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ÁLBUNS DE FIGURINHAS: UM ARTEFATO MIDIÁTICO DE GOVERNAMENTO INFÂNCIA Débora Duarte Freitas - UFRGS 1 INTRODUÇÃO Há uma proliferação de objetos voltados ao público infantil. Desde bonecos, desenhos até programas culturais, roupas e livros criados exclusivamente para esse público, fazendo com que se crie todo um mercado que visa à infância. Um dos itens pertencentes a esse mercado são os álbuns de figurinhas 2 que vêm sendo produzidos há alguns anos. Escolhi problematizar a temática da mídia infantil por dois pontos em especial: primeiro, é um destaque do nosso tempo. Um exemplo que corrobora com essa afirmação foi a escolha dessa temática pelo Exame Nacional do Ensino Médio, de 2014, para a prova de redação. Segundo, pelo interesse pessoal em torno da infância (FREITAS, 2008) que considero de grande relevância social. Desta forma, optei por problematizar álbuns de figurinhas como um objeto que ensina condutas a serem seguidas e idealizadas ao longo da vida. O trabalho encontra-se fundamentado dentro da perspectiva dos Estudos Foucaultianos e vertentes críticas do pós-estruturalismo de maneira a questionar algumas verdades naturalizadas em torno da infância, bem como, a partir desta desnaturalização, abrirmos a possibilidade de pensarmos novas maneiras de sermos conduzidos. Sendo assim, analiso álbuns da década de 50 até alguns álbuns do tempo presente. Desta maneira, pode-se observar como são articuladas os efeitos de condução das condutas dentro deste artefato e os deslocamentos que foram ocorrendo ao longo do tempo para melhor gerenciar a vida da população. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: CAMINHOS TRILHADOS Este trabalho está pautado dentro dos estudos foucaultianos e as vertentes críticas do pós-estruturalismo. Isso quer dizer que meu objetivo com este trabalho não é o de me colocar 1 Aluna Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista de Doutorado do CNPq. 2 Álbuns de figurinhas são publicações em que são colados cromos que possuem um espaço já reservado no álbum.

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ÁLBUNS DE FIGURINHAS: UM ARTEFATO MIDIÁTICO DE GOVERNAMENTO

INFÂNCIA

Débora Duarte Freitas - UFRGS1

INTRODUÇÃO

Há uma proliferação de objetos voltados ao público infantil. Desde bonecos, desenhos

até programas culturais, roupas e livros criados exclusivamente para esse público, fazendo

com que se crie todo um mercado que visa à infância. Um dos itens pertencentes a esse

mercado são os álbuns de figurinhas2 que vêm sendo produzidos há alguns anos.

Escolhi problematizar a temática da mídia infantil por dois pontos em especial:

primeiro, é um destaque do nosso tempo. Um exemplo que corrobora com essa afirmação foi

a escolha dessa temática pelo Exame Nacional do Ensino Médio, de 2014, para a prova de

redação. Segundo, pelo interesse pessoal em torno da infância (FREITAS, 2008) que

considero de grande relevância social. Desta forma, optei por problematizar álbuns de

figurinhas como um objeto que ensina condutas a serem seguidas e idealizadas ao longo da

vida.

O trabalho encontra-se fundamentado dentro da perspectiva dos Estudos Foucaultianos

e vertentes críticas do pós-estruturalismo de maneira a questionar algumas verdades

naturalizadas em torno da infância, bem como, a partir desta desnaturalização, abrirmos a

possibilidade de pensarmos novas maneiras de sermos conduzidos. Sendo assim, analiso

álbuns da década de 50 até alguns álbuns do tempo presente. Desta maneira, pode-se observar

como são articuladas os efeitos de condução das condutas dentro deste artefato e os

deslocamentos que foram ocorrendo ao longo do tempo para melhor gerenciar a vida da

população.

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: CAMINHOS TRILHADOS

Este trabalho está pautado dentro dos estudos foucaultianos e as vertentes críticas do

pós-estruturalismo. Isso quer dizer que meu objetivo com este trabalho não é o de me colocar

1 Aluna Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista de

Doutorado do CNPq. 2 Álbuns de figurinhas são publicações em que são colados cromos que possuem um espaço já reservado no

álbum.

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a favor ou contra os álbuns de figurinhas, mas sim, enxergá-los como uma ferramenta que

conduz a condutas das crianças, reforçando padrões mais convenientes para a sociedade.

Desta forma, meu objetivo é problematizar os álbuns, questionando as verdades que ali

estão sustentadas e colocar em evidência a construção dessas verdades para um determinado

tempo e uma determinada racionalidade. Para isso utilizei dois conceitos-ferramentas do

filósofo Michel Foucault, o de governamento e o de governamentalidade. Entendendo pelo

primeiro, toda a ação ou o ato de governar (VEIGA-NETO, 2005). E, pelo segundo, “o

encontro entre as técnicas de dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”

(FOUCAULT, 1994, p. 2) No entanto, para explorarmos mais esses dois conceitos é preciso

compreender que essa racionalidade política, que é a governamentalidade, só pode ser posta

em funcionamento a partir do momento em que a vida se torna alvo principal de intervenção e

que o Estado administrativo passa a ser governamentalizado (FOUCAULT, 2008).

Com o desbloqueio das artes de governar no século XVIII, há um deslocamento na

forma de conduzir e enxergar a vida, o foco que antes se encontrava no território, passa a ser

deslocado para o conjunto de pessoas, que passam a ser entendidos como população

(FOUCAULT, 2008). Quando a população passa a ser alvo principal do poder é possível não

mais se preocupar em “Fazer morrer, deixar viver”, típico das Sociedades de Soberania e sim

com um “Fazer viver, deixar morrer”, atrelado a uma Sociedade de Segurança.

Um poder que passará, então, a se preocupar não mais em suprimir a vida das pessoas

e sim em mantê-la. Um poder que se apresentará através de duas faces: uma anátomo-política

do corpo3 e uma bio-política da população4. Esse poder, de duas faces, o filósofo irá nomear

de biopoder. (FOUCAULT, 1988; FOUCAULT, 2005)

É a partir desse biopoder que podemos perceber toda uma série de mudanças nas

técnicas e táticas para controle da população e é neste momento que a população vai parar de

ser vista como uma coleção de súditos que devem obediência incondicional ao soberano e

passar a ser um conjunto de indivíduos que possuem desejos, vontades e que para a

3 Essa primeira estrutura ocorre no século XVII, que Foucault caracterizou como sociedade disciplinar. É um

tipo de poder que não se preocupa em exterminar com a vida e sim extrair as forças da melhor maneira possível

para que os indivíduos produzissem mais e melhor. Um poder individualizante, que se preocupa com o detalhe

de cada sujeito. 4 Na metade final do século XVIII, há um deslocamento do poder disciplinar para um poder que se preocupará

com a espécie humana, com o biológico dos indivíduos. Um poder preocupado com a bios, com a vida dos

indivíduos, mas agora não mais somente na singularidade e sim, na multiplicidade de cabeças, articulado ao

conceito de população. Este poder que visa a coletividade e o gerenciamento das condutas humanas que

preservem e promovam a própria vida, Foucault irá chamar de biopolítica.

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manutenção da espécie deve ser administrado na sua naturalidade. É dentro dessa

racionalidade política que enxerga a vida - tanto no nível individual como coletivo- como alvo

principal de intervenção que a governamentalidade se encontra. Sendo assim, a

governamentalidade é uma analítica que “examina as práticas de governamento em suas

complexas relações com as várias formas pelas quais a verdade é produzida nas esferas social,

cultural e política” (FIMYAR, 2009, p. 37).

Já as práticas de governamento são “ações distribuídas microscopicamente pelo tecido

social” (VEIGA-NETO, 2005, p. 82) que não estão articuladas necessariamente pelo Estado.

Na verdade, o governamento contempla muito mais a ação do ato de governar, ou seja, é uma

organização, sistematização, estruturação do campo de ação dos outros. Já que na medida em

que alguém põe em funcionamento um poder sobre o outro, esse alguém cria a possibilidade

de governar esse sujeito.

Desta forma, é a partir desse posicionamento teórico-metodológico que proponho

analisar os álbuns de figurinhas como um objeto que ensina condutas a serem seguidas e

idealizadas ao longo da vida. Esses álbuns, por estarem inseridos em um contexto social e

cultural, passam ser artefatos que auxiliam no fortalecimento de representações e condutas

consideradas adequadas para a sociedade, como veremos na seção seguinte.

ANÁLISE: CONTEXTOS E CATEGORIAS

Os álbuns escolhidos percorrem a década de 50 até os dias atuais. Esses fazem parte de

um acervo pessoal que atravessou três gerações. É possivel perceber que os álbuns estão se

configurando de formas bem diferentes de seus primórdios. Um destaque é que os álbuns

antigos tinham suas figurinhas vinculadas à venda de doces5, além disso o colecionador

concorria a prêmios e, em alguns casos, a própria editora trocava os cromos repetidos.6

Hoje, o álbum já virou o próprio objeto de consumo, não necessitando de balas ou de

brindes para ser vendido ou colecionado. Os álbuns atuais, editados em especial a partir da

década de 80, estão vinculados muito mais à uma temática do mercado como são os álbuns de

futebol que fazem referências a grandes eventos como copas e campeonatos nacionais. Já os

antigos tinham temáticas que hoje seriam consideradas pouco sedutoras às crianças, pois

estavam mais centrado em objetivos mais patrióticos e civilizadores.

5 Muitas vezes, os álbuns estavam vinculados à indústrias alimentícias como a Atlas Ltda. 6 É o caso do álbum da Moranguinho e sua turma (1984) produzido pela Editora Abril.

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Desta maneira, para melhor analisar os álbuns os categorizei de duas formas: uma

primeira categoria, vinculada mais a uma ordem disciplinar e civilizadora, intitulada “Álbuns

antigos e seus ensinamentos”. E uma segunda categoria, que já está mais direcionada aos

interesses da criança, com temáticas mais mercadológicas e atrativas ao público, que intitulei

“O presente e seus ensinamentos”.

Álbuns antigos e seus ensinamentos

Os álbuns escolhidos para essa primeira categoria são: Coleção Aquarela do Brasil –

Editora Aquarela do Brasil Ltds (s/d); Album nº1 – Editora Atlas Ltda (década de 50); Coleção Nosso

Álbum – Editora e Divulgadora Sadita Ltda (década de 70)7. Esses se preocupavam prioritariamente

com conteúdos e ensinamentos de ordem moral e disciplinar. Os ideias defendidos estavam

atrelados ao pensamento nacionalista, que fortalecesse a nação e formasse “bons” cidadãos.

Sendo assim, as práticas de governamento- essas ações em torno da condução das

condutas- estavam muito mais vinculadas a uma ordem disciplinar, civilizadora e patriótica do

que com o desejo e vontades dos colecionadores.

O Album nº 18 da indústria alimentícia Atlas Ltda tem em sua capa a seguinte inscrição

de Olavo Bilac:

“CRIANÇA! NÃO VERÁS PAÍS NENHUM COMO ÊSTE:

IMITA NA GRANDEZA A TERRA EM QUE NASCESTE!

(ÁLBUM Nº1, S/D)

Através dessa inscrição é possível perceber os objetivos nacionalistas e de

fortalecimento desses ideiais. Além disso, a capa vem nas cores da Bandeira (azul, verde e

amarelo) e com um homem de grande porte físico dando sustentação ao mundo. O

interessante deste álbum é seu conteúdo (Figura 1). Na primeira página, há uma homenagem

aos poderes constituídos na época, Dr. Getúlio Vargas9, Presidente da República seguido da

Bandeira Nacional e de seu vice, Dr. Café Filho (Figura 2). O álbum segue todas suas páginas

com informações sobre o Brasil (seus Estados e respectivos governadores, minerais nacionais,

árvores brasileiras, cidades paulistas entre outros).

7 Não é possível precisar a data dos álbuns. Em sua maioria só foi possível precisar a década a que pertencem. 8 O álbum não identifica data. No entanto, devido as informações presentes no álbum, podemos concluir que faz

parte da década de 50. Além disso, respeitei a grafia da época que não acentuava a palavra álbum. 9 A utilização do termo “doutor” foi para manter a fidelidade da reprodução do álbum.

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Figura 1 – Capa Figura 2 – Primeira página

Podemos perceber que o objetivo do álbum não é mexer com o desejo do colecionador

e sim, de conscientizar para importantes aspectos do seu “grandioso” país. De uma maneira

que a criança siga esses preceitos que são de ordem moral e disciplinar.

Outro álbum que destaco, é a Coleção Nosso álbum, da Editora e Divulgadora Sadira

Ltda, da década de 70 (Figura 3). Esse álbum também possui cores nacionalistas em sua capa,

bem como a alusão aos alicerces da nação: uma família tradicional (constituída de mulher, pai

e filho) e alusão aos regimentos (atos institucionais, leis e reformas).

Figura 3 - Capa

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Um importante ponto de destaque deste álbum é que existe uma carta do editor10 que

diz assim:

Apresentamos nêste álbum os deveres da criança para frequentar aulas, os acidentes

que pode evitar, alimentos que influi no seu crescimento, noções de estudos sociais, ciências.

educação moral, cívica, etc... Tôdas as crianças devem amar sua pátria, para que ela receba a

veneração que merece. É imprescindível que todo o bom brasileiro saiba conduzir-se perante

ela, e amar a terra em que nasceu. (grifo meu)

(COLEÇÃO NOSSO ÁLBUM, S/D)

Aqui o corpo aparece como alvo e objeto de um poder. Como Foucault aponta (2009,

p. 132) “ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil

ou vujas forças se multiplicam.”

Desta forma, o governamento dos sujeitos se daria em âmbito individual, de maneira

disciplinar e que a partir desses ensinamentos de condutas (frequentar as aulas, comer bem,

atenção para evitar acidentes) se tornaria um “bom” cidadão e ao mesmo tempo um corpo

submisso, dócil e de acordo com os objetivos sociais da época.

Um último álbum que gostaria de destacar, nessa primeira categoria, é o Coleção

Aquarela do Brasil. Este também é um livro ufanista. Em cada página do livro há uma parte

do poema de Gonçalvez Dias intitulado “Canção do Exílio11”.

O álbum, na carta do editor, possui importantes aspectos de governamento dos

colecionadores para uma conduta nacionalista.

Congratulamo-nos com os colecionadores de todo o brasil ao lançarmos o presente album; é

êle uma síntese do que ha de melhor e mais belo em nosso querido País.

A Coleção Aquarela do Brasil, uma realização de Artefatos de Papel Guri Ltda., em seu

primeiro album, de uma maneira resumida, procura ir ao encontro dos anseios de todos os

brasileiros, desejosos de conhecerem a sua terra, apresentando-lhes entre outros, os seguintes

tópicos: LENDAS BRASILEIRAS, TIPOS CARACTERISTICOS DO BRASIL, CIDADES

BRASILEIRAS, SELOS COMEMORATIVOS DO BRASIL, JOGOS E BRINQUEDOS, etc.

10 Reconheço como carta do editor, um recado deixado na contra-capa para os futuros colecionadores do livro

ilustrado. 11 Este poema é muito conhecido pela veneração à terra brasileira, sempre remetendo há uma supremacia da

fauna e flora brasileira em relação aos outros lugares.

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A Coleção Aquarela do Brasil, orgulha-se de apresentar um trabalho de carater altamente

instrutivo e recreativo, proporcionando ao colecionador, horas de lazer que aumentarão o seu

cabedal de conhecimentos influindo de uma maneira decisiva no fortalecimento de seu já

grandioso amor pátrio.

(COLEÇÃO AQUARELA DO BRASIL, S/D)

Podemos perceber que estes três álbuns selecionados aqui apresentam uma

preocupação constante em conduzir os colecionadores para um pensamento nacionalista.

Ainda, há uma precoupação em demonstrar todas as coisas que um bom cidadão deve saber e

fazer para fortalecer sua pátria, normalmente referenciando a atitudes a serem seguidas e

praticadas, como uma alimentação saudável, uma boa higiene, os estudos e etc.

Os álbuns antigos pouco se preocupam em deixar as imagens atrativas – como

veremos, a seguir, nos atuais; também mantém um forte cunho vinculado aos ideias de nação

e aos ensinamentos de amor à Pátria, fazendo com que o álbum carregue mais conhecimentos

do que distração.

O presente e seus ensinamentos

Nos álbuns a partir da década de 80, podemos observar já algumas diferenças entre os

álbuns citados na categoria anterior. Uma das diferenças está situada na temática do álbum

que passa a ser caracterizada de forma mais atrativa e principalmente direcionado ao público

infantil.

Para ilustrar trago o álbum da Moranguinho e sua turma, editado pela Abril no ano de

1984, é possível notar a diferença já na capa. Álbum mais colorido, com uma imagem

delicada e um exemplo dos versinhos que os cromos do álbum possuem. Na contra capa já

existe uma mensagem toda versada em rimas para chamar atenção do colecionador:

Se você gosta do azedo,

Desta turma vai gostar!

Tem moranguinho de sobra,

Mas não vai dar pra enjoar.

(MORANGUINHO E SUA TURMA, 1984)

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Além dessas características, o álbum possui folhas no cor de rosa e em cada página

tem uma parte de uma história sobre os moranguinhos. Esse álbum possue mensagens de

otimismo, benevolência e respeito.

Outro álbum que eu gostaria de destacar é o álbum de 1994 intitulado Barbie. Na sua

capa, já toda em cor de rosa, há uma boneca Barbie na frente que possui um determinado

padrão estético - uma boneca loira, de olhos azuis, com brincos chamativos e uma blusa

pomposa. Na contra capa, em que normalmente os editores fazem uma apresentação do

álbum, há uma carta escrita e assinada em nome da boneca. Ela já começa com “Oi, amiga”

estabelecendo o álbum para o gênero feminino. Na continuidade, podemos ver importantes

processos de condução da conduta dessas meninas ao qual o álbum é direcionado, como por

exemplo o serguinte recorte da contra-capa:

Prepare-se para me ajudar a escolher modelitos no shopping, ou participar de minha

maquiagem ou, ainda, passar uma tarde gostosa descansando em frente à tevê. A gente vai se

divertir a valer, com certeza!

Beijos,

Barbie.

(BARBIE, 1994)

Podemos ver que foram citadas tarefas que normalmente são condicionadas ao

universo feminino, como a questão da estética e consumo (Figura 4). Praticamente todo o

conteúdo do álbum faz alusão ao aproveitar a vida e, ao mesmo tempo, um padrão feminino

tradicional. No capítulo do livro “Como ficar maravilhosa” destaco dois recortes:

A sua pele deve estar sempre bonita também! Pra isso, evite comidas gordurosas, frituras e

doces! (BARBIE, 1994)

O visual também é muito importante! Qual destes penteados agrada mais você? E só escolher

e... mãos à obra. (BARBIE, 1994)

É possível perceber a condução das condutas para o reforço de determinados padrões,

mais especificamente neste álbum, do ser mulher. Por isso, o álbum trata de moda, visual, o

sonho romântico (casamento) entre outros, a todo o momento reforçando o cuidado feminino

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que se deve ter com a aparência. O estímulo e a demonstração de uma vida de sonhos: férias

no Havaí, sol, festas, passeios e etc. Enfim, uma vida feita de “momentos mágicos”.

Figura 4 – Recorte do álbum Barbie

Os álbuns são importantes ferramentas de modelagem das condutas, pois connstituem

e reforçam padrões sociais, conduzindo os colecionadores para o que se espera de um homem

ou de uma mulher.

Já nos álbuns de futebol, esses mantém um certo padrão no conteúdo que apresentam.

Nos álbuns da FIFA confederations cup – Brasil 2013, Copa America Argentina 2011,

Campeonato Brasileiro 2010 e 2014, podemos perceber que o foco do álbum são: apresentar

os jogadores dos times, seus escudos, o craque de cada time, algumas informações dos

jogadores como peso, altura e idade entre outros. Além disso, o álbum divulga os

patrocinadores, a bola e a taça correspondente à competição12.

Gostaria de destacar que os álbuns possuem cores variadas, normalmente se

adequando ao time apresentado, ou seja, página vermelha para o time que tem em seu

uniforme essa cor. No entanto, não foi identificado a cor rosa no álbum, diferentemente do

álbum apresentado anteriormente.

Podemos perceber que os álbuns são mais direcionados para o público masculino,

como pode-se perceber no recorte abaixo:

Antes de nos ler, caro colecionador, é certo que já tenha a sua impressão inicial[...]

12 Os álbuns de futebol citados não são padronizados, no entanto, há poucas variações sobre as informações que

estão inseridas no livro.

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E dentro de campo, a festa do futebol está garantida com os retornos de craques como o

atacante Keirrison, agora nos Santos, e Rafael Sobis, no Internacional. O mercado também se

agitou com a ida de Kléber para o Palmeiras, a permanência de Fred no Fluminense e a volta

de Felipe para o Vasco.

Quer mais? Basta você começar a sua coleção.

(CAMPEONATO BRASILEIRO, 2010)

Não podemos afirmar que o álbum se direciona somente para o público masculino,

mas temos de reconhecer uma grande diferença entre o álbum da Barbie e os de futebol. Um

inicia com a palavra “amigas” o outro como “caro colecionador”. No primeiro, o apelo é para

o gênero femino – cores, mensagens, atividades; o segundo, discussões referentes aos

jogadores e que, no senso comum, se relacionam aos homens – jogadores de sucesso, trocas

de times, ou seja, questões para quem acompanha o futebol no seu cotidiano.

Nesses álbuns podemos estabelecer um padrão ideal, através das informações

fornecidas, como o peso e a idade dos jogadores, que para ser um jogador de futebol não se

pode ser nem gordo nem velho. Além disso, não ter nenhuma imagem de times femininos ou

jogadoras mulheres reforça sim uma questão política e cultural do que pertence ao mundo

masculino e o que pertence - ou melhor, ao que não pertence - ao mundo feminino.

Uma última abordagem que percebo destes álbuns atuais e que gostaria de mencioná-

las aqui é a questão mercadológica e a do empresariamento de si que estes exploram.

Uma grande diferença que podemos perceber é a maneira como os álbuns são

apresentados. O álbum da Barbie (1994) anuncia cromos “mágicos” que colam e descolam

mais de uma vez. O álbum A Turma de Moraguinho apresenta 72 cromos dourados! No

Campeonato Brasileiro (2010) há 80 figurinhas especiais para serem colecionadas. Há todo

um movimento de mercado para convencer o futuro colecionador a comprar o álbum. Além

disso, as temáticas são de grande fomento ao desejo, desenhos famosos são tranformados em

álbuns com a grande possibilidade de lucro, um bom exemplo foi a animação japonesa

Pókemon que foi grande sucesso no final da década de 90 e que gerou o álbum Pokémon –

Temos que pegar! (1999). 13

13 Outro exemplos semelhantes, pertencentes ao meu acervo pessoal, são os álbuns: TV colosso, Editora Abril

Panini (1993); O Rei Leão Editora Abril Panini (1994); Princesas, Editora Abril Panini (1995); Carrosel Editora

Panini ( 2012); Os Smurfs 2, Editora Abril (2013).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível afirmar que os álbuns de figurinhas são artefatos midiáticos que auxiliam

na condução das condutas dos sujeitos, pois estão inseridos em uma determinada cultura que

estabele maneiras de se conduzir.

Além disso, percebemos que os álbuns anteriores a décadas de 80, tinham um objetivo

mais disciplinar e moral. As conduções eram feitas de formas mais direta e muito vinculadas a

um ideário ufanista. Já os álbuns mais atuais, em especial os da década de 80 em diante,

continuam como uma condução das condutas, no entanto estão pautados em desejos e

temáticas de nosso tempo, fazendo com que muitas vezes, por naturalizar esses processos, não

percebamos que ali existem diversos ensinamentos sobre gênero, hábitos e atitudes.

O deslocamento de ênfase que ocorreu da disciplina para a biopolítca também pode ser

percebida nos álbuns. A partir do momento que as estruturas disciplinares e de controle se

esmaeceram, outras estratégias foram criadas para se manter o governamento dos sujeitos.

Uma das estratégia de condução das condutas é a mobilização pelo desejo (FOUCAULT,

2008), que os álbuns acabaram por incorporar. A lógica da atração foi absorvida pelos álbuns

para que se mantesse no mercado, um exemplo, é a quantidade de álbuns que são produzidos

acerca do futebol.

Para a racionalidade de hoje nao é mais tão importante aumentar “o cabedal de

conhecimentos” como no álbum Aquarela do Brasil (s/d), mas sim internalizar uma economia

de mercado, investir em si mesmo para participar adequadamento da sociedade em que

vivemos.

Enfim, apesar da forte mudança na estrutura e temáticas referentes aos álbuns é

possível perceber que existe uma continuidade referente aos os objetivos de condução de

condutas que se adaptaram de acordo com a necessidade de seu tempo. Antigamente, então,

para características mais de ordem disciplinar e moral; hoje para níveis mais de mercado e

empresariamento de si, apresentando objetos cada vez mais atrativos e desejosos - jogadores

de futebol famosos, a bola da copa (que você pode comprar uma idêntica à utilizada nos

jogos), carros potentes e personagens famosos que “demonstram” como você pode ser.

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Enfim, é importante problematizar esse artefato como uma estratégia de condução das

crianças e, ao mesmo tempo, ter ciência que tudo isso está articulado a um tipo de

racionalidade, a um tipo de poder que visa à vida das pessoas, bem como a captura dos

indivíduos.

REFERÊNCIAS:

FIMYAR, Olena. Governamentalidade como Ferramenta Conceitual na Pesquisa de Políticas

Educacionais. In: Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 35-56, mai./ago., 2009.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Editora

Graal, 1988.

FOUCAULT, Michel. As técnicas de si. FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Paris:

Gallimard, 1994, Vol. IV, pp. 783-813, Traduzido por Karla Neves e Wanderson Flor do

Nascimento.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de france (1975-1976). São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

VEIGA-NETO, Alfredo. Governo ou governamento. Currículo sem fronteiras, v. 5, n. 2,

Jul/Dez 2005. P.79-85.