalecimento do capitalismo reduziu o conhecimento vaacutelido agrave ordem

desprezando a solidariedade como saber Tal caracteriacutestica engessa as

possibilidades de desenvolvimento da humanidade pois em muitos aspectos a

valoraccedilatildeo apenas da ciecircncia natildeo alcanccedila a complexidade da realidade Nas

palavras de Boaventura Santos (2009 p 63)

o rigor cientiacutefico afasta-se pelo rigor das mediccedilotildees As qualidades intriacutensecas do objeto satildeo por assim dizer desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir O que natildeo eacute quantificaacutevel eacute cientificamente irrelevante Em segundo lugar o meacutetodo cientiacutefico assenta na reduccedilatildeo da complexidade

A crise estaacute nesta racionalidade nas ciecircncias sociais que produzindo

conhecimento-regulaccedilatildeo e o conhecimento-emancipaccedilatildeo geram uma

monocultura do saber e do rigor que por muitas vezes restringe a

90

potencialidade da proacutepria produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo Para

melhorar compreender esta argumentaccedilatildeo de Boaventura Santos (2007 2009

2010) vamos partir de suas demarcaccedilotildees conceituais o conhecimento-

regulaccedilatildeo eacute aquele que responde aos princiacutepios do Estado do mercado e da

comunidade quando reproduzindo a operacionalidade teacutecnica e cientiacutefica

despreza a contextualizaccedilatildeo e o diaacutelogo intercultural e produz o silecircncio das

culturas natildeo-hegemocircnicas transformando-as em objetos de superaccedilatildeo

manipulaacuteveis ou descartaacuteveis Esse conhecimento estaacute a serviccedilo de uma

ordem social que se impotildee para racionalizar e dominar (colonizar) A

hegemonia46 do conhecimento-regulaccedilatildeo se valida da ordem e da forma da

ciecircncia para firmar-se enquanto saber pretensamente cientiacutefico O

conhecimento-regulaccedilatildeo eacute apresentado por Santos (2009) como a trajetoacuteria de

um estado de caos para um estado de ordem que reproduz a ciecircncia em favor

a manutenccedilatildeo do status quo do colonialismo A segunda forma de

conhecimento chamada de solidariedade ou conhecimento-emancipaccedilatildeo

parte do princiacutepio de elevar o outro da categoria de objeto para a condiccedilatildeo de

sujeito da proacutepria histoacuteria e se constitui a partir de trecircs loacutegicas da racionalidade

a esteacutetico‑expressiva das artes e literatura a racionalidade

instrumental‑cognitiva da ciecircncia e tecnologia e a moral‑praacutetica da eacutetica e do

direito

No entanto quando haacute hipercientifizaccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo ela tende a limitaacute-lo atribuindo-lhe meacutetodos que congelam a

capacidade criativa por meio da padronizaccedilatildeo do rigor proacuteprio das culturas de

saber dominante Sobre esta questatildeo Pedro Demo diz que ldquoo fato de que a

ciecircncia como eacute entendida metodologicamente natildeo sabe tratar a eacutetica eacute

problema da ciecircncia natildeo da eacuteticardquo (2002 p 62) A saiacuteda portanto poderia ser

produzir o conhecimento-emancipaccedilatildeo por meio de uma ldquoruptura

epistemoloacutegicardquo - transformar o conhecimento cientiacutefico (totalizante e

46

Entende-se o conceito de hegemonia como a capacidade econocircmica poliacutetica material e intelectual de estabelecer uma direccedilatildeo dominante na forma de abordagem de uma determinada questatildeo no caso a questatildeo da democracia Entendemos tambeacutem que todo o processo hegemocircnico produz um processo contra-hegemocircnico no interior do qual satildeo elaborados formas econocircmicas poliacuteticas e morais alternativas No caso do debate atual sobre a democracia isso implica na concepccedilatildeo hegemocircnica e uma concepccedilatildeo contra-hegemocircnica de democracia (SANTOS B S 2005 p 43)

91

antidemocraacutetico) em um novo senso comum que valide outras formas de

conhecimento como os conhecimentos populares os indiacutegenas os

camponeses os urbanos (SANTOS B S 2007 p 29)

O pensamento e a construccedilatildeo do conhecimento eacute um processo

contiacutenuo dinacircmico contraditoacuterio em suas re-significaccedilotildees que acontece pelas

referecircncias que construiacutemos a partir da cultura na qual estamos inseridos e que

provoca discrepacircncias entre regulaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo Segundo o autor a

ciecircncia tem adotado uma postura de reduccedilatildeo da diversidade e da riqueza local

em favor da construccedilatildeo de uma percepccedilatildeo de realidade reduzida aos moldes

do conhecimento cientificista pela qual diz que a ciecircncia cria as ausecircncias

Neste sentido propotildee a reinvenccedilatildeo das ciecircncias sociais para buscar as

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

como aspiraccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial (Ibidem p 19) e encontrar uma saiacuteda

para o vazio que existe atualmente paradoxalmente em todo o mundo que

ora tenciona contra as formas de regulaccedilatildeo que natildeo regulam e ora contra as

formas de emancipaccedilatildeo que natildeo emancipam (Idem 2005 p 17)

Haacute portanto o que o autor chama de desperdiacutecio da ciecircncia

provocado por uma ausecircncia planejada que tende a naturalizar as diferenccedilas

ocultando as hierarquias Ele aponta cinco modos de produzir a indolecircncia da

ciecircncia a) pela monocultura do saber e do rigor que universaliza o meacutetodo

cientiacutefico desprezando o senso comum e a cultura local em detrimento do

conhecimento cientiacutefico b) pela linearidade do tempo que valida apenas uma

ideia e um sentido da histoacuteria os quais privilegiam a esteira da globalizaccedilatildeo c)

pela naturalizaccedilatildeo das diferenccedilas que oculta a hierarquia ndash os que satildeo

inferiores o satildeo por ldquonaturezardquo d) pela escala dominante mais diretamente o

universalismo e a globalizaccedilatildeo onde a realidade global eacute hegemocircnica e

sucumbi a local que se torna invisiacutevel descartaacutevel e) pelo produtivismo

capitalista onde soacute a produtividade ligada ao crescimento econocircmico eacute

ldquovisiacutevelrdquo Estas cinco formas deixam de lado uma seacuterie de experiecircncias e

conhecimentos locais produzindo uma ciecircncia indolente que nada contribui

para romper a loacutegica da desigualdade perversa (Idem 2007)

A contra-resposta seria o desenvolvimento de cinco ecologias O saber

ecoloacutegico comporta as duas formas de conhecimento o tecnoloacutegico-cientiacutefico e

92

o saber de preservar a vida Se queremos as duas coisas temos que pensar

de que maneira podemos constituir as ecologias de conhecimento Essa nova

organizaccedilatildeo encorpa o conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade trazendo-lhe

focirclego sem descartar a racionalidade As cinco ecologias propostas satildeo a) a

ecologia dos saberes onde se valoriza o saber cientiacutefico e local O que de fato

interessa eacute ver o que determinado conhecimento produz na realidade de

maneira pragmaacutetica sem abstraccedilotildees b) a ecologia das temporalidades a

vivecircncia do tempo eacute sentida e aproveitada de maneira diferente pelas culturas

e deve ser valorizada c) a ecologia do reconhecimento onde a principal ideia eacute

a de descolonizar o conhecimento de forma a preservar as diferenccedilas depois

que as hierarquias forem eliminadas d) a ecologia ldquotransescalardquo em que os

conhecimentos sejam valorizados em escala local nacional regional e global

por fim e) a ecologia das produtividades onde haja valorizaccedilatildeo dos sistemas

alternativos de produccedilatildeo de organizaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

A importacircncia de natildeo se limitar agrave concepccedilatildeo racionalista de

conhecimento (CR e CE) contribui para uma visatildeo menos cientificista do

conhecimento-emancipaccedilatildeo na esperanccedila de salvaacute-lo antes que o

colonialismo passe a ser ordem Nas palavras de Boaventura Santos (2007 p

53)

essa eacute a maneira com que tento ver o que se passou e por que eacute necessaacuterio reinventar o conhecimento-emancipaccedilatildeo Porque de alguma maneira a ciecircncia moderna se desenvolveu totalmente no quadro do conhecimento-regulaccedilatildeo que recodificou canibalizou perverteu as possibilidades do CE E eacute por isso que o CE tem de ser uma ecologia de saberes natildeo pode ser simplesmente o saber cientiacutefico moderno que temos este eacute importante necessaacuterio mas tem de estar incluiacutedo em uma ecologia de saberes mais ampla

Segundo Santos a solidariedade requer consciecircncia tomada de

atitude e compromisso na medida em que tambeacutem eacute um modo de agir de

produzir e de estar no mundo A solidariedade eacute a reconstruccedilatildeo dialeacutetica do

conhecimento que parte da subjetividade do sujeito e promove a emancipaccedilatildeo

a interculturalidade respeitando as diferenccedilas Nas palavras de Dussel

93

quando a igualdade destroacutei a diversidade deve-se defender a diferenccedila cultural Quando o uso da diferenccedila cultural eacute uma maneira de dominar os outros deve-se defender a igualdade da dignidade humana As populaccedilotildees naccedilotildees etnia [] foram definidas como membros de uma totalidade poliacutetica unicultural Na verdade nenhum Estado moderno tem como base uma naccedilatildeo uma etnia ou liacutengua mas sim vaacuterias culturas com liacutenguas histoacuterias e ateacute religiotildees diversas Eacute uma ficccedilatildeo a unidade cultural o Estado moderno Satildeo na realidade Estados multiculturais Trata-se entatildeo de reconhecer a multiculturalidade da comunidade poliacutetica e comeccedilar uma educaccedilatildeo num diaacutelogo intercultural com respeito agraves diferenccedilas (DUSSEL 2007 p 145)

No nosso entender para que a educaccedilatildeo seja construiacuteda a partir desse

diaacutelogo intercultural respeitando as diferenccedilas eacute necessaacuterio considerar a

solidariedade visando propiciar o domiacutenio da linguagem cientiacutefica sem

homogeneizar e descaracterizar a essecircncia das culturas valorizando-as Aleacutem

disso para a compreensatildeo da solidariedade como praacutetica curricular educativa

eacute preciso qualificaacute-la a partir da sua intenccedilatildeo (eacutetica) na relaccedilatildeo de

reciprocidade e responsabilidade com o outro (alteridade) em favor de uma

atitude poliacutetica (compromisso) Neste sentido os saberes acumulados

culturalmente podem ser estudados numa situaccedilatildeo de aprendizagem onde os

alunos aprendam a reconhecer o outro a colocar o conhecimento

culturalmente aprendido em favor da vida participando socialmente Educaccedilatildeo

enquanto constructo humano deve ser pensada como forma de intervenccedilatildeo no

mundo para tornaacute-lo um lugar possiacutevel de se viver bem valorizando

respeitando tornando digna a vida em sua diversidade

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas

Um dos principais expoentes teoacutericos em alteridade eacute Emmanuel

Leacutevinas (1906-1995)47 Em 1961 ele produziu uma de suas obras consagradas

47

Filho de livreiro judeu ainda crianccedila sua famiacutelia foi expulsa da Lituacircnia e emigrou para a Ucracircnia onde fez o curso secundaacuterio Sua famiacutelia acabou regressando em 1920 mas em 1923 Leacutevinas voltou para estudar na Universidade de Estrasburgo Viacutetimas da guerra teve que proteger sua esposa e dois filhos para que natildeo fossem capturados pelo exeacutercito sendo que seus pais na Lituacircnia natildeo tiveram a mesma sorte As correntes filosoacuteficas que mais o marcaram foi o existencialismo e o marxismo dominantes no cenaacuterio francecircs

94

que marcaram o seacuteculo XX Totalidade e Infinito Leacutevinas propotildee uma releitura

do sujeito parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o outro pelo

outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser social que tem

obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas onde a responsabilidade infinita de um-

para-o-outro eacute o sentido da vida Leacutevinas se opotildee ao modelo hegeliano pois

considera que a totalidade anula a responsabilidade dos indiviacuteduos perante os

seus proacuteprios atos em nome da impessoalidade inerente agrave totalidade Neste

sentido afirma que anteriormente a toda unidade e onde haacute relaccedilatildeo possiacutevel

ldquoa sociabilidade eacute independente de todo reconhecimento preacutevio e de toda

formaccedilatildeo de totalidadesrdquo (LEacuteVINAS 1997 p 236) o que faz com que a cultura

preceda a poliacutetica numa relaccedilatildeo eacutetica

A responsabilidade pelo outro tanto quanto por noacutes mesmos eacute a ideia

central da alteridade onde haacute a compreensatildeo de que a ldquohumanidaderdquo de cada

ser humano eacute tecida nas relaccedilotildees que se estabelecem Quando algueacutem eacute

indiferente ao outro significa que aquele outro natildeo se relacionou com este

algueacutem pois a relaccedilatildeo foi estabelecida no alius no estranho no estrangeiro

no di-ferente e natildeo no aacutelter de dis-tinto Sobre isso Pedrinho Guareschi nos

ajuda a demarcar tais conceitos e desta forma compreender a alteridade em

Leacutevinas

O ldquooutrordquo eacute ldquodi-ferenterdquo do latim dis que significa divisatildeo ou negaccedilatildeo e ferre que significa levar com violecircncia arrastar Nesse sentido o diferente eacute o arrastado desde a identidade original e coloca-se como o oposto eacute a dialeacutetica monoloacutegica

Na segunda o ldquooutrordquo eacute o ldquodis-tintordquo de dis e tinguere que significa tingir pintar tambeacutem eacute separado eacute o outro natildeo contudo arrastado para fora mas possuindo sua identidade e estabelecendo com o ldquomesmordquo relaccedilotildees de diaacutelogo construtivas de conversatildeo eacute a analeacutetica Essa eacute a verdadeira ldquoalteridaderdquo (GUARESCHI 2002 p157)

Essa reflexatildeo implica portanto no re-conhecimento da alteridade que

transforma e traz referecircncias fundamentais para a constituiccedilatildeo do eu enquanto

sujeito Se o re-conheccedilo estabeleccedilo uma relaccedilatildeo horizontal de confianccedila

95

Eu o reconheccedilo ou seja creio nele Mas se este reconhecimento fosse minha submissatildeo a ele esta submissatildeo retiraria todo valor de meu reconhecimento o reconhecimento pela submissatildeo anularia minha dignidade pela qual o reconhecimento tem valor O rosto que me olha me afirma Mas face a face natildeo posso mais negar o outro somente a gloacuteria numenal do outro torna possiacutevel o face-a-face (LEacuteVINAS 1997 p 61)

Leacutevinas nos mostra que a relaccedilatildeo face-a-face faz com que o

reconhecimento do outro construa a relaccedilatildeo de conhecimento O outro em

uma relaccedilatildeo solidaacuteria eacute distinto e me constitui Nas palavras de Leacutevinas

natildeo haacute ruptura do isolamento do ser no saber [] na comunicaccedilatildeo do saber nos encontramos ao lado de outrem e natildeo confratados com ele natildeo na verticalidade do em frente dele Mas estar em relaccedilatildeo direta com outrem natildeo eacute tematizar outrem e consideraacute-lo da mesma maneira com se considera um objeto conhecido nem comunicar-lhe um conhecimento [] O social estaacute para aleacutem da ontologia (Idem 1982 p 49-50)

Na construccedilatildeo do conceito de solidariedade significa preservar e

valorizar o distinto e com ele construir conhecimento A alteridade por sua

caracteriacutestica de se constituir com o outro evolui para formar a compreensatildeo

de sujeito (social) embasado na concepccedilatildeo de relaccedilatildeo48 A compreensatildeo de

solidariedade portanto constituiacuteda por meio da alteridade estaacute apoiada na

ideia da relaccedilatildeo com o outro distinto em que juntos haacute constituiccedilatildeo de uma

unidade Quando a relaccedilatildeo deixa de ter esta caracteriacutestica ela tambeacutem deixa

de ser solidaacuteria Significa dizer que na solidariedade natildeo haacute relaccedilatildeo de

submissatildeo pois isto seria anular a existecircncia do outro enquanto sujeito da

proacutepria histoacuteria A relaccedilatildeo entre o mesmo e outro natildeo deve partir de uma

reduccedilatildeo do outro apenas sob a compreensatildeo do mesmo nem tentar reduzi-lo

ao rosto enquanto a expressatildeo do que eacute diferente do mesmo

A melhor maneira de encontrar outrem eacute nem sequer atentar a cor dos olhos Quando se observa a cor dos olhos natildeo se estaacute

48

Relaccedilatildeo segundo a reflexatildeo filosoacutefica intriacutenseca do ser se daacute na incompletude ou seja sempre necessita de outro para se fazer (GUARESCHI 2002)

96

em relaccedilatildeo social com outrem A relaccedilatildeo rosto pode sem duacutevida ser dominada pela percepccedilatildeo mas o que eacute especificamente rosto eacute o que natildeo se reduz a ele (LEacuteVINAS 1982 p 77)

Leacutevinas pontua que somente a exposiccedilatildeo ao outro natildeo leva agrave tomada

de consciecircncia ou ainda que a responsabilidade natildeo se daacute espontaneamente

ela eacute resultado de um processo de aprendizagem Neste sentido experiecircncias

educativas que propiciem o contato com o outro responsavelmente

contribuem para a formaccedilatildeo da alteridade para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

que se constitui por meio do desenvolvimento da consciecircncia da obrigaccedilatildeo de

cuidar e desenvolver a vida em todas as suas possibilidades Do contraacuterio a

exposiccedilatildeo ao outro pode reproduzir o preconceito e a indiferenccedila

Assim eacute preciso pontuar que a compreensatildeo de solidariedade pelo

conceito levinasiano de alteridade comporta trecircs caracteriacutesticas fundamentais

parte do outro enquanto referecircncia primeira de re-conhecimento e formaccedilatildeo

pessoal (sendo que tal re-conhecimento eacute aprendido e portanto deve ser

ensinado) natildeo garante que haveraacute re-conhecimento compromisso respeito

somente pela exposiccedilatildeo a outra face e terceiro para se fazer o bem eacute

necessaacuterio saber ouvir e conhecer inicialmente onde o bem natildeo eacute exatamente

aquilo que o sujeito que o pratica quer oferecer mas deve ser aquilo que quem

recebe reconhece como tal ndash este segundo imprime o que deve ser feito Eacute

neste sentido que uma atitude de solidariedade natildeo eacute uma postura paternalista

ou de benevolecircncia pois esta postura submete o outro agrave condiccedilatildeo de objeto

natildeo de sujeito Trata-se sobretudo de uma tomada de consciecircncia de um

compromisso com a dignidade do outro reconhecido enquanto parte

constituinte do proacuteprio ser Haacute portanto uma forma de ldquodesvelamentordquo

intencional um rosto pode provocar a relaccedilatildeo humana Ser-para-o-outro

significa assumir a responsabilidade eacutetica sobre ele onde a transcendecircncia

seja a proximidade medida pela responsabilidade com o outro (Idem 2002)

num estado de atenccedilatildeo agrave vida

O conceito de alteridade tambeacutem sustenta a compreensatildeo do que seria

praticar o bem Contraacuterio ao pensamento de Rousseau Leacutevinas desconsidera

que fazer o bem seja algo intriacutenseco a quem faz a accedilatildeo pois a bondade da

97

accedilatildeo natildeo se mede pela felicidade ou intenccedilatildeo de quem a faz Esta seria uma

medida egoiacutesta centrada no eu antagocircnica ao conceito de alteridade pois

transforma o outro em objeto e natildeo sujeito da accedilatildeo Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria o bem antes mesmo de sentir que se estaacute fazendo o bem

pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar numa aproximaccedilatildeo permissiva de deixar-se

ldquoatingirrdquo pelo outro (HUTCHENS 2007) Desta forma ser solidaacuterio e promover

o bem natildeo eacute sentir-se bem e sim ldquoser atingidordquo pelo bem eacute ser ldquobom apesar de

si mesmordquo

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel

Da alteridade buscou-se a qualificaccedilatildeo de uma solidariedade baseada

na percepccedilatildeo do outro enquanto ldquodistintordquo onde a abertura a relaccedilatildeo ldquoface-a-

facerdquo exige a postura eacutetica compreendida enquanto um estado constante de

atenccedilatildeo agrave vida satildeo os homens que satildeo (ou natildeo) eacuteticos (GUARESCHI 2002)

Ser eacutetico implica em respeitar em responsabilizar-se pela vida do outro A

alteridade eacute o ponto central da Eacutetica da Vida defendida na Filosofia da

Libertaccedilatildeo de Enrique Dussel que iraacute reconhecer na ldquoviacutetimardquo o outro

Enrique Dussel49 eacute um dos principais filoacutesofos da atualidade a tratar a

questatildeo da eacutetica e da poliacutetica Seu pensamento parte da consideraccedilatildeo do outro

pela sua exterioridade a alteridade e a praacutexis da libertaccedilatildeo se opondo agrave

49

Nascido em 1934 em Mendonza Argentina exilado poliacutetico desde 1975 no Meacutexico hoje cidadatildeo mexicano ateacute 1972 Dussel dedicou-se agrave Filosofia da Libertaccedilatildeo latino-americana propondo uma maneira inovadora de se pensar a filosofia a partir do cenaacuterio e contexto latino-americano (nesse ano publicou o livro Para una destruccioacuten de la historia de la eacutetica I) Em 1973 enquanto lecionava filosofia na Argentina sofreu um atentado agrave bomba perpetrado pela extrema direita do sindicalismo (ano da publicaccedilatildeo de Para uma eacutetica de la liberacioacuten) Sua produccedilatildeo acerca da Filosofia da Libertaccedilatildeo se estendeu de 1969 a 1976

Diante de uma situaccedilatildeo insustentaacutevel que se instalou Dussel foi ldquoconvidadordquo a se retirar da Universidade Nacional de Cuyo em marccedilo de 1970 e se mudou para o Meacutexico onde encontrou o refuacutegio intelectual que precisava para continuar seus estudos Aprendeu inglecircs e comeccedilou um contato com os trecircs continentes experiecircncia que considera fundamental para a ampliaccedilatildeo de sua compreensatildeo histoacuterica Passou a dedicar-se aos estudos sobre o pensamento de Marx interpretando-o sobretudo para compreender a Ameacuterica Latina a globalizaccedilatildeo a exploraccedilatildeo e o capitalismo

98

dominaccedilatildeo Em 1998 Dussel apresentou ao mundo uma obra central a Eacutetica

da Libertaccedilatildeo na idade da Globalizaccedilatildeo e da Exclusatildeo (DUSSEL 2002) No

entanto se no iniacutecio seu principal interlocutor era o oprimido e vitimado latino-

americano atualmente sua obra pretende ser universal uma vez que afirma ter

vitimas do sistema-mundo capitalista por toda a parte numa compreensatildeo de

uma eacutetica ecoloacutegica material de libertaccedilatildeo50 Em uma de suas obras mais

recentes 20 Tesis de Poliacutetica Dussel discorre sobre os princiacutepios poliacuteticos de

libertaccedilatildeo natildeo se limitando aos eacuteticos mas jaacute encaminhando a sua teoria para

a compreensatildeo poliacutetica da eacutetica

Em Dussel a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash nasce da

responsabilidade pelo outro A subjetividade eacutetica resiste a qualquer

totalizaccedilatildeo eacute a separaccedilatildeo que constitui o sujeito no mundo Ao tomar

consciecircncia do outro absolutamente novo recorre-se sobre ele a

responsabilidade Na assimetria da ordem social a proacutepria vida do outro afeta

tambeacutem a relaccedilatildeo do eu com as coisas com o mundo (DUSSEL 2002 p 371)

A partir de uma conduta eacutetica de tomada de consciecircncia de

responsabilidade com o outro51 busca-se compreender o mundo dele

participar e produzir vida digna para todos De fato para que haja justiccedila

solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a ordem

estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se converta

em lsquopossibilidade de viver e viver melhor (Ibidem p 382 grifo nosso)

50

Uma eacutetica ldquoecoloacutegicardquo trata a condiccedilatildeo de possibilidade absoluta dos seres vivos exercida em uacuteltima anaacutelise no respeito ao direito universal agrave sobrevivecircncia de todos os seres humanos especialmente dos mais afetados e excluiacutedos dos pobres do presente e das geraccedilotildees futuras que herdaratildeo se adquirem uma consciecircncia pronta e global uma terra ldquomortardquo (DUSSEL 2003 p 23)

51 A responsabilidade pode ser pensada a partir do princiacutepio responsabilidade (JONAS 2006)

onde a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo eacute indissociaacutevel daquela que se deve ter em relaccedilatildeo aos demais Trata-se de uma responsabilidade que o liga a todos os homens e agrave natureza que o cerca numa reflexatildeo que busca atender tambeacutem o universal

A respeito do princiacutepio responsabilidade Santos conclui que podemos partir da Sorge (Heidegger) do cuidado que nos torna responsaacuteveis pelo outro quer seja ele um ser humano um grupo social a natureza etc Esse outro inscreve-se simultaneamente na nossa contemporaneidade e no futuro cuja possibilidade de existecircncia temos de garantir no presente A nova eacutetica natildeo eacute antropocecircntrica nem individualista nem busca apenas a responsabilidade pelas consequecircncias imediatas Eacute uma responsabilidade pelo futuro (SANTOS B S 2009 p 112)

99

Havendo a consciecircncia sobre a possibilidade de viver melhor haacute o

compromisso eacutetico intriacutenseco de fazecirc-la acontecer na complexidade das

relaccedilotildees sociais que se estabelecem O sujeito ao qual se deve reconhecer

sobretudo eacute a viacutetima que em uacuteltima estacircncia eacute o sujeito negado

A viacutetima para Dussel eacute o pobre o que foi por noacutes excluiacutedo do

sistema Natildeo se trata apenas de reconhecer a viacutetima mas de assumir a

responsabilidade pelo outro num compromisso poliacutetico consciente

Sousomos res-ponsaacuteveis pelo outro pelo fato de ser humano sensibilidade aberta ao rosto do outro Aleacutem disso natildeo eacute res-

ponsabilidade pela proacutepria vida agora eacute res-ponsabilidade pela vida negada do outro que se funda num enunciado normativo porque devo produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em geral [] A passagem por fundamentaccedilatildeo do juiacutezo de fato (ldquoHaacute uma viacutetimardquo) para o juiacutezo normativo (ldquoDevo re-sponsavelmente tornaacute-la a cargo e julgar o sistema que a causardquo) eacute agora justificaacutevel (DUSSEL 2002 p 379)

A solidariedade em Dussel se refere ao princiacutepio de reconhecer o outro

como aquele por quem somos responsaacuteveis pela sua fome pela negaccedilatildeo de

sua vida digna Este reconhecimento ldquoestaacute me pedindo solidariedade [] pede

suplica-me ordena-me eticamente que o ajuderdquo (Ibidem p 378) Ser

indiferente agrave fome agrave exclusatildeo eacute o mesmo que ser conivente com o sistema

que a manteacutem Assim a solidariedade eacute tambeacutem uma atitude eacutetica e

compromisso poliacutetico Neste sentido a proposta de solidariedade enquanto

praacutetica educativa sugere uma formaccedilatildeo a partir da tomada de consciecircncia

compreendendo segundo Dussel tanto os campos poliacuteticos quanto ecoloacutegicos

e seus sistemas por vontade-de-viver52 consensual e factiacutevel de garantir a

vida plena para todos Assim eacute preciso considerar os trecircs princiacutepios essenciais

que atribuem qualidade eacutetica agrave poliacutetica o respeito aos cidadatildeos (material) o

dever de atuar cumprindo a democracia (formal) e o de operar o possiacutevel

(factibilidade) No limite a poliacutetica deveria ser o maacuteximo exerciacutecio de produccedilatildeo

manutenccedilatildeo e desenvolvimento da vida em comunidade O instinto do homem

52

A ldquovontade-de-viverrdquo eacute a essecircncia positiva o conteuacutedo como forccedila como potecircncia que pode mover arrastar impulsionar Em fundamento a vontade de adiar a morte de continuar vivo a tendecircncia originaacuteria de todo o ser humano (DUSSEL 2007 p 31)

100

de querer-viver a vontade-de-vida de querer permanecer vivo faz com que

eles procurem estar juntos (DUSSEL 2007) No entanto se as vontades dos

membros de uma comunidade forem distintas e dispersas se os interesses

forem individuais muacuteltiplos isolados a forccedila do grupo seraacute anulada pois a

competiccedilatildeo interna gera impotecircncia para um projeto comum Por outro lado

quando as pessoas estatildeo alinhadas e organicamente compartilhando a

vontade-de-viver-comum pode-se dizer que essa comunidade se potencializa

Segundo Dussel

o consenso deve ser um acordo de todos os participantes como sujeitos livres autocircnomos racionais com igual capacidade de intervenccedilatildeo retoacuterica para que a solidez da uniatildeo das vontades tenha consistecircncia para resistir aos ataques e criar as instituiccedilotildees que lhe deem permanecircncia e governabilidade [] Quanto mais participaccedilatildeo os membros singulares na comunidade tecircm mais se cumprem as reivindicaccedilotildees particulares e comum [] o poder do povo transforma-se em uma muralha que protege e em um motor que produz e inova (DUSSEL 2007 p 27)

Desta forma haacute poder quando os homens se conectam para exercecirc-lo

(potentia) do contraacuterio haacute enfraquecimento A solidariedade nesse processo

traz a capacidade de potentia supera a visatildeo de fraternidade do noacutes e atribui

conhecimento e princiacutepio eacutetico agrave intenccedilatildeo e agrave accedilatildeo promovendo mais chances

de ecircxito no exerciacutecio poliacutetico nos projetos comuns nos quais os outros (as

viacutetimas ndash ainda que institucionais dos sistemas e das instituiccedilotildees) participem

como sujeitos livres e solidaacuterios Para Dussel (2007) o que marca a apariccedilatildeo

da poliacutetica eacute a passagem da potentia para a potestas (necessaacuteria

institucionalizaccedilatildeo do poder da comunidade do povo criando diferenciaccedilotildees

heterogecircneas de funccedilotildees por meio da qual se torne factiacutevel o proacuteprio poder)

Assim enquanto o anarquista deseja com a maacutexima exponenciaccedilatildeo da

potentia o conservador no campo da potestas busca a maacutexima organizaccedilatildeo

institucional exercida como dominaccedilatildeo

A solidariedade incita uma convivecircncia poliacutetica uma praacutexis de

intelectual orgacircnico (Gramsci) que consiga ldquoeducar os movimentos sociais em

sua autonomia democraacutetica em sua evoluccedilatildeo poliacutetica em seus atores

101

mutuamente responsaacuteveis por seus destinosrdquo (DUSSEL 2007 p 119) para

que o compromisso seja efetivado

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire

Pode-se dizer que a base do pensamento de Paulo Freire53 se

desenvolve a partir da compreensatildeo do homem enquanto um ser social

portanto histoacuterico e poliacutetico que tem a capacidade de produzir e transformar o

mundo produzindo conhecimento e cultura Para Freire natildeo eacute possiacutevel ser

humano sem a presenccedila de outros humanos que o constituiacuteram e o

constituem pois o homem natildeo nasce homem mas se torna nas mediaccedilotildees

que estabelece ao longo da vida Eacute na presenccedila do outro na condiccedilatildeo de

sujeito histoacuterico e poliacutetico que a vida acontece daiacute a importacircncia do processo

formativo na constituiccedilatildeo dessa formaccedilatildeo humana que nunca seraacute neutra

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p

40)

Na relaccedilatildeo que se estabelece com os outros eacute que se forma a

consciecircncia sobre ser humano Neste sentido o processo formativo eacute

compreendido como um ato constituidor da pessoa humana social mas

sobretudo poliacutetica quer esteja a serviccedilo da inserccedilatildeo criacutetica no mundo quer

53

Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife numa famiacutelia de classe meacutedia Com o agravamento da crise econocircmica mundial iniciada em 1929 e a morte de seu pai quando tinha 13 anos Freire passou a enfrentar dificuldades econocircmicas Formou-se em direito mas natildeo chegou a exercer a profissatildeo seguindo pelo caminho do magisteacuterio Sua primeira grande contribuiccedilatildeo foi o desenvolvimento de um meacutetodo revolucionaacuterio de alfabetizaccedilatildeo de adultos Em 1963 em Angicos (RN) chefiou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mecircs No ano seguinte o Golpe Militar o surpreendeu em Brasiacutelia onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetizaccedilatildeo do presidente Joatildeo Goulart Foi preso exilado e ainda no exiacutelio publicou o Pedagogia do Oprimido Com a Lei da Anistia voltou ao Brasil em 1979 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e entre 1989 e 1991 foi Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos Foi professor deste Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Curriacuteculo durante os uacuteltimos 17 anos de sua vida

102

esteja a serviccedilo da permanecircncia das estruturas injustas (FREIRE 2000) Eacute por

isso que toda praacutetica educativa libertadora em Freire partiraacute do

reconhecimento no sentido eacutetico da presenccedila humana no mundo onde eacute

impossiacutevel aceitar naturalmente a indiferenccedila a injusticcedila a relaccedilatildeo de

superioridade entre os homens Ser eacutetico eacute compreender-se a partir do outro

(alteridade) e atuar socialmente em favor de uma vida digna para todos (eacutetica)

A construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade na

compreensatildeo de Santos) em Freire mostra-se a partir da relaccedilatildeo mediante

respeito e reconhecimento como modo de estar no mundo de forma

consciente com uma consciecircncia de quem sabe intervir no mundo e natildeo

apenas constataacute-lo ou se adaptar a ele

Eacute nesse sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele Eacute por isso que natildeo apenas temos histoacuteria mas fazemos a histoacuteria que igualmente nos faz e que nos torna portanto histoacutericos (Ibidem p 40)

Freire iraacute frisar a diferenccedila entre estar no mundo e estar com o mundo

o que torna possiacutevel aproximaacute-lo da compreensatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo no qual em se fazer histoacuteria percebe-se o sujeito como capaz

de conduzir a proacutepria histoacuteria e atuar socialmente negando a reproduccedilatildeo do

conhecimento-regulaccedilatildeo como condiccedilatildeo Promover experiecircncias da decisatildeo

da responsabilidade da solidariedade da democracia deve ser o objetivo do

curriacuteculo Nunca Freire iraacute valorar uma educaccedilatildeo tecnicista de treinamento

mas sim em formaccedilatildeo em processo educativo Nas palavras de Freire

a necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutetica dos educandos por que se bate a pedagogia criacutetica natildeo tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e cientificista que caracteriza o mero treinamento Eacute por isso que o educador progressista capaz e seacuterio natildeo apenas deve ensinar muito bem sua disciplina mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social poliacutetica e histoacuterica em que eacute uma presenccedila (Ibidem p 44)

103

A consciecircncia criacutetica e a formaccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo em

Freire estaacute relacionada a uma atitude sobretudo poliacutetica de tomada de

decisatildeo e da praacutexis para que outra ordem seja construiacuteda O discurso ldquomornordquo

da aceitaccedilatildeo da realidade como ela eacute onde a fome e a miseacuteria sempre

existiram e continuaratildeo a existir eacute o discurso veementemente combatido por ele

como o da acomodaccedilatildeo de uma humanizaccedilatildeo que se isenta da

responsabilidade de proteccedilatildeo da proacutepria humanidade (FREIRE 1996 2000) O

saber-se homem eacute o saber que permite o reconhecimento da histoacuteria como

possibilidade

Gosto de ser homem de ser gente porque sei que a minha passagem pelo mundo natildeo e predeterminada preestabelecida Que o ldquodestinordquo natildeo eacute um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade natildeo posso me eximir Gosto de ser gente porque a Histoacuteria em que me faccedilo com os outros e de cuja feitura tomo parte eacute tempo de possibilidades e natildeo de determinismo (Idem 1996 p58)

Embora Freire natildeo tenha vinculado diretamente sua compreensatildeo de

educaccedilatildeo agrave pratica solidaacuteria eacute possiacutevel identificaacute-la como um dos aspectos

fundamentais de sua obra Assim visando pontuar as principais consideraccedilotildees

de Freire sobre solidariedade destacam-se a) ningueacutem educa ningueacutem

ningueacutem educa a si mesmo a partir da constataccedilatildeo de que estamos no mundo

com o outro em relaccedilatildeo (des)construtiva (in)consciente e sobretudo poliacutetica

onde as pessoas se educam em comunhatildeo ldquoa educaccedilatildeo autecircntica repitamos

natildeo se faz de A para B ou de A sobre B mas de A com B mediatizados pelo

mundordquo (Idem 1981 p 84) A educaccedilatildeo eacute poliacutetica e como tal pode formar para

a doutrinaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo quando considera que natildeo se estaacute para o

povo ou sobre ele mas com ele (Ibidem) b) horizontalidade uma relaccedilatildeo

solidaacuteria natildeo eacute assistencialismo pois para que este uacuteltimo aconteccedila eacute

necessaacuterio haver aquele que doa e outro que recebe Este tipo de relaccedilatildeo eacute

desigual e natildeo considera o sujeito que recebe como ator do processo mas

como mero receptor natildeo gera portanto conhecimento-emancipaccedilatildeo apenas

passividade que manteacutem as coisas como estatildeo Em outras palavras o

assistencialismo o paternalismo favorece o status quo c) diaacutelogo chave

104

fundamental da educaccedilatildeo problematizadora em Freire (1991) acontece a partir

de duas dimensotildees que partem da solidariedade do respeito ao outro ldquose

discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o

menino iacutendio a menina rica [] natildeo posso evidentemente escutaacute-los e se natildeo

os escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixordquo (FREIRE

1996 p 136) d) visatildeo criacutetica Freire tambeacutem indica que haacute formas diferentes

de solidariedade e que nem todas satildeo favoraacuteveis ao desenvolvimento poliacutetico-

democraacutetico uma vez que a passividade assistencialista turva o exerciacutecio

criacutetico da responsabilidade comprometendo a democracia

Vale ressaltar que a solidariedade na visatildeo de Freire estende-se para o entrelaccedilamento entre paiacuteses do Sul sem excluir dessa interdependecircncia os pobres dos paiacuteses ricos Ser solidaacuterio para ele eacute assumir o ponto de vista dos ldquocondenados da terrardquo em favor de uma eacutetica universal do ser humano (STRECK 2010 p 379)

O lugar onde vivemos eacute um constructo humano assumi-lo em favor da

eacutetica da vida da igualdade das liberdades eacute acreditar na construccedilatildeo de uma

outra ordem possiacutevel Aceitar a relaccedilatildeo de desigualdade e tomar atitudes

assistencialistas favorece as estruturas dominantes promove a acomodaccedilatildeo e

a aceitaccedilatildeo dos fatos sociais como condicionantes imutaacuteveis Eacute neste sentido

que para Freire a educaccedilatildeo eacute um ato poliacutetico uma forma de intervenccedilatildeo no

mundo jamais neutra

Como experiecircncia especificamente humana a educaccedilatildeo eacute uma forma de intervenccedilatildeo no mundo Intervenccedilatildeo que aleacutem do conhecimento dos conteuacutedos bem ou mal ensinados eou aprendidos implica tanto o esforccedilo de reproduccedilatildeo da ideologia dominante como o seu desmascaramento Dialeacutetica e contraditoacuteria natildeo poderia ser a educaccedilatildeo soacute uma ou soacute a outra dessas coisas (FREIRE 1996 p 110-111)

Eacute nessa tensatildeo entre a ldquoreproduccedilatildeordquo (conhecimento-regulaccedilatildeo) e o seu

ldquodesmascaramentordquo (conhecimento-emancipaccedilatildeo) que a consciecircncia poliacutetica

iraacute se constituir a partir de experiecircncias que propiciem a vivecircncia da

responsabilidade e da autonomia (FREIRE 1996) Eacute neste sentido que faz

105

parte da compreensatildeo da solidariedade aportaacute-la em um posicionamento

poliacutetico criacutetico consciente que inter-fere a ordem social transformando-a

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e

consciecircncia poliacutetica

Para que exista de fato a solidariedade eacute preciso fazecirc-la acontecer

Assim como a construccedilatildeo do estado democraacutetico a solidariedade natildeo se daacute

por decreto tampouco espontaneamente Em ambas eacute preciso tomar parte

ordenadamente compreendendo a construccedilatildeo poliacutetica de forma que a accedilatildeo

conjunta planejada potencialize o que seriam accedilotildees individuais e estanques

Daiacute a relevacircncia de se ensinar a se comprometer politicamente eticamente

solidariamente

Se por um lado como anuncia Santos o conhecimento-emancipaccedilatildeo

quase foi sucumbido pelo conhecimento-regulaccedilatildeo por outro a ideia de que

queremos uma sociedade melhor para se viver ainda eacute presente ldquoas

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

continuam sendo uma aspiraccedilatildeo para a populaccedilatildeo mundialrdquo (SANTOS b s

2007 p 19)

Ao sujeito eacutetico e solidaacuterio implica sobretudo o comprometimento o

envolvimento pelo compromisso pelo acordo selado em relaccedilatildeo que beneficia

os envolvidos Mais do que participar comprometer-se significa construir junto

A participaccedilatildeo eacute uma atitude inerente agrave natureza social do homem pode ser

pensada em diferentes niacuteveis sendo que natildeo necessariamente signifique

assumir um compromisso Uma pessoa pode participar de uma excursatildeo de

uma aula de um projeto de um evento de um partido poliacutetico sem ter criado

nenhuma situaccedilatildeo de identificaccedilatildeo e construccedilatildeo pessoal Ela pode obedecer a

uma ordem estabelecida e ser um a mais cumprindo o que estaacute determinado

contribuindo para alcanccedilar o objetivo proposto ainda que sem total clareza

sobre o que se estaacute construindo

106

Sem a auto-identidade criadora o sujeito natildeo pode agir como tal Ele eacute reduzido a um mero executor de tarefas valores ou projetos preacute-postos por ele perdendo a dimensatildeo da autonomia e tornando-se um indiviacuteduo sujeitado [] O indiviacuteduo ao carecer de identidade de sujeito transforma-se num ator que executa o papel por outros projetados (SIDEKUM 2003 p 238)

Assim a solidariedade estaacute ligada ao conceito de comprometimento

no sentido de natildeo se tratar apenas de participar mas de construir-com

responsabilizar-se Por extensatildeo se a solidariedade eacute o compromisso puacuteblico

assumido para o bem comum eacute preciso considerar que tal comprometimento

estaacute delimitado no campo da cidadania aqui compreendida enquanto a

integraccedilatildeo do sujeito agrave vida poliacutetica de sua cidade54

Para Bernardo Toro (2004) cidadatildeo eacute aquela pessoa que compreende

que a ordem social eacute construiacuteda pelo homem e deve ser reorganizada sempre

que natildeo estiver contribuindo para a dignidade de todos A cidadania eacute

entendida como uma atitude eacutetica na medida em que significa proteger e

responsabilizar-se com os outros pela dignidade de todos Neste sentido eacute

tambeacutem formadora do conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade pois o

fortalecimento social e a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa comeccedilam

pela tomada de consciecircncia55 de que juntos e organizados em torno de

54

Na antiga Roma soacute o senado e o patriarcado tinham o direito de participar da vida poliacutetica num regime basicamente aristocrata Esta distinccedilatildeo de classes marcou o iniacutecio da democracia Naquela eacutepoca somente os cidadatildeos - com essa concepccedilatildeo restrita portanto a elite participava da vida poliacutetica Seus interesses eram trazidos agrave pauta postura esta que contribuiacutea para que fossem mantidos no segundo plano os interesses daqueles que natildeo tomavam as decisotildees da cidade

Na Idade Moderna o espiacuterito renovador de igualdade e liberdade tornou o conceito de cidadania mais universal (Iluminismo) Segundo o artigo primeiro da Declaraccedilatildeo dos Direitos dos Homens e dos Cidadatildeos (1789) todos os homens nascem livres e iguais de direito a liberdade consiste em poder fazer tudo que natildeo prejudique o proacuteximo assim o exerciacutecio dos direitos naturais de cada homem natildeo tem por limites senatildeo aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos (DECLARACcedilAtildeO DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS CIDADAtildeOS Art 4ordm 1789) Ainda segundo a Declaraccedilatildeo cidadatildeo livre eacute aquele que sabe respeitar e participar das decisotildees coletivas gozando dos direitos naturais a fim de melhorar a proacutepria vida e a da comunidade O desrespeito agraves pessoas ao Estado ou as instituiccedilotildees gera negaccedilatildeo agrave cidadania portanto exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo

55 Por conscientizaccedilatildeo compreende-se o ldquodevir progrediente da consciecircncia eacutetico-criacutetica

intersubjetivamente solidaacuteria como exerciacutecio da razatildeo discursivo-criacutetica que comunitariamente aprende a argumentar (criando novos argumentos) contra a argumentaccedilatildeo dominanterdquo (DUSSEL 2002 p 467)

107

objetivos comuns se tem mais poder poliacutetico do que o quadro de segregaccedilatildeo

ou desordem social A competitividade individualista entre membros de uma

mesma sociedade por exemplo eacute uma postura que leva ao enfraquecimento

do grupo

Na concepccedilatildeo de cidadania de Bernardo Toro o cidadatildeo eacute pensado

em sua subjetividade como o sujeito que vive em comunidade nela se

constitui enquanto sujeito-eacutetico e se responsabiliza com a condiccedilatildeo de vida

digna para todos (TORO 2004) A subjetividade eacute compreendida enquanto um

conceito mais amplo ao da cidadania Pode ser uma compreensatildeo do sujeito

enquanto um organismo bioloacutegico que preserva e valoriza as suas

singularidades sem desconectaacute-lo do universo social Eacute a sua intervenccedilatildeo no

mundo seu fazer histoacuterico e cultural que o transforma ao mesmo tempo em

que ele transforma o mundo A subjetividade portanto eacute relaccedilatildeo soacute pode ser

desenvolvida com o outro eacute o domiacutenio das sensaccedilotildees das percepccedilotildees da

consciecircncia de cada sujeito individual (CASTELEIRO 2001)

A formaccedilatildeo do sujeito social aquele que se sente pertencente a um

grupo voltado ao bem comum eacute o princiacutepio da consciecircncia criacutetica na obra de

Paulo Freire

A concepccedilatildeo ldquosolidaristardquo das classes sociais no entanto suponha a conscientizaccedilatildeo do trabalhador natildeo como classe mas como sujeito de dignidade humana Eacute nesta tarefa que Paulo Freire vai trabalhar por meio da Pedagogia Criacutetica (ALMEIDA 2009 p 23)

A solidariedade portanto natildeo eacute considerada uma praacutetica

assistencialista mas a conscientizaccedilatildeo do dever poliacutetico pela vida digna em

comunidade Segundo Paulo Freire a passividade inerente ao assistencialismo

eacute perversa

O grande perigo do assistencialismo estaacute na violecircncia do seu antidiaacutelogo que impondo ao homem mutismo e passividade natildeo lhe oferece condiccedilotildees especiais para o desenvolvimento ou a ldquoaberturardquo de sua consciecircncia que nas democracias autecircnticas haacute de ser cada vez mais criacuteticas [] O

108

assistencialismo faz de quem recebe a assistecircncia um objeto passivo sem possibilidade de participar do processo de sua proacutepria recuperaccedilatildeo (FREIRE 2001 p 65)

No entanto natildeo se pode descartar qualquer atividade assistencial

Embora Dussel reafirme a colocaccedilatildeo ele tambeacutem faz a ressalva de que a

solidariedade assistencial aos que tecircm fome por exemplo eacute uma atitude que

pode salvar vidas na medida em que natildeo seja negada o de comer aos

famintos pois isto seria o mesmo que negar-lhes a vida De fato para que

haja justiccedila solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a

ordem estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se

converta em lsquopossibilidade de viverrsquo e viver melhor (DUSSEL 2002 p 382)

A relaccedilatildeo eacutetica na convivecircncia solidaacuteria natildeo ocorre entre um sujeito

que domina e um sujeito dominado tampouco em uma relaccedilatildeo vertical ou

unilateral Ela se daacute horizontalmente entre um e outro na tomada de

consciecircncia do outro na responsabilidade que se apresenta como a ideia

central da eacutetica da vida a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash

nasce da responsabilidade pelo outro (Ibidem p 371) Leacutevinas propotildee uma

releitura do sujeito e parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o

outro pelo outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser

social que tem obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas A razatildeo eacutetica nasce da

responsabilidade pelo outro onde a proacutepria liberdade do eu eacute facilitada pela

oportunidade dialoacutegica de um-com-o-outro num movimento interior de

identificaccedilatildeo direta exteriorizado em atitude de responsabilidade cuidado con-

vivecircncia Este eacute o sentido da solidariedade e da fraternidade Estar com o

outro enquanto possibilidade de Leacutevinas (1982) remete agrave consciecircncia de

ldquoestar com o mundordquo em Freire

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p 40)

109

A construccedilatildeo histoacuterica marcada por Freire eacute fruto da relaccedilatildeo que se

estabelece entre um e outro pela relaccedilatildeo face-a-face56 na proximidade no

diaacutelogo cujo sentido primordial e uacuteltimo eacute a responsabilidade (JONAS 2006)

Ao inveacutes de o indiviacuteduo agir com o outro eacute a descoberta do outro que lhe deve

impor a conduta adequada pois o homem soacute se realiza em relaccedilatildeo ao outro e

por esta via se estabelece tambeacutem a relaccedilatildeo de poder Neste sentido a

concepccedilatildeo de responsabilidade de ancorar-se na solidariedade revelando um

compromisso necessaacuterio onde a outra face evoca a responsabilidade eacutetica

para com ela O outro trazido por Leacutevinas mais radicalmente na figura do rosto

eacute o que daacute sentido agrave relaccedilatildeo diante da nudez do rosto da fome da pobreza da

violecircncia encontra-se a responsabilidade-solidaacuteria Esse desencadeamento

pode ocorrer pela palavra pela comunicaccedilatildeo onde o diaacutelogo eacute condiccedilatildeo eacute

necessidade existencial (FREIRE 1979) Por meio do diaacutelogo o homem

estabelece a sua relaccedilatildeo com o outro reciacuteproca de igualdade Por meio do

antidiaacutelogo o outro eacute dominado submetido agrave condiccedilatildeo-objeto que anula a sua

existecircncia e a possibilidade de criaccedilatildeo do novo Um e outro natildeo produzem algo

juntos natildeo se enriquecem apenas sofrem um contato unilateral onde a

indiferenccedila e a negaccedilatildeo da existecircncia do outro impera

Em Pedagogia do oprimido Freire apresenta o diaacutelogo enquanto

exigecircncia constitutiva da natureza humana pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees quer sejam elas de reciprocidade cumplicidade ou autoritaacuterias

dominadoras A dialogicidade eacute essencial na educaccedilatildeo problematizadora pois

permite a libertaccedilatildeo Assim como em Dussel o diaacutelogo freireano aponta para a

experiecircncia eacutetica de estar com o outro e dessa relaccedilatildeo pode-se elaborar a

consciecircncia criacutetica Natildeo haacute sujeitos e objetos mas sim sujeitos trabalhando

juntos Eacute neste sentido que se compreende que a proximidade do outro deve

perturbar deve provocar uma reaccedilatildeo natildeo de repulsa nem de superioridade

mas tampouco de indiferenccedila pois esta revela uma postura de negaccedilatildeo agrave vida

portanto antieacutetica Daiacute a relevacircncia atenta da solidariedade ser qualificada

pela alteridade pela responsabilidade

56

O face a face eacute a experiecircncia eacutetica no pensamento de Leacutevinas que fundamenta a possibilidade de universalizaccedilatildeo da razatildeo levantando a questatildeo da pretensatildeo de universalidade da razatildeo ontoloacutegica

110

Leacutevinas aponta trecircs significados para responsabilidade a reaccedilatildeo ao

outro de uma forma indeclinaacutevel o segundo como uma reaccedilatildeo a partir de noacutes

mesmos agrave outra pessoa e o terceiro sobre a reaccedilatildeo para o outro no sentido de

nos substituirmos pela outra pessoa em suas responsabilidades No limite o

que se chama ldquoliberdaderdquo eacute na verdade uma resposta agraves reaccedilotildees de

responsabilidades (LEacuteVINAS 1988) A responsabilidade em Leacutevinas une as

pessoas de tal maneira que cada um deve se sentir responsaacutevel pelo outro

com o outro como se a si mesmo sabendo que a sua proacutepria responsabilidade

ningueacutem iraacute assumir A responsabilidade pessoal eacute pelo cuidado com a do

outro a ponto de devermos ser solidaacuterios e nos colocar no lugar do outro quer

seja dominado ou dominador Em Dussel a responsabilidade tambeacutem constitui

solidariedade pela alteridade numa composiccedilatildeo de tomada de consciecircncia e

praacutexis Eacute o outro que determina o que deve ser feito

Quem estabelece a relaccedilatildeo de solidariedade que tem cordialidade com o miseraacutevel (miseri-coacuterdia) supera a fraternidade da amistosidade no sistema e se arrisca a abrir-se ao vasto campo da Alteridade que se origina por uma ldquoresponsabilidade pelo Outrordquo preacute-ontoloacutegica A solidariedade meta-fiacutesica ou eacutetica eacute anterior ao despregar-se do mundo (ontoloacutegico) como horizonte onde se toma a ldquodecisatildeordquo de ajudar ou natildeo o Outro Mas quem se ajuda ou natildeo ao Outro no efetuar-se empiacuterico da solidariedade natildeo evita que jaacute sempre antes se era responsaacutevel pelo Outro O que natildeo ajuda trai essa responsabilidade preacute-ontoloacutegica De maneira que haveraacute uma solidariedade a priori preacute-ontoloacutegica e um efetuar trans-ontoloacutegico empiacuterico da solidariedade concreta ldquoDei patildeo ao famintordquo (do Livro dos mortos egiacutepcio) (DUSSEL 2005 p 19 traduccedilatildeo livre57)

Cada indiviacuteduo torna-se sujeito ator e criador na medida em que

assume a consciecircncia de sua experiecircncia com o mundo em que vivencia

57

ldquoEl que establece la relacioacuten de solidaridad que tiene cordialidad con el miserable (miseri-cordia) supera la fraternidad de la amistad en el sistema y se arriesga a abrirse al ancho campo de la Alteridad que se origina por una lsquoresponsabilidad por el Otrorsquo pre-ontoloacutegica La solidaridad meta-fiacutesica o eacutetica es anterior al desplegarse del mundo (ontoloacutegico) como horizonte en donde se toma la lsquodecisioacutenrsquo de ayudar o no al Otro Pero el que se ayude o no al Otro en el efectuarse empiacuterico de la solidaridad no evita que ya siempre antes se era responsable por el Otro El que no lo ayuda traiciona esa responsabilidad pre-ontoloacutegica De manera que habraacute una solidaridad a priori pre-ontoloacutegica y un efectuar trans-ontoloacutegico empiacuterico de la solidaridad concreta lsquoDi pan al hambrientorsquo (del Libro de los muertos egipcio)rdquo (DUSSEL 2005 p 19)

111

conscientemente a sua dimensatildeo social O homem eacute essencialmente um ser-

para-o-outro estabelecendo relaccedilotildees culturais temporais de poder de

exploraccedilatildeo mas sobretudo de responsabilidade Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria bom para o outro antes mesmo de sentir que se estaacute

fazendo o bem pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar de fato o outro numa

aproximaccedilatildeo permissiva

Se a nossa opccedilatildeo eacute progressista se estamos a favor da vida e natildeo da morte da equidade e natildeo da injusticcedila do direito e natildeo do arbiacutetrio da convivecircncia com o diferente e natildeo da sua negaccedilatildeo natildeo temos outro caminho senatildeo viver plenamente a nossa opccedilatildeo Encarnaacute-la diminuindo assim a distacircncia entre o que fizemos e o que fazemos

Desrespeitando dos fracos enganando os incautos ofendendo a vida explorando os outros discriminando o iacutendio o negro a mulher natildeo estarei ajudando meus filhos a serem seacuterios justos e amorosos da vida e dos outros (FREIRE 2000 p 67)

Nesta passagem uacuteltimo escrito dias antes de sua morte Paulo Freire

fala do respeito e do reconhecimento do outro como algo que eacute fundamental

para o desenvolvimento da responsabilidade ndash comprometimento valor

fundamental para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e poliacutetico Ela se daacute na relaccedilatildeo

dialeacutetica de enfrentamento onde outros respondem pelos outros pois natildeo haacute

maneira de viver em sociedade de forma neutra uma vez que ateacute mesmo a

acomodaccedilatildeo implica em intervenccedilatildeo na realidade na medida em que contribui

para manter as coisas como estatildeo (FREIRE 1996 p 43) Ser responsaacutevel pela

vida do outro significa ao mesmo tempo ter consciecircncia de que essa

responsabilidade eacute intransferiacutevel e infinita (LEacuteVINAS 1982) Santos aponta

dois problemas centrais sobre este aspecto o do silecircncio e o da diferenccedila O

silecircncio como sendo o silenciamento da cultura dominada algumas vezes

dizimadas pelo colonialismo Daiacute a dificuldade de se imprimir um diaacutelogo

intercultural cujo maior desafio seria o de ldquofazer o silecircncio falar de uma

maneira que produza autonomia e natildeo reproduccedilatildeo do silenciamentordquo

(SANTOS B S 2007 p 55) A diferenccedila o outro desafio deve ser pensada

para aleacutem da reciprocidade porque parte da incomensurabilidade Em outras

palavras num diaacutelogo intercultural ldquonatildeo serve uma poliacutetica nem hegemocircnica

112

nem fundamentalista o semelhante muitas vezes buscado eacute sempre ponto de

partida natildeo de chegadardquo (SANTOS B S 2007 p 56)

Desta forma pensar a solidariedade como praacutetica curricular educativa

implica em criar experiecircncias onde seja possiacutevel perceber a presenccedila do outro

e a partir dele o que deve ser feito para que a sua dignidade seja garantida

num conceito que Santos chama de inovaccedilatildeo teoacuterica onde seja possiacutevel

ldquoconstruir a emancipaccedilatildeo a partir da relaccedilatildeo entre o respeito da igualdade e o

princiacutepio do reconhecimento da diferenccedilardquo (Ibidem p 62) pois na relaccedilatildeo face

a face o outro natildeo eacute simplesmente um diferente mas sim uma viacutetima do

sistema-mundo que o nega violentamente negando-lhe a dignidade como

modo de vida Neste sentido eacute preciso aprender a olhar o outro natildeo como um

estrangeiro um estranho que se pode negar e ateacute mesmo excluir contribuindo

para se manter o status quo

Na construccedilatildeo de Freire tal pensamento nos remete agrave discriminaccedilatildeo

fruto desse comportamento como um mal-social que deve ser banido

Aceitar e respeitar a diferenccedila eacute uma dessas virtudes sem o que a escuta natildeo se pode dar Se discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o menino iacutendio a menina rica se discrimino a mulher a camponesa a operaacuteria natildeo posso evidentemente escutaacute-las e se natildeo as escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixo Sobretudo me proiacutebo entendecirc-los Se me sinto superior ao diferente natildeo importa quem seja recuso-me escutaacute-lo ou escutaacute-la O diferente natildeo eacute o outro a merecer respeito eacute um isto ou aquilo destrataacutevel ou despreziacutevel (FREIRE 1996 p 120-121)

Em Dussel a distinccedilatildeo entre o eu e o outro eacute constitutiva da eacutetica da

vida A metafiacutesica da alteridade pensar o outro a partir de sua outridade da

sua realidade eacute ponto de partida na filosofia da libertaccedilatildeo Dussel aponta como

contraditoacuteria a filosofia centrada em um soacute ser e decide partir do outro da

viacutetima da exterioridade abrindo caminho para a libertaccedilatildeo para uma visatildeo

poacutes-colonialista A Eacutetica da Libertaccedilatildeo em 1998 foi uma proposta de

adensamento de sua primeira fase (1970) material e fenomenoloacutegica na qual

a partir do marxismo posicionou-se contra a hegemonia da globalizaccedilatildeo

113

perversa O princiacutepio vital da eacutetica constitui em trecircs momentos 1) a produccedilatildeo

da vida humana em consciecircncia autoconsciecircncia funccedilotildees linguiacutesticas e

responsabilidade eacutetica 2) o momento da reproduccedilatildeo da vida humana nas

instituiccedilotildees e valores culturais 3) o desenvolvimento dessa vida nas

instituiccedilotildees e culturas histoacutericas da humanidade De acordo com este criteacuterio

material a eacutetica adquire um caraacuteter universal A razatildeo que preside a esse

princiacutepio vida eacute a razatildeo praacutetico-material que transforma o dever ser em um

dever-viver que ser pensado desta maneira a exigecircncia de produccedilatildeo

reproduccedilatildeo e desenvolvimento da vida humana

A Eacutetica deve ser entendida como uma accedilatildeo em favor do outro

afirmando a dignidade humana individual e coletiva onde em uacuteltima instacircncia

natildeo deve ser confirmada em situaccedilotildees de natildeo-vida A comunidade humana

sempre incorre na exclusatildeo do outro tanto no momento da fala como no

acesso aos meios de produccedilatildeo Esta alteridade pensada enquanto uma

comunidade de excluiacutedos natildeo eacute privada da razatildeo mas deteacutem outras razotildees

as quais interpelam expotildee sua exterioridade propugnando pela inclusatildeo

imperiosa ndash muitas vezes essa questatildeo diz respeito a casos de vida ou morte ndash

na comunidade de acordo com a justiccedila

Estar atento agrave vida eacute um conhecimento a ser apreendido social

intercultural e historicamente que deve partir de um processo educativo

pautado pela construccedilatildeo da alteridade e guiado pela eacutetica Neste sentido a

formaccedilatildeo baacutesica natildeo pode estar apenas centrada na re-produccedilatildeo teacutecnica e

cientificista de um conhecimento que regula e corrobora com a ordem

estabelecida A consciecircncia solidaacuteria implica no exerciacutecio da responsabilidade

da consciecircncia criacutetica e mais ainda da tomada de atitude Ao que Freire se

referia como ldquoeducaccedilatildeo bancaacuteriardquo58 propotildee uma educaccedilatildeo poliacutetica

contextualizada criacutetica a partir da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo elaborado em

conjunto com a comunidade onde os alunos possam se envolver em

problemas sociais reais como forma de preparaccedilatildeo

58

Aquela em que natildeo haacute questionamento ou criticidade e o conteuacutedo eacute ldquodepositadordquo no estudante para que ele possa acumulaacute-lo e temporariamente eacute aplicada uma verificaccedilatildeo para saber quanto o aluno sabe se estaacute conseguindo memorizar com sucesso

114

A noccedilatildeo de exterioridade de Leacutevinas e Dussel complementa a ideia de

educaccedilatildeo problematizadora em Freire na medida em que a libertaccedilatildeo do

oprimido constitui a justiccedila e pode promover a abertura eacutetica A justiccedila natildeo eacute

um ato de concessatildeo dentro da totalidade mas uma exigecircncia que parte da

exterioridade que deveraacute ser pensada em sua realidade concreta Eacute preciso

insistir este saber necessaacuterio ao professor ndash que ensinar natildeo eacute transferir

conhecimento ndash natildeo apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos

nas suas razotildees de ser ndash ontoloacutegica poliacutetica eacutetica epistemoloacutegica pedagoacutegica

ndash mas tambeacutem precisa ser constantemente testemunhado vivido (FREIRE

1996 p 27)

Contrapondo-se assim como Freire a uma educaccedilatildeo bancaacuteria Dussel

aposta na conscientizaccedilatildeo no conhecimento que emancipa como pedagogia

da libertaccedilatildeo O conhecimento-solidariedade de Santos como foi dito natildeo se

restringe agrave formaccedilatildeo tecnicista-cientificista que tem como meta o fortalecimento

da cadeia produtiva que submete a humanidade agrave participaccedilatildeo esvaziada de

percepccedilatildeo de consciecircncia poliacutetica A discrepacircncia insiste na realidade

contraditoacuteria em que convivemos entre situaccedilotildees de progressos em relaccedilatildeo ao

direito agrave igualdade e emancipaccedilatildeo dos povos como a Carta da Terra59

enquanto ainda vivenciamos uma ciecircncia voltada ao controle do status quo

reproduzindo a assimetria que natildeo facilmente deixaraacute de existir haja vista que

natildeo haacute somente conhecimento-emancipaccedilatildeo e conhecimento-regulaccedilatildeo mas

sim uma tensatildeo que os manteacutem vivos (SANTOS B S 2009)

Eacute neste sentido que a eticidade do projeto pedagoacutegico deve estar

pautada na solidariedade que parte do princiacutepio do reconhecimento do outro

como igual e igualmente produtor de conhecimento (Ibidem p 246) Desta

forma eacute que se deve criar espaccedilos onde o comprometimento dos alunos em

resolver problemas sociais reais em atuar socialmente onde esta seja a

ldquomateacuteriardquo organizada coletivamente para transformar uma ordem social com a

qual natildeo se concorda em favor da vida comunitariamente vivida Natildeo se trata

de uma formaccedilatildeo para o bem estar da vida privada individual descolada de

um contexto social cultural poliacutetico mas sim de uma tomada de consciecircncia

59

A Carta da Terra um dos mais relevantes documentos interculturais do seacuteculo XXI seraacute tratada no capiacutetulo III

115

criacutetica e responsaacutevel para quebrar a loacutegica da regulaccedilatildeo da desigualdade como

ldquocondiccedilatildeo naturalrdquo da humanidade

116

CAPIacuteTULO III

117

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE

A partir da concepccedilatildeo de solidariedade apresentada no Capiacutetulo II

como pode ser organizado o curriacuteculo enquanto espaccedilo e tempo de formaccedilatildeo

do conhecimento-emancipaccedilatildeo de experiecircncia de praacutetica da alteridade de

praacutetica eacutetico-criacutetica de consciecircncia poliacutetica ndash solidariedade Esta questatildeo seraacute

o fio condutor deste capiacutetulo no qual apresentaremos o conceito de curriacuteculo

sobretudo caminhando em direccedilatildeo agrave praacutetica curricular para chegarmos a uma

reflexatildeo sobre a qualidade da educaccedilatildeo pensada para o desenvolvimento de

uma sociedade mais justa e democraacutetica

1 O conceito de curriacuteculo

O termo curriacuteculo vem do latim currere curriculum que significa

percurso curso Pode ser tambeacutem compreendido enquanto ldquoordem como

sequecircnciardquo e ldquoordem como estruturardquo

O primeiro tratado atribuiacutedo ao curriacuteculo campo de conhecimento foi

elaborado por Franklin Bobbit The curriculum (em 1918) e posteriormente

How to make the curriculum em 1924 (SILVA T T 2011) Os estudos da

eacutepoca definiam qual deveria ser a relaccedilatildeo entre a estrutura do curriacuteculo e o

controle social em um periacuteodo histoacuterico marcado por um crescente processo

de industrializaccedilatildeo divisatildeo do trabalho e ecircxodo rural na formaccedilatildeo dos grandes

centros urbanos Bobbitt e Taylor apresentavam como referencial de educaccedilatildeo

os modelos de ldquoeficiecircnciardquo importados do mundo empresarial padronizaccedilatildeo

homogeneizaccedilatildeo mecanizaccedilatildeo treinamento instruccedilatildeo (Ibidem) A escola

puacuteblica obrigatoacuteria e gratuita foi criada para atender a demanda da era

118

industrial seguindo o mesmo modelo com o intuito de formar matildeo de obra

qualificada para esse mercado emergente de trabalho

Ralph Tyler em 1949 apresentou o paradigma curricular baseado na

ideia de organizaccedilatildeo e desenvolvimento e dominou a compreensatildeo de

curriacuteculo em diversos paiacuteses inclusive EUA e Brasil Segundo Tyler o

desenvolvimento curricular deve responder a quatro questotildees norteadoras a)

quais os objetivos que a escola quer atingir b) quais experiecircncias pedagoacutegicas

podem levaacute-la a atingir esses objetivos c) como elas podem ser organizadas e

d) como saber se os objetivos estatildeo sendo alcanccedilados (SILVA T T 2011 p

24-25)

Percebe-se um foco ajustado ao desenvolvimento e aplicaccedilatildeo e desta

forma sugere a padronizaccedilatildeo do meacutetodo Para tanto o curriacuteculo era centrado

na aplicaccedilatildeo de mateacuterias e verificaccedilatildeo de resultados natildeo se levava em conta

as caracteriacutesticas pessoais dos alunos os aspectos socioculturais e

econocircmicos e tambeacutem natildeo havia criacutetica em relaccedilatildeo ao conteuacutedo que era

ensinado Neste sentido pode-se dizer que o modelo tradicional restringia-se agrave

teacutecnica de como fazer o curriacuteculo contribuindo para se manter o status quo

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt (de Adorno

Marcuse entre outros) em meados do seacuteculo XX comeccedilou a questionar a

defesa desse curriacuteculo hegemocircnico em relaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo da desigualdade

social buscando superar os limites do positivismo ao determinismo baseados

na teoria criacutetica A Escola de Frankfurt faz uma criacutetica analiacutetica a essa

distribuiccedilatildeo de capital cultural (valores atitudes normas sociais) que satildeo

impostos como legiacutetimos pelas classes dominantes A cultura eacute vista natildeo

apenas como uma expressatildeo ideoloacutegica senatildeo como uma reguladora de poder

Assim a escolarizaccedilatildeo apenas como preparaccedilatildeo da classe trabalhadora (e

consumidora) para o trabalho industrial e teacutecnico seraacute questionada

Teoacutericos como Michael Apple Henry Giroux Paulo Freire entre outros

inspiram-se sobretudo em Marx para pontuar a construccedilatildeo de um curriacuteculo

criacutetico ao sistema de reproduccedilatildeo hegemocircnica existente A cultura dominante

que ateacute entatildeo imprimia o seu padratildeo ideoloacutegico tornando-o internalizado na

sociedade sem restriccedilotildees passa a ser revelada como doutrinadora

119

colonizadora O ponto central estaacute em natildeo permitir que as classes dominantes

a lei do consumo decida a dinacircmica social

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aulas do paiacutes Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo que algum grupo tem do que seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Apple iraacute propor uma nova maneira de organizar o curriacuteculo

contrapondo-se ao modelo tradicional que apenas estava focado em garantir

que o conhecimento fosse aplicado aos alunos Para tal estruturaccedilatildeo a

pergunta que buscava responder natildeo era ldquocomordquo mas sim ldquopor quecircrdquo ou

melhor ainda ldquopor quemrdquo ldquotrata-se de um conhecimento organizado por

quemrdquo ldquointeressa a quem que seja dessa forma aprendidordquo (APPLE 1982

1989)

Em teorias mais recentes o componente do multiculturalismo e

posteriormente o interculturalismo atribuiacuteram um resgate ao conceito

ldquohumanordquo no processo de formaccedilatildeo Trata-se de considerar identidades

diferenccedilas eacutetnicas raciais culturais como constituintes inerentes ao processo

educativo Neste sentido surge um novo posicionamento e novos

questionamentos ldquocomo a construccedilatildeo da identidade e da diferenccedila estaacute

vinculada a relaccedilotildees de poder Como a identidade dominante tornou-se a

referecircncia invisiacutevel atraveacutes da qual se constroem as outras identidades

subordinadasrdquo (SILVA T T 2011 p 102)

Esses debates ganham espaccedilo em um contexto histoacuterico marcado pela

emergecircncia da democracia Na teorizaccedilatildeo criacutetica de curriacuteculo a cultura natildeo eacute

vista como um conjunto de conhecimentos acumulados que precisam ser

transmitidos de acordo com os valores vigentes e criteacuterios didaacuteticos de

transmissatildeo de informaccedilatildeo e verificaccedilatildeo do que foi memorizado Haacute uma

concepccedilatildeo de cultura em seu sentido inacabado contemporacircneo ao seu

tempo histoacuterico e social Segundo Moreira e Silva

120

a visatildeo tradicional da relaccedilatildeo entre cultura e educaccedilatildeocurriacuteculo natildeo vecirc o campo cultural como um terreno contestado Na concepccedilatildeo criacutetica natildeo existe uma cultura da

sociedade unitaacuteria homogecircnea e universalmente aceita e praticada e por isso digna de ser transmitida agraves futuras geraccedilotildees atraveacutes do curriacuteculo Em vez disso a cultura eacute vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta Nessa visatildeo a cultura eacute o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepccedilotildees de vida social eacute aquilo pelo qual se luta e natildeo aquilo que recebemos (2001 p 27)

Sendo assim para que haja espaccedilo a ser construiacutedo eacute preciso haver

contextualizaccedilatildeo eacute preciso considerar uma proposta educativa pensada na

formaccedilatildeo como instrumento capaz de favorecer os meios para a compreensatildeo

criacutetica e por esta via a emancipaccedilatildeo Um dos movimentos desta tendecircncia eacute o

de vincular o curriacuteculo agrave construccedilatildeo de cidadania por meio de projetos nos

quais os alunos participam de atividades de intervenccedilatildeo social Esta eacute uma das

maneiras senatildeo a mais eficaz para produzir conhecimento-emancipaccedilatildeo No

entanto como ressaltam Moreira e Silva eacute preciso cuidar pois natildeo satildeo

quaisquer atividades que promovem a formaccedilatildeo criacutetica Estar disposto a criar

situaccedilotildees educacionais a partir do contexto social real pode ser tambeacutem um

bom caminho para o desenvolvimento do conhecimento-regulaccedilatildeo podendo

corroborar com a formaccedilatildeo para a cidadania que fortalece o status quo

(POPKEWITZ apud MOREIRA SILVA 2001 p 34)

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade

A pedagogia criacutetica comprometida com a construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo regula-se em experiecircncias de aprendizagem onde as

contradiccedilotildees sociais sejam campo de estudo e formaccedilatildeo eacutetica por meio do

qual seja possiacutevel quando de acordo com a proposta pedagoacutegica dar voz para

121

aqueles que sempre satildeo silenciados ao inveacutes de falar por eles ou sobre eles

(GIROUX SIMON 2001)60

Para isso eacute preciso superar o curriacuteculo acadecircmico tecnoloacutegico

centrado na produccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico-cientiacutefico que propicia o

controle social Apoiado na proposta criacutetica estaacute a concepccedilatildeo de um curriacuteculo

cujo objetivo principal eacute a transformaccedilatildeo social Nesse sentido a experiecircncia

da aprendizagem eacute marcada pela percepccedilatildeo de que enquanto sujeito poliacutetico

social e eacutetico o homem pode transformar a realidade com a qual natildeo concorda

mudando o curso da histoacuteria Para isso o que se aprende na escola deve ser

para propiciar a consciecircncia de que nada estaacute posto e acabado a

compreender a estudar os problemas que enfrentamos nos dias atuais

integrando as diferentes dimensotildees que constituem o ser humano para aleacutem do

desenvolvimento cognitivo Dentro da abordagem de curriacuteculo

reconstrucionista social (McNEIL apud SANTOS A 2009) homem e mundo

satildeo concebidos de forma interativa e a educaccedilatildeo eacute compreendida como um

agente social que promove a mudanccedila promovendo reflexotildees sobre o contexto

social ao qual o educando estaacute inserido

Sob o norte da emancipaccedilatildeo do indiviacuteduo o curriacuteculo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situaccedilotildees-problema vividos pela comunidade Por conseguinte natildeo prioriza somente os objetivos e conteuacutedos universais sua preocupaccedilatildeo natildeo reside na informaccedilatildeo e sim na formaccedilatildeo de sujeitos histoacutericos cujo conhecimento eacute produzido pela articulaccedilatildeo da reflexatildeo e praacutetica no processo de apreensatildeo da realidade

Enfatizando as relaccedilotildees sociais amplia seu acircmbito de accedilatildeo para aleacutem dos limites da sala de aula introduzindo o educando em atividades na comunidade incentivando a participaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo (SANTOS A 2009 p 127)

60

A respeito da referecircncia ao uso da pedagogia criacutetica ou do pensamento criacutetico nesta tese vale lembrar que estamos nos referindo agrave filosofia de pensadores como Henry Giroux e Paulo Freire que tem por princiacutepio a justiccedila social Portanto se trata do pensamento criacutetico proveniente da construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo Isso porque ldquoos procedimentos criacuteticos [] satildeo historicamente desenvolvidos em solidariedade com os proacuteprios conteuacutedos dos diferentes ramos do conhecimento que integram o curriacuteculo escolarrdquo (CARVALHO 2013 p 123)

122

O curriacuteculo neste caso deve confrontar e desafiar o educando frente

aos temas sociais visando preparaacute-lo para o desenvolvimento progressivo de

toda a coletividade Para que isso ocorra eacute preciso pensar em propostas que

superem a organizaccedilatildeo curricular acadecircmica distanciada da vida em

comunidade e aproximem-se do compromisso de interferir e lidar com

diferentes espaccedilos e processos de formaccedilatildeo e padrotildees culturais Para se

desafiar a ordem social buscando constituir uma sociedade mais democraacutetica

a escola deve criar meios para propiciar aos alunos conhecimentos mas

tambeacutem caraacuteter postura eacutetica e poliacutetica para que sua formaccedilatildeo possa constituir

sua personalidade ciacutevica (GIROUX 1999) Este direcionamento criacutetico eacute

fundamental para que os alunos possam reconhecer as implicaccedilotildees poliacuteticas

de suas experiecircncias reconhecendo-se assim sujeitos no processo de

construccedilatildeo de conhecimento

A realidade natildeo deve ser algo distante fora da escola mas estar no

curriacuteculo de maneira que os alunos aprendam por meio dela transformando-a

num movimento curricular integrado e articulado com a sociedade O

conhecimento neste caso natildeo eacute compreendido enquanto objeto estanque que

pode ser decorado e descartado apoacutes a verificaccedilatildeo do processo de

memorizaccedilatildeo Ao contraacuterio ele deve ser produzido em meio a contradiccedilotildees

levando em conta as formas culturais existentes as tensotildees poliacuteticas para

propiciar a aprendizagem com intenccedilatildeo emancipadora Conhecendo a

realidade que os cerca os jovens podem transformar conhecimento abstrato

em experiecircncias concretas de aprendizagem tendo contato com problemas

reais da sociedade diferentes culturas desigualdades contradiccedilotildees faltas e

excessos o que lhes permite formar a sua proacutepria visatildeo de mundo

Em contraponto ao curriacuteculo tradicional agrave rigidez estrutural de um

curriacuteculo formatador e reprodutor cultural estaacute a construccedilatildeo social formativa

que natildeo acontece somente nos espaccedilos escolares mas sobretudo em outras

fontes de relaccedilotildees sociais ampliando a percepccedilatildeo de curriacuteculo natildeo a

restringindo a disciplinas e conteuacutedos curriculares mas considerando

tambeacutem a formaccedilatildeo eacutetica e social a pedagogia ou formas de organizar os

saberes escolares e as avaliaccedilotildees Neste sentido o saber para a emancipaccedilatildeo

123

e libertaccedilatildeo eacute valorizado numa formataccedilatildeo poliacutetica da escola transpondo o

universo da sala de aula visionando uma educaccedilatildeo para a vida

Henry Giroux eacute um teoacuterico que trabalha as questotildees poliacuteticas e

culturais do curriacuteculo Em sua obra eacute central a ideia de emancipaccedilatildeo por meio

da esfera puacuteblica democraacutetica o intelectual transformador e a voz A escola eacute

compreendida enquanto participante da vida social e seus professores devem

exercer o papel de ldquointelectuais transformadoresrdquo natildeo mais de centralizadores

de conhecimento O conceito de voz exprime o caraacuteter poliacutetico na medida em

que dar voz significa dar poder dar voz para quem a vida toda lhe foi negado o

direito O curriacuteculo estaacute construiacutedo em meio a significados e valores culturais

ou seja natildeo eacute apenas a seleccedilatildeo de conteuacutedos que definem um curriacuteculo mas

sim a possibilidade de se ter um local vivo onde se produzem e reproduzem

significados sociais

Natildeo eacute portanto um curriacuteculo construiacutedo segundo uma base

instrucional ou tecnocraacutetica ao que Giroux chama de ldquopedagogias gerenciaisrdquo

Estas se referem agrave tendecircncia cada vez maior de reduzir a autonomia do

professor embutindo ldquopacotesrdquo curriculares que reduzem a praacutetica pedagoacutegica

agrave adoccedilatildeo de determinados procedimentos para a transmissatildeo de determinados

conteuacutedos

Essas pedagogias ignoram as questotildees referentes agrave especificidade cultural ao julgamento do professor e agrave forma como as experiecircncias e as histoacuterias de vida dos estudantes se relacionam com o processo de aprendizagem [] Os administradores escolares acreditam que a excelecircncia eacute uma qualidade a ser exibida em notas mais altas de matemaacutetica leitura e outras disciplinas [] Simultaneamente tais administradores tambeacutem invocam as amarras da quantificaccedilatildeo como indicadores de sucesso (GIROUX 1999 p 18)

Para Giroux a educaccedilatildeo deve ser compreendida como um

compromisso de preparaccedilatildeo do aluno para participar e construir esferas

puacuteblicas democraacuteticas O curriacuteculo eacute portanto pensado para ampliar tempo e

espaccedilo por meio de novos arranjos articulaccedilotildees intersetoriais e a utilizaccedilatildeo da

124

cidade como espaccedilo educador61 porque contribui para o desenvolvimento local

e assume sua parte no processo educativo

3 A solidariedade e o saber compartilhado

Em meio agrave loacutegica da estrutura das cidades que temos atualmente onde

o interesse estaacute em se criar grandes espaccedilos de compras de circulaccedilatildeo de

bens e mercadorias e a convivecircncia eacute quase reduzida ao de vidas individuais

reduzidas por sua vez a consumidores (CARVALHO 2013) novos

paradigmas que desejam quebrar essa loacutegica como o de aprendizagem

colaborativa cidade educadora cidade sustentaacutevel e cidadania planetaacuteria tecircm

encontrado respaldo no desenvolvimento do conhecimento de forma plural

contextualizada onde a cidade eacute pensada como espaccedilo educador

Cidade educadora eacute um movimento iniciado em 1990 em Barcelona e

constitui-se em um conjunto de cidades que assumiu como objetivo comum

trabalhar juntas em atividades para melhorar a qualidade de vida de seus

habitantes62 O projeto tem como princiacutepio a escola como espaccedilo comunitaacuterio

trabalhar a cidade como grande espaccedilo educador promover o aprender na

cidade com a cidade e com as pessoas valorizar o aprendizado vivencial e

priorizar a formaccedilatildeo de valores (SOROCABA 2013)

Na concepccedilatildeo de cidade sustentaacutevel o desafio eacute o de se criar um

ambiente em que a vida seja viaacutevel para todos e para sempre segundo Tiatildeo

Rocha fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento pioneiro no

movimento das Cidades Sustentaacuteveis

61

No entanto como ressalva Padilha para que haja a ampliaccedilatildeo dos espaccedilos pedagoacutegicos que viabilizem projetos de educaccedilatildeo integral e para que ela de fato passe a ter condiccedilotildees de desenvolvimento e execuccedilatildeo eacute preciso continuar avanccedilando em poliacuteticas puacuteblicas Vale ponderar que o Estado natildeo pode delegar agrave sociedade as responsabilidades que lhe satildeo atribuiacutedas (PADILHA 2012 p 105-106)

62 A Rede Brasileira conta com a participaccedilatildeo de quatorze cidades sendo elas Belo Horizonte

Campo Novo do Parecis Caxias do Sul Dourados Jequieacute Montes Claros Porto Alegre Santiago Santo Andreacute Santos Satildeo Bernardo do Campo Satildeo Carlos Satildeo Paulo e Sorocaba (coordenadora)

125

Em ambos os movimentos a proposta eacute essencialmente poliacutetica e soacute

pode ser realizada a partir da construccedilatildeo de uma cultura integrada que

favorece a formaccedilatildeo da cidadania planetaacuteria na visatildeo do planeta como uma

sociedade mundial (GADOTTI 2000 p 135) onde adotar atitudes valores e

comportamentos estatildeo em sinergia com um projeto comum de cuidado com a

Terra Seu principal objetivo eacute ldquoa superaccedilatildeo das desigualdades eliminaccedilatildeo das

sangrentas diferenccedilas econocircmicas e a integraccedilatildeo intercultural da humanidade

enfim uma cultura de justipaz (a paz como fruto da justiccedila)rdquo (GADOTTI apud

PADILHA et al 2011 p 20) Neste sentido a cidadania planetaacuteria soacute poderaacute

ser vivenciada de fato em experiecircncias de educaccedilatildeo que transcenda a sala de

aula daiacute a necessidade de se considerar uma experiecircncia educativa

comprometida com a formaccedilatildeo cognitiva (ler escrever contar) mas que vaacute

aleacutem que promova o desenvolvimento social e poliacutetico Trata-se de um projeto

de aprender a valorizar as diferenccedilas utilizando a proacutepria cidade numa

proposta de ldquoeducaccedilatildeo na cidaderdquo como afirma Paulo Freire (GADOTTI 2009

p 45-46) Trata-se tambeacutem de se considerar a relevacircncia da solidariedade

como praacutetica curricular educativa como meio para o desenvolvimento da

educaccedilatildeo como precondiccedilatildeo de desenvolvimento e justiccedila social

Essa configuraccedilatildeo permite pensar toda a cidade enquanto um

ambiente colaborativo de aprendizagem um espaccedilo educativo a partir da

escola trazendo possibilidades ao curriacuteculo de se criar experiecircncias que

integrem as escolas aos espaccedilos compartilhados com pessoas diferentes

interesses diversos em um ambiente rico para se aprender a viver junto a

olhar o outro e re-conhecer as suas principais caracteriacutesticas e necessidades

suas forccedilas e fraquezas e o que pode ser feito para melhorar a vida da

comunidade Assim cidade e escola tornam-se um novo territoacuterio para a

construccedilatildeo da cidadania (GADOTTI 2009) Este eacute o cerne da educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria pois ela acontece em todos os espaccedilos dialoacutegicos

que permitam a construccedilatildeo de conhecimento Sua forma de expressatildeo de

transformar e ser transformado e a relaccedilatildeo dialoacutegica compotildeem a compreensatildeo

do aprender a viver junto vivendo junto cuidando-se

A Carta da Terra apresenta a proposta de ser um compromisso

internacional para a construccedilatildeo da cultura de paz e dignidade humana

126

adotando a educaccedilatildeo e a praacutetica solidaacuteria (alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica) como meio e objetivo para ser atingido em niacutevel global

[] devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo bem como com nossas comunidades locais Somos ao mesmo tempo cidadatildeos de naccedilotildees diferentes e de um mundo no qual as dimensotildees local e global estatildeo ligadas [] O espiacuterito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida eacute fortalecido quando vivemos com [] humildade em relaccedilatildeo ao lugar que o ser humano ocupa na natureza (Responsabilidade Universal da Carta da Terra) (CARTA DA TERRA 2013)

A ideia de vida em comunidade no documento vem com a

responsabilidade de promover o bem comum visando um modo de vida

sustentaacutevel que soacute seraacute conseguido por meio da consciecircncia poliacutetica da eacutetica

e da alteridade (solidariedade) na construccedilatildeo de um estado democraacutetico

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de

dezembro de 1948 Trata-se de um acordo internacional de humanidade poacutes

Segunda Guerra Mundial que apresenta logo em seu artigo primeiro a ideia

de que ldquotodas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo

dotadas de razatildeo e consciecircncia e devem agir em relaccedilatildeo umas agraves outras com

espiacuterito de fraternidaderdquo (DECLARACcedilAtildeO UNIVERSAL DOS DIREITOS

HUMANOS 1948) Mais adiante no artigo XXVI a Declaraccedilatildeo aborda

diretamente o tema da educaccedilatildeo

a instruccedilatildeo seraacute orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais A instruccedilatildeo promoveraacute a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e grupos raciais ou religiosos e coadjuvaraacute as atividades das Naccedilotildees Unidas em prol da manutenccedilatildeo da paz (Ibidem)

O texto pontua que a formaccedilatildeo precisa ser orientada no sentido de

garantir o pleno desenvolvimento do homem e seu preparo para a convivecircncia

produtiva e paciacutefica Significa dizer que as referecircncias educacionais que

127

podem ou natildeo influir nas praacuteticas curriculares nem sempre estatildeo circunscritas

no universo escolar

Tais documentos anunciam os desafios para a educaccedilatildeo na atualidade

voltando-se natildeo somente agrave aquisiccedilatildeo de saberes acumulados ou aqueles

medidos pelos exames externos e preparar para a vida democraacutetica como

tambeacutem lidando com relaccedilotildees culturas consumo poder Numa sociedade

planetaacuteria haacute cada vez mais a necessidade de se aprender a viver junto

Tentando compreender o real ndash o homem e o mundo ndash eacute preciso aprender as interdependecircncias que criam a necessidade de solidariedades Estas solidariedades natildeo pertencem ao mundo das boas intenccedilotildees mas resultam das dificuldades do nosso tempo Situam-se em niacuteveis

diferentes em comunidades de tamanhos diversos []

A coesatildeo social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do seacuteculo XX como aspiraccedilotildees e finalidades indissoluvelmente ligadas em harmonia com a dignidade humana O respeito pelos direitos do indiviacuteduo anda a par com o sentido de responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver juntos (GEREMEK 2001 p 228 grifos nossos)

O conhecimento natildeo pode ser isolado dos interesses e valores

humanos que dizem respeito agrave construccedilatildeo de um mundo melhor Neste

sentido o embasamento teoacuterico e pragmaacutetico da solidariedade enquanto

conhecimento sugere uma abordagem pedagoacutegica que incite e esteja apoiada

no desenvolvimento da capacidade de pensarem criticamente por meio de

vivecircncias propiciadas intencionalmente pela escola

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa

O conceito de praacutetica pode ter inuacutemeras interpretaccedilotildees Para Gimeno

Sacristaacuten o significado de praacutetica educativa estaacute imbricado ao de praacutetica

didaacutetica que envolve aleacutem do trabalho docente o proacuteprio curriacuteculo e eacute

diferente do de accedilatildeo Para o autor as formas de organizar o curriacuteculo muitas

128

vezes podem responder a exigecircncias institucionais mas as accedilotildees docentes

nem sempre conseguem influir no tempo espaccedilo dinacircmica e organizaccedilatildeo

curricular exercida pelos procedimentos de controle da proacutepria instituiccedilatildeo

Neste sentido muitas vezes as praacuteticas curriculares estabelecem os limites

para as accedilotildees docentes

A praacutetica educativa eacute algo mais do que a expressatildeo do ofiacutecio dos professores eacute algo que natildeo lhes pertence por inteiro mas um traccedilo cultural compartilhado [] algumas vezes em relaccedilotildees de complementariedade e de colaboraccedilatildeo e outras em relaccedilotildees de atribuiccedilotildees [] A praacutetica educativa tem sua gecircnese em outras praacuteticas que interagem com o sistema escolar e aleacutem disso eacute devedora de si mesma de seu passado (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 91)

Enquanto a praacutetica recebe mais fortemente a carga do ldquotraccedilo cultural

compartilhadordquo a accedilatildeo eacute um campo mais pessoal pertence ao agente

Portanto satildeo as praacuteticas curriculares que satildeo implementadas organizadas e

envolvem a seleccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos saberes escolares O curriacuteculo pensado

a partir das relaccedilotildees que estabelecem tem como base as experiecircncias

anteriores de cada um dos sujeitos envolvidos no processo que as revisitam e

corrigem o rumo das experiecircncias que ainda estatildeo por vir Desta forma satildeo as

praacuteticas jaacute existentes que influenciam na organizaccedilatildeo curricular e no meacutetodo

Nas escolas tradicionais a tendecircncia eacute manter a reproduccedilatildeo e existe a

continuidade cultural tanto em relaccedilatildeo aos processos quanto em relaccedilatildeo ao

conteuacutedo

Nas sociedades abertas espera-se maior renovaccedilatildeo daiacute o interesse

em natildeo se descartar a tradiccedilatildeo inerente mas fazecirc-la de uma nova forma

aperfeiccediloando-a (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) Inerentemente estaacute a

solidariedade enquanto conhecimento praacutetica curricular valor e haacutebito Natildeo eacute

possiacutevel pensaacute-la como uma disciplina Ela (a solidariedade) precisa estar

imbricada no curriacuteculo fazer parte das relaccedilotildees pedagoacutegicas que se

estabelecem e tecem o ambiente escolar habitualmente conferindo

autenticidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

129

Pierre Bourdieu em quem Gimeno Sacristaacuten apoia-se aqui define

habitus por

sistemas de disposiccedilotildees duraacuteveis estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes isto eacute como princiacutepio gerador e estruturador das praacuteticas e das representaccedilotildees que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto da obediecircncia a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenccedilatildeo consciente dos fins e o domiacutenio expresso das operaccedilotildees necessaacuterias para atingi-los e coletivamente orquestradas sem ser o produto da accedilatildeo organizadora de um regente (BOURDIEU 2003 p 53-54)

O habitus se apresenta como um regulador da subjetividade do sujeito

por meio de uma praacutetica social que se percebe estruturada e que tende a inferir

como um regulador das praacuteticas do sujeito embora sua condiccedilatildeo natildeo seja

invariaacutevel Para ele se o sistema muda a tendecircncia eacute uma nova acomodaccedilatildeo

dos sujeitos Neste sentido o habitus tende a conformar e orientar as relaccedilotildees

de interaccedilatildeo ao mesmo tempo em que eacute produto das proacuteprias relaccedilotildees sociais

que se estabelecem

Para Gimeno Sacristaacuten o haacutebito eacute um fator determinante na praacutetica

pedagoacutegica pois as accedilotildees dos sujeitos muitas vezes natildeo satildeo determinadas

pela reflexatildeo sobre o que se deve fazer mais pelo habitus ao qual ela tem sido

feita Por habitus compreende ldquoa organizaccedilatildeo resultante de praacuteticas com

capacidades para dirigir e regular accedilotildees futuras de forma a permitir o alcance

de determinados fins sem que cada indiviacuteduo que assume o habitus tenha de

propor-se a isso explicitamenterdquo (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 82) Assim as

proacuteprias estruturas se cristalizam a partir do habitus e assim tendem a manter

a ordem rejeitando ou refutando as transformaccedilotildees que por ventura venham a

lhe ameaccedilar Muito pouco se pode esperar de mudanccedilas quando as accedilotildees

tentam ser transformadas individualmente Assim ainda que os indiviacuteduos

formem as instituiccedilotildees a institucionalizaccedilatildeo acaba trazendo consequecircncias

cumulativas na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees dos

comportamentos dos valores ldquoAs accedilotildees repetidas com frequecircncia criam uma

pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

130

apreendida como pauta pelo agenterdquo (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho pedagoacutegico e

para a aprendizagem Da mesma forma que pode ser difiacutecil interromper a

loacutegica participativa de um ambiente colaborativo bem sedimentado Significa

dizer que as condiccedilotildees sociais os modos de gestatildeo os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola Disponibilizar o conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa

oferecer um modelo arcaico de educaccedilatildeo O que caracteriza solidificaccedilatildeo eacute a

reproduccedilatildeo de velhos haacutebitos (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) e de nada vale um

discurso do professor que enfatiza a eacutetica e a solidariedade se a praacutetica o

exemplo for outra63

Os valores satildeo aprendidos na escola em propostas de atividades

intencionais mas tambeacutem nas relaccedilotildees que se estabelecem de forma que natildeo

basta o tema estar presente na Proposta Curricular se a praacutetica pedagoacutegica

natildeo consolida natildeo propicia o aprendizado pela vivecircncia daquilo que se deseja

ensinar

Aprendemos a ser professores assim como aprendemos a ser cidadatildeos traficantes ou corruptos Os problemas de uma instituiccedilatildeo escolar sempre satildeo ligados agraves escolhas de objetivos e formas de ensino a partir das quais os alunos seratildeo iniciados em certos comportamentos conteuacutedos e condutas que valoramos [] Podemos empreender esforccedilos no sentido de ensinar um aluno a conviver com a criacutetica mas a indignar-se com a injusticcedila e natildeo a conviver com ela (CARVALHO 2013 p 125)

63

Vale ressaltar que Pierre Bourdieu desenvolve o conceito de habitus se referindo ao conceito natildeo de forma determinista O habitus natildeo eacute um mero produto da subjetividade do sujeito mas eacute construiacutedo a partir de sua trajetoacuteria social Neste sentido natildeo estaacute condenado a ser uma repeticcedilatildeo sem-fim de conduta podendo ser pensado como um sistema aberto que pode ser construiacutedo continuamente Ele natildeo necessariamente se refere agrave loacutegica pura da reproduccedilatildeo ao contraacuterio constitui-se por meio de estrateacutegias e de praacuteticas nas quais e pelas quais os agentes reagem adaptam-se e contribuem criando novas situaccedilotildees (SETTON 2002)

131

Ao se buscar compreender a solidariedade como praacutetica curricular

educativa tanto a ldquosolidariedaderdquo quanto a ldquopraacuteticardquo inferem diretamente na

compreensatildeo de ldquocurriacuteculordquo e de ldquoeducaccedilatildeordquo em quem se deseja formar onde

o curriacuteculo eacute o caminho percorrido durante a vida escolar e a educaccedilatildeo eacute um

conceito mais amplo refere-se agraves experiecircncias formativas ao longo da vida

quer sejam elas propiciadas pela escola ou em outras situaccedilotildees de

aprendizagem e envolvem o desenvolvimento das inteligecircncias ligadas ao

conviacutevio em sociedade pela ecologia dos saberes (SANTOS B S 2007)

Sendo assim sobretudo durante a educaccedilatildeo escolar natildeo se deve

separar a aquisiccedilatildeo de conhecimentos culturalmente acumulados e a

construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo das inteligecircncias ligadas agrave ecologia

dos saberes da aprendizagem de valores pelos quais se aprende a viver com

a consciecircncia poliacutetica necessaacuteria para a construccedilatildeo cotidiana do estado

democraacutetico

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional

Em documentos curriculares nacionais tais como a Lei de Diretrizes e

Bases ndash LDB os Paracircmetros Curriculares Nacionais ndash PCN e os Referenciais

Curriculares Nacionais ndash RCN os ideais de solidariedade pautam a finalidade

da educaccedilatildeo brasileira O preparo para o exerciacutecio da cidadania e a praacutetica

social estatildeo inscritos na LDB (Art1ordm sect 2ordm e Art22 Lei nordm 939496) A inserccedilatildeo

de atividades solidaacuterias na formulaccedilatildeo curricular recai na seleccedilatildeo de

conteuacutedos procedimentos e meacutetodos que seratildeo empregados pela escola para

que ela exerccedila essa formaccedilatildeo

Nos Paracircmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental a

escola na perspectiva de construccedilatildeo da cidadania eacute indicada a assumir a

valorizaccedilatildeo da cultura de sua proacutepria comunidade propiciando aos alunos o

conviacutevio com diferentes grupos sociais o acesso aos conhecimentos

socialmente relevantes em acircmbito nacional e regional o desenvolvimento da

relaccedilatildeo interpessoal cognitiva afetiva motora eacutetica e esteacutetica A

132

aprendizagem de atitudes e valores eacute apontada como uma praacutetica constante e

coerente em que os alunos aprendam a respeitar as diferenccedilas bem como a

reconhecer as semelhanccedilas a estabelecer viacutenculos de confianccedila cooperativos

e solidaacuterios em um clima favoraacutevel de trabalho no qual a avaliaccedilatildeo e a

observaccedilatildeo do caminho por eles percorrido seja de fato instrumentos de auto-

regulaccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem

No entanto de iniacutecio eacute preciso pontuar que um curriacuteculo pautado na

construccedilatildeo do conhecimento solidariedade estaacute apoiado na vivecircncia de

situaccedilotildees de aprendizagem nas quais sejam criadas situaccedilotildees de

aprendizagem a partir da realidade local Portanto haacute de se considerar a

autonomia da escola e do professor em sua organizaccedilatildeo Natildeo se trata apenas

de incluir a ideia de ldquoformaccedilatildeo para a cidadania segundo os ideais de

solidariedaderdquo se esse estiver descolado da praacutetica tampouco seraacute possiacutevel

desenvolvecirc-lo a partir da proposta de padronizaccedilatildeo de um curriacuteculo nacional

uacutenico regulador de um processo de aprendizagem centrado na aquisiccedilatildeo de

conteuacutedo e com foco em bons resultados nos exames externos Assim o

modelo regulador de curriacuteculo nacional uacutenico que tramita no Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo desde o final de 2011 concorre com o princiacutepio de autonomia na

escola pois a proposta visa estabelecer entre outras metas o que o aluno

deve saber ao final de cada uma das seacuteries obscurecendo a mobilidade do

professor de adequar a proposta pedagoacutegica ao perfil de seus alunos

deslocando o objetivo do ensino para o sucesso da aplicaccedilatildeo de determinado

conteuacutedo ao inveacutes de considerar o processo de aprendizagem do aluno A

padronizaccedilatildeo silencia e desfavorece a riqueza da diversidade do conjunto em

cada escola Sobre as grandes generalizaccedilotildees no contexto das teorias gerais

que pode se aplicar neste caso Boaventura S Santos argumenta que

a diversidade do mundo eacute inesgotaacutevel natildeo haacute teoria geral que possa organizar toda essa realidade [] Natildeo posso reduzir a heterogeneidade do mundo a uma homogeneidade que seria de novo uma totalidade que deixaria de fora muitas outras coisas (2007 p 39)

133

Santos propotildee ao contraacuterio um processo intercultural intersocial de

buscar o que chamou de inteligibilidade sem homogeneizaccedilatildeo para natildeo

destruir a diversidade Aleacutem disso o proacuteprio estado tem estabelecido exames

de avaliaccedilatildeo externos metas e sistemas de bonificaccedilatildeo que ldquoregulamrdquo e desta

forma concorrem diretamente com a ideia de uma educaccedilatildeo que ldquoemancipardquo

Portanto ao se aproximar desses documentos eacute preciso manter-se atento

Trazer algumas passagens dos documentos oficiais que apresentam

orientaccedilotildees que permitem a composiccedilatildeo curricular sem restringir a adequaccedilatildeo

e autonomia da escola e trazem no acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica pelo aspecto

da formaccedilatildeo ciacutevica eacute a proposta desta tese para situar a solidariedade nos

documentos oficiais muito embora saibamos que outras passagens e poliacuteticas

adotadas concorram diretamente com o conhecimento-emancipaccedilatildeo

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do

Ensino Fundamental que os alunos sejam capazes de

compreender a cidadania como participaccedilatildeo social e poliacutetica assim

como exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos civis e sociais adotando

no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito

posicionar-se de maneira criacutetica responsaacutevel e construtiva nas

diferentes situaccedilotildees sociais utilizando o diaacutelogo como forma de mediar

conflitos e de tomar decisotildees coletivas

No caderno dos Temas Transversais de Eacutetica (BRASIL 2000) satildeo

objetivos

adotar atitudes de respeito pelas diferenccedilas entre as pessoas respeito

esse necessaacuterio ao conviacutevio numa sociedade democraacutetica e pluralista

adotar no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas e discriminaccedilotildees

compreender a vida escolar como participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico

utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construccedilatildeo de

uma sociedade democraacutetica e solidaacuteria

134

Desenvolver o conhecimento solidariedade estaacute relacionado a aprender

a exercer de fato a cidadania

Natildeo se eacute solidaacuterio apenas ajudando pessoas proacuteximas ou engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente por exemplo) Essas formas satildeo genuiacutenas traduccedilatildeo da solidariedade humana mas haacute outras Uma delas diretamente relacionada com o exerciacutecio da cidadania eacute a da participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico na vida poliacutetica O exerciacutecio da cidadania natildeo se reduz apenas pela defesa dos proacuteprios interesses e direitos mas passa necessariamente pela solidariedade (BRASIL 2000 p 71)

A solidariedade tambeacutem eacute indicada como um dos quatro blocos de

conteuacutedo no caderno ldquoEacuteticardquo dos Temas Transversais64 Pensar a solidariedade

como praacutetica educativa significa criar espaccedilos no curriacuteculo onde ela seja

vivenciada culturalmente no ambiente escolar nas relaccedilotildees que se

estabelecem na intencionalidade das atividades e projetos de intervenccedilatildeo

desenvolvidos junto agrave comunidade O fazer pedagoacutegico solidaacuterio implica em um

fazer eacutetico colaborativo onde a solidariedade eacute relaccedilatildeo Nos Paracircmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Meacutedio estabelecidos pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo propotildee-se a reflexatildeo de um curriacuteculo pensado para organizar

estrateacutegias de realizaccedilatildeo de atividades nos trecircs domiacutenios da accedilatildeo humana a

vida em sociedade a atividade produtiva e a experiecircncia subjetiva Essa

indicaccedilatildeo respalda o desenvolvimento de projetos solidaacuterios na educaccedilatildeo

baacutesica

Da mesma forma o Artigo 3ordm da Lei nordm 939496 na Constituiccedilatildeo

Brasileira afirmando que o respeito agrave liberdade e apreccedilo agrave toleracircncia a gestatildeo

democraacutetica do ensino puacuteblico na forma desta lei e da legislaccedilatildeo dos sistemas

de ensino a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra-escolar a vinculaccedilatildeo entre a

educaccedilatildeo escolar o trabalho e as praacuteticas sociais sugere o apoio a meacutetodos

que permitam o desenvolvimento de projetos solidaacuterios quando cita a gestatildeo

64

Os outros trecircs satildeo respeito muacutetuo justiccedila e diaacutelogo Tais blocos referem-se a toda a proposta de Eacutetica do Ensino Fundamental e estaacute ligada diretamente ao princiacutepio da dignidade humana

135

democraacutetica a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra escolar a vinculaccedilatildeo dos

saberes escolares agraves praacuteticas sociais Em consonacircncia tanto com o texto que

se refere ao Ensino Meacutedio quanto do Ensino Fundamental o desenvolvimento

da capacidade de aprendizagem tendo em vista a aquisiccedilatildeo de conhecimentos

e habilidades a formaccedilatildeo de atitudes e valores bem como o fortalecimento

dos viacutenculos de famiacutelia dizem respeito agrave solidariedade como praacutetica curricular

educativa

O Conselho Nacional de Educaccedilatildeo ressaltou no histoacuterico do Parecer

do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo da Cacircmara de Educaccedilatildeo Baacutesica nuacutemero

072010 que estabeleceu as bases para a definiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica que

a necessidade de definiccedilatildeo de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute posta pela emergecircncia da atualizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que consubstanciam o direito de todo brasileiro agrave formaccedilatildeo humana e cidadatilde e agrave formaccedilatildeo profissional na vivecircncia e convivecircncia em ambiente educativo (MECCNE 2010)

O Programa Ensino Meacutedio Inovador lanccedilado em 2009 e o ENEM

reformulado sugerem o desenvolvimento da solidariedade como praacutetica

curricular educativa O Programa65 entende que o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

de cada unidade escolar deve materializar-se no processo de formaccedilatildeo

65

O Ensino Meacutedio Inovador tem como principais objetivos a superaccedilatildeo das desigualdades de oportunidades educacionais (segundo o PNAD 2006 733 dos jovens matriculados satildeo da regiatildeo Sudeste contra 311 do Nordeste) a universalizaccedilatildeo do acesso e permanecircncia dos adolescentes de 15 a 17 anos no Ensino Meacutedio (segundo o PNAD de 2006 mais de 50 dos jovens natildeo estatildeo matriculados nessa faixa etaacuteria) a consolidaccedilatildeo da identidade dessa etapa educacional considerando a diversidade de sujeitos a oferta de aprendizagem significativa para jovens e adultos reconhecimento e priorizaccedilatildeo da interlocuccedilatildeo com as culturas juvenis

O curriacuteculo meacutedio inovador eacute organizado por um plano de implantaccedilatildeo (gestatildeo operacionalizaccedilatildeo apoio teacutecnico e pedagoacutegico) linhas de accedilatildeo e macrocampos Compreende-se macrocampo o conjunto de atividades didaacutetico-pedagoacutegicas que estatildeo dentro de uma aacuterea de conhecimento percebida como um grande campo de accedilatildeo educacional e interativa podendo contemplar uma diversidade de accedilotildees que qualificam e dialogam com o curriacuteculo escolar

O Programa eacute oferecido para as escolas que apresentaram baixo aproveitamento no IDEB (Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica uma nota que parte do cruzamento dos resultados obtidos pela escola na Prova Brasil ou SAEB e o fluxo de aprovaccedilatildeo) Ele disponibiliza uma linha de creacutedito para as escolas participantes de acordo com a linha de accedilatildeo e o macrocampo previsto por ela no planejamento (BRASILMEC 2009)

136

humana coletiva por meio da articulaccedilatildeo entre trabalho ciecircncia e cultura a

partir de alguns indicativos entre eles

fomentar o comportamento eacutetico como ponto de partida para o

reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania praticando um

humanismo contemporacircneo pelo reconhecimento respeito e

acolhimento da identidade do outro e pela incorporaccedilatildeo da

solidariedade

promover atividades sociais que estimulem o conviacutevio humano e

interativo do mundo dos jovens

realizar parceria com a secretaria de juventude e estimular a

participaccedilatildeo do jovem em pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica atividades

sociais artiacutesticas e culturais

desenvolver accedilotildees de incentivo agrave atuaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da juventude

nos seus processos de desenvolvimento pessoal social e de vivecircncia

poliacutetica

A avaliaccedilatildeo do Ensino Meacutedio - o ENEM66 - eacute uma prova criada em

2009 que comeccedilou a considerar em sua segunda versatildeo como criteacuterio de

correccedilatildeo da redaccedilatildeo 5 competecircncias definidas como modalidades estruturais

da inteligecircncia accedilotildees e operaccedilotildees que se deva utilizar para estabelecer

relaccedilotildees com e entre objetos situaccedilotildees fenocircmenos e pessoas que se deseja

conhecer Entre elas destaca-se a que sugere a tomada de decisotildees para o

enfrentamento de situaccedilotildees-problema e a que cita de fato a intervenccedilatildeo

solidaacuteria como proposta educativa 66

O Exame comeccedilou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades puacuteblicas brasileiras atraveacutes do SiSU (Sistema de Seleccedilatildeo Unificada) Atraveacutes do SiSU os alunos podem se inscrever para as vagas disponiacuteveis nas universidade brasileiras participantes do Sistema (como a utilizaccedilatildeo do ENEM e do SiSU pelas universidade brasileiras eacute opcional algumas universidades ainda utilizam concursos vestibulares proacuteprios para seleccedilatildeo dos candidatos agraves vagas) Aleacutem disso a prova tambeacutem comeccedilou a ser utilizada para a aquisiccedilatildeo de bolsas de estudo integrais ou parciais em universidades particulares atraveacutes do ProUni (Programa Universidade para Todos) para a obtenccedilatildeo de financiamentos atraveacutes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) como certificaccedilatildeo de conclusatildeo do Ensino Meacutedio em cursos de Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos (EJA) Os resultados do ENEM ainda satildeo utilizados pelo governo como ferramenta para avaliar a qualidade geral do Ensino Meacutedio no paiacutes orientando as poliacuteticas educacionais do Brasil Vale ressaltar que a sociedade principalmente a miacutedia tem utilizado o resultado para rankiar as escolas por notas o que acaba tendo um peso valioso para o mercado na avaliaccedilatildeo da melhor escola (puacuteblica ou particular) (INEP 2013)

137

enfrentar situaccedilotildees-problema selecionar organizar relacionar

interpretar dados e informaccedilotildees representados de diferentes formas

para tomar decisotildees e enfrentar situaccedilotildees-problema

elaborar proposta recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola

para elaboraccedilatildeo de propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade

respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural

As avaliaccedilotildees externas como o ENEM tecircm pautado o curriacuteculo uma

vez que as escolas satildeo cobradas segundo os seus rendimentos que satildeo

adotados como iacutendices nacionais de qualidade Neste sentido considerar a

intervenccedilatildeo solidaacuteria como criteacuterio da prova de redaccedilatildeo (a de maior peso)

causa impacto na formulaccedilatildeo curricular do Ensino Meacutedio muito embora a

pressatildeo pelo desempenho nas demais questotildees e o ranking ao qual sobretudo

a miacutedia expotildee as escolas e a educaccedilatildeo como mercadoria fortalece o

conhecimento-regulaccedilatildeo Justamente por se tratar de uma realidade

contraditoacuteria e tensionada pela natildeo neutralidade poliacutetica inerente ao processo

educativo eacute que se faz necessaacuterio desejar todo e qualquer espaccedilo-tempo que

favoreccedila a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento reconhecido e

socialmente valorado daiacute a relevacircncia histoacuterica de se incluir a ldquoelaboraccedilatildeo de

propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidaderdquo como indicador de qualidade

da educaccedilatildeo baacutesica

6 O curriacuteculo e a qualidade da educaccedilatildeo

Pode-se dizer que a qualidade que se deseja imprimir guia o curriacuteculo e

o curriacuteculo determina a qualidade da educaccedilatildeo Neste sentido eacute preciso

ponderar o que se compreende por qualidade da educaccedilatildeo para que seja

possiacutevel alinhar a proposta de solidariedade pensada enquanto praacutetica

educativa no curriacuteculo

138

A histoacuteria da universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo baacutesica no Brasil eacute recente

Somente apoacutes o periacuteodo relativo agrave Ditadura Militar quando o paiacutes enfrentou a

sua mais seacuteria fase de repressatildeo ideoloacutegica e apoacutes a conquista das eleiccedilotildees

diretas (1984) a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal (1988) e a sanccedilatildeo da

atual Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (1996) que determinava

o Ensino Fundamental obrigatoacuterio e gratuito (Art4ordm) eacute que o Brasil alcanccedilou

iacutendices satisfatoacuterios de oferta de vagas para a educaccedilatildeo baacutesica

Nessa mesma eacutepoca a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para

Todos (em Jomtien 1990) organizada pela UNESCO exigia o

comprometimento dos paiacuteses a cooperar adotando medidas necessaacuterias para

propiciar a educaccedilatildeo para todos para o cumprimento das metas de correccedilatildeo

dos iacutendices alarmantes de analfabetismo no mundo Na mesma deacutecada o

desafio passou a ser a busca por imprimir ldquopadrotildees de qualidaderdquo que

pudessem garantir o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade para todos Os

instrumentos foram criados a partir de modelos internacionais que permitem

medir o rendimento de cada escola a partir de testes padronizados e

questionaacuterios socioeconocircmicos (COLEMAN 2008)

Segundo o INEP oacutergatildeo responsaacutevel pelas avaliaccedilotildees do MEC os

testes satildeo aplicados para saber se os alunos estatildeo aprendendo

satisfatoriamente leitura e matemaacutetica habilidades baacutesicas essenciais para a

aprendizagem das demais aacutereas do conhecimento A partir dos dados

levantados e divulgados se pode acompanhar objetivamente as escolas e ter

uma ldquofotografiardquo do desempenho dos alunos nessas avaliaccedilotildees No entanto

para aleacutem da condiccedilatildeo de serem referecircncias por serem paracircmetros

mensuraacuteveis de aprendizagem seu emprego tem promovido uma distorccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do conceito de qualidade na medida em que se tornou

uacutenica referecircncia reduzindo assim o conceito de qualidade da educaccedilatildeo a

rendimentos e resultados cognitivos especiacuteficos fato esse que tem motivado as

escolas a empregarem tais testes como uacutenico modulador curricular sem

mencionar no foco ajustado agrave formaccedilatildeo para o mercado de trabalho dessas

propostas educacionais que visam o preparo pela padronizaccedilatildeo e massificaccedilatildeo

da aquisiccedilatildeo de conhecimento

139

Para Ana Maria Saul isso se deve ao fato de que as avaliaccedilotildees

quantitativas tecircm ecircnfase maior nos produtos e resultados e tendem a querer

simular na escola condiccedilotildees de laboratoacuterio onde satildeo descartadas as

especificidades de formaccedilatildeo dos sujeitos em detrimento das generalizaccedilotildees

estatiacutesticas Nas palavras de Saul

O modelo de avaliaccedilatildeo quantitativa considera a educaccedilatildeo como um processo tecnicista Assume a niacutetida diferenccedila entre fatos e valores a determinaccedilatildeo de fins e objetivos da educaccedilatildeo e a neutralidade eacutetica da intervenccedilatildeo tecnoloacutegica A avaliaccedilatildeo quantitativa tem como preocupaccedilatildeo uacutenica a comprovaccedilatildeo do grau em que os objetivos previamente estabelecidos foram alcanccedilados (SAUL 2010 p 47)

Justamente por essa objetividade em se focar previamente o alcance

das metas estabelecidas no projeto eacute que a avaliaccedilatildeo quantitativa torna-se um

instrumento restrito aos aspectos preestabelecidos observaacuteveis e

quantificaacuteveis No entanto ressalta Saul nem a avaliaccedilatildeo nem a educaccedilatildeo satildeo

processos tecnicistas descolado de valores de subjetividades inerentes ao

proacuteprio processo de aprendizagem Aiacute estaacute a inversatildeo ao inveacutes de se colocar o

foco da qualidade da educaccedilatildeo na qualidade da aprendizagem o objetivo tem

sido unicamente o sucesso no projeto de se conseguir bons resultados nos

exames externos Neste sentido eacute que a avaliaccedilatildeo deveria ser parte do

diagnoacutestico natildeo sua totalidade A insistecircncia tem favorecido o estabelecimento

de uma cultura curricular de preparaccedilatildeo para os exames que favorece uma

loacutegica conservadora de formaccedilatildeo do conhecimento-regulaccedilatildeo (tal como

discutido no capiacutetulo II)

Tal ideia recebe respaldo na importaccedilatildeo do modelo centrado nos

processos de produccedilatildeo em que a utilizaccedilatildeo de modelos hieraacuterquicos lineares e

a eficaacutecia em busca de resultados satildeo diretamente importadas do modelo

empresarial para o universo escolar (BROOKE SOARES 2008) Aleacutem disso a

reengenharia econocircmica gerenciada pelo marketing vem para a educaccedilatildeo

para trazer maior ldquorentabilidaderdquo e ldquocompetitividaderdquo pelo modelo de ldquoqualidade

totalrdquo (CASALI 2011) quase num retorno ao jaacute superado modelo de curriacuteculo

para a formaccedilatildeo da matildeo de obra no advento da industrializaccedilatildeo

140

O foco da educaccedilatildeo natildeo estaacute centrado no processo de formaccedilatildeo e

aprendizagem do aluno mas no cumprimento do plano curricular Essa

inversatildeo na compreensatildeo custa por assim dizer o proacuteprio processo educativo

que em meio a um percurso distorcido acaba favorecendo aqueles que ldquotecircm

condiccedilotildees de acompanhaacute-lordquo Eacute como se a escola estivesse programada para

formar um aluno ldquoidealrdquo assim como a induacutestria produz um artefato com

padronizaccedilatildeo metas prazos riacutegidos controle de qualidade eficaacutecia e

eficiecircncia Eacute justamente o modelo de qualidade que se deseja adotar

No entanto sem um projeto de identidade coletiva o mundo continua a

reproduzir pobreza destruiccedilatildeo ambiental guerra exclusatildeo mesmo com o

avanccedilo da ciecircncia e da tecnologia A sociedade para constituir um estado

democraacutetico precisa de pessoas que saibam con-viver que produzam vida

digna para todos que estabeleccedilam e participem de redes colaborativas Neste

sentido espera-se que sejam pessoas que aprendam a desenvolver sua

autonomia aprendam a respeitar sendo respeitadas em suas particularidades e

que natildeo lhe seja negada a oportunidade de desenvolver-se plenamente A

habilidade de convivecircncia social por natildeo ser natural tem que ser ensinada

aprendida e desenvolvida culturalmente Esta deve ser a tarefa de toda a vida

de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO WERNECK 2004 p 18)

O homem aprende a ser humano quando interage com outro humano

numa relaccedilatildeo que pode ser hieraacuterquica ou colaborativa respeitosa ou

excludente plural ou ativista (FREIRE 1996)

Para Casali (2011) a qualidade da educaccedilatildeo deve ser compreendida

no campo de quatro dimensotildees a saber preacute-condiccedilotildees condiccedilotildees praacuteticas e

resultados Esta compreensatildeo eacute norteadora e esclarece que a emancipaccedilatildeo

dos sujeitos a eacutetica a convivecircncia a solidariedade devem ser os resultados

esperados de um projeto formativo Em sua definiccedilatildeo de qualidade da

educaccedilatildeo no rol das preacute-condiccedilotildees estaacute por exemplo a democracia o estado

de direito as poliacuteticas puacuteblicas com recursos adequados a remuneraccedilatildeo digna

dos profissionais da educaccedilatildeo sua formaccedilatildeo inicial e continuada entre outras

Como condiccedilotildees instalaccedilotildees adequadas (salas de aula laboratoacuterios

equipamentos) vestuaacuterio e alimentaccedilatildeo processo de avaliaccedilatildeo permanente

gestatildeo democraacutetica infraestrutura com direito a acesso agraves tecnologias etc

141

Como praacuteticas um curriacuteculo que integre a escola com a comunidade que

propicie a aprendizagem cognitiva emocional social que respeite cada sujeito

em sua diversidade praacuteticas essas vivenciadas em relaccedilotildees de respeito

solidariedade liberdade Satildeo resultados a formaccedilatildeo pessoal e social a

autoestima a emancipaccedilatildeo dos sujeitos a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico a

capacidade de ser bem sucedido no mundo do trabalho de participar

socialmente

Portanto para se desenvolver uma educaccedilatildeo de qualidade natildeo se

trata de oferecer uma preparaccedilatildeo instrucional teacutecnica apenas Ela precisa

acontecer no espaccedilo da diversidade valorizar-se a partir dela superar a

formaccedilatildeo individualista competitiva consumista O curriacuteculo deve visar uma

educaccedilatildeo em valores que promova o desenvolvimento cognitivo social

cultural emocional e sobretudo eacutetico Aleacutem das diversas aacutereas do

conhecimento como a linguagem em todas as suas formas e miacutedia

matemaacutetica artes ciecircncias naturais ciecircncias sociais filosofia e sociologia ele

precisa ser guiado por um processo avaliativo que permita melhorar o

aproveitamento da aprendizagem e da formaccedilatildeo para a cidadania durante o

percurso O conteuacutedo aprendido na escola natildeo eacute um fim em si mesmo Por

meio de redes de aprendizagem de colaboraccedilatildeo a escola pode criar situaccedilotildees

em que os alunos sejam desafiados a construir conhecimento a serviccedilo de uma

melhor qualidade de vida Vale enfatizar que cabe agrave escola responsabilizar-se

por levantar questotildees sobre o que ensinam e como devem ensinar tendo

consciecircncia do impacto dessa atuaccedilatildeo na constituiccedilatildeo da sociedade Criar

espaccedilos onde haja aplicaccedilatildeo real dos saberes escolares para resolver

problemas sociais reais identificados pela comunidade escolar especialmente

com a percepccedilatildeo do aluno pode ser um diferencial para uma educaccedilatildeo de

qualidade O manejo das tecnologias o acesso ao conteuacutedo acumulado

culturalmente as habilidades de convivecircncia o saber fazer e resolver

situaccedilotildees-problema e o discernimento para saber como empregar a inteligecircncia

para melhorar a qualidade de vida exige mais do processo pedagoacutegico do que

a preparaccedilatildeo para a vida escolar Praacuteticas que sugerem um curriacuteculo

contextualizado criacutetico elaborado em parceria com a comunidade para

142

resolver problemas sociais reais pode ser uma das maneiras encontradas pelas

escolas para oferecer educaccedilatildeo de qualidade emancipadora

Em outras palavras se a questatildeo da qualidade eacute uma conjunccedilatildeo de

fatores como o acesso agraves tecnologias formaccedilatildeo de professores a

infraestrutura da escola a gestatildeo democraacutetica entre outros um bom curriacuteculo

exige articulaccedilatildeo e compromisso com uma educaccedilatildeo emancipadora Leonardo

Boff em seu conjunto de livros nos quais reflete sobre as virtudes para um

outro mundo possiacutevel aponta o intercacircmbio o respeito a convivecircncia o estar

junto e o cuidado com a matildee-terra como a uacutenica alternativa ao suiciacutedio a que

se propotildee uma sociedade individualista e competitiva (BOFF 2005 2006a

2006b)

O processo educativo precisa garantir esses espaccedilos de intercacircmbio

de respeito agraves diferenccedilas de interculturalidade O debate acerca da qualidade

da educaccedilatildeo deve considerar que a todos e a cada um deva ser garantido o

direito agrave formaccedilatildeo emancipadora libertadora solidaacuteria com todas as preacute-

condiccedilotildees e condiccedilotildees asseguradas

143

CAPIacuteTULO IV

144

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA

Esta pesquisa propocircs-se a analisar quatro escolas67 de diferentes

realidades para buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular Natildeo

se pretende comparaacute-las entre si tampouco classificaacute-las relativamente O eixo

central de costura do texto eacute o conceito solidariedade Optamos por considerar

mais de uma escola para compor um universo de anaacutelise mais diversificado e

que nos permitisse buscar compreender em que medida e como a experiecircncia

da solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular e

se ela pode ser considerada inerente ao processo formativo

Durante o desenvolvimento da pesquisa notamos que os sujeitos de

uma mesma escola podem apresentar diferentes compreensotildees de

solidariedade ou que sujeitos de escolas diferentes podem ter interpretaccedilotildees

similares ou ainda natildeo ter clareza em relaccedilatildeo ao desenvolvimento de

atividades solidaacuterias no seu contexto escolar Partindo dessa constataccedilatildeo

agrupamos os dados visando elucidar as praacuteticas curriculares que refletem

diferentes concepccedilotildees a partir de suas falas e da anaacutelise dos documentos das

escolas A construccedilatildeo das possibilidades de arranjos curriculares seus

conflitos e tensotildees tecem o ambiente educativo de maneira dinacircmica e

algumas vezes contraditoacuteria Para identificar os sujeitos que participaram dessa

pesquisa adotamos a convenccedilatildeo das siglas

CP ndash Coordenador Pedagoacutegico

P ndash Professor

ExC ndash ex-Coordenador

C ndash Comunidade

seguidos da identificaccedilatildeo da escola (E1 E2 E3 e E4)

Pode-se observar dois grandes movimentos nos quais eacute possiacutevel

identificar (ou natildeo) a solidariedade no ambiente educativo a) enquanto praacutetica

67

As escolas foram apresentadas no capiacutetulo I

145

educativa no desenvolvimento de atividades intencionalmente planejadas para

que os alunos tenham a experiecircncia de vivenciar a resoluccedilatildeo de um problema

social real e por esta via aprendam por meio da construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo e b) enquanto norma ou conduta adotada entre os sujeitos da

comunidade educativa entre eles professores alunos direccedilatildeo funcionaacuterios e

demais atores por onde se desenvolve o conhecimento-emancipaccedilatildeo pela

praacutetica pelo haacutebito e pelo exemplo Assim a conduccedilatildeo natildeo neutra do curriacuteculo

imprime o processo de formaccedilatildeo da teia de valores posto que natildeo haacute

conhecimento produzido que seja neutro

Grande parte da vida moderna eacute preparada por sistemas de conhecimentos especializados que disciplinam a maneira como as pessoas participam e agem De modo geral o conhecimento especializado modela o lsquonossorsquo pensamento e a lsquonossarsquo accedilatildeo sobre as calorias da nossa dieta contribuindo para a nossa sauacutede pessoal sobre a poluiccedilatildeo no nosso ambiente que afeta a nossa vida sobre o nosso corpo e a nossa mente como possuidores de estaacutegios de desenvolvimento personalidade e processo de auto-realizaccedilatildeo [] Esses pensamentos assumidos como naturais natildeo satildeo naturais satildeo construiacutedos a partir de sistemas de conhecimentos especializados O poder desse conhecimento especializado estaacute no fato de natildeo ser apenas conhecimento As ideias funcionam para modelar a maneira como participamos como indiviacuteduos ativos e responsaacuteveis Tal fusatildeo do conhecimento puacuteblicopessoal que disciplina nossas escolhas e possibilidades pode ser pensada como efeitos de poder (POPKEWITZ apud DEMO 2002 p 36-37)

A tomada de consciecircncia de que todo conhecimento organiza a forma

de como a pessoa se relaciona com o mundo atribui sentido ao tipo de

pensamento que a escola deseja desenvolver Quando haacute o distanciamento do

pensamento criacutetico a produccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-acadecircmico contribui

para uma proposta de educaccedilatildeo que separa o conhecimento cientiacutefico da

formaccedilatildeo para a cidadania Tanto uma praacutetica quanto a outra foram

identificadas nesta pesquisa aleacutem da compreensatildeo de que a solidariedade

contribui para o bom funcionamento do ambiente escolar No arranjo para se

criar situaccedilotildees em que seja possiacutevel vivenciar a solidariedade a escola

promove projetos ou atividades de intervenccedilatildeo onde os alunos satildeo

estimulados a contribuir co-responsabilizando-se pela vida em sociedade

146

Nesse processo a articulaccedilatildeo escola-comunidade permite a construccedilatildeo de um

curriacuteculo que favorece a valorizaccedilatildeo da diversidade do respeito muacutetuo

apropriando-se do bairro da cidade para criar diferentes situaccedilotildees de

aprendizagem Eacute como se expressou o professor

PE3 ndash O nosso projeto eacute desenvolvido com a aldeia indiacutegena localizada proacuteximo ao Pico do Jaraguaacute Atualmente se somados os povos da aldeia de cima e da de baixo satildeo 125 famiacutelias com uma populaccedilatildeo de aproximadamente 650 iacutendios dos quais a maioria quase 400 satildeo crianccedilas Como estatildeo dentro dessa grande metroacutepole (Satildeo Paulo) eles tecircm muitos problemas eles vivem marginalizados Haacute uma absoluta carecircncia de recursos de subsistecircncia da populaccedilatildeo eles natildeo tecircm a posse da terra vivem espremidos nos barrancos natildeo podem mexer em nada natildeo podem caccedilar natildeo podem pescar natildeo podem pegar nada e tambeacutem enfrentam muita dificuldade para conseguir emprego68

A escola quando estaacute aberta a pensar o curriacuteculo considerando a

cidade enquanto possibilidade de aprendizagem se apropria de um espaccedilo de

construccedilatildeo de conhecimento e neste caso intercultural o que natildeo teria feito

se estivesse apenas circunscrita agrave realidade da sala de aula Pensar o curriacuteculo

almejando o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo pressupotildee

ensinar os conteuacutedos programaacuteticos de maneira criacutetica e para isso usar a

cidade como espaccedilo educativo possibilita a articulaccedilatildeo de diferentes atores na

tarefa de fazer uma educaccedilatildeo essencialmente poliacutetica tendo na formaccedilatildeo para

a liberdade e constituiccedilatildeo da democracia seu compromisso maior

(CARVALHO 2013)

No entanto isso pode variar de acordo com a compreensatildeo tanto do

professor quanto da escola sobre o que eacute propiciar a aprendizagem da

solidariedade Se a escola compreende a solidariedade como benevolecircncia ela

teraacute uma postura se acreditar que deve inferir na comunidade e ensinar o

aluno a pensar a partir do outro utilizando os saberes acumulados para o bem

coletivo teraacute outra sendo que as experiecircncias de investigaccedilatildeo de pesquisa

de produccedilatildeo de conhecimento e intervenccedilatildeo social com finalidade educativa

68

Na regiatildeo haacute duas aldeias guaranis separadas apenas por uma rua a Aldeia Tekoa Pyau e a Aldeia Tekoa Ytu esta uacuteltima eacute onde se localiza a Escola Estadual Indiacutegena Djekupeacute Amba Arandu parceira da E3 nesse projeto

147

caracterizam uma proposta de atividade que tem repercussatildeo tanto na

qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece quanto na qualidade de vida da

comunidade Eacute como neste caso

ExCE1 ndash Noacutes daacutevamos parte do conteuacutedo escolar por meio do projeto de voluntariado educativo Os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o Parque tinham ldquoverdadeiras aulasrdquo sobre o conteuacutedo encomendado pela escola deles e os nossos alunos monitores estudavam muito porque tinham que preparar o que iam fazer Eles precisam retomar alguns conteuacutedos para repassar tinham que fazer um texto correto e que despertasse o interesse dos alunos visitantes tinham que falar bem em puacuteblico Eacute uma soma de aprendizados

Ao professor cabe compreender quais espaccedilos pedagoacutegicos iraacute utilizar

para propiciar a aprendizagem de conteuacutedos e outros saberes como a

responsabilidade o autoconhecimento o conviacutevio a pesquisa A motivaccedilatildeo

pelos estudos pode vir pela necessidade de conseguir boas notas mas quando

ela vem pela vontade de participar com esmero de um projeto social que iraacute

transformar uma realidade que se estaacute partindo do que o outro realmente

precisa essa experiecircncia eacute mais significativa para o processo de aprendizagem

(TAPIA 2006) Quando a atividade eacute planejada para de fato atender ao outro

pela escuta atenta de suas reais expectativas eacute possiacutevel perceber que o

comprometimento solidaacuterio eacute significativo para ambos

CE3 ndash A parceria com a E3 eacute muito importante para noacutes porque faz parte da nossa proposta proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque a gente estaacute suprimido pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Hoje temos crianccedilas e jovens que tecircm medo entatildeo eles ficam aqui dentro da aldeia Soacute que a gente natildeo vive s precisamos comprar uma comida uma carne no accedilougue aqui noacutes natildeo podemos caccedilar Mas para entrar nesse sistema natildeo pode ser de qualquer maneira a gente tem que entender esse lugar e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Esta eacute a ideia central do desenvolvimento de praacuteticas que articulam

experiecircncias reais agrave formaccedilatildeo poliacutetica Como afirma CE3 ldquoningueacutem melhor do

que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeiardquo

148

Preparar experiecircncias em que o processo de ensino aprendizagem crie

condiccedilotildees de inferir na sociedade buscando melhorar tanto a qualidade de

vida da comunidade atendida quanto a qualidade da educaccedilatildeo eacute algo que estaacute

sendo discutido haacute seacuteculos Os gregos se preocupavam com a formaccedilatildeo dos

sujeitos que deveriam aprender a viver em suas sociedades cada vez mais

democraacuteticas jaacute pensavam na formaccedilatildeo eacutetica e participativa A compreensatildeo

do ensino pelas virtudes passa a ser um projeto de interesse comum na

medida em que se vecirc a necessidade de formaccedilatildeo de pessoas capazes de

ldquotomar para si a responsabilidade e o desafio coletivo de se criar princiacutepios

regras e formas de convivecircncia comum que estruturassem e preservassem o

mundo puacuteblicordquo (CARVALHO 2013 p 46)

A pedagogia pragmaacutetica de Dewey iraacute dizer que a educaccedilatildeo deve

formar para a vida Paulo Freire completa afirmando que as experiecircncias

devem ser poliacuteticas de decisatildeo e de responsabilidade e que o curriacuteculo deve

ser contextualizado e criacutetico para propiciar o conhecimento de quem iraacute ter

consciecircncia de transformar a realidade com a qual natildeo concorda Em meio agraves

discussotildees mais recentes de praacuteticas de aprendizagem pode-se destacar

ainda a aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio e as comunidades de aprendizagem

que satildeo apostas em metodologias que visam transformar a realidade local por

meio de projetos de intervenccedilatildeo social onde o diaacutelogo igualitaacuterio se converte

em um esforccedilo comum por uma educaccedilatildeo para promover a cultura de paz

combater as desigualdades sociais e prover uma educaccedilatildeo de qualidade

baseada nos princiacutepios eacuteticos e solidaacuterios (FLECHA GARCIacuteA PUIGVERT

2013)

Como esta pesquisa foi desenvolvida junto a escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo ou aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio abaixo

iremos propor uma reflexatildeo sobre tais projetos visando encontrar subsiacutedios

para compreender a solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

149

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas

Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio eacute o nome de atividades pedagoacutegicas

de intervenccedilatildeo social onde o aluno aprende a pensar e a utilizar os saberes

escolares para resolver problemas sociais reais Com isso espera-se que o

conhecimento acumulado seja aplicado e ampliado em favor da tomada de

consciecircncia de que eacute preciso assumir a responsabilidade pela construccedilatildeo de

outra ordem social possiacutevel Tal praacutetica tem sido difundida em diversos paiacuteses

e pode ser reconhecida em diversos nomes tais como ldquoaprendizagem e

serviccedilo solidaacuteriordquo ou ldquoaprendizagem-serviccedilordquo ou ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

(comum entre os paiacuteses ibero-americanos) ldquovoluntariado educativordquo na Itaacutelia e

no Brasil ldquoservice-learningrdquo nos EUA Podem ocorrer situaccedilotildees em que haacute

diferentes nomenclaturas dentro do mesmo paiacutes No entanto para os

especialistas as diferentes ocorrecircncias natildeo querem dizer nem que se tratam

da mesma proposta nem a descaracterizam (TAPIA 2001) Isso porque haacute

adequaccedilotildees regionais para o seu desenvolvimento que consiste a priori em

estimular os alunos a participarem de um projeto de intervenccedilatildeo na

comunidade para que aprendam a ser solidaacuterios utilizando os conhecimentos

aprendidos na escola Neste sentido ldquoeacute uma proposta educativa que combina

processos de aprendizagem e de serviccedilo agrave comunidade em uma soacute atividade

na qual os estudantes se formam ao implicar-se em atender as necessidades

reais identificadas na comunidaderdquo (ZERBIKAS 2013)

Nos Estados Unidos o service-learning integra a aprendizagem formal

ao desenvolvimento de projetos sociais onde os alunos aprendem e se

desenvolvem por meio da participaccedilatildeo em atividades educativas organizadas

para atender agraves necessidades de uma comunidade promovendo a

responsabilidade ciacutevica69 Programas de service-learning envolvem os alunos

em um compromisso muacutetuo em atividades que atendem agraves necessidades

locais durante o desenvolvimento das habilidades acadecircmicas e como

resultado espera-se um melhor desempenho educacional e um impacto na

69

ldquoLearn and Service Americardquo eacute o nome do Programa de Governo que estimula o desenvolvimento de projetos de service-learning

150

qualidade de vida da comunidade atendida numa combinaccedilatildeo de serviccedilo

oferecido agrave comunidade com a aprendizagem da sala de aula70 Desta forma

os estudantes natildeo somente aprendem sobre democracia e cidadania mas

efetivamente contribuem como cidadatildeos visando melhorar a vida da

comunidade71

No Brasil o termo ldquovoluntariado educativordquo remete a uma experiecircncia

formativa onde o aluno eacute estimulado a se envolver em uma atividade de

intervenccedilatildeo social O nome natildeo sugere uma repeticcedilatildeo do voluntariado adulto

mas sim um engajamento poliacutetico voltado agrave formaccedilatildeo para a cidadania

fortalecendo o viacutenculo escola ndash comunidade (SBERGA 2001 MORI e VAZ

2006)

ExCE1 - Noacutes convidamos os nossos alunos do Ensino Meacutedio para serem monitores voluntaacuterios no Parque que cuida da arborizaccedilatildeo da cidade Graccedilas a esse trabalho o Parque pode ser aberto para visitas e acabou entrando no calendaacuterio das escolas municipais da cidade Os alunos-voluntaacuterios dispunham do tempo deles para passar conceitos de Educaccedilatildeo Ambiental para crianccedilas menores num ambiente que era perfeito pra isso Eles faziam a pesquisa sobre o tema estudavam o conteuacutedo preparavam a atividade selecionavam o material partia tudo deles e a gente dava a orientaccedilatildeo Assim aprendiam muito mais sobre o tema mas aprendiam a organizar uma atividade a estudar a preparar uma peccedila de teatro encenar falar em puacuteblico

O voluntariado educativo eacute uma experiecircncia educativa voltada para a

formaccedilatildeo do jovem um espaccedilo planejado de aprendizagem em que os alunos

aprendem a contribuir socialmente assumindo a responsabilidade de estudar e

trabalhar para uma causa comum utilizando para isso os saberes acumulados

Considerando a realidade sociocultural e os muitos desafios e situaccedilotildees conflitivas em que o jovem vive o

70

A principal diferenccedila percebida no desenvolvimento de praacuteticas de service-learning e aprendizagem e serviccedilo estaacute na concepccedilatildeo do que eacute ldquosolidariedaderdquo Para os norte americanos ela estaacute mais no campo assistencial do que de conscientizaccedilatildeo portanto os projetos de tendem a ter um foco assistencialista Aleacutem disso espera-se como resultado das intervenccedilotildees o desenvolvimento eficaz do projeto (etapas cronograma e metas cumpridas) e natildeo a transformaccedilatildeo social propriamente dita (Anotaccedilotildees de palestras conferidas no XIV e XV Seminaacuterio Internacional de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuterio Buenos Aires 2011 e 2012)

71httpwwwlearnandservegovaboutlsaindexasp

151

voluntariado se apresenta como espaccedilo alternativo natildeo soacute de inserccedilatildeo social e compromisso de cidadania responsaacutevel mas tambeacutem como proposta formativa que ajuda o jovem a conhecer a si mesmo e a descobrir suas potencialidades profundas sua vivacidade e seu entusiasmo Por essas suas qualidades o voluntariado sempre foi considerado relevante no setor juvenil seja pela significatividade das suas experiecircncias educativas seja pelo valor do seu empenho (SBERGA 2001 p 158)

Trata-se portanto de uma experiecircncia preparatoacuteria necessariamente

voltada para a formaccedilatildeo do jovem e para a intervenccedilatildeo social No Brasil

milhares de escolas que desenvolvem atividades de voluntariado educativo

foram reconhecidas pelo Selo Escola Solidaacuteria72 Ao se conhecer as

experiecircncias dessas escolas pode-se perceber a diversidade de possibilidades

de adequaccedilatildeo de acordo com as expectativas e necessidades locais daiacute a

necessidade de se ter clareza do que se quer fazer e o que pode ser feito em

relaccedilatildeo ao planejamento pedagoacutegico

Segundo Tapia (2001 p 28) as atividades de aprendizagem e serviccedilo

solidaacuterio (ou voluntariado educativo) se caracterizam dentro de um universo de

quatro ocorrecircncias

a) quando a atividade eacute desenvolvida com pouca intervenccedilatildeo social e tais

accedilotildees satildeo desvinculadas do contexto educativo (por exemplo uma

atividade assistencialista como uma accedilatildeo de arrecadaccedilatildeo de agasalhos

conduzida pela direccedilatildeo da escola)

b) quando a questatildeo da aprendizagem eacute valorizada mas natildeo haacute

intervenccedilatildeo social (por exemplo pesquisas e projetos de estudo do meio

sobre a desigualdade social a pobreza a violecircncia que satildeo desenvolvidos

com os alunos verificados nas avaliaccedilotildees escolares mas natildeo sugerem

intervenccedilatildeo social)

c) quando a escola desenvolve um projeto social para resolver um

problema da comunidade poreacutem natildeo haacute planejamento para utilizar a

experiecircncia como uma intervenccedilatildeo formativa para os alunos (por exemplo

72

Ver capiacutetulo I item 3 ndash ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo

152

a escola oferece agrave comunidade um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos no periacuteodo noturno) e

d) quando haacute planejamento de um projeto de intervenccedilatildeo social e esta

praacutetica eacute pensada enquanto experiecircncia formativa (por exemplo os alunos

participarem como monitores de um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos oferecidos pela escola) Desta forma tecircm que estudar e ao mesmo

tempo contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos do EJA e

aprendem a se engajar em projetos comunitaacuterios

Atividades de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio portanto satildeo aquelas

em que o trabalho pedagoacutegico tem como objetivo melhorar a qualidade de vida

da comunidade e esta proacutepria experiecircncia ensina o aluno a ser solidaacuterio Em

outras palavras satildeo propostas pensadas a partir da articulaccedilatildeo dos conteuacutedos

e saberes que se desejam ensinar permitindo o estreitamento da escola com a

comunidade Tais atividades satildeo pensadas enquanto uma metodologia de

trabalho proposta de organizaccedilatildeo curricular ou ainda uma praacutetica educativa

No entanto essa praacutetica pode variar de acordo com o que a escola

compreende por solidariedade como dissemos no iniacutecio deste capiacutetulo

Se a atividade for conduzida sem uma consciecircncia criacutetica ela pode

reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo ao inveacutes de promover o conhecimento-

emancipaccedilatildeo Portanto ao analisar a qualidade das experiecircncias de

aprendizagem e serviccedilo ou voluntariado educativo eacute necessaacuterio considerar as

diferentes compreensotildees sobre solidariedade pois elas podem levar a

atividade a seguir propostas formativas completamente diferentes uma vez

que a visatildeo que se tem sobre solidariedade altera a qualidade da proacutepria

formaccedilatildeo

Nesse sentido vimos a necessidade de se criar uma tipologia para a

solidariedade desenvolvida como praacutetica curricular educativa visando contribuir

para a compreensatildeo das diferentes nuances que podem ocorrer de acordo com

a percepccedilatildeo do educador e o desenvolvimento das atividades Natildeo

pretendemos com isso delimitar exclusivamente aos eixos apresentados as

ocorrecircncias de solidariedade A tipologia sugere um recurso didaacutetico para

facilitar a compreensatildeo do tema sem querer esgotaacute-lo

153

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

Considerar a solidariedade como praacutetica educativa sugere pensaacute-la a

partir da praacutetica curricular da escola enquanto formada e formadora da

comunidade na qual estaacute inserida Portanto que pode estar localizada num

gradiente desde atender aos anseios de uma sociedade conservadora

reproduzindo o conhecimento-regulaccedilatildeo quanto oferecer uma formaccedilatildeo eacutetica

emancipadora uma vez que a solidariedade tambeacutem eacute um exerciacutecio de poder

(DEMO 2002) Segundo Paulo Freire

quanto mais criacutetico um grupo humano tanto mais democraacutetico e permeaacutevel em regra Tanto mais democraacutetico quanto mais ligado agraves condiccedilotildees de sua circunstacircncia Tanto menos experiecircncias democraacuteticas que exigem dele o conhecimento criacutetico de sua realidade pela participaccedilatildeo nela pela sua intimidade com ela quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingecircnuas de encaraacute-la (2001 p 103)

Desta forma a construccedilatildeo do curriacuteculo requer a previsatildeo de

experiecircncias democraacuteticas reais em meio a esta tensatildeo natildeo-neutra onde se

desenrolam conflitos entre os direitos de propriedade e os direitos das pessoas

onde existem os ldquovalores de mercadordquo de um lado e os ldquovalores

emancipadoresrdquo de outro (APPLE 2000) No entanto conceber experiecircncias

democraacuteticas conduzindo atividades socioeducativas para que os jovens

aprendam a participar buscando soluccedilotildees para problemas sociais reais de sua

comunidade natildeo significa reduzir o curriacuteculo a perspectiva de trabalhar apenas

com o contexto escolar A identificaccedilatildeo do problema deve instigar a intervenccedilatildeo

criacutetica deve disparar estudos de planejamento da accedilatildeo e de contextualizaccedilatildeo

histoacuterica universal do processo para que natildeo haja reducionismo no conteuacutedo

tampouco unilaterialidade Espera-se que tanto o processo quanto o meacutetodo

sejam universais (FRIGOTTO 1994 p 74)

Quando se pretende atingir uma aprendizagem eacutetica educar no meio

(sociocultural e cognitivo) com o meio e para o meio eacute o caminho pois a

solidariedade implica aprender na sociedade com as suas contradiccedilotildees

154

pluralidades e imprevistos Eacute preciso aprender que estar no mundo significa

considerar-se corresponsaacutevel por ele que a nossa existecircncia eacute influenciada e

influencia a existecircncia do outro

O homem como ser histoacuterico corre riscos toma decisotildees coloca-se desafios assume sua vida transforma seus contornos Cada calccedilada com guia rebaixada ou cada rampa de acesso a locais puacuteblicos eacute uma conquista histoacuterica do homem natildeo contente com o ser Os homens vivem uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre seus condicionamentos e sua liberdade Os condicionamentos satildeo limitaccedilotildees da liberdade mas enfrentando-as ele se liberta (ALMEIDA 2009 p 46)

A formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e solidaacuterio acontece a partir do cotidiano

em sociedade no ruiacutedo e no conflito na aplicaccedilatildeo do conhecimento enquanto

uma responsabilidade pela vida digna de todos pelo bem comum Assim as

situaccedilotildees reais satildeo tambeacutem situaccedilotildees de aprendizagem quando

problematizadas pois quando estas estatildeo fora do contexto social de fato a

educaccedilatildeo moral e eacutetica eacute reduzida a uma ladainha de caracteriacutesticas

comportamentais (APPLE BEANE 1997 p 12)

Neste sentido diante das vaacuterias apropriaccedilotildees e ambiguidades do termo

solidariedade percebeu-se a necessidade de se organizar uma tipologia para

que seja possiacutevel avanccedilar no sentido de melhor compreender seus contornos

no contexto da educaccedilatildeo Vale ressaltar que a intenccedilatildeo natildeo eacute delimitaacute-lo

completamente o que seria uma contradiccedilatildeo desnecessaacuteria para os propoacutesitos

de sua compreensatildeo valendo-se de que qualquer tentativa de demarcaccedilatildeo de

conceito que tem uma dinacircmica natildeo-linear e ateacute mesmo ambivalente como eacute

o caso da solidariedade provocaria distorccedilatildeo da realidade A tipologia visa

orientar a leitura dos vaacuterios tipos identificados durante a pesquisa empiacuterica e

teoacuterica da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa O gradiente de

tipos de solidariedade deve ser compreendido como uma potencialidade uma

escala espiral de matizes onde em alguns momentos a mesma atividade

pode apresentar caracteriacutesticas de mais de uma categoria de solidariedade e

pode se desenvolver em escalas mesclas de acordo com o planejamento a

natureza da proposta o objetivo que se quer alcanccedilar a compreensatildeo de

155

quem estaacute envolvido no processo Esta escala estaacute considerada a partir da

percepccedilatildeo assistencialista (em que a solidariedade eacute confundida com caridade

ou boa accedilatildeo) discursiva (aquela que estaacute presente no curriacuteculo poreacutem natildeo haacute

proposta de intervenccedilatildeo social) funcionalista-participativa (a solidariedade eacute

valorizada e haacute situaccedilotildees de aprendizagem com a comunidade poreacutem o foco

estaacute na formaccedilatildeo do aluno haacute uma compreensatildeo de que a experiecircncia escolar

eacute mais relevante do que seu impacto para a comunidade atendida) e a criacutetica-

emancipadora (satildeo criadas situaccedilotildees de aprendizagem visando melhorar a

vida da comunidade e por meio disso oferecer uma educaccedilatildeo emancipadora

os alunos identificam e criam espaccedilos para a intervenccedilatildeo na realidade junto

com a escola) Aleacutem disso a solidariedade estaacute presente no ambiente escolar

e dessa forma eacute compreendida como fator determinante de qualidade para o

desenvolvimento do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

21 Solidariedade assistencialista

As principais caracteriacutesticas da solidariedade assistencialista satildeo

a) Natildeo haacute articulaccedilatildeo da accedilatildeo social com o desenvolvimento do

conhecimento-emancipaccedilatildeo de seus alunos

b) As relaccedilotildees satildeo estabelecidas de maneira hierarquizada onde haacute

aquele que doa e outro recebe

c) O aluno pode ou natildeo ser convidado a participar sendo que natildeo haacute

intenccedilatildeo de promover a consciecircncia criacutetica Tais atividades

portanto podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo e favorecer o

status quo

Conforme jaacute apresentamos e corroborando com o nosso referencial

teoacuterico (apresentado nos capiacutetulos II e III) solidariedade natildeo eacute

assistencialismo

No assistencialismo natildeo haacute responsabilidade Natildeo haacute decisatildeo Soacute gestos que revelam passividade e ldquodomesticaccedilatildeordquo do homem Gestos e atitudes Eacute esta falta de oportunidade para a decisatildeo e para a responsabilidade participante do homem

156

caracteriacutestica do assistencialismo que leva suas soluccedilotildees a contradizer a vocaccedilatildeo da pessoa em ser sujeito e a democratizaccedilatildeo fundamental instalada na transiccedilatildeo brasileira a que jaacute nos referimos Na verdade natildeo seraacute com soluccedilotildees desta ordem internas ou externas que se ofereceraacute ao paiacutes uma destinaccedilatildeo democraacutetica O de que se precisava urgentemente era dar soluccedilotildees raacutepidas e seguras aos seus problemas angustiantes Soluccedilotildees repita-se com o povo e nunca sobre ou simplesmente para ele (FREIRE 2001 p 66)

No entanto durante a pesquisa pudemos identificar na escola uma

forma de solidariedade ainda compreendida por aquela accedilatildeo desenvolvida na

ou pela escola pensada a partir da caridade da benevolecircncia centrada em

quem faz a accedilatildeo e natildeo em quem a recebe

CPE4 ndash Desenvolvemos um trabalho solidaacuterio que atinge quase todo o tipo de populaccedilatildeo Arrecadamos brinquedos para crianccedilas agasalhos ndash tanto para crianccedilas quanto para idosos alimentos natildeo pereciacuteveis para instituiccedilatildeo de pessoas com dificuldade intelectual

Essa percepccedilatildeo por ser recorrente na praacutetica escolar nos sugeriu o

cuidado de considerar a inclusatildeo deste tipo de ldquosolidariedade assistencialistardquo

para demarcar seu campo teoacuterico dentro do universo da solidariedade

enquanto praacutetica educativa No entanto vale ressaltar que seu emprego natildeo

contribui para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica no processo de formaccedilatildeo

uma vez que o caraacuteter assistencialista pode acentuar tal valor agrave formaccedilatildeo do

sujeito

CPE4 ndash A gente usa estrateacutegias diferentes para envolver os nossos alunos porque eles satildeo adultos entatildeo a turma que arrecadar mais ganha uma pizzada Eacute difiacutecil trabalhar com adultos entatildeo damos esse incentivo Para que a gente possa arrecadar mais tem que usar estrateacutegias que sabemos que vai render

Neste caso se a escola compreendesse solidariedade a partir da

formulaccedilatildeo alteridade eacutetica e compromisso social (cidadania) poderia

encontrar outras formas para provocar o interesse dos alunos uma vez que o

fato de serem adultos natildeo justifica a estrateacutegia adotada Ao contraacuterio haacute um

157

leque de possibilidades de intervenccedilatildeo criacutetica para se propor a alunos adultos

O que determina a conduta eacute a compreensatildeo do que eacute solidariedade e em

segundo lugar o objetivo centrado no projeto de arrecadaccedilatildeo e natildeo na

aprendizagem dos alunos Se o foco eacute a arrecadaccedilatildeo em si promover o

espiacuterito de competiccedilatildeo e um momento de confraternizaccedilatildeo pode parecer

adequado mas se o foco for a aprendizagem esta natildeo eacute a melhor estrateacutegia

uma vez que se distanciou completamente da compreensatildeo de solidariedade

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo Desenvolver uma campanha de

doaccedilatildeo natildeo caracteriza intervenccedilatildeo poliacutetica da mesma forma que realizar uma

atividade visando o benefiacutecio proacuteprio estaacute em direccedilatildeo oposta ao

desenvolvimento da alteridade ainda que agraves vezes a escola tenha a intenccedilatildeo

de propiciar uma formaccedilatildeo para a cidadania

Nesta outra experiecircncia apresentada logo a seguir a escola promove

campanhas de arrecadaccedilatildeo dentro de um projeto anual em que os alunos tecircm

uma seacuterie de atividades e entre elas campanhas de arrecadaccedilatildeo Ainda que o

projeto apresente outras atividades caracterizadas pela solidariedade

funcionalista-participativa (conforme seraacute apresentado no proacuteximo subitem)

algumas das accedilotildees reservam o caraacuteter assistencialista

CPEI ndash Sobretudo a questatildeo da doaccedilatildeo de alimentos para instituiccedilotildees de caridade gecircneros de primeira necessidade Noacutes fazemos cinco campanhas ao longo do ano agasalho leite ldquoSustagenrdquo toalhas bolacha Natildeo eacute soacute a doaccedilatildeo a ideia eacute desenvolver nele o ato de pensar no outro eacute nisso que a gente fica insistindo natildeo eacute soacute dar a bolacha eacute olhar para o outro

A escola tem a intenccedilatildeo de propiciar com o desenvolvimento de tais

praacuteticas uma reflexatildeo de percepccedilatildeo diante da desigualdade social No entanto

eacute preciso considerar que o vieacutes conservador pode estar presente em uma

relaccedilatildeo desigual entre os sujeitos O que de fato significa ldquoolhar o outrordquo eacute que

faraacute a diferenccedila pois se a percepccedilatildeo de relaccedilatildeo eacute desigual o fato de a escola

reforccedilar a doaccedilatildeo pode ser compreendido pelos alunos como um reforccedilo a este

tipo de praacutetica que eacute por natureza assistencialista e que coloca o outro em

condiccedilatildeo desigual inferior

158

CPE4 ndash As atividades de solidariedade estatildeo previstas na proposta pedagoacutegica ela estaacute embasada nos ldquoquatro pilares da educaccedilatildeordquo da UNESCO comeccedilando pelo aprender a conhecer vindo para o aprender a fazer Nossa missatildeo eacute formar o profissional para o mercado de trabalho e formar o cidadatildeo e laacute estaacute o trabalho que desenvolvemos a campanha do agasalho do brinquedo de alimentos natildeo pereciacuteveis As doaccedilotildees satildeo feitas para a APM e revertidas para algumas instituiccedilotildees de carentes

Nesta fala pode-se notar o distanciamento da compreensatildeo de

solidariedade enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo A escola ao incluir no

curriacuteculo a preparaccedilatildeo pelos anunciados pilares da UNESCO - aprender a

aprender a fazer a ser e a relacionar-se (UNESCO 2001) - escolhe uma

praacutetica que pouco ou nada contribui para a sua concepccedilatildeo de formaccedilatildeo

Embora seja uma escola que demonstre uma intencionalidade em desenvolver

projetos socioeducativos o modelo adotado pouco contribui para a formaccedilatildeo

criacutetica de seus alunos73

CPE4 ndash Solidariedade eacute super importante A concepccedilatildeo de nossa escola eacute trabalhar em equipe em coletividade Por que eu tenho que ser solidaacuterio com vocecirc Porque vocecirc eacute uma engrenagem e soacute vai funcionar quando todo mundo fizer a sua parte nesta engrenagenzinha

Solidariedade eacute tambeacutem o exemplo e participaccedilatildeo junto Se vocecirc chegar em uma sala e disser ldquoagora eu vou mostrar o que eacute solidariedaderdquo Natildeo eacute assim o professor precisa participar com o aluno e incentivar dando ideias e montando estrateacutegias []

Haacute uma compreensatildeo de solidariedade enquanto valor conduta e para

tanto pode ser ensinada por meio do exemplo e do estiacutemulo agrave participaccedilatildeo de

atividades que propiciem vivecircncias de participaccedilatildeo No entanto na

continuidade da formulaccedilatildeo essa ideia a escola demonstrou que ainda estaacute

73

Para receber o Selo Escola Solidaacuteria a escola relatou outro projeto no qual realizam um evento tecnoloacutegico e convidam muitas pessoas para participar de palestras workshop e visitaccedilatildeo monitorada gratuitamente Ao inveacutes de cobrarem a entrada eacute pedida a doaccedilatildeo de 1 quilo de alimento natildeo pereciacutevel ou 1 agasalho Nessa atividade ainda que seja caracterizada por uma campanha de arrecadaccedilatildeo haacute aprendizagem haacute integraccedilatildeo Segundo a escola ldquoos alunos participaram ativamente da campanha receberam as doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registraram e organizaram as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos) realizam a entrega (comunidades de hospitais da regiatildeo)rdquo

159

centrada na concepccedilatildeo de solidariedade enquanto um projeto assistencialista

centrado em quem faz a accedilatildeo

CPE4 ndash [] Natildeo adianta o professor chegar e dizer ldquogente vai ter campanha tragamrdquo O professor mostrou solidariedade Natildeo ele soacute informou Agora se o professor disser ldquogente eacute o seguinte todo semestre temos a campanha do agasalho para ajudar as pessoas carentes Todo ano noacutes fazemos isso eacute bacana Eu participo tambeacutem com vocecircs e se a gente ganhar ainda teremos a pizzadardquo Essa eacute a diferenccedila o professor estimula participando motivando de verdade

Um projeto de mobilizaccedilatildeo de caracteriacutestica social deve

necessariamente ter como objetivo o bem comum Neste caso trata-se de uma

accedilatildeo pontual de benevolecircncia caridade que pode muitas vezes reforccedilar o

assistencialismo ou o paternalismo como valor

Haacute outro tipo de projeto recorrente

CPE4 ndash Noacutes ajudamos a manter uma escola puacuteblica aqui do bairro Parte da capacitaccedilatildeo dos professores eacute por nossa conta e tambeacutem fazemos a doaccedilatildeo de equipamentos por exemplo computadores Ateacute automoacutevel para as aulas de mecacircnica de automoacutevel noacutes jaacute doamos A prefeitura de laacute manteacutem dando o lanche dos alunos Laacute tem muito aluno carente e tambeacutem em liberdade assistida Eacute uma escola que profissionaliza que oferece cursos raacutepidos mas nenhum eacute teacutecnico Os cursos que seriam pagos eles fazem gratuito e ainda ganham lanche

A escola neste caso contribui socialmente poreacutem com um projeto

institucional assumido apenas pela direccedilatildeo da escola natildeo haacute articulaccedilatildeo da

accedilatildeo com o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo O projeto gera

impacto social promove a aprendizagem da comunidade atendida mas natildeo eacute

empregado para desenvolver o conhecimento emancipaccedilatildeo de seus proacuteprios

alunos

22 Solidariedade discursiva

As principais caracteriacutesticas da solidariedade discursiva satildeo

a) estaacute apoiada no discurso teoacuterico-pedagoacutegico

160

b) tem acentuada proposta reflexiva

c) natildeo estaacute vinculada com atividades de intervenccedilatildeo social

podendo o professor preferir aulas expositivas jogos

simulaccedilotildees diaacutelogos mas natildeo haacute o comprometimento com o

desenvolvimento de uma atividade de intervenccedilatildeo social

d) as praacuteticas levam agrave reflexatildeo ou ao desenvolvimento de um

estudo de caso de uma pesquisa acadecircmica em que o foco

estaacute no aluno natildeo haacute uma figura real o outro

A solidariedade discursiva eacute aquela percebida enquanto princiacutepio de

formaccedilatildeo que fundamenta o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico Poreacutem a praacutetica

distancia-se da proposta curricular ou seja a escola promove uma reflexatildeo

sobre solidariedade enquanto valor mas se atem a uma exploraccedilatildeo discursiva

sem criar situaccedilotildees em que de fato ela seja trabalhada enquanto atitude

poliacutetica e sem que haja intervenccedilatildeo social Por exemplo

PE4 ndash Tem aula que eu proponho uma coisa diferente noacutes fazemos uma dinacircmica Tem uma que eacute ldquoa hora do contordquo essa eacute bem simples cada um conta um pouco da sua vida Outro exemplo eacute a dinacircmica do aquaacuterio eu faccedilo um aquaacuterio gigante na lousa cada um desenha o seu peixinho e traz pra lousa pra colar com um durex A ideia eacute a discussatildeo sobre cooperaccedilatildeo sobre solidariedade O que esse aquaacuterio representa pra vocecirc Os peixinhos estatildeo aiacute o que isso significa Sai cada discussatildeo bacana Tem aluno que chega depois e diz ldquoProfessor foi legal aquela dinacircmica vocecirc tocou num ponto que taacute acontecendo na minha vida com a minha esposa na minha casardquo Entatildeo eacute isso a gente estaacute refletindo na aula

Neste caso a concepccedilatildeo de solidariedade estaacute baseada na relaccedilatildeo de

convivecircncia pensada para favorecer o clima de respeito nas relaccedilotildees sociais

que se estabelecem O professor cria situaccedilotildees de aprendizagem por meio de

dinacircmicas jogos e a troca de impressotildees e desta forma constroacutei um ambiente

onde o clima eacute amistoso O respeito e a colaboraccedilatildeo satildeo desejados e

valorizados

161

PE4 ndash Noacutes marcamos um jogo com um time de Alphaville um time de classe meacutedia alta O treinador deles disse que laacute sai muita discussatildeo entre os alunos eles brigam dentro de campo comeccedilam a se agredir um acha que pode mais que o outro Por causa disso ele natildeo queria marcar esse amistoso achou que ia sair mais briga ainda pelo fato de o nosso time ser de pessoas da comunidade Eu disse que natildeo que era uma oportunidade para todo mundo aprender E o que aconteceu Marcamos o jogo ningueacutem se machucou teve cumprimento a gente trocou as camisas no final foi muito bacana Foi muito agradaacutevel porque natildeo teve confusatildeo todo mundo se respeitou e o placar ficou em dois a dois Ningueacutem ganhou ningueacutem perdeu mas mesmo que algueacutem tivesse perdido natildeo ia importar pois o que estava em jogo neste jogo era justamente essa aproximaccedilatildeo esse aprendizado

Outra caracteriacutestica da solidariedade discursiva estaacute na intenccedilatildeo de

formaccedilatildeo enquanto processo reflexivo Os valores podem ser trabalhados a

partir da exploraccedilatildeo conceitual O educador tende a encontrar no discurso o

meio de formaccedilatildeo ou seja cria situaccedilotildees de aprendizagem sobre eacutetica mas

para muitos autores esta natildeo seria a melhor maneira pois sem a figura do

outro sem a experimentaccedilatildeo o processo tende a tornar-se esvaziado de

sentido (FREIRE 1996 2000 DEWEY 1979 DEMO 2002 CARVALHO

2013)

CPE1 ndash Noacutes temos o projeto Gincana Solidaacuteria onde noacutes colocamos todas as questotildees de cidadania escolar [] No comeccedilo todos os mil alunos satildeo divididos em cinco grandes grupos e noacutes vamos discutir professores e alunos o tema do ano Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento da cidadania de criar formas de conversar Tudo isso eacute uma grande conversa entre as pessoas Eles tecircm tarefa de muacutesica para fazer tecircm teatro pesquisa tecircm todas as fases ateacute chegar num ldquofoacuterumrdquo

Mesmo em situaccedilotildees de aprendizagem reais atividades dessa

natureza natildeo tecircm como objetivo a transformaccedilatildeo social O foco estaacute centrado

na atividade pedagoacutegica em si ainda obedecendo a uma compreensatildeo que

separa a formaccedilatildeo escolar da formaccedilatildeo para a cidadania Em outras palavras

se a intenccedilatildeo da atividade desenvolvida pelo aluno for descolada de uma

proposta real de educaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo pela interaccedilatildeo sem que seja

considerado relevante o impacto social da accedilatildeo tal postura manteacutem a relaccedilatildeo

escola-comunidade dissociada Esta percepccedilatildeo natildeo contribui diretamente para

162

a formaccedilatildeo da consciecircncia emancipadora e pode favorecer a aceitaccedilatildeo da

realidade social tal e qual ela eacute com suas desigualdades substantivas Vale

pontuar que as atividades caracterizadas como solidariedade discursiva natildeo

podem ser compreendidas como de ldquoaprendizagem e serviccedilo solidaacuteriordquo pois

estas satildeo caracterizadas pela intervenccedilatildeo real na sociedade

PE4 ndash Tem outro jogo propriamente dito o limpa-casa E o que estaacute em jogo neste jogo Eacute um jogo atrativo um jogo motivacional e acima de tudo trabalho essa questatildeo O limpa-casa eacute assim tem as equipes A e B e tem as bolas que representam a sujeira No momento em que eu falar eles tecircm que se livrar das bolas o mais raacutepido possiacutevel Parou Quem ficar com mais bola eacute a equipe do sujinho e quem ficar com menos eacute a equipe dos limpinhos No final tem todo um fechamento de como eacute que eles lidam com esta questatildeo em casa quem ajuda a manter a ordem quem limpa a casa Eu valorizo isso Eles contam como eacute Tem muita coisa bacana que daacute para discutir

Trazer atividades recreativas e motivacionais para promover

discussotildees sobre haacutebitos e comportamentos saudaacuteveis eacute uma das maneiras de

valorizar reforccedilar comportamentos sociais de colaboraccedilatildeo de convivecircncia

mas existem outras como valorizando atitudes colaborativas no ambiente

escolar e promovendo experiecircncias de responsabilidade pela transformaccedilatildeo

social

CPE1 ndash Trabalhar a solidariedade a cidadania natildeo eacute algo que vocecirc possa dizer somente Vocecirc tem que dizer mas tem que demonstrar pois eacute o exemplo que autentica aquilo que vocecirc estaacute dizendo Se vocecirc diz uma coisa e demonstra outra todo mundo percebe e isso soa falso Temos que dar informaccedilatildeo para o aluno mas tambeacutem o exemplo

Sobre essa questatildeo Carvalho afirma

eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo

163

os viacutecios como o desrespeito a intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

Tudo o que acontece na escola eacute curriacuteculo o conteuacutedo a conduta o

ambiente o uso do espaccedilo fiacutesico o uso da infraestrutura a gestatildeo a forma de

se relacionar de resolver os conflitos de conduzir o planejamento a

organizaccedilatildeo das mateacuterias as prioridades Desta forma os valores como a

solidariedade a eacutetica a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico satildeo aprendidas

conforme forem vivenciadas e o impacto dessa percepccedilatildeo pode inferir no

desempenho escolar Como seraacute desenvolvido ainda neste capiacutetulo quando

traremos a solidariedade pensada no ambiente escolar um levantamento

desenvolvido para se aferir indicadores de qualidade que pudessem indicar

outros aspectos da qualidade da educaccedilatildeo (RIBEIRO V RIBEIRO J

GUSMAtildeO 2005) para aleacutem dos jaacute mensurados nas avaliaccedilotildees externas de

rendimento a solidariedade aparece como um dos fatores de qualidade

percebidos como relevantes para o desenvolvimento de boas praacuteticas quer

seja nas escolas (UNICEF 2006) quer seja em sistemas de educaccedilatildeo

(UNICEF 2008)

No entanto a concepccedilatildeo de solidariedade pode ser ampliada para

aleacutem das relaccedilotildees de convivecircncias se for pensada enquanto conhecimento-

emancipaccedilatildeo (SANTOS B S 2009 2010) Para isso eacute necessaacuterio expandi-la

o que natildeo significa abandonar a ideia de conviacutevio da aprendizagem pelas

condutas pelo exemplo mas agregar a intenccedilatildeo de intervenccedilatildeo poliacutetica de

desenvolver uma atividade onde seja possiacutevel atuar socialmente vivenciar o

processo de tomada de consciecircncia Neste sentido eacute preciso adotar uma

postura dialoacutegica no processo educativo mas tambeacutem criar experiecircncias de

responsabilidade de atitude ciacutevica

CPE1 ndash Eacute possiacutevel ensinar eacutetica na escola Realmente eu natildeo tenho esta resposta mas que eacute possiacutevel ajudaacute-los a pensar sobre eacutetica o que fazer o que eacute permitido o que natildeo eacute permitido quais as regras sociais que podem eacute preciso que eles reflitam sobre isso dentro da escola A escola eacute um espaccedilo para reflexatildeo para que eles pensem sobre isso sobre eacutetica

164

Reflexotildees como estas provocam discussotildees filosoacuteficas desde a Greacutecia

antiga Carvalho citando Platatildeo lembra-se de sua pergunta ldquoa virtude pode ser

ensinadardquo e de outras formulaccedilotildees da mesma academia menos interessadas

em meacutetodos e procedimentos pedagoacutegicos e mais centradas no campo da

poliacutetica Natildeo se trata pois de se considerar as virtudes puacuteblicas tais como a

eacutetica a solidariedade como um conteuacutedo programaacutetico ajustado ao curriacuteculo

como uma disciplina mas tambeacutem natildeo se trata de isentar a escola de oferecer

uma educaccedilatildeo que prepare pessoas capazes de exercer sua cidadania com

liberdade na constituiccedilatildeo de um estado democraacutetico (CARVALHO 2013 p 45)

23 Solidariedade funcionalista-participativa

As principais caracteriacutesticas da solidariedade funcionalista-participativa

satildeo

a) O foco da atividade estaacute centrado nos saberes escolares no

desenvolvimento do conhecimento teacutecnico cientiacutefico e no acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado

b) Natildeo haacute preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao resultado da accedilatildeo na

transformaccedilatildeo da realidade A atividade eacute desenvolvida como um

exerciacutecio pedagoacutegico

c) A comunidade eacute compreendida como um laboratoacuterio das praacuteticas

pedagoacutegicas

d) A compreensatildeo de participaccedilatildeo social estaacute desvinculada da

formaccedilatildeo do pensamento criacutetico

Inicialmente gostariacuteamos de nos ater ao nome sugerido para esta

categoria A qualidade ldquofuncionalistardquo diz respeito ao foco da atividade

centrado na principal funccedilatildeo da escola promover a aprendizagem do aluno

quando este eacute apresentado junto agrave participaccedilatildeo - ldquofuncionalista-participativardquo

portanto - seu sentido passa a ter uma conotaccedilatildeo de que a participaccedilatildeo estaacute

ligada ao processo educativo independentemente do resultado social em si

Esta eacute a diferenccedila pois tanto a participaccedilatildeo quanto a aprendizagem satildeo

desejaacuteveis mas em se tratando do desenvolvimento da solidariedade

165

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo eacute preciso criar espaccedilos para a formaccedilatildeo

da alteridade portanto da intenccedilatildeo real de transformaccedilatildeo Em outras palavras

criar espaccedilos de participaccedilatildeo eacute fundamental mas se natildeo estiver articulada a

uma proposta criacutetica natildeo gera produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo haja

vista que a participaccedilatildeo em projetos de solidariedade assistencialista eacute

possiacutevel desejada e estimulada

Neste sentido quando as atividades solidaacuterias desenvolvidas pela

escola tecircm o foco centrado no proacuteprio processo educativo o impacto da

atividade recai na aprendizagem dos saberes escolares em detrimento do

impacto social propriamente dito Significa dizer que envolver o aluno em uma

atividade social natildeo necessariamente promove aprendizagem criacutetica

significativa Em uma proposta educativa baseada na construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade) o que se pretende eacute criar a

consciecircncia criacutetica diferente do conhecimento-regulaccedilatildeo Se o aluno eacute

convidado a participar de atividades em que o foco estaacute centrado em

determinadas aprendizagens de conteuacutedos ou saberes especiacuteficos a sua

percepccedilatildeo de intervenccedilatildeo social de transformaccedilatildeo da realidade (no dizer de

Freire) seraacute pouco explorada A ldquofuncionalidaderdquo neste caso qualifica a

solidariedade para uma accedilatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo do ponto de vista

da finalidade educativa onde a principal caracteriacutestica eacute a de que haacute

aprendizagem mas o objetivo natildeo eacute o resultado da accedilatildeo social em si

CPE1 ndash Eu natildeo tenho como dizer se aquela comunidade mudou em funccedilatildeo do projeto Eu natildeo sei o quanto isso vai mudar o asilo ou as pessoas que estatildeo laacute O que os alunos nos contaram eacute que os idosos gostaram muito [] Natildeo sei como os idosos ficam eu sei como os alunos voltam eles voltam transformados

Neste tipo de trabalho o propoacutesito eacute criar uma situaccedilatildeo de

aprendizagem e de conviacutevio com outras realidades e despertar a atenccedilatildeo do

aluno ampliando os espaccedilos educativos para aleacutem da sala de aula

propiciando outras vivecircncias A accedilatildeo pedagoacutegica eacute o objetivo em si mesma

independente do impacto social que venha causar Tais atividades se

caracterizam pelo esforccedilo de organizar a praacutetica curricular para propiciar

166

experiecircncias durante a formaccedilatildeo muito embora tais projetos tambeacutem possam

ser pensados para provocar uma intervenccedilatildeo social e natildeo somente a

constataccedilatildeo de que as diferentes realidades existem

PE1 ndash No Cientista Solidaacuterio a gente faz sabatildeo O principal objetivo eacute fazer ciecircncia fazer o aluno observar ter estiacutemulo para aprender Quanto ao sabatildeo alguns a gente guarda outros os alunos levam para casa outros a gente doa Eacute muito bom doar para quem precisa ser uacutetil a algueacutem

Neste projeto ainda que textualmente no planejamento74 a escola

tenha mostrado uma preocupaccedilatildeo com o compromisso eacutetico e solidaacuterio no

processo formativo a atividade em si estaacute centrada no conhecimento cientiacutefico

Quando o resultado fica restrito ao pedagoacutegico e natildeo ao impacto da accedilatildeo

solidaacuteria o aluno poderaacute incorporar uma visatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo O

outro torna-se um ldquoqualquer outrordquo natildeo haacute de fato um compromisso com o

interlocutor com quem recebe a accedilatildeo

PE1 ndash Agraves vezes no horaacuterio das aulas a gente natildeo consegue dar a parte teoacuterica e praacutetica entatildeo surgiu a ideia de que o aluno viesse no contraturno para ter essa praacutetica no laboratoacuterio Eacute uma atividade voluntaacuteria vem o aluno que quiser natildeo estaacute preso agrave nota agrave frequecircncia nem nada Mas noacutes vemos que eacute bacana que eles ficam estimulados Para isso eu pensava em fazer algo que eles pudessem produzir que eles pudessem mostrar para os outros o que fizeram Entatildeo eu pensei em alguma coisa de higiene sabatildeo Fazer com que o oacuteleo viesse da casa deles da vizinhanccedila Uma vez o aluno ensinou a matildee e ela comeccedilou a fazer sabonete para vender como lembrancinha para receacutem nascido

As oportunidades de aprendizagem criadas que colocam o aluno em

uma situaccedilatildeo de assumir um compromisso com a aprendizagem desvinculada

da nota satildeo bons exemplos de como se ensina a ter responsabilidade A

participaccedilatildeo da comunidade em diferentes contextos faz com a experiecircncia

percorra diferentes percursos de aprendizagens que nem sempre estavam

previstos no planejamento satildeo situaccedilotildees de aprendizagem significativas

74

Apresentado no capiacutetulo I na descriccedilatildeo da Escola1 em ldquoCientista Solidaacuteriordquo

167

poreacutem natildeo eacute possiacutevel perceber como intenccedilatildeo da escola a intervenccedilatildeo criacutetica

da realidade

CPE1 ndash Noacutes temos pombos na escola e os alunos conseguiram durante uma ediccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria haacute uns anos atraacutes a doaccedilatildeo de um aparelho de alta frequecircncia que soacute pombo ouve Esse aparelho emitia o som do gaviatildeo Eles o colocaram em pontos estrateacutegicos e os pombos desapareceram Mas depois a gente teve que desligar porque alguns alunos estavam ouvindo tambeacutem Foi assim que ficamos sabendo que o ouvido humano ateacute os 21 anos de idade pode captar essa frequecircncia Mas natildeo faz mal natildeo tem importacircncia o fato de ele ter sido desligado o importante foi promover a discussatildeo eles conseguirem a doaccedilatildeo houve o envolvimento de todo mundo discutimos sobre os pombos sobre o problema das pragas urbanas etc

CPE3 - O primeiro objetivo eacute a formaccedilatildeo do nosso aluno eacute ele entrar em contato com uma comunidade diferente Eacute claro que por ser um trabalho seacuterio comprometido ele vai surtir efeito nesta comunidade mas o nosso objetivo primeiro natildeo eacute transformar esta realidade E a gente tem que assumir isso Eu natildeo sei Eu tambeacutem estou pensando se essa eacute a funccedilatildeo se eacute assim que iremos trabalhar esses valores a eacutetica Mas pensar soacute ali dentro da sala de aula natildeo eacute via voluntariado educativo me parece um caminho muito bacana

A funccedilatildeo da escola eacute a educaccedilatildeo formal garantir que o aluno tenha a

oportunidade de desenvolver-se em suas capacidades cognitivas ter acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado desenvolver-se pessoal e

socialmente Neste sentido propor uma educaccedilatildeo que crie espaccedilos de

intervenccedilatildeo social abrindo-se para o mundo real com possibilidades de inferir

em uma realidade e nela atuar buscando contribuir para melhoraacute-la faz parte

do processo educativo Natildeo se espera que a escola resolva todos os

problemas da sociedade pois natildeo eacute esta a funccedilatildeo social que deve responder

No entanto o acesso ilimitado ao conhecimento por meio das

tecnologias as novas formas de produccedilatildeo de relaccedilatildeo e de consumo implica

ensinar a coletar e organizar as informaccedilotildees a pesquisar a pensar a resolver

problemas a reconhecer-se parte da sociedade e nela inferir sem que isso seja

pensado em benefiacutecio proacuteprio mas sim visando de fato construir um mundo

melhor para se viver Espera-se que seu principal objetivo seja oferecer uma

educaccedilatildeo de qualidade e o seu projeto pedagoacutegico para tanto precisa ser

guiado pela concepccedilatildeo de qualidade que se deseja imprimir Se a qualidade

168

estiver relacionada apenas com o resultado nos exames externos a estrateacutegia

deveraacute seguir pela preparaccedilatildeo dos alunos para a realizaccedilatildeo das provas mas

se a compreensatildeo de que a formaccedilatildeo deve assegurar o desenvolvimento da

consciecircncia criacutetica e da autonomia ela deveraacute adotar outras estrateacutegias para

atingir tal objetivo Desta forma quando haacute a segunda percepccedilatildeo a

solidariedade pode ser pensada enquanto estrateacutegia intriacutenseca ao processo de

aprendizagem A escola que adota a intervenccedilatildeo social como praacutetica curricular

pode desenvolver a consciecircncia criacutetica a alteridade e a formaccedilatildeo eacutetica se de

fato estiver fazendo com que os seus alunos assumam a responsabilidade em

comprometer-se em pesquisar avaliar planejar agir em favor de um projeto

para melhorar a vida da comunidade A percepccedilatildeo dicotocircmica entre focar na

aprendizagem e no desenvolvimento de projetos de intervenccedilatildeo na

comunidade acontece quando natildeo haacute clareza de tal articulaccedilatildeo quando os

momentos educativos ainda estatildeo dissociados

CPE1 ndash Noacutes temos que trabalhar os conteuacutedos que satildeo cobrados no vestibular e ao mesmo tempo trabalhar os projetos de cidadania Isso estaacute claro na cabeccedila dos professores mas se eu perguntar para eles o que noacutes precisamos mais cidadania ou conteuacutedo eles vatildeo dizer conteuacutedo

CPE3 ndash Natildeo acontece por esta via por exemplo ensinar portuguecircs pelo caminho do social Eu acho que tem um conhecimento aprendido que eacute aplicado eu vejo que tem relaccedilotildees mas ainda eacute descolado

Tecircm momentos em que noacutes conseguimos Por exemplo a oitava seacuterie fez um projeto de liacutengua portuguesa de construccedilatildeo de texto com a comunidade do Centro da Crianccedila e do Adolescente Os alunos participaram da adaptaccedilatildeo do planejamento do lanccedilamento da execuccedilatildeo da visita ao Museu junto com os meninos do CCA foi um trabalho muito legal [] Outro exemplo o professor de ciecircncias passou um semestre no projeto de roboacutetica no centro profissionalizante com quinze alunos Natildeo daacute para ele trazer para a sala de aula esta experiecircncia o tempo todo Entatildeo tem determinados momentos que isso eacute feito mas porque tem um pedido

O fato de o professor ter esta visatildeo distanciada da formaccedilatildeo para a

cidadania em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica reflete a tensatildeo da

formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica ao conhecimento emancipaccedilatildeo

A reduccedilatildeo da emancipaccedilatildeo moderna agrave racionalidade cognitivo-instrumental da ciecircncia e a reduccedilatildeo da regulaccedilatildeo moderna ao

169

princiacutepio do mercado incentivadas pela converso da ciecircncia na principal forccedila produtiva constituem as condiccedilotildees determinantes do processo histoacuterico que levou a emancipaccedilatildeo moderna a render-se agrave regulaccedilatildeo moderna Em vez de dissolver no pilar da regulaccedilatildeo o pilar da emancipaccedilatildeo continuou a brilhar mas com uma luz que provinha [] dos diferentes espelhos que refletiam a regulaccedilatildeo (SANTOS 2009 B S p 57)

O rigor cientiacutefico centrado em validar o que eacute quantificaacutevel promove o

interesse e o desenvolvimento de conhecimentos regulares observaacuteveis

mensuraacuteveis As ciecircncias humanas e sociais importaram o cientificismo das

ciecircncias exatas e bioloacutegicas reduzindo portanto a complexidade da realidade

(DEMO 1985 CHIZZOTTI 1991)

CPE3 ndash O objetivo principal de se desenvolver esses projetos solidaacuterios eacute o aluno levar essa experiecircncia esse aprendizado para o resto da vida E de fato eu tinha alunos que jamais iriam num trabalho voluntaacuterio numa creche porque natildeo tecircm esse perfil [] Quando a gente abriu o futebol entatildeo foi impressionante porque veio uma leva de alunos aqueles que natildeo vatildeo bem na escola Foi muito bacana o perfil que se formou

Nota-se que a escola tem como proposta criar espaccedilos para a vivecircncia

e a aprendizagem solidaacuteria mas que ainda assim pode-se perceber um

distanciamento mesmo que isso natildeo seja comum a todos os professores nem

a todos os projetos que ela desenvolve

24 Solidariedade criacutetica-emancipadora

As principais caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

a) A solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de formaccedilatildeo criacutetica

pelas quais a escola identifica um problema social real planeja as

accedilotildees de intervenccedilatildeo utilizando os saberes acumulados na escola e

na vida e fazem a intervenccedilatildeo para resolvecirc-los

b) Articulaccedilatildeo da intencionalidade pedagoacutegica com a qualidade da

accedilatildeo social visando o desenvolvimento da formaccedilatildeo criacutetica ao

mesmo tempo em que busca melhor qualidade de vida da

comunidade atendida

170

c) Conhecimento colaborativo produzido por meio das relaccedilotildees

horizontais que se estabelecem

d) O fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria comprometimento e co-responsabilidade

As atividades que envolvem solidariedade na escola geralmente satildeo

desenvolvidas a partir de dois princiacutepios segundo Tapia (2006) 1) iniciativas

que visam melhorar a vida da comunidade - no entanto natildeo haacute intenccedilatildeo de

criar situaccedilotildees de aprendizagem para os proacuteprios alunos e 2) atividades

pedagoacutegicas trabalhos de campo reflexatildeo teoacuterica em que o foco estaacute no

desenvolvimento do conhecimento acadecircmico que natildeo visam melhorar a vida

da comunidade

Haacute ainda um terceiro tipo que diz respeito ao que veremos neste

item que estaacute aportado na articulaccedilatildeo entre oferecer um desenvolvimento do

conhecimento acadecircmico a partir da participaccedilatildeo em atividades que visam

melhorar a vida da comunidade Na compreensatildeo de solidariedade tais

experiecircncias devem buscar desenvolver a alteridade a eacutetica e o compromisso

poliacutetico como formaccedilatildeo Portanto enquanto praacutetica educativa podem ser

pensadas a partir do desenvolvimento de projetos de ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

que se referem ao terceiro tipo na medida em que

Falamos em aprendizagem e serviccedilo quando haacute intersecccedilatildeo das duas intencionalidades quando o desenvolvimento de um projeto estaacute presente simultaneamente na intencionalidade pedagoacutegica e na intencionalidade solidaacuteria (Ibidem p 25 traduccedilatildeo livre)

Neste caso a solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de

formaccedilatildeo criacutetica de tomada de consciecircncia do compromisso eacutetico-poliacutetico

pelas quais os alunos identificam um problema social real planejam accedilotildees de

intervenccedilatildeo e interferem na realidade utilizando os saberes acumulados na

escola e na vida para resolvecirc-los Tal experiecircncia eacute portanto centrada tanto

em propiciar uma aprendizagem criacutetica e criativa dos alunos quanto em

promover a emancipaccedilatildeo da comunidade atendida Quando pensada como

171

proposta curricular o curriacuteculo ganha amplitude na medida em que envolve

diferentes conexotildees em favor do saber pensar saber agir saber relacionar-se

para o desenvolvimento de um mundo mais justo e fraterno

Neste sentido o curriacuteculo pode ser pensado a partir de experiecircncias

que promovam a aprendizagem natildeo somente circunscrita entre as disciplinas e

as paredes da sala de aula senatildeo utilizando a proacutepria vida que pulsa em

sociedade para fazecirc-la

PE3 ndash Quando o cacique nos mostrou que o que de fato interessava era justamente essa interaccedilatildeo noacutes vimos que este eacute o caminho que eacute por aiacute que eles querem isso E noacutes somos o branco eu falo isso para os alunos ldquoGente cuidado noacutes somos o branco aqui dentro ou seja quem soacute fez mal a elesrdquo Eu acho bem difiacutecil para os nossos alunos eacute diferente por exemplo do que ir na favela do Jaguareacute Eles tecircm dificuldades mas natildeo eacute outra cultura

O maior aprendizado eacute saber que existe isso dentro da sua cidade acho que ningueacutem se daacute conta disso e conviver eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual eles sentem eles ficam juntos eles rolam na terra eacute uma super-interaccedilatildeo

O professor define o curriacuteculo a partir da concepccedilatildeo de educaccedilatildeo que

se quer desenvolver de acordo com o objetivo que se quer alcanccedilar Neste

caso enquanto forma de conhecimento intriacutenseca ao processo formativo a

descoberta do outro implica tambeacutem a descoberta de si mesmos No

depoimento acima pode-se notar que uma atividade onde a escola cria

espaccedilos para que os alunos possam de fato conhecer outra cultura todas as

suas complexidades e contradiccedilotildees satildeo expostas da maneira como realmente

satildeo A percepccedilatildeo criacutetica eacute provocada pelo tipo de atividade desenvolvida pela

exposiccedilatildeo ao outro ldquode igual para igualrdquo numa construccedilatildeo horizontal de

conhecimento baseada na alteridade

A escola parte para o desenvolvimento de uma relaccedilatildeo solidaacuteria de

construccedilatildeo colaborativa de conhecimento ampliando o espaccedilo educativo para

aleacutem da sala de aula e intervindo em uma realidade com a qual se identifica e

acredita que pode ajudar a melhorar

172

CPE2 ndash Antes de iniciar o projeto aqui dentro da escola eu fui laacute conhecer os cooperados e vi que o nosso trabalho ia ajudar porque quando eles saem na rua para buscar lixo de casa em casa com um carrinho eacute muito mais trabalhoso e a quantidade arrecadada eacute pequena sem contar que eacute constrangedor tambeacutem Aqui eles passam recolhendo com um caminhatildeozinho toda terccedila-feira O trabalho deles natildeo eacute faacutecil o processo de triagem eacute difiacutecil ficar ali eacute mal cheiroso

Na solidariedade criacutetica-emancipadora o projeto parte da loacutegica como

a atividade pedagoacutegica eacute construiacuteda o foco natildeo estaacute dentro da escola no

desempenho escolar de seus alunos (funcionalista) tampouco se trata de uma

atividade de benevolecircncia (assistencialista) mas estaacute centrado no outro o foco

eacute atender a uma necessidade da comunidade que neste caso eacute por um

projeto de troca de conhecimento de socializaccedilatildeo de integraccedilatildeo intercultural

mas poderia ser outra (como no depoimento da escola abaixo) Iniciar um

projeto a partir das reais necessidades daquele que seraacute beneficiado pela accedilatildeo

eacute uma das caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

ExCE1 - O projeto surgiu pela necessidade do Parque Eles natildeo tinham como receber grupos de visitaccedilatildeo porque natildeo haviam monitores entatildeo propus que os alunos do Ensino Meacutedio da nossa escola fossem os monitores-voluntaacuterios no contraturno A coordenaccedilatildeo do Parque adorou a ideia os alunos fizeram um curso de estaacutegio de formaccedilatildeo e o Parque pode ser aberto para visitaccedilatildeo Por causa disso as EMEIs e EMIs da cidade incluiacuteram tal visita no calendaacuterio escolar Entatildeo funcionava assim a coordenadora da escola que ia mandar os seus alunos para a visita dizia que conteuacutedos estavam estudando para a coordenadora do Parque e juntos noacutes faziacuteamos a adequaccedilatildeo da atividade que seria desenvolvida de acordo com este conteuacutedo Era muito bacana Nossos alunos sempre preparavam algo a mais pesquisavam se organizavam e viam o que seria mais interessante Eles acabavam inventando teacutecnicas para aquilo como passar trechos de filmes por exemplo

Criou-se neste caso uma rede colaborativa de aprendizagem Graccedilas

a este projeto toda a rede puacuteblica de educaccedilatildeo infantil da cidade pode incluir

em sua agenda a visita ao Parque Ecoloacutegico responsaacutevel pelo projeto de

paisagismo da cidade A oportunidade de aprendizagem tanto para os alunos

das EMEIs e EMIs quanto para aqueles que planejam e executavam as

atividades foi bem explorada pelas escolas que apostaram em um projeto

integrado de educaccedilatildeo ambiental combinando consciecircncia ecoloacutegica e

173

solidariedade A rede colaborativa de aprendizagem e trabalho em equipe

agregou qualidade agrave educaccedilatildeo demonstrando que eacute possiacutevel incluir no

curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem que faccedilam sentido para a vida em

sociedade

De que adianta obter determinadas quantidades de informaccedilotildees sobre geografia e histoacuteria adquirir a capacidade de ler e escrever se durante o processo o indiviacuteduo perde sua alma se perde sua capacidade de avaliar as coisas de perceber os valores aos quais as coisas estatildeo ligadas se perde o desejo de aplicar o que aprendeu e sobretudo se perde a capacidade de extrair o significado de suas experiecircncias futuras agrave medida que ocorreram (DEWEY apud APPLE BEANE 1997 p 30-31)

A relaccedilatildeo solidaacuteria eacute horizontal e para tanto deve ter como princiacutepio a

alteridade Deve se propor saber ouvir e buscar caminhos para se fazer o que

de fato atenda as reais expectativas do outro Quando a escola parte do

diagnoacutestico inicial quando a atividade eacute organizada com o objetivo de ensinar

solidariedade esta conduccedilatildeo eacute fundamental para que os alunos a vivenciem da

forma correta Natildeo se trata de iniciar um projeto estruturado dentro da escola

planejado por alunos e professores antes mesmo de se conhecer o que a

comunidade necessita de fato Encontrar mecanismos para lidar com as reais

necessidades da comunidade fazendo as adequaccedilotildees necessaacuterias exige

planejamento estudo mas tambeacutem exige ensinar a desenvolver uma relaccedilatildeo

baseada sobretudo no respeito Conhecer outras realidades outras culturas e

com ela compartilhar saberes aprendendo a valorizar a diferenccedila eacute um dos

caminhos da formaccedilatildeo de uma consciecircncia de cidadania planetaacuteria (PADILHA

et al 2011)

PE3 ndash Noacutes comeccedilamos esse projeto porque um iacutendio que era aluno nosso do EJA haacute uns sete anos atraacutes pediu para que noacutes focircssemos ateacute a aldeia dele trabalhar com as crianccedilas principalmente o reforccedilo de portuguecircs Noacutes chegamos laacute para estudar junto fazer liccedilatildeo mas eles natildeo queriam isso A gente natildeo conseguiu entrar por esse vieacutes pedagoacutegico entatildeo seguimos por um caminho alternativo que foi o do artesanato das artes com argila dobradura A relaccedilatildeo seguiu por uma outra loacutegica a deles Ateacute que eu comecei a ficar preocupada e me perguntei o que noacutes estamos de fato fazendo Foi aiacute que eu resolvi procurar o cacique e ele me disse que era justamente isso o que eles queriam que o melhor trabalho que tinha na aldeia era o nosso porque noacutes eacuteramos as uacutenicas pessoas que iam laacute para

174

se relacionar com as crianccedilas que todo mundo vai para dar alguma coisa tipo roupa remeacutedio vacina e a relaccedilatildeo eacute sempre muito distante Ele disse que se pudessem as pessoas arremessariam as coisas laacute dentro Ele falou ldquovocecircs satildeo nossos amigos e satildeo os uacutenicosrdquo A partir desse retorno eu comecei a focar mesmo nessa troca de culturas Entatildeo a gente conta uma histoacuteria para eles eles contam uma histoacuteria para noacutes noacutes fizemos uma receita para eles (de brigadeiro que natildeo vai ao fogo) e eles fizeram uma deles (tipaacute) para noacutes Nessas a gente escreve a receita eles copiam e assim a gente trabalha portuguecircs esse aprendizado eacute meio pano de fundo Em troca eles nos ensinam a falar algumas palavras em Guarani e eacute bem difiacutecil Eacute um trabalho muito bacana75

CE3 ndash O mais importante eacute esse conhecimento de superar as diferenccedilas e preconceitos conhecendo mesmo vendo como eacute que eacute e pondo a matildeo na massa juntos tipo trabalhando com o barro para fazer a ceracircmica indiacutegena com culinaacuteria teve uma aula que a gente ensinou eles a fazer tipaacute e eles fizeram brigadeiro todo mundo adorou a gente vai trabalhando assim de igual para igual

Nestes depoimentos haacute alguns aspectos que gostariacuteamos de pontuar

a) o projeto teve iniacutecio pela necessidade da comunidade e natildeo da escola ou

seja natildeo parte de um interesse de quem faz a accedilatildeo mas sim de quem iraacute

receber b) com o seu desenvolvimento a professora percebeu que a

expectativa da comunidade era outra e novamente mantendo a proposta

dialoacutegica de atuaccedilatildeo se dirige agrave comunidade para que juntos reavaliem o

percurso do projeto numa relaccedilatildeo reflexiva horizontal direta aberta c)

certifica-se ouvindo a comunidade que o projeto estaacute atendendo agraves suas

expectativas e d) a aprendizagem eacute muacutetua as diferenccedilas satildeo valorizadas

Tanto na ldquofalardquo da escola quanto da comunidade eacute possiacutevel perceber a

reciprocidade Aleacutem disso quando o objetivo eacute compartilhado a apropriaccedilatildeo eacute

legiacutetima para ambos fica difiacutecil de saber ldquode quem eacute o projetordquo

PE3 - Eacute uma possibilidade de relacionamento iacutempar natildeo eacute faacutecil mas o nosso papel eacute esse criar oportunidades para eles Tanto os alunos da escola como as crianccedilas e jovens indiacutegenas tecircm interesse de conviver com essa outra cultura Isso eacute ensinar solidariedade cidadania

75

No Jaraguaacute a menor aldeia do Brasil (17 hectare) sofre com as pressotildees por reintegraccedilatildeo de posse a construccedilatildeo do trecho oeste do Rodoanel e a inserccedilatildeo de projetos imobiliaacuterios na regiatildeo A presenccedila indiacutegena remonta ao seacuteculo 16 e a liacutengua materna eacute o Guarani A religiosidade e a produccedilatildeo artesanal estatildeo entre os principais elementos da resistecircncia guarani jaacute que a terra natildeo pode ser mais fonte de sobrevivecircncia (RIBEIRO 2010)

175

CE3 ndash Faz parte da nossa proposta do nosso conteuacutedo proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque noacutes estamos suprimidos pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Entatildeo a gente precisa preparar o nosso aluno para se integrar com outra comunidade Como ele vai sair daqui Ele natildeo pode chegar laacute despreparado sem conhecer nada

Os arranjos que se formam em torno de uma proposta de

solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa propiciam a produccedilatildeo de

um conhecimento colaborativo que acontece em meio a diferenccedilas de culturas

de classe social de niacutevel de escolaridade de idades Para viver os desafios de

uma formaccedilatildeo intercultural eacute preciso tornaacute-los presentes no processo de

formaccedilatildeo A aprendizagem torna-se significativa quando parte da alteridade e

esse planejamento favorece o desenvolvimento de uma atividade de

integraccedilatildeo de construccedilatildeo de conhecimento compartilhado Em outras palavras

aprender a pensar com o outro sem que haja sobreposiccedilatildeo cultural acentua o

traccedilo da alteridade numa perspectiva de desenvolvimento da ecologia do

saberes (SANTOS B S 2009)

Vale considerar ainda que ldquoum dos principais papeacuteis reservados agrave

educaccedilatildeo consiste antes de mais em dotar a humanidade da capacidade de

dominar o proacuteprio desenvolvimentordquo (UNESCO 2001 p 82) deixando a

concepccedilatildeo de desenvolvimento ligada apenas ao aspecto cientiacutefico e

econocircmico para encontrar tambeacutem a valorizaccedilatildeo das liberdades das

possibilidades de escolhas dos valores culturais em favor da vida

Nesse processo os saberes escolares satildeo revisitados em meio a uma

tomada de atitude que iraacute intervir na realidade envolvendo a consciecircncia de

pertencimento a um grupo social e de que cada accedilatildeo tem uma reverberaccedilatildeo

histoacuterica Numa comunidade de aprendizagem os problemas satildeo

compartilhados e aprender a respeitar a diversidade a colaborar faz com que

o grupo todo aprenda

Definidas como experiecircncias que oferecem simultaneamente uma alta qualidade de serviccedilo e um alto grau de integraccedilatildeo com os conteuacutedos formais este tipo de praacutetica implica a mesma continuidade e o mesmo compromisso institucional do serviccedilo comunitaacuterio estudantil poreacutem lhe somam a articulaccedilatildeo

176

das atividades com os objetivos da aprendizagem acadecircmica que caracterizam os trabalhos de campo (TAPIA 2006 p 29 traduccedilatildeo livre)

Os educadores de uma escola que se propotildee a desenvolver uma

educaccedilatildeo solidaacuteria precisam criar espaccedilos que ajudem os jovens a ter

experiecircncias que natildeo se restrinjam ao curriacuteculo formal pois geralmente ele

silencia as culturas que natildeo satildeo dominantes (APPLE BEANE 1997)

PE3 ndash O maior aprendizado desse projeto com a aldeia indiacutegena eacute conviver eacute essa interaccedilatildeo eacute essa troca de culturas Eles ficam juntos eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual Eles rolam juntos na terra Eacute uma troca Noacutes natildeo vamos laacute para ensinar mas eles aprendem coisas com a gente e noacutes aprendemos com eles

CPE2 ndash Eu acho que se aprende a ser solidaacuterio sofrendo com o sofrimento alheio Eu me coloco no lugar das pessoas o que eu posso fazer Em que linha posso trabalhar como posso contribuir O que eu sou eacute uma consequecircncia de tudo o que eu vim somando desde a minha infacircncia ateacute agora Eu aprendo com o outro Sem o outro a gente natildeo eacute nada Entatildeo a gente aprende na dificuldade do outro na vitoacuteria do outro na histoacuteria do outro e vocecirc tenta construir a sua histoacuteria em funccedilatildeo das coisas que vocecirc tem laacute de repertoacuterio

O respeito e o re-conhecimento do outro durante o processo de

formaccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade

consciente ativa da alteridade Essa relaccedilatildeo com o outro que toca afeta em

muitas dimensotildees desafia uma relaccedilatildeo de responsabilidade mais do que de

reconhecimento apenas Diante de sujeitos abstratos teorizados natildeo haacute essa

responsabilidade pois natildeo haacute necessidade real nem fraqueza nem fortaleza

pois natildeo haacute a concretizaccedilatildeo da vida O homem se faz sujeito do conhecimento

na medida em que reconhece suas exigecircncias eacuteticas concretas Como afirma

Leacutevinas (1988) o conhecimento enquanto respeito da alteridade implica em

ensinamento mas tambeacutem em reconhecer a presenccedila do outro onde a

formaccedilatildeo do sujeito eacutetico-poliacutetico se daraacute mediante a relaccedilatildeo dialeacutetica desse

enfrentamento da responsabilidade da atenccedilatildeo agrave vida e tambeacutem como

sustentou Freire

177

Ningueacutem pode estar no mundo com o mundo e com os outros de forma neutra Natildeo posso estar no mundo de luvas nas matildeos constatando apenas A acomodaccedilatildeo em mim eacute apenas caminho para a inserccedilatildeo que implica decisatildeo escolha intervenccedilatildeo na realidade (FREIRE 1996 p 43)

Criar oportunidades de aprender com o outro propicia o

desenvolvimento da alteridade um dos pilares fundamentais do conhecimento-

solidariedade sendo uma abertura para se repensar a formaccedilatildeo humana as

nossas relaccedilotildees pela eacutetica Em qualquer situaccedilatildeo deixar-se afetar pelo outro

implica no autoconhecimento ou ainda na ressignificaccedilatildeo de uma

compreensatildeo de si mesmo vinda do outro Este processo precisa ser

construiacutedo intencionalmente e dependeraacute sobretudo da compreensatildeo sobre a

qualidade da formaccedilatildeo que se deseja desenvolver

CPE2 ndash E quando a gente fala do meio ambiente da sustentabilidade da reciclagem eu natildeo estou falando soacute da questatildeo em si mas a questatildeo do respeito mesmo de respeitar o outro que tambeacutem eacute dono desse espaccedilo do espaccedilo que natildeo eacute soacute meu eacute coletivo do espaccedilo do planeta que se afeta se a gente natildeo cuidar dele Pra mim desenvolver na crianccedila o espiacuterito de solidariedade eacute isso eacute preciso respeitar ser respeitado e respeitar o outro

Estabelecer canais para que o aluno vivencie o respeito eacute fundamental

para o desenvolvimento da alteridade e do sujeito eacutetico onde a

responsabilidade eacute compreendida no campo existencial Portanto natildeo pode ser

incorporada ao homem intelectualmente mas vivencialmente (FREIRE 2001

p 66)

Um projeto baseado na alteridade no respeito ao outro natildeo eacute

sustentado apenas na boa accedilatildeo Eacute necessaacuterio estar de acordo com as reais

expectativas daquele que as recebe e com a percepccedilatildeo de que o sentido da

educaccedilatildeo deve ser o de formar pessoas que se respeitem pelo princiacutepio da

reciprocidade da alteridade A escola que cria espaccedilos de intervenccedilatildeo social

por ter como foco o desenvolvimento do pensamento criacutetico observa a

presenccedila da diversidade dos sujeitos sociais suas condiccedilotildees busca conhecer

seus interesses e deles partir para o desenvolvimento de atividades que

178

venham ao encontro dessa necessidade sem perder de vista o enriquecimento

do processo formativo

ExCE1 - Tem muito aprendizado eacute muito possiacutevel criar situaccedilotildees de aprendizagem muito mesmo disciplina tudo Acabava que eles tinham que se colocar neacute Eles eram monitores mas acabavam se colocando como professores e nesse momento eles percebiam a dificuldade que eacute Eles comeccedilam a ver um fim uacutetil para aquilo que estatildeo aprendendo na escola e aiacute as coisas se transformam Porque eles tinham que desenvolver muitos conhecimentos atuar em muitas aacutereas do conhecimento Resolveram que tinham que usar o teatro o teatro de fantoche criaram um texto para passar a mensagem deles Sim porque tudo isso era de responsabilidade deles eles eacute que resolviam o que iam fazer como fazer e o resultado era baacuterbaro ateacute musiquinha eles criaram para fazer a monitoria Eles fizeram um curso de monitoria para que eles pudessem aprender como entreter as crianccedilas

Propiciar experiecircncias de solidariedade e compromisso significa criar

uma dinacircmica de aprendizagem que favorece o amadurecimento da

responsabilidade numa relaccedilatildeo com a comunidade e com outros de troca e ao

mesmo tempo atende ao planejamento do que se pretende ensinar de

conteuacutedo programaacutetico Portanto envolve disciplina estudo pesquisa

apropriaccedilatildeo da linguagem aleacutem da construccedilatildeo da concepccedilatildeo poliacutetico-social de

tomada de consciecircncia de pertencimento a uma sociedade Neste caso

estudar natildeo se faz necessaacuterio apenas para o desempenho escolar mas sim

para conseguir o melhor roteiro para o teatro a melhor argumentaccedilatildeo para o

texto os assuntos mais interessantes para os visitantes ou o desenvolvimento

da consciecircncia ecoloacutegica Debruccedilar-se criticamente responsabilizando-se pela

comunidade vivendo suas contradiccedilotildees dificuldades criando oportunidades e

maneiras criativas para melhoraacute-la eacute o que nesses casos daacute sentido ao

processo educativo Criar situaccedilotildees reais de aprendizagem significa expor-se

criar um planejamento pedagoacutegico compartilhado que permita adequaccedilatildeo de

quem participa da accedilatildeo O trabalho em conjunto em projetos fora do habitual

com pessoas e situaccedilotildees reais permite a valorizaccedilatildeo das diferenccedilas como

riquezas e como oportunidades de aprendizagem e crescimento

ExCE1- Eu ajudava com o conhecimento pedagoacutegico mas natildeo era soacute isso porque eles tinham que saber como melhor atingir o puacuteblico que vinha

179

visitar o parque A crianccedila de sete anos eacute de um jeito a de oito de outro a de treze eacute de outro a de cinco a de dois O conteuacutedo agraves vezes era o mesmo mas a forma de passar esse conteuacutedo tinha que ser diferente Meu papel era esse de ir adequando o conteuacutedo agrave faixa etaacuteria mas natildeo precisava muito era soacute ensinar alguma coisa para eles deslancharem sozinhos eles mesmos percebiam como eacute que eles deviam fazer

As atividades em que os alunos satildeo estimulados a ter autonomia para

decidirem o que fazer e assumir tambeacutem os riscos desse envolvimento satildeo

ainda mais desafiadoras e formadoras da alteridade da responsabilidade Natildeo

haacute uma metodologia uacutenica uma norma ou uma regra preacute-estabelecida O

processo eacute dialoacutegico e se constitui na improvisaccedilatildeo no dinamismo na

incerteza da realidade natildeo iraacute partir de um universalismo teorizado mas das

relaccedilotildees reais que se estabelecem Nesse processo o professor orientador

deixa-se tambeacutem provocar pelo outro pelo ensinamento que o outro traz ou

deseja Na experiecircncia educativa baseada na solidariedade na alteridade eacute

por meio da relaccedilatildeo direta com as situaccedilotildees de exposiccedilatildeo ao outro que a

aprendizagem acontece extrapolando os padrotildees e planejamentos estanques

Aprende-se a aprender para melhorar a relaccedilatildeo com o outro a relaccedilatildeo

educativa natildeo eacute solitaacuteria tampouco unilateral

ExCE1 - Foi uma soma de aprendizado Para os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o parque e aprendiam aqui uma seacuterie de conteuacutedos e mais ainda para os nossos alunos monitores nossos alunos voluntaacuterios Ele precisa retomar alguns conteuacutedos que vatildeo repassar precisam dominar o conteuacutedo para ensinar certo precisam escrever um texto natildeo soacute correto mas que desperte o interesse do puacuteblico Enfim o resultado eacute brilhante

No processo educativo com um puacuteblico real com um objetivo social a

se cumprir o fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria e comprometimento Natildeo se trata de uma intervenccedilatildeo isolada com

caraacuteter meramente exploratoacuterio pois haacute comprometimento com os resultados

tanto sociais quanto pedagoacutegicos

CPE2 ndash Natildeo tem como pensar em trabalhar com cidadania separado No caso o trabalho com reciclagem comeccedilou porque o paacutetio da escola estava

180

ficando sujo e noacutes natildeo queriacuteamos estimular isso Daiacute comeccedilamos a conversar sobre o impacto da sujeira e com o tempo fomos envolvendo os conteuacutedos de todas as seacuteries Por exemplo no projeto Animais Marinhos eles vatildeo confeccionar os animais com material reciclado o Ler e Escrever traz a questatildeo do destino do lixo eles visitaram a empresa que tem uma estaccedilatildeo de tratamento de aacutegua e de reciclagem do proacuteprio lixo a equipe que arrecadar mais materiais reciclaacuteveis faz uma excursatildeo para o Pico do Jaraguaacute para conhecer e discutir as questotildees ambientais em 2012 fizemos uma brincadeira um concurso de fantasias no carnaval para ver quem fazia a fantasia mais criativa com material reciclado Eles procuraram marchinhas carnavalescas e fizeram paroacutedias sobre a questatildeo ambiental a questatildeo do lixo Desenvolvemos tambeacutem o projeto com o Faccedila Parte sobre o consumo consciente e o plaacutestico e a gente trouxe o autor de diversos livros adotados pela escola sobre meio ambiente para os alunos conhecerem Tudo isso sem descuidar de reciclar o proacuteprio lixo produzido na escola e na proacutepria sala de aula e manter o paacutetio limpo para natildeo virem os pombos

Natildeo se trata de separar o que eacute consciecircncia cidadatilde e o que eacute conteuacutedo

escolar A intervenccedilatildeo social acontece de maneira articulada o conteuacutedo eacute

trabalhado por meio de uma proposta de intervenccedilatildeo real e esta demanda mais

pesquisa mais conhecimento

CPE2 ndash No Reciclar todas as atividades estatildeo ligadas e tudo estaacute ligado a este assunto Aleacutem da questatildeo da escrita do conhecimento acadecircmico tem o conhecimento da vida que eles estatildeo adquirindo Noacutes temos a sequecircncia didaacutetica para trabalhar tem a questatildeo do desmatamento da importacircncia de preservar a mata atlacircntica a mata ciliar a contaminaccedilatildeo dos lenccediloacuteis freaacuteticos nas seacuteries iniciais usamos os materiais reciclados para fazer brinquedos vocecirc comeccedila a falar da importacircncia da reciclagem e eu estou inventando o curriacuteculo Natildeo ele estaacute posto uma coisa vai imbricando na outra natildeo tem como trabalhar paralelo

O projeto desenvolvido pela E2 visa contribuir tanto para a questatildeo

social quanto pedagoacutegica a partir de trecircs frentes de atuaccedilatildeo a) visando

melhorar o comportamento e postura dos alunos em relaccedilatildeo a questotildees

ambientais b) trabalhando o tema como conteuacutedo programaacutetico nas

disciplinas e c) implantando a coleta seletiva com o apoio da comunidade

escolar favorecendo a cooperativa de catadores com o material coletado pela

escola Assim a proposta eacute de refletir tanto sobre os conteuacutedos referentes ao

tema ligado ao meio ambiente reciclagem e sustentabilidade quanto promover

a consciecircncia criacutetica perante a questatildeo ambiental e melhorar a vida da

181

comunidade num projeto de articulaccedilatildeo curricular interdisciplinar onde cabe

ao professor de cada disciplina fazer as adequaccedilotildees necessaacuterias quanto ao

conteuacutedo Nessa proposta a formaccedilatildeo para a cidadania orienta o projeto

pedagoacutegico sendo que os alunos participam das atividades interferindo

socialmente enquanto estudam os conteuacutedos cientiacuteficos e teacutecnicos

O ambiente educador renovado pelo comprometimento o contato com

diferentes culturas em constante transformaccedilatildeo sua tradiccedilotildees e diferenccedilas

enriquecem a proposta de aprendizagem

CE3 - Esse trabalho eacute muito bom por causa da integraccedilatildeo O objetivo da escola indiacutegena natildeo eacute formar alunos para que sejam profissionais pra entrar numa faculdade O nosso objetivo eacute formar alunos que sejam conhecedores de sua proacutepria cultura de sua identidade de sua tradiccedilatildeo que saibam valorizar pensar saibam usar o seu conhecimento em favor da sua comunidade

O desenvolvimento da originalidade e as potencialidades se datildeo na

presenccedila e na construccedilatildeo da sociedade Assim a praacutetica que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos autocircnomos solidaacuterios implica a co-responsabilidade do

conviacutevio humano em dimensotildees planetaacuterias nacionais e locais baseada nos

princiacutepios da justiccedila respeito equidade social no cuidado de si do outro e do

contexto

CPE1 ndash A ideia de cidadania estaacute muito ligada a de autonomia Os professores orientam e quem discute e decide o que fazer satildeo os alunos essa discussatildeo eacute entre eles Vocecirc cria e ensina autonomia quando deixa com eles a responsabilidade sendo que aos professores cabe fazer as orientaccedilotildees que julgarem necessaacuterias

Uma das caracteriacutesticas apresentadas por Tapia (2004) de

aprendizagem e serviccedilo eacute o fato de que as iniciativas partem dos alunos Sobre

este aspecto o educador Antonio Carlos Gomes da Costa ao se referir agrave

participaccedilatildeo do jovem como principal ator em projetos de intervenccedilatildeo social

182

criou o conceito de ldquoprotagonismo juvenil76rdquo Para ele o protagonismo eacute um

laboratoacuterio para o estudo da cidadania uma vez que permite aos jovens

conviver com a realidade nela inferir e tirar suas proacuteprias conclusotildees (COSTA

2000) Neste sentido quanto mais autonomia os alunos tiverem durante a

execuccedilatildeo das atividades maior seraacute o desafio No entanto nas escolas

estudadas nesta pesquisa pode-se perceber a intenccedilatildeo em se criar espaccedilos de

intervenccedilatildeo social com qualidade poreacutem ainda que em estaacutegios e tipologias

diferenciadas natildeo foi identificado um projeto que partiu da iniciativa dos

alunos

CPE2 ndash O projeto comeccedilou porque a gente verificava que quando terminava o recreio o paacutetio ficava muito sujo e daiacute noacutes perguntamos para os funcionaacuterios da limpeza e eles disseram que era porque os alunos tinham o haacutebito de jogar o lixo do chatildeo Daiacute eu comecei a pensar esse haacutebito eles adquiriram onde Passei em todas as salas dizendo que o Seu Joaquim tinha que ficar limpando a sujeira que eles faziam e que tinham pombos vindo para a escola E pergunteita certo isso Daiacute pedi para os alunos comeccedilarem a fazer uma pesquisa sobre as doenccedilas transmitidas pelos pombos e tambeacutem tivemos a ideia de aumentar o nuacutemero de lixeiras daiacute pensamos em instalar coletoras para materiais reciclado Daiacute novamente avisei os alunos que iriacuteamos comeccedilar a reciclar na escola e pedi para que eles comeccedilassem a trazer os materiais reciclados de casa tambeacutem Comeccedilamos a estudar o impacto do lixo do ambiente em todas as seacuteries Enquanto isso tratei de procurar uma soluccedilatildeo para o material que a escola estava comeccedilando a reciclar Procurei uma cooperativa e fui laacute conhecer os cooperados o ritmo de trabalho deles o padratildeo cultural de cada um deles O trabalho eacute difiacutecil tem mau cheiro ficar separando lixo com moscas e tal Eacute um processo bem manual aiacute trouxe essa experiecircncia para a escola o pessoal veio falar com os alunos Entatildeo comeccedilou assim eacute um trabalho feito em parceria envolve os alunos os professores as famiacutelias os cooperados

O fato da atividade natildeo partir do aluno natildeo descaracteriza a

compreensatildeo de educaccedilatildeo critica emancipadora A solidariedade como praacutetica

curricular educativa comeccedila na compreensatildeo de educaccedilatildeo em quem se

deseja formar O saber que mudar eacute difiacutecil mas eacute possiacutevel (FREIRE 2000 p

94) faz com que o projeto de educaccedilatildeo parta da provocaccedilatildeo para a mudanccedila

76

O Protagonismo Juvenil eacute um tipo de accedilatildeo de intervenccedilatildeo no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem eacute o ator principal Eacute uma forma de ensinar cidadania em que o jovem ocupa uma posiccedilatildeo que natildeo dizem respeito agrave sua vida privada familiar e afetiva mas a problemas relativos ao bem comum na escola ou na comunidade Ele eacute a concebido como fonte de iniciativa que eacute accedilatildeo como fonte de liberdade que eacute opccedilatildeo e como fonte de compromissos que eacute a responsabilidade (COSTA 2000)

183

natildeo do puro conhecimento teacutecnico-cientiacutefico A consolidaccedilatildeo de uma

concepccedilatildeo de conhecimento regulador e instrumental cria a incapacidade de

estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro a natildeo ser quando se o transforma em

objeto O saber enquanto solidariedade visa substituir o objeto-para-o-sujeito

pela reciprocidade entre sujeitos (SANTOS B S 2009 p 83)

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular

Muito embora durante o desenvolvimento desta pesquisa as

entrevistas tivessem nos propiciado a elaboraccedilatildeo da tipologia da solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa que tem a pretensatildeo de ser a principal

contribuiccedilatildeo desta tese a discussatildeo teoacuterica e outros apontamentos nos

possibilitou tomar alguns outros aspectos referentes agrave praacutetica da solidariedade

que seratildeo consideradas a seguir e formam organizadas em dois blocos de

apresentaccedilatildeo 1) no ambiente escolar ndash habitus e 2) na organizaccedilatildeo curricular

ndash interdisciplinaridade

31 A solidariedade no ambiente escolar

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa implica na

participaccedilatildeo dos alunos onde eles sejam expostos a situaccedilotildees reais e a partir

desse enfrentamento aprendam a produzir conhecimento para pensar uma

melhor qualidade de vida na sociedade (ecologias do saber) Aleacutem disso ela

pode ser compreendida como um aspecto de conduta que favoreccedila o ambiente

de aprendizagem Pesquisas77 realizadas recentemente pelo MEC o Instituto

77

Aprova Brasil o Direito de Aprender (2006) ndash desenvolvido em 33 escolas o estudo mostra aspectos relacionados agrave gestatildeo agrave organizaccedilatildeo e ao funcionamento que poderiam ter contribuiacutedo para uma melhor aprendizagem O Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que garantem o direito de aprender (2008) apresenta os resultados de um estudo realizado em 37 redes municipais selecionadas pelo bom desempenho escolar em contexto socioeconocircmico desfavoraacutevel Melhores praacuteticas em escolas do Ensino Meacutedio do Brasil (2010) desenvolvida para identificar os fatores responsaacuteveis pela efetividade de 35 unidades escolares de Ensino Meacutedio localizadas nos Estados do Acre do Cearaacute do Paranaacute e de Satildeo Paulo notadamente aqueles relacionados agraves praacuteticas que as proacuteprias equipes escolares associam ao sucesso escolar de seus alunos

184

Nacional de Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira (INEP) e parceiros

tiveram como objetivo foi identificar caracteriacutesticas semelhantes entre escolas

ou redes de ensino que apresentam bom desempenho78

Nos estudos desenvolvidos para se identificar os indicadores de

qualidade para a mobilizaccedilatildeo da escola (RIBEIRO V RIBEIRO J GUSMAtildeO

2005) e adotado pelo Aprova Brasil (UNICEF 2006) dos sete indicadores de

qualidade utilizados pelo grupo responsaacutevel pela pesquisa quatro estatildeo direta

ou indiretamente ligados a valorizaccedilatildeo das relaccedilotildees solidaacuterias o ambiente

educativo ndash o respeito a solidariedade a disciplina na escola a praacutetica

pedagoacutegica da escola apoiada no trabalho em grupo a participaccedilatildeo dos alunos

em projetos especiais (entre eles os que satildeo voltados agrave intervenccedilatildeo social) a

gestatildeo escolar democraacutetica ndash o compartilhamento de decisotildees e informaccedilotildees

com professores funcionaacuterios pais e alunos a participaccedilatildeo dos conselhos

escolares

No estudo Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que

garantem o direito de aprender (2010) o poder de se criar relaccedilotildees natildeo

lineares a intensa conectividade entre os seus membros e o clima de

compromisso de toda a comunidade estabelecem um processo propiacutecio de

contiacutenua aprendizagem Entre as principais atitudes analisadas nas redes a

solidariedade (compreendida como a valorizaccedilatildeo e o compartilhamento das

responsabilidades oportunidades e aprendizagens) estaacute entre as quatro

fundamentais Todas as escolas desenvolveram o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

com a participaccedilatildeo das famiacutelias o apoio das secretarias o compromisso com a

educaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo das escolas foi percebida na comunidade O

diferencial nas praacuteticas pedagoacutegicas dessas escolas eacute a adequaccedilatildeo do

curriacuteculo agrave realidade da comunidade o interesse dos professores em se criar

situaccedilotildees de aprendizagem contextualizadas Segundo o levantamento a

formaccedilatildeo tem impacto quando os professores empregam seus saberes para

tornar as aulas mais interessantes e mobilizadoras aprofundam sua

compreensatildeo sobre o objeto de ensino potencializando as chances de

compreensatildeo pelos alunos tornam-se mais proacuteximos e parceiros com uma

78

Os indicadores adotados nessas pesquisas satildeo o Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica (IDEB)a Prova Brasil e as caracteriacutesticas socioeconocircmicas

185

visatildeo ampla e particular de cada um em seu contexto conhecendo suas

histoacuterias seus interesses e as formas de aprender (UNICEF 2008 p51) Este

reconhecimento da importacircncia de cada um no processo de formaccedilatildeo no

desenvolvimento de um trabalho colaborativo onde a corresponsabilidade o

ambiente agradaacutevel o respeito a participaccedilatildeo a atitude eacutetica satildeo

componentes que tecircm sido apresentados como diferenciais para o bom

desempenho no processo de aprendizagem

CPE2 ndash Ensinar solidariedade Tem professor que tem isso inserido na postura pedagoacutegica dele Ele como educador ensina isso em todas as vertentes atraveacutes dos exemplos nas discussotildees que ele faz como reage a um fato que aconteceu na sala de aula vai muito da postura do professor

Enquanto praacutetica educativa pensada dentro e fora da sala de aula a

solidariedade favorece a aprendizagem na medida em que todos aprendem a

construir sua proacutepria matriz de valores por meio do envolvimento em situaccedilotildees

controveacutersias em contextos plurais nas accedilotildees do cotidiano ou ainda nos

projetos intencionalmente criados como oportunidade para se praticar

cidadania Em outras palavras satildeo espaccedilos educativos em que a convivecircncia

plural e heterogecircnea eacute provocada bem como sentir-se responsaacutevel pelo outro

pelo mundo em que vive e ajudar a construiacute-lo como autores de suas accedilotildees

interfere nas consequecircncias dessa aprendizagem e da intervenccedilatildeo no mundo

(HOYOS MARTIacuteNEZ 2004 p18) Da mesma forma se o professor natildeo

compreende a educaccedilatildeo enquanto um processo de formaccedilatildeo para a cidadania

sua praacutetica pode distanciar a escola de tal formaccedilatildeo daiacute a necessidade de um

acompanhamento atento e da incorporaccedilatildeo da solidariedade no Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

CPE2 ndash Tem professor que diz ldquoeu estou aqui para dar aulardquo A proacutepria postura denuncia que ele natildeo tem esse olhar para a cidadania Mas mesmo assim eu continuo batalhando e incentivando quem faz porque daiacute esse professor acaba sendo contaminado por aquela energia que estaacute fluindo com o tempo ele percebe que estaacute dando resultado

186

Esta percepccedilatildeo incita duas questotildees a maneira de compreender a

educaccedilatildeo escolar como algo limitado ao ler escrever e contar sem relacionaacute-la

agrave formaccedilatildeo para a cidadania e a percepccedilatildeo de que o fazer pedagoacutegico

compartilhado influencia na praacutetica coletiva O curriacuteculo natildeo pode ser

compreendido como fazer isolado A proposta curricular deve ser

compartilhada entre todos Para que natildeo seja o fazer pelo fazer o projeto

pedagoacutegico ganha escopo e significado quando compartilhado e

contextualizado

CE3 ndash Diferente do Juruaacute a gente procura natildeo ensinar para o nosso aluno a entrar na faculdade somente queremos formar um aluno que tenha conhecimento da sua tradiccedilatildeo O iacutendio ensina para melhorar a vocaccedilatildeo de cada um daqui vai sair uma lideranccedila daqui vai sair um pajeacute um cacique e ele precisa ter dentro da escola o momento de aprender a ter a esta postura e tambeacutem de aprender histoacuteria geografia matemaacutetica as mateacuterias que satildeo projetadas no curriacuteculo nacional Entatildeo eacute importante para a gente trabalhar as duas coisas e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Na cultura indiacutegena a convivecircncia plural e heterogecircnea eacute valorizada

faz parte da proposta pedagoacutegica o intercacircmbio cultural e a aprendizagem por

meio da integraccedilatildeo

A maneira de se ensinar nas comunidades indiacutegenas tem como princiacutepios indissociaacuteveis a construccedilatildeo do ser pela observaccedilatildeo pelo fazer experimentando dentro de uma realidade A crianccedila indiacutegena vai aprendendo os valores do que eacute ser etnicamente diferente ao mesmo tempo em que adquire habilidades para enfrentar os desafios do mundo que a rodeia A educaccedilatildeo indiacutegena eacute um processo que acontece em todas as dimensotildees da vida social natildeo se limitando a um uacutenico lugar (sala de aula) ou ainda ao tempo (seacuteries idades) (VALENTINI 2010 p 41)

O saber em diferentes espaccedilos e tempos eacute fundamental para a reflexatildeo

sobre a realidade em sua complexidade

Outro aspecto ligado agrave vida em comunidade dentro da escola eacute a

rotina o haacutebito Pierre Bourdieu apresenta o habitus ldquocomo um sistema de

disposiccedilotildees duraacuteveis e transponiacuteveis que integrando todas as experiecircncias

187

passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepccedilotildees de

apreciaccedilotildees e de accedilotildeesrdquo (BORDIEU 1983 p 64)

O habitus tece a praacutetica curricular na medida em que os sujeitos satildeo

influenciados pela conduccedilatildeo da instituiccedilatildeo e vice-versa As estruturas se

cristalizam a partir do habitus que tende a manter a ordem rejeitando ou

refutando as transformaccedilotildees que por ventura a ameacem protegendo-o de

mudanccedilas No caso da escola indiacutegena eacute bom manter o haacutebito da abertura

intercultural mas em outros contextos ele pode ser entendido como prejudicial

ao sistema

CPE1 ndash Nem todo mundo estaacute aberto a inovaccedilotildees Tem professor que prefere trabalhar de modo disciplinar ele tem o esquema dele de dar aula ele tem convicccedilatildeo e crenccedilas e se dedicam para um trabalho que acreditam de fato ele tem aquela concepccedilatildeo dele e natildeo acha que estaacute errado Na verdade natildeo esta porque ele entende assim Cabe a noacutes que somos coordenaccedilatildeo ficar cutucando o tempo todo tentando provocar um movimento contiacutenuo para que ele comece a mudar comece a pensar outras coisas Aqui na escola jaacute foi muito mais distante mas com dois cinco sete anos isso entra no discurso deles leva tempo

O espaccedilo escolar eacute formativo lastreado por uma cultura colaborativa e

por praacuteticas participativas que satildeo as condiccedilotildees necessaacuterias para a

identificaccedilatildeo de necessidades de crescimento que leva agrave interiorizaccedilatildeo de

novos habitus A mudanccedila de haacutebito quando desejada eacute um processo

compreendido como de meacutedio ou longo prazo e requer um trabalho de

persistecircncia dentro da escola ou fora dela

CPE2 ndash Teve matildee que veio aqui brigar comigo ldquopara com essa histoacuteria pelo amor de Deus eu trabalho fora e tenho que ficar separando lixordquo Porque eacute isso mudar uma rotina daacute trabalho e a gente tem que instituir essa rotina com os pais dos nossos alunos e na escola tambeacutem eacute um trabalho muito repetitivo Eacute preciso ter muita persistecircncia

Tal mudanccedila eacute uma das principais dificuldades apontadas pelos

sujeitos desta pesquisa para se constituir um clima mais favoraacutevel ao

conhecimento-solidariedade na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees

dos comportamentos dos valores As accedilotildees repetidas com frequecircncia criam

188

uma pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

apreendida como pauta pelo agente (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

CPE1 ndash A mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada noacutes colocamos em todas as salas de aula o cesto azul do papel aleacutem do cesto que jaacute havia e toda vez a gente precisa cuidar para que ningueacutem jogue as coisas no cesto de papel A todo momento tem que repetir para eles o que eacute certo e o que natildeo eacute

CPE3 ndash O nosso aluno que faz um trabalho superbacana na comunidade trata malo colega do lado joga o lixo no chatildeo da escola isso me daacute muito incocircmodo mudar uma mentalidade eacute um esforccedilo eacute um trabalho muito difiacutecil

PE4 ndash Eu acredito nesse contato direto logo que um aluno chega para me cumprimentar eu olho nos olhos dele o recebo com sinceridade ldquoseja bem-vindo aquirdquo Ele ao me cumprimentar jaacute demonstra que natildeo me rejeitou Eu acho que falta isso falta essa troca essa solidariedade baseada em ver escutar respeitar o outro

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo muitas vezes criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho

pedagoacutegico e para a aprendizagem Os modos de gestatildeo e os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola o que tornaria difiacutecil interromper por exemplo a loacutegica participativa de

um ambiente colaborativo respeitoso bem sedimentado Disponibilizar o

conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa oferecer um modelo

arcaico de educaccedilatildeo uma vez que a humanidade precisa ter acesso ao

conhecimento produzido para partir dele e avanccedilar

Ao que acrescentaria que eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos o respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo os viacutecios como o desrespeito a

189

intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

O que caracteriza solidificaccedilatildeo do curriacuteculo eacute a reproduccedilatildeo de velhos

haacutebitos que jaacute natildeo trazem benefiacutecios (GIMENOSACRISTAacuteN 1999) Significa

dizer que a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo determina a praacutetica o fazer pedagoacutegico a

colaboraccedilatildeo o respeito ou ainda a solidariedade em menor ou maior grau no

grupo fortalece ou enfraquece o poder de coesatildeo em torno de um projeto

comum

32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade

Durante a pesquisa pudemos perceber que a maneira como as

escolas se organizam para o desenvolvimento de projetos solidaacuterios varia de

acordo com a proposta pedagoacutegica No entanto entre as escolas de educaccedilatildeo

baacutesica percebemos uma tendecircncia em se trabalhar de acordo com uma

proposta de interdisciplinaridade

Segundo Japiassuacute para se compreender interdisciplinaridade vale

partir do conceito de disciplinaridade que se refere ldquoao conjunto sistemaacutetico e

organizado de conhecimentos que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias nos

planos do ensino da formaccedilatildeo dos meacutetodos e das mateacuteriasrdquo (JAPIASSU

1976 p 72) Embora o conceito natildeo seja delimitado respondendo a uma seacuterie

de relaccedilotildees de maturidade e tipologias basicamente pode-se compreender por

interdisciplinaridade os arranjos curriculares entre duas ou mais disciplinas de

forma a provocarem uma integraccedilatildeo muacutetua tomando como base sistemas

globais e natildeo compartimentado como nas disciplinas A interaccedilatildeo pode ocorrer

pelo meacutetodo pelo procedimento e pela organizaccedilatildeo do ensino (JAPIAUSSU

1976 FAZENDA 1979)

Nas escolas pesquisadas os arranjos curriculares para propiciar

espaccedilos de aprendizagem da solidariedade de certa forma tendem a escapar

da organizaccedilatildeo rigorosa das disciplinas

CPE1 ndash A solidariedade estaacute distribuiacuteda ao longo de todo o trabalho [] Noacutes temos um projeto que fecha com tudo isso onde noacutes colocamos todas

190

as questotildees de cidadania Os professores de cada disciplina se organizam para participar

CPE2 ndash Noacutes trabalhamos os conteuacutedos pedagoacutegicos desenvolvendo o projeto solidaacuterio sim porque natildeo fazemos o projeto pelo projeto ele tem que estar interligado em todas as aacutereas eacute interdisciplinar As crianccedilas de todas as seacuteries trabalham todas as atividades estatildeo ligadas ao mesmo assunto Com o Reciclar por exemplo trabalhamos a questatildeo do desmatamento o que estaacute acontecendo com a sustentabilidade a importacircncia de preservar a Mata Atlacircntica a mata ciliar as nascentes a questatildeo do lixo dos aterros sanitaacuterios contaminando o lenccedilol freaacutetico o resgate das brincadeiras na aula de Educaccedilatildeo Fiacutesica e a confecccedilatildeo dos brinquedos com material reciclado junto com a professora de artes Em Portuguecircs trabalham listas de palavras diferentes gecircneros discursivos No material do Ler e Escrever do quarto ano tem a questatildeo do destino do lixo que tambeacutem estaacute dentro do projeto aleacutem de trabalhar o conceito de reciclagem e de fazermos a reciclagem aqui na escola de cuidarmos da sujeira na hora do recreio

Pelo projeto eles foram conhecer a multinacional do bairro e laacute eles tecircm um tratamento de aacutegua A cooperativa de lixo que noacutes ajudamos mandou umas cartilhas que entregamos aos pais para que leiam com seus filhos O projeto jaacute estaacute institucionalizado Agora eles estatildeo estudando o ldquoo impacto do meu lixordquo quando chove o que acontece os cinco erres Vocecirc conhece o autor Fernando Carraro Ele tem vaacuterios tiacutetulos publicados nesta aacuterea e viraacute aqui na Feira Cultural da escola conversar e autografar os livros com os alunos vai ser muito bacana

CPE3 ndash Aqui na escola o professor de Histoacuteria estudou com eles a cultura Guarani Por causa desse projeto de voluntariado ele fez uma aula de Histoacuteria para se trabalhar a questatildeo indiacutegena na qual tambeacutem participou o professor de Artes e de Ensino Religioso Eu acho isso um luxo mas ainda natildeo eacute como deveria ser tinha que ser mais natural Por exemplo se um professor estaacute trabalhando um determinado assunto tem que partir dele a articulaccedilatildeo natildeo da coordenaccedilatildeo

Esses arranjos interdisciplinares podem estar relacionados ao fato de

que o conhecimento-emancipaccedilatildeo tende a natildeo seguir a ordem estanque do

conhecimento-regulaccedilatildeo que mais facilmente pode ser repartido em disciplinas

orientadas em uma sequecircncia unicamente direcionada favorecendo a ordem

descartando o que natildeo eacute passiacutevel de ser mensurado contribuindo para a

produccedilatildeo da ciecircncia positivista

Conscientemente ou natildeo os especialistas decompotildeem o homem em pedaccedilos De certa forma colocam-nos entre parecircnteses para soacute extrair dele um conhecimento chamado de ldquopositivordquo muito embora essa ldquopositividaderdquo soacute consiga atingir ldquoalgordquo do homem muitos outros ldquoalgosrdquo natildeo nos sendo fornecidos nem mesmo por todas as disciplinas juntas cada

191

uma estudando ldquoalgordquo que lhe seja proacuteprio Porque se o saber cientiacutefico tem precisamente uma base rigorasamente empiacuterica as ldquorelaccedilotildeesrdquo que pretende ldquoexplicarrdquo satildeo exatas (pelo menos em certa escala) e verificaacuteveis (direta ou indiretamente) deve-se tomar o meacutetodo cientiacutefico como fio condutor de toda teoria do conhecimento Somente esse meacutetodo pode conduzir a um verdadeiro saber positivo E somente podem ser considerados como dignos de exame os problemas susceptiacuteveis de serem formulados em termos cientiacuteficos [] Os outros os que natildeo se deixam recuperar pelo meacutetodo cientiacutefico assim estabelecido devem ser considerados como inexistentes ou como pseudo problemas (JAPIASSU 1976 p 62-63)

A constataccedilatildeo dos limites de cada disciplina tende a provocar uma

fragmentaccedilatildeo dos conteuacutedos e a interdisciplinaridade por outro lado fornece a

possibilidade de articulaccedilatildeo dos saberes para a compreensatildeo da realidade

numa dimensatildeo mais colaborativa sem precisar reduzi-la ao quantificaacutevel sem

precisar desconsiderar aquela contribuiccedilatildeo que eacute beneacutefica da organizaccedilatildeo

disciplinar

A interdisciplinaridade curricular requer de preferecircncia uma incorporaccedilatildeo de conhecimentos dentro de um todo indistinto a manutenccedilatildeo da diferenccedila disciplinar e a tensatildeo beneacutefica entre a especializaccedilatildeo disciplinar que permanece indispensaacutevel e o cuidado interdisciplinar que em tudo preserva as especificidades de cada componente do curriacuteculo visando assegurar sua complementaridade dentro de uma perspectiva de troca e de enriquecimento (LENOIR 1998 p 57)

Aleacutem disso o conhecimento produzido em experiecircncias solidaacuterias se

caracteriza pela interdisciplinaridade na medida em que se estabelece em

relaccedilatildeo em mediaccedilatildeo num processo contiacutenuo e ambiacuteguo que se aproxima do

mundo real se distanciando da organizaccedilatildeo formal da teoria como sugere

Severino

A substacircncia do existir eacute a praacutetica ao passo que o conhecimento tende naturalmente para a teoria [] Eacute o que testemunham todos os entes que revelam agrave experiecircncia humana [] Eacute na praacutetica e pela praacutetica que as coisas humanas efetivamente acontecem que a histoacuteria se faz (1998 p 33-34)

192

A organizaccedilatildeo curricular a partir da interdisciplinaridade confere

autonomia e mobilidade ao curriacuteculo de forma que eacute possiacutevel organizaacute-lo em

torno de um objetivo comum compartilhado entre os professores para

propiciar a aprendizagem por meio de esforccedilos coletivos que vatildeo se

constituindo durante o percurso A elaboraccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica

baseada no envolvimento em projetos socioeducativos reais requer reflexatildeo

manejo e (re)organizaccedilatildeo curricular pois eacute a praacutetica que pede e sugere a teoria

e eacute o repertoacuterio teoacuterico que orienta e provoca a accedilatildeo a praacutetica

Outro aspecto relevante eacute a questatildeo de administraccedilatildeo do tempo na

organizaccedilatildeo das prioridades curriculares

CPE1 ndash Por exemplo eles tecircm que apresentar uma accedilatildeo solidaacuteria que eles realizaram e o blog que fizeram sobre as cooperativas para uma banca de professores que tomam nota fazem perguntas etc Para fazer isso eu tenho que pegar professores que estatildeo com o tempo livre naquele momento com uma aula vaga eu natildeo tenho como chamar o professor orientador daquele projeto Ou seja eu natildeo posso chamar o professor que estaacute mais envolvido com o projeto se ele estiver dando aula no momento

CPE3 ndash A proacutepria concorrecircncia entre as atividades que a escola oferece a agenda do nosso aluno eacute uma coisa louca a escola oferecer curso de teatro aula de recuperaccedilatildeo e voluntariado no mesmo horaacuterio Entatildeo eles tecircm que optar

EXCE1 ndash A maior dificuldade era conciliar os horaacuterios de todo mundo A pior questatildeo era que um fazia inglecircs o outro violatildeo e para que eles participassem tinha que conciliar todos os horaacuterios isso era o mais complicado

O regime da fragmentaccedilatildeo curricular determinados pela ordem

disciplinar subdivide a produccedilatildeo do conhecimento Ao adotar tais convenccedilotildees

espaccedilo e o tempo da aprendizagem entram em conflito com o espaccedilo e o

tempo da gestatildeo No entanto se as atividades pedagoacutegicas e administrativas

estiverem convergindo para um mesmo fim um projeto pedagoacutegico

compartilhado a tendecircncia eacute a de natildeo haver sobreposiccedilatildeo e concorrecircncias No

entanto quando isso natildeo acontece ldquoa impressatildeo que se tem eacute que cada uma

delas adquire um certo grau de autonomia cada uma trilha seu proacuteprio

caminho como se cada uma tivesse o seu proacuteprio fimrdquo (SEVERINO 1998 p

193

38) Conjugar prioridades e tempos em estruturas mais flexiacuteveis a partir de um

projeto educacional compartilhado permite maior articulaccedilatildeo e convergecircncia

de intencionalidade favorecendo o desenvolvimento do proacuteprio projeto

pedagoacutegico

Outro aspecto observado no desenvolvimento de praacuteticas pedagoacutegicas

solidaacuterias eacute a importacircncia da postura adequada do professor O diaacutelogo a

integraccedilatildeo e as convergecircncias aleacutem da concepccedilatildeo de solidariedade satildeo um

dos maiores desafios para desenvolvimento das atividades no sentido de uma

praacutetica curricular educativa

CPE1 ndash Uma das maiores dificuldades eacute criar consenso entre os grupos de professores para que todos participem Como desenvolvemos um projeto no qual o tema muda todo ano temos um periacuteodo muito curto antes do Projeto Comeccedilar para falar do tema com os professores [] Aleacutem disso nem todo professor tem que entender o projeto ele tem o esquema dele de dar aula e ele vai analisar o quanto isso vai afetar a aula dele

CPE2 ndash Existem professores que acreditam no projeto compram a ideia e fazem aquilo com entusiasmo Outros agraves vezes natildeo acreditam no potencial e faz porque tem que fazer Ensinar solidariedade vai muito da postura do professor [] e a mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada

CPE3 ndash Eu tenho de 20 a 30 professores que em algum momento se envolvem em trabalho voluntaacuterio Eacute uma parcela grande da populaccedilatildeo mas eu natildeo sei como cada um deles pensa essa questatildeo Entatildeo eacute complicado ele toma para si Com que jeito ele vai conduzir esse trabalho que manejo ele vai ter com esses alunos

A praacutetica curricular interdisciplinar natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois requer

participaccedilatildeo e compromisso com um projeto comum enquanto cada um tende

a preservar seus conhecimentos sua praacutetica sua metodologia sua praacutexis

(JAPIASSUacute 1976) Aleacutem da dificuldade didaacutetica inerente agrave proposta existem

as diferenccedilas entre a compreensatildeo de solidariedade dos valores individuais

que precisam ser constantemente revisados para se alinhar ao projeto

pedagoacutegico comum da escola A convergecircncia da intencionalidade a

compreensatildeo do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico os valores pessoais de ordem

eacutetica a concepccedilatildeo de solidariedade satildeo alguns dos ingredientes que atribuem

194

sentido agrave unidade curricular e merecem um processo reflexivo de trabalho

todavia para viabilizar a realizaccedilatildeo da unidade de sentido do projeto

pedagoacutegico

195

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

196

Esta tese investigou o tema da solidariedade como praacutetica curricular

educativa retomando sobretudo o sentido de aquisiccedilatildeo dos conhecimentos

culturalmente acumulados por meio da formaccedilatildeo pessoal social e poliacutetica

como condiccedilatildeo inerente agrave educaccedilatildeo Para tanto desenvolveu um estudo

teoacuterico e empiacuterico da solidariedade no acircmbito do curriacuteculo tendo como

conceitos estruturantes o conhecimento-emancipaccedilatildeo a alteridade a eacutetica e a

consciecircncia poliacutetica e como campo de pesquisa a praacutetica curricular em quatro

escolas do Estado de Satildeo Paulo

A tiacutetulo de conclusatildeo pretende-se pontuar as seguintes reflexotildees

Entende-se como a principal colaboraccedilatildeo desta pesquisa a elaboraccedilatildeo

da tipologia que anuncia quatro formas de solidariedade como praacutetica curricular

educativa (conforme anaacutelise desenvolvida no capiacutetulo IV) a) assistencialista b)

discursiva c) funcionalista-participativa d) criacutetica-emancipadora A uacutenica forma

que propicia a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento apoiado

nos quatro pilares conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica eacute a criacutetica-emancipadora

A qualidade da accedilatildeoproposta de solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa natildeo estaacute vinculada agrave rede administrativa da escola nem agraves

condiccedilotildees socioeconocircmicas da comunidade escolar ou ainda ao niacutevel de

ensino ou aacuterea de atuaccedilatildeo dos projetos A qualidade da accedilatildeoproposta

desenvolvida tampouco estaacute vinculada aos recursos financeiros ou teacutecnicos

disponiacuteveis Percebemos que a maturidade da accedilatildeoproposta estaacute relacionada

antes agrave concepccedilatildeo agrave integraccedilatildeo e agrave articulaccedilatildeo da proposta na apropriaccedilatildeo

curricular e na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e de solidariedade tanto da escola (de

maneira geral) como de cada educador (em particular)

Quando haacute uma compreensatildeo de que a formaccedilatildeo escolar e a

apropriaccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos estatildeo relacionadas ao modo de

pensar e agir em sociedade a escola encontra caminhos para articular o

curriacuteculo e desenvolver atividades sistemaacuteticas onde o aluno participa

197

socialmente e com isso desenvolve suas capacidades cognitivas sociais

pessoais emocionais e o conhecimento-emancipaccedilatildeo Da mesma forma

quando natildeo haacute clareza desta percepccedilatildeo a escola se deixa guiar pelo projeto

de promover uma educaccedilatildeo voltada somente agrave capacidade cognitiva ao bom

desempenho escolar percebendo maior dificuldade em visualizar atividades e

projetos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa natildeo provoca ou

sugere em si a separaccedilatildeo entre conteuacutedos acadecircmicos e formaccedilatildeo para a

cidadania embora esta seja a compreensatildeo de alguns dos sujeitos desta

pesquisa As experiecircncias observadas mostraram que pensar a construccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico por meio da resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

(experiecircncias de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio) estaacute relacionado agrave

compreensatildeo de educaccedilatildeo que a escola deseja imprimir Ao organizar o

curriacuteculo para este fim a escola traz ao aluno a possibilidade de desenvolver

suas habilidades cognitivas e concomitantemente tomar parte com

responsabilidade da vida em comunidade aprendendo a pensar pelo bem

comum desenvolvendo tambeacutem suas habilidades para aleacutem das cognitivas

(emocionais pessoais e sociais)

A maneira identificada para se promover experiecircncias nos diversos

espaccedilos e tempos educacionais satildeo as atividades e os projetos que propiciam

a oportunidade de articular a apropriaccedilatildeo dos saberes culturalmente

acumulados para uma formaccedilatildeo com intervenccedilatildeo na sociedade atribuindo-lhe

sentido social agrave formaccedilatildeo A realidade suas contradiccedilotildees e ambiguidades satildeo

estudadas sofrem intervenccedilotildees e satildeo utilizadas como campo de formaccedilatildeo (na

concepccedilatildeo de articulaccedilatildeo escola-comunidade ou de cidade educadora) No

entanto como tais praacuteticas respondem agrave intencionalidade pedagoacutegica se elas

forem desenvolvidas segundo uma visatildeo assistencialista de solidariedade elas

podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo da mesma maneira que se forem

organizadas segundo a pedagogia-criacutetica podem propiciar a construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo

Ao longo dos uacuteltimos vinte anos as discussotildees sobre qualidade da

educaccedilatildeo tecircm sido pautadas pelos exames padronizados que tendem a

reduzir o conceito de qualidade agrave preparaccedilatildeo para as avaliaccedilotildees externas A

198

padronizaccedilatildeo curricular natildeo valoriza o conhecimento natildeo-cognitivo ligado ao

desenvolvimento pessoal e social do aluno tampouco o conhecimento local a

articulaccedilatildeo escola-comunidade a diversidade a autonomia da escola Ao

contraacuterio a preparaccedilatildeo escolar ao treinamento para as provas numa proposta

de curriacuteculo academicista tecnicista favorecendo o desenvolvimento do

conhecimento-regulaccedilatildeo Em meio a essa cultura de avaliaccedilatildeo que acaba na

praacutetica fortalecendo a competitividade o individualismo e pautando o curriacuteculo

escolar a formaccedilatildeo para a cidadania eacute equivocadamente separada da

proposta de educaccedilatildeo e o foco passa a ser apenas o desempenho acadecircmico

mensurado nos testes Neste sentido esta tese indica que eacute preciso avanccedilar

em estudos que consigam mensurar a qualidade da educaccedilatildeo para aleacutem da

afericcedilatildeo de conteuacutedos curriculares especiacuteficos pois compreendemos que um

dos caminhos que pode inferir diretamente no curriacuteculo das escolas e nas

poliacuteticas puacuteblicas pode ser o proacuteprio instrumento avaliativo

No entanto em meio agrave ambiguidade e agrave complexidade desse arranjo

um exemplo pode ser o proacuteprio ENEM revisado que embora conserve a

mensuraccedilatildeo de saberes curriculares incluiu como um dos criteacuterios de

avaliaccedilatildeo da redaccedilatildeo a valorizaccedilatildeo de experiecircncias socioeducativas

planejadas pela escola nas quais os alunos devam elaborar propostas de

intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade respeitando os valores humanos e

considerando a diversidade sociocultural (conforme apresentado no capiacutetulo

IV) Em nosso entender medidas como essa precisam ser desenvolvidas e

adotadas pois podem promover a ampliaccedilatildeo do conceito de qualidade da

educaccedilatildeo para aleacutem dos rankings numa perspectiva de educaccedilatildeo criacutetica

humanizadora

No curriacuteculo nacional de acordo com as diretrizes paracircmetros e

referenciais curriculares de educaccedilatildeo nacional a solidariedade eacute compreendida

enquanto ideal de formaccedilatildeo e satildeo sugeridas experiecircncias socioeducativas

bem como satildeo estimuladas as relaccedilotildees de colaboraccedilatildeo e de convivecircncia

solidaacuteria no ambiente escolar No entanto muitas vezes a proposiccedilatildeo natildeo

chega a sair da fundamentaccedilatildeo teoacuterica dos documentos e ganhar espaccedilo na

praacutetica curricular Sendo assim sugere-se incluir a questatildeo da solidariedade

199

como praacutetica curricular educativa nos cursos de formaccedilatildeo inicial e continuada

de professores

Por fim tais caracteriacutesticas permitem anunciar que a solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa eacute dever da escola como anunciado no

Artigo 2ordm da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional ldquoa educaccedilatildeo

enquanto dever da famiacutelia e do Estado inspirada nos princiacutepios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e

sua qualificaccedilatildeo para ingresso no mundo do trabalhordquo Natildeo se trata portanto

de atribuir agrave escola algo que natildeo seja de sua responsabilidade Carvalho afirma

que

Ao contraacuterio em uma perspectiva escolar o zelo pelo aprendizado e pelo desenvolvimento do aluno natildeo se separa do zelo pelos valores e pelos conhecimentos que caracterizam certo modo de vida no qual pretendemos iniciar nossos alunos por meio do ensino Se natildeo fosse assim as instituiccedilotildees escolares pouco ou nada difeririam de outras sociais como as igrejas os meios de comunicaccedilatildeo de massas ou as famiacutelias cujas accedilotildees tambeacutem podem resultar no desenvolvimento de certas capacidades (CARVALHO 2013 p 124)

A escola (o curriacuteculo) natildeo apenas natildeo pode ignorar esta

responsabilidade ciacutevica como tem a obrigaccedilatildeo de realizaacute-la enquanto parte

inerente de sua funccedilatildeo social cultural e poliacutetica A solidariedade enquanto

praacutetica curricular educativa pode ser compreendida pela inerecircncia ao ato

educativo quando ensinar solidariedade significar ensinar a compreender o

mundo a partir das decisotildees e escolhas responsaacuteveis Este eacute o ldquoconhecimento-

solidariedaderdquo que liberta O processo educativo precisa construir espaccedilos

onde a formaccedilatildeo da consciecircncia ingecircnua decirc lugar agrave consciecircncia criacutetica para

que seja possiacutevel aprender que cada um eacute responsaacutevel pelo outro e com ele se

tece histoacuteria da humanidade Tomar consciecircncia eacute libertar-se com o outro Para

a formaccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica o saber teacutecnico-cientiacutefico soacute faz

sentido se voltado ao bem comum pela eacutetica da vida digna para todos e cada

um num ato sobretudo poliacutetico

200

Encerramos esta pesquisa com a reflexatildeo de Fernando Almeida que

nos remete agrave compreensatildeo de que somos aquilo o que construiacutemos e uma vez

conscientes da nossa responsabilidade devemos assumi-la como condiccedilatildeo

como possibilidade

Como o ser humano eacute histoacuterico todas as situaccedilotildees de opressatildeo natildeo lhe satildeo um destino mas podem ser superadas Toda opressatildeo eacute um chamado agrave humanizaccedilatildeo contra aqueles que nos querem reduzir a coisas Esta accedilatildeo histoacuterica eacute poliacutetica por essecircncia Poliacutetica pois se os homens satildeo seres solidaacuterios ndash uma espeacutecie que pode ser chamada de homo solidarius ndash a

libertaccedilatildeo de cada um eacute um ato poliacutetico (ALMEIDA 2009 p 38)

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214

APEcircNDICE

215

INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS PARA A PESQUISA

1 QUESTIONAacuteRIO

Tema da Tese A solidariedade como praacutetica educativa

- Nome da Escola

- Email de contato Telefone de contato

- (Opcional) Nome e cargo de quem responde pelo questionaacuterio

1) Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos solidaacuterios

atualmente na escola

Educaccedilatildeo Infantil

Anos iniciais do Ensino

Fundamental

Anos finais do Ensino

Fundamental

Ensino Meacutedio

Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos - EJA

Educaccedilatildeo Especial

multiseriada

216

2) A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas atualmente

Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas abaixo

Portuguecircs

Matemaacutetica

Ciecircncias

Ciecircncias sociais

Histoacuteria

Geografia

Artes

Educaccedilatildeo fiacutesica

Quiacutemica

Fiacutesica

Biologia

Liacutengua estrangeira

Filosofia ou sociologia

Conhecimento de mundo

Formaccedilatildeo pessoal e social

Eacutetica

Meio Ambiente

Cultura e pluralidade cultural

Sauacutede

Orientaccedilatildeo Sexual

217

Pluralidade cultural

Trabalho e Consumo

Campanhas doaccedilotildees e comemoraccedilotildees

Cidadania

Direitos humanos

Geraccedilatildeo de renda

Informaacutetica inclusatildeo digital e novas tecnologias

Consumo consciente e sustentabilidade

Esportes e lazer

Melhorias para a proacutepria escola

3) O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios consta textualmente no

Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Sim tais atividades estatildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Tais atividades satildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola poreacutem

natildeo textualmente

Desconheccedilo o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Natildeo as atividades natildeo constam no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico da escola

Sim

Sim a maioria

218

Sim poreacutem a minoria

Natildeo

Natildeo sei

5 Assinale quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

Direccedilatildeo

Coordenaccedilatildeo

Professores

Alunos

Pais

Comunidade

Funcionaacuterios

6 Em quais dessas etapas os alunos da sua escola sempre participam

Convocaccedilatildeo convite para envolver mais pessoas na atividade

Diagnoacutestico estudo preliminar para se decidir o que fazer

Plano de accedilatildeo planejamento das accedilotildees

Execuccedilatildeo das atividades

Registro por meio de atas das reuniotildees fotografias filmagens etc

Avaliaccedilatildeo reflexatildeo sobre o processo eou resultado

Reconhecimento e comemoraccedilatildeo

219

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social(ais) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento dos projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola E para a comunidade

2 ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Questotildees norteadoras

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo para

a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

220

ANEXO

221

59

307

255

123

1839

1694

99

497

758

594

2316 346

391

882

926

520 462

1433 1601

473

229

120

1770

936

209

4403

448

Figura 1 Distribuiccedilatildeo por estado das 23690 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria em todas as ediccedilotildees (2003 2005 2007 2009 e 2011)

222

19

92

78

42

663

634

32

183

323

208

936 147

188

251

396

190 108

770 603

166

84

42

622

346

92

1383

198

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

Figura 2 Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003

223

24

133

146

39

1025

932

57

308

334

313

1314 169

147

514

466

246 191

667 948

263

107

74

824

409

92

2827

277

Figura 3 Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2005

224

15

118

67

54

428

594

29

149

240

155

700 118

88

206

291

168 139

293 550

147

64

48

802

367

35

1415

194

Figura 4 Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2007

225

11

62

28

45

224

328

134

81

376

77

308 65

69

103

137

90 276

115 298

70

52

30

333

215

38

647

140

Figura 5 Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009

226

12

64

31

9

211

232

18

53

101

65

265 50

57

92

156

58 49

98 206

71

36

22

330

138

19

530

66

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

  • 1 Elementos Preacute-Textuais
  • 2 Elementos Textuais
  • 3 Elementos Poacutes-Textuais

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrocircnicos

Assinatura

Local e data

BANCA EXAMINADORA

Aos meus filhos Sophia e Rodrigo pelo amor de uma vida inteira

AGRADECIMENTOS

Ao Aliacutepio Casali pois entre tantos tropeccedilos excitaccedilotildees arguiccedilotildees conquistas

orientaccedilotildees provocaccedilotildees tecemos amizade conhecimento tese Pelo meu contentamento

de ter compartilhado este trabalho por dentro com vocecirc meu melhor exemplo de que a

solidariedade eacute praacutetica educativa Muito obrigada

Ao Fernando Joseacute de Almeida e Mozart Neves Ramos pela amizade pelas conversas

instigantes e incentivos constantes

Ao Mario Sergio Cortella por ter me convencido a enfrentar o desafio do doutorado

e tantos outros sempre tatildeo presente tatildeo provocador tatildeo pertinente

Ao Joseacute Seacutergio Fonseca de Carvalho e Maria Nieves Tapia mestres da minha vida e da

minha vida acadecircmica por quem zelo um enorme carinho respeito e admiraccedilatildeo

Aos professores doutores da banca de qualificaccedilatildeo Branca Jurema Ponce e Paulo

Roberto Padilha pela contribuiccedilatildeo atenciosa e valorosa

Ao Francisco Josivan de Souza amigo tatildeo estimado e revisor desta tese

Ao Instituto Faccedila Parte por quase uma deacutecada de aprendizagem parceira

conhecimento vida Sem essa experiecircncia e sem esse apoio esta tese natildeo existiria

Agraves Escolas Solidaacuterias que participaram diretamente desta pesquisa em especial aos

seus diretores coordenadores pedagoacutegicos professores e comunidade que trouxeram as

contribuiccedilotildees essenciais e tornaram possiacutevel a realizaccedilatildeo desta pesquisa

Agrave CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa

A cada um dos meus amigos e amigas que me acompanharam me inspiraram

compartilharam conhecimento e trouxeram conforto e confianccedila para que eu pudesse seguir

adiante Em especial Miro Silmara Nice Cris Murachco Nany Rodrigo Miguel Quique

Deacutebora Ana Luacutecia Marcelo Juliana Rosacircngela Letiacutecia Telma Roberta Ernandes e Gilberto

Agrave minha famiacutelia em atenccedilatildeo especial aos meus pais com todo o meu amor agrave Leda e

ao Zeacute Mori em nome dos quais agradeccedilo aos demais

Ao Renato por compartilhar cada dia cada fraqueza cada alegria Por causa do seu

esmero foi possiacutevel realizar mais este sonho juntos

ldquoA solidariedade como forma de conhecimento

eacute o reconhecimento do outro como igual

sempre que a diferenccedila lhe acarrete inferioridade

e como diferente sempre que a igualdade

lhe ponha em risco a identidaderdquo

Boaventura de Souza Santos

RESUMO

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

Katia Regina Gonccedilalves Mori

Esta pesquisa analisa a solidariedade como praacutetica curricular educativa

e tem como objetivo compreender por um lado em que medida a

solidariedade pode ser inerente agraves praacuteticas curriculares e quais satildeo as

atividades que mediatizam a sua aprendizagem por outro contribuir para o

debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo uma vez que ultimamente tem-se

compreendido de maneira dicotomizada o conhecimento cognitivo e a

formaccedilatildeo para a cidadania O referencial teoacuterico estaacute aportado sobretudo nos

conceitos de alteridade (Leacutevinas) eacutetica (Dussel) compromisso poliacutetico (Freire)

e conhecimento emancipaccedilatildeo (Santos) O universo da pesquisa estaacute

circunscrito a quatro escolas do Estado de Satildeo Paulo com representatividade

das principais redes de ensino (rede puacuteblica estadual e municipal escola

particular e profissionalizante) Trata-se de uma pesquisa de anaacutelise qualitativa

cujos dados foram obtidos mediante questionaacuterios e entrevistas semi-

estruturadas Participaram como sujeitos da pesquisa coordenadores

pedagoacutegicos professores e comunidades atendidas pelos projetos solidaacuterios

desenvolvidos pelas escolas participantes Esta pesquisa permitiu constatar

que existe diferenccedila tanto na compreensatildeo quanto no desenvolvimento de

praacuteticas pedagoacutegicas que visam ensinar solidariedade fato este que sugeriu o

desenvolvimento e a proposiccedilatildeo de uma tipologia especiacutefica do conceito para o

campo da educaccedilatildeo a saber solidariedade curricular assistencialista

discursiva funcionalista-participativa e criacutetica-emancipadora Esta tese visa

contribuir para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo pensada pela

perspectiva da solidariedade enquanto conhecimento e valor fundamental para

a constituiccedilatildeo de uma sociedade que se queira plural e justa

Palavras-chave curriacuteculo solidariedade voluntariado educativo eacutetica qualidade da educaccedilatildeo

ABSTRACT

Solidarity as a curriculum educative practice

Katia Regina Gonccedilalves Mori

This research analyzes solidarity as a curricular practice and aims to

understand two particular points First the extent to which solidarity should be

inherent to curricular practices and which are the activities that emphasize its

teaching process Secondly it seeks to contribute to the debate about the quality

in education which lately has been understood under two dichotomized

functions cognitive knowledge and preparing for citizenship This is a research

on qualitative analysis field and its theoretical framework is based upon the

concepts of otherness (Levinas) ethics (Dussel) political commitment (Freire)

and knowledge emancipation (Santos) The research took place in four schools

of Satildeo Paulo metropolitan area which represent the most important school

systems (public private and vocational schools) For data collection a

questionnaire and semi-structured interviews were undertaken whose results

were recorded and transcribed The research informants were educational

coordinators teachers and people from the community attended by schools

under solidarity projects This research allowed to realize that there is much

variety in understanding how to develop pedagogical practices of solidarity and

this fact led to the development of a specific typology of solidarity practices in

education assistencialist discursive functional-participative critical-

emancipatory This thesis seeks to contribute to the debate about the quality of

education designed from the perspective of knowledge and solidarity as a

fundamental value for the constitution of a society which wants to be plural and

fair

Keywords curriculum solidarity service-learning ethics quality of education

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 12

1 Apresentaccedilatildeo 13 2 Contextualizaccedilatildeo 18 3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa 20 4 A metodologia qualitativa 23

CAPIacuteTULO I

PERCURSO METODOLOacuteGICO 27

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa 31

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino 32 12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino 40 13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada 45 14 Escola4 ndash Escola da Rede Particular Profissionalizante 51

2 Seleccedilatildeo das escolas 54

3 Selo Escola Solidaacuteria 56

4 Instituto Faccedila Parte 60

5 A coleta de dados 63

CAPIacuteTULO II

O CONCEITO SOLIDARIEDADE 73

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo 75

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade 81

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Sousa Santos 88

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas 93

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel 97

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire 101

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia poliacutetica 105

CAPIacuteTULO III

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE 117

1 O conceito de curriacuteculo 117

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade 120

3 A solidariedade e o saber compartilhado 124

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa 127

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional 131

6 O curriacuteculo e qualidade da educaccedilatildeo 137

CAPIacuteTULO IV

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA 144

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas 149

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa 153 21 Solidariedade assistencialista 155 22 Solidariedade discursiva 159 23 Solidariedade funcionalista-participativa 164 24 Solidariedade criacutetica-emancipadora 169

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular 183 31 A solidariedade no ambiente escolar 183 32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade 189

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 195

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 201

APEcircNDICE 214

ANEXO 220

LISTA DE SIGLAS

CONSED ndash Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Educaccedilatildeo

CPE1 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 1

CPE2 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 2

CPE3 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 3

CPE4 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 4

CE2 ndash Comunidade Escola 2

CE3 ndash Comunidade Escola 3

ExCE1 ndash Ex-coordenador Escola 1

PE1 ndash Professor Escola 1

PE2 ndash Professor Escola 2

PE3 ndash Professor Escola 3

PE4 ndash Professor Escola 4

ECA ndash Estatuto da Crianccedila e do Adolescente

ENEM ndash Exame Nacional do Ensino Meacutedio

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

INEP ndash Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira

LDB ndash Lei de Diretrizes e Bases

MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

OEI ndash Organizaccedilatildeo dos Estados Iberoamericanos

ONG ndash Organizaccedilatildeo Natildeo-Governamental

PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO

PCN ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNEDH ndash Programa Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PPP- Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

SENAI ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

UNDIME ndash Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino

UNESCO ndash Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF ndash Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

12

INTRODUCcedilAtildeO

13

1 Apresentaccedilatildeo

Comecei a me formar educadora em 1992 quando ingressei no curso

de graduaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade de Satildeo Paulo Entre

as oportunidades vivenciadas duas delas influenciaram as minhas escolhas e

o percurso de minha carreira A primeira foi ter ingressado no Nuacutecleo de

Pesquisa da Escola do Futuro (1995-1997)1 pois despertou o meu interesse

pela aplicaccedilatildeo das Tecnologias da Informaccedilatildeo e da Comunicaccedilatildeo (TIC) na

escola De 1999 a 2001 trabalhei com projetos sobre o uso do computador na

sala de aula e fiz o mestrado na linha de Novas Tecnologias aplicadas agrave

Educaccedilatildeo defendido em 2004 pela PUC-SP

A segunda foi a experiecircncia de ter sido voluntaacuteria no Centro de Estudos

e Informaccedilotildees Crecheplan atualmente Instituto Avisa Laacute2 com a equipe

pedagoacutegica coordenada por Regina Scarpa O trabalho intensificou o meu

interesse pelos estudos Eu sentia a necessidade de melhorar meu repertoacuterio e

conseguir ajudar agrave creche tanto na intervenccedilatildeo direta com os alunos quanto

nas reuniotildees pedagoacutegicas que acompanhava uma vez por mecircs Assumi um

compromisso de formaccedilatildeo que transcendia a vida acadecircmica e com isso o meu

rendimento melhorou Minha motivaccedilatildeo para os estudos natildeo era mais somente

1 O NAP Escola do FuturoUSP inaugurou suas atividades em 1989 sob a coordenaccedilatildeo

cientiacutefica do Prof Dr Fredric M Litto A partir de janeiro de 1993 instituiu-se como um Nuacutecleo de Apoio agrave Pesquisa passando a intitular-se Nuacutecleo das Novas Tecnologias de Comunicaccedilatildeo Aplicadas agrave Educaccedilatildeo ldquoEscola do FuturoUSPrdquo (NAP EFUSP) Trabalhei diretamente em um dos projetos o Grupo de Ciecircncias via Telemaacutetica coordenado pelo Prof Dr Nelio Bizzo (ESCOLA DO FUTURO 2013)

2 Em 1986 foi fundado o entatildeo Crecheplan por um grupo de profissionais que atuavam em

creches A partir de 1999 ele passou a se chamar INSTITUTO AVISA LAacute - Formaccedilatildeo Continuada de Educadores uma organizaccedilatildeo natildeo-governamental que tem como objetivos contribuir para a qualificaccedilatildeo e o desenvolvimento de competecircncias dos educadores que atuam em instituiccedilotildees educacionais e atendem a crianccedilas de baixa renda oferecer suporte teacutecnico para ONGs agecircncias governamentais escolas de Educaccedilatildeo Infantil e Ensino Fundamental atuar como centro de produccedilatildeo de conhecimento em Educaccedilatildeo por meio de site na Internet com produccedilatildeo de viacutedeos de formaccedilatildeo e publicaccedilotildees e contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que resultem em educaccedilatildeo de maior qualidade (AVISA LAacute 2013)

14

conseguir boas notas mas me preparar para lidar com as vaacuterias situaccedilotildees

enfrentadas na creche o planejamento da atividade a negociaccedilatildeo de conflitos

a contaccedilatildeo de histoacuterias o acompanhamento das discussotildees pedagoacutegicas a

falta de recursos o problema da desapropriaccedilatildeo do imoacutevel e fechamento da

creche (devido agrave construccedilatildeo da Av Roberto Marinho na zona sul da cidade de

Satildeo Paulo) entre outros

Passados aproximadamente cinco anos apoacutes a minha graduaccedilatildeo

recebi um convite para trabalhar em um Instituto3 receacutem-fundado que tinha

como foco estimular o voluntariado por meio da educaccedilatildeo Ateacute entatildeo tinha

optado por seguir pelo caminho do uso das TIC na educaccedilatildeo e minha uacutenica

experiecircncia no terceiro setor tinha sido no Crecheplan que havia se tornado

meu uacutenico referencial tanto de atuaccedilatildeo no terceiro setor quanto de

voluntariado na educaccedilatildeo

Naquela eacutepoca iniacutecio dos anos 2000 o paiacutes vivia um chamado

intensivo da comunidade para o trabalho voluntaacuterio quando o Programa

Comunidade Solidaacuteria coordenado pela Dra Ruth Cardoso no governo

Fernando Henrique Cardoso estimulava o ldquofortalecimento da sociedade civilrdquo e

influenciou a criaccedilatildeo de centros institutos e programas de voluntariado pelo

Brasil O assunto ganhou notoriedade com a cobertura da miacutedia dividindo

opiniotildees da populaccedilatildeo e de especialistas Minha percepccedilatildeo sobre voluntariado

tambeacutem era dicotocircmica pois por um lado eu desconfiava do estiacutemulo ao

trabalho voluntaacuterio que mais parecia uma manobra poliacutetica para que as

pessoas trabalhassem gratuitamente para resolver problemas sociais que

deveriam ser de responsabilidade do Estado ou seja uma praacutetica para

apaziguar a sociedade e manter as relaccedilotildees de poder cada vez mais

fortalecidas (GADOTTI 2008 DEMO 2002 GENTILLI e SILVA 1994) por

outro lado eu tive efetivamente uma experiecircncia positiva na graduaccedilatildeo que

natildeo representava essa maneira de compreender o voluntariado4 Sendo assim

decidi conhecer a proposta do Instituto e soube que a intenccedilatildeo era a de 3 Instituto Faccedila Parte apresentado no Capiacutetulo I

4 No Crecheplan pude contribuir socialmente aprendi que poderia intervir e ajudar a melhorar

uma realidade difiacutecil Sabia que natildeo estava substituindo o papel de nenhum funcionaacuterio da educaccedilatildeo com o meu trabalho pois isso era conversado com a gestora da instituiccedilatildeo aprendi a enxergar o outro a pensar em o que poderia fazer para contribuir para o desenvolvimento do curriacuteculo e do planejamento pedagoacutegico

15

estimular a praacutetica do voluntariado jovem similar agrave que eu tinha vivido e que a

base conceitual de voluntariado seria criada a partir de dois alicerces 1) de

compromisso social sem a substituiccedilatildeo do estado ou a desoneraccedilatildeo do

empregador e 2) ser uma experiecircncia de formaccedilatildeo pessoal e social para o

jovem

O Instituto (presidecircncia conselho consultivo e equipe executiva) era

constituiacutedo de forma bastante ecleacutetica empresaacuterios universitaacuterios pessoas

ligadas ao terceiro setor pesquisadores pensadores e educadores como Frei

Betto e Antonio Carlos Gomes da Costa A oportunidade de aprender com essa

experiecircncia ainda que em meio a tensotildees ideoloacutegicas que a proacutepria

configuraccedilatildeo do grupo sugeria (ainda que pequeno com boa

representatividade da sociedade civil) me instigou a aceitar o desafio

O primeiro material analisado para fundamentar conceitualmente o

voluntariado foi apresentado por Frei Betto em uma das oficinas de estudo

Tratava-se de uma pesquisa desenvolvida por uma brasileira na Itaacutelia

(SBERGA 2001) sobre como o voluntariado pode ser uma ferramenta

pedagoacutegica pela qual os alunos podem ser estimulados a diagnosticar um

problema social real planejar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo e atuar diretamente na

comunidade conceito esse chamado de ldquovoluntariado educativordquo5 Antonio

Carlos Gomes da Costa trouxe o conceito de ldquoprotagonismo juvenilrdquo no qual o

jovem eacute visto como um protagonista na resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

identificados com a escola buscando-se desenvolver aleacutem das habilidades

cognitivas a consciecircncia de que a realidade pode ser transformada Assim

estabelece-se uma relaccedilatildeo mais direta da escola com a comunidade e se

propotildee a contextualizaccedilatildeo do curriacuteculo partindo de um problema local para

propiciar a formaccedilatildeo criacutetica e sobretudo solidaacuteria

Com esses estudos aprendi que o voluntariado natildeo pode ser

compreendido como uma atividade que desonera o Estado ou o empregador

pois essa percepccedilatildeo o afasta da construccedilatildeo de um estado democraacutetico No

entanto responsabilizar-se pela vida em comunidade de maneira voluntaacuteria

5Ver capiacutetulo IV A solidariedade como praacutetica curricular educativa

16

pode ser uma experiecircncia positiva6 na medida em que permite melhor

compreensatildeo sobre a co-responsabilidade e o proacuteprio funcionamento do poder

puacuteblico

Sobre o aspecto da formaccedilatildeo o comprometimento voluntaacuterio para se

resolver problemas sociais reais pode despertar a consciecircncia social e o

interesse pela atitude poliacutetica A aproximaccedilatildeo permite conhecer entre outras

coisas como a sociedade se organiza e quem deve ser cobrado para que a

ordem seja (re)estabelecida Esta concepccedilatildeo de voluntariado despertou o meu

interesse em contribuir para a construccedilatildeo da base conceitual do Instituto e por

extensatildeo para a formaccedilatildeo de jovens que pudessem ter ainda uma visatildeo

distorcida assistencialista exploratoacuteria da praacutetica voluntaacuteria Enquanto

coordenadora de conteuacutedo do Instituto participei do desenvolvimento dos livros

publicados e do principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria7 o que me

possibilitou entrar em contato direto com milhares de gestores de escolas

puacuteblicas ao longo de nove anos de trabalho por todo o paiacutes em momentos

como os de visita agraves escolas palestras eventos de entrega e lanccedilamento de

alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria entre outros

Nas centenas de palestras introdutoacuterias sobre o conceito que proferi

em atividade pelo Instituto iniciaacutevamos a construccedilatildeo teoacuterica a partir da

seguinte formulaccedilatildeo se concordarmos com o artigo segundo da LDB 939496

o qual define que a educaccedilatildeo ldquodeve ser inspirada nos ideais de solidariedade

humana e deve ter por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu

preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo

(grifos meus) como oferecer esta educaccedilatildeo Como preparar os alunos para o

exerciacutecio da cidadania

Estas perguntas despertavam um interesse unacircnime A resposta era

construiacuteda a partir da pedagogia de John Dewey e Paulo Freire entre outros

Aos poucos a necessidade de se criar experiecircncias da decisatildeo e da

6 Haja vista por exemplo a doaccedilatildeo de sangue em todo o mundo ela soacute pode ser exercida

voluntariamente O sangue humano natildeo eacute produzido sinteticamente natildeo pode ser comercializado (vendido ou comprado) e a sauacutede puacuteblica depende de um banco de sangue abastecido

7 Apresentado no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

17

responsabilidade (DEWEY 1979) e de se criar um curriacuteculo vivo

contextualizado criacutetico (FREIRE 1996) era trazida ao primeiro plano

Ao longo de todo o percurso pude perceber que tais reflexotildees faziam

sentido para escolas de diferentes condiccedilotildees regionais sociais

administrativas econocircmicas O desenvolvimento de experiecircncias de

protagonismo juvenil onde o jovem pudesse trabalhar em projetos socais reais

era compreendido como uma das possiacuteveis estrateacutegias para se buscar a

qualidade da educaccedilatildeo pretendida e guiada pela compreensatildeo do texto da

LDB

No entanto pude perceber tambeacutem que a unanimidade sobre

considerar tais questotildees fundamentais para a formaccedilatildeo inicial trazia consigo

divergecircncias intriacutensecas agrave proacutepria concepccedilatildeo conceitual Como pontua

Carvalho citando Azanha (CARVALHO 2013) haacute diferenccedilas na compreensatildeo

do que seja ldquoformar para a cidadaniardquo Da mesma forma deve haver diferenccedilas

para o que eacute ldquoser solidaacuteriordquo A unanimidade aparente pode responder a

intenccedilotildees diversas revelando um tenso jogo de poder entre manter o status

quo por meio do reforccedilo de uma postura acomodada de cidadania ou propor

uma educaccedilatildeo criacutetica que visa agrave emancipaccedilatildeo As contradiccedilotildees e a riqueza da

diversidade sentidas ao longo desses anos me motivaram a voltar agrave academia

a um Programa de Doutorado em Educaccedilatildeo Curriacuteculo para procurar

compreender a educaccedilatildeo enquanto qualidade de formaccedilatildeo para a

solidariedade e a cidadania8

8 Impulsionados por outra concepccedilatildeo de contribuiccedilatildeo para a qualidade da educaccedilatildeo a diretoria

do Faccedila Parte e parceiros fundaram o Todos Pela Educaccedilatildeo em 2006 ndash organizaccedilatildeo social que visa concentrar seus esforccedilos no estabelecimento acompanhamento e desenvolvimento de programas para o cumprimento de metas estabelecidas de qualidade relacionadas ao fluxo desempenho e gestatildeo de processos e recursos para a educaccedilatildeo baacutesica

O Faccedila Parte manteacutem suas atividades poreacutem com atuaccedilatildeo reduzida O Selo Escola Solidaacuteria foi encerrado em sua quinta ediccedilatildeo Em nota o Instituto informou que em 2013 ao completar 10 anos seratildeo reconhecidas as escolas que participaram de quatro ou das cinco ediccedilotildees

18

2 Contextualizaccedilatildeo

Vivemos um momento marcado por avanccedilos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos

que mudaram as relaccedilotildees de tempo espaccedilo produccedilatildeo e conviacutevio Nunca

antes o mundo havia experimentado a convivecircncia planetaacuteria o recebimento

da informaccedilatildeo em tempo real o ldquoestarrdquo de maneira virtual Esta configuraccedilatildeo

incita novos arranjos Nunca antes na histoacuteria a humanidade teve acesso a

tantos conhecimentos teacutecnicas informaccedilotildees e ferramentas de maneira tatildeo

disponiacutevel No entanto tais caracteriacutesticas tecircm propiciado o desenvolvimento

humano9

Segundo um estudo desenvolvido pelo psicoacutelogo evolucionista da

Universidade de Harvard Steven Pinker (2012) a humanidade tem

abandonado as praacuteticas de sacrifiacutecios humanos e meacutetodos crueacuteis de execuccedilatildeo

como a fogueira a crucificaccedilatildeo e a empalaccedilatildeo comuns na idade medieval e

adotado uma postura mais pacifista nos uacuteltimos seacuteculos Ele demonstra a

queda no nuacutemero de mortes por guerras genociacutedios terrorismo que o autor

atribui ao fato de o homem ficar mais inteligente utilizando a variaccedilatildeo meacutedia do

teste de raciociacutenio loacutegico para comprovar sua hipoacutetese No entanto em sua

obra Como a mente funciona (Idem 1999) atribui agrave inteligecircncia humana o fato

do homem buscar estrateacutegias de sobrevivecircncia A primeira delas identificada

na teoria da Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin foi a de estabelecer

um relacionamento cooperativo baseado na reciprocidade muacutetua para a

proteccedilatildeo do grupo e da espeacutecie10

Se considerarmos esses trecircs fatores o acesso ao conhecimento

culturalmente acumulado de forma mais intensa pelo uso das TICs a

globalizaccedilatildeo (comunicaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo) e que o homem busca a

sobrevivecircncia a tendecircncia de natildeo extermiacutenio pode estar na complexidade

dessa relaccedilatildeo uma vez que os interesses ligados agrave proacutepria subsistecircncia

depende de conexotildees planetaacuterias acordos geopoliacuteticos e econocircmicos e

9Desenvolvimento humano compreendido nesta pesquisa como um processo de ampliaccedilatildeo

das escolhas das pessoas para que elas possam por si criar as oportunidades para serem aquilo que desejam ser (MORI CASADEI 2012)

10 Ver Capiacutetulo III Curriacuteculo e Solidariedade

19

sofrem a influecircncia do predomiacutenio da cultura hegemocircnica que continua

tensionando as relaccedilotildees num jogo de interesses que favorece a desigualdade

social a fome e a pobreza absoluta produtos desse sistema poliacutetico ainda

perverso

Para Pedro Demo o desenvolvimento humano estaacute apoiado em dois

pilares fundamentais o instrumento (produccedilatildeo econocircmica) e o fim (cidadania)

Neste sentido o processo educativo pode tender tanto para os fins de consumo

como para os meios de uma formaccedilatildeo criacutetico emancipadora Ele se constitui a

partir de dois movimentos o ldquoformalrdquo constituiacutedo do manejo da linguagem dos

meios da tecnologia das formas e o ldquopoliacuteticordquo que diz respeito agrave capacidade

do sujeito ldquose fazer e fazer histoacuteriardquo Ainda que como ressalva o autor natildeo se

possam segregar as duas coisas pois elas ldquonatildeo satildeo duas coisas satildeo as faces

do mesmo todordquo (DEMO 1996 p 14)

O conhecimento e a instruccedilatildeo podem trazer a capacidade de produccedilatildeo

de inserccedilatildeo social de consumo mas tambeacutem a competitividade a exploraccedilatildeo

a manutenccedilatildeo do status quo Para que isso natildeo ocorra a aquisiccedilatildeo de renda

deve ser compreendida como meio natildeo como fim pois eacute preciso considerar a

qualidade da vida em sociedade o respeito a convivecircncia a liberdade num

processo educativo humanizador

No entanto quando analisamos a tendecircncia educacional dos uacuteltimos

anos vemos que a busca por qualidade tem sido pautada apenas na aquisiccedilatildeo

formal do conhecimento e natildeo na formaccedilatildeo humanizadora Um dos principais

fatores para esse movimento pode ser atribuiacutedo agrave incorporaccedilatildeo de testes

padronizados de conhecimento para mensurar a qualidade da educaccedilatildeo

oferecida no sistema puacuteblico de ensino Se por um lado essa medida tenha

contribuiacutedo para que seja possiacutevel conhecer a qualidade formal da educaccedilatildeo

por outro a apropriaccedilatildeo que se tem feito dos resultados tem reduzido o

conceito de qualidade da educaccedilatildeo agrave esfera da instrumentalizaccedilatildeo da

aquisiccedilatildeo de conhecimentos teacutecnicos formais

A divulgaccedilatildeo de um ranking das escolas promovendo uma disputa

centrada no bom rendimento no exame e natildeo na qualidade da aprendizagem

dos alunos pode ser um dos exemplos dessa maacute apropriaccedilatildeo Aleacutem disso a

adoccedilatildeo dos testes como principal ou uacutenico paracircmetro de qualidade para

20

determinar poliacuteticas puacuteblicas que priorizem accedilotildees para melhorar o desempenho

das escolas pelo estado e por outro lado as escolas adequarem o curriacuteculo de

forma a melhorar a desempenho nos exames limitando as praacuteticas curriculares

ao desenvolvimento de atividades que venham a impactar nos resultados

podem ser outras duas medidas que estejam promovendo o esvaziamento do

conceito de qualidade da educaccedilatildeo (FRIGOTTO 1994)

O objetivo tende a deixar de ser a formaccedilatildeo do sujeito histoacuterico-criacutetico

para ter o fim em si mesmo o que descaracteriza a proacutepria educaccedilatildeo que natildeo

se limita a instrumentalizaccedilatildeo e metodologia mas abrange a qualidade formal e

poliacutetica ao mesmo tempo Neste sentido esta pesquisa pretende retomar o

conceito de qualidade a partir da formaccedilatildeo social humanizadora sem

descartar no entanto a aquisiccedilatildeo e desenvolvimento do conhecimento criacutetico

criativo que favorece a emancipaccedilatildeo

3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa

Segundo a coluna de opiniatildeo puacuteblica assinada por Juan Carlos

Tedesco no perioacutedico espanhol para docente intitulado Escuela (TEDESCO

2013) a ONU divulgou recentemente uma declaraccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e

desenvolvimento social onde denomina as competecircncias relacionadas agrave

formaccedilatildeo eacutetica e solidaacuteria como ldquohabilidades brandasrdquo em contraponto agraves

ldquohabilidades durasrdquo relacionadas ao aspecto cognitivo Na mesma perspectiva

a avaliaccedilatildeo externa ndash padronizada feita em larga escala para avaliar os

sistemas educacionais ndash considera o resultado de testes padronizados em

leitura (portuguecircs) e matemaacutetica como paracircmetro para determinar as notas das

escolas e tem definido o curriacuteculo daquelas que buscam por melhores

resultados Em alguns estados o governo oferece aos professores que

atingem as metas estabelecidas bonificaccedilotildees salariais11 e a cobertura da miacutedia

11

Segundo informaccedilotildees divulgadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Fundaccedilatildeo Victor Civita (CIVITA 2011) sete estados implantaram esse sistema Amazonas Cearaacute Pernambuco Rio de Janeiro Minas Gerais Espiacuterito Santo e Satildeo Paulo

21

nacional e local se encarrega de fazer o ranqueamento das escolas de acordo

com os resultados obtidos Em meio a esse processo se por um lado haacute

ganhos no acompanhamento do sistema educacional os ldquoefeitos colateraisrdquo

tecircm se mostrado perversos como a reduccedilatildeo do curriacuteculo por exemplo que

passa a ser restringido agrave preparaccedilatildeo para os testes O impacto dessas

medidas e tendecircncias na compreensatildeo da qualidade da educaccedilatildeo recai

inclusive sobre a desvinculaccedilatildeo da construccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-

cientiacutefico agrave formaccedilatildeo eacutetica solidaacuteria Eacute o proacuteprio Tedesco (2013) que afirma

Se houver a separaccedilatildeo entre as chamadas ciecircncias duras e as ciecircncias brandas haveraacute a preparaccedilatildeo do terreno para o

divoacutercio entre a dimensatildeo cognitiva da eacutetica e da vida emocional das pessoas o que impede que os alunos e a sociedade como um todo percebam a complexa realidade da vida cotidiana que integra aspectos cientiacuteficos sociais e eacuteticos

A dicotomizaccedilatildeo distancia a escola de oferecer uma formaccedilatildeo para a

cidadania prestando-se a centrar seus esforccedilos na preparaccedilatildeo dos alunos aos

testes ao bom desempenho escolar apenas descartando a formaccedilatildeo para a

cidadania A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (BRASIL 1996)

em seu artigo 2ordm define que ldquoa educaccedilatildeo dever da famiacutelia e do Estado

inspirada nos princiacutepios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana

tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu preparo para o

exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo Tais princiacutepios

permeiam os paracircmetros e referenciais curriculares de educaccedilatildeo No texto de

introduccedilatildeo aos Paracircmetros Curriculares Nacionais o preparo para o exerciacutecio

da cidadania aponta para a

relevacircncia de discussotildees sobre a dignidade do ser humano a igualdade de direitos a recusa categoacuterica de formas de discriminaccedilatildeo a importacircncia da solidariedade e do respeito Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserccedilatildeo sociopoliacutetica e cultural Apresenta-se para a escola hoje mais do que nunca a necessidade de assumir-se como espaccedilo social de construccedilatildeo dos significados eacuteticos necessaacuterios e constitutivos de toda e qualquer accedilatildeo de cidadania (BRASIL 1997 p 27)

22

Vecirc-se aqui que a educaccedilatildeo baacutesica deve estar fundamentada nos ideais

de solidariedade e eacutetica na cidadania e deve assumir o compromisso de

integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a intervenccedilatildeo social e

poliacutetica dando sentido ao emprego dos conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos

Este eacute o problema assumido para esta tese

Para Carvalho (2013 p 47-48) ensinar as ldquovirtudes puacuteblicasrdquo eacute uma

questatildeo formulada haacute seacuteculos desde Platatildeo No entanto tais virtudes como a

solidariedade podem de fato ser ensinadas Considerando que o processo

formativo deve estar fundamentado nos ideais de solidariedade e deve assumir

o compromisso de integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a

intervenccedilatildeo social e poliacutetica o que esta tese se propotildee a investigar eacute se e

como esta formaccedilatildeo articulada entre a preparaccedilatildeo para a vida produtiva

(conhecimentos cientiacuteficos e teacutecnicos) e a educaccedilatildeo para a solidariedade

(sobretudo a formaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica) estaacute acontecendo

A presente pesquisa assume a seguinte hipoacutetese a experiecircncia de

solidariedade pode contribuir com a praacutetica curricular retomando sobretudo a

formaccedilatildeo social e poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para

aleacutem da aquisiccedilatildeo formal dos conhecimentos culturalmente acumulados

Para isso o objetivo desta pesquisa eacute estudar segundo uma

distribuiccedilatildeo de amostragem definida qualitativamente que contribuiccedilotildees

avanccedilos ganhos ou retrocessos podem ser percebidos nas e pelas escolas

investigadas quanto ao desenvolvimento da solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa Tal abordagem visa construir referenciais que tenham por

princiacutepio e fim a solidariedade e contribuam para a formaccedilatildeo para a cidadania e

a construccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica

Satildeo objetivos especiacuteficos desta pesquisa

- contribuir para o debate acerca da solidariedade no acircmbito da

educaccedilatildeo definindo-a conceitualmente

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica

curricular e

23

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade na escola pode ser considerada inerente agrave praacutetica

curricular

Pretende-se como resultado desta pesquisa contribuir para o debate

acerca da educaccedilatildeo de qualidade retomando sobretudo a formaccedilatildeo social e

poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para aleacutem da aquisiccedilatildeo

formal dos conhecimentos culturalmente acumulados compreendendo a

solidariedade como praacutetica curricular educativa

4 A metodologia qualitativa

Por suas caracteriacutesticas intriacutensecas o tema solidariedade12 requer uma

pesquisa de anaacutelise qualitativa

Para desenvolver este estudo foi realizada uma pesquisa de campo

junto a quatro escolas trecircs da cidade de Satildeo Paulo e uma de Satildeo Caetano do

Sul no Estado de Satildeo Paulo13

O estudo qualitativo ganhou espaccedilo entre as ciecircncias sociais e

humanas pois permite a adequaccedilatildeo agrave realidade de cada pesquisa de acordo

com o seu interesse diferenciando-se em forma e meacutetodo Depender do

pesquisador significa que as concepccedilotildees valores e conjunto de significados e

objetivos variam caso a caso (CHIZZOTTI 2008)

12

Fiz um levantamento junto ao Banco de Teses da CAPES (httpcapesdwcapesgovbr) sobre os trabalhos cientiacuteficos relacionados ao tema ldquosolidariedaderdquo Ao todo foram encontradas 589 ocorrecircncias Visando conhecer a produccedilatildeo mais recente fiz um recorte considerando os uacuteltimos cinco anos (de 2007 a 2011) e encontrei 227 tiacutetulos Nesta amostragem observou-se uma maior ocorrecircncia dos enfoques socioloacutegico filosoacutefico teoloacutegico econocircmico poliacutetico e de direito Foram encontradas 45 pesquisas no tema da educaccedilatildeo Haacute pesquisas nas aacutereas de educaccedilatildeo superior educaccedilatildeo do campo educaccedilatildeo natildeo formal educaccedilatildeo profissional educaccedilatildeo especial formaccedilatildeo de professores direitos humanos sauacutede arte literatura educaccedilatildeo fiacutesica novas tecnologias entre outros vinculadas aos saberes eacuteticos teacutecnicos pedagoacutegicos comunicacionais de gestatildeo entre outros Pode-se perceber uma tendecircncia em se considerar a solidariedade como fator de promoccedilatildeo de um ambiente colaborativo de aprendizagem Uma delas trata da questatildeo da solidariedade visando a formaccedilatildeo em valores Eacute uma pesquisa qualitativa teoacuterica ou seja natildeo haacute pesquisa de campo e se propocircs a elaborar o conceito principalmente pela teoria da complexidade e a eacutetica

13 As escolas seratildeo apresentadas no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

24

A anaacutelise qualitativa permite o envolvimento com o tema respeitando

as particularidades e diversidades que o estudo sobre as relaccedilotildees sociais

merece O pesquisador torna-se um ator durante o processo na medida em

que participa interage acompanha recorta compreende e interpreta os dados

de acordo com suas inquietaccedilotildees

Haacute uma interaccedilatildeo direta entre o objeto e a subjetividade do sujeito O

conhecimento portanto natildeo se reduz a um rol isolado de dados pois o

pesquisador pode considerar os fenocircmenos que influenciam o objeto

Os pesquisadores que adotaram essa orientaccedilatildeo se subtraiacuteram agrave verificaccedilatildeo das regularidades para se dedicarem agrave anaacutelise dos significados que os indiviacuteduos datildeo agraves suas accedilotildees no meio ecoloacutegico em que constroem suas vidas e suas relaccedilotildees agrave compreensatildeo do sentido dos atos e das decisotildees dos atores sociais ou entatildeo dos viacutenculos indissociaacuteveis das accedilotildees particulares com o contexto social em que estas se datildeo (CHIZZOTTI 1991 p 63)

Em ciecircncias humanas os fatos natildeo satildeo estanques uma vez que os

objetos de estudo pensam agem e reagem assim como o pesquisador que

igualmente exerce influecircncia durante a pesquisa (LAVILLE DIONNE 1999 p

33)

A complexidade do conceito e as restriccedilotildees exigidas pela metodologia

cientiacutefica fizeram da tese seus recortes e instrumentos um desafio constante

que me propus a enfrentar mesmo diante das dificuldades da mensuraccedilatildeo de

resultados

O erro tiacutepico cometido ldquonas pesquisas sociaisrdquo refere-se agrave tendecircncia de reduzir o relevante ao testaacutevel [] Seria uma distorccedilatildeo grosseira imaginar inexistente ou irrelevante aquilo que natildeo conseguimos captar de modo experimental Se haacute uma falha ela estaria no meacutetodo de captaccedilatildeo natildeo na realidade Eacute pois uma violecircncia contra a realidade pressupor que soacute interessa sua face empiacuterica Diria inclusive que na realidade social raramente o mais relevante

coincide com o mais testaacutevel (DEMO 1985 p9)

25

Para desenvolver este estudo optei por fazer uma pesquisa teoacuterica e

empiacuterica14 analisando escolas de diferentes redes de ensino e contextos

buscando compreender a praacutetica curricular

Esta tese estaacute organizada de acordo com a seguinte estrutura o

Capiacutetulo I traz o percurso metodoloacutegico e apresenta quais foram os criteacuterios

utilizados para a escolha das escolas participantes da pesquisa os

instrumentos de coleta de dados como eles foram empregados e as escolas

os Capiacutetulos II e III satildeo teoacutericos sendo que o primeiro deles traz uma

construccedilatildeo teoacuterica sobre o conceito de solidariedade e o segundo diz respeito agrave

solidariedade no contexto da educaccedilatildeo fundamentalmente no curriacuteculo da

educaccedilatildeo baacutesica e o Capiacutetulo IV apresenta os dados e os analisa costurando

o que pode ser observado e aprendido com os sujeitos da pesquisa agrave luz dos

teoacutericos aportados neste estudo

14

Esta pesquisa foi submetida ao Coacutedigo de Eacutetica nuacutemero CAAE 14483113500005482

26

CAPIacuteTULO I

27

PERCURSO METODOLOacuteGICO

A intenccedilatildeo de fazer uma pesquisa que resgatasse elementos para

elucidar e compreender questotildees relacionadas agrave solidariedade como praacutetica

educativa e portanto praacutetica curricular foi amadurecendo ao longo do trajeto

da pesquisa na medida em que se desenvolvia o estudo teoacuterico sobre a

solidariedade e o curriacuteculo Os autores escolhidos para embasar teoricamente

esta pesquisa (capiacutetulos III e IV) tecircm como ponto de convergecircncia a

abordagem humanizadora da educaccedilatildeo a formaccedilatildeo eacutetica e emancipadora

como paradigma orientador de educaccedilatildeo

Procuramos com esta pesquisa identificar como escolas de diferentes

contextos socioeducativos definem solidariedade como ensinam seus alunos a

serem solidaacuterios e como a adotam na praacutetica curricular

Na investigaccedilatildeo nosso olhar centrou-se nos principais aspectos tanto

nos momentos das entrevistas como nos contatos abertos com as escolas agrave

luz do referencial teoacuterico que foi construiacutedo junto com o acompanhamento nas

escolas buscando encontrar pontos de convergecircncia divergecircncia ou

complementaccedilatildeo que pudessem servir de guia para alocar os diferentes

aspectos mais frequentemente nas falas dos sujeitos da pesquisa como

blocos indicadores das subcategorias de anaacutelise

O objetivo desta manipulaccedilatildeo eacute propiciar uma apreciaccedilatildeo dialoacutegica

entre as falas dos atores com as observaccedilotildees e impressotildees colhidas junto agraves

escolas e agraves consideraccedilotildees dos pesquisadores agrave luz dos autores

selecionados

Nas consideraccedilotildees finais desta pesquisa buscamos desenvolver

provisoriamente algumas reflexotildees quanto agrave praacutetica curricular agrave vasta

compreensatildeo sobre solidariedade agrave formaccedilatildeo para a cidadania visando

colaborar para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo real e desejada

Para a coleta de dados foram utilizados trecircs recursos a aplicaccedilatildeo de

um questionaacuterio para um mapeamento inicial as entrevistas semi-estruturadas

28

e o acompanhamento agraves escolas em um processo investigativo que se

estendeu durante o ano letivo de 2012 ateacute o iniacutecio de 2013

No transcorrer da coleta de dados procuramos fazer com que os

participantes se sentissem beneficiados seguindo alguns criteacuterios a)

desenvolver a pesquisa junto a escolas que responderam voluntariamente ao

questionaacuterio b) as entrevistas foram negociadas previamente com cada

participante c) as entrevistas foram gravadas e transcritas a posteriori

procurando natildeo desviar a atenccedilatildeo nem do pesquisador nem do participante e

d) no caso dos eventos solidaacuterios na escola a participaccedilatildeo foi realizada de

acordo com a proposta sugerida pela escola respeitando o universo de

atuaccedilatildeo de cada uma delas

Para que esta pesquisa atingisse o objetivo de estudar a solidariedade

enquanto praacutetica educativa procuramos selecionar um pequeno universo de

escolas distintas entre si e que apresentassem o desejo demonstrassem o

interesse em serem escolas que oferecem uma educaccedilatildeo como praacutetica

solidaacuteria Neste sentido procuramos escolas que apresentassem as seguintes

caracteriacutesticas a) serem escolas que participaram ou receberam o Selo Escola

Solidaacuteria ao menos nas trecircs uacuteltimas ediccedilotildees (2007 2009 e 2011) b)

comporem entre si uma diversidade de escolas de diferentes redes

administrativas (rede puacuteblica estadual municipal e particular) c) serem de

realidades socioeconocircmicas distintas d) apresentarem entre si diferenccedilas em

relaccedilatildeo ao niacutevel de ensino trabalhado (Ensino Fundamental I Ensino

Fundamental II Ensino Meacutedio e profissionalizante) e) terem atividades

solidaacuterias previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Para se chegar a essas escolas adotamos como medida inicial uma

pesquisa no banco de projetos disponiacutevel na web que apresenta as escolas

que jaacute receberam o Selo Escola Solidaacuteria e seus projetos15

Para partir de um universo de 23690 escolas fizemos inicialmente o

recorte por localidade No Estado de Satildeo Paulo onde desenvolvemos esta

15

A justificativa da seleccedilatildeo das escolas seraacute apresentada ainda neste capiacutetulo Basicamente o Selo Escola Solidaacuteria reuacutene em um uacutenico banco de dados milhares de praacuteticas curriculares de escolas de todo o Brasil da rede puacuteblica e particular que trabalham com atividades e projetos voltados para a formaccedilatildeo acadecircmica e ciacutevica de forma articulada

29

pesquisa 4403 escolas receberam o Selo Escola Solidaacuteria sendo 2179 da

rede estadual 1256 da municipal 967 satildeo particulares e 1 federal

No entanto uma vez que decidimos desenvolver a pesquisa

presencialmente optamos por reduzir o nosso universo de pesquisa para as

escolas da cidade de Satildeo Paulo (557 escolas) e regiatildeo do chamado ABC

paulista composta pelas cidades de Santo Andreacute Satildeo Bernardo do Campo e

Satildeo Caetano do Sul (145 escolas) Assim o nosso universo de escolas passou

para 702 instituiccedilotildees Como ainda o recorte inviabilizava a pesquisa um

segundo criteacuterio foi adotado selecionar escolas que tivessem participado das

trecircs uacuteltimas ediccedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria visando encontrar aquelas que

tivessem inserido a proposta na praacutetica curricular haacute mais de cinco anos e que

tivessem participado das ediccedilotildees mais recentes do Selo Escola Solidaacuteria

Assim chegamos a 53 escolas sendo 48 na cidade de Satildeo Paulo (37 da rede

particular 6 da rede puacuteblica estadual 3 da rede puacuteblica municipal e 2 do ensino

teacutecnico e profissionalizante) e 5 na regiatildeo do Grande ABC (sendo 3 em Satildeo

Caetano do Sul 1 da rede municipal e 2 particulares 1 municipal em Satildeo

Bernardo do Campo da rede particular)

Para essas escolas foi enviado um email de apresentaccedilatildeo do projeto

da pesquisa e o questionaacuterio Quinze escolas responderam voluntariamente

dentro do prazo de um mecircs solicitado A partir da anaacutelise da resposta ao

questionaacuterio chegamos agraves quatro escolas participantes trecircs da cidade de Satildeo

Paulo e uma cidade de Satildeo Caetano do Sul Os criteacuterios utilizados para a

seleccedilatildeo destas escolas foram 1) garantir na mostra final escolas de todas as

redes de ensino 2) nuacutemero de participaccedilatildeo em ediccedilotildees do Selo Escola

Solidaacuteria 3) ter respondido ao questionaacuterio de forma completa e adequada 4)

aceitar participar voluntariamente da pesquisa

O primeiro contato foi estabelecido por email para informar agrave escola

que ela estava dentro do perfil ideal para seguir na pesquisa caso tivesse

disponibilidade e interesse As quatro escolas aceitaram continuar no processo

o que nos levou a agendar a primeira reuniatildeo para conhecer as escolas A

partir daiacute com a pesquisa apresentada e aprovada agendamos as entrevistas

semi-estruturadas com os sujeitos indicados pelas escolas

30

A Escola1 fica localizada em Satildeo Caetano do Sul municiacutepio da

mesorregiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo16 A populaccedilatildeo aferida em 2009 foi de

152093 habitantes e a aacuterea total da cidade eacute de 153 kmsup2 o que resulta numa

densidade demograacutefica de 94308 habitantes por quilocircmetro quadrado (SAtildeO

CAETRANO DO SUL 2012)

Eacute a cidade com o melhor IDH do Brasil (PNUD 2000) e tambeacutem estaacute

em 47ordf posiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao PIB das cidades brasileiras (IBGE 2010a) A

taxa de alfabetizaccedilatildeo do municiacutepio eacute de 9967 sendo uma das trecircs cidades

do Estado de Satildeo Paulo17 que recebeu o Selo Municiacutepio Livre de

Analfabetismo conferido pelo MEC para cidades que atingiram mais de 96

de alfabetizaccedilatildeo A rede de escolas municipais atende aproximadamente a

13000 alunos em 19 escolas de Ensino Fundamental e Ensino Meacutedio Em

2007 a Prefeitura municipalizou 10 escolas de Ensino Fundamental somando

portanto mais 65 mil alunos aproximadamente Aleacutem disso nove escolas da

rede estadual instaladas em Satildeo Caetano recebem investimento da Prefeitura

para sua manutenccedilatildeo e modernizaccedilatildeo Quanto agrave gestatildeo Paulo Pinheiro do

Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro (PMDB) eacute o atual prefeito e o

Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o Professor Daniel Belluci

As Escolas 2 3 e 4 ficam na cidade de Satildeo Paulo que possui a rede

de ensino com o maior nuacutemero de escolas do Brasil tanto da rede municipal

quanto da estadual constituiacuteda por 2725 estabelecimentos de Ensino

Fundamental 2998 unidades preacute-escolares 1199 escolas de niacutevel meacutedio e

146 instituiccedilotildees de niacutevel superior Ao total satildeo 2850133 matriacuteculas e 153284

docentes registrados (WIKIPEDIA 2013) A cidade atingiu exatamente a meta

projetada para o IDEB de 51 em 2011 O iacutendice mede a proficiecircncia em liacutengua

portuguesa e matemaacutetica cruzando com o fluxo adequado de alunos por seacuterie

Segundo o IBGE (2010b) a populaccedilatildeo de Satildeo Paulo aferida em 2010

eacute de 11253503 habitantes sendo que 991 da populaccedilatildeo urbana e 371

da populaccedilatildeo tem idade inferior a 24 anos A taxa de analfabetismo eacute 49

16

A cidade de Satildeo Caetano do Sul compotildee o ABC paulista formada ainda pelas cidades de Satildeo Andreacute e Satildeo Bernardo do Campo

17 Aleacutem de Satildeo Caetano do Sul tambeacutem receberam o Selo Municiacutepio Livre de Analfabetismo

as cidades de Aacuteguas de Satildeo Pedro (294) e Santos (3 56)

31

entre a populaccedilatildeo de 15 anos ou mais Em 2013 o governador do Estado eacute

Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o

Secretaacuterio Estadual de Educaccedilatildeo de seu mandato eacute o Professor Herman

Voorwald Jaacute na cidade de Satildeo Paulo o prefeito eacute do Partido dos

Trabalhadores (PT) Fernando Haddad Ex-Ministro da Educaccedilatildeo (entre julho

de 2005 e janeiro de 2012 nos governos de Luiz Inaacutecio Lula da Silva e Dilma

Rousseff) e o Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o professor Ceacutesar Callegari

cujo uacuteltimo cargo assumido foi o de Secretaacuterio de Educaccedilatildeo Baacutesica no atual

governo federal (Governo Dilma Rousseff)

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa

Escola 1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizaccedilatildeo Bairro Mauaacute Satildeo Caetano do Sul Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica municipal Ano de fundaccedilatildeo 1967 Nuacutemero de professores 160 Nuacutemero de alunos 2400 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio Regular e Teacutecnico Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 72 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental II em 2011 57 Meacutedia no ENEM em 2011 61827 Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011 Escola-membro do Programa de Escolas Associadas agrave UNESCO ndash PEA18 desde 2003

Escola 2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

Localizaccedilatildeo Parque Naccedilotildees Unidas Jaraguaacute Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica estadual Ano de fundaccedilatildeo 1988 Nuacutemero de professores 32 Nuacutemero de alunos 887 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2009 57 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 57 Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009 2011

18

O PEA ndash Programa das Escolas Associadas da UNESCO seraacute apresentado mais agrave frente neste Capiacutetulo

32

Escola 3 ndash Escola da Rede Particular

Localizaccedilatildeo Alto de Pinheiros ndash Satildeo Paulo ndash Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede particular Ano de fundaccedilatildeo 1953 Nuacutemero de professores 250 Nuacutemero de alunos 2953 Niacutevel de ensino Educaccedilatildeo Infantil Ensino Fundamental I e II e Ensino Meacutedio Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011

Escola 4 ndash Escola da Rede Particular ndash teacutecnica e profissionalizante

Localizaccedilatildeo Ipiranga Satildeo Paulo Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede SENAI Ano de fundaccedilatildeo 1949 Nuacutemero de alunos 431 Modalidade de Ensino Educaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizada no Bairro Mauaacute na cidade de Satildeo Caetano do Sul a

Escola1 foi fundada em 1967 Em 1978 ela passou a ser uma autarquia mas

voltou a ser incorporada agrave rede municipal em 2004 A escola possui 160

professores e 2400 estudantes esse grupo ndash que compreende alunos do

Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio regular e teacutecnico ndash estaacute dividido em

trecircs periacuteodos letivos Pelo ensino teacutecnico com duraccedilatildeo de trecircs semestres a

escola oferece cursos ndash como Secretariado Publicidade Informaacutetica

Contabilidade e Administraccedilatildeo O trabalho realizado pela escola visa promover

a potencialidade e o talento dos alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave

praacutetica social para o exerciacutecio da cidadania

A Escola1 obteve meacutedia 67 no IDEB em 2009 e 72 em 2011 para

alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental O resultado eacute superior agrave

meacutedia nacional para os anos iniciais do Ensino Fundamental para 2011 (40) e

ultrapassa a meta nacional para 2021 (60)

33

Seu rendimento foi abaixo do esperado para o Ensino Fundamental II

tendo 67 em 2009 e 57 em 2011 Mesmo assim a escola estaacute acima da

meacutedia nacional prevista para 2011 (41) Ainda em 2011 a nota tirada no

ENEM foi de 61827 pontos e cresceu em relaccedilatildeo ao ano anterior quando os

alunos conquistaram nota 58989 ndash a nota meacutedia entre as escolas do Paiacutes com

participaccedilatildeo superior a 75 dos alunos no ENEM foi 599 pontos (SAtildeO

CAETANO DO SUL 2012)

A direccedilatildeo vecirc a formaccedilatildeo dos professores como um dos fatores que

contribui para a qualidade do ensino Todos os professores tecircm formaccedilatildeo

superior e lecionam na disciplina em que satildeo formados sendo que

aproximadamente 20 satildeo mestres Aleacutem disso a rotatividade eacute baixa a

maioria trabalha haacute mais de dez anos nessa escola como afirma CPE119 ldquoaqui

os professores satildeo participativos elitizados bem formados noacutes temos dez

doze mestres Todos satildeo formados na aacuterea que estaacute dando aula Isso eacute

fundamental para a qualidade da escola Outra questatildeo eacute fundamental que o

professor seja formado na aacuterea em que ele atuardquo

A Escola1 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a Educaccedilatildeo ao Trabalho e agrave Praacutetica Social para o

verdadeiro exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo Os

valores declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico satildeo respeito sincero ao ser

humano responsabilidade nas accedilotildees solidariedade eacutetica profissionalismo

espiacuterito de equipe integridade e honestidade

A Escola1 eacute uma escola-membro do PEA ndash Programa de Escolas

Associadas da UNESCO apresentado a seguir e desde entatildeo se organiza

segundo o Plano Pedagoacutegico anual do calendaacuterio internacional proposto pela

UNESCO e os quatro pilares da educaccedilatildeo aprender a conhecer aprender a

fazer aprender a ser e aprender a conviver Na escola o planejamento

pedagoacutegico eacute seguido de acordo com o tema sugerido pelo PEA e os projetos

solidaacuterios desenvolvidos pela escola satildeo repensados de acordo com essa

temaacutetica

19

CEP1 ndash Coordenador Pedagoacutegico da Escola1

34

A seguir apresentamos os quatro principais projetos desenvolvidos

pela Escola1

Projeto 1 PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO20

O PEA foi criado para estender os objetivos da UNESCO no poacutes-

guerra pelo princiacutepio de educaccedilatildeo para a paz Embora o Brasil tenha

participado de sua criaccedilatildeo somente em 1997 o Programa se efetivou e desde

entatildeo o nuacutemero de escolas associadas quase triplicou chegando a 221

escolas das redes puacuteblicas e particulares dos estados de Alagoas Amazonas

Bahia Cearaacute Espiacuterito Santo Goiaacutes Maranhatildeo Minas Gerais Paraacute Paraiacuteba

Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina e Satildeo Paulo e do Distrito

Federal (PEA 2013)

O objetivo do PEA eacute criar uma rede internacional de escolas que

trabalhem pela ideia da cultura da paz Atualmente a rede eacute formada por

escolas em mais de 130 paiacuteses O Programa consiste basicamente no

estiacutemulo a projetos ligados a um tema central proposto pela UNESCO

anualmente21

Cada uma delas recebe um certificado internacional de escola membro

e tem o direito de utilizar a logomarca Elas ainda podem receber materiais

eventual ou periodicamente produzidos pela UNESCO e participar de

concursos internacionais lanccedilados com frequecircncia pela proacutepria UNESCO ou

outras instituiccedilotildees a ela ligadas O principal benefiacutecio eacute participar de uma

comunidade que trabalha pelo mesmo objetivo troca informaccedilotildees compartilha

projetos e ideais Isso catalisa os esforccedilos e repercute nas escolas em todas

20

Entre os principais parceiros do PEA e da UNESCO estaacute o Instituto Faccedila Parte

21 Anos Internacionais (UNESCO 2013)

2013 - Ano Internacional da Aacutegua e da Matemaacutetica do Planeta Terra 2012 - Ano Internacional das Cooperativas (Resoluccedilatildeo 64136) 2011 - Ano Internacional da Quiacutemica e Florestas 2010 - Ano Internacional para a Aproximaccedilatildeo das Culturas e da Biodiversidade 2009 - Ano Internacional da Reconciliaccedilatildeo Astronomia e do gorila 2008 - Ano Internacional do Planeta Terra e Liacutenguas 2005 - Ano Internacional do Desporto e Educaccedilatildeo Fiacutesica 2004 - Ano Internacional para a Comemoraccedilatildeo da luta contra a escravidatildeo e sua aboliccedilatildeo 2003 - Ano Internacional da Aacutegua doce

35

as suas formas de trabalho pedagoacutegico pela cultura de paz Natildeo haacute

investimentos de qualquer ordem quer seja por parte da UNESCO quer seja

por parte das escolas

Todo ano a Escola1 segue o calendaacuterio proposto pela UNESCO como

eixo temaacutetico para realizar as atividades pedagoacutegicas O projeto das

cooperativas em 2012 teve como objetivo geral desenvolver accedilotildees

educacionais para propiciar a construccedilatildeo de uma nova mentalidade nos alunos

pelo princiacutepio do cooperativismo Como objetivo especiacutefico pretendeu-se

construir com os alunos o conceito de cooperativa intensificar o interesse e a

mobilizaccedilatildeo dos jovens em relaccedilatildeo agraves cooperativas sensibilizar a comunidade

em prol do papel das cooperativas criar situaccedilotildees praacuteticas de aprendizagem

para que se pudessem atuar no meio em que vivem e estruturar um foacuterum

entre alunos professores e a comunidade

Como meta pretendeu-se desenvolver os projetos com todos os

alunos da escola trabalhar os conteuacutedos conceituais procedimentais e

atitudinais relacionados sobretudo agraves disciplinas de Biologia Quiacutemica

Histoacuteria Geografia Filosofia Matemaacutetica entre outras para entender os

elementos indispensaacuteveis para a compreensatildeo global e organizar um foacuterum de

fechamento com a comunidade

Reuniotildees com a participaccedilatildeo de professores de todas as disciplinas

coordenadores direccedilatildeo alunos pais e colaboradores foram feitas para

organizar o projeto

Entre as atividades desenvolvidas constava a participaccedilatildeo dos alunos

em visitas a cooperativas da regiatildeo do ABC Paulista inclusatildeo do tema na

gincana solidaacuteria do Ensino Meacutedio construccedilatildeo de um trabalho acadecircmico por

parte dos alunos bem como viacutedeos e fotos das cooperativas Esse trabalho foi

armazenado num blog que os alunos apresentaram para os professores

continuidade do projeto ldquocientista solidaacuteriordquo que inclui a produccedilatildeo de sabatildeo e

detergente para a distribuiccedilatildeo em instituiccedilotildees de cunho social campanhas de

esclarecimentos sobre a importacircncia das cooperativas para a comunidade

36

ldquoTodos os projetos a gente faz questatildeo estatildeo direcionados para o ano

internacional das cooperativas A gente tem um projeto e no final do ano eles

tecircm que apresentar um TCCrdquo afirma a escola

Em relaccedilatildeo aos resultados espera-se no Plano Pedagoacutegico do projeto

da UNESCO que o trabalho entre os professores seja mais colaborativo que

eles estejam abertos agrave aprendizagem e menos resistentes a mudanccedilas e

inovaccedilotildees Por parte dos alunos espera-se uma postura mais atenta

participativa e criacutetica A comunidade tambeacutem eacute convidada a participar de

diferentes maneiras entre as atividades especiacuteficas dos projetos e por meio

dos foacuteruns organizados como espaccedilos democraacuteticos de ideias

aprofundamento da reflexatildeo formulaccedilatildeo de propostas e troca de experiecircncias

Projeto 2 Gincana Solidaacuteria

A Gincana Solidaacuteria eacute uma atividade que acontece desde 1989 todos

os anos e envolve praticamente todos os alunos do Ensino Meacutedio e tambeacutem

alunos do Ensino Fundamental O projeto eacute interdisciplinar sendo o tema

gerador o proposto pelo calendaacuterio internacional da UNESCO do qual

participam praticamente todas as disciplinas

A Gincana comeccedila no iniacutecio do ano letivo Eacute curricular sendo que natildeo

haacute atribuiccedilatildeo de notas No iniacutecio do ano satildeo oferecidas aulas especiais

coletivas haacute mostra de viacutedeos e materiais produzidos nas ediccedilotildees anteriores

Satildeo convidados especialistas para debater sobre o tema da Gincana do ano

vigente Aleacutem disso satildeo apresentadas todas as atividades que poderatildeo ser

desenvolvidas e os alunos satildeo divididos em grupos que variam entre 5 ou 6

turmas (de 150 alunos aproximadamente) para poderem se organizar e fazer

o planejamento tanto das atividades quanto do conteuacutedo que teratildeo que

estudar para a realizaccedilatildeo das tarefas As pesquisas satildeo orientadas pelos

professores que datildeo subsiacutedios orientam avaliam trabalham os conteuacutedos

escolhidos durante as aulas e tambeacutem em atividades nos laboratoacuterios Todo

esse processo dura em meacutedia trecircs meses

37

A etapa seguinte eacute um foacuterum puacuteblico do qual participam os alunos os

professores e a comunidade Nesse momento tanto a pesquisa quanto as

atividades satildeo discutidas com todos

A uacuteltima fase compreende a realizaccedilatildeo das tarefas da Gincana Tudo eacute

feito pelos alunos com material reciclado que precisam coletar ao longo do

ano Entre as atividades destacam-se a campanha de arrecadaccedilatildeo de

alimentos e produtos de higiene junto agrave comunidade e a campanha de doaccedilatildeo

de sangue que juntas somam pontos para a equipe responsaacutevel

No dia da Gincana haacute uma prova de conhecimentos gerais organizada

pela direccedilatildeo e professores da escola da qual participam os alunos

selecionados pelos grupos e um pai convidado Para animar e envolver os

alunos que estatildeo apenas acompanhando os resultados da prova de

conhecimentos gerais o grupo precisa criar um hino de torcida (letra e muacutesica)

um mascote (personagem com fantasia) e um banner de fundo (com

aproximadamente 7 metros de altura por 2 de largura)

Aleacutem disso o grupo precisa criar uma peccedila de teatro ndash sobre o tema

gerador ndash que seraacute apresentada no dia da Gincana roteiro figurino cenaacuterio

texto direccedilatildeo trilha sonora e uma apresentaccedilatildeo de danccedila (ritmo e tema livres)

Ao final a equipe vencedora recebe o tiacutetulo de campeatilde do ano

Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do

trabalho solidaacuterio Eacute um espaccedilo de trabalho colaborativo onde os alunos

precisam negociar a realizaccedilatildeo de tarefas como relacionadas a pesquisa

teatro danccedila tudo relacionado ao tema que eles tecircm que desenvolver

Projeto 3 Cientista Solidaacuterio

A escola compreende que entre os maiores desafios da aprendizagem

de ciecircncias e tecnologia no Ensino Meacutedio estaacute a aprendizagem individual e

coletiva do aluno para a iniciaccedilatildeo cientiacutefica Para a escola o aprendizado das

ciecircncias aleacutem de promover aprendizagem do conceito e a capacidade de

utilizar foacutermulas pretende desenvolver atitudes e valores por meio da praacutetica

de atividades tais como discussotildees leituras observaccedilotildees experimentaccedilotildees e

projetos cientiacuteficos A ideia eacute desafiar o aluno para o jogo do conhecimento

38

cientiacutefico que deve desenvolver seu interesse pela pesquisa e sua capacidade

de raciociacutenio e autonomia

Neste sentido o projeto tem como objetivo ampliar as aquisiccedilotildees das

habilidades por meio da iniciaccedilatildeo cientiacutefica promover accedilotildees que permitam ao

aluno vivenciar estudos cientiacuteficos em ambientes colaborativos e solidaacuterios

buscando projetar suas accedilotildees no campo do desenvolvimento social gerar

novas formas de participaccedilatildeo do cientista social com compromisso eacutetico e

solidaacuterio com a cidadania promovendo a sauacutede a preservaccedilatildeo do meio

ambiente a inclusatildeo social e ainda gerar qualidade de vida para todos

introduzir na rotina escolar a experimentaccedilatildeo cientiacutefica em laboratoacuterio

aprimorar as teacutecnicas da pesquisa cientiacutefica referendando-as como

instrumento legiacutetimo da aprendizagem promover accedilotildees articuladas entre os

alunos da escola com alunos do Ensino Meacutedio do Brasil e do mundo por meio

das tecnologias selecionar e utilizar ideias e procedimentos cientiacuteficos (leis

teorias modelos) para a resoluccedilatildeo de problemas selecionando procedimentos

experimentais

O projeto tem como meta promover accedilotildees no contraturno ampliando a

permanecircncia do aluno no Ensino Meacutedio de forma a incentivar a pesquisa

cientiacutefica e a solidariedade Aleacutem disso pretende responder agrave demanda de

alunos com problemas de aprendizagem (alunos da escola e de outras escolas

da comunidade) elaborar accedilotildees de conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto ao

uso proposital e enganoso de conhecimentos das ciecircncias e criar eventos que

discutam questotildees sobre por exemplo a relaccedilatildeo entre o meio ambiente o

consumo exagerado e a funccedilatildeo dos cientistas

O grupo de estudos de monitoria com alunos de outras escolas

acontece aos saacutebados A proposta eacute estudar conteuacutedos curriculares produzir

redaccedilatildeo elaborar artigos entre outras atividades O desenvolvimento do

pensamento criacutetico eacute estimulado quando os jovens satildeo provocados a agir como

ldquodetetivesrdquo procurando em jornais TV filmes e demais produtos afirmaccedilotildees

ou accedilotildees que deliberadamente usam os conhecimentos da ciecircncia para

ldquoenganar o consumidorrdquo

Haacute trecircs anos sob nova coordenaccedilatildeo o projeto foi reorganizado e teve

uma continuidade com um grupo de alunos e professores das disciplinas de

39

Quiacutemica Matemaacutetica e Sociologia tendo como objetivo a aprendizagem de

conceitos de Quiacutemica e Matemaacutetica relacionados agrave questatildeo da solidariedade

abordada na disciplina de sociologia Os alunos junto com o professor utilizam

o laboratoacuterio da escola para a confecccedilatildeo de sabatildeo sabonetes shampoo entre

outros produtos para fazer aulas experimentais de Quiacutemica Posteriormente

eles calculam o preccedilo (utilizando os conhecimentos de Matemaacutetica) e por fim

parte dos produtos eacute levada pelos alunos e outra eacute doada para instituiccedilotildees por

eles escolhidas Esse trabalho final eacute acompanhado pelo professor de

Sociologia

Conceitos de Quiacutemica tais como mistura soluccedilatildeo (soacutelida liacutequida

gasosa molecular iocircnica) reaccedilotildees dispersotildees o processo de dissoluccedilatildeo

coeficiente de solubilidade aacutecidos e bases entre outros satildeo estudados Em

Matemaacutetica satildeo trabalhados conceitos como o de porcentagem matemaacutetica

financeira caacutelculo de preccedilo noccedilatildeo de custo fixo noccedilotildees de estatiacutestica Em

relaccedilatildeo agraves questotildees sociais satildeo trabalhadas e desenvolvidas noccedilotildees de

participaccedilatildeo social

Projeto 4 Projeto Mais Vida

O projeto eacute uma parceria entre a Escola1 e o Parque Botacircnico e Escola

Municipal de Ecologia Presidente Jacircnio da Silva Quadros O Parque foi

fundado em 25 de abril de 1992 e eacute uma referecircncia em educaccedilatildeo ambiental

para a cidade e a regiatildeo Ocupa uma aacuterea de 23 mil metros quadrados com

exposiccedilatildeo de espeacutecies da fauna (aves e peixes) e flora (plantas ornamentais

medicinais toacutexicas carniacutevoras frutiacuteferas aacutervores nativas e exoacuteticas)

brasileiras Abriga tambeacutem a Sementeira Municipal que produz mudas para

abastecer os jardins parques e paisagismo da cidade

O projeto comeccedilou em 2000 quando a entatildeo coordenadora dos

projetos solidaacuterios numa visita ao parque soube que eles gostariam de

receber alunos das escolas municipais para visitaccedilatildeo mas natildeo podiam fazecirc-lo

por falta de monitores Naquela ocasiatildeo ela teve a ideia de oferecer ao parque

que alunos do Ensino Meacutedio poderiam se interessar por trabalhar

voluntariamente no contraturno escolar e a proposta foi bem recebida

40

O projeto comeccedilou com a capacitaccedilatildeo dos alunos e a organizaccedilatildeo do

trabalho Cada aluno participante se responsabilizava por duas horas de

monitoria direta ao puacuteblico aleacutem da participaccedilatildeo dos encontros de capacitaccedilatildeo

e planejamento das atividades

A abertura do parque para visitas monitoradas possibilitada pela

parceria foi tatildeo bem recebida pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo que

incluiu a visitaccedilatildeo no roteiro das EMEIs (Escola Municipal de Educaccedilatildeo Infantil)

e EMIs (Escola Municipal Integrada) da cidade Conforme a necessidade das

escolas atividades luacutedicas praacuteticas e criativas para melhorar o

aproveitamento das visitas foram desenvolvidas pelos proacuteprios alunos com a

orientaccedilatildeo da coordenadora pedagoacutegica do Parque e a coordenadora da

escola

Entre as accedilotildees desenvolvidas como desmembramento desse projeto

destaca-se o grupo de teatro e o Encontro de Educadores Ambientais ndash que

reuniam educadores estudantes profissionais e especialistas da aacuterea

ambiental para trocar informaccedilotildees e experiecircncias sobre preservaccedilatildeo de

recursos naturais da cidade de Satildeo Caetano do Sul e do Estado de Satildeo Paulo

Tambeacutem foi criada uma brinquedoteca no parque com materiais de

sucata arrecadados pela escola numa grande campanha promovida pelos

alunos voluntaacuterios O objetivo da brinquedoteca era o de ser um espaccedilo luacutedico

de aprendizagem e entretenimento aleacutem de oportunizar o desenvolvimento de

atividades dirigidas inclusive nos dias chuvosos Ao final do ano os voluntaacuterios

envolvidos recebiam um certificado pela participaccedilatildeo no projeto Os que

continuavam capacitavam os que estavam ingressando e nessa configuraccedilatildeo

o projeto se estendeu por oito anos ateacute a saiacuteda da coordenadora da Escola1

Hoje o projeto consta da proposta pedagoacutegica mas ldquoestaacute hibernandordquo

segundo o coordenador pedagoacutegico

12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

A Escola2 foi construiacuteda em 1988 ainda com nome provisoacuterio para

atender o crescimento da demanda de alunos pois soacute havia uma escola no

local e estava superlotada Esse excedente de alunos compocircs o seu corpo

41

discente Foram convidados professores que residem na regiatildeo para formar o

quadro de professores

Quando inaugurada a escola contava com quatro salas de aula

banheiros masculino e feminino para os alunos e professores A diretoria a

secretaria e os professores dividiam a mesma sala Havia tambeacutem a cozinha

que eacute a mesma ateacute hoje

Em 1990 a escola foi nomeada em definitivo uma homenagem ao

fundador de uma empresa da regiatildeo que colabora com esta escola Com o

crescimento da demanda em 1991 a escola teve que ser ampliada Foi

construiacuteda uma sala ocupando parte do paacutetio Em 1996 com a reorganizaccedilatildeo

a escola passou a funcionar em dois periacuteodos antes funcionava em quatro

periacuteodos atendendo apenas a alunos das seacuteries iniciais (Ciclo I)

A escola atende a quase 900 alunos e tem um quadro de 32

professores Segundo a Coordenadora Pedagoacutegica (CPE2) todos satildeo

formados e eacute baixa a rotatividade o que eacute compreendido como um dos fatores

de qualidade da execuccedilatildeo do projeto pedagoacutegico ldquonoacutes temos 32 professores

pelo menos 20 tem poacutes A maioria dos professores jaacute eacute da casa e estatildeo aqui haacute

algum tempo Digamos que 20 professores jaacute estatildeo aqui haacute muito tempo []

Nossa rotatividade eacute muito pequena e isso garante um padratildeo de qualidade

melhor na educaccedilatildeo oferecidardquo Quanto agraves instalaccedilotildees na parte externa da

escola haacute uma quadra poliesportiva atualmente reformada sala de Educaccedilatildeo

Artiacutestica jardim horta playground uma casinha do conto feita de madeira de

reflorestamento e uma grande parte do terreno acidentado com aacutervores de

diversas espeacutecies sendo que a grande maioria satildeo eucaliptos

Sobre a comunidade constatou-se que as famiacutelias em meacutedia residem

no bairro entre 2 a 10 anos e algumas entre 10 e 15 anos Um grande nuacutemero

da comunidade atendida pela escola mora nos apartamentos do CDHU e

conjuntos habitacionais cedidos pelo Governo do Estado e pela Prefeitura

(movimento iniciado em 1990) aleacutem de 38 possuiacuterem casa proacutepria e 22

viverem de aluguel

Quanto agrave meacutedia de renda familiar 30 estatildeo desempregados 10

ganham ateacute quinhentos reais por mecircs 20 recebem mais de mil reais por

42

mecircs e 40 ganham ateacute mil reais Em relaccedilatildeo agrave escolaridade 60 possuem o

Ensino Meacutedio completo 30 o Ensino Fundamental completo 5 possuem

Ensino fundamental incompleto e 5 ensino superior22

A Escola2 tem como missatildeo construir uma sociedade mais justa

autecircntica solidaacuteria e saudaacutevel na qual os sujeitos sejam mais conscientes dos

acontecimentos gerais Entre seus objetivos destaca-se assegurar ao

educando a formaccedilatildeo para o exerciacutecio da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir em estudos posteriores proporcionar o conhecimento do ambiente

natural e social do sistema poliacutetico da tecnologia da arte do esporte e dos

valores em que se fundamenta a sociedade fortalecer os viacutenculos de famiacutelia

dos laccedilos de solidariedade humana e de toleracircncia reciacuteproca em que se

assenta a vida social incentivar a elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de projetos que

possibilitem o aperfeiccediloamento da accedilatildeo educativa buscar a interaccedilatildeo entre

escola e comunidade de forma contiacutenua favorecendo a compreensatildeo dos

fatores poliacuteticos sociais culturais e psicoloacutegicos que se expressam no

ambiente escolar ficando demarcada pelas atribuiccedilotildees e responsabilidades

Vale pontuar que a escola estaacute situada na regiatildeo de Perus onde a

questatildeo dos aterros sanitaacuterios23 eacute marcante O Aterro Bandeirantes se localiza

no sentido SO do Distrito de Perus jaacute na divisa com o Distrito do Jaraguaacute local

caracterizado por grandes trechos de aacutereas protegidas do Parque do Jaraguaacute a

oeste e do Parque Estadual da Serra da Cantareira a leste

Com uma aacuterea total de 1400000msup2 o Aterro Bandeirantes estaacute

desativado desde marccedilo de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido

ateacute 2006 cerca de 36 milhotildees de toneladas de resiacuteduos Nesse periacuteodo

recebia metade de todo o lixo produzido diariamente em Satildeo Paulo (CALIXTO

2012)

Esse trabalho jaacute valeu agrave Prefeitura de Satildeo Paulo uma das

participantes do projeto o equivalente a 800 mil toneladas de creacuteditos de

22

Fonte Projeto Pedagoacutegico da escola

23 Aterros sanitaacuterios satildeo locais para onde os resiacuteduos soacutelidos urbanos podem ser destinados

Diferentemente dos lixotildees (depoacutesitos a ceacuteu aberto) nos aterros sanitaacuterios existe toda uma preparaccedilatildeo do solo para que natildeo haja contaminaccedilatildeo do lenccedilol freaacutetico e das aacutereas de entorno assim como o monitoramento do ar para que sejam verificadas as emissotildees de gases provenientes dos resiacuteduos ali enterrados

43

carbono de acordo com as normas do Protocolo de Quioto (acordo para

reduzir a emissatildeo de gases de efeito estufa) que deve render aos cofres

municipais quantia proacutexima R$ 40 milhotildees (PEDROZO 2008)

No entanto a populaccedilatildeo local natildeo participou do processo decisoacuterio dos

investimentos recebendo uma parte iacutenfima dos benefiacutecios gerados pelos

contratos alguns parques revitalizados alguns mutirotildees de limpeza urbana e

uma cota de energia eleacutetrica Aleacutem disto em alguns casos a populaccedilatildeo foi

pressionada a deixar os periacutemetros de intervenccedilatildeo dos projetos quando se

encontraram no caminho dos projetos urbano-ambientais (RIZZI 2011)

O principal projeto desenvolvido pela Escola2 eacute o Projeto Reciclar O

projeto comeccedilou para se resolver um problema interno da escola Apoacutes o

recreio percebia-se que o paacutetio ficava muito sujo Mesmo disponibilizando

cestos por todo o ambiente o lixo era jogado no chatildeo e por causa disso

muitos pombos comeccedilaram a aparecer

Buscando resolver tal situaccedilatildeo a coordenaccedilatildeo da escola comeccedilou a

conversar com os alunos mostrando que jogar o lixo no chatildeo natildeo estava certo

e ainda ajudava na proliferaccedilatildeo dos pombos que transmitem doenccedilas

Aproveitando o momento a escola comeccedilou a trabalhar de fato a questatildeo do

lixo como um projeto interdisciplinar A conscientizaccedilatildeo comeccedilou com a

exibiccedilatildeo da seacuterie O mundo de Valentina24 que trata de questotildees referentes ao

desenvolvimento sustentaacutevel consumo consciente destino do lixo a vida dos

catadores a reciclagem e a reutilizaccedilatildeo os aterros sanitaacuterios entre outros

temas

As professoras de todas as seacuteries foram estimuladas a incluir de

acordo com a seacuterieano uma atividade curricular referente agrave reciclagem de

acordo com o conteuacutedo que estivessem desenvolvendo No 1ordm ano os alunos

fizeram listas dos materiais que podem ser reciclados o que colocar em cada

cesto colorido confeccionaram cartaz ilustrando o que aprenderam com

24

O Mundo de Valentina eacute uma seacuterie de televisatildeo exibida pela Rede Globo durante a programaccedilatildeo do Fantaacutestico em junho de 2007 Foram 5 episoacutedios onde o casal de jornalistas Gabriel Moojen e Fran Zanon tentou descobrir como seria o mundo da filha deles a Valentina quando ela fizer 36 anos a idade do pai A seacuterie trata de meio ambiente e das questotildees da aacutegua do lixo do clima dos alimentos e do consumo A seacuterie pode ser assistida na Internet em vaacuterios canais disponiacuteveis no Youtube (O MUNDO DE VALENTINA 2013)

44

pequenos textos de produccedilatildeo oral com destino escrito nos 2ordm anos fizeram um

painel Vocecirc sabia os alunos do 3ordm ano produziram folhetos explicativos

para distribuir para a comunidade com informaccedilotildees sobre a importacircncia da

reciclagem o 4ordm ano elaborou siacutenteses resumos e pesquisas diversas e o 5ordm

Ano produziu um jornal mural

Para destinar corretamente o material arrecadado com a reciclagem a

escola fez uma parceria com uma cooperativa do bairro que passou a recolhecirc-

lo toda semana As famiacutelias foram incentivas a separar o lixo em casa e trazer

para a escola contribuindo com a cooperativa e tambeacutem a educaccedilatildeo das

crianccedilas Com o desenvolvimento do projeto percebe-se na escola uma melhor

limpeza do paacutetio apoacutes o recreio A comunidade estaacute aos poucos aderindo ao

projeto e a escola jaacute virou ponto de coleta seletiva do bairro A cooperativa

reconhece a relevacircncia do projeto uma vez que depende da doaccedilatildeo das

escolas da regiatildeo como principal fonte de entrada de material portanto de

renda

Entre os objetivos da escola em desenvolver esse projeto estaacute a

intenccedilatildeo de se trabalhar com situaccedilotildees de aprendizagem pensadas a partir de

propostas de intervenccedilatildeo na realidade Segundo o Plano Pedagoacutegico a escola

busca desenvolver estrateacutegias onde os alunos possam compreender as

consequecircncias ambientais de suas accedilotildees nos locais onde estudam e

convivem considerando que a soluccedilatildeo dos problemas ambientais deve ser em

acircmbito local O projeto envolve a comunidade escolar (professores alunos

pais funcionaacuterios e direccedilatildeo) e a comunidade (empresas cooperativas

organizaccedilotildees sociais e vizinhos) criando um clima de trabalho colaborativo

baseado na responsabilidade e na solidariedade

Entre os principais objetivos destacam-se

bull possibilitar aos alunos oportunidades para que modifiquem

atitudes e praacuteticas pessoais adotando posturas na escola em casa e em sua

comunidade que os levem a interaccedilotildees de cuidado e atenccedilatildeo com a sociedade

bull observar e analisar fatos e situaccedilotildees sobre os tipos de lixo do

ponto de vista ambiental reconhecendo a necessidade e as oportunidades de

atuar para se produzir menos lixo

45

bull instrumentalizar os alunos na compreensatildeo da realidade e na

busca de soluccedilotildees para questotildees sociais possibilitando participar dos

problemas fundamentais e urgentes da vida social e

bull conscientizar o aluno para a necessidade de pensar na questatildeo

do lixo na reciclagem nos comportamentos responsaacuteveis de ldquoPRODUCcedilAtildeO e

DESTINO do lixo na escola casa e espaccedilos em comum

13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada

A Escola3 estaacute situada em um ldquobairro nobrerdquo da regiatildeo oeste da cidade

de Satildeo Paulo e ocupa uma aacuterea de 50 mil msup2 O atual terreno foi doado em

1953 pela Light de Satildeo Paulo Nessa eacutepoca o bairro era cortado por estradas

de terra e o terreno localizado na vaacuterzea do Rio Pinheiros era pantanoso e

isolado cercado por pastos

A Escola3 funciona em meio a extensos jardins e aacutereas abertas

destinadas a quadras esportivas e paacutetios Possui seis salas de aula para a

Educaccedilatildeo Infantil duas salas especiais de uso comum e um ateliecirc Para os

alunos do Ensino Fundamental I e II satildeo trinta salas de aula dez salas

especiais dois laboratoacuterios de Ciecircncias duas salas de Muacutesica e duas salas de

Artes (espaccedilo em expansatildeo com a reforma do campus) Os alunos do Ensino

Meacutedio e EJA (Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos) contam com dezoito salas de

aula Haacute tambeacutem laboratoacuterios de Quiacutemica Fiacutesica e Biologia

Possui um teatro com ateacute 900 lugares (que tambeacutem atende ao puacuteblico

em geral25) biblioteca26 com aproximadamente 33 mil volumes (que dispotildee de

salotildees para leitura individual e trabalho em grupo aleacutem de computadores para

consulta ao acervo e pesquisa na Internet) Centro de Tecnologias27 (com seis

25

Concebido por J C Serroni e Edson Elito eacute um espaccedilo muacuteltiplo a parte frontal e as laterais satildeo moacuteveis e possibilitam um espaccedilo cecircnico de variadas formas palco italiano palco elisabetano arena completa semi-arena passarela Aleacutem da flexiacutevel sala de espetaacuteculos que pode comportar de 500 a 900 lugares o Teatro abriga ampla aacuterea para coqueteacuteis e exposiccedilotildees uma sala de ensaios e camarins

26 Com um acervo permanentemente atualizado conta com obras literaacuterias cientiacuteficas e de

referecircncia agrave disposiccedilatildeo dos professores funcionaacuterios e alunos Aleacutem disso assina jornais e revistas nacionais e estrangeiras mantendo a hemeroteca sempre atualizada

27 No total satildeo cerca de 200 computadores utilizados para aulas projetos pesquisas e

trabalhos escolares

46

salas multimiacutedia) laboratoacuterios (de Ciecircncias Quiacutemica Fiacutesica e Biologia) campo

de futebol oficial gramado ginaacutesio de esportes (com palco quadras e

arquibancadas) pista de atletismo miniginaacutesio coberto onze quadras

polivalentes para praacutetica de futebol de salatildeo vocirclei basquete e handebol dojo

anfiteatro com 200 lugares capelas28 playgrounds e abundante aacuterea verde

As principais atividades e projetos solidaacuterios desenvolvidos pela escola

satildeo

Projeto 1 Accedilatildeo Comunitaacuteria no Ensino Fundamental II

No Ensino Fundamental II os alunos passam a participar de atividades

voluntaacuterias mantidas pelo Projeto Social da escola Na 5ordf seacuterie no 6ordm ano essa

colaboraccedilatildeo eacute ainda eventual A partir da 6ordf seacuterie os voluntaacuterios se envolvem

com todo um projeto assumindo o compromisso de frequentaacute-lo ateacute a

conclusatildeo

Em 2011 os alunos participam das seguintes frentes de trabalho

5ordf seacuterie Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia e Centro de

Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova (faixa etaacuteria das crianccedilas atendidas de

0 a 6 anos)

6ordf seacuterie Centro da Crianccedila e do Adolescente - CCA (faixa etaacuteria das

crianccedilas atendidas de 6 a 10 anos) e Escola Alfredo Paulino (faixa

etaacuteria das crianccedilas atendidas de 8 anos)

7ordf e 8ordf seacuteries CCA Bom Jesus ndash Projeto

CiecircnciasPortuguecircsFrancecircs (faixa etaacuteria atendida de 7 a 13 anos)

Escola Alfredo Paulino ndash Projeto de acompanhamento escolar (faixa

etaacuteria atendida 8 anos) CCA ndash Curso de Roboacutetica (faixa etaacuteria

atendida de 11 a 14 anos) e Aldeia Indiacutegena ndash Projeto

HistoacuteriaGeografiaArtes (faixa etaacuteria atendida de 2 a 12 anos)

8ordf seacuterie Casa Ronald ndash Projeto Leitura destinado a crianccedilas e

adolescentes em tratamento quimioteraacutepico

28

Haacute duas capelas no Coleacutegio uma delas anexa ao preacutedio do Ensino Fundamental e outra em um dos preacutedios do Ensino Meacutedio A capela do Ensino Meacutedio tem vitrais do artista plaacutestico Alfredo Volpi

47

Projeto 2 Projeto Social

O Projeto Social manteacutem dois Centros de Educaccedilatildeo Infantil

responsaacuteveis por atender a mais de 170 crianccedilas de ateacute 4 anos moradoras da

comunidade Vila Nova Jaguareacute Integrados em sua proposta pedagoacutegica os

CEIs estruturam o trabalho em quatro eixos curriculares Identidadeautonomia

Linguagens e situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Desenvolvimento luacutedico e motor

Conhecimento de mundo

As crianccedilas permanecem nos centros em tempo integral realizando

atividades que tecircm como objetivo natildeo apenas o cuidado mas o

desenvolvimento integral do aluno como um ser autocircnomo complementando a

accedilatildeo da famiacutelia e da comunidade A Educaccedilatildeo Infantil incentiva assim a

curiosidade e a criatividade proporcionando agrave crianccedila a possibilidade de

reconhecer como prazerosas as suas construccedilotildees subjetivas

Os recursos vindos da proacutepria escola de convecircnios com a Secretaria

de Educaccedilatildeo da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo satildeo indispensaacuteveis para

garantir a qualidade da educaccedilatildeo oferecida

Projeto 3 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia

Eacute administrada pela mantenedora da escola com o apoio do SAN

(Serviccedilo de Auxiacutelio aos Necessitados) e atende diariamente a 120 crianccedilas de

ateacute 4 anos de idade Eacute mantida por meio de convecircnio da mantenedora com a

Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira doze professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 120 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

48

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

Projeto 4 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova Jaguareacute

Eacute administrada pela mantenedora com o apoio do SAN e atende

diariamente a 155 crianccedilas de ateacute 4 anos de idade Tambeacutem eacute mantida pelo

mesmo convecircnio e com a Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do

SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira dezesseis professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 155 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

A participaccedilatildeo dos pais e matildees como voluntaacuterios do Projeto Social tem

duplo objetivo a educaccedilatildeo da eacutetica da solidariedade junto aos filhos e o

desenvolvimento dos projetos sociais nas comunidades

Aleacutem dos nuacutecleos ligados ao CATI (Centro de Atendimento

Interdisciplinar) haacute tambeacutem o Nuacutecleo Voluntaacuterio da Moda que reuacutene matildees

voluntaacuterias para apoiar o curso profissionalizante de Costura e Modelagem

realizado na comunidade Vila Nova Jaguareacute

49

Para obter os recursos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo de seus programas

aleacutem de receber financiamentos via FUMCAD29 o Projeto Social organiza

anualmente dois eventos tradicionais do calendaacuterio da escola a Festa Junina

em junho e a Feijoada da Primavera em setembro ou outubro onde mais de

800 pais e matildees participam

Cursos agrave comunidade

A oferta de ensino noturno configura um compromisso assumido pela

escola e pela mantenedora de atuar junto agrave comunidade em que estaacute inserida

No iniacutecio do primeiro semestre de 2012 o nuacutemero de matriacuteculas eacute de 543

alunos 314 no curso de Ensino Fundamental de EJA 163 no curso de Ensino

Meacutedio de EJA e 66 nos cursos teacutecnicos de Administraccedilatildeo e de Logiacutestica que se

iniciam

Os cursos de EJA e os cursos teacutecnicos satildeo gratuitos sendo

financiados pela escola por meio de bolsas de estudos de 100 do valor da

mensalidade Agrave gratuidade somam-se programas de apoio agrave permanecircncia do

aluno na escola na forma de subsiacutedio ao transporte e agrave alimentaccedilatildeo no

periacuteodo das aulas Nas situaccedilotildees em que haacute mais candidatos do que vagas o

principal criteacuterio de aceitaccedilatildeo do aluno eacute a sua situaccedilatildeo econocircmica

favorecendo aqueles em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade social

Haacute tambeacutem a oferta de educaccedilatildeo aos jovens do Jaguareacute (Centro

Cultural e Profissionalizante Jaguareacute) feita pela mantenedora Laacute satildeo

oferecidos trecircs cursos Gastronomia Costura Industrial e Informaacutetica aleacutem dos

cursos de Empreendorismo e Roboacutetica

Aleacutem disso a mantenedora organizou um espaccedilo cultural localizado

estrategicamente na praccedila central da comunidade (Praccedila XI o Centro Cultural

fica na Rua Assum 49) para acolher as manifestaccedilotildees artiacutesticas e culturais jaacute

existentes e estimular a educaccedilatildeo das crianccedilas e jovens para outras

linguagens artiacutesticas e culturais O Centro Cultural da escola dispotildee de nove

29

Parte da renda do Projeto Social Santa Cruz proveacutem da possibilidade de a comunidade Santa Cruz doar parte do imposto de renda devido via FUMCAD para o aprimoramento do trabalho que integra as accedilotildees do SAN e da Congregaccedilatildeo de Santa Cruz especialmente na Vila Nova Jaguareacute (perfazendo um total de aproximadamente trecircs milhotildeesano)

50

salas para a organizaccedilatildeo das atividades Tambeacutem haacute uma biblioteca com 15

mil tiacutetulos

No Curso de Gastronomia e Excelecircncia em Atendimento ao Cliente os

participantes aprendem a fazer pratos da cozinha tradicional e contemporacircnea

(cortes caldos molhos panificaccedilatildeo pizzas e sobremesas) bem como o

manuseio de utensiacutelios da cozinha e elaboraccedilatildeo de cardaacutepio No curso de

Costura e Modelagem e Marketing Pessoal se forma as piloteiras industriais

que podem trabalhar em oficinas e confecccedilotildees das mais diversas profissotildees do

mercado de moda As aulas satildeo ministradas a 60 alunas jovens e adultas da

comunidade do Jaguareacute em 19 maacutequinas de costura industrial O curso tem

duraccedilatildeo de quatro semestres (244 horas) em trecircs diferentes niacuteveis baacutesico

intermediaacuterio e avanccedilado

O Projeto Educacional do Centro de informaacutetica eacute amplo pretende

formar jovens cidadatildeos e natildeo apenas treinaacute-los em Informaacutetica As atividades

incluem reforccedilo em Portuguecircs e Matemaacutetica dinacircmica de grupo visitas

culturais atendimento psicoloacutegico aulas de Eacutetica e Cidadania relacionamento

interpessoal orientaccedilatildeo vocacional aleacutem da iniciaccedilatildeo agraves teacutecnicas de

Informaacutetica (Word Excel Internet Power Point e blog) O participante tambeacutem

desenvolve as habilidades necessaacuterias para ingressar em uma empresa

compreendendo sua estrutura as responsabilidades e rotinas das aacutereas

funcionais e a importacircncia da boa comunicaccedilatildeo no ambiente empresarial O

curso tem duraccedilatildeo de nove meses e atende 44 jovens de 16 a 18 anos

moradores da comunidade do Jaguareacute

A mantenedora da escola em parceria com a Ashoka organizaccedilatildeo

social de atuaccedilatildeo internacional na aacuterea do empreendorismo social organiza

vaacuterios projetos visando desenvolver jovens empreendedores na comunidade

(Geraccedilatildeo Muda-Mundo) Como parte do projeto de formaccedilatildeo integral da escola

que objetiva despertar no educando a responsabilidade social e a consciecircncia

de seu papel transformador alunos da 7ordf seacuterie participam voluntariamente de

um curso de Roboacutetica oferecido a adolescentes da comunidade Vila Nova

Jaguareacute

No caso dos alunos do coleacutegio a atividade eacute extensatildeo do curso

opcional de Roboacutetica frequentado por esses voluntaacuterios durante a 6ordf seacuterie

51

Durante um semestre eles foram introduzidos ao tema realizando montagem

de protoacutetipos e elaborando programas informatizados para o comando das

peccedilas construiacutedas Nos encontros ocorridos semanalmente no Centro Cultural

e Profissionalizante que integra o Projeto Social os alunos do coleacutegio

desenvolvem junto aos adolescentes do Jaguareacute um projeto temaacutetico O

objetivo eacute criar ao longo do ano o protoacutetipo de uma cidade capaz de

proporcionar mobilidade satisfatoacuteria aos habitantes ndash no que diz respeito ao

transporte tanto puacuteblico como privado

Entre os projetos desenvolvidos o selecionado para acompanhamento

desta pesquisa foi o desenvolvido pelos alunos do Ensino Fundamental II com

a Escola Estadual Djekupeacute Amba Arandu na aldeia indiacutegena Guarani no

Jaraguaacute na zona norte da cidade de Satildeo Paulo

14 Escola4 Escola da rede particular profissionalizante

A Escola4 iniciou suas atividades em 1949 Ao longo do tempo a

escola trabalhou com ocupaccedilotildees de aacutereas diversificadas mecacircnica

metalurgia eletricidade e tecircxtil No iniacutecio dos anos 1990 a escola passou a

atender prioritariamente o setor de refrigeraccedilatildeo e ar-condicionado oferecendo

curso teacutecnico e treinamentos Em 1995 foi pioneira na implantaccedilatildeo de um

curso de educaccedilatildeo agrave distacircncia para mecacircnica de refrigeraccedilatildeo e ar-

condicionado (refrigeraccedilatildeo domeacutestica)

A partir do ano de 2001 o SENAI implementou um projeto de

modernizaccedilatildeo da escola O curso teacutecnico foi reformulado adequando-se agrave

nova legislaccedilatildeo educacional afinando agrave sintonia com o desenvolvimento

teacutecnico do setor e possibilitando a habilitaccedilatildeo de Teacutecnico em Refrigeraccedilatildeo e

Climatizaccedilatildeo e duas qualificaccedilotildees profissionais de niacutevel teacutecnico

A Escola4 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave praacutetica social para o verdadeiro

exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo

Satildeo valores da escola declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

- priorizar a disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico

52

- promover o trabalho em equipe

- agregar maior valor aos processos e

- possuir compromisso eacutetico com a sociedade a comunidade e o

meio ambiente

Visa priorizar valores como a promoccedilatildeo do trabalho em equipe primar

pela disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico ter compromisso eacutetico com a

sociedade comunidade e meio ambiente incluindo a realizaccedilatildeo profissional

A Escola4 situa-se na zona leste da cidade de Satildeo Paulo e conta com

uma aacuterea de 7111msup2 alojando os laboratoacuterios especializados em

Termofluidomecacircnica Automaccedilatildeo Predial Comandos Eleacutetricos Informaacutetica

CLP (Controladores Loacutegicos e Programaacuteveis) Desenho e Projetos - CAD e as

Oficinas de Refrigeraccedilatildeo Residencial Refrigeraccedilatildeo Comercial Refrigeraccedilatildeo

Industrial (Amocircnia) Refrigeraccedilatildeo Danfoss Climatizaccedilatildeo Predial Climatizaccedilatildeo

Automotiva Reoperaccedilatildeo de Unidade Selada Instalaccedilatildeo de Condicionador de

Ar Tipo Split

Quanto agrave situaccedilatildeo socioeconocircmica a populaccedilatildeo do bairro estaacute

distribuiacuteda por classes que vatildeo da baixa a meacutedia alta e com favelas situadas

nas proximidades A comunidade conta com todos os recursos de infraestrutura

necessaacuterios ao seu atendimento aacutegua luz esgoto ruas pavimentadas

seguranccedila puacuteblica escolas puacuteblicas e privadas em todos os niacuteveis

universidades hospitais transporte de ocircnibus e ferroviaacuterio proacuteximos agraves aacutereas

de lazer (Parque e Museu do Ipiranga Clube do SESC - Ipiranga Clube da

Prefeitura etc) Ainda na regiatildeo do Ipiranga localizam-se tambeacutem mais trecircs

Escolas SENAI

Programa Comunitaacuterio de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Parceria com o Centro de Formaccedilatildeo Profissional ldquoJoseacute Gomesrdquo instalado

desde o final de 1992 Eacute conveniado com a SAS (Secretaria Municipal de

Assistecircncia Social) desde fevereiro de 1994 Localizado na Vila Gumercindo

atende aleacutem da populaccedilatildeo do entorno a populaccedilatildeo da Vila Mercecircs Satildeo

Saveacuterio Helioacutepolis Jardim Cliacutemax Vila Carioca Sacomatilde Cingapura da Av Dr

Ricardo Jafet e adolescentes encaminhados pelo Nuacutecleo Socioeducativo da

53

regiatildeo (distritos de Cursino Ipiranga e Sacomatilde) Atende tambeacutem a alunos em

semi-liberdade da Fundaccedilatildeo Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente) alunos de classes especiais jaacute alfabetizados indicados pela 16ordf

Diretoria de Ensino de Satildeo Paulo e adolescentes encaminhados pelo Conselho

Tutelar

Oferece proteccedilatildeo social formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo profissional aos

adolescentes em situaccedilatildeo de risco social visando a possibilidade de sua

inserccedilatildeo no mercado de trabalho levando-o a reconhecer a funccedilatildeo social do

trabalho como accedilatildeo transformadora da realidade direito de cidadania

fortalecendo sua autoestima ampliando seu universo cultural e informacional e

desenvolvendo valores eacuteticos de cidadania e incentivando a sua participaccedilatildeo

na vida puacuteblica Nessa parceria a escola desenvolve o Programa Comunitaacuterio

de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Seus projetos solidaacuterios visam colaborar com a qualidade ambiental

Os resiacuteduos de plaacutestico papel e vidro satildeo doados para a cooperativa de

reciclagem onde seratildeo vendidos revertendo para ajudar na subsistecircncia dos

cooperados O resiacuteduo de oacuteleo vegetal coletado eacute doado a uma ONG que

transforma o material em sabatildeo As pilhas e baterias descartadas satildeo levadas

a postos de coleta de empresas que trabalham com responsabilidade social

As latas de alumiacutenio descartadas satildeo vendidas e o valor arrecadado eacute revertido

em cestas baacutesicas para pessoas com baixa renda

A escola desenvolve palestras de sensibilizaccedilatildeo buscando a

conscientizaccedilatildeo das boas praacuteticas na comunidade Promove a Semana da

SIPAT e do Meio Ambiente focando especificamente esse contexto sempre

motivando o aluno a participar dessas accedilotildees

Os alunos participaram ativamente de campanhas solidaacuterias

recebendo doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registrando e

organizando as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos)

e entregando o material coletado em instituiccedilotildees da comunidade do Helioacutepolis

e Sacomatilde proacuteximas agrave escola

54

2 Seleccedilatildeo das escolas

Visando partir de um cenaacuterio onde pudeacutessemos analisar escolas que

se reconhecem enquanto ldquoescolas solidaacuteriasrdquo consideramos convidar

instituiccedilotildees entre as que jaacute receberam o ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo Criado em

2003 pelo Instituto Faccedila Parte em parceria com o MEC o Consed a Undime e

a UNESCO o Programa visa estimular a praacutetica da educaccedilatildeo solidaacuteria nas

escolas de educaccedilatildeo baacutesica

Na concepccedilatildeo do projeto ldquoescola solidaacuteriardquo eacute aquela que entre as suas

atividades (FACcedilA PARTE 2012a)

- Desenvolve projetos de voluntariado educativo ou de aprendizagem

e serviccedilo solidaacuterio Tais projetos satildeo aqueles em que os alunos satildeo

motivados a resolverem problemas reais aplicando o conhecimento

aprendido na escola e na vida para transformar uma realidade com

a qual natildeo concordam

- Trabalha a partir de uma gestatildeo democraacutetica

- Integra em suas disciplinas conteuacutedos relativos a meio ambiente

cidadania direitos humanos consumo consciente sustentabilidade

etc promovendo uma educaccedilatildeo para a paz aproveitando a

diversidade cultural como espaccedilo de aprendizagem

- Une a teoria agrave praacutetica em atividades envolvendo toda a

comunidade escolar

- Incentiva praacuteticas como a de monitoria entre seus alunos (quem

sabe mais estuda com sabe menos) estimulando no cotidiano da

escola atitudes de solidariedade

- Promove parcerias com outras escolas e instituiccedilotildees como asilos

creches ONGs etc visando fortalecer o sentido puacuteblico da

educaccedilatildeo e ampliar os espaccedilos educativos e

- Repassa os conhecimentos gerados na escola para a comunidade

ajudando-a a resolver seus principais problemas e assim busca

enriquecer a qualidade da educaccedilatildeo que oferece melhorando a

qualidade de vida da comunidade

55

De acordo com o Instituo Faccedila Parte promotor do Selo Escola

Solidaacuteria satildeo objetivos desse projeto (FACcedilA PARTE 2012b)

- Reconhecer e fortalecer a escola como nuacutecleo de cidadania em sua

proacutepria comunidade

- Propiciar a troca de experiecircncias e articulaccedilotildees entre escolas com

a online Rede de Escolas Solidaacuterias onde eacute possiacutevel conhecer as

escolas e as atividades que desenvolvem por meio de uma busca

avanccedilada que permite encontrar experiecircncias por niacutevel de ensino

tema aacuterea de atuaccedilatildeo localidade entre outros (FACcedilA PARTE

2012c)

- Divulgar as accedilotildees e os projetos de voluntariado educativo

desenvolvido pelas Escolas Solidaacuterias

- Identificar escolas que desenvolvem projetos de voluntariado

educativo no Brasil e

- Criar um banco de dados a fim de promover a divulgaccedilatildeo das

atividades e projetos e desta forma valorizar a educaccedilatildeo para a

solidariedade

Segundo o Dicionaacuterio Michaelis (2004) selo significa ldquocunho distintivo

marca sinalrdquo O Selo Escola Solidaacuteria foi pensado para reconhecer a escola

pela educaccedilatildeo solidaacuteria que ela oferece imprimindo-lhe uma ldquomarcardquo que a

valorizasse junto agrave sua comunidade escolar visando reforccedilar a sua imagem

como nuacutecleo de cidadania valorizando-a para a sociedade pela qualidade

humanizadora da educaccedilatildeo que oferece

Para que o Selo Escola Solidaacuteria natildeo fosse confundido com um projeto

de ldquopremiaccedilatildeordquo (no sentido de promover uma competiccedilatildeo entre as escolas) ou

ldquosegregadorrdquo os parceiros adotaram como princiacutepios

- Natildeo divulgar a pontuaccedilatildeo da escola para natildeo promover o

ranqueamento entre as escolas participantes em nenhuma ediccedilatildeo

- Natildeo exigir que a escola desenvolva um projeto ou atividade

especiacutefica para submeter ao Selo Para se inscrever a escola

preenche uma autoavaliaccedilatildeo onde descreve uma atividade ou

projeto que esteja desenvolvendo com a comunidade escolar Natildeo

era exigido que houvesse um nuacutemero de alunos especiacutefico ou uma

56

determinada faixa etaacuteria (niacutevel de ensino) tampouco a aacuterea de

atuaccedilatildeo ou disciplina ou qualquer outro recorte A diversidade era

respeitada e desejada A uacutenica exigecircncia era ser uma atividade que

estivesse em andamento no momento da inscriccedilatildeo e que estivesse

de acordo com o voluntariado educativo ou seja que estivesse

desenvolvendo atividades de intervenccedilatildeo social com proposta

formativa

- Natildeo faz distinccedilatildeo entre escolas que estivessem comeccedilando uma

atividade ou jaacute tivesse iniciado haacute anos se a atividade menos ou

mais complexa em termos de nuacutemero de participantes e impactos

alcanccedilados

- Toda escola que se escrevia por adesatildeo espontacircnea respeitando

as regras descritas no manual que recebiam de participaccedilatildeo

recebiam o Selo Natildeo havia um nuacutemero preacute-determinado porque a

ideia natildeo era promover a ldquoescola vencedorardquo Para ser uma Escola

Solidaacuteria era preciso relatar uma atividade que estivesse em

andamento onde o aluno pudesse inferir contribuindo para

melhorar uma realidade com a qual natildeo concorda

3 Selo Escola Solidaacuteria

O Selo Escola Solidaacuteria foi um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Natildeo teve a intenccedilatildeo de ser uma pesquisa nem um processo avaliativo A

veracidade das informaccedilotildees apresentadas era de responsabilidade das

escolas No momento da inscriccedilatildeo a escola ficava ciente de que o relato de

atividade por ela inscrito seria divulgado publicamente Tal expectativa em si

propiciava um controle social As escolas participantes tambeacutem ficavam cientes

de que poderiam receber visitadas de algum representante do Instituto Faccedila

Parte ou do coordenador regional do Selo Escola Solidaacuteria30

30

Havia em cada estado dois coordenadores das accedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria um nomeado pelo Consed (para as escolas da rede estadual) e outro pela Undime (para as escolas da rede municipal) Eles eram convidados tanto para participarem de encontros

57

O Selo Escola Solidaacuteria teve cinco ediccedilotildees 2003 2005 2007 2009 e

2011 desenvolvidas em parceria com o MEC o Consed a Undime a

UNESCO (e a partir de 2009 com a OEI e o UNICEF) Ao todo 23690

escolas de educaccedilatildeo baacutesica de todo o Paiacutes receberam o Selo Para participar

a escola precisava ter o registro junto ao INEPMEC e preencher o formulaacuterio

de inscriccedilatildeo e a autoavaliaccedilatildeo disponibilizada pelo site do Faccedila Parte

gratuitamente A participaccedilatildeo era garantida por meio do preenchimento da ficha

de inscriccedilatildeo e de uma autoavaliaccedilatildeo como anteriormente mencionado Para

receber o Selo os criteacuterios analisados na inscriccedilatildeo estavam relacionados agrave

atividade relatada e desenvolvida pela escola Satildeo eles relevacircncia (a

importacircncia sentida pelos participantes ndash escola e comunidade atendida)

coerecircncia (accedilotildees coerentes com a proposta apresentada) impacto (resultados

sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados) e a atividade estar em desenvolvimento no

ano da inscriccedilatildeo

A autoavaliaccedilatildeo foi o instrumento utilizado para provocar a reflexatildeo da

escola garantir a sua participaccedilatildeo e obter um banco de praacuteticas Como se

tratava de um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo natildeo houve a intenccedilatildeo de

seguir uma seacuterie histoacuterica Ela foi instituiacuteda para propiciar uma reflexatildeo da

comunidade escolar sobre a sua proacutepria praacutetica curricular daiacute tambeacutem a

relevacircncia de se considerar o Selo Escola Solidaacuteria como ponto de partida para

selecionar as escolas para o universo desta pesquisa

A autoavaliaccedilatildeo era constituiacuteda de nove questotildees fechadas de muacuteltipla

escolha e uma questatildeo aberta ndash onde a escola relatava sua atividadeprojeto

de voluntariado educativo Tal formataccedilatildeo atendia a trecircs objetivos a) propiciar

um momento de reflexatildeo sobre a praacutetica escolar b) orientar a reflexatildeo com o

proacuteprio texto das questotildees e c) criar um banco de dados que permitisse a

busca pelas respostas agraves questotildees fechadas

A Figura 1 (ANEXO) mostra o nuacutemero total de escolas que receberam

em uma ou mais ediccedilotildees o Selo Escola Solidaacuteria Satildeo 23690 instituiccedilotildees e

promovidos pelo Faccedila Parte quanto organizavam os proacuteprios encontros regionais Tambeacutem faziam a articulaccedilatildeo com a miacutedia local para a divulgaccedilatildeo dos projetos das escolas e eventualmente organizavam oficinas palestras sobre o desenvolvimento de projetos solidaacuterios e visitavam as escolas

58

entre elas 8941 satildeo da rede puacuteblica estadual 10795 da rede puacuteblica

municipal 3908 da rede particular e 46 escolas federais

Selo Escola Solidaacuteria 2003

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo valorizar a escola por seu

comprometimento com uma educaccedilatildeo solidaacuteria conhececirc-las e saber o que

faziam A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios Um cartaz informativo e manual

de inscriccedilatildeo foi enviado para 98 mil escolas de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil (as

que segundo o registro no MEC tinham mais de 100 alunos)

Das 8766 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 3327 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 4054 agrave rede estadual 1369 agrave rede particular e 16 escolas

federais31

Selo Escola Solidaacuteria 2005

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer e mapear as escolas

comprometidas com uma educaccedilatildeo pautada nos ideais de solidariedade e

cidadania Reconhecer e mapear projetos de voluntariado educativo

Buscando melhorar a qualidade da participaccedilatildeo das escolas a escola

teve nessa ediccedilatildeo a oportunidade de receber um certificado para a escola e

outro para o projeto inscrito visando colher mais inscriccedilotildees sobre projetos mais

estruturados e que estivessem em andamento A divulgaccedilatildeo foi feita por

espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na Internet em jornais e revistas e pelos

correios repetindo a experiecircncia de 2003

Nessa ediccedilatildeo foram certificados 2112 projetos e 12873 escolas

sendo 5396 pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 5183 agrave rede estadual

2262 agrave rede particular e 32 escolas federais32

31

Vide Figura 2 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003)

32 Vide Figura 3 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2005)

59

Selo Escola Solidaacuteria 2007

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo estruturados fortalecer a escola enquanto

nuacutecleo de cidadania em sua proacutepria comunidade

O nuacutemero de escolas que receberam o Selo foi menor Poreacutem o

nuacutemero de projetos aumentou de 2112 para 7474 Nessa ediccedilatildeo o Faccedila

Parte comeccedilou a solicitar agraves escolas a autorizaccedilatildeo para divulgar o projeto

inscrito na aacuterea puacuteblica do site33

A divulgaccedilatildeo do foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios para todas as escolas com mais

de cem alunos

Das 7474 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 2776 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 3054 agrave rede estadual 1632 agrave rede particular e 12 escolas

federais34

Selo Escola Solidaacuteria 2009

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas cujos projetos

melhoraram a qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece melhorando o

desempenho cognitivo e social do aluno ao mesmo tempo em que busquem

melhorar a qualidade de vida da comunidade

A experiecircncia deveria estar de acordo com o Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico e a escola precisava relatar o quanto ela influenciava na

aprendizagem

A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios cedidos no raacutedio na TV

na Internet em jornais e revistas e pelos correios somente para escolas que jaacute

tinham participado de alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria um universo de

aproximadamente dezesseis mil escolas35

33

Disponibilizado pelo seu site wwwseloescolasolidariaorgbr

34 Vide Figura 4 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2007)

35 Aleacutem disso a partir da ediccedilatildeo de 2009 o Faccedila Parte passou a dividir o seu espaccedilo voluntaacuterio

de miacutedia com o Compromisso Todos Pela Educaccedilatildeo organizaccedilatildeo social parceira

60

Das 3863 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1528 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 1432 agrave rede estadual 900 agrave rede particular e trecircs escolas

federais36

Selo Escola Solidaacuteria 2011

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo visando melhorar a qualidade de vida da

comunidade e a qualidade de educaccedilatildeo oferecida Nessa ediccedilatildeo considerou-se

conhecer projetos solidaacuterios que pudessem colaborar para o desempenho das

escolas em relaccedilatildeo aos exames externos como o IDEB37

Essa foi a uacuteltima ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria A divulgaccedilatildeo foi feita

como em 2009 para um nuacutemero de dezesseis mil escolas e poucos espaccedilos

de miacutedia voluntaacuteria

Ainda assim 3039 escolas foram reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1252

pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 983 agrave rede estadual 799 agrave rede

particular e cinco escolas federais38

4 Instituto Faccedila Parte

O Instituto Faccedila Parte foi fundado para gerir as accedilotildees do Ano

Internacional do Voluntariado ndash AIV no paiacutes em 2001 Um grupo formado pela

sociedade civil entre eles empresaacuterios representantes do terceiro setor e

36

Vide Figura 5 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009)

37 Embora o IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica seja calculado

considerando os resultados nas provas nacionais de desempenho de Portuguecircs e Matemaacutetica Prova Brasil e Saeb e o fluxo procurou-se observar dois fatores 1) se as escolas percebiam uma melhora de rendimento dos alunos nessas disciplinas e na frequecircncia escolar a partir do envolvimento dos alunos em projetos solidaacuterios e 2) se o ambiente colaborativo contribui para o desenvolvimento do processo de aprendizagem ainda que o restritamente mensurado no IDEB

38 Vide Figura 6 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2011)

61

miacutedia elaborou um calendaacuterio temaacutetico para contribuir com a visibilidade das

iniciativas voluntaacuterias durante os doze meses do ano foi dado um destaque

especial na miacutedia a cada uma dessas aacutereas Cultura e Artes Terceira Idade

Esporte e Lazer Sauacutede Educaccedilatildeo Meio Ambiente Protagonismo Juvenil

Portadores de Deficiecircncia Defesa de Direitos Infacircncia Solidariedade e

Cidadania O objetivo era mostrar o escopo de possibilidades de atuaccedilatildeo do

voluntaacuterio e provocar o interesse da miacutedia em publicar todo o mecircs mateacuterias

sobre o voluntariado39

O sucesso do AIV motivou a continuidade do trabalho no Brasil Em

2002 a presidente fez um pronunciamento na ONU declarando a deacutecada do

voluntariado Para atingir esse objetivo o Comitecirc ajustou o foco para a

educaccedilatildeo e juventude

O Faccedila Parte surgiu impulsionado pelo movimento iniciado pelo

Programa Comunidade Solidaacuteria (encerrado em 2002) e continuado pelo

Programa Fome Zero A criacutetica ao voluntariado estimulado pela social

democracia estaacute relacionada basicamente agraves implicaccedilotildees de uma ideologia

forjada na ldquoparticipaccedilatildeo social voluntaacuteriardquo onde o que se questiona eacute o

voluntariado como uma ldquoalternativardquo ao desemprego ou subemprego como uma

resposta de confortante retorno ao mercado de trabalho a des-

responsabilizaccedilatildeo do Estado frente agrave sociedade desonerando-o dos

enfrentamentos das questotildees sociais a compreensatildeo de que a assistecircncia

social deixa de ser poliacutetica puacuteblica para ser trazida ao campo individual

privatista ldquoA loacutegica neoliberal tanto identifica os problemas sociais como

responsabilidade dos indiviacuteduos como sugere que eles sejam resolvidos no

acircmbito privadordquo (BONFIM 2010 p 55)

Esta loacutegica da qual tambeacutem discordo natildeo era desenvolvida nas

atividades do Faccedila Parte enquanto estive na coordenaccedilatildeo de conteuacutedo e

posteriormente de projetos O foco de atuaccedilatildeo era o voluntariado como

estrateacutegia educativa para a formaccedilatildeo do jovem propondo o desenvolvimento 39

Uma pesquisa realizada pelo DataFolha em 2001 revelou que 41 dos brasileiros se diziam muito dispostos a trabalhar como voluntaacuterio No entanto essa vontade natildeo se refletia em accedilatildeo efetiva segundo o IBOPE 10 da populaccedilatildeo brasileira estava envolvida com alguma instituiccedilatildeo ou trabalho voluntaacuterio E pela pesquisa o perfil dos voluntaacuterios satildeo as pessoas mais velhas (44 dos voluntaacuterios tecircm entre 40 anos ou mais) e da classe meacutedia (36 satildeo da Classe B) (MACKENZIE 2012)

62

de uma educaccedilatildeo que utilizasse o que se aprende na sala de aula e na vida

para se resolver problemas sociais reais (voluntariado educativo) A ideia era

desfazer a compreensatildeo equivocada de ldquoparticipaccedilatildeo socialrdquo sugerida pelo

ldquovoluntariado assistencialistardquo e sugerir uma discussatildeo a partir da escola para

a participaccedilatildeo solidaacuteria poliacutetica e criacutetica

A base conceitual foi desenvolvida por meio de reflexotildees e estudos

propostos por Frei Betto (idealizador do Fome Zero) e Antonio Carlos Gomes

da Costa (educador e redator do ECA) membros do Conselho Consultivo

Outros educadores como Mario Sergio Cortella e Celso Antunes tambeacutem

participaram diretamente do processo

O Faccedila Parte teve como principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria40

desenvolvido em parceria com o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) o Conselho

Nacional dos Secretaacuterios Estaduais de Educaccedilatildeo (Consed) a Uniatildeo Nacional

dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo (Undime) e a UNESCO O

desenvolvimento do Selo Escola Solidaacuteria permitiu resgatar a escola pela

qualidade de desenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica construiacuteda com a

escola com a comunidade

40

Outros projetos do Instituto a ldquoCampanha Escolas Solidaacuterias e os Objetivos do Milecircnio da ONUrdquo (2004 2005) o ldquoPrecircmio de Reportagem Jovem Protagonistardquo (2008) o Realinhamento conceitual e metodoloacutegico do ldquoAmigos da Escolardquo de 2005 a 2011 projeto que foi lanccedilado em 1999 com um conceito equivocado de participaccedilatildeo voluntaacuteria na escola e mesmo tendo sido submetido a um realinhamento estrateacutegico e conceitual a partir de 2005 continuou sofrendo inuacutemeras criacuteticas por natildeo conseguir se libertar totalmente de sua imagem criada no momento do lanccedilamento Ele passou de uma visatildeo assistencialista e de desvalorizaccedilatildeo do profissional da educaccedilatildeo (primeira fase) para um projeto de reforccedilo da escola como nuacutecleo de cidadania e gestatildeo democraacutetica onde a comunidade pode participar desde que essa participaccedilatildeo esteja de acordo ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola sem a substituiccedilatildeo de qualquer profissional da educaccedilatildeo e sem a desoneraccedilatildeo do Estado (segunda fase)

Aleacutem disso o Faccedila Parte eacute membro fundador da ldquoRede Iberoamericana de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuteriordquo (desde 2005) e tem inuacutemeras publicaccedilotildees disponiacuteveis em wwwfacaparteorgbrbiblioteca onde divulga basicamente o conceito de voluntariado educativo protagonismo juvenil uma sugestatildeo de metodologia de projetos e as experiecircncias de centenas de Escolas Solidaacuterias

63

5 A coleta de dados

Apoacutes as reuniotildees com a direccedilatildeo das escolas iniciamos a pesquisa

propriamente dita Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram

principalmente a) questionaacuterio b) entrevistas semi-estruturadas e c)

acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados pelas

escolas

a) Questionaacuterio

O questionaacuterio foi aplicado para que de maneira padronizada

pudeacutessemos conseguir respostas de uma determinada populaccedilatildeo que

permitissem reunir uma raacutepida quantidade de informaccedilotildees sobre o tema de

pesquisa A uniformizaccedilatildeo das perguntas e respostas facilita a compilaccedilatildeo dos

resultados bem como o fato de ele poder ser enviado e respondido sem a

presenccedila de um aplicador (LAVILLE DIONNE 1999 p 184) Ele foi formulado

com seis questotildees fechadas e duas abertas Oferecer questotildees fechadas com

respostas predeterminadas traz a vantagem de esclarecer aos sujeitos o que

se quer investigar aleacutem de permitir manusear os dados por meio de leituras

exatas e evitar que se tenha o iacutempeto de interpretar subjetivamente as

respostas recebidas (LAVILLE e DIONNE 1999)

O questionaacuterio foi aplicado visando uma primeira aproximaccedilatildeo das

escolas e saber quais poderiam ser as escolas possiacuteveis para o universo da

pesquisa pois queriacuteamos contar com a participaccedilatildeo de escolas que pudessem

contribuir para a compreensatildeo da solidariedade enquanto praacutetica curricular

educativa Como satildeo escolas do universo do Selo Escola Solidaacuteria

consideramos as principais caracteriacutesticas das atividades e projetos de

aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio ou voluntariado educativo como referecircncia

para a seleccedilatildeo

De acordo com Mariacutea Nieves Taacutepia (2001 p 26) as atividades ou

projetos devem estar integrados agrave proposta pedagoacutegica da escola envolver

toda a comunidade educativa (sendo que os alunos devem participar de todas

as etapas do projeto desde o diagnoacutestico ateacute a avaliaccedilatildeo) e devem partir de

64

uma demanda real da comunidade a qual possa ser atendida pelos

estudantes sendo uma atividade de relevacircncia social e pedagoacutegica

Neste sentido as questotildees foram elaboradas da seguinte forma41

Nas perguntas 1 e 2 pretendeu-se atualizar as informaccedilotildees sobre os

projetos desenvolvidos na escola por niacutevel de ensino e aacuterea de atuaccedilatildeo uma

vez que o Selo Escola Solidaacuteria soacute acontece em anos iacutempares

1 - Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos

solidaacuterios atualmente na escola

2 - A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas

atualmente Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas

Com as perguntas 3 e 4 procurou-se saber se a escola tinha

incorporado a praacutetica da solidariedade em seu Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico em

seu curriacuteculo uma vez que eacute interesse desta pesquisa se aproximar de escolas

que tenham de fato incorporado a praacutetica da solidariedade ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

3 - O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios constam

textualmente no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 - As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

As perguntas 5 e 6 foram formuladas porque esta pesquisa precisa

trabalhar com uma amostra de escolas que envolvam a comunidade educativa

no desenvolvimento de projetos solidaacuterios principalmente os alunos para que

seja possiacutevel investigar a solidariedade em um ambiente de gestatildeo

democraacutetica e participativa

5 - Quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

6 ndash Em quais dessas etapas os alunos sempre participam

41

O questionaacuterio completo perguntas e respostas pode ser consultado no Apecircndice

65

Houve um interesse de fazer uma sondagem inicial em relaccedilatildeo aos

resultados sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados para se buscar indiacutecios de como

a comunidade avalia a sua praacutetica se a solidariedade eacute considerada relevante

e sobre quais aspectos Esta eacute a justificativa para a formulaccedilatildeo das perguntas

dissertativas as uacuteltimas

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia

atribuiacutedo(s) ao desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social (ais) de maior relevacircncia

atribuiacutedo ao desenvolvimento do(s) projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola E para a comunidade

b) Entrevistas semi-estruturadas

A entrevista semi-estruturada foi adotada como instrumento nesta

pesquisa por permitir uma maior flexibilizaccedilatildeo na conduccedilatildeo pois no contato

direto pode-se conduzir a entrevista de forma a aproveitar as contribuiccedilotildees

espontacircneas esclarecer perguntas e respostas e corrigir o percurso da

entrevista durante o seu desenvolvimento possibilitando a participaccedilatildeo do

sujeito da pesquisa De uma maneira direta e personalizada a entrevista

permite ampliar o escopo da coleta de informaccedilotildees se comparada ao

questionaacuterio que foi empregado no momento de se fazer um primeiro

rastreamento de colher informaccedilotildees exploratoacuterias

A entrevista oferece maior amplitude do que o questionaacuterio quanto agrave sua organizaccedilatildeo esta natildeo estando mais irremediavelmente presa a um documento entregue a cada um dos interrogados os entrevistadores permitem-se muitas vezes explicar algumas questotildees no curso da entrevista reformulaacute-las para atender agraves necessidades do entrevistado Muitas vezes eles mudam a ordem das perguntas em funccedilatildeo das respostas obtidas a fim de assegurar mais coerecircncia em suas trocas com o interrogado Chegam ateacute a acrescentar perguntas para fazer precisar uma resposta ou para fazecirc-la aprofundar Por quecirc Como Vocecirc pode dar-me um exemplo E outras tantas subperguntas que traratildeo frequentemente uma

66

porccedilatildeo de informaccedilotildees significativas (LAVILLE DIONNE 1999 p 188)

A flexibilidade adquirida permite obter dos entrevistados informaccedilotildees

muitas vezes mais ricas do que se podia prever uma imagem mais proacutexima da

realidade das situaccedilotildees fenocircmenos ou acontecimentos

As perguntas norteadoras das entrevistas semi-estruturadas foram

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo

para a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

As entrevistas foram realizadas respectivamente em suas proacuteprias

escolas Na ocasiatildeo visitamos as instalaccedilotildees e tomamos contato com registros

referentes agraves atividades solidaacuterias como plano de accedilatildeo planejamento de aula

registros como fotos relatoacuterios bem como o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

Os agendamentos ocorreram durante os meses de junho de 2012 a

marccedilo de 2013 Natildeo houve a intenccedilatildeo de se estabelecer um padratildeo entre as

escolas (nem em relaccedilatildeo ao nuacutemero de entrevistas agendadas tempo de

duraccedilatildeo sujeitos da pesquisa) Procuramos desenvolver a pesquisa de forma a

nos adequar agraves possibilidades em cada uma das escolas respeitando o tempo

e o espaccedilo dos atores envolvidos Aleacutem dos momentos de visitaccedilatildeo das

instalaccedilotildees e de conversas informais foram realizadas junto agraves escolas

Escola1 duas reuniotildees e quatro entrevistas sendo uma reuniatildeo com a

diretora da escola uma reuniatildeo com o diretor pedagoacutegico 2 entrevistas

com o diretor pedagoacutegico uma entrevista com uma professora e uma

entrevista com uma ex-coordenadora

Escola2 quatro entrevistas sendo duas com a coordenadora

pedagoacutegica uma com uma professora e uma com uma pessoa da

comunidade atendida pelo projeto

67

Escola3 quatro entrevistas e uma reuniatildeo sendo duas entrevistas com

a coordenadora pedagoacutegica uma entrevista com um professor e uma

entrevista com uma aluna A escola intermediou a negociaccedilatildeo de uma

entrevista com o puacuteblico atendido pelo projeto poreacutem natildeo foi possiacutevel

fazecirc-la porque natildeo houve adesatildeo voluntaacuteria por parte da comunidade

Escola4 duas entrevistas sendo uma com a coordenadora pedagoacutegica

e uma entrevista com um professor

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente tendo

a autorizaccedilatildeo dos entrevistados para a publicaccedilatildeo total ou parcial do conteuacutedo

da mesma com eventuais adequaccedilotildees ao texto escrito Cada uma delas durou

em meacutedia de 90 a 120 minutos de acordo com o professor e com o tempo por

ele disponibilizado Elas aconteceram em locais escolhidos pelos proacuteprios

atores laboratoacuterio sala dos professores sala de aula sala da coordenaccedilatildeo (no

caso dos coordenadores) paacutetio

Durante as entrevistas eram valorizadas as participaccedilotildees

espontacircneas os sujeitos eram estimulados a participar ativamente do

processo o que conferiu caraacuteter de singularidade para cada escola

participante Em todas elas foi demonstrado interesse em se entrevistar atores

das comunidades atendidas pelos projetos dos alunos No entanto naquelas

escolas onde foi percebida certa resistecircncia tais intervenccedilotildees foram

descartadas

Durante o desenvolvimento da pesquisa o contato com os professores

continuou sendo mantido informalmente em intervalos eventuais por

telefonemas e via e-mail para que possiacuteveis duacutevidas ou questotildees surgidas de

ambas as partes pudessem ser esclarecidas

c) Acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados

pelas escolas

A observaccedilatildeo dos eventos anuais solidaacuterios promovidos pelas escolas

foi incorporada durante o desenvolvimento da pesquisa Das quatro escolas

que participaram da pesquisa trecircs delas tiveram interesse de apresentar o

evento de culminacircncia de atividades solidaacuterias onde participam principalmente

68

os alunos Sendo assim o acompanhamento dos eventos solidaacuterios foi

incorporado agrave pesquisa

O momento permitiu observar colher impressotildees e informaccedilotildees junto

aos participantes aleacutem de acompanhar tambeacutem no sentido intriacutenseco de

prestigiar e valorizar o empenho da comunidade escolar em relaccedilatildeo ao

desenvolvimento de atividades solidaacuterias Vale ressaltar que esse foi o

momento onde se pode chegar mais proacuteximo dos alunos Como satildeo propostas

adequadas agrave realidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico de cada escola natildeo

houve um roteiro preacute-determinado de observaccedilatildeo e as observaccedilotildees foram

registradas posteriormente

O evento observado na Escola1 foi a Gincana Solidaacuteria que eacute o de

maior relevacircncia para a comunidade escolar e acontece uma vez por ano

geralmente em um dos saacutebados da segunda quinzena de setembro

Estive na escola no dia anterior e no dia da Gincana Na veacutespera os

alunos do Ensino Meacutedio tinham sido dispensados das uacuteltimas trecircs aulas do

periacuteodo da manhatilde para finalizarem a preparaccedilatildeo das atividades A escola

estava com um clima diferente muitas cores sons ritmos tintas cantos

negociaccedilotildees sorrisos tensatildeo A autonomia dos alunos na organizaccedilatildeo e

coordenaccedilatildeo dos preparativos para a festa faz com que a responsabilidade e o

interesse em deixar tudo pronto aumente Podiam-se ouvir os ensaios e sentir

a contagiante empolgaccedilatildeo com os preparativos por todos os cantos

No dia da Gincana propriamente todos os alunos estavam

devidamente uniformizados representando seus times por cinco cores Cada

torcida tinha o seu mascote e o grupo era acompanhado pelo olhar atento dos

familiares e da comunidade presente Todos os alunos participavam com

interesse das atividades e muito embora o clima de interesse fosse mantido

pela disputa que a proacutepria natureza de uma gincana sugere o prazer em ver

apresentar e participar de algo elaborado coletivamente ao longo do ano

parecia fortalecer ainda mais o respeito e a colaboraccedilatildeo entre eles ldquoToda a

Gincana estaacute imbricado na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento

da cidadania de se criar formas de conversar de negociar Tudo eacute feito por

eles organizado por elesrdquo (CPE1)

69

O evento organizado ao longo de praticamente seis meses de

trabalho envolve uma seacuterie de etapas de aprendizagem tanto de conteuacutedos

disciplinares quanto de espaccedilos de convivecircncia A Gincana eacute curricular

trabalhada de maneira interdisciplinar e jaacute eacute referecircncia para a comunidade

escolar

Na Escola2 acompanhamos a Feira Cultural Trata-se de um evento

organizado para a comunidade escolar onde a escola aleacutem de reunir todos os

trabalhos produzidos pelos alunos ao longo do ano apresenta danccedilas muacutesicas

e fotografias O evento acontece geralmente em um dos saacutebados de outubro

Todo o material das exposiccedilotildees e de decoraccedilatildeo da escola eacute feito pelos alunos

durante as atividades do ano letivo tais como os livros da oficina de literatura

oficina de brinquedos de sucata estudo do bairro por maquetes projeto de

reciclagem tudo eacute organizado e recebe a visitaccedilatildeo da comunidade escolar

A escola eacute preparada um dia antes pelos professores funcionaacuterios e

direccedilatildeo No dia do evento pude assistir as apresentaccedilotildees das danccedilas na

quadra de esporte As letras das muacutesicas tratavam de questotildees sobre o

desenvolvimento sustentaacutevel e a importacircncia do cuidado com o planeta e o

respeito como condiccedilatildeo para se construir um mundo melhor para se viver

Conversas informais com a diretora professores pais e alunos demonstravam

que havia conhecimento sobre o que estava exposto sobre o objetivo das

atividades A avoacute de um aluno do terceiro ano ao me ver interessada em

conhecer as atividades da seacuterie afirmou ldquojaacute pensou uma escolas dessas Natildeo

temrdquo se referindo com ironia e contentamento agrave quantidade das atividades

pedagoacutegicas e ao zelo com que foram montadas para a apresentaccedilatildeo na feira

cultural

Para a montagem das salas temaacuteticas os professores de cada

anoseacuterie escolhem como iraacute organizaacute-la Cada um eacute responsaacutevel pela

exposiccedilatildeo do trabalho da sua sala mas logo apoacutes precisam ajudar a organizar

outras salas ou os espaccedilos comuns da escola como os corredores paacutetios

salotildees tudo eacute decorado O principal projeto de solidariedade da escola o

Reciclar se faz presente de muitas formas nas letras das muacutesicas na

confecccedilatildeo dos materiais de artes (inclusive na utilizaccedilatildeo dos materiais ndash

apenas reciclados) na seleccedilatildeo e apresentaccedilatildeo das poesias na exposiccedilatildeo dos

70

desenhos das maquetes na decoraccedilatildeo da escola A Feira terminou com a

apresentaccedilatildeo dos alunos que estudam no projeto em parceria com a Fundaccedilatildeo

Bachiana Filarmocircnica A accedilatildeo proporciona aos alunos aulas de flauta-doce

violino e viola claacutessica A escola oferece esse projeto em parceria para a

comunidade ou seja ele natildeo eacute destinado somente aos seus alunos Cada

estudante do curso pode utilizar o instrumento que eacute disponibilizado durante as

aulas e aleacutem disso eles recebem todo o material didaacutetico tambeacutem

A Manhatilde da Paz eacute uma manhatilde organizada pela Escola3 com o intuito

de tratar sobre temas ligados agrave Campanha da Fraternidade Em 2012 o tema

foi ldquoFraternidade e Sauacutede Puacuteblicardquo A proposta era fazer uma reflexatildeo com os

alunos do 7ordm ano sobre ldquoqual o meu papel Qual a minha parte O que posso

fazer a partir de hoje para ajudar a tornar o mundo melhorrdquo Recebemos o

convite para participar na ocasiatildeo da reuniatildeo de apresentaccedilatildeo da proposta da

pesquisa para a coordenaccedilatildeo Os temas tratados no evento foram nutriccedilatildeo

reciclagem muacutesica postura corporal e ldquoo que posso fazer para tornar o mundo

melhorrdquo ministrado por noacutes Nessa proposta de intervenccedilatildeo participaram

cinco turmas cada uma delas formada por aproximadamente trinta alunos do

seacutetimo ano

A experiecircncia propiciou um contato direto com os alunos procurando

provocar a reflexatildeo sobre o que cada um tem a ver com a situaccedilatildeo histoacuterica

que vivemos quais satildeo os maiores problemas da humanidade nos dias atuais

e o que podemos fazer para buscar soluccedilotildees a partir do lugar de onde

estamos no seacutetimo ano na escola com a comunidade que vivemos As aulas

especiais foram acompanhadas pela presenccedila de um professor da escola Na

ocasiatildeo exibimos o depoimento da canadense Severn Suzuki de 12 anos na

primeira conferecircncia mundial de meio ambiente a ECO 92 O feito ficou

conhecido como ldquoA menina que calou o mundordquo (SUZUKI 1992) visando

instigaacute-los a pensar sobre o que eacute possiacutevel fazer aos 12 anos de idade Aleacutem

das discussotildees sobre o que pode ser feito para participar socialmente os

alunos foram questionados sobre o que eacute cidadania como aprender a ser

solidaacuterio a ser participativo socialmente No iniacutecio reportavam agrave famiacutelia a

formaccedilatildeo em valores mas logo percebiam que tambeacutem era funccedilatildeo da escola e

71

sugeriam condutas e propostas de atividades para que tais conceitos fossem

trabalhados

Cada escola organiza a praacutetica curricular de acordo com o seu Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico que representa a organizaccedilatildeo quanto agrave concepccedilatildeo de

educaccedilatildeo e de solidariedade Para que seja possiacutevel analisar as praacuteticas

observadas nas escolas faz-se necessaacuterio adentrar no referencial teoacuterico

apresentado a seguir O Capiacutetulo II se propotildee a delimitar o conceito de

solidariedade e o Capiacutetulo III trata da questatildeo da solidariedade a partir do

curriacuteculo

72

CAPIacuteTULO II

73

O CONCEITO SOLIDARIEDADE

Segundo o Dicionaacuterio de Etimologia solidariedade eacute uma palavra de

origem latina seu radical solid ndash derivado de soacutelidus ndash significa solidificar

confirmar soldar do latim solidaresolidariedade (CUNHA 2007) Soacutelidus por

sua vez significa aquilo que tem consistecircncia que natildeo se deixa romper

facilmente que eacute capaz de resistir ao uso ao tempo a qualquer forccedila externa

(CASTELEIRO 2001) trazendo a ideia de solidariedade agrave de formaccedilatildeo de uma

situaccedilatildeo concisa onde as partes se sustentam em coesatildeo numa relaccedilatildeo de

unidade interdependecircncia

A terminologia teacutecnica do Direito Romano obligatio in solidum

(obrigaccedilatildeo global lealdade) converteu-se no francecircs em solidariteacute

conservando poreacutem seu significado juriacutedico Solidum e solidariedade vecircm da

raiz solid que significa soacutelido da onde se deveria o significado etimoloacutegico de

ldquounir prenderrdquo tornar coeso (CUNHA 2007) O sentido completa o conceito

romano-legal insolidum que significa o dever para com o todo a

responsabilidade geral a obrigaccedilatildeo solidaacuteria A solidariedade eacute compreendida

como a responsabilidade muacutetua entre os membros de uma comunidade classe

ou empresa (CASTELEIRO 2001)

No Dicionaacuterio de Filosofia de Nicola Abbagnano o termo significa a

relaccedilatildeo de interdependecircncia de assistecircncia reciacuteproca entre os mesmos

membros de uma famiacutelia ou grupo social (ABBAGNANO 2007) No campo do

direito segundo o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional a conotaccedilatildeo de solidariedade

valida um acordo entre vaacuterias partes num compromisso pelo qual natildeo se

admite o benefiacutecio de ordem isto eacute a escolha de quem em comum iraacute cumprir

a obrigaccedilatildeo (art 124 Paraacutegrafo Uacutenico) O art 264 do Novo Coacutedigo Civil de

janeiro de 2003 diz que haacute uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria ldquoquando na mesma

obrigaccedilatildeo concorre mais de um credor ou mais de um devedor cada um com

direito ou obrigado agrave diacutevida todardquo Uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute portanto aquela

onde um ou mais credores (solidariedade ativa) exigem de um ou mais

devedores (solidariedade passiva) o seu cumprimento Cada credor eacute credor do

74

todo assim como cada devedor eacute devedor do todo natildeo apenas de parte ou

fraccedilatildeo ideal

No Dicionaacuterio Leacutexico e Enciclopeacutedico Ilustrado da Liacutengua Portuguesa

(1970) solidariedade eacute compreendida como a uniatildeo muacutetua entre pessoas que

estatildeo ligadas em torno de uma mesma causa projeto objetivo Neste sentido

em si ela natildeo eacute necessariamente valorada para o bem podendo acontecer

entre pessoas que decidem se unir em um projeto iliacutecito por exemplo ou ateacute

mesmo por interesses comuns sem juiacutezo de valor como os integrantes de

uma torcida de futebol um grupo reunido para uma festividade ou a maacutefia No

entanto seu emprego pode vir carregado de conotaccedilatildeo valorativa No Grande

Dicionaacuterio Etimoloacutegico-Prosoacutedico da Liacutengua Portuguesa o conceito estaacute ligado

ao de ldquosolidaacuteriordquo que significa ldquoaquele que compartilha a responsabilidade de

outrem que lhe demonstra sentimentos de fraternidade de comuns

sentimentos em determinada conjuntura socialrdquo (BUENO 1967)

Para Aliacutepio Casali42 o conceito evolui a partir de soacutelidus com soacutelus

onde solu significa um soacute portanto solidus seria compreendido como algo

com-pacto Se solidatildeo eacute um exemplo desse um soacute que eacute pensado como uacutenico

solidatildeo apresenta-se como um sem-outro No contraacuterio solidaacuterio eacute o outro que

se une (pacto com-pacto) ao um e constitui com ele uma nova unidade

compacta A solidariedade neste sentido eacute a accedilatildeo de compactar-se com o

outro formando com ele um novo-ser-unitaacuterio

No Budismo fala-se de compaixatildeo ao inveacutes de solidariedade mas a

compreensatildeo do conceito eacute similar Para o Budismo a compaixatildeo eacute um

sentimento incondicional sem o apego que traz sofrimento e dor Eacute um cuidar e

amar todos os seres vivos igualmente como se natildeo houvesse distinccedilatildeo entre

eu e o outro A vida em comunidade tambeacutem eacute valorizada pois para os

budistas eacute fundamental pertencer a uma sangha As comunidades vivem em

comunidades uns cuidando dos outros e assim aprendem a partilhar e ajudar-

se mutuamente razatildeo de ser do estilo de vida budista (GANERI 1999)

42

Notas de aula setembro de 2012

75

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo

A preocupaccedilatildeo com a vida em sociedade pensada a partir do bem

comum tem seu registro desde a mitologia grega onde a capacidade humana

de viver em cidades sem que haja uma disputa direta entre os seus membros

o que aniquilaria a espeacutecie eacute o tema do mito acerca da criaccedilatildeo do homem

Nele Epimetheus fica responsaacutevel por ldquoequiparrdquo todas as criaturas criadas por

Zeus com um nuacutemero limitado de habilidades disponiacuteveis Soacute que em sua

tarefa ele se esquece do homem esgotando as habilidades disponibilizadas

por Zeus com os outros animais Os homens consequentemente tornam-se

presas faacuteceis e Prometheus ciente do erro rouba o fogo de Hephaestus e a

arte de Athena e os concede aos homens Com a habilidade da arte os

homens tornam-se capazes de falar e de dar nomes aos objetos e com o fogo

satildeo capazes de se proteger e se alimentar Tais habilidades poreacutem natildeo satildeo

suficientes para salvaacute-los Conscientes de sua fragilidade os homens

passaram a viver em cidades mas por natildeo terem habilidade poliacutetica comeccedilam

a se ferir mutuamente o que comeccedilou a afastar um dos outros Zeus entatildeo

temendo a total destruiccedilatildeo da raccedila humana envia Hermes para ensinar aos

homens as qualidades do respeito muacutetuo e do senso de justiccedila de forma a

trazer a ordem agraves cidades e criar um viacutenculo de amizade e uniatildeo (SILVA C

2012)

Nessa passagem o conteuacutedo traz uma reflexatildeo acerca de um possiacutevel

conceito de solidariedade compreendida entre a noccedilatildeo de que um precisa do

outro para viver que a vida em sociedade o fortalece mas que no entanto eacute

preciso haver respeito muacutetuo senso de justiccedila e uniatildeo Tais reflexotildees eram

propostas ainda que a democracia ateniense fosse uma forma atenuada de

oligarquia (era restritiva aos escravos mulheres e estrangeiros) onde somente

os cidadatildeos varotildees tinham o direito de participar da assembleia e serem

assegurados pelas leis

De um salto ateacute os seacuteculos XIX e XX o conceito de solidariedade

aparece relacionado agraves accedilotildees do indiviacuteduo que satildeo influenciadas pelo contexto

e tecircm consequecircncias no grupo ao qual pertence emanando de interesses e

convicccedilotildees semelhantes Tem-se a ocorrecircncia da compreensatildeo de

76

solidariedade obrigatoacuteria (solidariteacute de fait) exercida em determinados grupos

que acontece pela noccedilatildeo de pertencimento entre seus membros como a que

se daacute em famiacutelia No entanto essa forma de solidariedade natildeo auxilia a

resolver problemas eacuteticos como os de ordem econocircmica por exemplo

Eacutemile Durkheim (1858-1917) considerado um dos pais da sociologia

moderna afirmou que o ser humano eacute constituiacutedo de duas consciecircncias a dos

estados pessoais e a que compreende o que eacute comum para toda a sociedade

uma forma a outra em um movimento permanente No entanto quando o

homem age impulsionado pela consciecircncia coletiva e natildeo por vontades

particulares em si estaacute sendo solidaacuterio ldquoOra embora distintas essas duas

consciecircncias satildeo ligadas uma agrave outra pois em suma elas constituem uma soacute

coisa tendo para as duas um soacute e mesmo substrato orgacircnico Logo elas satildeo

solidaacuterias Daiacute resulta uma solidariedade sui generis que nascida das

semelhanccedilas vincula diretamente o indiviacuteduo agrave sociedaderdquo (DURKHEIM 1977

p 79)

Para exprimir um tipo de ordenaccedilatildeo que favorecesse o

desenvolvimento de um determinado grupo ligado por um interesse comum

quer seja ele os indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia de uma mesma seita de

grupos formados pelo princiacutepio da hereditariedade como as castas na Iacutendia ou

as colocircnias judias Durkheim usou o conceito de solidariedade orgacircnica Nela

a funccedilatildeo de cada indiviacuteduo eacute determinada em seu nascimento e o

descumprimento das regras de solidariedade eacute passiacutevel de puniccedilatildeo Como as

sociedades mais complexas seguem se organizando natildeo mais pela

constituiccedilatildeo espontacircnea ou hereditaacuteria mas por uma intencionalidade que

adveacutem da divisatildeo social do trabalho credita-se agrave consciecircncia coletiva e agrave

divisatildeo do trabalho uma relaccedilatildeo de interdependecircncia criada entre as diferentes

profissotildees para que haja um bom funcionamento da comunidade como um

todo

A constituiccedilatildeo social pela divisatildeo do trabalho soacute eacute possiacutevel porque o

homem eacute um ser social e eacute a sociedade que forma a sua individualidade como

afirma Durkheim A vida coletiva natildeo nasceu da vida individual mas pelo

contraacuterio foi a segunda que nasceu da primeira Esta condiccedilatildeo explica como a

individualidade pessoal das unidades sociais pode formar-se e crescer sem

77

desagregar a sociedade (1977 p 62) Neste caso tem-se a percepccedilatildeo de que

a sociedade natildeo eacute formada pela justaposiccedilatildeo de individualidades que passam

a trabalhar em cooperaccedilatildeo mas sim por uma compreensatildeo de que o homem

enquanto ser social vecirc-se realizado pela ideia de desenvolver sua identidade

coletiva

Portanto para que de fato a divisatildeo social do trabalho melhore o

desempenho da sociedade como um todo o foco natildeo deve estar na

produtividade-lucrativa dos economistas mas sim em novas e melhores

condiccedilotildees de existecircncia para a humanidade que nos satildeo criadas pela

ordenaccedilatildeo do trabalho (Ibidem p 57) O contraponto agrave solidariedade mecacircnica

eacute a solidariedade orgacircnica que traz consigo a analogia referente ao

funcionamento de um organismo vivo onde cada oacutergatildeo desenvolve a sua

funccedilatildeo Na solidariedade orgacircnica segundo o Diccionario de Antropologia

(1980) a ldquovinculaccedilatildeo entre grupos humanos resulta de um sentimento

compartilhado de identidade de interesses de dependecircncia e

complementaridade na presenccedila de uma avanccedilada divisatildeo de trabalho

No entanto Durkheim compreendeu que natildeo era possiacutevel afirmar qual

tipo de solidariedade eacute predominante em uma dada sociedade sem paracircmetros

ou referenciais de observaccedilatildeo Sendo assim ele procurou definir dois tipos de

solidariedade a partir de duas normas de direito (DURKHEIM 1977)

Direito Repressivo ndash por meio da sanccedilatildeo agravequele que natildeo cumprir

determinada norma social por meio da exposiccedilatildeo agrave dor humilhaccedilatildeo ou

privaccedilatildeo de liberdade

Direito Restitutivo ndash a preocupaccedilatildeo principal nesse caso eacute fazer com

que as situaccedilotildees perturbadas sejam restabelecidas e retornem a seu

estado original Ao infrator cabe simplesmente reparar o dano causado

uma vez que o dano causado natildeo afeta a sociedade como um todo

Sendo assim quanto maior eacute a participaccedilatildeo do direito restitutivo em uma

sociedade menor eacute a forccedila e a abrangecircncia da consciecircncia coletiva e

maior eacute a diferenciaccedilatildeo individual

Significa dizer que pelo tipo de direito que predomina em uma

sociedade seria possiacutevel identificar o tipo de solidariedade existente Se

predomina o direito repressivo uma maior quantidade de normas eacute mantida

78

pela consciecircncia coletiva (solidariedade mecacircnica) Se predomina o direito

restitutivo uma menor quantidade de normas diz respeito agrave sociedade como

um todo (solidariedade orgacircnica)

Durkheim tambeacutem reconheceu que o advento da industrializaccedilatildeo e o

desenvolvimento do capitalismo a divisatildeo acirrada do trabalho a mais-valia a

exploraccedilatildeo da matildeo de obra a especializaccedilatildeo cientiacutefica satildeo efeitos que

contribuem para uma sociedade cada vez menos solidaacuteria menos coesa A

rigor quando as pessoas estatildeo ligadas em torno de uma atividade ou

sociedade sem que reconheccedilam um objetivo comum ou seja apenas ldquoorbitam

em torno das grandes vontadesrdquo pode-se dizer que essa integraccedilatildeo resulta de

uma solidariedade negativa aquela que natildeo leva a fins comuns tampouco

consenso apenas vontade (DURKHEIM 1977 p 91-92) Quando os

indiviacuteduos reconhecem que a solidariedade pode gerar desigualdades eacute

preciso acionar outra maneira de se pensaacute-la buscando corrigir falhas no

desenvolvimento social A solidariedade passa a ser valorada pela conduta

eacutetica visando a efetivaccedilatildeo da liberdade e da humanidade

Westphal constatou que no decorrer das mudanccedilas sociais a

solidariedade chamada de obrigatoacuteria praticada em determinados grupos de

caracteriacutesticas semelhantes natildeo contribui para a transformaccedilatildeo do status quo e

retoma o forte papel do estado na compreensatildeo do ldquopacto de solidariedaderdquo

pela coordenaccedilatildeo do bem estar comum

O pacto de solidariedade de Bourgeois organizou uma doutrina contratual especiacutefica que constroacutei direito social e doutrina moral ao mesmo tempo (ZOLL 2000) Nesta visatildeo a sociedade nunca seraacute suficientemente social cada indiviacuteduo estaacute sujeito a relaccedilatildeo com o outro e estaacute comprometido com a efetivaccedilatildeo do bemndashestar de si mesmo bem como com o bemndashestar do outro (EWALD apud ZOLL 2000) Consequumlentemente o Estado tem para Bourgeois um papel de coordenaccedilatildeo Sua ideacuteia de contrato estaacute baseada na justiccedila social Tratandashse de uma necessidade social que eacute ao mesmo tempo um processo reflexivo de permanente negociaccedilatildeo Assim por intermeacutedio da poliacutetica social garantendashse coesatildeo social (WESTPHAL 2008 p45)

79

Na concepccedilatildeo preacute-moderna de solidariedade o termo fraterniteacute foi-lhe

associado sendo que este se tornou lema na Revoluccedilatildeo Francesa para a

construccedilatildeo de uma sociedade de cidadatildeos igualitaacuterios Em consequecircncia a

concepccedilatildeo de luta da fraterniteacute passou a ter um significado poliacutetico e com o

iniacutecio da revoluccedilatildeo dos trabalhadores de 1848 adotou o conceito de solidariteacute

(BRUKHORST apud WESTPHAL 2008)

O sentido de fraternidade ligado ao conceito de solidariedade foi

explorado tambeacutem pela Igreja Catoacutelica agregando-lhe a ideia de justiccedila de

caridade universal Em meados do seacuteculo XX surgiu o movimento social

catoacutelico apresentado por um vieacutes acentuadamente moral que marcou a

compreensatildeo de solidariedade na sociedade ocidental e influenciou a adoccedilatildeo

do princiacutepio de solidariedade pelo Estado e em niacutevel da poliacutetica social O

solidarismo doutrina que defende a praacutetica da solidariedade (CASTELEIRO

2001) foi fundado por Heinrich Pesch (1854-1926) na Alemanha e diferencia-

se da solidariedade como fato e obrigaccedilatildeo sendo considerada um princiacutepio

eacutetico baseado na

necessidade de complementaridade da pessoa diferenciando trecircs subcategorias princiacutepio de direito princiacutepio de formaccedilatildeo comunitaacuteria e princiacutepio de caridade onde os dois primeiros contribuem sobremaneira para a determinaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre liberdade individual e justiccedila social (TRAGL apud WESTPHAL 2008 p 46)

Depois de descartar o individualismo e o coletivismo tendo como

paracircmetro a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) Pesch propotildee como soluccedilatildeo aos

problemas de ordem soacutecio-poliacutetico-econocircmica o solidarismo onde o progresso

tanto pessoal quanto social derivaria de todo o conjunto coordenado de

esforccedilo sacrifiacutecio e empenho capaz de fazer surgir uma sociedade solidaacuteria no

sentido da intercolaboraccedilatildeo e responsabilidade com vistas agrave realizaccedilatildeo do bem

comum (NOTHELLE-WILDFEUER 2008) Os princiacutepios do solidarismo que

seguem por diversas enciacuteclicas papais desde a Rerum Novarum (em 1891) de

Leatildeo XIII (1878-1903) ateacute a Centesimus Annus (em 1987) de Joatildeo Paulo II

(1978-2005) podem ser resumidos em cinco pontos fundamentais 1) na

dignidade humana compreendido pela irmandade cristatilde onde todos satildeo filhos

80

de um mesmo Deus sendo portanto iguais natildeo por determinaccedilatildeo humana

mas por provirem de uma uacutenica fonte de extrema bondade natildeo havendo

restriccedilatildeo de raccedila cor classe social sexo etc 2) na primazia do bem comum

sobre os interesses privados e na forccedila do Estado 3) na compreensatildeo de que

o bem privado eacute como um bem poreacutem de responsabilidade social mais do que

um privileacutegio individual 4) na percepccedilatildeo da primazia do trabalho que admite o

mercado como forma de distribuiccedilatildeo de renda 5) nas instacircncias superiores que

devem promover as inferiores quer seja em niacutevel estatal privado de

organizaccedilotildees sociais uns cuidando dos outros (AMIN 1997)

O Ponto 38 da Enciacuteclica sobre a solidariedade de Joatildeo Paulo II (de

1987) define a solidariedade natildeo como um sentimento superficial perante os

males de tantas pessoas quer estejam longe ou perto Ao contraacuterio eacute a

determinaccedilatildeo firme e perseverante de pensar pelo bem comum eacute decidir pelo

bem de todos e cada um para que todos sejamos verdadeiramente

responsaacuteveis por todos (Ibidem) A solidariedade eacute portanto a orientaccedilatildeo de

cada sujeito em direccedilatildeo ao bem comum

Apesar de ter sido concebido como uma boa alternativa para a

construccedilatildeo de uma sociedade mais justa e coesa o solidarismo sofreu vaacuterias

criacuteticas e resistecircncias principalmente pelos movimentos sindicalistas como

afirma a Liga Internacional dos Trabalhadores

esta eacute mais uma estrateacutegia da burguesia para de um lado eliminar as organizaccedilotildees independentes da classe e por outro lado conseguir que as Associaccedilotildees ldquoSolidaristasrdquo substituiacuteam os sindicatos como organizaccedilatildeo da classe trabalhadora [] o ldquoSolidarismordquo eacute inimigo antagocircnico do Movimento Sindical

porque serve para desmantelar os sindicatos impedindo que os trabalhadores se organizem independentemente (MEacuteNDEZ 2010)

A solidariedade empregada como efeito de poder faz parte de um

mundo ambivalente contraditoacuterio que natildeo eacute soacute altruiacutesmo ou soacute dominaccedilatildeo

Ter essa consciecircncia permite que texto e contexto sejam conhecidos e que

esse conhecimento pondere-se pela eacutetica (DEMO 2002)

81

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade

Pode-se compreender a ideia de solidariedade entre os pensadores

gregos enquanto uma virtude puacuteblica aquela que conduz agrave busca do bem

comum Aristoacuteteles (384 aC-322 aC) introduziu o pensamento da eacutetica e das

virtudes considerando a poliacutetica como a ciecircncia capaz de determinar qual eacute o

bem supremo ao qual se dedicam inconscientemente as accedilotildees Esse bem eacute

pensado portanto tanto para o indiviacuteduo quanto para o Estado sendo que o

segundo abrange a coletividade

Essa reflexatildeo nos remete agrave discussatildeo trazida por Carvalho na qual

pontua o esvaziamento do sentido da formaccedilatildeo para a vida puacuteblica na

educaccedilatildeo onde as virtudes puacuteblicas como a solidariedade passam a ter um

lugar secundaacuterio na medida em que a esfera privada ligada aos interesses

particulares como ter um bom emprego para sustentar a casa e a famiacutelia satildeo

valoradas Eacute evidente que todos noacutes queremos e desejamos viver bem No

entanto formar pessoas capazes de desenvolver-se para atender apenas seus

interesses pessoais natildeo contribui para a formaccedilatildeo humana jaacute que o objetivo

de desenvolver um conjunto de atividades para ser consumido durante o

proacuteprio ciclo vital (esfera privada) natildeo corrobora com a constituiccedilatildeo de um

mundo comum (espera puacuteblica) natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo no sentido de que

todos tenham melhor qualidade de vida ou seja natildeo contribui desta maneira

para a criaccedilatildeo de um universo compartilhado (CARVALHO 2013 p 77-78)

O mundo puacuteblico eacute tambeacutem onde os homens liberados da necessidade da luta pela vida (labor) podem se encontrar para juntos criar e gerir por seus atos e palavras o bios politikoacutes ou seja a dimensatildeo puacuteblica e poliacutetica de sua existecircncia a accedilatildeo (praacutexis) Trata-se de uma terceira dimensatildeo

da existecircncia humana voltada natildeo para a manutenccedilatildeo da vida ou para a produccedilatildeo de objetos mas para a constituiccedilatildeo das relaccedilotildees humanas (Ibidem p 79)

Assim Carvalho vai dizer que na ordem da sociedade contemporacircnea

a constituiccedilatildeo social organizada pela produccedilatildeo e consumo tende a preparar

82

os homens para a sua proacutepria sobrevivecircncia nada mais Esta postura de

ldquotrabalhar para ganhar a vidardquo (CARVALHO 2013 p 81) alimenta o

individualismo o consumismo onde efeitos como a competitividade e a

desigualdade satildeo considerados ldquonaturaisrdquo Natildeo se trata de pensar em trabalhar

para o mundo comum com funccedilatildeo social e durabilidade ganhar a proacutepria vida

e o bem estar familiar satildeo os valores e objetivos almejados Alguma das

consequecircncias eacute que nesta ordem social

O ideal regulador do Estado natildeo eacute a noccedilatildeo de busca do bem comum como em Aristoacuteteles mas a administraccedilatildeo competente

dos interesses particulares ou privados em conflito ndash o que significa a submissatildeo da accedilatildeo poliacutetica ao labor (Ibidem p 82)

Na concepccedilatildeo aristoteacutelica o homem se realiza na poacutelis pois sua

condiccedilatildeo humana eacute compreendida por sua capacidade de ser social e procura

agir em busca da virtude sendo que seraacute verdadeiramente virtuoso aquele que

sempre as pratica Essa concepccedilatildeo de que o homem eacute um ser social trazida

por Aristoacuteteles foi colocada em questatildeo no seacuteculo XVIII mais precisamente

entre filoacutesofos ingleses como Thomas Hobbes (1588-1679) que acreditava

que o homem natildeo tem disposiccedilatildeo para viver em sociedade e ateacute hoje corrobora

com a sociedade organizada pela ordem da vida privada Hobbes (1983 2002)

acreditava em um egoiacutesmo natural do homem o que faria com que prevaleccedila a

competiccedilatildeo a injusticcedila a exploraccedilatildeo

Desde que os homens satildeo pela paixatildeo natural de diversas maneiras ofensivos uns aos outros e todo homem pensa bem acerca de si e odeia constatar o mesmo nos demais eles devem provocar uns aos outros por meio das palavras e outros sinais de desprezo e oacutedio que satildeo incidentes a toda comparaccedilatildeo ateacute finalmente mostrarem a preeminecircncia pela potecircncia e forccedila do corpo

[] Pois todo homem pela necessidade natural deseja o seu proacuteprio bem ao qual aquele estado eacute contraacuterio no qual suponhamos haver disputa entre os homens que por natureza satildeo iguais e aptos a se destruiacuterem uns aos outros (HOBBES 2002 p 96)

83

Na filosofia de Hobbes os indiviacuteduos convivem em sociedade quando

a preservaccedilatildeo da vida estaacute ameaccedilada Em seu estado natural o homem busca

satisfazer o proacuteprio prazer e natildeo estaacute interessado no altruiacutesmo A proacutepria

concepccedilatildeo de uniatildeo estaacute ligada agrave ideia de submissatildeo de vontades de forccedila

dominaccedilatildeo controle

Essa submissatildeo das vontades de todos agrave de um homem ou conselho se produz quando cada um deles se obriga por contrato ante cada um dos demais a natildeo resistir agrave vontade do indiviacuteduo a quem se submeteu isto eacute a natildeo lhe recusar o uso de sua riqueza e forccedila contra quaisquer outros e isso se chama uniatildeo (HOBBES 1998 p 96)

A uniatildeo de Hobbes existe para que seja possiacutevel viver em sociedade

No entanto ela eacute sustentada pela concepccedilatildeo de que deve haver um pacto

social onde todos se submetem a um soberano encarregado de estabelecer a

paz

A ideia eacute comumente confrontada com o contrato social de Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778) Ele parte do mesmo princiacutepio de que o

homem eacute individualista por natureza e que para ser feliz basta-se em si

mesmo A fraqueza do homem o leva a ser sociaacutevel ele se une numa relaccedilatildeo

de dependecircncia Rousseau compreende a essecircncia do homem marcada pela

ausecircncia de moralidade e liberdade natural Considera a formaccedilatildeo como sendo

individual e livre reconhecendo que os outros humanos tambeacutem devam ter a

mesma liberdade

O homem natural designa natildeo o homem primitivo no sentido

cronoloacutegico histoacuterico das civilizaccedilotildees antigas como sugeria Voltaire seu

contemporacircneo iluminista ao qual se opunha Em seu pensamento haacute um

esforccedilo de defender a liberdade individual ainda que natildeo conduzindo ao

individualismo No ldquoestado da naturezardquo o homem natildeo eacute influenciado pela

sociedade Ele natildeo reconhece o outro natildeo pode ser valorado como bom ou

mal natildeo tem virtudes nem viacutecio Rousseau traz o egoiacutesmo instintivo como o

que impulsiona o homem a buscar o seu proacuteprio bem fala do amor-de-si mas

faz a ressalva para natildeo ser confundido com o amor proacuteprio

84

Em sua obra refere-se ao conceito de piedade e a reporta a um

sentimento baseado no amor de si que corrobora para a conservaccedilatildeo da

espeacutecie pois sugere socorrer aqueles que necessitam de ajuda desde que o

indiviacuteduo natildeo se prejudique com isso Neste sentido natildeo se trata de um amor

incondicional ao outro mas parte da preservaccedilatildeo primeira de si mesmo

ldquoAlcanccedila teu bem com o menor mal possiacutevel para outremrdquo (ROUSSEAU 2004

p 79)

Somente a partir do contrato social o homem de Rousseau ganha a

dimensatildeo de moralidade onde a sociabilidade seraacute consequecircncia de um

ldquocontrato socialrdquo um acordo firmado entre seus membros Na origem de uma

sociedade injusta os ricos entatildeo teriam assinado o acordo de terem suas

posses conservadas e garantidas pelo Estado oprimindo os pobres e tolhendo

a sua liberdade

Se para Hobbes a paz eacute garantida a partir da obediecircncia a um

soberano para Rousseau o contrato eacute um pacto que garante a integridade da

liberdade de cada um a ordem social eacute a soberania do povo e natildeo de seus

governantes garantindo-lhes o direito de participaccedilatildeo de definir a vontade

geral

Encontrar uma forma de associaccedilatildeo que defenda e proteja com toda a forccedila comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um ao unir-se a todos obedeccedila somente a si mesmo e continue tatildeo livre quanto antes Esse eacute o problema fundamental para o qual o contrato social oferece a soluccedilatildeo (Idem 2010 p 33)

Haacute nessa associaccedilatildeo uma base contratual de interesses particulares

Outro aspecto que afasta o conceito de solidariedade da obra de Rousseau eacute o

fato de que sua concepccedilatildeo pedagoacutegica estaacute construiacuteda a partir da figura de um

educando agrave parte de uma vida familiar comunitaacuteria cultural Para Rousseau o

projeto pedagoacutegico parte da crianccedila para propiciar que ela por si mesma

explore seus limites e atitudes43 contrapondo-se ao conceito de educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria que parte do professor dos espaccedilos que ele cria 43

Defende em sua obra de referecircncia Emiacutelio ou Da Educaccedilatildeo (2004) escrita por Rousseau em 1762

85

criteriosamente planejados para que o aluno aprenda a pensar com o outro

dialogicamente resolvendo problemas sociais reais utilizando os saberes

culturalmente acumulados e aprendidos para transformar uma ordem social

com a qual natildeo concorda

Rousseau (2004) apresenta sua concepccedilatildeo de pedagogia para a

infacircncia e nela o desenvolvimento cognitivo e moral eacute uma das formas

essenciais para preservar e respeitar a crianccedila em seu mundo deixando-a

explorar seus limites e atitudes como contraponto de relaccedilatildeo ao seu proacuteprio

contexto Ainda que isso natildeo signifique desconsiderar a realidade exterior

mas sim permitir-se agrave crianccedila usaacute-la conforme seus desejos e suas vontades

sempre desenvolvendo com isso os limites necessaacuterios para o bom

entendimento e a integraccedilatildeo ao mundo social Faz ainda a ressalva de que a

educaccedilatildeo natildeo eacute apenas instruccedilatildeo e letramento mas sim uma preparaccedilatildeo

para as virtudes ciacutevicas pois por meio da formaccedilatildeo eacute que homem deixa o seu

estado natural e atinge um estado social

Tal percepccedilatildeo de que o homem eacute livre e motivado pelo prazer e

vontades individuais e deve buscar vencer por seu proacuteprio meacuterito influencia o

pensamento liberal ateacute a atualidade Esse modelo encontra respaldo no

Darwinismo Social teoria proposta ainda no seacuteculo XIX baseada em parte da

Teoria da Evoluccedilatildeo das espeacutecies de Charles Darwin (de 1859) que vecirc como

possibilidade de sobrevivecircncia em uma determinada sociedade a vitoacuteria do

mais adaptaacutevel do melhor preparado daquele que tem mais poder aquisitivo

ou de uma raccedila dominante O estudo abarcado pela burguesia legitima as

condiccedilotildees de desigualdade social uma vez que reforccedila a luta individualista

entre os membros de uma sociedade onde sobreviveraacute o melhor preparado

com melhores condiccedilotildees (FORTUNATO 1998 p 116) No entanto outra parte

menos comentada da Teoria da Evoluccedilatildeo trata da questatildeo de que a

cooperaccedilatildeo entre os indiviacuteduos fortalece a espeacutecie

Natildeo pode haver duacutevidas que uma tribo incluindo muitos membros que possuindo alto grau de espiacuterito de patriotismo fidelidade obediecircncia coragem e simpatia estiveram sempre prontos a ajudar uns aos outros e se sacrificar a si mesmos pelo bem comum seria vitoriosa sobre a maior parte de outras tribos e isto seria seleccedilatildeo natural Em todos os tempos no

86

mundo tribos suplantaram outras tribos e como a moralidade eacute elemento importante em seu sucesso o niacutevel de moralidade e o nuacutemero de pessoas bem dotadas tenderatildeo em toda a parte a emergir e crescer (DARWIN apud DEMO 2002 p 83)

A ideia central deste argumento de que uma sociedade formada por

alto grau de ajuda muacutetua de consciecircncia coletiva de bem comum eacute central

para a compreensatildeo da relevacircncia em se considerar a solidariedade no cerne

do processo educativo

Piotr Ayexeyevich Kropotkin (1842-1921) geoacutegrafo e filoacutesofo foi um

criacutetico do darwinismo social e do capitalismo do iniacutecio do seacuteculo XX que fez

uma reflexatildeo acerca das condiccedilotildees poliacuteticas nas quais as condiccedilotildees sociais

satildeo estabelecidas buscando compreender como as classes populares podem

assumir seu papel na condiccedilatildeo de um sujeito histoacuterico-social protagonista da

transformaccedilatildeo social no contexto da Revoluccedilatildeo Francesa Kropotkin queria

demonstrar que havia meios para se pensar em outra ordem social possiacutevel

para aleacutem do individualismo competitivo do capitalismo que natildeo havia ateacute

entatildeo nada que comprovasse por observaccedilatildeo direta que o homem vive

constantemente contra outro homem em guerras ininterruptas que garantem a

evoluccedilatildeo da espeacutecie (KROPOTKIN 1970 p 13)

A solidariedade segundo Kropotkin implica na reciprocidade no apoio

muacutetuo na compreensatildeo do outro como parte essencial da formaccedilatildeo de cada

sujeito Sendo assim ela fortalece a espeacutecie na medida em que fortalece a

relaccedilatildeo entre os seres dessa mesma espeacutecie Para se chegar a esta

conclusatildeo seus estudos partiram da seguinte investigaccedilatildeo Quem satildeo os mais

aptos Aqueles que constantemente lutam entre si ou pelo contraacuterio aqueles

que se apoacuteiam entre si (Ibidem p 13) Em busca da resposta a esse

problema ele verificou que entre uma variedade consideraacutevel de espeacutecies a

solidariedade eacute o fator essencial para que haja evoluccedilatildeo demonstrando que a

praacutetica do ldquoapoio muacutetuordquo44 entre os animais eacute muito comum e faacutecil de ser

observada tanto entre as espeacutecies menos complexas (como as formigas as

abelhas) como entre as diferentes espeacutecies de aves roedores e mamiacuteferos

44

O Apoio Muacutetuo um fator de evoluccedilatildeo eacute o tiacutetulo da obra na qual o autor apresenta essa teoria (1970)

87

(como as focas os elefantes as hienas entre outros) Ele observou que as

comunidades onde os membros se protegem se fortalecem cada vez mais

enquanto que os grupos onde natildeo eacute observada essa relaccedilatildeo de proteccedilatildeo de

solidariedade tende agrave extinccedilatildeo Os pelicanos por exemplo se reuacutenem em

bandos de 40 a 50 mil e enquanto uma parte dorme a outra pesca para que

possam se cuidar O instinto de proteccedilatildeo muacutetua traz mais seguranccedila quanto

aos predadores faz com tenham mais facilidade na hora de obter alimentos

(provisotildees invernais alimentaccedilatildeo sob vigilacircncia de sentinelas migraccedilatildeo)

prolonga os anos de vida facilita o desenvolvimento das faculdades

intelectuais criam instituiccedilotildees que auxiliam ainda mais a humanidade a

sobreviver na luta dura contra os fenocircmenos naturais e sociais (estes uacuteltimos

criados tambeacutem pelo homem) a auto-aperfeiccediloar-se apesar de todas as

vicissitudes da histoacuteria (KROPOTKIN 1970 FORTUNATO 1998 DEMO

2002)

A solidariedade o apoio muacutetuo satildeo antes de uma compreensatildeo

valorada pela virtude moral ou eacutetica um meio de sobrevivecircncia para a espeacutecie

Natildeo se trata de caridade benevolecircncia amor mas de uma condiccedilatildeo de

organizaccedilatildeo social que permite o desenvolvimento das populaccedilotildees

Em seus estudos sobre os homens Kropotkin considera os grupos

primitivos baacuterbaros e indiacutegenas e se admira com a sociabilidade evidenciada

nas organizaccedilotildees que possibilitaram superar as fraquezas individuais e garantir

o desenvolvimento da espeacutecie enquanto comunidade

Entre outros exemplos cita as aldeias Tupi no Brasil que na eacutepoca do

descobrimento do paiacutes viviam em grandes casas ocupadas por famiacutelias

inteiras que compartilhavam tanto a moradia como os alimentos ajudando-se

uns aos outros Em sua obra O apoio muacutetuo faz uma leitura acerca da

compreensatildeo da ciecircncia a partir de Hobbes Rousseau e Huxley

Naturalmente desde a eacutepoca de Hobbes a ciecircncia tem tido progressos e noacutes pisamos agora em um terreno mais seguro que se pisava em sua eacutepoca ou na eacutepoca de Rousseau Mas a filosofia de Hobbes ainda agora tem bastante adoradores e nos uacuteltimos tempos tem-se formado uma escola de escritores que armados natildeo tanto das ideias de Darwin e de sua terminologia se tem aproveitado desta uacuteltima para predicar em

88

favor das opiniotildees de sobre o homem primitivo e conseguiram ateacute dar a ela um certo ar de aparecircncia cientiacutefica Huxley como eacute sabido encabeccedila essa escola e em sua conferecircncia em 1888 apresentou os homens primitivos como algo semelhante a tigres ou leotildees desprovidos de toda classe de concepccedilotildees sociais que natildeo se detiveram frente agrave luta pela sobrevivecircncia e cuja a vida inteira transcorria em uma ldquopendecircncia contiacutenuardquo (KROPOTKIN 1970 p 94 traduccedilatildeo livre)

Sua tese concorda com os princiacutepios aristoteacutelicos na medida em que

compreende a sociabilidade a necessidade de ajuda muacutetua a solidariedade

como inatas agrave natureza humana e que mesmo diante da guerra os homens

aspiram agrave paz ainda que a um alto custo

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Souza

Santos

Esta tese compreende a solidariedade como praacutetica curricular

educativa apoiando-se na construccedilatildeo teoacuterica de Boaventura de Souza

Santos45 Partiremos com ele da compreensatildeo de solidariedade enquanto

forma de saber em favor da emancipaccedilatildeo

A solidariedade eacute uma forma especiacutefica de saber que se conquista sobre o colonialismo O colonialismo consiste na ignoracircncia da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a natildeo ser como objeto A solidariedade eacute o conhecimento obtido no processo sempre inacabado de nos tornarmos capazes de reciprocidade atraveacutes da construccedilatildeo e do reconhecimento da intersubjetividade A ecircnfase na solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do conhecimento emancipatoacuterio (SANTOS B S 2009 p 81)

45

Portuguecircs nascido em 1940 Santos eacute um dos nomes mais reconhecidos na aacuterea de ciecircncias sociais atualmente desenvolve o tema de epistemologia democracia e direitos humanos entre outros Professor Catedraacutetico Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick eacute Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Coordenador Cientiacutefico do Observatoacuterio Permanente da Justiccedila Portuguesa em outras atividades de produccedilatildeo cientiacutefica e acadecircmica (SANTOS B S 2013)

89

Em sua definiccedilatildeo a solidariedade se constitui a partir da alteridade (na

capacidade de reconhecer o outro em reciprocidade) da eacutetica (o estado de

atenccedilatildeo agrave vida o que nos faz capazes de reconhecer o outro respeitando sua

subjetividade) e do compromisso poliacutetico (na medida em que anuncia a

negaccedilatildeo ao colonialismo e a valorizaccedilatildeo da comunidade) Cada um desses

conceitos fundantes da solidariedade tecem a fundamentaccedilatildeo teoacuterica desta

tese e seratildeo desenvolvidos ainda neste capiacutetulo a partir de Boaventura com a

contribuiccedilatildeo de Leacutevinas Dussel e Freire respectivamente

Para compreender a construccedilatildeo do conceito de solidariedade em

Boaventura partiremos inicialmente da consideraccedilatildeo que o autor faz de que a

racionalidade na matriz da modernidade ocidental produz duas formas de

conhecimento o que estaacute a favor da dominaccedilatildeo chamado de conhecimento-

regulaccedilatildeo (CR) e o criacutetico que estaacute a favor da emancipaccedilatildeo chamado de

conhecimento-emancipaccedilatildeo (CE) ou solidariedade O que define o ponto de

ignoracircncia e o ponto de saber em um e outro eacute diferente No CR a ignoracircncia

eacute o caos e o saber eacute a ordem no CE a ignoracircncia eacute o colonialismo (ou a

incapacidade de reconhecer o outro) e o ponto de saber a autonomia solidaacuteria

Soacute que o fortalecimento do capitalismo reduziu o conhecimento vaacutelido agrave ordem

desprezando a solidariedade como saber Tal caracteriacutestica engessa as

possibilidades de desenvolvimento da humanidade pois em muitos aspectos a

valoraccedilatildeo apenas da ciecircncia natildeo alcanccedila a complexidade da realidade Nas

palavras de Boaventura Santos (2009 p 63)

o rigor cientiacutefico afasta-se pelo rigor das mediccedilotildees As qualidades intriacutensecas do objeto satildeo por assim dizer desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir O que natildeo eacute quantificaacutevel eacute cientificamente irrelevante Em segundo lugar o meacutetodo cientiacutefico assenta na reduccedilatildeo da complexidade

A crise estaacute nesta racionalidade nas ciecircncias sociais que produzindo

conhecimento-regulaccedilatildeo e o conhecimento-emancipaccedilatildeo geram uma

monocultura do saber e do rigor que por muitas vezes restringe a

90

potencialidade da proacutepria produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo Para

melhorar compreender esta argumentaccedilatildeo de Boaventura Santos (2007 2009

2010) vamos partir de suas demarcaccedilotildees conceituais o conhecimento-

regulaccedilatildeo eacute aquele que responde aos princiacutepios do Estado do mercado e da

comunidade quando reproduzindo a operacionalidade teacutecnica e cientiacutefica

despreza a contextualizaccedilatildeo e o diaacutelogo intercultural e produz o silecircncio das

culturas natildeo-hegemocircnicas transformando-as em objetos de superaccedilatildeo

manipulaacuteveis ou descartaacuteveis Esse conhecimento estaacute a serviccedilo de uma

ordem social que se impotildee para racionalizar e dominar (colonizar) A

hegemonia46 do conhecimento-regulaccedilatildeo se valida da ordem e da forma da

ciecircncia para firmar-se enquanto saber pretensamente cientiacutefico O

conhecimento-regulaccedilatildeo eacute apresentado por Santos (2009) como a trajetoacuteria de

um estado de caos para um estado de ordem que reproduz a ciecircncia em favor

a manutenccedilatildeo do status quo do colonialismo A segunda forma de

conhecimento chamada de solidariedade ou conhecimento-emancipaccedilatildeo

parte do princiacutepio de elevar o outro da categoria de objeto para a condiccedilatildeo de

sujeito da proacutepria histoacuteria e se constitui a partir de trecircs loacutegicas da racionalidade

a esteacutetico‑expressiva das artes e literatura a racionalidade

instrumental‑cognitiva da ciecircncia e tecnologia e a moral‑praacutetica da eacutetica e do

direito

No entanto quando haacute hipercientifizaccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo ela tende a limitaacute-lo atribuindo-lhe meacutetodos que congelam a

capacidade criativa por meio da padronizaccedilatildeo do rigor proacuteprio das culturas de

saber dominante Sobre esta questatildeo Pedro Demo diz que ldquoo fato de que a

ciecircncia como eacute entendida metodologicamente natildeo sabe tratar a eacutetica eacute

problema da ciecircncia natildeo da eacuteticardquo (2002 p 62) A saiacuteda portanto poderia ser

produzir o conhecimento-emancipaccedilatildeo por meio de uma ldquoruptura

epistemoloacutegicardquo - transformar o conhecimento cientiacutefico (totalizante e

46

Entende-se o conceito de hegemonia como a capacidade econocircmica poliacutetica material e intelectual de estabelecer uma direccedilatildeo dominante na forma de abordagem de uma determinada questatildeo no caso a questatildeo da democracia Entendemos tambeacutem que todo o processo hegemocircnico produz um processo contra-hegemocircnico no interior do qual satildeo elaborados formas econocircmicas poliacuteticas e morais alternativas No caso do debate atual sobre a democracia isso implica na concepccedilatildeo hegemocircnica e uma concepccedilatildeo contra-hegemocircnica de democracia (SANTOS B S 2005 p 43)

91

antidemocraacutetico) em um novo senso comum que valide outras formas de

conhecimento como os conhecimentos populares os indiacutegenas os

camponeses os urbanos (SANTOS B S 2007 p 29)

O pensamento e a construccedilatildeo do conhecimento eacute um processo

contiacutenuo dinacircmico contraditoacuterio em suas re-significaccedilotildees que acontece pelas

referecircncias que construiacutemos a partir da cultura na qual estamos inseridos e que

provoca discrepacircncias entre regulaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo Segundo o autor a

ciecircncia tem adotado uma postura de reduccedilatildeo da diversidade e da riqueza local

em favor da construccedilatildeo de uma percepccedilatildeo de realidade reduzida aos moldes

do conhecimento cientificista pela qual diz que a ciecircncia cria as ausecircncias

Neste sentido propotildee a reinvenccedilatildeo das ciecircncias sociais para buscar as

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

como aspiraccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial (Ibidem p 19) e encontrar uma saiacuteda

para o vazio que existe atualmente paradoxalmente em todo o mundo que

ora tenciona contra as formas de regulaccedilatildeo que natildeo regulam e ora contra as

formas de emancipaccedilatildeo que natildeo emancipam (Idem 2005 p 17)

Haacute portanto o que o autor chama de desperdiacutecio da ciecircncia

provocado por uma ausecircncia planejada que tende a naturalizar as diferenccedilas

ocultando as hierarquias Ele aponta cinco modos de produzir a indolecircncia da

ciecircncia a) pela monocultura do saber e do rigor que universaliza o meacutetodo

cientiacutefico desprezando o senso comum e a cultura local em detrimento do

conhecimento cientiacutefico b) pela linearidade do tempo que valida apenas uma

ideia e um sentido da histoacuteria os quais privilegiam a esteira da globalizaccedilatildeo c)

pela naturalizaccedilatildeo das diferenccedilas que oculta a hierarquia ndash os que satildeo

inferiores o satildeo por ldquonaturezardquo d) pela escala dominante mais diretamente o

universalismo e a globalizaccedilatildeo onde a realidade global eacute hegemocircnica e

sucumbi a local que se torna invisiacutevel descartaacutevel e) pelo produtivismo

capitalista onde soacute a produtividade ligada ao crescimento econocircmico eacute

ldquovisiacutevelrdquo Estas cinco formas deixam de lado uma seacuterie de experiecircncias e

conhecimentos locais produzindo uma ciecircncia indolente que nada contribui

para romper a loacutegica da desigualdade perversa (Idem 2007)

A contra-resposta seria o desenvolvimento de cinco ecologias O saber

ecoloacutegico comporta as duas formas de conhecimento o tecnoloacutegico-cientiacutefico e

92

o saber de preservar a vida Se queremos as duas coisas temos que pensar

de que maneira podemos constituir as ecologias de conhecimento Essa nova

organizaccedilatildeo encorpa o conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade trazendo-lhe

focirclego sem descartar a racionalidade As cinco ecologias propostas satildeo a) a

ecologia dos saberes onde se valoriza o saber cientiacutefico e local O que de fato

interessa eacute ver o que determinado conhecimento produz na realidade de

maneira pragmaacutetica sem abstraccedilotildees b) a ecologia das temporalidades a

vivecircncia do tempo eacute sentida e aproveitada de maneira diferente pelas culturas

e deve ser valorizada c) a ecologia do reconhecimento onde a principal ideia eacute

a de descolonizar o conhecimento de forma a preservar as diferenccedilas depois

que as hierarquias forem eliminadas d) a ecologia ldquotransescalardquo em que os

conhecimentos sejam valorizados em escala local nacional regional e global

por fim e) a ecologia das produtividades onde haja valorizaccedilatildeo dos sistemas

alternativos de produccedilatildeo de organizaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

A importacircncia de natildeo se limitar agrave concepccedilatildeo racionalista de

conhecimento (CR e CE) contribui para uma visatildeo menos cientificista do

conhecimento-emancipaccedilatildeo na esperanccedila de salvaacute-lo antes que o

colonialismo passe a ser ordem Nas palavras de Boaventura Santos (2007 p

53)

essa eacute a maneira com que tento ver o que se passou e por que eacute necessaacuterio reinventar o conhecimento-emancipaccedilatildeo Porque de alguma maneira a ciecircncia moderna se desenvolveu totalmente no quadro do conhecimento-regulaccedilatildeo que recodificou canibalizou perverteu as possibilidades do CE E eacute por isso que o CE tem de ser uma ecologia de saberes natildeo pode ser simplesmente o saber cientiacutefico moderno que temos este eacute importante necessaacuterio mas tem de estar incluiacutedo em uma ecologia de saberes mais ampla

Segundo Santos a solidariedade requer consciecircncia tomada de

atitude e compromisso na medida em que tambeacutem eacute um modo de agir de

produzir e de estar no mundo A solidariedade eacute a reconstruccedilatildeo dialeacutetica do

conhecimento que parte da subjetividade do sujeito e promove a emancipaccedilatildeo

a interculturalidade respeitando as diferenccedilas Nas palavras de Dussel

93

quando a igualdade destroacutei a diversidade deve-se defender a diferenccedila cultural Quando o uso da diferenccedila cultural eacute uma maneira de dominar os outros deve-se defender a igualdade da dignidade humana As populaccedilotildees naccedilotildees etnia [] foram definidas como membros de uma totalidade poliacutetica unicultural Na verdade nenhum Estado moderno tem como base uma naccedilatildeo uma etnia ou liacutengua mas sim vaacuterias culturas com liacutenguas histoacuterias e ateacute religiotildees diversas Eacute uma ficccedilatildeo a unidade cultural o Estado moderno Satildeo na realidade Estados multiculturais Trata-se entatildeo de reconhecer a multiculturalidade da comunidade poliacutetica e comeccedilar uma educaccedilatildeo num diaacutelogo intercultural com respeito agraves diferenccedilas (DUSSEL 2007 p 145)

No nosso entender para que a educaccedilatildeo seja construiacuteda a partir desse

diaacutelogo intercultural respeitando as diferenccedilas eacute necessaacuterio considerar a

solidariedade visando propiciar o domiacutenio da linguagem cientiacutefica sem

homogeneizar e descaracterizar a essecircncia das culturas valorizando-as Aleacutem

disso para a compreensatildeo da solidariedade como praacutetica curricular educativa

eacute preciso qualificaacute-la a partir da sua intenccedilatildeo (eacutetica) na relaccedilatildeo de

reciprocidade e responsabilidade com o outro (alteridade) em favor de uma

atitude poliacutetica (compromisso) Neste sentido os saberes acumulados

culturalmente podem ser estudados numa situaccedilatildeo de aprendizagem onde os

alunos aprendam a reconhecer o outro a colocar o conhecimento

culturalmente aprendido em favor da vida participando socialmente Educaccedilatildeo

enquanto constructo humano deve ser pensada como forma de intervenccedilatildeo no

mundo para tornaacute-lo um lugar possiacutevel de se viver bem valorizando

respeitando tornando digna a vida em sua diversidade

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas

Um dos principais expoentes teoacutericos em alteridade eacute Emmanuel

Leacutevinas (1906-1995)47 Em 1961 ele produziu uma de suas obras consagradas

47

Filho de livreiro judeu ainda crianccedila sua famiacutelia foi expulsa da Lituacircnia e emigrou para a Ucracircnia onde fez o curso secundaacuterio Sua famiacutelia acabou regressando em 1920 mas em 1923 Leacutevinas voltou para estudar na Universidade de Estrasburgo Viacutetimas da guerra teve que proteger sua esposa e dois filhos para que natildeo fossem capturados pelo exeacutercito sendo que seus pais na Lituacircnia natildeo tiveram a mesma sorte As correntes filosoacuteficas que mais o marcaram foi o existencialismo e o marxismo dominantes no cenaacuterio francecircs

94

que marcaram o seacuteculo XX Totalidade e Infinito Leacutevinas propotildee uma releitura

do sujeito parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o outro pelo

outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser social que tem

obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas onde a responsabilidade infinita de um-

para-o-outro eacute o sentido da vida Leacutevinas se opotildee ao modelo hegeliano pois

considera que a totalidade anula a responsabilidade dos indiviacuteduos perante os

seus proacuteprios atos em nome da impessoalidade inerente agrave totalidade Neste

sentido afirma que anteriormente a toda unidade e onde haacute relaccedilatildeo possiacutevel

ldquoa sociabilidade eacute independente de todo reconhecimento preacutevio e de toda

formaccedilatildeo de totalidadesrdquo (LEacuteVINAS 1997 p 236) o que faz com que a cultura

preceda a poliacutetica numa relaccedilatildeo eacutetica

A responsabilidade pelo outro tanto quanto por noacutes mesmos eacute a ideia

central da alteridade onde haacute a compreensatildeo de que a ldquohumanidaderdquo de cada

ser humano eacute tecida nas relaccedilotildees que se estabelecem Quando algueacutem eacute

indiferente ao outro significa que aquele outro natildeo se relacionou com este

algueacutem pois a relaccedilatildeo foi estabelecida no alius no estranho no estrangeiro

no di-ferente e natildeo no aacutelter de dis-tinto Sobre isso Pedrinho Guareschi nos

ajuda a demarcar tais conceitos e desta forma compreender a alteridade em

Leacutevinas

O ldquooutrordquo eacute ldquodi-ferenterdquo do latim dis que significa divisatildeo ou negaccedilatildeo e ferre que significa levar com violecircncia arrastar Nesse sentido o diferente eacute o arrastado desde a identidade original e coloca-se como o oposto eacute a dialeacutetica monoloacutegica

Na segunda o ldquooutrordquo eacute o ldquodis-tintordquo de dis e tinguere que significa tingir pintar tambeacutem eacute separado eacute o outro natildeo contudo arrastado para fora mas possuindo sua identidade e estabelecendo com o ldquomesmordquo relaccedilotildees de diaacutelogo construtivas de conversatildeo eacute a analeacutetica Essa eacute a verdadeira ldquoalteridaderdquo (GUARESCHI 2002 p157)

Essa reflexatildeo implica portanto no re-conhecimento da alteridade que

transforma e traz referecircncias fundamentais para a constituiccedilatildeo do eu enquanto

sujeito Se o re-conheccedilo estabeleccedilo uma relaccedilatildeo horizontal de confianccedila

95

Eu o reconheccedilo ou seja creio nele Mas se este reconhecimento fosse minha submissatildeo a ele esta submissatildeo retiraria todo valor de meu reconhecimento o reconhecimento pela submissatildeo anularia minha dignidade pela qual o reconhecimento tem valor O rosto que me olha me afirma Mas face a face natildeo posso mais negar o outro somente a gloacuteria numenal do outro torna possiacutevel o face-a-face (LEacuteVINAS 1997 p 61)

Leacutevinas nos mostra que a relaccedilatildeo face-a-face faz com que o

reconhecimento do outro construa a relaccedilatildeo de conhecimento O outro em

uma relaccedilatildeo solidaacuteria eacute distinto e me constitui Nas palavras de Leacutevinas

natildeo haacute ruptura do isolamento do ser no saber [] na comunicaccedilatildeo do saber nos encontramos ao lado de outrem e natildeo confratados com ele natildeo na verticalidade do em frente dele Mas estar em relaccedilatildeo direta com outrem natildeo eacute tematizar outrem e consideraacute-lo da mesma maneira com se considera um objeto conhecido nem comunicar-lhe um conhecimento [] O social estaacute para aleacutem da ontologia (Idem 1982 p 49-50)

Na construccedilatildeo do conceito de solidariedade significa preservar e

valorizar o distinto e com ele construir conhecimento A alteridade por sua

caracteriacutestica de se constituir com o outro evolui para formar a compreensatildeo

de sujeito (social) embasado na concepccedilatildeo de relaccedilatildeo48 A compreensatildeo de

solidariedade portanto constituiacuteda por meio da alteridade estaacute apoiada na

ideia da relaccedilatildeo com o outro distinto em que juntos haacute constituiccedilatildeo de uma

unidade Quando a relaccedilatildeo deixa de ter esta caracteriacutestica ela tambeacutem deixa

de ser solidaacuteria Significa dizer que na solidariedade natildeo haacute relaccedilatildeo de

submissatildeo pois isto seria anular a existecircncia do outro enquanto sujeito da

proacutepria histoacuteria A relaccedilatildeo entre o mesmo e outro natildeo deve partir de uma

reduccedilatildeo do outro apenas sob a compreensatildeo do mesmo nem tentar reduzi-lo

ao rosto enquanto a expressatildeo do que eacute diferente do mesmo

A melhor maneira de encontrar outrem eacute nem sequer atentar a cor dos olhos Quando se observa a cor dos olhos natildeo se estaacute

48

Relaccedilatildeo segundo a reflexatildeo filosoacutefica intriacutenseca do ser se daacute na incompletude ou seja sempre necessita de outro para se fazer (GUARESCHI 2002)

96

em relaccedilatildeo social com outrem A relaccedilatildeo rosto pode sem duacutevida ser dominada pela percepccedilatildeo mas o que eacute especificamente rosto eacute o que natildeo se reduz a ele (LEacuteVINAS 1982 p 77)

Leacutevinas pontua que somente a exposiccedilatildeo ao outro natildeo leva agrave tomada

de consciecircncia ou ainda que a responsabilidade natildeo se daacute espontaneamente

ela eacute resultado de um processo de aprendizagem Neste sentido experiecircncias

educativas que propiciem o contato com o outro responsavelmente

contribuem para a formaccedilatildeo da alteridade para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

que se constitui por meio do desenvolvimento da consciecircncia da obrigaccedilatildeo de

cuidar e desenvolver a vida em todas as suas possibilidades Do contraacuterio a

exposiccedilatildeo ao outro pode reproduzir o preconceito e a indiferenccedila

Assim eacute preciso pontuar que a compreensatildeo de solidariedade pelo

conceito levinasiano de alteridade comporta trecircs caracteriacutesticas fundamentais

parte do outro enquanto referecircncia primeira de re-conhecimento e formaccedilatildeo

pessoal (sendo que tal re-conhecimento eacute aprendido e portanto deve ser

ensinado) natildeo garante que haveraacute re-conhecimento compromisso respeito

somente pela exposiccedilatildeo a outra face e terceiro para se fazer o bem eacute

necessaacuterio saber ouvir e conhecer inicialmente onde o bem natildeo eacute exatamente

aquilo que o sujeito que o pratica quer oferecer mas deve ser aquilo que quem

recebe reconhece como tal ndash este segundo imprime o que deve ser feito Eacute

neste sentido que uma atitude de solidariedade natildeo eacute uma postura paternalista

ou de benevolecircncia pois esta postura submete o outro agrave condiccedilatildeo de objeto

natildeo de sujeito Trata-se sobretudo de uma tomada de consciecircncia de um

compromisso com a dignidade do outro reconhecido enquanto parte

constituinte do proacuteprio ser Haacute portanto uma forma de ldquodesvelamentordquo

intencional um rosto pode provocar a relaccedilatildeo humana Ser-para-o-outro

significa assumir a responsabilidade eacutetica sobre ele onde a transcendecircncia

seja a proximidade medida pela responsabilidade com o outro (Idem 2002)

num estado de atenccedilatildeo agrave vida

O conceito de alteridade tambeacutem sustenta a compreensatildeo do que seria

praticar o bem Contraacuterio ao pensamento de Rousseau Leacutevinas desconsidera

que fazer o bem seja algo intriacutenseco a quem faz a accedilatildeo pois a bondade da

97

accedilatildeo natildeo se mede pela felicidade ou intenccedilatildeo de quem a faz Esta seria uma

medida egoiacutesta centrada no eu antagocircnica ao conceito de alteridade pois

transforma o outro em objeto e natildeo sujeito da accedilatildeo Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria o bem antes mesmo de sentir que se estaacute fazendo o bem

pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar numa aproximaccedilatildeo permissiva de deixar-se

ldquoatingirrdquo pelo outro (HUTCHENS 2007) Desta forma ser solidaacuterio e promover

o bem natildeo eacute sentir-se bem e sim ldquoser atingidordquo pelo bem eacute ser ldquobom apesar de

si mesmordquo

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel

Da alteridade buscou-se a qualificaccedilatildeo de uma solidariedade baseada

na percepccedilatildeo do outro enquanto ldquodistintordquo onde a abertura a relaccedilatildeo ldquoface-a-

facerdquo exige a postura eacutetica compreendida enquanto um estado constante de

atenccedilatildeo agrave vida satildeo os homens que satildeo (ou natildeo) eacuteticos (GUARESCHI 2002)

Ser eacutetico implica em respeitar em responsabilizar-se pela vida do outro A

alteridade eacute o ponto central da Eacutetica da Vida defendida na Filosofia da

Libertaccedilatildeo de Enrique Dussel que iraacute reconhecer na ldquoviacutetimardquo o outro

Enrique Dussel49 eacute um dos principais filoacutesofos da atualidade a tratar a

questatildeo da eacutetica e da poliacutetica Seu pensamento parte da consideraccedilatildeo do outro

pela sua exterioridade a alteridade e a praacutexis da libertaccedilatildeo se opondo agrave

49

Nascido em 1934 em Mendonza Argentina exilado poliacutetico desde 1975 no Meacutexico hoje cidadatildeo mexicano ateacute 1972 Dussel dedicou-se agrave Filosofia da Libertaccedilatildeo latino-americana propondo uma maneira inovadora de se pensar a filosofia a partir do cenaacuterio e contexto latino-americano (nesse ano publicou o livro Para una destruccioacuten de la historia de la eacutetica I) Em 1973 enquanto lecionava filosofia na Argentina sofreu um atentado agrave bomba perpetrado pela extrema direita do sindicalismo (ano da publicaccedilatildeo de Para uma eacutetica de la liberacioacuten) Sua produccedilatildeo acerca da Filosofia da Libertaccedilatildeo se estendeu de 1969 a 1976

Diante de uma situaccedilatildeo insustentaacutevel que se instalou Dussel foi ldquoconvidadordquo a se retirar da Universidade Nacional de Cuyo em marccedilo de 1970 e se mudou para o Meacutexico onde encontrou o refuacutegio intelectual que precisava para continuar seus estudos Aprendeu inglecircs e comeccedilou um contato com os trecircs continentes experiecircncia que considera fundamental para a ampliaccedilatildeo de sua compreensatildeo histoacuterica Passou a dedicar-se aos estudos sobre o pensamento de Marx interpretando-o sobretudo para compreender a Ameacuterica Latina a globalizaccedilatildeo a exploraccedilatildeo e o capitalismo

98

dominaccedilatildeo Em 1998 Dussel apresentou ao mundo uma obra central a Eacutetica

da Libertaccedilatildeo na idade da Globalizaccedilatildeo e da Exclusatildeo (DUSSEL 2002) No

entanto se no iniacutecio seu principal interlocutor era o oprimido e vitimado latino-

americano atualmente sua obra pretende ser universal uma vez que afirma ter

vitimas do sistema-mundo capitalista por toda a parte numa compreensatildeo de

uma eacutetica ecoloacutegica material de libertaccedilatildeo50 Em uma de suas obras mais

recentes 20 Tesis de Poliacutetica Dussel discorre sobre os princiacutepios poliacuteticos de

libertaccedilatildeo natildeo se limitando aos eacuteticos mas jaacute encaminhando a sua teoria para

a compreensatildeo poliacutetica da eacutetica

Em Dussel a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash nasce da

responsabilidade pelo outro A subjetividade eacutetica resiste a qualquer

totalizaccedilatildeo eacute a separaccedilatildeo que constitui o sujeito no mundo Ao tomar

consciecircncia do outro absolutamente novo recorre-se sobre ele a

responsabilidade Na assimetria da ordem social a proacutepria vida do outro afeta

tambeacutem a relaccedilatildeo do eu com as coisas com o mundo (DUSSEL 2002 p 371)

A partir de uma conduta eacutetica de tomada de consciecircncia de

responsabilidade com o outro51 busca-se compreender o mundo dele

participar e produzir vida digna para todos De fato para que haja justiccedila

solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a ordem

estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se converta

em lsquopossibilidade de viver e viver melhor (Ibidem p 382 grifo nosso)

50

Uma eacutetica ldquoecoloacutegicardquo trata a condiccedilatildeo de possibilidade absoluta dos seres vivos exercida em uacuteltima anaacutelise no respeito ao direito universal agrave sobrevivecircncia de todos os seres humanos especialmente dos mais afetados e excluiacutedos dos pobres do presente e das geraccedilotildees futuras que herdaratildeo se adquirem uma consciecircncia pronta e global uma terra ldquomortardquo (DUSSEL 2003 p 23)

51 A responsabilidade pode ser pensada a partir do princiacutepio responsabilidade (JONAS 2006)

onde a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo eacute indissociaacutevel daquela que se deve ter em relaccedilatildeo aos demais Trata-se de uma responsabilidade que o liga a todos os homens e agrave natureza que o cerca numa reflexatildeo que busca atender tambeacutem o universal

A respeito do princiacutepio responsabilidade Santos conclui que podemos partir da Sorge (Heidegger) do cuidado que nos torna responsaacuteveis pelo outro quer seja ele um ser humano um grupo social a natureza etc Esse outro inscreve-se simultaneamente na nossa contemporaneidade e no futuro cuja possibilidade de existecircncia temos de garantir no presente A nova eacutetica natildeo eacute antropocecircntrica nem individualista nem busca apenas a responsabilidade pelas consequecircncias imediatas Eacute uma responsabilidade pelo futuro (SANTOS B S 2009 p 112)

99

Havendo a consciecircncia sobre a possibilidade de viver melhor haacute o

compromisso eacutetico intriacutenseco de fazecirc-la acontecer na complexidade das

relaccedilotildees sociais que se estabelecem O sujeito ao qual se deve reconhecer

sobretudo eacute a viacutetima que em uacuteltima estacircncia eacute o sujeito negado

A viacutetima para Dussel eacute o pobre o que foi por noacutes excluiacutedo do

sistema Natildeo se trata apenas de reconhecer a viacutetima mas de assumir a

responsabilidade pelo outro num compromisso poliacutetico consciente

Sousomos res-ponsaacuteveis pelo outro pelo fato de ser humano sensibilidade aberta ao rosto do outro Aleacutem disso natildeo eacute res-

ponsabilidade pela proacutepria vida agora eacute res-ponsabilidade pela vida negada do outro que se funda num enunciado normativo porque devo produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em geral [] A passagem por fundamentaccedilatildeo do juiacutezo de fato (ldquoHaacute uma viacutetimardquo) para o juiacutezo normativo (ldquoDevo re-sponsavelmente tornaacute-la a cargo e julgar o sistema que a causardquo) eacute agora justificaacutevel (DUSSEL 2002 p 379)

A solidariedade em Dussel se refere ao princiacutepio de reconhecer o outro

como aquele por quem somos responsaacuteveis pela sua fome pela negaccedilatildeo de

sua vida digna Este reconhecimento ldquoestaacute me pedindo solidariedade [] pede

suplica-me ordena-me eticamente que o ajuderdquo (Ibidem p 378) Ser

indiferente agrave fome agrave exclusatildeo eacute o mesmo que ser conivente com o sistema

que a manteacutem Assim a solidariedade eacute tambeacutem uma atitude eacutetica e

compromisso poliacutetico Neste sentido a proposta de solidariedade enquanto

praacutetica educativa sugere uma formaccedilatildeo a partir da tomada de consciecircncia

compreendendo segundo Dussel tanto os campos poliacuteticos quanto ecoloacutegicos

e seus sistemas por vontade-de-viver52 consensual e factiacutevel de garantir a

vida plena para todos Assim eacute preciso considerar os trecircs princiacutepios essenciais

que atribuem qualidade eacutetica agrave poliacutetica o respeito aos cidadatildeos (material) o

dever de atuar cumprindo a democracia (formal) e o de operar o possiacutevel

(factibilidade) No limite a poliacutetica deveria ser o maacuteximo exerciacutecio de produccedilatildeo

manutenccedilatildeo e desenvolvimento da vida em comunidade O instinto do homem

52

A ldquovontade-de-viverrdquo eacute a essecircncia positiva o conteuacutedo como forccedila como potecircncia que pode mover arrastar impulsionar Em fundamento a vontade de adiar a morte de continuar vivo a tendecircncia originaacuteria de todo o ser humano (DUSSEL 2007 p 31)

100

de querer-viver a vontade-de-vida de querer permanecer vivo faz com que

eles procurem estar juntos (DUSSEL 2007) No entanto se as vontades dos

membros de uma comunidade forem distintas e dispersas se os interesses

forem individuais muacuteltiplos isolados a forccedila do grupo seraacute anulada pois a

competiccedilatildeo interna gera impotecircncia para um projeto comum Por outro lado

quando as pessoas estatildeo alinhadas e organicamente compartilhando a

vontade-de-viver-comum pode-se dizer que essa comunidade se potencializa

Segundo Dussel

o consenso deve ser um acordo de todos os participantes como sujeitos livres autocircnomos racionais com igual capacidade de intervenccedilatildeo retoacuterica para que a solidez da uniatildeo das vontades tenha consistecircncia para resistir aos ataques e criar as instituiccedilotildees que lhe deem permanecircncia e governabilidade [] Quanto mais participaccedilatildeo os membros singulares na comunidade tecircm mais se cumprem as reivindicaccedilotildees particulares e comum [] o poder do povo transforma-se em uma muralha que protege e em um motor que produz e inova (DUSSEL 2007 p 27)

Desta forma haacute poder quando os homens se conectam para exercecirc-lo

(potentia) do contraacuterio haacute enfraquecimento A solidariedade nesse processo

traz a capacidade de potentia supera a visatildeo de fraternidade do noacutes e atribui

conhecimento e princiacutepio eacutetico agrave intenccedilatildeo e agrave accedilatildeo promovendo mais chances

de ecircxito no exerciacutecio poliacutetico nos projetos comuns nos quais os outros (as

viacutetimas ndash ainda que institucionais dos sistemas e das instituiccedilotildees) participem

como sujeitos livres e solidaacuterios Para Dussel (2007) o que marca a apariccedilatildeo

da poliacutetica eacute a passagem da potentia para a potestas (necessaacuteria

institucionalizaccedilatildeo do poder da comunidade do povo criando diferenciaccedilotildees

heterogecircneas de funccedilotildees por meio da qual se torne factiacutevel o proacuteprio poder)

Assim enquanto o anarquista deseja com a maacutexima exponenciaccedilatildeo da

potentia o conservador no campo da potestas busca a maacutexima organizaccedilatildeo

institucional exercida como dominaccedilatildeo

A solidariedade incita uma convivecircncia poliacutetica uma praacutexis de

intelectual orgacircnico (Gramsci) que consiga ldquoeducar os movimentos sociais em

sua autonomia democraacutetica em sua evoluccedilatildeo poliacutetica em seus atores

101

mutuamente responsaacuteveis por seus destinosrdquo (DUSSEL 2007 p 119) para

que o compromisso seja efetivado

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire

Pode-se dizer que a base do pensamento de Paulo Freire53 se

desenvolve a partir da compreensatildeo do homem enquanto um ser social

portanto histoacuterico e poliacutetico que tem a capacidade de produzir e transformar o

mundo produzindo conhecimento e cultura Para Freire natildeo eacute possiacutevel ser

humano sem a presenccedila de outros humanos que o constituiacuteram e o

constituem pois o homem natildeo nasce homem mas se torna nas mediaccedilotildees

que estabelece ao longo da vida Eacute na presenccedila do outro na condiccedilatildeo de

sujeito histoacuterico e poliacutetico que a vida acontece daiacute a importacircncia do processo

formativo na constituiccedilatildeo dessa formaccedilatildeo humana que nunca seraacute neutra

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p

40)

Na relaccedilatildeo que se estabelece com os outros eacute que se forma a

consciecircncia sobre ser humano Neste sentido o processo formativo eacute

compreendido como um ato constituidor da pessoa humana social mas

sobretudo poliacutetica quer esteja a serviccedilo da inserccedilatildeo criacutetica no mundo quer

53

Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife numa famiacutelia de classe meacutedia Com o agravamento da crise econocircmica mundial iniciada em 1929 e a morte de seu pai quando tinha 13 anos Freire passou a enfrentar dificuldades econocircmicas Formou-se em direito mas natildeo chegou a exercer a profissatildeo seguindo pelo caminho do magisteacuterio Sua primeira grande contribuiccedilatildeo foi o desenvolvimento de um meacutetodo revolucionaacuterio de alfabetizaccedilatildeo de adultos Em 1963 em Angicos (RN) chefiou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mecircs No ano seguinte o Golpe Militar o surpreendeu em Brasiacutelia onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetizaccedilatildeo do presidente Joatildeo Goulart Foi preso exilado e ainda no exiacutelio publicou o Pedagogia do Oprimido Com a Lei da Anistia voltou ao Brasil em 1979 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e entre 1989 e 1991 foi Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos Foi professor deste Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Curriacuteculo durante os uacuteltimos 17 anos de sua vida

102

esteja a serviccedilo da permanecircncia das estruturas injustas (FREIRE 2000) Eacute por

isso que toda praacutetica educativa libertadora em Freire partiraacute do

reconhecimento no sentido eacutetico da presenccedila humana no mundo onde eacute

impossiacutevel aceitar naturalmente a indiferenccedila a injusticcedila a relaccedilatildeo de

superioridade entre os homens Ser eacutetico eacute compreender-se a partir do outro

(alteridade) e atuar socialmente em favor de uma vida digna para todos (eacutetica)

A construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade na

compreensatildeo de Santos) em Freire mostra-se a partir da relaccedilatildeo mediante

respeito e reconhecimento como modo de estar no mundo de forma

consciente com uma consciecircncia de quem sabe intervir no mundo e natildeo

apenas constataacute-lo ou se adaptar a ele

Eacute nesse sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele Eacute por isso que natildeo apenas temos histoacuteria mas fazemos a histoacuteria que igualmente nos faz e que nos torna portanto histoacutericos (Ibidem p 40)

Freire iraacute frisar a diferenccedila entre estar no mundo e estar com o mundo

o que torna possiacutevel aproximaacute-lo da compreensatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo no qual em se fazer histoacuteria percebe-se o sujeito como capaz

de conduzir a proacutepria histoacuteria e atuar socialmente negando a reproduccedilatildeo do

conhecimento-regulaccedilatildeo como condiccedilatildeo Promover experiecircncias da decisatildeo

da responsabilidade da solidariedade da democracia deve ser o objetivo do

curriacuteculo Nunca Freire iraacute valorar uma educaccedilatildeo tecnicista de treinamento

mas sim em formaccedilatildeo em processo educativo Nas palavras de Freire

a necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutetica dos educandos por que se bate a pedagogia criacutetica natildeo tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e cientificista que caracteriza o mero treinamento Eacute por isso que o educador progressista capaz e seacuterio natildeo apenas deve ensinar muito bem sua disciplina mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social poliacutetica e histoacuterica em que eacute uma presenccedila (Ibidem p 44)

103

A consciecircncia criacutetica e a formaccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo em

Freire estaacute relacionada a uma atitude sobretudo poliacutetica de tomada de

decisatildeo e da praacutexis para que outra ordem seja construiacuteda O discurso ldquomornordquo

da aceitaccedilatildeo da realidade como ela eacute onde a fome e a miseacuteria sempre

existiram e continuaratildeo a existir eacute o discurso veementemente combatido por ele

como o da acomodaccedilatildeo de uma humanizaccedilatildeo que se isenta da

responsabilidade de proteccedilatildeo da proacutepria humanidade (FREIRE 1996 2000) O

saber-se homem eacute o saber que permite o reconhecimento da histoacuteria como

possibilidade

Gosto de ser homem de ser gente porque sei que a minha passagem pelo mundo natildeo e predeterminada preestabelecida Que o ldquodestinordquo natildeo eacute um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade natildeo posso me eximir Gosto de ser gente porque a Histoacuteria em que me faccedilo com os outros e de cuja feitura tomo parte eacute tempo de possibilidades e natildeo de determinismo (Idem 1996 p58)

Embora Freire natildeo tenha vinculado diretamente sua compreensatildeo de

educaccedilatildeo agrave pratica solidaacuteria eacute possiacutevel identificaacute-la como um dos aspectos

fundamentais de sua obra Assim visando pontuar as principais consideraccedilotildees

de Freire sobre solidariedade destacam-se a) ningueacutem educa ningueacutem

ningueacutem educa a si mesmo a partir da constataccedilatildeo de que estamos no mundo

com o outro em relaccedilatildeo (des)construtiva (in)consciente e sobretudo poliacutetica

onde as pessoas se educam em comunhatildeo ldquoa educaccedilatildeo autecircntica repitamos

natildeo se faz de A para B ou de A sobre B mas de A com B mediatizados pelo

mundordquo (Idem 1981 p 84) A educaccedilatildeo eacute poliacutetica e como tal pode formar para

a doutrinaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo quando considera que natildeo se estaacute para o

povo ou sobre ele mas com ele (Ibidem) b) horizontalidade uma relaccedilatildeo

solidaacuteria natildeo eacute assistencialismo pois para que este uacuteltimo aconteccedila eacute

necessaacuterio haver aquele que doa e outro que recebe Este tipo de relaccedilatildeo eacute

desigual e natildeo considera o sujeito que recebe como ator do processo mas

como mero receptor natildeo gera portanto conhecimento-emancipaccedilatildeo apenas

passividade que manteacutem as coisas como estatildeo Em outras palavras o

assistencialismo o paternalismo favorece o status quo c) diaacutelogo chave

104

fundamental da educaccedilatildeo problematizadora em Freire (1991) acontece a partir

de duas dimensotildees que partem da solidariedade do respeito ao outro ldquose

discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o

menino iacutendio a menina rica [] natildeo posso evidentemente escutaacute-los e se natildeo

os escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixordquo (FREIRE

1996 p 136) d) visatildeo criacutetica Freire tambeacutem indica que haacute formas diferentes

de solidariedade e que nem todas satildeo favoraacuteveis ao desenvolvimento poliacutetico-

democraacutetico uma vez que a passividade assistencialista turva o exerciacutecio

criacutetico da responsabilidade comprometendo a democracia

Vale ressaltar que a solidariedade na visatildeo de Freire estende-se para o entrelaccedilamento entre paiacuteses do Sul sem excluir dessa interdependecircncia os pobres dos paiacuteses ricos Ser solidaacuterio para ele eacute assumir o ponto de vista dos ldquocondenados da terrardquo em favor de uma eacutetica universal do ser humano (STRECK 2010 p 379)

O lugar onde vivemos eacute um constructo humano assumi-lo em favor da

eacutetica da vida da igualdade das liberdades eacute acreditar na construccedilatildeo de uma

outra ordem possiacutevel Aceitar a relaccedilatildeo de desigualdade e tomar atitudes

assistencialistas favorece as estruturas dominantes promove a acomodaccedilatildeo e

a aceitaccedilatildeo dos fatos sociais como condicionantes imutaacuteveis Eacute neste sentido

que para Freire a educaccedilatildeo eacute um ato poliacutetico uma forma de intervenccedilatildeo no

mundo jamais neutra

Como experiecircncia especificamente humana a educaccedilatildeo eacute uma forma de intervenccedilatildeo no mundo Intervenccedilatildeo que aleacutem do conhecimento dos conteuacutedos bem ou mal ensinados eou aprendidos implica tanto o esforccedilo de reproduccedilatildeo da ideologia dominante como o seu desmascaramento Dialeacutetica e contraditoacuteria natildeo poderia ser a educaccedilatildeo soacute uma ou soacute a outra dessas coisas (FREIRE 1996 p 110-111)

Eacute nessa tensatildeo entre a ldquoreproduccedilatildeordquo (conhecimento-regulaccedilatildeo) e o seu

ldquodesmascaramentordquo (conhecimento-emancipaccedilatildeo) que a consciecircncia poliacutetica

iraacute se constituir a partir de experiecircncias que propiciem a vivecircncia da

responsabilidade e da autonomia (FREIRE 1996) Eacute neste sentido que faz

105

parte da compreensatildeo da solidariedade aportaacute-la em um posicionamento

poliacutetico criacutetico consciente que inter-fere a ordem social transformando-a

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e

consciecircncia poliacutetica

Para que exista de fato a solidariedade eacute preciso fazecirc-la acontecer

Assim como a construccedilatildeo do estado democraacutetico a solidariedade natildeo se daacute

por decreto tampouco espontaneamente Em ambas eacute preciso tomar parte

ordenadamente compreendendo a construccedilatildeo poliacutetica de forma que a accedilatildeo

conjunta planejada potencialize o que seriam accedilotildees individuais e estanques

Daiacute a relevacircncia de se ensinar a se comprometer politicamente eticamente

solidariamente

Se por um lado como anuncia Santos o conhecimento-emancipaccedilatildeo

quase foi sucumbido pelo conhecimento-regulaccedilatildeo por outro a ideia de que

queremos uma sociedade melhor para se viver ainda eacute presente ldquoas

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

continuam sendo uma aspiraccedilatildeo para a populaccedilatildeo mundialrdquo (SANTOS b s

2007 p 19)

Ao sujeito eacutetico e solidaacuterio implica sobretudo o comprometimento o

envolvimento pelo compromisso pelo acordo selado em relaccedilatildeo que beneficia

os envolvidos Mais do que participar comprometer-se significa construir junto

A participaccedilatildeo eacute uma atitude inerente agrave natureza social do homem pode ser

pensada em diferentes niacuteveis sendo que natildeo necessariamente signifique

assumir um compromisso Uma pessoa pode participar de uma excursatildeo de

uma aula de um projeto de um evento de um partido poliacutetico sem ter criado

nenhuma situaccedilatildeo de identificaccedilatildeo e construccedilatildeo pessoal Ela pode obedecer a

uma ordem estabelecida e ser um a mais cumprindo o que estaacute determinado

contribuindo para alcanccedilar o objetivo proposto ainda que sem total clareza

sobre o que se estaacute construindo

106

Sem a auto-identidade criadora o sujeito natildeo pode agir como tal Ele eacute reduzido a um mero executor de tarefas valores ou projetos preacute-postos por ele perdendo a dimensatildeo da autonomia e tornando-se um indiviacuteduo sujeitado [] O indiviacuteduo ao carecer de identidade de sujeito transforma-se num ator que executa o papel por outros projetados (SIDEKUM 2003 p 238)

Assim a solidariedade estaacute ligada ao conceito de comprometimento

no sentido de natildeo se tratar apenas de participar mas de construir-com

responsabilizar-se Por extensatildeo se a solidariedade eacute o compromisso puacuteblico

assumido para o bem comum eacute preciso considerar que tal comprometimento

estaacute delimitado no campo da cidadania aqui compreendida enquanto a

integraccedilatildeo do sujeito agrave vida poliacutetica de sua cidade54

Para Bernardo Toro (2004) cidadatildeo eacute aquela pessoa que compreende

que a ordem social eacute construiacuteda pelo homem e deve ser reorganizada sempre

que natildeo estiver contribuindo para a dignidade de todos A cidadania eacute

entendida como uma atitude eacutetica na medida em que significa proteger e

responsabilizar-se com os outros pela dignidade de todos Neste sentido eacute

tambeacutem formadora do conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade pois o

fortalecimento social e a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa comeccedilam

pela tomada de consciecircncia55 de que juntos e organizados em torno de

54

Na antiga Roma soacute o senado e o patriarcado tinham o direito de participar da vida poliacutetica num regime basicamente aristocrata Esta distinccedilatildeo de classes marcou o iniacutecio da democracia Naquela eacutepoca somente os cidadatildeos - com essa concepccedilatildeo restrita portanto a elite participava da vida poliacutetica Seus interesses eram trazidos agrave pauta postura esta que contribuiacutea para que fossem mantidos no segundo plano os interesses daqueles que natildeo tomavam as decisotildees da cidade

Na Idade Moderna o espiacuterito renovador de igualdade e liberdade tornou o conceito de cidadania mais universal (Iluminismo) Segundo o artigo primeiro da Declaraccedilatildeo dos Direitos dos Homens e dos Cidadatildeos (1789) todos os homens nascem livres e iguais de direito a liberdade consiste em poder fazer tudo que natildeo prejudique o proacuteximo assim o exerciacutecio dos direitos naturais de cada homem natildeo tem por limites senatildeo aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos (DECLARACcedilAtildeO DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS CIDADAtildeOS Art 4ordm 1789) Ainda segundo a Declaraccedilatildeo cidadatildeo livre eacute aquele que sabe respeitar e participar das decisotildees coletivas gozando dos direitos naturais a fim de melhorar a proacutepria vida e a da comunidade O desrespeito agraves pessoas ao Estado ou as instituiccedilotildees gera negaccedilatildeo agrave cidadania portanto exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo

55 Por conscientizaccedilatildeo compreende-se o ldquodevir progrediente da consciecircncia eacutetico-criacutetica

intersubjetivamente solidaacuteria como exerciacutecio da razatildeo discursivo-criacutetica que comunitariamente aprende a argumentar (criando novos argumentos) contra a argumentaccedilatildeo dominanterdquo (DUSSEL 2002 p 467)

107

objetivos comuns se tem mais poder poliacutetico do que o quadro de segregaccedilatildeo

ou desordem social A competitividade individualista entre membros de uma

mesma sociedade por exemplo eacute uma postura que leva ao enfraquecimento

do grupo

Na concepccedilatildeo de cidadania de Bernardo Toro o cidadatildeo eacute pensado

em sua subjetividade como o sujeito que vive em comunidade nela se

constitui enquanto sujeito-eacutetico e se responsabiliza com a condiccedilatildeo de vida

digna para todos (TORO 2004) A subjetividade eacute compreendida enquanto um

conceito mais amplo ao da cidadania Pode ser uma compreensatildeo do sujeito

enquanto um organismo bioloacutegico que preserva e valoriza as suas

singularidades sem desconectaacute-lo do universo social Eacute a sua intervenccedilatildeo no

mundo seu fazer histoacuterico e cultural que o transforma ao mesmo tempo em

que ele transforma o mundo A subjetividade portanto eacute relaccedilatildeo soacute pode ser

desenvolvida com o outro eacute o domiacutenio das sensaccedilotildees das percepccedilotildees da

consciecircncia de cada sujeito individual (CASTELEIRO 2001)

A formaccedilatildeo do sujeito social aquele que se sente pertencente a um

grupo voltado ao bem comum eacute o princiacutepio da consciecircncia criacutetica na obra de

Paulo Freire

A concepccedilatildeo ldquosolidaristardquo das classes sociais no entanto suponha a conscientizaccedilatildeo do trabalhador natildeo como classe mas como sujeito de dignidade humana Eacute nesta tarefa que Paulo Freire vai trabalhar por meio da Pedagogia Criacutetica (ALMEIDA 2009 p 23)

A solidariedade portanto natildeo eacute considerada uma praacutetica

assistencialista mas a conscientizaccedilatildeo do dever poliacutetico pela vida digna em

comunidade Segundo Paulo Freire a passividade inerente ao assistencialismo

eacute perversa

O grande perigo do assistencialismo estaacute na violecircncia do seu antidiaacutelogo que impondo ao homem mutismo e passividade natildeo lhe oferece condiccedilotildees especiais para o desenvolvimento ou a ldquoaberturardquo de sua consciecircncia que nas democracias autecircnticas haacute de ser cada vez mais criacuteticas [] O

108

assistencialismo faz de quem recebe a assistecircncia um objeto passivo sem possibilidade de participar do processo de sua proacutepria recuperaccedilatildeo (FREIRE 2001 p 65)

No entanto natildeo se pode descartar qualquer atividade assistencial

Embora Dussel reafirme a colocaccedilatildeo ele tambeacutem faz a ressalva de que a

solidariedade assistencial aos que tecircm fome por exemplo eacute uma atitude que

pode salvar vidas na medida em que natildeo seja negada o de comer aos

famintos pois isto seria o mesmo que negar-lhes a vida De fato para que

haja justiccedila solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a

ordem estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se

converta em lsquopossibilidade de viverrsquo e viver melhor (DUSSEL 2002 p 382)

A relaccedilatildeo eacutetica na convivecircncia solidaacuteria natildeo ocorre entre um sujeito

que domina e um sujeito dominado tampouco em uma relaccedilatildeo vertical ou

unilateral Ela se daacute horizontalmente entre um e outro na tomada de

consciecircncia do outro na responsabilidade que se apresenta como a ideia

central da eacutetica da vida a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash

nasce da responsabilidade pelo outro (Ibidem p 371) Leacutevinas propotildee uma

releitura do sujeito e parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o

outro pelo outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser

social que tem obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas A razatildeo eacutetica nasce da

responsabilidade pelo outro onde a proacutepria liberdade do eu eacute facilitada pela

oportunidade dialoacutegica de um-com-o-outro num movimento interior de

identificaccedilatildeo direta exteriorizado em atitude de responsabilidade cuidado con-

vivecircncia Este eacute o sentido da solidariedade e da fraternidade Estar com o

outro enquanto possibilidade de Leacutevinas (1982) remete agrave consciecircncia de

ldquoestar com o mundordquo em Freire

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p 40)

109

A construccedilatildeo histoacuterica marcada por Freire eacute fruto da relaccedilatildeo que se

estabelece entre um e outro pela relaccedilatildeo face-a-face56 na proximidade no

diaacutelogo cujo sentido primordial e uacuteltimo eacute a responsabilidade (JONAS 2006)

Ao inveacutes de o indiviacuteduo agir com o outro eacute a descoberta do outro que lhe deve

impor a conduta adequada pois o homem soacute se realiza em relaccedilatildeo ao outro e

por esta via se estabelece tambeacutem a relaccedilatildeo de poder Neste sentido a

concepccedilatildeo de responsabilidade de ancorar-se na solidariedade revelando um

compromisso necessaacuterio onde a outra face evoca a responsabilidade eacutetica

para com ela O outro trazido por Leacutevinas mais radicalmente na figura do rosto

eacute o que daacute sentido agrave relaccedilatildeo diante da nudez do rosto da fome da pobreza da

violecircncia encontra-se a responsabilidade-solidaacuteria Esse desencadeamento

pode ocorrer pela palavra pela comunicaccedilatildeo onde o diaacutelogo eacute condiccedilatildeo eacute

necessidade existencial (FREIRE 1979) Por meio do diaacutelogo o homem

estabelece a sua relaccedilatildeo com o outro reciacuteproca de igualdade Por meio do

antidiaacutelogo o outro eacute dominado submetido agrave condiccedilatildeo-objeto que anula a sua

existecircncia e a possibilidade de criaccedilatildeo do novo Um e outro natildeo produzem algo

juntos natildeo se enriquecem apenas sofrem um contato unilateral onde a

indiferenccedila e a negaccedilatildeo da existecircncia do outro impera

Em Pedagogia do oprimido Freire apresenta o diaacutelogo enquanto

exigecircncia constitutiva da natureza humana pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees quer sejam elas de reciprocidade cumplicidade ou autoritaacuterias

dominadoras A dialogicidade eacute essencial na educaccedilatildeo problematizadora pois

permite a libertaccedilatildeo Assim como em Dussel o diaacutelogo freireano aponta para a

experiecircncia eacutetica de estar com o outro e dessa relaccedilatildeo pode-se elaborar a

consciecircncia criacutetica Natildeo haacute sujeitos e objetos mas sim sujeitos trabalhando

juntos Eacute neste sentido que se compreende que a proximidade do outro deve

perturbar deve provocar uma reaccedilatildeo natildeo de repulsa nem de superioridade

mas tampouco de indiferenccedila pois esta revela uma postura de negaccedilatildeo agrave vida

portanto antieacutetica Daiacute a relevacircncia atenta da solidariedade ser qualificada

pela alteridade pela responsabilidade

56

O face a face eacute a experiecircncia eacutetica no pensamento de Leacutevinas que fundamenta a possibilidade de universalizaccedilatildeo da razatildeo levantando a questatildeo da pretensatildeo de universalidade da razatildeo ontoloacutegica

110

Leacutevinas aponta trecircs significados para responsabilidade a reaccedilatildeo ao

outro de uma forma indeclinaacutevel o segundo como uma reaccedilatildeo a partir de noacutes

mesmos agrave outra pessoa e o terceiro sobre a reaccedilatildeo para o outro no sentido de

nos substituirmos pela outra pessoa em suas responsabilidades No limite o

que se chama ldquoliberdaderdquo eacute na verdade uma resposta agraves reaccedilotildees de

responsabilidades (LEacuteVINAS 1988) A responsabilidade em Leacutevinas une as

pessoas de tal maneira que cada um deve se sentir responsaacutevel pelo outro

com o outro como se a si mesmo sabendo que a sua proacutepria responsabilidade

ningueacutem iraacute assumir A responsabilidade pessoal eacute pelo cuidado com a do

outro a ponto de devermos ser solidaacuterios e nos colocar no lugar do outro quer

seja dominado ou dominador Em Dussel a responsabilidade tambeacutem constitui

solidariedade pela alteridade numa composiccedilatildeo de tomada de consciecircncia e

praacutexis Eacute o outro que determina o que deve ser feito

Quem estabelece a relaccedilatildeo de solidariedade que tem cordialidade com o miseraacutevel (miseri-coacuterdia) supera a fraternidade da amistosidade no sistema e se arrisca a abrir-se ao vasto campo da Alteridade que se origina por uma ldquoresponsabilidade pelo Outrordquo preacute-ontoloacutegica A solidariedade meta-fiacutesica ou eacutetica eacute anterior ao despregar-se do mundo (ontoloacutegico) como horizonte onde se toma a ldquodecisatildeordquo de ajudar ou natildeo o Outro Mas quem se ajuda ou natildeo ao Outro no efetuar-se empiacuterico da solidariedade natildeo evita que jaacute sempre antes se era responsaacutevel pelo Outro O que natildeo ajuda trai essa responsabilidade preacute-ontoloacutegica De maneira que haveraacute uma solidariedade a priori preacute-ontoloacutegica e um efetuar trans-ontoloacutegico empiacuterico da solidariedade concreta ldquoDei patildeo ao famintordquo (do Livro dos mortos egiacutepcio) (DUSSEL 2005 p 19 traduccedilatildeo livre57)

Cada indiviacuteduo torna-se sujeito ator e criador na medida em que

assume a consciecircncia de sua experiecircncia com o mundo em que vivencia

57

ldquoEl que establece la relacioacuten de solidaridad que tiene cordialidad con el miserable (miseri-cordia) supera la fraternidad de la amistad en el sistema y se arriesga a abrirse al ancho campo de la Alteridad que se origina por una lsquoresponsabilidad por el Otrorsquo pre-ontoloacutegica La solidaridad meta-fiacutesica o eacutetica es anterior al desplegarse del mundo (ontoloacutegico) como horizonte en donde se toma la lsquodecisioacutenrsquo de ayudar o no al Otro Pero el que se ayude o no al Otro en el efectuarse empiacuterico de la solidaridad no evita que ya siempre antes se era responsable por el Otro El que no lo ayuda traiciona esa responsabilidad pre-ontoloacutegica De manera que habraacute una solidaridad a priori pre-ontoloacutegica y un efectuar trans-ontoloacutegico empiacuterico de la solidaridad concreta lsquoDi pan al hambrientorsquo (del Libro de los muertos egipcio)rdquo (DUSSEL 2005 p 19)

111

conscientemente a sua dimensatildeo social O homem eacute essencialmente um ser-

para-o-outro estabelecendo relaccedilotildees culturais temporais de poder de

exploraccedilatildeo mas sobretudo de responsabilidade Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria bom para o outro antes mesmo de sentir que se estaacute

fazendo o bem pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar de fato o outro numa

aproximaccedilatildeo permissiva

Se a nossa opccedilatildeo eacute progressista se estamos a favor da vida e natildeo da morte da equidade e natildeo da injusticcedila do direito e natildeo do arbiacutetrio da convivecircncia com o diferente e natildeo da sua negaccedilatildeo natildeo temos outro caminho senatildeo viver plenamente a nossa opccedilatildeo Encarnaacute-la diminuindo assim a distacircncia entre o que fizemos e o que fazemos

Desrespeitando dos fracos enganando os incautos ofendendo a vida explorando os outros discriminando o iacutendio o negro a mulher natildeo estarei ajudando meus filhos a serem seacuterios justos e amorosos da vida e dos outros (FREIRE 2000 p 67)

Nesta passagem uacuteltimo escrito dias antes de sua morte Paulo Freire

fala do respeito e do reconhecimento do outro como algo que eacute fundamental

para o desenvolvimento da responsabilidade ndash comprometimento valor

fundamental para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e poliacutetico Ela se daacute na relaccedilatildeo

dialeacutetica de enfrentamento onde outros respondem pelos outros pois natildeo haacute

maneira de viver em sociedade de forma neutra uma vez que ateacute mesmo a

acomodaccedilatildeo implica em intervenccedilatildeo na realidade na medida em que contribui

para manter as coisas como estatildeo (FREIRE 1996 p 43) Ser responsaacutevel pela

vida do outro significa ao mesmo tempo ter consciecircncia de que essa

responsabilidade eacute intransferiacutevel e infinita (LEacuteVINAS 1982) Santos aponta

dois problemas centrais sobre este aspecto o do silecircncio e o da diferenccedila O

silecircncio como sendo o silenciamento da cultura dominada algumas vezes

dizimadas pelo colonialismo Daiacute a dificuldade de se imprimir um diaacutelogo

intercultural cujo maior desafio seria o de ldquofazer o silecircncio falar de uma

maneira que produza autonomia e natildeo reproduccedilatildeo do silenciamentordquo

(SANTOS B S 2007 p 55) A diferenccedila o outro desafio deve ser pensada

para aleacutem da reciprocidade porque parte da incomensurabilidade Em outras

palavras num diaacutelogo intercultural ldquonatildeo serve uma poliacutetica nem hegemocircnica

112

nem fundamentalista o semelhante muitas vezes buscado eacute sempre ponto de

partida natildeo de chegadardquo (SANTOS B S 2007 p 56)

Desta forma pensar a solidariedade como praacutetica curricular educativa

implica em criar experiecircncias onde seja possiacutevel perceber a presenccedila do outro

e a partir dele o que deve ser feito para que a sua dignidade seja garantida

num conceito que Santos chama de inovaccedilatildeo teoacuterica onde seja possiacutevel

ldquoconstruir a emancipaccedilatildeo a partir da relaccedilatildeo entre o respeito da igualdade e o

princiacutepio do reconhecimento da diferenccedilardquo (Ibidem p 62) pois na relaccedilatildeo face

a face o outro natildeo eacute simplesmente um diferente mas sim uma viacutetima do

sistema-mundo que o nega violentamente negando-lhe a dignidade como

modo de vida Neste sentido eacute preciso aprender a olhar o outro natildeo como um

estrangeiro um estranho que se pode negar e ateacute mesmo excluir contribuindo

para se manter o status quo

Na construccedilatildeo de Freire tal pensamento nos remete agrave discriminaccedilatildeo

fruto desse comportamento como um mal-social que deve ser banido

Aceitar e respeitar a diferenccedila eacute uma dessas virtudes sem o que a escuta natildeo se pode dar Se discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o menino iacutendio a menina rica se discrimino a mulher a camponesa a operaacuteria natildeo posso evidentemente escutaacute-las e se natildeo as escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixo Sobretudo me proiacutebo entendecirc-los Se me sinto superior ao diferente natildeo importa quem seja recuso-me escutaacute-lo ou escutaacute-la O diferente natildeo eacute o outro a merecer respeito eacute um isto ou aquilo destrataacutevel ou despreziacutevel (FREIRE 1996 p 120-121)

Em Dussel a distinccedilatildeo entre o eu e o outro eacute constitutiva da eacutetica da

vida A metafiacutesica da alteridade pensar o outro a partir de sua outridade da

sua realidade eacute ponto de partida na filosofia da libertaccedilatildeo Dussel aponta como

contraditoacuteria a filosofia centrada em um soacute ser e decide partir do outro da

viacutetima da exterioridade abrindo caminho para a libertaccedilatildeo para uma visatildeo

poacutes-colonialista A Eacutetica da Libertaccedilatildeo em 1998 foi uma proposta de

adensamento de sua primeira fase (1970) material e fenomenoloacutegica na qual

a partir do marxismo posicionou-se contra a hegemonia da globalizaccedilatildeo

113

perversa O princiacutepio vital da eacutetica constitui em trecircs momentos 1) a produccedilatildeo

da vida humana em consciecircncia autoconsciecircncia funccedilotildees linguiacutesticas e

responsabilidade eacutetica 2) o momento da reproduccedilatildeo da vida humana nas

instituiccedilotildees e valores culturais 3) o desenvolvimento dessa vida nas

instituiccedilotildees e culturas histoacutericas da humanidade De acordo com este criteacuterio

material a eacutetica adquire um caraacuteter universal A razatildeo que preside a esse

princiacutepio vida eacute a razatildeo praacutetico-material que transforma o dever ser em um

dever-viver que ser pensado desta maneira a exigecircncia de produccedilatildeo

reproduccedilatildeo e desenvolvimento da vida humana

A Eacutetica deve ser entendida como uma accedilatildeo em favor do outro

afirmando a dignidade humana individual e coletiva onde em uacuteltima instacircncia

natildeo deve ser confirmada em situaccedilotildees de natildeo-vida A comunidade humana

sempre incorre na exclusatildeo do outro tanto no momento da fala como no

acesso aos meios de produccedilatildeo Esta alteridade pensada enquanto uma

comunidade de excluiacutedos natildeo eacute privada da razatildeo mas deteacutem outras razotildees

as quais interpelam expotildee sua exterioridade propugnando pela inclusatildeo

imperiosa ndash muitas vezes essa questatildeo diz respeito a casos de vida ou morte ndash

na comunidade de acordo com a justiccedila

Estar atento agrave vida eacute um conhecimento a ser apreendido social

intercultural e historicamente que deve partir de um processo educativo

pautado pela construccedilatildeo da alteridade e guiado pela eacutetica Neste sentido a

formaccedilatildeo baacutesica natildeo pode estar apenas centrada na re-produccedilatildeo teacutecnica e

cientificista de um conhecimento que regula e corrobora com a ordem

estabelecida A consciecircncia solidaacuteria implica no exerciacutecio da responsabilidade

da consciecircncia criacutetica e mais ainda da tomada de atitude Ao que Freire se

referia como ldquoeducaccedilatildeo bancaacuteriardquo58 propotildee uma educaccedilatildeo poliacutetica

contextualizada criacutetica a partir da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo elaborado em

conjunto com a comunidade onde os alunos possam se envolver em

problemas sociais reais como forma de preparaccedilatildeo

58

Aquela em que natildeo haacute questionamento ou criticidade e o conteuacutedo eacute ldquodepositadordquo no estudante para que ele possa acumulaacute-lo e temporariamente eacute aplicada uma verificaccedilatildeo para saber quanto o aluno sabe se estaacute conseguindo memorizar com sucesso

114

A noccedilatildeo de exterioridade de Leacutevinas e Dussel complementa a ideia de

educaccedilatildeo problematizadora em Freire na medida em que a libertaccedilatildeo do

oprimido constitui a justiccedila e pode promover a abertura eacutetica A justiccedila natildeo eacute

um ato de concessatildeo dentro da totalidade mas uma exigecircncia que parte da

exterioridade que deveraacute ser pensada em sua realidade concreta Eacute preciso

insistir este saber necessaacuterio ao professor ndash que ensinar natildeo eacute transferir

conhecimento ndash natildeo apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos

nas suas razotildees de ser ndash ontoloacutegica poliacutetica eacutetica epistemoloacutegica pedagoacutegica

ndash mas tambeacutem precisa ser constantemente testemunhado vivido (FREIRE

1996 p 27)

Contrapondo-se assim como Freire a uma educaccedilatildeo bancaacuteria Dussel

aposta na conscientizaccedilatildeo no conhecimento que emancipa como pedagogia

da libertaccedilatildeo O conhecimento-solidariedade de Santos como foi dito natildeo se

restringe agrave formaccedilatildeo tecnicista-cientificista que tem como meta o fortalecimento

da cadeia produtiva que submete a humanidade agrave participaccedilatildeo esvaziada de

percepccedilatildeo de consciecircncia poliacutetica A discrepacircncia insiste na realidade

contraditoacuteria em que convivemos entre situaccedilotildees de progressos em relaccedilatildeo ao

direito agrave igualdade e emancipaccedilatildeo dos povos como a Carta da Terra59

enquanto ainda vivenciamos uma ciecircncia voltada ao controle do status quo

reproduzindo a assimetria que natildeo facilmente deixaraacute de existir haja vista que

natildeo haacute somente conhecimento-emancipaccedilatildeo e conhecimento-regulaccedilatildeo mas

sim uma tensatildeo que os manteacutem vivos (SANTOS B S 2009)

Eacute neste sentido que a eticidade do projeto pedagoacutegico deve estar

pautada na solidariedade que parte do princiacutepio do reconhecimento do outro

como igual e igualmente produtor de conhecimento (Ibidem p 246) Desta

forma eacute que se deve criar espaccedilos onde o comprometimento dos alunos em

resolver problemas sociais reais em atuar socialmente onde esta seja a

ldquomateacuteriardquo organizada coletivamente para transformar uma ordem social com a

qual natildeo se concorda em favor da vida comunitariamente vivida Natildeo se trata

de uma formaccedilatildeo para o bem estar da vida privada individual descolada de

um contexto social cultural poliacutetico mas sim de uma tomada de consciecircncia

59

A Carta da Terra um dos mais relevantes documentos interculturais do seacuteculo XXI seraacute tratada no capiacutetulo III

115

criacutetica e responsaacutevel para quebrar a loacutegica da regulaccedilatildeo da desigualdade como

ldquocondiccedilatildeo naturalrdquo da humanidade

116

CAPIacuteTULO III

117

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE

A partir da concepccedilatildeo de solidariedade apresentada no Capiacutetulo II

como pode ser organizado o curriacuteculo enquanto espaccedilo e tempo de formaccedilatildeo

do conhecimento-emancipaccedilatildeo de experiecircncia de praacutetica da alteridade de

praacutetica eacutetico-criacutetica de consciecircncia poliacutetica ndash solidariedade Esta questatildeo seraacute

o fio condutor deste capiacutetulo no qual apresentaremos o conceito de curriacuteculo

sobretudo caminhando em direccedilatildeo agrave praacutetica curricular para chegarmos a uma

reflexatildeo sobre a qualidade da educaccedilatildeo pensada para o desenvolvimento de

uma sociedade mais justa e democraacutetica

1 O conceito de curriacuteculo

O termo curriacuteculo vem do latim currere curriculum que significa

percurso curso Pode ser tambeacutem compreendido enquanto ldquoordem como

sequecircnciardquo e ldquoordem como estruturardquo

O primeiro tratado atribuiacutedo ao curriacuteculo campo de conhecimento foi

elaborado por Franklin Bobbit The curriculum (em 1918) e posteriormente

How to make the curriculum em 1924 (SILVA T T 2011) Os estudos da

eacutepoca definiam qual deveria ser a relaccedilatildeo entre a estrutura do curriacuteculo e o

controle social em um periacuteodo histoacuterico marcado por um crescente processo

de industrializaccedilatildeo divisatildeo do trabalho e ecircxodo rural na formaccedilatildeo dos grandes

centros urbanos Bobbitt e Taylor apresentavam como referencial de educaccedilatildeo

os modelos de ldquoeficiecircnciardquo importados do mundo empresarial padronizaccedilatildeo

homogeneizaccedilatildeo mecanizaccedilatildeo treinamento instruccedilatildeo (Ibidem) A escola

puacuteblica obrigatoacuteria e gratuita foi criada para atender a demanda da era

118

industrial seguindo o mesmo modelo com o intuito de formar matildeo de obra

qualificada para esse mercado emergente de trabalho

Ralph Tyler em 1949 apresentou o paradigma curricular baseado na

ideia de organizaccedilatildeo e desenvolvimento e dominou a compreensatildeo de

curriacuteculo em diversos paiacuteses inclusive EUA e Brasil Segundo Tyler o

desenvolvimento curricular deve responder a quatro questotildees norteadoras a)

quais os objetivos que a escola quer atingir b) quais experiecircncias pedagoacutegicas

podem levaacute-la a atingir esses objetivos c) como elas podem ser organizadas e

d) como saber se os objetivos estatildeo sendo alcanccedilados (SILVA T T 2011 p

24-25)

Percebe-se um foco ajustado ao desenvolvimento e aplicaccedilatildeo e desta

forma sugere a padronizaccedilatildeo do meacutetodo Para tanto o curriacuteculo era centrado

na aplicaccedilatildeo de mateacuterias e verificaccedilatildeo de resultados natildeo se levava em conta

as caracteriacutesticas pessoais dos alunos os aspectos socioculturais e

econocircmicos e tambeacutem natildeo havia criacutetica em relaccedilatildeo ao conteuacutedo que era

ensinado Neste sentido pode-se dizer que o modelo tradicional restringia-se agrave

teacutecnica de como fazer o curriacuteculo contribuindo para se manter o status quo

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt (de Adorno

Marcuse entre outros) em meados do seacuteculo XX comeccedilou a questionar a

defesa desse curriacuteculo hegemocircnico em relaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo da desigualdade

social buscando superar os limites do positivismo ao determinismo baseados

na teoria criacutetica A Escola de Frankfurt faz uma criacutetica analiacutetica a essa

distribuiccedilatildeo de capital cultural (valores atitudes normas sociais) que satildeo

impostos como legiacutetimos pelas classes dominantes A cultura eacute vista natildeo

apenas como uma expressatildeo ideoloacutegica senatildeo como uma reguladora de poder

Assim a escolarizaccedilatildeo apenas como preparaccedilatildeo da classe trabalhadora (e

consumidora) para o trabalho industrial e teacutecnico seraacute questionada

Teoacutericos como Michael Apple Henry Giroux Paulo Freire entre outros

inspiram-se sobretudo em Marx para pontuar a construccedilatildeo de um curriacuteculo

criacutetico ao sistema de reproduccedilatildeo hegemocircnica existente A cultura dominante

que ateacute entatildeo imprimia o seu padratildeo ideoloacutegico tornando-o internalizado na

sociedade sem restriccedilotildees passa a ser revelada como doutrinadora

119

colonizadora O ponto central estaacute em natildeo permitir que as classes dominantes

a lei do consumo decida a dinacircmica social

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aulas do paiacutes Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo que algum grupo tem do que seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Apple iraacute propor uma nova maneira de organizar o curriacuteculo

contrapondo-se ao modelo tradicional que apenas estava focado em garantir

que o conhecimento fosse aplicado aos alunos Para tal estruturaccedilatildeo a

pergunta que buscava responder natildeo era ldquocomordquo mas sim ldquopor quecircrdquo ou

melhor ainda ldquopor quemrdquo ldquotrata-se de um conhecimento organizado por

quemrdquo ldquointeressa a quem que seja dessa forma aprendidordquo (APPLE 1982

1989)

Em teorias mais recentes o componente do multiculturalismo e

posteriormente o interculturalismo atribuiacuteram um resgate ao conceito

ldquohumanordquo no processo de formaccedilatildeo Trata-se de considerar identidades

diferenccedilas eacutetnicas raciais culturais como constituintes inerentes ao processo

educativo Neste sentido surge um novo posicionamento e novos

questionamentos ldquocomo a construccedilatildeo da identidade e da diferenccedila estaacute

vinculada a relaccedilotildees de poder Como a identidade dominante tornou-se a

referecircncia invisiacutevel atraveacutes da qual se constroem as outras identidades

subordinadasrdquo (SILVA T T 2011 p 102)

Esses debates ganham espaccedilo em um contexto histoacuterico marcado pela

emergecircncia da democracia Na teorizaccedilatildeo criacutetica de curriacuteculo a cultura natildeo eacute

vista como um conjunto de conhecimentos acumulados que precisam ser

transmitidos de acordo com os valores vigentes e criteacuterios didaacuteticos de

transmissatildeo de informaccedilatildeo e verificaccedilatildeo do que foi memorizado Haacute uma

concepccedilatildeo de cultura em seu sentido inacabado contemporacircneo ao seu

tempo histoacuterico e social Segundo Moreira e Silva

120

a visatildeo tradicional da relaccedilatildeo entre cultura e educaccedilatildeocurriacuteculo natildeo vecirc o campo cultural como um terreno contestado Na concepccedilatildeo criacutetica natildeo existe uma cultura da

sociedade unitaacuteria homogecircnea e universalmente aceita e praticada e por isso digna de ser transmitida agraves futuras geraccedilotildees atraveacutes do curriacuteculo Em vez disso a cultura eacute vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta Nessa visatildeo a cultura eacute o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepccedilotildees de vida social eacute aquilo pelo qual se luta e natildeo aquilo que recebemos (2001 p 27)

Sendo assim para que haja espaccedilo a ser construiacutedo eacute preciso haver

contextualizaccedilatildeo eacute preciso considerar uma proposta educativa pensada na

formaccedilatildeo como instrumento capaz de favorecer os meios para a compreensatildeo

criacutetica e por esta via a emancipaccedilatildeo Um dos movimentos desta tendecircncia eacute o

de vincular o curriacuteculo agrave construccedilatildeo de cidadania por meio de projetos nos

quais os alunos participam de atividades de intervenccedilatildeo social Esta eacute uma das

maneiras senatildeo a mais eficaz para produzir conhecimento-emancipaccedilatildeo No

entanto como ressaltam Moreira e Silva eacute preciso cuidar pois natildeo satildeo

quaisquer atividades que promovem a formaccedilatildeo criacutetica Estar disposto a criar

situaccedilotildees educacionais a partir do contexto social real pode ser tambeacutem um

bom caminho para o desenvolvimento do conhecimento-regulaccedilatildeo podendo

corroborar com a formaccedilatildeo para a cidadania que fortalece o status quo

(POPKEWITZ apud MOREIRA SILVA 2001 p 34)

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade

A pedagogia criacutetica comprometida com a construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo regula-se em experiecircncias de aprendizagem onde as

contradiccedilotildees sociais sejam campo de estudo e formaccedilatildeo eacutetica por meio do

qual seja possiacutevel quando de acordo com a proposta pedagoacutegica dar voz para

121

aqueles que sempre satildeo silenciados ao inveacutes de falar por eles ou sobre eles

(GIROUX SIMON 2001)60

Para isso eacute preciso superar o curriacuteculo acadecircmico tecnoloacutegico

centrado na produccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico-cientiacutefico que propicia o

controle social Apoiado na proposta criacutetica estaacute a concepccedilatildeo de um curriacuteculo

cujo objetivo principal eacute a transformaccedilatildeo social Nesse sentido a experiecircncia

da aprendizagem eacute marcada pela percepccedilatildeo de que enquanto sujeito poliacutetico

social e eacutetico o homem pode transformar a realidade com a qual natildeo concorda

mudando o curso da histoacuteria Para isso o que se aprende na escola deve ser

para propiciar a consciecircncia de que nada estaacute posto e acabado a

compreender a estudar os problemas que enfrentamos nos dias atuais

integrando as diferentes dimensotildees que constituem o ser humano para aleacutem do

desenvolvimento cognitivo Dentro da abordagem de curriacuteculo

reconstrucionista social (McNEIL apud SANTOS A 2009) homem e mundo

satildeo concebidos de forma interativa e a educaccedilatildeo eacute compreendida como um

agente social que promove a mudanccedila promovendo reflexotildees sobre o contexto

social ao qual o educando estaacute inserido

Sob o norte da emancipaccedilatildeo do indiviacuteduo o curriacuteculo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situaccedilotildees-problema vividos pela comunidade Por conseguinte natildeo prioriza somente os objetivos e conteuacutedos universais sua preocupaccedilatildeo natildeo reside na informaccedilatildeo e sim na formaccedilatildeo de sujeitos histoacutericos cujo conhecimento eacute produzido pela articulaccedilatildeo da reflexatildeo e praacutetica no processo de apreensatildeo da realidade

Enfatizando as relaccedilotildees sociais amplia seu acircmbito de accedilatildeo para aleacutem dos limites da sala de aula introduzindo o educando em atividades na comunidade incentivando a participaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo (SANTOS A 2009 p 127)

60

A respeito da referecircncia ao uso da pedagogia criacutetica ou do pensamento criacutetico nesta tese vale lembrar que estamos nos referindo agrave filosofia de pensadores como Henry Giroux e Paulo Freire que tem por princiacutepio a justiccedila social Portanto se trata do pensamento criacutetico proveniente da construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo Isso porque ldquoos procedimentos criacuteticos [] satildeo historicamente desenvolvidos em solidariedade com os proacuteprios conteuacutedos dos diferentes ramos do conhecimento que integram o curriacuteculo escolarrdquo (CARVALHO 2013 p 123)

122

O curriacuteculo neste caso deve confrontar e desafiar o educando frente

aos temas sociais visando preparaacute-lo para o desenvolvimento progressivo de

toda a coletividade Para que isso ocorra eacute preciso pensar em propostas que

superem a organizaccedilatildeo curricular acadecircmica distanciada da vida em

comunidade e aproximem-se do compromisso de interferir e lidar com

diferentes espaccedilos e processos de formaccedilatildeo e padrotildees culturais Para se

desafiar a ordem social buscando constituir uma sociedade mais democraacutetica

a escola deve criar meios para propiciar aos alunos conhecimentos mas

tambeacutem caraacuteter postura eacutetica e poliacutetica para que sua formaccedilatildeo possa constituir

sua personalidade ciacutevica (GIROUX 1999) Este direcionamento criacutetico eacute

fundamental para que os alunos possam reconhecer as implicaccedilotildees poliacuteticas

de suas experiecircncias reconhecendo-se assim sujeitos no processo de

construccedilatildeo de conhecimento

A realidade natildeo deve ser algo distante fora da escola mas estar no

curriacuteculo de maneira que os alunos aprendam por meio dela transformando-a

num movimento curricular integrado e articulado com a sociedade O

conhecimento neste caso natildeo eacute compreendido enquanto objeto estanque que

pode ser decorado e descartado apoacutes a verificaccedilatildeo do processo de

memorizaccedilatildeo Ao contraacuterio ele deve ser produzido em meio a contradiccedilotildees

levando em conta as formas culturais existentes as tensotildees poliacuteticas para

propiciar a aprendizagem com intenccedilatildeo emancipadora Conhecendo a

realidade que os cerca os jovens podem transformar conhecimento abstrato

em experiecircncias concretas de aprendizagem tendo contato com problemas

reais da sociedade diferentes culturas desigualdades contradiccedilotildees faltas e

excessos o que lhes permite formar a sua proacutepria visatildeo de mundo

Em contraponto ao curriacuteculo tradicional agrave rigidez estrutural de um

curriacuteculo formatador e reprodutor cultural estaacute a construccedilatildeo social formativa

que natildeo acontece somente nos espaccedilos escolares mas sobretudo em outras

fontes de relaccedilotildees sociais ampliando a percepccedilatildeo de curriacuteculo natildeo a

restringindo a disciplinas e conteuacutedos curriculares mas considerando

tambeacutem a formaccedilatildeo eacutetica e social a pedagogia ou formas de organizar os

saberes escolares e as avaliaccedilotildees Neste sentido o saber para a emancipaccedilatildeo

123

e libertaccedilatildeo eacute valorizado numa formataccedilatildeo poliacutetica da escola transpondo o

universo da sala de aula visionando uma educaccedilatildeo para a vida

Henry Giroux eacute um teoacuterico que trabalha as questotildees poliacuteticas e

culturais do curriacuteculo Em sua obra eacute central a ideia de emancipaccedilatildeo por meio

da esfera puacuteblica democraacutetica o intelectual transformador e a voz A escola eacute

compreendida enquanto participante da vida social e seus professores devem

exercer o papel de ldquointelectuais transformadoresrdquo natildeo mais de centralizadores

de conhecimento O conceito de voz exprime o caraacuteter poliacutetico na medida em

que dar voz significa dar poder dar voz para quem a vida toda lhe foi negado o

direito O curriacuteculo estaacute construiacutedo em meio a significados e valores culturais

ou seja natildeo eacute apenas a seleccedilatildeo de conteuacutedos que definem um curriacuteculo mas

sim a possibilidade de se ter um local vivo onde se produzem e reproduzem

significados sociais

Natildeo eacute portanto um curriacuteculo construiacutedo segundo uma base

instrucional ou tecnocraacutetica ao que Giroux chama de ldquopedagogias gerenciaisrdquo

Estas se referem agrave tendecircncia cada vez maior de reduzir a autonomia do

professor embutindo ldquopacotesrdquo curriculares que reduzem a praacutetica pedagoacutegica

agrave adoccedilatildeo de determinados procedimentos para a transmissatildeo de determinados

conteuacutedos

Essas pedagogias ignoram as questotildees referentes agrave especificidade cultural ao julgamento do professor e agrave forma como as experiecircncias e as histoacuterias de vida dos estudantes se relacionam com o processo de aprendizagem [] Os administradores escolares acreditam que a excelecircncia eacute uma qualidade a ser exibida em notas mais altas de matemaacutetica leitura e outras disciplinas [] Simultaneamente tais administradores tambeacutem invocam as amarras da quantificaccedilatildeo como indicadores de sucesso (GIROUX 1999 p 18)

Para Giroux a educaccedilatildeo deve ser compreendida como um

compromisso de preparaccedilatildeo do aluno para participar e construir esferas

puacuteblicas democraacuteticas O curriacuteculo eacute portanto pensado para ampliar tempo e

espaccedilo por meio de novos arranjos articulaccedilotildees intersetoriais e a utilizaccedilatildeo da

124

cidade como espaccedilo educador61 porque contribui para o desenvolvimento local

e assume sua parte no processo educativo

3 A solidariedade e o saber compartilhado

Em meio agrave loacutegica da estrutura das cidades que temos atualmente onde

o interesse estaacute em se criar grandes espaccedilos de compras de circulaccedilatildeo de

bens e mercadorias e a convivecircncia eacute quase reduzida ao de vidas individuais

reduzidas por sua vez a consumidores (CARVALHO 2013) novos

paradigmas que desejam quebrar essa loacutegica como o de aprendizagem

colaborativa cidade educadora cidade sustentaacutevel e cidadania planetaacuteria tecircm

encontrado respaldo no desenvolvimento do conhecimento de forma plural

contextualizada onde a cidade eacute pensada como espaccedilo educador

Cidade educadora eacute um movimento iniciado em 1990 em Barcelona e

constitui-se em um conjunto de cidades que assumiu como objetivo comum

trabalhar juntas em atividades para melhorar a qualidade de vida de seus

habitantes62 O projeto tem como princiacutepio a escola como espaccedilo comunitaacuterio

trabalhar a cidade como grande espaccedilo educador promover o aprender na

cidade com a cidade e com as pessoas valorizar o aprendizado vivencial e

priorizar a formaccedilatildeo de valores (SOROCABA 2013)

Na concepccedilatildeo de cidade sustentaacutevel o desafio eacute o de se criar um

ambiente em que a vida seja viaacutevel para todos e para sempre segundo Tiatildeo

Rocha fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento pioneiro no

movimento das Cidades Sustentaacuteveis

61

No entanto como ressalva Padilha para que haja a ampliaccedilatildeo dos espaccedilos pedagoacutegicos que viabilizem projetos de educaccedilatildeo integral e para que ela de fato passe a ter condiccedilotildees de desenvolvimento e execuccedilatildeo eacute preciso continuar avanccedilando em poliacuteticas puacuteblicas Vale ponderar que o Estado natildeo pode delegar agrave sociedade as responsabilidades que lhe satildeo atribuiacutedas (PADILHA 2012 p 105-106)

62 A Rede Brasileira conta com a participaccedilatildeo de quatorze cidades sendo elas Belo Horizonte

Campo Novo do Parecis Caxias do Sul Dourados Jequieacute Montes Claros Porto Alegre Santiago Santo Andreacute Santos Satildeo Bernardo do Campo Satildeo Carlos Satildeo Paulo e Sorocaba (coordenadora)

125

Em ambos os movimentos a proposta eacute essencialmente poliacutetica e soacute

pode ser realizada a partir da construccedilatildeo de uma cultura integrada que

favorece a formaccedilatildeo da cidadania planetaacuteria na visatildeo do planeta como uma

sociedade mundial (GADOTTI 2000 p 135) onde adotar atitudes valores e

comportamentos estatildeo em sinergia com um projeto comum de cuidado com a

Terra Seu principal objetivo eacute ldquoa superaccedilatildeo das desigualdades eliminaccedilatildeo das

sangrentas diferenccedilas econocircmicas e a integraccedilatildeo intercultural da humanidade

enfim uma cultura de justipaz (a paz como fruto da justiccedila)rdquo (GADOTTI apud

PADILHA et al 2011 p 20) Neste sentido a cidadania planetaacuteria soacute poderaacute

ser vivenciada de fato em experiecircncias de educaccedilatildeo que transcenda a sala de

aula daiacute a necessidade de se considerar uma experiecircncia educativa

comprometida com a formaccedilatildeo cognitiva (ler escrever contar) mas que vaacute

aleacutem que promova o desenvolvimento social e poliacutetico Trata-se de um projeto

de aprender a valorizar as diferenccedilas utilizando a proacutepria cidade numa

proposta de ldquoeducaccedilatildeo na cidaderdquo como afirma Paulo Freire (GADOTTI 2009

p 45-46) Trata-se tambeacutem de se considerar a relevacircncia da solidariedade

como praacutetica curricular educativa como meio para o desenvolvimento da

educaccedilatildeo como precondiccedilatildeo de desenvolvimento e justiccedila social

Essa configuraccedilatildeo permite pensar toda a cidade enquanto um

ambiente colaborativo de aprendizagem um espaccedilo educativo a partir da

escola trazendo possibilidades ao curriacuteculo de se criar experiecircncias que

integrem as escolas aos espaccedilos compartilhados com pessoas diferentes

interesses diversos em um ambiente rico para se aprender a viver junto a

olhar o outro e re-conhecer as suas principais caracteriacutesticas e necessidades

suas forccedilas e fraquezas e o que pode ser feito para melhorar a vida da

comunidade Assim cidade e escola tornam-se um novo territoacuterio para a

construccedilatildeo da cidadania (GADOTTI 2009) Este eacute o cerne da educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria pois ela acontece em todos os espaccedilos dialoacutegicos

que permitam a construccedilatildeo de conhecimento Sua forma de expressatildeo de

transformar e ser transformado e a relaccedilatildeo dialoacutegica compotildeem a compreensatildeo

do aprender a viver junto vivendo junto cuidando-se

A Carta da Terra apresenta a proposta de ser um compromisso

internacional para a construccedilatildeo da cultura de paz e dignidade humana

126

adotando a educaccedilatildeo e a praacutetica solidaacuteria (alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica) como meio e objetivo para ser atingido em niacutevel global

[] devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo bem como com nossas comunidades locais Somos ao mesmo tempo cidadatildeos de naccedilotildees diferentes e de um mundo no qual as dimensotildees local e global estatildeo ligadas [] O espiacuterito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida eacute fortalecido quando vivemos com [] humildade em relaccedilatildeo ao lugar que o ser humano ocupa na natureza (Responsabilidade Universal da Carta da Terra) (CARTA DA TERRA 2013)

A ideia de vida em comunidade no documento vem com a

responsabilidade de promover o bem comum visando um modo de vida

sustentaacutevel que soacute seraacute conseguido por meio da consciecircncia poliacutetica da eacutetica

e da alteridade (solidariedade) na construccedilatildeo de um estado democraacutetico

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de

dezembro de 1948 Trata-se de um acordo internacional de humanidade poacutes

Segunda Guerra Mundial que apresenta logo em seu artigo primeiro a ideia

de que ldquotodas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo

dotadas de razatildeo e consciecircncia e devem agir em relaccedilatildeo umas agraves outras com

espiacuterito de fraternidaderdquo (DECLARACcedilAtildeO UNIVERSAL DOS DIREITOS

HUMANOS 1948) Mais adiante no artigo XXVI a Declaraccedilatildeo aborda

diretamente o tema da educaccedilatildeo

a instruccedilatildeo seraacute orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais A instruccedilatildeo promoveraacute a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e grupos raciais ou religiosos e coadjuvaraacute as atividades das Naccedilotildees Unidas em prol da manutenccedilatildeo da paz (Ibidem)

O texto pontua que a formaccedilatildeo precisa ser orientada no sentido de

garantir o pleno desenvolvimento do homem e seu preparo para a convivecircncia

produtiva e paciacutefica Significa dizer que as referecircncias educacionais que

127

podem ou natildeo influir nas praacuteticas curriculares nem sempre estatildeo circunscritas

no universo escolar

Tais documentos anunciam os desafios para a educaccedilatildeo na atualidade

voltando-se natildeo somente agrave aquisiccedilatildeo de saberes acumulados ou aqueles

medidos pelos exames externos e preparar para a vida democraacutetica como

tambeacutem lidando com relaccedilotildees culturas consumo poder Numa sociedade

planetaacuteria haacute cada vez mais a necessidade de se aprender a viver junto

Tentando compreender o real ndash o homem e o mundo ndash eacute preciso aprender as interdependecircncias que criam a necessidade de solidariedades Estas solidariedades natildeo pertencem ao mundo das boas intenccedilotildees mas resultam das dificuldades do nosso tempo Situam-se em niacuteveis

diferentes em comunidades de tamanhos diversos []

A coesatildeo social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do seacuteculo XX como aspiraccedilotildees e finalidades indissoluvelmente ligadas em harmonia com a dignidade humana O respeito pelos direitos do indiviacuteduo anda a par com o sentido de responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver juntos (GEREMEK 2001 p 228 grifos nossos)

O conhecimento natildeo pode ser isolado dos interesses e valores

humanos que dizem respeito agrave construccedilatildeo de um mundo melhor Neste

sentido o embasamento teoacuterico e pragmaacutetico da solidariedade enquanto

conhecimento sugere uma abordagem pedagoacutegica que incite e esteja apoiada

no desenvolvimento da capacidade de pensarem criticamente por meio de

vivecircncias propiciadas intencionalmente pela escola

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa

O conceito de praacutetica pode ter inuacutemeras interpretaccedilotildees Para Gimeno

Sacristaacuten o significado de praacutetica educativa estaacute imbricado ao de praacutetica

didaacutetica que envolve aleacutem do trabalho docente o proacuteprio curriacuteculo e eacute

diferente do de accedilatildeo Para o autor as formas de organizar o curriacuteculo muitas

128

vezes podem responder a exigecircncias institucionais mas as accedilotildees docentes

nem sempre conseguem influir no tempo espaccedilo dinacircmica e organizaccedilatildeo

curricular exercida pelos procedimentos de controle da proacutepria instituiccedilatildeo

Neste sentido muitas vezes as praacuteticas curriculares estabelecem os limites

para as accedilotildees docentes

A praacutetica educativa eacute algo mais do que a expressatildeo do ofiacutecio dos professores eacute algo que natildeo lhes pertence por inteiro mas um traccedilo cultural compartilhado [] algumas vezes em relaccedilotildees de complementariedade e de colaboraccedilatildeo e outras em relaccedilotildees de atribuiccedilotildees [] A praacutetica educativa tem sua gecircnese em outras praacuteticas que interagem com o sistema escolar e aleacutem disso eacute devedora de si mesma de seu passado (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 91)

Enquanto a praacutetica recebe mais fortemente a carga do ldquotraccedilo cultural

compartilhadordquo a accedilatildeo eacute um campo mais pessoal pertence ao agente

Portanto satildeo as praacuteticas curriculares que satildeo implementadas organizadas e

envolvem a seleccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos saberes escolares O curriacuteculo pensado

a partir das relaccedilotildees que estabelecem tem como base as experiecircncias

anteriores de cada um dos sujeitos envolvidos no processo que as revisitam e

corrigem o rumo das experiecircncias que ainda estatildeo por vir Desta forma satildeo as

praacuteticas jaacute existentes que influenciam na organizaccedilatildeo curricular e no meacutetodo

Nas escolas tradicionais a tendecircncia eacute manter a reproduccedilatildeo e existe a

continuidade cultural tanto em relaccedilatildeo aos processos quanto em relaccedilatildeo ao

conteuacutedo

Nas sociedades abertas espera-se maior renovaccedilatildeo daiacute o interesse

em natildeo se descartar a tradiccedilatildeo inerente mas fazecirc-la de uma nova forma

aperfeiccediloando-a (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) Inerentemente estaacute a

solidariedade enquanto conhecimento praacutetica curricular valor e haacutebito Natildeo eacute

possiacutevel pensaacute-la como uma disciplina Ela (a solidariedade) precisa estar

imbricada no curriacuteculo fazer parte das relaccedilotildees pedagoacutegicas que se

estabelecem e tecem o ambiente escolar habitualmente conferindo

autenticidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

129

Pierre Bourdieu em quem Gimeno Sacristaacuten apoia-se aqui define

habitus por

sistemas de disposiccedilotildees duraacuteveis estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes isto eacute como princiacutepio gerador e estruturador das praacuteticas e das representaccedilotildees que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto da obediecircncia a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenccedilatildeo consciente dos fins e o domiacutenio expresso das operaccedilotildees necessaacuterias para atingi-los e coletivamente orquestradas sem ser o produto da accedilatildeo organizadora de um regente (BOURDIEU 2003 p 53-54)

O habitus se apresenta como um regulador da subjetividade do sujeito

por meio de uma praacutetica social que se percebe estruturada e que tende a inferir

como um regulador das praacuteticas do sujeito embora sua condiccedilatildeo natildeo seja

invariaacutevel Para ele se o sistema muda a tendecircncia eacute uma nova acomodaccedilatildeo

dos sujeitos Neste sentido o habitus tende a conformar e orientar as relaccedilotildees

de interaccedilatildeo ao mesmo tempo em que eacute produto das proacuteprias relaccedilotildees sociais

que se estabelecem

Para Gimeno Sacristaacuten o haacutebito eacute um fator determinante na praacutetica

pedagoacutegica pois as accedilotildees dos sujeitos muitas vezes natildeo satildeo determinadas

pela reflexatildeo sobre o que se deve fazer mais pelo habitus ao qual ela tem sido

feita Por habitus compreende ldquoa organizaccedilatildeo resultante de praacuteticas com

capacidades para dirigir e regular accedilotildees futuras de forma a permitir o alcance

de determinados fins sem que cada indiviacuteduo que assume o habitus tenha de

propor-se a isso explicitamenterdquo (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 82) Assim as

proacuteprias estruturas se cristalizam a partir do habitus e assim tendem a manter

a ordem rejeitando ou refutando as transformaccedilotildees que por ventura venham a

lhe ameaccedilar Muito pouco se pode esperar de mudanccedilas quando as accedilotildees

tentam ser transformadas individualmente Assim ainda que os indiviacuteduos

formem as instituiccedilotildees a institucionalizaccedilatildeo acaba trazendo consequecircncias

cumulativas na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees dos

comportamentos dos valores ldquoAs accedilotildees repetidas com frequecircncia criam uma

pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

130

apreendida como pauta pelo agenterdquo (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho pedagoacutegico e

para a aprendizagem Da mesma forma que pode ser difiacutecil interromper a

loacutegica participativa de um ambiente colaborativo bem sedimentado Significa

dizer que as condiccedilotildees sociais os modos de gestatildeo os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola Disponibilizar o conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa

oferecer um modelo arcaico de educaccedilatildeo O que caracteriza solidificaccedilatildeo eacute a

reproduccedilatildeo de velhos haacutebitos (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) e de nada vale um

discurso do professor que enfatiza a eacutetica e a solidariedade se a praacutetica o

exemplo for outra63

Os valores satildeo aprendidos na escola em propostas de atividades

intencionais mas tambeacutem nas relaccedilotildees que se estabelecem de forma que natildeo

basta o tema estar presente na Proposta Curricular se a praacutetica pedagoacutegica

natildeo consolida natildeo propicia o aprendizado pela vivecircncia daquilo que se deseja

ensinar

Aprendemos a ser professores assim como aprendemos a ser cidadatildeos traficantes ou corruptos Os problemas de uma instituiccedilatildeo escolar sempre satildeo ligados agraves escolhas de objetivos e formas de ensino a partir das quais os alunos seratildeo iniciados em certos comportamentos conteuacutedos e condutas que valoramos [] Podemos empreender esforccedilos no sentido de ensinar um aluno a conviver com a criacutetica mas a indignar-se com a injusticcedila e natildeo a conviver com ela (CARVALHO 2013 p 125)

63

Vale ressaltar que Pierre Bourdieu desenvolve o conceito de habitus se referindo ao conceito natildeo de forma determinista O habitus natildeo eacute um mero produto da subjetividade do sujeito mas eacute construiacutedo a partir de sua trajetoacuteria social Neste sentido natildeo estaacute condenado a ser uma repeticcedilatildeo sem-fim de conduta podendo ser pensado como um sistema aberto que pode ser construiacutedo continuamente Ele natildeo necessariamente se refere agrave loacutegica pura da reproduccedilatildeo ao contraacuterio constitui-se por meio de estrateacutegias e de praacuteticas nas quais e pelas quais os agentes reagem adaptam-se e contribuem criando novas situaccedilotildees (SETTON 2002)

131

Ao se buscar compreender a solidariedade como praacutetica curricular

educativa tanto a ldquosolidariedaderdquo quanto a ldquopraacuteticardquo inferem diretamente na

compreensatildeo de ldquocurriacuteculordquo e de ldquoeducaccedilatildeordquo em quem se deseja formar onde

o curriacuteculo eacute o caminho percorrido durante a vida escolar e a educaccedilatildeo eacute um

conceito mais amplo refere-se agraves experiecircncias formativas ao longo da vida

quer sejam elas propiciadas pela escola ou em outras situaccedilotildees de

aprendizagem e envolvem o desenvolvimento das inteligecircncias ligadas ao

conviacutevio em sociedade pela ecologia dos saberes (SANTOS B S 2007)

Sendo assim sobretudo durante a educaccedilatildeo escolar natildeo se deve

separar a aquisiccedilatildeo de conhecimentos culturalmente acumulados e a

construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo das inteligecircncias ligadas agrave ecologia

dos saberes da aprendizagem de valores pelos quais se aprende a viver com

a consciecircncia poliacutetica necessaacuteria para a construccedilatildeo cotidiana do estado

democraacutetico

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional

Em documentos curriculares nacionais tais como a Lei de Diretrizes e

Bases ndash LDB os Paracircmetros Curriculares Nacionais ndash PCN e os Referenciais

Curriculares Nacionais ndash RCN os ideais de solidariedade pautam a finalidade

da educaccedilatildeo brasileira O preparo para o exerciacutecio da cidadania e a praacutetica

social estatildeo inscritos na LDB (Art1ordm sect 2ordm e Art22 Lei nordm 939496) A inserccedilatildeo

de atividades solidaacuterias na formulaccedilatildeo curricular recai na seleccedilatildeo de

conteuacutedos procedimentos e meacutetodos que seratildeo empregados pela escola para

que ela exerccedila essa formaccedilatildeo

Nos Paracircmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental a

escola na perspectiva de construccedilatildeo da cidadania eacute indicada a assumir a

valorizaccedilatildeo da cultura de sua proacutepria comunidade propiciando aos alunos o

conviacutevio com diferentes grupos sociais o acesso aos conhecimentos

socialmente relevantes em acircmbito nacional e regional o desenvolvimento da

relaccedilatildeo interpessoal cognitiva afetiva motora eacutetica e esteacutetica A

132

aprendizagem de atitudes e valores eacute apontada como uma praacutetica constante e

coerente em que os alunos aprendam a respeitar as diferenccedilas bem como a

reconhecer as semelhanccedilas a estabelecer viacutenculos de confianccedila cooperativos

e solidaacuterios em um clima favoraacutevel de trabalho no qual a avaliaccedilatildeo e a

observaccedilatildeo do caminho por eles percorrido seja de fato instrumentos de auto-

regulaccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem

No entanto de iniacutecio eacute preciso pontuar que um curriacuteculo pautado na

construccedilatildeo do conhecimento solidariedade estaacute apoiado na vivecircncia de

situaccedilotildees de aprendizagem nas quais sejam criadas situaccedilotildees de

aprendizagem a partir da realidade local Portanto haacute de se considerar a

autonomia da escola e do professor em sua organizaccedilatildeo Natildeo se trata apenas

de incluir a ideia de ldquoformaccedilatildeo para a cidadania segundo os ideais de

solidariedaderdquo se esse estiver descolado da praacutetica tampouco seraacute possiacutevel

desenvolvecirc-lo a partir da proposta de padronizaccedilatildeo de um curriacuteculo nacional

uacutenico regulador de um processo de aprendizagem centrado na aquisiccedilatildeo de

conteuacutedo e com foco em bons resultados nos exames externos Assim o

modelo regulador de curriacuteculo nacional uacutenico que tramita no Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo desde o final de 2011 concorre com o princiacutepio de autonomia na

escola pois a proposta visa estabelecer entre outras metas o que o aluno

deve saber ao final de cada uma das seacuteries obscurecendo a mobilidade do

professor de adequar a proposta pedagoacutegica ao perfil de seus alunos

deslocando o objetivo do ensino para o sucesso da aplicaccedilatildeo de determinado

conteuacutedo ao inveacutes de considerar o processo de aprendizagem do aluno A

padronizaccedilatildeo silencia e desfavorece a riqueza da diversidade do conjunto em

cada escola Sobre as grandes generalizaccedilotildees no contexto das teorias gerais

que pode se aplicar neste caso Boaventura S Santos argumenta que

a diversidade do mundo eacute inesgotaacutevel natildeo haacute teoria geral que possa organizar toda essa realidade [] Natildeo posso reduzir a heterogeneidade do mundo a uma homogeneidade que seria de novo uma totalidade que deixaria de fora muitas outras coisas (2007 p 39)

133

Santos propotildee ao contraacuterio um processo intercultural intersocial de

buscar o que chamou de inteligibilidade sem homogeneizaccedilatildeo para natildeo

destruir a diversidade Aleacutem disso o proacuteprio estado tem estabelecido exames

de avaliaccedilatildeo externos metas e sistemas de bonificaccedilatildeo que ldquoregulamrdquo e desta

forma concorrem diretamente com a ideia de uma educaccedilatildeo que ldquoemancipardquo

Portanto ao se aproximar desses documentos eacute preciso manter-se atento

Trazer algumas passagens dos documentos oficiais que apresentam

orientaccedilotildees que permitem a composiccedilatildeo curricular sem restringir a adequaccedilatildeo

e autonomia da escola e trazem no acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica pelo aspecto

da formaccedilatildeo ciacutevica eacute a proposta desta tese para situar a solidariedade nos

documentos oficiais muito embora saibamos que outras passagens e poliacuteticas

adotadas concorram diretamente com o conhecimento-emancipaccedilatildeo

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do

Ensino Fundamental que os alunos sejam capazes de

compreender a cidadania como participaccedilatildeo social e poliacutetica assim

como exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos civis e sociais adotando

no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito

posicionar-se de maneira criacutetica responsaacutevel e construtiva nas

diferentes situaccedilotildees sociais utilizando o diaacutelogo como forma de mediar

conflitos e de tomar decisotildees coletivas

No caderno dos Temas Transversais de Eacutetica (BRASIL 2000) satildeo

objetivos

adotar atitudes de respeito pelas diferenccedilas entre as pessoas respeito

esse necessaacuterio ao conviacutevio numa sociedade democraacutetica e pluralista

adotar no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas e discriminaccedilotildees

compreender a vida escolar como participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico

utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construccedilatildeo de

uma sociedade democraacutetica e solidaacuteria

134

Desenvolver o conhecimento solidariedade estaacute relacionado a aprender

a exercer de fato a cidadania

Natildeo se eacute solidaacuterio apenas ajudando pessoas proacuteximas ou engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente por exemplo) Essas formas satildeo genuiacutenas traduccedilatildeo da solidariedade humana mas haacute outras Uma delas diretamente relacionada com o exerciacutecio da cidadania eacute a da participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico na vida poliacutetica O exerciacutecio da cidadania natildeo se reduz apenas pela defesa dos proacuteprios interesses e direitos mas passa necessariamente pela solidariedade (BRASIL 2000 p 71)

A solidariedade tambeacutem eacute indicada como um dos quatro blocos de

conteuacutedo no caderno ldquoEacuteticardquo dos Temas Transversais64 Pensar a solidariedade

como praacutetica educativa significa criar espaccedilos no curriacuteculo onde ela seja

vivenciada culturalmente no ambiente escolar nas relaccedilotildees que se

estabelecem na intencionalidade das atividades e projetos de intervenccedilatildeo

desenvolvidos junto agrave comunidade O fazer pedagoacutegico solidaacuterio implica em um

fazer eacutetico colaborativo onde a solidariedade eacute relaccedilatildeo Nos Paracircmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Meacutedio estabelecidos pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo propotildee-se a reflexatildeo de um curriacuteculo pensado para organizar

estrateacutegias de realizaccedilatildeo de atividades nos trecircs domiacutenios da accedilatildeo humana a

vida em sociedade a atividade produtiva e a experiecircncia subjetiva Essa

indicaccedilatildeo respalda o desenvolvimento de projetos solidaacuterios na educaccedilatildeo

baacutesica

Da mesma forma o Artigo 3ordm da Lei nordm 939496 na Constituiccedilatildeo

Brasileira afirmando que o respeito agrave liberdade e apreccedilo agrave toleracircncia a gestatildeo

democraacutetica do ensino puacuteblico na forma desta lei e da legislaccedilatildeo dos sistemas

de ensino a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra-escolar a vinculaccedilatildeo entre a

educaccedilatildeo escolar o trabalho e as praacuteticas sociais sugere o apoio a meacutetodos

que permitam o desenvolvimento de projetos solidaacuterios quando cita a gestatildeo

64

Os outros trecircs satildeo respeito muacutetuo justiccedila e diaacutelogo Tais blocos referem-se a toda a proposta de Eacutetica do Ensino Fundamental e estaacute ligada diretamente ao princiacutepio da dignidade humana

135

democraacutetica a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra escolar a vinculaccedilatildeo dos

saberes escolares agraves praacuteticas sociais Em consonacircncia tanto com o texto que

se refere ao Ensino Meacutedio quanto do Ensino Fundamental o desenvolvimento

da capacidade de aprendizagem tendo em vista a aquisiccedilatildeo de conhecimentos

e habilidades a formaccedilatildeo de atitudes e valores bem como o fortalecimento

dos viacutenculos de famiacutelia dizem respeito agrave solidariedade como praacutetica curricular

educativa

O Conselho Nacional de Educaccedilatildeo ressaltou no histoacuterico do Parecer

do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo da Cacircmara de Educaccedilatildeo Baacutesica nuacutemero

072010 que estabeleceu as bases para a definiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica que

a necessidade de definiccedilatildeo de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute posta pela emergecircncia da atualizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que consubstanciam o direito de todo brasileiro agrave formaccedilatildeo humana e cidadatilde e agrave formaccedilatildeo profissional na vivecircncia e convivecircncia em ambiente educativo (MECCNE 2010)

O Programa Ensino Meacutedio Inovador lanccedilado em 2009 e o ENEM

reformulado sugerem o desenvolvimento da solidariedade como praacutetica

curricular educativa O Programa65 entende que o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

de cada unidade escolar deve materializar-se no processo de formaccedilatildeo

65

O Ensino Meacutedio Inovador tem como principais objetivos a superaccedilatildeo das desigualdades de oportunidades educacionais (segundo o PNAD 2006 733 dos jovens matriculados satildeo da regiatildeo Sudeste contra 311 do Nordeste) a universalizaccedilatildeo do acesso e permanecircncia dos adolescentes de 15 a 17 anos no Ensino Meacutedio (segundo o PNAD de 2006 mais de 50 dos jovens natildeo estatildeo matriculados nessa faixa etaacuteria) a consolidaccedilatildeo da identidade dessa etapa educacional considerando a diversidade de sujeitos a oferta de aprendizagem significativa para jovens e adultos reconhecimento e priorizaccedilatildeo da interlocuccedilatildeo com as culturas juvenis

O curriacuteculo meacutedio inovador eacute organizado por um plano de implantaccedilatildeo (gestatildeo operacionalizaccedilatildeo apoio teacutecnico e pedagoacutegico) linhas de accedilatildeo e macrocampos Compreende-se macrocampo o conjunto de atividades didaacutetico-pedagoacutegicas que estatildeo dentro de uma aacuterea de conhecimento percebida como um grande campo de accedilatildeo educacional e interativa podendo contemplar uma diversidade de accedilotildees que qualificam e dialogam com o curriacuteculo escolar

O Programa eacute oferecido para as escolas que apresentaram baixo aproveitamento no IDEB (Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica uma nota que parte do cruzamento dos resultados obtidos pela escola na Prova Brasil ou SAEB e o fluxo de aprovaccedilatildeo) Ele disponibiliza uma linha de creacutedito para as escolas participantes de acordo com a linha de accedilatildeo e o macrocampo previsto por ela no planejamento (BRASILMEC 2009)

136

humana coletiva por meio da articulaccedilatildeo entre trabalho ciecircncia e cultura a

partir de alguns indicativos entre eles

fomentar o comportamento eacutetico como ponto de partida para o

reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania praticando um

humanismo contemporacircneo pelo reconhecimento respeito e

acolhimento da identidade do outro e pela incorporaccedilatildeo da

solidariedade

promover atividades sociais que estimulem o conviacutevio humano e

interativo do mundo dos jovens

realizar parceria com a secretaria de juventude e estimular a

participaccedilatildeo do jovem em pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica atividades

sociais artiacutesticas e culturais

desenvolver accedilotildees de incentivo agrave atuaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da juventude

nos seus processos de desenvolvimento pessoal social e de vivecircncia

poliacutetica

A avaliaccedilatildeo do Ensino Meacutedio - o ENEM66 - eacute uma prova criada em

2009 que comeccedilou a considerar em sua segunda versatildeo como criteacuterio de

correccedilatildeo da redaccedilatildeo 5 competecircncias definidas como modalidades estruturais

da inteligecircncia accedilotildees e operaccedilotildees que se deva utilizar para estabelecer

relaccedilotildees com e entre objetos situaccedilotildees fenocircmenos e pessoas que se deseja

conhecer Entre elas destaca-se a que sugere a tomada de decisotildees para o

enfrentamento de situaccedilotildees-problema e a que cita de fato a intervenccedilatildeo

solidaacuteria como proposta educativa 66

O Exame comeccedilou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades puacuteblicas brasileiras atraveacutes do SiSU (Sistema de Seleccedilatildeo Unificada) Atraveacutes do SiSU os alunos podem se inscrever para as vagas disponiacuteveis nas universidade brasileiras participantes do Sistema (como a utilizaccedilatildeo do ENEM e do SiSU pelas universidade brasileiras eacute opcional algumas universidades ainda utilizam concursos vestibulares proacuteprios para seleccedilatildeo dos candidatos agraves vagas) Aleacutem disso a prova tambeacutem comeccedilou a ser utilizada para a aquisiccedilatildeo de bolsas de estudo integrais ou parciais em universidades particulares atraveacutes do ProUni (Programa Universidade para Todos) para a obtenccedilatildeo de financiamentos atraveacutes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) como certificaccedilatildeo de conclusatildeo do Ensino Meacutedio em cursos de Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos (EJA) Os resultados do ENEM ainda satildeo utilizados pelo governo como ferramenta para avaliar a qualidade geral do Ensino Meacutedio no paiacutes orientando as poliacuteticas educacionais do Brasil Vale ressaltar que a sociedade principalmente a miacutedia tem utilizado o resultado para rankiar as escolas por notas o que acaba tendo um peso valioso para o mercado na avaliaccedilatildeo da melhor escola (puacuteblica ou particular) (INEP 2013)

137

enfrentar situaccedilotildees-problema selecionar organizar relacionar

interpretar dados e informaccedilotildees representados de diferentes formas

para tomar decisotildees e enfrentar situaccedilotildees-problema

elaborar proposta recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola

para elaboraccedilatildeo de propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade

respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural

As avaliaccedilotildees externas como o ENEM tecircm pautado o curriacuteculo uma

vez que as escolas satildeo cobradas segundo os seus rendimentos que satildeo

adotados como iacutendices nacionais de qualidade Neste sentido considerar a

intervenccedilatildeo solidaacuteria como criteacuterio da prova de redaccedilatildeo (a de maior peso)

causa impacto na formulaccedilatildeo curricular do Ensino Meacutedio muito embora a

pressatildeo pelo desempenho nas demais questotildees e o ranking ao qual sobretudo

a miacutedia expotildee as escolas e a educaccedilatildeo como mercadoria fortalece o

conhecimento-regulaccedilatildeo Justamente por se tratar de uma realidade

contraditoacuteria e tensionada pela natildeo neutralidade poliacutetica inerente ao processo

educativo eacute que se faz necessaacuterio desejar todo e qualquer espaccedilo-tempo que

favoreccedila a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento reconhecido e

socialmente valorado daiacute a relevacircncia histoacuterica de se incluir a ldquoelaboraccedilatildeo de

propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidaderdquo como indicador de qualidade

da educaccedilatildeo baacutesica

6 O curriacuteculo e a qualidade da educaccedilatildeo

Pode-se dizer que a qualidade que se deseja imprimir guia o curriacuteculo e

o curriacuteculo determina a qualidade da educaccedilatildeo Neste sentido eacute preciso

ponderar o que se compreende por qualidade da educaccedilatildeo para que seja

possiacutevel alinhar a proposta de solidariedade pensada enquanto praacutetica

educativa no curriacuteculo

138

A histoacuteria da universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo baacutesica no Brasil eacute recente

Somente apoacutes o periacuteodo relativo agrave Ditadura Militar quando o paiacutes enfrentou a

sua mais seacuteria fase de repressatildeo ideoloacutegica e apoacutes a conquista das eleiccedilotildees

diretas (1984) a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal (1988) e a sanccedilatildeo da

atual Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (1996) que determinava

o Ensino Fundamental obrigatoacuterio e gratuito (Art4ordm) eacute que o Brasil alcanccedilou

iacutendices satisfatoacuterios de oferta de vagas para a educaccedilatildeo baacutesica

Nessa mesma eacutepoca a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para

Todos (em Jomtien 1990) organizada pela UNESCO exigia o

comprometimento dos paiacuteses a cooperar adotando medidas necessaacuterias para

propiciar a educaccedilatildeo para todos para o cumprimento das metas de correccedilatildeo

dos iacutendices alarmantes de analfabetismo no mundo Na mesma deacutecada o

desafio passou a ser a busca por imprimir ldquopadrotildees de qualidaderdquo que

pudessem garantir o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade para todos Os

instrumentos foram criados a partir de modelos internacionais que permitem

medir o rendimento de cada escola a partir de testes padronizados e

questionaacuterios socioeconocircmicos (COLEMAN 2008)

Segundo o INEP oacutergatildeo responsaacutevel pelas avaliaccedilotildees do MEC os

testes satildeo aplicados para saber se os alunos estatildeo aprendendo

satisfatoriamente leitura e matemaacutetica habilidades baacutesicas essenciais para a

aprendizagem das demais aacutereas do conhecimento A partir dos dados

levantados e divulgados se pode acompanhar objetivamente as escolas e ter

uma ldquofotografiardquo do desempenho dos alunos nessas avaliaccedilotildees No entanto

para aleacutem da condiccedilatildeo de serem referecircncias por serem paracircmetros

mensuraacuteveis de aprendizagem seu emprego tem promovido uma distorccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do conceito de qualidade na medida em que se tornou

uacutenica referecircncia reduzindo assim o conceito de qualidade da educaccedilatildeo a

rendimentos e resultados cognitivos especiacuteficos fato esse que tem motivado as

escolas a empregarem tais testes como uacutenico modulador curricular sem

mencionar no foco ajustado agrave formaccedilatildeo para o mercado de trabalho dessas

propostas educacionais que visam o preparo pela padronizaccedilatildeo e massificaccedilatildeo

da aquisiccedilatildeo de conhecimento

139

Para Ana Maria Saul isso se deve ao fato de que as avaliaccedilotildees

quantitativas tecircm ecircnfase maior nos produtos e resultados e tendem a querer

simular na escola condiccedilotildees de laboratoacuterio onde satildeo descartadas as

especificidades de formaccedilatildeo dos sujeitos em detrimento das generalizaccedilotildees

estatiacutesticas Nas palavras de Saul

O modelo de avaliaccedilatildeo quantitativa considera a educaccedilatildeo como um processo tecnicista Assume a niacutetida diferenccedila entre fatos e valores a determinaccedilatildeo de fins e objetivos da educaccedilatildeo e a neutralidade eacutetica da intervenccedilatildeo tecnoloacutegica A avaliaccedilatildeo quantitativa tem como preocupaccedilatildeo uacutenica a comprovaccedilatildeo do grau em que os objetivos previamente estabelecidos foram alcanccedilados (SAUL 2010 p 47)

Justamente por essa objetividade em se focar previamente o alcance

das metas estabelecidas no projeto eacute que a avaliaccedilatildeo quantitativa torna-se um

instrumento restrito aos aspectos preestabelecidos observaacuteveis e

quantificaacuteveis No entanto ressalta Saul nem a avaliaccedilatildeo nem a educaccedilatildeo satildeo

processos tecnicistas descolado de valores de subjetividades inerentes ao

proacuteprio processo de aprendizagem Aiacute estaacute a inversatildeo ao inveacutes de se colocar o

foco da qualidade da educaccedilatildeo na qualidade da aprendizagem o objetivo tem

sido unicamente o sucesso no projeto de se conseguir bons resultados nos

exames externos Neste sentido eacute que a avaliaccedilatildeo deveria ser parte do

diagnoacutestico natildeo sua totalidade A insistecircncia tem favorecido o estabelecimento

de uma cultura curricular de preparaccedilatildeo para os exames que favorece uma

loacutegica conservadora de formaccedilatildeo do conhecimento-regulaccedilatildeo (tal como

discutido no capiacutetulo II)

Tal ideia recebe respaldo na importaccedilatildeo do modelo centrado nos

processos de produccedilatildeo em que a utilizaccedilatildeo de modelos hieraacuterquicos lineares e

a eficaacutecia em busca de resultados satildeo diretamente importadas do modelo

empresarial para o universo escolar (BROOKE SOARES 2008) Aleacutem disso a

reengenharia econocircmica gerenciada pelo marketing vem para a educaccedilatildeo

para trazer maior ldquorentabilidaderdquo e ldquocompetitividaderdquo pelo modelo de ldquoqualidade

totalrdquo (CASALI 2011) quase num retorno ao jaacute superado modelo de curriacuteculo

para a formaccedilatildeo da matildeo de obra no advento da industrializaccedilatildeo

140

O foco da educaccedilatildeo natildeo estaacute centrado no processo de formaccedilatildeo e

aprendizagem do aluno mas no cumprimento do plano curricular Essa

inversatildeo na compreensatildeo custa por assim dizer o proacuteprio processo educativo

que em meio a um percurso distorcido acaba favorecendo aqueles que ldquotecircm

condiccedilotildees de acompanhaacute-lordquo Eacute como se a escola estivesse programada para

formar um aluno ldquoidealrdquo assim como a induacutestria produz um artefato com

padronizaccedilatildeo metas prazos riacutegidos controle de qualidade eficaacutecia e

eficiecircncia Eacute justamente o modelo de qualidade que se deseja adotar

No entanto sem um projeto de identidade coletiva o mundo continua a

reproduzir pobreza destruiccedilatildeo ambiental guerra exclusatildeo mesmo com o

avanccedilo da ciecircncia e da tecnologia A sociedade para constituir um estado

democraacutetico precisa de pessoas que saibam con-viver que produzam vida

digna para todos que estabeleccedilam e participem de redes colaborativas Neste

sentido espera-se que sejam pessoas que aprendam a desenvolver sua

autonomia aprendam a respeitar sendo respeitadas em suas particularidades e

que natildeo lhe seja negada a oportunidade de desenvolver-se plenamente A

habilidade de convivecircncia social por natildeo ser natural tem que ser ensinada

aprendida e desenvolvida culturalmente Esta deve ser a tarefa de toda a vida

de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO WERNECK 2004 p 18)

O homem aprende a ser humano quando interage com outro humano

numa relaccedilatildeo que pode ser hieraacuterquica ou colaborativa respeitosa ou

excludente plural ou ativista (FREIRE 1996)

Para Casali (2011) a qualidade da educaccedilatildeo deve ser compreendida

no campo de quatro dimensotildees a saber preacute-condiccedilotildees condiccedilotildees praacuteticas e

resultados Esta compreensatildeo eacute norteadora e esclarece que a emancipaccedilatildeo

dos sujeitos a eacutetica a convivecircncia a solidariedade devem ser os resultados

esperados de um projeto formativo Em sua definiccedilatildeo de qualidade da

educaccedilatildeo no rol das preacute-condiccedilotildees estaacute por exemplo a democracia o estado

de direito as poliacuteticas puacuteblicas com recursos adequados a remuneraccedilatildeo digna

dos profissionais da educaccedilatildeo sua formaccedilatildeo inicial e continuada entre outras

Como condiccedilotildees instalaccedilotildees adequadas (salas de aula laboratoacuterios

equipamentos) vestuaacuterio e alimentaccedilatildeo processo de avaliaccedilatildeo permanente

gestatildeo democraacutetica infraestrutura com direito a acesso agraves tecnologias etc

141

Como praacuteticas um curriacuteculo que integre a escola com a comunidade que

propicie a aprendizagem cognitiva emocional social que respeite cada sujeito

em sua diversidade praacuteticas essas vivenciadas em relaccedilotildees de respeito

solidariedade liberdade Satildeo resultados a formaccedilatildeo pessoal e social a

autoestima a emancipaccedilatildeo dos sujeitos a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico a

capacidade de ser bem sucedido no mundo do trabalho de participar

socialmente

Portanto para se desenvolver uma educaccedilatildeo de qualidade natildeo se

trata de oferecer uma preparaccedilatildeo instrucional teacutecnica apenas Ela precisa

acontecer no espaccedilo da diversidade valorizar-se a partir dela superar a

formaccedilatildeo individualista competitiva consumista O curriacuteculo deve visar uma

educaccedilatildeo em valores que promova o desenvolvimento cognitivo social

cultural emocional e sobretudo eacutetico Aleacutem das diversas aacutereas do

conhecimento como a linguagem em todas as suas formas e miacutedia

matemaacutetica artes ciecircncias naturais ciecircncias sociais filosofia e sociologia ele

precisa ser guiado por um processo avaliativo que permita melhorar o

aproveitamento da aprendizagem e da formaccedilatildeo para a cidadania durante o

percurso O conteuacutedo aprendido na escola natildeo eacute um fim em si mesmo Por

meio de redes de aprendizagem de colaboraccedilatildeo a escola pode criar situaccedilotildees

em que os alunos sejam desafiados a construir conhecimento a serviccedilo de uma

melhor qualidade de vida Vale enfatizar que cabe agrave escola responsabilizar-se

por levantar questotildees sobre o que ensinam e como devem ensinar tendo

consciecircncia do impacto dessa atuaccedilatildeo na constituiccedilatildeo da sociedade Criar

espaccedilos onde haja aplicaccedilatildeo real dos saberes escolares para resolver

problemas sociais reais identificados pela comunidade escolar especialmente

com a percepccedilatildeo do aluno pode ser um diferencial para uma educaccedilatildeo de

qualidade O manejo das tecnologias o acesso ao conteuacutedo acumulado

culturalmente as habilidades de convivecircncia o saber fazer e resolver

situaccedilotildees-problema e o discernimento para saber como empregar a inteligecircncia

para melhorar a qualidade de vida exige mais do processo pedagoacutegico do que

a preparaccedilatildeo para a vida escolar Praacuteticas que sugerem um curriacuteculo

contextualizado criacutetico elaborado em parceria com a comunidade para

142

resolver problemas sociais reais pode ser uma das maneiras encontradas pelas

escolas para oferecer educaccedilatildeo de qualidade emancipadora

Em outras palavras se a questatildeo da qualidade eacute uma conjunccedilatildeo de

fatores como o acesso agraves tecnologias formaccedilatildeo de professores a

infraestrutura da escola a gestatildeo democraacutetica entre outros um bom curriacuteculo

exige articulaccedilatildeo e compromisso com uma educaccedilatildeo emancipadora Leonardo

Boff em seu conjunto de livros nos quais reflete sobre as virtudes para um

outro mundo possiacutevel aponta o intercacircmbio o respeito a convivecircncia o estar

junto e o cuidado com a matildee-terra como a uacutenica alternativa ao suiciacutedio a que

se propotildee uma sociedade individualista e competitiva (BOFF 2005 2006a

2006b)

O processo educativo precisa garantir esses espaccedilos de intercacircmbio

de respeito agraves diferenccedilas de interculturalidade O debate acerca da qualidade

da educaccedilatildeo deve considerar que a todos e a cada um deva ser garantido o

direito agrave formaccedilatildeo emancipadora libertadora solidaacuteria com todas as preacute-

condiccedilotildees e condiccedilotildees asseguradas

143

CAPIacuteTULO IV

144

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA

Esta pesquisa propocircs-se a analisar quatro escolas67 de diferentes

realidades para buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular Natildeo

se pretende comparaacute-las entre si tampouco classificaacute-las relativamente O eixo

central de costura do texto eacute o conceito solidariedade Optamos por considerar

mais de uma escola para compor um universo de anaacutelise mais diversificado e

que nos permitisse buscar compreender em que medida e como a experiecircncia

da solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular e

se ela pode ser considerada inerente ao processo formativo

Durante o desenvolvimento da pesquisa notamos que os sujeitos de

uma mesma escola podem apresentar diferentes compreensotildees de

solidariedade ou que sujeitos de escolas diferentes podem ter interpretaccedilotildees

similares ou ainda natildeo ter clareza em relaccedilatildeo ao desenvolvimento de

atividades solidaacuterias no seu contexto escolar Partindo dessa constataccedilatildeo

agrupamos os dados visando elucidar as praacuteticas curriculares que refletem

diferentes concepccedilotildees a partir de suas falas e da anaacutelise dos documentos das

escolas A construccedilatildeo das possibilidades de arranjos curriculares seus

conflitos e tensotildees tecem o ambiente educativo de maneira dinacircmica e

algumas vezes contraditoacuteria Para identificar os sujeitos que participaram dessa

pesquisa adotamos a convenccedilatildeo das siglas

CP ndash Coordenador Pedagoacutegico

P ndash Professor

ExC ndash ex-Coordenador

C ndash Comunidade

seguidos da identificaccedilatildeo da escola (E1 E2 E3 e E4)

Pode-se observar dois grandes movimentos nos quais eacute possiacutevel

identificar (ou natildeo) a solidariedade no ambiente educativo a) enquanto praacutetica

67

As escolas foram apresentadas no capiacutetulo I

145

educativa no desenvolvimento de atividades intencionalmente planejadas para

que os alunos tenham a experiecircncia de vivenciar a resoluccedilatildeo de um problema

social real e por esta via aprendam por meio da construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo e b) enquanto norma ou conduta adotada entre os sujeitos da

comunidade educativa entre eles professores alunos direccedilatildeo funcionaacuterios e

demais atores por onde se desenvolve o conhecimento-emancipaccedilatildeo pela

praacutetica pelo haacutebito e pelo exemplo Assim a conduccedilatildeo natildeo neutra do curriacuteculo

imprime o processo de formaccedilatildeo da teia de valores posto que natildeo haacute

conhecimento produzido que seja neutro

Grande parte da vida moderna eacute preparada por sistemas de conhecimentos especializados que disciplinam a maneira como as pessoas participam e agem De modo geral o conhecimento especializado modela o lsquonossorsquo pensamento e a lsquonossarsquo accedilatildeo sobre as calorias da nossa dieta contribuindo para a nossa sauacutede pessoal sobre a poluiccedilatildeo no nosso ambiente que afeta a nossa vida sobre o nosso corpo e a nossa mente como possuidores de estaacutegios de desenvolvimento personalidade e processo de auto-realizaccedilatildeo [] Esses pensamentos assumidos como naturais natildeo satildeo naturais satildeo construiacutedos a partir de sistemas de conhecimentos especializados O poder desse conhecimento especializado estaacute no fato de natildeo ser apenas conhecimento As ideias funcionam para modelar a maneira como participamos como indiviacuteduos ativos e responsaacuteveis Tal fusatildeo do conhecimento puacuteblicopessoal que disciplina nossas escolhas e possibilidades pode ser pensada como efeitos de poder (POPKEWITZ apud DEMO 2002 p 36-37)

A tomada de consciecircncia de que todo conhecimento organiza a forma

de como a pessoa se relaciona com o mundo atribui sentido ao tipo de

pensamento que a escola deseja desenvolver Quando haacute o distanciamento do

pensamento criacutetico a produccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-acadecircmico contribui

para uma proposta de educaccedilatildeo que separa o conhecimento cientiacutefico da

formaccedilatildeo para a cidadania Tanto uma praacutetica quanto a outra foram

identificadas nesta pesquisa aleacutem da compreensatildeo de que a solidariedade

contribui para o bom funcionamento do ambiente escolar No arranjo para se

criar situaccedilotildees em que seja possiacutevel vivenciar a solidariedade a escola

promove projetos ou atividades de intervenccedilatildeo onde os alunos satildeo

estimulados a contribuir co-responsabilizando-se pela vida em sociedade

146

Nesse processo a articulaccedilatildeo escola-comunidade permite a construccedilatildeo de um

curriacuteculo que favorece a valorizaccedilatildeo da diversidade do respeito muacutetuo

apropriando-se do bairro da cidade para criar diferentes situaccedilotildees de

aprendizagem Eacute como se expressou o professor

PE3 ndash O nosso projeto eacute desenvolvido com a aldeia indiacutegena localizada proacuteximo ao Pico do Jaraguaacute Atualmente se somados os povos da aldeia de cima e da de baixo satildeo 125 famiacutelias com uma populaccedilatildeo de aproximadamente 650 iacutendios dos quais a maioria quase 400 satildeo crianccedilas Como estatildeo dentro dessa grande metroacutepole (Satildeo Paulo) eles tecircm muitos problemas eles vivem marginalizados Haacute uma absoluta carecircncia de recursos de subsistecircncia da populaccedilatildeo eles natildeo tecircm a posse da terra vivem espremidos nos barrancos natildeo podem mexer em nada natildeo podem caccedilar natildeo podem pescar natildeo podem pegar nada e tambeacutem enfrentam muita dificuldade para conseguir emprego68

A escola quando estaacute aberta a pensar o curriacuteculo considerando a

cidade enquanto possibilidade de aprendizagem se apropria de um espaccedilo de

construccedilatildeo de conhecimento e neste caso intercultural o que natildeo teria feito

se estivesse apenas circunscrita agrave realidade da sala de aula Pensar o curriacuteculo

almejando o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo pressupotildee

ensinar os conteuacutedos programaacuteticos de maneira criacutetica e para isso usar a

cidade como espaccedilo educativo possibilita a articulaccedilatildeo de diferentes atores na

tarefa de fazer uma educaccedilatildeo essencialmente poliacutetica tendo na formaccedilatildeo para

a liberdade e constituiccedilatildeo da democracia seu compromisso maior

(CARVALHO 2013)

No entanto isso pode variar de acordo com a compreensatildeo tanto do

professor quanto da escola sobre o que eacute propiciar a aprendizagem da

solidariedade Se a escola compreende a solidariedade como benevolecircncia ela

teraacute uma postura se acreditar que deve inferir na comunidade e ensinar o

aluno a pensar a partir do outro utilizando os saberes acumulados para o bem

coletivo teraacute outra sendo que as experiecircncias de investigaccedilatildeo de pesquisa

de produccedilatildeo de conhecimento e intervenccedilatildeo social com finalidade educativa

68

Na regiatildeo haacute duas aldeias guaranis separadas apenas por uma rua a Aldeia Tekoa Pyau e a Aldeia Tekoa Ytu esta uacuteltima eacute onde se localiza a Escola Estadual Indiacutegena Djekupeacute Amba Arandu parceira da E3 nesse projeto

147

caracterizam uma proposta de atividade que tem repercussatildeo tanto na

qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece quanto na qualidade de vida da

comunidade Eacute como neste caso

ExCE1 ndash Noacutes daacutevamos parte do conteuacutedo escolar por meio do projeto de voluntariado educativo Os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o Parque tinham ldquoverdadeiras aulasrdquo sobre o conteuacutedo encomendado pela escola deles e os nossos alunos monitores estudavam muito porque tinham que preparar o que iam fazer Eles precisam retomar alguns conteuacutedos para repassar tinham que fazer um texto correto e que despertasse o interesse dos alunos visitantes tinham que falar bem em puacuteblico Eacute uma soma de aprendizados

Ao professor cabe compreender quais espaccedilos pedagoacutegicos iraacute utilizar

para propiciar a aprendizagem de conteuacutedos e outros saberes como a

responsabilidade o autoconhecimento o conviacutevio a pesquisa A motivaccedilatildeo

pelos estudos pode vir pela necessidade de conseguir boas notas mas quando

ela vem pela vontade de participar com esmero de um projeto social que iraacute

transformar uma realidade que se estaacute partindo do que o outro realmente

precisa essa experiecircncia eacute mais significativa para o processo de aprendizagem

(TAPIA 2006) Quando a atividade eacute planejada para de fato atender ao outro

pela escuta atenta de suas reais expectativas eacute possiacutevel perceber que o

comprometimento solidaacuterio eacute significativo para ambos

CE3 ndash A parceria com a E3 eacute muito importante para noacutes porque faz parte da nossa proposta proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque a gente estaacute suprimido pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Hoje temos crianccedilas e jovens que tecircm medo entatildeo eles ficam aqui dentro da aldeia Soacute que a gente natildeo vive s precisamos comprar uma comida uma carne no accedilougue aqui noacutes natildeo podemos caccedilar Mas para entrar nesse sistema natildeo pode ser de qualquer maneira a gente tem que entender esse lugar e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Esta eacute a ideia central do desenvolvimento de praacuteticas que articulam

experiecircncias reais agrave formaccedilatildeo poliacutetica Como afirma CE3 ldquoningueacutem melhor do

que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeiardquo

148

Preparar experiecircncias em que o processo de ensino aprendizagem crie

condiccedilotildees de inferir na sociedade buscando melhorar tanto a qualidade de

vida da comunidade atendida quanto a qualidade da educaccedilatildeo eacute algo que estaacute

sendo discutido haacute seacuteculos Os gregos se preocupavam com a formaccedilatildeo dos

sujeitos que deveriam aprender a viver em suas sociedades cada vez mais

democraacuteticas jaacute pensavam na formaccedilatildeo eacutetica e participativa A compreensatildeo

do ensino pelas virtudes passa a ser um projeto de interesse comum na

medida em que se vecirc a necessidade de formaccedilatildeo de pessoas capazes de

ldquotomar para si a responsabilidade e o desafio coletivo de se criar princiacutepios

regras e formas de convivecircncia comum que estruturassem e preservassem o

mundo puacuteblicordquo (CARVALHO 2013 p 46)

A pedagogia pragmaacutetica de Dewey iraacute dizer que a educaccedilatildeo deve

formar para a vida Paulo Freire completa afirmando que as experiecircncias

devem ser poliacuteticas de decisatildeo e de responsabilidade e que o curriacuteculo deve

ser contextualizado e criacutetico para propiciar o conhecimento de quem iraacute ter

consciecircncia de transformar a realidade com a qual natildeo concorda Em meio agraves

discussotildees mais recentes de praacuteticas de aprendizagem pode-se destacar

ainda a aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio e as comunidades de aprendizagem

que satildeo apostas em metodologias que visam transformar a realidade local por

meio de projetos de intervenccedilatildeo social onde o diaacutelogo igualitaacuterio se converte

em um esforccedilo comum por uma educaccedilatildeo para promover a cultura de paz

combater as desigualdades sociais e prover uma educaccedilatildeo de qualidade

baseada nos princiacutepios eacuteticos e solidaacuterios (FLECHA GARCIacuteA PUIGVERT

2013)

Como esta pesquisa foi desenvolvida junto a escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo ou aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio abaixo

iremos propor uma reflexatildeo sobre tais projetos visando encontrar subsiacutedios

para compreender a solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

149

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas

Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio eacute o nome de atividades pedagoacutegicas

de intervenccedilatildeo social onde o aluno aprende a pensar e a utilizar os saberes

escolares para resolver problemas sociais reais Com isso espera-se que o

conhecimento acumulado seja aplicado e ampliado em favor da tomada de

consciecircncia de que eacute preciso assumir a responsabilidade pela construccedilatildeo de

outra ordem social possiacutevel Tal praacutetica tem sido difundida em diversos paiacuteses

e pode ser reconhecida em diversos nomes tais como ldquoaprendizagem e

serviccedilo solidaacuteriordquo ou ldquoaprendizagem-serviccedilordquo ou ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

(comum entre os paiacuteses ibero-americanos) ldquovoluntariado educativordquo na Itaacutelia e

no Brasil ldquoservice-learningrdquo nos EUA Podem ocorrer situaccedilotildees em que haacute

diferentes nomenclaturas dentro do mesmo paiacutes No entanto para os

especialistas as diferentes ocorrecircncias natildeo querem dizer nem que se tratam

da mesma proposta nem a descaracterizam (TAPIA 2001) Isso porque haacute

adequaccedilotildees regionais para o seu desenvolvimento que consiste a priori em

estimular os alunos a participarem de um projeto de intervenccedilatildeo na

comunidade para que aprendam a ser solidaacuterios utilizando os conhecimentos

aprendidos na escola Neste sentido ldquoeacute uma proposta educativa que combina

processos de aprendizagem e de serviccedilo agrave comunidade em uma soacute atividade

na qual os estudantes se formam ao implicar-se em atender as necessidades

reais identificadas na comunidaderdquo (ZERBIKAS 2013)

Nos Estados Unidos o service-learning integra a aprendizagem formal

ao desenvolvimento de projetos sociais onde os alunos aprendem e se

desenvolvem por meio da participaccedilatildeo em atividades educativas organizadas

para atender agraves necessidades de uma comunidade promovendo a

responsabilidade ciacutevica69 Programas de service-learning envolvem os alunos

em um compromisso muacutetuo em atividades que atendem agraves necessidades

locais durante o desenvolvimento das habilidades acadecircmicas e como

resultado espera-se um melhor desempenho educacional e um impacto na

69

ldquoLearn and Service Americardquo eacute o nome do Programa de Governo que estimula o desenvolvimento de projetos de service-learning

150

qualidade de vida da comunidade atendida numa combinaccedilatildeo de serviccedilo

oferecido agrave comunidade com a aprendizagem da sala de aula70 Desta forma

os estudantes natildeo somente aprendem sobre democracia e cidadania mas

efetivamente contribuem como cidadatildeos visando melhorar a vida da

comunidade71

No Brasil o termo ldquovoluntariado educativordquo remete a uma experiecircncia

formativa onde o aluno eacute estimulado a se envolver em uma atividade de

intervenccedilatildeo social O nome natildeo sugere uma repeticcedilatildeo do voluntariado adulto

mas sim um engajamento poliacutetico voltado agrave formaccedilatildeo para a cidadania

fortalecendo o viacutenculo escola ndash comunidade (SBERGA 2001 MORI e VAZ

2006)

ExCE1 - Noacutes convidamos os nossos alunos do Ensino Meacutedio para serem monitores voluntaacuterios no Parque que cuida da arborizaccedilatildeo da cidade Graccedilas a esse trabalho o Parque pode ser aberto para visitas e acabou entrando no calendaacuterio das escolas municipais da cidade Os alunos-voluntaacuterios dispunham do tempo deles para passar conceitos de Educaccedilatildeo Ambiental para crianccedilas menores num ambiente que era perfeito pra isso Eles faziam a pesquisa sobre o tema estudavam o conteuacutedo preparavam a atividade selecionavam o material partia tudo deles e a gente dava a orientaccedilatildeo Assim aprendiam muito mais sobre o tema mas aprendiam a organizar uma atividade a estudar a preparar uma peccedila de teatro encenar falar em puacuteblico

O voluntariado educativo eacute uma experiecircncia educativa voltada para a

formaccedilatildeo do jovem um espaccedilo planejado de aprendizagem em que os alunos

aprendem a contribuir socialmente assumindo a responsabilidade de estudar e

trabalhar para uma causa comum utilizando para isso os saberes acumulados

Considerando a realidade sociocultural e os muitos desafios e situaccedilotildees conflitivas em que o jovem vive o

70

A principal diferenccedila percebida no desenvolvimento de praacuteticas de service-learning e aprendizagem e serviccedilo estaacute na concepccedilatildeo do que eacute ldquosolidariedaderdquo Para os norte americanos ela estaacute mais no campo assistencial do que de conscientizaccedilatildeo portanto os projetos de tendem a ter um foco assistencialista Aleacutem disso espera-se como resultado das intervenccedilotildees o desenvolvimento eficaz do projeto (etapas cronograma e metas cumpridas) e natildeo a transformaccedilatildeo social propriamente dita (Anotaccedilotildees de palestras conferidas no XIV e XV Seminaacuterio Internacional de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuterio Buenos Aires 2011 e 2012)

71httpwwwlearnandservegovaboutlsaindexasp

151

voluntariado se apresenta como espaccedilo alternativo natildeo soacute de inserccedilatildeo social e compromisso de cidadania responsaacutevel mas tambeacutem como proposta formativa que ajuda o jovem a conhecer a si mesmo e a descobrir suas potencialidades profundas sua vivacidade e seu entusiasmo Por essas suas qualidades o voluntariado sempre foi considerado relevante no setor juvenil seja pela significatividade das suas experiecircncias educativas seja pelo valor do seu empenho (SBERGA 2001 p 158)

Trata-se portanto de uma experiecircncia preparatoacuteria necessariamente

voltada para a formaccedilatildeo do jovem e para a intervenccedilatildeo social No Brasil

milhares de escolas que desenvolvem atividades de voluntariado educativo

foram reconhecidas pelo Selo Escola Solidaacuteria72 Ao se conhecer as

experiecircncias dessas escolas pode-se perceber a diversidade de possibilidades

de adequaccedilatildeo de acordo com as expectativas e necessidades locais daiacute a

necessidade de se ter clareza do que se quer fazer e o que pode ser feito em

relaccedilatildeo ao planejamento pedagoacutegico

Segundo Tapia (2001 p 28) as atividades de aprendizagem e serviccedilo

solidaacuterio (ou voluntariado educativo) se caracterizam dentro de um universo de

quatro ocorrecircncias

a) quando a atividade eacute desenvolvida com pouca intervenccedilatildeo social e tais

accedilotildees satildeo desvinculadas do contexto educativo (por exemplo uma

atividade assistencialista como uma accedilatildeo de arrecadaccedilatildeo de agasalhos

conduzida pela direccedilatildeo da escola)

b) quando a questatildeo da aprendizagem eacute valorizada mas natildeo haacute

intervenccedilatildeo social (por exemplo pesquisas e projetos de estudo do meio

sobre a desigualdade social a pobreza a violecircncia que satildeo desenvolvidos

com os alunos verificados nas avaliaccedilotildees escolares mas natildeo sugerem

intervenccedilatildeo social)

c) quando a escola desenvolve um projeto social para resolver um

problema da comunidade poreacutem natildeo haacute planejamento para utilizar a

experiecircncia como uma intervenccedilatildeo formativa para os alunos (por exemplo

72

Ver capiacutetulo I item 3 ndash ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo

152

a escola oferece agrave comunidade um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos no periacuteodo noturno) e

d) quando haacute planejamento de um projeto de intervenccedilatildeo social e esta

praacutetica eacute pensada enquanto experiecircncia formativa (por exemplo os alunos

participarem como monitores de um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos oferecidos pela escola) Desta forma tecircm que estudar e ao mesmo

tempo contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos do EJA e

aprendem a se engajar em projetos comunitaacuterios

Atividades de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio portanto satildeo aquelas

em que o trabalho pedagoacutegico tem como objetivo melhorar a qualidade de vida

da comunidade e esta proacutepria experiecircncia ensina o aluno a ser solidaacuterio Em

outras palavras satildeo propostas pensadas a partir da articulaccedilatildeo dos conteuacutedos

e saberes que se desejam ensinar permitindo o estreitamento da escola com a

comunidade Tais atividades satildeo pensadas enquanto uma metodologia de

trabalho proposta de organizaccedilatildeo curricular ou ainda uma praacutetica educativa

No entanto essa praacutetica pode variar de acordo com o que a escola

compreende por solidariedade como dissemos no iniacutecio deste capiacutetulo

Se a atividade for conduzida sem uma consciecircncia criacutetica ela pode

reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo ao inveacutes de promover o conhecimento-

emancipaccedilatildeo Portanto ao analisar a qualidade das experiecircncias de

aprendizagem e serviccedilo ou voluntariado educativo eacute necessaacuterio considerar as

diferentes compreensotildees sobre solidariedade pois elas podem levar a

atividade a seguir propostas formativas completamente diferentes uma vez

que a visatildeo que se tem sobre solidariedade altera a qualidade da proacutepria

formaccedilatildeo

Nesse sentido vimos a necessidade de se criar uma tipologia para a

solidariedade desenvolvida como praacutetica curricular educativa visando contribuir

para a compreensatildeo das diferentes nuances que podem ocorrer de acordo com

a percepccedilatildeo do educador e o desenvolvimento das atividades Natildeo

pretendemos com isso delimitar exclusivamente aos eixos apresentados as

ocorrecircncias de solidariedade A tipologia sugere um recurso didaacutetico para

facilitar a compreensatildeo do tema sem querer esgotaacute-lo

153

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

Considerar a solidariedade como praacutetica educativa sugere pensaacute-la a

partir da praacutetica curricular da escola enquanto formada e formadora da

comunidade na qual estaacute inserida Portanto que pode estar localizada num

gradiente desde atender aos anseios de uma sociedade conservadora

reproduzindo o conhecimento-regulaccedilatildeo quanto oferecer uma formaccedilatildeo eacutetica

emancipadora uma vez que a solidariedade tambeacutem eacute um exerciacutecio de poder

(DEMO 2002) Segundo Paulo Freire

quanto mais criacutetico um grupo humano tanto mais democraacutetico e permeaacutevel em regra Tanto mais democraacutetico quanto mais ligado agraves condiccedilotildees de sua circunstacircncia Tanto menos experiecircncias democraacuteticas que exigem dele o conhecimento criacutetico de sua realidade pela participaccedilatildeo nela pela sua intimidade com ela quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingecircnuas de encaraacute-la (2001 p 103)

Desta forma a construccedilatildeo do curriacuteculo requer a previsatildeo de

experiecircncias democraacuteticas reais em meio a esta tensatildeo natildeo-neutra onde se

desenrolam conflitos entre os direitos de propriedade e os direitos das pessoas

onde existem os ldquovalores de mercadordquo de um lado e os ldquovalores

emancipadoresrdquo de outro (APPLE 2000) No entanto conceber experiecircncias

democraacuteticas conduzindo atividades socioeducativas para que os jovens

aprendam a participar buscando soluccedilotildees para problemas sociais reais de sua

comunidade natildeo significa reduzir o curriacuteculo a perspectiva de trabalhar apenas

com o contexto escolar A identificaccedilatildeo do problema deve instigar a intervenccedilatildeo

criacutetica deve disparar estudos de planejamento da accedilatildeo e de contextualizaccedilatildeo

histoacuterica universal do processo para que natildeo haja reducionismo no conteuacutedo

tampouco unilaterialidade Espera-se que tanto o processo quanto o meacutetodo

sejam universais (FRIGOTTO 1994 p 74)

Quando se pretende atingir uma aprendizagem eacutetica educar no meio

(sociocultural e cognitivo) com o meio e para o meio eacute o caminho pois a

solidariedade implica aprender na sociedade com as suas contradiccedilotildees

154

pluralidades e imprevistos Eacute preciso aprender que estar no mundo significa

considerar-se corresponsaacutevel por ele que a nossa existecircncia eacute influenciada e

influencia a existecircncia do outro

O homem como ser histoacuterico corre riscos toma decisotildees coloca-se desafios assume sua vida transforma seus contornos Cada calccedilada com guia rebaixada ou cada rampa de acesso a locais puacuteblicos eacute uma conquista histoacuterica do homem natildeo contente com o ser Os homens vivem uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre seus condicionamentos e sua liberdade Os condicionamentos satildeo limitaccedilotildees da liberdade mas enfrentando-as ele se liberta (ALMEIDA 2009 p 46)

A formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e solidaacuterio acontece a partir do cotidiano

em sociedade no ruiacutedo e no conflito na aplicaccedilatildeo do conhecimento enquanto

uma responsabilidade pela vida digna de todos pelo bem comum Assim as

situaccedilotildees reais satildeo tambeacutem situaccedilotildees de aprendizagem quando

problematizadas pois quando estas estatildeo fora do contexto social de fato a

educaccedilatildeo moral e eacutetica eacute reduzida a uma ladainha de caracteriacutesticas

comportamentais (APPLE BEANE 1997 p 12)

Neste sentido diante das vaacuterias apropriaccedilotildees e ambiguidades do termo

solidariedade percebeu-se a necessidade de se organizar uma tipologia para

que seja possiacutevel avanccedilar no sentido de melhor compreender seus contornos

no contexto da educaccedilatildeo Vale ressaltar que a intenccedilatildeo natildeo eacute delimitaacute-lo

completamente o que seria uma contradiccedilatildeo desnecessaacuteria para os propoacutesitos

de sua compreensatildeo valendo-se de que qualquer tentativa de demarcaccedilatildeo de

conceito que tem uma dinacircmica natildeo-linear e ateacute mesmo ambivalente como eacute

o caso da solidariedade provocaria distorccedilatildeo da realidade A tipologia visa

orientar a leitura dos vaacuterios tipos identificados durante a pesquisa empiacuterica e

teoacuterica da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa O gradiente de

tipos de solidariedade deve ser compreendido como uma potencialidade uma

escala espiral de matizes onde em alguns momentos a mesma atividade

pode apresentar caracteriacutesticas de mais de uma categoria de solidariedade e

pode se desenvolver em escalas mesclas de acordo com o planejamento a

natureza da proposta o objetivo que se quer alcanccedilar a compreensatildeo de

155

quem estaacute envolvido no processo Esta escala estaacute considerada a partir da

percepccedilatildeo assistencialista (em que a solidariedade eacute confundida com caridade

ou boa accedilatildeo) discursiva (aquela que estaacute presente no curriacuteculo poreacutem natildeo haacute

proposta de intervenccedilatildeo social) funcionalista-participativa (a solidariedade eacute

valorizada e haacute situaccedilotildees de aprendizagem com a comunidade poreacutem o foco

estaacute na formaccedilatildeo do aluno haacute uma compreensatildeo de que a experiecircncia escolar

eacute mais relevante do que seu impacto para a comunidade atendida) e a criacutetica-

emancipadora (satildeo criadas situaccedilotildees de aprendizagem visando melhorar a

vida da comunidade e por meio disso oferecer uma educaccedilatildeo emancipadora

os alunos identificam e criam espaccedilos para a intervenccedilatildeo na realidade junto

com a escola) Aleacutem disso a solidariedade estaacute presente no ambiente escolar

e dessa forma eacute compreendida como fator determinante de qualidade para o

desenvolvimento do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

21 Solidariedade assistencialista

As principais caracteriacutesticas da solidariedade assistencialista satildeo

a) Natildeo haacute articulaccedilatildeo da accedilatildeo social com o desenvolvimento do

conhecimento-emancipaccedilatildeo de seus alunos

b) As relaccedilotildees satildeo estabelecidas de maneira hierarquizada onde haacute

aquele que doa e outro recebe

c) O aluno pode ou natildeo ser convidado a participar sendo que natildeo haacute

intenccedilatildeo de promover a consciecircncia criacutetica Tais atividades

portanto podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo e favorecer o

status quo

Conforme jaacute apresentamos e corroborando com o nosso referencial

teoacuterico (apresentado nos capiacutetulos II e III) solidariedade natildeo eacute

assistencialismo

No assistencialismo natildeo haacute responsabilidade Natildeo haacute decisatildeo Soacute gestos que revelam passividade e ldquodomesticaccedilatildeordquo do homem Gestos e atitudes Eacute esta falta de oportunidade para a decisatildeo e para a responsabilidade participante do homem

156

caracteriacutestica do assistencialismo que leva suas soluccedilotildees a contradizer a vocaccedilatildeo da pessoa em ser sujeito e a democratizaccedilatildeo fundamental instalada na transiccedilatildeo brasileira a que jaacute nos referimos Na verdade natildeo seraacute com soluccedilotildees desta ordem internas ou externas que se ofereceraacute ao paiacutes uma destinaccedilatildeo democraacutetica O de que se precisava urgentemente era dar soluccedilotildees raacutepidas e seguras aos seus problemas angustiantes Soluccedilotildees repita-se com o povo e nunca sobre ou simplesmente para ele (FREIRE 2001 p 66)

No entanto durante a pesquisa pudemos identificar na escola uma

forma de solidariedade ainda compreendida por aquela accedilatildeo desenvolvida na

ou pela escola pensada a partir da caridade da benevolecircncia centrada em

quem faz a accedilatildeo e natildeo em quem a recebe

CPE4 ndash Desenvolvemos um trabalho solidaacuterio que atinge quase todo o tipo de populaccedilatildeo Arrecadamos brinquedos para crianccedilas agasalhos ndash tanto para crianccedilas quanto para idosos alimentos natildeo pereciacuteveis para instituiccedilatildeo de pessoas com dificuldade intelectual

Essa percepccedilatildeo por ser recorrente na praacutetica escolar nos sugeriu o

cuidado de considerar a inclusatildeo deste tipo de ldquosolidariedade assistencialistardquo

para demarcar seu campo teoacuterico dentro do universo da solidariedade

enquanto praacutetica educativa No entanto vale ressaltar que seu emprego natildeo

contribui para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica no processo de formaccedilatildeo

uma vez que o caraacuteter assistencialista pode acentuar tal valor agrave formaccedilatildeo do

sujeito

CPE4 ndash A gente usa estrateacutegias diferentes para envolver os nossos alunos porque eles satildeo adultos entatildeo a turma que arrecadar mais ganha uma pizzada Eacute difiacutecil trabalhar com adultos entatildeo damos esse incentivo Para que a gente possa arrecadar mais tem que usar estrateacutegias que sabemos que vai render

Neste caso se a escola compreendesse solidariedade a partir da

formulaccedilatildeo alteridade eacutetica e compromisso social (cidadania) poderia

encontrar outras formas para provocar o interesse dos alunos uma vez que o

fato de serem adultos natildeo justifica a estrateacutegia adotada Ao contraacuterio haacute um

157

leque de possibilidades de intervenccedilatildeo criacutetica para se propor a alunos adultos

O que determina a conduta eacute a compreensatildeo do que eacute solidariedade e em

segundo lugar o objetivo centrado no projeto de arrecadaccedilatildeo e natildeo na

aprendizagem dos alunos Se o foco eacute a arrecadaccedilatildeo em si promover o

espiacuterito de competiccedilatildeo e um momento de confraternizaccedilatildeo pode parecer

adequado mas se o foco for a aprendizagem esta natildeo eacute a melhor estrateacutegia

uma vez que se distanciou completamente da compreensatildeo de solidariedade

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo Desenvolver uma campanha de

doaccedilatildeo natildeo caracteriza intervenccedilatildeo poliacutetica da mesma forma que realizar uma

atividade visando o benefiacutecio proacuteprio estaacute em direccedilatildeo oposta ao

desenvolvimento da alteridade ainda que agraves vezes a escola tenha a intenccedilatildeo

de propiciar uma formaccedilatildeo para a cidadania

Nesta outra experiecircncia apresentada logo a seguir a escola promove

campanhas de arrecadaccedilatildeo dentro de um projeto anual em que os alunos tecircm

uma seacuterie de atividades e entre elas campanhas de arrecadaccedilatildeo Ainda que o

projeto apresente outras atividades caracterizadas pela solidariedade

funcionalista-participativa (conforme seraacute apresentado no proacuteximo subitem)

algumas das accedilotildees reservam o caraacuteter assistencialista

CPEI ndash Sobretudo a questatildeo da doaccedilatildeo de alimentos para instituiccedilotildees de caridade gecircneros de primeira necessidade Noacutes fazemos cinco campanhas ao longo do ano agasalho leite ldquoSustagenrdquo toalhas bolacha Natildeo eacute soacute a doaccedilatildeo a ideia eacute desenvolver nele o ato de pensar no outro eacute nisso que a gente fica insistindo natildeo eacute soacute dar a bolacha eacute olhar para o outro

A escola tem a intenccedilatildeo de propiciar com o desenvolvimento de tais

praacuteticas uma reflexatildeo de percepccedilatildeo diante da desigualdade social No entanto

eacute preciso considerar que o vieacutes conservador pode estar presente em uma

relaccedilatildeo desigual entre os sujeitos O que de fato significa ldquoolhar o outrordquo eacute que

faraacute a diferenccedila pois se a percepccedilatildeo de relaccedilatildeo eacute desigual o fato de a escola

reforccedilar a doaccedilatildeo pode ser compreendido pelos alunos como um reforccedilo a este

tipo de praacutetica que eacute por natureza assistencialista e que coloca o outro em

condiccedilatildeo desigual inferior

158

CPE4 ndash As atividades de solidariedade estatildeo previstas na proposta pedagoacutegica ela estaacute embasada nos ldquoquatro pilares da educaccedilatildeordquo da UNESCO comeccedilando pelo aprender a conhecer vindo para o aprender a fazer Nossa missatildeo eacute formar o profissional para o mercado de trabalho e formar o cidadatildeo e laacute estaacute o trabalho que desenvolvemos a campanha do agasalho do brinquedo de alimentos natildeo pereciacuteveis As doaccedilotildees satildeo feitas para a APM e revertidas para algumas instituiccedilotildees de carentes

Nesta fala pode-se notar o distanciamento da compreensatildeo de

solidariedade enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo A escola ao incluir no

curriacuteculo a preparaccedilatildeo pelos anunciados pilares da UNESCO - aprender a

aprender a fazer a ser e a relacionar-se (UNESCO 2001) - escolhe uma

praacutetica que pouco ou nada contribui para a sua concepccedilatildeo de formaccedilatildeo

Embora seja uma escola que demonstre uma intencionalidade em desenvolver

projetos socioeducativos o modelo adotado pouco contribui para a formaccedilatildeo

criacutetica de seus alunos73

CPE4 ndash Solidariedade eacute super importante A concepccedilatildeo de nossa escola eacute trabalhar em equipe em coletividade Por que eu tenho que ser solidaacuterio com vocecirc Porque vocecirc eacute uma engrenagem e soacute vai funcionar quando todo mundo fizer a sua parte nesta engrenagenzinha

Solidariedade eacute tambeacutem o exemplo e participaccedilatildeo junto Se vocecirc chegar em uma sala e disser ldquoagora eu vou mostrar o que eacute solidariedaderdquo Natildeo eacute assim o professor precisa participar com o aluno e incentivar dando ideias e montando estrateacutegias []

Haacute uma compreensatildeo de solidariedade enquanto valor conduta e para

tanto pode ser ensinada por meio do exemplo e do estiacutemulo agrave participaccedilatildeo de

atividades que propiciem vivecircncias de participaccedilatildeo No entanto na

continuidade da formulaccedilatildeo essa ideia a escola demonstrou que ainda estaacute

73

Para receber o Selo Escola Solidaacuteria a escola relatou outro projeto no qual realizam um evento tecnoloacutegico e convidam muitas pessoas para participar de palestras workshop e visitaccedilatildeo monitorada gratuitamente Ao inveacutes de cobrarem a entrada eacute pedida a doaccedilatildeo de 1 quilo de alimento natildeo pereciacutevel ou 1 agasalho Nessa atividade ainda que seja caracterizada por uma campanha de arrecadaccedilatildeo haacute aprendizagem haacute integraccedilatildeo Segundo a escola ldquoos alunos participaram ativamente da campanha receberam as doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registraram e organizaram as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos) realizam a entrega (comunidades de hospitais da regiatildeo)rdquo

159

centrada na concepccedilatildeo de solidariedade enquanto um projeto assistencialista

centrado em quem faz a accedilatildeo

CPE4 ndash [] Natildeo adianta o professor chegar e dizer ldquogente vai ter campanha tragamrdquo O professor mostrou solidariedade Natildeo ele soacute informou Agora se o professor disser ldquogente eacute o seguinte todo semestre temos a campanha do agasalho para ajudar as pessoas carentes Todo ano noacutes fazemos isso eacute bacana Eu participo tambeacutem com vocecircs e se a gente ganhar ainda teremos a pizzadardquo Essa eacute a diferenccedila o professor estimula participando motivando de verdade

Um projeto de mobilizaccedilatildeo de caracteriacutestica social deve

necessariamente ter como objetivo o bem comum Neste caso trata-se de uma

accedilatildeo pontual de benevolecircncia caridade que pode muitas vezes reforccedilar o

assistencialismo ou o paternalismo como valor

Haacute outro tipo de projeto recorrente

CPE4 ndash Noacutes ajudamos a manter uma escola puacuteblica aqui do bairro Parte da capacitaccedilatildeo dos professores eacute por nossa conta e tambeacutem fazemos a doaccedilatildeo de equipamentos por exemplo computadores Ateacute automoacutevel para as aulas de mecacircnica de automoacutevel noacutes jaacute doamos A prefeitura de laacute manteacutem dando o lanche dos alunos Laacute tem muito aluno carente e tambeacutem em liberdade assistida Eacute uma escola que profissionaliza que oferece cursos raacutepidos mas nenhum eacute teacutecnico Os cursos que seriam pagos eles fazem gratuito e ainda ganham lanche

A escola neste caso contribui socialmente poreacutem com um projeto

institucional assumido apenas pela direccedilatildeo da escola natildeo haacute articulaccedilatildeo da

accedilatildeo com o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo O projeto gera

impacto social promove a aprendizagem da comunidade atendida mas natildeo eacute

empregado para desenvolver o conhecimento emancipaccedilatildeo de seus proacuteprios

alunos

22 Solidariedade discursiva

As principais caracteriacutesticas da solidariedade discursiva satildeo

a) estaacute apoiada no discurso teoacuterico-pedagoacutegico

160

b) tem acentuada proposta reflexiva

c) natildeo estaacute vinculada com atividades de intervenccedilatildeo social

podendo o professor preferir aulas expositivas jogos

simulaccedilotildees diaacutelogos mas natildeo haacute o comprometimento com o

desenvolvimento de uma atividade de intervenccedilatildeo social

d) as praacuteticas levam agrave reflexatildeo ou ao desenvolvimento de um

estudo de caso de uma pesquisa acadecircmica em que o foco

estaacute no aluno natildeo haacute uma figura real o outro

A solidariedade discursiva eacute aquela percebida enquanto princiacutepio de

formaccedilatildeo que fundamenta o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico Poreacutem a praacutetica

distancia-se da proposta curricular ou seja a escola promove uma reflexatildeo

sobre solidariedade enquanto valor mas se atem a uma exploraccedilatildeo discursiva

sem criar situaccedilotildees em que de fato ela seja trabalhada enquanto atitude

poliacutetica e sem que haja intervenccedilatildeo social Por exemplo

PE4 ndash Tem aula que eu proponho uma coisa diferente noacutes fazemos uma dinacircmica Tem uma que eacute ldquoa hora do contordquo essa eacute bem simples cada um conta um pouco da sua vida Outro exemplo eacute a dinacircmica do aquaacuterio eu faccedilo um aquaacuterio gigante na lousa cada um desenha o seu peixinho e traz pra lousa pra colar com um durex A ideia eacute a discussatildeo sobre cooperaccedilatildeo sobre solidariedade O que esse aquaacuterio representa pra vocecirc Os peixinhos estatildeo aiacute o que isso significa Sai cada discussatildeo bacana Tem aluno que chega depois e diz ldquoProfessor foi legal aquela dinacircmica vocecirc tocou num ponto que taacute acontecendo na minha vida com a minha esposa na minha casardquo Entatildeo eacute isso a gente estaacute refletindo na aula

Neste caso a concepccedilatildeo de solidariedade estaacute baseada na relaccedilatildeo de

convivecircncia pensada para favorecer o clima de respeito nas relaccedilotildees sociais

que se estabelecem O professor cria situaccedilotildees de aprendizagem por meio de

dinacircmicas jogos e a troca de impressotildees e desta forma constroacutei um ambiente

onde o clima eacute amistoso O respeito e a colaboraccedilatildeo satildeo desejados e

valorizados

161

PE4 ndash Noacutes marcamos um jogo com um time de Alphaville um time de classe meacutedia alta O treinador deles disse que laacute sai muita discussatildeo entre os alunos eles brigam dentro de campo comeccedilam a se agredir um acha que pode mais que o outro Por causa disso ele natildeo queria marcar esse amistoso achou que ia sair mais briga ainda pelo fato de o nosso time ser de pessoas da comunidade Eu disse que natildeo que era uma oportunidade para todo mundo aprender E o que aconteceu Marcamos o jogo ningueacutem se machucou teve cumprimento a gente trocou as camisas no final foi muito bacana Foi muito agradaacutevel porque natildeo teve confusatildeo todo mundo se respeitou e o placar ficou em dois a dois Ningueacutem ganhou ningueacutem perdeu mas mesmo que algueacutem tivesse perdido natildeo ia importar pois o que estava em jogo neste jogo era justamente essa aproximaccedilatildeo esse aprendizado

Outra caracteriacutestica da solidariedade discursiva estaacute na intenccedilatildeo de

formaccedilatildeo enquanto processo reflexivo Os valores podem ser trabalhados a

partir da exploraccedilatildeo conceitual O educador tende a encontrar no discurso o

meio de formaccedilatildeo ou seja cria situaccedilotildees de aprendizagem sobre eacutetica mas

para muitos autores esta natildeo seria a melhor maneira pois sem a figura do

outro sem a experimentaccedilatildeo o processo tende a tornar-se esvaziado de

sentido (FREIRE 1996 2000 DEWEY 1979 DEMO 2002 CARVALHO

2013)

CPE1 ndash Noacutes temos o projeto Gincana Solidaacuteria onde noacutes colocamos todas as questotildees de cidadania escolar [] No comeccedilo todos os mil alunos satildeo divididos em cinco grandes grupos e noacutes vamos discutir professores e alunos o tema do ano Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento da cidadania de criar formas de conversar Tudo isso eacute uma grande conversa entre as pessoas Eles tecircm tarefa de muacutesica para fazer tecircm teatro pesquisa tecircm todas as fases ateacute chegar num ldquofoacuterumrdquo

Mesmo em situaccedilotildees de aprendizagem reais atividades dessa

natureza natildeo tecircm como objetivo a transformaccedilatildeo social O foco estaacute centrado

na atividade pedagoacutegica em si ainda obedecendo a uma compreensatildeo que

separa a formaccedilatildeo escolar da formaccedilatildeo para a cidadania Em outras palavras

se a intenccedilatildeo da atividade desenvolvida pelo aluno for descolada de uma

proposta real de educaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo pela interaccedilatildeo sem que seja

considerado relevante o impacto social da accedilatildeo tal postura manteacutem a relaccedilatildeo

escola-comunidade dissociada Esta percepccedilatildeo natildeo contribui diretamente para

162

a formaccedilatildeo da consciecircncia emancipadora e pode favorecer a aceitaccedilatildeo da

realidade social tal e qual ela eacute com suas desigualdades substantivas Vale

pontuar que as atividades caracterizadas como solidariedade discursiva natildeo

podem ser compreendidas como de ldquoaprendizagem e serviccedilo solidaacuteriordquo pois

estas satildeo caracterizadas pela intervenccedilatildeo real na sociedade

PE4 ndash Tem outro jogo propriamente dito o limpa-casa E o que estaacute em jogo neste jogo Eacute um jogo atrativo um jogo motivacional e acima de tudo trabalho essa questatildeo O limpa-casa eacute assim tem as equipes A e B e tem as bolas que representam a sujeira No momento em que eu falar eles tecircm que se livrar das bolas o mais raacutepido possiacutevel Parou Quem ficar com mais bola eacute a equipe do sujinho e quem ficar com menos eacute a equipe dos limpinhos No final tem todo um fechamento de como eacute que eles lidam com esta questatildeo em casa quem ajuda a manter a ordem quem limpa a casa Eu valorizo isso Eles contam como eacute Tem muita coisa bacana que daacute para discutir

Trazer atividades recreativas e motivacionais para promover

discussotildees sobre haacutebitos e comportamentos saudaacuteveis eacute uma das maneiras de

valorizar reforccedilar comportamentos sociais de colaboraccedilatildeo de convivecircncia

mas existem outras como valorizando atitudes colaborativas no ambiente

escolar e promovendo experiecircncias de responsabilidade pela transformaccedilatildeo

social

CPE1 ndash Trabalhar a solidariedade a cidadania natildeo eacute algo que vocecirc possa dizer somente Vocecirc tem que dizer mas tem que demonstrar pois eacute o exemplo que autentica aquilo que vocecirc estaacute dizendo Se vocecirc diz uma coisa e demonstra outra todo mundo percebe e isso soa falso Temos que dar informaccedilatildeo para o aluno mas tambeacutem o exemplo

Sobre essa questatildeo Carvalho afirma

eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo

163

os viacutecios como o desrespeito a intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

Tudo o que acontece na escola eacute curriacuteculo o conteuacutedo a conduta o

ambiente o uso do espaccedilo fiacutesico o uso da infraestrutura a gestatildeo a forma de

se relacionar de resolver os conflitos de conduzir o planejamento a

organizaccedilatildeo das mateacuterias as prioridades Desta forma os valores como a

solidariedade a eacutetica a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico satildeo aprendidas

conforme forem vivenciadas e o impacto dessa percepccedilatildeo pode inferir no

desempenho escolar Como seraacute desenvolvido ainda neste capiacutetulo quando

traremos a solidariedade pensada no ambiente escolar um levantamento

desenvolvido para se aferir indicadores de qualidade que pudessem indicar

outros aspectos da qualidade da educaccedilatildeo (RIBEIRO V RIBEIRO J

GUSMAtildeO 2005) para aleacutem dos jaacute mensurados nas avaliaccedilotildees externas de

rendimento a solidariedade aparece como um dos fatores de qualidade

percebidos como relevantes para o desenvolvimento de boas praacuteticas quer

seja nas escolas (UNICEF 2006) quer seja em sistemas de educaccedilatildeo

(UNICEF 2008)

No entanto a concepccedilatildeo de solidariedade pode ser ampliada para

aleacutem das relaccedilotildees de convivecircncias se for pensada enquanto conhecimento-

emancipaccedilatildeo (SANTOS B S 2009 2010) Para isso eacute necessaacuterio expandi-la

o que natildeo significa abandonar a ideia de conviacutevio da aprendizagem pelas

condutas pelo exemplo mas agregar a intenccedilatildeo de intervenccedilatildeo poliacutetica de

desenvolver uma atividade onde seja possiacutevel atuar socialmente vivenciar o

processo de tomada de consciecircncia Neste sentido eacute preciso adotar uma

postura dialoacutegica no processo educativo mas tambeacutem criar experiecircncias de

responsabilidade de atitude ciacutevica

CPE1 ndash Eacute possiacutevel ensinar eacutetica na escola Realmente eu natildeo tenho esta resposta mas que eacute possiacutevel ajudaacute-los a pensar sobre eacutetica o que fazer o que eacute permitido o que natildeo eacute permitido quais as regras sociais que podem eacute preciso que eles reflitam sobre isso dentro da escola A escola eacute um espaccedilo para reflexatildeo para que eles pensem sobre isso sobre eacutetica

164

Reflexotildees como estas provocam discussotildees filosoacuteficas desde a Greacutecia

antiga Carvalho citando Platatildeo lembra-se de sua pergunta ldquoa virtude pode ser

ensinadardquo e de outras formulaccedilotildees da mesma academia menos interessadas

em meacutetodos e procedimentos pedagoacutegicos e mais centradas no campo da

poliacutetica Natildeo se trata pois de se considerar as virtudes puacuteblicas tais como a

eacutetica a solidariedade como um conteuacutedo programaacutetico ajustado ao curriacuteculo

como uma disciplina mas tambeacutem natildeo se trata de isentar a escola de oferecer

uma educaccedilatildeo que prepare pessoas capazes de exercer sua cidadania com

liberdade na constituiccedilatildeo de um estado democraacutetico (CARVALHO 2013 p 45)

23 Solidariedade funcionalista-participativa

As principais caracteriacutesticas da solidariedade funcionalista-participativa

satildeo

a) O foco da atividade estaacute centrado nos saberes escolares no

desenvolvimento do conhecimento teacutecnico cientiacutefico e no acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado

b) Natildeo haacute preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao resultado da accedilatildeo na

transformaccedilatildeo da realidade A atividade eacute desenvolvida como um

exerciacutecio pedagoacutegico

c) A comunidade eacute compreendida como um laboratoacuterio das praacuteticas

pedagoacutegicas

d) A compreensatildeo de participaccedilatildeo social estaacute desvinculada da

formaccedilatildeo do pensamento criacutetico

Inicialmente gostariacuteamos de nos ater ao nome sugerido para esta

categoria A qualidade ldquofuncionalistardquo diz respeito ao foco da atividade

centrado na principal funccedilatildeo da escola promover a aprendizagem do aluno

quando este eacute apresentado junto agrave participaccedilatildeo - ldquofuncionalista-participativardquo

portanto - seu sentido passa a ter uma conotaccedilatildeo de que a participaccedilatildeo estaacute

ligada ao processo educativo independentemente do resultado social em si

Esta eacute a diferenccedila pois tanto a participaccedilatildeo quanto a aprendizagem satildeo

desejaacuteveis mas em se tratando do desenvolvimento da solidariedade

165

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo eacute preciso criar espaccedilos para a formaccedilatildeo

da alteridade portanto da intenccedilatildeo real de transformaccedilatildeo Em outras palavras

criar espaccedilos de participaccedilatildeo eacute fundamental mas se natildeo estiver articulada a

uma proposta criacutetica natildeo gera produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo haja

vista que a participaccedilatildeo em projetos de solidariedade assistencialista eacute

possiacutevel desejada e estimulada

Neste sentido quando as atividades solidaacuterias desenvolvidas pela

escola tecircm o foco centrado no proacuteprio processo educativo o impacto da

atividade recai na aprendizagem dos saberes escolares em detrimento do

impacto social propriamente dito Significa dizer que envolver o aluno em uma

atividade social natildeo necessariamente promove aprendizagem criacutetica

significativa Em uma proposta educativa baseada na construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade) o que se pretende eacute criar a

consciecircncia criacutetica diferente do conhecimento-regulaccedilatildeo Se o aluno eacute

convidado a participar de atividades em que o foco estaacute centrado em

determinadas aprendizagens de conteuacutedos ou saberes especiacuteficos a sua

percepccedilatildeo de intervenccedilatildeo social de transformaccedilatildeo da realidade (no dizer de

Freire) seraacute pouco explorada A ldquofuncionalidaderdquo neste caso qualifica a

solidariedade para uma accedilatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo do ponto de vista

da finalidade educativa onde a principal caracteriacutestica eacute a de que haacute

aprendizagem mas o objetivo natildeo eacute o resultado da accedilatildeo social em si

CPE1 ndash Eu natildeo tenho como dizer se aquela comunidade mudou em funccedilatildeo do projeto Eu natildeo sei o quanto isso vai mudar o asilo ou as pessoas que estatildeo laacute O que os alunos nos contaram eacute que os idosos gostaram muito [] Natildeo sei como os idosos ficam eu sei como os alunos voltam eles voltam transformados

Neste tipo de trabalho o propoacutesito eacute criar uma situaccedilatildeo de

aprendizagem e de conviacutevio com outras realidades e despertar a atenccedilatildeo do

aluno ampliando os espaccedilos educativos para aleacutem da sala de aula

propiciando outras vivecircncias A accedilatildeo pedagoacutegica eacute o objetivo em si mesma

independente do impacto social que venha causar Tais atividades se

caracterizam pelo esforccedilo de organizar a praacutetica curricular para propiciar

166

experiecircncias durante a formaccedilatildeo muito embora tais projetos tambeacutem possam

ser pensados para provocar uma intervenccedilatildeo social e natildeo somente a

constataccedilatildeo de que as diferentes realidades existem

PE1 ndash No Cientista Solidaacuterio a gente faz sabatildeo O principal objetivo eacute fazer ciecircncia fazer o aluno observar ter estiacutemulo para aprender Quanto ao sabatildeo alguns a gente guarda outros os alunos levam para casa outros a gente doa Eacute muito bom doar para quem precisa ser uacutetil a algueacutem

Neste projeto ainda que textualmente no planejamento74 a escola

tenha mostrado uma preocupaccedilatildeo com o compromisso eacutetico e solidaacuterio no

processo formativo a atividade em si estaacute centrada no conhecimento cientiacutefico

Quando o resultado fica restrito ao pedagoacutegico e natildeo ao impacto da accedilatildeo

solidaacuteria o aluno poderaacute incorporar uma visatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo O

outro torna-se um ldquoqualquer outrordquo natildeo haacute de fato um compromisso com o

interlocutor com quem recebe a accedilatildeo

PE1 ndash Agraves vezes no horaacuterio das aulas a gente natildeo consegue dar a parte teoacuterica e praacutetica entatildeo surgiu a ideia de que o aluno viesse no contraturno para ter essa praacutetica no laboratoacuterio Eacute uma atividade voluntaacuteria vem o aluno que quiser natildeo estaacute preso agrave nota agrave frequecircncia nem nada Mas noacutes vemos que eacute bacana que eles ficam estimulados Para isso eu pensava em fazer algo que eles pudessem produzir que eles pudessem mostrar para os outros o que fizeram Entatildeo eu pensei em alguma coisa de higiene sabatildeo Fazer com que o oacuteleo viesse da casa deles da vizinhanccedila Uma vez o aluno ensinou a matildee e ela comeccedilou a fazer sabonete para vender como lembrancinha para receacutem nascido

As oportunidades de aprendizagem criadas que colocam o aluno em

uma situaccedilatildeo de assumir um compromisso com a aprendizagem desvinculada

da nota satildeo bons exemplos de como se ensina a ter responsabilidade A

participaccedilatildeo da comunidade em diferentes contextos faz com a experiecircncia

percorra diferentes percursos de aprendizagens que nem sempre estavam

previstos no planejamento satildeo situaccedilotildees de aprendizagem significativas

74

Apresentado no capiacutetulo I na descriccedilatildeo da Escola1 em ldquoCientista Solidaacuteriordquo

167

poreacutem natildeo eacute possiacutevel perceber como intenccedilatildeo da escola a intervenccedilatildeo criacutetica

da realidade

CPE1 ndash Noacutes temos pombos na escola e os alunos conseguiram durante uma ediccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria haacute uns anos atraacutes a doaccedilatildeo de um aparelho de alta frequecircncia que soacute pombo ouve Esse aparelho emitia o som do gaviatildeo Eles o colocaram em pontos estrateacutegicos e os pombos desapareceram Mas depois a gente teve que desligar porque alguns alunos estavam ouvindo tambeacutem Foi assim que ficamos sabendo que o ouvido humano ateacute os 21 anos de idade pode captar essa frequecircncia Mas natildeo faz mal natildeo tem importacircncia o fato de ele ter sido desligado o importante foi promover a discussatildeo eles conseguirem a doaccedilatildeo houve o envolvimento de todo mundo discutimos sobre os pombos sobre o problema das pragas urbanas etc

CPE3 - O primeiro objetivo eacute a formaccedilatildeo do nosso aluno eacute ele entrar em contato com uma comunidade diferente Eacute claro que por ser um trabalho seacuterio comprometido ele vai surtir efeito nesta comunidade mas o nosso objetivo primeiro natildeo eacute transformar esta realidade E a gente tem que assumir isso Eu natildeo sei Eu tambeacutem estou pensando se essa eacute a funccedilatildeo se eacute assim que iremos trabalhar esses valores a eacutetica Mas pensar soacute ali dentro da sala de aula natildeo eacute via voluntariado educativo me parece um caminho muito bacana

A funccedilatildeo da escola eacute a educaccedilatildeo formal garantir que o aluno tenha a

oportunidade de desenvolver-se em suas capacidades cognitivas ter acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado desenvolver-se pessoal e

socialmente Neste sentido propor uma educaccedilatildeo que crie espaccedilos de

intervenccedilatildeo social abrindo-se para o mundo real com possibilidades de inferir

em uma realidade e nela atuar buscando contribuir para melhoraacute-la faz parte

do processo educativo Natildeo se espera que a escola resolva todos os

problemas da sociedade pois natildeo eacute esta a funccedilatildeo social que deve responder

No entanto o acesso ilimitado ao conhecimento por meio das

tecnologias as novas formas de produccedilatildeo de relaccedilatildeo e de consumo implica

ensinar a coletar e organizar as informaccedilotildees a pesquisar a pensar a resolver

problemas a reconhecer-se parte da sociedade e nela inferir sem que isso seja

pensado em benefiacutecio proacuteprio mas sim visando de fato construir um mundo

melhor para se viver Espera-se que seu principal objetivo seja oferecer uma

educaccedilatildeo de qualidade e o seu projeto pedagoacutegico para tanto precisa ser

guiado pela concepccedilatildeo de qualidade que se deseja imprimir Se a qualidade

168

estiver relacionada apenas com o resultado nos exames externos a estrateacutegia

deveraacute seguir pela preparaccedilatildeo dos alunos para a realizaccedilatildeo das provas mas

se a compreensatildeo de que a formaccedilatildeo deve assegurar o desenvolvimento da

consciecircncia criacutetica e da autonomia ela deveraacute adotar outras estrateacutegias para

atingir tal objetivo Desta forma quando haacute a segunda percepccedilatildeo a

solidariedade pode ser pensada enquanto estrateacutegia intriacutenseca ao processo de

aprendizagem A escola que adota a intervenccedilatildeo social como praacutetica curricular

pode desenvolver a consciecircncia criacutetica a alteridade e a formaccedilatildeo eacutetica se de

fato estiver fazendo com que os seus alunos assumam a responsabilidade em

comprometer-se em pesquisar avaliar planejar agir em favor de um projeto

para melhorar a vida da comunidade A percepccedilatildeo dicotocircmica entre focar na

aprendizagem e no desenvolvimento de projetos de intervenccedilatildeo na

comunidade acontece quando natildeo haacute clareza de tal articulaccedilatildeo quando os

momentos educativos ainda estatildeo dissociados

CPE1 ndash Noacutes temos que trabalhar os conteuacutedos que satildeo cobrados no vestibular e ao mesmo tempo trabalhar os projetos de cidadania Isso estaacute claro na cabeccedila dos professores mas se eu perguntar para eles o que noacutes precisamos mais cidadania ou conteuacutedo eles vatildeo dizer conteuacutedo

CPE3 ndash Natildeo acontece por esta via por exemplo ensinar portuguecircs pelo caminho do social Eu acho que tem um conhecimento aprendido que eacute aplicado eu vejo que tem relaccedilotildees mas ainda eacute descolado

Tecircm momentos em que noacutes conseguimos Por exemplo a oitava seacuterie fez um projeto de liacutengua portuguesa de construccedilatildeo de texto com a comunidade do Centro da Crianccedila e do Adolescente Os alunos participaram da adaptaccedilatildeo do planejamento do lanccedilamento da execuccedilatildeo da visita ao Museu junto com os meninos do CCA foi um trabalho muito legal [] Outro exemplo o professor de ciecircncias passou um semestre no projeto de roboacutetica no centro profissionalizante com quinze alunos Natildeo daacute para ele trazer para a sala de aula esta experiecircncia o tempo todo Entatildeo tem determinados momentos que isso eacute feito mas porque tem um pedido

O fato de o professor ter esta visatildeo distanciada da formaccedilatildeo para a

cidadania em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica reflete a tensatildeo da

formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica ao conhecimento emancipaccedilatildeo

A reduccedilatildeo da emancipaccedilatildeo moderna agrave racionalidade cognitivo-instrumental da ciecircncia e a reduccedilatildeo da regulaccedilatildeo moderna ao

169

princiacutepio do mercado incentivadas pela converso da ciecircncia na principal forccedila produtiva constituem as condiccedilotildees determinantes do processo histoacuterico que levou a emancipaccedilatildeo moderna a render-se agrave regulaccedilatildeo moderna Em vez de dissolver no pilar da regulaccedilatildeo o pilar da emancipaccedilatildeo continuou a brilhar mas com uma luz que provinha [] dos diferentes espelhos que refletiam a regulaccedilatildeo (SANTOS 2009 B S p 57)

O rigor cientiacutefico centrado em validar o que eacute quantificaacutevel promove o

interesse e o desenvolvimento de conhecimentos regulares observaacuteveis

mensuraacuteveis As ciecircncias humanas e sociais importaram o cientificismo das

ciecircncias exatas e bioloacutegicas reduzindo portanto a complexidade da realidade

(DEMO 1985 CHIZZOTTI 1991)

CPE3 ndash O objetivo principal de se desenvolver esses projetos solidaacuterios eacute o aluno levar essa experiecircncia esse aprendizado para o resto da vida E de fato eu tinha alunos que jamais iriam num trabalho voluntaacuterio numa creche porque natildeo tecircm esse perfil [] Quando a gente abriu o futebol entatildeo foi impressionante porque veio uma leva de alunos aqueles que natildeo vatildeo bem na escola Foi muito bacana o perfil que se formou

Nota-se que a escola tem como proposta criar espaccedilos para a vivecircncia

e a aprendizagem solidaacuteria mas que ainda assim pode-se perceber um

distanciamento mesmo que isso natildeo seja comum a todos os professores nem

a todos os projetos que ela desenvolve

24 Solidariedade criacutetica-emancipadora

As principais caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

a) A solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de formaccedilatildeo criacutetica

pelas quais a escola identifica um problema social real planeja as

accedilotildees de intervenccedilatildeo utilizando os saberes acumulados na escola e

na vida e fazem a intervenccedilatildeo para resolvecirc-los

b) Articulaccedilatildeo da intencionalidade pedagoacutegica com a qualidade da

accedilatildeo social visando o desenvolvimento da formaccedilatildeo criacutetica ao

mesmo tempo em que busca melhor qualidade de vida da

comunidade atendida

170

c) Conhecimento colaborativo produzido por meio das relaccedilotildees

horizontais que se estabelecem

d) O fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria comprometimento e co-responsabilidade

As atividades que envolvem solidariedade na escola geralmente satildeo

desenvolvidas a partir de dois princiacutepios segundo Tapia (2006) 1) iniciativas

que visam melhorar a vida da comunidade - no entanto natildeo haacute intenccedilatildeo de

criar situaccedilotildees de aprendizagem para os proacuteprios alunos e 2) atividades

pedagoacutegicas trabalhos de campo reflexatildeo teoacuterica em que o foco estaacute no

desenvolvimento do conhecimento acadecircmico que natildeo visam melhorar a vida

da comunidade

Haacute ainda um terceiro tipo que diz respeito ao que veremos neste

item que estaacute aportado na articulaccedilatildeo entre oferecer um desenvolvimento do

conhecimento acadecircmico a partir da participaccedilatildeo em atividades que visam

melhorar a vida da comunidade Na compreensatildeo de solidariedade tais

experiecircncias devem buscar desenvolver a alteridade a eacutetica e o compromisso

poliacutetico como formaccedilatildeo Portanto enquanto praacutetica educativa podem ser

pensadas a partir do desenvolvimento de projetos de ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

que se referem ao terceiro tipo na medida em que

Falamos em aprendizagem e serviccedilo quando haacute intersecccedilatildeo das duas intencionalidades quando o desenvolvimento de um projeto estaacute presente simultaneamente na intencionalidade pedagoacutegica e na intencionalidade solidaacuteria (Ibidem p 25 traduccedilatildeo livre)

Neste caso a solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de

formaccedilatildeo criacutetica de tomada de consciecircncia do compromisso eacutetico-poliacutetico

pelas quais os alunos identificam um problema social real planejam accedilotildees de

intervenccedilatildeo e interferem na realidade utilizando os saberes acumulados na

escola e na vida para resolvecirc-los Tal experiecircncia eacute portanto centrada tanto

em propiciar uma aprendizagem criacutetica e criativa dos alunos quanto em

promover a emancipaccedilatildeo da comunidade atendida Quando pensada como

171

proposta curricular o curriacuteculo ganha amplitude na medida em que envolve

diferentes conexotildees em favor do saber pensar saber agir saber relacionar-se

para o desenvolvimento de um mundo mais justo e fraterno

Neste sentido o curriacuteculo pode ser pensado a partir de experiecircncias

que promovam a aprendizagem natildeo somente circunscrita entre as disciplinas e

as paredes da sala de aula senatildeo utilizando a proacutepria vida que pulsa em

sociedade para fazecirc-la

PE3 ndash Quando o cacique nos mostrou que o que de fato interessava era justamente essa interaccedilatildeo noacutes vimos que este eacute o caminho que eacute por aiacute que eles querem isso E noacutes somos o branco eu falo isso para os alunos ldquoGente cuidado noacutes somos o branco aqui dentro ou seja quem soacute fez mal a elesrdquo Eu acho bem difiacutecil para os nossos alunos eacute diferente por exemplo do que ir na favela do Jaguareacute Eles tecircm dificuldades mas natildeo eacute outra cultura

O maior aprendizado eacute saber que existe isso dentro da sua cidade acho que ningueacutem se daacute conta disso e conviver eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual eles sentem eles ficam juntos eles rolam na terra eacute uma super-interaccedilatildeo

O professor define o curriacuteculo a partir da concepccedilatildeo de educaccedilatildeo que

se quer desenvolver de acordo com o objetivo que se quer alcanccedilar Neste

caso enquanto forma de conhecimento intriacutenseca ao processo formativo a

descoberta do outro implica tambeacutem a descoberta de si mesmos No

depoimento acima pode-se notar que uma atividade onde a escola cria

espaccedilos para que os alunos possam de fato conhecer outra cultura todas as

suas complexidades e contradiccedilotildees satildeo expostas da maneira como realmente

satildeo A percepccedilatildeo criacutetica eacute provocada pelo tipo de atividade desenvolvida pela

exposiccedilatildeo ao outro ldquode igual para igualrdquo numa construccedilatildeo horizontal de

conhecimento baseada na alteridade

A escola parte para o desenvolvimento de uma relaccedilatildeo solidaacuteria de

construccedilatildeo colaborativa de conhecimento ampliando o espaccedilo educativo para

aleacutem da sala de aula e intervindo em uma realidade com a qual se identifica e

acredita que pode ajudar a melhorar

172

CPE2 ndash Antes de iniciar o projeto aqui dentro da escola eu fui laacute conhecer os cooperados e vi que o nosso trabalho ia ajudar porque quando eles saem na rua para buscar lixo de casa em casa com um carrinho eacute muito mais trabalhoso e a quantidade arrecadada eacute pequena sem contar que eacute constrangedor tambeacutem Aqui eles passam recolhendo com um caminhatildeozinho toda terccedila-feira O trabalho deles natildeo eacute faacutecil o processo de triagem eacute difiacutecil ficar ali eacute mal cheiroso

Na solidariedade criacutetica-emancipadora o projeto parte da loacutegica como

a atividade pedagoacutegica eacute construiacuteda o foco natildeo estaacute dentro da escola no

desempenho escolar de seus alunos (funcionalista) tampouco se trata de uma

atividade de benevolecircncia (assistencialista) mas estaacute centrado no outro o foco

eacute atender a uma necessidade da comunidade que neste caso eacute por um

projeto de troca de conhecimento de socializaccedilatildeo de integraccedilatildeo intercultural

mas poderia ser outra (como no depoimento da escola abaixo) Iniciar um

projeto a partir das reais necessidades daquele que seraacute beneficiado pela accedilatildeo

eacute uma das caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

ExCE1 - O projeto surgiu pela necessidade do Parque Eles natildeo tinham como receber grupos de visitaccedilatildeo porque natildeo haviam monitores entatildeo propus que os alunos do Ensino Meacutedio da nossa escola fossem os monitores-voluntaacuterios no contraturno A coordenaccedilatildeo do Parque adorou a ideia os alunos fizeram um curso de estaacutegio de formaccedilatildeo e o Parque pode ser aberto para visitaccedilatildeo Por causa disso as EMEIs e EMIs da cidade incluiacuteram tal visita no calendaacuterio escolar Entatildeo funcionava assim a coordenadora da escola que ia mandar os seus alunos para a visita dizia que conteuacutedos estavam estudando para a coordenadora do Parque e juntos noacutes faziacuteamos a adequaccedilatildeo da atividade que seria desenvolvida de acordo com este conteuacutedo Era muito bacana Nossos alunos sempre preparavam algo a mais pesquisavam se organizavam e viam o que seria mais interessante Eles acabavam inventando teacutecnicas para aquilo como passar trechos de filmes por exemplo

Criou-se neste caso uma rede colaborativa de aprendizagem Graccedilas

a este projeto toda a rede puacuteblica de educaccedilatildeo infantil da cidade pode incluir

em sua agenda a visita ao Parque Ecoloacutegico responsaacutevel pelo projeto de

paisagismo da cidade A oportunidade de aprendizagem tanto para os alunos

das EMEIs e EMIs quanto para aqueles que planejam e executavam as

atividades foi bem explorada pelas escolas que apostaram em um projeto

integrado de educaccedilatildeo ambiental combinando consciecircncia ecoloacutegica e

173

solidariedade A rede colaborativa de aprendizagem e trabalho em equipe

agregou qualidade agrave educaccedilatildeo demonstrando que eacute possiacutevel incluir no

curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem que faccedilam sentido para a vida em

sociedade

De que adianta obter determinadas quantidades de informaccedilotildees sobre geografia e histoacuteria adquirir a capacidade de ler e escrever se durante o processo o indiviacuteduo perde sua alma se perde sua capacidade de avaliar as coisas de perceber os valores aos quais as coisas estatildeo ligadas se perde o desejo de aplicar o que aprendeu e sobretudo se perde a capacidade de extrair o significado de suas experiecircncias futuras agrave medida que ocorreram (DEWEY apud APPLE BEANE 1997 p 30-31)

A relaccedilatildeo solidaacuteria eacute horizontal e para tanto deve ter como princiacutepio a

alteridade Deve se propor saber ouvir e buscar caminhos para se fazer o que

de fato atenda as reais expectativas do outro Quando a escola parte do

diagnoacutestico inicial quando a atividade eacute organizada com o objetivo de ensinar

solidariedade esta conduccedilatildeo eacute fundamental para que os alunos a vivenciem da

forma correta Natildeo se trata de iniciar um projeto estruturado dentro da escola

planejado por alunos e professores antes mesmo de se conhecer o que a

comunidade necessita de fato Encontrar mecanismos para lidar com as reais

necessidades da comunidade fazendo as adequaccedilotildees necessaacuterias exige

planejamento estudo mas tambeacutem exige ensinar a desenvolver uma relaccedilatildeo

baseada sobretudo no respeito Conhecer outras realidades outras culturas e

com ela compartilhar saberes aprendendo a valorizar a diferenccedila eacute um dos

caminhos da formaccedilatildeo de uma consciecircncia de cidadania planetaacuteria (PADILHA

et al 2011)

PE3 ndash Noacutes comeccedilamos esse projeto porque um iacutendio que era aluno nosso do EJA haacute uns sete anos atraacutes pediu para que noacutes focircssemos ateacute a aldeia dele trabalhar com as crianccedilas principalmente o reforccedilo de portuguecircs Noacutes chegamos laacute para estudar junto fazer liccedilatildeo mas eles natildeo queriam isso A gente natildeo conseguiu entrar por esse vieacutes pedagoacutegico entatildeo seguimos por um caminho alternativo que foi o do artesanato das artes com argila dobradura A relaccedilatildeo seguiu por uma outra loacutegica a deles Ateacute que eu comecei a ficar preocupada e me perguntei o que noacutes estamos de fato fazendo Foi aiacute que eu resolvi procurar o cacique e ele me disse que era justamente isso o que eles queriam que o melhor trabalho que tinha na aldeia era o nosso porque noacutes eacuteramos as uacutenicas pessoas que iam laacute para

174

se relacionar com as crianccedilas que todo mundo vai para dar alguma coisa tipo roupa remeacutedio vacina e a relaccedilatildeo eacute sempre muito distante Ele disse que se pudessem as pessoas arremessariam as coisas laacute dentro Ele falou ldquovocecircs satildeo nossos amigos e satildeo os uacutenicosrdquo A partir desse retorno eu comecei a focar mesmo nessa troca de culturas Entatildeo a gente conta uma histoacuteria para eles eles contam uma histoacuteria para noacutes noacutes fizemos uma receita para eles (de brigadeiro que natildeo vai ao fogo) e eles fizeram uma deles (tipaacute) para noacutes Nessas a gente escreve a receita eles copiam e assim a gente trabalha portuguecircs esse aprendizado eacute meio pano de fundo Em troca eles nos ensinam a falar algumas palavras em Guarani e eacute bem difiacutecil Eacute um trabalho muito bacana75

CE3 ndash O mais importante eacute esse conhecimento de superar as diferenccedilas e preconceitos conhecendo mesmo vendo como eacute que eacute e pondo a matildeo na massa juntos tipo trabalhando com o barro para fazer a ceracircmica indiacutegena com culinaacuteria teve uma aula que a gente ensinou eles a fazer tipaacute e eles fizeram brigadeiro todo mundo adorou a gente vai trabalhando assim de igual para igual

Nestes depoimentos haacute alguns aspectos que gostariacuteamos de pontuar

a) o projeto teve iniacutecio pela necessidade da comunidade e natildeo da escola ou

seja natildeo parte de um interesse de quem faz a accedilatildeo mas sim de quem iraacute

receber b) com o seu desenvolvimento a professora percebeu que a

expectativa da comunidade era outra e novamente mantendo a proposta

dialoacutegica de atuaccedilatildeo se dirige agrave comunidade para que juntos reavaliem o

percurso do projeto numa relaccedilatildeo reflexiva horizontal direta aberta c)

certifica-se ouvindo a comunidade que o projeto estaacute atendendo agraves suas

expectativas e d) a aprendizagem eacute muacutetua as diferenccedilas satildeo valorizadas

Tanto na ldquofalardquo da escola quanto da comunidade eacute possiacutevel perceber a

reciprocidade Aleacutem disso quando o objetivo eacute compartilhado a apropriaccedilatildeo eacute

legiacutetima para ambos fica difiacutecil de saber ldquode quem eacute o projetordquo

PE3 - Eacute uma possibilidade de relacionamento iacutempar natildeo eacute faacutecil mas o nosso papel eacute esse criar oportunidades para eles Tanto os alunos da escola como as crianccedilas e jovens indiacutegenas tecircm interesse de conviver com essa outra cultura Isso eacute ensinar solidariedade cidadania

75

No Jaraguaacute a menor aldeia do Brasil (17 hectare) sofre com as pressotildees por reintegraccedilatildeo de posse a construccedilatildeo do trecho oeste do Rodoanel e a inserccedilatildeo de projetos imobiliaacuterios na regiatildeo A presenccedila indiacutegena remonta ao seacuteculo 16 e a liacutengua materna eacute o Guarani A religiosidade e a produccedilatildeo artesanal estatildeo entre os principais elementos da resistecircncia guarani jaacute que a terra natildeo pode ser mais fonte de sobrevivecircncia (RIBEIRO 2010)

175

CE3 ndash Faz parte da nossa proposta do nosso conteuacutedo proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque noacutes estamos suprimidos pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Entatildeo a gente precisa preparar o nosso aluno para se integrar com outra comunidade Como ele vai sair daqui Ele natildeo pode chegar laacute despreparado sem conhecer nada

Os arranjos que se formam em torno de uma proposta de

solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa propiciam a produccedilatildeo de

um conhecimento colaborativo que acontece em meio a diferenccedilas de culturas

de classe social de niacutevel de escolaridade de idades Para viver os desafios de

uma formaccedilatildeo intercultural eacute preciso tornaacute-los presentes no processo de

formaccedilatildeo A aprendizagem torna-se significativa quando parte da alteridade e

esse planejamento favorece o desenvolvimento de uma atividade de

integraccedilatildeo de construccedilatildeo de conhecimento compartilhado Em outras palavras

aprender a pensar com o outro sem que haja sobreposiccedilatildeo cultural acentua o

traccedilo da alteridade numa perspectiva de desenvolvimento da ecologia do

saberes (SANTOS B S 2009)

Vale considerar ainda que ldquoum dos principais papeacuteis reservados agrave

educaccedilatildeo consiste antes de mais em dotar a humanidade da capacidade de

dominar o proacuteprio desenvolvimentordquo (UNESCO 2001 p 82) deixando a

concepccedilatildeo de desenvolvimento ligada apenas ao aspecto cientiacutefico e

econocircmico para encontrar tambeacutem a valorizaccedilatildeo das liberdades das

possibilidades de escolhas dos valores culturais em favor da vida

Nesse processo os saberes escolares satildeo revisitados em meio a uma

tomada de atitude que iraacute intervir na realidade envolvendo a consciecircncia de

pertencimento a um grupo social e de que cada accedilatildeo tem uma reverberaccedilatildeo

histoacuterica Numa comunidade de aprendizagem os problemas satildeo

compartilhados e aprender a respeitar a diversidade a colaborar faz com que

o grupo todo aprenda

Definidas como experiecircncias que oferecem simultaneamente uma alta qualidade de serviccedilo e um alto grau de integraccedilatildeo com os conteuacutedos formais este tipo de praacutetica implica a mesma continuidade e o mesmo compromisso institucional do serviccedilo comunitaacuterio estudantil poreacutem lhe somam a articulaccedilatildeo

176

das atividades com os objetivos da aprendizagem acadecircmica que caracterizam os trabalhos de campo (TAPIA 2006 p 29 traduccedilatildeo livre)

Os educadores de uma escola que se propotildee a desenvolver uma

educaccedilatildeo solidaacuteria precisam criar espaccedilos que ajudem os jovens a ter

experiecircncias que natildeo se restrinjam ao curriacuteculo formal pois geralmente ele

silencia as culturas que natildeo satildeo dominantes (APPLE BEANE 1997)

PE3 ndash O maior aprendizado desse projeto com a aldeia indiacutegena eacute conviver eacute essa interaccedilatildeo eacute essa troca de culturas Eles ficam juntos eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual Eles rolam juntos na terra Eacute uma troca Noacutes natildeo vamos laacute para ensinar mas eles aprendem coisas com a gente e noacutes aprendemos com eles

CPE2 ndash Eu acho que se aprende a ser solidaacuterio sofrendo com o sofrimento alheio Eu me coloco no lugar das pessoas o que eu posso fazer Em que linha posso trabalhar como posso contribuir O que eu sou eacute uma consequecircncia de tudo o que eu vim somando desde a minha infacircncia ateacute agora Eu aprendo com o outro Sem o outro a gente natildeo eacute nada Entatildeo a gente aprende na dificuldade do outro na vitoacuteria do outro na histoacuteria do outro e vocecirc tenta construir a sua histoacuteria em funccedilatildeo das coisas que vocecirc tem laacute de repertoacuterio

O respeito e o re-conhecimento do outro durante o processo de

formaccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade

consciente ativa da alteridade Essa relaccedilatildeo com o outro que toca afeta em

muitas dimensotildees desafia uma relaccedilatildeo de responsabilidade mais do que de

reconhecimento apenas Diante de sujeitos abstratos teorizados natildeo haacute essa

responsabilidade pois natildeo haacute necessidade real nem fraqueza nem fortaleza

pois natildeo haacute a concretizaccedilatildeo da vida O homem se faz sujeito do conhecimento

na medida em que reconhece suas exigecircncias eacuteticas concretas Como afirma

Leacutevinas (1988) o conhecimento enquanto respeito da alteridade implica em

ensinamento mas tambeacutem em reconhecer a presenccedila do outro onde a

formaccedilatildeo do sujeito eacutetico-poliacutetico se daraacute mediante a relaccedilatildeo dialeacutetica desse

enfrentamento da responsabilidade da atenccedilatildeo agrave vida e tambeacutem como

sustentou Freire

177

Ningueacutem pode estar no mundo com o mundo e com os outros de forma neutra Natildeo posso estar no mundo de luvas nas matildeos constatando apenas A acomodaccedilatildeo em mim eacute apenas caminho para a inserccedilatildeo que implica decisatildeo escolha intervenccedilatildeo na realidade (FREIRE 1996 p 43)

Criar oportunidades de aprender com o outro propicia o

desenvolvimento da alteridade um dos pilares fundamentais do conhecimento-

solidariedade sendo uma abertura para se repensar a formaccedilatildeo humana as

nossas relaccedilotildees pela eacutetica Em qualquer situaccedilatildeo deixar-se afetar pelo outro

implica no autoconhecimento ou ainda na ressignificaccedilatildeo de uma

compreensatildeo de si mesmo vinda do outro Este processo precisa ser

construiacutedo intencionalmente e dependeraacute sobretudo da compreensatildeo sobre a

qualidade da formaccedilatildeo que se deseja desenvolver

CPE2 ndash E quando a gente fala do meio ambiente da sustentabilidade da reciclagem eu natildeo estou falando soacute da questatildeo em si mas a questatildeo do respeito mesmo de respeitar o outro que tambeacutem eacute dono desse espaccedilo do espaccedilo que natildeo eacute soacute meu eacute coletivo do espaccedilo do planeta que se afeta se a gente natildeo cuidar dele Pra mim desenvolver na crianccedila o espiacuterito de solidariedade eacute isso eacute preciso respeitar ser respeitado e respeitar o outro

Estabelecer canais para que o aluno vivencie o respeito eacute fundamental

para o desenvolvimento da alteridade e do sujeito eacutetico onde a

responsabilidade eacute compreendida no campo existencial Portanto natildeo pode ser

incorporada ao homem intelectualmente mas vivencialmente (FREIRE 2001

p 66)

Um projeto baseado na alteridade no respeito ao outro natildeo eacute

sustentado apenas na boa accedilatildeo Eacute necessaacuterio estar de acordo com as reais

expectativas daquele que as recebe e com a percepccedilatildeo de que o sentido da

educaccedilatildeo deve ser o de formar pessoas que se respeitem pelo princiacutepio da

reciprocidade da alteridade A escola que cria espaccedilos de intervenccedilatildeo social

por ter como foco o desenvolvimento do pensamento criacutetico observa a

presenccedila da diversidade dos sujeitos sociais suas condiccedilotildees busca conhecer

seus interesses e deles partir para o desenvolvimento de atividades que

178

venham ao encontro dessa necessidade sem perder de vista o enriquecimento

do processo formativo

ExCE1 - Tem muito aprendizado eacute muito possiacutevel criar situaccedilotildees de aprendizagem muito mesmo disciplina tudo Acabava que eles tinham que se colocar neacute Eles eram monitores mas acabavam se colocando como professores e nesse momento eles percebiam a dificuldade que eacute Eles comeccedilam a ver um fim uacutetil para aquilo que estatildeo aprendendo na escola e aiacute as coisas se transformam Porque eles tinham que desenvolver muitos conhecimentos atuar em muitas aacutereas do conhecimento Resolveram que tinham que usar o teatro o teatro de fantoche criaram um texto para passar a mensagem deles Sim porque tudo isso era de responsabilidade deles eles eacute que resolviam o que iam fazer como fazer e o resultado era baacuterbaro ateacute musiquinha eles criaram para fazer a monitoria Eles fizeram um curso de monitoria para que eles pudessem aprender como entreter as crianccedilas

Propiciar experiecircncias de solidariedade e compromisso significa criar

uma dinacircmica de aprendizagem que favorece o amadurecimento da

responsabilidade numa relaccedilatildeo com a comunidade e com outros de troca e ao

mesmo tempo atende ao planejamento do que se pretende ensinar de

conteuacutedo programaacutetico Portanto envolve disciplina estudo pesquisa

apropriaccedilatildeo da linguagem aleacutem da construccedilatildeo da concepccedilatildeo poliacutetico-social de

tomada de consciecircncia de pertencimento a uma sociedade Neste caso

estudar natildeo se faz necessaacuterio apenas para o desempenho escolar mas sim

para conseguir o melhor roteiro para o teatro a melhor argumentaccedilatildeo para o

texto os assuntos mais interessantes para os visitantes ou o desenvolvimento

da consciecircncia ecoloacutegica Debruccedilar-se criticamente responsabilizando-se pela

comunidade vivendo suas contradiccedilotildees dificuldades criando oportunidades e

maneiras criativas para melhoraacute-la eacute o que nesses casos daacute sentido ao

processo educativo Criar situaccedilotildees reais de aprendizagem significa expor-se

criar um planejamento pedagoacutegico compartilhado que permita adequaccedilatildeo de

quem participa da accedilatildeo O trabalho em conjunto em projetos fora do habitual

com pessoas e situaccedilotildees reais permite a valorizaccedilatildeo das diferenccedilas como

riquezas e como oportunidades de aprendizagem e crescimento

ExCE1- Eu ajudava com o conhecimento pedagoacutegico mas natildeo era soacute isso porque eles tinham que saber como melhor atingir o puacuteblico que vinha

179

visitar o parque A crianccedila de sete anos eacute de um jeito a de oito de outro a de treze eacute de outro a de cinco a de dois O conteuacutedo agraves vezes era o mesmo mas a forma de passar esse conteuacutedo tinha que ser diferente Meu papel era esse de ir adequando o conteuacutedo agrave faixa etaacuteria mas natildeo precisava muito era soacute ensinar alguma coisa para eles deslancharem sozinhos eles mesmos percebiam como eacute que eles deviam fazer

As atividades em que os alunos satildeo estimulados a ter autonomia para

decidirem o que fazer e assumir tambeacutem os riscos desse envolvimento satildeo

ainda mais desafiadoras e formadoras da alteridade da responsabilidade Natildeo

haacute uma metodologia uacutenica uma norma ou uma regra preacute-estabelecida O

processo eacute dialoacutegico e se constitui na improvisaccedilatildeo no dinamismo na

incerteza da realidade natildeo iraacute partir de um universalismo teorizado mas das

relaccedilotildees reais que se estabelecem Nesse processo o professor orientador

deixa-se tambeacutem provocar pelo outro pelo ensinamento que o outro traz ou

deseja Na experiecircncia educativa baseada na solidariedade na alteridade eacute

por meio da relaccedilatildeo direta com as situaccedilotildees de exposiccedilatildeo ao outro que a

aprendizagem acontece extrapolando os padrotildees e planejamentos estanques

Aprende-se a aprender para melhorar a relaccedilatildeo com o outro a relaccedilatildeo

educativa natildeo eacute solitaacuteria tampouco unilateral

ExCE1 - Foi uma soma de aprendizado Para os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o parque e aprendiam aqui uma seacuterie de conteuacutedos e mais ainda para os nossos alunos monitores nossos alunos voluntaacuterios Ele precisa retomar alguns conteuacutedos que vatildeo repassar precisam dominar o conteuacutedo para ensinar certo precisam escrever um texto natildeo soacute correto mas que desperte o interesse do puacuteblico Enfim o resultado eacute brilhante

No processo educativo com um puacuteblico real com um objetivo social a

se cumprir o fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria e comprometimento Natildeo se trata de uma intervenccedilatildeo isolada com

caraacuteter meramente exploratoacuterio pois haacute comprometimento com os resultados

tanto sociais quanto pedagoacutegicos

CPE2 ndash Natildeo tem como pensar em trabalhar com cidadania separado No caso o trabalho com reciclagem comeccedilou porque o paacutetio da escola estava

180

ficando sujo e noacutes natildeo queriacuteamos estimular isso Daiacute comeccedilamos a conversar sobre o impacto da sujeira e com o tempo fomos envolvendo os conteuacutedos de todas as seacuteries Por exemplo no projeto Animais Marinhos eles vatildeo confeccionar os animais com material reciclado o Ler e Escrever traz a questatildeo do destino do lixo eles visitaram a empresa que tem uma estaccedilatildeo de tratamento de aacutegua e de reciclagem do proacuteprio lixo a equipe que arrecadar mais materiais reciclaacuteveis faz uma excursatildeo para o Pico do Jaraguaacute para conhecer e discutir as questotildees ambientais em 2012 fizemos uma brincadeira um concurso de fantasias no carnaval para ver quem fazia a fantasia mais criativa com material reciclado Eles procuraram marchinhas carnavalescas e fizeram paroacutedias sobre a questatildeo ambiental a questatildeo do lixo Desenvolvemos tambeacutem o projeto com o Faccedila Parte sobre o consumo consciente e o plaacutestico e a gente trouxe o autor de diversos livros adotados pela escola sobre meio ambiente para os alunos conhecerem Tudo isso sem descuidar de reciclar o proacuteprio lixo produzido na escola e na proacutepria sala de aula e manter o paacutetio limpo para natildeo virem os pombos

Natildeo se trata de separar o que eacute consciecircncia cidadatilde e o que eacute conteuacutedo

escolar A intervenccedilatildeo social acontece de maneira articulada o conteuacutedo eacute

trabalhado por meio de uma proposta de intervenccedilatildeo real e esta demanda mais

pesquisa mais conhecimento

CPE2 ndash No Reciclar todas as atividades estatildeo ligadas e tudo estaacute ligado a este assunto Aleacutem da questatildeo da escrita do conhecimento acadecircmico tem o conhecimento da vida que eles estatildeo adquirindo Noacutes temos a sequecircncia didaacutetica para trabalhar tem a questatildeo do desmatamento da importacircncia de preservar a mata atlacircntica a mata ciliar a contaminaccedilatildeo dos lenccediloacuteis freaacuteticos nas seacuteries iniciais usamos os materiais reciclados para fazer brinquedos vocecirc comeccedila a falar da importacircncia da reciclagem e eu estou inventando o curriacuteculo Natildeo ele estaacute posto uma coisa vai imbricando na outra natildeo tem como trabalhar paralelo

O projeto desenvolvido pela E2 visa contribuir tanto para a questatildeo

social quanto pedagoacutegica a partir de trecircs frentes de atuaccedilatildeo a) visando

melhorar o comportamento e postura dos alunos em relaccedilatildeo a questotildees

ambientais b) trabalhando o tema como conteuacutedo programaacutetico nas

disciplinas e c) implantando a coleta seletiva com o apoio da comunidade

escolar favorecendo a cooperativa de catadores com o material coletado pela

escola Assim a proposta eacute de refletir tanto sobre os conteuacutedos referentes ao

tema ligado ao meio ambiente reciclagem e sustentabilidade quanto promover

a consciecircncia criacutetica perante a questatildeo ambiental e melhorar a vida da

181

comunidade num projeto de articulaccedilatildeo curricular interdisciplinar onde cabe

ao professor de cada disciplina fazer as adequaccedilotildees necessaacuterias quanto ao

conteuacutedo Nessa proposta a formaccedilatildeo para a cidadania orienta o projeto

pedagoacutegico sendo que os alunos participam das atividades interferindo

socialmente enquanto estudam os conteuacutedos cientiacuteficos e teacutecnicos

O ambiente educador renovado pelo comprometimento o contato com

diferentes culturas em constante transformaccedilatildeo sua tradiccedilotildees e diferenccedilas

enriquecem a proposta de aprendizagem

CE3 - Esse trabalho eacute muito bom por causa da integraccedilatildeo O objetivo da escola indiacutegena natildeo eacute formar alunos para que sejam profissionais pra entrar numa faculdade O nosso objetivo eacute formar alunos que sejam conhecedores de sua proacutepria cultura de sua identidade de sua tradiccedilatildeo que saibam valorizar pensar saibam usar o seu conhecimento em favor da sua comunidade

O desenvolvimento da originalidade e as potencialidades se datildeo na

presenccedila e na construccedilatildeo da sociedade Assim a praacutetica que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos autocircnomos solidaacuterios implica a co-responsabilidade do

conviacutevio humano em dimensotildees planetaacuterias nacionais e locais baseada nos

princiacutepios da justiccedila respeito equidade social no cuidado de si do outro e do

contexto

CPE1 ndash A ideia de cidadania estaacute muito ligada a de autonomia Os professores orientam e quem discute e decide o que fazer satildeo os alunos essa discussatildeo eacute entre eles Vocecirc cria e ensina autonomia quando deixa com eles a responsabilidade sendo que aos professores cabe fazer as orientaccedilotildees que julgarem necessaacuterias

Uma das caracteriacutesticas apresentadas por Tapia (2004) de

aprendizagem e serviccedilo eacute o fato de que as iniciativas partem dos alunos Sobre

este aspecto o educador Antonio Carlos Gomes da Costa ao se referir agrave

participaccedilatildeo do jovem como principal ator em projetos de intervenccedilatildeo social

182

criou o conceito de ldquoprotagonismo juvenil76rdquo Para ele o protagonismo eacute um

laboratoacuterio para o estudo da cidadania uma vez que permite aos jovens

conviver com a realidade nela inferir e tirar suas proacuteprias conclusotildees (COSTA

2000) Neste sentido quanto mais autonomia os alunos tiverem durante a

execuccedilatildeo das atividades maior seraacute o desafio No entanto nas escolas

estudadas nesta pesquisa pode-se perceber a intenccedilatildeo em se criar espaccedilos de

intervenccedilatildeo social com qualidade poreacutem ainda que em estaacutegios e tipologias

diferenciadas natildeo foi identificado um projeto que partiu da iniciativa dos

alunos

CPE2 ndash O projeto comeccedilou porque a gente verificava que quando terminava o recreio o paacutetio ficava muito sujo e daiacute noacutes perguntamos para os funcionaacuterios da limpeza e eles disseram que era porque os alunos tinham o haacutebito de jogar o lixo do chatildeo Daiacute eu comecei a pensar esse haacutebito eles adquiriram onde Passei em todas as salas dizendo que o Seu Joaquim tinha que ficar limpando a sujeira que eles faziam e que tinham pombos vindo para a escola E pergunteita certo isso Daiacute pedi para os alunos comeccedilarem a fazer uma pesquisa sobre as doenccedilas transmitidas pelos pombos e tambeacutem tivemos a ideia de aumentar o nuacutemero de lixeiras daiacute pensamos em instalar coletoras para materiais reciclado Daiacute novamente avisei os alunos que iriacuteamos comeccedilar a reciclar na escola e pedi para que eles comeccedilassem a trazer os materiais reciclados de casa tambeacutem Comeccedilamos a estudar o impacto do lixo do ambiente em todas as seacuteries Enquanto isso tratei de procurar uma soluccedilatildeo para o material que a escola estava comeccedilando a reciclar Procurei uma cooperativa e fui laacute conhecer os cooperados o ritmo de trabalho deles o padratildeo cultural de cada um deles O trabalho eacute difiacutecil tem mau cheiro ficar separando lixo com moscas e tal Eacute um processo bem manual aiacute trouxe essa experiecircncia para a escola o pessoal veio falar com os alunos Entatildeo comeccedilou assim eacute um trabalho feito em parceria envolve os alunos os professores as famiacutelias os cooperados

O fato da atividade natildeo partir do aluno natildeo descaracteriza a

compreensatildeo de educaccedilatildeo critica emancipadora A solidariedade como praacutetica

curricular educativa comeccedila na compreensatildeo de educaccedilatildeo em quem se

deseja formar O saber que mudar eacute difiacutecil mas eacute possiacutevel (FREIRE 2000 p

94) faz com que o projeto de educaccedilatildeo parta da provocaccedilatildeo para a mudanccedila

76

O Protagonismo Juvenil eacute um tipo de accedilatildeo de intervenccedilatildeo no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem eacute o ator principal Eacute uma forma de ensinar cidadania em que o jovem ocupa uma posiccedilatildeo que natildeo dizem respeito agrave sua vida privada familiar e afetiva mas a problemas relativos ao bem comum na escola ou na comunidade Ele eacute a concebido como fonte de iniciativa que eacute accedilatildeo como fonte de liberdade que eacute opccedilatildeo e como fonte de compromissos que eacute a responsabilidade (COSTA 2000)

183

natildeo do puro conhecimento teacutecnico-cientiacutefico A consolidaccedilatildeo de uma

concepccedilatildeo de conhecimento regulador e instrumental cria a incapacidade de

estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro a natildeo ser quando se o transforma em

objeto O saber enquanto solidariedade visa substituir o objeto-para-o-sujeito

pela reciprocidade entre sujeitos (SANTOS B S 2009 p 83)

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular

Muito embora durante o desenvolvimento desta pesquisa as

entrevistas tivessem nos propiciado a elaboraccedilatildeo da tipologia da solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa que tem a pretensatildeo de ser a principal

contribuiccedilatildeo desta tese a discussatildeo teoacuterica e outros apontamentos nos

possibilitou tomar alguns outros aspectos referentes agrave praacutetica da solidariedade

que seratildeo consideradas a seguir e formam organizadas em dois blocos de

apresentaccedilatildeo 1) no ambiente escolar ndash habitus e 2) na organizaccedilatildeo curricular

ndash interdisciplinaridade

31 A solidariedade no ambiente escolar

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa implica na

participaccedilatildeo dos alunos onde eles sejam expostos a situaccedilotildees reais e a partir

desse enfrentamento aprendam a produzir conhecimento para pensar uma

melhor qualidade de vida na sociedade (ecologias do saber) Aleacutem disso ela

pode ser compreendida como um aspecto de conduta que favoreccedila o ambiente

de aprendizagem Pesquisas77 realizadas recentemente pelo MEC o Instituto

77

Aprova Brasil o Direito de Aprender (2006) ndash desenvolvido em 33 escolas o estudo mostra aspectos relacionados agrave gestatildeo agrave organizaccedilatildeo e ao funcionamento que poderiam ter contribuiacutedo para uma melhor aprendizagem O Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que garantem o direito de aprender (2008) apresenta os resultados de um estudo realizado em 37 redes municipais selecionadas pelo bom desempenho escolar em contexto socioeconocircmico desfavoraacutevel Melhores praacuteticas em escolas do Ensino Meacutedio do Brasil (2010) desenvolvida para identificar os fatores responsaacuteveis pela efetividade de 35 unidades escolares de Ensino Meacutedio localizadas nos Estados do Acre do Cearaacute do Paranaacute e de Satildeo Paulo notadamente aqueles relacionados agraves praacuteticas que as proacuteprias equipes escolares associam ao sucesso escolar de seus alunos

184

Nacional de Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira (INEP) e parceiros

tiveram como objetivo foi identificar caracteriacutesticas semelhantes entre escolas

ou redes de ensino que apresentam bom desempenho78

Nos estudos desenvolvidos para se identificar os indicadores de

qualidade para a mobilizaccedilatildeo da escola (RIBEIRO V RIBEIRO J GUSMAtildeO

2005) e adotado pelo Aprova Brasil (UNICEF 2006) dos sete indicadores de

qualidade utilizados pelo grupo responsaacutevel pela pesquisa quatro estatildeo direta

ou indiretamente ligados a valorizaccedilatildeo das relaccedilotildees solidaacuterias o ambiente

educativo ndash o respeito a solidariedade a disciplina na escola a praacutetica

pedagoacutegica da escola apoiada no trabalho em grupo a participaccedilatildeo dos alunos

em projetos especiais (entre eles os que satildeo voltados agrave intervenccedilatildeo social) a

gestatildeo escolar democraacutetica ndash o compartilhamento de decisotildees e informaccedilotildees

com professores funcionaacuterios pais e alunos a participaccedilatildeo dos conselhos

escolares

No estudo Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que

garantem o direito de aprender (2010) o poder de se criar relaccedilotildees natildeo

lineares a intensa conectividade entre os seus membros e o clima de

compromisso de toda a comunidade estabelecem um processo propiacutecio de

contiacutenua aprendizagem Entre as principais atitudes analisadas nas redes a

solidariedade (compreendida como a valorizaccedilatildeo e o compartilhamento das

responsabilidades oportunidades e aprendizagens) estaacute entre as quatro

fundamentais Todas as escolas desenvolveram o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

com a participaccedilatildeo das famiacutelias o apoio das secretarias o compromisso com a

educaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo das escolas foi percebida na comunidade O

diferencial nas praacuteticas pedagoacutegicas dessas escolas eacute a adequaccedilatildeo do

curriacuteculo agrave realidade da comunidade o interesse dos professores em se criar

situaccedilotildees de aprendizagem contextualizadas Segundo o levantamento a

formaccedilatildeo tem impacto quando os professores empregam seus saberes para

tornar as aulas mais interessantes e mobilizadoras aprofundam sua

compreensatildeo sobre o objeto de ensino potencializando as chances de

compreensatildeo pelos alunos tornam-se mais proacuteximos e parceiros com uma

78

Os indicadores adotados nessas pesquisas satildeo o Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica (IDEB)a Prova Brasil e as caracteriacutesticas socioeconocircmicas

185

visatildeo ampla e particular de cada um em seu contexto conhecendo suas

histoacuterias seus interesses e as formas de aprender (UNICEF 2008 p51) Este

reconhecimento da importacircncia de cada um no processo de formaccedilatildeo no

desenvolvimento de um trabalho colaborativo onde a corresponsabilidade o

ambiente agradaacutevel o respeito a participaccedilatildeo a atitude eacutetica satildeo

componentes que tecircm sido apresentados como diferenciais para o bom

desempenho no processo de aprendizagem

CPE2 ndash Ensinar solidariedade Tem professor que tem isso inserido na postura pedagoacutegica dele Ele como educador ensina isso em todas as vertentes atraveacutes dos exemplos nas discussotildees que ele faz como reage a um fato que aconteceu na sala de aula vai muito da postura do professor

Enquanto praacutetica educativa pensada dentro e fora da sala de aula a

solidariedade favorece a aprendizagem na medida em que todos aprendem a

construir sua proacutepria matriz de valores por meio do envolvimento em situaccedilotildees

controveacutersias em contextos plurais nas accedilotildees do cotidiano ou ainda nos

projetos intencionalmente criados como oportunidade para se praticar

cidadania Em outras palavras satildeo espaccedilos educativos em que a convivecircncia

plural e heterogecircnea eacute provocada bem como sentir-se responsaacutevel pelo outro

pelo mundo em que vive e ajudar a construiacute-lo como autores de suas accedilotildees

interfere nas consequecircncias dessa aprendizagem e da intervenccedilatildeo no mundo

(HOYOS MARTIacuteNEZ 2004 p18) Da mesma forma se o professor natildeo

compreende a educaccedilatildeo enquanto um processo de formaccedilatildeo para a cidadania

sua praacutetica pode distanciar a escola de tal formaccedilatildeo daiacute a necessidade de um

acompanhamento atento e da incorporaccedilatildeo da solidariedade no Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

CPE2 ndash Tem professor que diz ldquoeu estou aqui para dar aulardquo A proacutepria postura denuncia que ele natildeo tem esse olhar para a cidadania Mas mesmo assim eu continuo batalhando e incentivando quem faz porque daiacute esse professor acaba sendo contaminado por aquela energia que estaacute fluindo com o tempo ele percebe que estaacute dando resultado

186

Esta percepccedilatildeo incita duas questotildees a maneira de compreender a

educaccedilatildeo escolar como algo limitado ao ler escrever e contar sem relacionaacute-la

agrave formaccedilatildeo para a cidadania e a percepccedilatildeo de que o fazer pedagoacutegico

compartilhado influencia na praacutetica coletiva O curriacuteculo natildeo pode ser

compreendido como fazer isolado A proposta curricular deve ser

compartilhada entre todos Para que natildeo seja o fazer pelo fazer o projeto

pedagoacutegico ganha escopo e significado quando compartilhado e

contextualizado

CE3 ndash Diferente do Juruaacute a gente procura natildeo ensinar para o nosso aluno a entrar na faculdade somente queremos formar um aluno que tenha conhecimento da sua tradiccedilatildeo O iacutendio ensina para melhorar a vocaccedilatildeo de cada um daqui vai sair uma lideranccedila daqui vai sair um pajeacute um cacique e ele precisa ter dentro da escola o momento de aprender a ter a esta postura e tambeacutem de aprender histoacuteria geografia matemaacutetica as mateacuterias que satildeo projetadas no curriacuteculo nacional Entatildeo eacute importante para a gente trabalhar as duas coisas e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Na cultura indiacutegena a convivecircncia plural e heterogecircnea eacute valorizada

faz parte da proposta pedagoacutegica o intercacircmbio cultural e a aprendizagem por

meio da integraccedilatildeo

A maneira de se ensinar nas comunidades indiacutegenas tem como princiacutepios indissociaacuteveis a construccedilatildeo do ser pela observaccedilatildeo pelo fazer experimentando dentro de uma realidade A crianccedila indiacutegena vai aprendendo os valores do que eacute ser etnicamente diferente ao mesmo tempo em que adquire habilidades para enfrentar os desafios do mundo que a rodeia A educaccedilatildeo indiacutegena eacute um processo que acontece em todas as dimensotildees da vida social natildeo se limitando a um uacutenico lugar (sala de aula) ou ainda ao tempo (seacuteries idades) (VALENTINI 2010 p 41)

O saber em diferentes espaccedilos e tempos eacute fundamental para a reflexatildeo

sobre a realidade em sua complexidade

Outro aspecto ligado agrave vida em comunidade dentro da escola eacute a

rotina o haacutebito Pierre Bourdieu apresenta o habitus ldquocomo um sistema de

disposiccedilotildees duraacuteveis e transponiacuteveis que integrando todas as experiecircncias

187

passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepccedilotildees de

apreciaccedilotildees e de accedilotildeesrdquo (BORDIEU 1983 p 64)

O habitus tece a praacutetica curricular na medida em que os sujeitos satildeo

influenciados pela conduccedilatildeo da instituiccedilatildeo e vice-versa As estruturas se

cristalizam a partir do habitus que tende a manter a ordem rejeitando ou

refutando as transformaccedilotildees que por ventura a ameacem protegendo-o de

mudanccedilas No caso da escola indiacutegena eacute bom manter o haacutebito da abertura

intercultural mas em outros contextos ele pode ser entendido como prejudicial

ao sistema

CPE1 ndash Nem todo mundo estaacute aberto a inovaccedilotildees Tem professor que prefere trabalhar de modo disciplinar ele tem o esquema dele de dar aula ele tem convicccedilatildeo e crenccedilas e se dedicam para um trabalho que acreditam de fato ele tem aquela concepccedilatildeo dele e natildeo acha que estaacute errado Na verdade natildeo esta porque ele entende assim Cabe a noacutes que somos coordenaccedilatildeo ficar cutucando o tempo todo tentando provocar um movimento contiacutenuo para que ele comece a mudar comece a pensar outras coisas Aqui na escola jaacute foi muito mais distante mas com dois cinco sete anos isso entra no discurso deles leva tempo

O espaccedilo escolar eacute formativo lastreado por uma cultura colaborativa e

por praacuteticas participativas que satildeo as condiccedilotildees necessaacuterias para a

identificaccedilatildeo de necessidades de crescimento que leva agrave interiorizaccedilatildeo de

novos habitus A mudanccedila de haacutebito quando desejada eacute um processo

compreendido como de meacutedio ou longo prazo e requer um trabalho de

persistecircncia dentro da escola ou fora dela

CPE2 ndash Teve matildee que veio aqui brigar comigo ldquopara com essa histoacuteria pelo amor de Deus eu trabalho fora e tenho que ficar separando lixordquo Porque eacute isso mudar uma rotina daacute trabalho e a gente tem que instituir essa rotina com os pais dos nossos alunos e na escola tambeacutem eacute um trabalho muito repetitivo Eacute preciso ter muita persistecircncia

Tal mudanccedila eacute uma das principais dificuldades apontadas pelos

sujeitos desta pesquisa para se constituir um clima mais favoraacutevel ao

conhecimento-solidariedade na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees

dos comportamentos dos valores As accedilotildees repetidas com frequecircncia criam

188

uma pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

apreendida como pauta pelo agente (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

CPE1 ndash A mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada noacutes colocamos em todas as salas de aula o cesto azul do papel aleacutem do cesto que jaacute havia e toda vez a gente precisa cuidar para que ningueacutem jogue as coisas no cesto de papel A todo momento tem que repetir para eles o que eacute certo e o que natildeo eacute

CPE3 ndash O nosso aluno que faz um trabalho superbacana na comunidade trata malo colega do lado joga o lixo no chatildeo da escola isso me daacute muito incocircmodo mudar uma mentalidade eacute um esforccedilo eacute um trabalho muito difiacutecil

PE4 ndash Eu acredito nesse contato direto logo que um aluno chega para me cumprimentar eu olho nos olhos dele o recebo com sinceridade ldquoseja bem-vindo aquirdquo Ele ao me cumprimentar jaacute demonstra que natildeo me rejeitou Eu acho que falta isso falta essa troca essa solidariedade baseada em ver escutar respeitar o outro

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo muitas vezes criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho

pedagoacutegico e para a aprendizagem Os modos de gestatildeo e os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola o que tornaria difiacutecil interromper por exemplo a loacutegica participativa de

um ambiente colaborativo respeitoso bem sedimentado Disponibilizar o

conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa oferecer um modelo

arcaico de educaccedilatildeo uma vez que a humanidade precisa ter acesso ao

conhecimento produzido para partir dele e avanccedilar

Ao que acrescentaria que eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos o respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo os viacutecios como o desrespeito a

189

intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

O que caracteriza solidificaccedilatildeo do curriacuteculo eacute a reproduccedilatildeo de velhos

haacutebitos que jaacute natildeo trazem benefiacutecios (GIMENOSACRISTAacuteN 1999) Significa

dizer que a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo determina a praacutetica o fazer pedagoacutegico a

colaboraccedilatildeo o respeito ou ainda a solidariedade em menor ou maior grau no

grupo fortalece ou enfraquece o poder de coesatildeo em torno de um projeto

comum

32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade

Durante a pesquisa pudemos perceber que a maneira como as

escolas se organizam para o desenvolvimento de projetos solidaacuterios varia de

acordo com a proposta pedagoacutegica No entanto entre as escolas de educaccedilatildeo

baacutesica percebemos uma tendecircncia em se trabalhar de acordo com uma

proposta de interdisciplinaridade

Segundo Japiassuacute para se compreender interdisciplinaridade vale

partir do conceito de disciplinaridade que se refere ldquoao conjunto sistemaacutetico e

organizado de conhecimentos que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias nos

planos do ensino da formaccedilatildeo dos meacutetodos e das mateacuteriasrdquo (JAPIASSU

1976 p 72) Embora o conceito natildeo seja delimitado respondendo a uma seacuterie

de relaccedilotildees de maturidade e tipologias basicamente pode-se compreender por

interdisciplinaridade os arranjos curriculares entre duas ou mais disciplinas de

forma a provocarem uma integraccedilatildeo muacutetua tomando como base sistemas

globais e natildeo compartimentado como nas disciplinas A interaccedilatildeo pode ocorrer

pelo meacutetodo pelo procedimento e pela organizaccedilatildeo do ensino (JAPIAUSSU

1976 FAZENDA 1979)

Nas escolas pesquisadas os arranjos curriculares para propiciar

espaccedilos de aprendizagem da solidariedade de certa forma tendem a escapar

da organizaccedilatildeo rigorosa das disciplinas

CPE1 ndash A solidariedade estaacute distribuiacuteda ao longo de todo o trabalho [] Noacutes temos um projeto que fecha com tudo isso onde noacutes colocamos todas

190

as questotildees de cidadania Os professores de cada disciplina se organizam para participar

CPE2 ndash Noacutes trabalhamos os conteuacutedos pedagoacutegicos desenvolvendo o projeto solidaacuterio sim porque natildeo fazemos o projeto pelo projeto ele tem que estar interligado em todas as aacutereas eacute interdisciplinar As crianccedilas de todas as seacuteries trabalham todas as atividades estatildeo ligadas ao mesmo assunto Com o Reciclar por exemplo trabalhamos a questatildeo do desmatamento o que estaacute acontecendo com a sustentabilidade a importacircncia de preservar a Mata Atlacircntica a mata ciliar as nascentes a questatildeo do lixo dos aterros sanitaacuterios contaminando o lenccedilol freaacutetico o resgate das brincadeiras na aula de Educaccedilatildeo Fiacutesica e a confecccedilatildeo dos brinquedos com material reciclado junto com a professora de artes Em Portuguecircs trabalham listas de palavras diferentes gecircneros discursivos No material do Ler e Escrever do quarto ano tem a questatildeo do destino do lixo que tambeacutem estaacute dentro do projeto aleacutem de trabalhar o conceito de reciclagem e de fazermos a reciclagem aqui na escola de cuidarmos da sujeira na hora do recreio

Pelo projeto eles foram conhecer a multinacional do bairro e laacute eles tecircm um tratamento de aacutegua A cooperativa de lixo que noacutes ajudamos mandou umas cartilhas que entregamos aos pais para que leiam com seus filhos O projeto jaacute estaacute institucionalizado Agora eles estatildeo estudando o ldquoo impacto do meu lixordquo quando chove o que acontece os cinco erres Vocecirc conhece o autor Fernando Carraro Ele tem vaacuterios tiacutetulos publicados nesta aacuterea e viraacute aqui na Feira Cultural da escola conversar e autografar os livros com os alunos vai ser muito bacana

CPE3 ndash Aqui na escola o professor de Histoacuteria estudou com eles a cultura Guarani Por causa desse projeto de voluntariado ele fez uma aula de Histoacuteria para se trabalhar a questatildeo indiacutegena na qual tambeacutem participou o professor de Artes e de Ensino Religioso Eu acho isso um luxo mas ainda natildeo eacute como deveria ser tinha que ser mais natural Por exemplo se um professor estaacute trabalhando um determinado assunto tem que partir dele a articulaccedilatildeo natildeo da coordenaccedilatildeo

Esses arranjos interdisciplinares podem estar relacionados ao fato de

que o conhecimento-emancipaccedilatildeo tende a natildeo seguir a ordem estanque do

conhecimento-regulaccedilatildeo que mais facilmente pode ser repartido em disciplinas

orientadas em uma sequecircncia unicamente direcionada favorecendo a ordem

descartando o que natildeo eacute passiacutevel de ser mensurado contribuindo para a

produccedilatildeo da ciecircncia positivista

Conscientemente ou natildeo os especialistas decompotildeem o homem em pedaccedilos De certa forma colocam-nos entre parecircnteses para soacute extrair dele um conhecimento chamado de ldquopositivordquo muito embora essa ldquopositividaderdquo soacute consiga atingir ldquoalgordquo do homem muitos outros ldquoalgosrdquo natildeo nos sendo fornecidos nem mesmo por todas as disciplinas juntas cada

191

uma estudando ldquoalgordquo que lhe seja proacuteprio Porque se o saber cientiacutefico tem precisamente uma base rigorasamente empiacuterica as ldquorelaccedilotildeesrdquo que pretende ldquoexplicarrdquo satildeo exatas (pelo menos em certa escala) e verificaacuteveis (direta ou indiretamente) deve-se tomar o meacutetodo cientiacutefico como fio condutor de toda teoria do conhecimento Somente esse meacutetodo pode conduzir a um verdadeiro saber positivo E somente podem ser considerados como dignos de exame os problemas susceptiacuteveis de serem formulados em termos cientiacuteficos [] Os outros os que natildeo se deixam recuperar pelo meacutetodo cientiacutefico assim estabelecido devem ser considerados como inexistentes ou como pseudo problemas (JAPIASSU 1976 p 62-63)

A constataccedilatildeo dos limites de cada disciplina tende a provocar uma

fragmentaccedilatildeo dos conteuacutedos e a interdisciplinaridade por outro lado fornece a

possibilidade de articulaccedilatildeo dos saberes para a compreensatildeo da realidade

numa dimensatildeo mais colaborativa sem precisar reduzi-la ao quantificaacutevel sem

precisar desconsiderar aquela contribuiccedilatildeo que eacute beneacutefica da organizaccedilatildeo

disciplinar

A interdisciplinaridade curricular requer de preferecircncia uma incorporaccedilatildeo de conhecimentos dentro de um todo indistinto a manutenccedilatildeo da diferenccedila disciplinar e a tensatildeo beneacutefica entre a especializaccedilatildeo disciplinar que permanece indispensaacutevel e o cuidado interdisciplinar que em tudo preserva as especificidades de cada componente do curriacuteculo visando assegurar sua complementaridade dentro de uma perspectiva de troca e de enriquecimento (LENOIR 1998 p 57)

Aleacutem disso o conhecimento produzido em experiecircncias solidaacuterias se

caracteriza pela interdisciplinaridade na medida em que se estabelece em

relaccedilatildeo em mediaccedilatildeo num processo contiacutenuo e ambiacuteguo que se aproxima do

mundo real se distanciando da organizaccedilatildeo formal da teoria como sugere

Severino

A substacircncia do existir eacute a praacutetica ao passo que o conhecimento tende naturalmente para a teoria [] Eacute o que testemunham todos os entes que revelam agrave experiecircncia humana [] Eacute na praacutetica e pela praacutetica que as coisas humanas efetivamente acontecem que a histoacuteria se faz (1998 p 33-34)

192

A organizaccedilatildeo curricular a partir da interdisciplinaridade confere

autonomia e mobilidade ao curriacuteculo de forma que eacute possiacutevel organizaacute-lo em

torno de um objetivo comum compartilhado entre os professores para

propiciar a aprendizagem por meio de esforccedilos coletivos que vatildeo se

constituindo durante o percurso A elaboraccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica

baseada no envolvimento em projetos socioeducativos reais requer reflexatildeo

manejo e (re)organizaccedilatildeo curricular pois eacute a praacutetica que pede e sugere a teoria

e eacute o repertoacuterio teoacuterico que orienta e provoca a accedilatildeo a praacutetica

Outro aspecto relevante eacute a questatildeo de administraccedilatildeo do tempo na

organizaccedilatildeo das prioridades curriculares

CPE1 ndash Por exemplo eles tecircm que apresentar uma accedilatildeo solidaacuteria que eles realizaram e o blog que fizeram sobre as cooperativas para uma banca de professores que tomam nota fazem perguntas etc Para fazer isso eu tenho que pegar professores que estatildeo com o tempo livre naquele momento com uma aula vaga eu natildeo tenho como chamar o professor orientador daquele projeto Ou seja eu natildeo posso chamar o professor que estaacute mais envolvido com o projeto se ele estiver dando aula no momento

CPE3 ndash A proacutepria concorrecircncia entre as atividades que a escola oferece a agenda do nosso aluno eacute uma coisa louca a escola oferecer curso de teatro aula de recuperaccedilatildeo e voluntariado no mesmo horaacuterio Entatildeo eles tecircm que optar

EXCE1 ndash A maior dificuldade era conciliar os horaacuterios de todo mundo A pior questatildeo era que um fazia inglecircs o outro violatildeo e para que eles participassem tinha que conciliar todos os horaacuterios isso era o mais complicado

O regime da fragmentaccedilatildeo curricular determinados pela ordem

disciplinar subdivide a produccedilatildeo do conhecimento Ao adotar tais convenccedilotildees

espaccedilo e o tempo da aprendizagem entram em conflito com o espaccedilo e o

tempo da gestatildeo No entanto se as atividades pedagoacutegicas e administrativas

estiverem convergindo para um mesmo fim um projeto pedagoacutegico

compartilhado a tendecircncia eacute a de natildeo haver sobreposiccedilatildeo e concorrecircncias No

entanto quando isso natildeo acontece ldquoa impressatildeo que se tem eacute que cada uma

delas adquire um certo grau de autonomia cada uma trilha seu proacuteprio

caminho como se cada uma tivesse o seu proacuteprio fimrdquo (SEVERINO 1998 p

193

38) Conjugar prioridades e tempos em estruturas mais flexiacuteveis a partir de um

projeto educacional compartilhado permite maior articulaccedilatildeo e convergecircncia

de intencionalidade favorecendo o desenvolvimento do proacuteprio projeto

pedagoacutegico

Outro aspecto observado no desenvolvimento de praacuteticas pedagoacutegicas

solidaacuterias eacute a importacircncia da postura adequada do professor O diaacutelogo a

integraccedilatildeo e as convergecircncias aleacutem da concepccedilatildeo de solidariedade satildeo um

dos maiores desafios para desenvolvimento das atividades no sentido de uma

praacutetica curricular educativa

CPE1 ndash Uma das maiores dificuldades eacute criar consenso entre os grupos de professores para que todos participem Como desenvolvemos um projeto no qual o tema muda todo ano temos um periacuteodo muito curto antes do Projeto Comeccedilar para falar do tema com os professores [] Aleacutem disso nem todo professor tem que entender o projeto ele tem o esquema dele de dar aula e ele vai analisar o quanto isso vai afetar a aula dele

CPE2 ndash Existem professores que acreditam no projeto compram a ideia e fazem aquilo com entusiasmo Outros agraves vezes natildeo acreditam no potencial e faz porque tem que fazer Ensinar solidariedade vai muito da postura do professor [] e a mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada

CPE3 ndash Eu tenho de 20 a 30 professores que em algum momento se envolvem em trabalho voluntaacuterio Eacute uma parcela grande da populaccedilatildeo mas eu natildeo sei como cada um deles pensa essa questatildeo Entatildeo eacute complicado ele toma para si Com que jeito ele vai conduzir esse trabalho que manejo ele vai ter com esses alunos

A praacutetica curricular interdisciplinar natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois requer

participaccedilatildeo e compromisso com um projeto comum enquanto cada um tende

a preservar seus conhecimentos sua praacutetica sua metodologia sua praacutexis

(JAPIASSUacute 1976) Aleacutem da dificuldade didaacutetica inerente agrave proposta existem

as diferenccedilas entre a compreensatildeo de solidariedade dos valores individuais

que precisam ser constantemente revisados para se alinhar ao projeto

pedagoacutegico comum da escola A convergecircncia da intencionalidade a

compreensatildeo do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico os valores pessoais de ordem

eacutetica a concepccedilatildeo de solidariedade satildeo alguns dos ingredientes que atribuem

194

sentido agrave unidade curricular e merecem um processo reflexivo de trabalho

todavia para viabilizar a realizaccedilatildeo da unidade de sentido do projeto

pedagoacutegico

195

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

196

Esta tese investigou o tema da solidariedade como praacutetica curricular

educativa retomando sobretudo o sentido de aquisiccedilatildeo dos conhecimentos

culturalmente acumulados por meio da formaccedilatildeo pessoal social e poliacutetica

como condiccedilatildeo inerente agrave educaccedilatildeo Para tanto desenvolveu um estudo

teoacuterico e empiacuterico da solidariedade no acircmbito do curriacuteculo tendo como

conceitos estruturantes o conhecimento-emancipaccedilatildeo a alteridade a eacutetica e a

consciecircncia poliacutetica e como campo de pesquisa a praacutetica curricular em quatro

escolas do Estado de Satildeo Paulo

A tiacutetulo de conclusatildeo pretende-se pontuar as seguintes reflexotildees

Entende-se como a principal colaboraccedilatildeo desta pesquisa a elaboraccedilatildeo

da tipologia que anuncia quatro formas de solidariedade como praacutetica curricular

educativa (conforme anaacutelise desenvolvida no capiacutetulo IV) a) assistencialista b)

discursiva c) funcionalista-participativa d) criacutetica-emancipadora A uacutenica forma

que propicia a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento apoiado

nos quatro pilares conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica eacute a criacutetica-emancipadora

A qualidade da accedilatildeoproposta de solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa natildeo estaacute vinculada agrave rede administrativa da escola nem agraves

condiccedilotildees socioeconocircmicas da comunidade escolar ou ainda ao niacutevel de

ensino ou aacuterea de atuaccedilatildeo dos projetos A qualidade da accedilatildeoproposta

desenvolvida tampouco estaacute vinculada aos recursos financeiros ou teacutecnicos

disponiacuteveis Percebemos que a maturidade da accedilatildeoproposta estaacute relacionada

antes agrave concepccedilatildeo agrave integraccedilatildeo e agrave articulaccedilatildeo da proposta na apropriaccedilatildeo

curricular e na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e de solidariedade tanto da escola (de

maneira geral) como de cada educador (em particular)

Quando haacute uma compreensatildeo de que a formaccedilatildeo escolar e a

apropriaccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos estatildeo relacionadas ao modo de

pensar e agir em sociedade a escola encontra caminhos para articular o

curriacuteculo e desenvolver atividades sistemaacuteticas onde o aluno participa

197

socialmente e com isso desenvolve suas capacidades cognitivas sociais

pessoais emocionais e o conhecimento-emancipaccedilatildeo Da mesma forma

quando natildeo haacute clareza desta percepccedilatildeo a escola se deixa guiar pelo projeto

de promover uma educaccedilatildeo voltada somente agrave capacidade cognitiva ao bom

desempenho escolar percebendo maior dificuldade em visualizar atividades e

projetos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa natildeo provoca ou

sugere em si a separaccedilatildeo entre conteuacutedos acadecircmicos e formaccedilatildeo para a

cidadania embora esta seja a compreensatildeo de alguns dos sujeitos desta

pesquisa As experiecircncias observadas mostraram que pensar a construccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico por meio da resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

(experiecircncias de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio) estaacute relacionado agrave

compreensatildeo de educaccedilatildeo que a escola deseja imprimir Ao organizar o

curriacuteculo para este fim a escola traz ao aluno a possibilidade de desenvolver

suas habilidades cognitivas e concomitantemente tomar parte com

responsabilidade da vida em comunidade aprendendo a pensar pelo bem

comum desenvolvendo tambeacutem suas habilidades para aleacutem das cognitivas

(emocionais pessoais e sociais)

A maneira identificada para se promover experiecircncias nos diversos

espaccedilos e tempos educacionais satildeo as atividades e os projetos que propiciam

a oportunidade de articular a apropriaccedilatildeo dos saberes culturalmente

acumulados para uma formaccedilatildeo com intervenccedilatildeo na sociedade atribuindo-lhe

sentido social agrave formaccedilatildeo A realidade suas contradiccedilotildees e ambiguidades satildeo

estudadas sofrem intervenccedilotildees e satildeo utilizadas como campo de formaccedilatildeo (na

concepccedilatildeo de articulaccedilatildeo escola-comunidade ou de cidade educadora) No

entanto como tais praacuteticas respondem agrave intencionalidade pedagoacutegica se elas

forem desenvolvidas segundo uma visatildeo assistencialista de solidariedade elas

podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo da mesma maneira que se forem

organizadas segundo a pedagogia-criacutetica podem propiciar a construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo

Ao longo dos uacuteltimos vinte anos as discussotildees sobre qualidade da

educaccedilatildeo tecircm sido pautadas pelos exames padronizados que tendem a

reduzir o conceito de qualidade agrave preparaccedilatildeo para as avaliaccedilotildees externas A

198

padronizaccedilatildeo curricular natildeo valoriza o conhecimento natildeo-cognitivo ligado ao

desenvolvimento pessoal e social do aluno tampouco o conhecimento local a

articulaccedilatildeo escola-comunidade a diversidade a autonomia da escola Ao

contraacuterio a preparaccedilatildeo escolar ao treinamento para as provas numa proposta

de curriacuteculo academicista tecnicista favorecendo o desenvolvimento do

conhecimento-regulaccedilatildeo Em meio a essa cultura de avaliaccedilatildeo que acaba na

praacutetica fortalecendo a competitividade o individualismo e pautando o curriacuteculo

escolar a formaccedilatildeo para a cidadania eacute equivocadamente separada da

proposta de educaccedilatildeo e o foco passa a ser apenas o desempenho acadecircmico

mensurado nos testes Neste sentido esta tese indica que eacute preciso avanccedilar

em estudos que consigam mensurar a qualidade da educaccedilatildeo para aleacutem da

afericcedilatildeo de conteuacutedos curriculares especiacuteficos pois compreendemos que um

dos caminhos que pode inferir diretamente no curriacuteculo das escolas e nas

poliacuteticas puacuteblicas pode ser o proacuteprio instrumento avaliativo

No entanto em meio agrave ambiguidade e agrave complexidade desse arranjo

um exemplo pode ser o proacuteprio ENEM revisado que embora conserve a

mensuraccedilatildeo de saberes curriculares incluiu como um dos criteacuterios de

avaliaccedilatildeo da redaccedilatildeo a valorizaccedilatildeo de experiecircncias socioeducativas

planejadas pela escola nas quais os alunos devam elaborar propostas de

intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade respeitando os valores humanos e

considerando a diversidade sociocultural (conforme apresentado no capiacutetulo

IV) Em nosso entender medidas como essa precisam ser desenvolvidas e

adotadas pois podem promover a ampliaccedilatildeo do conceito de qualidade da

educaccedilatildeo para aleacutem dos rankings numa perspectiva de educaccedilatildeo criacutetica

humanizadora

No curriacuteculo nacional de acordo com as diretrizes paracircmetros e

referenciais curriculares de educaccedilatildeo nacional a solidariedade eacute compreendida

enquanto ideal de formaccedilatildeo e satildeo sugeridas experiecircncias socioeducativas

bem como satildeo estimuladas as relaccedilotildees de colaboraccedilatildeo e de convivecircncia

solidaacuteria no ambiente escolar No entanto muitas vezes a proposiccedilatildeo natildeo

chega a sair da fundamentaccedilatildeo teoacuterica dos documentos e ganhar espaccedilo na

praacutetica curricular Sendo assim sugere-se incluir a questatildeo da solidariedade

199

como praacutetica curricular educativa nos cursos de formaccedilatildeo inicial e continuada

de professores

Por fim tais caracteriacutesticas permitem anunciar que a solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa eacute dever da escola como anunciado no

Artigo 2ordm da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional ldquoa educaccedilatildeo

enquanto dever da famiacutelia e do Estado inspirada nos princiacutepios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e

sua qualificaccedilatildeo para ingresso no mundo do trabalhordquo Natildeo se trata portanto

de atribuir agrave escola algo que natildeo seja de sua responsabilidade Carvalho afirma

que

Ao contraacuterio em uma perspectiva escolar o zelo pelo aprendizado e pelo desenvolvimento do aluno natildeo se separa do zelo pelos valores e pelos conhecimentos que caracterizam certo modo de vida no qual pretendemos iniciar nossos alunos por meio do ensino Se natildeo fosse assim as instituiccedilotildees escolares pouco ou nada difeririam de outras sociais como as igrejas os meios de comunicaccedilatildeo de massas ou as famiacutelias cujas accedilotildees tambeacutem podem resultar no desenvolvimento de certas capacidades (CARVALHO 2013 p 124)

A escola (o curriacuteculo) natildeo apenas natildeo pode ignorar esta

responsabilidade ciacutevica como tem a obrigaccedilatildeo de realizaacute-la enquanto parte

inerente de sua funccedilatildeo social cultural e poliacutetica A solidariedade enquanto

praacutetica curricular educativa pode ser compreendida pela inerecircncia ao ato

educativo quando ensinar solidariedade significar ensinar a compreender o

mundo a partir das decisotildees e escolhas responsaacuteveis Este eacute o ldquoconhecimento-

solidariedaderdquo que liberta O processo educativo precisa construir espaccedilos

onde a formaccedilatildeo da consciecircncia ingecircnua decirc lugar agrave consciecircncia criacutetica para

que seja possiacutevel aprender que cada um eacute responsaacutevel pelo outro e com ele se

tece histoacuteria da humanidade Tomar consciecircncia eacute libertar-se com o outro Para

a formaccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica o saber teacutecnico-cientiacutefico soacute faz

sentido se voltado ao bem comum pela eacutetica da vida digna para todos e cada

um num ato sobretudo poliacutetico

200

Encerramos esta pesquisa com a reflexatildeo de Fernando Almeida que

nos remete agrave compreensatildeo de que somos aquilo o que construiacutemos e uma vez

conscientes da nossa responsabilidade devemos assumi-la como condiccedilatildeo

como possibilidade

Como o ser humano eacute histoacuterico todas as situaccedilotildees de opressatildeo natildeo lhe satildeo um destino mas podem ser superadas Toda opressatildeo eacute um chamado agrave humanizaccedilatildeo contra aqueles que nos querem reduzir a coisas Esta accedilatildeo histoacuterica eacute poliacutetica por essecircncia Poliacutetica pois se os homens satildeo seres solidaacuterios ndash uma espeacutecie que pode ser chamada de homo solidarius ndash a

libertaccedilatildeo de cada um eacute um ato poliacutetico (ALMEIDA 2009 p 38)

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214

APEcircNDICE

215

INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS PARA A PESQUISA

1 QUESTIONAacuteRIO

Tema da Tese A solidariedade como praacutetica educativa

- Nome da Escola

- Email de contato Telefone de contato

- (Opcional) Nome e cargo de quem responde pelo questionaacuterio

1) Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos solidaacuterios

atualmente na escola

Educaccedilatildeo Infantil

Anos iniciais do Ensino

Fundamental

Anos finais do Ensino

Fundamental

Ensino Meacutedio

Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos - EJA

Educaccedilatildeo Especial

multiseriada

216

2) A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas atualmente

Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas abaixo

Portuguecircs

Matemaacutetica

Ciecircncias

Ciecircncias sociais

Histoacuteria

Geografia

Artes

Educaccedilatildeo fiacutesica

Quiacutemica

Fiacutesica

Biologia

Liacutengua estrangeira

Filosofia ou sociologia

Conhecimento de mundo

Formaccedilatildeo pessoal e social

Eacutetica

Meio Ambiente

Cultura e pluralidade cultural

Sauacutede

Orientaccedilatildeo Sexual

217

Pluralidade cultural

Trabalho e Consumo

Campanhas doaccedilotildees e comemoraccedilotildees

Cidadania

Direitos humanos

Geraccedilatildeo de renda

Informaacutetica inclusatildeo digital e novas tecnologias

Consumo consciente e sustentabilidade

Esportes e lazer

Melhorias para a proacutepria escola

3) O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios consta textualmente no

Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Sim tais atividades estatildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Tais atividades satildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola poreacutem

natildeo textualmente

Desconheccedilo o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Natildeo as atividades natildeo constam no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico da escola

Sim

Sim a maioria

218

Sim poreacutem a minoria

Natildeo

Natildeo sei

5 Assinale quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

Direccedilatildeo

Coordenaccedilatildeo

Professores

Alunos

Pais

Comunidade

Funcionaacuterios

6 Em quais dessas etapas os alunos da sua escola sempre participam

Convocaccedilatildeo convite para envolver mais pessoas na atividade

Diagnoacutestico estudo preliminar para se decidir o que fazer

Plano de accedilatildeo planejamento das accedilotildees

Execuccedilatildeo das atividades

Registro por meio de atas das reuniotildees fotografias filmagens etc

Avaliaccedilatildeo reflexatildeo sobre o processo eou resultado

Reconhecimento e comemoraccedilatildeo

219

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social(ais) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento dos projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola E para a comunidade

2 ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Questotildees norteadoras

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo para

a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

220

ANEXO

221

59

307

255

123

1839

1694

99

497

758

594

2316 346

391

882

926

520 462

1433 1601

473

229

120

1770

936

209

4403

448

Figura 1 Distribuiccedilatildeo por estado das 23690 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria em todas as ediccedilotildees (2003 2005 2007 2009 e 2011)

222

19

92

78

42

663

634

32

183

323

208

936 147

188

251

396

190 108

770 603

166

84

42

622

346

92

1383

198

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

Figura 2 Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003

223

24

133

146

39

1025

932

57

308

334

313

1314 169

147

514

466

246 191

667 948

263

107

74

824

409

92

2827

277

Figura 3 Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2005

224

15

118

67

54

428

594

29

149

240

155

700 118

88

206

291

168 139

293 550

147

64

48

802

367

35

1415

194

Figura 4 Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2007

225

11

62

28

45

224

328

134

81

376

77

308 65

69

103

137

90 276

115 298

70

52

30

333

215

38

647

140

Figura 5 Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009

226

12

64

31

9

211

232

18

53

101

65

265 50

57

92

156

58 49

98 206

71

36

22

330

138

19

530

66

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

  • 1 Elementos Preacute-Textuais
  • 2 Elementos Textuais
  • 3 Elementos Poacutes-Textuais

BANCA EXAMINADORA

Aos meus filhos Sophia e Rodrigo pelo amor de uma vida inteira

AGRADECIMENTOS

Ao Aliacutepio Casali pois entre tantos tropeccedilos excitaccedilotildees arguiccedilotildees conquistas

orientaccedilotildees provocaccedilotildees tecemos amizade conhecimento tese Pelo meu contentamento

de ter compartilhado este trabalho por dentro com vocecirc meu melhor exemplo de que a

solidariedade eacute praacutetica educativa Muito obrigada

Ao Fernando Joseacute de Almeida e Mozart Neves Ramos pela amizade pelas conversas

instigantes e incentivos constantes

Ao Mario Sergio Cortella por ter me convencido a enfrentar o desafio do doutorado

e tantos outros sempre tatildeo presente tatildeo provocador tatildeo pertinente

Ao Joseacute Seacutergio Fonseca de Carvalho e Maria Nieves Tapia mestres da minha vida e da

minha vida acadecircmica por quem zelo um enorme carinho respeito e admiraccedilatildeo

Aos professores doutores da banca de qualificaccedilatildeo Branca Jurema Ponce e Paulo

Roberto Padilha pela contribuiccedilatildeo atenciosa e valorosa

Ao Francisco Josivan de Souza amigo tatildeo estimado e revisor desta tese

Ao Instituto Faccedila Parte por quase uma deacutecada de aprendizagem parceira

conhecimento vida Sem essa experiecircncia e sem esse apoio esta tese natildeo existiria

Agraves Escolas Solidaacuterias que participaram diretamente desta pesquisa em especial aos

seus diretores coordenadores pedagoacutegicos professores e comunidade que trouxeram as

contribuiccedilotildees essenciais e tornaram possiacutevel a realizaccedilatildeo desta pesquisa

Agrave CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa

A cada um dos meus amigos e amigas que me acompanharam me inspiraram

compartilharam conhecimento e trouxeram conforto e confianccedila para que eu pudesse seguir

adiante Em especial Miro Silmara Nice Cris Murachco Nany Rodrigo Miguel Quique

Deacutebora Ana Luacutecia Marcelo Juliana Rosacircngela Letiacutecia Telma Roberta Ernandes e Gilberto

Agrave minha famiacutelia em atenccedilatildeo especial aos meus pais com todo o meu amor agrave Leda e

ao Zeacute Mori em nome dos quais agradeccedilo aos demais

Ao Renato por compartilhar cada dia cada fraqueza cada alegria Por causa do seu

esmero foi possiacutevel realizar mais este sonho juntos

ldquoA solidariedade como forma de conhecimento

eacute o reconhecimento do outro como igual

sempre que a diferenccedila lhe acarrete inferioridade

e como diferente sempre que a igualdade

lhe ponha em risco a identidaderdquo

Boaventura de Souza Santos

RESUMO

A solidariedade como praacutetica curricular educativa

Katia Regina Gonccedilalves Mori

Esta pesquisa analisa a solidariedade como praacutetica curricular educativa

e tem como objetivo compreender por um lado em que medida a

solidariedade pode ser inerente agraves praacuteticas curriculares e quais satildeo as

atividades que mediatizam a sua aprendizagem por outro contribuir para o

debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo uma vez que ultimamente tem-se

compreendido de maneira dicotomizada o conhecimento cognitivo e a

formaccedilatildeo para a cidadania O referencial teoacuterico estaacute aportado sobretudo nos

conceitos de alteridade (Leacutevinas) eacutetica (Dussel) compromisso poliacutetico (Freire)

e conhecimento emancipaccedilatildeo (Santos) O universo da pesquisa estaacute

circunscrito a quatro escolas do Estado de Satildeo Paulo com representatividade

das principais redes de ensino (rede puacuteblica estadual e municipal escola

particular e profissionalizante) Trata-se de uma pesquisa de anaacutelise qualitativa

cujos dados foram obtidos mediante questionaacuterios e entrevistas semi-

estruturadas Participaram como sujeitos da pesquisa coordenadores

pedagoacutegicos professores e comunidades atendidas pelos projetos solidaacuterios

desenvolvidos pelas escolas participantes Esta pesquisa permitiu constatar

que existe diferenccedila tanto na compreensatildeo quanto no desenvolvimento de

praacuteticas pedagoacutegicas que visam ensinar solidariedade fato este que sugeriu o

desenvolvimento e a proposiccedilatildeo de uma tipologia especiacutefica do conceito para o

campo da educaccedilatildeo a saber solidariedade curricular assistencialista

discursiva funcionalista-participativa e criacutetica-emancipadora Esta tese visa

contribuir para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo pensada pela

perspectiva da solidariedade enquanto conhecimento e valor fundamental para

a constituiccedilatildeo de uma sociedade que se queira plural e justa

Palavras-chave curriacuteculo solidariedade voluntariado educativo eacutetica qualidade da educaccedilatildeo

ABSTRACT

Solidarity as a curriculum educative practice

Katia Regina Gonccedilalves Mori

This research analyzes solidarity as a curricular practice and aims to

understand two particular points First the extent to which solidarity should be

inherent to curricular practices and which are the activities that emphasize its

teaching process Secondly it seeks to contribute to the debate about the quality

in education which lately has been understood under two dichotomized

functions cognitive knowledge and preparing for citizenship This is a research

on qualitative analysis field and its theoretical framework is based upon the

concepts of otherness (Levinas) ethics (Dussel) political commitment (Freire)

and knowledge emancipation (Santos) The research took place in four schools

of Satildeo Paulo metropolitan area which represent the most important school

systems (public private and vocational schools) For data collection a

questionnaire and semi-structured interviews were undertaken whose results

were recorded and transcribed The research informants were educational

coordinators teachers and people from the community attended by schools

under solidarity projects This research allowed to realize that there is much

variety in understanding how to develop pedagogical practices of solidarity and

this fact led to the development of a specific typology of solidarity practices in

education assistencialist discursive functional-participative critical-

emancipatory This thesis seeks to contribute to the debate about the quality of

education designed from the perspective of knowledge and solidarity as a

fundamental value for the constitution of a society which wants to be plural and

fair

Keywords curriculum solidarity service-learning ethics quality of education

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 12

1 Apresentaccedilatildeo 13 2 Contextualizaccedilatildeo 18 3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa 20 4 A metodologia qualitativa 23

CAPIacuteTULO I

PERCURSO METODOLOacuteGICO 27

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa 31

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino 32 12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino 40 13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada 45 14 Escola4 ndash Escola da Rede Particular Profissionalizante 51

2 Seleccedilatildeo das escolas 54

3 Selo Escola Solidaacuteria 56

4 Instituto Faccedila Parte 60

5 A coleta de dados 63

CAPIacuteTULO II

O CONCEITO SOLIDARIEDADE 73

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo 75

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade 81

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Sousa Santos 88

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas 93

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel 97

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire 101

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia poliacutetica 105

CAPIacuteTULO III

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE 117

1 O conceito de curriacuteculo 117

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade 120

3 A solidariedade e o saber compartilhado 124

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa 127

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional 131

6 O curriacuteculo e qualidade da educaccedilatildeo 137

CAPIacuteTULO IV

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA 144

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas 149

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa 153 21 Solidariedade assistencialista 155 22 Solidariedade discursiva 159 23 Solidariedade funcionalista-participativa 164 24 Solidariedade criacutetica-emancipadora 169

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular 183 31 A solidariedade no ambiente escolar 183 32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade 189

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 195

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 201

APEcircNDICE 214

ANEXO 220

LISTA DE SIGLAS

CONSED ndash Conselho Nacional dos Secretaacuterios de Educaccedilatildeo

CPE1 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 1

CPE2 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 2

CPE3 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 3

CPE4 ndash Coordenador Pedagoacutegico Escola 4

CE2 ndash Comunidade Escola 2

CE3 ndash Comunidade Escola 3

ExCE1 ndash Ex-coordenador Escola 1

PE1 ndash Professor Escola 1

PE2 ndash Professor Escola 2

PE3 ndash Professor Escola 3

PE4 ndash Professor Escola 4

ECA ndash Estatuto da Crianccedila e do Adolescente

ENEM ndash Exame Nacional do Ensino Meacutedio

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

INEP ndash Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira

LDB ndash Lei de Diretrizes e Bases

MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

OEI ndash Organizaccedilatildeo dos Estados Iberoamericanos

ONG ndash Organizaccedilatildeo Natildeo-Governamental

PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO

PCN ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNEDH ndash Programa Nacional de Educaccedilatildeo em Direitos Humanos

PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PPP- Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

SENAI ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

UNDIME ndash Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino

UNESCO ndash Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF ndash Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

12

INTRODUCcedilAtildeO

13

1 Apresentaccedilatildeo

Comecei a me formar educadora em 1992 quando ingressei no curso

de graduaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade de Satildeo Paulo Entre

as oportunidades vivenciadas duas delas influenciaram as minhas escolhas e

o percurso de minha carreira A primeira foi ter ingressado no Nuacutecleo de

Pesquisa da Escola do Futuro (1995-1997)1 pois despertou o meu interesse

pela aplicaccedilatildeo das Tecnologias da Informaccedilatildeo e da Comunicaccedilatildeo (TIC) na

escola De 1999 a 2001 trabalhei com projetos sobre o uso do computador na

sala de aula e fiz o mestrado na linha de Novas Tecnologias aplicadas agrave

Educaccedilatildeo defendido em 2004 pela PUC-SP

A segunda foi a experiecircncia de ter sido voluntaacuteria no Centro de Estudos

e Informaccedilotildees Crecheplan atualmente Instituto Avisa Laacute2 com a equipe

pedagoacutegica coordenada por Regina Scarpa O trabalho intensificou o meu

interesse pelos estudos Eu sentia a necessidade de melhorar meu repertoacuterio e

conseguir ajudar agrave creche tanto na intervenccedilatildeo direta com os alunos quanto

nas reuniotildees pedagoacutegicas que acompanhava uma vez por mecircs Assumi um

compromisso de formaccedilatildeo que transcendia a vida acadecircmica e com isso o meu

rendimento melhorou Minha motivaccedilatildeo para os estudos natildeo era mais somente

1 O NAP Escola do FuturoUSP inaugurou suas atividades em 1989 sob a coordenaccedilatildeo

cientiacutefica do Prof Dr Fredric M Litto A partir de janeiro de 1993 instituiu-se como um Nuacutecleo de Apoio agrave Pesquisa passando a intitular-se Nuacutecleo das Novas Tecnologias de Comunicaccedilatildeo Aplicadas agrave Educaccedilatildeo ldquoEscola do FuturoUSPrdquo (NAP EFUSP) Trabalhei diretamente em um dos projetos o Grupo de Ciecircncias via Telemaacutetica coordenado pelo Prof Dr Nelio Bizzo (ESCOLA DO FUTURO 2013)

2 Em 1986 foi fundado o entatildeo Crecheplan por um grupo de profissionais que atuavam em

creches A partir de 1999 ele passou a se chamar INSTITUTO AVISA LAacute - Formaccedilatildeo Continuada de Educadores uma organizaccedilatildeo natildeo-governamental que tem como objetivos contribuir para a qualificaccedilatildeo e o desenvolvimento de competecircncias dos educadores que atuam em instituiccedilotildees educacionais e atendem a crianccedilas de baixa renda oferecer suporte teacutecnico para ONGs agecircncias governamentais escolas de Educaccedilatildeo Infantil e Ensino Fundamental atuar como centro de produccedilatildeo de conhecimento em Educaccedilatildeo por meio de site na Internet com produccedilatildeo de viacutedeos de formaccedilatildeo e publicaccedilotildees e contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que resultem em educaccedilatildeo de maior qualidade (AVISA LAacute 2013)

14

conseguir boas notas mas me preparar para lidar com as vaacuterias situaccedilotildees

enfrentadas na creche o planejamento da atividade a negociaccedilatildeo de conflitos

a contaccedilatildeo de histoacuterias o acompanhamento das discussotildees pedagoacutegicas a

falta de recursos o problema da desapropriaccedilatildeo do imoacutevel e fechamento da

creche (devido agrave construccedilatildeo da Av Roberto Marinho na zona sul da cidade de

Satildeo Paulo) entre outros

Passados aproximadamente cinco anos apoacutes a minha graduaccedilatildeo

recebi um convite para trabalhar em um Instituto3 receacutem-fundado que tinha

como foco estimular o voluntariado por meio da educaccedilatildeo Ateacute entatildeo tinha

optado por seguir pelo caminho do uso das TIC na educaccedilatildeo e minha uacutenica

experiecircncia no terceiro setor tinha sido no Crecheplan que havia se tornado

meu uacutenico referencial tanto de atuaccedilatildeo no terceiro setor quanto de

voluntariado na educaccedilatildeo

Naquela eacutepoca iniacutecio dos anos 2000 o paiacutes vivia um chamado

intensivo da comunidade para o trabalho voluntaacuterio quando o Programa

Comunidade Solidaacuteria coordenado pela Dra Ruth Cardoso no governo

Fernando Henrique Cardoso estimulava o ldquofortalecimento da sociedade civilrdquo e

influenciou a criaccedilatildeo de centros institutos e programas de voluntariado pelo

Brasil O assunto ganhou notoriedade com a cobertura da miacutedia dividindo

opiniotildees da populaccedilatildeo e de especialistas Minha percepccedilatildeo sobre voluntariado

tambeacutem era dicotocircmica pois por um lado eu desconfiava do estiacutemulo ao

trabalho voluntaacuterio que mais parecia uma manobra poliacutetica para que as

pessoas trabalhassem gratuitamente para resolver problemas sociais que

deveriam ser de responsabilidade do Estado ou seja uma praacutetica para

apaziguar a sociedade e manter as relaccedilotildees de poder cada vez mais

fortalecidas (GADOTTI 2008 DEMO 2002 GENTILLI e SILVA 1994) por

outro lado eu tive efetivamente uma experiecircncia positiva na graduaccedilatildeo que

natildeo representava essa maneira de compreender o voluntariado4 Sendo assim

decidi conhecer a proposta do Instituto e soube que a intenccedilatildeo era a de 3 Instituto Faccedila Parte apresentado no Capiacutetulo I

4 No Crecheplan pude contribuir socialmente aprendi que poderia intervir e ajudar a melhorar

uma realidade difiacutecil Sabia que natildeo estava substituindo o papel de nenhum funcionaacuterio da educaccedilatildeo com o meu trabalho pois isso era conversado com a gestora da instituiccedilatildeo aprendi a enxergar o outro a pensar em o que poderia fazer para contribuir para o desenvolvimento do curriacuteculo e do planejamento pedagoacutegico

15

estimular a praacutetica do voluntariado jovem similar agrave que eu tinha vivido e que a

base conceitual de voluntariado seria criada a partir de dois alicerces 1) de

compromisso social sem a substituiccedilatildeo do estado ou a desoneraccedilatildeo do

empregador e 2) ser uma experiecircncia de formaccedilatildeo pessoal e social para o

jovem

O Instituto (presidecircncia conselho consultivo e equipe executiva) era

constituiacutedo de forma bastante ecleacutetica empresaacuterios universitaacuterios pessoas

ligadas ao terceiro setor pesquisadores pensadores e educadores como Frei

Betto e Antonio Carlos Gomes da Costa A oportunidade de aprender com essa

experiecircncia ainda que em meio a tensotildees ideoloacutegicas que a proacutepria

configuraccedilatildeo do grupo sugeria (ainda que pequeno com boa

representatividade da sociedade civil) me instigou a aceitar o desafio

O primeiro material analisado para fundamentar conceitualmente o

voluntariado foi apresentado por Frei Betto em uma das oficinas de estudo

Tratava-se de uma pesquisa desenvolvida por uma brasileira na Itaacutelia

(SBERGA 2001) sobre como o voluntariado pode ser uma ferramenta

pedagoacutegica pela qual os alunos podem ser estimulados a diagnosticar um

problema social real planejar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo e atuar diretamente na

comunidade conceito esse chamado de ldquovoluntariado educativordquo5 Antonio

Carlos Gomes da Costa trouxe o conceito de ldquoprotagonismo juvenilrdquo no qual o

jovem eacute visto como um protagonista na resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

identificados com a escola buscando-se desenvolver aleacutem das habilidades

cognitivas a consciecircncia de que a realidade pode ser transformada Assim

estabelece-se uma relaccedilatildeo mais direta da escola com a comunidade e se

propotildee a contextualizaccedilatildeo do curriacuteculo partindo de um problema local para

propiciar a formaccedilatildeo criacutetica e sobretudo solidaacuteria

Com esses estudos aprendi que o voluntariado natildeo pode ser

compreendido como uma atividade que desonera o Estado ou o empregador

pois essa percepccedilatildeo o afasta da construccedilatildeo de um estado democraacutetico No

entanto responsabilizar-se pela vida em comunidade de maneira voluntaacuteria

5Ver capiacutetulo IV A solidariedade como praacutetica curricular educativa

16

pode ser uma experiecircncia positiva6 na medida em que permite melhor

compreensatildeo sobre a co-responsabilidade e o proacuteprio funcionamento do poder

puacuteblico

Sobre o aspecto da formaccedilatildeo o comprometimento voluntaacuterio para se

resolver problemas sociais reais pode despertar a consciecircncia social e o

interesse pela atitude poliacutetica A aproximaccedilatildeo permite conhecer entre outras

coisas como a sociedade se organiza e quem deve ser cobrado para que a

ordem seja (re)estabelecida Esta concepccedilatildeo de voluntariado despertou o meu

interesse em contribuir para a construccedilatildeo da base conceitual do Instituto e por

extensatildeo para a formaccedilatildeo de jovens que pudessem ter ainda uma visatildeo

distorcida assistencialista exploratoacuteria da praacutetica voluntaacuteria Enquanto

coordenadora de conteuacutedo do Instituto participei do desenvolvimento dos livros

publicados e do principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria7 o que me

possibilitou entrar em contato direto com milhares de gestores de escolas

puacuteblicas ao longo de nove anos de trabalho por todo o paiacutes em momentos

como os de visita agraves escolas palestras eventos de entrega e lanccedilamento de

alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria entre outros

Nas centenas de palestras introdutoacuterias sobre o conceito que proferi

em atividade pelo Instituto iniciaacutevamos a construccedilatildeo teoacuterica a partir da

seguinte formulaccedilatildeo se concordarmos com o artigo segundo da LDB 939496

o qual define que a educaccedilatildeo ldquodeve ser inspirada nos ideais de solidariedade

humana e deve ter por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu

preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo

(grifos meus) como oferecer esta educaccedilatildeo Como preparar os alunos para o

exerciacutecio da cidadania

Estas perguntas despertavam um interesse unacircnime A resposta era

construiacuteda a partir da pedagogia de John Dewey e Paulo Freire entre outros

Aos poucos a necessidade de se criar experiecircncias da decisatildeo e da

6 Haja vista por exemplo a doaccedilatildeo de sangue em todo o mundo ela soacute pode ser exercida

voluntariamente O sangue humano natildeo eacute produzido sinteticamente natildeo pode ser comercializado (vendido ou comprado) e a sauacutede puacuteblica depende de um banco de sangue abastecido

7 Apresentado no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

17

responsabilidade (DEWEY 1979) e de se criar um curriacuteculo vivo

contextualizado criacutetico (FREIRE 1996) era trazida ao primeiro plano

Ao longo de todo o percurso pude perceber que tais reflexotildees faziam

sentido para escolas de diferentes condiccedilotildees regionais sociais

administrativas econocircmicas O desenvolvimento de experiecircncias de

protagonismo juvenil onde o jovem pudesse trabalhar em projetos socais reais

era compreendido como uma das possiacuteveis estrateacutegias para se buscar a

qualidade da educaccedilatildeo pretendida e guiada pela compreensatildeo do texto da

LDB

No entanto pude perceber tambeacutem que a unanimidade sobre

considerar tais questotildees fundamentais para a formaccedilatildeo inicial trazia consigo

divergecircncias intriacutensecas agrave proacutepria concepccedilatildeo conceitual Como pontua

Carvalho citando Azanha (CARVALHO 2013) haacute diferenccedilas na compreensatildeo

do que seja ldquoformar para a cidadaniardquo Da mesma forma deve haver diferenccedilas

para o que eacute ldquoser solidaacuteriordquo A unanimidade aparente pode responder a

intenccedilotildees diversas revelando um tenso jogo de poder entre manter o status

quo por meio do reforccedilo de uma postura acomodada de cidadania ou propor

uma educaccedilatildeo criacutetica que visa agrave emancipaccedilatildeo As contradiccedilotildees e a riqueza da

diversidade sentidas ao longo desses anos me motivaram a voltar agrave academia

a um Programa de Doutorado em Educaccedilatildeo Curriacuteculo para procurar

compreender a educaccedilatildeo enquanto qualidade de formaccedilatildeo para a

solidariedade e a cidadania8

8 Impulsionados por outra concepccedilatildeo de contribuiccedilatildeo para a qualidade da educaccedilatildeo a diretoria

do Faccedila Parte e parceiros fundaram o Todos Pela Educaccedilatildeo em 2006 ndash organizaccedilatildeo social que visa concentrar seus esforccedilos no estabelecimento acompanhamento e desenvolvimento de programas para o cumprimento de metas estabelecidas de qualidade relacionadas ao fluxo desempenho e gestatildeo de processos e recursos para a educaccedilatildeo baacutesica

O Faccedila Parte manteacutem suas atividades poreacutem com atuaccedilatildeo reduzida O Selo Escola Solidaacuteria foi encerrado em sua quinta ediccedilatildeo Em nota o Instituto informou que em 2013 ao completar 10 anos seratildeo reconhecidas as escolas que participaram de quatro ou das cinco ediccedilotildees

18

2 Contextualizaccedilatildeo

Vivemos um momento marcado por avanccedilos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos

que mudaram as relaccedilotildees de tempo espaccedilo produccedilatildeo e conviacutevio Nunca

antes o mundo havia experimentado a convivecircncia planetaacuteria o recebimento

da informaccedilatildeo em tempo real o ldquoestarrdquo de maneira virtual Esta configuraccedilatildeo

incita novos arranjos Nunca antes na histoacuteria a humanidade teve acesso a

tantos conhecimentos teacutecnicas informaccedilotildees e ferramentas de maneira tatildeo

disponiacutevel No entanto tais caracteriacutesticas tecircm propiciado o desenvolvimento

humano9

Segundo um estudo desenvolvido pelo psicoacutelogo evolucionista da

Universidade de Harvard Steven Pinker (2012) a humanidade tem

abandonado as praacuteticas de sacrifiacutecios humanos e meacutetodos crueacuteis de execuccedilatildeo

como a fogueira a crucificaccedilatildeo e a empalaccedilatildeo comuns na idade medieval e

adotado uma postura mais pacifista nos uacuteltimos seacuteculos Ele demonstra a

queda no nuacutemero de mortes por guerras genociacutedios terrorismo que o autor

atribui ao fato de o homem ficar mais inteligente utilizando a variaccedilatildeo meacutedia do

teste de raciociacutenio loacutegico para comprovar sua hipoacutetese No entanto em sua

obra Como a mente funciona (Idem 1999) atribui agrave inteligecircncia humana o fato

do homem buscar estrateacutegias de sobrevivecircncia A primeira delas identificada

na teoria da Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin foi a de estabelecer

um relacionamento cooperativo baseado na reciprocidade muacutetua para a

proteccedilatildeo do grupo e da espeacutecie10

Se considerarmos esses trecircs fatores o acesso ao conhecimento

culturalmente acumulado de forma mais intensa pelo uso das TICs a

globalizaccedilatildeo (comunicaccedilatildeo produccedilatildeo e consumo) e que o homem busca a

sobrevivecircncia a tendecircncia de natildeo extermiacutenio pode estar na complexidade

dessa relaccedilatildeo uma vez que os interesses ligados agrave proacutepria subsistecircncia

depende de conexotildees planetaacuterias acordos geopoliacuteticos e econocircmicos e

9Desenvolvimento humano compreendido nesta pesquisa como um processo de ampliaccedilatildeo

das escolhas das pessoas para que elas possam por si criar as oportunidades para serem aquilo que desejam ser (MORI CASADEI 2012)

10 Ver Capiacutetulo III Curriacuteculo e Solidariedade

19

sofrem a influecircncia do predomiacutenio da cultura hegemocircnica que continua

tensionando as relaccedilotildees num jogo de interesses que favorece a desigualdade

social a fome e a pobreza absoluta produtos desse sistema poliacutetico ainda

perverso

Para Pedro Demo o desenvolvimento humano estaacute apoiado em dois

pilares fundamentais o instrumento (produccedilatildeo econocircmica) e o fim (cidadania)

Neste sentido o processo educativo pode tender tanto para os fins de consumo

como para os meios de uma formaccedilatildeo criacutetico emancipadora Ele se constitui a

partir de dois movimentos o ldquoformalrdquo constituiacutedo do manejo da linguagem dos

meios da tecnologia das formas e o ldquopoliacuteticordquo que diz respeito agrave capacidade

do sujeito ldquose fazer e fazer histoacuteriardquo Ainda que como ressalva o autor natildeo se

possam segregar as duas coisas pois elas ldquonatildeo satildeo duas coisas satildeo as faces

do mesmo todordquo (DEMO 1996 p 14)

O conhecimento e a instruccedilatildeo podem trazer a capacidade de produccedilatildeo

de inserccedilatildeo social de consumo mas tambeacutem a competitividade a exploraccedilatildeo

a manutenccedilatildeo do status quo Para que isso natildeo ocorra a aquisiccedilatildeo de renda

deve ser compreendida como meio natildeo como fim pois eacute preciso considerar a

qualidade da vida em sociedade o respeito a convivecircncia a liberdade num

processo educativo humanizador

No entanto quando analisamos a tendecircncia educacional dos uacuteltimos

anos vemos que a busca por qualidade tem sido pautada apenas na aquisiccedilatildeo

formal do conhecimento e natildeo na formaccedilatildeo humanizadora Um dos principais

fatores para esse movimento pode ser atribuiacutedo agrave incorporaccedilatildeo de testes

padronizados de conhecimento para mensurar a qualidade da educaccedilatildeo

oferecida no sistema puacuteblico de ensino Se por um lado essa medida tenha

contribuiacutedo para que seja possiacutevel conhecer a qualidade formal da educaccedilatildeo

por outro a apropriaccedilatildeo que se tem feito dos resultados tem reduzido o

conceito de qualidade da educaccedilatildeo agrave esfera da instrumentalizaccedilatildeo da

aquisiccedilatildeo de conhecimentos teacutecnicos formais

A divulgaccedilatildeo de um ranking das escolas promovendo uma disputa

centrada no bom rendimento no exame e natildeo na qualidade da aprendizagem

dos alunos pode ser um dos exemplos dessa maacute apropriaccedilatildeo Aleacutem disso a

adoccedilatildeo dos testes como principal ou uacutenico paracircmetro de qualidade para

20

determinar poliacuteticas puacuteblicas que priorizem accedilotildees para melhorar o desempenho

das escolas pelo estado e por outro lado as escolas adequarem o curriacuteculo de

forma a melhorar a desempenho nos exames limitando as praacuteticas curriculares

ao desenvolvimento de atividades que venham a impactar nos resultados

podem ser outras duas medidas que estejam promovendo o esvaziamento do

conceito de qualidade da educaccedilatildeo (FRIGOTTO 1994)

O objetivo tende a deixar de ser a formaccedilatildeo do sujeito histoacuterico-criacutetico

para ter o fim em si mesmo o que descaracteriza a proacutepria educaccedilatildeo que natildeo

se limita a instrumentalizaccedilatildeo e metodologia mas abrange a qualidade formal e

poliacutetica ao mesmo tempo Neste sentido esta pesquisa pretende retomar o

conceito de qualidade a partir da formaccedilatildeo social humanizadora sem

descartar no entanto a aquisiccedilatildeo e desenvolvimento do conhecimento criacutetico

criativo que favorece a emancipaccedilatildeo

3 O problema a hipoacutetese e os objetivos da pesquisa

Segundo a coluna de opiniatildeo puacuteblica assinada por Juan Carlos

Tedesco no perioacutedico espanhol para docente intitulado Escuela (TEDESCO

2013) a ONU divulgou recentemente uma declaraccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e

desenvolvimento social onde denomina as competecircncias relacionadas agrave

formaccedilatildeo eacutetica e solidaacuteria como ldquohabilidades brandasrdquo em contraponto agraves

ldquohabilidades durasrdquo relacionadas ao aspecto cognitivo Na mesma perspectiva

a avaliaccedilatildeo externa ndash padronizada feita em larga escala para avaliar os

sistemas educacionais ndash considera o resultado de testes padronizados em

leitura (portuguecircs) e matemaacutetica como paracircmetro para determinar as notas das

escolas e tem definido o curriacuteculo daquelas que buscam por melhores

resultados Em alguns estados o governo oferece aos professores que

atingem as metas estabelecidas bonificaccedilotildees salariais11 e a cobertura da miacutedia

11

Segundo informaccedilotildees divulgadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Fundaccedilatildeo Victor Civita (CIVITA 2011) sete estados implantaram esse sistema Amazonas Cearaacute Pernambuco Rio de Janeiro Minas Gerais Espiacuterito Santo e Satildeo Paulo

21

nacional e local se encarrega de fazer o ranqueamento das escolas de acordo

com os resultados obtidos Em meio a esse processo se por um lado haacute

ganhos no acompanhamento do sistema educacional os ldquoefeitos colateraisrdquo

tecircm se mostrado perversos como a reduccedilatildeo do curriacuteculo por exemplo que

passa a ser restringido agrave preparaccedilatildeo para os testes O impacto dessas

medidas e tendecircncias na compreensatildeo da qualidade da educaccedilatildeo recai

inclusive sobre a desvinculaccedilatildeo da construccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-

cientiacutefico agrave formaccedilatildeo eacutetica solidaacuteria Eacute o proacuteprio Tedesco (2013) que afirma

Se houver a separaccedilatildeo entre as chamadas ciecircncias duras e as ciecircncias brandas haveraacute a preparaccedilatildeo do terreno para o

divoacutercio entre a dimensatildeo cognitiva da eacutetica e da vida emocional das pessoas o que impede que os alunos e a sociedade como um todo percebam a complexa realidade da vida cotidiana que integra aspectos cientiacuteficos sociais e eacuteticos

A dicotomizaccedilatildeo distancia a escola de oferecer uma formaccedilatildeo para a

cidadania prestando-se a centrar seus esforccedilos na preparaccedilatildeo dos alunos aos

testes ao bom desempenho escolar apenas descartando a formaccedilatildeo para a

cidadania A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (BRASIL 1996)

em seu artigo 2ordm define que ldquoa educaccedilatildeo dever da famiacutelia e do Estado

inspirada nos princiacutepios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana

tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu preparo para o

exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalhordquo Tais princiacutepios

permeiam os paracircmetros e referenciais curriculares de educaccedilatildeo No texto de

introduccedilatildeo aos Paracircmetros Curriculares Nacionais o preparo para o exerciacutecio

da cidadania aponta para a

relevacircncia de discussotildees sobre a dignidade do ser humano a igualdade de direitos a recusa categoacuterica de formas de discriminaccedilatildeo a importacircncia da solidariedade e do respeito Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserccedilatildeo sociopoliacutetica e cultural Apresenta-se para a escola hoje mais do que nunca a necessidade de assumir-se como espaccedilo social de construccedilatildeo dos significados eacuteticos necessaacuterios e constitutivos de toda e qualquer accedilatildeo de cidadania (BRASIL 1997 p 27)

22

Vecirc-se aqui que a educaccedilatildeo baacutesica deve estar fundamentada nos ideais

de solidariedade e eacutetica na cidadania e deve assumir o compromisso de

integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a intervenccedilatildeo social e

poliacutetica dando sentido ao emprego dos conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos

Este eacute o problema assumido para esta tese

Para Carvalho (2013 p 47-48) ensinar as ldquovirtudes puacuteblicasrdquo eacute uma

questatildeo formulada haacute seacuteculos desde Platatildeo No entanto tais virtudes como a

solidariedade podem de fato ser ensinadas Considerando que o processo

formativo deve estar fundamentado nos ideais de solidariedade e deve assumir

o compromisso de integrar atividades que permitam aos alunos vivenciar a

intervenccedilatildeo social e poliacutetica o que esta tese se propotildee a investigar eacute se e

como esta formaccedilatildeo articulada entre a preparaccedilatildeo para a vida produtiva

(conhecimentos cientiacuteficos e teacutecnicos) e a educaccedilatildeo para a solidariedade

(sobretudo a formaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica) estaacute acontecendo

A presente pesquisa assume a seguinte hipoacutetese a experiecircncia de

solidariedade pode contribuir com a praacutetica curricular retomando sobretudo a

formaccedilatildeo social e poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para

aleacutem da aquisiccedilatildeo formal dos conhecimentos culturalmente acumulados

Para isso o objetivo desta pesquisa eacute estudar segundo uma

distribuiccedilatildeo de amostragem definida qualitativamente que contribuiccedilotildees

avanccedilos ganhos ou retrocessos podem ser percebidos nas e pelas escolas

investigadas quanto ao desenvolvimento da solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa Tal abordagem visa construir referenciais que tenham por

princiacutepio e fim a solidariedade e contribuam para a formaccedilatildeo para a cidadania e

a construccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica

Satildeo objetivos especiacuteficos desta pesquisa

- contribuir para o debate acerca da solidariedade no acircmbito da

educaccedilatildeo definindo-a conceitualmente

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica

curricular e

23

- buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade na escola pode ser considerada inerente agrave praacutetica

curricular

Pretende-se como resultado desta pesquisa contribuir para o debate

acerca da educaccedilatildeo de qualidade retomando sobretudo a formaccedilatildeo social e

poliacutetica como condiccedilatildeo inerente ao processo educativo para aleacutem da aquisiccedilatildeo

formal dos conhecimentos culturalmente acumulados compreendendo a

solidariedade como praacutetica curricular educativa

4 A metodologia qualitativa

Por suas caracteriacutesticas intriacutensecas o tema solidariedade12 requer uma

pesquisa de anaacutelise qualitativa

Para desenvolver este estudo foi realizada uma pesquisa de campo

junto a quatro escolas trecircs da cidade de Satildeo Paulo e uma de Satildeo Caetano do

Sul no Estado de Satildeo Paulo13

O estudo qualitativo ganhou espaccedilo entre as ciecircncias sociais e

humanas pois permite a adequaccedilatildeo agrave realidade de cada pesquisa de acordo

com o seu interesse diferenciando-se em forma e meacutetodo Depender do

pesquisador significa que as concepccedilotildees valores e conjunto de significados e

objetivos variam caso a caso (CHIZZOTTI 2008)

12

Fiz um levantamento junto ao Banco de Teses da CAPES (httpcapesdwcapesgovbr) sobre os trabalhos cientiacuteficos relacionados ao tema ldquosolidariedaderdquo Ao todo foram encontradas 589 ocorrecircncias Visando conhecer a produccedilatildeo mais recente fiz um recorte considerando os uacuteltimos cinco anos (de 2007 a 2011) e encontrei 227 tiacutetulos Nesta amostragem observou-se uma maior ocorrecircncia dos enfoques socioloacutegico filosoacutefico teoloacutegico econocircmico poliacutetico e de direito Foram encontradas 45 pesquisas no tema da educaccedilatildeo Haacute pesquisas nas aacutereas de educaccedilatildeo superior educaccedilatildeo do campo educaccedilatildeo natildeo formal educaccedilatildeo profissional educaccedilatildeo especial formaccedilatildeo de professores direitos humanos sauacutede arte literatura educaccedilatildeo fiacutesica novas tecnologias entre outros vinculadas aos saberes eacuteticos teacutecnicos pedagoacutegicos comunicacionais de gestatildeo entre outros Pode-se perceber uma tendecircncia em se considerar a solidariedade como fator de promoccedilatildeo de um ambiente colaborativo de aprendizagem Uma delas trata da questatildeo da solidariedade visando a formaccedilatildeo em valores Eacute uma pesquisa qualitativa teoacuterica ou seja natildeo haacute pesquisa de campo e se propocircs a elaborar o conceito principalmente pela teoria da complexidade e a eacutetica

13 As escolas seratildeo apresentadas no capiacutetulo I Percurso Metodoloacutegico

24

A anaacutelise qualitativa permite o envolvimento com o tema respeitando

as particularidades e diversidades que o estudo sobre as relaccedilotildees sociais

merece O pesquisador torna-se um ator durante o processo na medida em

que participa interage acompanha recorta compreende e interpreta os dados

de acordo com suas inquietaccedilotildees

Haacute uma interaccedilatildeo direta entre o objeto e a subjetividade do sujeito O

conhecimento portanto natildeo se reduz a um rol isolado de dados pois o

pesquisador pode considerar os fenocircmenos que influenciam o objeto

Os pesquisadores que adotaram essa orientaccedilatildeo se subtraiacuteram agrave verificaccedilatildeo das regularidades para se dedicarem agrave anaacutelise dos significados que os indiviacuteduos datildeo agraves suas accedilotildees no meio ecoloacutegico em que constroem suas vidas e suas relaccedilotildees agrave compreensatildeo do sentido dos atos e das decisotildees dos atores sociais ou entatildeo dos viacutenculos indissociaacuteveis das accedilotildees particulares com o contexto social em que estas se datildeo (CHIZZOTTI 1991 p 63)

Em ciecircncias humanas os fatos natildeo satildeo estanques uma vez que os

objetos de estudo pensam agem e reagem assim como o pesquisador que

igualmente exerce influecircncia durante a pesquisa (LAVILLE DIONNE 1999 p

33)

A complexidade do conceito e as restriccedilotildees exigidas pela metodologia

cientiacutefica fizeram da tese seus recortes e instrumentos um desafio constante

que me propus a enfrentar mesmo diante das dificuldades da mensuraccedilatildeo de

resultados

O erro tiacutepico cometido ldquonas pesquisas sociaisrdquo refere-se agrave tendecircncia de reduzir o relevante ao testaacutevel [] Seria uma distorccedilatildeo grosseira imaginar inexistente ou irrelevante aquilo que natildeo conseguimos captar de modo experimental Se haacute uma falha ela estaria no meacutetodo de captaccedilatildeo natildeo na realidade Eacute pois uma violecircncia contra a realidade pressupor que soacute interessa sua face empiacuterica Diria inclusive que na realidade social raramente o mais relevante

coincide com o mais testaacutevel (DEMO 1985 p9)

25

Para desenvolver este estudo optei por fazer uma pesquisa teoacuterica e

empiacuterica14 analisando escolas de diferentes redes de ensino e contextos

buscando compreender a praacutetica curricular

Esta tese estaacute organizada de acordo com a seguinte estrutura o

Capiacutetulo I traz o percurso metodoloacutegico e apresenta quais foram os criteacuterios

utilizados para a escolha das escolas participantes da pesquisa os

instrumentos de coleta de dados como eles foram empregados e as escolas

os Capiacutetulos II e III satildeo teoacutericos sendo que o primeiro deles traz uma

construccedilatildeo teoacuterica sobre o conceito de solidariedade e o segundo diz respeito agrave

solidariedade no contexto da educaccedilatildeo fundamentalmente no curriacuteculo da

educaccedilatildeo baacutesica e o Capiacutetulo IV apresenta os dados e os analisa costurando

o que pode ser observado e aprendido com os sujeitos da pesquisa agrave luz dos

teoacutericos aportados neste estudo

14

Esta pesquisa foi submetida ao Coacutedigo de Eacutetica nuacutemero CAAE 14483113500005482

26

CAPIacuteTULO I

27

PERCURSO METODOLOacuteGICO

A intenccedilatildeo de fazer uma pesquisa que resgatasse elementos para

elucidar e compreender questotildees relacionadas agrave solidariedade como praacutetica

educativa e portanto praacutetica curricular foi amadurecendo ao longo do trajeto

da pesquisa na medida em que se desenvolvia o estudo teoacuterico sobre a

solidariedade e o curriacuteculo Os autores escolhidos para embasar teoricamente

esta pesquisa (capiacutetulos III e IV) tecircm como ponto de convergecircncia a

abordagem humanizadora da educaccedilatildeo a formaccedilatildeo eacutetica e emancipadora

como paradigma orientador de educaccedilatildeo

Procuramos com esta pesquisa identificar como escolas de diferentes

contextos socioeducativos definem solidariedade como ensinam seus alunos a

serem solidaacuterios e como a adotam na praacutetica curricular

Na investigaccedilatildeo nosso olhar centrou-se nos principais aspectos tanto

nos momentos das entrevistas como nos contatos abertos com as escolas agrave

luz do referencial teoacuterico que foi construiacutedo junto com o acompanhamento nas

escolas buscando encontrar pontos de convergecircncia divergecircncia ou

complementaccedilatildeo que pudessem servir de guia para alocar os diferentes

aspectos mais frequentemente nas falas dos sujeitos da pesquisa como

blocos indicadores das subcategorias de anaacutelise

O objetivo desta manipulaccedilatildeo eacute propiciar uma apreciaccedilatildeo dialoacutegica

entre as falas dos atores com as observaccedilotildees e impressotildees colhidas junto agraves

escolas e agraves consideraccedilotildees dos pesquisadores agrave luz dos autores

selecionados

Nas consideraccedilotildees finais desta pesquisa buscamos desenvolver

provisoriamente algumas reflexotildees quanto agrave praacutetica curricular agrave vasta

compreensatildeo sobre solidariedade agrave formaccedilatildeo para a cidadania visando

colaborar para o debate acerca da qualidade da educaccedilatildeo real e desejada

Para a coleta de dados foram utilizados trecircs recursos a aplicaccedilatildeo de

um questionaacuterio para um mapeamento inicial as entrevistas semi-estruturadas

28

e o acompanhamento agraves escolas em um processo investigativo que se

estendeu durante o ano letivo de 2012 ateacute o iniacutecio de 2013

No transcorrer da coleta de dados procuramos fazer com que os

participantes se sentissem beneficiados seguindo alguns criteacuterios a)

desenvolver a pesquisa junto a escolas que responderam voluntariamente ao

questionaacuterio b) as entrevistas foram negociadas previamente com cada

participante c) as entrevistas foram gravadas e transcritas a posteriori

procurando natildeo desviar a atenccedilatildeo nem do pesquisador nem do participante e

d) no caso dos eventos solidaacuterios na escola a participaccedilatildeo foi realizada de

acordo com a proposta sugerida pela escola respeitando o universo de

atuaccedilatildeo de cada uma delas

Para que esta pesquisa atingisse o objetivo de estudar a solidariedade

enquanto praacutetica educativa procuramos selecionar um pequeno universo de

escolas distintas entre si e que apresentassem o desejo demonstrassem o

interesse em serem escolas que oferecem uma educaccedilatildeo como praacutetica

solidaacuteria Neste sentido procuramos escolas que apresentassem as seguintes

caracteriacutesticas a) serem escolas que participaram ou receberam o Selo Escola

Solidaacuteria ao menos nas trecircs uacuteltimas ediccedilotildees (2007 2009 e 2011) b)

comporem entre si uma diversidade de escolas de diferentes redes

administrativas (rede puacuteblica estadual municipal e particular) c) serem de

realidades socioeconocircmicas distintas d) apresentarem entre si diferenccedilas em

relaccedilatildeo ao niacutevel de ensino trabalhado (Ensino Fundamental I Ensino

Fundamental II Ensino Meacutedio e profissionalizante) e) terem atividades

solidaacuterias previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Para se chegar a essas escolas adotamos como medida inicial uma

pesquisa no banco de projetos disponiacutevel na web que apresenta as escolas

que jaacute receberam o Selo Escola Solidaacuteria e seus projetos15

Para partir de um universo de 23690 escolas fizemos inicialmente o

recorte por localidade No Estado de Satildeo Paulo onde desenvolvemos esta

15

A justificativa da seleccedilatildeo das escolas seraacute apresentada ainda neste capiacutetulo Basicamente o Selo Escola Solidaacuteria reuacutene em um uacutenico banco de dados milhares de praacuteticas curriculares de escolas de todo o Brasil da rede puacuteblica e particular que trabalham com atividades e projetos voltados para a formaccedilatildeo acadecircmica e ciacutevica de forma articulada

29

pesquisa 4403 escolas receberam o Selo Escola Solidaacuteria sendo 2179 da

rede estadual 1256 da municipal 967 satildeo particulares e 1 federal

No entanto uma vez que decidimos desenvolver a pesquisa

presencialmente optamos por reduzir o nosso universo de pesquisa para as

escolas da cidade de Satildeo Paulo (557 escolas) e regiatildeo do chamado ABC

paulista composta pelas cidades de Santo Andreacute Satildeo Bernardo do Campo e

Satildeo Caetano do Sul (145 escolas) Assim o nosso universo de escolas passou

para 702 instituiccedilotildees Como ainda o recorte inviabilizava a pesquisa um

segundo criteacuterio foi adotado selecionar escolas que tivessem participado das

trecircs uacuteltimas ediccedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria visando encontrar aquelas que

tivessem inserido a proposta na praacutetica curricular haacute mais de cinco anos e que

tivessem participado das ediccedilotildees mais recentes do Selo Escola Solidaacuteria

Assim chegamos a 53 escolas sendo 48 na cidade de Satildeo Paulo (37 da rede

particular 6 da rede puacuteblica estadual 3 da rede puacuteblica municipal e 2 do ensino

teacutecnico e profissionalizante) e 5 na regiatildeo do Grande ABC (sendo 3 em Satildeo

Caetano do Sul 1 da rede municipal e 2 particulares 1 municipal em Satildeo

Bernardo do Campo da rede particular)

Para essas escolas foi enviado um email de apresentaccedilatildeo do projeto

da pesquisa e o questionaacuterio Quinze escolas responderam voluntariamente

dentro do prazo de um mecircs solicitado A partir da anaacutelise da resposta ao

questionaacuterio chegamos agraves quatro escolas participantes trecircs da cidade de Satildeo

Paulo e uma cidade de Satildeo Caetano do Sul Os criteacuterios utilizados para a

seleccedilatildeo destas escolas foram 1) garantir na mostra final escolas de todas as

redes de ensino 2) nuacutemero de participaccedilatildeo em ediccedilotildees do Selo Escola

Solidaacuteria 3) ter respondido ao questionaacuterio de forma completa e adequada 4)

aceitar participar voluntariamente da pesquisa

O primeiro contato foi estabelecido por email para informar agrave escola

que ela estava dentro do perfil ideal para seguir na pesquisa caso tivesse

disponibilidade e interesse As quatro escolas aceitaram continuar no processo

o que nos levou a agendar a primeira reuniatildeo para conhecer as escolas A

partir daiacute com a pesquisa apresentada e aprovada agendamos as entrevistas

semi-estruturadas com os sujeitos indicados pelas escolas

30

A Escola1 fica localizada em Satildeo Caetano do Sul municiacutepio da

mesorregiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo16 A populaccedilatildeo aferida em 2009 foi de

152093 habitantes e a aacuterea total da cidade eacute de 153 kmsup2 o que resulta numa

densidade demograacutefica de 94308 habitantes por quilocircmetro quadrado (SAtildeO

CAETRANO DO SUL 2012)

Eacute a cidade com o melhor IDH do Brasil (PNUD 2000) e tambeacutem estaacute

em 47ordf posiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao PIB das cidades brasileiras (IBGE 2010a) A

taxa de alfabetizaccedilatildeo do municiacutepio eacute de 9967 sendo uma das trecircs cidades

do Estado de Satildeo Paulo17 que recebeu o Selo Municiacutepio Livre de

Analfabetismo conferido pelo MEC para cidades que atingiram mais de 96

de alfabetizaccedilatildeo A rede de escolas municipais atende aproximadamente a

13000 alunos em 19 escolas de Ensino Fundamental e Ensino Meacutedio Em

2007 a Prefeitura municipalizou 10 escolas de Ensino Fundamental somando

portanto mais 65 mil alunos aproximadamente Aleacutem disso nove escolas da

rede estadual instaladas em Satildeo Caetano recebem investimento da Prefeitura

para sua manutenccedilatildeo e modernizaccedilatildeo Quanto agrave gestatildeo Paulo Pinheiro do

Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro (PMDB) eacute o atual prefeito e o

Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o Professor Daniel Belluci

As Escolas 2 3 e 4 ficam na cidade de Satildeo Paulo que possui a rede

de ensino com o maior nuacutemero de escolas do Brasil tanto da rede municipal

quanto da estadual constituiacuteda por 2725 estabelecimentos de Ensino

Fundamental 2998 unidades preacute-escolares 1199 escolas de niacutevel meacutedio e

146 instituiccedilotildees de niacutevel superior Ao total satildeo 2850133 matriacuteculas e 153284

docentes registrados (WIKIPEDIA 2013) A cidade atingiu exatamente a meta

projetada para o IDEB de 51 em 2011 O iacutendice mede a proficiecircncia em liacutengua

portuguesa e matemaacutetica cruzando com o fluxo adequado de alunos por seacuterie

Segundo o IBGE (2010b) a populaccedilatildeo de Satildeo Paulo aferida em 2010

eacute de 11253503 habitantes sendo que 991 da populaccedilatildeo urbana e 371

da populaccedilatildeo tem idade inferior a 24 anos A taxa de analfabetismo eacute 49

16

A cidade de Satildeo Caetano do Sul compotildee o ABC paulista formada ainda pelas cidades de Satildeo Andreacute e Satildeo Bernardo do Campo

17 Aleacutem de Satildeo Caetano do Sul tambeacutem receberam o Selo Municiacutepio Livre de Analfabetismo

as cidades de Aacuteguas de Satildeo Pedro (294) e Santos (3 56)

31

entre a populaccedilatildeo de 15 anos ou mais Em 2013 o governador do Estado eacute

Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o

Secretaacuterio Estadual de Educaccedilatildeo de seu mandato eacute o Professor Herman

Voorwald Jaacute na cidade de Satildeo Paulo o prefeito eacute do Partido dos

Trabalhadores (PT) Fernando Haddad Ex-Ministro da Educaccedilatildeo (entre julho

de 2005 e janeiro de 2012 nos governos de Luiz Inaacutecio Lula da Silva e Dilma

Rousseff) e o Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo eacute o professor Ceacutesar Callegari

cujo uacuteltimo cargo assumido foi o de Secretaacuterio de Educaccedilatildeo Baacutesica no atual

governo federal (Governo Dilma Rousseff)

1 Apresentaccedilatildeo das escolas da pesquisa

Escola 1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizaccedilatildeo Bairro Mauaacute Satildeo Caetano do Sul Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica municipal Ano de fundaccedilatildeo 1967 Nuacutemero de professores 160 Nuacutemero de alunos 2400 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio Regular e Teacutecnico Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 72 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental II em 2011 57 Meacutedia no ENEM em 2011 61827 Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011 Escola-membro do Programa de Escolas Associadas agrave UNESCO ndash PEA18 desde 2003

Escola 2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

Localizaccedilatildeo Parque Naccedilotildees Unidas Jaraguaacute Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede puacuteblica estadual Ano de fundaccedilatildeo 1988 Nuacutemero de professores 32 Nuacutemero de alunos 887 Niacutevel de ensino Ensino Fundamental I Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2009 57 Meacutedia no IDEB para Ensino Fundamental I em 2011 57 Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009 2011

18

O PEA ndash Programa das Escolas Associadas da UNESCO seraacute apresentado mais agrave frente neste Capiacutetulo

32

Escola 3 ndash Escola da Rede Particular

Localizaccedilatildeo Alto de Pinheiros ndash Satildeo Paulo ndash Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede particular Ano de fundaccedilatildeo 1953 Nuacutemero de professores 250 Nuacutemero de alunos 2953 Niacutevel de ensino Educaccedilatildeo Infantil Ensino Fundamental I e II e Ensino Meacutedio Selo Escola Solidaacuteria 2003 2005 2007 2009 2011

Escola 4 ndash Escola da Rede Particular ndash teacutecnica e profissionalizante

Localizaccedilatildeo Ipiranga Satildeo Paulo Satildeo Paulo Dependecircncia administrativa rede SENAI Ano de fundaccedilatildeo 1949 Nuacutemero de alunos 431 Modalidade de Ensino Educaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica Selo Escola Solidaacuteria 2005 2007 2009

11 Escola1 ndash Escola da Rede Puacuteblica Municipal de Ensino

Localizada no Bairro Mauaacute na cidade de Satildeo Caetano do Sul a

Escola1 foi fundada em 1967 Em 1978 ela passou a ser uma autarquia mas

voltou a ser incorporada agrave rede municipal em 2004 A escola possui 160

professores e 2400 estudantes esse grupo ndash que compreende alunos do

Ensino Fundamental I e II Ensino Meacutedio regular e teacutecnico ndash estaacute dividido em

trecircs periacuteodos letivos Pelo ensino teacutecnico com duraccedilatildeo de trecircs semestres a

escola oferece cursos ndash como Secretariado Publicidade Informaacutetica

Contabilidade e Administraccedilatildeo O trabalho realizado pela escola visa promover

a potencialidade e o talento dos alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave

praacutetica social para o exerciacutecio da cidadania

A Escola1 obteve meacutedia 67 no IDEB em 2009 e 72 em 2011 para

alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental O resultado eacute superior agrave

meacutedia nacional para os anos iniciais do Ensino Fundamental para 2011 (40) e

ultrapassa a meta nacional para 2021 (60)

33

Seu rendimento foi abaixo do esperado para o Ensino Fundamental II

tendo 67 em 2009 e 57 em 2011 Mesmo assim a escola estaacute acima da

meacutedia nacional prevista para 2011 (41) Ainda em 2011 a nota tirada no

ENEM foi de 61827 pontos e cresceu em relaccedilatildeo ao ano anterior quando os

alunos conquistaram nota 58989 ndash a nota meacutedia entre as escolas do Paiacutes com

participaccedilatildeo superior a 75 dos alunos no ENEM foi 599 pontos (SAtildeO

CAETANO DO SUL 2012)

A direccedilatildeo vecirc a formaccedilatildeo dos professores como um dos fatores que

contribui para a qualidade do ensino Todos os professores tecircm formaccedilatildeo

superior e lecionam na disciplina em que satildeo formados sendo que

aproximadamente 20 satildeo mestres Aleacutem disso a rotatividade eacute baixa a

maioria trabalha haacute mais de dez anos nessa escola como afirma CPE119 ldquoaqui

os professores satildeo participativos elitizados bem formados noacutes temos dez

doze mestres Todos satildeo formados na aacuterea que estaacute dando aula Isso eacute

fundamental para a qualidade da escola Outra questatildeo eacute fundamental que o

professor seja formado na aacuterea em que ele atuardquo

A Escola1 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a Educaccedilatildeo ao Trabalho e agrave Praacutetica Social para o

verdadeiro exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo Os

valores declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico satildeo respeito sincero ao ser

humano responsabilidade nas accedilotildees solidariedade eacutetica profissionalismo

espiacuterito de equipe integridade e honestidade

A Escola1 eacute uma escola-membro do PEA ndash Programa de Escolas

Associadas da UNESCO apresentado a seguir e desde entatildeo se organiza

segundo o Plano Pedagoacutegico anual do calendaacuterio internacional proposto pela

UNESCO e os quatro pilares da educaccedilatildeo aprender a conhecer aprender a

fazer aprender a ser e aprender a conviver Na escola o planejamento

pedagoacutegico eacute seguido de acordo com o tema sugerido pelo PEA e os projetos

solidaacuterios desenvolvidos pela escola satildeo repensados de acordo com essa

temaacutetica

19

CEP1 ndash Coordenador Pedagoacutegico da Escola1

34

A seguir apresentamos os quatro principais projetos desenvolvidos

pela Escola1

Projeto 1 PEA ndash Programa de Escolas Associadas da UNESCO20

O PEA foi criado para estender os objetivos da UNESCO no poacutes-

guerra pelo princiacutepio de educaccedilatildeo para a paz Embora o Brasil tenha

participado de sua criaccedilatildeo somente em 1997 o Programa se efetivou e desde

entatildeo o nuacutemero de escolas associadas quase triplicou chegando a 221

escolas das redes puacuteblicas e particulares dos estados de Alagoas Amazonas

Bahia Cearaacute Espiacuterito Santo Goiaacutes Maranhatildeo Minas Gerais Paraacute Paraiacuteba

Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina e Satildeo Paulo e do Distrito

Federal (PEA 2013)

O objetivo do PEA eacute criar uma rede internacional de escolas que

trabalhem pela ideia da cultura da paz Atualmente a rede eacute formada por

escolas em mais de 130 paiacuteses O Programa consiste basicamente no

estiacutemulo a projetos ligados a um tema central proposto pela UNESCO

anualmente21

Cada uma delas recebe um certificado internacional de escola membro

e tem o direito de utilizar a logomarca Elas ainda podem receber materiais

eventual ou periodicamente produzidos pela UNESCO e participar de

concursos internacionais lanccedilados com frequecircncia pela proacutepria UNESCO ou

outras instituiccedilotildees a ela ligadas O principal benefiacutecio eacute participar de uma

comunidade que trabalha pelo mesmo objetivo troca informaccedilotildees compartilha

projetos e ideais Isso catalisa os esforccedilos e repercute nas escolas em todas

20

Entre os principais parceiros do PEA e da UNESCO estaacute o Instituto Faccedila Parte

21 Anos Internacionais (UNESCO 2013)

2013 - Ano Internacional da Aacutegua e da Matemaacutetica do Planeta Terra 2012 - Ano Internacional das Cooperativas (Resoluccedilatildeo 64136) 2011 - Ano Internacional da Quiacutemica e Florestas 2010 - Ano Internacional para a Aproximaccedilatildeo das Culturas e da Biodiversidade 2009 - Ano Internacional da Reconciliaccedilatildeo Astronomia e do gorila 2008 - Ano Internacional do Planeta Terra e Liacutenguas 2005 - Ano Internacional do Desporto e Educaccedilatildeo Fiacutesica 2004 - Ano Internacional para a Comemoraccedilatildeo da luta contra a escravidatildeo e sua aboliccedilatildeo 2003 - Ano Internacional da Aacutegua doce

35

as suas formas de trabalho pedagoacutegico pela cultura de paz Natildeo haacute

investimentos de qualquer ordem quer seja por parte da UNESCO quer seja

por parte das escolas

Todo ano a Escola1 segue o calendaacuterio proposto pela UNESCO como

eixo temaacutetico para realizar as atividades pedagoacutegicas O projeto das

cooperativas em 2012 teve como objetivo geral desenvolver accedilotildees

educacionais para propiciar a construccedilatildeo de uma nova mentalidade nos alunos

pelo princiacutepio do cooperativismo Como objetivo especiacutefico pretendeu-se

construir com os alunos o conceito de cooperativa intensificar o interesse e a

mobilizaccedilatildeo dos jovens em relaccedilatildeo agraves cooperativas sensibilizar a comunidade

em prol do papel das cooperativas criar situaccedilotildees praacuteticas de aprendizagem

para que se pudessem atuar no meio em que vivem e estruturar um foacuterum

entre alunos professores e a comunidade

Como meta pretendeu-se desenvolver os projetos com todos os

alunos da escola trabalhar os conteuacutedos conceituais procedimentais e

atitudinais relacionados sobretudo agraves disciplinas de Biologia Quiacutemica

Histoacuteria Geografia Filosofia Matemaacutetica entre outras para entender os

elementos indispensaacuteveis para a compreensatildeo global e organizar um foacuterum de

fechamento com a comunidade

Reuniotildees com a participaccedilatildeo de professores de todas as disciplinas

coordenadores direccedilatildeo alunos pais e colaboradores foram feitas para

organizar o projeto

Entre as atividades desenvolvidas constava a participaccedilatildeo dos alunos

em visitas a cooperativas da regiatildeo do ABC Paulista inclusatildeo do tema na

gincana solidaacuteria do Ensino Meacutedio construccedilatildeo de um trabalho acadecircmico por

parte dos alunos bem como viacutedeos e fotos das cooperativas Esse trabalho foi

armazenado num blog que os alunos apresentaram para os professores

continuidade do projeto ldquocientista solidaacuteriordquo que inclui a produccedilatildeo de sabatildeo e

detergente para a distribuiccedilatildeo em instituiccedilotildees de cunho social campanhas de

esclarecimentos sobre a importacircncia das cooperativas para a comunidade

36

ldquoTodos os projetos a gente faz questatildeo estatildeo direcionados para o ano

internacional das cooperativas A gente tem um projeto e no final do ano eles

tecircm que apresentar um TCCrdquo afirma a escola

Em relaccedilatildeo aos resultados espera-se no Plano Pedagoacutegico do projeto

da UNESCO que o trabalho entre os professores seja mais colaborativo que

eles estejam abertos agrave aprendizagem e menos resistentes a mudanccedilas e

inovaccedilotildees Por parte dos alunos espera-se uma postura mais atenta

participativa e criacutetica A comunidade tambeacutem eacute convidada a participar de

diferentes maneiras entre as atividades especiacuteficas dos projetos e por meio

dos foacuteruns organizados como espaccedilos democraacuteticos de ideias

aprofundamento da reflexatildeo formulaccedilatildeo de propostas e troca de experiecircncias

Projeto 2 Gincana Solidaacuteria

A Gincana Solidaacuteria eacute uma atividade que acontece desde 1989 todos

os anos e envolve praticamente todos os alunos do Ensino Meacutedio e tambeacutem

alunos do Ensino Fundamental O projeto eacute interdisciplinar sendo o tema

gerador o proposto pelo calendaacuterio internacional da UNESCO do qual

participam praticamente todas as disciplinas

A Gincana comeccedila no iniacutecio do ano letivo Eacute curricular sendo que natildeo

haacute atribuiccedilatildeo de notas No iniacutecio do ano satildeo oferecidas aulas especiais

coletivas haacute mostra de viacutedeos e materiais produzidos nas ediccedilotildees anteriores

Satildeo convidados especialistas para debater sobre o tema da Gincana do ano

vigente Aleacutem disso satildeo apresentadas todas as atividades que poderatildeo ser

desenvolvidas e os alunos satildeo divididos em grupos que variam entre 5 ou 6

turmas (de 150 alunos aproximadamente) para poderem se organizar e fazer

o planejamento tanto das atividades quanto do conteuacutedo que teratildeo que

estudar para a realizaccedilatildeo das tarefas As pesquisas satildeo orientadas pelos

professores que datildeo subsiacutedios orientam avaliam trabalham os conteuacutedos

escolhidos durante as aulas e tambeacutem em atividades nos laboratoacuterios Todo

esse processo dura em meacutedia trecircs meses

37

A etapa seguinte eacute um foacuterum puacuteblico do qual participam os alunos os

professores e a comunidade Nesse momento tanto a pesquisa quanto as

atividades satildeo discutidas com todos

A uacuteltima fase compreende a realizaccedilatildeo das tarefas da Gincana Tudo eacute

feito pelos alunos com material reciclado que precisam coletar ao longo do

ano Entre as atividades destacam-se a campanha de arrecadaccedilatildeo de

alimentos e produtos de higiene junto agrave comunidade e a campanha de doaccedilatildeo

de sangue que juntas somam pontos para a equipe responsaacutevel

No dia da Gincana haacute uma prova de conhecimentos gerais organizada

pela direccedilatildeo e professores da escola da qual participam os alunos

selecionados pelos grupos e um pai convidado Para animar e envolver os

alunos que estatildeo apenas acompanhando os resultados da prova de

conhecimentos gerais o grupo precisa criar um hino de torcida (letra e muacutesica)

um mascote (personagem com fantasia) e um banner de fundo (com

aproximadamente 7 metros de altura por 2 de largura)

Aleacutem disso o grupo precisa criar uma peccedila de teatro ndash sobre o tema

gerador ndash que seraacute apresentada no dia da Gincana roteiro figurino cenaacuterio

texto direccedilatildeo trilha sonora e uma apresentaccedilatildeo de danccedila (ritmo e tema livres)

Ao final a equipe vencedora recebe o tiacutetulo de campeatilde do ano

Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do

trabalho solidaacuterio Eacute um espaccedilo de trabalho colaborativo onde os alunos

precisam negociar a realizaccedilatildeo de tarefas como relacionadas a pesquisa

teatro danccedila tudo relacionado ao tema que eles tecircm que desenvolver

Projeto 3 Cientista Solidaacuterio

A escola compreende que entre os maiores desafios da aprendizagem

de ciecircncias e tecnologia no Ensino Meacutedio estaacute a aprendizagem individual e

coletiva do aluno para a iniciaccedilatildeo cientiacutefica Para a escola o aprendizado das

ciecircncias aleacutem de promover aprendizagem do conceito e a capacidade de

utilizar foacutermulas pretende desenvolver atitudes e valores por meio da praacutetica

de atividades tais como discussotildees leituras observaccedilotildees experimentaccedilotildees e

projetos cientiacuteficos A ideia eacute desafiar o aluno para o jogo do conhecimento

38

cientiacutefico que deve desenvolver seu interesse pela pesquisa e sua capacidade

de raciociacutenio e autonomia

Neste sentido o projeto tem como objetivo ampliar as aquisiccedilotildees das

habilidades por meio da iniciaccedilatildeo cientiacutefica promover accedilotildees que permitam ao

aluno vivenciar estudos cientiacuteficos em ambientes colaborativos e solidaacuterios

buscando projetar suas accedilotildees no campo do desenvolvimento social gerar

novas formas de participaccedilatildeo do cientista social com compromisso eacutetico e

solidaacuterio com a cidadania promovendo a sauacutede a preservaccedilatildeo do meio

ambiente a inclusatildeo social e ainda gerar qualidade de vida para todos

introduzir na rotina escolar a experimentaccedilatildeo cientiacutefica em laboratoacuterio

aprimorar as teacutecnicas da pesquisa cientiacutefica referendando-as como

instrumento legiacutetimo da aprendizagem promover accedilotildees articuladas entre os

alunos da escola com alunos do Ensino Meacutedio do Brasil e do mundo por meio

das tecnologias selecionar e utilizar ideias e procedimentos cientiacuteficos (leis

teorias modelos) para a resoluccedilatildeo de problemas selecionando procedimentos

experimentais

O projeto tem como meta promover accedilotildees no contraturno ampliando a

permanecircncia do aluno no Ensino Meacutedio de forma a incentivar a pesquisa

cientiacutefica e a solidariedade Aleacutem disso pretende responder agrave demanda de

alunos com problemas de aprendizagem (alunos da escola e de outras escolas

da comunidade) elaborar accedilotildees de conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto ao

uso proposital e enganoso de conhecimentos das ciecircncias e criar eventos que

discutam questotildees sobre por exemplo a relaccedilatildeo entre o meio ambiente o

consumo exagerado e a funccedilatildeo dos cientistas

O grupo de estudos de monitoria com alunos de outras escolas

acontece aos saacutebados A proposta eacute estudar conteuacutedos curriculares produzir

redaccedilatildeo elaborar artigos entre outras atividades O desenvolvimento do

pensamento criacutetico eacute estimulado quando os jovens satildeo provocados a agir como

ldquodetetivesrdquo procurando em jornais TV filmes e demais produtos afirmaccedilotildees

ou accedilotildees que deliberadamente usam os conhecimentos da ciecircncia para

ldquoenganar o consumidorrdquo

Haacute trecircs anos sob nova coordenaccedilatildeo o projeto foi reorganizado e teve

uma continuidade com um grupo de alunos e professores das disciplinas de

39

Quiacutemica Matemaacutetica e Sociologia tendo como objetivo a aprendizagem de

conceitos de Quiacutemica e Matemaacutetica relacionados agrave questatildeo da solidariedade

abordada na disciplina de sociologia Os alunos junto com o professor utilizam

o laboratoacuterio da escola para a confecccedilatildeo de sabatildeo sabonetes shampoo entre

outros produtos para fazer aulas experimentais de Quiacutemica Posteriormente

eles calculam o preccedilo (utilizando os conhecimentos de Matemaacutetica) e por fim

parte dos produtos eacute levada pelos alunos e outra eacute doada para instituiccedilotildees por

eles escolhidas Esse trabalho final eacute acompanhado pelo professor de

Sociologia

Conceitos de Quiacutemica tais como mistura soluccedilatildeo (soacutelida liacutequida

gasosa molecular iocircnica) reaccedilotildees dispersotildees o processo de dissoluccedilatildeo

coeficiente de solubilidade aacutecidos e bases entre outros satildeo estudados Em

Matemaacutetica satildeo trabalhados conceitos como o de porcentagem matemaacutetica

financeira caacutelculo de preccedilo noccedilatildeo de custo fixo noccedilotildees de estatiacutestica Em

relaccedilatildeo agraves questotildees sociais satildeo trabalhadas e desenvolvidas noccedilotildees de

participaccedilatildeo social

Projeto 4 Projeto Mais Vida

O projeto eacute uma parceria entre a Escola1 e o Parque Botacircnico e Escola

Municipal de Ecologia Presidente Jacircnio da Silva Quadros O Parque foi

fundado em 25 de abril de 1992 e eacute uma referecircncia em educaccedilatildeo ambiental

para a cidade e a regiatildeo Ocupa uma aacuterea de 23 mil metros quadrados com

exposiccedilatildeo de espeacutecies da fauna (aves e peixes) e flora (plantas ornamentais

medicinais toacutexicas carniacutevoras frutiacuteferas aacutervores nativas e exoacuteticas)

brasileiras Abriga tambeacutem a Sementeira Municipal que produz mudas para

abastecer os jardins parques e paisagismo da cidade

O projeto comeccedilou em 2000 quando a entatildeo coordenadora dos

projetos solidaacuterios numa visita ao parque soube que eles gostariam de

receber alunos das escolas municipais para visitaccedilatildeo mas natildeo podiam fazecirc-lo

por falta de monitores Naquela ocasiatildeo ela teve a ideia de oferecer ao parque

que alunos do Ensino Meacutedio poderiam se interessar por trabalhar

voluntariamente no contraturno escolar e a proposta foi bem recebida

40

O projeto comeccedilou com a capacitaccedilatildeo dos alunos e a organizaccedilatildeo do

trabalho Cada aluno participante se responsabilizava por duas horas de

monitoria direta ao puacuteblico aleacutem da participaccedilatildeo dos encontros de capacitaccedilatildeo

e planejamento das atividades

A abertura do parque para visitas monitoradas possibilitada pela

parceria foi tatildeo bem recebida pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo que

incluiu a visitaccedilatildeo no roteiro das EMEIs (Escola Municipal de Educaccedilatildeo Infantil)

e EMIs (Escola Municipal Integrada) da cidade Conforme a necessidade das

escolas atividades luacutedicas praacuteticas e criativas para melhorar o

aproveitamento das visitas foram desenvolvidas pelos proacuteprios alunos com a

orientaccedilatildeo da coordenadora pedagoacutegica do Parque e a coordenadora da

escola

Entre as accedilotildees desenvolvidas como desmembramento desse projeto

destaca-se o grupo de teatro e o Encontro de Educadores Ambientais ndash que

reuniam educadores estudantes profissionais e especialistas da aacuterea

ambiental para trocar informaccedilotildees e experiecircncias sobre preservaccedilatildeo de

recursos naturais da cidade de Satildeo Caetano do Sul e do Estado de Satildeo Paulo

Tambeacutem foi criada uma brinquedoteca no parque com materiais de

sucata arrecadados pela escola numa grande campanha promovida pelos

alunos voluntaacuterios O objetivo da brinquedoteca era o de ser um espaccedilo luacutedico

de aprendizagem e entretenimento aleacutem de oportunizar o desenvolvimento de

atividades dirigidas inclusive nos dias chuvosos Ao final do ano os voluntaacuterios

envolvidos recebiam um certificado pela participaccedilatildeo no projeto Os que

continuavam capacitavam os que estavam ingressando e nessa configuraccedilatildeo

o projeto se estendeu por oito anos ateacute a saiacuteda da coordenadora da Escola1

Hoje o projeto consta da proposta pedagoacutegica mas ldquoestaacute hibernandordquo

segundo o coordenador pedagoacutegico

12 Escola2 ndash Escola da Rede Puacuteblica Estadual de Ensino

A Escola2 foi construiacuteda em 1988 ainda com nome provisoacuterio para

atender o crescimento da demanda de alunos pois soacute havia uma escola no

local e estava superlotada Esse excedente de alunos compocircs o seu corpo

41

discente Foram convidados professores que residem na regiatildeo para formar o

quadro de professores

Quando inaugurada a escola contava com quatro salas de aula

banheiros masculino e feminino para os alunos e professores A diretoria a

secretaria e os professores dividiam a mesma sala Havia tambeacutem a cozinha

que eacute a mesma ateacute hoje

Em 1990 a escola foi nomeada em definitivo uma homenagem ao

fundador de uma empresa da regiatildeo que colabora com esta escola Com o

crescimento da demanda em 1991 a escola teve que ser ampliada Foi

construiacuteda uma sala ocupando parte do paacutetio Em 1996 com a reorganizaccedilatildeo

a escola passou a funcionar em dois periacuteodos antes funcionava em quatro

periacuteodos atendendo apenas a alunos das seacuteries iniciais (Ciclo I)

A escola atende a quase 900 alunos e tem um quadro de 32

professores Segundo a Coordenadora Pedagoacutegica (CPE2) todos satildeo

formados e eacute baixa a rotatividade o que eacute compreendido como um dos fatores

de qualidade da execuccedilatildeo do projeto pedagoacutegico ldquonoacutes temos 32 professores

pelo menos 20 tem poacutes A maioria dos professores jaacute eacute da casa e estatildeo aqui haacute

algum tempo Digamos que 20 professores jaacute estatildeo aqui haacute muito tempo []

Nossa rotatividade eacute muito pequena e isso garante um padratildeo de qualidade

melhor na educaccedilatildeo oferecidardquo Quanto agraves instalaccedilotildees na parte externa da

escola haacute uma quadra poliesportiva atualmente reformada sala de Educaccedilatildeo

Artiacutestica jardim horta playground uma casinha do conto feita de madeira de

reflorestamento e uma grande parte do terreno acidentado com aacutervores de

diversas espeacutecies sendo que a grande maioria satildeo eucaliptos

Sobre a comunidade constatou-se que as famiacutelias em meacutedia residem

no bairro entre 2 a 10 anos e algumas entre 10 e 15 anos Um grande nuacutemero

da comunidade atendida pela escola mora nos apartamentos do CDHU e

conjuntos habitacionais cedidos pelo Governo do Estado e pela Prefeitura

(movimento iniciado em 1990) aleacutem de 38 possuiacuterem casa proacutepria e 22

viverem de aluguel

Quanto agrave meacutedia de renda familiar 30 estatildeo desempregados 10

ganham ateacute quinhentos reais por mecircs 20 recebem mais de mil reais por

42

mecircs e 40 ganham ateacute mil reais Em relaccedilatildeo agrave escolaridade 60 possuem o

Ensino Meacutedio completo 30 o Ensino Fundamental completo 5 possuem

Ensino fundamental incompleto e 5 ensino superior22

A Escola2 tem como missatildeo construir uma sociedade mais justa

autecircntica solidaacuteria e saudaacutevel na qual os sujeitos sejam mais conscientes dos

acontecimentos gerais Entre seus objetivos destaca-se assegurar ao

educando a formaccedilatildeo para o exerciacutecio da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir em estudos posteriores proporcionar o conhecimento do ambiente

natural e social do sistema poliacutetico da tecnologia da arte do esporte e dos

valores em que se fundamenta a sociedade fortalecer os viacutenculos de famiacutelia

dos laccedilos de solidariedade humana e de toleracircncia reciacuteproca em que se

assenta a vida social incentivar a elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de projetos que

possibilitem o aperfeiccediloamento da accedilatildeo educativa buscar a interaccedilatildeo entre

escola e comunidade de forma contiacutenua favorecendo a compreensatildeo dos

fatores poliacuteticos sociais culturais e psicoloacutegicos que se expressam no

ambiente escolar ficando demarcada pelas atribuiccedilotildees e responsabilidades

Vale pontuar que a escola estaacute situada na regiatildeo de Perus onde a

questatildeo dos aterros sanitaacuterios23 eacute marcante O Aterro Bandeirantes se localiza

no sentido SO do Distrito de Perus jaacute na divisa com o Distrito do Jaraguaacute local

caracterizado por grandes trechos de aacutereas protegidas do Parque do Jaraguaacute a

oeste e do Parque Estadual da Serra da Cantareira a leste

Com uma aacuterea total de 1400000msup2 o Aterro Bandeirantes estaacute

desativado desde marccedilo de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido

ateacute 2006 cerca de 36 milhotildees de toneladas de resiacuteduos Nesse periacuteodo

recebia metade de todo o lixo produzido diariamente em Satildeo Paulo (CALIXTO

2012)

Esse trabalho jaacute valeu agrave Prefeitura de Satildeo Paulo uma das

participantes do projeto o equivalente a 800 mil toneladas de creacuteditos de

22

Fonte Projeto Pedagoacutegico da escola

23 Aterros sanitaacuterios satildeo locais para onde os resiacuteduos soacutelidos urbanos podem ser destinados

Diferentemente dos lixotildees (depoacutesitos a ceacuteu aberto) nos aterros sanitaacuterios existe toda uma preparaccedilatildeo do solo para que natildeo haja contaminaccedilatildeo do lenccedilol freaacutetico e das aacutereas de entorno assim como o monitoramento do ar para que sejam verificadas as emissotildees de gases provenientes dos resiacuteduos ali enterrados

43

carbono de acordo com as normas do Protocolo de Quioto (acordo para

reduzir a emissatildeo de gases de efeito estufa) que deve render aos cofres

municipais quantia proacutexima R$ 40 milhotildees (PEDROZO 2008)

No entanto a populaccedilatildeo local natildeo participou do processo decisoacuterio dos

investimentos recebendo uma parte iacutenfima dos benefiacutecios gerados pelos

contratos alguns parques revitalizados alguns mutirotildees de limpeza urbana e

uma cota de energia eleacutetrica Aleacutem disto em alguns casos a populaccedilatildeo foi

pressionada a deixar os periacutemetros de intervenccedilatildeo dos projetos quando se

encontraram no caminho dos projetos urbano-ambientais (RIZZI 2011)

O principal projeto desenvolvido pela Escola2 eacute o Projeto Reciclar O

projeto comeccedilou para se resolver um problema interno da escola Apoacutes o

recreio percebia-se que o paacutetio ficava muito sujo Mesmo disponibilizando

cestos por todo o ambiente o lixo era jogado no chatildeo e por causa disso

muitos pombos comeccedilaram a aparecer

Buscando resolver tal situaccedilatildeo a coordenaccedilatildeo da escola comeccedilou a

conversar com os alunos mostrando que jogar o lixo no chatildeo natildeo estava certo

e ainda ajudava na proliferaccedilatildeo dos pombos que transmitem doenccedilas

Aproveitando o momento a escola comeccedilou a trabalhar de fato a questatildeo do

lixo como um projeto interdisciplinar A conscientizaccedilatildeo comeccedilou com a

exibiccedilatildeo da seacuterie O mundo de Valentina24 que trata de questotildees referentes ao

desenvolvimento sustentaacutevel consumo consciente destino do lixo a vida dos

catadores a reciclagem e a reutilizaccedilatildeo os aterros sanitaacuterios entre outros

temas

As professoras de todas as seacuteries foram estimuladas a incluir de

acordo com a seacuterieano uma atividade curricular referente agrave reciclagem de

acordo com o conteuacutedo que estivessem desenvolvendo No 1ordm ano os alunos

fizeram listas dos materiais que podem ser reciclados o que colocar em cada

cesto colorido confeccionaram cartaz ilustrando o que aprenderam com

24

O Mundo de Valentina eacute uma seacuterie de televisatildeo exibida pela Rede Globo durante a programaccedilatildeo do Fantaacutestico em junho de 2007 Foram 5 episoacutedios onde o casal de jornalistas Gabriel Moojen e Fran Zanon tentou descobrir como seria o mundo da filha deles a Valentina quando ela fizer 36 anos a idade do pai A seacuterie trata de meio ambiente e das questotildees da aacutegua do lixo do clima dos alimentos e do consumo A seacuterie pode ser assistida na Internet em vaacuterios canais disponiacuteveis no Youtube (O MUNDO DE VALENTINA 2013)

44

pequenos textos de produccedilatildeo oral com destino escrito nos 2ordm anos fizeram um

painel Vocecirc sabia os alunos do 3ordm ano produziram folhetos explicativos

para distribuir para a comunidade com informaccedilotildees sobre a importacircncia da

reciclagem o 4ordm ano elaborou siacutenteses resumos e pesquisas diversas e o 5ordm

Ano produziu um jornal mural

Para destinar corretamente o material arrecadado com a reciclagem a

escola fez uma parceria com uma cooperativa do bairro que passou a recolhecirc-

lo toda semana As famiacutelias foram incentivas a separar o lixo em casa e trazer

para a escola contribuindo com a cooperativa e tambeacutem a educaccedilatildeo das

crianccedilas Com o desenvolvimento do projeto percebe-se na escola uma melhor

limpeza do paacutetio apoacutes o recreio A comunidade estaacute aos poucos aderindo ao

projeto e a escola jaacute virou ponto de coleta seletiva do bairro A cooperativa

reconhece a relevacircncia do projeto uma vez que depende da doaccedilatildeo das

escolas da regiatildeo como principal fonte de entrada de material portanto de

renda

Entre os objetivos da escola em desenvolver esse projeto estaacute a

intenccedilatildeo de se trabalhar com situaccedilotildees de aprendizagem pensadas a partir de

propostas de intervenccedilatildeo na realidade Segundo o Plano Pedagoacutegico a escola

busca desenvolver estrateacutegias onde os alunos possam compreender as

consequecircncias ambientais de suas accedilotildees nos locais onde estudam e

convivem considerando que a soluccedilatildeo dos problemas ambientais deve ser em

acircmbito local O projeto envolve a comunidade escolar (professores alunos

pais funcionaacuterios e direccedilatildeo) e a comunidade (empresas cooperativas

organizaccedilotildees sociais e vizinhos) criando um clima de trabalho colaborativo

baseado na responsabilidade e na solidariedade

Entre os principais objetivos destacam-se

bull possibilitar aos alunos oportunidades para que modifiquem

atitudes e praacuteticas pessoais adotando posturas na escola em casa e em sua

comunidade que os levem a interaccedilotildees de cuidado e atenccedilatildeo com a sociedade

bull observar e analisar fatos e situaccedilotildees sobre os tipos de lixo do

ponto de vista ambiental reconhecendo a necessidade e as oportunidades de

atuar para se produzir menos lixo

45

bull instrumentalizar os alunos na compreensatildeo da realidade e na

busca de soluccedilotildees para questotildees sociais possibilitando participar dos

problemas fundamentais e urgentes da vida social e

bull conscientizar o aluno para a necessidade de pensar na questatildeo

do lixo na reciclagem nos comportamentos responsaacuteveis de ldquoPRODUCcedilAtildeO e

DESTINO do lixo na escola casa e espaccedilos em comum

13 Escola3 ndash Escola da Rede Privada

A Escola3 estaacute situada em um ldquobairro nobrerdquo da regiatildeo oeste da cidade

de Satildeo Paulo e ocupa uma aacuterea de 50 mil msup2 O atual terreno foi doado em

1953 pela Light de Satildeo Paulo Nessa eacutepoca o bairro era cortado por estradas

de terra e o terreno localizado na vaacuterzea do Rio Pinheiros era pantanoso e

isolado cercado por pastos

A Escola3 funciona em meio a extensos jardins e aacutereas abertas

destinadas a quadras esportivas e paacutetios Possui seis salas de aula para a

Educaccedilatildeo Infantil duas salas especiais de uso comum e um ateliecirc Para os

alunos do Ensino Fundamental I e II satildeo trinta salas de aula dez salas

especiais dois laboratoacuterios de Ciecircncias duas salas de Muacutesica e duas salas de

Artes (espaccedilo em expansatildeo com a reforma do campus) Os alunos do Ensino

Meacutedio e EJA (Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos) contam com dezoito salas de

aula Haacute tambeacutem laboratoacuterios de Quiacutemica Fiacutesica e Biologia

Possui um teatro com ateacute 900 lugares (que tambeacutem atende ao puacuteblico

em geral25) biblioteca26 com aproximadamente 33 mil volumes (que dispotildee de

salotildees para leitura individual e trabalho em grupo aleacutem de computadores para

consulta ao acervo e pesquisa na Internet) Centro de Tecnologias27 (com seis

25

Concebido por J C Serroni e Edson Elito eacute um espaccedilo muacuteltiplo a parte frontal e as laterais satildeo moacuteveis e possibilitam um espaccedilo cecircnico de variadas formas palco italiano palco elisabetano arena completa semi-arena passarela Aleacutem da flexiacutevel sala de espetaacuteculos que pode comportar de 500 a 900 lugares o Teatro abriga ampla aacuterea para coqueteacuteis e exposiccedilotildees uma sala de ensaios e camarins

26 Com um acervo permanentemente atualizado conta com obras literaacuterias cientiacuteficas e de

referecircncia agrave disposiccedilatildeo dos professores funcionaacuterios e alunos Aleacutem disso assina jornais e revistas nacionais e estrangeiras mantendo a hemeroteca sempre atualizada

27 No total satildeo cerca de 200 computadores utilizados para aulas projetos pesquisas e

trabalhos escolares

46

salas multimiacutedia) laboratoacuterios (de Ciecircncias Quiacutemica Fiacutesica e Biologia) campo

de futebol oficial gramado ginaacutesio de esportes (com palco quadras e

arquibancadas) pista de atletismo miniginaacutesio coberto onze quadras

polivalentes para praacutetica de futebol de salatildeo vocirclei basquete e handebol dojo

anfiteatro com 200 lugares capelas28 playgrounds e abundante aacuterea verde

As principais atividades e projetos solidaacuterios desenvolvidos pela escola

satildeo

Projeto 1 Accedilatildeo Comunitaacuteria no Ensino Fundamental II

No Ensino Fundamental II os alunos passam a participar de atividades

voluntaacuterias mantidas pelo Projeto Social da escola Na 5ordf seacuterie no 6ordm ano essa

colaboraccedilatildeo eacute ainda eventual A partir da 6ordf seacuterie os voluntaacuterios se envolvem

com todo um projeto assumindo o compromisso de frequentaacute-lo ateacute a

conclusatildeo

Em 2011 os alunos participam das seguintes frentes de trabalho

5ordf seacuterie Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia e Centro de

Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova (faixa etaacuteria das crianccedilas atendidas de

0 a 6 anos)

6ordf seacuterie Centro da Crianccedila e do Adolescente - CCA (faixa etaacuteria das

crianccedilas atendidas de 6 a 10 anos) e Escola Alfredo Paulino (faixa

etaacuteria das crianccedilas atendidas de 8 anos)

7ordf e 8ordf seacuteries CCA Bom Jesus ndash Projeto

CiecircnciasPortuguecircsFrancecircs (faixa etaacuteria atendida de 7 a 13 anos)

Escola Alfredo Paulino ndash Projeto de acompanhamento escolar (faixa

etaacuteria atendida 8 anos) CCA ndash Curso de Roboacutetica (faixa etaacuteria

atendida de 11 a 14 anos) e Aldeia Indiacutegena ndash Projeto

HistoacuteriaGeografiaArtes (faixa etaacuteria atendida de 2 a 12 anos)

8ordf seacuterie Casa Ronald ndash Projeto Leitura destinado a crianccedilas e

adolescentes em tratamento quimioteraacutepico

28

Haacute duas capelas no Coleacutegio uma delas anexa ao preacutedio do Ensino Fundamental e outra em um dos preacutedios do Ensino Meacutedio A capela do Ensino Meacutedio tem vitrais do artista plaacutestico Alfredo Volpi

47

Projeto 2 Projeto Social

O Projeto Social manteacutem dois Centros de Educaccedilatildeo Infantil

responsaacuteveis por atender a mais de 170 crianccedilas de ateacute 4 anos moradoras da

comunidade Vila Nova Jaguareacute Integrados em sua proposta pedagoacutegica os

CEIs estruturam o trabalho em quatro eixos curriculares Identidadeautonomia

Linguagens e situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Desenvolvimento luacutedico e motor

Conhecimento de mundo

As crianccedilas permanecem nos centros em tempo integral realizando

atividades que tecircm como objetivo natildeo apenas o cuidado mas o

desenvolvimento integral do aluno como um ser autocircnomo complementando a

accedilatildeo da famiacutelia e da comunidade A Educaccedilatildeo Infantil incentiva assim a

curiosidade e a criatividade proporcionando agrave crianccedila a possibilidade de

reconhecer como prazerosas as suas construccedilotildees subjetivas

Os recursos vindos da proacutepria escola de convecircnios com a Secretaria

de Educaccedilatildeo da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo satildeo indispensaacuteveis para

garantir a qualidade da educaccedilatildeo oferecida

Projeto 3 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Santa Luzia

Eacute administrada pela mantenedora da escola com o apoio do SAN

(Serviccedilo de Auxiacutelio aos Necessitados) e atende diariamente a 120 crianccedilas de

ateacute 4 anos de idade Eacute mantida por meio de convecircnio da mantenedora com a

Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira doze professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 120 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

48

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

Projeto 4 Centro de Educaccedilatildeo Infantil Vila Nova Jaguareacute

Eacute administrada pela mantenedora com o apoio do SAN e atende

diariamente a 155 crianccedilas de ateacute 4 anos de idade Tambeacutem eacute mantida pelo

mesmo convecircnio e com a Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo e de recursos do

SAN

A equipe responsaacutevel eacute composta por uma diretora uma coordenadora

pedagoacutegica uma enfermeira dezesseis professoras uma cozinheira duas

auxiliares de cozinha e uma auxiliar de limpeza

As 155 crianccedilas satildeo apoiadas pelo Centro de Atendimento

Interdisciplinar que oferece agraves crianccedilas

- exame oftalmoloacutegico anual realizado nos consultoacuterios meacutedicos

- exame de avaliaccedilatildeo pediaacutetrica mensal

- tratamento dentaacuterio e programa de prevenccedilatildeo para a sauacutede bucal

(parceria do SAN com o Odontoprev)

- triagem e tratamento fonoaudioacutelogo

- acompanhamento e atendimento psicoloacutegico

A participaccedilatildeo dos pais e matildees como voluntaacuterios do Projeto Social tem

duplo objetivo a educaccedilatildeo da eacutetica da solidariedade junto aos filhos e o

desenvolvimento dos projetos sociais nas comunidades

Aleacutem dos nuacutecleos ligados ao CATI (Centro de Atendimento

Interdisciplinar) haacute tambeacutem o Nuacutecleo Voluntaacuterio da Moda que reuacutene matildees

voluntaacuterias para apoiar o curso profissionalizante de Costura e Modelagem

realizado na comunidade Vila Nova Jaguareacute

49

Para obter os recursos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo de seus programas

aleacutem de receber financiamentos via FUMCAD29 o Projeto Social organiza

anualmente dois eventos tradicionais do calendaacuterio da escola a Festa Junina

em junho e a Feijoada da Primavera em setembro ou outubro onde mais de

800 pais e matildees participam

Cursos agrave comunidade

A oferta de ensino noturno configura um compromisso assumido pela

escola e pela mantenedora de atuar junto agrave comunidade em que estaacute inserida

No iniacutecio do primeiro semestre de 2012 o nuacutemero de matriacuteculas eacute de 543

alunos 314 no curso de Ensino Fundamental de EJA 163 no curso de Ensino

Meacutedio de EJA e 66 nos cursos teacutecnicos de Administraccedilatildeo e de Logiacutestica que se

iniciam

Os cursos de EJA e os cursos teacutecnicos satildeo gratuitos sendo

financiados pela escola por meio de bolsas de estudos de 100 do valor da

mensalidade Agrave gratuidade somam-se programas de apoio agrave permanecircncia do

aluno na escola na forma de subsiacutedio ao transporte e agrave alimentaccedilatildeo no

periacuteodo das aulas Nas situaccedilotildees em que haacute mais candidatos do que vagas o

principal criteacuterio de aceitaccedilatildeo do aluno eacute a sua situaccedilatildeo econocircmica

favorecendo aqueles em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade social

Haacute tambeacutem a oferta de educaccedilatildeo aos jovens do Jaguareacute (Centro

Cultural e Profissionalizante Jaguareacute) feita pela mantenedora Laacute satildeo

oferecidos trecircs cursos Gastronomia Costura Industrial e Informaacutetica aleacutem dos

cursos de Empreendorismo e Roboacutetica

Aleacutem disso a mantenedora organizou um espaccedilo cultural localizado

estrategicamente na praccedila central da comunidade (Praccedila XI o Centro Cultural

fica na Rua Assum 49) para acolher as manifestaccedilotildees artiacutesticas e culturais jaacute

existentes e estimular a educaccedilatildeo das crianccedilas e jovens para outras

linguagens artiacutesticas e culturais O Centro Cultural da escola dispotildee de nove

29

Parte da renda do Projeto Social Santa Cruz proveacutem da possibilidade de a comunidade Santa Cruz doar parte do imposto de renda devido via FUMCAD para o aprimoramento do trabalho que integra as accedilotildees do SAN e da Congregaccedilatildeo de Santa Cruz especialmente na Vila Nova Jaguareacute (perfazendo um total de aproximadamente trecircs milhotildeesano)

50

salas para a organizaccedilatildeo das atividades Tambeacutem haacute uma biblioteca com 15

mil tiacutetulos

No Curso de Gastronomia e Excelecircncia em Atendimento ao Cliente os

participantes aprendem a fazer pratos da cozinha tradicional e contemporacircnea

(cortes caldos molhos panificaccedilatildeo pizzas e sobremesas) bem como o

manuseio de utensiacutelios da cozinha e elaboraccedilatildeo de cardaacutepio No curso de

Costura e Modelagem e Marketing Pessoal se forma as piloteiras industriais

que podem trabalhar em oficinas e confecccedilotildees das mais diversas profissotildees do

mercado de moda As aulas satildeo ministradas a 60 alunas jovens e adultas da

comunidade do Jaguareacute em 19 maacutequinas de costura industrial O curso tem

duraccedilatildeo de quatro semestres (244 horas) em trecircs diferentes niacuteveis baacutesico

intermediaacuterio e avanccedilado

O Projeto Educacional do Centro de informaacutetica eacute amplo pretende

formar jovens cidadatildeos e natildeo apenas treinaacute-los em Informaacutetica As atividades

incluem reforccedilo em Portuguecircs e Matemaacutetica dinacircmica de grupo visitas

culturais atendimento psicoloacutegico aulas de Eacutetica e Cidadania relacionamento

interpessoal orientaccedilatildeo vocacional aleacutem da iniciaccedilatildeo agraves teacutecnicas de

Informaacutetica (Word Excel Internet Power Point e blog) O participante tambeacutem

desenvolve as habilidades necessaacuterias para ingressar em uma empresa

compreendendo sua estrutura as responsabilidades e rotinas das aacutereas

funcionais e a importacircncia da boa comunicaccedilatildeo no ambiente empresarial O

curso tem duraccedilatildeo de nove meses e atende 44 jovens de 16 a 18 anos

moradores da comunidade do Jaguareacute

A mantenedora da escola em parceria com a Ashoka organizaccedilatildeo

social de atuaccedilatildeo internacional na aacuterea do empreendorismo social organiza

vaacuterios projetos visando desenvolver jovens empreendedores na comunidade

(Geraccedilatildeo Muda-Mundo) Como parte do projeto de formaccedilatildeo integral da escola

que objetiva despertar no educando a responsabilidade social e a consciecircncia

de seu papel transformador alunos da 7ordf seacuterie participam voluntariamente de

um curso de Roboacutetica oferecido a adolescentes da comunidade Vila Nova

Jaguareacute

No caso dos alunos do coleacutegio a atividade eacute extensatildeo do curso

opcional de Roboacutetica frequentado por esses voluntaacuterios durante a 6ordf seacuterie

51

Durante um semestre eles foram introduzidos ao tema realizando montagem

de protoacutetipos e elaborando programas informatizados para o comando das

peccedilas construiacutedas Nos encontros ocorridos semanalmente no Centro Cultural

e Profissionalizante que integra o Projeto Social os alunos do coleacutegio

desenvolvem junto aos adolescentes do Jaguareacute um projeto temaacutetico O

objetivo eacute criar ao longo do ano o protoacutetipo de uma cidade capaz de

proporcionar mobilidade satisfatoacuteria aos habitantes ndash no que diz respeito ao

transporte tanto puacuteblico como privado

Entre os projetos desenvolvidos o selecionado para acompanhamento

desta pesquisa foi o desenvolvido pelos alunos do Ensino Fundamental II com

a Escola Estadual Djekupeacute Amba Arandu na aldeia indiacutegena Guarani no

Jaraguaacute na zona norte da cidade de Satildeo Paulo

14 Escola4 Escola da rede particular profissionalizante

A Escola4 iniciou suas atividades em 1949 Ao longo do tempo a

escola trabalhou com ocupaccedilotildees de aacutereas diversificadas mecacircnica

metalurgia eletricidade e tecircxtil No iniacutecio dos anos 1990 a escola passou a

atender prioritariamente o setor de refrigeraccedilatildeo e ar-condicionado oferecendo

curso teacutecnico e treinamentos Em 1995 foi pioneira na implantaccedilatildeo de um

curso de educaccedilatildeo agrave distacircncia para mecacircnica de refrigeraccedilatildeo e ar-

condicionado (refrigeraccedilatildeo domeacutestica)

A partir do ano de 2001 o SENAI implementou um projeto de

modernizaccedilatildeo da escola O curso teacutecnico foi reformulado adequando-se agrave

nova legislaccedilatildeo educacional afinando agrave sintonia com o desenvolvimento

teacutecnico do setor e possibilitando a habilitaccedilatildeo de Teacutecnico em Refrigeraccedilatildeo e

Climatizaccedilatildeo e duas qualificaccedilotildees profissionais de niacutevel teacutecnico

A Escola4 tem como missatildeo promover a potencialidade e o talento dos

alunos integrando a educaccedilatildeo ao trabalho e agrave praacutetica social para o verdadeiro

exerciacutecio da cidadania e preparaccedilatildeo para o mundo produtivo

Satildeo valores da escola declarados no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

- priorizar a disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico

52

- promover o trabalho em equipe

- agregar maior valor aos processos e

- possuir compromisso eacutetico com a sociedade a comunidade e o

meio ambiente

Visa priorizar valores como a promoccedilatildeo do trabalho em equipe primar

pela disseminaccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico ter compromisso eacutetico com a

sociedade comunidade e meio ambiente incluindo a realizaccedilatildeo profissional

A Escola4 situa-se na zona leste da cidade de Satildeo Paulo e conta com

uma aacuterea de 7111msup2 alojando os laboratoacuterios especializados em

Termofluidomecacircnica Automaccedilatildeo Predial Comandos Eleacutetricos Informaacutetica

CLP (Controladores Loacutegicos e Programaacuteveis) Desenho e Projetos - CAD e as

Oficinas de Refrigeraccedilatildeo Residencial Refrigeraccedilatildeo Comercial Refrigeraccedilatildeo

Industrial (Amocircnia) Refrigeraccedilatildeo Danfoss Climatizaccedilatildeo Predial Climatizaccedilatildeo

Automotiva Reoperaccedilatildeo de Unidade Selada Instalaccedilatildeo de Condicionador de

Ar Tipo Split

Quanto agrave situaccedilatildeo socioeconocircmica a populaccedilatildeo do bairro estaacute

distribuiacuteda por classes que vatildeo da baixa a meacutedia alta e com favelas situadas

nas proximidades A comunidade conta com todos os recursos de infraestrutura

necessaacuterios ao seu atendimento aacutegua luz esgoto ruas pavimentadas

seguranccedila puacuteblica escolas puacuteblicas e privadas em todos os niacuteveis

universidades hospitais transporte de ocircnibus e ferroviaacuterio proacuteximos agraves aacutereas

de lazer (Parque e Museu do Ipiranga Clube do SESC - Ipiranga Clube da

Prefeitura etc) Ainda na regiatildeo do Ipiranga localizam-se tambeacutem mais trecircs

Escolas SENAI

Programa Comunitaacuterio de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Parceria com o Centro de Formaccedilatildeo Profissional ldquoJoseacute Gomesrdquo instalado

desde o final de 1992 Eacute conveniado com a SAS (Secretaria Municipal de

Assistecircncia Social) desde fevereiro de 1994 Localizado na Vila Gumercindo

atende aleacutem da populaccedilatildeo do entorno a populaccedilatildeo da Vila Mercecircs Satildeo

Saveacuterio Helioacutepolis Jardim Cliacutemax Vila Carioca Sacomatilde Cingapura da Av Dr

Ricardo Jafet e adolescentes encaminhados pelo Nuacutecleo Socioeducativo da

53

regiatildeo (distritos de Cursino Ipiranga e Sacomatilde) Atende tambeacutem a alunos em

semi-liberdade da Fundaccedilatildeo Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente) alunos de classes especiais jaacute alfabetizados indicados pela 16ordf

Diretoria de Ensino de Satildeo Paulo e adolescentes encaminhados pelo Conselho

Tutelar

Oferece proteccedilatildeo social formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo profissional aos

adolescentes em situaccedilatildeo de risco social visando a possibilidade de sua

inserccedilatildeo no mercado de trabalho levando-o a reconhecer a funccedilatildeo social do

trabalho como accedilatildeo transformadora da realidade direito de cidadania

fortalecendo sua autoestima ampliando seu universo cultural e informacional e

desenvolvendo valores eacuteticos de cidadania e incentivando a sua participaccedilatildeo

na vida puacuteblica Nessa parceria a escola desenvolve o Programa Comunitaacuterio

de Formaccedilatildeo Profissional (PCFP)

Seus projetos solidaacuterios visam colaborar com a qualidade ambiental

Os resiacuteduos de plaacutestico papel e vidro satildeo doados para a cooperativa de

reciclagem onde seratildeo vendidos revertendo para ajudar na subsistecircncia dos

cooperados O resiacuteduo de oacuteleo vegetal coletado eacute doado a uma ONG que

transforma o material em sabatildeo As pilhas e baterias descartadas satildeo levadas

a postos de coleta de empresas que trabalham com responsabilidade social

As latas de alumiacutenio descartadas satildeo vendidas e o valor arrecadado eacute revertido

em cestas baacutesicas para pessoas com baixa renda

A escola desenvolve palestras de sensibilizaccedilatildeo buscando a

conscientizaccedilatildeo das boas praacuteticas na comunidade Promove a Semana da

SIPAT e do Meio Ambiente focando especificamente esse contexto sempre

motivando o aluno a participar dessas accedilotildees

Os alunos participaram ativamente de campanhas solidaacuterias

recebendo doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registrando e

organizando as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos)

e entregando o material coletado em instituiccedilotildees da comunidade do Helioacutepolis

e Sacomatilde proacuteximas agrave escola

54

2 Seleccedilatildeo das escolas

Visando partir de um cenaacuterio onde pudeacutessemos analisar escolas que

se reconhecem enquanto ldquoescolas solidaacuteriasrdquo consideramos convidar

instituiccedilotildees entre as que jaacute receberam o ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo Criado em

2003 pelo Instituto Faccedila Parte em parceria com o MEC o Consed a Undime e

a UNESCO o Programa visa estimular a praacutetica da educaccedilatildeo solidaacuteria nas

escolas de educaccedilatildeo baacutesica

Na concepccedilatildeo do projeto ldquoescola solidaacuteriardquo eacute aquela que entre as suas

atividades (FACcedilA PARTE 2012a)

- Desenvolve projetos de voluntariado educativo ou de aprendizagem

e serviccedilo solidaacuterio Tais projetos satildeo aqueles em que os alunos satildeo

motivados a resolverem problemas reais aplicando o conhecimento

aprendido na escola e na vida para transformar uma realidade com

a qual natildeo concordam

- Trabalha a partir de uma gestatildeo democraacutetica

- Integra em suas disciplinas conteuacutedos relativos a meio ambiente

cidadania direitos humanos consumo consciente sustentabilidade

etc promovendo uma educaccedilatildeo para a paz aproveitando a

diversidade cultural como espaccedilo de aprendizagem

- Une a teoria agrave praacutetica em atividades envolvendo toda a

comunidade escolar

- Incentiva praacuteticas como a de monitoria entre seus alunos (quem

sabe mais estuda com sabe menos) estimulando no cotidiano da

escola atitudes de solidariedade

- Promove parcerias com outras escolas e instituiccedilotildees como asilos

creches ONGs etc visando fortalecer o sentido puacuteblico da

educaccedilatildeo e ampliar os espaccedilos educativos e

- Repassa os conhecimentos gerados na escola para a comunidade

ajudando-a a resolver seus principais problemas e assim busca

enriquecer a qualidade da educaccedilatildeo que oferece melhorando a

qualidade de vida da comunidade

55

De acordo com o Instituo Faccedila Parte promotor do Selo Escola

Solidaacuteria satildeo objetivos desse projeto (FACcedilA PARTE 2012b)

- Reconhecer e fortalecer a escola como nuacutecleo de cidadania em sua

proacutepria comunidade

- Propiciar a troca de experiecircncias e articulaccedilotildees entre escolas com

a online Rede de Escolas Solidaacuterias onde eacute possiacutevel conhecer as

escolas e as atividades que desenvolvem por meio de uma busca

avanccedilada que permite encontrar experiecircncias por niacutevel de ensino

tema aacuterea de atuaccedilatildeo localidade entre outros (FACcedilA PARTE

2012c)

- Divulgar as accedilotildees e os projetos de voluntariado educativo

desenvolvido pelas Escolas Solidaacuterias

- Identificar escolas que desenvolvem projetos de voluntariado

educativo no Brasil e

- Criar um banco de dados a fim de promover a divulgaccedilatildeo das

atividades e projetos e desta forma valorizar a educaccedilatildeo para a

solidariedade

Segundo o Dicionaacuterio Michaelis (2004) selo significa ldquocunho distintivo

marca sinalrdquo O Selo Escola Solidaacuteria foi pensado para reconhecer a escola

pela educaccedilatildeo solidaacuteria que ela oferece imprimindo-lhe uma ldquomarcardquo que a

valorizasse junto agrave sua comunidade escolar visando reforccedilar a sua imagem

como nuacutecleo de cidadania valorizando-a para a sociedade pela qualidade

humanizadora da educaccedilatildeo que oferece

Para que o Selo Escola Solidaacuteria natildeo fosse confundido com um projeto

de ldquopremiaccedilatildeordquo (no sentido de promover uma competiccedilatildeo entre as escolas) ou

ldquosegregadorrdquo os parceiros adotaram como princiacutepios

- Natildeo divulgar a pontuaccedilatildeo da escola para natildeo promover o

ranqueamento entre as escolas participantes em nenhuma ediccedilatildeo

- Natildeo exigir que a escola desenvolva um projeto ou atividade

especiacutefica para submeter ao Selo Para se inscrever a escola

preenche uma autoavaliaccedilatildeo onde descreve uma atividade ou

projeto que esteja desenvolvendo com a comunidade escolar Natildeo

era exigido que houvesse um nuacutemero de alunos especiacutefico ou uma

56

determinada faixa etaacuteria (niacutevel de ensino) tampouco a aacuterea de

atuaccedilatildeo ou disciplina ou qualquer outro recorte A diversidade era

respeitada e desejada A uacutenica exigecircncia era ser uma atividade que

estivesse em andamento no momento da inscriccedilatildeo e que estivesse

de acordo com o voluntariado educativo ou seja que estivesse

desenvolvendo atividades de intervenccedilatildeo social com proposta

formativa

- Natildeo faz distinccedilatildeo entre escolas que estivessem comeccedilando uma

atividade ou jaacute tivesse iniciado haacute anos se a atividade menos ou

mais complexa em termos de nuacutemero de participantes e impactos

alcanccedilados

- Toda escola que se escrevia por adesatildeo espontacircnea respeitando

as regras descritas no manual que recebiam de participaccedilatildeo

recebiam o Selo Natildeo havia um nuacutemero preacute-determinado porque a

ideia natildeo era promover a ldquoescola vencedorardquo Para ser uma Escola

Solidaacuteria era preciso relatar uma atividade que estivesse em

andamento onde o aluno pudesse inferir contribuindo para

melhorar uma realidade com a qual natildeo concorda

3 Selo Escola Solidaacuteria

O Selo Escola Solidaacuteria foi um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Natildeo teve a intenccedilatildeo de ser uma pesquisa nem um processo avaliativo A

veracidade das informaccedilotildees apresentadas era de responsabilidade das

escolas No momento da inscriccedilatildeo a escola ficava ciente de que o relato de

atividade por ela inscrito seria divulgado publicamente Tal expectativa em si

propiciava um controle social As escolas participantes tambeacutem ficavam cientes

de que poderiam receber visitadas de algum representante do Instituto Faccedila

Parte ou do coordenador regional do Selo Escola Solidaacuteria30

30

Havia em cada estado dois coordenadores das accedilotildees do Selo Escola Solidaacuteria um nomeado pelo Consed (para as escolas da rede estadual) e outro pela Undime (para as escolas da rede municipal) Eles eram convidados tanto para participarem de encontros

57

O Selo Escola Solidaacuteria teve cinco ediccedilotildees 2003 2005 2007 2009 e

2011 desenvolvidas em parceria com o MEC o Consed a Undime a

UNESCO (e a partir de 2009 com a OEI e o UNICEF) Ao todo 23690

escolas de educaccedilatildeo baacutesica de todo o Paiacutes receberam o Selo Para participar

a escola precisava ter o registro junto ao INEPMEC e preencher o formulaacuterio

de inscriccedilatildeo e a autoavaliaccedilatildeo disponibilizada pelo site do Faccedila Parte

gratuitamente A participaccedilatildeo era garantida por meio do preenchimento da ficha

de inscriccedilatildeo e de uma autoavaliaccedilatildeo como anteriormente mencionado Para

receber o Selo os criteacuterios analisados na inscriccedilatildeo estavam relacionados agrave

atividade relatada e desenvolvida pela escola Satildeo eles relevacircncia (a

importacircncia sentida pelos participantes ndash escola e comunidade atendida)

coerecircncia (accedilotildees coerentes com a proposta apresentada) impacto (resultados

sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados) e a atividade estar em desenvolvimento no

ano da inscriccedilatildeo

A autoavaliaccedilatildeo foi o instrumento utilizado para provocar a reflexatildeo da

escola garantir a sua participaccedilatildeo e obter um banco de praacuteticas Como se

tratava de um projeto de mobilizaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo natildeo houve a intenccedilatildeo de

seguir uma seacuterie histoacuterica Ela foi instituiacuteda para propiciar uma reflexatildeo da

comunidade escolar sobre a sua proacutepria praacutetica curricular daiacute tambeacutem a

relevacircncia de se considerar o Selo Escola Solidaacuteria como ponto de partida para

selecionar as escolas para o universo desta pesquisa

A autoavaliaccedilatildeo era constituiacuteda de nove questotildees fechadas de muacuteltipla

escolha e uma questatildeo aberta ndash onde a escola relatava sua atividadeprojeto

de voluntariado educativo Tal formataccedilatildeo atendia a trecircs objetivos a) propiciar

um momento de reflexatildeo sobre a praacutetica escolar b) orientar a reflexatildeo com o

proacuteprio texto das questotildees e c) criar um banco de dados que permitisse a

busca pelas respostas agraves questotildees fechadas

A Figura 1 (ANEXO) mostra o nuacutemero total de escolas que receberam

em uma ou mais ediccedilotildees o Selo Escola Solidaacuteria Satildeo 23690 instituiccedilotildees e

promovidos pelo Faccedila Parte quanto organizavam os proacuteprios encontros regionais Tambeacutem faziam a articulaccedilatildeo com a miacutedia local para a divulgaccedilatildeo dos projetos das escolas e eventualmente organizavam oficinas palestras sobre o desenvolvimento de projetos solidaacuterios e visitavam as escolas

58

entre elas 8941 satildeo da rede puacuteblica estadual 10795 da rede puacuteblica

municipal 3908 da rede particular e 46 escolas federais

Selo Escola Solidaacuteria 2003

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo valorizar a escola por seu

comprometimento com uma educaccedilatildeo solidaacuteria conhececirc-las e saber o que

faziam A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios Um cartaz informativo e manual

de inscriccedilatildeo foi enviado para 98 mil escolas de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil (as

que segundo o registro no MEC tinham mais de 100 alunos)

Das 8766 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 3327 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 4054 agrave rede estadual 1369 agrave rede particular e 16 escolas

federais31

Selo Escola Solidaacuteria 2005

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer e mapear as escolas

comprometidas com uma educaccedilatildeo pautada nos ideais de solidariedade e

cidadania Reconhecer e mapear projetos de voluntariado educativo

Buscando melhorar a qualidade da participaccedilatildeo das escolas a escola

teve nessa ediccedilatildeo a oportunidade de receber um certificado para a escola e

outro para o projeto inscrito visando colher mais inscriccedilotildees sobre projetos mais

estruturados e que estivessem em andamento A divulgaccedilatildeo foi feita por

espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na Internet em jornais e revistas e pelos

correios repetindo a experiecircncia de 2003

Nessa ediccedilatildeo foram certificados 2112 projetos e 12873 escolas

sendo 5396 pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 5183 agrave rede estadual

2262 agrave rede particular e 32 escolas federais32

31

Vide Figura 2 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003)

32 Vide Figura 3 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2005)

59

Selo Escola Solidaacuteria 2007

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo estruturados fortalecer a escola enquanto

nuacutecleo de cidadania em sua proacutepria comunidade

O nuacutemero de escolas que receberam o Selo foi menor Poreacutem o

nuacutemero de projetos aumentou de 2112 para 7474 Nessa ediccedilatildeo o Faccedila

Parte comeccedilou a solicitar agraves escolas a autorizaccedilatildeo para divulgar o projeto

inscrito na aacuterea puacuteblica do site33

A divulgaccedilatildeo do foi feita por espaccedilos voluntaacuterios no raacutedio na TV na

Internet em jornais e revistas e pelos correios para todas as escolas com mais

de cem alunos

Das 7474 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 2776 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 3054 agrave rede estadual 1632 agrave rede particular e 12 escolas

federais34

Selo Escola Solidaacuteria 2009

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas cujos projetos

melhoraram a qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece melhorando o

desempenho cognitivo e social do aluno ao mesmo tempo em que busquem

melhorar a qualidade de vida da comunidade

A experiecircncia deveria estar de acordo com o Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico e a escola precisava relatar o quanto ela influenciava na

aprendizagem

A divulgaccedilatildeo foi feita por espaccedilos voluntaacuterios cedidos no raacutedio na TV

na Internet em jornais e revistas e pelos correios somente para escolas que jaacute

tinham participado de alguma ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria um universo de

aproximadamente dezesseis mil escolas35

33

Disponibilizado pelo seu site wwwseloescolasolidariaorgbr

34 Vide Figura 4 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2007)

35 Aleacutem disso a partir da ediccedilatildeo de 2009 o Faccedila Parte passou a dividir o seu espaccedilo voluntaacuterio

de miacutedia com o Compromisso Todos Pela Educaccedilatildeo organizaccedilatildeo social parceira

60

Das 3863 escolas reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1528 pertencem agrave rede

puacuteblica municipal 1432 agrave rede estadual 900 agrave rede particular e trecircs escolas

federais36

Selo Escola Solidaacuteria 2011

Principal objetivo dessa ediccedilatildeo reconhecer escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo visando melhorar a qualidade de vida da

comunidade e a qualidade de educaccedilatildeo oferecida Nessa ediccedilatildeo considerou-se

conhecer projetos solidaacuterios que pudessem colaborar para o desempenho das

escolas em relaccedilatildeo aos exames externos como o IDEB37

Essa foi a uacuteltima ediccedilatildeo do Selo Escola Solidaacuteria A divulgaccedilatildeo foi feita

como em 2009 para um nuacutemero de dezesseis mil escolas e poucos espaccedilos

de miacutedia voluntaacuteria

Ainda assim 3039 escolas foram reconhecidas nessa ediccedilatildeo 1252

pertencentes agrave rede puacuteblica municipal 983 agrave rede estadual 799 agrave rede

particular e cinco escolas federais38

4 Instituto Faccedila Parte

O Instituto Faccedila Parte foi fundado para gerir as accedilotildees do Ano

Internacional do Voluntariado ndash AIV no paiacutes em 2001 Um grupo formado pela

sociedade civil entre eles empresaacuterios representantes do terceiro setor e

36

Vide Figura 5 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009)

37 Embora o IDEB ndash Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica seja calculado

considerando os resultados nas provas nacionais de desempenho de Portuguecircs e Matemaacutetica Prova Brasil e Saeb e o fluxo procurou-se observar dois fatores 1) se as escolas percebiam uma melhora de rendimento dos alunos nessas disciplinas e na frequecircncia escolar a partir do envolvimento dos alunos em projetos solidaacuterios e 2) se o ambiente colaborativo contribui para o desenvolvimento do processo de aprendizagem ainda que o restritamente mensurado no IDEB

38 Vide Figura 6 ndash Anexo (Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo

Escola Solidaacuteria 2011)

61

miacutedia elaborou um calendaacuterio temaacutetico para contribuir com a visibilidade das

iniciativas voluntaacuterias durante os doze meses do ano foi dado um destaque

especial na miacutedia a cada uma dessas aacutereas Cultura e Artes Terceira Idade

Esporte e Lazer Sauacutede Educaccedilatildeo Meio Ambiente Protagonismo Juvenil

Portadores de Deficiecircncia Defesa de Direitos Infacircncia Solidariedade e

Cidadania O objetivo era mostrar o escopo de possibilidades de atuaccedilatildeo do

voluntaacuterio e provocar o interesse da miacutedia em publicar todo o mecircs mateacuterias

sobre o voluntariado39

O sucesso do AIV motivou a continuidade do trabalho no Brasil Em

2002 a presidente fez um pronunciamento na ONU declarando a deacutecada do

voluntariado Para atingir esse objetivo o Comitecirc ajustou o foco para a

educaccedilatildeo e juventude

O Faccedila Parte surgiu impulsionado pelo movimento iniciado pelo

Programa Comunidade Solidaacuteria (encerrado em 2002) e continuado pelo

Programa Fome Zero A criacutetica ao voluntariado estimulado pela social

democracia estaacute relacionada basicamente agraves implicaccedilotildees de uma ideologia

forjada na ldquoparticipaccedilatildeo social voluntaacuteriardquo onde o que se questiona eacute o

voluntariado como uma ldquoalternativardquo ao desemprego ou subemprego como uma

resposta de confortante retorno ao mercado de trabalho a des-

responsabilizaccedilatildeo do Estado frente agrave sociedade desonerando-o dos

enfrentamentos das questotildees sociais a compreensatildeo de que a assistecircncia

social deixa de ser poliacutetica puacuteblica para ser trazida ao campo individual

privatista ldquoA loacutegica neoliberal tanto identifica os problemas sociais como

responsabilidade dos indiviacuteduos como sugere que eles sejam resolvidos no

acircmbito privadordquo (BONFIM 2010 p 55)

Esta loacutegica da qual tambeacutem discordo natildeo era desenvolvida nas

atividades do Faccedila Parte enquanto estive na coordenaccedilatildeo de conteuacutedo e

posteriormente de projetos O foco de atuaccedilatildeo era o voluntariado como

estrateacutegia educativa para a formaccedilatildeo do jovem propondo o desenvolvimento 39

Uma pesquisa realizada pelo DataFolha em 2001 revelou que 41 dos brasileiros se diziam muito dispostos a trabalhar como voluntaacuterio No entanto essa vontade natildeo se refletia em accedilatildeo efetiva segundo o IBOPE 10 da populaccedilatildeo brasileira estava envolvida com alguma instituiccedilatildeo ou trabalho voluntaacuterio E pela pesquisa o perfil dos voluntaacuterios satildeo as pessoas mais velhas (44 dos voluntaacuterios tecircm entre 40 anos ou mais) e da classe meacutedia (36 satildeo da Classe B) (MACKENZIE 2012)

62

de uma educaccedilatildeo que utilizasse o que se aprende na sala de aula e na vida

para se resolver problemas sociais reais (voluntariado educativo) A ideia era

desfazer a compreensatildeo equivocada de ldquoparticipaccedilatildeo socialrdquo sugerida pelo

ldquovoluntariado assistencialistardquo e sugerir uma discussatildeo a partir da escola para

a participaccedilatildeo solidaacuteria poliacutetica e criacutetica

A base conceitual foi desenvolvida por meio de reflexotildees e estudos

propostos por Frei Betto (idealizador do Fome Zero) e Antonio Carlos Gomes

da Costa (educador e redator do ECA) membros do Conselho Consultivo

Outros educadores como Mario Sergio Cortella e Celso Antunes tambeacutem

participaram diretamente do processo

O Faccedila Parte teve como principal projeto o Selo Escola Solidaacuteria40

desenvolvido em parceria com o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) o Conselho

Nacional dos Secretaacuterios Estaduais de Educaccedilatildeo (Consed) a Uniatildeo Nacional

dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo (Undime) e a UNESCO O

desenvolvimento do Selo Escola Solidaacuteria permitiu resgatar a escola pela

qualidade de desenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica construiacuteda com a

escola com a comunidade

40

Outros projetos do Instituto a ldquoCampanha Escolas Solidaacuterias e os Objetivos do Milecircnio da ONUrdquo (2004 2005) o ldquoPrecircmio de Reportagem Jovem Protagonistardquo (2008) o Realinhamento conceitual e metodoloacutegico do ldquoAmigos da Escolardquo de 2005 a 2011 projeto que foi lanccedilado em 1999 com um conceito equivocado de participaccedilatildeo voluntaacuteria na escola e mesmo tendo sido submetido a um realinhamento estrateacutegico e conceitual a partir de 2005 continuou sofrendo inuacutemeras criacuteticas por natildeo conseguir se libertar totalmente de sua imagem criada no momento do lanccedilamento Ele passou de uma visatildeo assistencialista e de desvalorizaccedilatildeo do profissional da educaccedilatildeo (primeira fase) para um projeto de reforccedilo da escola como nuacutecleo de cidadania e gestatildeo democraacutetica onde a comunidade pode participar desde que essa participaccedilatildeo esteja de acordo ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola sem a substituiccedilatildeo de qualquer profissional da educaccedilatildeo e sem a desoneraccedilatildeo do Estado (segunda fase)

Aleacutem disso o Faccedila Parte eacute membro fundador da ldquoRede Iberoamericana de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuteriordquo (desde 2005) e tem inuacutemeras publicaccedilotildees disponiacuteveis em wwwfacaparteorgbrbiblioteca onde divulga basicamente o conceito de voluntariado educativo protagonismo juvenil uma sugestatildeo de metodologia de projetos e as experiecircncias de centenas de Escolas Solidaacuterias

63

5 A coleta de dados

Apoacutes as reuniotildees com a direccedilatildeo das escolas iniciamos a pesquisa

propriamente dita Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram

principalmente a) questionaacuterio b) entrevistas semi-estruturadas e c)

acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados pelas

escolas

a) Questionaacuterio

O questionaacuterio foi aplicado para que de maneira padronizada

pudeacutessemos conseguir respostas de uma determinada populaccedilatildeo que

permitissem reunir uma raacutepida quantidade de informaccedilotildees sobre o tema de

pesquisa A uniformizaccedilatildeo das perguntas e respostas facilita a compilaccedilatildeo dos

resultados bem como o fato de ele poder ser enviado e respondido sem a

presenccedila de um aplicador (LAVILLE DIONNE 1999 p 184) Ele foi formulado

com seis questotildees fechadas e duas abertas Oferecer questotildees fechadas com

respostas predeterminadas traz a vantagem de esclarecer aos sujeitos o que

se quer investigar aleacutem de permitir manusear os dados por meio de leituras

exatas e evitar que se tenha o iacutempeto de interpretar subjetivamente as

respostas recebidas (LAVILLE e DIONNE 1999)

O questionaacuterio foi aplicado visando uma primeira aproximaccedilatildeo das

escolas e saber quais poderiam ser as escolas possiacuteveis para o universo da

pesquisa pois queriacuteamos contar com a participaccedilatildeo de escolas que pudessem

contribuir para a compreensatildeo da solidariedade enquanto praacutetica curricular

educativa Como satildeo escolas do universo do Selo Escola Solidaacuteria

consideramos as principais caracteriacutesticas das atividades e projetos de

aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio ou voluntariado educativo como referecircncia

para a seleccedilatildeo

De acordo com Mariacutea Nieves Taacutepia (2001 p 26) as atividades ou

projetos devem estar integrados agrave proposta pedagoacutegica da escola envolver

toda a comunidade educativa (sendo que os alunos devem participar de todas

as etapas do projeto desde o diagnoacutestico ateacute a avaliaccedilatildeo) e devem partir de

64

uma demanda real da comunidade a qual possa ser atendida pelos

estudantes sendo uma atividade de relevacircncia social e pedagoacutegica

Neste sentido as questotildees foram elaboradas da seguinte forma41

Nas perguntas 1 e 2 pretendeu-se atualizar as informaccedilotildees sobre os

projetos desenvolvidos na escola por niacutevel de ensino e aacuterea de atuaccedilatildeo uma

vez que o Selo Escola Solidaacuteria soacute acontece em anos iacutempares

1 - Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos

solidaacuterios atualmente na escola

2 - A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas

atualmente Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas

Com as perguntas 3 e 4 procurou-se saber se a escola tinha

incorporado a praacutetica da solidariedade em seu Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico em

seu curriacuteculo uma vez que eacute interesse desta pesquisa se aproximar de escolas

que tenham de fato incorporado a praacutetica da solidariedade ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

3 - O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios constam

textualmente no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 - As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

As perguntas 5 e 6 foram formuladas porque esta pesquisa precisa

trabalhar com uma amostra de escolas que envolvam a comunidade educativa

no desenvolvimento de projetos solidaacuterios principalmente os alunos para que

seja possiacutevel investigar a solidariedade em um ambiente de gestatildeo

democraacutetica e participativa

5 - Quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

6 ndash Em quais dessas etapas os alunos sempre participam

41

O questionaacuterio completo perguntas e respostas pode ser consultado no Apecircndice

65

Houve um interesse de fazer uma sondagem inicial em relaccedilatildeo aos

resultados sociais e pedagoacutegicos alcanccedilados para se buscar indiacutecios de como

a comunidade avalia a sua praacutetica se a solidariedade eacute considerada relevante

e sobre quais aspectos Esta eacute a justificativa para a formulaccedilatildeo das perguntas

dissertativas as uacuteltimas

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia

atribuiacutedo(s) ao desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social (ais) de maior relevacircncia

atribuiacutedo ao desenvolvimento do(s) projeto(s) solidaacuterio(s) para sua

escola E para a comunidade

b) Entrevistas semi-estruturadas

A entrevista semi-estruturada foi adotada como instrumento nesta

pesquisa por permitir uma maior flexibilizaccedilatildeo na conduccedilatildeo pois no contato

direto pode-se conduzir a entrevista de forma a aproveitar as contribuiccedilotildees

espontacircneas esclarecer perguntas e respostas e corrigir o percurso da

entrevista durante o seu desenvolvimento possibilitando a participaccedilatildeo do

sujeito da pesquisa De uma maneira direta e personalizada a entrevista

permite ampliar o escopo da coleta de informaccedilotildees se comparada ao

questionaacuterio que foi empregado no momento de se fazer um primeiro

rastreamento de colher informaccedilotildees exploratoacuterias

A entrevista oferece maior amplitude do que o questionaacuterio quanto agrave sua organizaccedilatildeo esta natildeo estando mais irremediavelmente presa a um documento entregue a cada um dos interrogados os entrevistadores permitem-se muitas vezes explicar algumas questotildees no curso da entrevista reformulaacute-las para atender agraves necessidades do entrevistado Muitas vezes eles mudam a ordem das perguntas em funccedilatildeo das respostas obtidas a fim de assegurar mais coerecircncia em suas trocas com o interrogado Chegam ateacute a acrescentar perguntas para fazer precisar uma resposta ou para fazecirc-la aprofundar Por quecirc Como Vocecirc pode dar-me um exemplo E outras tantas subperguntas que traratildeo frequentemente uma

66

porccedilatildeo de informaccedilotildees significativas (LAVILLE DIONNE 1999 p 188)

A flexibilidade adquirida permite obter dos entrevistados informaccedilotildees

muitas vezes mais ricas do que se podia prever uma imagem mais proacutexima da

realidade das situaccedilotildees fenocircmenos ou acontecimentos

As perguntas norteadoras das entrevistas semi-estruturadas foram

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo

para a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

As entrevistas foram realizadas respectivamente em suas proacuteprias

escolas Na ocasiatildeo visitamos as instalaccedilotildees e tomamos contato com registros

referentes agraves atividades solidaacuterias como plano de accedilatildeo planejamento de aula

registros como fotos relatoacuterios bem como o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

Os agendamentos ocorreram durante os meses de junho de 2012 a

marccedilo de 2013 Natildeo houve a intenccedilatildeo de se estabelecer um padratildeo entre as

escolas (nem em relaccedilatildeo ao nuacutemero de entrevistas agendadas tempo de

duraccedilatildeo sujeitos da pesquisa) Procuramos desenvolver a pesquisa de forma a

nos adequar agraves possibilidades em cada uma das escolas respeitando o tempo

e o espaccedilo dos atores envolvidos Aleacutem dos momentos de visitaccedilatildeo das

instalaccedilotildees e de conversas informais foram realizadas junto agraves escolas

Escola1 duas reuniotildees e quatro entrevistas sendo uma reuniatildeo com a

diretora da escola uma reuniatildeo com o diretor pedagoacutegico 2 entrevistas

com o diretor pedagoacutegico uma entrevista com uma professora e uma

entrevista com uma ex-coordenadora

Escola2 quatro entrevistas sendo duas com a coordenadora

pedagoacutegica uma com uma professora e uma com uma pessoa da

comunidade atendida pelo projeto

67

Escola3 quatro entrevistas e uma reuniatildeo sendo duas entrevistas com

a coordenadora pedagoacutegica uma entrevista com um professor e uma

entrevista com uma aluna A escola intermediou a negociaccedilatildeo de uma

entrevista com o puacuteblico atendido pelo projeto poreacutem natildeo foi possiacutevel

fazecirc-la porque natildeo houve adesatildeo voluntaacuteria por parte da comunidade

Escola4 duas entrevistas sendo uma com a coordenadora pedagoacutegica

e uma entrevista com um professor

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente tendo

a autorizaccedilatildeo dos entrevistados para a publicaccedilatildeo total ou parcial do conteuacutedo

da mesma com eventuais adequaccedilotildees ao texto escrito Cada uma delas durou

em meacutedia de 90 a 120 minutos de acordo com o professor e com o tempo por

ele disponibilizado Elas aconteceram em locais escolhidos pelos proacuteprios

atores laboratoacuterio sala dos professores sala de aula sala da coordenaccedilatildeo (no

caso dos coordenadores) paacutetio

Durante as entrevistas eram valorizadas as participaccedilotildees

espontacircneas os sujeitos eram estimulados a participar ativamente do

processo o que conferiu caraacuteter de singularidade para cada escola

participante Em todas elas foi demonstrado interesse em se entrevistar atores

das comunidades atendidas pelos projetos dos alunos No entanto naquelas

escolas onde foi percebida certa resistecircncia tais intervenccedilotildees foram

descartadas

Durante o desenvolvimento da pesquisa o contato com os professores

continuou sendo mantido informalmente em intervalos eventuais por

telefonemas e via e-mail para que possiacuteveis duacutevidas ou questotildees surgidas de

ambas as partes pudessem ser esclarecidas

c) Acompanhamentoobservaccedilatildeo de eventos solidaacuterios anuais realizados

pelas escolas

A observaccedilatildeo dos eventos anuais solidaacuterios promovidos pelas escolas

foi incorporada durante o desenvolvimento da pesquisa Das quatro escolas

que participaram da pesquisa trecircs delas tiveram interesse de apresentar o

evento de culminacircncia de atividades solidaacuterias onde participam principalmente

68

os alunos Sendo assim o acompanhamento dos eventos solidaacuterios foi

incorporado agrave pesquisa

O momento permitiu observar colher impressotildees e informaccedilotildees junto

aos participantes aleacutem de acompanhar tambeacutem no sentido intriacutenseco de

prestigiar e valorizar o empenho da comunidade escolar em relaccedilatildeo ao

desenvolvimento de atividades solidaacuterias Vale ressaltar que esse foi o

momento onde se pode chegar mais proacuteximo dos alunos Como satildeo propostas

adequadas agrave realidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico de cada escola natildeo

houve um roteiro preacute-determinado de observaccedilatildeo e as observaccedilotildees foram

registradas posteriormente

O evento observado na Escola1 foi a Gincana Solidaacuteria que eacute o de

maior relevacircncia para a comunidade escolar e acontece uma vez por ano

geralmente em um dos saacutebados da segunda quinzena de setembro

Estive na escola no dia anterior e no dia da Gincana Na veacutespera os

alunos do Ensino Meacutedio tinham sido dispensados das uacuteltimas trecircs aulas do

periacuteodo da manhatilde para finalizarem a preparaccedilatildeo das atividades A escola

estava com um clima diferente muitas cores sons ritmos tintas cantos

negociaccedilotildees sorrisos tensatildeo A autonomia dos alunos na organizaccedilatildeo e

coordenaccedilatildeo dos preparativos para a festa faz com que a responsabilidade e o

interesse em deixar tudo pronto aumente Podiam-se ouvir os ensaios e sentir

a contagiante empolgaccedilatildeo com os preparativos por todos os cantos

No dia da Gincana propriamente todos os alunos estavam

devidamente uniformizados representando seus times por cinco cores Cada

torcida tinha o seu mascote e o grupo era acompanhado pelo olhar atento dos

familiares e da comunidade presente Todos os alunos participavam com

interesse das atividades e muito embora o clima de interesse fosse mantido

pela disputa que a proacutepria natureza de uma gincana sugere o prazer em ver

apresentar e participar de algo elaborado coletivamente ao longo do ano

parecia fortalecer ainda mais o respeito e a colaboraccedilatildeo entre eles ldquoToda a

Gincana estaacute imbricado na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento

da cidadania de se criar formas de conversar de negociar Tudo eacute feito por

eles organizado por elesrdquo (CPE1)

69

O evento organizado ao longo de praticamente seis meses de

trabalho envolve uma seacuterie de etapas de aprendizagem tanto de conteuacutedos

disciplinares quanto de espaccedilos de convivecircncia A Gincana eacute curricular

trabalhada de maneira interdisciplinar e jaacute eacute referecircncia para a comunidade

escolar

Na Escola2 acompanhamos a Feira Cultural Trata-se de um evento

organizado para a comunidade escolar onde a escola aleacutem de reunir todos os

trabalhos produzidos pelos alunos ao longo do ano apresenta danccedilas muacutesicas

e fotografias O evento acontece geralmente em um dos saacutebados de outubro

Todo o material das exposiccedilotildees e de decoraccedilatildeo da escola eacute feito pelos alunos

durante as atividades do ano letivo tais como os livros da oficina de literatura

oficina de brinquedos de sucata estudo do bairro por maquetes projeto de

reciclagem tudo eacute organizado e recebe a visitaccedilatildeo da comunidade escolar

A escola eacute preparada um dia antes pelos professores funcionaacuterios e

direccedilatildeo No dia do evento pude assistir as apresentaccedilotildees das danccedilas na

quadra de esporte As letras das muacutesicas tratavam de questotildees sobre o

desenvolvimento sustentaacutevel e a importacircncia do cuidado com o planeta e o

respeito como condiccedilatildeo para se construir um mundo melhor para se viver

Conversas informais com a diretora professores pais e alunos demonstravam

que havia conhecimento sobre o que estava exposto sobre o objetivo das

atividades A avoacute de um aluno do terceiro ano ao me ver interessada em

conhecer as atividades da seacuterie afirmou ldquojaacute pensou uma escolas dessas Natildeo

temrdquo se referindo com ironia e contentamento agrave quantidade das atividades

pedagoacutegicas e ao zelo com que foram montadas para a apresentaccedilatildeo na feira

cultural

Para a montagem das salas temaacuteticas os professores de cada

anoseacuterie escolhem como iraacute organizaacute-la Cada um eacute responsaacutevel pela

exposiccedilatildeo do trabalho da sua sala mas logo apoacutes precisam ajudar a organizar

outras salas ou os espaccedilos comuns da escola como os corredores paacutetios

salotildees tudo eacute decorado O principal projeto de solidariedade da escola o

Reciclar se faz presente de muitas formas nas letras das muacutesicas na

confecccedilatildeo dos materiais de artes (inclusive na utilizaccedilatildeo dos materiais ndash

apenas reciclados) na seleccedilatildeo e apresentaccedilatildeo das poesias na exposiccedilatildeo dos

70

desenhos das maquetes na decoraccedilatildeo da escola A Feira terminou com a

apresentaccedilatildeo dos alunos que estudam no projeto em parceria com a Fundaccedilatildeo

Bachiana Filarmocircnica A accedilatildeo proporciona aos alunos aulas de flauta-doce

violino e viola claacutessica A escola oferece esse projeto em parceria para a

comunidade ou seja ele natildeo eacute destinado somente aos seus alunos Cada

estudante do curso pode utilizar o instrumento que eacute disponibilizado durante as

aulas e aleacutem disso eles recebem todo o material didaacutetico tambeacutem

A Manhatilde da Paz eacute uma manhatilde organizada pela Escola3 com o intuito

de tratar sobre temas ligados agrave Campanha da Fraternidade Em 2012 o tema

foi ldquoFraternidade e Sauacutede Puacuteblicardquo A proposta era fazer uma reflexatildeo com os

alunos do 7ordm ano sobre ldquoqual o meu papel Qual a minha parte O que posso

fazer a partir de hoje para ajudar a tornar o mundo melhorrdquo Recebemos o

convite para participar na ocasiatildeo da reuniatildeo de apresentaccedilatildeo da proposta da

pesquisa para a coordenaccedilatildeo Os temas tratados no evento foram nutriccedilatildeo

reciclagem muacutesica postura corporal e ldquoo que posso fazer para tornar o mundo

melhorrdquo ministrado por noacutes Nessa proposta de intervenccedilatildeo participaram

cinco turmas cada uma delas formada por aproximadamente trinta alunos do

seacutetimo ano

A experiecircncia propiciou um contato direto com os alunos procurando

provocar a reflexatildeo sobre o que cada um tem a ver com a situaccedilatildeo histoacuterica

que vivemos quais satildeo os maiores problemas da humanidade nos dias atuais

e o que podemos fazer para buscar soluccedilotildees a partir do lugar de onde

estamos no seacutetimo ano na escola com a comunidade que vivemos As aulas

especiais foram acompanhadas pela presenccedila de um professor da escola Na

ocasiatildeo exibimos o depoimento da canadense Severn Suzuki de 12 anos na

primeira conferecircncia mundial de meio ambiente a ECO 92 O feito ficou

conhecido como ldquoA menina que calou o mundordquo (SUZUKI 1992) visando

instigaacute-los a pensar sobre o que eacute possiacutevel fazer aos 12 anos de idade Aleacutem

das discussotildees sobre o que pode ser feito para participar socialmente os

alunos foram questionados sobre o que eacute cidadania como aprender a ser

solidaacuterio a ser participativo socialmente No iniacutecio reportavam agrave famiacutelia a

formaccedilatildeo em valores mas logo percebiam que tambeacutem era funccedilatildeo da escola e

71

sugeriam condutas e propostas de atividades para que tais conceitos fossem

trabalhados

Cada escola organiza a praacutetica curricular de acordo com o seu Projeto

Poliacutetico Pedagoacutegico que representa a organizaccedilatildeo quanto agrave concepccedilatildeo de

educaccedilatildeo e de solidariedade Para que seja possiacutevel analisar as praacuteticas

observadas nas escolas faz-se necessaacuterio adentrar no referencial teoacuterico

apresentado a seguir O Capiacutetulo II se propotildee a delimitar o conceito de

solidariedade e o Capiacutetulo III trata da questatildeo da solidariedade a partir do

curriacuteculo

72

CAPIacuteTULO II

73

O CONCEITO SOLIDARIEDADE

Segundo o Dicionaacuterio de Etimologia solidariedade eacute uma palavra de

origem latina seu radical solid ndash derivado de soacutelidus ndash significa solidificar

confirmar soldar do latim solidaresolidariedade (CUNHA 2007) Soacutelidus por

sua vez significa aquilo que tem consistecircncia que natildeo se deixa romper

facilmente que eacute capaz de resistir ao uso ao tempo a qualquer forccedila externa

(CASTELEIRO 2001) trazendo a ideia de solidariedade agrave de formaccedilatildeo de uma

situaccedilatildeo concisa onde as partes se sustentam em coesatildeo numa relaccedilatildeo de

unidade interdependecircncia

A terminologia teacutecnica do Direito Romano obligatio in solidum

(obrigaccedilatildeo global lealdade) converteu-se no francecircs em solidariteacute

conservando poreacutem seu significado juriacutedico Solidum e solidariedade vecircm da

raiz solid que significa soacutelido da onde se deveria o significado etimoloacutegico de

ldquounir prenderrdquo tornar coeso (CUNHA 2007) O sentido completa o conceito

romano-legal insolidum que significa o dever para com o todo a

responsabilidade geral a obrigaccedilatildeo solidaacuteria A solidariedade eacute compreendida

como a responsabilidade muacutetua entre os membros de uma comunidade classe

ou empresa (CASTELEIRO 2001)

No Dicionaacuterio de Filosofia de Nicola Abbagnano o termo significa a

relaccedilatildeo de interdependecircncia de assistecircncia reciacuteproca entre os mesmos

membros de uma famiacutelia ou grupo social (ABBAGNANO 2007) No campo do

direito segundo o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional a conotaccedilatildeo de solidariedade

valida um acordo entre vaacuterias partes num compromisso pelo qual natildeo se

admite o benefiacutecio de ordem isto eacute a escolha de quem em comum iraacute cumprir

a obrigaccedilatildeo (art 124 Paraacutegrafo Uacutenico) O art 264 do Novo Coacutedigo Civil de

janeiro de 2003 diz que haacute uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria ldquoquando na mesma

obrigaccedilatildeo concorre mais de um credor ou mais de um devedor cada um com

direito ou obrigado agrave diacutevida todardquo Uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute portanto aquela

onde um ou mais credores (solidariedade ativa) exigem de um ou mais

devedores (solidariedade passiva) o seu cumprimento Cada credor eacute credor do

74

todo assim como cada devedor eacute devedor do todo natildeo apenas de parte ou

fraccedilatildeo ideal

No Dicionaacuterio Leacutexico e Enciclopeacutedico Ilustrado da Liacutengua Portuguesa

(1970) solidariedade eacute compreendida como a uniatildeo muacutetua entre pessoas que

estatildeo ligadas em torno de uma mesma causa projeto objetivo Neste sentido

em si ela natildeo eacute necessariamente valorada para o bem podendo acontecer

entre pessoas que decidem se unir em um projeto iliacutecito por exemplo ou ateacute

mesmo por interesses comuns sem juiacutezo de valor como os integrantes de

uma torcida de futebol um grupo reunido para uma festividade ou a maacutefia No

entanto seu emprego pode vir carregado de conotaccedilatildeo valorativa No Grande

Dicionaacuterio Etimoloacutegico-Prosoacutedico da Liacutengua Portuguesa o conceito estaacute ligado

ao de ldquosolidaacuteriordquo que significa ldquoaquele que compartilha a responsabilidade de

outrem que lhe demonstra sentimentos de fraternidade de comuns

sentimentos em determinada conjuntura socialrdquo (BUENO 1967)

Para Aliacutepio Casali42 o conceito evolui a partir de soacutelidus com soacutelus

onde solu significa um soacute portanto solidus seria compreendido como algo

com-pacto Se solidatildeo eacute um exemplo desse um soacute que eacute pensado como uacutenico

solidatildeo apresenta-se como um sem-outro No contraacuterio solidaacuterio eacute o outro que

se une (pacto com-pacto) ao um e constitui com ele uma nova unidade

compacta A solidariedade neste sentido eacute a accedilatildeo de compactar-se com o

outro formando com ele um novo-ser-unitaacuterio

No Budismo fala-se de compaixatildeo ao inveacutes de solidariedade mas a

compreensatildeo do conceito eacute similar Para o Budismo a compaixatildeo eacute um

sentimento incondicional sem o apego que traz sofrimento e dor Eacute um cuidar e

amar todos os seres vivos igualmente como se natildeo houvesse distinccedilatildeo entre

eu e o outro A vida em comunidade tambeacutem eacute valorizada pois para os

budistas eacute fundamental pertencer a uma sangha As comunidades vivem em

comunidades uns cuidando dos outros e assim aprendem a partilhar e ajudar-

se mutuamente razatildeo de ser do estilo de vida budista (GANERI 1999)

42

Notas de aula setembro de 2012

75

1 O princiacutepio solidariedade da mitologia ao solidarismo

A preocupaccedilatildeo com a vida em sociedade pensada a partir do bem

comum tem seu registro desde a mitologia grega onde a capacidade humana

de viver em cidades sem que haja uma disputa direta entre os seus membros

o que aniquilaria a espeacutecie eacute o tema do mito acerca da criaccedilatildeo do homem

Nele Epimetheus fica responsaacutevel por ldquoequiparrdquo todas as criaturas criadas por

Zeus com um nuacutemero limitado de habilidades disponiacuteveis Soacute que em sua

tarefa ele se esquece do homem esgotando as habilidades disponibilizadas

por Zeus com os outros animais Os homens consequentemente tornam-se

presas faacuteceis e Prometheus ciente do erro rouba o fogo de Hephaestus e a

arte de Athena e os concede aos homens Com a habilidade da arte os

homens tornam-se capazes de falar e de dar nomes aos objetos e com o fogo

satildeo capazes de se proteger e se alimentar Tais habilidades poreacutem natildeo satildeo

suficientes para salvaacute-los Conscientes de sua fragilidade os homens

passaram a viver em cidades mas por natildeo terem habilidade poliacutetica comeccedilam

a se ferir mutuamente o que comeccedilou a afastar um dos outros Zeus entatildeo

temendo a total destruiccedilatildeo da raccedila humana envia Hermes para ensinar aos

homens as qualidades do respeito muacutetuo e do senso de justiccedila de forma a

trazer a ordem agraves cidades e criar um viacutenculo de amizade e uniatildeo (SILVA C

2012)

Nessa passagem o conteuacutedo traz uma reflexatildeo acerca de um possiacutevel

conceito de solidariedade compreendida entre a noccedilatildeo de que um precisa do

outro para viver que a vida em sociedade o fortalece mas que no entanto eacute

preciso haver respeito muacutetuo senso de justiccedila e uniatildeo Tais reflexotildees eram

propostas ainda que a democracia ateniense fosse uma forma atenuada de

oligarquia (era restritiva aos escravos mulheres e estrangeiros) onde somente

os cidadatildeos varotildees tinham o direito de participar da assembleia e serem

assegurados pelas leis

De um salto ateacute os seacuteculos XIX e XX o conceito de solidariedade

aparece relacionado agraves accedilotildees do indiviacuteduo que satildeo influenciadas pelo contexto

e tecircm consequecircncias no grupo ao qual pertence emanando de interesses e

convicccedilotildees semelhantes Tem-se a ocorrecircncia da compreensatildeo de

76

solidariedade obrigatoacuteria (solidariteacute de fait) exercida em determinados grupos

que acontece pela noccedilatildeo de pertencimento entre seus membros como a que

se daacute em famiacutelia No entanto essa forma de solidariedade natildeo auxilia a

resolver problemas eacuteticos como os de ordem econocircmica por exemplo

Eacutemile Durkheim (1858-1917) considerado um dos pais da sociologia

moderna afirmou que o ser humano eacute constituiacutedo de duas consciecircncias a dos

estados pessoais e a que compreende o que eacute comum para toda a sociedade

uma forma a outra em um movimento permanente No entanto quando o

homem age impulsionado pela consciecircncia coletiva e natildeo por vontades

particulares em si estaacute sendo solidaacuterio ldquoOra embora distintas essas duas

consciecircncias satildeo ligadas uma agrave outra pois em suma elas constituem uma soacute

coisa tendo para as duas um soacute e mesmo substrato orgacircnico Logo elas satildeo

solidaacuterias Daiacute resulta uma solidariedade sui generis que nascida das

semelhanccedilas vincula diretamente o indiviacuteduo agrave sociedaderdquo (DURKHEIM 1977

p 79)

Para exprimir um tipo de ordenaccedilatildeo que favorecesse o

desenvolvimento de um determinado grupo ligado por um interesse comum

quer seja ele os indiviacuteduos de uma mesma famiacutelia de uma mesma seita de

grupos formados pelo princiacutepio da hereditariedade como as castas na Iacutendia ou

as colocircnias judias Durkheim usou o conceito de solidariedade orgacircnica Nela

a funccedilatildeo de cada indiviacuteduo eacute determinada em seu nascimento e o

descumprimento das regras de solidariedade eacute passiacutevel de puniccedilatildeo Como as

sociedades mais complexas seguem se organizando natildeo mais pela

constituiccedilatildeo espontacircnea ou hereditaacuteria mas por uma intencionalidade que

adveacutem da divisatildeo social do trabalho credita-se agrave consciecircncia coletiva e agrave

divisatildeo do trabalho uma relaccedilatildeo de interdependecircncia criada entre as diferentes

profissotildees para que haja um bom funcionamento da comunidade como um

todo

A constituiccedilatildeo social pela divisatildeo do trabalho soacute eacute possiacutevel porque o

homem eacute um ser social e eacute a sociedade que forma a sua individualidade como

afirma Durkheim A vida coletiva natildeo nasceu da vida individual mas pelo

contraacuterio foi a segunda que nasceu da primeira Esta condiccedilatildeo explica como a

individualidade pessoal das unidades sociais pode formar-se e crescer sem

77

desagregar a sociedade (1977 p 62) Neste caso tem-se a percepccedilatildeo de que

a sociedade natildeo eacute formada pela justaposiccedilatildeo de individualidades que passam

a trabalhar em cooperaccedilatildeo mas sim por uma compreensatildeo de que o homem

enquanto ser social vecirc-se realizado pela ideia de desenvolver sua identidade

coletiva

Portanto para que de fato a divisatildeo social do trabalho melhore o

desempenho da sociedade como um todo o foco natildeo deve estar na

produtividade-lucrativa dos economistas mas sim em novas e melhores

condiccedilotildees de existecircncia para a humanidade que nos satildeo criadas pela

ordenaccedilatildeo do trabalho (Ibidem p 57) O contraponto agrave solidariedade mecacircnica

eacute a solidariedade orgacircnica que traz consigo a analogia referente ao

funcionamento de um organismo vivo onde cada oacutergatildeo desenvolve a sua

funccedilatildeo Na solidariedade orgacircnica segundo o Diccionario de Antropologia

(1980) a ldquovinculaccedilatildeo entre grupos humanos resulta de um sentimento

compartilhado de identidade de interesses de dependecircncia e

complementaridade na presenccedila de uma avanccedilada divisatildeo de trabalho

No entanto Durkheim compreendeu que natildeo era possiacutevel afirmar qual

tipo de solidariedade eacute predominante em uma dada sociedade sem paracircmetros

ou referenciais de observaccedilatildeo Sendo assim ele procurou definir dois tipos de

solidariedade a partir de duas normas de direito (DURKHEIM 1977)

Direito Repressivo ndash por meio da sanccedilatildeo agravequele que natildeo cumprir

determinada norma social por meio da exposiccedilatildeo agrave dor humilhaccedilatildeo ou

privaccedilatildeo de liberdade

Direito Restitutivo ndash a preocupaccedilatildeo principal nesse caso eacute fazer com

que as situaccedilotildees perturbadas sejam restabelecidas e retornem a seu

estado original Ao infrator cabe simplesmente reparar o dano causado

uma vez que o dano causado natildeo afeta a sociedade como um todo

Sendo assim quanto maior eacute a participaccedilatildeo do direito restitutivo em uma

sociedade menor eacute a forccedila e a abrangecircncia da consciecircncia coletiva e

maior eacute a diferenciaccedilatildeo individual

Significa dizer que pelo tipo de direito que predomina em uma

sociedade seria possiacutevel identificar o tipo de solidariedade existente Se

predomina o direito repressivo uma maior quantidade de normas eacute mantida

78

pela consciecircncia coletiva (solidariedade mecacircnica) Se predomina o direito

restitutivo uma menor quantidade de normas diz respeito agrave sociedade como

um todo (solidariedade orgacircnica)

Durkheim tambeacutem reconheceu que o advento da industrializaccedilatildeo e o

desenvolvimento do capitalismo a divisatildeo acirrada do trabalho a mais-valia a

exploraccedilatildeo da matildeo de obra a especializaccedilatildeo cientiacutefica satildeo efeitos que

contribuem para uma sociedade cada vez menos solidaacuteria menos coesa A

rigor quando as pessoas estatildeo ligadas em torno de uma atividade ou

sociedade sem que reconheccedilam um objetivo comum ou seja apenas ldquoorbitam

em torno das grandes vontadesrdquo pode-se dizer que essa integraccedilatildeo resulta de

uma solidariedade negativa aquela que natildeo leva a fins comuns tampouco

consenso apenas vontade (DURKHEIM 1977 p 91-92) Quando os

indiviacuteduos reconhecem que a solidariedade pode gerar desigualdades eacute

preciso acionar outra maneira de se pensaacute-la buscando corrigir falhas no

desenvolvimento social A solidariedade passa a ser valorada pela conduta

eacutetica visando a efetivaccedilatildeo da liberdade e da humanidade

Westphal constatou que no decorrer das mudanccedilas sociais a

solidariedade chamada de obrigatoacuteria praticada em determinados grupos de

caracteriacutesticas semelhantes natildeo contribui para a transformaccedilatildeo do status quo e

retoma o forte papel do estado na compreensatildeo do ldquopacto de solidariedaderdquo

pela coordenaccedilatildeo do bem estar comum

O pacto de solidariedade de Bourgeois organizou uma doutrina contratual especiacutefica que constroacutei direito social e doutrina moral ao mesmo tempo (ZOLL 2000) Nesta visatildeo a sociedade nunca seraacute suficientemente social cada indiviacuteduo estaacute sujeito a relaccedilatildeo com o outro e estaacute comprometido com a efetivaccedilatildeo do bemndashestar de si mesmo bem como com o bemndashestar do outro (EWALD apud ZOLL 2000) Consequumlentemente o Estado tem para Bourgeois um papel de coordenaccedilatildeo Sua ideacuteia de contrato estaacute baseada na justiccedila social Tratandashse de uma necessidade social que eacute ao mesmo tempo um processo reflexivo de permanente negociaccedilatildeo Assim por intermeacutedio da poliacutetica social garantendashse coesatildeo social (WESTPHAL 2008 p45)

79

Na concepccedilatildeo preacute-moderna de solidariedade o termo fraterniteacute foi-lhe

associado sendo que este se tornou lema na Revoluccedilatildeo Francesa para a

construccedilatildeo de uma sociedade de cidadatildeos igualitaacuterios Em consequecircncia a

concepccedilatildeo de luta da fraterniteacute passou a ter um significado poliacutetico e com o

iniacutecio da revoluccedilatildeo dos trabalhadores de 1848 adotou o conceito de solidariteacute

(BRUKHORST apud WESTPHAL 2008)

O sentido de fraternidade ligado ao conceito de solidariedade foi

explorado tambeacutem pela Igreja Catoacutelica agregando-lhe a ideia de justiccedila de

caridade universal Em meados do seacuteculo XX surgiu o movimento social

catoacutelico apresentado por um vieacutes acentuadamente moral que marcou a

compreensatildeo de solidariedade na sociedade ocidental e influenciou a adoccedilatildeo

do princiacutepio de solidariedade pelo Estado e em niacutevel da poliacutetica social O

solidarismo doutrina que defende a praacutetica da solidariedade (CASTELEIRO

2001) foi fundado por Heinrich Pesch (1854-1926) na Alemanha e diferencia-

se da solidariedade como fato e obrigaccedilatildeo sendo considerada um princiacutepio

eacutetico baseado na

necessidade de complementaridade da pessoa diferenciando trecircs subcategorias princiacutepio de direito princiacutepio de formaccedilatildeo comunitaacuteria e princiacutepio de caridade onde os dois primeiros contribuem sobremaneira para a determinaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre liberdade individual e justiccedila social (TRAGL apud WESTPHAL 2008 p 46)

Depois de descartar o individualismo e o coletivismo tendo como

paracircmetro a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) Pesch propotildee como soluccedilatildeo aos

problemas de ordem soacutecio-poliacutetico-econocircmica o solidarismo onde o progresso

tanto pessoal quanto social derivaria de todo o conjunto coordenado de

esforccedilo sacrifiacutecio e empenho capaz de fazer surgir uma sociedade solidaacuteria no

sentido da intercolaboraccedilatildeo e responsabilidade com vistas agrave realizaccedilatildeo do bem

comum (NOTHELLE-WILDFEUER 2008) Os princiacutepios do solidarismo que

seguem por diversas enciacuteclicas papais desde a Rerum Novarum (em 1891) de

Leatildeo XIII (1878-1903) ateacute a Centesimus Annus (em 1987) de Joatildeo Paulo II

(1978-2005) podem ser resumidos em cinco pontos fundamentais 1) na

dignidade humana compreendido pela irmandade cristatilde onde todos satildeo filhos

80

de um mesmo Deus sendo portanto iguais natildeo por determinaccedilatildeo humana

mas por provirem de uma uacutenica fonte de extrema bondade natildeo havendo

restriccedilatildeo de raccedila cor classe social sexo etc 2) na primazia do bem comum

sobre os interesses privados e na forccedila do Estado 3) na compreensatildeo de que

o bem privado eacute como um bem poreacutem de responsabilidade social mais do que

um privileacutegio individual 4) na percepccedilatildeo da primazia do trabalho que admite o

mercado como forma de distribuiccedilatildeo de renda 5) nas instacircncias superiores que

devem promover as inferiores quer seja em niacutevel estatal privado de

organizaccedilotildees sociais uns cuidando dos outros (AMIN 1997)

O Ponto 38 da Enciacuteclica sobre a solidariedade de Joatildeo Paulo II (de

1987) define a solidariedade natildeo como um sentimento superficial perante os

males de tantas pessoas quer estejam longe ou perto Ao contraacuterio eacute a

determinaccedilatildeo firme e perseverante de pensar pelo bem comum eacute decidir pelo

bem de todos e cada um para que todos sejamos verdadeiramente

responsaacuteveis por todos (Ibidem) A solidariedade eacute portanto a orientaccedilatildeo de

cada sujeito em direccedilatildeo ao bem comum

Apesar de ter sido concebido como uma boa alternativa para a

construccedilatildeo de uma sociedade mais justa e coesa o solidarismo sofreu vaacuterias

criacuteticas e resistecircncias principalmente pelos movimentos sindicalistas como

afirma a Liga Internacional dos Trabalhadores

esta eacute mais uma estrateacutegia da burguesia para de um lado eliminar as organizaccedilotildees independentes da classe e por outro lado conseguir que as Associaccedilotildees ldquoSolidaristasrdquo substituiacuteam os sindicatos como organizaccedilatildeo da classe trabalhadora [] o ldquoSolidarismordquo eacute inimigo antagocircnico do Movimento Sindical

porque serve para desmantelar os sindicatos impedindo que os trabalhadores se organizem independentemente (MEacuteNDEZ 2010)

A solidariedade empregada como efeito de poder faz parte de um

mundo ambivalente contraditoacuterio que natildeo eacute soacute altruiacutesmo ou soacute dominaccedilatildeo

Ter essa consciecircncia permite que texto e contexto sejam conhecidos e que

esse conhecimento pondere-se pela eacutetica (DEMO 2002)

81

2 A solidariedade na formaccedilatildeo da sociedade

Pode-se compreender a ideia de solidariedade entre os pensadores

gregos enquanto uma virtude puacuteblica aquela que conduz agrave busca do bem

comum Aristoacuteteles (384 aC-322 aC) introduziu o pensamento da eacutetica e das

virtudes considerando a poliacutetica como a ciecircncia capaz de determinar qual eacute o

bem supremo ao qual se dedicam inconscientemente as accedilotildees Esse bem eacute

pensado portanto tanto para o indiviacuteduo quanto para o Estado sendo que o

segundo abrange a coletividade

Essa reflexatildeo nos remete agrave discussatildeo trazida por Carvalho na qual

pontua o esvaziamento do sentido da formaccedilatildeo para a vida puacuteblica na

educaccedilatildeo onde as virtudes puacuteblicas como a solidariedade passam a ter um

lugar secundaacuterio na medida em que a esfera privada ligada aos interesses

particulares como ter um bom emprego para sustentar a casa e a famiacutelia satildeo

valoradas Eacute evidente que todos noacutes queremos e desejamos viver bem No

entanto formar pessoas capazes de desenvolver-se para atender apenas seus

interesses pessoais natildeo contribui para a formaccedilatildeo humana jaacute que o objetivo

de desenvolver um conjunto de atividades para ser consumido durante o

proacuteprio ciclo vital (esfera privada) natildeo corrobora com a constituiccedilatildeo de um

mundo comum (espera puacuteblica) natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo no sentido de que

todos tenham melhor qualidade de vida ou seja natildeo contribui desta maneira

para a criaccedilatildeo de um universo compartilhado (CARVALHO 2013 p 77-78)

O mundo puacuteblico eacute tambeacutem onde os homens liberados da necessidade da luta pela vida (labor) podem se encontrar para juntos criar e gerir por seus atos e palavras o bios politikoacutes ou seja a dimensatildeo puacuteblica e poliacutetica de sua existecircncia a accedilatildeo (praacutexis) Trata-se de uma terceira dimensatildeo

da existecircncia humana voltada natildeo para a manutenccedilatildeo da vida ou para a produccedilatildeo de objetos mas para a constituiccedilatildeo das relaccedilotildees humanas (Ibidem p 79)

Assim Carvalho vai dizer que na ordem da sociedade contemporacircnea

a constituiccedilatildeo social organizada pela produccedilatildeo e consumo tende a preparar

82

os homens para a sua proacutepria sobrevivecircncia nada mais Esta postura de

ldquotrabalhar para ganhar a vidardquo (CARVALHO 2013 p 81) alimenta o

individualismo o consumismo onde efeitos como a competitividade e a

desigualdade satildeo considerados ldquonaturaisrdquo Natildeo se trata de pensar em trabalhar

para o mundo comum com funccedilatildeo social e durabilidade ganhar a proacutepria vida

e o bem estar familiar satildeo os valores e objetivos almejados Alguma das

consequecircncias eacute que nesta ordem social

O ideal regulador do Estado natildeo eacute a noccedilatildeo de busca do bem comum como em Aristoacuteteles mas a administraccedilatildeo competente

dos interesses particulares ou privados em conflito ndash o que significa a submissatildeo da accedilatildeo poliacutetica ao labor (Ibidem p 82)

Na concepccedilatildeo aristoteacutelica o homem se realiza na poacutelis pois sua

condiccedilatildeo humana eacute compreendida por sua capacidade de ser social e procura

agir em busca da virtude sendo que seraacute verdadeiramente virtuoso aquele que

sempre as pratica Essa concepccedilatildeo de que o homem eacute um ser social trazida

por Aristoacuteteles foi colocada em questatildeo no seacuteculo XVIII mais precisamente

entre filoacutesofos ingleses como Thomas Hobbes (1588-1679) que acreditava

que o homem natildeo tem disposiccedilatildeo para viver em sociedade e ateacute hoje corrobora

com a sociedade organizada pela ordem da vida privada Hobbes (1983 2002)

acreditava em um egoiacutesmo natural do homem o que faria com que prevaleccedila a

competiccedilatildeo a injusticcedila a exploraccedilatildeo

Desde que os homens satildeo pela paixatildeo natural de diversas maneiras ofensivos uns aos outros e todo homem pensa bem acerca de si e odeia constatar o mesmo nos demais eles devem provocar uns aos outros por meio das palavras e outros sinais de desprezo e oacutedio que satildeo incidentes a toda comparaccedilatildeo ateacute finalmente mostrarem a preeminecircncia pela potecircncia e forccedila do corpo

[] Pois todo homem pela necessidade natural deseja o seu proacuteprio bem ao qual aquele estado eacute contraacuterio no qual suponhamos haver disputa entre os homens que por natureza satildeo iguais e aptos a se destruiacuterem uns aos outros (HOBBES 2002 p 96)

83

Na filosofia de Hobbes os indiviacuteduos convivem em sociedade quando

a preservaccedilatildeo da vida estaacute ameaccedilada Em seu estado natural o homem busca

satisfazer o proacuteprio prazer e natildeo estaacute interessado no altruiacutesmo A proacutepria

concepccedilatildeo de uniatildeo estaacute ligada agrave ideia de submissatildeo de vontades de forccedila

dominaccedilatildeo controle

Essa submissatildeo das vontades de todos agrave de um homem ou conselho se produz quando cada um deles se obriga por contrato ante cada um dos demais a natildeo resistir agrave vontade do indiviacuteduo a quem se submeteu isto eacute a natildeo lhe recusar o uso de sua riqueza e forccedila contra quaisquer outros e isso se chama uniatildeo (HOBBES 1998 p 96)

A uniatildeo de Hobbes existe para que seja possiacutevel viver em sociedade

No entanto ela eacute sustentada pela concepccedilatildeo de que deve haver um pacto

social onde todos se submetem a um soberano encarregado de estabelecer a

paz

A ideia eacute comumente confrontada com o contrato social de Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778) Ele parte do mesmo princiacutepio de que o

homem eacute individualista por natureza e que para ser feliz basta-se em si

mesmo A fraqueza do homem o leva a ser sociaacutevel ele se une numa relaccedilatildeo

de dependecircncia Rousseau compreende a essecircncia do homem marcada pela

ausecircncia de moralidade e liberdade natural Considera a formaccedilatildeo como sendo

individual e livre reconhecendo que os outros humanos tambeacutem devam ter a

mesma liberdade

O homem natural designa natildeo o homem primitivo no sentido

cronoloacutegico histoacuterico das civilizaccedilotildees antigas como sugeria Voltaire seu

contemporacircneo iluminista ao qual se opunha Em seu pensamento haacute um

esforccedilo de defender a liberdade individual ainda que natildeo conduzindo ao

individualismo No ldquoestado da naturezardquo o homem natildeo eacute influenciado pela

sociedade Ele natildeo reconhece o outro natildeo pode ser valorado como bom ou

mal natildeo tem virtudes nem viacutecio Rousseau traz o egoiacutesmo instintivo como o

que impulsiona o homem a buscar o seu proacuteprio bem fala do amor-de-si mas

faz a ressalva para natildeo ser confundido com o amor proacuteprio

84

Em sua obra refere-se ao conceito de piedade e a reporta a um

sentimento baseado no amor de si que corrobora para a conservaccedilatildeo da

espeacutecie pois sugere socorrer aqueles que necessitam de ajuda desde que o

indiviacuteduo natildeo se prejudique com isso Neste sentido natildeo se trata de um amor

incondicional ao outro mas parte da preservaccedilatildeo primeira de si mesmo

ldquoAlcanccedila teu bem com o menor mal possiacutevel para outremrdquo (ROUSSEAU 2004

p 79)

Somente a partir do contrato social o homem de Rousseau ganha a

dimensatildeo de moralidade onde a sociabilidade seraacute consequecircncia de um

ldquocontrato socialrdquo um acordo firmado entre seus membros Na origem de uma

sociedade injusta os ricos entatildeo teriam assinado o acordo de terem suas

posses conservadas e garantidas pelo Estado oprimindo os pobres e tolhendo

a sua liberdade

Se para Hobbes a paz eacute garantida a partir da obediecircncia a um

soberano para Rousseau o contrato eacute um pacto que garante a integridade da

liberdade de cada um a ordem social eacute a soberania do povo e natildeo de seus

governantes garantindo-lhes o direito de participaccedilatildeo de definir a vontade

geral

Encontrar uma forma de associaccedilatildeo que defenda e proteja com toda a forccedila comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um ao unir-se a todos obedeccedila somente a si mesmo e continue tatildeo livre quanto antes Esse eacute o problema fundamental para o qual o contrato social oferece a soluccedilatildeo (Idem 2010 p 33)

Haacute nessa associaccedilatildeo uma base contratual de interesses particulares

Outro aspecto que afasta o conceito de solidariedade da obra de Rousseau eacute o

fato de que sua concepccedilatildeo pedagoacutegica estaacute construiacuteda a partir da figura de um

educando agrave parte de uma vida familiar comunitaacuteria cultural Para Rousseau o

projeto pedagoacutegico parte da crianccedila para propiciar que ela por si mesma

explore seus limites e atitudes43 contrapondo-se ao conceito de educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria que parte do professor dos espaccedilos que ele cria 43

Defende em sua obra de referecircncia Emiacutelio ou Da Educaccedilatildeo (2004) escrita por Rousseau em 1762

85

criteriosamente planejados para que o aluno aprenda a pensar com o outro

dialogicamente resolvendo problemas sociais reais utilizando os saberes

culturalmente acumulados e aprendidos para transformar uma ordem social

com a qual natildeo concorda

Rousseau (2004) apresenta sua concepccedilatildeo de pedagogia para a

infacircncia e nela o desenvolvimento cognitivo e moral eacute uma das formas

essenciais para preservar e respeitar a crianccedila em seu mundo deixando-a

explorar seus limites e atitudes como contraponto de relaccedilatildeo ao seu proacuteprio

contexto Ainda que isso natildeo signifique desconsiderar a realidade exterior

mas sim permitir-se agrave crianccedila usaacute-la conforme seus desejos e suas vontades

sempre desenvolvendo com isso os limites necessaacuterios para o bom

entendimento e a integraccedilatildeo ao mundo social Faz ainda a ressalva de que a

educaccedilatildeo natildeo eacute apenas instruccedilatildeo e letramento mas sim uma preparaccedilatildeo

para as virtudes ciacutevicas pois por meio da formaccedilatildeo eacute que homem deixa o seu

estado natural e atinge um estado social

Tal percepccedilatildeo de que o homem eacute livre e motivado pelo prazer e

vontades individuais e deve buscar vencer por seu proacuteprio meacuterito influencia o

pensamento liberal ateacute a atualidade Esse modelo encontra respaldo no

Darwinismo Social teoria proposta ainda no seacuteculo XIX baseada em parte da

Teoria da Evoluccedilatildeo das espeacutecies de Charles Darwin (de 1859) que vecirc como

possibilidade de sobrevivecircncia em uma determinada sociedade a vitoacuteria do

mais adaptaacutevel do melhor preparado daquele que tem mais poder aquisitivo

ou de uma raccedila dominante O estudo abarcado pela burguesia legitima as

condiccedilotildees de desigualdade social uma vez que reforccedila a luta individualista

entre os membros de uma sociedade onde sobreviveraacute o melhor preparado

com melhores condiccedilotildees (FORTUNATO 1998 p 116) No entanto outra parte

menos comentada da Teoria da Evoluccedilatildeo trata da questatildeo de que a

cooperaccedilatildeo entre os indiviacuteduos fortalece a espeacutecie

Natildeo pode haver duacutevidas que uma tribo incluindo muitos membros que possuindo alto grau de espiacuterito de patriotismo fidelidade obediecircncia coragem e simpatia estiveram sempre prontos a ajudar uns aos outros e se sacrificar a si mesmos pelo bem comum seria vitoriosa sobre a maior parte de outras tribos e isto seria seleccedilatildeo natural Em todos os tempos no

86

mundo tribos suplantaram outras tribos e como a moralidade eacute elemento importante em seu sucesso o niacutevel de moralidade e o nuacutemero de pessoas bem dotadas tenderatildeo em toda a parte a emergir e crescer (DARWIN apud DEMO 2002 p 83)

A ideia central deste argumento de que uma sociedade formada por

alto grau de ajuda muacutetua de consciecircncia coletiva de bem comum eacute central

para a compreensatildeo da relevacircncia em se considerar a solidariedade no cerne

do processo educativo

Piotr Ayexeyevich Kropotkin (1842-1921) geoacutegrafo e filoacutesofo foi um

criacutetico do darwinismo social e do capitalismo do iniacutecio do seacuteculo XX que fez

uma reflexatildeo acerca das condiccedilotildees poliacuteticas nas quais as condiccedilotildees sociais

satildeo estabelecidas buscando compreender como as classes populares podem

assumir seu papel na condiccedilatildeo de um sujeito histoacuterico-social protagonista da

transformaccedilatildeo social no contexto da Revoluccedilatildeo Francesa Kropotkin queria

demonstrar que havia meios para se pensar em outra ordem social possiacutevel

para aleacutem do individualismo competitivo do capitalismo que natildeo havia ateacute

entatildeo nada que comprovasse por observaccedilatildeo direta que o homem vive

constantemente contra outro homem em guerras ininterruptas que garantem a

evoluccedilatildeo da espeacutecie (KROPOTKIN 1970 p 13)

A solidariedade segundo Kropotkin implica na reciprocidade no apoio

muacutetuo na compreensatildeo do outro como parte essencial da formaccedilatildeo de cada

sujeito Sendo assim ela fortalece a espeacutecie na medida em que fortalece a

relaccedilatildeo entre os seres dessa mesma espeacutecie Para se chegar a esta

conclusatildeo seus estudos partiram da seguinte investigaccedilatildeo Quem satildeo os mais

aptos Aqueles que constantemente lutam entre si ou pelo contraacuterio aqueles

que se apoacuteiam entre si (Ibidem p 13) Em busca da resposta a esse

problema ele verificou que entre uma variedade consideraacutevel de espeacutecies a

solidariedade eacute o fator essencial para que haja evoluccedilatildeo demonstrando que a

praacutetica do ldquoapoio muacutetuordquo44 entre os animais eacute muito comum e faacutecil de ser

observada tanto entre as espeacutecies menos complexas (como as formigas as

abelhas) como entre as diferentes espeacutecies de aves roedores e mamiacuteferos

44

O Apoio Muacutetuo um fator de evoluccedilatildeo eacute o tiacutetulo da obra na qual o autor apresenta essa teoria (1970)

87

(como as focas os elefantes as hienas entre outros) Ele observou que as

comunidades onde os membros se protegem se fortalecem cada vez mais

enquanto que os grupos onde natildeo eacute observada essa relaccedilatildeo de proteccedilatildeo de

solidariedade tende agrave extinccedilatildeo Os pelicanos por exemplo se reuacutenem em

bandos de 40 a 50 mil e enquanto uma parte dorme a outra pesca para que

possam se cuidar O instinto de proteccedilatildeo muacutetua traz mais seguranccedila quanto

aos predadores faz com tenham mais facilidade na hora de obter alimentos

(provisotildees invernais alimentaccedilatildeo sob vigilacircncia de sentinelas migraccedilatildeo)

prolonga os anos de vida facilita o desenvolvimento das faculdades

intelectuais criam instituiccedilotildees que auxiliam ainda mais a humanidade a

sobreviver na luta dura contra os fenocircmenos naturais e sociais (estes uacuteltimos

criados tambeacutem pelo homem) a auto-aperfeiccediloar-se apesar de todas as

vicissitudes da histoacuteria (KROPOTKIN 1970 FORTUNATO 1998 DEMO

2002)

A solidariedade o apoio muacutetuo satildeo antes de uma compreensatildeo

valorada pela virtude moral ou eacutetica um meio de sobrevivecircncia para a espeacutecie

Natildeo se trata de caridade benevolecircncia amor mas de uma condiccedilatildeo de

organizaccedilatildeo social que permite o desenvolvimento das populaccedilotildees

Em seus estudos sobre os homens Kropotkin considera os grupos

primitivos baacuterbaros e indiacutegenas e se admira com a sociabilidade evidenciada

nas organizaccedilotildees que possibilitaram superar as fraquezas individuais e garantir

o desenvolvimento da espeacutecie enquanto comunidade

Entre outros exemplos cita as aldeias Tupi no Brasil que na eacutepoca do

descobrimento do paiacutes viviam em grandes casas ocupadas por famiacutelias

inteiras que compartilhavam tanto a moradia como os alimentos ajudando-se

uns aos outros Em sua obra O apoio muacutetuo faz uma leitura acerca da

compreensatildeo da ciecircncia a partir de Hobbes Rousseau e Huxley

Naturalmente desde a eacutepoca de Hobbes a ciecircncia tem tido progressos e noacutes pisamos agora em um terreno mais seguro que se pisava em sua eacutepoca ou na eacutepoca de Rousseau Mas a filosofia de Hobbes ainda agora tem bastante adoradores e nos uacuteltimos tempos tem-se formado uma escola de escritores que armados natildeo tanto das ideias de Darwin e de sua terminologia se tem aproveitado desta uacuteltima para predicar em

88

favor das opiniotildees de sobre o homem primitivo e conseguiram ateacute dar a ela um certo ar de aparecircncia cientiacutefica Huxley como eacute sabido encabeccedila essa escola e em sua conferecircncia em 1888 apresentou os homens primitivos como algo semelhante a tigres ou leotildees desprovidos de toda classe de concepccedilotildees sociais que natildeo se detiveram frente agrave luta pela sobrevivecircncia e cuja a vida inteira transcorria em uma ldquopendecircncia contiacutenuardquo (KROPOTKIN 1970 p 94 traduccedilatildeo livre)

Sua tese concorda com os princiacutepios aristoteacutelicos na medida em que

compreende a sociabilidade a necessidade de ajuda muacutetua a solidariedade

como inatas agrave natureza humana e que mesmo diante da guerra os homens

aspiram agrave paz ainda que a um alto custo

3 A solidariedade enquanto conhecimento em Boaventura de Souza

Santos

Esta tese compreende a solidariedade como praacutetica curricular

educativa apoiando-se na construccedilatildeo teoacuterica de Boaventura de Souza

Santos45 Partiremos com ele da compreensatildeo de solidariedade enquanto

forma de saber em favor da emancipaccedilatildeo

A solidariedade eacute uma forma especiacutefica de saber que se conquista sobre o colonialismo O colonialismo consiste na ignoracircncia da reciprocidade e na incapacidade de conceber o outro a natildeo ser como objeto A solidariedade eacute o conhecimento obtido no processo sempre inacabado de nos tornarmos capazes de reciprocidade atraveacutes da construccedilatildeo e do reconhecimento da intersubjetividade A ecircnfase na solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do conhecimento emancipatoacuterio (SANTOS B S 2009 p 81)

45

Portuguecircs nascido em 1940 Santos eacute um dos nomes mais reconhecidos na aacuterea de ciecircncias sociais atualmente desenvolve o tema de epistemologia democracia e direitos humanos entre outros Professor Catedraacutetico Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick eacute Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Coordenador Cientiacutefico do Observatoacuterio Permanente da Justiccedila Portuguesa em outras atividades de produccedilatildeo cientiacutefica e acadecircmica (SANTOS B S 2013)

89

Em sua definiccedilatildeo a solidariedade se constitui a partir da alteridade (na

capacidade de reconhecer o outro em reciprocidade) da eacutetica (o estado de

atenccedilatildeo agrave vida o que nos faz capazes de reconhecer o outro respeitando sua

subjetividade) e do compromisso poliacutetico (na medida em que anuncia a

negaccedilatildeo ao colonialismo e a valorizaccedilatildeo da comunidade) Cada um desses

conceitos fundantes da solidariedade tecem a fundamentaccedilatildeo teoacuterica desta

tese e seratildeo desenvolvidos ainda neste capiacutetulo a partir de Boaventura com a

contribuiccedilatildeo de Leacutevinas Dussel e Freire respectivamente

Para compreender a construccedilatildeo do conceito de solidariedade em

Boaventura partiremos inicialmente da consideraccedilatildeo que o autor faz de que a

racionalidade na matriz da modernidade ocidental produz duas formas de

conhecimento o que estaacute a favor da dominaccedilatildeo chamado de conhecimento-

regulaccedilatildeo (CR) e o criacutetico que estaacute a favor da emancipaccedilatildeo chamado de

conhecimento-emancipaccedilatildeo (CE) ou solidariedade O que define o ponto de

ignoracircncia e o ponto de saber em um e outro eacute diferente No CR a ignoracircncia

eacute o caos e o saber eacute a ordem no CE a ignoracircncia eacute o colonialismo (ou a

incapacidade de reconhecer o outro) e o ponto de saber a autonomia solidaacuteria

Soacute que o fortalecimento do capitalismo reduziu o conhecimento vaacutelido agrave ordem

desprezando a solidariedade como saber Tal caracteriacutestica engessa as

possibilidades de desenvolvimento da humanidade pois em muitos aspectos a

valoraccedilatildeo apenas da ciecircncia natildeo alcanccedila a complexidade da realidade Nas

palavras de Boaventura Santos (2009 p 63)

o rigor cientiacutefico afasta-se pelo rigor das mediccedilotildees As qualidades intriacutensecas do objeto satildeo por assim dizer desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir O que natildeo eacute quantificaacutevel eacute cientificamente irrelevante Em segundo lugar o meacutetodo cientiacutefico assenta na reduccedilatildeo da complexidade

A crise estaacute nesta racionalidade nas ciecircncias sociais que produzindo

conhecimento-regulaccedilatildeo e o conhecimento-emancipaccedilatildeo geram uma

monocultura do saber e do rigor que por muitas vezes restringe a

90

potencialidade da proacutepria produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo Para

melhorar compreender esta argumentaccedilatildeo de Boaventura Santos (2007 2009

2010) vamos partir de suas demarcaccedilotildees conceituais o conhecimento-

regulaccedilatildeo eacute aquele que responde aos princiacutepios do Estado do mercado e da

comunidade quando reproduzindo a operacionalidade teacutecnica e cientiacutefica

despreza a contextualizaccedilatildeo e o diaacutelogo intercultural e produz o silecircncio das

culturas natildeo-hegemocircnicas transformando-as em objetos de superaccedilatildeo

manipulaacuteveis ou descartaacuteveis Esse conhecimento estaacute a serviccedilo de uma

ordem social que se impotildee para racionalizar e dominar (colonizar) A

hegemonia46 do conhecimento-regulaccedilatildeo se valida da ordem e da forma da

ciecircncia para firmar-se enquanto saber pretensamente cientiacutefico O

conhecimento-regulaccedilatildeo eacute apresentado por Santos (2009) como a trajetoacuteria de

um estado de caos para um estado de ordem que reproduz a ciecircncia em favor

a manutenccedilatildeo do status quo do colonialismo A segunda forma de

conhecimento chamada de solidariedade ou conhecimento-emancipaccedilatildeo

parte do princiacutepio de elevar o outro da categoria de objeto para a condiccedilatildeo de

sujeito da proacutepria histoacuteria e se constitui a partir de trecircs loacutegicas da racionalidade

a esteacutetico‑expressiva das artes e literatura a racionalidade

instrumental‑cognitiva da ciecircncia e tecnologia e a moral‑praacutetica da eacutetica e do

direito

No entanto quando haacute hipercientifizaccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo ela tende a limitaacute-lo atribuindo-lhe meacutetodos que congelam a

capacidade criativa por meio da padronizaccedilatildeo do rigor proacuteprio das culturas de

saber dominante Sobre esta questatildeo Pedro Demo diz que ldquoo fato de que a

ciecircncia como eacute entendida metodologicamente natildeo sabe tratar a eacutetica eacute

problema da ciecircncia natildeo da eacuteticardquo (2002 p 62) A saiacuteda portanto poderia ser

produzir o conhecimento-emancipaccedilatildeo por meio de uma ldquoruptura

epistemoloacutegicardquo - transformar o conhecimento cientiacutefico (totalizante e

46

Entende-se o conceito de hegemonia como a capacidade econocircmica poliacutetica material e intelectual de estabelecer uma direccedilatildeo dominante na forma de abordagem de uma determinada questatildeo no caso a questatildeo da democracia Entendemos tambeacutem que todo o processo hegemocircnico produz um processo contra-hegemocircnico no interior do qual satildeo elaborados formas econocircmicas poliacuteticas e morais alternativas No caso do debate atual sobre a democracia isso implica na concepccedilatildeo hegemocircnica e uma concepccedilatildeo contra-hegemocircnica de democracia (SANTOS B S 2005 p 43)

91

antidemocraacutetico) em um novo senso comum que valide outras formas de

conhecimento como os conhecimentos populares os indiacutegenas os

camponeses os urbanos (SANTOS B S 2007 p 29)

O pensamento e a construccedilatildeo do conhecimento eacute um processo

contiacutenuo dinacircmico contraditoacuterio em suas re-significaccedilotildees que acontece pelas

referecircncias que construiacutemos a partir da cultura na qual estamos inseridos e que

provoca discrepacircncias entre regulaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo Segundo o autor a

ciecircncia tem adotado uma postura de reduccedilatildeo da diversidade e da riqueza local

em favor da construccedilatildeo de uma percepccedilatildeo de realidade reduzida aos moldes

do conhecimento cientificista pela qual diz que a ciecircncia cria as ausecircncias

Neste sentido propotildee a reinvenccedilatildeo das ciecircncias sociais para buscar as

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

como aspiraccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial (Ibidem p 19) e encontrar uma saiacuteda

para o vazio que existe atualmente paradoxalmente em todo o mundo que

ora tenciona contra as formas de regulaccedilatildeo que natildeo regulam e ora contra as

formas de emancipaccedilatildeo que natildeo emancipam (Idem 2005 p 17)

Haacute portanto o que o autor chama de desperdiacutecio da ciecircncia

provocado por uma ausecircncia planejada que tende a naturalizar as diferenccedilas

ocultando as hierarquias Ele aponta cinco modos de produzir a indolecircncia da

ciecircncia a) pela monocultura do saber e do rigor que universaliza o meacutetodo

cientiacutefico desprezando o senso comum e a cultura local em detrimento do

conhecimento cientiacutefico b) pela linearidade do tempo que valida apenas uma

ideia e um sentido da histoacuteria os quais privilegiam a esteira da globalizaccedilatildeo c)

pela naturalizaccedilatildeo das diferenccedilas que oculta a hierarquia ndash os que satildeo

inferiores o satildeo por ldquonaturezardquo d) pela escala dominante mais diretamente o

universalismo e a globalizaccedilatildeo onde a realidade global eacute hegemocircnica e

sucumbi a local que se torna invisiacutevel descartaacutevel e) pelo produtivismo

capitalista onde soacute a produtividade ligada ao crescimento econocircmico eacute

ldquovisiacutevelrdquo Estas cinco formas deixam de lado uma seacuterie de experiecircncias e

conhecimentos locais produzindo uma ciecircncia indolente que nada contribui

para romper a loacutegica da desigualdade perversa (Idem 2007)

A contra-resposta seria o desenvolvimento de cinco ecologias O saber

ecoloacutegico comporta as duas formas de conhecimento o tecnoloacutegico-cientiacutefico e

92

o saber de preservar a vida Se queremos as duas coisas temos que pensar

de que maneira podemos constituir as ecologias de conhecimento Essa nova

organizaccedilatildeo encorpa o conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade trazendo-lhe

focirclego sem descartar a racionalidade As cinco ecologias propostas satildeo a) a

ecologia dos saberes onde se valoriza o saber cientiacutefico e local O que de fato

interessa eacute ver o que determinado conhecimento produz na realidade de

maneira pragmaacutetica sem abstraccedilotildees b) a ecologia das temporalidades a

vivecircncia do tempo eacute sentida e aproveitada de maneira diferente pelas culturas

e deve ser valorizada c) a ecologia do reconhecimento onde a principal ideia eacute

a de descolonizar o conhecimento de forma a preservar as diferenccedilas depois

que as hierarquias forem eliminadas d) a ecologia ldquotransescalardquo em que os

conhecimentos sejam valorizados em escala local nacional regional e global

por fim e) a ecologia das produtividades onde haja valorizaccedilatildeo dos sistemas

alternativos de produccedilatildeo de organizaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

A importacircncia de natildeo se limitar agrave concepccedilatildeo racionalista de

conhecimento (CR e CE) contribui para uma visatildeo menos cientificista do

conhecimento-emancipaccedilatildeo na esperanccedila de salvaacute-lo antes que o

colonialismo passe a ser ordem Nas palavras de Boaventura Santos (2007 p

53)

essa eacute a maneira com que tento ver o que se passou e por que eacute necessaacuterio reinventar o conhecimento-emancipaccedilatildeo Porque de alguma maneira a ciecircncia moderna se desenvolveu totalmente no quadro do conhecimento-regulaccedilatildeo que recodificou canibalizou perverteu as possibilidades do CE E eacute por isso que o CE tem de ser uma ecologia de saberes natildeo pode ser simplesmente o saber cientiacutefico moderno que temos este eacute importante necessaacuterio mas tem de estar incluiacutedo em uma ecologia de saberes mais ampla

Segundo Santos a solidariedade requer consciecircncia tomada de

atitude e compromisso na medida em que tambeacutem eacute um modo de agir de

produzir e de estar no mundo A solidariedade eacute a reconstruccedilatildeo dialeacutetica do

conhecimento que parte da subjetividade do sujeito e promove a emancipaccedilatildeo

a interculturalidade respeitando as diferenccedilas Nas palavras de Dussel

93

quando a igualdade destroacutei a diversidade deve-se defender a diferenccedila cultural Quando o uso da diferenccedila cultural eacute uma maneira de dominar os outros deve-se defender a igualdade da dignidade humana As populaccedilotildees naccedilotildees etnia [] foram definidas como membros de uma totalidade poliacutetica unicultural Na verdade nenhum Estado moderno tem como base uma naccedilatildeo uma etnia ou liacutengua mas sim vaacuterias culturas com liacutenguas histoacuterias e ateacute religiotildees diversas Eacute uma ficccedilatildeo a unidade cultural o Estado moderno Satildeo na realidade Estados multiculturais Trata-se entatildeo de reconhecer a multiculturalidade da comunidade poliacutetica e comeccedilar uma educaccedilatildeo num diaacutelogo intercultural com respeito agraves diferenccedilas (DUSSEL 2007 p 145)

No nosso entender para que a educaccedilatildeo seja construiacuteda a partir desse

diaacutelogo intercultural respeitando as diferenccedilas eacute necessaacuterio considerar a

solidariedade visando propiciar o domiacutenio da linguagem cientiacutefica sem

homogeneizar e descaracterizar a essecircncia das culturas valorizando-as Aleacutem

disso para a compreensatildeo da solidariedade como praacutetica curricular educativa

eacute preciso qualificaacute-la a partir da sua intenccedilatildeo (eacutetica) na relaccedilatildeo de

reciprocidade e responsabilidade com o outro (alteridade) em favor de uma

atitude poliacutetica (compromisso) Neste sentido os saberes acumulados

culturalmente podem ser estudados numa situaccedilatildeo de aprendizagem onde os

alunos aprendam a reconhecer o outro a colocar o conhecimento

culturalmente aprendido em favor da vida participando socialmente Educaccedilatildeo

enquanto constructo humano deve ser pensada como forma de intervenccedilatildeo no

mundo para tornaacute-lo um lugar possiacutevel de se viver bem valorizando

respeitando tornando digna a vida em sua diversidade

4 Solidariedade e alteridade em Emmanuel Leacutevinas

Um dos principais expoentes teoacutericos em alteridade eacute Emmanuel

Leacutevinas (1906-1995)47 Em 1961 ele produziu uma de suas obras consagradas

47

Filho de livreiro judeu ainda crianccedila sua famiacutelia foi expulsa da Lituacircnia e emigrou para a Ucracircnia onde fez o curso secundaacuterio Sua famiacutelia acabou regressando em 1920 mas em 1923 Leacutevinas voltou para estudar na Universidade de Estrasburgo Viacutetimas da guerra teve que proteger sua esposa e dois filhos para que natildeo fossem capturados pelo exeacutercito sendo que seus pais na Lituacircnia natildeo tiveram a mesma sorte As correntes filosoacuteficas que mais o marcaram foi o existencialismo e o marxismo dominantes no cenaacuterio francecircs

94

que marcaram o seacuteculo XX Totalidade e Infinito Leacutevinas propotildee uma releitura

do sujeito parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o outro pelo

outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser social que tem

obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas onde a responsabilidade infinita de um-

para-o-outro eacute o sentido da vida Leacutevinas se opotildee ao modelo hegeliano pois

considera que a totalidade anula a responsabilidade dos indiviacuteduos perante os

seus proacuteprios atos em nome da impessoalidade inerente agrave totalidade Neste

sentido afirma que anteriormente a toda unidade e onde haacute relaccedilatildeo possiacutevel

ldquoa sociabilidade eacute independente de todo reconhecimento preacutevio e de toda

formaccedilatildeo de totalidadesrdquo (LEacuteVINAS 1997 p 236) o que faz com que a cultura

preceda a poliacutetica numa relaccedilatildeo eacutetica

A responsabilidade pelo outro tanto quanto por noacutes mesmos eacute a ideia

central da alteridade onde haacute a compreensatildeo de que a ldquohumanidaderdquo de cada

ser humano eacute tecida nas relaccedilotildees que se estabelecem Quando algueacutem eacute

indiferente ao outro significa que aquele outro natildeo se relacionou com este

algueacutem pois a relaccedilatildeo foi estabelecida no alius no estranho no estrangeiro

no di-ferente e natildeo no aacutelter de dis-tinto Sobre isso Pedrinho Guareschi nos

ajuda a demarcar tais conceitos e desta forma compreender a alteridade em

Leacutevinas

O ldquooutrordquo eacute ldquodi-ferenterdquo do latim dis que significa divisatildeo ou negaccedilatildeo e ferre que significa levar com violecircncia arrastar Nesse sentido o diferente eacute o arrastado desde a identidade original e coloca-se como o oposto eacute a dialeacutetica monoloacutegica

Na segunda o ldquooutrordquo eacute o ldquodis-tintordquo de dis e tinguere que significa tingir pintar tambeacutem eacute separado eacute o outro natildeo contudo arrastado para fora mas possuindo sua identidade e estabelecendo com o ldquomesmordquo relaccedilotildees de diaacutelogo construtivas de conversatildeo eacute a analeacutetica Essa eacute a verdadeira ldquoalteridaderdquo (GUARESCHI 2002 p157)

Essa reflexatildeo implica portanto no re-conhecimento da alteridade que

transforma e traz referecircncias fundamentais para a constituiccedilatildeo do eu enquanto

sujeito Se o re-conheccedilo estabeleccedilo uma relaccedilatildeo horizontal de confianccedila

95

Eu o reconheccedilo ou seja creio nele Mas se este reconhecimento fosse minha submissatildeo a ele esta submissatildeo retiraria todo valor de meu reconhecimento o reconhecimento pela submissatildeo anularia minha dignidade pela qual o reconhecimento tem valor O rosto que me olha me afirma Mas face a face natildeo posso mais negar o outro somente a gloacuteria numenal do outro torna possiacutevel o face-a-face (LEacuteVINAS 1997 p 61)

Leacutevinas nos mostra que a relaccedilatildeo face-a-face faz com que o

reconhecimento do outro construa a relaccedilatildeo de conhecimento O outro em

uma relaccedilatildeo solidaacuteria eacute distinto e me constitui Nas palavras de Leacutevinas

natildeo haacute ruptura do isolamento do ser no saber [] na comunicaccedilatildeo do saber nos encontramos ao lado de outrem e natildeo confratados com ele natildeo na verticalidade do em frente dele Mas estar em relaccedilatildeo direta com outrem natildeo eacute tematizar outrem e consideraacute-lo da mesma maneira com se considera um objeto conhecido nem comunicar-lhe um conhecimento [] O social estaacute para aleacutem da ontologia (Idem 1982 p 49-50)

Na construccedilatildeo do conceito de solidariedade significa preservar e

valorizar o distinto e com ele construir conhecimento A alteridade por sua

caracteriacutestica de se constituir com o outro evolui para formar a compreensatildeo

de sujeito (social) embasado na concepccedilatildeo de relaccedilatildeo48 A compreensatildeo de

solidariedade portanto constituiacuteda por meio da alteridade estaacute apoiada na

ideia da relaccedilatildeo com o outro distinto em que juntos haacute constituiccedilatildeo de uma

unidade Quando a relaccedilatildeo deixa de ter esta caracteriacutestica ela tambeacutem deixa

de ser solidaacuteria Significa dizer que na solidariedade natildeo haacute relaccedilatildeo de

submissatildeo pois isto seria anular a existecircncia do outro enquanto sujeito da

proacutepria histoacuteria A relaccedilatildeo entre o mesmo e outro natildeo deve partir de uma

reduccedilatildeo do outro apenas sob a compreensatildeo do mesmo nem tentar reduzi-lo

ao rosto enquanto a expressatildeo do que eacute diferente do mesmo

A melhor maneira de encontrar outrem eacute nem sequer atentar a cor dos olhos Quando se observa a cor dos olhos natildeo se estaacute

48

Relaccedilatildeo segundo a reflexatildeo filosoacutefica intriacutenseca do ser se daacute na incompletude ou seja sempre necessita de outro para se fazer (GUARESCHI 2002)

96

em relaccedilatildeo social com outrem A relaccedilatildeo rosto pode sem duacutevida ser dominada pela percepccedilatildeo mas o que eacute especificamente rosto eacute o que natildeo se reduz a ele (LEacuteVINAS 1982 p 77)

Leacutevinas pontua que somente a exposiccedilatildeo ao outro natildeo leva agrave tomada

de consciecircncia ou ainda que a responsabilidade natildeo se daacute espontaneamente

ela eacute resultado de um processo de aprendizagem Neste sentido experiecircncias

educativas que propiciem o contato com o outro responsavelmente

contribuem para a formaccedilatildeo da alteridade para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

que se constitui por meio do desenvolvimento da consciecircncia da obrigaccedilatildeo de

cuidar e desenvolver a vida em todas as suas possibilidades Do contraacuterio a

exposiccedilatildeo ao outro pode reproduzir o preconceito e a indiferenccedila

Assim eacute preciso pontuar que a compreensatildeo de solidariedade pelo

conceito levinasiano de alteridade comporta trecircs caracteriacutesticas fundamentais

parte do outro enquanto referecircncia primeira de re-conhecimento e formaccedilatildeo

pessoal (sendo que tal re-conhecimento eacute aprendido e portanto deve ser

ensinado) natildeo garante que haveraacute re-conhecimento compromisso respeito

somente pela exposiccedilatildeo a outra face e terceiro para se fazer o bem eacute

necessaacuterio saber ouvir e conhecer inicialmente onde o bem natildeo eacute exatamente

aquilo que o sujeito que o pratica quer oferecer mas deve ser aquilo que quem

recebe reconhece como tal ndash este segundo imprime o que deve ser feito Eacute

neste sentido que uma atitude de solidariedade natildeo eacute uma postura paternalista

ou de benevolecircncia pois esta postura submete o outro agrave condiccedilatildeo de objeto

natildeo de sujeito Trata-se sobretudo de uma tomada de consciecircncia de um

compromisso com a dignidade do outro reconhecido enquanto parte

constituinte do proacuteprio ser Haacute portanto uma forma de ldquodesvelamentordquo

intencional um rosto pode provocar a relaccedilatildeo humana Ser-para-o-outro

significa assumir a responsabilidade eacutetica sobre ele onde a transcendecircncia

seja a proximidade medida pela responsabilidade com o outro (Idem 2002)

num estado de atenccedilatildeo agrave vida

O conceito de alteridade tambeacutem sustenta a compreensatildeo do que seria

praticar o bem Contraacuterio ao pensamento de Rousseau Leacutevinas desconsidera

que fazer o bem seja algo intriacutenseco a quem faz a accedilatildeo pois a bondade da

97

accedilatildeo natildeo se mede pela felicidade ou intenccedilatildeo de quem a faz Esta seria uma

medida egoiacutesta centrada no eu antagocircnica ao conceito de alteridade pois

transforma o outro em objeto e natildeo sujeito da accedilatildeo Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria o bem antes mesmo de sentir que se estaacute fazendo o bem

pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar numa aproximaccedilatildeo permissiva de deixar-se

ldquoatingirrdquo pelo outro (HUTCHENS 2007) Desta forma ser solidaacuterio e promover

o bem natildeo eacute sentir-se bem e sim ldquoser atingidordquo pelo bem eacute ser ldquobom apesar de

si mesmordquo

5 Solidariedade e eacutetica em Enrique Dussel

Da alteridade buscou-se a qualificaccedilatildeo de uma solidariedade baseada

na percepccedilatildeo do outro enquanto ldquodistintordquo onde a abertura a relaccedilatildeo ldquoface-a-

facerdquo exige a postura eacutetica compreendida enquanto um estado constante de

atenccedilatildeo agrave vida satildeo os homens que satildeo (ou natildeo) eacuteticos (GUARESCHI 2002)

Ser eacutetico implica em respeitar em responsabilizar-se pela vida do outro A

alteridade eacute o ponto central da Eacutetica da Vida defendida na Filosofia da

Libertaccedilatildeo de Enrique Dussel que iraacute reconhecer na ldquoviacutetimardquo o outro

Enrique Dussel49 eacute um dos principais filoacutesofos da atualidade a tratar a

questatildeo da eacutetica e da poliacutetica Seu pensamento parte da consideraccedilatildeo do outro

pela sua exterioridade a alteridade e a praacutexis da libertaccedilatildeo se opondo agrave

49

Nascido em 1934 em Mendonza Argentina exilado poliacutetico desde 1975 no Meacutexico hoje cidadatildeo mexicano ateacute 1972 Dussel dedicou-se agrave Filosofia da Libertaccedilatildeo latino-americana propondo uma maneira inovadora de se pensar a filosofia a partir do cenaacuterio e contexto latino-americano (nesse ano publicou o livro Para una destruccioacuten de la historia de la eacutetica I) Em 1973 enquanto lecionava filosofia na Argentina sofreu um atentado agrave bomba perpetrado pela extrema direita do sindicalismo (ano da publicaccedilatildeo de Para uma eacutetica de la liberacioacuten) Sua produccedilatildeo acerca da Filosofia da Libertaccedilatildeo se estendeu de 1969 a 1976

Diante de uma situaccedilatildeo insustentaacutevel que se instalou Dussel foi ldquoconvidadordquo a se retirar da Universidade Nacional de Cuyo em marccedilo de 1970 e se mudou para o Meacutexico onde encontrou o refuacutegio intelectual que precisava para continuar seus estudos Aprendeu inglecircs e comeccedilou um contato com os trecircs continentes experiecircncia que considera fundamental para a ampliaccedilatildeo de sua compreensatildeo histoacuterica Passou a dedicar-se aos estudos sobre o pensamento de Marx interpretando-o sobretudo para compreender a Ameacuterica Latina a globalizaccedilatildeo a exploraccedilatildeo e o capitalismo

98

dominaccedilatildeo Em 1998 Dussel apresentou ao mundo uma obra central a Eacutetica

da Libertaccedilatildeo na idade da Globalizaccedilatildeo e da Exclusatildeo (DUSSEL 2002) No

entanto se no iniacutecio seu principal interlocutor era o oprimido e vitimado latino-

americano atualmente sua obra pretende ser universal uma vez que afirma ter

vitimas do sistema-mundo capitalista por toda a parte numa compreensatildeo de

uma eacutetica ecoloacutegica material de libertaccedilatildeo50 Em uma de suas obras mais

recentes 20 Tesis de Poliacutetica Dussel discorre sobre os princiacutepios poliacuteticos de

libertaccedilatildeo natildeo se limitando aos eacuteticos mas jaacute encaminhando a sua teoria para

a compreensatildeo poliacutetica da eacutetica

Em Dussel a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash nasce da

responsabilidade pelo outro A subjetividade eacutetica resiste a qualquer

totalizaccedilatildeo eacute a separaccedilatildeo que constitui o sujeito no mundo Ao tomar

consciecircncia do outro absolutamente novo recorre-se sobre ele a

responsabilidade Na assimetria da ordem social a proacutepria vida do outro afeta

tambeacutem a relaccedilatildeo do eu com as coisas com o mundo (DUSSEL 2002 p 371)

A partir de uma conduta eacutetica de tomada de consciecircncia de

responsabilidade com o outro51 busca-se compreender o mundo dele

participar e produzir vida digna para todos De fato para que haja justiccedila

solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a ordem

estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se converta

em lsquopossibilidade de viver e viver melhor (Ibidem p 382 grifo nosso)

50

Uma eacutetica ldquoecoloacutegicardquo trata a condiccedilatildeo de possibilidade absoluta dos seres vivos exercida em uacuteltima anaacutelise no respeito ao direito universal agrave sobrevivecircncia de todos os seres humanos especialmente dos mais afetados e excluiacutedos dos pobres do presente e das geraccedilotildees futuras que herdaratildeo se adquirem uma consciecircncia pronta e global uma terra ldquomortardquo (DUSSEL 2003 p 23)

51 A responsabilidade pode ser pensada a partir do princiacutepio responsabilidade (JONAS 2006)

onde a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo eacute indissociaacutevel daquela que se deve ter em relaccedilatildeo aos demais Trata-se de uma responsabilidade que o liga a todos os homens e agrave natureza que o cerca numa reflexatildeo que busca atender tambeacutem o universal

A respeito do princiacutepio responsabilidade Santos conclui que podemos partir da Sorge (Heidegger) do cuidado que nos torna responsaacuteveis pelo outro quer seja ele um ser humano um grupo social a natureza etc Esse outro inscreve-se simultaneamente na nossa contemporaneidade e no futuro cuja possibilidade de existecircncia temos de garantir no presente A nova eacutetica natildeo eacute antropocecircntrica nem individualista nem busca apenas a responsabilidade pelas consequecircncias imediatas Eacute uma responsabilidade pelo futuro (SANTOS B S 2009 p 112)

99

Havendo a consciecircncia sobre a possibilidade de viver melhor haacute o

compromisso eacutetico intriacutenseco de fazecirc-la acontecer na complexidade das

relaccedilotildees sociais que se estabelecem O sujeito ao qual se deve reconhecer

sobretudo eacute a viacutetima que em uacuteltima estacircncia eacute o sujeito negado

A viacutetima para Dussel eacute o pobre o que foi por noacutes excluiacutedo do

sistema Natildeo se trata apenas de reconhecer a viacutetima mas de assumir a

responsabilidade pelo outro num compromisso poliacutetico consciente

Sousomos res-ponsaacuteveis pelo outro pelo fato de ser humano sensibilidade aberta ao rosto do outro Aleacutem disso natildeo eacute res-

ponsabilidade pela proacutepria vida agora eacute res-ponsabilidade pela vida negada do outro que se funda num enunciado normativo porque devo produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em geral [] A passagem por fundamentaccedilatildeo do juiacutezo de fato (ldquoHaacute uma viacutetimardquo) para o juiacutezo normativo (ldquoDevo re-sponsavelmente tornaacute-la a cargo e julgar o sistema que a causardquo) eacute agora justificaacutevel (DUSSEL 2002 p 379)

A solidariedade em Dussel se refere ao princiacutepio de reconhecer o outro

como aquele por quem somos responsaacuteveis pela sua fome pela negaccedilatildeo de

sua vida digna Este reconhecimento ldquoestaacute me pedindo solidariedade [] pede

suplica-me ordena-me eticamente que o ajuderdquo (Ibidem p 378) Ser

indiferente agrave fome agrave exclusatildeo eacute o mesmo que ser conivente com o sistema

que a manteacutem Assim a solidariedade eacute tambeacutem uma atitude eacutetica e

compromisso poliacutetico Neste sentido a proposta de solidariedade enquanto

praacutetica educativa sugere uma formaccedilatildeo a partir da tomada de consciecircncia

compreendendo segundo Dussel tanto os campos poliacuteticos quanto ecoloacutegicos

e seus sistemas por vontade-de-viver52 consensual e factiacutevel de garantir a

vida plena para todos Assim eacute preciso considerar os trecircs princiacutepios essenciais

que atribuem qualidade eacutetica agrave poliacutetica o respeito aos cidadatildeos (material) o

dever de atuar cumprindo a democracia (formal) e o de operar o possiacutevel

(factibilidade) No limite a poliacutetica deveria ser o maacuteximo exerciacutecio de produccedilatildeo

manutenccedilatildeo e desenvolvimento da vida em comunidade O instinto do homem

52

A ldquovontade-de-viverrdquo eacute a essecircncia positiva o conteuacutedo como forccedila como potecircncia que pode mover arrastar impulsionar Em fundamento a vontade de adiar a morte de continuar vivo a tendecircncia originaacuteria de todo o ser humano (DUSSEL 2007 p 31)

100

de querer-viver a vontade-de-vida de querer permanecer vivo faz com que

eles procurem estar juntos (DUSSEL 2007) No entanto se as vontades dos

membros de uma comunidade forem distintas e dispersas se os interesses

forem individuais muacuteltiplos isolados a forccedila do grupo seraacute anulada pois a

competiccedilatildeo interna gera impotecircncia para um projeto comum Por outro lado

quando as pessoas estatildeo alinhadas e organicamente compartilhando a

vontade-de-viver-comum pode-se dizer que essa comunidade se potencializa

Segundo Dussel

o consenso deve ser um acordo de todos os participantes como sujeitos livres autocircnomos racionais com igual capacidade de intervenccedilatildeo retoacuterica para que a solidez da uniatildeo das vontades tenha consistecircncia para resistir aos ataques e criar as instituiccedilotildees que lhe deem permanecircncia e governabilidade [] Quanto mais participaccedilatildeo os membros singulares na comunidade tecircm mais se cumprem as reivindicaccedilotildees particulares e comum [] o poder do povo transforma-se em uma muralha que protege e em um motor que produz e inova (DUSSEL 2007 p 27)

Desta forma haacute poder quando os homens se conectam para exercecirc-lo

(potentia) do contraacuterio haacute enfraquecimento A solidariedade nesse processo

traz a capacidade de potentia supera a visatildeo de fraternidade do noacutes e atribui

conhecimento e princiacutepio eacutetico agrave intenccedilatildeo e agrave accedilatildeo promovendo mais chances

de ecircxito no exerciacutecio poliacutetico nos projetos comuns nos quais os outros (as

viacutetimas ndash ainda que institucionais dos sistemas e das instituiccedilotildees) participem

como sujeitos livres e solidaacuterios Para Dussel (2007) o que marca a apariccedilatildeo

da poliacutetica eacute a passagem da potentia para a potestas (necessaacuteria

institucionalizaccedilatildeo do poder da comunidade do povo criando diferenciaccedilotildees

heterogecircneas de funccedilotildees por meio da qual se torne factiacutevel o proacuteprio poder)

Assim enquanto o anarquista deseja com a maacutexima exponenciaccedilatildeo da

potentia o conservador no campo da potestas busca a maacutexima organizaccedilatildeo

institucional exercida como dominaccedilatildeo

A solidariedade incita uma convivecircncia poliacutetica uma praacutexis de

intelectual orgacircnico (Gramsci) que consiga ldquoeducar os movimentos sociais em

sua autonomia democraacutetica em sua evoluccedilatildeo poliacutetica em seus atores

101

mutuamente responsaacuteveis por seus destinosrdquo (DUSSEL 2007 p 119) para

que o compromisso seja efetivado

6 Solidariedade e consciecircncia poliacutetica em Paulo Freire

Pode-se dizer que a base do pensamento de Paulo Freire53 se

desenvolve a partir da compreensatildeo do homem enquanto um ser social

portanto histoacuterico e poliacutetico que tem a capacidade de produzir e transformar o

mundo produzindo conhecimento e cultura Para Freire natildeo eacute possiacutevel ser

humano sem a presenccedila de outros humanos que o constituiacuteram e o

constituem pois o homem natildeo nasce homem mas se torna nas mediaccedilotildees

que estabelece ao longo da vida Eacute na presenccedila do outro na condiccedilatildeo de

sujeito histoacuterico e poliacutetico que a vida acontece daiacute a importacircncia do processo

formativo na constituiccedilatildeo dessa formaccedilatildeo humana que nunca seraacute neutra

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p

40)

Na relaccedilatildeo que se estabelece com os outros eacute que se forma a

consciecircncia sobre ser humano Neste sentido o processo formativo eacute

compreendido como um ato constituidor da pessoa humana social mas

sobretudo poliacutetica quer esteja a serviccedilo da inserccedilatildeo criacutetica no mundo quer

53

Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife numa famiacutelia de classe meacutedia Com o agravamento da crise econocircmica mundial iniciada em 1929 e a morte de seu pai quando tinha 13 anos Freire passou a enfrentar dificuldades econocircmicas Formou-se em direito mas natildeo chegou a exercer a profissatildeo seguindo pelo caminho do magisteacuterio Sua primeira grande contribuiccedilatildeo foi o desenvolvimento de um meacutetodo revolucionaacuterio de alfabetizaccedilatildeo de adultos Em 1963 em Angicos (RN) chefiou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mecircs No ano seguinte o Golpe Militar o surpreendeu em Brasiacutelia onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetizaccedilatildeo do presidente Joatildeo Goulart Foi preso exilado e ainda no exiacutelio publicou o Pedagogia do Oprimido Com a Lei da Anistia voltou ao Brasil em 1979 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e entre 1989 e 1991 foi Secretaacuterio Municipal de Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos Foi professor deste Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Curriacuteculo durante os uacuteltimos 17 anos de sua vida

102

esteja a serviccedilo da permanecircncia das estruturas injustas (FREIRE 2000) Eacute por

isso que toda praacutetica educativa libertadora em Freire partiraacute do

reconhecimento no sentido eacutetico da presenccedila humana no mundo onde eacute

impossiacutevel aceitar naturalmente a indiferenccedila a injusticcedila a relaccedilatildeo de

superioridade entre os homens Ser eacutetico eacute compreender-se a partir do outro

(alteridade) e atuar socialmente em favor de uma vida digna para todos (eacutetica)

A construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade na

compreensatildeo de Santos) em Freire mostra-se a partir da relaccedilatildeo mediante

respeito e reconhecimento como modo de estar no mundo de forma

consciente com uma consciecircncia de quem sabe intervir no mundo e natildeo

apenas constataacute-lo ou se adaptar a ele

Eacute nesse sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele Eacute por isso que natildeo apenas temos histoacuteria mas fazemos a histoacuteria que igualmente nos faz e que nos torna portanto histoacutericos (Ibidem p 40)

Freire iraacute frisar a diferenccedila entre estar no mundo e estar com o mundo

o que torna possiacutevel aproximaacute-lo da compreensatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo no qual em se fazer histoacuteria percebe-se o sujeito como capaz

de conduzir a proacutepria histoacuteria e atuar socialmente negando a reproduccedilatildeo do

conhecimento-regulaccedilatildeo como condiccedilatildeo Promover experiecircncias da decisatildeo

da responsabilidade da solidariedade da democracia deve ser o objetivo do

curriacuteculo Nunca Freire iraacute valorar uma educaccedilatildeo tecnicista de treinamento

mas sim em formaccedilatildeo em processo educativo Nas palavras de Freire

a necessaacuteria formaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutetica dos educandos por que se bate a pedagogia criacutetica natildeo tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e cientificista que caracteriza o mero treinamento Eacute por isso que o educador progressista capaz e seacuterio natildeo apenas deve ensinar muito bem sua disciplina mas desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social poliacutetica e histoacuterica em que eacute uma presenccedila (Ibidem p 44)

103

A consciecircncia criacutetica e a formaccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo em

Freire estaacute relacionada a uma atitude sobretudo poliacutetica de tomada de

decisatildeo e da praacutexis para que outra ordem seja construiacuteda O discurso ldquomornordquo

da aceitaccedilatildeo da realidade como ela eacute onde a fome e a miseacuteria sempre

existiram e continuaratildeo a existir eacute o discurso veementemente combatido por ele

como o da acomodaccedilatildeo de uma humanizaccedilatildeo que se isenta da

responsabilidade de proteccedilatildeo da proacutepria humanidade (FREIRE 1996 2000) O

saber-se homem eacute o saber que permite o reconhecimento da histoacuteria como

possibilidade

Gosto de ser homem de ser gente porque sei que a minha passagem pelo mundo natildeo e predeterminada preestabelecida Que o ldquodestinordquo natildeo eacute um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade natildeo posso me eximir Gosto de ser gente porque a Histoacuteria em que me faccedilo com os outros e de cuja feitura tomo parte eacute tempo de possibilidades e natildeo de determinismo (Idem 1996 p58)

Embora Freire natildeo tenha vinculado diretamente sua compreensatildeo de

educaccedilatildeo agrave pratica solidaacuteria eacute possiacutevel identificaacute-la como um dos aspectos

fundamentais de sua obra Assim visando pontuar as principais consideraccedilotildees

de Freire sobre solidariedade destacam-se a) ningueacutem educa ningueacutem

ningueacutem educa a si mesmo a partir da constataccedilatildeo de que estamos no mundo

com o outro em relaccedilatildeo (des)construtiva (in)consciente e sobretudo poliacutetica

onde as pessoas se educam em comunhatildeo ldquoa educaccedilatildeo autecircntica repitamos

natildeo se faz de A para B ou de A sobre B mas de A com B mediatizados pelo

mundordquo (Idem 1981 p 84) A educaccedilatildeo eacute poliacutetica e como tal pode formar para

a doutrinaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo quando considera que natildeo se estaacute para o

povo ou sobre ele mas com ele (Ibidem) b) horizontalidade uma relaccedilatildeo

solidaacuteria natildeo eacute assistencialismo pois para que este uacuteltimo aconteccedila eacute

necessaacuterio haver aquele que doa e outro que recebe Este tipo de relaccedilatildeo eacute

desigual e natildeo considera o sujeito que recebe como ator do processo mas

como mero receptor natildeo gera portanto conhecimento-emancipaccedilatildeo apenas

passividade que manteacutem as coisas como estatildeo Em outras palavras o

assistencialismo o paternalismo favorece o status quo c) diaacutelogo chave

104

fundamental da educaccedilatildeo problematizadora em Freire (1991) acontece a partir

de duas dimensotildees que partem da solidariedade do respeito ao outro ldquose

discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o

menino iacutendio a menina rica [] natildeo posso evidentemente escutaacute-los e se natildeo

os escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixordquo (FREIRE

1996 p 136) d) visatildeo criacutetica Freire tambeacutem indica que haacute formas diferentes

de solidariedade e que nem todas satildeo favoraacuteveis ao desenvolvimento poliacutetico-

democraacutetico uma vez que a passividade assistencialista turva o exerciacutecio

criacutetico da responsabilidade comprometendo a democracia

Vale ressaltar que a solidariedade na visatildeo de Freire estende-se para o entrelaccedilamento entre paiacuteses do Sul sem excluir dessa interdependecircncia os pobres dos paiacuteses ricos Ser solidaacuterio para ele eacute assumir o ponto de vista dos ldquocondenados da terrardquo em favor de uma eacutetica universal do ser humano (STRECK 2010 p 379)

O lugar onde vivemos eacute um constructo humano assumi-lo em favor da

eacutetica da vida da igualdade das liberdades eacute acreditar na construccedilatildeo de uma

outra ordem possiacutevel Aceitar a relaccedilatildeo de desigualdade e tomar atitudes

assistencialistas favorece as estruturas dominantes promove a acomodaccedilatildeo e

a aceitaccedilatildeo dos fatos sociais como condicionantes imutaacuteveis Eacute neste sentido

que para Freire a educaccedilatildeo eacute um ato poliacutetico uma forma de intervenccedilatildeo no

mundo jamais neutra

Como experiecircncia especificamente humana a educaccedilatildeo eacute uma forma de intervenccedilatildeo no mundo Intervenccedilatildeo que aleacutem do conhecimento dos conteuacutedos bem ou mal ensinados eou aprendidos implica tanto o esforccedilo de reproduccedilatildeo da ideologia dominante como o seu desmascaramento Dialeacutetica e contraditoacuteria natildeo poderia ser a educaccedilatildeo soacute uma ou soacute a outra dessas coisas (FREIRE 1996 p 110-111)

Eacute nessa tensatildeo entre a ldquoreproduccedilatildeordquo (conhecimento-regulaccedilatildeo) e o seu

ldquodesmascaramentordquo (conhecimento-emancipaccedilatildeo) que a consciecircncia poliacutetica

iraacute se constituir a partir de experiecircncias que propiciem a vivecircncia da

responsabilidade e da autonomia (FREIRE 1996) Eacute neste sentido que faz

105

parte da compreensatildeo da solidariedade aportaacute-la em um posicionamento

poliacutetico criacutetico consciente que inter-fere a ordem social transformando-a

7 A solidariedade como conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e

consciecircncia poliacutetica

Para que exista de fato a solidariedade eacute preciso fazecirc-la acontecer

Assim como a construccedilatildeo do estado democraacutetico a solidariedade natildeo se daacute

por decreto tampouco espontaneamente Em ambas eacute preciso tomar parte

ordenadamente compreendendo a construccedilatildeo poliacutetica de forma que a accedilatildeo

conjunta planejada potencialize o que seriam accedilotildees individuais e estanques

Daiacute a relevacircncia de se ensinar a se comprometer politicamente eticamente

solidariamente

Se por um lado como anuncia Santos o conhecimento-emancipaccedilatildeo

quase foi sucumbido pelo conhecimento-regulaccedilatildeo por outro a ideia de que

queremos uma sociedade melhor para se viver ainda eacute presente ldquoas

promessas da modernidade ndash a liberdade a igualdade e a solidariedade ndash

continuam sendo uma aspiraccedilatildeo para a populaccedilatildeo mundialrdquo (SANTOS b s

2007 p 19)

Ao sujeito eacutetico e solidaacuterio implica sobretudo o comprometimento o

envolvimento pelo compromisso pelo acordo selado em relaccedilatildeo que beneficia

os envolvidos Mais do que participar comprometer-se significa construir junto

A participaccedilatildeo eacute uma atitude inerente agrave natureza social do homem pode ser

pensada em diferentes niacuteveis sendo que natildeo necessariamente signifique

assumir um compromisso Uma pessoa pode participar de uma excursatildeo de

uma aula de um projeto de um evento de um partido poliacutetico sem ter criado

nenhuma situaccedilatildeo de identificaccedilatildeo e construccedilatildeo pessoal Ela pode obedecer a

uma ordem estabelecida e ser um a mais cumprindo o que estaacute determinado

contribuindo para alcanccedilar o objetivo proposto ainda que sem total clareza

sobre o que se estaacute construindo

106

Sem a auto-identidade criadora o sujeito natildeo pode agir como tal Ele eacute reduzido a um mero executor de tarefas valores ou projetos preacute-postos por ele perdendo a dimensatildeo da autonomia e tornando-se um indiviacuteduo sujeitado [] O indiviacuteduo ao carecer de identidade de sujeito transforma-se num ator que executa o papel por outros projetados (SIDEKUM 2003 p 238)

Assim a solidariedade estaacute ligada ao conceito de comprometimento

no sentido de natildeo se tratar apenas de participar mas de construir-com

responsabilizar-se Por extensatildeo se a solidariedade eacute o compromisso puacuteblico

assumido para o bem comum eacute preciso considerar que tal comprometimento

estaacute delimitado no campo da cidadania aqui compreendida enquanto a

integraccedilatildeo do sujeito agrave vida poliacutetica de sua cidade54

Para Bernardo Toro (2004) cidadatildeo eacute aquela pessoa que compreende

que a ordem social eacute construiacuteda pelo homem e deve ser reorganizada sempre

que natildeo estiver contribuindo para a dignidade de todos A cidadania eacute

entendida como uma atitude eacutetica na medida em que significa proteger e

responsabilizar-se com os outros pela dignidade de todos Neste sentido eacute

tambeacutem formadora do conhecimento-emancipaccedilatildeo solidariedade pois o

fortalecimento social e a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa comeccedilam

pela tomada de consciecircncia55 de que juntos e organizados em torno de

54

Na antiga Roma soacute o senado e o patriarcado tinham o direito de participar da vida poliacutetica num regime basicamente aristocrata Esta distinccedilatildeo de classes marcou o iniacutecio da democracia Naquela eacutepoca somente os cidadatildeos - com essa concepccedilatildeo restrita portanto a elite participava da vida poliacutetica Seus interesses eram trazidos agrave pauta postura esta que contribuiacutea para que fossem mantidos no segundo plano os interesses daqueles que natildeo tomavam as decisotildees da cidade

Na Idade Moderna o espiacuterito renovador de igualdade e liberdade tornou o conceito de cidadania mais universal (Iluminismo) Segundo o artigo primeiro da Declaraccedilatildeo dos Direitos dos Homens e dos Cidadatildeos (1789) todos os homens nascem livres e iguais de direito a liberdade consiste em poder fazer tudo que natildeo prejudique o proacuteximo assim o exerciacutecio dos direitos naturais de cada homem natildeo tem por limites senatildeo aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos (DECLARACcedilAtildeO DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS CIDADAtildeOS Art 4ordm 1789) Ainda segundo a Declaraccedilatildeo cidadatildeo livre eacute aquele que sabe respeitar e participar das decisotildees coletivas gozando dos direitos naturais a fim de melhorar a proacutepria vida e a da comunidade O desrespeito agraves pessoas ao Estado ou as instituiccedilotildees gera negaccedilatildeo agrave cidadania portanto exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo

55 Por conscientizaccedilatildeo compreende-se o ldquodevir progrediente da consciecircncia eacutetico-criacutetica

intersubjetivamente solidaacuteria como exerciacutecio da razatildeo discursivo-criacutetica que comunitariamente aprende a argumentar (criando novos argumentos) contra a argumentaccedilatildeo dominanterdquo (DUSSEL 2002 p 467)

107

objetivos comuns se tem mais poder poliacutetico do que o quadro de segregaccedilatildeo

ou desordem social A competitividade individualista entre membros de uma

mesma sociedade por exemplo eacute uma postura que leva ao enfraquecimento

do grupo

Na concepccedilatildeo de cidadania de Bernardo Toro o cidadatildeo eacute pensado

em sua subjetividade como o sujeito que vive em comunidade nela se

constitui enquanto sujeito-eacutetico e se responsabiliza com a condiccedilatildeo de vida

digna para todos (TORO 2004) A subjetividade eacute compreendida enquanto um

conceito mais amplo ao da cidadania Pode ser uma compreensatildeo do sujeito

enquanto um organismo bioloacutegico que preserva e valoriza as suas

singularidades sem desconectaacute-lo do universo social Eacute a sua intervenccedilatildeo no

mundo seu fazer histoacuterico e cultural que o transforma ao mesmo tempo em

que ele transforma o mundo A subjetividade portanto eacute relaccedilatildeo soacute pode ser

desenvolvida com o outro eacute o domiacutenio das sensaccedilotildees das percepccedilotildees da

consciecircncia de cada sujeito individual (CASTELEIRO 2001)

A formaccedilatildeo do sujeito social aquele que se sente pertencente a um

grupo voltado ao bem comum eacute o princiacutepio da consciecircncia criacutetica na obra de

Paulo Freire

A concepccedilatildeo ldquosolidaristardquo das classes sociais no entanto suponha a conscientizaccedilatildeo do trabalhador natildeo como classe mas como sujeito de dignidade humana Eacute nesta tarefa que Paulo Freire vai trabalhar por meio da Pedagogia Criacutetica (ALMEIDA 2009 p 23)

A solidariedade portanto natildeo eacute considerada uma praacutetica

assistencialista mas a conscientizaccedilatildeo do dever poliacutetico pela vida digna em

comunidade Segundo Paulo Freire a passividade inerente ao assistencialismo

eacute perversa

O grande perigo do assistencialismo estaacute na violecircncia do seu antidiaacutelogo que impondo ao homem mutismo e passividade natildeo lhe oferece condiccedilotildees especiais para o desenvolvimento ou a ldquoaberturardquo de sua consciecircncia que nas democracias autecircnticas haacute de ser cada vez mais criacuteticas [] O

108

assistencialismo faz de quem recebe a assistecircncia um objeto passivo sem possibilidade de participar do processo de sua proacutepria recuperaccedilatildeo (FREIRE 2001 p 65)

No entanto natildeo se pode descartar qualquer atividade assistencial

Embora Dussel reafirme a colocaccedilatildeo ele tambeacutem faz a ressalva de que a

solidariedade assistencial aos que tecircm fome por exemplo eacute uma atitude que

pode salvar vidas na medida em que natildeo seja negada o de comer aos

famintos pois isto seria o mesmo que negar-lhes a vida De fato para que

haja justiccedila solidariedade vontade diante das viacutetimas eacute necessaacuterio lsquocriticarrsquo a

ordem estabelecida para que a lsquoimpossibilidade de viverrsquo dessas vitimas se

converta em lsquopossibilidade de viverrsquo e viver melhor (DUSSEL 2002 p 382)

A relaccedilatildeo eacutetica na convivecircncia solidaacuteria natildeo ocorre entre um sujeito

que domina e um sujeito dominado tampouco em uma relaccedilatildeo vertical ou

unilateral Ela se daacute horizontalmente entre um e outro na tomada de

consciecircncia do outro na responsabilidade que se apresenta como a ideia

central da eacutetica da vida a razatildeo eacutetica ndash que eacute a uacutenica razatildeo sustentaacutevel ndash

nasce da responsabilidade pelo outro (Ibidem p 371) Leacutevinas propotildee uma

releitura do sujeito e parte do princiacutepio de que a vida soacute eacute possiacutevel com o

outro pelo outro transcendendo a dimensatildeo de indiviacuteduo para a de um ser

social que tem obrigaccedilatildeo eacutetica e moral intriacutensecas A razatildeo eacutetica nasce da

responsabilidade pelo outro onde a proacutepria liberdade do eu eacute facilitada pela

oportunidade dialoacutegica de um-com-o-outro num movimento interior de

identificaccedilatildeo direta exteriorizado em atitude de responsabilidade cuidado con-

vivecircncia Este eacute o sentido da solidariedade e da fraternidade Estar com o

outro enquanto possibilidade de Leacutevinas (1982) remete agrave consciecircncia de

ldquoestar com o mundordquo em Freire

A consciecircncia do mundo que viabiliza a consciecircncia de mim inviabiliza a imutabilidade do mundo A consciecircncia do mundo e a consciecircncia de mim me fazem um ser natildeo apenas no mundo mas com o mundo e com os outros (FREIRE 2000 p 40)

109

A construccedilatildeo histoacuterica marcada por Freire eacute fruto da relaccedilatildeo que se

estabelece entre um e outro pela relaccedilatildeo face-a-face56 na proximidade no

diaacutelogo cujo sentido primordial e uacuteltimo eacute a responsabilidade (JONAS 2006)

Ao inveacutes de o indiviacuteduo agir com o outro eacute a descoberta do outro que lhe deve

impor a conduta adequada pois o homem soacute se realiza em relaccedilatildeo ao outro e

por esta via se estabelece tambeacutem a relaccedilatildeo de poder Neste sentido a

concepccedilatildeo de responsabilidade de ancorar-se na solidariedade revelando um

compromisso necessaacuterio onde a outra face evoca a responsabilidade eacutetica

para com ela O outro trazido por Leacutevinas mais radicalmente na figura do rosto

eacute o que daacute sentido agrave relaccedilatildeo diante da nudez do rosto da fome da pobreza da

violecircncia encontra-se a responsabilidade-solidaacuteria Esse desencadeamento

pode ocorrer pela palavra pela comunicaccedilatildeo onde o diaacutelogo eacute condiccedilatildeo eacute

necessidade existencial (FREIRE 1979) Por meio do diaacutelogo o homem

estabelece a sua relaccedilatildeo com o outro reciacuteproca de igualdade Por meio do

antidiaacutelogo o outro eacute dominado submetido agrave condiccedilatildeo-objeto que anula a sua

existecircncia e a possibilidade de criaccedilatildeo do novo Um e outro natildeo produzem algo

juntos natildeo se enriquecem apenas sofrem um contato unilateral onde a

indiferenccedila e a negaccedilatildeo da existecircncia do outro impera

Em Pedagogia do oprimido Freire apresenta o diaacutelogo enquanto

exigecircncia constitutiva da natureza humana pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees quer sejam elas de reciprocidade cumplicidade ou autoritaacuterias

dominadoras A dialogicidade eacute essencial na educaccedilatildeo problematizadora pois

permite a libertaccedilatildeo Assim como em Dussel o diaacutelogo freireano aponta para a

experiecircncia eacutetica de estar com o outro e dessa relaccedilatildeo pode-se elaborar a

consciecircncia criacutetica Natildeo haacute sujeitos e objetos mas sim sujeitos trabalhando

juntos Eacute neste sentido que se compreende que a proximidade do outro deve

perturbar deve provocar uma reaccedilatildeo natildeo de repulsa nem de superioridade

mas tampouco de indiferenccedila pois esta revela uma postura de negaccedilatildeo agrave vida

portanto antieacutetica Daiacute a relevacircncia atenta da solidariedade ser qualificada

pela alteridade pela responsabilidade

56

O face a face eacute a experiecircncia eacutetica no pensamento de Leacutevinas que fundamenta a possibilidade de universalizaccedilatildeo da razatildeo levantando a questatildeo da pretensatildeo de universalidade da razatildeo ontoloacutegica

110

Leacutevinas aponta trecircs significados para responsabilidade a reaccedilatildeo ao

outro de uma forma indeclinaacutevel o segundo como uma reaccedilatildeo a partir de noacutes

mesmos agrave outra pessoa e o terceiro sobre a reaccedilatildeo para o outro no sentido de

nos substituirmos pela outra pessoa em suas responsabilidades No limite o

que se chama ldquoliberdaderdquo eacute na verdade uma resposta agraves reaccedilotildees de

responsabilidades (LEacuteVINAS 1988) A responsabilidade em Leacutevinas une as

pessoas de tal maneira que cada um deve se sentir responsaacutevel pelo outro

com o outro como se a si mesmo sabendo que a sua proacutepria responsabilidade

ningueacutem iraacute assumir A responsabilidade pessoal eacute pelo cuidado com a do

outro a ponto de devermos ser solidaacuterios e nos colocar no lugar do outro quer

seja dominado ou dominador Em Dussel a responsabilidade tambeacutem constitui

solidariedade pela alteridade numa composiccedilatildeo de tomada de consciecircncia e

praacutexis Eacute o outro que determina o que deve ser feito

Quem estabelece a relaccedilatildeo de solidariedade que tem cordialidade com o miseraacutevel (miseri-coacuterdia) supera a fraternidade da amistosidade no sistema e se arrisca a abrir-se ao vasto campo da Alteridade que se origina por uma ldquoresponsabilidade pelo Outrordquo preacute-ontoloacutegica A solidariedade meta-fiacutesica ou eacutetica eacute anterior ao despregar-se do mundo (ontoloacutegico) como horizonte onde se toma a ldquodecisatildeordquo de ajudar ou natildeo o Outro Mas quem se ajuda ou natildeo ao Outro no efetuar-se empiacuterico da solidariedade natildeo evita que jaacute sempre antes se era responsaacutevel pelo Outro O que natildeo ajuda trai essa responsabilidade preacute-ontoloacutegica De maneira que haveraacute uma solidariedade a priori preacute-ontoloacutegica e um efetuar trans-ontoloacutegico empiacuterico da solidariedade concreta ldquoDei patildeo ao famintordquo (do Livro dos mortos egiacutepcio) (DUSSEL 2005 p 19 traduccedilatildeo livre57)

Cada indiviacuteduo torna-se sujeito ator e criador na medida em que

assume a consciecircncia de sua experiecircncia com o mundo em que vivencia

57

ldquoEl que establece la relacioacuten de solidaridad que tiene cordialidad con el miserable (miseri-cordia) supera la fraternidad de la amistad en el sistema y se arriesga a abrirse al ancho campo de la Alteridad que se origina por una lsquoresponsabilidad por el Otrorsquo pre-ontoloacutegica La solidaridad meta-fiacutesica o eacutetica es anterior al desplegarse del mundo (ontoloacutegico) como horizonte en donde se toma la lsquodecisioacutenrsquo de ayudar o no al Otro Pero el que se ayude o no al Otro en el efectuarse empiacuterico de la solidaridad no evita que ya siempre antes se era responsable por el Otro El que no lo ayuda traiciona esa responsabilidad pre-ontoloacutegica De manera que habraacute una solidaridad a priori pre-ontoloacutegica y un efectuar trans-ontoloacutegico empiacuterico de la solidaridad concreta lsquoDi pan al hambrientorsquo (del Libro de los muertos egipcio)rdquo (DUSSEL 2005 p 19)

111

conscientemente a sua dimensatildeo social O homem eacute essencialmente um ser-

para-o-outro estabelecendo relaccedilotildees culturais temporais de poder de

exploraccedilatildeo mas sobretudo de responsabilidade Haacute uma necessidade de se

conhecer o que seria bom para o outro antes mesmo de sentir que se estaacute

fazendo o bem pela exposiccedilatildeo atenta ao olhar de fato o outro numa

aproximaccedilatildeo permissiva

Se a nossa opccedilatildeo eacute progressista se estamos a favor da vida e natildeo da morte da equidade e natildeo da injusticcedila do direito e natildeo do arbiacutetrio da convivecircncia com o diferente e natildeo da sua negaccedilatildeo natildeo temos outro caminho senatildeo viver plenamente a nossa opccedilatildeo Encarnaacute-la diminuindo assim a distacircncia entre o que fizemos e o que fazemos

Desrespeitando dos fracos enganando os incautos ofendendo a vida explorando os outros discriminando o iacutendio o negro a mulher natildeo estarei ajudando meus filhos a serem seacuterios justos e amorosos da vida e dos outros (FREIRE 2000 p 67)

Nesta passagem uacuteltimo escrito dias antes de sua morte Paulo Freire

fala do respeito e do reconhecimento do outro como algo que eacute fundamental

para o desenvolvimento da responsabilidade ndash comprometimento valor

fundamental para a formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e poliacutetico Ela se daacute na relaccedilatildeo

dialeacutetica de enfrentamento onde outros respondem pelos outros pois natildeo haacute

maneira de viver em sociedade de forma neutra uma vez que ateacute mesmo a

acomodaccedilatildeo implica em intervenccedilatildeo na realidade na medida em que contribui

para manter as coisas como estatildeo (FREIRE 1996 p 43) Ser responsaacutevel pela

vida do outro significa ao mesmo tempo ter consciecircncia de que essa

responsabilidade eacute intransferiacutevel e infinita (LEacuteVINAS 1982) Santos aponta

dois problemas centrais sobre este aspecto o do silecircncio e o da diferenccedila O

silecircncio como sendo o silenciamento da cultura dominada algumas vezes

dizimadas pelo colonialismo Daiacute a dificuldade de se imprimir um diaacutelogo

intercultural cujo maior desafio seria o de ldquofazer o silecircncio falar de uma

maneira que produza autonomia e natildeo reproduccedilatildeo do silenciamentordquo

(SANTOS B S 2007 p 55) A diferenccedila o outro desafio deve ser pensada

para aleacutem da reciprocidade porque parte da incomensurabilidade Em outras

palavras num diaacutelogo intercultural ldquonatildeo serve uma poliacutetica nem hegemocircnica

112

nem fundamentalista o semelhante muitas vezes buscado eacute sempre ponto de

partida natildeo de chegadardquo (SANTOS B S 2007 p 56)

Desta forma pensar a solidariedade como praacutetica curricular educativa

implica em criar experiecircncias onde seja possiacutevel perceber a presenccedila do outro

e a partir dele o que deve ser feito para que a sua dignidade seja garantida

num conceito que Santos chama de inovaccedilatildeo teoacuterica onde seja possiacutevel

ldquoconstruir a emancipaccedilatildeo a partir da relaccedilatildeo entre o respeito da igualdade e o

princiacutepio do reconhecimento da diferenccedilardquo (Ibidem p 62) pois na relaccedilatildeo face

a face o outro natildeo eacute simplesmente um diferente mas sim uma viacutetima do

sistema-mundo que o nega violentamente negando-lhe a dignidade como

modo de vida Neste sentido eacute preciso aprender a olhar o outro natildeo como um

estrangeiro um estranho que se pode negar e ateacute mesmo excluir contribuindo

para se manter o status quo

Na construccedilatildeo de Freire tal pensamento nos remete agrave discriminaccedilatildeo

fruto desse comportamento como um mal-social que deve ser banido

Aceitar e respeitar a diferenccedila eacute uma dessas virtudes sem o que a escuta natildeo se pode dar Se discrimino o menino ou a menina pobre a menina ou o menino negro o menino iacutendio a menina rica se discrimino a mulher a camponesa a operaacuteria natildeo posso evidentemente escutaacute-las e se natildeo as escuto natildeo posso falar com eles mas a eles de cima para baixo Sobretudo me proiacutebo entendecirc-los Se me sinto superior ao diferente natildeo importa quem seja recuso-me escutaacute-lo ou escutaacute-la O diferente natildeo eacute o outro a merecer respeito eacute um isto ou aquilo destrataacutevel ou despreziacutevel (FREIRE 1996 p 120-121)

Em Dussel a distinccedilatildeo entre o eu e o outro eacute constitutiva da eacutetica da

vida A metafiacutesica da alteridade pensar o outro a partir de sua outridade da

sua realidade eacute ponto de partida na filosofia da libertaccedilatildeo Dussel aponta como

contraditoacuteria a filosofia centrada em um soacute ser e decide partir do outro da

viacutetima da exterioridade abrindo caminho para a libertaccedilatildeo para uma visatildeo

poacutes-colonialista A Eacutetica da Libertaccedilatildeo em 1998 foi uma proposta de

adensamento de sua primeira fase (1970) material e fenomenoloacutegica na qual

a partir do marxismo posicionou-se contra a hegemonia da globalizaccedilatildeo

113

perversa O princiacutepio vital da eacutetica constitui em trecircs momentos 1) a produccedilatildeo

da vida humana em consciecircncia autoconsciecircncia funccedilotildees linguiacutesticas e

responsabilidade eacutetica 2) o momento da reproduccedilatildeo da vida humana nas

instituiccedilotildees e valores culturais 3) o desenvolvimento dessa vida nas

instituiccedilotildees e culturas histoacutericas da humanidade De acordo com este criteacuterio

material a eacutetica adquire um caraacuteter universal A razatildeo que preside a esse

princiacutepio vida eacute a razatildeo praacutetico-material que transforma o dever ser em um

dever-viver que ser pensado desta maneira a exigecircncia de produccedilatildeo

reproduccedilatildeo e desenvolvimento da vida humana

A Eacutetica deve ser entendida como uma accedilatildeo em favor do outro

afirmando a dignidade humana individual e coletiva onde em uacuteltima instacircncia

natildeo deve ser confirmada em situaccedilotildees de natildeo-vida A comunidade humana

sempre incorre na exclusatildeo do outro tanto no momento da fala como no

acesso aos meios de produccedilatildeo Esta alteridade pensada enquanto uma

comunidade de excluiacutedos natildeo eacute privada da razatildeo mas deteacutem outras razotildees

as quais interpelam expotildee sua exterioridade propugnando pela inclusatildeo

imperiosa ndash muitas vezes essa questatildeo diz respeito a casos de vida ou morte ndash

na comunidade de acordo com a justiccedila

Estar atento agrave vida eacute um conhecimento a ser apreendido social

intercultural e historicamente que deve partir de um processo educativo

pautado pela construccedilatildeo da alteridade e guiado pela eacutetica Neste sentido a

formaccedilatildeo baacutesica natildeo pode estar apenas centrada na re-produccedilatildeo teacutecnica e

cientificista de um conhecimento que regula e corrobora com a ordem

estabelecida A consciecircncia solidaacuteria implica no exerciacutecio da responsabilidade

da consciecircncia criacutetica e mais ainda da tomada de atitude Ao que Freire se

referia como ldquoeducaccedilatildeo bancaacuteriardquo58 propotildee uma educaccedilatildeo poliacutetica

contextualizada criacutetica a partir da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo elaborado em

conjunto com a comunidade onde os alunos possam se envolver em

problemas sociais reais como forma de preparaccedilatildeo

58

Aquela em que natildeo haacute questionamento ou criticidade e o conteuacutedo eacute ldquodepositadordquo no estudante para que ele possa acumulaacute-lo e temporariamente eacute aplicada uma verificaccedilatildeo para saber quanto o aluno sabe se estaacute conseguindo memorizar com sucesso

114

A noccedilatildeo de exterioridade de Leacutevinas e Dussel complementa a ideia de

educaccedilatildeo problematizadora em Freire na medida em que a libertaccedilatildeo do

oprimido constitui a justiccedila e pode promover a abertura eacutetica A justiccedila natildeo eacute

um ato de concessatildeo dentro da totalidade mas uma exigecircncia que parte da

exterioridade que deveraacute ser pensada em sua realidade concreta Eacute preciso

insistir este saber necessaacuterio ao professor ndash que ensinar natildeo eacute transferir

conhecimento ndash natildeo apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos

nas suas razotildees de ser ndash ontoloacutegica poliacutetica eacutetica epistemoloacutegica pedagoacutegica

ndash mas tambeacutem precisa ser constantemente testemunhado vivido (FREIRE

1996 p 27)

Contrapondo-se assim como Freire a uma educaccedilatildeo bancaacuteria Dussel

aposta na conscientizaccedilatildeo no conhecimento que emancipa como pedagogia

da libertaccedilatildeo O conhecimento-solidariedade de Santos como foi dito natildeo se

restringe agrave formaccedilatildeo tecnicista-cientificista que tem como meta o fortalecimento

da cadeia produtiva que submete a humanidade agrave participaccedilatildeo esvaziada de

percepccedilatildeo de consciecircncia poliacutetica A discrepacircncia insiste na realidade

contraditoacuteria em que convivemos entre situaccedilotildees de progressos em relaccedilatildeo ao

direito agrave igualdade e emancipaccedilatildeo dos povos como a Carta da Terra59

enquanto ainda vivenciamos uma ciecircncia voltada ao controle do status quo

reproduzindo a assimetria que natildeo facilmente deixaraacute de existir haja vista que

natildeo haacute somente conhecimento-emancipaccedilatildeo e conhecimento-regulaccedilatildeo mas

sim uma tensatildeo que os manteacutem vivos (SANTOS B S 2009)

Eacute neste sentido que a eticidade do projeto pedagoacutegico deve estar

pautada na solidariedade que parte do princiacutepio do reconhecimento do outro

como igual e igualmente produtor de conhecimento (Ibidem p 246) Desta

forma eacute que se deve criar espaccedilos onde o comprometimento dos alunos em

resolver problemas sociais reais em atuar socialmente onde esta seja a

ldquomateacuteriardquo organizada coletivamente para transformar uma ordem social com a

qual natildeo se concorda em favor da vida comunitariamente vivida Natildeo se trata

de uma formaccedilatildeo para o bem estar da vida privada individual descolada de

um contexto social cultural poliacutetico mas sim de uma tomada de consciecircncia

59

A Carta da Terra um dos mais relevantes documentos interculturais do seacuteculo XXI seraacute tratada no capiacutetulo III

115

criacutetica e responsaacutevel para quebrar a loacutegica da regulaccedilatildeo da desigualdade como

ldquocondiccedilatildeo naturalrdquo da humanidade

116

CAPIacuteTULO III

117

CURRIacuteCULO E SOLIDARIEDADE

A partir da concepccedilatildeo de solidariedade apresentada no Capiacutetulo II

como pode ser organizado o curriacuteculo enquanto espaccedilo e tempo de formaccedilatildeo

do conhecimento-emancipaccedilatildeo de experiecircncia de praacutetica da alteridade de

praacutetica eacutetico-criacutetica de consciecircncia poliacutetica ndash solidariedade Esta questatildeo seraacute

o fio condutor deste capiacutetulo no qual apresentaremos o conceito de curriacuteculo

sobretudo caminhando em direccedilatildeo agrave praacutetica curricular para chegarmos a uma

reflexatildeo sobre a qualidade da educaccedilatildeo pensada para o desenvolvimento de

uma sociedade mais justa e democraacutetica

1 O conceito de curriacuteculo

O termo curriacuteculo vem do latim currere curriculum que significa

percurso curso Pode ser tambeacutem compreendido enquanto ldquoordem como

sequecircnciardquo e ldquoordem como estruturardquo

O primeiro tratado atribuiacutedo ao curriacuteculo campo de conhecimento foi

elaborado por Franklin Bobbit The curriculum (em 1918) e posteriormente

How to make the curriculum em 1924 (SILVA T T 2011) Os estudos da

eacutepoca definiam qual deveria ser a relaccedilatildeo entre a estrutura do curriacuteculo e o

controle social em um periacuteodo histoacuterico marcado por um crescente processo

de industrializaccedilatildeo divisatildeo do trabalho e ecircxodo rural na formaccedilatildeo dos grandes

centros urbanos Bobbitt e Taylor apresentavam como referencial de educaccedilatildeo

os modelos de ldquoeficiecircnciardquo importados do mundo empresarial padronizaccedilatildeo

homogeneizaccedilatildeo mecanizaccedilatildeo treinamento instruccedilatildeo (Ibidem) A escola

puacuteblica obrigatoacuteria e gratuita foi criada para atender a demanda da era

118

industrial seguindo o mesmo modelo com o intuito de formar matildeo de obra

qualificada para esse mercado emergente de trabalho

Ralph Tyler em 1949 apresentou o paradigma curricular baseado na

ideia de organizaccedilatildeo e desenvolvimento e dominou a compreensatildeo de

curriacuteculo em diversos paiacuteses inclusive EUA e Brasil Segundo Tyler o

desenvolvimento curricular deve responder a quatro questotildees norteadoras a)

quais os objetivos que a escola quer atingir b) quais experiecircncias pedagoacutegicas

podem levaacute-la a atingir esses objetivos c) como elas podem ser organizadas e

d) como saber se os objetivos estatildeo sendo alcanccedilados (SILVA T T 2011 p

24-25)

Percebe-se um foco ajustado ao desenvolvimento e aplicaccedilatildeo e desta

forma sugere a padronizaccedilatildeo do meacutetodo Para tanto o curriacuteculo era centrado

na aplicaccedilatildeo de mateacuterias e verificaccedilatildeo de resultados natildeo se levava em conta

as caracteriacutesticas pessoais dos alunos os aspectos socioculturais e

econocircmicos e tambeacutem natildeo havia criacutetica em relaccedilatildeo ao conteuacutedo que era

ensinado Neste sentido pode-se dizer que o modelo tradicional restringia-se agrave

teacutecnica de como fazer o curriacuteculo contribuindo para se manter o status quo

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt (de Adorno

Marcuse entre outros) em meados do seacuteculo XX comeccedilou a questionar a

defesa desse curriacuteculo hegemocircnico em relaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo da desigualdade

social buscando superar os limites do positivismo ao determinismo baseados

na teoria criacutetica A Escola de Frankfurt faz uma criacutetica analiacutetica a essa

distribuiccedilatildeo de capital cultural (valores atitudes normas sociais) que satildeo

impostos como legiacutetimos pelas classes dominantes A cultura eacute vista natildeo

apenas como uma expressatildeo ideoloacutegica senatildeo como uma reguladora de poder

Assim a escolarizaccedilatildeo apenas como preparaccedilatildeo da classe trabalhadora (e

consumidora) para o trabalho industrial e teacutecnico seraacute questionada

Teoacutericos como Michael Apple Henry Giroux Paulo Freire entre outros

inspiram-se sobretudo em Marx para pontuar a construccedilatildeo de um curriacuteculo

criacutetico ao sistema de reproduccedilatildeo hegemocircnica existente A cultura dominante

que ateacute entatildeo imprimia o seu padratildeo ideoloacutegico tornando-o internalizado na

sociedade sem restriccedilotildees passa a ser revelada como doutrinadora

119

colonizadora O ponto central estaacute em natildeo permitir que as classes dominantes

a lei do consumo decida a dinacircmica social

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aulas do paiacutes Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo que algum grupo tem do que seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Apple iraacute propor uma nova maneira de organizar o curriacuteculo

contrapondo-se ao modelo tradicional que apenas estava focado em garantir

que o conhecimento fosse aplicado aos alunos Para tal estruturaccedilatildeo a

pergunta que buscava responder natildeo era ldquocomordquo mas sim ldquopor quecircrdquo ou

melhor ainda ldquopor quemrdquo ldquotrata-se de um conhecimento organizado por

quemrdquo ldquointeressa a quem que seja dessa forma aprendidordquo (APPLE 1982

1989)

Em teorias mais recentes o componente do multiculturalismo e

posteriormente o interculturalismo atribuiacuteram um resgate ao conceito

ldquohumanordquo no processo de formaccedilatildeo Trata-se de considerar identidades

diferenccedilas eacutetnicas raciais culturais como constituintes inerentes ao processo

educativo Neste sentido surge um novo posicionamento e novos

questionamentos ldquocomo a construccedilatildeo da identidade e da diferenccedila estaacute

vinculada a relaccedilotildees de poder Como a identidade dominante tornou-se a

referecircncia invisiacutevel atraveacutes da qual se constroem as outras identidades

subordinadasrdquo (SILVA T T 2011 p 102)

Esses debates ganham espaccedilo em um contexto histoacuterico marcado pela

emergecircncia da democracia Na teorizaccedilatildeo criacutetica de curriacuteculo a cultura natildeo eacute

vista como um conjunto de conhecimentos acumulados que precisam ser

transmitidos de acordo com os valores vigentes e criteacuterios didaacuteticos de

transmissatildeo de informaccedilatildeo e verificaccedilatildeo do que foi memorizado Haacute uma

concepccedilatildeo de cultura em seu sentido inacabado contemporacircneo ao seu

tempo histoacuterico e social Segundo Moreira e Silva

120

a visatildeo tradicional da relaccedilatildeo entre cultura e educaccedilatildeocurriacuteculo natildeo vecirc o campo cultural como um terreno contestado Na concepccedilatildeo criacutetica natildeo existe uma cultura da

sociedade unitaacuteria homogecircnea e universalmente aceita e praticada e por isso digna de ser transmitida agraves futuras geraccedilotildees atraveacutes do curriacuteculo Em vez disso a cultura eacute vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta Nessa visatildeo a cultura eacute o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepccedilotildees de vida social eacute aquilo pelo qual se luta e natildeo aquilo que recebemos (2001 p 27)

Sendo assim para que haja espaccedilo a ser construiacutedo eacute preciso haver

contextualizaccedilatildeo eacute preciso considerar uma proposta educativa pensada na

formaccedilatildeo como instrumento capaz de favorecer os meios para a compreensatildeo

criacutetica e por esta via a emancipaccedilatildeo Um dos movimentos desta tendecircncia eacute o

de vincular o curriacuteculo agrave construccedilatildeo de cidadania por meio de projetos nos

quais os alunos participam de atividades de intervenccedilatildeo social Esta eacute uma das

maneiras senatildeo a mais eficaz para produzir conhecimento-emancipaccedilatildeo No

entanto como ressaltam Moreira e Silva eacute preciso cuidar pois natildeo satildeo

quaisquer atividades que promovem a formaccedilatildeo criacutetica Estar disposto a criar

situaccedilotildees educacionais a partir do contexto social real pode ser tambeacutem um

bom caminho para o desenvolvimento do conhecimento-regulaccedilatildeo podendo

corroborar com a formaccedilatildeo para a cidadania que fortalece o status quo

(POPKEWITZ apud MOREIRA SILVA 2001 p 34)

2 Curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem e solidariedade

A pedagogia criacutetica comprometida com a construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo regula-se em experiecircncias de aprendizagem onde as

contradiccedilotildees sociais sejam campo de estudo e formaccedilatildeo eacutetica por meio do

qual seja possiacutevel quando de acordo com a proposta pedagoacutegica dar voz para

121

aqueles que sempre satildeo silenciados ao inveacutes de falar por eles ou sobre eles

(GIROUX SIMON 2001)60

Para isso eacute preciso superar o curriacuteculo acadecircmico tecnoloacutegico

centrado na produccedilatildeo do conhecimento tecnoloacutegico-cientiacutefico que propicia o

controle social Apoiado na proposta criacutetica estaacute a concepccedilatildeo de um curriacuteculo

cujo objetivo principal eacute a transformaccedilatildeo social Nesse sentido a experiecircncia

da aprendizagem eacute marcada pela percepccedilatildeo de que enquanto sujeito poliacutetico

social e eacutetico o homem pode transformar a realidade com a qual natildeo concorda

mudando o curso da histoacuteria Para isso o que se aprende na escola deve ser

para propiciar a consciecircncia de que nada estaacute posto e acabado a

compreender a estudar os problemas que enfrentamos nos dias atuais

integrando as diferentes dimensotildees que constituem o ser humano para aleacutem do

desenvolvimento cognitivo Dentro da abordagem de curriacuteculo

reconstrucionista social (McNEIL apud SANTOS A 2009) homem e mundo

satildeo concebidos de forma interativa e a educaccedilatildeo eacute compreendida como um

agente social que promove a mudanccedila promovendo reflexotildees sobre o contexto

social ao qual o educando estaacute inserido

Sob o norte da emancipaccedilatildeo do indiviacuteduo o curriacuteculo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situaccedilotildees-problema vividos pela comunidade Por conseguinte natildeo prioriza somente os objetivos e conteuacutedos universais sua preocupaccedilatildeo natildeo reside na informaccedilatildeo e sim na formaccedilatildeo de sujeitos histoacutericos cujo conhecimento eacute produzido pela articulaccedilatildeo da reflexatildeo e praacutetica no processo de apreensatildeo da realidade

Enfatizando as relaccedilotildees sociais amplia seu acircmbito de accedilatildeo para aleacutem dos limites da sala de aula introduzindo o educando em atividades na comunidade incentivando a participaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo (SANTOS A 2009 p 127)

60

A respeito da referecircncia ao uso da pedagogia criacutetica ou do pensamento criacutetico nesta tese vale lembrar que estamos nos referindo agrave filosofia de pensadores como Henry Giroux e Paulo Freire que tem por princiacutepio a justiccedila social Portanto se trata do pensamento criacutetico proveniente da construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo Isso porque ldquoos procedimentos criacuteticos [] satildeo historicamente desenvolvidos em solidariedade com os proacuteprios conteuacutedos dos diferentes ramos do conhecimento que integram o curriacuteculo escolarrdquo (CARVALHO 2013 p 123)

122

O curriacuteculo neste caso deve confrontar e desafiar o educando frente

aos temas sociais visando preparaacute-lo para o desenvolvimento progressivo de

toda a coletividade Para que isso ocorra eacute preciso pensar em propostas que

superem a organizaccedilatildeo curricular acadecircmica distanciada da vida em

comunidade e aproximem-se do compromisso de interferir e lidar com

diferentes espaccedilos e processos de formaccedilatildeo e padrotildees culturais Para se

desafiar a ordem social buscando constituir uma sociedade mais democraacutetica

a escola deve criar meios para propiciar aos alunos conhecimentos mas

tambeacutem caraacuteter postura eacutetica e poliacutetica para que sua formaccedilatildeo possa constituir

sua personalidade ciacutevica (GIROUX 1999) Este direcionamento criacutetico eacute

fundamental para que os alunos possam reconhecer as implicaccedilotildees poliacuteticas

de suas experiecircncias reconhecendo-se assim sujeitos no processo de

construccedilatildeo de conhecimento

A realidade natildeo deve ser algo distante fora da escola mas estar no

curriacuteculo de maneira que os alunos aprendam por meio dela transformando-a

num movimento curricular integrado e articulado com a sociedade O

conhecimento neste caso natildeo eacute compreendido enquanto objeto estanque que

pode ser decorado e descartado apoacutes a verificaccedilatildeo do processo de

memorizaccedilatildeo Ao contraacuterio ele deve ser produzido em meio a contradiccedilotildees

levando em conta as formas culturais existentes as tensotildees poliacuteticas para

propiciar a aprendizagem com intenccedilatildeo emancipadora Conhecendo a

realidade que os cerca os jovens podem transformar conhecimento abstrato

em experiecircncias concretas de aprendizagem tendo contato com problemas

reais da sociedade diferentes culturas desigualdades contradiccedilotildees faltas e

excessos o que lhes permite formar a sua proacutepria visatildeo de mundo

Em contraponto ao curriacuteculo tradicional agrave rigidez estrutural de um

curriacuteculo formatador e reprodutor cultural estaacute a construccedilatildeo social formativa

que natildeo acontece somente nos espaccedilos escolares mas sobretudo em outras

fontes de relaccedilotildees sociais ampliando a percepccedilatildeo de curriacuteculo natildeo a

restringindo a disciplinas e conteuacutedos curriculares mas considerando

tambeacutem a formaccedilatildeo eacutetica e social a pedagogia ou formas de organizar os

saberes escolares e as avaliaccedilotildees Neste sentido o saber para a emancipaccedilatildeo

123

e libertaccedilatildeo eacute valorizado numa formataccedilatildeo poliacutetica da escola transpondo o

universo da sala de aula visionando uma educaccedilatildeo para a vida

Henry Giroux eacute um teoacuterico que trabalha as questotildees poliacuteticas e

culturais do curriacuteculo Em sua obra eacute central a ideia de emancipaccedilatildeo por meio

da esfera puacuteblica democraacutetica o intelectual transformador e a voz A escola eacute

compreendida enquanto participante da vida social e seus professores devem

exercer o papel de ldquointelectuais transformadoresrdquo natildeo mais de centralizadores

de conhecimento O conceito de voz exprime o caraacuteter poliacutetico na medida em

que dar voz significa dar poder dar voz para quem a vida toda lhe foi negado o

direito O curriacuteculo estaacute construiacutedo em meio a significados e valores culturais

ou seja natildeo eacute apenas a seleccedilatildeo de conteuacutedos que definem um curriacuteculo mas

sim a possibilidade de se ter um local vivo onde se produzem e reproduzem

significados sociais

Natildeo eacute portanto um curriacuteculo construiacutedo segundo uma base

instrucional ou tecnocraacutetica ao que Giroux chama de ldquopedagogias gerenciaisrdquo

Estas se referem agrave tendecircncia cada vez maior de reduzir a autonomia do

professor embutindo ldquopacotesrdquo curriculares que reduzem a praacutetica pedagoacutegica

agrave adoccedilatildeo de determinados procedimentos para a transmissatildeo de determinados

conteuacutedos

Essas pedagogias ignoram as questotildees referentes agrave especificidade cultural ao julgamento do professor e agrave forma como as experiecircncias e as histoacuterias de vida dos estudantes se relacionam com o processo de aprendizagem [] Os administradores escolares acreditam que a excelecircncia eacute uma qualidade a ser exibida em notas mais altas de matemaacutetica leitura e outras disciplinas [] Simultaneamente tais administradores tambeacutem invocam as amarras da quantificaccedilatildeo como indicadores de sucesso (GIROUX 1999 p 18)

Para Giroux a educaccedilatildeo deve ser compreendida como um

compromisso de preparaccedilatildeo do aluno para participar e construir esferas

puacuteblicas democraacuteticas O curriacuteculo eacute portanto pensado para ampliar tempo e

espaccedilo por meio de novos arranjos articulaccedilotildees intersetoriais e a utilizaccedilatildeo da

124

cidade como espaccedilo educador61 porque contribui para o desenvolvimento local

e assume sua parte no processo educativo

3 A solidariedade e o saber compartilhado

Em meio agrave loacutegica da estrutura das cidades que temos atualmente onde

o interesse estaacute em se criar grandes espaccedilos de compras de circulaccedilatildeo de

bens e mercadorias e a convivecircncia eacute quase reduzida ao de vidas individuais

reduzidas por sua vez a consumidores (CARVALHO 2013) novos

paradigmas que desejam quebrar essa loacutegica como o de aprendizagem

colaborativa cidade educadora cidade sustentaacutevel e cidadania planetaacuteria tecircm

encontrado respaldo no desenvolvimento do conhecimento de forma plural

contextualizada onde a cidade eacute pensada como espaccedilo educador

Cidade educadora eacute um movimento iniciado em 1990 em Barcelona e

constitui-se em um conjunto de cidades que assumiu como objetivo comum

trabalhar juntas em atividades para melhorar a qualidade de vida de seus

habitantes62 O projeto tem como princiacutepio a escola como espaccedilo comunitaacuterio

trabalhar a cidade como grande espaccedilo educador promover o aprender na

cidade com a cidade e com as pessoas valorizar o aprendizado vivencial e

priorizar a formaccedilatildeo de valores (SOROCABA 2013)

Na concepccedilatildeo de cidade sustentaacutevel o desafio eacute o de se criar um

ambiente em que a vida seja viaacutevel para todos e para sempre segundo Tiatildeo

Rocha fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento pioneiro no

movimento das Cidades Sustentaacuteveis

61

No entanto como ressalva Padilha para que haja a ampliaccedilatildeo dos espaccedilos pedagoacutegicos que viabilizem projetos de educaccedilatildeo integral e para que ela de fato passe a ter condiccedilotildees de desenvolvimento e execuccedilatildeo eacute preciso continuar avanccedilando em poliacuteticas puacuteblicas Vale ponderar que o Estado natildeo pode delegar agrave sociedade as responsabilidades que lhe satildeo atribuiacutedas (PADILHA 2012 p 105-106)

62 A Rede Brasileira conta com a participaccedilatildeo de quatorze cidades sendo elas Belo Horizonte

Campo Novo do Parecis Caxias do Sul Dourados Jequieacute Montes Claros Porto Alegre Santiago Santo Andreacute Santos Satildeo Bernardo do Campo Satildeo Carlos Satildeo Paulo e Sorocaba (coordenadora)

125

Em ambos os movimentos a proposta eacute essencialmente poliacutetica e soacute

pode ser realizada a partir da construccedilatildeo de uma cultura integrada que

favorece a formaccedilatildeo da cidadania planetaacuteria na visatildeo do planeta como uma

sociedade mundial (GADOTTI 2000 p 135) onde adotar atitudes valores e

comportamentos estatildeo em sinergia com um projeto comum de cuidado com a

Terra Seu principal objetivo eacute ldquoa superaccedilatildeo das desigualdades eliminaccedilatildeo das

sangrentas diferenccedilas econocircmicas e a integraccedilatildeo intercultural da humanidade

enfim uma cultura de justipaz (a paz como fruto da justiccedila)rdquo (GADOTTI apud

PADILHA et al 2011 p 20) Neste sentido a cidadania planetaacuteria soacute poderaacute

ser vivenciada de fato em experiecircncias de educaccedilatildeo que transcenda a sala de

aula daiacute a necessidade de se considerar uma experiecircncia educativa

comprometida com a formaccedilatildeo cognitiva (ler escrever contar) mas que vaacute

aleacutem que promova o desenvolvimento social e poliacutetico Trata-se de um projeto

de aprender a valorizar as diferenccedilas utilizando a proacutepria cidade numa

proposta de ldquoeducaccedilatildeo na cidaderdquo como afirma Paulo Freire (GADOTTI 2009

p 45-46) Trata-se tambeacutem de se considerar a relevacircncia da solidariedade

como praacutetica curricular educativa como meio para o desenvolvimento da

educaccedilatildeo como precondiccedilatildeo de desenvolvimento e justiccedila social

Essa configuraccedilatildeo permite pensar toda a cidade enquanto um

ambiente colaborativo de aprendizagem um espaccedilo educativo a partir da

escola trazendo possibilidades ao curriacuteculo de se criar experiecircncias que

integrem as escolas aos espaccedilos compartilhados com pessoas diferentes

interesses diversos em um ambiente rico para se aprender a viver junto a

olhar o outro e re-conhecer as suas principais caracteriacutesticas e necessidades

suas forccedilas e fraquezas e o que pode ser feito para melhorar a vida da

comunidade Assim cidade e escola tornam-se um novo territoacuterio para a

construccedilatildeo da cidadania (GADOTTI 2009) Este eacute o cerne da educaccedilatildeo

enquanto praacutetica solidaacuteria pois ela acontece em todos os espaccedilos dialoacutegicos

que permitam a construccedilatildeo de conhecimento Sua forma de expressatildeo de

transformar e ser transformado e a relaccedilatildeo dialoacutegica compotildeem a compreensatildeo

do aprender a viver junto vivendo junto cuidando-se

A Carta da Terra apresenta a proposta de ser um compromisso

internacional para a construccedilatildeo da cultura de paz e dignidade humana

126

adotando a educaccedilatildeo e a praacutetica solidaacuteria (alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica) como meio e objetivo para ser atingido em niacutevel global

[] devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo bem como com nossas comunidades locais Somos ao mesmo tempo cidadatildeos de naccedilotildees diferentes e de um mundo no qual as dimensotildees local e global estatildeo ligadas [] O espiacuterito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida eacute fortalecido quando vivemos com [] humildade em relaccedilatildeo ao lugar que o ser humano ocupa na natureza (Responsabilidade Universal da Carta da Terra) (CARTA DA TERRA 2013)

A ideia de vida em comunidade no documento vem com a

responsabilidade de promover o bem comum visando um modo de vida

sustentaacutevel que soacute seraacute conseguido por meio da consciecircncia poliacutetica da eacutetica

e da alteridade (solidariedade) na construccedilatildeo de um estado democraacutetico

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de

dezembro de 1948 Trata-se de um acordo internacional de humanidade poacutes

Segunda Guerra Mundial que apresenta logo em seu artigo primeiro a ideia

de que ldquotodas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo

dotadas de razatildeo e consciecircncia e devem agir em relaccedilatildeo umas agraves outras com

espiacuterito de fraternidaderdquo (DECLARACcedilAtildeO UNIVERSAL DOS DIREITOS

HUMANOS 1948) Mais adiante no artigo XXVI a Declaraccedilatildeo aborda

diretamente o tema da educaccedilatildeo

a instruccedilatildeo seraacute orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais A instruccedilatildeo promoveraacute a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e grupos raciais ou religiosos e coadjuvaraacute as atividades das Naccedilotildees Unidas em prol da manutenccedilatildeo da paz (Ibidem)

O texto pontua que a formaccedilatildeo precisa ser orientada no sentido de

garantir o pleno desenvolvimento do homem e seu preparo para a convivecircncia

produtiva e paciacutefica Significa dizer que as referecircncias educacionais que

127

podem ou natildeo influir nas praacuteticas curriculares nem sempre estatildeo circunscritas

no universo escolar

Tais documentos anunciam os desafios para a educaccedilatildeo na atualidade

voltando-se natildeo somente agrave aquisiccedilatildeo de saberes acumulados ou aqueles

medidos pelos exames externos e preparar para a vida democraacutetica como

tambeacutem lidando com relaccedilotildees culturas consumo poder Numa sociedade

planetaacuteria haacute cada vez mais a necessidade de se aprender a viver junto

Tentando compreender o real ndash o homem e o mundo ndash eacute preciso aprender as interdependecircncias que criam a necessidade de solidariedades Estas solidariedades natildeo pertencem ao mundo das boas intenccedilotildees mas resultam das dificuldades do nosso tempo Situam-se em niacuteveis

diferentes em comunidades de tamanhos diversos []

A coesatildeo social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do seacuteculo XX como aspiraccedilotildees e finalidades indissoluvelmente ligadas em harmonia com a dignidade humana O respeito pelos direitos do indiviacuteduo anda a par com o sentido de responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver juntos (GEREMEK 2001 p 228 grifos nossos)

O conhecimento natildeo pode ser isolado dos interesses e valores

humanos que dizem respeito agrave construccedilatildeo de um mundo melhor Neste

sentido o embasamento teoacuterico e pragmaacutetico da solidariedade enquanto

conhecimento sugere uma abordagem pedagoacutegica que incite e esteja apoiada

no desenvolvimento da capacidade de pensarem criticamente por meio de

vivecircncias propiciadas intencionalmente pela escola

4 Curriacuteculo solidariedade e praacutetica educativa

O conceito de praacutetica pode ter inuacutemeras interpretaccedilotildees Para Gimeno

Sacristaacuten o significado de praacutetica educativa estaacute imbricado ao de praacutetica

didaacutetica que envolve aleacutem do trabalho docente o proacuteprio curriacuteculo e eacute

diferente do de accedilatildeo Para o autor as formas de organizar o curriacuteculo muitas

128

vezes podem responder a exigecircncias institucionais mas as accedilotildees docentes

nem sempre conseguem influir no tempo espaccedilo dinacircmica e organizaccedilatildeo

curricular exercida pelos procedimentos de controle da proacutepria instituiccedilatildeo

Neste sentido muitas vezes as praacuteticas curriculares estabelecem os limites

para as accedilotildees docentes

A praacutetica educativa eacute algo mais do que a expressatildeo do ofiacutecio dos professores eacute algo que natildeo lhes pertence por inteiro mas um traccedilo cultural compartilhado [] algumas vezes em relaccedilotildees de complementariedade e de colaboraccedilatildeo e outras em relaccedilotildees de atribuiccedilotildees [] A praacutetica educativa tem sua gecircnese em outras praacuteticas que interagem com o sistema escolar e aleacutem disso eacute devedora de si mesma de seu passado (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 91)

Enquanto a praacutetica recebe mais fortemente a carga do ldquotraccedilo cultural

compartilhadordquo a accedilatildeo eacute um campo mais pessoal pertence ao agente

Portanto satildeo as praacuteticas curriculares que satildeo implementadas organizadas e

envolvem a seleccedilatildeo e distribuiccedilatildeo dos saberes escolares O curriacuteculo pensado

a partir das relaccedilotildees que estabelecem tem como base as experiecircncias

anteriores de cada um dos sujeitos envolvidos no processo que as revisitam e

corrigem o rumo das experiecircncias que ainda estatildeo por vir Desta forma satildeo as

praacuteticas jaacute existentes que influenciam na organizaccedilatildeo curricular e no meacutetodo

Nas escolas tradicionais a tendecircncia eacute manter a reproduccedilatildeo e existe a

continuidade cultural tanto em relaccedilatildeo aos processos quanto em relaccedilatildeo ao

conteuacutedo

Nas sociedades abertas espera-se maior renovaccedilatildeo daiacute o interesse

em natildeo se descartar a tradiccedilatildeo inerente mas fazecirc-la de uma nova forma

aperfeiccediloando-a (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) Inerentemente estaacute a

solidariedade enquanto conhecimento praacutetica curricular valor e haacutebito Natildeo eacute

possiacutevel pensaacute-la como uma disciplina Ela (a solidariedade) precisa estar

imbricada no curriacuteculo fazer parte das relaccedilotildees pedagoacutegicas que se

estabelecem e tecem o ambiente escolar habitualmente conferindo

autenticidade ao Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

129

Pierre Bourdieu em quem Gimeno Sacristaacuten apoia-se aqui define

habitus por

sistemas de disposiccedilotildees duraacuteveis estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes isto eacute como princiacutepio gerador e estruturador das praacuteticas e das representaccedilotildees que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto da obediecircncia a regras objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenccedilatildeo consciente dos fins e o domiacutenio expresso das operaccedilotildees necessaacuterias para atingi-los e coletivamente orquestradas sem ser o produto da accedilatildeo organizadora de um regente (BOURDIEU 2003 p 53-54)

O habitus se apresenta como um regulador da subjetividade do sujeito

por meio de uma praacutetica social que se percebe estruturada e que tende a inferir

como um regulador das praacuteticas do sujeito embora sua condiccedilatildeo natildeo seja

invariaacutevel Para ele se o sistema muda a tendecircncia eacute uma nova acomodaccedilatildeo

dos sujeitos Neste sentido o habitus tende a conformar e orientar as relaccedilotildees

de interaccedilatildeo ao mesmo tempo em que eacute produto das proacuteprias relaccedilotildees sociais

que se estabelecem

Para Gimeno Sacristaacuten o haacutebito eacute um fator determinante na praacutetica

pedagoacutegica pois as accedilotildees dos sujeitos muitas vezes natildeo satildeo determinadas

pela reflexatildeo sobre o que se deve fazer mais pelo habitus ao qual ela tem sido

feita Por habitus compreende ldquoa organizaccedilatildeo resultante de praacuteticas com

capacidades para dirigir e regular accedilotildees futuras de forma a permitir o alcance

de determinados fins sem que cada indiviacuteduo que assume o habitus tenha de

propor-se a isso explicitamenterdquo (GIMENO SACRISTAacuteN 1999 p 82) Assim as

proacuteprias estruturas se cristalizam a partir do habitus e assim tendem a manter

a ordem rejeitando ou refutando as transformaccedilotildees que por ventura venham a

lhe ameaccedilar Muito pouco se pode esperar de mudanccedilas quando as accedilotildees

tentam ser transformadas individualmente Assim ainda que os indiviacuteduos

formem as instituiccedilotildees a institucionalizaccedilatildeo acaba trazendo consequecircncias

cumulativas na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees dos

comportamentos dos valores ldquoAs accedilotildees repetidas com frequecircncia criam uma

pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

130

apreendida como pauta pelo agenterdquo (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho pedagoacutegico e

para a aprendizagem Da mesma forma que pode ser difiacutecil interromper a

loacutegica participativa de um ambiente colaborativo bem sedimentado Significa

dizer que as condiccedilotildees sociais os modos de gestatildeo os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola Disponibilizar o conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa

oferecer um modelo arcaico de educaccedilatildeo O que caracteriza solidificaccedilatildeo eacute a

reproduccedilatildeo de velhos haacutebitos (GIMENO SACRISTAacuteN 1999) e de nada vale um

discurso do professor que enfatiza a eacutetica e a solidariedade se a praacutetica o

exemplo for outra63

Os valores satildeo aprendidos na escola em propostas de atividades

intencionais mas tambeacutem nas relaccedilotildees que se estabelecem de forma que natildeo

basta o tema estar presente na Proposta Curricular se a praacutetica pedagoacutegica

natildeo consolida natildeo propicia o aprendizado pela vivecircncia daquilo que se deseja

ensinar

Aprendemos a ser professores assim como aprendemos a ser cidadatildeos traficantes ou corruptos Os problemas de uma instituiccedilatildeo escolar sempre satildeo ligados agraves escolhas de objetivos e formas de ensino a partir das quais os alunos seratildeo iniciados em certos comportamentos conteuacutedos e condutas que valoramos [] Podemos empreender esforccedilos no sentido de ensinar um aluno a conviver com a criacutetica mas a indignar-se com a injusticcedila e natildeo a conviver com ela (CARVALHO 2013 p 125)

63

Vale ressaltar que Pierre Bourdieu desenvolve o conceito de habitus se referindo ao conceito natildeo de forma determinista O habitus natildeo eacute um mero produto da subjetividade do sujeito mas eacute construiacutedo a partir de sua trajetoacuteria social Neste sentido natildeo estaacute condenado a ser uma repeticcedilatildeo sem-fim de conduta podendo ser pensado como um sistema aberto que pode ser construiacutedo continuamente Ele natildeo necessariamente se refere agrave loacutegica pura da reproduccedilatildeo ao contraacuterio constitui-se por meio de estrateacutegias e de praacuteticas nas quais e pelas quais os agentes reagem adaptam-se e contribuem criando novas situaccedilotildees (SETTON 2002)

131

Ao se buscar compreender a solidariedade como praacutetica curricular

educativa tanto a ldquosolidariedaderdquo quanto a ldquopraacuteticardquo inferem diretamente na

compreensatildeo de ldquocurriacuteculordquo e de ldquoeducaccedilatildeordquo em quem se deseja formar onde

o curriacuteculo eacute o caminho percorrido durante a vida escolar e a educaccedilatildeo eacute um

conceito mais amplo refere-se agraves experiecircncias formativas ao longo da vida

quer sejam elas propiciadas pela escola ou em outras situaccedilotildees de

aprendizagem e envolvem o desenvolvimento das inteligecircncias ligadas ao

conviacutevio em sociedade pela ecologia dos saberes (SANTOS B S 2007)

Sendo assim sobretudo durante a educaccedilatildeo escolar natildeo se deve

separar a aquisiccedilatildeo de conhecimentos culturalmente acumulados e a

construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo das inteligecircncias ligadas agrave ecologia

dos saberes da aprendizagem de valores pelos quais se aprende a viver com

a consciecircncia poliacutetica necessaacuteria para a construccedilatildeo cotidiana do estado

democraacutetico

5 A solidariedade e o curriacuteculo nacional

Em documentos curriculares nacionais tais como a Lei de Diretrizes e

Bases ndash LDB os Paracircmetros Curriculares Nacionais ndash PCN e os Referenciais

Curriculares Nacionais ndash RCN os ideais de solidariedade pautam a finalidade

da educaccedilatildeo brasileira O preparo para o exerciacutecio da cidadania e a praacutetica

social estatildeo inscritos na LDB (Art1ordm sect 2ordm e Art22 Lei nordm 939496) A inserccedilatildeo

de atividades solidaacuterias na formulaccedilatildeo curricular recai na seleccedilatildeo de

conteuacutedos procedimentos e meacutetodos que seratildeo empregados pela escola para

que ela exerccedila essa formaccedilatildeo

Nos Paracircmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental a

escola na perspectiva de construccedilatildeo da cidadania eacute indicada a assumir a

valorizaccedilatildeo da cultura de sua proacutepria comunidade propiciando aos alunos o

conviacutevio com diferentes grupos sociais o acesso aos conhecimentos

socialmente relevantes em acircmbito nacional e regional o desenvolvimento da

relaccedilatildeo interpessoal cognitiva afetiva motora eacutetica e esteacutetica A

132

aprendizagem de atitudes e valores eacute apontada como uma praacutetica constante e

coerente em que os alunos aprendam a respeitar as diferenccedilas bem como a

reconhecer as semelhanccedilas a estabelecer viacutenculos de confianccedila cooperativos

e solidaacuterios em um clima favoraacutevel de trabalho no qual a avaliaccedilatildeo e a

observaccedilatildeo do caminho por eles percorrido seja de fato instrumentos de auto-

regulaccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem

No entanto de iniacutecio eacute preciso pontuar que um curriacuteculo pautado na

construccedilatildeo do conhecimento solidariedade estaacute apoiado na vivecircncia de

situaccedilotildees de aprendizagem nas quais sejam criadas situaccedilotildees de

aprendizagem a partir da realidade local Portanto haacute de se considerar a

autonomia da escola e do professor em sua organizaccedilatildeo Natildeo se trata apenas

de incluir a ideia de ldquoformaccedilatildeo para a cidadania segundo os ideais de

solidariedaderdquo se esse estiver descolado da praacutetica tampouco seraacute possiacutevel

desenvolvecirc-lo a partir da proposta de padronizaccedilatildeo de um curriacuteculo nacional

uacutenico regulador de um processo de aprendizagem centrado na aquisiccedilatildeo de

conteuacutedo e com foco em bons resultados nos exames externos Assim o

modelo regulador de curriacuteculo nacional uacutenico que tramita no Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo desde o final de 2011 concorre com o princiacutepio de autonomia na

escola pois a proposta visa estabelecer entre outras metas o que o aluno

deve saber ao final de cada uma das seacuteries obscurecendo a mobilidade do

professor de adequar a proposta pedagoacutegica ao perfil de seus alunos

deslocando o objetivo do ensino para o sucesso da aplicaccedilatildeo de determinado

conteuacutedo ao inveacutes de considerar o processo de aprendizagem do aluno A

padronizaccedilatildeo silencia e desfavorece a riqueza da diversidade do conjunto em

cada escola Sobre as grandes generalizaccedilotildees no contexto das teorias gerais

que pode se aplicar neste caso Boaventura S Santos argumenta que

a diversidade do mundo eacute inesgotaacutevel natildeo haacute teoria geral que possa organizar toda essa realidade [] Natildeo posso reduzir a heterogeneidade do mundo a uma homogeneidade que seria de novo uma totalidade que deixaria de fora muitas outras coisas (2007 p 39)

133

Santos propotildee ao contraacuterio um processo intercultural intersocial de

buscar o que chamou de inteligibilidade sem homogeneizaccedilatildeo para natildeo

destruir a diversidade Aleacutem disso o proacuteprio estado tem estabelecido exames

de avaliaccedilatildeo externos metas e sistemas de bonificaccedilatildeo que ldquoregulamrdquo e desta

forma concorrem diretamente com a ideia de uma educaccedilatildeo que ldquoemancipardquo

Portanto ao se aproximar desses documentos eacute preciso manter-se atento

Trazer algumas passagens dos documentos oficiais que apresentam

orientaccedilotildees que permitem a composiccedilatildeo curricular sem restringir a adequaccedilatildeo

e autonomia da escola e trazem no acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica pelo aspecto

da formaccedilatildeo ciacutevica eacute a proposta desta tese para situar a solidariedade nos

documentos oficiais muito embora saibamos que outras passagens e poliacuteticas

adotadas concorram diretamente com o conhecimento-emancipaccedilatildeo

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do

Ensino Fundamental que os alunos sejam capazes de

compreender a cidadania como participaccedilatildeo social e poliacutetica assim

como exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos civis e sociais adotando

no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito

posicionar-se de maneira criacutetica responsaacutevel e construtiva nas

diferentes situaccedilotildees sociais utilizando o diaacutelogo como forma de mediar

conflitos e de tomar decisotildees coletivas

No caderno dos Temas Transversais de Eacutetica (BRASIL 2000) satildeo

objetivos

adotar atitudes de respeito pelas diferenccedilas entre as pessoas respeito

esse necessaacuterio ao conviacutevio numa sociedade democraacutetica e pluralista

adotar no dia-a-dia atitudes de solidariedade cooperaccedilatildeo e repuacutedio agraves

injusticcedilas e discriminaccedilotildees

compreender a vida escolar como participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico

utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construccedilatildeo de

uma sociedade democraacutetica e solidaacuteria

134

Desenvolver o conhecimento solidariedade estaacute relacionado a aprender

a exercer de fato a cidadania

Natildeo se eacute solidaacuterio apenas ajudando pessoas proacuteximas ou engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente por exemplo) Essas formas satildeo genuiacutenas traduccedilatildeo da solidariedade humana mas haacute outras Uma delas diretamente relacionada com o exerciacutecio da cidadania eacute a da participaccedilatildeo no espaccedilo puacuteblico na vida poliacutetica O exerciacutecio da cidadania natildeo se reduz apenas pela defesa dos proacuteprios interesses e direitos mas passa necessariamente pela solidariedade (BRASIL 2000 p 71)

A solidariedade tambeacutem eacute indicada como um dos quatro blocos de

conteuacutedo no caderno ldquoEacuteticardquo dos Temas Transversais64 Pensar a solidariedade

como praacutetica educativa significa criar espaccedilos no curriacuteculo onde ela seja

vivenciada culturalmente no ambiente escolar nas relaccedilotildees que se

estabelecem na intencionalidade das atividades e projetos de intervenccedilatildeo

desenvolvidos junto agrave comunidade O fazer pedagoacutegico solidaacuterio implica em um

fazer eacutetico colaborativo onde a solidariedade eacute relaccedilatildeo Nos Paracircmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Meacutedio estabelecidos pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo propotildee-se a reflexatildeo de um curriacuteculo pensado para organizar

estrateacutegias de realizaccedilatildeo de atividades nos trecircs domiacutenios da accedilatildeo humana a

vida em sociedade a atividade produtiva e a experiecircncia subjetiva Essa

indicaccedilatildeo respalda o desenvolvimento de projetos solidaacuterios na educaccedilatildeo

baacutesica

Da mesma forma o Artigo 3ordm da Lei nordm 939496 na Constituiccedilatildeo

Brasileira afirmando que o respeito agrave liberdade e apreccedilo agrave toleracircncia a gestatildeo

democraacutetica do ensino puacuteblico na forma desta lei e da legislaccedilatildeo dos sistemas

de ensino a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra-escolar a vinculaccedilatildeo entre a

educaccedilatildeo escolar o trabalho e as praacuteticas sociais sugere o apoio a meacutetodos

que permitam o desenvolvimento de projetos solidaacuterios quando cita a gestatildeo

64

Os outros trecircs satildeo respeito muacutetuo justiccedila e diaacutelogo Tais blocos referem-se a toda a proposta de Eacutetica do Ensino Fundamental e estaacute ligada diretamente ao princiacutepio da dignidade humana

135

democraacutetica a valorizaccedilatildeo da experiecircncia extra escolar a vinculaccedilatildeo dos

saberes escolares agraves praacuteticas sociais Em consonacircncia tanto com o texto que

se refere ao Ensino Meacutedio quanto do Ensino Fundamental o desenvolvimento

da capacidade de aprendizagem tendo em vista a aquisiccedilatildeo de conhecimentos

e habilidades a formaccedilatildeo de atitudes e valores bem como o fortalecimento

dos viacutenculos de famiacutelia dizem respeito agrave solidariedade como praacutetica curricular

educativa

O Conselho Nacional de Educaccedilatildeo ressaltou no histoacuterico do Parecer

do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo da Cacircmara de Educaccedilatildeo Baacutesica nuacutemero

072010 que estabeleceu as bases para a definiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica que

a necessidade de definiccedilatildeo de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute posta pela emergecircncia da atualizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que consubstanciam o direito de todo brasileiro agrave formaccedilatildeo humana e cidadatilde e agrave formaccedilatildeo profissional na vivecircncia e convivecircncia em ambiente educativo (MECCNE 2010)

O Programa Ensino Meacutedio Inovador lanccedilado em 2009 e o ENEM

reformulado sugerem o desenvolvimento da solidariedade como praacutetica

curricular educativa O Programa65 entende que o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

de cada unidade escolar deve materializar-se no processo de formaccedilatildeo

65

O Ensino Meacutedio Inovador tem como principais objetivos a superaccedilatildeo das desigualdades de oportunidades educacionais (segundo o PNAD 2006 733 dos jovens matriculados satildeo da regiatildeo Sudeste contra 311 do Nordeste) a universalizaccedilatildeo do acesso e permanecircncia dos adolescentes de 15 a 17 anos no Ensino Meacutedio (segundo o PNAD de 2006 mais de 50 dos jovens natildeo estatildeo matriculados nessa faixa etaacuteria) a consolidaccedilatildeo da identidade dessa etapa educacional considerando a diversidade de sujeitos a oferta de aprendizagem significativa para jovens e adultos reconhecimento e priorizaccedilatildeo da interlocuccedilatildeo com as culturas juvenis

O curriacuteculo meacutedio inovador eacute organizado por um plano de implantaccedilatildeo (gestatildeo operacionalizaccedilatildeo apoio teacutecnico e pedagoacutegico) linhas de accedilatildeo e macrocampos Compreende-se macrocampo o conjunto de atividades didaacutetico-pedagoacutegicas que estatildeo dentro de uma aacuterea de conhecimento percebida como um grande campo de accedilatildeo educacional e interativa podendo contemplar uma diversidade de accedilotildees que qualificam e dialogam com o curriacuteculo escolar

O Programa eacute oferecido para as escolas que apresentaram baixo aproveitamento no IDEB (Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica uma nota que parte do cruzamento dos resultados obtidos pela escola na Prova Brasil ou SAEB e o fluxo de aprovaccedilatildeo) Ele disponibiliza uma linha de creacutedito para as escolas participantes de acordo com a linha de accedilatildeo e o macrocampo previsto por ela no planejamento (BRASILMEC 2009)

136

humana coletiva por meio da articulaccedilatildeo entre trabalho ciecircncia e cultura a

partir de alguns indicativos entre eles

fomentar o comportamento eacutetico como ponto de partida para o

reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania praticando um

humanismo contemporacircneo pelo reconhecimento respeito e

acolhimento da identidade do outro e pela incorporaccedilatildeo da

solidariedade

promover atividades sociais que estimulem o conviacutevio humano e

interativo do mundo dos jovens

realizar parceria com a secretaria de juventude e estimular a

participaccedilatildeo do jovem em pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica atividades

sociais artiacutesticas e culturais

desenvolver accedilotildees de incentivo agrave atuaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da juventude

nos seus processos de desenvolvimento pessoal social e de vivecircncia

poliacutetica

A avaliaccedilatildeo do Ensino Meacutedio - o ENEM66 - eacute uma prova criada em

2009 que comeccedilou a considerar em sua segunda versatildeo como criteacuterio de

correccedilatildeo da redaccedilatildeo 5 competecircncias definidas como modalidades estruturais

da inteligecircncia accedilotildees e operaccedilotildees que se deva utilizar para estabelecer

relaccedilotildees com e entre objetos situaccedilotildees fenocircmenos e pessoas que se deseja

conhecer Entre elas destaca-se a que sugere a tomada de decisotildees para o

enfrentamento de situaccedilotildees-problema e a que cita de fato a intervenccedilatildeo

solidaacuteria como proposta educativa 66

O Exame comeccedilou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades puacuteblicas brasileiras atraveacutes do SiSU (Sistema de Seleccedilatildeo Unificada) Atraveacutes do SiSU os alunos podem se inscrever para as vagas disponiacuteveis nas universidade brasileiras participantes do Sistema (como a utilizaccedilatildeo do ENEM e do SiSU pelas universidade brasileiras eacute opcional algumas universidades ainda utilizam concursos vestibulares proacuteprios para seleccedilatildeo dos candidatos agraves vagas) Aleacutem disso a prova tambeacutem comeccedilou a ser utilizada para a aquisiccedilatildeo de bolsas de estudo integrais ou parciais em universidades particulares atraveacutes do ProUni (Programa Universidade para Todos) para a obtenccedilatildeo de financiamentos atraveacutes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) como certificaccedilatildeo de conclusatildeo do Ensino Meacutedio em cursos de Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos (EJA) Os resultados do ENEM ainda satildeo utilizados pelo governo como ferramenta para avaliar a qualidade geral do Ensino Meacutedio no paiacutes orientando as poliacuteticas educacionais do Brasil Vale ressaltar que a sociedade principalmente a miacutedia tem utilizado o resultado para rankiar as escolas por notas o que acaba tendo um peso valioso para o mercado na avaliaccedilatildeo da melhor escola (puacuteblica ou particular) (INEP 2013)

137

enfrentar situaccedilotildees-problema selecionar organizar relacionar

interpretar dados e informaccedilotildees representados de diferentes formas

para tomar decisotildees e enfrentar situaccedilotildees-problema

elaborar proposta recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola

para elaboraccedilatildeo de propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade

respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural

As avaliaccedilotildees externas como o ENEM tecircm pautado o curriacuteculo uma

vez que as escolas satildeo cobradas segundo os seus rendimentos que satildeo

adotados como iacutendices nacionais de qualidade Neste sentido considerar a

intervenccedilatildeo solidaacuteria como criteacuterio da prova de redaccedilatildeo (a de maior peso)

causa impacto na formulaccedilatildeo curricular do Ensino Meacutedio muito embora a

pressatildeo pelo desempenho nas demais questotildees e o ranking ao qual sobretudo

a miacutedia expotildee as escolas e a educaccedilatildeo como mercadoria fortalece o

conhecimento-regulaccedilatildeo Justamente por se tratar de uma realidade

contraditoacuteria e tensionada pela natildeo neutralidade poliacutetica inerente ao processo

educativo eacute que se faz necessaacuterio desejar todo e qualquer espaccedilo-tempo que

favoreccedila a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento reconhecido e

socialmente valorado daiacute a relevacircncia histoacuterica de se incluir a ldquoelaboraccedilatildeo de

propostas de intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidaderdquo como indicador de qualidade

da educaccedilatildeo baacutesica

6 O curriacuteculo e a qualidade da educaccedilatildeo

Pode-se dizer que a qualidade que se deseja imprimir guia o curriacuteculo e

o curriacuteculo determina a qualidade da educaccedilatildeo Neste sentido eacute preciso

ponderar o que se compreende por qualidade da educaccedilatildeo para que seja

possiacutevel alinhar a proposta de solidariedade pensada enquanto praacutetica

educativa no curriacuteculo

138

A histoacuteria da universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo baacutesica no Brasil eacute recente

Somente apoacutes o periacuteodo relativo agrave Ditadura Militar quando o paiacutes enfrentou a

sua mais seacuteria fase de repressatildeo ideoloacutegica e apoacutes a conquista das eleiccedilotildees

diretas (1984) a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal (1988) e a sanccedilatildeo da

atual Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (1996) que determinava

o Ensino Fundamental obrigatoacuterio e gratuito (Art4ordm) eacute que o Brasil alcanccedilou

iacutendices satisfatoacuterios de oferta de vagas para a educaccedilatildeo baacutesica

Nessa mesma eacutepoca a Declaraccedilatildeo Mundial sobre Educaccedilatildeo para

Todos (em Jomtien 1990) organizada pela UNESCO exigia o

comprometimento dos paiacuteses a cooperar adotando medidas necessaacuterias para

propiciar a educaccedilatildeo para todos para o cumprimento das metas de correccedilatildeo

dos iacutendices alarmantes de analfabetismo no mundo Na mesma deacutecada o

desafio passou a ser a busca por imprimir ldquopadrotildees de qualidaderdquo que

pudessem garantir o direito agrave educaccedilatildeo de qualidade para todos Os

instrumentos foram criados a partir de modelos internacionais que permitem

medir o rendimento de cada escola a partir de testes padronizados e

questionaacuterios socioeconocircmicos (COLEMAN 2008)

Segundo o INEP oacutergatildeo responsaacutevel pelas avaliaccedilotildees do MEC os

testes satildeo aplicados para saber se os alunos estatildeo aprendendo

satisfatoriamente leitura e matemaacutetica habilidades baacutesicas essenciais para a

aprendizagem das demais aacutereas do conhecimento A partir dos dados

levantados e divulgados se pode acompanhar objetivamente as escolas e ter

uma ldquofotografiardquo do desempenho dos alunos nessas avaliaccedilotildees No entanto

para aleacutem da condiccedilatildeo de serem referecircncias por serem paracircmetros

mensuraacuteveis de aprendizagem seu emprego tem promovido uma distorccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do conceito de qualidade na medida em que se tornou

uacutenica referecircncia reduzindo assim o conceito de qualidade da educaccedilatildeo a

rendimentos e resultados cognitivos especiacuteficos fato esse que tem motivado as

escolas a empregarem tais testes como uacutenico modulador curricular sem

mencionar no foco ajustado agrave formaccedilatildeo para o mercado de trabalho dessas

propostas educacionais que visam o preparo pela padronizaccedilatildeo e massificaccedilatildeo

da aquisiccedilatildeo de conhecimento

139

Para Ana Maria Saul isso se deve ao fato de que as avaliaccedilotildees

quantitativas tecircm ecircnfase maior nos produtos e resultados e tendem a querer

simular na escola condiccedilotildees de laboratoacuterio onde satildeo descartadas as

especificidades de formaccedilatildeo dos sujeitos em detrimento das generalizaccedilotildees

estatiacutesticas Nas palavras de Saul

O modelo de avaliaccedilatildeo quantitativa considera a educaccedilatildeo como um processo tecnicista Assume a niacutetida diferenccedila entre fatos e valores a determinaccedilatildeo de fins e objetivos da educaccedilatildeo e a neutralidade eacutetica da intervenccedilatildeo tecnoloacutegica A avaliaccedilatildeo quantitativa tem como preocupaccedilatildeo uacutenica a comprovaccedilatildeo do grau em que os objetivos previamente estabelecidos foram alcanccedilados (SAUL 2010 p 47)

Justamente por essa objetividade em se focar previamente o alcance

das metas estabelecidas no projeto eacute que a avaliaccedilatildeo quantitativa torna-se um

instrumento restrito aos aspectos preestabelecidos observaacuteveis e

quantificaacuteveis No entanto ressalta Saul nem a avaliaccedilatildeo nem a educaccedilatildeo satildeo

processos tecnicistas descolado de valores de subjetividades inerentes ao

proacuteprio processo de aprendizagem Aiacute estaacute a inversatildeo ao inveacutes de se colocar o

foco da qualidade da educaccedilatildeo na qualidade da aprendizagem o objetivo tem

sido unicamente o sucesso no projeto de se conseguir bons resultados nos

exames externos Neste sentido eacute que a avaliaccedilatildeo deveria ser parte do

diagnoacutestico natildeo sua totalidade A insistecircncia tem favorecido o estabelecimento

de uma cultura curricular de preparaccedilatildeo para os exames que favorece uma

loacutegica conservadora de formaccedilatildeo do conhecimento-regulaccedilatildeo (tal como

discutido no capiacutetulo II)

Tal ideia recebe respaldo na importaccedilatildeo do modelo centrado nos

processos de produccedilatildeo em que a utilizaccedilatildeo de modelos hieraacuterquicos lineares e

a eficaacutecia em busca de resultados satildeo diretamente importadas do modelo

empresarial para o universo escolar (BROOKE SOARES 2008) Aleacutem disso a

reengenharia econocircmica gerenciada pelo marketing vem para a educaccedilatildeo

para trazer maior ldquorentabilidaderdquo e ldquocompetitividaderdquo pelo modelo de ldquoqualidade

totalrdquo (CASALI 2011) quase num retorno ao jaacute superado modelo de curriacuteculo

para a formaccedilatildeo da matildeo de obra no advento da industrializaccedilatildeo

140

O foco da educaccedilatildeo natildeo estaacute centrado no processo de formaccedilatildeo e

aprendizagem do aluno mas no cumprimento do plano curricular Essa

inversatildeo na compreensatildeo custa por assim dizer o proacuteprio processo educativo

que em meio a um percurso distorcido acaba favorecendo aqueles que ldquotecircm

condiccedilotildees de acompanhaacute-lordquo Eacute como se a escola estivesse programada para

formar um aluno ldquoidealrdquo assim como a induacutestria produz um artefato com

padronizaccedilatildeo metas prazos riacutegidos controle de qualidade eficaacutecia e

eficiecircncia Eacute justamente o modelo de qualidade que se deseja adotar

No entanto sem um projeto de identidade coletiva o mundo continua a

reproduzir pobreza destruiccedilatildeo ambiental guerra exclusatildeo mesmo com o

avanccedilo da ciecircncia e da tecnologia A sociedade para constituir um estado

democraacutetico precisa de pessoas que saibam con-viver que produzam vida

digna para todos que estabeleccedilam e participem de redes colaborativas Neste

sentido espera-se que sejam pessoas que aprendam a desenvolver sua

autonomia aprendam a respeitar sendo respeitadas em suas particularidades e

que natildeo lhe seja negada a oportunidade de desenvolver-se plenamente A

habilidade de convivecircncia social por natildeo ser natural tem que ser ensinada

aprendida e desenvolvida culturalmente Esta deve ser a tarefa de toda a vida

de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO WERNECK 2004 p 18)

O homem aprende a ser humano quando interage com outro humano

numa relaccedilatildeo que pode ser hieraacuterquica ou colaborativa respeitosa ou

excludente plural ou ativista (FREIRE 1996)

Para Casali (2011) a qualidade da educaccedilatildeo deve ser compreendida

no campo de quatro dimensotildees a saber preacute-condiccedilotildees condiccedilotildees praacuteticas e

resultados Esta compreensatildeo eacute norteadora e esclarece que a emancipaccedilatildeo

dos sujeitos a eacutetica a convivecircncia a solidariedade devem ser os resultados

esperados de um projeto formativo Em sua definiccedilatildeo de qualidade da

educaccedilatildeo no rol das preacute-condiccedilotildees estaacute por exemplo a democracia o estado

de direito as poliacuteticas puacuteblicas com recursos adequados a remuneraccedilatildeo digna

dos profissionais da educaccedilatildeo sua formaccedilatildeo inicial e continuada entre outras

Como condiccedilotildees instalaccedilotildees adequadas (salas de aula laboratoacuterios

equipamentos) vestuaacuterio e alimentaccedilatildeo processo de avaliaccedilatildeo permanente

gestatildeo democraacutetica infraestrutura com direito a acesso agraves tecnologias etc

141

Como praacuteticas um curriacuteculo que integre a escola com a comunidade que

propicie a aprendizagem cognitiva emocional social que respeite cada sujeito

em sua diversidade praacuteticas essas vivenciadas em relaccedilotildees de respeito

solidariedade liberdade Satildeo resultados a formaccedilatildeo pessoal e social a

autoestima a emancipaccedilatildeo dos sujeitos a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico a

capacidade de ser bem sucedido no mundo do trabalho de participar

socialmente

Portanto para se desenvolver uma educaccedilatildeo de qualidade natildeo se

trata de oferecer uma preparaccedilatildeo instrucional teacutecnica apenas Ela precisa

acontecer no espaccedilo da diversidade valorizar-se a partir dela superar a

formaccedilatildeo individualista competitiva consumista O curriacuteculo deve visar uma

educaccedilatildeo em valores que promova o desenvolvimento cognitivo social

cultural emocional e sobretudo eacutetico Aleacutem das diversas aacutereas do

conhecimento como a linguagem em todas as suas formas e miacutedia

matemaacutetica artes ciecircncias naturais ciecircncias sociais filosofia e sociologia ele

precisa ser guiado por um processo avaliativo que permita melhorar o

aproveitamento da aprendizagem e da formaccedilatildeo para a cidadania durante o

percurso O conteuacutedo aprendido na escola natildeo eacute um fim em si mesmo Por

meio de redes de aprendizagem de colaboraccedilatildeo a escola pode criar situaccedilotildees

em que os alunos sejam desafiados a construir conhecimento a serviccedilo de uma

melhor qualidade de vida Vale enfatizar que cabe agrave escola responsabilizar-se

por levantar questotildees sobre o que ensinam e como devem ensinar tendo

consciecircncia do impacto dessa atuaccedilatildeo na constituiccedilatildeo da sociedade Criar

espaccedilos onde haja aplicaccedilatildeo real dos saberes escolares para resolver

problemas sociais reais identificados pela comunidade escolar especialmente

com a percepccedilatildeo do aluno pode ser um diferencial para uma educaccedilatildeo de

qualidade O manejo das tecnologias o acesso ao conteuacutedo acumulado

culturalmente as habilidades de convivecircncia o saber fazer e resolver

situaccedilotildees-problema e o discernimento para saber como empregar a inteligecircncia

para melhorar a qualidade de vida exige mais do processo pedagoacutegico do que

a preparaccedilatildeo para a vida escolar Praacuteticas que sugerem um curriacuteculo

contextualizado criacutetico elaborado em parceria com a comunidade para

142

resolver problemas sociais reais pode ser uma das maneiras encontradas pelas

escolas para oferecer educaccedilatildeo de qualidade emancipadora

Em outras palavras se a questatildeo da qualidade eacute uma conjunccedilatildeo de

fatores como o acesso agraves tecnologias formaccedilatildeo de professores a

infraestrutura da escola a gestatildeo democraacutetica entre outros um bom curriacuteculo

exige articulaccedilatildeo e compromisso com uma educaccedilatildeo emancipadora Leonardo

Boff em seu conjunto de livros nos quais reflete sobre as virtudes para um

outro mundo possiacutevel aponta o intercacircmbio o respeito a convivecircncia o estar

junto e o cuidado com a matildee-terra como a uacutenica alternativa ao suiciacutedio a que

se propotildee uma sociedade individualista e competitiva (BOFF 2005 2006a

2006b)

O processo educativo precisa garantir esses espaccedilos de intercacircmbio

de respeito agraves diferenccedilas de interculturalidade O debate acerca da qualidade

da educaccedilatildeo deve considerar que a todos e a cada um deva ser garantido o

direito agrave formaccedilatildeo emancipadora libertadora solidaacuteria com todas as preacute-

condiccedilotildees e condiccedilotildees asseguradas

143

CAPIacuteTULO IV

144

A SOLIDARIEDADE COMO PRAacuteTICA CURRICULAR EDUCATIVA

Esta pesquisa propocircs-se a analisar quatro escolas67 de diferentes

realidades para buscar compreender em que medida e como a experiecircncia da

solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular Natildeo

se pretende comparaacute-las entre si tampouco classificaacute-las relativamente O eixo

central de costura do texto eacute o conceito solidariedade Optamos por considerar

mais de uma escola para compor um universo de anaacutelise mais diversificado e

que nos permitisse buscar compreender em que medida e como a experiecircncia

da solidariedade pode contribuir com o desenvolvimento da praacutetica curricular e

se ela pode ser considerada inerente ao processo formativo

Durante o desenvolvimento da pesquisa notamos que os sujeitos de

uma mesma escola podem apresentar diferentes compreensotildees de

solidariedade ou que sujeitos de escolas diferentes podem ter interpretaccedilotildees

similares ou ainda natildeo ter clareza em relaccedilatildeo ao desenvolvimento de

atividades solidaacuterias no seu contexto escolar Partindo dessa constataccedilatildeo

agrupamos os dados visando elucidar as praacuteticas curriculares que refletem

diferentes concepccedilotildees a partir de suas falas e da anaacutelise dos documentos das

escolas A construccedilatildeo das possibilidades de arranjos curriculares seus

conflitos e tensotildees tecem o ambiente educativo de maneira dinacircmica e

algumas vezes contraditoacuteria Para identificar os sujeitos que participaram dessa

pesquisa adotamos a convenccedilatildeo das siglas

CP ndash Coordenador Pedagoacutegico

P ndash Professor

ExC ndash ex-Coordenador

C ndash Comunidade

seguidos da identificaccedilatildeo da escola (E1 E2 E3 e E4)

Pode-se observar dois grandes movimentos nos quais eacute possiacutevel

identificar (ou natildeo) a solidariedade no ambiente educativo a) enquanto praacutetica

67

As escolas foram apresentadas no capiacutetulo I

145

educativa no desenvolvimento de atividades intencionalmente planejadas para

que os alunos tenham a experiecircncia de vivenciar a resoluccedilatildeo de um problema

social real e por esta via aprendam por meio da construccedilatildeo do conhecimento-

emancipaccedilatildeo e b) enquanto norma ou conduta adotada entre os sujeitos da

comunidade educativa entre eles professores alunos direccedilatildeo funcionaacuterios e

demais atores por onde se desenvolve o conhecimento-emancipaccedilatildeo pela

praacutetica pelo haacutebito e pelo exemplo Assim a conduccedilatildeo natildeo neutra do curriacuteculo

imprime o processo de formaccedilatildeo da teia de valores posto que natildeo haacute

conhecimento produzido que seja neutro

Grande parte da vida moderna eacute preparada por sistemas de conhecimentos especializados que disciplinam a maneira como as pessoas participam e agem De modo geral o conhecimento especializado modela o lsquonossorsquo pensamento e a lsquonossarsquo accedilatildeo sobre as calorias da nossa dieta contribuindo para a nossa sauacutede pessoal sobre a poluiccedilatildeo no nosso ambiente que afeta a nossa vida sobre o nosso corpo e a nossa mente como possuidores de estaacutegios de desenvolvimento personalidade e processo de auto-realizaccedilatildeo [] Esses pensamentos assumidos como naturais natildeo satildeo naturais satildeo construiacutedos a partir de sistemas de conhecimentos especializados O poder desse conhecimento especializado estaacute no fato de natildeo ser apenas conhecimento As ideias funcionam para modelar a maneira como participamos como indiviacuteduos ativos e responsaacuteveis Tal fusatildeo do conhecimento puacuteblicopessoal que disciplina nossas escolhas e possibilidades pode ser pensada como efeitos de poder (POPKEWITZ apud DEMO 2002 p 36-37)

A tomada de consciecircncia de que todo conhecimento organiza a forma

de como a pessoa se relaciona com o mundo atribui sentido ao tipo de

pensamento que a escola deseja desenvolver Quando haacute o distanciamento do

pensamento criacutetico a produccedilatildeo do conhecimento teacutecnico-acadecircmico contribui

para uma proposta de educaccedilatildeo que separa o conhecimento cientiacutefico da

formaccedilatildeo para a cidadania Tanto uma praacutetica quanto a outra foram

identificadas nesta pesquisa aleacutem da compreensatildeo de que a solidariedade

contribui para o bom funcionamento do ambiente escolar No arranjo para se

criar situaccedilotildees em que seja possiacutevel vivenciar a solidariedade a escola

promove projetos ou atividades de intervenccedilatildeo onde os alunos satildeo

estimulados a contribuir co-responsabilizando-se pela vida em sociedade

146

Nesse processo a articulaccedilatildeo escola-comunidade permite a construccedilatildeo de um

curriacuteculo que favorece a valorizaccedilatildeo da diversidade do respeito muacutetuo

apropriando-se do bairro da cidade para criar diferentes situaccedilotildees de

aprendizagem Eacute como se expressou o professor

PE3 ndash O nosso projeto eacute desenvolvido com a aldeia indiacutegena localizada proacuteximo ao Pico do Jaraguaacute Atualmente se somados os povos da aldeia de cima e da de baixo satildeo 125 famiacutelias com uma populaccedilatildeo de aproximadamente 650 iacutendios dos quais a maioria quase 400 satildeo crianccedilas Como estatildeo dentro dessa grande metroacutepole (Satildeo Paulo) eles tecircm muitos problemas eles vivem marginalizados Haacute uma absoluta carecircncia de recursos de subsistecircncia da populaccedilatildeo eles natildeo tecircm a posse da terra vivem espremidos nos barrancos natildeo podem mexer em nada natildeo podem caccedilar natildeo podem pescar natildeo podem pegar nada e tambeacutem enfrentam muita dificuldade para conseguir emprego68

A escola quando estaacute aberta a pensar o curriacuteculo considerando a

cidade enquanto possibilidade de aprendizagem se apropria de um espaccedilo de

construccedilatildeo de conhecimento e neste caso intercultural o que natildeo teria feito

se estivesse apenas circunscrita agrave realidade da sala de aula Pensar o curriacuteculo

almejando o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo pressupotildee

ensinar os conteuacutedos programaacuteticos de maneira criacutetica e para isso usar a

cidade como espaccedilo educativo possibilita a articulaccedilatildeo de diferentes atores na

tarefa de fazer uma educaccedilatildeo essencialmente poliacutetica tendo na formaccedilatildeo para

a liberdade e constituiccedilatildeo da democracia seu compromisso maior

(CARVALHO 2013)

No entanto isso pode variar de acordo com a compreensatildeo tanto do

professor quanto da escola sobre o que eacute propiciar a aprendizagem da

solidariedade Se a escola compreende a solidariedade como benevolecircncia ela

teraacute uma postura se acreditar que deve inferir na comunidade e ensinar o

aluno a pensar a partir do outro utilizando os saberes acumulados para o bem

coletivo teraacute outra sendo que as experiecircncias de investigaccedilatildeo de pesquisa

de produccedilatildeo de conhecimento e intervenccedilatildeo social com finalidade educativa

68

Na regiatildeo haacute duas aldeias guaranis separadas apenas por uma rua a Aldeia Tekoa Pyau e a Aldeia Tekoa Ytu esta uacuteltima eacute onde se localiza a Escola Estadual Indiacutegena Djekupeacute Amba Arandu parceira da E3 nesse projeto

147

caracterizam uma proposta de atividade que tem repercussatildeo tanto na

qualidade da educaccedilatildeo que a escola oferece quanto na qualidade de vida da

comunidade Eacute como neste caso

ExCE1 ndash Noacutes daacutevamos parte do conteuacutedo escolar por meio do projeto de voluntariado educativo Os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o Parque tinham ldquoverdadeiras aulasrdquo sobre o conteuacutedo encomendado pela escola deles e os nossos alunos monitores estudavam muito porque tinham que preparar o que iam fazer Eles precisam retomar alguns conteuacutedos para repassar tinham que fazer um texto correto e que despertasse o interesse dos alunos visitantes tinham que falar bem em puacuteblico Eacute uma soma de aprendizados

Ao professor cabe compreender quais espaccedilos pedagoacutegicos iraacute utilizar

para propiciar a aprendizagem de conteuacutedos e outros saberes como a

responsabilidade o autoconhecimento o conviacutevio a pesquisa A motivaccedilatildeo

pelos estudos pode vir pela necessidade de conseguir boas notas mas quando

ela vem pela vontade de participar com esmero de um projeto social que iraacute

transformar uma realidade que se estaacute partindo do que o outro realmente

precisa essa experiecircncia eacute mais significativa para o processo de aprendizagem

(TAPIA 2006) Quando a atividade eacute planejada para de fato atender ao outro

pela escuta atenta de suas reais expectativas eacute possiacutevel perceber que o

comprometimento solidaacuterio eacute significativo para ambos

CE3 ndash A parceria com a E3 eacute muito importante para noacutes porque faz parte da nossa proposta proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque a gente estaacute suprimido pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Hoje temos crianccedilas e jovens que tecircm medo entatildeo eles ficam aqui dentro da aldeia Soacute que a gente natildeo vive s precisamos comprar uma comida uma carne no accedilougue aqui noacutes natildeo podemos caccedilar Mas para entrar nesse sistema natildeo pode ser de qualquer maneira a gente tem que entender esse lugar e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Esta eacute a ideia central do desenvolvimento de praacuteticas que articulam

experiecircncias reais agrave formaccedilatildeo poliacutetica Como afirma CE3 ldquoningueacutem melhor do

que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeiardquo

148

Preparar experiecircncias em que o processo de ensino aprendizagem crie

condiccedilotildees de inferir na sociedade buscando melhorar tanto a qualidade de

vida da comunidade atendida quanto a qualidade da educaccedilatildeo eacute algo que estaacute

sendo discutido haacute seacuteculos Os gregos se preocupavam com a formaccedilatildeo dos

sujeitos que deveriam aprender a viver em suas sociedades cada vez mais

democraacuteticas jaacute pensavam na formaccedilatildeo eacutetica e participativa A compreensatildeo

do ensino pelas virtudes passa a ser um projeto de interesse comum na

medida em que se vecirc a necessidade de formaccedilatildeo de pessoas capazes de

ldquotomar para si a responsabilidade e o desafio coletivo de se criar princiacutepios

regras e formas de convivecircncia comum que estruturassem e preservassem o

mundo puacuteblicordquo (CARVALHO 2013 p 46)

A pedagogia pragmaacutetica de Dewey iraacute dizer que a educaccedilatildeo deve

formar para a vida Paulo Freire completa afirmando que as experiecircncias

devem ser poliacuteticas de decisatildeo e de responsabilidade e que o curriacuteculo deve

ser contextualizado e criacutetico para propiciar o conhecimento de quem iraacute ter

consciecircncia de transformar a realidade com a qual natildeo concorda Em meio agraves

discussotildees mais recentes de praacuteticas de aprendizagem pode-se destacar

ainda a aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio e as comunidades de aprendizagem

que satildeo apostas em metodologias que visam transformar a realidade local por

meio de projetos de intervenccedilatildeo social onde o diaacutelogo igualitaacuterio se converte

em um esforccedilo comum por uma educaccedilatildeo para promover a cultura de paz

combater as desigualdades sociais e prover uma educaccedilatildeo de qualidade

baseada nos princiacutepios eacuteticos e solidaacuterios (FLECHA GARCIacuteA PUIGVERT

2013)

Como esta pesquisa foi desenvolvida junto a escolas que desenvolvem

projetos de voluntariado educativo ou aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio abaixo

iremos propor uma reflexatildeo sobre tais projetos visando encontrar subsiacutedios

para compreender a solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

149

1 Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio denominaccedilotildees e principais

caracteriacutesticas

Aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio eacute o nome de atividades pedagoacutegicas

de intervenccedilatildeo social onde o aluno aprende a pensar e a utilizar os saberes

escolares para resolver problemas sociais reais Com isso espera-se que o

conhecimento acumulado seja aplicado e ampliado em favor da tomada de

consciecircncia de que eacute preciso assumir a responsabilidade pela construccedilatildeo de

outra ordem social possiacutevel Tal praacutetica tem sido difundida em diversos paiacuteses

e pode ser reconhecida em diversos nomes tais como ldquoaprendizagem e

serviccedilo solidaacuteriordquo ou ldquoaprendizagem-serviccedilordquo ou ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

(comum entre os paiacuteses ibero-americanos) ldquovoluntariado educativordquo na Itaacutelia e

no Brasil ldquoservice-learningrdquo nos EUA Podem ocorrer situaccedilotildees em que haacute

diferentes nomenclaturas dentro do mesmo paiacutes No entanto para os

especialistas as diferentes ocorrecircncias natildeo querem dizer nem que se tratam

da mesma proposta nem a descaracterizam (TAPIA 2001) Isso porque haacute

adequaccedilotildees regionais para o seu desenvolvimento que consiste a priori em

estimular os alunos a participarem de um projeto de intervenccedilatildeo na

comunidade para que aprendam a ser solidaacuterios utilizando os conhecimentos

aprendidos na escola Neste sentido ldquoeacute uma proposta educativa que combina

processos de aprendizagem e de serviccedilo agrave comunidade em uma soacute atividade

na qual os estudantes se formam ao implicar-se em atender as necessidades

reais identificadas na comunidaderdquo (ZERBIKAS 2013)

Nos Estados Unidos o service-learning integra a aprendizagem formal

ao desenvolvimento de projetos sociais onde os alunos aprendem e se

desenvolvem por meio da participaccedilatildeo em atividades educativas organizadas

para atender agraves necessidades de uma comunidade promovendo a

responsabilidade ciacutevica69 Programas de service-learning envolvem os alunos

em um compromisso muacutetuo em atividades que atendem agraves necessidades

locais durante o desenvolvimento das habilidades acadecircmicas e como

resultado espera-se um melhor desempenho educacional e um impacto na

69

ldquoLearn and Service Americardquo eacute o nome do Programa de Governo que estimula o desenvolvimento de projetos de service-learning

150

qualidade de vida da comunidade atendida numa combinaccedilatildeo de serviccedilo

oferecido agrave comunidade com a aprendizagem da sala de aula70 Desta forma

os estudantes natildeo somente aprendem sobre democracia e cidadania mas

efetivamente contribuem como cidadatildeos visando melhorar a vida da

comunidade71

No Brasil o termo ldquovoluntariado educativordquo remete a uma experiecircncia

formativa onde o aluno eacute estimulado a se envolver em uma atividade de

intervenccedilatildeo social O nome natildeo sugere uma repeticcedilatildeo do voluntariado adulto

mas sim um engajamento poliacutetico voltado agrave formaccedilatildeo para a cidadania

fortalecendo o viacutenculo escola ndash comunidade (SBERGA 2001 MORI e VAZ

2006)

ExCE1 - Noacutes convidamos os nossos alunos do Ensino Meacutedio para serem monitores voluntaacuterios no Parque que cuida da arborizaccedilatildeo da cidade Graccedilas a esse trabalho o Parque pode ser aberto para visitas e acabou entrando no calendaacuterio das escolas municipais da cidade Os alunos-voluntaacuterios dispunham do tempo deles para passar conceitos de Educaccedilatildeo Ambiental para crianccedilas menores num ambiente que era perfeito pra isso Eles faziam a pesquisa sobre o tema estudavam o conteuacutedo preparavam a atividade selecionavam o material partia tudo deles e a gente dava a orientaccedilatildeo Assim aprendiam muito mais sobre o tema mas aprendiam a organizar uma atividade a estudar a preparar uma peccedila de teatro encenar falar em puacuteblico

O voluntariado educativo eacute uma experiecircncia educativa voltada para a

formaccedilatildeo do jovem um espaccedilo planejado de aprendizagem em que os alunos

aprendem a contribuir socialmente assumindo a responsabilidade de estudar e

trabalhar para uma causa comum utilizando para isso os saberes acumulados

Considerando a realidade sociocultural e os muitos desafios e situaccedilotildees conflitivas em que o jovem vive o

70

A principal diferenccedila percebida no desenvolvimento de praacuteticas de service-learning e aprendizagem e serviccedilo estaacute na concepccedilatildeo do que eacute ldquosolidariedaderdquo Para os norte americanos ela estaacute mais no campo assistencial do que de conscientizaccedilatildeo portanto os projetos de tendem a ter um foco assistencialista Aleacutem disso espera-se como resultado das intervenccedilotildees o desenvolvimento eficaz do projeto (etapas cronograma e metas cumpridas) e natildeo a transformaccedilatildeo social propriamente dita (Anotaccedilotildees de palestras conferidas no XIV e XV Seminaacuterio Internacional de Aprendizagem e Serviccedilo Solidaacuterio Buenos Aires 2011 e 2012)

71httpwwwlearnandservegovaboutlsaindexasp

151

voluntariado se apresenta como espaccedilo alternativo natildeo soacute de inserccedilatildeo social e compromisso de cidadania responsaacutevel mas tambeacutem como proposta formativa que ajuda o jovem a conhecer a si mesmo e a descobrir suas potencialidades profundas sua vivacidade e seu entusiasmo Por essas suas qualidades o voluntariado sempre foi considerado relevante no setor juvenil seja pela significatividade das suas experiecircncias educativas seja pelo valor do seu empenho (SBERGA 2001 p 158)

Trata-se portanto de uma experiecircncia preparatoacuteria necessariamente

voltada para a formaccedilatildeo do jovem e para a intervenccedilatildeo social No Brasil

milhares de escolas que desenvolvem atividades de voluntariado educativo

foram reconhecidas pelo Selo Escola Solidaacuteria72 Ao se conhecer as

experiecircncias dessas escolas pode-se perceber a diversidade de possibilidades

de adequaccedilatildeo de acordo com as expectativas e necessidades locais daiacute a

necessidade de se ter clareza do que se quer fazer e o que pode ser feito em

relaccedilatildeo ao planejamento pedagoacutegico

Segundo Tapia (2001 p 28) as atividades de aprendizagem e serviccedilo

solidaacuterio (ou voluntariado educativo) se caracterizam dentro de um universo de

quatro ocorrecircncias

a) quando a atividade eacute desenvolvida com pouca intervenccedilatildeo social e tais

accedilotildees satildeo desvinculadas do contexto educativo (por exemplo uma

atividade assistencialista como uma accedilatildeo de arrecadaccedilatildeo de agasalhos

conduzida pela direccedilatildeo da escola)

b) quando a questatildeo da aprendizagem eacute valorizada mas natildeo haacute

intervenccedilatildeo social (por exemplo pesquisas e projetos de estudo do meio

sobre a desigualdade social a pobreza a violecircncia que satildeo desenvolvidos

com os alunos verificados nas avaliaccedilotildees escolares mas natildeo sugerem

intervenccedilatildeo social)

c) quando a escola desenvolve um projeto social para resolver um

problema da comunidade poreacutem natildeo haacute planejamento para utilizar a

experiecircncia como uma intervenccedilatildeo formativa para os alunos (por exemplo

72

Ver capiacutetulo I item 3 ndash ldquoSelo Escola Solidaacuteriardquo

152

a escola oferece agrave comunidade um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos no periacuteodo noturno) e

d) quando haacute planejamento de um projeto de intervenccedilatildeo social e esta

praacutetica eacute pensada enquanto experiecircncia formativa (por exemplo os alunos

participarem como monitores de um curso de alfabetizaccedilatildeo de jovens e

adultos oferecidos pela escola) Desta forma tecircm que estudar e ao mesmo

tempo contribuem para o processo de aprendizagem dos alunos do EJA e

aprendem a se engajar em projetos comunitaacuterios

Atividades de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio portanto satildeo aquelas

em que o trabalho pedagoacutegico tem como objetivo melhorar a qualidade de vida

da comunidade e esta proacutepria experiecircncia ensina o aluno a ser solidaacuterio Em

outras palavras satildeo propostas pensadas a partir da articulaccedilatildeo dos conteuacutedos

e saberes que se desejam ensinar permitindo o estreitamento da escola com a

comunidade Tais atividades satildeo pensadas enquanto uma metodologia de

trabalho proposta de organizaccedilatildeo curricular ou ainda uma praacutetica educativa

No entanto essa praacutetica pode variar de acordo com o que a escola

compreende por solidariedade como dissemos no iniacutecio deste capiacutetulo

Se a atividade for conduzida sem uma consciecircncia criacutetica ela pode

reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo ao inveacutes de promover o conhecimento-

emancipaccedilatildeo Portanto ao analisar a qualidade das experiecircncias de

aprendizagem e serviccedilo ou voluntariado educativo eacute necessaacuterio considerar as

diferentes compreensotildees sobre solidariedade pois elas podem levar a

atividade a seguir propostas formativas completamente diferentes uma vez

que a visatildeo que se tem sobre solidariedade altera a qualidade da proacutepria

formaccedilatildeo

Nesse sentido vimos a necessidade de se criar uma tipologia para a

solidariedade desenvolvida como praacutetica curricular educativa visando contribuir

para a compreensatildeo das diferentes nuances que podem ocorrer de acordo com

a percepccedilatildeo do educador e o desenvolvimento das atividades Natildeo

pretendemos com isso delimitar exclusivamente aos eixos apresentados as

ocorrecircncias de solidariedade A tipologia sugere um recurso didaacutetico para

facilitar a compreensatildeo do tema sem querer esgotaacute-lo

153

2 Uma tipologia da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa

Considerar a solidariedade como praacutetica educativa sugere pensaacute-la a

partir da praacutetica curricular da escola enquanto formada e formadora da

comunidade na qual estaacute inserida Portanto que pode estar localizada num

gradiente desde atender aos anseios de uma sociedade conservadora

reproduzindo o conhecimento-regulaccedilatildeo quanto oferecer uma formaccedilatildeo eacutetica

emancipadora uma vez que a solidariedade tambeacutem eacute um exerciacutecio de poder

(DEMO 2002) Segundo Paulo Freire

quanto mais criacutetico um grupo humano tanto mais democraacutetico e permeaacutevel em regra Tanto mais democraacutetico quanto mais ligado agraves condiccedilotildees de sua circunstacircncia Tanto menos experiecircncias democraacuteticas que exigem dele o conhecimento criacutetico de sua realidade pela participaccedilatildeo nela pela sua intimidade com ela quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingecircnuas de encaraacute-la (2001 p 103)

Desta forma a construccedilatildeo do curriacuteculo requer a previsatildeo de

experiecircncias democraacuteticas reais em meio a esta tensatildeo natildeo-neutra onde se

desenrolam conflitos entre os direitos de propriedade e os direitos das pessoas

onde existem os ldquovalores de mercadordquo de um lado e os ldquovalores

emancipadoresrdquo de outro (APPLE 2000) No entanto conceber experiecircncias

democraacuteticas conduzindo atividades socioeducativas para que os jovens

aprendam a participar buscando soluccedilotildees para problemas sociais reais de sua

comunidade natildeo significa reduzir o curriacuteculo a perspectiva de trabalhar apenas

com o contexto escolar A identificaccedilatildeo do problema deve instigar a intervenccedilatildeo

criacutetica deve disparar estudos de planejamento da accedilatildeo e de contextualizaccedilatildeo

histoacuterica universal do processo para que natildeo haja reducionismo no conteuacutedo

tampouco unilaterialidade Espera-se que tanto o processo quanto o meacutetodo

sejam universais (FRIGOTTO 1994 p 74)

Quando se pretende atingir uma aprendizagem eacutetica educar no meio

(sociocultural e cognitivo) com o meio e para o meio eacute o caminho pois a

solidariedade implica aprender na sociedade com as suas contradiccedilotildees

154

pluralidades e imprevistos Eacute preciso aprender que estar no mundo significa

considerar-se corresponsaacutevel por ele que a nossa existecircncia eacute influenciada e

influencia a existecircncia do outro

O homem como ser histoacuterico corre riscos toma decisotildees coloca-se desafios assume sua vida transforma seus contornos Cada calccedilada com guia rebaixada ou cada rampa de acesso a locais puacuteblicos eacute uma conquista histoacuterica do homem natildeo contente com o ser Os homens vivem uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre seus condicionamentos e sua liberdade Os condicionamentos satildeo limitaccedilotildees da liberdade mas enfrentando-as ele se liberta (ALMEIDA 2009 p 46)

A formaccedilatildeo do sujeito eacutetico e solidaacuterio acontece a partir do cotidiano

em sociedade no ruiacutedo e no conflito na aplicaccedilatildeo do conhecimento enquanto

uma responsabilidade pela vida digna de todos pelo bem comum Assim as

situaccedilotildees reais satildeo tambeacutem situaccedilotildees de aprendizagem quando

problematizadas pois quando estas estatildeo fora do contexto social de fato a

educaccedilatildeo moral e eacutetica eacute reduzida a uma ladainha de caracteriacutesticas

comportamentais (APPLE BEANE 1997 p 12)

Neste sentido diante das vaacuterias apropriaccedilotildees e ambiguidades do termo

solidariedade percebeu-se a necessidade de se organizar uma tipologia para

que seja possiacutevel avanccedilar no sentido de melhor compreender seus contornos

no contexto da educaccedilatildeo Vale ressaltar que a intenccedilatildeo natildeo eacute delimitaacute-lo

completamente o que seria uma contradiccedilatildeo desnecessaacuteria para os propoacutesitos

de sua compreensatildeo valendo-se de que qualquer tentativa de demarcaccedilatildeo de

conceito que tem uma dinacircmica natildeo-linear e ateacute mesmo ambivalente como eacute

o caso da solidariedade provocaria distorccedilatildeo da realidade A tipologia visa

orientar a leitura dos vaacuterios tipos identificados durante a pesquisa empiacuterica e

teoacuterica da solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa O gradiente de

tipos de solidariedade deve ser compreendido como uma potencialidade uma

escala espiral de matizes onde em alguns momentos a mesma atividade

pode apresentar caracteriacutesticas de mais de uma categoria de solidariedade e

pode se desenvolver em escalas mesclas de acordo com o planejamento a

natureza da proposta o objetivo que se quer alcanccedilar a compreensatildeo de

155

quem estaacute envolvido no processo Esta escala estaacute considerada a partir da

percepccedilatildeo assistencialista (em que a solidariedade eacute confundida com caridade

ou boa accedilatildeo) discursiva (aquela que estaacute presente no curriacuteculo poreacutem natildeo haacute

proposta de intervenccedilatildeo social) funcionalista-participativa (a solidariedade eacute

valorizada e haacute situaccedilotildees de aprendizagem com a comunidade poreacutem o foco

estaacute na formaccedilatildeo do aluno haacute uma compreensatildeo de que a experiecircncia escolar

eacute mais relevante do que seu impacto para a comunidade atendida) e a criacutetica-

emancipadora (satildeo criadas situaccedilotildees de aprendizagem visando melhorar a

vida da comunidade e por meio disso oferecer uma educaccedilatildeo emancipadora

os alunos identificam e criam espaccedilos para a intervenccedilatildeo na realidade junto

com a escola) Aleacutem disso a solidariedade estaacute presente no ambiente escolar

e dessa forma eacute compreendida como fator determinante de qualidade para o

desenvolvimento do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

21 Solidariedade assistencialista

As principais caracteriacutesticas da solidariedade assistencialista satildeo

a) Natildeo haacute articulaccedilatildeo da accedilatildeo social com o desenvolvimento do

conhecimento-emancipaccedilatildeo de seus alunos

b) As relaccedilotildees satildeo estabelecidas de maneira hierarquizada onde haacute

aquele que doa e outro recebe

c) O aluno pode ou natildeo ser convidado a participar sendo que natildeo haacute

intenccedilatildeo de promover a consciecircncia criacutetica Tais atividades

portanto podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo e favorecer o

status quo

Conforme jaacute apresentamos e corroborando com o nosso referencial

teoacuterico (apresentado nos capiacutetulos II e III) solidariedade natildeo eacute

assistencialismo

No assistencialismo natildeo haacute responsabilidade Natildeo haacute decisatildeo Soacute gestos que revelam passividade e ldquodomesticaccedilatildeordquo do homem Gestos e atitudes Eacute esta falta de oportunidade para a decisatildeo e para a responsabilidade participante do homem

156

caracteriacutestica do assistencialismo que leva suas soluccedilotildees a contradizer a vocaccedilatildeo da pessoa em ser sujeito e a democratizaccedilatildeo fundamental instalada na transiccedilatildeo brasileira a que jaacute nos referimos Na verdade natildeo seraacute com soluccedilotildees desta ordem internas ou externas que se ofereceraacute ao paiacutes uma destinaccedilatildeo democraacutetica O de que se precisava urgentemente era dar soluccedilotildees raacutepidas e seguras aos seus problemas angustiantes Soluccedilotildees repita-se com o povo e nunca sobre ou simplesmente para ele (FREIRE 2001 p 66)

No entanto durante a pesquisa pudemos identificar na escola uma

forma de solidariedade ainda compreendida por aquela accedilatildeo desenvolvida na

ou pela escola pensada a partir da caridade da benevolecircncia centrada em

quem faz a accedilatildeo e natildeo em quem a recebe

CPE4 ndash Desenvolvemos um trabalho solidaacuterio que atinge quase todo o tipo de populaccedilatildeo Arrecadamos brinquedos para crianccedilas agasalhos ndash tanto para crianccedilas quanto para idosos alimentos natildeo pereciacuteveis para instituiccedilatildeo de pessoas com dificuldade intelectual

Essa percepccedilatildeo por ser recorrente na praacutetica escolar nos sugeriu o

cuidado de considerar a inclusatildeo deste tipo de ldquosolidariedade assistencialistardquo

para demarcar seu campo teoacuterico dentro do universo da solidariedade

enquanto praacutetica educativa No entanto vale ressaltar que seu emprego natildeo

contribui para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica no processo de formaccedilatildeo

uma vez que o caraacuteter assistencialista pode acentuar tal valor agrave formaccedilatildeo do

sujeito

CPE4 ndash A gente usa estrateacutegias diferentes para envolver os nossos alunos porque eles satildeo adultos entatildeo a turma que arrecadar mais ganha uma pizzada Eacute difiacutecil trabalhar com adultos entatildeo damos esse incentivo Para que a gente possa arrecadar mais tem que usar estrateacutegias que sabemos que vai render

Neste caso se a escola compreendesse solidariedade a partir da

formulaccedilatildeo alteridade eacutetica e compromisso social (cidadania) poderia

encontrar outras formas para provocar o interesse dos alunos uma vez que o

fato de serem adultos natildeo justifica a estrateacutegia adotada Ao contraacuterio haacute um

157

leque de possibilidades de intervenccedilatildeo criacutetica para se propor a alunos adultos

O que determina a conduta eacute a compreensatildeo do que eacute solidariedade e em

segundo lugar o objetivo centrado no projeto de arrecadaccedilatildeo e natildeo na

aprendizagem dos alunos Se o foco eacute a arrecadaccedilatildeo em si promover o

espiacuterito de competiccedilatildeo e um momento de confraternizaccedilatildeo pode parecer

adequado mas se o foco for a aprendizagem esta natildeo eacute a melhor estrateacutegia

uma vez que se distanciou completamente da compreensatildeo de solidariedade

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo Desenvolver uma campanha de

doaccedilatildeo natildeo caracteriza intervenccedilatildeo poliacutetica da mesma forma que realizar uma

atividade visando o benefiacutecio proacuteprio estaacute em direccedilatildeo oposta ao

desenvolvimento da alteridade ainda que agraves vezes a escola tenha a intenccedilatildeo

de propiciar uma formaccedilatildeo para a cidadania

Nesta outra experiecircncia apresentada logo a seguir a escola promove

campanhas de arrecadaccedilatildeo dentro de um projeto anual em que os alunos tecircm

uma seacuterie de atividades e entre elas campanhas de arrecadaccedilatildeo Ainda que o

projeto apresente outras atividades caracterizadas pela solidariedade

funcionalista-participativa (conforme seraacute apresentado no proacuteximo subitem)

algumas das accedilotildees reservam o caraacuteter assistencialista

CPEI ndash Sobretudo a questatildeo da doaccedilatildeo de alimentos para instituiccedilotildees de caridade gecircneros de primeira necessidade Noacutes fazemos cinco campanhas ao longo do ano agasalho leite ldquoSustagenrdquo toalhas bolacha Natildeo eacute soacute a doaccedilatildeo a ideia eacute desenvolver nele o ato de pensar no outro eacute nisso que a gente fica insistindo natildeo eacute soacute dar a bolacha eacute olhar para o outro

A escola tem a intenccedilatildeo de propiciar com o desenvolvimento de tais

praacuteticas uma reflexatildeo de percepccedilatildeo diante da desigualdade social No entanto

eacute preciso considerar que o vieacutes conservador pode estar presente em uma

relaccedilatildeo desigual entre os sujeitos O que de fato significa ldquoolhar o outrordquo eacute que

faraacute a diferenccedila pois se a percepccedilatildeo de relaccedilatildeo eacute desigual o fato de a escola

reforccedilar a doaccedilatildeo pode ser compreendido pelos alunos como um reforccedilo a este

tipo de praacutetica que eacute por natureza assistencialista e que coloca o outro em

condiccedilatildeo desigual inferior

158

CPE4 ndash As atividades de solidariedade estatildeo previstas na proposta pedagoacutegica ela estaacute embasada nos ldquoquatro pilares da educaccedilatildeordquo da UNESCO comeccedilando pelo aprender a conhecer vindo para o aprender a fazer Nossa missatildeo eacute formar o profissional para o mercado de trabalho e formar o cidadatildeo e laacute estaacute o trabalho que desenvolvemos a campanha do agasalho do brinquedo de alimentos natildeo pereciacuteveis As doaccedilotildees satildeo feitas para a APM e revertidas para algumas instituiccedilotildees de carentes

Nesta fala pode-se notar o distanciamento da compreensatildeo de

solidariedade enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo A escola ao incluir no

curriacuteculo a preparaccedilatildeo pelos anunciados pilares da UNESCO - aprender a

aprender a fazer a ser e a relacionar-se (UNESCO 2001) - escolhe uma

praacutetica que pouco ou nada contribui para a sua concepccedilatildeo de formaccedilatildeo

Embora seja uma escola que demonstre uma intencionalidade em desenvolver

projetos socioeducativos o modelo adotado pouco contribui para a formaccedilatildeo

criacutetica de seus alunos73

CPE4 ndash Solidariedade eacute super importante A concepccedilatildeo de nossa escola eacute trabalhar em equipe em coletividade Por que eu tenho que ser solidaacuterio com vocecirc Porque vocecirc eacute uma engrenagem e soacute vai funcionar quando todo mundo fizer a sua parte nesta engrenagenzinha

Solidariedade eacute tambeacutem o exemplo e participaccedilatildeo junto Se vocecirc chegar em uma sala e disser ldquoagora eu vou mostrar o que eacute solidariedaderdquo Natildeo eacute assim o professor precisa participar com o aluno e incentivar dando ideias e montando estrateacutegias []

Haacute uma compreensatildeo de solidariedade enquanto valor conduta e para

tanto pode ser ensinada por meio do exemplo e do estiacutemulo agrave participaccedilatildeo de

atividades que propiciem vivecircncias de participaccedilatildeo No entanto na

continuidade da formulaccedilatildeo essa ideia a escola demonstrou que ainda estaacute

73

Para receber o Selo Escola Solidaacuteria a escola relatou outro projeto no qual realizam um evento tecnoloacutegico e convidam muitas pessoas para participar de palestras workshop e visitaccedilatildeo monitorada gratuitamente Ao inveacutes de cobrarem a entrada eacute pedida a doaccedilatildeo de 1 quilo de alimento natildeo pereciacutevel ou 1 agasalho Nessa atividade ainda que seja caracterizada por uma campanha de arrecadaccedilatildeo haacute aprendizagem haacute integraccedilatildeo Segundo a escola ldquoos alunos participaram ativamente da campanha receberam as doaccedilotildees feitas pelos participantes do evento teacutecnico registraram e organizaram as doaccedilotildees por tipo de item (variedade de alimentos e agasalhos) realizam a entrega (comunidades de hospitais da regiatildeo)rdquo

159

centrada na concepccedilatildeo de solidariedade enquanto um projeto assistencialista

centrado em quem faz a accedilatildeo

CPE4 ndash [] Natildeo adianta o professor chegar e dizer ldquogente vai ter campanha tragamrdquo O professor mostrou solidariedade Natildeo ele soacute informou Agora se o professor disser ldquogente eacute o seguinte todo semestre temos a campanha do agasalho para ajudar as pessoas carentes Todo ano noacutes fazemos isso eacute bacana Eu participo tambeacutem com vocecircs e se a gente ganhar ainda teremos a pizzadardquo Essa eacute a diferenccedila o professor estimula participando motivando de verdade

Um projeto de mobilizaccedilatildeo de caracteriacutestica social deve

necessariamente ter como objetivo o bem comum Neste caso trata-se de uma

accedilatildeo pontual de benevolecircncia caridade que pode muitas vezes reforccedilar o

assistencialismo ou o paternalismo como valor

Haacute outro tipo de projeto recorrente

CPE4 ndash Noacutes ajudamos a manter uma escola puacuteblica aqui do bairro Parte da capacitaccedilatildeo dos professores eacute por nossa conta e tambeacutem fazemos a doaccedilatildeo de equipamentos por exemplo computadores Ateacute automoacutevel para as aulas de mecacircnica de automoacutevel noacutes jaacute doamos A prefeitura de laacute manteacutem dando o lanche dos alunos Laacute tem muito aluno carente e tambeacutem em liberdade assistida Eacute uma escola que profissionaliza que oferece cursos raacutepidos mas nenhum eacute teacutecnico Os cursos que seriam pagos eles fazem gratuito e ainda ganham lanche

A escola neste caso contribui socialmente poreacutem com um projeto

institucional assumido apenas pela direccedilatildeo da escola natildeo haacute articulaccedilatildeo da

accedilatildeo com o desenvolvimento do conhecimento-emancipaccedilatildeo O projeto gera

impacto social promove a aprendizagem da comunidade atendida mas natildeo eacute

empregado para desenvolver o conhecimento emancipaccedilatildeo de seus proacuteprios

alunos

22 Solidariedade discursiva

As principais caracteriacutesticas da solidariedade discursiva satildeo

a) estaacute apoiada no discurso teoacuterico-pedagoacutegico

160

b) tem acentuada proposta reflexiva

c) natildeo estaacute vinculada com atividades de intervenccedilatildeo social

podendo o professor preferir aulas expositivas jogos

simulaccedilotildees diaacutelogos mas natildeo haacute o comprometimento com o

desenvolvimento de uma atividade de intervenccedilatildeo social

d) as praacuteticas levam agrave reflexatildeo ou ao desenvolvimento de um

estudo de caso de uma pesquisa acadecircmica em que o foco

estaacute no aluno natildeo haacute uma figura real o outro

A solidariedade discursiva eacute aquela percebida enquanto princiacutepio de

formaccedilatildeo que fundamenta o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico Poreacutem a praacutetica

distancia-se da proposta curricular ou seja a escola promove uma reflexatildeo

sobre solidariedade enquanto valor mas se atem a uma exploraccedilatildeo discursiva

sem criar situaccedilotildees em que de fato ela seja trabalhada enquanto atitude

poliacutetica e sem que haja intervenccedilatildeo social Por exemplo

PE4 ndash Tem aula que eu proponho uma coisa diferente noacutes fazemos uma dinacircmica Tem uma que eacute ldquoa hora do contordquo essa eacute bem simples cada um conta um pouco da sua vida Outro exemplo eacute a dinacircmica do aquaacuterio eu faccedilo um aquaacuterio gigante na lousa cada um desenha o seu peixinho e traz pra lousa pra colar com um durex A ideia eacute a discussatildeo sobre cooperaccedilatildeo sobre solidariedade O que esse aquaacuterio representa pra vocecirc Os peixinhos estatildeo aiacute o que isso significa Sai cada discussatildeo bacana Tem aluno que chega depois e diz ldquoProfessor foi legal aquela dinacircmica vocecirc tocou num ponto que taacute acontecendo na minha vida com a minha esposa na minha casardquo Entatildeo eacute isso a gente estaacute refletindo na aula

Neste caso a concepccedilatildeo de solidariedade estaacute baseada na relaccedilatildeo de

convivecircncia pensada para favorecer o clima de respeito nas relaccedilotildees sociais

que se estabelecem O professor cria situaccedilotildees de aprendizagem por meio de

dinacircmicas jogos e a troca de impressotildees e desta forma constroacutei um ambiente

onde o clima eacute amistoso O respeito e a colaboraccedilatildeo satildeo desejados e

valorizados

161

PE4 ndash Noacutes marcamos um jogo com um time de Alphaville um time de classe meacutedia alta O treinador deles disse que laacute sai muita discussatildeo entre os alunos eles brigam dentro de campo comeccedilam a se agredir um acha que pode mais que o outro Por causa disso ele natildeo queria marcar esse amistoso achou que ia sair mais briga ainda pelo fato de o nosso time ser de pessoas da comunidade Eu disse que natildeo que era uma oportunidade para todo mundo aprender E o que aconteceu Marcamos o jogo ningueacutem se machucou teve cumprimento a gente trocou as camisas no final foi muito bacana Foi muito agradaacutevel porque natildeo teve confusatildeo todo mundo se respeitou e o placar ficou em dois a dois Ningueacutem ganhou ningueacutem perdeu mas mesmo que algueacutem tivesse perdido natildeo ia importar pois o que estava em jogo neste jogo era justamente essa aproximaccedilatildeo esse aprendizado

Outra caracteriacutestica da solidariedade discursiva estaacute na intenccedilatildeo de

formaccedilatildeo enquanto processo reflexivo Os valores podem ser trabalhados a

partir da exploraccedilatildeo conceitual O educador tende a encontrar no discurso o

meio de formaccedilatildeo ou seja cria situaccedilotildees de aprendizagem sobre eacutetica mas

para muitos autores esta natildeo seria a melhor maneira pois sem a figura do

outro sem a experimentaccedilatildeo o processo tende a tornar-se esvaziado de

sentido (FREIRE 1996 2000 DEWEY 1979 DEMO 2002 CARVALHO

2013)

CPE1 ndash Noacutes temos o projeto Gincana Solidaacuteria onde noacutes colocamos todas as questotildees de cidadania escolar [] No comeccedilo todos os mil alunos satildeo divididos em cinco grandes grupos e noacutes vamos discutir professores e alunos o tema do ano Toda a ligaccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria estaacute imbricada na questatildeo do trabalho solidaacuterio do desenvolvimento da cidadania de criar formas de conversar Tudo isso eacute uma grande conversa entre as pessoas Eles tecircm tarefa de muacutesica para fazer tecircm teatro pesquisa tecircm todas as fases ateacute chegar num ldquofoacuterumrdquo

Mesmo em situaccedilotildees de aprendizagem reais atividades dessa

natureza natildeo tecircm como objetivo a transformaccedilatildeo social O foco estaacute centrado

na atividade pedagoacutegica em si ainda obedecendo a uma compreensatildeo que

separa a formaccedilatildeo escolar da formaccedilatildeo para a cidadania Em outras palavras

se a intenccedilatildeo da atividade desenvolvida pelo aluno for descolada de uma

proposta real de educaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo pela interaccedilatildeo sem que seja

considerado relevante o impacto social da accedilatildeo tal postura manteacutem a relaccedilatildeo

escola-comunidade dissociada Esta percepccedilatildeo natildeo contribui diretamente para

162

a formaccedilatildeo da consciecircncia emancipadora e pode favorecer a aceitaccedilatildeo da

realidade social tal e qual ela eacute com suas desigualdades substantivas Vale

pontuar que as atividades caracterizadas como solidariedade discursiva natildeo

podem ser compreendidas como de ldquoaprendizagem e serviccedilo solidaacuteriordquo pois

estas satildeo caracterizadas pela intervenccedilatildeo real na sociedade

PE4 ndash Tem outro jogo propriamente dito o limpa-casa E o que estaacute em jogo neste jogo Eacute um jogo atrativo um jogo motivacional e acima de tudo trabalho essa questatildeo O limpa-casa eacute assim tem as equipes A e B e tem as bolas que representam a sujeira No momento em que eu falar eles tecircm que se livrar das bolas o mais raacutepido possiacutevel Parou Quem ficar com mais bola eacute a equipe do sujinho e quem ficar com menos eacute a equipe dos limpinhos No final tem todo um fechamento de como eacute que eles lidam com esta questatildeo em casa quem ajuda a manter a ordem quem limpa a casa Eu valorizo isso Eles contam como eacute Tem muita coisa bacana que daacute para discutir

Trazer atividades recreativas e motivacionais para promover

discussotildees sobre haacutebitos e comportamentos saudaacuteveis eacute uma das maneiras de

valorizar reforccedilar comportamentos sociais de colaboraccedilatildeo de convivecircncia

mas existem outras como valorizando atitudes colaborativas no ambiente

escolar e promovendo experiecircncias de responsabilidade pela transformaccedilatildeo

social

CPE1 ndash Trabalhar a solidariedade a cidadania natildeo eacute algo que vocecirc possa dizer somente Vocecirc tem que dizer mas tem que demonstrar pois eacute o exemplo que autentica aquilo que vocecirc estaacute dizendo Se vocecirc diz uma coisa e demonstra outra todo mundo percebe e isso soa falso Temos que dar informaccedilatildeo para o aluno mas tambeacutem o exemplo

Sobre essa questatildeo Carvalho afirma

eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo

163

os viacutecios como o desrespeito a intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

Tudo o que acontece na escola eacute curriacuteculo o conteuacutedo a conduta o

ambiente o uso do espaccedilo fiacutesico o uso da infraestrutura a gestatildeo a forma de

se relacionar de resolver os conflitos de conduzir o planejamento a

organizaccedilatildeo das mateacuterias as prioridades Desta forma os valores como a

solidariedade a eacutetica a apropriaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico satildeo aprendidas

conforme forem vivenciadas e o impacto dessa percepccedilatildeo pode inferir no

desempenho escolar Como seraacute desenvolvido ainda neste capiacutetulo quando

traremos a solidariedade pensada no ambiente escolar um levantamento

desenvolvido para se aferir indicadores de qualidade que pudessem indicar

outros aspectos da qualidade da educaccedilatildeo (RIBEIRO V RIBEIRO J

GUSMAtildeO 2005) para aleacutem dos jaacute mensurados nas avaliaccedilotildees externas de

rendimento a solidariedade aparece como um dos fatores de qualidade

percebidos como relevantes para o desenvolvimento de boas praacuteticas quer

seja nas escolas (UNICEF 2006) quer seja em sistemas de educaccedilatildeo

(UNICEF 2008)

No entanto a concepccedilatildeo de solidariedade pode ser ampliada para

aleacutem das relaccedilotildees de convivecircncias se for pensada enquanto conhecimento-

emancipaccedilatildeo (SANTOS B S 2009 2010) Para isso eacute necessaacuterio expandi-la

o que natildeo significa abandonar a ideia de conviacutevio da aprendizagem pelas

condutas pelo exemplo mas agregar a intenccedilatildeo de intervenccedilatildeo poliacutetica de

desenvolver uma atividade onde seja possiacutevel atuar socialmente vivenciar o

processo de tomada de consciecircncia Neste sentido eacute preciso adotar uma

postura dialoacutegica no processo educativo mas tambeacutem criar experiecircncias de

responsabilidade de atitude ciacutevica

CPE1 ndash Eacute possiacutevel ensinar eacutetica na escola Realmente eu natildeo tenho esta resposta mas que eacute possiacutevel ajudaacute-los a pensar sobre eacutetica o que fazer o que eacute permitido o que natildeo eacute permitido quais as regras sociais que podem eacute preciso que eles reflitam sobre isso dentro da escola A escola eacute um espaccedilo para reflexatildeo para que eles pensem sobre isso sobre eacutetica

164

Reflexotildees como estas provocam discussotildees filosoacuteficas desde a Greacutecia

antiga Carvalho citando Platatildeo lembra-se de sua pergunta ldquoa virtude pode ser

ensinadardquo e de outras formulaccedilotildees da mesma academia menos interessadas

em meacutetodos e procedimentos pedagoacutegicos e mais centradas no campo da

poliacutetica Natildeo se trata pois de se considerar as virtudes puacuteblicas tais como a

eacutetica a solidariedade como um conteuacutedo programaacutetico ajustado ao curriacuteculo

como uma disciplina mas tambeacutem natildeo se trata de isentar a escola de oferecer

uma educaccedilatildeo que prepare pessoas capazes de exercer sua cidadania com

liberdade na constituiccedilatildeo de um estado democraacutetico (CARVALHO 2013 p 45)

23 Solidariedade funcionalista-participativa

As principais caracteriacutesticas da solidariedade funcionalista-participativa

satildeo

a) O foco da atividade estaacute centrado nos saberes escolares no

desenvolvimento do conhecimento teacutecnico cientiacutefico e no acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado

b) Natildeo haacute preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao resultado da accedilatildeo na

transformaccedilatildeo da realidade A atividade eacute desenvolvida como um

exerciacutecio pedagoacutegico

c) A comunidade eacute compreendida como um laboratoacuterio das praacuteticas

pedagoacutegicas

d) A compreensatildeo de participaccedilatildeo social estaacute desvinculada da

formaccedilatildeo do pensamento criacutetico

Inicialmente gostariacuteamos de nos ater ao nome sugerido para esta

categoria A qualidade ldquofuncionalistardquo diz respeito ao foco da atividade

centrado na principal funccedilatildeo da escola promover a aprendizagem do aluno

quando este eacute apresentado junto agrave participaccedilatildeo - ldquofuncionalista-participativardquo

portanto - seu sentido passa a ter uma conotaccedilatildeo de que a participaccedilatildeo estaacute

ligada ao processo educativo independentemente do resultado social em si

Esta eacute a diferenccedila pois tanto a participaccedilatildeo quanto a aprendizagem satildeo

desejaacuteveis mas em se tratando do desenvolvimento da solidariedade

165

enquanto conhecimento-emancipaccedilatildeo eacute preciso criar espaccedilos para a formaccedilatildeo

da alteridade portanto da intenccedilatildeo real de transformaccedilatildeo Em outras palavras

criar espaccedilos de participaccedilatildeo eacute fundamental mas se natildeo estiver articulada a

uma proposta criacutetica natildeo gera produccedilatildeo de conhecimento-emancipaccedilatildeo haja

vista que a participaccedilatildeo em projetos de solidariedade assistencialista eacute

possiacutevel desejada e estimulada

Neste sentido quando as atividades solidaacuterias desenvolvidas pela

escola tecircm o foco centrado no proacuteprio processo educativo o impacto da

atividade recai na aprendizagem dos saberes escolares em detrimento do

impacto social propriamente dito Significa dizer que envolver o aluno em uma

atividade social natildeo necessariamente promove aprendizagem criacutetica

significativa Em uma proposta educativa baseada na construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo (solidariedade) o que se pretende eacute criar a

consciecircncia criacutetica diferente do conhecimento-regulaccedilatildeo Se o aluno eacute

convidado a participar de atividades em que o foco estaacute centrado em

determinadas aprendizagens de conteuacutedos ou saberes especiacuteficos a sua

percepccedilatildeo de intervenccedilatildeo social de transformaccedilatildeo da realidade (no dizer de

Freire) seraacute pouco explorada A ldquofuncionalidaderdquo neste caso qualifica a

solidariedade para uma accedilatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo do ponto de vista

da finalidade educativa onde a principal caracteriacutestica eacute a de que haacute

aprendizagem mas o objetivo natildeo eacute o resultado da accedilatildeo social em si

CPE1 ndash Eu natildeo tenho como dizer se aquela comunidade mudou em funccedilatildeo do projeto Eu natildeo sei o quanto isso vai mudar o asilo ou as pessoas que estatildeo laacute O que os alunos nos contaram eacute que os idosos gostaram muito [] Natildeo sei como os idosos ficam eu sei como os alunos voltam eles voltam transformados

Neste tipo de trabalho o propoacutesito eacute criar uma situaccedilatildeo de

aprendizagem e de conviacutevio com outras realidades e despertar a atenccedilatildeo do

aluno ampliando os espaccedilos educativos para aleacutem da sala de aula

propiciando outras vivecircncias A accedilatildeo pedagoacutegica eacute o objetivo em si mesma

independente do impacto social que venha causar Tais atividades se

caracterizam pelo esforccedilo de organizar a praacutetica curricular para propiciar

166

experiecircncias durante a formaccedilatildeo muito embora tais projetos tambeacutem possam

ser pensados para provocar uma intervenccedilatildeo social e natildeo somente a

constataccedilatildeo de que as diferentes realidades existem

PE1 ndash No Cientista Solidaacuterio a gente faz sabatildeo O principal objetivo eacute fazer ciecircncia fazer o aluno observar ter estiacutemulo para aprender Quanto ao sabatildeo alguns a gente guarda outros os alunos levam para casa outros a gente doa Eacute muito bom doar para quem precisa ser uacutetil a algueacutem

Neste projeto ainda que textualmente no planejamento74 a escola

tenha mostrado uma preocupaccedilatildeo com o compromisso eacutetico e solidaacuterio no

processo formativo a atividade em si estaacute centrada no conhecimento cientiacutefico

Quando o resultado fica restrito ao pedagoacutegico e natildeo ao impacto da accedilatildeo

solidaacuteria o aluno poderaacute incorporar uma visatildeo centrada em quem faz a accedilatildeo O

outro torna-se um ldquoqualquer outrordquo natildeo haacute de fato um compromisso com o

interlocutor com quem recebe a accedilatildeo

PE1 ndash Agraves vezes no horaacuterio das aulas a gente natildeo consegue dar a parte teoacuterica e praacutetica entatildeo surgiu a ideia de que o aluno viesse no contraturno para ter essa praacutetica no laboratoacuterio Eacute uma atividade voluntaacuteria vem o aluno que quiser natildeo estaacute preso agrave nota agrave frequecircncia nem nada Mas noacutes vemos que eacute bacana que eles ficam estimulados Para isso eu pensava em fazer algo que eles pudessem produzir que eles pudessem mostrar para os outros o que fizeram Entatildeo eu pensei em alguma coisa de higiene sabatildeo Fazer com que o oacuteleo viesse da casa deles da vizinhanccedila Uma vez o aluno ensinou a matildee e ela comeccedilou a fazer sabonete para vender como lembrancinha para receacutem nascido

As oportunidades de aprendizagem criadas que colocam o aluno em

uma situaccedilatildeo de assumir um compromisso com a aprendizagem desvinculada

da nota satildeo bons exemplos de como se ensina a ter responsabilidade A

participaccedilatildeo da comunidade em diferentes contextos faz com a experiecircncia

percorra diferentes percursos de aprendizagens que nem sempre estavam

previstos no planejamento satildeo situaccedilotildees de aprendizagem significativas

74

Apresentado no capiacutetulo I na descriccedilatildeo da Escola1 em ldquoCientista Solidaacuteriordquo

167

poreacutem natildeo eacute possiacutevel perceber como intenccedilatildeo da escola a intervenccedilatildeo criacutetica

da realidade

CPE1 ndash Noacutes temos pombos na escola e os alunos conseguiram durante uma ediccedilatildeo da Gincana Solidaacuteria haacute uns anos atraacutes a doaccedilatildeo de um aparelho de alta frequecircncia que soacute pombo ouve Esse aparelho emitia o som do gaviatildeo Eles o colocaram em pontos estrateacutegicos e os pombos desapareceram Mas depois a gente teve que desligar porque alguns alunos estavam ouvindo tambeacutem Foi assim que ficamos sabendo que o ouvido humano ateacute os 21 anos de idade pode captar essa frequecircncia Mas natildeo faz mal natildeo tem importacircncia o fato de ele ter sido desligado o importante foi promover a discussatildeo eles conseguirem a doaccedilatildeo houve o envolvimento de todo mundo discutimos sobre os pombos sobre o problema das pragas urbanas etc

CPE3 - O primeiro objetivo eacute a formaccedilatildeo do nosso aluno eacute ele entrar em contato com uma comunidade diferente Eacute claro que por ser um trabalho seacuterio comprometido ele vai surtir efeito nesta comunidade mas o nosso objetivo primeiro natildeo eacute transformar esta realidade E a gente tem que assumir isso Eu natildeo sei Eu tambeacutem estou pensando se essa eacute a funccedilatildeo se eacute assim que iremos trabalhar esses valores a eacutetica Mas pensar soacute ali dentro da sala de aula natildeo eacute via voluntariado educativo me parece um caminho muito bacana

A funccedilatildeo da escola eacute a educaccedilatildeo formal garantir que o aluno tenha a

oportunidade de desenvolver-se em suas capacidades cognitivas ter acesso

ao conhecimento culturalmente acumulado desenvolver-se pessoal e

socialmente Neste sentido propor uma educaccedilatildeo que crie espaccedilos de

intervenccedilatildeo social abrindo-se para o mundo real com possibilidades de inferir

em uma realidade e nela atuar buscando contribuir para melhoraacute-la faz parte

do processo educativo Natildeo se espera que a escola resolva todos os

problemas da sociedade pois natildeo eacute esta a funccedilatildeo social que deve responder

No entanto o acesso ilimitado ao conhecimento por meio das

tecnologias as novas formas de produccedilatildeo de relaccedilatildeo e de consumo implica

ensinar a coletar e organizar as informaccedilotildees a pesquisar a pensar a resolver

problemas a reconhecer-se parte da sociedade e nela inferir sem que isso seja

pensado em benefiacutecio proacuteprio mas sim visando de fato construir um mundo

melhor para se viver Espera-se que seu principal objetivo seja oferecer uma

educaccedilatildeo de qualidade e o seu projeto pedagoacutegico para tanto precisa ser

guiado pela concepccedilatildeo de qualidade que se deseja imprimir Se a qualidade

168

estiver relacionada apenas com o resultado nos exames externos a estrateacutegia

deveraacute seguir pela preparaccedilatildeo dos alunos para a realizaccedilatildeo das provas mas

se a compreensatildeo de que a formaccedilatildeo deve assegurar o desenvolvimento da

consciecircncia criacutetica e da autonomia ela deveraacute adotar outras estrateacutegias para

atingir tal objetivo Desta forma quando haacute a segunda percepccedilatildeo a

solidariedade pode ser pensada enquanto estrateacutegia intriacutenseca ao processo de

aprendizagem A escola que adota a intervenccedilatildeo social como praacutetica curricular

pode desenvolver a consciecircncia criacutetica a alteridade e a formaccedilatildeo eacutetica se de

fato estiver fazendo com que os seus alunos assumam a responsabilidade em

comprometer-se em pesquisar avaliar planejar agir em favor de um projeto

para melhorar a vida da comunidade A percepccedilatildeo dicotocircmica entre focar na

aprendizagem e no desenvolvimento de projetos de intervenccedilatildeo na

comunidade acontece quando natildeo haacute clareza de tal articulaccedilatildeo quando os

momentos educativos ainda estatildeo dissociados

CPE1 ndash Noacutes temos que trabalhar os conteuacutedos que satildeo cobrados no vestibular e ao mesmo tempo trabalhar os projetos de cidadania Isso estaacute claro na cabeccedila dos professores mas se eu perguntar para eles o que noacutes precisamos mais cidadania ou conteuacutedo eles vatildeo dizer conteuacutedo

CPE3 ndash Natildeo acontece por esta via por exemplo ensinar portuguecircs pelo caminho do social Eu acho que tem um conhecimento aprendido que eacute aplicado eu vejo que tem relaccedilotildees mas ainda eacute descolado

Tecircm momentos em que noacutes conseguimos Por exemplo a oitava seacuterie fez um projeto de liacutengua portuguesa de construccedilatildeo de texto com a comunidade do Centro da Crianccedila e do Adolescente Os alunos participaram da adaptaccedilatildeo do planejamento do lanccedilamento da execuccedilatildeo da visita ao Museu junto com os meninos do CCA foi um trabalho muito legal [] Outro exemplo o professor de ciecircncias passou um semestre no projeto de roboacutetica no centro profissionalizante com quinze alunos Natildeo daacute para ele trazer para a sala de aula esta experiecircncia o tempo todo Entatildeo tem determinados momentos que isso eacute feito mas porque tem um pedido

O fato de o professor ter esta visatildeo distanciada da formaccedilatildeo para a

cidadania em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica reflete a tensatildeo da

formaccedilatildeo acadecircmico-cientiacutefica ao conhecimento emancipaccedilatildeo

A reduccedilatildeo da emancipaccedilatildeo moderna agrave racionalidade cognitivo-instrumental da ciecircncia e a reduccedilatildeo da regulaccedilatildeo moderna ao

169

princiacutepio do mercado incentivadas pela converso da ciecircncia na principal forccedila produtiva constituem as condiccedilotildees determinantes do processo histoacuterico que levou a emancipaccedilatildeo moderna a render-se agrave regulaccedilatildeo moderna Em vez de dissolver no pilar da regulaccedilatildeo o pilar da emancipaccedilatildeo continuou a brilhar mas com uma luz que provinha [] dos diferentes espelhos que refletiam a regulaccedilatildeo (SANTOS 2009 B S p 57)

O rigor cientiacutefico centrado em validar o que eacute quantificaacutevel promove o

interesse e o desenvolvimento de conhecimentos regulares observaacuteveis

mensuraacuteveis As ciecircncias humanas e sociais importaram o cientificismo das

ciecircncias exatas e bioloacutegicas reduzindo portanto a complexidade da realidade

(DEMO 1985 CHIZZOTTI 1991)

CPE3 ndash O objetivo principal de se desenvolver esses projetos solidaacuterios eacute o aluno levar essa experiecircncia esse aprendizado para o resto da vida E de fato eu tinha alunos que jamais iriam num trabalho voluntaacuterio numa creche porque natildeo tecircm esse perfil [] Quando a gente abriu o futebol entatildeo foi impressionante porque veio uma leva de alunos aqueles que natildeo vatildeo bem na escola Foi muito bacana o perfil que se formou

Nota-se que a escola tem como proposta criar espaccedilos para a vivecircncia

e a aprendizagem solidaacuteria mas que ainda assim pode-se perceber um

distanciamento mesmo que isso natildeo seja comum a todos os professores nem

a todos os projetos que ela desenvolve

24 Solidariedade criacutetica-emancipadora

As principais caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

a) A solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de formaccedilatildeo criacutetica

pelas quais a escola identifica um problema social real planeja as

accedilotildees de intervenccedilatildeo utilizando os saberes acumulados na escola e

na vida e fazem a intervenccedilatildeo para resolvecirc-los

b) Articulaccedilatildeo da intencionalidade pedagoacutegica com a qualidade da

accedilatildeo social visando o desenvolvimento da formaccedilatildeo criacutetica ao

mesmo tempo em que busca melhor qualidade de vida da

comunidade atendida

170

c) Conhecimento colaborativo produzido por meio das relaccedilotildees

horizontais que se estabelecem

d) O fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria comprometimento e co-responsabilidade

As atividades que envolvem solidariedade na escola geralmente satildeo

desenvolvidas a partir de dois princiacutepios segundo Tapia (2006) 1) iniciativas

que visam melhorar a vida da comunidade - no entanto natildeo haacute intenccedilatildeo de

criar situaccedilotildees de aprendizagem para os proacuteprios alunos e 2) atividades

pedagoacutegicas trabalhos de campo reflexatildeo teoacuterica em que o foco estaacute no

desenvolvimento do conhecimento acadecircmico que natildeo visam melhorar a vida

da comunidade

Haacute ainda um terceiro tipo que diz respeito ao que veremos neste

item que estaacute aportado na articulaccedilatildeo entre oferecer um desenvolvimento do

conhecimento acadecircmico a partir da participaccedilatildeo em atividades que visam

melhorar a vida da comunidade Na compreensatildeo de solidariedade tais

experiecircncias devem buscar desenvolver a alteridade a eacutetica e o compromisso

poliacutetico como formaccedilatildeo Portanto enquanto praacutetica educativa podem ser

pensadas a partir do desenvolvimento de projetos de ldquoaprendizagem e serviccedilordquo

que se referem ao terceiro tipo na medida em que

Falamos em aprendizagem e serviccedilo quando haacute intersecccedilatildeo das duas intencionalidades quando o desenvolvimento de um projeto estaacute presente simultaneamente na intencionalidade pedagoacutegica e na intencionalidade solidaacuteria (Ibidem p 25 traduccedilatildeo livre)

Neste caso a solidariedade eacute compreendida como princiacutepio de

formaccedilatildeo criacutetica de tomada de consciecircncia do compromisso eacutetico-poliacutetico

pelas quais os alunos identificam um problema social real planejam accedilotildees de

intervenccedilatildeo e interferem na realidade utilizando os saberes acumulados na

escola e na vida para resolvecirc-los Tal experiecircncia eacute portanto centrada tanto

em propiciar uma aprendizagem criacutetica e criativa dos alunos quanto em

promover a emancipaccedilatildeo da comunidade atendida Quando pensada como

171

proposta curricular o curriacuteculo ganha amplitude na medida em que envolve

diferentes conexotildees em favor do saber pensar saber agir saber relacionar-se

para o desenvolvimento de um mundo mais justo e fraterno

Neste sentido o curriacuteculo pode ser pensado a partir de experiecircncias

que promovam a aprendizagem natildeo somente circunscrita entre as disciplinas e

as paredes da sala de aula senatildeo utilizando a proacutepria vida que pulsa em

sociedade para fazecirc-la

PE3 ndash Quando o cacique nos mostrou que o que de fato interessava era justamente essa interaccedilatildeo noacutes vimos que este eacute o caminho que eacute por aiacute que eles querem isso E noacutes somos o branco eu falo isso para os alunos ldquoGente cuidado noacutes somos o branco aqui dentro ou seja quem soacute fez mal a elesrdquo Eu acho bem difiacutecil para os nossos alunos eacute diferente por exemplo do que ir na favela do Jaguareacute Eles tecircm dificuldades mas natildeo eacute outra cultura

O maior aprendizado eacute saber que existe isso dentro da sua cidade acho que ningueacutem se daacute conta disso e conviver eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual eles sentem eles ficam juntos eles rolam na terra eacute uma super-interaccedilatildeo

O professor define o curriacuteculo a partir da concepccedilatildeo de educaccedilatildeo que

se quer desenvolver de acordo com o objetivo que se quer alcanccedilar Neste

caso enquanto forma de conhecimento intriacutenseca ao processo formativo a

descoberta do outro implica tambeacutem a descoberta de si mesmos No

depoimento acima pode-se notar que uma atividade onde a escola cria

espaccedilos para que os alunos possam de fato conhecer outra cultura todas as

suas complexidades e contradiccedilotildees satildeo expostas da maneira como realmente

satildeo A percepccedilatildeo criacutetica eacute provocada pelo tipo de atividade desenvolvida pela

exposiccedilatildeo ao outro ldquode igual para igualrdquo numa construccedilatildeo horizontal de

conhecimento baseada na alteridade

A escola parte para o desenvolvimento de uma relaccedilatildeo solidaacuteria de

construccedilatildeo colaborativa de conhecimento ampliando o espaccedilo educativo para

aleacutem da sala de aula e intervindo em uma realidade com a qual se identifica e

acredita que pode ajudar a melhorar

172

CPE2 ndash Antes de iniciar o projeto aqui dentro da escola eu fui laacute conhecer os cooperados e vi que o nosso trabalho ia ajudar porque quando eles saem na rua para buscar lixo de casa em casa com um carrinho eacute muito mais trabalhoso e a quantidade arrecadada eacute pequena sem contar que eacute constrangedor tambeacutem Aqui eles passam recolhendo com um caminhatildeozinho toda terccedila-feira O trabalho deles natildeo eacute faacutecil o processo de triagem eacute difiacutecil ficar ali eacute mal cheiroso

Na solidariedade criacutetica-emancipadora o projeto parte da loacutegica como

a atividade pedagoacutegica eacute construiacuteda o foco natildeo estaacute dentro da escola no

desempenho escolar de seus alunos (funcionalista) tampouco se trata de uma

atividade de benevolecircncia (assistencialista) mas estaacute centrado no outro o foco

eacute atender a uma necessidade da comunidade que neste caso eacute por um

projeto de troca de conhecimento de socializaccedilatildeo de integraccedilatildeo intercultural

mas poderia ser outra (como no depoimento da escola abaixo) Iniciar um

projeto a partir das reais necessidades daquele que seraacute beneficiado pela accedilatildeo

eacute uma das caracteriacutesticas da solidariedade criacutetica-emancipadora

ExCE1 - O projeto surgiu pela necessidade do Parque Eles natildeo tinham como receber grupos de visitaccedilatildeo porque natildeo haviam monitores entatildeo propus que os alunos do Ensino Meacutedio da nossa escola fossem os monitores-voluntaacuterios no contraturno A coordenaccedilatildeo do Parque adorou a ideia os alunos fizeram um curso de estaacutegio de formaccedilatildeo e o Parque pode ser aberto para visitaccedilatildeo Por causa disso as EMEIs e EMIs da cidade incluiacuteram tal visita no calendaacuterio escolar Entatildeo funcionava assim a coordenadora da escola que ia mandar os seus alunos para a visita dizia que conteuacutedos estavam estudando para a coordenadora do Parque e juntos noacutes faziacuteamos a adequaccedilatildeo da atividade que seria desenvolvida de acordo com este conteuacutedo Era muito bacana Nossos alunos sempre preparavam algo a mais pesquisavam se organizavam e viam o que seria mais interessante Eles acabavam inventando teacutecnicas para aquilo como passar trechos de filmes por exemplo

Criou-se neste caso uma rede colaborativa de aprendizagem Graccedilas

a este projeto toda a rede puacuteblica de educaccedilatildeo infantil da cidade pode incluir

em sua agenda a visita ao Parque Ecoloacutegico responsaacutevel pelo projeto de

paisagismo da cidade A oportunidade de aprendizagem tanto para os alunos

das EMEIs e EMIs quanto para aqueles que planejam e executavam as

atividades foi bem explorada pelas escolas que apostaram em um projeto

integrado de educaccedilatildeo ambiental combinando consciecircncia ecoloacutegica e

173

solidariedade A rede colaborativa de aprendizagem e trabalho em equipe

agregou qualidade agrave educaccedilatildeo demonstrando que eacute possiacutevel incluir no

curriacuteculo experiecircncias de aprendizagem que faccedilam sentido para a vida em

sociedade

De que adianta obter determinadas quantidades de informaccedilotildees sobre geografia e histoacuteria adquirir a capacidade de ler e escrever se durante o processo o indiviacuteduo perde sua alma se perde sua capacidade de avaliar as coisas de perceber os valores aos quais as coisas estatildeo ligadas se perde o desejo de aplicar o que aprendeu e sobretudo se perde a capacidade de extrair o significado de suas experiecircncias futuras agrave medida que ocorreram (DEWEY apud APPLE BEANE 1997 p 30-31)

A relaccedilatildeo solidaacuteria eacute horizontal e para tanto deve ter como princiacutepio a

alteridade Deve se propor saber ouvir e buscar caminhos para se fazer o que

de fato atenda as reais expectativas do outro Quando a escola parte do

diagnoacutestico inicial quando a atividade eacute organizada com o objetivo de ensinar

solidariedade esta conduccedilatildeo eacute fundamental para que os alunos a vivenciem da

forma correta Natildeo se trata de iniciar um projeto estruturado dentro da escola

planejado por alunos e professores antes mesmo de se conhecer o que a

comunidade necessita de fato Encontrar mecanismos para lidar com as reais

necessidades da comunidade fazendo as adequaccedilotildees necessaacuterias exige

planejamento estudo mas tambeacutem exige ensinar a desenvolver uma relaccedilatildeo

baseada sobretudo no respeito Conhecer outras realidades outras culturas e

com ela compartilhar saberes aprendendo a valorizar a diferenccedila eacute um dos

caminhos da formaccedilatildeo de uma consciecircncia de cidadania planetaacuteria (PADILHA

et al 2011)

PE3 ndash Noacutes comeccedilamos esse projeto porque um iacutendio que era aluno nosso do EJA haacute uns sete anos atraacutes pediu para que noacutes focircssemos ateacute a aldeia dele trabalhar com as crianccedilas principalmente o reforccedilo de portuguecircs Noacutes chegamos laacute para estudar junto fazer liccedilatildeo mas eles natildeo queriam isso A gente natildeo conseguiu entrar por esse vieacutes pedagoacutegico entatildeo seguimos por um caminho alternativo que foi o do artesanato das artes com argila dobradura A relaccedilatildeo seguiu por uma outra loacutegica a deles Ateacute que eu comecei a ficar preocupada e me perguntei o que noacutes estamos de fato fazendo Foi aiacute que eu resolvi procurar o cacique e ele me disse que era justamente isso o que eles queriam que o melhor trabalho que tinha na aldeia era o nosso porque noacutes eacuteramos as uacutenicas pessoas que iam laacute para

174

se relacionar com as crianccedilas que todo mundo vai para dar alguma coisa tipo roupa remeacutedio vacina e a relaccedilatildeo eacute sempre muito distante Ele disse que se pudessem as pessoas arremessariam as coisas laacute dentro Ele falou ldquovocecircs satildeo nossos amigos e satildeo os uacutenicosrdquo A partir desse retorno eu comecei a focar mesmo nessa troca de culturas Entatildeo a gente conta uma histoacuteria para eles eles contam uma histoacuteria para noacutes noacutes fizemos uma receita para eles (de brigadeiro que natildeo vai ao fogo) e eles fizeram uma deles (tipaacute) para noacutes Nessas a gente escreve a receita eles copiam e assim a gente trabalha portuguecircs esse aprendizado eacute meio pano de fundo Em troca eles nos ensinam a falar algumas palavras em Guarani e eacute bem difiacutecil Eacute um trabalho muito bacana75

CE3 ndash O mais importante eacute esse conhecimento de superar as diferenccedilas e preconceitos conhecendo mesmo vendo como eacute que eacute e pondo a matildeo na massa juntos tipo trabalhando com o barro para fazer a ceracircmica indiacutegena com culinaacuteria teve uma aula que a gente ensinou eles a fazer tipaacute e eles fizeram brigadeiro todo mundo adorou a gente vai trabalhando assim de igual para igual

Nestes depoimentos haacute alguns aspectos que gostariacuteamos de pontuar

a) o projeto teve iniacutecio pela necessidade da comunidade e natildeo da escola ou

seja natildeo parte de um interesse de quem faz a accedilatildeo mas sim de quem iraacute

receber b) com o seu desenvolvimento a professora percebeu que a

expectativa da comunidade era outra e novamente mantendo a proposta

dialoacutegica de atuaccedilatildeo se dirige agrave comunidade para que juntos reavaliem o

percurso do projeto numa relaccedilatildeo reflexiva horizontal direta aberta c)

certifica-se ouvindo a comunidade que o projeto estaacute atendendo agraves suas

expectativas e d) a aprendizagem eacute muacutetua as diferenccedilas satildeo valorizadas

Tanto na ldquofalardquo da escola quanto da comunidade eacute possiacutevel perceber a

reciprocidade Aleacutem disso quando o objetivo eacute compartilhado a apropriaccedilatildeo eacute

legiacutetima para ambos fica difiacutecil de saber ldquode quem eacute o projetordquo

PE3 - Eacute uma possibilidade de relacionamento iacutempar natildeo eacute faacutecil mas o nosso papel eacute esse criar oportunidades para eles Tanto os alunos da escola como as crianccedilas e jovens indiacutegenas tecircm interesse de conviver com essa outra cultura Isso eacute ensinar solidariedade cidadania

75

No Jaraguaacute a menor aldeia do Brasil (17 hectare) sofre com as pressotildees por reintegraccedilatildeo de posse a construccedilatildeo do trecho oeste do Rodoanel e a inserccedilatildeo de projetos imobiliaacuterios na regiatildeo A presenccedila indiacutegena remonta ao seacuteculo 16 e a liacutengua materna eacute o Guarani A religiosidade e a produccedilatildeo artesanal estatildeo entre os principais elementos da resistecircncia guarani jaacute que a terra natildeo pode ser mais fonte de sobrevivecircncia (RIBEIRO 2010)

175

CE3 ndash Faz parte da nossa proposta do nosso conteuacutedo proporcionar o encontro do meu aluno com o aluno de fora porque noacutes estamos suprimidos pela sociedade envolvente entatildeo a gente precisa conhecer natildeo pode ter medo Entatildeo a gente precisa preparar o nosso aluno para se integrar com outra comunidade Como ele vai sair daqui Ele natildeo pode chegar laacute despreparado sem conhecer nada

Os arranjos que se formam em torno de uma proposta de

solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa propiciam a produccedilatildeo de

um conhecimento colaborativo que acontece em meio a diferenccedilas de culturas

de classe social de niacutevel de escolaridade de idades Para viver os desafios de

uma formaccedilatildeo intercultural eacute preciso tornaacute-los presentes no processo de

formaccedilatildeo A aprendizagem torna-se significativa quando parte da alteridade e

esse planejamento favorece o desenvolvimento de uma atividade de

integraccedilatildeo de construccedilatildeo de conhecimento compartilhado Em outras palavras

aprender a pensar com o outro sem que haja sobreposiccedilatildeo cultural acentua o

traccedilo da alteridade numa perspectiva de desenvolvimento da ecologia do

saberes (SANTOS B S 2009)

Vale considerar ainda que ldquoum dos principais papeacuteis reservados agrave

educaccedilatildeo consiste antes de mais em dotar a humanidade da capacidade de

dominar o proacuteprio desenvolvimentordquo (UNESCO 2001 p 82) deixando a

concepccedilatildeo de desenvolvimento ligada apenas ao aspecto cientiacutefico e

econocircmico para encontrar tambeacutem a valorizaccedilatildeo das liberdades das

possibilidades de escolhas dos valores culturais em favor da vida

Nesse processo os saberes escolares satildeo revisitados em meio a uma

tomada de atitude que iraacute intervir na realidade envolvendo a consciecircncia de

pertencimento a um grupo social e de que cada accedilatildeo tem uma reverberaccedilatildeo

histoacuterica Numa comunidade de aprendizagem os problemas satildeo

compartilhados e aprender a respeitar a diversidade a colaborar faz com que

o grupo todo aprenda

Definidas como experiecircncias que oferecem simultaneamente uma alta qualidade de serviccedilo e um alto grau de integraccedilatildeo com os conteuacutedos formais este tipo de praacutetica implica a mesma continuidade e o mesmo compromisso institucional do serviccedilo comunitaacuterio estudantil poreacutem lhe somam a articulaccedilatildeo

176

das atividades com os objetivos da aprendizagem acadecircmica que caracterizam os trabalhos de campo (TAPIA 2006 p 29 traduccedilatildeo livre)

Os educadores de uma escola que se propotildee a desenvolver uma

educaccedilatildeo solidaacuteria precisam criar espaccedilos que ajudem os jovens a ter

experiecircncias que natildeo se restrinjam ao curriacuteculo formal pois geralmente ele

silencia as culturas que natildeo satildeo dominantes (APPLE BEANE 1997)

PE3 ndash O maior aprendizado desse projeto com a aldeia indiacutegena eacute conviver eacute essa interaccedilatildeo eacute essa troca de culturas Eles ficam juntos eacute uma relaccedilatildeo de igual para igual Eles rolam juntos na terra Eacute uma troca Noacutes natildeo vamos laacute para ensinar mas eles aprendem coisas com a gente e noacutes aprendemos com eles

CPE2 ndash Eu acho que se aprende a ser solidaacuterio sofrendo com o sofrimento alheio Eu me coloco no lugar das pessoas o que eu posso fazer Em que linha posso trabalhar como posso contribuir O que eu sou eacute uma consequecircncia de tudo o que eu vim somando desde a minha infacircncia ateacute agora Eu aprendo com o outro Sem o outro a gente natildeo eacute nada Entatildeo a gente aprende na dificuldade do outro na vitoacuteria do outro na histoacuteria do outro e vocecirc tenta construir a sua histoacuteria em funccedilatildeo das coisas que vocecirc tem laacute de repertoacuterio

O respeito e o re-conhecimento do outro durante o processo de

formaccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento da responsabilidade

consciente ativa da alteridade Essa relaccedilatildeo com o outro que toca afeta em

muitas dimensotildees desafia uma relaccedilatildeo de responsabilidade mais do que de

reconhecimento apenas Diante de sujeitos abstratos teorizados natildeo haacute essa

responsabilidade pois natildeo haacute necessidade real nem fraqueza nem fortaleza

pois natildeo haacute a concretizaccedilatildeo da vida O homem se faz sujeito do conhecimento

na medida em que reconhece suas exigecircncias eacuteticas concretas Como afirma

Leacutevinas (1988) o conhecimento enquanto respeito da alteridade implica em

ensinamento mas tambeacutem em reconhecer a presenccedila do outro onde a

formaccedilatildeo do sujeito eacutetico-poliacutetico se daraacute mediante a relaccedilatildeo dialeacutetica desse

enfrentamento da responsabilidade da atenccedilatildeo agrave vida e tambeacutem como

sustentou Freire

177

Ningueacutem pode estar no mundo com o mundo e com os outros de forma neutra Natildeo posso estar no mundo de luvas nas matildeos constatando apenas A acomodaccedilatildeo em mim eacute apenas caminho para a inserccedilatildeo que implica decisatildeo escolha intervenccedilatildeo na realidade (FREIRE 1996 p 43)

Criar oportunidades de aprender com o outro propicia o

desenvolvimento da alteridade um dos pilares fundamentais do conhecimento-

solidariedade sendo uma abertura para se repensar a formaccedilatildeo humana as

nossas relaccedilotildees pela eacutetica Em qualquer situaccedilatildeo deixar-se afetar pelo outro

implica no autoconhecimento ou ainda na ressignificaccedilatildeo de uma

compreensatildeo de si mesmo vinda do outro Este processo precisa ser

construiacutedo intencionalmente e dependeraacute sobretudo da compreensatildeo sobre a

qualidade da formaccedilatildeo que se deseja desenvolver

CPE2 ndash E quando a gente fala do meio ambiente da sustentabilidade da reciclagem eu natildeo estou falando soacute da questatildeo em si mas a questatildeo do respeito mesmo de respeitar o outro que tambeacutem eacute dono desse espaccedilo do espaccedilo que natildeo eacute soacute meu eacute coletivo do espaccedilo do planeta que se afeta se a gente natildeo cuidar dele Pra mim desenvolver na crianccedila o espiacuterito de solidariedade eacute isso eacute preciso respeitar ser respeitado e respeitar o outro

Estabelecer canais para que o aluno vivencie o respeito eacute fundamental

para o desenvolvimento da alteridade e do sujeito eacutetico onde a

responsabilidade eacute compreendida no campo existencial Portanto natildeo pode ser

incorporada ao homem intelectualmente mas vivencialmente (FREIRE 2001

p 66)

Um projeto baseado na alteridade no respeito ao outro natildeo eacute

sustentado apenas na boa accedilatildeo Eacute necessaacuterio estar de acordo com as reais

expectativas daquele que as recebe e com a percepccedilatildeo de que o sentido da

educaccedilatildeo deve ser o de formar pessoas que se respeitem pelo princiacutepio da

reciprocidade da alteridade A escola que cria espaccedilos de intervenccedilatildeo social

por ter como foco o desenvolvimento do pensamento criacutetico observa a

presenccedila da diversidade dos sujeitos sociais suas condiccedilotildees busca conhecer

seus interesses e deles partir para o desenvolvimento de atividades que

178

venham ao encontro dessa necessidade sem perder de vista o enriquecimento

do processo formativo

ExCE1 - Tem muito aprendizado eacute muito possiacutevel criar situaccedilotildees de aprendizagem muito mesmo disciplina tudo Acabava que eles tinham que se colocar neacute Eles eram monitores mas acabavam se colocando como professores e nesse momento eles percebiam a dificuldade que eacute Eles comeccedilam a ver um fim uacutetil para aquilo que estatildeo aprendendo na escola e aiacute as coisas se transformam Porque eles tinham que desenvolver muitos conhecimentos atuar em muitas aacutereas do conhecimento Resolveram que tinham que usar o teatro o teatro de fantoche criaram um texto para passar a mensagem deles Sim porque tudo isso era de responsabilidade deles eles eacute que resolviam o que iam fazer como fazer e o resultado era baacuterbaro ateacute musiquinha eles criaram para fazer a monitoria Eles fizeram um curso de monitoria para que eles pudessem aprender como entreter as crianccedilas

Propiciar experiecircncias de solidariedade e compromisso significa criar

uma dinacircmica de aprendizagem que favorece o amadurecimento da

responsabilidade numa relaccedilatildeo com a comunidade e com outros de troca e ao

mesmo tempo atende ao planejamento do que se pretende ensinar de

conteuacutedo programaacutetico Portanto envolve disciplina estudo pesquisa

apropriaccedilatildeo da linguagem aleacutem da construccedilatildeo da concepccedilatildeo poliacutetico-social de

tomada de consciecircncia de pertencimento a uma sociedade Neste caso

estudar natildeo se faz necessaacuterio apenas para o desempenho escolar mas sim

para conseguir o melhor roteiro para o teatro a melhor argumentaccedilatildeo para o

texto os assuntos mais interessantes para os visitantes ou o desenvolvimento

da consciecircncia ecoloacutegica Debruccedilar-se criticamente responsabilizando-se pela

comunidade vivendo suas contradiccedilotildees dificuldades criando oportunidades e

maneiras criativas para melhoraacute-la eacute o que nesses casos daacute sentido ao

processo educativo Criar situaccedilotildees reais de aprendizagem significa expor-se

criar um planejamento pedagoacutegico compartilhado que permita adequaccedilatildeo de

quem participa da accedilatildeo O trabalho em conjunto em projetos fora do habitual

com pessoas e situaccedilotildees reais permite a valorizaccedilatildeo das diferenccedilas como

riquezas e como oportunidades de aprendizagem e crescimento

ExCE1- Eu ajudava com o conhecimento pedagoacutegico mas natildeo era soacute isso porque eles tinham que saber como melhor atingir o puacuteblico que vinha

179

visitar o parque A crianccedila de sete anos eacute de um jeito a de oito de outro a de treze eacute de outro a de cinco a de dois O conteuacutedo agraves vezes era o mesmo mas a forma de passar esse conteuacutedo tinha que ser diferente Meu papel era esse de ir adequando o conteuacutedo agrave faixa etaacuteria mas natildeo precisava muito era soacute ensinar alguma coisa para eles deslancharem sozinhos eles mesmos percebiam como eacute que eles deviam fazer

As atividades em que os alunos satildeo estimulados a ter autonomia para

decidirem o que fazer e assumir tambeacutem os riscos desse envolvimento satildeo

ainda mais desafiadoras e formadoras da alteridade da responsabilidade Natildeo

haacute uma metodologia uacutenica uma norma ou uma regra preacute-estabelecida O

processo eacute dialoacutegico e se constitui na improvisaccedilatildeo no dinamismo na

incerteza da realidade natildeo iraacute partir de um universalismo teorizado mas das

relaccedilotildees reais que se estabelecem Nesse processo o professor orientador

deixa-se tambeacutem provocar pelo outro pelo ensinamento que o outro traz ou

deseja Na experiecircncia educativa baseada na solidariedade na alteridade eacute

por meio da relaccedilatildeo direta com as situaccedilotildees de exposiccedilatildeo ao outro que a

aprendizagem acontece extrapolando os padrotildees e planejamentos estanques

Aprende-se a aprender para melhorar a relaccedilatildeo com o outro a relaccedilatildeo

educativa natildeo eacute solitaacuteria tampouco unilateral

ExCE1 - Foi uma soma de aprendizado Para os alunos da educaccedilatildeo infantil que vinham visitar o parque e aprendiam aqui uma seacuterie de conteuacutedos e mais ainda para os nossos alunos monitores nossos alunos voluntaacuterios Ele precisa retomar alguns conteuacutedos que vatildeo repassar precisam dominar o conteuacutedo para ensinar certo precisam escrever um texto natildeo soacute correto mas que desperte o interesse do puacuteblico Enfim o resultado eacute brilhante

No processo educativo com um puacuteblico real com um objetivo social a

se cumprir o fazer pedagoacutegico se daacute com e para a comunidade numa relaccedilatildeo

de parceria e comprometimento Natildeo se trata de uma intervenccedilatildeo isolada com

caraacuteter meramente exploratoacuterio pois haacute comprometimento com os resultados

tanto sociais quanto pedagoacutegicos

CPE2 ndash Natildeo tem como pensar em trabalhar com cidadania separado No caso o trabalho com reciclagem comeccedilou porque o paacutetio da escola estava

180

ficando sujo e noacutes natildeo queriacuteamos estimular isso Daiacute comeccedilamos a conversar sobre o impacto da sujeira e com o tempo fomos envolvendo os conteuacutedos de todas as seacuteries Por exemplo no projeto Animais Marinhos eles vatildeo confeccionar os animais com material reciclado o Ler e Escrever traz a questatildeo do destino do lixo eles visitaram a empresa que tem uma estaccedilatildeo de tratamento de aacutegua e de reciclagem do proacuteprio lixo a equipe que arrecadar mais materiais reciclaacuteveis faz uma excursatildeo para o Pico do Jaraguaacute para conhecer e discutir as questotildees ambientais em 2012 fizemos uma brincadeira um concurso de fantasias no carnaval para ver quem fazia a fantasia mais criativa com material reciclado Eles procuraram marchinhas carnavalescas e fizeram paroacutedias sobre a questatildeo ambiental a questatildeo do lixo Desenvolvemos tambeacutem o projeto com o Faccedila Parte sobre o consumo consciente e o plaacutestico e a gente trouxe o autor de diversos livros adotados pela escola sobre meio ambiente para os alunos conhecerem Tudo isso sem descuidar de reciclar o proacuteprio lixo produzido na escola e na proacutepria sala de aula e manter o paacutetio limpo para natildeo virem os pombos

Natildeo se trata de separar o que eacute consciecircncia cidadatilde e o que eacute conteuacutedo

escolar A intervenccedilatildeo social acontece de maneira articulada o conteuacutedo eacute

trabalhado por meio de uma proposta de intervenccedilatildeo real e esta demanda mais

pesquisa mais conhecimento

CPE2 ndash No Reciclar todas as atividades estatildeo ligadas e tudo estaacute ligado a este assunto Aleacutem da questatildeo da escrita do conhecimento acadecircmico tem o conhecimento da vida que eles estatildeo adquirindo Noacutes temos a sequecircncia didaacutetica para trabalhar tem a questatildeo do desmatamento da importacircncia de preservar a mata atlacircntica a mata ciliar a contaminaccedilatildeo dos lenccediloacuteis freaacuteticos nas seacuteries iniciais usamos os materiais reciclados para fazer brinquedos vocecirc comeccedila a falar da importacircncia da reciclagem e eu estou inventando o curriacuteculo Natildeo ele estaacute posto uma coisa vai imbricando na outra natildeo tem como trabalhar paralelo

O projeto desenvolvido pela E2 visa contribuir tanto para a questatildeo

social quanto pedagoacutegica a partir de trecircs frentes de atuaccedilatildeo a) visando

melhorar o comportamento e postura dos alunos em relaccedilatildeo a questotildees

ambientais b) trabalhando o tema como conteuacutedo programaacutetico nas

disciplinas e c) implantando a coleta seletiva com o apoio da comunidade

escolar favorecendo a cooperativa de catadores com o material coletado pela

escola Assim a proposta eacute de refletir tanto sobre os conteuacutedos referentes ao

tema ligado ao meio ambiente reciclagem e sustentabilidade quanto promover

a consciecircncia criacutetica perante a questatildeo ambiental e melhorar a vida da

181

comunidade num projeto de articulaccedilatildeo curricular interdisciplinar onde cabe

ao professor de cada disciplina fazer as adequaccedilotildees necessaacuterias quanto ao

conteuacutedo Nessa proposta a formaccedilatildeo para a cidadania orienta o projeto

pedagoacutegico sendo que os alunos participam das atividades interferindo

socialmente enquanto estudam os conteuacutedos cientiacuteficos e teacutecnicos

O ambiente educador renovado pelo comprometimento o contato com

diferentes culturas em constante transformaccedilatildeo sua tradiccedilotildees e diferenccedilas

enriquecem a proposta de aprendizagem

CE3 - Esse trabalho eacute muito bom por causa da integraccedilatildeo O objetivo da escola indiacutegena natildeo eacute formar alunos para que sejam profissionais pra entrar numa faculdade O nosso objetivo eacute formar alunos que sejam conhecedores de sua proacutepria cultura de sua identidade de sua tradiccedilatildeo que saibam valorizar pensar saibam usar o seu conhecimento em favor da sua comunidade

O desenvolvimento da originalidade e as potencialidades se datildeo na

presenccedila e na construccedilatildeo da sociedade Assim a praacutetica que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos autocircnomos solidaacuterios implica a co-responsabilidade do

conviacutevio humano em dimensotildees planetaacuterias nacionais e locais baseada nos

princiacutepios da justiccedila respeito equidade social no cuidado de si do outro e do

contexto

CPE1 ndash A ideia de cidadania estaacute muito ligada a de autonomia Os professores orientam e quem discute e decide o que fazer satildeo os alunos essa discussatildeo eacute entre eles Vocecirc cria e ensina autonomia quando deixa com eles a responsabilidade sendo que aos professores cabe fazer as orientaccedilotildees que julgarem necessaacuterias

Uma das caracteriacutesticas apresentadas por Tapia (2004) de

aprendizagem e serviccedilo eacute o fato de que as iniciativas partem dos alunos Sobre

este aspecto o educador Antonio Carlos Gomes da Costa ao se referir agrave

participaccedilatildeo do jovem como principal ator em projetos de intervenccedilatildeo social

182

criou o conceito de ldquoprotagonismo juvenil76rdquo Para ele o protagonismo eacute um

laboratoacuterio para o estudo da cidadania uma vez que permite aos jovens

conviver com a realidade nela inferir e tirar suas proacuteprias conclusotildees (COSTA

2000) Neste sentido quanto mais autonomia os alunos tiverem durante a

execuccedilatildeo das atividades maior seraacute o desafio No entanto nas escolas

estudadas nesta pesquisa pode-se perceber a intenccedilatildeo em se criar espaccedilos de

intervenccedilatildeo social com qualidade poreacutem ainda que em estaacutegios e tipologias

diferenciadas natildeo foi identificado um projeto que partiu da iniciativa dos

alunos

CPE2 ndash O projeto comeccedilou porque a gente verificava que quando terminava o recreio o paacutetio ficava muito sujo e daiacute noacutes perguntamos para os funcionaacuterios da limpeza e eles disseram que era porque os alunos tinham o haacutebito de jogar o lixo do chatildeo Daiacute eu comecei a pensar esse haacutebito eles adquiriram onde Passei em todas as salas dizendo que o Seu Joaquim tinha que ficar limpando a sujeira que eles faziam e que tinham pombos vindo para a escola E pergunteita certo isso Daiacute pedi para os alunos comeccedilarem a fazer uma pesquisa sobre as doenccedilas transmitidas pelos pombos e tambeacutem tivemos a ideia de aumentar o nuacutemero de lixeiras daiacute pensamos em instalar coletoras para materiais reciclado Daiacute novamente avisei os alunos que iriacuteamos comeccedilar a reciclar na escola e pedi para que eles comeccedilassem a trazer os materiais reciclados de casa tambeacutem Comeccedilamos a estudar o impacto do lixo do ambiente em todas as seacuteries Enquanto isso tratei de procurar uma soluccedilatildeo para o material que a escola estava comeccedilando a reciclar Procurei uma cooperativa e fui laacute conhecer os cooperados o ritmo de trabalho deles o padratildeo cultural de cada um deles O trabalho eacute difiacutecil tem mau cheiro ficar separando lixo com moscas e tal Eacute um processo bem manual aiacute trouxe essa experiecircncia para a escola o pessoal veio falar com os alunos Entatildeo comeccedilou assim eacute um trabalho feito em parceria envolve os alunos os professores as famiacutelias os cooperados

O fato da atividade natildeo partir do aluno natildeo descaracteriza a

compreensatildeo de educaccedilatildeo critica emancipadora A solidariedade como praacutetica

curricular educativa comeccedila na compreensatildeo de educaccedilatildeo em quem se

deseja formar O saber que mudar eacute difiacutecil mas eacute possiacutevel (FREIRE 2000 p

94) faz com que o projeto de educaccedilatildeo parta da provocaccedilatildeo para a mudanccedila

76

O Protagonismo Juvenil eacute um tipo de accedilatildeo de intervenccedilatildeo no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem eacute o ator principal Eacute uma forma de ensinar cidadania em que o jovem ocupa uma posiccedilatildeo que natildeo dizem respeito agrave sua vida privada familiar e afetiva mas a problemas relativos ao bem comum na escola ou na comunidade Ele eacute a concebido como fonte de iniciativa que eacute accedilatildeo como fonte de liberdade que eacute opccedilatildeo e como fonte de compromissos que eacute a responsabilidade (COSTA 2000)

183

natildeo do puro conhecimento teacutecnico-cientiacutefico A consolidaccedilatildeo de uma

concepccedilatildeo de conhecimento regulador e instrumental cria a incapacidade de

estabelecer uma relaccedilatildeo com o outro a natildeo ser quando se o transforma em

objeto O saber enquanto solidariedade visa substituir o objeto-para-o-sujeito

pela reciprocidade entre sujeitos (SANTOS B S 2009 p 83)

3 A solidariedade no ambiente escolar e na organizaccedilatildeo curricular

Muito embora durante o desenvolvimento desta pesquisa as

entrevistas tivessem nos propiciado a elaboraccedilatildeo da tipologia da solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa que tem a pretensatildeo de ser a principal

contribuiccedilatildeo desta tese a discussatildeo teoacuterica e outros apontamentos nos

possibilitou tomar alguns outros aspectos referentes agrave praacutetica da solidariedade

que seratildeo consideradas a seguir e formam organizadas em dois blocos de

apresentaccedilatildeo 1) no ambiente escolar ndash habitus e 2) na organizaccedilatildeo curricular

ndash interdisciplinaridade

31 A solidariedade no ambiente escolar

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa implica na

participaccedilatildeo dos alunos onde eles sejam expostos a situaccedilotildees reais e a partir

desse enfrentamento aprendam a produzir conhecimento para pensar uma

melhor qualidade de vida na sociedade (ecologias do saber) Aleacutem disso ela

pode ser compreendida como um aspecto de conduta que favoreccedila o ambiente

de aprendizagem Pesquisas77 realizadas recentemente pelo MEC o Instituto

77

Aprova Brasil o Direito de Aprender (2006) ndash desenvolvido em 33 escolas o estudo mostra aspectos relacionados agrave gestatildeo agrave organizaccedilatildeo e ao funcionamento que poderiam ter contribuiacutedo para uma melhor aprendizagem O Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que garantem o direito de aprender (2008) apresenta os resultados de um estudo realizado em 37 redes municipais selecionadas pelo bom desempenho escolar em contexto socioeconocircmico desfavoraacutevel Melhores praacuteticas em escolas do Ensino Meacutedio do Brasil (2010) desenvolvida para identificar os fatores responsaacuteveis pela efetividade de 35 unidades escolares de Ensino Meacutedio localizadas nos Estados do Acre do Cearaacute do Paranaacute e de Satildeo Paulo notadamente aqueles relacionados agraves praacuteticas que as proacuteprias equipes escolares associam ao sucesso escolar de seus alunos

184

Nacional de Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira (INEP) e parceiros

tiveram como objetivo foi identificar caracteriacutesticas semelhantes entre escolas

ou redes de ensino que apresentam bom desempenho78

Nos estudos desenvolvidos para se identificar os indicadores de

qualidade para a mobilizaccedilatildeo da escola (RIBEIRO V RIBEIRO J GUSMAtildeO

2005) e adotado pelo Aprova Brasil (UNICEF 2006) dos sete indicadores de

qualidade utilizados pelo grupo responsaacutevel pela pesquisa quatro estatildeo direta

ou indiretamente ligados a valorizaccedilatildeo das relaccedilotildees solidaacuterias o ambiente

educativo ndash o respeito a solidariedade a disciplina na escola a praacutetica

pedagoacutegica da escola apoiada no trabalho em grupo a participaccedilatildeo dos alunos

em projetos especiais (entre eles os que satildeo voltados agrave intervenccedilatildeo social) a

gestatildeo escolar democraacutetica ndash o compartilhamento de decisotildees e informaccedilotildees

com professores funcionaacuterios pais e alunos a participaccedilatildeo dos conselhos

escolares

No estudo Redes de Aprendizagem boas praacuteticas de municiacutepios que

garantem o direito de aprender (2010) o poder de se criar relaccedilotildees natildeo

lineares a intensa conectividade entre os seus membros e o clima de

compromisso de toda a comunidade estabelecem um processo propiacutecio de

contiacutenua aprendizagem Entre as principais atitudes analisadas nas redes a

solidariedade (compreendida como a valorizaccedilatildeo e o compartilhamento das

responsabilidades oportunidades e aprendizagens) estaacute entre as quatro

fundamentais Todas as escolas desenvolveram o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico

com a participaccedilatildeo das famiacutelias o apoio das secretarias o compromisso com a

educaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo das escolas foi percebida na comunidade O

diferencial nas praacuteticas pedagoacutegicas dessas escolas eacute a adequaccedilatildeo do

curriacuteculo agrave realidade da comunidade o interesse dos professores em se criar

situaccedilotildees de aprendizagem contextualizadas Segundo o levantamento a

formaccedilatildeo tem impacto quando os professores empregam seus saberes para

tornar as aulas mais interessantes e mobilizadoras aprofundam sua

compreensatildeo sobre o objeto de ensino potencializando as chances de

compreensatildeo pelos alunos tornam-se mais proacuteximos e parceiros com uma

78

Os indicadores adotados nessas pesquisas satildeo o Iacutendice de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo Baacutesica (IDEB)a Prova Brasil e as caracteriacutesticas socioeconocircmicas

185

visatildeo ampla e particular de cada um em seu contexto conhecendo suas

histoacuterias seus interesses e as formas de aprender (UNICEF 2008 p51) Este

reconhecimento da importacircncia de cada um no processo de formaccedilatildeo no

desenvolvimento de um trabalho colaborativo onde a corresponsabilidade o

ambiente agradaacutevel o respeito a participaccedilatildeo a atitude eacutetica satildeo

componentes que tecircm sido apresentados como diferenciais para o bom

desempenho no processo de aprendizagem

CPE2 ndash Ensinar solidariedade Tem professor que tem isso inserido na postura pedagoacutegica dele Ele como educador ensina isso em todas as vertentes atraveacutes dos exemplos nas discussotildees que ele faz como reage a um fato que aconteceu na sala de aula vai muito da postura do professor

Enquanto praacutetica educativa pensada dentro e fora da sala de aula a

solidariedade favorece a aprendizagem na medida em que todos aprendem a

construir sua proacutepria matriz de valores por meio do envolvimento em situaccedilotildees

controveacutersias em contextos plurais nas accedilotildees do cotidiano ou ainda nos

projetos intencionalmente criados como oportunidade para se praticar

cidadania Em outras palavras satildeo espaccedilos educativos em que a convivecircncia

plural e heterogecircnea eacute provocada bem como sentir-se responsaacutevel pelo outro

pelo mundo em que vive e ajudar a construiacute-lo como autores de suas accedilotildees

interfere nas consequecircncias dessa aprendizagem e da intervenccedilatildeo no mundo

(HOYOS MARTIacuteNEZ 2004 p18) Da mesma forma se o professor natildeo

compreende a educaccedilatildeo enquanto um processo de formaccedilatildeo para a cidadania

sua praacutetica pode distanciar a escola de tal formaccedilatildeo daiacute a necessidade de um

acompanhamento atento e da incorporaccedilatildeo da solidariedade no Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico

CPE2 ndash Tem professor que diz ldquoeu estou aqui para dar aulardquo A proacutepria postura denuncia que ele natildeo tem esse olhar para a cidadania Mas mesmo assim eu continuo batalhando e incentivando quem faz porque daiacute esse professor acaba sendo contaminado por aquela energia que estaacute fluindo com o tempo ele percebe que estaacute dando resultado

186

Esta percepccedilatildeo incita duas questotildees a maneira de compreender a

educaccedilatildeo escolar como algo limitado ao ler escrever e contar sem relacionaacute-la

agrave formaccedilatildeo para a cidadania e a percepccedilatildeo de que o fazer pedagoacutegico

compartilhado influencia na praacutetica coletiva O curriacuteculo natildeo pode ser

compreendido como fazer isolado A proposta curricular deve ser

compartilhada entre todos Para que natildeo seja o fazer pelo fazer o projeto

pedagoacutegico ganha escopo e significado quando compartilhado e

contextualizado

CE3 ndash Diferente do Juruaacute a gente procura natildeo ensinar para o nosso aluno a entrar na faculdade somente queremos formar um aluno que tenha conhecimento da sua tradiccedilatildeo O iacutendio ensina para melhorar a vocaccedilatildeo de cada um daqui vai sair uma lideranccedila daqui vai sair um pajeacute um cacique e ele precisa ter dentro da escola o momento de aprender a ter a esta postura e tambeacutem de aprender histoacuteria geografia matemaacutetica as mateacuterias que satildeo projetadas no curriacuteculo nacional Entatildeo eacute importante para a gente trabalhar as duas coisas e ningueacutem melhor do que o proacuteprio mundo para ensinar as crianccedilas da aldeia

Na cultura indiacutegena a convivecircncia plural e heterogecircnea eacute valorizada

faz parte da proposta pedagoacutegica o intercacircmbio cultural e a aprendizagem por

meio da integraccedilatildeo

A maneira de se ensinar nas comunidades indiacutegenas tem como princiacutepios indissociaacuteveis a construccedilatildeo do ser pela observaccedilatildeo pelo fazer experimentando dentro de uma realidade A crianccedila indiacutegena vai aprendendo os valores do que eacute ser etnicamente diferente ao mesmo tempo em que adquire habilidades para enfrentar os desafios do mundo que a rodeia A educaccedilatildeo indiacutegena eacute um processo que acontece em todas as dimensotildees da vida social natildeo se limitando a um uacutenico lugar (sala de aula) ou ainda ao tempo (seacuteries idades) (VALENTINI 2010 p 41)

O saber em diferentes espaccedilos e tempos eacute fundamental para a reflexatildeo

sobre a realidade em sua complexidade

Outro aspecto ligado agrave vida em comunidade dentro da escola eacute a

rotina o haacutebito Pierre Bourdieu apresenta o habitus ldquocomo um sistema de

disposiccedilotildees duraacuteveis e transponiacuteveis que integrando todas as experiecircncias

187

passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepccedilotildees de

apreciaccedilotildees e de accedilotildeesrdquo (BORDIEU 1983 p 64)

O habitus tece a praacutetica curricular na medida em que os sujeitos satildeo

influenciados pela conduccedilatildeo da instituiccedilatildeo e vice-versa As estruturas se

cristalizam a partir do habitus que tende a manter a ordem rejeitando ou

refutando as transformaccedilotildees que por ventura a ameacem protegendo-o de

mudanccedilas No caso da escola indiacutegena eacute bom manter o haacutebito da abertura

intercultural mas em outros contextos ele pode ser entendido como prejudicial

ao sistema

CPE1 ndash Nem todo mundo estaacute aberto a inovaccedilotildees Tem professor que prefere trabalhar de modo disciplinar ele tem o esquema dele de dar aula ele tem convicccedilatildeo e crenccedilas e se dedicam para um trabalho que acreditam de fato ele tem aquela concepccedilatildeo dele e natildeo acha que estaacute errado Na verdade natildeo esta porque ele entende assim Cabe a noacutes que somos coordenaccedilatildeo ficar cutucando o tempo todo tentando provocar um movimento contiacutenuo para que ele comece a mudar comece a pensar outras coisas Aqui na escola jaacute foi muito mais distante mas com dois cinco sete anos isso entra no discurso deles leva tempo

O espaccedilo escolar eacute formativo lastreado por uma cultura colaborativa e

por praacuteticas participativas que satildeo as condiccedilotildees necessaacuterias para a

identificaccedilatildeo de necessidades de crescimento que leva agrave interiorizaccedilatildeo de

novos habitus A mudanccedila de haacutebito quando desejada eacute um processo

compreendido como de meacutedio ou longo prazo e requer um trabalho de

persistecircncia dentro da escola ou fora dela

CPE2 ndash Teve matildee que veio aqui brigar comigo ldquopara com essa histoacuteria pelo amor de Deus eu trabalho fora e tenho que ficar separando lixordquo Porque eacute isso mudar uma rotina daacute trabalho e a gente tem que instituir essa rotina com os pais dos nossos alunos e na escola tambeacutem eacute um trabalho muito repetitivo Eacute preciso ter muita persistecircncia

Tal mudanccedila eacute uma das principais dificuldades apontadas pelos

sujeitos desta pesquisa para se constituir um clima mais favoraacutevel ao

conhecimento-solidariedade na ordem da execuccedilatildeo das atividades das accedilotildees

dos comportamentos dos valores As accedilotildees repetidas com frequecircncia criam

188

uma pauta que logo pode ser reproduzida com economia de esforccedilos e que eacute

apreendida como pauta pelo agente (BERGER LUCKMANN apud GIMENO

SACRISTAacuteN 1999 p 86)

CPE1 ndash A mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada noacutes colocamos em todas as salas de aula o cesto azul do papel aleacutem do cesto que jaacute havia e toda vez a gente precisa cuidar para que ningueacutem jogue as coisas no cesto de papel A todo momento tem que repetir para eles o que eacute certo e o que natildeo eacute

CPE3 ndash O nosso aluno que faz um trabalho superbacana na comunidade trata malo colega do lado joga o lixo no chatildeo da escola isso me daacute muito incocircmodo mudar uma mentalidade eacute um esforccedilo eacute um trabalho muito difiacutecil

PE4 ndash Eu acredito nesse contato direto logo que um aluno chega para me cumprimentar eu olho nos olhos dele o recebo com sinceridade ldquoseja bem-vindo aquirdquo Ele ao me cumprimentar jaacute demonstra que natildeo me rejeitou Eu acho que falta isso falta essa troca essa solidariedade baseada em ver escutar respeitar o outro

As praacuteticas pedagoacutegicas consolidadas natildeo se alteram por discursos

externos e podem reproduzir praacuteticas discriminatoacuterias repressatildeo censura

individualismo muitas vezes criando um ambiente desfavoraacutevel para o trabalho

pedagoacutegico e para a aprendizagem Os modos de gestatildeo e os processos de

conduccedilatildeo favorecem o desenvolvimento de ciclos reprodutivos dentro da

escola o que tornaria difiacutecil interromper por exemplo a loacutegica participativa de

um ambiente colaborativo respeitoso bem sedimentado Disponibilizar o

conteuacutedo produzido de maneira didaacutetica natildeo significa oferecer um modelo

arcaico de educaccedilatildeo uma vez que a humanidade precisa ter acesso ao

conhecimento produzido para partir dele e avanccedilar

Ao que acrescentaria que eacute sendo um professor justo que ensinamos a nossos alunos o valor e o princiacutepio da justiccedila sendo respeitosos e exigindo que eles tambeacutem o sejam ensinamos o respeito natildeo como um conceito mas como um princiacutepio que gera disposiccedilotildees e se manifesta em accedilotildees Mas eacute preciso ainda ressaltar que o contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro pois se virtudes como o respeito a toleracircncia e a justiccedila satildeo ensinaacuteveis tambeacutem o satildeo os viacutecios como o desrespeito a

189

intoleracircncia e a injusticcedila E pelas mesmas formas (CARVALHO 2013 p 55)

O que caracteriza solidificaccedilatildeo do curriacuteculo eacute a reproduccedilatildeo de velhos

haacutebitos que jaacute natildeo trazem benefiacutecios (GIMENOSACRISTAacuteN 1999) Significa

dizer que a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo determina a praacutetica o fazer pedagoacutegico a

colaboraccedilatildeo o respeito ou ainda a solidariedade em menor ou maior grau no

grupo fortalece ou enfraquece o poder de coesatildeo em torno de um projeto

comum

32 A solidariedade na organizaccedilatildeo curricular ndash interdisciplinaridade

Durante a pesquisa pudemos perceber que a maneira como as

escolas se organizam para o desenvolvimento de projetos solidaacuterios varia de

acordo com a proposta pedagoacutegica No entanto entre as escolas de educaccedilatildeo

baacutesica percebemos uma tendecircncia em se trabalhar de acordo com uma

proposta de interdisciplinaridade

Segundo Japiassuacute para se compreender interdisciplinaridade vale

partir do conceito de disciplinaridade que se refere ldquoao conjunto sistemaacutetico e

organizado de conhecimentos que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias nos

planos do ensino da formaccedilatildeo dos meacutetodos e das mateacuteriasrdquo (JAPIASSU

1976 p 72) Embora o conceito natildeo seja delimitado respondendo a uma seacuterie

de relaccedilotildees de maturidade e tipologias basicamente pode-se compreender por

interdisciplinaridade os arranjos curriculares entre duas ou mais disciplinas de

forma a provocarem uma integraccedilatildeo muacutetua tomando como base sistemas

globais e natildeo compartimentado como nas disciplinas A interaccedilatildeo pode ocorrer

pelo meacutetodo pelo procedimento e pela organizaccedilatildeo do ensino (JAPIAUSSU

1976 FAZENDA 1979)

Nas escolas pesquisadas os arranjos curriculares para propiciar

espaccedilos de aprendizagem da solidariedade de certa forma tendem a escapar

da organizaccedilatildeo rigorosa das disciplinas

CPE1 ndash A solidariedade estaacute distribuiacuteda ao longo de todo o trabalho [] Noacutes temos um projeto que fecha com tudo isso onde noacutes colocamos todas

190

as questotildees de cidadania Os professores de cada disciplina se organizam para participar

CPE2 ndash Noacutes trabalhamos os conteuacutedos pedagoacutegicos desenvolvendo o projeto solidaacuterio sim porque natildeo fazemos o projeto pelo projeto ele tem que estar interligado em todas as aacutereas eacute interdisciplinar As crianccedilas de todas as seacuteries trabalham todas as atividades estatildeo ligadas ao mesmo assunto Com o Reciclar por exemplo trabalhamos a questatildeo do desmatamento o que estaacute acontecendo com a sustentabilidade a importacircncia de preservar a Mata Atlacircntica a mata ciliar as nascentes a questatildeo do lixo dos aterros sanitaacuterios contaminando o lenccedilol freaacutetico o resgate das brincadeiras na aula de Educaccedilatildeo Fiacutesica e a confecccedilatildeo dos brinquedos com material reciclado junto com a professora de artes Em Portuguecircs trabalham listas de palavras diferentes gecircneros discursivos No material do Ler e Escrever do quarto ano tem a questatildeo do destino do lixo que tambeacutem estaacute dentro do projeto aleacutem de trabalhar o conceito de reciclagem e de fazermos a reciclagem aqui na escola de cuidarmos da sujeira na hora do recreio

Pelo projeto eles foram conhecer a multinacional do bairro e laacute eles tecircm um tratamento de aacutegua A cooperativa de lixo que noacutes ajudamos mandou umas cartilhas que entregamos aos pais para que leiam com seus filhos O projeto jaacute estaacute institucionalizado Agora eles estatildeo estudando o ldquoo impacto do meu lixordquo quando chove o que acontece os cinco erres Vocecirc conhece o autor Fernando Carraro Ele tem vaacuterios tiacutetulos publicados nesta aacuterea e viraacute aqui na Feira Cultural da escola conversar e autografar os livros com os alunos vai ser muito bacana

CPE3 ndash Aqui na escola o professor de Histoacuteria estudou com eles a cultura Guarani Por causa desse projeto de voluntariado ele fez uma aula de Histoacuteria para se trabalhar a questatildeo indiacutegena na qual tambeacutem participou o professor de Artes e de Ensino Religioso Eu acho isso um luxo mas ainda natildeo eacute como deveria ser tinha que ser mais natural Por exemplo se um professor estaacute trabalhando um determinado assunto tem que partir dele a articulaccedilatildeo natildeo da coordenaccedilatildeo

Esses arranjos interdisciplinares podem estar relacionados ao fato de

que o conhecimento-emancipaccedilatildeo tende a natildeo seguir a ordem estanque do

conhecimento-regulaccedilatildeo que mais facilmente pode ser repartido em disciplinas

orientadas em uma sequecircncia unicamente direcionada favorecendo a ordem

descartando o que natildeo eacute passiacutevel de ser mensurado contribuindo para a

produccedilatildeo da ciecircncia positivista

Conscientemente ou natildeo os especialistas decompotildeem o homem em pedaccedilos De certa forma colocam-nos entre parecircnteses para soacute extrair dele um conhecimento chamado de ldquopositivordquo muito embora essa ldquopositividaderdquo soacute consiga atingir ldquoalgordquo do homem muitos outros ldquoalgosrdquo natildeo nos sendo fornecidos nem mesmo por todas as disciplinas juntas cada

191

uma estudando ldquoalgordquo que lhe seja proacuteprio Porque se o saber cientiacutefico tem precisamente uma base rigorasamente empiacuterica as ldquorelaccedilotildeesrdquo que pretende ldquoexplicarrdquo satildeo exatas (pelo menos em certa escala) e verificaacuteveis (direta ou indiretamente) deve-se tomar o meacutetodo cientiacutefico como fio condutor de toda teoria do conhecimento Somente esse meacutetodo pode conduzir a um verdadeiro saber positivo E somente podem ser considerados como dignos de exame os problemas susceptiacuteveis de serem formulados em termos cientiacuteficos [] Os outros os que natildeo se deixam recuperar pelo meacutetodo cientiacutefico assim estabelecido devem ser considerados como inexistentes ou como pseudo problemas (JAPIASSU 1976 p 62-63)

A constataccedilatildeo dos limites de cada disciplina tende a provocar uma

fragmentaccedilatildeo dos conteuacutedos e a interdisciplinaridade por outro lado fornece a

possibilidade de articulaccedilatildeo dos saberes para a compreensatildeo da realidade

numa dimensatildeo mais colaborativa sem precisar reduzi-la ao quantificaacutevel sem

precisar desconsiderar aquela contribuiccedilatildeo que eacute beneacutefica da organizaccedilatildeo

disciplinar

A interdisciplinaridade curricular requer de preferecircncia uma incorporaccedilatildeo de conhecimentos dentro de um todo indistinto a manutenccedilatildeo da diferenccedila disciplinar e a tensatildeo beneacutefica entre a especializaccedilatildeo disciplinar que permanece indispensaacutevel e o cuidado interdisciplinar que em tudo preserva as especificidades de cada componente do curriacuteculo visando assegurar sua complementaridade dentro de uma perspectiva de troca e de enriquecimento (LENOIR 1998 p 57)

Aleacutem disso o conhecimento produzido em experiecircncias solidaacuterias se

caracteriza pela interdisciplinaridade na medida em que se estabelece em

relaccedilatildeo em mediaccedilatildeo num processo contiacutenuo e ambiacuteguo que se aproxima do

mundo real se distanciando da organizaccedilatildeo formal da teoria como sugere

Severino

A substacircncia do existir eacute a praacutetica ao passo que o conhecimento tende naturalmente para a teoria [] Eacute o que testemunham todos os entes que revelam agrave experiecircncia humana [] Eacute na praacutetica e pela praacutetica que as coisas humanas efetivamente acontecem que a histoacuteria se faz (1998 p 33-34)

192

A organizaccedilatildeo curricular a partir da interdisciplinaridade confere

autonomia e mobilidade ao curriacuteculo de forma que eacute possiacutevel organizaacute-lo em

torno de um objetivo comum compartilhado entre os professores para

propiciar a aprendizagem por meio de esforccedilos coletivos que vatildeo se

constituindo durante o percurso A elaboraccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica

baseada no envolvimento em projetos socioeducativos reais requer reflexatildeo

manejo e (re)organizaccedilatildeo curricular pois eacute a praacutetica que pede e sugere a teoria

e eacute o repertoacuterio teoacuterico que orienta e provoca a accedilatildeo a praacutetica

Outro aspecto relevante eacute a questatildeo de administraccedilatildeo do tempo na

organizaccedilatildeo das prioridades curriculares

CPE1 ndash Por exemplo eles tecircm que apresentar uma accedilatildeo solidaacuteria que eles realizaram e o blog que fizeram sobre as cooperativas para uma banca de professores que tomam nota fazem perguntas etc Para fazer isso eu tenho que pegar professores que estatildeo com o tempo livre naquele momento com uma aula vaga eu natildeo tenho como chamar o professor orientador daquele projeto Ou seja eu natildeo posso chamar o professor que estaacute mais envolvido com o projeto se ele estiver dando aula no momento

CPE3 ndash A proacutepria concorrecircncia entre as atividades que a escola oferece a agenda do nosso aluno eacute uma coisa louca a escola oferecer curso de teatro aula de recuperaccedilatildeo e voluntariado no mesmo horaacuterio Entatildeo eles tecircm que optar

EXCE1 ndash A maior dificuldade era conciliar os horaacuterios de todo mundo A pior questatildeo era que um fazia inglecircs o outro violatildeo e para que eles participassem tinha que conciliar todos os horaacuterios isso era o mais complicado

O regime da fragmentaccedilatildeo curricular determinados pela ordem

disciplinar subdivide a produccedilatildeo do conhecimento Ao adotar tais convenccedilotildees

espaccedilo e o tempo da aprendizagem entram em conflito com o espaccedilo e o

tempo da gestatildeo No entanto se as atividades pedagoacutegicas e administrativas

estiverem convergindo para um mesmo fim um projeto pedagoacutegico

compartilhado a tendecircncia eacute a de natildeo haver sobreposiccedilatildeo e concorrecircncias No

entanto quando isso natildeo acontece ldquoa impressatildeo que se tem eacute que cada uma

delas adquire um certo grau de autonomia cada uma trilha seu proacuteprio

caminho como se cada uma tivesse o seu proacuteprio fimrdquo (SEVERINO 1998 p

193

38) Conjugar prioridades e tempos em estruturas mais flexiacuteveis a partir de um

projeto educacional compartilhado permite maior articulaccedilatildeo e convergecircncia

de intencionalidade favorecendo o desenvolvimento do proacuteprio projeto

pedagoacutegico

Outro aspecto observado no desenvolvimento de praacuteticas pedagoacutegicas

solidaacuterias eacute a importacircncia da postura adequada do professor O diaacutelogo a

integraccedilatildeo e as convergecircncias aleacutem da concepccedilatildeo de solidariedade satildeo um

dos maiores desafios para desenvolvimento das atividades no sentido de uma

praacutetica curricular educativa

CPE1 ndash Uma das maiores dificuldades eacute criar consenso entre os grupos de professores para que todos participem Como desenvolvemos um projeto no qual o tema muda todo ano temos um periacuteodo muito curto antes do Projeto Comeccedilar para falar do tema com os professores [] Aleacutem disso nem todo professor tem que entender o projeto ele tem o esquema dele de dar aula e ele vai analisar o quanto isso vai afetar a aula dele

CPE2 ndash Existem professores que acreditam no projeto compram a ideia e fazem aquilo com entusiasmo Outros agraves vezes natildeo acreditam no potencial e faz porque tem que fazer Ensinar solidariedade vai muito da postura do professor [] e a mudanccedila de haacutebito eacute muito complicada

CPE3 ndash Eu tenho de 20 a 30 professores que em algum momento se envolvem em trabalho voluntaacuterio Eacute uma parcela grande da populaccedilatildeo mas eu natildeo sei como cada um deles pensa essa questatildeo Entatildeo eacute complicado ele toma para si Com que jeito ele vai conduzir esse trabalho que manejo ele vai ter com esses alunos

A praacutetica curricular interdisciplinar natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois requer

participaccedilatildeo e compromisso com um projeto comum enquanto cada um tende

a preservar seus conhecimentos sua praacutetica sua metodologia sua praacutexis

(JAPIASSUacute 1976) Aleacutem da dificuldade didaacutetica inerente agrave proposta existem

as diferenccedilas entre a compreensatildeo de solidariedade dos valores individuais

que precisam ser constantemente revisados para se alinhar ao projeto

pedagoacutegico comum da escola A convergecircncia da intencionalidade a

compreensatildeo do Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico os valores pessoais de ordem

eacutetica a concepccedilatildeo de solidariedade satildeo alguns dos ingredientes que atribuem

194

sentido agrave unidade curricular e merecem um processo reflexivo de trabalho

todavia para viabilizar a realizaccedilatildeo da unidade de sentido do projeto

pedagoacutegico

195

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

196

Esta tese investigou o tema da solidariedade como praacutetica curricular

educativa retomando sobretudo o sentido de aquisiccedilatildeo dos conhecimentos

culturalmente acumulados por meio da formaccedilatildeo pessoal social e poliacutetica

como condiccedilatildeo inerente agrave educaccedilatildeo Para tanto desenvolveu um estudo

teoacuterico e empiacuterico da solidariedade no acircmbito do curriacuteculo tendo como

conceitos estruturantes o conhecimento-emancipaccedilatildeo a alteridade a eacutetica e a

consciecircncia poliacutetica e como campo de pesquisa a praacutetica curricular em quatro

escolas do Estado de Satildeo Paulo

A tiacutetulo de conclusatildeo pretende-se pontuar as seguintes reflexotildees

Entende-se como a principal colaboraccedilatildeo desta pesquisa a elaboraccedilatildeo

da tipologia que anuncia quatro formas de solidariedade como praacutetica curricular

educativa (conforme anaacutelise desenvolvida no capiacutetulo IV) a) assistencialista b)

discursiva c) funcionalista-participativa d) criacutetica-emancipadora A uacutenica forma

que propicia a construccedilatildeo da solidariedade enquanto conhecimento apoiado

nos quatro pilares conhecimento-emancipaccedilatildeo alteridade eacutetica e consciecircncia

poliacutetica eacute a criacutetica-emancipadora

A qualidade da accedilatildeoproposta de solidariedade enquanto praacutetica

curricular educativa natildeo estaacute vinculada agrave rede administrativa da escola nem agraves

condiccedilotildees socioeconocircmicas da comunidade escolar ou ainda ao niacutevel de

ensino ou aacuterea de atuaccedilatildeo dos projetos A qualidade da accedilatildeoproposta

desenvolvida tampouco estaacute vinculada aos recursos financeiros ou teacutecnicos

disponiacuteveis Percebemos que a maturidade da accedilatildeoproposta estaacute relacionada

antes agrave concepccedilatildeo agrave integraccedilatildeo e agrave articulaccedilatildeo da proposta na apropriaccedilatildeo

curricular e na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e de solidariedade tanto da escola (de

maneira geral) como de cada educador (em particular)

Quando haacute uma compreensatildeo de que a formaccedilatildeo escolar e a

apropriaccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos estatildeo relacionadas ao modo de

pensar e agir em sociedade a escola encontra caminhos para articular o

curriacuteculo e desenvolver atividades sistemaacuteticas onde o aluno participa

197

socialmente e com isso desenvolve suas capacidades cognitivas sociais

pessoais emocionais e o conhecimento-emancipaccedilatildeo Da mesma forma

quando natildeo haacute clareza desta percepccedilatildeo a escola se deixa guiar pelo projeto

de promover uma educaccedilatildeo voltada somente agrave capacidade cognitiva ao bom

desempenho escolar percebendo maior dificuldade em visualizar atividades e

projetos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento-emancipaccedilatildeo

A solidariedade enquanto praacutetica curricular educativa natildeo provoca ou

sugere em si a separaccedilatildeo entre conteuacutedos acadecircmicos e formaccedilatildeo para a

cidadania embora esta seja a compreensatildeo de alguns dos sujeitos desta

pesquisa As experiecircncias observadas mostraram que pensar a construccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico por meio da resoluccedilatildeo de problemas sociais reais

(experiecircncias de aprendizagem e serviccedilo solidaacuterio) estaacute relacionado agrave

compreensatildeo de educaccedilatildeo que a escola deseja imprimir Ao organizar o

curriacuteculo para este fim a escola traz ao aluno a possibilidade de desenvolver

suas habilidades cognitivas e concomitantemente tomar parte com

responsabilidade da vida em comunidade aprendendo a pensar pelo bem

comum desenvolvendo tambeacutem suas habilidades para aleacutem das cognitivas

(emocionais pessoais e sociais)

A maneira identificada para se promover experiecircncias nos diversos

espaccedilos e tempos educacionais satildeo as atividades e os projetos que propiciam

a oportunidade de articular a apropriaccedilatildeo dos saberes culturalmente

acumulados para uma formaccedilatildeo com intervenccedilatildeo na sociedade atribuindo-lhe

sentido social agrave formaccedilatildeo A realidade suas contradiccedilotildees e ambiguidades satildeo

estudadas sofrem intervenccedilotildees e satildeo utilizadas como campo de formaccedilatildeo (na

concepccedilatildeo de articulaccedilatildeo escola-comunidade ou de cidade educadora) No

entanto como tais praacuteticas respondem agrave intencionalidade pedagoacutegica se elas

forem desenvolvidas segundo uma visatildeo assistencialista de solidariedade elas

podem reforccedilar o conhecimento-regulaccedilatildeo da mesma maneira que se forem

organizadas segundo a pedagogia-criacutetica podem propiciar a construccedilatildeo do

conhecimento-emancipaccedilatildeo

Ao longo dos uacuteltimos vinte anos as discussotildees sobre qualidade da

educaccedilatildeo tecircm sido pautadas pelos exames padronizados que tendem a

reduzir o conceito de qualidade agrave preparaccedilatildeo para as avaliaccedilotildees externas A

198

padronizaccedilatildeo curricular natildeo valoriza o conhecimento natildeo-cognitivo ligado ao

desenvolvimento pessoal e social do aluno tampouco o conhecimento local a

articulaccedilatildeo escola-comunidade a diversidade a autonomia da escola Ao

contraacuterio a preparaccedilatildeo escolar ao treinamento para as provas numa proposta

de curriacuteculo academicista tecnicista favorecendo o desenvolvimento do

conhecimento-regulaccedilatildeo Em meio a essa cultura de avaliaccedilatildeo que acaba na

praacutetica fortalecendo a competitividade o individualismo e pautando o curriacuteculo

escolar a formaccedilatildeo para a cidadania eacute equivocadamente separada da

proposta de educaccedilatildeo e o foco passa a ser apenas o desempenho acadecircmico

mensurado nos testes Neste sentido esta tese indica que eacute preciso avanccedilar

em estudos que consigam mensurar a qualidade da educaccedilatildeo para aleacutem da

afericcedilatildeo de conteuacutedos curriculares especiacuteficos pois compreendemos que um

dos caminhos que pode inferir diretamente no curriacuteculo das escolas e nas

poliacuteticas puacuteblicas pode ser o proacuteprio instrumento avaliativo

No entanto em meio agrave ambiguidade e agrave complexidade desse arranjo

um exemplo pode ser o proacuteprio ENEM revisado que embora conserve a

mensuraccedilatildeo de saberes curriculares incluiu como um dos criteacuterios de

avaliaccedilatildeo da redaccedilatildeo a valorizaccedilatildeo de experiecircncias socioeducativas

planejadas pela escola nas quais os alunos devam elaborar propostas de

intervenccedilatildeo solidaacuteria na realidade respeitando os valores humanos e

considerando a diversidade sociocultural (conforme apresentado no capiacutetulo

IV) Em nosso entender medidas como essa precisam ser desenvolvidas e

adotadas pois podem promover a ampliaccedilatildeo do conceito de qualidade da

educaccedilatildeo para aleacutem dos rankings numa perspectiva de educaccedilatildeo criacutetica

humanizadora

No curriacuteculo nacional de acordo com as diretrizes paracircmetros e

referenciais curriculares de educaccedilatildeo nacional a solidariedade eacute compreendida

enquanto ideal de formaccedilatildeo e satildeo sugeridas experiecircncias socioeducativas

bem como satildeo estimuladas as relaccedilotildees de colaboraccedilatildeo e de convivecircncia

solidaacuteria no ambiente escolar No entanto muitas vezes a proposiccedilatildeo natildeo

chega a sair da fundamentaccedilatildeo teoacuterica dos documentos e ganhar espaccedilo na

praacutetica curricular Sendo assim sugere-se incluir a questatildeo da solidariedade

199

como praacutetica curricular educativa nos cursos de formaccedilatildeo inicial e continuada

de professores

Por fim tais caracteriacutesticas permitem anunciar que a solidariedade

enquanto praacutetica curricular educativa eacute dever da escola como anunciado no

Artigo 2ordm da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional ldquoa educaccedilatildeo

enquanto dever da famiacutelia e do Estado inspirada nos princiacutepios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e

sua qualificaccedilatildeo para ingresso no mundo do trabalhordquo Natildeo se trata portanto

de atribuir agrave escola algo que natildeo seja de sua responsabilidade Carvalho afirma

que

Ao contraacuterio em uma perspectiva escolar o zelo pelo aprendizado e pelo desenvolvimento do aluno natildeo se separa do zelo pelos valores e pelos conhecimentos que caracterizam certo modo de vida no qual pretendemos iniciar nossos alunos por meio do ensino Se natildeo fosse assim as instituiccedilotildees escolares pouco ou nada difeririam de outras sociais como as igrejas os meios de comunicaccedilatildeo de massas ou as famiacutelias cujas accedilotildees tambeacutem podem resultar no desenvolvimento de certas capacidades (CARVALHO 2013 p 124)

A escola (o curriacuteculo) natildeo apenas natildeo pode ignorar esta

responsabilidade ciacutevica como tem a obrigaccedilatildeo de realizaacute-la enquanto parte

inerente de sua funccedilatildeo social cultural e poliacutetica A solidariedade enquanto

praacutetica curricular educativa pode ser compreendida pela inerecircncia ao ato

educativo quando ensinar solidariedade significar ensinar a compreender o

mundo a partir das decisotildees e escolhas responsaacuteveis Este eacute o ldquoconhecimento-

solidariedaderdquo que liberta O processo educativo precisa construir espaccedilos

onde a formaccedilatildeo da consciecircncia ingecircnua decirc lugar agrave consciecircncia criacutetica para

que seja possiacutevel aprender que cada um eacute responsaacutevel pelo outro e com ele se

tece histoacuteria da humanidade Tomar consciecircncia eacute libertar-se com o outro Para

a formaccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica o saber teacutecnico-cientiacutefico soacute faz

sentido se voltado ao bem comum pela eacutetica da vida digna para todos e cada

um num ato sobretudo poliacutetico

200

Encerramos esta pesquisa com a reflexatildeo de Fernando Almeida que

nos remete agrave compreensatildeo de que somos aquilo o que construiacutemos e uma vez

conscientes da nossa responsabilidade devemos assumi-la como condiccedilatildeo

como possibilidade

Como o ser humano eacute histoacuterico todas as situaccedilotildees de opressatildeo natildeo lhe satildeo um destino mas podem ser superadas Toda opressatildeo eacute um chamado agrave humanizaccedilatildeo contra aqueles que nos querem reduzir a coisas Esta accedilatildeo histoacuterica eacute poliacutetica por essecircncia Poliacutetica pois se os homens satildeo seres solidaacuterios ndash uma espeacutecie que pode ser chamada de homo solidarius ndash a

libertaccedilatildeo de cada um eacute um ato poliacutetico (ALMEIDA 2009 p 38)

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214

APEcircNDICE

215

INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS PARA A PESQUISA

1 QUESTIONAacuteRIO

Tema da Tese A solidariedade como praacutetica educativa

- Nome da Escola

- Email de contato Telefone de contato

- (Opcional) Nome e cargo de quem responde pelo questionaacuterio

1) Alunos de quais seacuteries participam efetivamente de projetos solidaacuterios

atualmente na escola

Educaccedilatildeo Infantil

Anos iniciais do Ensino

Fundamental

Anos finais do Ensino

Fundamental

Ensino Meacutedio

Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos - EJA

Educaccedilatildeo Especial

multiseriada

216

2) A escola desenvolve projetos solidaacuterios com foco em quais aacutereas atualmente

Eleja ateacute TREcircS das opccedilotildees listadas abaixo

Portuguecircs

Matemaacutetica

Ciecircncias

Ciecircncias sociais

Histoacuteria

Geografia

Artes

Educaccedilatildeo fiacutesica

Quiacutemica

Fiacutesica

Biologia

Liacutengua estrangeira

Filosofia ou sociologia

Conhecimento de mundo

Formaccedilatildeo pessoal e social

Eacutetica

Meio Ambiente

Cultura e pluralidade cultural

Sauacutede

Orientaccedilatildeo Sexual

217

Pluralidade cultural

Trabalho e Consumo

Campanhas doaccedilotildees e comemoraccedilotildees

Cidadania

Direitos humanos

Geraccedilatildeo de renda

Informaacutetica inclusatildeo digital e novas tecnologias

Consumo consciente e sustentabilidade

Esportes e lazer

Melhorias para a proacutepria escola

3) O desenvolvimento de atividades ou projetos solidaacuterios consta textualmente no

Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Sim tais atividades estatildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Tais atividades satildeo previstas no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola poreacutem

natildeo textualmente

Desconheccedilo o Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

Natildeo as atividades natildeo constam no Projeto Poliacutetico Pedagoacutegico da escola

4 As atividades ou projetos solidaacuterios estatildeo articulados ao Projeto Poliacutetico

Pedagoacutegico da escola

Sim

Sim a maioria

218

Sim poreacutem a minoria

Natildeo

Natildeo sei

5 Assinale quem participa diretamente do desenvolvimento dos projetos

solidaacuterios

Direccedilatildeo

Coordenaccedilatildeo

Professores

Alunos

Pais

Comunidade

Funcionaacuterios

6 Em quais dessas etapas os alunos da sua escola sempre participam

Convocaccedilatildeo convite para envolver mais pessoas na atividade

Diagnoacutestico estudo preliminar para se decidir o que fazer

Plano de accedilatildeo planejamento das accedilotildees

Execuccedilatildeo das atividades

Registro por meio de atas das reuniotildees fotografias filmagens etc

Avaliaccedilatildeo reflexatildeo sobre o processo eou resultado

Reconhecimento e comemoraccedilatildeo

219

7 Quais foram o(s) resultado(s) pedagoacutegico(s) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento de projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola

8 Quais foram o(s) resultado(s) social(ais) de maior relevacircncia atribuiacutedo ao

desenvolvimento dos projeto(s) solidaacuterio(s) para sua escola E para a comunidade

2 ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Questotildees norteadoras

1 Qual a compreensatildeo de solidariedade da escola

2 Eacute possiacutevel desenvolver as praacuteticas curriculares para a formaccedilatildeo para

a solidariedade

3 Qual o principal objetivo da atividadeprojeto

4 Quais as principais dificuldades percebidas pela escola para se

incorporar a solidariedade na praacutetica curricular

220

ANEXO

221

59

307

255

123

1839

1694

99

497

758

594

2316 346

391

882

926

520 462

1433 1601

473

229

120

1770

936

209

4403

448

Figura 1 Distribuiccedilatildeo por estado das 23690 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria em todas as ediccedilotildees (2003 2005 2007 2009 e 2011)

222

19

92

78

42

663

634

32

183

323

208

936 147

188

251

396

190 108

770 603

166

84

42

622

346

92

1383

198

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

Figura 2 Distribuiccedilatildeo por estado das 8766 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2003

223

24

133

146

39

1025

932

57

308

334

313

1314 169

147

514

466

246 191

667 948

263

107

74

824

409

92

2827

277

Figura 3 Distribuiccedilatildeo por estado das 12873 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2005

224

15

118

67

54

428

594

29

149

240

155

700 118

88

206

291

168 139

293 550

147

64

48

802

367

35

1415

194

Figura 4 Distribuiccedilatildeo por estado das 7474 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2007

225

11

62

28

45

224

328

134

81

376

77

308 65

69

103

137

90 276

115 298

70

52

30

333

215

38

647

140

Figura 5 Distribuiccedilatildeo por estado das 3863 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2009

226

12

64

31

9

211

232

18

53

101

65

265 50

57

92

156

58 49

98 206

71

36

22

330

138

19

530

66

Figura 6 Distribuiccedilatildeo por estado das 3039 escolas que receberam o Selo Escola Solidaacuteria 2011

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