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Copyright © 2009 Mónica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 22231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 E-mail: [email protected] | [email protected] www.fgv.br/editora Impresso no Brasil / Printeá in Brazil Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei n fl 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor. Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pelo Decreto Legislativo n fi 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto n fl 6.583, de 29 de setembro de 2008. 1* edição — 2009 PREPARAÇÃO PE ORIGINAIS Daniela Duarte Cândido, Maria Lúcia Leão Velloso de Magalhães e Sandra Frank REVISÃO Adriana Alves Ferreira e Catalina Arica PROJETO GRAFICO E DIAGRAMAÇÍO Santa ag. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mário Henrique Simonsen / FGV Exercícios de micro-história / Organizadores: Mónica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida. — Rio de Janeiro : Editora FGV, 2009. 300 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-225-0755-9 1. História — Metodologia — Coletânea. 2. Historiografia — Coletânea. 3. História social — Coletânea. I. Oliveira, Mónica ÍUbeiro de. II. Almeida, Carla Maria Carvalho de. III. Fundação GetulioVargas. CDD - 907-2

LEVI, Giovanni. Reciprocidade Mediterrânea - português

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  • Copyright 2009 Mnica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida

    Direitos desta edio reservados EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 22231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 E-mail: [email protected] | [email protected] www.fgv.br/editora

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    Todos os direitos reservados. A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao do copyright (Lei nfl 9.610/98).

    Os conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade do autor.

    Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, aprovado pelo Decreto Legislativo nfi 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto nfl 6.583, de 29 de setembro de 2008.

    1* edio 2009

    PREPARAO PE ORIGINAIS Daniela Duarte Cndido, Maria Lcia Leo Velloso de Magalhes e Sandra Frank

    REVISO Adriana Alves Ferreira e Catalina Arica

    PROJETO GRAFICO E DIAGRAMAO Santa F ag.

    Ficha catalogrfica elaborada pela Bibl ioteca Mrio Henrique S imonsen / FGV

    Exerccios de micro-histria / Organizadores: Mnica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2009.

    300 p.

    Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-225-0755-9

    1. Histria Metodologia Coletnea. 2. Historiografia Coletnea. 3. Histria social Coletnea. I. Oliveira, Mnica Ubeiro de. II. Almeida, Carla Maria Carvalho de. III. Fundao GetulioVargas.

    CDD - 907-2

  • Sumrio

    Apresentao 7 Mnica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida

    Prefcio 11 Giovanni Levi

    Parte I : A micro-histria e seus precursores 17 1. Microanlise e histria social 19 Edoardo Grendi

    2. Paradoxos da histria contempornea 39 Edoardo Grendi

    ( J j Reciprocidade mediterrnea 51 Giovanni Levi

    4. Economia camponesa e mercado-de terra 87 no Piemonte do Antigo Regime Giovanni Levi

  • 3 Reciprocidade mediterrnea'

    Giovanni Levi

    1 Se quisermos empregar o conceito de reciprocidade em sentido con-creto e no meramente formal, parece-me imprescindvel inclu-lo em um marco amplo de relaes jurdicas e econmicas relativas a um tempo e a uma regio de referncia especficos. Portanto, buscarei mostrar de que modo esse conceito assume sua especificidade na Ida-de Moderna, em relao com os sistemas jurdicos que, utilizando uma expresso inadequada, chamarei de direito dbil, ou seja, siste-mas jurdicos nos quais predomina a jurisprudncia sobre a lei, em oposio ao dos juzes com respeito ao carter central do poder legislativo soberano, ao qual, outra vez inadequadamente, chamarei sistemas de direito forte. Na rea mediterrnea possvel incluir nesta categoria de direito dbil pelo menos trs tradies o direito can-nico, o direito islmico e o direito talmdico que extraem de princpios gerais de origem religiosa as bases imutveis s quais se re-

    * Publicado originalmente em Hispnia (Madri), LX/1, num. 204 (2000), p. 103-126 e reproduzido com a permisso da revista. Traduo para o castelhano de Mar-co A. Galmarini e para o portugus de Ronald Polito.

  • ferem as prticas jurdicas. E a primeira anlise destes sistemas pode orientar-se de acordo com trs princpios: reciprocidade, equidade e analogia. Um estudioso da sociedade de Ancien Regime que particular-mente se ocupa de pases mediterrneos, no se pode propor a questo das formas de reciprocidade sem se referir a sociedades complexas em cujo centro se encontram os mecanismos de solidariedade que carac-terizam um projeto social baseado na justia distributiva e, ao mesmo tempo, na rgida hierarquizao social. Portanto, a justia na desi-gualdade ser o marco no qual se inseriro as formas especficas da reciprocidade neste esboo, que pretende ser mais uma primeira refle-xo terica que a exposio de uma investigao verificada nos fatos.

    Contudo, preciso dizer que o ponto de partida destas reflexes um campo concreto de investigao que se pode adotar como exemplo para compreender a importncia do problema que me pro-ponho. H tempos que estudo o consumo em Veneza de 1500 a 1700 para responder a uma pergunta que parece essencial para com-preender a sociedade de Ancien Regime, a saber: como se estrutura o consumo em uma situao em que as diversidades e sobretudo as diversidades de consumo entre irmos, entre grupos sociais, en-tre gneros, se construram estrategicamente para garantir a sobre-vivncia? E tambm como se passa desta sociedade onde a desigual-dade estratgica, aceita e racional, para uma sociedade que governa seus comportamentos mediante um idioma s um idio-ma, que se legitima nas codificaes de igualdade entre herdei-ros, entre irmos, entre grupos sociais e, idiomaticamente, entre gneros. Quais so, pois, as formas que adota a justia em uma dis-tribuio desigual de bens em que os valores de equidade se chocam com os de igualdade?

    Em minha opinio, a chamada revoluo do consumo no na realidade um problema de quantidade, de incremento das rendas nem de disposio de novos bens, como com farta frequncia os historiadores tm opinado.1 Pelo contrrio, trata-se de um problema

    1 Cf., por exemplo, Brewer e Porter (1993).

  • de lenta transformao cultural da desigualdade estratgica em igual-dade idiomtica, transformao que requer uma profunda revoluo cultural que implica, e provavelmente simplifica, a prpria ideia de reciprocidade, na qual a relao de dom e contradom resulta menos importante que o sistema global de intercmbio em uma sociedade governada por um sistema aceito de justia da desigualdade.2

    2 No centro do discurso devemos pr a equidade, conceito que gover-na alguns dos sistemas jurdicos dos pases mediterrneos e certos aspectos profundos da cultura e da estrutura antropolgica do senti-do comum de justia das populaes mediterrneas. Em uma socie-dade governada pela justia distributiva, isto , por uma justia que aspira a garantir a cada um o que lhe corresponde segundo seu status social, complica-se inclusive o modelo polanyiano de reciprocidade,3

    a saber, o movimento recproco e bilateral atravs do qual passam os bens no intercmbio: no se trata s de reciprocidade generalizada ou equilibrada, mas de uma multiplicao de reciprocidades poss-veis nas quais nas relaes de cada grupo com todo outro grupo e no prprio seio de cada grupo ou no limite das relaes de cada pessoa com todas as outras as interpretaes da reciprocidade se multiplicam de acordo com significados complexos que misturam tipo de reciprocidade e nvel social dos protagonistas do intercm-bio. Desta forma, todo intercmbio mercantil teoricamente equili-brado pode considerar a determinao do preo segundo os nveis sociais e as relaes dos contratantes, e todo intercmbio de bens pode parecer o resultado de uma reciprocidade equilibrada ou gene-ralizada segundo quem realiza o intercmbio e com quem. Do mes-mo modo, impossvel examinar uma sociedade que pe os valores puramente econmicos acima dos valores de boa vontade e amizade,

    2 Cf. Levi, 1996.

    3 Polanyi, 1977:61-74.

  • de dom e de contradom, sem ter em conta se sua finalidade cons-truir uma sociedade de iguais ou se, pelo contrrio, se prope con-firmar uma estrutura social hierrquica.4

    Queria, alm disso, destacar que, todavia, se trata de um proble-ma vigente na sociedade atual, tanto no terreno jurdico como no econmico. A cultura social catlica e amide tambm a socialista, ainda que com significados diversos devido distinta ateno que uma e outra prestam igualdade, falam com frequncia de capitalis-mo solidrio, o qual antes uma paradoxal figura retrica que um conceito operativo, em que pese a importncia de seu reflexo nas prticas polticas. Mas o conflito entre rigor da lei e equidade se manifesta especialmente na dificuldade frequentemente comprova-da para aceitar a impessoalidade da justia,5 que tantas vezes se dis-cute em nome de uma concepo de equidade que talvez estivesse j latente margem dos sistemas jurdicos formais, mas que agora tem a possibilidade de se expressar: a indeterminao dos limites que se pe lei e o papel do juiz em relao com a lei ocupam o centro da

    4 O importante livro de Clavero (1991) me parece que subestima a necessidade de

    inserir o dom e o contradom no modelo geral de sociedade hierrquico e prote-gido que aspira construir a segunda escolstica. Duas coisas no partilho com Clavero: a insuficiente avaliao do sentido comum de justia, como se se pudesse explicar as prticas sociais atravs das leis e dos cdigos exclusivamente. Em segun-do lugar e como consequncia , a insuficiente avaliao da permanncia, nos comportamentos polticos nos pases catlicos de hoje, de uma concepo de justia em conflito com as instituies estatais. Para observaes muito interessantes sobre a distncia entre a interpretao do direito do antroplogo e do jurista, veja-se Geertz (1983). 5 Na Itlia so frequentes os movimentos de repdio s leis em nome de um senti-

    do indefinido de justia mais justa que a lei. Recentemente, um mdico, o doutor Di Bella, provocou uma autntica insurreio popular com uma manifestao de mais de dez mil pessoas perante o Ministrio da Sade e conseguiu que dois juzes municipais se pronunciassem a favor de que o sistema sanitrio pblico se encarre-gasse de uma terapia sua contra o cncer que havia se demonstrado ineficaz. Apaga-do o caso na Itlia, tentou sem xito relanar a questo em outro pas catlico, a Argentina. H anos houve um caso de adoo ilegal, anulada pelo juiz, que deu lugar a uma discusso que se prolongou vrios meses. Sobre este tema foi publicado um livro exemplarmente representativo do sentido comum de justia, escrito por uma conhecida autora, Natlia Ginzburg (1990:2), que sustentava precisamente que "o fim de proteger a universalidade dos meninos no justifica uma ao cruel reali-zada sobre a pessoa de um s menino [...] preciso perguntar-se qual a ao mais justa luz da verdadeira justia".

  • crise da justia em muitos pases europeus. Hoje retornam ao centro do debate jurdico e poltico tanto a interveno da jurisprudncia na elaborao do direito propondo interpretaes, como a conscin-cia da impossibilidade de individualizar uma interpretao nica do texto. A relao entre elaborao, aplicao e interpretao da lei caracteriza- de uma maneira muito particular a histria cultural dos pases do Mediterrneo. Certamente no de modo unvoco; contu-do, tenho a impresso de que os sistemas jurdicos dos pases catli-cos e dos islmicos, enquanto tradio jurdica do judasmo, tm deixado com grandes variantes, repito muito espao para as interpretaes jurisprudenciais, para o uso da analogia, para o papel corretivo dos juzes no sentido da equidade na hora de aplicar a casos concretos a lei demasiadamente geral.

    Portanto, trata-se de um problema de carter mais antropolgico que estritamente histrico-jurdico. O papel do sentido comum de justia difundido entre as pessoas que vivem nesta rea parece parti-cularmente conflitivo em relao com os sistemas jurdicos que se foram constituindo sucessivamente. A debilidade das instituies em relao ao sentido comum de equidade parece associar-se a um papel particularmente forte de tradies polticas de origem teolgi-ca e permanncia, na conscincia comum, da imagem de um plu-ralismo jurdico que na multiplicidade das fontes de produo das normas v em realidade a possibilidade intersticial de mover-se com relativa liberdade entre sistemas normativos contraditrios, cada um deles j debilitado e erodido pela prpria multiplicidade. A definio da rea que temos chamado mediterrnea, no obstante sua dificul-dade e sua grande arbitrariedade, pode encontrar-se em todas as realidades nas quais, em que pesem os esforos realizados, no se tem alcanado estabelecer uma separao e uma hierarquizao n-tida a favor das instituies do Estado sobre a presena de institui-es religiosas. Excluiria deste modelo a Frana, porque a formao do Estado moderno neste pas atravs do absolutismo definiu preco-cemente a supremacia das instituies do Estado tambm no sentido comum de justia.

  • Uma ltima considerao sobre a importncia do problema. Nes-ta reconsiderao da relao entre justia e histria, entre tarefas do juiz e tarefas do historiador, no s se tem visto implicado o debate recente sobre a tica e a justia como equidade, como tambm a prpria prtica historiogrfica recente; a remisso ao sentido comum acerca do que justo, a difundida prtica de processar a histria e o papel jurdico (mais testemunhos de experts) que se tem confiado aos historiadores nos processos recentes por crimes contra a huma-nidade, tm voltado a pr sobre a mesa problemas complexos de relao entre sistemas positivos de leis e sistemas ticos, o que reme-te a difceis operaes analgicas e a apelaes a imagens universais de equidade.6

    3 Mas partamos de Polanyi. Apesar de que os comentaristas no o tenham observado e de que no se possa encontrar neste autor uma elaborao ampla do conceito de equidade, o prprio Polanyi v uma estreita relao entre reciprocidade e equidade:

    Para retornar reciprocidade, um grupo que decidisse organizar as relaes prprias sobre essa base deveria, para alcanar seu en-cargo, subdividir-se em subgrupos simtricos cujos membros res-pectivos pudessem identificar-se reciprocamente enquanto tais. Ento os membros do grupo A poderiam estabelecer relaes de reciprocidade com suas contrapartidas do grupo B e inversamen-te; ou bem se pode dizer que trs, quatro ou mais grupos so si-mtricos com relao a dois ou mais eixos e que os membros desses grupos no tm por que praticar necessariamente a recipro-cidade entre si, seno com os membros correspondentes de outros grupos com os quais se encontram em relaes anlogas... o que

    6 Cf., por exemplo, o dossi Verit judiciaire, vrit historique, com artigos de F. Har-

    tog, M. Baruch, Y. Thomas e P. Y. Gaudard em Le dbat, 102 (1998), p. 4-52.

  • d vida a uma cadeia ilimitada de reciprocidades sem que exista reciprocidade alguma entre eles.

    Um sistema de reciprocidades no , pois, o pzinho dos atos de reciprocidade, de dom e contradom, que "tem lugar em ocasies diferentes, segundo um cerimonial que impede qualquer noo de equivalncia, porque com frequncia as atitudes pessoais individuais carecem de efeitos sociais". S em um ambiente organizado simetri-camente, as atitudes de reciprocidade daro lugar a instituies eco-nmicas de certa importncia.7 As formas de integrao devem criar, portanto, um sistema. E a regra das sociedades que se baseiam na reciprocidade no ser seno a adequao:

    Enquanto nosso sentido de justia busca a adequao em termos de castigo e recompensa, os movimentos recprocos dos bens re-clamam a adequao em termos de dom e contradom. Neste caso, adequao significa sobretudo que a pessoa justa deveria recom-pensar um dom com o objeto de tipo justo no momento justo. Naturalmente, a pessoa justa a que se encontra em uma posio de simetria. De fato, a no ser por esta simetria, seria impossvel o funcionamento do conjunto das aes de dar e receber implci-to em um sistema de reciprocidade. Com frequncia o compor-tamento adequado o que se inspira na equidade e na considerao do outro, ou que pelo menos parece inspirar-se nela, e, em con-sequncia, diferente da atitude stricti jris da lei antiga, que pode ser exemplificada na insistncia de Shylock em ter sua libra de carne. O costume dos dons recprocos no vai quase nunca acom-panhado de rgidas prticas contratuais. Seja qual for a razo da elasticidade que leve a preferir a equidade ao rigor, tende clara-mente a desalentar as manifestaes de egosmo econmico nas relaes de reciprocidade baseadas no dar e no receber.8

    7 Polanyi, 1977:64-65.

    8 Polanyi (1977:66). O grifo de equidade meu.

  • Durante muito tempo, as sociedades complexas islmicas e catlicas tiveram a reciprocidade entre suas imagens centrais, em um sonho pro-vavelmente irrealizvel, uma vez superadas as pequenas dimenses das comunidades nas quais operam simetrias mais limitadas, suficientes para sistemas sociais mais simples. A fora de um poder central, garan-tia da justia distributiva, e a institucionalizao de classificaes sociais de sociedades hierarquizadas no bastavam para garantir o funciona-mento de um sistema de integrao baseado na reciprocidade, mesmo quando a mistura de mecanismos de integrao baseada na redistribui-o se propusera conviver com uma sociedade em que as clulas bsicas famlia e comunidade puderam continuar operando atravs da reciprocidade que emanava da boa vontade e da amizade, da solidarie-dade e do dom-contradom. E contudo e nisto no estou de acordo com Polanyi no se tratava de um conflito entre rigor e adequao, quer dizer, entre mensurabilidade das equivalncias e arbitrariedade relativa do intercmbio de dons e contradons: tambm a equidade tem de ter sua medida, um rigor referido simetria que governa o conjunto do sistema, distinto da equivalncia. Uma medida que se deve estabe-lecer caso a caso, transao a transao, mas que remete a uma percep-o social que os protagonistas possam identificar e que mantenha a equidade de uma relao de intercmbio entre pessoas desiguais.

    Muitas vezes o todo que se d ser consequncia desta justia (distributiva); por exemplo, o soldado serve bem a seu prncipe ou ao capito pelo soldo estabelecido, o criado serve bem a seu patro, de quem recebe o salrio, ou o filho responde bem s atenes paternas; em estrito rigor de justia comunicativa, que os juristas explicam como ao civil, com capacidade para apre-sentar-se em juizo, nenhum deles poder aspirar a outra merc, porque j a recebeu, e fez o que devia fazer; mas se o prncipe, o capito, o patro ou o pai, em relao com uma diligncia par-ticular, delicadeza no servio ou atenes, impulsionados por aquela obrigao natural, que os juristas chamam antidoral, lhes fazem um donativo, ou lhes concedem outra merc, cometero

  • um ato de justia distributiva contanto que o exeram com aquilo do que podiam dispor livremente sem molestar as posi-es de outro e na devida proporo da circunferncia a seu centro do mrito, porm no sem esta condio.

    A justia distributiva, de fato,

    se assemelha a uma esfera cuja circunferncia est regulada por seu centro, onde tm origem todo raio e toda linha, e regra bem proporcionada por muito que seus raios ou linhas se distan-ciem do centro. Portanto, o mrito ou o demrito so o centro desta justia, sem os quais esta no existe; porm no modo de quem tem o poder para exerc-la, se pode dar maior distancia-mento, da mesma maneira em que se d nos raios ou nas linhas, sem perda da proporo devida.9

    Portanto, a medida a proporo, que pode definir-se caso a caso atravs da avaliao que s uma autoridade pode determinar. Porm se trata de uma medida exata, no arbitrria, "posto que o dar ou o premiar sem mrito no ser ato de virtude de liberdade, mas vcio de prodigalidade, que comporta injustia ao tirar dos meritrios e dar aos que carecem de mrito". O cardeal De Luca parece aqui imaginar um mundo de bens limitados no qual todo ato de genero-sidade no s premia algum, como tira de outros. E isto precisa-mente o que requer uma proporo ponderada. A lei existe, porm distinta para todos, segundo as condies e os mritos. Contudo, requer o rigor da proporcionalidade geomtrica.

    A esfericidade da justia distributiva uma metfora: a esfera a totalidade, o bem limitado a distribuir em sua perfeio; mas os mritos e demritos produzem variaes na longitude dos raios. E tambm uma metfora a imagem com que De Luca nos descreve a justia comutativa e a proporcionalidade aritmtica:

    9 De Luca, 1740:54-65.

  • Pelo contrrio, a justia comutativa se assemelha figura qua-drada, que por necessidade requer a igualdade e a proporo das linhas, nenhuma das quais deve ser maior que as outras, ou en-to balana, que para estar em equilbrio deve ter tanto peso em um prato como no outro: e em consequncia, que a cada um se d o seu e o que lhe devido, mas no mais nem menos.10

    Portanto, no s no seio da relao entre indivduos se pode apre-ender a medida, mas tambm na coerncia entre os comportamentos individuais e o modelo geral que a sociedade prescreve. E neste caso se trata das prescries da teologia e da moral crist em suas impli-caes polticas: se no h na revelao divina nada do qual se possa deduzir uma poltica especificamente crist, as instituies tempo-rais "relinquuntur humano arbtrio", porm, devem tender ao bem co-mum poltico prescrevendo as virtudes e combatendo os vcios, seja qual for a forma pr-selecionada entre a pluralidade de formas que a comunidade dos homens possa assumir. Portanto, a liberdade dos homens deve estar presidida pela superioridade moral da Igreja, com sua funo corretiva e de controle.11

    Muitas vezes, os que tm se ocupado da antropologia poltica das sociedades catlicas do Ancien Regime tm se surpreendido perante o carter aparentemente libertrio das regras sociais: os homens so completamente livres em suas eleies, seus sistemas polticos no so criaes de Deus, mas fruto de seu livre-arbtrio. Porm esta li-berdade est sob tutela: como meninos que experimentam sua rela-o com a realidade sob o olhar atento dos pais, os homens se aven-turam, por sua conta e risco, na empresa prescrita de formar uma sociedade poltica e econmica; porm Igreja, encarnao do po-der diretivo e coativo de Deus, corresponde a tarefa de controle e de atrao para dirigir os homens, de acordo com a lei, para a consecu-o de seus fins sobrenaturais, dos quais continuamente se distan-

    10 De Luca, 1740:66.

    11 Cf. Villey (1991). Mais em geral, cf. Villey (1985).

  • ciam enquanto pecadores.12 Na realidade, o aspecto libertrio da M doutrina catlica que vendem Skinner e Clavero,13 por exemplo, s * aparente: a liberdade do pecador sob tutela.

    H, pois, uma aparncia de incomensurabilidade nas relaes de s reciprocidade porque h uma aparncia de liberdade absoluta. Po- ^ rm, nela se oculta um sentido determinado de justia que se mede s

    CD

    em funo da adequao na criao de uma sociedade hierarquizada e corporativa em que no so justos os atos econmicos que tm como finalidade o enriquecimento, a no ser os que tendem a favo-recer a circulao de bens e o bem-estar coletivo e desigual, em que, portanto, predominem a amizade e a boa vontade e no qual cada um tenha o que lhe corresponde segundo equidade, ou seja, conservan-do a proporo relativa a seu status. Em consequncia, a equidade um ideal que no se mede sobre a base de regras abstratas, mas sobre a base de referncias ao processo geral de melhora progressiva da sociedade rumo a seus destinos sobrenaturais; no so objeto de me-dio por parte dos atos particulares, mas de juzo por parte da Igre-ja em seu papel de tutora.

    Sendo assim, como podemos caracterizar mais detalhadamente este conceito de equidade?

    4 obrigatrio remontar o conceito de equidade (epiicheia) a este conhecidssimo fragmento da tica a Nicmaco:

    O justo e o equitativo so o mesmo, e, apesar de serem excelen-tes ambas as coisas, o equitativo melhor. A aporia produto de que o equitativo justo, porm no o segundo a lei, seno que, pelo contrrio, uma correo do legalmente justo. Causa disso que toda lei universal, mas sobre determinados temas im-

    12 Skinner, 1978:213.

    13 Cf. Skinner (1978:199-253) sobre o renascimento do tomismo, e Clavero (1991).

  • possvel pronunciar-se corretamente em forma universal. Por-tanto, nos casos em que necessrio pronunciar-se de maneira universal, porm, por outro lado, impossvel faz-lo correta-mente, a lei tem em conta o que sucede ordinariamente, sem ignorar o erro [...] Portanto, quando a lei se pronuncia em geral, porm no mbito da ao sucede algo que vai contra o universal, justo corrigir a omisso ali onde o legislador deixou o caso incompleto e errou porque se pronunciou em geral [...] Portan-to, o equitativo justo e melhor que certo tipo do justo, no que o justo em absoluto, mas que o erro que tem como causa a formulao absoluta. esta a natureza do equitativo, a de ser correo da lei na medida en que esta perde valor por causa de sua formulao geral.14

    Porm o conceito surgiu e teve importncia em sociedades que no reconheciam a igualdade entre cidados abstratos segundo a qual a lei igual para todos , mas que, pelo contrrio, acentuam a desigualdade de uma sociedade hierrquica e segmentada, em que conviviam sistemas hierrquicos correspondentes a diversos siste-mas de privilgio e de classificao social: portanto, uma pluralida-de de equidades segundo o direito de cada um ao qual se reconhea o que lhe corresponde sobre a base de sua situao social e de acordo com um princpio de justia distributivo. Na sociedade de Ancien Regime, o conceito de equidade era o protagonista central de seu sonho impossvel ou, melhor dizendo, j impossvel de cons-truir uma sociedade justa de desiguais. Nela a impossibilidade no se sustentava tanto no conflito entre aequitas y aequaitas quanto no sonho de que cada um fosse classificvel com exatido em um papel ou em uma condio social unvoca, definida e estvel. A lei difere para cada estrato social, quando no para cada pessoa, em uma jus-tia do caso concreto determinado segundo as desigualdades sociais definidas.

    14 Aristteles. tica a Nicmaco, livro V, 14, p. 5-25.

  • Frequentemente se tem imaginado na histria do direito a equi-dade como mero instrumento com eficcia derrogadora do direito, embora sem atribuir-lhe natureza antijurdica ou ilcita.15 Para mim, em contrapartida, me parece que a equidade ou, melhor, as equi-dades so a prpria raiz de um sistema jurdico que aspira orga-nizar uma sociedade estratificada, porm mvel, na qual convivem muitos sistemas normativos no esforo de conhecer o que justo para cada um.

    No poderamos compreender as revoltas camponesas da Idade Moderna se as concebssemos como revoltas contra um sistema es-tratificado e no como destinadas a obter o justo e equitativo para os camponeses no seio de um sistema de desigualdades aceitas. O mes-mo ocorre com as revoltas anonrias bsicas, segundo Edward P. Thompson,16 para a interpretao da economia moral do povo e que so precisamente revoltas pelo preo justo ou, melhor ainda, pela reafirmao de um sistema adquirido diferenciado e equitativo de preos, mas no movimentos igualitrios ou contrrios existncia do mercado; para confirmar e no para modificar a estrutura social.

    Alm disso, me parece que acentuar a equidade contribui para explicar os esforos classificatrios que caracterizam a sociedade de Ancien Regime, esforos desprendidos justamente para definir de ma-neira estvel condies sociais s quais se reconhecem privilgios especficos. Para dar um exemplo extremo, pense-se no gnero pic-trico mexicano que floreceu nos sculos XVII e XVIII, que repro-duz "a sociedade de castas" e que trata de classificar os efeitos das mestiagem e das mestiagem de mestiagem entre ndios, brancos, negros e orientais: "de mulato e mestia se produz mulato tornatrs", ou "de ndio e mestia nasce coyote", ou "de espanhol e ndia nasce mestio; de espanhol e mestia, castizo; de espanhol e castiza, espa-

    15 Veja-se, por exemplo, as snteses: Calasso (1966:65-68); Guarino (1960:619-

    624); Varano (1989:1-14). 16

    Thompson (1993). At que ponto os cardeais que administravam a anona roma-na tinham presente o problema do preo justo dos alimentos mostrado em Marti-nat (1999).

  • nhol". Alm da necessidade, evidente no ltimo caso, de fechar o crculo com o retorno ao espanhol, para fazer manipulvel, embora fictcio, um processo que do contrrio seria infinito, a classificao das mestiagens chega a uma lista paradoxal que compreende criollo, mestio, mulato, zambo, castizo, mourisco, albino, ah te ests, albara-zado, barcino, calpamulo, cabujo, coyote, chamizo, chino, cholo, grifo, jenza-rojbaro lobo, no te entiendo, salta-atrs, tente en el aire, tomatrs, zambai-goF Este esforo revela a impossibilidade de se criar uma classe para cada diferena e a iluso de que todo indivduo podia ser includo em uma classe segundo uma regra uniforme de atribuio. Mas os homens recebem muitos papis ao mesmo tempo e criam realidades ambguas que requerem equidades diferentes, no s indivduo a indivduo, como tambm situao a situao. Os arquivos dos tribu-nais do Ancien Regime esto cheios de procedimentos nos quais os protagonistas fazem seu jogo intersticial mediante a reivindicao de diferentes pertencimentos para gozar de diferentes privilgios; ou se inscrevem em classes imprprias pela exigncia de ingressar no es-quema classificatrio requerido para gozar do mesmo privilgio de existncia jurdica.18

    Que Dante lighieri estivesse inscrito no grmio florentino dos mdicos e dos boticrios, e que, dois sculos e meio depois, Joo Calvino, ao chegar como prfugo em Estrasburgo, entrasse no grmio dos alfaiates, quando na realidade nenhum deles dois jamais praticou o oficio em cuja corporao tinha sido inscrito, tornou quase proverbial a desconfiana dos historiadores nas qualificaes corporativas.19

    Eram simplemente qualificaes para existir: "no discurso me-dieval da cidadania, a visibilidade do sujeito est mediada, pois, por

    17 Cf. Garcia Sinz, 1989.

    18 Uma interessante casustica neste sentido, com referncia aos tribunais civis ro-

    manos, pode ser vista em Groppi (1999). Cf. tambm Ago (1998). 19

    Berengo, 1999:339.

  • seu pertencimento ao corpo",20 mesmo quando esse pertencimento ordenado fosse fictcio.

    5 Mas o que agora me interessa no a histria do conceito jurdico de equidade, seno sua importncia tanto para os sistemas jurdicos como para a elaborao dos sistemas polticos e a realidade antropo-lgica das sociedades do Mediterrneo. Contudo, toda a histria do conceito de equidade pode ser sintetizada em dois processos contra-postos: enquanto alguns ordenamentos quase todos os dos Esta-dos modernos continentais tendiam a deixar de lado toda refe-rncia equidade, reduzindo-a em realidade a instrumento perigoso ao qual recorrer unicamente em casos extremos de ausncia de re-gras no campo civil, outros ordenamentos os que acentuam mais o papel dos tribunais e da jurisprudncia tendiam a fazer da equi-dade um instrumento central da interpretao e da aplicao da lei. Tenho a impresso de que precisamente nas sociedades mediterrneas no predominou nenhuma destas orientaes, porm entre uma e outra se seguiu uma histria prpria e paralela nas atitudes e nos sis-temas informais de direito, embora no nos ordenamentos.

    Escolherei trs momentos como particularmente significativos. Comecemos pela equidade cannica que ilustram, por exemplo, Ch. Lefebvre,21 P. Fedele22 e, com particular ateno ao significado polti-co de longa durao do conceito, P. Grossi,23 a quem remeto tambm para uma anlise mais profunda. Neste momento s me urge destacar que a equidade um elemento central de um sistema normativo que, contrapondo a inflexibilidade e a imobilidade abstrata da justia divi-na especificidade da justia humana, prescreve diretamente como

    20 Costa, 1999:19.

    21 Lefebvre, 1951a.

    22 Fedele, 1966.

    23 Grossi (1995:203-222). Pelo contrrio, em Gaudemct (1994) debca-se de lado

    por completo a importncia do problema.

  • dever do juiz a aplicao da lei de acordo com os princpios da rationa-bilitas (isto , da conformidade da razo teologia), da salus animarutn e da charitas, e especial ateno ratio peccatum vitandi e ao periculum animae. disso nasce uma complexa srie de normas de comporta-mento para o juiz cannico, que tanta importncia tero nas doutri-nas polticas dos sculos XVI e XVII: por exemplo, a tolerantia no essencial a dissimulatio. Em particular seria muito til e s o digo de passagem ver em que medida as doutrinas catlicas da razo de Estado e a discusso sobre a dissimulao honesta tomavam muitos de seus elementos constitutivos no s da tradio estica, como tambm da tradio jurdica cannica. E isto nos permitiria esclarecer melhor em que sentido catlica a razo de Estado catlica.24 A dissimulao tem, na pratica cannica, um fim fundamentalmente positivo, ligado precisamente gesto da justia em estrita referncia contextualiza-o dos casos singulares, em funo de uma melhora moral geral. Portanto, no me parece suficiente v-la como tcnica poltica de domnio, como faz, por exemplo, Villari quando comenta Delia dissi-midazione onesta, de Torquato Accetto, nestes termos: "Concebida pelo pensamento clssico e medieval como problema eterno do ho-mem, da relao entre aparncia e realidade, entre mentira e verdade, em fins do sculo XVI e durante o sculo seguinte foi considerada sobretudo como um aspecto especfico da vida poltica e do costume da poca",25 tanto que "tambm o mundo da oposio e da resistncia ativa ao poder recebeu e fez sua uma tcnica elaborada oficial e exclu-sivamente para a ao de governo".26 Precisamente nos limites da dis-simulao se apoia o problema central de sua legitimidade e sua ho-nestidade, limites que tm sua definio na prtica jurdica catlica. O que se traduza em tcnica de governo ou de resistncia ao poder, pas-sando por Maquiavel, no afeta no fundamental a relao da razo de Estado catlica com as origens jurdico-cannicas.27

    24 Lefebvre, 1951b.

    25 Villari (1987:18). Tampouco me parece que encare este problema Borrelli (1993).

    26 Villari, 1987:25.

    27 Olivero, 1953.

  • Grossi fala da

    notvel influncia do direito cannico clssico no desenvolvi-mento de toda a juridicidade ocidental. A posio central da equidade cannica, verdadeira norma constitucional no escri-ta; o sentimento constante da mutabilidade do direito humano; a consequente e forosa elasticidade deste e o importante papel do juiz que o aplica: eis aqui pontos firmes que, ao transbordar os termos fechados da sociedade eclesial, penetraro na ordem jurdica da sociedade civil, a solicitaro, a impregnaro.28

    Mas vale a pena destacar que no se trata to s de relao entre ordem jurdica cannica e civil, seno tambm de influncia da con-cepo de unidade em um campo menos definido, como o do sentido comum de justia, o modo de perceber o justo e o injusto das sociedades catlicas e, portanto, o modo de relacionar-se com o Estado e suas instituies. Convivncia complexa que, no obstante os ordenamentos e as codificaes, no se resolve em uma sucesso de concepes jurdicas: de fato, no sentimento comum convivem "nossa igualdade formal, abstraa, igualdade jurdica de sujeitos na realidade desiguais e que continuam sendo desiguais apesar da cni-ca afirmao de princpio" e "a igualdade que a aequitas pretende garantir e que, pelo contrrio, pura substncia [...] a unicidade do sujeito do sujeito civil abstrato um futurvel das invenes iluministas. No existe aqui o sujeito, mas os sujeitos, e sujeitos bem encarnados, com toda sua carga de faticidade, ou seja, de imerso nos fatos"29 e, portanto, de status e de papis diferentes.

    A equidade no se propor sem gravssimos conflitos: a concin-cia que a equidade contrape prpria concepo de Estado moder-no, e em particular monarquia absoluta, pouco a pouco abrir ca-

    28 Grossi (1995:216). A referncia tambm equity do sistema jurdico ingls, que

    contudo no estudaremos aqui, pois nos distanciaria demasiadamente desta anlise mediterrnea. 29

    Grossi, 1995:179.

  • minho para si. Da mesma maneira, cada vez ser mais evidente a explcita contradio entre o poder do juiz na aplicao equitativa da norma e da segurana do direito.

    6 Podemos exemplificar isto com Bodin, que na interpretao dos juzes de acordo com a equidade via precisamente uma ameaa ao prprio princpio de soberania: na base mesma das teorias absolutis-tas reside a contradio que deriva da interpretao da lei e da apli-cao equitativa das normas como modo de operar dos juzes. N o primeiro livro de La Republique, captulo X, Bodin define "as ver-dadeiras marcas de soberania".

    A primeira marca do prncipe soberano o poder para dar a lei a todos em geral e a cada um em particular [...] sem consentimento dos maiores, nem de semelhante, nem de menor em relao a si mesmo [...] A segunda marca de majestade [...] declarar a guerra ou tratar da paz [...] A terceira marca de soberania a de instituir os principais funcionrios [...] No a eleio dos funcionrios o que comporta direito de soberania, (mas) sua confirmao e sua proviso [...] A outra marca soberana a instancia ltima, que e sempre tem sido um dos principas direitos da soberania [...] A quinta marca de soberania [...] o poder de outorgar graa aos condenados, por cima das sentenas e contra o rigor das leis, seja para a vida, os bens, a honra ou o regresso do desterro.30

    30 Bodin, J. Les six livres de la Republique, livro I, cap. 10. Traduo livre de "La

    premiere marque du prince souverain, c'est la puisssance de donner loi tous en general et chacun en particulier [...] sans le consentement deplusgrand, ni depareil, ni de moindre que soi [...] La seconde marque de majest [...7 dcemer Laguerre ou traitr lapax [...] La troi-sime marque de souverainet est d'instituer lsprinpaux officiers [...] Ce n'estpas Vlection des officiers que emporte droit de souverainet, (mais) la confirmation etprovisin [...] Uautre marque souveraine, c'est savoir du demier ressort, qui est et a toujours et Vun des prinpaux droits de La souverainet [...] La cinquime marque de souverainet [...] lapuissance d'octroyer grce aux condamns par-dessus les arrts et contre la rigueur des lois, soit pour La vie, soit pour les biens, soit pour Vhonneur, soit pour le rappel du ban".

  • Todos estes signos de soberania, que deixam a ao derrogatria da lei discrio do soberano, embora dentro dos limites da equida-de, so inalienveis. S um aspecto da equidade escapa ao soberano:

    Mas entre as marcas de soberania, h os que tm posto o poder de julgar segundo sua conscincia: o que comum a todos os juizes em caso de no haver lei nem costume expresso [...] Se h costume ou ordenao em sentido contrrio, o juiz no tem poder para passar por cima da lei, nem para discutir a lei [...] Porm o Prncipe pode faz-lo se a lei de Deus nica limita-o da soberania no expressa a respeito.31

    De tudo isto decorre a rgida atitude com que Bodin limita a interpretao da lei, deixando conscincia dos juzes a tarefa de julgar somente na ausncia da lei e nunca em oposio lei. Portan-to, no se consente aos juzes a aplicao desigual da lei segundo a variedade de lugares, momentos e pessoas; a equidade, em contra-partida, o princpio prprio do soberano, a quem, precisamente em funo da exclusividade dos direitos que definem a soberania, primeiro entre todos e do qual os outros aspectos so s especifica-es, se consente que faa as leis. A interpretao e a aplicao equi-tativa da lei transformariam de algum modo o juiz em legislador, o que dissolveria a soberania.

    Mas em que consiste a equidade para Bodin? Ele o esclarecer no captulo VI do livro sexto. A caracterstica da justia distributiva e da proporo geomtrica uma igualdade geomtrica que governa este tipo de justia, tpica da sociedade aristocrtica e hierrquica, na qual cada um tem direitos diferenciados e todo semelhante em status deve unir-se e ser tratado com seus semelhantes. Tem muitos aspec-

    31 Bodin, J. Les six livres de la Republique, livro I, cap. 10. Traduo livre de "Mais

    entre les marques de souverainet, plusiers on mis la puissance dejuger selon sa conscience: chose qui est commune tousjuges, s'il n'y a loi ou coutume expresse [...] S'il y a coutume ou ordonnance ou contraste, il n'est pas en la puissance du juge de passer par-dessus la loi, ni disputa la loi [...] Mais le Prince lepeutfaire si la loi de Dieu nica limitao a la sobera-nia n'y est expresse".

  • tos de equidade, mas no pode funcionar por si s devido a sua rigi-dez, "la fermet de la rege de Polyclte". A isto se ope a igualdade da proporo aritmtica da sociedade democrtica, que no aceita diferenas de status, se baseia na justia comutativa e est em poder "de la varit et incertitude de la regle Lesbienne". Em contraste com as duas formas de justia aristotlica preciso, pois, "suivre la justice harmonique, et accoler ces quatre points ensemble, savoir loi, equit, excution de la loi, et le devoir du magistrat". E a justia harmnica, que a proporo que funde ambas as igualdades, a equidade garantida pela soberania absoluta do prncipe, o nico que pode "accomoder Tquit la variet particulire des lieux, des temps et des personnes".32

    7 Durante todo o sculo XVII de.Hobbes a Leibniz , o sonho de uma lei to simples e clara que reduzisse o papel de juiz ao de mero agente de aplicao mecnica das normas dominaria as escolas fun-damentais do pensamento jurdico-poltico. Quer se trate das inter-pretaes voluntaristas e nominalistas da justia para as quais as coi-sas so justas porque assim Deus o quis, quer das interpretaes essencialistas ou realistas, para as quais Deus quis que as coisas fos-sem assim porque eram justas, quer das interpretaes do positivis-mo jurdico que deixam vontade do homem a criao das normas jurdicas para que sirvam a seus apetites nas cambiantes circunstn-cias da vida, todas tm em comum a ideia de que h uma nica fonte de justia e que, portanto, possvel criar uma justia exata e uniforme. A justia distributiva tende a desaparecer dos objetivos do

    32 Bodin, J. Les six livres de la Republique, livro VI, cap. 6. Sobre Bodin e a equidade,

    veja-se Beaud (1994:191-196). Traduo das quatro citaes em francs deste par-grafo: "a incomovvel firmeza da regra de Policleto"; "da variedade e incerteza da regra lesbiana"; "seguir a justia harmnica e reunir os quatro pontos, a saber, a Lei, a Equidade, a Execuo da lei e o dever do Magistrado** e "acomodar a equidade variedade particular de lugares, momentos e pessoas** (N. do T.).

  • direito propriamente dito, do ius strictum33 enquanto a equidade ten-de a ser reabsorvida na justia como a moral e a vontade na razo, sem contrastes. Em suas reflexes jurdicas, por exemplo nas Medita-es sobre o sentido comum de justia (c. 1702), Leibniz (1994) chega ao que talvez seja a posio mais extrema quando sonha com uma jus-tia praticamente mecnica, de acordo com sua teoria lgica que buscava a coordenao rigorosa entre signo e significado, que fixas-se de uma vez por todas a proporo entre caracteres e coisas, que o fundamento da verdade. A justia uma das

    cincias necessrias e demonstrativas que no dependem de fa-tos, mas unicamente da razo, como o so a lgica, a metafsica, a aritmtica, a geometria, a cincia dos movimentos e tambm a cincia do direito, que no se fundam na experincia e nos fatos e servem antes para aplic-los e regul-los por antecipao, o que tambm valeria para o direito se no houvesse leis no mundo.

    Em consequncia, este o objetivo por agora no realizado, mas que poder s-lo quando os homens se submeterem lei de Deus e razo. Dessa forma, "quando surgirem controvrsias, j no sero mais necessrias as disputas entre dois filsofos que entre dois calcu-listas. De fato, bastar pegar a pena, sentar-se perante o baco e di-zer-se reciprocamente: calculemos" (Descientia universalis).34

    A equidade, a interpretao equitativa, so, em consequncia, so-lues subalternas e parciais em um mundo imperfeito que contudo tem que recorrer a uma distino entre strictum ius, bondade e equi-dade. O conceito de equidade iniciou assim um processo progressi-vo de marginalizao e de reduo, cujo desenvolvimento no se-guirei porque nos distanciaria muito das costas mediterrneas.

    33 A busca de uma distribuio justa dos bens seria sem dvida um objetivo dema-

    siadamente ambicioso para o jurista e que, ou bem no forma parte de suas tarefas, ou bem carece diretamente de todo sentido para ele. Grcio descarta a justia dis-tributiva do campo do direito propriamente dito. Villey (1985:529). 34

    Leibniz, 1994.

  • Mas no ocorre o mesmo na Itlia e na Espanha, sociedades nas quais o direito cannico conserva uma presena notvel no sentido comum e na realidade cotidiana. A ao da Inquisio e a prtica da confisso, do arrependimento e do perdo, difundida por toda parte, no puderam ter deixado de incidir, em um nvel inconsciente, no sentido comum de justia que o tribunal das conscincias sugeria aos fiis. Assim se criou uma cultura especfica, que pouco a pouco se converteu em antropologia concreta, sentido muito estendido de um duplo valor da moral, de um significado distante e fraco das institui-es do Estado.

    8 Disto se dava conta Vio que utilizarei como ultimo exemplo da evoluo comparada do significado da equidade , muito influen-ciado pelo sentido catlico da comunidade poltica no caminho rumo redeno, isto , "o progresso no interrompido de toda a histria profana". A semelhana com Leibniz mera aparncia: para o primeiro, a equidade desaparece na lei, enquanto para o segundo, a lei desaparece na equidade. Em De universi iuris uno principio et fine uno (1720),35 Vio divide o direito natural em ius naturale prius e ius naturale posterius, em que o primeiro mostra o indivduo em sua exi-gncia de conservao, para a qual o critrio individual de cada um, dirigido conservao, faz as vezes de norma. Em seu curso, a his-tria tem a funo de desvelar progressivamente uma ordem natural diferente, fundada na capacidade da razo para transformar o prin-cpio de conservao individual em coletivo, quer dizer, referido aos corpos sociais. Este processo passa pelo ius gentium e pelo desenvol-vimento do direito civil, que transformam a luta de todos contra todos em relaes de proteo baseadas no domnio e na subordina-o. Da equidade natural do ius prius, que se contrape verdade porque "ex ipsa hominis sociali natura duplex existit naturais rerum soce-

    Vico (1974). A traduo italiana c de Cario Sarchi, Milo, P. Agnelli, 1866.

  • tas: altera veri, altera aequi boni",36 Vio nos conduz equidade civil: parte da descrio da jurisprudncia benigna ou ateniense e do ius pretrio, no qual "o vulgo () sensvel equidade natural e ignora a equidade poltica (vulgus naturalis solens, civilis aequitatis ignarum)". Com a manuteno invarivel das frmulas das aes segundo as XII tbuas , o pretor provia a estabilidade da regio civil, e com as excees, quando se tratavam questes no contidas nas XII tbu-as ou quando a lei das XII tbuas resultava demasiadadamente dura (si aequitati lex surda durave esset), lhes introduzia, em caso de neces-sidade, a equidade do ius naturale37

    Assim se introduz uma jurisprudncia benigna, "ars adqui boni", segundo a definio de Celso. A equidade natural se caracteriza, pois por acolher muitas excees nas regras que a lei expressa, por-que no ius naturale prius domina contudo um hiato entre indivduo e convenincia racional. A equidade civil, em troca, parece e auto-ritria, pelo que "muito frequentemente recebe o nome de rigor da lei porque o rigor civil que se sofre imerecidamente muito grave e amargo {tnagis appellata est Huris rigo', quia civilis rigor est sane rigor in causis in quibus contra immerente duratur)"3* S com o desenvolvimen-to da racionalidade e da communitas, o direito natural posterius faz coincidir aequitas e lei. Porm se trata de uma aequitas que tem sua raiz na aequitas natural, que a comunidade consente realizar.

    A alma de uma repblica o direito equitativo para todos, cuja ideia como temos demonstrado uma ideia eterna que vem de Deus. Portanto, temos concludo que a constituio eterna da repblica a ordem natural e que, em consequncia, a alma da repblica no equitativa para a equidade civil, mas para a equidade natural animus republicae ius aequum omnibus, cuius ideam aeternam a Deo esse demonstravimus. Unde formam re-rumpublicarum aeternam ordinem naturalem esse confemus; acproin-

    36 Vio, 1974:65.

    37 Vio, 1974:283-285.

    38 Vio, 1974: 289.

  • de animam reipubicae non esse aequum aequitate civili, sed aequitate naturali).39

    porque o direito existe na natureza (ius esse in natura) e demonstr-vel matematicamente. "At quad est aequum dum metiris, idem est iustum quod eigis".40 Portanto, a passagem do ius prius ao ius posterius marca a passagem de uma equidade natural individual para a equidade na-tural absoluta, passando pela equidade civil. Porque a equidade civil expressa a manipulao autoritria da segurana da lei que justifica a razo de Estado: "atque haec est aequitas ciinlis, qua Iustinianus in No-vellis dit niti usucapiones, et 'impium praesidium* eleganter appellat, quam Itali elegantiori phrasi vertunt 'razo de Estado".41 O processo de civili-zao nos leva, pois, da utilidade privada pblica, na qual se fun-dem o sentido (utilidade e necessidade) e a razo sob o domnio desta ltima e em polemica com o ius naturale philosophicum de Gr-cio, que reduzia s razo a fase final do sistema jurdico em que coincidiam aequum yjustum.

    EiusqueJmsprudentiae regula aetema est aequitas naturalis, quae mui-ta contra communes iuris regulas redpit et admittit ac iuris civilis rigores temperai. Sed ea ipsa durior est iuris rigor [...] neque enim ex suo iure immutabiU quequam sohnt, nec ullum unquam hominis meritum tan~ tum est ut ratio naturalis ipsi indulget quod non dictet honestas. Tamen totius generis nomn occupavit; et aequitas civilis magis appettata est "iuris rigor", quia civilis rigor est sane rigor in caussis in quibus contra immerentes duratur. At aequitas naturalis ex genere uaequitas" dieta est, quia in ipsis caussis in quibus immota haeret haeret ontem in omnibus in ipsis, inquam, caussis benigna est. Etparmm est homi-num iudicium quieam iniquo animo ferunt, nam de ea sensuum sapien-ta, quam stultitiam definivimus, iudicant.42

    39 De constantiajurisprudentis (Vio, 1974:381).

    40 Vio, 1974:57.

    41 Vio, 1974:261.

    42 Vio (1974:289). "A norma eterna de uma jurisprudncia assim realizada a

  • Em Vio e especialmente no Vio de De universi iuris uno prin-cipio et fine uno muito marcada a inspirao no cosmopolitismo catlico e no pensamento poltico tomista quando descreve o pro-cesso que, atravs da realizao progressiva da communitas entre os homens dominados pelas paixes e pelo pecado, leva explicitao de uma racionalidade comum, que progressivamente elimina a fora das relaes entre os homens. Em sntese, uma racionalidade que conhece um desenvolvimento paralelo ao desenvolvimento das for-mas de convivncia social.

    9 A finalidade dos exemplos que examinei era mostrar que as imagens de justia que se vo estruturando na Idade Moderna nos pases eu-ropeus e nos do Mediterrneo nascem de modos diferentes de en-frentara oposio entre ordenamentos que, reforando o peso da lei, abrem passagem pouco a pouco para a codificao e o ordenamento que reforam sem renunciar a certa forma de medida e de segu-rana do direito o poder interpretativo dos juzes nas prticas judiciais. Desta forma, o problema vai se concentrando no espao concedido aos juzes perante os casos no previstos explicitamente pela lei ou de difcil reduo aos princpios fundacionais do ordena-mento: assim como o conceito de analogia vem cumprir um papel muito importante, seja em sua forma mais limitada de analogia legis, seja na mais geral de analogia iuris.

    equidade natural, e por isso recebe e acolhe muitas excees as regras que a lei ex-pressa, e se esfora em temperar os rigores da razo civil. Mas por sua prpria con-dio, a equidade natural implica um rigor mais inflexvel ainda; no exclui nin-gum de sua lei imutvel, e a nenhum homem pode a razo natural agradar com o distanciamento da honestidade, pois a equidade natural o nome genrico, que compreende todas as formas do equitativo, Que a equidade civil receba mais fre-quentemente o nome de 'rigor de lei' se deve a que o rigor civil sorrido imerecida-mente muito grave e amargo, enquanto, pelo contrrio, a equidade natural, isto , a 'equidade' genrica e absoluta, se mostra sempre benigna inclusive nas causas nas quais se mostra mais estreitamente unida (e em todas encontrada); e perverso o conselho dos que a toleram de m vontade, porque tm o juzo ofuscado pela sabe-doria dos sentidos, que temos definido como estultcia".

  • O procedimento mediante o qual se busca a disciplina do caso no regulado pode adotar trs formas: a interpretao extensiva, que no tem carter integrador, mas interpretativo; a remisso aos princpios gerais do ordenamento, com um papel interpretativo e integrador, e a analogia, cuja funo integradora.43 S me deterei na analogia, dada a particular clareza com que, no tocante a este conceito, se mostram as tendncias contrastantes dos sistemas jurdicos; de fato, enquanto, do ponto de vista da anlise terica, a analogia tem de-sempenhado um papel cada vez mais limitado nos sistemas jurdicos europeus, foi em contrapartida aumentando sua importncia nos or-denamentos do direito hebreu, do islmico e do cannico.

    Em geral, podemos dizer que o problema central na evoluo para a codificao dos ordenamentos jurdicos tem sido o da limitao da ana-logia em duas direes. Entretanto, foi-se dando uma definio cada vez mais estreita de analogia, isto , retirando dela esse carter um tan-to indefinido de semelhana que j haviam combatido o tomismo e depois Cayetano.44 O prprio conceito de analogia vai perdendo pouco a pouco a indefinio da semelhana para converter-se em um concei-to exato de proporo. Analogia dir Kant no significa, "como se costuma interpretar a palavra, uma semelhana imperfeita de duas coisas, mas uma semelhana perfeita de duas relaes entre coisas inclu-sive completamente diferentes"; isto , precisamente, a proporo.45 E se recordar que para o cardeal De Luca a proporo tambm a regra geometricamente acata da justia distributiva e da equidade.

    A segunda via, mais explcita, embora conserve o carter da se-melhana como faticamente definitrio da analogia, tem sido a de pr limites ao uso das prticas judiciais, excluindo-a especialmente

    43 Bobbio (1960). Cf. tambm Carcaterra (1988), com particular referncia rela-

    o entre equidade e analogia, p. 12-14. 44

    Cf. Secretan (1984). Sobre as posies de Tomasso de Vio Cayetano a propsito da analogia, veja-sc Nef (1993) e Riva (1955). Sobre Toms de Aquino e Surez, cf. Bastit (1990). 45

    O Kant dos Prolegomena zu einetjeden knstigen Mctaphysik die ais Wissenschaft wird aumten knnen (1783) citado por Needham (1980) em seu importante ensaio sobre analogia intitulado "Analogical classification".

  • do perigoso caminho das leis excepcionais e do direito penal, com maior razo no caso de leis penais incriniinatrias.46

    Pelo contrrio, preciso destacar que todos os ordenamentos que tendem individualizao da pena, de grande predomnio nas so-ciedades desiguais e hierrquicas do Ancien Regime, utilizam com amplido a analogia.47 Precisamente com referncia considerao subjetiva do delito, sua diferenciao de acordo com os momentos, os lugares e as pessoas, diferencialidade social de conjunto do sis-tema jurdico, a equidade impe o procedimento analgico como instrumento central de direito. No necessrio recordar o papel central da analogia (qiys) nos sistemas jurdicos islmicos,48 nos quais constitui uma das quatro fontes da lei muulmana referida aos casos em que no exista uma prescrio textual explcita do Coro ou de uma tradio. Na realidade, o raciocnio analgico contm um vigoroso elemento de insegurana e permite, por exemplo, in-terpretaes diferentes. Contudo, remete rigorosamente aos deveres morais dos juzes e equidade: de fato, coincide com o esforo de investigao pessoal (ijtihd).49

    Mas o foco de toda a discusso sobre a analogia est ocupado pelo problema da segurana e da uniformidade do direito: mesmo quan-do o papel interpretativo do juiz seja na verdade amplssimo, o pro-blema da proporo entre as penas e a segurana se desloca no caso do direito islmico para o testemunho, para a multiplicidade das provas, para a confisso do ru e para a coerncia com os princ-pios e as regras do direito de Deus.

    Problemas semelhantes apresenta o papel da analogia (hqsh ygezra chova) na exegese jurdica do direito talmdico, no qual o raciocnio

    46 Cf. Vassaili, 1960.

    47 Sobre semelhana e analogia na sociedade moderna til referir-se tambm ao

    captulo 2, "Les quatre similitudes", de Foucault (1966). 48

    Veja-se a palavra "kiyas", redigida por Bernard (1980:238-242). Cf. tambm Schacht (1964:64-75), Coulson (1964:59-60) e Brunschvig (1976, vol. I, p. 303-327; vol. II, p. 347-403). 49

    Em um dos textos fundadores da metodologia jurdica islmica, Muhammad lbn Idris Ash-Shfi i (767-820) define com clareza tanto o raciocnio analgico como o esforo de investigao pessoal: Shfi (1997:317-338).

  • analgico leva a concluses provveis porque se baseia em semelhanas e no na identidade matemtica da proporo. Portanto, tem carter orientativo e hipottico. Porm como nos lembra Weingort , a analogia um instrumento necessrio para o procedimento mesmo com o qual os Amoraim os redatores do Talmud construram as regras gerais.

    O Talmud emprega a forma casustica, graas qual, com uso do mtodo indutivo, o princpio geral abstrato extrado a par-tir do caso particular. O Talmud, portanto, deve assegurar-se de que o caso particular que cita como exemplo do princpio geral ilustre um princpio legal e s um, com excluso de qualquer outro. Isto unicamente possvel mediante a elaborao de mo-delos que respondam ao critrio de excluir qualquer ensinamen-to distinto do que os sbios tem requerido [,..] Esta formulao artificial, em oposio aos casos da vida real, permite fazer abs-trao dos detalhes concretos que poderiam produzir, por con-tato, um princpio distinto do desejado.50

    Porm isto admite tanto uma referncia continuada equidade como um uso extenso da analogia. Melhor dizendo, uma verdadeira proliferao da analogia: em todo o debate jurdico talmdico vo se desenvolvendo progressivamente regras especficas que consen-tem a analogia, frequentemente distintas tanto da semelhana como da proporo, como, por exemplo, quando se afirma (como ocorre nas sete middot de Hillel o Antigo) a analogia de lugares bblicos sobre a base da semelhana fontica das palavras ou a analogia de duas disposies, apesar de sua grande diferena, por sua presena no mesmo versculo bblico. Em sntese, tanto no direito hebreu como no resto da hermenutica talmdica, a analogia desempenha um papel bsico. Porm diferena da tradio lgica aristotlica sua caracterizao tambm toma forma em obedincia a regras que

    Wingort, 1998:xix.

  • derivam da sacralidade do texto de referncia, no qual contam ele-mentos de vizinhana e distncia entre palavras, semelhana fonti-ca ou valor numrico das letras. Seus limites, contudo, so especfi-cos e rigorosos porque se definem progressivamente a partir das sete regras de Hillel para passar atravs das treze middot de Rabbi Ismael, para chegar s chamadas trinta e duas middot que devem seu nome a Eliezer ben Yos h-Gelili.51

    No direito cannico se apela expressamente para a analogia no cn. 20 C.J.C., que detalha os quatro meios para preencher as lacu-nas. O primero destes meios precisamente a analogia em sua verso dbil de semelhana: "Si certa de te desit expressum praescriptum legis sive generaUs sive particularis, norma sumenda est, nisi agitur deponis applican-dis, a legibus latis in similibus, a generalibus jris principiis mm aequitate canonka servatis, a styo etpraxi Curiae Romanae; a communi constantique sententia doctorum".

    No direito cannico, a distino entre analogia tesis (o recurso a leges latas in similibus) e analogia iuris, com referncia aos princpios gerais, levar Suarez ao princpio geral em virtude do qual legti-ma a interpretao extensiva de qualquer lei eclesistica, inclusive penal, porque se funda no fim da lei, que acentua a salus animarum e a aequitas cannica. Mas tampouco aqui se trata de arbitrariedade, seno de uma proporo geomtrica que refere o caso especfico ao sistema de conjunto e proporciona mritos e culpas entre eles.

    Contudo, importante recordar que no campo catlico subs-tancialmente uniforme no que diz respeito aos procedimentos jur-dicos a discusso sobre a analogia apresenta profundos contrastes de grande importncia poltico-teolgica. Contra as posies domi-nicanas de Cayetano, que privilegiam a analogia de proporcionali-dade e que consideram a analogia como diferena gradual, Surez sustenta a analogia dos atributos, a analogia da atribuio. Assim, em De Legibus, afirma que Deus transmite ao povo o poder soberano

    51 Abitbol (1993:94-210). Para a relao com a equidade, cf. tambm Cohcn

    (1991:145-184).

  • para instituir o poder. Esta soberania popular no totalmente dis-tinta da divina, nem totalmente idntica a ela: anloga por partici-pao. Daqui que o poder do Estado s ser legtimo se o povo o reconhece, o que resulta bastante mais difcil na interpretao de Cayetano, que se remete a Deus para legitimar o poder poltico.52

    10 Aps esta viagem, demasiado rpida sem dvida, pelos conceitos mencionados, voltemos reciprocidade. O que tratei de sugerir que, quando referimos a reciprocidade equilibrada e a reciprocida-de generalizada s sociedades complexas do Mediterrneo e s for-mas econmicas, sociais e jurdicas que nelas predominam, neces-srio complexar a diferenciao entre esses conceitos, hoje em dia moeda corrente entre os antroplogos. De fato, no se trata de identificar transaes presumivelmente altrustas, modeladas sobre o padro da assistncia prestada e, se possvel e necessrio, recom-pensada, mas sem a expectativa de uma contrapartida material di-reta de transaes diretas nas quais a compensao seja um equiva-lente consuetudinrio e instantneo do bem recebido.53 Em uma sociedade que no tem uma definio clara da determinao dos valores econmicos,54 que no conhece um mercado impessoal e autorregulado, os problemas de definio do preo justo e do sal-rio justo so complexos e remetem continuamente ao conceito de equidade. No se trata de deduzir o valor dos bens intercambiados de uma determinao definida no intercmbio, nem de uma carac-terstica intrnseca dos bens, mas de construir um sistema de inter-

    52 Surez, F. Tractatus de legibus ac Deo legislatore, III, viii, 4-6 y III, xv, 11.12. Utili-

    zou-se a edio do Corpus Hispanomm de Pace do CSIC, Madr, 1975, p. 103-107 e p. 231-239. Sobre equidade, inclusive em relao com a analogia na interpretao das leis, Surez discute amplamente sobretudo no livro II, xvi, p. 1-16. 53

    Retomo aqui a definio de Sahlins (1972:185-261). 54

    Grenier (1996) tem proposto o problema com maior nfase na dificuldade para a elaborao de uma teoria do valor que no marco cultural distinto em que se colo-cava a prtica do intercmbio.

  • cmbio no qual os valores estejam determinados pelas caractersti-cas especficas dos que os intercambiam, ao ponto de que um mesmo bem adote valores distintos segundo quais sejam as pessoas que en-tram na transao: "in salarii taxatione ad hoc, ut se cum dispositione iuris conforment multarum rerum rationem habere debebunt, et primo qua-litatis personaef,.ss Como se pode pagar um mdico, que se ocupa da vida e da morte?, pergunta-se o jurista Zacchia. Ou a um juiz, que se ocupa do justo e do injusto? No pode haver um salrio adequa-do: eles sero pagos de maneira diferente, no por suas prestaes, nem por sua capacidade, mas de acordo con seu status social, seu prestgio, sua honra: por isso se denomina "honorrios" ao salrio do mdico e do juiz.

    Sendo assim, a mistura de economia e tica, de valores gerais da sociedade e de valores especficos que entram na reciprocidade que se manifesta nos intercmbios, complica e dificulta a determinao das medidas imprescindveis, contudo da sociedade equitativa e desigual que obedece a estas regras.

    Isto no se ope ao esforo de medir e assegurar os valores e dar uma ordem legvel sociedade por meio de classificaes simplifica-doras: esta exigncia ser precisamente a que favorea o progressivo predomnio de esquemas uniformes de valor que deslocaro a aten-o do uso e das pessoas para o intercmbio e para as coisas. Mas nunca haver uma vitria total em nenhum campo, e menos ainda no campo jurdico, setor no qual sempre ser difcil separar a justia legal do sentido comum de justia.

    Creio que precisamente atravs do exame destes problemas, exa-me que requereria sem dvida muito mais espao do que eu tivesse podido dispor aqui, ser possvel esclarecer algumas diferenas subs-tanciais na histria e nas caractersticas culturais e antropolgicas de diferentes pases e identificar uma srie de especificidades mediter-rneas que continuam operando ainda hoje.

    55 Zacchia (1658:37). Um exemplo muito evidente da relao entre economia e

    salrio justo se encontrar em Trivellato (1999).

  • Se contemplarmos em particular a Itlia, parece-me importante observar que a vigncia do direito cannico junto ao positivo, o reco-nhecimento da superioridade moral dos clrigos sobre os laicos e pr-ticas religiosas como a confisso, que propem por toda parte formas lgico-morais s conscincias individuais, tm contribudo para cons-truir uma forma especfica de sentido comum do justo, tpica desta e de outras sociedades catlicas nas quais no teve lugar uma subordi-nao precoce da igreja ao Estado. isto tambm o que tem contri-budo para debilitar as instituies e para propor formas intersticiais de ao entre sistemas de normas contraditrias e paralelas.

    Portanto, o tema da equidade confirma seu papel central na ex-perincia dos pases catlicos, como critrio dominante da justia distributiva em uma sociedade corporativa e hierrquica. , embora com significados diferentes, tem-me parecido que tambm as socie-dades de tradio islmica ou a tradio jurdica talmdica apresen-tam caracteres similares. A importncia interpretativa deste conceito excede em muito, contudo, o mero aspecto jurdico para converter-se em critrio de conjunto da integrao e da regulao de todos os aspectos sociais e econmicos. A dificuldade com que topam os ju-ristas italianos (que exemplifiquei com Vio) em pleno sculo XVII justamente a de conservar este critrio, embora lhe reconhecendo natureza histrica.

    Contudo, impossvel imaginar uma equidade, uma solidarieda-de e uma reciprocidade carentes de rigor: porm se trata de um rigor que requer um olhar autoritrio que imprima proporo geomtrica nos prmios e nos castigos, com simultnea ateno especificidade dos casos particulares e das perspectivas globais de melhora moral do sistema poltico geral.

    As sociedades catlicas do mundo mediterrneo tm acolhido, por certo, sistemas jurdicos baseados em um idioma de igualdade. No obstante, a hiptese que quis propor que, sobretudo nestas socieda-des, a permanncia de um sentido comum de equidade em oposio s normas codificadas goza de tal vigor e de tal virulncia, que che-gou a ser um aspecto constitutivo de sua antropologia poltica.

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