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LACunha O Golpe Na Educacao

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cap 1

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Direitos para esta edição contratados com: HI' Os Movimenws deJorge Zahar Editor Ltda. - Cultura/Educação P°P¡-um I 6“la Mé×i°° 3' S°b“='°ia Iv. 1964 _ os Acordos MEC-UsA1Dz

20031-144 Rio de Janeiro, RJ - zz ››wi.: (021) 240-0226 / fax: (021) 262-5123 Em D"°çã° 3°* Am” de Ch“mb° 32

Edições anteriores: Luiz Antônio Cunha1985, 1986, 1986, 1987, 1988, 1989, 1991, 1994, 1996 R0DA_vIvA _ 35

Impressão: Prol Editora GráficaI. “Educaçao” pela Repressão 36

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte ' II' Educaçãoicrande Negócio 42Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. HI- A EXCIUSÊO Pela B3$€ 55

ic97sg cunha, Luiz Antônio, 1943- 1 1" IV. A Profissionalização Fracassada 62_ 10.ed. G' O golpleonadeduczäãoá Ljuiz räntôjnio CiènlIi1a,l\l/Eígacly/gâlge li V. A Educação Moral, Cívica e_.Física 73

1 oes.- .e _ - 1o e anelroz orge a ar _, ¬: _ _(Brasil: os anos de autoritarismo) _ VI' A Umvefsldadei

ISBN 85 7110 487 5 «J Modernizada, Amordaçada e Privatizada 81

1. Educação e estado -- Brasil. 2. Brasil - Política e Luiz AUÍÔUÍÚ Cunha 'l governo ~ 1964-1985. l. Góes, Moacyr de, 1930-. ll.Tít11lo. M08Cyr de Góes

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caberiam apenas responsabilidades de execução, mas aos técnicosdaUSAID todo o controle, desde os detalhes técnicos de fabricação do li-vro até os detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração.editoração e distribuiçao de livros, além da orientação das editoras bra-sileiras no processo de compra de direitos autorais de editores não-brasi-leiros, vale dizer, norte-americanos); j) Acordo MEC-USAID de refor-mulação do primeiro acordo de assessoria à modemizaçao das universi-dades, entao substituído por assessoria do planejamento do ensino su-perior, vigente até 30 de junho de 1969; k) 27 de novembro de 1967:Acordo MEC-Contap-USAID de cooperação para a continuidadedo pri-meiro acordo relativo à orientação vocacional e treinamento de técnicosrurais; 1) 17 de janeiro de 1968: Acordo MEC-USAID-para dar continui-dade e complementar o primeiro acordo para desenvolvimento do ensinomédio.

jö Os acordos MEC-USAID encerraram essa fase dos movimentos deeducaçao e cultura popular, dos quais outras formas surgiram no finaldos anos 60 ei seguem vigorosas até hoje, como por exemplo as CEBs(Comunidades Eclesiais de Base).

Aqueles movimentos tiveram os seus equívocos e debilidades,próprios de uma época de fortes tendências culturalistas e de otimismopedagógico, além das limitações do nacionalismo que privilegiava alutaantiimperialista em detrimento da discussão sobre a luta de classes noâmbito da sociedade. Mesmo assim tiveram acapacidade de se transfor-mar, irnpulsionados por uma prática junto às classes subordinadas.

Assim,a crítica feita por José Willington Germano a um dessesmovimentos, parece falar a todos eles quando afirma:

De um movimento que, de início, pretendia, simplesmente oferecer educa-ção para todos, De Pé No Chão Também Se. Aprender A Ler avançaconceptualmente e passa a encarar a educação e a cultura como instrumen-

t tos de libertação. Não se tratava, pois, de um projeto que tivesse em vista in-tegrar os marginalizados à sociedade, fornecendo aos indivíduos escolariza-dos a possibilidade de ascensão social. Tratava-se, isto sim, de transformaressa mesma sociedade, e a educação e a cultura exerceriam um papel pm.ponderante nesse processo. `

Os movimentos de educaçao e cultura popular foram destruídos eos seus educadores e aliados cassados, presos e exilados. Para eles, comopara as lideranças dos trabalhadores, começa o caminho em direção aos“anos de chumbo”, expressao que é título do belo filme de MargaretheVon Trotta. Terminam os tempos da “Voz Ativa” e começa a gira; 3“Roda-Viva”.

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RODA-VIVA

. Luiz Antônio Cunha

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I. "Educaçä'o" pela Repressão

No dia seguinte ao da posse do primeiro Presidente da República civildepois de 20 anos de generais-presidentes, a imprensa trouxe um balan-ço sintético da ditadura: 17 atos institucionais, 130 atos complementa-res (todos contra a Constituição, mesmo a da Junta Militar), 11 decre-tos secretos e 2.260 decretos-leis. Para não atrapalhar essa fúria legife-rante do regime militar, o Congresso Nacional, mesmo mutilado por su-cessivas cassações de mandatos de parlamentares, foi posto em recessoforçado por três vezes. Foram banidos do território nacional, por razõespolíticas, 80 brasileiros. Cerca de 400 pessoas foram mortas ou se en-contram desaparecidas, devido â onda repressiva mais forte de nossa his-tória. Uma dezena de milhar de brasileiros deixaram seu país em virtudede arneaças e perseguições de caráter político-ideológico.

A repressão foi a prirneira medida tomada pelo -governo impostopelo golpe de 1964. Repressão a tudo e a todos considerados suspeitosde práticas ou mesmo idéias subversivas. A mera acusação. de que umapessoa, um programa educativo ou um livro tivesse inspiração “comunis-ta” era suficiente para demissão, suspensão ou apreensão.

Assim, reitores foram demitidos, programas educacionais e siste-mas educativos foram atingidos. Alguns casos dramáticos exemplifica-rão isso. Anísio Teixeira, que ocupava a reitoria da Universidade deBrasília, foi sumariamente demitido, logo nos primeiros dias do golpe.O Programa Nacional de Alfabetização, que utilizava o Método PauloFreire, que o dirigia, foi liquidado, até mesmo em termos financeiros.Milhares de projetores de diafilmes, importados da Polônia (olocal de fa-bricação trazia a marca do “comunismo”) foram vendidos a particularesa preço de liquidação. O Movimento de Educação de Base, desenvolvidopela Igreja Católica, principalmente no Nordeste, foi contido por todosos lados, tendo seu material educativo apreendido, monitores persegui-dos e verbas cortadas. Os integrantes da equipe dirigente da CampanhaDe Pe No Chão Também Se Aprende A Ler foram presos por seis meses,no -mínimo. Um oficial da Marinha de Guerra assumiu 0 “comando” da

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Secretaria de Educação do Município de Natal, ordenou o abandonodos acampamentos e a incineração dos acervos das bibliotecas.

Interventores foram nomeados para a Universidade de Brasília,cada um deles dando sua contribuição pessoal para a descaracterizaçãodaquele empreendimento arrojado; a Cruzada ABC, com sede em Reci-fe, dirigida por missionários norte-americanos e funcionando com gene-rosas verbas do governo de seu país, procurava substituir o PNA e oMEB na educação das massas para incorpora-las ao desenvolvimento docapitalismo moderno.

A Na direção do sistema educacional, os defensores do ensino públi-co e gratuito foram sendo substituídos pela aliança dos que lutavam pe-la hegemonia da escola particular subsidiada pelo Estado, com os milita-res empenhados na repressão às atividades por eles julgadas subversivas.Tomando mais uma vez o caso exemplar de Anísio Teixeira, além de tersido demitido da reitoria da Universidade de Brasília, já em abril de1964 não teve seu mandato renovado no Conselho Federal de Educa-ção, de onde saiu, em princípios de 1968, com o silêncio cúmplice deseus colegas. Durmeva.l Trigueiro, outro ativo combatente pelo ensinopúblico e gratuito, foi também retirado daquele conselho, alémde sercompulsoriamente aposentado do cargo de professor na UniversidadeFederal do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os conselheiros que concor-davam com as novas orientações da política educacional tinham seusmandatos sucessivamente renovados. Quebrava-se, assim, a resistência,remanescente no CFE, à colocação dos recursos governamentais a servi-ço dos interesses de agências internacionais e à submissão da políticaeducacional brasileira aos seus ditames.

Professores e estudantes universitários foram expulsos das insti-tuições onde lecionavam ou estudavam. A denúncia de professores àscomissões de investigação passou a ser um instrumento a mais de políti-ca universitária. A Universidade de São Paulo, das mais antigas, a maiore a mais conceituada das universidades brasileiras, foi palco dessa tene-brosa prática. O reitor Luís Antônio da Gama e Silva, ministro da Justi-ça e da Educação nos prirneiros dias do governo golpista, aproveitou operíodo de caça às bruxas para demitir professores que lhe faziam opo-sição e consolidar seu poder na universidade. Mais tarde, como ministroda Justiça do general-presidente Costa e Silva, o professor Gama e Silvanotabilizou-se por trazer sempre à mão 0 rascunho de um elenco de me-didas de endurecimento da repressão política, o que acabou vingandoem 13 de dezembro de 1968, com a edição do Ato Institucional nO 5.

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anisio é uma escola de mirassol :P
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Até mesmo a competição propriamente acadêmica passou a ter amediação da repressão política. Em 1964, Florestan Fernandes, o gran-de sociólogo da USP, preparava-se para disputar uma cátedra desociolo-gia naquela universidade. Para isso, tinha uma brilhante tese sobre a in-tegração do negro na sociedade de classes, que veio a receber, posterior-mente, importante prêmio internacional; Seu oponente, ao contrário,era uma pessoa cuja bibliografia a história da universidade brasileira nãoregistra. Tinha, entretanto, o cacife de ser amigo do governador golpistaAdhemar de Barros. Pois bem, por interferência do govemador, Flores-tan Fernandes foi preso às vésperas do concurso, o que deixava semcompetidor o obscuro pretendente. Mas, como nos primeirostempos doperíodo de governo autoritário ainda havia algumas áreas de liberdade, aopinião pública reivindicou a imediata libertação de Florestan Fernan-des. Solto a tempo,sfrustrou-se a conspiração policial-acadêmica,e Flo-restan Fernandes conquistou a merecida cátedra.ze- Pouco tempo, porém, nela permaneceu, pois a onda repressiva

acionada pelo Ato Institucional nO 5 aposentou-o, retirando da USP edo meio universitário brasileiro um dos mais férteis de seus cientistassociais. Beneñciaram-se, com isso, as universidades estrangeiras, que pas-saram a disputar o privilégio de ter Florestan Fernandes como professorvisitante.

Mas não foi apenas a alta administração do sistema educacional,os membros dos conselhos universitários e os grandes nomes da ciênciaque foram atingidos pela sanha repressiva. Funcionários do MEC, dassecretarias estaduais e municipais de educação, e simplesprofessorestambém foram demitidos ou, se mantidos em seus cargos, ameaçadosconstantemente, na tentativa de se obter, pelo medo, seu consentimen-to ao novo regime. f

O famigerado decreto-lei 477, de fevereiro de 1969, representoua expressão mais acabada das ameaças da repressão política e ideológicaà universidade brasileira.

Essa norma repressiva dizia que cometeria 'infração disciplinar” 0professor, o aluno ou o funcionário de estabelecimento de ensino públi-co ou privado que se enquadrasse em diversos casos, entre os quais osseguintes: aliciar ou incitar â deflagração de movimento que tenha porfinalidade a paralisação de atividade escolar ou participar nesse movirnen.to; praticar atos destinados à organização de movimentos subversivos,passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou deles participar; cm.duzir ou realizar, confeccionar, imprimir, ter em depósito, distribui;material subversivo de qualquer natureza.

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Se o infrator fosse professor ou funcionário, seria demitido (oudispensado), e proibido de ser nomeado (ou admitido ou contratado)por qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de cincoanos. Se fosse estudante, seria desligado do curso, e proibido de se ma-tricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por três anos.

A apuração das acusações de infração deveria ser feita por pro-cesso sumário, tudo correndo muito rápido, tendo o acusado apenas 48horas para apresentar sua defesa. O processo seria conduzido por fun-cionário do estabelecimento de ensino, por iniciativa do dirigente doestabelecimento, da Divisão de Segurança e Informação do MEC ou “dequalquer outra autoridade ou pessoa”. O mais incrível é que, embora odirigente do estabelecimento fosse reconhecido agente da repressão, era,ao mesmo tempo, visado por ela. A simples remessa de auto de prisãoem flagrante ou a mera comunicação do recebimento da denúncia cri-minal, feita por “autoridade competente”, obrigavao diretor de colégioou faculdade e reitor de universidade a instaurar o processo sumário. Senão fizesse isso, e não proferisse decisão em 48 horas depois de recebidoo processo, o dirigente ficaria sujeito às penalidades do próprio decreto-lei, perdendo o cargo, sendo expulso do estabelecimento e proibido delecionar, como um professor “subversivo” comum. 1

Houve universidades que incluíram a maior parte dos dispositivosdesse decreto-lei em seus estatutos, não podendo, é claro, impedir queoutras contratassem os professores ou matriculassem os estudantes ex-pulsos. A Universidade de Brasilia, por exemplo, lançou mão desse ex-pedíente repetidas vezes. Em julho de 1976, o reitor capitâ'o-de-mar-e-guerra José Carlos de Azevedo expulsou sete estudantes e suspendeu 12por 18 meses;em julho de 1977, expulsou 30 e suspendeu 34 por per ío-dos diversos, sem invocar o decreto-lei 477, pois o regimento da univer-sidade era bastante para a aplicação dessas pesadas penas.

Impossível é avaliar, com certeza, a eficácia dessa norma repressi-vasobre os professores, mesmo sabendo-se que poucos foram expulsoscom base nela ou na versão assimilada pelos estatutos de universidadese de faculdades. Seu “bom comportamento”, a aceitação amarga da au-tocensura, foi a face escondida do tenebroso sucesso desse ato arbitrário.

Foi só em 1979, após muitos anos de lutas contra o decreto-lei477 e as outras medidas repressivas do govemo autoritário, que umprojeto de lei tratando da representação estudantil foi aprovado peloCongresso Nacional. Entre outras providências, revogava o decreto-lei477, no que dizia respeito, também, aos professores e funcionários.Com isso, abriu-se espaço para a mudança dos estatutos e regimentos

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das universidades e faculdades naquilo em que procuravam se valer dodraconiano decreto-lei.

Mesmo antes de baixado o Ato Iristitucional nO 5 e seu descen-dente direto, o decreto-lei 477, todos os professores ou candidatos aomagistério eram considerados suspeitos de subversão, até que mostras-sem o contrário. i

Tinham de provar que sobre eles não recaía culpa de subversão.As universidades passaram a exigir dos candidatos ao magistério, mesmoà precária categoria de colaborador, a apresentação do “atestado deideologia”, emitido pelas delegacias de ordem política e social das secre-tarias estaduais de segurança pública. .

As universidades enxertaram nas suas estruturas as assessorias desegurança e informação, ligadas à divisão correspondente do Ministérioda Educação e às agências locais do Serviço Nacional de Informação.Com base nos pareceres dessas assessorias, professorestinham negadospedidos de bolsa de estudos e licenças para comparecer a congressos téc-nicos, professores visitantes eram vetados, e outras arbitrariedades dogênero foram abundantemente cometidas.

Ainda não foi feito o balanço quantitativo dessa onda repressiva,de modo a se saber quantos professores e quantos estudantes tiveramseu trabalho ou seus estudos prejudicados pela perseguição política.Em geral, a imprensa dava mais destaque aos efeitos do decreto-lei 477nas universidades públicas, pois seus atos eram divulgados em boletim,quando não no próprio Diário Oficial. No entanto, universidades e fa-culdades particulares lariçavam mão desse instrumento repressivo parademitir professores que reclamavam de salários atrasados ou da pressãopara aprovar certos estudantes e também para expulsar estudantes, co-mo os de um curso de medicina que rejeitavam o “ensino” de anato-mia por um professor que se resumia a ler o conhecido e antigo (anti-quado?) compêndio de anatomia humana de Testut e Latarjet.

No entanto, é possível fazer uma segura avaliação qualitativa. De-sespero e apatia foram os dois componentes do efeito da repressão nasescolase nas universidades. O desespero de uns levou ao abandono domagistério e do estudo e até mesmo aos equívocos da luta armada. Aapatia de outros resultou no desleixo para com o ensino, no cinismo do-cente, tendo como contrapartida o desinteresse para com o estudo, ex-presso pela atitude estudantil de repetir o que o professor espera,mes-mo o absurdo e o injusto, desde que a promoção estivesse assegurada.

Entre o desespero e a apatia, caminhavam com dificuldade profes-sores e estudantes que buscavam resguardar a dignidade de sua situação,

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só possível num ambiente de liberdades democráticas. A história mostrou que esses resistentes tinham razão, e, progressivamente, os desesperados e os apáticos voltam a reunir-se a eles nas lutas pela democratização do ensino em nosso país.

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já vi um desses no estágio
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II. Educação: Grande Negócio

Vitorioso o golpe de 1964, subiram ao poder os defensores do privatis-mo na educação, aqueles que defendiam a desmontagem ou, pelo me-nos, a desaceleração do crescimento da rede pública de ensino. Em com-pensação, as verbas públicas destinadas ao ensino deveriam ser transfe-ridas às escolas particulares que, então, se encarregariam da escolariza-ção das crianças e dos jovens. Só onde a iniciativa particular não tivesseinteresse em abrir escolas é que a escola pública seria bem-vinda.

Foi sintomática a participação de um dos mais ardilosos conspira-dores e mais duros oponentes do presidente João Goulart, o governadordo Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, na elaboração de um projetode lei de diretrizes e bases da educação nacional que nem mesmo procu-rava dissimular os interesses dos que usavam a escola como meio de acu-mulação de capital e/ou de influência ideológica.

O governo golpista, e privatista em matéria de educação, não pre-cisou mudar a lei. Foi só aplicá-la em proveito das escolas particulares.

A ocupação dos postos-chave do Ministério da Educação pelosprivatistas foi facilitada pelo trabalho de sapa da propagandaideológicada trama golpista, que teve sucesso em veicular a associação da imagemdos defensores da prioridade do ensino público (verbas públicas para oensino público e gratuito) com a imagem, que os militares abomiriavain,de um regirne “socialista”, no qual o Estado teria o controle de toda avida social. Para os militares desinfomiados, alvo principal da propagan-da direitista, os que defendiam a destinação dos recursos públicos paraa rede pública de ensino eram as mesmas pessoas que defendiam a desa-propriação das terras, o estreitamento das relações comerciais, cultu-rais e políticas com a União Soviética, com a China Popular e com Cu-ba, o “materialismo ateu” contra as “tradições cristãs” de nosso povo, eoutros “pecados” parecidos.

O Plano Nacional de Educação elaborado pelo Conselho Federalde Educação, em 1962, foi revisto em 1965, pelo mesmo conselho, járeorientado em função do peso dos privatistas no governo golpista.

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Na revisão, além de deslocar para mais adiante as metas originais~ como a de matricular 100% da população de 7 a ll anos de idade emescolas primárias -, o CFE aumentou os recursos a serem transferidospara o setor privado. A versão de 1962 daquele plano previa que 3% dosrecursos do Fundo Nacional do Ensino Primáriofossem destinadosa bol-sas de estudo em escolas particulares; a revisãode 1965 aumentou essaproporção para 5%. Da mesma forma, o Fundo Nacional do Ensino Mé-dio, de 14,5% para 20%, e o Fundo Nacional do Ensino Superior, dezero para 5%.

O aumento das transferências de verbas públicas _para- as escolasprivadas no ensino médio estava “adoçado” com a inclusão,iia mesmarubrica, mas sem definir quantitativos, da “educação d`eexcepci_onais”.No ensino- superior, esse disfarce também existia: a mesma rubrica jun-tava as bolsas de estudo, as residências de estudantes e as subvenções àsuniversidades e estabelecimentos isolados particulares. *

Estava declarada a posição do CFE e do governo golpista de apoioà tremenda expansão do ensino superior particular, ao mesmo tempoem que se continha o setor público. .

A história do salário-educação é um exemplo dramático de comouma boa idéia pode ser distorcida pela corrupção institucionalizada peladitadura.

Salário-educação foi o nome que teve, no -Brasil, a forma de con-tribuição das empresas para com a escolarização de seus empregados eos filhos destes, prática, aliás, utilizada em muitos países. Em 1955, 23dos 55 países participantes da Conferência Internacional de InstruçãoPública, em Genebra, adotavam formas de participação das empresas nofinanciamento do ensino proporcional ao montante dos investimentosdas empresas ou dos salários pagos por elas aos seus empregados.

Em termos legais, essa idéia vingou, no Brasil, pela primeira vez,na Constituição de 1934, que obrigava as empresas industriais e agr íco-las situadas fora dos “centros escolares” aproporcionarem ensino pri-mário gratuito, desde que, tendo mais de 50 empregados, houvesse den-tre eles e seus filhos, pelo menos dez analfabetos. O golpe de 1937 ou-torgou outra Constituição,,com outras prioridades, e aquele dispositivofoi esquecido. Í

A Constituição de 1946 retomou a idéia, estipulando que as em-presas industriais, comerciais e agrícolas onde traballiassem mais de 100pessoas ficavam obrigadas a manter ensino primário gratuito para seusempregados e os filhos destes.

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Várias tentativas foram feitas para regulamentar esse dispositivoconstitucional, o que só veio a acontecer com a lei 4.440, de outubrode 1964. «

Essa lei detemiinava que, se uma dada empresa oferecesse ensinoprimário gratuito aos seus empregados a aos filhos destes, estaria deacordo com a Constituição. Mas, coiisiderando que a maioria esmaga-dora das empresas não teria condições ou mesmo interesse em montaruma escola para esse propósito, a lei estabelecia que as empresas trans-ferissem recursos financeiros para o Estado que, então, ofereceria o en-sino a que elas estavam obrigadas. Primeiramente, deveriam contribuircom 1,4% da folha de pagamento, alíquota aumentada, posteriormente,para 2,5% (fundindo-se as cobranças estaduais e federais). Pelo fato deser uma contribuição devida pelas empresas, calculada com base nossalários pagos por elas, a denominação passou a ser a de salário-educa-çao.

Estaria tudo muito bem se não houvesse a previsão da “escapada”pela via privatizante, já na lei 4.440, de 1964. Esta previa que ficariamisentas do salário-educação as empresas (com mais de 100 empregados,é claro) que institu íssem mediante convênio “sistema de bolsas de estu-do” com escolas particulares. No texto da lei, liavia a ressalva de que oconvênio com o “sistema de bolsas” deveria ser julgado satisfatório porato da administração estadual do ensino, aprovado pelo respectivo Con-selho Estadual de Educação. ~

Ora, ocorre que foi justamente nessa época que as secretarias e osconsellios estaduais de educação passaram a ser ostensivamente ocupa-dos pelos donos de colégios particulares e seus prepostos, que tinhanitodo o interesse em aprovar convênios que beneficiavarn, antesde tudo,as empresas de-ensino de sua propriedade ou às quais prestavam seus“serviços”. i '

A armação era a seguinte: considerando que as empresas prefe-riam recolher o salário-educação do que abrir suas próprias escolas,organizaram-se firmas de agenciamento entre as empresas e as escolasparticulares. Uma dada empresa recebia a visita de um agente que aconvencia a deixar de recolher a quantia devida do salário-educação,transferindo parte dessa quantia a uma escola, a título de bolsa de estu-do, em troca de um recibo, emitido pela escola, com o valor total dosalário-educação. A diferença ia para o “caixa 2”da empresa ou para 0bolso de um de seus dirigentes. Já a escola, “arranjava” uma lista dealunos “beneficiados” por essas bolsas. Em muitos casos, os bolsistas játinham sido contemplados com outras bolsas e deles se pedia, freqüen-

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temente, que, ainda assim, pagassem à escola uma certa quantia, a tí-tulo de “complementação”.

Segundo dados do próprio Ministério da Educação, esse agencia-mento empresa-escola foi responsável pelo desvio de cerca de 40% dosrecursos devidos por conta do salário-educação. Em 1983, no Estado doRio de Janeiro - os dados são ainda do ministério - a estirnativaé de queforam concedidas 150 mil “bolsas-fantasma”, representando um roubode cerca de 4 bilhões de cruzeiros, feito por 210 escolas.

A corrida para repartir os despojos do salário-educação fez comque algumas prefeituras resolvessem privatizar sua rede de escolas. Jáque não viam como moralizar a situação (recursos públicos para escolaspúblicas), resolveram locupletar-se, como as escolas particulares e asagenciadoras de bolsas de estudo.

Essas prefeituras instituíram fundações de direito privado e paraelas (pasmem, leitoresi) transferiam os prédios das escolas municipais,os professores e os funcionários: era a privatização total do ensino. Dasdireções dessas fundações participavam o prefeito e o secretário de edu-cação, é claro, mas, isso que é o mais importante, participavam tambémos grandes industriais e comerciantes, justamente os proprietários e ge-rentes das empresas devedoras do salário-educação. Esses prósperos se-nhores transferiam, então, o dinheiro devido por suas empresas para asfundações educacionais que eles próprios dirigiam!

Foi a forma mais ousada de submeter o ensino público ao contro-le do capital privado: não havia sequer a intermediação da administra-ção pública.

Os abusos cometidos pelo capital privado às custas do salário-edu-cação foram de tal monta, que mesmo a gestão privatista do govemoFigueiredo viu-se obrigada a alterar o sistema. Dois decretos, um de1982, outro de 1983 (este baixado por pressão dos governos estaduaiseleitos pelo povo), proibiram a .captação de recursos do salário-educaçãopor essas fundações instituídas pelo poder público, mesmo as de direitoprivado; obrigaram as escolas a manterem escrituração dos recursos re-cebidos; impediram a cobrança aos alunos de contribuição complemen-tar; encarregararn as secretarias estaduais de educação de distribuírembolsas de estudo, com recursos do salário-educação, só para os estu-dantes que não encontrassem vagas narede pública. ,

Com isso, só conserva a possibilidade de isenção da contribuiçãodo salário -educação a empresa que mantiver escola de 10 grau para seusempregados e os filhos destes ou, então, que se preste a indenizar a es-colarização em estabelecimento privado desses beneficiários.

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Mas o salário-educação não é a única fonte de bolsas de estudoque serve para manter, artificialmente, o segrnento mais atrasado dosetor privado. No Município do Rio de Janeiro, por exemplo, há, ain-da, dois outros tipos de bolsas de estudo destinadas a estudantes de 10grau. 5 -

4 As bolsas de “obrigatoriedade escolar” são dadas a crianças desete a 14 anos de idade que não conseguem vaga em escola pública nasproximidades de sua residência. Essas bolsas são distribuídas na perife-ria do município, justainente onde reside a população mais miserávele onde a rede pública é diminuta. Em seu lugar, proliferarn escolas pri-vadas que subsistem às -custas das bolsas de estudo, conferidas, tradicio-nalmente, por intermediação político-partidária.

As bolsas de “compensação” resultam da transformação em bol-sas do imposto sobre serviços e do imposto predial e territorial urbanodevidos pelas escolas. Estas comunicam à secretaria de educação o nú-mero de bolsas de “compensação” que oferecerão, em lugar de pagaro ISS e o IPTU, e a secretaria indica os alunos que serão beneficiados,conforme critério de carência econômica. Até 1983, as escolas podiarnconverter todo o imposto devido em bolsas de estudo. Desde 1984, sópodem fazer isso com metade do imposto a pagar.

p Esse sistema de multiplicidade de bolsas tem permitido que, du-rante anos e arios, muitas escolas somassem as bolsas municipais, rece-bidas da prefeitura, com as bolsas federais, do salário-educação. Numlevantamento realizado em 1983, pela Secretaria de Educação do Mu-nicípio do Rio de Janeiro, cerca de 50% das escolas apresentavam casosde duplicidade de bolsas. E somavam, também, as contribuições maisou menos espontâneas recebidas dos alunos a título de complementa-ção.

Quando denunciamos esse verdadeiro assalto aos recursos gover-namentais, estamos preocupados com uma questão muito concreta: adistribuição dos recursos disponíveis para a expansão e a melhoria daqualidade da rede pública de ensino. E tenebrosa a solidariedade exis-tente entre os privatistas na direção dos sistemas de ensino - empenha-dos na contenção da escola pública, de modo a abrir espaço para a es- *cola particular - e esse sistema de transferência de recursos públicospara o setor privado de ensino, sob a forma de bolsas de estudo. O re-sultado é a feição antidemocrática do sistema educacional, onde, aolado de uma rede pública menor do que deveria e poderia ser, de qua-lidade insatisfatória, subsiste um setor de escolas particulares parasita.

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rias, mantidas vivas às custas das insuñciências artificiais do setor pú-blico.

. Um bom exemplodisso é o Estado do Rio de Janeiro, que disputahá muito, com o de Minas Gerais, a primazia em terrnos do controle pri-vatista sobre o ensino público.

O Município do Rio de Janeiro é herdeiro da mais ampla rede es-colar pública do país, resultado do privilégio de ter sido capital no Im-pério e na República, até 1960.

Apesar disso, a despeito do grande crescimento da população, arede pública de 19 grau “encolheu” de 1975 a 1980, diminuindo o efe-tivo discente em 98 mil alunos, uma perda relativa de l4%. Enquantoisso - ou melhor, por causa disso - a rede particular cresceu 26%, oque, mesmo assim, não foi suficiente para universalizar o ensino de 19grau. Situação ainda mais grave ocorreu nos municípios que formam aregião metropolitana do Grande Rio, onde estão os tristemente afama-dos municípios da baixada fluminense: Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolise São João de Meriti. O conjunto da região metropolitana decresceumenos, em termos de número de alunos (2,5%) do que o município dacapital, embora o crescimento da população tenha feito as exigênciasde escolarização mais graves naquela do que neste. Persiste, assim, naregião metropolitana, uma taxa de analfabetismo muito elevada parasua situação geral: 20% do milhão e meio de jovens de sete a 14 anos,dos quais 50 mil nunca tiveram, por tempo algum, escolarização regular.

De todo modo, esses dados, referentes â situação média do cres-cimento ou decréscimo numa dada área sócio-geográfica, dissolvem rea-lidades ainda mais terríveis do que a que os números permitem ver. É ocaso, por exemplo, da desativação do segundo segmento do ensino de19 grau (Sê a 81.1 série), transferindo-se os alunos para escola particularsituada nas proximidades, com suas anuidades pagas pelo poder públi-co mediante bolsas de estudo, evitando-se, com tal providência, a falên-cia do negócio do ensino que enriquece um “benemérito da educação”,em troca de apoio político.

Escândalo como esse, que não é privilégio, aliás, do Rio de .Ia-neiro, só é ultrapassado no Estado de Minas Gerais, onde os grupos pri-vados, dos mais lortes e organizados do país, conseguiram do governa-dor Francelino Pereira um decreto condicionando a extensão das quatroprimeiras séries de escola pública de 19 grau à concordância do repre-sentante das eniidades mantenedoras. Cercaram, assim, o ensino de20 grau como uma reserva de caça para o capital, colocando um freio,com amparo legal. ao crescimento da escola pública.

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e que vira um monte de cursinho
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Quando a crise econômica levou milhares e milhares de criançase jovens a se transferirem da escola particular para a escola pública de10 e 29 graus, encontrou-a com poucas vagas; “encolhida”, como noRio de Janeiro; submetida legalmente, em sua expansão, como em Mi-nas Gerais; ou estagnada, como em todo o país.

O ensino profissional não escapou da voragem do capital em mul-tiplicar-se com o álibi de promover a educação.

Por iniciativa do general-ministro da Educação Ney Braga, o Con-gresso Nacional aprovou, em 1975, uma lei (n9 6.297) que concediaincentivos fiscais às empresas que tivessem projetos de formação profis-sional. Para firis do imposto de renda, as empresas poderiam deduziro dobro das despesas com projetos que objetivassem “a preparaçãoimediata para o trabalho de individuos, menores ou maiores, através daaprendizagem metódica da qualificação proñssional e do aperfeiçoa-mento e especialização técnica em todos os níveis”. Mesmo que o abati-mento ficasse lirnitado a 10% do lucro tributado, passou a valer a penapara as empresas, principalmente as de grande porte, justarnente asque usam técnicas do tipo capital-intensivo, comprar formação profis-sional, nem que fosse exclusivamente para efeito de aumentar seu lucrolíquido. Para responder à nova procura por comprovantes de gastos,surgiram empresas de treinamento profissional ligadas aos grandesgrupos econômicos e também as que se dedicavam à mera corretagemde cursos ou, apenas, de recibos.s Assim, mais do que a qualificação profissional, o objetivo desseincentivo fiscal é aumentar os lucros das empresas, não só pela retençãode recursos, como também pela possibilidade que abre para o aumentodo capital de giro e/ou para especulação financeira com recursos que, deoutra forma, seriam pagos como imposto sobre a renda.

Não queremos dizer que as empresas não tenham usado pelo me-nos parte dos recursos comprovados como despesa de efetiva formaçãoprofissional. Mas o que acontece é que, quando o treinamento existe defato, tem contemplado, principalmente, as pessoas que ocupam cargos/de comando: gerentes, administradores, supervisores. A maior parte dostrabalhadores, os que estão diretamente ligados à produção, deixa dese beneficiar de projetos de melhoria de sua qualificação profissional.

Em suma, esses incentivos fiscais resultam em um pagarnento (pe-lo não receb irnento do imposto devido) de toda a sociedade para as em-presas, principalmente as grandes, reforçam a sua estrutura de poder epermitem que elas obtenham ganhos financeiros imediatos.

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Mas foi no ensino superior que a acumulação de capital no cam-po do ensino se fez de forma mais intensa e escandalosa.

Que grande ou média cidade brasileira não conhece o caso de umcolégio particular de 19 ou 29 graus que começou abrigando um cursosuperior nos horários e salas disponíveis e viu esse curso crescer e semultiplicar até virar uma grande faculdade, com vários cursos? Ou mes-mo uma universidade? Fato semelhante ocorreu com cursinhos pré-ves-tibulares, que, movidos pelos lucros que tiveram, cresceram “para ci-ma”, instalando faculdades, e “para baixo”, abrindo cursos regulares de19 e 29 graus. Existem “organizações educacionais”, nascidas de cursi-nhos pré-vestibulares, que já anunciam a “integração vertical” de suamercadoria: do pré-escolar à faculdade. Chegarão à pós-graduação?

Na Cidade do Rio de Janeiro encontramos mais de um caso exem-plar da acumulação de capital no campo do ensino. O Colégio Piedade,situado às margens da via férrea de um distante subúrbio, abrigou umafaculdade de filosofia e, com os lucros acumulados e o manto protetordo regime autoritário, foi ampliando e diversificando os cursos superio-res oferecidos, incorporando os imóveis vizinhos, construindo grandesprédios, e chegando hoje a ser uma das maiores universidades do país --a Universidade Gama Filho.

rg O aumento da procura de ensino superior nos anos 60, ao tempoem que o governo federal freava o crescimento das universidades públi-cas (e gratuitas), fez com que aumentasse enormementea demanda peloensino particular (pago). O governo recebia muito bem esse crescirnentodas escolas particulares, pois isso facilitava sua desobrigação para com amanutenção do ensino público e gratuito.

O Conselho Federal de Educação dava sua contribuição a esse“esforço” da iniciativa privada facilitando a concessão de autorizaçãopara funcionamento e credenciamento das faculdades particulares quese multiplicavam a cada dia. Com isso, as matrículas no ensino superiorpúblico que, em 1964, representavam cerca de 75% do total, em 1984so conseguiram abranger 25%, já que o crescimento das vagas foi resul-tado da multiplicação das faculdades particulares.

Mas, a crise do “milagre econômico brasileiro”, que se aprofunda-va desde 1974, ameaçava todo esse sucesso. Por não poderem pagar asanuidades, ou por terem de trabalhar para ajudar suas familias a enfren-tar a crise, muitos estudantes abandonavam os cursos das faculdades pri-vadas, assim como, pelas mesmas razões, diminuía o número de vestibu-landos. Os empresários do setor armaram, então, um plano bem urdidopara salvar seus empreendimentos.

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Page 10: LACunha O Golpe Na Educacao

Em primeiro lugar, voltaram à carga sobre a questão do pagamen-to do ensino superior público a “preços de mercado” onde esse paga-mento ainda não atingia esses níveis. Retomarain antigos argumentossobre a justiça dos ricos pagarem a educação dos pobres como arma edisfarce para seu verdadeiro objetivo: a eliminação das vantagens com-parativas do setor público em relação ao setor privado, principalmente agratuidade. Não fosse a grande resistência de estudantes e professores,eles teriam conseguido esse intento. p

Em segundo lugar, não bastassem os subsídios govemamentaisao setor privado, que permitiram ai algumas instituições construíremverdadeiros câmpus universitários, os empresários do ensino inventaramoutro mecanismo para sustentar a lucratividade de seus empreendimen-tos: o crédito educativo. Parte do dinheiro que os bancos deveriam re-colher ao Banco Central passou a ser emprestada aos estudantes paraestes pagarem, com juros e correção monetária, depois de formados,com um ano de carência. Previam-se duas formas de bolsas, uma parapagar a faculdade (a mais alta) e outra (muito reduzida) para a própriamanutenção do estudante. Todo o sistema era subsidiado em 90% comrecursos do Ministério da Educação. O setor privado passou a ganharduplamente: os bancos, por verem render um dinheiro que não pode-riam antes emprestar; os donos de faculdade, por ter diminuído onúmero de desistentes, isto é, por manterem sua receita. E os estudan-tes? Bem, a crise económica, com a conseqüente elevação do desempre-go, impedia que pagassem as dívidas contraídas, que subiam com jurose correção monetária. O resultado foi que, no início de 1983, dos 250mil concluintes de cursos superiores contemplados com o crédito edu-cativo, 200 mil eram inadimplentes, isto é, tinham deixado de pagar asprestações ou nem tinham pago qualquer parcela.,

Culpa do desemprego? Em parte. Da desonestidade de alguns?Talvez. Mas, certamente, todo esse problema não poderá ter soluçãose o empenho da política educacional não for o abandono da políti-ca privatista.

Aliás, essa política dos grupos mais conservadores do país não es-capou da crítica de um dos mais fiéis aliados do regime autoritário, desde os tempos da conspiração anti-Goulart : a USAID. ç

Em 1976, a USAID se preparava para diminuir muito ou até mes-mo para deixar de financiar projetos educacionais no Brasil. Para justi-ficar amudança, pediu ao General Accounting Office (Escritório deContadoria Geral) do governo norte-americano um parecer sobre asnecessidades do Brasil em matéria de ajuda externa para a educação.

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O parecer foi pelo fim da ajuda externa, alegando que o cresci-mento económico (era justamente a época do fim do “milagre econõnii-co”, só que o consultor ainda não sabia. . .) geraria os recursos necessá-rios para fazer frente às grandes necessidades educacionais do Brasil.

Mas essa agência, insuspeita de intenções subversivas, dava outrarazão para cessarem os acordos: a política educacional do governo bra-sileiro não estaria orientada para a democratização das oportunidadeseducacionais, conforme os acordos internacionais que o governo brasi-leiro tinha assinado, ainda durante a presidência de João Goulart.

O governo brasileiro estaria, para o consultor norte-americano, au-mentando a seletividade da escola, pois usava os recursos externos jus-tamente para diminuir os gastos públicos com educação. Além do mais,agravando a seletividade, estaria havendo uma drenagem de recursospúblicos para instituições particulares: 1% do total de recursos aloca-dos no 19 grau, 40% do total de gastos com o 29 grau e 39% com o su-perior estariam sendo transferidos para estabelecimentos particulares.

Só mesmo um consultor norte-americano poderia ter acesso a es-sas infomiações, já que o governo autoritário, pela aliança dos militarescom os privatistas, lançou mão de vários artifícios destinados a camuflaresses dados, dos quais é claro o efeito: a visível acumulação de capitalpelos grupos que fizeram da educação um grande negócio na acumula-ção privada de capital e/ou no exercício de influência ideológica.

A desobrigação do Estado para com a manutenção do ensino pú-blico e gratuito foi a contrapartida perversa do subsidio ao setor pri-vado.

Essa desativação refletiu-se na mudança dos próprios dispositivosconstitucionais que deterrninavam os gastos governamentais com o en-sino.

A Constituição de 1946 detenninava que a União deveria reservarpara os gastos) com o ensino pelo menos 10% da receita de impostos, omesmo devendo fazer os Estados e municípios com 20%. Esses quanti-tativos, no entanto, não chegaram a ser efetivamente alcançados.

A vitória da conspiração golpista, em 1964, acionou toda uma sé-rie de providências, no governo federal, destinadas a provar que nãohavia falta de verbas para educação. O problema é que se gastava mal.. .

.Da Constituição de 1967, que o regime autoritário fez o Congres-so aprovar, foi retirada a vinculação automática de verbas para 0 ensino,no plano da União: podia-se gastar 10%, como 15%, como 5%. Assim, aparticipação do MEC no orçamento da União, que oscilou entre 8,5% e

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10,6%, no período 1960-1965, desabou para a metade desses níveis nosanos 70, chegando a 4,3% em 1975.

O descaso do Estado para com a educação, acentuado pela dita-dura, fez com que o Brasil se convertesse num dos países que relativa-mente menos aplicam nesse setor. E

Para se ter uma idéia, em 1974 - ano limite do tão badalado “mi-lagre econômico brasileiro” -, o Brasil tinha o 99 lugar do mundo emtermos de produto nacional bruto (PNB). No entanto, emtermos dedespesas públicas com educação, em cifras absolutas, estava mais atrás,em 139 lugar.

O PNB, nesses anos todos, cresceu mais rapidamente do que asdespesas públicas com educação. Em 1976, por exemplo, o PNB cresceu1 1,6% enquanto a despesa pública com educação aumentou de apenas1,3%.

Voltando a 1974, ano para o qual temos dados gerais, as despesaspúblicas com educação representavam, no Brasil, apenas 2,8%, o quedeixava o país, em termos relativos, em 770 lugar no mundo. Con-cluindo: este é um dos países em que, relativamente ao PNB, o Estadomenos gasta em educação.

Os municípios continuavam obrigados a gastar 20%. Em 1971, alei: 5.692 ampliou a obrigação, fazendo incidir aquela proporção tam-bém sobre o Fundo de Participação dos Municípios. No entanto, a cen-tralização promovida pelo regime autoritário fazia com que uma parce-la ínfima da receita de impostos ficasse nos municípios e nos Estados.Era o govemo federal - justamente a instância político-administrativaisenta de gastos pré-fixados com o ensino - que recebia_a maior partedo bolo tributário.

A desobrigação do Estado para com a educação teve no ensino su-perior diretamente mantido pelo Ministério da Educação seu efeito maisdanoso. As verbas destinadas às universidades foram drasticamente cor-tadas, a ponto de muitas delas terem de paralisar importantes atividadesde ensino, de pesquisa e de prestação de serviços. Para cada Cr$ 100,00que as universidades federais receberam em 1980, a elas foi destiriado,em 1984, apenas Cr$ 37,80. No mesmo sentido descendente foi a re-muneração dos professores: de janeiro de 1979 a abril de 1984 houveuma perda salarial de 103%, o que levou muitos professores a procura-rem outros empregos. como complemento ou substituto da pesquisa edo ensino. Em ambos os casos, o resultado foi a deterioração da quali-dade da universidade pública. as *

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Com isso, muito se regozijaram os arautos do privatismo, qraproveitaram esse fato para apoiar suas pretensões de aumento drsubsídios para seus empreendimentos.

Assim se fecha esse círculo viciado e vicioso de mútuo reforço etre forças solidárias: a desobrigação do Estado para com a manutençãdo ensino público e gratuito e o subsídio governamental aos empreedimentos privados que buscam, no campo de ensino, a acumulaçãorcapital e/ou a in fluência ideológica.

Esse subsídio nem sempre é direto, na forrna de recursos qisaem dos cofres públicos para os das empresas de ensino. Ele apareraté de forma indireta, através dos abatimentos permitidos pelo inposto de renda. 1

E há pelo menos uma instituição que, movida por esses incentivrfiscais e pelo ardor cívico-religioso, pretende ocupar o vácuo deixadpelo Estado em sua desobrigação para com a manutenção do ensinpúblico e gratuito. Não é uma sociedade civil, de caráter propriamen*político, religioso ou cultural. E um banco! O Banco Brasileiro cDescontos - Bradesco.

Em 1984, a Fundação Bradesco gastou 20 bilhões de cruzeirrna manutenção de 23 escolas, situadas em 1 1 Estados, que recebiam 2mil alunos. Esses recursos provieram de doações das empresas do grupcapitaneado pelo banco. Como várias dessas escolas ministram 0 apreidizado da agricultura e da pecuária, as empresas desse grupo econõmicbeneficiam-se, por mais essa via, dos incentivos fiscais concedidos pellei 6.297/75: a dedução, do imposto de renda devido, do dobro dos gatos realizados com o “custeio do ensino de 19 grau para fins de apreidizagem profissional”.

Em 1985, a Fundação Bradesco prepara-se para gastar 107 bilhõrde cruzeiros em projetos educacionais, metade do que o Estado do Ride Janeiro gastou em educação no ano de 1984. O número de escolasobe para 29 e o número de alunos para 33 mil. i

São escolas de 19 grau situadas nas mais diversas regiões: em c.pitais de Estado e no pantanal matogrossense. Nelas se oferece o ensinque o govemo nega ao povo brasileiro e cobra-se a adesão a um autortário código de conduta que os funcionários do grupo Bradesco tãbem conhecem. Eles, como os estudantes, são obrigados a assinar urrdeclaração de princípios que sintetizarn os valores que todo patrão gotaria que os empregados respeitassem: amor ao trabalho, disciplina, repeito à hierarquia. Não bastasse essa explicitação acintosa dos valor:que unem a educação moral e cívica à educação física na política educ;

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cional da ditadura, as escolas da Fundação Bradesco exigem dos alunosadesão a uma moral ultra-conservadora, pedindo-lhes que prometamnão fumar, não beber, não praticar nenhum ato “contra a moral e osbons costumes”.

A muito custo, têm havido algumas vitórias parciais contra esse círculoviciado/vicioso de mútuo reforço entre a de_sobrigação do Estado paracom a manutenção do ensino gratuito e o apoio governamental aos em-preendimentos privados. E

As lutas pela democratização do ensino, especialmente pelo ensi-no público e gratuito, atingiram o Congresso Nacional, renovado pelaseleições de 1982. Na nova correlação de forças que se forrnou, foi pos-sível a aprovação, na Câmara dos Deputados como no Senado, do pro-jeto de reforma constitucional do senador João Calmon que estabele-ceu a vinculação automática de verbas para o ensino.

Assim, desde dezembro de 1983, a Constituição detemiina que ogovemo federal deve gastar pelo menos 13% e os Estados e municípiospelo menos 25% da receita resultante de impostos na manutenção edesenvolvimento do ensino. Foi uma vitória das forças políticas quelutam pela democratização do ensino em nosso país. Mesmo sendo umavitória parcial (pois não se especifica que esses recursos devem ser desti-nados ao ensino público e gratuito), a tecnoburocracia tudo fez para eli-minar essa conquista. Primeiramente, adiou a vigência da emenda cons-titucional, dizendo não ser ela autoaplicável, pois precisava, para terefeito prático, de uma lei ordinária que a regulamentasse. Depois, opresidente-general Figueiredo enviou ao Congresso um projeto -de regu-larnentação que visava minimizar o efeito da emenda: de um lado, reti-rava impostos que estariam sujeitos à aplicação dos 13%, diminuindo,assim, o montante de recursos em questão; de outro lado, consideravacomo manutenção e desenvolvimento do ensino coisas que nada tinhama ver com o espírito da emenda, desde escolas militares até treinamentode funcionários dos bancos oficiais e formação de diplomatas. Ou seja:regulamentar para nada ou pouco mudar.

Vemos, assim, o quanto tem sido difícil a luta pela democratiza-ção do ensino em nosso país: como a solidariedade entre o capital (espe-cialmente o interessado na “mercadoria” educação) e a burocracia civil-militar pôde encontrar meios e modos de diluir as vitórias ainda queparciais do povo brasileiro na direção do ensino público e gratuito deboa qualidade.

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III. A Exclusão pela Base

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Quando os resultados do Censo Demográfico de 1970 foram divulgadoainda no govemo Médici, os dados foram mais eloqüentes do que a fra:de efeito do general de plantão: “a economia vai bem, mas o povo vmal”. Ele não disse qual economia estava indo bem. Não era a econom-popular, certamente; nem a dos pequenos empresários, afogados pelcompetição das grandes empresas monopolistas e pelos juros escorchartes impostos pelos banqueiros. E 9iv. Como poderia uma parte da economia ir bem, enquanto a outi

ia mal? Para os arautos da política econômica da ditadura, o que hav;eram diferenças no ritmo da melhoria geral. Para os críticos, no entarto uns estavam se beneficiando da miséria dos outros. E lá estavam rI

dados do Censo para demonstrar a justeza da crítica. 1I

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Mas, os argumentadores do regime autoritário não se fizeram c'rogados. Foram buscar “explicações” fora do campo econômico parjustificar a exploração das massas. O que os religiosos faziam antes (e aguns ainda teimam em fazer), procurando na maldição divina ou no pcado a explicação da miséria, os economistas de plantão foram buscano campo da educação, com o mesmo fim anestésico.

Se a renda está mal distribuída, se os dados mostram que, no p«riodo 1960-1970, os ricos estavam cada vez mais ricos e os pobres catvez mais pobres, não é porque aqueles são os capitalistas e seus funcirnários mais próxiinos e estes os trabalhadores explorados até a exautão. A renda estaria mal distribuída porque uns tinham mais acessoescola do que outros. Repare bem a inversão das coisas, leitor: não sriam as diferenças de renda que explicariam as diferenças de escolaridde. Para os defensores da política econômica da ditadura (da submissaao imperialismo ao arrocho salarial), as diferenças de escolaridade é qtdetenninavam as diferenças de rendimentos entre as pessoas. E não frfácil desmascarar essa argumentação falsa. No período da maior represão policial de nossa história, a ditadura: usou e abusou dos meios Ccomunicação de massa, principalmente da televisão, para infundir nz

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massas essa crença no papel milagroso da educação.Parado governo e seus argumentadores, então, a distribuição da

renda mais igualitária viria, automaticamente, como resultado da maisampla distribuição de oportunidades educacionais para todos.

Para buscar credibilidade para sua política “distributivista”, osgovemos autoritários organizaram o Movimento Brasileiro de Alfabeti-zação - Mobral, que, em uma década, deveria reduzir a proporção deanalfabetos para menos de 10%. Montou toda uma rede de ensino suple-tivo usando o rádio - o Projeto Minerva -- e a televisão, veículo que ex-plorou até mesmo o gênero da novela com intuito educativo. Sucessivasoperações (categoria do vocabulário profissional militar) foram lançadascom o objetivo de ampliar e melhorar a escola de 19 grau. Em 1971, aLei de Diretrizes e Bases do ensino de 19 e 29 graus (lei 5.692/7l)aca-bou com o exame de admissão ao ginásio, fundiu os diversos ramos doginásio num só e o ligou, sem solução de continuidade, ao primário.Assim, a escolaridade obrigatória dos jovens de sete a 14 anos deixavade ficar restrita ao ensino primário. Dobrava o tempo de escolaridadeobrigatória: de quatro para oito anos. O Brasil deixava assim de ter umadas mais baixas exigências de escolaridade obrigatória, para ter uma dasmais altas do mundo. Era o tempo do “Brasil Grande”; “ame-o oudeixe-o”; os incomodados que se mudassem - senão, a polícia cuida-ria deles. . .

E a realidade, como andava?A taxa de escolaridade das crianças de sete a 10 anos, faixa etária

que correspondia ao antigo curso primário, baixou de 1970 a 1980: de66,3% para 65,5%. Isto quer dizer que, em 1980, mais de um terço dascrianças que deveriam estar cursando a escola primária estavam, na reali-dade, fora da escola. E veja o leitor que esse dado foi colhido quase 10anos depois que os pedagogos da ditadura, orgulhosamente, estenderamo tempo da escolaridade obrigatória de quatro para oito anos. Depois detodo esse tempo, o Estado continuava sem condições de oferecer sequeros quatro anos de escolaridade obrigatória. Se fomios ver o que aconte-ceu nas cidades, vamos constatar que a taxa de escolarização das crian-ças dessa faixa etária também caiu naquele período: de 82,7%, para79,9%. Fenômeno semelhante ocorreu na zona rural, onde se veriñcouuma queda de 48,5% para 42,2%.

Esses dados eloqüentes mostram que as condições de escolariza-ção pioraram justamente na base escolar: na escola primária, englobadaagora num fantasioso ensino de 19 grau, obrigatório em suas oito sériespara as crianças e adolescentes, de sete a 14 anos. Se, em 1970, havia

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6,5 milhões de pessoas dessa faixa etária fora da escola, em 1980, elasjá eram 7,5 milhões. Ou seja, os excluídos da escola aumentaram de ummilhão de 1970 a 1980!

O resultado dessa incompetência, ou melhor, dessa política educa-cional lesiva aos interesses mais fundamentais do povo brasileiro conti-nua a ser uma eficiente máquina produtora de analfabetos. Aos 14 anosde idade, os jovens brasileiros já deveriam ter oito anos de escolaridade,se formos acreditar nas metas proclamadas pelos pedagogos do regime.No entanto, a proporção de iletrados permanece ainda muito alta. Em1970, 24,3%'dos jovens de 14 anos não sabiam ler e escrever. Dez anosdepois, mesmo com todas as “operações escola”, os planos setoriais deeducação e os generosos subsídios às escolas particulares, havia 19% deiletrados com essa idade. E incrível que, na zona urbana, onde é muitomais fácil construir escolas e recrutar professores, a proporção de anal-fabetos de 14 anos de idade tenha continuado a mesma: 9,8%. Foi nazona rural que a expansão da rede escolar pública mostrou algum resul-tado, embora imensamente distante das necessidades mais básicas. Aproporção de analfabetos de 14 anos baixou de 41,9% para 36,8% na-quele decênio.

Este panorama desolador é bastante para denunciar o fracasso dapolítica educacional da ditadura, fracasso ainda maior se levarrnos emconta que, durante todos esses anos, os generais e coronéis do Ministé-rio da Educação tiveram meios excepcionais postos à suadisposição pa-ra remover antigos entraves que persistiam impossibilitando o atendi-mento das demandas populares por educação escolar. Uma dessas per-sistências é a taxa de evasão c repetência na 1? série do ensino de 19grau, da ordem de 40% como média nacional. Ao invés de enfrentá-lapela diminuição do número de alunos por sala; do aumento do númerode horas de aula por dia e do número de dias de aula por ano; da qualiñ-cação dos professores; da melhoria do material didático e de sua distri-buição gratuita; da adaptação dos métodos didático-pedagógicos às ca-racterísticas sócio-culturais das crianças, os pedagogos da ditadura lan-çaram mão do expediente paternalista, antidemocrático e antipedagógi-co da promoção automática. Mesmo que os estudantes não tivessemaprendido coisa alguma, eram promovidos para a série seguinte. Comisso, a expansão da rede escolar, das oportunidades físicas de escolariza-ção, não corresponde, na prática, a um aumento das oportunidades pe-dagógicas de escolarização. A

Não tenha dúvida, leitor, desse paradoxo perverso: mesmo tendoaumentado a presença do povo brasileiro na escola, o resultado da es-

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colarização tem sido absolutamente insuñciente e insatisfatório.De fato, o número de anos de escolaridade da população aumen-

tou entre 1970 e 1980. Naquele ano, os dados do Censo mostravam quea escolaridade mediana da população de dez anos e mais era de apenas1,5 ano. Isso quer dizer que metade da população maior de dez anosnão tinha nenhuma escolaridade, um ano de escola ou um ano e meio.Ou seja, quase nada. A outra metade tinha escolaridade maior do queum ano e meio. Na zona rural, metade da população não tinha escola.ridade alguma, ao passo que, na zona urbana, melhor provida de esco-las, essa medida de tendência central alcançava 3,0 anos. Nas cidades,então, a metade da população de dez anos e mais tinha escolaridade in-ferior à do antigo curso primário. Em 1980, a escolaridade medianacontinuou no valor zero na zona rural. Na zona urbana subiu de 3,0anos para 3,7 anos e, no conjunto, de 1,5 para 2,4. De fato,houveaumento da escolaridade da população, mas um aumento insignificantepara o período de toda uma década e para a gravidade do problema.

Posto o problema de outro ângulo, quando se vê o número deanalfabetos de 14 anos de idade reduzir-se tão pouco, só 5% ao longo detoda uma década em que a educação foi alardeada como a panacéia paratodos os males do povo brasileiro, só podemos entender aquele parado-xo como produto de uma política bem arquitetada para desviar as aten-ções. E a educação escolar-tem se prestado admiravelmente a esse tipode manipulação. A insuficiência do salário, comprimido pelo arrocho,podemos senti-la ao fim de cada mês, até mesmo antes, em nosso pró-prio bolso e no reconhecimento dos problemas semelhantes dos cole-gas de trabalho. No entanto, o fracasso da escola fica diluído pelasdiferenças individuais e pelos anos de escolarização. °

Pois bem, até aqui falamos da escola regular de 19 grau. Qualteria sido, entretanto, o desempenho do Mobral, grande esperança polí-tica educacional do “mílagre brasileiro”'?

O Movimento Brasileiro de Alfabetização foi criado em 1967, massó revisto mesmo em 1970. Sua inspiração provinha das numerosas cam-panhas e cruzadas que se promoveram para livrar o país da “sujeira”do analfabetismo, como se a falta do conhecimento da leitura e da es-crita fosse a causa dos males do nosso povo: a pobreza, a doença e atémesmo a opressão política. . . O entusiasmo por mais esse movimentode alfabetização vinha, também, dos pedagogos da ditadura e dos eco-nomistas e militares travestidos em educadores que ignoravam que oanalfabetismo só foi superado, historicamente, por dois caminhos: 1)pela expansão das oportunidades de ensino público e gratuito, acompa-

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nhada ou precedida por significativas melhorias do padrão de vida dasclasses populares; ou, entao, 2) de campanhas maciças de educação po-pular durante ou logo após uma revolução, como na União Soviética,na China, em Cuba, no Vietnam e, mais recentemente, na Nicarágua.Nenhuma dessas condições estavam presentes no Brasil dos anos 70. Oensino público e gratuito se expandia lentamente e, para complicar ain-da mais as coisas, tinha sua qualidade deteriorada. As condições devida da população pioravarn a cada dia. Restava a solução das campa-nhas maciças de educação popular. Mas o Mobral não podia fazer isso,pois o objetivo do governo autoritário, anti-revolucionáriole anti-refor-mista, era criar, pela via “doce” da alfabetização, uma base política denovos eleitores (alfabetizados, portanto) para a sustentação política doregime.

Dinheiro para o Mobral não faltou, pois a Loteria Esportiva e osincentivos fiscais foram boas fontes de receita. Recursos humanos tam-bém, pois milhares e milhares de pessoas ofereceram-se como voluntá-rios para alfabetizar os adultos, mesmo sem remuneração. Apoio ins-titucional, o Mobral também o teve abundante, em todo o país, em to-dos os horários.

Qual o resultado de to do esse aparato?, O primeiro sinal do fracasso retumbante do Mobral foi dado pelo

resultado das eleições legislativas de 1974. Abandonando a opção equi-vocada do 'voto nulo”, as oposições ao regime militar apresentaramplataformas e candidatos que conseguiram amplo apoio popular. O Mo-vimento Democrático Brasileiro (MDB) derrotou o outro movimento,o de alfabetização (Mobral), que pretendia formar eleitores para o par-tido do govemo autoritário, a Aliança Renovadora Nacional. Mesmotendo alardeado a alfabetização de 6,3 milhões de pessoas de 15 a 35anos de idade, em apenas quatro anos de funcionamento, os militaresviram que o Mobral, se estava preparando eleitores, era para o MDB.Além do mais, alguns pesquisadores daquela instituição educativa co-meçaram a mostrar resultados de seus levantamentos que endossavam ascríticas dos educadores oposicionistas: na realidade, o Mobral estavaalfabetizando muito pouca gente, os dados estatísticos escondiam aselevadíssimas taxas de evasão e os métodos pedagógicos eram inade-quados aos analfabetos visados.

As contas do Censo de 1980 não deram outra. . .Se a taxa de analfabetismo de 1970 era de 33,6% para a popula-

ção de 15 anos e mais, dez anos depois tinha baixado para 25,4%, ouseja, uma diferença de apenas 8,2%. Para uma barulhenta cruzada alfa-

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betizadora, que esperava uma “taxa residual” de analfabetos em 1980inferior a 10%, era o fracasso proclamado aos quatro ventos. Ventosque sopravarn ainda mais forte quando se via que o número absoluto deanalfabetos de 15 anos e mais aumentou, naquele período, de 540 milpessoas, que foram somar-se aos 18,2 milhões de iletrados que haviaem 1970.

Não acredite o leitor nas falsas idéias de que taxas tão elevadas deiletrados são características irremovíveis dos países latino-americanos esubdesenvolvidos. Países como o Haiti, a Guatemala, Honduras, El Sal-vador, Bolívia e República Dominicana -têm taxas de analfabetos supe-riores à do Brasil. Por outro lado, o México, o Equador, a Venezuela,a Colômbia, o Panamá e o Paraguai têm menos analfabetos, em termosrelativos ao tamanho da população. E há países tão latino-americanos esubdesenvolvidos como o nosso que, sem nada parecido com o Mobral,somente com a organização de uma escola eficiente, conseguiram redu-zir o número de analfabetos a níveis bem baixos: o Chile (8%), a Argen-tina (6%) e o Uruguai (5%).

Mas não é nada fácil acabar com uma estrutura tão grande como ado Mobral, com suas diretorias e assessorias, suas coordenações esta-duais e sua presença em praticamente todos os municípios do país. As-sim, ao invés de ser extinta, a instituição passou a procurar outras for-mas de “mostrar serviço": ação cultural junto às populações rurais e dasperiferias urbanas, bem como a educação pré-escolar. No primeiro caso,buscava submeter ao controle do Estado a crescente organização popu-lar via associações de moradores e de outro tipo; no segundo caso, subs-tituir a própria escola regular e as creches. Para quem começou com tãofortes ares de onipotência, trata-se de uma espera melancólica do fiminevitável! '

Vamos agora apresentar ao leitor um panorama do que se conven-cionou chamar de “pirãmide escolar” brasileira, embora não utilizemosessa ñgura geométrica. Os dados apresentados abaixo mostrarão, demodo eloqüente, a discriminação, pela base, das oportunidades do aces-so à escola para o povo brasileiro. 1

Tínhamos, em 1980, 28,3 milhões de estudantes matriculados emcursos regulares, a maioria dos quais (22,7 milhões) no ensino de 19grau. O ensino pré-escolar, apesar da grande quantidade de crianças dezero a seis anos, recebia apenas 1,3 milhão delas, metade das quaisfreqüentava estabelecimentos particulares. No 19 grau, a presença dosetor público é mais forte: apenas 15% dos alunos freqüentam escolasparticulares, embora a falta de escolas públicas seja muito grande na pe-

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riferia dos grandes centros urbanos, como já foi dito e explicado. Dos22,7 milhões de alunos do 19 grau, a grande maioria (16,1 milhões)está nas quatro primeiras séries, correspondentes ao antigo curso pri-mário, sendo que 4,5 milhões dessas crianças estudam em precárias es-colas unidocentes, aquelas onde um só professor ensina, no mesmo lu-gar, ao mesmo tempo, para os alunos de todas as séries. Depois de oitoanos de determinada, por lei, a duplicação da escolaridade obrigatória,apenas 6,6 milhões de alunos freqüentam o segundo segmento do ensi-no de 19 grau (Sê à 83 série, correspondente ao antigo ginásio). Issomostra o quanto essa política foi mais uma ,proclamação vazia e enga-nosa dos pedagogos da ditadura.

Se o segundo segmento de ensino de 19 grau já representa umprofundo corte na promoção dos alunos, quando comparado com o pri-meiro segrnento, o ensino de 29 grau expressa um corte ainda maior,pois tem apenas 2,8 milhões de estudantes, a metade dos quais freqüen-ta escolas particulares. Note o leitor que o 29 grau e o pré-escolar apre-sentam a mesma divisão meio a meio das matrículas entre o setor públi-co e o setor privado. Internamente, 0 ensino de 29 grau é altamenteseletivo. Da 19 para a 29 série, há uma perda (exclusão) de 30% dosestudantes; da 29 para a 39, de 25%. Os concluintes são, portanto, umaparcela bastante reduzida dos que conseguiram ingressar no 29 grau. Eesta parcela reduzida que, lado a lado com as centenas de milhares dediplomados - a qualquer custo e a qualquer preço - dos cursos suple-tivos particulares, vai se candidatar aos exarnes vestibulares.

No ensino superior encontravarn-se, em 1980, cerca de 1 ,S milhãode estudantes, 75% deles freqüentando faculdades particulares. Nestasfaculdades, em geral de baixíssimo nível de ensino e altas anuidades,estudam('?) os alunos que já padeceram as piores condições de ensino; enelas encontram os professores menos qualificados, estudam nos pioresprédios, às vezes no turno da noite, não têm acesso a bibliotecas, labo-ratórios e outros recursos indispensáveis a um ensino de boa qualidade,além de terem de trabalhar para manter-se e à sua família.

Mas, se o ensino superior apresenta, no Brasil, um (padrão alta-mente discriminatório, o ensino de 19 e de 29 graus já procedeu, antesdele, a uma perversa exclusão de milhões de crianças e jovens que fica-ram privados da educação sistemática. E a exclusão pela base do sistemaescolar.

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IV. A Profissionalização Fracassada

A política educacional da ditadura teve no “ensino profissionalizante”uma das suas “realizações” mais arnbiciosas. 1

Tratou de multiplicar os ginásios orientados para o trabalho(GOT) e tornar o 29 ciclo do ensino de 29 grau (o antigo colegial)compulsoriamente profissional. ,

Vamos começar pelos ginásios orientados para o trabalho e ver oque eles tmham a ver com o traballio.

,_ _ Nas duas 'primeiras séries do antigo ginásio ,predorninavam as dis-ciplinas de carater geral, ao lado de disciplinas vocacionais, destinadasa sondar aptidões: artes industriais ou técnicas agrícolas, confomie aeconomia da região onde o ginásio se localizasse. Nas duas últimas sé-ries, aumentava a carga horana destinada às disciplinas vocacionais. Osalunos poderiam escolher entre dedicar-se às artes industriais, às técni-cas agrícolas, às técnicas comerciais, à educação para o lar ou, ainda, aoaprofundamento dos estudos gerais. Essas disciplinas vocacionais teriamo objetivo de continuar a sondagem vocacional, de modo mais profun-do, de fomia a fundamentar a escolha de cursos profissionais ou gerais,no 29 grau, caso os alunos prosseguissem os estudos; caso contrário, aimciação profissional, facilitando o rápido treinamento numa ocupaçãoespecífica, já em serviço. A

Pois bem, cerca de 600 ginásios desse tipo foram construídos noBrasil, para o que muito contribuíram os assessores norte-americanos eos dólares da USAID. E foram assimilados pela reforma do ensino de19 e 29 graus de 1971 (lei 5.692) como se tivessem sido feitos sob me-dida para o segundo segmento do 19 grau.

Hoje, a maioria desses GOT, já sem esse nome, está com as salas-ambiente usadas para outras finalidades, os equipamentos deterioradosou trancados a sete chaves, “postos a salvo” dos alunos. A própria idéiada sondagem de aptidões e de inicraçao para o trabalho-já se .diggolveuno ensino aguado que a política educacional da ditadura conseguiu fa-zer nas escolas públicas. As escolas particulares, voltadas para o ensino

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da elite ou para a escolarização a qualquer preço das crianças e jovensque não foram atendidos pela escola pública, nem mesmo se preocupa-ram em vestir a máscara da “orientação para o trabalho” no ensino de19 grau. Fizeram de conta (ou assumiram mesmo) que todos os alunostinham capacidade para o “aprofundamento nos estudos gerais” e esta-vam interessados nisso. ç

Mas, será que o GOT tinha razão de ser na sociedade brasileira?Nossa resposta é um enfático não. .Não tinha razão de ser, antes de qualquer outra coisa, pela filoso-

fia difusionista que permeava os planos de sua implantação. Como apolítica da ditadura fazia em diversos outros setores, imaginava-se quea instalação desses “ginásios modernos” nas capitais dos Estados e nascidades mais importantes do interior iria fazer com que a modernidadese difundisse desses centros educacionais para a periferia arcaica, aca-bando por fazer com que todo o sistema de ensino se modernizasse.Ora, essa política de modernização vai de encontro à lei de ferro do de-senvolvimento capitalista que força as pessoas mais qualificadas e os re-cursos materiais mais abundantes a convergirem para as regiões e as ci-dades mais prósperas, justamente o contrário do que os pólos difusorespretendiam fazer. E o pior é que essa política difusionista tão “vendi-da” pelos “cientistas sociais” norte-americanos nos anos 50 e 60, eoficializada pela ditadura, tem encontrado partidários em prefeitos,governadores e parlamentares eleitos pelo povo. Apressados que estãoem “mostrar serviço”, visando as eleições vindouras, optam por instalaralgumas grandes e bem equipadas escolas ao invés de melhorar o con-junto da rede pública, embora menos espetacularmente. Com isso, aca-bam continuando a política educacional da ditadura, elitista, ao bene-ficiar alguns poucos, em detrimento do maior número.

O -GOT não tinha razão de ser, também, no seu modo de sondaraptidões e de iniciar para o trabalho. Para comentar isso, ,vamos consi-derar o caso das artes industriais e da educação para o lar.

As artes industriais ensinadas no GOT não eram industriais. Eram,isto sim, artesanais: trabalho com madeira, metal, cerâmica e outrosmateriais, com os alunos utilizando ferramentas simples para cortar,dobrar, encaixar, unir, polir, e coisas assirn, para produzirpequenaspeças. Ora, a tendência do processo de trabalho, no Brasil como em to-do o mundo, é no sentido da destruição do artesanato pela indústriamecanizada e até mesmo automatizada, onde não há lugar para o arte-são. O operário é inserido numa linha de produção onde opera máqui-nas e equipamentos feitos sob medida, não tendo, como o artesão, ca-

UNlCa.fi~..fiâ-- -_ -. uiséaioiã-o-63

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lpacidade de fabricar todo o produto. Não se trata de fabricar fogões alenha, mas computadores. Ao capital interessa que os trabalhadoresnão tenham de dominar todo um conjunto complexo de operações, deconhecimento de matérias-primas, de processo, de estética, etc., justa-mente para que possa intercambiá-los, dispor deles em abundância; paraque possa comprar uma força de trabalho cada vez mais barata, emsuma.

Que aptidões o GOT pretendia sondar? Aptidões para o trabalhocada vez mais desqualificado, alienado? Que utilidade tinha iniciar osalunos em trabalhos artesanais se eles iriam inserir-se em linhas de pro-dução que dispensavam qualificações artesanais? .

Além do mais, não tem sentido a prática de atividades artesanaispara sondar as aptidões dos alunos para cursos técnicos a nível de 29grau. Os técnicos industriais projetam, desenham, administram, con-trolam custos e qualidade, supervisionam grupos de pessoas. Devem terinformação, e, às vezes, até mesmo conhecimento do que os operáriosfazem. Em nenhum caso, sua fomiação implica o domínio das tais artesindustriais, que não passam de técnicas artesanais. Pensar que sim foium grande equívoco de pessoas que desconheciam a produção, dela sótendo as visões fantasmagóricas de antídoto contra o “comunismo” e opecado. Esse equívoco não teria importância se essas pessoas não tives-sem o poder que tiveram, de transfomiar suas fantasias em diretrizes ebases do ensino de 19 grau!

A educação para o lar reunia outro conjunto de estereótipos acer-ca da produção. Só que, agora, tratava-se da produção doméstica, de en-sinar as meninas - às vezes os meninos, só que não se levava isso a sério- a preparar alimentos e roupas, a conservar a casa, a fazer orçamentosdomésticos, tudo dentro do mais cândido quadro conservador “daquiloque se chama lar”. Com muita razão, mães de alunas resistiam a esse ti-po de educação para suas filhas, pois não as queriam qualificadas em“fomo e fogão” para serem empregadas domésticas. Afinal, os sacrifí-cios que faziam era para que a escola ensinasse o que elas não sabiam,para que suas filhas não tivessem de permanecer na semi-servidão que otrabalho doméstico, no Brasil, implica.

ç Que “aptidão para 0 lar” o GOT esperava ensinar? Que ensinotécnico a nível de 29 grau poderia ser recomendado a uma aluna quequisesse prosseguir seus estudos? Seria algum curso “espera-marido”?Ou esse seria em grau superior?

Todo esse equívoco pedagógico, misturado aos estereótipos con-servadores, assumiu ares de modernidade na política nacional da dita-

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Ipemas bênçãos do imperialismo enviadas pelos acordos MEC-

Ajprofissionalização no ensino de 29 grau, embora situada no mesmoquadro ideologico, teve razões diferentes para sua generalização, comofoi feito pela mesma lei 5.692, de 1971. r

A idéia de acabar com os cursos clássico e científico que só prel , -paravarn para vestibulares, tornando todo o colégio (o 29 ciclo do ami.

go 29 grau) profissionalizante, nasceu da preocupação de conter a pro-cura de vagas nos cursos superiores.

A procura de cursos superiores vinha crescendo no Brasil desde05 31105 40, impulsionada. pela inviabilização dos pequenos negócios aoalcance das camadas médias, correlativamente ao crescimento das buro-cracias do setor público e do setor privado. A redefinição do papel damulher no trabalho, valorizando-se cada vez mais sua atividade produti-va extra-doméstica, constituiu outro fator que impulsionava o aumentoda procura de vagas nas escolas superiores. Q

Essa demanda se dirigia às instituições públicas, por serem gratui-tas (ou quase), ja que os jovens das camadas médias procuravam cami-nhos para mmirnizar os custos de seus projetos de ascensão social. Maso govemo instalado pelo golpe de Estado não se dispunha a servir aosprojetos das camadas médias. Embora lhes atirasse algumas migalhas,suas políticas destinavam-se al facilitar o processo de acumulação dogrande capital, e não os projetos do candidato a médico, a professor defisica, a psicólogo, a economista, a contabilista, e a outras ocupaçõestipicas das camadas médias. Impunha-se, pois, pela própria lógica doregime autoritário, conter essa demanda de ensino superior. Os dirigen-tes do Estado temiam que, se o número de fonnados aumentasse muito,estes nao encontrariam empregos compatíveis com suas expectativas deascensão social: teríamos advogados-balconistas, economistas-motoris-tas, médicos-vendedores, professores-datilógrafos e outras “irracionali-3332; 13€ Cgãrlunp nos tempos atuais;¿O que aqueles conservadorestmnsformasspm i-'gn eâniani e que esses desajustados profissionais se

gressivos contestadores do regime. Não eram ca-pazes de perceber que os povo brasileiro tinha muitas e variadas razões,mais fortes do que essa, para lutar pelo fim da ditadura. . .

Por outro lado, sabiam não ser politicamente conveniente para oregime elevar ainda mais a visível barreira dos exames vestibulares, pois

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o número de “excedentes” crescia a cada ano, assim como suas reivin-dicações de aumento do número de vagas nas universidades públicas.

As escolas técnicas industriais eram o festejado modelo do novoensino de 29 grau profissionalizante. Elas não eram muitas, no Brasil,no fim dos anos 60. Apenas algumas dezenas, mas gozavam de alto con-ceito, muitos dos seus ex-alunos conseguiam bons empregos ou faziambons cursos superiores. Só que o que dava certo com poucas escolas,com alguns milhares de alunos, e no setor industrial, não tinha de darcerto com todas as escolas de 29 grau, com mais de dois milhões de alu-nos, em todos os setores da economia. Muitos administradores educa-cionais sabiam disso, mesmo dentro do próprio Ministério da Educação.Foram calados pelas ameaças dos coronéis que controlavam o MEC eseus ardorosos aliados civis.

Contrariando, então, as pessoas que conheciam o mundo da pro-dução (fora dos quartéis e dos gabinetes do Conselho Federal de Edu-cação), o governo enviou ao Congresso um projeto de lei (que veio aresultar na lei 5.692/71), tornando universal e compulsoriamente pro-fissional o ensino de 29 grau. Acabavam os cursos clássico e científico.Acabava, também, a especificidade das famosas escolas técnicas indus-triais e das escolas normais, pois seus cursos seriam, como o de todas asdemais escolas de 29 grau, profissionalizantes, isto é, conferiam aos es-tudantes uma habilitação profissional como técnico ou auxiliar técnico.

Com isso, os planejadores educacionais da ditadura imaginavamresolver dois problemas, ao mesmo tempo. Haveria uma imensa carênciade técnicos e auxiliares técnicos, de todas as especialidades, cujos cargosestariam sendo ocupados por pessoas sem formação apropriada, simples“práticos”, e por pessoas-escolarizadas demais, como os engenheiros,que estariam então subutilizadas. Esses cargos não eram preenchidospor pessoas de formação adequada -- os técnicos e os auxiliares técnicos-, porque não havia cursos profissionais em quantidade suficiente. Porisso, os egressos do 29 grau, dos cursos de caráter geral, o clássico e ocientífico, eram “obrigados” a se candidatarem a cursos superiores, embusca de uma formação profissional. Daí o congestionamento dos vesti-bulares. Com a profissionalização universal e compulsória, os estudantesjá sairiam do 29 grau com uma habilitação profissional e procurariamlogo um emprego, o que não seria difícil, já que o “milagre económico”prometia empregos e salários crescentes.

Só que não era nada disso o que acontecia.Se os planejadores educacionais da ditadura saíssem dos seus gabi-

netes, iriam ver que os engenheiros estavam ocupando o lugar dos técni-

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cos não por causa da falta de técnicos, mas porque faltavam empregospara engenheiros, e estes venciam aqueles na competição. E não era poroutra razão que grande parte dos que concluíam os cursos técnicos in-dustriais acabavam indo para uma escola de engenharia em busca de umdiploma (nem sempre de uma qualificação) que os habilitasse a disputarem melhores condiçoes os cargos que lhes eram destinados como técni-cos. Iriam ver, também, que o pequeno número de enferrneiros nos hos-pitais, em comparação com o número de médicos, não decorria da faltade escolas de enfermagem. Havia vagas sobrando. Os médicos definiam adivisão do traballio na instituição hospitalar e impunham todo um mo-do de tratamento que desincentivava a procura dos cursos de enferma-gem. E por ai' afora. . 2

Eles iriam ver, também, que o sistema educacional brasileiro nãoseria capaz de implantar, mesmo gradualmente, uma transformação des-se tipo, por absoluta falta de recrusos humanos e materiais. Ademais,veriam não ser possível para as escolas oferecerem habilitações profis-sionais conforme as mudanças da economia na região onde se localiza-vam. Como definir o perímetro do mercado de trabalho influenciadopor uma dada escola? O bairro? A cidade? O estado? O país inteiro?Como saber onde os jovens vão trabalhar depois de quatro anos, quandose formarem, ainda mais num país como o nosso, onde 40% da popula-ção são migrantes? Como quantificar a procura por técnicos de uma dadaespecialidade numa economia essencialmente anárquica, como a capita-lista, e cronicariiente em crise, como a brasileira? Além do mais, a divi-são técnica do trabalho não se faz pelos critérios tão “certirihos” e sirn-plificados de níveis de escolaiidade. Nada disso ocorria ao pensamentodos otimistas coronéis do Ministério da Educação e de seus letradosconselheiros. . . f

Sancionada a lei pelo general-presidente Emílio Médici, com aassinatura de seu ministro da Educação, o coronel Jarbas Passarinho,passou-se à sua implantação, alardeada como a tábua de salvação daeducação nacional: agora, sim, a profissionalização dava aos pedagogosda “revolução” a resposta para a pergunta sobre a articulação entre aescola e o desenvolvirnento!

As escolas particulares, ciosas dos interesses imediatos de suaclientela, inventaram a profissionalização do faz-de-conta: já que seusalunos estavam interessados mesmo era no curso superior, fantasiavamde “curso técnico de análises clínicas” o currículo das turmas orienta-das para o vestibular de medicina; “tradutor-intérprete”, para os deletras; “mecânica”, para os de engenharia, e outras “soluções” de.SSfl

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ordem. No caso de um caro colégio religioso, que atendia à elite econó-mica de sua cidade, o curso “técnico” era de mecanica de automóveis,pois os futuros universitários já tinham como certo ganhar um carro dopai se fossem vitoriosos nos exames vestibulares! Muitas escolas parti-culares nem se preocupavam com o disfarce, tamanha era a certeza deque tal farsa impediria os fiscais das secretarias de educação de agiremcontra elas, ainda mais quando a rede pública enfrentava problemasbem maiores na adaptação dos currículos.

Mas, para o CFE, parece que bastava um parecer seu para mudar omundo do traballio. O parecer 45/72 relacionou 130 habilitações paratécnicos e auxiliares técriicos. Em certos casos, previam-se várias ocupa-ções “típicas” de um mesmo setor. Para a indústria de tecidos, porexemplo, previam-se oito habilitações: técnico têxtil, técnico em fiação,técnico em tecelagem, técnico em malharia, técnico em acabamentotêxtil, desenhista de padronagem, auxiliar de laboratório têxtil em fi-bras e tecidos, auxiliar de laboratório têxtil em química. Novas habilita-ções, com seus currículos mínimos específicos, foram sendo acrescen-tadas à lista original. Em agosto de 1974, o número de habilitações doensino de 29 grau já chegava a 158, algumas delas aprovadas apenaspara certas unidades da federação.

Os estragos na rede pública foram enormes.As escolas normais foram desativadas, sendo o curso de formação

de professores primários (da ltl à 43 série, na nova e prolixa lingua-gem) transformado em apenas mais uma habilitação do elenco oferecidopelas escolas, para onde iamzos alunos que, por suas notas, não conse-guiam vagas nas turrnas de habilitações mais atraentes. Isso, mais o cur-rículo aguado da habilitação, teve danosas conseqüências para a quali-dade do ensino. As escolas técnicas industriais sofreram violência seme-lhante. Os certificados de seus cursos valiam, agora, 0 mesmo que osconferidos pelos cursos improvisados das outras. Não foram poucas asescolas técnicas transformadas em “centros interescolares”, onde osalunos das demais eram “apresentados”a máquinas, instrumentos, equi-pamentos, num rodízio que não era suficiente para o ensino profissio-nal, nem dava espaço para a continuação do ensirio que elas desenvol-viam há muito tempo. O mercado de trabalho para o técnico industrialpiorou, com isso, ao invés de melhorar.

A quem interessava a política de profissionalização universal ecompulsória no ensino de 29 grau?

Aos empresários do ensino certamente não, pois elevava seus cus-tos. Aos estudantes também não, pois, nas condições sociais da socieda-

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de brasileira, era encarada como uma perda de tempo. Aos adininisuz.,dores educacionais também não, pois se viam diante da tarefa imensa eimpossível de implantar um projeto inviável, mesmo se houvesse dirihei-ro sobrando, o que não era o caso. Aos técnicos em educação, menosainda, pois eles recomendavam, já em 1969, nos encontros que antece.deriam a V Conferência Nacional de Educação (cassada, aliás, pelo Mj-nistério da Educação), a ênfase na educação geral no ensino de 29 grau,até mesmo para que se conseguisse propiciar adequada formação profis-sional, cada vez mais realizada nos próprios locais de trabalho. Aos vir-tuais empregadores de técnicos de nível médio, a profissionalizaçãouniversal e compulsória também não interessava.

E fato conhecido que as pequenas empresas empregam uma quan-tidade diminuta de técnicos de nível médio formados em escola - oque não quer dizer que não tenham funcionários desempenhando fun-ções que poderiam ser desempenhadas por aqueles. A esperança dospromotores dessa política é que as grandes empresas, os principais be-neficiários e agentes do 'milagre económico”, fossem abrir as portas deseus departamentos de pessoal para os técnicos que iriam sair das foma-das das escolas de 20 grau convertidas à pedagogia profissionalizante.

Mas, só mesmoos coronéis do Ministério da Educação, seus letra-dos conselheiros e os apressados convertidos a essa pedagogia novida-deira é que não sabiam da tendência das grandes empresas, principal-mente as multiriacionais .e as estatais, de empregarem o menor númeropossível de técnicos industriais formados em escola. Justamente os téc-nícos industriais, modelo celebrado da nova política educacional.

As resistências que se desenvolveram contra a política de profis-sionalização compulsória ganharamforça quando a crise do “milagreeconômico” eclodiu em fins de 1973, forçando-a a mudar sua fonna deatuação. Previa-se como inevitável uma política económica que viriaa dividir profundamente (e dividiu, de fato) as classes dominantes, bemcomo a própria base militar da ditadura. Isso levou eo govemo a se orien-tar para a “distensão” e para a "“abertura”, na tentativa de incorporarnovos segmentos sociais â sua base social. Sabemos que as oposiçõesnão queriam ajudar a segurar o andor da ditadura, mas, isto sim, que-riam derrota-la. Ogoverno procurava cooptar alguns contestadores,retirar motivos de contestações, de modo a diminuir a força dos oposi-tores do regime. ,

Para isso, irnpunha-se a modificação de políticas setoriais que ge-ravam tensões, entre elas a tão criticada profissionalização universal ecompulsória no ensino de 20 grau.

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O general-ministro da Educação Ney Braga deu a ordem de “meiavolta, volver”, por mensagem ao Conselho Federal de Educação, na qualincorporava algumas críticas dos setores mais brandos do próprio Minis-tério da Educação. O CFE, antes um bastião poderoso na defesa doensino profissionalizante, executou a ordem do ministro e deu meia vol-ta: numa ardilosa “reinterpretação” da lei 5.692/71, um parecer do con-selho manteve o “ideal” do ensino profissionalizante, mas redefiniu seuconteúdo, permitindo aumentar a carga das disciplinas de caráter geral.Só mesmo numa ditadura, um parecer de conselho, formado de pessoasnomeadas pelo Presidente da República, pode alterar, por mera “rein-terpretação”, uma lei votada pelo Congresso Nacional. Nesse caso espe-cífico, a arbitrariedade até que permitiu recuperar um pouco os danossofridos pelo ensino de 29 grau. Mas, quantos males não terão resulta-do de arbitrariedades como essa? Vai levar tempo levantá-las todas ecomputar seus efeitos. e

Além da formação de técnicos e auxiliares técnicos, o ensino pro-fissionalizante de 29 grau passava a visar, para a maior parte dos alunos,principalmente a educação geral, com algumas tinturas de informaçãotecnológica, correspondentes a alguns setores da produção. Além damultidão de habilitações específicas já aprovadas, haveria uma “habilita-ção básica” em agropecuária, cinco para a indústria e quatro para o co-mércio e os serviços.

Na nova concepção da profissionalização salvadora, a divisão,antes bem definida, entre a parte geral e a parte especial do currículo,ficou borrada pelo reconhecimento de que há disciplinas da parte deeducação geral que podem ser consideradas instrumentais para uma ha-bilitação profissional, constituindo parte da formação especial. No casoda habilitação básica em agropecuária, por exemplo, a parte de forma-ção especial do currículo compreendia 1.050 horas, assegurando a pre-dominância da fomiação especial sobre a educação geral. No entanto,apenas 600 dessas 1.050 horas (27% da carga horária do currículo ple-no) compreendiam disciplinas que poderiam ser consideradas propria-mente profissionalizantes (agricultura, zootecnia, economia e adminis-tração agrícola). As demais 450 horas da carga de formação especialdeveriam ser preenchidas por disciplinas denominadas instrumentais(desenho básico, química, biologia, física e programas de orientaçãoprofissional) que não são outra coisa senão educação geral, somada àque o núcleo comum do currículo já previa.

Mas a meia profissionalização não agradou a ninguém, a não seraos membros do CFE, ansiosos por uma retirada sem reconhecer seus

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próprios erros. As resistências continuaram, assim como a pressão domovimento de professores, dos empresários do ensino, dos estudantese dos técnicos em educação.

Depois de estudos promovidos pelo Ministério da Educação, emassociação com universidades, o govemo enviou ao Congresso umcurto mas incisivo projeto de lei, logo aprovado, alterando profunda-mente a lei 5.692/71. Em 1982, já não era politicamente possível aoCFE mudar uma lei por um mero parecer. Era preciso outra lei.

Pela lei 7.044/82, a qualificação para o trabalho, antes visada pelalei S.692{7l , foi substituída pela .preparação para 0 trabalho, um termo.impreciso que mantém, na letra, a imagem do ensino profissionalizante,mas permite qualquer coisa. A lei da reforma da reforma retirou, de umavez por todas, a obrigatoriedade da habilitação profissional no 29 grau,mesmo a tal habilitação básica. Agora, o ensino de 29 grau poderá ense-jar habilitação profissional.

Re tirada, gradativamente, a profissionalização universal e compul-sória, o que foi posto em seu lugar? Nada. A preparação para 0 Íraba1h0pode se resumir em atividades que difundam uma visão abstrata do tra-balho numa sociedade abstrata, com resultados pedagógicos muitoruins, ainda mais quando se leva em conta que a maior parte dos alunosde 29 grau já trabalha, ou seja, já conhece, ainda que de forma difu-sa e confusa, o trabalho real numa sociedade especzffica, com tudo o quetem de formativo, de criativo, mas, também, de exploração e de aliena-ao.

Ç Voltamos ao ponto de partida piores do que estávamos. As esco-las públicas de 29 grau foram desorganizadas, seus curriculos transfor-matam-se num amontoado de disciplinas, onde se misturam as concep-ções positivistas do CFE com os penduricallios dos interesses domento, como a educação moral e cívica As escolas tecnicas industriaissofreram, especialmente, com todo esse desacerto, pois, por consegui-rem manter um ensino de alta qualidade, viram-se procuradas por levasde estudantes que pouco ou nenhum interesse tinham por seus CUÍSOSprofissionais. Desorganizado o ensino público de carater geral nas 6809-las públicas de 29 grau, e deteriorada sua qualidade, esses esfudaflíesviam nas escolas técnicas industriais a única maneira de terem acesso aum ensino gratuito que lhes propiciava uma adequada preparaçao paraos exames vestibulares aos cursos superiores. _

F racassada, então, a política de profissionalização universal 6compulsória no ensino de 29 grau, a função contenedora que a ditaduradela esperava não chegou a ser desempenhada. Assim, as esperanças ds

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conter os candidatos ao ensino superior teve de ser providenciada nestegrau mesmo, pela elevação das barreiras dos exames vestibulares. Aomesmo tempo, procurou-se incentivar os cursos superiores de curta du-ração, em especial os da area tecnológica (na área do magistério ofenomeno foi outro), mas apartando os cursos e os estudantes das uni-versidades, confinando-os nas escolas técnicas federais, então rebatiza-das de centros federais de educação tecnológica. Numa operação bemtípica da ditadura -- a mudança de rótulos - os concluintes desses cur-sos deixaram de receber o título de “engenheiros de operação”, fontede tantas aspirações frustradas, para serem chamados de “tecnólogos”,categoria que procura marcar a separaçãodos técnicos de nível médioe dos engenheiros (propriamente ditos).

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V. A Educação Moral, Cívica e Física

Os regimes ditatoriais sempre procuraram substituir as instituições livresda sociedade para, na escola, irnporem ao povo a educação moral e cívi-ca que servisse para consolidar o seu poder.

No Brasil, não foi diferente. A derrubada do Estado Novo, em1945, e a nova Constituição, promulgada em 1946, abolirarn a educaçãomoral e cívica em nome dos princípios liberais que reservaram às farní-lias, às organizações religiosas, às entidades culturais, aos sindicatose aospartidos políticos a competência para tal educação.

Mas o golpe de 1964 encontrou vivas as idéias autoritárias do Es-tado Novo e sobreviventes muitos de seus partidários, fomiando, é cla-ro, nas fileiras da conspiração antidemocrática.

Os setores mais brandos do movimento golpista, os que mistura-vam a ânsia de soluções autoritárias com algumas pitadas de liberalismo,não eram partidários da reintrodução da disciplina educação moral ecívica -nos currículos escolares. Os setores mais extremados, principal-mente os militares, achavam que as instituições sociais não eram capazesde educar o povo segundo padrões morais e cívicos e, pior ainda, na suaomissão, abriam as portas para a entrada de “ideologias exóticas”, prin-cipalmente o tão temido comunismo. Para evitar isso, só mesmo a edu-cação moral e cívica nas escolas, corn professor, programa, chamada,prova e nota! A

Neste sentido, o homem forte do govemo Castelo Branco, o mi-nistro da guerra, general Costa e Silva, tentou várias vezes que o Conse-lho Federal de Educação determinasse a inclusão dessa disciplina noscurriculos escolares. Sem sucesso. A resistência oposta por AnísioTeixeira e Dunneval Trigueiro conseguiu impedir que os conselheirospartidários do golpe prestassem mais esse serviço à “revolução reden-tora”. Em março de 1966, apesar da resistência, um decreto de CasteloBranco determinou que o Ministério da Educação estimulasse, em t0d0o país, a educação cívica. Esse decreto resultou de uma exposição demotivos do ministro da guerra apresentados ao marechal-presidente,

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onde podemos ver argumentos muito parecidos com os do positivistaTeixeira Mendes em seu livreto A incorporação do proletariado na so-ciedade moderna, escrito em 1889. Dizia o general-ministro Costa eSilva: “A família moderna facilita, de certo modo, a implantação e aevolução da Guerra Revolucionária, de vez que, perturbada pela evolu-ção econômica e social e por solicitações de toda ordem, ela não maisassegura, de modo completo, a sua função educadora. Freqüentementedissociada, particularmente em razão do traballio da mulher fora do lare da conjuntura econômica que a aflige, seus membros se vêem obriga-dos a operar fora do quadro familiar típico, cada qual atraído por umpólo exterior.”

O papel da nova disciplina seria preencher o “vácuo ideológico”deixado na mente dos jovens, para que não fosse preenchido pelas“insinuações materialistas e esquerdistas”.

A educação moral e cívica seria a maneira da escola suprir essadeficiência da educação familiar. Mas, ao contrário do que propunhamos positivistas fundadores da República, ela não deveria ser mais umadisciplina dos currículos escolares. Ela deveria ser uma prática educati-va visando “formar nos educandos e no povo em geral o sentimento deapreço à Pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento da famí-lia, de obediência à Lei, de fidelidade ao trabalho e de integração nacomunidade, de tal forma que todos se tornem, em clima de liberdadee responsabilidade, de cooperação e solidariedade humanas,cidadãossinceros, convictos e fiéis no cumprimento de seus deveres”. Deixadaa critério dos professorese diretores de escola, quase nada foi feitonesse sentido, por causa do bom senso que os levava a resistir a essasidéias abstratas ou contrárias ao sentimento da maioria do povo, vítimade uma exploração económica e de uma repressão política sem paralelona história.

Mas, no início de 1969, aqueles conselheiros democratas já nãoeram membros do Conselho Federal de Educação. Anísio Teixeira tinhaconcluído seu mandato e não fora reconduzido. Dunneval Trigueiro foiaposentado compulsoriamente do serviço público e perdeu o cargo noConselho Federal de Educação. Estava derrubada a barreira contra adisciplinarização da educação moral e cívica.

Baixado o AI-5 em dezembro de 1968 e deposto o vice-presidentePedro Aleixo, em setembro do ano seguinte a Junta Militar que ocupoua Presidência da República deixou um decreto-lei (n9 869) resultantede um grupo de trabalho da Associação dos Diplomados da EscolaSuperior de Guerra, determinando que a disciplina educação moral e cí-

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vica deveria, obrigatoriamente, integrar os currículos escolares de todosos graus e modalidades do sistema de ensino do país.

Essa disciplina, “apoiando-se nas tradições nacionais”, teria por fi-nalidade: l t i

a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espíritoreligioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com res-ponsabilidade, sob a inspiiação de Deus; Ib) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e eti-cos da nacionalidade;c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedadehumana;d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições,instituições, e os grandesvultos de sua história; -e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação ä famíliae à comunidade;f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento daorganização sócio-político-econômica do País;g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fun-damento na moral, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bemcomum;h) o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração nacomunidade.

As oito finalidades da disciplina incorporavameainpliavarn asdaprática educativa pensada tres anos antes. Seria ministrada do cursoprimário ao superior, inclusive na pós-graduação. No ensino superior,ela seria mascarada de Estudos de Problemas Brasileiros. Os programas

-dessa disciplina (mascarada ou descarada) seriam elaborados pelo Conse-lho Federal de Educação, com a colaboração da Comissão Nacional' deMoral e Civismo, composta de seis pessoas nomeadas pelo Presidente daRepública, “dentre pessoas dedicadas à causa”. O ministro da Educaçãopassava a poder conferir a Cruz (a simbologia é altamente significativa)do Mérito da Educação Moral e Cívica às pessoas que se destacassem na“dedicação à causa”. A Comissão Nacional de Moral se Civismo reunia,entre seus membros, zelosos generais, que se articulavam com a CensuraFederal, e civis militantes de direita. A primeira composição da comis-são foi a seguinte: general Moacyr de Araújo Lopes, presidente;alm1ra11-te Ary dos Santos Rangel; padre Francisco Leme Lopes; e os professo-res Elyvaldo Chagas de Oliveira, Alvaro Moutinho Neiva, Hélio de'Al-cântara Avelar, Guido Ivan de Carvalho e Humberto Grande. Este ulti-mo, veterano da ditadura varguista, escreveu o livro A pedagogia do Es-

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Êfãffl Nave Q, na nova ditadura, A educaçao cz'vz'‹:ae o mzàzzzho, além deucaçao crvzca das mulheres, uma consolidação do que havia de mais

conservador nos estereótipos machistas (na versão fascista) celebrandoo papel da mulher como silenciosa, modesta, oculta, mas indispensávelauxiliar do grande homem.

As fmalidades da educação moral e cívica representavam uma só-âlálãtfusãoddo pensamento reacionário, do catolicismo conservador e da

rina a segurança nacional, confonne era concebida pela EscolaSuperior de Guerra. Não foi por acaso que a Comissão Especial do Con-selho Federal de Educação encarregada de dar as diretrizes para os pro-grarnas dessa disciplina teve como relator o arcebispo de Aracaju Luoju.no José cabral Duane (parecer no 94/71). '_ q Membro do Conselho Federal de Educação, o ez-oebigpo Luciano

era o mais destacado mtelectual da corrente integrista da Igreja Cato.1110: Sflue âeffid fgslslldo às mudanças produzidas pelo Concílio Vaticanoentre eâis tes o ramentos teo1_ogicos_e pastorms. Como parte do uoofuo

.p se or reacionárro da hierarquia da Igreja Católica e a ditadura, oarcebispo Luciano assumiu a presidência do Movimento de Eduoa gode Base, demitindo toda a equipe técnica, na mesma época dopareãermoral e civico. Em seguida, atrelou o MEB ao Departamento de E1151.no Supletivo do Ministéno da Educação, transformando o mais impor-tante sistema de educação de base jamais organizado no Brasil em meralinha auxiliar do Mobral, justarneiite quando este desponteve oomo 3grande solução para conquistar apoio"das massas à ditadura,

Apesar do parecer do arcebispo-conselheiro proclamar que e edu.cação moral e cívica devesse ser aconfessional, isto é, não vinculada ag;“Êh“¡1_13 33118150 É _a nenhuma igreja, a incorporação das doutrinas tra-

cionais o cato .cismo e de seus quadros não era sequer disfarçadanos textos e diretrizes da Comissão Nacional de Motel e Civismo nemnos livros didáticos que ela aprovava para uso nas escolas. O parecerproclarnava que a religião e que era a base da moral a ser eo5juudu_ paraâscaspalr' desse paradpxo, o arcebispo Luciano lançava mao do oouoeito

e re igião natural , isto é, aquela que leva ao conhecimento depeuspela luz da razao. Assim, ficavam afastadas todas as religiões afro-brasi.leiras, apesar de efetivamente praticadas por dezenas de milhões de es-S03-S. relegadas, pelos moralistas e civilistas, à condição de resíduos) deignorância ou de curiosidades folclóricas. O mesmo acontecia oom asgreniças indëgenas, apesar do cínico culto dos índios como os primeiros

ras erros. nquanto eles estavam sendo mortos pelos grileiros e pelospoliciais a serviço dos latifundiános, o Hino Nacional Brasileiro em

cantado, em tupi-guarani, por professores e alunos do Curso de Educa-ção Moral e Cívica realizado pela Sociedade Educativa e literária Bra-sileira, no Rio de Janeiro, em julho de 1970.

Esse caráter dissirnulador e anestesiador das contradições que dila-ceravam nosso país atravessa todo o parecer. Aqui está um exemplodisso: s

E preciso afirmar-se claramente que a pessoa humana está acima do Estado,e que este não teve outra razão de ser nem outra finalidade senão .a de pôr-se a serviço da Pessoa, do Homem, de sua explicitação, de sua realização, desua fidelidade. A educação moral e cívica no Brasil, portanto, inspiradanas grandes linhas da Constituição Nacional, terá como objetivo a forma-ção de cidadãos conscientes, solidários, responsáveis e livres, chamados aparticipar no imenso esforço de desenvolvimento, integral que nossa Pá-tria empneende, atualmente, para construção de uma sociedade democrá-tica, que realiza seu próprio progresso, mediante o crescimento humano,moral, económico e cultural das pessoas que a compõem.

Que pessoa humana estava acima do Estado? Não era, certamen-te, o camponês, oprimido pelo latifundiário através dos jagunços e datropa da Polícia Militar; nem o operário da empresa multinacional, sub-metido pelo_arrocho salarial; nem o funcionário público, com seus ven-cimentos cortados a cada mês pela inflação impiedosa; nem o públicoem geral, acossado pela opressiva propaganda oficial do “Brasil: arne-oou deixe-o”! Seria o próprio arcebispo Luciano a pessoa humana queestava acima do Estado? Ou o general-presidente Emílio Médici? Ou osgrandes latifundiários? Ou os executivos das multinacionais? Ou osbanqueiros? No momento mais tenebroso da ditadura (1971), com mi-lhares de brasileiros encarcerados por motivos políticos, ou, apenas, decrença, com a tortura sendo a regra de tratamento dos presos políticos,como dizer que a “pessoa humana estava acima do Estado”? Algumasdelas sem dúvida estavam. Mas a maioria do povo brasileiro estava eraembaixo do Estado, submetida a uma cruel ditadura que a educaçãomoral e cívica procurava santificar, com o auxílio da religião católicatradicional.

Como as grandes linhas da Constituição Nacional poderiam ins-pirar a formação de cidadãos conscientes, solidários, responsáveis e li-vres? A Constituição em vigor fora profundamente marcada por umaemenda que a Junta Militar irnpós ao Congresso, mutilado pela onda decassações de mandatos que se seguiu ao AI-5. Educar moral e cívica-mente homens livres era coisa que só se poderia fazer pelo fim da dita-dura militar, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pela revoga-

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ção dos atos autoritários e suas conseqüências, pela convocação deeleições livres e da futura Assembléia Nacional Constituinte.

Ao contrário disso, o parecer do arcebispo Luciano dizia que oscidadãos brasileiros eram chamados a participar do “imenso esforço dedesenvolvimento integral que nossa Pátria empreende”.

Que desenvolvimento?, perguntamos. O dos projetos faraõnicosque levaram à geração de uma das maiores dívidas externas do mundo?Ao aumento dos índices de mortalidade infantil devido à deterioraçãodas condições de vida? À substituição das plantações destinadas ao mer-cado interno (ao consumo popular) por produtos para exportação, quenosso povo não come? À deterioração da qualidade da escola pública?À difusão de uma imagem triunfalista do Brasil, um verdadeiro escárniodiante da miséria do nosso povo? À celebração da censura como o direi-to do Estado-Pai definir o que pode e o que não pode ser lido e ouvidopelo povo-criança? Será em tudo isso que consiste o crescimento huma-no, moral, económico das pessoas que compõem a sociedade brasileira,de que fala o parecer do arcebispo Luciano?

Além das diretrizes gerais para a educação moral e cívica (e suaversão mascarada Estudo de Problemas Brasileiros), o parecer apresentaprogramas detalhados dessa disciplina para o curso prirnário, o cursomédio e o curso superior.

No curso primário, o conteúdo do ensino deveria estar centradona “comunidade”, esta categoria mitológica pela qual a direita celebra acoesão social e condena os diferentes e os desviantes - mito do qual aesquerda tem sido, também, prisioneira.

No curso médio (ginásio e colégio) o conteúdo da disciplina já eramais explicitamente ideológico: o trabalho como um direito do homeme um dever social (pelo qual cada um dá a contribuição deque é capazpara fazer funcionar o conjunto da sociedade, sendo a exploração ape-nas um caso lamentável e excepcional); as principais características dosistema de governo brasileiro (apresentado como democrático, posto asalvo dos “comunistas” pela “revolução redentora”); a defesa das insti-tuições, da propriedade privada e das tradições cristãs” (com a rejeiçãodas idéias exóticas que os agentes da subverção internacional estariamtentando inocular em nosso “povo simples e ingênuo”, para dividi-lopor lutas fratricidas); a responsabilidade do cidadão para com a seguran-ça nacional (isto é, para com a segurança do Estado, aceitando o gover-no dos militares, que deteriam o monopólio do patriotismo e da clari-vidência das aspirações do povo brasileiro e dos “objetivos nacionaispermanentes”). i

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Nos cursos superiores, o conteúdo da disciplina educação moral ecívica, travestida em Estudos de Problemas Brasileiros, deveria con-templar, explícita e detalhadamente, as políticas da ditadura para resol-`ver os “problemas sociais, políticos e económicos”: política habitacio-nal, política de transportes, política de comurucações, politica monetá-ria, política previdenciária, política externa, politica educacional, poli-tica de ciência e tecnologia, etc. Para culminar, o papel das Forças Ar-madas no “processo sócio-económico” do Brasil, 3. “guerra f€V01U0Í0I1á°ria”, a doutrina da “segurança nacional”, a Escola Superior de Guerra.

O parecer relatado pelo arcebispo Luciano, com todos seus pro-gramas foi aprovado pela Comissão Especial de Moral B CÍVÍSIIIO 110Conselho Federal de Educação: Raymundo Moniz de Aragã0, que, 611'quanto ministro da educação do general-presidente Castelo Branco pro-moveu o decreto-lei 228, contendo a atuação das entidades estudantise assinou os convênios MEC-USAID; Esther de Figueiredo Ferraz, de-fensora do pagamento do ensino superior nas universidades publicas eministra da educação do general-presidente Joao.Figueiredo';TliereZ111h&Saraiva, importante quadro da politica educacional autontána, tendopresidido o famigerado Mobral ; Joséde Vascqncelos, padre salesianlpco-responsável pela política de profissionalização universal e coniupu onano ensino de 29 grau; Tarcisio Padilha, dirigente da Associaçao Brasi-leira de Filósofos Católicos, destacado propagandista do tradicionalâsniztàreligioso, defensor da introduçao do ensmo de filosofia no ensino e .grau, como uma forma de absorver o conteúdo da educacão moral ecívica, quando esta disciplina passou a ser ameaçada pelas lutas em prolda democratização do ensino.

Em suma, o ensino da moral e do civismo teria por lema l)ci1S,Pátria e Família, como a doutrina do integralismo, o fascismo brasileiroexplícito dos anos 30. Por isso não foi surpreendente que o coronel-ministro da Educação Jarbas Passarinho homologasse, em 1973, 0 pfl-recer da Comissão Nacional de Moral e Civismo, favorável ao Compêndiode instrução moral e cívica, de autoria de Plínio Salgado. Tambem rlä'0foi surpreendente que, antes mesmo do decreto-lei da Junta Militar so-bre essa matéria, o prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, tivesse determi-nado o ensino da moral e do civismo em todas as escolas primánas dacapital paulista, já no ano letivo de 1969.

, _ . . . .. › - ° 3 emNa pratica, a disciplina educaçao moral e civica foi lugar dPrego Preferencial para padres, freiras e militares, estes nos cursos SUPe'l'l0I'€S.

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,Acontecia de tudo, em nome da moral e do civismo. Desde a es-perada propaganda acintosa da ditadura, até o cometimento de violên-cias psicológicas contra as crianças, como em um caso, noticiado pelaimprensa, de um menino de J 1 anos que saiu chorando da aula de morale cívica. A pergunta da prova era - “pode um ateu ser um bom pai?” Aresposta considerada correta pela professora era não, mas o menino nãose conformava, pois, filho de ateus, insistia em responder que tinha umbom pai. _ ç

Alguns professores conseguiam, às custas de artimanhas, con-tornar os programas oficiais e desenvolver, com os alunos, atividadesprodutivas de resistência à ideologia oficial, desenvolvendo uma atitudecrítica. Infelizmente, seu número foi pequeno, não só por causa das per-seguições que lhes eram movidas, como também pelo grande número decandidatos dispostos a veicular todo aquele conteúdo de “amoral e ci-nismo”, como a sadia resistência dos alunos batizou a nova disciplina.

Convergente com essa orientação conservadora da educação morale cívica, a ditadura enfatizou também a educação física. As duas disci-plinas já formavam um par coerentementeconservador no Estado Novo eassim foram retomadas após o golpe de 1964. -

A idéia-força da ênfase na educação física era a seguinte: o estu-dante, cansado e enquadrado nas regras de um esporte, não teria disposi-ção para entrar na política. Esta idéia era, aliás, adaptada de outra queos militares desenvolveram para os recrutas e os alunos das escolas mi-litares. ,

A técnica de controle que os militares estabeleceram fez com quefossem abrindo caminho nas organizações voltadas para a educação fí-sica e os desportos, na burocracia do Ministério da Educação - a queessa área está afeta - e fora dela. Em todos esses órgãos havia a presen-ça maciça de militares em cargos de direção.

Sob os generais Geisel e Ney Braga, as bolsas de estudo deveriamser concedidas, de preferência, aos alunos de qualquer nível que se sa-grassem campeões desportistas. Com isso, visava-se uma seleção às aves-sas: ao invés do desemperiho intelectual e profissional, o desempenhodesportivo. E houve universidades, como a Gama Filho no Rio de Janei-ro, que levaram esse espírito às últimas conseqüências, com rendososfrutos para o património de sua entidade mantenedora.

Buscava-se com essa política desportista produzir a “coesão na-cional e social” que a ditadura não havia conseguido com o Mobral nemcom a propaganda via televisão. -

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V1, A Universidade;Modernizada, Amordaçada e Privatizada

O golpe militar foi fatal para a Universidade de Brasília, a mais impor-tante iniciativa governamental no campo do ensino supenor. _ .

Em abril de 1964, começou o segundo ano letivo da mais joveme mais moderna de nossas universidades, que reunia professores dosmais competentes em seus campos de conhecimento, assim como estu-dantes de todo o país selecionados por meio de exames vestibulares es-peciais Além do mais, ela desenvolvia uma arrojada experiência de utili-zar como instrutores dos cursos de graduação, os alunos dos cursos depós-graduação, oportunidade privilegiada para se observar seu desem-penho para o caso de candidatura a professor da universidade, após aobtenção dos graus de mestre ou de doutor. _

As novidades da Universidade de Brasília, de caráter estritamenteorganizacional e pedagógico, fizeram com que sobre ela recaissemdasiras dos reitores das universidades arcaicas, que seflsentiam ameaça osno conforto de seu poder pelos ventos de renovaçao que sopravam noensino superior. Além dos reitores, nao eram poucos os catedráticos quedifamavam a nova universidade como “antro de marxistas”. Tambémeles se sentiam ameaçados pela sua estrutura, na qual os privilégios doregime da cátedra vitalícia não eram reconhecidos: na Universidade deBrasília obrigada pela lei a ter cátedras, estas foram redefinidas, deixan-do de ser um cargo para ser um grau universitário. L _

Não queremos dizer que tudo na Universidade de_Brasi'lia funcio-nava da melhor maneira. Havia várias questoes cnticáveis, como o reco-nhecimento, pelo estatuto e regimento, de que o ensino supenor sçriapago pelos estudantes, com gratuidade apenas para OS Carentes ; 0modelo de isolamento da Faculdade de Educação resultante da frag-mentação da tradicional Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, quetantos efeitos nefastos tem produzido Brasil afora; fi_1flÊf1_f1°ada fede deórgãos colegiados e de coordenações, propiciando a diluiçao das respon-sabilidades e o surgimento, em contrapartida, de dirigentes autoritários;e ainda outras Nada disso entretanto, dirninui a importância da Univer-

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sidade de Brasília pelo seu pioneirismo, pelo arrojo de suas concepçõese pela demonstração de empenho em reunir, no seu corpo docente, oque havia de melhor nos diversos campos do conhecimento, como Mau-rício Rocha e Silva, na Biologia; Victor Nunes Leal, Waldir Pires e An-tonio Luiz Machado Neto, no Direito; Anísio Teixeira, na Pedagogia;Oscar Niemeyer, na Arquitetura; Cláudio Santoro, na Música; e outros.

A jovem universidade nem bem estava totalmente implantadaquando o golpe ceifou cabeças de sua direção e dos seus corpos discen-te e docente. Mais do que isso, alterou seu plano original, extinguindounidades inteiras e alterando as remanescentes, como, por exemplo, afusão dos departamentos de História e de Geografia, numa prefiguraçãodo que viria a acontecer com o currículo do ensino de 19 grau (os “es-tudos sociais”) e com as licenciaturas “polivalentes”.

No entanto, a sobrevivência da estrutura inovadora da Universida-de de Brasilia foi garantida pela reforma da Universidade Federal deMinas Gerais, que, então, se desenvolvia pela liderança do Reitor Aluí-sio Pimenta. Deposto pelo general Carlos Guedes em abril de 1964, masreposto na reitoria por força de uma movimentação social em defesada autonomia universitária, os setores mais obscurantistas da ditadurativeram de esperar a existência do Ato Institucional ne S para aposen-tar compulsoriamente Aluísio Pimenta do magistério dessa universida-de federal, à qual retomou como professor emérito em 1979.

Depois da Universidade Federal de Minas Gerais, a UniversidadeEstadual de Campinas preservou a estrutura da UnB, por iniciativa deZeferino Vaz, paradoxalmente um dos reitores-interventores da Univer-sidade de Brasília. Outras também o fizeram, o que mostra a resistên-cia contra a ditadura vitoriosa na própria sobrevivência - e até na mul-tiplicação - da estrutura daquela que foi, até hoje, a mais importanterealização da intelectualidade brasileira no campo do ensino superior.

Como toda ditadura, a que resultou do golpe militar de 1964tinha especial preferência pelas soluções padronizadas: como se a estru-turação da universidade seguisse a lógica de um exercício de ordem uni-da. Assim, ao invés de aproveitar a inspiração maior da Universidade deBrasflia - a busca por uma universidade da estrutura, que melhor lheconvinha -, os burocratas do regime autoritário procuraram generalizare tornar compulsórias algumas das soluções que ela havia encontrado.Aí, o sinal mudou, pois o que era bom para a Universidade de Brasília,não era necessariamente bom para as outras. Essa universidade nãotinha de carregar o peso morto, de arrastar o lastro representado pelaherança das faculdades isoladas que se juntaram para formar a maioria

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das universidades de nosso país. Ela podia mais facilmente evitar osvícios das outras e tirar partido das inovações.

Por isso, a modemização inovadora, representada pela Universida-dede Brasília nos dois primeiros anos de sua existência, cedeu lugar,por força do golpe, à modemização conservadora, movida pela legisla-ção autoritária, quase toda feita à base de decretos-leis, principalmenteos de nd 53/66 e 252/67.

Esses elementos de política educacional procuraram fazer comque todas as universidades federais adaptassem sua estrutura ao ñgun-no da Universidade de Brasi'lia, utilizando, para tanto, um importantemotivo: o princípio da “não duplicação de meios para fins idênticos ouequivalentes”. De fato, quando as faculdades isoladas foram justapostaspara formar as universidades, elas mantiveram a estrutura anterior. Comisso, havia onerosas e injustificáveis duplicações. Por exemplo, a facul-dade de direito, a faculdade de filosofia, ciências e letras, a faculdade deeconoinia, e a escola de engenharia, de uma universidade típica, manti-nham, cada qual, sua(s) cátedra(s) de econornia, com seus catedráticos,assistentes, auxiliares de ensino, suas bibliotecas, suas assinaturas de re-vistas estrangeiras. Quando se pensa no custo da duplicação dos labora-tórios de física e de química, pela mesma razão, não se pode deixar dereconhecer a procedência daquele princípio, apesar de todos os estragosque sua aplicação desregrada trouxe para as universidades.

A organização de departamentos foi a maneira encontrada parajuntar no mesmo “lugar” da uriiversidade todos os professores, pesqui-sadores, laboratórios e outros recursos de um mesmo campo do conhe-cimento. Por exemplo, todos os físicos num “lugar”, todos os sociólo-gos em outro. Não para que eles ficassem isolados uns dos outros, maspara que, a partir de seu “canto”, cada uma das grandes especiahdadesprestasse serviço a toda a universidade. Ainda para dar um exemplo, odepartamento de matemática aplicada (ou de estatística, se fosse_o ca-so) oferecia aulas de estatística para os estudantes de engcr_Ihf=l1'1e, defísica, de química, de medicina, de agronomia, de serviço social, de pe-dagogia, de veterinária, de ciências sociais, de psicologia e de todos osoutros cursos que tivessem essa matéria em seus currículos. Atéai tudob¢m_ 0 pmblematfoi que esse princípio de estruturação da universida-de foi utilizado da mesma fonna como um empresário USa H Chamada“organização científica do trabalho” para aumentar seus lucros, man-tendo (ou mesmo baixando) os salários dos trabalhadores. Para aumen-tar o “rendimento” dos “recursos humanos” da universidade, Jdmamm'se na mesma sala, com o mesmo e único professor, Í0d0S 05 estdddmes

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da mesma disciplina, por mais diferença que houvesse entre seus obje-tivos, dificuldades e, o pior de tudo, em turmas grandes e heterogêneas.Imagine o leitor como ficava bem mais “barato” colocar na mesma sala,com um só professor, todos os alunos de uma universidade para apren-derem, digamos, estatistica descritiva: os de engenharia, os de matemá-tica e os de física juntos com os de psicologia, de serviço social e depedagogia. Seria uma grande turma, ou melhor, uma turma grande, quediluiria os custos do professor. Mas o resultado pedagógico seria o piorpossível. Se o professor mantivesse o curso no nível de uns, os outrosnão poderiam acompanhar; se refizesse o programa em função destes,aqueles ficariam desestimulados. E não adiantava buscar um “pontomédio”. Pois bem, isso foi feito em todas as universidades que levarama sério a orientação economicista da política educacional da ditadura,particularmente no “ciclo básico”. Esta figura de ficção educacionalprocurava deslocar para dentro da própria universidade a escolha dascarreiras dos estudantes, criando uma espécie de “vestibular interno”,prolongando as angústias do vestibular propriamente dito e acirrando asdisputas entres os estudantes. Tudo isso em nome da recuperação dasdeficiências do ensino de 29 grau e da pretensão de evitar a especiali-zação precoce. . .

Para viabilizar a transição dos estudantes pelas disciplinas dos di-versos departamentos da universidade, em busca da integralização dosseus também diversos currículos, os planejadores educacionais do re-gime autoritário importaram da universidade norte-americana outro re-gime - o regime de créditos. A idéia era que os estudantes fossem cole-cionando os créditos correspondentes às diversas disciplinas, lançando-os em seus históricos escolares, como se fossem depósitos emuma contabancária, até que tivessem o número exigido de créditos para se forma-rem. Aliás, nas universidades particulares, ao invés de depósitos em con-tas bancárias, seria melhor dizer débitos. As instituições particulares deensino superior encontram no regime de créditos um excelente meio decobrar dos alunos confonne a “consumação” do curso: os que fazemmais créditos (cursam mais disciplinas ou disciplinas que valem maiscréditos) pagam mais: o preço do curso já é cobrado pela universidadeem função do número de créditos. O nome certo deveria ser regime dedébitos. . .

Onde o regime de créditos (ou de débitos) foi efetivamente irn-plantado, as turmas se desorganizaram, inviabilizando a antiga solidarie-dade entre os estudantes, força viva do movimento estudantil. Essa dis-solução das tunnas se somou à regulamentação do movimento estudan-

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til, promovida, logo em novembro de 1964, pela chamada lei Suplicy,nome do primeiro titular do Ministério da Educação no govemo do ma-rechal~presidente Castelo Branco (lei 4.464/64). i

A “lei Suplicy” obrigava os estudantes a votarem para a eleiçãodos diretórios acadêmicos, mas, em contrapartida, limitava o campo deatuação do movimento estudantil, tornando as entidades presas fáceisda intervenção das direções das faculdades e das reitorias das universi-dades. Não sendo essa lei suficiente, foi baixado o decreto-lei 228/67,arrochando ainda mais as amarras das entidades estudantis e ameaçandocom punições os diretores e reitores que não as contivessem no campode suas atribuições absolutamente apolíticas, isto é, toda atividade polí-tica que reforçasse a política da ditadura.

A cópia apressada e a generalização opressora da estrutura da Universi-dade de Brasília para todas as universidades federais fizeram com queabortassem experiências muito promissoras de organização de faculda-des de filosofia, ciências e letras. A FFCL da Universidade de São Paulofoi a matriz de todas elas, a que melhor funcionava e que mais êxito te-ve na difícil tarefa de articular, numa mesma unidade, os campos bási-cos do saber. A legislação da ditadura não proibia a existência da FFCL,mas nãoperrnitia que ela continuasse a abrigar a seção de pedagogia,que oferecia as disciplinas para os licenciados: deveria haver uma unida-de própria para a “educação”. Esse oportunismo autonormsta que ospedagogos da ditadura conseguiram impor atodas as universidades fede-rais criou um precedente para a (auto)segregação das demais seções, ca-da uma ambicionando constituir uma unidade própria, faculdade ouinstituto, e assim terem seus diretores como membros natos dos conse-lhos universitários e as suas congregações exclusivas. A ditadura, comessa brecha, provocou o rompimento da barragem do provincianismoacadêmico, que resistia à integração das faculdades na universidade nas-CCÍIÍB. _

O enquadramento das unidades na estrutura departamental aca-bou por jogar maiS água no moinho da reação à integração universitá-ria: cada “setor” do conhecimento, cada cátcdrfl 011 ICSÍÓUO de Cáíe-dra lutava para constituir um departamento, apartandø-Se dos dernaíS-Com isso, a estrutura departarnental que, na Universidade de Brasília,seria um meio de impulsionar a integraçf-`í0 1mÍV°f5ÍÍá1Ía› a°ab0U Por setransformar no seu contrário: um freio à integração universitária.

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Mas, a ânsia unifonnizadora da política educacional autoritárianão parou aí. Em julho de 1968, .em meio ao crescimento dos protes-tos de amplos setores sociais contra a ditadura (estudantes, profissio-nais liberais, operários), o govemo organizou um grupo de tfabzlhgpara elaborar um anteprojeto de reforma universitária. Era a oportuni-dade para estender a todo o ensino superior o que já havia sido impostoàs instituições federais. O anteprojeto de lei foi rapidamente enviadoao Congresso, onde o controle exercido pelo Executivoconseguiu evi-tar a aprovação de numerosas emendas que procuravam aperfeiçoar asorientações dos planejadores educacionais da ditadura.

A chamada Lei da Reforma Universitária, n9 5.540/68, deterrnina-va quetodas as instituições de ensino superior se adaptassem ao mode-lo, cnticado acima, já ensaiado no sistema federal. Mesmo as universida-des estaduais, como a Universidade de São Paulo, de longa tradição,como as faculdades particulares que, então, se multiplicavam, tiveramde se enquadrar aos novos dispositivos.

Não queremos dizer que todas as detenrrinações da Lei da Refor-ma Universitária derivavam diretamente da política educacional da di-tadura. Procuiavam incorporar algumas demandas de professores eestudantes que, havia décadas, lutavam pelo aperfeiçoamento do ensi-no superior no Brasil. Duas das bandeiras incorporadas eram quasepontos de honra de suas lutas: a extinção da cátedra vitalícia e a univer-sidade como padrão de organização do ensino superior.

Ao inves de propiciar a existência de diversos padrões de organi-zação da carreira docente, a lei 5.540 simplesmente extinguiu o regimede cátedra. De fato, a maioria dos catedráticos talvez fosse, em 1968,professores improvisados, estéreis como pesquisadores, hábeis em esco-lher como assistentes os candidatos mais dóceis do que questionado-res, mais medíocres do que inteligentes. No entanto, houve instituiçõese áreas acadêmicas nas quais o regime de cátedra não impediu - ao con-trário, propiciou - o desenvolvimento de padrões elevados de ensino,de pesquisa e de prestação de serviços. Foi o caso das faculdades de me-dicina, para falar numa área acadêmica. Foi o caso, também, da Univer-sidade de São Paulo, para falar numa instituição específica, que teveem seus quadros professores -catedráticos da maior competência. A “es-cola” de sociologia que se desenvolveu na USP, gérmen da fértil pmdu-ção brasileira e latino-americana, não foi barrada nem distorcida peloregime de cátedras.

Em contrapartida, o funcionamento do corpo docente em depar-tamentos, mas de um modo tal que não houvesse uma hierarquia do

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tipo acadêmico (apenas ficando a salarial e a de participação no poderdos Órgãos colegiados, quando muito), abriu caminho para o triunfodo individualismo docente, que dificulta ao máximo a formação dosgrupos de trabalho, mas induz a emergência dos meros gruposde inte-resses. Esse padrão de individualismo docente, se não foi premeditado,não deixou de ser aproveitado pela ditadura e seus prepostos, dentro dauniversidade, para irnpedir 0 ingresso ou para dispensar os professoresconsiderados ameaçadores à ordem estabelecida. Mais uma vez vemoscomo a incorporação de uma bandeira progressista pela política educa-cional da ditadura inverteu a posição, fazendo-a reacionária.

Com 0 padrão universitário do ensino superior deu-se coisa umpouco diferente.

Há muito tempo que olhamos com inveja para nossos vizinhoshispano-americanos que têm a uiiiversidade como padrão para o ensinosuperior, com faculdades isoladas só em casos excepcionais - e isso des-de o século XVI. No Brasil, ao contrário, as universidades já nasceramtarde (a primeira que viiigou foi em 1920) e são elas a exceção. Aqui,as instituições de ensino superior surgiram fragmentadas, uma para cadaprofissão (ou grupo de profissões assemelhadas). Só lá por volta de1960 é que começou a vingar um movimento pela agregação das facul-dades em universidades. A “federalização” das faculdades foi o cami-nho para isso. O govemo encampava as faculdades de uma cidade, fos-sem estaduais ou particulares, e as juntava numa universidade. A maio-ria das universidades federais autárquicas nasceu assim. Se esse processotivesse seguimento, talvez tivéssemos, hoje, a universidade como a regra,não a exceção, em termos de organização do ensino superior. Se fôsse-mos acreditar nas intenções explícitas dos planejadores educacionaisda ditadura, também deveríamos esperar isso, pois a própria lei da re-forma universitária de l968 dizia que o modo de organização preferen-cial do ensino superior seria a universidade.

Por que aconteceu justamente o contrário?Antes mesmo que a lei da reforma universitária fosse rascunhada,

já tinha começado o crescimento do setor privado no ensino superior,que corria ansioso ao encontro da demanda não atendida pelas insufi-cientes universidades públicas. Como os empresários do ensino estavamfortemente implantados no Conselho Federal de Educação, aquelaorientação da lei virou letra morta. Os mesmos conselheiros que ajuda-ram a redigi-la ou a aprovaram não tiveram escrúpulos em criar todo otipo de facilidades para que as escolas particulares proliferassem comomoscas, sem instalações adequadas, sem laboratórios e bibliotecas, com

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professores-fantasmas. Assim, a idéia de se fazer da universidade aregrado ensino superior, como na maioria dos países do mundo, foi atropela-da pela própria política educacional implícita da ditadura. s

i O resultado de tudo isso foi que o ensino superior brasileiro é,hoje, dos mais heterogêneos que existem. O s

Temos instituições que podem se equiparar, em certos camposde conhecimento, apesar de tudo, às melhores do mundo, e outras quenão passam de meras máquinas de venda de diplomas a longo prazo.Infelizmente, estas são muito mais numerosas do que aquelas.

Temos universidades - cerca de 70 - e oito centenas de estabe-lecimentos isolados, nos quais a especialização esconde, na maior partedos casos, a mais restrita concepção da ciência, da técnica e da cultura.

A progressiva redução dos recursos alocados às universidadespúblicas, nos últimos dez anos, fez com que elas dimiriuíssem o desen-volvimentoda pesquisa científica, tecnológica e artística, atividade pe-la qual são responsáveis em praticamente 90% de tudo o que se faz nopaís. Os recursos que as universidades públicas têm para a pesquisa, deseus próprios orçamentos, são iriisórios, sendo elas obrigadas a recorreràs agências governamentais de fomento, como o CNPq, a CAPES e aFinep. Estas agências, por sua vez, tiveram seus recursos reduzidos: em1984 dispuseramde apenas 20% do montante que lhes foi destinado em1975 . -

Nem mesmo a sustentação do potencial de pesquisa, como tam-bém, do ensino, tem podido ser feita nas universidades públicas. Premi-dos por uma política salarial malthusiana, os professores vêem-se obri-gados a deixar a universidade ou a estender a jomada de traballio comoutros empregos: os laboratórios param por falta de peças de reposiçãoe recursos para manutenção; as bibliotecas se desatualizam pela mínguade verbas e pela elevação do preço das moedas estrangeiras que penali-zain especialmente a importação de livros e revistas. Por outro lado, adivulgação dos trabalhos fica prejudicada pela drástica redução de re-cursos pertinentes.

No grave momento em que vivemos, em meio a uma crise econô-mico-social que castiga nosso povo, grandes contingentes de estudantesestão abandonando os estabelecimentos particulares por não poderempagar as crescentes mensalidades cobradas por um ensino que nem sem-pre corresponde aos seus anseios e necessidades objetivas. Neste mo-mento, os ínteresses privatistas empenham-se numa bem orquestradacampanha de descrédito contra a universidade pública, de modo a car-rear para seus próprios estabelecimentos de ensino os recursos que já

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são insuficientes para aquelas. Ainda mais, retomam a tese da cobrançado ensino nas universidades públicas, a “PIGÇOS de fl1f>fC3d0”, de m0d0a eliminar a “concorrente”, fosse a universidade pública uma empresacomo eles próprios definem seus empreendimentos. Justamente nomomento em que os estudantes são compelidos a abandonar os cursospagos das escolas particulares, as uriiversidades públicas têm seus recur-sos cortados, ficando assim irnpedidas de atender aos milhares de pe-didos de transferências que lhes são encaminhados pelos estudantesatingidos pelas conseqüências danosas da crise que se abate sobre a so-ciedade brasileira. `

Mas, os problemas da universidade pública não se resumem a ca-rência de recursos. Vítima da ação repressiva do regiine, teve alterado otradicional niecanísmo de escolha dos dirigentes, sendo obrigada a apre-sentar listas de candidatos a reitor e a diretor de unidade,já não trípli-ces, mas sêxtuplas, reduzindo, na mesma proporção, o grau de autono-mia de seus colegiados. Estes, por sua vez, contêm -um numero exagera-do de membros natos ou escolhidos por categorias restritas, resultando,tudo isso, numa reprodução, interna à universidade, das práticas auton-tárias que vigoravam no govemo. _ _

A Universidade de Bras1'lia inaugurou a fundação como regime ju-ridico da universidade federal, forte apelo para as estaduais que se ena-ram depois dela. Desde então, o ensino superior publico debate-se nabusca de um padrão organizativo que evite os dois tipos extremos exis-tentes. De um lado, a autarquia, o tipo mais ant1g0, _flmflff3d°_P°f umarede de peias burocráticas que premiam o confonnismo e a incompe-tência, ao mesmo tempo em que castigam as inovfiaçoes e ÓBSHIUCÊÍÊIÍ1-a pesquisa. De outro lado, a fundação, na qual a tao celebrada flexlbfll-dade tem servido para facilitar o empreguismo de parentelas 1nte1rHS 0a especulação no mercado financeiro, em proveito dos grupos dirigentesda universidade. _ _ r ' _ ,

Igualmente inaceitável é a adaptação da rigidez. da autarClU1a°_°ma “flexibilidade” da fundação: quase todas as universidades aütáfflulcasorganizaram fundações de direito privado para intermediar a captaçãode recursos para a pesquisa, para a administração de restaurantesversitários e outras funções que fazem parte. do dia-;a-dia_da.mstit,iri-ção. Mas o preço pago por esse ganho imediato de_ flexibilidaded ealto: o reforço, pelo isolamento, do setor não transferido para as fllfl 3'ções. _

De todo modo, to grande impediinento para que a_fU.flda'Ç3° 130553vir a ser o regime jurídico ideal para a universidade brasileira e a d¢Pe"'

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dência dos recursos extemos para a sua manutenção: do govemo, dasempresas particulares e das anuidades pagas pelos estudantes. i

Fundação sem fundo, como as instituídas pela ditadura, estarãofadadas ao fracasso acadêmico e administrativo, só lhes restando, parasobreviver, subordinar o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços àbusca do sucesso empresarial.

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