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Lesão e estado de perigo: vícios do consentimento? Renata Barbosa de Almeida 1 , [email protected] 1. Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro; professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG; da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi), MG; e da Faculdade de Minas (FAMINAS), Muriaé, MG. RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo desenvolver um estudo sobre lesão e estado de perigo, confrontando a já aceita inclusão de tais ins- titutos como vícios do consentimento, uma vez que para serem rotulados como tais seria necessário dis- crepância entre a vontade real e a vontade expres- sa, o que na realidade não ocorre. Para tanto o tra- balho traça pequenos apontamentos históricos so- bre o papel da vontade no direito moderno e desta- ca a importância da correta hermenêutica para a aplicação dos institutos em comento. Palavras- chave: lesão, estado de perigo, vícios do consentimento, hermenêutica. RESUMEN: Lesión y estado de peligro: ¿vicios del consentimiento? El presente trabajo tiene por objetivo desarrollar un estudio sobre lesión y estado de peligro, confrontando ya la acepta inclusión de tales institutos como adicciones del consentimiento, una vez que para ser rotulados como tales sería necesario discrepancia entre la voluntad real y la voluntad expresa, lo que en la realidad no ocurre. Por tanto el trabajo delinea pequeños apuntamientos históricos sobre el papel de la voluntad en el derecho moderno y destaca la importancia de la correcta

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Lesão e estado de perigo:vícios do consentimento?

Renata Barbosa de Almeida1, [email protected]. Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio

de Janeiro; professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG; da FundaçãoComunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi), MG; e da Faculdade de Minas(FAMINAS), Muriaé, MG.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivodesenvolver um estudo sobre lesão e estado deperigo, confrontando a já aceita inclusão de tais ins-titutos como vícios do consentimento, uma vez quepara serem rotulados como tais seria necessário dis-crepância entre a vontade real e a vontade expres-sa, o que na realidade não ocorre. Para tanto o tra-balho traça pequenos apontamentos históricos so-bre o papel da vontade no direito moderno e desta-ca a importância da correta hermenêutica para aaplicação dos institutos em comento.Palavras- chave: lesão, estado de perigo, vícios doconsentimento, hermenêutica.

RESUMEN: Lesión y estado de peligro: ¿viciosdel consentimiento? El presente trabajo tiene porobjetivo desarrollar un estudio sobre lesión y estadode peligro, confrontando ya la acepta inclusión detales institutos como adicciones del consentimiento,una vez que para ser rotulados como tales seríanecesario discrepancia entre la voluntad real y lavoluntad expresa, lo que en la realidad no ocurre.Por tanto el trabajo delinea pequeños apuntamientoshistóricos sobre el papel de la voluntad en el derechomoderno y destaca la importancia de la correcta

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hermenéutica para la aplicación de los institutos enconsideración.Palabras llaves: lesión, estado de peligro, adiccionesde consentimiento, hermenéutica.

ABSTRACT: Lesion and state of danger: addictionsof the consent? The present work has as objetive todevelop a study about lesion and danger situation,confronting the already accepted inclusion of thoseinstitutes like consentiment vicius, once to be labeledlike that would be necessary some discordancebetween real will and express will, what doesn’thappen in reality. For so much the work draws litllehistoric apointments about the role of will in themodern right and especifies the importance of thecorrect hermeneutics for the aplication of institutesin comment.Keywords: lesion, danger situation, consentimentvicius, hermeneutics.

I – Negócio jurídico como autonomia da vontade

Segundo Kant, a liberdade é o único direito inato do indivíduo. Inerenteà condição humana, a liberdade é essencial a sua existência. Dela decorre todaa estruturação da vida do sujeito. Segundo Salgado, “Assim, a liberdade podeser concebida não só como negatividade ou independência com relação àscondições empíricas, mas também, positivamente, como faculdade de dar iní-cio por si mesma a uma série de dados” (1995, p. 236).

Este reconhecimento filosófico, pode-se dizer, trouxe repercussões jurí-dicas importantes. A liberdade, assim entendida, passa a amparar a construçãodo Direito. Daí vozes importantes afirmarem que “o Direito Moderno, comoKant diz filosoficamente, é, em essência, direito à liberdade” (BIELEFELDT ,2000, p. 90).

O Direito Civil, em especial, bem retrata este ideário. Surgiu com aestrita – e, paradoxalmente, ampla – função de tutelar a liberdade do indivíduocontra as intervenções estatais.

Por um lado, então, ao Direito cabe permitir que cada sujeito, porquelivre, determine para si suas próprias leis, como resultado da sua vontade. Signi-fica dizer: autodeterminação. A lei deve se fundar na liberdade, não o inverso(SALGADO, 1995, p. 248). Por outro lado – e em complemento – a preservaresta autonomia individual, o Direito deveria garantir sua intangibilidade. Isto é,restrições a seu uso são, a princípio, inadmissíveis; “a liberdade jurídica somen-

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te pode ser limitada na própria liberdade, ou seja, na igual liberdade de outrapessoa” (BIELEFELDT , 2000, p. 90).

Não há olvidar, que todas estas formulações bem se coadunam com – e,pois, explicam-se – o contexto histórico frente ao qual se estruturou o DireitoCivil. Tome-se a França como parâmetro. O absolutismo monárquico vigorante,ainda no final do século XVIII, obstava a ascensão capitalista pretendida pelaclasse burguesa emergente. A impossibilidade de se fazer valer os objetivosindividuais, de cunho eminentemente patrimonial, exigia uma mudança. Foientão que se organizaram as revoluções e o pensamento iluminista, sob a rei-vindicação da liberdade e da igualdade.

Como concretização de tais movimentos, considere-se a codificação, eo Código Napoleônico, por sua vez, como representação capital desta. Emba-lado numa generalidade e abstração propositais – instrumentalizações da igual-dade perante a lei – todos os ditames normativos do Code se calcavam no idealde autonomia. A vontade do indivíduo era o fundamento primordial para quais-quer atos. Inclusive, era exatamente esta a base de sua juridicidade. A fim dereceber reconhecimento do Direito e conseqüente proteção, indispensável fosseo ato resultado de verdadeira expressão volitiva do sujeito.

O ideal de liberdade se instaura, tornando-se a base sólida de sustenta-ção de toda a sistemática codicista. Restrições jurídicas à ação humana eramexcepcionalíssimas. Na realidade, só surgiam quando a própria preservação dosindivíduos – e, consequentemente, da sua liberdade – assim requeresse.Apenas a convivência social era justificativa válida para tanto (MORAES,1993, p. 22).

Disto deriva importante conseqüência. Nota distintiva do Direito Privado– em especial do Direito Civil – se torna, exatamente, a permissão de tudoaquilo que não fosse alvo de impedimentos jurídicos expressos.1 Em outraspalavras, ao sujeito se permite agir – ou não – como queira. Assim o fazendo,simplesmente usufrui direito próprio e, na verdade, inato.

1 De acordo com Enzo Roppo: “Os limites a uma tal liberdade eram concedidoscomo exclusivamente negativos, como puras e simples proibições; estas deveriamapenas assinalar, por assim dizer, do exterior, as fronteiras, dentro das quais aliberdade contratual dos individuos podia expandir-se sem estorvos e sem controlos:não concluir um contrato, não inserir nele uma certa cláusula. Inversamente, nãose admitia, por princípio, que a liberdade contratual fosse submetida a vínculospositivos que impusessem aos sujeitos, contra a sua vontade, a estipulação de umcerto contrato, ou a estipulação com um sujeito determinado, ou por um certopreço ou em certas condições: os poderes públicos – legislador e tribunais –deviam abster-se de interferir, a que título fosse, na livre escolha dos contratantesprivados.

Além disso, os próprios limites negativos – exceções a um princípio – eram tolera-dos em muita estreita medida”. (O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M.Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, p.32-33).

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Daí se ter concluído que, no sistema de direito privado,em contraposição ao direito público, o princípio dalegalidade se traduz em liberdade de agir, de modo quena ausência de restrição normativa, seja de conteúdonegativo (proibição de fazer) ou positivo (obrigação defazer) o que se tem é o reino da liberdade (MORAES,2000, p. 54-55).

Outra base de sustentação deste condicionamento civilista é representa-da pelo patrimonialismo. Não só a liberdade, mas, consentânea, a propriedadeprivada encontra-se como pilar do Direito Civil. Na verdade, a autonomia daqual vai se valer o sujeito é voltada exatamente para obtenção ou transferênciade patrimônio. O que se mostra bem coerente com o ambiente social da épo-ca, com a pretensão capitalista burguesa.

Neste sentido, surge o negócio jurídico. Em função da liberdade e dapropriedade, torna-se necessário dar azo ao tráfego. Insuficiente sejam os sujei-tos livres, mas desapossados. É preciso lhes conceder instrumento de aqui-sição patrimonial, em vistas, sobretudo, à satisfação de suas necessidades,de seus desejos.

O negócio jurídico, assim, torna-se um precioso instituto, na medida emque permite circular, como fruto da autonomia, a propriedade. Em síntese,representa congregação perfeita dos dois pilares fundamentais da civilística e,nesta medida, adquire importância similar.

O doutrinador italiano Emílio Betti, em obra específica sobre o tema,bem enuncia que o negócio jurídico funcionaliza a autonomia em vistas à pro-priedade. Isto é, dinamiza o que se encontra estanque.

(...) el Derecho no cumple la tarea, meramente estática,de conservar inmutada la distribuicíon presente de losvalores económicos y sociales que existen. Además de lafunción, por sí estática, de proteger la actual distribuiciónmediante la conceción de derechos subjetivos a lospresentes detentores, se le asigna también el cometidodinámico de hacer posibile la constante renovación, defacilitar la circulación de los bienes y la recíproca utilizaciónde los servicios, conforme a las necesidades que vayansurgiendo (BETTI, 2000, p. 50).

O negócio jurídico, portanto, formula-se exatamente a fim de que asrelações sociais se constituam e que, especialmente, haja circulação de rique-zas. Sob esta concepção, assume o instituto significado de expressão davontade; resultado de utilização da liberdade do indivíduo. Neste ponto, jábem afirmou Enzo Roppo:

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(...) necessário para entender o sentido e o alcance dacategoria do negócio: a elevação da vontade a elementochave de sua definição. Na base desta, está a idéia, jáacolhida pelo pensamento jusnaturalista e iluminista, davontade humana como fonte de qualquer transformaçãooperada no mundo do direito, como ‘força criadora’ dedireitos e obrigações como motor primeiro de toda adinâmica jurídica. Tão exacerbada que desemboca numaverdadeira ‘mística da vontade’ ou que se cristaliza na rigidezde um ‘dogma da vontade’ (ROPPO, 1988, p. 49).

Sob esta perspectiva, a vontade é a base do negócio jurídico, basecontratual. Somente ela – porque expressão da própria liberdade – é capaz desujeitar os indivíduos a certas restrições, a certos compromissos. Nem mesmo alei poderia fazê-lo: “não se afirma que o contrato tem força de lei entre ospactuantes; diz-se, ainda, que o contrato é mais forte do que a lei. Só a vontadepode criar ou fazer nascer uma obrigação” (GARCEZ NETO, 2000. p. 9).

A autonomia da vontade, assim, abrange tanto a liberdade de contratarou não, de escolher com quem contratar o que contratar e como contratar.

Nesta feita, pode-se dizer que a função do Direito acaba sendo mera-mente residual. A ele cabe apenas zelar pela vontade, pelo acordo firmadocomo o fora. Não lhe é permitido cogitar acerca, principalmente, do conteúdodo contrato. À ciência jurídica, portanto, não caberia outra função que não a deproteger o vínculo e seus efeitos.

Nas palavras de Cláudia Lima Marques,

a tutela jurídica limita-se, nesta época, portanto, a possibilitara estruturação pelos indivíduos de relações jurídicas própriasatravés de contratos, desinteressando-se totalmente pelasituação econômica e social dos contratantes e pressupondoa existência de uma igualdade e liberdade no momento decontrair a obrigação (MARQUES, 2002, p. 43).

Efetivamente, a autonomia da vontade, assim entendida, presumindosejam as partes iguais têm-nas por capazes de, por si só, zelar pelos seus inte-resses. Como resultado, acredita-se que o contrato representa verdadeiraharmonização das pretensões, sendo vantajoso reciprocamente.

Acerca deste aspecto, sobressai o raciocínio de Orlando Gomes:

como toda obrigação importa limitação da liberdadeindividual, o contratante que a assumisse estaria praticandoato livre de constrangimento, já que tinha a liberdade decelebrar, ou não, o contrato. Por princípio, a limitação da

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liberdade haveria de ser voluntária e os efeitos jurídicos docontrato realizado, fossem quais fossem, presumiam-sequeridos pelas partes. A omissão da lei na determinaçãodo conteúdo dos contratos justifica-se diante do princípioque assegurava a liberdade dos contratantes na sua formação.Partes iguais e livres não precisam de interferência legislativapara impedir a estipulação de obrigações onerosas ouvexatórias (2001, p. 26).

Em suma, sob esta perspectiva, todos são livres e iguais perante a lei.Sob o objetivo patrimonialista, formulam relações as quais, fundadas na autono-mia da vontade, mostram-se suficientes para bem harmonizar os interesses dosenvolvidos, vinculando-os. Tudo isso nada mais representa que a ideal liberalvigente. Apenas pelo uso da sua liberdade o indivíduo pode tê-la limitada. Eis oporquê de tal definição do negócio jurídico.

II – Teorias interpretativas do negócio jurídico: evolução

Definido como ato de vontade o negócio jurídico, atenta-se para o se-guinte aspecto: a vontade pode ser interna e pode ser declarada. Na verdade,o negócio jurídico envolve ambas. Não basta tenha o sujeito determinada pre-tensão psíquica. Se não a expressar, dela não advirão quaisquer efeitos jurídi-cos. Grosso modo, o mero pensamento é incapaz de restringir a liberdade doagente, obrigando-o em relação a outrem. Imperioso é que haja manifestação.

Por outro lado, ainda que não baste a vontade real, dúvida surge acercada suficiência da vontade declarada para formação e validade do negócio jurídi-co. Afinal, ainda que o ideal é que haja coincidência entre o que foi desejado emanifestado (VENOSA, 2004, p. 464), quiçá haja disformidade. Neste caso,resta saber qual das vontades prevalece.

Na tentativa de solucionar a dúvida, desenvolveram-se teorias doutriná-rias atinentes, as quais se crê importante analisar neste estudo.

2.1 – Teoria da vontade

Consoante a teoria da vontade, cientificamente formulada por Savigny,em caso de divergência entre as vontades real e declarada há que prevalecer aprimeira. E, assim, segundo coerência com a própria estruturação do negóciojurídico.

Relembre-se que, sob o ‘reino da liberdade’, para se admitir restrições àatividade individual apenas se fossem tais resultado desta mesma liberdade.Apenas quando o indivíduo, por si só, desejar limitar-se é que sua liberdadeserá diminuída. O seu ato livre é o único capaz de gerar tal efeito.

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Portanto, para esta corrente, tão só quando a volitiva do agente for efe-tiva – significa dizer, verdadeira – é que tem idoneidade para reduzir sua esferade liberdade. Sob esta razão, havendo divergência entre as vontades real edeclarada, não há discutir, a primeira deve ser preferida. Afinal, é exatamente avontade interior que concentra os motivos psíquicos do sujeito, os quaiscondicionam sua propensão, ou não, a admitir seja sua liberdade restrita. E,lembre-se, não havendo autodeterminação, é a própria motivação que fica pre-judicada, descabendo efeitos jurídicos. Segundo Mattietto, “A obrigação é vistacomo um limite à liberdade individual e somente deve surgir quando o interes-sado a queira e não por ter feito uma declaração qualquer, quiçá por erro, semter a intenção correspondente” (2002, p. 27).

Em conseqüência, não cabe falar em consideração ou relevância da von-tade declarada. Isto porque ela somente compreende conseqüência da vonta-de real. Sem esta, o sujeito nada emitiria. Assim, na medida em que a vontadeinterna condiciona a externa, deve preponderar. Nas palavras de Orlando Go-mes, “na interpretação dos negócios jurídicos deve-se atender à intenção dodeclarante, à sua vontade real, visto que a declaração não passa de simplesprocesso de sua revelação” (GOMES, 1980, p. 13).

Observe-se, enfim, que a teoria da vontade, ora exposta, mostra-se comoverdadeiro corolário do entendimento de negócio jurídico calcado nairrefutabilidade da autonomia individual.

2.2 – Teoria da declaração

A teoria da declaração, diversa da precedente, ameniza a crida suprema-cia da vontade interna, enquanto concreção da verdadeira intenção espontâneado agente, produto de sua liberdade. A partir desta corrente doutrinária, inici-am-se os questionamentos – até então desautorizados – sobre a plausibilidadeda hegemonia liberal em detrimento de todos os demais fatores influentes – e,por isso, importantes – no negócio jurídico.

Em princípio, insta salientar que tal teoria já parte de um outro pressu-posto. O negócio jurídico – e o contrato como sua expressão – não se constituitão só pela vontade do agente. Tal elemento, embora imprescindível, não podeser entendido como eminentemente supremo, e, pois, de preponderância in-discutível, a tal ponto de circunscrever todo o tratamento jurídico do instituto.

Contra a famigerada vontade interna, desloca-se o alvo para a autodeter-minação dela decorrente, isto é, para a conclusão negocial, a qual apenas semostra possível por meio da exteriorização volitiva. Isto enseja diferenças rele-vantes.

O consenso formulado só o é por meio da expressão de vontades. Aindaque o sujeito pretenda proteger seus interesses, adquirir bens, se não manifes-tar a intenção em fazê-lo efeitos não surtirão. Ao Direito, portanto, interessa,exatamente, a vontade do agente a partir do momento em que ela é manifes-

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tada. As cogitações psíquicas, por si mesmas, não invocam a atenção jurídica.Mesmo porque são de aferição bastante difícil. Enquanto desconhecida social-mente, a realidade volitiva interna é estranha ao negócio jurídico.

Note-se, assim, que a preocupação se altera. Passa-se a apreciar aspec-tos até então desmerecidos pelo entendimento eminentemente focado na von-tade. Na realidade, o enfoque passa a ser – ainda que de forma insipiente –social e não tão somente individual.

Atenta-se para a manifestação justamente porque é a partir dela que asinterferências na esfera de liberdade alheia ocorrem, ainda que de maneirapotencial.2 E este deve ser o objeto de interesse. Lembre-se, ainda que combase no entendimento inicial de negócio jurídico, a liberdade do indivíduo – anão ser pelo seu próprio uso – cinge-se nas demais liberdades. “És libre elparticular de actuar según su próprio juicio, com tal, por otra parte, de que sóloél soporte las consecuencias de su comportamento, sean vantajosas u onero-sas” (BETTI, 2000, p. 51).

A utilização exacerbada, por todos, de suas respectivas liberdades nãoseria contornável por si mesma. Há que se refrear esta tendência, consideran-do-se o ambiente no qual toda manifestação de vontade – forma de uso daliberdade – insere-se. A segurança jurídica e a estabilidade das relações alcan-çam relevância.

Em vista disso, a declaração de vontade, porque – ela sim – efetivamen-te inclusa no contexto social, passa a merecer atenção. E atenção especial.Afinal, para esta teoria, ora exposta, havendo dúvida, porque divergentes asvontades efetiva e emitida, há que se preferir esta.

Isto demonstra, inclusive, uma emergente propensão para considerar aresponsabilidade do agente emissor de vontade. A sua liberdade é extrema atéque haja uma manifestação respectiva, momento em que deve prezar por talexpressão, não podendo dela se esquivar nem mesmo pela invocação da von-tade interna – eventualmente diversa.

2 É o caso da mera proposta de contrato. A despeito de não gerar per si direitos eobrigações – diga-se, restrições à liberdade – dá ensejo a certo interesse e condici-onamento de terceiros. Daí porque sua caracterização atual como declaraçãoreceptícia de vontade e, consequentemente, a vinculatividade do promitente. Arespeito ver GOMES, Orlando. Contratos. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001;VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contra-tos. São Paulo: Atlas, 2004, dentre outros.

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Se é a vontade interna dos contratantes que dá origem aosefeitos jurídicos do ato, não passando a declaração desimples meio pelo qual aquela vem ao conhecimento deterceiros, cada um pode modificar sua vontade até omomento de sua realização, o que torna a teoria clássica,além de falsa, sob o ponto de vista teórico (por repousarsobre a ficção da onipotência da vontade), perigosa para ocrédito público, na medida em que permite, em nome deuma vontade secreta, a anulação de um contrato que acontraparte acreditava válido (BECKER, 2000, p. 44-45).

A teoria da declaração, por tudo isso, principia a mudança de concepçãodo negócio jurídico, em particular, e do Direito Civil, como um todo. Desem-penha influência marcante por sublinhar a necessidade de redimensionamentojurídico em vistas à sociedade a que se destina. Ainda que ao indivíduo sedirecione a proteção do Direito, não há olvidar que este sujeito não se postaisolado; ao contrário, relacionado.

De qualquer forma, porém, a teoria da declaração ainda mantém resquíci-os do dogmatismo voluntarista. Isto porque, a despeito de superar a supremacia davontade real, fixa-se nas vontades manifestasdas; significa dizer que promove umabilateralização analítica (BECKER, 2000, p. 46). Ao invés de considerar apenasuma, ambas as pretensões, conforme expressas, tornam-se alvo de observação.Segundo ela, não cabe privilegiar a vontade real de um dos agentes – contratante– justamente porque a vontade do outro, pautou-se na expressão havida.

2.3 – Teoria da confiança

Avançando ainda mais os iniciados progressos trazidos pela teoria da de-claração ao estudo do negócio jurídico, surge a teoria da confiança. Referidateoria, em continuidade à superação da preponderância da vontade real, ultrapas-sa a própria consideração subjetivista. Parte de um outro parâmetro que, por suavez, tem natureza objetiva. O ato, a avença, o acordo é que se tornam o objeto aconsiderar. Mesmo porque nisso consiste o negócio jurídico, para esta teoria.

A vontade dos agentes – interna ou expressa – é, realmente, elementoimportante para constituição do negócio jurídico. Quanto a isso, não hádiscordância. Todavia, a vontade não pode ser considerada como aspecto deessencialidade tal a ponto de resumir a significação do instituto3 . Negóciojurídico não é apenas autonomia da vontade. Na realidade é auto-regulação(BETTI, 2000, p. 57).

3 Há quem afirme, inclusive, que a vontade não passa de uma causa do negóciojurídico, não sendo, sequer elemento do mesmo. BÜLLOW, Oskar apud BECKER,Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva 2000, p.47.

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O contrato assim que formulado possui, em si mesmo, operativatividade.Com isso, abstraem-se as vontades – real e declarada – precedentes dos con-tratantes. Uma vez constituído o acordo, ele próprio se torna o parâmetro paratratamento jurídico. Com isso,

deixou de parecer contraditório admitir a possibilidade deque declarações não mais queridas adquiram, na sociedade,o conteúdo e o significado de preceitos, obrigatórios, paraquem os emitiu, se não a título de vontade, a título deauto-responsabilidade pela confiança razoável radicadanos ‘outros’ a quem a declaração era destinada ou, porqualquer modo, dizia respeito (BECKER, 2000, p. 47, grifono original).

Não só a vontade real, não só a vontade declarada, mas o acordo e o queele faz crer. Note-se, pois, que aquela insipiente propensão, demonstrada pelateoria da declaração, em considerar e relevar a segurança jurídica e a estabilida-de das relações, fortifica-se com a teoria da confiança. A tutela jurídica passa aser fundada no que inspira o acordo formulado.

E é nisto que esta teoria se diferencia da – e evolui em relação a – teoriada declaração. Não só as volitivas individuais manifestadas, mas o consensoatravés delas formulado e o que dele decorre. O sujeito, detentor de sua auto-nomia, pode usá-la como queira. Ocorre que, assim o fazendo, torna-se res-ponsável pela respectiva limitação provocada, em si mesma, e pelo que sugerenos outros – os próprios contratantes e terceiros.

Destarte, é possível afirmar que, a partir desta teoria da confiança, inicia-se a tendência de se fixar condições ao uso da autonomia privada. Condiçõesestas que podem perfeitamente ser vistas como limitações, as quais, porém,diverso do que entendido até então pela civilística, provém do Direito e nãodos próprios indivíduos.

Afinal, já não se autoriza mais, sob a alegação de verdadeira vontade,retroceder em manifestações e em acordos já estipulados. Ao invés do indiví-duo em si, o outro – devidamente representado pelo Direito – é que circuns-creve o tratamento jurídico. Mais do que na teoria da declaração, nesta a per-cepção social sobressai. E de tal forma a fundamentar restrições externas àliberdade.

III – Nova concepção jurídica:a perspectiva civil-constitucional e as cláusulas gerais

Diante do que já ficou exposto, uma afirmação inicial é necessá-rio promover: “a autonomia privada não é um valor em si” (PERLINGIERI,1997, p. 277).

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Ainda que importante e basilar para o Direito – enquanto recurso àharmonização das relações sociais – a autonomia não pode ser consideradacomo ilimitável e irrefutável. Afinal, ao lado de sua relevância outros aspectossurgem paralelamente, com destaque similar. A começar pela igualdade.

A inicial crença segundo a qual partes livres e iguais são auto-suficientespara zelar pelos seus interesses de forma justa fica prejudicada. Assim porqueos próprios fatos a vêm desmentir. Sob a lógica patrimonialista – sustentáculo daconcepção civilista inicial – o que se torna comprovado é que a paridade dopoder de barganha dos sujeitos, em um negócio jurídico, representa uma falá-cia. Muito diferente do que se acreditava, o que o contrato – como entendido– legitimava era, exatamente, a imposição de forças. A igualdade formal –pareada à liberdade – consequentemente, mostra-se insatisfatória para prote-ção dos indivíduos. “A liberdade contratual do direito converte-se em es-cravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito é liberdade,volve-se, na ordem dos fatos sociais, em servidão” (RADBRUCH apudNORONHA, 1994, p. 13).

Com a grande industrialização e a conseqüente massificação das rela-ções, o modelo clássico de contrato se torna inadequado. Afinal, a realdisparidade, principalmente econômica, das partes contratantes afasta a valida-de da igualdade presumida. Os contratos, para que efetivamente promovam ajustiça e a eqüidade hão de ser tratados como situação concreta. A igualdadesubstancial é que deve ser buscada.

A conjuntura sócio-econômica vem desmentir o raciocínio tradicional deque assegurada a liberdade contratual, assegura-se a justiça contratual (MAR-QUES, 2002, p. 150). Aspectos como a inexperiência ou necessidade do con-tratante submetem-no a relações contratuais nem sempre equânimes. Não há,nestas hipóteses, uma paridade sinalagmática. E a conseqüência disso é exata-mente muitos ônus ao contratante hiposuficiente e muitos bônus, em compen-sação, ao hipersuficiente.

Diante deste quadro, não poderia ter sido outra a postura jurídica quenão interventiva. Afinal, se os próprios indivíduos se mostram incapazes deproteger seus interesses e se do Direito é a responsabilidade pela harmoniadas relações sociais, torna-se imperiosa a devida ordenação. Nas palavrasde Gustavo Tepedino:

O legislador despede-se do papel de simples garante deuma ordem jurídica e social marcada pela igualdade formal(conquista inquestionável da Revolução Francesa), cujosriscos e resultados eram atribuídos à liberdade individual,para assumir um papel intervencionista, voltado para aconsecução de finalidades sociais previamenteestabelecidas e tutelando, para tanto, a atividade negocial(1999, p. 201).

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O que era exceção, torna-se regra. A atividade individual passa a serdevidamente circunscrita pela ingerência estatal. E isto traz uma curiosaconstatação: “todo o fundamento do direito se inverte: o direito, mesmo oprivado, promana da vontade do Estado” (GIORGIANNI, 1998, p. 43).

Este reconhecimento quanto à necessidade de mudança do Di-reito bem se coaduna com o raciocínio desenvolvido por Claus-WilhelmCanaris (1996). Segundo o autor, a validade do Direito se condiciona àapreensão e representação – o quanto mais fiel possível – da realidadedo qual decorre e no qual se insere. Significa dizer que a disparidadeporventura verificada entre estes prismas, compromete verdadeiramentea utilidade do sistema jurídico.

Efetivamente, de que serve uma ordem normativa voltada para regênciade fatos outros que não os verificados na realidade social a que se dirige. Desuma importância, pois, a coerência. Verificado que as situações fáticas nãomais condizem com aqueles ideais liberais reinantes quando do advento doDireito Civil, urge a alteração.

Disto se apreende outra importante conclusão. A abstração e a generali-dade características da normatização jurídica também merecem críticas, namedida em que justificadas pela igualdade perante a lei, bem como pela pre-tensão de perenidade sistêmica.

Conforme a lógica inicial da civilística, todos os sujeitos e todas as situa-ções haveriam de ser tratadas de forma equânime. Não se consideravam rele-vantes quaisquer minúcias ou circunstâncias peculiares a eventuais situaçõesfáticas. Lembre-se, inclusive, que a aplicação do Direito se resumia ao critérioda subsunção. Hipótese abstrata – fattispecie – constatada na realidade, sujeita-se às conseqüências legais previamente determinadas.

Todavia, existem aspectos peculiares que influem, consideravelmente,na formação contratual e que, por isso, hão de ser destacados. Aspectos estesque não podem ser tratados externamente à realidade, justamente porque sãoocorrências de determinadas situações fáticas. Há que se mover da abstração egeneralidade à especificidade e concretude.

A realidade das relações interprivadas não mais se conciliacom perspectivas segundo as quais o direito civil, que asregula, teria como objeto discriminante a disciplina de umindivíduo assim abstrato, partícipe de relações jurídicasaxiomaticamente fundadas sobre uma igualdade formal.Especialmente no campo do direito contratual, a coerênciainterna da lógica individualista é incapaz de resistir aoconfronto com a realidade e com os problemas postos pelastão manifestas quanto profundas desigualdades sociais(NEGREIROS, 2002, p. 5, grifou-se).

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Resultado imediato desta constatação sobre a necessária atenção àspeculiariedades foi o advento dos chamados ‘microssistemas’. Legislaçõesesparsas começaram a ser editadas para que fosse possível conceder tratamen-to devido a determinadas situações casuísticas. Com isso, os enunciadosnormativos vêm perdendo a pretensão integralmente generalizante, sublinhan-do cada vez mais as minúcias características dos fatos sociais. Além disso – e,sobretudo – o Código Civil vai perdendo, aos poucos, a posição central do‘sistema privado’.

Tudo isso serve para destacar exatamente uma revisão de valores. O queaté então era crido essencial para a sociedade representava, exatamente, aliberdade irrestrita dos indivíduos e, pois, a reflexiva abstenção do Estado e doDireito. A partir de então, outras se tornam as prioridades, outros são os anseiossociais. Da igualdade formal à substancial, da abstração à minudência. Do sujei-to isolado ao sujeito relacionado. Do indivíduo à pessoa humana.

Concretizando todo este desenvolvimento advém a Constituição de1988. E advém não apenas para estampar toda a mudança axiológica, mastambém para restabelecer a unidade sistêmica perdida. Em seu artigo 1o, III jáescancara a prioridade do ordenamento: dignidade da pessoa humana comofundamento da República Federativa do Brasil.

Significa dizer que a lógica se contraria. As situações patrimoniais, antesonipotentes, passam a dividir espaço com as situações existenciais. Mais do queisso, estas últimas sobressaem às primeiras. O existencialismo, e não opatrimonialismo, representa a prioridade do sistema jurídico.

E não há falar que isto em nada afeta ao Direito Civil, porque deverasdiferenciado – e distanciado – do Direito Público. A summa divisio talvez tives-se fundamento quando do reinado da liberdade extremada, o que não maisvinga.4 Além do mais, não se pode olvidar sobre o fato de a Constituição repre-sentar, exatamente, o sustentáculo fundamental de todo o sistema jurídico, noqual se inclui também – e, especialmente – o Direito Civil.

Nada serve, pois, continuar repisando, indefinidamente,que os conceitos jurídicos fundamentais do direito privadosão aqueles contidos na sistemática codicística, quais sejama autonomia privada e seus desdobramentos, apropriedade e o contrato. É preciso, ao contrário, buscarperceber e valorar o significado profundo, marcadamenteaxiológico, da ‘constitucionalização’ do direito civil(MORAES, 2000, p. 56).

4 Sobre a depreciação da summa divisio, ver GIORGIANNI, Michele. Direito priva-do e suas atuais fronteiras. Tradução de Maria Cristina de Cicco. São Paulo:Revista dos Tribunais, jan. 1998.

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Torna-se necessária a ‘filtragem constitucional’ de cada um dos institutosjurídicos civis, sob a nova axiologia instaurada. Imperiosa referida revisão para aprópria validação dos mesmos. Afinal, sendo a Constituição o fundamento ge-ral, o que com ela não condiz, externaliza-se ao sistema.

A decomposição das categorias jurídicas iniciais aparece, assim, comomera decorrência. E serve, mormente, para destacar o quão históricos, o quãorelativos são seus conceitos, suas significações. A plenitude e a perenidade nãosão, definitivamente, características aplicáveis ao Direito. Nas palavras do pro-fessor português Antonio Manuel Hespanha,

como os textos jurídicos participam desta abertura a novoscontextos, a história do direito tem que evitar a reificaçãodo significado de valores, categorias e conceitos, já queestes (...) sofrem permanentes modificações de sentido(contextual) (1997, p. 25).

Daí surge um problema. Relembrando-se a assertiva do doutrinador ale-mão Canaris acerca da validade do Direito, pode-se estar diante de um contra-senso. De um lado a necessidade constante de equivalência dos enunciadosnormativos com a realidade social. De outro lado, a insistente modificaçãodesta mesma realidade e, assim, da semântica dos institutos jurídicos. Emconclusão, como acompanhar tais alterações, mantendo-se o Direito sem-pre atualizado e válido?

A sugestão constitucional – e, em seqüência da legislação civil – foi o usodas chamadas cláusulas gerais. Inovadora técnica legislativa é definida por KarlEnglish como sendo “conceito que se contrapõe a uma elaboração‘casuística’ das hipóteses legais” (1972, p. 188); e que, assim, possui con-teúdo aberto, não exaustivo.

Diante de tal significado e diante do escopo de afastar a generalidadeem busca da especificidade, a princípio, pode parecer contraditório o uso detais cláusulas pelo ordenamento. Afinal, se as cláusulas gerais ‘contrapõem-se’à enunciação legal detalhada, como fazê-las valer à reformulação do Direito,cuja pretensão é de atentar para as peculiaridades causuísticas?

Esclareça-se.Afirmar que o novo objetivo jurídico é tratar cada caso concreto em

específico – e não todos os casos concretos, abstratamente, como se similaresfossem – não significa afirmar que há necessidade de os próprios dispositivosnormativos se estruturarem especificamente. Uma coisa não induz à outra. Seassim o fosse, pior do que a postura generalizada e abstrata do positivismo, oordenamento jurídico não perduraria nem mesmo a curto prazo, diante dasinquietantes evoluções sociais.

E é exatamente nisso que consiste a grande utilidade das citadas cláusu-las gerais. Representam importante instrumento legislativo porque, na exata

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medida de seu sentido vago, são capazes de acompanhar as mudanças sócio-culturais e, ainda, permitir que o hermeneuta atente para todas as peculiarida-des trazidas pelo caso concreto, no momento de aplicar a norma.

Dotadas que são de grande abertura semântica, nãopretendem as cláusulas gerais dar, previamente, resposta atodos os problemas da realidade (...) Considerada, pois,do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geralconstitui uma disposição normativa que utiliza no seuenunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela amplaextensão do seu campo semântico. Essa disposição é dirigidaao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (oucompetência ) par que, à vista dos casos concretos, crie,complemente ou desenvolva normas jurídicas (...) (COSTA,1998, p. 29).

Lembre-se que a técnica legislativa dantes utilizada compreendia normashermeticamente fechadas – embora gerais e abstratas – que se aplicavam ‘au-tomaticamente’ assim que determinada situação fática contivesse precisamen-te os aspectos nelas relacionados. Ou se aplicava tudo ou nada.5 Ou a situaçãose adequava à fattispecie, decorrendo então as conseqüências previstas; ou nãose adequava, deixando-se de se promover a aplicação normativa. Desta forma,não havia margem alguma nem para aferição dos elementos casuais importan-tes, tampouco para acompanhamento da evolução social.

Já por meio das cláusulas gerais, incentiva-se a atenção para a realidade,com todos os aspectos nela cridos relevantes, para, a partir disso, determinar-sea melhor solução jurídica. As cláusulas gerais seriam espécie de ‘metanormas’que indicam a direção, deixando ao jurista a escolha do melhor caminhopara a específica hipótese.

Recheada de cláusulas gerais se encontra a Constituição Federal, oque já assevera a necessidade de – conforme estes ditames superiores –rever todos os institutos jurídicos que, até então, encontravam-se com sig-nificados devidamente delimitados. Mesmo porque, tais cláusulas se equi-valem aos valores cerne de todo o ordenamento. E nesta medida,circuscrevem as demais normas.

5 A respeito, ver DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1997.

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A difusão das cláusulas gerais coincide, curiosamente, coma já mencionada multiplicação e decomposição dosinstitutos. (...) A fragmentação dos conceitos, portanto, éacompanhada de técnica legislativa que se utiliza decláusulas gerais, exatamente para que o intérprete tenhamaior flexibilidade no sentido de, diante do fato jurídicoconcreto, fazer prevalecer os valores do ordenamento emtodas as situações novas que, desconhecidas do legislador,surgem e reproduzem como realidade mutante nasociedade tecnológica de massa (TEPEDINO, 1999, p. 207).

Já é passada a hora de validar os institutos jurídicos tradicionais, alteran-do-os à luz dos novos valores constitucionais.

3.1 – Autonomia da vontade e negócio jurídico: alteração semântica

Diante de tudo o que ficou dito até agora, algo já se mostra inquestionável:a civilística enfrenta a queda do voluntarismo. E assim, devido a valores consti-tucionais outros que se postam paralela ou superiormente à autonomia da von-tade e, pois, às suas derivações, dentre as quais o negócio jurídico. “Não épossível, portanto, um discurso unitário sobre a autonomia privada: a unidade éaxiológica, porque unitário é o ordenamento centrado no valor da pessoa”(PERLINGIERI, 1997, p. 277).

Efetivamente, a autonomia da vontade não mais se pode manter com asdimensões de outrora. Sua grandiosa extensão cedeu espaço para a interferên-cia estatal que, a partir de então, passa a emoldurá-la. Pode-se afirmar que aautonomia da vontade não é um dado – reconhecido inadvertidamente peloordenamento – mas um consentido.6 “Por su parte, el orden jurídico, al reconocer,como lo hace, la autonomía privada, advierte el problema de fijar condiciones ylímites a este reconocimiento” (BETTI, 2000, p. 55).

Se aos indivíduos cabe a busca da preservação de seus interesses – comotitulares da autonomia – ao Direito cumpre avaliar, como um árbitro, até que

6 Vale destacar a lineariedade deste raciocínio com o havido em relação ao direitosubjetivo. Atualmente, já se enconta cediço na doutrina que o direito subjetivo nãoé a facultas agendi, por si mesma. Ao revés, “designa uma permissão para o uso defaculdades humanas. Mas é uma permissão específica, estritamente qualificada”(TELES JR., Gofredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 202. p.255, grifo original).

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ponto tal busca se coaduna com os outros valores, com as demais exigênciassociais (2000, p. 55).

Neste diapasão, também o negócio jurídico sofre alterações emseu significado.

Em princípio, o ponto de partida já difere. O negócio jurídico – comorepresentação da autonomia – deve ser analisado em termos concretos, nãoabstratos. É a partir de uma situação real, com todas suas peculiariedades, quese deve analisar o instituto.

Assim enuncia Betti,

La instituición del negocio jurídico no consagra la faculdadde ‘querer’ en la vacío, como place afirmar a ciertoindividualismo que no há sido aún extirpado de la dogmáticaactual. Más bien, según hemos visto, garantiza y protege laautonomía privada, en la vida de relación, en cuanto sedirige a ordenar intereses dignos de tutela en las relacionesque los afectan (BETTI, 2000, p. 57).

Assim enfocado o negócio jurídico, há que analisá-lo face aos ditames dosistema jurídico, concluindo, enfim, acerca da tutela jurídica merecida.7 Omesmo autor italiano supracitado continua explicando que as conseqüências dareferida análise podem ser três: ou se ignora o negócio jurídico – por ausênciade função digna – ou se combate o negócio – devido à função reprovável – ouo reconhece – porque detentor de função ‘socialmente transcendente’.

Destarte, há que se remodelar o conceito do instituto.Negócio jurídico não deixa de ser resultado da autonomia dos consortes.

Não deixa de ser, também, um acordo. Porém, da mesma forma queredimensionada a autonomia, é ele também reformulado. Em realidade, pois,este instituto passa a representar um consenso que deve concretizar os ditamesdo sistema, preservar os valores constitucionais, a fim de auferir reconhecimen-to e respectiva tutela jurídica. Portanto, não é qualquer vontade, não é qualqueracordo que caracteriza um negócio jurídico; mas sim uma vontade e um acordoque reflitam a axiologia do sistema.

7 Segundo Perlingieri “Fato jurídico relevante não é somente aquele produtor deconseqüências jurídicas que podem ser bem individuadas, mas qualquer fato,enquanto expressão positiva ou negativa (fato ilícito) de valores ou de princípiospresentes no ordenamento. Não existe fato que não tenha uma valoração expressaou implícita no âmbito do ordenamento” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do DireitoCivil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina deCicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 90).

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Daí a elucidativa definição: “es el acto con el cual el individuo regula porsí los intereses proprios en las relaciones con otros (acto de autonomía privada)y al que el Derecho enlaza los efectos más conformes a la función económico-social que caracteriza su tipo” (BETTI, 2000, p. 57).

Acima, demonstrou-se a superação da igualdade formal pela substancial.Ficou dito que ela se justifica pelo fato de que a igualdade presumida, somadaà liberdade desmedida dos indivíduos, ao invés de colaborar para a justiçacontratual, legitimava a imposição de forças. Neste sentido, a eqüidade efetivase torna um novo valor. Via de conseqüência, pode-se dizer que o negóciojurídico será digno de tutela quando prezar por esta eqüidade. “A autonomiaprivada, antes entronizada como garantia da liberdade dos cidadãos em face doEstado, é relativizada em prol da justiça substancial” (MATTIETTO, 2002. p. 35).

É nesta medida que o negócio jurídico deve ser entendido.

IV – Princípio do equilíbrio econômico como cláusula geral

Durante a fase clássica do contrato, a igualdade substancial dos contra-tantes e a justiça da avença foram aspectos que não mereceram nenhumarelevância jurídica. Afinal, presumia-se que o poder de barganha das partes eraequilibrado e que, por isso, o acordo que firmassem era suficiente para preser-var os respectivos interesses.

Ocorre que, conforme a realidade foi desmentindo esta lógica, por meiodo destaque das existentes desigualdades sociais, a preocupação passou a ser como equilíbrio, com a paridade contratual. O que parece, até mesmo coerente.

Na medida em que as pessoas que contratam são economicamente di-ferentes e possuem necessidades diferentes, é esperável que o acordo, sedeixado apenas à autonomia da vontade delas, seja desproporcional. Grossomodo, se de um lado existe alguém que necessita contratar – não tendo outraopção – indubitável estar disposto a se submeter à situação que não lhe sejamuito vantajosa – para não dizer prejudicial. Ônus apenas para uma parte elucro exagerado para a outra.

Há que se resguardar um grau mínimo de identidade entre as situaçõescontratuais dos sujeitos. Neste sentido, entre o contratante mais fraco e o maisforte deve intervir o Direito. E deve intervir no próprio teor do contrato e emsuas decorrências. Afinal, nestes aspectos se concentra a injustiça.

O fato é que, em contraste com o que se passava no direitocontratual clássico, onde sobressaía a fase de formação emanifestação da vontade de contratar, o princípio doequilíbrio econômico incide sobre o programa contratualservindo como parâmetro para a avaliação do seu conteúdoe resultado, mediante a comparação das vantagens eencargos atribuídos a cada um dos contratantes(NEGREIROS, 2002, p. 157).

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A efetiva igualdade se torna a preocupação. E, neste sentido, avulnerabilidade de alguma das partes passa a requerer maior tutela. Em funçãodisso, quando o contrato, por si só, não preserva certa eqüidade de direitos edeveres, há que promover o balanceamento.

O Direito, sob esta concepção, começa a criar instrumentos suficientespara intervir e ponderar. O que até então era vedado se torna recomendado.

O contrato não pode ser prejudicial ao que a ele recorre. Ninguém for-mula um acordo com este objetivo. Pode, porém, dependendo da conjunturasocial, acabar concorrendo para isto. A necessidade – como já citado – e ainexperiência, por exemplo, são fatores capazes de levar o indivíduo a se obri-gar excessivamente, sem que, para tanto, aufira correspondente ganho.

Para estas e outras situações em que a própria formação contratual repre-sente um dano para uma das partes envolvidas, cabe, agora, invocar o equilíbrioeconômico. Invocar para exigir seja ele respeitado e buscado.

O chamado princípio do equilíbirio econômico visa, exatamente, prote-ger e promover a paridade obrigacional do negócio juridico e, consequentemente,a equivalência – o quanto possível – das vantagens respectivas. O contrato háde ser proveitoso para ambas as partes. Não se pode mais ‘acobertar’, com aresde legitimidade e licitude, convenções que envolvam imposição de um dossujeitos em detrimento do outro. Sobretudo quando as circunstâncias concretasdemonstrarem a precisão de contratar por parte de um destes indivíduos. Hipó-tese em que, mostra-se ainda mais repulsivo o acordo formulado, diante doaproveitamento do outro contratante.

Na verdade, o que se exige, em última instância, através de toda tuteladestinada à paridade das obrigações contratuais, é que o contrato preserve suafunção de eficaz instrumento de harmonização de conflitos, de promotor daboa convivência humana e, sobretudo, da justiça.

Note-se, então, que o equilíbrio econômico, assim entendido, represen-ta um bom exemplo de cláusula geral. Envolvendo um indicativo para o trata-mento jurídico, não se exaure, não se resume a certas situações fáticas. Aorevés, exatamente devido a esta relativa indefinição, permite a adequação àsmais variadas relações concretas, cada qual com suas especificidades, as quais,inclusive, servirão para indicar a melhor solução jurídica.

V – Lesão e estado de perigo

5.1 – Lesão

5.1.1 – Evolução legal

A lesão não é instituto jurídico dos mais novos. Pode-se indicá-lo comooriginário da codificação justiniana (PEREIRA, 2001). Surgiu primitivamente agre-gado ao contrato de compra e venda. Compreendia, nesta época, a hipótese na

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qual o comprador pagava valor superior a mais da metade do preço justo paraaquisição do objeto. Denominava-se lesão enorme.

No Brasil, quando vigoravam as Ordenações do Reino, já se tinha afigura jurídica da lesão. E assim nos exatos termos acima expostos. Isto é, carac-terizava-se pelo preço pago superior à metade do justo. Todavia, já neste con-texto, a lesão era extensiva a todos os tipos de contrato – e não mais apenas àcompra e venda (2001, p. 89).

Nas consolidações das leis civis de Teixeira de Freitas, o institutotambém aparece, com conteúdo idêntico. O projeto de Código Civil deClóvis Beviláqua, por sua vez, silenciou a respeito. E o fez sob a justificati-va de que a situação prevista como lesiva muito bem poderia ser enquadra-da em – e respectivamente tratada como – um dos vícios do consentimen-to; seja o erro, dolo ou a coação. Nestes exatos termos, o Código Civil de1916 foi formulado.

A Lei da Usura – Decreto 22.626/33 – é que foi responsável por resta-belecer a lesão como preocupação jurídica. Ocorre que não manteve a mesmasignificação. Para dar-se lesão era necessário houvesse, além da desproporçãodas obrigações – agora já sem parâmetro tarifário – também a má-fé do benefi-ciado. Isso se justifica pela própria natureza do tratamento legal. Referida legis-lação criminalizava a usura e, sendo assim, tornava-se imprescindível areprovabilidade da ação, mediante verificação de intenção lesiva.8

Posteriormente, a Lei de Economia Popular – Lei 1.521/51 – excluinovamente o aspecto da má-fé, sustentando a mesma concepção de lesãorestrita à disparidade obrigacional. Depois dela, o atual Código de Defesa doConsumidor e o novo Código Civil é que vieram tratar do instituto.

No diploma legal consumerista, a lesão encontra-se relacionada nos arti-gos 6o, V; 39, V e 51, IV. Prescrevem tais dispositivos que o consumidor possuidireito de alterar cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporci-onais, considerando-se abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor emdesvantagem exagerada, sendo estas nulas de pleno direito.

O novo Código Civil traz a lesão expressamente prevista no artigo 157,incluída em seu Capítulo IV, como defeito do negócio jurídico, juntamente com

8 Dispõe a Lei de Usura: “Art. 13. É considerado delito de usura, toda a simulação ouprática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivosdesta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dosestabelecidos no respectivo título ou instrumento.

Penas - prisão por seis meses a um ano e multas de cinco contos a cinqüenta contosde reis.” (grifou-se).

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os demais vícios do consentimento. Determina o artigo que “ocorre a lesãoquando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obri-ga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Sob esta definição, já é possível, de antemão, reconhecer que os atuaisaspectos característicos da lesão diferem dos havidos quando de sua origem. Adesproporção não mais se delineia por tarifação, a má-fé do beneficiário deixade ter o mesmo destaque de antes e, por fim, qualifica-se o estado do prejudi-cado: ou ele contrata por inexperiência ou por necessidade. Analise-se, pois,cada um dos requisitos.

5.1.2 – Requisitos da lesão

Os requisitos caracterizadores da lesão, conforme prevista atualmenteno ordenamento pátrio, podem ser divididos em duas ordens: objetiva e subje-tiva. Na primeira, incluem-se a desproporção das prestações e o lucrodesarrazoado; na segunda, a inexperiência ou necessidade do prejudicado e,ainda, o chamado dolo de aproveitamento do beneficiado.

A disparidade havida entre as prestações contratuais é critério basilarpara constatação da lesão. Imperioso que um dos contratantes tenha obrigaçãoexcessivamente desproporcional, não paritária em relação a do outro. Mesmoporque, não fosse isso e, ao revés, a prestação e a contra-prestação se equiva-lessem não haveria necessidade de preocupação jurídica. Afinal, o equilíbrioeconômico e a justiça contratual estariam salvaguardados.

Esta desproporção, portanto, é critério entendido como caracterizadorda lesão desde o advento do instituto. Todavia, como citado acima, era deter-minado a partir de uma tarifa previamente estabelecida, isto é, de um parâmetroquantitativo determinado (na lesão enorme, valor superior a mais da metade dopreço justo) Neste sentido, a aferição de sua existência se resumia a uma aná-lise resumida – proporcional a sistemática subsuntiva – sem necessidade demaiores considerações.

Ocorre que, acompanhando as alterações sofridas pela ciência jurídica,afastou-se a caracterização da disparidade pelo critério da tarifação. Vale-seagora de um conceito aberto. Significa dizer que de parâmetro pré-determina-do volta-se para o caso concreto. É em cada situação fática que será verificadoqual o preço justo e, conseqüentemente, se a relação contratual o observa ouo viola. Afinal, como bem destaca o saudoso Caio Mário, qualquer tarifa semostra arbitrária, com o inconveniente da inflexibilidade (PEREIRA, 2001, p.164).

Exatamente sob este novo entendimento, formulou-se a lesão noordenamento brasileiro atual. Tanto o novo Código Civil como o Código deDefesa do Consumidor deixam em aberto a ‘desproporção’ capaz de gerarlesão. Metade, sete doze avos, um quinto etc. tanto faz a medida da disparidadeobrigacional. O importante é que ela exista e que ultrapasse a conveniência,

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isto é, que comprometa a justiça contratual – a qual, por sua vez, será examina-da diante da situação contratual específica. De qualquer forma, é de supremaimportância destacar que esta desproporção deve existir já na formação contratual.Caso advenha posteriormente, não se terá lesão. Quiçá onerosidade excessi-va9 , conforme previsto no artigo 478 do novo Código Civil.

Neste ponto, vale destacar o outro requisito objetivo da lesão, qual sejao lucro desarrazoado.

Lucro desarrazoado ou vantagem injustificada quer dizer falta de adequa-ção subjetiva entre as prestações. Num contrato, ainda que haja desproporçãoobjetiva entre as obrigações assumidas – comprometimento do sinalagma –pode ser que não haja lesão. E assim justamente porque, eventualmente, podeexistir equivalência volitiva tal que afaste a alegação de injustiça do contrato.Valha-se de um exemplo simples, mas elucidativo.

Imagine-se um apreciador de miniaturas de barcos. Imagine-se que elese depara com uma exposição de tais objetos e, a fim de adquirir a escolhidaminiatura, o apreciador oferece preço extremamente superior ao valor real doobjeto (inclusive ao preço dado pelo vendedor). A compra, então, é efetuadanestes termos.

Diante desta situação hipotética, é notório que a desproporção das obri-gações existe. Todavia, não se poderia falar em lesão porque o preço pago e ovalor crido real pelo suposto prejudicado coincidem. O lucro do outro contra-tante, portanto, fundamenta-se.

Em resumo, além da desproporção em si é preciso que se verifique afalta de adequação subjetiva, isto é, o lucro efetivamente injustificado, para seconfigurar lesão.

Restam analisar os requisitos subjetivos da lesão.Constatada a desproporção obrigacional e a vantagem desarrazoada, no

contrato, é preciso ainda verificar se há inexperiência ou necessidade do con-tratante prejudicado. Necessário que o contrato tenha sido formulado sob estascircunstâncias, sob pena de não se ter lesão.

Necessidade não se relaciona a condições econômicas; não significapobreza ou falta de recursos, genericamente. Trata-se de necessidade contratual.Significa dizer, impossibilidade de evitar aquela contratação, o que independeda capacidade financeira do contratante.10 Um sujeito pode ser detentor de um

9 A respeito, ver LYRA, Ricardo Pereira. A onerosidade excessiva nos contratos. In:Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, p. 10-19, jan./mar. 1985.

10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001,p. 165; BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva,2000. p. 121-122.

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‘invejável’ patrimônio imobiliário. Todavia, se em determinada situação precisardo valor monetário em espécie, pode ser que tenha necessidade de contratarsob certas condições – o que acaba lhe sendo lesivo.

Quanto a inexperiência o raciocínio é analógico. Inexperiência não signi-fica falta de cultura, ignorância. Deve ser entendida como falta de conhecimen-tos ou habilidades para aquela natureza de contratação. O indivíduo pode serbastante sábio, porém, se não conhecer aquele tipo de negociação, se não tivercostume em promovê-la pode se sujeitar a um conteúdo lesivo.

O novo Código Civil não prevê, mas a doutrina argumenta acerca daleviandade do prejudicado como critério subjetivo propiciador da lesão. Levian-dade significa negligência, irresponsabilidade, qualidade de quem age de ma-neira irrefletida.

Neste sentido, a maior parte dos doutrinadores11 defendem sua impro-priedade para receber tutela jurídica, sob a caracterização de lesão. Afinal, soacontraditório que o Direito proteja o indivíduo que age sem cautela alguma, deforma descuidada. Significaria coroar a irresponsabilidade.

Todavia, Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona formulam um coerente ra-ciocínio, a contrariar a posição majoritária da doutrina. Para eles, se não cabeproteger a negligência do prejudicado, também não cabe tutelar o beneficiadoque se aproveita desta situação.

(...) antes que se diga que o direito não deve tutelar osnegligentes, é bom se observar que a tônica da lesão éexatamente a presunção do fato de a parte adversa(beneficiada) abusar destes estados psicológicos, violando,inclusive, o superior princípio da boa-fé objetiva (STOLZE;PAMPLONA FILHO, 2004, p. 375).

Em conclusão, para tais autores, torna-se necessário aferir, diante docaso concreto, qual dos sujeitos merece a proteção jurídica: o leviano ou o quese valeu desta levidandade. Portanto, pode ser que a lesão se configure pelaleviandade do prejudicado, desde que o abuso do outro sujeito esteja cabal-mente demonstrado.

11 Neste sentido, RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1;PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2001. v. 1; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas,2003. v. 1; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo:Saraiva, 2003. v. 1.

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Dolo de aproveitamento é o último requisito objetivo da lesão. Além dadesproporção das obrigações (e da inadequação subjetiva), da necessidade ouda inexperiência do prejudicado (e talvez da sua leviandade) é necessário que ocontratante beneficiado tenha se aproveitado da situação.12

Aproveitar-se da situação pode ser entendido como ter ciência dainexperiência ou necessidade do outro contratante e, ainda assim, formular ocontrato em condições desproporcionais a ele. Contudo, dada a grande dificul-dade de aferição de tal aspecto, a solução mais razoável é dada por AneliseBecker. Para esta autora, diante da desproporção e da inexperiência ounecessidade, o aproveitamento é presumido. Para afastá-lo e, assim, a pró-pria configuração da lesão, cabe ao contratante beneficiado comprovar oinverso (BECKER, 2000, p. 119).

Enfim, todos estes são requisitos de constatação indispensável para con-figurar lesão, segundo entendimento doutrinário baseado na normativa do novoCódigo Civil. Já para o Código de Defesa do Consumidor, a lesão existe emtodo contrato onde haja grande desproporção obrigacional. Tanto a inexperiênciaou necessidade do consumidor quanto o aproveitamento do fornecedor sãoprescindíveis. E assim, justamente porque as relações consumeristas são cridascomo baseadas, em regra, exatamente na hipossuficiência do consumidor e nasuperioridade do fornecedor (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 373).

5.2 – Estado de perigo

O estado de perigo, diferente da lesão, é ‘inaugurado’ no ordenamentobrasileiro a partir do novo Código Civil. Segundo redação do artigo 156, confi-gura-se toda vez que o sujeito, sob notória necessidade de salvar a si ou apessoa próxima, contrata assumindo obrigação excessivamente onerosa.

Note-se, pois, que a idéia do instituto sugere uma ‘escolha’ entre doismales: um de natureza econômica (onerosa obrigação) e outro atinente à inte-gridade física (necessidade de salvamento). A fim de evitar o último mal, ocontratante assume o primeiro.

Neste sentido, tem o estado de perigo por requisitos objetivos: a neces-sidade em vistas de um dano; o nexo entre o contrato e este dano; a obrigação

12 A grande maioria da doutrina assume tal fator como requisito identificador dalesão. A exemplificar, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil.São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Sarai-va, 2003. v. 1; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 1; DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civilbrasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

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excessivamente onerosa. O requisito subjetivo, por sua vez, compreende oconhecimento da necessidade pelo contratante beneficiado.

Falar em estado de perigo é falar, exatamente, em risco de dano quecorre o próprio contratante ou pessoa próxima, familiar ou não (conforme admi-te o parágrafo primeiro do artigo 156). Todavia, não é qualquer dano. A come-çar, ele deve ser atual ou iminente e grave. Deve ser suficiente para compelir osujeito a contratar. Deve ensejar a necessidade de salvamento imediato que,por sua vez, justifica a contratação. Além do mais, como já adiantado, o danodeve ter natureza física. É o risco de sofrer violação à integridade que funda-menta a contratação. Necessidade meramente econômica pode caracterizarlesão, não estado de perigo.

Vale destacar interessante aspecto atinente à realidade do dano. Segun-do Carlos Roberto Gonçalves, “o perigo não precisa ser concreto, desde que oagente suponha a sua existência (...) A certeza de estar em perigo é, pois, oelemento essencial para caracterização deste tipo de defeito [refere-se ao esta-do de perigo]” (2003, p.393).

Enfim, desde que crido existente e, assim, causa da contratação, o riscode dano físico leva ao estado de perigo.

Além do mais, sublinhe-se que o contrato formulado envolve obrigaçãode prestar socorro. Quem contrata visa evitar um dano físico atual ou iminente– seja próprio ou alheio – e, portanto, necessita de serviço de salvamento. Deum lado, pois, o ‘necessitado’ – ou o contratante que lhe tenta proteger – teráobrigação ou de fazer ou de dar. Já o outro contratante terá, necessariamente,obrigação de fazer (NERY JÚNIOR; NERY, 2003, p. 220).

Não bastam, porém, o risco de dano e a causalidade entre ele e o con-trato para caracterizar o estado de perigo. Se as obrigações assumidas preser-vam a paridade, o equilíbrio e, assim, concorrem para a justiça contratual, des-necessária qualquer tutela jurídica. O problema surge, exatamente, quando umdos contratantes aufere vantagem excessivamente desproporcional àquelaauferida pelo outro.

A caracterizar estado de perigo é necessário que o contratante que pre-cisa do socorro – para si ou para outrem – assuma obrigação onerosa em exces-so. A verificar esta situação, valem as mesmas considerações tecidas quanto àlesão. Isto é, não há tarifas pré-determinadas em relação às quais se possadeterminar a existência ou não de excessiva onerosidade da obrigação. Ao re-vés, será o caso concreto que indicará se as obrigações são ou não desproporci-onais. Portanto, há que se encarar este requisito como conceito aberto, apreen-dendo-se seu conteúdo diante da situação fática.

O último requisito do estado de perigo, único de natureza subjetiva, é oconhecimento do perigo pela outra parte contratante. Pode ser identificadocom o dolo de aproveitamento da lesão. É o indicador da deslealdade do contra-tante beneficiado. Afinal, a despeito de conhecer a delicada situação de necessi-dade do outro sujeito, formula condições contratuais tais desfavoráveis a ele.

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Convém notar que, diferente do que ocorre com o dolo de aproveita-mento da lesão, esta ciência do estado de perigo é de fácil constatação. Comoficou dito, a natureza do contrato assim formulado dá ensejo a obrigação deprestar socorro. Logo, esta mesma obrigação, uma vez contraída pelo beneficia-do, já é suficiente para atestar que ele conhecia a existência do perigo dedano sofrido pelo contratante ou pessoa próxima. Ninguém se obriga asalvar quem não corre risco.

VI – Vícios do consentimento

Falar em vício do consentimento é falar em vontades destoantes. Signifi-ca dizer que a real vontade do sujeito não coincide com aquela declarada justa-mente em função de determinado fator. Algo influiu para que o agente nãomanifestasse sua volitiva conforme sua verdadeira pretensão. Estes aspectos,pois, denominam-se vícios do consentimento “porque provocam uma manifes-tação de vontade não correspondente com o íntimo e verdadeiro querer doagente. Criam uma divergência, um conflito entre a vontade manifestada e areal intenção de quem a exteriorizou” (GONÇALVES, 2003, p. 355).

Para Fábio Ulhoa Coelho, referidos vícios podem se dividir entre víciosinternos e vícios externos (COELHO, 2004, p. 328).

Os primeiros seriam provocados sem a concorrência do beneficiado oude terceiro; isto é, gerados, exclusivamente, pelo agente. Seria o caso do erro.Nesta situação, a divergência de vontades do agente se funda na máinterpretação da realidade que ele próprio alcança. A tanto não é indu-zido ou direcionado por outrem. É a sua condição particular que o levaa manifestar-se erroneamente.

Já os vícios externos, como a própria nomenclatura sugere, são resulta-dos de certo condicionamento alheio. São provocados pelo outro contratanteou por terceiro em favor dele. Neste conceito se enquadrariam o dolo e acoação. O dolo porque nele o sujeito, através de certos artifícios a ele nãoexplicitados, que pretendem distorcer seu entendimento, é induzido a emitircerta vontade. Vontade esta que não coincide com a real justamente porqueoriunda de uma provocação e não de um livre discernimento. A coação, por suavez, ocorre quando o outro sujeito – seja contratante ou terceiro – vale-se deum temor, físico ou moral, exigindo que o agente emita a vontade por eleditada. Neste caso, diferente do que ocorre com o dolo, o emissor, logo aomanifestar-se, sabe que tal vontade não condiz com a sua verdadeira volitiva.Só o faz, portanto, pelo temor ao qual foi submetido.

De qualquer forma, o que mais vale destacar quanto aos vícios do con-sentimento é a sua fundamentação. Note-se que todos eles – sejam internosou externos – têm o objetivo de preservar a real vontade do sujeito. Não fosseassim, indiferente seria a divergência, bastando o que foi manifestado.

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Significa dizer, assim, que a tutela jurídica consentânea à teoria dos víciosdo consentimento é, exatamente, aquela pautada na suprema autonomia davontade. Lembre-se que, sob este dogma, as restrições à liberdade individualsomente se criam legítimas se – e somente se – oriundas de ato livre do sujeito.Apenas o uso da liberdade servia para limitá-la. Daí porque a não coincidênciadas volitivas – real e declarada – ser consideradas como carecedora de atençãojurídica e respectiva interferência.

Em consonância a este raciocínio, também o inicial entendimento sobrenegócio jurídico como mera vontade. Necessário era apenas garantir, pois, quea vontade, formadora do contrato, fosse real, isto é, que não fosse influenciada.Do contrário, era de se negar efeito ao ato, não concedendo ao mesmo afunção de restringir a liberdade do indivíduo.

Se o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade,para que ele se aperfeiçoe mister se faz que essa vontadese externe livre e consciente. Se tal inocorre, falta oelemento primordial do ato jurídico, que, por conseguinte,é suscetível de ser tornado sem efeito. De fato, se oconsentimento, reflexo da manifestação volitiva, veminquinado de um vício que o macula, a lei, no intuito deproteger quem manifestou, permite-lhe promover adeclaração de ineficácia do ato gerado pela anuênciadefeituosa (RODRIGUES, 2003, p.184).

Note-se, inclusive, que a proteção à autonomia da vontade é relevadatambém no que diz respeito às conseqüências que o vício do consentimentotraz. Contrato cuja volitiva tenha sido falseada é passível de anulabilidade. Sig-nifica dizer que “ao contrário da nulidade, que deve ser declarada ex officio pelojuiz, a anulabilidade só repercutirá na validade e eficácia do ato se for manifes-tado o interesse das partes neste sentido” (MARQUES, 2002, p. 51). Em outraspalavras, se não for vontade da parte prejudicada invocar o vício, a relaçãocontratual permanecerá incólume.

Em síntese, vício do consentimento entendido como divergência de von-tades real e declarada – por isso objeto de atenção jurídica – nada mais significaque a concretização do dogma da autonomia, fundamento basilar da sistemáti-ca civilística inicial.

VII – Lesão e estado de perigo: vícios do consentimento?

Segundo disposição topográfica do novo Código Civil, tanto a lesãoquanto o estado de perigo encontram-se incluídos no Capítulo IV, do TítuloI, do Livro III, como defeitos do negócio jurídico, elencados juntamentecom os demais vícios do consentimento. Destarte, o questionamento que

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interessa fazer é se, diante de todo o exposto, tais institutos podem ser real-mente assim caracterizados.

Parta-se do pressuposto delineado segundo o qual vício do consentimen-to é a divergência havida entre a vontade real e a vontade declarada, oriundode um fator intrínseco ou extrínseco ao agente. Considere, ainda, lesão comosituação contratual na qual um dos sujeitos assume obrigação excessivamenteonerosa devido à sua necessidade de ou inexperiência em firmar tal tipo denegócio. O estado de perigo, por sua vez, como situação na qual o sujeito élevado a contratar para evitar dano físico a sua pessoa ou a pessoa próxima.

Já diante disso, crê-se possível sustentar que nem a lesão, nem o estadode perigo podem ser considerados, efetivamente, vícios do consentimento. Eassim por várias razões, dentre as quais se destaca, exatamente, a ausência dediscrepância entre as vontades real e declarada.

Não há falar que em ambas as situações, o agente possui certa vontadeinterna que, porém, não é a vontade manifestada. O seu consentimento éhígido (RUZYK, 2003, p. 27); isto é, plenamente condizente com o seu quererreal. Na verdade, o contratante, tanto na lesão quanto no estado de perigo,pretende sim firmar o contrato, admitindo, inclusive, que este se dê emtermos lhe desvantajosos. Ocorre que, assim o faz em função de suainexperiência ou de sua necessidade de contratar – seja patrimonial, nalesão, ou existencial, no estado de perigo.

Note, portanto, que é a própria volitiva interna do agente que se encon-tra condicionada a tais fatores. Sendo, desta forma, devidamente expressa. Emoutras palavras, a inexperiência ou necessidade promovem no sujeito um certoquerer, o qual é, por sua vez, exatamente conforme formulado, emitido. Emúltima instância, se o consentimento manifestado é condizente ao real, nãocabe falar em vício – segundo o conceito adotado pela doutrina. Afinal, aindaque existam aspectos externos ou internos influentes na volitiva do agente, elese manifesta de acordo com o que verdadeiramente intenciona. Indevida,pois, a inclusão de ambos institutos na teoria dos vícios do consentimento(GONÇALVES, 2003, p.398).

Mais do que isso, o que pode extrair desta disposição legal é uma tenta-tiva – errônea e desarrazoada – de restauração da civilística baseada no dogmada vontade. É explícita a pretensão de justificar a intervenção jurídica baseadana proteção do querer livre dos sujeitos. Não se olvide que esta era crida aúnica forma legítima de influência na esfera de liberdade dos indivíduos.

Todavia, dois aspectos principais são suficientes para demonstrar a preca-riedade desta tentativa. São eles o próprio desenvolvimento do Direito e suaatual base de sustentação; e, ainda, o fundamento da tutela jurídica destinadaàs situações representativas da lesão e do estado de perigo.

Conforme já ficou exposto, a ciência jurídica passou por uma alteraçãointrínseca fundamental. Ocorrida a mudança axiológica, mudaram-se,concomitantemente, as técnicas normativas.

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Da liberdade exacerbada e da igualdade formal passa-se à igualdade subs-tancial e, pois, à liberdade restrita. Do negócio jurídico como vontade ao negó-cio jurídico com ato, avença, acordo. Do indivíduo – egoísta e auto-suficiente –à pessoa humana – relacional e solidária. Do auge do patrimonialismo à supre-macia das situações existenciais.

A acompanhar este ciclo, deixam-se as regras, com seus conteúdos fe-chados e pré-determinados, e buscam-se as cláusulas abertas, mais propícias àaferição das peculiaridades fáticas e, ainda, ao acompanhamento da evoluçãosocial. Abandona-se o método de subsunção em prol da ponderação, da análisecasuística especificada.

A despeito de tudo isso, justapõe-se a lesão e o estado de perigo comodisposições legais taxativas, integralmente aplicáveis ou, simplesmente,inaplicáveis (all or nothing). Com isso, torna-se flagrante o retrocesso, a regres-são. Ao invés de acompanhar todo o desenvolvimento da ciência jurídica, onovo Código Civil aparece na contramão. Desmerece o construído – e oainda em construção – e impõe um retorno injustificado á concepção jurí-dica já superada.

Fortificar a teoria dos vícios do consentimento, por meio da inclusão denovas figuras, no atual contexto civilístico, representa, metaforicamente, valer-se de um remédio que não soluciona o mal. Pior que isso, pode vir aagravá-lo. Afinal, nota-se uma certa contrariedade ao próprio fundamentoda tutela jurídica, a ser destinada.

Tanto na lesão como no estado de perigo, como demonstrado anterior-mente, a razão fundadora da proteção jurídica é o equilíbrio econômico. Tantoassim que, em ambos os institutos, o primeiro requisito identificado foi, exata-mente, a excessiva disparidade obrigacional. Enfim, é devido à ofensa ao prin-cípio do equilíbrio econômico – novo parâmetro axiológico, corolário da igual-dade substancial – que referidas situações fáticas receberão interferência doDireito. Interferência esta que buscará, exatamente, o restabelecimento dajustiça contratual, ora prejudicada.

Neste sentido, fica fácil visualizar que a lesão e o estado de perigo emnada se aproximam da tentativa de preservação da vontade efetiva dos sujeitosenvolvidos. E, nesta medida, muito se distanciam dos vícios do consentimento,os quais pretendem, exatamente, promover referida proteção. Note-se, por-tanto, que os institutos em muito se divergem. Nas palavras de Carlos EduardoPianoviski Ruzyk e Frederico Eduardo Zenedin Glitz:

O princípio da justiça contratual traz em seu conteúdoessencial uma idéia de justiça comutativa, que implica oadequado equilíbrio na distribuição de ônus e benefíciosna relação contratual. Concerne, como se vê, a um aspectoobjetivo do contrato, que não se vincula diretamente deuma vontade viciada (2003, p. 29).

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Em última instância, estudar a lesão e o estado de perigo como se víciosdo consentimento fossem significa desvirtuar seu próprio fundamento. Não sepode olvidar que a vontade declarada, há muito, deixou de ser a base da prote-ção contratual, sobressaindo-se, nestas situações em análise, o princípio doequilíbrio econômico, da paridade, da justiça (2003, p. 28).

Seguindo este raciocínio, os autores sulistas agora citados, chegam a cri-ticar, inclusive, o acréscimo de elementos subjetivos para caracterização dalesão – o que, pensa-se, valer também para o estado de perigo – que acabampor obstar a aplicação principiológica. Isto porque, segundo eles, uma vez nãoverificados quaisquer desses elementos – sobretudo o dolo de aproveitamentoque é de difícil aferição – ainda que haja, na realidade, ofensa à equivalênciaobrigacional, não haverá defesa jurídica. Via de consequência, o equilíbrio eco-nômico seria um fundamento relativo e, assim, insuficiente, já que receberiatutela apenas em algumas situações (p. 29). A solução seria, pois, utilizar-sediretamente da principiologia, sem intermediá-la com institutos minudentes,especificados. Valendo-se de sua característica principal, qual seja a abertu-ra de sua definição que permite adequadamente tratar as situações, deacordo com suas peculiariedades.

Isso, porém, remete a um outro problema, já bem identificado porGustavo Tepedino, quanto ao uso das cláusulas gerais. Para o autor, embora jáexista certa concordância acerca da grande valia de tais cláusulas para a aplica-ção do Direito e a preservação de sua coerência com o ambiente social, há quese enfrentar o obstáculo do tradicionalismo jurídico. Não se pode desmerecer ofato de que, por muito tempo, os aplicadores do Direito foram acostumados alidar com arquétipos normativos muito bem delineados e delimitados. Restan-do-lhes, apenas, identificar as situações que neles se enquadravam. Com isso,

Parece que nós não conseguimos nos sentir destinatáriosde normas jurídicas que não desçam a especificidades docaso concreto. (...)Nos dias de hoje, a necessidade de se dar efetividade plenaàs cláusulas gerais faz-se tanto mais urgente na medida emque se afigura praticamente impossível ao direito regular oconjunto de situações negociais que floresce na vidacontemporânea, cujos avanços tecnológicos surpreendematé mesmo o legislador mais frenético e obcecado pelaatualidade (TEPEDINO, 1999, p.206-207).

A dificuldade que resta enfrentar é, pois, incutir nesses mesmosaplicadores normativos uma nova cultura, calcada em standards, em conceitosabertos que permitem aferir e relevar as minudências do caso, favorecendo amelhor incidência normativa. O desafio é fazê-los devidamente utilizar estanova técnica legislativa. É preciso superar o ‘ranço’ deixado pelo positivismo, a

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fim de se alcançar, cada vez mais, a eficácia jurídica, por meio da corretaconcretização da axiologia reinante.

VIII – Considerações finais

A partir desta constatação, crê-se que, para solucionar as situações delesão de do estado de perigo talvez soe ainda precário deixar a aplicaçãoprincipiológica como único recurso. Afinal, através de aplicadores despreparadoso resultado poderia ser contraproducente ou mesmo contraditório. E o re-gresso que se deseja evitar pode vir a ser promovido pela utilização arbitrá-ria das cláusulas gerais.

Enfim, não bastam as disposições taxativas, circunscritas e bem contor-nadas; mas também não bastam – ainda – os conceitos abertos, indeterminados.Necessário, por enquanto, estabelecer uma harmonização destas técnicasnormativas. No caso da lesão e do estado de perigo, em específico, resta tentarpromover a incidência da tutela jurídica, como especificado no novo CódigoCivil, mas sem perder de vista o fundamento da mesma. Significa dizer que osdispositivos bem delimitados – artigos 156 e 157 – não devem ser desmereci-dos, mas servir como instrumentos, desde que relidos, em cada situação fática,em vistas ao princípio que os sustenta, qual seja o equilíbrio econômico, ajustiça contratual. Em última instância, significa dizer que o aplicador não devese restringir ao enunciado normativo fechado, deixando de tratar situações que,embora nele não se enquadrem perfeitamente, envolvam ofensa ao princípioque inspira a proteção jurídica. Este é um bom começo.

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