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1 Laboratório de história oral: memória e experiência social docente Professora: Sonia Aparecida de Aguiar Barreto Orientadora: Prof. Dra. Liliane da Costa Freitag Resumo Este artigo traz como personagem de primeira grandeza a memória, essa matéria prima da história, cuja a sociedade ainda confunde como sendo história. A memória é produto de um trabalho de ressignificação tecida pela amálgama entre presente e passado. Ela vem a tona, à medida que é fabricada. Tal fabricação requer tratamento teórico e metodológico por parte daquele que se dedica a coleta das lembranças. Essa metodologia chama-se metodologia da história oral. A história oral tem a capacidade de trazer a tona a lembrança de um fato antigo, que por sua vez, não vem a tona com a mesma imagem que experimentamos em um passado. Esse artigo demonstra como foi possível a formalização de lembranças de um grupo de trabalhadores estabelecidos no Colégio Estadual Padre Sigismundo, cujas funções são reconhecidas como “serviços gerais.” Os conceitos documento, memória, história, fontes históricas constituíram os suportes necessários para a inserção na “memória coletiva” destes atores sociais. Para tanto, foi necessário adentrar no campo conceitual da historia e da historiografia, trabalho que nos levou a compreensão da história como uma fabricação temporal, conceitual e narrativa. A história assim como seu objeto, os homens no tempo, são analisados aqui, portanto, como resultado do diálogo entre passado- presente passado, segundo Marc Bloch. Palavras- chave: história, documento, memória; metodologia da historia oral.

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Laboratório de história oral: memória e experiência social

docente

Professora: Sonia Aparecida de Aguiar Barreto

Orientadora: Prof. Dra. Liliane da Costa Freitag

Resumo Este artigo traz como personagem de primeira grandeza a memória, essa

matéria prima da história, cuja a sociedade ainda confunde como sendo

história. A memória é produto de um trabalho de ressignificação tecida pela

amálgama entre presente e passado. Ela vem a tona, à medida que é

fabricada. Tal fabricação requer tratamento teórico e metodológico por parte

daquele que se dedica a coleta das lembranças. Essa metodologia chama-se

metodologia da história oral. A história oral tem a capacidade de trazer a tona a

lembrança de um fato antigo, que por sua vez, não vem a tona com a mesma

imagem que experimentamos em um passado. Esse artigo demonstra como foi

possível a formalização de lembranças de um grupo de trabalhadores

estabelecidos no Colégio Estadual Padre Sigismundo, cujas funções são

reconhecidas como “serviços gerais.” Os conceitos documento, memória,

história, fontes históricas constituíram os suportes necessários para a inserção

na “memória coletiva” destes atores sociais. Para tanto, foi necessário adentrar

no campo conceitual da historia e da historiografia, trabalho que nos levou a

compreensão da história como uma fabricação temporal, conceitual e narrativa.

A história assim como seu objeto, os homens no tempo, são analisados aqui,

portanto, como resultado do diálogo entre passado- presente passado,

segundo Marc Bloch.

Palavras- chave: história, documento, memória; metodologia da historia oral.

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Abstract

This article deals with memory, the raw material of history that the society still

confuses as history. Memory is a result of the resignification between present

and past and appears at the same time it is being produced. This production

requires theoretical and methodological treatment by the person who dedicates

himself to collect memories. This methodology is called the methodology of oral

history that has the ability to bring out the memory of something old but with a

different image from the one we experienced in the past. This article shows how

it was possible the formalization of memories of a group of workers established

in the Colégio Estadual Padre Sigismundo, whose functions are known as

"general services." Concepts document, memory, history and historical sources

were the necessary support for the insertion in the "collective memory" of these

social actors. It was necessary to enter the conceptual history and

historiography field, that led us to understand that the story is conceptual,

narrative and made along the time. The story and its object, the men in time,

are analyzed here, therefore, as a result of a dialogue between past-present-

past, according to Marc Bloch.

Keywords: history, document, memory, methodology of oral history.

Agradecimentos.1

1 Agradeço a Professora, Dra. Liliane da Costa Freitag, pelas orientações, leituras indicadas e diálogos, à

família pela compreensão nas minhas ausências, à direção, equipe pedagógica e alunos do Colégio

Estadual Padre Sigismundo pelo apoio e participação.

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Introdução

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ele não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nosso juízos de realidade e de valor. (Bosi, 1994).

A passagem acima, extraída de Lembranças de Velhos, obra em que

Eclea Bosi dedica um enorme fôlego ao estudo dos aspectos sociais da

memória, arremessa o leitor ao campo de suas próprias recordações.

Recordar é reconstituir fragmentos de si e do objeto recordado nas mais

diversas formas. Componente da cultura dos povos ela pode vir a tona como

um ato intencional, contudo, o que vale é que, independente disso, as

recordações constituem atos de ressignificação de si e do objeto narrado.

A lembrança reitera a autora, constitui-se em imagem construída pelos

materiais que estão a disposição no momento do ato de rememorar no

conjunto de representações que povoam a consciência. As lembranças

consistem assim, em uma prática social e também individual. O registro das

memórias (es)colhidas consiste em uma operação que formaliza o passado

tornando-o social, Hobsbawm (1998). Apesar disso, a alquimia realizada na

operação historiográfica, sempre será edificada sobre parcos fragmentos,

vestígios de um tempo que se foi. (Freitag 2009).

O historiador transforma a matéria prima da história, - memória, - na

reedição das lembranças colhidas criando representações de um tempo que

não volta mais. Essa vem à tona permeada pela dupla seleção: do sujeito que

rememora e do pesquisador. Nesse processo de seleção, a memória, pode ser

colocada a serviço dos fortes, por um lado, mas também por outro, pode ser

colocada a serviço da história. Esse trabalho ocorre à medida que a memória é

um documento, e, como tantos, também é um monumento de história,

conforme analisado por Le Goff ( 2003 ). (Apud FREITAG 2009)

As discussões entabuladas por Le Goff destacam que memória “(...)

como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro

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lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode

atualizar suas impressões ou informações passadas, ou que ele representa

como passadas” (2003, p.419). De acordo com essa perspectiva a memória é

algo que se constrói no movimento de um diálogo entre presente e passado,

um processo vivo e dinâmico onde os sujeitos e os grupos recriam o passado

no tempo presente.

Foi movida pela necessidade de construir um saber em sala de aula

tendo como ponto de partida à oralidade do educando acerca da história de

seu bairro, que acabei desembocando no amplo universo que constitui o

campo da memória que acabei de apresentar. Pretendíamos demonstrar a

importância do trabalho docente com atividades envolvendo entrevistas orais

em sala. O pressuposto consistia em fornecer uma aprendizagem partindo de

uma transformação conceitual que chamamos na ocasião do projeto de

pesquisa como “resignificação da história pelos alunos e também pelo

professor”. Estávamos preocupados com o aprofundamento dos conteúdos via

problematização e aquisição de novos saberes. Contudo, não tínhamos idéia

da amplitude de abordagens necessárias para atingir tais intentos.

Primeiramente, porque o trabalho com a oralidade requer uma

abordagem metodológica a partir dos postulados da chamada metodologia da

história oral. Alcançar a compreensão desses fundamentos foi fundamental

para a consecução da tarefa a qual nos impomos. É sobre tais pressupostos

que o artigo trata à medida que demonstra a trajetória em que foi construída a

nossa experiência docente com a história oral e seus vínculos com a memória

de trabalhadores do Colégio Estaduais Padre Sigismundo localizado na cidade

de Quedas do Iguaçu. Esses sujeitos, assim denominados grupo de apoio,

realizam serviços gerais na referida Instituição. As memórias sociais do

trabalho foram coletadas por alunos do Curso de Formação de docentes da 2ª

e 3ª série do Colégio Estadual Padre Sigismundo entre março a agosto de

2009.

A consecução desse trabalho passou ainda por diferentes etapas e

desdobres que também apresentaremos nesse artigo. Esse encaminhamento é

necessário para demonstrarmos a complexidade que foi chega a essa prática

docente. A coleta de entrevistas não foi o ponto de partida para os novos

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saberes que construímos, mas sim, as teorias que sustentaram nosso trabalho

de interpretação das mesmas. Lembrando ainda que as narrativas colhidas são

frações de memórias sobre a Instituição de Ensino e não a história. Quanto a

ultima: eis nossa fabricação.

1. Um ritual de passagem: da ressignificação da história para a

ressignificação de si.

A história consiste em um campo de saber científico construído a partir

de um trabalho de seleção de fontes, teorias e problemáticas realizadas pelo

historiador. A esse sujeito cabe a escrita da história, e a ele cabe decidir os

usos que fará dos materiais que tem a sua disposição. A história torna-se

assim, um discurso sobre os homens no tempo e não um relato do passado

enquanto tal. Essa concepção não propala mais a história como uma ciência do

passado cujo historiador deveria buscar resgatar para explicar o presente.

O passado enquanto objeto da história vem, principalmente, desde as

primeiras décadas do século XX sendo questionado pela historiografia. De lá

para cá, o caminho foi longo até o entendimento de que a história, não é algo

que pode ser resgatado do passado pelo historiador, mas um conhecimento

que reflete as concepções de um tempo e saber específico. Consistindo em

uma prática e também em uma representação, cujos significados criam

sentidos para as sociedades. A história, portanto, como uma fabricação

edificada através de representações sociais foram promovidas por Roger

CHARTIER, historiador que promoveu uma reflexão sobre a história enquanto

um processo histórico de produção de sentidos, diferentemente construída

enquanto uma significação. Para CHARTIER citado por CIAMPI (p.119):

As modalidades do agir e do pensar devem ser articuladas à

“interdependência que regulamenta as relações entre os

indivíduos e que são moldados de diferentes maneiras em

diferentes situações pelas estruturas do poder. Pensar assim a

individualidade nas suas variações históricas equivale não só

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romper com o conceito de sujeito universal, mas também a

inscrever num processo em longo prazo caracterizado pela

transformação do e das relações entre homens - as mutações

das estruturas de personalidade.

De acordo com a citação, os indivíduos singulares constroem suas

representações da realidade social e essas, são desveladas nas práticas. São

os sujeito históricos, assim entendidos, como agentes que dão sentido a

história, a partir do que vivem , pensam, dos seus conflitos e do grupo, ou

categoria social a que pertencem. Esse entendimento avança em relação ao

pressuposto marxista que analisa o sujeito enquanto classe social,

recuperando para a história sujeitos singulares cujas ações ordinárias que dão

significado ao seu mundo, passam a serem objetos de análise do historiador.

Este entendimento faz da história uma criação relativa. Fascinante e

amedrontadora, essa concepção coloca em cheque não só concepções

advindas do materialismo histórico dialético, leitura essa que serviu de porto

seguro durante a minha trajetória acadêmica e também durante os 16 anos em

que me dediquei ao ensino da história, mas sobretudo, como também aqueles

paradigmas clássicos da historiografia metódica, dita “positivista”.

Esta foi primeira falésia que tive que transpor para construir a pesquisa

que ora apresentamos, cujo texto, conforme pode ser percebido carrega a

concepção da chamada Nova História Cultural, ou para nós, simplesmente,

história cultural.

Esta nova forma que delega historicidade aos processos e sujeitos, será

demonstrada ao longo do texto em diferentes olhares assentados em diferentes

mirantes teóricos e temporais. Atributos que fazem da história uma construção

narrativa temporal e conceitual e, portanto, permeada por inúmeras

representações sociais. Essas carregam consigo as marcas de seu tempo.

São, portanto, as interpretações dos historiadores enquanto sujeitos temporais

que criam o real e ao mesmo tempo fazem a história, e que contraditoriamente

dão significado ao mundo.

De acordo CARDOSO e VAINFAS (1997) a propalada Nova História

Cultural revela apreço, pelas ações de grupos sociais anônimos, tais como

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festas, resistências, crenças, dentre outras manifestações. O fato é que essa

vertente de interpretação da história despontou no final da década de 1980, a

partir do estudo entabulado por Lyn Hunt acerca das possibilidades abertas

para a história através de ima imersão no campo da cultura. A palavra nova

serviu, naquele momento para marcar a diferença entre Nova história e a Nova

História cultural. A primeira carregaria a marca de uma história social

entabulada pelas primeiras gerações dos Annales, cujos pais fundadores,

Lucien Febvre, March Bloch e Fernand Braudel estiveram comprometidos.

Essa abordagem inovou os estudos da história ao valorizar diferentes

documentos, que o século XIX e os anteriores haviam refutado. As paisagens,

os testemunhos orais, a cultura material e a iconografia, por exemplo. As

múltiplas temporalidades, também foram consideradas nesse momento de

escrita da história. Braudel caracterizou-se pelo modelo história total, sintéticas

com grande ênfase aos aspectos sócio-econômicos e suas relações com o

meio. Segundo CARDOSO e VAINFAS (1997, p.130).

Febvre e Bloch combatiam, pois uma história somente preocupada com os fatos singulares, sobretudo com os de natureza política, diplomática e militar. Combatiam uma história que, pretendendo-se científica, tomava como critério de cientificidade a verdade dos fatos, à qual se poderia chegar mediante a análise de documentos verdadeiros e autênticos (ficando os “mentirosos” e falsos à margem da pesquisa histórica) Combatiam, enfim, uma história que se furtava ao diálogo com as demais ciências humanas.

A citação reitera características da história proferida pelas primeiras

gerações do Annales, como uma história carregada pela interpretação

econômica e social. Essa, significou em termos teóricos um avanço em relação

as explicações entabuladas pela historiografia metódica. Essa questão

também é valida para as abordagens marxistas do século XIX e aquela

entabulada pela corrente denominada nova esquerda inglesa como, por

exemplo, os estudos de Thompson que abordaram “mediações culturais e

morais” sobre a classe operária inglesa em sua obra. Contudo, o avanço para

a análise do social na história foi resultado de um diálogo profícuo entre o

marxismo e Annales.

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No final da década de 1950 e 1960 historiadores marxistas como George

Rudé e E.P.Thompson, começaram a escrever sobre a “história vinda de baixo”

valorizando assim a experiência histórica de pessoas comuns. Já na década de

1960 e 1970 muitos historiadores se debruçam no campo da história das

mulheres, da vida provada, do cotidiano de sujeitos ordinários e grupos étnicos

visando, sobretudo entabular discussões que levassem em conta a existência,

presença de “novos grupos sociais”.

No que diz respeito a “passagem” que realizamos da abordagem

marxista de sociedade para a história cultural, podemos dizer que ocorreu

como parte de um processo de releitura das formas de escrita da história e por

sua vez, do papel da memória diante do trabalho de criação da história, cuja

inserção no Programa PDE, deu-nos tal oportunidade.

Contudo, os inúmeros rituais de leitura e seminários que realizamos

funcionaram como ritos de passagem entre uma história entabulada pelas

classes sociais para a perspectiva da história cultural, sem, contudo, perder de

vista a dimensão social do discurso histórico. Ao contrario, a extensão social do

discurso passou por um trabalho de ressignificação conceitual até chegarmos a

compreensão da história, - eminentemente humana ou social, - como “ciência

dos homens no tempo”, conforme sugere Marc Bloch (2001). Sendo assim ao

final do século XIX, a história se forja enquanto ciência temporal, cuja

historicidade passamos a apresentar.

2. A história de um conceito no tempo

Desde a emergência da escrita da história ainda na antiguidade clássica,

especialmente na Grécia através dos acontecimentos descritos por Heródoto,

até os dias atuais o termo história vem sendo construído segundo diferentes

interpretações. Reis (2001) chama a atenção para o fato de que os “homens

reescrevem continuamente a história" por duas razões. Primeiramente pela

especificidade de seu objeto, ou seja: a história é a ciência dos homens no

tempo. Sendo o objeto da história temporal, cada época produz um discurso

historiográfico e, por sua vez, um conceito de história válido para seu tempo.

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Isso significa que cada época tece sua história delegando a essa a

característica de um conhecimento efêmero ou temporal que responde as

problemáticas de sua época. Conforme exemplificado por Delgado (2006 p.41):

Na Grécia, a História traduziu-se por uma concepção reflexiva e metodológica. Em Roma destacou-se por seu caráter utilitário, patriótico e moral. Na Idade Média retomou uma perspectiva filosófica, abstrata e, de certa forma, transcendental. Com o Renascimento explodiu em humanismo e antropocentrismo seculares. No período do iluminismo foi reconhecida como fonte de conhecimento, afirmativo da razão e contraposto à tradição. O positivismo buscou transformá-la em área específica de conhecimento, neutra, descritiva e com fronteiras bem definidas. O Marxismo afirmou sua dinâmica através de relação dialética e estrutural entre a vida material e a vida social. A escola dos Annales rompeu fronteiras, adotou a interdisciplinaridade, renovou metodologias e temáticas, alem de incorporar uma nova forma de narrativa, à qual se acopla a reflexão.

Na rápida passagem, a autora destaca a temporalidade da escrita da

história pelo interior das correntes de pensamento. Do surgimento do sentido

de investigação propalado por Heródoto, até as inovações epistemológicas do

século XX. As colocações da autora, somada as reflexões de Reis (2001)

quando o mesmo destaca a posição reflexiva e indagadora da história,

agregada ao fato de que a história consiste em uma “sucessão processual”, ou

seja, seus eventos são analisados segundo o ritmo próprio das teorias de uma

época endossam ainda mais o sentido temporal da história e de seu objeto.

Segundo Reis (2001, p 8), o sujeito que fabrica a história realiza uma

“reconstrução narrativa, conceitual e documental assentada em um presente”.

A história, assim concebida por Marc Bloch, (2001) como “ciência dos

homens no tempo”, se faz em uma relação intrínseco entre presente, passado.

Por sua vez, tal interação mediada pelo historiador consistirá na história

fabricada.

Agrega-se a estas colocações, a perspectiva de Collingwood citada por

Caar (1987). Para o historiador britânico, história não trata nem do passado

enquanto tal, nem das concepções do historiador enquanto tais, mas da inter-

relação entre os dois aspectos. O passado torna-se presente pela dinâmica das

reinterpretações temporais e transforma a medida que tecemos sobre ele

questões do tempo presente. Na mesma direção, Le Goff (2003, p26) destaca

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que Lucien Febvre, (1949 p. 438) atribui à história a função social de recolher,

classificar, e agrupando fatos passados, em função das necessidades impostas

pela contemporaneidade. Organizar o passado em função do presente: assim o

autor define a função social da história, apontando para uma leitura da história

a partir do tempo presente. Hobsbawn, (1998, p. 30) em uma postura muito

próxima, a Lucien Febvre, destaca: “O passado continua a ser a ferramenta

analítica mais útil para lidar com a mudança constante, mas em uma nova

forma. [...] o que agora legitima o presente e o explica não é o passado como

um conjunto de pontos de referência [...] mas o passado como um processo de

tornar-se presente”.

Estas posturas assentam suas criticas na historiografia do século XIX,

cuja postura cientifica assentava seu discurso na veridicidade, neutralidade dos

fatos e na utilização dos mesmos métodos da ciência experimental para se

chegar ao entendimento dos fatos. Problema, hipótese, verificação,

comprovação consistiam no caminho necessário para a verdade.

Sabe-se que a ciência experimental estava na ordem do dia. A história-

progresso, portanto, entendia a história pela relação presente- passado - futuro.

Tal postura já recebia criticas ainda no século XIX. Langlois e

Segnobois, no final do século XIX, destacavam o caráter singular da história.

Segundo esses, os fatos singulares só podem ser observados indiretamente

através dos documentos e, sobretudo, havia a impossibilidade do

estabelecimento de leis gerais para a compreensão da história.

Certamente que para a época essa interpretação representou um

avanço, hoje, nossos postulados são outros. A ciência positiva, por sua vez,

propalava princípios da observação, hipótese, análise comparativa entre

sociedades poderiam levar ao estabelecimento de leis para a compreensão da

história. Em outras palavras: acreditava-se que os métodos utilizados pelas

ciências naturais poderiam ser igualmente úteis para a ciência da história. Os

historiadores vinculados a perspectiva da história progresso ou positivista

propalavam a neutralidade entre sujeito-objeto para se chegar à verdade

(positiva).

No que tange a historiografia do século XIX, nas perspectivas: a) da

história positivista; b) dos postulados da Escola Critica Alemã e seu expoente

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Leopold Von Rank; c) da chamada Escola Metódica francesa de Langloais e

Segnobois, a história se fazia a partir de documentos escritos, e de forma

objetiva. Conforme destaca Peter Burke em um comentário a respeito da

concepção Rankeana de história, a tarefa do historiador consistia em

apresentar aos leitores os fatos, a fim de dizer “como eles realmente

aconteceram”.(Burke,1992,p.15). Em suma, a história para o século XIX sob a

égide das teorias acima apresentadas, consistia em uma ciência que, deveria

dentro de rigorosos métodos de investigação, buscar o fato-verdade o qual

supostamente estaria em documentos escritos de caráter oficial.

Independente dos avanços que as correntes de pensamento legaram

para a sua época, o século XX se apresentará como espaço fértil junto ao

desenvolvimento de uma nova forma de interpretação da história ciência. As já

citadas correntes historiográficas tais como marxismos, positivismo, metódicos

e a escola critica alemã, convivem com a emergência da já destacada história

problema, cuja década de 1930 e as posteriores colocará em pauta na

produção do conhecimento, o universo das representações sociais. O

marxismo, no mesmo período, avança na construção do conhecimento

representando o grande contraponto para as demais posturas historiográficas

(positivista, metódica e Rankeana), correntes que propunham compreensão da

história através de fatos e, portanto, irrepetíveis.

O século XX será, contudo fértil quanto à ampliação do debate em torno

do objeto da história, enfoques metodológicos e a finalidade do conhecimento

histórico como PETER BURKE (1992, p. 7) afirma:

A história nacional, dominante no século dezenove, atualmente tem de competir com a história mundial e a história regional (antes deixada a cargo de “antiquários” amadores) para conseguir atenção. Há muitos campos novos, freqüentemente patrocinados por publicações especializadas. A história social, por exemplo, tornou-se independente da história econômica apenas para se fragmentar, como alguma nova nação, em demografia histórica, história do trabalho, história urbana, história rural e assim por diante.

De acordo com o que foi citado, o século XX avança junto ao conceito

de história. Foi com a fundação da Revista do Annales em 1929 por dois

historiadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, que a história passa a ser vista

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como uma ciência em construção. Segundo tais pressupostos, a história

deveria se construir sob a égide de problemáticas, a cerca de temas como, a

mulher, morte, bruxaria entre outros. Abria relação com as outras ciências

sociais como a antropologia, sociologia, estabelecendo relações, apropriando-

se dos métodos e análises dessas ciências.

Com o surgimento da Escola dos Annales, a partir de 1929 a história

deixou de ser apenas uma narrativa de fatos e passou a privilegiar a análise do

processo, das estruturas entre outros aspectos. Ao longo das décadas

surgiram várias linhas de pesquisa na Escola dos Annales e ocorreram

mudanças importantes como o uso de novas fontes, a ampliação dos objetos

de estudo e novas abordagens.

Assim, cada época foi fabricando seu discurso chamado história. A cada

tempo novos olhares são lançados sobre as fontes abrindo infinitas versões do

que deve ser registrado. Nesse sentido, voltamos às colocações iniciais que

destacam a história e sua escrita como provisórios: um saber não acabado,

pois, como foi analisado, é um saber temporal e portanto não arbitrário. O fato

histórico não está pronto e acabado como peixes na peixaria. O historiador,

portanto não é um chef que os reúne para depois levá-los para casa, cozinhá-

los, e então servi-los da maneira que mais o atrai. Além disso, devemos ter

claro que os fatos não são mais vistos como matéria-prima da história

conforme propalava o século XIX. Os fatos nunca chegam a nós de forma pura,

ao contrário, só passam a existir quando os historiadores propõem sua

existência. Ou seja, o fato, assim como a história é uma criação que nasce do

ofício do historiador. Em outras palavras história é interpretação, é uma

escolha.

Segundo Carr (1987) a história consiste numa narrativa edificada em

conceitos e construída pela relação intrínseca entre presente, passado,

presente. Marc Bloch (2001, p.7) denomina esse procedimento de método

regressivo, ou seja, “temas do presente condicionam e delimitam o retorno

possível ao passado.” Cabe a história trazer este passado ao presente. Cabe

ao historiador a partir do entendimento sobre o seu presente, olhar , interrogar

e explicar a historicidade dos homens no tempo.

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Diante dessas colocações, a escrita da história se apresenta como um

processo dinâmico que busca desvelar os homens no tempo, ou seja, as

relações humanas, suas existências e experiências ordinárias através de um

trabalho de mediação teórica. Nesse sentido, a memória, por nos entendida

como objeto da história, foi alvo de nossa pesquisa, permitiu aos envolvidos,

compreender que a memória colhida, - através da metodologia da história oral,

é produto da dupla seleção dos recordadores e dos pesquisadores que

envolvemos na coleta dos dados que compõe o acervo do laboratório de

história oral que implementamos no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

A contemporaneidade marcada pelo virtual e pelo tecnológico vivencia a

criação de espaços de memória Nora (1993). O processo de aceleração do

tempo contribui para o desaparecimento das memórias, elos identitários entre

os sujeitos. A dinâmica de aceleração da história provoca além desse

processo, o que o mesmo autor denomina como distanciamento entre a

memória e a história. Para NORA (1993, p.7) “Há locais de memória porque

não há mais meios de memória.” Ou seja, a memória está aprisionada,

arquivada em espaços, celebrações, festividades, porque essas operações não

existem mais de maneira espontânea, e assim se constituem os lugares de

memória.

Para NORA (1993, p.21) Os lugares de memória “São lugares, com

efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,

simultaneamente, somente em graus diversos.” Em outras palavras, lugares de

memória são carregados de significação simbólica, e imaterialidade. São

naturais e artificiais, simples e ambíguos, são antes de tudo restos que

subsistem na história

3. Memória (s): e história oral

Anteriormente destacamos a temporalidade inerente ao conceito de

história. Essa máxima também é verdadeira no que se diz respeito à memória e

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aos usos sociais a que se destina. Na Antiga Grécia, o registro da memória

imortalizava atos heróicos evitando assim o esquecimento das ações de um

dado. Segundo Jacques Le Goff, (2003, p.419) “a memória é a propriedade de

conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de

funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou

informações passadas, ou reinterpretadas como passadas”.

Existem, genericamente duas formas de memória, a coletiva e a

individual. A primeira está presente nas lembranças e esquecimentos de

pertencimento a um grupo social trazendo em si a identidade e o imaginário

coletivo. A memória coletiva gira, portanto, em torno de lembranças do

cotidiano de grupos, (como enchentes, boas safras). Assim, a memória coletiva

resignifica constantemente os fatos.

Por muito tempo a memória nacional coletiva, foi estabelecida como

oficial e marginalizou as várias memórias existentes nos diferentes grupos

sociais, privilegiou a memória coletiva como a única versão da história,

conforme cita LE GOFF (2003, p.422)

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva.

A memória individual, no entanto faz-se de lembranças, esquecimentos

que vem tona pelo indivíduo que lhe dá significado, sentido. Contudo, tanto as

memórias individuais como coletivas, estão sujeitas as diversas contradições,

conflitos e reconstruções. A memória segundo DELGADo (2006, p.38) atualiza

o tempo passado, tornando-o tempo vivo e pleno de significados no presente.

Conforme citado a memória é viva, é inseparável e ultrapassa o tempo da vida

individual, lidando com múltiplas temporalidades. Para GRAEBIN e PENNA

(2006, p.97-98) “Num mundo que perde as referências, o trabalho com a

memória, valorizando a experiência social, oferece a aproximação com os

sujeitos, com o impacto das representações que estes fazem de si e do

mundo.”

Ao final da década de 1970 a memória se torna um importante recurso

para a historicidade das experiências dos homens no tempo. Sobretudo, a

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metodologia da história oral representou uma rica porta de acesso ao universo

das representações sociais (coletivas).

Na década de 1960 a chamada revolução documental, dava voz as

minorias, tornando-se uma prática comum entre os pesquisadores annalíticos e

marxistas. Essa prática foi reconhecida como história oral militante. Contudo,

os tratamentos e a sistematização dos depoimentos passou a ocorrer somente

nos anos de 1970 incluindo a coleta, análise, registro e por fim, o tratamento

das fontes orais.

Conforme visto, as modificações ocorridas junto ao objeto de estudo

próprio da história e especialmente a partir da década de 1980 legaram a

incorporação do relato pessoal como uma fonte capaz de transmitir experiência

coletiva. Conforme ALBERTI (2006, p.163), “[...] surgiram novas objetos, e os

historiadores passaram a se interessar também pela vida cotidiana, pela

família, pelos gestos do trabalho, pelos rituais, pelas festas, [...] temas que,

quando investigados no “tempo presente”, podem ser abordados por meio de

entrevistas de História Oral.”

Estas mudanças ocorrem concomitante as transformações tecnológicas

no final do século XX, as quais transformaram as formas de registro, os hábitos

de comunicação e os conteúdos dos arquivos históricos. As possibilidades de

temas para o estudo e produção do conhecimento histórico, ampliam-se para

além do campo da metodologia a história oral, para os registros sonoros,

iconográficos, caricaturas, anúncios, filmes, monumentos, objetos de

artesanato, obras de arte podem ser utilizados como fontes.

A ampliação do conceito de documento agregado à popularização da

metodologia da historia oral no meio acadêmico permitiram ao professor

aproximar os alunos do campo da história. Essa ultima, vista como um

conhecimento distante da realidade vivida.

Foi nesse sentido que os conhecimentos que adquirimos acerca das

transformações no campo da escrita da história já apresentados anteriormente,

acrescidos dos conhecimentos acerca da metodologia da História Oral nos

permitiram inserir os alunos do curso de formação de docentes do Colégio

Estadual Padre Sigismundo em discussões tais como: memória, documento e

história. Assim sendo, buscamos relacionar conteúdos, teoria, quando da

16

aplicação do Projeto de intervenção Pedagógica durante o ano de 2009. Vimos

na metodologia da história oral uma possibilidade ou ainda, um caminho “[...]

interessante para se conhecer e registrar múltiplas possibilidades que se

manifestam e dão sentidos a formas de vida e escolhas de diferentes grupos

sociais, em todas as camadas da sociedade.” ALBERTI (2006, p.164):

A entrevista com foco a essa metodologia recupera saberes. Para Alberti

(2005, p. 23) outra especificidade da história oral “... decorre de toda uma

postura com relação à história e as configurações socioculturais, que privilegia

a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu. É neste sentido

que não se pode pensar em história oral sem pensar em biografia e memória”.

A memória é imaginário social constituído de representações que vêem

a tona mediante a entrevista. As histórias vividas e concebidas, visões

particulares que são construídas no convívio social e são acima de tudo

cultura, também são reveladas por quem rememora. Esses saberes, modo de

pensar, ver e perceber o mundo constitui-se em histórias dentro da história.

Trabalhar com a história oral como possibilidade de reconstruir as

memórias, significa na prática, em sala de aula situar o aluno como agente

histórico, desconstruindo “a concepção de história, onde estes são meros

espectadores”, inserirem-nos como sujeitos dando voz as suas experiências

históricas.

Cabe ressaltar que o método em apreço exige técnicas que lhe são

específicas quer seja para a coleta, acondicionamento dos equipamentos e

transcrição dos depoimentos. Outra questão fundamental é a postura ética por

parte do pesquisador na relação com os entrevistados a fim de assegurar a

qualidade da pesquisa. Isso também será válido para a proposta de

intervenção pedagógica que ora apresentamos.

Sendo a entrevista, uma fonte intencionalmente produzida, colhida a

posteriori, consiste ao mesmo tempo um relato das ações individuais e

coletivas. Ainda segundo ALBERTI (2006, p.170).

Uma das principais vantagens da História Oral deriva justamente do fascínio da experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da entrevista um veiculo bastante atraente de divulgação de informações sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a responsabilidade

17

e o rigor de quem colhe, interpreta e divulga entrevista, pois é preciso ter claro que a entrevista não é um “retrato do passado”.

De acordo com Alberti é preciso ter clareza que a entrevista não é um

retrato do passado e sim somente mais um relato, mais um ponto de vista

sobre dado evento carregando assim a subjetividade do informante.

Lembrando que a história oral transmite experiência pela narrativa, o

relato de experiências, dá sentido ao que foi vivido, pela seleção, do que deve

ser lembrado e esquecido. Cada depoimento, ao ser transformado em

linguagem permite, portanto a organização de acontecimentos e trajetórias

relacionadas à vida no sentido lato do termo, ainda a acontecimentos no

sentido estrito, tal, como ocorre na história oral temática.

A narrativa oral deve resultar da interação do entrevistado e

entrevistador, uma vez que a narrativa se constrói a partir da relação do que foi

vivido, o que está sendo revelado, o que esquecido e como o pesquisador

ouvinte percebe, registra e dá significados a esses relatos. Ademais, nem a

entrevista ou o registro revelam o passado tal como efetivamente ocorreu. O

registro, por seu turno tem a capacidade de documentar uma representação do

passado. A oralidade, - manifestada na entrevista, - consiste por sua vez, em

um documento do presente, porque é narrada no presente. Contudo, esse

documento do presente, carrega em si o passado o qual.

Portanto, o processo de narração é uma criação cuja temporalidade

passado-presente e vice- versa encontram-se amalgamadas no momento da

narração. Diante disso, cabe considerar as condições de produção do

documento oral, (ou simplesmente documento). À medida que o diálogo se

estabelece (entrevistado e entrevistador) ocorre uma construção e uma

interpretação do passado.

As condições de produção fazem parte da metodologia e correspondem

ao local, o numero de entrevistas, as relações entrevistado e entrevistador e,

sobretudo a postura ética do profissional que vai realizar a coleta do

documento.

O trabalho com fontes orais no ensino de história apresentou-se para

nós, nesse sentido, como um recurso importante para o aprendizado, uma vez

18

que se trata de adentrar em um mundo de representações concretas dos

narradores, o que nos aproxima do oficio do historiador.

O trabalho com entrevistas requer ainda uma postura ética do

entrevistador principalmente, pois este estará ouvindo e registrando

depoimentos orais sobre a versão daquele fato ou daquele momento. É

preciso, portanto, que o entrevistador durante a entrevista tenha clareza que o

seu trabalho deve corresponder com fidelidade ao depoente, e que este não é

um objeto e sim uma pessoa. Deve-se respeitar sem, contudo usar uma

linguagem persuasiva ou paternalista para conquistar o entrevistado.

Estas questões são fundamentais, pois a relação entre o entrevistador e

o entrevistado é um diálogo baseado nos princípios éticos e por parte do

pesquisador uma ação profissional.

4. Especificidades da metodologia de história oral.

A história oral se constitui em um conjunto de procedimentos

metodológicos que tem como finalidade construir fontes e documentos,

registrar os testemunhos, versões e interpretações de história. Enquanto

metodologia que pode ser empregada em diversas disciplinas das ciências

humanas, possui procedimentos próprios, cujas etapas consistem em:

Definição do objeto de estudo e leitura prévia sobre o tema; a

preparação da entrevista ou depoimento; a seleção dos entrevistados de

acordo com critérios definidos como relevantes para a pesquisa e o número de

entrevistados; a preparação dos roteiros individual e geral.

O primeiro deve ser preparado somente após o aceite do entrevistado e

deverá considerar a adequação da linguagem ao entrevistado e seus dados

biográficos e o cruzamento de informações entre o roteiro individual e o roteiro

geral. Esse roteiro constitui-se em um mapa da memória a fim de facilitar a

condução das entrevistas e construção da narrativa.

Quanto a realização das entrevistas, deve-se considerar que o ato de

entrevistar é constituído por uma relação humana que pressupõe alteridade e

respeito buscando um diálogo sincero e consistente com o entrevistado. Uma

19

boa entrevista não utiliza questionários rígidos que venham interromper a

narrativa.

O respeito aos momentos de silêncio e esquecimento, são

fundamentais, pois esses são significativos na produção da memória. São os

limites do entrevistado que determinam o ritmo da entrevista, inclusive,

influenciam na duração e no intervalo entre uma entrevista e outra.

Uma boa entrevista é aquela que evita perguntas longas e indiretas; e

também é aquela que evita perguntas em que o entrevistador já tem uma

opinião sobre o assunto em pauta. Mais ainda, a entrevista de qualidade não

formula perguntas que provoquem respostas tais como sim, não (termos que

empobrecem o conteúdo da entrevista).

Em função da correlação de temporalidade, (presente-passado) devem-

se evitar perguntas presas a detalhes, como datas muito bem definidas. É

preferível, quando necessário, referir-se a anos ou a meses. A melhor forma de

contribuição para ativar a memória do depoimento é o uso de fotos, cartas,

jornais, entre outros;

Evitar interromper uma narrativa, buscando contribuir dessa forma

para que o entrevistado não perca o fio de sua recordação;

Levar material de apoio como jornais, fotos, objetos, plantas,

mapas, entre outros, que possam contribuir para melhor desenvolvimento da

entrevista;

Realizar a entrevista em local no qual o entrevistado se sinta mais

à vontade e confiante, buscando evitar, contudo, espaços de muita circulação

de pessoas, ou pouco silenciosos;

Evitar a presença de terceiros, já que isso acaba por interferir na

dinâmica da entrevista, seja inibido o entrevistado, seja influenciado no

conteúdo de sua narrativa e opiniões;

Tratar o entrevistado com o respeito e cuidado absoluto, pois para

muitas pessoas recordar alguns episódios de seu passado ou mesmo

relembrar a trajetória de sua vida pode ser uma experiência dolorosa ou

fortemente emotiva;

Nunca pressionar o informante, procurando manter um clima de

relaxamento e de estimulo sutil ao ato de lembrar.

20

Processamento e análise das entrevistas, que envolve três

etapas:

Transcrição das entrevistas (reproduzir com fidelidade, tudo que

foi dito, sem cortes nem acréscimos. Os trechos pouco claros devem ser

colocados entre colchetes, os risos devem ser identificados com a palavra riso

entre parênteses, silêncios, dúvidas e hesitações com reticências e o negrito

deve ser utilizado para trechos de forte entonação.)

Conferência de fidelidade do texto com o depoimento.

Análise das entrevistas que podem ser feitas da seguinte maneira:

análise temática de seus conteúdos; realização de nova análise das narrativas

com mais profundidade; realizar o agrupamento de um conjunto de entrevistas

comparando-as com as diferentes versões.

Concessão dos entrevistados de seus depoimentos orais através

de uma carta de cessão de direitos.

Quanto aos recursos utilizados citaremos a seguir alguns

cuidados básicos na forma de registro:

Fazer uso de um bom gravador portátil, algumas fitas virgens,

talvez um microfone e um fone de ouvido.

Dependendo da pesquisa pode-se gravar em vídeo e arquivar em

CD-ROM.

Cuidar e atentar para o ambiente, onde não ocorra interferência

de sons exteriores, e instalações confortáveis que não provoque

constrangimento no entrevistado.

E, finalmente, a MHO consiste em uma forma especifica de criação do

documento oral, cujo registro dessa oralidade se dá com base na memória

social. As fontes orais constituem, portanto, o passado relatado e

reinterpretado pelos indivíduos no presente. Cabe lembrar que a fonte oral,

assim como as demais fontes consiste em um vestígio de sociedade.

Como pode ser visto, uma entrevista consiste em uma fonte

intencionalmente produzida e colhida a posteriori, além do resultado do relato

das ações passadas e resíduos decorrentes da entrevista ALBERTI (2006).

Levando em conta as ponderações apresentadas, a história oral permite

a transmissão de experiências sociais.

21

5. Laboratório de História oral: memória e experiência docente.

Quando pensei em realizar um laboratório de história oral para trabalhar

com alunos do curso de formação de docentes, foi na intenção de por em

prática uma metodologia nova e ao mesmo tempo aprender e ensinar.

Colóquios com profissionais da área de história, observações da prática

de ensino desenvolvida por estes profissionais do ensino médio, especialmente

aqueles que atuam na rede pública de ensino na localidade de Quedas do

Iguaçu , conversas informais com alunos e a observação apurada da prática

docente desenvolvida na disciplina “metodologia de história”, nos levaram a

perceber lacunas teóricas e historiográficas junto a prática docente.

Acrescenta-se a esse quadro, as recorrentes confusões entre os conceitos de

história e memória, que assolavam especialmente os alunos do curso de

formação de docentes do Colégio Estadual Padre Sigismundo. Confusões

essas que também não havia ficado impune durante minha atuação como

docente. Quanto às metodologias, a serem realizadas para diferentes tipos de

documentos: também eram precárias. Essa questão também dizia respeito à

metodologia de história oral.

Após um intenso trabalho de reflexão busquei contribuir para o avanço

das questões lacunares que citamos anteriormente, optando pela

implementação de uma intervenção pedagógica, que devido a sua

característica teórico-prática, denominamos de “laboratório de história oral”.

Para atingirmos esse intento, optamos pela elaboração do chamado “caderno

pedagógico”, um material de apoio que foi desenvolvido de acordo com o perfil

dos participantes da oficina, ou seja, alunos do ensino médio, cuja idade varia

entre 16 a 25 anos. O caderno foi concebido, portanto, como um suporte

contendo textos teóricos e de discussão historiográficas, atividades e

encaminhamentos metodológicos necessários para o desenvolvimento da

prática docente de tal sorte a não seccionar o ensino e a pesquisa. Os

conceitos documento, memória, história, fontes históricas constituíram os

suportes necessários para a inserção no tema “memória coletiva” dos atores

sociais envolvidos na comunidade e no ambiente escolar. Destarte, realizamos

22

seis oficinas dispostas em 15 encontros entre o período de fevereiro a

setembro do ano de 2009.

Outra questão importante diz respeito à característica heterogênea do

grupo dos 30 alunos inscritos para as atividades de laboratório. Duas integram

o grupo de agricultores concentrados no Assentamento Celso Furtado, situado

na localidade Campo Novo. Um total de seis são filhos de médios a grandes

agricultores residentes na área rural da localidade de Quedas do Iguaçu,

também situada na região centro sul do Estado do Paraná. Ainda que as

dificuldades de transporte, deslocamento e acumulo de atividades, tenham

concorrido para que 22 inscritos concluíssem a oficina, consideramos este

número significativo.

A metodologia para investigarmos formalmente as concepções do grupo

ocorreu ainda nos primeiros encontros entre fevereiro e março. Neles

procuramos traçar o perfil conceitual relacionado à história, memória,

documento e verdade. Acreditamos que o mapeamento conceitual atingiu o

objetivo e com ele, pudemos levar adiante os empreendimentos de

desconstrução e reconstrução teórica. Trabalho sem o qual, seria impossível a

coleta dos depoimentos orais.

As falas, e, sobretudo os textos, puderam colocar em evidencia as suas

versões para a história, tais como: “[...] história é tudo aquilo que envolve a

sociedade, desde o passado, presente até o futuro que será construído uma

nova história.” 2

Ou ainda: a história, “[...] são histórias de pessoas que fizeram algo,

lutaram por algo e marcaram com suas atitudes e costumes que são passadas

em forma de estudo ou contadas, onde analisamos,as desvendamos, fazendo

críticas... Ela expõe um conhecimento geral do que queremos saber e como

continuá-la.”3

2 Registro feito pelo aluno Valter Felski no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo.

3 Registro feito pela aluna Tatiana Vargas no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo.

23

Nessa mesma direção, outro aluno afirmou que a “história está

interligada em tudo e com todos. Tudo reflete na história, pois ela nos

apresenta como foi que aconteceu em certo período histórico, as histórias que

são contadas ao longo dos anos.”4

A partir da leitura das afirmações por eles apresentadas passei a intervir,

estudando, lendo e discutindo os textos que explicitaram a escrita da história

ao longo do tempo, as mudanças de concepções, as reinterpretações, ou seja,

a rescrita constante da história, conforme apresentamos no inicio do artigo.

Optei por iniciar as discussões com base nas evidencias coletadas na

sala e agreguei a essas, as análises de Marc Bloch (2001) quanto à história e

ao seu objeto: “a história é a ciência dos homens no tempo” discuti a partir

dessa afirmativa a construção temporal da própria ciência histórica. Ao

decorrer destas discussões, apresentei autores como Reis (2001, p 8), onde “o

sujeito que fabrica a história (o historiador) realiza uma “reconstrução narrativa,

conceitual e documental em um presente” e Certeau (2007, p.65) afirmando

que os conhecimentos são construídos constantemente, não como verdade

absoluta, pronta e acabada, mas como uma “fabricação’’.

Diante destas afirmativas, o grupo reagiu questionando, seu aprendizado

anterior. Então, a história não existe? Questionaram. Para contemplar essas

questões e elucidar melhor a teoria proposta por Certeau (2007), voltei as

leituras e reflexões a partir de Bloch.“Neste momento pude rever mais uma vez

o meu conceito de história como verdade pronta acabada, um “ente” que existia

acima e além da temporalidade, apenas existia. Durante as leituras dos textos

ora feitos em grupo, ora feitos individualmente, fui questionado junto ao grupo,

e nos registros escritos acompanhando a mudança, assimilação, entendimento

e ressignificação do conceito de história.

Durante os encontros procurei partir do entendimento dos participantes

sobre os temas propostos em cada oficina. Depois desse processo,

4 Registro feito pela aluna Janaína Sutil no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo.

24

realizávamos leituras e, somente a partir de então, entabulávamos novos

debates que eram finalizados com o registro do processo de aprendizagem.

Nas discussões sobre memória pude observar as confusões entre

história e memória.

Para a maioria, memória consiste na lembrança. Lembrar, conforme o

registro feito “são fatos marcantes em nossa vida, que ficam arquivados na

memória.” 5

Outra afirmativa apontava que memória “é o conjunto de acontecimentos

que ficam na história que são lembradas.” 6

E ainda havia aquelas que, tais como a que apresentamos a seguir,

entendiam memória como sendo “a história registrada sobre os vários

acontecimentos que são lembrados, pois passam de geração em geração.”7

Para abordar esse assunto trabalhei com textos de Le Goff, a partir das

concepções desse autor encaminhei as leituras e atividades. Segundo

afirmação de Le Goff (2003, p.419) memória é:

“[...] um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode

atualizar impressões ou informações passadas, [...]” realizei um estudo do

texto, conduzindo uma discussão de maneira que os alunos pudessem

entender a memória como uma capacidade humana de guardar imagens,

informações, impressões sobre o passado, fragmentos dos acontecimentos.

Uma das atividades propostas foi o registro das memórias da infância e

socialização com o grupo do registro dessas memórias. Em seguida discutimos

aspectos como: a seleção da memória que eles fizeram, a subjetividade, a fala

do passado no presente, quanto a este último aspecto para melhor esclarecer

propus a concepção de que a memória é uma fala do presente , rememorando

5 Registro feito pela aluna Prycyla Paola de Paula no dia06/03/2009. Durante o Laboratório de história

oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

6 Registro feito pela aluna Francielli Jacques Scheffer da Silva no dia 06/03/2009 Durante o Laboratório

de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

7Registro feito pela aluna Janaína Sutil no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo.

25

sobre um fragmento do passado , e parafraseando Le Goff, (2003) é ação que

atualiza impressões, lembranças.

Usei como exemplo ainda a própria fala deles, questionando sobre como

eles haviam falado, se haviam contado exatamente como tinha ocorrido ou

eles tinham atualizado sua fala, expressões.Com esta atividade a maioria do

grupo fez seus registros sobre memória, atualizando seus conceitos. A partir

dessas conclusões sobre memória, entabulamos discussões sobre fontes

históricas e documento.

Ao tratar desses conceitos percebi que eles entendiam o que eram

fontes históricas, mas quanto a documento a afirmação que mais registrei foi a

de “algo escrito, oficial, de código de lei”. De acordo com este conceito

formulado pude observar claramente a presença do pressuposto teórico da

historiografia do século XIX, onde a escrita da história deveria basear-se em

documentos escritos. Documento na concepção dos positivistas e metódicas

era o registro escrito, oficial, parafraseando Burke para estes a história se fazia

só com documentos escritos.

Então, trabalhei com a concepção de documento segundo Le Goff

(2003) o qual afirma que o documento não é neutro, é resultado da sociedade,

grupo que o produziu,fabricou diante do jogo de interesse e relações de forças

que possuíam o poder. Com a renovação metodológica do século XX,

principalmente a partir dos Annales, a concepção de documento é renovada e

desde então, ampliaram-se os documentos como: a iconografia, a oralidade e

outros vestígios produzidos pelos grupos humanos. Através da leitura e

análise, o grupo passou a reconhecer outras fontes históricas como

possibilidade de investigação ao historiador , inclusive os depoimentos orais.

Mediante o constante uso do termo ressignificar durante o andamento do

laboratório propus uma atividade que ilustrasse, possibilitasse eles perceberem

que era possível mudar de concepção, ressignificar não só conceitos teóricos,

mas também o nosso dia-a dia como pessoa e como docente. Durante a I

oficina após a realização de registro escrito apresentei ao grupo a sinopse e o

filme “O carteiro e o poeta” de diretor: Michael Redford/Com: Massimo Troisi e

26

Philippe Noiret, uma ficção a respeito de parte do exílio de Pablo Neruda

durante a Ditadura Militar chilena.

Numa bela ilha italiana, o poeta se torna amigo de um carteiro quase

analfabeto e, desta relação, nasce no carteiro o gosto pela palavra, bem como

a consciência política. Após o filme, discutimos a partir das idéias que o filme

retrata o ressignificar de conceitos, modo de ver a vida, a aprendizagem e

questionei como eles relacionavam o curso a idéia do filme. Este

encaminhamento metodológico proporcionou um debate bem positivo onde foi

registrado o que cada um deles estava ressignificando ao longo do curso.

Iniciei a oficina II com o estudo da metodologia de história oral, a partir

de Alberti (2005). Inicialmente estudamos a constituição da metodologia ao

longo da história, com a renovação metodológica da concepção de documento.

As especificidades da metodologia, as possibilidades de uso dessa

metodologia no ensino de história nas séries iniciais, a ética, a postura exigida

na aplicação da metodologia. À medida que aconteciam as leituras e atividades

sobre a metodologia observei junto ao grupo que eles estavam curiosos sobre

a história oral, muitos afirmaram não terem nenhum conhecimento, isso

promoveu entre eles uma motivação para buscar nas leituras o aprendizado.

Com o estudo sobre a metodologia, desdobramos para a aplicação

daquilo que se havia aprendido na teoria.

Inicialmente estava proposta uma pesquisa e entrevistas para registro da

história da comunidade, porém devido ao pouco tempo disponível para

aplicação do laboratório e impossibilidade de realizar com profundidade e rigor

necessário a aplicação da metodologia de história oral optou-se por uma

temática mais passível de realização, com os membros da comunidade

escolar. O grupo entendeu que devido a essa proximidade seria mais fácil de

aplicar as entrevistas, desenvolver a pesquisa.

A temática proposta foi trabalharmos com a coleta de memórias acerca

das representações cotidianas do trabalho. De acordo com o que estava

proposto e devido ao desejo de oportunizar aos alunos olhares diferente sobre

a história, perguntei ao grupo: Que sujeitos queremos ouvir? Que memórias

queremos registrar? Quem são os sujeitos invisíveis na escola?

27

A escolha foi entrevistar aqueles sujeitos quase invisíveis, trabalhadores

reconhecidos comumente como “o pessoal do serviço geral,” ou agentes de

apoio, codinomes que se dá aqueles que realizam a limpeza e organização do

espaço escolar.

Em seguida, dividimos o grupo em duplas. Neste momento do curso já

contávamos com 22 participantes. Cada equipe escolheu os sujeitos a serem

entrevistados pelo critério de afinidade e proximidade com os entrevistados.

Então, retomamos as especificidades, os critérios e a ética que envolvia as

entrevistas. Na seqüência, voltamos a rever sobre como é importante o

entrevistado falar espontaneamente, criar um vínculo com o entrevistador,

sentir-se seguro para lembrar, falar. Reafirmamos conforme as orientações no

manual de história oral que o relato de história oral é um documento que se

constitui a partir da relação estabelecida entre o entrevistado e entrevistador

durante as entrevistas. As duplas iniciaram o contato inicial, tomando os

cuidados necessários, colhendo os dados biográficos, explicando sobre os

objetivos da pesquisa, esclarecendo sobre a cessão de direitos e marcando as

datas para realização das entrevistas.

Para nortear as entrevistas elaborei um texto síntese com todas as

informações, procedimentos necessários à realização das entrevistas. Os

procedimentos, e cuidados entre outros, que devem ser tomados, pois a

entrevista constitui-se em um diálogo, com maior espaço para o discurso do

entrevistado. As perguntas devem ser abertas e não aquelas que induzam a

respostas como “sim ou não”. Cercar o tema pesquisado de “porquê?, o que?,

onde?, quando?,como?, quem?, etc. Formular perguntas simples,curtas e

diretas , deve-se evitar introduções extensas.Em caso de repetições constantes

de uma mesma resposta o entrevistador pode gentilmente interromper falando

“o senhor já nos contou sobre isso”.Essa orientações e outras que estavam

contempladas no caderno pedagógico foram retomadas afim de evitar erros.

No encontro seguinte os alunos receberam as folhas para o sumário, e

o roteiro geral das entrevistas, uma vez que já haviam feito o contato inicial foi

possível fazer os roteiros individuais, a partir da biografia dos

entrevistados.Observei uma grande ansiedade em relação as entrevistas ,

28

preocupações quanto ao como falar no gravador e outros aspectos

técnicos.Para obter êxito eles começaram a treinar gravações de cabeçalhos,

introdução de uma entrevistas, ouvir e corrigir as falhas.

No decorrer da aplicação das entrevistas, ocorreram mais encontros,

onde alguns já tinham realizados duas sessões de entrevistas, enquanto outras

duplas não tinham conseguido conversar com seu entrevistado, os atrasos

justificam-se entre outras dificuldades, devido ao recesso escolar decretado

pelo governo de estado. Apesar, da sobrecarga de tarefas no retorno as aulas,

e os contratempos, as entrevistas foram realizadas dentro das datas que

estipulamos.

Antes de iniciar as transcrições dos relatos orais, retornamos ao texto

contendo as orientações e mais uma vez analisamos o papel do entrevistador,

a responsabilidade que implica, uma vez, que não estamos tratando de um

documento escrito, um papel, mas relatos, as memórias, trabalhando com

pessoas, que possuem valores, representações de mundo. Em seguida o

grupo recebeu um texto contendo as principais exigências, cuidados da

transcrição.

Durante as transcrições, os participantes começaram a perceber as

mudanças na entonação de voz, o silêncio, a euforia, e realizar as transcrições

com muito cuidado, voltando à fita sempre que necessário para conferir as

falas. O grupo passou a relatar como era interessante ouvir as outras pessoas,

suas memórias, alguns se impressionaram com as histórias relatadas pelos

entrevistados.

Para encerrar, os entrevistadores voltaram aos “seus” entrevistados para

que estes conferissem os depoimentos para então assinar o termo de cessão

de direitos. Nesta fase os participantes já estavam animados com a finalização

das atividades, comentar, partilhar as aprendizagens.

Para encerrarmos as atividades realizamos uma visita à UNICENTRO,

onde os alunos após conhecerem a universidade, no Campus de Santa Cruz,

fizeram uma visita ao centro de memória, onde eles receberam explicações

sobre os procedimentos na pesquisa, no uso das fontes. Durante o retorno

conversando com eles percebi um interesse ainda maior por história e

29

memória. Muitos reconheceram o sonho de cursar uma faculdade, ampliar

conhecimentos.

Para registrar suas experiências, os participantes elaboraram o que

chamei de “memorial descritivo”, onde foram relatados conceitos, e suas

expectativas quanto à aplicabilidade da metodologia.

Após a leitura dos memoriais, observei algumas mudanças de postura,

conceito em relação ao que foi discutido, estudado e pesquisado. Percebi que

houve mudanças, como foi registrado: “que a história nunca será acabada , ela

sempre está em construção”.8 Aqui pontua-se a mudança de uma idéia de

estática, de verdades absolutas para a concepção de história como filha de seu

tempo, em construção.Outro exemplo “ Ao fazermos as entrevistas , não foi

para olhar como é a vida das pessoas e sim para valorizar sua profissão,

cultura, seu modo de pensar e as contribuições para a história, pois a história é

de todos.” 9

No registro, memorial de outra aluna, fica claro a mudança de conceito,

“Quando existe uma história, há muitas memórias.”10 E a relação que esta fez

entre história e memória, colocando a memória com matéria- prima do

historiador, ou seja, uma história muitas memórias. Sobre isso “um aluno disse

em seu relato: “as memórias são documentos”,11 ou seja, o conceito de

documento observado no início do curso foi alterado.

8 Registro feito pela aluna Francielli Jacques Scheffer da Silva no dia 25/09/2009 durante o Laboratório

de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

9 Registro feito pela aluna Janete Alves Ferreira Rodrigues no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de

história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

10 Registro feito pela aluna Marciele Kozak no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo.

11Registro feito pelo aluno Junior Cesar de Oliveira Lopes no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de

história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

30

Outra aluna escreveu: “memória e história são coisas diferentes, mas

que de certa forma estão interligada”.12 Fica claro na fala dessa aluna a

percepção da relação que existe entre memória e história,ao mesmo tempo em

que a memória é fonte histórica para o historiador a memória se refaz, atualiza-

se é uma fala do presente sobre o passado, enquanto que cabe a história

enquanto ciência e ao oficio do historiador registrar dar significado às

memórias, diria ainda que existam muitas histórias e muitas memórias.

Enfim ao longo do projeto, quer seja nas discussões de ordem teórica ou

na aplicação da oficina, muitos saberes foram revelados e apreendidos

revelando avanços quanto aos saberes escolares, contudo, persiste ainda,

entre alguns, representações de senso comum, tal como aquela que vê história

como um passado, como algo possível de ser resgatado.

Considerações Finais.

A experiência com a implementação do Laboratório de história oral no

Colégio Estadual Padre Sigismundo no ano de 2009 permitiu a revisão

conceitual e da minha prática escolar ao longo de minha atuação como

docente. Essa questão também é valida para os conceitos história, memória e

documento. Esse trabalho implicou em uma mudança de posturas, disposição

em mergulhar na busca de respostas, indagar constantemente, auto-avaliar,

desconstruir idéias, mas é nesse processo analítico-crítico da teoria e da

prática que a aprendizagem se efetiva. Os objetivos propostos, que eram o de

possibilitar a construção de um conhecimento histórico pautado nos postulados

historiográficos da história cultural, tendo como forma de abordagem

intervencionista a metodologia da história oral, para o ensino de história local,

mediante a capacitação do corpo discente do curso de formação de docentes

da 2ª e da 3ª séries, foram atingidos, na medida em que considerarmos que

12 Registro feito pela aluna Leticia Fernanda Oberger Ganzala no dia 25/09/2009 durante o Laboratório

de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.

31

ninguém esta pronto o suficiente, que não há verdades absolutas, imutáveis

houve sim um crescimento intelectual que se renovará, pois assim como o

saber histórico se refaz, atualiza-se dentro de postulados contemporâneos, é

preciso estar sempre buscando respostas, revendo os conhecimentos que

implicam a prática de docente de história.Não entendo porém esse repensar

como os modismos e propostas pautadas em um relativismo, onde a história

perde sua identidade, sua temporalidade, mas sim num repensar os conceitos

teórico-metodológico aberto a novos olhares, que responda as perguntas do

tempo presente.

O enfoque dado a memória nos relatos de história oral, reafirma que

não há como pensar, entender o documento escrito, oficial como detentor da

verdade, mesmo porque as verdades são subjetivas e mutáveis, depende de

muitas implicações, muitas indagações interesses,enfim depende do

historiador, de suas concepções.Entender a memória com uma das possíveis

fontes históricas remete a idéia de diversidade, de ouvir e registrar aqueles que

em outros momentos históricos foram excluídos da história oficial.

Em suma acreditamos que a realização do laboratório de história oral,

possibilitou aprendizagens significativas para os alunos envolvidos, futuros

docentes, conhecimento sobre conceitos que envolvem a prática do professor,

novas abordagens que ampliam as possibilidades de ação educativa.

Oportunizou ao grupo momentos de leitura, discussão e experiência.

Enquanto profissional da educação, coloquei abaixo o paradigma

estruturalista para dar espaço para uma ciência dinâmica dos homens no

tempo. E, se não vivenciei a revolução proletária, a qual o marxismo me deixou

em debito, vivencio a cada dia uma revolução que se opera no campo

conceitual à medida que me aprofundo no universo da escrita da história.

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