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Levy Fidelix e a homofobia, um acontecimento que não deveria acontecer 1 Nosso limite é respeitar o direito do outro Pâmela Guimarães da Silva 2 Resumo: A polêmica declaração do presidenciável Levy Fidelix (PRTB) contra a união homoafetiva estampou as principais capas de jornais e portais de notícia do Brasil. O candidato nanico virou o grande vilão, no debate da Rede Record, ao associar os gays à pedofilia. Esse texto consiste em uma análise do caso à luz do poder hermenêutico da teoria do sociólogo francês Louis Quéré. O acontecimento a fala surpreendente de Fidelix suscitou discussões com a comunidade LGBT e revelou problemas da sociedade contemporânea em aceitá-la. A sociedade brasileira contemporânea vive um momento de discussão em diversas esferas sobre a aquisição e a manutenção de direitos da chamada comunidade LGBT. Como não poderia deixar de ser, a pauta reflete diretamente no período atual de campanha eleitoral. Os candidatos são inquiridos rotineiramente sobre suas propostas relativas a políticas públicas que abarquem a homossexualidade e suas nuances. No debate entre os presidenciáveis realizado no dia 28 de setembro pela Rede Record, o candidato Levy Fidelix (PRTB) se destacou ao falar sobre a temática: “(…) desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. (…) eu vi agora o padre, o santo padre, o Papa, expurgar do Vaticano um pedófilo, e fez muito bem. Está certo. Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar.(…) Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria (…)”. A fala de Fidelix, carregada de preconceito e de incitação à violência, se diferenciou das respostas políticas habituais e se inseriu na trama social como um acontecimento. Não seria possível esgotar, nesse espaço, toda a reflexão em torno dessa ocorrência ou retomar todos os fatos, comentários e matérias, que a configuraram. Tentaremos refletir sobre o que a repercussão desse acontecimento nos diz sobre a sociedade brasileira e o que ele nos dá a ver. Segundo Quéré (2005, p.59), “há acontecimentos que ocorrem no dia-a-dia, sem que lhes atribuamos um valor particular e há aqueles que se revestem de especial importância”. A força desse discurso do candidato instaurou uma descontinuidade, não por seu posicionamento contrário à união homoafetiva, pois como dito anteriormente, o tema está em voga, e outros candidatos já haviam se manifestado neste sentido (em sua maioria amparados por questões religiosas). A pergunta era esperada, e uma resposta contrária à união homoafetiva era quase certa e um direito do candidato. Mas a resposta de Fidelix quebrou as expectativas, foi além do esperado, surpreendeu. Ele evocou 1 Análise publicada no site Grislab em 07/10/14. Disponível em:< http://grislab.com.br/nosso-limite-e- respeitar-o-direito-do-outro/> 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais . E-mail: [email protected]

Levy Fidelix e a homofobia, um acontecimento que não deveria acontecer

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  • Levy Fidelix e a homofobia, um acontecimento que no deveria acontecer1

    Nosso limite respeitar o direito do outro

    Pmela Guimares da Silva2

    Resumo: A polmica declarao do presidencivel Levy Fidelix (PRTB) contra a unio homoafetiva estampou as principais capas de jornais e portais de notcia do Brasil. O candidato nanico virou o grande vilo, no debate da Rede Record, ao associar os gays pedofilia. Esse texto consiste em uma anlise do caso luz do poder hermenutico da teoria do socilogo francs Louis Qur. O acontecimento a fala surpreendente de Fidelix suscitou discusses com a comunidade LGBT e revelou problemas da sociedade contempornea em aceit-la.

    A sociedade brasileira contempornea vive um momento de discusso em diversas esferas sobre a aquisio e a manuteno de direitos da chamada comunidade LGBT. Como no poderia deixar de ser, a pauta reflete diretamente no perodo atual de campanha eleitoral. Os candidatos so inquiridos rotineiramente sobre suas propostas relativas a polticas pblicas que abarquem a homossexualidade e suas nuances. No debate entre os presidenciveis realizado no dia 28 de setembro pela Rede Record, o candidato Levy Fidelix (PRTB) se destacou ao falar sobre a temtica:

    () desculpe, mas aparelho excretor no reproduz. () eu vi agora o padre, o santo padre, o Papa, expurgar do Vaticano um pedfilo, e fez muito bem. Est certo. Ns tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar.() Ento, gente, vamos ter coragem, ns somos maioria, vamos enfrentar essa minoria ().

    A fala de Fidelix, carregada de preconceito e de incitao violncia, se diferenciou das respostas polticas habituais e se inseriu na trama social como um acontecimento.

    No seria possvel esgotar, nesse espao, toda a reflexo em torno dessa ocorrncia ou retomar todos os fatos, comentrios e matrias, que a configuraram. Tentaremos refletir sobre o que a repercusso desse acontecimento nos diz sobre a sociedade brasileira e o que ele nos d a ver.

    Segundo Qur (2005, p.59), h acontecimentos que ocorrem no dia-a-dia, sem que lhes atribuamos um valor particular e h aqueles que se revestem de especial importncia. A fora desse discurso do candidato instaurou uma descontinuidade, no por seu posicionamento contrrio unio homoafetiva, pois como dito anteriormente, o tema est em voga, e outros candidatos j haviam se manifestado neste sentido (em sua maioria amparados por questes religiosas). A pergunta era esperada, e uma resposta contrria unio homoafetiva era quase certa e um direito do candidato. Mas a resposta de Fidelix quebrou as expectativas, foi alm do esperado, surpreendeu. Ele evocou

    1 Anlise publicada no site Grislab em 07/10/14. Disponvel em:< http://grislab.com.br/nosso-limite-e-respeitar-o-direito-do-outro/> 2 Mestranda do Programa de Ps Graduao em Comunicao Social da Universidade Federal de Minas

    Gerais . E-mail: [email protected]

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  • valores morais e religiosos, no apenas para se posicionar, mas para incitar a violncia contra a comunidade LGBT, alm de relacionar homossexualidade pedofilia.

    Esse fato evidencia uma caracterstica do acontecimento, apontada por Qur (2005), o poder hermenutico, isto , o poder do acontecimento de revelar o contexto da sociedade em que est inscrito. A fala do candidato trouxe tona um problema pblico da nossa sociedade: a homofobia. A conduta homofbica um problema real e ainda no criminalizado. Segundo uma matria da Globo News, veiculada no dia seguinte ao acontecimento, somente este ano [2014], a homofobia j teria causado 216 de mortes. O relatrio sobre violncia homofbica no Brasil da Secretaria de Direitos Humanos de 2012 registrou 27 denncias por dia no ano. 83,2% delas foram relativas a violncias psicolgicas: humilhao, hostilizao e ameaas e 32,68% violncia fsica. por esse contexto que o assunto demanda cuidado ao ser tematizado. Ao emitir opinio, os sujeitos devem levar em considerao o impacto da mesma, como ela reverbera e quais sero as consequncias.

    Esses critrios devem ainda ter um maior peso sobre as vozes amparadas pela mdia, uma vez que os espaos miditicos proporcionam maior propagao e visibilidade. No se tratando de censura ao exerccio da liberdade de expresso, mas do cuidado em diferenci-la de um discurso de dio. Segundo Janot, procurador-geral da Repblica, ser contra a homossexualidade, ou contra a unio entre eles, uma opinio protegida pelo direito liberdade de expresso. No entanto, a fala de Levy Fidelix um convite intolerncia e discriminao, permitindo, em princpio, sua caracterizao como discurso mobilizador de dio. A fala do procurador reflete tambm a transio do mbito privado para o pblico, nessa questo.

    Como destaca Dewey (1954, p.16), o pblico consiste de todos aqueles que so afetados pelas consequncias indiretas de transaes na medida em que se considera necessrio cuidar sistematicamente dessas consequncias. Nesse sentido, ser contra a unio homoafetiva um direito dos sujeitos; entretanto, a partir do momento em que uma pessoa incita o dio aos homossexuais, essa ao assume uma dimenso pblica, na medida em que afeta no apenas aqueles diretamente envolvidos, mas sujeitos indiretamente afetados e sensibilizados pelas consequncias dessa ao. Esta convoca a sociedade a refletir sobre o problema pblico da homofobia e a buscar respostas coletivas para o mesmo.

    Nos sites de redes sociais, minutos aps as declaraes, muitos internautas se manifestaram, condenando-o e cobrando medidas judiciais. Os termos Levy e aparelho excretor chegaram aos trending topics do Twitter no Brasil quase que imediatamente, e a hashtag LevyVocNojento chegou ao topo dos assuntos mais comentados. Outra parte dos internautas apoiaram Levy Fidelix, usando como argumento a liberdade de expresso e o fato dele ter a coragem de dizer o que pensa.

    A natureza das declaraes causou tamanho impacto na sociedade que os meios de comunicao tambm repercutiram o discurso do candidato, taxando-o, invariavelmente, de homofbico. Sobre o assunto, o jornalista Leronardo Sakamoto e a jornalista mediadora do debate, Adriana Arajo, se manifestaram dizendo que a liberdade de expresso no admite censura prvia e a emissora no poderia cortar o udio do candidato, j que a parte da dinmica do debate consiste justamente em

    http://globotv.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/t/todos-os-videos/v/homofobia-ja-teria-causado-216-mortes-este-ano-no-brasil/3664407/http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/09/30/caso-levy-a-diferenca-entre-emitir-opiniao-e-proferir-discurso-de-odio/https://www.facebook.com/adriana.araujo.jornalista/posts/571692742957230

  • permitir que os candidatos manifestem suas opinies. No entanto, ele deveria ser responsabilizado por sua fala.

    A partir desse acontecimento, o tema homofobia ganhou destaque no espao miditico. Alguns presidenciveis divulgaram notas oficiais em repdio s declaraes de Fidlix, outros impetraram aes e representaes judiciais contra o candidato, a OAB pediu a cassao de sua candidatura e o procurador geral da repblica, Rodrigo Janot, cobrou oficialmente explicaes. Eis a sociedade que, a partir da afetao provocada por um acontecimento e suas consequncias, discute sobre o problema pblico, ao mesmo tempo em que cobra providncias e toma atitudes para solucion-lo.

    Por fim, gostaramos de destacar a dimenso temporal do acontecimento. Mead sugere que este desdobra-se para o passado e alonga-se para o futuro, tornando-se uma histria e uma profecia (MEAD apud QUR, 2005, p. 62). A ocorrncia no gerou a criminalizao das condutas homofbicas, mas proporcionou a abertura de um campo de possveis dentro dessa temtica, fez a sociedade falar a respeito. Os meios passaram divulgar recuos histricos apontando como esse problema grave e vem assolando a sociedade. Proporcionou tambm visibilidade morosidade e as questes polticas que envolvem a aprovao desta lei (PLC122 em conjunto com a Lei n 7.716). Sobretudo,

    http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_eleitoral/pge-instaura-procedimento-para-apurar-declaracoes-de-levy-fidelixhttp://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_eleitoral/pge-instaura-procedimento-para-apurar-declaracoes-de-levy-fidelixhttp://grislab.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Laerte.jpg

  • nos deixou ver que, independente de ser um ato criminalizado ou no, nosso limite respeitar o direito do outro, e isso, garantia constitucional.

    REFERNCIAS:

    DEWEY, John (1954). The public and its problems. Chicago: The Swallo MEAD, George Herbert. The Present as the Locus of Reality. In: ______. The Philosophy of the Present. LaSalle, Illinois: Open Court, 1932. p. 1-31. Disponvel em: . Acesso em 05 de OUTUBRO de 2014>. QUR, L. Entre o facto e o sentido: a dualidade do acontecimento. Trajectos, Revista de Comunicao, Cultura e Educao, Lisboa, n. 6, p. 59-75, 2005.