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0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO Alagoinhas/BA 03 de outubro de 2012 JUCIMAR P. SANTOS LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURAS DOS PROF. INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO ALAGOINHAS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS

LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO

Alagoinhas/BA 03 de outubro de 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS

LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO

Alagoinhas - BA 03 de outubro de 2012

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JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS

LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS

PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural do Departamento de Educação – DEDC II da UNEB como requisito à obtenção do título de mestre em Crítica Cultural.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré Mota de Lima

Alagoinhas - BA 03 de outubro de 2012

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LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO

JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS

Esta dissertação foi julgada para obtenção do título Mestre em Crítica Cultural. Área de concentração em Letras e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus II.

_____________________________________

Prof. Drª Maria Nazaré Mota de Lima Orientadora

_____________________________________

Prof. Drª. Edil Silva Costa Coordenadora do Pós-Crítica

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Drª Maria Nazaré Mota de Lima (UNEB)

Presidente da Banca

______________________________________ Prof. Dr. Cosme Batista dos Santos (UNEB)

Examinador interno

______________________________________ Prof. Drª Suzane Lima Costa (UFBA)

Examinadora Externa

SUPLENTES

______________________________________ Profa. Dra. Suely Aldir Messeder (UNEB)

______________________________________ Prof. Drª América Lúcia Silva César (UFBA)

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Dedico este trabalho a todos

os ancestrais dos Povos Indígenas

da Bahia, em especial aos do Povo

Kiriri pela permissão de ter

concluído com êxito uma

empreitada desafiante.

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AGRADECIMENTOS A Força Suprema do Universo, a todos os meus Anjos Protetores.

A grande amiga e incentivadora para cursar o Mestrado em Crítica Cultural, a Prof.ª

Luciene Souza Santos – Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, por

partilhar dos seus saberes e conhecimentos.

Aos amigos e amigas da FUNAI Brasília em especial Neide Siqueira pelo apoio e

partilha de conhecimentos e saberes e aos amigos da FUNAI de Paulo Afonso e

Eunápolis na Bahia.

Aos amigos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê, na pessoa da

Secretária de Educação Jailsa Dantas Gama Miranda e em todos os técnicos que

fizeram parte na gestão 2007 – 2012.

A Prof.ª Drª Terezinha Maher da UNICAMP que mesmo não conhecendo

pessoalmente sempre se fez presente em minhas solicitações e consultas, no envio

dos materiais.

A Decelis Conceição e aos Técnicos da Secretaria Municipal de Educação de

Ribeira do Pombal, gestão 2007-2012, por acreditarem em minha proposta de

trabalho e sempre abrirem espaços para a partilha de saberes e conhecimento.

Ao Prof. e amigo Cosme Batista dos Santos por acreditar sempre em minha pessoa

enquanto pesquisador sobre a educação escolar indígena e por partilhar com

humildade e extraordinário saber os seus conhecimentos.

Ao amigo Valdir Santana, pesquisador do Povo Kiriri, pelas grandes colaborações e

partilha do seu tempo quando mais necessitava.

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A Antônio Miranda Bitencourt (Toinho da Livraria Vitória ) na cidade de Banzaê pelo

grande apoio no momento de impressão de todo o material referente aos estudos do

Mestrado.

A Rosimere Anjos – do Instituto de Educação O Farol do Conhecimento da cidade

de Euclides da Cunha – Bahia pelo apoio constante durante todo o processo de

estudos no Pós-Crítica e no desenvolvimento da pesquisa.

A Zeadilson – da cidade de Euclides da Cunha – Bahia, sempre apoiando o trabalho

de pesquisa no empréstimo dos equipamentos de gravação das entrevistas e na

felicidade de saber que venci esta etapa de vida.

Às companheiras de trabalho da Coordenação Estadual de Educação Escolar

Indígena / Secretaria da Educação do Estado da Bahia, pelo apoio institucional para

que eu pudesse cursar o Mestrado.

Ao casal amigo Gláucia e Mohamed – bibliotecária e professor de línguas, pelo

apoio desde o momento da seleção do Pós-Crítica.

Aos colegas do Mestrado, participantes diretos e indiretos das dores e sabores

dessa construção, especialmente a Zenaide, pelas trocas e fortalecimento nas

tantas horas difíceis e desafios.

À Professora Doutora Maria Nazaré Mota de Lima, Orientadora deste trabalho que

com dedicação, profissionalismo, zelo e competência soube me conduzir pelas

trilhas da pesquisa e acreditar no êxito de sua conclusão.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

UFBA – Universidade Federal da Bahia

FACED – Faculdade de Educação

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

TI – Terra Indígena

SPI – Serviço de Proteção ao Índio

LICEEI – Licenciatura Intercultural

UFS – Universidade Federal de Sergipe

UAB – Universidade Aberta do Brasil

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

COPIBA – Conselho dos Povos Indígenas da Bahia

MEC – Ministério da Educação

PCNS – Parâmetros Curriculares Nacionais

RCNEEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

CGEEI – Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena

CNE – Conselho Nacional de Educação

CEB – Câmara de Educação Básica

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PNE – Plano Nacional de Educação

CEE – Conselho Estadual de Educação

EJA – Educação de Jovens e Adultos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

NASP – Núcleo de Assistência Social Paroquial

CONEEI – Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena

CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação

TEE – Território Etnoeducacional

IFBA – Instituto Federal da Bahia

PNBE – Programa Nacional de Biblioteca Escolar

FARRP – Faculdade Regional de Ribeira do Pombal

PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura

MOC – Movimento de Organização Comunitária

FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola

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PROLIND – Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas

PROLEIGOS – Programa para Habilitação de Professores Leigos

SEC – Secretaria da Educação

IAT – Instituto Anísio Teixeira

UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana

DAI – Departamento de Assuntos Indígenas

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RESUMO

A pesquisa intitulada Leituras e Leitores: as práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, tem a pretensão de investigar as práticas de ensino da leitura desses professores, pertencentes à Escola Municipal Indígena Marechal Rondon, atual Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade, localizada na Aldeia Araçás – Terra Indígena Kiriri, Região Nordeste da Bahia, Território de Cidadania Semiárido Nordeste II. O arcabouço teórico utilizado na pesquisa em Ângela Kleiman, Marilda Cavalcanti, Terezinha Maher, Wilmar D’Angelis, Paulo Freire, Aracy Lopes, aprofundando os aspectos mais significativos à educação escolar indígena, leitura e letramento. A pesquisa traz concepções e representações acerca da leitura e das práticas de leitura desenvolvidas pelos professores entrevistados, além de reflexões acerca da educação escolar indígena no Brasil, na Bahia e entre os Kiriri Cantagalo. Palavras – Chave: Educação, Educação Escolar Indígena, Leitura, Letramento.

ABSTRACT

The research entitled Readings and Readers: the reading practices of indigenous teachers Kiriri Cantangalo, intend to investigate the practices of teaching reading these teachers, belonging to the Municipal School Indigenous Marechal Rondon, current State School Indigenous Florentino Domingos de Andrade, located in Araçás village - Indigenous Kiriri, Northeast of Bahia, Northeast Territory Citizenship Semiarid II. The theoretical framework used in research on Angela Kleiman, Marilda Cavalcanti, Therese Maher, Wilmar D'Angelis, Paulo Freire, Aracy Lopes, deepening the most significant aspects of indigenous education, reading and literacy. The research brings conceptions and representations of reading and reading practices developed by teachers interviewed, and reflections on indigenous education in Brazil, Bahia and among Kiriri Cantagalo. Key - words: Education, Indigenous Education, Reading, Literacy.

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CRÉDITOS DAS IMAGENS

IMAGEM

PÁGINA

CRÉDITO

Mapa 1

21

Ministério da Cultura – MINC

Foto 01

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Dernival Santos

Foto 02

21

Márcia Medrado

Foto 03

22

Márcia Medrado

Foto 04

61

Dernival Santos

Foto 05

80

Dernival Santos

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SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO................................................................................................... 12

Narrando a trajetória............................................................................................ 13

O trabalho da pesquisa: os caminhos percorridos.................................................

Organização da pesquisa: apresentando os capítulos..........................................

15

16

II – DA CONVIVÊNCIA COM O POVO INDÍGENA KIRIRI CANTAGALO:

PANORAMA HISTÓRICO, PARTILHAS PEDAGÓGICAS, MUDANÇAS E

NOVOS DESAFIOS..............................................................................................

18

Dos cenários da pesquisa: A Comunidade Cantagalo e sua escola indígena.... 20

Localização do Território........................................................................................ 21

A Unidade Escolar onde a pesquisa foi realizada.................................................. 21

Os sujeitos da pesquisa: os professores e os alunos............................................ 23

Os primeiros contatos com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo e o

desenvolvimento de atividades pedagógicas.........................................................

24

Dos desafios e entraves encontrados no percurso................................................ 27

Mudanças ocorridas e problemas encontrados durante o trajeto.......................... 29

Novos desafios são postos.................................................................................... 31

III – EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES....... 37

Educação Escolar Indígena: trajetórias históricas e momento atual no Brasil e

na Bahia.................................................................................................................

37

A Educação Escolar Indígena e a garantia dos direitos na legislação..................

O Povo Kiriri Cantagalo e suas experiências educacionais...................................

42

47

IV – AS PRÁTICAS DE LEITURA DESENVOLVIDAS PELOS PROFESSORES

INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO......................................................................

61

Leitura e letramento: considerações..................................................................... 61

Letramento – conceito e implicações.................................................................... 67

As práticas de leitura na Escola Indígena Kiriri Cantagalo................................... 71

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 80

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 84

APÊNDICES........................................................................................................... 88

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I – INTRODUÇÃO

O Projeto de Pesquisa intitulado Leituras e leitores – as práticas de leitura dos

professores indígenas Kiriri Cantagalo - teve como objetivo geral investigar as

práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo do Ensino

Fundamental (5ª a 8ª série) que atuam no Colégio Estadual Indígena Florentino

Domingos de Andrade – Aldeia Araçás do Município de Banzaê - Bahia, no

estabelecimento da relação entre cultura, educação e leitura. Para alcançá-lo, o

presente trabalho perpassa por outros objetivos específicos que favoreçam tal

compreensão, a saber:

Relatar o processo de convivência do pesquisador com os professores

indígenas da Comunidade Araçás com ênfase nas vivências pedagógicas

partilhadas entre eles, para justificar o interesse do pesquisador pelas práticas de

leitura desenvolvidas pelos referidos professores indígenas;

Descrever os cenários e sujeitos da pesquisa para favorecer a compreensão

do contexto histórico social em que está inserido esse trabalho;

Apresentar as trajetórias da Educação Escolar Indígena no Brasil e na Bahia,

fazendo uma breve reflexão sobre os aspectos históricos da educação escolar

indígena nos contextos citados, para analisar e estabelecer uma relação com a

trajetória histórica educacional do Povo Indígena Kiriri Cantagalo;

Apresentar algumas considerações sobre leitura e letramento, à luz dos teóricos que

embasam os estudos relacionados à leitura e letramento, relacionando com as

representações construídas pelos professores Kiriri Cantagalo sobre a leitura.

Para o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa ser posto em prática foi

definida a seguinte questão: As práticas de ensino de leitura desenvolvidas pelos

professores indígenas Kiriri Cantagalo têm contribuído para o fortalecimento de sua

cultura indígena?

Qual seria então o meu interesse em pesquisar sobre as práticas de leitura

dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, e não sobre as questões de oralidade e

escrita?

O despertar para a escolha desse tema se deu a partir das histórias e causos

ouvidos entre os professores e lideranças indígenas, nos vários momentos de

formação desses professores dos quais participei e, ainda, motivado pelos materiais

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didáticos específicos que foram produzidos ao longo da 1ª Turma do Magistério

Indígena da Bahia e, principalmente observando a forma como tais professores

desejavam estudar, especificamente, as questões relacionadas à leitura.

O título da pesquisa – Leituras e leitores: as práticas de leitura dos

professores indígenas Kiriri Cantagalo – percorre justamente essas questões de

encantamento sobre o que vem a ser a leitura em uma escola indígena do Semiárido

da Bahia, em um contexto de lutas históricas, conquistas e questões delicadas

como: processo de retomada do Território Indígena Kiriri que vem ocorrendo a partir

da década de 1970, os projetos societários desenvolvidos, o acesso a bens

culturais, a preservação e fortalecimento da cultura indígena Kiriri.

Narrando a Trajetória

O meu interesse pelas práticas de leitura surgiu no ano de 1995, quando era

professor de Metodologia da Língua Portuguesa e Alfabetização no Curso Ensino

Médio, Modalidade Normal, na cidade de Conceição do Jacuípe – Bahia e

participava dos encontros do Grupo de Estudos em Leitura e Alfabetização na

Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Nesses encontros, eram

discutidas questões gerais de leitura, estratégias, atividades, sempre na perspectiva

da formação do professor e aluno enquanto leitores.

No ano de 1998 tive os primeiros contatos com uma comunidade indígena e,

assim, a oportunidade de acompanhar as atividades dos professores indígenas Kiriri

Cantagalo. Juntamente com os respectivos professores, vivenciei momentos

importantíssimos não só para a minha pessoal como também para a vida

profissional.

Durante a minha atuação como Coordenador Pedagógico das escolas

indígenas do Município de Banzaê percebia as inquietações desses professores

indígenas em querer desenvolver atividades de incentivo à leitura com seus alunos,

mas que encontravam muitas dificuldades, principalmente nas questões

relacionadas à formação de professores para trabalhar especificamente as questões

da leitura. No ano de 2006, os professores da Escola Municipal Indígena Marechal

Rondon chegaram a escrever um projeto de leitura chamado Cesta de Leitura, com

o propósito de ser desenvolvido todas as sextas-feiras, envolvendo alunos,

professores e comunidade. Entretanto, nunca fora executado, pois não encontraram

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apoio institucional e não conseguiram os materiais que ajudariam no

desenvolvimento do referido projeto.

Nunca esteve em meus planos fazer um estudo de pesquisa em uma

comunidade indígena, pois o que mais desejava e, sobretudo mais desejo ainda,

nesses tempos atuais, é que os próprios professores indígenas sejam os/as

pesquisadores de sua história, de sua cultura.

Entretanto, quando fui aprovado no Mestrado em Crítica Cultural, no ano de

2010, como aluno regular, apresentei um anteprojeto tendo como objeto de pesquisa

as práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo. Deparei-me com

muitos desafios, pois não podia confundir o trabalho do pedagogo, do coordenador

pedagógico que trabalhava na escola indígena, pois não eram as questões de

ordem pedagógica que interessavam, estava chegando à escola indígena na

condição de pesquisador, trazendo e construindo novos olhares, à luz de

referenciais teóricos à Crítica Cultural.

Passei a conviver com um novo desafio: não somente acompanhar as

atividades dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, mas desenvolver um projeto

de pesquisa que estivesse voltado para as práticas de leitura desses professores.

Fui aceitando a ideia de desenvolver o trabalho de pesquisa apresentado ao Pós-

Crítica na certeza de ser um trabalho construído coma participação de muitas mãos,

de muitos olhares e fazeres, construções e desconstruções, lutas e desafios.

Diante desse contexto, me intrigava o fato de na região onde residia não

existir também nenhum projeto sobre um estudo ou trabalho de pesquisa acerca da

leitura, formação do leitor e formação de professores. No desenvolvimento deste

projeto de pesquisa no Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade,

essa experiência pôde ser concretizada, pois mesmo a pesquisa sendo feita em uma

escola indígena, a localização da Terra Indígena Kiriri é na região de Ribeira do

Pombal, cidade onde resido, podendo, dessa forma, compreender esses processos

e estabelecer diálogos com a população não-indígena a respeito das questões

relacionadas à leitura e ao letramento.

Esse pertencimento a um grupo de pesquisa, desenvolvendo atividades de

investigação em um campo específico, que é a Linguística Aplicada, foi e continua

sendo desafiador para a minha pessoa. A perplexidade e, ao mesmo tempo, o

encantamento pela pesquisa, nos envolve a partir de outros olhares, proporcionando

a cada um de nós, mestrandos, estágios evolutivos de um caminho sem volta.

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No aprofundamento teórico, durante o período de creditação do mestrado, à

medida que o tempo ia passando, questionamentos surgiam, dúvidas, reflexões. A

partir de então, ao participar das aulas na Disciplina Metodologia da Pesquisa em

Crítica Cultural com os professores Osmar Moreira dos Santos e Eliana Brandão, fui

tendo contato com a leitura e estudo dos textos de autores como Leonor Arfuch,

Gaston Bachelard, Pierre Bourdieu, Ítalo Calvino, Gilles Deleuze, Félix Guattari,

Jacques Derrida, Michel Foucault, René Barbier. Tudo isso conduziu o meu

pensamento e a minha forma de ver o conhecimento por outro viés.

No meio de toda essa trajetória, quando o cansaço aparecia, as ideias fugiam,

além de outros obstáculos, buscava revitalizar as minhas forças na música da

Zabumba Kiriri, no Toante do Toré.

O trabalho da pesquisa: os caminhos percorridos

Para o desenvolvimento da pesquisa, foi definida no projeto que a mesma

seria uma abordagem qualitativa, tendo como foco o estudo de caso. Após o Exame

de Qualificação, os professores da Banca de Qualificação sugeriram que ao invés de

trazer essa abordagem qualitativa de cunho etnográfico, buscasse desenvolver os

estudos em uma abordagem metodológica de cunho etnográfico, pois considerava a

minha convivência de mais de 13 anos entre o Povo Kiriri Cantagalo como

importante elemento, contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa, não na

visão de Coordenador Pedagógico, mas na condição de pesquisador em um

Programa de Mestrado em Crítica Cultural.

A pesquisa foi realizada logo após o período de creditação, que ocorreu no

primeiro e segundo semestre do ano de 2010. Foi desenvolvida de acordo com as

seguintes etapas de trabalho: elaboração do projeto de pesquisa, a coleta de dados

(observação, entrevistas e a análise e interpretação dos dados).

A primeira etapa do trabalho consistiu na elaboração do projeto de pesquisa,

explicitando os objetivos (geral e os específicos) e no desenvolvimento da pesquisa,

a fundamentação teórica, construção de um cronograma e definição da metodologia

a ser utilizada, revisão bibliográfica, e a estruturação do trabalho como um todo,

permitindo, dessa forma, manter o controle sobre todas as atividades a serem

desenvolvidas durante todo o processo de desenvolvimento da pesquisa.

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A segunda etapa consistiu na observação das aulas dos professores

envolvidos na pesquisa, nas quais foram feitas anotações a respeito dos aspectos

que eram trabalhados, principalmente nas questões relacionadas à leitura e suas

práticas. Para a realização dessa etapa de trabalho conversei com os professores

participantes da pesquisa para num período de 01 (uma) semana, faria observações

de suas aulas, mostrando para os mesmos que essas observações tinham como

objetivo verificar in loco como eram desenvolvidas as suas aulas e como as práticas

de leitura eram trabalhadas, que materiais eram utilizados, as dificuldades

apresentadas, a transposição didática, como executavam tais atividades e como

avaliavam.

As entrevistas foram realizadas individualmente, a partir de perguntas

previamente estruturadas, ocorrendo na própria Unidade Escolar, sendo que para a

realização desta atividade foi feito um agendamento com os professores envolvidos

na pesquisa, onde no momento em que os professores foram entrevistados

individualmente, as falas dos mesmos foram gravadas, sendo feita em seguida, a

transcrição das mesmas.

Após a realização das etapas de observação e entrevistas e de posse dos

dados coletados foram realizadas a análise e interpretação dos dados, sendo então

divididos em duas categorias: 1ª – a concepção de leitura por parte dos professores

envolvidos na pesquisa e a 2ª – as práticas de leitura desenvolvidas por esses

professores. A partir da análise desses dados, estabeleceu-se a relação à proposta

de pesquisa apresentada no Projeto de Pesquisa e em relação aos resultados

obtidos.

Durante a realização de todas essas etapas da pesquisa, os professores

envolvidos demonstraram sempre interesse em participar, expondo suas ideias,

preocupações, acolhimento, fazendo perguntas a respeito do que estava achando

em desenvolver tal empreitada e solicitando que após a conclusão dos trabalhos, os

resultados fossem socializados entre eles.

Organização da Pesquisa – Apresentando os Capítulos

Para tornar-se mais coerente e compreensiva, visando atingir os objetivos

propostos, essa pesquisa está composta de quatro partes: uma introdutória, seguida

de três capítulos no corpus do seu desenvolvimento. Em sua parte introdutória está

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explícito o tema e sua problemática, a justificativa da sua escolha, trazendo os

objetivos da pesquisa, a trajetória percorrida pelo pesquisador, os procedimentos

metodológicos, e, por fim, as partes que a compõem, situando assim o leitor e

convidando-o para aventurar-se e deliciar-se na leitura da mesma.

A organização dos Capítulos levou em consideração os aspectos históricos e

atuais relacionados à Educação Escolar Indígena no contexto nacional, estadual e

dos Kiriri, além de trazer reflexões importantes acerca do trabalho de pesquisa

realizado, bem como algumas considerações sobre leitura, escrita, e letramento e as

representações construídas pelos professores Kiriri Cantagalo acerca da leitura.

No Capítulo II, intitulado Da convivência com o povo indígena Kiriri Cantagalo:

panorama histórico, partilhas pedagógicas, mudanças e novos desafios, evidencia-

se o processo de convivência com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo, relatando como

ocorreram os primeiros contatos, o desenvolvimento do trabalho de Coordenação

Pedagógica na Escola Municipal Indígena Marechal Rondon e na Escola Municipal

Indígena Francisca Alice Costa. Neste segundo Capítulo o leitor conhecerá um

panorama histórico sobre o cenário e os sujeitos da pesquisa (respectivamente, a

comunidade Cantagalo e sua escola, os alunos e os professores) e ainda, as

mudanças ocorridas e os novos desafios propostos, para entendimento do contexto

histórico da pesquisa.

O Capítulo III apresenta as trajetórias da Educação Escolar Indígena no

Brasil, na Bahia e entre o Povo Kiriri Cantagalo. Nesse Capítulo, é feita uma breve

reflexão sobre os aspectos históricos da educação escolar indígena nos três

contextos citados, trazendo as conquistas dos povos indígenas no campo

educacional, a legislação pertinente e de forma mais densa as trajetórias

educacionais do Povo Indígena em estudo.

As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores Kiriri Cantagalo estão

explicitadas no IV Capítulo que leva a mesma denominação em seu título. Na

primeira parte do Capítulo, são apresentadas algumas considerações sobre leitura e

letramento, à luz dos teóricos que embasam os estudos relacionados à temática.

Nesse Capítulo são, ainda, expostas as entrevistas com suas análises e as

observações que foram feitas na sala de aula dos professores indígenas Kiriri

Cantagalo.

Por fim, após a leitura pormenorizada e atenta dos Capítulos nas

Considerações Finais, o leitor encontrará conclusões importantíssimas apreendidas

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durante o processo de desenvolvimento da pesquisa e que denotam a relevância

desse trabalho, tais como: A sensibilidade que os professores e professoras

indígenas Kiriri Cantagalo, demonstraram para o desenvolvimento de práticas de

leitura; A leitura que não é somente no livro didático, mas na própria vida de cada

um, de cada comunidade é o que torna uma singularidade e pluralidade; Os

diferentes contextos nesse universo da cultura Kiriri Cantagalo que permitem as

múltiplas leituras e fortalecimento de sua identidade, enquanto professores

indígenas corroboram com desejo destes em desenvolver práticas de leitura

diversificadas; As práticas de leitura dos professores indígenas pesquisados

perpassam por outras questões que não tem respostas de imediato; E, por último,

que não podemos medir a educação escolar indígena e suas práticas pedagógicas e

de leitura a partir do que acontece na educação dos não indígenas.

II – DA CONVIVÊNCIA COM O POVO INDÍGENA KIRIRI CANTAGALO:

PANORAMA HISTÓRICO, PARTILHAS PEDAGÓGICAS, MUDANÇAS E NOVOS

DESAFIOS

Relatar o processo de convivência entre o Povo Kiriri Cantagalo, por mais de

uma década, implica traçar um panorama histórico apresentando aos leitores os

cenários e os sujeitos da pesquisa e, ainda, descrever desde o primeiro contato, as

atividades iniciais desenvolvidas no âmbito do trabalho de Coordenação

Pedagógica, bem como, expor em linhas gerais, as mudanças que ocorreram no

processo e apresentar os novos desafios. Para iniciar esse relato, decidir por

apresentar ao leitor uma manifestação secular da cultura desse povo.

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Foto 1: Zabumba Kiriri Cantagalo

A fotografia acima representa um dos elementos mais importantes para o

povo indígena Kiriri Cantagalo. Vem dos ensinamentos dos ancestrais. É a Zabumba

Kiriri, que com seus toantes, convida a vivermos as emoções diversas, revisitar o

nosso passado, fazer as conexões necessárias não só com o tempo material, mas

também espiritual.

Num olhar cauteloso para a fotografia pode-se perceber o quanto a mesma

expressa o sentido da cultura dos índios do sertão. O que fica registrado na cena é a

forma como eles se apresentam: com as caixas (instrumento maiores), seguidas das

gaitas, feitas antigamente, de tabocas de bambu, substituídas nos dias de hoje por

canos de pvc. Um outro elemento presente que salta aos olhos são as sandálias

usadas pelos zabumbeiros e que, numa rápida leitura, em tempos atrás não fariam

parte desta cena.

No momento em que foi tirada a fotografia, os zabumbeiros encontravam-se

em frente à Casa do Toré, na Aldeia Cantagalo, num momento de celebração, de

comemoração, acolhidos pela mulher indígena (símbolo da força e do equilíbrio).

Nessas ocasiões, a zabumba começa a tocar antes do sol nascer e termina já bem

tarde, com o anoitecer.

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É a partir desta fotografia, com elementos de um povo indígena do sertão,

que luta a mais de 500 anos, que inicialmente, descrevo os cenários e sujeitos

envolvidos na pesquisa e, em seguida, relato como ocorreu o primeiro contato e o

desenvolvimento de atividades pedagógicas, revelando a minha convivência,

enquanto coordenador pedagógico em meio ao Povo da comunidade Cantagalo.

Dos cenários da pesquisa: A Comunidade Cantagalo e sua escola indígena

O nome Cantagalo, segundo os anciões da Aldeia, vem de antigamente,

quando os índios mais velhos ouviam um galo cantar lá no meio de uma grota, onde

não existia nada, só a serra. Eles diziam que era o galo-bicho. Por causa desse

galo, se deu o nome a uma Comunidade Cantagalo, sendo mais tarde, após a

divisão do Povo Kiriri, denominada Kiriri Cantagalo.

Atualmente, a Comunidade de Cantagalo representa para esse Povo indígena

um lugar sagrado, onde são realizados os rituais indígenas, entre eles o Toré, além

da Ciência Indígena.1

Historicamente, a Comunidade Indígena Kiriri é originária do Aldeamento

Saco dos Morcegos, fundada pelos padres jesuítas por volta da metade do século

XVII. A presença de não índios fez com que os índios passassem a viver em

pequenas áreas, trabalhando para os fazendeiros locais. Plantavam um pouco de

cada coisa para sobreviver e as casas eram de palha. Com a chegada do Serviço de

Proteção ao Índio – SPI, na Aldeia de Mirandela, no ano de 1949, os índios Kiriri

iniciaram a reivindicação de suas terras. A luta foi iniciada pelos índios Josias e

Emiliano, que, na época, eram chamados de Capitães. No ano de 1972, elegeram o

índio Lázaro Gonzaga para ser Cacique. Em 1981, iniciou-se o processo para

demarcar a área a ser homologada. Iniciou-se, então, uma grande luta entre os

índios Kiriri e os posseiros que viviam no Território Kiriri. No dia 15 de janeiro de

1990, os índios Kiriri tem a sua área homologada pelo Decreto Presidencial nº

98.828/90. 2

1 Segundo o Povo Kiriri Cantagalo, a Ciência Indígena é toda manifestação/revelação espiritual vinda dos

encantados. São as orientações que regem o dia a dia do povo indígena. Os segredos não revelados para os não-índios. 2 (Coleção Leis da República Federativa do Brasil. Brasília,182 (1) 81:525 – jan/fev 1990. Página 283)

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LOCALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

Fig. 2. Território Kiriri. Fonte: MINC/2010

A Unidade Escolar onde a pesquisa foi realizada

O Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade foi criado no

ano de 2011, originado da Escola Municipal Indígena Marechal Rondon. Era a

primeira escola do povo Kiriri Cantagalo, criada no ano de 1976.

Na referida Unidade Escolar funciona os três turnos (matutino, vespertino e

noturno), possuindo uma equipe gestora formada por um Diretor, um Coordenador

Pedagógico, 03 auxiliares administrativos, 09 merendeiras, 06 auxiliares de serviços

gerais e 03 porteiros, 39 professores. Todos são indígenas, sendo 37 destes

contratados pelo contrato emergencial de prestação de serviços temporário (PST) e

02 pelo regime especial de direito administrativo – REDA.

Foto 2 – Vista panorâmica do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade

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Em relação à formação desses 39 professores, 02 possuem o ensino superior

completo (Licenciatura em letras), 10 professores possuem o Magistério Indígena,

09 professores estão cursando a Licenciatura Intercultural – LICEEI / UNEB – Polo

de Paulo Afonso, e, ainda, 01 professora é graduanda em Letras (Licenciatura) na

Universidade Federal de Sergipe – UFS/UAB e 06 professores estão cursando

Pedagogia em uma IES privada no Município de Banzaê.

Esses professores, ao participarem desses cursos de formação inicial, estão

buscando a garantia de um diálogo entre os conhecimentos/saberes produzidos na

academia com os saberes/conhecimentos tradicionais indígenas, uma vez que ao

desenvolverem seus trabalhos de conclusão de curso ou seus projetos de

pesquisas, estão trazendo como temáticas elementos de sua própria cultura

indígena em várias áreas do conhecimento: linguagens, ciências sociais, ciências da

natureza entre outros.

Foto 3 – Vista interna do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade

O total de alunos atendidos no ano de 2012 foi de 538 (quinhentos e trinta e

oito alunos) matriculados da Educação Infantil ao Ensino Médio. Os alunos da

Educação Infantil e do Ensino Fundamental I– 1º ano ao 5º ano foram atendidos na

escola sede e também nos anexos escolares das Aldeias de Cajazeiras, Segredo,

Baixa da Cangalha e Baixa do Juá, nos turnos matutino e vespertino. A Educação de

Jovens e Adultos – EJA no nível de 1ª a 4ª série, funciona nas Aldeias de Araçás,

Cajazeira e Segredo. O Ensino Fundamental II, de 5ª à 8ª série (6º ao 9º ano) e o

Ensino Médio funciona somente na Aldeia Araçás, sendo que o Ensino Fundamental

funciona nos turnos vespertino e noturno e o Ensino Médio no noturno.

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Os sujeitos da pesquisa: Os professores e os alunos

A pesquisa foi desenvolvida envolvendo 03 professores do ensino

fundamental de 5ª à 8ª série, onde os mesmos lecionam o Componente Curricular

Língua Portuguesa. Esses professores exercem as suas funções docentes no

Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade. Esses professores

foram escolhidos devido aos projetos que eles já vinham desenvolvendo na Unidade

Escolar acerca de questões relacionadas à leitura, à valorização da identidade e

cultura indígena e por atuarem em séries diferenciadas atendendo a alunos

indígenas de faixas etárias diversas e também de Aldeias Kiriri Cantagalo diversas.

Dos três professores participantes da pesquisa, 01 (um) trabalha no turno

vespertino e os outros dois trabalham no turno noturno. O professor que exerce as

suas funções docentes no turno vespertino tem a sua formação no Magistério

Indígena da Bahia, foi aluno da 2ª turma e está sendo aluno da Licenciatura

Intercultural – LICEEI na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Polo de Paulo

Afonso. Tem 27 anos, é do sexo masculino, solteiro. Começou as suas atividades de

professor do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, sendo que no ano de 2012 estava

trabalhando no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série (6º ao 9º), pela primeira vez. O

professor leciona o Componente Curricular Língua Portuguesa do 6º ao 8ºano (5ª a

7ª série), pois neste turno não existe a 8ª série. A carga horária destinada ao

trabalho na disciplina Português para esse professor é de 16 horas/aula e para cada

série é destinada o quantitativo de 04 horas semanais. Na 5ª série, o professor

leciona para 02 (duas) turmas, pois devido ao quantitativo de alunos, existem duas

turmas na Unidade Escolar, o restante das séries é apenas 01 (uma) turma/série.

Todos esses alunos são índios Kiriri Cantagalo das Aldeias de Lagoa Grande,

Segredo, Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Cajazeira, Cantagalo e Araçás.

Os alunos da 5ª série, turmas A e B, tem uma faixa etária entre os 10 aos 14

anos e os alunos da 6ª e 7ª série estão entre os 12 aos 17 anos. Neste turno, são

atendidos um total de 81 (oitenta e um) alunos de 5ª a 7ª série. Os outros dois

professores que participaram da pesquisa lecionam no turno noturno, sendo que 01

(um) leciona o Componente Curricular de 6ª a 8ª série, pois no noturno não existem

turmas de 5ª série.

Esse referido professor, participou da 1ª turma do Magistério Indígena da

Bahia e possui Licenciatura Plena em Letras com Inglês, obtido na Faculdade

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Regional de Ribeira do Pombal – FARRP. Tem 35 anos, é do sexo feminino e

desenvolve a sua prática docente no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série desde o

ano de 2009, quando esse nível de ensino foi implantado na Unidade Escolar.

Demonstra muita preocupação com o ensino da leitura. O número de alunos que

essa professora atende é, em média, 47 (quarenta e sete). São oriundos das Aldeias

de Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Segredo, Lagoa Grande, Cajazeira e Araçás. A

faixa etária desses alunos difere em muito dos alunos do turno vespertino, pois

estão entre 16 a 25 anos. A carga horária destinada ao trabalho com a Língua

Portuguesa para essa professora é de 15 horas/aula, sendo 05 (cinco) horas/aula

para cada série.

O 2º professor leciona o componente curricular Português na Educação de

Jovens e Adultos em nível de 5ª a 8ª série e no Ensino Médio do 1º ao 3º ano. Tem

29 anos de idade, também do sexo feminino, casada, e é a primeira vez que está

lecionando no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e no Ensino Médio. Possui o

Ensino Médio – Modalidade Normal, está participando da Licenciatura Intercultural –

LICEEI / UNEB – Paulo Afonso e cursando a Licenciatura em Letras na

Universidade Federal de Sergipe – UFS, por meio da Universidade Aberta do Brasil

– UAB. Além da função de professora, faz parte do Departamento de Assuntos

Indígenas – DAÍ, no Município de Banzaê. Os alunos que fazem parte desse nível de

ensino são oriundos das Aldeias da Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Segredo,

Cajazeira, Lagoa Grande e Araçás, possuem faixa etária entre 15 a 50 anos,

totalizando uma média de 130 alunos atendidos por esta professora.

A pesquisa foi realizada utilizando-se da observação das aulas desses

professores e fazendo anotações a respeito dos aspectos que eram trabalhados,

principalmente nas questões relacionadas à leitura e suas práticas. Foram feitas

entrevistas e análise dos materiais utilizados (livros didáticos, paradidáticos, jornais,

revistas) por esses professores para desenvolverem as suas práticas de leitura em

sala de aula.

Os primeiros contatos com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo e o

desenvolvimento de atividades pedagógicas

O meu primeiro contato com o Povo Kiriri Cantagalo ocorreu no mês de

outubro do ano de 1998, quando visitava a Aldeia Araçás. Na oportunidade,

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dialogando com a Prof.ª Indígena Kiriri Cantagalo Marlinda, pude compreender como

era a educação indígena e o que estava sendo proposto pelo Ministério da

Educação. A partir deste encontro, passei a me interessar pela causa, dando início

aos meus estudos na área de educação escolar indígena.

Em 1999 assumi a Coordenação Pedagógica das Escolas Indígenas do

Município de Banzaê e esse fato me conduziu a novas relações, aprendizagens,

desafios e reflexões que, desde então, me acompanham e reverberam no meu fazer

pedagógico e científico, na atuação política relacionada às questões indígenas,

sobretudo as que dizem respeito à educação escolar.

Do meu papel como Coordenador, recordo-me, como responsável pela

Coordenação da Educação Escolar Indígena entre os Kiriri, de que a proposta inicial

dos encontros pedagógicos, que aconteciam quinzenalmente, desenvolvidos com

esses professores indígenas era a de planejarmos, em conjunto, as atividades a

serem desenvolvidas com os alunos do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, nas

Aldeias de Mirandela, Marcação, Segredo, Gado Velhaco, Baixa da Cangalha, Baixa

do Juá, cajazeira e Araçás. Ao todo eram 11 (onze) escolas indígenas pertencentes

à rede municipal de ensino do Município de Banzaê, situadas na Terra Indígena.

Dentro desse grupo de professores indígenas, 11 (onze) estavam

participando da 1ª Turma do Magistério Indígena da Bahia3, e isso lhes permitiam

um contato com referenciais teórico-metodológicos que pudessem redirecionar as

suas práticas pedagógicas. Nesse contexto, quando comecei a desenvolver as

atividades de planejamento pedagógico junto a esses professores, a receptividade

foi muito boa; os referidos professores começaram a produzir muitos textos e tinham

uma enorme preocupação com que as atividades planejadas por eles fossem

desenvolvidas em suas escolas. Vários foram os projetos educativos que os

3A 1ª Turma do Magistério Indígena da Bahia foi desenvolvida no período de 1996 a 2002, tendo 96

alunos, numa parceria entre UNEB, UFBA, SEC, FUNAI e MEC, envolvendo 09 povos indígenas a saber: Pataxó Hãhãhãe, Pataxó, Tupinambá, Tuxá, Kiriri, Pankararé , Xucuru-Kariri, Kantaruré e Kaimbé e 96 alunos. As atividades do Magistério Indígena eram desenvolvidas a partir de Módulos (períodos) de 30 dias cada, onde os professores indígenas deixavam as suas aldeias/escolas para participarem dessas atividades. Eram realizadas atividades de estudo, pesquisa e desenvolvimento de projetos/pesquisa. O referido curso inicialmente foi desenvolvido pela Faculdade de Educação –FACED / UFBA, mas como a UFBA enquanto instituição de ensino superior não podia emitir certificado de cursos de nível médio, o Magistério Indígena foi absorvido pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia/Instituto Anísio Teixeira em parceria com 02 (duas) Unidades Escolares da Rede Estadual de Ensino que ministravam o Curso Médio Modalidade Normal. Essas Unidades Escolares estavam situadas em Paulo Afonso (para conferir o Certificado de Conclusão do Curso aos Professores Indígenas do Norte da Bahia e do Oeste da Bahia) e em Eunápolis (para conferir o Certificado de Conclusão do Curso aos Professores Indígenas do Sul e do Extremo Sul da Bahia).

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professores indígenas escreveram e realizaram versando sobre várias áreas do

conhecimento, trazendo sempre a relação entre escola e cultura indígena: projetos

sobre a história e a cultura de seu povo, plantas e ervas medicinais, brinquedos e

brincadeiras, espiritualidade, animais, cantos e toantes.

Na elaboração dessas atividades, os professores utilizavam como material de

suporte o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI4, os

textos que eram estudados no Magistério Indígena, além dos livros didáticos

recebidos pela Secretaria Municipal de Educação do Município de Banzaê, que eram

enviados pelo Ministério da Educação mediante o Programa Nacional do Livro

Didático – PNLD, livros de Português, Matemática, História, Geografia e Ciências,

geralmente para as escolas não indígenas. As atividades planejadas sempre partiam

das observações que os professores indígenas faziam de suas aulas, de suas

turmas.

Nessa época, 1998/1999 vivíamos as influências advindas do processo de

retomada do Território Indígena Kiriri. Vivenciávamos a época da efervescência das

grandes questões da educação escolar indígena no Brasil, que traziam em seus

fundamentos a multietnicidade, pluralidade e diversidade, pensada na perspectiva

de uma educação intercultural, comunitária, específica, bilíngue e diferenciada.

No que diz respeito aos conteúdos trabalhados em sala de aula, havia uma

mescla entre os conteúdos selecionados (modos de viver e de sobreviver, a relação

com a terra e com os astros, a história do Povo Kiriri e dos Kiriri Cantagalo) a partir

da realidade das escolas indígenas e os conteúdos propostos pelo Setor de

Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação para as escolas não

indígenas (textos de autores brasileiros, listas de exercícios de matemática, estudo

da história e da geografia) assim como os modelos dos planos de aula, plano de

unidade e plano de curso, onde fazíamos um processo de desconstrução das

práticas hegemônicas da educação brasileira.

A avaliação do ensino-aprendizagem, realizada na perspectiva da

mensuração, dava-se por instrumentos do tipo testes e provas, tendo caráter

meramente somativo. Sentia a falta dos registros e diários de campo, narrativas das

aulas nas escolas indígenas tão discutidos e propostos nos encontros do Magistério

4 Documento elaborado pelo Ministério da Educação – MEC, que mesmo tendo a participação dos

professores indígenas de todo Brasil, traz em sua essência as ideias neoliberais da educação desenvolvida pelo MEC no governo de Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Paulo Renato.

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Indígena e, partilhados por experiências educacionais no contexto das escolas

indígenas desenvolvidos em diversas regiões do Brasil.

Dos desafios e entraves encontrados no percurso

No início do ano de 2001 foi discutida no âmbito da Secretaria Municipal de

Educação de Banzaê a necessidade de ter um momento de organização pedagógica

mais aprofundada nas escolas indígenas. Para que esse momento acontecesse, fui

incumbido pelo Secretário Municipal de Educação da época, de elaborar um

material, junto aos professores indígenas, que ajudasse no desenvolvimento da

jornada pedagógica para as escolas indígenas Kiriri. Selecionei os textos que

falavam da educação escolar indígena, projeto político pedagógico e projetos

didáticos. Organizei juntamente com os gestores indígenas um cronograma de

trabalho para três dias e fomos executá-los.

A partir deste trabalho, os professores indígenas sugeriram para o Secretário

Municipal de Educação da época que esse trabalho deveria acontecer todos os

anos, afirmando em seus depoimentos acerca da importância de terem um espaço

para exporem as suas ideias, fazer os seus planejamentos, sem serem criticados

pelos não índios.

Na prática, existiam muitas dificuldades para a efetivação das propostas,

principalmente para garantir por parte da Secretaria Municipal de Educação de

Banzaê o compromisso em desenvolver uma política municipal de apoio às escolas

indígenas. Quanto à minha situação, as dificuldades aumentavam, pois tinha que

atender as 11 escolas indígenas, mas a estrutura e apoio logístico não favorecia

esse trabalho. Tinha que fazer o acompanhamento das atividades desenvolvidas

pelos professores em sala de aula, pois esse era o combinado nos encontros de

planejamento pedagógico, mas na maioria das vezes esse acompanhamento efetivo

não era possível. Para vencer tal desafio busquei apoio das próprias lideranças

indígenas e professores, vendo a possibilidade do transporte, de acomodação na

própria escola indígena ou em residências dos professores e lideranças.

Outros entraves surgiam na medida em que os técnicos do setor pedagógico

da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê não compreendiam que, além do

planejamento das atividades que aconteciam duas vezes ao mês e que durava o dia

inteiro, tínhamos que garantir junto a esta Secretaria, além do transporte e materiais

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para a realização dos planejamentos, o lanche e o almoço para os participantes.

Muitas vezes esses encontros eram ameaçados de não acontecerem por conta de

não sermos atendidos no que era solicitado à Secretaria Municipal de Educação de

Banzaê. Em muitas ocasiões, os professores indígenas, com a colaboração de

todos, se uniam no sentido de conseguir entre as pessoas da comunidade o feijão, a

farinha, o arroz, e a carne, para poder alimentar os participantes dos encontros para

o planejamento.

O acompanhamento das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos

professores indígenas feitos por mim, na condição de coordenador pedagógico

nunca foi efetivado como deveria. Por essa razão, perdia a grande oportunidade de

ver in loco como eram que essas práticas eram desenvolvidas, quais eram as

dificuldades e avanços ali presentes, as conquistas, os erros, acertos, se as

metodologias que tinham sido selecionadas durante o planejamento estavam dando

certo, como eram desenvolvidos os momentos de avaliação do ensino e da

aprendizagem, se os materiais didáticos selecionados estavam de fato sendo

utilizados; como era a relação professor-aluno, professor-professor, aluno-professor,

professor-comunidade, professor-lideranças, lideranças-professor, comunidade-

professor, além dos conhecimentos que eram socializados e trabalhados, inclusive

os conteúdos. Ficava aguardando o segundo encontro de cada mês, quando

partilhávamos as experiências, dificuldades e entraves para a realização das

atividades planejadas, da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo.

Nesses encontros, a presença e participação significativa dos professores,

além do cacique e dos conselheiros, contribuíam muito para o diálogo, a abertura de

novas propostas. Os assuntos e temas discutidos nesses encontros sempre foram

de ordem pedagógica5, mas com o passar do tempo e diante de novas demandas

começaram a ser discutidas questões de ordem administrativa e de gestão. Nas

escolas Kiriri existia a presença de um diretor tanto no Polo de Araçás quanto da

Mirandela. Todavia esses gestores escolares não tinham uma formação específica

para exercerem tal função, e mesmo sendo escolhidos pela comunidade,

enfrentavam dificuldades junto ao desenvolvimento de ações da própria gestão

escolar junto à comunidade escolar indígena, como também junto aos órgãos

5 O trabalho era sempre focado no planejamento de atividades didáticas, não se discutia questões

administrativas como forma de gestão escolar em seus múltiplos aspectos: pessoal, financeiro, administrativo. Somente depois é que as questões de ordem administrativa (gestão pedagógica) começaram a serem discutidas.

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públicos, neste caso o atendimento às demandas oriundas da Secretaria Municipal

de Educação de Banzaê (cumprir prazos na entrega das prestações de contas,

relatórios, Censo Escolar, etc.).

O que se desejava e que permanece ainda como grande desafio nas escolas

indígenas da Bahia é que a gestão escolar dessas escolas sejam assumidas por

professores indígenas, formem os seus grupos de trabalho e materializem na prática

o que preconiza a legislação pertinente para a educação escolar indígena brasileira.

Mudanças ocorridas e problemas encontrados durante o trajeto

Com o passar do tempo, as escolas indígenas pertencentes às Aldeias do

Polo de Mirandela (Marcação, Gado Velhaco, Pau Ferro) por solicitação de

professores, lideranças indígenas, pais e alunos foram estadualizadas. Isso ocorreu

no ano de 2009. Passei, então, a realizar o trabalho de coordenação pedagógica

somente nas escolas do Polo de Araçás (Cajazeira, Baixa da Cangalha, Baixa do

Juá, Segredo e Araçás). Neste mesmo ano foi implantado na Escola Municipal

Indígena Marechal Rondon o ensino fundamental de 5ª a 8ª série, sob muitas

críticas por parte de alguns técnicos da Secretaria Municipal de Educação de

Banzaê que diziam que os professores indígenas deixavam as coisas muito a

desejar, que não cumpriam com as suas obrigações e com os seus deveres e que a

educação escolar indígena não tinha qualidade. Esses comentários surgiam porque

esses técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê tinham passado

pelo processo de serem ex-posseiros ou seja eles moravam nas comunidades onde

foram retomadas pelo Povo Kiriri como seu Território legítimo. Do lado dos

professores indígenas existia uma espécie de mobilização para que o ensino de 5ª a

8ª série fosse implantado, pois os mesmos alegavam que muitos alunos indígenas

que estudavam nas escolas dos não índios nas comunidades próximas às Aldeias e

em Banzaê estavam sendo discriminados, não conseguiam acompanhar as

atividades, e, em sua maioria, eram reprovados.

No ensino fundamental de 5ª a 8ª série, que foi implantado na Escola

Municipal Indígena Marechal Rondon, a organização curricular foi feita a partir de

uma adaptação do currículo que era trabalhado nas escolas não indígenas do

município de Banzaê. Não houve um momento de construção de uma proposta para

este nível de ensino em um contexto indígena, nem tampouco uma avaliação do que

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até aquele momento tinha sido trabalhado em nível de 1ª a 4ª série, pois como a

Unidade Escolar pertencia ao Sistema Municipal de Ensino de Banzaê, não havendo

espaço propício no contexto educacional para se construir de fato uma proposta

curricular para a escola indígena do ensino fundamental de 5ª a 8ª série. No

decorrer dessas mudanças, me desliguei do trabalho de coordenação pedagógica

das escolas indígenas, passando a exercer a atividade de Tutor do Programa de

Formação para Gestores Escolares – PROGESTÃO, no âmbito da Secretaria

Municipal de Educação de Banzaê.

Com o retorno à Unidade Escolar no ano de 2010, na condição de

pesquisador do Pós-Crítica, nas visitas realizadas, encontrava-me numa escola

onde os professores e equipe gestora mantinham uma dinâmica de uma escola

sempre em construção. As atividades eram planejadas de forma a procurar atender

às necessidades não só dos alunos mas também do Povo Kiriri Cantagalo. Os

professores tinham recebido vários exemplares de livros de outros povos indígenas

editados pelo MEC6. Esse material foi produzido no ano de 2004/2005 pela

Secretaria da Educação do Estado da Bahia e distribuído para as escolas indígenas

neste mesmo ano, sendo recebido com muita expectativa pelos professores. Os

professores indígenas, principalmente os das séries iniciais começaram a trabalhar

com esses materiais representando um importante instrumento de trabalho,

estudando a sua realidade, fazendo leituras diversas.

Nas questões relacionadas às práticas pedagógicas, como a Unidade Escolar

tinha sido ampliada, atendendo aos alunos do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano e

Ensino Médio) as discussões neste campo do conhecimento estavam agora voltadas

para o fortalecimento de uma escola indígena diferenciada, que tinha que construir a

sua Proposta Curricular, o seu Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar

em consonância com as Diretrizes da Educação Escolar Indígena prescrita pelo

Conselho Nacional de Educação – CNE7. Essa forma desafiante de construção da

escola indígena envolveu não só a equipe gestora, como também as lideranças

indígenas, pais, alunos e professores, pois essa já era uma prática comum entre o

Povo Kiriri Cantagalo.

6 Histórias Tuxá, Povo Pataxó, além do livro Nosso Povo: leituras kiriri – Educação Diferenciada na

Visão do Povo Kiriri. 7 Diálogo com as Diretrizes Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê e com as

orientações para as escolas indígenas do Estado da Bahia oriundas da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia / Coordenação Estadual de Educação Escolar Indígena.

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As Matrizes Curriculares implantadas na Unidade Escolar apresentava a Base

Nacional Comum e na Parte Diversificada surgiam Componentes Curriculares que

permitiam um diálogo com as necessidades educacionais do Povo Kiriri Cantagalo.

O Ensino Médio foi implantado no ano de 2010, como extensão do Colégio

Estadual Flaviano Dantas do Nascimento, escola não indígena que fica localizada na

sede do Município de Banzaê. Inicialmente, o ensino médio começou na Aldeia

Indígena com uma turma de 1º ano, com matrícula de mais ou menos 40 alunos,

funcionando no turno noturno. Não houve nenhuma preparação dos professores

para assumirem um curso de ensino médio, além da unidade escolar não ter

estrutura física condizente para implantação de um curso desta natureza.

Novos desafios são postos

Com a reivindicação das lideranças indígenas, professores e pais, a Escola

Municipal Indígena Marechal Rondon sendo estadualizada no ano de 2011 e

transformando-se no Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade8. a

“arrumação” da escola para o Sistema Estadual de Ensino ocorreu no período de

maio até dezembro de 2011. Os professores que iam lecionar a partir de 2012 não

seriam mais contratados pela Prefeitura Municipal de Banzaê, porém pelo Governo

do Estado da Bahia por um contrato emergencial. Assim também seria o pessoal

para a parte administrativa, de apoio, merendeiras e porteiros.

Durante todo esse período não foi feita nenhuma visita por parte dos técnicos

da Secretaria da Educação do Estado à Unidade Escolar e somente no dia 16 de

dezembro de 2011 por solicitação das lideranças indígenas é que foi realizada uma

reunião geral envolvendo representantes da Coordenação Indígena, DIREC 11,

Prefeitura Municipal de Banzaê/Secretaria Municipal de Educação e FUNAI Paulo

Afonso.

Assumi a direção do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de

Andrade no dia 05 de dezembro de 2011, por designação no Diário Oficial do Estado

da Bahia do dia 02 de dezembro de 2011 – Portaria 2830/2011 aceitando ao convite

feito pelas lideranças indígenas Kiriri e professores.

8 Homenagem ao Seu Florentino, grande líder da Aldeia Cantagalo falecido no ano de 2001.

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Durante todo o mês de dezembro de 2011, realizei reuniões com as

comunidades onde estavam localizadas as escolas indígenas que passaram a ser

anexos à escola recém-criada. Nessas reuniões fiz um levantamento de toda a

situação em que as escolas se encontravam, desde as questões de ordem física,

recursos materiais, equipamentos9 e dos recursos humanos que iríamos necessitar

para o ano de 2012.

Ao assumir a direção da unidade escolar, encontrei a organização tanto

pedagógica quanto administrativa em processo de construção. Preocupei-me com o

excessivo número de alunos evadidos e também reprovados da mesma etnia.

Com a realização da Jornada Pedagógica para o ano letivo de 2012, pude

ouvir relatos dos professores e das pessoas que tinham feito parte da equipe de

gestão nos anos anteriores, principalmente das questões relacionadas à

aprendizagem dos alunos, das dificuldades enfrentadas, a falta de um

acompanhamento das práticas pedagógicas dos professores e do desenvolvimento

dos alunos, a falta de planejamento das aulas, os recursos materiais que eram

insuficientes. As atividades da escola seguiam as orientações que eram dadas pelos

técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê. Após a realização da

jornada pedagógica de 2012, sabia dos muitos problemas que tinha de enfrentar na

escola sede e também nos anexos.

Entre os problemas, estava a organização pedagógica dessas escolas

indígenas, porque em minhas observações as propostas que os professores

apresentavam eram interessantes, desafiadoras, as quais procuravam efetivar tais

propostas no dia a dia da sala de aula. Ser professor indígena é antes de tudo ser

pesquisador de sua própria cultura. E esse tem sido o caminho para a construção de

uma educação escolar indígena diferenciada: partir da própria realidade, das

inquietações, dos desejos e dos sonhos, do vem a ser de fato uma escola indígena

construída pelos próprios professores e professoras indígenas.

Foi sugerido aos professores que ao invés de fazerem um plano anual para

cada série ou disciplina que iriam ministrar, selecionassem algumas atividades e

fizessem o planejamento da primeira semana de aula, sempre com o olhar de fazer

9 Carteiras para alunos, estantes de aço, armários, arquivos, mesas para computador, armários para

cozinha, mesas para secretaria, mesas para professor, geladeira, freezer, computadores, notebook, máquina digital, filmadora, DVD, pendrive, impressoras, datashow, microsistem, televisores, ventiladores, duplicador, sirene, bebedouros, forno microondas, fogão industrial, liquidificador industrial, batedeira industrial, utensílios para cozinha, materiais de higiene.

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um diagnóstico da situação de cada sala de aula/série/disciplina, para que depois de

um período dessas observações pudesse construir um plano de ação pedagógica.

Os professores têm dificuldades de entenderem na prática o que significa: observar,

diagnosticar, propor, avaliar, buscar resultados, para planejar a 1ª unidade letiva e,

consequentemente fazer o planejamento anual.

A proposta de trabalho inicialmente agradou aos professores, que se

envolveram, enfrentaram os desafios e dificuldades, relatavam suas expectativas e

experiências educacionais, estavam abertos ao diálogo. Todos os alunos receberam

livros didáticos que foram adquiridos pelo Ministério da Educação, pelo Programa

Nacional do Livro Didático – PNLD, mas os professores comentavam que os alunos

tinham dificuldades em acompanhar as propostas dos livros, pois na maioria das

vezes são livros construídos na ótica da educação urbana, dos grandes centros.

A organização pedagógica proposta pelos professores é a de que

pudéssemos desenvolver atividades que envolvessem todos os professores, alunos

e comunidade, fazendo uma articulação de saberes/conhecimentos. Isso não tem

sido uma tarefa fácil, pois esse processo de construção, de autoria, desconstrução,

favorecendo dessa forma o envolvimento de todos. A dinâmica de fazer um trabalho

de revisitar a sua própria práxis pedagógica tem se mostrado um campo propício

para se refletir sobre esse processo de construção de uma escola/educação

indígena diferenciada e específica para o Povo Kiriri Cantagalo.

No trabalho da II jornada pedagógica do ano de 2012 foram distribuídas para

todos os professores cópias de textos que falavam dos fundamentos gerais da

educação escolar indígena, orientações pedagógicas para a organização escolar, a

organização do trabalho escolar e os temas transversais que estão presentes no

RCNEI. Esta iniciativa teve como objetivo dialogar com todos os professores

indígenas envolvidos na reflexão de como essas questões vem sendo trabalhadas

no contexto da escola indígena Kiriri Cantagalo, o que precisa ser repensado e o

que precisa avançar.

Esse foi o grande desafio para o 2º semestre de 2012: envolver todos os

professores indígenas, funcionários, lideranças e pais nas questões pertinentes de

sua educação escolar, no desenvolvimento de atividades que contemplassem todas

as modalidades de ensino ofertadas pelas escolas indígenas. É um repensar de tudo

o que foi feito em anos anteriores, ver onde se encontram os pontos críticos, a

grande cisão entre teoria e prática, trazendo para o cerne das discussões a

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autonomia da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo e a construção de uma

educação escolar indígena de qualidade a partir da definição do que os Kiriri

Cantagalo realmente pretendem de sua escola.

A partir desse relato e das observações feitas no transcorrer desses anos,

sobre as conquistas que os Kiriri Cantagalo tiveram em termos de educação, que se

estendem da educação infantil ao ensino médio. Os Kiriri Cantagalo mencionam de

forma explícita que a escola tem que servir para o fortalecimento da cultura e da

identidade desse povo. Como já refletiu Lopes da Silva (2001a, p. 101), “hoje, as

escolas, como instrumento para a compreensão da situação extra aldeia, e o

domínio de conhecimentos e tecnologias específicas que elas podem favorecer

estão incorporadas à maioria das pautas de reivindicações de povos indígenas no

país”. Todavia, conforme Silva,

Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas. (20001b, p. 12)

A fala de Aracy Lopes da Silva parece se aplicar muito bem à realidade Kiriri,

sobretudo tendo em vista, que como demonstrado no relato acima, há um grande

descompasso entre a educação escolar praticada no dia-a-dia das escolas Kiriri

Cantagalo e os discursos produzidos sobre a mesma por dos Órgãos Oficiais da

Educação Brasileira e Baiana. Como demonstrado, as ações de controle por parte

dos órgãos oficiais da educação, seja na tentativa de imposição do currículo, nos

entraves burocráticos que geram pouca autonomia às escolas indígenas ou nos

discursos que desqualificam a educação praticada no contexto da Aldeia parecem

produzir um efeito contrário àquilo que está garantido nas legislações específicas

que tratam da educação escolar indígena, uma vez que os princípios de autonomia,

diferença, interculturalidade, assegurados em tais legislações passam a ser

desrespeitados. Nesse sentido, segundo Franchetto,

O campo da chamada educação indígena é atravessado por inúmeras linhas de força, tanto ideológicas quanto pragmáticas. O Estado ou faz passos de leão com o objetivo de homogeneizar e modernizar, no caso do poder federal e de algumas poucas iniciativas locais, ou se mantém perigosamente omisso, no caso de muitas situações locais. O Estado ainda não consegue mobilizar e canalizar recursos humanos e financeiros, de

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modo racional e inteligente. Enquanto isso, a escolarização, atinge cada vez mais povos indígenas que a sofrem, internalizam e dela se apropriam, ou então a rejeitam. Fala-se muito em “conquistas da educação” mas ainda muito pouco das contradições entre a retórica inócua e práticas pouco refletidas, por vezes profundamente autoritárias e enganadoras, que observamos em aldeias, áreas indígenas, postos da FUNAI, municípios e estados. (2006, p. 197)

Nisso, há uma heterogeneidade de questões e posições, de discursos, de

intenções depositadas na escola, de disputas políticas e simbólicas que atravessam

a educação escolar indígena Kiriri Cantagalo. Parece haver uma grande diversidade

de reações e expectativas por parte dos diferentes grupos e segmentos indígenas e

não indígenas envolvidos, a exemplo da relação entre a comunidade indígena e os

órgãos oficiais de ensino. “Essa heterogeneidade é pouco discutida, tanto

oficialmente, quanto dentro dos próprios programas de formação de professores

indígenas e acompanhamento das escolas” (FRANCHETTO, 2006, p. 196), como

também nas questões relacionadas aos processos de ensino aprendizagem, às

práticas de ensino da leitura e da escrita, as representações sobre leitura por parte

dos professores e demais responsáveis pela educação, que orientam tais práticas.

Em muitos dos trabalhos e etnografias produzidas sobre educação escolar

indígena, essas questões, quando aparecem, são de forma secundárias, pouco

refletidas. É como se as escolas indígenas não apresentassem problemas,

dificuldades, limitações no que diz respeito às práticas de letramento, aos processos

de ensino-aprendizagem. As dificuldades, quando apontadas, limitam-se em tom de

denúncia, às ações de controle que o Estado tende a manter em relação às escolas

nas Aldeias.

Certamente não queremos negar a importância de se refletir sobre relações

que são construídas, quase sempre com tensões, entre o Estado e as Secretarias

Municipais de Educação e as escolas nas Aldeias, uma vez que o caráter

normatizador e homogeneizador das políticas públicas de educação, aliado às suas

ações de controle, geram sérios problemas ao bom andamento e à construção da

autonomia das escolas indígenas.

Outro aspecto que vale trazer à discussão está relacionado, mesmo no

contexto das escolas indígenas, ao predomínio de uma “cultura escolar”,

compreendida como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar

e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão

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desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos (JULIA, 2001,

apud GONÇALVES & FILHO, 2005).

Nesse sentido, “as práticas e situações escolares tem suas características de

vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos

próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de

gestão de símbolo” (FORQUIN, 1993, apud GONÇALVES & FILHO, 2005, p. 35),

mesmo em escolas indígenas que se apresentem como específicas, diferenciadas e

interculturais.

No caso Kiriri Cantagalo, a cultura escolar, a “forma escolar” parece

impregnar muitas das ações pedagógicas, das práticas de ensino de leitura e

escrita, do ritmo escolar, da organização do tempo escolar que, no limite, acabam

escolarizando outras relações no contexto da comunidade, a exemplo das questões

que dizem respeito à cultura Kiriri, tendo como exemplo o caso do professor de

Cultura reprovar os alunos que são indígenas, na disciplina Cultura Indígena.

“Portanto, procede a assertiva de que a escola escolariza o seu fazer escolar.

Apropria-se do já estabelecido e escolariza-o particularizando a sua prática de ser

escola”. (GONÇALVES & FILHO, 2005, p. 48).

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III -EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Neste capítulo, apresentamos algumas considerações relacionadas à

Educação Escolar Indígena, suas trajetórias históricas e como a mesma se

apresenta no momento atual no Brasil, na Bahia e entre o Povo Indígena Kiriri

Cantagalo.

Educação Escolar Indígena: trajetórias históricas e momento atual no Brasil e

na Bahia

As discussões acerca da educação escolar indígena no contexto da educação

brasileira nas últimas décadas, tem nos levado a uma substancial reflexão, em torno

da legitimidade dos povos indígenas para garantia de seus direitos enquanto

cidadãos brasileiros. Nessas trajetórias, encontramos um cenário marcado por lutas

históricas, fortalecimento das práticas escolares nas escolas indígenas e uma

relação bastante íntima entre educação e cultura.

Ao adentrar nas questões relacionadas à educação escolar indígena, existe

uma diferença ao que vem a ser educação indígena versus educação escolar

indígena. Dessa forma:

Educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança. Ao articular instituições, valores e práticas, em integração dinâmica com outros sistemas sociais, como a economia, a política, a religião, a moral, os sistemas educacionais têm como referência básica os projetos sociais (ideias, valores, sentimentos, hábitos etc.) que lhes cabem realizar em espaços e tempos sociais específicos. Assim, a educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores. A educação escolar indígena refere-se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global.(Luciano, 2006 p. 129)

Entendendo essa sutil diferença, percebemos o que de fato é educação

escolar indígena, para a partir daí compreender todo o processo de chegada da

escola nas comunidades indígenas. Observamos, que na maioria das vezes não é

estudado nos meios acadêmicos, principalmente nos cursos de licenciatura, a

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história da educação escolar indígena. Mas, compreendemos essa atitude, pelo

grande motivo de que a nossa sociedade foi concebida a partir do pensamento

europeu, e que pouca importância tinha de estudar a educação dentro do princípio

da diversidade.

Outra questão importante é quando falamos de modelos de educação. No

processo de colonização do Brasil, na gênese da educação escolar indígena,

MAHER (2006 p.19-20) nos diz que Educação Escolar Indígena pode ser encaixada

em dois paradigmas, sendo que na década de 70 o paradigma predominante foi o

paradigma assimilacionista. Mas o que o que é esse modelo de paradigma.

Ainda citando Maher (2006 p. 19-20):

Nesse paradigma, o que se pretende é, em última instância, educar o índio para que ele deixe de ser índio: o objetivo do trabalho pedagógico é fazê-lo abdicar de sua língua, de suas crenças e de seus padrões culturais e incorporar, assimilar os valores e comportamentos, inclusive linguísticos, da sociedade nacional. Inicialmente, tentou-se atingir tal objetivo através das orientações fornecidas pelo Modelo Assimilacionista de Submersão, onde as crianças indígenas eram retiradas de suas famílias, de suas aldeias e colocadas em internatos para serem catequizadas, para aprenderem português e os nossos costumes, enfim para “aprenderem a ser gente”. Porque o que se acreditava é que os costumes e crenças indígenas não correspondiam aos valores da modernidade.

Práticas como essa, permearam a história da educação escolar indígena;

segundo a autora há muita documentação escrita atestando que o índio era visto

como um bicho, um animal que precisava urgentemente, de acordo com o projeto de

construção da Nação Brasileira, ser “civilizado”, “humanizado”, e à escola cabia levar

a cabo tal incumbência, através de programas de submersão cultural e lingüística.

Assim surgiu no contexto da educação escolar indígena o Modelo

Assimilacionista de Transição. Nesse modelo:

não há a retirada da criança indígena do seio familiar. Antes, cria-se uma escola na aldeia e a língua de instrução, nas séries iniciais, é a língua indígena, porque, percebeu-se, é extremamente difícil alfabetizar uma criança em uma língua que ela não domina. Mas, nesse modelo, depois que a criança é alfabetizada em sua língua materna, depois que ela entende o que é a escrita, como é o seu funcionamento, vai-se introduzindo o português paulatinamente até que a língua indígena seja totalmente excluída do currículo escolar. A função da língua indígena é apenas servir de elemento facilitador para a aprendizagem de língua portuguesa, a qual, tendo sido aprendida, passará a ser a língua de instrução na apresentação dos demais conteúdos escolares. (MAHER, 2006 p. 21)

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Seria então essa forma de educar as crianças indígenas?

É lamentável que experiências dessa natureza aconteceram em nosso Brasil,

principalmente entre os povos indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste, em um

tempo não muito distante do nosso, pois esse cenário eram os anos 70, quase que

no final do século XX.

Com o passar dos tempos, já nos anos 80 e ainda citando MAHER (2006 p.

22):

nos últimos vinte anos, pudemos presenciar uma modificação importante no cenário da Educação Escolar Indígena, com a introdução de um novo paradigma, o Paradigma Emancipatório, que sob seus princípios é construído o Modelo de Enriquecimento Cultural e Linguístico. Nele, o que se quer promover é um bilinguismo aditivo: pretende-se que o aluno indígena adicione a língua portuguesa ao seu repertório linguístico, mas pretende-se também que ele se torne cada vez mais proficiente na língua de seus ancestrais. Para tanto, insiste-se na importância de que a língua de instrução seja a língua indígena ao longo de todo o processo de escolarização e não apenas nas séries iniciais. Além disso, esse modelo busca promover o respeito às crenças, aos saberes e às práticas culturais indígenas.

Essas práticas dentro deste Paradigma Emancipatório tem influenciado a

educação escolar indígena nos dias atuais, sendo esta a política de

desenvolvimento de projetos voltados para as escolas indígenas adotadas por

muitas instituições governamentais e não-governamentais, favorecendo o

fortalecimento das práticas escolares das respectivas escolas indígenas em

detrimento com o modelo proposto desde a época do século XVI que era um modelo

voltado para a catequização dos povos indígenas e do modelo apresentado na

década de 70 como vimos anteriormente que era um modelo educacional onde o

índio era “convidado a deixar de ser índio”.

Observando o processo histórico da educação escolar indígena, é uma

educação que foi construída no processo hegemônico europeu, e que a luta dos

povos indígenas no Brasil de hoje é justamente para se ter uma educação escolar

indígena, construída e pensada pelos próprios índios, evitando desta forma uma

nova “invasão”, pois de acordo com os fundamentos gerais da educação escolar

indígena contida no RCNEI (2005), tem o reconhecimento da multietnicidade,

pluralidade e diversidade – o Brasil é uma nação constituída por grande variedade

de grupos étnicos, com histórias, saberes, culturas e, na maioria das situações ,

línguas próprias, onde tal diversidade sociocultural é riqueza que deve ser

preservada. (MEC.RCNEI 2005 p. 22) Reconhece a relação que existe entre

educação e conhecimentos indígenas: desde muito antes da introdução da escola,

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os povos indígenas vêm elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas

de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir,

avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o

homem e o sobrenatural. (MEC. RCNEI 2005 p. 22).

Pensar em uma educação que venha fortalecer tais saberes e

conhecimentos, não tão somente fortalecer, mas possibilitar a troca de experiências

entre os povos, a salvaguarda do patrimônio material e imaterial das populações

indígenas. A educação escolar indígena adentra as primeiras décadas do século

XXI, trazendo em seu bojo o contínuo processo de luta por uma educação específica

e diferenciada, tendo a necessidade do desenvolvimento de uma política

educacional comprometido com os projetos societários desses povos.

Os anos 90, foram marcados por conquistas significativas a respeito da

educação escolar no Brasil, e na Bahia.

Tais conquistas ocorreram por conta da mobilização do movimento indígena

organizado, advindo da década de 70, que após a redemocratização do Brasil na

década de 80, passa a conquistar mais espaço, dando maior visibilidade ao que se

propõe, continuando em seu processo de luta.

Com o Ministério da Educação – MEC, assumindo a política da Educação

Escolar Indígena no Brasil, criando no âmbito deste órgão governamental uma

Coordenação Nacional de Escolar Indígena, dialogando com Estados e Municípios,

começa a dar os primeiros passos. Dentro deste cenário, iremos encontrar

experiências bem sucedidas de projetos de educação escolar indígena

desenvolvidos em vários Estados brasileiros, mas em contraponto temos um viés da

ideologia neoliberal presente na política educacional do MEC, através de programas

destinados à educação básica, principalmente no que concerne à formação de

professores, como por exemplo os Parâmetros em Ação, que eram desenvolvidos

em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.

O referido programa tinha como metodologia a formação de professores em

todos os níveis e modalidades de ensino, através de materiais organizados por

especialistas das diversas áreas de conhecimento, mas sem a participação dos seus

maiores beneficiários que eram os professores. Estes participavam dos encontros

executando as atividades que já vinham “prontas” a serem aplicadas pelos

coordenadores de cada polo de capacitação, pois o objetivo era implementar a

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proposta dos PCNS distribuídos pelo MEC a todos os professores brasileiros em

meados da década de 90.

Em relação à educação escolar indígena foi organizado o documento

Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena – RCNEEI10, que contou

com a colaboração de professores indígenas, especialistas e professores

universitários de todo o Brasil. Este documento trouxe de forma sistematizada os

princípios da educação escolar indígena, traduzindo em fundamentos gerais, traz

também um breve histórico da educação escolar indígena no Brasil, as orientações

pedagógicas e orientações curricular, organização do trabalho escolar e os temas

transversais, além de trazer as áreas a serem trabalhadas nas escolas indígenas

(Línguas, Matemática, História, Geografia, Ciências, Arte e Educação Física).

O MEC, através da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena –

CGEEI, disponibilizou para todas as Secretarias Estaduais de Educação que tinham

escolas indígenas o referido documento impresso, para que o mesmo fosse utilizado

nos cursos de formação de professores indígenas, neste caso o Magistério Indígena,

além de disponibilizar outros materiais ( guias para os coordenadores e para os

cursistas, fitas de vídeo com os programas referentes a cada Unidade a ser

estudada e caderno de anotações do percurso) que faziam parte dos Parâmetros em

Ação para as escolas indígenas.

No Estado da Bahia, estávamos na etapa final da 1ª Turma Magistério

Indígena, onde esse material foi desenvolvido de forma parcial. Uma das críticas que

se faz ao material dos Parâmetros em Ação, é que ele chegou às escolas indígenas

de forma vertical, não dialogando com os professores indígenas e suas

comunidades, pois os professores tiveram acesso a esse material em momentos

esporádicos, mas de que forma as práticas de sala de aula são de fato vistas,

percebidas dentro dessa proposta de trabalho, levando em conta toda a diversidade

da educação escolar indígena no contexto brasileiro, é portanto, um documento

“pronto” a ser seguido pelos professores indígenas, especialistas e técnicos das

Secretarias estaduais e municipais de educação.

10

Este documento foi publicado pelo Ministério da Educação – MEC, no ano de 1997/1998 sob a Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena do referido MEC, lembrando que mesmo trazendo os fundamentos gerais da educação escolar indígena, é um documento construído em um viés de uma educação neoliberal, política adotada pelo MEC no Governo Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Paulo Renato. O RCNEI como é conhecido pelos professores indígenas teve uma participação expressiva desses(as) professores(as), mas isso não significa que a sua linha ideológica seja de fato a desejada pelos Povos Indígenas do Brasil.

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A educação escolar indígena e a garantia dos direitos na legislação

Outros documentos que estabelecem as diretrizes e os princípios da

educação escolar indígena no país foram elaborados. O RCNEEI foi do ano de

1997/1998 , mas em anos anteriores tivemos: o Decreto Presidencial nº 26 do ano

de 1991, que transfere a responsabilidade da educação indígena da FUNAI para o

MEC dando o primeiro passo para um amplo processo de descentralização das

ações da educação escolar indígena que eram desenvolvidas exclusivamente pela

FUNAI e que com esse Decreto as ações passam a ser desenvolvidas pelo

Ministério da Educação; a Portaria Ministerial nº 559 de 1991 que cria no MEC uma

Coordenação Nacional de Educação Indígena, onde no seu Artigo 4º diz que essa

Coordenação Nacional é constituída por Técnicos do MEC e Especialistas de órgãos

governamentais e não-governamentais afetam à educação indígena e

universidades, com a finalidade de coordenar, acompanhar e avaliar as ações

pedagógicas da educação indígena no País, ampliando assim as discussões acerca

da educação escolar indígena, implementando políticas de formação de professores

indígenas, produção de material didático, garantindo às escolas indígenas os direitos

garantidos na Constituição de 1988; as Diretrizes para a Política Nacional de

Educação Escolar Indígena do ano de 1993 ampliando o diálogo acerca da

educação escolar indígena, consolidando ações para o seu desenvolvimento; a Lei

de Diretrizes e Base da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 nos seus Artigos 26,

32, 78 e 79 dando de fato corpo ao que a Constituição de 1988 determina para os

Povos Indígenas do Brasil, o direito a uma educação específica e diferenciada,

processos próprios de aprendizagem. E em anos posteriores: no ano de 1999,

ocorre a aprovação do Parecer 14/99 pelo Conselho Nacional de Educação –

CNE/CEB importante documento que traz em seu bojo o processo histórico da

educação escolar indígena no Brasil avanços e retrocessos, sendo que a publicação

do referido Parecer já pode ser considerado um grande avanço uma vez que na

História da Educação Brasileira e suas políticas educacionais aparece um texto

oficial falando da existência de escolas indígenas sua organização política, curricular

e pedagógica, e consequentemente as Diretrizes Curriculares Nacionais para as

Escolas Indígenas – Resolução 03/99 que materializa o que o Parecer 14/99

apresenta em seu texto. No ano de 2001 ocorre a publicação da Lei nº 10.172/01

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que estabelece o Plano Nacional de Educação – PNE que das 295 metas 21 são da

modalidade educação escolar indígena; em 2002 o lançamento pelo MEC dos

Referenciais para a Formação de Professores Indígenas com o objetivo de orientar

todos os Estados da Federação que possuem Povos Indígenas na oferta de cursos

de formação inicial e continuada para professores indígenas; em 2004 o Decreto

Presidencial nº 5.051 promulga a Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho – OIT, sendo um instrumento internacional que trata especificamente dos

direitos dos povos indígenas e tribais no mundo; o Decreto Presidencial nº

6861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais apresentando a partir deste Decreto

a nova forma de gestão da educação escolar indígena no âmbito do Território

Brasileiro através das Políticas Educacionais do Ministério da Educação para os

Povos Indígenas; o Parecer nº 13/2012 do CNE/CEB que elucida o protagonismo

dos professores indígenas em vários espaços de atuação, avança nas discussões

acerca dos aspectos gerais da educação escolar indígena entre eles a realização da

I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena e das novas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena.

No Estado da Bahia iremos encontrar o Decreto nº 8.471 de 12 de março de

2003 do Governador do Estado, que cria a Categoria de Escola Indígena no âmbito

do Sistema Estadual de Ensino da Bahia; a Resolução nº 106/2004 do Conselho

Estadual de Educação – CEE/BA que estabelece diretrizes e procedimentos para a

organização e oferta da educação escolar indígena no Sistema Estadual de Ensino e

a Lei Estadual nº 18.629/10 que cria a carreira de professor indígena no Estado da

Bahia.

Analisando esta trajetória em aspectos à legislação específica para a

educação escolar indígena, percebe-se que as leis foram criadas, aprovadas pelos

órgãos competentes, mas na prática, no chão da escola e da aldeia, existe um hiato

muito grande. As reivindicações pelos povos indígenas continuam de forma incisiva,

e entendemos essas reivindicações como uma luta legítima desses povos, em fazer

valer o direito que é prescrito nessas respectivas leis.

Os impasses para a efetivação de uma política de atendimento à educação

escolar indígena no Brasil e na Bahia tem sido enormes, pois muitas das

reivindicações dos povos indígenas em relação à educação tem sido a pauta dos

representantes indígenas através de associações, conselhos, fóruns, quando esses

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representantes vão participar de encontros com autoridades municipais, estaduais e

federais.

Quando olhamos para os dados da educação escolar indígena tanto a nível

de Brasil, quanto a nível de Bahia, apesar de todas essas dificuldades existe um

crescimento significativo de matrícula em todas as séries e modalidades de ensino.

No cenário nacional a educação escolar indígena apresenta os seguintes

dados segundo informações do MEC/CGEEI11 ano base 2010: nesse ano o Brasil

tinha 2.836 escolas indígenas; 10.923 professores indígenas; 196.075 estudantes,

sendo 19.565 na Educação Infantil, 109.919 de 1ª a 4ª série, 41.241 de 5ª a 8ª série,

10.004 no Ensino Médio e 15.346 na Educação de Jovens e Adultos – EJA.

A população indígena é de 810.000 tomando como base os dados do

IBGE/201012. Terras indígenas 634; etnias 236, línguas indígenas 180, aldeias

3.487, municípios 367 e Estados da Federação 26.

No Estado da Bahia a população indígena é de 11.677 distribuídos em 14

povos, totalizando 76 aldeias, e 24 municípios. (FUNAI – DF. 2011)13.

No tocante à educação, na Bahia existem 59 escolas, destas 25 pertencem

ao Sistema Estadual de Ensino e 34 ao Sistema Municipal de Ensino. 7.730 é o

número total de estudantes, sendo 944 da Educação Infantil, 3882 de 1ª a 8ª série,

303 no Ensino Médio, 903 na Educação de Jovens e Adultos, de acordo com

informações da Secretaria da Educação do Estado da Bahia / Coordenação

Estadual de Educação Escolar Indígena, ano de referência 201114.

De acordo com Nobre (2005, pag. 83-90) em seu texto Para uma síntese dos

avanços e impasses da educação escolar indígena hoje, apresenta como os

avanços conquistados na educação escolar indígena no Brasil:

Os impasses que permanecem: ausência de políticas linguísticas; descoordenação entre as políticas públicas indigenistas; dificuldades nos processos de reconhecimento e regularização das escolas indígenas; implantação de turmas de 5ª a 8ª séries e ensino médio nas escolas indígenas; manipulação dos Conselhos Municipais de Educação; má distribuição dos recursos do FUNDEB; ausência de mecanismos de controle social das políticas públicas; dificuldade de transporte escolar, limites da

11

Esses dados foram informados pelo Prof. Dr. Gersem Baniwa, Coordenador Geral de Educação Indígena do Ministério da Educação – MEC/Brasília, durante a I Etapa do Curso de Formação para Gestores Indígenas, em Salvador – Bahia no período de 03 a 07 de agosto de 2011. 12

Dados IBGE /2010 13

Dados FUNAI Brasília /2010 14

Dados informados pela Coordenação Estadual de Educação Escolar Indígena – CIN / Secretaria da Educação do Estado da Bahia. 2011

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legislação; incipiente qualificação profissional dos técnicos das secretarias estaduais e municipais e não aplicação dos programas educacionais específicos federais à escola indígena.

Essas questões apontadas por Nobre (2005) tem sido uma constante nas

escolas indígenas, não só a nível nacional, como também repercutindo no nível

estadual e local. Os órgãos públicos responsáveis pela educação escolar indígena

tanto a nível nacional quanto local, tem conhecimento dessa situação, mas

infelizmente pouco ou nada fazem, as questões burocráticas sobressaem no

atendimento à demanda existente.

Diante do que foi exposto acerca da educação escolar indígena até aqui,

outros espaços de discussão foram acontecendo, envolvendo povos indígenas em

todo Brasil, consequentemente na Bahia e entre o Povo Kiriri Cantagalo. Um desses

espaços foi a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – CONEEI, que

aconteceu no ano de 2009 no período de 16 a 21 de novembro, em Luziânia –

Goiás. A I CONEEI foi realizada pelo MEC em parceria com o Conselho Nacional de

Secretários de Educação – CONSED e Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que

teve como tema “Educação Escolar Indígena: gestão territorial e afirmação cultural”.

Para a realização dessa conferência, foram realizadas em todo o Brasil em período

anterior à CONEEI, conferências regionais refletindo sobre o tema da CONEEI,

envolvendo representantes de órgãos governamentais, não governamentais, escolas

indígenas, universidades entre outros.

Durante a realização da I CONEEI, um dos pontos discutidos foi sobre o

Decreto Presidencial nº 6.891 de 27 de maio de 2009 que dispõe sobre a Educação

Escolar Indígena, define sua organização em Territórios Etnoeducacionais – TEE.

De acordo com o MEC, os TEE tem como objetivo organizar a educação

escolar indígena, observando a sua territorialidade, por meio do Regime de

Colaboração entre os Sistemas de Ensino e os Povos Indígenas, abrangendo todas

as escolas indígenas e todo o território nacional.

No Estado da Bahia, foi criado o Território Etnoeducacional - TEE Yby Yara,

que em Tupi quer dizer “dono da terra”. O TEE Yby Yara abrange todos os 14 povos

indígenas da Bahia, sendo que a partir da criação deste TEE, toda a política de

atendimento à educação escolar indígena no âmbito do Estado pactuado com os

municípios passa a ser através de um plano de ação elaborado com a participação

de representantes indígenas, universidades, Secretaria da Educação do Estado da

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Bahia, Secretarias Municipais de Educação, MEC, FUNAI, UNDIME, Associações

Indígenas.

Outro espaço importante que foi criado no contexto da educação escolar

indígena no Brasil foi o Observatório da Educação Escolar Indígena, coordenado

pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CAPES. De

acordo com a CAPES, o objetivo do Observatório da Educação Escolar Indígena é

fomentar o desenvolvimento de estudos e pesquisas em educação, que explorem ou

articulem as bases de dados do INEP, visando estimular a produção acadêmica e a

formação de recursos pós-graduados (mestrado e doutorado) e fortalecer a

formação de profissionais da educação básica intercultural indígena, professores e

gestores, para os Territórios Etnoeducacionais.

Na Bahia, o Observatório da Educação Escolar Indígena está sob a

coordenação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, envolvendo pesquisadores

indígenas e não indígenas dos cursos de mestrado e doutorado da própria UFBA, da

UNEB e de outras instituições. As ações15 desenvolvidas no âmbito do Observatório

da Educação Escolar Indígena na Bahia, tem contribuído de forma significante para

o desenvolvimento de políticas públicas para os povos indígenas da Bahia,

principalmente no que diz respeito à pesquisa da situação da Educação Escolar

Indígena no Estado da Bahia, a partir de um diagnóstico muito bem detalhado.

Os caminhos para a educação escolar indígena tem que ser caminhos de

autonomia dessas escolas, autonomia em todos os sentidos, não promover uma

educação compulsória, que reproduza o modelo positivista, a ideologia da classe

dominante ocidental.

Assim, teremos novos rumos, novas trajetórias da educação escolar indígena

no Brasil e na Bahia. Os povos indígenas construindo a sua própria educação, de

forma criativa, comprometida com os projetos e anseios de cada povo, partilhando

saberes e conhecimentos, onde as práticas pedagógicas e os currículos nasçam a

partir do chão da escola, da aldeia, desconstruindo práticas opressoras e

15

“2010 – diagnóstico pioneiro da situação educacional dos povos indígenas no Estado da Bahia, a partir de informações coletadas por professores/pesquisadores em suas aldeias, além de contar com linguísticas, antropólogos, historiadores e cientistas políticos indígenas e não indígenas”. SILVA, Carlos Rafael. O modelo de gestão territorializada da Política de Educação Escolar Indígena no Estado da Bahia. In: Cadernos de Arte e Antropologia. Vol. 2. N. 2(2013). Org. Maria Rosário de Carvalho. Universidade Federal da Bahia – UFBA. Salvador, 2013

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excludentes que foram impostas em tempos atrás na visão do colonizador, do

dominador e que em pleno século XXI ainda persiste.

A beleza das trajetórias que se constrói no encontro com o outro, a outra, no

enraizamento do modo único de ser o que de fato é necessário.

O Povo Kiriri Cantagalo e suas experiências educacionais

Para entendermos a educação no contexto do Povo Kiriri Cantagalo, temos

que situar historicamente essas trajetórias, pois tais aspectos se imbricam com a luta

do movimento indígena brasileiro. Sendo o Povo Kiriri Cantagalo originado do Povo

Kiriri, que tem suas raízes no Século XVII, em seu processo de aldeamento, é nesse

cenário que vai ser situado a história da educação escolar indígena do povo Kiriri,

pois esse povo tem toda a sua história da educação ligada intimamente com as

fases da educação escolar indígena no contexto do Brasil.

O que nos interessa para este estudo, é situar a educação escolar indígena do

Povo Kiriri a partir da década de 1980 até os dias atuais, por considerar essa época

como o marco do desenvolvimento do projeto de educação escolar Kiriri.

Em relação às pesquisas e estudos sobre o Povo Kiriri, apresentamos os

seguintes:

Bandeira (1967) desenvolveu sua pesquisa sobre a organização social, a

economia, a cultura material, sobrevivência linguística, os contos, a medicina

popular e a música do Povo Kiriri. A pesquisa foi realizada na aldeia de Mirandela,

nos meses de janeiro/fevereiro de 1967, na qualidade de Instrutora da Universidade

de Brasília e de estagiária do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal

da Bahia, participando de uma viagem de pesquisa arqueológica. É significativo a

forma como a pesquisadora apresenta seu texto, onde devido a importância desse

trabalho no ano de 1972 foi publicado pela Universidade Federal da Bahia o livro de

uma Série intitulada Estudos Baianos, cujo título Os Kariris de Mirandela: um grupo

indígena integrado. Bandeira, foi autora da primeira etnografia produzida em

Mirandela (C.f Carvalho, 2004 p.136).

Cortes (1996) – Pesquisadora da Universidade Federal da Bahia – UFBA,

Faculdade de Educação – FACED, que desenvolveu sua pesquisa entre os Kiriri de

Mirandela, no período de 1993 a 1995, dando origem a sua dissertação de Mestrado

em Educação no ano de 1996, trazendo como título “A Educação é como o vento: os

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Kiriri por uma educação pluricultural. Cortes, traz importantes contribuições acerca

da educação escolar no Brasil e entre o povo Kiriri. Inicialmente traz reflexões sobre

a educação escolar indígena entre os povos indígenas do Brasil: do período

catequético até os dias atuais, mostrando os processos de conquistas dos povos

indígenas do Brasil à educação.

No que diz respeito ao povo Kiriri, a pesquisadora apresenta uma texto denso,

trazendo toda a trajetória de reconquista do território indígena Kiriri, e neste cenário,

traz as questões relacionadas a educação escolar desse povo, desde a época dos

jesuítas até a pós-modernidade. Os aspectos políticos, sociais, culturais e espirituais

do povo Kiriri estão muito bem delineados no texto da pesquisadora, apresentando

para todos os estudiosos dos Kiriri contribuições muito significativas.

Uma das questões relevantes presentes no texto é a trajetória histórica da

luta do povo Kiriri pela terra, os conflitos entre os posseiros, os avanços da

educação e os momentos conflitantes dessas questões. Apresenta a definição do

que vem a ser educação para o povo Kiriri, as propostas de construção de uma

escola diferenciada, as contribuições das lideranças indígenas (cacique, pajé,

conselheiros) juntamente com os professores indígenas e comunidade. Enfatiza de

forma crítica a atuação dos órgãos governamentais da esfera federal e estadual,

como também a presença do trabalho das missões religiosas no território indígena

Kiriri (católicos e evangélicos).

Santana (2007) – A produção dos discursos sobre cultura e religião no

contexto da educação formal: o que pensam/querem os Kiriri de sua escola?

Dissertação de Mestrado em Educação e Contemporaneidade. Universidade do

Estado da Bahia – UNEB – Salvador – Bahia, 2007. As contribuições do pesquisador

acerca da educação escolar indígena Kiriri são importantes, pois o mesmo situa o

texto de sua pesquisa depois de uma década dos conflitos na Terra Indígena (TI)

Kiriri vivenciados por Cortês. Inicialmente o pesquisador traz em seu texto

referências aos aspectos/trajetórias históricas do povo Kiriri, fazendo alusão à

Bandeira, sendo que no quesito relativo à educação desse povo, a pesquisa busca

compreender os discursos sobre cultura e religião produzidos no contexto da

educação escolar Kiriri e, da mesma forma, analisar como os Kiriri, no contexto

atual, tem se apropriado de sua escola. Após trazer os aspectos históricos do povo

Kiriri, o pesquisador adentra para os aspectos educacionais desse povo. Faz uma

reflexão pertinente acerca do sentido da tradição e da modernidade, discutindo

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conceitos trazidos por Giddens, Hall, Sacristán, Berman, Caleffi entre outros. O autor

apresenta em seu texto quase que uma linha do tempo acerca da educação escolar

indígena no Brasil e entre os Kiriri o contexto onde a educação acontece, fazendo as

leituras de uma educação pós-conflito. Amplia o que vem a ser a educação escolar

indígena Kiriri a partir do movimento indígena. Cortês traz em seu texto os aspectos

da educação escolar indígena Kiriri na década de 70 e 80 e início da década de 90.

Santana traz outras reivindicações dos professores Kiriri, tanto os liderados pelo

Cacique Lázaro (Mirandela), quanto pelo Cacique Manuel (Cantagalo): a

implantação do Ensino de 5ª a 8ª série e do Ensino Médio nas escolas das aldeias

de Mirandela e Araçás.

Macêdo (2008) – Educação por outros olhares: aprendizagem e experiência

cultural entre os índios Kiriri do Sertão Baiano. Dissertação de Mestrado em

Educação. Universidade Federal da Bahia – UFBA; Faculdade de Educação –

FACED. Salvador – Bahia 2008. O texto apresenta reflexões acerca da educação

escolar indígena Kiriri numa relação entre educação e cultura, procurando

compreender como um dos componentes do processo educativo, a aprendizagem, é

experienciada em meio a uma cultura que tem muito a nos ensinar e nos oferece

muito a refletir, quando nos dispomos a pensar a educação para o bem comum

social, trabalhando, ensinando e aprendendo com a diferença.

A pesquisadora apresenta em seu texto a história e conflitos étnicos nos

caminhos do sertão da Bahia, nas tensões entre portugueses e tapuias, sendo este

sertão os caminhos do litoral para as regiões do Baixo-médio e do Baixo São

Francisco e áreas vizinhas, trazendo os nomes dos povos indígenas que habitavam

essas regiões nos séculos XVII e XVIII. Traz em seu contexto relatos históricos do

povo Kiriri, seguindo a mesma ordem cronológica de Cortes (1996) e Santana

(2007).

No tocante à educação, a pesquisadora traz em seu estudo sobre a

aprendizagem como experiência cultural. Apresenta os processos, movimentos e

dinâmicas do aprender. No contexto do povo Kiriri, esse povo faz do Toré um

espaço ritual aprendizagem e de afirmação da identidade Kiriri. Baseada na

Psicologia Sócio Histórica de Vygotsky e também na Psicologia Cultural de Bruner e

nas teorias antropológicas sobre cultura e simbolismo, observa entre os Kiriri e

identifica que é na infância, predominantemente, que os valores socioculturais são

sistematizados e potentemente transmitidos e utilizados no processo de construção

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do sentido interno de quem ela é e de como as pessoas se dispõem ao redor dela.

Assim, crescer entre as narrativas, entre as histórias que compõem a tradição oral

ou de uma cultura, dentro e fora do contexto escolar, é essencial no processo

educacional.

Outro aspecto elucidado pela pesquisadora é a ideia da escola indígena

enquanto “espaço de fronteira” e outros espaços de aprendizagem. De acordo com a

pesquisadora os professores indígenas Kiriri tem uma noção muito interessante e

pertinente sobre a relação da educação escolar diferenciada com a comunidade e os

processos de aprendizagem ligados, determinantemente, à sua cultura e aos seus

espaços tradicionais de formação. Quando a pesquisadora faz alusão a

etnoaprendizagens e a compreensão da educação por outros olhares, diz que:

compreendermos que a educação no seu sentido mais complexo, não é apenas uma

transmissão de conhecimentos, mas é a concretização do modo de viver

experienciado culturalmente. Assim, a experiência em si é o próprio processo de

aprendizagem se realizando. (Macedo, 2009 p.84)

De acordo com a pesquisadora as etnoaprendizagens Kiriri, estão envolvidas,

inseridas em um contexto que abarca as relações com o seu complexo cosmológico

xamanístico e as outras religiões mundiais que tiveram contato, a divisão faccional

do grupo, os embates políticos com os regionais e demais conflitos étnicos, as

relações com o Estado, com a FUNAI, com as universidades, e com a própria cultura

sertaneja e seus valores.

Esses pesquisadores desenvolveram seus trabalhos dentro de cenários

históricos diferentes, mas tendo como foco de estudo o povo Kiriri. Essas

contribuições são de fato importantes, para entendermos nos dias atuais a forma

como os professores indígenas Kiriri constroem as suas práticas educativas.

Ao analisar o projeto de educação escolar entre os Kiriri, Cortes (1996, p. 87)

salienta que é no interior da luta por escola e formação de seus próprios professores

é que, de 1980 a 1983, deu-se o projeto de educação escolar Kiriri, desenvolvido

com base nas ideias de Paulo Freire, Celestín Freinet e outros estudos sobre

educação popular e escola comunitária. Procurava dessa forma buscar uma prática

educativa através de um processo interativo entre os saberes Kiriri e a escola

ocidental.

Sendo essa iniciativa as primeiras experiências educativas onde a valorização

dos saberes tradicionais do povo Kiriri era o ponto de partida para as práticas

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educativas, serviram para o fortalecimento da educação em um contexto específico

e diferenciado. No período em que esse projeto de educação estava sendo

desenvolvido, o povo Kiriri estava envolvido nas lutas pela reconquista de seu

território. As ideias de Freire através dos Círculos de Cultura eram fortalecidas a

cada dia.

Dessa forma, o povo Kiriri ia conquistando o seu processo educacional, na

perspectiva de uma educação que de fato fortalecesse a cultura indígena desse

povo. Diante da luta pela reconquista de seu território indígena, muitas vezes as

atividades das escolas eram interrompidas, por períodos variados de um mês a

vários meses. Mas isso não inviabilizava o desenvolvimento do projeto educativo

desse povo, pelo contrário é nesse movimento que são evidenciados os objetivos da

educação escolar indígena Kiriri. Assim os professores indígenas Kiriri iam

construindo uma educação escolar, não mais de referencial apenas europeu, mas

que considere, entre outros, os saberes espirituais e artesanais do povo Kiriri na

convivência interativa com a terra e com o cosmo. (CORTES, 1996 p. 107).

No cenário nacional despontava novas conquistas para a educação escolar

indígena, saindo dos períodos de aniquilamento cultural do Brasil Colônia dos

Séculos XV ao XVII, da integração dos índios à comunhão nacional do Serviço de

Proteção aos Índios – SPI à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, por volta do ano

de 1910 até a década de 70, do trabalho das organizações não-governamentais

Ongs muito fortalecida no final dos anos 70, passando para as experiências de

autoria, da organização do Movimento Indígena no início dos anos 80, permitindo

dessa forma o diálogo com professores indígenas de outros estados brasileiros, do

estado da Bahia e até de outros países.

De acordo com Lopes (2001, p. 103), acerca das conquistas dos povos

indígenas no país diz:

Uma distância considerável separa a escola rural ou missionária e catequética, maciçamente predominante entre os povos indígenas ainda em meados do século XX, do reconhecimento oficial e legal da especificidade da escola e da educação escolar indígena, definidas como necessária e legitimamente diferenciadas em relação às demais.

Essa distância apontada por Lopes (2001) está relacionada à forma como a

educação para os povos indígenas foi pensada e construída nos séculos passados,

e como essa educação escolar se apresenta neste século, pois saindo do poderio do

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modelo colonial dos séculos XVI e XVII e avançando para os séculos subsequentes

iremos encontrar uma educação tantas vezes negada pelo saber hegemônico e pelo

poder autoritário. Grupioni (2001).

Para o povo Kiriri a educação é algo mais amplo, de outros significados.

Cortês (1996, p. 120) traz a voz de um importante professor Kiriri que é Celso,

dizendo que:

“A educação não é só na escola é em todo lugar, em todo lugar a gente pode encontrar a educação. Eu mesmo tenho certeza que, também é como se fosse como o efeito do vento que não pode descobrir, o vento a gente não vê. Ele, a gente só vê depois de ouvido e sentido, é como o vento só depois que passa é que a gente sente. Mesmo assim é a educação na escola, a pessoa vê falar na educação não sabe como é, mas como depois que vai fazer parte de qualquer nível de educação, alfabetização, seriado e quem está em alto nível também, aí é que vai saber se ela é boa ou se é mal, se ensina coisa a pessoa é agradável ou desagradável. Pra gente é como se fosse a comida, a comida a gente não sabe, se aquela comida o paladar dela é ruim a pessoa não quer, mas não sabendo ela vai fazer em cima da gente. (...) a educação é para todos e também querida pela humanidade, e também toda a humanidade quer ter educação, eu não conheço uma pessoa que não quer ser educado”.

Essa reflexão trazida pelo professor Celso Kiriri exemplifica de que forma

esse povo indígena concebe a educação, não só no espaço escola, mas nos vários

espaços da comunidade, porque o que move a vida Kiriri hoje é a luta pela terra e o

movimento do vir a ser Kiriri. Cortês (1996, p. 135). Essa concepção de educação

tem sido fortalecida no dia a dia dos professores indígenas Kiriri, sendo essa

educação, enquanto escola indígena definida como espaço de fronteira, entendidas

como espaços de trânsito, articulação e troca de conhecimentos, assim como

espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos

nesse processo, índios e não-índios. Tassinari (2001, p. 50).

E em relação a educação escolar indígena do Povo Kiriri Cantagalo?

Em conversa com os professores indígenas Kiriri Cantagalo a respeito do

início da educação no meio desse povo, foi relatado que a primeira experiência

educacional institucionalizada desse povo foi através da Escola Municipal Indígena

Marechal Rondon. Essa escola deu início às suas atividades no ano de 1976,

localizada na aldeia Cantagalo. Ela foi construída de palha e barro pelas pessoas da

aldeia, lideradas pelo Cacique Lázaro e Conselheiros.

Foi a primeira escola nos Kiriri de Cantagalo. As lideranças se mobilizaram e

conseguiram um professor da Fundação Nacional do Índio – FUNAI de Brasília,

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natural de Potyguará. Funcionava com 50 alunos nos dois turnos: matutino e

vespertino, multisseriado e existia muito a defasagem idade/série.

Até o ano de 1997 houve três professores da FUNAI. Desde esta época ficou

trabalhando professores índios de Cantagalo, mais alguns leigos. Em 1998, houve o

processo de retomada do território indígena e do povoado de Araçás. A Escola

Marechal Rondon foi implantada no Araçás, em um prédio de uma outra, com outra

estrutura física, pois esta escola era feita de alvenaria, funcionando os dois turnos:

matutino e vespertino de 1ª a 4ª série, dividido em quatro turmas. Então passou a

trabalhar quatro professores, com cerca de aproximadamente 80 alunos, passando a

ser atendida pela Prefeitura Municipal de Banzaê através da Secretaria Municipal de

Educação.

No ano de 2002, a Escola Municipal Indígena Marechal Rondon foi

transformada no Núcleo Municipal de Educação Indígena Marechal Rondon. Foi

colocada uma direção escolar para gerenciar e administrar as escolas em anexo que

ficam nas aldeias de Segredo, Cajazeira, Baixa da Cangalha e Baixa do Juá. Antes,

existia uma pessoa responsável pela direção escolar, só que esta pessoa respondia

somente pela direção do Araçás.

Com a necessidade de implantar o ensino de 5ª a 8ª série, pois existia uma

reivindicação por parte das lideranças indígenas Kiriri Cantagalo, e as condições

eram favoráveis, uma vez que existia um quantitativo de professores indígenas que

tinham o magistério, e que todos os anos muitos alunos indígenas ao concluírem

seus estudos em nível de 4ª série iam estudar nas escolas em Banzaê ou nos

povoados circunvizinhos às aldeias, onde esses estudantes enfrentavam uma

realidade diferente, muitos deles eram discriminados e maltratados pelos ex-

posseiros, como o aumento substancial de consumo de álcool e outros fatores.

No ano de 2009, acontece a implantação do ensino de 5ª a 8ª série no Núcleo

Municipal de Educação Indígena Marechal Rondon, sendo que para isso a

Secretaria Municipal de Educação de Banzaê faz a construção de dois pavilhões de

salas de aula, permitindo dessa forma que os alunos tivessem espaço físico

adequado para os seus estudos. O Núcleo Municipal de Educação Indígena

Marechal Rondon passou a funcionar os três turnos, com cerca de 260 alunos, além

dos anexos de Cajazeira, Segredo, Baixa da Cangalha e Baixa do Juá. Assim, o

ensino ministrado neste núcleo de ensino passa a ser de 1ª a 8ª série, pois a

Educação Infantil era ofertada para o povo Kiriri Cantagalo através das “escolinhas”

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mantidas pela Igreja Católica através das freiras da Congregação Italiana das Filhas

de São José, sediada em Cícero Dantas.

Após a implantação do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série na comunidade

indígena de Araçás, o Povo Kiriri Cantagalo, as lideranças indígenas juntamente

com os professores indígenas e demais pessoas das comunidades reivindicaram

junto aos órgãos competentes da educação do Estado da Bahia e conseguiram a

implantação do Ensino Médio, como extensão do Colégio Estadual Flaviano Dantas

do Nascimento, localizado no município de Banzaê. Inicialmente foi implantada uma

turma da 1ª série do ensino médio, com um total de 35 alunos matriculados, com a

proposta de que nos anos subsequentes fossem implantadas a 2ª e 3ª séries do

Ensino Médio.

As inquietudes por uma educação escolar indígena de qualidade fez com que

a mobilização das lideranças indígenas Kiriri Cantagalo, e por forte crítica ao

atendimento escolar por parte da Prefeitura Municipal de Banzaê / Secretaria

Municipal de Educação, organizasse um documento reivindicatório solicitando ao

Secretário de Educação do Estado da Bahia a estadualização de todas as escolas

municipais indígenas Kiriri Cantagalo.

Assim, no dia 20 de maio de 2011 foi publicado no Diário Oficial do Estado da

Bahia, a Portaria de nº 4129/2011 estadualizando o Núcleo Municipal de Educação

Indígena Marechal Rondon, que voltou à condição de Escola Municipal Indígena

Marechal Rondon, passando a chamar-me de Colégio Estadual Indígena Florentino

Domingos de Andrade, com os anexos das aldeias Cajazeira, Araçás, Segredo,

Baixa da Cangalha e Baixa do Juá, ofertando a Educação Infantil até o Ensino Médio

na escola sede, e nos anexos a Educação Infantil ao Ensino Fundamental do 1º ano

à 4ª série, e nos anexos de Cajazeira, Segredo e Araçás a Educação de Jovens e

Adultos – EJA, a nível de 1ª a 4ª série.

Ao longo do desenvolvimento da educação escolar indígena do Povo Kiriri

Cantagalo, as lideranças indígenas juntamente com os professores tem participado

ativamente de espaços políticos de discussão, a exemplo do Fórum Estadual de

Educação Escolar Indígena, do Conselho dos Povos Indígenas da Bahia – COPIBA

e do Observatório da Educação Indígena – UFBA/CAPES. Esse espaço tem servido

para que os povos indígenas da Bahia, entre eles os Kiriri Cantagalo através de

seus representantes legítimos possam reivindicar o cumprimento das ações por

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parte dos organismos federais e estaduais em relação a todas as áreas de vivência

dos povos indígenas da Bahia, entre elas a educação.

É legítimo afirmar que na trajetória histórica da educação escolar do povo

Kiriri Cantagalo, as conquistas que os mesmos obtiveram, não ocorreram por conta

da boa vontade ou do interesse por parte desses órgãos públicos. Infelizmente

existe muita negligência por parte desses órgãos ao atendimento pleno aos povos

indígenas do Brasil, não sendo diferente essa situação no Estado da Bahia.

Nas palavras de Grupioni (2001, p. 145) sobre a oferta da educação escolar

indígena:

permitiu que a oferta de programas de educação e de acesso à escola por parte dos povos indígenas deixasse de ser pensada enquanto assistência para ser pensada enquanto assistência para ser enfrentada como direito, a ser garantido por meio de uma política específica para o setor.

Nesse sentido, a crítica que se faz a oferta de programas de educação

escolar indígena de forma assistencialista tem sido uma constante nos meios

acadêmicos, pois como Grupioni (2001) enfatiza, é uma política de direito e não uma

política de assistência. É nesse caminhar que os órgãos oficiais responsáveis pela

oferta da educação escolar indígena no Brasil tem que avançar, pois a legitimidade

do direito a uma educação diferenciada e de qualidade tem sido a reivindicação por

parte dos povos indígenas no Brasil e na Bahia.

Na situação dos Kiriri Cantagalo que vem de um processo de retomada de

seu território indígena, tem enfrentado várias dificuldades no que diz respeito ao

desenvolvimento pleno de sua educação escolar indígena.

Grupioni (2001) enfatiza a política de direito, corroborando com essa

afirmação Guimarães (2009, p. 20) afirma:

É necessário superar uma tendência em “adaptar”, “adequar”, políticas e propostas educacionais de natureza universalizante para as escolas indígenas. A educação escolar indígena é uma inovação na educação brasileira e sua implementação como política de garantia de direitos exige a formulação de políticas, programas e ações específicas e o exercício de uma gestão flexível e conhecedora das peculiaridades de cada povo indígena. Para isso é fundamental o exercício de um diálogo verdadeiramente intercultural, em que os representantes indígenas tenham voz para expressar suas perspectivas e concepções sobre a educação escolar, e os gestores públicos se disponham a não mais adaptar programas já existentes, mas a promover políticas e programas que valorizam e mantém a diversidade cultural dos povos indígenas, promovendo o que está disposto no Artigo 206, da Constituição Federal, que define os princípios norteadores do ensino “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino”, tornando

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possível experiências educativas variadas quando o foco é o contexto sociocultural dos educandos e as perspectivas de suas comunidades indígenas com relação à escola.

O que Guimarães (2009) traz como reflexão é algo muito sério que

infelizmente tem sido uma constante no desenvolvimento das ações relacionadas à

educação escolar indígena no Brasil e na Bahia por conta dos órgãos oficiais de

Educação.

Na educação Kiriri Cantagalo, ao longo do desenvolvimento deste trabalho de

pesquisa, foi observado a partir da análise dos documentos relacionados à

constituição da escola tanto na esfera municipal, quanto na esfera estadual, que a

organização do tempo escolar, das práticas pedagógicas das escolas Kiriri em todas

as instâncias e modalidades de ensino passam ainda pelo crivo do pensamento

hegemônico. Os documentos aos quais nos referimos é a Matriz Curricular e o

Projeto Político Pedagógico. A Matriz Curricular foi pensada a partir da Secretaria

Municipal de Educação de Banzaê, sem a participação da comunidade indígena

Kiriri Cantagalo. Os técnicos da referida instituição definiu quais seriam os

componentes curriculares que deveriam fazer da Matriz Curricular e a as aulas a

serem ministradas em cada componente curricular. Não existia na estrutura desse

órgão uma equipe composta por profissionais especializados, a exemplo de

antropólogos, linguísticas, indigenista. A ação desta instituição foi sempre uma ação

assistencialista. Na legislação educacional da Unidade Escolar, o Regimento

encontrado é unificado, servindo para toda a rede pública municipal de Banzaê, não

importando se as unidades escolares estão na cidade ou no campo.

No que diz respeito à organização pedagógica, o comportamento tanto na

antiga escola pertencente à rede municipal de ensino, quanto na atual em que

pertence ao sistema estadual de ensino não existem propostas pedagógicas

inovadoras que trabalhem a garantia dos direitos dos professores e lideranças

indígenas Kiriri Cantagalo. É o que Guimarães (2009) afirma anteriormente, ocorre a

“adaptação”, “adequação” de propostas educacionais de natureza universalizante

para as escolas indígenas. Essas ações vão desde os livros didáticos que os

professores indígenas trabalham, até a organização dos horários de aula, os

espaços físicos, as práticas de sala de aula e a forma como é feita a avaliação do

ensino e da aprendizagem.

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E notório que existe uma intencionalidade nisso tudo. É o que diz Repetto

(2008, p. 45) no que concerne a uma escola indígena que tenha o desenvolvimento

de práticas educativas interculturais e que busca no chão da aldeia o seu significado

para a sua existência:

Não adianta pensar em interculturalidade na educação se o sistema não cumpre suas obrigações materiais para que o diálogo ocorra, isto significa investimentos na formação dos profissionais da educação, investimentos em infraestrutura adequada aos interesses e realidade dos povos, não apenas impor escolas padronizadas. (...) e ainda materiais escolares homogeneizantes e fora da realidade.

São situações diversas que encontramos no cerne da educação escolar

indígena Kiriri Cantagalo, diante do não cumprimento das obrigações materiais por

parte do sistema a que estas escolas estão vinculadas. No passado quando estas

pertenciam ao sistema municipal de ensino sofriam pela falta de desenvolvimento de

políticas públicas no âmbito do sistema municipal de ensino. Ao pertencerem ao

sistema estadual de ensino, passam pelo crivo da não valorização do ser professor

indígena pela forma como estes são “contratados” para assumirem a sala de aula, a

burocracia exacerbada do órgão central de educação para resolver as questões

locais, que merecem um tratamento mais efetivo e urgente.

A falta de diálogo entre as partes como sinaliza Repetto (2008, p.45), diálogos

construtores, que encontra neste momento a grande oportunidade de poder se

conhecerem, já que estamos trabalhando em contextos culturais diferenciados. O

outro, na sua singularidade e história de vida, povo indígena Kiriri Cantagalo em sua

trajetória histórica, (re) conquista de seu território indígena, necessidade urgente de

garantir as ações estruturantes no que diz respeito à educação, saúde, meio

ambiente, cultura e sustentabilidade de suas crianças, jovens, adolescentes, adultos,

idosos.

Ainda citando Repetto, (2008, p. 45)

Discutir educação escolar não significa apenas discutir o papel e funcionamento da escola. Nos obriga a discutir a própria concepção de Estado Nacional e de Sociedade, e assim as relações que vivem as pessoas e os grupos sociais. A escola deve caminhar no sentido traçado pela sociedade e não a pesar dela.

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Esse é um dos pontos fundamentais na construção de uma educação que

trabalhe com as questões da diferença. Entender como é que as relações existentes

nos grupos sociais, entre as pessoas, os saberes, é mais do que necessário. A

escola na aldeia lida com dois universos diferentes: uma sociedade capitalista e

outra holística. Odair (2008).

Não podemos viver atrelados a um discurso vazio, fazendo com que exista

uma cidadania de papel Dimenstein (1987), mas a efetivação de uma escola

indígena que atenda os reais desejos da comunidade a qual pertença. De acordo

com Whan (2003, p. 72)

“Reconhecer o outro talvez seja o melhor primeiro passo. É preciso reconhecer o outro, o culturalmente diferente, pois ele existe, e está aí, à minha frente, e neste mundo globalizado do terceiro milênio, muito provavelmente ele está aí para não mais ir embora. Reconhecer é o primeiro passo para conhecer. E é só conhecendo que podemos aprender a respeitar e a lidar com as diferenças. Se pretendemos que sejamos respeitados dentro de nossas especificidades culturais devemos então, do mesmo modo, saber respeitar as especificidades do outro, e relativizar os nossos próprios valores culturais, a nossa visão de mundo”.

É perceptível entre os professores, alunos e lideranças indígenas Kiriri

Cantagalo o desejo de construir uma educação escolar indígena que fortaleça a

cultura indígena Kiriri Cantagalo, que proporcione às crianças, adolescentes, jovens

e adultos, extensivo às suas famílias, o que de fato eles lutam para que seus valores

societários, espirituais, culturais sejam mantidos, mesmo que estejamos vivendo

outra dinâmica nesse mundo pós-moderno, mas trabalhar os saberes indígenas

numa outra perspectiva, proporcionar a estes estudantes indígenas, professores e

lideranças a validação dos seus projetos. É nesse bojo da discussão que entra o que

Whan (2003) preconiza: reconhecer o outro seja o melhor primeiro passo.

Nesse reconhecimento, poderíamos entender o quanto é importante quando

somos ao mesmo tempo singular e plural. A atitude antropofágica presente no

processo histórico da educação escolar indígena do passado, não pode mais

permanecer nas práticas dessa educação no momento presente e nem projetando o

futuro.

O povo Kiriri Cantagalo, por sua Terra Indígena está localizada em uma

região do semiárido, no passado conhecido como sertão, sendo portanto índios do

nordeste, passa por outras questões de depreciação do que vem a ser índio.

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Na década de 80, quando visitávamos a cidade de Ribeira do Pombal, e que

o atual município de Banzaê pertencia a este município, principalmente nos dias de

feira livre que acontecia na sexta-feira, encontrávamos sempre na feira um

contingente muito grande de índios que a população de Ribeira do Pombal chamava

pelo nome de “caboco da Mirandela”. Eram sempre os caboclos, nunca foram

reconhecidos a sua indianidade. No processo de retomada de seu território, o povo

Kiriri não só sofreu violência física, como também violência ao seu patrimônio

imaterial, à sua condição étnica e a desvalorização enquanto povo indígena como

um todo.

O pesquisador indigenista João Pacheco de Oliveira, organizador da Obra: A

Presença Indígena no Nordeste, Editora Contra Capa, Rio de Janeiro, 2011, na

apresentação da referida obra fala:

do desconforto e mesmo da indignação que gera num conjunto de pesquisadores a forma superficial e preconceituosa com a existência do indígena no Nordeste tem sido abordada em circuitos prestigiados e poderosos de informação, repercutindo de maneira muito negativa na naturalização e na disseminação de estereótipos seja na opinião pública, seja na formação das novas gerações de estudantes.

Questões desta natureza passa pela afirmação de Whan (2003) de que

devemos saber respeitar as especificidades do outro. São essas especificidades que

os projetos de educação escolar indígena Kiriri Cantagalo precisam ter em premissa.

A construção de projetos educacionais que nasçam das necessidades educacionais

e comunitária de cada povo indígena.

Nos estudos de Sechi (2007, p.15) no que trata da educação escolar,

O protagonismo indígena pode ser expresso pela capacidade crescente dessas sociedades exercerem o controle especialmente sobre as seguintes decisões: a) sobre o acesso e gestão dos recursos externos disponibilizados por meio da escola; b) acerca dos conteúdos e da organização curricular e; c) sobre a política de formação dos seus professores.

Essa tem sido a forma que os professores indígenas Kiriri Cantagalo estão

vivenciando no seu projeto de educação escolar. Rompendo com a burocracia do

estado como citado anteriormente, mas construindo projetos a partir de suas

necessidades enquanto povo indígena, projetos que vão desde a educação

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ambiental a projetos de qualificação profissional, sustentabilidade, gestão do

território indígena, fortalecimento da cultura indígena entre outros.

Essa tem sido a trajetória no campo educacional que o povo Kiriri Cantagalo

tem feito. É algo que transpõe a função da escola, no entendimento da construção

de uma escola que tenha a dinâmica da circulação de conhecimentos e saberes, de

forma crítica, questionadora do sistema econômico vigente, no diálogo com outras

culturas indígenas e não-indígena.

Concluindo esse capítulo, as trajetórias que foram construídas ao longo do

processo histórico no contexto da Educação Escolar Indígena no Brasil, na Bahia e

no Município de Banzaê serviram para dar sustentação a todo processo de luta no

momento atual. Existe toda uma legislação específica para a educação escolar

indígena, como já foi citado anteriormente, e os desafios que são postos no contexto

da educação escolar indígena são inúmeros, entre eles podemos citar: a

universalização da Educação Básica no contexto da Educação Escolar Indígena

desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, a garantia da formação inicial e

continuada de professores, a oferta de cursos de pós-graduação (especialização,

mestrado e doutorado) o fortalecimento da produção de material didático específico

e diferenciado para todas as etapas da Educação Básica e suas modalidades.

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IV – As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri

Cantagalo

Foto 4 – crianças Kiriri Cantagalo

Neste capítulo apresentamos de que forma os professores e as professoras

indígenas Kiriri Cantagalo desenvolve as suas práticas de leitura, que materiais tem

sido utilizados e como essas práticas dialogam com os vários aspectos da cultura

indígena Kiriri, sua cosmologia, propondo num primeiro plano o que vem a ser a

leitura e letramento, como essa acontece na educação e especificamente como se

dá essas práticas na escola indígena.

Leitura e Letramento: considerações

“A gente lê diferentes textos, de diferentes formas, Com diferentes objetivos, em diferentes ocasiões,

E tudo isso é leitura. E quando o professor consegue encantar o leitor

Você pode dizer: a leitura dele tem reflexos na sala de aula”.

Ângela Kleiman

A oportunidade de refletir sobre as questões de leitura e letramento a partir de

um trabalho de pesquisa que aborde práticas de leitura realizadas por professores e

professoras indígenas no contexto do semiárido da Bahia é um trabalho de

vanguarda, desafiador, uma vez que rompe com as concepções já estabelecidas,

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com paradigmas, proporcionando e possibilitando práticas de leitura que tem o

contexto da aldeia, as histórias e culturas de cada Povo Indígena como ponto de

partida.

Para iniciarmos tal empreitada, iremos partir de reflexões acerca da leitura de

forma geral, para em seguida elucidarmos as questões relacionadas ao letramento e

como essas práticas tem sido desenvolvidas no cerne da educação escolar

indígena, para nos capítulos subsequentes trabalharmos as questões

sobre as práticas de leitura dos/as professores/as indígenas Kiriri Cantagalo.

De acordo com Perrotti, (2007 p. 2) a leitura é uma experiência interior

magnífica, uma forma importantíssima e insubstituível de sentidos, de significados,

um complexo e esplêndido jogo entre o texto e o leitor.

Esse jogo entre o texto e o leitor, que sendo descortinado de várias formas, e

essas várias formas, é de como a leitura vai sendo feita, vai sendo construída, não

somente na presença e na existência de um livro, mas outros suportes.

Sendo então a leitura essa experiência interior magnífica, citando novamente

Perrotti (2007, p. 2)

“É preciso reconhecer a leitura que conta, aquela que efetivamente toca, toma, agarra, essa constitui um espaço/tempo interior esplêndido, com características distintas do mundo físico, concreto, objetivo, em que nos movemos: memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções, sensibilidade são algumas das forças mobilizadoras dessa leitura que configura uma experiência única e inigualável. Se gostamos, se somos arrebatados pelo texto, a viagem interna é grande e, como se diz com frequência, esquecemos o mundo”.

Leitura visto nesta ótica como uma viagem, que acontece em um

espaço/tempo, que envolve memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções e

sensibilidades, pois quem não se lembra das histórias ouvidas na infância, vivas

ainda em nossas memórias, nas viagens literárias que sempre fizeram presentes em

nossas vidas. E essa concepção de leitura como algo que busca dentro de cada um

nós essas experiências, nos envolve de desejos e emoções, sentimentos de

saudade e de experiências tão diferentes entre si, na subjetividade de cada um.

Dessa forma, a leitura aqui se apresenta como algo livre, que acontece na

vida da gente, sem se preocupar com o objetivo de fazê-la num prestar de contas,

quando essa é realizada no espaço escolar.

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Leitura e leituras que são realizadas no silêncio de nossos sentimentos, mas

também nos sons reais ou imaginários de nosso tempo e de nosso espaço, dentro

de um pertencimento de quem só tem a sensibilidade de ver que em uma folha de

papel em branco existe o encantamento do convite de fazer coisas nunca

imaginadas, que não será tão somente uma folha de papel em branco, ou olhar para

o céu e se permitir a realizar as várias “leituras” que se foram em um dia em que

nuvens estejam presentes estas são castelos, animais, reis e rainhas, mas se a

noite chega, contar estrelas pode ser outras leituras de um mesmo espaço, mas

diferente em seus aspectos.

A leitura que entra em nossa de infância, com os jogos e brincadeiras de

antigamente, das frutas que viravam animais, da galinha que aparecia no terreiro

cheio de pintinhos, ou nas histórias de assombração que os mais velhos contavam e

que as crianças no seu mundo imaginário “morriam de medo”. No castelo que se

construía, no circo que chegava e que misteriosamente ia embora, do tempo das

férias, dos primeiros amores, da velhice relembrando a juventude, dos livros que

chegaram com as suas ilustrações e as “primeiras palavras” que começamos a “ler”,

“decifrar” “decodificar”.

A leitura feita dessa maneira, traz em sua essência o que de fato se propõe,

na afirmação de Verdini (2007, p. 29):

“Desde que nascemos, diferentes situações nos põem em contato com as palavras. Elas vão sendo ensinadas para que possamos nomear, reconhecer, dar sentido ao mundo onde vivemos e que temos necessidade de apreender e desvendar”

São essas situações do dia a dia como ir ao supermercado, à feira, ir a um

culto religioso, fazer uma viagem, assistir a um programa de televisão nos põe em

contato com as palavras, com os textos, e dessa forma podemos ir desvendando o

mundo onde vivemos, fazendo as várias leituras nas “linhas e entrelinhas”.

A leitura percebida dessa maneira, é totalmente o contrário da leitura, ou

melhor, das práticas de leitura que acontecem no contexto escolar, é em um outro

aspecto. Continuando no pensamento de Verdini (2007, p. 29):

Quando iniciamos o aprendizado do signo escrito o que percebemos muitas vezes é um distanciamento dessa mobilização que nos toma por inteiro, em favor de uma decifração mecânica dos signos. A vida, os afetos, a sensibilidade, a inteligência desaparecem, trocados pela ação monótona de sílabas, palavras, frases, parágrafos, textos descolados do mundo e da

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realidade que lhes dão sentido. A sala de aula deixa de ser um espaço para leituras significativas, tornando-se local de exercícios de linguagem vazios e compulsórios, que aborrecem e muitas vezes atemorizam as crianças.

Essas práticas, ainda presentes na escola nos dias de hoje, tem trazido

consequências negativas na formação dos alunos, quando estes são convidados a

serem leitores. De fato, a forma como a leitura é trabalhada no contexto escolar, fica

em sua maioria refém de práticas obsoletas, onde a pedagogização desconsidera a

natureza específica da leitura que é o ato comunicacional. Perrotti (2007, p. 13).

Ao assumirmos uma postura que é totalmente contra a pedagogização da

leitura, entendemos que só uma pedagogia cultural é capaz de resgatar o

conhecimento, livrá-lo da pedagogização medíocre e obtusa. Sem tal pedagogia,

não há senão fragmentação, especialização, formalização inócua. E vazio. Perrotti

(2007, p. 13).

Essa mudança de postura está intrinsecamente relacionada a práticas de

leitura que sejam construídas em outros olhares, outras concepções, porque num

sentido amplo, a leitura desponta junto com a própria existência (Verdini, 2007), nos

convidando a um processo de mobilização de nossa curiosidade, de nossos

sentidos, de nosso ser por completo.

Dessa forma, toda leitura acontece num espaço e este não é vazio nem de

matéria, nem de significados (Taralli, 2007). Esse espaço em que acontece a leitura

é a própria vida, sendo extensiva para os outros campos da ação humana, ocorrerão

as trocas significativas, trocas interpessoais, pois ler é uma forma de relação com o

mundo, consigo mesmo e com outros modos da cultura escrita (Gozzi, 2007). Essa

forma de entender a leitura, principalmente no contexto escolar, Perroti (2007) nos

instiga, nos fazendo a segunda pergunta: o que queremos promover nas escolas?

hábitos de leitura ou o ato de ler ?

De acordo com esse autor Leitura “(...) a decifração mecânica de sinais, é

atividade totalmente diversa da ação voluntária sobre a linguagem implicada no ato

de ler. Hábitos estão ancorados na repetição mecânica de gestos; atos, na opção,

no exercício da possibilidade humana de articular o agir ao pensar, ao definir, ao

escolher” Perrotti (2007, p. 33).

Ao refletirmos sobre as questões postas até aqui, é necessário que aconteça

uma intervenção nas práticas pedagógicas confinadoras (Gazzi, 2007), pois estamos

vivendo em um tempo da pós-modernidade, onde as relações com o conhecimento

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são outras, não existe mais um só tipo de conhecimento, numa visão eurocêntrica,

excludente, mas sim conhecimentos diversos, inclusive os etnoconhecimentos e

etnosaberes.

O que ilustra tal afirmação é a forma como os programas de leitura

desenvolvidos pelos órgãos governamentais no Brasil são realizados e implantados.

Existe no âmbito do MEC um programa nacional de distribuição de obras literárias

de gêneros variados que é denominado de Programa Nacional de Biblioteca Escolar

– PNBE, que é destinado às escolas públicas de todas as esferas do Brasil. Os

acervos são entregues às Unidades Escolares, mas não existe junto a essa ação um

momento de formação para todos os professores das respectivas unidades

escolares. Então, tais obras literárias não são trabalhadas da forma que deveriam,

tendo uma visão “limitada”” do que é o trabalho de leitura no contexto escolar.

Encontramos professores solicitando aos alunos que façam a leitura das obras

literárias desses acervos, para depois entregarem um resumo, um fichamento do

texto lido. Não havendo uma potencialização deste programa nas unidades

escolares. Abaixo trazemos o relato de três experiências acerca do trabalho com a

leitura em espaços distintos: a escola, a comunidade, associações, sindicatos etc. O

que diferencia essas experiências da ação do MEC/PNBE é a forma como foram

executadas, pensadas, trazendo em seu contexto o processo de formação, reflexão,

possibilidades para a construção do leitor.

Na década de 90, foi implantado em todo o Brasil um programa nacional de

incentivo à leitura, o PROLER, com uma política voltada para a formação de

pessoas, não falamos aqui de professores, mas sim, de pessoas que gostariam de

trabalhar com atividades/ação de leitura em diversos espaços e contextos. O

programa envolvia profissionais de diversas áreas, estava sob a coordenação da

Biblioteca Nacional / Casa da Leitura.

Uma outra experiência bastante significativa que foi desenvolvida na região

do sisal, aqui no Estado da Bahia através do Movimento de Organização

Comunitária – MOC, foi o Projeto Baú de Leitura. Esse projeto nasceu no ano de

1999 com o objetivo de proporcionar momentos de alegria, de leitura e reflexão a

milhares de crianças e adolescentes que não tinham oportunidade de fazê-lo

prazerosamente, junto a população excluída do semiárido baiano.

No âmbito da Secretaria da Educação do Estado da Bahia foi desenvolvido o

Projeto “Tecendo Leituras”, no período de 2003 a 2006, tendo como objetivo

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promover a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos na educação básica

da rede pública do Estado da Bahia, através do fortalecimento da prática da leitura

como condição indispensável à sua formação e ao exercício da cidadania. Esse

projeto envolveu professores não-indígenas sendo que teve uma pequena

participação de professores indígenas que lecionavam no ensino fundamental 1ª a

4ª série.

Essas experiências, procuraram desenvolver a leitura em seu aspecto amplo,

reflexiva, exigindo a formação de profissionais qualificados para o trabalho não só no

contexto escolar, mas na comunidade, nas associações, em vários espaços.

A leitura na escola deve ter um outro significado, não a sua pedagogização,

pois de acordo com Borba (2006, p. 23) as crianças devem ler e escrever na escola

não para codificar/decodificar sons e letras e vice-versa, mas porque se lê e se

escreve fora da escola e para escrever e ler fora da escola, na vida.

Pode-se que já foi muito discutida no final da década de 80, no contexto da

educação brasileira que é a alfabetização. Num país marcado por um longo período

de ditadura militar, onde a educação básica era influenciada pelas ideias positivistas,

numa concepção tecnicista, a alfabetização era desenvolvida numa perspectiva

apenas de decodificação de sinais gráficos, considerada apenas como uma etapa

anterior à 1ª série. Com os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, chegam ao

Brasil às ideias relacionadas à Psicogênese da Língua Escrita. Não iremos discutir

neste trabalho o que preconizava tais ideias, mas afirmar que a partir da presença

das mesma na educação brasileira, caminhos novos começaram a serem trilhados.

No que diz respeito ao ensino da leitura, os estudos de Ferreiro e Teberosky,

trouxeram discussões importantes, e uma mudança de comportamento entre os

professores brasileiros, principalmente nos professores alfabetizadores. Essas

mudanças, foram discutidas em cursos, seminários, congressos, fóruns, colóquios,

cursos de formação para professores, desenvolvidos pelo próprio Ministério da

Educação, Universidades, Secretarias estaduais e municipais de educação. De ato

mecânico da alfabetização, esta passou a ser entendida como processo. Ferreiro

afirmava que só se aprende a ler lendo, e que só se aprende a escrever escrevendo.

O desenvolvimento de propostas educacionais que valorizavam a leitura

enquanto prática social começaram a ser difundidas entre os professores das

escolas brasileiras e nesse sentido as concepções acerca da leitura começaram a

ter um outro entendimento.

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Letramento: conceito e implicações

No avanço do tempo, e na perspectiva de discutir questões relevantes sobre a

alfabetização e o ensino da leitura no Brasil, surge questões em torno de se

trabalhar na escola, as práticas de letramento.

Segundo Matencio (2004 p.24) os estudos sobre o Letramento começaram a

ganhar força, no Brasil, por volta de 1990, com trabalhos que buscavam

compreender tanto “o impacto social da escrita” (cf. KLEIMAN, 1995) quanto a

inserção dos sujeitos no universo da palavra escrita.

Algumas das obras que mais fortemente incentivaram, no Brasil, entre

meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, uma reflexão interdisciplinar acerca

da produção/recepção de textos falados e/ou escritos – do uso da língua(gem),

portanto – e de seu ensino/aprendizagem, nas diferentes áreas às quais se fez

referência, são as seguintes: Geraldi (org), 1984; Gnerre, 1985; Kato, 1985, 1986;

Kleiman, 1989, 1992; Koch & Travaglia, 1990; Koch, 1989; Soares, 1988; Orlandi,

1987, 1988; Pécora, 1986.

Em relação às questões de letramento nas escolas indígenas, a crítica que se

faz é a forma como a escrita chegou às comunidades indígenas e os seus impactos

desde a colonização. Então ao invés de falar em letramento na acepção das escolas

não-indígenas, no contexto da educação escolar indígena fala-se em letramento

cultural e intercultural.

De acordo com Borba (2006, p. 23), trabalhar na perspectiva do letramento, é

necessário:

Que os espaços escolares contenham materiais escritos, diversificados, com diferentes suportes: jornais, livros, revistas, embalagens, televisão, telas de computador, entre outros, e tipos de textos variados: poesia, contos tradicionais, histórias em quadrinhos, biografias, tiras de humor, propagandas, textos científicos e informativos, mapas, tabelas, entre outros.

Portanto, letramento segundo Kleiman (1995) é um conjunto de práticas

sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em

contextos específicos, para objetivos específicos.

E qual é a diferença entre alfabetização e letramento?

Para responder tal questão, Soares (2003) traz essa distinção. Para a autora

alfabetização corresponde ao processo de aquisição de uma tecnologia, a escrita

alfabética e as habilidades de utilizá-la para ler e para escrever. Já letramento

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relaciona-se ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita. A autora

afirma que em relação à leitura na perspectiva do letramento (...) não pode ser

associada apenas à atividade de decodificação de textos e que uma vez que o aluno

se alfabetize, ele poderá ler qualquer texto.

Então, o ensino de leitura centrado no desenvolvimento da habilidade de

decodificação/decifração do texto escrito, relaciona-se a um tipo específico de

letramento: o escolar. Albuquerque, Ferreira; Morais (2006). Essas autoras para

ilustrar tal evidência retoma a Kleiman (1995 p. 20) que diz:

A escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, naco com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes.

Nessas questões, o letramento escolar relaciona-se, segundo a autora, com o

que Street (1984) denomina-se de modelo autônomo de letramento. Essa

concepção pressupõe que “há apenas uma maneira de o letramento ser

desenvolvido, sendo que essa forma está associada quase causalmente com o

progresso, a civilização, a mobilidade social.” (KLEIMAN, 1995b p.21). Os autores

que se enquadram nesse modelo (HILDYARD; OLSON, por exemplo) “defendem

que os sistemas educacionais se justificam por desenvolverem uma competência

intelectual que, de outro modo, não seriam amplamente desenvolvida, e isso

justificaria a vasta expansão desses sistemas no ocidente.” Albuquerque, Ferreira;

Morais (2006, p. 28).

A esse modelo autônomo, Street (1994) contrapõe o modelo ideológico, “que

afirma que as práticas de letramento no plural, são social e culturalmente

determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um

grupo social dependem de contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não

pressupõe, esse modelo, uma relação causal entre letramento e progresso ou

civilização, ou modernidade, pois em vez de conceber um grande divisor entre

grupos orais e letrados, ele pressupõe a existência, e investiga características de

grandes áreas de interface entre práticas orais e práticas letradas.” Kleiman (1995,

p. 21).

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No tocante à leitura e o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e

escrita, Mattos (2006, p.51) afirma:

Deve-se em primeiro lugar, compreender o fenômeno do letramento e as relações entre práticas orais e escritas de produção de texto. Tal competência implica, por parte do professor, o uso consciente da linguagem nas situações de interação como também sua inserção no universo da escrita letrada como objeto de estudo. Isto significa afirmar que os professores devem fortalecer seus conhecimentos quanto ao que ensinam e quanto aos modos como ensinam.

Essa afirmação, traz em seu contexto o que de fato é ensinar leitura na

escola, percebendo a relação entre quanto ensinar e aos modos de como ensinar.

Seria no caso, um trabalho de introspecção da prática docente praticada em sala de

aula. Surge então a necessidade de olhar para a prática docente e perceber o que

fato precisa ser modificado, de que forma o professor concebe o que é leitura,

alfabetização e letramento.

Pois o ensino da leitura no contexto escolar tem apresentado problemas por

parte da formação de professores, da estrutura física das escolas, dos materiais

disponíveis, da forma como práticas compulsórias ainda persistem, pois devemos

entender que leitura é um processo cognitivo, histórico, cultural e de produção de

sentidos.

Nessa relação, está uma figura do leitor, que é um sujeito que atua

socialmente, construindo experiências e histórias, que compreende o que está

escrito a partir das relações que estabelece entre as informações do texto e seus

conhecimentos de mundo, ou seja, o leitor é sujeito ativo do processo, na leitura não

age apenas decodificando, isto é, juntando letras, sílabas, palavras, frases, porque

ler é muito mais do que apenas decodificar. Ler é atribuir sentidos. E, ao

compreender o texto como um todo coerente, o leitor pode ser capaz de refletir

sobre ele, criticá-lo, de saber como usá-lo em sua vida.

Mas a história da chegada da leitura na vida de determinadas pessoas não

aconteceu de forma prazerosa, acolhedora. Foi um direito negado, determinado,

controlado. E isso quando a leitura não era usada como forma de humilhação,

castigo, dominação, e esta geração que vem dos anos 60, 70 e 80 passaram por

experiências traumáticas envolvendo a leitura e a escola. O acesso a livros e outros

materiais de leitura não tinha a facilidade dos dias de hoje, além de outros fatores

socais e de ordem cultural.

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Assim, de acordo com Cafiero (2010, p. 87) para ilustrar tal afirmação, o autor

traz a seguinte evidência:

Um trauma que muito de nós carregamos são as leituras apressadas ou mal orientadas, feitas em nosso tempo escolar, de textos como os de Machado de Assis ou os de José de Alencar. Como ler esses autores clássicos da literatura sem saber que são eles, em que época escreveram, como era a sociedade que eles retratavam ? A não compreensão pode gerar a aversão.

E foi dessa maneira que muitas experiências de leitura e também de escrita

foram desenvolvidas nas escolas Brasil afora. Ouvimos relatos de alunos que

quando faziam qualquer “coisa errada”, a professora convidava para que eles

abrissem os livros onde tivessem os maiores textos, e aí vinha a proposta de

trabalho: copiar no caderno texto na íntegra, ou então, “decorar” o texto para dar a

lição. Em outras situações, a professora escolhia os textos que apresentavam o

maior nível de dificuldade de entendimento, propondo aos alunos que executassem

as suas tarefas de leitura, trabalho feito sempre de forma isolada sem diálogo com

os outros campos do conhecimento.

Citando novamente Cafiero (2010 p.96):

O desafio das séries que se sucedem às de alfabetização é o de fazer os alunos lerem compreensiva e criticamente textos cada vez mais longos, de vários gêneros, de diversos temas, com frases e períodos complexos. Esse desafio pode ser encarado com o ensino sistemático de estratégias de leitura. Estratégias são ferramentas cognitivas, mas que podem ser desenvolvidas por meio de atividades sistemáticas e bem planejadas. Bons leitores utilizam estratégias que lhes permitem ler tirando o máximo de proveito e economizando recursos cognitivos.

Tais questões, nos colocam no repensar das práticas de leitura construídas

no contexto da escola. O trabalho bem planejado da leitura, envolvendo o leitor em

todas as suas fases de desenvolvimento e níveis de entendimento é mais do que

necessário. Mas a postura de uma escola que trabalha a leitura de forma imposta,

compulsória precisa ser combatida como já foi dito anteriormente no corpo deste

trabalho. Assim, o que é que acontece quando continuamos trabalhando a leitura de

forma imposta. Silva, Martins (2010, p. 27-28) elucida que:

Diante das imposições, surgem com freqüência, leitores partidos, poucos proficientes em relação às leituras consumidas no cenário das escolas brasileiras contemporâneas. Partidos porque, em meio a uma grande quantidade de fragmentos de textos, poucoreelaboram daquilo que lêem. Pouco proficientes porque, na urgência do tempo pedagógico, quase nada sobra para exercerem a prática intensiva da leitura.

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Quando falamos de leitura, das práticas que são construídas no dia a dia das

escolas, de rever essas práticas impostas, dos leitores incompletos como sinaliza

Silva, Martins (2010), porque o que se propõe é rever os caminhos que foram

construídos até o presente momento, os estudos teóricos, rever os desafios que são

postos, entender que:

Ao longo da vida, as experiências de leitura de uma pessoa serão diferentes, dentre outros fatores porque seu conhecimento de mundo terá mudado. Portanto, a releitura de um texto metafórico ou simbólico, ou irônico poderá suscitar diferentes percepções e interpretações em momentos distintos. Nesse sentido, o processo de formação de leitores é também um processo de formação para a percepção do mundo a partir dos textos escritos e para além deles.

Assim, propõe-se o entendimento do trabalho da leitura em entendimento da

leitura de mundo, da vida, dos sentimentos, construindo prática escolares

libertadoras, leitura de outras leituras.

As “práticas de letramento” quando discutidas em contexto indígena a partir

dos projetos de educação escolar que se instalam nos diversos contextos de povos

e culturas em todo o Brasil, tendem a ser analisadas, por parte de diversos

estudiosos que se dedicam à temática, a exemplo de antropólogos, linguísticas,

pedagogos, principalmente, tendo como campo privilegiado as questões

relacionadas à oralidade e a aquisição da escrita, sobretudo no contexto de povos

indígenas onde a marca da oralidade é marcante. As discussões tendem a

privilegiar, conforme D’Angelis (1997, p. 14) três grandes eixos: “a escrita e os povos

indígenas; o texto e a leitura na escola; a escrita e a tradição oral; limites e

possibilidades da autonomia de escolas indígenas”. Atrelado a essas questões

temos as que dizem respeito às práticas de bilinguismo e multilinguismo em contexto

de educação escolar que atravessam, em grande parte, as discussões maiores obre

educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural.

As práticas de leitura na Escola Indígena Kiriri Cantagalo

O grande aumento de propostas por educação escolar indígena diferenciada

tem se mostrado propício para o “debate crítico, para a reflexão teórica e política,

para a análise fundamentada em conhecimento detalhado de casos concretos, em

pesquisas documentais, em etnografias de processos e situações específicas,

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porém muito diversificadas SILVA (2004, p. 11). Se o aumento crescente por

educação escolar indígena tem produzido debates críticos sobre determinadas

questões, especialmente as relacionadas à oralidade e escrita, poucas pesquisas

tem sido realizadas no sentido de compreender etnograficamente e criticamente os

processos e práticas de leitura de professores indígenas no contexto de suas

experiências de educação escolar.

Não pretendemos afirmar que em contexto indígena as práticas de leitura e

ensino de leitura se limitem ao espaço da educação escolar. O que pretendemos

diante da valorização que a escola passa a ter em contexto indígena, inclusive entre

os Kiriri Cantagalo é refletir sobre a leitura e o ensino da leitura enquanto prática de

letramento, para melhor compreender o papel e o sentido da escola entre os Kiriri

Cantagalo.

E nesse sentido que apresentamos as representações que os professores

Kiriri Cantagalo tem acerca da leitura, trazendo antes o conceito de representação

que está sendo utilizado nesse trabalho.

NETO (2009 p.61) nos diz que representações, enquanto práticas de

significação que se materializam através da linguagem, sendo essa forma o conceito

que os professores Kiriri Cantagalo tem do que vem a ser leitura e práticas de

leitura, sendo então as representações como sistemas de significação que usam a

linguagem para se materializar, por um lado, e que constroem identidades, por

outros.

Ainda citando NETO (2006 p.68) compreender o processo que envolve as

representações e as identidades construídas a partir delas, há, por um lado, que se

compreender o jogo de poder existente entre representador e representado, e por

outro, considerar os processos que levam à naturalização das referidas

representações.

Dessa forma, apresentamos os excertos das entrevistas que foram realizadas

com os professores indígenas Kiriri Cantagalo, analisando as representações que

estes professores trazem acerca da leitura e das práticas de leitura.

Excerto 1

Assim, quano eu falo de leitura, não é só ler textos nos livros didáticos, e sim ler o

nosso ambiente, as árvores, os animais, as plantas, então isso é também um tipo de

leitura também. (Nailza, professora Kiriri Cantagalo, 23.04.12)

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Excerto 2

Excerto 3

O excerto 1 indica que a professora tem consciência de que a leitura não é

algo que é feito utilizando somente nos livros, ampliando para o conceito de leitura

na visão de Paulo Freire, as questões da “leitura de mundo”. As várias formas e

O excerto 1 indica que a professora tem consciência de que a leitura não é

algo que é feito utilizando somente material impresso (livros, revistas, cartilhas etc.),

ampliando para o conceito de leitura enquanto “leitura de mundo, leitura da vida”. As

várias formas e possibilidades de leitura as quais a professora apresenta e que

essas várias formas estão presentes no que vem a ser de fato a leitura, o significado

e conceito que ela assume para a professora Nailza. Adentrando para os aspectos

importantes de que esse ambiente da qual a professora retrata é um ambiente

possível de várias leituras, o território da aldeia, formado pelos animais, plantas,

pessoas, habitações, percebendo as relações que são construídas no dia a dia e

que todas as formas de leitura estão presentes.

É notório que quando a professora traz essas questões, definindo o que é

leitura para a sua pessoa, essa visão se amplia nas relações que são construídas no

dia a dia, na forma de viver e sobreviver do povo Kiriri Cantagalo. Por esta

professora residir na Aldeia Baixa da Cangalha, que passou por todo o processo de

retomada do Território Indígena Kiriri. Que essa leitura está presente não só nos

livros didáticos, mas nas questões do que é de fato ler, das representações, da

cosmologia ou seja da visão de mundo que essa professora traz para a sua prática

Ler pra mim hoje é fundamental né, porque abre novas expectativas, novos horizontes,

dá novos ideais, faz a gente viajar né, dá novos pensamentos, a partir dela é que a

gente começa a mudar nossa visão, nosso modo de ver as coisas e abrange mais

nossos conhecimentos. (Jozilene, professora Kiriri Cantagalo, 24.04.2012)

A leitura e a escrita pra nós povos indígenas já vem desde a criança é... é... essa

relação com a leitura pra nós... já vem desde o nascer, já vem... é... ta ali no trabalho

comunitário, tá ali no... no... batalhão, tá ali ajudando outro parente na roça, ta ali é...

envolvendo na... no ritual, na crença nossa, nas convivências com os nossos avós, ali

na hora da janta, do almoço, na hora da convivência com a família, isso eu percebo,

percebo hoje que a leitura é isso, a relação com a leitura é isso. (Davi, professor Kiriri

Cantagalo, 23.04.2012)

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docente e que permite ampliar o significado do que é leitura, dos caminhos

percorridos.

Assim a forma como ler o ambiente, o processo de interação do homem com

o ambiente, o que de fato encontra nesse ambiente, que relações são construídas,

desconstruídas e fortalecidas. O ambiente que se desdobra nas árvores que estão

presentes no dia a dia desse povo, que são utilizadas em várias atividades da

própria Aldeia, a relação íntima com a natureza, com o ser índio. Seria essa a forma

de conceber a leitura, partindo daquilo que conhecemos, do que é local indo em

direção ao global, ler outras coisas, outras relações. Pois a partir dessa concepção

do que vem a ser leitura, estabelece as relações entre os próprios índios e uma

relação com os não-índios.

A leitura dos vários tempos, das estações do ano, de quem chega e quem vai

embora, do tempo da fartura e da dificuldade. Os vários tipos de leitura que podem

serem feitas, e que isso pode chegar até a sala de aula, envolver os alunos, como

foi observado em suas aulas, a leitura de mundo que cada aluno trás e que partilha

com os outros alunos, os seus saberes.

A professora traz em sua concepção sobre o que leitura a ideia de que a

leitura parte da realidade vivida no dia a dia da Aldeia. Realidade essa que é

permeada pelos contos, lendas, mitos, pelas histórias dos mais velhos, pelo

encantamento com a cultura indígena. Histórias que são contadas e partilhadas.

No excerto 2 a professora Josilene enfatiza sobre a importância da leitura

para a sua vida pessoal e profissional, tendo um entendimento muito claro na

relação de leitura e construção de conhecimentos, trazendo a concepção de leitura

no sentido amplo, de que através da leitura pode-se fazer viagens, abrir novas

expectativas, começa a ter uma visão diferente das coisas, do mundo.

Seria então uma outra forma de representação de leitura para os professores

indígenas Kiriri Cantagalo, pois o excerto 1 tem uma relação muito forte com o

excerto 3, que traz a relação de leitura com as questões do local, com o dia a dia. Já

o excerto 2 enfatiza uma relação de leitura com o poder, um certo empoderamento

de que a concepção de leitura apresentada pela professora está ligada intimamente

às questões de conhecimentos. Esse entendimento de que a leitura passa a ter em

uma comunidade indígena, das questões ligadas à criticidade e as várias formas de

ler o mundo, no sentido abrangente, não ler somente o mundo circundante, mas na

mudança da visão do que vem a ser leitura.

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Quando o professor Davi, no excerto 3 enfatiza que a leitura para os povos

indígenas vem desde do nascer, e que se amplia nas várias atividades que são

desenvolvidas no dia a dia da Aldeia, fica claro para esse professor qual é a

representação de leitura construída. Seria de fato uma representação de leitura que

tem início na relação dos sujeitos com as suas formas de ver e compreender o

mundo, de partilhar esses saberes. Não é uma visão superficial do que vem a ser

leitura, mas sim, uma visão de leitura dentro de aspectos da subjetividade. São

formas de ver o mundo, de fazer a leitura de mundo, de poder entender que a leitura

se amplia, se constitui a partir dessa relação com o que de significado tem para um

povo indígena.

É uma leitura que acontece em um contexto específico e que tem imbricações

com as relações sociais e de poder do povo Kiriri Cantagalo. Leitura enquanto ato

coletivo, de fortalecimento das relações. Leitura presente nas atividades de

sobrevivência econômica desse povo, mas também leitura aberta para as questões

de religiosidade que é a leitura que pode ser feita dos rituais, da crença, leitura da

valorização dos mais velhos, no momento de ouvir os conselhos, aprender com a

experiência, leitura enquanto ato solidário, de poder partilhar com o outro a hora do

almoço, da janta, da convivência com a família.

Aprofundando as questões, fica evidente de que as representações a respeito

da leitura evidenciadas pelos professores Kiriri Cantangalo perpassa pelo sentido do

pertencimento, da construção de uma identidade, pela valorização da cultura, pelas

relações com outros aspectos presentes no dia a dia desse povo, a exemplo de sua

organização social, seu processo de luta, suas conquistas, a forma como organiza

os conhecimentos e saberes e como lida com isso tudo.

O sentido maior de compreender estas representações está no fato de que

quando foram observadas as aulas desses professores, e agora estamos falando de

práticas de leitura, o cenário muda, assim como muda também a forma como essas

concepções de leitura desses professores acontecem em suas aulas.

Num primeiro momento, trabalhamos com as representações dos professores

Kiriri Cantagalo acerca do que é leitura, analisando as falas desses professores em

excertos retirados das entrevistas. Assim, ao analisarmos as práticas de leitura

desses professores iremos utilizar excertos da mesma entrevista que foi realizada

com esses professores. Quando perguntávamos aos mesmos sobre as suas

práticas de leitura em sala de aula.

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Excerto 4

A fala da Professora Nailza corrobora com os pressupostos de uma política

de incentivo à leitura. Interessante perceber que a professora não desenvolve a sua

prática de incentivo à leitura com os seus alunos e alunas de forma mecânica. É

perceptível que a mesma procura antes de mais nada envolver os seus alunos em

um olhar para o que está ao seu redor. Tem no diálogo o início de toda a sua

prática, de seu trabalho.

Poderíamos então entender que esses leitores (alunos/as e professora) estão

imbricados em uma história de leitura. Dessa forma todo leitor tem sua história de

leitura e, portanto apresenta uma relação específica com os textos, com a

sedimentação dos sentidos de acordo com as condições de produção de leitura em

épocas determinadas. Nunes (2003 p. 25).

Nesse sentido, entendemos que o desenvolvimento de práticas de leitura em

contextos de tradição oral perpassa por um outro olhar. Assim, daí dizermos que a

leitura é uma prática social e, por isso mesmo, condicionada historicamente pelos

modos da organização e da produção da existência, pelos valores preponderantes e

pelas dinâmicas da circulação da cultura. Silva (2009 p. 23).

Então, essas práticas de leitura que são desenvolvidas em um contexto da

educação escolar indígena estariam permeadas de significados, de outros olhares e

de entendimentos numa dinâmica maior da busca de sentido. O que seria de fato

leitura enquanto ampliação do olhar, partindo do conhecido para o desconhecido,

para o outro, em direções diversas.

Nas palavras de Isabel Solé (1998, p. 90):

Ler é muito mais do que possuir um rico cabedal de estratégias e técnicas. Ler é sobretudo uma atividade voluntária e prazerosa, e quando ensinamos a ler devemos levar isso em conta. As crianças e os professores devem estar motivados para aprender e ensinar a ler.

Assim, através do diálogo né, eu sempre to incentivando eles a lerem, né, lerem

coisas do ao nosso redor, tanto no nosso grupo, na área indígena, como também ler

outras coisas né.. do mundo, do mundo que a gente vive não indígena. (Nailza,

professora Kiriri Cantagalo, 23/04/2012)

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Seria então esse o papel da leitura em nossas vidas, pois de acordo com

Solé, as questões do ato de ler ultrapassa o ato mecânico de decodificar sinais

gráficos ou a eles dar um sentido. Nessa relação a professora Nailza nos faz

entender a relação existente entre o mundo indígena e o mundo não indígena e as

formas diversas de leitura presentes nesses contextos tão próximos e tão distantes,

em práticas de diálogos interculturais que podem ser estabelecidos.

Excerto 5

As reflexões acerca das práticas de leitura desenvolvidas pela professora

Jozilene se encaminha para outros olhares. Partindo da questão inicial de que a

leitura é algo que tem que ser bem praticada, a leitura tem que ser uma atividade

significativa, encarnada na vida do professor. Silva (2009, p.65)

A proposta de leitura desenvolvida pela professora Jozilene parte do

pressuposto de que os alunos tem que estarem envolvidos com o ato de ler, com a

leitura. É interessante perceber que numa prática de leitura em um contexto

intercultural como é o caso da escola indígena, que envolvimentos seriam esses?

Teria então as práticas de leitura outros significados?

A oportunidade em querer dar a cada aluno e aluna, de ter “chances” de

mostrar mais a sua criatividade é um outro ponto importante na fala da professora,

pois a autonomia do leitor depende de uma transformação das relações sociais que

sobre determinam a sua relação com os textos. Certeau (2012, p.244). Essas

relações sociais, estão imbricadas na educação escolar indígena em um outro

patamar que é a relação entre a teoria e a prática, uma das preocupações da

professora Jozilene quando reporta às suas práticas de leitura com os seus alunos e

alunas.

As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri

participantes ou não deste trabalho de pesquisa, nos motiva a entendermos que a

Bom, eu, pra mim mesmo eu gosto de praticar bem a leitura. No caso eu procuro

propor aos alunos a leitura, envolver eles com a leitura, eu gosto mais de dar

oportunidade a eles de ter chance de mostrá-lo algo mais a sua criatividade, no caso

não se prender somente na leitura teórica, mostrar na prática também, praticar no

caso. (Jozilene, professora Kiriri Cantagalo, 24/04/2012)

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leitura é vista num sentido amplo, sendo que o caráter coletivo da leitura que a

escola patrocina pode também recuperar o caráter coletivo e socializado de práticas

socais de leitura e de escrita. Lajolo (2009, p.106) num entendimento do que é

tornar-se bons leitores e escritores no contexto de suas aldeias, de suas

comunidades.

Assim, de acordo com o RCNEI (p. 140-144) os alunos indígenas juntamente

com os seus professores e em suas escolas indígenas desenvolvem as suas

práticas de leitura e letramento utilizando para isso: contos, crônicas, histórias,

relatos, receitas, bulas, rótulos, manuais de instrução, regulamentos e listas,

bilhetes, cartas, radiogramas, atas e ofícios, questionários, formulários e

documentos pessoais, textos de jornais e revistas, textos de cartazes, folhetos

publicitários e propagandas, textos científicos, projetos e textos legais.

No contexto de uma sociedade intercultural, existem os outros textos

presentes na internet, nos rituais, na valorização da cultura indígena e no

conhecimento de outras culturas, novos conhecimentos e saberes.

A leitura é sempre a apropriação, invenção, produção de significados. Chartier

(2009, p. 77). Numa concepção geral sobre a leitura de fato ela sempre traz essa

afirmação de Chartier. Em contextos diferenciados como a educação escolar

indígena as práticas de leitura estariam imbricadas com o sentimento de

pertencimento de cada Povo a projetos societários também diferenciados, a

construção de identidades seja no sentido étnico, seja no sentido cultural, a um

entendimento de relações entre os diversos fazeres.

Concluindo esse capítulo, as práticas de leitura dos professores indígenas

Kiriri Cantagalo engendra por caminhos desafiantes, entre eles está a formação de

professores indígenas para o trabalho com a leitura em todas as suas dimensões. É

válido lembrar que as práticas de leitura desenvolvidas por esses professores

indígenas consolida uma tentativa de provocar nos diversos segmentos

educacionais (Ministério da Educação e Secretaria da Educação do Estado da

Bahia) um olhar diferenciado para a escola indígena. Não se trata de trabalhar as

questões pontuais de formação inicial e continuada de professores indígenas, como

por exemplo os cursos de Magistério Indígena e Licenciaturas Interculturais, mas

fazer valer na prática o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o

trabalho com a leitura no contexto educacional indígena, que não é só distribuir

acervos ou garantir a publicação de materiais, mas desenvolver ações mais amplas.

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As práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri envolvem outros

elementos: a relação com as outras lideranças (caciques, pajés, conselheiros) e a

relação com o próprio dia a dia com as aldeias. São práticas não repetitivas das

escolas não indígenas, mas práticas que bebem na fonte da sabedoria dos anciãos

e anciãs Kiriri. Leituras que abrem possibilidades infinitas no entremear com outras

linguagens: a dança, a música, os rituais, os artesanatos, curas, a ciência indígena.

Entenderíamos que as práticas de leitura estão intimamente ligadas as

práticas de sobrevivência desse Povo Indígena, que desde o século XVII vem

lutando pela manutenção de suas culturas, numa perspectiva de um espaço de

construção coletiva do território Kiriri e de pertencimento a este povo. Tais práticas

realizadas no contexto escolar desse povo e dialogando para o contexto da

educação indígena se traduz no desenvolvimento dos próprios professores

indígenas, seus alunos e suas comunidades.

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V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foto 5 – Crianças Kiriri Cantagalo em atividades extra-classe

No desenvolvimento desta dissertação, procurei trazer as inquietações,

desafios e obstáculos no que concerne ao trabalho de leitura no contexto da

educação escolar indígena Kiriri Cantagalo, observando como essas práticas são

desenvolvidas no contexto desta educação, as lutas presentes, e de que forma os

professores e professoras indígenas desenvolvem tais práticas no seu dia a dia,

numa relação entre leitura e cultura indígena.

Nestas considerações, apresento de forma sintetizada as muitas lições que

aprendi durante o processo de desenvolvimento da pesquisa. Vivenciei momentos

importantes, pois não estava na condição de gestor da Unidade Escolar pesquisada

e sim na condição de pesquisador, e isso me permitiu adentrar de forma crítica em

todos os setores e áreas da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo, e perceber

o quanto há de percorrer, principalmente no que diz respeito à construção de uma

escola indígena Kiriri Cantagalo que traduza os anseios e reais necessidades desse

povo. Nas questões das práticas de leitura principalmente, pois os professores e

professoras indígenas têm condições bastante favoráveis para que isso aconteça.

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No decorrer deste trabalho, quando ouvia o relato dos professores indígenas,

sobre a formação inicial e continuada para trabalhar as questões de leitura em suas

escolas, a formação pretendida não seria uma formação que já viesse pronta,

engessada, mas que fosse construída no diálogo com esses professores. As

experiências relatadas e desenvolvidas no contexto da educação escolar indígena

Kiriri Cantagalo, remete então para novos projetos de formação, construção de

novos materiais didáticos e busca de metodologias.

Essa forma de pensar, traduz nas necessidades de que as práticas de leitura

na escola indígena Kiriri Cantagalo está revestida de outro significados. Saber ler

para esse povo teria uma relação muito íntima com os seus antepassados, com

outras vivências não só no campo material, mas também no campo espiritual, nos

encantados. Muitas foram as histórias de encantamento que foram relatados pelos

professores indígenas e pelos mais velhos, e que numa sabedoria milenar se faz

presente no imaginário desse povo. A leitura que não é somente no livro didático,

mas na própria vida de cada um, de cada comunidade é o que torna uma

singularidade e pluralidade.

Os contextos diversos nesse universo da cultura Kiriri Cantagalo que

permitem as diferentes leituras e fortalecimento de sua identidade enquanto

professores indígenas corroboram com o desejo destes em desenvolver práticas de

leitura diversificadas. Seria então uma nova forma de fazer educação, de sair da

visão tradicional como a escola chegou para esse povo e permaneceu até os dias de

hoje. No silêncio de suas práticas, fui descobrindo a riqueza dos saberes e

conhecimentos construídos no dia a dia com o arcabouço teórico da cultura indígena

Kiriri Cantagalo.

Entender um processo formativo que tenha como ponto de partida essas

vivências e realidades seria muito interessante pois a partir desse entendimento

outros diálogos passam a ser construídos. O que se espera é que essa luta desses

professores e professoras indígenas sejam acolhidas e entendidas pelos órgãos

oficiais da educação do Estado e da União, não restringindo um trabalho de grande

grandeza a adaptações como sempre tem sido feito em relação a experiências com

professores indígenas.

A partir deste estudo, entendi que o trabalho de leitura, mais precisamente as

práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo perpassam por outras

questões, que não tem respostas de imediato, são diversos processos que se inter-

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relacionam, processos esses que vão desde a forma como esse povo foi constituído,

os primeiros contatos com a população não indígena nos séculos XVI e XVII, as

influências de vários grupos religiosos cristãos e não cristãos, a organização política-

administrativa, a espiritualidade, a relação com o processo de retomada de seu

território no Século XX entre outros elementos, nos remete à compreensão de que

nessas práticas de leitura existem fatores intrínsecos e extrínsecos que só um

trabalho de pesquisa desta natureza é que se pode compreender com clareza o que

de fato acontece.

Não podemos medir a educação escolar indígena e suas práticas

pedagógicas e de leitura a partir do que acontece na educação dos não indígenas.

Isso tem sido um grande desafio para os professores indígenas Kiriri Cantagalo e

demais povos indígenas da Bahia e do Brasil que em tempos de IDEB e de Prova

Brasil, são cobrados a darem conta de aumentarem o índice de desenvolvimento de

suas escolas, da qualidade da educação escolar indígena desenvolvidas nas

escolas indígenas. Nesse sentido, os povos indígenas saíram das influências e

tutela dos missionários para serem reféns de órgãos oficiais de ensino e agências de

organismos internacionais de financiamento da educação.

Ter qualidade nas práticas pedagógicas e de leitura desenvolvidas pelas

escolas indígenas não pode estar atrelada às práticas educacionais hegemônicas,

neoliberais que tanto tem influenciado a educação dos países capitalistas entre eles

o Brasil. Seria então a possibilidade de construir currículos numa perspectiva das

teorias críticas, práticas escolares e de leitura nesse mesmo patamar. Não é ter uma

visão romântica acerca da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo e suas

práticas de leitura, mas entender que nas trajetórias históricas da educação desse

povo, aconteceram mudanças significativas como a participação dos professores

indígenas no Magistério Indígena da Bahia 1ª e 2ª Turmas e na Licenciatura

Intercultural da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, a estadualização de

todas as escolas indígenas Kiriri, a publicação de quatro livros didáticos, outros

diálogos foram sendo construídos, desafios postos como a garantia de uma

educação específica e diferenciada para os alunos de 5ª a 8ª série e ensino médio e

a implantação de cursos técnicos e tecnológicos.

A riqueza da cultura indígena Kiriri Cantagalo em seus cantos, artesanato,

gastronomia, danças, precisa ser valorizada e entendida não só pelos próprios

índios como também os não índios. E é nesse entendimento que as práticas de

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leitura acontecem, é ouvir o outro, respeitá-lo em suas diferenças e especificidades,

os vários significados que são atribuídos dentro desse imenso patrimônio imaterial.

É ir além do que está sendo posto pelos vários estudiosos da cultura indígena Kiriri

em várias partes do Brasil e até em outros países.

O Povo Kiriri Cantagalo enquanto povo indígena do sertão, que apresenta um

nível de vulnerabilidade social muito grande, que muitas vezes não é compreendido,

traz em toda a sua história de luta e de conquistas, valores societários

importantíssimos para o fortalecimento enquanto povo indígena. No canto da

Zabumba Kiriri que foi assim que iniciei a introdução desta pesquisa traduz o que

fato é ser Kiriri. E na questão que norteia esse trabalho: As práticas de ensino de

leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri Cantagalo tem

contribuído para o fortalecimento de sua cultura indígena?

As reflexões permitem afirmar que as práticas de leitura desenvolvidas pelos

professores Kiriri Cantagalo sempre estão envolvidas com os elementos culturais

desse povo, elementos presentes em todo o cotidiano, pois as Aldeias Kiriri

Cantagalo apresentam um dinâmica de movimentos infinitos, assim temos

presenciado no movimento do Toré, na busca incessante pelo encontro com os

encantados, na observância e valorização dos saberes e conhecimentos dos mais

velhos.

Realizar um estudo desta natureza foi para mim mais do que desafiador.

Desconstruiu-me por completo, me colocou em contato com muitas leituras

imprescindíveis para a minha vida acadêmica e pessoal. As trajetórias construídas e

desconstruídas a cada momento, as expectativas, o enriquecimento cultural de

minha pessoa e a partilha de saberes, são momentos únicos. As lutas junto ao Povo

Kiriri Cantagalo por um trabalho mais aprofundado acerca das questões da leitura e

suas práticas continuam mesmo após a conclusão desta pesquisa. A certeza do

dever cumprido neste momento da conclusão deste trabalho, mesmo que o mesmo

apresente lacunas e a partilha com o Povo Kiriri Cantagalo de todas as Aldeias e

suas lideranças e professores é o que sustenta o que está por vir, pois não trata aqui

de um estudo acadêmico apenas, mas um descortinar para o trabalho com as

relações étnico-raciais, tendo como ênfase as questões indígenas, dialogando com

outras culturas, combatendo práticas escolares racistas, preconceituosas e

excludentes, fortalecendo dessa forma os diferentes olhares acerca das práticas de

leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES A – ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSORES

Como foi que a leitura chegou em sua vida ?

O que é ler para você?

Qual é a sua relação com a leitura?

Como você concebe a leitura hoje tornando como base a sua experiência? O que é

ler hoje para você?

Levando em conta essa concepção de leitura que você tem hoje, o que você propõe

a ensinar aos seus alunos?

Que materiais você tem utilizado?

B – ROTEIRO – SESSÃO DO GRUPO FOCAL

O que é leitura?

Como é que as práticas de leitura são realizadas?

Quais são os materiais que são utilizados nessas práticas?