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8/4/2019 Kierkegaard A Existência Autêntica é Relação com Deus http://slidepdf.com/reader/full/kierkegaard-a-existencia-autentica-e-relacao-com-deus 1/10 Kierkegaard: A Existência Autêntica é Relação com Deus LUIS RODRIGUES* Kierkegaard nasceu em Copenhagen (Dinamarca), Educado num c familiar de religiosidade austera e severa, a sua obra é profundamente influenciada pela concepção protestante sobre o pecado e a predestinação. É considerado o precursor daquilo a que chama "filosofia da existência" na medida em que, valorizando indivíduo, reage contra qualquer tentativa de encerrar a existência nos estreitos limites de um sistema racional. O essencial da reflexã filosófica é, para ele, a questão da destinação do homem, Procu superar o absurdo da existência humana recorrendo à fé, entendida como aposta pessoal no Sentido (em Deus) e como remédio para desespero da vida, Salientando que há várias respostas para a questão do sentido da existência (estética, ética e religiosa), a obra de Kierkegaard constitui uma defesa apaixonada da religiosidad autêntica como única forma de dar verdadeiro sentido ao homem e sua vida. Angustiante e problemática, a relação com Deus ou Desconhecido (a fé é essa relação) confere o máximo sentido existência humana, Esta relação com Deus não depende de certeza racionais, É mesmo uma aposta contra a razão confiar no Desconhecido mediante uma decisão pessoal, única e irrepetível . OBRAS FUNDAMENTAIS: Temor e Tremor, Ou.: Ou, O Desespero Humano, o Banquete, O Conceito de Angústia. A reflexão de Kierkegaard sobre a existência é marcada por um questão religiosa fundamental para o filósofo dinamarquês: "Como autenticamente cristão?". Indignado com a superficialidade, a falt de seriedade e a tranquilidade rotineira segundo as quais o Cristianismo - a mensagem e o exemplo de Cristo - era vivido no 1/10

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Kierkegaard: A Existência Autêntica éRelação com Deus

LUIS RODRIGUES*

Kierkegaard nasceu em Copenhagen (Dinamarca), Educado num cfamiliar de religiosidade austera e severa, a sua obra éprofundamente influenciada pela concepção protestante sobre opecado e a predestinação. É considerado o precursor daquilo a que chama "filosofia da existência" na medida em que, valorizandoindivíduo, reage contra qualquer tentativa de encerrar a existêncianos estreitos limites de um sistema racional. O essencial da reflexãfilosófica é, para ele, a questão da destinação do homem, Procusuperar o absurdo da existência humana recorrendo à fé,entendida como aposta pessoal no Sentido (em Deus) e como remédio paradesespero da vida, Salientando que há várias respostas para aquestão do sentido da existência (estética, ética e religiosa), a obrade Kierkegaard constitui uma defesa apaixonada da religiosidadautêntica como única forma de dar verdadeiro sentido ao homem esua vida. Angustiante e problemática, a relação com Deus ouDesconhecido (a fé é essa relação) confere o máximo sentido existência humana, Esta relação com Deus não depende de certezaracionais, É mesmo uma aposta contra a razão confiar noDesconhecido mediante uma decisão pessoal, única e irrepetível.

OBRAS FUNDAMENTAIS:Temor e Tremor, Ou.: Ou, O Desespero Humano,oBanquete, OConceito de Angústia.

A reflexão de Kierkegaard sobre a existência é marcada por umquestão religiosa fundamental para o filósofo dinamarquês: "Como autenticamente cristão?". Indignado com a superficialidade, a faltde seriedade e a tranquilidade rotineira segundo as quais oCristianismo - a mensagem e o exemplo de Cristo - era vivido no

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tempo" Kierkegaard expõe uma interpretação da existência humaque salienta as seguintes ideias fundamentais:

a) A existência humana só é verdadeira e autêntica se forrelação com Deus. Sem essa relação o homem desperdiça a suavida e condena-se ao desespero absoluto.

Para Kierkegaard, ser cristão é viver imitando Cristo, seguir o seexemplo e não simplesmente admirá-lo. Ora, o que nos ensina CrisO amor e a submissão absoluta à vontade de Deus. O Cristianismentendido verdadeiramente é, não uma doutrina, mas uma forma vida terrivelmente exigente que não admite que as coisas destemundo tenham precedência sobre Deus.

Tudo o que faz com que Deus passe para segundo plano é traição Cristianismo. As igrejas, ao procurarem facilitar a vida dos homenconsolando-os e diminuindo-lhes a angústia, "brincaram aCristianismo", falsificaram-no. O Cristianismo não é uma doutrpara resolver os problemas deste mundo mas a impaciência angustiada vida eterna no outro mundo. As igrejas, e em especial adinamarquesa, fizeram do Cristianismo um negócio, transformaramem empresas lucrativas de viagens para a eternidade que só se salvado descrédito porque não temos notícias dos "passageiros".

b) Essa relação com Deus (a que Kierkegaard dará o nome de fé)só terá autenticidade se for absoluta, isto é, se Deus estiver

sempre em primeiro lugar, tornando-se tudo o resto secundário.

Sendo esta a forma de existência autêntica - a vivência religiosagenuinamente cristã -, Kierkegaard refere-se também às formas devida estética (centrada no prazer) e ética (centrada no dever), não sópara, por contraste, explicitar o que caracteriza e distingue o homemreligioso, mas também porque são formas de existência alternativaque o homem pode escolher como finalidades da sua vida.

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Às formas de existência estética, ética e religiosa dá Kierkegaard onome de "estádios no caminho da vida". Estes "estádios" designadeterminadas concepções acerca do mundo e da vida, traduzem

opções fundamentais quanto ao modo como cada homem decide va sua vida.

Vejamos então o que define cada um desses estádios para melhocompreender como, para Kierkegaard, a existência humana não teverdadeiro sentido se não girar em torno de Deus.

1.O Estádio Estético

O homem estético orienta a sua vida pelo "princípio do prazer", isé, pela procura do prazer, do que é agradável aos sentidos. O modedo homem estético é o Sedutor, o Don Juan. Mas, embora o prazer conquista e do gozo sexual seja o mais intenso e o mais procuradovida estética pode também consistir na entrega a fins temporaiscomo o poder e o dinheiro.

O que há de comum entre os diversos indivíduos com preocupaçõdiferentes para que consideremos que adotam uma forma de videstética?

Vivem para o momento imediato, para o instante que passa identificando a repetição com o aborrecimento, rejeitam voltar fazer a mesma coisa. O homem estético é dominado pela imaginaçã

pela fantasia: sonha com estados de alma sempre novos, desejandque cada experiência agradável seja uma absoluta novidade. Para ea arte de viver consiste em escapar à monotonia do "já visto". Estobsessão pela novidade, pela diferença, implica uma mudanconstante e a negação de qualquer compromisso ou fidelidade sejauma mulher, seja a valores morais e religiosos, seja a um ideal sociapolítico. Tudo isto, mais instituições como o casamento, a famíliuma ocupação profissional rotineira, são insuportáveis, impõerestrições, reprimindo a procura do prazer (que se pretende

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indefinida). Este amor à novidade tem o seu reverso: a satisfação dprazer em determinado caso é sempre seguida pela insatisfação. Adinâmica incessante do desejo, o querer que seja sempre mai

intenso, transforma cada desejo satisfeito em melancolia e aspiraçãa nova experiência satisfatória. Múltiplas experiências, dispersão nprocura do prazer e permanente insatisfação com o prazer atingidoeis o que caracteriza a figura que melhor representa este estádio: osedutor D. Juan, que termina no desespero e na perdição. À medidque o homem que assim vive se torna consciente da futilidade inconsistência da sua vida e deixa de valorizar uma existêncideterminada pelas inclinações e caprichos sensoriais, o desesperinstala-se.A existência estética é essencialmente divertimento e amor ànovidade. A fantasia predomina sobre a razão e a vontade. Guiapela fantasia, o homem estético abraça as riquezas, as honras e oprazeres, sendo irresistivelmente atraído por prazeres imaginadoscomo sempre mais intensos. Evita pensar sobre si mesmo, não concentra em si, mas nos seres e nas coisas que o podem satisfazer que, mais tarde ou mais cedo, o desiludem. A vida do homem estété uma vida à deriva, cujo centro reside na periferia de si mesmo. "esteta" não é senhor de si mesmo: a sua existência é governada pocontingências externas.

2. O Estádio Ético

O homem ético é orientado pelo princípio do dever. Ao contrário homem estético, não pretende estar "além do bem e do mal". Nãquer ser exceção, deseja sentir-se integrado na sociedade em quevive, respeitar as normas e os padrões comuns: reconhece como sumoral comum porque o mais importante para ele é sentir-se ligado aoutros homens. O homem ético constrói a sua identidadeidentificando-se com as normas ou princípios com os quais a maidos homens se identifica.

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A uma vida caracterizada pela descontinuidade e instabilidadprefere uma vida consistente, marcada pelo compromisso empenhanas escolhas realizadas. A vida para o homem ético é, não um

sucessão desconexa de instantes, mas algo que a partir do presentese projeta no futuro, sob a forma de conjunto organizado eplanificado.

O estádio ético implica a renúncia às atrações passageiras, aocaprichos do impulso sensual, aos interesses egoístas e aos devaneida fantasia. Viver de forma ética não é fácil e, por vezes, enormesacrifícios são exigidos, a tal ponto que o homem que age por devnessas circunstâncias, é denominado por Kierkegaard "herói trágicA título de ilustração, Kierkegaard refere-se a um herói míticoAgamenon. Comandante da frota grega a caminho do cerco de TróAgamenon vê-se impossibilitado de navegar por falta de ventLançaram – se dados à sorte para determinar (adivinhar...) quem serresponsável pela desgraça e, para desespero de Agamenon, calhousua filha Ifigênia. Era seu dever supremo sacrificá-la para bem dseu país, para os barcos navegarem de novo. Diz Kierkegaard qgrande força moral foi necessária a Agamenon para colocar acima seu dever como pai o seu dever para com a sua pátria.

Contudo, o protótipo ou o modelo do homem ético é o homem aceita o compromisso do casamento. Para Kierkegaard, o homcasado é aquele que realiza uma escolha e pretende fazer dessaopção uma escolha definitiva, transformando o amor presente e

amor de toda uma vida. Escolheu um caminho - cumprir o deverrespeitar o compromisso assumido com quem casou e satisfazer expectativas da sociedade e da moral estabelecida no que respeita criação e educação dos filhos. Para o homem casado é essa a opçfundamental da sua vida, aquilo que lhe dá sentido.

À leviandade, egoísmo e falta de escrúpulos do homem estético - toa escolha é relativa, embora momentaneamente vivida como absolusucede a fidelidade que se quer eterna: os esposos seriam os eterno

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e fiéis enamorados que triunfariam sobre o tempo, vivendo um amestável como se ele fosse sempre um novo amor. Mas, aos olhos Kierkegaard, isto não passa de idealização que não resiste à

realidade:"O hábito, o indefectível hábito, a cruel monotonia, a sempiterna uniformidade faz da vida doméstica e conjugal um insuportável marasmo. " (Post-Scriptum)

A análise, pouco lisonjeira, que Kierkegaard faz do casamenpermite-nos compreender as limitações e insuficiências que apontaforma de vida ética em geral.Ao frenesi da vida estética o homem ético prefere a estabilidade eem muitos casos, opta pelo casamento como amor livremenescolhido e baseado no dever. Pretende essa escolha como absolutadefinitiva, mas o objeto da sua escolha nada tem de absoluto, finito. No plano das relações e das coisas humanas tudo tem o setempo, tudo é precário e imperfeito.

Para Kierkegaard nada há neste mundo que satisfaça o desejo humade absoluto ou que possa ser objeto de uma dedicação absoluta (qudê à vida um sentido pleno). A vida estética e a vida ética nada msão do que falsos substitutos do sentido último da vida humana.

A desenfreada procura do prazer e a dedicação empenhada às

normas morais socialmente aceites e transmitidas são, segundKierkegaard, máscaras que escondem o homem da verdade sobremesmo. Essa verdade resume-a Kierkegaard nas seguintes palavrasem Deus o homem está condenado ao desespero.

3. O Estádio Religioso

O homem religioso é aquele que coloca Deus acima de tudconsiderando a relação com Deus como a relação fundamental da

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vida. A vivência religiosa, no seu significado genuíno, implicsubordinação de todos os fins temporais e finitos à finalidadesuprema: cumprir absolutamente a vontade divina, ser um seguidor

Cristo.Apesar das diferenças que os separam, os homens estético e éticocaracterizam-se pelo fato de encerrarem a sua vida nos estreitoslimites do tempo. Ambos estágios não representam uma relação coDeus, porque, propriamente falando, a vida temporal, "este mundoo horizonte da sua existência.

O homem estético coloca acima de tudo o prazer e o homem éticodever, entendido como o conjunto de regras socialmenteestabelecidas e genericamente reconhecidas.

Para muitos seres humanos o problema fundamental da existêncconsiste na realização profissional, na luta por um ideal político social, na aquisição de poder, dinheiro e honras, na procura satisfação de prazeres sensoriais mais ou menos sofisticados, nodever moral de criar, educar e preparar o futuro dos filhos, etc.

Para Kierkegaard, o problema fundamental da vida humana é o salvação eterna – ser redimido como pecador. Compreende-se, nesperspectiva, que o filósofo dinamarquês afirme que a relação centrdo homem não possa ser a relação com os seus semelhantes', mas scom Deus. Só Deus pode salvar porque só perante ele - contra a su

vontade - o pecado (entenda-se: o pecado original) foi cometido. Donde pode vir a salvação ou a redenção? Da fé. A fé é precisamenterelação - pessoal, privada e solitária - com Deus. Ora, paraKierkegaard, a fé é um paradoxo: traduz uma confiança absoluta nuser que nos é absolutamente Desconhecido. Por isso, nada nos garanque a fé em Deus nos salve. Confiamos em Deus, mas, como podemos conhecer o destino que nos reserva, a fé é uma apostangustiada no Desconhecido, a submissão a uma vontade que excednossa razão e a nossa compreensão.

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Nesta ordem de ideias, ela é uma aventura no mar infinito dincerteza que não sabemos nunca se chegará a bom termo. O dram

fundamental da condição humana é, para Kierkegaard, precisameneste: o nosso destino joga-se na confiança que depositamos nDesconhecido. É fácil ver que a fé segundo esta concepção nada tede tranquilizador ou confortável: o temor e o tremor nuncaabandonam o crente. E não há intermediários possíveis: só Deus po julgar-nos e só a ele prestamos contas.

A fé é, em grande parte, sofrimento. E não só porque a incertezreina, mas também porque colocar Deus acima de tudo provocaincompreensão dos outros e o confronto com muitas das coisas qneste mundo estão instituídas.

Por vezes, a resposta ao "apelo de Deus", a convicção de que o úndever absoluto é para com Deus, cria situações de conflito com moral convencional ou estabelecida, causando estranheza reprovação naqueles que a esta se conformam.

Por exemplo, São Francisco de Assis, decidiu colocar a sua vidaserviço de Deus, repudiou o seu pai perante os que se encontravamentrada da catedral de Assis. De acordo com a moral instituída tinho dever de obedecer ao seu pai (que se opunha à sua escolha), m"rejeitou-o" em favor do que considerou o dever supremo: respondao "chamamento" de Deus. Se para o autêntico crente a relação co

Deus é a relação mais importante, ela exige, algumas vezes, que enome da vontade divina se ignore o que moralmente é reconhecidaceite pela sociedade, isto é, o código moral vigente. Nessasituações dramáticas - como a de São Francisco de Assis- o deveabsoluto para com Deus "suspende" a moral estabelecida.

Quem opta por Deus, desvalorizando as coisas deste mundo colocando em segundo plano, quando necessário, os laços familiaras relações humanas em geral, é o autêntico crente. Seguindo ess

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caminho, espera-o uma tarefa árdua, desconfortável e poucos estarãdispostos a não ser como a maioria dos homens.

Nem esmolas, nem peregrinações, nem confissões podem salvar-nA fé em Deus consiste simplesmente em cumprir a sua vontade e aIgreja(s) não é necessária para que isso aconteça.

O que Kierkegaard denomina existência religiosa ou a "religiosidado estado religioso nada tem a ver com a religião estabelecidatranquila, rotineira. Ataca de forma violenta os padres, esses"canibais antropófagos" que se alimentam como abutres dos "mormagníficos" (Cristo, os apóstolos, os mártires), tal como opraticantes domingueiros, cuja fé é o cumprimento, semempenhamento interior, de certos rituais. "Toda a (autêntica)religiosidade releva da subjetividade, da interioridade". Areligiosidade autêntica é a "religiosidade do paradoxo". Ela consispara o crente apaixonado, em fundar sobre um fato histórico umfelicidade eterna, ou seja, em crer - contra toda e qualquer razão -na felicidade eterna anunciada paradoxalmente pela encarnação dDeus ou do Eterno num dado momento da história. O indivíduo vive verdadeiramente a fé, ou seja, com "temor e tremor", numrelação pessoal, íntima e extraordinária com Deus, desfruta destafelicidade aqui na Terra, na sua interioridade, quaisquer que sejam atribulações da sua existência.

Para Kierkegaard, a própria Igreja Cristã tem contribuído para

tornar Deus irrelevante e quase inexistente. Com efeito, habituou ocrentes a pensar que ser cristão é cumprir certas formalidades(baptismo, comunhão, regular assistência à missa e dar tambémregularmente dinheiro para manter o padrão de vida dos padres) que isso basta. Pouca diferença faz de ser sócio de um clube. Nperspectiva de Kierkegaard, a Cristandade (a Igrejainstitucionalizada) esqueceu a mensagem de Cristo, transformouvida "segundo Cristo" numa série de rituais vazios e domingueir

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quando a fé é interioridade, relação solitária, empenhada e difícil coDeus, o único que nos pode condenar ou redimir.

Mas é isso o que impõe a mensagem de Cristo: ninguém pode estarrelação com Deus e nas boas graças da multidão, da ordemestabelecida.

Em suma, o homem é uma realidade na qual confluem dois vetoretempo e a eternidade, o finito e o infinito. Para Kierkegaard, é um stemporal no qual a eternidade vive porque, tendo sido criado imagem e semelhança de Deus, tem em si a marca da infinitude: Dé a raiz do seu ser. Aqueles que não respondem ao apelo do Infinitque procuram no plano do finito substitutos seguros e confortáveipara a relação com Deus ou o Infinito, desperdiçam a sua existêncfogem à verdade fundamental: a existência humana não tem sentidcabal e pleno neste mundo, não pode reduzir-se à estrita ligação afinito.

* LUIS RODRIGUES É PROFESSOR DE FILOSOFIA EM VILA FRANXIRA LISBOA PORTUGAL.

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