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LAZER E ESPORTE: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Célia de Fátima Silva Tavares
Belo Horizonte – Minas Gerais 2007
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LAZER E ESPORTE: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Monografia realizada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar, pelo Centro de Ensino a Distância da Universidade de Brasília.
Orientador: Professora Ms.Maria Tereza Armonia
Belo Horizonte – Minas Gerais 2007
Célia de Fátima Silva Tavares
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LAZER E ESPORTE: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar, pelo centro de Ensino a Distância da Universidade de Brasília.
Aprovada em 02/09/2007
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________ Profa. Cristiane Abranches
Universidade de Brasília
_____________________________________ Profa. Ms. Maria Tereza Armonia
Universidade de Brasília
Brasília (DF), 02 de setembro de 2007.
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos que me apoiaram e se fizeram importantes nessa conquista. Primeiramente, a Deus que me permitiu, com tantas lutas, chegar até essa conclusão. Depois, à minha família por todo apoio dado, assim como aos professores e orientadores do Segundo Tempo e à Orientadora de Metodologia de Pesquisa: Maria Tereza Armonia, sem a qual essa etapa de pesquisa monográfica não teria se efetivado. E, por fim, aos amigos e colaboradores que se fizeram presentes nessa etapa importante de minha vida.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09 2 OBJETIVO GERAL................................................................................................11 2.1 Objetivos específicos ..........................................................................................12 3 REFERENCIAL TEÓRICO: 3.1 Lazer e esporte: o homem como ser cultural .........................................13 3.1 Cultura integral e separação: o homem estratificado na Educação Física ........18 4 A MODERNA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA........................................25 4.1 Sobre a ocorrência histórica do lazer .................................................................27 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................30 REFERÊNCIAS.........................................................................................................36 ANEXOS ...................................................................................................................42
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES: Fig.1 – Divisão do cérebro por “função”. Pág. 76, Mód. 1, Unid. 2............................18
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1 INTRODUÇÃO
Grande parte dos profissionais de Educação Física em atividade no Brasil
teve sua formação em tempos em que as perspectivas sobre o profissional e, assim,
sobre a prática de Educação Física, partiam de pressupostos mecanicistas, muito
debatidos durante o Programa Segundo Tempo e melhor compreendidos durante a
pesquisa. Essa “orientação” era grandemente dominada pelas perspectivas das
Ciências Biológicas.
Na escola, a Educação Física era um momento de doutrinar o aluno,
sobretudo, o das classes mais baixas. Essa função também determinava a
conformação das aulas de Ensino Religioso ou, especificamente, as de O.S.P.B
(Organização Social e Política do Brasil – matéria em vigência durante a Ditadura
Militar). A repetição de exercícios visaria manter a saúde, formatando corpo e mente
para as tarefas repetitivas que comporiam a futura vida profissional.
A pesquisa tem grande abrangência, já que a sociedade passa, na chamada
“aceleração da História”, por mudanças que são “produtos e produtoras”, da
concepção pedagógica moderna: democratizante e formativa.
Em alguns momentos é útil e justo pensar porque a ciência tem a intenção de
amontoar conhecimentos tão distintos sobre um mesmo nome (como a disciplina
“Ciências” – do Ensino Fundamental, por exemplo) e, ao mesmo, tempo entender
por que por vezes “separa” coisas que são inegavelmente interligadas. Essa linha de
argumentação é extremamente útil a um trabalho que visa demarcar algumas
diferenciações (já que separar totalmente não é possível), entre dois termos que tão
facilmente se misturam: como “lazer e esporte”.
Se agora é proposta uma avaliação delimitante entre os dois termos é porque
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diversos paradigmas mudaram.
Mas, essas mudanças, amplas demais para serem postas em uma linha de
argumentação única (unilateral), não podem também ser fechadas a um campo de
entendimento. Do lado da Psicologia, por exemplo, há a noção de
complementaridade entre saúde mental e saúde física. A Sociologia contribuiu para
uma visão onde a compreensão do corpo se torna coerente com o desenvolvimento
cultural de uma dada sociedade, em um dado momento no tempo.
A mudança que interessa aqui é a pedagógica, surgida da junção das
alterações (e interações) do conhecimento humano com as especificidades da
disciplina de Educação Física.
O evoluir da sociedade alterou os tempos de todas as atividades humanas.
Embora dotado de ludicidade, (ligado ao que o homo sapiens tem de mais primitivo),
desde que o homem hierarquizou sua sociedade estabelecendo, a contragosto da
maioria, que uns deveriam valorizar e viver do ócio e, para isso, outros deveriam
trabalhar e sustentar os que não produziam, a atividade física passa por diversas
compreensões, da negação à hipervalorização.
Quando há “sobra” na produção, os que não produzem, não apenas se
preocupam com sua subsistência, mas exigem dos produtores o excesso de
produção, já que também há “disputa de poder” com outros da mesma classe. Esse
“excesso” de produção ficou mais evidente após a Revolução Industrial, demarcou-
se mais claramente pelo advento do Capitalismo e o estabelecimento do modo de
vida da classe operária: trabalhar para sobreviver e ter o tempo livre como intervalo
dos posteriores períodos de trabalho.
Um grande salto no tempo, séculos depois, no final do século XX, o conceito
de trabalho mudou, as máquinas dominaram as tarefas repetitivas de produção e, ter
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criatividade passou a ser mais importante que “ser disciplinado”.
A cobrança não diminuiu sobre o trabalhador, mas agora não mais como
mecanismo, mas como “ser criativo”; isso trouxe diversas mudanças para a
educação: da alfabetização fomos para o letramento, onde a meta não é mais saber
“sílabas”, mas compreender o escrito e ser capaz de contextualizá-lo. A matemática
não é mais a matéria onde “decoramos os fatos”, mas hoje, por ela, o aluno deve
aprender a lidar com os conceitos quantitativos e qualitativos que estruturam a
sociedade.
Nos tempos do trabalhador criativo, que agora também tem direitos, entra em
campo o conceito de “saúde mental”. Essa mudança toma corpo na Educação Física
e essa procura até hoje o método correto de adequar-se a isso.
O tempo “não produtivo”, passa a ser essencial também, e nele tomam corpo
uma série de atividades que são englobadas sobre o nome de “lazer”.
Conjuntamente, o esporte, como produção cultural, é mais ainda indissociável
do sistema produtivo e, sobretudo, do desenvolvimento da mídia. Tendo os dois
grande influência na vida do aluno, tem-se um outro termo que ajuda na delimitação
do lazer: o esporte. Esse, para efeito de argumentação, “é impossível de datar”,
mas, sua conformação atual é determinada pelo sistema econômico e financeiro
vigente.
2 O OBJETIVO GERAL é
Delimitar as diferenças entre esporte e lazer, mostrando algumas
semelhanças e diferenças que são importantes não a um “aprofundamento
científico” mas, ao trabalho pedagógico e formativo do professor de Educação
Física.
2.1 Objetivos específicos:
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• Definir o que é Lazer, de acordo com um conceito culturalmente estabelecido.
• Localizar historicamente o conceito de Lazer e “tempo livre”, e estabelecer.
• Entender o conceito de “Esporte”, de acordo com as teorias vistas no Segundo
Tempo.
• Compreender o homem como ser “cultural”, porque os conceitos apresentados,
primariamente, não são absolutos.
• Caracterizar o esporte, como junção de técnica, desempenho e envolvimento,
que tanto podem relativizar-se com o tempo “livre” moderno, como algo que por
vezes, tem tempos tão “marcados” quanto o trabalho.
• Pesquisar em campo quais atividades desempenhadas por nossos alunos se
enquadram nos conceitos estabelecidos de Esporte e Lazer.
• Estabelecer um método de avaliação dos dados obtidos no questionário
conhecimentos adquiridos contribuírem para a melhoria das aulas.
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3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Lazer e esporte: o homem como ser cultural
Essa parte do trabalho refere-se a dois hábitos: o do lazer e o do esporte.
Fatores que quando incorporados pelo sujeito tendem a confundir-se, tanto porque
se referem às interações do corpo com o meio, quanto por serem depois assimilados
e fazem parte da vida moderna juntamente com todo seu amplo conjunto de fatores
culturais. Tanto lazer como esporte lidam com fatores culturais, biológicos e
psicológicos, que acabam por reforçar a noção de habitus (repetição). O habitus,
sendo coerente ao conceito de cultura onde o sujeito se insere, dá forma ao viver e
agir do homem. A questão das nomenclaturas e suas implicações, (e confusões), no
universo da Educação Física, é reconhecida até nos Módulos do Segundo Tempo,
que tentam dar “uma noção” mais conceitual do que é cada manifestação
“em Educação Física, fazemos uma enorme confusão quanto à compreensão e nomeação dos acontecimentos situados no universo lúdico. As manifestações lúdicas, de modo geral, têm seus nomes sempre relacionados aos contextos de suas existências. Porém, a confusão está em situar, no mesmo nível, coisas que são de níveis diferentes. Por exemplo, denominamos de brincadeira os acontecimentos lúdicos menos comprometidos socialmente, mais vinculados a crianças, ao passo que, por jogo, batizamos a manifestação lúdica comprometida com regras sociais reconhecidas”. (Scaglia, 2004, Mod.3, p.105).
Desse modo, e por outras particularidades de lazer e esporte, para o
trabalhador a tentativa de separação dessas duas atividades é, primariamente, a
ação de destacar diferenças composicionais entre as duas. Muitas vezes, essas são
quase só convencionais ou, em grande parte do tempo, apenas atendem à intenção
acadêmica. O Segundo Tempo é uma oportunidade de tirar a imagem da Educação
Física do que vem a mente da maioria das pessoas: uma série de atividades
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repetitivas visando, só a “saúde” do corpo. Essa concepção é eminentemente
biológica e coerente com a teoria vista no Segundo Tempo, ao revelar que
“a Educação Física no Brasil, tradicionalmente, sempre fez parte das ciências biológicas e, consequentemente, sempre priorizou as explicações para sua atuação nas características anatômicas ou nas manifestações biológicas ou bioquímicas do organismo humano. Não é intenção analisar (a fundo) os fatores históricos ou culturais que fizeram com que a Educação Física tivesse essa exclusividade biológica em seus argumentos. Muito menos pretendemos negar a importância de estudos e pesquisas provindos das Ciências Biológicas para a Educação Física. Entendemos que eles são necessários ao debate da área acadêmica de Educação Física, mas, por si só, não conseguem apreender a área como um fenômeno com implicações sociais, políticas e culturais”. (Scaglia, 2004, Mod.1, p.67).
É na raiz da cultura popular que se encontram algumas diferenciações que
têm se imposto entre Esporte e Lazer: Xadrez, por exemplo, na imaginária popular, é
uma atividade de lazer mas, dificilmente é pensado como esporte. Apenas citando, e
considerando as diferenças regionais, se perguntarmos a um russo qual o seu
conceito de xadrez, seguramente a resposta terá a palavra “esporte” inserida. Isso
é uma condição cultural coerente com o desenvolvimento da cultura esportiva e de
lazer naquele país. No Brasil, Lazer é primariamente definido como uma atividade
que deve ser realizada “no tempo livre”, se possível, sem nenhuma metodização.
Posteriormente, veremos que o tempo de lazer dos alunos é também coerente às
convenções, mas por hora, é justo deixar a definição de lazer popular ser melhor
investigada.
Essa definição “popular” não é “certa” ou “errada”, é apenas coerente com o
conhecimento construído através do tempo, sendo que, a existência de estudos
mais aprofundados apenas pode contribuir para que ela seja vista de forma mais
ampla por ser definida como “limitada”.
Também, o conceito de “tempo livre” é algo questionável. Sobretudo, na
escola. Há pouco tempo atrás, qualquer atividade que saísse do que estava
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estabelecido nos rígidos currículos era considerada “contra-producente” e passava a
integrar as categorias de “ócio”. O sistema capitalista nos coloca em sala de aula
com o pobre, porque é o “filho do pedreiro” e, algumas vezes, com o filho do
“comerciante melhor de vida”, isso é um conceito de “homem”, onde o homem é
definido pela sua atividade. E o filho pela atividade do pai. (Scaglia, 2004)
Com o aumento dos conhecimentos sobre aprendizagem humana e o evoluir
dos transportes, que colocou o homem ocidental (o europeu, que baseava sua
ciência na crença de que a única visão possível de mundo era a sua) teve em
contato com visões diversas que, embora quase sempre primeiramente postas como
“erradas”, muitas vezes contribuíram para o evoluir do conhecimento europeu; isso
mostrou como algumas verdades absolutas depois se mostravam, no mínimo,
insuficientes.
Coerentemente a essa incompletude, Gertz desenvolve seu trabalho.
Antropólogo americano e pai da antropologia simbólica, que “afirma que os
indivíduos entendem de diversas maneiras as ações dos locais onde vivem, assim
como as demais ações dos membros de sua sociedade” (Scaglia, 2004, Mod.1,
p.72). De sua argumentação, tem-se que isso se tornou não apenas uma limitação
do europeu, mas aprofundou-se no desenvolvimento da sociedade ocidental. A
necessidade de delimitar o outro, no jogo de poder estabelecido, traz a simplificação
de poder ligá-lo às suas atividades e seu modo de pensar, ele expõe que
“a imagem de uma natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e profissões, modas passageiras e opiniões temporárias, pode ser uma ilusão, que o que o homem é pode ser uma ilusão, que o que o homem é pode estar tão envolvido com onde ele está, que ele é e no que ele acredita, que é inseparável deles”. (Scaglia, 2004, Mod.1, p.72).
O extremo desse “processo natural” (de classificação) é a compreensão
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(vinculação) do homem à maneira de pensar. Esse extremo produziu visões
globalizantes e foi usado, por exemplo, na escravidão dos africanos e depois, no
Holocausto, morte dos judeus.
A compreensão do corpo, só análise estética, sempre esteve vinculada à
cultura. A miscigenação e as medidas afirmativas promovidas pelos governos, tanto
nos Estados Unidos da década de 60, quanto hoje no Brasil, (com diversos
programas assistenciais), são uma prova de que o conceito superficial de estética é
algo mais facilmente alterável do que a noção de “cultura oposta”. A estética oposta
(pele negra e pele branca = pele mestiça), é algo com que se pode lidar mais
facilmente, mas, entrando no corpo das idéias e concepções de mundo, é mais difícil
encontrar meio-termos; o Mod.1 cita que
“quando a referência se dá no âmbito do aparente, do superficial, a deformação não é tão desastrosa se comparada com a desvalorização, que se situa no âmbito do profundo, dos valores, dos pensamentos, dos sentimentos, das emoções, das vontades e dos desejos”. (Scaglia, 2004, Mod.1, p.73).
Tanto a concepção estética quanto a cultural são dependentes do meio. A
idéia do autor contribui para mostrar a existência de uma intrínseca associação entre
o homem e o meio pois, inevitavelmente, homem x meio estão interligados.
Primariamente, em equilíbrio, a medida que eles se reconstroem mutuamente.
A colocação de Durkheim (1991) enfatiza a concepção dominante entre
homem e meio. Segundo ele,
“a relação meio-homem/todo-parte parte do princípio de que o homem é um elemento integrante da sociedade, mantendo com esta uma relação de complementaridade e de interdependência, tal qual a associação estabelecida entre o organismo de um animal superior e seus órgãos internos”. (Durkheim apud Scaglia, 1991, p.72).
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A separação entre corpo e mente, surge então como fator cultural,
principalmente religioso. Explicando a utilidade dessa argumentação para a
Educação Física, o “homem”, enquanto repetidor de rotinas e tarefas passa a ser
compreendido como “corpo”. Desvinculado de cultura e da capacidade de alterar a
cultura, o homem passa a ser então uma “mente sedentária”. A compreensão do
homem pelo seu biológico, expressa na primeira citação do capítulo, mostra que a
compreensão passa por entender o homem por meio de seus corpos, buscando a
essência do fenômeno estudado e então reinterpretando-o.
É importante também que não haja confusões: por mais que existam meios
de processamento cada vez mais eficazes e as mídias se tornem cada vez mais
interativas, a função dessas é apenas “armazenar e processar informações”. O
conhecimento só existe na cabeça do homem e a cultura é o somatório do
conhecimento das pessoas. Para Geertz,
“a cultura é a própria condição de vida de todos os seres humanos. É produto das ações humanas, mas é também processo contínuo pelo qual os homens dão sentido às suas ações. Constitui-se processo singular e privado, mas é também plural e público. É universal, porque todos os humanos a produzem, mas é também local, uma vez que é a dinâmica específica de vida em sociedade que significa o que o ser humano faz. A cultura se dá na mediação dos indivíduos entre si, manipulando padrões de significados que fazem sentido num contexto específico”. (Scaglia, 2004, Mod. 1, p.75).
Por essa definição, a cultura perde os sentidos classificatórios, de homens e
sociedades, e passa a condição essencial para o funcionamento da vida social.
As funções culturais interagem com as biológicas, sendo que, se a cultura não
pode criar uma função biológica, mas determina o modo como o homem irá
compreendê-la e, muitas vezes, como irá utilizá-la.
Exemplificando, como funções biológicas têm-se:
• Fala (emissão sonora), olfato, locomoção e alimentação.
Como construção cultural a partir destas tem-se:
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• Língua falada, com seus diversos conceitos, variantes e dialetos, dentro de um
povo.
• Cheiros agradáveis e desagradáveis, o que leva ao “aguçamento intencional” do
sentido do olfato ou até ao seu “desligamento” total.
O “andar” liga-se à função biológica locomotiva mas, culturalmente, é definido
por andar de forma compassada e as diversas formas de construção postural da
espécie humana.
Comer, que é fornecer ao organismo a matéria que necessita para funcionar,
é um exemplo claro: um povo constrói sua vocação alimentar de acordo com o que o
meio ambiente lhe fornece. Isso sendo relativo à técnica desse povo, porque quanto
mais culturalmente desenvolvido um povo, mais opções de alimentação lhe estão
dispostas e mais o ato de comer se torna algo cultural. Em Roma os banquetes eram
eventos sociais e, em muitas culturas, uma dieta vegetariana pode ser adotada com
base, apenas, em convicções filosóficas.
Comer é algo que não fica distante do desenvolvimento do comércio e da
mudança que Karl Marx, autor de O Capital, previu: determinado prato (por vezes,
com valor nutritivo quase nulo) assume valor, de acordo simplesmente pelo nome do
chief (cozinheiro) que o preparou, e do lugar onde ele é servido. Para a cultura
esportiva-corporal, interessam as dietas, grande parte delas totalmente artificial,
compostas por grande parte de proteínas, com o objetivo de construção do “corpo
perfeito”, onde a musculatura é aumentada.
3.1 Cultura integral e separação: o homem estratificado na Educação Física
Os exemplos da listagem anterior mostram que a cultura pode compreender
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significados e funções distintas nas mesmas ações.
Durante muito tempo, tem prevalecido a concepção estratificada da mente
humana, essa visão é notada em diversos momentos e foi influente na divisão dos
tempos escolares. Por ela, cada ação e sua compreensão seriam referentes a um
estrato específico do comportamento humano. Assim como, também haveria tempo
para aprender cada disciplina em separado. Na página 76 do Módulo 1, Unidade 2
tem-se a seguinte figura:
Fig.1 – Divisão do cérebro por “função”.
A figura permite fazer algumas considerações sobre o modo como a
compreensão de esporte e lazer tem se imposto durante o tempo.
O esporte não seria algo “biologicamente explicável”. Psicologicamente, para
o praticante, é algo com duas interpretações. Sendo um enquadramento cultural,
mas extremamente dependente do biológico e, ao mesmo tempo, algo que remodela
ou, ao mesmo tempo, reconstrói o corpo.
A teoria lida durante todo o Segundo Tempo mostrou que, afora pressões
externas (que causa a especialização precoce), o início da prática esportiva se daria
como desenvolvimento do lúdico. Quanto mais profissional, o esporte mais se
aproximaria de uma atividade culturalmente construída. Por fim, o esporte se
constrói como “ofício” e, não raro, somente isso.
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Socialmente, o esporte “não-ofício”, que nossas crianças praticam (muitas
vezes imitando o esporte profissional) é uma decorrência do lazer, sendo acrescido
de alguma competitividade.
O diferencial da contemporaneidade é justamente o esporte “indústria de
marketing”, onde esse se vincula à venda de outros produtos, que em grande parte
são mesmo opostos à prática esportiva, como bebidas alcoólicas e cigarros.
Os gladiadores romanos eram os “esportistas” de seu tempo, tinham
treinamento intenso, patrocinadores, torcidas e, frequentemente, viviam da atividade
esportiva. Queriam ser campões por orgulho e tinham que entreter a multidão.
Essa mesma situação pode também ser encontrada, com diferenças, nas
corridas de toras dos índios Kanela, do Rio Grande do Sul.
E afirmar que o esporte hoje tem “importância”, baseando-se nos valores
financeiros apenas, é uma visão limitada, já que as lutas de samurais no Japão
medieval, com espadas de madeira, atendiam às descrições anteriores e, não raro,
decidiam a sorte de dois povos (geralmente dois “feudos”, que seriam equivalentes a
duas cidades) representados por seus melhores guerreiros (atletas).
A ciência há muito afirma, desde antes de Piaget (1978) que, tanto no plano
interior quanto no exterior, o primeiro e mais importante ponto de referência e de
relação com o mundo é o corpo (sensibilidade) e que com base na maturação de
suas diversas partes, há o desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo.
O lazer teria ligação com o biológico do homo sapiens. A “brincadeira” dos
filhotes de leão teria a função de desenvolver-lhes instintos ligados à caça e aos
confrontos com membros do mesmo, e de outros grupos sinais.
Notável é que as teorias de Piaget(1978) e Vigotsky (1999) são amplamente
conhecidas, com muitíssimos trabalhos e teses sobre, mas trazê-las para a prática
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ainda não é tarefa simples.
Basta observar a aula de Educação Física de uma escola regular, felizmente
não todas, para constatar que será visto um tanto de atividades “lúdicas” dadas em
aulas que, sem planejamento, não dispõem de conteúdo. Mas, não se pode
confundir colocar “conteúdos” com tirar a ludicidade em troca de “seriedade”. Scaglia
(2004) afirma que é válida a visão que afirma que a intencionalidade pedagógica
perante a atividade lúdica infantil e a seriedade no tratamento do tema. É o professor
quem tem que saber que brincadeira é coisa séria, tarefa para o adulto e não para a
criança.
O mesmo o autor afirma que “o que distingue as atividades corporais lúdicas
de outras realizadas com esforço físico, é que as primeiras não têm a intenção de
materializar um objeto” (Scaglia, 2004), como acontece na atividade de um mecânico
que se esforça para compor uma peça.
Nessa primeira (prática lúdica e de lazer) há a intenção de se proporcionar um
estado de bem-estar. Exemplificando, ele afirma que o resultado de uma corrida na
praia e de uma de uma sessão de ginástica é a satisfação dos entendimentos
próprios, anseios e interesses lúdicos, estéticos, artísticos, competitivos e etc...
Então a avaliação em Educação Física, além dos fatores sociais e culturais já
postos deve também levar em conta alguns fatores de ordem mais subjetiva e
pessoal e ligando-se esse item à postura do professor, pode-se afirmar que o
mesmo não deverá ter apenas noções de aprendizagem, essa observável com mais
facilidade, mas também fundamentação teórica para avaliar o desenvolvimento do
aluno.
O apresentado foi uma das diversas linhas de pensamento, não sendo
possível argumentar sobre uma dimensão sem falar de outra. São complementares.
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Além do defeito de “separar, estratificar”, essa visão também hierarquiza, uma vez
que, por essa visão, o biológico seria “superior” ao social, e Geertz (2004) afirma
que
“Segundo essa visão, o componente biológico humano teria se formado primeiramente, sendo complementado ao longo da evolução pelos componentes psicológico, social e cultural. Tem-se, nessa perspectiva, a cultura como secundária e complementar à formação do cérebro humano, como se fosse originária e conseqüente dele. Geertz refuta essa visão, defendendo a chamada concepção “sintética”, na qual todas as dimensões estão presentes no homem, interagindo como variáveis no seu comportamento”. (Scaglia, 2004, Mod. 1, p.76).
O homo sapiens apareceu entre 100 e 200 mil anos e, no seu
desenvolvimento, a biologia e a cultura se influenciaram mutuamente. O segredo da
evolução humana
“é a extrema adaptabilidade, a simples mudança física que tornou isso possível foi à liberação das mãos da função básica da locomoção. As implicações desta modesta mudança comportamental são enormes, pois que ela não só abre caminho para a tecnologia, através da manufatura e manipulação de instrumentos, mas significa que o desenvolvimento da linguagem torna-se possível. (...) livrar as mãos pelo simples expediente do andar ereto sobre os membros posteriores foi parte de um comportamento evolucionário, o qual pode ter envolvido diversos fatores, tais como dieta, proteção ou mudança na organização social. Esse comportamento, uma vez iniciado, acelerou a evolução, para afinal produzir a espécie humana”. (Faria et al, 1986, p.22).
Não considerar o homem integralmente produz currículos subdivididos e,
também pessoas com conhecimentos fragmentados, repetidoras de rotinas.... os
estímulos desse ambiente complexo são captados por meio dos órgãos, sensório-
perceptivos e submetidos (codificados) de acordo com os parâmetros culturais
construídos durante a vida pregressa. Pela sua ligação com essa “construção”,
esses sentidos necessitam de estimulação para se desenvolver e, caso tal
estimulação não apareça,
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“ficaremos limitados na nossa capacidade perceptiva, ou seja, teremos dificuldade em organizar, com amplitude, as sensações. Não organizando bem as sensações, teremos também dificuldade de entendê-Ias e de nos expressar sobre elas. Nossas interpretações não chegarão a um entendimento profundo do que percebemos e, por conseguinte, não galgaremos um nível de consciência elevada e isso tudo acontecendo em uma complexa rede intra e extracomunicante, não linear, deslocando-se entre o caos e a ordem”. (Scaglia, 2004, Mod.3, p.84).
Abrindo o leque de argumentação, pela contribuição de Geertz (2004) surge a
moderna concepção de Educação Física, onde não há construção humana que não
seja cultural.
É importante enfatizar que em hipótese alguma a contribuição biológica está
sendo negada: quando se fala em “conhecimentos biológicos para aula de Educação
Física”, a intenção é tirar o foco das questões “pré-determinantes” (mais alto, mais
baixo, negro forte, oriental inteligente), e focar nos conhecimentos de anatomia,
principalmente no que se refere às estruturas musculares e ósseas. Essas são
importantes, para que o professor conheça e consiga transmitir ao aluno a
importância da percepção do próprio corpo. O método é que difere, já que ao invés
de decorar qualquer nome de órgão ou de exercício, o aluno pode iniciar sentindo e
compreendendo seus ossos e os músculos, envolvidos nos diferentes exercícios e
atividades dadas. Os conhecimentos de fisiologia
“são aqueles básicos para compreender as alterações que ocorrem durante as atividades físicas (freqüência cardíaca, queima de calorias, perda de água e sais minerais) e aquelas que ocorrem a longo prazo (melhora da condição cardiorrespiratória, aumento da massa muscular, da força e da flexibilidade e diminuição de tecido adiposo)”. (PCN de Educação Física, 2001, p.47)
Segundo o PCN de Educação Física (2001), também outros pontos das
Ciências Biológicas são relevantes para a Educação Física:
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• A bioquímica abordará conteúdos que subsidiam o entendimento da composição do
corpo.
• a fisiologia: alguns processos metabólicos de produção de energia, eliminação e
reposição de nutrientes básicos.
• A biomecânica está relacionada à anatomia e contempla, principalmente, a
adequação dos hábitos posturais, como, por exemplo, levantar um peso e equilibrar
objetos.
O aluno que se inicia na prática esportiva, no entanto, não precisa “ter
conhecimento” dessas dimensões, já que, para ele o ideal seria ter informações que
propiciassem a
“percepção do próprio corpo, isto é, o aluno deverá, por meio de suas sensações, analisar e compreender as alterações que ocorrem em seu corpo durante e depois de fazer atividades. Poderão ser feitas análises sobre alterações a curto, médio ou longo prazo. Também sob a ótica da percepção do próprio corpo, os alunos poderão analisar seus movimentos no tempo e no espaço: como são seus deslocamentos, qual é a velocidade de seus movimentos, etc.”. (PCN de Educação Física, 2001, p.47)
A Educação Física perde sua centralidade no corpo “físico”, pois não há
dimensão física isolada de uma totalidade humana biológica, cultural, social e
psíquica.
Uma vez “unificado” o homem e sendo o aluno ser integral, é possível
delimitar outras diferenças entre lazer e esporte, coerentemente ao que foi
assimilado no Segundo Tempo.
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4 A MODERNA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Definir o que é o esporte é difícil, algumas atividades definidas como esporte
se profissionalizaram de tal forma que a organização de seus tempos não se
diferenciam em nada da atividade laboral regular. Outras atividades atendem a mais
de uma definição: o alterofilismo, por exemplo, pode atender à categoria de esporte
“amador”, ao mesmo tempo em que a proliferação das academias de musculação
revela muito mais um aspecto da exigência estética da sociedade ocidental. A
mesma atividade atenderia, nesse caso, a dois fins distintos, tendo a mesma
“conformação”.
Também, tendo como ponto em comum, essas duas concepções a ação de
levantar “objetos pesados” se afasta da noção formativa buscada pelo trabalho
consciente de Educação Física, com intenção sociabilizante. O esporte também se
caracteriza pela hipervalorização da técnica. O termo “técnica” passou a ser usual a
partir da década de 70 e pode ser simplificada como observa Scaglia, 2004:
“se um grupo de crianças brinca de comidinha ou de casinha, o nome disso é brincadeira. Por outro lado, se um outro grupo brinca de pega-pega, o nome da atividade é jogo. Ao assistir a uma peleja de Futebol ou a um encontro de Atletismo, as pessoas dão a esses eventos o nome de esporte, denominando a brincadeira de bola entre meninos de jogo”. (p.105)
O esporte exige técnica e essa pode ser, grosso modo, definida como
extrema aptidão para desempenho de uma tarefa ou parte dela.
O Segundo Tempo define técnica como uma série de adjetivos que se
definem como repetição e perícia, sendo essa definida por:
• Precisão
• Economia
• Correção
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e, fazem oposição a outra categoria de movimentos que são “naturais”, não-
técnicos, dotados de espontaneidade, brutalidade e sobretudo, guiados pela
necessidade de improviso pela desconsideração das teorias (e dos acertos)
anteriores.
A necessidade de conhecer métodos, modos e possibilidades de uso do lazer
na educação (não restrita à escola) tem se imposto na formação dos jovens
juntamente com a influência na educação de outras ciências que investigam o
comportamento. Ao mesmo tempo, isso é fruto da observação cotidiana e a certeza
de que o aluno, não só o jovem, tem grande possibilidade de aprender, enquanto se
entretém (Piaget, 1978).
As concepções atuais sobre o comportamento recreativo e suas
possibilidades para a educação são fruto de idéias que, embora surgidas há muito
tempo, evoluíram grandemente nos séculos XIX e XX (Scaglia, 2004). O lazer,
enquanto ferramenta para a educação e a sociabilidade, não difere de outros
campos de estudo sobre educação, que visam minimizar a exclusão vista nos
modelos educacionais. Como essas tentativas também passam por dificuldades para
delimitar, tanto quanto possível, seu campo de ação.
Definir a ciência a que esse tema serve é tarefa complexa, já que diversas
abordagens são possíveis para o entendimento do lazer: Psicopedagogia,
Sociologia, Pedagogia, Educação Física, História, Cultura e Artes são algumas das
disciplinas, aproximando as argumentações da estrutura escolar vigente, passíveis
de interação. Já em seus objetivos, o PCN de Educação Física propõe que
“(o aluno aprenda a) utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação”. (PCN de Educação Física, 2001, p.12).
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No intuito de exemplificar a diversidade de atividades enquadradas como
lazer é útil a citar listagem que Gomes (2004) faz, onde têm lugar diversas
atividades. Definir o que é “lazer” é sempre uma tarefa parcial, já que outros fatores
estão envolvidos, por exemplo, há influência de questões de classe social, o que
torna as certezas temporais e adequadas a um contexto específico.
Útil definição da palavra lazer, sendo reveladora de como a compreensão do
tema ainda se dá de forma restrita, é a do Dicionário da Língua Portuguesa de
Aurélio Buarque de Holanda:
Lazer (s.m) - ócio, vagar, passatempo.
Nessa definição, pode-se destacar que a noção dominante sobre lazer que é
oriunda do entendimento que foi pré-dominante através dos tempos: o do “sentido
desobrigado das vivências e das práticas construtivas, que tomam forma no “ócio”,
ou seja, aquelas (atividades) em que as funções estariam fechadas em si mesmas”
(Alves, 2006).
4.1 Sobre a ocorrência histórica do lazer
A função do lazer está diretamente ligada à concepção histórica e cultural
vigente. Essa concepção faz da ocorrência histórica do lazer alvo de diversas
controvérsias.
Para muitos, o lazer surge junto com a sociedade, e para outros, o lazer é
fruto das modernas sociedades urbano-industriais e do excesso de produção, com
sua posterior apropriação por uma parte da sociedade.
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O significado do presente não deve ser imposto, já que sua utilidade é
fornecer pontos de entendimento pelos quais as mudanças do presente devem ser
compreendidas.
O processo simplificado de compreensão, pode partir do termo original grego
scholé, cujo sentido é associado com o ócio, como tempo dedicado à contemplação
e a sabedoria.
O trabalho grego era atribuição de escravos e os filósofos compreendiam a
diferença entre divagar/executar como ponto de definição do status social. Os
romanos adotam essa visão com poucas alterações, uma vez que apenas inserem
um conceito de “diversão-entretenimento”, adequado a uma sociedade em que a
produção escravagista tinha sido mais bem resolvida e havia “classes
intermediárias” que precisavam de ocupação. (Scaglia, 2004)
Durante muito tempo, as classes altas vão ter o domínio dos conceitos de
lazer na sociedade ocidental e esse ainda será normatizado e terá dois
direcionamentos distintos, onde o foco estará no desenvolvimento do corpo ou em
atividades “mentais” que são regidas por normas e procedimentos diversos e quase
não tinham autonomia.
Foi século XIX, no florescer da vida urbana, que tomaram corpo algumas das
múltiplas atividades “improdutivas". Fato é que o capitalismo precisava dividir bem
as atividades que seriam inerentes ao tempo de produção, centrado e concentrado,
daquelas que pertenceriam às horas de folga (Faria et alli, 1986).
As exaustivas jornadas de trabalho permeavam a vida do trabalhador em toda
sua existência e o excesso de emprego era o livramento de males piores do que a
morte precoce.
O lazer toma cada vez mais força como antítese a essa realidade e, também
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se liga à interação entre culturas diversas, fruto da urbanização e da dinamicidade
do espaço urbano, onde se aglomeram diversas culturas. O trabalhador expulso pela
mecanização do campo traz também características da cultura rural para a cidade e
mantém seus tempos como forma de resistência.
O sistema escolar primou grandemente pelo estudo das ciências referentes à
língua e às ciências exatas, o que resultou em currículos que tinham foco em
português e matemática, ficando as artes e aulas de educação Física para os
tempos remanescentes (Scaglia, 2004).
Por outro lado, a confusão sobre o que é lazer também se apresenta porque o
esporte aparece, principalmente para os jovens de comunidades carentes, como
possibilidade única de conseguir projeção social (por meios lícitos). O esporte,
apenas como possibilidade de ascensão social apresenta-se como algo dual na
compreensão e, sobretudo, no trabalho efetivo de conscientização: o dinheiro atrai o
jovem para o esporte (principalmente o futebol), mas torna um trabalho educativo
algo muito difícil, já que se concentra apenas nas questões de desempenho.
Nestas mudanças, o caráter crítico deve ser problematizado. São inúmeras as
obras, livros, monografias, dissertações e teses sobre temáticas relacionadas ao
mundo do esporte. Na área acadêmica da Educação Física, dos anos 80 até os dias
de hoje, as produções científicas têm destacado o caráter seletivo e excludente do
esporte. Do geral para o específico, da sociedade desigual para o esporte desigual e
destas constatações para o plano de mudanças que necessitamos, a crítica criativa
é uma poderosa arma de intervenção do professor. (Scaglia, 2004, p.6)
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitos alunos mostraram que consideram “lazer” mesmo os momentos mais
ociosos. Como atividades de lazer, encontram-se atividades como “assistir
televisão”, brincar na rua, ou mesmo, não fazer nada. O grande número de alunos
que afirmou que “faz atividade esportiva com freqüência”, é também referente a
Programas Governamentais de iniciação esportiva.
Esse momento é revelador de como houve a variação no conceito de lazer.
Mas, essa diversidade já vem de muito tempo, conquanto a pesquisa já mostrou que
no Império Romano “o povo era entretido pela morte e pela violência”.
Parece ponto comum apenas que o lazer vai contra o “trabalho”, tido como
antítese total do lazer. Isso é igualmente controverso: políticos e outras categorias
de “privilegiados” são dissociados do trabalho. Paralelamente, muitos nas camadas
mais pobres do povo acham o trabalho uma possibilidade de integração social e
ascensão, a perda dessa “crença” produz diversos efeitos negativos, colocando o
homem a parte da sociedade.
Algumas respostas (colhidas durante a entrevista) foram bastante
reveladoras: um pai tinha uma academia patrocinada pela empresa metalúrgica
onde trabalha, como medida de prevenção de doenças no trabalhador. Essa
empresa tem um clube para os funcionários e oferece diversas atividades, mesmo
nas horas de “trabalho”.
Dentre as atividades encontradas estão cursos de natação, alimentação
saudável e a prática de Tai-chi-chuan.
Isso não é um processo “novo” e é extremamente localizado em uma faixa
específica de empresas, que podem ter esse “gasto”. Isso demonstra interessante
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continuidade de conceitos que vinculam a atividade de lazer a uma certa camada
social desde muito tempo.
No mais, grande parte dos pais pratica esporte, um mais volêi do que futebol,
mas os outros jogam futebol com freqüência.
Essa resposta parte de uma visão simplista, mas que ainda vigora na escola,
de que o esporte é algo para ser praticado na aula de Educação Física. Da
observação mais específica, pode-se concluir que a questão financeira é influente,
onde os alunos de maior poder aquisitivo são mais facilmente colocados em
atividades esportivas ou de lazer extra-classe.
O lazer, não só fisicamente, mas também psicologicamente, é uma atividade
de “saúde pública”, uma medida de saneamento contra o stress: o aclamado “mal do
século XXI”. A falta desse, comprovadamente, produz efeitos danosos ao indivíduo
e traz doenças (grande parte delas) que oneram o sistema pública de saúde. O
aluno pode e deve saber desses benefícios já que serão úteis para tenha
fundamentos para estabelecer os critérios para julgamento.
Essa pergunta, e suas respostas correspondentes, são reveladoras do difícil
acesso de nossos alunos a uma série de atividades, sendo que o PCN de Educação
Física coloca que “é função da Educação Física contribuir para que o aluno
compreenda o caráter sócio-cultural do povo brasileiro”.
Grande parte dos alunos não têm acesso a bens culturais de lazer tidos como
formativos em nossa sociedade.
Apenas 3 alunos visitaram museus no último ano e, notadamente, apenas um
deles foi levado pelos pais, e não pela escola. Também, pelas conversas,
mereceram destaque as atividades promovidas pelas igrejas, tanto as evangélicas
como a Católica. O mundo diverso atual exige integração de saberes, uma vez que
as viagens foram promovidas por agremiações religiosas mas, também trataram de
temas culturais como ecologia.
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A observação mostra que esses eventos são geralmente promovidos por
professores de outras disciplinas. A melhora observada é que os conceitos de
interdisciplinaridade estão fazendo cada vez mais efeito no modo como essas
atividades são concebidas e realizadas, embora a Educação Física não tenha
dialogado em igualdade com essas outras disciplinas.
De forma geral, os questionários mostraram que os alunos não têm uma visão
separada do que é esporte e lazer e, de forma pessoal, essa diferenciação é mais
útil para que o professor não se confunda e metodize coerentemente à atividade a
ser oferecida ao aluno.
O trabalho foi útil, por expor à pesquisadora fatores relevantes não só aos
dois termos pesquisados, mas trouxe à tona questões relevantes a outros aspectos
da vida do trabalhador: a sociedade tem muitas opções de lazer, e o esporte é uma
atividade “comercial”, muitas vezes, praticada de formas que trazem prejuízos à
saúde. O agravamento das crises sociais não mais permite deixar todo um aspecto
da vida do trabalhador “livre”: ele trabalha oito horas, e não é mais possível deixá-lo
“solto” nas 18 horas seguintes.
Do trabalho ficou que era necessário ceder um pouco para ter perdas
menores e o caminho encontrado foi guiar o tempo de lazer dos trabalhadores para
atividades “saudáveis”, educativas e formativas. Essa tendência expressou-se até
finais do século XX, e no ínício do XXI aumenta cada vez mais, tendo reflexos até no
serviço público.
A relação entre lazer e cultura ficou mais clara e fundamentada, enquanto a
“comercialização” do mesmo e do esporte, tem sido determinante para a ampliação
do acesso de operários a diversos conteúdos culturais que antes constituíam
privilégio da burguesia.
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A pesquisa evidenciou o caráter coercitivo das instituições sociais, políticas e
pedagógicas encarregadas de preencher as "horas de lazer" das camadas pobres
da população. Afinal, também é preciso “policiar” para que as atividades do tempo
de ócio da população operária sejam apenas aquelas consideradas "lícitas".
Depois do caráter de lícito, veio o de educativo: o esporte, como visto no
Segundo Tempo é um efeito do espalhamento da idéia de “vida saudável”. A
tentativa deste, no entanto, perpassa simplesmente acabar com um paradigma e
criar outro. Cada professor deve estar apto a avaliar sua realidade. O caráter crítico
no lazer é algo que pode mostrar ao jovem que em grande parte das vezes que sua
relação com a sociedade decorre de conceitos como “seleção e exclusão”: o jovem
pobre é excluído das opções de lazer que ele vê na novela, e “sem as quais,
segundo a ideologia dominante, “a vida dele não faz sentido”, o que ocasiona grande
parte dos problemas de insociabilidade, pelas concepções assimiladas ao longo dos
anos e que passam o dirigir-lhe as atitudes.
O esporte (e o jogo) não é a única atividade de lazer, como já exposto e
detalhado, mas ainda é o primeiro termo que vêem a mente do aluno quando se fala
em recreação, geralmente sob o “nome” de “jogo”. O acesso do jovem ao esporte
não é igual, e segundo as leituras que orientaram a pesquisa, uma “sociedade
desigual estrutura um esporte desigual”. Por isso a solução que se apresenta é a
intervenção do professor, não só frente a uma atividade específica, mas perante o
jogo de idéias sobre o qual essas atividades se estruturam.
Definir o limite de lazer e esporte se mostrou menos importante do que ter
postura frente às suas possibilidades e ter foco das atividades propostas. Tornar as
ações realmente formadoras é algo que impõe um grande desafio ao educador. Por
isso, a concepção do educador (professor, técnico, animador cultural, etc) é o ponto
de partida, por sua postura crítica e autoridade (expressas não em suas ordens, mas
em seus métodos) determinantes no processo, positivamente ou negativamente.
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O distanciamento da perspectiva biológica foi muito útil, já que o professor de
Educação Física, por vezes, vira o “personnal trainner” e, assim, reduz-se apenas ao
que cuida da estética de outros (só se note que muitas vezes isso se dá pela
carência financeira, já que o mercado também não é simples). As colocações dos
autores contribuíram grandemente para a mudança de minha perspectiva,
principalmente as colocações de Clifford Geertz, sobre a dimensão cultural
simbólica, juntaram-se a essa os conhecimentos sobre a importância do simbólico
na aprendizagem e construíram uma panorama-geral muito útil e abrangente.
Hoje, é possível ver o corpo como algo que é possuidor de um sistema
simbólico/expressivo com grande gama de significados, valores dinâmicos e
específicos. A questão do contexto social é determinante e o contexto brasileiro é
muito complexo. Mudar politicamente é difícil e vai levar mais tempo, por isso, pode-
se questionar com os alunos os critérios de entendimento sobre o corpo, fugindo de
padrões preconceituosos.
A Educação Física tem uma história muito antiga, impossível de datar. Por
isso, tem-se buscado propostas mudanças radicais, mas, fazer isso procurando
compreender a imensa e rica tradição da área que durante anos a definiu como ela
se apresenta hoje e, ao mesmo tempo, procuramos entender como se conforma em
contextos específicos, como as escolas, as turmas e, porque não dizer, os alunos
com que trabalhamos.
Para isso, essa revisão do conceito de cultura, antes fechada à grade das
“Ciências Humanas”, agora também chega à Educação Física, uma vez que essa
lida com o homem através das suas manifestações culturais, relacionadas ao corpo
e aos movimentos, o que não tira, em hipótese alguma, sua vinculação com o jogo,
esporte, dança, luta e ginástica.
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Por fim, no início do século XXI a integração escolar, a escola em “ciclos”, a
interdisciplinaridade exigem trabalho conjunto. Cabe ainda o estabelecimento de
muitas relações, na complexa (e simples...) relação entre lazer e educação. Dessa
necessidade, a indústria da diversão (muitas vezes, da alienação, também), com
todos os seus benefícios e problemas e, também cresce a chamada "sociologia do
lazer e do esporte", de que fala (Scaglia, 2004). Todo professor de Educação Física,
e o de História, de Geografia e, também de Matemática, são parte desse processo
de sociabilização.
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REFERÊNCIAS
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Recreação (VII Curso de Especialização em Lazer – 2006/2007) Belo Horizonte:
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Pedagógicas. Vol. 59. São Paulo: Nacional, 1977.
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quarto ciclos do Ensino Fundamental. Educação Física. Brasília: MEC, 1998.
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PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 12ed. Rio de Janeiro: Zahar
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– Comissão de Especialistas em Educação Física do Ministério do Esporte. 2 ed.
Brasília: Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância, 2004.
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1989.
VYGOTSKY, Leontiev. Imaginação e criação na idade infantil. La Habana: São
Paulo: Martins Fontes, 1989.