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Li Mendi Cada Casa um Caso · 2017-12-18 · Mais um táxi e eu já estava na frente da casa correspondente ... meu jeans velho e desbotado, que só naquele momento lembrei que

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Li Mendi Cada Casa um Caso

Copyright © 2012 by Li Mendi

Mendi, Li, 1985 - Cada Casa um Caso / Li Mendi. – Rio de Janeiro. História de amor. 2. Ficção brasileira. I. Título

Todos os direitos reservados à autora. Criação de capa: Rodrigo Ribeiro, Agência 2RD. Site: limendi.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Escritora Li Mendi Twitter: @limendi

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Autora

Oi, Leitores. Podem me chamar de Li. Sou Jornalista, Publicitária, Escritora e Geminiana. Meu grande prazer é escrever romances. Eles começam na internet e terminam na prateleira, na cabeceira e na tela dos tablets e celulares de leitores de todo o Brasil. Trabalho com Comunicação durante o dia e escrevo diariamente, à noite, em meu site. A criação é conjunta com meus leitores, pois cada opinião, comentário ou sugestões são levados em consideração para elaboração das estórias. Espero que você se divirta muito com esse livro e entre em contato depois para me dizer se curtiu. Combinado?

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Sinopse

Ricardo tem sua mulher em coma por causa de um acidente. Enquanto ela dormia, Daniela, sua cunhada, decide ajudá-lo a enfrentar esta difícil fase de sua vida e acaba se apaixonando pelo marido de sua irmã Alice. Mas, o despertar de sua esposa, promove uma reviravolta na vida desses três.

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Aos meus leitores, pelo amor com que recebem minhas estória.

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1 (Ricardo) _Eu não sei qual sapato usar! _ Alice era só uma voz ao fundo

e uma sombra azul se mexendo pelo quarto. Eu estava completamente absorvido nos gráficos da tela do meu computador._Se você vai ficar aí enrolando, então, melhor nem ir, porque eu odeio chegar atrasada.

Eu podia argumentar que se eu tomasse banho por último, ainda assim conseguiria tirar um sono na sala, enquanto ela se arrumava. Incrível como Alice conseguia fazer combinatória com todos as roupas do guarda-roupa e no final ficar com a primeira. Mas eu estava realmente preocupado com a condição da bolsa de valores. Não ia nada bem.

_Ricardo, você só pode estar brincando comigo, né? _ A voz agora mais estridente, bem no meu ouvido quebrou minha concentração.

Com a testa franzida, olhei-a e soltei um suspiro. Agora eu dera para entrar na fase de não enfrentar brigas. O médico explicara que no estado dela, faria mal para o bebê uma mãe estressada e depressiva.Arrastei-me para o banheiro e me lembrei de todas as missas que minha mãe me obrigou a ir durante minha juventude. Voltei a sentir aquela sensação de ser empurrado do aconchego das minhas manhãs de domingo sob meu edredom para tomar uma ducha fria.

Alice era bem assim, um pouco minha mãe. Ela conseguira transformar minha vida de solteiro dono-do-meu-nariz para uma existência de casado-futuro-pai, em menos de seis meses.Por que eu não fugia disso? Simplesmente porque ela tinha um jeito de me provar que da maneira dela tudo era mais coerente e resultaria numa felicidade mais compensadora.

_Ricaaaaardo!_ ela deu um grito do quarto. Escorreguei no sabão do piso do box e corri para a porta do

banheiro: _Que houve? Alguma coisa com o bebê?_ afastei a espuma

dos olhos.

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_Não, mas não é nada bom..._ ela tacou o telefone sem fio em cima da cama. _ É a minha irmã... Eu já te falei dela... Ela acabou de ligar e...

Revirei os olhos, dei meia volta e retornei para o banho. Por que algumas mulheres sempre fazem uma tempestade e transformam a vida num teatro?

_ Ela está voltando do Estados Unidos semana que vem e... não tem onde ficar..._ Alice expôs a situação com uma voz tão desesperada que parecia uma adolescente em apuros.

_A sua irmã não tem nenhuma amiga aqui?_perguntei. _Não... Ela pediu para ficar com a gente, já que eu tinha dito

que a casa era grande... Eu abri a porta do box e coloquei a cabeça para fora: _ A sua irmã não é aquela de que sempre me falou: egoísta,

que adora roubar a atenção de todo mundo, arrogante, que tem uma personalidade inconstante e difícil de conviver?

_Bom eu disse, mas... _E quer trazer ela para cá?_ ri irônico. _Ah, Ricardo, por favor... _ ela fez aquela carinha do gato de

botas do filme Shrek. _..._ Fechei a porta do banheiro sem nada responder. Que incrível: uma mulher, um filho,uma cunhada e um

cachorro na minha casa, em um semestre. No meu reduto, no meu paraíso.

Em que ponto mesmo eu me perdi?

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2 (Daniela) _Ai, vamos sentir sua falta_ a voz embargada da Fran, o último

abraço, aquelas pessoas ao meu redor com os olhos de adeus prestes a desaguar... tudo parecia exatamente o oposto à minha chegada aos Estados Unidos, quando tudo foi só alegria, ansiedade e esperança.

_Vão nada, e as minhas bagunças, a música alta?..._ ri para levantar o astral e eles riram juntos._Não vamos sentir falta mesmo._ Marcos fez uma careta, arrancou mais risos nervosos de todos. Olhei-o longamente, até que seu riso morreu e ele me puxou para um abraço._ se cuida, princesa._ me beijou as bochechas várias vezes até ficar bem perto do canto da boca, ainda senti a respiração quente nos meus lábios. Se afastou e novamente seus olhar marino, azul, me fixou penetrante. Tantas noites de baladas, de loucuras à dois, de descompromisso. E agora eu via que não queria sair de perto dele. Sempre fizemos planos de que nós voltaríamo para o Brasil, mas os planos nem sempre seguem o rumo de seus donos e ele decidiu ficar.

_Tenho que ir..._ lancei mais um olhar para meus amigos, um sorriso, um aceno e a lágrima eu não deixei ninguém ver, pois eu já estava dentro do carro. Limpei o rosto com as costas das mãos e pedi para o taxista seguir rumo ao aeroporto.Me afundei no banco e fechei os olhos. Logo eles se abririam para ver meu Brasil. Minha terra quente, de um quente natural, não esse calorão novaiorquino de verão, mas aquele sol amarelo de praia. Logo o cheiro de café, de feijão, de churrasquinho.

Pena que o retorno não seria tão bom assim. Pois só tinha a minha irmã para contar e ela não gostava de mim. Nunca gostara. Nessas horas, eu pergunto a Deus porque levou nossos pais para me deixar com alguém assim...Alice era o resultado de uma mulher frustrada interiormente. Ela puxara o esforço de papai e eu a beleza de mamãe, inumeráveis vezes ela nos resumiu assim, quando eu era pequena. Dizia que com um sorriso eu conseguia tudo que ela levaria muita energia para arrancar. Não sabia que magia era essa que ela via em mim, mas sabia que essa coisa magnética que me permitia atrair a atenção das pessoas provocara sempre muita inveja. E isso nos afastou. Não agüentava ouvir mais que eu lhe roubava tudo e que nunca iria a

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lugar nenhum só com um rostinho bonito. Hoje, com o dinheiro dela, com o sucesso como uma dona de uma loja de roupa e com a cosmética ela se parecia realizada. Estava bonita, desfilando de carrão, com um marido, pronto, tinha tudo. E eu sabia que se aproximava a hora dela esfregar isso em mim.

Segui no vôo refletindo sobre meu futuro. A viagem foi insolitamente intranquila, não consigui relaxar, me deu enjôo. Mas quando vi o céu do meu Rio de Janeiro bem no entardecer, meu coração disparou. Novamente ao lar retorna a filha Pródiga. Uma sensação ótima de pertencimento, de fazer parte de um povo, de me identificar com seus costumes. Das mãos que tocam, do sorriso alegre do carioca, do pagode nos carros, das novelas passando nas pequenas tvs de restaurantes.

Mais um táxi e eu já estava na frente da casa correspondente ao endereço na minha mão.Um suspiro, o dedo estendido.

Toquei a campanhia.

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3

(Ricardo) Procurar uma meia não deve ser tão difícil assim, quando a

casa sua, o quarto é seu e a gaveta onde estavam suas meias pretas era sua. Fui até a sala.

_Alice, onde colocou minhas meias?_ perguntei tomando a revista de moda da sua mão.

_Ah, coloquei na última gaveta, na porta do canto._ respondeu pegando de volta a revista._ acordou de mal humor, hen? Passou o dia inteiro assim, eu é que deveria estar estressada com esse barrigão_ fez uma careta de dor, que logo se transformou em surpresa com algum modelo de vestido que vira na página que acabava de virar.

O meu guarda roupa ficou dividido em 1/8 meu e 7/8 dela. Isso significava que meu espaço se resumia "a gaveta da porta do canto". Isso também no armário do banheiro, na geladeira, até no computador que perdeu espaço de tanta imagem de moda. Já fazia um tempo que não achar minhas meias me irritava. Não era bem as meias. Mas tudo. Eu me sentia intruso na minha própria casa. Sempre fui tão simples. Minha sala era espaçosa, com almofadas no chão, um tapete grande, tudo claro, clean... E de repente, tem vasos da Jamaica, quadros futuristas, móveis pertencentes a família real tal e me vejo em uma galeria, menos no meu habitat.

Provavelmente quando o bebê nascer eu ficarei com um avos de alguma fração da casa, ou seja, dividiria com o Frog a casinha de cachorro, na área de serviço. Ah! Já ia me esquecendo, ainda faltava a irmã apocalíptica que estava para chegar. Daqui a pouco teríamos que decidir: ou eu, ou o Frog.

_ A campanhia tocou, você não vai atender? _Alice olhou por cima da revista, enquanto eu ligava a tv na sala para poder assistir ao DVD que alugara. Tudo bem que ela não se levantaria com aquela barriga pesada, mas eu sentia um sutil tom de patroa na sua voz, que me dava a impressão de ser seu escravo arrastando correntes.

Meu Deus, isso está beirando a uma crise.

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Abri a porta e da varanda vi uma mulher parada atrás das grades de ferro. Desci as escadas, caminhei por entre o pequeno caminho de cimento que cortava o jardim e pude vê-la com a luz do poste iluminando seu lado esquerdo.

Seus olhos azuis grandes, brilhantes, se protegiam por cílios compridos. Procurei nela qualquer traço que lembrasse Alice e não encontrei nada. Apenas uma calça jeans azul claro, uma camiseta branca e o cabelo liso, longo, preto caindo pelos ombros.

Onde estava o rabo de demônio, os chifres, o cajado com a ponta de garfo?

_ Eu não sou assaltante não, seu moço._ ela sorriu com tom de gozação e eu me toquei que ainda estava parado olhando-a, buscando nela a descrição que Alice havia feito.

_ Desculpe._ passei a mão na nuca, sem jeito, ri e abri o portão, por onde ela passou e se posicionou à minha frente. Agora a luz iluminava frontalmente seu rosto._ Ricardo _apresentei-me,_ sua irmã já deve ter falado de mim._ estendi a mão.

_ Muito pouco. _ ela apertou a mão, com a sua bem pequena, de finos dedos, dentro da minha. _A gente não conversa muito. Ao contrário do que deve ter acontecido com você.

_Ãnh? _Soltei sua mão e enfiei as minhas dentro do bolso do meu jeans velho e desbotado, que só naquele momento lembrei que deveria ter retirado, segundo os conselhos de Alice. Ela acha que eu não me visto como um homem sério.

_Ela deve ter falado muito de mim..._ ela sorriu e seus lábios rosados inferiores ganharam uma leve mordidinha.

_Ah! Sim, sempre falou de você. Sempre... _Nossa! _ ela riu olhando para o chão e depois para mim,

fechando um pouco os olhos por causa da luz._ Então, tenho que tirar as suas impressões de mim.

_Não entendi..._ fingi que não sabia que ela conhecia bem a irmã.

_..._ ela chegou mais perto e fez um ar de segredo. Abaixei meu rosto para mais perto e achei aquilo divertido._ ... ela não te disse que eu sou egoísta, roubo a atenção de todo mundo e sempre tentei tomar o que é dela?

_...Não... que isso? _Já sei algo sobre você._ ela me deu um soquinho no meu

braço._ você não mente bem.

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Ri e ela riu junto, seus dentes brancos apareceram. _Vão ficar ai a noite toda?_ Alice falou com a voz grave da

soleira da porta cortando os risos com um golpe invisível. A moça virou-se para trás e encarou séria sua irmã. Engoliu em

seco. Parecia estranhamente não estar feliz pelo reencontro. _Quer ajuda?_ ofereci-me para carregar as malas. Mas ela

estendeu a mão no ar, para que eu não o fizesse._ Eu sou fortinha. _Agarrou a mochila e depois puxou a mala de rodinhas.

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4 (Daniela) _Achou as meias pretas, Ricardo?_Alice perguntou, assim que

o marido chegou para juntar-se a nós, na mesa de jantar. Inciou assim uma conversa com ele, para preencher o vácuo do nosso diálogo, que não emplacara.

_Ah! Achei sim, lá na gaveta do canto, lá na última porta._ respondeu com um leve tom de ironia, alongando o "a" do lá._ É que amanhã tenho que acordar bem cedo para ir a uma reunião e deixei tudo pronto, em cima da poltrona.

_Ele é todo metódico!_ Alice soltou uma risada de quem suprime o outro. Não perdera seu jeito.

_ E você, Daniela? Está aí tão quieta, só observando?..._Ricardo puxou assunto de uma maneira tão brusca, será que ele não queria que minha irmã iniciasse uma sessão de exposição de todos os seus defeitos?

_Ah!..._ ri constrangida por eles terem percebido a minha imerção em meus pensamentos e suposições.

_Conta sobre a viagem. O que fazia nos Estados Unidos?_Ele estava definitivamente interessado em não ser o foco em questão.

_Ela era garçonete._ Alice respondeu antes de mim. _Mas fazia outra atividade, além de trabalhar para ganhar

dinheiro? Lá as pessoas ganham melhor, se souberem aproveitar as chances, não é?_ Ricardo, pelo visto, tentava sempre amenizar o clima hostil que Alice tentava instaurar.

_Ah! Claro! Trabalhei como ajudante em um roteiro de filme, conheci vários lugares muito interessantes, foi, enfim, uma experiência enriquecedora. Ganhei uma bagagem cultural ótima.

_Pena que não serviu para trazer certificado nenhum. Afinal, fazer "Serviços gerais" em um filme não é tão importante aqui no Brasil. Você tem que fazer faculdade como nós fizemos!_ Alice apontou para eles dois com o dedo da mão que segurava o copo erguido. Bebeu o suco e voltou a cortar seu bife. Ricardo olhou-a longamente por uns segundos e ela percebeu que estava sendo observada._ Que foi, gente? Eu sou realista! O mercado pede capacitação técnica, não pode ficar a

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vida inteira naquela viagem ao mundo Disney! Não é, Ricardo?_buscou apoio.

_..._ ele passou o guardanapo na boca de maneira bem demorada, tentando tomar tempo.

_... Se não se importam... Eu vou para o quarto. Preciso descansar..._ cortei logo a chance de iniciar uma briga entre os dois, eu não chegara naquela casa para trazer discórdia, o quanto mais invisível eu permanecesse, melhor!

Levantei e fui até a dependência de empregada. Olhei para uma das camas de solteiro e deixei meu corpo cair. Meus olhos se fecharam sozinhos, pesados. Apaguei até a hora do almoço do dia seguinte. Tomei um banho e perguntei a empregada na cozinha pelos patrões. Alice estava na loja e "doutor Ricardo" já era hora de ter chegado.

Na sala, encontrei um DVD sobre o sofá. _Era para eu ter assistido ontem._ Uma voz atrás de mim,

assustou-me. _Desculpe._ Ricardo riu e começou a desamarrar o nó da

gravata como quem tira a forca do pescoço._ Odeio esse troço!_Tudo bem._ continuei lendo a sinopse do filme na contra capa.

_Então... Você deve ter adorado trabalhar no roteiro. Imagina, ver as cenas, os erros..._ ele se jogou no sofá, de pernas abertas, com ajuda de um pé retirou o sapato e depois fez isso com o outro par.

Ele estava querendo continuar o assunto da noite anterior, imendar com a reticência que ficou no diálogo do jantar.

_Ah! Era interessante ver os erros, as repetições, conviver perto dos artistas..._ sentei no sofá também.

_Mas como foi sua reunião?_ tentei mudar de assunto. _Ah!Ótima, bons negócios. Lá é assim..._ ele parou por alguns

segundos de boca aberta._... Esquece, você não vai querer que eu fique falando de economia._ balançou a cabeça para os lados.

_Qual o preconceito? Pode falar!_ insisti. _Então, lá a gente ganha conforme o cliente ganha. É uma

consultoria de empresas... Eu ajudo as empresas a organizarem seus lucros e faturar mais... Indico o melhor investimento...

_Puxa! Deve ser excitante! _Excitante?_ repetiu a palavra, não com ironia, mas sem

acreditar que eu pudesse ter feito aquela observação.

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_É! Porque é um jogo de riscos. De não saber se vai dar certo, e quando dá, é como uma vitória.

_E-x-a-t-a-m-e-n-t-e!_ ele arrastou a palavra com um olhar de estupefamento para mim, não crendo que eu pudesse saber o que ele sentia com sua profissão.

_E você? O que quer fazer aqui no Brasil? _Bem... Eu..._ acomodei-me melhor no sofá._Primeiro...

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5 (Ricardo) Daniela parecia tão certa e segura do que faria, enquanto me

contava que pretendia estudar para prestar vestibular para psicologia no final do ano, que eu entrava em conflito com a imagem que via e a aquela que eu construira em minha cabeça, com base nas descrições de Alice.

_ E é isso... Eu quero arrumar um emprego e trabalhar enquanto isso. Fazer qualquer coisa mesmo, para ganhar dinheiro.

_Bom, eu trabalho com um empresário que estava precisando de uma secretária que falasse muito bem inglês...

_ Eu ia adorar!_ Seus olhos se acenderam, vivos e esperançosos._ Você poderia me indicar para ele?

_Falarei com ele!_ garanti e naquele momento me senti feliz por poder trazer tanta alegria a ela.

Ficou um silêncio no ar, mas não era pertubador. Estranho isso. Nem nos conhecêmos direito... Ela continuou olhando a capa do filme. Um vento bom entrou pela porta da sala e fio de cabelo ficou roçando o rosto dela de um lado para o outro. E cada vez que o fio ia e voltava, meus olhos seguiam o movimento. Até que num ataque de agonia, estendi os dedos e pus o fio atrás da orelha. O que fez ela virar-se e fixar em mim uma visão de amedrontamento, que achei que a assustara.

_Vamos almoçar?_ pulou do sofá e me senti um estúpido, será que ela interpretara mal? Mas só foi um leve toque no cabelo!

_Claro._ levantei-me também, mas inseguro, sem olhá-la. _ Que temos hoje, Fatinha?

_Legumes, estrogonofe e saladas._ ela respondeu arrumando os pratos na mesa.

_Hum... Anh... A Alice vem almoçar hoje? _Não, ela ligou e disse que só chega para o jantar._ ela

respondeu e se virou para ir para cozinha._ Ah! Então, faz batata frita. Mas faz muita, frita também um bife bem grande e mal passado, com aquele sangue escorrendo...

Ouvi uma risada atrás de mim. _Pode ser dois bifes?_ Daniela enfiou as mãos no bolso e

encolheu os ombros._ Posso?_ pediu-me.

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Fatinha olhando-me da porta esperou meu aval: _Dois bem grandes, pode levar essas saladas daqui. E traz

refrigerante também. Ah! Muito sorvete na sobremesa. _Claro, doutor. _Quando gato sai os ratos fazem a festa!_ Daniela riu alto e

parecia se divertir como nunca. Não era esse semblante que eu vira ontem à mesa de jantar.

_Desculpe. _ ela controlou-se, até que ficou séria novamente, ficou constrangida por eu não ter rido também, mas era por eu estar absorvido por essas observações que eu não conseguia parar de fazer, por algum motivo, simplesmente dera para analisá-la desde que chegara._ Foi só uma brincadeira... Sei que ela é sua mulher...

_Tudo bem. Eu sempre estou esperando para a próxima festa._ Sentei-me, também me dando ao luxo de ficar com aquela blusa suada, sem ter a obrigação de tomar banho antes, com os cabelos desgrenhados.

_Você conviveu muito tempo com a sua mãe?_ ela sentou-se, com um leve sorriso de quem sabe de algo mais nos lábios._Não..._ olhei fixamente o copo por alguns segundos._... Na verdade, não convivi com ela. Meu pai se separou dela eu tinha 9 anos, depois vivi com ele e os empregados. Ele não se casou de novo.

_Então, você encontrou tudo que queria na minha irmã. Sorte a sua..._ ela suspirou. Aquilo fora uma ironia?_Ãnh?_ franzi a testa.

_Deixa pra lá..._ ela revirou os olhos e jogou a cabeça para trás, apoiando a parte de trás do pescoço no encosto do assento e ficou contemplando o teto.

_Não! Agora diga... _Não quero estragar o almoço... _Diz!_ agora eu estava irritado. _..._ Ela ergueu a cabeça e me olhou fixamente. Estudando o

melhor momento para o golpe:_ Você achou a sua mãe._... Isso está parecendo Édipo Rei..._ ri._ Daquela história grega, que casa com a mãe...

_Eu falei que não queria falar..._ Ela voltou a contemplar o nada no teto branco.

_Talvez eu queira me sentir seguro... _..._ ela riu e passei o papel de ridículo._... Você quer pela

primeira vez ser mandado, ter uma figura feminina te dizendo o que

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comer, o que vestir, como viver. Mas depois de seis meses, o que me diz?

_..._ engoli em seco. Salvo pelo gongo: Fátima chegara com os bifes._... É diferente da vida que eu tinha...

_Se pudesse escolher, gostaria de ter a vida que tinha antes? _Eu posso escolher!_ lembrei-a. _Será? Com ela carregando um filho seu? Ela carrega a

proibição de você deixá-la... Foi a minha vez de parar de cortar o bife e encará-la. _Tudo bem que vocês não se dêem tão bem, mas nós dois... _Vocês se amam? Digo, você ama ela?_ Alice usou um tom

ríspido e naquele segundo acreditei em tudo que Alice dizia, ela só podia ser uma pessoa má, que começado a golpear, não pára, impiedosa.

_Gosto dela... Amor é algo que eu... _Você não a ama..._ riu. _O que você entende da minha vida? _Ok!_ ela ergueu as mãos para o alto em sinal de rendição._

Eu não deveria ter tocado em um assunto que você está tentando correr dele faz um tempo..._ ela pegou o prato e foi para o sofá. Achou o controle na mesa de centro e ligou a Tv, relativamente alta. Me senti horrível sentado sozinho à mesa. Se fosse uma criança eu diria: "Já para cá, volte aqui!"Como ela conseguia me alterar daquela forma, me cortar o apetite? Empurrei o bife para o lado e subi, precisava tomar banho.

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6 (Daniela) Quando Ricardo sentou de novo no sofá, não me contive: _Desculpe, passei dos limites, não deveria ter... _Esquece!_ ele cortou o assunto rispidamente, levantou-se e

me deu as costas, para poder ligar o aparelho de DVD, introduziu o filme e voltou a se jogar no sofá.

_Não vai ter nenhuma pipoquinha?_ perguntei. Ele olhou-me, parou o filme com o controle remoto e gritou a

empregada, que não veio. _Ela deve ter saído para fazer compras. _ supôs. _E daí? Você deixa de fazer pipoca só porque sua empregada

não está?_ eu percebi que estava sendo seca demais._ Quero dizer, eu posso fazer, se você me mostrar onde estão as coisas para fazer...

_..._ ele pensou por uns minutos e depois levantou-se, um pouco indiferente. Caminhamos para a cozinha e ele olhou os armários com dúvida:

_Não sei onde fica as coisas... Temos que procurar..._ riu constrangido e agradeci por ele já está esquecendo a pequena intriga do almoço.

_Ah! A manteiga deve estar na geladeira. Procura pipoca nessas portas aí._ apontei.

_Olha, acho que não tem não..._ chegou a essa conclusão depois de vasculhar tudo.

_Mas tem uma coisa aqui..._ sorri e peguei a lata de leite moça._ Vamos fazer brigadeiro.

_Nossa, isso que eu chamo de mudança: de pipoca para doce...

_Ah! Qual foi a última vez que comeu isso? _Hum... Nossa faz tempo que não vou a festa de criança. _Tá brincando? Alice nunca fez para você?_ perguntei

surpresa e procurei o abridor em uma gaveta._ Ela não tem desejo não? _Ah! Tem, mas se controla. "Para ficar divina"_imitou a voz

dela com um tom afetado e nós caímos na risada.

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_Isso não vai dar uma baita dor de barriga não?_ Ricardo me perguntou, vinte minutos depois, com uma colher do doce na boca, enquanto nos acomodávamos no sofá.

_Será por um bom motivo!_ ri e enfiei a colher na panela. _Pega lá água para gente..._ aquilo saiu naturalmente._

Desculpe, deixa que eu pego... É que estava acostumada a falar assim com meus amigos...

_Não, fica aí!_ ele me puxou pelo braço e me fez sentar outra vez._ eu posso pegar!_ Ricardo encarou aquilo como uma questão de honra.

O filme eu já vira, Codigo Da vinci. _Vendo pela segunda vez, deu para observar alguns erros de

continuísmo. Eu já li umas matérias legais sobre o filme._É? Tipo o quê?_ Ricardo fez um ar curioso.

Estiquei a mão e tirei um pingo de chocolate que estava no canto da sua boca.

_Ah! Por exemplo:n o Louvre, Sophie põe coloca GPS em um sabão e o joga pela janela, mas nos banheiros do Louvre não existem janelas.

_Jura? _Tem outra boa: no avião, quando a Sophie tira a fita da boca

do Silas, pode-se ver nitidamente a boca e o nariz dele limpos, então a câmera corta para Sophie e quando volta para Silas ele está com o nariz e a boca sangrando. Se fosse depois de levar uns tapas da Sophie até seria aceitável, mas foi antes!

_Caramba!_ Os olhos de Ricardo brilham, como se eu fosse uma feiticeira revelando o elo perdido:

_Logo no começo do filme,_continuei, já que ele se interessara pelas curiosidades_ No Louvre, depois de Robert Langdon ter pego todas as pistas deixadas pelo cadáver, ele pergunta para o agente Bezu Fache se no local havia banheiro. O agente apenas responde que sim e, sozinho, sem ajuda, Langdon vai para o banheiro. Ora, se ele sabia o caminho para o banheiro, porque perguntou se existia banheiro?

_É mesmo_ ele riu e bateu palmas. _Quase no fim do filme, a câmera dá um close no rosto de

Sophie, e aparece uma mancha no pescoço dela. A câmera muda, e depois quando volta a focar seu rosto, não há mais a mancha. Ocorre mais uma mudança de câmera, e quando retorna ao rosto dela, a mancha apareceu novamente.

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_Ah! Você saca tudo de cinema, hen? _... que nada! _Ela deve entender só de cinema mesmo!_ Uma terceira voz,

vinda da porta me fez virar o rosto para trás.Odiava o modo como Alice andava com pés de pelica e ainda ficava ouvindo a conversa dos outros. Pegou a capa do filme e deu uma olhada no verso:

_Um... Filme "pipoca" é? Pensei que você só gostasse de coisa cult!_ ironizou me olhando.

_..._engoli aquilo. _Ah! Eu tenho umas coisinhas lá no quarto que são suas. Vem

comigo. Levantei-me e a acompanhei. Antes lancei um olhar para

Ricardo, para ver se descobria do que ela falava. _Eu não joguei fora. Vendi a casa dos nossos pais, mas achei

que ia querer._ ela virou uma bolsa e deixou várias fotos caírem em cima da cama. Ricardo que acabava de entrar se aproximou. Tentei recolher tudo, mas ele acabou vendo e pegou uma...

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7 (Ricardo) Elas pareciam um pouco alteradas no quarto, pairava um clima

tenso no ar, nos olhos, nas mãos que manuseavam umas fotos sobre a cama. Instigado pela curiosidade, peguei uma das fotografias, antes que Daniela recolhesse todas.

_É você?_ eu franzi a testa, realmente espantado. _Ela era diferente não?_ Alice carregou no "diferente". _Posso ver as outras?_ pedi, completamente impressionado. _..._ Daniela olhou por uns instantes as fotos, depois para

Alice e finalmente deu para mim de agrado o que antes tentara esconder e simplesmente saiu do quarto, à passos largos.

_Não pode ser ela..._ comentei, vinte minutos depois, quando Alice saiu do banho e sentou-se na cama. Estava entretida passando creme na barriga.

_Ainda está vendo isso?_Alice riu._ Ela ficou assim depois que começou a namorar um cara. Toda gótica.

_... E o que a fez mudar radicalmente, por que ela me parece normal.

_Ele morreu em um acidente de moto. _Hum, que horrível. _Estou morta. Preciso descansar._ Ela deitou e fechou os

olhos. _Eu vou dar uma olhada na internet. Deixei o computador lá

embaixo._ dei um beijo no seu rosto e desci. A porta da sala estava aberta e o vento balançava as persianas,

produzindo um som um tanto sinistro. Daniela estava sentada em um banco do jardim, olhando o

nada. Fungou o nariz, estaria chorando? Parecia uma estatua de sabão. Branca, magra, esguia. Não consegui imaginá-la dentro daquelas roupas pretas, cheia de maquiagem carregada e correntes.

_Ficou chateada com sua irmã?_ perguntei, me sentando ao seu lado.

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_..._ ela deu de ombros._... estava aqui lembrando meus amigos, lembrando de alguém especial que deixei lá...

_Hummm Sei..._ fiz um ar de segundas interpretações. _Já vou dormir. Boa noite._ ela levantou-se e entrou de modo

tão subito. Não tinha planejado nenhum papo longo, mas também não entendia o que a mais estava por trás daquelas fotos. Essa explicação era a chave para os pensamentos solitários dela, antes que eu chegara.

Pensei em perguntar a Alice, mas temia por uma versão parcial dos fatos. Mas a verdade havia de começar por um ponto de vista.

_Parece que ele gostou de você..._ comentei, vendo meu cachorro Frog brincando no tapete da sala com Daniela.

_Os animais sentem... Não são só os seres humanos._ Fátima, minha empregada fez mais um de seus comentários profundos, enquanto colocava a mesa._ Essa menina é muito especial.

_O que vê dessa vez?_ ri, seguindo-a até a cozinha, adorava seu jeito sobrenatural.

_Você nunca acredita!_ ela pegou o suco da geladeira. _Eu sou uma pessoa crítica._ consertei. _Ela não veio para essa casa à toa. _ deixou um vazio, depois

da sua frase. E eu arregalei os olhos e franzi a testa com um ar reticente._... Daniela tem algo muito bom com ela, que entrou aqui. Tudo em torno dela é atraído por ela, como um campo magnético.

_Ah! Tem pessoas que são carismáticas mesmo._ fiz pouco caso.

_Cuidado._ ela, novamente enigmática. _Com o quê? _Cuidado com o seu coração. Porque você está a muito tempo

buscando uma coisa, pedindo mentalmente por ela. E quando isso que queria, chega, pode abalar tudo.

_ Do que está falando...? _É melhor deixar para lá._ ela voltou para sala, carregando seu

suco e eu a acompanhei. Daniela correu pela sala e o Frog atrás, fazendo festa. Ela ria

alto e todo o lugar se enchia de alegria, de felicidade. Cuidado. Essa palavra me fez sentir medo. Medo de mim mesmo.

_Fatinha._ chamei-a, antes que retornasse a cozinha. _Pois não, seu Ricardo. _O que eu estou procurando?_ perguntei, sem tirar os olhos

daqueles dois brincando de pique-pega.

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_... você deve se conhecer melhor do que eu, senhor._ ela deu uma risada longa, de uma bruxa boa.

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8 (Daniela) _Pra você._ Fátima passou-me o telefone sem fio. Eu estava

meio sonolenta no sofá, após o almoço._ É o senhor Ricardo. Parece que é urgente.

_Obrigada._ peguei o aparelho._ Alô, Ricardo? _Oi!_ a voz dele estava risonha._Tenho uma ótima

notícia!_anunciou._Meu amigo quer te entrevistar._ explicou antes que eu tivesse tempo de perguntar o que era.

_Caramba! Fala que quando ele quiser. _Ele quer agora. _Agora?_ levantei-me do sofá e senti um frio na barriga. _Pede um cartão para Fátima, ela tem o endereço. Vem já!_

pediu, um pouco divertido com o modo como podia controlar a situação. Senti-me uma marionete, mas era por uma boa causa.

_Certo. Estou indo._ desliguei. Após me dar o endereço, a Fátima perguntou se eu iria com

aquele vestido branco. Eu disse que sim e ela balançou a cabeça para os lados.

_Vou passar uma roupa da sua irmã. Tem que estar bem apresentável.

_Mas e se ela descobrir?_ perguntei. _Vai nada!Vem comigo..._ me puxou pela mão. Realmente eu me senti mais segura dentro da calça social e do

terninho. Pena que andar de salto alto na rua é um calvário para qualquer mulher.

Olhei para o prédio alto. Respirei fundo e entrei. Ricardo me recebeu na sua sala e mediou a conversa com o tal amigo. Era um senhor até simpático, mas que me pareceu muito exigente, logo que decediu por fazer uma semana de experiência.

_Essa é minha agenda, aquele meu computador. Eu quero esses relatórios aqui revisados e traduzidos para inglês..._ foi

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empilhando papéis sobre a minha mesa, estava claramente tentando me incitar ao cansaço.

Eu levei horas fazendo tudo aquilo. _Você quer uma carona para voltar para casa?_ Ricardo

apareceu na sala. _Quero sim._ Aceitei e recolhi todos os papéis. _Vai levar isso?_ fez uma careta. _Tenho que terminar... _Não se deve levar trabalho para casa, já dizia os defensores

de uma vida saudável. _Eu preciso desse emprego!_ pisquei o olho e segui atrás dele,

rumo ao elevador. _Eu estou preocupada com uma coisa... Eu sei que pode achar

ridículo..._ falei quando nos aproximei de casa. _Como eu não pedi essa roupa emprestada para Alice, ela

pode achar mal... _Não! Que isso. Ela é um amor. Eu mesmo falarei com ela. Ricardo passou até do prometido, perguntou se ela não teria

alguns terninhos para me dar. Afinal, seu armário era abarrotado. _Claro!_ Alice ficou feito criança mostrando seu brinquedo

novo. Jogou várias roupas em cima da cama e uma a uma foi dizendo que não fazia mais seu gosto, que já se cansara..._ Pode ficar com tudo isso aí.

Eu peguei todas, agradeci e fui para o quarto de empregada. Olhei os papéis e me bateu um cansaço. Mas mentalizei um mantra de que eu tinha que conseguir aquilo.

_Quando você acha que as forças acabaram, sempre tem um restante final, Daniela!_ falei para mim mesma.

_Ainda aqui?_ Ricardo veio buscar água, só havia uma luz ligada na cozinha, toda a casa estava escura._Falta muito?_ perguntou-me.

_Acabei._ respondi._ estou aqui pensando na vida... _Ou em alguém? _Alguém?_franzi a testa. _É, você falou que deixou alguém, quando veio para cá. _Ah!_lembrei-me._ Agora não estava pensando nele. _Um grande amor?_ sentou-se à mesa e folheou os relatórios. _Amor?_ ri alto._ Amor só tem um.

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_Bobagem! Então se o amor morrer você ficará fadada a infeliciadade?

_Não. Eu não disse isso. Só há um grande amor. Os outros a gente aprende a amar.

_Seu amor já passou?_perguntou e me surpreendi com sua curiosidade.

_Já, já passou. Já amei._ responder aquilo me trouxe de volta aquela dor..._ E você?

_Eu? Que pergunta! Eu e sua irmã... _Ela é seu amor?_ perguntei.

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9 (Ricardo) A pergunta de Daniela ainda ressoava em minha cabeça. "Você

ama sua mulher?". Olhei-a esperando minha resposta. Respirei fundo, comecei a arrumar os papéis em cima da mesa:

_Eu tenho uma visão diferente. Acho que podemos sim amar várias pessoas. Senão, seríamos todos infelizes!

_Mas isso não responde a minha pergunta._ ela deu um leve sorriso de dona da situação.

_Você acha que alguém pode conviver como uma pessoa se não a amasse? _devolvi com outra pergunta.

_Lógico. Você moraria perfeitamente com um amigo e nem por isso precisaria amá-lo... _argumentou.

_Eu amo sim sua irmã. É essa resposta que quer ouvir? _Não, eu não preciso ouvir nada. Isso é uma coisa para você

pensar. _Para que eu preciso pensar, Daniela? Eu vivo bem com ela,

nós vamos ter um filho! _ Ricardo, tudo bem, não precisa se alterar. Foi você quem

puxou esse assunto, aliás, não quero mais que conversemos sobre isso._ levantou-se para se retirar.

_Não, não, tudo bem. Quero que falemos de tudo, não pense que eu...

_Eu não penso nada..._ riu irônica._ Eu sou a pessoa mais desprovida de preconceitos...

Subi para meu quarto incomodado com todas aquelas inquisições. Abracei-me a Alice e afastei aquela conversa da minha cabeça. Eu era feliz e pronto, não precisava de mais nada, nem ninguém!

Nosso filho era prova de que o amor existia! Para que mais?

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10 (Daniela) _Não foi trabalhar hoje mais cedo?_ perguntei a minha irmã,

quando ela se sentou à mesa do café da manhã. _Não, hoje eu não estou com vontade._ respondeu esnobe,

sem olhar-me. _Hum, que bom que você pode ter essa escolha._ comi uma

uva. _Eu nem sempre pude ter escolhas. Eu me esforcei muito para

ter tudo o que eu queria. _ quase complementei que eu também me esforçava, mas não valia a pena interrompê-la._ Eu conquistei minha profissão, casa, marido...

_Você inclui ele entre seus objetos de conquista, parece estranho..._ comentei.

_Ora você não sabe que se deve conquistar as pessoas?_ farpou.

_..._ levantei os olhos e a mirei em cheio, sabia a quem ela se referia.

_Porque eu não costumo roubar quem não é meu. _Eu não vou recomeçar essa guerra, estou fora._ levantei-me. _Claro, agora tem vergonha do que fez. _Eu não tenho vergonha!_ me virei irada. _Ah! Não tem mesmo, porque se tivesse, não teria roubado o

homem da minha vida._ ela levantou-se também. _Mas não fui eu que matei o Carlos!_ levantei o tom de voz. _Do que você está falando?_ ela enrubeceu de raiva. _Você mexeu naquela moto, não foi? Você sabia que eu iria

pegá-la, mas não contava que ele aparecesse na minha frente! E ele morreu por sua culpa!_desentalei aquilo.

_Não diga isso, sua..._ ela levantou a mão para me dar um tapa.

_Bate! Bate mesmo!_ cheguei mais perto._ Mas ele não vai voltar nunca mais, nem para mim, nem para você!

_Ele era o amor da minha vida!_ ela fez uma voz de vítima. _Mas você não era da dele!_ lembrei-a.

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_Você é uma qualquer que se ofereceu fácil para... _..._ aguentei-me para não partir para cima dela, minhas mãos

começaram a suar._Ele te disse que não te queria, que não te amava, Alice. Eu não tenho culpa se ele gostou de mim...

_Você se meteu no meio do caminho para roubar ele de mim! Se você não tivesse chegado...

_Acha que você conseguiria conquistá-lo, como conquistou seus bens materiais?!

_E você, que agora não tem nada? Só essa carinha linda, que te fez ganhar um monte de coisas fácil? Mas o que vem fácil, vai fácil..._ olhou-me de cima a baixo.

_Você o matou! Você matou o cara que mais amei! Você não suportou..._ as lágrimas vieram aos olhos._ Você nunca vai ser feliz, nunca!_ gritei com ela._... Não aguentou me ver feliz. Você sempre foi invejosa, botava todo mundo contra mim!

_Mentira!_berrou e logo a empregada apareceu na sala. _Você é muito suja! Usa de todos os métodos para conseguir o

que quer! Até essa barriga... _..._ deu-me um tapa com tanta força no meu rosto, que

estalou._ Cala a boca. _Eu não te odeio._ falei entre os dentes._ Eu tenho pena de

você. _Eu não preciso de pena, minha vida é perfeita! _É?_ cheguei mais perto, meu rosto ficou quente._ E como

você dorme com a lembrança da imagem do Daniel morto, ensanguentado? Como? Ele não foi o amor da sua vida?_ ironizei._ Quem ama não mata.

_Eu amava ele. _Mas não me amava, por isso queria me matar, era eu que

devia estar naquela moto!_ solucei._ Eu devia estar morta. _É, era você que devia estar morta!_gritou._ você merece

morrer!_ me pegou pelo pescoço e eu cai em cima do sofá, não queria tocá-la por causa da barriga.

_Mas o que está acontecendo aqui?_ Ricardo desceu as escadas correndo.

_Eu odeio você, garota!_ apertou meu pescoço com toda força e eu fiquei sem ar.

_Alice pára._ ele tentou contê-la, puxou-a para longe.

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_... respirei com força, estava sem ar. Tossi e corri para o meu quarto. Bati a porta. Joguei-me na cama e me abracei ao travesseiro.

_Daniela abre essa porta!_ Ricardo bateu várias vezes até que percebeu que estava aberta e entrou..

_Me deixa sozinha. _A Alice já está mais calma, mas não quis me contar o que

houve. De ter sido sério, porque eu vi... _Ricardo, me deixa sozinha..._ levantei-me e fui até a janela. _Não, eu tenho o direito de saber..._ puxou-me pelo braço até

que viu meu rosto e pescoço marcados._ Ai meu Deus...Sua boca está sangrando.

_Sai daqui!_ fechei os olhos, tentando manter a calma. _Quem era o homem de quem você estava falando, Daniela?_

perguntou-me, como se toda sua vida dependesse daquela resposta. _Quem era?

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11 (Daniela) _ Ricardo, eu não quero mais falar sobre isso. Você não vê que

já estou bastante machucada?_ perguntei. _Eu sei, precisa fazer um curativo... _Não! Estou falando machucada por dentro!_ cortei-o

impaciente. _Bom, então, acho melhor deixá-la sozinha. Eu vou para o

trabalho. _Pode me dar uma carona?_ pedi. _Você vai querer trabalhar assim?_olhou-me de baixo a cima. _Não assim, preciso de cinco minutos. Me espera no carro._

pedi, me vendo tão horroroza no reflexo do vidro da janela. Fechei os olhos. Pus as mãos abaixo da minha nuca. Respirei fundo.

_Ok_ ele se retirou. Entrei no banheiro e lavei o rosto. As lágrimas não paravam de

cair, eu estava sem controle nenhum. As mãos levemente trêmulas ainda conseguiram passar um pó compacto no rosto vermelho.

A que chegou no carro era apenas um corpo ambulante, eu mesma não estava em mim. Não conseguia prestar a menor atenção na conversa que Ricardo tentava travar para amenizar o clima. Olhei para frente sem prestar atenção no caminho.

Chegando na empresa, entreguei os relatórios para meu chefe, que me olhou por trás do rosto de seriedade que eu tentava manter a todo custo:

_Acho que deveria ir para casa. Você tem que ser a imagem da empresa, eu sou a empresa e não quero que eu seja represantado por esse rosto de desterro._ falou secamente.

_Eu posso perfeitamente ficar. _E eu posso perfeitamente querer que não fique._ consertou

ríspido._ Me passe para o Ricardo e depois pode ir. Eu sentei, sentindo meu corpo pesado. Achei aquilo estranho.

Passei o telefone, mas não desliguei imediatamente para confirmar minha surpresa:

_Ricardo?! Oi, rapaz!_ ouvi a voz dele comprimentando meu cunhado._ Fiz tudo como me pediu.

_Obrigado, as coisas saíram do controle. Mas ela ficará bem.

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_E você? Por que não tira também um dia de folga? Eu toco as coisas por aqui.

_Não posso, eu tenho muito trabalho e no mais não quero enfrentar aquele clima que está na minha casa. Eu já não tenho nem mais vontade de voltar para lá... Depois a gente conversa...

Eu desliguei lentamente o telefone, para que não percebessem que eu ouvira tudo.

Recolhi minhas coisas e vaguei pela rua. Estava um sol vacilante, sem muita força, naquela manhã. Sentei em um banco na praça. Algumas crianças brincavam na gangorra. Os risos enchiam o ar de uma doce alegria, que eu tanto queria de volta para mim.

Lembrei de Marcos, nos Estados Unidos, talvez tivesse sido melhor tentar continuar lá, clandestinamente. Logo a briga de manhã me veio a mente, uma vontade de chorar chegou à tona com algumas lágrimas, que heroicamente não deixei cair.

Entre as piores hipóteses, existia aquela: voltar para casa. Chegando lá, deitei na cama de sapato e tudo. Fátima olhou-me de canto de olho, sentou na cama da frente:

_As coisas não vão bem para você faz tempo, né, menina?_ sua voz era tão acolhedora.

_..._ sorri e olhei para o chão. _Mas nada é a toa. Nada. Você precisava vir para cá... _Eu não tive muita opção._ dei de ombros. _Momentos muito bons virão depois disso tudo._ ela

levantou-se e afastou meu cabelo do rosto._ Nós estávamos esperando por você faz tanto tempo._ aquilo me pareceu místico.

_ Por quê?_ perguntei. _Porque as pessoas atravessam o caminho uma das outras

com algum motivo. _Espero que o meu seja bom._ ri irônica. _Descansa._ ela fechou a porta. _Fátimaaaaa._ ouvi um berro vindo do andar de cima e em

poucos minutos Fátima apareceu na porta outra vez._ Daniela, não sabe o que aconteceu!_ estava assustada e nervosa.

_ O quê?_ sentei-me. _A sua irmã está lá no quarto chorando, está tudo sangrando

e... Nem esperei ela terminar, corri até o andar de cima e entrei

no quarto quase na velocidade do pensamento.

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Ela olhou-me nos olhos e vi suas mãos sujas de sangue. _O que está acontecendo?_ perguntou em pânico. _Não se preocupe, tudo ficará bem._ tranqüilizei-a._ Fátima,

ajude-a a tirar essa roupa._ ordenei._ peguei o telefone na cabeceira da cama e fui até o corredor._ Ricardo, alô? A sua mulher está perdendo o bebê.

_Quê?

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12 (Ricardo) Eu era um objeto destoante naquela sala de cirurgia. Um

armário em um canto, uma porta por onde os outros passavam. Estava petrificado, vendo os médicos trabalharem para salvar Alice e o bebê, que eu ainda nem sabia o sexo. Ela dizia que preferia surpresa.

Imerso naquela atmosfera de éter e de objetos metálicos tintilando, eu tive os mais macábros pensamentos.

As pessoas que narram experiência de quase morte, revelam que se viram do lado de fora do próprio corpo. Eu me sentia assim, perdido entre aquelas paredes brancas, olhando tudo em terceira pessoa, sem nenhum poder de ação. Só me restava manter minha fé de que ela ficaria bem.

Não sei se a situação limite em que eu me achava fora a responsável por aflorar tudo em mim, como um bote de ar que abre no fundo do oceano e rapidamente chega a superfície. Assim subiram todos os meus sentimentos, o que me provocou muita angústia.

Eu não conseguia parar de desejar que ela ficasse bem, só que esse desejo não era de quem a amava e precisava ficar com Alice para sempre. Era um desejo de alguém que a metera naquilo tudo e se sentia responsável por ela estar com a vida em risco. Parece que a colocaram sobre os meus cuidados e eu não soubera protegê-la suficientemente. Só que isso era loucura, porque já era bem grandinha.

Todos aqueles meses, queira eu enxergar isso ou não, fora em torno de contornar aquela problemática: ela estava esperando um filho meu e eu tinha que dar todo o apoio. Só que esse apoio não deveria incluir um casamento às pressas, ela tomar conta da minha casa, da minha vida. Por outro lado, que eu podia fazer? Era quase uma conseqüência natural: se nós dizíamos que nos amávamos e ela estava esperando um filho, por que não seguirmos o figurino?

Minhas mãos suadas e o turbilhão de hipóteses me fez pedir para sair da sala. Eu estava zonzo, não me sentia bem.

Uma enfermeira me acompanhou até a sala de espera, onde encontre Fátima e Daniela. A mulher pediu que uma das duas fosse buscar um café para mim, o que Fatinha, prontamente atendeu.

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Enquanto a enfermeira se afastava, Daniela olhou-me, para ver se capturava algo pela minha expressão de desterro.

_E o bebê? _Eles vão tentar salvar..._ apoiei os cotovelos nos joelhos e

afoguei o rosto nas mãos. _Eu só quero que tudo termine bem... logo. _Vai terminar..._ ela passou a mão no cabelo da minha nuca._

Ela é forte. _É._ apoiei a cabeça na parede e fiquei olhando o teto._ Ela é

mais forte que eu. Aliás, eu sempre quis ter um pouco daquela força... Acho que busquei isso nela. Sua irmã me faz me sentir seguro, ela pensa em tudo, faz tudo sem me perguntar, eu não tenho que ter dúvidas...

_Mas depois de experimentar ter isso, você gostou? Virei o rosto para o lado e olhei-a em cheio. Ela parecia, com

aquela frase, me demonstrar que estava naquela sala de cirurgia comigo, lendo todos meus pensamentos.

_Por que a pergunta? _Nada._ ela deu um discreto sorriso e aquietou-se. Horas se passaram, até que o médico chegou, com um

semblante de cansaço. _E aí? Como eles estão?_ levantei-me e temi aquela resposta

como nunca.

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13 (Daniela) _O bebê está bem, é uma menina, senhor!_ o médico deu um

tapinha no ombro de Ricardo._ sua mulher está se recuperando, foi uma cirurgia muito difícil. Ela terá que receber muita atenção e carinho agora. Ela está dormindo, vocês podem ver o bebê.

_Claro,claro!_ respondi feliz e aliviada, uma criança sempre traz esse estado de renovação no espírito com sua chegada.

Corremos para ver a minha sobrinha. Nossa, eu ficara para titia? Fiquei tendo esses pensamentos bobos, enquanto olhava através do vidro aquela criança tão pequena e indefesa.

Ricardo ficou com os olhos marejados de lágrimas. Ele me abraçou e agradeceu por tudo ter terminado bem.

_Agora vocês vão ser uma família!_ lembrei-o e rimos juntos. Ricardo foi até o quarto de Alice, mas preferi ficar ali quieta,

olhando o bebê. Eu ainda estava muito magoada. Naquele dia em que vi a nossa Angélica, nunca imaginaria tudo porque ainda passaria por aquela menina. Tantas coisas me aguardavam. Eu só estava começando a entrar no olho do furacão.

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14 (Ricardo) _A minha filha é a coisa mais linda do mundo, não é?_ falei

baixinho para Daniela, quando ela entrou no quarto para ver o bebê._ Ela não parece comigo?

_Ela e todas as crianças._ riu._ Só quando ficar maior que vai se parecer mais contigo._ deu-me uma cotovelada de gozação._ O leite já chegou?

_Sim, já. É uma pena que a Alice não esteja podendo amamentar. Mas que bom que existem mães que doam o leite para bancos.

_Isso é. Falar nisso, vou lá buscar, está na hora._ Daniela se retirou e eu peguei a Angélica no colo. Não levo muito jeito, mas tinha que aprender.

Não demorou muito para ela chegar com a mamadeira. Enquanto Daniela dava de mamá, sentada na poltrona, eu

refletia em como Alice gostaria de estar ali. Mas ela permanecia em repouso absoluto. Não queria acordá-la. Desde que chegara parecia muito abatida e abalada.

_Você é tão linda, sabia?_ Daniela sorriu para minha filha._ Seu papai tá com uma cara de bobo..._ fez voz de criança.

_Seu Ricardo._ Fátima apareceu no quarto com um ar apreensivo._ A dona Alice quer ver a criança.

_Mas ela está mamando._ respondi. _Eu falei que a Daniela tinha trazido o leite, mas ela ficou

furiosa. Vai lá..._ Antes de ela terminar eu já estava à caminho do corredor_... Ela não pode ficar nervosa.

Entrei no quarto e vi Alice sentada na cama, me fuzilou com o olhar. Queria ver o bebê. Expliquei que estava se alimentando. E ai que ela queria ver mesmo, disse que não queria que outra tocasse na sua filha.

_Mas não é "outra", é sua irmã._ argumentei. _Traz a criança aqui agora!_gritou comigo. _Alice, calma._ abracei-a._ Eu já vou trazer!_ beijei seu rosto.

Precisava ter paciência, ela estava passando por uma terrível depressão pós-parto.

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_Aqui está..._ Daniela apareceu no quarto com o bebê, antes que eu precisasse buscá-la.

_Não preciso de ninguém cuidando da minha filha!_ Alice abraçou Angélica.

_Deixe ela em pé, acabou de mamar..._Daniela avisou. _Não tem que me ensinar nada!_ Alice resmungou. Daniela saiu do quarto e fui atrás dela. _Calma..._ ainda peguei-a no corredor._ Tente entender... _Eu já entendi tudo._ ela respirou fundo e procurou não me

olhar._... ela está com medo de que eu me vingue. _Como é que é?_ franzi a testa. Daniela começou a descer a escada, mas eu a segui: _Você não vai a lugar nenhum sem me explicar isso direitinho. _Ricardo._ Daniela virou-se, antes de entrar no quarto._É

melhor você voltar lá e olhar muito bem a sua filha. _Daniela, me explica isso, você está me dando medo!_ abri a

porta que ela tentara fechar._ Eu preciso saber do passado de vocês... _Esse passado está morto, Ricardo! _Pois então, ótimo! Eu quero conhecer todos os fantasmas por

nome. _Para quê?_ ela sentou-se na cama. _Pela minha filha!_ pedi e aquilo congelou seu rosto. Ela sentou-se e deixou de me evitar: _Eu amei muito um homem, de quem Alice gostou... E ela não

me perdoou por isso. Ela começou a ficar louca, como agora está agindo estranhamente... Elas saiu de si... Ela mexeu na moto dele... Porque estava na nossa casa..._ Daniela passou a falar coisa com coisa, eu tentei não interromper. Narrava como se visse flashs de cenas._ ... Só que o cara foi até a minha casa buscar a moto e ele morreu... Era para eu ter pego naquele dia a moto... e...

_Daniela._ aguachei-me em sua frente, diante da cama e toquei seu braço._ Por que me pediu para olhar bem a minha filha?

Daniela olhou-me com seus olhos azuis e hesitou por alguns segundos. Respirou fundo.

_Eu não posso provar nada... Mas eu não sei do que ela é capaz._ sua voz vagarosa e baixa me deu pavor.

_Você não está fabulando... Por causa de uma disputa passada, você não...?

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_Eu tenho medo dela._ os olhos amedrontados de Daniela me fizeram eu me afastar. Fiquei de pé, perto da porta, com a respiração ofegante. Passei a mão no cabelo da nuca.

_Eu vou fingir que não ouvi nada, eu não acredito em nada..._comecei um processo de denegação.

Daniela olhou-me fixamente. _Não deveria...

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15 (Daniela) Meu emprego no escritório era um pouco monótono, às vezes,

muitos papéis, alguns telefonemas, traduções. Só terminava com ânimo quando nós saímos para beber. Hoje, fora a comemoração do aniversário de casamento da secretário do Ricardo. Fomos todos para um bar na rua ao lado do nosso prédio. Ricardo tentou avisar à Alice, mas essa parece ter dado um motivo muito melhor para que ele não fosse. Simplesmente pediu que o amigo dele, o meu patrão, me desse uma carona, na volta. Eu prontamente disse que podia muito bem pegar um táxi. Não que meu salário pudesse bancar estas regalias, só não queria que os dois me olhassem como uma menininha riquinha sem motorista.

_Então, você ficou lá nos Estados Unidos aprendendo inglês..._ Guimarães sentou ao meu lado, no balcão do bar, aproveitando a saída dos nossos amigos, que foram arriscar cantar na máquina de música.

_Você não sabia?_ fiz uma cara de surpresa caricata e ele riu. Que pergunta era aquela? Eu trabalhava para ele!

_Ok. _ Ele levantou as mãos para o alto._ Eu não sou muito bom para puxar assunto..._ fez um sorriso tímido e ficou molhando os dedos enquando acariciava o copo gelado de cerveja.

_Foi legal, mas certas coisas só o Brasil tem. _Tipo o quê?_ ele me olhou em cheio e se virou para mim com

plena disposição em levar a conversa à diante. Era estranho, fora a primeira vez que ele falava comigo sem começar cada frase com um imperativo de ordem de trabalho. Será que ele estava mesmo dando em cima de mim, ou eu confundia as coisas, por causa da bebida?

_Ah! A comida, o clima, o calor humano, os homens... _Os homens?_ ele deu um sorrisinho de mil interpretações

malditas, que eu quis morrer por ter deixado aquilo escapulir. _Prefiro os brasileiros. _Que tipo de brasileiros?_ ele acendeu o cigarro e tragou. _Do tipo dos que não fumam, principalmente.

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Ele me olhou por uns segundos, riu, balançou a cabeça para os lados, parecia tramar alguma idéia.

_Vamos embora?_ pediu jogando o cigarro no lixo._ Essa gritaria está chata._ fez uma careta e senti-o superior a todo aquele ambiente.

_Ãnh? Sua voz grave, seu corpo forte, a gravata solta no pescoço, de

repente apreendi todo o quadro num só olhar e aquilo me produziu uma onde de calor. Deus! Nem pensar em tal hipótese, é tão vil e sórdido ser motivo de fofocas, interpretar o papel da secretária que o patrão já experimentou...

_Em que está pensando...?_ele falou mais perto do meu ouvido, agora em pé, atrás de mim. Seu perfume seco, com uma fragância amadeirada._ Eu estou pensando em dar o fora daqui.

_Dar o fora?_ franzi a testa e pendi a cabeça um pouco para o lado._Claro! Você ia me deixar em casa, não quero te atrapalhar..._ levantei e me recompus, vesti o casaco, peguei a bolsa, eu era a secretária e só!

Ele pagou a conta por nós, abriu a porta do carro, fez toda a conversa durante o trajeto ser irresistível, abriu a porta do carro mais uma vez e...

_Obrigada por ter me trazido... Eu..._ fiquei sem saber o que dizer, e ele quieto, ali na calçada da casa de Ricardo. A rua completamente vazia, a lua no céu, um frio que me fazia encolher.

_Você está surpresa... Porque nunca me viu agir assim?_ ele riu e se ele não tivesse toda a maturidade dos seus quarenta eu diria que era o próprio adolescente embarassado diante de uma garota.

_Está escrito na minha testa?_ ri e me encostei no carro, meu corpo dando sinal de que eu não queria entrar.

_Isso e mais outras coisas..._ ele chegou mais perto, mas sem me tocar.

_E sua mulher?_ quebrei todo o clima, antes que eu estragasse completamente meu plano de carreira.

_É só isso que você precisa saber...?_ ele riu e seus olhos ficavam brilhando por causa da luz do poste. _ Ela já é ex...

_Desculpe, é que ela sempre aparece no escritório... E vocês se dão tão bem... Eu pensei que ela podia estar...

_Não não está esperando em casa._ ele segurou o meu rosto com uma das mãos que tinha no bolso, estava quente.

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_E você? Tem alguém te esperando em algum lugar?... _ perguntou agora parecendo "que era só isso que precisava saber".

_Eu não estou gostando disso... Dessas perguntas, desse seu jeito, de..._ comecei a falar coisa com coisa, com medo, ao mesmo tempo com um frio enorme na barriga.

_Você quer que eu seja claro?_perguntou, agora sem paciência para joguinhos.

_É, quero!_ falei com voz firme e séria. Cruzei os braços. _Então, é isso..._ Ele me puxou, colocou a mão na minha nuca

e me beijou com a boca de desejo, me segurou firme e carinhoso. Ninguém podia ver, mas era como se o mundo todo estivesse ali olhando eu cometer aquela infração gravíssima. Puxei-o para perto e beijei com vontade, sentindo a língua, as mãos, o cheiro, a sua masculinidade toda viva. E não sei se foi por carência, pelo sabor do risco, pelo querer e não poder, só sei que era embriagante.

_..._ Guimarães afastou-se algum tempo depois, ainda me abraçando._ Não diz nada, tá? Senão, estraga. _beijou-me de leve a boca, com um carinho que há tantos anos eu não sentia..._ Boa noite..._ me soltou.

_..._ eu fiquei ali parada, vendo-o entrar no carro e partir. _Daniela! A sua vida não vai ser mais a mesma a partir de

agora!_ briguei comigo mesma, enquanto caminhava pelo jardim. _Você é insana! Você não bate bem!_ sorri, depois ri, tirei os sapatos e andei saltitante._ Eu sei que você vai se arrepender..._ ri mais alto.

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16 (Ricardo) Depois da reunião, foi inevitável não perguntar ao Guimarães

o que estava acontecendo, para ele ter ficado tão dispersivo. Ele era meu amigo desde a faculdade. Conhecia-o bem e se tem uma coisa que ele não disfarça é quando o assunto é mulher. Eu lançava minha conta bancária em jogo como essa era a resposta para minha questão. Para mim, nossa amizade se assemelhava a um sentimento fraterno de irmãos.

_É isso aí, acabei me envolvendo demais... _Envolvendo demais?_ franzi a testa e ri, arrumando os papéis

na minha mesa. Ele era o tipo de cara que consegue fácil muitas mulheres com sua boa pinta, estava acostumado a sair com Guimarães e ver sua cotação no quesito conquista amorosa._ Isso foi antes, né? Porque ontem você saiu com o pessoal daqui do escritório..._ parei um instante._ Hei! Você não quer dizer que..._ olhei-o de lado._ A Andréa?...

_Nãoooo._ ele fez uma careta de nada-a-ver-de-onde-tirou-isso._ Eu acabei beijando a sua cunhada.

_O quê?_ inclinei-me para frente e fiz uma cara de surpresa. _É. Eu sei lá que deu em mim, mas eu não fiz nada que... _Calma, cara! Não precisa também me dar explicações

nenhuma!Ela não é minha filha, nem minha namorada... _Não, claro, eu sei, eu sei..._ ele respirou fundo._ É que ela é

irrestível... Não sei o que aquela garota tem, ela é tão... _Olha lá, hen, você se separou faz pouco tempo, você talvez só

queira.... _E que tem que eu só queira me divertir e levar a vida menos à

sério?!Casamento é um saco é... Desculpe eu não quero dizer que todas são assim, o seu por exemplo dá muito certo, né?

_É._ respondi e dentro de mim não senti tanta certeza disso. _Eu vivia só de aparência. No fundo, eu perdi meu espaço,

deixei de ser eu, a rotina me fez perder um pouco a vaidade... Talvez, por ela ser mais nova, isso dá uma acariciada no ego...

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_O que você está pretendendo mesmo? _Eu vou deixar as coisas rolarem... O telefone tocou e eu atendi. Era Daniela perguntando se

Guimarães estava na minha sala. Respondi que sim e ela pediu para falar com ele. Passei o telefone.

_Alô? Oi. Ah, ok, estou indo para aí imediatamente._ ele levantou-se._ Depois a gente conversa, Ricardo!_ deu-me o telefone e nos abraçamos, trocando aquele tapinha nas costas._ Valeu, irmão._ saiu.

Eu ainda fiquei pensando naquela possibilidade: Daniela e Guimarães? Ri da combinação. O que eles tinham a ver? Ela era tão... Também o que eu tenho a ver com isso?

Balancei a cabeça para os lados e continuei meu trabalho.

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17 (Daniela)

Eu esperei com ansiosidade que ele chegasse e entrasse por

aquela porta. Desde que me avisaram que Guimarães já havia entrado na empresa, eu não parava quieta. Precisava vê-lo, olhar nos seus olhos e sentir o que de fato estava acontecendo, para que eu pudesse situar meus sentimentos no lugar certo.

_Então, vamos?_ ele entrou com o mesmo olhar frio e imparcial, caminhou para a porta da sua sala e só me restou seguí-lo. Por alguns segundos ainda julguei que pudesse ser só um teatro para que os outros não percebessem. Se bem que, quais outros? A secretária de Ricardo não estava na antesala comigo.

_Eu marquei aquele vôo que pediu e o hotel. Está tudo certo para a reunião.

_Claro._ ele sentou-se do outro lado da mesa, abriu a pasta e apertou a caneta._ Comprou para você também?

_Para mim?..._ franzi a testa e ficou um tom reticente na minha voz.

_É._ ele levantou os olhos e me fitou pela primeira vez._ Você vai comigo.

_Vou? _E como acha que eu vou me comunicar com ele? Por mímica? _Ah, claro..._ ri sem graça._ Eu vou ser a tradutora..._falei

baixinho._ Obrigada, então, senhor. Caminhei para porta. Fora só isso: um beijo prostituto, barato,

sem sentindo, no meio da noite? Eu sabia que ia me arrepender! E agora? Como ficarei convivendo como uma pessoa que acha que pode me ter quando quer?

Virei às costas e fui à passos firmes até a porta, desejando nunca mais voltar a ter que...

_Dani?_ouvi uma voz atrás de mim._ Espera..._ ele me puxou pela mão e depois me abraçou. Seu sorriso largo e brincalhão me

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petrificou._Era só para ver sua carinha séria..._ fez carinho no cabelo da minha nuca, enquanto me mantia firme junto ao seu corpo.

_..._ ri indecisa, sem acreditar que..._ Eu pensei... _Eu já disse para não pensar!_ Guimarães me deu um beijo no

pescoço e falou no meu ouvido._ Estamos atrasados para um compromisso sério!

_Estamos?_ sorri. _É, estamos._ piscou para mim e me deu um leve beijo na

boca.Depois foi até a cadeira e pegou o paletó que havia deixado ali._ Tenho algumas coisas que deixei em casa que preciso que olhe para mim, aproveita em vem comigo, almoçamos juntos..._ abriu a porta.

Eu fiquei por alguns segundos parada, tentando achar a linha tênue que separava o profissional do pessoal. Balancei levemente a cabeça para os lados, recompus a postura e tentei não rir. Mas não conseguia atuar tão bem quanto ele. Meu excesso de transparência devia ser meu defeito.

Ele deixou as últimas ordens na empresa, deu tchau para o porteiro e colocou os óculos escuros. Hoje, estava de blusa preta compondo uma aparência obtusa, introspectiva.

Sua casa ficava mais longe do que eu previa, por um lado até pensei que seria bom, ninguém nos reconheceria e estaríamos livres de disfarces. Mas livres para quê, Dani? O que está pensando que vai acontecer?

_O que houve?_ perguntei, quando o carro parou. _Droga!_ ele abriu o vidro da janela, deixando alguns pingos

de água molhar seu rosto._O pneu deu problema..._ voltou a fechar a janela, pois chovia muito.

_Telefona para o seguro... ou _Logo aqui? A minha casa fica bem ali à duas ruas..._ pensou

um momento.Ligou o carro e o levou até o acostamento. Estacionou._ Não vamos ficar aqui ilhados, você tem algum medo de chuva?

_Ãnh?_ quase ri._ Você não está pensando em correr até a sua casa...?

_Então, eu vou._ Ele tirou os sapatos e o paletó. Abriu a porta e caminhou tranqüilo, de baixo de chuva. Eu continuei sentada, atônita, completamente surpresa por ver que não conhecia nem um pouco Guimarães.

Ele parou, virou-se e pôs as mãos na cintura. Depois fez um sinal para que eu fosse logo.

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Olhei para minha saia, meu salto, meu cabelo. Ele devia estar louco.

Mas que espécie de garota eu me tornei, hen? Alguns anos atrás eu seria a primeira a correr nua na chuva. Ri, tirei o sapato, larguei a bolsa e os papéis e deixei no carro meu medo de ser feliz. No começo fui encolhida, medrosa, me sentindo ridícula.

Aos poucos senti a liberdade, a chuva, os pés molhados. E lá estava ele na minha frente, sorrindo. Puxou-me e não fiz resistência ao que meu corpo tanto pedia. Beijei-o com a vontade dos amantes.

_Eu quase pensei que teria me molhado à toa, a história do pneu foi tão fraquinha...

_O quê? Então...?_ dei um gritinho e bati no seu braço. Olhei para o carro._ Você vai ver só..._ corri atrás dele e ele adorou a brincadeira. Até que paramos sem fôlego e ele me pegou no colo.

Tudo parecia um conto de fadas. Uma continuidade daquele beijo de ontem só possível nos meus sonhos, mas era real. E eu não queria que acabasse nunca.

Quando chegamos na casa dele, fui obrigada a vestir um roupão e sentamos na sala para tomar café. A empregada cuidou da minha roupa e nós ficamos no aconchegante sofá. Tudo era feito de madeira, com um toque de rusticidade. Nem parecia uma casa na cidade. Era como estar em um microcosmos isolado.

_Você é muito linda, sabia?_ ele beijou meu pescoço._ Vamos para o quarto?

Eu afastei-o um pouco para que pudesse encará-lo. _Não..._ deixei a xícara na mesa ao lado do sofá._ Eu acho

melhor irmos de vagar... _Tá..._ ele não pareceu satisfeito, mas acabou acatando. _Você não disse que tínhamos algumas coisas para ver aqui?

Ou isso era mentira também? _Está me chamando de mentiroso?_ riu e me beijou. Afastei os fios de cabelo que lhe caiam na testa e sorri. _Não, infelizmente era verdade!_ ele revirou os olhos._Vou lá

pegar. Eu fiquei ali na sala, medindo meu heroísmo de resistência e

calculando se de fato o melhor era fazer a razão prevalecer sobre os instintos...

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18 (Ricardo) _ Seu Ricardo..._ Fátima veio para cima de mim, assim que eu

abri a porta da sala. Ainda naquele estado de robô, joguei a pasta na mesa, desatei o nó da gravata e abri meus ouvidos para mais uma de suas péssimas notícias. Já estava de saco cheio de sempre chegar em casa e ser informado de que algo não ia bem.

_O que foi dessa vez?! _O que foi dessa vez foi sua mulher que não atende o

telefone!_ respondeu Daniela, antes de Fátima esbolçar qualquer frase. O que ela fazia em casa naquela hora?Ah! Deixa eu adivinhar: devia ter passado a tarde com Guimarães, agora eles só viviam grudados. Ninguém na empresa sabia, mas eu estava a par de todos os detalhes à cada manhã que ele entrava na minha sala com um sorriso enorme e sempre me inquerido porque eu vivia de mau humor. Aquila alegriazinha dos dois começava a me incomodar!

_Deve ter desligado. Ela faz isso quando não quer ser pertubada em alguma reunião..._ informei com a voz mais arrastada que encontrei dentro de mim e sentei no sofá.

_Ricardo?!_ Daniela jogou o telefone em cima da poltrona, em sinal de desistência._... sua filha está ardendo em febre...!

Eu deitei e afoguei o rosto na almofada, louco para alguém também começar a gritar preocupado por mim, por minha saúde física e mental que ia ralo a baixo, melhor, casamento a dentro!

_Você não vai fazer nada?!_ me olhou como se eu fosse Hitler. _Vamos levá-la para o hospital!_ fiz um esforço, me levantei e

peguei as chaves do carro. Logo Fátima apareceu com minha filha, Angélica, que estava com as bochechas avermelhadas.

O médico passou um remédio e pronto, simples, lá estávamos de volta a casa, depois de solucionar aquela tempestade. Agora era só eu me entregar a um delicioso banho e me abraçar a minha caminha...

_Como é que é? Vocês levaram a MINHA filha ao médico e não me chamaram, não me comunicaram...?_Alice começou seu ataque assim que abrimos a porta da sala e a encontramos.

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_Nós tentamos senhora, mas o telefone estava desligado... _Fátima tentou se explicar.

Eu subi direto para o quarto. Alice entrou no banheiro e iniciou um monólogo estridente de como eu não deixava ela participar da maternidade a que ela tinha direito, de como eu era egoísta, frio e muitos eticetaras que ficaram abafados, lá longe, do outro lado do box. A água quente que caia em mim me anestesiando...

Ela continuou infinitamente suas lamúrias. Eu peguei o travesseiro e fui deitar no sofá. Alice ainda gritou do alto da escada que estava cheia de eu não ouví-la.

Eu ouvia! O problema era esse: eu não queria mais era justamente ouvir nada, nem ninguém!

Dormi um sono pesado, infeliz, sem espaço para sonhos. Tudo que eu viria a descobrir, depois daquele dia, acontecera

ali, debaixo do meu nariz, enquanto eu dormia para a realidade.

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19

(Daniela) A minha vida amorosa foi um campo de batalha com nenhuma

vitória e muitas minas ainda ativas. Por isso, ando com cuidado neste terreno. Mas ultimamente só tenho a dizer que estou feliz. É um friozinho na barriga que sobe a cabeça e me tira a razão perigosamente.

Guimarães tinha um papo enciclopédico, sempre circundando todos os assuntos do momento, do passado e do porvir, com um toque de galanteio irresistível. E eu sabia que era fraca para aquilo e ainda, pior (!), me deixava com total permissão me levar pelo ritmo do seu encanto e sedução. Era um teatrinho excitante do formal e casual que jogávamos à dois, para que ninguém sonhasse o que ocorria da esquina para lá da empresa...

Até aquela quinta-feira, um dia em que algo não estava bem. Ele me pareceu um pouco sério depois de um telefonema que eu havia transferido, simplesmente o encontrei absorto na sala, apertando a caneta como tique nervoso. De portas fechadas, eu sabia que não era encenação, ele de fato me ingnorou, me fez me sentir algo menor àquilo que mexia com a cabeça dele.

Isso me deu pavor. Pavor que tive medo de ser ciúme. Ciúme que, se existisse, denotava paixão. Paixão, não!Isso não! Eu não podia ficar tão envolvida assim... Mas, mas... Se outra se envolvesse antes e era nessa outra irreal que ele estava pensando?

_Está preocupado?_ perguntei, enquanto colocava alguns papéis em cima da mesa.

_Nada demais..._ balançou a cabeça para os lados, como se seus devaneios fossem fumaça que se disperssassem no ar. Ficou de costas, olhando a rua através do vidro azul escuro. Mãos nos bolsos, cabeça no infinito._Dani?_ ele só me chamava assim, quando a linha tênue entre o que manda e o que quer ser mandado se rompia._ virou-se e me puxou delicadamente pelos braços, olhou nos meus olhos._ Vamos para casa?_ pediu sério e por alguns segundos achei que pudesse ser minha última chance de aceitar ou não pôr aquilo em diante.

_Agora?_ ri nervosa.

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_..._ ele continuou olhando fixo e borboletas voaram em meu estômago.

_Daqui a dois minutos eu desço._ falei séria também. Não imaginei aquele momento sendo tratado com a seriedade

de um acordo comercial, mas aquela medida certamente era um marco de abandono aos nossos fantasmas passados e um sim ao presente. E o presente éramos nós.

Quando chegamos em sua casa, fomos diretos e fixos para o seu quarto, onde ele era um terceiro, que eu ainda não conhecia.

Entre o sério, o descontraído e o romântico, esse foi o mais saboroso descobrir. Desceu-me a alça da blusa e arfou no meu pescoço, escorregando a boca pela curva do colo. Deslisou por dentro de todas as reentrâncias com volúpia.

Abri-lhe a camisa e arremecei para o nada. Experimentei a fronteira entre pele e o pêlo que desejava há tanto sondar. As bocas expeliam o ar quente do vulcão que emergia seus líquidos com a brutalidade de um cisma libidiano. E caímos fracos, ao sabor da carne. Como um fruto que se solta e abre ao solo, pendemos um sobre o outro, na cama.

Ele tinha um peso e uma força bruta, musculosa, larga, grossa, que envolvia, segurava, penetrava desejo à dentro. Ainda puxei o lençol com esforço, de costas, tentei fugir, mas as mãos que me contiveram, tomaram minha nuca, eriçando todos os pêlos. Era tarde, fluí e me derramei por inteiro.

Senti os fios sedosos entre meus dedos, dialogamos em uma língua silenciosa, braíllica, felina. Sorri e esqueci onde começava meu eu. Era a sensação de princípio e fim de tudo. O topor, o suor, o silêncio indolor do nada: o êxtase.

Desfalecemos os dois, num abraço úmido e pacífico, engolidos por um narcótico sono profundo.

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20 (Ricardo) Apesar de Alice e eu brigarmos, de alguma maneira ela sempre

faz a tormenta voltar a calmaria e tudo que eu queria era justamente isso: um mar pacífico. Outra que estava vivendo bem era Daniela, que viajara com Guimarães por "motivos de negócios" para uma praia paradisíaca...

_Sabe quem anda apaixonado, Alice?_ perguntei alto, para que ela pudesse ouvir através da porta do banheiro entre aberta._ Melhor, sabe quem está louco pela sua irmãzinha?

_Quem?_ ela perguntou, com uma voz um pouco distorcida, devia estar em uma de suas sessões noturnas de creme.

_Guimarães. O barulho de um vidro se espatifando no banheiro me fez

levantar da cama e largar meu computador. Perguntei o que tinha acontecido, mas só foi o perfume que caíra no chão e enchera o quarto com um cheiro muito forte.

_Tudo bem com você? _Tudo._ Ela pulou a poça de perfume e passou por mim

absorta, parecia nem escutar o que eu dizia, depois se pôs de pé na varanda mirando o jardim contemplativamente. Perguntei outra vez se estava preocupada com algo e ela respondeu que eram coisas da loja, caminhou para cama e fechou os olhos. Havia pensando em curtir um pouco mais daquele momento "de bem" com ela, mas Alice não parecia hoje estar para isso.

Na manhã seguinte, foi Fátima quem me alertou para as atitudes da minha mulher:

_Ela ontem passou o dia tentando falar com alguém no telefone e não conseguiu.

_Será que é falta da irmã?_ perguntei irônico e nós dois rimos. _Alguém aí sentiu minha falta?_ como que adivinhando que

falávamos dela, Daniela apareceu na porta da sala. Jogou a mochila no chão e fez festa com meu cachorro que a recebeu cheio de patadas e lambidas saudosas. _ Fatinha, que saudade dos seus biscoitinhos!_ ela tascou-lhe um beijo na bochecha e roubou uns biscoitos de amido de

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milho do pote._ E aí, Ricardo, tudo certo por aqui?_ perguntou já enchendo o copo de suco.

_Até agora, sim!_ limpei a boca com guardanapo. _Vou dar um beijinho na Angélica e ir para o trabalho.

_Me dá carona?_ pediu. _Claro._ levantei-me e ela me seguiu. Não esperou e passou

na minha frente, pegou minha filha no colo e a ninou. _Que menina mais esperta, acordou cedo, minha princesa?!_

fez caretas para Angélica._ Olha que sol lindo lá fora!_ afastou com uma das mãos a cortina rosa._ Daqui a pouco vamos te ver andando de patins por ali, óh!_ apontou para a rampa da garagem.

Daniela estava com as bochechas rosadas e parecia tão renovada, exultante. Sua energia contagiava quem chegasse perto, não nego que senti falta disso.

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21 (Daniela) Eu estava já sem limites, totalmente entregue a emoção e

felicidade daquela paixão. De certa forma nem fazia tanto esforço mais para disfarçar, até queria mesmo que algumas pessoas percebessem logo. Decidi, então, fazer uma surpresa para Guimarães. Ele ligara para informar que ficaria em casa àquela manhã e eu pedi ao motorista da empresa que me levasse até a casa dele.

No carro, olhando através do vidro preto as àrvores que cervavam o caminho, tive uma sensação de relaxamento e paz tão gostosa. Fechei os olhos e encostei a cabeça no banco. Pensei em Marcos, nos Estados Unidos. Segundo seus emails, está namorando uma garotinha patricinha e ficando com outra mais velha. Sorri da idéia, ele não tomava jeito. Inevitável também não lembrar de... Não, é melhor não ficar mais desenterrando os mortos, tenho que aprender a deixá-lo quieto, adormecido dentro de mim. E para tomar o lugar do pensamento, claro, veio a imagem de Guimarães.

Abri o portão bem de vagar, eu já tinha a chave que ele copiara para mim e entrei pela cozinha.

_Oi!_ falei baixinho e a empregada deu um pulo de susto. Seus olhos se arregalaram.

_O que está fazendo aqui, menina?_ ela me pareceu um tanto nervosa demais, para quem já vira por diversas vezes eu dormir e acordar ali.

_Eu vim fazer uma surpresa para ele. Ainda tá dormindo? _Não, está no escritório, mas não vá para lá porque está

recebendo visita e..._ ela pegou no meu braço e por um segundo achei que estava me expulsando.

_Tudo bem, então, já que é assim, eu espero. _Tem certeza que não é melhor voltar mais tarde? Ele pode

ser que não queira te ver aqui agora, porque... _Que isso..._ eu sorri e coloquei a mão no ombro daquela

mulher baixinha._ Não precisamos esconder nada... Você sabe que eu e ele estamos muito apaixonados... Não se preocupe, ele não vai ficar...

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_Seu idiota!_ ouvimos um berro de uma mulher e o barulho de vidro se quebrando. Dei um passo a frente, mas a empregada me segurou pelo braço.

Meu coração disparou. _Me solta._ eu tentei passar, mas ela fechou a porta da

cozinha e trancou com a chave. _Quem é essa mulher?_ apontei em direção da sala._ Por que

ela está gritando? Ou você me responde agora ou eu... _Daniela, acalme-se..._ ela fez sinal para que eu falasse mais

baixo. _Ele vai poder te explicar tudo... Peguei a minha bolsa e sai da cozinha, dei meia volta na casa,

e antes de tentar abrir a porta da sala, vi pelo vidro Alice. Meus movimentos se congelaram. _Sai daqui, Alice!_ Guimarães ordenou gritando com ela._ Eu

já não aguento mais esse inferno!_ a voz dele parecia embargada. _Eu amo você! Eu sempre amei você, desde que te conheci!_

ela estava chorando. _Eu também te amo, só que quando pedi para ficar com você,

o que fez? Preferiu ficar com Ricardo, não foi?! Então, agora fique com ele, com a sua filha, com a sua vida e me deixa ser feliz! Vai embora!

_Por que a Daniela? Para me provocar ciúme dentro da minha própria casa?_ Alice chorava como eu nunca te visto antes.

_Eu não sei... Aconteceu... Ela é uma garota legal e quero tentar.

Garota legal? Aquilo foi um soco no meu estômago. Não podia estar acontecendo. Eu estava catatônica.

_ Mas eu estou sofrendo muito com isso, Gui. Você sabe que o que vivemos foi tão intenso!

_Então, eu podia ficar com todas, menos com ela, porque é sua irmã? Ah! Dá um tempo!_ Guimarães parecia perder a paciência. _ Mas você pode engravidar do Ricardo e me dar um chute na bunda quando eu me separei da minha mulher?

_Não foi de propósito!_ Alice sentou no sofá e estava desconsolada. _ Mas o Ricardo é maravilhoso também, eu ia dizer o que para ele? Que estava com o melhor amigo dele?

_Eu também não sei como suportaria perder meu melhor amigo, ele é como um irmão pra mim._ Guimarães deu um soco de leve

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na parede e encostou a testa._ Só que agora, já era, vocês têm uma filha...

_A filha é sua..._ Alice segurou o soluço e levantou-se._ Ela se parece com você, eu já mandei fazer os exames...

_Alice, sai da minha casa, por favor, some daqui!_ Guimarães apontou para a porta da rua.

Senti uma mão me puxar. Era a empregada que me levou até a varanda da cozinha.

_Você não deve se meter nisso. Meu Deus, você está muito gelada.

Tudo escureceu e eu desmaiei. Acordei um tempo depois deitada na cama de Guimarães e ele sentado em uma poltrona.

_Nossa, que susto que me deu!_ ele sorriu e levantou-se. Passou a mão no meu cabelo.

_Não me toca._ afastei-me para trás como se estivesse ao lado de um monstro.

O sorriso dele murchou. _Ela viu que eu estava aqui?_ sentei e tentei recobrar as

forças. _Não, não viu._ ele tinha uma voz triste._Eu posso explicar

tudo. _Não precisa, eu já ouvi demais por hoje._ fiquei de pé e

caminhei para a porta, mas ele não se mecheu, ficou lá. _Eu não quero perder você._ sua voz grave ecoou pelo quarto. _E eu não vou competir com a minha irmã, eu não quero me

machucar mais._ bati a porta. Chegando na empresa, peguei minhas coisas e não respondi a

ninguém sobre o porquê eu parecia mal. Simplesmente não conseguia nem digerir a idéia daquele

triângulo amoroso. Por mais que tudo fosse verdade, Guimarães não quisesse mais ficar com Alice, ele deixara claro que a amava.

Como eu poderia imaginar que os dois tinham um caso? E também não era hora de me culpar.

Pela primeira vez, lembrei daquele que ainda não sabia que estava no meio daquela confusão toda: Ricardo.

Alice sempre atravessava meu caminho. Sempre me tirava o que era meu. Agora não perderia a oportunidade de dizer que eu estava querendo me vingar. Mas a única coisa que eu quero é ser feliz. Isso é pedir demais?

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Agora eu entendi toda sua estupidez, desde que soubera que nós estávamos juntos. Ricardo deveria ter contado. Ela estava morrendo de ciúme.

Acho que está na hora de eu lutar de vez contra ela e impedir que siga me pisando. E eu já sabia o que lhe iria tirar. Limpei as lágrimas dos olhos.

_Cansei de ser boazinha._ falei entre dentes, para mim mesma.

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22 (Ricardo) Depois de bater na porta da sala, abri: _Daniela... Cadê?_ franzi a testa e apontei para fora, mas

Guimarães não fez nenhum sinal de resposta. Olhava a parede fixamente, enquanto segurava a caneta na altura do queixo acariciando-a._Está tudo bem ou estou interrompendo algum processo criativo?

_Só alguns problemas. Mas entra aí!_ indicou a cadeira para sentar._ E então? Os investimentos da Coldi estão...?

_Não, não vim aqui falar de negócios..._ interrompi._... Vim falar de mim._ expliquei-me, invertendo os papéis, já que era ele que ultimamente vivia cheio de novidades.

_Claro!Fala!_ chegou mais para frente e se pôs em posição de escuta.

_Sei lá..._ recostei-me na cadeira, era incômodo ficar falando de si, mas eu tinha que desabafar. Tava explodindo, nem conseguia trabalhar direito._ Eu estou feliz com o nascimento da minha filha. Imagina? Ter alguém que foi fruto seu? Só que meu casamento é uma história a parte. Eu não me sinto assim mais louco de amor pela Alice. Ela está tendo uns ataques de stress, começa a chorar sem saber por quê. Imagina que hoje na hora do almoço se trancou no quarto e não quis falar com ninguém. O que você acha que eu devo fazer?

_Pô, Ricardo..._ Eu tentei salvar o meu: fiz várias "missões ressureição, mas depois vi que não deu em nada...Agora cada caso é um caso, ou melhor, cada casa um caso._ riu-se do trocadilho.

_É. Vou tentar mudar alguma coisa, antes que tudo acabe de vez. Tudo bem com você e Daniela?

_Tivemos uma discussão, mas vai tudo ficar bem. _Você vai fazer algo hoje à noite? _Não. _Vem jantar com a gente. Vou preparar algo legal e aí a gente

tenta fazer nossa "missão ressureição". A Alice vai adorar! Que tal? Só nós quatro. Por favor, vai?

_..._ ele ficou pensativo. Capítulo 23: (Daniela)

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_Menina, Daniela?!_ Fatinha bateu na porta do quarto. Olhei-a de lado, ainda deitada na cama._ Seu Ricardo disse que vai vir para casa com o amigo dele.

_Guimarães? _Isso._ ri, isso só podia ser brincadeira. _ Não disse para ele

que eu estava aqui né? _Disse, você não me falou nada que era para... _Droga, Fatinha! _Mas Dani, você... _Tá tudo bem!_ sentei-me e minha cabeça parecia uma caixa

de cacos de vidro saculejando._ Eu não quero ficar para esse jantar! _O que está acontecendo, Dani?_ Fátima sentou-se ao meu

lado e mecheu no meu cabelo. _Deu tudo errado..._ respirei fundo._ Eu fui na casa dele hoje

e ele estava com outra mulher... _Ah! Menina tsi tsi..._ ela ficou desapontada._ E seu Ricardo

não deve ter feito por mal. Se ele soubesse não teria convidado... _Não! Ele nem suspeita. Porque quem estava lá..._ olhei-a nos

olhos._ Era Alice se declarando de amores!_ falei com voz de nojo._ Caramba, eu to precisando tomar um bom banho de sal grosso, não é possível!_ levantei-me irada e comecei a andar pelo quarto._ Eles estavam mantendo um caso e ela acha que a filha não é do Ricardo! Tem noção? O Guimarães não acreditou, achou que era chantagem... Mas como eu fico depois de engolir essa?_ coloquei as mãos na cintura esperando alguma reação de Fátima, ela fora minha companheira de ombros nestes últimos meses. Mas parecia não se assustar com nenhuma daquelas notícias._ Você sabia?

_Eu desconfiava... _Por que não me falou?_ me senti desapontada._ Assim eu

não teria bancado o papel de idiota! _Não foi idiota, você estava feliz e ele também. Não queria

estragar sua vida, menina. Eu não tinha certeza. _É, mas agora eu tenho!_ sentei ao seu lado de novo. _O que vai fazer? Vai contar tudo para o Ricardo? _Não sei._ dei de ombros._ É muita ironia do destino._ ri

daquela loucura toda. _Você sabe que vai ter que olhar para os três o jantar inteiro... _Cara, coitado do Ricardo. Ele tá pagando o corno sem nem

saber. Pior que eu estava gostando muito do Guimarães, sabe?

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_Sei, eu vi como estava feliz. Fátima voltou para a cozinha a fim de preparar o jantar e eu

tomei um banho, precisava tirar aquela roupa do trabalho e me recompor.

Permaneci reclusa no quarto, até que fosse inevitável ir para a sala. Fátima veio anunciar que todos já estavam tomando drinks. Abri a mala, retirei um vestido vermelho que tinha um tecido amarrotado. Vesti acompanhado de uma sandália alta dourada. Olhei-me no espelho da porta do guarda-roupa. Pintei o olho de preto e a boca de vermelho sangue. Escovei o cabelo e terminei com uma gargantilha de fita preta no pescoço.

A música que já estava tocando enchia a casa com o som de um piano. Alice dançava com Ricardo, enquanto Guimarães sentado, observava os Cds. Ele me encontrou com os olhos e sorriu. Mas não foi com o mesma alegria com que Alice me recebeu. Ricardo fez sinal para eu me aproximar e perguntou se eu era boa de dança.

_Claro!_ sorri e apertei o botão no som. Busquei um CD na estante. Alice resmungou por eu cortar seu barato. A música animada começou a tocar e Ricardo gostou. Puxou a mulher para dançar.

Eu peguei Guimarães pela mão e o fiz colocar a mão na minha perna e ele, tadinho, achou que eu estava fazendo as pazes. Começamos a dançar sensualmente. Alice não conseguia parar de tirar os olhos de nós. Cada vez o ciúme dilatava mais suas pupilas.

Ricardo parou um pouco e pediu licença para subir e trocar de roupa, ele tinha chegado junto com Guimarães da empresa.

_Pronto, o palco está armado._ eu abri os braços e me inclinei para Alice e Guimarães, em sinal de reverência, quando Ricardo já tinha se retirado._ Vocês agora podem dançar juntos. Não vão precisar fingir.

_Do que está falando?_ Alice riu insegura. _Do que estou falando, querida?!_ cheguei mais perto._ do pai

da sua filha e você. Ah, e do panaca do Ricardo, que não está aqui para se defender.

Alice olhou para Guimarães em agonia, pedindo um socorro. _Como é?_ dirigi-me para ele._ Vai contar para o seu amigo

depois da sobremesa que os olhos verdes a menina puxou de você?_ perguntei para Guimarães de braços cruzados._... porque, que eu saiba, na minha família não tinha ninguém assim!_ comentei e ele pareceu cair na real que Alice podia não estar delirando quando lhe contara sua

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suspeita._ Eu não sei como conseguiram sustentar até aqui, mas deve ter sido excitante a emoção de brincar de pique-esconde.

_Para mim, chega!_ Guimarães pegou o palitó._ Fala para o Ricardo que me chamaram no telefone de emergência.

_Ah! Essa é a desculpa que sempre usaram?_ perguntei irônica.

_Cala a boca!_ Alice estava vermelha de vergonha, levou-o até a porta.

_Ah! Não esqueça o beijinho de boa noite!_ ironizei. Alice voltou-se para mim e apontou o dedo na minha cara: _Não ouse abrir a boca. _Não se preocupe, é você que vai ter que escolher qual dos

dois vai querer. Alice desistiu do jantar e foi para o quarto, logo em seguida,

Ricardo chegou com o ar de desolação por terem estragado sua brincadeira. Sua festinha foi colocada abaixo por mim.

_Mas ainda temos nós dois._ peguei duas taças de vinho, caminhei até sua direção e ofereci uma a ele.

Sorri. Ricardo aceitou e bebeu do meu veneno.

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23 (Ricardo) _Você parece estranha. Aliás, vocês parecem estranhos._ ri e

me joguei no sofá. Ajeitei a cabeça em uma almofada. Daniela ficou me olhando e não resistiu, perguntou porque eu

havia dito aquilo. _Sei lá, você briga com Guirmarães, trata ele bem, daqui a

pouco eu volto e ele já foi... _Podemos não falar disso?_ ela bebeu o resto do vinho da

taça e olhou para mesa._Não vai querer comer? _É._ levantei-me e me arrastei até a cadeira, por pura

obrigação. _Ricardo, eu vou embora daqui. _Ãnh? Embora, mas para onde? _Não sei, acho que acabo provocando muitas brigas aqui,

posso alugar um canto... _Por mim não há nenhum problema._ respondi._ Na verdade,

você acaba sendo minha maior companhia. Meu cachorro latiu. _Você também, garotão!_ afaguei a cabeça dele e dei uns

tapinhas para que se deitasse. _Obrigada. Eu estava pensando em arrumar um lugar... _Vai tudo ficar bem, as coisas estão se ajeitando, daqui a

pouco seremos uma família... _É interessante como você dá valor a isso: família. _Dou. Porque quando eu chego de uma batalha cambial, cheia

de cotações, bolsas, transações e todo aquele inferno por fazer as empresas renderem..._ ri_... eu quero sentir o calor da casa, ouvir vozes amigas, ligar a Tv e ficar perto de pessoas que me deixam seguros...

_Nossa que bonito, se não te conhecesse, diria que era uma mulher.

_Ah!_ taquei-lhe uma azeitona da salada._ Tá me zoando. _Eu?_ devolveu a azeitona._ O poeta é você._ riu alto. _Eu sei que já deve estar cheia de eu dizer isso... E dos outros

ficarem repetindo... Mas você é tão diferente...

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_Da minha irmã? Tá eu sei._ ela fechou o sorriso e fez um semblante de aborrecimento, por tocar naquele assunto.

_Desculpe, não é por mal que digo._ coloquei minha mão sobre a dela e a segurei._ É só porque ela poderei ter muitas coisas que você tem...

_Tipo quais?_ ela inclinou o rosto para o lado e apoiou a cabeça na outra mão semi fechada.

_Não sei, talvez a alegria, a simplicidade de ver as coisas... _Nesse caso você queria que ela fosse eu..._ falou baixinho. Não respondi, continuei a comer e ela não insistiu, gostava

disso, de não ter coesão nossas conversas, simplesmente eu podia silenciar.

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24 (Daniela) Tudo aconteceu tão rápido. Alice me dizia, enquanto me dava uma carona para a empresa,

que hoje estava com a agenda lotada de compromissos. Foi quando ouvimos o estrondo. Por alguns segundos a vida girou lentamente.

O carro que vinha na direção oposta em alta velocidade, empurrou o nosso para longe e paramos de cabeça para baixo, em meio às ferragens.

Milhares de pequenos vidros enchiam minha blusa. Me contorci, mas não conseguia tirar as pernas, nem Alice, que estava com o rosto ensanguentado:

_Ai..._ ela gemeu e me olhou aterrorizada. _Calma, deve ter quebrado alguma parte do corpo. Fica

quieta._ aconselhei, sem poder me mexer muito. _ A gasolina... E se o carro explodir?

_Não! Eu não quero morrer._ ela começou a ficar desesperada. Naquele momento, a sua agenda não significava mais nada, uma única fagulha nos levaria ao pó.

_Psiu... Não fique nervosa..._ peguei sua mão ao lado da minha e apertei com força._ vamos sair dessa.

_Tenta pegar meu celular..._ ela aguentou firme a dor e tentou pensar friamente.

Consegui pegar o telefone, ela pediu para discar para o número 9 e eu ouvi a voz do outro lado. Era Guimarães. Coloquei no ouvido dela:

_ Gui, o carro bateu, nós estamos machucadas, eu não quero morrer, vem me buscar, por favor..._ ela começou a chorar.

_ Alô? Guimarães?_ tomei a rédia da situação e dei as coordenadas para ele. Depois, pedi mais uma vez que parasse de chorar, porque isso a fazia sangrar mais no rosto.

_Não podíamos ter usado o celular, é perigoso... _Eu precisava falar com ele..._ ela tentou se acalmar, olhou-

me meio sonolenta.

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_A vida pode acabar assim num piscar de olhos..._ comentei._ O que estamos fazendo com ela?

_Eu não sei... Eu to fazendo tudo errado..._ ela segurou minha mão._ eu quero sair daqui viva.

_Vai sair._ sorri e percebi que ela estava ficando inconsciente. Alguns curiosos começaram a rodear o carro e perguntar se

estávamos bem. _ Alice, não dorme, fica me ouvindo, olha para mim... _..._ ela apenas me mirava com esforço. _Você quer ficar com Guimarães, não é?_ esse era o único

assunto que a motivaria, por mais que não fosse fácil usá-lo._ Você gosta dele?

_Muito, eu o amo...Mas e o Ricardo? _Conta para ele. _Não! Não conta nunca para ele... Por favor..._apertou minha

mão. _Tá, tá tudo bem... _Jura?! _Juro._prometi._Não vou contar. _Se eu morrer..._ fechou os olhos e abriu de novo._ você

nunca vai contar? _Não. Mas você me promete que vai viver?_ comecei a ficar

com medo de perdê-la, não queria ficar sem minha irmã, um desespero me bateu, ela já me fizera sofrer, mas eu estava tão perto de ficar sozinha._ Alice, Alice, promete para mim que vai viver para lutar? Lutar pelo seu Gui..._ toquei no seu rosto molhado de sangue e comecei a chorar._ Alice?

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25 (Ricardo) Quando cheguei ao hospital, o primeiro que vi foi Guimarães,

sentado na sala de emergência, com a cabeça enfiada nas mãos. Aquilo não me parecia nada bem. Vendo meu ar de desesperado, logo ele fez sinal para eu me acalmar e sentar também. Explicou que Alice estava em coma e Daniela parecia se recuperar bem.

_Meu Deus, como isso foi acontecer?_ perguntei ainda sob o efeito da notícia.

Conseguimos autorização para ver Alice, que realmente estava em coma, no sono mais profundo possível. Passei a mão em seu rosto e fiquei pensando de repente que a nossa vida não ia bem, que eu estava encarando tudo como uma grande obrigação. Eu sei que não é a hora, nem o momento de sentir isso, mas esse sentimento veio junto com a culpa. Uma culpa infundada, como se ela não estivesse que estar ali, nós não tivéssemos que estar vivendo isso tudo. Ricardo percebeu que eu estava estafado e pediu para eu ir até em casa comer alguma coisa. Ele se prontificara a ficar.

_Pô, cara, nem sei como te agradecer!_ Abracei-o._ Você é como um irmão para mim. Obrigado por ter essa consideração pela Alice, ela nem é nada sua...

_Que isso! _Eu vou ver a Daniela._ comuniquei e sai do quarto. O corredor longo me levou até um outro quarto, onde Daniela

estava jantando. _Nem me esperou para o banquete?_ironizei e ela sorriu ao

me ver. Estava com a mão enfaixada e a perna direita engessada, mas parecia muito bem, para quem sobreviveu ao acidente.

_Que bom que está aqui._ ela pegou a minha mão e eu me inclinei para dar um beijo na sua testa._ Vocês quase me matam de susto.

_Eu cheguei a pensar que... _Psiuuu. Não fala nada._ pedi falando baixinho. _Tive medo do carro explodir...

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_Mas agora está segura._ lembrei-a e seus olhos azuis ficaram me fitando.

_Hoje, eu vejo que morrer faz diferença, eu ainda tenho tanta coisa para viver.

_Claro que tem! Ainda vai casar, ter uma família... Não é hora de fazer às pazes com Guimarães? Ele está sendo muito legal. Agora está lá com Alice.

_Está é? Hum... _ virou o rosto para o lado. _Hei?! Você não está agora com ciúme da sua irmã, né?_ ri._

Ela está em coma..._ contei e isso não era engraçado. _Eu não estou bem..._ ela passou as mãos nos olhos e vi que

estava chorando. _Que foi? Quer que eu chame o médico? _Não, não é nada. Só estou um pouco abalada. _Oh, não fica assim. _abracei-a e beijei sua cabeça, parecia tão

frágil._Vou te levar para casa logo, logo, tá?_ falei bem perto do seu rosto.

_Obrigada._ ela tocou-me as bochechas com a mão fria._Você não merece nada disso.

_Hei, eu sou forte, não se preocupe._ sorri. _Eu sei que é. _ ela ficou me analisando em silêncio. Capítulo 27: (Daniela) Eu já estava naquele hospital havia três dias. O acidente

pareceu não apenas girar o carro no ar, mais virar também a minha vida de cabeça para baixo. Agora eu já podia ficar de pé e ir ao banheiro sozinha. Felizmente hoje poderia sair daqui.

Caminhei pelo corredor, em busca do número que Ricardo havia me informado ser o da minha irmã. Eu precisava vê-la. Quando abri a porta e entrei, dei de cara com Guimarães, que pareceu levar um choque e se afastou de Alice. Ricardo estava na administração, assinando tudo que era necessário para eu poder ir para casa e Guimarães devia ter aproveitado para ficar à sós com Alice..

Ele tentou manter uma conversa amistosa, perguntou sobre meu pé engessado.

_Eu pensei que ela fosse morrer._ cortei-o, mostrando que não estava para um papo fingido.

_Eu ainda tenho esse medo. _Ela vai acordar, ela me prometeu que faria isso por você._

olhei-a imóvel na cama.

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_O que ela falou? Virei-me para ele, estava cheio de olheiras, com o terno em

desalinho, cansado. _Tudo bem se não quiser falar... _ ele disse. _Ela ficou com medo de te perder. _contei-lhe. _Ela sempre me teve._ ele respirou bem fundo e sentou,

absolutamente rendido de todas as forças para lutar. _Alice estava com medo de te perder para a morte, de não

está aqui mais para viver ao seu lado. _Isso é uma loucura. O cara que é marido dela é meu melhor

amigo!_ era possível ver desespero na sua voz. _Vocês se amam e não é uma coisa com que nem eu, nem

Ricardo, podemos lutar. _Nem eu..._ riu da própria fraqueza._ Eu tentei de todas as

formas... _Esquecê-la? É, eu sei..._ deixei implícito que sabia que ele me

usara para tirá-la da cabeça. Eu mereço! _Desculpe, desculpe... Eu estava gostando do nosso... _Eu não quero ouvir nada disso... Se não se importa. _ cortei-o

gélida. _Claro, tudo bem. _ constrangeu-se. _Agora como pretende vir aqui todos os dias, sem dar na

telha?_perguntei. _Não sei._ ele ainda não havia pensado nisso. _Teremos que fingir._ sugeri. _Fingir? _ele franziu a testa. _Se Ricardo achar que nós estamos juntos, entenderá você

vindo comigo vê-la. _Isso não é justo. _desconsiderou._Eu não quero enganar o

meu amigo. _Não pense que vai ser fácil para mim compactuar com vocês

dois, porque ele não vai me perdoar, quando descobrir! _Se não quiser, não precisa, Daniela... _Eu prometi a ela._fui taxativa. _E como fazemos, então?_ por fim concordou e ali vi que

estava disposto a tudo a lutar pela minha irmã. A porta se abriu e era Ricardo, com flores nas mãos. Explicou

que chegaram para Alice, colocou em um jarro ao lado da cama. Guimarães e eu ficamos quietos, olhando-o cuidar das rosas amarelas e

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pensei que ele era legal demais para descobrir que mentíamos.

Estiquei a mão e dei-a para Guimarães, que a olhou e depois me fitou com os olhos medrosos. Apertei-a e nós sabíamos que começava ali o nosso pacto de silêncio.

Ricardo virou-se, seus olhos se fixaram em nossas mãos dadas e ficou sério. Ele entendeu o recado simbólico que eu e Guimarães deixávamos.

_Eu preciso ir._ virei-me para Guimarães e o beijei nos lábios rapidamente.

Ricardo adiantou-se até a porta e Guimarães falou que também sairia, pois precisava resolver algumas coisas no escritório. Antes de ir, me puxou para um abraço e sussurou no meu ouvido:

_Obrigado. _Torça para isso acabar logo. _aconselhei.

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26 (Daniela) Fátima estava empenhada na tarefa de cuidar de mim, com

uma semana de sopinhas e mimos eu já estava novinha. Só reclamava que eu não devia ficar para lá e para cá pela casa com aquele gesso pesado.

Ricardo também tornou-se seu filho mais que nunca. Alice não acordara e ele se desdobrava no trabalho, mas ao chegar em casa sempre era obrigado por nós duas a se alimentar e dormir.

O outro que passou a frequentar mais a casa, para manter nosso pacto, foi Guimarães, esse sim muito mais abatido. Mas eu não queria pensar sobre ele, apenas sobre o meu futuro. E falando no amanhã, eu não sossegara até que Fátima atendesse meu pedido. Eu queria que ela jogasse as cartas para mim. Desde que descobri que ela era neta de uma cigana, a importunei.

Numa noite, em que eu estava na sala, lendo no sofá, ela sentou-se à minha frente com o bolo de cartas nas mãos. Senti um frio na barriga e sorri. Ela com seus anéis grandes embaralhou tudo calmamente. Eu não atrapalhei sua concentração e sentei prontamente.

_Dani, você queria saber como ficará sua situação com o Guimarães..._ ela dispôs o baralho e pediu para eu puxar três cartas. Escolhi uma do meio, outra da ponta e mais uma do meio._... Esse é o namorado._ virou uma carta de um cupido e um homem entre duas mulheres._ Você está entre o ciúme e a inveja. Entre o prazer e a moral. Isso vai te pedir muitas forças para se equilibrar..._ Virou mais uma carta._Essa carta é o sol e esses dois gêmeos representam o princípio feminino e masculino. Você vai começar a viver um momento tranqüilo e calmo na sua vida.

_Que bom!_ sorri e fiquei aguardando ansiosa pela terceira carta, que parece não ter agradado Fátima._ O que está vendo aí? Morte? É a minha irmã? Fala?

_Dani, esse momento bom vai passar... _Para variar..._ comentei irônica. _E virá uma separação. _Outra? Mas com quem?

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_Você vai se apaixonar por alguém e vai ter um fim bastante doloroso. Deve estar atenta à presença de uma oponente não muito brilhante, mas que está profundamente empenhado em atingi-la.

_Deve ser o Guimarães, a Alice e... Fátima recolheu as cartas, assim que Ricardo chegou na sala.

Tentou disfarçar, mas ele percebeu o que fazíamos. _Ela também tirou para você?_ Ele sentou-se ao meu lado

depois que Fátima passou direto para a cozinha. _É, mas vem coisa ruim por aí._ comentei com medo. _Não pensa assim._ ele virou o rosto para o meu lado. _Qual

carta te deixou tão abalada? _Era o cavaleiro de paus anunciando separação... E não era do

Guimarães... _Eiii como você é rápida! Já arrumou outro e nem nos

contou?_ ridicularizou. _Nãoooo!_ empurrei seu braço. _ Agora fala aí o que ela disse

para você? _Que eu ia ficar melhor depois de tudo isso e que ia ficar bem

amorosamente. Bom, quem sabe Alice acorde e... _Mas era a Alice que estava nas cartas... _Sei lá..._ deu de ombros._ A Fátima não disse nada. Eu não sei, algo estava mal explicado. Fátima saíra rápido

demais de perto de nós. Acho que alguma coisa naquelas cartas ela não quis nos contar.

_Eu estou cansada._ deitei novamente e fechei os olhos._ Eu gostaria de ser uma menina de 5 anos... queria que meu pai me levasse no colo para o quarto..._ sonhei alto.

_Será que eu tenho a cara de já ser tão velho?_ Ricardo levantou-se e se inclinou para me pegar no colo.

_Não... Não faz isso..._ pedi, esperneando. _Calma!Calma, senão vai cair!_ pediu comigo suspensa no ar.

A falta da gravidade me trazia insegurança. _Não precisa..._ falei, mas já estava me carregando até o meu

quarto. _Eu tenho que treinar, para quando minha filha crescer..._ ele

disse e eu não relutei mais. Chegando perto da cama, ele me deixou sobre o colchão. _Vai ficar tudo bem..._ ele se inclinou para me dar um beijo,

quando eu ia arrumar o travesseiro embaixo da minha cabeça, meus

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lábios encostaram perto da sua boca sem querer. Ele virou e me beijou a maçã direita do rosto.

_Você é um bom pai._ disse docemente. _E você está sendo uma ótima companhia nestes últimos

dias... Eu não sei como ficaria se tivesse sozinho... _Conta comigo..._segurei sua mão e meus olhos ficaram

pesados. Não sei por quanto tempo ele ficou ali me olhando.

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27 (Ricardo) Notei que Fátima estava meio dispersiva, enquanto colocava a

mesa do jantar. A gente sente quando a pessoa está adiando para nos dizer algo. Disse-lhe que a conhecia tão bem para saber que estava agoniada.

_Ah! Meu filho, eu não gosto de te preocupar..._ colocou o suco no meu copo._ Você já tem tanta coisa na cabeça, mas tem uma coisa muito séria acontecendo...

_ O quê?_ franzi a testa. _É com a Dani._ ela ficou parada à minha frente, medindo

palavras. Puxei uma cadeira ao meu lado e pedi que sentasse. Quando ela falou o nome de Daniela senti um aperto no peito, um frio na barriga, uma sensação estranha._ Que tem ela?

_Ela infrentou tudo muito bem no início, lembra? Só que agora, não sei se reparou, ela está emagrecendo muito... Vive vomitando, tendo tonteira... Ontem, ela caiu da escada.

_..._ fechei os olhos e suspirei fundo. _A Dani falou para o senhor que ia largar o emprego de

secretária para cuidar da Angélica, só que isso não impede que ela saia de casa, mas já reparou que faz dois meses que ela está infurnada aqui?

_É tanta coisa... que nem me dei conta... _E ela está com problemas sérios para dormir. Sempre chora

muito sozinha no quarto. Mas o que mais me angustia..._ ela mostrou o braço._ olha como fico toda arrepiada só de falar..._ deu uma pausa._ Ela pede para eu ficar vigiando ela dormir e diz: "Não deixa eu morrer, eu não quero acordar morta!".

_Ela está com síndrome do pânico._ conclui. _Eu não sei o nome disso, mas eu acho que ela está

precisando muito da sua ajuda. A Alice não está mais aqui, sabe se lá quando ela vai acordar daquele coma... Só que a Dani ficou aqui, vivinha! Você também vive infurnado nessa casa, parece que a vida de vocês dois parou no tempo.

_E o que quer que eu faça? Saia para beber com os amigos, enquanto Alice está em coma?

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_Ricardo, se você afundar também, não terá nenhum dos dois para puxar o outro e quando eu falo dois, me refiro a Daniela, porque essa eu sei que ainda tem chance.

_Eu perdi a fome._ afastei o prato._Onde ela está? _No quarto. Não comenta nada que eu falei... Levantei-me e fui direto até onde ela estava. Bati na porta

para avisar que estava entrando... A luz estava apagada, mas ouvi os soluços. Acendi a luz e não vi ninguém na cama. Enconstei a porta e caminhei até a janela que dava para a área de serviço.

_Dani?_Abaixei-me diante dela, encolhida no canto, com o braço machucado pela queda.

_Me deixa sozinha, por favor... _Não posso... Eu estava precisando de você... Ela olhou-me com os olhos inchados. _Para quê?_ limpou o rosto molhado com as costas das mãos. _Queria que traduzisse umas coisas para mim. _Ricardo, não dá para perceber que eu não estou com cabeça? _Mas é urgente! Ela respirou fundo e se levantou: _Tudo bem. Onde estão? _No meu quarto._ Levantei também e caminhamos para lá. Na

sala, passei por Fátima e pedi para ela fazer um chá para nós e ela entendeu meu recado.

_Então, o que é..._ Dani ficou de pé me encarando, quando encostei a porta.

Eu não pensara em nada rápido, não tinha nenhum papel como desculpa, nenhum documento:

_Queria que..._ cheguei bem perto e descruzei os braços dela, para diminuir a barreira entre nós._ Me traduzisse o que está se passando com você.

_Ah! Então só queria me tirar do quarto?_ ela ameaçou sair, mas a segurei pelo braço e vi que já estava chorando.

_Vem cá..._ abracei-a por um longo tempo. Realmente estava tão magra e fraca.

Fátima apareceu na porta do quarto com o chá. Pedi para ela colocar em cima do criado mudo.

_Então, você foi contar tudo para ele,né?_ Daniela resmungou ainda abraçada a mim.

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_Eu só quero o seu bem, menina._ Fátima se redimiu e eu fiz sinal para ela ir e não levar aquilo em consideração.

_Vamos tomar?_ Segurei seu rosto e ela fez que sim com a cabeça.

Tomamos em silêncio. Logo o chá de maracujá com casca de maçã começou a acalmá-la. Fátima sempre fazia para Alice, quando ela estava estressada.

_Eu acho que seria legal você ir a um psicólogo. Vou procurar um amanhã.

_Eu não preciso, não estou maluca. _Você vai..._ falei firmemente olhando nos seus olhos e pus

minha mão em cima da dela._ Eu vou com você. _Acho que Alice não vai acordar mais..._ Daniela deixou o

corpo cair para o lado e ajeitou a cabeça no travesseiro. _Mas você ainda está aqui! E eu quero que fique bem._ apoiei

a cabeça em um das mãos e me deitei ao seu lado._ Não gosto de te ver assim..._ tirei o cabelo do seu rosto._ Você precisa dormir para descansar.

_Eu sinto que eu vou morrer também... _Não vai, porque você tem que ficar para me ajudar._

levantei-me e puxei o edredom para cobri-la._ Dorme aqui hoje, esse quarto é mais fresco.

_Não, não posso ficar sozinha. Se eu começar a morrer e..._ havia pânico nos seus olhos.

_Eu vou ficar com você, então. Prometo que não vou roncar._brinquei, tentando manter o humor.

Tirei o chinelo e deitei ao seu lado. Ela se sentiu estranha, olhando todos os meus gestos.

_Vamos ver que filme legal está passando?_ peguei o controle e liguei a tv.

Ela ficou olhando para o filme por um tempo, muito dispersiva:

_Por favor, fica aqui, então, tá..._ seus olhos estava pesados de sono.

_Eu estou aqui._ afastei seu cabelo para o lado e beijei seu rosto. Não consegui dormir. Fiquei observando-a ali ao meu lado. Onde estava Guimarães que não ajudava a própria namorada? Ele não a amava, nem tinha o mesmo carinho por Daniela que eu tinha. Como ele pode viajar à negócios e deixá-la assim?

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De madrugada, várias vezes, Daniela teve pesadelos e rolou pela cama, suada. Puxei-a para perto e a envolvi com meus braços. Nos cobri com o edredom e desde então ela dormiu tranqüila, aninhada em meu corpo. Aquela noite não fez bem apenas a ela, mas a mim também, dormi pela primeira vez profundamente e acordei com o sol entrando muito dourado no quarto.

Ela abriu os olhos e se deu conta de que eu estava observando-a dormir:

_Ai não..._ ela puxou o lençol e tampou a cabeça._ Eu estou horrível...

_Ah! Está mesmo!_ puxei o lençol e fiz cócegas nela. _Pára! Pára!!!!_ implorou sentando-se._ Eu disse pára!_ pediu

e vi o primeiro sorriso da manhã em seu rosto, os olhos muito inchados ainda tinha o brilho de vida que restava.

_Acordei com uma fome. Vamos tomar café?_ comentei esparramado na cama. Espreguicei-me.

_Eu não devia ter dormido aqui, isso não é certo! _Ah! É, principalmente depois de tudo que a gente fez a noite

toda! Ela fez um ar sério. _Estou te zoando, boba!_ fiz mais cócegas e ela caiu na

cama._Nossa, como você é fraquinha. _Pára, Ricardo!_ pediu e eu parei. O café da manhã já estava caprichado na mesa, como eu

pedira para Fátima. Aguardei Daniela no estacionamento, enquanto ela terminava de se arrumar.

_Nem demorei muito, viu?_ ouvi uma voz atrás de mim que me fez parar de conversar com o seu Antônio, o jardineiro.

Virei-me e meu coração deu um descompasso. Ela estava com o rosto iluminado pelo sol. Usava um vestido azul claro:

_Nossa, você está bonita._ pensei alto. _São os óculos escuros._ brincou se aproximando e entrando

na zona de sombra do estacionamento. O perfume doce era delicioso. _Obrigada..._abriu a porta do carro e entrou. Eu me senti idiota, com uma sensação de ter sido ridículo. Não

sei o que Fátima colocou naquele chá,mas eu acordei com um ânimo, uma energia, uma alegria. Até me condenei por estar feliz, é como se fosse injusto com Alice. Mas não podia negar, eu estava tão bem.

Capítulo 29: (Daniela)

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Quando sai da sala da psicóloga, encontrei Ricardo conversando com uma mulher que estava na sala de espera. Ele prontamente adiantou-se a despedir-se dela e me acompanhou até o estacionamento. Parecia ansioso por algum comentário, mas não pediu. Apenas colocou o braço atrás da minha cintura e me guiou para que eu me sentisse segura. Antes de entrar no carro, rompi o silêncio:

_Foi bom..._ comentei e fiquei sem o resto das palavras. Ele sorriu._ Obrigada, você está sendo incrível...

_Eu vou cobrar por isso..._ ele piscou o olho e deu a volta no carro para poder entrar.

Eu ri e balancei a cabeça para os lados, ele me parecia meio bobo. Se Alice estivesse ali, perguntaria o que dera nele.

_Eu já sei no que está pensando._ ele comentou virando o rosto para o lado, enquanto dirigia._ Você fica com o rosto triste... Não gosto de te ver assim.

_Ricardo, presta atenção no trânsito._ pedi. _Eu estive pensando em almoçarmos, que acha? _Claro, Fátima deve ter preparado algo... _Não pensei em comermos fora. Eu estava começando a sentir aquelas tonturas. Respirei

fundo. Pedi para Ricardo não correr tanto. _Pára, por favor, pára..._ pedi e ele franziu a testa. _Tudo bem, fica calma._ ele falou e sem prestar atenção no

trânsito, fechou um carro. Um motorista começou a xingá-lo de todos os nomes. O solavanco do carro para o lado me tirou de mim.

Abri a porta do carro e senti-me saindo de um afogamento. Estava sem estabilidade nos pés.

_Dani, estou aqui, tá?_Ele correu para dar a volta e me segurar._ Desculpa, desculpa...

_Eu pedi para você dirigir direito..._ minhas mãos estavam tremendo.

_Dani, olha para mim._ ele segurou meu rosto._Não vai acontecer de novo, não vai!_Abraçou-me e fez carinho no cabelo da minha nuca._Eu não ia nunca te deixar em perigo._ falou no meu ouvido baixinho enquanto suas mãos acariciavam minhas costas.

_Desculpe, eu estou fora de mim, não sei o que está acontecendo..._ não conseguia olhá-lo, com vergonha.

_Você vai enfrentar isso._ Ricardo sorriu e agradeci a Deus por ter deixado Ricardo para cuidar de mim. _E pode enfrentar melhor com

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macarrão, que tal?_ ele pegou meus braços delicadamente e me fez dar uma meia volta e mostrou-me o restaurante italiano do outro lado da rua._ Que tal a gente comer muita massa com molho?_ falou com a respiração no meu pescoço.

_Pode ser..._ sorri de lado e depois ri sentindo uma corrente de alívio.

_Então, vamos?_ ele me deu o braço com um trejeito de palhaço, caricaturando a situação.

Sentamos em uma mesa próximo a uma área ventilada à pedido de Ricardo ao garçom, para que ficássemos em um lugar onde eu me sentisse bem.

_E a sua faculdade? Desistiu?_ Ricardo estava motivado a mostrar interesse sobre a minha vida.

_Não..._ balancei a cabeça para os lados. _Nem consegui pensar nisso...

_Por que não se matricula em um cursinho? _Eu sei, mas parei de trabalhar. _Não seja por isso! Eu posso muito bem pagar. _Não quero mais dar despesas... _Quem disse que não vou cobrar? Você pode me ajudar em

casa, quando eu precisar de uma secretária, que tal?_ propôs. _Hum... Seria bom para mim. Eu preciso ocupar minha

cabeça..._ respirei fundo, olhando para o vazio atrás de Ricardo. _Eu gosto quando olha nos meus olhos._ Ele pediu e eu o

encarei em silêncio. As olheiras desapareceram de seu rosto jovem e bonito.

Talvez, por ele ser marido da minha irmã, nunca me animei a analisá-lo muito, mas era inevitável não admirar a beleza própria, um charme particular. Eu gostava muito do garotão ainda escondido no corpo de homem. Havia nele uma virilidade energética que eu nunca encontrei em Guimarães, nesse eu senti uma mansidão, como se tudo já houvesse sido descoberto.

Ricardo se perdeu me olhando e eu me senti envergonhada.Uma onda elétrica me percorreu. Um arrepio na nuca, que era aquilo?

_Seu pedido, senhor._ o garçom nos salvou com o macarrão. _Hum... Mama mia!_ Ricardo fez uma cara de menino faminto

e atacou o macarrão. Eu sorri e achei-o lindo sulgando fio por fio. Era divertido.

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28 (Ricardo) O domingo abriu com um sol maravilhoso. Olhei para a piscina

de casa e me dei conta de quanto tempo não entrara nela. Eu estava deixando de fazer tudo o que gostava, com medo de aquilo ser um desrespeito à Alice, ao seu sofrimento... Eu não podia continuar vivendo aquele luto, ela estava viva, apesar de ser como se não estivesse.

Pus a roupa de banho e mergulhei com toda vontade naquela água limpa e morna. Quando voltei à superfície, vi Daniela se sentando em um espreguiçadeira:

_A água está maravilhosa. Fará bem pro seu pé. Não tem atrito. Agora que tirou o gesso, precisa movimentá-lo.

_Não quero..._ ela devolveu-me um sorriso pequeno. Temi que novamente estivesse depressiva.

Sai da água e meu corpo molhado respingou em cima dela: _Aiii, Ricardo! Olha o que fez?!_ levantou-se e mostrou a

roupa. _Você fica linda irritada assim._ escapuliu da minha boca. Ela

olhou-me e eu senti que minhas orelhas esquentaram. _E você devia ser menos desajeitado. Parece um cachorro que

balança os pêlos do corpo todo... _Hei, eu não sou tão peludo assim! _ ri. _..._ ela riu também e agora seu sorriso era enorme e

encantador. _Tem certeza que não quer uma banhozinho...?_ pisquei o

olho. _Não, Ricardo, nem ouse!_ ela desviou-se das minhas mãos._

Eu não posso correr._ começou a rir._ Nãoooo!_ pediu, tentando se soltar do meu abraço._Não me jogue na água, por favor!_ implorou._ deu uns soquinhos no meu peito.

_Você está muito selvagem, mocinha._ falei com uma voz maquiavélica.

_Ricardo, se você fizer isso eu não vou te perdoar!_ ela falou séria.

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_Ah, não?!_ joguei-a contra a água da piscina e cai junto. Ela voltou à tona tossindo por ter engolido água.

_Eu falei para você não ter feito isso!_ ela gritou comigo e nadou para a borda.

_Você está de mal?_ zombei._ e cheguei antes dela na beira da piscina. _Corta aqui?!_ mostrei os dois dedos mindinhos.

_Eu disse para me deixar em paz, não disse?!_ ela berrou comigo e vi que estava de fato irada.

_Hei, você está precisando pegar um solzinho... _Enfia esse seu sol n... _Que isso, menina?!_ tampei sua boca e suas narinas ficaram

se mexendo ao respirar forte._ Você está tão rebelde._ encostei-a contra a parede da piscina e ela não relutou. Fazia parte do joguinho o contra-ataque,mas simplesmente ela estagnou e não resistiu. Seus olhos azuis brilhantes não sei o que viram em mim, que a fez render-se.

_Onde você quer chegar com isso?_ ela perguntou séria. _Como assim?_ eu ri, agora sem graça._ Foi só uma

brincadeira... _Tudo, então, está sendo só uma brincadeira? _Não estou entendendo..._ balancei levemente a cabeça para

os lados e senti que ela estava falando nas entrelinhas. Meu coração começou a bater mais rápido.

_Eu não costumo ficar de rodeios, nem é do meu feitio não fazer o que eu quero...

_E o que você quer?_ perguntei mais perto dela, meu corpo fez uma zona de sombra em seu rosto. Eu não podia mais continuar negando a atração forte que eu começara a sentir por ela. Eu dera muita bandeira, ou ela sentia o mesmo?

_Deixa para lá..._ ela virou de costas para sair da água. Virei-a e trouxe seu corpo para junto de mim. Abracei-a e sua boca estava tão próxima da minha que eu sentia o ar quente nos meus lábios. Havia só dez centímetros de distância neste espaço cabia o mundo de proibições, cabia Alice, cabia todos os compromissos sociais, cabia a moral e os bons costumes. Mas era tão pequeno, que uma vez chegado àquele ponto, só meu coração respondia por mim.

Beijei-a e ela envolveu meu pescoço com os braços. Sua mão fez carinho na minha nuca de um jeito amoroso. Minha boca se misturando com a dela, deslizando pelos seus lábios, minha língua experimentando a sua. Eu me sentia totalmente vivo. Levantei

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levemente sua blusa e acariciei suas costas. Ela desceu suas mãos pelas minhas e aquilo produziu efeitos ainda maiores em mim. Eu estava à tanto tempo querendo aquilo, querendo tê-la em meus braços, possuí-la.

Desde o dia em que Daniela chegou aqui em casa e eu a vi sob a luz da rua, com seus olhos brilhantes, com seu sorriso encantador, eu sonhei que podia voltar a ser um cara livre e desempedido para puxá-la e lhe roubar um beijo. E eu estava ali, justamente sendo correspondido com a mesma intensidade. Havia uma suavidade em nossos carinhos e o que começou como um contato afoito, prolongou-se de maneira delicada e romântica.

Não sei se por eu me sentir mais velho ou mais experiente, eu a tomava com cuidado, com medo de ser bruto, de não saber ter jeito. Quanto tempo eu não sentia medo de decepcionar alguém, de não ser bom o bastante, nem fazer direito. E agora eu estava ali me entregando por inteiro àquele pecado.

_Gente, o almoço está..._ ouvimos a voz de Fátima vinda da varanda. O susto foi tão grande, que nos afastamos abruptamente. Olhamos para o lado e vimos Fátima nos encarar, não tínhamos certeza se ela havia presenciado aquilo. Mas pelo seu longo olhar sobre nós, percebemos que ela havia sido testemunha do que fizemos. _..._ Fátima simplesmente se virou e saiu.

Daniela não me olhou mais. Passou as duas mãos no rosto e parecia se perguntar como é que tinha feito aquilo. Virou-se de costas, apoiou-se na borda da piscina e deu um impulso para sair.

Fiquei ali sozinho. Eu era uma ilha de confusão. E agora, o que vai ser?

Dei um mergulho até o fundo da piscina e quis não sair mais, porque lá em cima havia um mundo que eu não queria enfrentar.

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29 (Daniela) Eu temia a hora em que o encontro com Ricardo fosse

inevitável. Ele sentou-se ao meu lado no sofá e repassou os canais, sem me perguntar se podia. Será que queria me provocar? Por fim, desligou a televisão e ficou calado.

_Eu já sei o que deve estar pensando..._ quebrei o regime do silêncio.

_E o que é?_ ele virou o rosto para mim. Sua boca que eu havia beijado à tarde, e que agora eu sabia o gosto, estava úmida. Cabelo lavado e cheiroso.

_Está se sentindo culpado e vai me dizer que tudo não passou de um impulso, carência e...

_Então, para você tudo não passou disso?_ ele franziu a testa e balançou a cabeça para os lados.

_E o que foi para você?_ ao fazer aquela pergunta, senti um frio na barriga, uma sensação boa de querer muito ouvir aquela resposta.

_Eu não custumo falar o que sinto com palavras._ ele novamente me encarou e eu sorri tímida. Pegou meu cabelo e afastou para o lado, acariciou minha bochecha com o polegar direito e ficou estudando meu rosto, ou minha resistência._ Eu não sei o que é isso. Só sei que não consigo mais controlar... Eu só sei que quero e... Viu? Não sou bom c...

Beijei-o, sem pensar, sem medir nada. Nossas bocas se chocaram, mas ele recebeu a minha com paixão. Puxou-me com suas mãos pela minha blusa e eu sentei-me em seu colo, de frente. Não havia mais domínio de nada. Eu não queria pensar em ninguém, só na explosão que começava.

Arranquei minha blusa e a deixei cair no chão. Ricardo beijou-me os lábios com vontade, quente, sensual. Puxei-lhe a camiseta e senti seu cheiro, a pele, o gosto. Ele beijou-me o pescoço e fez cair as alças do sutiã.

Estávamos ofegantes: _Vamos para..._ ele quis propôr mas eu balancei a cabeça para

os lados e tampei sua boca com a minha, não queria ir para a cama dele

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e de Alice e não me importava que ninguém chegasse, para mim só era Ricardo e eu.

_Eu quero você..._ confessei, quando ele me deitou no sofá e escorregou a boca pelos meus seios e os sugou.

_Eu também te quero._ começou a se desfazer do restante que faltava para nos unir em carne e volúpia.

_Isso é uma loucura..._ olhei-o nos olhos, segurei seu rosto com as mãos.

_Se é loucura, então, tem perdão..._ beijou-me e o envolvi completamente.

Foi tudo tão intenso, que quando nos demos conta, estávamos suados e mortos, porém ainda mais vivos. Nos abraçamos e procuramos não dizer nada que nos lembrasse que aquilo era proibido.

_Você é maravilhosa._ ele sorriu e me beijou de leve a boca. _Você também é lindo._ tirei o cabelo da sua testa._ eu queria

que essa noite não acabasse._ comentei. _Psiu... Não fala..._ tocou meus lábios com os dedos._ Ai,

garota, como você me tira de mim, hen?_ riu. _Ricardo, eu queria uma coisa..._ confessei. _O que quiser. Peça o mundo inteiro, que eu trago ele para

você._ sorriu e aquela frase apaixonada me deixou sem palavras. _Anda! O que quer? Pede!

_Eu queria sair dessa casa. Ela me traz muitas lembranças... _Eu sei... Você quer que eu alugue algo para você?_ ele

pareceu triste com a idéia. _Não! Para nós._ consertei._ Você, eu, Angélica e podemos

levar a Fatinha..._ propus._ Pode ser provisório. _Ou para sempre? _..._ não respondi, eu sabia a condição que era necessário

para o "pra sempre". _Só que esqueceu de uma coisa, uma coisa que não me deixa

em paz com a consciência... _Hum? _Meu amigo Guimarães... Você ainda está com ele, né? _E você com a minha irmã... _Como fazemos?_ perguntei. _Não sei. Amanhã a gente pensa nisso._ ele afastou a

questão._ É que eu não queria que nada estragasse isso. Eu tenho medo

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que você acorde e me diga que foi só um sonho e que tudo não passou de uma diversão...

_Você fala muito!_ ri e foi minha vez de mandar ele calar, mas o fiz nos melhores métodos, ocupando sua boca com meus beijos.

A noite de sono foi curta... Capítulo 32: (Ricardo) Abri os olhos e me reconheci na cama, às nove da manhã. Ai,

meu Deus, perdi a reunião! _Droga!_ levantei em um pulo, peguei o telefone e disquei

rapidamente para o escritório. Enquanto chamava, observei Daniela esparramada entre os lençóis. A minha secretária entrou na linha e eu perguntei como estava tudo por lá. O caos, claro!

_O que eu faço com os dois japoneses que estão aqui impacientes?

_Olha, fala para eles que eu estava voltando de viagem e..._Coloquei meu cérebro para funcionar, tinha que entretê-los._... e que só posso chegar depois do almoço! Paga para eles comerem feijoada, em algum restaurante na beira da praia, enfim, banca um dia de turista para eles, porque não vou poder chegar aí agora. Estou com um problemão!

_Claro, senhor._ ela desligou. _Então, eu sou um problemão?_ ouvi uma voz rouca atrás de

mim. Virei-me e vi Daniela se levantando da cama. _Não!_ puxei-a._Meu único problema é não querer sair

daqui._ beijei seus lábios. _Ricardo, preciso escovar os dentes..._ ela ficou

envergonhada._ Eu estou horrível! _Que bom, só assim eu tenho certeza que aquela loucura toda

foi com uma mulher de verdade e não com uma boneca inflável._ brinquei.

_Loucura toda? Do que você está falando?_ franziu a testa com ar de desentendida.

_Como assim...? Ontem...? Nós...?_ eu senti um frio na barriga, um medo do que eu temia, que ela despertasse daquilo tudo e achasse que o somatório da noite foi igual a zero.

_ Estou brincando, bobo!Não precisa fazer essa cara!_ ela riu e me puxou pela calça do pijama._ Eu não vou escapar, ao menos que você queira.

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_Então, a gente fica aqui para sempre e vive de luz._ Abracei-a.

_Ricardo? Seu amigo Guimarães está aí!_ Fátima bateu na porta.

Daniele olhou-me séria. _Diz que eu já vou._ pedi._ Você vai vê-lo? Claro, que pergunta

besta a minha._ eu soltei-a. _Ricardo, calma, as coisas vão se resolver..._ Daniela ficou

constrangida. Eu fiz sinal para ela não tentar se explicar. Pediu-me licença e

lavou o rosto no banheiro. Eu entrei no chuveiro e deixei a água cair sobre mim. Pensei no meu amigo, eu não teria cara de olhar para ele, depois de ter passado a noite com a sua namorada. Mas eu precisava ser frio. Quando o encontrei na sala, estava conversando com Daniela, que tomava café da manhã.

_Eu já sei que estou atrasado._ desculpei-me, antes de qualquer coisa.

_Você quer perder os nossos dois clientes mais importantes? Eu não sei até quando aquele monte de bunda desfilando na frente deles vai segurá-los!_ Guimarães estava irado comigo, usando aquele tom de pai que repreende o filho depois de uma grande imbecilidade feita._ Acabei de saber que mandou eles almoçarem à beira mar, que lindo não?_ Ele falou com irônia e deu um risinho, no final, arrematou com o dedo apontado para mim._ Assim a gente não chega a lugar nenhum!

_Ok, ok, eu já vou buscar minhas coisas!_ levantei os braços para o alto em sinal de rendição. Não era muito confortável para mim estar levando um sabão daqueles, mas eu precisava daquilo e de muito mais, eu estava sendo um crápula! O que eu podia fazer para dar um rumo aquela história? Levantar o dedo e acrecentar: "Ah! Eu perdi a reunião, porque eu dormi com sua namorada."

_Vamos! O que está esperando, cara?!_ ele bateu palmas e o seu celular começou a tocar. Atendeu, passou a mão no rosto e virou-se para o lado.

Procurei os olhos de Daniela, que se mantinha concentrada abrindo crateras no mamão com a colher.

_Podemos ir._ voltei para sala e Guimarães e Daniela estavam abraçados. Aquilo me deu um mal estar. Uma sensação de traição, ao

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mesmo tempo de culpa também, porque eu estava destruindo a relação deles.

_Vai ficar tudo bem, amor! Sua irmã irá acordar._ Guimarães beijou-a na boca e eu não quis ver, era demais para mim. Passei pelos dois e me dirigi à garagem.

No fim da tarde, depois de resolver todos os problemas do escritório, fui visitar Alice. Hoje, com um sentimento de vergonha. Ela parecia dormir um sono profundo e eterno. Sentei ao seu lado, como sempre fazia em minhas visitas e lhe falei de nossa filha, da empresa, da loja dela que estava muito bem nas mãos de sua gerente... Contei-lhe tanto, como se ela pudesse me ouvir. Aliás, foi a vez que mais tive abertura. Na nossa relação nunca houve momentos de desabafo e intimidade de pensamento... Agora quase morta em minha frente, eu parecia tão mais perto dela.

Fiquei quieto, pensando no que fiz ontem. Não era justo ter feito isso com ela, que mal ou bem, com todos os defeitos, me respeitava e não faria o mesmo comigo. Sua irmão, que tanto lhe trazia indisposições dormira em meus braços, na sua cama. Senti raiva de mim, raiva desses desejos carnais mais fortes que minha resistência. Teria sido tudo carência? Não, não era, e essa sim foi a pior parte de encarar: eu estava deixando desaguar um sentimento, que se aflorou na ausência dos olhos questionadores de Alice. Sem ela, eu pude dar vasão a tudo que eu quis fazer desde que Daniela chegou iluminando minha casa, minha vida.

Lembrei do beijo dela em Guimarães. Como é que vou fazer com meu amigo? Mesmo que ele não viesse saber o motivo pelo qual ela vai terminar com ele, eu não posso simplesmente aparecer no dia seguinte de mãos dadas com ela! E isso não era apenas por causa dele, mas porque eu estava casado com uma pessoa em coma.

_Alice? Quando você vai acordar?_ levei as mãos ao rosto e me senti tão frágil, tão impotente e perdido.

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30 (Daniela) Fátima me viu na cozinha enterrada em um pote de sorvete e

me olhou cheia de perguntas, mas não fez nenhuma. _Tá, ok, pára de me olhar! Eu sei que estou fazendo uma

grande merda!_ explodi. _Eu não estou te condenando, é você que está assim._ ela

limpou a mesa com um pano. _Ele começou a me seduzir, aí eu fui fraca e... _Daniela?_ interrompeu-me._Ninguém faz nada sozinho, você

não foi parar na cama dele como um passe de mágica! _Eu tenho que sair dessa, eu preciso ir para um lugar bem

longe... _Fugir não resolve nada._ sentou-se ao meu lado. _Fátima, eu..._ senti um nó na garganta, larguei o pote de

sorvete._... eu to gostando do meu cunhado! Eu amei dormir com ele e isso é horrível!

_Por quê?_ ela achou normal. _Simples, porque quando a minha irmã acordar eu falo o que

para ela? Vai pensar que estou me vingando... _comecei a balançar o pé, estava em um nervosismo absoluto.

_Daniela, presta atenção..._ Fátima segurou a minha mão com muito carinho e sua voz pausada trouxe paz para o meu ser._... Vocês duas já cruzaram suas linhas do amor duas vezes. Nada disso é à toa, não é por acaso que você veio parar aqui. O Ricardo já estava esperando por você. Ele precisou passar pela sua irmã para te encontrar...

_Do que está falando?_ franzi a testa. _Eu conheço o Ricardo desde moleque. E vi os olhos dele

sempre te admirando, dá para perceber como ele ficou hoje, quando viu o Guimarães com você. Ficou doido de ciúme!

_Jura?_ senti uma emoção por ouvir aquilo. Um friozinho delicioso na barriga.

_Talvez seja melhor contar para Guimarães o que está acontecendo... Depois terá que ver como resolve isso com Ricardo...

_Nem quero pensar nisso..._ respirei fundo e fechei os olhos.

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_Não pense muito, viva. Porque a vida pode acabar tão rápido...

_Eu sei disso..._ lembrei-me do acidente._ Por que eu fiquei viva e não minha irmã?

_Porque vocês precisavam consertar os caminhos e essa foi a maneira...

_Esse barulho é do carro do Guimarães?_ perguntei e Fátima levantou-se para olhar através da janela da cozinha.

_Sim, é. Ele tá indo embora. Estranho não ter falado com você._ comentou.

_Ai, meu deus! Será que Ricardo falou com ele...? _Estou com fome, gente!_ Ricardo apareceu na cozinha

sorrindo e isso respondeu a minha pergunta, ele, pelo visto, não tocara no assunto com Guimarães.

_Por que vocês não saem para comer fora?_ Fátima propôs e Ricardo e eu nos olhamos. Sabíamos que aquela proposta significava seu apoio àquele romance.

_Vamos?_Ricardo perguntou meio tímido. _Eu aceito._ sorri e pedi para me esperar tomar um banho. Foi a primeira vez que me arrumei para sair, desde o acidente

de Alice há 3 meses. Ela nunca mais acordara e Ricardo e eu ficávamos cada vez mais apaixonados. O jantar, nem preciso dizer que foi delicioso. Comemos um rodízio de massas em um restaurante italiano divino. Ricardo e eu não paramos de conversar um só minuto. Ao entrarmos no carro, ele não ligou imediatamente o automóvel:

_Você quer ir para casa agora?_ perguntou. _O que você sugere?_ olhei-o. _..._ ele deu um sorrisinho e virou a chave. Rapidamente

estávamos entrando em uma avenida cheia de motéis na beira da estrada._... Você quer?

Pensei em Alice apaixonada por Guimarães, nas palavras de Fátima, ouvi as batidas do meu coração:

_Só se tiver um espelho bem grande._ pisquei o olho. _Você é pior do que eu esperava..._ zombou e me deu um

beliscão na perna de leve. _Eu? Você me faz essas propostas indecentes..._ ri

maquiavélica e o portão da garagem se abriu. Quando a porta da suíte se fechou atrás de nós, eu me senti

uma mulher pouco experiente, sem saber como agir, com medo, um

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pouco de vergonha... Mas antes que eu concluísse o melhor lugar para colocar as mãos, Ricardo aproximou-se e me beijou. Aquele beijou que começa com uma leve puxada na nuca. Puxou a barra do meu vestido para cima e acariciou minha bunda. Abri-lhe os botões da camisa e aspirei seu perfume. Caímos na cama e o espelho do teto foi testemunha da nossa heresia.

_Você não tem medo de se arrepender?_ perguntei sem fôlego.

_Eu só me arrependo do que não fiz._ levantou todo meu vestido e me amou inteira.

Abraçados, sonolentos e realizados, ficamos curtindo os nossos corpos grudados.

_Você é tudo que eu sempre esperei._ falou-me e isso me remeteu a previsão de Fátima de que ele me esperava._ Eu amo você...

_O que está dizendo?_ levantei a cabeça do seu peito. _Eu não preciso de permissão, nem de assinar nenhum papel

para dizer o que eu estou sentindo: eu amo estar com você, viver com você...

_Eu também estou gostando muito de você e isso me dá medo..._ me aconcheguei em seus braços e adormeci.

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31 (Ricardo) Dani e eu estávamos deitados no tapete da sala vendo tv,

depois do almoço. Não que esse fosse um costume para mim, aliás, a minha vida estava fugindo completamente aos padrões. Mas o que importava era que eu estava feliz como nunca. Daniela era um sonho e eu me sentia completo ao seu lado. Poderia passar o dia inteiro ali, com minha cabeça deitada em seu peito, enquanto brincava com meus cabelos em um carinho interminável.

_Eu estava pensando, linda... A gente podia se mudar... Essa casa me traz muitas lembranças. Você estava certa.

_Eu queria muito isso. _ ela completou. _E se a gente saísse amanhã para procurá-la?_ perguntei. _Eu acho ótimo!_ ela riu e me beijou um beijo invertido,

gostoso, brincando com meus lábios. _Beijo do homem aranha..._ ri baixinho e me ergui um pouco

mais para beijá-la de frente. Acariciei seu cabelo sedoso, me aconcheguei nos seus braços.

_Você é muito gulosinho, a gente já... _É a sobremesa._ brinquei e rimos juntos. Ouvimos uma tossidinha e olhamos para frente, era Fátima em

pé na sala. Ela olhava para o lado e nós acompanhamos seu foco de atenção. O que vi fez gelar todo meu corpo. Guimarães estava em pé, na porta de entrada. Seu rosto petrificado me fez sentir o pior dos mortais. Daniela e eu nos afastamos.

_Calma, eu..._ tentei começar qualquer argumentação... _Eu vim aqui dizer que acabamos de perder a conta com os

japoneses, afinal, seu celular não atende._ ele falou friamente._ Mas entendi agora, vocês estão bem ocupados. _ Meu amigo nos olhou por uns segundos e depois virou-se para sair.

_Guimarães, espera?!_ Daniela correu atrás dele, precipitei-me para seguí-la, mas Fátima me segurou pelo braço.

_Deixa eles sozinhos..._ aconselhou. _Eu temia a hora que isso ia acontecer..._ passei a mão pelo

cabelo._

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_Eu ia ver a menina Angélica no quarto e quando passei pela sala vi ele parado ali na porta, que devia estar aberta..._ Fátima explicou.

Pelo vidro da sala vi Daniela discutindo com Guimarães que tentava entrar no carro, contra as tentativas dela de contê-lo. Eles conversaram um pouco e por fim se foi. Dani ficou sentada em um banco do jardim sozinha.

_Ela deve ter se arrependido de tudo e vai querer voltar com ele. _ pensei alto.

_Deixe ela sozinha um pouco._ Fátima ainda do meu lado, me deu uns tapinhas no ombro.

Fui para meu quarto e lá liguei o som, deitei na cama. Não queria ir para a empresa e enfrentar o meu amigo na frente de todos. Agora aquilo me preocupava mais que a perda da conta para os japoneses. Aliás, isso era realmente a maior das derrotas. Como eu pude ter traído meu amigo?

Logo me veio à mente nossas partidas de futebol na faculdade, nossas farras juntos, nossa empresa. Ele fora o amigo mais leal que alguém poderia ter e eu tinha sido fraco o suficiente para me apaixonar justo pela garota dele? Que ódio de mim mesmo! Mas eu não podia mandar no meu coração.

Que explicação eu daria? Que enquanto ele viajava e minha mulher dormia em coma, eu me encantei por sua namorada? Não havia nenhuma justificativa que merecesse o perdão que eu queria. Agora ele iria querer acabar com nossa sociedade? Aquilo caiu de vez como um golpe sobre mim.

Capítulo 35: (Daniela) Fátima olhou-me entrar na cozinha, mas continuou a catar seu

feijão, sem perguntas. Sentei-me à sua frente e fiquei olhando para o lado. Minha perna batendo de baixo da mesa andava milhas.

_Você já devia ter dito para ele..._referiu-se ao fato de eu não ter contado a Guimarães sobre meu caso com Ricardo.

_Eu sei! Ele saiu daqui soltando fumaça pelas ventas! _Ele se sentiu enganado... _Faça-me o favor, né? Ele me enganou primeiro! Ele enganou

o próprio amigo... _Você não contou por orgulho..._ Fátima comentou com uma

voz pausada, arrastou os grãos de feijão da mesa até caírem na bacia de

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plástico no seu colo._ Na verdade a menina não queria era que ele dissesse que vocês cometeram o mesmo erro e são iguais...

_Que seja! Ele ficou chateado por ter que ficar fingindo ser meu namorado, quando eu podia dizer para o Ricardo que nós terminamos.

_Quem tá sendo feito de idiota aqui é o seu Ricardo... _Eu não consigo nem dormir pensando nisso. Eu olho para ele

e tenho vontade de falar tudo, me ajoelhar e pedir perdão... _Se a patroa não acordar, você vai guardar esse segredo para

sempre? _Não sei... não sei..._ afoguei minhas mãos no rosto._ Eu não

estou conseguindo segurar o peso desse juramento. Ouvimos um carro sendo ligado. Vi da janela da cozinha que o

carro de Ricardo acabava de atravessar o portão de saída. _Será que ele foi atrás do Guimarães?_perguntei._Ai, Fátima,

me ajuda, eu estou enlouquecendo! _Menina, venha cá._ Fátima me puxou pela mão e me fez

sentar à mesa outra vez._ Fique aqui e me espere. Ela foi até o armário e buscou uma caixa de velas, depois saiu para o jardim e voltou com algumas rosas. _ me acompanha..._ ela pediu. Eu a segui movida pela curiosidade. Quê? Ela me ensinaria a fazer um despacho?!

Entramos no quarto de Ricardo, depois no banheiro. Fiquei parada em pé, totalmente em silêncio, não queria quebrar a magia do momento. Ela colocou a banheira para encher e acendou três velas de um lado da banheira e três velas do outro lado, depois colocou a última na cabeceira. Desligou a banheira, tocou a água para sentir a temperatura. Abriu o armário, achou um vidrinho de sais e jogou na água uma porção. Por fim, atirou as pétalas de rosas por cima.

_Você vai entrar e descansar um pouco. _Fátima, eu não estou precisando de banho! Eu sei que ficou

um banho glamuroso, mas eu preciso tomar uma decisão..._ comecei a falar atropeladamente e ela não me deu ouvidos, me pegou pelo ombro e foi guiando até a banheira.

_Eu vou ao quarto pegar uma coisa e você entra na água. Revirei os olhos, retirei a roupa e fiz o que ela me pediu. Ela voltou com um incenso, que acendeu em cima do armário.

Caminhou até mim e eu ia seguindo-a com os olhos. Pegou meu cabelo e o colocou para fora da banheira.

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_Fecha os olhos, menina._ pediu e fez movimentos circulares com os dedos na minha testa. _Respira profundamente... muito profundamente... _ sua voz baixinho começou a me relaxar._... Agora você vai se lembrar de várias cenas do seu passado distante, depois das últimas semanas e vai mergulhar nos seus pensamentos...

Ela saiu e fechou a porta. Eu fiz uma revisão de vida durante as horas que fiquei ali sozinha. E quando Ricardo chegou eu já estava decidida ao que fazer.

Encontrei-o na sala, sentei-me ao seu lado e olhei nos seus olhos:

_Eu preciso te dizer uma coisa..._ a minha voz quase não saia. _O quê?_ ele ficou esperando que eu continuasse, mas

simplesmente eu não conseguia. Olhando-o tão lindo, de blusa azul clara, jeans e descalço, eu tinha vontade de beijá-lo e pedir que esquecesse tudo.

_Eu não sei como começar... _Fala, o que quer que queira dizer, fala... _Desculpe..._ me deu vontade de chorar. _Dani? O que está acontecendo?_ ele segurou meus pulsos e

tentou olhar nos meus olhos._Você não gosta de mim, é isso? _... _Você decidiu ficar com o Guimarães? _... _Dani, fala qualquer coisa, por favor! Eu já estou ficando aflito. _...Ricardo eu não aguento mais guardar isso dentro de mim. _Isso o quê? Diz para mim! _Eu não posso dizer!_ levantei-me, precisava sair de perto

daquela pressão psicológica, mas quando virei-me, dei de cara com Fátima.

_Você não vai fugir!_ Ricardo segurou meu braço com força. _Ricardo, por favor me solta._pedi. _Não!_ ele agora me segurava com força, queria arrancar de

mim a verdade. Lembrei do rosto de Alice me fazendo jurar que nunca

contaria o caso dela com Guimarães. _Então, eu conto._ Alice decidiu. _Não!_ implorei. _Será que você duas podem parar de me enlouquecer?!_

Ricardo gritou no auge da sua fúria._ Eu odeio ser feito de...

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_Seu Guimarães tinha um caso com dona Alice._ Fátima cortou-o com a sentença que resumia tudo.

Ele ficou com a boca entreaberta, os movimentos paralisados. Seus olhos me procuraram e se fixaram em mim.

_Me perdoa por não ter dito..._ afastei-me com medo do que ele fosse capaz._ Alice me fez jurar, enquanto estava prestes a entrar em coma, que eu não podia contar nunca...

Ricardo andou até a lareira e ficou de costas para nós. Ali havia vários porta-retratos dele com a esposa.

_Ricardo, fala alguma coisa..._ pedi. Capítulo 36: (Ricardo) _Seu Guimarães tinha um caso com dona Alice._ o que Fátima

acabara de dizer ficava ressoando na minha cabeça. Eu não conseguia falar nada, perdi a minha voz.

_Ricardo, fala alguma coisa..._ a voz de Daniela me trouxe de volta aos poucos a realidade.

Então o meu amigo tinha um caso com a minha mulher nas minhas costas? Eu fiz todo esse tempo o papel de bobo, enquanto eles iam para cama? Um vulcão começava a entrar em erupção dentro de mim.

_Sua vagabunda!_ atirei todos os porta retratos no chão. Um ainda sobrou inteiro. Arremecei-o contra a parede e os vidros se espalharam por toda parte._ Sua vadia!

_Ricardo, calma!_ Daniela se afastou com medo de mim. Caminhei até meu quarto e procurei no bolso da minha calça a

chave do meu carro. _Ricardo, nós precisamos conversar!_ Daniela entrou e eu a

olhei e senti tanta raiva._ E você?_peguei-a pelos braços e a joguei em cima da cama.

_Calma, não me machuque, por favor. _O que você pensa que são meus sentimentos?_Segurei seus

pulsos contra o colchão e seu rosto estava à dez centímetros de distância do meu._ Então, tudo o que vivemos foi uma das mentiras que vocês combinaram?

_Não, Ricardo. Eu me apaixonei por você, eu juro... _Enquanto isso, você fazia um teatrinho com seu comparsa? _Ricardo, não fala assim comigo!_ ela começou a chorar. _Garota, eu quero te matar!_ segurei seu pescoço._ Como é

que me escondeu uma coisa dessas?

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_Fátimaaa! Socorro!_ ela gritou._Ricardo, ela me fez jurar, ela não queria que você soubesse para não sofrer...

_Não sofrer com os chifres que ela colava? Quem mais sabia? _Eu não sei... _Desde quando você ficou sabendo? _Desde o dia em que eu peguei os dois discutindo na casa do

Guimarães... _Dani, eu não esperava isso de você..._soltei-a e fiquei de pé. _Me perdoa..._ ela pediu. _..._ dei um riso sarcástico e voltei para sala, mas ela

continuou me seguindo. _Você tem que entender que era um juramento._

argumentou. Parei antes de abrir a porta de saída e virei-me: _Nenhum juramento vale mais que a verdade... _Eu não queria te fazer mal. _Daniela, você é igual a sua irmã, aliás, eu não sei qual das

duas é pior!_ bati a porta. Meu destino agora era a casa de Guimarães. Não demorei

muito para chegar, visto a velocidade que usei para alcançar sua casa no menor espaço de tempo possível. Antes mesmo de sua empregada me anunciar, eu já atravessava a sala à passos largos. Ele se levantou do sofá, onde estava vendo televisão, assombrado com minha presença.

_Seu canalha!_ enfiei-lhe um soco bem no meio da cara que o fez cair no chão._ Seu traidor!_ Enfiei repetidos socos nele, sem que tivesse tempo para reagir._ Você foi para cama com a minha mulher!

_Ricardo, eu posso explicar..._ ele se contorceu cuspindo sangue.

_Explicar? Que detalhes sórdidos ainda falta eu saber?_ fui empurrado por ele para longe.

_Você também me traiu! Não esqueça que você foi para cama com a minha namorada!_ ele argumentou.

_Era tudo uma mentira! _Mas você não sabia disso quando a seduziu! _Sem essa! _ ri sarcástico. _Você não pensou nem um pouco em como eu ficaria, se

soubesse? Não sentiu vergonha dos próprios sentimentos por ela?_ ele sentou-se tossindo._ Porque foi isso que eu também senti! O seu

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casamento era uma droga. Você nem procurava mais ela como mulher, é mentira?

_Isso não te dá o direito... _De me apaixonar por ela? Você se apaixonou pela irmã dela!

Ou vai negar?! Você dormiu na cama da sua mulher com a sua cunhada! Isso não é menos repugnante!

_Não pense que vai sair como vítima dessa história!_falei. _Cara, eu amo a sua mulher!_ ele começou a chorar, eu nunca

vira ele chorar._ Eu vou todos os dias ao hospital vê-la. Nem você faz isso!_ Seu nariz escorria sangue._ Eu pago a enfermeira para que não lhe conte que eu a vejo fora da hora de visita. Você sabe o que é carregar esse peso e nem ter certeza de que ela vai acordar um dia? Você provavelmente iria pedir separação quando ela ficasse consciente. As mulheres quando entram no nosso coração fazem isso cara, elas tiram a nossa razão. Prova disso é o que você fez pela Daniela! Você traiu a sua mulher!

_Eu não quero ouvir mais nada._ levantei-me e sai arruinado. Capítulo 37: (Daniela) _O que você está fazendo aqui?_ ouvi Fátima falando alto na

cozinha. Sai do quarto para verificar e me surpreendi quando dei de cara com Guimarães, em pé, na soleira da porta.

Ele estava tentando explicar que só queria falar comigo. _Tudo bem, pode deixar..._ pedi para ela não se indispor, que

eu falaria rapidamente com ele e este iria embora antes que Ricardo pudesse chegar.

Caminhamos em direção ao jardim e lá sentamos. Os dois com o mesmo sentimento de derrota.

_Esse rosto inchado e roxo é o que estou pensando?_ perguntei, já imaginando que Ricardo devia ter ido à casa de Guimarães ontem tirar satisfação.

_Sim, é. Ele foi tentar me matar. _ ironizou._ mas isso não mudou o que vivemos, não apagou o que aconteceu entre eu e a mulher dele.

_O que você queria comigo?_ perguntei, curiosa. _Eu queria pedir desculpa..._ falou aquilo com pouca

convicção, acho que na realidade ele estava meio cansado, sozinho, perdido e só eu poderia entendê-lo.

_Pagamos um preço, quando amamos a pessoa errada._ comentei, olhando para as árvores, minha voz não tinha força.

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_Eu perdi meu melhor amigo. O cara que sempre foi meu irmão entrou na minha casa e me socou com toda força. Eu deixei, porque eu sabia que merecia...

_Ele foi violento comigo também._ confessei. _ Eu vou embora daqui, não tem mais espaço para mim... Eu preciso te pedir uma coisa.

_Claro, o que quiser._ ele olhou-me ansioso por poder me retribuir todos os favores que lhe fiz.

_Eu quero arrumar um emprego. Aí, poderei pagar um aluguel.

_Pode deixar, isso é fácil. Sabe aquela menina do escritório, a Roberta, Betinha? Ela quer alguém para dividir o apartamento com ela. A menina que dividia saiu. E o emprego... Hum, tem um empresário que está precisando de uma secretária bilíngüe, vou te indicar.

_É incrível como vocês dois se parecem... Conseguem resolver tudo num passo de mágica.

_Nem tudo..._ consertou. Guimarães foi embora, meu problema estava resolvido, mas

meu coração continuava esmagado, destruído. Deitei no sofá e fiquei abraçada à almofada calculando que rumo eu iria tomar da minha vida.

Ricardo chegou de noite e foi direto para o quarto, nem dirigiu seu olhar para mim.

Lembrei das cartas de tarot. De fato cá estava eu diante do grande rompimento.

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32 (Ricardo) Quando cheguei ao escritório, nessa sexta-feira, todos

estavam reunidos diante da televisão. Essa cena eu só vira antes, no 11 de setembro. Geralmente, a tela fica ligada, com um som quase inaudível, fazendo parte da mobília do ambiente. Mas dessa vez parece que algo muito importante ocorria.

-Um homem seqüestrou o ônibus 499, em Nova Iguaçu._ Valter, o officeboy contou-me, apontando para a imagem._Ele tá com um 38 na cabeça da ex-mulher e tá ameaçando que vai matar. O cara descobriu que foi traído. Sabe como é, né? Homem chifrado..._riu.

Aquela frase só poderia ser uma ironia com minha atual situação de vida. As pessoas estavam horrorizadas, mas eu sabia exatamente o desespero que aquele homem sentia. Alice tirou de mim todo e qualquer sentimento bom que havia por ela, só restou um nojo muito grande e uma raiva incalculável.

_Voltem todos ao trabalho._ordenei e ao som da minha voz grave e alta, eles se assustaram e se viraram.Uns me olharam de cima abaixo e se surpreenderam com meu novo visual. Eu decidira aquela manhã colocar um terno preto e óculos escuros. Meu cabelo raspado de máquina e o topete na frente era a mudança final. Queria que as pessoas percebessem que agora eu era outro.

Sentei à minha mesa e peguei o jornal para ler. Eu tinha que voltar à realidade de trabalho, senão enlouqueceria. Uma matéria me ateve a atenção. Agora era permitida, no Brasil, a ortotanásia, que dá o direito aos médicos de desligar os aparelhos daqueles que estão em estado vegetativo. Pensei em Alice, apesar da grande mágoa, eu não seria capaz de permitir que lhe tirassem os aparelhos que a mantinham viva, mas também não tinha mais a mesma motivação de esperar que acordasse.

Minha secretária entrou, com minha agenda diária. Antes, pediu licença para dizer que lamentava muito que Ricardo tivesse saído do escritório e esperou de mim qualquer explicação para aquilo, que não dei. Não queria mais que ninguém soubesse da minha vida, ou da minha intimidade. Eu seria apenas trabalho.

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Chegando em casa, só quem me recebeu foi meu cachorro. Fiz-lhe um carinho na cabeça e larguei a pasta em cima da mesa, já posta para o jantar. Só havia um único prato.

_Você não vai fazer nada para impedir?_ Fátima apareceu na sala com o semblante de tristeza._ Daniela já fez as malas.

Meu coração descompassou. _É? _Não vai falar com ela? _Estou cansado, vou tomar banho. _ caminhei para o meu

quarto. Ao retornar à sala, ouvi um barulho de carro, pensei que ela já

estivesse indo embora, caminhei até a janela e afastei a cortina. Era apenas um táxi que chegara.

Daniela atravessou a sala com as malas. Olhou-me nos olhos por uns segundos, depois abaixou a cabeça e saiu. Eu fiquei ali parado, fixo, sentindo aquele processo cirúrgico sendo feito no meu coração. Quando Daniela entrou no carro, um nó se fez na minha garganta. Engoli em seco. Tirei uma das mãos do bolso e limpei a lágrima que desceu pela face direita. Uma parte de mim acabava de ter sido arrancada e meu corpo reagia sozinho a isso. Não senti a menor fome para jantar.

Sentei no sofá com uma garrafa apoiada no joelho. Bebi no gargalo e senti minha garganta quente com o álcool. Olhei para o lugar onde fizemos amor à primeira vez, entre as almofadas. Ela estava em todos os cantos que eu olhava. Tomei a decisão de que também sairia urgentemente dali, precisava me livrar daquelas recordações. Queria ficar livre da memória de todos que me traíram.

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33 (Daniela) Eu preferi no final não aceitar a idéia de Guimarães de dividir o

apartamento com uma amiga nossa do escritório, porque ela iria acabar sabendo do que aconteceu entre Ricardo e eu e isso não seria bom para nossa imagem. Aliás, eu não devia estar nem aí para a reputação dele, só o que eu conseguia lembrar era da violência e estupidez com que recebeu a confissão de que o amigo e a mulher tinham um caso debaixo das suas vistas. Não podia ter me atirado na cama como se eu fosse uma qualquer.

Por fim, resolvi ficar morando por uns tempos na casa da Fátima. Quem me recebeu foi seu neto, que me explicou que ela só chegaria mais tarde:

_Eu sei, falei com ela antes de vir para cá._ disse-lhe e coloquei minhas malas em um pequeno quarto, onde havia uma cama.

_Pode ficar aqui, porque eu vou dormir na sala._ avisou-me. _Eu não queria incomodar._ constrangi-me. _Que nada. Relaxa._fez pouco caso e avisou que precisava

sair. Sentei na cama, olhei ao redor e suspirei. A casa era muito

simples, de telhas e janelas de madeira. O chão não tinha piso, era apenas cimentado.

Quando Fátima chegou, eu estava sonolenta, deitada encolhida. Chovia muito lá fora.

_Eu não agüento ver seu Ricardo bebendo daquele jeito._ comentou e sentou-se, fazendo uma careta de cansaço. Apoiou as mãos nas costas._ Ele está numa amargura só.

_Eu não quero ouvir falar dele..._ falei em um tom delicado, para não parecer ríspida com ela, mas não queria lembrar de Ricardo, eu estava muito magoada.

_Bom, se não quer saber dele, que tal saber desse aqui._ ela sorriu cheia de mistério e tirou um papel da bolsa.

_De quem?_ sentei muito curiosa, num pulo. _Ele apareceu lá em casa, hoje. Foi o Ricardo quem atendeu.

Quase expulsou ele de lá... Mas eu consegui pegar o telefone... _Ai! Fala quem é?! Assim me deixa muito curiosa!_reclamei.

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Fátima riu alto e me passou o pequeno papel branco, que tomei para mim e li.

_Ai, meu deus!_ não acreditei. Essa era a pessoa mais inesperada para aparecer agora!

Sorri e senti um leve friozinho na barriga.

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34 (Ricardo) O álcool me tirou a força das pernas, a sobriedade da cabeça,

que mais parecia uma caixa de vidros quebrados chaqualhando. Fiz uma careta de dor, deitei no sofá, recostado entre almofadas e me veio aquele rosto inimigo à mente. Não podia esquecer o homem que batera à minha porta essa manhã, quando eu já me preparava para sair para o trabalho.

Vestia um jeans e uma camiseta que mostrava o braço tatuado com um símbolo japonês. Perguntei-lhe um tanto curioso o que queria e a reposta que obtive me fechou o sorriso na cara e a receptividade do meu coração:

_Não, ela não mora mais aqui._ informei-lhe rispidamente, assim que entendi que ele vinha procurar por sua “muito amiga Daniela”. Não se deu por vencido e me lembrou ser eu o cunhado._ Não sei para onde ela foi. Agora, você me dá licença que eu estou atrasado...

_Mas eu preciso muito encontrá-la. Cheguei dos Estados Unidos essa semana._ aquela identificação me fez cair à ficha. Então, era dele de que me falou certa vez? _Não é possível que tenha nada? _insistiu_ Telefone, alguém que possa saber...

_Não, ninguém sabe!_ alterei minha voz, de fato irritado com a insistência em me fazer parecer uma pessoa egoísta e mal educada por não ajudá-lo.

_Desculpem por ter ouvido a conversa, mas eu sei onde ela está._ ouvi Fátima atrás de mim.

_Jura?_ os olhos dele se iluminaram como alguém que vê uma luz finalmente no túnel._ Por favor, me dê, eu quero encontrá-la de qualquer jeito..._ riu alto._ Eu sabia que ia conseguir! Diz para ela que é o Marcos, ela vai lembrar na hora._ comemorou como se ganhasse o bilhete da sorte, quando Fátima lhe passou um papel para que anotasse seu telefone e assim Daniela pudesse marcar para vê-lo.

Quando se foi, dado por satisfeito com o sucesso da busca, eu repreendi Fátima por ter fornecido informação a um suspeito, afinal, nada garantia que era uma pessoa confiável.

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_Ricardo, você não se preocupou nem um pouco em impedir que a Daniela fosse embora, por que agora está interessado no que esse homem pode fazer com ela?_ respondeu com uma pergunta, que preferi deixar em aberto e fui trabalhar.

Agora o rosto daquele homem me vinha à cabeça como um fantasma. Eu podia esticar o braço e ligar para Daniela, só para ouvir sua voz e me sentir bem, para eu ver que a vida tem algum sentindo. Era uma idéia apenas, vontade sem força. Eu não tinha o papel, estava com ele, com esse intruso que reapareceu. Só Fátima sabia onde Daniela se encontrava, ela e o outro.

Ah! Esse outro.

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35 (Daniela) Eu estava com um nervosismo a me consumir na sala de

espera. Nem conseguira tomar café da manhã direito. Sou assim, quando algo importante está para acontecer, não sinto nem fome.

Era minha grande chance de conseguir um bom emprego. E lá estava eu à altura da proposta, completamente alinhada: maquiagem, terninho, salto de bico fino, cabelo escovado e os nervos em frangalhos.

Não sei se a oferta do café pela secretária foi por uma gentileza, ou por ter percebido que eu estava batendo demais meu pé no chão. Agradeci com um sorriso, constrangida.

Simplesmente tudo tinha que dar certo para eu conseguir essa vaga para qual Guimarães me indicara. Pelo que me explicou, eu iria fazer quase o mesmo que quando era sua secretária. Só que em vez de ajudar com o inglês, iria justamente auxiliar meu futuro chefe com o português, pois o empresário com o qual eu estava esperando para falar era canadense. Ele ia ficar no Brasil para intermediar os escritórios daqui com as fábricas de papel no Canadá.

O homem me olhou de cima abaixo, quando entrei na sala, anunciada por sua secretária. Seu sorriso deve ter sido um sinal de aprovação mais que de boas vindas. Eu lhe apertei a mão firmemente e me sentei. Ele disse que se chamava Steven e o assunto que se desenrolou a partir dali não me pareceu uma entrevista e sim uma explicação do meu futuro papel. Eu fiquei bem mais tranqüila com isso.

Pelo que eu entendi, eu seria sua sombra, iríamos para todos os lugares juntos. Calculei que isso iria representar um gordo salário e fiquei ainda mais entusiasmada. Na altura do campeonato eu estava topando qualquer coisa, precisava arrumar definitivamente a minha vida. Não queria ficar morando na casa da Fátima, dando-lhe despesa. Em breve, alugaria um apartamento para mim, mesmo que bem pequeno.

Ele me perguntou se poderíamos começar naquele momento e eu respondi com muita motivação que com toda certeza. Steven apertou um botão no telefone e perguntou à secretária se alguém o esperava. Mediante a resposta positiva, pediu que entrasse.

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_Você deve ser o Ricardo?_ Steven perguntou assim que a porta se abriu e eu virei-me assustada.

Ricardo ficou nitidamente branco e eu senti um frio na barriga, perdi a fala. Aquilo só podia ser uma pegadinha. Guimarães premeditara que esse encontro poderia ocorrer? Se bem que ele deve ter conhecido o Steven por algum contato da empresa de Ricardo...

_Fale para ele que você será minha tradutora. _ Steven pediu-me e eu tentei recuperar minha sobriedade.

_É..._ respirei fundo._ Prazer, senhor Ricardo._ estendi a mão e ele fez o mesmo e a tocou. Me odiei por isso, mas tenho que confessar, meu coração disparou e eu fiquei nitidamente com as bochechas queimando, contive o sorriso no canto da boca. Ai, como eu podia dar aquela bandeira?! Tudo só por um aperto de mão?! Eu quero morrer._ Eu sou a tradutora do senhor Steven e vou mediar a conversa. Pode se sentar..._ estendi a mão indicando a cadeira.

Ricardo abriu um sorriso lindo e balançou a cabeça levemente para os lados. Eu me constrangi. Quê? Ele estava por acaso debochando de mim?

_Então, senhor Ricardo, eu pedi que verificasse todos os documentos e também fizesse os balanços..._ Steven parou de farar, para que eu pudesse traduzir. Eu usei uma voz mecânica e imparcial, para que eles não dessem muito por conta de que eu ali estava.

_Pode me explicar o que significa isso?_ Ricardo perguntou em português, visto que Steven não entenderia.

Fui obrigada a olhá-lo, contra minha intenção, que era de me fixar apenas em algum ponto da parede e fingir que não existia.

_..._ não sabia o que responder. Imagino que estava se referindo aquele acaso do destino, mas me fiz de desentendida e repeti a frase de Steven, só que em inglês e não em português, balancei a cabeça para o lado, fechei os olhos e respirei fundo. Pedi desculpa, vendo que Steven percebera que algo não ocorria bem._ "Então, senhor Ricardo, o senhor Steven pediu que verificasse todos os documentos e também fizesse os balanços..."_ traduzi em português para Ricardo.

Steven continuou falando e eu traduzindo automaticamente e esse processo se arrastou por uma interminável hora. Na despedida, Ricardo apertou minha mão, como que por educação e saiu. Aquilo me caiu muito mal, bateu uma tristeza. Tudo o que vivemos resultou nessa indiferença?

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_Ah! Droga, esqueci de perdir-lhe uma coisa..._ Steven ficou irritado com algo._ Você poderia chamá-lo? Ele não deve ter saído ainda do prédio.

Foi o melhor pedido que eu recebera até agora. Abri a porta e alcancei Ricardo no corredor, à caminho do elevador:

_ Espera!_ pedi e ele se virou para mim, que chegava um pouco ofegante à sua frente. Retirou os óculos escuros, na expectativa que eu fosse falar algo revelador.

Eu tinha muitas coisas a dizer, mas não podia deixar meu coração se manifestar, senão, acabaria lhe falando que eu sentia muita saudade, que ficara muito magoada com a maneira com que me tratou, porém até entendia que estava se sentindo enganado.

Ele estava diferente, o cabelo raspado, o rosto mais magro parecia agora perfeitamente triangular. Enquanto o observava, meu telefone começou a tocar no meu bolso de trás. Atendi:

_Alô? _Daniela? É o Marcos. _ Marcos?_ franzi a testa, não tinha "pior" hora para ele me

ligar? _É. Lembra que você deixou uma mensagem no meu celular

ontem? Então, eu estou te retornando para... Ricardo virou-se para ir embora, mas eu segurei-o pela mão. _Espera..._ pedi e ele olhou para nossas mãos e depois para

mim. Voltei minha atenção para o telefone._ Marcos, eu estou agora no trabalho, não posso falar, na hora do almoço te ligo, tudo bem?_ pedi.

_Claro, desculpe._ Marcos desligou e eu guardei o celular no bolso outra vez.

Soltei minha mão da de Ricardo. _O Steven esqueceu de lhe dizer uma coisa... Você pode me

acompanhar?_ pedi. _Claro._ ele seguiu ao meu lado de volta à sala. Quando Ricardo foi embora definitivamente me perguntei se

haveria possíveis encontros como aqueles. Ficou um vazio muito grande. Eu ainda estava mais ligada a ele do que calculava. Era no afastamento que eu me dava conta da intensidade de tudo o que vivemos. Não era possível que ele só guardasse rancor por mim e não enxergasse que eu estava respeitando o juramento que fizera com minha irmã e que tinha sido ela a traidora.

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36 (Ricardo) O meu novo apartamento era tudo o que eu sempre quis. Já

desde de que meu pai morrera eu tinha vontade de sair daquela casa, de ter um lugar pequeno em que tudo lembrasse o que eu era, o que eu gostava. Mas aí chegou Alice na minha vida e pronto, tive que interromper meu desejo. Ela amava aquela casa enorme e com todo cuidado e dedicação redecorou tudo. No final, cada canto lembrava a ela e o que ela gostava. Eu era o inquilino.

Com a saída de Daniela de lá, eu me senti um fantasma assombrando aqueles corredores, perambulando sozinho e infeliz. Por isso, decidi alugar um apartamento em forma de estúdio. Era grande, iluminado, praticamente sem paredes. Havia um espaço para o sofá, a televisão e meu som, outro para a cama e outro para meu escritório particular, tudo com muita simplicidade e praticidade. Chamei uma especialista para me auxiliar na mudança e dar a harmonia ao meu projeto.

O apartamento tinha o teto alto, janelas enormes e sem cortinas, que davam para ver a cidade se movimentando lá embaixo. Minha filha ficou com um canto todo decorado para ela, com brinquedos, almofadas, bichinhos e tudo que fosse necessário para que ela tivesse seu espaço no meu mundo, que agora era seu também.

Fátima vinha todos os dias cuidar de tudo para mim, mas justamente hoje, me pedira folga para resolver alguns compromissos pessoais. Angélica parece que escolheu o pior dia para não ficar bem. O que iniciou como um choro, começou a me preocupar. Decidi ligar para Fátima e saber o que fazer. Ela me garantiu que veria como podia chegar até aqui à tempo.

Coloquei Angélica no colo e caminhei com ela por todo apartamento. Eu estava impaciente, sem saber de que modo resolver isso. Rezei para que Fátima não demorasse muito. Quando a campanhia tocou, eu senti uma descarga elétrica de alívio percorrer todo o corpo. Parecia que eu estava à espera de um messias.

Abri a porta e não era Fátima. _Oi._ Daniela sorriu sem graça. _Oi._ Franzi a testa._ Eu liguei para a Fátima...

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_E ela me ligou dizendo que não poderia vir de jeito nenhum e me pediu que corresse para atender um “pai em apuros”._ironizou e pegou Angélica do meu colo.

Fechei a porta e pus as mãos na cintura. _Minha menina, linda, tá tão quentinha, vamos espantar essa

febre, vamos?_ Daniela sentou no sofá e retirou a roupa da minha filha, que estava aos berros._ Como você é chorona, não é forte igual a titia, tsi tsi..._ conversou com a criança._ Onde está a banheira?_ perguntou e olhou ao seu redor o apartamento pela primeira vez.

_Está no banheiro._ disse e apontei com o dedo para a esquerda.

Ela, então, caminhou com Angélica para lá e pediu que eu ligasse para o hospital e marcasse uma consulta com o pediatra, enquanto tentaria abaixar a febre com um banho.

_Claro._ atendi prontamente e peguei o telefone. Eu me sentia mais tranqüilo agora sabendo que algo estava no controle daquela situação.

Depois de duas horas, estávamos de volta ao apartamento com os remédios comprados, fora só uns dentes aparecendo e pertubando a minha filhinha.

Daniela deixou-a no berço e a ninou até que dormisse. O telefone tocou e eu fui atender, eram problemas no escritório. Comecei a explicar a minha secretária os procedimentos que deveria tomar. Enquanto isso, vi que Daniela se aproximou da porta, antes de sair, virou-se e olhou-me. Acenou com uma mão e deu um sorriso contido. Ao olhá-la, não conseguia prestar atenção em nada do que a mulher do outro lado do telefone dizia.

Ela estava tão linda, como sempre foi, de cabelo solto, de olhos azuis pintados, de boca vermelho sangue, ainda mais intensamente atraente. Eu podia largar aquele aparelho e correr para puxá-la, abraçá-la, beijá-la, ajoelhar-me e agradecer a tudo, por ela existir, por ela me ajudar com minha filha, por ela ter me dado sentido a vida... Mas era uma vontade, sem braços, sem pernas. E ela se foi, fechando a porta atrás de si.

_Senhor Ricardo, está me ouvindo._ perguntou a voz no meu ouvido.

_Sim, estou.

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37 (Daniela) _Um brinde ao sucesso do nosso acordo!_ Steven levantou a

taça no ar motivando a mim e Ricardo a fazer o mesmo. Nós tínhamos realmente conseguido uma ótima negociação com uma grande empresa de jornal para que ela comprasse o papel das fábricas para qual ele trabalhava.

Depois da reunião cansativa e desgastante a que nós nos submetemos, foi muito merecido o almoço.

Ele pediu licença para ir ao banheiro e Ricardo e eu ficamos sozinhos à mesa. Um silêncio muito desconfortável entre nós pairou no ar. Aquele clima incômodo. Nem tinha como me concentrar na comida, porque já havíamos terminado. Passei o dedo no copo suado pelo gelo e guardei um meio sorriso nos lábios.

Meu telefone tocou, naquele momento em que eu torcia para ser salva pelo gongo.

_Alô, Marcos?_ reconheci o número no identificador. Ele perguntou se eu tinha a tarde livre. Aquela resposta era complexa. Se eu respondesse que sim, Ricardo subentenderia que eu estava sendo muito rápida em fazer a fila andar. Se eu negasse, poderia achar que eu ainda estava ali sofrendo e me lastimando por tudo que ocorrera, como se ele fosse a mola motriz da minha existência. Por outro lado, se eu parecesse estar marcando qualquer encontro, ao mesmo tempo, estaria dando um passo atrás em qualquer possibilidade de me reconciliar com ele. Sendo que valia a pena eu deixar de encontrar meu amigo por alguém que eu não sabia mais medir as reações?

Salva pelo gongo pela segunda vez. Steven chegou e eu dei uma desculpa para Marcos de que estava no trabalho e que logo retornaria. Ah! Que ótimo, agora sim ficara claro que eu estava fugindo de Marcos. Ai, eu tenho que parar com essa paranóia de ficar calculando o que Ricardo iria pensar.

_Eu vou aproveitar e vou ao banheiro também._ Ricardo levantou-se e eu não perdi a chance e num impulso pedi licença para Steven e retornei para o número do Marcos.

Perguntei se ele poderia pegar o carro do irmão para vir me buscar, já que sua casa era muito perto dali. Passei-lhe, então, o

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endereço do restaurante, muito conhecido no centro da cidade. Antes que Ricardo se aproximasse da mesa de volta, desliguei.

_Bom, eu não quero ocupar muito os dois, já que eu prometi dar a tarde livre para vocês, mas eu esqueci de dizer que teremos uma festa para ir e eu preciso da minha tradutora..._ sorriu para mim, já meio alto com a bebida._ E quero que você vá como meu convidado. Pode levar sua esposa também..._ ele reparou na aliança ainda no dedo de Ricardo.

Ricardo abaixou os olhos e se restringiu a sorrir. Perguntei sobre o que era a festa e ele disse que seria em um hotel de luxo para grandes empresários, enfim, queria na verdade era companhia, para não se sentir perdido.

Ricardo e eu em uma festa de gala? Era impressão minha, coisa da minha cabeça, ou o destino estava querendo nos unir outra vez?

Peguei minha bolsa e despedi-me. _Dani...Daniela?_ a voz de Ricardo atrás de mim me fez virar.

_Esperando um táxi? Será que ele quis fazer a pergunta: “esperando alguém?” _Não..._ traguei o cigarro entre os meus dedos. _Você agora está fumando? _E você agora está se preocupando comigo?_ rebati. _Só nunca te vi fumar... _É. Eu fumava. Parei. Voltei. _Não faz bem. _Tem muitas outras coisas que também não fazem bem._ dei

outra tragada. Ele me olhou por uns segundos e depois se lembrou de o

porquê haver me chamado. _Eu queria te agradecer por ter me ajudado com minha filha,

eu não sabia como agir. _Tudo bem, eu fiz por ela._ falei secamente. _Claro..._ ele olhou para mim e percebi que estava

assombrado, não me reconhecendo. _Como está Alice? _Está bem. Quero dizer, estável... _Eu não sei como isso foi nos acontecer...

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_Isso o quê?_ ele perguntou, acho que querendo saber se eu me referia a nós dois ou ao acidente de Alice, na verdade eu falara mesmo da minha irmã.

_Dani?!_ ouvi uma voz me gritando. Olhei para lado e Marcos veio correndo para me abraçar, feito um adolescente maluco. Eu ri. _Oh, meu Deus, que maravilha, hen?!_ me olhou galanteador.

_Deixa eu te apresentar, esse aqui é o... _Esse eu conheço, é seu cunhado. Ele não sabia onde você

morava..._ Marcos jogava com as palavras e as oportunidades como um mestre no pôquer da vida.

_Bom, eu não quero atrapalhar o reencontro de vocês._ Ricardo usou uma certa ironia na voz e apertou o chaveiro para o carro abrir.

_Eu disse alguma coisa que ele não gostou?_ Marcos percebeu.

_Deixa para lá..._ pedi e o olhei direito. Estava forte, malhado, bronzeado, um galã de hollywoodiano, como sempre fora. Acho que minha tarde seria muito prazerosa.

Entrei no carro e tudo que eu conseguia pensar, enquanto Marcos me contava os motivos da sua volta ao Brasil, era o que Ricardo estava achando do que vira. Será que eu lhe incomodara com a presença do meu amigo? Eu esperava que sim, afinal, nada seria mais insuportável que a sua indiferença. Pena que o poder de ler a mente dele eu não tinha.

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38 (Ricardo) Eu não estava com muita vontade de ir à festa que Steven

havia me convidado. Em outros tempos seria fora de cogitação, eu preferiria ficar em casa e descansar. Mas existia uma motivação que me fazia cair na dúvida cruel: Daniela iria ou não?

_Fátima?_chamei-a atenção, enquanto a via dar mamadeira para Angélica._ Hoje você vai ficar por aqui? Eu tenho uma festa para ir...

_Posso ficar sim._ ela não se incomodou com a idéia. _Você sabe se..._ procurei palavras, mas não consegui ser

menos objetivo: _ a Daniela vai sair hoje? Porque ela também foi convidada para...

_Você quer saber se ela vai à festa, ou se ela vai com alguém? _Com quem ela iria?_ franzi a testa e logo me lembrei do tal

amigo que chegara a pouco no Brasil. _Ricardo, eu não sei._ Fátima levantou do sofá e foi levar

Angélica para dormir. Estava querendo restringir-me às informações, deixando claro

que não me perdoava por nossa separação. Na última hora, dei um pulo do sofá e decidi que iria. Dei a chave para que estacionassem meu carro e subi as

escadas do hotel de luxo, onde estava sendo dada a festa. Conferiram meu nome na lista e eu andei pelo salão com as mãos no bolso. Não conhecia ninguém e provavelmente Dani também não, será que isso seria um motivo para ela ficar em casa?

_Ela vem?_ ouvi uma pancadinha no meu braço. Olhei para o lado e logo reconheci pelo inglês Steven. Estava segurando seu copo de bebida, espremido dentro do terno, com sua grande barriga redonda. O pescoço curto parecia sufocado pelo colarinho envolto com uma gravata borboleta. Sua careca molhada de suor ele limpou com um lenço.

_Como está?_ cumprimentei-o e sorri. Peguei um copo de bebida na bandeja do garçom que passou por mim.

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_Eu pedi para ela me ajudar aqui com alguma tradução. Mas sabe que não é bem para isso..._ ele falou rápido demais e não pude entendê-lo perfeitamente. Ele chamara Daniela para quê?

_Você está ansioso..._ comentei. _Amigo, eu não jogo para perder..._ Ele deu uma risada alta e

eu saquei tudo por ali, não precisava de tradução, o faro para a concorrência no nosso território é algo que está no instinto animal do homem._ Olha ela ali..._ ele apontou com o dedo indicador da mão que segurava o copo.

Virei-me e meus olhos se encontraram com os de Daniela. Ela estava linda, com um vestido azul piscina combinando com seus olhos. O cabelo quer era liso estava cacheado àquela noite, caindo pelos ombros nus e a boca de um vermelho cereja que me fez sentir o coração disparar.

Steven adiantou-se para cumprimentá-la e eu só ganhei um sorriso e mais nada. Nem ao menos um toque. Poderia fazer qualquer comentário, mas nem tive tempo, pois ele foi mais rápido e a tirou para dançar.

Senti-me como se alguém estivesse me colocando para trás e aquilo começou a me trazer uma mistura de tristeza e raiva. Virei o copo de bebida e engoli de uma só vez.

_Oi, gatão..._ senti um beliscão na minha bunda e me deparei com uma velhinha muito serelepe, balançando-se ao som da música._ Não quer dançar?

_..._ eu não sabia como negar-lhe isso, afinal, poderia parecer uma falta de educação.

Olhei para frente e vi que Steven apresentava Daniela para um casal. Será que ela não via que o chefe a estava usando? Me senti na obrigação de tirá-la dessa roubada, mas como?

_Eu estou esperando uma oportunidade de dançar com aquela ali..._ indiquei Daniela para que a senhora a localizasse. _ Mas o pai dela não a larga. Sabe como é... Um cinquentão milhionário, sozinho..._ comentei coçando o queixo._ A senhora podia me ajudar...

A mulher riu e parece que gostou da troca. Tirei-a para dançar e nós ficamos a uma certa distância. Meus olhos se encontraram com os de Daniela e ela me pareceu séria demais. Senti que o que Steven lhe falava no ouvido não lhe agradava. Foi nesse momento que eu entrei em cena e o cutuquei.

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_Podemos trocar?_ pedi e ele não gostou nada, mas como cavalheiro cedeu espaço e começou a dançar com a senhora. Daniela em vez de segurar a mão que lhe ofereci passou direto por mim e esbarrou em um outro casal. Pedi desculpa por ela e a consegui alcançar em um corredor paralelo ao corredor. _Espera...

_A festa para mim acabou..._ ela continuou andando rápido, aos pulinhos para se equilibrar no salto._ Me deixa.

_Não..._ puxei-a pelo braço com força e ela me negou os olhos, segurei seu rosto.

_Vou pedir um táxi. _Eu te levo em casa. O que ele te disse que te fez ficar assim?

_ perguntei com vontade de ir até Steven e tirar satisfação._ O que ele te propôs?

_Não foi isso... Ele falou umas coisas. _Que coisas?!_ perguntei alto, perdendo o controle. _Tudo foi armado! Tudo!_ ela olhou-me com seus olhos

grandes e azuis._ O Guimarães pediu para que eu trabalhasse com ele, porque ele sabia que você acabaria se esbarrando comigo...

Então, ele tentou me ajudar?, pensei comigo, sem interrompê-la.

_E o Steven queria saber se eu ia ainda ficar te esperando porque ele... O que eu estou te fazendo contando essas coisas? _ ela balançou o rosto para os lados e saiu.

Eu fiquei olhando para a parede à minha frente, onde havia um quadro de uma paisagem tropical e tentei digerir aquilo tudo.

Sorri e tive um impulso, corri atrás dela, mas quando a vi, estava entrando em um táxi. Me joguei na frente e fiz sinal com os braços para o motorista, que já xingava todas as minhas gerações.

_Eu já vou levar essa senhora..._ ele não entendeu porque eu estava tentando abrir a porta de trás.

_Destrava essa porta agora!_ ordenei e ele balançou a cabeça para os lados irritado, por fim desistiu e apertou um botão para as portas se abrirem.

Tirei a carteira do bolso e dei dez reais na mão dele: _Eu fico com a passageira._ expliquei e puxei Daniela pelo

braço, que relutou, mas por fim saiu do carro arrastada por mim. O táxi partiu e ela olhou para os lados, sem saber o que lhe iria

acontecer. Pareceu com medo, se desequilibrou do salto e deu dois passos atrás.

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_Você está maluco?_ ela tirou o cabelo que estava em seus lábios empurrado pelo vento.

_..._ sorri e me aproximei, senti que eu já não podia mais me conter. _ Fazia um tempo que eu estou louco de vontade de fazer isso..._ beijei-a na boca e a envolvi com meus braços. Ela resistiu um pouco, mas por fim retribuiu-me com carinho e os lábios carnudos me receberam com a vontade que eu desejava._ Passa essa noite comigo?_ falei em seu ouvido, sentindo o perfume do seu pescoço.

_Só essa noite?_ ela riu e chupou o lóbulo da minha orelha esquerda, fazendo todo os meus pêlos se eriçarem.

_Essa e todas as outras._ fui vencido por aquela mulher mais uma vez.

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39 (Daniela) Fechei a porta atrás de mim e ele aspirou o perfume da minha

nuca, com a boca a roçar a minha pele. Senti os pêlos do braço me arrepiarem. Joguei o peso da cabeça para trás e Ricardo suspendeu o meu vestido com o punho fechado, sentiu as cochas e eu soltei um suspiro com o coração a disparar feito bomba relógio.

Virei-me de frente para ele e encontrei um sorriso branco, lindo. Olhos vivos e a luz fraca iluminando sua face esquerda. Acaricie-lhe com os dedos o seu cabelo sedoso e ele fechou os olhos para sentir melhor o toque das minhas mãos. De repente, despertou com o desejo incontido e me beijou na boca com muita vontade. Segurou-me com os braços fechados ao meu redor, para que eu não caísse.

_Você é tudo o que eu preciso..._ ele caminhou em direção a cama e eu fui dando passos atrás, sem tirar os olhos dos dele.

_Eu sei que isso não é certo..._ parei, no limite da cama, com os olhos pregados no chão.

_Mas eu não posso conter..._ ele me fez cair sob o colchão e eu o recebi entre as minhas pernas.

Eu aspirei aquele perfume seco, lambi a pele, senti-lhe o gosto e quis mais. Ele ergueu-se para tirar a camisa e a deixou caída no chão. Passei as unhas pelas costas largas, musculosas, úmidas.

Nos amamos e chegamos muito perto da paz eterna de que devem provar os mortos, tocamos o céu e morremos sem reflexos, dentro do maior êxtase de que eu já pude provar.

Quando entreabri os olhos encontrei os dele me admirando, sonolento. Dormimos entrelaçados e mergulhei no nada. Silêncio, quietude e unidade.

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40 (Ricardo) Deixei Daniela esparramada pelos lençóis e procurei o telefone

pela casa. Onde eu havia largado? Ah! Achei embaixo da almofada, em cima do sofá. Disquei o número do escritório, enquanto a olhava adormecida e bela, com um semblante de paz.

_Alguém me ligou?_ perguntei. _Ligaram do hospital!_ ela lembrou-se com uma voz

sobressaltada._ Parece que são notícias sobre sua mulher. “Sua mulher”, aquela denominação me era já tão estranha. Imediatamente procurei saber o que havia de novidade e

liguei para o médico no celular dele. Identifiquei-me e expliquei qual o caso de Alice.

_Senhor Ricardo, tenho ótima notícias! Toda a equipe está entusiasmada com o quadro. Alice está despertando...

Meu coração disparou e eu perdi a voz, a ação. Torci muito para aquele dia chegar e de repente não me vi preparado para ele.

_Ela não reconhece ainda as pessoas, está recuperando aos poucos os movimentos... Senhor Ricardo, está me ouvindo?_ o homem chamou-me a atenção do outro lado.

_Tô sim, é que é difícil acreditar. _Você vem vê-la? _Vou. Estou indo para aí._ desliguei. Eu deveria correr, pegar o carro, voar para lá, mas minhas

pernas continuaram paradas. _Vem para cá..._ ouvi a voz doce de Daniela. Caminhei até a cama, sentei e acariciei com a ponta dos dedos

sua bochecha rosada. _Eu conheço essa cara... O que foi?_ ela franziu a testa. _Sua irmã acordou...

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41 (Daniela) _Quê?_ sentei-me na cama._ Alice acordou?_ assustei-me

com a notícia. _O médico acabou de me falar. Eu vou ao hospital, você vem? _Claro!_respondei prontamente._ Você não parece tão

entusiasmado._ comentei e refleti se isso era porque pensava que ela poderia nos separar.

_Estou, claro. Mas ela me decepcionou muito..._ ele falou em voz baixa, balançou a cabeça para os lados e levantou-se com o telefone na mão. Discou um número._ Vou pedir para Fátima vir o mais rápido possível...

_Então, eu vou tomar banho._ procurei meu vestido no chão._ Como eu vou ao hospital assim? Fala para a Fátima trazer uma roupa para mim!_ pedi.

Enquanto a água caia na minha cabeça, eu me perguntei se Alice me perdoaria pelo fato de Ricardo agora saber de tudo. Se bem que isso era menor, em comparação a eu ter dormido com o marido dela! Senti-me tão mal com essa situação. Eu gostava muito dele, ao mesmo tempo esse sentimento se misturava com uma enorme culpa. Ela poderia pensar que fora por vingança, para dar o troco, ou coisa do gênero e não foi assim que tudo se sucedeu. Aliás, nem eu sei como eu entrei naquela casa e vim parar na cama dele. Parece que as coisas ocorreram naturalmente...

Eu também não era a vilã da história sozinha, ela traíra o marido muito antes dele. O que não justifica termos nos apaixonado na ausência dela. Ai, como o coração pode ser tão complexo? Queria que tudo fosse mais simples, que eu entrasse em uma padaria, cruzasse com Ricardo e a gente se conhecesse de maneira trivial. Talvez não levaria a nada. Será então que eu me envolvi tanto justamente por ser proibido? Faz sentido, mas não melhora.

Estavam mais tensos e ansiosos que propriamente felizes no trajeto até o hospital. Tudo certamente estava para mudar e isso me tirava a paz. O médico nos guiou até o quarto onde ela se encontrava e antes de abrir a porta nos alertou que poderia não se lembrar de nós, porque estava ainda se recuperando ainda.

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Alice estava sentada diante da bandeja de café da manhã. Seus olhos inspecionaram Ricardo e eu e pareceram não nos reconhecer, perguntou ao médico quem éramos. Ele respondeu que eu era sua irmã e que aquele era seu marido. Ao denominar assim nós dois, novamente senti-me intrusa no universo dos dois. Eles voltavam a ser o casal.

Ricardo não se aproximou, nem fez gesto algum de carinho ou afeto. Era uma estátua sólida e reflexiva, com mãos nos bolsos e um semblante de desgosto pétreo. O médico percebendo isso lhe informou que poderia se aproximar, mas ele não o fez. Pedi, então a ele que saíssemos e deixássemos Ricardo a sós com Alice. Do lado de fora da sala, o médico comparou a manifestação de Ricardo com a de um homem que viera visitar a paciente.

_Guimarães?_ franzi a testa. _Isso, era esse o nome. Ele insistiu muito para vê-la e ela o

reconheceu. Ele me explicou toda a história... E me implorou para entrar...

_Agora estamos em uma situação difícil..._ comentei. _Não devem pressionar para que ela dê respostas, deixe isso

para depois. _Claro..._ concordei. _Mais alguns dias e ela receberá alta para voltar para casa.

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42 (Ricardo) Frente a frente com Alice eu não tinha palavras, nem

movimentos. Olhei-a e senti pena, nada além. Tinha a pele branca como a morte, olhos fundos, os dedos tortos e uma magreza que a tornava ainda mais frágil. Dei alguns passos até ela.

_Você é..._ perguntou ingenuamente e aquilo me acertou como um soco no estômago. Os olhos se encheram de lágrimas.

_Não chore, por favor..._ ela tocou minha mão e viu a aliança._... Desculpe...

_Tudo bem..._ balancei a cabeça para os lados, não queria forçá-la a nada.

Puxei uma cadeira e sentei. _Me fala sobre nós..._ ela pediu e recostou a cabeça no

travesseiro. _Nós fomos felizes..._ falei olhando para minhas mãos. _E eu...? _...Você?_ encarei-a e fiquei em silêncio._ Não sei se faz bem

você ficar tentando se lembrar... _Fui tão ruim assim?_ franziu a testa. _Um dia te conto tudo..._ forcei um sorriso. Contratei um batalhão para colocar a nossa antiga casa em

ordem e florida para quando ela chegar. Deixei-a de volta em seu quarto, sozinha. Uma vez por dia eu a ia visitar. No terceiro dia, a encontrei com o rosto enterrado nas mãos, ajoelhada sobre a cama. Reparei na televisão ligada e nas capas dos DVDs sobre a colcha. Eram gravações do nosso casamento, das festas que dávamos. Tive medo de entrar e encará-la. Podia da soleira da porta dar passos atrás e sumir. Mas esse encontro era inevitável.

Caminhei vagarosamente até ficar em sua frente e ela levantou o rosto:

_Ricardo..._ chamou-me pelo nome de um jeito seu._ Eu vi tudo e lembrei...

_Lembrou? De tudo? _..._ ela balançou a cabeça em sinal de sim e limpou a

bochecha com as costas da mão.

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_Eu também nunca vou poder esquecer..._ falei friamente._ Nem vou poder perdoar.

_Desculpe..._ ela começou a soluçar. _Tá vendo esse cara aqui?_ apontei para a tela da televisão,

onde Guimarães aparecia brindando comigo._ Ele era o meu melhor amigo. Está vendo essa aqui?_ indiquei com o dedo para ela se ver vestida de noiva._ Essa é a vadia que deu para o meu amigo. _ falei entre os dentes.

_Não fala assim... _Não? Como eu chamo, então? Como eu chamo isso que

fizeram comigo?Ãnh? Traição? É uma palavra pequena demais para explicar como me senti, quando soube que vocês viviam pelos cantos trepando na minha cara!_ berrei perto do rosto dela. Puxei seu cabelo da nuca para que me olhasse nos olhos._ Você não sabe o quanto eu convivi com você com pena de te deixar, mas eu não sei como tolerei um dia ao seu lado!

_Eu não sabia como te contar... _Era só ter contado, que eu te chutaria daqui... _Eu não queria que a gente terminasse assim se odiando... _E como imaginava?!_ coloquei as mãos na cintura, tentando

manter a calma._ Que eu fosse padrinho do casamento dos dois e levasse a aliança.

_Se me odeia tanto, porque me trouxe para cá? _Eu não te odeio._ consertei com a voz gélida._ Ódio é um

sentimento muito forte, digno apenas das pessoas que têm importância. Você é indiferente. Uma qualquer.

Alice virou o rosto para o lado, como se tivesse levado uma bofetada com minhas palavras.

_Eu te trouxe para cá, porque essa casa é aquilo que você sempre gostou. Você cuidou dela mais que a mim, ela é seu castelo. Pois então durma no seu palácio sozinha._ dei dois passos atrás e bati a porta.

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43 (Daniela) Eu esperei que Ricardo chegasse, não queria ir embora antes

de vê-lo. Estava deitada na cama e por isso não percebeu quando entrou. Ele deixou a porta bater atrás de si, se arrastou até o sofá e caiu sentado com o rosto enterrado nas mãos.

_Está tudo bem?_ perguntei e fui até ele. _Você está aí..._ ele disfarçou e limpou as lágrimas dos olhos. _Está vindo da sua casa?_ suspeitei. _É. Mas uma tortura diária._ comentou irônico e não quis me

olhar, mantendo uma invisível barreira entre nós, lutava para parecer forte.

_Vem cá..._ puxei-o pela manga da blusa e ele veio, entregue, sem relutar._ Eu te amo, meu lindo..._ fiz carinho no seu cabelo e o envolvi com meus braços.

_Obrigada por você existir..._ ele sorriu e beijou minha mão várias vezes.

_Conta para mim... _Não vale a pena._ fez pouco caso. _Não vai mudar nada, mas pode te deixar mais leve..._ insisti. _Ah... Eu acabei falando para ela tudo... _Tudo... Tudo o quê? O médico não havia dito que... _Não... não... ela se lembrou já... quando eu cheguei estava

cheia de fitas de vídeo sobre a cama, tinha assistido... _Ai, meu Deus, e aí? _E aí que eu disse tudo que estava entalado na minha

garganta. _O que você disse, Ricardo?_ olhei-o de lado, receosa do que

ouviria. _Ah... Eu falei mesmo... falei que foi um golpe pra mim saber

que ela me traia com meu amigo, enquanto nós éramos casados._ Ricardo deixou bem claro ali que não se sentia mais ligado a Alice de nenhuma maneira, apesar da aliança ainda esquecida no dedo._ Eu deixei bem claro que não tem como perdoar a traição dela...

_E a nossa, ela perdoou? _ franzi a testa. _Não falamos disso... _Hum, você não contou.

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_Não..._ Ricardo ficou cutucando o botão da minha blusa, com o pensamento solto no ar.

_Por um lado, se eu pudesse, não teria vivido nada disso, porque é um peso carregar a culpa de ter traído alguém. Queira ou não você traiu sua esposa e eu a amizade da minha irmã. Mas ao mesmo tempo isso tudo me levou a conhecer você de outra forma. E eu estou perdidamente apaixonada e não posso negar isso. Fico muito feliz ao seu lado. Os dias que ficamos brigados foram muito ruins para mim...

_Para mim também..._ interrompeu. _... Parecia natural que nós estivéssemos sempre bem. _Eu sei como é..._ ele sorriu e levantou o rosto para me dar

um beijo, sempre com a mão debaixo da minha nuca._ Eu não quero nunca mais que a gente fique longe..._ confessou e aumentou a velocidade do beijo._ vem..._puxou-me pela mão e caminhamos até a cama.

A noite foi deliciosa como todas, mas a visita que recebemos pela manhã eu não posso dizer o mesmo.

Capítulo 50: (Ricardo) Acordei com o som da companhia. Se Fátima tinha a chave,

quem haveria de ser aquela hora? Olhei o relógio de pulso, marcavam oito horas da manhã. Levantei-me cambaleante e abri a porta. Meu coração por pouco não parou com o que vi: Alice impecavelmente arrumada:

_Vim ver a minha filha, afinal, ela deveria estar comigo. _Podia ter ligado... _...Para ver a minha filha?_ entrou falando alto, olhou a sua

volta, fez seu ar de desdém e terminou por encontrar o foco de atenção, a cama onde Daniela estava deitada.

Ela retirou os óculos escuros, caminhou a passos lentos, firmes, sob seus saltos agulhas pele de cobra e não teve a menor cerimônia de puxar o lençol.

_Bom dia, Cinderela!_ falou em voz alta e acordou Daniela, que se viu nua e sob os olhos da irmã.

Tomei o pano e a cobri: _Você veio ver Angélica, ela está ali!_ apontei para o berço. _Foram rápidos na minha ausência, não? Carência leva a isso?

Ou já rolava antes de eu me ferrar naquele acidente e eu não percebi?_ ironizou olhando para nós dois com ar de superioridade.

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_As coisas não são fáceis de serem explicadas..._ Daniela tentou se sintonizar dentro daquele cataclismo que estava por vir.

_Ah! Eu sei que não..._ Alice franziu a testa e usou de todo seu sarcasmo._ Ontem quando eu tentei dizer que não me apaixonei pelo amigo dele por querer, por maldade, ele veio todo cheio de moral... E olha só, na cama com a minha irmã..._ riu e bateu palmas._ Isso é uma tragédia grega, ou um filminho de quinta... Depende de quem conta...

_Eu não aceito que venha até a minha casa dizer o que acha ou não sobre as escolhas que eu faço! Se quer saber, eu me apaixonei sim pela sua irmã. Eu estou com ela agora.

_Ótimo, ficamos quites! Afinal, você se vingou à altura... _Agora sentiu o que eu senti?_ cruzei os braços. _Então, você está dizendo que foi por vingança?_ Daniela

olhou-me incrédula. _E você pensou que era o quê, querida?_ Alice reprovou-a

com seu tom de maturidade. _Eu não disse isso..._ consertei e segurei Daniela pelos braços

para que não fosse embora, mas ela estava decidida e começou a se vestir rapidamente.

_Eu vou levar a minha filha. _Alice anunciou. _Você não pode!_apontei o dedo na cara dela. _Eu posso sim e vou. E tem mais, eu vou sair do Brasil e vou

levar ela. _Não!Não pode fazer isso para me punir! Não pode!_gritei

com Alice e quase avancei em cima dela. _Alice, sai daqui por favor, vai embora. Depois resolvemos isso

com mais calma._ Daniela pediu, tomando parte da situação por pena de mim.

_Tudo bem, eu vou, mas eu volto com uma ordem judicial!_ Alice prometeu.

_Não, não..._fiquei desesperado, Daniela não me deixou partir para cima dela.

Alice acariciou a menina e foi embora. _Que inferno, meu Deus!_ dei um grito e comecei a

chorar...Ela não pode! Eu posso brigar, ela é minha filha..._ sentei na beirada da cama.

_Ricardo..._ Daniela ajoelhou-se aos meus pés. _Eu posso provar que tenho mais direitos como pai, porque eu

cuidei da menina, ela é minha filha, minha filha, minha!

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_Ricardo... ela não é sua filha..._ Daniela interrompeu-me. O mundo parou de girar ao meu redor, eu fiquei zonzo, como

se tivesse levado uma pancada na cabeça. Capítulo 51: (Daniela) _ O que você disse?_ Ricardo havia entendido claramente:

Angélica não era sua filha, só faltava cair a ficha. _Eu não posso ter absoluta certeza, mas ouvi ela uma vez falar

para Guimarães que a menina era dele... Eu não sei se aquela louca usou a garota como arma...

_Isso não está acontecendo..._ Ricardo afogou o rosto nas mãos.

_Você disse que sabe dessa história desde quando?_ perguntou.

_Eu um dia fui até a casa de Guimarães e vi os dois juntos... Ela jogou na cara dele que a filha era dos dois. Ele não acreditou, claro. Eu fiquei muito mal. Por isso tudo, terminamos... Eu cheguei em casa muito mal...

_Eu lembro e até fiquei feliz... _Ãnh?_franzi a testa. _Eu já estava apaixonado, encantado por você..._ falou com

uma voz arrastada, sem qualquer emoção ou sorriso._ Você foi a única coisa boa que me sobrou.

_Não diz isso..._ fiz carinho no seu rosto. _Eles vão levá-la embora... _Provavelmente você não terá nada ao seu favor..._

concordei. _Parece que veio uma avalanche. Minha vida estava tão

tranqüila, pacata... _Você se arrepende de nós dois?_ perguntei. _Nunca..._ ele franziu a testa e balançou a cabeça para os

lados._ Porque quando tudo está no chão e só resta as cinzas, a gente procura os sobreviventes... E eu só tenho você agora para me ajudar a reconstruir tudo...

_Vou sim..._ sorri e o abracei com força. _Me ajuda a ficar em pé quando o que resta cair na minha

cabeça..._pediu. Ricardo estava preparado para ver seu casamento chegar ao

fim, perder seu amigo e até descobrir toda a teia de traições que se engendrava pelas costas dele, mas não podia supor que o golpe final

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fosse arrancarem o bebê. Alice, possuída dos direitos de mãe, levou Angélica, como havia avisado. Guimarães e ela se casaram e foram morar em Brasília, levando a criança com eles.

Ricardo mergulhou em um ciclo destrutivo, passava horas no escritório e só bebia. Eu estava perdendo-o dessa vez e não era para outra pessoa, mas para ele mesmo. Cansada de ser esquecida nos encontros que eu marcava e ele nunca comparecia, exausta de tentar parecer que as coisas não iam bem entre nós, peguei minhas coisas e fui embora. Para mim não dava.

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44 (Ricardo) _ Não vai fazer nada hoje?_ Fátima varreu o chão próximo a

cama onde eu jazia. _Estou cansado. _De não fazer nada? _Como de não fazer nada? Eu me matei a semana toda! _Ah!Sim, é verdade, me referia a ontem que você bebeu o dia

todo. Sábado era dia de futebol com os amigos de manhã... _É..._ não contestei. _Você vai terminar igual o seu pai._ ela comentou levantando

as sobrancelhas e fazendo ar de pesar. Balançou a cabeça para os lados. _Não vou não!_sentei-me em um pulo, aquilo fora uma

ofensa. _Ora!_ pôs as mãos na cintura. _ Você virou um cachaceiro..._

começou a enumerar nos dedos._Só vive agora pensando em multiplicar dinheiro, já trocou até o carro, já perdeu a mulher que ama...

_Perai, perdi coisa nenhuma... _Perdeu!_ ela gritou comigo e apontou o cabo da vassoura

para minha cara._ As pessoas não são as coisas, que a gente deixa em um lugar e depois podemos voltar para buscar que elas estarão ali!_ explicou-me sem nenhuma delicadeza._ Daniela é uma mulher de ouro, não é uma bolsa de valores, onde você perde aqui e ganha ali na frente, fazendo seus clientes felizes!

_Ah!Não me amola..._ levantei-me e me arrastei até o sofá. Liguei a televisão.

_Agora só faz isso, só vê televisão. Parece um garoto desocupado, na flor da idade.

_Fátima, me dá um tempo! _Você devia pedir isso à Daniela..._ comentou atrás de mim. _Ela deixou um bilhete dizendo que não me ama mais, que

não agüenta mais ficar ao meu lado. Eu já estou cheio de todos me deixarem...

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_A Dani gosta de você sim, ela só não gosta do que você se tornou. Porque você se acabou, se entregou! Nem a barba faz mais...

_Eu já disse, me matei de trabalhar a semana toda e agora quero ficar relaxado, curtindo meu domingo, posso?

_Pode..._ ela deu de ombros e passou um pano na mesa de centro._ Quando disse que deveria pedir um tempo para Dani, é porque ela vai voltar para os Estados Unidos, sabia?

_Do que você está falando...?_perguntei entre os dentes, tentando não demonstrar o quanto aquilo surtira como um golpe.

_Isso mesmo. Ela foi à embaixada ontem... Aquele antigo chefe dela conseguiu uma bolsa de estudos para ela. A menina merece mesmo...

_Onde ela está morando? Na sua casa? _Para que quer saber, não deu bola até agora... _Anda, fala!_ levantei. _É, está lá... Mas não sei se vai encontrá-la lá. Ficou de ir à

praia com o Marcos. _Eles dois estão juntos? _Estão e acho que ela está mais que certa. Deu bobeira,

babau!_ Fátima deu-me uns tapinhas na bochecha. Procurei a chave do carro no bolsa da minha outra calça.

Joguei uma água na cara e abri a porta para sair. _Vai assim todo desleixado?_ criticou-me. _..._ olhei-me de jeans e camiseta amaçada._Vou! Já fiz sinal para o carro abrir a porta ao sair do elevador. Estava

com pressa. Liguei o som alto e cantei o pneu no estacionamento. Como Fátima advertira, eu não a encontrei em casa. Mas

esperar não seria tão torturante, aceitei a proposta do filho dela e ficamos vendo vôlei de praia que passava na tv da sala.

Daniela chegou três horas depois, toda bronzeada e rindo sozinho. Parecia ter luz própria. Mas quando me viu esse brilho diminui e o sorriso morreu:

_O que faz aqui?_ deixou a bolsa em cima da mesa e foi até a cozinha, sem a menor cerimônia de me dar às costas.

_Eu vou nessa, cara._ o filho de Fátima deu-me um cumprimento de mãos e saiu.

Caminhei até a cozinha e a encontrei tomando água. Apoiei minhas mãos na pia:

_Soube que você vai embora...

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_As notícias boas correm rápido tanto quanto as ruins?_ ironizou e colocou de volta a garrafa na geladeira.

Seu corpo estava lindo, com os pêlos dourados, a calcinha do biquíni visivelmente enfiada entre sua bunda redonda e perfeita, sob o fino short. Ela saiu rebolando e eu entendi que ia ter que seguí-la, se quisesse travar um diálogo com ela.

_Ricardo, para que você veio? Porque se for para dizer que sim, já era._ ela adiantou-se e bateu a porta na minha cara quando entrou no banheiro.

_Você conseguiu uma bolsa de estudos, que bom... _É. De seis meses. Mas se eu for bem, pode ser que eu fique._

mostrou que estava decidida a ir. _E se eu dissesse que não queria que fosse?_ falei, quando ela

abriu a porta. _Ricardo, porque você não ouviu quando tantas vezes eu

também disse coisas? Disse para você parar de beber, disse para você prestar atenção em mim, que todo dia ficava em casa de esperando feito uma idiota, disse para você se cuidar mais, olha para você? Esse realmente não é o cara que eu conheci. E esse eu não quero. E esse não é o cara por quem valha a pena ficar!

_Obrigado!_ironizei._ Eu me senti péssimo agora. Satisfeita? Eu quero que fique...

_Não percebe? Perdeu seu orgulho próprio._ balançou a cabeça para os lados, entrou no quarto.

_Dani a gente não pode acabar assim... _Eu não posso me acabar! E não vou!_ Ela abriu uma pasta

azul que estava em cima do criado mudo._ Está vendo isso? Minha passagem. Está vendo isso? Meu passaporte. E isso sabe o que é? Sabe o que significa esse papelzinho aqui? Eu posso entrar legalmente lá!_ deixou tudo cair sobre a cama.

_Você não pode fazer isso comigo. _Eu já fiz. _ falou. _Dani eu faço qualquer coisa para que fique. Eu amo você,

você sabe disso. _A gente não pode amar só para gente, a gente tem que

provar isso todos os dias. E nosso fim não tem nada a ver com aquelas cenas de filme, em que o cara chega no aeroporto e pede para a menina ficar e ela fica. Porque se você resolver aparecer lá, estará perdendo seu tempo, porque eu vou entrar naquele avião.

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_Você não me ama? _..._ ela lambeu os lábios, suspirou, olhou para cima._É, eu

amo. Mas antes eu amo a mim mesma. _Então? _Então, mude, mude para sobrar algo em você para alguém

amar. _Eu mudo. Mudo o que você quiser!_abri os braços, vencido,

rendido. _Essa mudança leva um tempo, Ricardo e eu não vou estar

aqui mais para esperar esse tempo. Agora me deixa sozinha e..._ a voz dela embargou._...Vai embora. Eu tenho um encontro e preciso me arrumar.

Eu tinha que ir, mas minhas pernas perderam a sustentação. Passei a mão na nuca.

_Quando é que eu vou te ver pela última vez? _Agora... Eu parto daqui a dois dias. Caminhei até ela e passei a mão no seu rosto, ela não rejeitou: _Não foi nada fácil para mim. Eu fui traído, eu perdi a filha que

nem era minha, eu traí a minha mulher e no meio disso tudo a única lembrança boa foi você. Só não esqueça isso, eu não vou desistir. Se você pensa que vai para lá e vai conseguir me tirar da cabeça, me arrancar do coração, fugir de mim, está perdendo seu tempo, porque não vai._ dei as costas e sai.

*** Chegando em casa, encontrei Fátima se arrumando para ir

embora. Estava na sua hora. Ainda dava tempo de chegar em casa e almoçar com a família:

_Deixei uma lasanha no forno para você._ falou. _Ela está decidida mesmo._ suspirei e sentei no sofá. _ Eu não

estou acreditando. Ela sentou-se ao meu lado no sofá e deu um tapinha no meu

joelho. _Meu filho, a vida é longa..._ ela deu uma risada._... a batalha

não acabou. Só que dessa vez você vai ter que esperar. _Mas eu não quero esperar, eu quero que ela fique comigo. Eu

amo aquela mulher.

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_Ricardo, nós vamos caminhando por aqui..._ começou a desenhar um caminho invisível na minha perna sobre o jeans da minha calça._ Aí decidimos tomar atitudes que nos levam para cá._ desenhou uma curva._ E não podemos voltar atrás para pegar aquele outro caminho. Você terá que seguir em frente, porque de curva em curva, nós encontramos de novo aquele caminho que deixamos de seguir um dia. Enquanto isso você vai aprender muito a dar valor a algumas coisas, a deixar de dar valor a outras. E tudo que aprender irá te ensinar a perdoar as pessoas...

_Onde está querendo chegar? _O encontro das pessoas não é à toa. Mas os desencontros, na

maioria das vezes somos nós que provocamos...E para voltar a trilhar aquele antigo caminho pode ser que leve muito tempo. Às vezes, leva algumas vidas.

_Lá vem você com esses misticismos, eu não acredito em nada disso. Sou pragmático.

_Tudo bem... Cada um entende de uma forma e talvez isso explique porque uns sofrem de mais angústias do que outros...

_Sua ex-esposa e seu Guimarães se amam, eles estão há muito tempo para se reencontrarem. Não foi de uma boa maneira que isso se deu, mas foi chegada a hora.

_E quando eu vou reencontrar Daniela? _Ninguém tem essa resposta. A única coisa que sabemos é

que não se pode impedir as pessoas de seguirem o caminho que elas querem seguir._ Fátima deu-me um beijo na cabeça e saiu.

Capítulo 53: (Daniela) _Dani?_ senti uma mão no meu rosto. Abri os olhos e vi

Fátima sentada ao meu lado na cama._ Você está suando...Está se sentindo bem?

_Não muito. Eu comi um camarão na praia e acho que me fez mal, vomitei tudo._ pus minha mão na minha testa.

_Já falei para não comer essas porcarias na rua. É melhor você ir ao médico e tomar um remédio. Você é alérgica?

_Não precisa..._ fiz pouco caso e senti o enjôo ficar mais forte. Levantei-me em um pulo e corri até o banheiro.

Encostei na parede azulejada e fria depois de colocar o que restava no meu estômago na privada. Respirei fundo e lavei o rosto.

_Eu sei que não vai gostar da idéia, mas chamei o Ricardo para te levar no médico.

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_Quê?_ quase engoli a pasta de dente, enquanto escovava os dentes.

_Ele pode pagar uma consulta para você. _Nem pensar, eu não vou!_ cospi na pia. _Não seja pirracenta, eu não quero te ver assim. _Que exagero!_Sequei meu rosto na toalha. Sentei na sala e senti minha cabeça rodando. Que diabos de

camarão foi aquele? Não demorou muito para Ricardo chamar no portão. Fátima o

trouxe até mim e ele parecia mais preocupado do que realmente precisava estar:

_Eu estou bem._ falei fazendo sinal com as mãos para não me tocar.

_Isso eu quero ouvir do médico!_ ele disse._ Vamos! Estacionei o carro em lugar proibido.

_Não... _Eu disse vamos agora!_ ordenou e eu suspirei. Por fim acabei

cedendo. _Já disse que estou bem... Foi só um..._ meus olhos virão tudo

embaçado, anuviado, como se meu cérebro estivesse anestesiado. Meu corpo caiu sozinho.

Ricardo segurou-me: _Dani!_ pegou-me nos braços, mas eu voltei a tomar noção da

realidade outra vez e pedi para me pôr no chão._ Não, fica quietinha._ levou-me até o carro e Fátima nos seguiu.

_Essa menina é uma teimosa!_ resmungou ela. Na clínica médica, eu pedi para ser atendida sozinha, queria

mostrar para eles que eu estava bem e que não precisava de babás, que estavam fazendo uma tempestade sem motivo.

O homem começou a fazer perguntas que nada tinham a ver com o meu prato exótico de camarão na praia:

_Quando foi a sua última menstruação? Eu emudeci, de repente uma possibilidade veio como um

golpe. _Eu não posso estar grávida, eu vou viajar para... _Daniela, acalme-se..._ ele estendeu a mão e deu uma tapinha

na minha com um sorriso de que sabia algo a mais._ Você fez sexo sem camisinha, ou não tomou pílula...

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_Não!_ respondi prontamente e de repente me lembrei da noite da festa, quando me reconciliei com Ricardo._ Quero dizer... Fiz._ respondi baixinho.

_Vamos fazer um teste e... _Eu não tenho tempo, eu tenho viagem comprada, eu tenho... _A vida nem sempre segue a nossa agenda..._ ele lembrou-

me. _Por favor, não fale absolutamente nada para ninguém!_ pedi. _Se você prefere assim._ ele aceitou. Ao sair da sala encontrei os rostos aflitos de Ricardo e Fátima. _Eu estou bem, não falei que estava?_ sorri, mas meu rosto

não negou minha aflição. _E o que tinha?_Ricardo perguntou. _Ah! Foi o que comi no almoço mesmo._ menti e eles

engoliram. Em casa, Fátima não se contentou com minha mudança de

humor: _Você está calada desde que chegou._ sentou-se ao meu lado

na cama. Eu estava ali fazia uma hora, olhando fixamente para as malas prontas em um canto do quarto.

_De repente, tudo pode sair dos nossos planos... _Do que está falando?_ ela não gostava de rodeios. _O médico acha que eu estou grávida. _E isso não é maravilhoso?_ Fátima bateu palmas de alegria._

Um filho Dani!Um filho! Eu sorri, motivada pelo entusiasmo dela, um frio passou na

minha barriga. _Mas eu não posso viajar assim, como vou viver lá sozinha

com uma criança? Como vou trabalhar... _Não vai! Fica aqui, seu Ricardo não suportaria que você

fizesse o mesmo que sua irmã. _Eu não iria querer afastar o filho dele, eu não sou como

minha irmã. _Não, não é... Por isso ele se apaixonou por você. Ele te ama e

você também, sabe disso! _Parece que o relógio parou e as coisas estagnaram, nada vai

pra frente, nem para trás. _Fala como se tivesse que tomar uma decisão, só que não

depende de você...

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_É..._ respirei fundo e passei toda à noite pensando no resultado daquele exame.

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45 (Ricardo) Quando a gente deixa passar o que é mais importante para a

gente, tudo o mais perde um pouco do seu sentido. Sinto nos olhos daqueles que trabalham comigo uma pena que me faz ter piedade até de mim mesmo. Provavelmente agora já sabem da história de amor que Guimarães e minha ex-mulher viveram bem sob meu nariz. Meu amigo me faz uma falta tão grande. Não esse que me traiu, mas aquele primeiro, meu imaculado irmão.

Olhei a cidade lá embaixo, através das frestas da persiana da minha sala. O sol quente do início do verão não me incentivavam a descer, nem tão pouco eu tinha vontade de ir para casa. Lá eu me sentia tão vazio por dentro quanto os cantos da casa onde havia as coisas da minha filha e de Daniela. Digo minha filha ainda, preciso perder essa mania. Ri de mim mesmo.

Ela vai crescer, ser uma menina esperta e ter um ótimo pai. Guimarães cuidará muito bem dela, certamente. Os três estão em Brasília, já mandaram notícias para as pessoas conhecidas contando a felicidade plena que estavam vivendo.

_Seu Ricardo, eu já vou, o senhor quer alguma coisa?_ ouvi a voz mecânica da minha secretária através do telefone.

_Não, pode ir._ respondi e soltei o botão. Fiquei olhando os números, decidi pegar o fone.

_Alô?_ouvi a voz linda de Daniela do outro lado. _Alô, Dani, é o Ricardo. _Oi. _É... Eu sei que deve estar ocupada com os preparativos da

viagem, mas eu queria te pedir uma coisa. _O quê? _Um café, melhor, nesse calor é melhor um suco, não sei,

sentar e conversar, só uma última vez. _..._ouvi apenas a respiração do outro lado. _Por favor, eu queria te ver, só te ver, por favor. _Tudo bem. _Certo, eu peço para o motorista te pegar, certo? _Tá._ ela aceitou e parecia que eu acabava de fechar um

contrato milionário e dificílimo.

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Desliguei e senti uma alegria enorme, incoerente, claro, porque se ela ia embora era para eu estar triste.

De repente pensei, para que o motorista se posso eu mesmo ir? Peguei o paletó e as chaves do carro. Dei tchau para todos com o melhor dos meus sorrisos e percebi os outros se acotovelando e estranhando minha reação.

Antes passei em casa para tomar um banho, fazer a barba e vestir uma boa bermuda e camiseta, porque o calor estava marcando quarenta graus nos termômetros do Rio de Janeiro.

Liguei o som do carro e parti para a casa de Fátima a fim de buscar Daniela. Como é tão estranha essa vida. Ontem eu achava que eu amava minha ex-mulher e que o filho era meu, vivia em uma casa enorme. Depois me culpei por me apaixonar por minha cunhada, quando na verdade Alice fazia o mesmo com meu amigo. Ai eu descubro que a filha na é minha, que eu posso ficar com a mulher que amo mesmo, de verdade e venço o jogo. Esse foi o mal: achar que a pessoa que amava estaria sempre ali, que não precisava cultivar o amor. E para fechar a história eu a perdia. Não dá para acreditar que vá ser assim.

Toquei a campanhia da casa de Fátima e Daniela controlou o sorriso quando me viu para não mostrar que gostara da surpresa.

_Oi, eu preferi vir pessoalmente. _Tudo bem._ ela fechou o portão. Dei um beijo na sua bochecha direita para que

propositalmente ela sentisse o cheiro do perfume que sempre disse gostar:

_Vamos?_ falei em seu ouvido. _Para onde? _Não se preocupe, não vou te seqüestrar, a menos que

implore. Ela riu e balançou a cabeça para os lados. Aquele sorriso valia

tudo, tudo de mais importante que existia para mim e se ela continuasse sorrindo assim eu ia chorar. Segurei a dor no peito que antecede a perda e aproveitei minha última chance. Entrei no carro.

Estacionei na orla da praia e propus o melhor dos refrescos para aquele calor: a boa e simples água de coco.

Daniela e eu procuramos um banco e sentamos. _Não acredito que vá sentir falta disso?_ comentei.

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_Do sol de fim de tarde, do céu, das boates, dos bares, da gente, do samba?_ ela riu um riso alto, brilhante, de boca vermelha, meu Deus me dê ar.

_E de mim?_ perguntei. _Que tem?_ ela largou o coco vazio de lado e desviou seus

olhos de oceano para o mar. _Não vai sentir falta de mim? _..._ o cabelo dela voava com o vento e acariciava seu rosto._

Eu quero caminhar, vamos? _...Vamos._ me levantei e me surpreendi com o gesto que ela

fez de estender a mão. Pensei por um momento que seria apenas para ajudá-la a descer um pequeno degrau que havia entre o nível do calçadão e da areia, mas ela não soltou minha mão.

Corremos pela areia quente até chegar próximos as ondas espumantes. Molhamos os pés, enquanto segurávamos nossas sandálias na mão.

_Dani?_ Paramos de caminhar e a olhei nos olhos. _ Eu faria tudo diferente se pudesse... Eu preciso disso sabe? Da sua mão, da sua presença, de você. _meus olhos se encheram de lágrimas, eu não queria chorar, mas estava segurando heroicamente aquele nó na garganta.

Ela passou a mão no meu rosto, fechei os olhos. _Dizem que o fim de ano é mágico, que tudo pode

acontecer..._ ela sorriu. Eu franzi a testa. _Se você pensar muito forte e desejar uma coisa, quem sabe

ela acontece... _Fica comigo, por favor, fica comigo._ abracei-a e beijei seus

cabelos, sua bochecha, encontrei sua boca e a beijei com muita vontade.

_Ricardo..._ ela afastou a boca e ficamos apenas de testas coladas._ Eu não vou mais.

_Quê?_ eu ri, temendo que fosse uma brincadeira. _Eu já tinha decidido isso há alguns dias. _Por que não me falou?_ reclamei. _Eu preciso te contar uma coisa. _Ai meu Deus... o quê? _Eu estou grávida.

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_Grá-vi-da, Grávida? Você quer dizer, um filho, um filho meu?_ perguntei desconfiado de tanta felicidade, depois das desilusões eu não descartava nem aquela.

_É seu, só seu._ ela sorriu e eu beijei seu sorriso, peguei-a no colo e a girei no ar._ Ricardo eu estou tonta!_ gritou.

_Isso é perfeito._ a pus de novo na areia e eu só conseguia rir de felicidade._ Você não imagina como eu preciso de você...

_Eu imagino, porque também preciso de você. Te amo muito. _Também te amo tanto, tanto._ abracei-a e nos

desequilibramos, caimos na água aos risos. Fátima estava certa. A vida são caminhos e lá na frente

podemos reencontrar aqueles que achávamos ter perdido. Os meus caminhos me levaram um dia até Daniela e me fizeram perder Alice, mas era com Dani que minha história seria escrita. Eu perdi também a filha que achei ser minha, mas hoje eu estava preste a ser pai outra vez.

Daniela e eu fomos muito felizes e tivemos um lindo menino, que por homenagem a mãe chamamos de Daniel. Ele se tornou um homem brilhante, mas a história dele será ele mesmo que vai contar...

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Li Mendi é carioca, mora no Rio de Janeiro e é casada com um tenente do Exército Brasileiro. O casal namorou à distância por 2 anos e hoje celebram uma união muito feliz. Quando ele viaja em suas arriscadas missões, ela se dedica aos livros para esquecer o medo e a angústia de uma possível perda. Suas estórias de amor já ganharam as graças dos internautas que acompanham o enredo diário publicado em seu blog. Seu primeiro romance publicado pela Editora Outras Letras em 2011 teve milhares de downloads e acessos. Hoje, a turma dos fãs a acompanham e trocam idéias com a autora no Facebook. Todos os livros da Autora, você encontra em limendi.com.br

Livro O amor está no quarto ao lado Jeniffer é uma jovem estudante que perde o pai em um acidente de serviço militar. Antes de morrer, este lhe confia aos cuidados do capitão Ruan. O amor que nasce entre os dois é arrebatador e mexe com os corações. Os dois mal percebem que não precisam ir tão longe para serem felizes. Porque o amor pode estar bem ali, no quarto ao lado. Livro Fonte do Amor Cris é jornalista e cobre a vida das celebridades. Seu lema é correr atrás dos fatos, por isso, não desperdiça a chance de entrevistar o famoso ator de cinema Igor Frinzy quando o encontra em uma lanchonete na beira da estrada. Para não espantar o ator, Cris decide não lhe contar sua profissão. Ela só não imaginava que acabaria misturando amor e trabalho. Agora, seu editor está cobrando a tão prometida matéria sobre o galã e Cris não sabe

mais como enrolar os dois. Seu chefe quer a redação e Igor, seu coração. Os fãs de Ruan e Jeni de O amor está no quarto ao lado, podem acompanhar o filho do casal Igor, neste livro cheio de romance.

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Livro Atrás da linha do Amor Eduarda morou desde que nascera com seu pai, um militar alegre, sábio e aventureiro. Viveu por todos os pontos do país atrás da trilha das missões do homem que admirava como um herói. Mas, agora, seu pai deseja que Duda faça faculdade como todas as garotas de sua idade e tenha um endereço fixo. A mãe da menina, então, reaparece à cena e propõe ajudá-la. Eduarda não gostou nada da idéia, mas foi praticamente levada

a força para seu novo destino, que se cruzará com o de Maurício, o único rapaz por quem jamais poderia se apaixonar.

Livro Aurora Aurora mora em uma pequena cidade no ano de 3010 e guarda um segredo sobre sua natureza, não pode receber partes biônicas em seu corpo, nem modificá-lo pra retardar sua morte. Como os antigos humanos, é frágil e precisa se cuidar pra passar desapercebida entre os superhumanos que estudam em sua escola. Só que a tarefa fica mais difícil quando Douglas aparece na pequena cidade e chama a atenção das supermeninas,

perfeitamente preservadas pela avançada tecnologia cosmética da qual Aurora não pode tomar mão. Um livro que vai te emocionar com a força do amor que dura apenas uma curta e breve vida.

Livro Aurora 2 No segundo livro da série, Doug volta com tudo, mas precisa manter seu disfarce, se quiser proteger Aurora e ensiná-la toda a arte de ser uma Alfa. Seu filho ganha as graças de Aurora e começa a demonstrar os dons desde pequeno, provando que as intervenções dos mutantes pode ser passada geneticamente. Será que Aurora vai se apaixonar finalmente por Deni, o novo personagem da saga? Ou Doug vai ser seu

eterno amor?

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Livro Beijo de Chocolate Depois de um acidente de carro, Felipe acaba em uma cadeira de rodas e passa a acreditar que sua vida tinha terminado por causa da limitação de suas pernas. É, nesse momento, que sua história se choca com a de Andressa, uma fisioterapeuta linda, engraçada e inteligente que Felipe tenta reencontrar incessantemente. Na procura por Andressa, ele também quer redescobrir aquele jovem alegre e feliz que era e voltar a andar. O

enredo é uma trama composta por muitos personagens que influem diretamente no curso da vida dos demais, formando uma teia de emoções, mistério, fantasia e amor. Beijo de chocolate é um livro para tocar na epiderme da alma

Livro Um coração em guerra Caio e Bela formam um casal que enfrenta o amor à distância. Os dois amigos de longa data descobrem que é possível viver um romance de verdade mesmo que longe um do outro e lidando com problemas tão diferentes. Cada um cresce e ganha suas próprias conquistas. Mas, será que esse amor vai encontrar um ponto em comum no caminho outra vez?

Livro Amor de Alto Risco Jéssi, uma rica fazendeira, coloca a mochila nas costas e chega ao Rio de Janeiro para dividir um apartamento e começar a faculdade. É aí que a sua estória se cruza com a de Paulo, um estudante de direito que não terá paciência com a caipirinha que acaba de chegar ao seu apartamento com

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todas aquelas malas rosas. A garota vira alvo de ex-clientes insatisfeitos de seu pai e coloca Paulo em várias enrascadas perigosas. A solução encontrada pelo seu pai é colocar um batalhão de seguranças ao seu redor.