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LEiitlfi-FÂTIMfi - Diocese Leiria-FátimaOnde dois ou três estão reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles" (Mt. 18,20). Todos os fiéis participantes hão -de poder reconhecer

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LEiitlfi-FÂTIMfi Órgão Oficial da Diocese

Ano IV • N. il 11 • Maio-Agosto 1996

DIRECTOR AMÉRICO FERREIRA

CHEFE DE REDACÇÃO CARLOS CABECINHAS

ADMINISTRADOR HENRIQUE DIAS DA SILVA

CONSELHO DE REDACÇÃO BELMIRA DE SOUSA

JORGE GUARDA LUCIANO CRISTINO

MANUEL MELQUÍADES SAUL GOMES

PERIODICIDADE QUADRIMESTRAL

PROPRIEDADE E EDIÇÃO DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO SEMINÁRIO DIOCESANO DE LEIRlA 2410 LEIRIA • TELEF. (044) 32760

ASSINATURA ANUAL -1400$00

A Caminho da Assembleia Sinodal.................. 83

Caminhada Sinodal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 7

Comunicação sobre a Caminhada Sinodal, na

Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo ..... 90

O Padre em colaboração e convívio com os leigos 93

Dizer Deus Hoje!?................................................ 99

Actos Episcopais . . .. . . . .. . . . . .. .. .. . . . .. . . .. . .. . . . .. .. .. . .. .. . 107

Comunicado do Conselho Presbiteral................. 1 1 1

Vida Eclesial . . .. .. . .. . .. . . . .. . . . .. . . . .. .. . . . .. . . . .. .. .. .. .. . .. . 1 1 3

Padre Manuel Luís Maço.................................. 1 1 6

O que anda a fazer S. Gregório?!.................. ..... 1 1 7

Recordando o Tenente Capelão António Lourenço 141

Dois testemunhos da Religião Popular na Alta

Estremadura .............................................. 146

A CAMINHO DA ASSEMBLEIA SINODAL Caros diocesanos:

A fim de prepararmos a primeira sessão da Assembleia Sinodal, escrevo-vos esta carta com algumas normas para a sua constituição.

L Na caminhada sinodal da Diocese, demos alguns pas­sos significativos. O mais recente foi o trabalho de centenas de grupos, que analisaram a situação da nossa Diocese. Des­cobriram problemas de marginalidade, de falta de fé, de insu­ficiente participação na vida comunitária, de fraca presença e acção dos cristãos na sociedade. Escutaram a Palavra de Deus e apontaram propostas para a renovação. É digno de apreço todo este trabalho!

2. Começámos já a preparar a Assembleia Sinodal, que é representativa de comunidades, serviços, movimentos e instituições da Diocese. Reúne-se para reflectir sobre a si­tuação da nossa Igreja, apontando opções prioritárias para a sua renovação.

3. O momento mais solene da caminhada sinodal é a reu­nião da Assembleia. O seu bom resultado requer adequada preparação. Para cada sessão será elaborado um instrumen­to de trabalho que tenha em conta os resultados da reflexão dos grupos e adiante algumas propostas para o debate.

4. Em conformidade com o Cânone 463 do Código de Di­reito Canónico, a Assembleia Sinodal da nossa Diocese terá a seguinte composição:

· - O Vigário-Geral e o Vigário Judicial - Os membros do C.1bido da Catedral e do Conselho

Presbiteral

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A CAMINHO DA ASSEMBLEIA SINODAL -------------

- Os membros do Conselho Pastoral Diocesano - O Reitor do Seminário Diocesano e o Reitor do San-

tuário de Fátima -Um representante da Escola de Formação Teológica

de Leigos - Os Vigários da Vara - Duas representantes dos institutos religiosos femini-

nos e dois dos masculinos presentes na Diocese, a eleger pe­las direcções regionais da FNIRF e da CNIR, respectivamente, e uma dos institutos seculares, a eleger pelos mesmos. Os re­presentantes religiosos poderão ser os que já fazem parte do Conselho Presbiteral

-Um representante de cada serviço e movimento dioce­sano indicado na lista anexa

-Um membro leigo da cada Conselho Pastoral Paro­quial ou, se este não existir, um a eleger de entre os colabo­radores na pastoral paroquial ou os animadores dos grupos sinodais

-Um delegado dos seminaristas maiores - Os membros das Comissões do Sínodo Serão convidados observadores, sem direito a voto.

5. Para definir a estrutura e o funcionamento da Assem­bleia Sinodal será elaborado um regulamento. Peço à Co­missão Central que oportunamente me apresente uma proposta nesse sentido.

6. A Assembleia Sinodal há-de criar as condições para que o Senhor Ressuscitado se manifeste nela com a força do Seu Espírito, segundo a Palavra do próprio Jesus, que diz: "Onde dois ou três estão reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles" (Mt. 18,20). Todos os fiéis participantes hão­-de poder reconhecer e exclamar, como na Liturgia: "Ele es­tá no meio de nós!".

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------------- A CAMINHO DA ASSEMBLEIA SINODAL

7. Anuncio a toda a Diocese que a primeira sessão da Assembleia Sinodal terá lugar na Aula Magna do Seminá­rio Diocesano, nos dias 15, 16 e 17 de Novembro de 1996.

Os membros e demais participantes na Assembleia serão convocados ou convidados oportunamente, a fim de poderem preparar a reflexão sobre o documento de trabalho, no qual serão apresentadas a problemática e as propostas a discutir.

8. Convido toda a Diocese a rezar pelo bom fruto da As­sembleia.

De modo especial, exorto todas as comunidades da Dio­cese - paróquias, institutos religiosos e outras - a promove­rem uma vigília de oração, na noite de 5 de Junho, véspera da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. A Comissão Sinodal de Liturgia vai apresentar um guião pa­ra esta iniciativa, que visa unir toda a Diocese em oração pe­lo Sínodo.

Guiem-nos Santo Agostinho e Nossa Senhora da Fáti­ma, nossos padroeiros.

Para todos invoco a bênção de Deus.

Leiria, 13 de Maio de 1996

t Serafim de Sousa Ferreira e Silva Bispo de Leiria-Fátima

Anexo - I

Serviços e Movimentos diocesanos que deverão desig­nar um delegado à Assembleia Sinodal:

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A CAMINHO DA ASSEMBLEIA SINODAL -------------

Serviços

(Secretariados e Comissões)

- Secretariado Diocesano da Educação Cristã da Infân-cia e Adolescência

- Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil - Secretariado Diocesano da Pastoral Vocacional - Secretariado Diocesano do Ensino da Igreja nas Escolas - Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar - Comissão Diocesana da Pastoral da Saúde - Comissão Diocesana das Comunicações Sociais - Comissão Diocesana das Migrações e Turismo - Cáritas Diocesana

Associações, Movimentos e obras eclesiais

- Acção Católica Independente - Acção Católica Rural - Associação Católica Internacional ao Serviço da Ju-

ventude Feminina - Centro de Preparação para o Matrimónio - Conferência de S. Vicente de Paulo - Corpo Nacional de Escutas - Cursos de Cristandade - Equipas de Nossa Senhora - Movimento Católico de Estudantes - Movimento da Mensagem de Fátima -·Movimento de Educadores Católicos - Movimento Esperança e Vida - Oficinas de Oração e Vida - Renovamento Carismático Católico - Legião de Maria - Liga Eucarística

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CAMINHADA SINODAL

Na sessão plenária do Conselho Pastoral Diocesano, no dia 3 de Fevereiro, foi analisada a caminhada sinodal e pre­parada a Peregrinação Diocesana a Fátima, como reflexo desta caminhada.

No dia 9 de Março, o plenário das Comissões Sinodais analisou os resultados do inquérito realizado, concluindo na necessidade de um estudo teológico-pastoral desses resul­tados. Após alguma reflexão sobre a Assembleia Sinodal, de­cidiu-se adiar a sua realização para Novembro de 1996, uma vez que, embora tivessem já começado a chegar conclusões dos trabalhos de grupos, não se conseguiria trabalhar e es­tudar a sua totalidade até à data anteriormente prevista. Concluiu-se, também, que o Sínodo ainda não tinha chega­do de forma completa a muitas pessoas.

Um momento alto da caminhada sinodal ocorreu com a Peregrinação Diocesana a Fátima que teve como lema: "Com Maria escuta Deus- acolhe os irmãos". No sábado houve uma concentração de cerca de mil jovens, que, de vários la­dos, chegaram ao Santuário durante o dia. À noite houve uma encenação dos cinco temas do guião de jovens "Vem Ver!", um concerto pelo grupo de mensagem "Golgotha" e tra­balhos por grupos sobre os referidos temas, bem como a pre­paração da Via-Sacra, que decorreu durante a noite.

No domingo de manhã, depois da Via-Sacra por vigara­rias, todos juntos celebraram a 15ª estação, junto à Cruz Al­ta. Nesse local se iniciou a Eucaristia, que foi celebrada em caminhada. Bispo, padres e fiéis escutaram a Palavra de Deus a caminho do Altar, e, numa sensibilização sinodal, foram pre­parados pelos jovens vários momentos especiais, como a cele­bração do perdão e o Pai-Nosso. Segundo os responsáveis e participantes em geral, foi uma celebração muito rica de con­teúdos e símbolos, muito positiva como vivência de Igreja em Sínodo.

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CAMINHADA SINODAL -----------------

A partir de 7 de Maio realizou-se um ciclo de conferên­cias, promovido pela Comissão Sinodal de Jovens, sobre os cin­co temas do Guião "Vem Ver!", com a intervenção de cinco oradores das diversas áreas abordadas pelo guião: Emília Na­dai, Álvaro André, João Francisco, Bento Domingues e Carva­lho Rodrigues. No fim de Maio decorreu também um encontro de oração "Shemá", incorporada neste ciclo de conferências.

Numa carta datada de 13 de Maio, o Sr. Bispo D. Sera­fim anunciou a marcação da 1ll sessão da Assembleia Sino­dal para os dias 15, 16 e 17 de Novembro de 1996, e a sua composição, propondo igualmente a realização de uma vigí­lia de oração pelo bom fruto desta Assembleia, a realizar em todas as comunidades da Diocese, a 5 de Junho, véspera do Corpo de Deus.

Assim, em muitas comunidades, efectuou-se a referida vigília, com base num guião preparado pela Comissão de Li­turgia, havendo outras que a celebraram em diferentes da­tas e ocasiões.

Na festa do Corpo de Deus, foi lida uma mensagem do Coordenador-Geral do Sínodo, em que este apresentou um resumo da caminhada feita até então, da qual se destaca o número das respostas dos trabalhos de grupos que já chegou à Comissão Central: 1150.

Em várias vigararias foi realizada uma "festa-mensa­gem", organizada pela Comissão Central, e com a colabora­ção do grupo de música de mensagem da Diocese, "Golgotha", sob o tema "Vem Ver!", com o objectivo principal de levar a todas as comunidades cristãs o sentido de festa e de alegria presente nos trabalhos sinodais. Esta festa-mensagem foi já realizada a 21 de Abril em Porto de Mós, a 5 de Maio em Ourém, a 18 de Maio na Vieira, a 28 de Junho em S. Mame­de, a 7 de Julho em Pataias e a 13 de Julho no adro das Sé, em Leiria. Está também prevista a sua realização em mais algumas vigararias em Setembro e Outubro.

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CAMINHADA SINODAL

Entretanto, uma equipa constituída por membros das Comissões Teológico-pastoral e Central encontra-se a tra­balhar na análise das conclusões dos trabalhos de grupos, no sentido de elaborar o Instrumento de Trabalho para a As­sembleia Sinodal. Também os Delegados da referida Assem­bleia estão a ser eleitos e contactados e, até fins de Julho, teremos já a lista completa dos seus membros.

• A Revista "Lumen", no número de Março/Abril, incluiu, nas suas páginas, um dossier sobre Sínodos Diocesanos - Expe­riências e Desafios". Neste dossier, além de reflexões de carácter histórico e teológico-pastorais, foram recolhidos testemunhos so­bre os Sínodos Diocesanos das dioceses de Aveiro, Braga, Coimbra e Leiria-Fátima. Sobre a nossa Diocese, escreveu o P. Jorge Guar­da, Coordenador Geral do Sínodo, um artigo intitulado "Sínodo de Leiria-Fátima - Unidos no caminho da esperança", em que apresenta a temática e dinâmica desta caminhada e faz o ponto da situação.

• Foi publicada, no passado dia 28 de Março, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal ''Vita Consecrata", do Papa João Paulo II, sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo. A primeira parte deste documento debruça-se sobre a natureza da vi­da consagrada. Na segunda parte são abordadas diversas questões relacionadas com a solidariedade, a fraternidade e a unidade. A terceira parte desta exortação apostólica abre o horizonte sobre as necessidades da humanidade.

• O Conselho Pontifício para a Família publicou, no passado dia 27 de Maio, um documento intitulado: "Preparação para o Sa­cramento do Matrimónio". Composto por três capítulos, o documen­to salienta, numa primeira parte, a importância da preparação do Matrimónio cristão, numa segunda, as diversas fases dessa prepa­ração, e na última, a celebração do matrimónio em si mesma.

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COMUNICAÇÃO SOBRE A CAMINHADA SINODAL,

NA SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

L Há pouco mais de um ano, como diocese, iniciámos a nossa caminhada sinodal, "unidos no caminho da Esperança". Através da mensagem-consulta, a cada um de nós foi dada a palavra para que comunicasse a sua opinião, os seus desejos e esperanças e sugestões para a renovação. Os resultados são já do conhecimento público e constituem para todos nós um estímulo e uma ajuda a participarmos na conversão e nas mu­danças das pessoas, comunidades e estruturas.

2. Entretanto, com os guiões de reflexão, reuniram-se centenas de grupos. Já chegaram ao Secretariado do Sínodo 1150 impressos com o resultado do trabalho de grupos de 54 paróquias e também de movimentos e serviços diocesanos. Falta ainda a comunicação de 19 paróquias e de alguns gru­pos. Esperamos que o façam em breve. Houve paróquias e pelo menos um movimento que fizeram uma assembleia on­de se comunicaram e discutiram propostas de renovação e dinamização da própria comunidade. Agora vão tentar con­cretizar as ideias aprovadas.

Em algumas vigararias realizaram-se festas/mensa­gem. Desejamos que o mesmo aconteça em toda a diocese, pois o Sínodo significa também alegria, entusiasmo, festa.

A renovação faz-se em cada grupo, paróquia, vigararia, movimento . . . , com as iniciativas e o contributo de todos, até envolver toda a diocese.

3. Os jovens têm sido dos mais entusiastas na nossa ca­minhada comum. Muitos deles constituíram grupos:Houve vigararias que fizeram encontros ou caminhadas juvenis. Quase mil jovens participaram no encontro por ocasião da Pe-

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---------- COMUNICAÇÃO SOBRE A CAMINHADA SINODAL

regrinação Diocesana a Fátima. As conferências que estão a levar a cabo em diferentes zonas da Diocese permitem outras abordagens dos temas de reflexão do guião jovem. Queremos reconhecer aos jovens um lugar próprio, caminhar com eles e acolhê-los. As novas gerações trazem dinamismos e exigên­cias que não podemos ignorar nem deixar de aproveitar.

4. O Sínodo não é feito só de realizações visíveis. Ele é antes de tudo um espírito de abertura, criatividade, renova­ção, que deve entrar no ritmo normal e na vida das comuni­dades, movimentos e serviços eclesiais. As iniciativas exteriores têm os seus momentos próprios para exprimir e alimentar o esforço de mudança que há-de ser generalizado e constante. Ontem à noite, com as Vigílias de Oração, tive­mos um momento muito significativo desta caminhada: vi­rám<rnos para o Senhor, pois é d'Ele que esperamos a ajuda, a luz e a sabedoria. O Sínodo há-de ser sobretudo um acon­tecimento do Espír:ito.

A docilidade é fundamental, já que o Espírito guia-nos até onde não suspeitamos e inspira-nos soluções que nem sequer imaginamos.

Esta caminhada exige grande confiança em Jesus Cris­to. Ele, que é o Senhor da Igreja, cuida dela e garante-nos que "aquele que acredita n'Ele fará também as obras que Ele faz; e fará obras maiores do que estas". Não podemos, por is­so, desanimar nem ficar à espera que sejam os outros a fa­zerem a mudança. Esta deve acontecer em cada um de nós e com o empenhamento de todos.

5. Valeu a pena o percurso feito até agora? A experiência de quem se empenhou na caminhada diz­

-nos que sim. Muitos experimentaram a Igreja como comunhão de irmãos no amor de Cristo. É certo que há muito a fazer, há inércias a vencer, cepticismos a transformar em confiança, re­sistências a superar e muitas outras dificuldades. Mas há tam-

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COMUNICAÇÃO SOBRE A CAMINHADA SINODAL ----------

bém energias que começam a despertar, projectos que já se vão desenhando, sonhos que se acalentam.

Duvida se valeu a pena quem não chegou a começar e nem deu qualquer passo. Para quem não acredita nesta ca­minhada, qualquer obstáculo ou dificuldade será uma con­firmação do próprio imobilismo. Não podemos deixar-nos paralisar pelo medo nem pelo comodismo. Não deixemos que sejam os outros a fazer o que nos compete a nós. Temos con­fiança. Acreditamos que o convite e a força nos vem de Deus. Vamos continuar.

6. Qual o passo seguinte? A eleição das pessoas - padres, religiosos e leigos - que

participam na Assembleia Sinodal, em representação de to­das as paróquias, movimentos e serviços.

A Assembleia, como já foi anunciado, reúne-se em No­vembro. Deverá debater e aprovar algumas propostas para dinamizar e renovar a vida e acção da Diocese.

Entretanto, a partir do contributo da consulta e do tra­balhos dos grupos vamos preparar o instrumento de traba­lho para a primeira sessão da Assembleia Sinodal.

Esperamos igualmente que cada paróquia, serviço e mo­vimento, ao preparar o próximo ano pastoral, tenha em con­ta a dinâmica sinodal e promova a sua própria renovação.

7. Deus olha com bondade esta diocese e cada um dos seus membros e comunidades. Reconheçemos nos trabalhos sinodais um apelo de Deus e confiamos no poder do Seu Es­pírito, que age em todos nós. Ele faz mais, muito mais, do que podemos pedir ou imaginar para a mudança. Ponhamos mãos à obra. Há um horizonte de esperança à nossa frente.

Leiria, 6 de Junho de 1996.

O Coordenador-Geral do Sínodo P. Jorge Manuel Faria Guarda

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

Os dois textos que agora publicamos foram apresenta­dos num painel sobre o tema ((O Presbítero- Homem de Co­munhão", inserido no Curso de Formação Permanente do Clero de Leiria-Fátima, que se realizou em Fátima, de 2 a 5 de Outubro de 1995. Quatro das comunicações deste painel foram já publicadas no número anterior.

Este tema obrigou-me a cair em mim, pensar no misté­rio da Igreja, na sua realidade visível que é ao mesmo tempo uma realidade espiritual, portadora da vida divina; pensar no mistério da pessoa humana; no meu lugar e papel dentro des­ta Igreja como membro e sacerdote; na distribuição das com­petências dentro da Igreja e no mundo doente em que ela es�á inserida; no padre, farol e sinal de esperança.

O padre na colaboração e convívio com os leigos!?

Fundamentalmente, a Igreja está organizada em três grandes corpos:

- a hierarquia, que vai desde o Papa até ao Diácono; - os leigos; - e os religiosos.

a) Pensando na competência da hierarquia, relembrei es­pecialmente o texto de Puebla e do Sínodo dos Bispos de 1971, sobre a justiça no mundo, onde se diz: cabe à hierarquia: an.unciar (a palavra transformadora da sociedade -Puebla -518) e denunciar: a justiça e as situações de injustiça; pro­mover e defender a dignidade e os direitos humanos; solida­rizar-se com os leigos e estimulá-los na sua criatividade; interpretar em cada nação as aspirações dos seus povos, es­pecialmente os anseios daqueles que a sociedade tende a mar­ginalizar (Puebla 522).

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

A hierarquia não possui competência técnica: não sabe dizer como fazer; mas possui competência ética: à luz do Evangelho, pode dizer se é justo ou injusto, se favorece a par­ticipação ou a exclui.

b) Do mesmo modo, pensei na competência dos leigos e reli a Lumen Gentium n2 3 1 e 33. A acção dos leigos não de­ve ser compreendida como prolongamento da acção da hie­rarquia. Eles possuem o seu lugar próprio dentro da Igreja, como leigos, e devem agir neste sentido, a título próprio. O leigo não é um homem secular. É um membro da Igreja no mundo secular. Possui um mandato directo de Jesus Cristo (L.G. 33). O seu campo de acção é o mundo.

Aqui surgiram-me várias interrogações: - Como hão-de os leigos tomar consciência da sua con­

sagração e missão por força do Baptismo e da obra do Espí­rito Santo?

- Como alimentar a sua incorporação em Cristo, me­diante a unção do Espírito?

- Como hão de sentir vida, força, apoio para a acção? - Como hão de viver de Deus e tornarem-se comunida-

des desta vida? - E nós, ministros ordenados, como tomar consciência

de não ser tudo na Igreja para que nos encontremos uns com os outros na comunhão articulada na qual cada um é chamado a dar o seu próprio contributo original e insubs­tituível?

Sentindo-me Igreja, interrogo-me sobre a figura que ando a fazer como padre:

- na minha função de consagração especial e na unção baptismal;

- se sou capaz de me identificar e assumir, ora como membro comum do Povo de Deus, ora como pessoa que age "in persona Christi".

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

Isto é um desafio ameaçado por vários riscos. Dupla identidade que tanto pode levar à rispidez como

a perplexidades inadequadas, na liturgia, missão, gestão da paróquia e das obras da Igreja. Ao binómio hierarquia - lai­cado dou lugar ao binómio comunidade - carismas e minis­térios?

Como padre, sou servo de todos (e não de uma Igreja de elites), a começar pelos mais pobres, pelos excluídos da Igre­ja, sem de maneira alguma prescindir dos movimentos, porque sem estes, não tenho fermentos, não atinjo os ambientes, não posso fazer obras. Eu preciso deles e eles precisam de mim.

Sou pastor. Mas para ser, fazer e dizer como pastor, te­rei de viver no interior as ânsias de Jesus, que estava com e falava às multidões.

Mas também tinha os seus grupos de trabalho que orientava e doutrinava e que ouvia: "Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?"

Que movimentos tenho na minha paróquia e qual a mi­nha disponibilidade? Como os preparo? os responsabilizo? os animo?

Como Ele, terei que tentar conhecer as ovelhas e dar a vida por elas. Pensar nas suas pastagens, no mundo em que vivem. Ouvi-las, escutá-las.

Pensar numa sociedade polarizada no sucesso, no di­nheiro, no fácil, na luta pelo poder, no singrar na vida, uma sociedade individualista, consumista, pouco sensível ("sal­ve-se quem puder"), sem capacidade para o serviço; pouca formação religiosa e, salvo algumas excepções, muita igno­rância. Ciumentos entre eles, pouco comprometidos, anti­-clericais, de pé atrás, "manientos", volúveis.

Cada pessoa é um mundo! Como aproximar o meu mundo, do mundo de cada um

deles?

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

Como superar distâncias e distâncias de idades? Como criar ambiente para que uns comuniquem aos ou­

tros as próprias riquezas? Mais uma vez me interrogo acerca da competência hu­

mana, da competência científica, da fé esclarecida e vivi­da, da sensibilidade e docilidade ao dom do Espírito de Deus. Do dom do Espírito que torna presente o Ressuscita­do no tempo dos homens, enriquecendo o Povo de Deus com carismas e ministérios, conduzindo a Sua Igreja à meta pro­metida.

Confesso: vejo-me longe, desactualizado, frio, frouxo. Mas o Senhor apanhou-me, sou pastor, sou servo, o meu agir é de Cristo, sou membro comum do Povo de Deus.

Não posso cruzar os braços. Na colaboração e convívio com os leigos será estar pre­

sente e participar nas suas festas? Como conviver e ser festivo neste tempo difícil, trágico? Para responder a este tempo é necessário, antes de tudo,

que haja padres que sejam um farol e um sinal de esperança. Falo no plural, mas continuo a pensar, a dizer para mim.

Vivendo nós num tempo trágico, tempo de guerras, so­frimento humano, de intolerância, destruição, tragédias, pe­rante tal tempo, são necessários padres:

12- Que sejam luz do mundo, como nos fala o Evange­lho. Esta luz do mundo é hoje um farol de esperança. Nós não assentamos em fundamentos meramente humanos, mas no mistério da fé, em fundamentos divinos e eternos (relem­bro o que já disse: competência humana, científica; fé escla­recida e vivida, docilidade ao Espírito . . . ).

22- Vivemos num tempo dominado pela dimensão ma­terialista, pelo hedonismo consumista. Como resposta, tere-

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

mos de ser padres com uma dimensão espiritual; padres que se cruzam com Ele a sério; padres que rezam para alimen­tar a sua vida espiritual e que o fazem em nome e pelo Povo de Deus; padres mediadores, que estabelecem uma ponte per­manente entre o divino e o humano, entre Deus e o Homem, como o foi o próprio Jesus.

3�- Vivemos num tempo de discórdia, nesta Europa di­lacerada por guerras, por fundamentalismos de natureza re­ligiosa. Tempos de ruptura de toda a ordem, que atingem a própria instituição familiar: o divórcio, a separação, ruptu­ra de geração de pais com filhos. Tempos de muitas palavras e pouca escuta. Pessoas bem falantes, mas não dialogantes. Temos que ter padres de diálogo e comunicação. Padres que sejam intérpretes do Carisma do Espírito, líderes e mobili­zadores de homens e de almas pela palavra, agentes da No­va Evangelização.

4�- Num tempo de múltiplas servidões: servidão do di­nheiro, do prazer, da posse; escravatura do "stress", do su­cesso, da produção moderna, dos jovens empurrados para a vertigem do sucesso humano; de servidões dos poderes cor­ruptos: poder político, económico, financeiro, a servidão do poder. Padres capazes de denunciar corajosamente a injus­tiça, onde quer que ela esteja, capazes de optar preferen­cialmente pelo fraco, pelo oprimido, pelo pobre. Quantas possibilidades nos têm dado as leituras bíblicas dos últimos Domingos!

5�- Estamos num tempo de interrogações. O homem mo­derno anda desnorteado, procurando um sentido para a vida, que dificilmente encontra. O fim das ideologias e das utopias trouxe um acréscimo de inJ_arrogações. As seitas, vendedores ambulantes de sonhos, são expressão dessa interrogação em

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O PADRE EM COLABORAÇÃO E CONVÍVIO COM OS LEIGOS

que vive mergulhado o homem moderno. Temos de ter padres que estejam seguros da sua própria identidade e que sejam fontes de resposta. Exemplo de coerência, imagem do ser hu­mano feliz e realizado no seu ministério.

Vivência. Uma criança operada várias vezes à bexiga, continua pior que antes. A mãe foi apenas uma vez à IURD e deixou de lá ir. A resposta a esta situação encontra-se na Bíblia - Lc.ll, 24-26: "Quando o Espírito imundo sai dum homem, vagueia por sítios áridos em busca de repouso, e não o encontrando, diz: Voltarei para minha casa de onde saí. Ao chegar, encontra-a varrida e arrumada. Vai então e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, instalam-se ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro". Esta é a passagem base da IURD para que as pessoas voltem outra e outra vez e sempre.

O padre não é para si, mas para os outros. Por isso, ele tem de estar permanentemente perto dos homens, perto da cidade dos homens, mergulhado nos seus dramas. O bom pastor é aquele que reúne o rebanho pela palavra, pela fé e pelo testemunho.

Será que queremos manter os mesmos comportamen­tos? A sociedade está em mudança. Vivemos tempos novos, podemos alterar os comportamentos. Se sou fumador, posso deixar de o ser. Apesar da carga da educação que tivemos, dos ambientes que tivemos ou criámos, cada um tem a sua arte, o seu jeito e sobretudo a força de vontade e a graça do chamamento àquilo a que o Senhor o consagrou. Sopramos a cinza, avivamos as brasas e incendiamo-las com o fogo do Espírito.

Que o Senhor nos ajude a sermos servos, pastores, con­dutores e membros do Povo de Deus a fim de transformar a Igreja em autêntico Sacramento de Fé e Salvação.

P. Alcides Rocha dos Santos Neves

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DIZER DEUS HOJE!?

O PADRE NO DIÁLOGO COM OS OUTROS HOMENS E MULHERES

1 - A questão de Deus

1. A nominação de Deus

A um jornalista que lhe perguntou se acreditava em Deus, Einstein terá respondido: "primeiro explique-me o que entende pela palavra 'Deus' e dir-lhe-ei se creio nele!"

2. A contestação de Deus

"Esta contestação foi reforçada pela percepção de que esse Deus omnipotente estava inteiramente de acordo com um certo estado de coisas na sociedade. De facto, percebeu­-se a função que exercia esse Deus como garantia de uma ordem estabelecida, intensamente conservador, tanto no mundo como na Igreja."

"Não faltam exemplos do papel desempenhado por essa imagem de Deus na conservação da ordem das coisas, no qual as noções de ordem e de hierarquia são privilegiadas, ao mesmo tempo que as disparidades sociais se encontram inteiramente ocultas ou justificadas".

"A contestação da função social exercida por esta ima­gem de Deus acaba por tornar impossível crer em tal Deus. Se há um Deus, se Deus é Deus, ele só pode ser diferente: um Deus gratuito, do qual não nos podemos servir, dizíamos nós. É preciso acrescentar: um Deus não apreensível pelo pensa­mento, um Deus não manipulável pelo homem, um Deus que não seja garantia da dominação e da opressão do homem pe­lo homem, mas um Deus l:vre para homens livres que cons­troem a história".

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DIZER DEUS HOJE!? -------------------

" São estas algumas das reivindicações da nominação de Deus na nossa cultura. Não podemos evitá-las: elas são pon­tos de partida obrigatórios da questão de Deus, hoje". (1)

3. A função purificadora do Ateísmo

" O ateísmo moderno exerceu uma função purificadora na teologia. O que já não sustentámos por Deus? O que já não concedemos por Deus? O que já não dissemos e fizemos em nome de Deus? Quantas vezes refizemos Deus à nossa imagem! Para o futuro, semelhante idolatria é-nos proibi­da. A contribuição positiva do ateísmo moderno reside na pu­rificação enérgica . . . na rejeição de qualquer idolatria. O filósofo cristão Jean Lacroix escreve: 'se tenho tanto reco­nhecimento para com os meus amigos ateus é porque me en­sinaram a não banalizar . . . É esse o seu efeito positivo de purificação e aprofundamento da fé". (2)

4. A intuição do Divino

Não darei o Teu Nome (3)

I

Não darei o Teu nome à minha sede De possuir os céus azuis sem fim. Nem à vertigem súbita em que morro Quando o verito da noite me atravessa.

1. Cfr Dominique Morin, Para falar de Deus, Ed. Loyola, 1993, São Paulo, pág. 32.

2. Cfr. Idem, pág. 33.

3. Sophia de Mello Breyner Andresen, Antologia, Porto 1985.

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------------------- DIZER DEUS HOJE!?

Não darei o Teu nome à limpidez De certas horas puras que perdi. Nem às imagens de oiro que imagino, Nem a nenhuma coisa que sonhei.

Pois tudo isso é só a minha vida. Exalação da terra, flor da terra, Fruto pesado, leite e sabor.

Mesmo no azul extremo da distância, Lá onde as cores todas se dissolvem, O que me chama é só a minha vida.

II

Tu não nasceste nunca das paisagens, Nenhuma coisa traz o Teu sinal, É Dionysios quem passa nas estradas E Apolo que floresce nas manhãs.

Não estás no sabor nem na vertigem Que as presenças bebidas nos deixaram, Não Te tocam os olhos nem as almas, Pois não Te vemos nem Te imaginamos . .

E a verdade dos cânticos é breve Como a dos roseirais: exalação Do nosso ser e não sinal de Ti.

III

A presença dos céus não é a Tua, Embora o vento venha não sei de onde. Os oceanos não dizem que os criaste, Nem deixas o Teu rasto nos caminhos.

Só o olhar daqueles que escolheste Nos dá o Teu sinal entre os fantasmas.

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DIZER DEUS HOJE!? -------------------

Vens, e não sonho mais, Quebra-se a onda no penedo austero. E o mar recua, sem haver sinais De que te quero.

Não sei amar, ou amo o que me foge. Já com Deus foi assim, na juventude: Dei-lhe a paixão que pude Enquanto o namorava na distância: Depois, ou medo, ou ânsia De maior perfeição, Vi-o junto de mim e fiquei mudo. Neguei-lhe o coração, E então perdi-o, como perco tudo.

2 -A Igreja em questão

O que está em causa, não é tanto a relação mais ou me­nos difícil entre a Igreja e o Mundo, é antes, a relação com­plexa entre Deus e o Homem, onde a Igreja perdeu espaço e para muitos deixou de contar como mediação.

Neste momento a Igreja vive permanentemente con­frontada com um processo que lhe está a ser movido, quer externa quer internamente.

Ad extra:

* As críticas são severas e exigentes. Acusa-se a Igre­ja de não ser suficientemente espiritual e de não se empe-

4. Miguel Torga, Antologia poética, Coimbra 1981, 175.

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------------------- DIZER DEUS HOJE!?

nhar na busca de Deus. No limite, alguns afirmam ser a Igre­ja um obstáculo para a procura de Deus. Outros julgam pre­ferível arriscarem-se sozinhos na busca do Absoluto.

* Todavia, importa saber que Deus se procura e se este ainda será o Deus de Jesus Cristo. É importante saber dis­cernir: aquela postura, por um lado, expressa a rejeição da Igreja - enquanto instituição - e por outro, lança-lhe um enorme desafio: como ajudar os nossos contemporâneos, a fa­zer uma experiência espiritual profundamente comprometi­da com a realidade?

O Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes, fez-se eco deste mal estar, reconhecendo que "na génese do ateís­mo os crentes podem ter tido parte não diminuta, na medi­da em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por apresentações erradas da doutrina, ou ainda pelas deficiên­cias da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que taparam o autêntico rosto de Deus mais do que o revela­ram"(G.S., 19,2)

Ad intra:

* Estas críticas consideram a Igreja desumana, incapaz da compreender verdadeiramente o mundo actual na sua complexidade e incertezas.

*Acusam a Igreja de uma falta da confiança no homem, de ter medo do mundo real, de não aceitar a sua autonomia, de anunciar um Deus alienante, não um Deus de Amor.

* Se estas afirmações podem pecar por excesso, o certo é que são católicos a referi-lo e a salientar o facto de que, em muitas ocasiões a palavra da Igreja não inspira confian­ça, nem é entendida como palavra de esperança.

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DIZER DEUS HOJE!? -------------------

Também o Cardeal Daneels, no Sínodo Extraordinário sobre o Concílio Vaticano II, afirmava: " temos alguma res­ponsabilidade na acusação que os j ovens nos fazem ao dizer que a Igreja é uma simples instituição - e explica - talvez te­nhamos perdido demasiado tempo a falar de renovamento das estruturas externas da Igreja e menos de Deus e de Je­sus Cristo" (D.C. 5/1/86, p. 37).

O que aconteceu é que tantas vezes se deram respostas a perguntas que as pessoas não fizeram ou não estavam in­teressadas e as grandes questões que as preocupavam, fo­ram sendo ignoradas.

Parece-nos pois que a Igreja deve deixar de falar tanto de e em si, para falar mais de Deus ao homem e do homem a Deus, procurando abrir aquele ao mistério total da sua existência.

Contudo, devemos ser justos connosco mesmos. Hoje a Igreja está diferente e a evoluir positivamente ao encontro do homem.

3 -A questão do Homem

Vive-se uma crise antropológica profunda. Assiste-se ao declínio das ideologias do progresso. Percebe-se a crise da razão técnica. Emerge o sujeito incerto, sem confiança na sua liberdade e sem esperança no futuro!

1. De como aqui chegámos ...

"Descartes escreveu o Discurso do Método. ( . . . ) Quise­ram as gerações que o leram ao longo de mais de trezentos anos ver nele uma nova trindade: a da Ciência, a da Tecno­logia e a da Razão. Nessa novíssima trindade, a Ciência era eterna como o Pai, a Tecnologia ia salvar-nos como o Filho e a Razão iluminar-nos como o Espírito Santo.

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------------------- DIZER DEUS HOJE!?

Durante estes três séculos e meio, batalhámos para in­ventar um substituto para Deus e, sempre que o fazíamos, in­vocávamos o Discurso do Método. E tanto lutámos que hoje cá estão os substitutos técnicos de Deus: o poder e o dinheiro.

Com eles construímos um mundo de terror de tal ma­neira medonho que as nossas mulheres têm medo de ter fi­lhos porque não sabem avaliar qual o seu futuro, e nós, homens, não queremos ser pais. Não existe, para qualquer espécie, maior medo do que este.

Mas também não admira. A crença absoluta na nova trindade trouxe de volta as três ameaças sistemáticas ao bem estar da humanidade: a fome, a guerra e duas pestes, droga e sida. E sempre que estes três Cavaleiros do Apoca­lipse cavalgam sobre o Planeta, nele se instala a desavença, a descrença, a pobreza e o fim da esperança.

E, no entanto, o homem que escreveu o Discurso do Mé­todo começava as suas aulas assim: "Ontem, um Anjo disse­-me . . . " Ora, os Anjos iniciam, sempre, as suas mensagens com: " Não tenhais medo . . . " É que eles sabem que há o Pri­meiro Cavaleiro do Apocalipse, que parte sempre para as no­vas vitórias da Renascença". (5)

2. Os sinais da crise

A "razão" está a descobrir-se mutilada da sua dimensão essencial; ela começa a perguntar pelos fins e não só pelos meios: que responsabilidade para com as futuras gerações na gestão dos recursos naturais? que desenvolvimento económi­co, dado o aumento constante do desemprego? que estilo de sociedade estamos a criar? . . .

5 . F. Carvalho Rodrigues - Luís Ramos, Ontem, um Anjo disse-me, Pub. Eu­ropa-América, Mem Martins, 95, Págs. 13-14.

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DIZER DEUS HOJE!? -------------------

A "ciência" começa a descobrir que não pode resolver to­dos os problemas. Mais, a ciência positivista percebe que lhe escapam as mais altas dimensões da vida: o amor, a criação artística e a fé.

A "razão técnica", para quem tudo o que é tecnicamen­te possível é desejável e necessário, começa a descobrir que há limites éticos.

No final deste século, o homem não está seguro de si, nem do seu futuro, faltando-lhe até, confiança na sua pró­pria liberdade. O homem dos nossos dias, percorre os ca­minhos da vida solitariamente e vive profundamente a experiência da orfandade.

4 - Sugestões

Perante o homem inquieto, devemos escutar antes de julgar, acolher antes de criticar, compreender antes de falar.

Perante a incerteza do homem, a Igreja deve ajudá-lo a não perder a confiança na sua própria liberdade e nas suas ca­pacidades de bem e de verdade, não obstante todos os medos.

Havemos de desenvolver as fontes da nossa fé, sobretu­do através da teologia trinitária.

Havemos de lutar por comunidades onde se possam ofe­recer uma experiências vivas de família de Deus, abertas à voz de Cristo para que se renovem na fé, no amor e na es­perança.

Havemos de nos comprometer apaixonadamente, como Je­sus, com a vida (esperanças e alegrias, angústias e tristezas) dos homens e mulheres de hoje, participando assim na solicitu­de amorosa de Deus por todos os Seus filhos e nossos irmãos.

P. Manuel Armindo Pereira Janeiro

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ACTOS EPISCOPAIS VIGÁRIOS DA VARA

Tendo presente os cc. 553 - 555 do Código de Direito Ca­nónico, achamos por bem nomear os seguintes Vigários da Vara por um mandato de três anos:

- Vigararia da Batalha

Padre José Ferreira Gonçalves

- Vigararia de Caxarias

Padre Luís Henriques Francisco

- Vigararia de Colmeias

Cónego Manuel Simões Bento

- Vigararia de Fátima

Padre António Ramos

- Vigararia de Leiria

Padre Dr. Manuel dos Santos José

- Vigararia da Marinha Grande

Padre Júlio Domingues Vieira

- Vigararia dos Milagres

Padre Joaquim Duarte Pedrosa

- Vigararia de Monte Real

Padre Joaquim de Jesus João

- Vigararia de Ourém

Padre José Luís de Jesus Ferreira

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ACTOS EPISCOPAIS

- Vigararia de Porto de Mós

Padre Manuel Pedrosa Melquíades

Leiria, 19 de Março de 1996, Solenidade de São José

t D. SERAFIM DE SOUSA FERREIRA E SILVA Bispo de Leiria-Fátima

CONSELHO PRESBITERAL

Tendo terminado o mandato do anterior Conselho Pres­biteral, e observando as normas estatutárias, achamos por bem

·nomear o novo Conselho Presbiteral, que fica assim

constituído:

Membros natos:

- Vigário Geral

Monsenhor Cónego Henrique Fernandes da Fonseca

- Chanceler da Cúria Diocesana

Cónego José de Oliveira Rosa

- Vigário Judicial

Padre Dr. Filipe Luciano de Oliveira Vieira

- Reitor do Seminário Diocesano

Cónego Doutor Américo Ferreira

Membros eleitos:

- Cabido da Sé Cónego António das Neves Gameiro

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Último quinquénio

Padre Luís Morouço Almeida Ferreira

- Equipa do Seminário

Cónego Dr. Carlos da Silva

- Santuário de Fátima

Padre Dr. Artur Ribeiro de Oliveira

ACTOS EPISCOPAIS

- Professores de Educação Moral e Religiosa Católica

Padre José Marques dos Reis

- Secretariados e Comissões

Padre Dr. António Paulo da Costa Madureira

- Espiritualidade e Apostolado

Padre Fernando Pereira Ferreira

- Padres Religiosos (Leiria)

Padre Frei José Pinto Pereira da Costa

- Padres Religiosos (Fátima)

Padre José Carlos Navais Lima

- Vigararia da Batalha

Padre Virgílio do Rocio Francisco

- Vigararia de Caxarias

Padre Manuel Ferreira

- Vigararia de Colmeias

Padre Raul Rodrigues Carnide

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ACTOS EPISCOPAIS

- Vigararia de Fátima

Padre António Ramos

- Vigararia de Leiria

Padre Manuel Armindo Pereira Janeiro

- Vigararia da Marinha Grande

Padre Sérgio Feliciano de Sousa Henriques

- Vigararia dos Milagres

Padre Joaquim Duarte Pedrosa

- Vigararia de Monte Real

Padre Isidro da Piedade Alberto

- Vigararia de Ourém

Padre António da Piedade Bento

- Vigararia de Porto de Mós

Padre Davide Vieira Gonçalves

Membros designados:

Cónego Manuel da Silva Gaspar Padre Doutor Anacleto Cordeiro Gonçalves de Oliveira Padre Dr. Luís Inácio João Monsenhor Cónego Dr. Luciano Gomes Paulo Guerra

O mandato deste novo Conselho Presbiteral é válido por três anos.

Leiria, 19 de Março de 1996, Solenidade de São José

t D. SERAFIM DE SOUSA FERREIRA E SILVA

Bispo de Leiria-Fatima

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COMUNICADO DO CONSELHO PRESBITERAL

Terminada a fase de constituição e por convocação do seu Bispo e Presidente, D. Serafim de Sousa Ferreira e Sil­va, o Conselho Presbiteral da Diocese de Leiria-Fátima ini­ciou, a 7 de Maio de 1996, o novo mandato que terá a duração de três anos, de acordo com o artigo 22 dos Estatutos.

L Conforme previsto na agenda, foi feita a eleição do Se­cretário. Foi eleito o P. Anacleto Cordeiro Gonçalves de Oli­veira, que, por sua vez, escolheu, para integrar o Secretariado Permanente do Conselho, os P. Virgílio do Rocio Francisco e Manuel Armindo Pereira Janeiro.

Foram ainda eleitos para a Comissão Responsável pela Aplicação do Estatuto Económico do Clero os P. António da Piedade Bento, pároco em zona urbana, Davide Vieira Gon­çalves, pároco em zona rural, e Artur Ribeiro de Oliveira, sa­cerdote do clero não-paroquial.

2. Dos ternas propostos para serem tratados em próxi­mas reuniões, destacam-se: O Seminário Diocesano e a sua relação com a pastoral das vocações e a pastoral juvenil da Diocese; os meios de comunicação social em geral e em par­ticular na Igreja Diocesana. Para estes ternas foi decidido pedir a colaboração, respectivamente, da equipa formadora do Seminário Diocesano e da Comissão Diocesana das Co­municações Sociais.

3. Foram ainda prestadas algumas informações sobre actividades do Secretariado Diocesano da Pastoral das Voca­ções. Presentemente, está a dar particular atenção à forma­ção de animadores vocacionais, que na nossa Diocese são já cerca de 450, e a procurar urna colaboração mais estreita com o Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil.

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COMUNICADO DO CONSELHO PRESBITERAL ------------

A propósito dum ciclo de conferências, a realizar nas di­ferentes vigararias da Diocese, sobre temas que integram o guião sinodal para os jovens, reflectiu-se sobre o relaciona­mento da Igreja com os jovens: um relacionamento em que a Igreja não comprometa a sua unidade e identidade, mas que seja, ao mesmo tempo e tanto quanto possível, de abertura, sobretudo na fase actual do Sínodo Diocesano.

A próxima reunião ficou marcada para o dia 10 de De­zembro do presente ano.

Leiria, 11 de Maio de 1996

Em nome do Secretariado do Conselho: P. Anacleto de Oliveira

• O Papa João Paulo II estabeleceu que, a partir de agora, se acrescente à ladainha de Nossa Senhora a invocação: Rainha das Famílias, Rogai por nós. Tal invocação deve rezar-se entre as in­vocações Rainha do Santíssimo Rosário e Rainha da Paz. Esta al­teração foi anunciada na alocução do Angelus do dia 31 de Dezembro de 1995, Festa da Sagrada Família.

• O Pólo de Leiria da Universidade Católica abriu uma no­va Licenciatura: Licenciatura em Comunicação Social e Cultural. Este Curso tem por objectivos formar profissionais qualificados na área das comunicações sociais e culturais, dotados de sentido hu­manista e rigor deontológico.

• Segundo dados fornecidos pelo Secretariado Nacional da Educação Cristã, a percentagem de alunos inscritos em Educação Moral e Religiosa Católica, na Diocese de Leiria-Fátima, durante o ano lectivo de 1994 /95, foi a seguinte:

5!! Ano - 88,3% 9º Ano - 35,4% 6º Ano - 78,8% 10º Ano - 24,2% 7º Ano - 62,4% 11º Ano - 11,0% Bº Ano - 50,0% 12º Ano - 2,3% Total - 52,8%

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VIDA ECLESIAL

CÁRITAS PROMOVE FORMAÇÃO DE GRUPOS SÓCIO-CARITATIVOS

A Cáritas Diocesana está empenhada na criação e di­namização de grupos sócio-caritativos nas paróquias da Diocese e no aprofundamento da relação entre estes grupos e a própria Cáritas Diocesana. Nesta acção aquele organis­mo diocesano tem em particular atenção o desejo de cada comunidade e a abertura do respectivo pároco. As primeiras acções neste sentido foram realizadas nas Pedreiras, orien­tando-se para as paróquias de Pedreiras, Calvaria, Juncal e Aljubarrota. Mais recentemente, no mês de Março, foi a vez das paróquias de Ortigosa e Souto da Carpalhosa. Nes­ta última acção, a Cáritas Diocesana esteve presente, na pessoa do seu presidente, Ambrósio Santos, e do seu assis­tente, P. Albino Carreira, sendo a reflexão orientada pelo Dr. Carlos Neves, da Cáritas de Coimbra. A reflexão orien­tou-se, primeiramente, para o lugar da acção sócio-carita­tiva numa pastoral integral e para a função dos grupos paroquiais nessa pastoral. Num segundo momento, a temá­tica centrou-se, em questões mais concretas: a dinâmica desses grupos sócio-caritativos, a função do animador, a im­portância do estudo do meio, as relações com outras entida­des, etc. Estas iniciativas visam o revigoramento da acção sócio-caritativa na Diocese.

VII FESTIVAL DA CANÇÃO JOVEM DE MENSAGEM

No dia 3 1 de Março de 1996, realizou-se o VII Festi­val da Canção Jovem de M...!nsagem, no Teatro José Lúcio da Silva. Organizado pelo Secretariado Diocesano da Pastoral

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VIDA ECLESIAL -------------------

Juvenil, este Festival inseriu-se na celebração do Dia Mun­dial da Juventude. A celebração deste dia começou no dia 30, com um concerto de Canto Gregoriano, e continuou no dia 31 com a solene celebração da Eucaristia e, durante a tarde, com o Festival. O público encheu completamente o Teatro José Lúcio da Silva. Coube ao tenor Nino Rodrigues a aber­tura do Festival. Logo a seguir foi o desfile das nove canções concorrentes. O júri deu a vitória à canção nº 4, intitulada "Segredo", da autoria de Filipe Gomes, que ganhou também os prémios de melhor letra e melhor interpretação. A parte final deste Festival foi animada pela Orquestra Juvenil de Valado de Frades.

CAES E MCE DESINSTALAM ESTUDANTES

O Centro de Apoio ao Ensino Superior (CAES) e o Mo­vimento Católico de Estudantes (MCE) promoveram, duran­te o mês de Março, um ciclo de conversas com o Bispo da Diocese, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva. Esta. iniciati­va pretendia motivar o debate sobre algumas questões que mais afectam os estudantes, oferecendo-lhes oportunidades para dizerem o que pensam e serem escutados e, simultanea­mente, ouvirem aquele que tem ao seu cuidado esta pequena porção do Povo de Deus, que é a Diocese de Leiria-Fátima. As "conversas" decorreram no Salão da Sé.

No mês de Abril, dias 26 a 28, o CAES juntou 22 es­tudantes do ensino superior de Leiria, para uma peregrina­ção a Santiago de Compostela. Seguindo os "caminhos de Santiago", os estudantes reflectiram sobre os caminhos da vida, com os seus vários momentos e etapas, e os seus pró­prios caminhos. O grande desafio foi "partir" e ir ao "encon­tro" de si mesmo e dos outros.

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----------------------------------------- VIDAECLES�

ESCOLA TEOLÓGICA DE LEIGOS PROMOVE JORNADA

No dia 15 de Junho, a Escola de Formação Teológica de Leigos promoveu a realização de uma Jornada de encerra­mento do ano lectivo de 1995/96, no Seminário Diocesano. Do programa destacava-se uma reflexão sobre "comunicação e diálogo na Liturgia" e um sarau musical, com a participação de alunos e professores do Curso de Formação Musical Litúr­gica, ministrado, pela primeira vez, este ano. A reflexão so­bre a "comunicação e diálogo na Liturgia", seguida de um momento de diálogo, foi orientada pelo P. Dr. Pedro Louren­ço Ferreira, membro do Secretariado Nacional de Liturgia, que, durante este ano, leccionou nesta Escola. O sarau mu­sical, a que assistiu mais de uma centena de pessoas, foi ani­mado pelos cerca de 30 alunos que, durante este ano lectivo, frequentaram o Curso de Formação Musical Litúrgica. Re­corde-se que este Curso esteve aberto a todas as pessoas que quiseram iniciar ou aprofundar a sua formação musical, em ordem à tarefa de cantores, animadores de canto, salmistas e organistas nas celebrações litúrgicas das paróquias ou ou­tras comunidades cristãs. Depois deste primeiro ano de lec­cionação, a Escola pretende continuar com este Curso, pois "corresponde a uma necessidade manifesta e urgente das co­munidades paroquiais. O desejo de renovação litúrgica é uma constante dos grupos sinodais, e a consciência de missão dos leigos deve ser estímulo também na celebração da fé".

A Escola de Formação Social Ruml de Leiria festejou, no dia 29 de Junho, os seus 40 anos de existência. Embora só tenha sido reconhe­cida oficialmente em 1958, foi fundada em 1956 por Mons. José Ga­lamba de Oliveira. Do programa das comemorações constavam a celebração da Missa, com a bênção e distribuição de diplomas a fina­listas, o almoço de confraternização e uma sessão cultural e recreativa.

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PADRE MANUEL LUÍS MAÇO

Faleceu no dia 13 de Junho, no Hospital de San­to André, de Leiria, o P. Manuel Luís Maço.

O P. Manuel Luís Maço nasceu no Outeiro da Vi­nha (Ranha de S. João), freguesia de Vermoil, no dia 26 de Dezembro de 1929. Foram seus pais Manuel António Maço e Conceição das Neves. Ingressou no Seminário Diocesano de Leiria em 14 de Outubro de 1942 e aí concluiu os estudos em 1953. Foi ordenado presbítero em Julho desse mesmo ano, por D. José Al­ves Correia da Silva, na basílica do Santuário de Fá­tima.

Um mês depois da ordenação, foi nomeado páro­co de Carvide. Recebeu a nomeação para pároco do Juncal no dia 29 de Dezembro de 1969, desempenhan­do também, ao longo de todo o ano de 1978, o múnus de pároco interino de Cós. Em 6 de Janeiro de 1979 foi nomeado pároco da Azoia, acumulando, desde 24 de Maio de 1987, com a paroquialidade da Barosa. Si­multaneamente, ficou com a responsabilidade de ad­ministrar as propriedades rústicas do Seminário Diocesano.

Em Setembro de 1990 deixa os cargos anteriores, para assumir a paroquialidade dos Milagres e, com a criação da paróquia da Bidoeira, também esta última.

No final do mês de Setembro de 1995, retirou-se da paróquia dos Milagres, por motivos de saúde, e foi viver para a Casa Diocesana do Clero, em Fátima.

O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DA IGREJA DIOCESANA

.DE LEIRIA-FÁTIMA

NA CRIAÇÃO DE REFERÊNCIAS MUSICAIS

O presente texto consiste numa reflexão sobre alguns dos aspectos da música e do canto nas missas da Diocese de Leiria-Fátima, e seu contributo para a definição de práticas que se constituem como referências musicais na cultura de toda a região. As ideias que aqui se apresentam não são o resultado de nenhum estudo ou investigação em particular, que de resto urge empreender, mas tão somente fruto de uma observação vivencial das nossas celebrações litúrgicas. Al­gumas das relações que se equacionam poderão não ser ne­cessariamente as mais fecundas e relevantes, e muitas das ideias propostas podem vir a evidenciar-se completamente infundadas com o necessário estudo aprofundado que impor­ta fazer sobre cada uma das matérias em causa.

Os sons do berço

Todas as mensagens acústicas são de uma importância determinante para a vida da pessoa humana. O espaço so­noro que permanentemente nos envolve está carregado de significados, quer para as tarefas simples do nosso quotidia­no, quer para a nossa própria sobrevivência. É desde muito cedo que o sistema auditivo começa a captar e processar to­dos os sons que o rodeiam, começando pelo bater do coração da mãe ainda no seu ventre, pulsação essa que por isso se torna na sua primeira referência rítmica.

Se nos primeiros meses de vida construímos as nos­sas referências sonoras pessoais (identificando os diferentes

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

tipos de voz dos nossos familiares em função da sua disposi­ção, memorizando os "ruídos" normais de casa e do espaço que nos envolve, imitando e repetindo os primeiros sons que nos são dirigidos, etc.) aprendemos rapidamente nos primei­ros anos a associar sons e a entender estruturas sonoras, es­tas, já não só individuais, mas parte integrante de toda a comunidade que habitamos.

Tenhamos agora em conta uma só dessas estruturas, a MELODIA, não só por ser uma das mais importantes, mas também por ser aquela que, no contexto do presente assun­to, mais nos interessa (por melodia entende-se aqui uma se­quência de sons com diferentes alturas). São melodias as estruturas musicais que mais reproduzimos enquanto crian­ças, e que maioritariamente continuamos a utilizar ao lon­go da nossa vida. Contudo, o gosto por reproduzir melodias com a voz, o gosto por cantar, não é comum a todas as pes­soas. O que poderá estar na origem do desenvolvimento des­te gosto? Será um gosto ou uma aptidão? Porque razão, ou razões, aqueles que gostam de cantar, ou até aqueles que não cantando gostam de ouvir, preferem determinadas melodias em desfavor de outras?

Embora extremamente complexas e ainda não definiti­vas, as respostas a estas perguntas dividem-se em dois tipos de abordagem: aqueles autores (particularmente nos primei­ros anos do nosso século) que acreditam na relação entre o gosto por determinados aspectos melódicos em termos das propriedades fisicas dos intervalos musicais (1), a que pode-

1. MEYER, M, Elements of a Psychological Theory of Melody, Psych. Rev.,7:241, 1900. HORNBOSTEL, Erich M. von e ABRAHAM, Otto, "Studies on the tonsys­tem and music of the japanese", in Hornbostel Opera Omnia, Klaus Wa­chsmann, et ai. eds. e tras. (The Hague: Martinus Nijhofl), pp. 1-83, 1903. LIPPS, T, Psychologische Studien, Durrsche Buchhandlung, Leipzig, 1905.

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

mos chamar uma abordagem psico-fisica, e aqueles que atri­buem condicionalismos de ordem cultural aos fenómenos do gosto por determinado tipo de intervalos e melodias (2). Os estudos mais recentes feitos no domínio da teoria da apren­dizagem musical parecem contudo reforçar esta segunda abordagem (3), tornando especialmente significativas as prá­ticas culturais onde a música intervém.

Nada do que atrás foi dito seria muito relevante para a presente reflexão, se a missa dominical não fosse actualmen­te frequentada na Diocese de Leiria-Fátima por 56,1% da população (cerca de 145.860 pessoas) (4). Isto quer dizer que, todas as semanas, distribuída pelas 373 missas dominicais, mais de metade da população da nossa diocese participa nu­ma celebração de uma hora, ao longo da qual a música ocu­pa um lugar de grande destaque.

A regularidade na frequência à missa, e a grande quan­tidade e diversidade de repertório nela interpretado, faz com que exista um corpo de, pelo menos, 100 melodias, que per­manecem vivas em todas estas pessoas, e que por elas são fá­cil e imediatamente identificadas. Estamos pois perante um largo património musical colectivo muito específico, perma­nentemente posto em prática. Mais importante é o facto de as crianças começarem a assistir à missa desde muito no­vas. Quando ainda não lhes foram ensinadas na escola as primeiras canções, quando ainda não conhecem as lengalen-

2. LUNDIN, R.W.,An Objective Psychology o(Music, 21 ed., The Ronald Press Company, Nova Iorque, 1967.

3. GORDON, Edwin, Learning Sequences in Music, Chicago, GIA Publica­tions, 1993. GORDON, Edwin, The Nature Description, Measurement and Evaluation of Music Aptitude, Mainz, Schott, 1986

4. Valores provisórios obtidos pelo inquérito realizado pela Comissão Cen­tral do Sínodo Diocesano.

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

gas infantis, estão já expostas a géneros e formas musicais tão complexas como as que acontecem na celebração da li­turgia eucarística. É certo que em casa estão igualmente ro­deadas por espaços acústicos diversos, particularmente a rádio e a televisão, porém, com significados muito diferentes deste "espectáculo ao vivo" que também é a missa, no qual todos participam activamente.

Porém, o papel da música e do canto nas celebrações da Igreja ultrapassa em muito a sua dimensão litúrgica. Não bastasse essa sua importância celebrativa, só por si a mere­cer a maior das atenções, tem ainda uma função pedagógica e cultural de enorme relevo. Por isso acresce a responsabili­dade da Igreja na composição, preparação e interpretação da sua música. Não se pense que as consequências do nível mu­sical praticado nas nossas igrejas se fazem sentir somente em celebrações mais ou menos dignas, pois têm resultados culturalmente muito mais amplos.

O canto litúrgico é um dos principais meios de Formação Musical das pessoas da nossa diocese. Esta formação dá-se não só com a tomada de consciência, pelo contacto directo, de estruturas melódicas e princípios interpretativos, mas tam­bém pelo facto de todo este processo ser simultâneo ao acto de cantar. O canto ainda é, na nossa cultura, a forma mais imediata e completa de fazer formação musical. Para mui­tos, os momentos cantados nas missas de Domingo vieram substituir, ou permanentemente relembrar, a disciplina exis­tente no antigo sistema educativo denominada Canto Coral. Ainda que por vezes limitativa, a prática de cantar em con­junto consiste num meio privilegiadamente potencial para fazer e ensinar música. Longe vão os tempos em que abun­davam as oportunidades para se cantar em grupo. A maior parte das actividades rurais que a isso se proporcionavam, como a apanha da azeitona, as vindimas, as escamisadas, as romarias e as festas tradicionais, quase desapareceram por

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

completo do nosso meio. Os "parabéns" nas festas de aniver­sário e o "Hino Nacional" em cerimónias desportivas são dos raros momentos onde ainda se canta em grupo. Parecendo contrariar esta tendência, as missas dominicais continuam a proporcionar regularmente o canto colectivo entre um con­junto muitíssimo diversificado de pessoas. Af não importam as condições sociais nem as idades. Melhor ou pior, todos do­minam uma enorme diversidade e complexidade de repertó­rio, que, dentro de determinadas regras, interpretam sem qualquer motivo de inibição.

A Missa: Alguns momentos históricos na sua música

Na história da "Música Ocidental Erudita" a palavra Missa pode designar a cerimónia litúrgica ou, mais frequen­temente, um género musical. Enquanto género musical, a missa é o conjunto das rúbricas do ordinário originalmente cantadas em Concentus, ou seja, com música própria para todo o texto: "Kyrie", "Gloria", "Sanctus", "Credo", "Agnus Dei", e por vezes "Ite Missa est". Datam do séc. XIV as pri­meiras missas como género musical, sendo a célebre "Messe de Notre Dame" de Guillaume Machaut, o primeiro conjun­to conhecido das rubricas do ordinário tratadas polifonica­mente, escritas por um só compositor com uma aparente unidade estilística, e por isso, considerada a primeira de to­das as missas (5). Até aí para se cantar uma missa, além do Canto Gregoriano, a prática corrente era a de escolher de di�

ferentes fontes cada uma das rúbricas necessárias. Então, os compositores escreviam "Kyries" ou "Glorias", mas não pensavam na missa como uma sequência musical coerente e

5. REESE, Gustave, Music in the Middle Ages, Nova Iorque, Norton, 1940, pp. 356.

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inalterável de cada um desses momentos, ao contrário do que passou a verificar-se depois do sec. XIV. Estamos no início da época nobre da polifonia vocal religiosa. Os compositores dos séculos XV, XVI e XVII, particularmente dos dois primei­ros, foram os que mais missas escreveram. Porém, com o de­correr dos séculos XVIII e XIX, a Igreja - as suas instituições de ensino, os seus compositores e intérpretes - deixa de li­derar a criação musical erudita ocidental. A Corte e a Bur­guesia tomaram o seu lugar. Assiste-se então a um afastamento da missa enquanto género musical da celebra­ção litúrgica que lhe deu origem.

Na actualidade vivemos muito mais próximos das práticas anteriores ao séc. XIV. Entenda-se: não existem missas compostas como um todo, simplesmente existem li­vros de cânticos "avulso", de onde se escolhem com mais ou menos critérios as rúbricas do próprio e do ordinário, sendo o resultado final um todo sem aparente relação musical en­tre si. Também não são as rúbricas do ordinário que mais preocupam os coros paroquiais, mas sim as do próprio: "En­trada", "Salmo", "Aleluia", "Ofertório" e "Comunhão", para além dos cânticos de "Acção de Graças" e "Final". Facilmen­te se verifica porquê: a preocupação não reside em aspectos puramente musicais, mas sim na adequação dos textos dos cânticos às respectivas leituras do dia. Hoje, na generalida­de da Igreja Católica e particularmente na Igreja Portugue­sa, já não se compõem "Missas" nem mesmo música sacra, escrevem-se cânticos para determinados momentos ou para determinadas celebrações.

A Diversidade de Estilos

Nos finais dos anos 70 e inícios da década de 80, um pou­co por todo o país, os cânticos da missa acusam uma grande

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influência da música profana (embora em determinados mo­mentos da história a música religiosa seja menos permeável a influxos das práticas musicais profanas, é permanente es­ta influência mútua). Este fenómeno deveu-se em grande parte á Revolução do 25 de Abril de 1974. O país passou a ter acesso e a manifestar interesse por uma maior quantida­de e diversidade de géneros musicais, e, neste contexto, tem particular significado a procura de uma música tradicional portuguesa por parte de grupos de revificação e divulgação de práticas musicais consideradas em vias de extinção. Si­multaneamente, assistimos no nosso país a uma "liberaliza­ção" da prática musical nas missas, com um lugar muito mais participativo das camadas jovens nos grupos corais, en­tretanto também mais motivados para a sua responsabili­dade litúrgica. Esta liberalização, mais evidente em dioceses como Aveiro e Setúbal, também se dá na então Diocese de Leiria com o uso frequente de instrumentos característicos da música profana (como as guitarras eléctricas e as bate­rias) bem como com a inclusão de linguagens consideradas pela Igreja como não litúrgicas (um pouco o que havia acon­tecido nos anos 60 por toda a Europa). É uma época onde é frequente não se distinguir cântico litúrgico (música e texto escritos especificamente para um momento da Santa Missa ou do Ofício Divino) de canção religiosa (música em qualquer estilo sobre um texto de temática religiosa, escritos normal­mente para encontro.s de convívio e frequentemente disponí­veis no mercado discográfico). Em toda a nossa diocese as canções do Pe. Zezinho (o conhecido autor brasileiro de mú­sicas e textos para jovens) divulgadas em disco e cassete, e pelo cancioneiro Canta Amigo Canta (6), são frequentemen-

6. Padre JOSÉ AUGUSTO (coleccionador), Canta Amigo Canta, 3ª ed., Mis­sionários Combonianos ed., Coimbra, 1975.

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te utilizadas nas missas de então. Da mesma forma encon­tramos a utilização de espirituais negros, melodias de can­ções populares norte americanas, muitas vezes com novos textos que nada têm a ver com os originais. Algumas destas adaptações ainda hoje se cantam em paróquias da nossa dio­cese.

Com o abrandar dessa grande dinamização das chama­das músicas popular e tradicional, na 2ª metade da década de 80, os cânticos das celebrações na Diocese de Leiria-Fá­tima voltam a aproximar-se daquilo que é reconhecido pela Igreja Diocesana como um estilo mais litúrgico, ainda que seja extremamente complexo definir este estilo sem um es­tudo aprofundado do tema (1). Adiante daremos algumas re­ferências mais específicas sobre esta classificação.

Também não podemos desprezar os "cantos tradicionais" que algumas paróquias ainda cantam em tempos litúrgicos específicos. Seja no Advento e Natal, ou Semana Santa, ca­da comunidade guarda ainda lugar para determinados can-

7. Introdução à colectânea de Cânticos mais utilizada na Diocese: . . . É por de· mais evidente que nem todos os cânticos, mesmo de mensagem cristã, se ajustam a este conjunto de funções pr6prias do canto litúrgico. É que estas têm implicações ao nível da melodia e do texto. Há por aí, em uso nas cele· brações eucarísticas, muitos cânticos que não se coadunam minimamente com o espírito que as deve animar. A "Assembleia Viva" tem como finali· dade retomar o que de melhor se publicou entre n6s, ao n[vel do canto li· túrgico, quer num passado recente quer num passado um pouco mais remoto, contribuindo para a dignificação das nossas celebrações litúrgicas e para expurgar delas os cânticos que não se ajustam às características aci­ma indicadas. Pretende ainda criar unidade ao nível da letra. (Alguns cân· ticos aparecidos originalmente noutras línguas, são cantados entre n6s em várias versões, dando origens a situações de confusão e mal estar, quando cantados em encontros com elementos de várias comunidades, usando ver­sões diferentes). SECRETARIADO DIOCESANO DA CATEQUESE, As· sembleia Viva, Seminário de Leiria, s.d.

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tos, mantidos na tradição oral por algumas pessoas, e para os quais não se encontram músicas nos livros conhecidos e utilizados pelos grupos corais. De entre estes destacam-se alguns "cantos para as almas", comumente ouvidos nas mis­sas de "Sábado de Aleluia". Temos também como exemplo do encontro entre as tradições oral e escrita, a festa de Nossa Senhora do Fetal na freguesia do Reguengo, na qual se can­tam ladaínhas em forma responsorial entre a banda filar­mónica que faz a festa e algumas mulheres da terra que mantêm esta tradição. As filarmónicas que aí se deslocam vão passando entre si as partes instrumentais e vocais ne­cessárias, sem saberem muito bem a sua origem, enquanto algumas mulheres da terra lideram as respostas que toda a assembleia dá aos filarmónicos. As ladaínhas cantadas no Reguengo Fetal parecem ser uma adaptação de uma possí­vel ária de ópera, não tendo qualquer relação com os tons salmódicos gregorianos normalmente utilizados, nem com uma possível adaptação de música popular.

Contudo, para além dos diferentes estilos musicais dos cânticos que temos vindo a abordar, sejam eles popular, tra­dicional, adaptação, litúrgico, etc., outros momentos musi­cais substancialmente diversos existem na missa. Falamos do ordinário que recorre ao Canto Gregoriano. ((A Igreja re­conhece como canto próprio da liturgia romana o canto gre­goriano . . . " (8). É frequente, de maneira particular nos dias festivos, mas não só, que o celebrante cante algumas rúbri­cas com as fórmulas do canto gregoriano, e que imediata­mente têm resposta de toda a assembleia. Aquele que é ainda hoje o canto oficial da Igreja, mesmo não sendo utili­zado na totalidade da missa, continua activo nas nossas ce­lebrações.

8. Concílio Ecuménico VATICANO II, SC 116.

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A enorme riqueza e o cuidado da criação musical na Igreja de séculos passados podem suscitar interessantes es­tudos de ordem musicológica, mas, como podemos observar, a missa deste fim de século não deixa de nos oferecer um complexo e muito diverso conjunto de elementos musicais, que igualmente apelam por uma análise cuidada. Numa aná­lise musical da Missa dos nossos dias deve ainda ter-se em conta que apesar da nossa diocese apresentar alguma uni­formidade celebrativa, é constituída por comunidades mui­to distantes geográfica e culturalmente, e, por isso, as missas e o canto em cada uma das paróquias assumem caracterís­ticas muito diferentes.

Outras Dimensões Musicais da Missa

Antes de mais a noção de tempo, ou de tempos. Devemos começar por considerar um "tempo longo" - a duração de to­da a missa, e diversos "tempos curtos" correspondendo a ca­da uma das rúbricas que a constituem. As nossas missas dominicais têm uma duração muito regular, aproximada­mente de uma hora. Aprendemos por isso a sentir este tem­po longo como o normal, ainda que nas missas semanais e em determinados momentos festivos possa ser, respectiva­mente, menor ou maior. Existem depois, dentro deste, tem­pos curtos, o maior dos quais é normalmente o da homilia. No decorrer do tempo longo alternam muitas "texturas sonoras", e dizemos texturas sonoras porque a análise musical da ce­lebração da missa vai muito para além do canto. Temos a voz do celebrante falada a solo (homilia, etc.), a voz do celebran­te cantada a solo (momentos diversos), as vozes da assem­bleia faladas a solo (leituras, oração dos fiéis), a voz da assembleia cantada a solo (salmo, aleluia), o coro a solo Clº refrão e versículos da generalidade dos cânticos) e em conjun-

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to com a assembleia. Esta ainda recita em conjunto e respon­de recitando e/ou cantando ao celebrante, e todas as rúbricas cantadas podem ou não ser acompanhadas por órgão ou ou­tros instrumentos. Existe finalmente a música instrumental pura, com órgão solo ou a acompanhar instrumentos.

Todas estas texturas sonoras alternam entre si, confe­rindo no seu encadeamento um equilíbrio próprio ao tempo longo da celebração. Em cada comunidade existem igual­mente andamentos específicos para cada tempo curto, seja um tempo cantado ou recitado. É comum encontrarem-se em diferentes paróquias interpretações do mesmo cântico com andamentos substancialmente distintos, e também to­das as comunidades conhecem o incómodo de ter um cele­brante novo que altere, ainda que ligeiramente, o andamento da recitação do Credo ou do Pai Nosso.

Por tudo isto, a celebração da missa tem um equilíbrio formal e uma pulsação muito próprios que a história apurou ao longo dos séculos. Só nos damos conta desse equilíbrio quando algum dos tempos é alterado. O andamento dos tex­tos recitados é sempre regular em cada comunidade, ainda que admita ligeiras alterações. Como exemplo, a recitação e interpretação do Credo pode variar numa assembleia, em função da maior ou menor brevidade da homilia que o ante­cede, bem como pelo conteúdo e carácter da mesma.

Abordando ainda e só os momentos recitados, sejam mais curtos, como as breves respostas ao celebrante pela as­sembleia, ou mais longos como o Glória ou o Credo, note-se que o andamento e o ritmo destes momentos são criados e in­terpretados colectivamente. Um novo celebrante pode ten­tar condicionar e alterar o andamento de recitação de uma comunidade, mas quando tal acontece assistimos a um enor­me desequilíbrio na assembleia, com a sobreposição daque­les que mesmo perturbados procuram seguir o celebrante, e os outros que não conseguem ou simplesmente não o querem

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fazer. Em cada comunidade existe ainda um conjunto maior ou menor de pessoas que normalmente lidera a assembleia iniciando as recitações, marcando com isso o andamento de recitação, mas nunca o fazendo fora da média ponderada de todas as pessoas. Este andamento não só é aferido na reci­tação dos textos da missa, como também em outras celebra­ções comunitárias, assumindo aqui particular destaque as récitas do terço comuns em todas as nossas comunidades.

Um outro aspecto igualmente importante nas rúbricas cantadas da missa é a sua relação com os tempos litúrgicos. A Música em si não se constitui como especificidade do tem­po litúrgico, isto é: aparentemente, os cânticos parecem es­tabelecer relação com a liturgia só através do seu texto literário, estando o texto musical desvinculado deste proces­so. Contudo, o grande corpo de melodias utilizadas distribui­-se por um ciclo anual. Havendo algumas melodias que permanecem activas ao longo de todo o calendário, existe, porém, uma grande percentagem que só se canta em deter­minado período do ano. Existem por isso edições de colectâ­neas de cânticos específicas para os principais tempos litúrgicos: o Advento e Natal, a Quaresma e a Semana San­ta. Este facto contribui para que se associem, de forma mais ou menos consciente, determinados cânticos às estações do ano em que são cantados. Quando o desconhecimento do cân­tico apropriado ou determinada cerimónia obrigam a recor­rer a um outro cântico, específico de um tempo litúrgico diferente, invoca-se de forma mais ou menos consciente não só o ambiente litúrgico a que originalmente pertence, como também muitos aspectos do quotidiano em que se verifica esse mesmo tempo litúrgico, como a temperatura, as chuvas, as colheitas, as programações televisivas, etc.

Assim, para além do tempo longo (a duração normal da missa, uma hora) e dos diversos tempos curtos, podemos ain­da considerar a existência de mais um tempo, corresponden-

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do a um ano, o tempo muito longo. Este tempo muito longo é, no que respeita à forma, a maior unidade de análise, relacio­nando-se de maneira mais ou menos evidente com cada um dos outros tempos, sendo a sua percepção alterada ao longo da idade. Uma criança que assiste à missa de todos os Do­mingos rapidamente se apercebe que há determinados textos e cerimónias que se repetem ano após ano. Igualmente veri­fica que para cada um desses momentos existem cânticos di­ferentes. No entanto, só ao fim de alguns anos litúrgicos percebe que nunca se canta o Aleluia na Quaresma e Sema­na Santa. Passa então a sentir esse ciclo como a estrutura mãe de toda a música litúrgica. Como numa espiral, os cân­ticos sucedem-se e renovam-se ao longo dos anos, mas cami­nham de Advento em Advento, de Páscoa em Páscoa, sempre num ciclo interpretativo muito preciso e pontoado pelos tem­pos litúrgicos mais importantes.

O Cónego Carlos Silva e o Santuário de Fátima

Na nossa diocese a música litúrgica é marcada por duas forças polarizadoras complementares, que traçam os seus principais critérios de criação e interpretação: Carlos Silva e o Santuário de Fátima.

É essencialmente enquanto compositor que o cónego Carlos Silva marca não só a música litúrgica da diocese bem como a de todo o país. Apesar de não ser um compositor ex­cepcionalmente activo, as suas obras ocupam um lugar de grande destaque no livro de cânticos actualmente mais uti­lizado pelos coros paroquiais de L�iria-Fátima, Assembleia Viva. (Note-se que pertence a este livro a numeração dos cânticos para a missa de cada Domingo semanalmente di­vulgados e aconselhados r.alos órgãos diocesanos de comu­nicação social). De um universo de 394 melodias, o autor

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mais representado é o Padre Manuel Luís - 25,1% (9), segui­do de Carlos Silva - 2 1,3%, adaptações de autores estran­geiros - 9,3%, Cón. Ferreira dos Santos e C. Gabarain com o mesmo valor - 3,0%, e distribuindo-se a restante percen­tagem por mais de 30 autores (1°).

Compositor %

Manuel Luís 25,1%

Carlos Silva 2 1,3%

Adaptações de autores estrangeiros 9,3%

Ferreira dos Santos 3,0%

C. Gabarain 3,0%

Outros 38,3%

Distribuição percentual dos principais compositores re­presentados no livro de cânticos "Assembleia Viva"

Muitos dos cânticos de Carlos Silva, porque cantados regularmente (alguns há mais de 20 anos) em praticamente todas as paróquias da diocese, entraram já na categoria da­queles cânticos litúrgicos que qualquer assembleia, mesmo

9. Este valor deve-se essencialmente ao facto de todos os salmos pertencen­tes aos 3 anos litúrgicos, anos A, B, e C, estarem musicados pelo Pe. Ma­nuel Luís.

10. Estas percentagens têm por base um único livro de cânticos, pelo que, na prática, estes valores não são regulares ao longo de todo o ano, e poderão não coincidir em todas as paróquias.

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sem o auxílio de um livro, canta de cor versículo após versí­culo. São os cânticos processionais, particularmente os de "comunhão" e "entrada", que mais parecem motivar o com­positor. A temática mais frequente parece ser a "mariana", o que não deixa de ter uma relação com a proximidade do Santuário de Fátima. A sua escrita caracteriza-se pela ên­fase na frase, sem muito lugar para versões ou mom')ntos polifónicos, que, quando existem, não são muito elaborados. A ausência de polifonia na obra de Carlos Silva deve-se em parte ao facto de este compositor não ter tido uma formação musical em instituições que se enraízam na polifonia euro­peia erudita ou na música coral-sinfónica, como aconteceu por exemplo com uma outra figura da música litúrgica na­cional, o Con. Ferreira dos Santos, do Porto. Contudo, é bom referir que Carlos Silva escreve exclusivamente para coros paroquiais, cuja preparação e nível técnico impossibilitam a prática de repertório que vá muito além de uma melodia com um ou outro momento a 2 ou 3 vozes. Talvez por isso, Carlos Silva soube apurar uma fluência melódica muitíssimo equi­librada, que se baseia essencialmente no sistema tonal, ain­da que, com muitos momentos híbridos de modalidade e· tonalidade. Escreve exclusivamente para voz. Melodias sim­ples, construídas sobre graus conjuntos, sem grandes con­trastes; ritmo condicionado pela palavra, com utilização frequente de compassos mistos (2/4 - 3/4); raros momentos contrapontísticos, quase sempre em cánon. São estas algu­mas das características gerais da escrita de Carlos Silva, e, por inerência, são também estas que constituem a principal referência de música litúrgica na Diocese.

Como responsável musical e :'llaestro titular do coro da Sé Catedral (lugar que ocupa há duas décadas) dirigindo e ensaiando a assembleia nas principais cerimónias realiza­das em Leiria e no Santuüio de Fátima, Carlos Silva tam­bém estabeleceu ao longo destes anos os principais critérios

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interpretativos da música litúrgica, naturalmente adopta­dos pelos responsáveis dos coros paroquiais. Com um gosto particular pela voz e pelo acto de cantar, é a dimensão pura­mente vocal que mais procura. Privilegia o repertório que menos referências tenha com uma escrita instrumental, com frases longas e linhas melódicas em que se exploram de for­ma especial as curvas ascendentes. O órgão na celebração li­túrgica nunca tem um lugar de solista, sendo sempre entendido como um suporte e apoio da voz.

A influência de Carlos Silva verifica-se ainda no lugar que ocupa como principal responsável pelo ensino de músi­ca no Seminário Diocesano, e pelas funções que desempenha nas celebrações litúrgicas da reciclagem do clero. Deste mo­do, todos os jovens sacerdotes da diocese que tenham estu­dado no nosso Seminário acusam, inevitavelmente, as ideias estilísticas e interpretativas do professor Carlos Silva. Mes­mo que diferentes influências existam num ou noutro páro­co, numa ou noutra paróquia, está salvaguardada uma unidade estilística facilmente verificável na mais remota ca­pela da diocese.

Deve também notar-se que o estilo na escrita de Carlos Silva está muito próximo do de Manuel Luís, e, por isso, sen­do dois dos principais autores nacionais, verifica-se a defi­nição e entendimento de um determinado estilo de música litúrgica, distinto do utilizado por outros compositores tam­bém importantes na actualidade, essencialmente pela au­sência de pensamento harmónico e orquestral. Ficam por estudar as razões que estão na base da formação destes es­tilos, e o porquê do lugar ocupado por Carlos Silva.

Num outro nível de análise, o Santuário de Fátima é o grande ponto de referência para a música litúrgica de toda a nossa diocese. Aí se realizam algumas das maiores cele­brações não só de Portugal como do mundo. Aí convergem e

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se confrontam as práticas musicais de todas as dioceses do país. Quem dirige a assembleia em todas as grandes cele­brações é Carlos Silva. Os elementos que constituem o coro nos dias festivos principais são recrutados entre os semina­ristas e coralistas de Leiria-Fátima. O director do coro é um padre da diocese, e o repertório escolhido (para além do es­pecífico das cerimónias da Cova da Iria) não difere do prati­cado em cada uma das suas paróquias. A grande diferença reside na dimensão da assembleia.

Quem assiste à missa de uma grande peregrinação em Fátima é envolvido por uma "projecção sinfónica" dos cânti­cos simples que conhece da sua paróquia. É essa projecção que legitima a grandiosidade que se espera do canto divino. O actual canto litúrgico é simples na sua concepção, prati­cado por coros tecnicamente mal preparados, dirigido por pessoas sem a necessária formação musical e litúrgica, acompanhado por organistas diletantes, mas quando trans­posto para um grande espaço, quando partilhado por assem­bleias de duzentas ou trezentas mil pessoas, adquire uma nova dimensão, projecta-se para além de uma análise pura­mente musical.

O enorme recinto em que acontecem as grandes celebra­ções na Cova da Iria é também a razão de algumas das mais interessantes particularidades do nosso canto. O sistema de amplificação do som e o eco provocado pelas superfícies la­terais, implicam que a palavra e a voz sejam emitidos em tempos muito lentos, sob pena de não serem percebidos. O resultado é um "arrastar" no andamento dos cânticos, que depois é importado para as pequenas assembleias paro­quiais, onde tal não tem nenhuma justificação acústica, mas que naturalmente passa a constituir uma das principais ca­racterísticas interpretativas do cântico litúrgico da nossa diocese.

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A missa das grandes celebrações no Santuário de Fáti­ma, dada a sua grandiosidade, a sua projecção cultural, so­cial e política, constitui-se como a principal de todas as referências para a generalidade das nossas práticas cele­brativas. Na paróquia, o que podia ser entendido como um capricho do pároco ou uma teimosia da hierarquia da Igre­ja, como cantar gregoriano em latim, torna-se normal na Cova da Iria. Justifica-o a presença fisicamente muito pró­xima de múltiplas línguas e povos. Aliás, alguns dos prin­cipais momentos onde autenticamente se unem todos os presentes na celebração acontecem quando toda a assem­bleia canta. É por isso grande a responsabilidade musical que o Santuário de Fátima tem não só para com a nossa dio­cese, bem como para com todo o mundo católico. Não caben­do na presente reflexão a prática musical no Santuário de Fátima, que em si urgentemente justifica um estudo mui­tíssimo cuidado, deve sublinhar-se a influência que tem em todas as celebrações diocesanas.

Porquê São Gregório?

Chamamos ao canto oficial da Igreja Romana de "Grego­riano", não porque a grande figura do Papa Gregório I (590--604) tenha muito que ver com esse canto. Note-se que haviam passado 3 séculos sobre a sua morte quando começou a chamar-se gregoriano ao canto litúrgico (11). Mas existem razões muito válidas para que tal aconteça. Havia então que legitimar a prática de um só canto em toda a europa medie­val ainda litúrgica e musicalmente espartilhada, e nada me­lhor que invocar a figura de um dos primeiros grandes

11. HOPPIN, Richard H., Medieval Music, Nova Iorque, Norton, 1978, pp. 42.

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responsáveis da unificação dos diferentes ritos em uso nos séculos iniciais da Igreja Cristã. A figura de Gregório I logo aparece a escrever a música que o Espírito Santo em forma de pomba directamente lhe dita ao ouvido, e por isso o canto litúrgico passa a ser considerado como sendo da sua autoria e recebe o seu nome. É hoje claro que nenhum dos actos de São Gregório tem directamente que ver com a música "per se", o que o motivava era exclusivamente a construção de um rito único em todo o mundo cristão. Neste sentido, um dos seus maiores contributos para a música litúrgica foi o de com­pilar o Antifonário Romano.

Também por vezes se refere que São Gregório é o res­ponsável pela criação do coro da capela papal, a "Schola Can­torum". Contudo, sabemos que esta escola de cantores já existia há pelo menos 100 anos. O mesmo não se verificava noutras igrejas, onde o canto era executado por padres e diá­conos que tinham de fazer as suas formações vocal e musi­cal a expensas próprias. Por entender que esta situação não era justa, e consciente da importância da música e do canto para a vida litúrgica da Igreja, o Papa Gregório I não só man­dou que em todos os seminários romanos se ensinasse can­to e se criassem coros, como passou a subsidiar orfanatos com os mesmos objectivos. Este sim foi o principal contribu­to de São Gregório para a música da Igreja Romana (referi­ra-se de passagem que um dos momentos mais altos da polifonia religiosa em Portugal, os séculos XVI e XVII na Es­cola da Sé de Évora, é ainda consequência desta decisão do Papa Gregório I).

É muito o tempo que nos afasta desta atitude tomada pelo chefe da Igreja Romana de então, mas voltamos, em cer­ta medida, a partilhar as mesmas necessidades. Em Portu­gal, e particularmente na diocese de Leiria-Fátima, o nível musical praticado nas celebrações litúrgicas está muito abai-

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xo dos níveis das restantes componentes celebrativas. O diagnóstico é de tal forma grave que não se compadece com soluções pontuais. Sublinhe-se o facto de, para além da re­cém criada Escola Superior de Música Sacra do Porto, não existir no nosso país uma única escola de música litúrgica (apesar do esforço do Instituto Gregoriano de Lisboa em manter a prática do canto gregoriano em Portugal). Os coros paroquiais não têm qualquer preparação técnica. Não exis­te formação para coralistas e cantores solistas. Apesar da muita dedicação, os animadores musicais ou não têm forma­ção musical, ou não têm formação litúrgica, ou, na maioria dos casos, faltam-lhe ambas as formações. Não existem or­ganistas, e as poucas pessoas que, permanentemente solici­tadas, se desdobram a acompanhar as missas das nossas paróquias, tiveram ou têm uma aprendizagem que nada tem a ver com os requisitos qualitativos e estilísticos da celebra­ção litúrgica. O repertório não é renovado. Os sacerdotes não têm uma verdadeira formação musical. Não se fomenta a composição de novos cânticos. Não se exploram os poucos meios musicais existentes. Etc., etc,. etc.

As soluções não poderão ser muito diferentes das imple­mentadas por São Gregório, e confirmadas pelo Concílio Ecu­ménico VATICANO II. (( .. . Dê-se grande importância nos Seminários, . . . bem como noutros institutos e escolas católi­cas, à formação e prática musical. Para o conseguir, procu­re-se preparar também e com muito cuidado os professores que terão a missão de ensinar a música sacra. Recomenda­-se a fundação, segundo as circunstâncias, de Institutos Su­periores de Música Sacra. Os compositores e os cantores, principalmente as crianças, devem receber também uma ver­dadeira educação litúrgica" (SC 115). «Guarde-se e desen­volva-se com diligência o património da música sacra. Promovam-se com empenho, sobretudo nas igrejas catedrais, as ((Scholae cantorum" . . . (SC 114). ((Promova-se muito o can-

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to popular religioso . . . " (SC 118). ((Tenha-se em grande apre­ço na Igreja latina o órgão de tubos . . . podendo utilizar-se no culto divino outros instrumentos . . . " (SC 120). ((Os composito­res possuídos do espírito cristão compreendam que são cha­mados a cultivar a música sacra e a aumentar-lhe o património . . . " (SC 121).

Só uma intervenção a nível estrutural pode contribuir para que a música litúrgica não continue a perder vertigi­nosamente qualidade, e a ser cada vez mais a parente po­bre das celebrações. (( . . . A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras ex­pressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intima­mente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene . . . A Igreja aprova e aceita no culto divino todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades requeridas . . . " (SC 112). A nossa Diocese não pode eternamente adiar o sério investimento que tem de fazer nos diferentes domínios da sua prática musical.

Começando por seguir as determinações do Concílio Ecuménico VATICANO II, é necessário pensar num Curso Superior de Música Sacra em Leiria, que não pode existir sem escolas de música de nível secundário, que o antecedam com cursos já vocacionados para as práticas musicais litúr­gicas. São necessários directores de coro com uma formação litúrgica e musical que só um curso específico pode criar. Têm de ser formados coralistas e salmistas que se consti­tuam em "Scholae Cantorum". Os coros paroquiais deverão estar aptos a regularmente cantar nas missas dominicais o repertório mais comum, mas também a manter vivo o "te­souro de inestimável valor" que é a polifonia vocal religiosa, realizando concertos e participando em cerimónias parali­túrgicas onde esse repertório se possa integrar. Igualmente

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O QUE ANDA A FAZER S. GRBGÓRIO?l

devem poder cantar gregoriano, pois (( ... terá este ... na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar" (SC 116). É urgente a formação de organistas. Se a Igreja en­tender que não tem possibilidade de instituir e apoiar esco­las próprias, por ventura a opção mais eficaz e de maiores consequências no futuro, deve pelo menos diligenciar para que nas escolas de ensino oficial de música existam, à seme­lhança dos principais países europeus, cursos e variantes de música sacra com direito a diploma.

" ... Estimem-se as tradições musicais próprias . . . " (SC 119) da nossa região. O grande número de filarmónicas em todo o distrito de Leiria proporciona um conjunto muito di­versificado de instrumentos de sopro que deverão poder vol­tar a enriquecer a música litúrgica, à semelhança do que já aconteceu nos séculos XVI e XVII em toda a Península Ibé­rica. Elaborem-se versões dos cânticos actualmente em uso para diferentes combinações de instrumentos existentes nas filarmónicas, com 2 ou 3 níveis de dificuldade. Estimule-se a colaboração dos jovens filarmónicos com os coros paro­quiais.

A actual caminhada sinodal da diocese deverá também servir para sensibilizar as paróquias e os párocos do papel e significado da música e do canto nas suas celebrações. Este processo de renovação não pode ficar pelo diagnóstico e aná­lise da realidade existente, mas deve sugerir propostas con­cretas, disponibilizar projectos e meios, incentivar e apoiar as paróquias e os animadores mais interessados.

Estamos agora empenhados na aquisição de um órgão para a nossa igreja catedral. Sem dúvida que é importante ter um instrumento (( ... cujo som é capaz de dar às cerimó­nias do culto um éxplendor extraordinário e elevar podero­samente o espírito para Deus" (SC 120). Quem o vai tocar? Importa constatar que existem muitos órgãos de tubos em

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

Portugal, e que a esse nível o património organológico da Igreja não é pobre. O que também se verifica é um alto es­tado de degradação desse património, pela razão simples de ter deixado de haver quem os tocasse. Para manter um ór­gão em bom estado de conservação tem que se tocar nele re­gularmente explorando todas as suas potencialidades, o que normalmente não acontece com a harmonização dos cânti­cos das missas dominicais (0 grande órgão da Basílica do Santuário de Fátima e até o órgão do Seminário Diocesano são exemplos de instrumentos degradados essencialmente por não terem sido tocados). Se a Diocese não fizer um in­vestimento na formação de organistas proporcional ao que vai fazer na aquisição do instrumento, quando quisermos ouvir o nosso órgão teremos que chamar organistas de ou­tras dioceses, e não teremos órgão por muitos anos. Ter um bom órgão depende exclusivamente de questões técnicas e fi­nanceiras, o que não basta para ter bons músicos. O que pen­sa vir a investir a diocese para a formação de organistas e de cantores? Quem vai harmonizar os cânticos e cantar os salmos nas grandes celebrações diocesanas e nas peregrina­ções do Santuário de Fátima, estas transmitidas televisiva­mente para milhões de pessoas em todo o mundo? De onde poderão emergir mais compositores como Carlos Silva? Quem vai substituir o incansável Cónego José de Oliveira Rosa nos lugares de organista e carrilhonista da cidade? Quem está a escrever cânticos novos? Que lugar tem a mú­sica na nossa catequese infantil? Quem melhor poderá sal­vaguardar e manter viva a polifonia religiosa portuguesa? Quais as missas que deverão ser referência para os anima­dores musicais de todas as 73 paróquias? Quem vai ensaiar e dirigir os coros das nossas 373 missas dominicais? O que anda a fazer São Gregório?

Paulo Lameiro

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O QUE ANDA A FAZER S. GREGÓRIO?!

Post scriptum

A Igreja Diocesana não só é uma das principais forma­doras das nossas consciências musicais, pela prática das suas celebrações, como é ainda a entidade que através das festas religiosas mais música fomenta e produz. Repare-se que a festa religiosa é o principal mercado de actividade e base de sustento para os organismos musicalmente mais sig­nificativos da região: as "Filarmónicas", os "Ranchos Folcló­ricos" e os "Conjuntos de Baile". A nossa festa religiosa vive em torno destas 3 instituições musicais, cada uma com a sua linguagem, lugar e público mais ou menos bem definidos. É certo que os "artistas convidados" começaram a tirar o lugar que há alguns anos pertencia aos conjuntos, que por sua vez haviam substituído as filarmónicas no horário nobre da noi­te, mas ainda hoje, festa que não tem banda, rancho e con­junto, não é festa para a maioria da população.

Nas zonas do país onde perderam algum significado as festas religiosas parece verificar-se um menor número des­tes 3 tipos de agrupamentos, que também por isso passam a adquirir características muito distintas. Note-se que em todo o Concelho de Leiria, no ano de 1995, enquanto os sub­sídios dados pela Câmara Municipal aos seus 23 ranchos folclóricos e 10 bandas filarmónicas somam 9.950.000$00, estes mesmos agrupamentos terão recebido pela sua par­ticipação em festas religiosas um valor muito aproximado dos 30.000.000$00. É portanto a festa religiosa que verda­deiramente permite a continuidade destas formações.

P. L.

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RECORDANDO O TENENTE CAPELÃO ANTÓNIO LOURENÇO

Fui há dias, com minha mulher e três ilustres sacerdotes, os senhores cónegos Rosa, Perdigão e Américo, reitor do Semi­nário de Leiria, visitar uma Exposição Antoniana, presente ao público no Museu Municipal de Santiago de Cacém.

Dia maravilhoso de sol, realçando as belezas do Alentejo ainda verde, viagem serena, música gravada e uma conversa amena de interesse sempre crescente.

Às tantas fala-se de MACAU. Eu tinha recebido, havia pouco tempo, a revista portuguesa aí publicada e, como já es­tou em idade de recordações, veio, naturalmente, a evocação de dois Homens, que muito admirei e estimei: o Padre António Lourenço e o comandante da Marinha Mercante Filipe Freire.

Já lá vão 47 anos ( 1949), quando por esta altura, recém ad­mitido como médico do Quadro Permanente do Exército, sou mobilizado para Macau, como expedicionário. Os tempos eram dificeis e as perspectivas, quanto ao futuro, bastante sombrias. Basta recordar ter sido a época em que as tropas comunistas tomaram toda a China, expulsando os nacionalistas para a Formosa, etc., etc . .

Ao dirigir-me, então, em Leiria, à Secretaria Notarial, pa­ra passar uma procuração a minha mulher, vejo um tenente do Exército, fardado, com as insígnias de capelão. Era o P. Lou­renço. Apresentei-me. Soube que seria meu companheiro de viagem e iniciamos logo uma conversa franca e aberta.

Disse-me ser pároco na Maceira, já ter estado mobilizado em Timor, no tempo da 2ª. Guerra Mundial e estar oferecido pa­ra Macau.

- Oferecido ? perguntei-lhe. - Sim, respondeu. Sabe. Recebi dos meus superiores a

pergunta, se desejava oferecer-me, já que tinha uma experiên-

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RECORDANDO O TEN. CAP. ANTÓNIO LOURENÇO

cia positiva de contacto com as tropas, etc. e tal (não estava criada na altura a Capelania Militar nem se sonhava com Bis­po Castrense), e disse que sim. Depois acrescentou: faz-me muita diferença abandonar a paróquia nesta ocasião. Meti-me em obras e despesas que, em boa verdade, me obrigariam a não aceitar o convite. Mas, se não aceitar, pode a nomeação recair noutro colega, a quem faça mais transtorno que a mim. E, en­tão, ofereci-me.

Fiquei atónito, extasiado de admiração por aquela alma grande, que se referiu ao assunto, natural e simplesmente, co­mo se nada fosse.

Conquistou-me imediatamente. Fiquei logo seu incondi­cional admirador e amigo. Daí para a frente conversamos bas­tante, embora ele não fosse pessoa muito extrovertida e de palavra fluente.

Embarcamos a 15 de Julho, no velho Nyassa, que na sua última viagem, era comandado por Filipe Freire.

Seguiam na expedição três capelães militares: um capitão (chefe) e dois tenentes. O capitão, elemento destacado da Com­panhia de Jesus, era um intelectual, homem de gabinete e es­tudos profundos; outro era a antítese do chefe (foi mandado para a Metrópole na primeira oportunidade); o terceiro, o P. Lourenço, a harmonia perfeita, era a ligação entre os extremos.

AB conversas a bordo, nos primeiros dias, versavam sobre os porões carregados de munições e explosivos, o perigo de in­cêndio, as minas sobradas da Guerra que ainda flutuavam nos mares, já que falar de saudades da família era tabu, impróprio dos militares que se prezavam . . .

Uma noite, com luar e calmaria, em pleno Mediterrâneo, o bom do capelão e eu, encostados à amurada e voltados para o mar, conversávamos, conversávamos . . .

Às tantas, digo-lhe assim: - Sabes uma coisa, oh prior? Pôe-te a pau. Às tantas es­

ta porcaria vai toda para o charco e tu que tens estudos e sa-

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RECORDANDO O TEN. CAP. ANTÓNIO LOURENÇO

ber, se não chegas lá "Acima" com a escrita em dia e a alma la­vadinha, vais parar ao caldeirão. Para mim, que sou um igno­rantão, há outra tolerância.

Resposta imediata: as tuas imagens são grosseiras, mas, no fundo, a verdade é essa.

Na manhã seguinte, quando se sentou à mesa para tomar o pequeno almoço, inclinou a cabeça e caíu. Estava morto.

Éramos cinco médicos e tínhamos à mão todos os recursos da época, que aplicámos, mas foram baldados os esforços de o chamar à vida.

A morte, essa certeza que temos na vida, é sempre enca­rada com inconformismo e angústia. Mas, no alto mar, é pior, incomparavelmente pior.

Dia seguinte. Cerimónia fúnebre terrível. O corpo "encaixotado" numas

tábuas aparelhadas pelo carpinteiro de bordo. Param os mo­tores e o barco imobiliza-se. Ouve-se o silêncio do mar. Ceri­mónias religiosas desprovidas de qualquer grandiosidade. 'lbque a sentido. Silêncio.

Leitura do artigo da Ordem que abate o militar ao efecti-vo. Último aspergir da água benta . . . e é lançado ao mar.

Homens com lágrimas nos olhos. Corações que não cabem no peito. Os motores iniciam o trabalhar, o navio estremece e con­

tinua a sua rota.

Dois anos foram passados. Nada de muito grave acontecera e regressamos a Lisboa

no navicr-motor Timor, sob o comando de Filipe Freire, que ha­via prometido trazer-nos de regresso ao lar. E cumpriu. Era um homem extraordinário.

A memória humana é falível. A recordação do companheiro perdido desvanecera-se.

Nalguns, a maioria, desaparecera mesmo.

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RECORDANDO O TEN. CAP. ANTÓNIO LOURENÇO

Mas, o marinheiro, não. E, quando novamente no Mediterrâneo, passamos no pon­

to onde o corpo do Tenente Capelão havia sido lançado, o na­vio parou, um ramo de flores foi oferecido ao mar e celebrada uma missa. Que nobreza de sentimentos !

A. Moreira de Figueiredo

* * *

Natural de Alburitel, ao tempo freguesia de Seiça, António Lou­renço nasceu no dia 3 de Setembro de 1915. Matriculou-se no Semi­

nário de Leiria, em Outubro de 1927. Foi ordenado presbítero em 7 de Agosto de 1938. Seguidamente é nomeado prefeito e professor do

Seminário, acumulando estas funções com as de director diocesano

dos Cruzados de Fátima e redactor de "A Voz do Domingo".

Em Outubro de 1939 torna conta da paróquia de São João de Por­

to de Mós e de Alcaria. Em princípios de Maio de 1941 segue para Ca­

bo Verde, a acompanhar as tropas expedicionárias, corno capelão

militar. Daqui, na mesma missão, parte para Moçambique e Timor

donde regressa com a saúde muito abalada.

Em circuntâncias particularmente difíceis, corno refere na sua

bela evocação o Dr. António Moreira de Figueiredo, prestigiado mé­

dico e presidente da Assembleia Geral do Orfeão de Leiria, em 1949 parte para Macau, na sua última missão de serviço, a acompanhar

um contingente de tropas portuguesas. Antes, porém, fora pároco de

Maceira, onde prodigalizou benéfica acção pastoral, sobretudo junto

da classe operária da Empresa de Cimentos, em cuja área montou, a

expensas suas, urna tipografia.

Era irmão dos padres Joaquim Lourenço e Inácio Lourenço.

Joaquim Lourenço nasceu em Alburitel a 8 de Dezembro de

1905, o mais velho de cinco irmãos, filho de Domingos Lourenço, o fer­

reiro de Alburitel.

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RECORDANDO O TEN. CAP. ANTÓNIO LOURENÇO

Entrou para o Seminário em Outubro de 1919, com o seu conter­râneo Benevenuto, futuro pároco do Juncal, indo habitat o edifício jun­to à Fonte Freire. Foi um dos pimeiros alunos do Seminário, após a restauração da Diocese. Ordenado sacerdote em 30 de Março de 1929, é nomeado pároco da Mendiga. Em Agosto de 1932, encontra-se no Seminário das Missões, em Tomar, como director espiritual e profes­sor. Contagiado pelo ideal missionário, em Outubro desse mesmo ano, segue para a diocese de Cochim, Índia, onde permanece até 1944.

Criada a paróquia de Alburitel em 1946, é nomeado seu primei­ro pároco. No ano seguinte vai para Roma, onde, na Universidade Gregoriana se licencia em Direito Canónico. Em 1949 é professor do Seminário.

Quem não recorda as suas aulas "revolucionárias" de Direito Ca­nónico e Teologia Moral?! A anos de distância, já se podia considerar precursor da nova "alma" do Vaticano II. Nobre, fidalgo, serviçal, ami­go, soube conquistar a simpatia de quantos com ele privaram.

Em 1957 é nomeado reitor interino do Santuário de Fátima, car­go que abandona em 1959, por motivos de saúde. Capelão do mostei­ro da Faniqueira, Batalha, em 24 de Janeiro de 1963 é acometido de doença súbita que o vitima nesse mesmo dia.

Inácio Lourenço nasceu em 10 de Maio de 1909. Após a ins­trução primária, ingressa no Seminário das Missões, em Tomar. Cur­sa Filosofia e Teologia no Seminário de Bengalor, Índia. Recebe o presbiterado em Goa, a 3 de Abril de 1937. Desenvolve intensa acti­vidade missionária no Padroado Português do Oriente, particular­mente em Meliapor e Madrasta. Teria estado em Singapura, em 1949, para, a bordo do Niassa, abraçar o irmão António que ali vinha, ao que julgava, a caminho de Macau . . . mas ele havia ficado sepultado, dias antes, nas águas mediterrânicas.

Alquebrado de forças físicas que não de ânimo pastoral, re­gressou à Metrópole em 1960. Em Outubro desse ano, aceita paro­quiar Maiorga, Alcobaça. E desde 13 de Julho de 1963, no cemitério de Alburitel, dorme o sono dê.. paz, ao lado do seu irmão, padre Joa­quim.

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR NA ALTA ESTREMADURA

Quaresma

Em mais de trinta anos de incursões pelos campos da etnografia da Alta Estremadura, sobretudo da paróquia da Batalha, tentei recolher elementos que me elucidassem so­bre as práticas populares religiosas, práticas por vezes um tanto à margem das institucionais como versões que, embo­ra mantendo fidelidade à Igreja, se adaptavam e eram ex­pressão da maneira de ser das populações locais, revelando frequentemente seculares aspectos distintivos.

Por motivos que nunca cheguei a apurar, mas a que tal­vez não tivesse sido estranha a influência da Ordem Domi­nicana, a viver durante quatro séculos e meio no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, a Quaresma foi sempre muito sentida e celebrada pelos batalhenses, dando-me ideia de que era a manifestação religiosa popular, por excelência, des­ta paróquia.

Durante a quadra, nos campos, no regresso do trabalho e na caminhada das aldeias e lugares até ao Mosteiro ou à Igreja Matriz e de volta a essa, grupos de naturais da paró­quia entoavam vários cânticos adequados a este período do­loroso de quarenta dias, que decorre entre a Quarta-Feira de Cinzas e o Domingo de Páscoa.

O povo que cantara alegremente o resto do ano, quan­tas vezes com chiste e brejeirice, tornava-se agora solene e cada verso, alusivo à Paixão do Senhor, era entoado de for­ma dolorida como se a alma e a voz populares sustentassem e sofressem as chagas de Cristo.

"As Cinco Chagas", "As Doze Excelências", "Os Versos da Paixão", "O Filho Pródigo", "O Peditório das Almas" ou

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----------- DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

"Almas Santas" e "Bom Jesus do Calvário" são alguns dos Cânticos que ressoavam - é o termo - pelos vales e outei­ros desta freguesia da Exaltação da Santa Cruz. De dia uns tantos e , à noite, quebrando de forma impressionante o si­lêncio das aldeias e da vila, todos eles, e quantos não se te­riam perdido, já, neste século de uniformização e de extinção de culturas?!

Registei-os na maior parte, com a ajuda de conterrâ­neos também empenhados na salvaguarda dos nossos valo­res distintivos, mas neste apontamento dou apenas fé daquele que considerei o mais expressivo e, não obstante não ser único no tema, e até em diversas quadras, no nosso Pais, também dos mais originais.

Trata-se do BOM JESUS DO CALVÁRIO.

Entoado por dois grupos mistos, um cantando uma qua­dra e o outro repetindo-a, o que levava o seu tempo (talvez mais de uma hora), era cântico essencialmente da caminha­da entre o Mosteiro e o adro da aldeia, onde já noite alta se terminava. E era pecado, começado, não se terminar.

I

Jesus que estais no Calvário, Tendo-la cruz d'oliveira Sendo o mais lindo cravo Que nasceu entre a roseira.

II

Vosso nome é tão lindo, Vosso nome tão lindo é, É por isso <.,. ue se nomeia Senhor a Jesus de Nazaré.

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

III

Vossos divinos cabelos, Mais finos que o fino ouro, Dai-me licença, Senhor, Que entre no Vosso Tesouro.

IV

Vossa sagrada Cabeça, Toda coroada de espinhos, Por amor dos meus pecados Passou Deus tantos martírios.

v

A Vossa divina Testa, Mais alva que a neve pura, Por amor dos meus pecados Passou Deus tanta tortura.

VI

Os Vossos Divinos Olhos, Inclinados para o chão, Por amor dos meus pecados Passou Deus tanta paixão.

VII

As Vossas divinas Barbas, Arrancadas aos puxões, Por amor dos meus pecados Passou Deus tantas paixões.

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------------ DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

VIII

A Vossa divina Face, Cheia de escarros nojentos, Por amor dos meus pecados Passou Deus tantos tormentos.

IX

Os Vossos divinos Lábios, Mais roxos que os roxos lírios, Por amor dos meus pecados Passou Deus tantos martírios.

X

A Vossa divina Boca, Vinagre e fel amargoso, Perdoai os meus pecados Meu Jesus todo poderoso.

XI

Vosso divino Pescoço, Enleado com um cordão, Por amor dos meus pecados Passou Deus tanto paixão.

XII

Os Vossos divinos Ombros Encostados a um madeiro, Perdoai os meus pecados Ó meu Jesus Verdadeiro.

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

XIII

Os Vossos divinos Braços Estão abertos, liberais, Ai de mim! Não tenho nada, Vós, Senhor, tudo me dais.

XIV

As Vossas divinas Mãos, Estão pregadas numa Cruz, Perdoai os meus pecados, Perdoai-me, ó Bom Jesus!

XV

O Vosso divino Peito Foi aberto com uma lança, Entrai minha alma por Ele, Senhor, dai-me confiança!

XVI

Vossa divina Cintura, Enleada com uma corda, Perdoai os meus pecados, Bom Jesus, Misericórdia!

XVII

Vossos divinos Joelhos, Todos ensanguentados De joelhar por terra Até ao Monte do Calvário.

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----------- DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

XVIII

Os Vossos divinos Pés, Mais claros que a neve pura, De passar rios de sangue Pelas ruas d'amargura.

XIX

Pelas ruas d'amargura, Pelas ruas da tristura, Onde não há Sol nem Lua, Nem claridade nenhuma.

XX

Ó que ditosa Mulher Foi aquela do Calvário, Que limpou as Cinco Chagas Do Senhor, Santo Sudário.

XXI

Tates, tates, Madalena! Não me trates de limpar, Estas são as Cinco Chagas Que por mim hão-de passar.

XXII

Com toda a veneração S. João baptizou a Cristo E Cristo a São João. Ambos foram baptizados Lá no rio do Jordão.

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

XXIII

Ouvi um ai no Calvário, Ai, Jesus, o que será? Estão a crucificar Cristo, Filho da Virgem Maria.

XXIV

Ouvi um ai no Calvário, Ninguém me diz o que é, Estão a crucificar Cristo, A Jesus de Nazaré.

XXV

Ouvi um ai no Calvário, Ai, Jesus, o que será? Estão a crucificar Cristo, São ais que o Senhor dá.

XXVI

Estas tantas pretensões A Vós, Senhor, as entrego, Quando deste mundo for Que me tenha o céu aberto.

XXVII

Que me tenha o Céu aberto, Ó meu Deus e meu Jesus, Que me tenha o céu aberto Para sempre, amen Jesus.

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----------- DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

XXVIII

Está acabado, está acabado, Senhor bendito, louvado, Está acabado, acabou-se, Senhor bendito, louvou-se.

XXIX

Está acabado, está acabado, Ó meu Deus e meu Jesus, Está acabado, está acabado, Para sempre, amen Jesus!

A encamisada

Rigorosamente encamisada (que nada tem a ver com as descamisadas do milho) quer dizer: mascarada.

Mas vamos saber o que o povo da aldeia da Rebolaria, lugar de saborosas tradições e que quase toca a vila da Ba­talha tão perto está da sede do concelho e de freguesia, en­tende por esta encamisada.

Na noite de sexta-feira que antecedia o Domingo consa­grado à festa de Santo António, orago da sua capela, o tau­maturgo tão querido do nosso povo e cujo oitavo centenário do nascimento ocorre este ano e por isso irá ter celebração renovada na citada aldeia, normalmente o mais próximo de 13 de Junho, a população local iluminava a povoação e os lu­gares anexos (Arneiro-Crasto, Forneiros e Casal do Alho) com centenas ou milhares de conchas de caracóis, transfor­mados em minúsculas lucernas, em que se colocavam azei­te e uma torcida e se dispunham, em imaginativos desenhos,

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

nas paredes e telhados, onde se grudavam com massa, e nos muros e janelas.

No adro da capela, desde os anos cinquenta uma nova capela, que a antiga, seiscentista, foi lamentavelmente de­molida, donde se disfruta uma vista admirável do vale do Lena, da vila e das serras de Aire e Candeeiros, descortinan­do-se ainda o castelo de Porto de Mós, formava-se então um cortejo composto por dois moços, dos seus 11 ou 12 anos, ves­tidos de anjo e montando burros brancos, com alguns acom­panhantes mais pequenos envergando o hábito franciscano, um rancho de tocadores de instrumentos de cordas, de flau­tas e de gaitas-de-foles, a partir dos fins do século passado substituídos por filarmónica, e por toda uma multidão que empunhava archotes.

Do cimo dos seus burricos, os anjos, logo à saída do adro e depois em pontos certos do percurso (de dois ou três quiló­metros), num costume tipicamente estremenho, deitavam as loas a Santo António, cada um por sua vez e passando, du­ma mão para a outra, um lenço branco com barra azul.

Além dos lumes dos caracóis, púcaros de pez e velas alu­miavam cada caminho e cada congosta, cada atalho e cada recanto da aldeia e lugares anexos.

Esquecida durante cinquenta anos, esta formosa mani­festação, simultaneamente popular e religiosa, um grupo de naturais da aldeia, com o apoio do seu centro recreativo, re­tomou a partir de 1982 e, embora irregularmente, tem-na mantido até hoje. Assim este ano, como não podia deixar de ser, faz-se gala em repeti-la, tentando dar-se-lhe todo o bri­lho doutros tempos.

As quadras que reproduzo, peça rica do nosso cancio­neiro, são da versão de 1933, da última vez, antes do seu restauro, que o povo deitou as loas. Por isso se diz nos ver­sos que Santo António "há setecentos e dois anos I este mun­do deixou".

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------------ DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

I

Com cânticos de alegria, Ditoso povo exaltai! Em honra de Santo António Nossos versos escutai.

II

Eis o glorioso Santo Bendito, Bendito por excelência, O exemplo das virtudes, Modelo da penitência.

III

E hoje, ilustre povo, Nesta santa freguesia, Em que se venera Santo António Na capela da Rebolaria.

IV

É hoje que aqui vimos Cumprir a nossa missão, António, Santo glorioso, Da portuguesa Nação.

v

António, Santo glorioso, Que ao mundo deu brazão, Três milagres portentosos, Fonte da maior consolação.

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DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

VI

Resplandeça o astro brilhante Na celeste região, Resplandeça só neste povo A mais santa devoção.

VII

É António Santo Português Que no mundo deu brado, Fez milagres sem limites, Foi por Deus abençoado.

VIII

Foi em Agosto, dia quinze, Dia de tão alto portento, Mil cento e noventa e cinco, O seu ditoso nascimento.

IX

O seu nome era Fernando Cheio de graça e doçura, Nascido de Teresa Taveira, De Lisboa feliz ventura.

X

Filho de Martim Bulhões, Mordomo da Casa Real, Com os mais altos destinos Na ditosa capital.

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----------- DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

XI

Ilustre no uso da razão, Fernando o nome mudou, Ficando a ser António Que Deus sempre abençoou.

XII

Crescendo a passo no estudo Com a religiosa tenção, Para ensinar aos pecadores O caminho da Salvação.

XIII

Estudioso excelentemente, Bem mostrou os seus afectos, Para combater heresias Até pregou nos desertos.

XIV

Fazia abrandar tempestades Com a bênção do Senhor, Acudia aos infelizes Com carinho e amor.

XV

Chamou os peixes à obediência, Fez milagres de feliz sorte, Veio de Pádua a Lisboa Livrar seu pai da morte.

157

DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR -----------

XVI

Na Itália em missão Em Pádua se achava, Um anjo lhe dá notícia Que seu pai se condenava.

XVII

Rezadas três Avé-Marias, Como António do púlpito pediu, Para livrar seu pai da forca De Pádua a Lisboa se dirigiu.

XVIII

O morto se levantou, O infeliz assassinado Com voz maviosa e triste Diz que Martim não é culpado.

XIX

Adeus queridos pai e mãe, Até ao Dia do Juízo Onde se dão estreitas contas No Purgatório ou no Paraíso.

XX

E vós, povo devoto, Que pisais a terra dura, Tenhais sempre crença, Lembrai-vos da sepultura.

158 _________________________ __

----------- DOIS TESTEMUNHOS DA RELIGIÃO POPULAR

XXI

Ainda hoje em Lisboa, Na capelinha de S. José, Se venera a sua imagem, Com a mais viva fé.

XXII

Há setecentos e dois anos Que este mundo deixou, Da idade de trinta e cinco anos Sua alma a Deus entregou.

XXIII

Fervorosos Lhe pedimos Nossos rogos de piedade Para nós e para todos Para toda a eternidade.

XXIV

Bendito seja António Que tantos milagres fez, Bendito seja para sempre O Santo Herói Português.

José Travaços Santos

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LEIRIA-FATIMA, publicação quadri­

mestral, que arquiva decretos e pro­

visões, divulga critérios e normas de

acção pastoral e recorda etapas Im­portantes da vida da Diocese.

Depósito Legal Ng 64587/93

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