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1 * Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: [email protected] Sobre o Desenvolvimento Criativo de Vigotski On Vygotsky’s Creative Development Alexei Nikolaevich Leontiev Publicado em 1989 como prefácio ao volume 3 das Obras Escolhidas de Vigotski em inglês. Disponível no Marxists Internet Archive [http://www.marxists.org/]. Direitos de reprodução: licenciado sob uma licença Creative Commons. Tradução do inglês: Marcelo José de Souza e Silva* Na presente Obras Escolhidas, são apresentados pela primeira vez os principais trabalhos do eminente psicólogo soviético Lev Semenovitch Vigotski com suficiente completude. Vigotski foi um escritor prolífico: em menos de 10 anos de atividade como psicólogo ele escreveu cerca de 180 trabalhos. Destes, 135 foram publicados e 45 esperam publicação. Muitas das publicações de Vigotski se tornaram raridades bibliográficas. Não somente psicólogos, mas também representantes das humanidades – filósofos, linguistas etc. – apontaram a necessidade de uma nova edição dos trabalhos de Vigotski. Nenhum desses acadêmicos consideram seus trabalhos como pertencentes à história. Hoje, mais do que nunca, eles se voltam aos trabalhos de Vigotski. Suas ideias se tornaram tão firmemente estabelecidas na psicologia científica que elas são mencionadas como sendo usualmente conhecidas, sem referência aos trabalhos correspondentes ou sem ao menos mencionar o nome de Vigotski. Essa é a situação não somente na psicologia soviética, mas também na psicologia internacional. Em anos recentes os trabalhos de Vigotski foram traduzidos em inglês, francês, alemão, italiano, japonês e outras linguagens. E no exterior ele também não é uma figura histórica, mas um investigador contemporâneo, vivo. Pode-se dizer que o destino científico de Vigotski se desenvolveu felizmente e inusitadamente para o século XX, que é caracterizado pelos desenvolvimentos científicos tempestuosos em que muitas ideias já estão obsoletas um dia depois que foram expressas. A psicologia não é, naturalmente, exceção aqui e dificilmente encontraremos investigações concretas na psicologia internacional do século XX que reteve toda sua atualidade 45-50 anos depois que foram publicadas. A fim de entender o “fenômeno Vigotski”, a excepcionalidade de seu destino científico, é essencial apontar para dois aspectos de seu trabalho criativo. Por um lado, existem os fatos concretos, os métodos concretos e hipóteses de Vigotski e seus colaboradores. Muitos desses métodos e hipóteses foram brilhantemente confirmadas e foram posteriormente desenvolvidas nos trabalhos de psicólogos contemporâneos. Os métodos elaborados por Vigotski, os fatos que encontrou, são considerados clássicos. Eles se tornaram partes componentes muito importantes da base da psicologia científica. E aqui a psicologia contemporânea, tendo confirmado o pensamento de Vigotski e se apoiando nele, foi mais além no plano dos fatos, métodos e hipóteses etc. Mas, por outro

LEONTIEV Alexei N. - Sobre o Desenvolvimento Criativo de Vigotski

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    * Possui graduao em farmcia pela UFPR e mestre em educao pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Ncleo de Pesquisa Educao e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educao; e Ncleo de Estudos em Sade Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Sade. Contato: [email protected]

    Sobre o Desenvolvimento Criativo de Vigotski On Vygotskys Creative Development

    Alexei Nikolaevich Leontiev Publicado em 1989 como prefcio ao volume 3 das Obras Escolhidas de Vigotski em ingls. Disponvel no Marxists Internet Archive [http://www.marxists.org/]. Direitos de

    reproduo: licenciado sob uma licena Creative Commons. Traduo do ingls: Marcelo Jos de Souza e Silva*

    Na presente Obras Escolhidas, so apresentados pela primeira vez os principais trabalhos do eminente psiclogo sovitico Lev Semenovitch Vigotski com suficiente completude. Vigotski foi um escritor prolfico: em menos de 10 anos de atividade como psiclogo ele escreveu cerca de 180 trabalhos. Destes, 135 foram publicados e 45 esperam publicao. Muitas das publicaes de Vigotski se tornaram raridades bibliogrficas.

    No somente psiclogos, mas tambm representantes das humanidades filsofos, linguistas etc. apontaram a necessidade de uma nova edio dos trabalhos de Vigotski. Nenhum desses acadmicos consideram seus trabalhos como pertencentes histria. Hoje, mais do que nunca, eles se voltam aos trabalhos de Vigotski. Suas ideias se tornaram to firmemente estabelecidas na psicologia cientfica que elas so mencionadas como sendo usualmente conhecidas, sem referncia aos trabalhos correspondentes ou sem ao menos mencionar o nome de Vigotski.

    Essa a situao no somente na psicologia sovitica, mas tambm na psicologia internacional. Em anos recentes os trabalhos de Vigotski foram traduzidos em ingls, francs, alemo, italiano, japons e outras linguagens. E no exterior ele tambm no uma figura histrica, mas um investigador contemporneo, vivo.

    Pode-se dizer que o destino cientfico de Vigotski se desenvolveu felizmente e inusitadamente para o sculo XX, que caracterizado pelos desenvolvimentos cientficos tempestuosos em que muitas ideias j esto obsoletas um dia depois que foram expressas. A psicologia no , naturalmente, exceo aqui e dificilmente encontraremos investigaes concretas na psicologia internacional do sculo XX que reteve toda sua atualidade 45-50 anos depois que foram publicadas.

    A fim de entender o fenmeno Vigotski, a excepcionalidade de seu destino cientfico, essencial apontar para dois aspectos de seu trabalho criativo. Por um lado, existem os fatos concretos, os mtodos concretos e hipteses de Vigotski e seus colaboradores. Muitos desses mtodos e hipteses foram brilhantemente confirmadas e foram posteriormente desenvolvidas nos trabalhos de psiclogos contemporneos. Os mtodos elaborados por Vigotski, os fatos que encontrou, so considerados clssicos. Eles se tornaram partes componentes muito importantes da base da psicologia cientfica. E aqui a psicologia contempornea, tendo confirmado o pensamento de Vigotski e se apoiando nele, foi mais alm no plano dos fatos, mtodos e hipteses etc. Mas, por outro

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    lado, existe ainda outro aspecto no trabalho criativo de Vigotski um aspecto metodolgico terico. Sendo um dos maiores psiclogos tericos do sculo XX, ele estava realmente dcadas a frente de seu tempo. E a atualidade dos trabalhos de Vigotski reside no plano metodolgico terico. por isso que ns no devemos falar sobre suas concepes como se elas fossem de alguma forma completas. Suas investigaes concretas foram somente o primeiro estgio na realizao de seu programa metodolgico terico.

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    O trabalho criativo de Vigotski foi, primeiro de tudo, determinado pela poca

    em que ele viveu e trabalhou, a era da Grande Revoluo Socialista de Outubro. A reforma profunda e decisiva que a revoluo introduziu na psicologia

    cientfica no ocorreu imediatamente. Como bem conhecido, um esprito do idealismo impregnou a psicologia cientfica oficial cultivada nas universidades e ginsios pr-revolucionrios, apesar das poderosas tendncias democrticas revolucionrias e materialistas na filosofia e psicologia russa. Alm disso, a partir do ponto de vista cientfico elas ficaram significantemente atrs da psicologia cientfica dos principais pases europeus (Alemanha, Frana) e os Estados Unidos. Reconhecidamente, por volta da virada do sculo muitos laboratrios experimentais evoluram na Rssia, e em 1912 o primeiro Instituto de Psicologia do pas foi criado na Universidade de Moscou atravs da iniciativa de Chelpanov. Mas a produo cientfica desses centros era baixa e seu contedo em muitos casos no muito original.

    Realmente, no comeo do sculo XX na Europa nasceram novas escolas psicolgicas tais como a psicanlise, psicologia Gestalt, a escola Wrzburg etc. A psicologia emprica subjetiva tradicional da conscincia obviamente deu em nada. Nos Estados Unidos surgiu uma corrente (para a poca radical) na psicologia behaviorismo. A psicologia cientfica internacional estava em frenesi; durou um excruciante e intenso perodo. Nos mesmos anos Chelpanov e seus colaboradores estavam ocupados lidando com a replicao dos experimentos executados pela escola wundtiana. Para eles as ltimas notcias ainda eram os trabalhos de James. Em uma palavra, eles estavam na periferia da psicologia internacional e no sentiram toda a intensidade da crise que tomou conta dela. Eles perderam o contato com os problemas mais importantes da teoria psicolgica. A psicologia na Rssia existiu como uma cincia universitria estreitamente acadmica sobre as aplicaes prticas do que era inconcebvel falar. E isso em uma poca em que a Europa e os Estados Unidos a psicologia aplicada ou psicotcnicas estava rapidamente se desenvolvendo, a psicologia mdica dava os primeiros passos etc.

    A revoluo trouxe mudanas radicais para a psicologia cientfica. A psicologia foi forada a regenerar em todos os aspectos, em sua essncia. Uma nova cincia teve que se desenvolver ao invs da velha psicologia dentro de um pequeno espao de tempo.

    O primeiro requisito para a psicologia cientfica foi ditado pela vida do prprio pas, um pas destrudo e arruinado pela guerra. Foi o requisito de proceder anlise dos problemas aplicados prticos. Imediatamente depois da revoluo, um novo campo da psicologia psicologia industrial ou psicotcnica comeou a se desenvolver na Rssia. Esse requisito de vida estava to alm das dvidas que at mesmo na cidadela da

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    psicologia introspeccionista acadmica o Instituto de Psicologia encabeado por Chelpanov uma nova seo surgiu; a seo para problemas aplicados.

    Mas a tarefa principal para os psiclogos nesses anos era elaborar uma nova teoria ao invs da psicologia introspectiva da conscincia individual que foi cultivada no perodo pr-revolucionrio e que repousava sobre o idealismo filosfico. A nova psicologia deveria proceder a partir da filosofia do materialismo histrico e dialtico deveria se tornar uma psicologia marxista.

    Os psiclogos no entenderam imediatamente a necessidade para tal reforma. Muitos deles eram estudantes de Chelpanov. Entretanto, j em 1920, e mais definidamente em 1921, Blonski comeou a levantar essa questo (em seus livros A Reforma da Cincia e Esboo de uma Psicologia Cientfica). Mas o evento decisivo desses anos foi a conhecida palestra de Kornilov Psicologia e Marxismo no Primeiro Congresso de Toda a Rssia sobre Neuropsicologia, que ocorreu em Moscou em janeiro de 1923. Ela formulou a linha para o desenvolvimento da psicologia marxista com grande clareza. Nessa palestra muitas teses fundamentais do marxismo foram apresentadas que possuem relevncia direta para a psicologia (a primazia da matria sobre a conscincia, a mente como uma propriedade da matria desenvolvida superior, a natureza societal da mente do homem etc.). Na poca, para muitos psiclogos educados no esprito do idealismo, essas teses no eram somente no bvias, mas simplesmente paradoxais.

    Aps o congresso uma polmica eclodiu com o fervor caracterstico dos anos revolucionrios da dcada de 1920. Mais corretamente, foi uma genuna luta entre os psiclogos materialistas encabeados por Kornilov e os psiclogos idealistas encabeados por Chelpanov. A esmagadora maioria dos acadmicos logo reconheceram que Kornilov estava certo em sua luta para o desenvolvimento de uma psicologia marxista. Uma expresso externa da corrente materialista foi a deciso tomada pelo Conselho Cientfico do Estado em novembro de 1923 para liber-lo de suas funes como diretor do Instituto de Psicologia e apontar Kornilov para o lugar.

    A partir do incio de 1924 a reorganizao do Instituto foi rpida. Novos colaboradores apareceram. Alguns dos apoiadores de Chelpanov deixaram o Instituto. Novas sees etc. foram criadas. Dentro de um pequeno perodo o Instituto de Psicologia se tornou fundamentalmente mudado. Ele apresentou um quadro muito heterogneo. O prprio Kornilov e seus colaboradores mais prximos desenvolver uma teoria reactolgica que no se tornou uma corrente dominante usualmente aceita pelos psiclogos soviticos naqueles anos. Muitos psiclogos usaram a terminologia reactolgica somente superficialmente e envolveram os resultados de suas prprias pesquisas nela, pesquisa que estava muito distante das ideias de Kornilov. Essa pesquisa foi em diversas direes e no podia ser reduzida investigao de velocidade, forma e fora da reao que o prprio Kornilov estava interessado. Assim, N. A. Bernstein, que naqueles anos trabalhava no Instituto, comeou suas clssicas investigaes da formao dos movimentos. Na rea da psicologia industrial (psicotcnica), S. G. Gellerstein e I. N. Spielrein e seus colaboradores comearam seus trabalhos. Os jovens acadmicos do Instituto, A. R. Luria e A. N. Leontiev, conduziram investigaes com o mtodo motor combinado. V. M. Borovski, que naqueles anos aderiu ao behaviorismo, se ocupou com a zoopsicologia. B. D. Fridman tentou desenvolver a psicanlise e M. A.

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    Rejsner, que trabalhou na rea da psicologia social, incrivelmente combinou reflexologia, teoria freudiana e marxismo.

    Apesar disso, muitos psiclogos trabalhando em vrios campos e defendendo diferentes posies concordaram sobre a coisa principal. Eles tentaram desenvolver uma psicologia marxista e aceitar isso como a tarefa bsica da psicologia cientfica. Mas os caminhos concretos em direo ao desenvolvimento de uma psicologia marxista eram naquele perodo ainda incertos. Essa tarefa completamente nova no possui seus anlogos na histria da psicologia internacional. Alm disso, a maioria dos psiclogos soviticos daqueles anos no eram especialistas marxistas eles estudaram os rudimentos do marxismo e sua aplicao para a psicologia cientfica ao mesmo tempo. No surpreendente que como resultado eles algumas vezes fizeram no mais que ilustrar as leis da dialtica com o material psicolgico.

    Uma multido de questes complexas surgiram: qual era a conexo das vrias correntes psicolgicas concretas existentes na dcada de 1920 (reflexologia, reactologia, teoria freudiana, behaviorismo etc.) para o futuro da psicologia marxista? Uma psicologia marxista deve estudar o problema da conscincia? Uma psicologia marxista pode usar os mtodos da auto observao? Uma psicologia marxista deveria realmente surgir como a sntese da psicologia subjetiva emprica (a tese) e a psicologia do comportamento (a anti-tese)? Como resolver o problema da determinao social da mente humana? E a qual lugar pertence a psicologia social no sistema da psicologia marxista?

    Um nmero de outras questes surgiu que no eram menos importantes e fundamentais e que tinham que ser resolvidas para ser possvel realizar posterior movimento para a frente. A situao foi complicada pela necessidade de lutar em duas frentes: com o idealismo (Chelpanov, em particular, continuou lutando a ideia de uma psicologia marxista) e com o materialismo vulgar (mecanicismo e o energismo de Bekhterev, o reducionismo fisiolgico e a biologizao da mente etc.).

    No obstante, o passo principal e decisivo foi tomado naquela poca: os psiclogos soviticos foram os primeiros no mundo a proceder conscientemente ao desenvolvimento de uma psicologia nova, marxista. Exatamente na mesma poca, em 1924, Lev Semenovitch Vigotski apareceu na psicologia.

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    Em janeiro de 1924, Vigotski participou no Segundo Congresso

    Neuropsicolgico de Toda a Rssia que ocorreu em Leningrado. Ele apresentou diversas comunicaes. Sua palestra Os Mtodos de Investigao Reflexolgicos e Psicolgicos (mais tarde ele escreveu um artigo com o mesmo nome1) causou uma forte impresso em Kornilov, que o convidou para vir e trabalhar no Instituto de Psicologia. O convite foi aceito e em 1924 Vigotski se mudou de Gomel, onde ele vivia na poca, para Moscou e comeou a trabalhar no Instituto de Psicologia. A partir desse momento a verdadeira carreira psicolgica de Vigotski comea (1924-1934).

    1 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodos em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 3-32. M.S.]

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    Mas, embora em 1924 Vigotski, com ento 28 anos, era ainda um psiclogo iniciante, ele j era um pensador maduro que havia passado por um longo desenvolvimento espiritual que logicamente o levou necessidade de trabalhar na rea da psicologia cientfica. Essa circunstncia foi de grande importncia para o sucesso das investigaes psicolgicas de Vigotski.

    Sua atividade cientfica comeou quando ele ainda era um estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou (simultaneamente ele estudou na Faculdade Histrica-Filolgica da Universidade de Shaniavski). Neste perodo (1913-1917) seus interesses era uma sincera natureza humanitria. Graas as suas capacidades nicas para a educao sria, Vigotski foi capaz de trabalhar em diversas direes ao mesmo tempo: na rea da dramaturgia (ele escreveu crticas de teatro brilhantes), histria (em sua nativa Gomel ele liderou um crculo sobre histria para estudante das classes superiores do ginsio), na rea da economia poltica (ele falou esplendidamente em seminrios sobre economia poltica na Universidade de Moscou) etc. De especial importncia para seu trabalho criativo foi seu estudo minucioso da filosofia que comeou naquela poca. Vigotski estudou a filosofia alem clssica em um nvel profissional. Em seus anos de estudante ele comeou seu entendimento com a filosofia do marxismo, que ele estudou principalmente usando edies ilegais. Nessa poca nasceu o interesse de Vigotski pela filosofia de Espinoza, que permaneceu seu pensador favorito para o resto de sua vida.

    Para o jovem Vigotski o lugar mais importante em todos esses interesses humanitrios diversos foi ocupado pela crtica literria (isso se tornou definitivamente claro por volta de 1915). Em sua juventude ele apaixonadamente amou literatura e muito cedo ele comeou a lidar com ela em um nvel profissional. Suas primeiras palavras como crtico literrio (os manuscritos infelizmente foram perdidos) uma investigao de Anna Karenina, uma anlise do trabalho criativo de Dostoivski etc. cresceu diretamente a partir de seus interesses como leitor. Incidentalmente, por isso que Vigotski chamou seus trabalhos de uma crtica do leitor. A coroa dessa linha de seu trabalho criativo se tornou a famosa anlise de Hamlet (existem duas variantes desse trabalho, escritas em 1915 e 1916, respectivamente; a segunda variante foi publicada no livro de Vigotski Psicologia da Arte2 em 1968).

    Todos esses trabalhos so caracterizados por uma orientao psicolgica. Pode-se abordar uma obra de arte por vrios lados. Pode-se clarear o problema da personalidade do autor, tentar entender sua ideia, estudar a orientao objetiva da obra de arte (isto , sua moral ou significado poltico-social) etc. O que interessava Vigotski era outra coisa: como o leitor percebe uma obra de arte, o que que est no texto da obra de arte que causa certas emoes no leitor, i.e., ele estava interessado no problema da anlise da psicologia do leitor, o problema da influncia psicolgica da arte. Desde o incio, Vigotski tentou abordar esse problema psicolgico complexo objetivamente. Ele tentou sugerir alguns mtodos para a anlise de um fato objetivo o texto da obra de arte e a partir disso proceder a sua percepo pelo espectador.

    2 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Psicologia da Arte. So Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 207-248. Tambm disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Tragdia de Hamlet, o Prncipe da Dinamarca. So Paulo: Martins Fontes, 1999. M.S.]

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    O perodo determinado da carreira criativa de Vigotski alcanou seu acabamento em seu trabalho extensivo Psicologia da Arte, que ele terminou e defendeu como uma dissertao em Moscou, em 1925. As ideias que ele, em 1916 em sua anlise de Hamlet ainda expressava em meio tom, agora se tornou uma demanda pelo desenvolvimento de uma psicologia da arte materialista.

    Vigotski tentou resolver dois problemas realizar uma anlise objetiva do texto da obra de arte e uma anlise objetiva das emoes humanas que surgem durante a leitura desta obra. Ele legitimamente escolheu a contradio interna na estrutura de uma obra de arte como seu aspecto central. Mas, a tentativa de analisar objetivamente as emoes causada por tal contradio no foram bem sucedidas (e no poderiam ser bem sucedidas tendo em vista o nvel de desenvolvimento da cincia psicolgica na poca). Isso pr-determinou a de alguma forma natureza inacabada e unilateral de Psicologia da Arte (aparentemente, o prprio Vigotski tambm sentiu isso. Ele teve a oportunidade de public-lo durante sua vida, mas, apesar disso, nunca o fez).

    Os problemas que se revelaram durante seu trabalho na rea da psicologia da arte e a impossibilidade de revolv-los no nvel da psicologia cientfica da dcada de 1920 tornou inevitvel que Vigotski se moveria para a verdadeira psicologia cientfica. A transio ocorreu gradualmente nos anos 1922-1924. No final deste perodo, Vigotski, que em Gomel continuou seu trabalho sobre Psicologia da Arte, j havia comeava sua investigaes no campo da psicologia cientfica. Como j foi dito, a transio se tornou completa com sua mudana para Moscou em 1924.

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    Chegando na psicologia, Vigotski imediatamente se encontrou em uma

    situao especial comparada maioria dos psiclogos soviticos. Por um lado, ele claramente entendeu a necessidade de construir uma nova psicologia, objetiva, chegando independentemente a essas ideias enquanto trabalho em sua psicologia da arte. Por outro lado, particularmente para Vigotski, com seu interesse primordial nas emoes humanas superiores causadas pela percepo da obra de arte, as deficincias das correntes objetivas realmente existentes na psicologia internacional e psicologia sovitica na dcada de 1920 (behaviorismo, reactologia, reflexologia) eram especialmente intolerveis. A principal deficincia delas era a simplificao dos fenmenos mentais, a tendncia ao reducionismo fisiolgico, a descrio inadequada da manifestao superior da mente a conscincia humana.

    Vigotski precisava expor claramente os sintomas da doena que as correntes objetivas na psicologia sofriam e ento encontrar caminhos para a cura. Seus trabalhos tericos iniciais foram dedicados a esses objetivos; sua palestra Os Mtodos de Investigao Reflexolgicos e Psicolgicos, que ele apresentou no Segundo Congresso Neuropsicolgico (1924), o artigo A Conscincia como Problema da Psicologia do Comportamento3 (1925) e o grande trabalho histrico-terico O Significado Histrico da

    3 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 55-86. M.S.]

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    Crise da Psicologia4 (1926-1927), que publicado pela primeira vez neste volume. Vrias ideias que estavam conservadas neste trabalhados tambm podem ser encontradas em outros trabalhos, incluindo seu ltimo. Muitas das ideias de Vigotski que formaram a chave para seu trabalho criativo assim como para muitos psiclogos soviticos podem ser encontradas em seu trabalho somente implicitamente ou foram expressas por ele boca em boca.

    A deficincia das correntes objetivas na psicologia sua incapacidade de estudar adequadamente os fenmenos da conscincia foi visto por muitos psiclogos. Vigotski foi meramente um dos mais ativos, mas longe de ser o nico participante na luta por um novo entendimento da conscincia na psicologia sovitica da dcada de 1920.

    essencial observar a posio nica de Vigotski. Ele foi o primeiro que j em seu artigo A Conscincia como Problema da Psicologia do Comportamento levantou o problema da necessidade por um estudo psicolgico concreto da conscincia como uma realidade psicolgica concreta. Ele fez a ousada (para a poca) afirmao que nem a nova psicologia behaviorismo, que ignorou o problema da conscincia nem a velha psicologia psicologia emprica subjetiva, que se declarou como sendo a cincia sobre a conscincia realmente a estudava. Isso parece uma forma paradoxal de declarar o problema. Para Kornilov, por exemplo, o estudo da conscincia significava o retorno a uma verso mais suave da psicologia emprica subjetiva. Em seguida ele vislumbrou uma tarefa concreta combinar os mtodos introspectivos da velha psicologia com os mtodos objetivos da nova psicologia. Isso ele chamou sntese.

    O contedo da nova psicologia no poderia adicionar qualquer coisa anlise da conscincia na velha psicologia. Era simplesmente uma diferena de avaliao. A velha psicologia viu o estudo da conscincia como sua tarefa mais importante e acreditou que estava realmente estudando ela. A nova psicologia no viu novos mtodos de qualquer natureza para estudar a conscincia e a cultivou para a velha psicologia. Os representantes da nova psicologia poderiam avaliar o problema da conscincia como insignificante e ignor-la, ou considera-la sendo importante e comprometendo com a velha psicologia para resolv-la (posio de Kornilov).

    Para Vigotski o problema parecia bastante diferente. Ele no queria ouvir sobre um retorno velha psicologia. Deve-se estudar a conscincia diferentemente a partir da forma como era feita (ou, mais corretamente, declarada) pelos representantes da psicologia da conscincia. Conscincia no deve ser vista como um estgio no qual as funes mentais agem, no como o chefe geral das funes mentais (o ponto de vista da psicologia tradicional), mas como uma realidade psicolgica que possui importncia tremenda para toda a atividade vital da pessoa e que deve ser estudada e analisada concretamente. Em contraste com outros psiclogos da dcada de 1920, Vigotski conseguiu ver no problema da conscincia no somente um problema de mtodos concretos, mas antes de tudo um problema filosfico e metodolgico de importncia tremenda, a pedra angular da futura psicologia cientfica.

    Essa nova psicologia que lida com os fenmenos mais complexos da vida mental do homem, incluindo a conscincia, s poderia evoluir com base no marxismo. Em tal

    4 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 203-420. M.S.]

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    abordagem a perspectiva do tratamento materialista da conscincia se revela e as tarefas concretas, no declarativas, de uma psicologia marxista tomam forma.

    Falando sobre o desenvolvimento de uma psicologia marxista, Vigotski conseguiu ver o principal erro da maioria dos psiclogos da dcada de 1920, que se deram essa mesma tarefa. que eles viram essa tarefa como uma de meramente encontrar os mtodos corretos. Alm disso, eles abordaram essa tarefa a partir de uma teoria psicolgica concreta e tentaram combinar isso com as teses bsicas do materialismo dialtico atravs de simples adio. Em seu trabalho O Significado Histrico da Crise da Psicologia, Vigotski escreveu diretamente sobre a inexatido fundamental de tal abordagem. Ele apontou que a psicologia , naturalmente, uma cincia concreta. Cada teoria psicolgica tm sua base filosfica. Algumas vezes se manifesta, outras vezes est escondida. E em cada caso essa teoria determinada por suas bases filosficas. por isso que no podemos tomar os resultados prontos da psicologia e combin-los com as teses do materialismo dialtico sem primeiro ter reformado suas bases. Devemos realmente construir uma psicologia marxista, i.e., devemos comear com suas bases filosficas.

    Como podemos construir concretamente uma psicologia marxista procedendo a partir das teses do materialismo dialtico? Para responder essa questo, Vigotski sugere voltar ao exemplo clssico a economia poltica marxista, explicada em O Capital, onde um modelo dado de como elaborar a metodologia de uma cincia concreta com base nas teses gerais do materialismo dialtico. Somente depois que a base metodolgica de uma cincia foi elaborada que os fatos concretos podem ser considerados, que foram reunidos por pesquisadores tomando diferentes posies tericas. Ento esses fatos podem ser organicamente assimilados e no nos tornamos suas vtimas. No nos tornamos cativados por eles e no tornamos a teoria em um conglomerado ecltico de diversos mtodos, fatos e hipteses.

    Assim, Vigotski foi o primeiro entre os psiclogos soviticos a escolher tal importante estgio na criao da psicologia marxista como o desenvolvimento de uma teoria filosfica e metodolgica de um nvel intermedirio.

    Nos mesmos trabalhos dos anos 1925-1927, Vigotski fez uma tentativa para determinar um caminho concreto para o desenvolvimento da base metodolgica terica da psicologia marxista. Assim, a epgrafe no trabalho O Significado Histrico da Crise da Psicologia o conhecido ditado do evangelho: A pedra que rejeitaram os construtores, essa veio a ser a pedra angular...5. Ele mais alm explica que est se referindo aos construtores da psicologia cientfica. Essa rocha dupla: por um lado, a referncia para a teoria filosfica e metodolgica de um nvel intermedirio; por outro lado, para a atividade prtica do homem.

    A tese sobre a extrema importncia para a psicologia da atividade prtica do homem era paradoxal para a psicologia internacional e sovitica da dcada de 1920. Naquela poca, a corrente dominante estudou a atividade motora externa da pessoa pela fragmentao dela em diferentes atos comportamentais elementares (behaviorismo), reaes motoras (reactologia) ou reflexos (reflexologia) etc. Nenhuma lidou com a

    5 [VIGOTSKI, Lev Semenovitch. O Significado Histrico da Crise da Psicologia. In: Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 203. M.S.]

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    anlise da atividade prtica em toda sua complexidade, se no contarmos os especialistas da psicologia do trabalho. Mas estes e outros psiclogos trataram isso como uma rea puramente aplicada e assumiram que as regularidades fundamentais da vida mental do homem no podiam ser reveladas quando analisamos sua atividade laboral prtica.

    Vigotski possui uma opinio diametralmente oposta. Ele enfatizou que o papel de liderana no desenvolvimento da psicologia cientfica pertence psicologia do trabalho, ou psicotcnica6. Reconhecidamente, ele adicionou que no um assunto da prpria psicotcnica com seu mtodos, resultados e tarefas concretas, mas seu problema geral. A psicotcnica foi a primeira a proceder para a anlise psicolgica da atividade do trabalho, prtica, do homem, embora ainda no entendia a completa importncia desses problemas para a psicologia cientfica.

    A ideia de Vigotski era clara a elaborao das bases metodolgicas tericas de uma psicologia marxista deve comear com uma anlise psicolgica da atividade de trabalho, prtica, dos humanos, com base nas posies marxistas. exatamente nesse plano que as regularidades bsicas e unidades primrias da vida mental do homem residem escondidas.

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    Para realizar a ideia da qual Vigotski encontrou vagos esboos era,

    naturalmente, extremamente difcil. Mas a ideia de uma reforma da psicologia era profundamente de acordo com a era revolucionria da dcada de 1920. Tais ideias no poderiam fazer outra coisa que no juntar jovens talentos ao redor de Vigotski. Nesses anos a escola psicolgica de Vigotski se desenvolveu, que desempenhou um grande papel na histria da psicologia sovitica. Em 1924, seus primeiros colaboradores se tornaram Leontiev e Luria. Algum tempo depois se juntaram a eles L. I. Bozhovich, A. V. Zaporozhec, R. E. Levina, N. G. Morozova e L. S. Slavina. Nos mesmos anos as seguintes pessoas tomaram parte ativa nas investigaes conduzidas sob a orientao de Vigotski: L. V. Zankov, Yu. V. Kotelova, E. I. Paashkovskaia, L. S. Sakharov, I. M. Soloviev, e outros. Depois disso, os estudos de Vigotski de Leningrado comearam a trabalho com ele D. B. Elkonin, Zh. I. Shif, e outros.

    As bases para o trabalho de Vigotski e seus colaboradores eram, em primeiro lugar, o Instituto de Psicologia da Universidade de Moscou, a Academia Krupskaia para Educao Comunista e tambm o Instituto Experimental de Defectologia, fundado por Vigotski. Para Vigotski os contatos cientficos com a Clnica para Doenas Nervosas no Primeiro Instituto Mdico de Moscou foram de grande importncia (oficialmente ele comeou a trabalhar l em 1929).

    6 essencial observar que j em 1920 Blonski, em seu livro A Reforma da Cincia, expressou a ideia da importncia da atividade do trabalho para a anlise da psicologia da pessoa. Algum tempo depois que Vigotski, Basov (1927) em seu Bases Gerais da Pedologia, afirmou ideias profundas sobre o significado da atividade de trabalho e externa para a psicologia. Entretanto, a anlise concreta de Basov e Vigotski da atividade eram diferentes. importante observar que ambos amarram o significado das investigaes prtica, atividade de trabalho de humanos diretamente tarefa de construir uma psicologia marxista. Entre os psiclogos estrangeiros, foi o grande acadmico francs Janet que na dcada de 1920 desenvolveu ideias interessantes sobre o significado do trabalho e atividade do trabalho para a psicologia.

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    O perodo na atividade cientfica de Vigotski que durou de 1927 at 1931 foi extremamente rico e importante para a subsequente histria da psicologia sovitica. Naquele perodo as bases para a teoria histrico-cultural do desenvolvimento da mente foram desenvolvidas. Suas teses bsicas so expostas nos trabalho de Vigotski O Mtodo Instrumental em Pedologia (1928), O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criana (1928), As Razes Genticas do Pensamento e Linguagem7 (1929), Esboo de um Desenvolvimento Cultural da Criana Normal (1929, manuscrito), O Mtodo Instrumental em Psicologia8 (1930), Instrumento e Smbolo no Desenvolvimento da Criana9 (1930, publicado a primeira vez nesta srie), Estudos Sobre a Histria do Comportamento10 (1930, juntamente com Luria), A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores (1930-1931, primeira parte publicada em 1960 no livro de mesmo nome, segunda parte publicada nesta srie), e alguns outros. Muitas ideias chaves da teoria histrico-cultural so afirmadas no livro mais conhecido de Vigotski, Pensamento e Linguagem11 (1933-1934). Para alm destes, importante para o entendimento da teoria histrico-cultural so os trabalhos de seus colaboradores: Sobre os Mtodos de Investigao dos Conceitos, por L. S. Sakharov (1927), O Desenvolvimento da Memria por A. N. Leontiev (1931), O Desenvolvimento dos Conceitos Cotidianos e Conceitos Cientficos, por Zh. I. Shif (1931), e outros.

    Ao se manter com suas vises fundamentais, Vigotski no se voltou ao exame dos fenmenos mentais em si mesmos, mas anlise da atividade do trabalho. Como bem conhecido, os clssicos do marxismo viram essa atividade como antes de tudo caracterizada por seu instrumento a natureza, a mediao dos processos de trabalho por instrumentos. Vigotski decidiu comear sua anlise dos processos mentais com essa analogia. Ele fez uma hiptese: no podemos encontrar o elemento da medio nos processos mentais das pessoas atravs de alguns instrumentos mentais nicos? Uma confirmao indireta dessa hiptese ele encontrou nas palavras conhecidas de Bacon, que ele mais tarde citaria com frequncia: nem a mo nua nem o entendimento deixado a si mesmo pode afetar muito. por instrumentos e ajudas que o trabalho feito12. Naturalmente, a ideia de Bacon no de todo inequvoca: pode ser entendida

    7 [Disponvel em portugus como captulo do livro Pensamento e Linguagem: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 111-150. M.S.] 8 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 93-102. M.S.] 9 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Formao Social da Mente. So Paulo: Martins Fontes, 1991. M.S.] 10 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch; LURIA, Alexander Romanovitch. Estudos Sobre a Histria do Comportamento: Smios, Homem Primitivo e Criana. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. M.S.]

    11 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. 4.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2008. Traduo da verso editada e resumida em ingls. VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. Traduo do original em russo. M.S.] 12 [BACON, Francis. The New Organon or True Directions Concerning the Interpretation of Nature. New York: The Liberal Arts Press, 1620. M.S.]

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    de diferentes formas. Mas, para Vigotski mais importante simplesmente como uma das confirmaes de sua prpria hiptese que repousou sobre a teoria de Marx da atividade de trabalho.

    De acordo com a ideia de Vigotski, devemos distinguir dois nveis nos processos mentais humanos: o primeiro a mente deixa a si mesma; o segundo a mente (o processo mental) armado com instrumentos e meios auxiliares. Da mesma forma devemos distinguir dois nveis de atividade prtica: o primeiro a mo nua, o segundo a mo armada com instrumentos e meios auxiliares. Alm disso, tanto na esfera prtica quanto na esfera mental o segundo, nvel do instrumento de importncia decisiva. Na rea dos fenmenos mentais, Vigotski chamou o primeiro nvel de nvel dos processos mentais naturais e o segundo nvel de nvel dos processos mentais culturais. Um processo cultural um processo natural mediado por instrumentos mentais e meios auxiliares nicos.

    No difcil ver que a analogia que Vigotski traou entre os processos de trabalho e a mente bastante rudimentar. A mo humana tanto o rgo quanto o produto do trabalho, como os clssicos marxistas apontaram. Consequentemente, a contraposio da mo nua e a mo armada com instrumentos de tal forma acentuada no justificada. Tambm no justificada a contradio acentuada dos processos mentais culturais e naturais. A terminologia usada por Vigotski levou a desentendimentos enquanto a questo justificada surgiu se todos os processos dos humanos modernos no eram processos culturais. Essas fraquezas nas ideias de Vigotski causaram uma crtica justificada tanto durante sua vida quando depois de sua morte.

    Ao mesmo tempo, devemos observar que Vigotski precisava de tais contrastes no primeiro estgio de seu trabalho a fim de iniciar as teses bsicas de sua teoria, que considerava a importncia decisiva dos instrumentos psicolgicos ao longo dos processos mentais.

    verdade que na dcada de 1920, Khler abordou o problema do papel dos instrumentos na vida mental a partir de um ngulo totalmente diferente. Naquela poca os resultados de seus experimentos com macacos antropoides foram publicados. Eles mostraram, em particular, que os objetos materiais externos varas, caixas etc. podem desempenhar um papel executivo no-passivo em seus processos mentais (a introduo de varas na situao levou reestruturao do campo ptico do animal, e, para o psiclogo Gestalt Khler, isso significava que a estrutura dos processos mentais tinham mudado tambm).

    Os experimentos de Khler impressionaram grandemente os psiclogos e na dcada de 1920 diversos acadmicos tentar transferi-los para a psicologia da criana. Esses experimentos provaram estar de acordo com o pensamento de Vigotski. Ele foi o iniciador da traduo em russo de Pesquisas Sobre a Inteligncia dos Macacos Antropomorfos de Khler e escreveu um prefcio para ele13. Mais tarde, Vigotski frequentemente (em Pensamento e Linguagem, A Histria das Funes Mentais Superiores etc.) se referiu aos resultados das investigaes de Khler e queles acadmicos que tentar conduzir experimentos similares no campo da psicologia da

    13 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. O Desenvolvimento Psicolgico na Infncia. 2.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 201-242. M.S.]

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    criana (Buhler, Koffka e outros). Vigotski, que estava orientado em direo ao estudo da atividade objetiva, prtica, via nos experimentos de Khler (que mostravam o papel ativo dos instrumentos externos na restruturao das funes mentais) uma abordagem para o estudo de um dos aspectos dessa atividade.

    Khler estudou essa questo meramente no nvel metdico experimental. Seus pontos de partida metodolgicos tericos como um grande psiclogo Gestalt eram opostos s posies de Vigotski. Khler estava longe de um entendimento do importante papel da mediao de funes mentais. um paradoxo que Khler, que primeiro descreveu a reestruturao do processo mental por um instrumento externo, no viu o carter especfico do instrumento e o considerou como somente um dos elementos do campo ptico. por isso que ele no pode ver o problema da atividade que era central para Vigotski. O prprio Vigotski enfatizou o carter especfico do nvel-instrumento de mediao dos processos mentais, particularmente na determinao histrico-social do ser humano.

    Quando agora avaliamos o significado da analogia entre trabalho e processos mentais oferecida por Vigotski e os dois nveis de processos mentais so contrastados, devemos no examinar essas vises em si mesmas, mas no contexto das suposies e o posterior desenvolvimento de toda sua teoria, em conexo com os resultados aos quais eles levam.

    O que as hipteses dos instrumentos psicolgicos e os dois nveis de funes mentais concretamente produziram? Essa questo, que em um grau importante serviu para verificar a exatido das hipteses, foi a questo dos anlogos reais dos processos mentais naturais e culturais. E exatamente a resposta a esta questo mostrou em qual grau as hipteses eram justificadas e frutferas para a psicologia cientfica. Como bem conhecido, comeando de parmetros completamente diferentes (seus graus sendo significantes e voluntrios), psiclogos distinguiram todas as funes mentais em superiores (pensamento por conceitos, memria lgica, ateno voluntria etc.) e inferiores (pensamento imagtico, memria mecnica, ateno involuntria etc.). O prprio fato de tal diviso foi uma importante realizao da psicologia cientfica. Entretanto, mais tarde um nmero de questes surgiu sobre a natureza da relao entre funes superiores e inferiores, sobre o que faz a presena de tais qualidades especficas das funes superiores e inferiores como a natureza voluntria e consciente delas etc. Cada grande teoria teve que dar uma resposta a essas questes de um jeito ou de outro. Mas, algumas correntes (psicologia associativa, behaviorismo) praticamente perderam a distino qualitativa entre funes superiores e elementares quando as traduziram em sua prpria linguagem, i.e., ambos se dissolveram em algumas partes componentes elementares (tal abordagem Vigotski chamou atomista)14. A natureza bvia da

    14 Vigotski mais de uma vez escreveu sobre dois mtodos de anlise em elementos (anlise atomista) e em unidades. A anlise em elementos quebra um todo em suas partes componentes mais simples, que, entretanto, perderam as propriedades do todo (exemplo, quebrando gua em tomos de hidrognio e oxignio). A anlise em unidades quebra um todo em partes componentes mais pequenas possveis que ainda retm as propriedades do todo (exemplo, quebrando gua em molculas). Na psicologia, Vigotski contou a quebra dos processos mentais em reflexos assim como o sistema bipartite dos behavioristas (S R) como anlise em elementos.

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    distino qualitativa entre as funes mentais inferiores e superiores causou a fraqueza de tais abordagens aparentes.

    As correntes opostas (psicologia do entendimento), pelo contrrio, consideraram a distino qualitativa das funes superiores e elementares como um fato fundamental. Elas moveram a natureza integral da estrutura e do carter orientado a um objetivo dos processos mentais para o primeiro plano. Essas correntes protestaram categoricamente contra a abordagem atomista. Mas, eles jogaram fora o beb com a gua do banho. Os psiclogos dessa orientao ocuparam posies idealistas no plano filosfico e negaram completamente a possibilidade de uma explicao causal dos fenmenos mentais. Eles rejeitaram os mtodos cientficos naturais na psicologia. Para eles, a psicologia pode no mximo esforar-se para um entendimento das conexes que existem entre os fenmenos mentais e no deveriam tentar inclu-los na rede de relaes causa-resultado que cobre eventos no mundo fsico real. Como resultado, a psicologia dessa orientao no conseguiu encontra o vnculo entre as funes mentais superiores e inferiores.

    A hiptese proposta por Vigotski ofereceu uma nova explicao para o problema da relao entre as funes mentais superiores e elementares. As funes mentais elementares, inferiores, ele conectou com o estgio dos processos mentais naturais e os superiores com o estgio dos processos mediados, culturais. Tal abordagem explicou tanto as diferena qualitativa entre as funes superiores e elementares (consistia na mediao de funes mentais superiores por instrumentos) quando a conexo entre elas (as funes superiores se desenvolveram com base nas funes inferiores). Finalmente, as propriedades das funes mentais superiores (exemplo, sua natureza voluntria) foi explicada pela presena de instrumentos psicolgicos.

    Por meio de hipteses sobre a medio de processos mentais atravs de instrumentos nicos, Vigotski tentou introduzir as diretrizes da metodologia dialtica marxista na psicologia cientfica em uma forma metdica concreta e no-declarativa. Isso foi a propriedade bsica de todo seu trabalho criativo ao qual ele deve todo seu sucesso.

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    A questo da metodologia no qualquer coisa que no a questo principal

    quando estamos lidando com o trabalho criativo de Vigotski. A dialtica interna, em princpio, sempre formou o atributo caracterstico de seu pensamento. suficiente pensar em seus trabalhos iniciais (por exemplo, Psicologia da Arte). Assim, quando ele define nossa percepo das obras de arte, Vigotski no tem medo de destacar a contradio inerente na prpria obra. A mesma posio mostrada em sua inclinao em discernir dois lados polares, em luta, em um fenmeno quando ele o analisou e em considerao a essa luta como a fora motora do desenvolvimento.

    O historicismo no exame do fenmeno caracterstico do pensamento de Vigotski (nessa conexo importante ter em mente as razes humanitrias de sua criatividade, particularmente a grande influncia sobre sua escola de Potebnia e o mtodo histrico na crtica literria que ele desenvolveu). Todas essas premissas ajudaram Vigotski a entender a dialtica marxista e a dominar o mtodo histrico

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    marxista. O entendimento das bases da dialtica marxista elevaram o pensamento de Vigotski a um nvel qualitativamente novo.

    A hiptese sobre a natureza mediada das funes mentais implicitamente continha elementos de um mtodo histrico integral. Eles eram expressos precisamente e carregados at seu fim lgico pelo prprio Vigotski em tais trabalhos como A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores e Pensamento e Linguagem.

    A ideia fundamental de Vigotski de que as funes mentais so mediadas por instrumentos psicolgicos nicos somente teve sentido na medida em que as prprias funes mentais eram vistas como formaes integrais com uma estrutura interna complexa. Tal abordagem imediatamente varreu a anlise atomista, que para Vigotski formou uma deficincia particularmente intolervel das correntes materialistas na psicologia da dcada de 1920 (behaviorismo, reflexologia etc.). Ao mesmo tempo, ela abriu a perspectiva de uma abordagem materialista integrativa e objetiva da anlise do mental, que era concebido como um sistema no-fechado estrutura complexo que foi aberto para o mundo externo (para Vigotski a natureza fechada do mental formou a principal deficincia das vises idealistas integrativas que foram desenvolvidas, por exemplo, em entendendo a psicologia).

    Naturalmente, nas dcadas de 1920 e 1930, no foi somente Vigotski que tentou examinar as funes mentais como formaes estruturas complexas que esto abertas ao mundo exterior. Tais vises eram mantidas pelos psiclogos Gestalt tambm. Seus trabalhos, particularmente os experimentos de Khler, que investigava o intelecto de macacos antropoides, causou uma grande impresso sobre Vigotski (ver acima). Mas, para revelar a diferena interna de sua metodologia das posies dos psiclogos Gestalt, importante tomar outro aspecto de sua teoria holstica em conta: seu historicismo.

    Falando em geral, a ideia do historicismo era estranha para os psiclogos Gestalt, que tentaram estudar a situao aqui e agora. Para Vigotski, sua prpria ideia inicial de mediao de funes naturais por instrumentos psicolgicos nicos j continha a necessidade de abordar as funes mentais superiores, culturais, como formaes histricas e, assim, a necessidade de estuda-las via o mtodo histrico. Em princpio, Vigotski via trs caminhos possveis para a investigao histrica da formao das funes mentais superiores: o caminho filogentico15 e ontogentico16 mais patologia (traando a perda dessas funes em pacientes). As investigaes ontogenticas ocuparam o lugar mais importante em seu trabalho criativo (A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores e Pensamento e Linguagem).

    importante observar que em Vigotski a abordagem integrativa e historicismo eram, em princpio, inseparveis. Eram duas dimenses de uma ideia a ideia da natureza mediada de processos mentais concebida a partir de posies dialticas.

    Falando sobre o historicismo de Vigotski, essencial distingui-lo das abordagens histricas que podem ser encontradas no trabalho de outros psiclogos das dcadas de 1920 e 1930. bem conhecido que uma das caractersticas distintivas da psicologia do sculo XX foi que ela iniciou a conceber si mesma como uma cincia histrica, como

    15 [Filogenia o estudo da relao evolutiva entre grupos de organismos. Vigotski e Leontiev utilizam a palavra gentica no sentido de gnese M.S.]

    16 [Ontogenia o estudo das origens e desenvolvimento de um organismo M.S.]

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    uma cincia sobre desenvolvimento. Muitas escolas psicolgicas daquela poca que tentar cobrir a soma total dos fenmenos mentais (psicologia de profundida, a escola francesa etc.) descreveram a mente como sendo organizada de acordo com o princpio de sistema de nveis. Mas a questo era: nas vrias teorias o que era que agia como os determinantes do desenvolvimento ontogentico e filogentico da mente?

    A ideia do desenvolvimento (no plano ontogentico) foi central para a psicologia da criana que tomou forma prximo ao fim do sculo XIX (Darwin, Preyer e outros). Desde o incio se desenvolver sob a influncia decisiva da teoria evolucionria, e o desenvolvimento da mente da criana foi considerada a partir do ponto d vista de seu significado adaptativo (a comparao do desenvolvimento ontogentico e filogentico foi realizada nessa conexo cf. a lei de Hall de recapitulao que , em princpio, muito prxima da lei biogentica). A ideia de desenvolvimento, tambm entendida no plano evolucionrio biolgico, foi tambm central para a zoopsicologia, que se desenvolveu no mesmo perodo.

    O fundador da psicologia descritiva, Dilthey, e seus seguidores tentaram introduzir o princpio do historicismo na psicologia. Dilthey, como bem conhecido, tomou posies idealistas e tratou a vida mental como sendo puramente espiritual. Falando sobre histria, ele essencialmente tinha em mente a histria da cultura que ele tambm considerava a partir de posies idealistas, i.e., meramente como manifestao da atividade espiritual da pessoa. por isso que, quando ele criticou o seguidor de Dilthey, Spranger, em seu A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, Vigotski escreveu que trazendo histria e psicologia prximas uma da outra ele, essencialmente, junta o espiritual com o espiritual (isso se aplica plenamente tambm ao prprio Dilthey).

    Os psiclogos franceses trataram o princpio do historicismo em sua prpria maneira e intimamente conectado com o problema da determinao social da mente. Assim, Durkheim, um dos fundadores da escola francesa, considerava a sociedade como a soma total das representaes coletivas. Lvy-Bruhl, em seus conhecidos trabalhos sobre a psicologia das pessoas primitivas, expressou a ideia de que no somente o contedo, mas tambm os caminhos dos prprios pensamentos humanos (lgica humana, mais precisamente a relao dos aspectos lgicos e pr-lgicos no pensamento humano) so um conceito histrico se desenvolvendo.

    Na dcada de 1920 a posio lder na escola francesa era ocupada pelo grande acadmico Janet, que tentou combinar historicismo com uma abordagem da atividade. Isso permitiu Janet a chegar a um nmero de ideias profundas sobre a natureza e desenvolvimento da mente, que exerceu influncia sobre o desenvolvimento subsequente da psicologia cientfica. Em particular, ele props a hiptese de que a criana no processo de desenvolvimento internaliza as formas sociais do comportamento, que foram primeiro usadas prpria criana por adultos. Esse investigador tentou investigar o processo de internalizao em detalhes na memria e pensamento. Mas ao faz-lo, Janet, assim como toda a escola francesa, procedeu de uma suposio de que a pessoa inicialmente a-social, de que a socializao forada sobre ela a partir de fora. Na anlise da atividade humana e vida social, Janet estava muito longe do marxismo. Ele considerou a relao de cooperao como a relao social bsica, que somente natural para um acadmico que v o retrato externo das conexes

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    sociais, mas no d importncia fundamental para os relacionamentos econmicos que forma sua base.

    O historicismo de Vigotski tem um carter fundamentalmente diferente das abordagens examinadas acima. Seu historicismo um tentativa de aplicar o mtodo histrico de Marx na psicologia. Assim, para Vigotski os determinantes do desenvolvimento mental humano no so uma maturao biolgica na ontogneses e adaptao biolgica ao longo da luta pela vida na filogneses (psicologia da criana e zoopsicologia na tradio evolucionria), no o domnio pelo ser humano das ideias do esprito universal [Weltgeist] corporificado nos produtos da cultura (psicologia do entendimento de Dilthey) e no a relao de cooperao social (teoria de Janet), mas a atividade de trabalho mediada por instrumentos. essa abordagem que foi originalmente amarrada hiptese de mediao de processos mentais por instrumentos.

    Antes de Vigotski, o mtodo para a investigao ontogentica da prpria mente pode ser chamado o mtodo de sees transversais. Em diferentes idades o nvel de desenvolvimento e comportamento e a condio de funes mentais diferentes da criana eram medidas e ento se tentava reconstruir o retrato geral do desenvolvimento, julgando pelos resultados das diferentes medies que davam pontos discretos em um eixo etrio.

    Para Vigotski, as deficincias de tal abordagem eram bvias. Ele considerou que a hiptese de mediao indicava o caminho em direo a outro mtodo de investigar o desenvolvimento mental na ontogneses, que nos permitiu modelar (para colocar na terminologia da dcada de 1960) esse processo. E realmente, o mtodo histrico-gentico de Vigotski em um nmero de casos produziu resultado que eram, em princpio, inacessveis para o mtodo de sees transversais.

    O estudo da formao das funes mentais superiores na ontogneses e filogneses como estruturas que se desenvolvem com base em funes mentais elementares e so mediadas por instrumentos psicolgicos, se tornou o grande tema de pesquisa de Vigotski e seus colaboradores.

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    Quando afirmamos o objetivo dessa forma, a questo central se torna a questo

    em relao aos instrumentos psicolgicos: o que so eles e qual o mecanismo de mediao?

    Em primeiro lugar, quando a ideia de mediao nasceu, Vigotski a ilustrou com o exemplo de um paciente com doena de Parkinson que estava na clnica de Rossolimo. Quando foi pedido ao paciente para andar, ele conseguia responder somente com um aumento em seu tremor e no conseguia andar. Depois disso, pedaos brancos de papel eram colocados diante dele no cho e o pedido era repetido. Agora o tremor diminua e ele realmente comea a andar, dando um passo em cada papel sucessivamente.

    Vigotski explicou esses experimentos dizendo que o paciente confrontado com duas sries de estmulos. A primeira srie consiste de comandos verbais, que so incapazes de provocar o comportamento adequado no paciente. Ento a segunda srie de estmulos os pedaos de papel branco vem ao resgate. A reao inicial do paciente mediada por essa srie. a segunda srie de estmulos que serve como meio para guiar

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    o comportamento. por isso que Vigotski os chamou meios-estmulos17. Nessa descrio, parece como se a ideia de Vigotski estava perto das posies da psicologia comportamental, mas logo se tornou claro que essa afinidade era puramente terminolgica. Para o behaviorista, a questo termina com a investigao do comportamento, mas para Vigotski isso somente um exemplo cujo significado bsico o estudo do processo de mediao das funes mentais por meios-estmulos e no o estudo das reaes comportamentais. E o crculo de meios-estmulos se ampliou imensuravelmente. Assim, nas teses para sua palestra O Mtodo Instrumental na Psicologia (1930), Vigotski mencionou, como exemplos de linguagem estmulos-meios, formas diferentes de numerao e contagem, adaptaes mnemotcnicas, simbolismo algbrico, obras de arte, escrita, esquemas, diagramas, mapas, desenhos, todos os tipos de signos convencionais etc. Aqui devemos novamente levar em conta a coragem cientfica de Vigotski, que ousou combinar em uma srie, objetos com aparente incompatibilidade. O ponto de vista usualmente aceito na poca era de que o psiclogo examine adaptaes secundrias que desempenham um papel executivo (amarrando um n para lembrar alguma coisa), por um lado, e estruturas psicolgicas fundamentais (por exemplo, discurso), por outro lado.

    O que esses objetos heterogneos a partir da palavra para o n para relembrar alguma coisa tm em comum? Primeiro de tudo, todos eles foram criados artificialmente pela humanidade e representam elementos da cultura (da o nome da teoria de Vigotski como histrico-cultural). Alm disso, todos eles so meios-estmulos, ou instrumentos psicolgicos e eles so primeiro direcionados para fora, para um parceiro. Somente depois os instrumentos psicolgicos so aplicados a si mesmo, i.e., eles se tornam para a Pessoa um meio de guiar seus prprios processos mentais. Subsequentemente, o crescimento dos meios-estmulos continua. A funo mental mediada a partir de dentro e a necessidade por um meio-estmulo externo (no que diz respeito a determinada pessoa) cessa de existir. Todo esse processo desde o incio at o final, Vigotski chamou o crculo completo de desenvolvimento histrico-cultural das funes mentais.

    Em seu artigo, O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criana (1928), ele descreveu esse processo em detalhes usando o exemplo dos experimentos com memorizao de palavras que ele e seus colaboradores executaram com crianas. Retratos formaram os meios-estmulos desses experimentos. Enquanto no primeiro estgio o experimentador teve que apresentar os retratos para a criana, no segundo estgio a criana j selecionou ele mesmo os retratos correspondentes (aplicando o instrumento para si mesmo), e no terceiro estgio o crescimento ocorreu, i.e., a necessidade pelo retrato no existia mais. Em seu artigo, Vigotski mencionou diversos tipos diferentes de crescimento: substituio simples de estmulos externos por internos, o tipo de ponto que combina em um nico ato partes de processo que eram, a princpio,

    17 Devemos entender que tal uso da palavra estmulo era bastante incomum. suficiente comparar com a forma que os behavioristas, reflexologistas etc. lidavam com o estmulo. Tal desleixo terminolgico por Vigotski formou uma das dificuldades do entendimento correto de seu trabalho e pode ser explicado, antes de tudo, pelo estado incompleto de sua concepo. Ele estava com bastante pressa com pressa de realizar suas ideias, para completar, embora em esboos grosseiros, sua teoria. Neste processo, a preciso terminolgica era uma questo de importncia secundria.

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    relativamente independentes, e o domnio da estrutura (princpio) da prpria mediao (esse o tipo mais avanado de crescimento).

    Assim, a lgica interna do desenvolvimento de sua teoria intimamente levou Vigotski aos problemas da internalizao que estavam, naqueles anos, sendo elaborados pela escola psicolgica francesa. Mas, existia uma diferena de princpio entre a concepo de internalizao dessa escola e a de Vigotski. A primeira concebia a internalizao como a fora de fora sobre a conscincia individual primordialmente existente e primordialmente a-social de algumas formas de conscincia societal (Durkheim), ou dos elementos da atividade social externa, cooperao social (Janet). Para Vigotski, a conscincia s formada no processo de internalizao no existe conscincia primordial a-social, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente falando.

    Nesse experimentos, as hipteses bsicas de Vigotski eram experimentalmente confirmadas. Devido mediao por instrumentos psicolgicos, o prprio processo mental se transformou, sua estrutura se reformou (por exemplo, a memria lgica era forma com base na memria sensorial). Aqui vemos outra hiptese de Vigotski em forma embrionria: no processo de mediao, o pensamento se torna anexo memria, que desempenha um papel enorme na memria lgica. Mais tarde isso se torna o ponto de partida para as ideias que ele desenvolveu sobre os sistemas psicolgicos (ver abaixo).

    O mtodo histrico-gentico de Vigotski foi de grande importncia nas investigaes do processo de mediao. Aqui o poder heurstico desse mtodo foi revelado sobre o material concreto. Os fatos que Vigotski descobriu j eram parcialmente conhecidos na psicologia cientfica. Ele mesmo em seu artigo O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criana menciona, por exemplo, os experimentos de Binet com memorizao, que mostraram que um sujeito pode aplicar certos mtodos para melhorar a quantidade de nmeros que ele deve memorizar. Entretanto, nem Binet nem outro psiclogos que conheciam tais fatos perfeitamente bem (existiu um termo conhecido, mnemotcnica) foram capazes de interpret-los adequadamente. Eles eram vistos como somente um truque tcnico conveniente para memorizao o que na melhor das hipteses tinha significado aplicado, se no como simples curiosidade, um truque de mgica (Binet escreveu sobre a simulao da memria por meios de mnemotcnicas).

    Ningum era capaz de ver aqui a chave para revelar as regularidades fundamentais da vida mental. Devemos perceber que essas investigaes eram executadas com adultos e que os experimentadores que estudaram, por exemplo, o intervalo de ateno, no lidaram com a questo do desenvolvimento ontogentico e filogentico das funes mentais correspondentes. S se poderia desnudar o significado fundamental dos fatos correspondentes ao seguir, assim como Vigotski, o caminho da investigao histrico-gentica (investigao histrico-gentico que nos permite seguir a formao de alguma funo e no somente investiga-la por meio da abordagem de seo transversal).

    Para Vigotski, as hipteses da mediao das funes mentais, combinadas com o mtodo histrico-gentico, abriram novas perspectivas para sua pesquisa. Essa abordagem permitiu a ele isolar a unidade bsica da vida mental. Assim, em seus artigos O Mtodo Instrumental na Psicologia e O Problema do Desenvolvimento Cultural da

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    Criana, ele examina isso para o exemplo dos processos de memorizao. No primeiro artigo ele escreve:

    Na lembrana [memorizao M.S.] natural estabelece-se uma conexo associativa direta (um reflexo condicionado) A-B entre os dois estmulos A e B. Na lembrana artificial, mnemotcnica, dessa mesma marca atravs do instrumento psicolgico X (n no leno, esquema mnemnico), no lugar da conexo direta A-B estabelecem-se duas novas conexes: A-X e X-B, cada uma das quais um reflexo condicionado, determinado pelas propriedades do tecido cerebral, da mesma forma que a conexo A-B. O novo, o artificial, o instrumental dado pela substituio de uma conexo A-B por duas: A-X e X-B, que conduzem ao mesmo resultado, mas por outro caminho. O novo a direo artificial que o instrumento imprime ao processo natural de fechamento da conexo condicionado, ou seja, a utilizao ativa das propriedades naturais do tecido cerebral.18

    A fim de entender a ideia de Vigotski corretamente, devemos levar em conta o

    seguinte. Os processos de memorizao eram para ele somente um modelo. De acordo com suas hipteses, os processos de mediao era de grande importncia para qualquer funo mental. por isso que o esquema proposta possui significado universal. Estamos falando sobre da substituio do esquema bipartite, que eram usualmente aceito na dcada de 1920, por um esquema tripartite no qual uma terceira parte, intermediria, mediadora os meios-estmulos ou instrumento psicolgico colocado entre o estmulo e a reao. O ponto crucial da ideia de Vigotski que somente o esquema tripartite que no ser mais decomposto pode ser a unidade mnima de anlise que preserva as propriedades bsicas das funes mentais.

    Assim, a questo decisiva surgiu: as hipteses de mediao sugeridas por Vigotski realmente nos permitem isolar uma nova unidade universal adequada da estrutura das funes mentais? Se isso fosse verdade, ento Vigotski poderia proceder para a soluo do problema da conscincia a partir da posio do mtodo histrico-gentico. Mas primeiro essas hipteses gerais precisavam ser verificadas. Modelos para tal verificao se tornaram primeiro a memria e depois a ateno (O Desenvolvimento das Formas Superiores de Ateno na Infncia, 1925). Ao longo dos experimentos sobre ateno, a hiptese de mediao foi mais uma vez confirmada a estrutura dos processos de ateno tambm se reestruturam devido aos instrumentos psicolgicos.

    O programa seguinte de investigaes de Vigotski e seus colaboradores se preocupou com a verificao da hiptese de mediao sobre o exemplo de um processo mental fundamental como o pensamento. Essas investigaes, entretanto, levaram a novos e inesperados resultados.

    18 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 94-95.

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    7 bem conhecido que o pensamento est intimamente entrelaado com a

    linguagem. Alguns psiclogos (por exemplo, Watson) elaboraram a concluso de que o pensamento pode simplesmente ser reduzido linguagem interna. Watson imaginou a ontogneses do pensamento como procedendo junto seguinte linha: linguagem falada sussurro linguagem interna. Entretanto, as investigaes da escola de Wrzburg executadas no incio do sculo mostraram que o pensamento e a linguagem no coincidem absolutamente.

    Assim, existiam dois pontos de vista nesta rea: a reivindicao de que o pensamento e a linguagem coincidiam plenamente e a reivindicao de que eles eram totalmente diferentes. A unilateralidade dessas posies levou ao desenvolvimento de muitas teorias intermedirias comprometedoras. Desde o incio, Vigotski no concordou com a maneira que elas se desenvolveram. Consistiam em examinar o processo do pensamento verbal em pessoas civilizadas adultas, que psiclogos ento decompunham em suas partes componentes. O pensamento era considerado independente da linguagem, e a linguagem independente do pensamento. Ento os psiclogos tentaram, nas palavras de Vigotski, retratar o vnculo entre um e outro como uma dependncia mecnica puramente externa entre dois processos diferentes (Pensamento e Linguagem, captulo 1). Aqui ele encontrou as duas principais deficincias da psicologia na forma mais bvia: anlise em elementos e anti-historicismo.

    A verdadeira resposta para a questo da relao entre pensamento e linguagem era, consequentemente, para ser encontrada somente no caminho da investigao histrico-gentica. A psicologia j havia angariado alguns fatos materiais para tal abordagem. Assim, na dcada de 1920 as investigaes de Khler lanaram uma nova luz nessas questes. Por um lado, ele descobriu em macacos o que ele chamou de intelecto instrumental. Parecia provvel que esse intelecto instrumental estava vinculado ao pensamento humano (particularmente, verbal). Poderia ser visto como um dos nveis que filogeneticamente precedia o pensamento humano. Por outro lado, nos macacos foram descobertos diversos anlogos linguagem do tipo humana. Mas, o mais interessante era que o prprio Khler e outros investigadores que replicaram seus experimentos concordaram sobre a ausncia de um vnculo entre o intelecto instrumental e esses rudimentos da linguagem nos macacos. Descobriu-se, consequentemente, que as razes genticas do pensamento humano e linguagem humana eram diferentes e somente cruzavam em certa idade.

    luz desses fatos e se mantendo com a lgica geral dessa concepo, Vigotski chegou concluso de que a linguagem um instrumento psicolgico que media o pensamento em seu estgio inicial (como estgio inicial do pensamento ele quis dizer atividade prtica). Como resultado de tal mediao verbal, o pensamento se desenvolve. Vigotski expressou essa ideia de maneira aforstica, parafraseando as famosas palavras de Fausto. Ao invs do bblico Era no incio o Verbo, Goethe escreve Era no incio a Ao19. Para Vigotski, no problema da gneses do pensamento, a nfase lgica

    19 [GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: uma tragdia Primeira parte. 4.ed. So Paulo: Editora 34, 2010, p. 131. M.S.]

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    transferida para as palavras no incio. Assim, no incio era a ao (atividade prtica), que se tornou mediada pela palavra. Vigotski sugeriu que este era o ncleo do problema no plano filogentico.

    Em princpio, algo similar deve ocorrer tambm na ontogneses. Na dcada de 1920 as investigaes ontogenticas do pensamento e linguagem era executadas por Piaget. Elas causaram uma grande impresso em Vigotski. Na verdade, o livro Pensamento e Linguagem , em grande medida, estruturado como uma polmica com Piaget, embora no forme, naturalmente, a principal parte do contedo de seu trabalho. (Suficientemente interessante, o prprio Piaget leu Pensamento e Linguagem somente no final da dcada de 1950 e concordou largamente com as anotaes crticas de Vigotski.) Piaget conseguiu observar e descrever o fenmeno da linguagem egocntrica que ele interpretou como a manifestao da suposta natureza a-social intrnseca primordial da criana. Em posterior desenvolvimento, como a criana se torna socializada, a linguagem egocntrica gradualmente morre.

    Ao longo dos experimentos, Vigotski convincentemente mostrou que exatamente o oposto. A linguagem egocntrica originalmente social. Ela no desaparece, mas se torna linguagem interna. internalizada. o meio mais importante do pensamento que nasce na atividade externa, objetiva da criana. O pensamento verbal se desenvolve na medida em que a atividade internalizada. Aqui as hipteses de Vigotski foram novamente confirmadas: o pensamento que se desenvolve a partir da atividade prtica mediado pela linguagem, pela palavra.

    Mas uma verificao ainda mais importante dessas hipteses ocorreu com o material das investigaes da formao nas crianas de um produto do pensamento verbal que a generalizao. A tarefa era verificar se a palavra realmente tal meio, tal instrumento psicolgico, que media o processo de generalizao e a formao de conceitos em crianas.

    As investigaes as quais nos referimos comearam em 1927 por Vigotski, junto com seu colaborador Sakharov, e depois da morte do ltimo (em 1928) elas foram continuadas de 1928 a 1930 por Vigotski e Ju. V. Kotelova e E. I. Pashkovskia (a exposio mais detalhada dos mtodos e resultados dessas investigaes dada no trabalho de Vigotski Pensamento e Linguagem e no artigo de Sakharov Sobre os Mtodos de Investigao de Conceitos).

    Para a investigao dos processos de generalizao, Vigotski e Sakharov desenvolveram uma nova variante do mtodo de estimulao dupla, que foi, na verdade, uma verso particular do mtodos de palavras artificiais introduzido por Asch no comeo do sculo para o estudo dos conceitos. A investigao foi executada junto com as mesmas linhas fundamentais das investigaes de outras funes mentais. O sujeito tinha que agrupar um nmero de figuras geomtrica tridimensionais de acordo com suas caractersticas. As figuras diferiam em tamanho, forma e cor. O papel da segunda srie de estmulos os meios-estmulos era para ser executada por palavras artificiais sem sentido introduzidas no experimento.

    No decorrer dos experimentos, um resultado inesperado foi encontrado que mudou a direo da investigao. Descobriu-se que para o sujeito, a tarefa de generalizar as figuras por meio de meios-estmulos se tornou outra tarefa de descobrir o significado desses meios-estmulos ao selecionar as figuras geomtricas. Assim, os instrumentos

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    psicolgicos, os meios-estmulos, mostraram um novo lado eles se tornaram em veculos de certos significados. Esses dados permitiram aos investigadores mudar a terminologia da investigao. Os instrumentos psicolgicos, ou meios-estmulos, passaram a se chamar signos. Vigotski comeou a usar a palavra signo no sentido de tendo significado.

    Deve ser dito que Vigotski j estava interessado na questo do papel dos signos na vida mental dos humanos antes de se se envolver na psicologia cientfica. A primeira vez que ele se deparou com essa questo foi nos anos que ele trabalho na rea de psicologia da arte. J em seu livro Psicologia da Arte, ele escreveu que as emoes humanas eram causadas por certos signos e que sua tarefa era proceder anlise das emoes com base na anlise desses signos. Aqui por signo ele tambm quis dizer um smbolo que possui certo significado.

    Tal ponto de vista era tradicional para a crtica literria e dramaturgia, mas inesperada para a psicologia ou fisiologia (um reflexologista tambm pode dizer que um signo causa uma emoo, mas para ele significaria que o signo um estmulo condicional no sistema de reflexo condicional). precisamente a educao humanitria (particularmente, sua semntica e semitica) que Vigotski adquiriu nos anos de trabalho sobre Psicologia da Arte que permitiu a ele resistir ao esquema reflexolgico na anlise dos experimentos sobre generalizao e v-los como uma entrada para o problema do significado.

    Nessa conexo, interessante observar que j no final da dcada de 1920 e incio da de 1930, Vigotski retomou a investigao do papel dos signos na psicologia da arte, i.e., ele retomou suas, na linguagem moderna, investigaes semiticas (semitica como uma cincia ainda no existia na poca). Junto com Eisenstein, ele comeou a trabalhar sobre a teoria da linguagem cinematogrfica (a colaborao deles foi interrompida pela morte de Vigotski; algum material est preservado nos arquivos de Eisenstein).

    8

    Assim, para Vigotski o estudo do problema da generalizao, o desenvolvimento

    dos conceitos, o problema do significado da palavra se tornaram o caminho para investigar a ontogneses do pensamento, que se tornou o centro nervoso de toda sua teoria.

    Os experimentos executados com o mtodo de estimulao dupla provar que, em seu desenvolvimento, os conceitos (e palavras junto com eles) passam por diversos estgios.

    O primeiro estgio (o perodo inicial pr-escolar) o estgio dos conjuntos sincrticos. Nesse estgio a palavra no possui significado fundamental para a criana. Figuras so combinadas de acordo com caractersticas acidentais (por exemplo, por que esto espacialmente perto ou possuem uma caracterstica externa marcante etc.). Tal combinao baseada em impresso acidentais era, naturalmente, no estvel.

    O segundo estgio o estgio dos complexos. O complexo generalizao possui diversas formas diferentes. Eles tm em comum que a criana ainda combina objetos com base na experincia sensorial imediata, mas de acordo com conexes fatuais. Cada

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    conexo pode servir como a base para a incluso de um objeto em um complexo, desde que este presente. No processo do desenvolvimento do complexo, essas conexes constantemente mudam de lugar como a base do agrupamento. Eles escapam, perdem seus contornos, e a nica coisa que possuem em comum que eles foram descobertos atravs de alguma operao prtica nica. Nesse estgio as criana no podem ainda examinar alguma caracterstica ou conexes entre objetos fora da situao concreta, presente, visvel na qual estes objetos mostram sua abundncia de caractersticas mutualmente transversais. por isso que a criana de um detalhe para outro e assim por diante.

    Todas as caractersticas so iguais no significado funcional, no existe hierarquia entre elas. Um objeto concreto entre em um complexo como uma unidade visual real com todas as suas caractersticas fatuais inalienveis. Na formao de tal generalizao, um grande papel desempenhado pelo signo verbal. Ele funciona como uma indicao familiar dos objetos, combinando-os de acordo com alguma caracterstica fatual.

    Um lugar especial entre os complexos mantido por uma de suas formas o pseudoconceito, que, nas palavras de Vigotski, forma a forma mais difundida de pensamento por complexos na criana no perodo pr-escolar, que prevalece acima de todas as outras formas e frequentemente quase exclusivamente presente (Investigaes Psicolgicas Escolhidas, 1956, p. 177). De acordo com suas caractersticas externas, a generalizao da criana um conceito, mas de acordo com o processo que leva generalizao ainda um complexo. Assim, a criana pode livremente selecionar e combinar em um grupo todos os tringulos independente de suas cores, tamanhos etc. Entretanto, uma anlise especial mostra que esta combinao executada pela criana com base e uma compreenso visual do atributo visual caracterstico da triangularidade (fecho, o cruzamento caracterstico das linhas etc.) sem qualquer isolamento das propriedades essencial dessa figura como uma figura geomtrica, i.e., sem a ideia de um tringulo. Na medida em que tal agrupamento pode ser feito por uma pessoa que j dominou essa ideia, o pseudoconceito e o conceito coincidem como produto, mas por trs deles existem vrios mtodos de trabalho, vrias operaes intelectuais.

    O terceiro estgio aquele do verdadeiro conceito. formado com base na seleo de um grupo de objetos que so combinados de acordo com uma caractersticas que foi abstrada. Quando as caractersticas abstratas foram isoladas e os diferentes elementos abstrados da situao visual na qual so apresentados no experimento, este o primeiro estgio da formao de conceito. O prprio conceito se desenvolve quando um nmero de caractersticas abstradas so novamente sintetizadas. O papel decisivo na formao de conceitos desempenhado pela palavra como um meio de guiar a ateno s caractersticas correspondentes e como um meio para abstrao. Aqui o papel da palavra (o significado do signo verbal) totalmente diferente de seu papel no nvel dos complexos.

    Essa investigao produziu um nmero de resultados importantes e levou um nmero de problemas. No contexto da teoria geral de Vigotski, a descoberta do fato de que o significado das palavras-signos mudam na ontogneses muito importante. Sua funo muda de uma indicao familiar a meio de abstrao. Importante tambm que

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    o mtodo de estimulao dupla novamente se justifica e mostrou que o signo nos processos de generalizao, agem como um meio de mediao (seu papel diferente nos vrios estgios).

    Entretanto, no que diz respeito ao problema da formao de conceito e o problema da prpria generalizao, a investigao de Vigotski levou mais novas questes do que respondeu as velhas questes. Sua conquista mais importante nessa conexo se tornou a descoberta do nvel de complexos e, particularmente, os pseudoconceitos. Aqui a questo natural surge: porque a psicologia tradicional antes de Vigotski passou e ignorou os pseudoconceitos? A questo que a psicologia tradicional tomou o pseudoconceito como um conceito e no possua os meios para distinguir eles. A psicologia tradicional viu a generalizao, o isolamento de algumas caractersticas comuns, como a nica caracterstica do conceito. Em tal abordagem do problema, os pseudoconceitos e os conceitos genunos realmente se tornam indistinguveis.

    importante manter em mente que tal caracterizao de conceitos no era psicolgica, mas lgica formal. Sua transferncia acrtica da lgica formal, onde ela realmente funcionou, para a psicologia, onde ela no possua contedo, causou danos psicologia que os prprios psiclogos no haviam percebido. Tal tratamento do conceito recebeu seu primeiro golpe nas investigaes de Jeansch na dcada de 1920, e o trabalho de Vigotski colocou um fim nele. O mtodo histrico-gentico psicolgico fundamental das investigaes de Vigotski revelou a falta de contedo da definio lgico formal do conceito, que uniu psicologicamente fenmenos diversos o conceito genuno e o pseudoconceito.

    Mas, o paradoxo da descoberta de Vigotski residia no fato de que ele prprio em seu trabalho sobre conceito foi junto com a linha do desenvolvimento de generalizaes, que iniciou a partir da situao visual e que no final de sua investigao, devido ao mtodo histrico-gentico, ele mostrou a inadequao de tal caminho. Naturalmente, o parentesco do objeto permanece um aspecto indisputvel da explicao materialista do conceito, mas no deve ser confundido com a visualidade situacional. Vigotski sentiu que at mesmo o estgio superior de generalizao da situao visual no , todavia, o estgio superior do desenvolvimento do prprio conceito. Apesar de todo seu carter abstrato, o conceito revelado dessa forma estava relacionado ao pseudoconceito e o complexo. Ele formou com eles um contnuo. Eles estavam ligados pelo contedo da generalizao que reside por trs deles. A fim de criar um caminho para o nvel superior do conceito, era necessrio proceder de outro princpio de generalizao, abordar o conceito de outro lado.

    A busca posterior de Vigotski foi nessa direo. Ele no conseguiu realizar muito, mas o pouco que conseguiu (nos anos 1930-1931, Shif trabalhou sobre este problema sob sua orientao) deixou um trao fundamental na psicologia e foi aplicado praticamente de forma ampla subsequentemente.

    Vigotski distinguiu dois tipos de conceitos: conceitos cotidianos e conceitos cientficos. Os conceitos cotidianos so os conceitos revelados nos experimentos descritos acima. o nvel superior que uma generalizao pode ser elevada que procede de uma situao visual, a abstrao de alguma caracterstica visual. Esses conceitos so ideias gerais que vo do concreto ao abstrato. Eles so conceitos espontneos. Eles so a

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    generalizao de coisas como o prprio Vigotski expressivamente disse em seu trabalho Pensamento e Linguagem.

    Shif estabeleceu em suas investigaes que a criana desenvolve conceito cientfico de outra forma. Eles so a generalizao de ideias. Aqui uma conexo estabelecida entre conceitos, e sistemas so formados. Ento a criana se torna consciente de sua prpria atividade intelectual. Devido a isso, a criana desenvolve uma relao especial com o objeto, que permite a ele ver nos objetos o que est inacessvel para os conceitos empricos (a penetrao na essncia do objeto). O caminho da formao do conceito cientfico , Vigotski mostrou, oposto ao caminho da formao do conceito cotidiano, espontneo. o caminho do abstrato ao concreto durante o qual a criana est mais consciente do conceito do que do objeto desde o incio.

    Vigotski no podia investigar plenamente este processo na poca, mas sua grande conquista cientfica foi que ele conseguiu estabelecer experimentalmente a diferena psicolgica entre os processos de formao dos conceitos cotidianos e conceitos cientficos.

    Como pode estar conectado o desenvolvimento na criana de conceitos cotidianos e conceitos cientficos? Vigotski conectou este problema com o problema mais amplo de ensino e aprendizagem. No processo de sua investigao, ele se deparou com o fato de que o desenvolvimento de conceitos cientficos procedia mais rpido do que o desenvolvimento de conceitos espontneos (Pensamento e Linguagem, captulo 6). A anlise desse fato o levou concluso de que o grau de domnio dos conceitos espontneos indica o nvel do verdadeiro desenvolvimento da criana, enquanto o grau de domnio dos conceitos cientficos indica a zona de desenvolvimento proximal da criana. Com a introduo do conceito da zona de desenvolvimento proximal, Vigotski prestou um grande servio psicologia e pedagogia.

    Conceitos espontneos realmente se desenvolvem espontaneamente. Conceitos cientficos so trazidos conscincia da criana ao longo da aprendizagem. [...] conceitos cientficos [...] melhoram alguma rea do desenvolvimento no percorrida pela criana [...] neste caso comeamos a entender que a aprendizagem cos conceitos cientficos pode efetivamente desempenhar um papel imenso e decisivo em todo o desenvolvimento intelectual da criana20. A aprendizagem s boa quando est frente do desenvolvimento21. Ento a aprendizagem motiva e desencadeia para a vida toda uma srie de funes que se encontravam em fase de amadurecimento e na zona de desenvolvimento imediato [proximal M.S.]22.

    Assim, a zona de desenvolvimento proximal caracteriza a diferena entre o que criana capaz por si mesmo e o que pode se tornar capaz com a ajuda de um professor.

    20 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 351-352. 21 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334. 22 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334.

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    Tal viso era revolucionria para sua poca. bem conhecido que na poca dominavam vises de acordo com as quais a aprendizagem deve seguir o desenvolvimento e fortalecer o que foi conquistado. Parecia impossvel que a aprendizagem estaria frente do desenvolvimento da criana no podemos ensinar algo para o qual a base ainda no amadureceu na criana. Parecia natural determinar o nvel de desenvolvimento da criana pelo que ela podia fazer independentemente. A anlise do desenvolvimento da criana usando o mtodo de seo transversal no podia, em princpio, produzir qualquer outra concluso. Mas, as coisas mudaram radicalmente depois da aplicao do mtodo histrico-gentico de Vigotski, que permitiu aos investigadores revelar o nvel potencial do desenvolvimento cognitivo da criana, a zona de desenvolvimento proximal.

    A aplicao desse conceito tinha importncia prtica direta para o diagnstico do desenvolvimento cognitivo de crianas, que agora poderia ser realizado tanto no nvel real quanto no nvel potencial.

    Depois que as hipteses de mediao dos processos mentais foram verificadas na formao de vrias funes mentais (pensamento, memria, ateno etc.) e depois que os correspondentes novos mtodos para a investigao psicolgica terem sido criados, Vigotski retornou ao seu problema inicial, fundamental, para o qual a teoria histrico-cultural serviu como prlogo o problema da conscincia. Vigotski no terminou seu trabalho; foi interrompido por sua morte. por isso que sua teoria psicolgico no pode ser considerada como completada. Mas, ele, no obstante, esboou alguns contornos gerais de um teoria da conscincia que so de grande interesse. Particularmente importante para o entendimento de sua abordagem do problema so os trabalhos Pensamento e Linguagem (especialmente o ltimo captulo), a palestra O Problema do Desenvolvimento e Perda das Funes Mentais Superiores (1934), a palestra Jogos e seu Papel no Desenvolvimento Mental da Criana (1933), o manuscrito inacabado Teorias de Espinoza e Descartes Sobre as Paixes Luz da Neuropsicologia Moderna (1934), e a palestra Psicologia e a Teoria da Localizao das Funes Mentais (1934). Muitas ideias em relao a este problema tambm podem ser encontradas em seus trabalhos iniciais, especialmente A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, e em sua palestra Sobre Sistemas Psicolgicos (1930).

    Quais foram as principais concluses a que Vigotski chegou? As funes mentais se desenvolvem ao longo do desenvolvimento histrico da humanidade. O fator decisivo neste desenvolvimento so os signos. Vigotski (A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, 1960, pp. 197-198) escreveu que em uma estrutura superior, o signo e a forma como usado so o todo funcional decisivo ou foco de todo o processo. Um signo qualquer smbolo convencional que possui um certo significado. A palavra o signo universal. Um funo mental superior se desenvolve com base em uma funo elementar que se torna mediada por signos no processo de internalizao. Internalizao a lei fundamental do desenvolvimento para as funes mentais superiores na ontogneses e filogneses. Cada funo no desenvolvimento cultural [...] aparece no palco duas vezes, em dois planos. Primeiro como uma funo social, ento como uma funo psicolgica. Primeiro entre pessoas, como uma categoria interpsicolgica, ento [...] como uma categoria intrapsicolgica (A Histria do

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    Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, 1960, pp. 197-198). A conscincia humana formada no processo de internalizao.

    No fim da dcada de 1930, o entendimento de Vigotski do processo de internalizao mudou fundamentalmente. Ele prprio disse isso sobre a questo: No processo de desenvolvimento [...] no so muito as funes que mudam, como estudamos no incio (esse foi nosso erro), no muito sua estrutura [...] mas so as relaes, as conexes entre as funes que mudam e se tornam modificadas. Novos grupos se desenvolvem que so desconhecidos no estgio precedentes (Sobre Sistemas Psicolgicos, p. 110). Aqui Vigotski quer que os ouvintes prestem bastante ateno distino entre esses dois aspectos do problema e est sendo injusto consigo mesmo. Se ele no tivesse comeado seu estudo do fato de que a estrutura de funes diferentes mudam sob a influncia da mediao com tal erro, ele nunca teria chegado na nova concluso de que as conexes entre as funes mudam ao longo do desenvolvimento.

    Falando sobre o problema das conexes interfuncionais, Vigotski se voltou aos trabalhos do grande terico evolucionrio e zoopsiclogo russo, Vagner, em cujo trabalho ele encontrou o conceito de evoluo junto com linhas puras ou misturadas que foi muito importante para ele. A evoluo junto com linhas puras caracterstica do mundo animal, i.e., o aparecimento de um novo instinto, uma variante de um instinto que deixa inalterado o sistema de funes que se desenvolveu antes (O Problema do Desenvolvimento e Perda de Funes Mentais Superiores, 1960, p. 368). Em contraste, para o desenvolvimento da conscincia humana, o mais importante [...] no desenvolvimento das funes mentais superiores no tanto o desenvolvimento de cada funo mental [...] mas a mudana das conexes interfuncionais (O Problema do Desenvolvimento e Perda de Funes Mentais Superiores, 1960, p. 368).

    Em conexo com esse ponto decisivo em sua investigao dos relacionamentos interfuncionais, Vigotski se voltou ao novo conceito de sistema psicolgico. Em vrios significados vagas ele foi usado na psicologia j antes de Vigotski, mas ele quis dizer o sistema de conexes interfuncionais, a estrutura interfuncional responsvel por um processo mental especfico (percepo, memria, pensamento etc.). Em suas Palestras Sobre Psicologia (1932/1987, p. 324), ele escreveu que o desenvolvimento do pensamento de central importncia para toda a estrutura da conscincia, central para todo o sistema de funes mentais.

    O conceito de sistema psicolgico provou muito frutfero para a teoria de Vigotski23. Assim, por exemplo, psiclogos conheciam por um longo tempo que nos processos da memria lgica, no somente a memria, mas tambm o pensamento participam. Mas, Vigotski conseguiu mostrar, usando o mtodo histrico-gentico, como a formao de um sistema psicolgico ocorre no processo de mediao das funes m