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Atrás da Linha do Amor Li Mendi - Visionvoxsábio e aventureiro. Viveu por todos os pontos do país atrás da trilha das missões do homem que admirava como um herói. Mas, agora,

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

Copyright © 2012 by Li Mendi Mendi, Li, 1985 - Atrás da Linha do Amor / Li Mendi. – Rio de Janeiro. História de amor. 2. Ficção brasileira. I. Título

Todos os direitos reservados à autora. Criação de capa: Rodrigo Ribeiro, Agência 2RD. Site: limendi.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Escritora Li Mendi Twitter: @limendi

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

Autora Oi, Leitores. Podem me chamar de Li. Sou Jornalista, Publicitária, Escritora e Geminiana. Meu grande prazer é escrever romances. Eles começam na internet e terminam na prateleira, na cabeceira e na tela dos tablets e celulares de leitores de todo o Brasil. Trabalho com Comunicação durante o dia e escrevo diariamente, à noite, em meu site. A criação é conjunta com meus leitores, pois cada opinião, comentário ou sugestões são levados em consideração para elaboração das estórias. Espero que você se divirta muito com esse livro e entre em contato depois para me dizer se curtiu. Combinado?

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Sinopse Eduarda morou desde que nascera com seu pai, um militar alegre, sábio e aventureiro. Viveu por todos os pontos do país atrás da trilha das missões do homem que admirava como um herói. Mas, agora, seu pai deseja que Duda faça faculdade como todas as garotas de sua idade e tenha um endereço fixo. A mãe da menina, então, reaparece à cena e propõe ajudá-la. Eduarda não gostou nada da idéia, mas foi praticamente levada a força para seu novo destino, que se cruzará com o de Maurício, o único rapaz por quem jamais poderia se apaixonar.

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Aos meus leitores sempre, pelo amor com que recebem minhas estória.

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Pela estrada agora eu vou bem sozinha (Duda)

A estrada esteve chuvosa, depois repleta de areia, mais a frente escura e amedrontadora atrás da névoa. Mas, dentro do carro só havia o clima confortável do ar condicionado que meu pai controlava dependendo do tempo de cada cidade e estados que atravessávamos. Sua tarefa desde que fora colocada em seus braços consistia em criar um mundo aconchegante e feliz em que eu pudesse sonhar com tudo, desejar qualquer coisa, superar todas as barreiras. Eu era forte como ele, dizia sempre. Agora, eu só via um homem sério ao volante da caminhonete e uma garota fraca ao seu lado. Como eu podia ser tão covarde e não relutar contra o que tentava me obrigar?

_Pela estrada agora eu vou bem sozinha, vou levar os doces para a vovozinha... _ comecei a cantarolar sinistramente, em voz baixa, embaçando o vidro. Repeti continuamente até que ouvi sua respiração se alterar. Isso me doía, o jeito como era mais forte para não sofrer na minha frente, nem dar provas de que não queria levar o plano adiante. _Eu vou bem sozinha... _ a voz entalou na garganta fechada.

_Ela não é o lobo mau, Duda. _Escolhi o conto de fada errado. _ concordei sarcástica. _ Deve ser a

bruxa da branca de neve. _Nunca te vi falar assim dela! Por que a implicância agora?! _ Eu nunca falei dela de modo nenhum e nem você! _Pára! Pára de me fazer parecer que estou te entregando para o

Hannibal Lecter! _ Que isso! É muito pior. Ela vai colocar um canudo na minha cabeça

e sugar tudo, não vou lembrar de nada, como vampirizada. Vou odiar o Brasil, vou odiar os militares, vou...

_Não seria capaz. _ interrompeu magoado, me lembrando da minha formação. Ele me instruíra amando meu país por quem dera a vida, era o pior insulto que haveria de deferir.

_Esse mês batemos record de desmatamento na Amazônia, sabia?! Saiu no jornal. _ falei para irritá-lo. _ Mas, o que importa? Eu vou gostar tanto de tomar banhos de creme e fazer compras fúteis...

_Você vai estudar! _ cortou-me outra vez para deixar claro o acordo forçado. Eu estava sendo levada para casa da minha mãe para estudar.

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Depois disso, a liberdade seria concedida. _Desculpe, preciso parar e beber um café. _ saiu do carro e bateu a porta. Olhou através do vidro em interrogação, mas eu virei o rosto para o lado, mostrando objeção a sair. Não deu atenção e entrou no posto de gasolina.

Eu me imaginava indo pra um campo de trabalho forçado com bolas metálicas arrastando pelos pés e ele tentava pintar aquilo como se fosse o Taj Mahal!

Aprendi com uma médica que a mente masculina funcionava como um armário de várias gavetas, capaz de sacar uma coisa de cada vez. A das mulheres, por ter uma parte do cérebro mais desenvolvida, que não lembro o nome complicado agora, conseguia fazer muito mais conexões. Ou seja, era uma só gaveta com todas as roupas misturadas e, não, várias. Enquanto meu pai pensava que eu só ia para estudar, eu conseguia interconectar toda a realidade: morar com uma estranha, ficar longe do meu lar e ter que me acostumar a um novo jeito de viver e pensar. Cada idéia parecia um jogador de futebol americano trombando com outro em um jogo violento na minha cabeça.

_Vamos lá... _ ele sentou-se ao meu lado e bateu a porta. _ Que já estamos quase chegando.

_Ansioso para acabar o despacho? Estou me sentindo aquele tomate do caminhão na frente, pronto para ser entregue ao atravessador.

Ele não aceitou rebater. A única maneira de me calar para seu bem era me ignorar valentemente, com a ajuda do som, claro, que aumentou para cobrir minha voz.

Quando paramos à noite, eu estava sonolenta. Abri os olhos e vi pelo vidro o mar. Lindo, arrebentando em ondas de mais de quatro metros. Uma lua prateada e redonda me recebendo com alegria. Não devia ser tão bonita aquela noite, era como uma música feliz em um enterro, não combinavam.

_Chegamos. _ sentenciou, olhando para o volante a sua frente. Pensou que eu cuspiria qualquer argumento, mas abri a porta e saí.

Enfiei as mãos no bolso do casaco e olhei as ondas espumantes. Meu cabelo castanho esvoaçavam chicoteando meu rosto. Atrás de mim, um luxuoso prédio de varandas envidraçadas que eu não queria encarar. Meu pai entrou na minha frente.

_Vai ficar bem? Não respondi, encolhi os ombros e coloquei o cabelo atrás da orelha. _Posso tocar o interfone? Vou te levar até lá. _Por que não houve uma outra opção? _ pela primeira vez na vida eu

estava lhe cobrando aquela resposta. _ Por que o mundo dela era diferente do seu, como estradas em mãos contrárias?

Ele se aproximou e beijou minha testa.

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_Só pode ter a resposta quem passa, por isso. E espero que nunca passe. _ afastou meu cabelo.

_Se me deixar aqui, está me transformando igual a ela. Ela odeia o nosso mundo.

_O nosso mundo incluí tudo. Inclusive estudar e se formar. O dela só inclui uma via.

_E é com isso que está me entregando? _Duda, não é "isso", é sua mãe. E é aqui o seu destino agora. Um dia

vai me agradecer. Olhei-o com um rosto amargo, de queixo franzido e olhos cintilantes,

apertando o sapo que coaxava na minha garganta. Ele foi conversar com o porteiro e as duas lágrimas puderam pingar grossas. Meu coração parecia falhar.

_Duda? _ele me chamou. _ Ela está te esperando. Quanto tempo de uma vida aquela frase fora verdadeira? Quanto

tempo me esperava? Porque eu nunca a esperara. Não precisava dela. Estava ali só pelo dinheiro que pagaria a melhor faculdade para mim. Meu destino não era aquele, eu não ia aceitar, nunca.

Ao sair do elevador, já havia uma porta aberta no final do corredor. Uma mulher esperava em pé, sandália alta, jeans justo, blusa caindo por um dos ombros. Era tão parecida comigo que eu podia me ver através do espelho do futuro. Seus olhos castanho claros iguais ao que tinha passaram dos meus para o do meu pai, interrogando sobre minha frieza. Esperava que eu desses dois beijinhos estalados no ar?

_Foi bastante cansativa a viagem. _ senti uma mão muito pensada empurrando meu ombro para frente. _Duda, entre.

_Por favor. _ ela abriu caminho e ficou apertando as mãos, enquanto meu pai parecia inteiramente tranqüilo.

Olhei ao meu redor a luxuosa e ampla sala, ricamente decorada com flores e artigos de arte e terminei a inspeção encarando meu pai. Não havia nossa rede bordada pelos índios, nem nossas cerâmicas do Peru, nosso cachorro. Ele entendeu e sorriu, demonstrando isso. Ela tentava acompanhar o que nossos rostos dialogavam e parecia se constranger ainda mais com a telepatia.

_Eu reservei um hotel, vou dormir porque tenho que pegar estrada de manhã. _ explicou-se.

_Não pode ficar um dia a mais? _ sua voz era de desespero? Oh, que divertido, a Hannibal Lecter era eu. _ A praia está ótima.

_Não, eu trabalho. _Ele tem que salvar o Brasil, é muito mais importante! _ minha voz

cáustica matou o sorriso de hospitalidade no rosto dela quando me viu tratá-lo por ele. Não sabia nada de mim, mas a única certeza era de que ninguém se

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amava mais do que nós dois. Deveria ser inteligente o bastante para entender que justamente por causa desse amor tão grande, a mágoa era triplamente maior. _Esqueceu que defende nossas fronteiras?

_Não... não... _ balançou a cabeça para os lados e levantou as sobrancelhas, frágil.

_Você sabe muito bem que é a coisa mais importante pra mim. _ ele ficou na minha frente e sussurrou, segurando meu rosto. _ Gostaria de ficar aqui para te defender, mas cada um deve cuidar do seu posto, lembra?

_Hei, gente! _ ela riu alto, agora deixando claro seu nervosismo. _ Isso aqui não é uma guerra, alô?!

_Então... _ ele estendeu-lhe a mão em um aperto desafiador. _ Boa sorte!

Ela engoliu em seco e parece ter visto vários diabozinhos dançando em meus olhos.

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Sem exageros (Duda)

Meu pai virou-se de costas e ela fechou a porta atrás dele, fazendo sua figura sumir. Minhas pálpebras tremeram e senti meu estômago revirar. Acho que meu rosto franzido demonstrava certo pavor porque ela perguntou se eu queria alguma coisa. Por não responder, decidiu caminhar em direção ao corredor e pediu que fizesse o mesmo.

_Desculpe, mas não tenho um quarto próprio para você. Foi tudo muito rápido. _ começou a rir, sem graça. Arrastei-me até ela e entendi do que falava. Não era um quarto, mas um closet com sapatos e roupas. _Eu prometo que vamos reformar. Mas, tem um colchão... _ coçou a cabeça. _ Eu não tive tempo, entenda...

Eu ficaria entre as fileiras dos seus sapatos como mais um objeto em sua vida? Por favor, não fala mais nada. Eu só quero ficar sozinha com o monstro do armário. É ele que aprontou tudo isso e vem me pegar de noite?

Consenti com a cabeça que tinha entendido e sai com o meu celular e fones de ouvido. Parei no meio da sala e olhei pelos vidros da varanda a lua. Empurrei a porta e sentei-me em um sofá de palha com estofado verde de flores brancas. Fechei os olhos e segurei a respiração no peito por alguns segundos, depois soltei-a vagarosamente, precisando sentir que ainda controlava meus próprios sentidos. No fundo da voz do Creed cantando Higher nos meus ouvidos, ela avisou que estaria em sua mesa trabalhando, para caso precisasse. Quis lembrá-la de que nunca precisei, mas continuei em meu estado de morta, olhos cerrados.

Aproveitando a escuridão reclusa, me imaginei sentada no sofá de casa, vi meu corpo imaterial ir até a varanda deitar na rede, enquanto a mata lá fora gemia sons já não mais assustadores. Eu me balançava com o pé roçando o chão quente. Um ventilador na janela empurrando meu cabelo para trás. Suspirei, queria sentir os aromas, mas não era fácil ter essa percepção. A hora que eu quisesse poderia ir para o meu quarto e deitar na minha cama, sentir o cheiro do travesseiro, ver meu pai colocar a cabeça na porta para o “boa noite” rotineiro. Mas, só havia sal, tudo que eu podia sentir era a maresia ardendo em minhas narinas. Franzi o rosto em uma careta de enjôo e acordei para a realidade. A lua e as ondas arrebentando espumantes lá embaixo.

Atravessei a sala e senti um olhar observador sobre meus ombros. Cai de joelhos no colchão e deitei com o rosto afundado no travesseiro.

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Depois, afastei meu cabelo e me abracei em uma autopiedade solitária. Após alguns minutos de sono, senti que o ar se tornava rarefeito, a asfixia alertou meu cérebro para que entrasse em alerta. Eu não conseguia acordar, mas sabia que tinha que abrir os olhos. Fiz uma força tremenda para romper a barreira entre a realidade e o mundo onírico. Era como se batesse sobre o gelo, afogada abaixo de um rio petrificado e ninguém visse minha agonia. Sentei-me de repente, tonta, com as mãos formigando sem circulação. Engatinhei pela cama zonza.

“Nunca entre em pânico, querida”. Ouvi a voz do meu pai sussurrando dentro de mim, se originava de uma das suas lições de como fugir de uma casa em chamas. Engatinhar abaixo da fumaça, manter um pano molhado no rosto... “Procure não entrar em pânico, querida”.

Era isso, eu estava tendo um ataque de claustrofobia e precisava controlar meus reflexos. Respirei entrecortadamente e segurei o peito com a mão. “Controle sua circulação, Duda. Acalme-se. Relaxe. Relaxe.” Conversei comigo mesma e a tontura sumiu. “Você está no quarto segura”. Tentei convencer-me, mas não era tão crível quando eu nem sabia onde era o interruptor, não podia medir onde esbarrar e estava envolta por prateleiras e cabideiros. Senti um vento fresco partindo de algum ponto do chão. Era o banheiro da suíte, no quarto feito de closet. Empurrei a porta e consegui ligar a luz. Foram os segundos que faltavam para meu estômago reagir. Levantei a tampa do vaso e todas as convulsões expulsaram qualquer substância amorfa que ainda restava da última refeição. Minhas costelas se moviam dolorosamente. Caí sentada, sem forças no chão, recuperando o fôlego. Abri as pálpebras e vi o chuveiro. Eu precisava de muita água para recobrar as energias. Retirei a roupa e apoiei a bochecha no braço enquanto a ducha caía sobre meus cabelos.

Já pensou se eu tivesse vomitado dentro de um daqueles sapatos caros? Ri baixinho. Eu tinha que ter uma mira mais oportuna da próxima vez, pensei sadicamente. Sequei-me e levei o travesseiro até a sala vazia, apenas iluminada pelo abajur de luz amarelada. Aconcheguei-me entre as almofadas e adormeci tranqüila, respirando perfeitamente.

Quando acordei a luz do sol iluminava toda a sala. Apertei os olhos e senti meu corpo um pouco dolorido. Passei a mão na testa um pouco suada. Que noite dos horrores! A porta da sala abriu e ela entrou vestida com um macacão segunda pele vermelho sangue selvagem e meias até o joelho. Estava suada como se voltasse de uma meia maratona.

_Fiz barulho? _ perguntou, jogando o jornal que apanhara na porta em cima da mesa de centro. _Desculpe. _ não esperou que eu respondesse. Quis lhe perguntar, se eu também tinha feito barulho vomitando. Que importa? Não precisava de sua ajuda. _ Esse pré-sal não sai das manchetes... _

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balançou a cabeça para os lados e, enquanto desamarrava o tênis de molas, lia a primeira página.

Como se pode ser filha de uma mulher que, sete da manhã, já correu e lia os jornais? Onde estava aquela versão da mãe gorducha que fica na cozinha fazendo biscoitos?

Hei! Eu estou aqui no sofá! Olha pra cá! Não percebeu nada demais. Repare bem a cena, veja o jogo dos sete erros. Não sente falta de nada? Que tal o colchão em baixo de mim? Não vai perguntar nada sobre minha noite? Isso é o que se espera sobre as mães! Larga essa porcaria de papel e enxergue as notícias que meu rosto está dando!

_Eduarda, suas aulas começam hoje. Mas, vou te dar esse dia para descansar. _ virou a página freneticamente, irritada com algo que lera. _ Só hoje, ãnh? Não pode perder tempo se quiser acompanhar os outros. É um curso muitíssimo puxado, o melhor e... mais caro daqui. _ pronunciou o “caro” baixinho, arrependida. _ Que diabos, eles não percebem que se o Pré-Sal for explorado com essa maneira de concessão haverá o aumento da corrupção?! _ bradou.

_Assim também não poderemos compartilhar a tecnologia e, com isso, exploraremos mais devagar e, não, tão eficientemente. Além disso, estamos com um discurso contraditório. Não falávamos de energia renovável nas conferências de meio ambiente, por que agora estamos eufórico com uma tão poluidora...?

Ela lentamente abaixou o paredão de papel cinzento e me encarou com os lábios entreabertos.

_Na minha escola, eu também pensava, Lígia. _ levantei-me e fui procurar minhas escovas de dente. Deixei-a para trás chocada. Ainda lhe daria muitas provas de que não estava “pagando” por nenhum milagre. Eu poderia perfeitamente acompanhar o ritmo dos estudantes daqui. Eu crescera lendo muito e desbravando verdadeiros debates com meu pai sobre qualquer assunto.

Busquei café e pão na cozinha, quando voltei para a sala, encontrei-a maquiada e perfeitamente arrumada em um terninho bege. Um homem de terno e gravata a esperava na porta de saída aberta.

_O controle remoto da televisão está ali, tem som ali, o microondas é ali, o DVD é ali... _começou a apontar, mas meus olhos se concentravam no homem. _É o meu segurança. _ respondeu ao questionamento dos meus olhos. _ Eu sou uma juíza que causo uns problemas por aí. _ respondeu calmamente. _Não saia por aí sem que eu saiba.

_Há um desses para mim também? _ perguntei com ironia. _Eu ainda não refleti sobre isso. _ fez um ar de pesar. Por favor! Eu

não queria dar-lhe idéia. _ Fique em casa e não ganhará uma sombra a mais.

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_Pensei que a profissão perigosa fosse a do meu pai. _ comentei com mais ironia.

_Querida, há vida além do ciclo que vivia. _ foi sua voz de espirrar o veneno. _ Há gente que coloca o pescoço na guilhotina todo dia. Você devia ampliar os horizontes. _ apontou com o indicador na minha direção em aviso e o segurança fechou sua porta, antes, dando-me uma olhada para conferir se eu era uma ameaça.

Meu celular tocou e atendi, era meu pai. _Como dormiu, meu doce? Bingo, finalmente, alguém fez a pergunta de ouro! _Ela forrou o chão e me deixou dormir dentro do closet, eu vomitei a

noite toda e ela não acordou, saiu deixando uma caixa congelada no freezer para eu comer e me proibiu de botar o nariz na rua...

_Por que eu acho que está exagerando? _ perguntou. _Quando vir me resgatar de guindaste dos bombeiros obesa,

acreditará. Eu estou sendo tratada pior que prisioneiro de guerra! _Duda, linda, sinto sua falta. Mas, você é forte. Você vai superar e

crescer. _Não dá para crescer muito, só até o tamanho desse apartamento. _Dê o melhor de si, não abaixe a guarda. _Pode deixar, estou atrás da trincheira, quando ela chegar, eu vou

abrir fogo. _Só não deixe ricochetear em você. _Eu vou começar o curso amanhã. _ informei. _Ótimo. Amanhã, te ligo para saber. Senti um aperto no peito com o tom de despedida.

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O nome dele é Maurício (Duda)

O dia inteiro que Lígia me dera para “aproveitar” fora tedioso como uma fila de banco no início do mês de dar câimbras. O que ela julgava como a parte chata eminente para mim era justamente o ponto esperado: ir para o curso. Sua imagem de mim se assemelhava a uma vaca não pensante do campo, que rumina o dia inteiro. Quando, na verdade, eu era muito inteligente. Não arrogante por conseguir me definir assim, eu era a própria descrição de meu pai e amigos sobre a habilidade de estudar pouco e tirar notas altíssimas. Eu provavelmente tinha um cérebro mais ventilado que conseguia memorizar as matérias sem precisar fixá-la em cadernos grossos antes. Não era uma cdf, mas uma surpresa de mau gosto, no final de cada ano, que arrancava o sabor doce das boas colocações de cada Nerd que entrava na estatística dos que me odiavam de inveja. Resignava-me a sorrir para eles, sem muita afetação ou “pavaonisse”. Eu ansiava mesmo pela recompensa de ganhar incríveis viagens de presente do meu pai para lugares lindos com minhas amigas. Agora, qual seria meu reforço positivo? Um brinco de ouro, uma sandália de grife?

Pelo canto de olho reparei em Lígia dirigindo e me certifiquei de qualquer dúvida: não iria ter vontade de partilhar minhas vitórias com ela. Com uma desconhecida, devemos oferecer pouca intimidade. Como se tivéssemos oportunidade! A constatação era risível. Ela chegava tão tarde e eu me dedicaria tanto aos estudos que o resultado dessa equação complexa é que encontraria mais com o porteiro que com ela.

_Esse é um curso de excelência e caríssimo. Pesquisei muito quando seu pai e eu entramos em um acordo para trazê-la para cá... _ comentou.

“Entramos em um acordo”, imaginei a cena como uma disputa na vara familiar em que um casal de lados opostos da mesa se degladiava verbalmente, mediados pelos seus respectivos advogados. Interessante que dezessete anos depois, pretendia infringir uma modificação na minha vida, como me oferecer a Academia de maior qualidade. Depois do “caríssimo”, eu já tinha a prerrogativa de passar para todas as universidades.

_Você já sabe para que vai prestar? _ perguntou, aposto que para mostrar interesse que por desconhecer, já que em seus acordos em ossada maior com meu pai deve ter entrado nos detalhes contratuais. Mas, ofereci-lhe

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o fel da negação para não aprofundar o ponto. Minha resposta lhe daria desmerecida felicidade e lisonjeio. _ Acho que me lembro de seu pai ter comentado que levava em consideração fazer algo em Humanas. _ fechou os olhos e fez um ar de quem acabava de se dar conta de um flash de recordação. Quanta encenação.

_Disse? _ devolvi com uma evasiva, ombros encolhidos, olhos para a janela.

_Te aconselho a não demorar muito para decidir porque... _Já é uma cobrança? _ perguntei para abalar sua convicção de

melhor orientadora vocacional. Devia saber que cobrar excessivamente causa graves danos. Não iria querer me devolver com o reconhecimento de que eu falhara por conta de seus exageros.

_Não! Longe de mim! _ apressou-se a desfazer a impressão de carrasca. _ Só por que nesse curso, há aulas comuns e aulas específicas. Se já souber ao menos a sua área de atuação, você terá a vantagem de focar melhor nas matérias que serão cobradas.

_Eu já tinha isso em mente. _ respondi com orgulho e logo me arrependi, isso implicava em dar-lhe a chance de voltar a questão maior inicial sobre a escolha da faculdade. Não perdeu um segundo por repeti-la. _ Ainda estou decidindo.

_Se for Direito... _ introduziu o assunto com um cuidado de bailarina no gelo. Sabia que meu pai ia entregar o dossiê completo! _ Eu posso te apresentar a bons escritórios, te levar a eventos sociais para conversar com pessoas do meio...

_Não é muito cedo, não? _ tentei mais uma vez o recurso de colocá-la como repressora.

_Cedo? _ questionou-se. _Hum... Não. Pense bem, quem te daria essa oportunidade? Não acha que aqueles catálogos sobre pré-vestibular que vendem nas bancas com o resumo de todas as profissões respondem a todos os seus questionamentos, né? A faculdade é um mundo totalmente distinto. Você precisa ter conhecimento de causa para não perder tempo voltando atrás.

_Eu nem comecei ainda! _ meu tom de voz subiu e saiu com angústia. _Ok, ok, desculpe, desculpe. _ pôs sua mão sobre a minha e a puxei. Ela parou o carro na frente de um prédio de fachada antiga e

imponente. Era quatro vezes o tamanho do meu antigo colégio. _Já tem o plano de aula aí. Você só precisa entrar, respirar fundo... Levantei lentamente a sobrancelha até que minha testa ficou franzida

e minha boca entreabriu. A careta de estupefação a acordou para a realidade. Não era meu primeiro dia no jardim de infância, eu não começaria a chorar agarrada às suas pernas. Eu estava perfeitamente preparada psicologicamente para lidar com as mudanças.

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_Quer falar com a “tia” também? _ ironizei apontando com o dedão para fora.

_Não. _ engoliu em seco e riu baixinho de si, cansada. _ Eu devo estar sendo ridícula mesmo. Hei, hoje, eu tenho o dia de folga, podemos sair para comprar roupas para você. Afinal, o curso não tem uniforme e vai precisar delas.

_Acha que não tenho? _ questionei ofendida e ela fixou os olhos na minha camiseta como se visse uma menina de rua vendendo bananada no sinal. _Ótimo... _ pisquei nervosa e me virei para bater a porta. Agora eu me sentia perfeitamente mal. Todas as dúvidas e conselhos da conversa inicial tinham surtido o efeito que ela esperava, eu de fato estava ansiosa e com muito frio na barriga.

_Eduarda. _ ela esticou o pescoço para falar e eu virei meio corpo para olhá-la. _ Você é linda, todas as garotas vão sentir ciúme, querida. Arrase. _ piscou o olho.

Engoli em seco, sem sorrisos, aliviada por Lígia não escutar meu coração afetado. Era a reação clara de medo por ter gostado do elogio. Aprendera aquilo em algum curso motivacional ou comprou um livro de auto-ajuda “Como recuperar o tempo com a filha depois de dezessete anos?” Ela havia atingido em cheio meu ego. “Todas as garotas vão sentir ciúme”, repeti mentalmente e levantei os olhos instintivamente para constatar o aviso mental. Algumas delas pararam suas conversas para reparar em mim. Por que eu poderia entender como “ciúme”, quando havia tantas variáveis concorrentes: seria minha roupa sem classe, meu corpo, minha cara nova, resposta ao meu olhar? Eu vestia um jeans justo claro e uma blusa branca com decote que deixava uma linha da barriga à mostra quando movimentava os quadris. Meu corpo de muita malhação parecia ser um quesito de pontuação social naquele lugar. Teriam elas todos os rostos catalogados e, como naqueles programas da polícia, passavam um a um rapidamente para conferir se havia o do acusado no banco de dados? Não acharam o meu e essa notícia podia se espalhar rapidamente. Que egocentrismo mais ridículo?

Sorri abertamente, aumentando o frio na barriga, enquanto eu caminhava para lugar específico nenhum, era ridículo achar que o mundo girava ao meu redor. Tudo isso se resumia a uma resposta instantânea ao meu olhar. Se você encara alguém, a pessoa devolve, evidentemente!

Ainda com o sorriso perdido no rosto, uma visão fez meu corpo parar, como se a bateria acabasse e os gestos se pusessem em câmera lenta. Um Fusion preto cintilante e de rodas cromadas estacionou no pátio do curso, em uma das vagas que devia ser para professores e funcionários. Não, eu não estava assim pelo carro, apesar de entender bastante daquelas máquinas para poder acompanhar com um nível aceitável as conversas com meu pai, um aficionado pelo mundo automobilístico. O que retardou minhas sinapses

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fora o dono do carro. Primeiro uma mão se posicionou sobre a porta de janela aberta, assim que desligou o motor. Depois, o corpo de largos ombros musculosos sob uma fina camiseta de manga curta cinza clara saiu. A caça jeans justa permitiu ver as curvas da sua bunda perfeita. Era só o sol no meu rosto ou o sangue começava a entrar em liquefação em minhas veias e evaporar pelos poros? Seu cabelo liso bagunçado da nuca foi a última coisa que me afetou, antes dele se virar e o choque ser completo. Era injustamente lindo. Quantas pessoas não tiveram tempo de passar na fila da beleza, enquanto ele ficara lá estacionado antes de nascer. Um monumento como aquele não nascia, estreava. Desculpe pelo clichê, mas eu estava diante de um espetáculo. O modo como sua mão agarrava a mochila como se amassasse parte dela a fazia parecer um saco de pão leve. Em seu punho uma pulseira de couro preta dava um toque de estilo.

Foi a vez sentir os pulmões de todas as paredes do edifício incharem e soltarem o ar ao mesmo tempo. Sim, a escola inteira recobrava o fôlego e, no caso dele, eu tinha certeza de que não era a reciprocidade por nenhum olhar. Ele caminhava procurando alguma lembrança na própria sombra no pátio, com uma das mãos no bolso. Torci para que não me visse antes de entrar no prédio. Poderia perfeitamente me achar uma nova estátua decorativa com dois pombos pousados na cabeça e no ombro.

Os músculos do meu coração devem ter desfibrilado e agora as células se esvaiam pela corrente, eu acabara de perder a batida no peito. Era por isso que estava tonta, sem ar? Recuperei o oxigênio forçando a respiração e voltei a andar, como se tivesse dado o play novamente na cena. Peguei o plano de aulas na minha bolsa e o li três vezes até ajustar o foco da minha mente. Eu não estava assimilando bem.

_Oi, por favor, me tira uma dúvida? _ toquei o ombro de uma garota ruiva que me olhou de cima abaixo e depois sorriu simpaticamente. _Onde fica a sala 4... _ mostrei o papel. _ do bloco 5?

_Ah! _ riu. _ É o auditório. _ respondeu “me perdoando” por eu não saber um conceito rudimentar da matemática primária. _ Pelo visto, é nova por aqui?

_Sim... _ajustei a bolsa no ombro. Se o curso tinha a duração de um ano, não só eu devia ser um rosto novo. _ E você?

_Já é minha terceira vez... _abaixou rapidamente os olhos azuis, envergonhada.

_Hei! Para chegar a terceira tem que começar pela primeira. _ tentei mostrar como uma piada, mas ela só sorriu. _Ok, eu não sei se seria forte o bastante. _ elogiei. Na verdade, eu não agüentaria muito bem o preço do curso, que era morar com Lígia. Mas, não lhe diria esse detalhe. _ Você é muito resistente, ãnh?!

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_Sim! _ agora me devolveu um rosto mais radiante. _ Dessa vez, vai! _ deu um soquinho no ar. _ Vamos, o sinal tocou. Todos iremos para o auditório. O primeiro dia sempre começa com uma palestra... _ revirou os olhos. _Que já tenho de cor.

_Meu nome é Eduarda. _ disse-lhe, enquanto andávamos para uma escadaria que fervilhava de alunos subindo freneticamente.

_O meu é Beta de Roberta. _ sorriu. _Você veio de que colégio? _Não vai conhecer. Eu morava no sul. _Ãnh, bem que parece de lá. O biótipo europeu. _Não... É por parte de... _ deixei as palavras morrerem, ela não

percebeu por causa do burburinho alto. _ Eu já morei em muitos lugares, meu pai é militar.

_Ah! Legal. _sorriu. Legal por eu morar em muitos lugares, ter o pai militar ou possuir traços europeus? Não especificou. Geralmente as pessoas dizem “legal” para não dar continuidade a um assunto, não a amolei mais.

O auditório era muito grande, como um teatro, cadeiras acolchoadas azuis e ar condicionado forte. Subimos por um corredor central em formato de escada coberta por um carpete cinza. Não entendia por que ela queria um lugar tão perto da última fileira, mas só a segui. Se buscava algum grupo que avistara, era bom acompanhá-la para entrar logo em algum clã e me misturar.

De repente, o salto da minha sandália encaixou na beira do degrau e eu fiquei entalada. Segurei no contramão e o tirei balançando para o lado. Depois, forcei pisar na ponta do pé no próximo degrau para não repetir o incidente. Mas, foi quando veio outro, um tropeção que me trouxe dessa vez para frente. Felizmente, antes que precisasse segurar com a mão os degraus de cima, vi mãos fortes se estendendo em minha direção. Para minha sorte havia um corrimão de ferro central, onde me sustentei. Minha visão focou os donos das mãos e eu senti meu rosto queimar. Era o dono do Fusion com um ar espantado.

_Tudo bem aí? _ perguntou. _Claro. _ abaixei o rosto, arruinada. _Hei, Mau. _ Beta deu-lhe um beijinho estralado no ar e me avisou de

dois lugares mais acima. Eu estava mortificada quando sentei. Como um ser pode ter quatro

pés e quatro braços como um povo? _Uau, já recebeu as boas vindas de honra! _Beta murmurou em meu

ouvido, me causando um arrepio no estômago. _Viu o modo como ele te olhou?

_O que vi foi o mico que paguei! _Não se preocupe, as garotas fazem coisas piores para chamar a

atenção dele. Já se jogaram na frente do carro... _Hei. _ sussurrei, irritada. _ Eu não fiz de propósito.

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_Imagino. Mas, não é o que toda a concorrência está pensando. _Essa não... _escondi o rosto com uma das mãos. _Valeu a pena, não? Eu teria aceitado aquelas mãos lindas me

pegando. _ riu baixinho e me fez sorrir também. _ Vou te contar uma coisa, não me ache um monstro por isso, ok? Eu não passei nos últimos vestibulares e ele também não. Quer dizer, passou, mas mudou de idéia, não era o que queria.

_Por que eu acharia você um monstro? _Por que me sinto feliz dele ainda estar aqui... _ suspirou,

reconhecendo ser triste querer que alguém não entrasse na faculdade só para poder admirá-lo. _ Eu tenho só essa chance. _ olhou hipnotizada para sua nuca. _Já fez aquela brincadeira de ficar chamando a pessoa baixinho para ver se ela olha? _ perguntou, embriagada pela própria loucura. Meu Deus, eu estava no meio de doentes! _ Olha pra mim, olha pra trás, olha, olha, olha... _ começou o feitiço com uma voz quase inaudível.

Eu achei totalmente idiota, mas em poucos segundos me peguei mentalmente desejando que olhasse também. Sua nuca virou levemente e Beta agarrou minha blusa branca quando errou o braço da cadeira, eufórica. Intensificou o pedido e conseguiu enfeitiçá-lo. Seu rosto encarou-nos por dois segundos. Na verdade, seus olhos se fixaram nos meus e foi a vez de agarrar a beira do assento acolchoado, sem respiração.

_Viu o que fez? Ele deve ter escutado. _ reclamei, já tinha passado o atestado de idiota, não queria autenticá-lo agora.

_Valeu a pena, não? Balancei a cabeça para os lados, envergonhada. Tudo valia a pena

por ele?! _Sabia que é dono disso tudo aqui? _Ãnh? _ franzi a testa. _Isso mesmo. _ fez que sim com a cabeça. _ O pai é do-no do curso.

Há quem diga que a permanência dele aqui é uma jogada de marketing para atrair mais alunas. _ riu.

Afundei-me na cadeira. Não iria gostar de alguém tão desejado assim. Me proibia a isso.

_O nome dele... _ falou em meu ouvido como se me contasse onde estava o anel do Senhor dos Anéis e agora eu seria perseguida por causa disso. _ É Maurício.

Maurício. Repeti. Mau.

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Não ouse olhar (Mau)

O dia estava pra praia, com um sol que me fazia sentir um calango, mas era primeiro dia de aula no curso e eu não poderia curtir as ondas. Ironia. Primeiro dia do 3º ano de curso, sem qualquer efeito surpresa ou expectativa. Já poderiam me considerar um estudante profissional, aquele que tem como objetivo final estudar. Essa tirada era a preferida do meu pai que, estranhamente, não mencionou nada (ainda) sobre como (dessa vez) eu tenho que (!) passar para alguma universidade (qualquer uma!). Estava já virando uma contra-propaganda: como pode o filho do dono do curso não sair dali? Já tinha feito 18 anos! Ou seja, era a prova cabal de que não valia a pena pagar aquele preço alto acreditando em um diferencial.

_ Você viu? O Jonas está arrasando como goleiro no Grêmio! _ meu pai comentou enquanto lia o jornal e, eu, dirigia. _ Você lembra como era um péssimo atacante? Uma vez... _ deu uma gargalhada, não agüentando com a própria piada. _ ... Ele chutou a bola em cima do goleiro, pegou o rebote e, com o gol livre, mandou na trave. Aí, a bola voltou, ele driblou o goleiro, mas chutou para fora, pra fora! Isso é pra você ver... _ apontou com o indicador para mim. _ Como tem gente que quer ser atacante, mas nasceu pra goleiro.

_Quer dizer que vai me apoiar a participar da peneira do...? _Não seja engraçadinho, sabe muito bem do que estou falando. Você

precisa ser o olheiro de si próprio e se escalar para uma carreira que faz jus a todo o investimento astronômico que eu empenho em você!

Quanta falação para os meus ouvidos àquela hora da manhã em que meu relógio biológico não estava ajustado ainda. Tinha um curso próspero e de excelente qualificação, onde estudavam os filhos da classe dominante da cidade, não sentia nenhum pouco no bolso o tal “dinheiro vultuoso” que aplicava em mim. Mas, (claro) que me punha como uma ação em que se pode esperar sempre perder valor no fim de cada dia de pregão.

_Eu tenho muito medo... _ usou da dramaticidade (e eu revirei os olhos). Parecia a Regina Duarte, na eleição de 2002 confessando “Medo” do Lula. Meu pai tinha um sério pânico de confiar seu voto em mim e se decepcionar mais uma vez. _ ... Em 2030, a doença que mais vai abalar o mundo é a depressão, sabia?

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_...? _ fiz uma careta e bati com a mão no volante, buzinando sem querer. E diabos eu com isso? Certamente estaria em uma micareta, com todos os abadás da semana, bebendo todas e pegando quantas mulheres gatas fosse possível por metro quadrado. Depressão seria uma doença que eu teria imunidade. Poderia até engarrafar a minha energia e felicidade e vender! _ Não acredite em tudo que jornalista escreve. Quando não há escândalo eles inventam. Jornalista e cientista. _ acrescentei. _ Por exemplo, quando há alteração dos ventos no oceano eles chamam de quê? El Niño. E, quando há o contrário disso? La Niña. Nunca parou para pensar que não existe a “versão normal”? O certo é só nomear o que destoa...

Ele franziu um pouco a testa e se enlaçou na teia lançada. Viu como seu filho tem um pensamento crítico? Eu ia me garantir um bom elogio logo nas primeiras horas do dia, mas a boca ficou entreaberta, a voz parada na garganta. Não tinha ouvido nada do que eu falara, estava fixado em outro ponto de atenção a sua frente. Olhei também para ver se valia mais do que minha posição sobre os cientistas que sobrevivem de bolsas de pesquisas do governo.

_Pare aqui. _ ele tocou rapidamente no meu braço. Protestei que havia uma vaga lá dentro para nós. Resmungou um “pára” com toda a força do imperativo e eu argumentei entre dentes que seria pouco ético usar uma vaga dos pais e estudantes, quando podíamos ter uma só nossa lá no pátio, onde não batia sol. _Ok! Então, eu vou descer. Faz bem cumprimentar as pessoas...

_Você não é político. O que foi que eu não peguei ainda? Passou algum fantasma? _ perguntei.

Ele continuava a mirar um carro no acostamento. Meus olhos focaram na placa governamental e, de repente, a solução da equação ficou evidente. Era como aqueles problemas que leva uma página inteira para achar o “x” e, por isso mesmo, nem iniciou a explicação para não se demorar.

_Por que não fica aqui e espera, então? _ sugeri e aceitou. _Ainda que eu ache ridículo esse papel de fugitivos. Nem estou com a roupa ideal de gângster.

De repente, a porta ao lado da calçada se abriu e uma cabeça loira saiu. Tinha cachos dourados como ouro ao sol cintilando na beira do rio caindo sobre as costas e ombros. Ao virar para bater a porta, ouvia alguma consideração com desdém. Seu rosto era branco e a boca rosada e brilhante com um efeito molhado. Era linda como uma modelo, mas acuada como uma estudante em primeiro dia de aula, agarrada a própria bolsa, querendo proteção.

_Não ouse olhar pra ela. _ a voz do meu pai era sinistra e ameaçadora.

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Engoli em seco, sentindo a sede arder a minha garganta, não podendo beber daquela água, ainda tinha que me forçar a também não querer.

_Não se preocupe, o carro tem Insulfim, nem nos viu... _Então, coloque os óculos escuros quando sair daqui também pra que

não perceba você. _Acho que já sou um pouco popular para me esconder atrás de duas

lentes, não? _É, ser filho do dono acaba com a privacidade. Bem, não era dessa fama a que eu me referia. Sorri malicioso. _E tire esse sorriso de caçador da cara _Eu não estou desejando nada! _ grunhi. _ E vou estacionar lá dentro! _Ok, eu vou sair aqui. _ decidiu abrir a porta quando o carro do

governo finalmente virou a esquina. Ele estava metido em encrenca e eu tinha que entrar nas suas encenações. Pelo menos ficava com dívida comigo.

Entrei na escola e estacionei de baixo de uma árvore. Desliguei o carro, o som e peguei minha mochila de sempre, pronto para um ano enfadonho e cheio de decoreba. Abri a porta e sai. Agarrei a mochila com a mão e caminhei para um abrigo fora do sol. Cumprimentei dois amigos com apertos de mãos e alguns soquinhos. Thiago e Bruno estavam de novo na escalação dessa temporada de Curso para Fracassados, também não pareciam muito motivados.

_Os ventos trouxeram carne fresca para esse pólo. _ Thiago tragou o cigarro e indicou com o queixo.

Virei o rosto para sua indicação e, ao ver a imagem loira da novata, ouvi a advertência mecânica do meu pai “Não ouse olhar pra ela”. Eu quis passar o mesmo conselho pra eles egoistamente, mas o único impedido ali era eu. Mas, assim como meu pai tinha seus motivos, eu possuía os meus para não gostar daquela garota. Claro que meu pai era contra minha opinião, mas cada um que tivesse seu direito de querer ficar afastada dela pelos próprios propósitos.

_Adoro essas aves inofensivas, posso sentir colocar as minhas garras... _ Thiago riu alto e eu fechei a cara para ele, que logo matou o sorriso. _ Qual é? Já pegou?! _ irritou-se com a possibilidade de quebra do ineditismo.

_ Preferia carne podre para abutres._ respondi, entre dentes. _Arghhh... _ Bruno fez uma careta e os dois me seguiram para a

escada que levava ao auditório. _ Ela tem alguma doença? Eu poderia considerar uma doença sua existência, mas, nesse caso,

eu seria também um portador do mesmo mau. _Não. Não sei de nada... _ devolvi uma resposta evasiva.

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_Sabe qual vai ser o tema da aula inaugural? _ perguntaram quando nos sentamos no auditório na parte superior próxima ao corredor.

Eles sempre achavam que eu sabia de tudo em primeira mão como um repórter de bastidor. Não conseguiam me ver como um aluno comum que, acabando as aulas, vai para casa e não debate com o pai sobre os pormenores do seu trabalho.

_Não. Deve ser algum palestrante com uma teoria motivacional. Vamos acabar fazendo dancinhas e nos abraçando no final. _ironizei.

_Então, já sei com quem quero me abraçar. _ A voz de Thiago acionara meu radar para ver a dona do seu solidário afeto.

Era novamente ela! Seria possível que uma mesma pessoa se multiplicasse em clones por toda a parte, vindo me assombrar?! Ela não tinha culpa, todos os alunos iriam participar daquela série de palestras. Mas, então, por que ao menos não fora encaixada no grupo do segundo horário? Tenho certeza que meu pai teria colocado as mãos nisso se tivesse ciência que respirávamos o mesmo ar.

Ela começava a subir as escadas bem na minha direção e me questionei sobre algum campo magnético que eu estivesse emanando. Seus olhos subiam as escadas junto com seus pés, conferindo matematicamente cada degrau com um medo que não conseguia disfarçar. Se continuar a ter medo, você mesma vai se sugestionar para cair. Peguei-me mentalmente conversando com ela. Agora eu estava tão atento quanto para cada passada sua e pensei em aplaudi-la no final quando alcançasse o último degrau como um pódio. Não, seria um golpe de humilhação. Eu desejava fazer isso com ela, mas a cada vez que o balançar dos seus quadris com o movimento de caminhar provocava em mim pulsações involuntárias, minha raiva se amortecia como água diluindo o veneno. Se ela soubesse, não viria para cá, como cordeiro comendo vegetação ao lado do sono do Leão. Já bem perto, podendo ouvir o chocalho de algumas argolas da sua bolsa, vacilou e quase caiu. Um segundo apenas e minhas mãos se estenderam em proteção. Era para abocanhar-lhe, mas eu afagava a presa, que diabos de contradição era aquela?! Recolhi rapidamente a mão, confuso com meu impulso de defesa.

Seus olhos castanhos claros tinham medo de me olhar. Eu havia dito alguma revelação no momento do seu quase salvamento?!

_Hei, Mau. _ Beta atrás da garota me lançou um beijinho no ar, mas eu só vi como um segundo plano desfocado atrás da figura dourada como um sol me eclipsando.

Seus lábios entreabertos foram mordidos internamente, no momento que seus olhos se abaixaram em vergonha. Aposto que Roberta já lhe contara sobre mim e tentara lhe convencer do quanto era “superior”. Não acredite no que ela diz, quis lhe dar esse conselho, mas parecia mais cabido apenas lembrar de tomar cuidado com as escadas.

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_Vem, Eduarda. Aqui tem lugar... _ Beta a tirou a tempo de mim. Meu pai a instruí-la para ajudá-lo no feito de me manter longe daquela garota. Então, estava cometendo falhas, não era um bom lugar ficar tão próxima. Sorri ameaçador. “Tire esse sorrisinho da cara”, ouvi lá dentro o pedido admoestador.

Thiago inclinou-se para falar no meu ouvido: _Não sabia que a carne podre cheirasse tão bem. _ riu. Enchi os pulmões de ar e constatei que Thiago estava certo, seu

rastro de perfume era um indício de onde poderia facilmente pegá-la. Bastava fechar os olhos e segui-la. Virei-me lentamente e a achei exatamente onde meu olfato mapeara sua posição. Não piscou, mas seus seios se levantaram em um suspiro que se prendeu no peito. Meu ar parou também. Voltei a olhar para a frente e contrai o maxilar para não sorrir.

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Queria desvendar seus pensamentos (Mau)

Estava afundado em monotonia na poltrona do auditório. Uma mão apoiando a bochecha, não porque temesse cair de sono, mas para esconder que tinha um dos fones de ouvido na orelha. Só me dei conta do intervalo anunciado quando as pessoas começaram a se levantar das cadeiras.

_Vamos comer antes que não sobre nada! _ Thiago bateu no meu braço e correu para a mesa de sanduíches e suco. Eu não estava a fim de passar por um corredor polonês de socos por um pedaço de pão com queijo. Eles queriam contar as novidades das férias, reencontrar os amigos e fazer algazarra. Não havia momento mais propício que a desculpa do intervalo para o lanche. Meu apetite de manhã não era muito bom, fiquei na minha. Mas, pensei que poderia ser arrogância ficar sentado ali sem me misturar. As pessoas facilmente me encaixavam no papel de esnobe e metido.

Ergui minha coluna da maneira mais ereta possível e me balancei para um lado com o cotovelo flexionados para alongar. Quando virei o rosto por causa do movimento, a percebi ali sozinha, uma fileira atrás. Não sei se por não me considerar agora o único a não descer, ou se por que podia ficar perto dela sem platéia, eu não me mexi. Seus dois polegares teclavam com emoção sobre o celular. Um sorriso ficou estático em seus lábios por um tempo até que a saliva umedeceu a boca e ela sorveu. E rompeu, em seguida, numa risada particular. Conversava com alguém? Por que preferia uma companhia abstrata, se estava em grupo? Quem seria o dono ou dona da sua atenção mais importante que encher o estômago como os demais? Seu cabelo caía completamente pelo rosto bloqueando sua face como uma parede rústica, ondulada e cravejada de ouro.

Tampou a própria boca com a mão para não fazer barulho com suas risadinhas infantis e contidas, como se alguém ali estivesse percebendo, além de mim, que emitia sons. Chacoalhou os ombros e escreveu mais freneticamente com os polegares, agora os olhos arregalados. Eu quis tomar-lhe o celular e explicar-lhe as regras sobre o não uso de aparelhos eletrônicos no ambiente escolar. Isso, guardando o meu fone de ouvido antes, claro, para não dar brechas para acusações. Estava irritado por ela se divertir tão

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solitariamente. Havia maior contradição que estar feliz sem companhia de ninguém?

E se todo aquele show de teatro mudo não passasse de uma representação de como conseguia enfrentar bem os pânicos do primeiro dia sem ajuda? Eu não podia estar querendo ampará-la! Isso era contra a missão que eu havia colocado para mim desde que sabia sobre aquela garota, antes de conhecê-la em pessoa... Ao lembrar desse detalhe, meu rosto se fechou friamente, como se um sopro glacial petrificasse meu semblante.

Nesse pior momento, Eduarda se dera conta da platéia e foi uma mistura rápida de expressões. Pareceu ter sido pega cometendo um crime, pois escondeu o objeto, recolhendo-o para junto do corpo. Depois, engoliu em seco e olhou para a tela na palma da sua mão. Como poderia ser tão ingênua em pensar que alguém conseguiria ler daquela distância?! Até que, ruborizada, levantou os olhos para se certificar de que eu olhava mesmo para ela e não era engano da sua percepção.

_Hum... Tudo bem? _ perguntou com tremor na voz. Eu estava parecendo dar medo? Ri, ah, que anjo bobo e caído do céu, como ousava me corresponder. _ Está...

_Desculpe... _ levei a mão a testa e esfreguei o rosto, um pouco cansado de sono. _ Eu... nada... _ ri da possibilidade de explicar tudo de que ela não sabia sobre...

_Estava twittando. _ levantou agora o aparelho de bom agrado, se entregando. Sorriu inofensiva, como se eu tivesse pedido explicações, embora adorasse receber todas.

_Eu também tenho twitter. Mas, não uso muito. Não me parece tão engraçado. _ provoquei.

Ela balançou a cabeça para o lado e sorriu em uma reflexão rápida que não pude captar. Sua decisão de se inclinar para frente me fez entender que estava decidindo se me explicava melhor o motivo dos seus risos agora pouco. Esticou o braço e me ofereceu o seu iphone de capa rosa de silicone.

_Eu estava lendo o que os alunos escreveram sobre a palestra agora pouco... _ apoiou o queixo no braço, me estudando enquanto eu rolava com o dedo sobre a tela.

Havia realmente ótimas tiradas sobre algumas falas da palestrante e também piadas relativas a alguns professores. Eu ri momentaneamente, porque o que me chamava a atenção era o fato de alguém só ter entrado algumas horas na escola e já estar twittando sobre o assunto interadamente.

_Não se deve acreditar apenas nas fontes oficiais. _ respondeu ao meu pensamento.

_Bom gente, levem tudo que puderem e voltem para os seus lugares. _ a palestrante começou a bater palmas. _ Agora, faremos uma dinâmica. _ anunciou e se ouviu um lamuriento “aahhhh” coletivo. Eduarda ficou de pé e

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se esticou para pegar de volta o celular. Nossos dedos se tocaram. _ Você vai escolher a pessoa mais próxima que não conhece e fazer uma dupla com ela. _Não escolham muito, todos já fizeram pares? Cada um vai contar um pouco da sua vida para o outro. No final, um vai falar do companheiro e vice e versa. Sortearei alguns nomes depois para vir aqui na frente.

Não havia escolha, estávamos nos encarando olhos nos olhos. Ela foi a primeira a procurar em desespero outra pessoa e constatou que só tinha a mim. Engoliu em seco com a péssima conclusão de que não haveria como escapar. Mostrar o celular havia sido uma centelha de troca de intimidade, mas isso não era uma amostra para se abrir totalmente.

_Podem dar uma volta por aí, acharem um lugar mais confortável. Vamos nos reencontrar daqui uma hora, combinado? _ ouvíamos a voz saindo das caixas de som, mas não tínhamos ainda tomado nenhuma atitude. Eu queria escolhê-la, mas não devia e me punia por querer. Ela tampouco parecia confortável em sugerir.

_É... _ sorriu, um pouco vermelha. Estava sendo duro se oferecer e eu me toquei que era hora de não bancar o panaca. Pedi que me acompanhasse até um lugar.

_Eduarda, já tem dupla? _ Roberta parou a garota atrás de mim. Virei o rosto para me certificar de que não tinha perdido minha companhia. Beta pareceu entender pelos meus olhos possessivos de que não era bom ousar me arrancar a mais nova amiga. Ela explicou que só queria se certificar de que a menina não estava sozinha, pois já tinha feito uma dupla com outra pessoa.

_Tudo bem... Eu estou com... _Eduarda falou baixinho e apontou para mim.

_Vamos? _ girei o ombro, com as mãos no bolso e ela deixou as amigas para trás, ajeitando o cabelo nas orelhas. Abraçou-se em autoproteção.

Mesmo no corredor ventilado, ainda sentia seu delicioso perfume. Ela continuava a fixar-se nos próprios passos. Será que tinha medo de cair, mesmo naquele ritmo tão lento que eu impunha?

_Rita? _ chamei a secretária. _ Meu pai está por aí? _Não, ele teve que sair. Quer que eu dê algum recado? _Não, obrigado. Que alívio. Não seria muito fácil explicar por que eu estava passeando

pelo curso justo com aquela garota que tanto me advertira para não me aproximar. Eu mesmo deveria ter me lembrado disso. Meu motivo era muito pior que o dele. Mas, poderia manter o controle por causa de ambos. Ela não nos descobriria. Parecia assustada demais.

_Já deve saber que...

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_Que é filho do dono? Sim, algumas pessoas já me passaram seu currículo. _ revirou os olhos com um pouco de tédio e fez uma careta com a boca que me abriu um sorriso.

_Coisas boas? _ falei baixinho, sentindo vontade de ter um tom mais íntimo. Os olhares das duplas que circulavam ao nosso redor já eram bastante invasivos.

_Sua fama não é de Mau? _ brincou. _Hum... Sim, meu apelido é Mau..., mas de Maurício. _Então, eu sou Duda de Eduarda. O que não é uma coisa má, nem

boa. Ãnh... Para onde vamos? _Para o meu carro. _ apontei para o estacionamento abaixo de umas

árvores. _Para o seu carro? _ repetiu com irritação e seus olhos estavam

furiosos. _É só por que quero te mostrar umas coisas. E, lá tem mais sombra,

um banco perto... Assim, podemos conversar melhor... _A...Ah, tá. _ cerrou os olhos um pouco e depois aceitou. Por que sua iminente recusa me deixou tão desesperado em dar bons

argumentos de maneira a não deixá-la escapar? Eu não era uma pessoa de ótimos sentimentos, por que, afinal, me preocupar com sua opinião?

Ela parou de frente para mim, já ao lado do carro e seu rosto parecia tão frio que eu pagava qualquer coisa para poder ler seus pensamentos. Não deviam ser nada bons. Eu tinha que satisfazê-lo com o que queria mostrar agora mais que nunca.

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Cap 6

Tentar não pensar (Duda)

Eu não deixei de olhar sua nuca por um instante como que fixada em um quadro abstrato que me evocava questionamentos. Era engraçado, simpático, inteligente, amigo? Ansiava por saber mais e tinha medo desse súbito interesse. Não viera pra cá com planos de me divertir, mas de me concentrar nos estudos apenas.

Vi no canto de olho que Beta conferia o dono da minha atenção. Puxei, então, meu celular e conectei-me ao mundo virtual pra não dar bandeira. Já havia descoberto por ela o twitter da escola feito por um grupo de alunos do curso. Ri de muitas coisas engraçadas que escreviam sobre a palestra, mas o que me surpreendia era o assunto mais badalado: Maurício. Faziam todo tipo de comentário sobre sua beleza. Especificamente hoje as garotas elogiavam o seu bronzeado de volta das férias. Eu não conseguia reparar diferenças porque acabara de conhecê-lo. Não poderia crer que era menos bonito. “Será que Mau vai ser bonzinho com seu pai e escolher a carreira certa dessa vez?”, zombava um anônimo. Levantei os olhos do celular para suas costas e me questionei sobre todas as crueldades que deveria enfrentar. Como suportava? Com indiferença, tirania, arrogância, calma?

A palestrante abriu espaço para o intervalo e o formigueiro pulou para o pote de açúcar. Em pouco tempo atacavam a mesa de lanche. Beta perguntou-me se ia ficar parada. Sorri-lhe sem grandes explicações, só com uma careta de pouca fome e estímulo. Enchi os pulmões de ar e mandei mensagens para minhas amigas de onde morava com meu pai. A resposta imediata delas me fez rir: “Se não aparecer aqui com alguns gatos morenos, não teremos como perdoá-la”. Eu, imediatamente, abri um balão na minha cabeça e fotografei o braço musculoso do garoto solitário sentado a minha frente me conduzindo”. Desviei os olhos da tela por um segundo e pensei tê-lo visto me encarando. Como o coração tremendo feito uma pipoqueira desgovernada no fogareiro do meu corpo, voltei a olhá-la para me certificar de que era só força da minha imaginação. Mas, lá estavam os mais lindos olhos verde escuros fitando-me demoradamente, sem licença.

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Contraí-me, em plena denúncia. Ele percebera que eu pensava nele agora pouco por algum gesto que eu fizera? Anda, Duda, fala qualquer coisa, não fique de boca aberta como uma paciente anestesiada para tratamento de canal, no dentista! Vai começar a babar logo agora?! Ele está tentando provar que você não é resistente a hipnose que impõe para todas as novatas.

_Hum... Tudo bem? _ perguntei e acabou soando sem querer como se insinuasse que ele não parecia normal. _Está... _ ia forçar um assunto sobre sua falta de fome também, mas me interrompeu com um pedido de desculpas que murmurou para si mesmo, em uma evidente contrariedade. Eu não era atraente para merecer sua atenção? Suas duas sobrancelhas se uniram e ele coçou o franzido da própria testa. Agora tinha certeza que se arrependera de ter me contemplado. Achou alguma coisa para desaprovar? Seria o cheiro do meu cabelo, a minha blusa?

Quando ameaçou virar-se para frente, meu corpo se pôs de pé e contei-lhe que estava twittando. Estiquei-lhe o Iphone para que pegasse. Certifiquei-me de que a mensagem das minhas amigas estivesse fechada, antes. Ai, soei um pouco desesperada?

Ele riu do que leu e confessou também ter Twitter, mas não usar tanto. Será que lia o que escrevia sobre as especulações que faziam sobre seu personagem? Em seu lugar, não saberia como agir. Mas, se fosse sua amiga, o defenderia. Que idéia ridícula? Como ombros largos daqueles, resistentes até a uma explosão nuclear, necessitariam de amparo?

Estiquei a mão para apanhar novamente o celular e nossos dedos se roçaram, produzindo uma sensação eletrostática que eriçou os pêlos do meu braço. Nesse instante, fomos informados sobre uma dinâmica de autoconhecimento que deveria ser feito com um par desconhecido. A situação nos apanhara de surpresa nos escolhendo pela própria peculiaridade da oportunidade.

Eu não precisava de piedade. Se tinha como escolher qualquer par, eu podia deixar-lhe livre para não se forçar a nada. Meu coração retumbava, querendo ser sua dupla, mas era muito mimado e impulsivo, devia domá-lo.

Comecei com um “É...” sem sentindo, enquanto procurava Beta, mas Maurício foi doce e firme em seu pedido “Vem comigo”. Não era um “Já que estamos aqui, que tal sermos uma dupla?” ou “Já tem uma dupla, podemos fazer juntos”, “Que chato isso, detesto essas dinâmicas, você também?”. Hei, por que eu estava interpretando o que dizia como uma prova de português com quatro opções de análise?!

_Eduarda, já tem dupla? _ finalmente achara Beta, que me explicou já ser dupla de uma amiga.

_Tudo bem... Eu estou com... _ não consegui pronunciar o nome dele. Apontei com o dedão discretamente. As últimas coisas que ouvira sobre “as garotas fazerem qualquer coisa para chamar a atenção daquele gato incrível”

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me punha na posição equiparada ao grupo de fãs malucas. Aposto que Beta me perguntaria sobre minha tática assim que nos reencontrássemos.

_Vamos? _ a voz rouca que soou entre minha nuca e meu pescoço, assustou-me. Encolhi o ombro e cruzei os braços para não demonstrar como ficara fisicamente atingida. Afastei o cabelo para trás da orelha, sem olhá-lo, eu estava afetada demais para enfrentar a humilhação de saber que me pegara em cheio.

_Rita? _ ele chamou uma mulher que andava apressada com algumas pastas nas mãos. _ Meu pai está por aí? _ quis saber. Será que tentava me impressionar pelo status do pai?

_Não, ele teve que sair. Quer que eu dê algum recado? _Não, obrigado. _ respondeu, enquanto caminhava ao meu lado. Eu

ficara incomodada com aquela pergunta tola para me afetar com admiração. Não ia ter isso nunca. A última pessoa deslumbrada naquele lugar seria eu! Ao menos não devota ao seu dinheiro, quanto a sua beleza eu ainda estava sobre encantamento.

_Já deve saber que... _Que é filho do dono? Sim, algumas pessoas já me passaram seu

currículo. _ Agora estava comprovado: era um arrogante! Revirei os olhos, mais um tipo comum por aí. Por que eu tinha esperanças tão infantis de príncipes encantados? Ao menos para mim não existia a chance de abonar esses defeitos de um príncipe de verdade. Mas, para todas as garotas que nos olhavam atravessar o pátio, seu único defeito era só minha presença como uma sombra que queriam apagar.

Questionei sobre qual lugar específico caminhávamos e ele apontou para o Fusion preto impressionante que o vira chegar. Essa não! Ainda por cima era um exibicionista incurável. Rapidamente acrescentou que havia algo a me mostrar e que teríamos sombra e paz em um banco ao lado do carro. Isso era parte do plano ou fora uma volta bem dada quando entendera que eu não ficara encantada por aquela linda máquina?

Ele abriu a porta, inclinou-se para puxar um porta-cd preto e depois fechou novamente. Nenhum comentário sobre o veículo. Isso melhorou meu humor um pouquinho. Sentamos em um banco de ferro branco ele colocou sobre o colo um estojo aberto com diversos CD escritos a caneta.

_Um pouco de mim. _ entregou-me. Aceitei e virei os protetores flanelados que abrigavam os discos. Havia

Rock, Pop, House. Ele continuou olhando para frente, com os fones que saíam de um dos bolsos no ouvido. Não estava muito disposto a falar e era justamente meu estado de espírito.

_Você oscila entre tantas músicas como nas carreiras que escolheu? _ perguntei baixinho, confiando que era bem difícil que me ouvisse. _ E...

Seu rosto se virou, inclinado e feroz. Como eu ousara cutucar-lhe?

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_Eu também sou um pouco assim, mudo como os botões do microondas. _apressei a começar falar um monte de coisas sem sentido. _ Às vezes, estou tão cansada que basta uma voz amiga para aquecer por dentro. Outras, preciso do modo “descongelar”, só um olhar é suficiente para esquentar a superfície... Ou, meus amigos sabem o tempo certo para me pegarem em cheio, aí é meio botão pipoca...

Ao procurar seu rosto encontrei sorrisos espalhados pelos olhos e covinhas. Escondi minha cara nas mãos e gemi dramaticamente, implorando que não contasse isso em público.

_Ok, vou falar que não sabe cozinhar e que prefere comida rápida. _ brincou.

_Ah! Não faça isso... _ puxei seu fone de ouvido e meus dedos se emaranharam no fio branco, enquanto eu gargalhava e nossos rostos ficaram muito próximos. _ Desculpe. _ estendi a mão para colocar de volta em sua orelha, mas sem tirar os olhos dos meus, pegou-a com a sua e a sustentou por um tempo. Engoli em seco e a puxei de volta.

_Dessa vez, eu sei o que quero. _ confessou. _E o que é? _ a pergunta escapuliu da minha boca. _... _ riu, parecia não ter dito a ninguém ainda. _Vou tentar prova para

ser militar. Aquilo me atingiu como um choque. Não era possível ter um raio no

meio do dia ensolarado, mas eu havia sido um fio terra para a descarga daquela notícia. Engoli em seco e me afastei.

_O que eu disse pareceu te afetar mais do que a mim? _ intrigou-se. _Não... _ puxei o ar para respirar, com os olhos ainda arregalados,

piscando rápido. A boca aberta não deixava sair sons conexos. _É que... Conheço um pouco sobre isso e... _ comecei a rir, agora demolida pela tensão, deixando escoar. _ Nunca imaginei...

_Você também pode me surpreender. _ desafiou. _Não, não, sou bem comum... _ levantei. _ Temos que voltar... _

anunciei, já andando de costas. _Você não tem nada comum. _ falou com simplicidade e franqueza. Eu sentia o coração espumando borbulhas de felicidade e glória, se

derretendo como chocolate quente ao sol. Maurício aproximou-se sorrindo e fiquei zonza. O par de olhos verdes que se erguera na mesma altura que os meus, agora mais claros, com centenas de raios cintilantes andavam de um canto a outro da órbita me avaliando.

Esqueci o carro e dei dois passos atrás, quase esbarrando contra a lateral, mas ele foi mais rápido a se inclinar e me trazer para perto. Meus lábios estavam ligeiramente entreabertos e a mão na altura do seu peito semi fechada se continha para não tocá-lo. Sua boca vermelha e queimada de sol abriu um sorriso úmido e delicioso.

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_Já vou, quero antes ir ao banheiro... _ deslizei para o lado e corri para o banheiro, balançando meu cordão, segurando pelo pingente. Eu tinha que molhar meu pescoço com água bem fria logo!

Meu telefone começou a vibrar no bolso. Sequei a mão com papel toalha e o atendi. Era Roberta. Mal dera meu número e já me ligava. Perguntei se tinha perdido muita coisa e ela pareceu bem irônica quando respondeu baixinho:

_Querida, você só perdeu Maurício. Dá pra vir correndo pra cá! A dinâmica acabou e sua dupla está sozinha, guardando seu lugar. Onde se meteu?!

_Já vou. _ desliguei um tanto irritada. Maurício não era o centro do mundo pra não poder ficar alguns minutos “abandonado”. Foi com a cara emburrada que cheguei pisando forte e subindo a escada agora com tanta raiva que me esquecera da possibilidade de cair. Segurei forte pelo corrimão, passei pelo corredor de pernas e me sentei ao lado dele, o coração doendo de tanto bater sobrecarregado.

_Desculpe. _ falei e quis tirar o que o impulso me fizera dizer. Não tinha que me render a ele como uma súdita. Essas pessoas estavam lavando meu cérebro.

_Bom, gente. Foi legal a experiência? Trocaram bastante? _ perguntou a palestrante. Maurício e eu continuávamos sérios, olhando para frente. _Agora, quero propor outra coisa. _ Meu estômago se revirou. Eu realmente deveria ter comido alguma coisa. _ Vocês acompanharão durante esse ano a sua dupla como um padrinho ou madrinha.

Eu soltei uma risadinha nervosa e carregada de ironia, depois me contive, engolindo um golpe de ar. Eu seria a madrinha de Maurício?! Ele tinha um batalhão de servas.

_Não podem viver apenas para vocês mesmos. Precisam pensar um pouco nas outras pessoas.

Engoli em seco. Eu não sabia se tinha forças para dividir minha atenção. As mudanças recentes na minha vida já demandavam muitas energias.

_Que tal darem as mãos em um gesto simbólico de acordo?! Viramos o rosto juntos e nos encaramos. Isso significava que não

poderíamos mais passar pelos corredores como desconhecidos. Implicava partilhar nossos problemas e nos ajudar. Era só uma palestra idiota, mas apertar nossas mãos implicava um acordo formal que não íamos conseguir esconder. Todas as duplas já partilhavam os gestos. Algumas meninas chegaram a se abraçar.

Mordi a minha boca internamente e ofereci-lhe minha mão que fechou entre a sua acolhedoramente. Retirei-a delicadamente e voltei a olhar para frente, completamente arrebatada por aquele toque macio e forte.

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_Não vão esquecer da dupla de vocês, hen?! _ advertiu a mulher no microfone.

Como seria capaz de esquecer o dono dos olhos verdes mais lindos e intensos? O difícil seria justamente o contrário, pensar em outras coisas que não Maurício. Não podia jamais me apaixonar por ele. Seria um inferno na minha vida se minha mãe descobrisse que tinha escolhido alguém com esses planos de carreira. Ela iria me enlouquecer com seus argumentos sobre suas próprias frustrações passadas. Não! Maurício não merecia nenhum desgaste psicológico meu. Eu estava farta de embates.

Essa coincidência era pertubadora. Como eu conseguiria ficar alheia em nossas futuras conversas? E por que a teríamos? Podíamos esquecer tudo que houve hoje? Mas... se descobrisse a profissão do meu pai e se interessasse por curiosidade em saber detalhes? Eu ia ser pega em uma armadilha. Não havia nada que admirava mais e gostava de falar!

Rapidamente o imaginei sem camisa, correndo, com aquela roupa rude. Fechei os olhos e tentei parar de processar aquelas fantasisas. Eu ia fingir que não habitávamos o mesmo planeta! Nada de papinhos, olhares, cumprimentos. Definitivamente, ou era tudo ou nada. Melhor ficar atrás da linha do amor.

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Conflitos de sangue (Duda)

Estava contente em parte contente pela semana ter sido bastante suportável, nenhum desafio grande que eu previra me surpreendera. Conseguia acompanhar as matérias, gostara dos professores, já me enturmara com as meninas e ocupava bastante meu tempo no curso. Mas, a outra metade estava aflita. E isso não dependia de mim, era um mal de que meu coração padecia sozinho e eu como sua enfermeira era uma incapaz! Segunda feira, primeiro tempo de aula, hora de uma palestra motivacional de uma hora e meia para encher de energia os alunos. Isso significava ao retorno inicia do conflito a que me refiro: novamente me encontraria com Maurício. Durante todos os dias da semana passada, nossos olhares se cruzaram nos corredores e na área do bosque onde havia o intervalo. Por horas, eu sustentava em desafio, outras eu abaixava os olhos e me envergonhava. Não conseguia desligar-me mentalmente da conexão que nos unia.

_Acho que vou deixar o lugar vago... _ Beta deu dois tapinhas no meu joelho e pulou para uma cadeira do meu outro lado, mas deixou sua bolsa onde estava antes, como se guardasse o lugar para alguém.

_Do que está falando? _tentei interpretar o papel de desentendida, mas não adiantava.

_Sua dupla vai chegar a qualquer momento... _ falou com uma voz musical, olhando para o próprio relógio.

_Dupla? Que dupla? _Meu amor, você não conhece o Brad Pitt e, no dia seguinte, faz essa

cara de “Brad Pitt, Brad, Brad, quem é Brad”? _ ironizou com caretas. Revirei os olhos, mas não tive como contê-la. _ Eu estou nessa há mais tempo que você. Se não sabe, todas as segundas eles nos confinam aqui com o intuito de nos fazer uma pequena lavagem cerebral. Passar um sabão em todo desânimo e cansaço. Essa teoria de uns ajudarem os outros não passa de uma roupagem bonita para o intuito de melhorar o ranking da escola. Tudo isso seria chato se você não tivesse arrumado como dupla, ele... _ sua voz mudou e o tom abaixou, seus olhos caíram sobre o próprio colo.

Olhei para a porta e o vi entrar. _Faz um sinal... _ ela me orientou. _Nem pensar! _ murmurei. _Não seja tonta, se não fizer eu faço.

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_Eu torço seu braço. _Você me agradeceria depois. _Beta, se quer tanto, fique com ele para você, mas eu não preciso

ficar com a mesma dupla, eu não... _ virei-me e comecei a falar quase chorosa, mas ela só conseguia olhar para alguma coisa atrás dos meus ombros.

_Eu tentaria se tivesse chance, mas quem pode ganhar essa guerra é você.

_Eu não estou disputando nada, eu não quero nada. _Tem certeza que não quer o par de olhos verdes mais lindos do

mundo olhando para você, nem sentir o cheiro do xampu do seu cabelo molhado e será que está com loção pós-barba... _ começou a descrever monotonamente, enquanto enrolava o cabelo no dedo displicentemente para disfarçar o tema da nossa conversa. Sua dupla chegou e sentou-se ao seu lado. _ Não se preocupe em fazer nada, como eu, ele sabe como as coisas funcionam. Não é a primeira vez... _ piscou para mim e me deu outro tapinha no joelho.

Lentamente, voltei meu corpo para o lado esquerdo a fim de encostar à poltrona, quando o vi se inclinar para pegar a bolsa que estava ao meu lado.

_Alguém aqui? _ a roquidão da sua voz matinal quase não me permitiu assimilar. Era sexy demais.

_É minha, Mau, pode deixar comigo. _ Beta esticou os braços, vindo em meu socorro. Arregalou os olhos demonstrando que eu devia fazer alguma coisa que não sabia o quê. Só engoli em seco. _Pelo menos não te sobrou aquela nerd chata gótica do ano passado, hen? _ lembrou-o para puxar assunto. _ Parece que não vai ser chato dessa vez. _ ela sorriu para ele e eu senti que estavam trocando frases em códigos.

_Sua amiga é que terá que me dizer... _ riu muito perto de mim e meu braço se arrepiou.

_Vocês costumam fingir que uma pessoa não existe quando falam sobre ela bem na sua frente? _ minha voz saiu sarcástica quando era para ser brincalhona. Roberta levantou as mãos no ar e prometeu não nos interromper mais. Pensei em pedir-lhe desculpas, mas sabia que ela estava teatralmente me dando às costas para que ficasse sozinha com ele. Suspirei pesadamente e revirei os olhos com a cabeça virada para frente, imaginando que não captaria minha reação.

_Alguns alunos novos chegaram... Se quiser trocar de dupla ainda há...

_Não! _ franzi a testa e toque seu braço. O toque com sua pele macia e quente, a sensação do músculo forte e firme me fez esquecer as palavras perdidas entre os lábios ainda entreabertos. Levantei os olhos e descolei a

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mão dele. _Ao menos que você queria... _ encolhi os ombros. _Eu entenderia perf...

_Mesmo? _ levantou a sobrancelha com um pequeno sorriso de lado que me transmitiu algum desafio ou teste.

_Ora, não é obrigado a ficar ao meu lado, se não quiser... _ rebati irritada por tentar controlar um joguinho suspenso no ar de que não sabia as regras de ganhar ou perder.

_Eu não perderia essa oportunidade por nada. _Ãnh? _Não vou te deixar se livrar de mim. _ explicou. _Eu devo ter medo disso? _ sorri para mostrar que não era uma

pessoa difícil de se aturar e o peguei focado nos meus lábios cor de cereja pelo gloss.

_Sim. _surpreendeu-me com a resposta que pareceu sair sem pensar. _Como?_ franzi a testa. _Não deveria ficar perto de mim. _O que está dizendo...? _ fiz uma careta de confusão. _É melhor não entender... _ balançou a cabeça para os lados. Não forcei que continuasse. Era melhor achá-lo um maluco,

excêntrico. Aprofundar-me traria mais intimidade e isso poderia ser perigoso. Eu sabia tudo que significava o futuro que escolhia para si.

Sim, ele usava uma loção deliciosa masculina que me preenchia os pulmões e amolecia meu corpo.

_Como suportou 3 anos dessas palestras? _ perguntei, baixinho, virando o rosto para seu lado. Eu não devia ficar puxando esse diálogo particular, por que não aprendia isso?

_Quais palestras? _mostrou o fone do ouvido e pôs na orelha direita. Eu ri e perguntei se nunca havia sido pego. Ele explicou que ser filho

do dono tinha suas vantagens. Meu rosto se endureceu e acho que percebeu o quanto não gostava de esnobismo, porque logo salientou que as desvantagens era maiores.

_Vamos ter mais dinâmicas e círculos de fogo? _ perguntei. _Será pior, bem pior. _ tentou botar medo. _Mas, todos gostam. É um

reconforto. _Talvez, você só teve uma dupla ruim. _ conclui e encarou-me em

cheio com os grandes olhos hipnotizantes que me fez sentir dessa vez bastante presunçosa. _ Vai descobrir se dessa vez teve a mesma sorte... _ tentei consertar.

_Pelo menos me arrumaram alguém mais bonita... _ disse com tanta naturalidade que pensei ser grego ou tupi-guarani, não dava para realizar que acabava de reagir como um pimentão aquele elogio. _ ... Só não sei se vou ser bom pra você.

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Se Beta estivesse conseguindo ouvir devia estar se agüentando para não rir com aquela modéstia. Porém, eu conseguia sentir um tom sombrio quando me dava aqueles avisos.

A palestrante pareceu seguir uma linha contínua, pois começou perguntando sobre os desafios lançados na segunda anterior, que, aliás, eu e minha dupla ignoramos. Ela, então, falou um pouco sobre a pressão familiar sobre nossas escolhas e disse que precisávamos partilhar o que sentíamos para assim começarmos a nos entender melhor. Eu desejei puxar o outro fone de ouvido de Maurício. Não queria perder meu tempo com aqueles estudantes de psicologia e consultores motivacionais.

_A dinâmica de hoje será a do divã. Cada um vai receber um conselho do seu par. Assim, vocês podem se ajudar. Quem disse que só você tem um problema, ela, ele e ele também têm... _apontou para a platéia.

Dei um grunhidinho de agonia e Maurício se remexeu na cadeira incomodado. Começaria mais um encontro forçado entre nós.

_Vamos lá, já sabem o que tem que fazer... _ ela bateu palmas e todos se levantaram.

_Por que seu pai perde uma hora e meia de aula com esse tipo de coisa?! _ irritei-me.

Ele tirou o fone de ouvido e respondeu calmamente, enquanto guardava-os:

_Por que não se ganha um jogo com a cabeça, é preciso colocar o coração. Eles não perdem uma hora e meia, eles dobram a carga de estudo por causa dela.

_Eles? E você? Gosta? _Esse curso não é para mim... _ explicou, agora me encarando com

mansidão. _ É para todos, é o negócio da família. Não tenho que gostar, nem você. Mas, dá resultado. Prefere ficar aqui? _ perguntou de maneira gentil.

_Não... Vamos dar uma volta. _ levantei e logo estávamos caminhando lado a lado no corredor, eu sempre de braços cruzados.

_Você não me falou de você da outra vez... _ observou. _Não tenho muito pra contar. _ encolhi os ombros e sentamos no

mesmo lugar da primeira vez. _Pode ouvir música, se quiser... _ sorri-lhe. _Não, tudo bem. Eu suporto te ouvir... _ riu. _ Além do mais, deixei os

fones lá. Ficamos nos olhando por alguns segundos. Admirei seu cabelo

castanho claro que ganhava um tom de cobre na claridade do dia, as costeletas e o toque de alguns fios caindo na testa. O nariz fino e a pele lisa e perfeita. Era estonteante de se admirar.

_Não sei nada sobre você... _ comentou. _Mora com seus pais? _Não. Quero dizer, morava. Bem, não morava... _ franzi a testa e

fechei os olhos por alguns segundos para arrumar os pensamentos. _ Eu

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morava com meu pai, mas vi para cá viver com a minha mãe, que está pagando o curso. _ tentei a explicação mais racional.

_Vocês se dão bem? _Não sei, nunca tentamos... É a primeira vez. Mas, eu estou aqui pelo

curso. E pretendo voltar... _Para onde _Não sei, meu pai se muda muito. _O que faz? _Minha mãe é juíza. _ fugi da sua curiosidade. _ E quero fazer Direito

também. Não por sua causa, já havia decidido isso antes. _E, seu pai? _ insistiu. _Ele é militar. Seus olhos brilharam e seus lábios se entreabriram em um sorriso de

descoberta e encanto. Sabia que lhe provocaria esse efeito e que, depois disso, não teríamos nunca mais falta de assunto.

_Então, você sabe bem sobre isso... _ alegrou-se. _ Viu como nascemos na família errada? Eu adoraria que alguém pudesse me entender.

_Sim, ele teria muito orgulho se fosse seu filho. Mas... não nasci na família errada. _ consertei. _Não poderia desejar vida melhor do que a que eu tive com ele. Você vai ser muito feliz com sua escolha.

_Obrigado, eu levei três anos para assumir que quero ser militar. Estou decidido.

_Há muitos desafios físicos e psicológicos. Só que, quando entrar nesse ciclo, vai fazer parte de uma grande família. Como toda família há intrigas, festas, cooperação, irmandade. Mas, existe um companheirismo tão grande que se sentirá muito orgulhoso do que faz... _ comecei a falar empolgadamente. _ Desculpe, não sei se precisa dos meus conselhos e opiniões.

_Por favor! Não é essa a idéia da dinâmica? _Eu é que não te ajudei com nada... _Me diga por que não me faria bem ficar perto de você? _aproveitei

sua oferta de respostas. Maurício endureceu o rosto e ficou em silêncio por bastante tempo,

até que esticou o braço e passou o dedo por uma veia grossa e visível. _O problema está aqui... No meu sangue. _ disse sinistramente. Franzi a testa, mas não tive tempo de outras questões. Ele se

levantou e indicou que tínhamos que retornar. Jurava que havia mais tempo, mas não consegui negociar isso, meu cérebro trabalhava a mil para desvendar a charada. Seu sangue? Então tinha uma doença? Poderia me contaminar? Não! Lógico que não. Como iria fazer as provas médicas para o concurso, se tivesse? Eu teria que conseguir falar com ele novamente para saber.

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Anjo destemido (Mau)

Eu estava curvado sobre o vaso sanitário do colégio colocando para fora a última gota de bile diluída em vodka. Ouvi uma batida na porta atrás de mim entreaberta. Senti uma mão pesada na minha camisa e não me virei. Tive mais alguns espamos que pareciam trincar minhas costelas e distender os músculos do abdômen.

_Me avisaram que você havia chegado de carro, cantando pneu. _ sua voz não era brava, como teria razão de ser, ao contrário, a culpa que eu intensificava sentir bloqueava seu direito de me punir com severidade. Acabava soando tão benevolente que cheguei até a sentir pena da crueldade que o submetia. _ Vá para casa, não precisa assistir as aulas.

Nada sobre eu ter passado o fim de semana na rua sem dar notícias, nem bronca por dirigir irresponsavelmente neste estado ou avisos de que me tiraria regalias por causa das fofocas que geraria chegando naquele estado em plena segunda-feira de aula.

_Estão todos no auditório, não vão perceber nada. Saia por aqui e tome um banho quando chegar... _ aconselhou enquanto eu já jogava água no rosto. _ Podemos voltar a conversar sobre aquele assunto quando preferir. Somos capazes de ser pessoas civilizadas para levar os fatos com inteligência, controle...

Com gotas de água ainda pingando do queixo e os olhos ardentes e injetados de vermelho encarei-o com a maior severidade e dureza que pude demonstrar.

_Eu não vou gostar da idéia, nunca. Entendeu? _A decisão é minha. _ lembrou-me com firmeza. _ Eu sei que é difícil

pra você, mas eu vou assumir a situação de uma vez por todas. E não adiante se atirar de uma ponte para que eu sinta tanta pena que queira voltar atrás. Farei isso independente das reações inconseqüentes que possa tomar para me afetar. Já não posso levar em conta suas pirraças.

Passei por ele, ignorando seu discurso. _Aonde vai? _perguntou com a voz seguindo bem atrás do meu

ombro. _ Vá para casa. _ insistiu. _ Eu soube que você está fazendo par com...

_Anda investigando minha vida? _ franzi o rosto em uma careta.

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_Não seja tolo. Só quis saber por curiosidade como andava seu desempenho e me informaram que estava com ela. Por quê? Não tinha outra pessoa nesse curso para você se aproximar? Meus avisos entraram por um ouvido e saíram pelo outro?

_Ninguém procurou ninguém. _ respondi sem muita força para brigar. _Ela cruzou o meu caminho e aconteceu.

_Nada acontece por acaso sem que a gente possa evitar ou consertar. Maurício, fique longe dela, por favor. Não estrague tudo, não vai ser fácil para ela descobrir a verdade. Quero protegê-la. Não a prejudique por minha causa! Não a use como pedra para me ferir, isso não é justo com nenhum de nós.

_Lamento se o destino foi mais forte. _Destino? Por favor! Confio em você... _ saiu do banheiro quando

alguns alunos entraram. Ele não deveria, não mesmo. Com raiva que estava diante da notícia

de sábado à noite, eu seria capaz de tudo, inclusive de fazer justamente o contrário que pedia. Pensei que naquele horário Duda estava lá em cima assistindo as tediosas palestras. Ficaria sozinha para fazer aquelas dinâmicas bobas, provavelmente. Mas, isso não era uma maneira de prejudicá-la. Podia usar requintes mais perversos. Contudo, o lobo mal tinha que repousar na toca e se restabelecer e Duda poderia ficar calma e tranqüila longe de mim.

Abri a porta do carro e entrei. O portão do curso foi aberto sem interrogações. Peguei a via principal e, parado no sinal, avistei a dono do cabelo dourado atravessando a rua. Por Duda não estava na aula? Foi tudo muito rápido, um triz de segundo. Enquanto eu freava lentamente para ficar atrás da faixa, um carro ainda em alta velocidade calculou dar tempo de avançar. O motorista só se deu conta da imprudência por causa da moça que acabava de descer a calçada e entrar em sua frente. Meu coração estalou no peito e eu estiquei o pescoço para ver o que tinha acontecido a Duda.

Eu trouxe o carro para o acostamento e liguei o pisca alerta. Dei a volta nos carros e corri até ela ainda no chão, com o sangue lhe escorrendo nos joelhos. O homem de meia idade gritava desaforos sobre sua ousadia de pular na frente do carro:

_Eu vi o que fez! Avançou o sinal e a atropelou. Filmei tudo e vou provar que a atropelou. _ menti sobre as provas, queria aterrorizá-lo.

O homem arregalou os olhos e se viu em apuros. Não contava com um defensor para a pobre garota indefesa que aturdida pelo choque não tinha forças para se proteger. Era mais fácil bancar a vítima e inverter a situação para que todos os outros motoristas não o acusassem. Ocorreu tão rápido que se permitia o benefício da dúvida. Mas, eu não deixaria barato.

_Precisa de ajuda? _ sentiu-se na obrigação de seguir o protocolo.

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_Eu posso me levantar... _ ela agarrou a minha mão e se ergueu, mancando.

_Quer que eu a leve no hospital? _o homem insistiu, com medo das minhas ameaças.

_Ela está comigo. Ande com mais calma por aí para não tirar a vida de alguém que tem minha vontade de viver, ouviu? _ gritei.

_Tem certeza que... _Não, ela não quer ajuda. Está comigo. Pode ir. _ envolvi Duda com o

braço e a conduzi para o meu carro, quando o sinal já fechava pela segunda vez.

_Não atravesse mais assim. _ disse firmemente, mas sem tom de reprovação, apenas como um conselho preocupado. _ Deixe todo mundo parar e só aí siga em frente. _ instrui, só aí me dando conta de que estava a tratando como uma criança que soltara da mão da mãe. _Acha que quebrou alguma coisa? _ peguei seus punhos para ver as palmas das mãos arranhadas e sangrando. _ Está ardendo muito?

_Tá... _ sua voz embargou e achei seus olhos úmidos o que pôs fogo em meu coração com repulsa e raiva pelo aquele homem apressado e inescrupuloso. Poderia tê-la matado bem na minha frente. Suspirei de alívio em pensar que eram só escoriações.

Fiz um sinal para um vendedor ambulante de águas e comprei uma garrafa plástica.

_Segure isso para adormecer... _ ofereci e ela fechou as palmas em torno do cilindro gelado. Seu rosto se desanuviou e senti só então meu coração se aliviou.

A tontura e fraqueza pela noite sem dormir só voltaram a me abater depois de vê-la salva. Tanto álcool ainda no meu sangue e ainda tive reflexos rápidos por causa da adrenalina á flor da pele.

_Obrigada. _ sorriu. _ Não deveria estar no curso? _Eu devia perguntar o mesmo. _ fugi da resposta. Seu lugar era lá dentro, protegida e, principalmente, para seu bem,

longe, bem longe de mim. Minhas intenções com elas estavam planejadas para serem as piores e, bastava estar sob a fragilidade de qualquer situação e eu agia como seu salvador. O destino cruzava nossos caminhos, não estava brincando quando dissera isso ao meu pai.

_Por razões diferentes, não queremos estar lá agora. _Mas, eu estava saindo e você chegando. _Não por vontade própria. Hoje, não está sendo um dia bom. _Perder o primeiro tempo de segunda não é tanto prejuízo. _ encolhi

os ombros. _E, levando em conta, que estou com a minha dupla... _sorriu,

olhando-me tão docemente que podia chegar a crer que me admirava com a

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mesma ingenuidade e destemor que atravessava a rua sem medir perigos._ ... Então, estamos fazendo a coisa certa.

_Fazendo a coisa certa? _ ri, atônito com a ironia total do destino. _ Claro, estamos por outros meios, seguindo as regras. _ concordei para não se constranger com a minha explosão de risos.

Ficar tão perto de Duda era absolutamente fora das regras. Mas, eu queria quebrá-las. Quando estava longe dela, o desejo que me consumia era infringir as normas para fazê-la mal. Quando estava perto, o desejo era infringir para não afastá-la. Duas pulsões tão diferentes que me deixavam tonto. Uma brigando para ter mais força que a outra. Era quase um pecado não querer contemplá-la com seu rosto meigo e puro. Uma magia nela me enfeitiçava.

_Não vai poder entrar no primeiro tempo, mas, no segundo... Quer tomar café comigo? _ perguntei. _ Podemos comprar curativos para seu joelho.

_Ótima idéia! _ concordou e acho que se referia aos curativos e, não, ao primeiro convite. _ Podemos ir no meu carro? _apontei para trás com o indicador.

_Hum. Tudo bem. _ aceitou e entrou no veículo. Atravessei a avenida e paramos em uma galeria confortável com uma ótima área ao ar livre cheia de cafeterias, bares e restaurantes. Escolhemos uma mais próxima da farmácia que entramos.

Sentada, com uma perna apoiada em cima de uma cadeira, ela ajeitava o curativo com uma pequena careta. Trouxe sua bandeja com o seu pedido.

_Obrigada. _ jogou as embalagens no saquinho plástico e pareceu satisfeita e recuperada, com esparadrapos e gases nas mãos. Bebeu o suco. _ E você, foi atropelado por quem? _ perguntou.

_Está evidente assim? Alguma marca de pneu na minha bochecha? _... _ sorriu e ficou levemente enrubescida por uma razão que me era

misteriosa. _Está com um hálito de álcool puro, parece cansado e sem dormir. E está vestido um pouco diferente do costume...

_Muito perceptiva. Isso faz parte do seu apadrinhamento, me conhecer tão bem? _ franzi a testa e mordi meu sanduíche de pão, queijo e tomate seco prensado na chapa com orégano.

_Não é preciso ser um gênio. _ revirou os olhos e mordeu seu pão também.

_Você quase morre e está preocupada comigo? _ ri. _Eu não estou preocupada com você, foi só uma observação. _Poderia ter me deixado continuar acreditando. _Não quero ver seus ataques de metido. _Eu? Metido? Quando

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_Ora... deixa pra lá. _Não! Agora fale, vamos! _ insisti e estava sorrindo, alegre, pela

primeira vez em três dias, ela era o melhor dos desafios. _Não gostei do modo como logo quando nos conhecemos fez questão

de esfregar no meu nariz quem era seu pai, depois me chamou para ver seu carro...

_Não foi nada disso. Me interpretou mal! _ apressei para cortá-la. Eu só perguntei sobre meu pai em sua frente porque não poderia correr riscos de ser visto com ela. E o carro fora uma desculpa para escondê-la, longe de todos. Só que o motivo não era possível revelar. _Hei, eu não sou uma má pessoa! _ mais ironia, onde estavam meus planos de ferrá-la para atingir meu pai?

_Eu sei. _ tocou em minha mão e acariciou com o dedão. A fragilidade daquela palma machucada rendendo-me carinho me fez engolir em seco. _ Eu percebi depois que você ainda tem chance comigo.

_Ãnh? _Ora, de ser meu amigo. Não te atirei no grupo dos repugnantes e

páreas. Vou te dar uma chance. _ piscou o olho e sugou o suco de abacaxi fazendo bico. _ Já ganhou pontos dizendo aquelas verdades para o idiota que quase me matou.

_Estava tão calada que pensei que estava em choque. _Claro! Eu tinha chegado até ali achando minha vida uma droga, e, de

repente, entendi que morrer era perder muitas chances de fazer coisas boas. Hei, ainda não me disse porque está tão debilitado.

_Insiste com essa idéia de atropelamento? _Hum-hum, algo te derrubou. _ afirmou. _Uma notícia, não muito boa... _Coincidência. Eu também estou com uma girando em minha cabeça

como a água da torneira fazendo ondas circulares em torno do ralo, sem nunca acabar... _soou sombria.

_É... Coincidência. _ falei baixinho e ela não sonhava o quanto sabia sobre usa notícia. Ambos tínhamos sidos informados de uma mudança radical em nossas vidas. A diferença é que só eu tinha consciência da nossa ligação.

_Tem a ver com a opinião do seu pai sobre sua carreira? _ quis saber. Sim, ele não gostava nem um pouco da minha escolha. Mas, na

realidade, havia mais razões para eu me preocupar com o problema maior que ele estava prestes a me arrumar e que envolvia Duda. Porém, lembrar dessa questão me trazia a angústia de saber que em breve ele voltaria a me infernizar com esse tempo. Ainda se achava em tempo de reverter a situação e me convencer a fazer administração ou qualquer carreira acadêmica para poder dirigir o curso ao herdá-lo.

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_Também. _ respondi e me reclinei na cadeira. _Ele diz que estou fugindo, que quero ir para longe, ficar viajando igual um adolescente inconseqüente que não encara a realidade.

_Muito pelo contrário. _ riu baixinho e balançou a cabeça para o lado. Como o sol se aproximava de nossa mesa, chegou a cadeira tão perto que podia sentir o calor do seu hálito. _É possível fugir de si mesmo no mesmo parado no mesmo lugar quando você não se conhece tão bem que vive vestindo os personagens que os outros constroem pra você. Seu pai criou um desses e quer que encene o papel com alegria e vontade. Mas, essa vida é a única coisa que pode realmente chamar de sua. Se fosse arrumar um emprego em uma multinacional, ou fosse diplomata e viajasse pelo mundo todo de pouco em pouco tempo, seria admirável. Mas, se for para ser militar, é uma grande aventura. Como se não houve compromisso, responsabilidade, demanda.

_Alguém já falou isso do seu pai? _ matei a charada. _Já. _ suspirou e deixou os ombros caírem, como se estivessem

dolorosamente contraídos. _ Minha mãe. _ fez uma careta. _ Ela nos deixou para cuidar de si e da sua carreira.

_Mas, não mora com ela? _Agora sim. Mal a conheço. _ pareceu tão triste que quis colocar o

braço ao seu redor. _ Ela não pode me criar e me entregou, então, ao meu pai. Depois, não me buscou de volta. O que sei é que o achava um fanfarrão, sem lenço e sem documento. Mas, não é verdade, ele é um homem que trabalha muito e é admirado por todos.

_Não espere que todas as pessoas gostem de você. _ aconselhei e me dei conta de que já não sabia se eu era uma dessas pessoas a quem não podia esperar admiração, porque agora a olhava exatamente assim. Tinha quase sido atropelada há meia hora e estava se dedicando a analisar minha situação como um problema maior.

_Avise isso pra ela. Voltando ao assunto, se é isso mesmo o que quer. Vá lá e enfrente o desafio. É como um provador de roupa. Quatro mulheres podem entrar com o mesmo vestido, experimentá-lo e sair dali: feliz por ter encontrado o ideal, chateada por se sentir gorda, satisfeita por achar a cor certa e conformada por ser o único que coube satisfatoriamente. Até dentro de uma profissão vai existir graus diferentes de realização. O que não quer dizer frustração. Nesse caso, é melhor deixar o vestido na loja e buscar outro. Desculpe se o exemplo é muito “mulherzinha”, mas é o que me veio à cabeça. É possível que só se descubra que o vestido não ficou bom depois de comprar e usá-lo. Fazemos idéias das coisas e depois descobrimos que eram fantasias. Como a caverna de Platão. Lembra? Quando o homem olhava várias sombras do próprio grupo na parede da gruta e achava que as sombras eram outras pessoas? Hoje, nos dias da modernidade, do nanômetro, da

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microscopia, das viagens espaciais, ainda tem gente que se confunde entre o que você é e a própria sombra!

Acho que minha boca ligeiramente aberta lhe mandou um sinal errado para que parasse.

_Desculpe, eu estou realmente sendo chata e nerd. Você iria gostar de alguma garota falando de...

_Não continue. Estou gostando exatamente assim. Não sou essa sombra que está vendo. Não sei o quanto já falaram de mim no curso, mas está longe de ser o que sou, são apenas fantasias da cabeça maluca daquelas garotas.

_Ah sim, o que elas mais têm são fantasias... _ riu baixinho, arqueou as sobrancelhas e deslizou o dedo na borda do copo vazio. _ Elas são tão deslumbradas por você que chega a dar enjôo. _ fez uma careta.

Soltei uma sonora gargalhada e não resisti a perguntar se lhe acontecia o mesmo.

_Não, não acho que os garotos andem por aí suspirando por mim. _se fez de modesta, errando propositalmente o entendimento da minha pergunta. Não quis revelar se era mais uma das que me admiravam. Eu não poderia desejar isso, seria absurdamente difícil ter isso em questão quando a grande revolução começasse e as brigas fossem se tornar constantes. Eu queria tocar o terror e não era aconselhável ter sua amizade se quisesse mesmo trazer o caos. Porém, agora ficava mais trabalhoso nutrir raiva de Duda, quando ela era propriamente a harmonia e razão.

_O que acha de mim? _ perguntei. Seus olhos muito claros pelo sol se ergueram lentamente das mãos e

me atingiram em cheio: _Não posso ainda dizer. _Timidez? _Não, ainda não construí por completo minha opinião. _Provavelmente vai mudar com o tempo... _Claro, olho você de maneira diferente delas. _ respondeu, nem

sonhando com o que eu queria dizer. _Qual a sua maneira? _ mordi a língua, devia parar de instigá-la. Duda ergueu lentamente para não me surpreender a mão delicada

envolta em esparadrapo e, com o toque da ponta dos dedos, escorregando sobre a pele da minha testa, retirou uma pequena mecha do meu cabelo, que cismou em cair novamente. Depois, os dedos ousaram se afastar mais e dedilhar por alguns fios, arrepiando todo meu braço esquerdo. Era alguma sessão de hipnose, pois tudo que consegui foi olhar fixamente seus lábios rosados e finos, agora úmidos e deliciosos. Bastava reclinar o rosto e senti-los com os meus.

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_Eu consigo ver o seu futuro porque não tenho preconceitos. Te vejo fardado, feliz, cheios de planos, projetos... _ sorriu, acho que com orgulho e adorei ouvir cada palavra. Queria mais como um sorvete gelado em dia quente, a garganta pedindo outra e outra colherada.

A mão que desceu pela minha nuca escorregou pela lateral do pescoço e sustentou-se como em espera. Meu coração disparava como em uma caçada, eu, a presa em fuga. Umedeci os lábios que se mantinham abertos inconscientemente. A mistura de medo, irritação e desejo me fez reproduzir seu gesto como uma reação de espelho e afaguei seus cachos dourados e sedosos, afundando por baixo de sua nuca em uma zona quente e íntima. O carinho fechou-lhe os olhos a fez reclinar a cabeça ligeiramente indefesa, pronta, entregue. Com a outra mão que não tinha sobre mim acariciou o meu braço estendido e depois escorregou, caindo sobre minha coxa, aumentando o efeito físico de desejo central.

O quão incestuoso seria realmente aquilo? Já não era uma questão de vingança, agora estava na esfera dos conceitos morais. O que prejudicava a ação do tempo que deveria ser curta, um breve impulso e explodiríamos em um beijo ardente, mas se prolongava em longos segundos de afago. Eu perdido na cascata de seda loira e ela em meu braço, já em agonia apertava a manga da camisa. Só notei que ficava mais difícil quando respirar não era um movimento involuntário e imperceptível. Seus seios arfavam fazendo subir e descer o medalhão dourado que carregava no peito.

Como um covarde e maquiavélico de quebrar o encanto daquele cristal delicado que era o momento singelo que trocávamos, lembrei-a da hora de partir. Pensei com isso obter a reação de me soltar, se envergonhar e procurar a mochila. Não era isso que deveria sentir por um...

_Claro... _ disse docemente, no mesmo tom de voz recolhido e íntimo. Levantou-se, ainda com as mãos no meu ombro e, entre minhas pernas, me abraçou, envolvendo meu pescoço. Poderia ser quase imoral e leviano seu gesto de pôr minha cabeça contra seu colo e deixá-la apertar assim tão forte, se não fosse o carinho, seu perfume e ternura que a transformava em anjo. _ Vai dar tudo certo pra você...

“Não vai dar tudo certo para nós”, fechei os olhos e pela primeira vez sofri. Eu preferia não saber, eu queria ter a mesma inocência para poder agarrá-la com toda vontade e experimentá-la completamente em um lugar longe dali. Ainda bem que estar em público a protegia da minha inconseqüente e pecaminosa volúpia.

Seus dedos continuaram fazendo carinhos pela minha nuca e a sonolência chegou de vez junto com a fragilidade infantil de uma alma que se lembrou da sensação de proteção uterina. O arregaço acolhedor, quente e maternal que me envolvia era de desarmar qualquer pretensão a lhe fazer mal por propósito de atingir terceiros. Senti um beijo no topo da minha cabeça que

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criou um nó na minha garganta a se apertar quase em esganação. As mãos deslizaram em círculos pelas minhas costas descontraindo toda minha rigidez em me recolher e evitar o afeto. Tornou a afagar meus cabelos e apertar com leves pressões o pescoço. Sabia ela tudo sobre meus pontos de tensão? Tinha conseguido com meu médico o mapa do meu corpo e eu em nada poderia lutar.

Reclinou-se mais até falar em meu ouvido, seus cachos recaindo sobre mim como uma peruca loira. Fechei os olhos para ouvir aquele timbre doce e angelical:

_Está precisando descansar, dormir e se refazer... É o que sua fada madrinha conselha... _ riu e a vibração da risada me acordou um pouco de seus encantos. Afastou o tronco e nossos braços deslizaram de nossos corpos, mas não deixei se desprenderem. Segurei as mãos já na ponta dos dedos e me ergui, ficando um pouco mais alto. Trouxe-a com facilidade e sem resistência pela sua cintura. Certamente sentia agora o quanto tinha produzido um avivamento em todo meu corpo, mas nenhum sinal no seu rosto mostrava afetamento. Afastei o seu cabelo para o lado e aspirei o cheiro do seu pescoço, recliando-a para trás o máximo possível. Ou era ela que se defendia e eu não percebi? Não, não, não seria defesa ter envolvido novamente meus ombros com seus braços. Beijei-lhe, na pele branca e cheirosa, a fazendo estremecer com meus lábios afoitos. Parei no encontro com o canto de sua orelha. Lembrei que o próximo passo disso seria um abismo muito fundo, em queda livre. Sua mão fechada agora com força no cabelo da minha nuca me pedia mais e eu queria informar que não podia. Mas, guardar sozinho o segredo me deixava com margem para me aproveitar apenas do último gesto impensável. Passei a língua pelo lóbulo de sua orelha e não resisti, experimentei inteiro, sentindo-a me apertar mais, duvido que não estava agora com as pernas bambas. Ou parava agora ou a colocaria sobre a mesa.

_Temos mesmo que ir. _erguemos nossos rostos, olhos nos olhos. _Se sair agora assim, não sei se... _ela estava inconformada, mas foi

realmente preciso tampar-lhe os lábios com os dedos. Se pronunciasse qualquer acusação de fraqueza da minha parte (sem saber que acabava de ser o homem mais forte do mundo), teria tudo que pedia, pois eu não era de ferro para negar se verbalizasse. Porém, se fazia necessário o dono do mapa seguir a rota certa. E a nossa seguiam caminhos opostos.

_Por favor, Duda, está debilitada... _insisti com um débil argumento. _Estou? _ desafiou ainda sentindo nossos corpos colados e ardentes. Sorri, ela era um anjo destemido, ingênuo, que eu devia proteger e

não fazer mal. _Um dia vai saber que não posso.

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_Por que insiste tanto nisso?! _ explodiu e sua raiva foi um alívio, tinha desculpa para me desprender de seu fascínio.

_Duda... _ segurei seu rosto com as duas mãos, não querendo magoá-la (que ironia!), nem que se sentisse rejeitada. _ Só temos que ir agora, realmente temos, entendeu? _ avisei com toda gentileza.

_Entendi! _ pegou a mochila, colocou vigorosamente nas costas, recolheu a bandeja. Deu quatro passos, jogou o lixo fora e partiu para atravessar a rua.

_Hei! Aonde vai? _ gritei. _Embora! _ gritou também, com braços abertos e me deu as costas.

Não esperou o sinal fechar direito e já estava atravessando com passos duros.

Sorri, agora podia sorrir abertamente. Se mataria, se não ficasse por perto. Balancei a cabeça para os lados, na verdade, Edurda me mataria aos poucos se me deixasse arder de novo em seus braços.

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Durma bem (Duda)

Minha mãe estava ao telefone, na sala, enquanto eu tentava fazer alguns exercícios de lógica sentada no sofá. Ela dizia aos risos para a amiga que o homem depois de uma certa idade só pega mulher tipo C, cara ou coroa. Eu franzi a testa, mas que diabos ela estava querendo dizer? Li mais uma vez o enunciado da questão, ignorando sua própria gargalhada. Rabisquei os dados para encontrar um caminho de resolução e ela soltou mais uma pérola “Querida, por favor, não me vá com aquele vestido sem graça que colocou na festa da Cris, senão vai continuar no zero a zero”. Desisti, não havia clima para estudar. Soltei o ar pesadamente e ela percebeu. Carregou o aparelho e sumiu para seu quarto como uma adolescente cheia de novidades.

Cheguei até a varanda do apartamento e abri os braços sobre o parapeito de cilindro metálico. O vento balançou meu cabelo para trás. Fechei os olhos e bastou para que sozinho meu coração exibisse o mesmo rolo de filme para na minha cabeça: Maurício beijando meu pescoço com sua boca quente e carnuda. O roçar de seus lábios por minha pele. Encolhi a cabeça como se a cena fosse realmente real. Estiquei os braços e alonguei a coluna, olhei para os meus próprios pés e ri: “Céus, como quis beijá-lo!” Ri ainda mais alto com um frio na barriga que se transformavam em eletricidade por todo corpo até arrepiar os pêlos. Ele era lindo demais, cheiroso, forte, divertido, misterioso! Queria ser atropelada todo dia para ser salva sucessivamente. Duda, como está ridícula.

Se ele desejasse o mesmo, não teria evitado. Eu estava completamente disponível. Evitei qualquer reação de “garota difícil”. Em pensar que meu fim de semana fora horrível e ele iluminara tudo com seus olhos amazônicos. Mordi o lábio com força, incrédula por não ter recebido o beijo suspenso por um gesto, meu ou seu, que não foi dado... Droga. Será que se ficasse mais um pouco haveria cedido?

_Duda? _ a voz de minha mãe me fez dar um salto, fiquei ereta e me enrijeci. _ Está pronta para o jantar?

_Eu preciso estudar... _Duda, já conversamos sobre isso. Ela se refira ao namorado que gostaria que eu conhecesse. Não

queria vê-lo, nem ser simpática, muito menos aturar um jantar inteiro olhando

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para os dois. Mas, conseguia ser pior: me apresentar era o primeiro passo para um contato mais profundo: nos mudaremos em breve para a casa dele

Tentara me animar com o bônus de um quarto enorme e já decorado especialmente para mim, não teria mais que dormi no closet. Eu, porém, preferia esse sacrifício a isso. Argumentei que não era necessário eu fazer parte da sua intimidade, principalmente se fosse recente. O chocante foi ouvir a resposta: já durava oito anos! Não tinha de fato como evitar que morassem juntos, já estavam mais que atrasados.

Suspirei e aceitei a missão de satisfazê-la. Pagava meu curso, me sustentava... Não custava desemburrar e me arrastar até lá. Fiquei todo o caminho ouvindo música e mexendo no celular. Ela parecia bastante ansiosa, mordendo a unha, tamborilando com os dedos no volante, mexendo no cabelo. Por que tudo isso? Já não o conhecia suficiente?

Paramos diante de uma enorme casa, com muro alto e portão automático branco, que se abriu para nós. O celular caiu no meu colo e eu engoli em seco. Havia um jardim gramado grande e florido. Uma piscina incrível e o mais doce e incrível que me fez soltar um gemido maternal... Fomos recebidas com o latido de uma família de labradores. Uma mãe e quatro filhotes caramelos que saltitavam.

Sai do carro e eles correram para me cheirar. Ri alto e brinquei com cada um, adorando receber as lambidas. Agachei-me para que colocassem as patas nas minhas pernas. Minha mãe estava afastada com uma cara de ciúme. Eu realmente tinha jeito com os animais

_Olá, vocês chegaram... _ um homem alto e bonito apareceu na aconchegante varanda iluminada e abraçou. Ficaram os dois esperando eu dar um fim na “festa” que iniciara com os filhotes. _Não sei como ela deixou você chegar perto! _ riu.

_Oi, eu sou a Eduarda. _Prazer, Carlos. _apertou minha mão vigorosamente. Parecia muito simpático e sorridente. Deviam estar bastante nervosos.

Não entendia para que tanta emoção. Eu não estava ali para gostar de ninguém. Pareciam fazer circo em programa de talentos esperando que eu apertasse o botão verde de aprovação.

_Não sei se já me conhece... _ ele olhou para minha mãe em questionamento.

_Não, ainda não falei de você. _Eu deveria conhecer? _ perguntei, franzindo a testa. _ Realmente

não lembro. _Não, não é nada, querida. Venha, vamos entrar... _ sentiu-se à

vontade na casa.

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A sala era incrivelmente bonita e aconchegante, como aquelas de feiras de decoração. Ouvimos barulho de uma porta batendo no segundo andar.

_É meu filho de mau humor, não espere ver a cara dele hoje, está indisposto...

Filho? Então, havia alguém na mesma situação que eu?! Pelo visto estava bem menos receptivo a abrir guarda. Logo entendi que deveria ceder espaço na própria casa para duas estranhas. Que sensação horrível de ser uma invasora. Gostaria de lhe explicar que não tinha a menor vontade de lhe tomar nada, pelo contrário, era obrigada!

_Tudo bem. _ encolhi os ombros. Fomos servidos na mesa por uma empregada vestida como as

empregadas de televisão. Não era assim que a faxineira que trabalhava na casa do meu pai se arrumava. Pelo contrário, era como uma pessoa da família, tratada como igual. Tantos talheres, pratos, taças. Comeríamos todos os dias com tanta cerimônia? Uau, por que eu reclamara tanto do closet?! Tudo isso teria um preço caro! Vi quando ela passou com uma bandeja e subiu pela escada de degraus de vidro da sala. “Lanchinho para o almofadinha”, provavelmente.

_Querida, quero que conheça o seu quarto. _ela falou assim que acabou a sobremesa e pediu apoio com os olhos para o namorado.

_Claro! Podem ir, fica lá em cima. Impossível não gostar. Sua mãe colocou um batalhão de arquitetos e decoradores para fazer um verdadeiro quarto para você! Closet nunca mais! Aliás, não para dormir dentro. _ ele riu.

Havia uma afetividade generosa naquele homem moreno e forte. Aceitei acompanhá-la de bom agrado como parte dos eventos da noite. Passamos por um corredor comprido e no final dele havia uma porta entreaberta com o piscar da luz de uma televisão. Era o quarto do outro.

_Esse é o seu. _ abriu para mim e acendeu a luz. Meu coração freou. Não consegui acreditar no que via. Era simplesmente enorme! Uma grande varanda envidraçada que dava para o jardim. Cortinas finas e leves cor de chá. Uma cama de casal repleta de todo tipo de almofadas em formatos de flores, corações, estrelas, lua, sol e bichinhos. Uma escrivaninha com computador, prateleiras cheias de adereços de papelaria, mural metálico. _Gostou? Agora pode ter um closet, se é que não está traumatizada. _ riu e abriu uma porta que dava para um banheiro gigante.

Engoli em seco. A sala antes do banheiro era o que chamava de closet, mas na verdade eu só conseguia assimilar a quantidade de sapatos e roupas novas cheirando a lojas caras. Bolsas de couro e assessórios. O que era aquilo? Uma banheira ou estou já tendo alucinações?!

_Hum... grande, né? _ engoli em seco, ainda parada no meio do quarto, agora me dando conta da televisão de LCD gigante na parede, o

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aparelho de som, DVD, sofá, tapetes peludos, luminárias modernas, texturas nas paredes, teto rebaixado de gesso. _Desculpe... _ pisquei os olhos rapidamente. _ Estou um pouco assustada.

_Você merece muito mais. _beijou o meu rosto, radiante como aluna que ganhou um dez.

_Espero estar sendo bem recebida... _Claro. _Por todos... O seu sorriso foi morrendo aos poucos. Eu sentia que havia muita

“fofura” naquela história. A vida não é perfeita. A parte rugosa, dura e pontuda iria aparecer a qualquer instante, eu pressentia.

_Vai ser... _Então, ainda não sou. _Querida, estamos todos em fase de adaptação! Que tal dormirmos

hoje aqui?! _Dormir? Hoje? Aqui? Não... mas eu deixei tudo em casa.. _Tem tudo novo aqui, não esqueci de absolutamente nada. _Por favor. _Ok, amanhã, então, trazemos o que falta. Voltamos para casa.

_aceitou. Suspirei de alívio. Comigo as coisas tinham que ser com calma. Ao

chegar ao apartamento, caí exausta no colchão do closet. Queria ficar sozinha. Abracei-me ao travesseiro, com o celular de baixo. Não dormia sem ele, como alguém que precisa de um ursinho de pelúcia. A tecnologia nos traz necessidades estranhas. Senti-o vibrar e imaginei que fosse uma mensagem, mas não parou de se mexer no travesseiro. Fechei um pouco os olhos por causa da claridade do visor. Era um número que não reconhecia.

_Alô? _ afastei os cachos da testa. _Quem é? _Sou eu. Que pessoa idiota responderia “sou eu” como espécie de

identificação. Meu coração estancou e o estômago torceu-se como roupa na máquina de lavar. Ele! Maurício?!

_Não, não lembro. É alguém importante? _ fiz o jogo de difícil. _Depende se salvar sua vida seja importante. _ a roquidão de sua voz

me fez deitar de barriga para cima e abrir os braços. Uma prece em silêncio “obrigada, meu deus!”, é muita, mas muita areia para meu caminhãzinho.

_Salvar minha vida, salvar minha vida, ah, Mau! _ brinquei. Sua risada tímida e sensual do outro lado me fez fechar os punhos de

excitação. Ele escolhera a hora certa para ligar, estava longe da casa nova, sozinha, livre para falar. Hei, que horas são? Como pensa em me ligar tão tarde?!

_Me procurou na lista telefônica?

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_Contatos, só isso. Conheço quem sabe. _Ora, me senti falando com um agente infiltrado. Se bem que ele não estaria em pouco tempo longe desse estereótipo

de roupa oficial, arma, poder, postura... Apertei os olhos para não pensar, ia perder a racionalidade.

_Como vai a sua recuperação? _Bem, não virei patê. Só tomei um tombo com o susto. Não precisava

ter ligado. _Ok, posso desligar. _Não! Riu. Que joguinho sujo para medir minhas reações?! Patético como eu

caía. _Parece cansada. Eu devo ter te pego no sono. Querido, você pode me pegar no sono, no banheiro, comendo,

tomando banho, estudando. Tem trânsito livre. _Hum... Não tem problemas. Na verdade, estou cansada porque fui

conhecer o namorado da minha mãe. _Ãnh, e aí? _ pareceu forçar o interesse. _Normal. Era simpático. Quem vai dormir com ele é ela. Opa,

desculpe, não é o tipo de comentário sensível a se fazer. _Tudo bem. _ riu, se divertindo. _Vou me mudar para casa dele. É muito estranho. Já estava me

acostumando a vir para cá. Agora tenho que pular para outro galho... Desculpe, não devia estar falando disso com você, só me ligou para saber como eu estava...

_Continue... Sou todo ouvidos. Aiii, bem que podia ter sido “toda boca” hoje de manhã! Aiii, Duda, ele

dá o ouvido e você já quer a boca. Menina, endiabrada! _Mas, parece que vem guerra por aí. Ele tem um filho que nem quis

me receber acredita? Ridículo isso, falta de maturidade. Deve ser um metido, riquinho, almofadinha... _ grunhi. _ Também não tem que ouvir isso. Mas, eu fiquei com nojo dele já. Imagina que a empregada levou a comidinha na cama! Não podia ter decido para comer como uma pessoa civilizada e adulta? Não está sendo fácil para mim também.

_Que droga, hen? _ concordou comigo. _Ai, deve ser um nerd chato ou maconheiro idiota, cérebro de

azeitona. _Caramba, não sabia que podia nutrir tanto ódio por um

desconhecido. Não está dando importância demais para as sombras da caverna?

_Ah! Se lembrou do que falei! _ ri satisfeita e até envergonhada.

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_Não esqueço nada que me fala. _aquilo era uma cantada? Eu já estava derretida.

_O que pode ser problemático, porque também falo muita abobrinha. _Vou te deixar domir... Já está deitada? _quis saber. _Sim, quer saber também como estou vestida? _ fiz uma voz afetada

e depois ri. _ Isso não é sala de bate papo erótico, vai? _ brinquei. _Você é tão espontânea. _Hum, sinto que falei alguma coisa idiota. _Não! _Estou com o cabelo espalhado no travesseiro e tenho cheiro de

creme nos pulsos. Troquei os curativos das mãos e nada mais... nada mais interessante. _ consertei.

_Acho melhor desligar, porque posso perder o sono com visões. _Então durma bem... _Durma bem, Duda. Desliguei com o celular no peito. Meu Deus, ouvindo um “Duda”

sensual daquele por noite, eu dormiria em cama de pregos!

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Em adoração (Duda)

Eu tinha dormido bastante no dia anterior quando chegara bêbado da noitada, mas a noite passada fora totalmente agitada novamente. Não por outra balada ruidosa com luzes e som alto. Como pode ser ridículo um telefonema ter tanto impacto? Mas, o ímpeto desesperado de ouvir sua voz era o de um próprio homem com muita sede, fazendo loucuras para sobreviver. Eu precisava agora de Duda para me acalmar. Tinha tão pouco tempo, a ampulheta estava nos últimos fios de areia. Foi necessário e não vou me punir mais! Suas palavras divertidas, dando cambalhotas na minha cabeça e saltitando em meu coração que se comportava como cama elástica. Depois daquele efeito, dormir se tornava uma fuga tola da realidade. Caí no sono bem perto da hora de levantar e nem isso trouxe mal humor. Estava cantarolando com os dedos no volante ao chegar ao curso.

Meu pai colaborara sem saber bastante com meus planos quando decidira chegar mais tarde. Estacionei na rua da entrada. Se eu devia me lembrar que não podia estar perto de Duda, não fazia tanto esforço quanto era racional. Recostei-me no carro com os braços cruzados sobre o peito, fones no ouvido, tentando um ar displicente e perdido para não aparentar esperam ou prontidão.

Eu tinha planos para Duda até ontem bem ruins, iria feri-la, torturá-la até meu último recurso. Não por qualquer coisa pessoal, mas para atingir uma outra pessoa. Como fazer isso da melhor maneira se não pegar a presa mais fácil e importante de alguém poderosa e forte? Eu era um animal brutalmente perigoso com essas idéias. Eu disse era? Era, pois depois de ontem, entre o beijo em seu pescoço e o telefonema, as trevas malignas de ódio e vingança se desanuviaram e cintilou um sol bem no meio da minha existência. Eu carregava sozinho um segredo sombrio que logo viria a tona e tinha a absoluta certeza de que Duda conheceria a escuridão daquele sentimento logo que soubesse das nossas origens. Oh, céus, me puniria, teria nojo, revolta ao saber que eu tinha consciência de tudo e ainda sim a influenciei para me desejar. Como podia ser tão tolo de ter qualquer esperança de que me perdoasse?

Terrivelmente maior que essa angústia era o vazio da sua ausência, uma ansiedade brotava de dentro do meu âmago como fome que não se preenche. E isso anestesiava minha moral. Se iria me detestar, gritar, berrar, sair correndo de terror e infernizar até meus últimos dias por tê-la envolvido,

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que tudo isso esperasse só alguns dias para acontecer. Nesse intervalo, eu iria aproveitar sua presença em uma raive de paixão. Quantos dias? Hoje e amanhã? Será que podia pedir mais algum para a vida? Não, eu não merecia nem mesmo metade de um.

Montando guarda, na tocaia, com olhos em espreita, a perna levemente trêmula. Quem olhasse julgaria ser o ritmo da música, mas era nervosismo. Seu corpo apontou na esquina para fora do carro. Um até logo seco para a mulher que a trazia e veio caminhando com o fichário preso ao peito. Ri internamente da idéia dela tê-lo como escudo. Não conseguia esboçar reações naturais, meu corpo se retesou e eu deixei a postura curvada ficar ereta, em prontidão. Puxei os fones dos ouvidos como se para vê-la a música atrapalhasse a plenitude da contemplação.

_Oi. _ cantarolou alegre e sorridente aquela sílaba. _Dormiu tão bem quanto eu?

Se não tivesse dormido pelo mesmo efeito, sim. Sua veia do pescoço pulsava intensamente entre os cachos úmidos e de um dourado fechado agora, estava nervosa. Eu adorava exercer aquele poder e, juro, que era felicidade e não sadismo.

_Eu estava pensando em... _ cocei a testa com o dedo. _ ...tomar café da manhã novamente comigo.

Seus lábios se entreabriram, era surpresa ou ásco? Já sabia, já lhe contaram tudo? Senti-me subitamente injustiçado pela possibilidade de perder meu único dia de sua livre inocência. Mas, logo a coloração das suas bochechas me fez soltar o ar devagarzinho. Era só timidez e excitação por mim, céus, eu começava a pulsar inteiro com o sangue correndo em minhas veias como autódromo.

_Está brincando? _ riu e mais uma vez o medo, medo de ser pego no ridículo. _ Eu não te entendo, Maurício! _ virou as costas e continuou andando. Olhei rapidamente o carro para ver se tinha fechado e corri como um cachorrinho atrás dela, revirando os olhos. Não me chamar pelo apelido deveria ser um péssimo presságio. _Não é você mesmo que diz que devo ficar longe de você? Está caindo na incoerência.

_Só hoje! _ segurei a grade do portão e meu braço impediu sua passagem, reclinei a cabeça e, com a mão (que ousadia), puxei seu cabelo para trás para desnudar seu ombro e sentir o roçar do toque naquela seda. Era o golpe mortal de mestre, eu tinha de usá-lo, estava quase perdendo a luta. _Vem comigo. _ pedi baixinho.

Ela sentiu-se olhada pelas garotas que passavam agora mais vagarosamente pela entrada, como motoristas curiosos engarrafando o trânsito por causa de algum acidente. Meu pai não estava ali e só isso impediria realmente que eu chegasse até aquele ponto para persegui-la. Mas, as outras pessoas não importavam. Sim, elas seriam uma preocupação

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futura. Daqui a pouco todos saberiam. Todos! Duda suportaria o assédio e as perguntas? Nada me garantia que seria vergonha seu sentimento, eu tinha que pensar assim para continuar com a mão no portão:

_Matar a aula? _ ela tentava seguir pelo plano da lógica. E eu, no mundo dos absurdos, não via qualquer problema em ter um dia com ela, se não teria mais direito a nenhum. _ Não era meus planos...

Pode ter certeza que não eram os meus. Não mesmo! Você devia ter vindo parar na minha vida feia, metida, chata, petulante. Eu te odiaria com tanta veemência. Mas, veja como atrapalhou tudo com sua beleza perfeita, seu cheiro excitante.

Era bem o momento de oferecer-lhe mais um argumento para acabar-lhe com as dúvidas. Porém, olhei-a fixamente com toda a intensidade, tão próxima do seu rosto que bastou alguns segundos sobre o efeito do poder daquele olhar possuidor para sua boca novamente entreabrir em um gaguejo mudo.

_Tudo bem... _virou-se para a rua. Fugia de mim? Segui seu ritmo rápido com um sorriso que ela não podia ver por estar de costas. Por que me escondia o rosto afogueado? Eu via suas orelhas vermelhas. _Você sempre coloca as ovelhinhas para fora do caminho? Não deveria tangê-las? _um pouco de ironia, sim, eu merecia.

_Não, se tiver protegida por mim. _ abri a porta do meu carro. Levantei a sobrancelha e entendeu que não a deixaria andar toda aquela distância.

Entrou. Que sensação incrível tê-la sentadinha, paciente e perfumando o ar ao meu lado.

_Ainda estou surpresa de ter me ligado. _ comentou, sempre espontânea.

Acreditaria que eu dissesse que a minha era muito maior? Trocara de sentimentos ruins para bons me virando do avesso de um dia para o outro.

_Foi tão ruim assim? _perguntei, fazendo a curva. _Por favor, use o cinto.

_É só até aquela esquina... _Use o cinto. Não me lembro de a ter visto segura a última vez que

andava a pé. _Mas, estou com você lembra, pastor de ovelhinhas? _Eu não ia gostar de fazer-lhe mal. _comentei, mas que diabos estava

dizendo?! Colocou o cinto soltando um grunhido que a deixava ainda mais linda

e atraente. _Pronto! Dois segundos depois, chegamos... _ retirou o cinto

teatralmente. _ Ainda não te entendi... _ bateu a porta do carro e deu a volta para se pôr do meu lado, à caminho do café.

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_Hum, o que não entende? _ sentamos em uma mesinha de madeira pequena, de modo que nossos joelhos se tocavam.

_O que está rolando? _ perguntou e percebi que era daquelas mulheres terríveis que não deixam as coisas acontecerem e fluírem, preferem antes assinar um contrato de comum acordo das partes de que todas as cláusulas estão claras. Iria lembrá-la a qualquer hora que escolhera a profissão certa, estava perfeitamente coerente com as animosidades de seu espírito. Isso, claro, se ainda falasse comigo.

_Peço o mesmo da outra vez? _ perguntei, alimentá-la deveria melhorar seu humor, levantei e fui ao balcão. Escolhi mais do que devia, doces, pães, queijo, bolo, suco, café.

_Nossa! _ ela riu e lambeu os lábios. Fiquei aliviado por ter conseguido o efeito que queria. Poderia todos os dias trazê-la ali, vê-la comer, puxá-la-ia pelo braço e teria seus beijos ainda açucarados.

_Por que está sorrindo? Eu pareço uma faminta? _ perguntou, chupando os dedos melados de creme dos pequenos sonhos que comia. Eu me esquecera nos pensamentos que não dera conta do sorriso denunciador nos lábios.

Ia argumentar que não sorria do seu apetite, mas do movimento da sua boca úmida e cintilante sugando os dedos. Tomei o café de um só gole. Me queimei e mereci. Não havia açúcar, amargo, quente, forte. Era o necessário para não agarrá-la pelos ombros e beijá-la ali mesmo.

_Então... _continuou, sempre querendo que a conversa voltasse do ponto da reticência anterior onde havia parado. Isso agora me irritou, por que não conseguia curtir o momento?! Soltei um suspiro. Não teria outra vez, então, era bom ficar pacífico. _ Se ontem se comportou daquele jeito, depois deu o fora, aí me ligou, agora estamos aqui. _ refez o caminho e me perguntei quantas vezes tinha repassado o dia pela cabeça. Eu já tinha perdido minhas contas. _Mau, você não está brincando comigo, está?

Brincando? Eu tinha calculado cada movimento! Mas, sim, de outra maneira, estava provocando um momento íntimo que ela teria lembranças depois... em meio ao caos das revelações. Isso era triste. Abaixei a cabeça e toquei no pão, sem fome. Ela percebeu e agarrou minha mão. Pareceu finalmente disposta a não fazer mais perguntas. Se soubesse que isso a faria parar teria representado aquela cena anteriormente.

_Eu só não quero ser mais uma, entendeu? _Não é. _ respondi e minha certeza era mais profunda do que poderia

captar. _... _ suspirou aliviada. _ ... Droga, eu adorei que tenha me ligado... _

confessou e eu não sorri, me dava conta de que era tão breve sua felicidade. _ Você sabe o quanto todas as garotas do curso são deslumbradas por você. Eu disse todas, mas, como mesmo falou, não sou todas... _ disparou a falar e

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não prestei bem atenção na corrente acelerada de pensamentos, só no brilho lindo dos seus olhos de ouro, nos cílios curvados e longos, no cabelo secando e ficando mais leve, roçando o ombro... Era o mais lindo quadro. _ ... Eu não estou interessada em você como elas. _ revelou e aquele ponto me trouxe de volta para a realidade.

_Não? _ perguntei por surpresa e para ver que acompanhava sua conversa.

_Eu digo, não com aquela histeria. Ouvi seu nome mais que a palavra vestibular desde que cheguei! _ riu. _Não sei pra que tudo isso... _ mordeu o bolo. Eu lhe dava tanta fome? _É fanatismo. Deviam construir um altar pra você.

_Você me adoraria também? Ela se engasgou e eu ri, pegando-a em cheio, tropeçando na própria

teia. Ofereci-lhe o copo de suco, que bebeu. Fez uma cara de horror para a bandeja, só se dera conta agora do quanto comera? Limpou os dedos com o guardanapo que eu bem podia ter esquecido de pedir para contemplá-la novamente se lambendo. Seria indecente pedir-lhe que fizesse desse modo em lugar de usar o papel?

_Ok, você deve já ter se arrependido... _De? _ franzi a testa. Não me arrependeria jamais de partilhar

aqueles minutos sozinhos com ela, tinha pleno cálculo de quanto me cobraria por isso, mas não era sobre isso que estava pensando, felizmente não podia ler meus pensamentos.

_De me trazer aqui. Eu fiquei só tagarelando feito uma chata, enquanto você só me olha.

_É bom te olhar. _Por quê?_ perguntou baixinho. Era tão absurdo pra ela que a

achasse linda? _Você é... desafiante. _Ah! Eu sou um desafio! _encarou da pior maneira possível. _Não! Duda, não. _ segurei seu pulso para que não se levantasse. _

Não entenda assim. Eu só acho interessante como não sei o que esperar. Já disse que é surpreendente?

Olhou-me de lado, se perguntando se podia acreditar na volta que eu dera na conversa.

Levantou-se, mas dessa vez não impedi porque não parecia que ia fugir, só se esticar. Espreguiçou e vi sua barriga lisa e perfeitamente bronzeada. Colocou as mãos na cintura e ficou se mexendo. Simplesmente não podia aceitar que a mesa não servia apenas para comer, por que toda a impaciência? Hei! Ela esperava que eu fizesse o mesmo? Era algum sinal?

_Eu te acho mais calmo do que imaginava... _deu a volta na mesa, vindo a mim já que eu não tomara a atitude de ir a ela e eu sabia como isso

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terminaria, igualmente a ontem. Então, Duda ficava imaginando coisas sobre mim, levantando hipóteses? _ ... É sempre assim tão calado?

Se eu dissesse que era a primeira garota a me tirar as palavras riria e acharia que replico essa cantada com todas? Antes de explicar-lhe, se posicionou entre as minhas pernas esquecidas abertas quando me virei para sua frente. Era justamente isso, toda vez que ia dizer algo, sua atitude me quebrava.

_Não quando está a uma distância razoável para que eu possa pensar... _respondi.

_Desculpe, estou... _deu um passo atrás, mas segurei seu braço e a puxei, não precisava se sentir oferecida, eu não a julgaria nunca mal. Já tinha entendido sua singularidade.

Ela segurou meu rosto com as duas mãos e sorriu com o abraço que lhe dei na cintura, ainda sentado, de modo que minha cabeça encostava em sua barriga. Dedilhou meus cabelos e eu fechei os olhos. Não podia ficar na zona da vunerabilidade quando ela estaria livre para me beijar. Abri-os novamente e vi que mordia a boca, me dando a certeza disso. Pegou o pingente do cordão e balançou para os lados, em análise. Já havia notado que fazia isso quando pensava. Um anel em seu dedo indicador dourado tornava sua mão mais atraente e foi com ele desenhou a curva do meu rosto.

_Seus olhos são encantadores... _ disse docemente, só para que eu ouvisse.

_Os seus também. Ficam ainda mais claros na luz do dia. Sorri, acho que lhe provoquei o mesmo prazer do elogio. Ela reclinou

mais a cabeça e se aproximou. Ia ser agora e como eu contornaria a situação? Será que não vira que um café da manhã inocente era uma utopia?! Íamos chegar naquele derradeiro ponto de encontro! Levantei-me, covarde, provocando a colisão de nossos corpos que se roçaram, piorando tudo potencialmente. Precisei agarrá-la em um abraço já que não cedeu e podia cair. Pôs as mãos no meu peito, que subiram pelos ombros, pescoço. Não, eu estava fugindo e não me entregando. Não, Duda, não podemos fazer isso!

_Se você fugir de novo... _havia mágoa de rejeição nos seus olhos e isso era aço derretido escorrendo por dentro de mim. _... Eu vou entender que estava mentindo quando disse que não queria brincar...

Engoli em seco entre o ponto de abrir-lhe a boca e colocar minha língua na sua e o ímpeto da saída em retirada. A garganta queimava e ela já desconfiava que estava certa, o que só melhorava para mim porque pelo menos não iria me atacar. Nossas pupilas se seguiam nervosas, até que nossos olhos se perderam, quando fechei os meus para beijar-lhe a bochecha. Os lábios se arrastaram só um pouco mais, até que eu o pressionei com mais força no canto da sua boca. Foi preciso ser muito rápido em abraçá-la ou a beijaria explosivamente.

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_Desculpe. _ disse baixinho. _Não vai ter outra chance. _ ela avisou, mortalmente magoada. _Eu sei. _afastei-me totalmente, nos descolando. _Vamos voltar. _Não precisa. _ já não me oferecia mais os olhos, em um só gesto

puxou a bolsa. Era toda ela ira. _ Preciso caminhar. _ saiu. Era a raiva que muito em breve sentiria, só começara para se unir a

uma futura muito maior. Enchi os pulmões de ar e fechei os olhos. Resisti heroicamente. Nunca me culparia por ter cometido o pecado de beijá-la. Isso diminuiria sua revolta por mim só um pouquinho?

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Mesmo sangue (Duda e Mau)

(Maurício)

O portão automático abriu e meu coração se estremeceu

amedrontado, como um filhote indefeso de uma fera. Onde estava o grande monstro forte que eu era para devorá-la? Espreitei pela janela, como um corvo solitário. Senti a mão do meu pai no meu ombro e me sobressaltei, virei o rosto para vê-lo:

_Vamos tornar tudo mais fácil. _pediu e um flash do rosto de Eduarda próximo ao meu, explodindo em sensualidade e desejo se esfumaçou tão rápido quanto apareceu. Como tornar mais fácil? Algum manual prático para isso? _ Tente ajudá-la com o que precisar. _ apontou com o dedo indicador e a sobrancelha grossa levantada, quase em ordem de comando. Quanta ironia, como as regras mudam de um dia para a noite. _ Já ficou tudo resolvido sobre a questão do quarto, não é mesmo?

Consenti com a cabeça. As brigas hérculas sobre a reforma do quarto fechado há anos havia delimitado um campo de guerra nas últimas semanas dentro de casa, como se aquele fosse um país tentando independência. Eu não podia impedir e foi assim que o batalhão de arquitetos, pedreiros, decoradores maquiou tudo.

Assim que ficara pronto, já era hora da chegada de dona. Não consegui estômago para recebê-la em sua primeira visita, ou talvez só quisesse ganhar tempo. Mas, o fato era que esteve ali para ver o que produziram especialmente para Duda. Assim que fora embora, entreabri a porta devagar e com um leve toque do dedo no interruptor iluminei o ambiente. Tudo sumira, os quadros, a cor sóbria na parede, os móveis clássicos. Não havia em nenhum ponto as lembranças... Caminhei pelo ambiente, agora colorido e alegre em tons de laranja e vermelho sangue por toda parte. As cores carregadas e berrantes traziam energia e vivacidade. Peguei uma das almofadas de uma poltrona e depois a larguei no mesmo lugar. Eduarda viria ocupar o lugar que antes eu não confiaria a ninguém e, mesmo assim, não estava bravo. Pelo contrário, achava que era a única que merecia o maior e mais confortável cômodo da casa. Será que nunca se daria conta de que a suíte não fora projetada para um simples quarto de solteiro e sim para o casal dono daquela casa gigante?

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Naquela noite em que Eduarda fora conhecer onde moraria, deixara um rastro de seu perfume, marcando que por ali passara. Sorri e balancei a cabeça para o lado. Como podia aspirá-la no ar e sentir sua presença física, se nem mesmo tínhamos nos visto? Eu fugira daquela primeira oportunidade e, agora, chegara a hora de ficarmos frente a frente.

Tentei ganhar só mais umas horas para tudo que estava por vir e, assim que ela e a mãe entraram pela sala, saí pela porta dos fundos. Liguei o motor do carro e achei ter ouvido alguém me chamar da varanda, mas eu já acelerava, cantando o pneu na esquina.

Eu precisava beber alguma coisa antes de apertar sua mão “prazer, pode me chamar de seu irmão”. Ri alto, em transtorno. Eles lhes contariam aquela história sinistra e eu não sabia se teria fígado para o olhar de Duda sobre mim sem vomitar, ela desmaiaria? Gritaria e me daria socos com aquele gênio? Sim, sim, claro, correria para longe, bem do seu feitio. Mas, de que adiantaria se seu quarto presidencial a esperava. Ela era o centro da casa.

Tive que esperar a madrugada para retornar. Só as trevas e silêncio seriam confortantes para a volta aquela casa. Condiziam bem com meu espírito sombrio. Suspirei pesadamente e desliguei o motor. Todos dormiam, só minha cadela Sofia me recebia com lambidas. Afaguei sua cabeça e afastei com as mãos alguns mosquitos atraídos pela luz. Fazia um calor insuportável. Puxei a camisa e enxuguei a testa do suor que brotava. Avisei Sofia que seu lugar era lá fora e apontei para sua casinha.

Abri a porta da cozinha e senti um choque quando vi aquela cabeleira loira de costas, virando um copo de água com um movimento de cotovelo. Engoli em seco e esperei que tudo acontecesse. Não era possível mais voltar. Seus pés descalços, o short e blusa de algodão, era Duda na minha casa e eu me sentia o intruso. Seu corpo girou com o barulho das chaves e nos encaramos. Sem tirar os olhos dos seus, fechei a porta atrás de mim com a boca seca de ansiedade. Acho que ela perdia lentamente os reflexos, pois o copo de vidro deslizou dos seus dedos e espatifou no chão. A garrafa também caiu, mas felizmente era feita de acrílico resistente e o barulho fora menor, apenas ouvíamos o glub glub da água saindo do gargalo, formando uma grande poça no chão.

O sangue sumiu do rosto de Duda e, se não fosse por medo que gritasse, a teria protegido dos vidros oferecendo meus braços. Mantive o posto de cobaia analisada. Piscou várias vezes como se eu fosse uma aparição vinda de uma luz muito forte. A boca queria pronunciar perguntas, mas sua voz não saia, simplesmente. Foram tantas expressões que se criaram no seu rosto que só me restava engolir em seco. Até que em um riso de nervosismo e com a cabeça balançando em negação, reclinou o corpo para frente, contraída.

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(...) (Duda)

Eu estava com o ar dolorosamente preso nos pulmões e não podia

soltar com o choque. Tentei fazê-lo aos poucos e senti doer. Não era só o ar, mas meus músculos retesados desde a face, até a barriga e o peito. O estado de petrificação durou alguns segundos, mas ele não fez qualquer movimento, esperando que eu manifestasse algum sinal de vida. Como podia ser que eu estivesse encarando Maurício, ali, no meio da cozinha da casa do namorado de minha mãe. Mas o que é que ele fazia chegando daquele jeito tão à vontade, largando chave, batendo a porta? Não pude deixar de perguntar, para o que me respondeu com o rosto duro e o maxilar apertado:

_Essa é a minha casa. _ aquilo bem poderia ter soado como um pronunciamento de incomodo por minha chegada, tal como “minha casa, não, sua”, mas eu estava tão estupefata e zonza, que não conseguia reagir com coerência. Abria a boca, mas as palavras não vinham. _Eu acho que você precisa descansar... _cada palavra soou pausada, lenta e mansa sem qualquer padecimento. _ ... amanhã, as coisas podem ser explicadas.

Sim, “as coisas” que eram tantas davam loops em minha cabeça e era justamente por isso que não conseguia formar uma frase se quer! E esperar até amanhã não me ajudava em nada a sair do torpor, porque eu estava mais ligada que descarga elétrica de raio.

_Isso não está acontecendo. _ era natural que minha primeira manifestação fosse denegar aquele encontro inesperado e infeliz.

Maurício abaixou-se e só o acompanhei com os olhos, pétrea. Apanhou a garrafa e a deixou na mesa com tanta placidez que eu quis gritar e sacudi-lo. Mas, foi com a mesma serenidade que abriu a porta e voltou com um pano e uma vassoura. Ele era o filho do namorado da minha mãe e ia simplesmente varrer os cacos de vidros aos meus pés? Era isso ou eu estava bem no meio de um pavoroso pesadelo que me fazia suar?

_Vai acabar se ferindo... _ estendeu a mão e não a toquei, abaixei o rosto para o chão e procurei um caminho onde não pisasse nos cacos. Eu estava exatamente como aqueles vidros espalhados. Totalmente destruída e perdida. Maurício recolheu a mão sem ar de ofensa e varreu tudo. Depois, com o pé, secou a água que espremeu em um balde. Eu deveria nesse momento oferecer ajuda, mas seria como conversar com um fantasma, pois eu olhava com terror.

Deixou tudo lá fora e o tempo que saiu do meu campo de visão serviu para que eu mentalizasse que tudo não passava de fruto da minha

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imaginação. Não podia ser verdade, se fosse seria um desastre. Mas, o garoto dos olhos mais verdes e lindos do mundo por quem eu me apaixonara acabava de aparecer novamente à porta da cozinha.

_Sofia, não... Sabe que seu lugar é lá fora. Boa menina... _ afagou o pelo da sua cachorra e beijou-lhe a cabeça. Por algum gesto seu que não pude especificar qual deles meu estômago revirou e senti que não ia ser difícil vomitar. _Está tudo bem? _ perguntou, fechando mais uma vez a porta atrás de si com tranqüilidade. Ele não devia estar também fora de si com nosso encontro, sob aquelas circunstâncias? Não! Claro que não, ele sempre soubera de tudo. Meus olhos eram uma represa retesando e enchendo até o limite máximo. _Eduarda... _ a pronúncia do meu nome explicitava o quanto nos conhecíamos, não era uma primeira apresentação como deveria ser. _ Podemos conversar agora, se preferir. _ puxou uma cadeira e eu, com muita hesitação, sentei e ele repetiu o gesto, mas sentando-se na minha frente, com as pernas abertas. O cabelo caído na testa, os braços fortes à mostra na camiseta clara colada ao corpo. _Eu também nem sei por onde começar...

_Que tal começou com o porquê não começou antes? Não me contou tudo?

_Acha que eu poderia? _ aguardou com um olhar minha resposta, não a teve. _ Eles me pediram que eu não me aproximasse de você, dessa maneira conseguiriam mostrar tudo de maneira gradual...

_Gradual? _ ri e o soluço engasgou. _ Tipo, hoje eu digo que você vai se mudar, amanhã eu explico que é para casa do meu namorado e depois, bem depois que o seu amiguinho da escola é... _ a voz sumiu e escondi o rosto nas mãos.

_Não é fácil montar esse quebra cabeça a primeira vez. _ senti seus dedos se fecharem no meu braço e puxarem minhas mãos para ver meu rosto com gentileza. _ Eu tentei rearrumá-lo várias vezes para encontrar uma outra figura, descobrir que podia inverter a ordem das peças, mas é isso: somos uma família agora.

_Não somos uma família! _ a irritação começou a subir como fumaça de um vulcão anunciando erupção. _Eu não vim pra essa cidade pra ser uma família, vim morar com ela pra estudar e, se estou aqui, Deus, nem sei como vim parar aqui, foram circunstâncias... _ suspirei, fechando os olhos. _ Não vou e não quero ser parte de família nenhuma.

_Nem eu. _ sorriu e seus dentes brancos brilharem entre os lábios intensamente vermelhos. Não podia esquecer um segundo se quer o quanto era lindo e provocava em mim tremores, se estivesse ao alcance dos meus olhos. _Eu não queria que viesse. Mas, não estou aborrecido também... _encolheu os ombros. _Não culpe sua mãe, Eduarda, por não te dizer sobre mim. Foi como expliquei, eles queriam tudo aos poucos... _ parou e riu consigo mesmo. _ Eu a estou defendendo. _ pareceu encontrar incoerência

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em si. _ Não gosto da sua mãe, sabe. Não pelo que ela é... Mas, pelo que representa...

_Aquela história que só acontecem na casa do vizinho de chegar uma nova mãe para ocupar o lugar da primeira e o enteado se revolta, tenta arruinar seus planos... _ usei toda a ironia com que pudesse fabular, e seus olhos se levantaram para me interromper com a pergunta sobre eu não saber de “tudo”. _Como tudo? Ainda tem mais? Vai me dizer que não sou filha dela ou algo assim? Por que, se for, realmente me deixe voltar a dormir porque vai ser muito por hoje...

Maurício abaixou o rosto e suspirou, pensando, calculando. Meu Deus, sim, havia mais! Não tinha coragem de perguntar, preferi por parte resolver detalhes que a memória trazia.

_Por isso, me dizia tanto para não ficar perto. Você chegou a cogitar me fazer algum mal? _ franzi o rosto.

_... _ pensou por alguns segundos e sorriu. _ E eu conseguiria? Você atravessou o meu caminho como um tropeço e parecia mais indefesa do que eu pudesse provocar.

_... Seu pai é o dono do curso! _Isso eu já havia lhe dito antes! _ riu. _Por isso me perguntou se eu me lembrava dele quando vim aqui a

primeira vez. E era você no quarto. Como pude ter falado no telefone sobre você daquele jeito.

_Eu me agüentei heroicamente. _riu satisfatoriamente, mas terminou com um semblante dolorido, conformado. _Era possível entender.

_Como pode ser tão compreensível com tudo? Não te vi gritar ainda, nem perder o controle...

_Talvez porque eu já passei por isso há um tempo, bem antes de te conhecer pessoalmente já sabia que tudo estaria por vi. Acha que não relutei quando pegaram o quarto da minha mãe e deram para você?

_Não diga isso. Eu posso sair, eu durmo no sofá... _Não. Ficou ótimo. _ sorriu docemente. _ Só tem um banheiro maior

que o meu. _ conseguiu manter o bom humor e isso quebrava meu ímpeto de combate.

_Hei... estou me lembrando de uma coisa que me falou... Seus olhos se abriram um pouco mais, já sabia e temia o que estava

prestes a perguntar? _Você me falou algo como “o problema está no meu sangue” e fiquei

muito intrigada. Pensei em tantas possibilidades. Você ter alguma doença... Mas, agora, pode ser também pelo fato nossas famílias estarem se unindo...

_Somos a mesma família, Eduarda.

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Fiquei abrindo e fechando os olhos, absorvendo a frase para tentar entendê-la. Fora pronunciada com tanta revelação que me sentia intimidada a pedir uma tradução.

_Se refere a agora, a estarmos juntos, a nossos pais... _É isso mesmo que entendeu, Eduarda. Somos da mesma família. _Da mesma? _ meus lábios tremeram. _Não sei se sou eu que devo te contar isso. _Isso o quê? _não sei como tive coragem de perguntar. _ O quê,

Maurício? _Eu nunca poderia odiar a sua mãe, apesar de refrear o sentimento

porque... eu vim dela. _Óh, meu Deus, não! Não! _ levei a mão a boca com horror. _Por

isso, não me deixou te beijar! _ gritei. _ Como não me avisou? _ levantei e a cadeira provocou um ruído ensurdecedor. _Não podia ter deixado chegar aquele ponto?! Seu nojento! Seu asqueroso!

_Eduarda… _ com a paciência que agora me irritou, levantou-se e tentou me controlar.

_Você é um monstro! Isso é incesto! _ bradei e quis atacá-lo, avancei com toda fúria.

_O que está acontecendo?! Eduarda? _os passos na escada se aproximaram e logo minha mãe e seu namorado de pijamas nos olhavam aturdidos. Entenderam rapidamente que já havia acontecido o encontro. Seu pai foi o primeiro a puxá-lo pelos braços, como se estivesse me agredindo, quando na verdade só se protegia das minhas agressões.

_Será que não podem encarar isso sem parecer duas crianças? _ minha mãe irritou-se e olhou acusadoramente para Maurício. Ela era sua mãe também? Como falava com ele daquela forma?

_Eu estava contando o que adiaram. _ ele respondeu com frieza, entre dentes e ela virou o rosto para mim, querendo captar se isso significava só os últimos acontecimentos, ou passado enterrado que eu pouco tinha entendido.

_Eduarda, quer sentar? Nós podemos... _Nós somos irmãos?! Somos?! _ gritei. _É como se fossem... _Como se fossem? Eu quero que seja mais específica! _ berrei e a

cachorra começou a latir do lado de fora. _Eduarda, se acalme. _ fora a vez do pai de Maurício segurar meus

ombros e me conter. Tinha o mesmo jeito apaziguador do filho. Mas, eu senti como um choque e recuei ferida. Tantos segredos revelados de uma vez me quebravam por dentro. _ O Maurício não é o seu irmão. Não é, entendeu bem?

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Aquela era a única frase que eu gostaria de ouvir. Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem. Pensavam que eu sofria, mas eu me aliviava. Não poderia suportar em hipótese alguma ter sentido desejo pelo meu irmão. Aquele posicionamento fora decisivo durante os anos que se seguiram. O pai de Maurício sempre entendeu a nossa situação como a premissa maior de que “não éramos irmãos”. Mas, para minha mãe, o ângulo era outro:

_Vocês são primos de primeiro grau. _ ela teve coragem para contar. _ Antes de nascer, eu não tinha uma vida econômica boa. Minha irmã, então casada com o Carlos, não podia gerar um filho e me propôs me dar uma ajuda se eu gerasse seu filho. _ olhou para Maurício e fiz o mesmo. Ele sabia sobre ela durante todas as conversas que tivemos! Eu me sentia ridícula. _Os dois tiveram a idéia de que eu fosse a barriga de aluguel. Fiz inseminação artificial e gerei o Maurício.

_Somos primos ou irmãos de sangue? _ perguntei apressada para entender, afinal, eu tinha o problema de um sentimento para enfrentar.

_Não! _Não o quê?! _ elevei a voz. _Eduarda, minha esposa conseguia ovular, mas não conceber a

criança. O Maurício é o meu filho com ela, sua mãe só nos ofereceu sua barriga.

_E vocês a pagaram bem por isso? _ não tive pena e fazer parecer o tão ruim quanto achava. _ E em que parte ficaram juntos?

_Depois que nasceu, ela nos deu nosso filho e foi viver sua vida com o dinheiro que pode pagar sua faculdade.

_Meu pai sabia de tudo...? Ele sabe que estou aqui? Ele tem ciência de que estou passando por isso?

_Duda, seu pai foi outra história... Nós tivemos você, mas eu não podia deixar a faculdade. Então, ele a levou de mim.

_Ele não me levou! Você consentiu! _ defendi-o, mesmo estando bastante chateada por saber que meu pai me escondera aquilo tudo durante todos os anos.

_Ok, Duda... _ suspirou, cansada e abatida. _ E agora estamos aqui. Minha irmã morreu, eu vim ajudar Carlos com o filho e... é isso, estamos aqui. _ não sentiu forças para entrar em detalhes. Mas, o Maurício também soube a pouco tempo. Para ele, sempre fui a nova intrusa da família. Apesar de eu amá-lo como meu filho, ele saiu de dentro de mim...

_Por favor... Não quero ouvir mais nada! _ sai da cozinha rumo ao meu quarto. Quer dizer, ao quarto que era da verdadeira mãe de Maurício. Suspirei dolorida, exausta, atropelada pelos acontecimentos. Caí de costas na cama e fechei os olhos.

Maurício não era meu irmão, mas tínhamos o mesmo sangue. A ciência disso era uma sinestesia de alívio, culpa e medo. Mas, o rosto

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tranqüilo e afável do nosso primeiro encontro em sua casa me transmitia uma ponta de conforto. Não tinha mais idéia de que rumos tomariam nossos sentimentos. Eu ainda queria amá-lo, mas já não sabia se deveria trocar esse amor por um fraternal e desprendido. Abracei-me ao travesseiro e dormi esperando que as respostas viessem com os próprios acontecimentos, pois eu não iria me ajudar em nada com especulações.

(...)

(Maurício)

Eu ainda estava apoiado na pia da cozinha quando Lígia subira para o

quarto carregando um copo com água e comprimidos. Meu pai ficou mais um pouco para me estudar na expectativa de sondar meus sentimentos.

_Eu sabia que não ia ser fácil. No fim, vai dar tudo certo... _ conversava baixinho consigo mesmo. _ Acha que vai ficar bem?

_Eu, ou elas? _ perguntei. _Você. _Por que não? _ quis passar pela porta, mas sua mão forte e

musculosa me deteve. _O que foi? _Lígia pode estar aturdida demais com a situação toda, não é fácil o

passado cair como uma bomba, mas... eu estava mais preparado para isso e pude ver coisas que ela não viu.

_Que coisas? _Que vocês dois estavam desesperados com o fato de serem irmãos.

Não vi surpresa nos olhos de vocês, mas pânico. Vocês dois...? _Não aconteceu nada, como você pediu. Nada. _ aliviei-o com uma

tapinha no ombro. _ Mas... _ virei-me ainda no corredor. _ E se acontecesse...?

Ele pensou um pouco, caminhou até mim com as mãos nos bolsos e suspirou.

_Eu desejaria que nunca fosse possível. Mas... não estou na posição de pedir que seu coração tenha coerência. Eu só desejo que seja feliz... Vocês têm o mesmo sangue e, para Lígia, são como irmãos. Os preconceitos que teria que enfrentar...

_Seriam maiores dos que teve? _ desafiei-o. _Não se inspire em mim. _ sorriu e me puxou para um abraço. _ Eu te

amo, meu filho. Sua mãe e eu queríamos que você existisse a qualquer custo

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e não me arrependo de nada. Mas, depois que ela se foi, encontrei outras maneiras de amar e ser feliz. Não precisa gostar de Lígia...

_Não é dela que eu gosto. _ confirmei suas desconfianças. _Não sei se estou trazendo uma guerra para dentro da minha casa...

_ envolveu meus ombros enquanto subíamos as escadas. _ Mas, estarei sempre do seu lado. Sempre.

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Perdendo os escrúpulos (Duda)

Minha mãe agarrava o encosto de madeira da cadeira onde o namorado sentava com força, ansiosa por ver como eu acordaria. Maurício virou o rosto para mim com um pouco de curiosidade, mas também desdém.

Eu estava com os cabelos molhados e maquiada, pensariam que eu acordaria um lixo e faria um segundo escândalo? Sim, acertaram na primeira, erraram na segunda. Eu não demonstraria o choque que havia sido a madrugada anterior. Eu tinha um poder de renovação de espírito bem próprio do meu signo de gêmeos, capaz de qualquer um garantir que eu tinha duas caras. Na verdade, funcionava como células tronco da alma. Eu uma hora estava em frangalhos e, noutra, me sentia perfeitamente pronta para enfrentar o mundo, readaptada. Isso, infelizmente, me conferia alguns requintes de crueldade, como não chorar e me fazer de coitadinha, exatamente como esperavam. Acho que jurariam que eu era outra pessoa quando sentei e coloquei um pouco de suco de laranja no copo.

A respiração de todos parecia suspensa e os olhos seguiam cada movimento.

_Querida, nós estamos prontos para conversar. _ Lígia começou solenemente.

_Não se preocupe, eu pego rápido as coisas. Já entendi. _ cutuquei a manteiga com a faca, passando na fatia de pão quente.

_Já? _ repetiu. _Hum-hum. _ mastiguei um pedaço e a olhei lamber os lábios. _

Você... _ apontei para seu peito. _ Gerou um filho dele com a sua irmã. No caso, você. _ olhei para Maurício, que pareceu odiar a lembrança. _ Daí, quando ela saiu de cena, você entrou.

_Como pode dizer isso?! _ Lígia se sentiu xingada e respirou pesadamente, balançando a cabeça.

_Eu errei alguma coisa? _ franzi a testa. _ Está com o marido dela agora. Não tenho que emitir opinião nenhuma. Vou entrar na faculdade e dar o fora. Ponto. Podem fazer o que bem entenderem com os escrúpulos de vocês.

_Escrúpulos? _ repetiu a frase, um pouco assustada como meu vocabulário.

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_É, mãe, “escrúpulos”. _ pronunciei novamente, enfatizando agora o “mãe”, que ela tão bem sabia que ficava bastante deslocado da minha maneira natural de conversar. _ Hoje, não existe mais vergonha na cara.

_Eduarda! _Sério. _ não perdi a calma e bebi mais suco. _ Hum... Veja bem, o

nosso caro presidente do Senado, o Sarney, está mergulhado até o pescoço em denúncia. O que fizeram? Ora, arquivaram o processo. Depois, um piloto de Fórmula 1 provoca um acidente, mas tudo não passa de um joguinho para manipulá-lo, desculpa perfeita. O Collor, meu Deus, nunca escreveu um livro, nenhuma linha que contribuísse para esse país, e agora está na Academia de Letras do Alagoas!

As três bocas se abriram e senti que se o sol entrasse mais pela janela os cubos de gelos derreteriam. Eu continuei para que entendessem onde queria chegar. Levantei e peguei minha mochila.

_É isso. As pessoas simplesmente não têm mais vergonha na cara. _ resumi, tornando propícia uma crônica que li no jornal, no fim de semana. _ Não sabem o que é dizer “não, eu me nego a ganhar um título que eu não mereço”, “eu me recuso a provocar um acidente”, “eu tenho vergonha de voltar ao trabalho depois dessas denúncias”. Gente, a falta de moralidade está aí como exemplo. E eu penso, será que vem das famílias? Será que vem da mãe que não está nem aí para a filha que saiu do seu ventre porque o mundo é tão moderno que não tem preconceitos? Será que vem do pai que obriga o filho a mentir, a fingir, a ser falso para manipular as situações? Será que... _ olhei para Maurício, mas o abstive do que eu podia condenar, seria demais para ele. O meu silêncio teria mais significado. _ Deixa pra lá. Eu... _ apontei para o meu próprio peito. _ ...vim de um lar onde a honra e a verdade não se lavam, porque uma vez perdidas não encontramos de novo. Por isso, eu não consigo olhar pra vocês e ver qualquer coisa diferente do povinho que está por aí nos liderando! _ minha voz estava alta, firme, felina. Nunca atingi tal ponto de coerência e me orgulhava disso. _ Eu vou para o curso.

_Quer uma carona? _ Carlos perguntou, seguindo-me. _Eu não tenho carro, posso ir de ônibus. _Eu disse uma carona no meu carro. _explicou novamente. Continuei andando e, já na porta da sala, observei que só estávamos

nos dois ali. Ele segurou a maçaneta da porta, contendo minha mão e falou num tom tranqüilo e baixo.

_Eu não vou comentar as acusações pessoais, porque sei que agora está se sentindo traída. Mas, quero te dizer que fiquei surpreso com a força do seu caráter. Seu pai deve ter muito orgulho mesmo de você. Não é da sua mãe que vem todo esse autocontrole brilhante que tem... _ elogiou e não esperei por isso. _ Mas... só quero que saiba... que, às vezes, o coração faz o que não é moralmente correto. E tem vezes que nem mesmo distinguimos o

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que é certo ou errado, porque estamos cegos com os nossos próprios sentimentos.

_Vou tentar lembrar disso. _Quando quiser carona, disponha. _ ofereceu passagem. Andei pela rua um pouco atordoada. Cabeça em rodopios, mas

sentindo que agora eu tinha noção do terreno em que me metia. Levara uma noite para absorver tudo, mas fora o suficiente para chegar colocar em ordem meus sentimentos. Eu não podia gostar de Maurício! Ele sabia de tudo desde sempre e estava me evitando, sentindo nojo de mim por ser seu sangue. Como pude ser tão idiota de ter entendido que era atração? Só passara de benevolência entre parentes.

_Duda! _ ouvi o grito no meu ouvido e o safanão no meu ombro. _Ãnh? _ acordei dos meus pensamentos e Roberta na minha frente

estava sorrindo e se desculpando pelo susto provocado. _Quer me matar?! _Hei, que bicho te mordeu?! Eu queria contar para alguém, sentir quer podia dividir aquele nó na

garganta. Olhei-a tão amigável em minha frente e não resisti: _Aconteceu tudo que pode imaginar. _ tampei o rosto. _ Não, você

não pode imaginar. _E olha que eu sou bem criativa. Mas, então, me conte! Falei tudo rapidamente e depois fiz um flashback com riquezas de

detalhes. _... Eu não sei o que dizer, é surreal... _ riu, assustada. _ Vocês são

irmãos? _Não, somos primos. _Mas, vieram da mesma barriga e agora são meio irmãos pelo

relacionamento dos seus pais... _Tá, mas não temos o mesmo sangue. _Sim, tem. _Não no mesmo grau! _ franzi o rosto, angustiada por ela cismar com

isso. _Puxa, tadinha, nunca poderá ficar com o Mau. _ apoiou a mão no

meu ombro. _Eu... eu... _ gaguejei e entendi tudo em um lampejo de segundo. Ela

estava feliz com a situação! _ Eu não queria ficar com ele, nunca quis. _ neguei veementemente. _ Fique pra você, se quiser... _ testei-a. _ Pode pedir minha ajuda, se precisar.

_Jura? _ riu eufórica e a cabeça virou quando Maurício passou ao nosso lado, segurando a mochila presa em um só ombro.

Ela era cega ou burra? As duas coisas! Como não podia enxergar que todos esses dias eu babara feito um cachorro Boxer por Maurício? Depois de lhe falar que quase havíamos nos beijado com os olhos brilhantes ainda

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acreditava no meu sarcasmo em oferecer-lhe ajuda? Que espécie de amiga traíra se escondia atrás daquelas risadinhas?

Mais uma para o meu rol de inescrupulosos. Tive vontade de gritar e dizer-lhe umas poucas verdades, como também chamar Maurício para ouvir o mesmo discurso raivoso. De repente, uma idéia me ocorreu em como mostrar para aqueles dois uma lição.

_Agora que eu estou morando com ele... digo, na mesma casa, você quer mesmo uma ajuda?

_Você faria isso por mim? _agarrou as minhas mãos. _Não posso dar garantias... _Obrigada! _ se atirou no meu pescoço e me abraçou com força. Olhei tristemente para Maurício conversando com os amigos e o pior

lado de mim me fez trincar o maxilar e lhe desejar boa sorte para o que eu ia preparar para ele a partir de agora. Dei algumas tapinhas nas costas de Roberta, ela também merecia um castigo.

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O que vamos ser? (Mau)

Há coisas que gostaríamos de dizer, mas não por nossa boca, pois na

de outro ganharia mais crédito. E esperamos que esse outro discurso venha de alguém confiante o bastante para fazer mudar o que para nós parece difícil. Eu queria que meu pai entendesse que eu estava satisfeito em estudar para ingressar no concurso público para carreira militar. Ele insistia que tinha projetos maiores para mim. Até, então, era o mesmo embate de sempre, com longas conversas nas quais eu nunca conseguia mostrar do jeito certo para atingi-lo. E é bem, então, que Duda apareceu em nossas vidas.

Eu ia descer pela escada da sala quando ouvi a sua voz com a de meu pai citando meu nome. Estanquei o pé no primeiro degrau e recuei o corpo com a mão no corrimão. Não podiam me ver, pois o sofá os deixava de costas. Fiquei no posto de observador. Se eles estavam se dando muito bem, era uma novidade para mim, meu cálculo de quanto tempo levariam para se encararem com o mínimo de afeto fora pessimista. Apesar de eu ter minhas dúvidas se aquilo só não fazia parte do modo como Duda exercia magistralmente sua habilidade persuasiva sobre qualquer assunto, contra ou a favor como uma sofista nata.

_...Está querendo que ele herde além do curso e dos imóveis, a sua história. _ ela explicava com voz baixa e conselheira. _Maurício pode dar conta de não destruir seus bens, mas quem lhe garante que não vai se arruinar seguindo o roteiro de uma vida que foi vivida em outras circunstâncias?! Era o seu momento, o momento dele é outro!

_Vocês jovens tem sempre essa coisa de momento. Vivem no hedonismo.

_O senhor também é jovem. _ corrigiu e segurei uma risadinha. Eu não considerava meu pai velho. Mas, se ela usava esse artifício, ou queria só vencer o duelo de idéias ou já pretendia algo em troca. Deixaria para depois essa conclusão, me instigava a escutá-la mais e meu pai parecia ter o mesmo impulso. _ É esse ímpeto jovem que te faz ter os insights para tornar seu negócio rentável, destacado, cheio de prêmios, colocações. Só uma mente ativa faria isso. E há pessoas jovens e brilhantes em outras profissões que não administradores. O que importa não que a ocupação do seu filho lhe orgulhe, mas a postura que terá nela. Se ele quer mesmo ingressar nesse concurso, dê uma chance para que possa provar como pode ser honesto, íntegro, seguro, forte...

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Como ela sabia isso sobre mim ou tinha tal expectativa? Não entendia a troco de quê estava na sala conversando com o seu quase padrasto sobre mim.

_Eu tenho medo dele sofrer..._ meu pai confessou em um suspiro pesado.

_Maurício vai sofrer em qualquer lugar, a diferença é que aqui poderá tentar consertar seus erros. É assim que ele vai aprender? Com bicicleta de rodinhas a vida toda? Apóie ele e não vai se arrepender de vê-lo dar o melhor de si no que gosta do que ser realizado pela metade no que você gosta.

_Como pode ter certeza de que ele está certo? _Porque, se estivesse errado, o senhor mesmo o teria convencido em

todos esses anos, não acha? _Quando foi que se tornaram tão amigos ou tão irmãos? Duda moveu-se no sofá, poderia jurar que a palavra “irmão” a

transtornara, como incomodava a mim também. _Não nos tornamos. _ respondeu, sem identificar o quê, se irmãos ou

amigos. _ Mas, eu tenho um pai de quem me orgulho muito e acho que vai sentir o mesmo pelo seu filho, se aceitá-lo.

_Eu não saberei como agir. Não conheço nada desse meio. _Se ele quisesse qualquer outra coisa, como ser astronauta, o senhor

iria à NASA. É só a relutância que o impede de se entregar de vez a essa situação. Quando fizer isso, o próprio Maurício vai ter o prazer de lhe explicar. Vão aprender a se virarem bem, mesmo distantes.

_Espero que esteja aqui para traduzir quando ele falar coisas de que não entendo. _ riu.

_Vão ser muitas. _ ela ria mais alto. A senhora Lígia entrou pela porta da sala, chegando do trabalho. _Olá, estou perdendo alguma coisa? _ beijou os dois, primeiro ao meu

pai com paixão e, depois, a filha com delicadeza no topo da cabeça. _Não, nada... _ Duda levantou-se indiferente, seguida pelo olhar de

meu pai e Lígia. Aposto que aquele assunto não agradaria a sua mãe, era preferível impedir uma oportunidade de continuá-lo com ela por perto.

Só nesse instante me dei conta de que ela começara a subir a escada. Recuei para a zona de penumbra, mas seus olhos se ergueram e me encontraram dando um passo atrás de costas, com a mão apoiada na parede. Podia dar continuidade ao fingimento de que estava de decida ou acabara de subir para o meu quarto. Representaria bem qualquer um dos papéis, mas queria olhá-la por curiosidade, agradecimento ou surpresa. Acho que por todas as coisas ao mesmo tempo, por isso, sorri.

_Acabei de ganhar uma advogada particular? _ cruzei os braços na altura do peito e escorei o ombro na parede do corredor.

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Ela ameaçou sorrir, mas algum assombro lhe fez endurecer um pouco o semblante. Eu não devia ter ouvido nada? Queria que fosse um segredo do tipo “o que uma mão faz a outra não vê”?

_Obrigado. _ agradeci e Duda, já andando, olhou para trás e depois continuou, rumo ao seu quarto. Segui-a e, ao passar pela porta deixada totalmente aberta, dei de cara com Duda, no centro do quarto, se virando de repente na direção da saída, como se tivesse mudado de idéia para retornar e dizer algo. _Eu ouvi tudo... Não sei por que fez aquilo, mas obrigado.

Duda balançou a cabeça afirmativamente, o polegar no bolso do jeans, a mão massageando a nuca debaixo dos caracóis dourados.

_Podemos cooperar um com o outro, só isso... _ resumiu, displicentemente. Dei dois passos a frente.

_E o que eu poderia fazer da minha parte? Seus olhos pareciam confabular algo, mas só me garantiu que no

momento oportuno cobraria. _Está bem aqui? Gostando de morar nessa casa? _Por favor, está parecendo gerente de hotel. _ riu. _Claro. _ ri de mim mesmo também, eu estava sendo polido demais.

Era totalmente novo tê-la tão perto. Em pensar que julguei tudo ser muito pior quando soubesse que éramos parentes. Tudo parecia muito bem e isso me aliviava. Não havia mais mentiras, nem disfarces e eu sentia o ímpeto de agradá-la.

_Vi que se deu bem com meu pai. _ comentei agora bem perto de seu corpo.

_Eu não vou nos causar problemas, estou só de passagem aqui. _E eu vou embora também. _ entendi que queria dosar-lhe a reação

quando ela levantou os olhos com pânico e eu gostei. _Não fale como se fosse sumir do mapa. Vai voltar para sua casa, seu

pai, até para uma namorada nos fins de semana... _Namorada? _ surpreendi-me com a sugestão. Já estaria Duda com

algum tipo de ciúme antes da hora? _ Vai resolver isso para mim também? _ sorri.

_Hum... Por que não? _ cruzou os braços e desafiou. Ergui a sobrancelha e esperei que negasse. _Ah! Não me diga que vai me arrumar uma de suas amigas?! _

ridicularizei. _Eu posso ser bem seletiva e te ajudar. _ bateu na minha testa com o

indicador. _ Tem que confiar mais em mim, priminho. _ era a primeira vez que me chamava daquela maneira, pensei em lhe pedir que não o fizesse, mas soaria rude.

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

Eu podia confiar na sua intercessão junto a meu pai sobre minha carreira, mas não sabia se era bem dotada para assuntos relativos a agenciamento de amor, quando estava com a opinião totalmente comprometida pelo beijo que quase trocamos antes de sermos dados como meio irmãos.

_Obrigado, mais eu me viro sozinho. _Tudo bem. _ deu de ombros, convencida rápido demais, deu voltas

no quarto, procurou alguma coisa que não achou e eu ainda fiquei ali parado. _Ok, agora eu vou tomar um banho... _segurou meus antebraços

empurrando-me delicadamente para a porta. _... E você vai me dar licencinha. Segurei seus cotovelos e fiz uma leve força contrária, provocando-lhe

o riso, mordeu o lábio e virou o rosto para o lado, como se pudesse me esconder que lhe provocava descontrole quando a tocava. Os cachos do seu cabelo roçaram meu braço. Seu perfume era cítrico e leve. As maçãs do rosto estavam enrubescidas por uma maquiagem suave e os lábios brilhavam como torta de morango cintilante. Acho que me demorei demais fazendo aqueles registros, pois seu riso já tinha acabado e ela levantava os olhos de ouro para mim.

Soltei uma mão para poder tirar-lhe um fio preso aos lábios, mas assustou-se e respirou um grande golpe de ar, recuando. Eu podia puxá-la ainda quando tentara escapar, mas não era certo. Aceitei seu pedido para que lhe deixasse sozinha. Ao fechar a porta, encontrei com sua mãe, Lígia, que acabava de subir com seus olhos de leoa que vê seus filhotes em perigo.

_Boa noite. _abaixei a cabeça com as mãos nos bolsos e fui para o meu quarto.

Na manhã seguinte, estava do lado de fora fazendo barra no jardim de casa, quando meu pai apareceu com uma xícara de café. Não parei o exercício, continuei subindo o queixo acima da altura do ferro.

_Eu vou para a aula de ioga. Quero voltar a levar a sério. Estou muito estressado. E você? Como vai sua preparação? _ era a primeira vez que mostrava interesse.

_Bem. _respondi, pendurado na barra para esticar todo o corpo, depois saltei, espalmando uma mão na outra.

_Hum, bom. Pode ficar com o carro, eu vou com o outro. Ofereça carona para Eduarda, parece que ela acordou atrasada.

_Vamos?_ Lígia surgiu na porta com sua pasta. _Bom dia. _ cumprimentou-me.

_Bom dia. _A Duda vai com ele, não se preocupe. _ meu pai avisou-a e ela me

olhou desconfiada. Será que imaginou ser minha a idéia? _Duvido que queira. _ riu, guardando o celular na bolsa. _ Aquela

menina é tão geniosa.

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Não respondi, entrei pela cozinha e bebi um copo de suco inteiro de laranja, enquanto pingos de suor escorriam pelo peito. Duda surgiu correndo, mas brecou diante da mesa. Abri-lhe o maior sorriso e deixei que me admirasse, não por narcisismo, mas pelo prazer de provocar-lhe o rubor.

_Como consegue fazer exercício tão cedo?! _ mordeu um pedaço de bolo sem sentar-se.

_Quem disse que eu estava fazendo? _Ah! Não se faça de bobo, eu vi da janela do quarto. _Hum... Esqueci que seu quarto fica para frente do jardim. Você

costuma ficar me olhando, é? Eu preferiria ficar dormindo. _Não seja ridículo, Maurício. Abri a cortina e... você estava ali, vi você

como vi a Sofia! _Viu, Sofia? Ela me considera um cachorro também! _ falei com a

minha cadela e fiz sinal para que saísse. _ Sabe que seu lugar é lá fora. Vá cuidar dos seus filhotes! Nunca vi uma mãe tão displicente!

_Hum..._engoliu um pouco de suco. _ Não conheceu a minha? _Duda perguntou brincalhona.

_Ela parece estar fazendo bem seu papel. _É, uns quinze anos depois... _ virou os olhos para um lado e outro,

fingindo calcular o tempo com o indicador na ponta do dedo. Aproveitei seu humor: _Me espere, vamos juntos. _ sai da cozinha antes que respondesse. Depois do banho, desci correndo e atravessei a sala em um raio.

Tinha demorado demais, mas Duda não parecia apressada, escorava-se na pilastra da varanda. O jeans claro abaixo da cintura, revelando duas covinhas nas costas de pêlos finos e dourados sob a pele levemente bronzeada. Os cachos em diversos tons de dourado e mel caíam cobrindo o decote da blusa florida amarrada nas costas. Uma fina tira trançada de couro amarrada a seu braço lhe dava o ar de índia. Só entendi que não se mexera com minha aproximação quando vi que tinha os olhos fechados, ouvindo a música dos seus fones.

_Acorda. _ puxei um fio do ouvido e ela saltou de susto. _Mau! Ta maluco? Quer me matar do coração?! _deu-me um tapa no

braço. _ Ai, machuquei? _ arrependeu-se. _ Foi forte. _ riu e puxou minha mão para esfregar. _ Desculpe, doeu em mim.

_Você é fortinha, hen? _me aproveitei da sua preocupação. _Não diz isso, eu vou ficar com peso na consciência. _Tudo bem, não doeu nada. _ revelei. _Ah! _ deu um gritinho e me deu vários tapinhas para os quais me

esquivei, rindo também. Corri para dar a volta no carro e abri-lhe a porta. _Sinto que vamos ser o assunto da semana. _ Duda comentou antes

de sair do carro, no pátio do curso, tensa.

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Esperei-a para passar-lhe o braço nos ombros. _Isso aqui está muito pacato. _ sorri-lhe e com as costas da mão fiz

um leve gesto para virar o rosto para mim. _ Qual vai ser, vamos bancar namorados, primos ou irmãos.

_Por favor, eles não vão agüentar. _ riu, falando baixinho e apoiou a mão no meu peito para se equilibrar e andar colada a mim. _ Boa aula.

_Voltamos juntos? _ beijei-lhe a testa._ Eu vou para aquele caminho mesmo._ brinquei.

_Você gosta disso, né? _ cerrou os olhos, sorrindo. _O quê? _Chamar toda essa atenção! _Eu não tenho culpa... _ falei ao seu ouvido. _ se você está vestida

assim. _Assim como?! _arregalou os olhos. _Linda. _ rocei a boca na sua orelha. _ Não é a toa que é minha

parente. _Ah! Ridículo. _ saiu do meu braço e me deu um beliscão. Afastamo-nos para direções opostas, mas os olhares sobre nós não

se descolaram em nenhum momento.

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Um ladrãozinho roubou meu coração (Duda)

Eu já estava sentindo o gosto de sangue na boca com a mordida que dava no lábio interno, quando pus o celular na mesa e afastei os cachos para trás. Ouvi o barulho das pernas de ferro de uma cadeira ao lado se arrastando e abri os olhos. Era Maurício tomando refrigerante.

_Como eles conseguem descobrir esse tipo de coisa?! _ perguntei, empurrando meu Iphone em sua direção.

Seus olhos verdes ficaram mais escuros, mas sua sobrancelha só levantou e abaixou, sem parar de sugar o líquido com o canudo. Nem “oh” ou interjeição que valesse. Já sabia da mais nova fofoca ou era pura frieza? Virou o rosto para o lado e fez uma panorâmica no apinhado de alunos que tagarelavam no intervalo.

_Droga. _ demorou, mas soltou seu primeiro praguejamento. _ Deve haver algum agente infiltrado... _ riu sem humor e recostou-se na cadeira. _ Eles iam saber uma hora ou outra, não é?

Maurício queria mesmo que eu entrasse em sua dissonância cognitiva? Não lhe dei apoio. Era bastante assustador quando era só ele o alvo das notícias da rádio corredor, agora eu estava era irada por ter sido incluída na coluna diária de furos do twitter do curso. No mínimo ele deveria me ceder um pouco da sua experiência.

_Então, pronto. _ aceitou para não se debater contra os fatos. _Está escrito aqui que... _ mostrei a tela do celular. _ ... eles, ela,

alguém, sei lá, twitou que viu nossos pais jantando juntos. Como podem ser tão rápidos em ligar as duas pontas do nó e sair dando como verdade...

_Não é verdade? _perguntou tranquilamente. _É. Mas eu não quero que fiquem falando de mim... _meus olhos se

anuviaram. _Se eu pudesse, teria lhe deixado no anonimato. Sabia que seus dias

estavam contados. _Pelo amor de Deus, pare de falar como seu eu estivesse em um

filme de terror. É só um complô de adolescentes que não tem o que fazer e logo vão ir para faculdades diferentes e vão se esquecer de mim, de nós...

_É isso aí! É por esse caminho. _ deu uma tapinha na minha mão e tomei noção que estava na minha vez da dissonância. _E não pareça tão abalada porque eles vão mandar um tweet daqui a pouco sobre isso.

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_Agora eu entendo quando me falou que não gostava muito de acompanhar essas coisas. Lembra que te perguntei no auditório?

_Simplesmente, deixe de ficar always on, guarde o celular e ignore, seu coração vai sentir menos. Se entrar em paranóia, vai acabar medindo cada passo. Te espero para voltar para casa?

Franzi a testa, eles falariam sobre isso também? Que a prova de ser a nova enteada do dono do curso era que eu voltava com seu filho para sua mansão?

_Vou entender como sim. _ levantou-se e seu corpo forte e musculoso pareceu bem maior do que quando estava ao nível dos meus olhos. Atirou a latinha na lixeira e andou displicentemente, ignorando duas garotas que olharam para seu traseiro com uma risadinha.

Uma força estranha trocava de ordem meus sentimentos a cada vez que o via. Um desejo tamanho, suave e acalentador de me ligar a ele. Eram nossos laços de parentescos? Uniões mal resolvidas em todas as minhas chances passadas de existir? O que é, Maurício que existe em você que explica muito do que se passa em mim?

Caminhei em direção a sala e ouvi Roberta me chamar. Revirei os olhos e quis lhe dizer para não me seguir que não era novela. Saltou em minha frente, impedindo passagem. Se percebeu que o sorriso forçado que lhe ofereci era de pura educação, não transpareceu porque sorriu mais ainda.

_Já falou com seu irmão sobre mim? _Hum... Eu... _ cocei a testa. O fim de semana tinha sido agitado com

a prova do Enem que não aconteceu, dando margem para grandes e acaloradas discussões políticas e educacionais em casa. Maurício saíra com os amigos e eu passara o sábado grudada ao telefone combinando com uma amiga combinando como pegá-la no aeroporto. Não tivera cabeça para lembrar de Beta. Muito menos uma oportunidade de conversar com Mau.

_Tudo bem. _ colocou as mãos na minha frente, impedindo que eu começasse qualquer processo de desculpas esfarrapadas e fez um ar de compreensão que quase ri. _ Eu fui chamada para a festa de aniversário dele... _ vibrou como se ganhara o último convite do último show, da última turnê da sua banda favorita. _... As festas na casa do Maurício são... _ olhou para cima, vermelha de êxtase. _tão incríveis, sinistras, que... que tudo pode acontecer! Duda, aí que você entra, vai me ajudar a arrasar, né?

Eu nem sabia o que significavam as festas de Maurício para tamanho delírio febril, muito menos imaginava o que significava a consultoria que me pedia. Algo como comprar vestido juntas?

_Olha, eu nem sei como será. Esqueceu que acabei de entrar nessa história...

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_Ih, menina, vi o twitter. _ comentou, andando ao meu lado e segurando meu braço, entrelaçado no seu. _ Sabe que não partiu da minha boca.

Quem me dava garantias disso? Em quem confiar? _Já deve saber que a festa vai ser a fantasia, né? _Hum, que criativo! _ falei com azedume. _ Não, não sabia... _Hei, você não está entendendo. O Maurício nunca dá uma festazinha

qualquer. Meu Deus. Eu iria ajoelhar na frente do quarto do Maurício

religiosamente todo dia, porque tinha um oratório de santo vivo em casa e não sabia! Que pessoa mais divina! Só pensei com ironia, não cortei seu ataque de idolatria.

_Como será na semana do dia das crianças, nós iremos fantasiados de algum tema que lembre a infância. Pode ser um super herói, o personagem de desenho animado ou de história de conto de fadas.

_E cada ano ele faz uma coisa diferente? Puxa, nunca tive aniversários assim. _ pensei alto. _ No máximo, um bolo e amigos em casa. _ veio a memória vários desses dias e não pude ver nenhum como menos feliz do que as festas de que ela me falava.

_Eu vou de Mônica. _ revelou. _ Tenho um vestido vermelho colante incrível, vou colocar uma meia calça cinta liga pra ficar sexy e roubar o coelhinho azul da cama da minha irmã.

_Puxa, então, ele vai ter que ser o quê? O cebolinha? _Isso! _ sacudiu meu braço com vigor e suspeitei ter acertado sem

querer a pergunta de um milhão de reais. _ Eu ouvi ele dizer para um amigo que iria com essa fantasia, aí, eu, muito espertamente já bolei a minha.

_Puxa. Você é esperta mesmo! Nem vai precisar da minha ajuda. _ tentei me safar, mas, lembrei-me do plano inicial que estava meio morno e sem ação. Eu não queria dar um pequeno castigo em Roberta, então, precisava lhe ajudar. Só não sabia como. _Ok, vai lá, vista o vestido, arrase e... eu estarei por perto. _ ofereci-lhe as palavras mágicas óbvias, que tomou com toda a alegria e ar de salvação, bem como quando pagamos uma consulta de 200 reais na nutricionista para ouvir a grande novidade que comer verduras e legumes é importante e nunca se deve passar mais de três horas em jejum.

No carro, meu telefone tocou e Maurício deu uma rápida olhada para mim, mas continuou dirigindo. Era minha amiga Helena, que estava prestes a chegar no Rio de Janeiro. Seu pai viera transferido para cá e eu só conseguia ver isso como um sinal de que Deus mandara um anjo para me ajudar. Éramos como almas gêmeas, irmãs, clones, unha e carne.

_Mau, pode me levar até o aeroporto? Uma amiga adiantou o vôo e está chegando, antes do que eu previa... _ meu tom de súplica saiu bastante

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afetado e submisso. Mas, é que por ela eu perdia até a noção da minha nova realidade e orgulho. Só em pensar que teria uma companhia fiel, sincera, amiga e conselheira em quem confiar, ficava doce e cheia de charme. _ Por favor? _ uni as mãos.

Ele sorriu com o canto da boca e virou o carro no próximo retorno. _Claro. _ aceitou. _ E o que ganho com bandeirada? Pensei em lhe dar Beta de vestido colante vermelho em uma caixa,

mas não valeria o preço daquela corrida. _Você vai fazer uma festa, então, a fantasia. Interessante... _

comentei. _E vou precisar da sua ajuda. _ apontou para mim. _Mesmo? _ fiz-me de difícil, mesmo sentindo lisonjeio. _Claro, você pode dar boas idéias. _comentou, concentrado nas

manobras do trânsito. Helena chegou de óculos escuros e rebolando em seu salto

plataforma. Corri para abraçá-la eufórica. Rodopiamos, demos gritinhos e nos olhamos.

_Amiga, como está? _perguntou-me. _Bem. E você, Helena? Soube que está na nova novela das oito. _Ah! Sim, a propósito, estou chegando de Paris. _ brincou. Coincidentemente seu nome era Helena e sua pele morena parecia

com a da atriz da trama. _Eu só preciso encontrar um cara mais velho. Não precisa ser bonito

e rico. Ultimamente estou aceitando simpático e rico, as exigências começam a cair, o mercado está tão..._ seus olhos parecem ter encontrado alguém atrás do meu ombro. _ Quem é aquele Deus parado ali, eu to maluca ou ele está olhando para a gente?

Virei o rosto e o único garoto lindo que eu podia ver era Maurício, mexendo agora no celular, com o dedão no bolso do jeans.

_Ah! Esse é o meu meio-irmão por parte do padrasto, irmão por parte da barriga da minha mãe, primo por parte da minha tia que eu não conheci e... amigo de curso... _ comecei a enumerar com os dedos.

_E o gatinho que você quase beijou? _ lembrou da última e mais importante ligação entre nós. _Ok. A partir de agora para mim ele é assexuado. Não fiz nenhum elogio.

Sorri, adorando-a ainda mais. Essa era a atitude que eu esperava de Roberta, que ela se importasse com meus sentimentos. Como poderia querer algo de alguém que mal conhecera. Helena era minha amiga de anos.

_Está tudo como te contei pelo telefone, nada novo. Ah! Exceto por uma festa de arromba que o Mau vai dar.

_Mau? Gosto do apelido. Selvagem né? _falou baixo para que só eu ouvisse.

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Nesse momento ele levantou os olhos e percebeu que as duas estavam olhando para ele e cochichando. Sorriu e acenou, derramando mais gasolina na fogueira do meu coração crepitante.

_Já sabe qual a fantasia que vai? _ perguntou Maurício já no carro. Helena franziu a testa ao meu lado no banco de trás e sussurrei que a festa era a fantasia.

_Não sei... _ olhei pela janela. Senti um beliscão. Ela me mostrou o que acabara de escrever na tela

do seu celular: _Pergunta o que ele gostaria que você fosse! _ li baixinho e pensei

duas vezes. _ Ãnh... Tem alguma sugestão? Não sei o que combina comigo. _Não sei... Deixa eu pensar... Helena foi mais rápida no teclado: _Você já foi de Bela, da Bela e a fera. _ li e entendi que me lembrava

de uma festinha no colégio. Revirei os olhos, óbvio que não lhe contaria aquilo.

_Ah! A Duda ficou linda de Bela, da Bela e a Fera. _ disse em voz alta.

_Bom, há lojas aqui que alugam fantasias. Deve ter essas clássicas. Dei uma cotovelada em Helena. Tomei o celular da sua mão e escrevi

“não tente dar uma de cupido. Nós não podemos”. Ela pegou de volta e rebateu, tentando ser engraçadinha: “Yes, we can”. Foi minha vez de teclar: “Já terá uma para ele na festa... E mesmo que...”, não deixou terminar de escrever. Teclou: “Eu sou mais você”.

_Vocês estão bem aí atrás? Não vão se engalfinhar não, né? _ele riu. Cedi a briga pelo aparelho e ajeitei os meus cabelos, arrumando a

compostura. _E você, vai de rambo? _Não entendi a piada. _ele respondeu. _Ah! A Duda me falou que vai ser militar, aí, pensei que a roupa

camuflada... _Duda falou de mim...? Helena engoliu em seco e entendeu que meu olhar fulminante não

indicava que fizera boa coisa. _É, eu que perguntei, afinal, vocês estão no mesmo curso, não?_

tentou consertar e torci para não piorar. _Sim, fazemos. Mas, não vou de rambo, o tema é festa infantil. Em casa, já jogada na minha cama, Helena quis saber detalhes sobre

a concorrência para fazer uma análise das forças e fraquezas da adversária. Contei-lhe novamente o que já sabia com alguma carga de detalhes.

_Você quer dizer que vai acionar o safety car para que todos continuem nas mesmas posições enquanto há perigo na pista?

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_Ãnh? Não entendo aonde quer chegar. _Sou que não entendo. Acha que ficarão todas as peças no mesmo

lugar? Você curte com a cara dos dois e pronto? O universo se volta contra, mocinha.

_Eu quero que entenda uma coisa de uma vez por todas. Eu e ele agora, quero dizer, desde sempre, fazemos parte da mesma família.

Ela olhou para trás, para os lados e depois apontou para o próprio peito:

_Está falando comigo? Pensei que fosse com você mesma para se convencer. _ pôs-se de pé, caminhou até a poltrona onde eu estava e se abaixou na minha frente, olhando nos meus olhos. _ Duda, você não precisa fingir para mim, somos como irmãs e nem temos laços de sangue... _ suspirou. _ Supondo que não houvesse nada de família, ok? Ele seria tudo que você poderia querer não é? E não ouse mentir se não te dou dois tapas agora mesmo para acordar.

Sorri e afirmei com a cabeça. _Então, deixe acontecer... _Não dá! Moro aqui, preciso respeitar as regras, os bons costumes, a

minha mãe, que, mal ou bem, me sustenta e nos vê como parentes. Eu preciso...

_Duda! _ segurou meu rosto com as duas mãos e fez “shiii” para que parasse de me justificar como uma metralhadora. _Só sinta e deixa acontecer. Ninguém precisa saber o que sente. Lembra a música: “O que eu ganho e o que eu perco ninguém precisa saber.”

_Obrigada. _abracei-a, era tão bom poder tirar um pouco de sufoco do sentimento que eu reprimia.

_Agora, vamos atrás da sua fantasia! _o ânimo em sua voz me fez rir. Helena era dotada da capacidade de motivar as pessoas.

(...)

Eu estava na janela do meu quarto contemplando os convidados no

jardim quando minha amiga tocou o meu ombro e perguntou o que eu estava olhando. Eu respondi, sem tirar os olhos da garota que acabava de entrar:

_Estou me perguntando se ela está vestida de Mônica ou se foi a praia e o sol queimou demais a sua pele. Meu Deus, não é um vestido é um plástico que derreteu no corpo...

_Você está muito mais bonita. _ insistiu na velha comparação para elevar meu ego.

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_Hei! Espero um segundo. O Maurício não parece estar fantasiado de cebolinha... _ prendi a respiração. A calça era branca bufante, com um cinto de cetim vermelho, o peito nu e um colete lilás como um indiano. _ Mas o que é que você fez...? _ virei-me para trás e vi Helena regredir os passos em defesa e depois disfarçar a apreensão no espelho, se maquiando as bochechas com um grande pincel. _Você não fez o que eu estou pensando, fez?! _ agora eu estava gritando. _ Eu vou arrancar essa roupa agora mesmo. _ caminhei para cama, mas ela agarrou meu braço. Agora estava certa de que eu entendera seu plano e tinha ficado uma pilha. _ Não! Eu não vou descer assim! Eu não posso! Não tem idéia do que vão comentar quando souberem que eu estou de par com Maurício!

_Alguém elevando meu santo nome em vão? _ apareceu com a cabeça na porta, salvando Helena pelo gongo.

Engoli em seco e parei de respirar, o que não era difícil com uma blusa que espremia meus seios. Sua boca ligeiramente se abriu de espanto e tentou disfarçar com um sorriso. Viu que não havia risco de entrar, e avançou no quarto até nós. Helena deslizou o braço das minhas mãos que a agarravam, se desvencilhando de mim. Maurício me olhava de cima abaixo com curiosidade. Agora eu torcia mentalmente para que não ligasse os pontos enumerados e formasse a figura que buscava.

Eu estava vestida de princesa Yasmin do filme Aladdin e, ele, para meu desespero, de próprio Aladdin. Helena estava absolutamente encrencada comigo. Aposta que descobrira a fantasia que Mau e não me avisara quando eu estava na loja de aluguel. Tinha sido a roupa mais em conta e que ficara melhor em mim, mesmo assim teria pago mais por outra se soubesse que combinaria com Maurício. A roupa era composta por uma calça bufante azul e uma blusa curta que caía pelos braços.

Minha barriga de fora contraiu os músculos com a respiração que eu puxava e Mau reparou também, descendo até o meu microshort colante abaixo da calça semi transparente. Meu cabelo preso frouxamente era a esperança para que duvidasse que a Yasmim poderia ter uma versão loira.

_O gênio me concedeu um desejo e consegui sair da prisão para te procurar... _ era uma brincadeira, uma cantada, uma fina ironia, ou deboche? Seja lá sua intenção, meu coração se comprimiu de timidez e depois me encheu de uma euforia eletrizante.

_Hum...Ãnh. _abaixei os olhos. _Como estão as coisas lá em baixo? _ perguntei virando-me de costas para ele, mas ainda o tendo em vista atrás de mim no espelho. Sua aproximação fez sua imagem aumentar de tamanho, até quase tocar as minhas costas.

_Tudo perfeitamente em ordem. Você arrasou. A decoração, a comida... está tudo certo. Mas, as pessoas já estão perguntando cadê você?

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Ah! Os outros são o inferno! Se não houvesse os outros... Pisquei o olho, acordando para a realidade e parei de olhar seu rosto. Eu teria que descer e não havia mais desculpas para a fantasia porque já a descobrira.

_Eu vou só terminar uns retoques aqui e já desço._ garanti displicente procurando um brinco de pérola branca na minha maleta sobre a cama e me atentei que a posição reclinada lhe daria uma bela visão do meu bumbum. _ Já vou. _ avisei novamente e ele caiu em si e saiu.

Voltei a olhar para Helena que agora gargalhava o riso que reprimira. Não agüentei e sorri também, mordendo a parte interna da boca para não reconhecer que eu precisava lhe agradecer pelo risco de tentar me agradar.

_Ah! Você viu? _ correu até mim e começou a me fazer cócegas e me dar pequenos beliscões. _Ele adorou! Meu Deus, está uma coisa... _caiu deitada de costas na cama e levou a mão no peito, simulando um infarto. _Diz que está me devendo essa!

_Da próxima vez que me aprontar uma surpresa assim eu vou colocar oxigenada no seu xampu! _ameacei com o indicador e depois abaixei os olhos._ Sim, ele está mais lindo do que já vi em toda minha vida. E a sua sombra também. Nunca vestiria aquela roupa vermelha... _ referi-me a Roberta de Mônica, vestida para matar.

_Eu tenho que andar com um espelho na sua frente o tempo todo? Duda, você é a mais linda desse lugar, dessa cidade...

Levantei uma sobrancelha irônica, eu não ia cair no seu papo de amiga.

_Ok, desse lugar certamente! E ele gosta de você! Gosta sim! Eu reconheço o olhar de predador!

_Predador? Oh, meu Deus! _ cai sentada e cruzei os braços. _Não vai ficar aqui quando a noite é sua! _O que me diz da noite ser minha? _ perguntei horas depois,

escorada na mureta da varanda bebendo um copo de refrigerante, enquanto olhava Roberta e Maurício cochichando com o rosto muito perto do dele.

_Ih, amiga, eu sou a super heroína, mas é você que está com um olhar de laser. Vai queimá-la se continuar focando assim. _ encostou seu ombro no meu e se escorou também. _ Não será mais que uma noite.

_Mas, parece ser insuportável mesmo assim... _ deixei as comportas abrirem e falei o que sentia finalmente. Não podia mais negar que gostava de Maurício de verdade e vê-lo andando de mãos dadas para os fundos da casa para ficar com Roberta me tirava o sopro de vida.

_Vai ser só um beijo, não esquenta. _sua voz não era muito segura. Ficamos as duas na zona de penumbra do canto da varanda, em

silêncio. Ela vestida de super heroína de vídeo-game e eu de Yasmin, com o coração roubado por um ladrãozinho dono dos meus desejos.

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_Ela não suportará o que está por vir. _lembrou-me. Virei o rosto para ela, dando um grande gole na minha Coca-Cola para desatar o nó da garganta. _Sabe do que eu estou falando...

Lambi os lábios. Sim, sabia. Ele iria embora para outro estado e não seria nada fácil um amor à distância.

_E não vai contar com a minha ajuda. _minha voz soou sombria. _Mas, será que eu suportaria, no lugar dela? _ perguntei-me.

_Isso é o que vamos ver. Seu próprio coração vai responder.

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Garotas más (Duda)

Atravessei o estreito corredor lateral do lado direito da casa que levava até os fundos e vi Maurício de costas, com duas pequenas mãos em sua cintura. O ar ficou preso no meu peito e esqueci de respirar, como uma pontada aguda. Encostei a mão na parede e meu corpo ficou na zona de penumbra. Não podia ver muito, mas minha mente fazia o trabalho de imaginar o que os movimentos de sua cabeça podiam proporcionar. Um beijo quente, molhado, gostoso e intenso. Com raiva e ciúme, pensei em como de nada adiantaria Beta tê-lo por uma noite, se Mau partiria em breve. O que era uma conseqüência de que eu não estava imune também. Uma tristeza parecia apertar-me com força e retorcer tudo por dentro. Fechei os olhos e senti um toque de pelúcia em minha perna. Abaixei o rosto e vi a cachorra encostar sua cabeça em meu joelho. Afaguei sua cabeça e ela levantou o focinho para mim. Será que podia sentir o quanto eu sofria? De alguma maneira pareceu-me que sim, pois correu para Maurício e pulou em suas costas, como que para avisar que havia problemas. Essa era sua tarefa na casa, proteger-nos. Tentei dar um passo a trás o mais rápido possível, mas ainda sim Mau virou o rosto e me fitou instantaneamente. Andei apressadamente de volta a festa, mas uma curiosidade me fez virar a cabeça e o vi no clarão do fim do corredor, em pé, sozinho. Voltei novamente a olhar para a frente.

Trombei com Helena que arqueou as sobrancelhas perguntando se alguém estava em apuros. Acho que levava a sério sua fantasia de heroína. Gaguejei qualquer desculpa que não sai, me atrapalhei com as mãos e não consegui olhá-la. Foi quando segurou-me pelos ombros e disse com ar de irmã mais velha de que eu não deveria ter ido ver, pois o que os olhos não vêem...

_O coração na sente! _ continuei com uma voz de cansaço e irritação. _ Droga!

_Duda? Você vai precisar decidir. _Decidir o que, maluca? _Se nós vamos conseguir ele pra você ou vai deixar pra ela. _Nós? Como nós? O que pensaria em fazer? Dar uma espadada na

cabeça dele? _Hum... Que tal na Roberta? _cerrou os olhos, brincando.

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

Sorri e logo sons de gargalhadas se aproximaram e Maurício e Beta passaram cochichando. Cerrei os punhos e me controlei. Helena ficou na minha frente para tampar minha visão e disse baixinho para eu me controlar.

_Me dá essa espada que eu vou enfiar no... _Epa, epa, epa, nem pensar, isso aqui é alugado! _espalmou a mão

no meu peito. _Essa serpente venenosa vestida de couro vermelho vem na minha

casa, pegar o meu irm... o meu prim... O meu... arrrgh, o Mau e sair por aí... _ comecei a cuspir as palavras com raiva.

_Tome isso, querida. _ela ofereceu-me um copo com líquido branco. Dei um grande gole e arregalei os olhos com a queimação na garganta.

_Que isso?! Não se oferece água com açúcar nessas horas? _Não, meu anjo, no seu caso, só depois de umas duas doses de

vodka dessas melhora... Senta aqui. _ bateu na mureta. _ Ele é seu irmão, primo, amigo de cursinho, mas não é seu namorado, ok?

_Eu ainda não estou bêbada, pode falar comigo como se eu fosse um ser pensante, ta?

_Tá. Então, se ele não é o que você quer... Fiz uma careta de reprovação. _Ãnh-ãnh! Você quer e sabe que quer! _ apontou-me o indicador que

segurava o copo e deu a última golada. _ Não sabe o quanto foi difícil conseguir isso. Tive que abrir aquela portinha do bar... Enfim, voltando para o seu problema.

_Sim, eu tenho um. _Não, você tem vários! Uma combinação explosiva deles. Ele é

gatíssimo, o que te faz competir com todas as mulheres que possam colocar o olho nele. Só aí já é de demolir qualquer autoconfiança feminina. Depois, ele é seu irmão, não adianta bater o pé, porque as pessoas vêem assim. Vai arrumar briga com a sua mãe. Tem também aquela serpetinha vermelha ali que dará um trabalhinho mediano, mas vai jogar sujo. E... quando tudo isso estiver resolvido, ele vai embora com todo seu esforço para o espaço.

_Essa análise toda foi para eu ficar exatamente feliz ou me dar motivos para terminar a noite bêbada?

_Não, porque não deu para roubar mais que esse copinho aí, senão vão perceber. Contente-se agora com esses refrigerantes sem calorias. Mas, querida, isso tudo é para saber se está com munição total para atravessar a linha inimiga!

_Mas, eu não posso ficar aqui quietinha, não me esforçar em nada e as coisas simplesmente acontecerem naturalmente? Não tem aquela história de que devemos deixar fluir...

_Bem, quem inventou isso tá sozinho até hoje, tá? Não é bem isso que fez a sua arqui-rival ter ganhado um beijo quente, forte, intenso...

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_ Ok. _ fechei os olhos e espalmei a mão, tomando fôlego e abrindo os olhos. _ Eu... não quero mover montanhas, não quero me machucar, mas quero... _ respirei fundo. _ ficar com... _ as palavras pareciam queimar a garganta, enquanto eu tentava confessá-las. _... ele. _ergui o queixo e encarei Helena, como se ela pudesse ser minha fada madrinha que resolvesse tudo.

Ela balançou o copo na altura dos lábios, pareceu que ia sorrir, mas voltou-se para o líquido entorpecida pela bebida ou por algum plano. Virou o rosto para o lado e não partilhou nenhuma parte dele comigo.

_Você não terá como escapar de nenhuma das conseqüências quando tudo isso começar. _ avisou e definitivamente estava muito bem naquele papel de feiticeira. _ Primeiro, não faça nada. Nada agora. Entende o que quero dizer?

Como podia, se havia acabado de me falar para agir?! _Nada de se jogar nos braços dele. Maurício não vai precisar de uma

corda ao menos que esteja se segurando pelos dedos na ponta do penhasco. _Meu Deus! Não quero ele à beira do penhasco! _Querida, não terá valor algum se não for a salvadora. _Qual a sugestão? Por que nessa liga da justiça ele já encontrou uma

heroína preferida e não é nenhuma de nós... _ retorci a boca para o lado. _Confia em mim. Está pronta pra começar? _Co-me...çar, a-gora? _ gaguejei e toci. _Mas... Helena levantou a sobrancelha com reprovação e elas se juntaram no

centro da sua testa. _Ok. _ recostei-me mais a mureta, amedrontada, com as mãos

suando. _ Hum... o que sugere? _Lá vem ela aí. _ comentou e vi Roberta vindo em nossa direção

como ganhadora de alguma medalha olímpica. Sentou entre nós duas e riu, já meio inebriada. O beijo de Maurício fazia tudo aquilo?

_Nossa, parece feliz, hen? _ perguntei e o rosto de Helena foi de total reprovação. Eu tinha soado falsa ou irônica demais?! Limpei a garganta com uma tossidinha. _ Arrasou na roupa, acho que alguém gostou. _ elevei seu moral e torci para aquilo ter alguma recompensa sobre mim, pois não ia perdoar Helena, se seu plano fosse um fracasso.

_Parabéns, garota! _ Helena deu um tapinha em seu ombro. _Eu não estou acreditandoooo! _ ela alongou a última vogal e deu um

gritinho. Os outros convidados já bem altos e atentos à música não perceberam.

_Menina de sorte... _ Helena tomou o controle e eu só tentei acompanhar seu raciocínio. _... Vai ganhar um militar daqueles bem gatos, sarado, suado... _ Helena carregou na mitologia. Sabia como fisgar o ego daquele tipo de interesseira, usando os argumentos de que sempre tivemos ásco.

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_Hummm... _ Beta fingiu morrer do coração e deitou de costas no chão da varanda, anestesiada. Que diabos de êxtase ridículo era aquele. Ela estava drogada?!

_Nós duas temos bastante conhecimento sobre isso. Podemos te dar alguns conselhos. Claro, se conselho fosse bom, a gente vendia.

_Sim, quero todos. _ergueu-se. _Duda já tinha me prometido isso. Helena olhou rapidamente para mim e depois voltou-se para a garota. _Eu acho que deveria ajudar Maurício a se adaptar a nova situação,

sabe? Por que não liga pra ele de noite, todo dia? Ele se sente tão sozinho à noite!

Que deu em Helena? Ela não achava que convenceria a astuta Roberta a cozinhar com ovos podres um delicioso pudim, sem que desconfiasse.

_Esses meninos vivem em conflitos, precisam de apoio. _tomei a palavra. _ Pergunte a ele para onde ele pretende ir quando se formar, pergunte os objetivos, vai instigando, isso vai ajudá-lo muito a responder a si mesmo.

Eu estava horrorizada com a dosagem cavalar de veneno que estava injetando. Nada iria acabar mais rápido com aquele início de rolo entre os dois. Só não esperava que Maurício descobrisse, por que ele era o único capaz de desvendar rapidamente os erros propositais na receita infalível que eu passava.

_Obrigada, meninas. Vou tentar me lembrar de tudo. _ ela deu um pulinho e correu para Maurício.

_Isso, vai. Não se esqueça de nada. _falei baixinho com sarcasmo. _E se o feitiço se virar contra o feiticeiro e ele se apaixonar por ela? _Mas não vai acontecer mesmo. _ agora minha voz emitia raiva. _Eu tenho medo das meninas boazinhas como você, por que não

sabem ser más, acabam jogando ácido além da conta. Falta a frieza. _O que acha que não posso fazer? Não posso controlar?! _ desafiei. _Por que não começa por roubar a atenção? Os homens são como

bandos de alfas e betas. Uma pequena unidade política, onde ter posse do objeto mais desejado é garantia de um status. Maurício não sabe que te querem. Ganhe o olhar de seus amigos e a confiança deles.

_Do tipo fazer coisas idiotas? Rodada de bebidas, quedas de braço e piadas sujas?

_Iria tão longe? _ sorriu com seu batom vermelho sangue. Meia hora depois, tudo que se ouvia eram os urros de oito garotos na

mesa, próxima ao bar armado. Bati com força o último copo e nem lembro quantas besteiras falei, mas só ouvia risadas e olhares felinos. Contei algumas aventuras que já passei no meio do mato e me ouviam admirados. Aumentei, dupliquei os detalhes para dar colorido a imaginação. No fim, disse

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que uma delas era só um sonho e eles gritaram, me empurrando para todos os lados. A risada fora geral. De repente, a festa começava a virar uma aglutinação ao meu redor, sentada em cima da mesa de pernas cruzadas.

_Duda, já vou. Meu táxi chegou. _ouvi Helena. _Ah, querida! Pulei da mesa e depois tentei me equilibrar em pé.

Abracei-a e meus olhos se cruzaram com os de Maurício atrás dela. Helena disse rapidamente em meu ouvido: _Se não está tão mal quanto parece, espero que pareça. Seja

esperta. _Eu vou te acompanhar até lá. _ disse. _Mau, acho melhor vir atrás, porque é capaz dela não saber o

caminho de volta! _Helena riu e Maurício consentiu. _Meninos, já volto! _ri e acenei para eles. Maurício foi o único que não

sorriu. Ele não tinha senso de humor? Não ficara com a minha colega de turma, ora? Eu podia chamar um pouco de atenção também.

Descemos os três pela rua inclinada até o final da ladeira que dava em um transversal silenciosa e muito escura pela luz do poste queimada. Por duas vezes eu quase me desequilibrei e senti braços se estendendo cada um de um lado para me tocar, mas não precisaram e se contiveram. Andei mais a frente.

Quando Helena entrou no táxi que a esperava, Maurício ficou na minha frente. Angustiado com o silêncio, reclamou da falta de luz.

_Não olhe para o escuro, não foque no objeto. Olhe em torno dele... _ expliquei e dei dois passos a frente, entrando na zona de dois fachos de luz que cortaram meu rosto.

A tensão entre nós era um campo energético que fazia todos meus órgãos internos vibrarem. Minha pele alternava ondas de calar e frio. Seus olhos verdes estavam escuros, profundos, ardendo. Sua boca entreaberta demonstrava que era difícil respirar. Seu punho fechou e vi seu pomo de adão no pescoço subir e descer.

_Maurício?! _ ouvimos uma voz estridente e cascalhos agitados por sapatos. Em questão de segundos Roberta viraria a esquina. Não desviamos nossos olhos. Ele deu dois passos a frente e senti seu perfume me atingir em cheio, depois seu rosto cortou para o lado e seu ombro se roçou no meu quando afastou-se. Senti as pernas fraquejarem. _Aconteceu alguma coisa?_ ela perguntou, agarrada a seu braço, olhando-me entre as árvores, no escuro, como um fantasma.

_Não, nada. Vamos. _ puxou-a.

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Agora, eu te amo (Duda)

Eu ensinei Roberta a amá-lo da maneira errada, mas não havia lições

para Mau me fazer diminuir só um pouquinho o amor que era errado sentir por ele. Eu esperei que os dias e a constância de vê-lo amortecessem o encanto, quando cada dia servia, na verdade, como novas provas de que meu coração só o queria, como criança pura que escolhe a quem gostar sem preconceitos. Pois devia, era bom que esse coração burro entendesse que amar a quem se vai partir é comprar uma passagem de navio para uma viagem em que não se pode ir. Eu ficaria na beira do cais acenando sozinha. A cada vez que me tornava consciente disso, a diversão com as peças que pregava em Beta e Maurício no máximo dava uma baforada quente no meu coração árido, nada podia umedecê-lo e fazer brotar qualquer forma de vida. E a sua despedida veio em pequenas prestações. As malas se amontoando na porta do quarto, as passagens compradas, mas nada tão chocante, nada tão desnorteante como a visão daquela tarde em que chegou em casa com a última novidade.

Eu estava sentada no MSN contando para minha amiga Helena a última travessura em que dera a idéia a Beta de comprar vários presentes para Mau levar para sua viagem, como ursinhos cor de rosa, travesseiro com a estampa do seu rosto e muitas outras coisas que lhe faria ser zoado pelos restos dos seus dias. Enquanto eu me entretinha em escrever-lhe, ouvi gritos de Mau no andar de baixo. Senti um súbito pânico. Droga! Será que Beta entregara tudo antes da hora? Ou, pior, lhe contara sobre quem lhe dera tal sugestão?

_Duda! _ a voz continuava mais forte, grave, alta, vindo da sala. Dei um pulo da cadeira, tendo certeza que estaria tudo escrito na

minha testa assim que o olhasse. Engoli em seco e desci as escadas, sem pressa, feito criança que sabe que vai apanhar, mas não adiante fugir. Peguei o caminho do corredor para a cozinha para ver onde estava e por que gritava por mim. Foi quando sua voz soou da porta da entrada da sala. Virei o rosto e o avistei. Minhas pernas viraram marshmallows e a boca se entreabriu para uma exclamação que não saiu. Então, meus dedos tocaram meus lábios, como se fosse ter voz para um grito. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas ele não veria, não ali no meio da penumbra do corredor.

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_E aí, como estou? _ perguntou de braços abertos, peito nu, camisa no ombro e o sorriso grande, largo, feliz, realizado para meu coração comprimido, partido, apaixonado, pobrezinho.

Engoli em seco para molhar a garganta que secara com a respiração acelerada. Pisquei várias vezes para controlar os olhos cintilantes e caminhei bem lentamente até o meio da sala, atraída por aquele sol. A figura na zona de luz, eclipsando a porta com seu grande corpo torneado de músculos me tirava o controle sobre meu próprio coração. Eu temia e queria ver de perto a marca que fizera em si, o sinal de adeus que agora significava para mim seu novo rosto.

_Gostou? _ aprumou-se e eu levantei os olhos fixados em seu peitoral para a cabeça redonda, lisa, sem cabelos, com uma fina camada apenas a rodear-lhe o crânio. Sorri e me mordi pra não me entregar demais. Já bastava a cor rubra que tornava o meu rosto quente. Que pergunta tola, até de peruca roxa ficaria lindo. Mas os cabelos raspados tinham um simbolismo próprio, era seu signo de militar. _Não ficou tão diferente, porque já era curto... Imagina quem tinha um bem grande... _ começou a tagarelar e por pouco não toquei seus lábios para que parasse, mas a minha mão deslizou pelo topo da cabeça e escorregou pela curva, terminando na nuca ossuda. Só um único gesto e sua voz morreu. Era ali seu centro dos pensamentos? Havia friccionado demais ou era a proximidade que o emudecia?

_Parece grama. _ri. _Um comentário típico seu! _riu também, revirando os olhos. Eu podia dizer que ele estava de parar meu coração? _Bom, parece um pitboy, falta só uma corrente grossa de bicicleta no

pescoço e... _ fechei os olhos para pensar mais um pouco com a mão no queixo.

_Olha que agora eu vou pegar mais garotas, hen? _ olhou-se no espelho com narcisismo.

_Pensei que tinha uma só! _ parei ao seu lado e olhei-o através do espelho.

_Hum, falei hipoteticamente. _Sei! _ puxei a camisa do seu ombro e usei como chicote para dar-lhe

uma leve batida. _Vai espalhar fio de cabelo por toda parte, maluca!_ tentou tomar,

mas eu trouxe o braço para trás. _Tudo bem, se quer meu cabelo, pode ficar. Eu fiz uns amuletos pra

vender. Não é todo dia que Sansão corta o cabelo, né? Meus super poderes agora estão fracos.

_Convencido! _ bati-lhe novamente e isso o atiçou, pois correu atrás de mim na sala até que caímos no sofá em uma briga que enchia todo o ambiente de risos e gritinhos.

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_O que está havendo aqui?! _ minha mãe desceu a escada rapidamente e parou no meio ao olhar para Maurício.

Eu sabia o motivo pelo seu choque, poderia decifrá-lo como se uma legenda passasse abaixo. Ela via meu pai em Maurício. Seu cabelo era a memória do que se passou para ela e do que estaria por vir para mim. Tentou ser amistosa e elogiou, mas eu sabia que faria tudo para dissuadi-lo daquele caminho, se pudesse. Incentivou-o a mostrar ao pai. Fechei o tempo com o olhar que lhe destinei, afinal, sendo o pai controverso também àquela idéia de futuro para Maurício, apresentar-lhe o novo look contribuía para aumentar seus temores.

_Não se preocupe, todos vão se acostumar. _ falei-lhe baixo, preparando-o para qualquer repúdio que viesse a enfrentar.

_Obrigado. _ ele esperou que minha mãe pegasse o corredor da cozinha para dizer. _ Eu sei que só você me apóia.

_Tem sua namorada. _ lembrei-o de Roberta, sua garota da vez. _É, tenho. _ sorriu e olhou para as mãos, agarrando a camisa. _Pra

ela eu ainda vou ser o Maurício. O Mau que ela quer... _Pra mim, não? _ franzi a testa. _Você vai entender quando eu deixar de ser... _Por que eu? _ queria saber em que consistia minha exclusividade. _Deixa pra lá... Vou tomar banho. Vai tomar banho digo eu! Hei! Que espécie de joguinho de palavras é

esse? Eu vou entender quando deixar de ser ele mesmo para se transformar em outro? Olhei sua nuca careca se distanciando e entendi que não importava qualquer que fosse seu aspecto ou atitude, eu o amava. Será que sabia disso?

(...) Pais, irmãs, parentes e amigos, todos faziam ciranda em torno do

ônibus que levaria o novo grupo de alunos para partir para a Escola Preparatória do Exército. O que detinha minha atenção eram as namoradas que se enfileiravam lado a lado, diante das janelas, cabeças erguidas sob o teste mais difícil: ver a quem se ama partir. O motor do veículo ronca e Maurício escudado por Beta que lhe entrega os presentes olha pra mim sobre os ombros da namorada. Sinto que ele descobre quem dera a idéia daquele urso e de todos os presentes. Prendo o riso e olho para o meu pé. Ele sobe o degrau e não acena para nós. Meu espírito começa a se romper em pedacinhos. Dou dois passos a frente e afasto algumas pessoas, sigo com os olhos o caminho que ele faz no corredor do ônibus. A adrenalina começa a correr por minhas veias e dou a volta no veículo para ver onde se senta. Sua

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cabeça se vira para o vidro e nossos olhos se fixam. Logo minha mãe, seu pai e Beta aparecem atrás de mim e lhe acenam. Mas seu olhar logo volta pra dentro de mim. Discretamente, fecho o punho na frente do coração e ele entende o gesto, sustentando sua visão na minha mão.

Enquanto seu pai tentava lhe passar conselhos e a namorada lhe dirigia gestos espalhafatosos, eu mais atrás agora toquei a ponta dos meus lábios com os dedos e ligeiramente os descolei, mandando um beijo sorrateiro e quase imperceptível para o que ele abriu grande sorriso. Abaixei o queixo e sorri também, deliciada com aqueles códigos sutis.

O ônibus lentamente começou a se movimentar e seu rosto virou-se para frente entretido com outra coisa, logo senti meu celular vibrar no bolso de trás do jeans. Agüentei para não puxá-lo, não queria que ninguém suspeitasse da mensagem para mim. Não precisava ver para ter certeza, era para mim. Certifiquei-me de que Beta não tinha recebido. Eu queria ser a criança metida, única dona do melhor brinquedo. Deixei para ler quando a porta do meu quarto se fechara atrás de mim. Cheguei até a janela e vi o jardim quieto e escuro, sua barra de fazer exercício em um canto. Depois de sua partida, tudo que restara era a presença de sua ausência e como era vazio aquilo.

_ “Vou precisar de você. Sempre”. _ li e senti os joelhos quase dobrarem, apertei os olhos e toquei o celular nos lábios, contive um pulinho e me abracei. Hei, eu tinha que responder! Mas, podia, devia, era certo? A mim só restava entrelinhas, eu não tinha o espaço de solista em sua vida. Cocei a testa e andei pelo quarto com o celular, por fim, deitei de lado na cama e respondi: “Sempre”. Fechei os olhos e enviei.

Dormir fortemente abraçada ao meu travesseiro, mas, no meio da noite uma música soou próxima a minha cabeça, depois se tornou mais alta, até ficar estridente. Abri os olhos e dei-me conta de que vinha de baixo do travesseiro. Meu celular! Puxei-o e a luz forte do visor me cegou um pouco, mas quando consegui distinguir a foto que aparecia ao lado do nome que indicava o telefone, sentei-me imediatamente.

_Alô! _ meu coração pulsava na boca apertando minha garganta. _Já está dormindo? Nem chorou minha falta? _ a voz sedutora e

macia me fez estremecer até às entranhas. Se pudesse ver meus olhos que precisariam de tanta maquiagem na manhã seguinte dispensaria tal dúvida. Ter sua ligação era o melhor presente de conforto que poderia desejar. Sua voz em meu ouvido me enchia de forças. Era como se por breves momentos eu pudesse estar pertinho dele, sentir seu perfume, tocar seu novo cabelo curto, ver seu sorriso. Bastava fechar os olhos e deixar que a memória desse conta da bela figura que se fazia em minha cabeça com lindos e grandes olhos verdes que me derretiam.

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_Oi, Mau! Como chegou? _ limpei a garganta para parecer menos sonolenta.

_Bem. Achei onde tenho que dormir, arrumei as coisas no armário, conheci bastante gente... _ começou a contar-me e fiz bastante força para prestar atenção, mas em paralelo meu cérebro tentava entender por que ligar para mim a fim de contar tudo aquilo? Eu queria sempre ter a certeza de que era uma mensagem, um sinal. Eu precisava sentir que era só pra mim.

_Ãnh... Que legal que tudo correu bem. _Bom, até agora. Na verdade, ainda vai começar, não posso dizer que

está tudo... _Hei, menino, nada de pensar nas dificuldades. Viva cada dia. Deixe

pra amanhã suas preocupações. Porque amanhã você terá a força que está construindo hoje. Mas, se ficar gastando seu tempo com o futuro, chegará nele através de um presente vazio.

_Você lê livros de auto-ajuda antes de dormir?_ riu. Não lhe respondi. Eu estava sendo o que uma namorada deveria ser?

Ou podia uma irmã dizer isso? Se sim, droga, eu queria pelo menos ocupar o papel de irmã agora, que ironia.

_Só papo de amiga. _ arrumei uma saída. _Obrigado. Eu estou bem ansioso. É tudo novo e tenho medo de

errar, de não amanhã ver que escolhi mais uma vez errado. _Se isso acontecer, você vai estar bem aí para saber, porque teve a

coragem de ir e lutar. Construímos as certezas com base em fatos e dados. _Eu sabia que tinha que te ligar. _ disse, de repente e aquilo era

morfina em minhas veias. _Por quê? Não ligou pra sua namorada, seu pai...? _Liguei, liguei... _respondeu e me senti a terceira, mas ainda feliz,

porque ele estava prestes a me dizer porque “tinha de me ligar”. _ ... Mas, Roberta só sabia chorar e dizer o quanto era triste e horrível o fato de estarmos separados e como seria tão difícil ficar aqui. Ou seja, conseguiu me fazer pior do que eu estava. Meu pai não saiu daquela conversa de que eu fiz o que eu queria. Bom, eu sabia que você não entraria no papinho de “sofrer junto comigo” e me daria margem para não ter certezas.

_Eu sempre vou gostar de você como é, sem exigências. _ respondi sem pensar e me dei conta de que tinha a ver com o que me dissera à tarde sobre compreender suas mudanças. Droga! Por que não trocara “gostar” por “aceitar”? Hunf! Eu precisava urgente de um dicionário de sinônimos para dialogar com ele. _ Vamos animar! Nada de ficar com saudade de casa, logo vai estar de volta para o seu quarto, suas coisas... _ lembrei-o com voz risonha, sabendo que não era verdade. Que o logo demoraria tanto, que eu sentiria bastante dor por isso. _Dê o melhor de si e me ligue para contar tudo.

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_ outra frase impulsiva que merecia conserto rápido. _ Arhhmmm, quero dizer, se quiser, quando tiver tempo...

_Aqui parece que não vou ter tempo. Opa! Olha a exclusividade por aí: _Nem pra mim? _ desafiei. _Eu não estou ligando agora? É agora que importa, não? _Sim. Desliguei com um sorriso. E, agora, eu te amo.

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Quem fica sente mais (Duda)

Eu estava com a cabeça enterrada entre um punhado de folhas de resumo para a prova da faculdade e dois pesados livros quando ouvi um “Oiii” alongado e estridente vindo da porta da sala. Levantei os olhos e soltei o ar pela boca com ironia. Ótimo! Visitinha de Roberta. A empregada que fora abrir a porta passara por mim com a mesma expressão de insatisfação.

_Ansiosa pra ver seu irmãozinho?! _ perguntou apoiada em uma cadeira. Sua melhor forma de provocação era lembrar-me quem era quem na vida de Maurício.

_É... _ suspirei vagamente e virei a folha do livro. Se ela soubesse o quanto eu estava atrasada no estudo justamente por não controlar o meu coração que o buscava em pensamento toda hora não ficaria nada feliz. Apertei forte o lápis entre os dedos e grifei um trecho das minhas anotações.

_Será que vai demorar muito? _ perguntou ansiosa, ignorando que eu precisava ficar sozinha.

Levantei os olhos e procurei o relógio da sala. Estava tão nervosa que sentia minha barriga doer. Tinha contado cada hora do dia desde que amanhecera. Fui até a cozinha beber água, estava com a garganta seca. Ouvi buzinas e meu coração estancou doloridamente no peito. Um banho de endorfina se espalhou pelo meu corpo. Sofia puxou a barra da minha saia e latiu pra avisar que eu devia correr também.

_Eu já sei que ele chegou. _ ri alto e fiz sinal pra que ela saísse ao seu encontro.

Caminhei pela lateral da casa, até chegar à varanda da frente. Maurício estava com a camisa na altura do seu rosto, arrancando-a. Sem tênis e de calça jeans ele deu um mergulho na piscina. Meu garoto marcando presença. Quando seu corpo emergiu na outra borda ele me olhou em cheio e seu sorriso branco era a forma mais perfeita de me matar. Seus braços agora musculosos impulsionaram o peito para cima e saiu com a calça pesada querendo cair-lhe da cintura, com o elástico da cueca à mostra.

Três passos em pulinhos, um afago em Sofia e ele caminhou em minha direção como uma escultura grega de tirar o fôlego. Seu pai e minha mãe ao lado do carro tirando suas coisas pararam por um momento para ver nosso encontro. Roberta também estava concentrada em nós. A sensação

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era de que íamos fazer alguma coisa errada a qualquer momento, mas a cada novo passo, os personagens ao fundo se esfumaçavam.

_Não toma banho na Prep? _ tentei falar qualquer piada boba para tornar trivial o nosso contato, mas a intensidade do seu rosto me atingia em cheio. Mau me envolveu com um abraço apertado, forte, molhado e caloroso, arrepiando-me. Ganhei um beijo na bochecha e um rápido e delicado no pescoço.

_Estava com saudade. _ sua voz rouca e baixa em meu ouvido me amoleceu as pernas.

_Quem fica sente mais. _ sorri tristemente e ele afastou seu rosto, antes encaixado no meu ombro pra contemplar-me com seus olhos de cristais, brilhantes. _Seu cabelo cresceu. _ pela primeira vez consegui me mover sozinha e estiquei as mãos para emoldurar seu rosto. _Está melhor assim.

_E você está melhor do que nunca. _sorriu de lado e tocou meu queixo. Eu temi que se me largasse eu desabaria no chão.

Roberta com passos de soldado marchou até nós cavando buracos no gramado com seus saltos, puxou Maurício com a desculpa de que deveria se secar. Seu braço forte saiu da minha cintura, deixando-me novamente frágil e pela metade. Virando o rosto, vi suas costas largas e rasgadas de músculos entrarem pela porta da sala, logo depois passou minha mãe com um olhar de reprovação.

Mordi o lábio com força e abaixei-me para abraçar Sofia, querendo descarregar em alguém todo o amor que transbordava dentro de mim. Sorri. (...)

Eu era a última a ficar acordada, sozinha à mesa, entre papéis e

livros. Sofia ao meu pé fazia guarda. Para que forçar estudar mais? Suspirei e empurrei a cadeira para trás. Sentei-me encolhida em uma poltrona que ficava encostada à janela. O vento agradável e a lua no céu podiam ser bons ingredientes para me trazer o sono. Meu corpo não conseguia ficar quieto. Coloquei os fones no ouvido e aconcheguei-me entre as almofadas. Logo meus olhos pesaram e eu senti tudo ficar mais leve e silencioso. Mas, um toque delicado nos meus pés me assustou. Ergui-me rapidamente e me dei conta de Maurício sorrindo, sentado à minha frente.

_O que está fazendo aqui sábado, à noite? _ perguntou, estranhando. _Tenho prova. _Às onze e meia? _ franziu a testa, olhando o relógio prateado no

pulso esquerdo. _Não... segunda. _ ajeitei meu cabelo e molhei os lábios. _E você o que faz aqui? Não devia estar com Roberta?

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_Os pais dela queriam que chegasse cedo. _E você não parece nem um pouco aborrecido. _ observei. _Aprendi a não me estressar com algumas coisas... _Deve estar aprendendo muito, não? _ perguntei e ele riu. _ O quê? Mau balançou a cabeça para o lado e ficou olhando pra frente,

pensativo, como se visse sua vida nas bolas de acrílico colorido enfeitando a mesa de centro.

_Eu aprendo algumas coisas, mas quando volto para casa, a sensação é de que aqui eu parei no tempo, só que vejo que a vida seguiu sem mim...

_Mas, não tinha que ser assim? _ aproximei-me mais até ficar ao seu lado.

_Pode ser... _engoliu em seco e virou o rosto pra mim com seus lábios úmidos e vermelhos entreabertos. _ O que eu andei perdendo?

_Não muita coisa. _ abaixei o rosto para mentir sem ser traída por mim mesma. Apertei o dedão do meu pé e encostei o queixo no joelho, encolhida em estado de proteção. _ Como é por lá?

_Eu sempre te conto por telefone... _ falou baixinho. _O que quer saber?

_Tudo. _ dei de ombros. _Fez muitos amigos? _ajudei a começar. _Ah! Isso sim. _ sorriu, parecendo lhe agradar esse tema. _ Fiz vários.

A gente fica muito junto. É quase uma convivência forçada. Imagina tomar banho junto, dormir no mesmo espaço, compartilhar quase todas as horas do dia... A gente vira quase irmão de alguns. É maneiro.

_Você já pensou em desistir? Mau ficou quieto, em silêncio. Meu braço escorregou pelo encosto do

sofá e meus dedos hesitaram por um momento até tomar coragem e afaguei o cabelo da sua nuca.

_Todos os dias. _Todos os dias? _ ri e não notei que tinha projetado demais o rosto

pra frente, pois quando virou o seu pra mim vi o quanto estávamos próximos, sentindo a respiração um do outro.

_A gente passa por muitos testes e privações que nos fazem querer por um segundo desistir. A diferença é que afastamos o pensamento e lutamos contra ele. Alguns não querem ter esse esforço e vão embora. Mas, eu ainda consigo mandar na minha mente...

_Você é muito forte. Eu te admiro muito. _Eu adoro ouvir você dizer isso... Suas ligações são importantes,

mesmo que nem sempre eu tenha tempo de te retornar. _Tudo bem. _ desviei o olhar para minha mão que lhe acariciava o

cabelo. _Duda?

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_Ãnh? _ engoli em seco, eu temia que ao chamar meu nome fosse dizer alguma coisa muito importante.

_Acho que vou dormir para aproveitar melhor o dia amanhã. _Claro, boa noite... _ mecanicamente o abracei para desejar-lhe boa

noite, mas seus braços me apertaram com mais intensidade do que esperava e seu beijo no meu rosto me acendera inteira. _Senti muito, muito sua falta. _ confessei.

_Vai passar. _A saudade? _A distância.

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É preciso suar (Duda)

Meu coração parecia animado, como cachorrinho arranhando a porta por causa do seu dono. Revirei os olhos enquanto subia a escada. Que comparação mais estúpida de uma perdida apaixonada. Sorri, esse estado de arco-íris me faria a qualquer hora cair no ridículo. Abracei a pilha de toalhas e aspirei o cheiro de amaciante. Tudo tinha mais sabor, odor, luz, como se meus sentidos estivessem hiper aguçados. Abri a porta do quarto de Maurício e deixei suas toalhas na gaveta do banheiro. Parei diante da janela de madeira e o avistei no jardim se exercitando. Era quase uma hipérbole aquela demonstração de tanta beleza em músculos, suor e força, subindo e descendo na barra de ferro. Abaixei os olhos e me dei conta de um porta-retrato em sua estante. Peguei-o e aproximei para ver melhor seu lindo rosto. Abracei a foto e fechei os olhos como se fosse ele mesmo encostado em meu peito. Eu não poderia tê-lo em vida, quem sabe em sonho.

Abri os olhos e vi seu reflexo na janela atrás de mim. O susto foi tão grande que dei um grito e o quadro se espatifou no chão. Apressei-me sobre os cacos de vidro em refúgio pra que meu rosto não denunciasse as idéias que se passavam em minha cabeça.

_Não, vai se cortar. _ ele puxou-me com força, dei um passo atrás e encostei na cama, em desequilíbrio. _ Desculpe... _ ele se deu conta que mensurara mal a pressão sobre meu braço e soltou-me, com as mãos no ar em pedido de desculpas. _Não pensei que fosse te assustar...

Seu corpo reluzindo de suor parecia de algum modelo de revista e as gotas que escorriam me tiravam a fluidez natural dos pensamentos. Eu deveria estar procurando um desculpa aceitável para estar agarrada a sua foto e tudo que me ocorria era só sua imagem estonteante diante de mim. Um cordão fino de ouro entre seu peito definido e bem talhado subia e descia com o movimento de sua respiração. Antes que terminasse a varredura visual até seus pés, tomei a sensatez de pular da cama.

_Não foi nada. _ tentei sair, mais outra vez ele pegou meu pulso. _Está grudento. _ ri e me afastei fingindo nojo, quando era medo, medo de mim. _Eu vou pegar a vassoura pra limpar...

Ele balançou a cabeça como se não tivesse importância e jurei que fosse perguntar o que fazia em seu quarto, mas surpreendeu-me com um pedido diferente:

_Vai ter uma festa de formatura no fim do mês. Você vai, não é?

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_Ãnh... _Você foi muito importante pra mim esse ano. Quantas noite te liguei

pra te chatear. Seria legal se aparecesse... _Eu vou ver... _abaixei a cabeça e coloquei o cabelo atrás da orelha.

Vários flashs na minha cabeça recapitularam todas as noites maravilhosas e felizes com suas ligações. Era só isso de que ele precisava? Que eu fosse a festa? Eu seria capaz de dar tudo que pedisse, mas se o que queria de mim era tão pouco, eu guardaria o resto pra quando notasse que precisasse de mais. _Eu tenho que ver o dia e... roupa.

_Será uma festa formal, tipo aqueles vestidos longos. _Longos?!

_É. Mas... terá tempo de comprar, ou pode pedir emprestado e... _Não, não... _ ri e balancei a cabeça levemente com sua confusão. Eu

não estava preocupada em como arrumaria meu figurino, mas imaginando que isso significava que ele também estaria lindo e formal. _ Só fiquei pensando que... será formal. _ dei de ombros. _Como você vai?

_Eu? Um uniforme branco. _Essa não. _ pensei alto. _Oi? _Essa não, eu acho que deixei o fogo ligado na cozinha e... tem

toalha limpa no seu banheiro. _Valeu. Desci a escada agora de cara amarrada. Que grande papel de pateta

eu me punha. Pra que estar feliz com esse convite se iria de acompanhante secundária? Mas, não demorou muito para que eu tornasse a me animar. Principalmente com ajuda da minha amiga Helena que encarou a tarefa como se fosse me vestir para Oscar.

_Eu não posso comprar isso! _ apontei para a etiqueta do vestido pendendo na alça. Ela enfiou a cabeça no provador, cuidando de fechar a cortina de veludo vermelho ao redor do seu rosto.

_Querida, não é você que escolhe a roupa, mas ela que escolhe você! _E quem escolhe o cartão de crédito?! _olhei atrás para buscar

alguma imperfeição, mas nada me caíra tão bem quanto aquele vestido sereia em vários tons de azul, com micro pedrarias avaliado em nada mais que mil reais.

_Você não anda usando a mesada do seu pai como merecia e ainda pode pedir esse mês adiantado...

_Eu não vou usar um ano de mesada em um único pedaço de pano costurado como segunda pele, só porque...

_Só porque... _ Helena entrou na cabina e ficou frente a frente comigo no pequeno espaço. _ ...O Maurício vai sentir o coração parar quando vir essa

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loira estonteante entrar sozinha pela entrada de tapete vermelho e vai querer te puxar para dançar...

_E a namorada dele vai puxar o tapete para que eu caia de cara no chão!

_Você está incrível. _ ela me obrigou a me olhar no espelho com seu queixo em meu ombro. _ E se não quiser ganhar um beijo, então coloque de volta lá naquela arara.

_Nada de cinema, nada de lanches ou unhas, estou dura por uma vida... _ resmunguei carregando a pequena sacola mágica.

_O quanto vale um beijo quente e apertado do Mau, ãnh, ãnh? _gesticulou a dramatização do que seria um amasso.

_Da onde tirou tanta certeza que vou ganhar isso? E quem te disse que eu seria capaz...

_De recusar?! _ riu alto. _ Querida, eu sei que tudo isso que está fazendo... _ colocou a mão no meu ombro. _É só um pouco de dissonância, não está querendo criar falsas expectativas, mas hei, que seria a vida sem essas emoções?!

Chegando em casa, eu fui guardar a roupa no meu quarto e, ao voltar, encontrei Helena folheando rapidamente uma revista no sofá. Ela travava um inquérito com Maurício.

_...Mas, nenhum amigo interessante? Porque a Duda e eu temos que fazer alguma coisa nessa festa. Precisa nos apresentar a todos os seus amigos.

_Eu não preciso. _ gesticulei pelas costas de Maurício, balbuciando. _ Preciso dele. _ apontei para meu peito e depois para Mau.

_Não, não tem, eles são galinhas ou já tem namorada. _ ele finalizou o assunto.

_Tipo você? _Como assim? _ perguntou. _Ora... que tem namorada ou também é galinha? Te senti meio

confuso... _É isso. Tenho namorada. _Hum, então não serve, ninguém serve pra você Duda... _ ela fez um

ar de pesar e continuou a folhear a revista ferozmente. _ Por que não se inscreve no programa da Luciana Gimenez? Ela está procurando um namorado para aquela ex-BBB, qual o nome? Francine.

_E quem disse, para o seu governo... _ cai no sofá ao seu lado. _ que eu iria querer algum daqueles pirralhos? Eu tenho muitas pessoas interessantes na minha faculdade. _ falei pausadamente, como se contasse uma grande carta na manga.

_Ah! Sua egoísta, não acredito que me deixou de fora da última chopada!

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Enquanto Helena puxava meu braço para simular uma briga, captei no olhar de Maurício certa decepção saborosa. Olha só! Macho Alfa em apuros?! Ele se levantou e saiu em silêncio.

_Uiii, so cruel, baby! _ Helena colocou a mão no peito dramaticamente. _ Já quer ganhar o beijo, sem precisar usar o vestido? _ sussurrou ao meu lado.

_Não... agora estou a fim de usar o vestido. _ falei desafiadora, vendo Maurício sumir no corredor.

_Tsi tsi... estou criando um monstrinho. _suspirou. _ Não se esqueça que tem alguns dias para aprender a dançar valsa.

_Valsa?! _Nem parece que é filha de quem é. Como pode se esquecer disso?

É tão típico... e isso aqui não é como no programa So you think you can dance, em que você tem aqueles professores maravilhosos para ensinar. Trate de correr atrás.

_Imagina se vamos dançar! Ela levantou uma sobrancelha em reprovação. Engoli em seco. _Acha que... _Anda, a vida é feita de 99% de suor!

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Quando é amor (Duda)

Controlei a respiração para não alimentar o pânico. As batidas na

porta tornaram-se mais intensas. _Duda, está aí? Esfreguei minhas mãos suadas e me olhei novamente no reflexo do

espelho. Helena surgiu com a cabeça na porta e sua boca entreaberta aumentou o aperto no meu estômago.

_Too much?_ fiz uma careta. _Eu estou vendo o que eu estou vendo? Oh, meu Deus! _

cerimoniosamente, ela se aproximou e deu uma volta ao meu redor. _Ótimo, estou me sentindo uma Na’vi Avatar com esse vestido azul,

vou tirar, vou... _Então, que tal ir ver seu grande amor guerreiro te esperando lá fora?

_ ela sorriu docemente, falando baixinho. _Ele não está sozinho. _ olhei para baixo e focalizei nos pontinhos

brilhantes da minha sandália de pedras. _Pelo menos agora está... Parece que a namoradinha dele se atrasou

no salão e vamos buscá-la... _ olhou dramaticamente para mim, me fazendo rir. _... enquanto isso.

_Não sei... _ dei meia volta e olhei-me no espelho. O vestido estava perfeitamente ajustado nas curvas do meu corpo, com um decote em v contornado de micropontos de pedrinhas brancas, pratas e azul em degradê. O cabelo estava semipreso com cachos perfeitamente bagunçados.

_Hei, vocês duas, já estão todos no carro! _ouvimos a voz de Maurício do lado de fora do quarto do hotel.

_Ôh,Ôuh... não tem mais tempo... _ Helena deu um risinho e se afastou.

_Anda, gente! Pra que se arrumar tanto?! É só uma fest... _ a voz de Mau ficou cortada no ar quando Helena abriu a porta.

_Já estou descendo. _ ela olhou pra mim e depois pra Mau e fez aquela cara de “vou deixar vocês sozinhos” e saiu.

Borboletas alçaram asas no meu estômago em uma revoada quando seus lindos lábios vermelhos se entreabriram para buscar ar. Estava simplesmente de parar o coração vestido com um uniforme branco e cabelo molhado. Levemente segurei o encosto de uma cadeira para não cair dos saltos.

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_Desculpe a demora, é que eu estava aqui...ãnh. _ peguei o pincel de blush e virei para o espelho para dar um retoque no rosto. _... terminando de me arrumar.

Vi quando seus olhos pararam diretamente abaixo do decote das minhas costas quando me inclinei para frente.

_Sem problemas... _ falou arrastadamente e bateu os cílios para manter a compostura. _ Falta muito?

_O que acha? _ desafiei caminhando para a cama em busca da minha bolsa de festa azul marinho. Conferi se estava tudo ali: pó, batom, espelho, celular e convites.

_Acho que você não precisava de muito... Parei com a bolsa aberta entre os dedões e lentamente levantei o

olhar para os seus já bem perto. _Está dizendo que... _ meu tom saiu amargurado, mas na verdade era

puro fingimento para que ele alongasse seu elogio. _...eu estou demais, errei no...

_Não! _ agitou a mão no ar, caindo como um patinho. _ Eu acho que você está... muito gat..., linda.

_Ah! Sim... _ agora, um ar um pouco arrogante para desafiar seu poder primitivo de caça, pestana levantada de “acho bom” e passei pela porta. _Vamos?

Minha mãe estava do lado de fora do carro e me deu todos os elogios possíveis até que, de repente, seus olhos não gostaram do que viram no rosto de Maurício quando encontrou nele uma concordância mais profunda sobre minha beleza. Nós dois abaixamos o rosto e eu dei o primeiro passo para entrar no carro. Ele em seguida inclinou o corpo no banco de trás e apoio a mão para se equilibrar. Sem querer, nossos dedos se tocaram e sua cabeça quase esbarrou em meu pescoço inundando mais o ar com seu perfume que agora podia perceber mais intensamente. Na outra extremidade, Helena se espremeu em silêncio.

No escuro do carro, nossos pais se entendiam com o GPS: minha mãe tentando digitar o endereço e meu padrasto dando as instruções como se fosse uma simples receita de ovo frito que ela não conseguia acompanhar.

Uma curva jogou meu corpo para o lado e Maurício segurou minha mão, ou foi eu que toquei a sua? Nossos dedos se entrelaçaram e eu procurei seu rosto para acreditar que não era uma coisa só da minha cabeça e o encontrei também estudando aquele contato na penumbra. Aumentei levemente a pressão e seu dedão acariciou as costas da minha mão, me deixando embreagadamente apaixonada. Balancei a cabeça para os lados, segurando o sorriso, me concentrando na janela. Nossos corpos estavam ligados com o calor de nossos dedos em uma conexão íntima, delicada e proibida. Quando eu já me acostumava com aquele elo, Mau deslizou a palma

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da sua mão pelo meu pulso e depois meu antebraço. Segurei firme a respiração e fechei os olhos, fingindo dormir para não chamar a atenção de ninguém pelo retrovisor.

_Chegamos. _ o carro parou. _ Esse não é o hotel da Roberta? Que pena que ela não achou vaga no nosso. Mau, querido, você vai até lá buscá-la?_minha mãe estava exageradamente doce.

_Vou. _ saiu, depois que Helena deu passagem para que descesse. _Vocês todos vão ter que caber aí atrás, hen? Fiquem de lado... _

minha mãe aconselhou, mas eu não conseguia ouvir mais nada. _ A caminhonete é grande.

Enviei uma mensagem de celular para Helena, que discretamente sentada ao meu lado esperando tirou o seu de sua bolsa: “Eu não vou agüentar” e ela respondeu: “Claro que vai!”, “Se eu vomitar nesse vestido de mil reais, eu me mato!”. Helena soltou uma risadinha e minha mãe perguntou qual era a graça.

_Nada, eu estava lembrando de uma coisa... só isso...Hei, lá vem eles. _ Helena foi salva pelo gongo.

_Demorei muito? _ Roberta perguntou, se espremendo do meu lado. “Podia não ter vindo”, pensei. _Bonito vestido, combinou com você. _ elogiou-me. “Seu namorado também achou!”, quase falei. Quando saltei do carro, Helena segurou meu pulso sem que os outros

pudessem ver o gesto bem calculado e disse entre dentes, bem baixinho: _Disfarça, você está com uma cara de quem está escondendo uma

faca e vai matar alguém. _advertiu. _ Não dá bandeira. _Eu posso matar com minhas unhas, cravar no pescoço! _

resmunguei. _Prometa ficar longe de mim a noite toda! _ sorriu. _Duda, tira uma foto nossa? _Roberta me entregou a máquina e

agarrou Maurício pelo pescoço para beijá-lo na bochecha. Parei por um segundo, tentando acreditar que eu estava metida

naquele triângulo e, depois, estiquei maquinalmente o braço para clicar a foto. Maurício a impediu de repetir a dose. Agora me pergunto: por mim ou por ele?

Fugi a noite toda da mesa, deles, de mim. Pulei da mesa de frutas com chocolate para a de salgados, arrumei desculpas. Perambulei, mas a noite não terminava nunca.

_Te achei. _ senti alguém me puxar. _Onde esteve? _Eu? Ora, dando uma volta... _olhei em torno e Maurício me seguiu,

encontrando na sua linha de visão alguns carinhas me focalizando risonhos. _Não vai dançar nenhuma música comigo? _Devíamos? _questionei com tanta ironia que só aí percebi a raiva

que sentia. _ Desculpe, eu quis dizer, a gente pode?

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Ele enfiou a mão no bolso e abaixou a cabeça. Óbvio que não. Balancei a cabeça para os lados incrédula que eu estava vivendo um amor impossível, quando existia uma multidão povoando o mundo e meu coração ligado ao único que eu deveria ter total incompatibilidade.

_Ela está na enfermaria. _Ãnh? _Ela extrapolou, foi dançar axé descalça, cortou o pé em um copo

quebrado... _Por que não está lá com ela? _Todos estão dando apoio e eu... _Veio me buscar também? _ apontei para o meu próprio peito, agora

possuída pela revolta, quase gritando, sem agüentar fingir nada além do meu ciúme.

_Eu vim ter a única chance de dançar com você. _ aproximou-se mais.

Esse era o preço, o nosso preço. _Por favor... _ tentei afastar com a mão em seu peito, mas foi mais

rápido e segurou minha cintura mais rapidamente com a outra até que meu seio estava colado ao seu peito.

_O que vão pensar...? _ perguntei, com as testas quase coladas. _Não importa, eles não importam... _ referiu-se a seus amigos. _Você

é minha irmã, lembra? _Assim... _ toquei seu rosto com a minha mão. _Eu não consigo

lembrar de nada. _mordi o interior do lábio. Ele riu e me girou, depois me trazendo para junto do seu corpo

quente. Encostei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos. A luz baixa e a música nos envolveu.

_Eu queria te raptar essa noite. _ falou com a boca colada na minha orelha.

_Só essa noite? _O quanto seria o bastante? _O quanto se contenta? _afastei-me. _Cada um pode ter aquilo pelo

que luta... _ deslizei minhas mãos da sua e com muito esforço virei as costas. _Vou pegar uma bebida.

Peguei o celular da bolsa e busquei um lugar tranqüilo para conversar. Procurei o número na agenda.

_Pai? Eu sei, é tarde. Pai, vem pra cá. Se transfere pra cá? Está tudo bem, sério, está mesmo. Só quero morar com você. Minha mãe? Ela está sendo ótima. Então? Então, que sinto sua falta... Tá, te ligo para falar com mais calma amanhã. Claro, tchau.

Helena estava parada bem atrás de mim quando apertei o botão para encerrar a chamada.

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_Vai sair de casa? _Não dá mais. Está insustentável. Eu quase o beijei agora

pouco._falei com nojo da minha própria fraqueza. Segurei as lágrimas. _Eu não posso... _ apontei para o meu próprio peito. _Eu não posso! _ encolhi os ombros.

_O que não pode, Eduarda?! _ ela falou dura, olhando nos meus olhos, quando eu precisava de uma lição. _Você pode tudo, tudo, entendeu bem? Onde está o seu amor, no alto da montanha? Então, escale!

_Ele é... _Não, não é seu irmão! _falou quase com o rosto colado nos meus.

_Ele não é nada, nada seu. Não acredite na vida que construíram para você. Não era um avatar dançando naquela pista agora pouco, era você. A única coisa que pode considerar é que ele é o seu grande amor.

_Eu vou ficar bem, bem longe. _Não adianta fugir quando é amor.

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É como se eu estivesse fugindo o tempo todo (Mau)

_Onde ela está? _ perguntei para Helena, enquanto já avistava Duda

ao longe falando ao telefone. _Fica fora..._ ela me conteve e fez uma careta de irritação. _ Não vá

provocar nenhum escândalo, a minha amiga não precisa disso... _Mas, eu... _Você tem uma na-mo-ra-da! Pegue ela pelo braço e deixe sua irmã

de fora. Parece que todas as vezes que Duda tinha que virar alguma estranha

pra mim, pronunciavam a palavrinha magia. _Eu vou ferrar tudo! _ passei a mão na testa suada, bebi um gole da

minha bebida quente. _Então, não faça isso, lá vem sua lady. _ Helena viu algo atrás dos

meus ombros e saiu de perto quase me dando um esbarrão. Eu dei um passo em direção ao caminho onde estava Duda, mas uma

mão segurou-me. _Amor! Eu estou com o pé machucado... _ Roberta fez um beicinho,

segurando a sandália no alto. Seus lábios se mexiam, mas sua voz para mim se fundiu ao ruído da música e vozes. _Vamos? Vamos? _ repetiu, sacudindo-me.

_Ãnh? _Pro hotel, dorme lá comigo... _ sussurrou no meu ouvido,

encostando seus lábios. _ Eu tenho uma ótima desculpa, você precisa cuidar de mim. _ riu alto.

_Claro, vamos, vamos... _ olhei para os lados, como se procurasse verificar que não havia esquecido nada. Suspirei. O que tinha a perder? A festa pra mim tinha sido muito aquém de todas as emoções internas que aconteciam no meu coração.

_Você me espera lá na mesa? Eu preciso pegar uma coisa com um amigo e já volto...

Não esperei que dissesse uma confirmação. Assim que caminhou para o lugar onde estavam meus pais, corri até Duda.

_Vem aqui, por favor? _ puxei sua mão e seu corpo virou bruscamente, esvoaçando vestido e sua cabeleira loira para o lado. Arrastei-a até uma penumbra, longe de todos.

_O que foi? _ ela perguntou, segurando o copo na altura dos lábios, o cotovelo apoiado nas costas da mão esquerda. O busto curvado para frente em posição de segurança e enfrentamento.

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_Isso não está certo... _ balancei a cabeça para os lados. _Isso não existe. _riu, revirou os olhos e se aproximou mais. _Coloca a mão no seu coração. _pedi. Duda fez um ar de desdém, virou o rosto para não se deixar vencer,

torceu a boca. _Estou pedindo, coloca a mão no seu coração! Ela engoliu em seco e com má vontade colocou a mão sobre o lado

esquerdo do peito. Suas unhas cintilavam e um anel brilhante reluzia intensamente no seu dedo anelar.

Toquei levemente fechando a concha da mão na sua orelha e maxilar, com as pontas dos dedos apertei o lóbulo e desci por sua garganta contraída com as pontas dos dedos, até que estes mergulharam na cascata de cachos que escondiam a nuca fina e delicada.

_O seu coração consegue mentir?!_ perguntei, falando baixinho. _E olha que “isso” ainda nem existiu.

_Mau... _ suspirou. _O que você precisa pra...? _ perdeu as palavras olhando para os meus lábios. _Vamos... _ engoliu em seco.

Soltei-a e me afastei. _Me espera? _ pedi e corri de volta em direção aos meus pais. Eu

tinha que resolver minha situação antes com Roberta. Era justo com ela, mas não fácil de se encarar.

Logo no início das minhas férias, embarquei para o nordeste com um grupo de amigos para curtir a liberdade de viajar sozinho, ficando na casa de cada um. Depois de um tempo de confinamento, eu queria sentir-me em movimento. Fiquei com algumas garotas, mas elas foram apenas uma passagem, uma breve emoção que se consome em pouco tempo. Eu sabia que fazia parte do roteiro azarar com meus amigos, tirar proveito de ser solteira, mas, quando voltasse iria encontrar Duda.

Depositei a mochila na sala silenciosa. Caminhei até seu quarto para lhe entregar os presentes, mas tudo estava mais organizado que o comum.

_Ela não mora mais aqui, se quer saber... _ a empregada passou pelo corredor.

_Como é? _Sua irmã foi embora. Encostei-me à parede e senti pesar, o coração bateu no chão e ficou

ali esparramado.Quando você possui alguém fixado em sua alma, acha que ela não pode ir da mesma maneira embora, mas descobre que na vida os laços são mais frágeis de desatar. E não adianta somar pequenas poções de afeto que não vão equivaler ao todo que ela significa. Acreditando que é eterno, esquecemos da condição urgente do amor.

Ao acordar, nos damos conta de um quarto vazio.

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

Tirei o celular do bolso e disquei seu número, levei impaciente ao ouvido. Uma voz de homem atendeu com um "alô". Olhei novamente o visor para conferir o número, havia ligado o número certo!

_Oi, É o celular da Duda? _É. É o namorado dela falando, por quê? _Desde quando ela...tem namorado?! _E desde quando um carinha liga pra minha namorada pra tirar

satisfação da... _Eu sou seu irmão, seu animal!Deixa pra lá. _ desliguei e taquei o

telefone no celular com raiva e este quicou na almofada fofa. Senti uma incisão no coração com aquela notícia. Ninguém é capaz de amar alguém que nós mesmos, pensamos. Mas,

nosso amor não move o mundo. O que move o mundo são as pessoas e precisamos estar conectados à elas.

Sentei no sofá e fechei o punho. _Ela deixou isso pra você e pediu que eu te entregasse. _a

empregada me deu um envelope branco. Abri-o e na aba interior estava escrito à punho “pra o que sempre foi

segredo, fica em segredo”. Tirei um CD de dentro. Sentei na frente do meu computador e o inseri. Havia só um arquivo de áudio que deveria ser uma pista, ou um código provavelmente que só eu entenderia, caso alguém pegasse e nos descobrisse. Recostei-me na cadeira e ouvi a música: It's like your a drug It's like your a demon I can't face down It's like I'm stunned It's like I'm running from you all the time And I know I let you have all powers like The only company I see is misery all around It's like your a leech Sucking the life from me It's like I can't breathe Without you inside of me And I know I let you have all the power And I realize I'm not gonna quit you over time It's like I can't breathe It's like I can't see anything Nothing but you I'm addicted to you It's like I can't think

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Without you in You're haunting me In my thoughts In my dreams You're taking over me It's like I'm not me It's like I'm not me I'm hooked on you I need a fix I can't take it Just one more hit I promise I can do with it I'll handle then quit it Just one more time then that's it Just don't let open But you'll get me through this.

Eu não conseguia acreditar que aquilo era diretamente pra mim. Abri

uma janela do computador e joguei um trecho da música no google e tudo que Duda estava tentando me dizer veio claramente: É como se você fosse uma droga É como se você fosse um demônio que eu não consigo encarar É como se eu estivesse presa É como se eu estivesse fugindo de você todo o tempo E eu sei que deixo você ter todo o poder É como se a única companhia que eu procuro fosse miséria por todos os cantos É como se você fosse um sanguessuga Sugando a minha vida É como se eu não pudesse respirar sem você dentro de mim E eu sei que deixo você ter todo o poder E eu percebi que mesmo que o tempo passe, eu nunca vou te esquecer É como se não pudesse respirar É como se eu não pudesse ver nada Nada além de você

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Eu estou viciada em você É como se eu não conseguisse pensar sem você me interromper Nos meus pensamentos Nos meus sonhos Você tomou conta de mim É como se eu não fosse mais eu É como se eu não fosse mais eu É como se eu estivesse perdida É como se e estivesse desistindo devagar é como se você fosse um fantasma me assombrando Deixe-me em paz E eu sei que essas vozes na minha cabeça São só minhas E eu sei que eu nunca vou mudar o meu jeito Se eu não desistir de você agora Eu estou viciada em você Eu preciso de uma dose Eu não aguento isso Só mais uma dose Eu prometo que eu posso lidar com isso Eu vou aguentar, acabe com isso Só mais uma vez Depois, é isso Só um pouco mais para eu superar isso.

Eu entendera seu recado, eu também era viciado nela e o que faria

com a abstinência que me esperava?

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Destino interrompido (Duda)

Eu me deixei apaixonar por alguém que não era permitido e nessa me permiti sofrer. Mas, está tudo errado. Eu tenho que amar quem me quer. Eu só tenho que achar esse alguém, tudo bem que não é como procurar o sabor de batata frita na gôndula do checkout. Mantive os fones no meu ouvido, os pés na escrivaninha e os dedos sobre o mouse. Já havia alguns dias que a única notícia que eu recebera de Maurício fora que chegara ao nordeste para suas férias. Uma raiva borbulhava como ácido dentro de mim da maneira mais mesquinha, sim, eu não queria que ele estivesse feliz. Desculpa, eu queria que estivesse aqui do meu lado e não beijando todas as bocas como se fizesse bico de degustador de saliva. E eu com o fato de que ficara trancado um ano?! Eu ficara trancada do lado de dentro por causa dele durante um ano também? Só que agora eu estou aqui com uma caixa de bis do meu lado sem a primeira fileira com o grave risco de comer de uma vez só essa maldita camada de baixo. É só começar a desembrulhar esse papel laminado que vai se formar uma bolinha atrás da outra, cada mordida de nervosismo. Como podem esperar que viva minha própria vida de maneira saudável se meu novo TOC é o F5 na página do Orkut dele? Virei uma vigilante descarada porque eu sei que meu perfil fica visível, o que denota que minha integridade está valendo menos que camiseta regata em cesto do lado de fora de loja em queima total!

Eu tinha que colocar a cabeça pra fora já e apontar da janela “você, você aí em baixo de boné, você mesmo, olha pra cá, fica parado aí que estou descendo, você é o homem da minha vida”. Tudo bem, um homem com uma responsabilidade dessas ia roubar o primeiro carro que visse pela frente pra fugir a 120. Será, meu Deus, que é isso? Conspirei com a ajuda de um Bis vagarosamente mastigado. Eu fiz com que ficasse com medo? Ah! Levantei-me, bati no tampo da mesa: Quer dizer que ele não tem medo de aprender a atirar, a fazer mil campos, de viver sob o limite, mas tem medo de mim? Perguntei para o meu próprio espelho. Fraco. Fraco. Meti a mão na caixa e peguei três pecadinhos, que enfiei um atrás do outro, certa de que voltas no quarto tinha que queimar alguma caloria.

Eu estava esperando que ele fosse forte pra me assumir, mas, na verdade, eu precisava de certezas justo em um período que ninguém tem certeza de nada. Como podia cobrar isso dele? Que eu construísse, então, minhas seguranças. E minha única forma de ficar segura era sair da sua linha

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de tiro. Dizem que é pra ter calma que, quando menos esperamos a oportunidade chega. Só que, a oportunidade pode ser justamente de cair fora. Foi quando meu pai me ligou pra dizer que vinha morar na cidade e que estava de portas abertas pra mim. Desde, então, tudo, tudo mesmo a minha volta se tornou uma segunda camada cinza onde eu era o primeiro plano de um colorido fosco.

Minha mãe sentiu um desconsolo, mais pelo mundo que tentou construir e ficaria desabitado que por minha partida. Agradeci por tudo e coloquei a mochila nas costas. Mas, a despedida mais inquietante foi o abraço apertado do meu padrasto, que disse em meu ouvido: “Você pode sair daqui sem ele, mas ele não pode sair de dentro de você.” Eu sussurrei: “Ele nunca esteve aqui”. A resposta: “Onde? No seu coração?”. Minha mãe resmungou por não entender nossa conversa misteriosa. Falei que não era nada importante, na verdade, nada que ela fosse capaz de enxergar bem de baixo do próprio nariz.

Levei dali só uma foto dele roubada, culpa do meu coração sem vergonha e cretino que não quer ouvir minha razão e rejeita bons conselhos. Eu tinha apenas que deixar uma carta, um recado, uma mensagem que fosse. Nada de sair em branco, mas também não ia ser pega. Busquei um CD e gravei uma música que resumia bem o meu grau de intoxicação e entreguei o envelope para a empregada lhe dar quando retornasse de viagem.

Meu amigo Tony da faculdade abriu a porta do carro pra que eu entrasse. Sorri-lhe e sentei agradecida por poder partir daquela casa mal assombrada. Ele fora muito gentil quando eu pedira para que me fizesse aquele favor em me dar uma carona. Eu não queria mais ter pesadelos, nem me punir pelo que sentia. Fechei os olhos e deixei a música ressoar nos meus fones de ouvido.

It's like your a drug. It's like your a demon I can't face down. It's like I'm stunned. It's like I'm running from you all the time. And I know I let you have all powers like.The only company I see is misery all around. It's like your a leech. Sucking the life from me. It's like I can't breathe. Without you inside of me. And I know I let you have all the power. And I realize I'm not gonna quit you over time.

Lembrei-me dos scraps que ele recebeu no orkut de outras garotas e o coração pulsou ferido, me fazendo prender o ar pra não chorar. Seus últimos tweets revelavam toda sua felicidade em curtir tudo, tudo que aquele carnaval tinha de bom, enquanto eu não conseguia pensar em outra coisa que não ele. Eu já estava perdendo controle de mim pra aquele sentimento arrebatador.

It's like I can't breathe. It's like I can't see anything. Nothing but you. I'm addicted to you. It's like I can't think. Without you in. You're haunting me. In

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my thoughts. In my dreams.You're taking over me. It's like I'm not me. It's like I'm not me

Olhei pra Tony, que dirigia em silêncio e tive certeza que ele não fazia aquilo só por ser um bom amigo, mas por que esperava um momento em ter algo a mais em troca. Eu tinha que consertar o meu coração e eu precisava delegar a função a alguém.

I'm hooked on you. I need a fix. I can't take it. Just one more hit. I promise I can do with it. I'll handle then quit it. Just one more time then that's it. Just don't let open. But you'll get me through this.

Quando desci na porta da nova casa do meu pai, Tony perguntou se nós podíamos beber alguma coisa essa semana e eu lhe sorri apenas, lhe dando esperanças, como uma dançarina que simplesmente sabe qual próximo passo dar mecanicamente. Eu estava representando bem no papel que escrevi pra minha nova Duda que não ama o Mau. Mas, quando chegaria o momento que eu seria eu mesma e, não, meu personagem?

Estava pela segunda vez no carro de Tony, saindo da faculdade juntos para beber, quando o fantasma apareceu pra assombrar no meu celular. Meu amigo perguntou se eu não iria atender, visto que eu ignorava “Because of You” vindo da minha mochila. Eu sabia que era ele, pois tinha um toque especialmente pra seu contato.

_Você pode me fazer um favor? _perguntei. Tony tirou os olhos um segundo da estrada e me encarou. Um atleta

como ele só podia gostar de competições e desafios. Mas, como colocar aquilo sem que parecesse que tenho outro na cabeça?

_É... hummm meu irmão e ele é um chato, sabe? Não consegue entender que tenho vida pessoal. E... podia dizer que é meu namorado só pra ele não ficar me importunando e ameaçando contar para minha mãe que estou saindo com toda a faculdade só pra me chantagear? Acredita que ele é assim?!

Depois que mandei aquela eu podia me jogar da janela. Putz, o que era mais condenável: a) mentir sobre meu irmão. b) tramar contra meu irmão c) usar meu amigo pra mentir e tramar contra meu irmão. d) ser a mentora de toda a arquitetura do crime sozinha?

_Me dá pra cá. _ ele pegou o aparelho e foi tão estúpido quanto deveria ser com o personagem de Mau que pintei pra ele. Eu senti alguns minutos de prazer e ri alto.

_Ele bem que mereceu! _ guardei o celular e vi que não demorou muito pra a alegria esmorecer.

Pra onde eu estava indo e o que fazia com o meu amor? Que rumo estava forçando? Enquanto pensava nesse destino, uma freada brusca me fez trazer os braços pra frente em proteção e depois uma chuva de prata caiu

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sobre mim. Tudo rápido e não havia mais amanhã, nem agora, só a suspensão da existência em uma sonolência plena.

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No mesmo plano (Duda)

_Qual o nome dela? _ o médico perguntou para Tony. Por que não

perguntavam pra mim? Eu podia responder! Mas, de repente me dei conta de que não conseguia mover os lábios, nem a língua, como se não os tivesse mais.

Era um pesadelo do qual nem com esforço eu acordava? Se fosse, era a coisa mais real que já vivera desacordada. A minha compreensão ficava cada vez mais confusa porque eu via que estava ali sentada no banco do carro de Tony, enquanto os paramédicos tentavam me reanimar.

_Ela se chama Eduarda. _ ele respondeu por mim e eu olhei para os dois querendo dizer que me sentia perfeitamente bem como se fosse uma atleta de campeonato da modalidade saúde peso pesado. Desde quando eu começara a malhar para ganhar tanto vigor? No meio do conflito do que sentia e via, eu me dei conta de que eram duas partes separadas, meu corpo do meu eu, minha alma.

Eu não estava sozinha naquele estado espiritual, diversas luzes interceptavam meu campo me trazendo paz. Uma mulher olhava para o lado e eu não conseguia distinguir seu rosto ao certo, mas me trazia segurança, como se a conhecesse desde sempre. Quem era?

Olhei naquela direção em que ela se focava e vi o carro da minha mãe parando de qualquer jeito no meio fio. Sua primeira reação foi querer abraçar o meu corpo imobilizado na maca. Dois bombeiros a seguraram quando desabou com as pernas dobrando sobre o próprio eixo.

A sua dor era multiplicada horrivelmente dentro de mim, como se pudesse senti-la em sua plenitude. Não era uma dor física de alfinetada ou corte, nem latejava ou pulsava, só uma tristeza e impotência.

Os fachos de luz se uniram e eu senti um grande alívio e novo adormecimento. Mas, os seres iluminados só me pouparam por pouco tempo, pois logo me vi no quarto de hospital sem saber como colar as duas partes de mim que se dissociaram. Novamente a mulher que estava comigo me acompanhava e eu reconheci aquele rosto iluminado e perfeito finalmente, pois tinha os mesmos traços e feições do meu amor. Era sua mãe e minha tia. Se ela estava morta, o que era eu? Eu me senti perfeitamente viva, só não compreendia como. Se eu conseguia ver meu corpo do lado de fora, como

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podia me sentir plena? A alma não era uma coisa vazia? Vazio era meu corpo na cama sem mim.

Ela me sorriu e ficou tão perto que senti muita paz. Nós não mexíamos os lábios para falar, era como se nossas mentes se falassem com outro tipo de concordância cognitiva. O que eu sou agora? Onde estou? Questionei. Mas, ela olhou para porta como se assustasse com algum barulho que eu não podia ouvir, só ela era capaz de antever.

Foi quando a porta abriu e, acompanhado da enfermeira, entrou Maurício. Nessa hora eu senti muita, muita dor, pois não adiantava me debater do outro lado do vidro invisível que nos separava, pois seria tão inútil quanto um fraco passarinho querendo transpor um espaço físico translúcido, mas rígido. A dor era tanta porque não era só minha, eu a comungava com sua mãe, por isso a intensidade toda.

Ele se aproximou da cama e segurou minha mãe, mas não senti o calor de nenhum toque ou afago e como, como queria aquele gesto. Sua nuca com uma fina penugem se reclinou para frente e eu dei a volta na cama para ver seu rosto, ele chorava, silenciosamente, mas a sua respiração parecia o vento prévio de uma tempestade. Tudo se parecia mais intenso naquela outra dimensão.

_Eu estou aqui com você. _ quis dizer, mas ele não me ouvia. _Eu ouvi a música... _ sussurrou. _Por que você foi embora? Porque

não deixou que eu te mostrasse que eu te amo tanto? Como você é teimosa... H-há! Então a culpa era minha? Eu quis puxar-lhe a camisa e brigar.

Mas, também tinha o impulso de beijá-lo de uma vez por todas. O que são vontades, porém, quando nossas consistências eram feitas de matérias diferentes? Por que droga eu tinha fugido de enfrentar a situação, esperando ter um amanhã pra resolver tudo?! O que eu ganhara? Um pouco de orgulho? Do que vale o orgulho se não me traz o meu amor?

_Eu também não fiz nada certo... _ balançou a cabeça para os lados desconsolado. _ Eu não sirvo para o que precisa, eu não vou estar aqui quando precisar...

Que ironia! Eu não estava agora com ele. Não do jeito certo de sempre...

_Eu vou precisar tanto de você... Eu sempre precisei. Os médicos disseram que não tem muito jeito, mas eu não quero acreditar nisso, porque se eu perder você, eu vou largar tudo, eu não vou suportar estar lá sem você...

Mas, ele sempre esteve sem mim lá? Mau só estava piorando toda a confusão e dor na minha cabeça. As luzes apareceram e eu sabia que iam me levar para dormir.

_Ele precisa de mim. Eu tenho que ajudá-lo. Essa é a minha missão. É pra isso que eu vim. _ tudo saiu tão lúcido que parecia finalmente ter

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significado. Maurício e eu já fomos ligados por muito mais tempo que uma vida e nossa ligação se mantinha. Precisávamos evoluir juntos. _Não quero ficar longe dele. Eu ainda não estou preparada. Por favor, eu quero voltar.

Sua mãe me olhava como se confiasse no meu pedido e me ajudasse a ter mais uma chance, pois também precisava de mim para ajudar seu filho. Tudo se apagou novamente, como sempre faziam quando eu não podia suportar e lidar e eu não sabia se era para sempre ou pela última vez.

Um tempo indeterminado depois, minha visão desfocada começou a visualizar a parede do quarto, a porta e um borrão que me pareceu mais definido: minha mãe.

_Duda? Duda! Você acordou?! Oh, meu Deus! _ ela juntou as mãos no queixo.

Eu percebi pelo seu espanto e o ponto de vista de onde a enxergava que novamente estava no estado de matéria. Voltara a ocupar meu corpo. Senti uma grande felicidade e fechei os olhos. O líquido que escorria nos cantos dos olhos me fizeram tanta falta. Sentir agora tinha uma forma física e salgada. Tomei um grande sopro de ar e as máquinas ao meu lado começaram a apitar enlouquecidas.

_Mau? _ perguntei por ele, queria saber onde estava. Seu rosto se retesou por um instante. Não devia acreditar que a

primeira palavra que eu pronunciara depois do renascimento tivesse três letras também, mas não fosse “mãe”. Porém, eu não sentia raiva mais. Eu conseguia compreender que era por uma pobreza de espírito que ela não queria aceitar que Mau e eu não íamos nunca cumprir o papel mais óbvio de irmãos, mas, subversivo e passional de loucos amantes.

_Ele voltou para o quartel. _se isso soou como uma tentativa de provar que ele tinha me “abandonado”, eu conseguia ficar feliz, pois não tinha largado tudo como ameaçara.

A distância agora era no mesmo plano.

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Isso estava me matando e agora me faz viver

(Duda)

Eu continuava com a ponta do celular encostada no queixo e olhos vítreos na janela. Meu pai perguntou se eu queria a sopa da janta, mas mal o ouvi. Meus ouvidos ainda ressoavam a voz quente, vibrante e firme de Maurício. Eu disse qualquer gemido que se assemelhava a um sim como a um não e ele veio até mim entender o que eu via através do vidro. Só encontrou as árvores balançando lá fora com a ventania, ainda especulou sobre a chuva, mais uma vez me olhou intrigado e voltou para o seu futebol com a lata de cerveja ao lado da poltrona e o saco de amendoim no colo.

Minha cabeça parecia um rodamoinho com as últimas palavras: “Eu vou aí, onde quer que esteja”. Como eu conseguira ter língua e dicção para falar que morava aqui em resposta a sua proposta? Cadê toda a coragem que sentira quando desejara por vontade própria ficar viva? Minhas pernas tremiam e mãos gelavam.

Desde minha recuperação do hospital, eu não conseguira entrar em contato com Maurício, pois estava em um campo. Provavelmente, a minha melhora fora a primeira notícia que recebera quando telefonara para sua família para falar de sua vinda no fim de semana. Era isso que eu entendera mesmo? Ele estava vindo diretamente para cá, especificamente bateria naquele portão a qualquer momento? E o que eu fazia com aquele jeans e camiseta branca?

Meu celular vibrou novamente, era seu nome piscando no visor. Atendi com um fio de voz e coração pulsando no pescoço, engoli a saliva: “Oi”. “A sua casa é a última da rua?”, perguntou sem fôlego. “É.” Coloquei o cabelo atrás da orelha, mordi a unha e dei uma olhada para trás em conferência. Meu pai não viu quando abri a porta da sala.

Desci pelo caminho de cascalho e parei com a mão na porta de madeira. Qual deveria ser a cara, o jeito, o cheiro, a roupa de quem vai ver novamente o grande amor da sua vida? Certamente qualquer pintor desenharia melhor silhueta, mas eu não tinha mais tempo pra ser qualquer coisa que um grande coração pra ser entregue.

Engoli em seco, pisquei duas vezes e abri. Lá estava ele vestido de abrigo azul escuro, cabelo curto e braços fortes iluminado pela luz do poste da rua. Seu rosto lindo como sempre não tinha um sorriso, era sério e grave, quase triste, acho até que com uma ponta de raiva. Eu levaria um esporro, é

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isso? Com um pouco de medo, dei um passo a trás e ele na frente, jogou a mochila no chão e fechou a porta atrás de si. Naquela área do jardim a luz era quase uma penumbra, pois não vi quando sua mão pegou a minha e me puxou para seus braços. O vento de repente não teve mais ação sobre meu corpo além de seu calor forte e aconchegante. Todo o ar comprimido e pesado em seu peito foi solto quase em alívio. Sua boca beijou várias vezes meu cabelo.

_Não faz isso de novo, eu não agüento ficar longe de você. _ sussurrou uma acusação quase insólita, como eu teria culpa do incidente e de quase morrer?

Afastei o rosto devagar e fixei em seus cintilantes olhos verdes. Mordi o lábio.

_Você sempre fica longe de mim..._ sorri e abaixei o olhar. _Eu não quero ficar longe pra sempre. _ consertou. _Mas, agora você

tem até um namorado..._ não fez rodeios, nem mesuras, mostrou seu ressentimento.

Eu ia rapidamente dizer que tinha mesmo para ferir seu orgulho, era o primeiro impulso humano. Apesar de não ser verdade, tudo não passara de um telefonema forçado de Tony, induzido pela minha vontade de machucá-lo, quando eu queria o contrário, estar exatamente assim, em seus braços como agora. Mas guardei alguns segundos para o benefício da dúvida: aquele abraço forte era só de irmão ou tinha disparado seu coração como o meu? Ele estava preocupado com a concorrência ou estava prestes a me punir?

_Você está com alguém? _ perguntou, suspendendo no ar a questão que valeria um beijo, afinal, tinha que ser para isso que viera ali, eu não agüentaria esperar mais nenhum dia pra tê-lo completamente pra mim.

_Estou... _ suspirei. _ Eu sempre estive, antes até de morar com vocês.

Primeiro sua testa franziu e depois sua sobrancelha se arqueou, acho que era uma surpresa maior do que para qual havia se preparado. Mas, mantive firme as mãos abraçando-o, mesmo quando senti levemente sua força se esmorecer de desanimo. Eu ainda não havia acabado de explicar.

_Eu conheci um cara e fiquei louca, loucamente apaixonada. Eu sempre estive com ele no coração. _ procurei seus olhos, agora de um verde escuro e sombrio não só pela noite, mas pelo ciúme e tristeza. _ Essa pessoa ocupou todos os espaços do meu pensamento, os que podiam e os que não podiam. E eu só conseguia enxergá-la como a possibilidade de ser feliz. _ acariciei seu rosto. _ Foi quando eu descobri que não podia. Então, toda a minha felicidade era qualquer migalha mínima de atenção. Só que isso estava me matando aos poucos e eu precisava ir embora pra bem longe ou a loucura iria do coração para a cabeça...

_E fugir valeu a pena? Ficar com outro cara valeu a pena?

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Ele já tinha entendido que falava dele? Ou só queria que eu abrisse para ter a declaração completa.

_Isso vale a pena. _puxei lentamente sua nuca para mim e seus lábios foram se aproximando até se chocarem quentes, úmidos e macios com os meus. Fechei os olhos e senti finalmente que o amor tinha um colorido explosivo e próprio quando tudo ficava escuro. Na verdade, é o interior que se ilumina. Seu beijo era delicado e carinhoso como eu ficara imaginando todas as noites e eu queria tocar seus braços, pescoço, afagar sua nuca, abraçar forte, mas era minha boca, naquela pequena zona de pressão que sentia o contato mais profundo. A felicidade fez formar um sorriso e nossos rostos se afastaram por um instante. _Eu não quero mais nada além disso. Eu não consigo ser outra coisa com você. Eu não posso ter intenções puras quando eu te desejo.

_Era pra ser sempre assim, perdemos tempo, Duda. Eu tentara mudar o curso do meu caminho pra que me afastasse do

dele, mas a vida me fizera voltar para a trajetória que incluía Mau forçadamente. Eu tinha uma história pra viver com ele nessa vida e não podia mais fugir. Agora usaria essa força e energia pra lutar a nosso favor.

_Temos todo o tempo do mundo. _ lambi os lábios. _Mas, não todo tempo juntos. _ mostrou as condições. _Eu vou te esperar sempre. Eu não quero mais fugir de você. Eu

quero correr para os seus braços. _ declarei, com uma pontada de medo em estar abrindo tanto o jogo, mas também apostando todas as fichas e abrindo as comportas que me sufocavam.

_Você é linda... _ riu e me beijou novamente, agora mais forte e mais possuidor.

_Vamos entrar? _puxei-o pela mão para o caminho da varanda. _Quero te apresentar ao meu pai.

_Mas, rápido assim? Eu ia voltar pra casa... _Não! _Voltei a ficar de frente pra ele. _ Por favor, eu tenho muito

pouco tempo com você, fica aqui comigo. Ele acariciou com as costas da mão o meu rosto e sorriu docemente.

Ele era lindo demais para o meu coração suportar. _Eu vou adorar ficar com você. _Ah! Bom... _ puxei-o pela mão e abri a porta da sala. _ Pai? _

chamei e ele virou a cabeça para trás por cima da poltrona de onde assistia ao jogo.

_Quero te apresentar a uma pessoa. _ fechei a porta e voltei a segurar a mão de Maurício.

Ele levantou-se e com as mãos no bolso olhou pra nós dois. _Não me disse que íamos receber visitas. _ apertou a mão de

Maurício.

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_Nem eu, foi tudo muito rápido, soube agora... _ tomei ar e dei um pigarro. _Pai, ele é...

_Seu namorado?_ completou antes de mim, achando que essa seria uma parte difícil de contar, mas não era.

_Não, não ainda... Mas, ele é o filho do namorado da minha mãe... Meu pai olhou de mim pra Maurício e nunca vou entender o seu longo

olhar, reportando-se ao passado. _Eu soube há algum tempo que você era filho da... _ olhou pra mim.

_... sua tia. _ parecia confuso. _ Agora, é filho do namorado da sua mãe, então...

Eu tinha que interrompê-lo e delimitar aquela explicação de uma vez por todas.

_Ele não é meu irmão. Não é! _ fui incisiva demais. _ E, nós... _ olhei pra Maurício em busca de apoio. _... nos gostamos muito, muito.

_Ok. _meu pai aceitou. _Acho que posso lidar com isso. Sorri.

_Ele pode dormir aqui hoje? _Pode, claro. Agora... _ ele pareceu se lembrar de uma coisa, coçou a

cabeça. _ Sua mãe está feliz, sabendo que ele está aqui, que é o filho del..., da irmã dela, do marido dela e... _parece que as fichas só começaram a cair uma a uma agora. _... e que ele é militar?

_Não! _ ri e o riso ficou mais alto. _Ah! Só pra saber se eu ainda estava com os pés no chão. _ riu

também. Nós três nos entreolhamos, rindo muito, como uma descarga de

nervosismo. _Deixa eu voltar pra o meu jogo. Esqueçam que eu estou aqui... Puxei Maurício até a cozinha e puxei a porta de correr. _Seu pai é muito legal. _ comentou. _Tal pai, tal filha. _ brinquei, piscando o olho e ele me puxou para

seus braços e recostou-se no armário, me chamando de convencida. _Eu vou fazer uma coisa pra você comer, deve estar com fome...

_Ah! Vai cuidar de mim assim? _ mexeu no meu queixo e fez um ar de admiração que valia qualquer preço. _ Já estou gostando disso. _ sorriu.

_Eu vou cuidar de tudo quando estiver perto. _ Beijei-o em cheio rapidamente. _ Estou tão feliz.

_Eu também. Eu sempre te quis. _seus lábios se encontraram com os meus famintos.

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Amor à prova (Mau)

Eu segurei seu rosto com as duas mãos e procurei no fundo de suas pupilas o mesmo amor que eu também sentia. Sorri e senti seus braços envolvendo minha cintura. Fechei os meus em torno do seu pescoço e beijei sua cascata de cachos dourados no topo da sua cabeça. O motorista já tinha subido no ônibus da rodoviária e sentado ao volante.

_Preciso ir..._ falei baixinho e levantei seu queixo pra mim. _ No fim de semana, estou aí de volta..._ acariciei sua bochecha e ela, subindo na ponta dos pés, beijou-me com pressão, marcando em mim seu carimbo de posse. _Se continuar assim, eu não vou conseguir ir... _ brinquei.

Seus olhos tristes se abaixaram e apertou minha mão contra seus lábios.

_Ouça... _ engoliu em seco. _ Eu vou te esperar, como sempre. Não vai me esquecer? _ sua pupila andou de um canto a outro da órbita, em dúvida, implorando qualquer sinal de segurança.

_Não há muito o que pensar quando estou longe de tudo... Você será o único pensamento... _ sorri e quase com dor dei o primeiro passo atrás para afastar nossos corpos colados. _... Eu tenho que ir. Passa rápido. _ menti aquela mentira boa pra salvá-la da tristeza.

Quando o ônibus se movimentou senti que o coração apertava como um pano retorcido com força. Olhei-a na plataforma da rodoviária sozinha, deixada pra trás. Qualquer homem poderia admirá-la, roubar sua atenção, fazê-la rir e eu não estaria ali. Eu tinha acabado de ter o melhor fim de semana da minha vida e sentia uma previsão de derrota. Que garota esperaria 4 anos a mais? Não importava quantas, eu só queria se fosse ela.

Fechei os olhos e lembrei da noite em que a encontrara em sua casa, nosso beijo quente e forte, a maneira como me elogiava com cada olhar de contemplação. Enquanto nos fingíamos atentos a um filme no sofá e seu pai dormia em um quarto próximo, nós estávamos sentenciando nossa decisão de nunca mais impedir de viver aquele sentimento forte.

_Você é a garota mais linda que eu já vi. _afastei o cabelo do seu rosto para o lado. _ Eu sempre te persegui aqui na cabeça, em silêncio. Eu não agüentava mais isso, porque eu nunca te alcançava...E, agora, veja, estamos aqui...

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_Eu sempre estive do seu lado. Mas, parecia distante, como uma sombra sem rosto, você não me...

_Eu já disse que queria!_ interrompi-a._ Só que a ordem dos fatos não ajudou. Nem sei o que vamos ter que aturar ainda... Eu só sei o que não quero: deixar de ficar de verdade com você. Eu encontrei alguém muito especial e estava esperando a hora de ter tudo o que merecia, me contentando com a metade...

_O que você quer de mim, Mau? _ perguntou, com o maxilar contraído de ansiedade.

_Tudo. Tudo o quanto puder me dar, aos poucos. Preciso de tudo seu...

_Tem alguma coisa além da minha alma que eu ainda possa te dar? _ perguntou com o hálito perto da minha boca.

_Eu não aceito nada menos que tudo... _ sorri e acariciei sua boca com o polegar.

_Hum... E se isso demorar muitas parcelas iguais e sem juros...? _ mordeu o lábio e retorceu a ponta da almofada.

_Eu espero... _ ri do seu medo da minha ânsia. _... Não vou te apressar. _ não disse a ela que, humanamente, eu tinha pressa, tentei não entregar o jogo.

Eu ficara aguardando a hora de agarrá-la pelas mãos, lábios e cabelo. Repassei mil vezes a possibilidade de beijá-la até meu corpo inteiro queimar. Só não tinha levado em conta a brevidade daquela experiência. Eram só algumas horas e eu tinha que mais uma vez partir. Agora, era uma segunda agonia que me convalescia: a de ter que esperar o que já se provou. Se fosse apenas esperar... era esperar sem certezas de que, por mais que eu a amasse acima de tudo, o seu encanto por mim não acabaria.

Foi a partir desse começo cheio de interrogações que aprendi a sentir as certezas por meio das pequenas provas cotidianas. A primeira delas foi na ceia de páscoa, onde toda a família estava reunida na minha casa, inclusive o pai de Duda, que conversava animadamente com um dos convidados com um copo de uísque na mão.

_ Eu queria poder te beijar... _ falei pra ela, enquanto a admirava em um vestido florido e justo que me tirava qualquer compostura. _Não agüento mais fingir.

_Eu também quero... _ sua mão tocou a minha levemente, no sofá. _ Qual seria a reação deles se...

_Nem pense nisso, não aqui, não agora, não... _Então, você não quer enfrentar isso? _ ofendeu-se. _Eu? _ engoli em seco rapidamente. _Quero! Mas, seria uma

surpresa muito grande pra sua mãe, temos que prepará-la.

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_Não precisa ser na frente de todo mundo. Podemos chamá-la em um canto mais privado...

_Eu não... _ não completei a frase. _Não quer? _Eu não quero que ela me tire o pouco que tenho. Sei do poder que... _O único poder que sei é do amor infinito que tenho por você, Mau. E

não é amor de irmão. _ sua voz começou a irritar-se. _Eu quero te preservar. Não vamos estragar a noite de hoje. _Estragar?!_ ela bufou e se afastou. Discretamente com as mãos no

bolso, segui-a, enquanto dava um sorriso para os convidados que faziam contato pelo olhar.

Subi as escadas atrás dela como quem não quer nada e no corredor já meio escuro e solitário, puxei-a pelo braço.

_Não faz isso, não fica de birra. _Eu topo qualquer coisa! _ seus olhos estavam flamejando e irados. _

Eu quero que tudo vá pro inferno. Eu quero falar agora pra tirar essa bola da minha garganta, eu quero segurar a sua mão... Eu...

_Duda! Duda, shii... _ beijei seus lábios. _ Shiii... me escuta... _ enlacei-a pela cintura. _ Eu não topo tudo pra te ver sofrer, nem topo tudo pra ser precipitado e estragar a mínima possibilidade de viver tudo isso que você quer. Não é uma decisão de um só. E não vai ser agora.

_Mas, então... _Não conclua nada por mim. Eu te amo. _agarrei sua cintura e a

mantive colada a mim. _Não vou deixar ninguém te machucar na frente dos outros...

_Eu também te amo. _ abraçou-me. _Eu te amo muito, Mau. Eu quero gritar o meu amor.

Ri do modo como ela apertava o punho fechado na minha camisa. _Não precisa gritar, pode usar essa energia... _ abri a porta do seu

quarto e a puxei pra dentro. Abraçamo-nos em um beijo forte, intenso e demorado.

_Eu entendo seu cuidado. Mas, não vai passar desse fim de semana. _ ela sentenciou.

_Tudo bem. Eu vou voltar na frente. _puxei seu rosto e beijei-a mais um pouco.

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Para o seu próprio bem (Duda)

A cara de choque foi a mesma que eu imaginava ver. Não adiantou muito a preparação, a longa e cuidadosa introdução fora inútil. Engoli em seco e nervosamente coloquei uns cachos para trás da orelha. A família em torno da mesa aguardava que minha mãe saísse da letargia.

_Mas isso não pode! Não podem se amar como homem e mulher _ explodiu por fim, o que era previsível. _ Não vêem? _ bateu com o punho fechado no tampo da mesa. _ Eles vieram de dentro de mim! _ apertou a roupa por cima do ventre. _Os dois saíram de mim! Vocês são irmãos, não consigo vê-los, oh meu Deus, se beijando... _ tampou a boca com horror.

Eu apenas olhei para as minhas unhas calmamente, recostei-me na cadeira.

_Isso é deboche, é? É uma afronta?! Eu sabia que uma hora iria se revoltar contra mim! _ levantou-se e precisou ser agarrada pelos braços pra não avançar como uma leoa raivosa. _ Você quer me envergonhar! Isso é um pecado! _ gritou alucinada para o pai de Maurício que tentava conformá-la. _ Isso não é divino, Deus vai te castigar! _ apontou para mim.

Levantei-me com lágrimas nos olhos, sem ar. Maurício tentou me segurar, mas fiz um sinal para não me tocar.

_Eu sei que quer me punir! Pra quê? O que ganha com isso?! _ soltou-se do marido e avançou em cima de mim, mas Maurício entrou na frente como escudo.

_É culpa minha, eu a seduzi. _manifestou-se, mesmo tendo prometido deixar tudo ser do meu jeito. Seu maxilar estava contraído.

Olhei pra sua nuca e franzi a testa. De onde tinha tirado isso? _Eu sei que pediu pra o meu pai pra que eu ficasse longe da sua filha.

Eu fiz isso... mas, depois vi que foi pior. Eu me apaixonei por ela. _Eu vou vomitar! _Eu sei que a nossa história é bizarra... _ ele falou calmamente,

enquanto suas mãos me protegiam atrás de si. _ E não fomos nós que pioramos nada. Sabe por quê? Porque não somos da senhora. Não somos propriedade daqueles que nos concebem. Somos almas livres e donas de nós mesmos. E Duda e eu temos uma forte atração um pelo outro. Se viemos do seu ventre, o que importa? Foram só 9 meses disso em comum. Agora, eu quero levar a vida inteira com ela...

_Bobagem. _ zombou. _ Vocês não sabem nada da vida. Nada!

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_Eu sei poucas coisas, mas dessas poucas eu tenho certeza de algumas. E uma delas é quase um dogma, eu amo a sua filha mais que tudo.

_Mais que sua carreira militar? _ desafiou. _São coisas diferentes. Olhei pra cima e procurei observar o que ele tinha a dizer pra explicar

isso. _Você fala isso agora, mas quando a realidade bater a porta, vai

cansar... _A Duda já é a minha realidade. _Não fazem o meu gosto. _ ela não ofereceu sua bênção, como eu

podia esperar diferente. _Tudo bem. _ele aceitou. _Eu também não te escolhi como mãe. Nesse momento, ela pareceu entrar em completo estado de choque e

caiu sentada no sofá. _Vem Duda... _ Mau me puxou pela mão para o jardim e eu segui

seus passos. _Como teve coragem de falar aquilo tudo? _Não tive, quando vi, saiu. _ falou baixo e segurou meu rosto com as

duas mãos. _ Ouça, eu vou te levar para casa e quero que fique lá. Não venha mais pra cá. Eu não estou com vergonha de você, ou querendo te esconder, antes que comece a fazer esse tipo de pergunta... Eu só quero que esteja segura. Não precisa nunca mais passar por isso. _abraçou-me forte, apertando meus braços com seus dedos longos. _O que importa é que eu te amo. Só isso...

_Eu tenho medo do mundo lá fora... _ sussurrei. _Nem parece a garota determinada de ontem. _ riu a primeira vez. Levantei os olhos e me deparei com seu rosto lindo. Era tão errado

nossos corações se apertarem e pegarem fogo a cada vez que ficássemos perto. Ao mesmo tempo, tudo ocorria com tanta naturalidade. Soltei o ar com força.

_Entra no carro, vou te tirar daqui. Maurício começou a estabelecer sobre mim um fascínio tão grande.

Estar com ele parecia a vitória de uma guerra. Nosso namoro começou com uma batalha sangrenta. Acho que por tudo isso, deixei as ondas da paixão me levar e não percebi que havia uma linha muito tênue entre o que eu queria e o que ele me convencia que era o melhor pra mim. Uma vez que minha felicidade completa era estar ao seu lado, a cada reencontro na rodoviária, eu sentia o maior prazer do mundo. Qualquer pedido seu era uma ordem com a qual eu nem queria debater para não perder os poucos minutos sagrados de contato em meio a tanta distância.

Eu comecei adotando a tática da não agressão. Evitava toda mínima possibilidade de irritá-lo só pra que habitássemos o mundo perfeito. Durante a semana, eu me correspondia por e-mail e msn com as outras namoradas e

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resolvia meus conflitos com longos papos com elas. Surgiu daí o primeiro de seus pedidos:

_Duda... _ Maurício pegou um punhado de amendoim do saco e colocou um a um na boca, enquanto se debruçava na bancada da cozinha. _Sabe aquelas comunidades em que vocês ficam reunidas debatendo na internet? Eu não queria que participasse, não faz bem pra você...

Eu parei de coar o café, olhei para os azulejos da cozinha e depois para o pó no filtro se acumulando. Franzi a testa, depois meneei a cabeça para o lado:

_Hum... Por quê? Aconteceu algum problema? _Não... Por enquanto. Não quero você misturada no meio de fofocas...

Não quero que se exponha... Se importa de... _ ele já estava atrás de mim, me abraçando e beijando meu pescoço. _... de se preservar?

Ele tinha todo o domínio das palavras e sabia exatamente como dizer “mantenha sua boca fechada na internet pra não me ferrar” com um “preservar”. Mas, a paixão, como eu já ia dizendo, cega:

_Ãnh... Claro, amorzinho, eu posso. _virei-me pra ele e sorri. _ Vamos ver um filme na televisão hoje? _ sugeri com uma voz animada e ele me encheu de beijos, sabendo que isso significava que eu cumpriria exatamente tudo o que pedira. E eu empurrava para debaixo do tapete meus sentimentos, escondendo não só dele, mas de mim.

A tarde estava tremendamente chuvosa e não havia programa que eu podia desejar mais que estar nos braços do cara mais lindo, maravilhoso, perfumado, forte e romântico do mundo. Suspirei, engalfinhada em seu peito. A gente tem fazer sacrifícios, ceder, pensei. Porém, lá no fundo, eu sentia uma tristeza e quase uma traição em ter que me afastar das amigas da internet. Se Maurício achava que eu podia atrapalhar sua carreira, então, eu iria inibir qualquer chance de isso ocorrer.

Mas, com esses pedidos, vieram outros: _Duda? Eu andei olhando seu Orkut... _ele sempre começava assim

como analista, antes de me sugerir mais uma de suas mudanças. Dessa vez, o assunto surgira no nosso telefonema noturno diário._ ... E vi que tem muitas fotos nossas, não sei, acho melhor tirar. Não acha?

Uma de suas táticas infalíveis era me fazer dizer com minhas próprias palavras que concordava com suas idéias como se elas tivessem a gênese em mim. Se amá-lo era fazer seus gostos. Por que não tentar ver por seu ponto de vista?

_Posso colocar um cadeado e só exibir para os amigos... _ofereci uma alternativa, louca pra direcionar o assunto pra outro rumo. Olhei o relógio e vi que tinha poucos minutos. Nossos papos nunca passavam de vinte minutos. _ Vejo isso depois... _ deixei vago.

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_É que podem fazer muitas maldades com nossas fotos. Ouço tanto falar disso.

_Já sei, quer só me proteger. _ minha voz soou sarcástica e enfadonha, o que me assustou. Qual é? Ele queria meu bem, eu não estava acostumada com tamanha blindagem, só isso. _Pode deixar, vou cuidar hoje mesmo de tirar o que puder.

E as pequenas mudanças foram se processando como pequenas e delicadas folhas que caem e depois de muito tempo enchem toda uma calçada, capaz de não caber em um único saco de lixo. Eu ia secando e me deixando podar.

Lidar e entender os sentimentos merecia de uma linha de estudo de qualquer universidade. A distância incidia sobre os reencontros como uma lupa super dimensionado a explosão de euforia com cada toque, cada beijo, cada palavra. A monotonia não existia quando o relógio tirava regressivamente de nós os minutos de ficarmos corpo a corpo.

_Mau, eu tenho um aniversário da minha amiga da faculdade, vamos? _Quem vai? _ perguntou. _Todas vão. _ respondi, pois ele já sabia que todas eram todas as

que conhecia. O que isso importava com ir ou não? _Aquelas patricinhas? _ riu. Senti uma raiva enorme que me consumiu por completo como uma

labareda: _Se não quer ir, então, fica! _ joguei a almofada e caminhei para o

meu quarto. Ele segurou a porta, antes que batesse com a força do empurrão que dei. _Eu posso ir sozinha, eu não estou sempre sozinha?! _ as lágrimas vieram com tamanha força.

_Princesa? _segurou meu rosto e se agachou na minha frente, enquanto eu estava sentada na cama. _ Desculpe, eu estou só sem cabeça para um papo de roupas e sapatos.

_Eu agüento você falar de escalar montanha e tirar serviço, quando saio com seus amigos.

_Claro, vamos, eu não disse que não ia. _E elas não são fúteis. Nós estudamos e trabalhamos a semana toda.

Quando a gente sai, dá vontade de falar bobagens. E você justamente está nessa hora... _ tentei explicar, mas sabia que só faria parecer que as defendia. Na verdade, o que era mais estranho era eu contar pra ele como é a minha vida quando, em teoria, ele já deveria saber tudo. Nesse momento, eu comecei a entender, não sem dor e tristeza, que nós crescíamos de modo diferente e um não participava do mundo do outro.

_Eu adoro fazer qualquer coisa com você. Não precisamos ser iguais, ou ter amigos iguais, ou falar o mesmo assunto. Eu te amo, Duda. _ beijou-me os lábios com carinho.

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Suas declarações eram o cimento que colava qualquer rachadura. Os namorados das minhas amigas não tinham todas as qualidades de Maurício, logo, não era justo eu cobrar que fosse perfeito. Já estava de bom tamanho tudo que representava pra mim.

_Tudo é perfeito com você também. _ sorri e passei a mão e seus cabelos.

Mas, a felicidade tinha hora para ser suspensa e meu amor partia. Cheguei em casa de volta da rodoviária vazia. Bati a porta de casa e passei pela sala como um fantasma. Meu pai chamou-me e eu maquinalmente virei-me.

_Vai passar sem cumprimentar as visitas? _sua observação me fez dar conta de que havia outra pessoa na sala.

_Ãnh... Oi! _ aproximei-me da mesa coberta de livros e pasta, onde estava sentado ao lado de um rapaz bem mais novo, na verdade, só um pouco mais velho que eu. _Eduarda. _apertei-lhe a mão e esta era macia e quente.

_Prazer. _ sua voz grave me trouxe um arrepio que me convenci ser do vento da rua. _ Emanuel. _ levantou-se da cadeira levemente pra mostrar as honras, mas logo sentou-se. Seus olhos azuis e muito claros eram envoltos em cílios finos e castanhos.

_Ele trabalha no quartel comigo... _meu pai apresentou. _ lembra que lhe falei que tive alguns problemas com... _ continuou a explicação, mas meus ouvidos não captaram tudo, eu estava concentrada nos braços largos e feito pedra debruçados sobre uma pilha de papel. Aproveitei que não trocávamos olhares. _ ... e como o capitão é formado em direito, ele veio aqui me dar uma ajuda. Aliás, ela também estuda direito, sabia?

_Capitão... _ falei sem pensar, repassando o que acabara de ouvir, para o que o outro atendeu como um vocativo e me fitou em cheio. _Errghh... _dei um leve pigarro. _ Meu pai não confia em uma estudante.

_Não é isso minha filha... _Não pense assim. Já ouvi falar muito bem de você. _Ah! Já ouviu? _ levantei a sobrancelha com ar exagerado de

surpresa. Estava adorando desconsertá-lo na frente de meu pai. _Quero dizer... ouvi bem. Ele ainda pouco estava falando que você

era um orgulho... Meu pai pousou a mão em seu ombro e olhou pra mim com um

poderoso ar de “hora de entrar, já cumprimentou demais”. Sorri maliciosamente e me girei nos calcanhares para seguir para o meu quarto.

_Quando precisar de ajuda com alguma prova... _ foi a última coisa que ouvi dele. Virei levemente o rosto e o contemplei pelo canto dos olhos. Seu rosto forte, quadrado e viril me trouxe calor pra todo o corpo e fez meu coração tomar um choque elétrico.

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Bati a porta do quarto atrás de mim e passei a mão na nuca. Eu não podia sentir nada daquilo! Era errado! O que significava, que eu não andava me sentindo desejada fazia muito tempo? Eu amava Maurício, tinha acabado de deixá-lo na rodoviária com juras de amor eterno. Que grande confusão.

Deitei na minha cama abraçada a uma almofada e fechei os olhos. Era difícil demais estar sempre sozinha, mesmo acompanhada. Era uma solteirice pela metade. De pálpebras bem apertadas a imagem do homem na sala reapareceu na minha mente. Expulsei-o com força da minha imaginação. “Não, Duda, não está acontecendo nada, você é humana, tem direito em sentir orgulho próprio e vaidade quando alguém a olha desejosamente assim... Você não fez nada demais. Não precisa sentir culpa!”

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26 Por que estamos aqui?

(Duda)

Dividindo uma cerveja em um bar, peguei um cigarro do maço do meu

amigo. Duda, certamente, teria feito uma cara de pavor se visse isso. _Já está controlado assim? _ perguntou-me. Eu havia pensado alto? Eu tinha dito que Duda me recriminaria? _Não... _ sorri, em defesa da minha namorada. _ Ela é perfeita. _

soltei a baforada. _ É só pra relaxar... _ soltei a fumaça para o lado direito. _Perfeita... _ riu sarcástico e, só não encarei como insulto, porque

sabia que ele falava de outra, a sua ex-modelo-de-perfeição. _Aquela vagabunda da minha namorada está fazendo um cursinho de ex e está quase ganhando diploma com honra ao mérito. Tudo que de pior aquela piranha...

_Como pode falar assim da garota? _ fiz um ar de surpresa irônica, pois pensava o mesmo de quem falava. Bebi a cerveja gelada.

_Santa? Acha que ela era uma pobre sofredora?! Eu estou aqui trancado e ela me traía com um playboy idiota do prédio por um ano, na minha cara!

_Nas suas costas... desculpa, mas tive que corrigir... _ abri as mãos no ar em rendição. _Não tem o Barretinho? Pois é, ele está... _ baixei a voz. _ com duas namoradas! Eu me mato de rir com ele administrando a ligação das duas! O lado de cá também não é santo não...

_Falou bem, ele não é santo, eu sou fiel! Estou ainda em observação pós-operatória depois de fazer uma cirurgia pra tirar os chifres daqui da testa. Por isso, eu falo logo pra você, abre teu olho, mina que é perfeita demais tem segurança pra fazer merda... _ apontou pra mim com o segundo cigarro entre os dedos. _ ... Marca em cima! Onde ela está agora?

_Agora? Não sei, como vou saber? Estou aqui nessa cidade pequena onde não tem nada aberto, além dessa birosca velha e... ela está lá no Rio, onde tudo à noite funciona melhor... _ comecei a abaixar o tom de voz, com a voz abafada pela boca encostada nos braços, o sono batia bravamente.

_É aí que a coisa azeda... Eu já estou te cantando a pedra e você mesmo chega às conclusões sozinho. E tem mais, cara, some com tua mina das vistas do pessoal daqui, tira ela de perto desses fura-olho. Evita que é melhor. Conheço um que pegou a namorada do outro, hen. Ééé, depois te mostro quem é.

_A gente já tem problemas demais, não é exatamente traição que encabeça nossa lista. Somos primos de primeiro grau, já te falei. Minha sogra, que é minha tia e, pior, minha mãe postiça, mãe de barriga... me considera

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uma aberração da natureza por ter qualquer contato físico com a filha dela... Um inferno...

_Ah! Mãe não quer ser destronada. A minha me manipulava completamente pra que eu só desse atenção a ela e deixasse a Alice sozinha... Eu tentava administrar isso, mas mãe sempre vence. Ainda mais porque ela é separada, mega carente...

_Nem passo tanto por isso, não tenho esse sentimento de mãe por ela, veio morar com a gente faz pouco tempo.

_Cara, já está na hora da gente voltar. A gente aqui em pleno fim de semana e a sua gata deve estar dançando com as amigas, cheias de cara falando no ouvidinho dela...

_Obrigado, agora vou dormir muito bem. _ empurrei seu ombro, em resposta aquela alfinetada.

_Fica de olho, eu não acredito nunca mais em mulher. A melhor coisa é aproveitar pra curtir, se ficar solteiro, não se apega mais. Está perdendo sua juventude com compromisso? Estou em outra...

Não falei mais nada, mas minha cabeça não parou de dar voltas. Deitei na cama com muitas paranóias sobre todos os conselhos do meu amigo. Eu só tinha a imaginação pra desfrutar. Peguei o celular e escrevi uma mensagem: “Acordada? Fazendo?”. Duda não respondeu. Por que ela não podia me dar atenção agora? Quem estava roubando sua atenção?

Quando se está longe, os demônios são muito mais aterrorizantes. Cada voz a sua volta se transforma em uma caixa ressonante de conselhos e experiências frustradas que se amplificam até alimentar fantasmas. Eu não estava muito novo pra ter essas preocupações? Parecia-me contraditório gostar de Duda e não me preocupar com nada. Tudo dela vinha com um kit desconfiança. Era linda e qualquer namorado desconfiaria de algum interessado em conquistá-la; Ela era divertida e cativante, qualquer namorado pensaria que estava deixando a desejar e inflando sua carência com a distância; Ou seja, eu podia agora mesmo largar isso aqui e ir viver uma vida normal ao seu lado. Melhor, tinha que agüentar firme pra tornar isso real depois. Só que ela estaria lá pra quando essa data chegar?

“Estou fazendo um trabalho da faculdade, te ligo depois, te amo”- dizia sua mensagem resposta. Por que ela não me dava atenção nas horas em que eu precisava? Eu não tinha todo o dia disponível. Se sabia disso, podia me dar esse privilégio. Minha mente se entorpecia com o egoísmo e egocentrismo. Às vezes, eu sentia que parte do meu amor era composto de raiva. Eu precisava dormir, estava na escala de serviço para o dia seguinte, um domingo e tanto.

(...)

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Desistir de olhar para as páginas do livro, estava já na segunda em

que mecanicamente a minha mente lia e não fazia cognição que prestasse de uma só palavra. Olhei para as minhas unhas que precisavam de uma lixada no canto direito do polegar marcado pelo esforço de segurar a caneta. Já estava farta de estudar para a prova de segunda. Tomei um belo banho para desopilar e enrolar mais. Enchi o rosto com uma máscara verde algas marinhas e vesti um short curto colante com uma camiseta que realçavam as curvas. Calcei os chinelos e fui até a cozinha buscar um suco. Tudo que eu podia fazer pra não me concentrar nos estudos eu me esforcei. Cantarolava uma música quando virei o rosto pra fechar a geladeira e dei de cara com Emanuel, em jeans, músculos e um sorriso encostado na bancada da minha cozinha. Dei um grito e derrubei o copo no chão. Pisquei o olho, era real ou sonho?

_Você me assustou! _ ele reclamou do escândalo que fiz e eu quis morrer debaixo da terra com o malabarismo que acabara de fazer com o copo voando pelo ar e espalhando água gelada no chão... epa, terra... argila. Ah! Meu Deus! A máscara verde. Eu estou com essa coisa pegajosa na cara?_ Você fica camuflada em casa pra ninguém te reconhecer? _ perguntou, com uma mão dentro do bolso do jeans claro e um sorriso branco e perfeito que me fez soar... Droga! Porque eu estava suando?! Era de vergonha, só podia.

_Só quando eu estou em uma missão em território inimigo... _ respondi, irritada.

_Ah! É? _ ele andou até mim e pegou um pano na pia. Agachou e secou o molhado. Eu precisava informá-lo de que não devia fazer isso com aquele pano, mas sua posição de serviçal aos meus pés me tirou as palavras. _E quem é o inimigo? _ levantou o rosto e, no lugar do seu cabelo castanho claro agora via seus olhos brilhantes e simpáticos.

_Os visitantes que se metem na cozinha dos outros sem avisar e pregam um susto! _ saiu azeda demais.

_Desculpe, se estivesse camuflada com a roupa correta eu bem que não a reconheceria neste terreno... _ olhou em cheio pra o babudoll minúsculo que eu vestia e tive a impressão de que, pelo seu meio sorriso contido, não era preciso visão de raio X pra ver tudo que conseguia deslumbrar.

Emanuel jogou o pano na pia e apoiou-se de lado na bancada de granito. Sua ajuda pra limpara o chão fora uma desculpa para avançar no terreno e chegar até mim?

_Seu pai e eu vamos terminar o trabalho hoje... Aliás, está quase pronto, ele só foi pegar uma pasta no carro e já deve estar voltando..._ apontou para a sala. _ Eu vim só pegar uma água no filtro. Mas, vou sair daqui logo, é melhor não vê-la assim comigo por perto e...

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_Assim, como?! _ perguntei ofendida. _Pronta para o ataque! _ riu. O sangue esquentou nas minhas faces e senti até as orelhas

ferverem. _Não seja idiota! _peguei uma colher de pau no escorredor de prato e

ameacei perder a cabeça. _Hei, eu não estou armado pra me defender! Aliás, acho que não uso

nenhuma arma compatível quando tiro serviço. _ desatou a rir e peguei-me desarmada pelo som alegre e meigo produzindo eco pelos azulejos da cozinha.

_Não vá cometer imprudências, moça! _segurou meu pulso com o único motivo de me tocar, pois eu não representava qualquer ameaça. O pequeno friccionar de nossas peles reverberou ondas de arrepio pelo meu braço e minha mão amoleceu, se entreabrindo. _ Desculpe pelo que falei. _o tome doce, suave e melodioso me ruborizou e eu não podia deixar ver o sorriso, virei para frente da pia e comecei a encher um copo de água no filtro para ocupar as mãos. _ Eu não quis te ofender. _ continuou, como se não percebesse que eu estava química e fisicamente inclinada a ser controlada por sua voz. Não tinha mais que se esforçar.

_Meu pai vai voltar... Aqui está sua água. Eu preciso sair daqui... _ entreguei-lhe o copo, ainda de frente pra pia, torcendo com força o pano molhado.

_Você oferece água quente às visitas? _ perguntou com um sopro quente penetrando os meus cachos e chegando ao meu pescoço como um beijo de vampiro. _ Pensei ter visto pegar água gelada quando cheguei.

Virei o rosto para o lado e deparei-me com seus olhos incrivelmente lindos e azuis. Eram plácidos como tarde quente de mar com poucas ondas. Ele havia decifrado minha perturbação em não conseguir raciocinar no que fazia? Ou era só uma forma de alongar a conversa que eu tentara por um ponto? Eu também não queria partir. Só agora pude perceber seu perfume amadeirado que exalava. Isso era por que também transpirava.

_Tem água na geladeira, realmente preciso ir... _ resolvi bater em retirada.

_Ainda vamos nos ver muito. _ ele falou por fim. Da porta, olhei-o confusa, franzi a testa. Por que tinha tanta certeza

disso, se o trabalho estava acabado com meu pai? Mas, senti que havia dito aquilo em um impulso pra me conter e não acrescentou detalhes. Ouvi os passos do meu pai na varanda e não tive mais tempo para perguntar o que queria dizer. Voltei para o meu quarto.

Alguns minutos depois, fui chamada até a sala. Senti o coração apertar. O que queria de mim? Perguntou com um grito o que era. A resposta

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me assustou: “Sua mãe”. O que ela fazia ali? Arrastei-me pela cama, calcei o chinelo e joguei o livro na cabeceira.

Cheguei displicentemente na sala e tive um assombro quando vi que Emanuel não tinha ido embora, mas permanecia sentado à mesa, debruçado sobre uma pasta com caneta em punho.

_Desculpe... Não sabia que ele estava aqui... _ fiz a melhor atriz que saiu de mim. _ Vou colocar uma roupa. _ voltei para o quarto, agradecendo por ganhar tempo.

Minha mãe queria o que vindo me visitar sem avisar e por que meu pai simplesmente não acabava logo aquela droga de trabalho?! Agora de jeans e camiseta retornei pra me jogar no sofá e abraçar uma almofada em posição de defesa.

_Oi. _ falei pra ela que mexia no celular. Deu um suspiro e encarou-me.

Meu pai também se juntou a ela e Emanuel permaneceu onde estava. O que estava acontecendo? Iriam mesmo ter qualquer conversa comigo na presença de um estranho? Se fosse brigar comigo por qualquer coisa que eu fizera, ou mais uma vez voltar ao assunto de Maurício, que pelo menos me dessem o direito à privacidade! No entanto, não tinham ar de se preocupar com isso. Então, o assunto seria muito rápido e Emanuel nem perceberia? Mas, se estávamos ali, era por que não podia esperar.

_Olha, vocês dois já se separaram, então, não devem estar querendo me dar essa notícia. _ tentei usar de ironia. _Eu não estou grávida, ou seja, não temos que estar aqui com esse clima tenso. Acho que não vamos novamente falar de Mau...

_Não, querida. _ ela pousou a mão na minha e meu coração estancou.

_Ah! Meu Deus! Aconteceu alguma coisa com o Maurício?! Digam! Aconteceu?

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Quem vai cuidar do seu coração (Duda)

_Duda... _ meu pai falou mansamente, pegando em minha mão em reconforto. Franzi a testa e senti um pânico. Os segundos pareciam intermináveis, como suspendendo meus nervos com pinças. O que teria acontecido com Maurício que queriam me contar? _ ... Seu namorado está bem...

Soltei o ar de uma só vez e senti meus olhos úmidos. O alívio não impediu meu coração de demorar de acelerar. Minha mãe abaixou o rosto e esperou por um tempo, não fez nenhum comentário sobre a menção ao meu “namorado”. Isso era totalmente preocupante, não perderia essa chance por nada.

_Duda, eu estou por trás de um caso muito importante de criminosos... Não posso falar. Eu quero ter certeza de que está segura. _ disparou sem introduções delicadas.

_Eu estou segura! _ falei. Era essa sua preocupação? Por que não revelara logo?_ Meu pai pode me defender. Está falando com o...

_Não posso, Duda. _ ele parecia desapontado com a confissão. Como a pessoa que me preservara a vida toda agora dizia que não estava capacitado pra me privar de qualquer problema?! _... Eu não tenho como te seguir todo tempo...

_Não preciso disso. Preciso? _ voltei a olhá-la. _Nós temos algumas opções: você pode se mudar pra bem longe,

posso te mandar pra fora do país... _ detalhou como se eu já tivesse aceitado aquela idéia, quase que a impondo, mas não iria me convencer. Nem pensar.

_Não! _ levantei-me. _ Eu... _ apontei pra o próprio peito. _... não vou deixar você me afastar do meu Maurício. Que plano perfeito! Eu já devia imaginar... E vocês dois entraram em acordo antes?!

_Duda senta! Não fale assim com sua mãe! _ a voz grave do meu pai e seu dedo indicador apontado para o sofá me fez fechar a boca. Engoli em seco.

_Podemos resolver isso em particular? _ perguntei olhando pra Emanuel com o canto dos olhos, que estava ainda à mesa no fundo da sala.

_Duda ele não está aqui à toa... Eu só não sabia como dizer isso. _ eu já havia percebido que nenhum dos dois estavam bom com as palavras hoje

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pra tornar as coisas mais claras e fáceis pra mim. _ Desculpe, não sou tão bom com essas coisas...

_Mas o que é que estão querendo me dizer?! _briguei. _Ele é seu segurança. _ meu pai resumiu. Eu fiquei alguns segundos de boca aberta, levantei as sobrancelhas.

Procurei nos olhos de meu pai e minha mãe a coragem. Porque fora preciso um bom bocado dela pra terem me enganado “pro meu próprio bem”.

_Peraí, deixa eu ver se entendi... _ minha voz saiu totalmente carregada de ironia. _ Ele não trabalha pra você? Ele nunca fez direito, nem estão resolvendo um caso...? Era uma desculpa pra ficar me vigiando? Porque se diz que ele “é” meu segurança, está falando que a partir de agora... Peraí... _balancei a cabeça para os lados. _ Ele já está me vigiando a quanto tempo?

_Ele já trabalhou comigo sim. Mas, já está na reserva. Agora faz parte de uma grande empresa de segurança pessoal. Ele é o melhor que conheço... E, sim, estudou direito e estava me ajudando em um caso pra poder ter uma desculpa pra ficar aqui...

Eu, que estava de costas, virei vagarosamente para trás e o olhei em cheio como se pela primeira vez o notasse na sala. Emanuel levantou-se da mesa e caminhou até mim.

_Só falta me dizer que está armado... _ observei com um fio final de voz e cruzei o braço amargurada, em proteção.

Ele fez um movimento e mostrou a arma na cintura, depois abaixou a camisa. Fechei os olhos por uns instantes e cocei minha testa. Todos respeitaram meu silêncio.

_Eu não quero que fique nenhum centímetro perto de mim! _ disse-lhe.

_Tudo bem... _ sorriu. _... Eu sempre fiquei a metros de distância. _Sempre? _repeti. _Ãnh... _deu uma leve tossida em busca de ajuda. _Há dois meses. _meu pai respondeu o que eu queria saber. _Óh meu Deus. Você é minha sombra? _E posso continuar assim. Não vai perceber que estou por perto.

_garantiu. _Eu sou uma pessoa normal, não preciso disso... _Você não está nessa posição, querida. _ minha mãe adiantou-se até

mim. _ Lamento muito, posso fazer alguma coisa pra recompensá-la? Todas as garotas sonham em fazer intercâmbio. Por que não tranca um semestre e vai conhecer a Europa.

_Não ouviu? Eu não vou ficar longe do Maurício. Eu o amo. _Então, não tem escolha. Terá que conviver com dois homens em sua

vida. _ela sentenciou. _ Um pra ficar no seu coração e o outro pra proteger

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seu coração. Eu não gostaria que minha profissão afetasse sua vida. Mas, precisamos defendê-la por agora.

Eu não disse mais que sim ou que não. Caminhei até meu quarto e bati a porta com toda força. Não importava a hora que eu saísse, nem tentasse dormir e fingir que ao acordar tudo fora um sonho. Ao lado de fora, havia uma estátua em prontidão.

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Não olhe pra trás

(Duda)

_ Droga... _joguei meu celular em cima da cama. Ele resolvera entrar em pane justo agora em que precisava falar com Maurício. Bufei com as mãos na cintura e olhei para o teto, para o lado, pra maçaneta da porta. _Ok, se o telefone não vem a gente... _ calcei o chinelo. _ Vamos a ele. _ passei pelo meu pai na sala e perguntei se o fixo não voltara a funcionar.

_Não. Com essa chuva, só vão vir consertar amanhã, provavelmente. Eu sobrevivo bem sem ele, mas vocês jovens... _ ele já começava um discurso quando eu batia a porta da sala.

Nem um sinal de Emanuel. Que ótimo, seu horário devia ter acabado. Será que meu pai estava assinando a carteira também com direito a hora extra, décimo terceiro e...

_Ah! _ gritei, dando de cara com aquela sombra no jardim. _Desculpe, não queria te assustar. _Seu maluco! _ bati nele, irritada pelo baita susto que me deixara com

as mãos suando e o coração na boca. _ Parecia um animal entre as árvores, surgido do além.

_Shiii. Não grite, seu pai vai pensar que aconteceu alguma coisa. _Mas, aconteceu! Você quer me matar?! _Eu não... _ ele olhou para o portão atrás de si, depois voltou o rosto

para mim. Só, então, recobrada do susto, me dei conta que suas duas mãos fortes seguravam minha cintura ainda em reação a pequena luta física que iniciara. De repente, seus grandes olhos azuis translúcidos me atingiram e seu maxilar estalou. Vi seu pomo de adão subindo e descendo, engolindo em seco. Por último, os lábios se entreabriram para uma tomada de fôlego sutil que me fez notar o vermelho muito intenso de sua boca por causa do vento frio. Em um relance, lembrei-me do meu primeiro beijo com Maurício ali naquele lugar e me atentei pra o que viera fazer. Dei um passo atrás e ele também, cabeças baixas, aturdidos com o contato. Pedi passagem. _Aonde vai? Está escuro, vai voltar a chover.

_Preciso usar o orelhão. _expliquei. _Nem mesmo tem um cartão. _ reparou em minha mão. _Muito observador, mas posso comprar um na banca de jornal, ainda

deve estar aberta... Isso se eu correr... _Vou atrás, não se preocupe, fico longe.

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_Por favor, me deixe, não vem... _Eduarda... _ sua voz soou mais penetrante, quase como um líder

sábio de filme. _... Quando quiser esquecer que estou por perto, é só não olhar pra trás. Mas, quando precisar de mim, é só olhar, eu vou estar lá. Pode ir... _ abriu a porta e eu fiquei alguns segundos ainda parada, absorvendo a maneira profética com que falara aquilo. Se antes queria correr, agora eu estava mais serena. Andei pela rua abraçada a mim mesma.

Eu estava com tanta vontade de falar com Maurício que não conseguia medir riscos. Só queria chegar até o orelhão! Depois de comprar o cartão, disquei o número de sua ala. Esperei com os dedos agarrados à aba do suporte de ferro. Fechei os olhos e rezei uma prece rápida pra não ter perdido a viagem: “atende, atende, atende...”, murmurei. Alguém do outro disse alô e meu coração pulou. Pediu pra chamá-lo e, de olhos pregados nos números das unidades do cartão caindo regressivamente, aguardei ansiosa até sua voz penetrar os meus ouvidos e eu soltar o ar de uma só vez em alívio. Ri, nervosa com meu próprio medo bobo de não falar com ele.

_Amor, estou sentindo tanto sua falta... Não veio esse fim de semana. _ Disparei.

_Oi, Duda. Também estou com saudade. _ disse, sem entusiasmo, cansado, apenas repetindo o que eu acabara de falar.

_Não parece... _ rebati pra poder forçá-lo a se declarar pro que eu queria ouvir, com a vontade que eu gostaria de sentir.

_Eu não posso falar com você, tenho que estudar. _Quê? _ perguntei, profundamente magoada, fingindo não entender. _Que foi? Eu preciso estudar, desculpe, a gente pode se falar

amanhã? _Você não tem cinco minutos pra mim? _ perguntei, quase sem voz.

_Eu estou no orelhão, andei pra caramba, está chovendo, tive que comprar um cartão de orelhão...

_Duda, Duda, escuta. Estou chateado, minha classificação não está boa, fui anotado hoje por causa do cabelo grande, vou perder outro fim de semana, tenho mesmo que estudar.

Meu coração apertou-se e minha boca aberta ficou seca. _Tudo bem, vai lá. Eu tenho umas coisas pra te falar... Mas, não vai te

importar... _Duda, eu preciso que entenda, eu te amo. Não respondi nada e, em um impulso, bati o telefone com toda força.

Assustei-me com minha reação. Estava tão profundamente magoada que não conseguia conter os próprios nervos. Todos os meus sentimentos estavam tão misturados. Eu era uma garota sozinha que amava alguém com quem não podia estar e não me sentia amada. Chorei com força e vontade. Quem ia ouvir qualquer ruído com a chuva que caía forte e barulhenta?

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Como Maurício podia ser uma pessoa tão egoísta?! Que diferença faria cinco minutos?! Eu não merecia um pouco da sua atenção? Que porcaria eu devia ser! Respirei fundo recolhendo meus cacos de orgulho. Funguei e ergui a cabeça. A chuva já estava mais fraca. Caminhei pela rua silenciosa e sem movimento. Ouvia o barulho de quatro passos, como se meus ecoassem e fizesse o som dos que me seguiam. Parei antes de virar a minha rua diante do muro alto de uma casa e girei o corpo. Emanuel estava com o cabelo molhado e a jaqueta de couro preta cheia de pingos.

_Não tem o direito a isso. Não te dou o direito de ver isso. Eu sinto que é como se você invadisse minha privacidade...

_Não precisava olhar pra trás... _ deu de ombro. _Você está vendo o que eu não queria que ninguém soubesse, eu

não te permito isso, mas não tenho escolha... _Eu não vi nada, se quiser. Sorri e minha garganta causou o ruído de uma risada que me lembrou

de rir. Balancei a cabeça para os lados e sorri. _Se tivesse de dia o sol teria aberto... _ ele comentou baixinho. _Como? _ perguntei. _O seu sorriso... seria o sol. _ disse, fazendo-me perceber que a

chuva parara. _É isso que me incomoda, seus olhos, eles são intrusivos. _ franzi a

testa. _Eu posso não olhar pra você também. _É? Eu quero ver se vai conseguir. _ desafiei. _Eu não disse que não vou olhar você. _Você é bom com as palavras. _ observei. _ Se formou mesmo em

direito? _Isso era verdade. _Então, devem estar te pagando bem pra “me olhar”. Ele fez uma careta que sim e gostei daquela expressão em seu rosto

e um nervosismo no centro da minha barriga me fez rir alto. _Eu não sei como vou te levar pra todo lugar. Eu vou ter que dar um

jeito nisso. _Hei. Eu não sou um dinossauro que achou os ovos azuis na

garagem de casa. _Mas, agora está comigo. Quando disse isso, abri um sorriso em seu rosto e o meu fechou-se.

Eu acabava de me lembrar que me sentia sozinha até agora pouco pela falta de atenção do meu namorado.

_Não olhe assim... _ falei baixinho, vendo que mais uma vez parecia atravessar-me com a linha reta da suas íris cristalinas até as minhas.

_Então, não olhe pra trás.

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Abaixei o rosto e caminhei pra dentro de casa, sem olhar pra trás, não devia.

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Gostar do que te faz bem (Duda)

O que é namoro, se não relativo, quando se está (nunca se está) com

um militar? Você sabe que é só dele, mas essa ligação é uma linha reta, longa e invisível sustentada pela leveza da textura de uma teia de aranha, que pode oscilar com o vento e, praticamente, qualquer pessoa romper por passar no meio, inadvertidamente.

Emanuel não enxergava o fio suspenso e se aproximava cada vez mais do ponto em que a ligação cortava o caminho de um lado a outro. É como se a dona aranha-vida fosse tão burra que não percebia que jamais deveria colocar sua teia ali, onde qualquer um podia estragar seu árduo trabalho, sem o menor respeito ou consideração.

_Para aonde vamos? _ Emanuel olhou-me por cima do teto do carro lustrado.

Eu não respondi por um tempo, não que não soubesse o destino, mas que de repente notara a pessoa em que ele conjugara o verbo. Eu não ia, nós íamos. Essa diferença ia se dissipando como fumaça no espaço pouco a pouco. Antes ele era só o meu perseguidor imperceptível, depois virou minha sombra e agora já andava ao meu lado. Nada disso acontecera sozinho, eu tinha culpa. Esse passo a frente encurtando nossa distância fora dado por mim em uma noite quente e chata da sexta-feira passada com Helena ao meu ouvido pelo telefone:

_Não pode ficar em casa por que o Mau não vem te ver! Você é jovem, linda, inteligente... _Quando entramos nesse ponto da discussão minha amiga é capaz enumerar até cem pra ganhar tempo e achar um jeito de me fazer enxergar que deveria seguir suas idéias, ou se convencer que estava me oferecendo o melhor. Mas, dessa vez, ela parara na terceira qualidade e, em vez de uma sugestão, interrompera o raciocínio com uma pergunta em tom de irritação. _Você gosta mesmo do Mau?!

_Gosto... _ respondi monotonamente, olhando através do vidro da janela da sala Emanuel encostado na pilastra, falando ao telefone. _... Por que acha que estou em casa?

_Porque não gosta de si mesma! _Ah! Ãnh... _ dei um pigarro, colocando o cacho atrás da orelha, virei

para o lado, disfarçando que estava olhando diretamente para as costas de Emanuel. Ele me pegara em cheio fazendo essa inspeção. _... É, ãnh... o que disse mesmo? Desculpe eu...

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_Você está tomando aquela droga de antidepressivo de novo, Duda?! Se é pra ficar seca, que diabos, faz aquela dieta que eu lhe falei...

_Não estou tomando! Se bem que dei uma engordadinha. _caí sentada no sofá.

Emanuel abriu a porta da sala e entrou. Antes, ele ficaria lá fora até ser convidado. Antes, eu nem sentiria falta. Antes, não era como agora. Meu coração se remexeu dentro do peito e tive medo. E eu sorri, pra disfarçar tive que rir, abaixando a cabeça e apertando a almofada contra mim:

_Ai, Helena, como você é engraçada. _ fingi que acabara de ouvir uma besteira e minha amiga do outro lado teve certeza que eu estava sob efeito de drogas pesadas. _Então, você vem aqui pra casa para a gente sair?

_Duda, você tem um alterego que acabou de emergir e nunca me contou? Por favor, não me assusta, o que deu em você? Tudo bem, estou indo para aí e espero que não te encontre em um pijama de flanela olhando a programação do History Chanel!

_Ok. _Desliguei e continuei olhando Emanuel roubando as uvas do cacho da mesa da sala, deixadas ali pelo meu pai. Ele estava de calça jeans clara, um sapatênis em bom estado e uma camisa, bom que diferença qualquer camisa faria naqueles braços enormes e perfeitamente torneados. _É... _levantei o tom de voz e ele percebeu que eu me dirigia a ele. _Vamos sair.

_Vamos? _levantou a sobrancelha de fios alinhados em uma curva que acompanhava o osso da cavidade ocular em harmonia, mas que falhavam em um ponto no final. Acho que percebeu o ponto da minha atenção e o tocou. _É uma cicatriz.

_Você era de alguma gangue e se deu mal um dia? _Hum, não... _ sorriu, era raro que sorrisse e eu agradecia muito, por

isso, muito daqueles sorrisos não surtiriam bons efeitos em minha solidão. _ É bem menos cinematográfico. Caí quando criança e bati com a testa... _balançou a cabeça para os lados e era o perfeito e puro sorriso de uma criança ali estampado. _Você falou que íamos...

_Ah! Vamos sair. _Pra onde? _ ele estava preocupado no lugar, quando deveria querer

entender que eu acabava de incluí-lo na minha vida de maneira plural. _Por aí, pra noite... _Duda, não... você sabe que... Dei um passo ou foram dois, logo ficamos mais perto do que eu

calculara e acho que a proximidade o fez se calar e me olhar em atenção. _Você vai estar comigo, não vai? _ desafiei. _Então, minha mãe não

tem por que se preocupar. _Mas, ela teria, se soubesse que está procurando encrenca, não

ficando aqui em casa!

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_Ela te contratou pra isso, não foi? Pra que eu saísse. _...Quando precisasse. _lembrou-me. _Eu preciso, preciso muito. _dei dois passos de costas e depois girei

os calcanhares em direção ao corredor do meu quarto e quando voltei vestido-salto-maquiagem, trouxera comigo um pote de gel. _vem comigo. _Puxei-o pela mão e o trouxe até a pia da cozinha.

_O que é que está pensando em fazer? _ perguntou, mas eu já tinha molhado as mãos como cirurgiã pronta para o trabalho. Fui até a mesa da cozinha onde largara o pote e peguei um pouco do gel viscoso e cheiroso. _Não vai colocar...

_No seu cabelo? _ baguncei-o em todas as direções e depois comecei a dedilhá-lo mecanicamente tão profissional quanto uma cabeleireira. A maciez de seda dos fios perfeitamente sedosos ofereceu um toque de veludo às palmas das minhas mãos. A ponta dos meus dedos percorreram o couro do seu cabelo, relaxando-o de maneira que os olhos piscaram mais lentamente. De repente, eu não sabia mais o que faltava arrumar, mais ainda não queria parar.

Ouvi duas tossidinhas e acordei para realidade. Virei o rosto e vi Helena entrar pela cozinha com um ar de acusadora.

_Helena, esse é o meu primo Emanuel. _ apresentei sem tirar os olhos das mãos que agarravam o pote de gel pra fechá-lo. Eu tinha ciência de que não era tão boa atriz assim pra fingir face a face.

Senti sobre mim dois olhares alarmados e depois encarei um e outro e me deparei também com duas bocas sem fala.

_Ãnh... Prazer, eu sou a amiga de Duda... _ela estendeu a mão, ainda confusa e Emanuel mais ainda desconcertado não sabia se evitava ou aceitava o cumprimento.

Eu caí na risada. _Ok, ele não é meu primo. _ desfiz a brincadeira. _ Era só um teste

pra ver se ia colar quando eu falar para os nossos amigos. Helena olhou pra Emanuel agora de cima a baixo e depois me fuzilou.

Eu já sabia o que pensava e eu iria impedir logo que continuasse me vendo como uma traidora.

_Esse é o meu guarda-costas. Agora preciso de um. Depois te explico essa loucura. Mas, não quero que ninguém saiba. Acha que pode ser meu primo?

_Isso não estava no contrato de trabalho... _Eu perguntei pra ela. _ olhei pra Helena de braços cruzados. _Acho que dá para as pessoas acreditarem. Agora, e seu namorado? _Ele está aqui? Está vendo ele por aqui? Então, não se preocupe. _ a

minha voz saiu com todo amargor possível, deixando quase um gosto de fel na boca.

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_Eu vou pegar serviços mais calmos da próxima vez, como segurança do governador ou... _Emanuel veio resmungando com ironia atrás de mim.

_Mas, não vai se divertir tanto. _pisquei o olho e abri a porta da sala para os dois passarem. Agora, eu tinha um sorriso no rosto e podia senti-lo. Estava viva.

Aquela noite fora tão intensa e divertida que eu só conseguia me lembrar de acordar com o vestido amassado e só uma sandália no pé, a boca completamente seca. Tirei os cachos do rosto e tentei puxar pela memória os últimos acontecimentos. Fechei os olhos para ajudar e vi luzes, ouvi música eletrônica e ainda senti o bafo de muita bebida. Gemi e ri ao mesmo tempo rolando pela cama, com a bexiga cheia. Peguei uma caneta bic na escrivaninha e enfiei na cabeça para segurar o coque frouxo e fui até o banheiro.

Na cozinha, eu já de banho tomado e com uma cara melhor, encontrei Emanuel tomando café e lendo o jornal. Peguei uma xícara e abri a garrafa que fez um estalido abafado de vapor.

_Uau, o que foi ontem? _franzi a testa e segurei a xícara na altura do queixo.

_Você parecia voltar ao planeta Terra depois de muito tempo como uma lacraia esquizofrênica...

Abri a boca em horror e peguei a maçã da fruteira. Emanuel protegeu o rosto com o jornal e sua risada sonora e alta ecoou pelos azulejos da cozinha vibrando todo o ambiente.

_Desculpe, eu não deveria ter dito isso... _ deixou o jornal de lado e eu também, a maçã, beberiquei o café.

_Os primos podem... _Seus amigos acreditaram... _ riu e me fez sorrir também. _Nós dois

não temos nada em comum! _Temos sim, somos praticamente a mesma pessoa agora. _minha

voz saiu mais séria do que tencionei e ele deixou o sorriso fechar também. _Por agora... _corrigi. _Ontem, foi ótimo pra mim... Eu estava precisando exorcizar um pouco.

_Exorcizar é a palavra certa. _Por que você é sempre tão ridículo? _ atirei a bola do miolo do pão

que acabara de fazer. _Não é meu trabalho te fazer feliz, só te proteger. Mas, ele fica bem

mais fácil assim... _disse com uma voz mansa e baixa. Levantei os olhos do pote de manteiga de onde tirava uma fina camada com a ponta da faca. _ ...Você é muito solitária. Eu não tenho nada a ver com...

_Tudo bem, eu lido bem com isso. Quer dizer, vou tentando. _mordi o pão. _Nem todo mundo pode ter a quem se ama perto...

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_Mas, pode amar quem está perto. _falou com a facilidade que conseguia dizer e ver todas as coisas, fazendo parar o bolo de pão na entrada da minha garganta. Engoli e afastei os olhos de seu azul cristalino. _Você fala como se fosse uma condição natural, quando é uma escolha.

_Eu não escolhi quem eu amei... _defendi-me. _Mas, permitiu. Talvez, não esteja se permitindo o que é bom pra

você. Levantei-me da mesa e deixei a xícara na pia e os poucos segundos

que ficara de costas não percebera que Emanuel já tinha se aproximado e estava atrás de mim quando me virara.

_Desculpe, eu não podia ter tomado a liberdade de falar da sua vida. _Ok. Eu só não sei como mudar isso, e nem sei se quero, eu estou

bem... _Claro que está. _não era uma constatação, mas uma tentativa de me

ajudar a acreditar. _Obrigada por estar tornando tudo mais fácil. _O que mais fácil? _ ele estendeu a mão pra tocar no meu cabelo e

eu senti um calor subir pelo meu pescoço, se preparando e aguardando o toque.

_Toda a situação de ter um guarda-costas... _ falei o que não era o que estava pensando e vi decepção e seu rosto e perdi com isso o seu afago. Eu queria muito um carinho, precisava fisicamente de tato.

_Que bom que eu sou um facilitador pra você. _olhou o relógio pra mostrar que se lembrava de algo e saiu. Se era ofensa em seu rosto, eu não vi, pois evaporou-se rapidamente pelo corredor. Ouvi o toque do meu telefone vindo do quarto e não corri pra atendê-lo. Devia ser Helena e eu também não queria dar explicações, eu mesma já confusa o suficientes.

_Hei, eu fiz uma pergunta. Para aonde vamos? _era a voz de Emanuel do outro lado do carro, me acordando das lembranças da semana.

_Ver um filme que estreou. _Qual? _ perguntou, já ligando o motor. _Querido John. _Ouvi falar... Você tem certeza que quer vê-lo? _Claro! Tem a ver com a minha história. Ah! Vamos, não banque o

meu pai querendo me proteger... _Só estou bancando seu segurança. _virou o volante e me deu uma

olhada. _Engraçadinho. Vai dizer que meu coração está seguro também?_

arrependi-me da pergunta, captando em seguida todas as possibilidades de interpretação, mas não podia recolhê-las de volta, uma vez atiradas como dado sobre a mesa de jogos verbais.

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Atrás da Linha do Amor Li Mendi

_Comigo? _ a pergunta me trouxera mais problemas do que qualquer respostas, pois podia ser blefe ou cartas na manga arrasadoras.

_O que poderia fazer de mal? _nada como blefar também. _Eu nunca, nunca lhe faria nenhum mal. _ segurou a marcha com

mais força do que de costume e engatou a quinta, acelerando além do que devia.

_Às vezes, a gente faz mal sem querer... _encolhi os ombros. _Isso vindo de você, eu acredito. _apertou o freio diante da máquina

de ticket de estacionamento e abriu a janela para estender o braço. “Como assim, ‘vindo de você’, senhorita destruidora de corações?”

Não continuei arriscando todas as minha fichas. Saí do carro e lembrei que estávamos atrasados. Troquei aquela conversa por um lamento de não poder comprar pipoca. Ele, então, se ofereceu pra correr e pegar um combo, enquanto eu imprimia os ingressos na máquina de atendimento rápido.

Já aguardando na fila, senti uma mão espalmada nas minhas costas. Assustei-me e virei rapidamente pra ver quem era e dei de encontro ao peito largo e forte de Emanuel. Ele trouxe minha cintura pra perto de si e disse que estava tudo bem. Olhou em volta como de costumes varrendo o território a procura de qualquer problema. Mas, para mim o ‘inimigo’ estava mais perto.

_Não faz isso que me assusta. _ ralhei baixinho. _Mais que o Freddy Krueger? _ apontou para o cartaz ao lado. _Não, seu bobo! _ dei um empurrãozinho no seu peito e ele voltou

como mola para perto com um grande sorriso no rosto e os olhos cintilando. _Olha que eu posso invadir seus sonhos. _ ameaçou, seguindo

comigo pelo corredor de carpete vermelho. _Isso é uma maldição? _ fingi desapontamento. _Pra onde você vai? _ achou graça de eu estar meio perdida e, pra

ajudar, pegou a minha mão e me puxou para a porta da sala ao lado. Por alguns segundos caminhamos assim, com nossas mãos se tocando.

_Qual o número da nossa cadeira mesmo? _ peguei o papel e tentei olhar em uma luz pontual no canto do corredor cinza e escuro.

Ele mastigava uma pipoca e tinha os olhos em meu rosto. Eu imaginei como seria sua boca rosada com gosto de sal e úmida. Que sabor teria sua saliva e a textura da sua língua?

_Não está conseguindo ver direito?_ perguntou. Eu queria responder que não conseguia mais ver nada direito, tudo era um lindo e divertido sonho que eu não devia estar acontecendo de jeito nenhum. _Deixa eu te ajudar.

“Talvez, não esteja se permitindo o que é bom pra você”, a frase me veio à cabeça. Aquilo estava sendo muito bom pra mim, até o ponto de eu tomar consciência de que não podia ser bom e sofrer. Como doía não poder estar com quem queria e ao mesmo tempo não poder querer com quem se está.

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_Vem, vamos perder o início. É M 7 e 8. _Chamou-me. Caminhei mais atrás e Emanuel percebeu que não devia ser assim e

me deu passagem, colocando sua mão em minhas costas. O filme fora incrível, eu chorara do começo a o fim e me sentira como

projetada da tela em muitos momentos. Tudo que eu queria era voltar pra casa imediatamente depois daquele toque profundo no meu ponto mais sensível.

Assim que cheguei à varanda perto da porta da sala, virei-me pra Emanuel e agradeci a companhia. Ele só estava ao meu lado por causa do seu dever, mas fizera tudo ser muito mais legal.

_Você é muito divertido. Ele sorriu, mas, de repente, seu rosto se fechou e seus olhos se

levantaram para algo atrás de mim e deu um passo levemente atrás. Meu corpo inteiro gelou.

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Pega de surpresa

(Duda)

Quando olhei pra Maurício na soleira da porta da minha casa, senti-

me uma ladra que acaba de cometer um crime terrível. Mas, tudo não passava de percepções silenciosas do meu coração culpado. O que Mau acabara de ter visto? Apenas eu me despedindo do meu guarda-costas. No entanto, qual a palavra certa pra desfazer da cabeça dele a foto que acabara de tirar da cena? Era esse quadro que usaria pra interpretar o que quisesse sobre o homem que estava ao lado da sua namorada.

Dessa vez, senti uma onda de vaidade que inflou meu ego. Eu desejava que Mau tivesse uma pontinha de medo de me perder e lá estava a grande oportunidade de lhe colocar uma pitada de dúvida. Antes de dar qualquer sorriso superior, me toquei que estava usando Emanuel. Foi quando olhei para o lado e o vi procurando alguma coisa no chão. Um buraco pra cavar?

_Amor... _ beijei Mau, mas parecia agarrar-me a uma estátua de mármore, pois estava petrificado de raiva. Só apertou-me pela cintura com extinto de disputa animal aflorado. _ Esse é o meu guarda-costas. Minha mãe colocou um na minha cola... _ falei baixinho, mas depois me toquei que os ouvidos aguçados de Emanuel não deixariam escapar o cochicho.

Isso é o que eu lhe dava em troca, depois da noite super divertida que acabávamos de ter? Eu podia me fazer de desentendida e bancar a protegida de seus favores profissionais, mas eu tinha o senso moral de que era a maior cretinice possível, na frente do meu namorado, rebaixá-lo a alguém com quem sou obrigada a andar. A verdade que eu precisava mostrar para Maurício não era a mesma que eu sentia com Emanuel. Eu tinha que escolher qual das verdades seria oficial.

_Até amanhã. _ Emanuel já estava de costas quando me virei pra dizer que não precisava sair assim. Ele tinha ficado chateado e isso doeu em mim.

Senti a mão de Maurício me puxar pelo braço e eu naquele instante era um boneco sendo deslocado no espaço, minha consciência estava abalada pelo que acabara de fazer, melhor, desfazer de Emanuel. Que sujeira! Como eu tinha duas caras?!

_Duda, estou falando com você!

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Pisquei o olho e foquei no rosto de Maurício. Mecanicamente, abri um sorriso e o abracei pra que não visse minhas feições graves.

_Que saudade. _ disse. _ Vamos entrar? Chegou faz muito tempo? Como foi a viagem? Vai ficar aqui todo o fim de semana?

Enfileirei várias perguntas pra não dar espaço pra outro assunto e abri a porta da sala. Antes que respondesse a terceira, eu já estava na cozinha me oferecendo pra fazer um sanduíche pra ele. Puxei um pão, comecei a passar mais manteiga do que devia, empilhei queijo, presunto...

Maurício me fez largar a faca e me puxou para si. Oh! Eu tinha dado na telha? Ele beijou meu pescoço e eu senti que estava tudo bem. Um suspiro silencioso. Vi meu celular ainda no silencioso piscando a luz na bancada da cozinha. Fingi não perceber. Agradeci por ter esquecido de tirar do silencioso desde o cinema. Uma curiosidade e culpa me fez querer ver o que era.

_Amor..., errr... _ limpei a garganta. _ Não quer tomar banho? _sugeri. _ Está um calor... É o tempo de eu preparar isso aqui.

_Eu pensei em tomar banho depois... _Ah! Fica cheirosinho pra mim, fica?! _ fiz um beicinho e ele se foi. Eu

sou um monstro psicopata. Cheguei a conclusão já com o celular na mão e o coração pulando.

Era uma mensagem do Emanuel: _Acho que não vou mais trabalhar pra você. Eu senti que me coração caiu no pé. Como assim?! Tudo isso por

causa do mal entendido de Maurício?! Não aguentei esperar. Disquei o número dele. Eu tinha que arriscar. O

barulho do chuveiro era meu sinal de que a barra estava limpa. _Não entendi sua mensagem. _ falei de cara. _Não, meu anjo. _ disse com voz doce e plácida. _É só que sua mãe

me dispensou já. Tarefa cumprida. _Isso quando? _Agora pouco... _ falou e eu podia jurar que mentia. O chuveiro foi desligado e ligado novamente. Fechei o olho e cocei a

testa. Minha mão suava frio. Essa coisa de administrar dois caras era trabalho pra especialista!

_Hum... Nem sei o que dizer... Ãnh... Posso te ligar amanhã? Meu deus?! Eu estou me ouvindo mesmo? Devo me internar! _Tudo bem. Beijos, boa noite. _Beijos. _desliguei. Maurício apareceu na cozinha de cabelo molhado e sem camisa. Seu

abraço quente e cheiroso era tão acolhedor, mas meu coração estava quebrado como um relógio de molas soltas. Eu não era boa pra me apaixonar por dois ao mesmo tempo. Será que Mau entenderia, se eu pedisse pra ir embora e que me deixasse sozinha essa noite pra pensar?

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Agora, estávamos juntos, mas bastava algumas horas e novamente partiria. Enquanto isso, eu sentiria falta de outro. Mas, naquela guerra, não podia ter um coração neutro. Era certo amar apenas um. Só que a vida não estava sendo justa comigo pra ser tão moral assim. Eu precisava de carinho e de atenção. Meu coração, nesse ponto, estava sendo até bem coerente. Guardei meus conflitos só pra mim. Nem um dos dois precisava saber.

No dia seguinte, Maurício foi pra casa ver a família e eu fui até o mercado sozinha comprar algumas coisas para o almoço de domingo com meu pai. Na saída do estacionamento, parei em um sinal e alguém bateu no vidro do meu carro. Olhei para o lado...

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Pelas costas (Mau e Duda)

(Mau)

Chegar a casa era uma sensação boa de tempo não interrompido. Eu podia jurar que a comida posta na mesa era pra mim, vindo da escola, ainda de uniforme branco e cinza. O cheiro de alho e o suco suando na jarra ao lado da salada verde, a televisão ligada no Globo Esporte me fizeram sorrir. Agora, o uniforme que eu usava era outro e a escola também bem diferente.

Vinha de caminhos mais distantes, mas todas as vezes que abria a porta da sala podia sentir a mesma atmosfera. Nada mudava para mim. Os móveis no lugar, o meu quarto o mesmo. Mas, quando olhava as pessoas, sentia-me como parado o meu relógio interno, enquanto que elas sim tinham mudado completamente. Minha madrasta aparecera de cabelo mais curto e ruivo, apressada para sair. Trocamos dois beijos e um tchau.

_Hei, espere. _ chamei, lembrando-me de algo muito importante. Ela se virou com atenção, eram muito raras as vezes em que nos dirigíamos um a outro sem ser por cumprimentos formais. _ A Duda me falou de um guarda-costas que agora a segue...

_O Emanuel? _ franziu a testa. _Deve ser esse o nome... _Ela nunca tinha falado dele pra você? Só falou agora? _ seu ar era

de estranheza e meu estomago se moveu com o pouco de suco gástrico que tinha do café da manhã que tomara na casa de Duda. Então, ela já tinha aquele armário nos seus ombros por muito mais tempo e eu não sabia de nada! Enquanto, me dava conta dessa conclusão, sua mãe olhou para os lados, buscando palavras, depois encontrou uma saída perfeita pra defender sua filha, o que era bem estranho, visto que se qualquer cara roubasse Duda de mim, ela ficaria feliz por nos ver separados. _ Bom... ela não quis te preocupar e preferiu esperar pra falar pessoalmente.

_Hum... _ foi só o som que consegui fazer. _Você não ficou punido e depois teve que fazer vários treinos para as

Olimpíadas e... _E não vim nos últimos fins de semana, sim eu sei... _Pronto, foi isso! Mas, por que está preocupado, não entendo. Aquilo era alguma ironia perversa que eu precisava debater? Duda

era minha namorada e estava andando por aí com outro cara, enquanto eu não podia fazer nada!

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_Como viu Emanuel? _ ela quis saber. Eu deveria tê-lo visto na cama com Duda! Que pergunta idiota. Se ele

era seu guarda-costas... _Ele não trabalha mais pra mim, isso é que eu não entendo... Dessa vez, o que sentira fora um frio na barriga. Medo. O que eu

estava imaginando podia ser bem pior. E sua mãe não estava de ironia, mas confusa:

_Eu já o tinha dispensado desde o domingo passado, quando achei que não era mais necessário... _pareceu falar alto sozinha consigo mesma, tentando entender a situação. _ Ela deve ter-lhe explicado direito que eu estava com um caso que me trouxera algumas ameaças a minha família, então, preferi para sua segurança deixá-la sob olhar de um profissional.

_Profissional? _ essa era a vez de eu falar sozinho comigo mesmo. _Se ele estava com ela, ontem... Você não chegou ontem? Então, não sei, pode ter esquecido algo na casa dela... ou...

_Tudo bem. Obrigado. _ virei as costas e me dirigi à escada que levava ao meu quarto.

A voz de Duda veio de dentro da minha memória: “obrigada por me acompanhar no cinema, você é bem divertido”. Respirei profundamente, sentindo o ar arder no meu peito. Ela tinha ido ver um filme com seu ex- guarda-costas, enquanto eu estava estudando em outro estado?

Peguei o porta-retrato que viera parar na minha escrivaninha desde que se desfizeram seu quarto na minha casa. Seu sorriso doce e cândido era o mesmo que encontra em seus lábios ontem à noite. Teriam eles beijado a boca de outro e depois a minha? Meu coração descompassou como quando estou chegando ao meu limite nos treinos de corrida. Como aquela... aquela...

O celular tocou e eu atendi: _Fala. _Oi, Mau. _disse meu amigo. _O pessoal vai pra praia tomar uma

cerveja. Ta afim? _Te ligo depois do almoço e te encontro. Tranqüilo? Brasil. Tchau. _

desliguei. Eu faria tudo que tivesse vontade, não era isso que ela fazia longe de

mim e nas minhas costas? Tomei banho e almocei sem fome. A casa e os objetos eram os mesmos, estavam no lugar. Eu me sentia

quase o mesmo. Mas, as pessoas, essas não. Elas pareciam passar anos na minha frente. E minhas vontades de curtir lugares, viagens e sair pareciam sempre estacionadas no tempo. Sentia sempre aquela adrenalina de querer fazer tudo de uma vez e agora tinha o álibi de Duda poder estar me traindo.

Liguei pra seu celular, mas não me atendera. Disquei o número da sua casa e seu pai disse alô. Pedi pra chamá-la, mas disse que tinha ido ao mercado. Ouvi uma voz de fundo e perguntei se estava sozinho.

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_Um amigo veio almoçar... _respondeu com a boca longe do fone. _ Isso, pode deixar a cerveja ali no barril. Já está com gelo. Obrigado, Emanuel... O jogo já vai começar.

_Obrigado, então, ligo pra ela depois. _ disse. _Ah, ta. Liga para o celular dela. _Está desligado. Obrigado. Já era a segunda vez que ouvia o nome daquele cara no dia:

Emanuel. Primeiro soubera que estava fazendo serviços gratuitos de proteção a minha namorada e agora tinha sido elevado ao posto de amigo do meu sogro, ganhando a cadeira de honra pra assistir o jogo na televisão.

Eu sentia-me roubado, traído, enganado, trapaceado e com muita, muita raiva e decepção.

(Duda)

No dia seguinte, Maurício foi pra casa ver a família e eu fui até o mercado sozinha comprar algumas coisas para o almoço de domingo com meu pai. Na saída do estacionamento, parei em um sinal e alguém bateu no vidro do meu carro. Olhei para o lado e vi um homem de jaqueta preta com uma arma na mão. Apesar do vidro escuro, eu tinha certeza que ele poderia me ver. Minha primeira reação seria acelerar e fugir. Mas, o cruzamento na minha frente provocaria um acidente.

Não sei como, mas lembrei das instruções de Emanuel assim que começara a trabalhar como meu guarda-costas. Ele me ensinara a nunca reagir. Segundo seu passo-a-passo em um assalto, eu não poderia movimentar a minha mão pra não parecer que buscava uma arma. Alguns criminosos são capazes de atirar a queima roupa, dependendo do seu nível de adrenalina. O meu celular estava entre as minhas pernas. Olhei o sinal mais uma vez pronto pra abrir. Se eu acelerasse, ele também poderia atirar. Mais uma vez a voz de Emanuel na minha mente me dizendo que não era pra reagir. Puxei o ar para os pulmões e levantei a mão esquerda fazendo sinal pra que esperasse que eu abriria o vidro. Eu só tinha alguns segundos pra fazer um pequeno gesto que me salvaria. Deslizei a mão entre as coxas e segurei o celular. Apertei com força um botão externo que rediscava para o número de Emanuel. O aparelho estava programado pra avisá-lo que eu estava em perigo quando o acionasse. Era um alarme de emergência combinado entre nós e eu esperava que entendesse o aviso. Soltei o celular e levantei agora a mão direita. Soltei o ar sem qualquer certeza que o chamado por Emanuel tinha dado certo.

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_Vai para trás, agora! _ o homem berrou comigo e abriu a porta, me jogando lá dentro.

Minhas mãos geladas suavam frio e tremiam. Todo meu corpo parecia em convulsão. Controlei a respiração e lembrei que não devia aparentar desespero, nem olhar para o ladrão. Apenas cooperar com tudo pra sair viva.

Como minha mãe podia ter dispensado Emanuel, se eu ainda estava em risco?

_Qual o seu banco? _perguntou. Ele queria dinheiro? Então, nada tinha a ver com as ameaças à minha

mãe? Um seqüestro relâmpago! Antes que eu dissesse, ele revirou minha bolsa no banco ao lado e

abriu minha carteira. Eu não tinha voz, nem ação, apenas me abraçava, muda.

_Você vai ficar quietinha, senão eu vou encher sua boca de bala, entendeu?

Fiz que sim com a cabeça. _Nós vamos a três caixas eletrônicos. Mais uma vez movimentei a cabeça afirmativamente enquanto ele

dirigia em direção a agência bancária mais próxima. _Sai do carro, saca o máximo que puder e volte aqui, vou estar com o

revólver apontado na sua direção. _Hum-hum. _ peguei o cartão com as mãos muito trêmulas e saí do

carro. Minhas pernas estavam tão moles que eu duvidava que pudesse caminhar.

Apertei o botão da porta de vidro do banco e entrei. Evitei olhar o guarda pra não aparentar nervosismo. Eu não conseguia distinguir a seqüência certa de letras, pois estava com a mente completamente bloqueada. As mãos tremiam tanto que precisei apertá-las contra o estômago e limpar o suor.

_A senhora está bem? _ perguntou o guarda no canto direito. _Estou! Fique longe! _ falei alto sem virar o rosto. Não podia deixar

que percebesse que mentia, nem dar a entender ao bandido do lado de fora que pedia socorro ao segurança. _ Só briguei com meu namorado. Estou um pouco abalada, nada demais.

Vi pelo canto do olho que averiguava se tinha alguém do lado de fora me esperando. Aqueles homens eram treinados pra isso e eu estava tentando enganá-lo sem sucesso. O guarda usou seu bom senso e intuiu que eu realmente não estava normal. Será que captara algum movimento suspeito lá fora? Quando já estava ao meu lado, ouvimos tiros e a primeira reação foi nos abaixar. Os vidros da agência vieram abaixo. Protegi meu rosto com a mão e depois tapei o ouvido.

_Não me mate! Eu não fiz nada! _ chorei em desespero.

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Quando os tiros cessaram, tomei coragem e abri os olhos apertados. Olhei pra frente e vi o homem de jaqueta preta que me sequestrara deitado no chão do estacionamento. Emanuel o arrastava pelo braço no chão de cimento, formando um rastro de sangue. Ele o chutou com força e deu um soco em seu rosto, parecia uma máquina furiosa de matar. Pensei que fosse dar um tiro de misericórdia, mas Emanuel permitiu que ficasse encostado na parede sucumbindo.

_Bem que eu percebi que ela estava muito nervosa. _ disse o guarda, assim que Emanuel deu uma corridinha em nossa direção.

_Eu peguei o desgraçado. _ Emanuel respondeu para o guarda, apontando pra fora. O segurança foi ver o bandido, comunicando a segurança pelo rádio.

_Emanuel. _sentei no chão e estendi os braços. _Está tudo bem, minha linda. _agarrou-me com força e me apertou

contra si com força. Senti finalmente um alívio e comecei uma crise de choro, como se de repente eu caísse na real o que estava acontecendo. Era um ataque tardio e descontrolador. _Você ouviu minha ligação? Eu fiz como me ensinou.

_Ouvi sim. Fiquei muito preocupado. Eu liguei pra a empresa que rastreia seu carro e vim feito um louco pela rota... _ afastou os cachos do meu cabelo pra ver meu rosto.

_Ele podia ter feito tanta coisa comigo... _ solucei. _Eu não deixaria, você sabe. _ sorriu pra quebrar a gravidade da sua

expressão e me tranquilizar. Era o sorriso mais lindo e doce. Como eu pude ficar longe daqueles olhos azuis e amigáveis?

_Você abandonou o cargo de anjo da guarda. _ toquei seu rosto com a mão e meu dedão roçou seu lábio inferior.

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Ninguém precisa saber (Duda)

Emanuel me levou em segurança até o seu carro e não demorou pra chegar os policiais, repórteres e se fazer um cordão humano de curiosos. Ele me avisou que precisava cuidar de algumas coisas e que eu ficaria bem em casa. Tirou a cabeça da janela do carro e, antes, acariciou minha bochecha prometendo me encontrar em breve. Meu pai ligou o motor e me levou embora.

_Você convidou o Emanuel pra almoçar sem me falar? _ perguntei. _Ele chegou com as cervejas. Querida, está preocupada com isso

agora? _ riu alto. Mantive-me encolhida no banco e quando cheguei em casa, encontrei

Maurício me esperando com minha mãe. Abracei-o e senti o cheiro forte de álcool. Olhei-o intrigada e preocupei-me, quando deveria ser ele naquele momento o preocupado comigo.

_Onde estava? _Em um churrasco com os amigos. _ falou completamente grogue.

Duvidava que tivesse vindo até ali com as próprias pernas. Foi quando me virei pra minha mãe e supus tudo em um único relance.

_Não me disse nada sobre isso... _Querida, como foi que tudo aconteceu? _ ela tomou a frente e vi

Maurício em segundo plano, olhos injetados, aéreo, risonho e cambaleante. Um adolescente irresponsável que me trazia cansaço só de pensar o quanto precisava segurar sempre as pontas pra ele.

_Duda? _ Emanuel surgiu no portão e falou perto de mim que deveria depois comparecer à delegacia. Eu fiz um aceno positivo com a cabeça e me senti novamente segura em vê-lo.

_Obrigada, Emanuel. Você foi um herói hoje. _ minha mãe abraçou-o com muita força e emocionada.

_Pena que o dispensou há uma semana. _a voz de Maurício soou mais ao fundo carregada de um veneno que parecia ter bebido de uma garrafa inteira. Todos o olhamos. _ Mas, ele fez o seu papel de graça de bom agrado, não é?

Emanuel passou os olhos de Mau para mim e segurou as palavras por alguns segundos.

_Eu só quis ajudar... _Minha namorada não precisa de sua atenção gratuita e barata!

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_Eu acho que está precisando de um café pra se curar do porre e esfriar a cabeça. _ Emanuel disse com voz mais grave e superiora.

Ele, então, não estava mais trabalhando pra minha mãe e mesmo assim continuou ao meu lado? E me levara ao cinema? A cadeia de pensamento desabrochou um sorriso em minha boca pequeno e involuntário.

_Você bem que gostou, não é Duda? Até aproveitou pra sair com ele e se divertir? _ Mau resmungou como um garoto mimado e rancoroso. Senti cansaço, raiva, piedade e desânimo pra começar uma briga e lhe explicar que não sabia de nada. _ Eu vou embora daqui! _ gaguejou e saiu tropeçando nas pernas. _Tenho que voltar pra academia...

E me deixar novamente sozinha... Completei mentalmente com tristeza. Não fiz nada pra impedir. Hoje, eu não iria mais me debater contra nada. A experiência de risco de vida me deixara serena, pensativa, leve.

Minha mãe se ofereceu pra chamar um táxi na rua e colocá-lo dentro de um. Depois, pediu licença com a desculpa de que tinha que falar com meu pai e me deixou sozinha com Emanuel na varanda de casa. Eu continuei em pé, recostada em uma coluna de cimento.

_Eu posso te explicar... _ ele começou, mas eu fiz o gesto pra não continuar.

_Não tem problema. Depois do que houve, eu não quero discutir com ninguém...

_Que bom que eu pude te salvar. _Você me salvou mais do que pensa. _ deixei a confissão fluir. _Eu sei disso e queria... _Queria? _ajudei-o. Ele bufou, engoliu em seco, buscou desviar os olhos, estava relutando

contra os próprios sentimentos. Será que imaginava que o mesmo se passava comigo?

Meu coração era um tambor retumbando na parede do peito freneticamente. A veia no meu pescoço devia estar supostamente visível, saltando com o fluxo de sangue quente e veloz que corria por meu corpo. Quando Emanuel deu dois passos em minha direção não parecia mais disposto a esperar nem mais um minuto.

Ia acontecer de uma vez por todas, ele já anunciava em seus olhos fixos em minha boca. Eu tinha, mas não queria fugir. Apertei as duas palmas lisas de suor nas costas pra não dar qualquer insinuação de que iria participar de seu ato. Mas, a minha própria presença muda era uma permissão suplicante. No último passo que o colocou alguns centímetros do meu corpo o coração doeu em descompasso. Balancei a cabeça pro lado, ri e abaixei o rosto, deixando os cachos escorregarem dos ombros e soltando-se no ar, como molas douradas. Eu não devia ter lhe dado aquela deixa porque os segurou de uma só vez, enchendo as mãos e os afastando pra trazer meu

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rosto pra si. Suas pupilas azuis estavam um mar escuro e perigoso. Seu hálito quente, saindo entre os lábios vermelhos e desenhados com perfeição aqueceram os meus, provocando um feitiço de entreabri-los como adormecimento. Foi preciso me morder, mas ele soube esperar que eu os deixassem receptíveis aos seus.

Emanuel apertou todo o seu corpo contra o meu já recostado na coluna e o atrito deixou todos os meus nervos como suspensos por pinças. Sua boca febril beijou meu pescoço e minhas pálpebras caíram. Puxei com força o ar enchendo meus pulmões de oxigênio. Suas duas mãos fechadas na minha cintura me colaram em seu abdômen. Ainda debilmente achei conseguir dar um passo atrás e o espaço oferecido foi preenchido por suas pernas entre as minhas, elevando minha coxa. Não era mais humanamente suportável deter as minhas mãos, que se agarraram a sua camisa como se fosse o único fiapo de pano no abismo pra me salvar da queda em que eu girava e girava de desejo. Suspendi-a um pouco, eu queria pele, só um contato vivo. Apertei com unhas e garras a sua cintura acima do cós do cinto e ele entendeu com uma provocação e circuncidou o meu pescoço com sua boca e língua como se rodeasse toda a bola de um sorvete com uma única lambida e do outro lado encontrou o lóbulo da orelha. Sugou-o repuxando daquele ponto os fios invisíveis conectados às minhas entranhas, contraindo-as.

Segurei-me por seus cabelos, aproveitando pra dedilhá-los com vontade adiada dezenas de vezes, pois agora era a única hora, como voltar atrás? Eu também não queria. Pensava apenas nesse desejo que se rompia como um vulcão adormecido e cheio de lavas fumegantes. Contraí a testa e gemi com uma dor aguda e muda de não me sentir no direito de tanto prazer. Abaixei o rosto e friccionei minha bochecha contra a sua, encontrando a cavidade da clavícula, de onde vinha o cheiro amadeirado e masculino da sua colônia que sempre ficava em seu rastro. Também pequei, depositando ali beijos profundos e úmidos, com saliva, sal e volúpia. Meus seios macios contra a parede do seu peitoral se espremiam sem me deixar respirar, afastei para um golpe de ar colando nossas testas. Nossos olhos se enfrentaram e era o momento de decidir me atirar naquelas ondas revoltas, ou me satisfazer com o calor marginal da areia.

Meneei a cabeça para o lado em um ângulo de hesitação e sua mão segurou meu maxilar, me oferecendo ajuda pra entreabrir a boca.

_Óh, meu Deus... _ gemi aspirando as palavras em uma voz rouca e baixa.

Eu ia desistir, ele via nos meus olhos a trilha de flashs de condenação, então preencheu o único espaço vazio entre nós com sua boca entre a minha. Por alguns segundos eu o deixei seguir sozinho, mas porque não desfrutar da paisagem quando já se está lá? Então, virei a cabeça para o

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lado e libertei minha língua entre a sua, beijando de verdade. Envolvi seu pescoço, como seus braços se fecharam em minhas costas e consumi seus lábios como a melhor das delícias.

O mundo era silencioso e um borrão desfocado atrás de nós. Éramos o primeiro plano, o cume, o extremo de tudo. Não se pára um tornado, a única coisa a se fazer é deixá-lo passar. Então, giramos naquele rodamoinho de emoção. Eu não era mais de ninguém, só de mim mesma e esse ser independente que acabava de se sentir autônomo aceitou o carinho de Emanuel e lhe ofereceu os lábios com paixão. O tempo caiu sobre nós como a tarde escura que nos envolve e vem acordar-nos de nosso sonho com a luz do poste que acendeu automaticamente.

_Duda..._ ele brinca com um cacho do meu ombro. _Foi só entre a gente isso... Não se machuque por mim. Eu te dei livremente e é só nosso...

Nunca o vi dizer algo com voz tão profunda, ao mesmo tempo com pouco sentido, mas senti pena da sua posição. Sabia que só podia ser um beijo. Ou eu deveria revirar o mundo de cabeça pra baixo pra provar outra vez o mesmo.

Fiz que sim com a cabeça e disse que precisava entrar. Passei pelos meus pais que conversavam na sala sem comentários ou pausa. Entrei direto no meu quarto e me encontrei com minha cama. Minha mãe apareceu e me informou que iria pedir pra Emanuel me proteger por mais um tempo até eu me sentir segura novamente. Poderia ter recusado, dito que me cuidaria bem sozinha, que isso não seria eterno e eu tinha que me acostumar a não ter uma sombra. Mas, calei pura e simplesmente porque meu coração era fraco e covarde demais pra ter um pingo de orgulho e decência. Eu queria que Emanuel estivesse por perto e precisava daquela situação arranjada pela minha mãe para não parecer que fora um pedido meu e, sim um contrato de trabalho.

Deitei no travesseiro macio e me enrolei. Fechei os olhos e novamente estava em pensamento na varanda da minha casa, sentindo Emanuel tão perto da minha alma como nunca deixei alguém estar depois de Mau. Uma canção me veio a cabeça: “Eu gosto tanto de você/ Que até prefiro esconder/ Deixo assim ficar/ Subentendido/ Como uma idéia que existe na cabeça/ E não tem a menor obrigação de acontecer/ Eu acho tão bonito isso/ De ser abstrato baby/ A beleza é mesmo tão fugaz/ É uma idéia que existe na cabeça/ E não tem a menor pretensão de acontecer/ Pode até parecer fraqueza/ Pois que seja fraqueza então/ A alegria que me dá/ Isso vai sem eu dizer/ Se amanhã não for nada disso/ Caberá só a mim esquecer/ O que eu ganho, o que eu perco/ Ninguém precisa saber.”

Eu poderia dizer a Maurício que estava confusa e abrir meu coração. Mas, eu não estava confusa. Eu gostava dos dois por motivos diferentes, de formas diferentes. E o meu coração não era completamente de Maurício.

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Havia uma parte nele que guardava segredos e confissões só minhas. Não queria dividir minhas perdas e ganhos. Ninguém precisa saber.

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O reverso da partida (Duda)

Eu tinha decidido, depois de uma noite sem dormir direito que iria dar um tempo com Maurício. Ao menos “dar um tempo” atenuaria o peso da decisão. Era como dizer, fique aqui e me espere, vou ali e volto. Mas, eu sabia lá no fundo que demoraria muito mais tempo pra voltar ou não voltaria. Havia dentro de mim um sentimento de mudança que não era seguido pelo meu namorado. Sentia como se caminhasse passos a frente e ele não conseguisse acompanhar o ritmo. Na verdade, quando entrara na carreira militar, Maurício é que dissera pra mim “fica aqui que eu volto”.

Mas, a decisão tinha de esperar, eu não tinha como pegar o telefone, ou parar na porta dele. Era preciso carregar comigo o coração dolorido por uma semana até aguardar seu retorno no fim de semana. Isso aumentava a necessidade de acabar logo com a angústia de manter aquele clima entre nós. No telefone, tentei dar sinais pra que ele puxasse qualquer assunto que culminasse em uma briga, mas nada, parecia o mesmo zumbi de sempre, cansado e alheio ao mundo. Nem preciso dizer que isso aumentou ainda mais o meu desanimo e desgosto, pingando a última gota de decepção.

Aos poucos, conforme os dias passavam, me dava a impressão de que seria mais fácil anunciar o término. Quando, Maurício ficou frente a frente comigo, porém, senti-me como se fossem fazê-lo um grande mal e eu não poderia impedir. Na realidade, eu iria lhe provocar uma dor que eu não desejaria a ninguém. Todos me condenariam por tê-lo feito sofrer enquanto nesse momento da formação só precisava de apoio.

_Mau... _Duda _ falou junto e pegou na minha mão. Torci pra não começar

nenhuma declaração de saudade que adiasse o discurso pronto e mudo na minha boca. _ Eu tenho uma coisa pra te falar.

_Fala. _dei espaço mais por educação e um pouco de nervosismo pelo que eu tinha que lhe contar.

_Duda... Eu queria te dizer uma coisa e... _engoliu em seco e ficou olhando para os meus dedos.

Meu coração de repente pareceu parar de vagarinho e eu apertei seus dedos entre os meus pra que me olhasse. Quem tinha que falar alguma coisa ali era eu!

_Duda, eu acho que a gente não anda bem e... eu queria pedir...

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_Não... não... _balancei a cabeça em negativa. Ele não ia dizer que me deixaria!

_Duda, por favor, me escuta! _Eu não quero ouvir! _levantei abruptamente. _Escuta, eu sei que é duro, mas eu quero terminar. Meus olhos se arregalaram e eu senti uma dormência na nuca. Meu

corpo reagia completamente diferente a como seria coerente responder. Não era eu que esperava que ele entendesse que eu queria distância. Então, por que não ficava feliz com a concordância de que o melhor era terminarmos?

_Não, não... _era a única palavra que conseguia repetir para mim. _Por favor, não torne tudo mais difícil. _ ele pediu. Eu caí em uma gargalhada muda, apontando para o meu próprio peito

com lágrimas nos olhos e todo o ar de consternação que conseguia apresentar:

_Não tornar difícil pra vo-cê?! _Eu não acabei... _O que falta dizer? _ pus a mão na cintura e joguei o tronco pra

frente. _Eu sei que não vai querer olhar pra mim nunca mais... Eu... errgh,

fiquei com outra pessoa... foi rápido, mas acho justo você saber. Senti o chão falhar e segurei a ponta da mesa atrás de mim. _Você se apaixonou?_ perguntei, como se algum detalhe explicasse

tudo. _Não quero falar disso. _Não quer? _balancei a cabeça para os lados. _Mas, eu quero falar

disso. Eu quero falar que eu fiquei aqui te amando e te esperando todo esse tempo, agüentando tudo feito uma maluca, sim, porque só uma doida ia suportar esse amor insano a distância que só não mata porque...

_Duda, você está nervosa. _Você quer que eu fique calma? Então, traz um antidepressivo pra

mim, traz uma caixa... _comecei a gritar. _Não era pra ficar assim. _Como estava pensando que ia ser? Toca aqui, estamos juntos

nessa? Seu cretino... _avancei pra cima dele com tudo sobre o sofá onde estava feito um bicho ferido e, nesse momento, surgiram pessoas por todas as portas da casa de Maurício. Seu pai, mais forte, foi o primeiro a me segurar pelos braços, mas ainda fiz força, porque queria agarrar o pescoço do seu filho com as unhas.

_Sai daqui, Maurício. _ sua ordem foi cumprida imediatamente. _Cadê o segurança? Emanuel?

Ele apareceu na porta e deve ter me olhado, eu não conseguia levantar o rosto.

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_Leve-a pra casa, por favor. Eles estavam mesmo me despachando como um pacote entregue na

porta errada? Caminhei até o carro ainda zonza e sentei no banco de trás agüentando pra não vomitar. Emanuel não disse nenhuma palavra, nem nos olhamos através do retrovisor. Eu cheguei em disparada para o meu quarto e bati a porta.

Eu caí em um choro profundo e vindo de um estado interno de loucura. Nem eu mesma compreendia aquela Eduarda em colapso. Ela não estava dentro de mim até o momento em que eu iria terminar e ele resolvera roubar o meu discurso. O orgulho de ter sido deixada era tão pior do que eu imaginava que ele sentiria que não lhe abstive nem pouco de ver a minha reação de dor.

Era como se ter esperado esses anos não tivesse valido nada. Como se a óbvia profecia de que não daria certo estivesse comprovada agora. Se eu tivesse terminado, eu mesma teria dado a escolha sobre a minha vida. Mas, na estação, eu fui deixada pra trás. Maurício pegara o trem da vida e não quisera saber como eu me sentiria sentada ali sozinha.

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Abrindo a Janela outra vez (Duda)

Eu era uma folha seca que não podia voltar à árvore, nem ficar no meio do caminho. Sentada no chão do quarto, com a mesma roupa de ontem com um pouco mais de fome e ainda sem sono, eu me diluía inteira em lágrimas. As gotas não desciam escandalosas e com tremor, caíam pesadas até as coxas frias, sem inquietação.

_O que está fazendo aí? _ Helena perguntou quando entrou no quarto com o mesmo tom que reclamaria se visse seu cachorrinho na neve. _ Levanta e vem pra cá... _puxou meu braço que a seguiu por inércia, mas o corpo retesou, imóvel.

_Me deixa... _ falei em um sopro, olhando um ponto fixo através do vidro embaçado da janela.

Senti seus olhos sobre mim, me estudando, em um choque de incredulidade. Depois de um tempo, desceu até o chão e sentou-se a minha frente:

_Seu pai me pediu pra vir até aqui, me contou que ele terminou com você. Como ele descobriu do Emanuel?

_Não descobriu. _dei de ombros. _Ah, não? Então, como... _Ele tinha outra. _ri e olhei para o alto, tentando conter as lágrimas

que não paravam de descer. Apertei os cantos dos olhos para ver se fechava aquela torneira. _ Disse isso na maior tranqüilidade e pediu que terminássemos.

_E você, na maior tranqüilidade aceitou e está aqui... _O que quer que eu faça? Comece a arremessar o aparelho de jantar

contra a parede? _levantei-me e senti a dor na bacia e costas, depois de tanto tempo

na mesma posição. _É que não faz o seu tipo. Você não aceitou quando todos diziam que

não podiam ficar juntos. _E eu proponho o que para o meu namorado? “Olha, vamos fazer o

seguinte, segunda e terça pra ela e os fins de semana, feriados e datas festivas pra mim, fechado?” _falei alto, irritada e andando pelo quarto. _ Eu estou com tanta raiva, tanta... _fechei os punhos e falei entre os dentes, o que fez Helena entreabrir a boca e arregalar os olhos com a brusca mudança. _ Eu queria matar aqueles dois!

_Não era essa cara de assassina que estava há alguns minutos.

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Peguei um ursinho que Maurício tinha me dado na penteadeira. _Isso não é prato, não vai... _Helena não tinha terminado de falar e eu

tinha jogado o bicho de pelúcia na parede e depois chutado, pisado. _ Meu Deus, pare com isso, sua louca. Isso não é um octógono de luta. Ele não é o Maurício, ok? _puxou-me para a cama, mas trouxe o braço de volta, ajeitei o cabelo e continuei andando pra lá e pra cá. _

Quem é a vaca que conseguiu ser melhor do que eu? _Ninguém conseguiu ser melhor do que você, Duda! _Como não? Eu fiquei aqui sentada, esperando aquele filho da mãe

desgraçado, traidor voltar pra casa, enquanto eu me virava pra me divertir sozinha, sair sozinha, viver sozinha... que merda de vida a toa. Porque eu tinha uma causa e eu perdi a minha causa!_apontei para o meu próprio peito, mas pela cara de Helena eu começara a falar outro idioma e estava precisando de legendas. _ Com que direito ele pode terminar com uma pessoa que deu a vida, eu dei minha juventude, eu dei minha beleza, eu dei minha força...

_Eu perdi alguma coisa, ou você envelheceu trinta anos e está super em forma com algum shake?

_Helena! Olha pra mim! Eu fiquei fazendo toodo esse sacrifício pra aquele coração gelado de pedra maciça não pensar no meu martírio e me abandonar agora? Onde está o final feliz em um baile lindo, com valsa e tapete vermelho no dia da vitória.

_Desculpe, eu jurava que a gente estava falando de amor aqui, mas está parecendo uma mistura dia de Oscar para maratonistas de triatlo. Tudo não passa de uma conquista que você foi tirada fora por desclassificação?

_Exatamente! _ sorri, mesmo sabendo que ela não queria que eu assumisse.

_Duda, você estava caída no chão porque bateu a cabeça antes de eu chegar?

_Ele só tinha o direito de me amar, só amar a mim, eu é que me anulava...

_Duda? Onde você guarda seu orgulho aqui? Está em alguma gaveta? Naquelas caixas coloridas ali? Peraí que eu procuro pra você.

_Orgulho? _ ri. _O que eu vou falar pra as pessoas? Elas vão me olhar com aquela cara de “eu-sabia-que-ia-dar-errado”!

_Elas esquecem! E tem mais, depois desse olhar vai vir um “você-pode-ter-coisa-melhor”.

_Eu não quero nada, eu quero ele de volta, já pra cá, pro lugar de meu namorado.

_Foi com você que eu falei ontem no telefone? Porque me disse que queria muito que ele entendesse que pra você não dava mais. Só não contava

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com o reverso da moeda e só o fato dele querer terminar te fez ter uma crise de ex-namorada-psicopata apaixonada?

_Nunca ninguém vai entender o que é isso... _deitei na cama e coloquei a cabeça pesada no travesseiro.

_Você levou tempo demais pra externar isso, Duda. Agora, vai sentir tudo de uma vez. Não é amor que está sentindo, a raiva. É orgulho ferido... _ mexeu no meu cabelo. _Só que a raiva demora mais a passar, porque ela se nutre da própria lembrança. Toda vez que recordar, vai sentir rancor. Sabe o que é pior de tudo? Nada disso vai mudar a decisão dele. Você vai ficar magra, feia, descabelada, doente e ele? Não quer saber, quer seguir com a vida dele. Só quando se der conta de que, não importa o quanto sofra, isso não interessa pra ele, você vai começar a melhorar. Daí, bem depois, você vai sentir um desgosto necessário. Saber que amou uma pessoa que está completamente alheia ao seu sofrimento é uma boa pílula pra destroná-la. Leva tudo ao nível do irreversível. Quem pode querer voltar ao posto, depois de ter dado provas de que tinha chance de voltar e não voltou, de que ainda era tempo, mas não quis usar a última oportunidade por pura opção?

Fechei os olhos e fiquei ali quieta.

Um mês depois.

. . 2 meses depois.

.

.

É difícil abrir a janela do quarto e perceber que não importa a sua dor,

a vida não está nem aí pra ela, os carros continuam passando lá embaixo e tudo segue seu curso normal. Não importa que você opte por morrer, só o seu mundo pára. Todo o resto continua girando.

Senti a lembrança do que era ter fome. Sai do quarto.

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Não apareça lá (Mau)

O ônibus seguia trepidando pela estrada em construção, de asfalto lixado. Puxei um pouco a cortina da janela e vi as árvores iluminadas pelo farol do veículo. Eu voltava para casa em mais um fim de semana. Mas, era só isso, eu voltava pra casa e nãos para... Engoli em seco, sentindo um descompasso no peito. Só o nome me fazia mal. O que tanto me trouxera vida agora era o peso amargo de uma saudade que se alimenta de si mesma e cresce.

Tudo começou quando voltei um dia do show com meus amigos e encontrei a mãe de Duda conversando com Emanuel, o guarda-costas em tom baixo na varanda dos fundos da casa. Ela lhe dava seu pagamento, mas a conversa parecia seguir para um tom menos profissional. Não daria bola se não tivesse ouvido o nome da minha namorada no meio.

_Eu sei que não vai ser esse último pagamento que vai te fazer ficar longe da Duda. _ ela afirmou e suspirou. _ Eu já notei, e não sou burra pra essas coisas, que vocês estão se gostando. Eu só não quero que arranje problemas pra minha filha porque ela é uma garota comprometida...

Comprometida comigo! E em que ela era mais esperta que eu pra enxergar o que eu não enxergava?

_...Depois desse seqüestro horrível, ela vai precisar de você mais um tempo e eu sei que vão acabar... se já não... Enfim, não se pode controlar uma paixão. Só quero que se cuidem.

_Sim, já aconteceu... _Emanuel revelou. _ Mas, eu não quero atrapalhar a vida dela. Eu sei que gosta daquele garoto, quero dizer, do seu enteado.

Aconteceu...? Repeti meio tonto, como se tivesse batido a cabeça. _...Eu tenho consciência de que ela gosta dele, mas não é um amor

saudável. Sua filha não é feliz completamente. Vive sozinha, triste, parece abandonada... Eu sei que ele é da sua família, mas ela merece muito mais que uma migalha de amor. Nem se pode chamar isso de amor, ele não tem medo algum de perdê-la. Mas, o sacrifício os une. E não há nada que resista a um sacrifício pendente de compensação. Só que esse retorno nunca chega e enche o copo, o copo está sempre vazio.

_Vejo que gosta dela pra ter percebido tudo isso. Mas, você quer encher o copo?

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_Acho que quero. Mas, não sei se sou tão forte pra lutar contra essa história. Eu teria que ajudar a destruir isso e posso ficar bem debaixo dos escombros quando tudo cair. Gostaria de não ser o culpado de nada. Aí sim eu conseguiria fazê-la completamente feliz. Já está ficando tarde, eu tenho que ir.

_Sim, vai por esse corredor. Eu não sai do lugar, como se estivesse com os pés colados no chão

até que ela entrou na cozinha e leu meus olhos de terror. _Mau? O que faz aqui? Não respondi, minha mudez a fez abrir os lábios e desviar os olhos.

Virou-se pra pegar água no bebedouro e engoliu rápido. _E você, o que acha? _perguntei antes que fugisse. _Como? _Quem é melhor pra encher o copo? _Mau, você não deveria ter ouvido isso... _Quer que outro namore a sua filha? _falei com horror. _Não, eu só quero que alguém a faça feliz. _Eu não faço? _Não, Mau. Você prometeu pra ela uma felicidade que só vai chegar

de verdade daqui a muitos anos e ela vai esperar por isso. Isso que vivem não é felicidade, é saudade, tristeza, sofrimento.

_Não é só isso! _Quando é 90%, é isso que fica como sentimento. Se eu pudesse,

gostaria que a deixasse viver a vida dela com intensidade e brilho. Ela é linda, viva, alegre, mas parece uma planta sem água.

_Está incentivando que ela me traia. _Você mesmo ouviu, Mau. Já aconteceu e isso não tem a ver comigo,

é parte do que vocês estão vivendo. Deixe a Duda, se a ama mesmo, liberte-a. Um dia, quem sabe vocês podem até se reencontrar. Não continue a oferecer tão pouco...

_Eu não quero mais ouvir isso. _dei as costas e fui para o meu quarto. O meu celular fez o toque de mensagem de texto. “Está aqui esse fim

de semana, gatinho?”, era a garota com quem eu tive um pequeno encontro sem graça. Não podia condenar Duda pelo erro que eu também cometia. A gente estava em uma ligação apenas de sofrimento e distância, era isso? Ela chamou-me pra conversar e eu sabia que era a chegada do fim. Ela me dispensaria e eu sairia com a marca de um chute na bunda? Não sei o que deu em mim, mas quando ela disse: “Mau...” eu decidi que daria eu mesmo o golpe final:

_Duda, eu acho que a gente não anda bem e... _respirei pra achar força. _ eu queria pedir...

_Não... não... _balançou a cabeça.

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_Duda, por favor, me escuta! _pedi, sem lhe dar chance. _Eu não quero ouvir! _levantou-se pra escapar. Ela tinha me traído e

agora não queria ser ferida? _Escuta, eu sei que é duro, mas eu quero terminar. _desfilei-lhe o

golpe. _Não, não... _Por favor, não torne tudo mais difícil. _ minha voz saiu bastante fria. _Não tornar difícil pra vo-cê?! _riu. _Eu não acabei... _O que falta dizer? _Eu sei que não vai querer olhar pra mim nunca mais... Eu... errgh,

fiquei com outra pessoa... foi rápido, mas acho justo você saber. _ mostrei que antes eu já a tinha traído também.

_Você se apaixonou? _Não quero falar disso. _Não quer? Mas, eu quero falar disso. Eu quero falar que eu fiquei

aqui te amando e te esperando todo esse tempo, agüentando tudo feito uma maluca, sim, porque só uma doida ia suportar esse amor insano a distância que só não mata porque...

_Duda, você está nervosa. _Você quer que eu fique calma? Então, traz um antidepressivo pra

mim, traz uma caixa... _perdeu o controle. Ela iria acabar comigo e estava agora irritada?

_Não era pra ficar assim. _Como estava pensando que ia ser? Toca aqui, estamos juntos

nessa? Seu cretino... _avancei pra cima de mim no sofá e meu pai apareceu pra nos separar.

_Sai daqui, Maurício. _ mandou e achei melhor ir para o meu quarto. _Cadê o segurança? Emanuel? _perguntou e este apareceu. _Leve-a pra casa, por favor. _ainda o ouvi de longe ordenar.

É assim bebendo da raiva, do orgulho ferido que fazemos as maiores burrices da nossa vida. Olhei a estrada novamente. As luzes já apareciam em pequenos pontos azuis, indicando que a cidade se aproximava. Na rodoviária, apenas meu pai me esperava. Pegou a mala, colocou a mão no meu ombro e abriu a porta.

_Você sabe que dia é hoje, não sabe? _Como se pode esquecer? _ disse, retirando a boina da cabeça e

mexendo no cabelo. _Como vai ser? _Terá uma festa em uma boate. Ela já jantou com a gente, mas sabe

como é? Prefere se divertir com os amigos. Aniversário agora é... _Qual o nome da boate? _Não, Mau...

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_Ela deve ter mencionado. _Por favor, você sabe o que fez! Ela estava tão mal que não

acreditamos quando a vimos melhor, corada, sorrindo. Por favor não se meta...

_Qual é o nome da boate, foi isso que eu perguntei. Ele ficou em silêncio, numa análise de consciência. _Vocês jovens tem todo o tempo e toda a chance de fazer todas as

burrices que quiser... _Ok, o nome. _Mas, eu não quero ser responsável por você machucar aquela

garota de novo. _Ela me traiu! _falei. Ele virou-se, esquecendo o trânsito por alguns segundos. _Não sabia? Nesses dois meses, ninguém te contou? _ disse irônico.

_Aquela traidora... _Agora mesmo não lhe digo. Está querendo se vingar... _desviou o

assunto e não assumiu saber também. _Já se passaram dois meses, hoje é o aniversário dela. Não apareça. _Eu preciso! _De quê? _Dela. Um suspiro pesado, um xingamento e ele revelou aonde ela iria. _O que vai fazer? Não respondi.

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Eu quero ir embora dessa festa! (Duda)

Passei a mão sobre o vestido justo ao corpo e senti-me um pouco apertada. Será que engordei? Não era o que dizia minha amiga Helena, remexendo minha caixa de bijus a procura de um colar de pérola. Segundo ela, a única coisa boa dos dois meses de depressão fora meu look “pós-spa” ou seja, s-im-p-lesmente-a-rrasadora, pois emagreci bastante. Na verdade, eu não lembrava mais como era estar em uma roupa tão sexy. A minha camisola de ursinhos rosa era meu abrigo por um bom tempo. Subi no salto e joguei os cachos recém modelos pelo babyliss pra frente.

_Óh, meu Deus! _ Helena murmurou do reflexo do espelho onde eu me olhava.

_Que foi? _ perguntei tensa, como esperando que ela dissesse que o vestido rasgara atrás.

_Não fique perto de mim hoje, à noite. Você vai atrair todos os caras lindos!

Revirei os olhos e soltei o ar. Era isso? Ela era mestre na técnica de levantar o meu moral, treinou bem todos os argumentos nos últimos tempos. Mas, conseguira com louvou me fazer organizar minha festa de aniversário em uma boate. Tudo bem que a maior parte ela mesma fizera sozinha. Eu só me limitei a dizer sim com a cabeça a cada nome que ela incluía na lista.

_Você também está linda. _ disse-lhe, buscando a minha bolsinha para atravessar a alça no pescoço. _ Eu não sei o que seria de mim sem você.

_É bom te ver assim de novo. Agora, vamos que o táxi parece que chegou... _ olhou pela cortina da janela. _ Saudade da época que tinha motorista.

_Não era meu motorista, era meu guarda-costas. _ que ironia eu orgulhosa de ter tido um.

_E onde foi parar aquele cara lindo que mexera com seu coração? _Ele recebeu uma proposta de ir pra Austrália e foi. _ respondi sem

ânimo, pegando a chave de casa no móvel próximo a porta de saída. Se Emanuel mexera comigo, Maurício tinha sido um terremoto

destrutivo. Apertei os olhos por um segundo e briguei comigo mesma por ter lembrado dele. Estava em um processo de limpeza mental que incluía contar quantas horas eu não pensava, lembrava dele. Uma vez que já cometera essa fraqueza, queria perguntar a Helena, se ele se recordaria da data, mas

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ela também estava me ajudando a não mais me entorpecer com essa droga e eu levaria um esporro daqueles. Não iria desapontá-la.

Olhei em silêncio por um tempo pelo vidro da janela, quieta. _Você vai me prometer que vai se divertir muito hoje, como nos

velhos tempos! Nem que tenha que beber muito pra isso. Eu ouvi a voz de Helena ao longe e virando o rosto ainda a peguei

terminando as últimas palavras em um sorriso. Ela provavelmente estava falando frases de incentivo.

_É aqui, moço. _bateu o ombro dele com uma nota de cinqüenta e eu pulei fora do carro. Enquanto aguardava o troco, dei uma olhada no lugar. Era uma rua de cinco boates, todas com filas a perder de vista na porta.

As batidas sufocadas que vinham de dentro de cada um mostrava porque tanta gente esperava por diversão. À noite prometia!

_Duda! _ouvi uns gritinhos e logo encontrei um grupo de amigas na fila. Helena e eu corremos aos pulinhos sobre o salto e as abraçamos e trocamos beijinhos estralados no ar. _Onde está a fonte disso? _ Perguntei pra o copo de plástico na sua mão.

_Os meninos estão ali no carro, eles são entram depois... Vamos lá... _puxou-me pela mão antes que eu pudesse me dar conta que íamos para o grupo de amigos de Maurício sem camisa, exibindo seus corpos sarados, encostados em um conversível com o som alto.

Como eu podia impedir de vê-los? O término do meu namoro não iria obrigar ao resto do rompimento de todos os outros casais. Eles me olharam de cima em baixo e duas garrafas foram estendidas para o copo que levantei. Eu li o clima tenso nos olhares que trocaram e senti que estavam estranhos. Helena que conversara com as meninas, de repente, veio até mim e disse pra entrarmos logo e pegarmos uma mesa porque eu era a aniversariante e tinha que organizar tudo...

_Mesa?_ ri alto. _ A gente pode começar a se divertir aqui! _ bebi mais um gole e levantei o copo.

O riso que eles devolveram era um pouco tenso ainda e Helena me olhou com cansaço e pedido de súplica. Por que diabos queria entrar?

_Ok, ok, vamos pra fila. _ suspirei, pisquei para os meninos e dei um passo a frente pra atravessar a rua. Mas, os carros não paravam de passar.

_Dudaaaa!!! _ uma amiga do colégio apareceu do nada e me abraçou longamente, foi quando abri os olhos e olhei para frente, ainda sentindo seus braços me apertarem.

Lá estava ele descendo a rua em nossa direção. Já era o efeito do álcool, não podia ser tão rápido assim! Eu só bebera uma dose. Não, não viria até aqui hoje...

Engoli em seco e quando me soltei da minha amiga que não parava de tagarelar, encontrei todos os olhos fixados no ponto atrás de mim e logo

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disfarçaram. Helena transmitiu uma cara de raiva para um dos garotos do grupo como se este fosse o responsável pelo convite indevido.

_Ele é irmão dela e a boate não é fechada! Relaxa. _ falou baixinho quando eu senti aquele conhecido perfume se aproximar e Maurício parou na minha frente.

_Pô, não consegui estacionar! Fui lá no final da rua..._ resmungou. Ele também estava sem camisa, já alegre, com cabelo espetado com muito gel, uma corrente no pescoço as entradas musculosas aparecendo no jeans de marca cara. Ele se tornara um deles e já não se parecia com o menino que eu conhecera na escola.

Engoli em seco, lambi os lábios e, se antes estava com medo de atravessar a rua, agora me meti na frente do carro que buzinou e fui pra fila. Ouvi os passos de Helena atrás de mim. Meu coração disparara pela corridinha ou fora o efeito devastador da visão de Maurício.

_O que significa isso? _ perguntei de braços cruzados. _Não olhe pra mim assim! Eu perguntei a mesma coisa agora pouco!

_ fez um ar de incredulidade, sem entender como alguém ousou incluí-lo na comemoração. _ Ele sabia da data, deve ter descoberto com um amigo... Droga, droga! Mas, você não está abalada, conversamos muito sobre isso! Adorei sua saída por cima, ignorando-o. Está ótima, linda e nem liga pra ele, certo?

Não respondi e ela gemeu baixinho repetindo mais dez drogas. _Você... _Eu não sei de mais nada... _do meu rosto emburrado saiu um sorriso

nervoso e incontido e muitas borboletas levantaram vôo no meu estômago. _Helena, a Júlia está te chamando ali... _ ouvi a voz masculina atrás

de mim. _Eu estou na fila! _ ela respondeu com raiva. _Mas, ela pediu pra ir lá... _ falou com voz de autoridade e ela me

encarou para ter segurança de que eu ficaria bem. Consenti. _Não posso dar feliz aniversário para a minha irmãzinha?

Virei o rosto para o lado e o vi já de camisa, sorrindo. Canalha! _Já está dando. _falei com ironia depois do "irmãzinha" no mesmo

tom. Maurício riu como se eu tivesse falado a coisa mais idiota do mundo. _Sabe que não sou assim do tipo frio. _Maurício... _ peguei seu braço e o copo de bebida balançou

derrubando um pouco. _ Sabe o que você faz? _ aproximei meu rosto do seu pra que as outras pessoas não ouvissem. _ Vai pro inferno.

_Esse seu lado agressiva é novo? _ bebeu o resto da bebida e jogou o copo fora.

_Você quer levar um tapa na cara, seu... sem noção?

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_Eu ainda não dei meu feliz aniversário. _lembrou-me. _Nem chegue perto..._avisei, mas Maurício não interrompeu o gesto

de me abraçar, envolvendo com suas mãos fortes minha fina cintura e colando meu ventre no seu rígido de tanta malhação. Tentei empurrá-lo, mas sua boca quente beijou o meu pescoço na zona abaixo do meu ouvido e minhas pernas se tornaram marshmallos. _ Você está linda como sempre. _E soltou-me para voltar ao seu grupo.

_Tudo bem? _Helena perguntou retornando ao seu posto ao meu lado.

_Não... _ falei com um fio de voz. _Eu quero ir embora... _Aaaahhh, não vai mesmo!

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Não quero você fora da minha história (Duda)

O que se pode dizer dessa festa igual a todas as outras? Uma fila enorme na porta, não importando com quanta antecedência organizou a lista e enviou pra boate, depois de ter ligado para uma penca de amigos e enviado e-mails para várias listas. Depois, o bolo que o garçom traz com o balde de champanhe, taças e... Não é nada disso que realmente mexia com minha cabeça e meu estômago aquela noite. Eu estava enjoada com a presença de Maurício ora perto demais, ora terrivelmente longe, zanzando entre os bares e falando no ouvido de umas e outras.

Agüentei com paciência um carinha dando mole, enquanto Helena me olhava sobre os ombros deste com uma mensagem de que era melhor jogar aquele peixe de volta no rio, pois o dia não estava pra pesca predatória. Nos encontramos no microbanheiro de duas baias onde 3 garotas resolviam fumar e conversar, como se não pudessem fazer isso em um lugar melhor e minha amiga confirmou a suspeita que eu tinha sobre sua opinião:

_Você vai ficar com alguém na cara do Mau hoje? Cuidado, eu não quero briga...

_Ele nunca foi de brigar! _fiz uma careta. Como eu o estava defendendo?

_Eu tenho medo de estragar a sua festa. _Ele já estragou estando aqui, ele não podia ter vindo... _mordi o lábio

e disse pra garota atrás de mim que podia usar o banheiro na minha frente. _O que você está sentindo? _Que quero fugir. _Isso é muito ruim. Tsi tsi... _bebeu o gole da sua bebida, deixou o

copo no canto da pia e ajeitou seu cabelo. _ ... Eu vou falar com ele. Quer que vá embora?

_Está louca?! Eu não daria essa bandeira. _Então, não sei o que fazer... _Está tranqüilo. Já cantamos parabéns, agora falta o quê? _Meu Deus! Era para ser divertido, parece que quer saber o que falta

para acabar uma missa de sétimo dia. _Vamos voltar pra lá. _ pedi, não por vontade de dançar, mas para

cair de volta na escuridão, onde não me viam. _Vou ali pegar alguma coisa... _ disse pra ela e me aproximei sozinha do bar. Pedi uma caipirinha e fiquei mexendo o canudinho por um tempo. Encostei a mão na testa e respirei

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fundo. Eu era livre pra fazer o que quisesse, não precisava continuar em um lugar onde não estava me sentindo bem. Carreguei meu copo até o lounge e sentei próximo a janela que dava para um vista incrível da praia. Bebi lentamente o líquido gelado, que desceu quente.

Peguei meu telefone e com uma mão deslizei o dedo sobre a tela touch. Abri uma mensagem de texto e escrevi: “Amiga, vou pra casa. Por favor, segura o pessoal aí. Diz que estava passando mau, sem trocadilhos. Rs. To bem. Peguei um táxi.”

Enviei o texto e aproveitei a fila vazia pra pagar a conta, entregando meu cartão de consumação. Desci os dois degraus e o segurança abriu a porta. Andei vagarosamente alguns metros até a fila dos táxi na esquina.

_Duda? _ouvi uma voz atrás de mim. Fechei os olhos. Eu não tinha ouvido, fora só impressão... _Duda, espera! _Droga. _coloquei a mão na cintura, mas não me virei. _Duda... _ ele apareceu na minha frente, ofegante. _O que foi isso?

_apontou para o celular. Franzi a testa e mostrei não entender. _A mensagem! _Por que a Helena te contou?! _irritei-me. _Não, você mandou pra mim. _ sorriu. Arregalei os olhos e depois fiz uma careta pegando o aparelho na

minha bolsa, vasculhei a caixa de saída. _Hunrgggggghhhhhh... _grunhi. Eu não cometi esse ato falho! Eu

quero morrer agora, por favor, um carro pra passar por cima de mim aqui na calçada. _Ok, fique com o meu atestado de idiota que eu vou pegar aquele táxi ali. _ dei um passo a frente.

_Não! E eu?... Já paguei. _Ótimo, e eu com isso? _Mas, é a sua festa! _apontou pra dentro. _Não percebeu? Eu também paguei e já saiu, ou acha que essa área

aqui também faz parte da festa?_ abri os braços. _Está indo por causa de mim? _Deixa de ser convencido! _Eu não queria estragar sua festa, nem fiquei perto de você! _Obrigada por respeitar meu espaço, mas na verdade eu preferia não

estar respirando o mesmo ar que você. _Duda, podemos conversar? _Oi? Desculpe acho que não cabe mais isso. Tchau, Mau. _ andei

para o táxi. _Você não vai não, eu vou te levar. _Se toca, você não é mais nada meu, na-da!

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_Não? _perguntei e duvidei da minha capacidade de estar usando as palavras certas para ser bem clara.

_Eu estou cansada. _abri a porta do táxi. _Duda? Bati a porta. Cheguei em casa e encontrei meu pai na cozinha,

bebendo água. Peguei um copo, também estava precisando. _Na minha época as festas terminavam mais tarde. _comentou. _Mas,

isso era careta. Agora, é trend chegar cedo? Eu ri e deixei o copo na pia. Dei um tapinha em seu ombro e sem

palavras caminhei pro meu quarto. De olhos fechados me dei conta de um detalhe muito importante. Se Mau tinha lido a mensagem, Helena não sabia onde eu estava. Enviei um sms e agradeci por seu esforço em me animar, mas estava precisando mesmo de uma noite de sono.

Acordei de manhã com uma baita dor de cabeça. Escovei o dente na suíte do meu quarto e lavei finalmente o rosto pra tirar toda a maquiagem. Uma ducha bem quente me relaxou. Agora, um remédio e um café me ajudaria a recuperar a moral.

Passando pela sala vejo Maurício sentado no sofá e pisco o olho com força. Se ele não tivesse se levantado eu teria pensado que estava sonâmbula em um sono profundo.

_Ah! Essa não! _ virei as costas e voltei para o meu quarto, me chocando com meu pai no corredor. _ Por que o deixou entrar?

_Olha, ele disse que se eu não deixasse entrar, ia ficar ali fora sentado até você envelhecer e seria capaz de se alimentar das plantas. Por favor, eu não quero ver um homem com cara de náufrago, barbudo e vestindo trapos, me entregando o jornal deixado na porta todo dia de manhã. Estou fora dessa.

_Não acredito... _balancei a cabeça com decepção e entrei no meu quarto. Era só esperar alguns segundos pra ouvir a porta abrir atrás de mim.

_Tudo bem? _perguntou. _Veio pra conversar, suponho. _falei com raiva por insistir tanto em

me fazer abrir a caixa de pandora. _ Eu não te contei que fiquei com o Emanuel, né? Então, fiquei com ele quando namorava você. _cruzei os braços e esperei que isso o ferisse bastante.

_Eu sabia. Não que essa parte tenha sido boa de encarar. Mas, ele não está aqui, não é mesmo?

Minha boca se abriu e fechou e meus braços se descruzaram vagarosamente.

_Eu imaginei que não ia dar em nada... Mas, eu tinha que te deixar ser feliz.

_Como...?

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_Sua mãe me falou que era a pessoa mais infeliz do mundo comigo... que você ia ter um namoro normal...

_Foi por isso... Então, você não... _Eu também te traí, não posso tirar o corpo fora. Não era nada que

merecesse ser lembrado, aliás, eu nem devia ter feito aquela merda, bebi e acabei perdendo o controle... Não tem mais importância.

_Simples? Só isso, ficamos elas por elas e... _falei sarcástica. _Duda, você pode me mandar embora e ficar assim nossa história, ou

pode pedir pra eu ficar e... _Eu é que tenho que dizer? _perguntei, irritada por ter que ser a quem

implorava o retorno. _O que importa, então, é o seu orgulho? _ele deu um passo a frente e

ameaçou ajoelhar. Virei de costas e pedi “Por favor”, ignorando-o. _Ok, se não é por bem, eu já cansei. Prefiro os meus métodos. _puxou meu braço e me envolveu. _Volta pra minha vida. _sua testa colou na minha. _Nós temos uma história, o mesmo sangue, a mesma origem, o mesmo amor... Duda, eu não consigo admitir que você seja de mais ninguém, não dá pra mim.

Engoli em seco. _Eu fui um fraco, mas sou mais fraco ainda em ficar longe do seu

cheiro, da sua pele, do seu cabelo... _afagou meus cachos e segurou minha cabeça com os polegares sobre meus maxilares. _Eu não vou aceitar fácil, se disser não. Sabe tudo o que tenho pra oferecer e não posso mudar isso. Continua me esperando...

Minha mão acariciou seu rosto e ele soltou o ar, fechando os olhos, aliviado pelo gesto de sim.

_Eu te amo tanto... _suas palavras foram postas nos meus lábios e me beijou com tanta vontade que eu senti paz, uma profunda tranqüilidade do meu porto seguro.

Apertamo-nos em um abraço forte enquanto nossas bocas se experimentavam em um novo começo.

_Eu posso salvar ainda a sua festa que eu estraguei?_perguntou e eu sorri.

_A festa não. Você estragou a minha vida ficando longe. _envolvi seu pescoço e o beijei mais com toda a saudade de que tentei me curar. _Amo você...Vou te esperar. Sempre. _Olhei seu rosto lindo e o sorriso perfeito. Acariciei seus braços grandes e senti uma alegria enebriante.

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O grande baile (Duda)

Suspendi o vestido e minha sandália prateada reluziu as micro pedrinhas que adornavam os meus dedos dos pés. Meus olhos vislumbraram o salão ornamentado, de tapete vermelho, luzes e muitas flores. Fotógrafos não paravam de disparar flahs sobre os formandos.

Maurício, pelas suas dez mensagens de celular, mostrava sua total apreensão por eu não chegar a tempo pra sua grande festa de formatura. Por conta da prova da faculdade, precisei vir sozinha dirigindo maquiada e de cabelo todo enrolado em cachos e muito spray. Procurei manter o vidro sempre fechado pra que ninguém ficasse reparando nessa louca andando toda pintada. Mas, eu não podia negar um pouco da minha loucura.

E foi descendo os degraus da grande escadaria de granito vagarosamente que minha memória foi buscar as duas pontas da teia que nos capturou. No primeiro dia de aula, aquele garoto lindo, de parar o coração, já tinha roubado minha cota mínima de esnobismo feminino. Sempre que passava, suspendi meus nervos por ganchos invisíveis.

A vida se encarregou de nos fazer encontrar pela segunda vez, já que viemos pelo mesmo ventre a este mundo e nesta vida pra ficarmos juntos de qualquer forma. Eu precisei esperar que ele ficasse com outra mulher e com outro para entendermos que a nossa união perfeita não poderia ser reproduzida nele pelos traços do mais perfeito falsificador.

O que foi a minha vida senão uma preparação para sua chegada, uma ponte que transportou todos os que me ensinaram a viver uma rotina errante, de casa em casa, em estado a estado pra que um dia pudesse compreender sua missão e não amá-lo menos por sua escolha.

E hoje era a celebração desse primeiro marco do caminho fora da Academia e eu queria encontrá-lo mais que tudo para o beijo e os carinhos que agora poderíamos dar. Foi preciso o tempo da resistência a fim de apreender a força maior do amor verdadeiro.

O que senti por Emanuel fora uma fagulha de fogo. Ainda penso nele e sinto uma lembrança doce, mas estranhamente frustrante. Não um sentimento de troca pelo que hoje tenho como seguro, mas de ter um ponto na minha vida que não dera certo, nesse caso o melhor mesmo é esquecer. Não apagar da memória, apenas afastar para um ponto mais escuro, que não

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ocupe o lugar à luz da felicidade onde a pessoa que realmente nos ama deve estar.

O que é o amor? Essa é a primeira dúvida na nossa vida adolescente que levamos um tempo pra chegar ao final da equação. Não é o valor do x que responde, mas todo o desenrolar da questão. O amor não é uma pessoa. Amor é um processo. Ele compreende a soma de todas as pequenas e mágicas experiências de afeto que alguém escolheu ter com você e não com outro. Abarca a divisão dos seus momentos ruins para que possa te ajudar a suportar a dor e não foge, fica ali do seu lado pra mostrar que é seu sustentáculo. É a multiplicação de sonhos, pois quando se quer junto, o vislumbre da conquista se torna mais forte. É elevar a toda a potência a explosão química do encontro de duas peles que tem química e se precisam.

Como uma conta tão difícil de fazer, por vezes, paramos no meio da resolução para descansar e repensar. Voltamos com o lápis para viver até o último sinal e chegar a conclusão final de que é aquela pessoa e não outra. Não que as pequenas continhas que fazemos na beira do caderno da vida pra chegar a certas parciais sejam desimportantes para o processo de aprender a amar. Como falei, são meras fagulhas de fogo que ficam ali grifadas na borda da memória e vez por outra retornam. Contribuem, mas não levam o mérito maior da resolução máximo de que aquele é o amor eterno.

Soltei o vestido que segurava com as mãos úmidas e rapidamente passei os olhos no salão a procura da numeração das mesas. Meus olhos logo encontraram o meu Maurício, minha alma gêmea. Eu estremeci por dentro e meu coração parecia tão retumbante quanto o som da batida da banda. Ele estava lindíssimo de roupa de gala cinza, gravata preta, cabelo molhado, como um príncipe, por mais piegas que seja hoje em dia.

Ele que conversava com um amigo, parara de repente de beber e sorrira. Era tão linda a maneira como a felicidade de me ter se desenhava em seu rosto em curvas e rugas ao redor dos olhos. Fiquei ali parada, deixando que ele fizesse o percurso a passos rápidos entre as mesas e driblando os garçons. Sabíamos que ali não era o lugar de beijos efusivos e para não haver uma colisão incandescente e explosiva, ele parou bem um passo de distância, agarrando minha cintura com suas mãos.

_Você está... _soltou o ar e piscou algumas vezes. _...linda. Meu deus!

_Parabéns por chegar até aqui. _acariciei seu rosto e sorri. _Agora eu vou te levar até ficarmos velhinhos pra ficar junto comigo pra sempre...

Ele riu e me abraçou: _Você é perfeita. A festa foi emocionante, com direito a muitas fotos com amigos e

familiares. Mas, no fim da noite, ele me seqüestrou para a saída e perguntou

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se eu estava com a chave do carro na minha bolsa. Eu franzi a testa afirmativamente, começando a gostar disso.

_Então vamos... _ puxou-me pela mão. _Mas, e...? _Eles estão avisados. _ conduziu-me pela escadaria por onde subi,

suspendendo o vestido e dando pulinhos. _Pra onde vamos? _ perguntei, procurando a chave do carro entre

batom, pó compacto e celular. _Vamos comemorar. _Hum... _entrei no carro e senti que agora a festa estava começando. Descemos em um hotel que não conhecia e ele pediu a chave do

quarto. Já tinha feito aquela reserva? Que surpresas mais me esperavam? Foi o que lhe perguntei, mas ele tinha mais pressa em entrar no elevador que em responder.

_Você preparou isso pra mim? _ era óbvia a resposta, mas eu queria ter o prazer do mérito da atenção.

_Isso? Nem começamos! _ riu travesso. O meu Maurício, menino de cabelo raspado, que vivia sem camisa, se suspendendo na barra e arrancando meus suspiros reclusos atrás da janela do meu quarto no andar superior. Ele abriu a porta e me agarrou em um apertado abraço, empurrando-a com as costas, enquanto dava passos atrás. Procurou a luz e eu fiquei boquiaberta com as flores e champanhe. Fiz uma cara que o preocupou enquanto trancava o quarto:

_Que foi? Não gostou? _Não, mas, foi você...? _suspendi a sobrancelha. _Ninguém aqui, ninguém ali na sacada... _ fez um ar brincalhão e eu ri

de nervosismo. _Então, acho que é só eu e você. _puxou minha mão e colamos nossos corpos. _ Você estava a mais linda de todas.

_Todos os meninos devem ter dito isso pra cada uma. _Posso dizer pra minha? Minha. Quando você se torna o pronome próprio é o momento de

celebrar a chegada do alto da montanha. _Hoje, você pode tudo... _beijei-o com vontade, sugando lábios, me

livrando de panos, suspirando peles, saboreando línguas, entrelaçando dedos.

No amanhecer da próxima manhã acariciei seu cabelo e sorri. Nossa vida começava e não era sonho, sonho era a realidade.

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Li Mendi é carioca, mora no Rio de Janeiro e é casada com um tenente do Exército Brasileiro. O casal namorou à distância por 2 anos e hoje celebram uma união muito feliz. Quando ele viaja em suas arriscadas missões, ela se dedica aos livros para esquecer o medo e a angústia de uma possível perda. Suas estórias de amor já ganharam as graças dos internautas que acompanham o enredo diário publicado em seu blog. Seu primeiro romance publicado pela Editora Outras Letras em 2011 teve milhares de downloads e acessos. Hoje, a turma dos fãs a acompanham e trocam idéias com a autora no Facebook. Todos os livros da Autora, você encontra em limendi.com.br

Livro O amor está no quarto ao lado Jeniffer é uma jovem estudante que perde o pai em um acidente de serviço militar. Antes de morrer, este lhe confia aos cuidados do capitão Ruan. O amor que nasce entre os dois é arrebatador e mexe com os corações. Os dois mal percebem que não precisam ir tão longe para serem felizes. Porque o amor pode estar bem ali, no quarto ao lado. Livro Fonte do Amor Cris é jornalista e cobre a vida das celebridades. Seu lema é correr atrás dos fatos, por isso, não desperdiça a chance de entrevistar o famoso ator de cinema Igor Frinzy quando o encontra em uma lanchonete na beira da estrada. Para não espantar o ator, Cris decide não lhe contar sua profissão. Ela só não imaginava que acabaria misturando amor e trabalho. Agora, seu editor está cobrando a tão prometida matéria sobre o galã e Cris não sabe mais como enrolar os dois. Seu chefe quer a

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redação e Igor, seu coração. Os fãs de Ruan e Jeni de O amor está no quarto ao lado, podem acompanhar o filho do casal Igor, neste livro cheio de romance.

Livro Aurora Aurora mora em uma pequena cidade no ano de 3010 e guarda um segredo sobre sua natureza, não pode receber partes biônicas em seu corpo, nem modificá-lo pra retardar sua morte. Como os antigos humanos, é frágil e precisa se cuidar pra passar desapercebida entre os superhumanos que estudam em sua escola. Só que a tarefa fica mais difícil quando Douglas aparece na pequena cidade e chama a atenção das supermeninas, perfeitamente preservadas pela avançada tecnologia

cosmética da qual Aurora não pode tomar mão. Um livro que vai te emocionar com a força do amor que dura apenas uma curta e breve vida.

Livro Aurora 2 No segundo livro da série, Doug volta com tudo, mas precisa manter seu disfarce, se quiser proteger Aurora e ensiná-la toda a arte de ser uma Alfa. Seu filho ganha as graças de Aurora e começa a demonstrar os dons desde pequeno, provando que as intervenções dos mutantes pode ser passada geneticamente. Será que Aurora vai se apaixonar finalmente por Deni, o novo personagem da saga? Ou Doug vai ser seu eterno amor?

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Livro Beijo de Chocolate Depois de um acidente de carro, Felipe acaba em uma cadeira de rodas e passa a acreditar que sua vida tinha terminado por causa da limitação de suas pernas. É, nesse momento, que sua história se choca com a de Andressa, uma fisioterapeuta linda, engraçada e inteligente que Felipe tenta reencontrar incessantemente. Na procura por Andressa, ele também quer redescobrir aquele jovem alegre e feliz

que era e voltar a andar. O enredo é uma trama composta por muitos personagens que influem diretamente no curso da vida dos demais, formando uma teia de emoções, mistério, fantasia e amor. Beijo de chocolate é um livro para tocar na epiderme da alma.

Livro Cada Casa um Caso Ricardo tem sua mulher em coma por causa de um acidente. Enquanto ela dormia, Daniela, sua cunhada, decide ajudá-lo a enfrentar esta difícil fase de sua vida e acaba se apaixonando pelo marido de sua irmã Alice. Mas, o despertar de sua esposa, promove uma reviravolta na vida desses três.

Livro Um coração em guerra Caio e Bela formam um casal que enfrenta o amor à distância. Os dois amigos de longa data descobrem que é possível viver um romance de verdade mesmo que longe um do outro e lidando com problemas tão diferentes. Cada um cresce e ganha suas próprias

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conquistas. Mas, será que esse amor vai encontrar um ponto em comum no caminho outra vez?

Livro Amor de Alto Risco Jéssi, uma rica fazendeira, coloca a mochila nas costas e chega ao Rio de Janeiro para dividir um apartamento e começar a faculdade. É aí que a sua estória se cruza com a de Paulo, um estudante de direito que não terá paciência com a caipirinha que acaba de chegar ao seu apartamento com todas aquelas malas rosas. A garota vira alvo de ex-clientes insatisfeitos de seu pai e coloca Paulo em várias enrascadas perigosas. A solução

encontrada pelo seu pai é colocar um batalhão de seguranças ao seu redor.