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FERREIRA, Lucinda. Legislação e a Língua Brasileira de Sinais. Ferreira & Bergoncci consultoria e publicações. São Paulo, 2003. p. 26-29. “1.2.1. A Lei nº 10.436 (...) A versão final do texto de lei, apesar de já aprovada, ainda apresenta muitos problemas quais sejam: a) A tentativa de definição da Língua de Sinais Brasileira de Sinais, no parágrafo único do Art. 1º, é completamente incabível, posto que uma língua não é um objeto tão fácil de ser definido a ponto de fazer parte de um texto de lei; b) O uso de termos inapropriados, tais como “viso-motora”, no referido parágrafo, é um exemplo do que pode ser prejudicial em um texto de lei que vai ser seguido e que deveria orientar a população. Motoras podem ser todas as línguas, já que todas as são articuladas pelo ser humano, através do uso de seu próprio sistema articulatório, seja ele vocal ou gestual. O que parece que se queria dizer no texto é que a Língua de Sinais é uma língua de modalidade espacial-visual. c) No Art. 3º, apesar das inúmeras reivindicações dos surdos e de especialistas, ao invés do termo “surdos”, o texto conta com o uso do termo “portadores de deficiência auditiva”, o que não é aceitável dentro de uma concepção que vê os surdos como minoria lingüística e não deficientes; d) O Art. 4º apresenta problemas de ordem lingüística, porém, o mais grave aí é de limitar a inclusão da Língua Brasileira de Sinais em apenas alguns cursos de formação de educadores e de mencionar o termo designativo das orientações educacionais do Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais; Uma lei deve expor os problemas propostas de solução de problemas de forma tão geral que abarque mudanças que venham a ocorrer, ao longo do tempo, com relação à terminologia, à estrutura curricular das instituições de ensino que podem vir a iniciar outros cursos relevantes em sua estrutura, a eliminar alguns ou mesmo a generalizar ou especificar tópicos em outros cursos ou áreas de ensino. Como pode-se observar, esse texto apresenta inúmeros problemas. E por que tudo isto, além da demora para se chegar a uma versão final razoável? A primeira versão do projeto de lei 131 que originou este texto de lei foi muito mal elaborada e redigida. O texto era pobre de conteúdo, limitado e deformado em termos de visão do problema em questão, além de demonstrar um enorme desconhecimento do que, realmente, deveria ser reivindicado em um projeto de lei que viesse contemplar, de fato, os anseios daqueles que pretendem ver a Língua de Sinais incluída no sistema educacional dos surdos, no Brasil. Quando um texto é problemático demais, é melhor redigir outro do que tentar corrigir o que não merece nem correção. Enfim, a lei foi sancionada e temos de prestar atenção aos princípios de operacionalização em sua aplicação. Com isto, estaremos corrigindo um

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FERREIRA, Lucinda. Legislação e a Língua Brasileira de Sinais. Ferreira & Bergoncci consultoria e publicações. São Paulo, 2003. p. 26-29.

“1.2.1. A Lei nº 10.436

(...)

A versão final do texto de lei, apesar de já aprovada, ainda apresenta muitos problemas quais sejam:

a) A tentativa de definição da Língua de Sinais Brasileira de Sinais, no parágrafo único do Art. 1º, é completamente incabível, posto que uma língua não é um objeto tão fácil de ser definido a ponto de fazer parte de um texto de lei;

b) O uso de termos inapropriados, tais como “viso-motora”, no referido parágrafo, é um exemplo do que pode ser prejudicial em um texto de lei que vai ser seguido e que deveria orientar a população. Motoras podem ser todas as línguas, já que todas as são articuladas pelo ser humano, através do uso de seu próprio sistema articulatório, seja ele vocal ou gestual. O que parece que se queria dizer no texto é que a Língua de Sinais é uma língua de modalidade espacial-visual.

c) No Art. 3º, apesar das inúmeras reivindicações dos surdos e de especialistas, ao invés do termo “surdos”, o texto conta com o uso do termo “portadores de deficiência auditiva”, o que não é aceitável dentro de uma concepção que vê os surdos como minoria lingüística e não deficientes;

d) O Art. 4º apresenta problemas de ordem lingüística, porém, o mais grave aí é de limitar a inclusão da Língua Brasileira de Sinais em apenas alguns cursos de formação de educadores e de mencionar o termo designativo das orientações educacionais do Ministério da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais;

Uma lei deve expor os problemas propostas de solução de problemas de forma tão geral que abarque mudanças que venham a ocorrer, ao longo do tempo, com relação à terminologia, à estrutura curricular das instituições de ensino que podem vir a iniciar outros cursos relevantes em sua estrutura, a eliminar alguns ou mesmo a generalizar ou especificar tópicos em outros cursos ou áreas de ensino.

Como pode-se observar, esse texto apresenta inúmeros problemas. E por que tudo isto, além da demora para se chegar a uma versão final razoável? A primeira versão do projeto de lei 131 que originou este texto de lei foi muito mal elaborada e redigida. O texto era pobre de conteúdo, limitado e deformado em termos de visão do problema em questão, além de demonstrar um enorme desconhecimento do que, realmente, deveria ser reivindicado em um projeto de lei que viesse contemplar, de fato, os anseios daqueles que pretendem ver a Língua de Sinais incluída no sistema educacional dos surdos, no Brasil. Quando um texto é problemático demais, é melhor redigir outro do que tentar corrigir o que não merece nem correção. Enfim, a lei foi sancionada e temos de prestar atenção aos princípios de operacionalização em sua aplicação. Com isto, estaremos corrigindo um

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pouco mais os erros que estão prejudicando o desenvolvimento do processo educacional dos surdos, no Brasil.

Entretanto, a lei nº 10.436 é muito importante, porque reconhece a Língua Brasileira de Sinais como língua materna dos surdos (Art. 1º, parágrafo único) e o bilinguismo como abordagem educacional que norteará a educação dos surdos no país (Art. 4º, parágrafo único). Além do mais, como reconhece ser esta língua de sinais a língua da comunidade de surdos brasileiros, reconhece os surdos como membros de uma comunidade lingüística minoritária. Continua, porém, permitindo a interpretação de que outras comunidades de surdos brasileiros, como por exemplo, a dos índios Urubus-Kaapor sejam usuários da Língua Brasileira de Sinais e que dela não podem prescindir.”