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5/10/2018 KLEIN,+Inveja+e+Gratidao+e+Outros+Trabalhos-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/kleininvejaegratidaoeoutrostrabalhos 1/48 THE MELANIE KLEIN TRUST Membros H an na S eg al , M .B ., C h. B. , F .R .C . P sy ch . ( Pr es id en te ) M rs . E li za be th S pi ll iu s, P h. D. ( Se cr et ar ia l E ri c B re nm an , M .B ., B .S ., D .P .M ., M .R .C .S ., L .R .C .P ., M .R .C . P sy ch . M ic ha el F el dm an . M .B . • B .S • • F. R. C. P sy ch . M is s B et ty J os ep h M rs . E dn a O 'S ha ug hn es sy , B .A ., B. Phil. M rs . R ur h R ie se nb er g M al co lm , B .A . Dr. J oh n S te in er , M .B ., B .S ., F .R .C . P sy ch . A ss is te nt e E di to ri al d o M el an ie K le in T ru st J, MacGibbon E quipe de Realizao;ii.oda Edf"ao Brasileira T ra du to re s: B el in da H.M an de lb au m, M ar ia E le na Salles de Brito, OctAvio L. de Barros Salles, M ar ia T er ez a B . M ar eo nd es G od oy , V iv ia na S. S. Starz:ynski, Wel li ng to n Marcos de Melo Dantas R ev is io T Ec ni ca : E li za be th L im a da R oc ha B ar ro s, L ia na P in to C ha ve s e M ar ia E le na Salles de Brito E di to r d e T ex to : l os ~ F er re ir a C ap a: 1 0a o B at is ta d a C os ta A gu ia r - s ob re " MA DO N; , I BAMBINO" d e M ic he la ng el o C oo de na do m da Traducao; L ia na P in to C ha ve s C oo rd en ad or E di to ri al : E li as Mallet daRocha Barros CIP-Brasil. Catalogacao-na-fonte Sin di ca to N ac io na l d os E di to re s d e L iv ro s, R J. K72i Klein,Melanie, 1882-1960 I nv ej a e g ra ti di io e o ut ro s t ra ba lh os ( 19 46 -1 96 3) I Melanic K le in : t ra du ca o da 4! e d, i ng1e sa ; E li as Mal le t da Roc ha , L ia na Pin to C ha ve s ( co or de na do re s) e c ol ab or ad or es, - R io d e Jan ei ro : Imago E d., 1 99 1. (As Ob ra s Comp le tas d e M ela nie Kl ein ; v. 3) Traducao de: E nvy an d gr at itu de an d oth er w ork s. Apendice, Biblio grafia. fndice. ISBN 85-312-0135-7 1 . Kle in , M el an ie , 1 88 2- 19 60 .2 . Psi ca na li se . I. Titulo. I I. S er ie , 91-0081 CDD -150.195 C DU - 1 59 .9 64 .2 MELANIE KLEIN INVEJA_E GRATIDAO E OUTROS TRABAlHOS 1946 1963 VOLUME III D AS OBRAS COMPLETAS DE M EL A N IE K LEIN Coodernacao Editorial: Elias M. da Rocha Barros Coordenadora da Traducao: L iana P into Ch av es Tradutores Belinda H. Mandelbaum, Maria Elena Salles de Brito, Octavio L. de Barros Salles, Maria Tereza B. Marcondes Godoy, Viviana S. S. Starzynski, Wellington Marcos de Melo Dantas Comissao Editorial Brasileira Elias M. da Rocha Barros, Elizabeth L. da Rocha Barros, Liana Pinto Chaves, Maria Elena Salles de Brito IMAGO EDITORA - Rio de Janeiro -

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THE MELANIE KLEIN TRUST

MembrosHanna Segal, M.B., Ch.B., F.R.C. Psych. (Presidente)

Mrs. Elizabeth Spillius, Ph.D. (Secretarial

Eric Brenman, M.B., B.S., D.P.M., M.R.C.S., L .R.C.P., M.R.C. Psych.

Michael Feldman. M.B .•B.S • •F.R.C. Psych.Miss Betty Joseph

Mrs . Edna O'Shaughnessy, B.A., B. Phi l.

Mrs . Rurh Riesenberg Malcolm, B.A.

Dr. John Ste iner , M.B., B.S., F .R.C. Psych.Assistente Editorial do Melanie Klein Trust J, MacGibbon

Equipe de Realizao;ii.oda Edf"ao Brasileira

Tradutores: Belinda H.Mandelbaum, Mar ia Elena Sal les de Bri to ,

OctAvio L. de Barros Sal les, Mar ia Tereza B. Mareondes Godoy,

Viviana S. S. Starz :ynski , Wel lington Marcos de Melo Dantas

Revisio TEcnica: Elizabeth Lima da Rocha Barros, Liana Pinto Chaves

e Maria Elena Sal les de Bri to

Editor de Texto: los~ Ferreira

Capa: 10ao Batista da Costa Aguiar- sobre "MADON;, I BAMBINO" de Michelangelo

Coodenadom da Traducao; Liana Pinto Chaves

Coordenador Edi torial : Elias Mal le t daRocha Barros

CIP-Brasil. Catalogacao-na-fonte

Sindica to Nacional dos Edi tores de Livros, RJ.

K72i

Klein, Melanie, 1882-1960

Inveja e gratidiio e outros trabalhos (1946-1963) I Melanic

Kle in: t raducao da 4! ed, ing1esa ; Elias Mal le t da Rocha, Liana

Pinto Chaves (coordenadores) e colaboradores, - Rio de Janei ro:

ImagoEd., 1991.

(As Obra s Comple tas de Melanie Klein ; v. 3)

Traducao de: Envy and grat itude and other works.

Apendice,

Biblio grafia.

fndice.ISBN 85-312-0135-7

1. Klein, Melanie, 1882-1960.2. Psicanalise. I. Titulo.

II. Serie,

91-0081

CDD -150.195

CDU - 159.964.2

MELANIE KLEIN

INVEJA_EGRAT IDAOE OUTROS

TRABAlHOS

1946 1963

V O L U M E I I I D A S O B R A S C OM P L ET AS

D E M EL A N IE K LE IN

Coodernacao Editorial: Elias M. da Rocha Barros

Coordenadora da Traducao: Liana Pinto Chaves

Tradutores

Belinda H.Mandelbaum, Maria Elena Salles de Brito,

Octavio L. de Barros Salles, Maria Tereza B. Marcondes Godoy,

Viviana S. S. Starzynski, WellingtonMarcos de Melo Dantas

Comissao Editorial Brasileira

Elias M. da Rocha Barros, Elizabeth L.da Rocha Barros,

Liana Pinto Chaves, Maria Elena Salles de Brito

IMAGO EDITORA

- Rio de Janeiro -

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THE INTERNATIONAL PSYCHO-ANALYTICAL LIBRARY

EDITED BYM. MASUD R. KHAN

N!l104

Tftulo Original

ENVYAND GRATITUDE and Others Works 1946-1963

by Melanie Klein

Obras Completas de Melanie Klein

Editor

Roger Money-Kyrle

em colaboracao com

Betty Joseph, Edna O'Shaughnessy e Hanna Segal

Revisao: Elza Sueli MacielMonteiroEduardo Monteiro

"r '

First Published in 1975

Volume I

AMOR, CULPA E REPARACAo

E OUTROS TRABALHOS

*Volume IT

A PSICANfi.LISE DE CRIAN<;AS

*Copyright © 1985byMelanie Klein Trust

Volume III

INVEJA E ORATIOAO

E OUTROS TRABALHOS

*Comissao Editorial Brasileira

EliasM. da Rocha Barros, ElizabethL.da Rocha Barros, Liana Pinto

Chaves, Maria Elena Salles d \ Brito

'\

Volume JV

NARRATIVA OAANALISE OE UMA CRIANCA

Lucia Videira Monteiro

Marcos Jose da Cunha

Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA.

Rua Santos Rodrigues, 201-A - Estacio

CEP20250 - Riode Janeiro - RJ

Tel.: 293-1092

Todos os direitos de reproducao, divulgacao e traducao sao reservados.

Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida por fotocopia,

microfilme ou outro processo fotomedinico.

Impresso no Brasil

Printed inBrazil

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ASORIGENS DA TRANSFERENCIA

)(1952)

Nota Explicativa da Comissao Editorial Tnglesa

Este e 0 dnico artigo de Melanie Klein sobre 0 tema da transferencia e reune diver-

sas ideias que ela, com freqiiencia, expressava e ilustrava clinicamente em seus es·

critos. Sua concepcao de transterencia l rica, envolvendo 0 que ela chama de "si-

tuac;5es totals" , No seu modo de ver, as interpretag5es deveriam abarcar tanto as

relacoes de objeto inlciais que sao revividas e evoluem ainda rnais na transferencia,

como os elementos inconscientes nas experiencias da vida corrente do paciente. Em

" lnveja e Gratidiio (1957), ela cunha 0 uso da expressao 'lembrancas em sentimen-

tos" para a ocorrencia na transferencia deemocoes e fantasias pre-verbais.

Por rnuitos anos jli Melanie Klein havia sustentado 0 ponto de vista de que as

relacoes de objeto comecam desde 0 nascimento, concepcao que implica que 0nar-

cisisrno e 0autc-erotisrno nao saoestados anteriores a s relacoes deobjeto, e sim quesao estados contemporaneos W i primeiras relacoes de objeto.0presente artigo con-

tern sua dnica - e assim mesmo, breve - discussao do narcisisrno primario, incluindo

urn apanhado da relaC;aode suas concepcoes com as de Freud. 0 leiter observara

que nesta discussao Melanie Klein esta descrevendo estados narcisistas, que sao es-

tados de retirada para dentro de objetos internos, Na sua terminologia, estados nar-

cisistas sao diferentes de relacoes de objeto narcisistas, que resultarn de identifica-

'ilio projetiva conforme a maneira descrita em "Notas sobre Alguns Mecanismos

Esquiz6ides" , pag, 31.

-70-

4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

AS ORIGENS DA TRANSFERENCIA

(1952)

Em seu ".Fragment of an Analysis of a Case of Hysteria", Freud (1905)

define a situacao de transferencia da scguinte rnaneira:

"Que sao transferencias? Sao novas edicoes ou fac-similes dos irn-

pul sos e fantasias que sao desper tados e tornados conscientes durante 0

andamento da anal ise. Possuem, no entanto , uma peculiaridade caracte-

r~stica de sua especie: substituern uma pessoa anterior pela pessoa do me-

dlC~ .. Em o_utras palavras, toda urna serie de experiencias psicol6gicas erevivida, nao como alga que pertence ao passado, mas que se aplica ao

medico no presente momento."

. De urna forma ou de outra, a transferencia opera ao longo de toda a

Vida e inf luencia todas as relacoes humanas, was, aqui, estou preocupada

ape?as com as manifestacoes da transferencia na psicanali se, E caracte-

r fs~co do .procedimento psicanahtico que, na medida em que ele corneca a

abnr carrunho dentro do inconsciente do paciente, seu passado (em seus

aspectos conscientes e inconscientes) va sendo gradualmente revivido,

Dess~ modo, sua prernencia em transferi r suas primitivas experiencias,

re~ac;oes. de objeto e ernocoes e reforc;ada, e elas pass am a localizar-se no

psicanal ista . Disso decorre que 0 paciente lida com os conflitos e ansie-

dades que foram reativados, recorrendo aos rnesmos mecanismos e rnes-

mas defesas, como em situacoes anteriores.

Segue~se dar que, quanto rnais profundamente conseguirmos penetrar

dent~o do l~consclente e quanta rnai s longe no pass ado pudermos levar a

analise , maior sera nossa cornpreensao da transferencia . Assim sendo, erelevante para a meu t6pico urn breve resume de minhas conclus6es rela-

tivas aos estagios mais iniciais do desenvolvimento.

. A primeira forma de ansiedade e de natureza persecutoria. 0 trabalho

interne da pulsao de morte, que. de acordo com Freud, e dirigido contra 0

organi smo, da or igem ao medo de aniqui lamento, e essa e a causa primor-dia l da ansiedade persecut6r ia. Alem disso, desde 0 infcio da vida pos-

natal (nao es tou considerando aqui os processos pre-nata is) , as irnpul sos

des~tivos dir igidos contra 0 objeto incitam 0 medo da retal iacao. Esses

sentirnentos persecutorios a partir de fontes intemas sao intensificados por

experiencias extemas dolorosas, pois, desde seus primeiros dias a frus-

tracao e 0 desconforto despertam no bebe 0 sentimento de que esta sendo

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atacado por forcas hostis. Dessa forma, as sensacoes vivenciadas pelo ~e-

be por ocasiao do nascimento e as dificuldades de se adaptar a condicoes

inteiramente novas dao origem ill ansiedade persecut6ria. 0 conforto e os

cuidados dispensados ap6s 0 nascimento, particulannente as primeiras ex-

periencias de alimentacao, sao sentidos como provenientes de forcas boas.

Ao fa lar de "forcas", estou empregando uma palavta urn tanto adul ta para

aquilo que 0 bebe concebe vagarnente como objetos, sejam eles bons ~u

maus. 0 bebe dir ige seus senti~ent~s de g~ati fica<;ao e amor p~~ 0 sero

"born" e seus impulsos destrutivos y sentimentos de perseguicao para

aquilo que sente como frustrador, isto ~, 0seio "rnau". Nesse estagio, os

processos de cisao estao em seu ponto unais alto, e a amor e 0 odic, bern

como os aspectos bons e maus do seio, sao mantidos amplamente separa-

dos urn do outro. A relativa seguranca do bebe basei a-se em transformar 0

objeto born em objeto ideal, como urna protecao contra 0objeto perigoso

e persecut6rio. Esses processos - is to e, c isao , negacao, onipotencia e

idealizacao - sao predominantes durante os tres ou quatro primeiros meses

de vida (0 que denominei "posicao esquizo-paranoide " , 1946) . Dessa

forma, em urn estagio muito inicial, a ansiedade persecut6ria e seu corola-

rio, a idealizacao , influenciam fundamentalmente as relacoes de objeto.

Os processos primaries de projecao e introjecao, estando inextrica-

ve lmente ligados com as ernocoes e ansiedades do bebe , iniciam as re la-

c;6es de objeto: pela projecao , isto e , pela deflexao da l ibido e da agressao

em direcao ao seio da mae, fica estabelecida a base para as relacoes de

objeto; pela introjecao do obje to, em primeiro lugar 0 seio, as relacdescom os objetos internos passam a existir. 0 uso que faco do termo "rela-

«Oesde objeto" baseia-se na rninha assercao de que 0 bebe, desde 0 infcio

da vida pos-natal, tern com a mae uma relacao (se bern que centrada pri-

rnariamente em seu seio) imbufda dos elementos fundamentais de uma re-

laC;aode objeto, isto e , amor, 6dio, fantasias, ansiedades e defesas ' .

Em minha concepcao, como expliquei detalhadamente em outras oca-

sioes , a introjecao do seio e 0 infcio da formacao do superego, II qual se

estende por m:uitos anos. Temos elementos para supor que, desde a pri-

meira experiencia de alirnentacao, 0bebe introjeta 0seio em seus varies

aspectos. 0 rnicleo do superego e, portanto, 0 seio da mae, tanto 0 born

1E uma caracterfstica essencial cia mais antiga de todas asrelacfies de objeto ser 0 prototipo de

uma rela~ao entre duas pessoas, naqual nao entra nenhum outre objeto. !sso e de vital impo,:-

t1mciapara posteriores rela90es de objeto, apesar de que, sob essa forma exclusiva, ela POSSI-

velmente nilodure rnaisdo quealguns poucos meses, dado que as fantasias relativas ao pai e seu

penis - fantasias essas que dao inlcio aos primeiros estligios do cornplexo de Edipo - introdu-

zerna relacao com rnais de urn objeto. Naanalise de adultos e criancas, 0 paciente algumas ve-

zesexperimenta sentimentos de uma bern-aventurada felicidade atraves da revivescencia dessa

rela~1ioinicial exclusiva corn a mae" seuseio. Tais experiencias seguem-se freqdenternente a

analise de situacoes de chime e rivalidade, nas quais urn terceiro objeto, ernultima instancia 0

pai, esta envolvido.

-72-

quanto 0mau. Devido a operacao simultanea da introjecao e da projecao,

as re lacoes com os objetos extemos e intemos interagem. Tarnbern 0pai,

que desde cedo exerce urn papel na vida da crianca, logo passa a fazer

parte do mundo intemo do bebe, E pr6prio da vida emocional do bebe que

haja rapidas f lutuacoes entre amor e 6dio; entre situacoes extemas e inter-

nas; entre a percepcao da rea lidade e fantasias sobre e la ; e , consequente-

mente, urn interjogo entre a ansiedade persecutdria e a idealizacao - am-

bas referindo-se a objetos internes e externos, sendo 0objeto idealizado

urn corolario do objeto persecut6rio, extremarnente mau.

A crescente capacidade do ego de integracao e sfntese leva cada vez

mais, mesmo durante esses primeiros rneses, a estados em que 0 amor eo

6dio e , correspondentemente, aspectos bons e maus dos objetos sao sinte-

tizados. E iS80 da origem ill segunda forma de ansiedade - a ansiedade de-

pressiva -, pois os irnpulsos e os desejos agressivos do bebe, dirigidos ao

seio mau (mae), sao sentidos agora como perigosos tambem para 0seio

born (mae). Entre 0 quarto e 0 sexto mes essas emocoes sao reforcadas,

pois , nesse estagio, 0 bebe percebe e introjeta cada vez mais a mae como

uma pessoa. A ansiedade depressiva ~ intensificada, pois 0bebe sente que

destruiu ou esta destruindo urn objeto intei ro com sua vorac idade e agres-

sao incontrolaveis, Alern do mais, devido a sfntese crescente de suas erno-

«oes, ele agora sente que esses impulsos destrutivos sao dirigidos contra

uma pessoa amada . Processos semelhantes se dao em relacao ao pai e a

outros membros da familia. Essas ansiedades ecorrespondentes defesasconstituern a "posicao depressiva", que chega a urn climax por volta dos

seis meses e cuja essencia e a ansiedade e a culpa relativas a destruicao e

perda dos objetos amados internos e externos.

E nesse estagio, e ligado it posicao depressiva, que se instala 0com-

plexo de Edipo. A ansiedade e a culpa acrescentam um poderoso impulso

em direcao ao infc io do complexo de Ectipo, pois elas aumentam a neces-

sidade de extemal izar (proje tar) f iguras mas e de intemalizar (introjetar )

figuras boas; de ligar desejos , amor, sentimentos de culpa e tendencias re-

paradoras a alguns objetos, e 6dio e ansiedade a outros; de encontrar re-

·presentantes de figuras internas no mundo externo. Entretanto, nao e ape-nas a procura de novos objetos que domina as necessidades do bebe, mas

tambern 0 impulso em direcao aos novos alvos: afastando-se do seio em

direcao ao penis, is to e, dos desejos orais em direcao aos desejos genitais.

Muitos fatores contribuem para esses desenvolvimentos: 0 impulsiona-

men to da libido, a crescente integracao do ego, das habilidades ffsicas e

mentais e a adaptacao progressiva ao rnundo externo, Essas tendencies

estao ligadas ao processo de formacao de sfmbolos, 0 qual capacita a

cr ianca a transfer ir nao sornente interesse, mas tambem emocoes e fanta-

s ias , ansiedade e culpa, de urn objeto para outro,

as processos que descrevi estao l igados a urn outro fenorneno funda-

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mental que governa a vida mental. Acredito que a pressao exercidn pelas

primeiras situacoes de ansiedade seja urn dos fatores que fazem aflorar a

cornpulsao a repeticao, Voltarei mais tarde a esta hip6tese.

Algumas das minhas conclusoes referentes aos pr imeiros estagios da

infll.ncia sao uma continuacao das descobertas de Freud. A respeito de

certos pontos surgi ram, entretanto, divergencias, uma das quais e muitorelevante para 0 presente t6pico. Refiro-me 11minha assercao de que as

relacoes de obje to slio operantes desde 0 infcio da vida p6s-natal.

Durante muitos anos, mantive a opiniao de que 0auto-erotismo e 0

narc is ismo sao, no bebezinho, conternporaneos da primeira relacao com osobjetos, externos e internalizados. Reafirmarei concisamente minha hipo-

tese: 0auto-erotismo e 0narcisismo incluem 0amor pelo objeto born in-

ternalizado e a relacao com 0 mesmo, 0 qual, na fantasia, constitui parte

do corpo e do self amados. E para esse obje to intemal izado que , na grati -

f icacao auto-erotica enos estados narcfs icos, ocorre uma retirada . Con-

comitantemente, desde 0nascimento esta presente uma re lacao com obje-

tos, pr imariarnente a mae (seu seio) . Esta hip6tese contradiz 0conceito de

Freud de que estdgios auto-er6ticos e narcfsicos excluem a possibilidade

de uma relacao de objeto. No entanto, a diferenca entre a opiniao de

Freud e a minha e menos ampia do que parece a prime ira vista, uma vez

...• que as afirmacoes de Freud a esse respeito nlio sao inequfvocas. Em va-

- rios contextos ele, explfcita e implicitamente, expressou opinioes que su-

geriam uma relacao com urn objeto, 0seio da mae, precedendo c auto-

erotismo e 0 narcisismo. Uma referencia deve ser suficiente. No primeiro

dos dois artigos da Enciclopedia, Freud (1922) uisse:

,., "Em primeiro Ingar, a pulsao parcial oral encontra satisfacao ligando-

se a saciacao do desejo de nutricjio; e seu objeto e 0seio da mae. Ela en-tao se distancia, torna-se independente e ao mesmo tempo auto-erotica,

- isto e, encontra um objeto no pr6prio corpo da crianca" (S.E. 18, pag. 245).

o uso que Freud faz do terrno "objeto" e aqui urn tanto diferente do

uso que eu faco, pois ele esta se referindo ao objeto de um alvo pulsional,

ao passo que eu tenho em mente, alern disso, uma relacao de objeto que

envolve at- emocoes, fantasias, ansiedades e defesas do bebe. Nao obs-

tante, na citacao acima, Freud fala claramente de uma l igacao l ibidinal com

urn objeto, 0seio materno, que precede 0auto-erotisrno eo narcisisrno.

Neste contexto gostaria de lembra-los tambem das descobertas de

Freud re1ativas as primeiras identificacoes. Em The Ego and the /d', fa-

lando a respeito dos investimentos abandonados de obje to, ele disse: " .. .

" <

l P.ig. 31. Na mesma p~gina, e a inda refer indo-se a essas primeiras ident if ica~5es, Freud sugere

que elas s ilo uma ident if icagiio direta e imediata, a qual acontece mais cedo que qualquer inves-

t imento deobje to . Essa suges t!o parece implicar que a int ro jcgi lo a te mesmo precede asre lacoesde objeto,

-74-

os efe itos da pr irnei ra identif icacao no perfodo mais remoto da infancia

serao gerais e duradouros. Isso nos leva de volta 11origem do ideal do

ego ... " Freud def ine entao as primeiras e mais importantes identi fica-

<;oes, que permanecem ocultas por detras do ideal do ego, como a identifi-

cacao com 0 pai, ou com os pais, e as coloca, segundo suas palavras, na

"pre-historia de cada pessoa". Essas formulacoes aproximam-se daquilo

que descrevi como os primeiros objetos introjetados, pois, por definicao,

as identif icacoes sao 0 resultado da introjecao. A partir da afirrnativa que

acabo de discuti r e do trecho que ei te i do artigo da Enciclopedia , pode-sededuzir que Freud, apesar de nao ter ievado mais adiante esta linha de

pens amento, admitia que, na mais tenra infancia, tanto urn objeto quanto

processos introjetivos desempenham urn papel.

Ou seja, no que se refere ao auto-erotisrno e ao narcisismo, depara-

mo-nos com uma inconsistencia nas concepcoes de Freud. Tais inconsis-

tencias, que ocorrem em numerosos pontos da teoria, mostram clararnente ,

penso, que em relacao a essas quest6es especfficas Freud ainda nao tinha

chegado a uma decisao f inal . Com relacao a teoria da ansiedade, ele afir-mou isso explicitamente em Inhibitions, Symptoms and Anxiety (1926, ca-

pitulo 8). Sua percepcao de que muito daquilo que se referia aos pr imeiros

estagios do desenvolvimento ainda lhe era desconhecido ou obscuro esta

tambem exemplificada ao falar sobre os primeiros anos de vida da menina,

como sendo (Freud, 1931) " . . obscurecidos pelo tempo e sombrios ... "

Nao conheco a visao de Anna Freud a respeito desse aspecto do tra-balho de Freud. Porern, quanto a questao do auto-erotismo e do narcisis-

mo, ela parece ter levado em conta apenas as conclusoes de Freud de que

urn estagio auto-erotico e narcisista precede qualquer relacao de objeto, e

nfio ter dado margem a outras possibilidades subjacentes em algumas

afirmacoes de Freud, como essas a que me referi acima. Essa e uma dasraz6es pelas quais a divergencia entre a concepcao de Anna Freud e a rni-

nha sobre a tenra infancia e rnuito rnaior do que a que existe entre as opi-ni6es de Freud, tomadas como urn todo, e as minhas. Af irmo isto porque

acredito que e essencial esclarecer a amplitude e a natureza das diferencas

existentes entre as duas escolas de pensamento psicanalftico, representa-

das por Anna Freud e por mim. Tal esclarecirnento faz-se necessario no

interesse da formacao psicanaiftica e tambern porque pode ajudar a susci-

tar discuss6es frutfferas entre os psicanal is tas , contribuindo assim para

uma rnaior cornpreensao gerai dos problemas fundamentais do infc io da

infancia,

A hip6tese de que urn estagio que se estende por varies meses prece-

de as relacoes de objeto implica que, exceto para a libido ligada ao pro-

prio corpo do bebe, os irnpulsos, fantasias, ansiedades e defesas ou nao

estao presentes no bebe ou nao estao reiacionados a urn objeto, ou seja,

eles operariam in vacuo. A analise de criancas muito pequenas ensinou-

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me que nao existe urgencia pulsional, situacoes de ansiedade, processo

mental que nao envolva objeto, externo ou interno; em outras palavras ,

as relacoes de objeto estao no centro da vida emocional Alern do

mais, amor e 6dio, fantasias, ansiedades e defesas tambern operarn des-

de 0 comec;o e encontrarn-se ab initio indivisivelmente ligados a rela-

c;:6esde objeto. Este insight rnostrou- rne var ies fen6menos sob uma nO-

va luz.

Formularei agora a conclusao sobre a qual se assenta 0presente arti-

go: sustento que a transferencia origina-se dos mesmos processos que, nosestagios mais iniciais, determinam as relacces de objeto. Dessa forma, na

analise temos de voltar repetidamente as flutuacoes entre objetos amados

e odiados, externos e internos, que dominam 0 infcio da infancia. S6 po-

demos apreciar plenamente a interconexao entre as transferencias positiva

e negativa se explorarrnos 0 interjogo inicial entre 0 amor e 0 6dio, e 0

cfrculo vicioso entre agressao, ansiedades, sentimentos de culpa e urna

maior agressao , bern como os varies aspectos dos objetos para os quais

sao dirigidas essas ernocoes e ansiedades confli tantes . Por outro lado,

atraves da exploracao desses processos arcaicos, convenci-rne de que a

analise da transferencia negativa, que havia recebido relativamente pouca

'atenc;:aol na tecnica psicanalftica, constitui uma precondicao para analisar

as carnadas mais profundas da mente. A analise tanto da transferencia ne-

gativa quanta da positiva, bern como de sua interconexao , constitui, como

venho defendendo ha rnuitos anos, um princfpio indispensavel para 0 tra-

tamento de todos os tipos de pacientes , criancas e adultos igualrnente.

Substanciei este ponto de vista na maior parte de meus escri tos, a partir de

1927.

Tal abordagem, que no passado tornou possfvel a psicanalise de

criancas muito pequenas, revelou-se nos tiltimos anos extrernamerite frutf-

fera para a analise de pacientes esquizofrenicos. Ate par volta de 1920

presumia-se que os pacientes esquizofrenicos Iossern incapazes de esta-

belecer transferencia, e assim nao poderiam ser psicanalisados. Desde

entao, a psicanalise de esquizofrenicos vern sendo tentada por rneio de va-

rias tecnicas . Contudo, a mudanca de visao mais radical a esse respei to

ocorreu mais recentemente e esta cstreitamente ligada ao maior conheci-

mento dos mecanismos , ansiedades e defesas operantes na infancia rnais

remota. Urna vez descobertas algumas dessas defesas contra 0 amor e 0

6dio, engendradas nas relacoes de objeto primarias, tornou-se plenamente

compreendido 0 fato de que pacientes esquizofrenicos sao capazes de de-

senvolver tanto uma transferencia posit iva quanto uma transferencia ne-

gativa. Esse achado e confirmado se aplicarmos consistentemente no tra-

, Isso foi devido em grande parte ao fato de sesubestirnar a irnportancia da agressividade.

-76-

tamento de pacientes esquizofrenicos ' 0princfpio de que e tao necessarioanalisar a rransferencia negativa quanto a positiva e de que, de fato, uma

nao pode ser analisada sem a outra.

Retrospectivamente, pode-se vel' que esses avances consideraveis da

tecnica sao apoiados, na teoria psicanalftica, pela descoberta de Freud das

puls6es de vida e de morte, que contribuiu fundamentalmente para a com-

preerrsao da origem da ambrvalencia. Devido a estarem as pulsoes de vida

e de morte - e, portanto, 0 amor e 0 6dio -, no fundo, na rnais estreita in-

teracao , a transferencia posi tiva e a negativa encontram-se basicamente

interligadas.A cornpreensao das primeiras relacoes de objeto e dos processos cor-

relatos influiu essencialmente na tecnica sob varies 1l.ngulos. Sabe-se h!

rnuito tempo que, na situacao de transferencia, 0 psicanalista pode repre-

sentar a mae, 0pai ou outras pessoas, que ele, em alguns momentos, tam-

bern representa na mente do paciente 0papel do superego e outras vezes 0

do id ou do ego. Nosso conhecimento atual capacita-nos a penetrar nos

detalhes especfficos dos varios papeis atribufdos pelo paciente ao analista.

Na realidade, existem muito poucas pessoas na vida do bebezinho, mas

ele as sente como urn grande numero de objetos, pois lhe aparecem sob

diferentes aspectos. Assim, 0analista pode, em deterrninado momento, re-

presentar uma parte do self, do superego ou qualquer uma de uma ampla

gama de figuras internalizadas. Da mesma forma, supor que 0analista re-

presenta 0pai ou a mae reais nao nos levara muito longe, a menos que

compreendamos qual aspecto dos pais esta sendo revivido. A imagem dospais na mente do .paciente sofreu distorcoes em graus variados, atraves

dos processos infantis de projecao e ideal izacao, e freqi ientemente con-

servou muito de sua natureza fantasiosa. Em termos gerais, na mente do

bebezinho, toda experiencia externa esta entrelacada com suas fantasias e,

por outro lado, toda fantasia contem elementos da experiencia real, e eunicamente analisando a situacao de transferencia em sua profundidade

que seremos capazes de descobrir 0passado, tanto em seus aspectos rea-

listas quanto em seus aspectos fantasiosos. E, tambern, 0fato de terem sua

origem na infancia mais remota que explica a forca dessas flutuacoes na

transferencia, bern como suas rapidas al ternancias - as vezes, ate mesmo

numa unica sessao - entre pai e mae , entre objetos onipotentemente bon-

dosos e perseguidores perigosos, entre figuras externas e internas. Algu-

mas vezes, 0 analista parece representar simultaneamente ambos os pais e,

nesse caso, frequenternente em alianca hostil contra 0paciente, quando

• Essa tecnica 6i lus trada pelo art igo deH. Segal "Some Aspects of the Analysis of aSchizophre-n ic" ( 1950) e pe lo s a rt igos de H. Rosenfe ld "Notes on the Psycho-Analys is of the Super-egoConfl ic t of an Acute Schizophrenic Pat ient" ( l952a) e "Transference Phenomena and Trans-

ference Analysis in anAcute Catatonic Schizophrenic Patient" (1952b).

-77-

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entao a transferencia negativa adquire grande intensidade. 0 que foi en-

tao revivido ou tomou-se manifesto na transferencia e a rnistura, na fan-tasia do paciente, dos pais como uma ilnica figura, "a figura dos pais

cornbinados", como descrevi em outro lugar", Essa e uma das forrnacoesde fantasia caracterfsticas dos estagios rnais iniciais do complexo de

Edipo, que, se mantida ern toda a sua forca, prejudica as relacoes de

objeto e 0 desenvolvimento sexual. A fantasia dos pais combinados ex-

trai sua forca de outro elemento da vida emocional arcaica, isto e, dapoderosa inveja assuciada aos desejos orais frustrados. Atraves da anali-

se de tais situacoes iniciais, aprendernos que na mente do bebe, quandoele esta frustrado (ou insatisfeito, devido a causas internas), sua frustra-

9aO se casa com 0 sentimento de que urn outro objeto (logo representado

pelo pai) recebe da mae a ambicionada gratificacao e 0 arnor a ele nega-

dos naquele mornento. Aqui esta uma raiz da fantasia de que os pais estao

cornbinados numa permanente gratificacao mutua de natureza oral, anal e

genital. E isso, para mim, e 0 prot6tipo de situacoes tanto de inveja

quanta de ciurne.

.,Existe urn outro aspecto da analise da transferencia que e necessariornencionar. Estarnos habituados a falar da situacdo de transferencia. Mas

sera que temos sempre em mente a importancia fundamental desse con-

ceito? Minha experiencia diz que, ao desenredar os detalhes da transfe-

rencia, e essencial pcnsar em termos de situacoes totais transferidas do

passa lo para o presente, bern como em iermos de ernocoes, defesas e rela-

<roesde objeto.

.Por muitos anos - e ate certo ponto isto c verdade ainda hoje - atransferencia foi compreendida em termos de referencias diretas ao ana-

lista, no material do paciente, Minha concepcao da transferencia como al-

go enraizado nos estagios mais iniciais do desenvolvimento e nas camadas

profundas do inconsciente e muito mais ampla e envoi ve uma tecnica

atraves da qual os elementos inconscientes da transferencia sao deduzidos

a partir da totalidade do material apresentado. Por exemplo, relatos de pa-

cientes sobre sua vida cotidiana, relacocs e atividades nao s6 nos ofere-

cern urn insight quanta ao funcionamento do ego, como tambern revelarn,

se explorarmos seu conteudo inconsciente, as defesas contra a ansiedade

suscitadas na situacao de transferencia, Isso porque 0paciente esta fadado

a lidar com conflitos e ansiedades, revividos na relacao com 0 analista,

empregando os mesmos metodos por ele usados no passado. Ou seja, ele

se afasta do analista como tentou afastar-se de seus objetos primarios:

tenta cindir a relacao com ele, mantendo-o ou como uma figura boa, ou

como uma figura rna;deflete alguns dos sentimentos e atitudes vividos em

S Ver The Psycho-Analysis a/Children, especialmente os capftulos 8 ell.

-78-

relacfio ao analista para outras pessoas em sua vida cotidiana, e isto fazparte da "atuagao"'.

Atendo-me ao meu tema, discuti aqui predominantemente as prirneiras

experiencias, situacoes e ernocoes das quais se origina a transferencia,

Sobre essas bases sao construfdas as posteriores relacoes de objeto, bern

como os desenvolvirnentos ernocional e intelecrual, que necessitam a

atencao do analista tanto quanta as relac;:6ese desenvolvimentos mais pri-

mitivos, Com isso, quero dizer que nosso campo de investigacao cobre

tudo aquilo que se situa entre a situacao presente e as primeiras experien-

cias, Na realidade, e impossfvel encontrar acesso as ernocoes e relacoesde objeto mais antigas a menos que se examinern suas vicissitudes a luz

de desenvolvimentos posteriores. Somente atraves da Iigacao contfnua das

experiencias rnais recentes com as anteriores e vice-versa (e isso significa

urn trabalho arduo e paciente), somente explorando consistentemente a

interacao dessas experiencias e que 0 presente e 0 passado podem se

aproximar na mente do paciente. Este e urn aspecto do processo de inte-grao:;ao,0qual, a rnedida que a analise progride, abrange a totalidade davida mental do paciente. Quando a ansiedade e a culpa diminuem e 0

arnor e 06dio podem ser rnais bem sintetizados, os processos de cisao _

uma defesa fundamental contra a ansiedade -, bern como as repressoes,

atenuam-se, enquanto 0 ego ganha ern forca e coesao; a c1ivagementre

objetos idealizados e persecutorios dirninui; os aspectos fantasiosos dos

objetos se enfraquecem. Tudo isso implica que a vida de fantasia incons-

ciente, menos radicalmente separada da parte inconsciente da mente, pode

ser mais bern utilizada em atividades do ego, tendo como consequencia

urn enriquecimento geral da personalidade, RefITo-meaqui a s diferencas,

em contraste com as semelhancas, entre a transferencia e as primeiras re-

lacoes de objeto. Tais diferencas sao uma medida do efeito curativo do

procedimento analfti.co.

Sugeri acirna que urn dos fatores que levarn a cornpulsao a repeticao e

a pressao exercida pelas primeiras situacoes de ansiedade, Quando as an-

siedades persecut6ria e depressiva e a culpa dirninuern, ha menos premen-

cia a repetir continuamente experiencias fundamentais e, em consequen-

cia, antigos padroes e modos de sentir sao mantidos com rnenortenacida-

de. Essas mudancas fundamentais resultam da analise consistente da trans-

ferencia; estao ligadas a uma revisao de a1cance profundo das primeiras

relacoes de objeto e refletem-se na vida presente do paciente, bern como

na modificacao das atitudes em relacao ao analista.

s Por vezes, 0 pacientc pode tcntar fugir dopresente, refugiando-se no passado, em vez deperce-

ber que suas e rnocoes, ans iedades e fan tasias ope ram nesse momento com toda forca e estao

centradas no analista, Em outros momentos, como sabernos, asdefesas estao dlrigidas princi-palmente contra 0reviver 0passado em relac;:aoaos objetos originals,

-79 -

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tramos as emocces, as ansiedades persecutorias e depressivas que caracte-

. r izavam, como eu acredito, seu desenvolvimento inicial . Mas, se por urn

lade na meninice ele nao havia side capaz de superar essas ansiedades e

alcancar a integracao, nos tres dias cobertos pelo romance, ele percorre,

com exito, urn mundo de experiencias emocionais, 0 que , a rneu ver , acar-

reta uma elaboracao das posicoes esquizo-paranoide e depressiva. Como

consequencia da superacao das ansiedades psic6ticas fundamentals da in-

fancia, a necessidade intrfnseca de integracao emerge com toda forca, Ele

concomitantemente alcanca a integracao e boas relacoes de objeto e, desse

modo, repara 0 que havia f racassado em sua vida.

- 204-

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 0 - - - - - - - - - - _

INVEJA E GRATIDAO

(1957)

Nota Explicativa da Comissao Editorial Inglesa

Este e 0 dlt imo dos t rabalhos te6ricos de maior envergadura de Melanie Kle in. An-

tes de seu aparecirnento, a inveja era esporadicamente reconhecida por psicanalistas

como uma ernocao importante, mas apenas em situacoes de privacao, e sornente uma

de suas fo rmas , a i nve ja do peni s, hav ia s ide es tudada pormenorizadament e, As re-

ferencias anter iores da pr6pria Melanie Kle in A inveja comecam com sua descricao

do profunda efe ito da inveja sobre 0 desenvolvimento de Erna, urn de seus primei-

ros casos, relatado em urn art igo nlio publicado, apresentado na Primeira Conferen-

c ia de Ps icanalis tas Alemae s em 1924 e que se t ornou a base do t er ceiro capf tu lo de

The Psycho-Analysis of Children. Ent remente s, r eg is trou a inveja como urn fato r

importante; e la l ista suas referencias passadas em urna nota de rodape A pagina 201,

esquecendo-se contudo de sua pr6pria antec ipacao do presente t rabalho em "Algu-

mas Conclusoes Te6ricas Relativas it Vida Emocional do Bebe" (1952) , onde d iz:

"A inve ja pareee ser inerent e a voraci dade o ral •• . a i nve ja (e rn al ternanci a com

sentimentos de arnor e gratificacao) e primeiramente dir igida ao seio nutridor • .. "(pag. 103).

Ne sta monograf ia Me lan ie Klein mapeia uma area ext ensa da qual apenas urn

pequeno set or havi a s ido conhec ido an tes . E la postul a que a inveja e a g ra tidao sao

senti rnentos opostos e interagentes, normalmente operantes desde 0 nascirnento, e

que 0 primeiro objeto da inveja, bern como da gra tidao, eo seio nutridor. Descreve

a in fl uencia da inveja e da g rat idao nas rela«oes de ob jet o mai s arca icas e es tuda 0

funcionarnento da inveja nao apenas em sit uacoes de pr ivacao, como tambem ern

s it uacoes de grati fi cacao onde ela in ter fe re na grati dao normal . Sao es tudados os

efe itos da inveja, ern particular da inveja inconsciente, sobre a formacao do carater ,

inc luindo - eestas sao da maior importdncla - a natureza das defesas erigidas contra

a inveja. A tecnica de analisar os processos de cisao e tarnbem discutida; isso cons-

t itui urn suplemento importante ~ discussao ern "Notas sobre Alguns Mecanismos

Esquizoides" •

Melanie Klein exarnina tambern a inveja anormaImente acentuada, Ern "Netas

sobre Alguns Meeanismos Esquiz6ides", embora tenha registrado diversas anorma-

lidades do funcionarnento arcaico, por exemplo, a introjeyao de objetos fragmenta-

dos pelo 6dio, 0 usa excessive de mecanismos de eisao e a persistencia de estados

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narcisistas, a psicopatologia da posi\ rao esquizo-paran6ide perrnaneceu em gran~e

par te desconhecida. No presente trabalho, ela desc~eve .em porn:enor a formacao

anormal da posicao esquizo-paran6ide resul tante da mveja excessrva; d~screve, e~-

t re outras coisas, a confusao oriunda de urn fracas so na cisao e mostra a l ll1p~r_tancla

de uma aussncia de ideal izacdo, Del ineia tambem a est rutura normal da pos.I 'faOd~-

p ressiva e do complexo de Edipo que daf resul ta , Postula tarnbern que 0 Sel? nutn-

de b ido pelo bebe como uma fon te de c ria ti vidade e descreve os efeit os da-orperee ... D incfni f

os da inve ia indev ida sob re a capacidade de cr iat iv idade, 0 pnnc pio ao un,nos J 'a! If .

en tos t an to t e6 ri cos quan to cl fn icos sao il us tr ados com ma ten c ruco , aseus argurn 'I.

que e de particular interesse na medida que mostra como ela t rabalhava nesse u t imoperfodo, . .

c Este t rabalho lanca nova luz sobre a reayi io terap€ut!ca . ne~at iva, estudada co-

mo e fei to da inveja . Melanie Kle in cons ide ra que, embora a mveja possa em algurna

medida ser analisada , e la estabelece urn l imite para 0exito analftico, Esse fato, par-

t an to , coloca uma res tri yli o f ina l ao g rande o tim ismo de seus ar tigos i nic ia is dos

300svinte,

-206-

------------------------10---- __

INVEJA E GRA TIDAo.(1957)

Ha muitos anos venho me interessando pelas fontes mais arcaicas de duas

atitudes que sempre nos foram familiares: a inveja e a gratidao. Cheguei aconclusao de que a inveja e urn fator rnuito poderoso no solaparnento das

rafzes dos sentimentos de arnor e de gratidiio, poi s el a a fet a a relacao mais

antiga de todas, a relacao com a mae. A importiincia fundamental dessa

rela~ii.o para toda a vida emocional do indivfduo tern side substanciada em

varies trabalhos psicanalfticos; e penso que, ao investigar mais profunda-

mente urn fator especff ico que pode ser muito perturbador nesse estagio

inicial, eu acrescentei algo de significativo aos meus achados referentes

ao desenvolvimento infantil e a formacao da personalidade.

Considero que a inveja e uma expressii.o sadico-oral e sadicc-anal de

impulses destrutivos, em atividade desde 0 comeco da vida, e que tern ba-

se constitucional. Essas conclus6es tern certos elementos importantes em

comum corn a obra de Karl Abraham, apesar de implicar algumas diferen-

s:ascom relas:ao a ela. Abraham achava que a inveja e uma caracterfsticaoral, mas - e e aqui que rninhas concepcoes diferem das dele _ presumia

que inveja e hostilidade operassem num perfodo ulterior, 0 qual, de acor-

do com suas hip6teses, constitufa urn segundo estagio, 0 sadico-ora]

Abraham nao falou em gratidao, mas descreveu a generosidade como uma

caracterfstica oral. Ele considerava os elementos anais como urn cornpo-

nente importante da inveja e enfatizou a derivacao desses elementos a

partir dos impulsos sadico-orais.

Urn outro ponte fundamental de concordiincia com Abraham e suasuposicao de urn elernento consti tucional na intensidade dos impulsos

orais, que ele vinculou a etiologia da enfermidade manfaco-depressiva.

Sobretudo, tanto a obra de Abraham quanto a minha puseram em re-

levo, mais plena e profundamente, a importancia dos impulsos destrutivos.

IQuero expresser minha profunda gratidao ~ minha amiga Lola Brook, que meajudou aolongo

da prepara!jio deste livre [/nveja e Gratidao), bern como de muitos de rneus escritos. Ela tern

urna mrs compreensio de minha obra e ajudou-me, em Iodas asetapas, com formula 'iOes e e n -t icas ao con te t1do . Meus agradedmentos sao tambern dev idos ao Dr. Ell io tt J aques, que fez

int1meras e valiosas sugestoes enquanto 0 livro estava ainda manuscrilo e ajudou-rne no trabalho

de revisao das provas. Sou agradecida a Miss Judith Fay, que teve grande cuidado nafeitura doIndice.

- 207-

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Em sua "Short History of the Development of the Libido, Viewed in the

Light of Mental Disorders", escrita em 1924, Abraham nao mencionou as

hip6teses de Freud sobre as pulsoes de vida e de morte, embora Beyond

The Pleasure Principle tivesse s ido publicado havia quatro anos. Em seu

livro, porern, Abraham investigou as rafzes dos irnpulsos destrutivos e

aplicou essa cornpreensao a etiologia das perturbacoes mentais de urn mo-

do mais especff ico do que ate entao fora feito. Embora ele nao tenha feito

uso do conceito de Freud das puls6es de vida e de morte, parece-me que

seu trabalho clfnico , particularrnente a analise dos primeiros paeientes

manfaco-depressivos que foram analisados, baseava-se em algum insightque 0 estava conduzindo nessa direcao, Presumo que a morte prernatura

de Abraham ...mpediu-o de se dar eonta de todas as implicacoes de seus

propriosvachados e da essencial conexao destes com a deseoberta, por

Freud, das duas pulsoes.

Neste momenta da publicacao de Inveja e Gratiddo, tres decades

ap6s 0 falecirnento de Abraham, e para mim motivo de grande satisfacao

que minha obra tenha contribufdo para 0erescente reeonheeimento da

plena significacao das descobertas de Abraham.

I

Pretendo aqui fazer algumas sugestdes adicionais relativas ao perfodo

mais arcaico da vida emocional do bebe e, tambern, chegar a algumasconclusoes sobre a vida adulta e a saiide mental. E inerente as descobertas

de Freud que a investigacao do passado do paciente, de sua infancia, e de

seu inconsciente, e uma precondicao para compreensiio de sua persona-

lidade adulta. Freud descobriu 0complexo de Edipo no adulto e, de tal

material, reconstruiu nao apenas pormenores do cornplexo de Ectipo, mas

tarnbem sua cronologia, Os achados de Abraham ampliaram considera-

velmente essa abordagem, que se tomou caracterfs tiea do metoda psica-

nalftico. Devemos tarnbern lembrar que, segundo Freud, a parte consciente

da mente desenvolve-se a partir do inconsciente. Portanto, ao remontar aprimeira infancia 0 material que primeiramente encontrei na analise de

criancas pequenas, e subsequenternente na de adultos, segui urn procedi-

mento hoje familiar a psicanalise. A observacao de criancas pequenas lo-

go confirmou os achados de Freud. Acredito que algumas das conclusdes

a que cheguei, com referencia a urn estagio bem anterior, os primeiros

anos de vida podem, at~ certo ponto, ser confirmadas pela observacao. 0

direito - e de fato, a necessidade - de reconstruir pormenores e dados a

respeito dos estagios mats iniciais a partir do material que nos 6 apresen-

tado pelos pacientes e descrito por Freud, de modo muito convincente, na

seguinte passagem.

-208-

"0que procuramos e urn quadro dos anos esquecidos do paciente,

que seja igualmente digno de confianca e completo em todos os aspectos

essenciais, ( ... ) Seu (do psicanali sta) trabalho de construcao, ou, se se

preferir, de reconstrucao, assernelha-se em grande parte a escavacao, por

urn arqueologo, de uma morada que foi destrufda e sepultada ou de algum

ediffcio antigo. Os dois processos sao, na verdade, identicos, a nao ser

pelo fato de que 0 analista trabalha em melhores condicoes e tern a sua

disposicao mais material para auxilia-Io, uma vez que aquilo com que Iida

nao 6 algo destrufdo , e sim algo que ainda esta vivo - e talvez, tarnbem,

por uma outra razao. Mas, assim como 0arque6logo constr6i as paredes

do ediffcio a partir das fundacoes que permaneceram de pe, determina 0

nurnero e posicao das colunas pelas depressoes no solo e reconstr6i as

pinturas e decoracoes murais segundo os res tos encontrados nas rufnas,

assirn tambern 0 analista procede quando extrai suas inferencias dos frag-

mentos de lernbrancas, das associacoes e do comportarnento do sujeito em

analise. Ambos possuern urn direito incontestavel de reconstruir por meio

da suplementacao e combinacao dos vestfgios remanescentes. Ambos,

alem disso, estao sujeitos a muitas das mesmas dificuldades e fontes de er-

roo ( ... ) 0analista, como dissemos, trabalha em condicoes rnais favora-

veis que 0 arque610go, pois tern a sua disposicao material que nao pode

ter equivalente em escavacoes, tal como a repeti.:;:aode reacoes que datam

da infancia e tudo que 6 indicado pela transferencia em conexao com es-

sas repeticoes. (. .. ) Todo 0essencial esta preservado; mesmo coisas que

parecern completamente esquecidas estao presentes, de alguma maneira e

em algum lugar, havendo side simplesmente sepultadas e tomadas inaces-

sfveis ao sujeito. Na verdade, como sabemos, pode-se duvidar que alguma

estrutura psfquica possa realmente ser vftirna de destruicao total. Depende

apenas da tecnica analftica 0 termos sucesso em trazer completarnente aluz 0 que se acha escondido;"

A experiencia tern me ensinado que a complexidade da personalidade

plenarnente desenvolvida s6 pode ser entendida se obtivermos insight so-

bre a mente do bebe e acompanharmos 0 seu desenvolvimento na vida

subsequente, Is50 equivale a dizer que a analise percorre 0 caminho que

vai da vida adulta a infancia e, atraves de estagios intermediarios retorna

a vida adulta, num movimento recorrente, para a frente e para' tras, de

acordo com a situacao transferencial predominante.

Ao Iongo de todo 0 meu trabalho, tenho atribufdo importancia fun-

damental a primei ra relacao de objeto do bebe - a relacao com 0 seio rna-

temo e com a mae - e cheguei a conclusao de que se esse objeto origina-

rio, que e introjetado, fica enraizado no ego em relativa seguranca, esta

1"Constructions in Analysis" (1937).

-209-

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assentada a base para urn desenvolvimento satisfatorio, Fatores inatos

contribuem para essa ligacao. Sob 0 predornfnio dos impulsos orais, 0 seio

~ instintivamente sentido como sendo a fonte de nutricao e, portanto, num

sentido mais profundo, da pr6pria vida. Essa proxirnidade ffsica e mental

com 0 seio gratificador em certa medida restaura, se tudo corre bern, a

perdida unidade pre-natal com a mae e 0sentimento de seguranca que a

acompanha. Isso depende em grande parte da capacidade do bebe de in-

vestir suficientemente 0seio ou seu representante simb6lico, a marnadeira;

dessa maneira, a mae ~ transformada em urn objeto amado. Pode bern ser

que 0 ter sido parte da mae no estado pre-natal contribua para 0senti-mento inato do bebe de que existe fora dele algo que lhe dara tudo que

necessita e deseja . . .O''S'eio born e tornado para dentro e torna-se parte do

ego, eo bebe,.q6e antes estava dentro da mae, tern agora a mae dentro de

Sl.

o estado pre-natal indubitavelmente implica urn sentimento de unida-

de e seguranca, mas 0quanto esse estado esta livre de perturbacoes de-

pende necessariamente das condicoes psicol6gicas e ffsicas da mae, e,

possivelmente, ate rnesrno de certos fatores, nao investigados ate 0pre-

sente momento, no bebe ainda nao nascido. Poderfamos, portanto, consi-

derar 0anseio universal pelo estado pre-natal como sendo tarnbem, em

parte, uma expressao da necessidade premente de idealizacao. Se investi-

gamos esse anseio a luz da idealizacao, encontramos que uma de suas

fontes ~ a forte ansiedade persecut6r ia suscitada pelo nascimento. Pode-

rfamos especular que essa primeira forma de ansiedade possivelmenteabrange as experiencias desagradaveis do bebe ainda nao nascido, as

quais, juntamente com 0sentimento de seguranca no utero, prenunciam a

relacao dupla com a mae: 0seio born e 0seio mau.

. 'As circunstancias externas desempenham urn papel vital na relacao

ini6ial com 0 seio, Se 0 nascimento foi diffcil , ese, particularmente, re-

sulta em cornplicacdes como falta de oxigenio, hli uma perturbacao na

adaptacao ao mundo externo e a relacao com 0 seio inicia-se sob condi-

c;:6esde grande desvantagem. Em tais casos, a capacidade do bebe de ex-

perimentar novas fontes de gratificacao ISprejudicada e, em consequencia,

ele nao pode internalizar suficientemente urn objeto originario realmente

born. AMm disso, se a crianca ~ ou nao adequadamente alimentada e cer-

cada de cuidados matemais, se a mae frui plenamente ou nao os cuidados

com a crianca, ou se ela ~ ansiosa e tern dificuldades psicologicas com a

amamentacao - todos esses fatores influenciam a capacidade do bebe de

aceitar 0 leite com prazer e de internalizar 0 seio born.

Urn elernento de frustracao por parte do seio esta fadado a entrar na

relacao mais inicial do bebe com 0seio, porque ate mesrno uma situacao

feliz de amarnentacao nao pode substi tuir completamente a unidade pre-

natal com a mae. Alern disso, 0 anseio do bebe por urn seio inexaurfvel e

-210-

sernpre-presente nao se origina, absolutamente, apenas de uma ansia por

alimento ou de desejos libidinais. Pois, rnesrno nos estagios mais iniciais,

a prernencia por obter constante evidencia do arnor da mae esta funda-

mentalmente enraizada na ansiedade. A luta entre as puls6es de vida e de

morte e a resultante arneaca de aniquilamento do self e do objeto por im-

pulsos destrutivos sao fatores fundarnentais na relacao inicial do bebe com

sua mae. 1550 porque seus desejos implicam querer que 0 seio, e em se-

guida a mae, f izessern desaparecer esses impulsos destrutivos e a dor da

ansiedade persecut6ria.

Concomitantemente a experiencias felizes, ressentimentos inevitaveisreforcam 0 conflito inato entre 0 amor e 0 6dio, isto e, basicamente entre

1 '" as puls6es de vida e de morte, 0 que resulta no sentimento de que existern

urn seio bom e um seio rnau. Consequenternente, a vida emocional arcaica

caracteriza-se pOl 'uma sensacao de perda e recuperacao do objeto born.

.Ao falar de um conflito inato entre arnor e 6dio, deixo implfcito que a ca-

pacidade tanto para amor quanta para impulsos destrutivos e, ate certo

ponto, constitucional, embora varie individualmente em intensidade e in-

teraja desde 0 infcio, com as condicoes externas.

Tenho repetidarnente proposto a hip6tese de que 0 objeto born origi-

nario, 0 seio materno, forma 0 micleo do ego e contribui de modo vital

para 0 seu crescirnento, e tenho frequenternente descrito como 0 bebe

sente que concretamente internaliza 0 seio e 0 lei te que este da. I ii existe

tarnbern em sua mente uma C onexao indefinida entre 0 seio e outras partes

e aspectos da mae.

Nao presumiria que, para ele, 0 seio seja simplesrnente urn objeto fI-

sico, A total idade de seus desejos instintivos e de suas fantasias incons-

cientes irr.bui 0 seio de qualidades que VaGmuito alern da nutricao real

que ele propicia. J

Vemos na analise de nossos pacientes que 0 seio em seu aspecto born

e 0 prot6tipo da "bondade" materna, de paciencia e generosidade inexau-

rfveis, bern como de criatividade. Sao essas fantasias e necessidades pul-

sionais que de tal modo enriquecern 0 objeto originario que ele perrnanece

como a base da esperanca, da confianca e da crenca no born.

Este trabalho trata de urn aspecto especffico das mais arcaicas rela-

c:;:6esde objeto e processes de internalizacao, que tern rafzes na oralidade.

] Tudo isso e sentido pelo beb e deurn modo muito mais primitive doque 0que a Iinguageui pode

expresser, Quando essas emocces e fantasias pre-verbals s!o revividas nasituacao transferen-

cial, apareeern como "Iembrancas em sentimento", como eu aschamaria, esao reconstrufdas e

pas ta s em palavras com 0 auxflio do analista, Da rnesrna maneira, ternos que utilizer palavras

quando estamos reconstruindo e descrevendo outros fenBmenos que pertencem aos estagios ini-

ciais do desenvolvimento. De fato, nao podcrnos traduzir a linguagem do inconsciente para aconselencia sern ernprestar-Ihe palavras do nosso domlnio consciente,

- 211-

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Refire-me aos efeitos da inveja sobre 0desenvolvimento da capacidade de

ratidao e de felicidade. A inveja contribui para as d ificu ldades do bebe

-. em construir seu objeto born, pois ele sente que a gratificacao de que fo i

.privado foi guardada, para uso pr6prio, pelo seio que 0 frustro~.· .

Deve-se fazer uma distincao entre inveja, c iurne e vorac idade , A in-

veja e 0 sentimento ra ivoso de que outra pessoa possui e desfruta a lgo de-

sejavel - sendo 0 impulso invejoso 0 de ti rar este a lgo ou de estraga-lo.

Alem disso, a inveja pressup6e a re lacao do indivfduo com urna s6 pessoa

e remonta a mais arcaica e exclusiva relacao com a mae. 0 cnirne e ba-

seado na inveja, mas envolve uma re lacao com, pelo menos, duas pessoas;diz respeito principal mente ao amor que 0indivfduo sente como Ihe sendo

devido e que Ihe foi tirado, ou esta em perigo de se-lo, por seu rival. Na

concepcao corriquei ra de chime, urn hornern ou uma mulher se sente pri -

vado, por outrem, da pessoa amada.

A voracidade e uma fmsia impetuosa e insac iavel , que excede aquilo

que 0 sujeito necessita e 0 que 0 objeto e capaz e esta disposto a dar. A

nfvel inconsciente, a voracidade visa, primariamente, escavar cornpleta-

mente, sugar a te deixar seco e devorar 0seio; ou seja, seu objetivo e aintrojecao destrutiva , ao passe que a inveja procura nao apenas despojar

dessa maneira , mas tambern deposita r maldade, primordia lmente excre-

mentes maus e par tes mas do self, dentro da mae, acima de tudo dentro do

seu seio , a fim de estraga-la e destruf-la. No sentido mais profundo, is50

significa destrui r a criatividade da mae. Esse processo, que der iva de im-

pulsos sadico-uretrais e sadico-anais , foi por mim def inido em outro arti-go' como um aspecto destrutivo da identif icacao projetiva , cornecando

desde 0 infc io da vida '. Uma diferenca essencial entre vorac idade e inve-

4 Numa serie de trabalhos meus, The Psycho-Analysis of Children, "Early Stages of the Oedipus

Complex", e em "A Vida Emocional do Bebe" ; refer i- rne i'l inveja surgindo de fontes s6dico-

orais, stidico-uretrais e sl1dico-anais, durante os estagios mais iniciais do compleo;o de EdlPO,

e relacionei-a ao desejo de estragar os bens da mile, particularmente 0 penls do Pal , 0 qual, na

fantasia da crianca, a m~e contern. 11 i em meu anigo ' I '.nObssessional Neurosis in a Six- Year-

O ld G ir l" , a pr es en tado em 1924, mas DaO publicado att l aparecer em The Psycho-Analysis of

Children, a inveja ligada a ataques stidico-orais, stidico-unltrais e sddico-anais aocorpo damae

desempenhava papel proeminente, Entretanto, nlio havia relacionado especificamente essa in-

veja ao desejo de t irar e est ragar os seios cia mlie, embora houvesse chegado muito perto dessas

conclusOes. No meu art igo • Sobre a Identif icacao" (l955) examinei a inveja como um fator

muito irnportante na ldentificacao projetiva. J I ' t em The Psycho-Analysis of Children sugeri quenao apenas tendencies sddico-orais, como tambern sadicc-uretrais e sadico-anais, estao em fun-cionamento em bebes muito pequenos.

S "Netas sobre alguns Mecanismos Esquizdides".

5 Dr. Ell io tt Jaques chamou minha atenc;i io para a raiz e timol6gica de " inveja" no lat im "invi-

did', que provern do verbo "Invideo" - olhar atravessado, olhar maldosamente ou com despei-

to, lancar mau-olhado, invejar ou relutar rnesquinharnente em dar ou reconhecer 0que 6do ou-

ITo. Um uso ant igo pode ser encontrado numa expressao deCfcero , cuja t raducso e "causar in-

for t11nio pelo mau-c lhado " , Isso confi rma a diferenciacao que f iz ent re inveja e vorac idade,rein ~nfase dada ao carater projetivo da inveja,

~212-

ja, embora nenhuma linha divisoria rfgida possa ser tracada visto estarem

tao estreitamente associadas, seria, entao, que a voracidade esta ligada

principalrnente a introjecao e a inveja a projecao .

Segundo 0 Shorter Oxford Dictionary, chime significaque uma outra

pessoa tornou, ou a ela esta sendo dado, 0 "born" que por direito pertence

ao indivfduo, Nesse contexto, eu interpretaria 0"born" basicamente como

o seio bom, a mae, uma pessoa amada, que outra pessoa tirou. De acordo

com 0English Synonyms, de Crabb, "e .. ) 0chime teme perder 0que

possui; a inveja sofre ao ver ou tro possuir 0que ela quer para si. (... )

o invejoso passa mal a vista da frui~ao. Sente-se a vontade apenas com 0

inforninio dos outros . Assim, todos os esforcos para satisfazer urn invejo-

so sao infrutfferos". 0 ciume, segundo Crabb, e "uma paixao nobre ou

ign6bil, de acordo com 0objeto. No primeiro caso, e ernulacao agucada

pelo medo. No segundo, e voracidade estimulada pelo medo. A inveja e

sempre uma paixao vil, ar rastando consigo as piores paixoes " ,

A atitude geral para com 0citime difere da que se tem para com a in-

veja. Na realidade, em certos pafses (particularmente a Franca), 0 assassi-

nato induzido pelo ciurne acarreta sentenca menos severa. A razao para

essa distincao encontra-se no sentimento universal de que 0assassinato de

urn rival pode subentender amor pela pessoa mfiel. 1sso significa, nos

termos discutidos acima, que existe amor pelo "born" e que 0objeto ama-

do nao e danificado e estragado como 0 seria pela inveja . .

o Otelo de Shakespeare, em seu ciurne, destr6i 0 objeto que ama e is-so, em minha opiniao, e caractensnco do que Crabb descreve como a "ig-

n6bi l paixao do ciurne" , ou seja , a voracidade estimulada pelo medo. Uma

referencia significativa ao chime como qualidade inerente a mente aparecena mesma pe<;a;

"But jealous souls will not be answer'd so;

They are not ever jealous for the cause,

But jealous for they are jealous; •tis a monster

Begot upon itself, born on itselj"* .

Poder -se-ia dizer que a pessoa muito invejosa 6 insaciavel, que nunca

pode ser satisfeita porque sua inveja brota de dentro e, portanto, sempre

encontra urn objeto sobre 0 qual focalizar-se, Isso mostra tarnbem a cone-

xao fntima entre cit ime, voracidade e inveja,

" "Mas os c iumentos nao atendem aisso;N a o precisarn decausa para 0 chime:

Tern cil lme, nada mais. 0 c idme 6 monst ro

Que s egem em s imesmo ede s f n as ce " •

("Othello", A III, 4. Te. de Car lo s A lber to Nunes , Ed. Melho ramen to s, 3366, p ig . 104 .)(N. T.)

-213-

· · . ' t , · ·

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Shakespeare nem sempre parece diferenciar inv~ja de_cium:; ' ". ver-

sos seguintes, de Otelo, mostram plenamente a significacao da mveja no

sentido em que aqui a defini:

"Oh beware my Lord of jealousy;

It is the green-eyed monster which doth mock

The meat it feeds on". . .*

Fazem-nos lembrar a expressao "rnorder a mao que alimenta" , quase

sinonima de morder, destruir e estragar 0 seio. .

II

Meu trabalho ensinou-rne que 0 primeiro objeto a ser invejado e 0

seio nutridor", pois 0 bebe sente que 0 se io possui tudo 0 que ele deseja. e

que tern um fluxo ilimitado de leite e amor que g~arda para s~a pr6pna

grati ficacao. Esse sentimento soma-se a seu ressent~me~to e odic, . e0 :-e-

'.sultado e uma relacao perturbada com a mae. Se a inveja e excessrva, in-

-dica, em minha concepcao, que traces paran6ides e esquiz6ides sao anor-

,'malmente intensos e que tal bebe pode ser considerado como doente .

Ao longo deste capftulo, falo da inveja primaria do seio materno. Es-

. .sa inveja deve ser diferenciada de suas forrnas subseq~entes (in~re_ntes, ~a

menina, ao desejo de tomar 0lugar da mae. e, no memno, ~ pos19a~ ferni-

nina), nas quais a inveja nao mais se focaliza no seio, e sim na mae que

recebe 0 penis do pai, que tern bebes dentro dela, que d(l. a luz esses be-

,'bes, e que e capaz de amamenta-los.. Tenho freqiientemente descrito os ataques sadicos ao seio materno

como sendo determinados por impulsos destrutivos. Quero acrescentar

.aqui que a inveja confere um frnpeto especial a esses ata~ues. Isso signifi -

ca que qaando escrevi sobre a escavacao voraz do seio e do c~~o da

mae sobre a destruicao de seus bebes, bern como sobre a deposicao de

excrementos maus dentro da mae', ja deixava entrever 0 que posterior-

mente vim a reconhecer como 0 estrago do objeto, por inveja,

.. "Acautelai-vos, Senhor, do chime,E urn monstro deolhos verdes que zomba

Doa limento deque v ive" . ..

( "O thel lo ", A Ill, 3. Tr . de Car los Alber to Nun- s, Ed . Melhorarnentos, 3366, pag , 85 .)(N.T.)

7 Joan Riv ie re , em seu art igo "Jealousy asa Mechanism of D~fence" (1932), reportou a inveja

nas mulhe res ao desejo infan ti l de despo ja r a mLe de seus seios e estraga -Ios . De~cordo com

seus achados 0 chime tern suas rafzes nessa inveja prirndria, Sen artigo contem interessante

material ilustrativo desses pontos de vista.

, Cf. meu Iivr o The Psycho-Analysis of Children, onde esses conceitos desempenharn urn papel

importante em varias conex6es.

-214-

') '

I

r

Se considerarmos que a privacao intensifica a voracidade e a ansie-

'. dade persecut6ria, e que existe na mente do bebe a fantasia de urn seio

inexaurfvel, que e 0 seu maior desejo, torna-se compreensfvel como a in-

veja surge mesmo se 0 bebe e inadequadarnente amarnentado, Os senti-

mentos do bebe parecem ser que, quando 0 seio 0 priva, este se toma mau

porque retern 56para si 0 leite, 0 amor e os cuidados associ ados ao seio

born. Ele odeia e inveja aquilo que sente ser 0 seio mesquinho e malevo-

lente.

E talvez mais cornpreensfvel que 0 seio satisfat6rio seja tambern in-

vejado. A pr6pria faci lidade com que vern 0 leite origina tambem inveja,

pois, embora 0 bebe se sinta grati ficado, essa fac il idade fica pareeendo

um dom inatingfvel.

Encontramos essa inveja primitiva revivida na situacao transfereneial.

'.Por exemplo: 0 analista acabou de dar uma interpretacao que trouxe alfvio

ao paciente e que produziu uma rnudanca de estado de animo, de desespe-

ro para esperanca e confianca. Com certos pacientes, ou com 0 mesmo

paciente em outros momentos, essa interpretacao provei tosa pode logo

tornar-se alvo de uma crftica destrutiva. Ela, entao, nao e mais sentida

como algo bom que ele tenha recebido e vivenciado como e.i riquec imen-

to. Sua crftica pode ater-se a pontos de menor importancia; a interpretacao

dever ia ter s ido dada antes; foi longa demais e perturbou as associacoes

do paciente; ou foi rnuito curta , e isso quer dizer que ele njio foi suficien-

temente compreendido. 0 paeiente invejoso reluta em atr ibuir sucesso aotrabalho do analista; e, se ele sente que 0 analista e 0 auxflio que este lhe

.esta dando f icaram estragados e desvalorizados por sua crf tica invejosa,

nao podera introjeta-lo suficienternente como um objeto born, nem aceitar

suas interpretacoes com conviccao real e assimila-las, A conviccao verda-

deira, como vemos freqiientemente em pacientes menos invejosos, implica

gra tidao por uma dadiva recebida. 0 paeiente invejoso tambem pode sen-

ti r que e indigno de beneficiar-se pela analise, devido a culpa pela des-valorizacao do auxilio dado.

Nao e preciso dizer que nossos pacientes nos cri ticam por uma varie-

dade de razoes, as vezes justi ficadamente . Mas a necessidade que tern um

paciente de desvalorizar 0 trabalho analftico que experimentou como pro-

vei toso e expressao de inveja, Na transferencia, descobr imos as rafzes da

inveja se as situacoes emoeionais que encontramos em estagios anteriores

forem retracadas ate 0 estagio prirnario. A crftica destrutiva e particular-mente evidente em pacientes paran6ides que se comprazem no prazer s a -dico de desrnerecer 0 traba lho do analista, a inda que este Ihes tenha pro-

porcionado certo al fvio. Nesses pacientes , a crftica invejosa e bastanteaberta; noutros, pode desempenhar urn papel igualrnente importante, mas

permanece nao-expressa e ate mesmo inconsciente, Em minha experien-

- 215-

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cia, 0progresso lento que fazernos em tais casos esta tarnbem relaciona.do

a inveja. Vemos que suas dtividas e incertezas sobre 0 valor da analise

persistem. Q que acontece e que a parte hostil e invejosa de se~ self e ex-c indida pelo paciente , e ele apresenta constantemente ao analista outros

aspectos que sente como mais aceitaveis. Contudo, as part:s.excmdl~as

influenciam essencialrnente 0 curso da analise, a qual, em uluma instan-

cia, s6 pode ser eficaz se conseguir integracao e se lidar com 0 todo d__a

personalidade. Outros pacientes tornam-se confusos para evitar serem err-

ticos. Essa confusao nao. e apenas uma defcsa , mas tarnbern expressao de

incerteza quanto ao fa to de0

analista ainda permanecer como uma figuraboa, ou terem, 0analista e 0auxflio que esta dando, se to rnado maus em

decorrencia da crftica hostil do paciente, Eu remontaria essa incerteza aos

sentimentos de confusao que sao uma das conscquenci as da perturbacao

da relacao mais arca ica com 0 seio matemo. Q bebe que, devido a inten-sidade de mecanismos paran6ides e esquiz6ides e ao frnpeto da inveja,

nao consegue bem-sucedidame nte dividi r e manter separados 0 amor e

o 6dio e, por tanto, 0objeto bom do objeto mau , esta sujeito a sentir-se

confuso entre 0 que e bom e 0 que e mau em outros contextos.Desse modo, a inveja e as defesas contra ela desernpenharn urn pa-

pel impor tante na reacao terapeutica negativa, a lern dos fatores desco-

bertos por Freud e mais amplamente desenvolvidos por Joan Riviere'.

Pois a inveja e as atitudes a que da origem interferern na construcao gra-

dual de urn objeto born na situacao transferencia l. Se, no estagio mais ini -

cial, 0 born alimento e 0 objeto born originar io nao puderarn ser acei tos e

assimi lados, i sso se repete na transferencia e 0curso da analise e prejudi-cado.

No contexte do material analftico e possfvel reconstruir, pela elabora-

<;aode situacoes anteriores, os sentimentos do pacietite, quando bebe, pa-

ra com 0 seio materno. Por exernplo, 0 bebepode ter um ressenti rnento de

que 0 leite chega rnuito rapido ou muito devagar!"; ou de que nao !he te-

nham dado 0seio quando mais ansiava por e le e , assim, quando the e ofe-recido, nao 0 quer mais. Volta-lhe as costas e, em vez dele, chupa seus

pr6prios dedos. Quando acei ta 0 seio, pode nao mamar 0 bastante ou a

mamada ficar perturbada. Alguns bebes tern claramente grande dificulda-

de em superar esses ressentirnentos. J a outros superam logo tais senti-

mentos, a inda que sejam baseados em frustracoes reais; tomam 0 seio e a

, "A Contribution to the Analysis of the Negat ive Therapeut ic React ion" ( I936); tarnbemFreud, The Ego and the ld,

10 0 bebe pode de fato ter recebido mui to pouco lei te ,nao le- Io recebido naocas iao em que rnais

o desejava, ou nao te- Io obt ido doje ito cer to ; por exernplo, 0 leite pode ter vindo_lento o~ ra-

pido demais. A maneira pela qual 0 bebe foi segurado, se confortavelmente o~ nao , a ati tude

da mae para com a amamentacfio, seu prazer ou ans iedade a respeito dela, sefo i dado 0 seio ou

a rnamadeira, todos esses fatores sao degrande importancia em cada caso,

- 216-

arnamentacao e plenamente desfrutada. A analise de pacientes que, se-

gundo Ihes foi informado, haviam tornado seu alimento satisfatoriamente

e nao haviarn mos trado sinais evidentes das atitudes que acabei de des-

crever revela que eles haviam excindido seu ressentirnento, inveja

e 6dio, e que esses sentimentos sao, nao obstante, parte do desenvolvi-

mento de seu carater. Esses processos se tomam bastante claros na situa-

<;ao transferencial . 0 desejo original de agradar a mae, 0 anseio por ser

amado, bem como a necessidade urgente de ser protegido das consequen-

cias de seus pr6prios impulsos destrutivos, podem ser encontrados na

analise, como subjacentes a cooperacao, naqueles pac ientes cuja inveja e

6dio fo ram excindidos mas que fazem parte de sua reacao terapeutica ne-

gativa,

Tenho frequenternente me referido ao desejo do bebe pelo seio ine-

xaur fve l e sernpre-presente. Mas, como foi sugerido anteriormente, nao e\apenas alimento que ele deseja; quer tambem ser Iibertado dos impulsos

/)destru tivos e da ansiedade persecut6ria. Esse sentimento de que a mae e(orupotente e de que compete a ela evitar toda dor e males provindos de

fontes internas e externas e tambern encontrado na analise de adul tos. Eu

diria, de passagem, que as modificacoes muito favoraveis, que se deram

nos riltimos anos, na amamentacao das criancas, em contraste com 0modo

bastante r fgido de alimentar segundo harm os regulares, nao podem evi tar

inteirarnente as dific uldades do bebe , porque a mae nao pode elirninar os

impulsos destrutivos e a ansiedade persecut6ria dele. Ha um outro ponto a

ser considerado . Uma atitude demasiadamente ansiosa par parte da mae

que, sempre que 0bebe chora , imediatamente lhe oferece al imento, nao

ajuda a bebe. Ele sente a ansiedade da mae e isso aumenta a sua pr6pria.

Encontrei tambern, em adultos, ressentimento por nao lhes ter s ido permi-

tido chorar bastante e que , por isso, perderam a possibil idade de expressar

ansiedade e pesar (e assim obter alfvio), de modo que nem os impulsos

agressivos nem as ansiedades depressivas puderarn, suficientemente , en-

contrar um escoadouro. E interessante 0fa te de Abraham mencionar, en-

tre os fatores que estao na base da enferrnidade manfaco-depressiva , tanto

a frustracao excessiva quanto a indulgencia em demasia". Pais a frustra-

gao, se nao excessiva, e tarnbern um estfmulo a adaptacao ao mundo ex-

terno e ao desenvolvimento do sentido de realidade. De fato, uma certa

quanridade de frustracao, seguida por gratificacao, pode dar ao bebe a

sensacao de ter s ido capaz de l idar com sua ansiedade . Veri fiquei tambern

que os desejos nao satisfeitos do bebe - que sao em certa medida impos-

sfveis de serem realizados - contribuem como fator importante para suas

sublirnacdes e atividades criadoras, A ausencia de conflito no bebe, se e

11 "A Shar t His tory of the Development of the Libido" (1924).

- 217-

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.'.

que tal estado hipotetico pudesse ser i rnaginado, priva-lo-ia de enriqueci-

mento em sua personalidade e de urn importante fator no fortalecirnento

de seu ego. Pois 0 confli to (e a necessidade de supera-lo) e urn elemento

fundamental na criatividade.

Da assercao de que a inveja estraga 0 objeto born originario e da frn-

peto adicional aos ataques sadicos ao seio, surgem outras ~oncluso~s. 0

seio assim atacado perde seu valor, toma-se mau por ter sido mordido e

envenenado por urina e fezes, A inveja excessiva aumenta a intensidade

desses ataques e sua duracdo; tomando assim mais diffcil para 0bebe a

recuperacao do obje to born perdido. Ataques sadicos ao seio, quando me-nos determinados por inveja, pass am mais rapidamente e, assirn, na mente

do bebe, nao destroem tao intensa e duradouramente a qualidade boa do

objeto; 0seio que retoma e pode ser frufdo e sentido como uma evidencia

de que nao esta danificado e de que ainda e born 11.

o fato de a inveja estragar a capacidade de fruicao explica, ate certo

ponto, por que a inveja 6 tao persistente!", Pois e e frulcdo e a gratiddo

que ela suscita que mitigam os impulsos destrutivos, a inveja e a voraci-

dade. Considerando de urn outro fmgulo: a voracidade, a inveja e a ansie-

dade persecut6ria, que sao interligadas, intensificam-se inevitavelrnente

umas a s outras. 0sentimento de dana causado pela inveja, a grande an-

siedade que disso se origina e a incerteza resultante quanta a "bondade"

do objeto tern 0efeito de aumentar a voracidade e os impulsos destruti-

vos. Sempre que 0objeto e sentido como, afinal de contas, born, ele e

ainda mais vorazmente desejado e tornado pari'- dentro. Isso tambern epertinente ao al imento. Na anal ise verificamos que, quando urn paciente

esta com grandes dtividas sobre seu objeto e, portanto, tambem sobre 0

valor da anal ise e do analista, ele pode agarrar-se a qualquer interpre tacao

que alivie sua ansiedade e tender a prolongar a sessao, por desejar tomar

para dentro tanto quanta possfvel daquilo que, no momento, sente ser

born. (Certas pessoas tern tanto medo de sua voracidade que fazern espe-

, ' r cial questao de sai r na hora.)

r Diividas sobre a posse do objeto born e a correspondente incerteza

J sobre os pr6prios sentimentos bons tarnbern contribuem para identi fica-

' ) ' 1 90es vorazes e indiscriminadas; tais pe~so~s sao facilmente influenciaveis

\porque nao podem confiar em seu pr6pno julgarnento.

11 As observacces de bebes nos mostram algo dessas atitudes inconscientes subjacentes, Como

disse acirna, certos bebes que estiveram gritando de raiva rnostram-se intelramente felizes logo

ap6s cornecarem a rnamar, Isso significa que temporariamente perderam, mas recuperaram,

seu objeto born. Noutros, 0ressentimento e a ansiedade persistentes, ainda que momentanea-

mente diminufdos pela amamentacjio, podem serdepreendidos por observadores cuidadosos.

13 E claro que a privalja.o, a amarnentacao insatisfat6ria e circunstancias desfavoraveis intensifi-

cam a inveja por perturbarem a gratific~ao plena, e urn circulo vicioso ~criado.

-218-

( E~ contraste com 0 bebe que , devido a sua inveja, foi incapaz de

\construrr seguramente urn objeto born interno, uma crianca com uma forte

icapacidade de amor e gratidao tern uma rela<;ao profundarnente enraizada

Jeom urn objeto born e pode suportar, sem ficar profundamente danificada,

I~'es tados temporaries de inveja, 6dio e ressentimento que surgem mesmo

\ em criancas que sao amad~s e recebem bons cuidados maternos, Assim,

\quando esses estados negativos sao transit6rios, 0 objeto born e recupera-

I do a cada vez. Esse e urn fator essencial para estabelece-lo e para assentar

Ias bases da estabilidade e de urn ego forte . No curso do desenvolvimento

I ,a relacao com 0 seio materna torna-se a base para a dedicacao a pessoas,~~l~res e causas e, assirn, e absorvida uma certa parte do amor que era

~rucia1mente sentido pelo objeto origmario.

'. Urn dos principais derivados da capacidade de amar e 0 sentimento de

gratidao, A gratidao e essencial a construcao da relacao com 0 objeto born

e e tambern a fundamento da apreciacao do que hoide born nos outros e

em si mesrno. A gratidao tern suas rafzes nas ernocoes e atitudes que sur-

gem no estagio rnais inicial da infancia, quando para 0 bebe a mae e 0

unico e exclusive objeto. Referi-rne a essa primeira liga9aol' como a base

para todas as relacoes sUbsequentes com uma pessoa amada. Embora a

relacao .de exc1usividade com a mae varie individualmente em duracao

e intensidade, acredito que, ate certo ponto, e la exista na maior ia das pes-

soas, Em que rnedida permaneee livre de perturbacoes, dcpende parcial-

mente das c ircunstiincias externas, Mas os fatores internos que a funda-

, ~entam - acima de tudo a capacidade de amar - parecem ser inatos. Os

~p~lsos destrutivos, especialmente uma forte inveja, podem num estagio

lr::iClalpertu ..war essa l igacao especia l com a mae. Se a inveja do seio nu-

tridor e forte, a gratificacao plena sofre interferencia porque, como ja des-

crevi, e caracterlstico da inveja despojar 0objeto daquilo que ele possui eestraga-lo.

o bebe 56 pode sentir satisfacao completa sea capacidade de arnar es~ficientemente desenvolvida; e e a satisfacao que forma a base da grati-

dao. Freud descreveu 0 extase do hebe na arnamentacao como 0prot6tipo

da gratificacao sexual D A meu ver, essas experiencias consti tuem nao

apenas a base da grati ficacao sexual mas tambern de toda fel ic idade sub-

seqiiente, e tornam possfvel 0 sentimento de unidade com outra pessoa; tal

unidade significa ser plenamente compreendido, 0 que e essencial para

toda relacao arnorosa ou arnizade fel izes . Em condicoes as mais favora-veil) , tal compreensao nao necessita de palavras para expressa-la, 0 que

dernonstra sua derivacao da intinlidade mais inicial com a mae, no estagio

I' "A Vida Ernocional doBebe" (1952).

IlThree Essays on the Theory of Sexuality.

- 219-

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pre-verbal , A capacidade de frui r plenamente a pr irne ira rela~ao com 0

seio forma a base para sentir prazer proveniente de diversas fontes.

Se h<iexperiencia frequente de ser al irnentado sem que a sar isfacao

seja per turb ada, a introjecao do seio born se da com relativa segu.ran~a.

Uma grati ficacao plena ao seio significa que 0bebe sente ter recebido do

objeto amado uma dadiva especial que ele deseja guardar. Essa e a baseda gratidao. A gratidao esta intimamente ligada a confianca em. fi~uras

boas. Isso inclui, em primeiro lugar, a capacidade de ace itar e assi rni la r 0

objeto originario amado (nao apenas como fonte de al imento) sem que a

voracidade e a inveja interfi rarn demais , pois a internal izacao voraz per -

turba a re lacao com 0 obje to. 0 indivfduo sente estar controlando , exau-

rindo e, portanto, danificando 0 objetc, ao passo que, numa boa relacao

com 0 objeto interne e externo, predornina 0 desejo de preserva-Io e pou-

pa-lo. Deserevi, em outro contexto I', 0 proeesso subjacente a crenca no

seio born como sendo decorrente da capacidade do bebe em investir l ibi -

dinalmente 0 primeiro objeto extemo. Desse modo se estabelece urn ob-

jeto born'" que ama e protege 0 self e e amado e protegido pelo self Essa

e a base da confianca em sua pr6pria "bondade ".

Quanto mais frequenternente e sentida e plenamente aceita a expe-

riencia de gratificacao proporcionada pelo seio, mais freqiientemente sao

sentidas a satisfacao e a gratidao e, por conseguinte, 0 desejo de retribuir

o prazer. Essa experiencia recorrente toma possfvel a gratidao a nfvel

mais profundo e desempenha papel importante na capacidade de fazer re-

paracao , e em todas as subl imacoes. Por meio dos process os de projecao e

introjecao , e atraves da distr ibuicao da riqueza intema e sua rei ntrojecao,

ha urn enr iqueci rnento e aprofundamento do ego. Desse modo, a posse de

urn objeto interne que ajuda e repetidamente restabelecida e a gratidao

pode se manifestar plenamente.

A gratidao esta intimamente ligada a generosidade. A riqueza intema

deriva de ter 0 objeto born sido assirnilado de maneira tal que 0 indivfduo

se torna capaz de compartilhar com outros os dons do objeto. Is50 toma

possfvel introjetar urn mundo externo mais arnistoso, a que se segue urn

sentimento de maior riqueza. Mesmo 0 fato de a generosidade ser fre-

quenternente poueo reconhecida nao solapa necessariamente a capacidade

de dar, Em contraste, nas pessoas em que esse sentimento de riqueza e

forca internas nao se acha suficientemente estabelecido, acessos de gene-

rosidade sao muitas vezes seguidos por uma necessidade exagerada de re-

conhecimento e gratidao e, consequenternente, por ansiedades persecute-rias de haverern sido empobrecidas e roubadas.

I' "Sobre a Observacao do Comportamento de Bebes" (1952).

17 Cf. tarnbern 0 conceito de "seio ilus6rio" de Donald Winnicott e sua concepcao deque, no

corneco, os objetos SaO criados pelo self("Psychoses andChild Care". 1953).

- 220-

A inveja intensa do seio nutridor interfere na capacidade de satisfa-

C;aocompleta e, assim, solapa 0desenvolvimento da gratidao, Ha razdes

psicol6gicas muito pertinentes para que a inveja figure entre os sete "pe-

cados capitals". Diria mesmo que ela e inconscientemente sentida como 0

maior de todos os pecados, por estragar e danif icar 0objeto born que e afonte de vida. Essa concepcao e consistente com a descri ta por Chaucer

em The Parsons Tale*: H E certo que a inveja e 0 pior pecado que existe,

porque todos os outros sao pecados apenas contra uma s6 virtude, en-

quanto a inveja e contra toda a virtu d e e contra tudo que seja born". 0

sentirnento de haver danificado e destrufdo 0objeto originario prejudica a

conf ianca do indivfduo na sincer idade de suas relacoes subsequentes eo

faz duvidar de estar capaci tado para 0 amor e para 0 que e born.Freqiientemente encontramos express6es de gratidao que se revelarn

movidas muito mais por sentimento de culpa do que pela capacidade de

arnar. Acho que e importante a distincao entre ta is sentimentos de cul-

pa e a gratidao em nfvel mais profundo. Isso nao quer dizer que urn

certo elemento de culpa nao entre nos rnais gemunos sentimentos degratidao.

Minhas observacoes mostraram-me que alteracoes significativas do

carater, as quais. a urn exame rnais atento, reve lam-se como deter ioracao

do carater , tern muito mais probabi lidade de acontecer em pessoas que nao

estabeleceram firmemente seu primeiro objeto e que nao sao capazes de

manter gra tidao para com ele. Quando a ansiedade persecut6ria aumenta

nessas pessoas, por motivos internos ou externos, elas perdern cornple ta-

mente seu obje to originario born ou, melhor dizendo , seus substitutos , se-

jam esses pessoas ou valo res. Os processes subjacentes a essa rnudanca

sao urn retorno regressivo a mecanismos arcaicos de cisao e a desintegra-

C;ao.Como isso e uma questao de grau, essa desintegra~ao, embora em ul-

tima analise afete intensamente 0 carater, nao leva necessariarnente adoenca manifesta. A ansia por poder e prestigio, ou a necessidade de apa-

z iguar perseguidores a qualquer custo, estao entre os aspectos de mudanca

de carater que tenho em mente.

Observei em alguns casos que, quando surge inveja de uma pessoa, 0

sentimento de inveja e ativado era suas fontes mais arcaicas. 0ato de se-

rem esses sentimentos pr imaries de natureza onipotente refle te-se no sen-

timento atual de inveja vivenciado em relacao a uma figura substituta e,

assim, contr ibui tanto para as ernocoes susci tadas pela inveja como para 0

desalento e a culpa. E provavel que essa ativacao da inveja mais arca ica

por uma experiencia atual seja comurn a todas as pessoas, mas 0grau e

a intensidade dos sentimentos, bern como 0 sentimento de destruicao oni-

*"0 Conto do Pa roco" ; u rn dos re la tos de The Canterbury Tales. de Geoffrey Chaucer(1340-1400). (N. T.)

- 221-

l:~/,.

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. a cada indivfduo Esse fator po de revelar-se de grandepotente variam par . d h a suasimportincia na analise da inveja, pois sornente ~e. pu er c egar s

fontes mais profundas 6 que a analise tern probabilidade de se tomar ple-

namente operante. _ .

Nao ha dt1vida de que, em todas as pessoas, a frustracao e as CIT-

cunstancias infelizes despertam certa inveja e 6dio no deco~er. da vida,

mas a intensidade dessas ernocoes e a maneira pela qu"! ° md:vfduo as

enfrenta variam consideravel rnente. Essa 6 uma das mUlta~ r~zoes pelas

quais a capacidade de fruicao, ligada ao sentirnento de gratIdao pelo que

foi recebido de born, difere enonnemente nas pessoas,

III

Para tomar mais claro meu argumento, e necessario fazer alguma re-

'ferencia a s minhas concepcoes sobre 0 ego arcaico. Acredito que ele

'existe desde 0 mfcio da vida pos-natal, embora sob forma rudirnentar e

. com grande falta de coesao. Jii no estagio mais inicial, ele desem~enha

uma serie de funcoes importantes. Pode bern ser que esse ego arCaICO~e

assemelhe a parte inconsciente do ego postulada por Freud. Embora nao

afirrnasse que existe urn ego desde 0comeco, ele atribufa ao orgamsmo

uma funcao que, tal como a vejo, s6 pode ser desempenhada pe~o ego. A

ameaca de aniquilamento, pela pulsao de morte intern a, e , em rninha con-

cepcao - que neste ponto difere da de Freud's -, a a~siedade primordial;

e e 0ego que, a service da pulsao de vida, e ate posslvel.mente posto emfuncionamento pela pulsao de vida, deflete em certa medida essa ameaca

para fora. Essa defesa fundamental contra a pulsao de morte foi atribufda

por Freud ao organismo, ao pas so que eu considero esse processo como a

atividade principal do ego.

Existern 'outras atividades prirnordiais do ego que, em rninha concep-

Ciao, derivarn-se da necessidade imperiosa de l idar com a luta entre as pul-

sdes de vida e de morte. Uma dessas funcoes e a integracao gradual que

advem da pulsao de vida e se express a 11acapacidade de arnar. A te~den-

cia oposta do ego, de cindir a si e a seus objetos, ocorre em parte devido afalta de COe5aO do ego quando do nascimento e, em parte, porque ela

consti tui uma defesa contra a ansiedade primordial, sendo assim urn meio

de preservar 0ego. Tenho, por muitos anos, atribufdo grande irnportancia

a urn processo especffico de cisao: a divisao do seio em urn objeto born e

urn objeto rnau. Considerei i5S0 como expressao do confli to inato entre 0

amor e 0 6dio e das ansiedades dele decorrentes. Contudo, coexistindo

' s Freud afirmou que "0inconsciente parece niio center nada que co?frra qualquer conteiido ao

conceito deaniquilamento da vida". Inhibitions, Symptoms and Anxuuy, S'£. 20,129.

-222-

com essa divisao, parece haver diversos process os de cisao, e foi somente

nos t1ltirnos anos que alguns deles foram mais claramente entendidos, POl'

exemplo, verifiquei que concomitantemente a internalizacao voraz e devo-

radora do objeto - 0 seio em primeiro lugar -, 0 ego fragmenta, em graus

diversos, a si e a seus objetos e, dessa maneira, consegue uma dispersao

dos impulses destrutivos e das ansiedades persecut6rias internas, Esse

processo, var iando em intensidade e determinando a maior ou menor nor-

malidade do indivfduo , e urna das defesas utilizadas durante a posicao es-

quizo-paran6ide, a qual acredito que se estenda normalmente pelos pri-

meiros tres ou quatro meses de vida!" , Nao estou sugerindo que, duranteaquele perfodo, 0 bebe nao seja capaz de fruir plenamente suas marnadas,

a relacao com sua mae e os frequenres estados de conforto ffsico on bern-

estar. Mas, sernpre que a ansiedade surge, ela e principal mente de nature-za paran6ide, e as defesas contra ela, assim como os mecanisrnos uti liza-

dos, sao predominantemente esquizoides 0 mesmo acontece, mutatis

mutandis, na vida emocional do bebe durante 0 perfodo caracterizado pela

posicao depressiva .

Retornando ao processo de cisao , que considero ser :HTcondi'ruo para

:a relativa estabi lidade do bebe pequeno: durante os primeiros rncses ele

mantern predominar.temente 0 objero born separado do mall e, desse mo-

do, fundamentalmente 0 preserva - 0 que tarnbern significa que a seguran-

erado ego e aumentada. Ao mesmo tempo, essa divisao fundamental s6 ebern-sucedida se existir uma capacidade adequada de amar e urn ego rela-

I t ivamente forte. Minha hipotese, portanro, e que a capacidade de amar' :promove tanto as tendencies integradoras quanto 0 sucesso da cisao fun-

damental entre 0 objeto amado e 0 odiado. Isso soa paradoxal. Mas, como

. ja disse, urna vez que a integracao baseia-se em urn objeto born firme-

mente enraizado que forma 0 nticleo do ego, urn certo rnontante de cisao eessencial para a integracao, por preservar 0 objeto born e, mais tarde, ca-

pacitar 0 ego a sinteuzar os dois aspectos do objeto. A inveja exccssi va,

:\ uma expressao dos impulsos destrutivos, interfere na cisao fundamental

entre 0 seio born e 0 seio mau, e a estruturacao de urn objeto born nao po-

de ser suficientemente conseguida, Dessa maneira, nao fica assentada a

base para urna persorialidade adulta plenamente desenvolvida e integrada,

pois a di ferenciacao ulterior entre born e mau fica perturb ada em varies

sentidos. Na rnedida em que essa perturbacao do desenvolvimento e devi-da A inveja excessiva, ela se origina da prevalencia, em estagios rnais ini-

ciais, de mecanismos paran6ides e esquiz6ides, os quais, segundo rninhas

hip6teses, formam a base da esquizofrenia.

is Cf, meu trabalho "Notas sobre Alguns Mecauisrnos Esquiz6ides"; tarnbern Herbert Rosenfeld,"Analysis of a Schizopbrenic State with Depetsonalization" (1947).

- 223-

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Na investigacao dos processos arcaicos de cisao, e essencial diferencar

entre um objeto bom e urn objeto idealizado, embora essa distincao nao

; possa ser nitidamente tracada, Uma cisao muito profunda entre os dois

aspectos do objeto indica que nao sao 0 objeto bom e 0 objeto mau que

estao sendo mantidos separados, mas si rn um objeto ideal izado e urn ob-

jeto extremarnente mau. Uma divisao tao profunda e nftida revela que

os impuLsos destrutivos, inveja e ansiedade persecut6ria sao muito inten-

sos e que a idealizacao serve principal mente como defesa contra essas

emoc;:6es.

Se 0 objeto born esta profundamente enraizado, a cisao e fundamen-! talmente de natureza diferente e permite que processos rnuito importantes\'de integracao do ego e sfntese do objeto se jam operantes . Assim, uma m-

tigacao do 6dio pelo amor pode ocorrer em certa medida e a posicao de-

pressiva pode ser elaborada. Como resultado, a identi ficacao com um ob-

jeto bom e total e a inda mais seguramente estabelecida; e isso tambern

fortalece 0ego e capaci ta-o a preservar sua identidade e tarnbern a sentir

que possui uma "bondade" pr6pria. 0 ego fica menos sujei to a identi fi -

car -se indiscriminadamente com uma variedade de objetos, processo ca-

racterfstico de urn ego fraco. Alern disso , a identificacao plena com urn

objeto born e acompanhada de uma sensacao de que 0selfpossui "bonda-

de" propria, Quando as coisas vao mal , a identif icacao projetiva excessi-

va, peLa qual as partes excindidas do self sao projetadas para dentro do

objeto, leva a grande confusao entre 0 self e 0 objeto, 0 qual tambern pas-

sa a representar 0 self 0. Isso se acompanha de urn enfraquecimento doego e de uma grave perturbacao das relacoes de objeto.

Os bebes cuja capacidade de amar e forte sentem menos necessidade

de ideal izar do que aqueles em quem os impulsos destrutivos e a ansieda-

de persecut6ria sao predominantes. Idealizacao excessiva indica que a

perseguicao e a pr incipal forca propulsora . Como descobri ha muitos anos

em meu trabalho com criancas pequenas, a ideal izacao 6 urn corolario da

ansiedade persecut6ria - uma defesa contra ela -, e a seio ideal 6 a con-

trapartida do seio devorador.

o objeto idealizado e muito menos integrado no ego que 0 objeto

born, pois se origin a muito mais da ansiedade persecut6ria do que da ca-

pacidade de amar . Veri fiquei tambern que a ideal izacao der iva do senti-

mento inato de existir urn seio extrema mente bom, sentimento que leva ao

anseio por urn objeto born e pela capacidade de ama-lo". Is50 parece ser

10 .Tratei da importancia desse processo em trabalhos anteriores e desejo apenas salientar aqui que

ele me parece ser urn mecanisme fundamental na posicao esquizo-parandide,

i1 Jti me referi a necessidade inerente de idealizar a situacao pre-natal. Outro terreno freqOente

para a idealizacao e a rela~iio mi\e-beb~. Aquelas pessoas que nao foram capazes de vivenciar

suficiente felicidade nessa relacao sao as que especial mente a idealizarn retrospectivarnente,

- 224-

uma condicao para a pr6pria vida, ou seja, uma expressao da pulsao de

vida. Como a necessidade de urn objeto born e universa l, a distincao en-

tre objeto idealizado e objeto born nao pode ser considerada como ab-

soluta.

Algumas pessoas l idam com sua incapacidade (derivada de inveja ex-

cessiva) de possuir urn objeto born por meio da ideal izacao. Essa primeira

idealizacao e precaria porque a inveja do objeto born esta fadada a esten-

der-se a seu aspecto idealizado. a mesmo e verdade quanto as idealiza-

goes de obje tos ulte riores e Iiidenti ficacao com eles , a qual e geralrnenteinstavel e indiscriminada.. ' A voracidade e urn fa tor importante nessas

identi ficacoes indiscriminadas, pois a necessidade de obter 0 melhor do

que quer que seja interfere na capacidade de selecao e discriminacaor ''Es-

sa incapacidade esta tambem ligada a confusao entre 0 born e 0mau que

surge na relacao com 0 objeto originario.

Enquanto aquelas pessoas que puderam estabelecer com relativa se-

-,'guranca 0 obje to or iginario sao capazes de conservar arnor por e le apesar

de imperfeicoes, outras tern como caracterfs ticas a ideal izacao de suas re-

lacoes amorosas e amizades, Essa Ideal izacao tende a desmoronar, e, en-

tao, urn objeto amado tem que ser constantemente trocado por outro, pois

nenhum pode preencher integralmente as expectativas. A pessoa anterior-

mente ideal izada 6 muitas vezes sentida como urn perseguidor (0 que re-

vela a origem da idealizacao como contrapartida a perseguicao) e dentro

dela e projetada a ati tude invejosa e crf tica do suje ito. E de grande im-

portancia 0fato de processos semelhantes operarem no mundo interno, 0

qual , desse modo, passa a conter objetos espec ia l mente perigosos. Tudo

isso leva a instabilidade nos relacionamentos. Esse e urn outro aspecto da

fraqueza do ego, a qual me referi anteriorrnente, em conexao com identifi-

cacoes indiscriminadas.

Duvidas quanta ao obje to born surgem faci lmente mesmo numa firme

relacao crianca-rnae; isso se deve nao apenas ao fato de 0 bebe ser muito

dependente da mae, mas tambern a ansiedade recor rente de que sua vora-

cidade e impulsos destrutivos venham a preponderar - ansiedade que e urn•• I

! importante fator nos estados depressivos. No entanto, em qualquer estagio

') j da vida, sob pressao da ansiedade, a crenca e a confianca em objetos bons

" podem ser abaladas. Mas sao a intensidade e a duracdo de tais estados de

dtivida, desalento e perseguicao que determinam se 0 ego e capaz de

re integrar -se e de restabelecer com seguranca seus objetos bons.22 A es-

21 A 6 it . "M .e ss e p rop S l0, ver _:neuart igo ourrung and i ts Relat ion toManic-Depressive Sta tes" , no

q~~l d_::fLnla e labo~~ao normal do luto como urn processo durante 0qual osobje tos bons ini-

ciats sao restabelecldos. Sugeri que essa elaborat;lio se efetua quando 0bebe lida com sucessoCOma posicao depressi va.

-225-

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peranca e a confianca na existencia da "bondade": como pode ser obser-

vado na vida cotidiana, auxiliarn as pessoas ern mero a grandes adversida-

des e contrabalancarn eficazmente a perseguicao.

IV

Parece que uma das consequencias da inveja excessiva e urn apareci-menta prematuro da culpa. Se a culpa prematura for experimentada par

urn ego ainda nao capaz de tolera-la, ela e sentida como perseguicao e 0

objeto que a desperta transforma-se num perseguidor. 0 bebe, entao, nao

pode elaborar nem a ansiedade depressiva nem a persecutoria, porque elas

se confundem uma com a outra, Alguns meses mais tarde, quando surge a

posicao depressiva, 0 ego mais integrado e fortalecido tern maior capaci-

dade de suportar a dor da culpa e de desenvolver defesas correspondentes,

principal mente a tendencia a fazer reparacao.

o fate de que no estagio mais inicial (isto e, durante a posicao esqui-

zo-parandide) a culpa prernatura aumenta a perseguicao e a desintegracao

tern como consequencia tambern 0 fracasso da elaboracao da posicao de-

pressiva" .

Esse fracasso pode ser observado tanto em criancas como em adultos;

logo que a culpa e sentida 0 analista torna-se persecut6rio e e acusadopor diversas razoes, Em tais casos, veri ficamos que quando eram bebes

eles nao puderarn vivenciar a culpa sern que esta simultaneamente condu-

zisse a ansiedade persecut6ria com suas defesas correspondentes. Essas

defesas aparecem mais tarde como projecao sobre 0analista e negacao

onipotente ..

.. Minha hip6tese e que uma das mais profundas fontes de culpa esta

sempre relacionada a inveja do seio nutridor e ad sentimento de haver es-

tragado sua "bondade" por meio de ataques invejosos. Se 0objeto origi-

23 Embora nio tenha alterado meus concertos quanto ao estabelecimento da posir;iio depress iva

por volta do quarto ao sex to mj!sde v ida ade 0 seu clfrnax ser atingido aproximadarnente aos

seis meses, veriflquei que alguns bebes parecem vivenciar culpa transitoriarnente nos prirnei-1'OS mesea de v ida (Cf. "Sobre a Teoria daAns iedade e cia Culpa"). IS80nil.oimplica que a po-

si910 depressiva jli tenha surgido, Deserevi em outro lugar a variedade de processes e defesas

que caracterizam a posir;lio depressiva, tais como a relar;!!.ocom 0 objeto total, urnreconheci-

mente maior da realidade interna e externa, defesas contra a depressso, especialrnente a neces-

sidade prernente de reparar;il.o e a amplia~lo das rela90cs objetais que conduzem aos estagiosiniciais do complexo de~dipo. Ao falar sobre a culpa transitoriamente vivenciada noprimeiro

estaigio de vida, aproximei-rne da concepr;l\o que sustentava k c!pocaem que escrevi The Psy_

cho-Anaiysis of Children, onde descrevi a culpa e a persegui9110vivenciadas por bebss ainda

muito pequenos, Quando subseqdentemente defini a posigllo depressive, separei rnais clara-

mente, e talvez esquematicamente demais, de urn lado culpa, depressso e defesas correspon-

dentes, e de outre, 0 estaigio paran6ide (que posteriormente chamei de posicao esquizo-para-n6ide).

-226-

. ,-\

Ii

II

nario foi estabelecido com reiativa f irmeza na tenra infancia, a culpa des-.

pertada par tais sentimentos pode ser suportada com mais sucesso porque

a inveja e, entao, rnais transitoria e rnenos passfvel de p6r em perigo a re-

las:ao com 0 objeto born. -

A inveja excessiva interfere na gratificacao oral adequada, agindo as-

sim como estfmulo a intensificacao dos desejos e tendencias genitais. Isso

leva 0bebe a voltar-se cedo dernais para a grati ficacao genital , tendo co-

mo consequencia que a relacao oral torna-se geni tal izada e as tendencies

genitais tornam-se demasiadamente coloridas por ressentimento e ansieda-

des orais. Tenho frequenternenre sustentado que as sensacoes e desejos.genitais operarn possivelrnente a partir do nascimento; par exemplo, e bernconhecido que bcbes do sexo masculino tern erecoes desde muito cedo.

Mas, ao falar que essas sensacoes surgem prematuramente, quero dizer

que as tendencies genitais interferem nas orais , nurn estagio em que os de-

sejos orais sao os predominantes' ". Aqui, novamente, temos que levar em

conta os efeitos da confusao inicial, que se expressa pela nao distincao

entre os i rnpulsos e fantasias orais , anais e genitais , Uma superposicao

entre essas varias fontes, tanto de libido como de agressividade, e normal.Porern quando a superposicao equivale a uma incapacidade de vivenciar

suficientemente a predorninancia de qualquer dessas tendencies em seu

estagio adequado de desenvolvirnento, tanto a vida sexual subsequente

quanto as sublimacoes sao, entao, adversamente afetadas. A genitalidade

baseada numa fuga da oral idade ~ insegura porque para ela sao transpor-

tados os desapontarnentos e as suspeitas ligadas a satisfacao oral prejudi-cada. A interferencia das tendencias genitais na primazia oral solapa a

gratificacao na esfera genital, e rnuitas vezes ~ causa de rnasturbacao ob-

sessiva e de promiscuidade. Isso porque a ausencia da satisfacao basica

introduz elementos compulsives nos desejos genitais e, como ja vi em al-

guns pacientes , pode assim resultar em que sensacoes sexuais entrem em

todas as atividades, processos de pensamento e interesses . Em certos be-

bes, a fuga para a geni tal idade ~ tarnbern uma defesa contra odiar e dani-

ficar 0primeiro obje to, em relacao ao qual operam sentirnentos ambiva-

lentes. Tenho verificado que 0 infcio prematuro da genitalidade pode estar

ligado a ocorrencia precoce da culpa, e e caracterfstico dos casos paran6i-

des e esquizdides'".

Henho razoes para acreditar que essa genitaliza~iio premature 6caracterfstica frequente no! in-

d iv fduos com forte s traces esquizofren icos , e na esquizofren la dec la rada . Cf. W. Bion em

"Notes on the Theory of Sch izophren ia" (1954) e "Differen tiat ion of the Psychotic from theNon-Psychotic Personalities" (1958).

l'Cf . "The Impor tance of Symbol Forma tion in the Development o f the Ego" (1930) e "AContribution to the Psychogenesis of Manic-Depressive States" (1935); tamb6m The Psycho-Analysis a/Children.

- 227-

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Quando 0bebe alcanca a posicao depressiva e torna-se mais capaz de

enfrentar sua realidade psfquica, sente tarnbem que a "rnaldade " do objeto

e devida em grande parte a sua pr6pria agressividade e a projecao decor-

rente. Esse insight, como podemos ver na situacao transferencial , da ori-

gem a uma grande dor psfquica e culpa quando a posicao depressiva esta

em seu apice. Entre tanto, 0 insight tarnbern acarreta sensacoes de alfvio e

esperanca, as quais por sua vez tornam menos diffcil reunir os dois as-

pectos do objeto e do self e elaborar a posicao depressiva, Essa esperanca

baseia-se no crescente conhecimento inconsciente de que 0 objeto, interno

e externo, naa e tao mau quanta parecia ser em seus aspectos excindidos.Atraves da mitigacao do 6dio pelo amor, 0objeto melhora na mente do

bebe, Nao e mais tao intensamente sentido como tendo sido destrufdo no

passado, e diminui 0 per igo de que seja destrufdo no futuro; nao havendo

sido danificado, e tarnbern sentido como menos vulneravel no presente e

no futuro. 0 objeto interno ganha urna funcao de comedimento e de auto-

preservacao e 0 aumento de sua forca e urn aspecto i rnportante de sua

funcao de superego.

Ao descrever a superacao da posicao depressiva, J igada a maior eon-

f ianca no objeto born interne, nao pretendo dar a impressao de que ta is re-

sul tados nao possam ser temporar iamente desfei tos, Uma tensao, de natu-

reza interna ou extern a, e capaz de provocar depressao e desconfianca

tanto do self como do objeto. Contudo, a capacidade de emergir de tais

estados depressivos e reconquistar 0 sentimento de seguranc;:a interna e ,

em minha concepcao , 0 criterio para uma personalidade bern desenvolvi-da. Em contraste, a maneira frequente de lidar com a depressao endure-

cendo os pr6prios sentimentos e negando a depressao e uma regressao as

defesas manfacas utilizadas durante a posicao depress iva infantil .

Ha uma ligacao direta entre a inveja vivenciada em relacao ao seio da mae

e 0 desenvolvimento do ciume. 0 ciume se baseia em suspei ta e r ival idade

com 0 pai, que ~ acusado de ter levado embora 0 seio materno e a mae.

Essa rivalidade marca os estagios iniciais do complexo de Edipo direto'

e invertido, que norrnalmente surgem concomitantemente a posicao de-

pressiva, entre 0 quar to e 0 sexto mes de vida . 26

o desenvolvimento do complexo de Edipo e forte mente influenciadopelas vicissitudes da primeira e exclusiva relacao com a mae e, quando

essa relacao e perturbada cedo demais, a rivalidade com 0 pai aparece

prernatu ramente. As fantasias do penis dentro da mae ou dentro de seuseio transforrnam 0 pai num intruso hostil. Essa fantasia e particularrnente

26 Ass in al ei em out ro l ugar ( po r exe rnpl o em "A Vida E rnoc iona l do BeM") a I nt ima conexao

en~ a f as e em que a pos ic so dep re ss iv a s edes envo lv e e o s e st 1i gi os i ni ci ai s do compl exo deEdlpO.

-228-

: ! ~ ~ ' ! " f ' "~ , *. z q ~ .~ . ' ~ . '..;. "" ~~Fi -

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intensa quando 0 bebe nao teve a satisfacao plena e a felicidade que a re-

lacao inicial com a mae pode proporcionar, e nao intemalizouo primeiro

objeto born com alguma seguranca. Tal fracasso depende, em parte, da

forca da inveja.

Quando em trabalhos anter iores descrevi a posicao depressiva , mos-

trei que nesse estagio 0 bebe prcgressivamente integra seus sentimentos

de amor e odio, sintetiza os aspectos bons e maus da mae e passa por es-

tados de luto l igados a sentirnentos de culpa . Corneca tambern a compre-

ender melhor 0mundo externo e entende que nao pode manter a mae para

si, como posse exclusiva . A possibi lidade de 0 bebe encontrar ou nao aju-

da para essa dor atraves de sua relacao com 0segundo objeto, 0pai, ououtras pessoas de seu ambiente, depende muito das emocoes que ele vi-

vencia com 0 objeto unico perdido. Se essa re lacao foi bern fundamenta-

da, 0rnedo de perder a mae e menos intenso e a capacidade de comparti -

lha-la e maior. Pode entao senti r tambern mais amor por seus riva is . Tudo

is so pressup6e que ele foi capaz de elaborar satisfato riamente a posicao

depressiva, 0que, por sua vez, depende de a inveja do objeto originario

nfio ter sido excessiva.

Como sabemos, 0chime ~ inerente a situacao edipiana e e acompa-nhado de 6dio e desejos de morte. Norrnalmente, no entanto, a aquisicao

de novos objetos que podem ser amados - 0pai e irmaos - e outras com-

pensacoes que 0ego em desenvolvimento ti ra do mundo extemo mitigam,

ate certo ponto, 0cit ime e 0ressentimento. Se os mecanismos paranoides

e esquiz6ides sao fortes, 0cir ime - e em ultima analise a inveja - perma-

nece nao mitigado. 0 desenvolvimento do complexo de Edipo e essen-cialmente influenciado por todos esses fatores.

As fantasias do seio da mae e da mae que con tern 0penis do pai, ou

do pai contendo a mae, estao entre as earacterfsticas do estagio mais ini-

eial do complexo de Edipo . Essa e a base da figura dos pais combinados,

e a i rnportancia dessa fantasia foi desenvolvida em escri tos anteriores '" . A

influencia da figura dos pais combinados na capacidade do bebe de dife-

rencar 0 pai da mae, e de estabelecer relacces boas com cada urn deles, eafe tada pela forca de sua inveja e pela intensidade de seu chime edipiano.

Isso porque a suspeita de que os pais este jam sempre obtendo gra ti ficacao

sexual um do outro reforca a fantasia - derivada de varias fontes - de que

eles estao sempre combinados. Se essas ansiedades vigoram de maneira

intensa e, portanto, prolongam-se demasiadamente, .pode haver, como

consequencia, uma per turbacao duradoura na relacao com ambos as pais.

Em pessoas muito doentes, a incapacidade de desemaranhar a relacao com

17 The Psycho-Analysis of Children (part icular rnente cap. VII I) e "A Vida Emocional do Bebe" ;

Ass lnalei afque , nonnalmente , essas fantasias fazem par te dos estagios iniciais do complexo de

Edipo, mas eu agora acrescentariaquetodoodesenvolvimentodocomplexode Edipo6fortemente

influenciado pela intensidade da inveja, a qual determina a forca da figura dos pais combinados.

- 229-

. t i : l · ·F

.'< , ~ ~ .

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o pai da relacao coni a mae - por se acharern eles inextricavelrnente inter-

ligados na mente do paciente - desempenha urn papel importante nos es-

tados graves de confusao.

Se a inveja nao e excessiva, 0citime na situacao edipiana toma-se urn

j meio de elabora-la. Quando 0 chime e vivenciado, os sentimentos hostis

sao dirigidos nao tanto contra 0 objeto originario mas principal mente

contra os r ivais . :. ..pai ou irmaos -, 0 que introduz urn elemento de distr l-

buicao, Ao mesmo tempo, quando essas relacoes se desenvolvem, dao

origem a sentimentos de arnor e tornam-se uma nova fonte de gratificacao.

Alem disso, a mudanca de desejos orai s para desejos geni tais reduz a irn-

portancia da mae como provedora de satisfacao oral . (Como sabemos, 0

objeto da inveja 15em grande parte oral.) No menino, uma boa parte do

6dio e defletida para 0 pai que 15invejado por ter a mae; esse 150 ciume

edipiano tfpico. Na menina, os desejos genitais pelo pai capacitarn-na a

encontrar urn outro objeto de arnot. Assim, em certa rnedida, 0 ciiime su-

planta a inveja; a mae se toma a principal rival. A menina deseja tomar

o lugar de sua mae e possuir e cuidar dos bebes que 0pai amado da amae. A identificacao com a mae nesse papel toma possfvel uma escolha

rnais ampla de sublimacoes, E essencial tambern levar em conta que a ela-boracao da inveja por meio do ciume 15,ao mesmo tempo, uma defesa im-

,portante contra a inveja. 0 chime e sentido como muito mais aceitavel e

origina menos culpa do que a inveja primaria que destr6i 0 primeiro ob-

jeto born.

Na analise.vnos podemos frequentemente ver a conexao fntima entreciume e inveja. Por exernplo, urn paciente sentiu muito ciume de urn ho-

mem com 0qual pensava que eu mantivesse urn contato pessoal fntimo. 0

passo seguinte foi urn sentimento de que, de qualquer modo, eu era pro-

"vavelmente desinteressante e tediosa na vida particular e, subitamente, to-

da a analise pareceu-lhe macante, A interpretacao - neste caso dada pelo

pr6prio paciente - de ser isso uma defesa levou ao reconhecirnento de

uma desvalor izacao da analista como resultado de uma erupcao de inveja.

A arnbicao 15urn outro fator altamente instrumental na estimulacao da

inveja. Esta muitas vezes relacionada, em primeiro lugar, a r ivalidade e

competicao na situacao edipiana; mas, se excessiva, mostra cIaramente

suas rafzes na inveja do objeto originario. 0 fracasso em satisfazer a pro-

pr ia ambicao ~ freqiientemente resultado do confl ito entre a necessidade

premente de reparar 0 objeto danificado peia inveja destrutiva e urn reno-

vado reaparecimento da inveja.A descoberta por Freud da inveja do penis nas mulheres, e da Iigacao

dessa inveja com os impulsos agressivos, foi uma contribuicao funda-

mental para a cornpreensao da inveja. Quando a inveja do penis e os de-

sejos de castrar sao fortes, 0 objeto invejado, 0 penis, deve ser destrufdo e

ser dele privado 0 homem que 0 possui. Em sua "Analysis Terminable

-230-

I

II

and Interminable", Freud (1937) enfatizou a dificuldade que surge na

analise de pacientes do sexo feminino pelo pr6prio fato de elas nunca po-

derem adquirir 0penis C]uedesejam. Ele afirmou que a paciente do sexo

ferninino sente . 'urna conviccao intema de que a analise nao servira para

coisa alguma e que nada pode ser feito para ajuda-Ia, E n6s nao podemos

deixar de concordar com ela, quando descobrimos que seu motivo mais

forte para vir ao tratamento foi a esperanca de que, afinal de contas, ela

ainda poderia obter um orgao masculino, cuja falta lhe era tao dolorosa".

1 < 1 exarninei, em relacao a outros assuntos"", varies fatores que con-

tribuem para a inveja do penis. Neste contexto, desejo considerar a inveja

do penis na rnulher principal mente na medida em que e de origem oral.

Como sabemos, sob 0 predomfnio dos desejos orais, 0 penis e cquaciona-do com 0 seio (Abraham) e, em minha experiencia, a inveja do penis na

mulher pode ser rernontada a inveja do seio da mae. Verifiquei que, se

a inveja do penis nas mulheres e analisada desse angulo, podemos ver que

sua raiz esta na relacao mais arcaica com a mae, na inveja fundamental do

seio materna enos sentimentos destrutivos a ela associados.

Freud mostrou 0 quanto a atitude da menina para com a mae e vital-mente importante para suas relacoes subsequentes com os homens. Quan-

do a inveja do seio materna foi intensamente transferida para 0 penis do

pai, 0resultado pode ser urn reforco de sua ati tude homossexuaI. Dutro

resultado pode ser urn afas tamento subito e abrupto do seio em direcao ao

penis, devido as ansiedades excess ivas e aos confli tos despertados pela

relacao oral. Esse e essencialmente urn mecanismo de fuga e, portanto,

nao conduz a relacoes estaveis com 0 segundo objeto. Se 0 motivo princi-

pal para essa fuga 15inveja e 6dio vivenciados em relacao a mae, essasemocoes sao logo transferidas para 0pai e, por conseguinte, nao pode ser

estabelecida com ele uma atitude amorosa e duradoura. Ao mesmo tempo,

a relacao invejosa com a mae expressa-se atraves de uma rivalidade edfpi-

ca excess iva. Essa rivalidade 15devida muito rnenos ao amor pelo pai do

que a inveja da mae que possui 0 pai e seu penis. A inveja vivenciada em

relacao ao seio e entao plenamente transportada para a situacao edipiana.

o pai (au seu penis) torna-se urn'apendice da mae e e nesses termos que a

" "The Oedipus Complex : in the Light o f Early Anxie ties " (1945), Obras Completas, I, pag.

4 18. "A inv ej a do pen is e 0 complexo de castracao desernpenharn urn papel essencial no de-

senvolvimento da menina,Maseles silo multo reforcados pela frustracllo deseus desejos edfpi-cos positives. Embora a menina, em determmado estagio, presuma que sua mae possui urn pe-

nis como atributo masculino, esse conceito nao desempenha urn papel tao importante em seu

desenvolvimento como Freud sugere. A teoria inconsciente deque sua fil3e contem 0 admirado

e desejado penis do pai constitui, em minha experiencia, a base de muitos dos fenomenos que

Freud descreveu como a relacao da menina com a mae f~lica. Osdesejos orais damenina pelo

penis do seu pai rnesclarn-se a seus primeiros desejos genitals de receber aquele penis. Esses

desejos genitals pressupoern 0desejo dereceber filhos deseu pai, 0que ~tarnbern corroboradopela equacao "penis= filho". 0 desejo feminino de intemalizar 0 penis e receber urn filho de

seu pai precede invariavelmcnte 0desejo de possuir urn penis proprio."

- 231-

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iuenina quer despoja-la dele. Muis tarde na vida, cada sucesso em sua re-

1a9ao com os homens toma-se, por conseguinte, uma vit6ria sobre uma

outra mulher. Isso e pertinente mesmo quando nao h a uma rival 6bvia,

pois a rivalidade e entao dirigida contra a mae do homem, como pode ser

visto nas frequentes perturbacoes da relacao entre nora e sogra. Se 0 ho-

mem e principal rnente valorizado porque conquista-Io e urn triunfo sobre

outra mulher, 0 interesse por ele pode ser perdido assim que 0 sucesso te-

nha side alcancado. Na atitude em relacao 11mulher rival esta entao su-

bentendido: "Voce (representando a mae) tinha aquele seio maravi lhoso

que eu nao pude obter quando voce 0 recusou a mim e do qual ainda a

quero despojar; portanto, eu ti ro de voce aquele penis que Ihe e tao caro".

A necessidade de repeti r esse triunfo sobre uma rival detestada contribui

frequentemente, e de maneira considertivel, para a busca de um hornern

depois do outro.

Mesrno quando 0 6dio e a inveja da mae nao sao tao fortes, 0 desa-

pontamento .e 0 ressentimento podem, ainda assirn, Ievar a urn afastamento

dela; porern urna idealizacao do segundo obje to , 0 penis do pai e 0 pai,

pode entao ser mais bem-sucedida. Essa idealizacao deriva principalmente

da busca por um objeto born, uma busca que ja nao teve sucesso e, por-

tanto, pode falhar novamente, mas que nao precisa falhar se a amor pelo

pai predomina na situacao de ciume; pois entao a mulher pode combinar

urn certo 6dio contra a mile com arnor pelo pai e, mais tarde, por outros

homens, Nesse caso, e possfvel haver sentimentos amistosos em relacao a

rnulheres, contanto que elas nao representem demasiadamente urn substi-

tuto materno. Amizade com mulheres e homossexual idade podem entao

estar baseadas na necessidade de encontrar urn objeto born em lugar do

objeto originario evitado. 0 fato de que tais pessoas - e isso se apJica

tanto a homens quanto a mulheres - possam ter boas relacoes de objeto e,

portanto, muitas vezes enganoso, A inveja subjacente em relacao ao ob-

jeto originario esta excindida mas permanece operante e e passfvel de

perturbar quaisquer relacoes.

Em varies casos, ver ifiquei que af rigidez , em graus diferentes, era 0

resultado de ati tudes instaveis em relacao ao penis, baseadas principal-

mente em uma fuga do objeto originario. A capacidade de obter gratifica-

gao oral plena, que esta enraizada numa relacao satisfat6ria com a mae, e

a base para sentir orgasmo genital pleno (Freud).

No homern, a inveja do seio da mae e tarnbem um fator muito impor-

tante. Se e intensa e, desse modo, a gratificacao oral esta prejudicada,o 6dio e as ansiedades sao transferidos para a vagina. Embora normal-

mente 0 desenvolvimento genital possibi li te ao menino manter sua mae

como urn objeto de amor, uma perturbacao profunda na relacao oral abre

carninho para dificuldades graves na ati tude geni tal em relacao as mulhe-

res. As consequencias de uma relacao perturbada, pr imeiro com 0 seio e

- 232-

depois com a vagina, sao multiplas, tais como prejufzo da potencia geni-

tal , necessidade compulsiva de grati ficacao genital, promiscuidade e ho-

mossexualismo,

Uma fonte de culpa quanta a homossexualidade parece ser 0 senti-

mento de ter-se afastado da mile cheio de 6dio e de te-la trafdo fazendo

uma alianca com 0 penis do pai e com 0 pai. Tanto durante 0 estagio edf-

pico como mais tarde na vida, esse elemento de traicao de uma mulher

amada pode ter repercuss6es como, por exemplo, perturbacoes na amizade

com homens, mesmo que nao sejam de natureza manifestamente hornosse-

xual. Por outro lado, observei que a culpa .em relacao a uma mulher ama-da e a ansiedade implfci ta naquela ati tude reforcam frequentemente a fuga

para longe da mulher e aumentam as tendencias homossexuais.

E provavel que a inveja excessiva do seio se estenda a todos os atri-

butos femininos, particularmente a capacidade da mulher de ter filhos, Se

o desenvolvimento e bern-sucedido, a ccmpensacao do homem para esses

desejos femininos nao real izados pode ser auferida atraves de uma relacao

boa com sua mulher ou amante e atraves de tomar-se pai dos filhos que

ela concebe dele. Essa re lacao propicia outras experiencias , como a iden-

tificacao com 0 fi lho, compensando assim, de muitas maneiras , a inveja e

as frustracoes arcaicas; tambern 0 sentimento de ter criado 0 filho contra-

balanca a inveja arcaica que 0homem tern da femini lidade da mae.

Tanto em hornens como em mulheres , a inveja desempenha urn papel

no desejo de tirar os atributos do sexo oposto, bern como de possuir ou

estragar aqueles do geni tor do mesrno sexo. Por conseguinte, em ambos ossexos, nao importa quae divergentes seus desenvolvimentos, 0 ciume pa-

ranoide e a rivalidade na si tuacao edipiana dire ta e invertida sao baseados

na inveja excess iva em relacao ao obje to originario, a mae, ou melhor, seu

seio.

o seio "born" que nutre e inicia a relacao de amor com a mae e 0 re-presentante da pulsao de vida" e e tarnbem sentido como a prime ira mani-

festacao da criatividade. Nessa relacao fundamental, 0 bebe nao apenas

recebe a grati ficacao desejada, mas tambern sente que esta sendo mantido

vivo. Pois a fome, que suscita 0medo de morrer de inanicao, e possivel-

mente susci ta ate mesmo toda dor psfquica e ffsica, e sentida como arne a-ga de morte, Se a identif icacao com urn objeto intemal izado born e propi-

ciador de vida puder ser mantida, ela se toma uma forca propulsora para a

criatividade. Embora superficialmente isso possa manifestar-se como co-

biga por presttgio, riqueza e poder que outros tenham alcancado!", seuobjetivo real e a criatividade. A capacidade de dar e preservar vida e sen-tida como 0 dom maximo e, portanto, a criatividade toma-se a causa mais

29 Ver "A Vida Emocional do Bebe" e"O Comportamento deBebes",

.30 "Sobre a Identificac;lio" (1955).

- 233 ~

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profunda de inveja. 0 estragar a cr iatividade, pr6prio da inveja, e ilustra-do no Paratso Perdido" de Milton, onde Sam, invejoso de Deus, decide

tomar-se 0usurpador do Ceu. Ele faz guerra a Deus na tentativa de estra-

gar a vida celestial, e cai do Ceu, Cafdo, ele e seus outros anjos cafdos

constroem 0 Inferno como rival do Ceu e tornam-se a forca destrutiva que

tenta destruir 0 que Deus cria!", Essa ideia teo16gica parece provir de

Santo Agostinho, que descreve a Vida como uma forca criativa, em opo-

si<;ao a Inveja, uma forca destrutiva, Nesse sentido, a Primeira Carta aos

Corfntios diz: "0 Amor nao inveja" .

Minha experiencia psicanalftica tern me mostrado que a inveja da

criatividade e urn elemento fundamental na perturbacao do processo cria-

tivo. 0 estragar e destruir a fonte inicial do "born" logo conduz a destrui-<;aoe ataque aos bebes que a mae contern, e tern como resultado a modif i-

cacao do objeto born, que passa a ser hostil, crftico e invejoso. A figura

supereg6ica na qual muita inveja tenha sido projetada torna-se particular-

mente persecut6ria e interfere nos processos de pensamento e em toda ati-

vidade produtiva, em. ultima instancia na criatividade.

. A atitude invejosa e destrutiva para com 0 seio esta na base da crftica

destrutiva, a qual ~ freqiientemente descr ita como "mordaz" e "pernicio-

sa". E especial mente a. cr iatividade que se toma objeto de tais ataques.

Assim, Spenser , em "The Faerie Queene", descreve a inveja como urn 10-

borapace:

"He hated all good workes and vertuous deeds

And e k e the verse of famous Poets witt

He does backebite, and spightfull poison spues'?

From leprous mouth on all that ever writt. *

A crftica construtiva tern fontes diferentes; visa ajudar a outra pessoa

e aprimorar seu trabalho. Algumas vezes eia provem de urna forte identi-

31 Livros Ie II.

!2 "Mas 6 pela inveja do Diabo que a morte faz sua entrada no mundo , e aqueles que pertencern

aoDiabo prow-Ia-lio" (Sabcdoria de Salomlio, cap. 2, v; 24).

33 Tamb6m em Chaucer ntSsencontramos extensas refer!ncias a essa maledicencia e crltica des-

trutiva que caracterizam a p esso a invejosa. Ele desereve 0pecado de malcdic!ncia como tendo

origem em uma mistura da infelicidade do invejoso, diante das qualidades boas e prosperi dade

de outros hom ens, com sua satisfa«110no prejufzo destes, a cornportamento pecaminoso ~ca-

racterizado pelo "homem que louva seu vizinho, porem com intuito maldoso, pois ele sempre

ap6e urn 'mas' no fmal e a fa la e logiosa Esegu ida por outra deuma reprovacao rna io r doque a

pessoa merece, Ou, seum homern 6 bom e faz ou d iz coisas com boa inten9iio , 0rnaledlcentereverted toda essa bondade a service deseus proprios inten tos astuc iosos, au, seou tros ho-

mens fal am bem de um homem, 0 maledi cent e en tl lo di rl i que 0homem 6 multo born, masmeneionard alguem que ~ melhor eassim desmerecera aquele que osoutros homens louvam".

• "Ele odiava todas as boas pt11ticase a~Oes virtuosas ••• E tambem os versos inspirados de fa-

mosos Poe tas. E le calun ia e verte de boca leprosa veneno maligne sobre tudo quanto jli foi es-erito" • (N.T.)

-234-

ficacao com a pessoa cujo trabalho esta em discussao. Atitudes maternais

ou patemais tarnbern podern estar presentes e, frequenternente, uma con-

fianca na pr6pria criatividade contrabalanca a inveja.

Urna causa especial de inveja e sua relativa ausencia em outras pes-

soas. A pessoa invejada e sentida como possuidora daquilo que, no fundo,

e 0 mais prezado e desejado - um objeto born, que tambern implica born

carater e sanidade. Alern disso, a pessoa que pode, sem rancor e rnesqui-

nhez, regozijar-se com 0 trabalho criativo e com a felicidade dos outros 6

poupada dos tormentos da inveja, do ressentimento e da perseguicao. A

inveja e uma fonte de grande infelicidade, e estar relativamente livre dela

. e senti do como urn estado de espfr ito de contentamento e de paz - em u l-tima analise, sanidade. Essa e tarnbern, de fato, a base dos recursos inter-nos e da capacidade de recuperacao que podem ser observados em pes-

soas que recobrarn sua paz de espfrito mesmo depois de grande adversida-

de e dor psfquica. Tal atitude, que inclui gratidao por prazeres do passado

e satisfacao com 0 que 0 presente pode oferecer, expressa-se em serenida-

de. Nas pessoas idosas, torna possfvel a adaptacao ao conhecimento de

que a juventude nao pode ser recuperada e possibili ta-as a terern prazer

e interesse na vida dos jovens.

o fato, bern conhecido, de que os pais revivem suas pr6prias vidas

nas de seus filhos e netos, quando nao e expressao de excessiva possessi-

vidade e de arnbicao defletida, i lustra 0 que estou querendo transrnitir.

Aqueles que sentem que tiveram sua parcela da experiencia e dos prazeres

da vida sao muito rnais capazes de acreditar na continuidade da vidal' .

Tal capacidade de resignacao, sem amargura excessiva e ainda mantendo

viva a capacidade de fruicao, .tem suas rafzes na infancia e depende do

quanta 0 bebe foi capaz de desfrutar 0 seio sem invejar excessivamente a

mae pelo fato de ela possuir 0 seio. Eu sugiro que a fel icidade experi-

mentada na infancia e 0 amor pelo objeto bom que enriquecern a persona-

l idade estao na base da capacidade de fruicao e de sublirnacao, e ainda se

fazem sentir na velhice. Quando Goethe disse "0 mais fel iz dos homens eaquele que pode harrnonizar 0 fim e 0 corneco de sua vida", eu interpreta-

ria "0comeco " como a relacao inicial feliz com a mae, que ao longo da

vida mitiga 06dio e a ansiedade, e ainda da apoio e eontentamento a pes-soa idosa, Urn bebe que tenha estabelecido com seguranca 0 objeto born

pode igualmente encontrar compensacao para perdas e privacdes na vida

adulta. Tudo isso e sentido pela pessoa invejosa como alga que ela nunca

pode alcancar, porque nunea pode ficar satisfeita, e, portanto, sua inveja ereforcada,

~. A cren~a na continuidade da vida foi expressa de maneira significativa no cornentario deurn

menino de cinco anos cuja mlie estava gr~vida. Ele manifestou a esperance de que 0 bebfi es-

perado fosse l ima menina, e acrescentou : 'E enlAoe la ted bebes , e seusbebes tereo bebss , eassim por diante para sempre".

-235-

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y

Em seguida, i lustrare i com material cl fnico algumas de rninhas con-

clusoes". Meu primeiro exemplo e tirado da analise de urna rnulher. Ela

tinha side amarnentada ao seio, mas outras c ircunstancias nao foram favo-

raveis e ela estava convencida de que sua tenra infancia e sua amarnenta-

~ao haviarn sido totalmente insatisfat6rias. Seu ressentimento do passado

ligava-se a desesperanca quanto ao presente e ao futuro. A inveja do seio

nutridor e as conseqiientes dif iculdades nas relacoes de objeto ja haviam

side extensivamente analisadas antes do material ao qual you me referir ,

A paciente telefonou e disse que nao poderia vir a sessao por causa

de uma dor no ombro. No dia seguinte telefonou para dizer que ainda nao

estava bem mas que esperava ver-rne no dia seguinte. Quando, no tercei ro

dia, e la realmente veio, estava cheia de queixas. Sua empregada cuidara

dela, mas ninguern mais havia se interessado por ela. Descreveu-me como

num dado mornento sua dor havia aumentado subitamente, acompanhada

de uma sensacao de fr io intense. Ela havia sentido uma necessidade impe-

riosa de que algucrn viesse imediatamente e cobrisse seu ombro, de rna-

neira que ele ficasse quentinho, e Fosse embora de novo assim que fizesse

isso. Naquele instante lhe ocorreu que devia ter side assim que ela senti ra

quando bebe, ao querer ser cuidada e ninguern vir atende-la.

Era caracterfs tico da atitude dessa paciente para com as pessoas, e es-

c1arecia sua relacao mais arcaica com 0 seio, desejar ser cuidada e, ao

mesmo tempo, repelir 0proprio objeto que a gratificaria. A suspeita da

dadiva recebida, junto com sua necessidade imper iosa de ser cuidada, 0

que em ultima instancia significava um desejo de ser amamentada, expres-

sava sua ati tude ambivalente para com 0se io. Tenho me refer ido a bebes

cuja resposta a frustracao e fazer insuficiente uso da gratificacao que a

amarnentacao, mesmo se retardada, poderia lhes dar. Eu presurnir ia que,

apesar de nao desistirem de seu desejo por um seio gratificador, eles nao

podern desfruta-lo e, por conseguinte, 0 repe lern. 0 caso em discussao

ilustra algumas das raz6es para tal atitude: suspeita da dadiva que ela de-

sejava receber, pois 0objeto ja estava estragado por inveja e 6dio, e ao

mesmo tempo ressentimento profundo face a qualquer frustracao. Temos

tambern que nos lernbrar - e isto se apJica a outros adultos nos quais a in-

veja e acentuada - de que muitas experiencias desapontadoras, certamente

devidas em parte a sua pr6pria atitude , haviam contribufdo para seu sen-

timento de que os cuidados desejados nao seriam satisfatorios.

Durante essa sessao a paciente rela tou um sonho: e la estava num res-

)JEstou ciente de que, no material clfnico que se segue, seriam valiosos os pormenores impor-

tantes da hist6ria da paciente, de suapersonalidade, idade, e circunstancias externas. Razoes de

discricao tomam impossfvel entrar em tais pormenores e posso apenas tentar ilustrar meus Ie-

mas principais atraves de trechos de material clfnico.

, .I

taurante, sentada a mesa; entretanto ninguern veio servi-la. Decidiu entrar

nurna fila e pegar, ela mesma, alguma coisa para comer. Na sua frente ha-

via uma mulher que pegou dois ou tres bolinhos e foi embora com eles. A

paciente tambern pegou dois ou tres bol inhos. Dentre suas associacoes,

estou selecionando as seguintes: a mulher parecia muito decidida, e sua

silhueta lembrava-Ihe °a-minha. Havia uma dtivida repentina quanta ao

nome dos bolinhos (na realidade petits fours), que a princfpio ela pensou

que eram "petit fru", que the lembrava "petit frau" e dar "Frau Klein". 0

cerne da minha interpretacao foi que seu ressentimento quanto as sessoes

analfticas perdidas relacionava-se com as mamadas insa tisfa t6rias e com ainfelicidade na tenra infancia. Os dois bolinhos dentre "dois ou tres" re-

presentavam 0seio do qual ela sentia ter sido privada duas vezes ao faltar

as sess6es analfticas. Havia "dois ou tres" porque ela nao sabia bern se

poderia vir no terceiro dia. 0 fato de a mulher ser "decidida", e de a pa-

ciente ter seguido seu exemplo ao pegar os bolinhos, indica tanto sua

identificacao com a anal ista quanto a projecao de sua propria voracidade

nela, No presente contexto, urn aspecto do sonho e da maior relevancia . A

analista que foi embora com dois ou tres petits fours representava nao

apenas 0seio que era retirado, mas tambern 0 seio que ia alimentar a si

proprio. (Tomada em conjunto com outro materia l, a anal ista "decidida"

representava nao apenas urn seio mas tambem uma pessoa com cujas qua-

Iidades, boas e mas, a paciente se identif icava.)

A frustracao tinha side assim acrescentada a inveja do seio. Essa in-

veja tinha dado or igem a urn ressentimento amargo, pois a mae havia side

sentida como egofsta e mesquinha, alimentando e amando a si pr6pria em

vez de a seu bebe. Na si tuacao analftica eu era suspei ta de ter -rne diverti -

do durante 0tempo em que ela estivera ausente, ou de ter dado 0tempo a

outros pacientes preferidos por mim. A fila em que a paciente decidira

entrar referia-se a outros rivais mais favorecidos.

A resposta a anal ise do sonho foi uma marcante mudanca na situacao

emocionaJ. A paciente vivenciava agora urn sentimento de felicidade e

gratidao, muito mais vividamente do que em sessoes analfricas anteriores.

Ela ficou com Iagrimas nos olhos, 0que nao era comum..e disse que se

sentia como se agora tivesse tide uma alimentacao inteiramente satisfat6-

ria!", Tambern lhe ocorreu que sua arnamentacao e sua infancia possivel-

mente haviam sido mais fel izes do que presumira. Sentiu-se tarnbem mais

36 Nao ~ unicamente em criancas, mas tarnbern em adultos, que as emocoes sentidas durante as

primeiras experiencias de amarnentacao podem ser plenamente revividas na situw;iio transfe-

rencial.Por exemplo, uma sensacao de fome ou de sedesurge intensamente durante a sessao e

desaparece depois da interpretacao que foi sentida como a tendo satisfeito, Um de meus pa-

cientes, tornado pOTtais sentimentos, levantou-se do divAe pl!sseus braces em volta de uma

parte do arco que separava uma parte de meu consult6rio daoutra. Tenho constantemente ou-

vida no fun de tais sessoes a expresslioo"Fui bern alimentado". 0 objeto bam, em sua fonna

primitiva mais arcaica como a mae que cuida e alimenta 0bebe, foi recuperado,

- 237-

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esperancosa quanto ao futuro e quanto ao resultado de sua analise. A pa-

ciente havia se dado inteiramente conta de uma parte de si mesrna que nao

era de modo algum desconhecida para ela em outras circunstancias, Ela

estava ciente de que era ciumenta e invejosa de varias pessoas, porern nao

tinha sido capaz de reconhece-lo suficientemente na relacao com a ana-

lista, porque era demasiado doloroso sentir que ela estava invejando e es-

tragando a analista e tambem 0 sucesso da anal ise, Nessa sessao , depois

das interpretacoes mencionadas, sua inveja havia dirninufdo; a capacidade

de fruir e a gratidao haviam passado para primeiro plano, e ela foi capaz

de vivenciar a sessao analf tica como uma alimentacao fel iz. Essa si tuacao

emocional teve que ser elaborada repetidamente , tanto na transferencia po-

sit iva quanta na negativa, ate ser alcancado urn resultado rnais estavel.

Foi por torna- la gradual mente capaci tada a reunir as partes excindidas do

seu self em relacao a analista, e a reconhecer 0quanta me invejava e,

portanto, suspeitava de mirn, e em primeiro lugar de sua mae, que se deu a

experiencia daquela mamada fel iz. Essa experiencia estava ligada a senti -

mentos de gratidao. No decurso da anal ise , a inveja diminuiu e sentimen-

tos de gratidao tornaram-se mais freqiientes e duradouros.

Meu segundo exemplo 6 tirado da analise de uma paciente com fortes

traces depressives e esquizdides, Por muito tempo, ela esteve sujeita a

estados depressives . A analise prosseguia e fazia algum progresso, embo-

ra a paciente repetidamente expressasse suas duvidas quanto ao trabalho,

Eu havia interpret ado os impulsos destrutivos contra a analista, os pais , osi rrnaos, e a analise havia conseguido fazer com que ela reconhecesse fan-

tasias especfficas de ataques destrutivos ao corpo da mae. Tal insight era

geralmente seguido por depressao, porem de natureza controlavel,

Chama a atencao que a profundidade e a gravidade das dificuldades

da paciente nao puderam ser notadas durante 0perfodo inicial de seu tra-

tamento. Socialmente, e la dava a i rnpressao de ser uma pessoa agradavel ,

embora propensa a ficar deprimida. Suas tendencies reparat6rias e sua

ati tude prestativa para com os amigos eram bastante genufnas, Contudo, a

gravidade de sua doenca tomou-se aparente nurn dado momento, devido

parc ia lmente ao trabalho analftico previo e parcialmente a algumas expe-

riencias externas. Ocorreram varies desapontamentos, mas foi urn sucesso

inesperado em sua carreira profissional que trouxe mais para primeiro

plano aquilo que eu vinha analisando por alguns anos, isto e, a intensa ri-

val idade comigo e 0sentimento de que em seu pr6pr io campo ela poderia

tornar-se igual ou mesmo superior a mim. Tanto ela como eu viemos a re-

conhecer a importancia de sua inveja destrutiva dirigida contra mirn; e,

como sempre acontece quando atingimos esses extratos profundos, parecia

que quaisquer impulsos destrutivos existentes eram sentidos como sendo

onipotentes e portanto irrevogaveis e irrernediaveis. Eu tinha ate entao

- ,: ._. ,

-238-

analisado extensarnente seus desejos sadico-orais, e foi assim tambern que

chegamos a uma tornada de consciencia parcial de seus irnpulsos destruti-

vos dirigidos a sua mae e a mim. A analise havia tarnbern lidado com de-

sejos sadico-uretrais e sadico-anais, porern, a esse respe ito, senti que eu

nao havia fei to muito progresso e que sua cornpreensao desses impulsos e

fantasias era mais de natureza inte lectua l. Durante 0 perfodo especffico

que eu quero discutir agora, material de natureza uretral apareceu com

maior intensidade.

Urn sentimento de grande euforia em relacao a seu sucesso logo se

desenvolveu e foi introduzido por urn sonho que mostrava 0 triunfo sobre

mim e, subjacentemente, a inveja destrutiva de mim, representando sua

mae. No sonho, ela estava lA no ar, sobre urn tapete magico que a sustinha

e estava acima do topo de urna arvore Ela estava num plano suficiente-

mente alto para olhar , atraves de uma janela, para dentro de urn quarto

onde uma vaca estava mastigando algo que parecia ser uma infindavel ti ra

de cobertor. Na mesma noite, ela tambern teve urn pedaco de sonho no

qual suas calcinhas estavam rnolhadas.

As associacoes a esse sonho tomaram claro que estar par cima do to-

po da arvore significava ter-rne sobrepujado, pois a vaca representava a

mim, a quem ela o lhava com desprezo. Logo no infcio de sua analise ela

tinha tide um sonho no qual eu era representada por uma muIher apatica

tipo vaca, enquanto ela era uma menininha que fazia urn discurso bri-

lhante e bern-sucedido. Minhas interpre tacoes, naquela epcca, de que ela

havia transformado a analista numa pessoa desprezfvel, enquanto elamostrava urn desempenho tao born apesar de ser tao mais jovern, foram s6

parcialmente aceitas, apesar de ela perceber plenamente que a menininha

era ela e a mulher-vaca a analista, Esse sonho levou-a gradualmente a se

dar conta, de maneira mais fi rme, de seus ataques destrutivos e invejosos

a mim e a sua mae. Desde entao a mulher-vaca, representando a mim, fi-

cou sendo urn elemento bern estabelecido no material e, por conseguinte,

era bastante claro que no novo sonho a vaca no quarto para dentro do

qual ela estava olhando era a analista, Ela associou que a infindavel tira

de cobertor representava urn inf indavel f luxo de palavras , e ocorreu-Ine

que eram todas as palavras que eu dissera na analise, as quais, agora, eu

deveria engolir . A tira de cobertor era uma alusao sarcastica a falta.de cia-reza" e de valor das minhas interpre tacoes, Aqui vemos a tota l desvalor i-

za<rao do objeto originario, significativamente representado pe1a vaca,

bern como 0 ressentimento contra a mae que nao a amamentara satisfato-

riamente. 0 meu castigo, ter que comer todas as rninhas palavras , rnostra a

desconfianca profunda e as dtividas que repetidamente a assa ltavam no

~ Em ingles, wooliness: falta de clareza, confusfio , pensamento enrolado, representado no sonhop ela a lus ao a wool: 13.do cobertor. (N.T.)

- 239-

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curso da analise. Tornou-se bem claro depois das minhas interpretacoes

que a analista maltratada nao era confiavel, e que ela tarnbern nao podia

confiar na analise desvalorizada. A paciente ficou surpresa e chocada com

sua atitude em relacao a rnim, a qual, antes do sonho, ela havia por longo

tempo se recusado a reconhecer em todo 0 seu impacto.

No sonho, as calcinhas rnolhadas e as associacoes a elas expressavam

(entre outros significados) venenosos ataques uretrais a analista, os quaisdeveriam destruir suas capacidades mentais e transforma-la na rnulher-va-

ca. Logo depois, ela teve outro sonho ilustrando esse ponto especff ico.

Ela estava em pe, na base de uma escada, olhando para cima, onde haviaurnjovem casal com 0 qual havia algo de errado. Atirou uma bola de Iii.

para eles, 0 que descreveu como "rnagica boa". Suas associacoes mostra-

ram que a rnagica rna e mais especialmente 0veneno devem ter dado ori-

gem a necessidade de usar boa magica depois. As associacoes com 0 casal

permitiram-me interpretar urna situacao atual de ciumes que era forte-

mente negada, e levou-nos do presente a experiencias mais antigas e, na-

turalmente e em ultima instancia, aos pais. Os sent imentos destrutivos e

invejosos dirigidos a analista, e no passado dirigidos a sua mae, aparece-ram como subjacentes aos ciurnes e a inveja dirigidos ao casal no sonho.o fato de que essa leve bola nao alcancara 0Casal indicava que sua repa-

racao nao havia side bern-sucedida, e a ansiedade quanto a esse fracasso

era urn importante elemento 'ernsua depressao.

Is50 e apenas urn extrato do material que demonstrou convincente-

mente

apaciente a sua venenosa inveja da analista e do seu objeto origi-

nar io , Ela sucumbiu a uma depressao tao profunda como jamais tivera. A

causa principal dessa depressao, que se seguiu a seu estado de eufor ia, foi

que ela havia sido levada a tomar consciencia de uma parte completa-

mente excindida dela mesma, a qual ate entao nao fora capaz de reconhe-

cer. Como eu disse anter iormente , era muito diffci l ajuda-Ia a se dar conta

de seu 6dio e agressividade. Porern, quando n6s chegarnos a essa particu-

lar fonte de destrutividade, isto e, a sua inveja como forca propulsora le-

vando-a a danificar e humilhar a analista (a qual era altamente valorizada

em outra parte de sua mente), ela nao pode suportar ver-se sob essa luz.

Nao aparentava ser particularmente jactanciosa ou presuncosa, porem ti-

nha se agarrado a urn retrato idealizado de si pr6pria, usando uma varie-

dade de process os de excisao e defesas rnanfacas. Como consequencia de

tomar consciencia de que se sentia rna e desprezfvel, 0 que nesse estagio

da analise ja nao podia mais negar, a idealizacao caiu por terra e veio atona desconfianca de si mesma, bern como culpa pelo irrevogavel dano

feito no passado e no presente. Sua culpa e depressao focalizavam-se em

seu sentimento de ingratidao em relacao a analista, que, ela 0 sabia, a ha-via ajudado e a estava ajudando, e em relacao a quem ela sentia despre-

zo e 6dio; em ultima analise, focalizavam-se na ingratidao em relacao a

- 240-

mae, a quem ela inconscientemente via como estragada e danificada por

sua inveja e impulsos destrutivos,

A analise de sua depressao Ievou a uma melhora que, ap6s alguns

meses , foi seguida novamente por uma depressao profunda. Isso foi cau-

sado por ter a paciente reconhecido mais amplamente seus virulentos ata-

ques sadico-anais a anaIista e, no passado, a sua familia, 0que confinna-va seus sentimentos tanto de maldade quanta de doenca, Foi a primeira

vez que ela foi capaz de ver quao fortemente os tragos sadico-orais e sa-dico-uretrais tinham side excindidos, Cada urn desses traces envolvia

partes importantes da personalidade e interesses da paciente. Os passosem direcao a integracao, que tiverarn lugar ap6s a analise da depressao,

implicavam a recuperacao dessas partes perdidas, e a necessidade de en-

cara-las era a causa da sua depressfio.

o proximo exemplo e 0de uma paciente que eu descreveria como prati-

camente normal. Com 0correr do tempo ela tinha se tornado gradativa-

mente mais ciente da inveja que sentia tanto em relacfio a uma inna mais

velha quanto em relacao a sua mfie. A inveja da irma havia sido contra-

balancada por urn sentimento de grande superioridade intelectual , que ti-

nha base real, e por urn sentimento inconsciente de que a irma era extre-

marnente neur6tica. A inveja da mae foi contrabaIanc;:ada por sentimentos

muito fortes de amor e apreciacao por suas qualidades boas.

A paciente relatou urn sonho no qual estava em urn vagao de trem,

sozinha com uma mulher, da qual ela podia ver apenas as costas e que

estava inclinando-se em direcao a porta do compartimento do trem, com

grande perigo de cair para fora. A paciente segurou-a firmernente, agar-

rando-a pelo cinto com uma mao; com a outra mao ela escreveu urn aviso

que dizia que urn medico estava ocupado com urn paciente neste cornpar-

timento e nao deveria ser perturbado, e pendurou esse aviso na jane1a.

Seleciono as seguintes associacoes ao sonho: a paciente tinha urn

sentimento mui to vivo de que a figura que ela agarrava firmernente era

parte dela mesma, e uma parte louca. No sonho ela tinha a conviccao de

que nao deveria deixa-la cair para fora atraves da porta, e sim mante-Ia no

vagao e lidar com ela, A analise do sonho revelou que 0 compartimento

do trem representava ela mesma. As associacoes com 0cabelo, que era

vis to apenas por tras, eram com sua irma mais velha. Outras associacoes

Ievaram ao reconhecirnento de rivalidade e inveja em relacao a irma, e re-portavam-se ao tempo em que a paciente era ainda uma crianca, enquanto

sua irma ja estava sendo cortejada. Ela entao falou de urn vestido que sua

mae usava, 0qual a paciente, quando crianca, tinha admirado e 'cobicado.

Esse vestido mostrava claramente a forma dos seios, e, embora isso nao

fosse inteirarnente novo, tornou-se mais evidente do que antes que aquilo

"

-241 -

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que a paciente originariamente invejara e estragara, em sua fantasia, era 0

seio da mae. .

Esse reconhecimento fez surgir rnaiores sentimentos de culpa, tanto

em relagiio ~ innii como ~ mae, e levou a urna nova revisao de suas mais

antigas relacoes. Ela chegou a uma compreensao muito mais solidaria com

as defici8ncias dessa innA.e sentiu que nao a havia amado suficientemen-

teo Tambem descobriu que, em sua tenra inffincia, havia amado a irma

mais do que at6 entao se lembrara.

Eu interpretei quea paciente sentia que ela tinha que manter sob seu

controle uma parte louca e excindida dela mesma, 0que tambern estava

ligado ~.internalizacao da irma neur6tica. A paciente, que tinha razoes pa-ra considerar-se razoavelmente normal, teve urn sentimento de grande

surpresa e choque depois da interpretacao do sonho. Esse caso iIustra a

conclusiio, que esta se tornando cada vez mais familiar, de que mesmo em

pessoas normais existe urn resfduo de sentimentos e mecanismos paranoi-

des e esquizoides, geralmente excindidos de outras partes do self. 17

o sentimento da paciente, de que ela tinha que manter urn firme con-trole sobre aquela figura, indicava que ela deveria tambem ter ajudado

mais sua irma, impedindo-a, por assim dizer, de cair; e esse sentimento

era agora revivenciado em relagao b. innii como urn objeto internaIizado.

A revisao de suas relag6es mais antigas estava ligada a mudancas nos

sentimentos para com seus objetos originarios introjetados. 0 fato de que

sua irma tambem representava sua parte louca mostrou-se como sendo

parcialmente urna projecao de seus proprios sentimentos esquizoides e pa-

ran6ides na irma. Foi com essa tomada de consciencia que diminuiu a ci-sao em seu ego.

, Quero agora referir-me a urn paciente do sexo masculino e relatar urn

sonho que teve urn papel importante em faze-lo reconhecer nao apenas

impulsos destrutivos para com sua m a e e para com a analista mas tambem

a -inveja como urn fator bern especffico em sua relacao com elas. At6

aquele momento, e com fortes sentimentos de culpa, ele ja havia reconhe-

cido em alguma medida seus impulsos destrutivos, mas ainda nao se havia

dado conta de sentimentos invejosos e hostis dirigidos contra a criativida-

de da analista e contra a de sua mae no passado. Ele estava ciente, contu-

do, de que sentia inveja de outras pessoas e que, juntamente com urna boa

relagao com seu pai, ele tinha tambem sentimentos de rlvalidade e chime.

o seguinte sonho trouxe urn insight muito mais forte quanto a sua invejada analista e iluminou seus desejos arcaicos de possuir todos os atributos

femininos de sua mae.

37 TM Interpretation of D~ de Freud mostra c laramente que alguns desses res idues de lou-

cura enoontram expressdo em sonhos, e que estes s ilo, por tanto, uma salvaguarda mni to val iosa

da sanidade,

-242-

No sonho, 0 paciente havia estado pescando; ele se perguntava se de-

vena matar 0 peixe que apanhara a fim de come-to, mas decidiu po-lo

numa cesta e deixa-lo morrer. 0 cesto no qual estava carregando 0peixe

era do tipo usado pelas mulheres para levar roupa para a lavanderla. 0

peixe transformou-se repentinarnente num lindo bebe e havia algo verde

que tinha que ver com a roupa do bebe. Entao ele notou - e naquele mo-

mento ficou muito preocupado - que os intestinos do bebe estavam sain-

do, pois 0bebe havia sido ferldo pelo anzol que havia engolido em seu

estado de peixe. A associacao com 0 verde foi com a capa dos livros da

serie "International Psycho-Analytical Library", e 0 paciente comentou

que 0peixe na cesta representava urn de meus livros que ele havia obvia-

mente roubado, Outras associacoes mostraram, entretanto, que 0peixe era

nao apenas meu trabalho e meu bebe mas que tambern representava a

mim, 0 fato de eu ter engolido 0 anzol, que significava ter engolido a is-

ca, expressava seu sentimento de que eu havia formado urna opiniao me-

lhor a seu respeito do que ele merecia e que nlio havia reconhecido que

havia tarnbem partes muito destrutivas de seu self agindo contra mim.

Embora 0 paciente ainda nao pudesse reconhecer plenamente que 0modo

como ele tratava 0 peixe, 0 bebe e a mimsignificava destruir-me e a meu

trabalho por inveja, ele inconscienternente se dava conta disso. Eu tam-

bern interpretei que a cesta de lavanderia expressava, neste caso, seu de-

sejo de ser uma mulher, de tel' bebes e de privar sua mae deles. 0 efeito

desse passa em direcao a integracao foi urn forte ataque de depressao portel' que encarar os componentes agressivos de sua personalidade. Embora

isso tivesse sido antevisto na parte inicial de sua analise, ele agora 0vi-

venciava como urn choque e como horror a si mesmo,

Na noite seguinte 0 paciente sonhou com urn hicio, com 0 qual asso-

ciou baleias e tubar6es; porem, no sonho, ele mio sentia que a hicio fosse

urn ser perigoso. Ele era urn peixe velho e parecia cansado e rnuito gasto.

Sobre 0 lucie estava uma remora", e 0 paciente imediatamente mencionou

que a remora nao suga 0 hicio au a baleia, mas adere por suc'tao ~ super-

Ciciedeles, e assim fica protegido de ataques de outros peixes. 0 paciente

reconheceu que essa explicacao era uma defesa contra seu sentimento de

ser a remora e de eu ser 0velho e desgastado ldcio, tendo eu ficado nesse

estado par ter sido tao rnaltratada no sonho da noite anterior e por ele

sentir que havia me sugado ate me exaurir. Isso tinha me tornado urn ob-

jeto nao s6 danificado, mas tambem perigoso. Em outras palavras, ansie-

dade persecutoria e ansiedade depressiva tinham passado a primeiro pla-no; 0hicio, associado as baleias e tubaroes, mostrava os aspectos perse-

cut6rios, enquanto sua aparencia velha e gasta expressava 0sentimento de

• E,m ingles, suckerfish: t ipo de peixe que adere , por suc 'J iIo, a out ros peixes maiores , Suck querdizer tambem sugar, chupar, (N. T.)

-243-

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culpa do paciente pelo mal que ele achava que vinha me fazendo e conti-

nuava a fazer.

A forte depressao que sucedeu a esse insight durou varias seman as,

mais ou men os sem interrupcao, mas nao interferiu no trabalho do pa-

ciente e em sua vida familiar. Ele descreveu essa depressac como dife-

rente e mais profunda que qualquer outra que ate entao experimentara . A

necessidade premente de reparacao, que se exprimiu atraves de trabalho

ffsico e mental, foi aumentada pela depressao e abriu caminho para sua

superacao . 0 resultado dessa fase na analise foi muito evidente. Mesmo

apes a depressao ter-se dissipado, depois de ter s ide elaborada, 0paciente

ficou convencido de que nunca mais iria se ver do modo como se via an-

tes, embora iS50 nao implicasse mais urn sentimento de desalento mas sim

urn maior conhecimento de si mesmo e tarnbern uma maior tolerancia para

com as outras pessoas. A anal ise conseguira urn passo i rnpor tante na inte-

gracao, ligado ao fato de ter 0 paciente se to rnado capaz de encarar sua

rea lidade psfquica. No decurso de sua analise , entre tanto, havia ocasi6es

em que essa atitude nao podia ser mantida. Como em todos os cas os, isso

quer dizer que a elaboracao foi urn processo gradual.

Embora sua observacao e seu julgamento sobre as pessoas tivessem

sido ate entao razoavelmente normais, houve uma melhora indiscutfvel

como resul tado dessa etapa de seu tratamento, Uma outra consequencia

foi que lernbrancas da infancia e de sua atitude em relacao aos irmaos

emergiram com maior forca e reconduziram-no a relacao arcaica com a

mae. Durante 0estado de depressao a que me referi, ele havia perdido em

grande parte, como ele mesmo reconheceu, 0prazer e 0interesse na anali-

se; mas recuperou-os tota lmente quando a depressao se dissipou. Trouxe

entao urn sonho que ele pr6prio viu como depreciando ligeiramente a

analista, mas que na analise revelou-se como expressando uma intensa

desvalorizacao. No sonho ele tinha que lidar com urn menino delinquente,

mas nao estava satisfe ito com a maneira pela qual havia manejado a situa-

"ao. 0 pai do menino sugeriu levar 0 paciente de carro a sua destinacaoo paciente notou que estava sendo levado cada vez para mais longe de

onde gueria ir. Depois de algum tempo, ele agradeceu ao pai e saiu do

car ro; mas nao estava perdido, pois manteve , como de costume, urn senti -

do geral de direcao. De passagem, olhou para urn edif fcio bastante fora do

comum que, pensou, parecia interessante e adeguado para uma exposicao

mas que nao seria agradavel como moradia. Suas associacoes ao ediffcio

l igavam-se a certo aspecto de minha aparencia. Ele entao falou que 0 edi-

ffcio tinha duas alas e lernbrou-se da expressao "por alguern sob as

asas"*. Reconheceu que 0 menino del inquente, pelo qual ele havia se in-

* Em ingles, wings: asas e alas. (N. T.)

-244-

teressado, representava a si mesmo, e a continuacao do sonho mostrava

por que ele era del inquente : com 0 pai, representando 0 analista, levando-

o cada vez para mais longe de sua destinacao, exprirnia dnvidas que par-

cialmente usava a fim de me desvalorizar; ele questionava se eu 0 estaria

levan do na direcao certa, se seria necessario ir tao fundo , e se eu 0estaria

prejud icando . A referenda a manter seu senso de direcao e nao se sentir

perdido implicava 0 contrar io das acusacoes contra 0 pai do menino (a

analista): ele sabia que a analise era muito valiosa para ele e que era sua

inveja de mm que aumentava suas dtividas.

Tambem compreendeu que 0 ediffcio interessante, no qual nao gosta-ria de viver, representava a analista. Por outro lado, sentia que eu, ao

analisa-lo, 0 tinha tornado sob minhas asas e 0 estava protegendo de seus

conflitos e ansiedades. As duvidas e acusacoes contra mirn, no sonho,

eram usadas como desvalorizacao e :relacionavam-se nao apenas com a in-

veja, mas tambem com seu desanimo face ~ inveja e com seus sentimentos

de culpa por sua ingratidao,

Houve uma Dutra interpretacao desse sonho, a qual foi tambern con-

firmada por outras subseqiientes, e que foi baseada no fato de que, na si-

tuacfio analftica, eu representava freqiientemente 0 pai, rapidamente pas-

sando a representar a mae, e as vezes representava ambos simultanea-

mente. Essa interpretacao foi que a acusacao contra 0 pai , por te-lo levado

na direcao contrar ia, estava l igada a sua antiga atracao homossexual pelo

pai. ~urante a analise, comprovara-se que essa atracao estava .Iigada a

intensos sentirnentos de culpa, pois foi-me possfvel mostrar ao paciente

que a inveja e 0 6dio de sua mae e do seio desta, fortemente excindidos,

tinham contribufdo para ele se volta r para 0 pai, e que seus desejos ho-

mossexuais eram sentidos como sendo uma alianca hostiI contra a mae. A

acusacao de que 0pai 0levara na direcao contrar ia estava l igada com 0

senti rnento geral , que freqiientemente encontramos nos pacientes , de que

ele tinha side seduzido para 0 homossexual ismo. Aqui n6s temos a proje-

c;aodos pr6prios desejos do indivfduo no progenitor.

A analise de seu sentirnento de culpa teve varies efeitos; ele sentiu

urn amor mais pro fundo por seus pais; tambem se deu conta - e estes dois

fa tos estao inti rnamente Jigados - de que tinha havido urn elemento com-

pulsivo em sua necessidade de fazer reparacao. Uma identi ficacao exage-

rada com 0 objeto danificado em fantasia - original mente a mae - tinha

prejudicado sua capacidade de f ruir plenamente , e por tanto, em cer ta me-

dida, empobrecera sua vida. Tornou-se claro que mesrno em sua relacao

mais inicial com sua mae, embora nao houvesse nenhurna razao para du-

vidannos de que ele tivesse side feliz na amamentacao, ele nao tinha side

capaz de desfruta-la completamente, por causa de seu medo de exaurir ou

lesar 0 seio. Por Dutro lado, a interferencia em sua fruic;ao deu ensejo a

ressentimento e aumentou seus sentimentos de perseguicao, Esse e urn

- 245-

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exemplo do processo, que eu descrevi num capitulo anterior, pelo qual

nos estagios mais iniciais de desenvolvimento, a culpa - em particular a

culpa quanta i\ inveja destrutiva da mae e da analista - e passfvel de trans-

formar-se em perseguicao. Suas capacidades de fruic;:aoe de gratidao em

urn nfvel profundo aumentaram atraves da analise da inveja primaria e da

correspondente diminuicao das ansiedades depressiva e persecut6ria.

.".

Mencionarei agora 0caso de um outro paciente, no qual urna tendencia a

depressao era tambem acompanhada de uma necessidade compulsiva de

reparacao; sua ambicao, rivalidade e inveja, que coexistiarn com varies

outros traces de born carater, tinham sido graduaImente analisadas. Nao

obstante, s6 depois de alguns anos" foi que 0paciente vivenciou plena-

mente, por estarem muito exeindidos, a inveja do seio e de sua eriativida-

de e 0 desejo de estraga-Io. No infcio de sua analise, teve urn sonho que

desereveu como "ridfculo": ele estava furnando seu caehirnbo, que estava

cheio de artigos meus que haviam sido arrancados de urn de meus livros.

Inicialmente expressou grande surpresa com relacao a isso, porque "nao

se fumarn artigos impressos". Interpretei que isso era apenas uma caracte-

rfstica menor do sonho; 0principal significado era que ele tinha rasgado

rneu trabalho e 0estava destruindo. Eu tambern mostrei que a destruicao

de meus artigos era de natureza sadico-anal, irnplfcita no fuma-los. Ele

havia negado esses ataques agressivos - pois, associada i\ forca de seus

processos de cisao, tinha urna grande capacidade de negacao. Outro as-

peeto desse sonho foi que emergiram sentirnentos persecut6rios em rela-c;:lioJ~analise. Ele havia se ressentido de interpretacees anteriores e as ha-

via.sentido como algo que tinha que "per no seu eachimbo e fumar". A

analise de seu sonho ajudou 0 paeiente a reeonhecer seus irnpulsos des-

trutivos contra a analista, e tambem que esses tinharn side estimulados por

urna situacao de cidmes que havia surgido no dia anterior, situacao que

girava em tome do sentimento de que urna outra pessoa era mais valoriza-

da por mim do que ele. Mas 0insight obtido nao levou a urna compreen-

sao de sua inveja da analista, ernbora isso tivesse sido interpretado para

ele. Nao tenho diivida, contudo, de que isso tenha facilitado 0 apareci-

mento de material em que impulsos destrutivos e inveja tomaram-se gra-

dativarnente mais claros.

Em urn estagio ulterior de sua analise, urn climax foi alcancado quan-

do todos esses sentimentos em- relacao i\ analista calararn fundo no pa-

38 A exper iencia mostrou-me que, quando 0 analista fica plenamente convencido da importanciade Urn novo aspecto da vida emocional, ele selorna capaz de interpreta-Io mais cedo na an4li-

se. Dando-lhe assim suficiente &nfase, sempre que 0material 0pennita, ele pode propiciar que

o paciente se consc ient ize de tais processes mui to mais cedo e , ass im, a cficiencia da analise

pode ser aumentada.

-246-

ciente, com plena forca. 0 paciente relatou um sonho que uma vez mais

ele descreveu como "ridfculo": estava se movimentando com grande ve-

locidade, como se estivesse num autom6vel. Estava de pe num dispositivo

semicircular feito ou de ararne ou de uma "coisa atomica". Como ele dis-

se, "isso me mantinha emmovimento". * Subitamente, notou que a coisasobre a qual ele estava de pe estava caindo aos pedacos, e ficou muito

aflito. Associou 0 objeto semicircular ao seio e a ~rec;:iiodo penis, ficandosubentendida sua potencia. Nesse sonho entrava seu sentimento de culpa

por nao estar fazendo born uso de sua analise e por seus impulses destru-

tivos para comigo. Em sua depressao, sentiu que ell nao podia ser preser-

vada; e havia muitos elos com ansiedades semelhantes, emparte ate cons-

cientes, de que ele nao tinha sido capaz de proteger sua mae quando seu

pai estava longe, durante a guerra e subseqiientemente. Seu sentimento de

culpa em relacao 11sua mae e a mim ja havia sido, a essa altura, extensa-

mente analisado. Recenternente, porern, ele viera a sentir mais especifica-

mente que era a sua inveja que me destrufa, Seus sentimentos de culpa

e infelicidade eram ainda maiores porque, emuma parte de sua mente, ele

era grato a analista, A frase "Isso me mantinha em movirnento" sugeriacomo a analise era essencial para ele, e que ela era uma precondicao para

sua potencia em seu sentido rnais amplo, ou seja, para 0 sucesso de todas

as suas aspiracces.

A tomada de consciencia de sua inveja e ddio de mim veio-lhe como

um choque e foi seguida por forte depressao e um sentimento de desvalia,

Acredito que essa especie de choque, que jii relatei em varies casos, e re-sultado de urn passo importante na restauracao da cisao entre partes do

self e, assim, uma etapa de progresso na integracao do ego.

Uma conscientizacao ainda mais plena de sua ambicao e inveja se deu

numa sessao subsequente ao segundo sonho. Ele falou do conhecimento

que tinha de suas limitacoes e, como ele disse, nao esperava que viesse a

cobrir de gl6ria a si mesmo e a sua profissao. Nesse momenta, e ainda soba influencia do sonho, entendeu que esse modo de expressar-se rnostrava

a forca de sua ambicao e sua comparacao invejosa comigo. Depois de urn

sentimento inicial de surpresa, esse relacionamento veio com plena con-

vicc;:ao.

VI

Tenho frcquentemente descrito minha abordagern da ansiedade comoum ponto focal de minha tecnica, Contudo, desde 0 infcio, as ansiedades

,.Em ingl& this kept me going f. u~ expressao rnais coloquial e rna is precisa , sem correspon-

dente em por tugues , Tende mats para urn sentido de algo que sustentava 0paciente,lbe dava

forca, (N.T.)

- 247-

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nao podem ser enfrentadas sem as defesas contra elas. Com~ assinalei

riurn capftulo anter ior, a pr irne ira e principal funcao do ego e hdar com a

ansiedade. Penso mesmo ser provavel que a ansiedade primordial , engen-

drada pel a ameaca intema da pulsao de morte, possa ser a explicacao de

ser 0 ego posto em atividade a partir do nascimento. 0 ego esta constan-

temente protegendo-se da dor e da tensao que a ansiedade faz surgir e,

portanto, faz uso de defesas desde 0 infcio da vida p6s-natal. Mantenho

ha anos a concepcao de que a maior ou menor capacidade de tolerar a an-

siedade e urn fator constitucional que influencia fortemente 0 desenvolvi-

mento de defesas . Se sua capacidade de aguentar a ansiedade e inadequa-da, 0 ego pode voltar regressivamente a usar defesas mais pri rni tivas au

mesmo ser levado ao uso excessive de defesas pr6prias a seu estagio,

Como resultado, a ansiedade persecut6ria e os metodos de lidar com ela

podern ser tao fortes que, subsequenternente , a elaboracao da posicao de-

pressiva seja prejudicada, Em alguns casas, particularmente do tipo psi-

c6tico, somos confrontados desde 0infcio com defesas de natureza tao

manifestamente impenetraveis que, por algum tempo, pode parecer impos-

sfvel analisa-Ias.

Enumerare i agora algumas das defesas contra a inveja , que tenho en-

contrado no decorrer de meu trabalho. Algumas das defesas mais primiti -

vas, ja muitas vezes descritas, tais como a onipotencia, a negacao e a ci-

sao, sao reforcadas pela inveja. Em urn capftulo anterior, sugeri que

a idealizacdo serve nao apenas como uma defesa contra a perseguicao

mas tambern contra inveja. Nos bebes , se a cisao normal entre 0 objeto

born e 0 mau nao for inicialmente bem-sucedida, esse fracasso, l igado ainveja excessiva, resulta frequentemente em cisao entre urn objeto origin a-

r io onipotentemente ideal izado e urn obje to originario muito mau. A ex-

cessiva exaltacao do objeto e de seus dons e uma tentativa de dirninuir

a inveja . Contudo, se a inveja e muito forte, e provavel que, mais cedo ou

mais tarde, e la se volte contra 0objeto originario ideal izado e contra ou-

tras pessoas que venham a representa-Io ao longo do desenvolvimento.

Como foi sugerido anteriormente, quando a cisao normal fundamental

entre 0 amor e 0 6dio, e entre 0 objeto born e 0mau, nao e bern-sucedida,pode surgir confusiio entre 0born e 0mau obje tos?". Acredito ser essa a

base de toda confusao - quer em estados confusionais graves, quer em

formas mais brandas tais como a indecisao -, a saber, uma dificuldade de

chegar a conclus6es e uma perturbacao na capacidade de pensar clara-

mente. Porem a confusao e tambem usada defensivamente: isso pode ser

visto em todos os nfveis de desenvolvimento. Tanto a perseguicao quanto

a culpa por estragar e atacar por inveja 0objeto primario sao, ate cer to·

39 Cf'. Rosenfeld, "Notes on the Psychopathology of Confusional States inChronic Schizophre-

nias" (1950).

- 248-

ponto, contrabalancadas pelo uso da confusao sobre se urn substituto da

figura original e born ou mau. A luta contra a inveja assume urn outro ca-

niter quando, junto com a posicao depressiva , estabelecem-se fortes sen-

timentos de culpa. Mesmo em pessoas nas quais a inveja nao 6 excessiva ,

a preocupacao pelo objeto, a identificacao com ele e 0 temor por sua per-

da e pelo dana causado a sua criatividade sao fatores importantes na difi -

culdade em elaborar a posicao depressiva.

o fugir da mae para outras pessoas admiradas e ideal izadas a fim de

evitar sentimentos hostis para com aquele mais importante objeto invejado

(e portanto odiado), 0 seio, torna-se urn meio de preservar 0 seio, 0 quesignifica tambern preservar a mae". Tenho constantemente assinalado que

e da maior importancia 0modo como e feita a passagem do primeiro ob-

jeto para 0 segundo (0 pai). Se a inveja e 0 6dio sao predominantes, essas

emocoes sao transfer idas, em cer to grau, para 0pai ou para os irmaos, e

mais tarde para outras pessoas, e daf por diante 0 mecanismo de fuga fra-

cassa.

Em conexao com 0repudio ao objeto originario, ha uma dispersao do

sentimento para com ele, a qual pode levar a prorniscuidade num estagio

ulterior do desenvolvimento. A arnpliacao das relacoes de objetos na in-

fancia e urn processo normal. Na medida em que 0 relacionamento com

novos objetos substi tui, em parte, 0 amor pela mae, e nao e predominan-temente uma fuga do 6dio por ela, os novas objetos podcrn ajudar e ser

urna compensacao para 0 inevitavel sentimento de perda do objeto primei-

ro e singular - uma perda que surge com a posicao depressiva. 0 arnor e agratidao sao, entao , em graus variaveis, preservados nas novas re lacdes,

. embora essas ernocoes f iquem, em alguma medida, dis tanciadas dos sen-

timentos para com a mae. Contudo, se a dispersao de emocoes e usadapredominantemente como uma defesa contra a inveja e 06dio, tais defesas

nao constituem uma base para relacoes de objeto estaveis, porque sao in-

fluenciadas pela persistente hostilidade para com 0primeiro objeto.

Muitas vezes, a defesa contra a inveja toma a forma de desvaloriza-

faO do objeto. Eu tenho sugerido que 0estragar e 0desvalorizar sao Ine-

rentes a inveja. 0 objeto que foi desvalorizado nao precis a mais ser inve-

jado. Isso logo se estende ao objeto idealizado, que 6 desvalorizado e,

desse modo, nao mais idealizado. 0 quae rapidamente essa idealizacao

desmorona vai depender da forca da inveja. Mas em todos os nfveis de

desenvolvirnento recorre-se a desvalorizacao e A ingratidao como defesas

contra a inveja e , em algumas pessoas, elas permanecem como carac terfs-

ticas de suas relacoes de objeto. Tenho me referido a pacientes que, na

situacao transferencial , depois de terem sido inegavelmente a judados por

40 Cf... AV ida Ernocional doBebe".

- 249-

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uma interpretacao, criticam-na ate que nada de born sobre -dela no final.

Para dar urn exemplo: urn paciente, que durante urn sessao analftica havia "

chegado a uma solucfio satisfat6ria de urn problema externo, cornecou a

sessao seguinte dizendo que estava muito aborrecido comigo: no dia ante-

rior, eu havia despertado nele uma grande ansiedade ao faze-lo encarar

esse problema especffico. Viu-se tarnbem que ele se sentia acusado e des-

valorizado por mm porque, a16 que 0problema tivesse side analisado, a

solucao nao havia ocorrido a ele. Foi somente depois de reconsiderar a

questao que ele reconheeeu que a analise havia, na verdade, side iitil.

) Uma defesa pr6pria a tipos mais depressivos 6 a desvalorizacdo do

lself. Algumas pessoas podem ser incapazes de desenvolver seus dons e deusa-los com sucesso, Em outros casos essa atitude surge apenas em certas

ocasides, sempre que haja perigo de rivalidade com uma figura importan-

teo Desvalorizando seus pr6prios dons, elas tanto negam a inveja como

punem-se por ela. Contudo, pode ser visto em analise que a desvaloriza-

I.<aodo self incita novamente a inveja do analista, que 6 sentido como su-

perior, particularmente porque 0paciente desvalorizou-se intensamente.

Privar a si mesmo de sucesso tern, 6 claro, muitos determinantes, e isso se

apliea a todas as atitudes a que estou me referindo ". Mas uma das rafzes

mais profundas que encontrei para essa defesa foi a culpa e a infelicidade

por nao ter sido capaz de preservar 0 objeto born devido a inveja. As pes-

soas que estabeleceram seu objeto born de modo urn tanto precario sofrem

pela ansiedade de que ele venha a ser estragado e perdido devido a senti-

mentos invejosos e competitivos e, assim, tern que evitar sucesso e com-

peti.c;ao. .

' ..Uma outra defesa contra a inveja esta infimamente associada a vora-

cidade. Ao iruernalizar 0seio tao vorazmense que na mente do bebe 0

seio se toma inteiramente posse sua e por ele controlado, 0bebe sente que

tudo de born que ele atribui ao seio sera dele pr6prio. Isso 6 usado para

contrabalancar a inveja. E a propria voracidade com que essa internaliza-

C;lio6 efetuada que contem 0 genne do fracasso, Como eu disse antes, urn

objeto born que ~ bern estabelecido, e por eonseguinte assirnilado, nao

apenas ama 0 sujeito como 6 amado por ele. Acredito que iS80seja carac-

terfstico da relacao com urn objeto born, mas nao se aplica, ou somente

num grau mfnimo, a urn objeto idealizado. Devido a possessividade pode-

rosa e violenta, 0 objeto born 6 sentido como transfonnando-se num per-

seguidor destrufdo, e as consequencias da inveja nao sao suficientemente

impedidas. Em contraste, quando se tern tolerancia em relacao a urna pes-soa amada, essa tolerancia 6 tarnbem projetada em outros, que, assim, tor-

nam-se figuras amistosas.

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, , :. . . . . ,.

~~-

,.. :,.

.1Cf. Freud, "Some Character- Types Mtwith in Psycho-Analytic Work" (1915).

-250-

Urn metodo freqiiente de defesa e suscitar inveja nos outros, atraves

dos pr6prios sucessos, posses e boa sorte, revertendo desse modo a situa-

c rao em que a inveja e sentida. A ineficiencia desse metodo deriva da an-

siedade persecut6ria a que da origem. As pessoas invejosas e emparticu-

lar 0 objeto interno invejoso sao sentidos como os piores perseguidores.

Uma outra razao pela qual essa defesa e precaria provern, em ultima ins-tancia, da posicao depressiva. 0 desejo de tornar invejosas outras pes-

soas, particularmente as pessoas amadas, e de triunfar sobre elas desperta

culpa e medo de danifica-las. A ansiedade suscitada prejudica a fruicao

das pr6prias posses e mais uma vez aumenta a inveja.

Ha uma outra defesa, nao rara, 0abafamento de sentimentos de amor

e a correspondente intensificacdo do odio, porque isso e menos doIorosodo que suportar a culpa que surge da combinacao de amor, 6dio e inveja.

Isso pode nao se expressar como 6dio mas tamar a forma de indiferenca,

Uma defesa afim e a de retirar-se do contato com as pessoas. A necessi-dade de independencia que, como sabemos, e urnfenomeno normal do de-senvolvimento, pode ser reforcada a fim de evitar gratidao ou culpa pela

ingratidao e inveja. Na analise, verificamos que, inconscientemente, essa

independt3ncia e , de fato, bastante espiiria: 0 indivfduo permanece depen-dente de seu objeto interno.

Herbert Rosenfeld" descreveu urn metodo especffico de lidar com a

situacao, no qual partes excindidas da personalidade se juntam, inclusive

as partes mais invejosas e destrutivas, e ocorrem passos em direcao a in-tegracao. Ele mostrou que 0 acting out e usado a fim de evitar que a cisao

se desfaca; a meu ver 0 acting out, na medida emque 6 usado para evitar

a integracao , torna-se uma defesa contra as ansiedades despertadas pela

. aceitacao da parte invcjosa do self.

. Nao descrevi de modo algum todas as defesas contra a inveja, pais

sua variedade e infinita. Elas estao intimamente associadas as defesas

contra os impulsos destrutivos e as ansiedades perseeut6ria e depressiva.

Seu exito depende de muitos fatores externos e internos. Como foi men-

cionado, quando a inveja e forte, e par conseguinte provavel seu reapare-cimento em todas as relacoes de objeto, as defesas contra ela parecem ser

precarias; as defesas contra os impulsos destrutivos nao dominados pela

inveja parecem ser muito mais eficazes, embora possam irnplicar inibicoes

e limitacdes da personalidade,

Quando predorninam traces esquiz6ides e paran6ides, as defesas

contra a inveja nao podem ser bem-sucedidas, pois os ataques ao sujeitolevarn a urn sentimento aumentado de perseguicao, com0qual ele s6 pode

lidar par meio de ataques renovados, ou seja, reforcando as impulsos

• 2 "An Investigation of the Need of Neurotic and Psychotic Patients toAct out during Analysis"(1955).

-251-

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destrutivos. Desse modo e estabelecido um cfrculo vic ioso que pre judica a

capacidade de contrabalancar a inveja, Isso se refere particularmente a ca-

sas de esquizofrenicos e explica , ate certo ponto , as dificuldades que se

interp6em a sua cura".

o resultado e mais favoravel quando existe, em certa medida, uma

relacao com urn obje to born, pois isso tambern signif ica que a posicao de-

pressiva foi parc ia lmente elaborada, A experiencia de depressao e culpa

implica 0 desejo de poupar 0 objeto arnado e de restringir a inveja.

As defesas que enurnerei , e muitas outras , fazem parte da reacao tera-

peutica negativa porque sao urn obstaculo poderoso

acapacidade de in-

ternalizar 0 que 0 analista tern a dar. Referi-me anteriormente a algumas

das formas que toma a inveja ao analista, Quando 0 paciente e capaz de

experimentar gratidao - e isso significa que em tais momentos ele esta

menos invejoso - ele esta numa posicao muito melhor para se beneficiar

com a analise e para consolidar os ganhos ja adquiridos. Ern outras pala-

vras , quanto mais os traces depressives predominarem sobre os traces es-

quiz6ides e paranoides, melhores sao as perspectivas de cura,

A ansia por fazer reparacao e a necessidade de ajudar 0 objeto inve-

jado sao tarnbem meios muito importantes de contrabalancar a inveja . Em

ultima instancia, isso pressup6e contrabalanc;ar os impulsos destrutivos

pela mobilizacao de sentimentos de amor.

Tendo me referido varias vezes a confusao, pode ser utiIresumir alguns

dos mais import antes estados de confusao tal como normal mente surgemem diferentes estagios de desenvolvimento e em van as conexoes, Tenho

frequenternente assinalado " que, desde 0 infcio da vida p6s-natal, desejos

l ibidinais e agressivos, de natureza anal , uretra l (e mesmo genital ), estao

em atividade - embora sob 0 dominic da oralidade -, e que dentro de

poucos meses a relacao com objetos parciais vern a ser concomitante arelacao com pessoas totais.

13examinei aqueles fatores - principal mente fortes tracos esquizo-pa-

ranoides e inveja excessiva - que desde 0 infcio obscurecem a distincao

entre 0 seio born e 0 seio mau, e prejudicam a cisao bem-sucedida; nessas

condicoes, a confusao no bebe e reforcada. Acredito ser essencial repor-

tar , na anal ise , todos os estados de confusao em nossos pacientes, mesmo

os rnais graves em esquizofrenicos, a essa inabilidade inicial em distinguir

entre 0 born e 0 mau objeto originario , apesar de precisarmos considerar

43 Alguns de meus colegas que anali sarn casos de esquizofrenia disseram-rne que a enfase que

eles estao agora dando h inveja como urn fator des trut ivo e que causa est ragos mostra-se como

de grande importancia tanto na compreenslio como no tratamento desses pacicntes,

" Cf. The Psycho-Analysis of Children, capftuloVIII.

- 252-

tambern 0usa defensivo da confusao contra a inveja e contra os impulsos

destrutivos.

Enumeremos algumas das consequencias des sa dificuldade inic iaI: 0

aparecimento prernaturo de culpa, a incapacidade do bebe de vivenc~ar

separadamente a culpa e a perseguicao , eo resultante aurnento da ansie-

dade persecut6ria, ja foram mencionados acima; tambern chamei atencao

para a importancia da confusao entre os pais, resultante da intensificacao,

pela inveja, da figura dos pais combinados. Relacionei 0 aparecimento

prematuro da genitalidade a fuga da oralidade, levando a urn aumento da

confusao entre tendencies e fantasias orais, anais e genitais.

Outros fatores que contribuem, bern no corneco, para a confusao e

estados mentais de perplexidade, sao as identi ficacoes projetiva e introje-

tiva, porque elas podem, temporariarnente, ter 0efeito de obscurecer a

distincao entre 0self e os objetos, e entre mundo interne e mundo exter-

no. Tal confusao interfere no reconheciinento da realidade psfquica, 0

quaI contribui para a compreensao e para a percepcao realfstica da reaIi-

dade externa . A desconfianca e 0medo de internalizar 0alimento psfqui-

co remontam a desconfianca daquilo que 0 seio invejado e estragado ofe-

recera. Se, primordialmente, 0 alimento born e confundido com 0 mau,

posteriormente a habi lidade para pensar claramente e para desenvolver

padr6es de valores e prejudicada. Todas essas perturbacoes, que em mi-

nha concepcao estao tambern ligadas a defesa contra a ansiedade e a cul-

pa, e que sao despertadas pelo 6dio e pela inveja, expressarn-se em inibi-

c ;Besdo aprendizado e do desenvolvimento do intelecto. Nao estou levan-

do em conta aqui os outros varies fatores que contribuem para tais difi-

culdades.

Os estados de confusao que resumi brevemente, para os quais contri -

buem 0 intense conflito entre tendencias destrutivas (6dio) e integradoras

(arnor), sao ate certo ponto norrnais. E com a crescente Integracao e atra-

ves da elaboracao bern-sucedida da posicao depressiva, 0que inclui uma

maior clari ficacao da rea lidade interna, que a percepcao do mundo exter -

no torna-se mais realista - urn resultado que esta normalmente em curso

na segunda metade do prirneiro ana e infcio do segundo ano'", Essas mu-

dancas estao essencialmente l igadas a uma diminuicao da identi ficacao

projetiva, a qual parte das ansiedades e mecanismos esquizo-paranoides,

VII

Vou agora tentar uma breve descr icao das dificuldades que caracter i-

zarn 0 progresso durante uma analise, S6 depois de urn trabalho longo e

. , Suger i (cf . meus art igos de 1952) que , nosegundo ana devida , mecanismos obsessives passam

par a p rime ir o p lano e que a o rg an iz ac ao do ego oco rr e s ob 0predomfnio de impulses e fanta-sias anais.

- 253-

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laborioso ~ que se torna possfvel capacitar 0 paciente a fazer face ~ inveja

primaria e ao 6dio. Embora sentimentos de competicao e inveja sejarn fa-

miliares ~ maioria das pessoas, suas implicacoes mais profundas e areal-

cas, vivenciadas na situa<;aotransferencial, sao extrernamente dolorosas e,

por isso, diffceis de serem aceitas pelo paciente. A resistencia que encon-

tramos, em pacientes de ambos os sexos, ao analisar seus ciumes e hosti-

lidade edipianos, apesar de muito forte, nlio e tao intensa quanta aquelaque encontramos ao analisar a inveja e 0 6dio ao seio, Ajudar urn paciente

a atravessar esses profundos conflitos e sofrimentos e a maneira mais efi-ciente de promover sua estabilidade e Integracao, porque 0torna capaz,

atraves da transferencia, de estabelecer mais seguramente seu objeto born

e seu arnor por ele, e de ganhar alguma confianca em simesmo. E desne-cessario dizer que a analise dessa relacao mais arcaica envolve a investi-

ga~ao de suas relacoes ulteriores, e possibilita 0analista a compreender

mais plenamente a personalidade adulta do paciente.

No decurso da analise n6s temos que estar preparados para encontrar

flutuacoes entre melhoras e retrocessos. Isso pode aparecer de varies mo-

dos. POl'exemplo, 0 paciente sentiu gratidao e apreciacao pela capacidade

do analista. Essa mesma capacidade, causa de admiracao, logo dj lugar

~ inveja; a inveja pode ser contrabalancada pelo orgulho em ter urn born

analista. Seo orgulho incita a possessividade, pode haver uma revives-

cencia da voracidade infantil, que poderia ser expressa nos seguintes ter-

mos: eu tenho tudo que quero; tenho a mamae boa toda s6para mim. Tal

atitude voraz e controladora ~ capaz de estragar a relacao com 0objeto

born e d<1origem ~ culpa, que logo pode levar a outra defesa, por exem-

plo: nao quero ferir a analista-mae, prefiro abster-rne de aceitar suas dadi-

vas. Nessa situacao, a culpa arcaica em relacao ~ rejei~ao do lei te e do

amor oferecidos pela mae e revivida porque ,a ajuda do analista nao eaceita. 0 paciente tambem vivencia culpa porque esta privando-se (a parte

boa do seu self) de ajuda e melhora, e reprova-se por colocar uma carga

grande demais no analista ao nao cooperar suficientemente; desse modo,

sente que esta explorando 0analista. Tais atitudes alternam-se com a an-

siedade persecutoria de ser roubado de suasdefesas e emocoes, de seus

pensamentos e de' todos os seus ideais. Em estados de grande ansiedade,

parece nao existir namente do paciente outra alternativa que a de que ele

esteja roubando ou sendo roubado.

Como sugeri, a s defesas continuarn operantes mesmo quando mais in-

sight se faz presente. Carla passo em direcao IIintegracao, e a correspon-dente rnobilizacao de ansiedade, pode fazer com que defesas primitivas

aparecam com maior forca, e rnesmo que aparecam defesas novas. N6s

tambem devemos prever que a inveja primm a reaparecera frequentemente

e, assim, somos defrontados com repetidas flutuacoes na situa<;aoemocio-

nal, POl'exemplo, quando 0paciente se sente desprezfvel e, portanto, in-

-254-

" iI1

II

II

.erior ao analista, a quem naquele momento atribui benevolencia e pa-

ciencia, logo reaparece a inveja ao analista, Sua propria infelicidade e a

dol'e 0 conflito que sofre sao contrastados com 0 que ele sente ser a paz

de espfrito do analista - de fato, sua sanidade -, e essa e uma causa parti-cular de inveja. _

A incapacidade do paciente de aceitar com gratidao uma interpreta-

~ao, que em algumas partes de sua mente ele reconhece como proveitosa,

e um dos aspectos da reacao terapeutica negativa. Sob a mesma denomi-na<;aohj muitas outras dificuldades, algumas das quais mencionarei ago-

ra. Sempre que urnpaciente faz progressos na integracao, isto e, quando aparte invejosa da personalidade, que odeia e e odiada, aproxima-se maisdas outras partes do self, devemos estar preparados para verificar que an-

siedades intensas podem'vir para primeiro plano e aumentar a desconfian-

ca que ele tern de seus impulsos arnorosos. 0 abafamento do arnor, que

descrevi como uma defesa rnanfaca durante a posicao depressiva, tern suas

rafzes no perigo que advern da arneaca dos impulsos destrutivos e da an-

siedade persecut6ria. Num adulto, depender de urna pessoa arnada revive

o desamparo do bebe e e sentido come humilhante. Mas ha mais do quedesarnparo infantiI nessa questao: a crianca pode ser excessivarnente de-

pendente de sua mae, se a ansiedade de que seus impulsos destrutivos

transformern a mae num objeto danificado ou persecutorio for grande de-

mais; e essa dependencia excessiva pode ser revivida na situacao transfe-

rencial. A ansiedade de que, emse dando Iugar ao amor, a voracidade ve-nha a destruir 0objeto e outra causa de abafamento dos impulses amoro-sos. Ha tambem 0 mede de que 0 arnorconduza a responsabilidade exces-

siva e que 0 objeto faca exigencies demais. 0 conhecimento inconsciente

de que 06dio e os impulsos destrutivos estao em atividades pode fazer

com que 0paciente sinta-se mais sincero ao nao admitir arnor, seja para si

mesmo seja para outros.

Uma vez que nenhuma ansiedade pede surgir sern que 0 ego use to-

das as defesas que possa produzir, os processos de cisao desempenham

urn papel importante como rnetodos contra a experiencia de ansiedade

persecut6ria e depressiva, Quando n6s interpretamos tais processos de ci-

sao, 0paciente torna-se mais consciente de uma parte de simesmo, que 0

aterroriza porque a sente como a representante dos impulses destrutivos,

Com pacientes nos quais os processos arcaicos de cisao (sempre ligados a

traces esquiz6ides e paranoides) sao menos dominantes, a repressdo de

impulsos e mais forte e, portanto, 0 quadro clfnico e diferente, Ernoutraspalavras, n6s estarnos Iidando entao com 0 tipo mais neur6tico de pacien-

te, que conseguiu, em alguma medida, superar a cisao arcaica e noqual a

repressao tornou-se a principal defesa contra perturbacoes emocionais.

Outra dificuldade a obstruir a analise por longos perfodos e a tenaci-dade com que 0 paciente se apega a uma forte transferencia positiva: isso

-255-

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pode ser, ate certo ponto , enganador, porque se base ia ern idealizacao e

encobre 0 6dio e a inveja que estao excindidos. E caracterfstico 0 fato de

as ansiedades orais serem entao constantemente evi tadas e de os elemen-

tos genitais estarem em primeiro plano.

Procurei mostrar, e rn varies contextos, que os impulsos destrutivos,

expressao da pulsao de rnorte, sao sentidos primeiramente como sendo di-

rigidos contra a ego. Defrontando-se com eles, mesmo que gradualmente,

o paciente sente-se exposto a destruicao enquanto esta no processo de

aceitar e integrar esses impulsos como aspectos de si mesmo. Em outras

palavras, como resultado da integracao , 0paciente em certos perfodos en-

frenta varies grandes perigos: seu ego pode ser avassalado; a parte ideal

de seu self pode ser perdida quando a existencia da parte excindida, des-

trutiva e odiada de sua personalidade e reconhecida; 0 analista pode tor-

nar -se hostil e re ta liar, em funcao dos impulsos destrutivos do paciente,

que nao mais estao reprimidos, tornando-se assim tarnbem uma f igura su-

pereg6ica perigosa; 0 analista, na medida em que representa urn objeto

born, e arneacado de destruicao. 0 perigo para a analista, 0 que contribui

para a forte resis tencia que encontramos quando tentamos desfazer a cisao

e prornover passos no senti do da integracao , torna-se compreensfvel se

nos lembrannos de que 0 bebe sente seu objeto originario como sendo a

fonte do "born" e da vida e, portanto , insubstitufvel. Sua ansiedade de

que 0 tenha destrufdo e causa de dif iculdades emocionais impor tantes e

participa proeminentemente nos conflitos que surgem na posicao depres-

siva. 0sentimento de culpa resultante da tomada de consciencia da inveja

destrutiva pode levar temporar iamente a uma inibicao das capacidades do

paciente.

Encontramos uma situacao muito diferente quando, como uma defesa

contra a integracao, as fantasias onipotentes e mesmo rnegalomanfacas au-

mentam. Esta pode ser uma etapa crftica porque 0paciente pode, como re-

fugio, reforcar suas projecoes e atitudes hostis. Assirn, ele se considera su-

per ior ao anal is ta, a quem acusa de nao valoriza-lo devidarnente e a quem,

desse modo, encontra a lguma justif ica tiva para odiar . Ele se a tribui 0me-

rito por tudo ate entao conseguido na analise, Voltando a situacao arcaica:

quando bebe, 0 paciente pode ter tide fantasias de ser mais poderoso do

que seus pais e mesmo de ter, por assirn dizer, criado a mae, ou te-la pari-

do, e de que 0 seio materna the pertencia. Consequentemente, seria a mae

quem 0 teria despojado do seio e nao 0 paciente quem a teria despojado

dele. A projecao , a onipotencia e a perseguicao acham-se entao em seuauge. Algumas dessas fantasias estao em atividade sempre que sejarn

muito fortes os sentimentos relativos a prioridade em trabalhos cientfficos

ou de outro tipo. Ha outros fatores que podem igualmente susci tar a ansia

por prioridade, ta is como a arnbicao proveniente de var ias fontes, e par ti -

culannente 0 sentimento de culpa, basicamente ligado a inveja e destrui-

- 256-

. f

II

I

I

I

I

I

<; .aodo objeto primario e de seus substitutos ulte riores. 1s80 porque essa

culpa de ter despojado 0objeto originario pode levar a negacao, que as-

sume a forma de re ivindicacao de total orig ina lidade, excluindo-se assim a

possibi lidade de ter ti rado ou acei tado qualquer coisa do objeto.

No ultimo paragrafo sal ientei as dificuldades que surgern em certos

mornentos da analise de pacientes cuja inveja e constitucionalmente forte.

No entanto, a analise dessas perturbacoes graves e profundas 6, em muitos

casos, uma salvaguarda contra 0per igo potencial de psicose, resul tante de

atitudes excessivamente onipotentes e invejosas. Mas e essencial nao ten-

tar apressar esses passos em direcao

aintegracao; pois, se a noc; :aoda di-

visao em sua personalidade surgisse repentinamente, 0 paciente teria

grandes dificuldades em lidar com ela'". Quando 0 paciente toma cons-

c iencia de seus impulsos invejosos e destrutivos, e le os sente tao mais pe-

rigosos quanto mais fortemente tenham side excindidos. Em analise de-

vemos carninhar lenta e gradativamente em direc;:ao ao doloroso insight re-

ferente as divisdes do self do paciente . Isso signif ica que os lados destru-

tivos sao repetidamente excindidos e recuperados, ate que se efe tive uma

maior integracao, Como resultado, 0sentimento de responsabifidade tor-

na-se mais forte, e a culpa e a depressao sao mais plenamente vivencia-

das. Quando isso acontece, 0 ego e fortalecido, a onipotencia dos impul-

sos destrutivos fica diminufda juntamente com a inveja, e 6 l iberada a ca-

pacidade de amor e gratidao que estivera abafada no decurso dos proces-

sos de c is iio. Portanto, os aspectos excindidos tomam-se gradualrnente

mais ace itaveis e 0paciente e cada vez mais capaz de reprimir impulsosdestrutivos em relacao aos objetos amados em vez de cindir 0self. 1sso

. implica tambem a dirninuicao da projecao no anaiista , a qual 0transforma

em uma f igura per igosa e re tal iadora, e para 0analista, por sua vez, fica

mais facil ajudar 0paciente em diregao a uma maior integracao, Isso equi-

va le a dizer que a reacao terapeutica negativa esta perdendo sua forca.

Analisar processos de cisao e 0 6dio e a inveja subjacentes, tanto na

transferencia positiva quanta na negativa, exige muito do analista e do

paciente. Uma consequencia dessa dificuldade ~ a tendencia de alguns

analistas a reforcar a transferencia positiva e a evitar a transferencia ne-

gativa, e a tentar forta lecer senti rnentos de arnor asswnindo 0papel do

objeto born que 0 paciente nao fora capaz de estabelecer fi rmemente no.

passado. Esse procedimento difere essencialmente da tecnica que, ao aju-

dar 0 paciente a conseguir uma melhor integracao do seu self, visa uma

rni tigacao do 6dio pelo arnor. Minhas observacoes mostraram-me que astecnicas baseadas em reasseguramento rararnente sao bem-sucedidas; em

'6. Pode ser que urna pessoa que corneta inesperadamente urn crime ou tenha um sur to psic6tico

tenha subitarnente Bedado conta de partes perigosas excindidas de seu self. Conhecem-se casos

de pessoas que procuram ser presas a f irn dese impedirem decometer urn assassina to .

-25,7-

. · l · '· · ' · ·· · · ·

" ..;:

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especial, seus resultados nao sao duradouros. Ha de fato em todas as pes-

soas uma arraigada necessidade de reassegurarnento, a qual remonta a re-laC;ao mais arcaica com a mae. 0 bebe tern a expectativa de que ela 0

atenda nao apenas em todas as suas necessidades, mas tambern anseia por

sinais de seu arnor sempre que experimenta ansiedade. Esse anseio por

reasseguramento e urn fator vital na situacao analftica, e n6s nao devemos

subestimar sua irnportancia em nossos pacientes, tanto adultos como

criancas . Descobrimos que embora seu prop6sito consciente, e muitas ve-

zes inconsciente, e ser analisado, '0 paciente nunca abandona cornpleta-

mente seu forte desejo de receber provas de amor e apreciacao do analis-

ta, e de assim ser reassegurado. Mesmo a cooperacao do paciente, que fa-

culta a analise de camadas profundas da mente, de impulsos destrutivos e

de ansiedades persecut6rias, pode ate certo ponto ser influenciada pela

necessidade premente de satisfazer 0analista e de ser amado por ele. 0

analista que for ciente disso analisara as rafzes infantis de tais desejos; do

contrario, em identificacao com seu paciente, a necessidade arcaica de

reasseguramento pode influenciar intensamente sua contratransferencia e,

consequenternente, sua tecnica, Essa identificacao pode tambem facil-

mente levar 0 analista a tentacao de assumir 0 lugar da mae e a ceder anecess idade premente de aliviar imediatamente as ansiedades de seu fi lho

(0 paciente).

Uma das dificuldades em promover passos em direcao a integracaosurge quando 0paciente diz: "Posse entender 0que esta me dizendo mas

nao 0sinto," Estamos cientes de que estamos nos referindo a uma parte

da personalidade que, para todos os efeitos, nao e suficientemente acessf-vel na ocasiao quer ao paciente quer ao analista. Nossas tentativas de aju-

dar 0paciente a integrar s6 sao convincentes se podemos mostrar a ele,

tanto no material presente como no passado, como e por que ele esta re-

petidamente excindindo partes de seu self Tal evidencia e tambern fre-

qiientemente fornecida por um sonho antecedente a sessao e pode ser de-

preendida do contexto total da situacao analf tica. Se uma interpretacao de

cisao e suf icientemente fundamentada no modo que descrevi , ela pode ser

confirmada na sessao seguinte, quando 0paciente traz urn trecho de urn

sonho ou mais algum material . 0 resultado cumulativo de tais interpreta-

c_;:oespossibilita gradualmente 0paciente a progredir no sentido da inte-

grac;ao e do insight.

A ansiedade que impede a integracao tern que ser plenamente com-

preendida e interpretada na situa<;ao transferencial. Eu assinalei anterior-

mente a arneaca, tanto para 0self como para 0 analista, que surge na

mente do paciente se partes excindidas do self sao recuperadas na analise.

Ao Iidar com essa ansiedade, nlio se devem subestimar os impulsos amo-

rosos quando e1espodem ser detectados no mater ial . Pois sao eles que, em

ultima instancia, possibilitam ao paciente mitigar seu 6dio e inveja.

-258-

Por mais que 0 paciente possa, num dado momento , sentir que a in-

terpretacao nao 0 toea, iS50 pode frequentemente sc::ruma expressao de re-

sistencia, Se, desde 0 infcio da analise, houvermos prestado suficiente

atencao as sempre repetidas tentativas de excindir as partes destrutivas da

personalidade, particularmente 0 6dio e a inveja, teremos de fato, ao me-

nos na maioria dos casos, habili tado 0 paciente a dar alguns passos no

sentido da integracao. E somente ap6s urn trabalho laborioso, cuidadoso e

consistente por parte do analista que podernos esperar uma integracao

mais estavel no paciente.

Ilustrarei agora essa fase da analise com dois sonhos.

o segundo paciente a que me refer i, num estagio ulter ior de sua a n a -lise, quando de varies modos tinham oeorrido uma maior integracao e

progresso, relatou 0seguinte sonho, que mostra asflutuacdes nos proces-

sos de integracao , causadas pela dor dos sentimentos depressivos. Ele es-

tava em urn apartamento no andar de cima e "X", urnamigo de urn amigo

do paciente, 0 estava ehamando da rna, propondo que fossem caminhar

juntos. 0 paciente nao se juntou a "X" porque urn cachorro preto que ha-

via no apartamento poderia sair e ser atropelado. Ele afagou 0 cachorro.

Quando olhou pela janela, verifieou que "X" tinha "recuado".

Algumas das associacoes relacionaram 0 apartamento com 0 meu e 0

cachorro preto com a meu gato preto.: que ele descreveu como "ela". 0

paciente nunca tinha gostado de "X", que era urn antigo colega de escola.

Descreveu-o como melffluo e insincero ; "X" tambem frequentemente pe-

dia dinheiro emprestado (embora ele 0devolvesse mais tarde), e 0fazia

de maneira tal que sugeria que tinha todo 0direito de pedir tais favores.

No entanto, "X" veio a ser muito born em sua profissao.

o paciente reconheceu que "urn amigo de seu amigo" era um aspecto

. dele. rnesmo, A essencia de minhas interpretacoes foi que ele chegara

perto de tomar consciencia de uma parte desagradavel e assustadora de

sua personalidade; a perigo para 0 cachorro-gato, a analista, era de que

ela seria atropelada (isto e, ferida) por "X". "X" convidando-o para uma

caminhada simbolizava urn passo na direcao da integracao, Nesse ponto

urn elemento de esperanca entrou no sonho atraves da associacao de que

"X", a despeito de seus defeitos, viera a ser born em sua profissao. Etambem uma caracterfstica de progresso 0 fato de que 0 aspecto dele

mesrno do qual chegara mais perto no sonho nfio era tao destrutivo nem

tao invejoso quanta em material previo. .

A preocupacao do paciente com a seguranca do caehorro-gato expn-mia 0 desejode proteger a analista contra suas tendencies hostis e vorazes,

representadas por "X", e levava a uma ampliacao ten:~o~~a da cisa~ ~ue

jl1havia sido parcialmente sanada. Contudo,. quando ~ ,a parte ~Jelta-

da dele mesmo, "recuava"; is50 mostrava que nao havia desaparecido de

vez e que 0processo de integracao estava apenas temporariamente pertur-

-259-

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bado. 0estado de espfrito do paciente na ocasiao tinha caracterfsticas de-

pressivas; a culpa em relacao a analista e 0 desejo de preserva-Ia eram

proeminentes. Nesse contexto, 0 medo da integracao era causado pelo

sentimento de que a analista devia ser protegida dos impulsos reprimidos,

vorazes e perigosos, do paciente. Eu nac tinha duvida de que ele ainda

estava excindindo uma parte de sua personalidade, mas a repressdo dos

impulsos vorazes e destrutivos havia se tornado mais visfvel. A interpre-

tacao, portanto, tinha que lidar tanto com a cisao como com a repressao.

o primeiro paciente mencionado anterionnente, numa etapa ulterior

de sua analise, trouxe urn sonho que mostrava passos bastante rnais avan-

cades no sentido da integracao. Ele sonhou que tinha urn irmao delin-

quente, 0 qual havia cometido urngrave crime. Fora recebido numa casa e

matara os moradores e os roubara, 0 paciente ficou profundamente per-

turbado por iS50, mas sentiu que precisava ser leal a seu irmao e salva-Io.

Eles fugiram juntos e, a seguir, estavam num barco, Nesse ponto 0 pa-

ciente fez uma associacao com Os Miserdveis de Victor Hugo, e mencio-

nou Javert, que havia perseguido urn inocente durante toda a sua vida, e

ate rnesmo 0 seguira pelos esgotos de Paris, onde ele havia se escondido.

Mas Javert acabou cometendo suicfdio porque reconheceu que havia con-

sumido toda a sua vida em uma direcao erronea.

o paciente prosseguiu entao com seu relato do sonho. Seu irmao e ele

foram presos por urn policial que 0 olhou bondosamente, e assim 0 pa-

ciente teve a esperanca de que, afinal, nao seria executado; parecia deixar

seu irmao entregue a pr6pria sorte.

o paciente se deu conta imediatamente de que 0irmao delinquente

era parte dele mesmo. Havia recentemente usado a expressao "delin-

quente " referindo-se a questoes de pouca importancia em sua pr6pria

conduta. Lembraremos aqui tarnbern que, nurn sonho anterior, ele havia se

referido a urn menino delinquente com quem nao podia lidar,

o passo em direcao a integracao a que estou me referindo foi mostra-

do quando 0 paciente assume responsabilidade pelo irrnao delinqiiente e

por es tar com ele "no mesmo barco". Interpretei 0crime de assassinato e

roubo das pessoas que 0haviam bondosamente acolhido como sendo seus

ataques fantasiados a analista, e referi-rne-me a sua ansiedade, tantas ve-

zes expressa, de que seu desejo voraz de tirar de mim tanto quanto possf-

vel pudesse danificar-rne. Relacionei isso com a sua culpa arcaica em re-

la~ao a sua mae. 0policial bondoso representava a analista que nao 0 jul-

garia severamente,e que 0 ajudaria a livrar-se de sua parte rna. Assinalei,

alem disso, que no processo de intcgracfio havia reaparecido 0 usc de ci-

sao, tanto do self como do objeto. Isso f icou ilustrado por a analista f igu-

rar em urn papel duplo: como polieial bondoso e como Javert perseguidor,

o qual no fim suicidou-se, e em quem a "maldade" do paciente havia sido

projetada. Embora 0 paciente tivesse compreendido sua responsabilidade

- 260-

pela parte "delinqiiente" de sua personalidade, ele estava ainda cindindo

seu self. Isso porque estava representado pelo homem "inocente", en-

quanto os esgotos em que era perseguido significavam as profundezas de

sua destrutividade anal e oral.

A recorrencia da cisao era causada nao apenas por ansiedade perse-

cut6ria mas tambern por ansiedade depressiva, pois 0paciente sentia que

nao podia confrontar a analis ta (quando ela aparecia em urn papel bondo-

so) com a parte rna de si mesmo sem danifica-la. Essa foi uma das razoes

pela qual ele recorreu a uniao com 0policial contra a parte rna de s i mes-

rno, a qual desejava aniquilar naquele momento.

* * *

Freud, desde 0 infcio, admitiu que algumas variacoes individuais do de-

senvolvimento sao devidas a fatores constitucionais: por exemplo, em

"Character and Anal Erotism" (1908), ele expressou a concepcao de que

urn erotismo anal aeentuado e constitucional em muitas pessoas?". Abra-

ham descobriu urn elemento inato na forca dos impulsos orais que relacio-

nou com a etiologia da enfermidade manfaco-depressiva. Ele disse que

"... 0que e realmente constitucional e herdado ~ uma acentuacao exces-

siva do erotismo.oral, do mesmo modo que em certas farnfl ias 0erotismo

." d d "~8anal parece ser urn fator preponderante Ji:I es e 0corneco .

Sugeri anterionnente que a voracidade, 06dio e as ansiedades perse-

cutor ias em relacao ao objeto originario, 0 seio da mae, tern uma base

inata, Nesse trabalho acrescentei que tambem a inveja, como expressao

poderosa de impulsos sadico-orais e sadico-anais, ~ constitucional. As va-

r iacoes na intensidade desses fatores consti tucionais sao, em minha con-

cepcao, Iigadas a preponderancia de uma ou outra das puls6es na fusao

das pulsoes de vida e de morte postulada por Freud. Eu acredito que htl

uma correlacao entre a preponderancia de uma ou outra dessas puls6es e a

forca ou fraqueza do ego. Tenho freqiientemente me referido a forca d.o

ego face as ansiedades com as quais tern que lidar como urn fator consti-

tucional. Dificuldades em suportar ansiedade, tensao e frus tracao sao ex-

pressao de urn ego que, desde 0infcio da vida p6s-natal, e f raco ~m pro-

porcao aos intensos impulsos destrutivos e sentimentos persecut6nos que

vivencia. Essas fortes ansiedades, impostas a urn ego fraco, conduzem a

urn uso excessivo de defesas, tais como a negacao, cisao e onipotencia,

que, em certa medida, sao sempre caracterfsticas do desenvolvimento ~ais

inicial . De acordo com rninha tese, eu acrescentaria que urn ego consti tu-

cionalmente forte 'nao se toma presa facil da inveja, e e mais capaz de

• 7 "A par ti r dessas indicacoes n6s infer imos que 0 significado erot6geno da zona anal esta inten-sificado na constituicao sexual inata dessas pessoas."

41 "A Short His tory of the Development of the Libido" (1924).

- 261-

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efetuar a cisao entre borne mau, que suponho ser uma precondicao para 0

estabelecimento do objeto born. 0 ego 6, entao, menos sujeito aqueles

processos de cisao que levam It fragrnentacac e que fazemparte decarac-

terfsticas esquizo-paran6ides acentuadas,

Urn outro fator que, desde 0infcio, influencia 0desenvolvimento ~ a

diversidade de experiencias externas pelas quais 0 bebe passa. Isso expli-

ca, em certa medida, 0desenvolvimento de suas ansiedades arcaicas, que

seriam particularmente grandes em urn bebe que teve urnnascimento diff-

cil e amamentacao insatisfatoria. No entanto, 0montante de minhas ob-

servacoes convenceu-me de que 0impacto dessas experiencias externas ~

proporcional a forca constitucional dos impulsos destrutivos matos e dasansiedades paran6ides decorrentes. Muitos bebes nao tiveramexperiencias

muito desfavoraveis e, ainda assim, tern serias dificuldades com a ama-

rnentacao e com 0sono, e n6s podemos ver neles todos os sinais de gran-

de ansiedade, os quais as circunstancias externas nao explicam suficien-

ternente.

:E tambern sabido que alguns bebes sao expostos a grandes privacoes

·e circunstancias desfavoraveis e, ainda assim, nao desenvolvem ansieda-

des excessivas, 0 que sugeriria que seus traces paran6ides e invejosos nao

sao predominantes; isso 6 frequenternente confirmado por sua hist6ria ul-

terior.

Ern meu trabalho analftico tenho tide muitas oportunidades de repor-

tar a origem da formacao do carater a variacoes nos fatores inatos. Ha

muito mais a ser aprendido a respeito das influencias pre-natais; mas,

mesmo urn maior conhecimento a respeito delas nao diminuiria a irnpor-

· tfulciados elementos inatos na determinacao da forca do ego e das mocoes

·pulsionais.

A existencia dos fatores inatos, referidos acima, aponta para as Iimi-

ta90es da terapia psicanalftica. Embora eu perceba isso plenamente, minha

experiencia ensinou-me que, nao obstante, n6s podemos produzir mudan-

~as fundamentais e positivas emvmos casos, mesmo com uma base cons-

titucional desfavoravel,

CONCLUSAO

Por muitos anos, a inveja do seio nutridor como urn fator que au-

menta a intensidade dos ataques ao objeto originario tern sido parte de

minhas analises, No entanto, s6 mais recentemente 6 que tenho dado urna

enfase particular a qualidade de destruicao e estrago da inveja, na medidaem que ela interfere na construcao de uma relacao segura com 0objeto

born interno e extemo, solapa 0 sentimento de gratidao e, de rnuitas ma-

neiras, obscurece a distincfio entre born e mau.

Ern todos os casos que descrevi, a relacao com 0 analista como urn

objeto interno foi de irnportancia fundamental. Verifiquei que isso era

I

verdade de maneira geral, Quando a ansiedade a respeito da inveja e suas

consequencias atinge 0 climax, 0 paciente sente-se, em graus variaveis,

perseguido pelo analista COmournobjeto interno invejoso e malevolente,

a perturbar seu trabalho, sua vida e suas atividades. Quando isso ocorre,0

objeto born e sentido como perdido e, com ele, a seguranca intema. Mi-nhas observacoes mostrararn-meque, emqualquer estagio da vida, quando

a relacao com0objeto bornesta seriamente perturbada - urna perturbacao

na qual a inveja desempenha urn papel proeminente-, njioapenas a segu-

ranca e a paz interna sofrem interferencia, como tarnbem se estabelece

uma deterioracao do carater. A prevalencia de objetos internos persecut6-

rios reforca impulsos destrutivos, ao passo que, se 0 objeto born estiver

bern estabelecido, a identificacao com ele fortalece a capacidade de amar,

os impulsos construtivos e a gratidfio. Isso se coaduna com a hipotese que

apresentei no infcio deste trabalho: se 0 objeto born esta profundamente

enraizado, perturbacoes temporaries podem ser suportadas e estao assen-

tados os alicerces da saude mental, da formacao do carater e do desenvol-

vimento bem-sucedido do ego.

Descrevi , em outros contextos, a importancia do objeto persecutdrio

Internalizado mais arcaico - 0seio retaliativo, devorador e venenoso. Eu

diria agora que a projecao da inveja do bebe confere uma feic;aoparticular

ll. sua ansiedade quanta a perseguicao interna, tanto originaria como ulte-rior. 0 "superego invejoso" ~ sentido como perturbando e aniquilando

todas as tentativas de reparar e de criar, E tambernsentido como fazendoexigencias constantes e exorbitantes a gratidao do indivfduo. Pois ll. per-

seguicao acresccntam-se os sentimentos de culpa de que os objetos inter-

nos persecut6rios sao resultantes dos pr6prios impulsos invejosos e des-

trutivos que estragaram primariamente 0 objeto born. A necessidade de

punicao, que encontra satisfacao no aumento da desvalorizacao do self,

leva a urn cfrculo vicioso.

Como sabemos, 0 objetivo ultimo da psicanalise ~ a integracao da

personalidade do paciente. A conclusiio de Freud de que "onde era id,

ego sera" e urn indicador nessa direcao, Os processos de cisao surgernnos estagios mais iniciais de desenvolvimento. Se sao excessivos, fazem

parte integrante de graves traces paran6ides e esquizoides que podem ser

a base da esquizofrenia. No desenvolvimentonormal, essas tendencies es-

quiz6ides e paranoides (posicao esquizo-paranoide) sao, emgrandeparte,

superadas durante 0 perfodo que e caracterizado pela posicao depressiva,

e a integracao desenvolve-se comexito. as passos importantes emdirecaoa integracao, surgidos durante esse perfodo, preparam 0 ego para sua ca-

pacidade de operar a repressao, a qual, acredito, funcionara cada vez rnais

no segundo ano de vida.

Em "A Vida Emocional do Bebe", sugeri que a crianca pequena ecapaz de usar a repressao para lidar com dificuldades emocionaisse, nos

- 263-

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estagios inic iais, os processos de cisao nao houverern side poderosos de-

mais e, por tanto, tenha side possfvel uma consol idacao das par tes cons-

cientes e inconscientes da mente. Nos estagios mais iniciais, a cisao e ou-

tros mecanismos de defesa sao sempre predorninantes , Hi em Inhibition,

Symptoms and Anxiety, Freud havia sugerido que pode haver metodos de

defesa anteriores a repressao. No presente trabalho nao tra tei da impor-

tancia vita l da repressao para 0desenvolvimento normal, porque 0efeito

da inveja pri rnaria e sua conexao fntima com os processos de cisao foram

meu tema principal.

Com relacao a tecnica, procurei mostrar que urn progresso na integra-

'faOpode ser conseguido analisando-se repetidas vezes as ansiedades e de-

fesas vinculadas a inveja e aos impulsos destrutivos. Sempre estive con"

vencida da importancia da descoberta de Freud de que a "elaboracao" euma das tarefas principais do procedimento analftico, e minha experiencia

em lidar com os processos de cisao e em faze-los remontar a sua origemtomou essa conviccao ainda mais forte. Quanto mais profundas e mais

complexas forern as dificuldades que estivermos anal isando , maior sera a

resistencia que teremos probabilidade de encontrar, e isso tern relacao

com a necessidade de dar uma importancia adequada a "elaboracao";Essa necessidade surge particularmente com relacao a inveja do ob-

je to primar io. Os pacientes podem reconhecer sua inveja, c iurnes e ati tu-

des competitivas em relacao a outras pessoas, e ate mesrno 0desejo de

danificar suas faculdades, mas 0que pode conduzir a diminuicao da cisao

dentro do self e somente a perseveranca do analista em analisar esses sen-timentos hostis na transferencia, possibil itando desse modo ao paciente

revive-los em sua relacao mais arcaica.

Minha experiencia mostrou-me que quando falha a analise desses im-

pulsos, fantasias e emocoes fundamentais, isso 6 parcialmente devido a

que a dor e a ansiedade depressiva, tomadas manifestas, sobrepujarn em

algumas pessoas 0 dese jo de verdade e , em ultima analise, 0 desejo de ser

ajudado. Acredito que a cooperacao de urn paciente tem que ser baseada

numa forte determinacao de descobri r a verdade a respeito de si pr6prio,

para que eie venha a acei tar e assirnilar as interpre tacoes do anal is ta rela-

c ionadas com essas camadas mais arca icas da mente . Pois essas interpre-

tacoes, se suficientemente profundas, mobi lizarn uma parte do self que esentida como inimiga do ego bern como do objeto amado, e que fora,

portanto, excindida e aniquilada. Verifiquei que as ansiedades despertadas

pelas interpretacoes de 6dio e inveja em relacao ao objeto originario e 0

sentimento de ser perseguido pelo analista cujo trabalho suscita essas

ernocoes sao mais dolorosos do que qualquer outro mater ia l que interpre-

tamos.

Essas dificuldades estao particularmente presentes em pacientes com

fortes ansiedades paran6ides e mecanisrnos esquiz6ides, pais eles sao

- 264-

I

menos capazes de vivenciar, ao mesmo tempo, uma transferencia positiva

com confianca no analista e a ansiedade persecut6ria suscitada pelas in-

terpre tacoes; em ultima instancia , eles sao menos capazes de manter sen-

timento de amor. No presente estagio de nosso conhecimento, estou pro-

pensa a opiniao de que esses sao os pacientes, nao necessariamente de urn

tipo psic6tico manifesto, com as quais 0sucesso e l imitado, ou pode naoser alcancado,

Quando a analise pode ser levada a esse nfvel de profundidade, a in-

veja e 0 medo da inveja diminuem, levando a uma maior confianca nas

forcas construtivas e reparadoras , em real idade na capacidade de amar, 0resultado e tambern uma maior tolerancia com as pr6prias Iimitacoes, bern

como melhores re lacoes de obje to e uma percepcao mais clara da rea lida-

de intema e externa.

o insight ganho no processo de integracao toma possfvel ao paciente,

no decurso da analise, reconhecer que existem partes de seu self poten-

cialmente perigosas. Mas quando 0arnor pode ser suficientemente reunido

ao 6dio e a inveja que estavam excindidos, essas ernocoes tomam-se tole-

raveis e diminuem porque sao rni tigadas pelo arnor. Os var ies conteudos

de ansiedade mencionados anteriormente tambem decrescem, tal como 0

perigo de ser dorninado por uma parte destrutiva e excindida do self. Esse

perigo parece ser maior na medida em que, como uma consequencia da

excessiva onipotencia arcaica, 0dana fei to em fantasia parece i rrevoga-

vel. A ansiedade de que os sentimentos hostis destruam os objetos amados

diminui quando esses sentimentos tornarn-se mais conhecidos e sao inte-grados na personalidade. A dor que 0paciente sente durante a anal ise

tambem decresce gradualmente devido as melhoras ligadas aos progressos

na integracao, tais como recuperar alguma iniciativa, tomar-se capaz de

tomar decisoes de que previamente se sentia incapaz e, em geral, usar

seus dotes rnais livremente. Isso esta l igado a urn decresc irno na inibic jio

de sua capacidade de reparar. Sua capacidade de fruicao aumenta de va-

rios modos, e a esperanc;a reaparece , embora possa a inda al ternar-se com

depressao: Tenho observado que a cr ia tividade cresce em proporcao a ca-

pacidade de estabelecer mais seguramente 0objeto born, sendo isso, nos

casos bern-sucedidos, 0resultado da analise da inveja e destrutividade.

Assim como as repetidas exper iencias fel izes de ser nutrido e amado

sao instrumentais, na infancia, para 0 estabelecimento segura do objeto

born, tarnbern durante uma analise experiencias repetidas da eflcacia e

verdade das interpretacoes dadas levam a que 0 analista - e retrospecti-vamente 0 objeto originario - sejam erigidos como figurasboas,

Todas essas rnudancas correspondem a urn enriquecimento da perso-

nalidade, Junto com 0 6dio, a inveja e a destrutividade, outras importantes

partes do self que haviam sido perdidas sao recuperadas no decurso da

anal ise. Ha tarnbem urn alfvio consideravel em senti r-se como uma pessoa

-265 -

mais inteira, em ganhar controle sobre 0proprio self, e em ter urn senti:

'I

!

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mento maiaprofundo de seguranca em relacao ao m~ndo em geral",Em

"Alguns Mecanismos Esquiz6ides", sugeri que 0 sofrimento do esquizo-

. did fragmentos erenico, devido a seus sentimentos de estar em 10em. '

muito intenso. Esse sofrimento 6 substimado porque suas ansledade~ apa-

recem sob forma diferente daquela do neurotico. Mesmo qu~~o nao e~-

tamos lidando com psie6ticos, mas sim analisando pessoas cuja u:tegras:ao

foi perturbada e que se sentem inseguras tan~o em.relacao ~ SI ~e~mas

como a outros, ansiedades semelhantes sao vivenciadas e sao ~lvladas

quando uma integracao rnais plena e consegui~a. A meu ver, uma mt~gra-

<;aocompleta e perrnanente nunca e possfvel; ISS0 porque, sob pressao defontes externas ou intemas, ate mesmo pessoas bem integradas podem ser

levadas a processos de cisao mais intensos, embora isso possa ser uma fa-

se passageira. . .

No trabalho "Sobre a Identificacao", rnostrei como e irnportante parao desenvolvimento da saude mental e da personalidade que nao h~ja p~e-

domfnio da fragmentacao nos proeesos arcaicos de cis~o: Escrevi entao:

"0 sentimento de center urn mamilo e um seio nao-danlflcados - embora

co-existindo com fantasias de urn seio devorado e, portanto, em peda<;o~-

faz com que a cisao e a projecao nao sejam predominantemente relacio-

nadas a partes fragmentadas da personalidade e sim a partes :nrus coesas

do self. Isso implica que 0ego njio e exposto a urn enfraquecII~ento fatal

por dispersao e, por essa razao, e mais capaz de desf~zer repet1.dam~~!eacisao e de conseguir integracao e sfntese em sua relacao com obJet~s .

Acredito que essa capacidade de recuperar as partes excindidas dapersonalidade seja uma precondicao para 0desenvolvimento nor~a:' Isso

pressupoe que a cisao 6 at6 certo ponto superada durante a pO~ls:aode-

pressiva e que seu lugar seja tomado gradualmente pela repressao de im-

pulses e fantasias. . . .

. A analise do carater sempe foi uma parte importante e rmnto diffcil da

'terapia analftica'", Acredito que 6 fazendo remontar certos aspectos da

formacao do carater aos processos arcaicos por mim descritos que, em

certo m1mero de casos, podemos efetuar mudancas de grande a1cance no

carater e na personalidade.

. Podemos considerar por urn outro angulo os aspectos de tecnica que

procurei transmitir aqui. Desde 0 infcio, todas as ernocoes ligam-se ao

if

'9P4g. 173.

'0 .As con tr ibui~6es mais fundamentais a esse t6p ico foram feita s por Freud , Jones e Abraham,

c r. par exemplo Freud , "Charac te r and Ana l Ero tism" (1908), Jones, "Hate and Anal·Ero-.

tism in the Obssessional Neuroses" (1913) e "Anal-Ero tic Character Tra its (1918), e Abra-ham "Contributions to the Theory of the Ana l Character" (1921), ''The Influence of Oral

EroJsm ali CharacterFormation" (1924), e "Charac te r Formation on the Geuital Level o f the

Libido Development" (1925).

-266-

i,!

primeiro objeto. Se os impulsos destrutivos, a inveja e a ansiedade para-

n6ides sao excessivos, 0 bebe distorce e ampJia crassamente todas as

frustracoes de fontes externas, e 0 seio materno transforma-se predorni-

nantemente em um objeto persecut6rio, interna e externamente. Entao,

nem mesmo as gratificacoes reais podem contrabalancar suficientemente a

ansiedade persecutoria. Levando a analise ate a infancia mais remota,

possibilitamos ao paciente reviver situacoes fundamentais - uma revives-

cencia a que tenho frequentemente me referido como "Iembrancas em

sentimento". Ao longo dessa revivescencia, toma-se possfveI ao paciente

desenvolver uma atitude diferente para com suas frustracoes arcaicas. Nao

ha duvida de que, se 0 bebe foi de fato exposto a condicoes muito desfa-

voraveis, 0 retrospective estabelecimento de um objeto bom nao pode des-

fazer as mas experiencias iniciais. Contudo, a introjecao do analista como

um objeto born, se nao esta baseada em idealizacao, tem emcerta medida

o efeito de prover urn objeto born interno, Iii onde ele estava faltando.

AMm disso, 0enfraquecimento das projecoes, e portanto a aquisicao de

maior tolerancia, Jigada a um menor ressentimento, torna possfvel 11.0 pa-

ciente encontrar alguns aspectos do passado e reviver lernbrancas agrada-

veis, mesrno quando a situacao inicial foi muito desfavoravel, 0 meio

pelo qual isso e conseguido e a analise da transferencia negativa e positi-va, que nos remete as relacoes de objeto mais arcaicas. Tudo isso se toma

possfvel porque a integracao resultante da analise reforca 0 ego, que era

fraco no infcio da vida. E segundo essa linha que a analise de psic6ticospode tambem ser bem-sucedida. 0 ego mais integrado toma-se capaz de

vivenciar culpa e sentimentos de responsabilidade, os quais fora incapaz

de enfrentar na infll.ncia;a sfntese do objeto se faz, havendo portanto uma

mitiga9l1.odo 6dio pelo amor, e a voracidade e a inveja, corolarios dos

impulsos destrutivos, perdem em poder.

Para expressar de outro modo, a ansiedade persecut6ria e os meca-

nismos esquiz6ides dirninuem, e 0 paciente pode elaborar a posicao de-

pressiva, Quando ele supera, ate certo ponto, sua incapacidade inicial de

estabelecer urn bom objeto, a inveja diminui e sua capacidade de fruicao e

gratidao aumenta passo a passo. Essas mudancas estendem-se a muitos

aspectos da personalidade do paciente e vao desde a vida emocional mais

arcaica ate as experiencias e relacoes adultas. Eu acredito que ~ na analise

dos efeitos das perturbacoes arcaicas no desenvolvimento em seu todo que

reside nossa maior esperance de ajudar nossos pacientes.

- 267-

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- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 2 - - - - - - ~ _ _ _

NOSSO MUNDO ADULTO

E SUAS RAizES NA INFANCIA

(1959)

Nota ExpJicativa da Comissao Edi toria l Inglesa

Este e 0ult imo dos art igos de Melanie Kle in dir igido a urn publico mais generico,

mais do que a u rn publ ico especif icamen te psicanal ft ic o, Os ou tros sao "On Wea-

ning" (1936) e "Love , Guilt and Reparati on" (1937) . Com urn mfnimo de termos

tecnicos, e le oferece uma ampla descricao de seus achados e teorias, enfat izando a

permamente influencia do desenvolvimento inicial sobre a vida adulta - individual esocial.

-280-

----------------------12-------- _

NOSSO MUNDO ADULTO

E SUAS RAIZES NA INFA.NCIA

(1959)

Ao considerar do ponto de vista psicanalftico 0comportamento de pessoas

em seu ambiente social , e necessario investigar como 0indivfduo desen-

volve-se da infancia a maturidade. Urn grupo - seja ele grande, seja pe-

queno - consis te de indivfduos em relacao uns com os outros. Portanto, a

compreensao da personalidade e a base para a compreensao da vida so-

c ial . A exploracao do desenvolvimento do indivfduo rernete ° psi eanalis-ta, atraves de estagios graduais, a infancia, Portanto, discorrerei primeiro

sobre tendencias fundamentais na crianca pequena.

Os diversos sina is de dif iculdades do bebe -:-estados de ra iva , fal ta de

interesse em seu ambiente, incapacidade de suportar frustracao e expres-

soes fugazes de tr is teza - nao encontravam anterionnente qualquer expli -

cacao, a nao ser em termos de fatores ffsicos. Pois, ate Freud fazer suas

grandes desoobertas, havia uma tendericia geral a considerar a infancia

como urn perfodo de felicidade perfeita e a nao levar a serio as diversasperturbacoes apresentadas pelas criancas, As descober tas de Freud tem-

nos ajudado , no decorrer do tempo, a entender a complexidade das emo-

\=ees da crianca e tern revel ado que as cr iancas passam por ser ios confl i-

tos. Isso levou a uma melhor compreensao da mente infantil e de suas co-

nexoes com os processos mentais do adulto.

A tecnica do brincar que desenvolvi na psicanal ise de criancas muito

pequenas e outros avances na tecnica resultante do meu trabalho permiti -

ram-me ti ra r novas conclusoes sobre estagios muito inicia is da infancia e

camadas mais profundas do inconsciente. Tal compreens~o retrospectiva

esta baseada em uma das descobertas cruciais de Freud, a s ituacao trans-

ferencial, isto e, 0 fato de que em uma psicanalise 0 paciente revive em

relacao ao psicanalista situacoes e emocoes mais arcaicas - e, eu acres-

centar ia, muito arcaicas , Portanto a relacao com 0psicanalista de vez em

quando encerra, mesmo em adul tos, aspectos muito infantis, tais como' de-pendencia excess iva e necessidade de ser guiado, acompanhados de uma

desconf ianca bastante ir racional. Faz par te da tecnica do psicanalista de-

duzir 0 passado a par tir de ta is manifestacdes, Sabemos que Freud desco-

briu 0 complexo de Edipo primeiramente no adulto e pdde entao faze-lo

rernontar a infancia Como eu tive a oportunidade de analisar criancas

-281-

muito pequenas, pude obter uma cornpreensao ainda mais intima de sua Tanto a capacidade de arnar quanta 0 sentirnento de perseguicao tern

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vida mental, 0 que me levou a compreender a vida mental do bebe, l~so

porque a meticulosa atencao que dei a transferencia na tecnica do brin-

car perrnitiu-me chegar a uma compreensao mais profunda dos mo~os

pelos quais - na crianca e posteriormente tarnbern no adult? -. a vida

mental e inf luenciada pelas rnais arcaicas ernocoes e fantasias mcons-

cientes. E a partir desse angulo que descreverei, com tao poucos termos

tecnicos quanta me seja possfvel, 0 que concluf sobre a vida ernocional do

bebe,

Apresentei a hip6tese de que 0bebe recern-nascido vivencia, tanto no

processo de nascimento quanto no ajustamento a s~tua~ao pos-natal, an-

siedade de natureza persecutoria. Isso pode ser explicado pelo fato.de que

o bebezinho, sem ser capaz de apreende-lo intelectualmente, sente mcons-

cientemente todo desconforto como tendo sido infl igido a ele por forcas

hostis. Se the e oferecido conforto prontamente - em especial calor , 0

modo amoroso de segura-lo e a gratificacao de ser alirnentado -, isso da

_origem a emocoes mais felizes. Tal conforto e sentido como vindo de for=

'gas boas e, acredito, toma possfvel a primeira relacao de a~or do ~ebe

com uma pessoa ou, como urn psicanalista diria, com urn objeto. Mm~a

hip6tese e que 0bebe tern urn conhecimento inco~scie~te inato da eXIS-

tencia da mae. Sabemos que os animais, ao nascer, imediatamente voltarn-

se para a mae e obtern dela seu alimento. 0 animal humane nao e dif~-rente nesse aspecto, e esse conhecimento instintivo e a base da relacao

primordial do bebe com a mae. Podemos tarnbem observar ~ue com ape-..nas poucas semanas 0 bebe ja olha para 0 rosto de sua mae, reconhece

seus passos, 0 toque de suas rnaos, 0 cheiro e a sensacao de se~ seio ou

da mamadeira que ela the da - tudo isso sugere que alguma relacao com a

"mae, ainda que primitiva, foi estabelecida.

o bebe nao espera da mae apenas 0 alimento , mas deseja ta~be_rn

amor e cornpreensao. Nos estagios mais iniciais, arnor e compreensao sao

expressos pela mae atraves do seu modo de lidar co~ 0bebe e leva~ a

urn sentimento inconsciente de unicidade que se baseia no fato de 0 In-

consciente da mae e 0 lnconsciente da crianca estarem em Intima relacao

urn com 0 outro. 0 sentirnento resultante que 0 bebe tern de ser cornpre-

endido subjaz a primeira e fundamental relacao em sua vida - a relacao

com a mae. Ao mesmo tempo a frustracao, 0 desconforto e a dor , que con-

forme sugeri sao vivenciados como perseguicao, tambern entram n~s seussentimentos para com sua mae, porque nos primeiros meses de Vida ela

representa para a crianca todo 0 mundo externo. Assim, tanto 0 que e bornquanta 0 que e mau vern a sua mente como provindos dela, 0 que l~v~ a

uma dupla ati tude ern relacao a mae mesmo sob as melhores condicoes

possfveis.

- 282-

rafzes profundas nos processos mentais mais arcaicos do bebe. Eles sao

focalizados primeiramente na mae. Os irnpulsos destrutivos e seus corre-

latos - tais como 0 ressentirnento devido a frustracao, 0 6dio provocado

por ela, a incapacidade de reconciliar-se e a inveja do objeto todo-podero-

so, a mae, de quem dependern sua vida e seu bem-estar -, essas divers as

ernocoes despertam ansiedade persecut6ria no bebe. Mutatis mutandis, es-

sas emogoes ainda operarn mais tarde na vida: impulsos destrutivos ditigi-

dos a qualquer pessoa estao sempre fadados a dar origem ao sentimento

de que essa pessoa tarnbern se tornara hostil e retaliadora,

A agressividade inata esta destinada a ser incrementada par circuns-tancias externas desfavoraveis e, de modo inverso, e mitigada pelo arnor epel a cornpreensao que a crianca pequena recebe. Esses fatores continuam

a operar atraves de todo a desenvolvimento. No entanto, embora a irn-

portancia das circunstancias externas seja agora cada vez mais reconheci-

da, a irnportancia dos fatores internos ainda tern sido subestirnada Os irn-

pulsos destrutivos, variaveis de indivfduo para indivfduo, sao pane inte-

grante da vida mental rnesmo em circunstancias favoraveis. Ternos, por-

tanto, que considerar 0 desenvolvimento da crianca e as atitudes dos

adultos como resultantes da interacao entre influencias intemas e exter-

nas. A luta entre arnor e odio - agora que nossa capacidade de cornpreen-

der os bebes aumentou - pode ser em alguma medida reconhecida atraves

da observacao cuidadosa. Alguns bebes vivenciarn urn intenso ressenti-

rnento frente a qualquer frustracao e 0 demonstram sendo incapazes de

aceitar gratificacao quando esta se segue a privacao, Eu sugeriria que taiscriancas tern uma agressividade inata e uma voracidade rnais fortes do que

aqueles bebes cujas explos6es ocasionais de raiva logo cessarn, Se urn be-

b e mostra que e capaz de aceitar al imento e arnor , isto significa que ele

pode, relativamente rapido, superar 0 ressentimento em relacao a frustra-9ao e, quando a gratificacao e novamente proporcionada, recuperar seus

sentimentos de arnor.

Antes de continuar minha descricao do desenvolvimento da crianca,

sinto que deveria definir sucintamente os termos self e ego a partir do

ponto de vista psicanalf tico, 0 ego, de acordo com Freud, e a pane orga-nizada do self, constantemente influenciada por impulses instintivos, po-

rem mantendo-os sob controle pela repressao, AMm disso, 0 ego dirige

todas as atividades e estabelece e mantern a relacao com 0mundo extemo.

o termo -self e utilizado para abranger toda a personalidade, 0 que inclui

nao apenas 0ego mas tambern a vida pulsional, que Freud nomeou id.

Meu trabalho levou-rne a supor que 0 ego existe e opera desde 0 nas-

cimento e que, alern das funcoes mencionadas acima, tern a importante ta-

refa de defender-se contra a ansiedade suscitada pela luta intema e por in-

fluencias intemas. Mais ainda, ele inicia urna serie de processos dos quais

- 283-

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selecionarei primei.ramente a introjecdo e a projecdo, Voltarei mais tame

ao nao menos i rnpor tante processo de cisda, i sto e , a divisao de impulsos

e objetos.

Devemos a Freud e Abraham a grande descoberta de que a inrrojecao

e a pro jecao sao da rnaio r irnportancia tanto nas perturbacces mentais gra-

ves quanta na vida mental normal. Tenho que me abster aqui de qualquer

intento de descrever como Freud, par ticularmente , foi levado, a par ti r do

estudo da enfermidade manfaco-depressiva, a descoberta da introjecao que

fundamenta 0 superego. Ele tambern expos a re lacao vita l entre 0 supere-

go e 0 ego e a id. No decorrer do tempo, esses concei tos basicos sof reram

desenvolvirnentos adicionais, Como vim a reconhecer a luz de meu tra-balho psicanalftico com criancas, a intro jecao e a projecao funcionam

desde a infcio da vida pos-nata l como algumas das primeiras atividades do

ego, 0 qual em minha concepcao opera desde 0 nascimento. Considerada

a par tir deste angulo, a introjecao significa que 0 mundo externo, seu irn-

pacto, as situacoes que 0bebe atravessa e os objetos que ele encontra nao

sao vivenciadcs apenas como externos , mas sao levados para dentro do

self, vindo a fazer par te da sua vida interior . Essa vida interior , rnesmo no

adul to, nao pode ser avaliada sem esses acrescimos a personalidade deri-

vados da introjecao continua. A projecao, que ocorre simultaneamente,

implica que ha uma capacidade na crianca de atribuir a outras pessoas a

sua volta sentirnentos de diversos tipos, predorninanternente 0 amor e 0

6dio.

Formei a concepcao de que 0 amor e 0 6dio dirigidos a mae estao in-tirnarnente ligados a capacidade do bebe muito pequeno de proje tar todas

as suas ernocoes sobre ela, convertendo-a desse modo em urn objeto born,

assim como em um objeto per igoso. No entanto, a introjecao e a projecao,

embora enraizadas na infancia, nao sao apenas processos infantis. Elas fa-

zem parte das fantasias do bebe, que a rneu ver tambern ope r am desde 0

princfp io e ajudam a moldar sua impressao do ambiente. Atraves da in-

trojecao, essa imagem transformada do mundo externo influencia 0 que

ocorre em sua mente. Assim e construfdo urn mundo interne que e par-cialmente urn reflexo do extemo, Isto e , 0duplo processo de introjecao e

projecao contr ibui para a interacao entre fatores externos e internos. Essa

interacao prossegue atraves de cada estagio da vida. Da mesma forma,

a introjecao e a projecao continuam atraves da vida e transforrnarn-se no

decorrer da maturacao, sem nunca perder sua irnportancia na relacao do

indivfduo com 0mundo a sua volta . Mesmo no adulto, por tanto, 0 julga-

mento da rea lidade nunca e completamente livre da influencia de seu

mundo interne.

Ja sugeri que, de certo ponto de vista, os processos de projecao e in-

trojecao que vim descrevendo tern que ser considerados como fantasias

inconscientes, Como minha amiga ja fa lec ida, Susan Isaacs, disse em seu

- 284-

artigo (1952)sobre este assunto, a "fantasia e (em primeira instancia) 0

corolario mental, 0representante psfquico da pulsao, Nao h.1impulso, ne-

cessidade au resposta pulsionais que nao sejam vivenciados como fantasia

inconsciente. . Uma fantasia representa 0 conteudo particular das neces-

s idades au sentimentos (par exemplo, desejos , medos, ansiedades, tr iun-

fos, arnor ou tristeza) que dominam a mente no momento".

Fantasias inconscientes nao sao 0 mesmo que devaneios (embora es-

tejam ligadas a eles), mas sim uma atividade da mente que ocorre em nf-

veis ineonscientes profundos e que aeompanha todo impulso vivenciado

pelo bebe . Assim, por exemplo, um bebe faminto pode l idar temporaria-mente com sua forne alucinando a satisfacao de lhe ser dado 0 seio, com

todos os prazeres que normalmente obtern dele, tais como 0gosto do leite,

o calor do seio e ser segurado e amado pela mae. Mas a fantasia incons-

ciente tambern toma a forma oposta de senti r-se privado e perseguido pelo

seio que se recusa a dar essa satisfacao. As fantasias - ao se tornarem

mais elaboradas e referirem-se a uma variedade mais ampla de objetos e

situacoes - continuam atraves de todo 0 desenvolvimento e acompanham

todas as atividades, Elas nunea deixam de desernpenhar urn papel impor-

tante na vida menta l. A influencia da fantasia inconsciente na ar te, no tra-

ba lho cientff ico e nas atividades da vida cotidiana nunca sera exage. rada-

mente estimada.

Eu ja mencionei que a mae e introjetada e que esse e urn fator funda-mental no desenvolvimento . Conforme eu as vejo, as relacoes de objeto

iniciam-se par assim dizer, com 0 nascimento. A mae em seus bons as-pectos - amanda, ajudando e alimentando a crianca - e 0 primeiro objeto

born que 0bebe torna parte de seu mundo interno. Eu sugeriria que sua

capacidade de faze-Io e , ate certo ponto, inata, A possibilidade de a bom

objeto vir a ser parte relevante do self depende, em alguma medida, de

nao serem demasiado intensos a ansiedade persecut6r ia e 0ressentimento

consequente. Ao mesmo tempo, uma atitude amorosa par parte da mae

contribui muito para 0sucesso desse processo. Se a mae e assimilada ao

mundo interno da crianca como urn objeto bom do qual esta pode depen-

der, urn elemento de forca e agregado ao ego. Pois eu suponho que 0ego

em grande parte desenvolve-se em torno desse objeto born e que a identi -

ficacao com as carac terf stieas boas da mae toma-se a base para identi fica-

goes beneficas ulteriores. A identif icacao com 0objeto born aparece exte-

riormente no bebezinho que cop ia as atividades e atitudes da mae, a que

pode ser visto em seu brincar e freq iientemente tambern em seu compor-tamento em relacao a criancas menores . Uma forte identificacao com a

mae to rna facil para a crianca identificar-se tambem com urn pai born e,

mais tarde, com outras f iguras amistosas . Como resultado, seu mundo in-

terno vern a canter predominantemente objetos e sentimentos bons, e 0

bebe sente que esses objetos respondem ao seu arnor. Tudo isso contribui

-285-

para uma personalidade estavel e torna possfvel estender cornpreensao e pele. H.1 pessoas que VaGtao lange nessa direcao que se perdem intei ra-

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sentimentos amistosos a outras pessoas. Fica claro que uma relacao dos

pais entre si e com a crianca e uma atmosfera feliz em casa desempenham

urn papel vital no exito desse processo.

No entanto, por mais que sejam bons os sentimentos da crianca em

relacao a ambos os pais, a agressividade e 0 6dio tarnbern se mantern em

atividade. Uma expressao disso e a riva lidade com 0 pai resul tante dos

desejos do menino dirigidos a mae e todas as fantasias ligadas a e1es. Tal

riva lidade encontra expressao no complexo de Edipo, que pode ser clara-

mente observado em criancas de tres, quatro ou cinco anos de idade. Esse

complexo existe, no entanto, muito mais cedo, e esta enraizado nas pri-rneiras suspeitas que 0bebe tern de que 0pai tira dele 0arnor e a atencao

da mae. Ha grandes diferencas entre 0 complexo de Edipo da menina e 0

do menino, que eu caracterizarei dizendo apenas que enquanto 0 menino,

em seu desenvolvirnento genital, retorna ao seu objeto original, a mae, e

portanto busca objetos fernininos, com conseqiientes ci iimes em relacao ao

pai e aos homens em geral, a menina deve, em alguma medida, afastar-se

da mae e encontrar 0 objeto de seus desejos no pai e, mais tarde, em ou-

tros homens. Fiz esta exposicao, no entanto, em uma forma demasiado

simplificada, porque 0 menino sente-se tambem atrafdo pelo pai e identifi-

ca-se com ele e, portanto, urn e lernento de hornossexualidade faz parte do

desenvolvimento normal. 0 mesmo se aplica a menina, para quem a rela-

«ao com a mae e com as mulheres em geral nunca perde a irnportancia. 0

complexo de Edipo, assim, nao e apenas uma questao de sentimentos de

odio e rivalidade dirigidos a urn dos pais e arnor dirigido ao outro: senti-mentos de amor eo sentimento de culpa tambem entram em conexao com

o progeni tor rival . Portanto, muitas ernocoes confli tantes centrarn-se no

cornplexo de Edipo.

Voltemos agora novamente a projecao. Atraves da projecao de si

mesmo ou de parte dos proprios irnpulsos e sentirnentos para dentro de

outra pessoa, ocorre uma identificacao com esta, embora diferente da

identificacao adivinda da introjecao. Pois, se urn objeto e tornado para

dentro do self (introjetado), a enfase recai sobre a aquisicao de algumas

das caracterfsticas des~e objeto e em ser influenciado por elas. Por outro

lado, quando se coloca parte de si mesmo dentro de outra pessoa (proje-

tar), a identificacao se base ia na atribuicao a essa outra pessoa de algumas

das pr6prias qualidades. A projecao tern muitas repercuss6es. Somos in-

clinados a atribuir a outras pessoas - em certo sentido colocar dentro de-

las - algumas de nossas pr6prias emocoes e pensamentos, e e 6bvio que a

natureza amistosa ou hostil dessa projecao dependera de quao equi libra-

dos ou perseguidos estejamos. Atraves da atribuicao de parte de nossos

sentimentos a outra pessoa, compreendemos seus sentimentos, suas neces-

sidades e satisfacoes. Em outras palavras, estarnos nos colocando em sua

._

-286-

mente nos outros e tornarn-se incapazes de julgamento objetivo, Da mes-

rna forma, a introjecao excessi va arneaca a forca do ego porque este fica

completarnente dominado pelo objeto introjetado. Se a projecao e predo-minantemente hostil, f ieam prejudicadas a ernpatia verdadeira e a capaci-

dade de compreender os outros. 0 carater da projecao e, portanto, de

grande irnportancia em nossas relacoes com outras pessoas. Se 0 interjogo

entre introjecao e projecao nao for dominado por hostil idade ou depen-

dencia excessiva e for hem equilibrado , 0mundo interno se tom a enrique-

cido e melhorarn as relac;:6escom 0mundo externo.

Referi-rne anteriorrnente a tendencia do ego infanti l para cindir irn-pulsos e objetos. Considero esta como rnais uma das atividades prirnor-

diais do ego. Essa tendencia para cindir resulta em parte do fate de faltar

em grande medida coesao ao ego arcaico. Mas - e aqui tenho que referir-

me novamente aos meus pr6prios concei tos - a ansiedade persecut6ria re-

forca a necessidade de manter 0 objeto amado separado do objeto perigo-

so e, portanto, a necessidade de cindir 0 amor do 6dio. Pois a autopreser-

va«ao do bebezinho depende da sua confianca em uma mae boa. Atraves

da cisao de dois aspectos e de agarrar-se ao born, ele preserva sua crenca

em urn objeto born e em sua capacidade de ama-lo, sendo esta uma condi-

«ao essencial para manter-se vivo. Pois, sem ao menos um tanto desse

sentimento, estaria exposto a urn mundo inteiramente hostil que, ele terne,

o destruiria . Esse mundo hosti l tambern seria construfdo dentro dele. Co-

mo sabernos, ha bebes nos quais falta vitalidade e que nao podern ser

mantidos vivos, provavelmente porque nao foram capazes de desenvolver

uma relacao confiante com uma mae boa. Contrastantemente , ha outros

bebes que passarn por grandes dificuldades mas conservam vitalidade su-

ficiente para fazer uso da ajuda e do alimento oferecidos pela mae. Co-

nheco urn bebe que teve um nascimento prolong ado e diffeil e ficou rna-

chucado no processo mas que, quando colocado ao seio, tomou-o avid a-

ment.e. 0 mesrno foi relatado acerca de bebes que passararn por serias

operacoes logo ap6s 0 nascimento. Outros bebes, em tais circunstancias

nao sao capazes de sobreviver porque tern dificuldades em acei ta r 0 ali-

mento e 0 arnor, 0 que implica que nfio forarn capazes de estabelecer con-

fianca e arnor em relacao a mae.o processo de cisao muda em forma e conteudo a rnedida que prosse-

gue 0 desenvolvi rnento, mas de algum modo nunca e inteiramente aban-

donado. A meu ver, as impulsos destrutivos onipotentes, a ansiedade per-

secut6ria e a cisao predominam nos primeiros tres ou quatro meses de vi-

da. Descrevi essa cornbinacao de mecanismos e ansiedades como sendo a

posicao esquizo-paranoide, que em casos extremos torna-se a base da pa-

ran6ia e da doenca esquizofrenica, Os correlatos dos sentimentos destruti-

vos sao de grande irnportancia nesse estagio inicial, Destacarei a voraci-

- 287-

dade e a inveja como fatores rnuito perturbadores, primeirarnente na r~la- da vida essa capacidade de fruicao e de gra tidao torna possfvel uma diver-

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c;ao com a mae e mais tarde com outros membros da familia e, na real ida-

de atraves de toda a vida.

, A voracidade varia consideravelrnente de urn bebe para outro. Ha be-

bes que nunca podem estar satisfeitos porque sua voracidade excede tudo

o que possam receber. Junto com a voracidade vern a necessidade pre-

mente de esvaziar 0 seio da mae e explorar todas as fontes de satisfacao

sem consideracao por ninguern. 0 bebe muito voraz pode usufruir tudo 0

que recebe rnornentaneamente, mas assim que a gratificacao termina ele se

torna insatisfeito e e impeJido a explorar primeiramente a mae e logo mais

todos na famfl ia que possam dar-lhe atencao, al irnento ou qualquer outragratificacao. Nao ha diivida de que a voracidade e incremcntada pel a an-

siedade - a ansiedade de ser privado, roubado e de nao ser suficiente-

mente born para ser amado. 0 bebe que e tao voraz por amor e atencao

e tarnbem inseguro sobre sua propria capacidade de amar, e todas essas

ansiedades reforcarn a voracidade. Essa situacao pennanece inalterada em

seus aspectos fundarnentais na voracidade da crianca rnaior e do adulto.

Em relacao a inveja, nao e faci l explicar como a mae que alimenta 0

bebe e cuida dele pode ser tarnbem objeto de inveja. Mas sempre que a

crianca esta faminta ou se sente negl igenciada , sua frustracao leva a fan-tasia de que 0le ite e 0amor sao del iberadamente recusados a ela ou reti-

dos pela mae em beneffcio da propria mae. Tais suspeitas constituern a

base da inveja. E inerente ao sentimento de inveja nao apenas 0 desejo da

posse mas tambem uma forte necessidadc de estragar 0 prazer que as ou-

tras pessoas tern com 0objeto cobicado - necessidade que tende a estra-gar 0 proprio objeto. Se a inveja e muito intensa, essa caracterfst ica de

estragar resulta em uma relacao perturbada com a mae assim como, mais

tarde, com outras pessoas. Tambern significa que nada pode 'ser plena-

mente desfrutado, porque a coisa desejada ja foi estragada pel a inveja.

Alern disso, se a inveja e intensa, aqui lo que e born nao pode ser assi rni -

lado, nao pode se tornar parte da vida interior e, desse modo, dar origem ~

gratidao, Em contraste, a capacidade de desfrutar plenamente 0 que foi

recebido e a experiencia de gratidao em relacao a pessoa que da influen-

ciam intensamente tanto 0carater quanto as re lacoes com outras pessoas.

Nao e a toa que, ao dar gracas antes das refeicoes, os cristaos usam as

palavras "Pelo que vamos receber agora, que 0Senhor nos tome verda-

deiramente agradecidos". Essas palavras implicam que se pede por urna

quaJidade - a gratidao - que fara a pessoa feliz e livre de ressentimento e

inveja. Ouvi uma rnenininha dizer que ela amava sua mae mais do que to-das as pessoas, pois 0que faria ela se sua mile nao a tivesse dado-a luz e

alimentado? Este forte sentimento de gratidao estava ligado a sua capaci-dade de fruicao e mostrava-se em seu carater e em suas relacoes com ou-

tras pessoas particularmente pela generosidade e consideracao, Ao longo

-288-

sidade de interesses e prazeres,

No desenvol vimento normal, com a integracao crescente do ego, os

processos de cisao diminuem e a maior capacidade para entender a reali-

dade externa e para, em alguma medida.iconciliar os impulsos contradito-

rios do bebc leva tambern a uma sfntese maior dos aspectos bons e maus

do objeto. 1sso significa que pessoas podem ser amadas apesar de suas

falhas e que 0mundo nao e visto apenas em termos de preto e branco.

o superego - a parte do ego que critica e controla os impulsos peri-

gosos e que Freud primeiro situou aproximadamente no quinto ana de vi-

da - opera, de acordo com minhas concepcces, muito mais cedo. E minhahip6tese que, no quinto ou sexto rnes de vida, 0 bebe corneca a temer pelo

estrago que seus impulsos destrutivos e sua voracidade podem causar, ou

podem tel' causado, aos seus objetos amados. Isso porque ele nao pode

ainda distinguir entre seus desejos e impulsos e as efeitos reais deles. Ele

vivencia sentimentos de culpa e a necessidade presente de preservar esses

objetos e de repara-Ios pelo dano fei to. A ansiedade agora vivenciada e de

natureza predominantemente depressiva. Reconheci as emocoes que a

acompanham, assirn como as defesas desenvolvidas contra elas , como fa-

zendo parte do desenvolvimento normal, e cunhei 0termo "posicao de-

pressiva ". Os sentimentos de culpa, que ocasionalmente surgern em todos

n68, tern rafzes muito profundas na infancia, e a tendencia a fazer repara-

c ;ao desempenha urn papel importante em nossas subl irnacoes e relacoes

de objeto.

Quando observamos bebes a partir desse angulo, podemos ver que as

vezes, sem qualquer causa externa particular, eles parecern deprimidos.

Nesse estagio eles tentarn agradar as pessoas ao redor de todas as rnanei-

ras que lhe sao possfveis - sorr isos , gestos diver tidos e ate mesmo tenta ti -

vas de alimentar a mae pondo-lhe uma colher de comida na boca. Ao

mesmo tempo, esse tambern e urn perfodo no qual freqiientemente se ma-

nifestam inibicoes em relacao a al irnentacao e pesadelos ,· e· todos esses

sintomas atingem 0apice na epoca do desmarne. Em criancas mais velhas,

a necessidade de !idar com sentimentos de culpa expressa-se mais clara-

mente. Var ias a tividades construtivas sao uti lizadas com esse prop6sito e ,

na relacao com os pais au irmaos, ha uma necessidade excessiva de agra-

dar e ser prestativo, e tudo isso express a nao apenas arnor mas tambem

necessidade de reparar.

Freud postulou 0 processo de elaboracdo como parte essencial do

procedimento psicanalftico, Resumidamente isso significa capacitar 0 pa-

c iente a vivenciar rei teradamente suas ernocoes, ansiedades e situacoes

passadas, tanto na relacao com 0 anal is ta quanta com diferentes pessoas e

situacoes na vida presente e passada do paciente . Entre tanto, urn trabalho

de elaboracao ocorre em alguma medida no desenvolvimento individual

-289-

normal. A adaptacao a realidade externa aumenta, e com isso 0 bebe ad- cessivamente disciplinadora reforca a tendencia da crianca para a repres-

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quire uma imagem rnenos fantasiosa do rnundo ao seu redor . A experien-

cia recorrente da mae indo embora e voltando para ele torna a ausencia

dela menos atemorizadora e, portanto, diminui a suspeita do bebe de que

ela 0 deixe. Dessa forma, ele gradualmente elabora seus medos arcaicos e

chega a uma aceitacao de seus impulsos e ernocoes conflitantes. Nesse

estagio a ansiedade depress iva predomina e a ansiedade persecut6ria di-

minui. Sustento que muitas manifestacdes aparentemente estranhas, fobias

inexplicaveis e idiossincrasias observaveis em criancas pequenas sao indi-

cacoes, assim como modos de elaboracao, da posicao depressiva. Se os

sentimentos de culpa que surgem na crianca nao sao excessivos, a neces-

sidade de fazer reparacao e outros processos que fazern parte do cresci-

mento trazern alfvio. Ainda assim, as ansiedades depressivas e persecut6-

r ias nunca sao totalmente superadas. Elas podem reaparecer ternporar ia-

mente sob pressao interna ou externa, ernbora uma pessoa relativamente

normal possa suportar essa recorrencia e recuperar seu equilfbrio. Se, no

entanto, a pressao e muito grande, 0desenvolvirnento de uma personali-

dade forte e bern equilibrada pode ficar impedido.

Tendo tratado - embora eu tema que de maneira muito simplificada -

das ansiedades paran6ides e depressivas e suas implicacoes , gostar ia ago-

ra de considerar a influencia dos processos que descrevi nas relacoes so-

ciais. Falei da introjecao do mundo extemo e sugeri que esse processo

continua por toda a vida. Sempre que admiramos e amamos alguern - ou

odiamos e desejarnos -, tarnbem assimilamos algo dessa pessoa em n6s

mesmos, e nossas atitudes mais profundas sao modeladas por tais expe-

riencias. No primeiro caso isso nos enriquece e toma-se a base para lem-

- brancas preciosas. No outro caso, as vezes sentimos que 0mundo externo

', esta estragado para n6s e 0mundo interno, portanto, empobrecido.

A irnportancia das experiencias reais favoraveis e desfavoraveis as

quais 0bebe e submetido desde 0infcio, pr imeiramente por seus pais e

mais tarde por outras pessoas, pode ser aqui apenas mencionada. As expe-

riencias extemas sao de importancia suprema atraves de toda a vida. No

entanto, muito depende, mesmo no bebe, das formas pelas quais as in-

fluencias extemas sao interpretadas e assimiladas pela crianca, 0que por

sua vez depende enormemente da intensidade com que operam os impul-

sos destrutivos e as ansiedades persecut6rias e depressivas. Da mesma

forma, nossas experiencias adultas sao inf luenciadas por nossas ati tudes

basicas, que ou nos ajudam a lidar melhor com os infortdnios ou, se so-

mos demasiadamente dominados pela suspeita ou autopiedade, trans for-

mam ate mesnio os desapontamentos menores em desastres.

As descobertas de Freud sobre a infancia ampliaram a compreensao

dos problemas da educacao das criancas, porem esses achados foram fre-

qdentemente mal interpretados. Embora seja verdade que uma cnacao ex-

-290-

sao, devemos nos lernbrar de que uma indulgencia excessiva pode ser

quase tao prejudicial para a crianca quanta uma restricao demasiada. A

assim chamada "total livre expressao" pode trazer grandes desvantagens

tanto para os pais quanto para a criarrca. Enquanto em tempos passados a

crianca era frequenternente vftirna da ati tude disciplinadora dos pais,

atualmente os pais podem tomar-se vftimas de sua prole. Ha urna velha

piada sobre urn hornern que nunca chegou a provar peito de frango porque

quando era crianca seus pais comiam 0 peito e quando se tornou adulto

este prato era dado aos seus filhos. Ao l idarmos com nossas criancas, e

essencial manter um equilfbrio entre 0 excesso e a falta de discipl ina. Fe-

char os olhos para alguns dos pequenos malfeitos e uma atinide muito

saudavel, Mas se elas se desenvolvem em uma persistente falta de consi-

deracao , e necessario mostrar desaprovacao e fazer exigencias a crianca.

Ha urn outro angulo a partir do qual a indulgencia excessiva dos pais

deve ser considerada: se bern que a crianca possa tirar vantagem dessa

atitude dos pais, ela tarnbern vive uma sensacao de culpa por explora-los e

sente necessidade de alguma restricao que Ihe de seguranca. 1sso tambern

a tornaria capaz de sentir respeito por seus pais, 0 que e essencial parauma boa relacao com eles e para desenvolver respeito por outras pessoas.

Alern disso, devemos tarnbem considerar que pais que estao sofrendo

muito sob a livre expressao sern limites da criancas - por mais que tentem

submeter-se a is so - estao certamente fadados a sentir algum ressenti-

mento que entrara em sua atitude em relacao a crianca.

H. descrevi a crianca pequena que reage intensamente contra qualquerfrustracao - e nao ha criacao possfvel sem algum tipo de frustracao - e

que es ia sempre pronta a ressentir-se amargamente de qualquer falta ou

insuficiencia em seu ambiente e a menosprezar as boas coisas recebidas.

Consequenternente , ela projetara suas queixas sobre as pessoas a sua vol-ta, de forma intensa. Atitudes s imilares sao bern conhecidas em adultos .

Se compararmos os indivfduos que sao capazes de suportar frustracao sern

grande ressentimento, e recuperar prontamente seu equilfbrio ap6s um de-

sapontarnento, com aqueles que se sentem inclinados a colocar toda a res-

ponsabilidade no mundo extemo, poderernos ver 0 efeito prejudicial da

projecao hosti l. Pois a projecao do ressentimento evoca nas outras pes-

soas, em contrapartida, um sentimento de hostilidade. Poucos de n6s tole-

ram suportar a acusacao, mesrno se nao expressa em paiavras, de que de

alguma forma somos a parte culpada. De fato, isso frequentemente nos faz

desgostar dessas pessoas, e Ihes parecemos ainda mais inimigos. Em COl1-

sequencia, eles nos olham com suspeitas e sentimentos persecut6rios cada

vez maiores e as relacoes tornarn-se cada vez mais perturbadas.

Uma rnaneira de lidar com a suspeita excess iva e tentar pacificar osinimigos supostos ou reais. 1sso raramente tem sucesso. E claro que algu-

- 291 -

mas pessoas podem ser conquistadas por adula<_;ao.e_apl~camento, ~alii .

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cularmente se seus pr6prios sentimentos de perseguicao dao ongem a ne-

cessidade de serem aplacadas. Mas uma relacao assim facilmente entra em

colapso e transforma-se ern hosti lidade mutua. Eu mencionaria de passa-

zern as dificuldades que tais f lu tuacoe s nas ati tudes de chefes de estado

;odem produzir em quest6es intemacionais.

Quando a ansiedade persecutoria e menos intensa e a projecao atribui

a outros fundamental mente bons sentirnentos, tornando-se assim a base cia

ernpatia, a resposta do mundo externo e muito diferente. Todos n6s co-

nhecemos pessoas que tern a capacidade de serem queridas. Ternes a im-

presao de que elas tern alguma confianca em n6s, e isso evoca urn senti-

mento amistoso de nossa parte. Nao estou falando de pessoas que tentam

fazer-se populares de maneira insincera. Ao contrario, eu acredito que sao

as pessoas genufnas e corajosas por suas conviccoes que sao, a longo pra-

zo, respeitadas e mesmo queridas,

Uma dernonstracao interessante da influencia das primeiras atitudes

ao longo de toda a vida e 0 fato de que a relacao com as figuras arcaicas

reaparece com frequencia e que problemas nao resolvidos na infancia sao

revividos, ainda que de maneira modificada. Assim, por exernplo , a atitu-

de em relacao a urn subordinado ou a urn superior repete ate certo ponto a

relacao com urn irmao rnenor ou com um dos pais. Se encontramos uma

pessoa mais velha amistosa e sol fcita , inconscientemcnte revivernos a re-

lacao com urn dos pais ou av6s amados, ao pas so que urn indivfduo rnais

velho altivo e desagradavel provoca uma vez mais as atitudes tebeldes dacrianca em relacao a seus pais. Nao e necessario que tais pessoas sejam

ffsica ou mentalmente, ou mesrno na idade real, sernelhantes as figuras

originais; algo em comum em suas atitudes e suficiente. Quando uma pes-

soa esta totalmente sob 0 dornfnio de si tuacoes e relacoes arcaicas , seu

julgamento sobre pessoas e eventos esta destinado a ser perturbado. Nor-

mal mente tal revivescencia de situacces arcaicas e lirnitada e retificada

pelo julgamento objetivo. Isso quer dizer que todos n6s podemos ser in-

fluenciados por fatores irracionais mas que, na vida normal, nao somos

dominados pOl'eles.

A capacidade para 0 amor e a devocao, primeirarnente em relacao 11

mae desenvolve-se de muitas formas em devocao a varias causas sentidas

como boas e val iosas, 15S0 significa que 0 prazer que 0bebe foi capaz de

vivenciar no passado, pOl ' senti r-se amado e arnoroso, transfere-se mais

tarde na vida nao somente as suas relacoes com pessoas, 0 que e rnuito

importante, mas tambern ao seu trabalho e a tudo por que ele sente que

vale a pena lutar. 0 que significa tambern urn enriquecimento da persona-

. lidade e a capacidade de usufruir de seu trabalho e abre uma variedade de

fontes de satisfacao.

Nesse empenho por aprofundar nossos objetivos, assim como em. nos-

sas relacoes com outras pessoas, 0 desejo arcaico de reparar e acrescidoacapacidade de arnar, Eu ja disse que em nossas sublimacoes, que se origi-

nam dos primeirfss imos interesses da crianca, as atividades construtivas

ganharn mais fmpeto porque a crianca inconscientemente sente que desse

modo esta restaurando as pessoas amadas que havia danificado. Esse frn-

peto nunca perde sua forca, embora muito frequentemente nao seja reco-

nhecido na vida normal. 0 fato irrevogavel de que nenhum de n6s esta

jamais cornpletarnente l ivre de culpa tern aspectos rnuito valiosos, porque

implica 0 desejo nunc a total mente satisfeito de reparar e criar de qualquer

forma que nos seja possiveL

Todas as formas de service social sao beneficiadas por esse anseio.

Em casos extremos, sentimentos de culpa levam pessoas a sacrificar-se

inteiramente por uma causa ou pOl' seus companheiros, podendo levar ao

fanatismo. Sabemos, no entanto, que algumas pessoas arriscam a pr6pria

vida para salvar outras, 0 que nao e necessariamente da mesma ordem.

Nao e tanto culpa 0 que pode estar operando em tais casos, e sim a capa-

cidade de arnar, a generosidade e uma identificacao com 0companheiro

ameacado.

Enfatizei a importancia da identificacao com os pais , e subsequente-

mente corn outras pessoas, para 0desenvolvimento da crianca pequena, e

agora desejo acentuar um aspecto particular da identif icacao bern-sucedi-

da que chega ate a idade adulta. Quando a inveja e a rivalidade nao sao

muito grandes, torna-se possfvel desfrutar vicariamente dos prazeres de

outros. Na infancia a hostilidade e a rivalidade do complexo de Edipo sao

contrabalancadas pela capacidade de. usufruir vicariamente da felicidade

dos pais. Na vida adulta, os pais podem compartilhar os prazeres da in-

fancia e evitar interfere' neles porque sao capazes de identificar-se com

seus filhos. Eles tornam-se capazes de acompanhar sem inveja 0cresci-

rnento de seus filhos.

Essa atitude torna-se particularmente irnportante quando as pessoas

ficarn mais velhas e os prazeres da juventude cada vez menos disponfveis ,

Se nao desapareceu a gratidao por satisfacoes passadas, as pessoas idosas

podem usufruir do que quer que esteja ainda ao seu alcance. Alern do

mais, com tal ati tude , que da origem a serenidade, elas podem identi ficar-

se com os jovens. Por exemplo, qualquer urn que esteja procurando por

jovens talentos e que ajude a desenvolve-los - seja na funcao de professor

ou crftico, ou em tempos pass ados como patrono das artes e da cultura -,

s6 e capaz de faze-to porque pode identificar-se com os outros. Em certo

sentido, esta reproduzindo sua pr6pria vida, ate mesmo algumas vezes al-

cancando vicariamente a satisfacao de metas nao satisfeitas em sua pro-

pria vida.

-292-- 293-

Em cada estagio a capacidade de identi ficar -se propicia a fe licidade cer essas fa ltas e , no eutanto , nao perder a capacidade de cooperar com as

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de ser capaz de admirar 0carater ou as conqu istas dos outros. Se n6s nao

podemos nos permitir apreciar as conquistas e qualidades de outras pes-

soas - e isso significa que nao somos capazes de suportar a ideia de que

nunca poderemos iguala-las ou supera-las -, ficamos privados de fontes

de grande felicidade e enriquecimento. 0 mundo seria urn lugar muito

mais pobre aos nossos olhos se nao tivessernos oportunidades de perceber

que existe grandeza e que continuara existindo no futuro. Tal admiracao

tambem estirnu la algo em n6s e aumenta indiretamente nossa crenca em

n6s mesmos. Essa e uma das muitas maneiras pelas quais as identi ficacoes

que vern da infancia tornam-se uma par te importante de nossa personal i-dade.

A capacidade de admirar as conquistas de outra pessoa e urn dos fato-res que tom am possfvel urn trabalho de equipe bem-sucedido. Se a inveja

nao e muito grande, podemos ter prazer e orgulho no trabalho com pes-

soas que algumas vezes superam nossas capacidades, ja que nos identifi-

camos com esses membros destacados da equipe.

o problema da identificacao e, contudo, muito complexo, Quando

Freud descobriu 0 superego, ele 0 concebeu como uma parte da estrutura

mental oriunda da influencia dos pais sobre a crianca - uma influencia

que se torna par te das a titudes fundamenta is da crianca, Meu trabalho com

cr iancas pequenas tern-me mostrado que desde a mais tenra infancia a mae

e logo outras pessoas no ambiente da crianca sao incorporadas ao self, e

esta e a base de uma diversidade de identif icacoes favoraveis e desfavora-

veis, 'Citei acima exemplos de identificacoes que sao uteis tanto para acr ianca quanta para 0adulto. Mas a inf luencia vita l do ambiente inicial

pode tambem resultar em que aspectos desfavoraveis das atitudes do

adul to em relacao a crianca sejam prejudiciais ao seu desenvolvimento

porque estimulam nela 06dio e a rebeldia ou uma submissao excessiva.

Ao mesmo tempo ela interna liza essa a ti tude adul ta hostil e raivosa . Como

resultado de ta is experiencias , urn pai , ou uma mae, excessivamente disci -

plioador ou desprovido de compreensiio e amor influencia por identi fica-

Ciaoa fo rmacao do carater da crianca e pode leva-Ia a repetir mais tarde na

vida 0que ela mesma sofreu. Assim, urn pai algumas vezes usa com seus

filhos os mesmos metodos errados que seu pai usou com ele, Por outro la-

do, a revolta contra os en-os vivenciados na inf fulc ia pode conduzir a rea-«ao oposta de fazer tudo de forma diferente da que os pais fizeram. Isso

levaria ao outro extrema, como por exernplo a excessiva indulgencia com

a crianca, a que me referi anteriormente. Ter aprendido a partir de nossas

experiencias na infancia, e portanto ser mais compreensivo e tolerante

com nossos pr6prios filhos, assim como com pessoas fora do cfrculo fa-

miliar, ~ urn sina l de maturidade e de desenvolvi rnento bem-sucedido. Mas

tolerancia nao significa ficar cego as fal tas dos outros. Significa reconhe-

-294-

pessoas, ou mesmo sentir arnor POl' algumas delas.

Ao descrever 0 desenvolvimento da crianca, tenho enfatizado parti-

cularmente a importancia da voracidade. Consideremos agora 0papel que

a voracidade desempenha na formacao do carater e como influencia as

a ti tudes do adul to. 0 papel da vorac idade pode ser fac ilmente observado

como urn elemento rnuito destrutivo na vida social . A pessoa voraz quer

cada vez mais, ainda que a custa de todos os demais. Ela nao e realmentecapaz de consideracao e generosidade para com os outros. Nao estou fa-

lando aqui apenas de posses rnater ia is , mas tambern de status e de prestf-

gio.

o indivfduo muito voraz tende a ser ambicioso. 0 papel da ambicao,

tanto em seus aspectos i itcis quanto nos perturbadores , mostra-se onde

quer que observemos 0 cornportamento humano. Nao ha duvida de que a

ambicao da Impeto a conquista, mas, se se torna a princ ipal forca propul-

sora , a cooperacao com outros fica arneacada. A pessoa extrernarnente

ambiciosa, apesar de todos os seus sucessos, sempre perrnanece insatis-

fe ita , do mesmo modo que urn bebe voraz nunca esta satisfei to, Conhece-

rnos bem 0tipo de figura publica que, faminta por mais e mais sucesso,

parece nunc a estar contente com 0 que conquistou. Urn aspecto dessa ati-

tude - na qual a inveja tarnbern desernpenha urn papel importante - e a in-capacidade de permitir que as outros aparecam mais em primeiro plano. A

eles e permitido desernpenhar um papel subsidiario, desde que nao desa-

f iem a supremacia da pessoa ambiciosa. Vernos tambem que tais pessoas

sao indispostas e incapazes de estimular e encora jar os mais jovens, ja que

alguns deles poderiarn vir a ser seus sucessores. Urn motivo para a falta

de satisfacao com urn sucesso aparentemente grande resulta do fa to de que

seu interesse nao esta tao devotado ao campo no qual trabalharn mas sim a

seu prestigio pessoal. Essa descricao irnplica a conexao entre a voracidade

e a inveja. 0 rival e visto nao apenas como alguern que nos roubou e pri -

yOU de nossa pr6pria posicao ou bens, mas tambern como 0 portador de

qualidades val iosas que provocam a inveja e 0 desejo de estraga-las,

Quando a voracidade e a inveja nao sao excessivas , mesmo uma pes-

soa ambiciosa encontra satisfacao em ajudar os outros a dar sua contribui-

<; fao. Temos aqui uma das atitudes subjacentes a lideranca bern-sucedida.

Novamente, isso ja pode ser observado em alguma medida entre as crian-

cas. Uma crianca mais velha pode ter orgulho pelas conquistas de urn ir-

mao ou irma menores e fazer de tudo para ajuda-los, Algumas criancas

tern ate mesrno urn efeito integrador sobre toda a vida familiar. Sendo

predorninantemente amistosas e solfcitas, elas melhoram a atmosfera fa-

miliar. Observei que maes muito impacientes e intolerantes em relacao a

dificuldades melhoram pela influencia de uma crianca assim, 0 mesmo se

aplica a vida escolar, onde algumas vezes apenas uma ou duas criancas

- 295-

exercem urn efeito benefice sabre a atitude de todos os outros au-aves de

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urn tipo de l ideranca moral baseada em urna relacao amistosa e cooperati-

va com outras criancas, sem qualquer tenta tiva de faze-las se senti r infe-

riorizadas.

Voltando a l ideranca: se 0 lfder - e isso pode aplicar-se tarnbern a

qualquer membra do grupo - suspeita ser objeto de 6dio, todas as suas

ati tudes anti -soc iais sao intensificadas por esse sentimento. Vemos que a

pessoa que e incapaz de suportar uma cntica porque esta imediatamente

mobiliza sua ansiedade persecut6ria nao e apenas prisioneira do sofri-

mento mas tern tambern dificuldades na relacao com outras pessoas e pode

ate mesrno colocar em perigo a causa pela qual esta trabalhando, seja qual

for 0 sel l campo de atividades. Ela mostrara uma incapacidade de corr igir

erros e aprender com os outros,

Se olhamos para 0 nosso rnundo adulto do ponto de vista de suas raf-

zes na infancia, obtemos urn insight sobre 0modo pelo qual nossa mente,

nossos habitos e nossas concepcoes forarn construfdos desde as fantasias e

emocoes infantis mais arcaicas ate as mais cornplexas e sofisticadas mani-

festacoes adultas . Ha rnais urna conclusao a ser ti rada: aquilo que ja exis-

tiu no inconsciente nunca perde completamente sua influencia sobre a

personalidade.

Urn aspecto adicional do desenvolvimento da crianca a ser discutido e

sua formacao de carater. Dei alguns exernplos de como os impulsos des-

trutivos, a inveja e a voracidade, e as ansiedade persecutorias resultantes,

perturb am 0 equilibrio emocional da crianca e suas relacoes sociais. Refe-ri-me tarnbern aos aspectos benefices de urn desenvolvimento oposto e

tentei rnostrar como eles surgem. Tente i transmiti r a irnportancia da inte-

ra~ao entre fatores inatos e a influencia do ambiente. Ao dar plena irn-

portancia a esse interjogo adquirimos uma compreensao mais profunda de

como 0 carater da crianca desenvolve-se. Sempre foi urn aspecto da maior

irnportancia do trabalho psicanalftico que, no curso de uma analise bern-

sucedida, 0 carater do paciente passe por mudancas favoraveis.

Urn resultado de urn desenvolvimento equilibrado e a integridade e a

forca de carater. Tais qualidades tern urn efeito de longo alcance tanto

sobre a autoconfianca do indivfduo quanta em suas relacoes com 0mun-

do externo. A influencia de um carater verdadeiramente sincero e genui-

no sobre outras pessoas e facilmente observavel. Ate as pessoas que nao

possuem as mesmas qualidades ficam impressionadas e nao podern deixar

de sentir algum respeito pela integridade e pela sinceridade. Pois essas

qual idades desper tarn nelas a imagern do que elas pr6prias poderiam ter

side ou mesrno possam ainda vir a ser. Tais personalidades lhes dao al-

guma esperanca sobre 0 mundo em geral e maior confianca naqui lo que eborn.

-296-

Concluf este artigo discutindo a irnportancia do carater porque a meu

ver 0carater e a base para toda conquista humana, 0 efeito de urn born

carater em outros esta na raiz do desenvolvimento social saudavel.

P6S-ESCRITO

Quando discuti minhas concepcoes sobre 0 desenvolvirnento do ca-

rater com urn antropologo, ele fez objecoes 11suposicao de uma base geral

para 0 desenvolvimento do carater. Citou sua experiencia de que em seu

campo de trabalho ele havia se defrontado com uma avaliacao de carater

inteirarnente diferente. Assirn, por exemplo, havia trabalhado em uma co-

munidade onde era considerado admiravel enganar outras pessoas. Des-

creveu tambern, em resposta a algumas das minhas questoes , que naquela

comunidade era considerado uma fraqueza ter clernencia por urn adversa-

rio. Perguntei se nao havia circunstancias nas quais a clernencia pudesse

ser demonstrada. Respondeu que, se uma pessoa pudesse se colocar arras

de uma mulher de tal forma que ficasse ate certo ponto coberta par sua

saia, sua vida seria poupada. Em resposta a outras perguntas, contou-rne

que, se 0ini rnigo conseguisse entrar na tenda de urn homem, ele nao seria

morto. E havia tarnbem seguranca dentro de urn sanruario.

o antroprilogo concordou quando sugeri que a tenda, a saia da mu-

lher e 0 santuario eram sfrnbolos cia mae boa e protetora. Ele tambem

aceitou m. i.nhainterpre tacao de que a protecao da mae era extensiva a urn

irrnao odiado - 0 homem escondido atras cia saia da mulher - e que aproibicao de matar dentro da pr6pria tenda ligava-se as regras ciahospita-

lidade. Minha conclusao sobre 0 ul timo ponto e que fundamental mente a

hospital idade l iga-se a vida familiar, 11relacao das criancas umas com as

outras e em particular com a mae. Pois , como sugeri anteriormente, a ten-

da representa a mae que protege a farnfl ia.

Estou citando esse exemplo para sugerir possfveis elos entre cul turas

que parecem ser completamente diferentes e para indicar que esses elos

sao encontrados na relacao com 0objeto born originario, a mae, quaisquer

que sejam as formas pelas quais distorcoes de carater sejam aceitas e

mesmo admiradas.

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