Latour, bruno ciência em ação (com seguir cientistas e engenheiros sociedade afora)
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FUNDAC;:ÁO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Antonio Mancel dos Santos Silva Diretor Presidente JoséCastilhoMarquesNeto Assessor Editorial Jézio Hemani Bomfím Guuerre Conselho Editorial Académico Antonio Celso Wagner Zanin Antonio de Pádua Píthon Cyrino Benedtto Antunes Carlos Erivany Fantinati Isabel Maria F. R. Loureiro José Roberto Ferreira Lígia M. Vettorato Trevisan Maria Sueli Parreira de Arruda Raul Borges Guimaráes RobertoKraenkel RosaMaria Feiteíro Cavalari Editora Executiva ChristineRóhríg Editoras Assistentes Maria Apparecida F. M. Bussolotti Maria Dolores Prades BRUNO LATOUR CIENCIA EM A<;ÁO COMO SEGUIR CIENTISTAS E ENGENHEIROS SOCIEDADE AFORA Traducáo 1vone C. Benedetti Revisáo de traducáo Jesus de Paula Assis llíbno!eca Seloria! de Ciencias Sociais e HumanidadU'"
Latour, bruno ciência em ação (com seguir cientistas e engenheiros sociedade afora)
1. FUNDAC;:O EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho
CuradorAntonio Mancel dos Santos Silva BRUNO LATOURDiretor ~
PresidenteJosCastilhoMarquesNeto Assessor Editorial Jzio Hemani
Bomfm GuuerreConselho Editorial Acadmico Antonio Celso Wagner
ZaninAntonio de Pdua Pthon Cyrino Benedtto AntunesCIENCIA EM A3,
sUMRIoS-~ ~".~-.-l-O,-Je:>D; .~ _______~WPrthPI1 .z;q "*r
9Agradecimentos 11Introduco Abrindo a caixa-preta de PandoraParte
1Da retrica mais fraca a mais forte 39Captulo 1 Literatura ParteA -
Controvrsias ParteB - Quando as controvrsias se inflamam, a
literatura se torna tcnica Parte e - Escrevendo textosqueresistero
aosataques deuroambiente hostil Concluso - Nmeros,
maisnmeros105Captulo 2 Laboratrios ParteA - Dos textos as
coisas:mostrandoas cartas ParteB - Construindo contralaboratrios
Parte C - O apelo (/da) naturezaParte IIDos pontos fracos aos
fortes169Captulo 3 Mquinas 4. 8 BRUNO LATOURIntroduco - As
incertezasdo construtor de fatos Parte A-Translaco de interesses
ParteB - Mantendo na linha osgruposinteressados Parte C - Modelode
dfuso versusmodelode rranslaco239 Capftulo 4Quando os de dentro
saemParte A - Despertaro interessedosoutros peloslaboratriosParte
B- Contando aliadose recursosAGRADECIMENTOSParte IIIDe pequenas a
grandes redes293 Captulo 5Tribunais da razoParte A - Os
julgamentosde racionalidade Parte B- Scio-lgica Parte C - Quem
precisa de fatos duros? No sendo o ingles minha lngua materna,
precisei contar349 Captulo 6com a inestimvel ajuda de amigos que
revisaram os sucessivosCentrais de clculo rascunhos deste
manuscrito. [ohn Law e Penelope Dulling ti-Prlogo- Domesticaco da
mente selvagem Parte A - A~overam a enorme paciencia de rever os
primeiros rascunhos.a distncia ParteB- Centris declculo ParteC -
Metrologias Steven Shapin, Harry Collns, Don MacKenzie, Ron
Westrume Leigh Star sofreram tarnbm, cada um com um captulo di-421
Apndice 1ferente. Tive a grande felicidade de poder contar, para a
edi- Regras metodolgicas co de todo o livro, com Geoffrey Bowker,
que o "enxugou" esugeriu muitas rnudancas teis.423Apndice 2Parte
dos trabalhos referentes a edco americana deste Principios livro
foi possvel gracas a subvenco do Programme STS doCNRS. Nenhuma de
suas linhas teria sido escrita sem o estmu-425Referencias
bibliogrficaslo, o ambiente, a amizade e as condces materiais
oferecidaspelo Centre de Sociologie de ]Innovation da cole
Nationale433ndice remissivo Suprieure des Mines de Pars, minha nova
"alma mater". 5. IN1RODUCO ABRINDO A CAIXA-PRETA DE PANDORACena 1:
Numa manh fria e ensolarada de outubro de 1985,[ohn Whittaker entra
em seu gabinete do prdio de biologamolecular do Instituto Pasteur
em Paris e liga seu computadorEclipse MV/8000. Alguns segundos
depois de carregar os pro-gramas especias por ele concebidos, brlha
na tela urna ima-gem tridimensional da dupla hlice de DNA. [ohn
cientistada computaco, convidado pelo Instituto para trabalhar na
cri-aco de programas capazes de produzir imagens tridmensionaisdas
hlices de DNA e relaciona-las com as milhares de novasseqncias de
cido nuclico despejadas todos os anos em re-vistas e bancos de
dados. "Bela figura, hein?", diz seu chefe,Pierre, que acaba de
entrar no gabinete. "... boa mquinatambm", responde [ohn.Cena 2: Em
1951, no laboratrio Cavendish, em Cambrid-ge, Inglaterra, as fotos
do cido desoxirribonuclico cristaliza-do, obtdas por mios X, nao
eram urna "bela figura" numa telade computador. Os dais jovens
pesquisadores, [im Watson eFrancis Crick, tinham dado duro para
obr-las de MauriceWilkins e Rosalnd Frankln, em Londres. Era
impossvel ainda 1 Sigo aqu o relato deJames Watson (1968). 6. 12
BRUNO LATOUR CIENCIA EM AC;;AO13definir se a forma do cido era de
hlice tripla ou dupla, se as as imagens que tinham visto de relance
no gabinete de Wilkins.pontes de fosfato ficavam dentro ou fora da
molcula, ou at Em 1980, no subsolo de um prdio, outra equipe de
pesquisado-mesmo se a coisa era de fato urna hlice. Isso nao
importava res est brigando para por um novo computador em
funciona-muito para o chefe deles, Sir Lawrence Bragg, uma vez que
os mento e alcancar a DEC. Qual o significado desses
flashback.s,dois nem deveriam estar trabalhando no DNA, mas para
elespara usar um jargo do mundo do cinema? Eles nos levam deera
muito importante, especialmente depois de ouvirem dizervolta no
tempo e no espa~o.que Linus Pauling, o famoso qumico, estava
prestes a revelar, .> Quando usamos essa mquina do tempo, o DNA
deixa deem poucos meses, a estrutura do DNA. ter uma forma
caracterstica passvel de ser mostrada numa tela por programas de
computador. Quanto aos computado-Cena 3: Em 1980, num prdio da Data
General, Route 495,res, eles nem sequer existem. Ainda nao esto
"chovendo"Westborough, Massachusetts, Tom West e sua equipe
aindacentenas de seqncas de cido nuclico a cada ano. Ne-esto
tentando corrigir um primeiro prottipo de urna nova nhuma sequer
conhecida, e at a noco de seqncia du-mquina apelidada Eagle, que a
companhia nao havia de in- vidosa, uma vez que na poca muita gente
ainda nao sabecio planejado construir, mas que estava comecando a
despertarcom certeza se o DNA desempenha algum papel importanteo
interesse do departamento de marketing. Contudo, o progra-na
transmisso de material gentico de uma geraco parama de depuraco do
sistema estava com um ano de atraso.outra. J por duas vezes Watson
e Crick haviam anunciadoAlm disso, a escolha feita por West, de
usar os novos chipscom orgulho a resoluco do enigma, e nas duas
vezes o seuPAL, atrasava ainda mais a mquina - rebatizada de
Eclipse MV/ modelo tinha dado em nada. Quanto a "boa mquina"
Eagle,8000 -, pois ningum sabia ao certo, na poca, se a empresa fa-
o flashback nos leva de volta a um momento em que ela aindabricante
dos chips teria condces de entreg-los de mediato,nao consegue
executar programa algum. Em vez de pe~a co-Enquanto isso, seu
principal concorrente, a DEC, estava ven-mum do equipamento, que
John Whittaker pode ligar quandodendo muitos do seu VAX 111780, o
que aumentava a distancia quiser, ela nao passa de uma montagem
desorganizada de cabosentre as duas empresas. e chips monitorada
por outros dois computadores e rodeada pordezenas de engenheiros
que tentam faz-Ia funcionar de modoconfivel por mais de alguns
segundos. Ningum da equipe(1) Procurando urna entrada sabe ainda se
aquele projeto por acaso nao vai ser outro malo-gro completo, como
o computador EGO, no qual haviam traba- ~ Por onde podemos comecar
um estudo sobre ciencia e tec-lhado durante anos e que, conforme
diziam, fora assassinadonologia? A escolha de uma porta de entrada
depende crucial-pela gerencia.mente da escolha do momento certo. Em
1985, em Paris, [ohnNo projeto de pesquisa de Whittaker muitas
coisas aindaWhittaker consegue "belas figuras" do DNA numa "boa m-
permanecem em aberto. Ele nao sabe por quanto tempo vai f-quina".
Em 1951, em Cambridge, Watson e Crick esto lutan-car ali, se sua
bolsa vai ser renovada, se algum programa seu po-do para definir
uma forma para o DNA que seja compatvel comder lidar com milhes de
pares de bases e compar-las de al-guma forma biologicamente
significante. Mas h pelo menos 2 Sigo aqui o livro de Tracy Kdder
(1981) que, como o de Watson, leituradois elementos que nao lhe
criam problemas: a forma de dupla obrigatria paratodos os que se
interessam pelo processode construco da hlice do DNA e seu
computador da Data General. Aquilo cinca. que para Watson e Crick
represento u o foco problemtico de 7. 14BRUNO LATOUR CIENCIA EM
AGO15um feroz desafio, valendo-lhes ento um premio Nobel, agoradas
por forte luz colorida. No primeiro quadro, nao mais pre-constitui
o dogma bsico de seu programa, embutido em milha- ciso decidir onde
por o esqueleto de fosfato da dupla hlice; eleres de linhas de sua
listagem. E a mquina que fez a equipe de est logo ali, do lado de
fora; nao h mais nenhum bate-bocaWest trabalhar dia e noite durante
anos a fio agora zune man-para decidir se o Eclipse deve ser uma
mquina de 32 bits total-samente naquele escritrio, sem criar mais
problemas que mente compatvel, j que ela simplesmente ligada a
outrosqualquer outra pe~a do seu mobilirio, Para maior garantia,
ocomputadores NOVA. Durante os :fWshbacks, muitas
pessoasencarregado de manutenco da Data General d uma
passadi-acabam reingressando no quadro, vrias delas apostando anha
por l toda semana para acertar alguns probleminhas, mascarreira nas
decises que tomam: Rosalind Franklin decide re-nem ele nem [ohn
precisam vistoriar todo o computador dejeitar o mtodo, escolhido
por [im e Francis, de construco denovo e forcar a companhia a
desenvolver uma nova linha de um modelo e, em lugar dsso,
concentrar-se na cristalografiaprodutos. Whittaker tambm est bem
consciente dos muitos bsica com raios X, para obter melhores
fotografias; West deci-problemas que rondam o Dogma Bsico da
biologia (Crick, de construir uma mquina compatvel de 32 bits,
mesmo queagora um idoso cavalheiro, deu uma conferencia sobre o
assun- isso signifique montar uma "amostra" desengoncada, como
di-to no Instituto, h algumas semanas), mas nem [ohn nem seuzem
eles com desdm, e perder alguns dos melhores engenhei-chefe
precisam repensar inteiramente a forma da dupla hliceros, que
simplesmente querem projetar uma mquina comple-ou estabelecer um
novo dogma. tamente nova.A expresso caixa-preta usada em ciberntica
sempre queNo Instituto Pasteur, [ohn Whittaker nao est assumindouma
mquina ou um conjunto de comandos se revela comple-grandes riscos
ao acreditar na forma tridimensional da duplaxo demais. Em seu
lugar, desenhada uma caixinha preta, ahlice ou ao executar seu
programa no Eclipse. Essas agora saorespeito da qual nao preciso
saber nada, seno o que nela en- opces de rotina. Os riscos que ele
e o chefe assumem sao ou-tra e o que dela sai. Para [ohn Whittaker,
a dupla hlice e tros, esto naquele gigantesco programa de comparaco
deaquela mquina sao duas caixas-pretas. Ou seja, por mais con-
todos os pares de bases gerados pelos bilogos moleculares
dotrovertida que seja sua histria, por mais complexo que seja
seumundo inteiro. Mas se voltarrnos para Cambridge, trinta
anosfuncionamento interno, por maior que seja a rede comercial
ouatrs, em quem deveramos acreditar? Em Rosalind Franklin,acadmica
para a sua implementaco, a nica coisa que contaque afirma haver uma
hlice de tres fitas? Em Bragg, que man- o que se pe nela e o que
dela se tira. Ao se ligar o Eclipse, ele da Watson e Crick
desistirem daquele trabalho sem esperanceexecuta os programas que
ali foram pos tos; quando algume voltarem a tratar de assuntos
srios? Em Pauling, o maior qu-compara as seqncias do cido nuclico,
come~a pela dupla mico do mundo, que revela uma estrutura que
infringe todashlice.as leis conhecidas da qumica? A mesma incerteza
surge em O :fWshback que nos levou de outubro de 1985, em Paris,
aoWestborough, alguns anos atrs. Ser que West deve obedeceroutono
de 1951, em Cambridge, ou a dezembro de 1980, emao chefe, de
Castro, quando este lhe pede explicitamente queWestborough,
Massachusetts, apresenta dois quadros comple- nao faca um novo
projeto de pesquisa ali, pois todo setor de pes-tamente diferentes
de cada um desses dois objetos: um fato quisa da companhia se
mudava para a Carolina do Norte? Porcientfico - a dupla hlice - e
um artefato tcnico - o mini-quanto tempo West deve ficar fingindo
que nao est traba-computador Eagle. No primeiro quadro, John
Whittaker usa lhando num novo computador? Ele deve acreditar nos
especia-duas caixas-pretas porque elas nao apresentam problemas e
saolistas de marketing, quando estes dizem que todos os clientes
seguras; durante o flashback, as caixas sao reabertas e
ilumina-querem uma mquina totalmente compatvel (na qual possam 8.
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