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    ....---..-.

    ROBERTO ZUCCO

    Depois da segunda orao. t vers subir o disco solar e

    vers pendurado nelc o phallus. a origem do vento; e se

    virares teu rosto em direo ao Oriente, ele mudar de lugar,

    e se virares tcu rosto em direo ao Ocidente, ele te seguir.

    Liturgin de Mithra, parte do Grond Pnpyf7 sMngiquedePnris

    Citado por Carl Jung em sua ltima entrevista B.B.C.)

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    ~

    ~

    ~PERSONAGENS

    Roberro Zucco

    ~

    ~

    Sua me

    A

    memna

    I Sua irm

    ~ Seu irmo

    ~Seu pai

    Sua me

    ~

    ~O senhormais velho

    A senhora elegante

    ~

    I O forto

    I O cafeco impaciente

    A puta histrica

    I

    O inspetormelanclico

    Um delegado

    Um comissriq de polcia

    Primeiro guarda

    Segundo guarda

    Primeiro policial

    Segundo policial

    Homens Mulheres Putas Cafetes Vozesde prisioneiros

    e de guardas

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    I. A FUGA

    o 1~/hadod~ lima priso ol sIm port~ mo;s alIo

    O caminho no altura do tdhado por ondt osguardas passam

    loundo o rondo nolUrna

    Horo ~mqll~osgtlOrdas porcOt/sa do silindo ~cansados d~olhar

    almlnmro/~ o ~SCt/roso os v~us vl;mas nludnn~s

    grades maiores, depois, tem as grades''mais finas, como

    num coador, e depois mais finas ainda, como uma peneira.

    Tcria que ser lquido pra poder passarentre elas. E uma mo

    que esfaqueou, um brao que estrangulou. no podem ser

    feitosde lquido. Ao contrrio, eles devem ficar grandes e

    pesados. Como voc acha que algum pode ter a idia de

    esfaquear ou estrangular, primeiro a idia. e depois passar

    ~~o? .

    PRIMEIRO GUARDA - Puro vcio.

    SEGUNDO GUARDA - Eu que sou umguarda j faz seis

    anos,eu sempre olhei osassassinosprocur-mdoonde poderia

    estaro que faz com que eles sejam diferentes de mim, vigia

    de priso, incapaz de esfaquear ou estrangular, incapaz at

    de ter a idiade fazer isso.Eu pensei, eu procurei, eu fiquei

    at olhando quando eles tomavam banho. porque me disse-

    ram que era no sexo que o instinto assassinose alojava. Eu

    vi mais de seiscentos, e nenhum ponto em comum entre

    eles; tem gordo, pequeno, magro, bem pequeno, redondo,

    pontudo, tem ainda os enormes, e no d pra chegar a

    nenhuma concluso a partir disso.

    PRIMEIRO GUARDA - Puro vcio, eu estou falando.

    Voc no est vendo alguma coisa?

    PRIMEIRO GUARDA - Voc ouviu alguma coisa?

    SEGUNDO GUARDA

    -

    No, nada.

    PRIMEIRO GUARDA - Voc nunca ouve nada.

    SEGUNDO GUARDA - E voc, ouviu alguma coisa?

    PRIMEIRO GUARDA

    -

    No, mas tenho a impresso de

    ouvir alguma coisa.

    SEGUNDO GUARDA - Voc ouviu ou no ouviu?

    PRIMEIRO GUARDA- Eu noouvi com asorelhas, mas

    imaginei ter ouvido alguma coisa.

    SEGUNDO GUARDA - Imaginou? Sem as orelhas?

    PRI vfEIRO GUARDA - Voc, voc nunca imagina nada,

    e por isso que voc nunca ouve nada e nem v nada.

    SEGUNDO GUARDA - Eu no ouo nada porque no

    tem nada pra ouvir e eu no vejo nada porque no tem nada

    pra ver. Nossa presena aqui intil, por isso que a gente

    acaba sempre brigando. Intil, completamente; asmetralha- Apa1?c~ZfllXOandando no alIodo t~/hado

    doras, as sirenes mudas, nossos olhos abertos sendo que a

    essa hora todo mundo tem osolhos fechados. Eu acho intil SEGUNDO GUARDA - No, nada nada.

    ficarcomosolhosaberrospran1ioolharpranada,eosouvidos -PRIMEIRO GUARDA - Eu tambm no, mas tenho a

    atentos pra no ouvir nada, enquanto a essa hora nossos impressode estar vendo alguma coisa.

    ouvidos deveriam escutar o barulho do nosso universo ince- SEGUNDO GUARDA - Eu estOu vendo um homem

    rior e nossos olhos deveriam contemplar nossas paisagens' andando no telhado. Deve ser efeito da nossa falta de sono.

    interiores. Voc acredita no universo interior? PRIMEIRO GUARDA-O que que umhomem faria em

    PRIMEIRO GUARDA

    -

    Eu acredito que no intil que cimado telhado? Voc tem razo.Agente deveria de vez em

    a gc;meesreja aqui, para impedir as fugas. quando fechar os olhos para ver nosso universo interior.

    SEGUNDO GUARDA - Mas no h fuga aqui. impos- SEGUNDO GUARDA- Eu diria mesmo que era o Rober-

    sCvel.A priso moderna demais. Mesmo um prisioneiro toZucco,aquele que foipreso essa tarde pelo assassinato do

    bem pequenininho no poderia fugir. Mesmo um prisio- pai. Uma besta furiosa, uma besta selvagem.

    .neir~ to pequeno quanto um rato. Se ele passasse pelas PRIMEIRO GUARDA-RobertoZucro..Nunca ouvi falar.

    -..

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    , )

    :)

    .:) SEGUNDO GUARDA- Mas voc est vendo alguma

    '-' coisa, ali, ou s6 eu estou vendo?

    '.3

    'L:>

    ZtlCCO contintlo t1tJOnOI1O, trol1qiHlommt~, sobrr o telnodo.

    .

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    ...

    AME

    Voc est variando meu filho. Voc est comple

    tamente louco.

    ZUCCO ~ o lugar do mundo que eu prefiro. calmo

    tranqilo e tem mulheres.

    A ME No me inceressa. Eu no quero te dar esse

    uniforme. No chegue perco de mim Roberco. Eu ainda

    escou de lUtopelo seu pai ser que voc vai me matar agora

    a minha vez?

    ZUCCO No tenha medo de mim me. Eu sempre fui

    doce e bonzinho com voc. Porque voc teria medodemim?

    Por que voc no me daria o meu uniforme? Eu esCOu

    precisando dele me estou precisando.

    A ME No seja bonzinho comigo Roberco. Como voc

    quer que eu esquea que voc matou oseu pai que voc o

    jogou pela janela como se joga um cigarro? E agora voc

    bonzinho comigo. Eu no quero esquecer que voc matou o

    seu pai e a sua doura vai me fazer esquecer cudo Roberco.

    ZUCCO Esquece me. Me d meu uniforme minha

    c:Jmisacqui e minha cala de combate; mesmo sujo mesmo

    amassado me d meu uniforme. E depois eu vou embora eu

    Juro. .

    A ME Fui eu Roberco fui eu que te pari? Foi de mim

    que voc saiu? Se eu no tivesse te parido aqui se eu no

    tivesse te viscosair e acompanhado com os meus olhosat

    que te pusessem no bero; se eu no tivesse colocado desde

    o bero meu olhar sobre voc sem te deixar um minuto e

    acompanhado cada mudana do seu corpo at o ponro em

    que eu nem vi as mudanas acontecerem e se eu no

    estivesse te vendo aqui parecido com aquele que saiu de

    mim nesta cama eu acreditaria que no o meu filho que eu

    renho aqlli na minha frence. No enta ni:o eu te reconheo

    RoGeno. Eu reconheo a forma do seu corpo seu tamanho

    a cor dos seus cabelos a cor dos seus olhos a forma das suas

    mos essas grandes mos fortes que nunca serviram pra

    outra coisa seno acariciar o pescoo de sua me ou apertar

    o de seu pai que voc matou. Por que essa criana to

    sensara dumnre vinte e quatro anos:ficou louca de repente?

    Como voc uiuassim dos trilhos Roberco? Quem colocou

    um tronco de rvore sobre esse caminho to reco pra fazer

    voc cair no abismo? Roberco Roberm um carro que cai

    num barranco no tem conserto? Um trem que descarrilha

    a gente no tenta fazer com que ele volte pros trilhos. A

    gente abandona esse trem esquece. Eu te esqueo Ro

    berco eu j te esqueci.

    ZUCCO Ances de me esquecer ma fala onde est o meu

    uniforme.

    AME Ele est a dentro do balaio. Est sujo e rodo

    amassado.

    (ZIICCOiro o IInifonne do boloio.)

    E agora vai

    embora voc me jurou.

    ZUCCO Est bem eu jurei.

    Ele s~aproximo do m~, ocoricio-o. d II1nb~ijo, ap~/10-o contro

    si, tio g~1H~.

    Ele o solto

    ~

    t/o coi, ~strongrllodo.

    u o

    tiro tI rOl/pa, Qeste S~IIunifonn~ ~ sai.

    m. EMBAIXO DA MESA

    No co inho.

    Uma meso, cob~t1ocom limo toalha qll~Qai ali o cho.

    Entro o inn do mmino.

    _E/o voi nn dit--efolijonda, obn-a 11mpouco.

    AIRM Emra no faz barulho tira seus sapatOs;sema a

    e cala a boca. (A meninoentropdo jondo.) Enro assim a

    umahoradessasda noite eu te encontro agachada encostada

    num muro qualquer. Seu irmo est de carro correndo a

    cidade inteira e eu posso te dizer que quando ele te encon

    trar ele vai encher essa sua bunda de chures porque ele j

    estava ficando louco atrs de voc. Sua me ficou espiando

    na janela durante horas inventando todas as hipteses do

    mundo desde o esrupro coletivo por um bando de arruacei

    ros at o corpo decepado que seria encontrado

    em um

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    :} bosque, sem falar do sdico que teria te prendido no poro,

    ) tUdopassou pela cabea dela. E seu pai j tem tanta certeza

    de que no vai mais te ver que tomou um porre e est

    ~ .

    ,,-Ironcando no sof, um ronco de desespero. Quanto amim,eu

    j rodo nesse bairro feito uma 10lieae te encontro a, simples-

    , mente agachadae encostada nesse muro. Enquanto seria

    ~

    suficiente que voc :ttravessasse a rua para nos tranqilizar.

    ) Tudo o que voc ter g:mhado ento, que voc vailevaruns

    . ) bons chures do seu irmo, e cu cspero que ele chute a sua

    ) bun.d~at sangrar.

    ,Tempo.)

    M~s eu est~u ve~d,oque voc

    .- decIdIU que n1l0vai falar comigo. Voce decidIu ficar em

    ;)

    silncio profundo. Silncio. Silncio. Todos se agitam em

    ;)

    volta de.mim masClIme calo. 13oca.fechm.l:1.Veremosse sua

    boca vai ficar fechada quando scu Irmo estiver chut::mdoa

    ,

    SU:1bunda. QU:1ndo ento voce vai abrir a boca pra me

    )

    explicar por quc,j que voc tinha permisso at meia-noite,

    1}

    porque quc voc voltou pra casa t50 tarde? Porque, sevoc

    no abrir o bico, eu vou comear a ficar nervosa, eu tambm

    > vou fazer todas as suposies. Meu pardalzinho, fale com a

    ~sua irm, eu sou cap:1Zde compreender tUdo, eu juro, eu vou

    ~

    te protcger da r::Iivado seu irmo.

    Tempo.)

    O que aconteceucom voc foi uma pequcna histria de menina, voc eneon-

    . trou um garotO,

    cle

    foi idiota como todos os garotOS, agiu mal

    .

    com voc, foi grosseiro? Eu conheo isso, meu pintassilgo,eu

    fui uma menina, eu fui a festas onde os garotos so uns

    ~

    imbecis. Mesmo se voc deixou algum te beijar, qual o

    . problema? Voc ainda vai ser beijada mil vczes por imbecis,

    ~

    voc querendo ou no; e voc vai deixar que eles passem a

    mo em voc, minha pobrezinha, quer voc queira quer no.

    ~

    Porque os garotos so uns imbccis e tudo o que c/es sabem

    . fazer passar a mo na bunda das meninaft. Eles adoram isso.

    >

    Eu nosei que pr:1Zerelestm; navcrdade, alis,eu achoque

    eles no vem nenhum prazer nisso. Faz parte da tradio

    ~ deles. Eles nopodem f:1Zernada.Elesso fabricadoscom

    ~

    mbecilidade. Mas no precisa fazer um drama de tudo isso.

    O essencial que voc no deixe ningum roubar o que no

    Ideve ser roubado ::tntesda hOr::t.Mas eu sei que voc vai

    ,

    24

    t

    esperar a sua hora, e que ns escolheremos, todos juntos-

    sua me, seu pai,seu irmo,eu mesma, e voc tambm alis

    -

    pra quem voc vai dar isso. Ou ento vai ser necessrio que

    algum consiga com violne2, e isso, quem ousar fazer, a

    uma menina como voc, to pura, to virgem? Diz pra mim

    que ningum foi violento com voc. Diz pra mim, diz que

    ningum te roubou isso,no .issoque noaeve ser roubado

    de voc. Responde. Responde ou eu vou ficar zangada.

    Bnrtilho.)

    Esconde rpido embaixo damesa. Eu acho que

    o seu irmoque est chegando.

    A mminn esnpnf?ce embnixo df/mesn.

    En/ra opni, depijnmn, meiotN7nino.Ele n/rnvessn n cozinhn,

    esnpnrea nlgllns segllndos, ntrmJessode novo n cozinhn e vol/n

    pnra o seflqllnrto.

    A IRM - Voc uma menina, voc uma pequena

    virgem, voc a pequena virgem da sua irm, do seu irmo,

    doseupaie dasllame. No medigaessa coisa horrvel. Cala

    a boca. Eu ficou louca. Voc est perdida, e ns tOdos,

    perdidos com voc.

    Entrn o innlo, Inundo mn gnmde /mmtl/o. A innli sepl rcipiltl

    sobr~ele.

    AIRM-No grita, no ficanervoso. Ela no est aqui mas

    eTfoiencontrada. Ela foi encontrada mas ela no est aqui.

    Fica calmo, seno eu acabo ficando louca. Eu no quero

    tOdasas desgraas juntas e, se voc gritar, eu me mato.

    O IRMO- Onde ela est? Onde ela est?

    AIRM-Ela est nacasade uma amiga. Ela est dormindo

    casade umaamiga,nacamadesuaamiga,no quentinho,

    comsegurana, nada de mal pode acontecer a ela, nada. Est

    nosacontecendo uma desgraa.No grita, por favor, porque

    depois voc poder se arrepender e at chorar.

    a

    IRMO Nada poderia me fazer chorar, a no ser uma

    desgraa que acontecesse com a minha irmzinha. Mas eu

    ~- ........

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    comei tanto cuidado com ela e s essa noite ela me escapou.

    Essa a primeira vez que ela me escapou salgumas horas

    em codosesses anos em que eu tomei conta dela. Adesgraa

    precisa de mais tempo pra se abater sobre algum.

    A IlUvI A desgraa no precisa de tempo. Ela vem

    quando quer ela transforma tudo em um instante. Ela

    .

    destri em um instante um objeto preciosoque a geme

    guarda durante anos.

    E/fi pegflll1nojeto

    e

    jogfl-ol/Omo.)

    E

    a geme no pode recolher os pedaos. Mesmo gritando a

    gente no poderia recolher os pedaos.

    .

    Entra o poi. E/e fltmtleSSfI fi cozillho o o110ptimeim vez

    e

    desopflrece.

    o IlUvIO Me ajuda minha irm me ajuda. Voc mais

    forte do que eu. Eu no suporco as desgraas.

    A IRM Ningum suporta a desgraa.

    O IRMO

    Divide comigo.

    A IlUvI Eu j estou transbordando.

    O IlUdO Eu vou beber alguma coisa.

    E/e sai.)

    o poi tlO/Io.

    o PAI Vocest chorando minha filha?Eu achoque ouvi

    algum chorando.

    A i/ 1I/se/evflllff1.)

    A IRM No. Eu esrava cantando.

    E/o sfli.)

    O PAI Voctem razo.Quem canta osmales espanta.

    EIe-

    soi.)

    Depois de 1I1nmommto, fi mmil10 sai dedeoixo da mesa, se

    aproxima dojanela, are-fI mn pOllco,fqz Zucco mtrar.

    I

    I

    A t\1ENINA

    Tira os sapatOs. Como voc se chama?

    ZUCCO

    Me chame como voc quiser. E voc?

    A ~ENINA Eu? Eu no tenho mais nome. Me chamam

    o tempo todo por nomes de bichinhos bobos pintinho

    PLn_~~~ilgoardalzinho corovia. pombinha rouxinol. Eu

    preferiria que me chamassem de raco cascavel ou porca. O

    que que voc faz na vida?

    ZUCCO Na vida?

    A MENINA

    na vida. Seu trabalho sua ocupao co

    mo voc ganha dinheiro e codasessascoisasque tOdomundo

    faz?

    .

    ZUCCO Eu no faoo que todo mund~ faz.

    A MENINA Ento justamente me diz o que voc faz.

    ZUCCO

    Eu sou agente secreto. Voc sabe o que um

    agente secreto?

    A MENINA Eu sei o que secretO.

    ZUCCO Um agente alm de ser secreco ele viaja

    percorre o mundo ele tem armas.

    A rvIENINA

    Voctem uma arma?

    ZUCCO Claro que tenho.

    A MENINA Me mostra.

    ZUCCO No.

    A MENINA Emo voc no tem uma arma.

    ZUCCO Olha.

    Eletim 11mpunho/.)

    A MENINA

    Isso no uma arma.

    ZUCCO Com isso voc pode matar to bem quanto

    com qualquer outra arma.

    AMENINA Foramatar que mais que elc faz um agcntc

    secreto?

    ZUCCO Ele viaja vaipra frica.Voc conhece a frica?

    A MENINA

    Muito bem.

    ZUCCO Eu conheo uns lugares na frica umas monta

    nhas to altas onde neva o rempo todo. Ningum sabe que

    neva nafrica.Eu issoo que eu prefiro no mundo: a neve

    na frica que cai nos lagos gelados.

    AMENINA

    Eu queria irver a neve na frica. Eu queria

    andar de patins nos lagosgelados.

    ZUCCO Tem tambm rinocerontes brancos que atra

    vessam o lago por baixoda neve.

    A MENINA Como voc se chama? Me diz o seu nome.

    ZUCCO Eu nunca vou dizer o meu nome.

    A MENINA Por qu? Eu quero saber o seu nome.

    ~..........

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    :u

    ri

    ZUCCO- um segredo.

    ~AMENINA - Eu sei guardar segredos. Me diz o seu nome.

    ,

    ZUCCO - Eu esqueci.

    A MENINA - Mentiroso.

    . ZUCCO - Andr.

    AMENINA

    - No.

    ZUCCO- ngelo.

    A MENINA - No goza da minha cara que eu gritO. No

    nenhum desses nomes.

    ~ZUCCO - E como voc sabe, se voc no sabe?

    A MENINA - Impossvel. Eu o reconheceria na mesma

    hora.

    .

    ZUCCO

    -

    Eu no posso te dizer meu nome.

    } A MENINA

    -

    Mesmo se voc no pode me dizer, diz

    assim mesmo.

    ZUCCO - Impossvel. Poderia me acontecer uma des-

    graa.

    ~ A MENINA

    -

    No tem problema. Diz assim mesmo.

    . ZUCCO - Se eu te dissesse meu nome, eu morreria.

    A MENINA - Mesmo se voc morrer, me diz seu nome

    ~ assim mesmo.

    ~

    ZUCCO

    - Roberco.

    , A MENINA - Roberto o qu?

    , ZUCCO -: COntcnre-se com isso.

    I A MENINA - Roberto o qu? Se voc no me disser, eu

    ~ grito, e meu irmo, que est muito nervoso, vai te matar.

    ZUCCO - Voc me disse que voc sabia o que era um

    I segredo. Ser que voc sabe mesmo?

    A MENINA - a nica coisa que eu sei perfeitamente o

    que . ~Ic diz o seu nome, me diz o seu nome.

    ZUCCO - Zucco.

    A MENINA - Roberto Zucco. Eu nnca vou esquecer

    esse nome. Esconde embaixo da mesa; vem vindo gente.

    Entra a me.

    A ME - Voc est falando sozinha, meu rouxinol?

    26

    A MENINA

    - No.Eu cantoparaespantar osmales.

    A ME - Voc tem razo. endo o objeto quebrado.) Tanto

    melhor. Tem um bom tempo que eu queria me ver livre

    dessa sujeira.

    Elo sai.

    A menino vai ficar perto de Zucco. que est escondido sob a mesa.

    voz DA MENINA - Voc, garoto, voc me tirou a vir-

    gindade. e agora ela sua. No haver ourea pessoa que

    vai poder timr isso de mim. Agora ela sua :lt o fim dos

    seus dias. ela ser sua mesmo quando voc j tiver me

    esquecido. ou morrido. Voc est marcado por mim como

    por uma cicatriz depois de um:r briga. Eu no corro o ris-

    co de esquecer, porque eu no tenho oUtra pra dar pra

    ningum; pronto, est feitO,at o fim da minha vida. Est

    dada e ela sua.

    IV.A MELANCOLIA DO INSPETOR

    cepiio de mn hotel de plllas do Peqllet/o Chimgo.

    O INSPETOR - Eu estOu triste, madame. Eu sintO o

    coraobem pesado e eu no sei por qu. Eu estOu constan-

    temente triste, mas dessa vez tem alguma coisa me incomo-

    dando. Normalmentc, quando eu me sinto assim. com von-

    tade de chorar ou morrer, eu procuro o porqu disso. Eu

    penso em tUdo o que aconteceu durante o dia, durante a

    noite. e navspera. E eu acabo sempre enconrrando algum

    acomecimentOsem importncia que, na hora. no me cha-

    mou muitOa ateno, mas qUt.:,como uma pOfcari;lzinhJd

    um micrbio,se instalou no meu corao e ficame atOrmen-

    tandoem todosos sentidos. Agora,quando eu descubro qual

    foi o acontecimento sem importncia que me fez sofrer

    tanto, eu achograa, o micrbio destcudo como uma pulga

    com a unha. e fica tudo bem. Mas hoje eu j procurei; eu j

    , .

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    aprender agora a no baixar mais os olhos a no ficar

    vermelha a olhar pros garotos de frente. Tudo issoacabou.

    No tenha maisvergonha de nada. Levanta a cabea olhaos

    homens encara mesmo eles adoram. No serve pra nadaser

    tmida nem um segundo mais. Solta tudo de uma vez. Vai

    andar noPequeno Chicago nomeio das pUtas viraumapUta:

    voc vai ganhar dinheiro e no vai mais depender de nin-

    gum. E quem sabe eu vou te encontrar num desses baresde

    pura aeu te fao um sinal e seremos companheiros de bar;

    enche bem menos o saco e a gente se diverte muitOmais.

    No perca mais seu tempo baixando osolhos e fechando as

    pernas pintinho issono serve mais pra nad. De qualquer

    forma agora casamentO no tem mais jeitO.Valia a pena

    romar conta de voc para o casamento valia a pena qlie voc

    baixasse os olhos timidamente at o dia do casamento mas

    3gora que no tem mais casamento tUdoo mais no imeres-

    sa. Tudo de uma vez assim rudo perdido: o casamento a

    famlia seu pai sua me sua irm; e eu estOu pouco me

    fodendo. Seu pai ronca de misria e sua me chora; melhor

    deix-Ios chorando e roncando e ir embora de casa. Voc

    pode fazer filhos: a gente no est nem a. Voc pode no

    fazer

    geme no est nem ado mesmo jeitO. Voc pode

    fazer o que voc quiser. Eu parei de tomarcohta de voc e

    voc parou de ser uma menina. Voc no tem mais idade;

    voc poderia ter quinze ou cinqUema anos amesma coisa.

    Voc uma fmea e todo mundo est pouco se fodendo.

    VI. METR

    Embaixo de um Cartnz inlitll/ndo PROCURA-SE com nfOlo

    de

    u o no cmlro sem nome; senlados ndo a lodo em 11mbanco

    de 1II/1f1slaiio de melr depois da /rora defecHar 11msen/zonnois

    velho e Zucco.

    o SENHOR - Eu sou um homem velho e me atrasei mais

    doque seria razovel. Eu estava todo feliz por ter conseguido

    2R

    I \

    pegar o ltimo metr quando de repente num cruzamento

    deste labirinto de corredores e escadas eu no reconheci

    mais a minha estao; que eu freqento no entanto to

    regularmente que eu pensei que aconhecia to bem quanco

    conheo a minha cozinha. Maseu ignoravaque ela escondia

    por trs do percurso simples que eu fao todos os dias um

    mundoobscuro de tneis de direes desconhecidas que eu

    teriapreferido ignorar masque aminha distraoconfusa me

    obrigou a conhecer. A de repente as luzes se :1pagam e

    deixamsomenre a claridade dessas luzinhas brancas que eu

    ne~ sabia que existiam. Eu ando ento seguindo reto em

    ummundo desconhecido o mais rpido possvel o que no

    quer dizer muita coisa em visra do homem velho que eu

    sou. E quando no fim dessas interminveis escadas rolan-

    tes paradas eu tenho a impresso de ter achado uma sada

    tandan ... uma grade enorme interdita a passagem. Agora

    aquiestOueu numasiwao bemfantstica paraum homem

    daminha idade punido pelaminha distrao e pela lentido

    domeu passo esperando nosciexatamente oqu e eu nem

    quero muiro saber porque r.emumas novidades hoje em

    dia que realmente na minha idade so difceis de engolir.

    Sem dvida a manh sem dvida isso que eu estOu

    esperando nesta estao que me era to familiar quantO a

    minha cozinha e que agora me d medo. Sem dvida eu

    estou esperando que as luzes normaisse acendam de novo e

    que passe o primeiro metr. Mas eu estOu muito ansioso

    - porque eu no sei como eu vou ver a luz do dia de novo

    depois de uma aventura to extravagante esta estao no

    vai parecer nunca mais a mesma eu no vou poder mais

    ignorara presena dessas luzinhas brancas que no existiam

    antes; e tambm uma noite emclaro eu no sei o que ela faz

    com a vida eu nunca passei uma noire em claro tUdo deve

    ficarem ourra escala os dias no devem maisse alternar com

    asnoites como era antes. Eu estOumuito ansioso em relao

    a tudo isso. lvlasvoc meu jovem cujas pernas me parecem

    bem geis e o esprito bem claro sim eu vejo bem o seu

    olharclaro e noembaado e confuso comoode um homem

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    velho como eu, impossvel acreditar que voc se deixaria tranqilamente uma pradaria e que nada poderia fazer com

    confundir por estes corredores e estas grades fechadas; no, que descarrilhasse. Eu sou comoum hipoptamo afundado

    um jovem com o esprito claro como voc passaria por uma na lama, que se movimenta muito devagar e que nada pode-

    grade fechada como uma gora d gua passa por um filrro. riadesviar do caminho nem do ritmo que ele decidiu tomar.

    Voc trabalha aqui duranre a noite? Fale-me um pouco de OSENHOR-Sempresepodesairdosrrilhos, meu jovem,

    voc, isso far com que eu me sinta mais seguro. sim, agora eu sei que qualquer um pode sair dos rrilhos, a

    ZUCCO - Eu sou um rapaz normal e sensato, meu senhor. qualquer momentO. Eu que sou um homem velho, eu que

    Eu nunca me fiz notar. O senhor repararia emmim se eu no pensava que conhecia o mundo e a vida to bem quanto

    rivesse me sentado ao seu lado? Eu sempre pensei que a conheo a minha cozinha, mndan, aqui estou eu fora do

    melhor maneira de viver tranqilo seria sendo to transpa- mundo, aesta horaque no horanenhuma, debaixo de uma

    rente quanto um pedao de vidro, como um camaleo em iuz estranha, e sobretUdo com a ansiedade ao que vai se

    cima da pedra, passar arravs das paredes, no ter nem cor passar quando as luzes de sempre se acenderem de novo, e

    ncm cheiro; que os olhares das pessoas te atravessassem e que vai passar o primeiro metr, e que as pessoas comuns

    vissem as pessoas atrs de voc, como se voc no estivesse como eu era vo invadir esta estao; e eu, depois desra

    l. uma tarefa difcil ser transparente; um trabalho; um primeira noite emclaro,vaiser preciso que eu saia, atravesse

    sonho amigo, muito amigo, de ser invisvel. Eu no sou um agrade enfim aberra,e veja odiasendo que eu no vi a noite.

    heri. Os heris so criminosos. No existem heris cujas E eu no sei nada agora do que vai acontecer, a forma com

    roupas no sejam sujas de sangue, e o sangue a nica coisa que eu verei o mundo e com a qual o mundo vai me ver ou

    no mundo que no pode passar despercebida. acoisamais no. Porque eu no vou maissaber o que o dia e o que a

    visveldo mundo. Quando tUdoestiverdestrudo, quando s noire, eu no vou maissaber o que fazer, eu vou andar pela

    tiver uma bruma de fim de mundo cobrindo a rerra, voficar minha cozinha procurando a hora e tudo isso me d muito

    ainda as roupas sujas de sangue dos heris. Eu estUdei, eu medo, meu jovem.

    fui um bom aluno. A gente no volra atrs quando se pegou ZUCCO - H o que temer, realmente.

    o hpito de::ser um bom aluno. Eu estou matriculado na O SENHOR - Voc fala um pouco embolado; eu gosto

    universid.1dc. Sobre os bancos da Sorbonne, meu lugar est muito disso.Me dsegurana.Meajuda nahoraem que o ba-

    reservado, entre ourros bonsalunos nomeio dos quais eu no rulho invadir esse lugar.Me ajuda, acompanha esse homem

    serei norado. Eu rc juro que preciso ser um bom aluno,- velho perdido que eu sou, ar a sada; e alm dela, talvez.

    discreto e invisvel, pra estar na Sorbonne. L no uma

    dessas universidades de subrbio onde ficam os maus ele-

    mentos e aqueles que se tomam por heris. Os corredores

    da minha universidade so silenciosos e atravessados por

    sombras das quais no se escura nem os passos. A parrir de

    amanh eu voltarei pra continuar meu curso de lingstica.

    An):1nh, o dia da aula de lingstica. E l esrarei eu, in- VII. DUAS IRMS

    visvel entre os invisveis, silencioso e atemo dentro da bru-

    madensa da vida comum. Nada vai poder mudar o curso das

    -COisa.: ,-eu senhor. Eu sou como um trem que atravessa

    As I/Jus da .rtaoS ocmdetn nOVOlnmte.

    Zucco ajuda o smhor mais vdho a se levantar

    (

    o acompanha.

    Passa opritn iro m tr.

    No cozinha.

    A menina com uma bolsa.

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    ZUCCO - Foi assim que eu fui criado como um atleca.

    Hoje euaclera enorme me completa.

    Oh, mar, e eu sou grande sobre o meu cho divino

    De codaa tua grandeza mordendo meus ps em vo

    Nu. force.o roscomergulhado num abismo de bruma.

    AME - Seu pai est de fogo de novo. Ele se emupiu de UMAPUTA

    -

    Est um frio do co. Esse menino

    v

    aca-

    cerveja. uma ams daoutra. O que que vocs esto fazendo. bar morrendo.

    vocs duas, assim to complacentes com esse velho louco? Ul'vlCARA- No se preocupe com ele. Ele est transpi-

    Vocsme deixam ' mndosozinha comra esse bbado.Vocs rando. ele deve escar bem quenre por dentro.

    noesto nem ligando,esto deixando que ele nosarruneno Z.UCCO- Cobeno de barulho e de granizo e de espuma

    lcool. Vocs so duas bobonas que falam. falam, vocs s E de noicese de vencos que se chocam furiosos.

    cuidam das suas histOrinhas idiotas e me deixam sozinha Eu dirijo meus dois braos ao tcr tenebroso.

    comesse bb:ldo.O que que essa bolsaa? UMCAl{A

    -

    Ele esc:bbado, esse cara.

    A IRM - Ela vai nacasa de uma amiga, passar a noicel. OUTRO CARA- Impossvel. Ele no bebeu nada.

    AME- Umaarriiga,umaamiga...Que negcio essede Ul\1APUTA- Ele estj louco, ~isso. melhor deix-Io

    amiga?Que histria essa encre meninas? Que necessidade tranqilo.

    ela tem de passar a noice na casa dessa amiga? Ascamasso - O FORTO- Dcixarele tranqilo? Ele fica horas enchen-

    melhorcs do que aqui? O prctO da noite mais pretOl do do o nossosaco e agente deve deixar ele tranqilo? Ele quc

    que aflui?Se vocs ainda tivessem a idade e eu a fora,eu venha mexer comigo mais uma vez e cu arrebentO a cara

    daria lima surra em vocs duas. dele.

    UMA PUTA -

    ilproximando-g d~ ZI/CCOam ajl/d.lo

    (/

    se lrofl/ltar.) No procura mais briga, garotO, no procura

    mais briga. Sua carinha bonira j est bem estragada. Voc

    ento no quer mais que as garotas se virem pra olhar

    pra voc? frgil uma carinha, beb. Ageme acha que cem

    ela pra vida roda e de repente vem um idiora bem feio.

    que no tem nada a perdcr com a dele, e acaba com ela?

    exerccio, feito com que algum batesse nela por mim. Eu

    deveria ter continuado como ances: batendo nela codosos

    dias, em horas regulares. Mas tudo bem, eu fui negligente,

    e agora, ela me esconde a cerveja, e eu cenho certza de:que

    vocs socmplices. E/~011111mboixodo m~sa.)Tinha ainda

    cinco garrafas. Eu vou bacer cinco vezes em cada uma se eu

    no encontrar.

    Ele sai.

    AIRM-l\'linha rolinha noPequeno Chicago Comovoc

    deve estar infeliz, e quanto ainda voc vai ser.

    E1l1f fl a lIIik.

    Ela sai.

    I

    I

    A I}UvI- Eu noquero que vocseja infeliz.

    AIvIENINA - Eu sou infeliz e eu sou feliz. Eu sofrimuico,

    mas eu tive muito prazer nesse sofrimento codo.

    AIR~:I~ E eu vou morrer se v~c me abandonar.

    A m~n;no pego suo bolso

    ~

    so;.

    VIII. LOGO ANTES DE MORRER

    Um bar do noite. Uma cabine Ielejllico.

    lucco jogado atr{1f)sdo janela, Ctmlum estrondo d~ vidro

    quebrado.

    Gritos no interior. Confuso de genk no porto.

    31

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    J voc tem muito a perder, beb. Uma cara quebrada

    e tOda a sua vida est perdida como se tnessem corta-

    do o seu rabo. Voc no pensa antes, mas eu te juro que

    depois voc vai pensar. No me olha assim seno eu cho-

    ro; yoc da ma daqueles que do vontade de chorar s6

    de olhar.

    ZIICCOse aproxima do fOr/o e dn-/he II1nsoco.

    UMA PUTA - Eles no vo comear de noro.

    O FORTO - No me provoca, menino, nio me provoca.

    ZIICCOhe tln 1I1nsegllndo soco.

    O10/1o I'i:og~.Eles IlIigalll.

    UIVIAPUTA - Eu vou chamar a polcia. Ele vai mat-Io.

    UM CARA - No o caso de chamar a polcia.

    OUTRO CARA - De qualquer forma ele ji est esborra-

    chado no cho.

    Zrlccose l~tlIrta e vai atrns do fOl1o que esloVIIindo embora.

    Ch~gapeito dele e lhe bate no cara.

    UMAPUTA

    -

    No re:1ge,deixa ele tranqilo, ele j nem

    consegue ficar em p.

    ZUCCO - Vem c, seu bosta, seu covarde, seu brocha.

    O10l1o dn-lfie um 10l1e empurro, joga ZIICCOIfJIIg~.

    O FORTO - Mais uma vez, e eu esmago esse cara, igual

    eu esmago um mosquito.

    I

    ZIICCOse I~onto nOfJtlInmu, procura brigo mais .,no Ve .

    UMAPUTA

    -(Aofor/o:)

    No encosta maisnele, no toca

    mais nele, no acaba com ele.

    32

    o fOl1o d 11m s oco em Z1lI D.

    UM CARA- Ele acaboucom esse cara.

    UMAPUTA- Foi fciJ.Ele tem razoem dizer que

    vocs

    so uns covardes.

    O FORTO - Umhomem nodeve se deixar morder duas

    vezes pelo mesmo cachollO.

    Eles elllrtl1l11/Obar.

    Zucco se levallto, oprox/ino-se da cabine.

    Tirtl o te/efo1/e do gancho, disco tI1nnlmero, espe.m.

    ZUCCO - Eu quero ir anbora. preciso ir embora logo.

    Faz muiro calor nesta moda de cidade. Eu quero ir para a

    neve da frica. precisoque eu v embora porque eu vou

    morrer. De qualquer form:l,ningum se interessa por nin-

    gum. Ningum. Os hOlllensprecisam de mulheres e as

    mulheres precisam de hOll'lens.Mas amor, no h. Com as

    mulheres, por pena ql meu pau sobe. Eu gostaria de

    nascer de novo como um cachorro para ser menos infeliz.

    Cachorro de rua, remexendo no lixo; ningum me noraria.

    Eu gostariade ser um cachorroamarelo, cheio de sarna, um

    cachorrojogado forasem importncia. Eu goscariade ser um

    vira-lataremexendo no lim por tOdaa eternidade. Eu acho

    que noh palavras, no IRnada a dizer. preciso parar de

    ensinaraspalavras. precisofechar asescolas e aumencar os

    - cemitrios. De qualquer forma,um ano, cem anos, rudo a

    mesma coisa; mais cedo ou mais tarde todos ns devemos

    morrer, tOdos.E isso, isso faz os pssaros camarem, faz os

    pssarosrirem.

    UMAPUTA-(Naporta6() bar.)Eu falei pra vocs que ele

    era louco.Ele faiacom UIIIelefone que no funciona.

    ZIICCOolto o telefone, serrtaDl

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    ZUCCO

    -

    Escou pensando na imortalidade do caranguejo,

    da lesma e do besouro.

    O FORTO- Voc sabe, eu no goscode brigar.Masvoc

    mc provocou tamo, garoco,que no deu pra agemarcalado.

    Porque voc estava procurando tamouma briga?Parcce que

    voc quer morrer.

    ZUCCO - Eu no quero morrer. Eu vou morrer.

    O FORTO - Como tOdo mundo, garoto. .

    ZUCCO - No um motivo.

    O FORTO-Talvez.

    ZUCCO - O problema, com a cerveja, que a geme no

    compra, a geme s aluga Eu preciso mijar.

    O FORTO

    -

    Ento vai, antes que seja tarde.

    ZUCCO

    -

    verdadc que at os cachorros vo me olhar

    atravcssado?

    O FORTO

    -

    Os cachorros nunca olham atravessado pra

    ningum. Os cachorros so os nicos seres em que voc po-

    de confiar. Eles gostam de voc ou no, mas eles nunca

    rc julgam. E quando codo mundo tiver te abandonado,

    garotO, vai ter sempre um cachorro por a pra te lamber

    os ps.

    ZUCCO - tvIorc.cvillana, di piet nemica,

    di dolor madre amica,

    giudicio incomastabilc gravoso,

    di tc blasmar Ialingua s'affatica.

    O FORTO - Voc precisa mijar.

    ZUCCO

    - Tarde demais.

    tll/rorn dall1allhii.

    ZI/CCO fltlOl7nece.

    I

    I

    IX. DALILA

    Delegacio tle polCio. Um Iegatlo e mn comissdtio tle polcio.

    E.lItrn FlIIWlilltl segl/ido por UII inl1iiD,.Ele jic01l0 eJl/r l{la.

    ,llIimilla Of)Oll{tl eI11direo 00 retroto de ZIJCCOdesenlttl caIRo

    dedo por cimo do papel.

    AMENINA

    -

    Eu conheo ele.

    COMISSRIO O que que vocconhece?

    A MENINA

    -

    Esse moo. Eu conheo ele muico bem.

    DELEGADO - Quem ?

    AMENINA - Um ageme secretO. Um amigo.

    DELEGADO

    - Quem esse a, atrs e voc?

    AMENINA - Meu irmo.Ele veiocomigo. Foi ele que me

    disseparaviraquiporqueeu reconheciessa fQtona rua.

    DELEGADO - Vocsabe que ele est sendo procurado?

    A MENINA - Sei; eu tambm estOu procurando.

    DELEGADO

    -

    um amigo, voc disse?

    A MENINA

    -

    Um amigo, , um amigo.

    DELEGADO - Um matador de policiais. Voc vai ser

    detida e acusada de ser cmplice, de ocultar armas e no

    denunciar um malfeitOr.

    A MENINA

    - Foi meu irmo que me disse para eu vir

    aqui avisar que eu conhecia ele. Eu no estOu ocultando

    nada, eu no escou denunciando ningum. Eu conheo

    ele. S isso.

    DELEGADO

    -

    Fala para o seu irmo sair.

    COMISSRIO - Voc no ouviu? Fora, voc.

    o il7niio sni.

    DELEGADO - O que voc sabe dele?

    AMENINA - Tudo.

    DELEGADO Francs?Estrangeiro?

    AMENINA

    -

    Ele tinha um pequeno sotaque estrangeiro,

    muitO simprico.

    COMISSRIO

    -

    Germnico?

    A MENINA

    -

    Eu no sei o que quer dizer germnico.

    DELEGADO - Ento, ele te disse que era agente secreto.

    estranho. Em princpio, umagente secretOdeve permane-

    cer secreto.

    A MENINA - Eu disse pra cle que eu guardaria

    esse

    33

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    segredo a qualquer custO. meto uma bala pela goela abaixo. Anda logo ou voc vai se

    COMISSRIO - Bravo.Se todosossegredosfossemguar- lembrardisto.

    dados

    o o

    esse o nosso trabalhoseria fcil. A MENINA- ngelo.

    A MENINA - Ele me disse que ia fazerumasmissesna DELEGADO- Um espanhol.

    frica nas moncanhas l onde tem neve o tempo rodo. COMISSRIO-Ou um italiano um brasileiro um porru-

    DELEGADO - Um agente alemo no Qunia. gus um mexicano: eu conheci at um berlinense que se

    COMISSRIO

    -

    Assuposies da polcia no estavam to chamava Jlio.

    erradas afinal. DELEGADO - Voc sabe das coisas comissrio. {POrtla

    DELEGADO - Elas estavam exatas comissrio. POrtlo menino: Eu estOu ficando nervoso.

    mCl/ilJr1. E o nome dele agora. Voc sabe? Voc deve saber A MENINA - Est coando aqui na minha boca eu estou

    j que ele era seu amigo. sentindo comissrio.

    A MENINA - Sim eu sei. COMISSRIO-Quer uma porrada na sua boca para ajudar

    COMISSRIO

    - Fala. a virmaisrpido?

    A MENINA

    -

    Eu sei muito bem. A MENINA

    -

    ngelo ngelo Dolce ou alguma coisa

    COMISSRIO

    -

    Voc est brincando conosco menina. assim.

    Voc est querendo apanhar? DELEGADO - Dolce? De doce?

    A MENINA

    -

    Eu no quero apanhar. Eu sei o nome dele AMENINA- Doce . Ele me disse que seu nome parecia

    mas eu no consigo dizer. um nome estrangeiro que queria dizer doce ou aw:arado.

    DELEGADO - Como assim voc no consegue dizer? Ela cltora. Ele era to doce to delicado.

    A MENINA - Eu estou com ele aqui na ponca da lngua. DELEGADO-Tem muitas palavms para dizer aucarado

    COMISSRIO - Na ponta da lngua na ponta da lngua. eu imagino.

    Voc est:i querendo apanhar? Quer levar uns socos e que a COMISSRIO

    -

    Azucarado zuccherato sweetened. ge-

    gente arranque o seu cabelo? Ns temos aqui salasc Iuipa- zuckcrr ocukrzony.

    das especialmente para isso voc.sabe. DELEGADO - Eu j sei isso [Udo.comissrio.

    A MENINA - No no eu estou com ele aqui; j est A MENINA

    -

    Zucco. Zucco. Roberro Zucco.

    vindo. DELEGADO- Voc tem certeza?

    DELEGADO-O primeiro nome pelo menos. Voc deve - A MENINA - Tenho. Certeza absoluta.

    se lembrar muito bem voc deve ter lambido issona orelha COMISSRIO

    - Zucco.ComZ?

    dele. A MENINA - Com Z . Roberto. Com Z.

    COMISSRIO - Um nome um nome. Qualquer um ou DELEGADO- Leve a garora para prestar depoimcnto.

    eu re metO na sala de tortura. A MENINA - E o meu irmo?

    I .

    A MENINA - Andr. I COMISSARIO

    -

    Seu irmo? Que irmo? Para que voc

    DELEGADO

    -

    Partiocomissrio:Anote: Andr. Paron precisa de irmo?Ns estamos aqui.

    menino: Voc tem certeza?

    A MENINA - No.

    COMISSRIO - Eu vou matar essa menina.

    DE~EGADO - Lembra essa porcaria de nome ou eu te

    34

    E/a saem.

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    X.o REFM

    Em mn parque empleno dia.

    Uma senhora degante est sentada em fim banco.

    Entra Zucco.

    A SENHORA - Sente-se aqui ao meu lado. Fale comigo.

    Eu me aborreo; vamos conversar. Eu detesto os parques

    pblicos. Voc parece tmido. Eu o intimido?

    ZUCCO - Eu no sou tmido.

    A SENHORA - No entanto, voc tem as mos trmulas

    como um menino diante de sua primeira garota. Voc tem

    uma cara boa. Voc um rapaz bonitO. Voc gosta das

    mulheres? Voc quase um rapaz bonitOdemais para gostar

    das mulheres.

    ZUCCO - Eu gosto bastante das mulheres, , muito.

    A SENHORA - Voc deve gostar desse tipo de meninas

    assim de dezoitO anos. .

    ZUCCO - Eu gosto de todas as mulheres.

    ASENHORA-Ah, isso muito bom.Vocj foi durocom

    uma mulher?

    ZUCCO

    - Nunca.

    A SENHORA - Mas e vontade? Voc j deve ter tido

    vontade de ser violento com uma mulher, no ? Essa

    vontade, todos os homens j tiveram um dia; codos.

    ZUCCO - Eu no. Eu sou doce e pacfico.

    ASENHORA- Voc um tipo estranho.

    ZUCCO - Voc veio de txi?

    A SENHORA

    -

    Ah no. Eu no sUportochofer de txi.

    ZUCCO

    -

    Enco, voc veio de carro.

    ASENHO RA- Eviememente. Eu,novim a p; eu moro

    do oUtro lado da cidade.

    ZUG:CO- Que marca, o carro?

    A Sp:NHORA - Voc pensaria talvez que eu tivesse um

    Porsche? No, eu tenho apenas uma porcaria de carro. Meu

    marido um po-duro.

    ZUCC9 - Que marca?

    A SENHORA - Mercedes.

    ZUCCO - Qual?

    ASENHORA - 280SE.

    ZUCCO - No uma porcaria de carro.

    A SENHORA - Talvez, no. Mas meu marido um po-

    duro amm mesmo.

    ZUCCO-Que issoa?Esse cara fica te olhando o tempo

    todo?

    ASENHORA - meu filho.

    ZUCCO - Seu filho? Grande, ele.

    A SENHORA - QuatOrze anos, nem um ano a mais. Eu

    no sou nenhuma velha.

    ZUCCO - Ele parece mais velho. Ele pratica esportes?

    ASENHORA- a nica coisaque ele faz.Eu pago pra ele

    todos os clubes ~a cidade, tOdas as quadras de tnis, de

    hquei, de golfe, e com isso, ele encontra um jeitO de eu ir

    com ele aostreinos. um moleque idiota.

    ZUCCO - Ele parece forte parasua idade. Me d aschaves

    do seu carro.

    A SENHORA - Claro, claro. Talvez voc queira o carro

    tambm.

    ZUCCO

    -

    , eu quero o carro.

    A SENHORA - Ento pega.

    ZUCCO - Me d as chaves.

    ASENHORA - Voc est me cansando.

    ZUCCO-Me d aschaves. Elesacaorevlver,coloco-oso-

    - bre osjodlzos.

    A SENHORA - Voc louco. No se brinca com essas

    coisas.

    ZUCCO - Chama o seu filho.

    ASENHORA - Mas claro que no.

    ZUCCO -

    Ameaondo-acom o revlrxr.j

    Chame o seu

    filho.

    ASENHORA- Vocest louco.Gritandopara ofilho: Vai

    embora daqui. Volta pra casa. D um jeitO e vai pra casa

    sozinho.

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    UM HOMEM - No se faz uma omelete sem se quebrar

    os ovos.

    UMA MULHER - Mas que ele no toque no garoto, pelo

    menos no no garoto, meu Deus.

    UMAMULHER - Estamos salvos.

    UM HOMEM - Bendita estratgia.

    UMHOMEM - Eles esto preparando umgolpe, eu estou

    falando.

    UMAMULHER - Eu s estou vendo i::sseaqui que est

    preparando um golpe:.

    UMHOMEM

    -

    O golpe j foi praticamente dado, alis.

    UMAMULHER - Pobre garoto.

    UM HOMEM - Minha senhora, eu .ou lhe dar uma

    UMAMULHER- Ah,meu Deus, ascrianas de hoje vem bofetada se a senhora continuar falando do garoto.

    cada coisa. UM HOMEM -Vocs acreditam realmente que hora de

    UM HOMEtvI

    -

    Ns tambm vimos muitas coisasquando ficar brigando? Um pouco de dignidade. Ns somos teste-

    ramos crianas. munhas de um drama. Ns estamos diaruc da morte.

    Ut\IA MULHER - Porque o senhor foi ameaado por um POLICIAIS

    - De longe.

    Ns estamas mandando voc

    louco, o senhor tambm? largar essa arma. Voc est cercado.

    A assistnciacai na

    Utvl HOMEM

    -

    E a guerra, minha senhora, a senhora j

    gargalhada.

    se esqueceu da guerra? ZUCCO

    -

    Diz pra ela me dar as chaves do carro. um

    UtvIAMULHER

    -

    Ah ? Porque os a~emespunham o p Porsche.

    em cima da sua cabea e ameaavam a sua me? A SENHORA

    -

    Imbecil.

    U~1 HOMEM - Pior que isso, senhora, pior que isso. UMAMULHER - D a chave pra ele, d a chave pra ele.

    Ul\IAMULHER-Emtodoocaso, aqui est osenhor, bem ASENHORA-Nunca. Ele mesmo que pegue.

    vivo, bem velho e bem gordo. UM HOMEM - Ele vai arrebentar a sua cara, minha

    Ut\-1 HOMEM

    -

    Minha senhora, a senhora est sendo senhora.

    grosseira.. ASENHORA- Melhorassim.Eu novereimaisa carade

    UMAMULHER - Eu s estou pensando na criana, s vocs. Muito melhor.

    estou pensando na criana. UMAMULHER- Essamulher horrorosa.

    U1\-1HOMEM - Mas enfim, parem com essa criana de

    --

    UMHOMEM

    - Ela horrvel. Tem tanta gente horrvel e

    vocs. a mulher que est com o revlver no pescoo. cruel.

    UMA MULHER - , mas a criana que vai sofrer. UMAMULHER-Peguem aschaves fora. Ser que no

    UMAMULHER-Me digaento, meu senhor, issooque tem um homem aqui pra remexer nos bolsos dela e pegar

    o senhor chama de tcnica especial qa polcia?Voc falade essas chaves?

    uma tcnica. Eles ficam do oUtreI:::dodo parque. Eles esto UMAMULHER - O senhor, a, que sofreu tanto quando

    com medo. . era pequeno, o senhor em quem osalemes metiam o p em

    UM HOMEM

    -

    Eu falei que era estratgia. cimada sua cabea ameaando a sua me, mostra ento que

    U1 \ 1HOMEM - Estratgiameucu o senhortemcolhes,mostraentoqueo senhor tem pelo

    POLICIAIS -

    Delonge.

    Largue essa arma. menos um ainda, mesmo pequeno, mesmo ressecado.

    lJl\-IAMULHER - Bravo. UMHOMEM -Minha senhora, asenhora merece levarum

    Zucco seaproxima do menino emptlfTflndo a mulher, semptr com

    a fll7t/a apontada para a suagarganta. Punto opiem cima da

    cabeado Inetlino.

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    osps de Z/lcco. Zucco se abaixa def)agOl~ pega a cnave, coloca-a

    no bolso.)

    ZUCCO - Eu levo a mulher comigo. Voembora.

    UMAMULHER -

    A criana est salva. Obrigada. meu

    Deus.

    UM HOMEM - E a mulher? O que vai acontecer a ela?

    ZUCCO - Vo embora.

    Todo mundo vai embora. Com o revlver numa mo, Zu co se

    abaixa, pego o cabea do mmino pelos cabelos, e lhe d um riro 110

    nllco. C/itos, cOllfllsiio,ftlgo. Com o revlverno pescoo da mulher,

    ZIICCO,110porque quase deserto, vai em direo ao carro.

    XI. O NEGCIO

    No recepiio do hotel do Pequmo Chicago.

    A nona do bordd 1m suo poltrona, e o men;na qlfe espero.

    A MENINA - Eu sou feia.

    AMADAME - No diga besteiras, patinho.

    AMENINA

    -

    Eu sou gorda, tenho umqueixo duplo, duas

    barrigas, seios como duas bolas de futebol, c quanto bun-

    da, ainda bem que ficana parte de trs, assima gente nov.

    Mas eu tenho certeza de que ela igual a dois presuntOs

    que balanam em cada passo que eu dou.

    A MADAME - Voc quer calar essa boca, tolinha.

    AMENINA- Eu tenho certeza, eu tenho certeza; eu vejo

    muito bem, na rua, oscachorrosmeseguindo com a lnguade

    forae com aquela baba naboca.Se eu deixasse eles meteriam

    os dentes, como se estivessem num aougue.

    A tvlADAME - Mas de onde voc tirou isso, sua peruazi-

    nha?Voc bonira,voc redonda, rolia,

    v

    tem boas

    formos.Voc acha que oshomens gostam de galhos secos de

    rvore que a gente tem medo de quebrar s de encostar a

    m..2i0?les gostam das formas. minha pequena, eles gostam

    das rormas que enchem bem uma mo.

    AMENINA- Eu queria ser magra. Eu queria ser um galho

    seco de rvoreque a gente tem medo de quebrar.

    A MADAME

    -

    Pois bem. eu no. E alm do mais. voc

    redonda hoje. voc pode ser magra amanh. Uma mulher

    muda, durante a vida. Ela noprecisa se preocupar CO{Jlsso.

    Quando eu era moacomovoc, eu era magra. magra, quase

    dava pra ver atravs de mim, s6 um pouco de pc::lee alguns

    ossos.Nem sombrade peito. Reta comoum menino. Issome

    dava uma raiva, porque nessa poca eu no gostava dos

    meninos. Eu sonhava em me arredondar, eu sonhava em ter

    seiosbonitos.Ento eu colocavauns peitOsfalsos de papelo

    que eu mesma fabricava.Mas osmeninos perceberam logo

    e, cada vez que eles passavam na minha frente, eles me

    davamumacotovelada nopeito e destruam tudo. Depois de

    algumas vezes, eu coloquei uma agulha dentro do seio e os

    gritos se ouviram em toda a cidade, voc pode acreditar. E

    ento, vocv, tudo comeou a se arredondar, a se encher,

    e eu fiquei bem cmeenre.Pode ficar tranqila, meu passa-

    rinho atOrdoado; voc rolia hoje, voc pode ser magra

    amanh.

    A MENINA - Pouco importa. Hoje eu sou feia, gorda, e

    infeliz.

    Entra oinno, conversando comumcofelo.Eles nemol/zamporo

    a mmina.

    o CAFET - Impacimte.) caro demais.

    O IRMO - Isso no tem preo.

    O CAFETO - Tudo tem um preo, e o seu est caro

    demais.

    O IRMO-Quando agente pode pr um preo em alguma

    coisa, issoquer dizer que no vale grande coisa. Quer dizer

    que a gente pode conversar, baixar, aumentar o preo. Eu

    fixei o preo abstratamente porque isso no tem preo.

    comoum quadro de Picasso:vocj ouviu algum dizer que

    est carodemais?Vocjviu umvendedor baixar o preo de

    .

    um Picasso? O preo que se fixa, nesse caso, uma abstrao.

    ,

    39

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    o CAFETO-

    Resumindo, uma abstrao que vaipassar

    do meu bolso pro seu, e o vazio que vai ficar no meu bolso,

    eu no penso que seja to abstrato assim.

    O IRMO

    -

    Um vazio como esse, enche-se. Voc vai

    ench-Io bem depressa, pode acreditar, e voc vai esquecer

    o preo que voc pagou em um tempo menor do que este

    que voc est gastando pra discutir o preo. Mas eu, eu no

    discuto. pegar ou largar.Ou voc faz o melhor negcio do

    ano ou voc fica na misria.

    O CAFET O- No fique nervoso, no fique nervoso. Eu

    estOu refletindo.

    O IRMO

    -

    Reflita, reflita, mas no demore demais. Eu

    preciso acompanhar a minha irm at em casa.

    O CAFETO

    -

    T bom, eu pego.

    O IRMO

    - Poro o mmino:)

    Voc tem o nariz que brilha,

    pintinho. Vocvai precisar pensar em por um par.

    Ammino

    sai. Eles olhamporo do.)

    E ento, meu Picasso?

    O CAFETO

    - Eu continuo achando que est caro.

    O IRMO - Ela vai te fazer ganhar bastante dinheiro pra

    que voc esquea o preo.

    Troca dt dinhro.

    O CAFETO - Quando que ela vai estar disponvel?

    O IRMO

    -

    No fica nervoso, no fica nervoso; a gente

    tem todo o tempo.

    O CAFETO - No, a gente no tem todo o tempo. Voc

    tem o dinheiro, eu quero a menina.

    O IRMO - Ela sua, ela sua, como se ela j fosse sua.

    O CAFETO

    -

    Agora que voc j tem o dinheiro, voc se

    arrepende.

    I

    O IRMO- Eu nomearrependode nada,nada.Euestou

    pensando.

    O CAFETO - Em que voc est pensando?No o

    momento de pensar. Quando, ento?

    O IRMO

    -

    Amanh, depois de amanh.

    O CAFETO - Por que no hoje? .

    40

    O IRMO- , por que no hoje? Esta noite.

    O CAFETO

    -

    Por que no agora?

    O IRMO- Voc est ficando nervoso, est ficando nervo-

    so. Escuta-st o baniMo dos passos do mm;no.) Agora, tUdo

    bem. O irmo sai dep ssa e wi se esconderem um quarto.)

    Entro o mmino.

    AMENINA - Onde est o meu irmo?

    OCAFETO

    - Ele me encarregou de tOmarCO{1tae voc.

    AMENINA - Eu quero saber onde est o meu irmo.

    O CAFETO - Anda, vem comigo.

    AMENINA - Eu no quero ir com voc.

    AMADAME- Obedea imediacamente, perua gorda. No

    se discute asordens de um irmo.

    A mmino t ocofttosotln. Oif71losoidoqllortOtst smto nofnntt

    do modomt.

    O IRMO- No fui eu que quis, madame, eu te juro. Foi

    ela que insistiu, foi ela quem quis vir pra c e fazer esse

    trabalho. Ela est procurando no sei quem, e ela quer

    enconcr-Iode novo. Ela tem cercezade que vai encontr-Io

    aqui. Eu no queria. Eu tOmei conta dela como nenhum

    irmomais velho jamais fez com uma irm. Meu pintinho.

    J 1_inhaonequinha, eu nunca amei ningum como eu a

    amei. Eu no posso fazer nada. A desgraa se abateu sobre

    n6s. Foi ela que quis, e eu apenas cedi. Eu nunca pude dei-

    xar de ceder a uma vontade da minha irmzinha. a des-

    graaque nos escolheu e que nos persegue.

    Elt choro.)

    AMADAME - Voc uma bela imundcie.

    XII. A ESTAO

    Numo estao dt tnln.

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    ZUCCO - Roberto Zucco.

    A S ENHORA - Por que voc fica repetindo o tempo todo

    esse nome?

    ZUCCO - Porque eu tenho medo de esquecer.

    A SENHORA- No se esquece o prprio nome. Deve ser

    a ltima coisa que a gente esquece.

    ZUCCO - No no: eu esqueo. Eu o vejo escritOno meu

    crebro e cada vez menos bem escrito cada vez menos

    claramente como se ele fosse se apagando; preciso que

    eu olhe cada vez mais de perto pra conseguir ler. Eu tenho

    medo de ficar sem saber meu nome.

    A SENHORA

    -

    Eu no vou esquecer. Eu serei a sua

    memria.

    ZUCCO - Depoisde 1I1nempo. Eu goStOdas mulheres.

    Eu gostOdemais das mulheres.

    A SENHORA - Nunca se gosta demais delas.

    ZUCCO - Eu gostO delas eu gosto delas de todas. No h

    mulheres bastame.

    A S ENHORA - Ento. voc gosta de mim.

    ZUCCO - claro j que voc uma mulher. .

    ASENHORA- Por que voc me trouxe aqui com voc?

    ZUCCO - Porque eu vou pegar o trem.

    A SENHORA - E o Porsche? Por que voc no vai com o

    Porsche?

    ZUCCO - Eu no quero que reparem em mim. Em um

    trem ningum v ningum.

    A SENHORA - E eu esmu convocada pra ir c om voc?

    ZUCCO - No.

    A SENHORA - Por que no? Eu no tenho nenhum mo-

    tivo pra no pegar esse trem com voc. Vocno me desagra-

    dou desde que eu o vi. Eu vou pegar esse trem com voc.

    Alis issoo que voc quer seno voc teria me matado ou

    me deixado naquele parque.

    ZUCCO

    -

    Eu preciso que voc me d dinheiro pra pegar o

    trem. Eu no tenho dinheiro. Minha me devia me dar mas

    ela esqueceu.

    Pi:-SENHORA- As mes sempre esquecem de dar di-

    nheiro. Onde voc quer ir?

    ZUCCO - Pra Veneza.

    ASENHORA - Veneza? Que idia estranha.

    ZUCCO - Voc conhece Veneza?

    ASENHORA

    -

    claro.Todo mundo conhece Veneza.

    ZUCCO - Foi l que eu nasci.

    A SENHORA - Bravo. Eu sempre pensei que ningum

    nascia em Veneza. e que rodo mundo morria l. Os bebs

    devem nascer todos empoeirados e cobertos de teias de

    aranha. Em todo caso a Frana te lavou muito bem. Eu no

    vejo nem traos de poeira. A Frana um exceleme deter-

    gente. Bravo.

    ZUCCO - preciso que eu v embora absolUtamente;

    preciso que eu parta. Eu no quero ser capturado. Eu no

    quero que me prendam. Eu tenho medo de ficar no meio de

    tanta gente.

    A SENHORA - Medo? Seja ento um homem. Voc tem

    uma arma: s de tirar o revlver do bolso voc j espanta

    todo mundo.

    ZUCCO- porque eus ou um homem que eu tenho medo.

    ASENHORA- Eu notenho. Com tUdoo que voc me fez

    ver e u no tenho medo e eu nunca tive.

    ZUCCO - justamente porque voc no um homem.

    ASENHORA - Voc complicado complicado.

    ZUCCO - Se eles me pegam me prendem. Se me pren-

    .dem eu fico louco. Aliseu estOuficando louco agora. Tem

    --guardaem todo lugar tem gente em todo lugar. Eu j estOu

    preso no meio dessa gente. No olhe pra eles no olhe pra

    ningum.

    A SENHORA - Por acaso eu tenho ar de ter a inteno de

    te denunciar? Imbecil. Eu j teria feito issoh muitO tempo.

    Mas esses idiotas me do nojo. Voc voc me agrada.

    ZUCCO- Olha todos esses loucos.Olha como eles tm um

    ar desagradvel. So uns assassinos. Eu nunca vi tantos

    assassinosaomesmo tempo. Aomenor sinal na cabea deles

    eles comeariam a se matar uns aos outros. Eu me pergunto

    porque o sinal no soa aqui agora na cabea deles. Porque

    ~-,

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    eles esto tOdos prontos pra matar. Eles so como ratos nas

    caixas dos laboratrios. Eles tm vontade de matar, isso se v

    na cara deles, na maneira como eles andam; eu vejo seus

    punhos cerrados dentro dos bolsos. Eu reconheo um assas-

    sino 3 primeira vist; ; eles tm as roupas cheias de sangue.

    Aqui. tcm assassino em tUdo quanro lugar; preciso se

    manter rranqilo. sem mexer; melhor no olh-Ios nos

    olhos. melhor que eles no nos vejam; preciso ser

    rr::msparente. Porquc seno, se a gente olha nos olhos deles,

    se eles se do COnt;\de que estamos olhando, se eles resol-

    vem olhar pra ns e 110Sver, o sinal soa na cabea deles e eles

    m; t am. eles matam. E se tem um que comea, todo mundo

    aqui vai matar todo mundo. Todo mundo s est esperando

    o sinal na cabea.

    A SENIIORA - P;ha. No cotnece uma crise de nervos. Eu

    vou comprar os dois bilhetes. Mas acalme-se, ns vamos ser

    descobertos. D~pois d~ 11mtempo: Por que voc o matou?

    ZUCCO -

    Quem?

    A SENHORA -l\leu filho, imbecil.

    ZUCCO - Porque ele era um moleque idiota.

    A SENHORA - Quem te disse isso?

    .

    ZUCCO - Voc. \ ocdisse que ele emum molequ~ idiot:1.

    Vocdisse que ele achava que voc em uma idiota.

    A SENHORA - E se eu gostasse de ser tomada por uma

    idiOta? E se eu gostasse dos moleques idiotas? E se eu

    gostasse dos moleques idiotas mais do que tUdono mundo.

    mais do que dos grandes imbecis? Se eu detestasse tudo

    exceto os moleques idiotas?

    ZUCCO -

    Seria necessrio dizer.

    ASENHORA - Eu disse, imbecil, eu disse.

    ZUCCO - No precisava me recusar a,schaves. No preci-

    sava me humilhar. Eu no queria mac -Io,mas tUdo foi se

    enca~eando sozinho por causa dessa histria de Porsche.

    A SE,N[ IORA - ~Ienriroso. Nada se encadeou; tUdo foi

    atravessado. Era eu que voc tinha sob a sua arma. Por que

    foi a cabea dele que voc explodiu, com sangue pra todo

    lado?

    42

    ZUCCO

    - Se tivesse sido a sua cabea, ela teria espalhado

    sangue pr.Itodo bdo tambm.

    ASENHORA-Mas eu no teria visco,imbecil, eu no teria

    visto. Meu prpriosangue, eu no me importo, ele no me

    perrence. Mas o do meu filho, fui eu que enfiei nas veias

    dele, negciomeu, era meu, no se pode ir esparramando

    asminhascoisasde qualquer jeito, num parque pblico, na

    frente deumacambadade imbecis. Agora eu no tenho mais

    nadamelLQualquerum est andando em cimada nica coisa

    que meperrencia.E amanh cedo osjardineiros vo limpar

    tudo isso.O que me resta, agora, o que que me resta?

    ll/cco se kvontn.

    ZUCCO - Eu vou embora.

    A SENHORA - Eu vou com voc.

    ZUCCO - No se mexa.

    A SENHORA - Voc no tem nem como pegar o trem.

    Vcc nem me deu tempo de te dar os bilhetes. Voc no d

    tempo pra ningum te ajudar. Voc como uma faca auto-

    mtica que voc desliga de tempos em tempos e guarda

    no bolso.

    ZUCCO - Eu nopreciso que me ajudem.

    ASENHORA - Todo mundo precisa de ajuda.

    ZUCCO-

    Nocomece achorar. Voc est com cara de uma

    mulher que vaicomear a chorar. Eu detesro isso.

    ASENHORA- Voc me disse que gostava das mulheres,

    de tOdasasmulheres; at de mim.

    ZUCCO -

    Exccto quando elas fazem cara de mulher que

    vaicomeara cborar.

    A SENHORA - Eu te juro que eu no vou chorar.

    Elo cRomo ZI/CCOe afasto.

    A SENHORA - E o seu nome, imbecil?

    Serud

    capaz de me dizer seu nome, agora? Quem vai se lembrar

    dele pra voc? Voc j esqueceu, eu tenho cerreza Eu soua

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    nica agora a me lembrar dele. Voc vai partir sem a sua

    memria.

    ZlICCOni. A senhorn elegnnte continllo sentndn e olhn os trens.

    XIII. OFLIA

    Mesmo lugar; noite.

    A estno est desertn. EsCtltn-se t1chuva cair.

    Entra n inn.

    A IlUvt- Onde est a minha pombinha? Em que sujeira

    ela se meteu? Em que gaiola imunda a colocaram? De que

    animais perversos e indceis ela est rodeada? Eu quero te

    encontrar minha rolinha eu vou te procurar at morrer.

    Tempo.

    O macho o animal mais repugnanre enrre os

    animais repugnanres que existem na face da terra. Tem um

    cheiro no macho que me d nojo. Cheiro de rato no esgoto

    de porco na lama um cheiro de gua paradaonde apodrecem

    os cadveres.

    Tempo.

    O macho sujo os homens no

    tomam banho eles deixam a sujeira e os lquidos repugnan-

    tes das secrees se acumularem neles e eles nem tocam

    nelas como se fosse tUdo muito precioso. Os homens no

    sentem o cheiro deles entre eles mesmos porque todos tm

    o mesmo cheiro. por isso que eles esto sempre juntos e

    que eles ficam com as putas porque as putas por dinheiro

    agentam esse cheiro. Eu lavei tanto essamenina. Dei tanto

    banho antes do jantar e dei banho de manh. esfreguei as

    costas e as mos com escova e escovei embaixo das unhas

    lavei todos os dias os cabelos dela cortei as unhas lavei ela

    toda todos osdias com gua quente e sabo. Eu a conservei

    branc como uma pomba eu alisei suas plumas como uma

    rola. Eu a protegi e a coloquei dentro de uma gaiola sempre

    limpa para que ela no sujasse sua brancura imaculada aO

    Contato com a sujeira desse mundo com a sujeira dos

    m1rchos. paraque ela no se deixasse empestear pela peste

    dcheirode macho. E foio seu prprio irmo esse rato entre

    os ratos esseporco fedorento esse macho depravado que a

    sujou e arrasrouna lama puxando-a pelos cabelos at a sua

    fossa.Eudevia t-Ia matado devia t-Ia envenenado devia

    t-Ia impedidode ficar rodeando a gaiola da minha rolinha.

    Devia ter colocadoarame farpado em volta da gaiolado meu

    amor.Eu devia ter esmagado esse ratocomo p e queimado

    nafrigideira.

    Tnnpo.

    Tudo sujo aqui. Essacidade tOda

    sujae cheia de machos. Que chova que chova muito que a

    chuva laveum pouco a minha rolinha na fossa imunda onde

    ela est.

    XIV.PRISO

    No PjtJe1ro Clticogo.

    Doispolidois. Putos e, m/r? elas. a menina.

    PRIMEIROPOLICIAL-

    Voc viu algum?

    SEGUNDO POLICIAL -

    Ningum no.

    PRIMEIRO POLICIAL - idiota. Nosso trabalho

    idiota. Ficarplantado aqui como placas de estacionamento.

    Melhorcontinuar circulando.

    .

    SEGUNDO POLICIAL

    -

    normal. Foi aqui que ele

    matou o inspetor.

    PRIMEIRO POLICIAL- Justamente. o nico lugar pra

    ndeele novai voltar.

    SEGUNDO POLICIAL - Um criminoso sempre volta ao

    localdo crime.

    PRIMEIRO POLICIAL - Ele vai voltar aqui? Por que

    voc ia querer que ele voltasse? Ele no deixou nada nem

    umaba~da. Ele no louco.Ns somosduas placas

    de csta~nameni:o completamente inteis.

    SEGUNDO POLICIAL - Ele vai voltar.

    PRIMEIRO POLICIAL - Durante esse tempo a gente

    poderia beber alguma coisa com a madame dona do bordei

    e discutir o assunto com as senhoritas e passear em outro

    43

    EilIm

    b o

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    PRIMEIRO POLICIAL

    -

    Mas nunca

    -

    mesmo se eu

    fosse louco mesmo se eu fosse um assassino

    -

    nunca eu

    camiobariatranqilamente nos locais do meu crime.

    SEGUNDO POLICIAL -Olha esse cara.

    PRIMEIRO POLICIAL - Qual?

    SEGUNDOPOLICIAL-

    Aquele que passeia tranqila-

    mente. ali.

    PRIMEIRO POLICIAL - Todo mundo passeia tranqila-

    meou:. aqui. O Pequeno Chicago se transformou num par-

    que pblico onde at as crianas poderiam jogar bola.

    SEGUNDO POLICIAL-Aquele que est com um unifor-

    me militar.

    PRIMEIRO POLICIAL

    -

    Ahsei. eu estou vendo.

    SEGUNDO POLICIAL - Ele no te lembra ningum?

    PRIMEIRO POLICIAL

    -

    Talvez sim talvez sim.

    SEGUNDO POLICIAL - Eu diria que ele.

    PRIMEIRO POLICIAL - ImpossveJ.

    AMENINA- PercebmdoZucco. Roberto. Elo chegopeno

    tklee/k d /1mbeijo.

    PRIMEIRO POLICIAL - ele.

    SEGUNDO POLICIAL- No tem mais nenhuma dvida.

    AMENINA - Eu te procurei Roberto eu te procurei eu

    te tra.eu chorei. chorei at o ponto em que eu virei uma

    ilhazinha no meio do mar e as ltimas ondas esto me

    -fazeodo afogar. Eu sofri. tanto que o meu sofrimento po-

    dem encher os abismos da terra e fazer transbordar os

    vulces.Eu quero ficar com voc. Roberto; eu quero comar

    cona de cada batida do seu corao cada respirao do seu

    peitO;a orelha grudada em voc eu vou ouvir o barulho de

    cadaengrenagem do seu corP O.eu vou tomar comar do seu

    corpocomo um mecnico toma conu da sua mquina. Eu

    gumlarei todos os seus segredos eu serei a sua pasta de

    segraios; eu serei a bolsa onde voc vai guardar oS seus

    mistrios.Eu vou vigiar suas armas eu vou proteg. Jas da

    ferrugem. Voc ser meu agente e meu segredo e ~u nas

    ~

    -

    lugar. entre essas pessoas calmas. tranqilas; o Pequeno

    Chicago o bairro mais tranqilo da cidade.

    SEGUNDO POLICIAL - Tem fogo sob as cinZ:ls.

    PRIMEIRO POLICIAL- Umfogo?Que fogo?Ond voc

    est vendo fogo? Mesmo as senhoritas so calm3s e trao-

    qibs como caixas de supermercado; os clientes passeiam

    como num parque e os cafetes do a volta do propriet-

    rio como livreiros que verificam se todos os livros esto

    nas estantes e se algum no roubou algum. Onde voc

    est vendo fogo? Esse C3rano vai voltar aqui eu aposto

    com voc. eu apostO uma cerveja no bordeI da madame.

    SEGUNDO POLICIAL-Ele bem que voltou nacasadele

    depois de marar o pai.

    PRIMEIRO POLICIAL - que ele tinha o que fazer l.

    SEGUNDO POLICIAL -E o que ele tinha pra fazer l?

    PRHvIEIRO POLICIAL-Matara medcle. Uma vezfeitO

    isso. ele no voltou mais. E comoaqui no tem maisinspetor

    pra matar. ele no vai voltar. Eu mesinro comoum idiota; eu

    sinto ql~eesto nascendo razese folhas emcima dos braos

    e das pernas. Eu sinto que estou afundando no cimento.

    Vamos dar uma chegada no bordeI e beber alguma coisa.

    Tudo est calmo; todo mundo passeia tranqilamente. Voc

    est vendo algum com cara de assassino?

    SEGUNDO POLICIAL- Umassassinonunca tem cara de

    assassino. Um assassino anda tranqilamente no meio de

    todos os outros como voc e eu.

    PRIMEIRO POLICIAL - Ele teria de ser louco.

    SEGUNDO POLICIAL - Um assassino louco por defi-

    nio.

    PRIMEIRO POLICIAL - Nem sempre nem sempre.

    Tem vezes que eu quase tenho v?nrade de matar; eu

    tam~m.

    .

    SE GUNDO POLICIAL - Ento tem vezes que voc deve

    ficar quase ouco.

    PRIMEIRO POLICIAL - Talvez sim. talvez sim.

    SEGUNDO POLICIAL - Eu tenho certeza.

    suas viagens, eu serei a sua bagagem, sua carregadora e seu

    UMA VOZ - Ele no vai longe.

  • 8/10/2019 KOLTS - ROBERTO ZUCCO.pdf

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    amor.

    PRIMEIRO POLlCIAL- Aproxitnondo-s~d~IUED.)Quem

    voc?

    ZUCCO - Eu sou o ssassino do meu pai, da minha me, de

    um inspetOr de polcia e de uma criana. Eu sou ummatador.

    Ospoliciais levam-no. .

    xv. ZUCCO AO SOL

    A par/~ d~ CIinlldos 1~/hlldosd~ IImllpriso, 110m~io-dia.

    No se v ningum, dl/rante todll 11cenll,~xalO ZlIcaJ lllllndo eI~

    sobe no nllO do telhado.

    Vous d~guardas ~ d~prision~iros misttlrados~

    Ul\ lAVOZ - Roberro Zucco escapou.

    Ul\.IAVOZ - Maisuma vez. .

    UMA VOZ - Mas quem o vigiava?

    Ul\ IAVOZ - Quem era responsvel por ele?

    Ur-,.IAVOZ - A gente est com cara de bobo.

    UMA VOZ - Vocs esto com cara de bobo, sim.

    Risos.)

    Ul\ IAVOZ - Silncio.

    UMA VOZ - Ele tem cmplices.

    UMA V OZ - No; porque ele no tem cmplice que ele

    sempre consegue escapar.

    UMA VOZ - Sozinho.

    UMA VOZ - Sozinho, como os heris.

    UMA VOZ - preciso procurar nos cantos do corredor.

    UMA VOZ - Ele deve estar escondido em algum lugar.

    UMA VOZ - Ele deve estar encolhido em algum buraco, e

    est oremendo.

    UM~ VOZ - S que no so vocs que fazem ele tremer.

    UMA VOZ - Zucco no est tremendo, e sim gozando da

    cara de vocs.

    tlMA..Y.OZ- Zucco goza da cara de todo mundo.

    UMAVOZ- uma priso moderna. No di pr escapar

    assim.

    UMAVOZ - impossvel.

    UMAVOZ - Completamente impossvel.

    UMAVOZ - Zucco est fodido.

    UMAVOZ- Talvez ele esteja fodido, mas. por enquanto,

    ele est subindo no tclhado e gozando a cara de vocs.

    Zoao, com o peito n/I

    ~

    descalo, clz~ J 110porte mais alta do

    telltodo.

    UMA VOZ - O que voc est fazendo a?

    UMA VOZ

    -

    Desa imediatamente. Risos.)

    UMAVOZ- Zucco, voc est fodido.

    Isos.)

    UMA VOZ - Zucco, Zucco, conta pra ns como voc faz

    pra no ficar nem uma hora na priso?

    UMAVOZ - Como voc faz?

    UMAVOZ

    -

    Por onde voc passou? D a pista pra ns.

    ZUCCO - Por cima. No se pode escapar atravs dos

    muros, porque depois desses muros tem oueros, tem sem-

    pre a priso. preciso escapar por cima, em direo ao sol.

    Nunca vo pr um muroene o sol e a terra.

    UMA VOZ - E os guardas?

    ZUCCO - Os guardas no existem. Basta no v-los. De

    qualquer forma, eu poderia pegar cinco com uma mo s e

    -acabarcom eles de uma vez.

    UMAVOZ- De onde vem asua fora,Zucco, de onde vem

    a sua fora?

    ZUCCO - Quando eu avano, eu vou at o fundo, bem

    rpido, eu no vejo os obstculos, e, como eu no olhei pra

    eles, ek.~caem sozinhos na minha frente. Eu sou solitrio e

    forte, eu sou um rinoceronte.

    UMAVOZ

    -

    Mas seu pai, e sua me, Zucco. No se pode

    tocar nos prprios pais.

    ZUCCO normal matar os prprios pais.

    UMAVOZ

    -

    Mas uma criana, Zucco; no se mata uma

    45

    . criana. Mata-se os inimigos mata-se as pessoas capazes de

    como ele mexe de um lado pro oUtro?

  • 8/10/2019 KOLTS - ROBERTO ZUCCO.pdf

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    se defender. Masnoumacriana. .

    ZUCCO

    -

    Eu n1l0tenho inimigos e eu no ataco. Eu acabo

    com osOUtrosanimais no por maldade mas porque eu no

    os vi e porque eu pisei em cima deles.

    UMA VOZ - Voc tem dinheiro? Dinheiro escondido em

    algum lugar?

    ZUCCO

    -

    Eu no tenho dinheiro em nenhum lugar. Eu

    no preciso de dinheiro.

    UMA VOZ - Voc um heri Zucco.

    UMAVOZ- o Golias.

    UMA VOZ - Sanso.

    UMA VOZ - Quem Sanso?

    UMA VOZ - Um mau e emento de Marselha.

    UMA VOZ. -- Eu o conh~ci napriso. Uma verdadeira besta.

    Ele podia quebrar a cara de dez pessoas de uma vez.

    UMA VOZ - Mentiroso.

    UMA VOZ - S6 com os seus socos.

    UMA VOZ - No com um maxilar de asno. E ele no era

    de Marselha.

    UMA VOZ - Ele foi beijado por uma mulher.

    UMA VOZ- Dalila. Uma histria de cabelos. Eu conheo.

    UMA VOZ

    -

    Tem sempre uma mulher para trair.

    UMA VOZ

    -

    Estaramos todos em liberdade sem as mu-

    lheres.

    o sol sobe, brilhante, extraordinariamente luminoso. Um grantf

    fX1l/Q sopro.

    ZUCCO - Olhem pro sol. Um silncio absoluto seestabelece

    no locol.} Vocs no esto vendo nada? No esto vendo

    I

    46

    UMAVOZ

    -

    A gente no est vendo nada.

    UMAVOZ - O sol machuca os olhos. Ele nos cega.

    ZUCCO -Olhem o que est saindo do sol. o sexo do sol;

    de l que vem o vento.

    UMAVOZ - O qu? O sol tem um sexo?

    UMA VOZ - Cala a boca.

    ZUCCO - Mexam a cabea: yocs vo ver ele mexer com

    vocs.

    UMA VOZ - O que qlJe est mexendo? Eu no estou

    vendo nada mexer.

    .

    UMAVOZ

    -

    Como voc queria que alguma coisa mexes-

    se l em cima? Tudo est fixado l desde a eternidade e

    bem imobilizado bem soldado.

    ZUCCO - a fonte dos vemos.

    UMAVOZ - No d pra ver mais nada. Tem luz demais.

    ZUCCO - Vire seu rosto em direo ao Oriente e ele

    mudar de lugar; e se voc virar seu rosto em direo ao

    Ocidente ele te seguir.

    Um vento de tempestode sopra. Zucco vacilo.

    UMAVOZ - Ele louco. Ele vai cair.

    UMAVOZ - Pra Zucco; voc vai se arrebentar.

    UMAVOZ - Ele louco.

    UMAVOZ - Ele vaicair.

    o sol sok,fica claro como a exploso de uma bomba atmica.

    No se vi mais nada.

    UMA VOZ -

    GIi/ando.)

    Ele caiu.