Lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor e a Lei n° 11

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  • 8/15/2019 Lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor e a Lei n° 11

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    Com a vigência da referida lei, especificamente em seu artigo 88, dois crimes passaram a exigir

    representação da vítima para que o titular pudesse exercer o direito de ação, no caso, os

    crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Com isto, se ocorresse um acidente de

    trânsito culposo resultando uma lesão corporal na vítima, não mais se lavraria o auto de prisão

    em flagrante contra o autor, salvo se o mesmo se recusasse a assinar o termo de

    comparecimento em juízo; a própria autoridade policial elaborava o respectivo termo

    circunstanciado de ocorrência e este encaminhado ao juízo competente na espera da

    representação da vítima ao representante do Ministério Público, conforme rito sumaríssimo.Caso não houvesse a composição dos danos na audiência preliminar, já que se tal instituto

    ocorresse, se resultaria no acordo homologado na renúncia ao direito de representação,

    conforme artigo 74, parágrafo único. Isto já era uma inovação, pois a renúncia era exclusiva da

    ação penal privada.

    Conforme a expressão lex specialis derrogat generali , salvo quando compatíveis entre si, foi o

    que se estabeleceu com a Lei n° 9.503, de 23 de setembro, que instituiu o Código de Trânsito

    Brasileiro; este passou a prever em seu artigo 291 a aplicação da Lei n° 9.099/1995 no que

    coubesse, bem como autorizar também sua aplicação nos crimes de trânsito que resultassem

    lesão corporal culposa, no caso de embriaguez ao volante, ou na participação em competiçãonão autorizada, conforme previsão expressa em seu parágrafo único do referido artigo. Assim,

    cometida uma lesão corporal culposa em crime praticado com veículo automotor, não mais se

    aplicava o Código Penal na sua tipificação, mas sim o disposto no artigo 303 da referida lei

    especial, aplicando-se o procedimento previsto na Lei n° 9.099/1995 por ser considerado crime

    de menor potencial ofensivo, conforme pena máxima prevista em abstrato para referida

    infração penal.

    Tais leis disciplinaram às formas procedimentais aplicadas nos últimos dez anos para tais

    crimes mencionados, entretanto, a Medida Provisória n° 415, de 21 de janeiro de 2008

    convertida na Lei n° 11.705, de 10 de junho de 2008, alterou alguns artigos do Código deTrânsito Brasileiro, bem como a Lei n° 9.294/1996, que dispõe sobre as restrições referentes ao

    uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e

    defensivos agrícolas, visando inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo

    automotor.

    A referida lei alterou, de forma expressa, as regras constantes no parágrafo único do artigo 291

    do Código de Trânsito Brasileiro, modificando, concomitantemente, a condição procedimental

    no caso do cometimento de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, criando,

    assim, mais uma espécie de ação penal, além da ação penal pública condicionada, como já

    vinha sendo aceita, bem como na criação da ação pública incondicionada para referido crime,

    conforme apresentamos em seguida.

    Citado artigo, em seu caput, evidencia que nos crimes cometidos na direção de veículo

    automotor, aplicam-se as normas gerais do Código Penal, do Código de Processo Penal, bem

    como a aplicação da Lei n° 9.099/1995. O parágrafo único do art. 291 foi transformado em

    parágrafo primeiro, e passou a dispor que aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa

    continuasse a aplicação da lei dos crimes considerados de menor potencial ofensivo, criando

    uma ressalva, contudo, disciplinando que nos três incisos seguintes, tal regra não mais seria

    aplicada, caso o autor estivesse praticado a lesão culposa:

    I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determinedependência;

    II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição

    ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela

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    autoridade competente;

    III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta

    quilômetros por hora).

    Como a próprio lei faz uma interpretação autêntica de como deve ser aplicada, surge uma nova

    espécie de ação pública, não mais sendo condicionada, mas sim passando a ser ação pública

    incondicionada, já que não se aplica mais as regras da Lei n° 9.099/1995 nos três casos citados,

    não tendo mais que se observar o disposto no artigo 88 da referida lei, que exigia, comocondição de procedibilidade, a representação da vítima nos crimes de lesão corporal leve ou

    culposa.

    Assim, praticado um crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, a

    autoridade policial deve fazer o seguinte questionamento:

    Encontra-se o autor da lesão em qualquer uma das situações previstas nos incisos do artigo

    291 do Código de Trânsito Brasileiro?

    Dependendo da resposta, as providências a serem tomadas são diversas.

    Caso a resposta seja negativa, ou seja, o autor não se enquadra em nenhuma hipótese descrita

    nos incisos do artigo 291, lavrar-se-á o termo circunstanciado de ocorrência, providenciar-se-á

    as requisições para os exames periciais necessários, encaminhar-se-á imediatamente ao

     Juizado referido termo, conforme dispõe o artigo 69 da Lei n° 9.099/1995. Neste caso, a ação

    penal dependerá de representação conforme o disposto no artigo 88 da referida lei.

    Agora, caso a resposta seja positiva, ou seja, o autor da lesão se encontra sob a influência de

    álcool, ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, bem como se sua

    conduta delituosa se enquadra em um dos dois incisos seguintes, será caso de autuar o agente

    em flagrante delito, por não mais se aplicar a Lei n° 9.099/1995, devendo, ainda, a autoridade

    policial instaurar inquérito policial para apurar referida infração penal, conforme parágrafo

    segundo do artigo 291, incluído pela Lei n° 11.705/2008, que dispõe: “§ 2o  Nas hipóteses

    previstas no § 1o deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da

    infração penal”.

    Com isto, já que não se aplica mais a Lei n° 9.099/1995, não há mais que se falar em observar a

    regra do artigo 88 da citada lei, a qual exigia representação da vítima, passando, então, a ação

    não mais carecer de representação para sua propositura, passando a mesma a ser do tipo

    ação pública incondicionada. Relatado o inquérito policial pela autoridade policial e

    encaminhado ao juiz, o mesmo deverá despachar ao representante do Ministério Público, e

    este, consubstanciado pelos indícios de autoria e materialidade, formará sua opinio delicti ,

    devendo oferecer a denúncia.

    Urge ressaltar outro problema que ocorre na hipótese do artigo anterior, com o disposto no

    artigo 301 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual dispõe que: “Ao condutor de veículo, nos

    casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem

    se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela”. Somente nesta hipótese, então, o

    condutor não será preso em flagrante delito, quando, mesmo incorrendo em algum inciso do

    artigo 291, se prestar pronto e integral socorro à mesma, lavrando-se somente a autoridade o

    respectivo boletim de ocorrência, providenciando as requisições de exames periciais, e

    instaurando por Portaria o respectivo inquérito, com base no artigo 5°, I do Código de Processo

    Penal, sem se preocupar com o § 4° do mesmo artigo, já que não se faz mais obrigatória a

    representação.

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    Questão interessante se mostra: e se o agente, conhecedor das incongruências e

    incompatibilidades que surgem dentro de um ordenamento jurídico, vem a praticar uma lesão

    corporal culposa leve na direção de um veículo automotor, estando o mesmo a uma velocidade

    superior em 50% à máxima permitida na referida via, e, ao ser preso, mencionar que tinha

    conhecimento de transitar com seu veículo com velocidade não permitida, e que dolosamente

    quis atingir a vítima, visando praticar na mesma uma lesão corporal leve?

    Como é dolosa a atitude do agente, não se pode aplicar o disposto do artigo 303 do Código de

    Trânsito Brasileiro para não se ferir o princípio da legalidade, devendo ser aplicado o artigo 311

    do mesmo diploma, combinado com o artigo 129 do Código Penal. Mesmo praticando um

    crime doloso, terá maior benefício do que aquele que praticou crime culposo, pois poderão ser

    aplicadas ao mesmo as regras da Lei n° 9.099/1995, bem como se utilizar dos institutos da

    composição civil e transação penal, por não existir previsão expressa em lei negando tal direito.

    Por derradeiro, se julga importante frisar que em qualquer das situações anteriores, continua

    inalterada a aplicação da suspensão do processo prevista no artigo 89 da Lei n° 9.099/1995,

    devendo somente serem observados os requisitos exigidos, tais como que o crime cometido

    tenha como pena mínima cominada de até um ano ou pena menor que esta, além dos demais

    requisitos exigidos no próprio artigo, face o mesmo dispor que esta suspensão se aplica a

    qualquer crime, abrangidas ou não pela referida lei.