217
XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS MONTES: CONFIA E VAI

XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS MONTES: CONFIA E VAI

Page 2: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

2

SumárioSumárioSumárioSumário

Eixo Transversal: EsperançarEixo Transversal: EsperançarEixo Transversal: EsperançarEixo Transversal: Esperançar ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 7777 Meu reino não é deste mundo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. II)..... 7

A vida futura ................................................................................................................................... 7 A realeza de Jesus ........................................................................................................................... 8 O ponto de vista .............................................................................................................................. 8 Instruções dos Espíritos: Uma realeza terrestre ........................................................................... 10

Motivos de Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, itens 12 e 13) ..................................................................................................................................................... 10 O Cristo Consolador (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VI) .................. 11

O jugo leve .................................................................................................................................... 11 Consolador prometido .................................................................................................................. 12 Instruções dos Espíritos: Advento do Espírito de Verdade ............................................................ 12

Conhecimento de Si Mesmo (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3a parte – cap. XII) ............ 14 A Esperança (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Fevereiro 1862).................................................. 15 Conquista do Si (Joanna de Ângelis, in “Autodescobrimento” – cap. 12) ......................................... 16 Libertação Pessoal (Joanna de Ângelis, in “Autodescobrimento” – cap. 12) .................................... 18 Vida Social (Joanna de Ângelis, in “Desperte e Seja Feliz” – cap. 11) ............................................... 19 Autorrealização (Joanna de Ângelis, in “Desperte e Seja Feliz” – cap. 18) ....................................... 21 Esperança (Joanna de Ângelis, in “Estudos Espíritas” – cap. 15) ...................................................... 22 Jesus e Desafios (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 1) ............................................ 24 Jesus e Decisão (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 11) ........................................... 25 Jesus e Responsabilidade (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 12) ........................... 27 Medo (Joanna de Ângelis, in “O Homem Integral” – cap. 4) ............................................................ 28 Autodescobrimento (Joanna de Ângelis, in “O Homem Integral” – cap. 11) .................................... 30 Tribulações (Joanna de Ângelis, in “Receitas de Paz” – cap. 3) ........................................................ 33 Bases Para a Autorrealização (Joanna de Ângelis, in “Receitas de Paz” – cap. 3) ............................ 34 Preponderância do Bem (Joanna de Ângelis, in “Seja Feliz Hoje” – cap. 7) ...................................... 35 Segurança em Deus (Joanna de Ângelis, in “Seja Feliz Hoje” – cap. 14) ........................................... 37 Capacete da Esperança (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 94) ....................................................... 39 Necessidade (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4) ..................................................................... 40 Trabalho (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4) ........................................................................... 40 Iluminação (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4) ........................................................................ 41 Ser Espírita (Emmanuel, in “Livro da Esperança” – cap. 70) ............................................................. 41 Doutrina Espírita (Emmanuel, in “Religião dos Espíritos” – cap. 80) ................................................ 42 Esperança (Emmanuel, in “Vinha de Luz” – cap. 75) ........................................................................ 43 Os Discípulos (Novo Testamento – Mateus 10; 1:10) ....................................................................... 44

Eixo Transversal: Virtude AtivaEixo Transversal: Virtude AtivaEixo Transversal: Virtude AtivaEixo Transversal: Virtude Ativa ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 44444444 Fora da Caridade não há salvação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XV, item 10) ............................................................................................................................................. 44 O Homem de Bem (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XVII, item 3) ........ 45 A Virtude (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XVII, item 8) ....................... 46 A Fé: Mãe da Esperança e da Caridade (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XIX, item 11) ...................................................................................................................................... 47 As Virtudes e os Vícios (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. XII) ..................... 47 Os Benfeitores Anônimos (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Outubro 1863) .............................. 48 Saber e Fazer (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 49) ............................................... 50 Renunciar (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 154) .................................................. 50 A Esmola Maior (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 30) ................................................................. 51 Renovações (Emmanuel, in “Encontro Marcado” – cap. 5) .............................................................. 51

Page 3: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

3

Cruz e Disciplina (Emmanuel, in “Pão Nosso” – cap. 103) ................................................................ 52 Auxílios Sempre Possíveis (André Luiz, in “Sinal Verde” – cap. 30) .................................................. 53 A Surpresa do Crente (Irmão X, in “Pontos e Contos” – cap. 13) ...................................................... 53 A Virtude (Vinícius, in “Nas Pegadas do Mestre” – cap. 4) ............................................................... 54 Para Crescer, Valorize-se (Joanes, in “Para Uso Diário” – cap. 8) ..................................................... 55

Eixo Transversal: Educar os SentimentosEixo Transversal: Educar os SentimentosEixo Transversal: Educar os SentimentosEixo Transversal: Educar os Sentimentos ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 56565656 Ação dos Espíritos sobre os fluidos (Allan Kardec, in “A Gênese” – cap. XIV, itens 13 a 15) ............ 57 Sinais dos Tempos (Allan Kardec, in “A Gênese” – cap. XVIII, itens 1 a 26) ...................................... 58 Esquecimento do Passado (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 11) ........................................................................................................................................................... 67 Motivos de Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, itens 12 e 13) ..................................................................................................................................................... 68 A Melancolia (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 25) ................ 69 O Jugo Leve (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VI, itens 1 e 2) ............. 69 O Orgulho e a Humildade (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VII, itens 11 e 12) ................................................................................................................................................... 69 Simplicidade e Pureza de Coração (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VIII, itens 1 a 4) .................................................................................................................................. 73 Pecado por Pensamentos – Adultério (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VIII, itens 5 a 7) .................................................................................................................................. 74 Verdadeira Pureza – Mãos não lavadas (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VIII, itens 8 a 10) ........................................................................................................................ 75 Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. IX) ....................................................................................................................... 76

Injúrias e violências ....................................................................................................................... 76 A afabilidade e a doçura ............................................................................................................... 77 A paciência .................................................................................................................................... 77 Obediência e resignação ............................................................................................................... 78 A cólera ......................................................................................................................................... 78

Bem-aventurados os que são misericordiosos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. X) ........................................................................................................................ 79

Perdoai, para que Deus vos perdoe .............................................................................................. 79 Reconciliação com os adversários................................................................................................. 80 O sacrifício mais agradável a Deus ............................................................................................... 81 O argueiro e a trave no olho ......................................................................................................... 81 Perdão das ofensas ....................................................................................................................... 83 A Indulgência ................................................................................................................................ 84

Amar o próximo como a si mesmo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XI) ........................................................................................................................................................... 86

O mandamento maior. Fazermos aos outros o que queiramos que os outros nos façam. Parábola dos credores e dos devedores ....................................................................................................... 86 Dai a César o que é de César ......................................................................................................... 87 A lei de amor ................................................................................................................................. 88 O egoísmo ..................................................................................................................................... 91 A fé e a caridade ........................................................................................................................... 92 Caridade para com os criminosos ................................................................................................. 92 Deve-se expor a vida por um malfeitor? ....................................................................................... 93

Amai os vossos inimigos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XII) ........... 94 Retribuir o mal com o bem ............................................................................................................ 94 Os inimigos desencarnados........................................................................................................... 95 Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra ......................................... 96

Page 4: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

4

A vingança ..................................................................................................................................... 97 O ódio ............................................................................................................................................ 98 O duelo .......................................................................................................................................... 98

A ingratidão dos filhos e os laços de família (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XIV, item 9) ........................................................................................................................... 101 Preservar-se da avareza (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVI, item 3) ......................................................................................................................................................... 104 Emprego da riqueza (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVI, itens 11 a 13) ................................................................................................................................................... 104 Desprendimento dos bens terrenos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVI, item 14) .................................................................................................................................... 106 A virtude (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII, item 8) .................. 108 O homem no mundo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII, item 10) ......................................................................................................................................................... 109 Cuidar do corpo e do espírito (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII, item 11) ........................................................................................................................................... 110 Coragem da fé (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XXIV, itens 13 a 16) ......................................................................................................................................................... 111 Não vos afadigueis pela posse do ouro (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XXV, itens 9 a 11) ..................................................................................................................... 111 Transmissão oculta do pensamento (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 2ª parte – cap. VIII) ......................................................................................................................................................... 112 Faculdade, que têm os Espíritos, de penetrar os nossos pensamentos (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 2ª parte – cap. IX) .................................................................................................. 113 Influência oculta dos Espíritos em nossos pensamentos e atos (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 2ª parte – cap. IX) ......................................................................................................... 113 Da lei de sociedade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. VII) ....................... 115

Necessidade da vida social.......................................................................................................... 115 Vida de insulamento. Voto de silêncio ........................................................................................ 115 Laços de família .......................................................................................................................... 116

Da lei de igualdade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. IX) ......................... 117 Igualdade natural........................................................................................................................ 117 Desigualdade das aptidões ......................................................................................................... 117 Desigualdades sociais ................................................................................................................. 117 Desigualdade das riquezas.......................................................................................................... 118 As provas de riqueza e de miséria ............................................................................................... 119 Igualdade dos direitos do homem e da mulher .......................................................................... 119 Igualdade perante o túmulo ....................................................................................................... 120

Liberdade de pensar (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. X) ........................ 120 Liberdade de consciência (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. X) ................ 121 Da lei de justiça, amor e caridade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. XI) .. 122

Justiça e direitos naturais ........................................................................................................... 122 Direito de propriedade. Roubo .................................................................................................... 123 Caridade e amor do próximo ...................................................................................................... 124 Amor materno e filial .................................................................................................................. 125

Da perfeição moral (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. XII) ........................ 126 As virtudes e os vícios .................................................................................................................. 126 Paixões ........................................................................................................................................ 129 O egoísmo ................................................................................................................................... 130 Caracteres do homem de bem .................................................................................................... 132 Conhecimento de si mesmo ........................................................................................................ 132

Das penas e gozos terrestres (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 4ª parte – cap. I) ............ 134

Page 5: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

5

Felicidade e infelicidade relativas ............................................................................................... 134 Perdas dos entes queridos .......................................................................................................... 137 Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas ............................................................................... 138 Uniões antipáticas ...................................................................................................................... 139 Temor da morte .......................................................................................................................... 139 Desgosto da vida. Suicídio .......................................................................................................... 140

A Vontade (Leon Denis, in “O Problema do Ser, do Destino e da Dor” – 3ª parte – k cap. XX) ...... 144 A disciplina do pensamento e a reforma do caráter (Leon Denis, in “O Problema do Ser, do Destino e da Dor” – 3ª parte – cap. XXIV) .................................................................................................... 149 Fermento Espiritual (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 76)........................................................... 153 Mudança (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 175) ......................................................................... 154 Espelho da Vida (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 1) ..................................................... 155 Vontade (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 2) ................................................................ 155 Educação (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 5) ............................................................... 156 Associação (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 8)............................................................. 157 Necessidade Essencial (Emmanuel, in “Vinha de Luz” – cap. 45) ................................................... 158 Observações e novidades (André Luiz, in “Libertação” – cap. 6) .................................................... 159 Em matéria afetiva (André Luiz, in “Sinal Verde” – cap. 37) ........................................................... 164 Sentimento (Áulus, in “Instruções Psicofônicas” – cap. 41)............................................................ 165 Se você quiser (André Luiz, in “O Espírito da Verdade” – cap. 95) ................................................. 166 Adolescência, idade crítica? Crise de identidade (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e Vida” – cap. 12) ................................................................................................................................................... 167 O ser e o ter na adolescência (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e Vida” – cap. 15) ................. 169 O adolescente e o suicídio (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e Vida” – cap. 25) ..................... 171 Sentimentos Tumultuados (Joanna de Ângelis, in “O Despertar do Espírito” – cap. 8) ................. 173

Conflitos de culpa e de vergonha ................................................................................................ 174 O medo e seus vários aspectos. .................................................................................................. 177 Falta de amor. ............................................................................................................................. 179

Sentimentos (Joanna de Ângelis, in “Triunfo Pessoal” – cap. 2) ..................................................... 181 Sentimentos e afetividade (Joanna de Ângelis, psicografia de 21/05/2010 em Zurique - Suíça) ... 183 Desvendando os atributos essenciais do espírito: pensamento e vontade (Alzira Bessa e Luciano Sivieri, in “Pelos Caminhos do Entendimento do Espírito) ............................................................. 185 Sentimento: a força do espírito (Alzira Bessa e Luciano Sivieri, in “Pelos Caminhos do Entendimento do Espírito) .............................................................................................................. 188

Eixo Transversal: Construção da Paz Íntima e ColetivaEixo Transversal: Construção da Paz Íntima e ColetivaEixo Transversal: Construção da Paz Íntima e ColetivaEixo Transversal: Construção da Paz Íntima e Coletiva ........................................................................................................................................................................................................................192192192192 A Melancolia (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 25) .............. 193 Provas Voluntárias – O Verdadeiro Cilício (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 26) ............................................................................................................................... 193 Obediência e Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. IX, item 8) ......................................................................................................................................................... 194 A Cólera (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. IX, item 9) ....................... 195 O Mandamento Maior (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XV, itens 4 e 5) ..................................................................................................................................................... 195 Não Vim Trazer a Paz, mas, a divisão (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XXIII, itens 16 e 18) .......................................................................................................................... 196 Jacques Latour (Allan Kardec, in “O Céu e o Inferno” – 2ª parte – cap. VI) .................................... 196 Paz aos Homens de Boa Vontade (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Fevereiro 1863) .............. 204 O Verdadeiro Espírito das Tradições (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Novembro 1863) ........ 205 Conflitos Existenciais e Fugas Psicológicas (Joanna de Ângelis, in “Psicologia da Gratidão” – cap. 6) ......................................................................................................................................................... 206 A Espada Simbólica (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 104) ................................. 208

Page 6: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

6

Entre os Cristãos (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 155) ..................................... 209 No Erguimento da Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 19) .................................................... 209 Prescrições de Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 20) .......................................................... 210 Na Cultura da Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 54) ............................................................ 210 Doação e Nós (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 57) .................................................................. 211 A Trilogia Bendita (Neio Lúcio, in “Alvorada Cristã” – cap. 16) ....................................................... 211 A Amizade Real (Neio Lúcio, in “Alvorada Cristã” – cap. 18) .......................................................... 212 A Exaltação da Cortesia (Neio Lúcio, in “Jesus no Lar” – cap. 17) ................................................... 214 A Caridade Desconhecida (Neio Lúcio, in “Jesus no Lar” – cap. 20) ............................................... 215 Dupla da Paz (André Luiz, in “Endereços de Paz” – cap. 8) ............................................................. 216 Dez Apontamentos de Paz (André Luiz, in “Mentores e Seareiros”) .............................................. 216

Page 7: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

7

Eixo Transversal: Esperançar

� Identificar a Doutrina Espírita como ferramenta necessária para superar

meus medos, resgatando a esperança, frente aos desafios da realidade atual;

� Colaborar com a transformação da realidade ao meu redor, sendo autor da

minha própria história, com responsabilidade e agindo no bem.

Meu reino não é deste mundo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” –

cap. II)

1. Pilatos, tendo entrado de novo no palácio e feito vir Jesus à sua presença, perguntou-lhe: És o rei dos judeus? - Respondeu-lhe Jesus: Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, a minha gente houvera combatido para impedir que eu caísse nas mãos dos judeus; mas, o meu reino ainda não é aqui.

Disse-lhe então Pilatos: És, pois, rei? - Jesus lhe respondeu: Tu o dizes; sou rei; não nasci e não vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence a verdade escuta a minha voz. (S. JOÃO, cap. XVIII, vv. 33, 36 e 37.)

A vida futura

2. Por essas palavras, Jesus claramente se refere à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como a meta a que a Humanidade irá ter e como devendo constituir objeto das maiores preocupações do homem na Terra. Todas as suas máximas se reportam a esse grande principio. Com efeito, sem a vida futura, nenhuma razão de ser teria a maior parte dos seus preceitos morais, donde vem que os que não creem na vida futura, imaginando que ele apenas falava na vida presente, não os compreendem, ou os

consideram pueris.Esse dogma pode, portanto, ser tido como o eixo do ensino do Cristo,

pelo que foi colocado num dos primeiros lugares à frente desta obra. E que ele tem de ser o ponto de mira de todos os homens; só ele justifica as anomalias da vida terrena e se mostra de acordo com a justiça de Deus.

3. Apenas ideias muito imprecisas tinham os judeus acerca da vida futura. Acreditavam nos anjos, considerando-os seres privilegiados da Criação; não sabiam, porém, que os homens podem um dia tomar-se anjos e partilhar da felicidade destes. Segundo eles, a observância das leis de Deus era recompensada com os bens terrenos, com a supremacia da nação a que pertenciam, com vitórias sobre os seus inimigos. As calamidades públicas e as derrotas eram o castigo da desobediência àquelas leis. Moisés não pudera dizer mais do que isso a um povo pastor e ignorante, que precisava ser tocado, antes de tudo, pelas coisas deste mundo. Mais tarde, Jesus lhe revelou que há outro mundo, onde a justiça de Deus segue o seu curso. E esse o mundo que ele promete aos que cumprem os mandamentos de Deus e onde os bons acharão sua recompensa. Aí o seu reino; lá é que ele se encontra na sua glória e para onde voltaria quando deixasse a Terra.

Jesus, porém, conformando seu ensino com o estado dos homens de sua época, não julgou conveniente dar-lhes luz completa, percebendo que eles ficariam deslumbrados, visto que não a compreenderiam. Limitou-se a, de certo modo, apresentar a vida futura apenas como um principio, como uma lei da Natureza a cuja ação ninguém pode fugir. Todo cristão, pois, necessariamente crê na vida futura; mas, a ideia que muitos fazem dela é ainda vaga, incompleta e, por isso mesmo, falsa em diversos pontos. Para

Page 8: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

8

grande número de pessoas, não há, a tal respeito, mais do que uma crença, balda de certeza absoluta, donde as dúvidas e mesmo a incredulidade.

O Espiritismo veio completar, nesse ponto, como em vários outros, o ensino do Cristo, fazendo-o quando os homens já se mostram maduros bastante para apreender a verdade. Com o Espiritismo, a vida futura deixa de ser simples artigo de fé, mera hipótese; torna-se uma realidade material, que os latos demonstram, porquanto são testemunhas oculares os que a descrevem nas suas fases todas e em todas as suas peripécias, e de tal sorte que, além de impossibilitarem qualquer dúvida a esse propósito, facultam à mais vulgar inteligência a possibilidade de imaginá-la sob seu verdadeiro aspecto, como toda gente imagina um país cuja pormenorizada descrição leia. Ora, a descrição da vida futura é tão circunstanciadamente feita, são tão racionais as condições, ditosas ou infortunadas, da existência dos que lá se encontram, quais eles próprios pintam, que cada um, aqui, a seu mau grado, reconhece e declara a si mesmo que não pode ser de outra forma, porquanto, assim sendo, patente fica a verdadeira justiça de Deus.

A realeza de Jesus

4. Que não é deste mundo o reino de Jesus todos compreendem, mas, também na Terra não terá ele uma realeza? Nem sempre o título de rei implica o exercício do poder temporal. Dá-se esse título, por unânime consenso, a todo aquele que, pelo seu gênio, ascende à primeira plana numa ordem de ideias quaisquer, a todo aquele que domina o seu século e influi sobre o progresso da Humanidade. E nesse sentido que se costuma dizer: o rei ou príncipe dos filósofos, dos artistas, dos poetas, dos escritores, etc. Essa realeza, oriunda do mérito pessoal, consagrada pela posteridade, não revela, muitas vezes, preponderância bem maior do que a que cinge a coroa real? Imperecível é a primeira, enquanto esta outra é joguete das vicissitudes; as gerações que se sucedem à primeira sempre a bendizem, ao passo que, por vezes, amaldiçoam a outra. Esta, a terrestre, acaba com a vida; a realeza moral se prolonga e mantém o seu poder, governa, sobretudo, após a morte. Sob esse aspecto não é Jesus mais poderoso rei do que os potentados da Terra? Razão, pois, lhe assistia para dizer a Pilatos, conforme disse: "Sou rei, mas o meu reino não é deste mundo."

O ponto de vista

5. A ideia clara e precisa que se faça da vida futura proporciona inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes consequências sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram eles a vida terrena. Para quem se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corpórea se torna simples passagem, breve estada num pai ingrato. As vicissitudes e tribulações dessa vida não passam de incidentes que ele suporta com paciência, por sabê-las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais ditoso. A morte nada mais restará de aterrador; deixa de ser a porta que se abre para o nada e torna-se a que dá para a libertação, pela qual entra o exilado numa mansão de bem-aventurança e de paz. Sabendo temporária e não definitiva a sua estada no lugar onde se encontra, menos atenção presta às preocupações da vida, resultando-lhe daí uma calma de espírito que tira àquela muito do seu amargor.

Pelo simples fato de duvidar da vida futura, o homem dirige todos os seus pensamentos para a vida terrestre. Sem nenhuma certeza quanto ao porvir, dá tudo ao presente. Nenhum bem divisando mais precioso do que os da Terra, torna-se qual a criança que nada mais vê além de seus brinquedos. E não há o que não faça para

Page 9: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

9

conseguir os únicos bens que se lhe afiguram reais. A perda do menor deles lhe ocasiona causticante pesar; um engano, uma decepção, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de que seja vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são outros tantos tormentos, que lhe transformam a existência numa perene angústia, infligindo-se ele, desse modo, a si próprio, verdadeira tortura de todos os instantes. Colocando o ponto de vista, de onde considera a vida corpórea, no lugar mesmo em que ele aí se encontra, vastas proporções assume tudo o que o rodeia. O mal que o atinja, como o bem que toque aos outros, grande importância adquire aos seus olhos. Aquele que se acha no interior de uma cidade, tudo lhe parece grande: assim os homens que ocupem as altas posições, como os monumentos. Suba ele, porém, a uma montanha, e logo bem pequenos lhe parecerão homens e coisas.

É o que sucede ao que encara a vida terrestre do ponto de vista da vida futura; a Humanidade, tanto quanto as estrelas do firmamento, perde-se na imensidade. Percebe então que grandes e pequenos estão confundidos, como formigas sobre um montículo de terra; que proletários e potentados são da mesma estatura, e lamenta que essas criaturas efêmeras a tantas canseiras se entreguem para conquistar um lugar que tão pouco as elevará e que por tão pouco tempo conservarão. Daí se segue que a importância dada aos bens terrenos está sempre em razão inversa da fé na vida futura.

6. Se toda a gente pensasse dessa maneira, dir-se-ia, tudo na Terra periclitaria, porquanto ninguém mais se iria ocupar com as coisas terrenas. Não; o homem, instintivamente, procura o seu bem-estar e, embora certo de que só por pouco tempo permanecerá no lugar em que se encontra, cuida de estar aí o melhor ou o menos mal que lhe seja possível. Ninguém há que, dando com um espinho debaixo de sua mão, não a retire, para se não picar. Ora, o desejo do bem-estar força o homem a tudo melhorar, impelido que é pelo instinto do progresso e da conservação, que está nas leis da Natureza. Ele, pois, trabalha por necessidade, por gosto e por dever, obedecendo, desse modo, aos desígnios da Providência que, para tal fim, o pôs na Terra. Simplesmente, aquele que se preocupa com o futuro não liga ao presente mais do que relativa importância e facilmente se consola dos seus insucessos, pensando no destino que o aguarda.

Deus, conseguintemente, não condena os gozos terrenos; condena, sim, o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma. Contra tais abusos é que se premunem os que a si próprios aplicam estas palavras de Jesus: Meu reino não é deste mundo.

Aquele que se identifica com a vida futura assemelha-se ao rico que perde sem emoção uma pequena soma. Aquele cujos pensamentos se concentram na vida terrestre assemelha-se ao pobre que perde tudo o que possui e se desespera.

7. O Espiritismo dilata o pensamento e lhe rasga horizontes novos. Em vez dessa visão, acanhada e mesquinha, que o concentra na vida atual, que faz do instante que vivemos na Terra único e frágil eixo do porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que essa vida não passa de um elo no harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador. Mostra a solidariedade que conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma por ocasião do nascimento de cada corpo torna estranhos uns aos outros todos os seres. Essa solidariedade entre as partes de um mesmo todo explica o que inexplicável se apresenta, desde que se considere apenas um ponto. Esse conjunto, ao tempo do Cristo, os homens não o teriam podido compreender, motivo por que ele reservou para outros tempos o fazê-lo conhecido.

Page 10: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

10

Instruções dos Espíritos: Uma realeza terrestre

8. Quem melhor do que eu pode compreender a verdade destas palavras de Nosso Senhor: "O meu reino não é deste mundo"? O orgulho me perdeu na Terra. Quem, pois, compreenderia o nenhum valor dos reinos da Terra, se eu o não compreendia? Que trouxe eu comigo da minha realeza terrena? Nada, absolutamente nada. E, como que para tornar mais terrível a lição, ela nem sequer me acompanhou até o túmulo! Rainha entre os homens, como rainha julguei que penetrasse no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez de ser recebida aqui qual soberana, vi acima de mim, mas muito acima, homens que eu julgava insignificantes e aos quais desprezava, por não terem sangue nobre! Oh! como então compreendi a esterilidade das honras e grandezas que com tanta avidez se requestam na Terra!

Para se granjear um lugar neste reino, são necessárias a abnegação, a humildade, a caridade em toda a sua celeste prática, a benevolência para com todos. Não se vos pergunta o que fostes, nem que posição ocupastes, mas que bem fizestes, quantas lágrimas enxugastes.

Oh! Jesus, tu o disseste, teu reino não é deste mundo, porque é preciso sofrer pira chegar ao céu, de onde os degraus de um trono a ninguém aproximam. A ele só conduzem as veredas mais penosas da vida. Procurai-lhe, pois, o caminho, através das urzes e dos espinhos, não por entre as flores.

Correm os homens por alcançar os bens terrestres, como se os houvessem de guardar para sempre. Aqui, porém, todas as ilusões se somem. Cedo se apercebem eles de que apenas apanharam uma sombra e desprezaram os únicos bens reais e duradouros, os únicos que lhes aproveitam na morada celeste, os únicos que lhes podem facultar acesso a esta.

Compadecei-vos dos que não ganharam o reino dos céus; ajudai-os com as vossas preces, porquanto a prece aproxima do Altíssimo o homem; é o traço de união entre o céu e a Terra: não o esqueçais. - Uma Rainha de França. (Havre, 1863.)

Motivos de Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V,

itens 12 e 13)

12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como prelúdio da cura.

Também podem essas palavras ser traduzidas assim: Deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura. Deveis, pois, sentir-vos felizes por reduzir Deus a vossa dívida, permitindo que a saldeis agora, o que vos garantirá a tranquilidade no porvir.

O homem que sofre assemelha-se a um devedor de avultada soma, a quem o credor diz: "Se me pagares hoje mesmo a centésima parte do teu débito, quitar-te-ei do restante e ficarás livre; se o não fizeres, atormentar-te-ei, até que pagues a última parcela." Não se sentiria feliz o devedor por suportar toda espécie de privações para se libertar, pagando apenas a centésima parte do que deve? Em vez de se queixar do seu credor, não lhe ficará agradecido?

Tal o sentido das palavras: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados." São ditosos, porque se quitam e porque, depois de se haverem quitado,

Page 11: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

11

estarão livres. Se, porém, o homem, ao quitar-se de um lado, endivida-se de outro, jamais poderá alcançar a sua libertação. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, porquanto nenhuma há, qualquer que ela seja, que não acarrete forçosa e inevitavelmente uma punição. Se não for hoje, será amanhã; se não for na vida atual, será noutra. Entre essas faltas, cumpre se coloque na primeira fiada a carência de submissão à vontade de Deus. Logo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com resignação e como algo que devemos ter merecido, se acusarmos a Deus de ser injusto, nova dívida contraímos, que nos faz perder o fruto que devíamos colher do sofrimento. E por isso que teremos de recomeçar, absolutamente como se, a um credor que nos atormente, pagássemos uma cota e a tomássemos de novo por empréstimo.

Ao entrar no mundo dos Espíritos, o homem ainda está como o operário que comparece no dia do pagamento. A uns dirá o Senhor: "Aqui tens a paga dos teus dias de trabalho"; a outros, aos venturosos da Terra, aos que hajam vivido na ociosidade, que tiverem feito consistir a sua felicidade nas satisfações do amor-próprio e nos gozos mundanos: "Nada vos toca, pois que recebestes na Terra o vosso salário. Ide e recomeçai a tarefa."

13. O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena. Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento. Ora, aquele que a encara pelo prisma da vida espiritual apanha, num golpe de vista, a vida corpórea. Ele a vê como um ponto no infinito, compreende-lhe a curteza e reconhece que esse penoso momento terá presto passado. A certeza de um próximo futuro mais ditoso o sustenta e anima e, longe de se queixar, agradece ao Céu as dores que o fazem avançar. Contrariamente, para aquele que apenas vê a vida corpórea, interminável lhe parece esta, e a dor o oprime com todo o seu peso. Daquela maneira de considerar a vida, resulta ser diminuída a importância das coisas deste mundo, e sentir-se compelido o homem a moderar seus desejos, a contentar-se com a sua posição, sem invejar a dos outros, a receber atenuada a impressão dos reveses e das decepções que experimente. Dai tira ele uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo quanto à da alma, ao passo que, com a inveja, o ciúme e a ambição, voluntariamente se condena à tortura e aumenta as misérias e as angústias da sua curta existência.

O Cristo Consolador (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VI)

O jugo leve

1. Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo. (S. MATEUS, cap. XI, vv. 28 a 30.)

2. Todos os sofrimentos: misérias, decepções, dores físicas, perda de seres amados, encontram consolação em a fé no futuro, em a confiança na justiça de Deus, que o Cristo veio ensinar aos homens. Sobre aquele que, ao contrário, nada espera após esta vida, ou que simplesmente duvida, as aflições caem com todo o seu peso e nenhuma esperança lhe mitiga o amargor. Foi isso que levou Jesus a dizer: "Vinde a mim todos vós que estais fatigados, que eu vos aliviarei."

Entretanto, faz depender de uma condição a sua assistência e a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na lei por ele ensinada. Seu jugo é a observância dessa lei; mas, esse jugo é leve e a lei é suave, pois que apenas impõe, como dever, o

Page 12: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

12

amor e a caridade.

Consolador prometido

3. Se me amais, guardai os meus mandamentos; e eu rogarei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: - O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas, quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. - Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito. (S. JOÃO, cap. XIV, vv. 15 a 17 e 26.)

4. Jesus promete outro consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para o compreender, consolador que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo há dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido.

O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância da lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que Jesus só disse por parábolas. Advertiu o Cristo: "Ouçam os que têm ouvidos para ouvir." O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porquanto fala sem figuras, nem alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.

Disse o Cristo: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados." Mas, como há de alguém sentir-se ditoso por sofrer, se não sabe por que sofre? O Espiritismo mostra a causa dos sofrimentos nas existências anteriores e na destinação da Terra, onde o homem expia o seu passado. Mostra o objetivo dos sofrimentos, apontando-os como crises salutares que produzem a cura e como meio de depuração que garante a felicidade nas existências futuras. O homem compreende que mereceu sofrer e acha justo o sofrimento. Sabe que este lhe auxilia o adiantamento e o aceita sem murmurar, como o obreiro aceita o trabalho que lhe assegurará o salário. O Espiritismo lhe dá fé inabalável no futuro e a dúvida pungente não mais se lhe apossa da alma. Dando-lhe a ver do alto as coisas, a importância das vicissitudes terrenas some-se no vasto e esplêndido horizonte que ele o faz descortinar, e a perspectiva da felicidade que o espera lhe dá a paciência, a resignação e a coragem de ir até ao termo do caminho.

Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.

Instruções dos Espíritos: Advento do Espírito de Verdade

5. Venho, como outrora aos transviados filhos de Israel, trazer-vos a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como o fez antigamente a minha palavra, tem de lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinem as plantas e se levantem as ondas. Revelei a doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso no seio da Humanidade e disse: “Vinde a mim, todos vós que sofreis."

Mas, ingratos, os homens afastaram-se do caminho reto e largo que conduz ao

Page 13: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

13

reino de meu Pai e enveredaram pelas ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; quer que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, isto é, mortos segundo a carne, porquanto não existe a morte, vos socorrais mutuamente, e que se faça ouvir não mais a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a dos que já não vivem na Terra, a clamar: Orai e crede! pois que a morte é a ressurreição, sendo a vida a prova buscada e durante a qual as virtudes que houverdes cultivado crescerão e se desenvolverão como o cedro.

Homens fracos, que compreendeis as trevas das vossas inteligências, não afasteis o facho que a clemência divina vos coloca nas mãos para vos clarear o caminho e reconduzir- vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai.

Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades.

Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos clamam: "Irmãos! nada perece. Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade." - O Espírito de Verdade. (Paris, 1860.)

6. Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras; mas, que esperem, pois que também a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.

Obreiros, traçai o vosso sulco; recomeçai no dia seguinte o afanoso labor da véspera; o trabalho das vossas mãos vos fornece aos corpos o pão terrestre; vossas almas, porém, não estão esquecidas; e eu, o jardineiro divino, as cultivo no silêncio dos vossos pensamentos. Quando soar a hora do repouso, e a trama da vida se vos escapar das mãos e vossos olhos se fecharem para a luz, sentireis que surge em vós e germina a minha preciosa semente.

Nada fica perdido no reino de nosso Pai e os vossos suores e misérias formam o tesouro que vos tornará ricos nas esferas superiores, onde a luz substitui as trevas e onde o mais desnudo dentre todos vós será talvez o mais resplandecente. - O Espírito de Verdade. (Paris, 1861.)

Em verdade vos digo: os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem- amados meus. Instruí-vos na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas e vos mostra o sublime objetivo da provação humana. Assim como o vento varre a poeira, que também o sopro dos Espíritos dissipe os vossos despeitos contra os ricos do mundo, que são, não raro, muito miseráveis, porquanto se acham sujeitos a provas mais perigosas do que as vossas. Estou convosco e meu apóstolo vos instrui. Bebei na fonte viva do amor e preparai-vos, cativos da vida, a lançar-vos um dia, livres e alegres, no seio dAquele que vos criou fracos para vos tornar perfectíveis e que quer modeleis vós mesmos a vossa maleável argila, a fim de serdes os artífices da vossa imortalidade. - O Espírito de Verdade. (Paris, 1861.)

7. Sou o grande médico das almas e venho trazer-vos o remédio que vos há de curar. Os fracos, os sofredores e os enfermos são os meus filhos prediletos. Venho salvá-los. Vinde, pois, a mim, vós que sofreis e vos achais oprimidos, e sereis aliviados e consolados. Não busqueis alhures a força e a consolação, pois que o mundo é impotente

Page 14: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

14

para dá-las. Deus dirige um supremo apelo aos vossos corações, por meio do Espiritismo. Escutai-o. Extirpados sejam de vossas almas doloridas a impiedade, a mentira, o erro, a incredulidade. São monstros que sugam o vosso mais puro sangue e que vos abrem chagas quase sempre mortais. Que, no futuro, humildes e submissos ao Criador, pratiqueis a sua lei divina. Amai e orai; sede dóceis aos Espíritos do Senhor; invocai-o do fundo de vossos corações. Ele, então, vos enviará o seu Filho bem-amado, para vos instruir e dizer estas boas palavras: Eis-me aqui; venho até vós, porque me chamastes. - O Espírito de Verdade. (Bordéus, 1861.)

8. Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a Terra e, por toda a parte, junto de cada lágrima colocou ele um bálsamo que consola. A abnegação e o devotamento são uma prece continua e encerram um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. Possam todos os Espíritos sofredores compreender essa verdade, em vez de clamarem contra suas dores, contra os sofrimentos morais que neste mundo vos cabem em partilha. Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõe. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto menos forte se sente, quanto mais profundamente golpeado é o espírito. - O Espírito de Verdade. (Havre, 1863.)

Conhecimento de Si Mesmo (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3a parte – cap. XII)

919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.” a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”

“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.

“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de

Page 15: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

15

uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.

“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”

SANTO AGOSTINHO. Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente,

seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.

A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.

A Esperança (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Fevereiro 1862)

Eu me chamo a Esperança; sorrio à vossa entrada na vida; eu vos sigo passo a passo, e não vos deixo senão nos mundos onde se realizam, para vós, as promessas de felicidade que ouvis, sem cessar, murmurar aos vossos ouvidos. Eu sou vossa fiel amiga; não repilais minhas inspirações: eu sou a Esperança.

Sou eu que canto pela voz do rouxinol e que lança aos ecos das florestas essa notas lamentosas e cadenciadas que vos fazem sonhar com os céus: sou eu quem inspira à andorinha o desejo de aquecer seus amores ao abrigo de vossas moradas; eu brinco na brisa leve que acaricia os vossos cabelos; eu derramo aos vossos pés os perfumes suaves das flores de vossos canteiros, e é com dificuldade que dais um pensamento a esta amiga que vos é tão devotada! Não a repilais: é a Esperança.

Page 16: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

16

Eu tomo todas as formas para me aproximar de vós: eu sou a estrela que brilha no azul, o quente raio de sol que vos vivifica; embalo vossas noites de sonhos ridentes; expulso para longe de vós a negra inquietação e os pensamentos sombrios; guio vossos passos para o caminho da virtude; acompanho-vos em vossas visitas aos pobres, aos aflitos, aos moribundos e vos inspiro as palavras afetuosas que consolam; não me repilais: eu sou a Esperança.

Eu sou a Esperança! sou eu que, no inverno, faço crescer sobre a crosta dos carvalhos os musgos espessos dos quais os pequenos pássaros constroem seu ninho; sou eu que, na primavera, coroo a macieira e a amendoeira de suas flores brancas e rosas, e as derramo sobre a terra como uma juncada celeste que faz aspirar aos mundos felizes; estou sobretudo convosco quando sois pobres e sofredores; minha voz ressoa, sem cessar, em vossos ouvidos; não me repilais: eu sou a Esperança.

Não me repilais, porque o anjo do desespero me faz uma guerra obstinada e se esgota em vãos esforços para me substituir junto de vós; não sou sempre a mais forte e, quando ele chega a me afastar, vos envolve com suas asas fúnebres, desvia os vossos pensamentos de Deus e vos conduz ao suicídio; uni-vos a mim para afastar sua funesta influência e deixai-vos embalar docemente em meus braços, porque eu sou a Esperança.

FELICIA. Filha do médium.

Conquista do Si (Joanna de Ângelis, in “Autodescobrimento” – cap. 12)

Todo o empenho humano para um correto amadure- cimento psicológico objetiva a conquista do Si, a harmonia do Eu profundo em relação à sua realidade, à compreensão do divino e do humano nele existentes, descobrindo a sua causalidade e entregando-se à fatalidade (de forma consciente) do processo de evolução, que não cessa.

Trata-se de um imenso programa de conquistas plenificadoras, que foram iniciadas no período de consciência de sono, passando pelos diversos níveis de progresso e autodescobrimento de forma gratificante e pacífica, sem qualquer tipo de violência.

À medida que vão sendo fixados os patamares a alcançar, mais amplas perspectivas de triunfo se dilatam no ser, que se identifica com a vida e alça-se aos valores mais expressivos que passa a descobrir e a ter necessidade de vivenciar. O ego é produção

do estado de consciência, portanto, transitório, impermanente.Abandonando as regiões

sombrias dos conflitos degenerativos, nos quais o ser se demora por largo tempo, eis que começa a fruir o bem-estar sem receio, e a alegria, sem inseguranças, libertado dos conturbadores prêmios e castigos referentes aos atos praticados, a que estava condicionado pelas imposições sociais e religiosas.

O ego, nesses comenos, cede lugar a outras conquistas, que repartem júbilos enquanto compartem identificações realizadoras, e a ausência de angústias como de incertezas favorece a visão lúcida do sentido existencial da vida.

Nesse processo de crescimento, de descobertas valiosas, podem ocorrer vários desvios e insucessos psicológicos, como mecanismos de saudosismo dos dias de inquietação e incertezas sobre os recentes avanços, como fenômenos naturais para a fixação das novas e relevantes conquistas,

A larga adaptação no vale produz choques desagradáveis quando o ser se instala na montanha, até que logre aclimatar-se. Essa é uma ocorrência comum a todas as formas de vida, a todos os seres vivos.

A ânsia de crescimento não tem limite. O desconhecimento dos potenciais que podem ser movimentados para o tentame

Page 17: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

17

e para a realização, é que constitui impedimento para os indivíduos inábeis e imaturos psicologicamente.

Essa luta que o ego trava, no campo das paixões onde se movimenta, alimenta-o e vicia o ser, que se compraz nas imposições que se permite graças às sensações fortes, recheadas de compensações imediatas, características do período primário da evolução.

Dessa forma, não se dá conta, imediatamente, das emoções luarizadoras, desacostumado às suas manifestações, adaptando-se ao psiquismo da mudança das planícies constritivas para os planaltos refazentes.

Empreendimento de alto significado para o ser inteligente, propõe esforço e decisão para eleger entre o que se tem e aquilo que se aspira, que pode ser alcançado, eliminando os condicionamentos inquietadores mediante a assimilação de novos, que os substituem, libertadores.

O ser humano é herdeiro da sua história antropológica, fixado nos atavismos das experiências vivenciadas durante as fases primevas do seu desenvolvimento. Por ser, igualmente, psicológico, desdobra todos os potenciais que possui em latência e arrebenta as amarras ancestrais, a fim de libertar o Eu adormecido, escravizado aos instintos.

Impõe-se, para o cometimento, todo um curso largo de realizações pessoais, íntimas, de análise e avaliação de conteúdos, para a eleição daqueles que são imprescindíveis à vitória, em detrimento dos demais, que se apresentam afligentes.

Disciplinando-se a mente e a vontade, compreendendo-se que a proposta da Vida é a marcha para a Unidade — sem perda de quaisquer valores conquistados -, o Si desenvolve-se, enquanto o ego desagrega-se.

Nas fases primeiras, esse ego desempenha papéis relevantes, tais: o da preservação da vida, dos direitos ao prazer (transitórios), do atendimento das necessidades (fisiológicas), dos valores pessoais. Infelizmente, fixa-se, constritor, e passa à condição de algoz, dominando as paisagens do ser e sombreando-as para permanecer em predomínio. Elastecendo-lhe a visão e apontando-lhe o Si, reage com violência e estertora-se à medida que perde espaço psicológico, até ser ultrapassado em vitória culminante.

É semelhante ao heroico triunfo das pândavas sobre os kauravas, cuja história mística narra o Mababarata, o in- comparável poema da índia, constituído por duzentos mil versos, dos quais apenas a metade é conhecida. Trata-se da luta entre primos e parentes outros no campo de batalha da consciência: as virtudes (poucas) e os vícios (muitos), em sucessivas pelejas até o momento da vitória dos primeiros.

O ser humano sempre buscou as cumeadas da sensibilidade altruística, conquistando o Espírito, nele real, mediante a superação dos implementos materiais que lhe servem de fator preponderante para o desenvolvimento dos valores preciosos que nele dormem - herança transcendente da sua origem divina, espiritual.

A libertação do Eu profundo ocorre à medida que se desenfeixa dos desejos - raga (as paixões) do conceito budista —, a fim de alcançar a realização interior.

Preocupado com a etapa terminal do processo da evolução e com profunda visão psicológica, Allan Kardec interrogou os mensageiros nobres que o assistiam na elaboração da Doutrina Espírita:

- O que fica sendo o Espírito depois de sua última reencarnação? E eles responderam: - Espírito bem-aventurado; puro Espírito. O Si profundo, pleno, é semelhante à transparência que o diamante alcança após

toda a depuração transformadora que sofre no silêncio da sua sutilização molecular,

Page 18: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

18

libertando-se de toda imperfeição interna por que passa e de toda a ganga que o reveste. Essa conquista é o imenso desafio da evolução dos seres.

Libertação Pessoal (Joanna de Ângelis, in “Autodescobrimento” – cap. 12)

A semelhança de alguém que sobe uma montanha e passa a ter uma visão mais ampla dos horizontes - quanto mais altos, maior a conquista da sua paisagem -, a superação do ego permite uma identificação profunda com o Si, que se desvela, manifestando a sua procedência divina e arrebatadora.

Iniludivelmente, o ser, na sua estrutura real, é psiquismo puro, com imensos cabedais de possibilidades.

A imersão no corpo gera-lhe apegos injustificáveis como mecanismos de segurança, não obstante a transitoriedade dos implementos orgânicos.

O esquecimento ou embotamento da visão espiritual produz-lhe o bloqueio para as aspirações relevantes, retendo-o na ambição desmedida da conquista do prazer, por extensão, de tudo quanto culmina em sensações imediatas.

Durante a juventude, pensa em gozar, porque o corpo é forte e rico de hormônios; na maturidade prossegue com o rigoroso desejo de aproveitar as energias que atingem a plenitude; na velhice faz o quadro depressivo da amargura - por já não continuar desfrutando dos prazeres sensoriais, ou luta para manter um potencial de energias, que não mais retornam, sejam quais forem os recursos aplicados. Mesmo quando se lhes dilata a duração - a criança interior permanece viva, subconsciente, iludindo-se -, chega o momento do exaurimento, da interrupção pela morte, do enfrenta- mento da realidade.

A visão transpessoal conduz à continuação da Vida após a liberação do corpo. Sem nenhum vínculo com as concepções religiosas e doutrinárias de ontem como de hoje, propõe um ser imortal, cujas evidências se multiplicam nos painéis das suas investigações computadorizadas, apresentando uma preparação psicológica para o enfrenta- mento dessa realidade que será alcançada fatalmente.

Esse processo de desgaste orgânico inevitável é prenúncio da futura experiência imortalista, que propiciará a cada um o encontro com o que é, e não com o que tem e deixa, com o que pensa, e não com aquilo que gostaria de haver realizado.

Nesse momento, o Eu profundo irrompe, arrebentando as camadas do inconsciente onde se encontrava soterrado - caso não haja sido liberado de forma lúcida - e estabelece tormentosos conflitos na área do psiquismo ou no complexo espiritual de que se constitui - energia pensante que é.

Como os traumas e perturbações que avassalam a criatura procedem das experiências anteriores - na atual ou noutras reencarnações -, o despertar da consciência do Si, amanhã, decorrerá das formulações pensantes, condutas e ações presentes.

Em a Natureza todos os fenômenos e acontecimentos sucedem normalmente por encadeamento lógico, sem interrupção. As leis que regem a vida são trabalhadas no equilíbrio. Mesmo o caos, que se apresenta como desordem - por uma visão limitada -, faz parte da harmonia no conteúdo do equilíbrio geral.

A conquista do Si impõe-lhe ruptura de todas as amarras, ampliando-lhe as perspectivas existenciais e as realizações profundas.

Não se creia, porém, que nessa fase de libertação pessoal cesse o processo de busca. Quanto maior for a capacidade de entendimento e de desapego do ser, mais amplas perspectivas de conquistas se lhe desenham atraentes, preenchendo-lhe os espaços dominados e abertos a novas realizações.

Page 19: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

19

A saída dos interesses objetivos enseja o infinito campo do mundo subjetivo, transcendente, a ser penetrada qual afirmava São Boaventura, o Doutor Seráfico, que influenciou muitos místicos medievais, ao anunciar que são três os olhos pelos quais se observa: o da carne, o da razão e o da contemplação. O primeiro enxerga o mundo material, exterior, as dimensões relativas do tempo e do espaço, os objetos, as coisas, as pessoas, preso às sensações imediatas; o segundo vê a lógica através da arte de filosofar, ampliando as percepções da mente; e o terceiro, que faculta penetrar no mundo oculto, da intuição, das realidades transcendentes, extra físicas.

Essa proposta se ajusta à realidade do ser tridimensional da Codificação Espírita: a carne entra em contato com o mundo físico, o perispírito registra o mundo mental, extras- sensorial, e o Espírito sintoniza e se alimenta com a estrutura da realidade causal, onde se originou e para onde retornará.

Assim, a visão carnal detecta alguns contornos do estado objetivo, enquanto que a da razão capta os detalhes que constituem a matéria (átomos, moléculas, partículas, entendendo-lhes o mecanismo) e a da contemplação é transmental, energética na sua plenitude.

Os imperativos da Tecnologia e da Ciência, e as exigências do ego obliteraram, no curso da História, a visão contemplativa, e muitas vezes bloquearam a da razão, detendo o ser apenas na da carne.

A libertação pessoal recupera a percepção profunda, por superação do ego e a dilatação do Self, com o consequente triunfo do Espírito sobre a matéria, sem anular qualquer um dos olhos, facultando-lhes o direcionamento próprio que lhes seja peculiar, conforme a circunstância.

Com essa aquisição, as questões básicas da existência, que a Psicologia procura responder: quem é o homem? De onde vem? Para onde vai?, tornam-se factíveis de elucidação, na perfeita união das correntes psicológicas individualistas do Ocidente e espiritualistas do Oriente...

Nesse sentido, a Doutrina Espírita sintetiza ambas as visões psicológicas, interpretando os enigmas do ser e capa- citando-o à superação do ego, na gloriosa conquista do Eu profundo, mediante a libertação pessoal das paixões perturbadoras, anestesiantes, escravizadoras.

Nasce então, nesse momento, o homem pleno, que ruma para o Infinito, imagem e semelhança de Deus.

Vida Social (Joanna de Ângelis, in “Desperte e Seja Feliz” – cap. 11)

A família universal reúne todos os seres em um só grupo, que se inicia no clã doméstico. Nele se desenvolve a vida social, facultando o crescimento intelectual e moral, que leva à conquista da

sabedoria.Ninguém se deve afastar do convívio com o seu próximo. Ele é a oportunidade para se testar a tolerância e o amor, a gentileza e a fraternidade.

O homem nasceu para conviver com a Natureza e todos os seres que nela vivem. Impregnado pelo Psiquismo Divino, tende a participar de todos os movimentos sociais, optando

pela edificação de um grupo saudável e harmônico, no qual desenvolve os valiosos recursos que lhe jazem latentes.

Envolto por seres espirituais de quem nem sempre te dás conta, eleva-te na tarefa da fraternidade, ascendendo às Esferas Superiores.

Para que alcances as cumeadas do progresso, dependes do teu irmão na marcha evolutiva. Ajuda-o, se ele está em situação penosa. Pede-lhe auxílio, se te encontras em carência.

Nunca te esqueças que todos somos irmãos, e Deus é o Pai Único. Assim, respeita e participa da vida social edificante, nunca te isolando...

Page 20: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

20

Entre as conquistas preciosas do processo de evolução do ser, que abandona o primarismo e alcança os patamares da razão, destacam-se a vida social, o relacionamento com as demais criaturas, que o capacitam ao desenvolvimento das aptidões que lhe estão adormecidas.

Enquanto o indivíduo se insula ou evita o convívio com as demais pessoas, permanece sob o açodar das paixões primevas, nas quais predomina o egoísmo, responsável por inúmeros distúrbios do comportamento psicológico.

No relacionamento social, mesmo nas faixas da agressividade, o imperativo de crescimento espiritual faz-se inevitável, por propiciar o esforço de libertação pessoal junto à necessidade de desenvolver a tolerância, a compreensão e a bondade, colocadas à prova no intercâmbio das ideias e na convivência interpessoal.

A solidão propicia a visão desfocada da realidade, ao tempo que embrutece, alienando o homem que perde o contato com os valores sociais, nos quais se expressam as leis do progresso moral.

A convivência social trabalha os sentimentos humanos, estimulando as aptidões para a Arte, a Cultura, a ação tecnológica, a Ciência e a Religião.

À medida que o ser se autodescobre, mais percebe a necessidade dos relacionamentos sociais, seja para buscar e intercambiar experiências, seja para contribuir em favor do desenvolvimento do grupo no qual se encontra.

Mesmo entre os animais, o instinto gregário funciona levando-os ao grupo. Graças a essa união, os mais fortes de- fendem, protegem os mais fracos, perpetuando as espécies.

A união no conjunto social se converte em campo especial de educação, em razão da força que o mesmo exerce sobre o indivíduo, passando a criar-lhe hábitos, comportamentos e atitudes.

* Quando mais elevado, o ser se utiliza do meio social para nele imprimir as

conquistas que o caracterizam, impulsionando os seus membros ao progresso e à plenificação.

Nessa fase, pode afastar-se da sociedade tradicional, para amparar e atender necessidades, aflições e desequilíbrios naqueles nos quais a dor se aloja, sendo rejeitados ou isolados por medidas providenciais que objetivam defender os sadios. Entre esses, incluem-se os doentes das enfermidades degenerativas, físicas e mentais, os presidiários, os que se demoram nos patamares do primitivismo cultural e moral.

Verdadeiros missionários do amor e da caridade transferem-se da sociedade acomodada, da civilização, para serem educadores, companheiros da sua solidão, médicos, enfermeiros e benfeitores que se constituem instrumentos do Bem, contribuindo para a felicidade de quantos tombaram na desdita ou se encontram nas experiências iniciais do progresso humano. Ali organizam a sua vida social, tornando-se plenos, edificadores da verdadeira fraternidade, que é o primeiro passo para a vivência em uma sociedade justa, portanto, feliz.

* Jesus, na Sua condição de Espírito Excelso, jamais se insulou evitando a vida social. Conforme a circunstância e a ocasião, manteve o relacionamento social com

aqueles que se Lhe acercaram ou a quem buscava, desvelando a grandiosa missão do ser inteligente na Terra, emulando ao estado de pureza, de elevação e demonstrando a brevidade do corpo físico, a transitoriedade do mundo orgânico diante da vida espiritual,

Page 21: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

21

perene, de onde se vem e para a qual se retorna. A vida social, portanto, está ínsita no processo de evolução das criaturas,

encarnadas ou não, já que ninguém consegue a realização espiritual seguindo a sós.

Autorrealização (Joanna de Ângelis, in “Desperte e Seja Feliz” – cap. 18)

O alimento mantenedor da vida é o amor, sem o qual a mesma se transforma em fenômeno vegetativo, sem significado psicológico existencial.O amor, quando verdadeiro, irradia-se como a luz,

nunca se maculando com ressentimentos, dissabores, amarguras... Perdoa naturalmente e, às vezes, nem necessita fazê-lo, porque não se melindra com ofensas, nem agressões.Serve sem cessar, porque

essa é a sua finalidade, construindo o bem, a paz, o progresso em todo lugar.Graças à sua presença, aquele que o esparze vive em paz de consciência, com alegria, retirando bons proveitos de todas as

ocorrências, sem observar-lhes a procedência.A autorrealização que anelas decorrerá da aplicação de algumas das leis essenciais da Vida: amor, perdão e serviço.O Amor de Deus te inunda, e o Seu perdão

às tuas faltas oferece-te o ensejo da reencarnação, na qual deves servir até o momento final na Terra.

O Evangelho é portador da melhor pedagogia, da melhor técnica para a conquista da autorrealização.

Ama – assevera Jesus.

Não há como sofismar tal proposta. Nenhuma escusa é possível para negá-la.

Circunstância alguma pode ser apresentada para justificar a sua não-vivência. Em momento nenhum se pode nele encontrar a diretriz: seja amado. Pelo contrário, em todo o seu tecido doutrinário, o imperativo é sempre amar. Perdoa – propõe a Palavra de forma irretocável. Não há como fugir do perdão. Qualquer tentativa de negá-lo resulta em autopunição, porque o ressentimento, o

ódio, o desejo de revide se transformam em verdugos implacáveis daquele que os preserva.

Serve – determina, enfático, o Verbo. Impossível manter-se alguém em paz de consciência, longe do serviço iluminativo,

de preservação e desenvolvi- mento do Bem. Ociosidade é ferrugem nas engrenagens da vida. O serviço vitaliza e promove aquele que o executa, particularmente quando é

destituído de remuneração, de retribuição, de interesse pessoal e imediatista. O amor, o perdão e o serviço tornam-se, desse modo, caminhos para a

autorrealização. *

Pretendem, muitos discípulos do Espiritualismo, encontrar a autorrealização fugindo do mundo, negando-o ou detestando-o.

Certamente o processo não atende à meta essencial, que é o encontro com a plenitude, a autoiluminação.

Fugir é ato de desamor. Negar corresponde a dificultar o entendimento, o per- dão às agressões, aos

conflitos. Detestar torna-se escusa para não servir. Há, portanto, prevalência, em tal conduta, do egoísmo perturbador. O amor, o perdão e o serviço trabalham o indivíduo, auxiliando-o a aprimorar-se, a

realizar-se. *

Page 22: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

22

Pedro fugiu do testemunho ao lado de Jesus perseguido, e despertando através do amor, deixou-se sacrificar mais tarde, perfeitamente harmonizado.

Saulo saiu em insana perseguição aos discípulos do Mestre, todavia, deparando-se com Ele no deserto, e perdoado, entregou-se-Lhe em regime de totalidade, mudando inclusive, de nome, assim superando o homem velho e renascendo...

Maria de Magdala, arrependendo-se dos equívocos a que se entregava, revolucionou interiormente a existência, e doou-se ao serviço da Boa Nova com tal devotamento, que o Senhor a elegeu para revê-lO após a morte e anunciar-Lhe a ressurreição.

Amor, perdão e serviço constituem métodos de fácil aplicação no dia a dia da existência corporal, a fim de desenvolver as potencialidades divinas que jazem em todos os seres, levando-os à autorrealização, à plenificação.

* Exercita o amor em todos os teus passos. Pensa com amor e fala amorosamente, predispondo-te a agir de forma amável. Com o sentimento de amor ampliado, perdoarás com facilidade, por entender que

o outro – o opositor, o adversário, o perseguidor – está de mal com ele próprio, enfermo sem o saber, necessitado de socorro...

Perdoando sinceramente aqueles que te geram dificuldades e se te fazem problemas, estarás colaborando com o Bem, assim passando ao estágio de serviço de solidariedade e de ação construtiva, em favor de todos e do mundo terrestre onde te encontras em processo de evolução.

Não te eximas de amar, de perdoar e de servir, se real- mente anelas pela autorrealização.

Esperança (Joanna de Ângelis, in “Estudos Espíritas” – cap. 15)

CONCEITO – Irmã gémea da Fé, a Esperança, também catalogada como uma das três virtudes teologais, é a faculdade que infunde coragem e impele à conquista do bem.

Quando as circunstâncias conspiram contra realizações superiores, perturbando e afligindo, a Esperança revigora o entusiasmo e insufla o necessário ânimo para o prosseguimento até o fim. Em Deus haure a força de que se reveste, a fim de vitalizar os postulados em que se firma.

Aos seus auspícios, a calamidade se modifica e sobre os destroços levanta o progresso; o solo crestado, sob sua assistência cordial, perseverante, se converte em jardim e pomar; a enfermidade, ante sua assessoria, propicia eupatia plenificadora, ensejando a saúde; a derrota excruciante, em face da sua constância, ressurge como triunfo, transformando os falsos valores do despotismo e da violência, legados terrenos de efémera qualidade, em alegrias espirituais insubstituíveis.

A Esperança constitui o plenilúnio dos que sofrem a noite do abandono e da miséria, conseguindo que lobriguem o porvir ditoso, não obstante os intrincados obstáculos do presente. É o cicio caricioso na enxerga da enfermidade e a voz socorrista aos ouvidos da viuvez e da orfandade, consolo junto ao espírito combalido dos que jazem no olvido, exortando: "Bom ânimo e coragem! Olhos vigilantes, ouvidos atentos e braços vigorosos acompanham vossas aflições, veem e ouvem vossos penares, distendendo recursos na vossa direção. Não vos entregueis à revolta ou à desolação: esperai!"

Amparo dos fracos, é a Esperança a força dos fortes e a resistência dos heróis. Quando falecem os recursos humanos, sempre deficitários, à semelhança de anjo,

Page 23: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

23

acerca-se, envolvente, e levanta os que tombaram, ajudando-os a reencetar a jornada e avançar. Ânimo dos vencidos, converte o galé em estoico lutador e são as suas inspirações que, através da pena, transmuda a vitória do canhão em derrota sob a palavra que exorta à liberdade e à honra. No singelo berço, em Belém, lucilou com astros de alegrias uma Excelsa Família, e na Cruz, erguida no Gólgota, recolheu o porejar de sangue que orvalhava a sublime face do Justo.

CONSIDERAÇÕES – Dois adversários se antepõem à Esperança: a presunção, que faz que o homem, petulante, confie nas próprias possibilidades, sem contar com o auxílio divino, ensoberbecendo-se; e o desespero, que conduz à dúvida em torno da misericórdia excelsa de Deus, em relação aos filhos.

A Esperança, como de fácil entendimento, pressupõe a Fé, sem cujo arrimo fenece; e, mediante a contribuição desta confia na Revelação de que se fez portador Jesus Cristo.

Através das forças que infunde, o homem de Deus, espera em confiança a paz na Terra, em decorrência da conduta reta e do trabalho profícuo, e depois da

desencarnação as alegrias refazentes e perenes, resultantes das promessas cristãs. Sendo o sofrimento uma natural consequência da leviandade ou do desequilíbrio moral a que o homem se permite, na esteira das reencarnações, a Esperança constitui-lhe o estímulo para o soerguimento pessoal ante as leis de harmonia, representativas das Divinas Leis.

De vital importância no exercício da Caridade, a Esperança ensina a confiar nos resultados posteriores da ação relevante, embora as aparentes condições adversas. Quando o santo oferece a vida à comunidade, o apóstolo à abnegação, o artista à beleza, o cientista à pesquisa e o trabalhador à ação, arrimam-se todos à Esperança na expectativa dos resultados felizes.

Dirimindo suspeitas e assegurando tranquilidade, a Esperança, humilde imperturbável, é semelhante à bússola para os nautas e guia experiente para as caravanas.

Aponta rumos de felicidade e não se detém no pórtico das realizações: adentra-se na ação infatigável e, estuante, alcança o êxito que persegue.

CONCLUSÃO – Enquanto estrugem alucinações e o aliciamento à desordem irrompe assustador, adicionando aflições dormidas a sofrimentos nascentes, fazendo crer na falência dos títulos de dignificação humana, como se os louros da honra fenecessem subitamente, num retrocesso ético lamentável, a Esperança luariza os espíritos e os conclama à paz, ao amor, ao dever.

Sua melodia encontra na voz dos imortais a ressonância edificante que fala do futuro espiritual, após as múltiplas vicissitudes na organização somática, entoando hinos de exaltação à resistência contra o mal e à perseverança no bem.

Dileta filha do amor aponta o exemplo de Jesus como a suprema dádiva, que o homem deve aspirar para conseguir uma vida perfeita.

ESTUDO E MEDITAÇÃO "Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do

futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe seja de temer."

(O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 941.) "A esperança e a caridade são corolários da f é e formam com esta uma trindade

inseparável. Não é a f é que faculta a esperança na realização das promessas do Senhor? Se não tiverdes fé, que esperareis? Não é a fé que dá o amor? Se não tendes fé, qual será

Page 24: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

24

o vosso reconhecimento e, portanto, o vosso amor?" (O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec, cap. XIX, item 11.)

Jesus e Desafios (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 1)

O processo de evolução constitui para o Espírito um grande desafio. Acostumado às vibrações mais fortes no campo dos sentidos físicos, somente

quando a dor o visita é que ele começa a aspirar por impressões mais elevadas, nas quais encontre lenitivo, anelando por conquistas mais importantes.

Vivendo em luta constante contra os fatores constringentes do estágio em que se demora, vez por outra experimenta paz, que passa a querer em forma duradoura.

No começo, são as dores com intervalos de bem-estar que o assinalam, até conseguir a tranquilidade com breves presenças do sofrimento, culminando com a plenitude sem aflição.

De degrau em degrau ascende, caindo para levantar-se, atraí- do pelo sublime tropismo do Amor.

Conseguir o estágio mais alto, significa-lhe triunfar. *

Aturdido e inseguro, descobre uma conspiração quase geral contra o seu fatalismo. São as suas heranças passadas que agora ressurgem, procurando retê-lo na área estreita do imediatismo, em nível inferior de consciência, onde apenas se nutre, dorme e se reproduz, com indiferença pelas emoções do belo, do nobre, do sadio.

Anestesiado pelas necessidades vegetativas, busca apenas o gozo, que termina por causar-lhe saturação, passando a um estado de tédio que antecipa a necessidade premente de outros valores.

Lentamente desperta para realidades que antes não o sensibilizavam e, de repente, passam a significar-lhe meta a conseguir, sentindo-se estimulado a abandonar a inoperância.

O psiquismo divino, nele latente, responde ao apelo das forças superiores e desatrela-se do cárcere celular, qual antena que capta a emissão de mensagens alcançadas somente nas ondas em que sintoniza.

O primeiro desafio, o de penetrar emoções novas, o atrai, impelindo-o a tentames cada vez mais complexos, portanto, mais audaciosos.

Experimentando este prazer ético e estético, diferente da brutalidade do primarismo, acostuma-se com ele e esforça-se para novos cometimentos que, a partir de então, já não cessam, desde que, encerrado um ciclo, qual espiral infinita, outro prazer se abre atraente, parecendo-lhe cada vez mais fácil.

* Tudo na vida são desafios às resistências. A “lei de entropia” degrada a energia que tende à consumpção, para manter o

equilíbrio térmico de todas as coisas. O envelhecimento e a morte são fenômenos inevitáveis no cosmo biológico e no

universo. Os batimentos cardíacos são desafios à resistência do músculo que os

experimenta; os peristálticos são teste constante para as fibras que os sofrem; a circulação do sangue é quesito essencial para a irrigação das células; a respiração constitui fator básico, sem o qual a vida perece. Tudo isso e muito mais, na área dos automatismos fisiológicos, a interferir nos de natureza psicológica.

Page 25: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

25

É natural que o mesmo suceda no campo moral do ser, que nunca retrocede e não deve estacionar sob pretexto algum.

No progresso, a evolução é inevitável. A felicidade é o ponto final. *

Não cabe ao homem retroceder na luta, senão para reabastecer-se de forças e prosseguir nos embates.

O crescimento de qualquer ideal é resultado dos estágios inferiores vencidos, das etapas superadas, dos desafios enfrentados.

A sequoia culmina a altura e o volume máximos, célula a célula. O universo se renova e prossegue, molécula a molécula. Facilidade é perda de

estímulo com prejuízo para a ação. Toda a vida do Mestre foi um suceder incessante de desafios.

Embates no Seu meio social e familial constituíram-lhe os primeiros impedimentos, que foram ultrapassados, em razão da superior finalidade para a qual viera.

Ele não aceitou carregar o fardo do mundo em caráter de redenção dos outros, mas ensinou a cada um a conduzir o seu próprio compromisso em paz de consciência; não assumiu as tarefas alheias, nem deixou de demonstrar como fazê-las; no entanto, altaneiro, sem presunção, tampouco sem submissão covarde.

Os desafios da sociedade injusta e arbitrária chegaram-Lhe provocadores, mediante situações, pessoas e circunstâncias; apesar disso, sem deter-se, Ele continuou íntegro, enfrentando-os sem ira ou medo.

Passou aquele tempo; todavia, permanecem os resíduos doentios. Alterou-se a paisagem, não os valores, que prosseguem relativamente os mesmos,

gerando obstáculos e insatisfações. Enfrenta os desafios da tua vida, serenamente. Não aguardes comodidades que não mereces. Realiza a tua marcha, indômito,

preservando os teus valores íntimos e aumentando-os na ação diária. Quem teme a escuridão, perde-se na noite. Sê tu aquele que acende a lâmpada e clareia as sombras. Desafiado, Jesus venceu. Segue-O e nunca te detenhas ante os desafios para o teu

crescimento espiritual.

Jesus e Decisão (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 11)

A um jovem, que parecia disposto a ingressar na Nova Era, candidatando-se a segui-lO, Jesus propôs o convite direto, sem preâmbulos.

Apesar do interesse que se refletia na face ansiosa, o moço, receoso, esquivou-se sob a justificativa de que iria antes sepultar o genitor que havia morrido.

Diante da resposta que parecia justa, o Mestre foi, no entanto, contundente, informando-o: “Deixa aos mortos o cuidado de sepultar os seus mortos; mas tu, vem construir no coração o reino de Deus”.

Pode causar estranheza a atitude e proposta de Jesus a um filho que pretendia cumprir com o seu dever imediato: no caso, enterrar o pai desencarnado.

É provável que esse fosse o seu intento real, adiando o engajamento na tarefa da vida eterna. Todavia, é possível que o moço ocultasse alguma outra intenção.

* O desejo de estar presente ao velório e à inumação do cadáver talvez significasse a

preocupação de ser visto como um filho cuidadoso e fiel, merecedor da herança que lhe

Page 26: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

26

cabia. Alguma disposição testamentária, provavelmente, exigia-lhe o cumprimento desse

dever final, sob pena de perder o legado. Então, a sua presença não significaria um ato de amor, mas um ato de interesse subalterno.

Os bens materiais, não obstante possuam utilidade, favorecendo o conforto, o progresso, a paz entre os homens quando bem distribuídos, são, às vezes, de outra forma, algemas cruéis que aprisionam as criaturas, e que, transitando de mãos, são coisas mortas, que não merecem preferência ante as verdades eternas.

* Igualmente se pode pressupor que o rapaz, ainda cioso da sua juventude, não

estivesse disposto a renunciá-la, encontrando, na justificativa, uma forma nobre para evadir-se do compromisso.

Os gozos materiais são cadeias muito vigorosas que jugulam os homens às paixões primitivas que deveriam superar a benefício próprio, mas que quase sempre os levam à decomposição moral, à morte dos ideais libertadores.

* Quiçá a preocupação a respeito da nova responsabilidade causasse no candidato

um receio injustificado, levando-o à escusa com o argumento apresentado. O medo de assumir compromissos graves impede o desenvolvimento intelecto-

moral do indivíduo, mantendo-o estacionado na rotina despreocupada e monótona do seu dia-a-dia.

O convite de Jesus faz-se acompanhar de um programa intenso, iniciando-se na renovação íntima para melhor e prosseguindo na ação construtiva do bem em toda parte.

O medo é fator dissolvente da individualidade humana, responsável por graves desastres e crimes que poderiam ser evitados.

É força atuante que conduz à morte das realizações dignificantes e das próprias criaturas.

* Por fim, suponhamos que o sentimento filial prevalecesse na resposta e ele

estivesse preocupado com o pai desencarnado. Ainda assim, qualquer pessoa poderia sepultá-lo, mas ninguém, exceto ele mesmo,

poderia encarregar-se da sua iluminação. Jesus era a sua oportunidade única. Jesus penetrou-o e sabia o motivo real da sua recusa. Porém, deixou-o livre para

decidir-se.

Ele foi sepultar o progenitor e não voltou. Perdeu a oportunidade.Muitos ainda

agem assim. *

Observa o que elegeste para a tua atual existência: seguir a vida e vivê-la ou acumular tesouros mortos para sepultá-los no olvido.

Desnuda-te interiormente e contempla-te. Que possuis de real, que a morte não te arrebatará, e o que seguirá contigo?

Usa de severidade neste exame de consciência e toma o lugar do jovem convidado. Que responderias a Jesus nesse momento?

* Queixas-te dos problemas que te aturdem e os relacionas, ignorando ou tentando

desconhecer que estás na Terra para aprender, resgatar, reeducar-te.

Page 27: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

27

Olha ao redor e compreenderás o quanto é urgente que te decidas pelo melhor e duradouro para ti como ser imortal que és.

Postergando a decisão, quando então a tomar, provavelmente as circunstâncias já não serão as mesmas e a tua situação estará diferente, talvez complicada.

O momento é este. Deixa-te permear pela presença dEle e, feliz, segue-o. Com tal atitude os teus problemas mudarão de aparência. perderão o significado

afligente, contribuirão para a tua felicidade. Renascerás dos escombros e voarás no rumo da Grande Luz, superando a noite

que te aturde.

Jesus e Responsabilidade (Joanna de Ângelis, in “Jesus e Atualidade” – cap. 12)

Há, no homem, latente, um forte mecanismo que o leva a fugir da responsabilidade, transferindo o seu insucesso para outrem, na condição de indivíduo social, ou para os fatores circunstanciais da sorte, do nascimento e até de Deus.

Quando tal não se dá, na área das suas projeções comporta- mentais, apega-se ao complexo de culpa, mergulhando nas de- pressões em que oculta a infantilidade, pouco importando a idade orgânica em que transita.

A responsabilidade resulta da consciência que discerne e compreende a razão da existência humana, sua finalidade e suas metas, trabalhando por assumir o papel que lhe está destinado pela vida.

Graças a isso, não se omite, não se precipita, estabelecendo um programa de ação tranquila, dentro do quadro de deveres que caracterizam o progresso individual e coletivo, visando à conquista da plenitude.

O homem responsável sabe o que fazer, quando e como realizá-lo. Não se torna parasita social, nem se hospeda no triunfo alheio, tampouco oculta-

se no desculpismo ridículo. A sua lucidez torna-o elemento precioso no grupo social onde se movimenta.

Talvez não lhe notem a presença, face à segurança natural que proporciona; todavia, a sua falta sempre se faz percebida por motivos óbvios.

A responsabilidade do homem leva-o aos extremos do sacrifício, da abnegação, da renúncia, inclusive do bem-estar, e até mesmo da sua vida.

* Como pastor de almas, Jesus fez-se-nos responsável, elucidando-nos a respeito dos

deveres, das necessidades reais, dos legítimos objetivos da nossa vida. Em contrapartida, doou-se-nos até o holocausto, não fosse a Sua vida ao nosso

lado, em si mesma, um grande e estoico sacrifício de amor. Não obstante, conclamava a todos que O buscavam para o dever da

responsabilidade, que os capacita para as realizações relevantes. Por conhecer a alma humana em sua realidade plena, identificava nela as

nascentes de todos os males, como também a fonte generosa de todas as bênçãos. Porque o homem ainda prefere a manutenção das próprias mazelas, nelas se

comprazendo, anestesia-se no infortúnio em que permanece com certo agrado, embora demonstre desconforto e infelicidade.

Desse modo, sempre que acolhia àqueles que O buscavam, conhecendo-lhes as causas dos pesares, após atendê-los, propunha-lhes com veemência que não retornassem aos erros, a fim de que lhes não acontecesse nada pior.

Page 28: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

28

* A responsabilidade liberta o indivíduo de si mesmo, alçando- o aos planos

superiores da vida. Enquanto ele se movimenta cultivando o morbo das paixões selvagens, desajusta

os implementos emocionais, tornando-se vítima de si mesmo, facultando que se lhe instalem as doenças degenerativas e causticantes.

A renovação moral propicia a canalização das energias saudáveis de forma favorável, preservando o ser para os cometimentos elevados a que se destina.

* A humanidade sobrevive graças aos seus homens responsáveis, que trabalham

continuamente em prol do bom, do belo, do ideal. Eles se destacam pela grandeza das suas realizações cimenta- das no sacrifício

pessoal. *

À mulher surpreendida em adultério, aos portadores do mal de Hansen e aos obsediados, após a recuperação de cada um, a advertência de Jesus era sempre firmada na responsabilidade, para que, em entesourando os valores éticos e os deveres espirituais, não se permitissem voltar aos erros.

* Neste momento, quando necessitas dEle, reformula os teus conceitos sobre a vida

e passa a atuar corretamente, dominado pela responsabilidade. A ninguém transfiras a causa dos teus desaires, dos teus insucessos. Dá-te conta deles e recomeça a ação transformadora.

Mesmo que não o queiras, serás sempre responsável pelos e- feitos dos teus atos. Colherás conforme semeares. Assume, portanto, o teu compromisso com o Mestre e permanecerás saudável

interiormente, prosseguindo íntegro nos teus deveres com responsabilidade.

Medo (Joanna de Ângelis, in “O Homem Integral” – cap. 4)

Decorrente dos referidos fatores sociológicos, das pressões psicológicas, dos impositivos econômicos, o medo assalta o homem, empurrando-o para a violência irracional ou amargurando-o em profundos abismos de depressão.

Num contexto social injusto, a insegurança engendra muitos mecanismos de evasão da realidade, que dilaceram o comportamento humano, anulando, por fim, as aspirações de beleza, de idealismo, de afetividade da criatura.

Encarcerando-se, cada vez mais, nos receios justificáveis do relacionamento instável com as demais pessoas, surgem as ilhas individuais e grupais para onde fogem os indivíduos, na expectativa de equilibrarem-se, sobrevivendo ao tumulto e à agressividade, assumindo, sem darem-se conta, um comportamento alienado, que termina por apresentar-se igualmente patológico.

As precauções para resguardar-se, poupar a família aos dissabores dos delinquentes, mantendo os haveres em lugares quase inexpugnáveis, fazem o homem emparedar-se no lar ou aglomerar-se em clubes com pessoal selecionado, perdendo a identidade em relação a si mesmo, ao seu próximo e consumindo-se em conflitos individualistas, a caminho dos desequilíbrios de grave porte.

Os valores da nossa sociedade encontram-se em xeque, porque são transitórios. Há uma momentânea alteração de conteúdo, com a consequente perda de

Page 29: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

29

significado. A nova geração perdeu a confiança nas afirmações do passado e deseja viver novas

experiências ao preço da alucinação, como forma escapista de superar as pressões que sofre, impondo diferentes experiências.

No âmago das suas violações e protestos, do vilipêndio aos conceitos anteriores vige o medo que atormenta e submete às suas sombras espessas.

A quantidade expressiva de atemorizados trabalha a qualidade do receio de cada um, que cresce assustadoramente, comprimindo a personalidade, até que esta se libere em desregramento agressivo, como forma de escapar à constrição.

Quem, porém, não consiga seguir a correnteza da nova ordem, fica afogado no rio volumoso, perde o respeito por si mesmo, aliena-se e sucumbe.

Na luta furiosa, as festas ruidosas, as extravagâncias de conduta, os desperdícios de moedas e o exibicionismo com que algumas pessoas pensam vencer os medos íntimos, apenas se transformam em lâminas baças de vidro pelas quais observam a vida sempre distorcida, face à óptica incorreta que se permitem. São atitudes patológicas decorrentes da fragilidade emocional para enfrentar os desafios externos e internos.

A consumação da sociedade moderna é a história da desídia do homem em si mesmo, enlanguescido pelos excessos ou esfogueado pelos desejos absurdos.

Adaptando-se às sombras dominadoras da insensatez, negligencia o sentido ético gerador da paz.

A anarquia então impera, numa volúpia destrutiva, tentando apagar as memórias do ontem, enquanto implanta a tirania do desconcerto.

Os seus vultos expressivos são imaturos e alucinados, em cuja rebelião pairam o

oportunismo e a avidez.Procedentes dos guetos morais, querem reverter a ordem que os

apavora, revolucionando com atrevimento, face ao insólito, o comportamento

vigente.Os antigos ídolos, que condenaram a década de 20 e 30 como a da “geração

perdida”, produziram a atual “era da insegurança”, na qual malograram as profecias exageradamente otimistas dos apaniguados do prazer em exaustão, fabricando os super-homens da mídia que, em análise última, são mais frágeis do que os seus adoradores, pois

que não passam de heróis da frustração.Guindados às posições de liderança,

descambaram, esses novos condutores, em lamentáveis desditas, consumidos pelas drogas, vencidos pelas enfermidades ainda não controladas, pelos suicídios discretos ou espetaculares.

A alucinação generalizada certamente aumenta o medo nos temperamentos frágeis, nas constituições emocionais de pouca resistência, de começo, no indivíduo, depois, na sociedade.

Esta é uma sociedade amedrontada.As gerações anteriores também cultivaram

os seus medos de origem atávica e de receios ocasionais.O excesso de tecnicismo com a

correspondente ausência de solidariedade humana produziram a avalanche dos

receios.A superpopulação tomando os espaços e a tecnologia reduzindo as distâncias

arrebataram a fictícia segurança individual, que os grupos passaram a controlar, e as consequências da insânia que cresce são imprevistas.

Urge uma revisão de conceitos, uma mudança de conduta, um reestudo da coragem para a imediata aplicação no organismo social e individual necrosado.

Todavia, é no cerne do ser — o Espírito — que se encontram as causas matrizes desse inimigo rude da vida, que é o medo.

Os fenômenos fóbicos procedem das experiências passadas — reencarnações

Page 30: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

30

fracassadas —, nas quais a culpa não foi liberada, face ao crime haver permanecido oculto, ou dissimulado, ou não justiçado, transferindo-se a consciência faltosa para posterior regularização.

Ocorrências de grande impacto negativo, pavores, urdiduras perversas, homicídios programados com requintes de crueldade, traições infames sob disfarces de sorrisos produziram a atual consciência de culpa, de que padecem muitos atemorizados de hoje, no inter-relacionamento pessoal.

Outrossim, catalépticos sepultados vivos, que despertaram na tumba e vieram a falecer depois, por falta de oxigênio, reencarnam-se vitimados pelas profundas claustrofobias, vivendo em precárias condições de sanidade mental.

O medo é fator dissolvente na organização psíquica do homem, predispondo-o, por somatização, a enfermidades diversas que aguardam correta diagnose e específica terapêutica.

À medida que a consciência se expande e o indivíduo se abriga na fé religiosa racional, na certeza da sua imortalidade, ele se liberta, se agiganta, recupera a identidade e humaniza-se definitivamente, vencendo o medo e os seus sequazes, sejam de ontem ou de agora.

Autodescobrimento (Joanna de Ângelis, in “O Homem Integral” – cap. 11)

O esforço para a aquisição da experiência da própria identidade humanizada leva o indivíduo ao processo valioso do autodescobrimento. Enquanto empreende a tarefa do trabalho para a aquisição dos valores de consumo isola-se, sem contribuir eficazmente para o bem-estar do grupo social, no qual se movimenta. Os seus empreendimentos levam-no a uma negação da comunidade a benefício pessoal, esperando recuperar esta dívida, quando os favores da fortuna e da projeção lhe facultarem o desfrutar do prazer, da aposentadoria regalada. As suas preocupações giram em torno do imediatismo, da ambição do triunfo sem resposta de paz interior. A sociedade, por sua vez, ignora-o, pressentindo nele um usurpador.

De alguma forma é levado ao competitivismo individualista, criando um clima desagradável. A sua ascensão será possível mediante a queda de outrem, mesmo que o não deseje. Torna-se, assim, um adversário natural. O seu produto vende na razão direta em que aumentam as necessidades dos outros e a sua prosperidade se erige como consequência da contribuição dos demais. Não cessam as suas atividades na luta pelo ganha-pão.

Naturalmente, esse comportamento passa a exigir, depois de algum tempo, que o indivíduo se associe a outro, formando uma empresa maior ou um clube de recreação, ignorando-se interiormente e buscando, sem cessar, as aquisições de fora. A ansiedade, o medo, a solidão íntima tornam-se-lhe habituais, uma de cada vez, ou simultaneamente, desgastando-o, amargurando-o.

O homem, pela necessidade de afirmar-se no empreendimento a que se vincula, busca atingir o máximo, aspira por ser o número um e logra-o, às vezes.

A marcha inexorável do tempo, porém, diminui-lhe as resistências, solapando-lhe a competitividade, sendo substituído pelos novos competidores que o deixam à margem. Mesmo que ele haja alcançado o máximo, os sócios atuais consideram-no ultrapassado, prejudicial à Organização por falta de atualidade e os filhos concedem-lhe postos honrosos, recreações douradas, lucros, desde que não interfira nos negócios... Ocorre-lhe a inevitável descoberta sobre a sua inutilidade, isto produzindo-lhe choque emocional,

Page 31: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

31

angústia ou agressividade sistemática, em mecanismo de defesa do que supõe pertencer-lhe.

O homem, realmente não se conhece. Identifica e persegue metas exteriores. Camufla os sentimentos enquanto se esfalfa na realização pessoal, sem uma correspondente identificação íntima.

A experiência, em qualquer caso, é um meio propiciador para o autoconhecimento, em razão das descobertas que enseja àquele que tem a mente aberta aos valores morais, internos. Ela demonstra a pouca significação de muitas conquistas materiais, econômicas e sociais diante da inexorabilidade da morte, da injunção das enfermidades, especialmente as de natureza irreversível, dos golpes afetivos, por defrontar-se desestruturado, sem as resistências necessárias para suportar as vicissitudes que a todos surpreendem.

O homem possui admiráveis recursos interiores não explorados, que lhe dormem em potencial, aguardando o desenvolvimento. A sua conquista faculta-lhe o autodescobrimento, o encontro com a sua realidade legítima e, por efeito, com as suas aspirações reais, aquelas que se convertem em suporte de resistência para a vida, equipando-o com os bens inesgotáveis do espírito.

Necessário recorrer a alguns valores éticos morais, a coragem para decifrar-se, a confiança no êxito, o amor como manifestação elevada, a verdade que está acima dos caprichos seitistas e grupais, que o pode acalmar sem o acomodar, tranquilizá-lo sem o desmotivar para a continuação das buscas.

Conseguida a primeira meta, uma nova se lhe apresenta, e continuamente, por considerar-se o infinito da sabedoria e da Vida.

É do agrado de algumas personalidades neuróticas, fugirem de si mesmas, ignorarem-se ou não saberem dos acontecimentos, a fim de não sofrerem. Ledo engano! A fuga aturde, a ignorância amedronta, o desconhecido produz ansiedade, sendo, todos estes, estados de sofrimento.

O parto produz dor, e recompensa com bem-estar, ensejando vida. O autodescobrimento é também um processo de parto, impondo a coragem para o

acontecimento que libera. Examinar as possibilidades com decisão e enfrentá-las sem mecanismos

desculpistas ou de escape, constitui o passo inicial. Édipo, na tragédia de Sófocles, deseja conhecer a própria origem. Levado mais pela

curiosidade do que pela coragem, ao ser informado que era filho do rei Laio, a quem matara, casando-se com Jocasta, sua mãe, desequilibra-se e arranca os olhos. Cegando-se, foge à sua realidade, ao autodescobrimento e perde-se, incapaz de superar a dura verdade.

A verdade é o encontro com o fato que deve ser digerido, de modo a retificar o processo, quando danoso, ou prosseguir vitalizando-o, para que se o amplie a benefício geral.

Ignorando-se, o homem se mantém inseguro. Evitando aceitar a sua origem tomba no fracasso, na desdita.

Ademais, a origem do homem é de procedência divina. Remontar aos pródromos da sua razão com serena decisão de descobrir-se, deve ser-lhe um fator de estímulo ao tentame. O reforço de coragem para levantar-se, quando caía, o ânimo de prosseguir, se surgem conspirações emocionais que o intimidam, fazem parte de seu programa de enriquecimento interior.

Page 32: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

32

O autoencontro enseja satisfações estimuladoras, saudáveis. Esse esforço deve ser acompanhado pela inevitável confiança no êxito, porquanto é ambição natural do ser pensante investir para ganhar, esforçar-se para colher resultados bons.

Certamente, não vem prematuramente o triunfo, nem se torna necessário. Há ocasião para semear, empreender, e momento outro para colher, ter resposta. O que se não deve temer é o atraso dos resultados, perder o estímulo porque os frutos não se apresentam ou ainda não trazem o agradável sabor esperado. Repetir o tentame com a lógica dos bons efeitos, conservar o entusiasmo, são meios eficazes para identificar as próprias possibilidades, sempre maiores quanto mais aplicadas.

Ao lado do recurso da confiança no êxito, aprofunda-se o sentimento de amor, de interesse humano, de participação no grupo social, com resultado em forma de respeito por si mesmo, de afeição à própria pessoa como ser importante que é no conjunto geral.

Discute-se muito, na atualidade, a questão das conquistas éticas e morais, intentando-se explicar que a falta de sentimento e de amor responde pelos desatinos que aturdem a sociedade.

Têm razão, aqueles que pensam desta forma. Todavia, parece-nos que a causa mais profunda do problema se encontra na dificuldade do discernimento em torno dos valores humanos, O questionamento a respeito do que é essencial e do que é secundário inverteu a ordem das aspirações, confundindo os sentimentos e transformando a busca das sensações em realização fundamental, relegando-se a plano inferior as expressões da emoção elevada, na qual, o belo, o ético, o nobre se expressam em forma de amor, que não embrutece nem violenta.

A experiência do amor é essencial ao autodescobrimento, pois que, somente através dele se rompem as couraças do ego, do primitivismo, predominante ainda em a natureza humana. O amor se expande como força co-criadora, estimulando todas as expressões e formas de vida. Possuidor de vitalidade, multiplica-a naquele que o desenvolve quanto na pessoa a quem se dirige. Energia viva, pulsante, é o próprio hálito da Vida a sustentá-la. A sua aquisição exige um bem direcionado esforço que deflui de uma ação mental equilibrada.

Na incessante busca da unidade, ora pela ciência que tenta chegar à Causalidade Universal, ou através do mergulho no insondável do ser, podemos afirmar que os equipamentos que proporcionaram a desintegração do átomo, complexos e sofisticados, foram conseguidos com menor esforço, em nosso ponto de vista, do que a força interior necessária para a implosão do ego, em que busque a plenitude.

A formidanda energia detectada no átomo, propiciadora do progresso, serviu, no começo, para a guerra, e ainda constitui ameaça destruidora, porque aqueles que a penetraram, não realizaram uma equivalente aquisição no sentimento, no amor, que os levaria a pensar mais na humanidade do que em si e nos seus.

Amar torna-se um hábito edificante, que leva à renúncia sem frustração, ao respeito sem submissão humilhante, à compreensão dinâmica, por revelar-se uma experiência de alta magnitude, sempre melhor para quem o exterioriza e dele se nutre.

Na realização do cometimento afetivo surge o desafio da verdade, que é a meta seguinte.

Ninguém deterá a verdade, nem a terá absoluta. Não nos referimos somente à verdade dos fatos que a ciência comprova, mas àquela que os torne verazes: verdade como veracidade, que depende do grau de amadurecimento da pessoa e da sua coragem para assumi-la.

Page 33: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

33

Quando se trata de uma verdade científica, ela depende, para ser aceita, da honestidade de quem a apresenta, dos seus valores morais. Indispensável, para tanto, a probidade de quem a revela, não sendo apenas fruto da cultura ou do intelecto, porém, de uma alta sensibilidade para percebê-la. Defrontamo-la em pessoas humildes culturalmente, mas probas, escasseando em indivíduos letrados, porém hábeis na arte de sofismar.

A verdade faculta ao homem o valor de recomeçar inúmeras vezes a experiência equivocada até acertá-la.

Erra-se tanto por ignorância como pela rebeldia. Na ignorância, mesmo assim, há sempre uma intuição do que é verdadeiro, face à presença íntima de Deus no homem. A rebeldia gera a má fé, o que levou Nietzsche a afirmar com certo azedume: “Errar é covardia!”, face à opção cômoda de quem elege o agradável do momento, sem o esforço da coragem para lutar pelo que é certo e verdadeiro.

A aquisição da verdade amadurece o homem, que a elege e habitua-se à sua força libertadora, pois que, somente há liberdade real, se esta decorre daquela que o torna humilde e forte, aberto a novas conquistas e a níveis superiores de entendimento.

Tribulações (Joanna de Ângelis, in “Receitas de Paz” – cap. 3)

Ninguém que se encontre em regime de exceção. A vida, na Terra, é feita de experiências evolutivas, em que o processo de

crescimento se faz através dos cursos educativos dos sofrimentos. Nem todas as tribulações, no entanto, são decorrência da imposição das divinas

leis. *

Quando o Espírito se dá conta dos erros cometidos numa etapa, roga a benção do recomeço sob o açodar dos sofrimentos que o aprimoram, ensinando-o a valorizar a oportunidade e a criar melhores condições para o equilíbrio futuro.

Entendendo a vida como um processo eterno de evolução, conquista, numa oportunidade, o que noutra não soube considerar e, quando tal ocorre, porque o amor foi desdenhado, é no sofrimento que se aprimora.

* As tribulações solicitadas constituem benção que deve ser vivida com alegria,

mediante o aproveitamento de cada instante, mesmo que, aparentemente, sob a rudeza causticante da agonia.

Noutras vezes, faz-se imperioso expungir, e os soberanos códigos, ensejando a libertação do calceta que, renitentemente, se entregou ao desvario, convidam-no à reparação expiatória com que conquista a paz, mediante os exercícios mais dolorosos da angústia ou da limitação, das mutilações ou da saudade...

* Afirmou Jesus: “No mundo só́ tereis aflições” em face de ser a Terra, ainda, uma Escola de

crescimento, cujos métodos são defluentes das necessidades mais imediatas dos seus educandos.

* Assim, converte cada tribulação em conquista valiosa, insculpindo, no teu mundo

íntimo, o seu conteúdo, de modo a não repetires os mesmos erros que ora te jugulam ao carreiro da agonia.

Page 34: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

34

* Sofrendo, valorizarás a alegria e a paz, amando mais seguramente o teu próximo e

melhor entendendo as suas dores que são companheiras das tuas. Não tendo qualquer compromisso a resgatar, Jesus ofereceu-Se à Vida,

experimentando as mais rudes tribulações que se possa imaginar, para que compreendêssemos que, na escalada da evolução, o amor é luz a brilhar perenemente, mesmo quando o sofrimento nos convoca a compreendê-lo e incorporá-lo ao nosso dia-a-dia.

Bases Para a Autorrealização (Joanna de Ângelis, in “Receitas de Paz” – cap. 3)

Jesus, o mais notável psicoterapeuta que a humanidade conheceu, afirmou: Vós sois deuses e podeis fazer tudo quanto faço e muito mais, se quiserdes. Trata-se de uma proposta- desafio para seres amadurecidos psicologicamente, capazes de ambicionar o além do habitual, e que estão dispostos a consegui- lo. Para lograr o êxito nesse tentame, é necessário possuir autoconfiança e fé, essa certeza coerente que existe entre o desejar e o poder realizar, saindo do mesmismo perturbador das ambições exclusivamente de natureza material, imediata.

Identificar-se com um deus é ampliar os valores que dormem no íntimo e são desconsiderados. Uma faísca sabedora do seu poder de combustão, que encontre substâncias fáceis de arder, consegue produzir um incêndio. Quando alguém se identifica possuidor desse recurso, pode atear o incêndio que devora os vícios e abre espaços virgens para a instalação dos elevados potenciais do desenvolvimento pessoal.

Quem toma conhecimento dos recursos próprios, dispõe de medida para avaliar as possibilidades de triunfo e empenha-se para alcançá-lo, enquanto aquele que os desconhece detém-se no pretexto da própria fragilidade, porque, no íntimo, assim o prefere.

O ser existencial tem o seu significado relevante, que necessita ser detectado e utilizado com segurança. Os seus alicerces repousam nas camadas profundas do inconsciente - as experiências do passado - e nas possibilidades imensas do seu superconsciente - as conquistas que lhe cumpre lograr - debatendo-se nas reminiscências do ontem e nas ambições do futuro. O ser existencial oscila entre esses dois polos, que contribuem para a realização feliz ou desventurada no presente, a depender, naturalmente, das opções elegidas e do empenho aplicado na sua execução.

Inicialmente é lícito fazer-se uma avaliação do que são tesouros: os de ordem externa e os interiores. Quais deles têm primazia para serem conquistados, e como fazer, a fim de os conseguir.

O ser fisiológico preferirá os de significado e aplicação imediata, enquanto o ser psicológico analisará aqueles que têm primazia e dar-se-á conta da necessidade desses que são externos como utilitários e aqueles que estão internos, os permanentes. Sem abandonar os primeiros, dedicar-se-á à conquista dos mais valiosos, que são os permanentes.

Nesse afã se identificará com realidades que o fascinarão. Descobrirá que, em média, o ser humano experimenta sessenta mil pensamentos por dia, o que demonstra a grandeza, a majestade da sua organização mental, descobrindo quanto é nobre aprender a utilizar desse tesouro abundante, que muitas vezes se perde em círculo de viciações mentais, malbaratando tempo e oportunidade em lamentações, queixas, pessimismo, desgaste das potências de que é constituído.

Page 35: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

35

Reconhecerá a necessidade de ser pessoa e não máquina, evitando o repetir-se monotonamente, sem direcionamento para frente nem para o melhor. Aplicará cada pensamento mais poderoso, de sentido profundo, de valor utilizável na construção do seu mais adequado comportamento para a paz. Eliminará aqueles que são perturbadores e podem ser substituídos amiúde, fomentando um clima psíquico de saúde com respostas orgânicas de bem-estar.

Com essa atitude mental vencerá o medo de adoecer, de envelhecer, de ficar pobre, de enfrentar dificuldades, de morrer, pois compreenderá serem todos esses fatores perfeitamente controláveis, desde que assuma a sua condição de deus e passe a fazer tudo quanto é possível através do empenho pessoal.

A doença é sempre acidente de percurso, jamais sendo uma realidade, antes é um estado transitório, que pode ser ultrapassado, mesmo quando se apresente com características expiatórias. Já que o ser é eterno, as manifestações orgânicas e mentais desta ou daquela natureza fazem parte da transitoriedade do mundo da forma. Não se justifica, dessa maneira, o medo de doenças.

O envelhecimento não deve inspirar qualquer tipo de receio, porquanto a beleza de cada fase da existência corporal encontra- se na atitude interior de quem observa o mundo externo. As experiências nascem das vivências e para poder fruí-las é exigido o patrimônio do tempo, no que ocorrem o envelhecimento do corpo e o amadurecimento do Espírito.

A verdadeira pobreza é interior, quando se perdem as aspirações de crescimento e realização íntima. A financeira é sempre contornável, desde que o indivíduo se empenhe por superá-la, e o trabalho é assim fonte geradora de recursos externos, enquanto internamente aprimora o sentido de vida. Os verdadeiramente pobres perderam a razão de viver e entregam-se, funestamente, aos prazeres perturbadores, aos gozos desgastantes, aos jogos da ilusão cansativa...

... E a morte, a grande devoradora da vida, desmitifica-se e já não inspira qualquer receio, porque ela faz parte do processo existencial, como forma de desenvolvimento do ser profundo, que experimenta, etapa a etapa, novos mecanismos de elevação.

O processo de envelhecimento, por ser portador de muita beleza, é lento, biologicamente bem-elaborado, proporcionando o tesouro da sabedoria, em forma de discernimento lúcido, propiciador de harmonia íntima e de auto entrega, após o ciclo da existência física.

O ato de aprender a amar tudo quanto se faz, a realizar bem tudo quanto se gosta, a repartir com todos as alegrias e esperanças da vida em triunfo, dá significado pleno ao ser existencial, que agora pode fazer tudo quanto Jesus realizou, identificando-se com Deus.

Enquanto isso, o ser fisiológico está desfrutando das regalias das sensações, emaranhando-se no cipoal das paixões, até ser despertado pelos choques do processo evolutivo, que podem ser as dores, as preocupações profundas, as amargas decepções, ou os maravilhosos apelos do amor pela beleza, pela necessidade de harmonia e de paz.

E indispensável estar acordado, desperto para a realidade do ser, consciente das suas responsabilidades e objetivos reais nos desafios existenciais, encontrando todos os significados e desenvolvendo-se.

Preponderância do Bem (Joanna de Ângelis, in “Seja Feliz Hoje” – cap. 7)

As denominadas desgraças, tais como: mortes prematuras ou não, falências

Page 36: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

36

comerciais, tragédias afetivas, traições inomináveis, doenças irreversíveis, desgostos afligentes, infortúnios outros parecem predominar no convulsionado contexto social da atualidade.

Tem-se a nítida impressão, diante da violência sob todos os aspectos em que se apresenta, do chocante abuso das drogas, da lamentável utilização do sexo em desalinho, do terrorismo cruel, que a Humanidade regrediu moralmente e que as gloriosas conquistas da Ciência, assim como da Tecnologia nada significam para o ser humano, exceto para o desfrutar do prazer e das comodidades oferecidas.

O utilitarismo insensível usa as pessoas e as descarta com facilidade e indiferença, coisificando-as e logo as desprezando.

O caos predomina quase que em toda parte, tão generalizado se encontra o consumismo e tão baixo o nível das emoções, que os menos advertidos optam por aquelas denominadas radicais, com a maior desconsideração para com a existência física.

A cultura da futilidade atinge índices alarmantes, dantes mesmo jamais imaginados, porque as questões graves, aquelas que dizem respeito à responsabilidade, ao dever, são substituídas na juventude pelo nem se estuda, nem se trabalha e, pelos adultos, como pesado fardo que deve ser abandonado a qualquer momento.

A malcontida ânsia para alcançar as glórias de um momento, para conseguir aparecer no pódio de destaque, consome vidas que se poderiam dedicar a objetivos mais plenos da evolução.

A competição desenfreada e sem qualquer escrúpulo desvaira, anulando os menos resistentes e dando o triunfo mesmo injusto, aos mais hábeis na arte da dissimulação, do parecer e do explorar...

Paira nas mentes e nos corações a impressão de que o mal prevalece, pois que se encontra em todo lugar, ao mesmo tempo que escasseiam os valores edificantes e as realizações da solidariedade.

Nada obstante, vige o bem menos visível, manifestam-se os atributos da honradez em diversos indivíduos e setores, laboram os missionários do bem, do progresso, da verdade.

Esse é um período de crise, de transição, de descobertas de outros valores mais importantes, ainda não conseguidos. É natural que apresente essas tragédias inegáveis. No entanto, toda tempestade que destrói depura a atmosfera, modifica a estrutura existente, reverdece a Natureza, e a flora como a fauna ressurgem em exuberância.

O pântano ameaçador e responsável por miasmas pestíferos, assim como o charco pútrido não estão amaldiçoados, mas carentes de drenagem e ação benfazeja para transformar-se em jardim e pomar.

O solo desértico necessita de ser sulcado, adubado e experimentar alterações com água, a fim de produzir beleza e utilidade. Não existe no Universo a imobilidade. Tudo é movimento, que produz alteração de rota e esculpe futuras formas harmônicas.

Os cânions são trabalho paciente dos rios, dos ventos e do tempo. Tudo se renova. A vida não cessa de reproduzir-se em padrões primorosos.

* Confia no tempo e age com retidão. Não te desanime as paisagens morais do planeta que se encontra em

transformação, em viagem para mundo melhor. Da inarmonia surgirá a ordem em níveis muito elevados, que ainda não podes

Page 37: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

37

perceber. O processo atual é de experiências cósmicas com os seres humanos que ainda

permanecem em faixas primitivas e estão sendo utilizados para o aprimoramento dos valores ético.

Toda época de crise prenuncia conquistas valiosas para o futuro. A reencarnação é Lei do processo evolutivo e ninguém dela se eximirá. O mal de agora se torna fator fecundante do bem de amanhã. A flor perfumada que flutua na haste delicada tem as suas raízes no lodo. Assim também te comporta, isto é: na situação deplorável em que mourejas,

enfloresce, transforma o húmus em perfume e a água pútrida, como os vegetais, em madeira preciosa.

Insiste no culto dos teus deveres, mesmo quando te sintas a sós. O teu exemplo terminará fecundando outras vidas. São Francisco, na fase da sua despersonalização, em extrema penúria, era

desprezado e chamavam-no louco. Insultado e perseguido, sensibilizou o rico Bernardo di Quintavalle e o poderoso

monsenhor dei Cattani, que abandonaram tudo, elegeram a pobreza absoluta, e os chamavam com desprezo, de loucos. Depois, o lenhador Egídio se lhes associou e com outros mais mudaram a história da Humanidade.

O pobrezinho de Deus fez-se o pai da ecologia moderna e preparou a cultura par ao Renascimento, tornou-se modelo para Dante Alighieri, artistas, poetas, escritores, modeladores da Humanidade.

* Confia n’Aquele que administra a Terra e a conduz com segurança da treva para a

luz, do tumulto para o equilíbrio, do incêndio e da loucura para a harmonia e a beleza... A vitória do bem é inevitável, e o triunfo sobre os sofrimentos será brevemente

alcançado. Faze tua parte, porque o Senhor realiza a que Lhe diz respeito, em favor da

inalterada preponderância do bem.

Segurança em Deus (Joanna de Ângelis, in “Seja Feliz Hoje” – cap. 14)

A existência terrestre é uma formosa concessão do Pai Celeste, a fim de que se desenvolvam os valores adormecidos no cerne do Espírito, desse modo, sofrendo alterações imprevisíveis e ocorrências perturbadoras durante o processo de evolução.

Por mais se anele por tranquilidade, o mecanismo a que se está submetido é dinâmico, sujeito a variações de cada constituição. Num momento, tudo se encontra em ordem, funciona com equilíbrio, logo depois, alterações significativas modificam o quadro e estabelecem-se distúrbios variados que necessitam de atenção e de correspondentes cuidados especiais.

Por esta razão, não descoroçoes na jornada, quando incidentes desagradáveis te surpreenderem em qualquer área do comportamento da saúde ou em torno qualquer que se te apresente.

Mantém-te firme no enfrentamento das dificuldades e dores, das quais sairás mais forte e enriquecido de sabedoria.

O vendaval fortalece as ramagens das plantas que se lhe submetem. Depois que passa a tempestade, recompõem-se com vigor.

Nunca te permitas a duvida sobre a vitória final enquanto transitas na divina

Page 38: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

38

oportunidade da reencarnação. Quem teme a luta ou desiste, ou se entrega à autocompaixão, compromete-se

mais, sem dar-se conta, com os códigos da Vida. A história de todo triunfador é feita com a perseverança no bom combate,

mediante a repetição da aprendizagem, sem nunca deixar de insistir e de tentar. Todavia, esse triunfo tem origem no comportamento íntimo, quando o lutador vence as paixões servis que o atormentam...

À medida que o aparente insucesso ocorre, a viagem para dentro do ser, através da reflexão e da irrestrita confiança em Deus, impulsiona-o para novas tentativas das quais resultará êxito.

Vigia as nascentes do coração, de onde brotam os bons como os maus sentimentos, e fortalece-te na fixação das metas que pretendes alcançar.

Não te importem os efeitos exteriores, os comentários em torno dos prejuízos, o ridículo dos frívolos ou qualquer outro que produza inquietação.

Persiste na ideia do bem que vieste vivencia e esparzir, tornando a tua existência uma jornada prazerosa, mesmo quando o sol da alegria esteja encoberto por nuvens carregadas de aflição. Sabes que, além delas, o Astro-rei permanece inalterável.

Estás convidado à execução do programa de amor e de revitalização da prosperidade moral e espiritual das criaturas e do planeta que habitas.

Iludidas, essas criaturas correm em desespero, em busca do gozo que o consumismo proporciona, sem o menor conhecimento da realidade de imortais que são.

Acende no seu íntimo a luz do discernimento para libertá-las da ignorância, a fim de que se permitam o correto direcionamento existencial.

Certamente enfrentarás dificuldades, entre as quais a fragilidade orgânica, efeito natural das tuas ações transatas, que se apresentam como provas e sofrimentos.

Não as valorizes demasiadamente, detendo-te nelas sem a coragem para seguir adiante.

* O modelo irretocável a seguir é sempre Jesus. Na modesta região da Galileia, que padecia sob o guante de muitos preconceitos,

Ele optou pelos pobres e oprimidos, elegeu os mais degradados, a fim de os reabilitar e proporcionar-lhes os meios de sonhar e conseguir a felicidade que lhes era madrasta perversa.

Incompreendido, Ele descia aos abismos morais em que se compraziam e os erguia ao planalto da esperança na qual fruíam paz.

Sem qualquer receio, dedicou-se a atender a mulher aturdida, enredada em situações deploráveis, em que se encontrava sem receber a mínima consideração.

Adultera ou obsidiada, d’Ele recebeu a inefável ternura que a dignificou, demonstrou quanto era merecedora da oportunidade de soerguimento. Enquanto todos se voltavam contra os seus equívocos, Ele a socorreu, por saber que ela era vítima das circunstancias opressoras e do desprezo que experimentava.

Foi, desse modo, o libertador da escravidão feminina, que soube corresponder ao Seu afeto, porquanto algumas delas O acompanhavam na via dolorosa, na cruz, e uma que fora vítima da perversidade da treva implacável e d’Ele recebeu amparo, tornou-se portadora do mérito de anunciar-Lhe a ressurreição.

A partir d’Ele a mulher começou a sair do cárcere dos preconceitos para alcançar na atualidade a governança de nações e povos.

Page 39: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

39

Busca imitá-lO. Elege os abandonados, os tristes e sofridos, aqueles que perderam praticamente

tudo, menos o direito de receber o amor e a luz da caridade. São nossos irmãos do carreiro da agonia, que desconhecem a ventura da dignidade e do respeito, extraviados do caminho redentor que proporciona a conquista da sabedoria. Amargurados, nunca experimentaram o prazer de receber afeição ou apoio, normalmente açoitados pela ventania das incompreensões e empurrados para os pântanos do desespero em que se encontram.

* Permanece, portanto, na segurança em Deus e n’Ele confia, deixando-te conduzir. Ele sempre estará ao seu lado, mesmo quando não buscado. Embora ignorado, Ele

é o hálito da Vida em tua vida. Portanto, no momento em que te encontres combalido, sob fórceps dos

testemunhos, deixa-te conduzir por Ele, que é a Meta Sublime em cuja direção rumas no fatalismo da evolução.

Capacete da Esperança (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 94)

"Tendo por capacete a esperança na salvação." – Paulo. I Tessalonicenses, 5:8.

O capacete é a defesa da cabeça em que a vida situa a sede de manifestação ao pensamento e Paulo não podia lembrar outro símbolo mais adequado à vestidura do cérebro cristão, além do capacete da esperança na salvação.

Se o sentimento, muitas vezes, está sujeito aos ataques da cólera violenta, o raciocínio, em muitas ocasiões, sofre o assédio do desânimo, à frente da luta pela vitória do bem, que não pode esmorecer em tempo algum.

Raios anestesiantes são desfechados sobre o ânimo dos aprendizes por todas as

forças contrárias ao Evangelho salvador.A exigência de todos e a indiferença de muitos

procuram cristalizar a energia do discípulo, dispersando-lhe os impulsos nobres ou neutralizando-lhe os ideais de renovação.

Contudo, é imprescindível esperar sempre o desenvolvimento dos princípios latentes do bem ainda mesmo quando o mal transitório estenda raízes em todas as

direções.é necessário esperar o fortalecimento do fraco, à maneira do lavrador que não

perde a confiança nos grelos tenros; aguardar a alegria e a coragem dos tristes, com a mesma expectativa do floricultor que conta com revelações de perfume e beleza no

jardimcheio de ramos nus.

É imperioso reconhecer, todavia, que a serenidade do cristão nunca representa

atitude inoperante, por agir e melhorar continuadamente pessoas, coisase situações, em todas as particularidades do caminho.

Por isso mesmo, talvez, o apóstolo não se refere à touca protetora. Chapéu, quase sempre, indica passeio, descanso, jazer, quando não defina convenção no traje exterior, de acordo com a moda estabelecida.

Capacete, porém, é indumentária de luta, esforço, defensiva.E o discípulo de Jesus é um combatente efetivo contra o mal, que não dispõe de multo tempo para cogitar de si mesmo, nem pode exigir demasiado repouso, quando sabe que o próprio Mestre

permanece em trabalho ativo e edificante.Resguardemos, pois, o nosso pensamento

com o capacete da esperança fiel e prossigamos para a vitória suprema do bem.

Page 40: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

40

Necessidade (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4)

221 – A análise pela razão pode cooperar, de modo definitivo, no trabalho de nossa iluminação espiritual?

É certo que o homem não pode dispensar a razão para vencer na tarefa confiada ao seu esforço, no círculo da vida; contudo, faz-se mister considerar que essa razão vem sendo trabalhada, de muitos séculos no planeta, pelos vícios de toda sorte.

Temos plena confirmação deste asserto no ultra-racionalismo europeu, cuja avançada posição evolutiva, ainda agora, não tem vacilado entre a paz e a guerra, entre o direito e a força, entre a ordem e a agressão.

Mais que em toda parte do orbe, a razão humana ali se elevou às mais altas culminâncias de realização e, todavia, desequilibrada pela ausência do sentimento, ressuscita a selvageria e o crime, embora o fausto da civilização.

Reconhecemos, pois, que na atualidade do orbe toda iluminação do homem há de nascer, antes de tudo, do sentimento. O sábio desesperado do mundo deve volver-se para Deus como a criança humilde, para cuidar dos legítimos valores do coração, porque apenas pela reeducação sentimental, nos bastidores do esforço próprio, se poderá esperar a desejada reforma das criaturas.

Trabalho (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4)

228 – A autoiluminação pode ser conseguida apenas com a tarefa de uma existência na Terra?

Uma encarnação é como um dia de trabalho. E para que as experiências se façam acompanhar de resultados positivos e proveitosos na vida, faz-se indispensável que os dias de observação e de esforço se sucedam uns aos outros.

No complexo das vidas diversas, o estudo prepara; todavia, somente a aplicação sincera dos ensinamentos do Cristo pode proporcionar a paz e a sabedoria, inerentes ao estado de plena iluminação dos redimidos. 229 – Como entender o trabalho de purificação nos ambientes do mundo?-A purificação na Terra ainda é qual o lírio alvo, nascendo do lodo das amarguras e das paixões.

Todos os Espíritos encarnados, porém, devem considerar que se encontram no planeta como em poderoso cadinho de acrisolamento e regeneração, sendo indispensável cultivar a flor da iluminação íntima, na angústia da vida humana, no círculo da família, ou da comunidade social, através da maior severidade para consigo mesmo e da maior tolerância com os outros, fazendo cada qual, da sua existência, um apostolado de educação, onde o maior beneficiado seja o seu próprio espírito. 230 – Como iniciar o trabalho de iluminação da nossa própria alma?

Esse esforço individual deve começar com o autodomínio, com a disciplina dos sentimentos egoísticos e inferiores, com o trabalho silencioso da criatura por exterminar as próprias paixões.

Nesse particular, não podemos prescindir do conhecimento adquirido por outras almas que nos precederam nas lutas da Terra, com as suas experiências santificantes – água pura de consolação e de esperança, que poderemos beber nas páginas de suas memórias ou nos testemunhos de sacrifício que deixaram no mundo.

Todavia, o conhecimento é a porta amiga que nos conduzirá aos raciocínios mais puros, porquanto, na reforma definitiva de nosso íntimo, é indispensável o golpe da ação própria, no sentido de modelarmos o nosso santuário interior, na sagrada iluminação da

Page 41: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

41

vida.

Iluminação (Emmanuel, in “O Consolador” – cap. 4)

232 – Em matéria de conhecimento, onde poderemos localizar a maior necessidade do homem?

Como nos tempos mais recuados das civilizações mortas, temos de reafirmar que a maior necessidade da criatura humana ainda é a do conhecimento de si mesma. 233 –Por que razão o homem da Terra tem sido tão lento na solução do problema do seu conhecimento próprio?

Isso é explicável. Somente agora, a alma humana poderá ensimesmar-se o bastante para compreender as necessidades e os escaninhos da sua personalidade espiritual.

Antigamente a existência do homem resumia-se na luta com as forças externas, de modo a criar uma lei de harmonia entre ele próprio e a natureza terrestre. Muitos séculos decorreram para enfrentar os perigos comuns. A organização da tribo, da família, das tradições, das experiências coletivas, exigiu muitos séculos de luta e de infortúnios dolorosos. A ciência das relações, o aproveitamento das forças materiais que o rodeavam, não requisitaram menor porção de tempo.

Agora, porém, nas culminâncias da sua evolução física, o homem não necessitará preocupar-se, de modo tão absorvente, com a paisagem que o cerca, razão pela qual todas as energias espirituais se mobilizam, nos tempos modernos, em torno das criaturas, convocando-as ao sagrado conhecimento de si mesmas, dentro dos valores infinitos da vida.

Ser Espírita (Emmanuel, in “Livro da Esperança” – cap. 70)

“Tenho-vos dito isto paro que em mim tenhais paz: no mundo. Tereis aflições, mas tende bom

ânimo, eu venci o mundo.” – Jesus (João, 16:33). “Ide e agradecei a Deus a gloriosa tarefa que Ele vos confiou; mas atenção! Entre os chamados

para o Espiritismo muitos se transviaram; reparai, pois, vosso caminho e segui a verdade.” – (Cap. 20, 4)

Doutrina Espírita Cristianismo Renascente. Ser espírita é constituir-se em núcleo de ação edificante, através do qual principia

a Nova Era. Fala-se no mundo de hoje, qual se o mundo estivesse reduzido à casa em ruínas. O espírita é chamado à função da viga robusta, suscetível de mostrar que nem

tudo se perdeu. Há quem diga que a Humanidade jaz em processo de desagregação. O espírita é convidado a guardar-se por célula sadia, capaz de abrir caminho à

recuperação do organismo social. O espírita, onde surja a destruição, converte-se em apelo ao refazimento; onde

estoure a indisciplina, faz-se esteio da ordem e, onde lavre o pessimismo, ergue- se, de imediato, por mensagem de esperança.

Assim sucede, porque o espírita reconhece que não vale exigir dos outros aquilo que não fazemos, nem reclamar no vizinho o clarão de um farol, quando, muitas vezes, esse mesmo vizinho espera pela chama de alguém que lhe aqueça e ilumine o coração enregelado na sombra.

Companheiro de ideal! O ensinamento espírita é a palavra do Cristo que nos alcança sem gritar e a obra

Page 42: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

42

espírita, desde as bases primordiais de Allan Kardec, é construção do Evangelho, levantando as criaturas sem rebaixar a ninguém.

Trabalha servindo, cônscio de que cada um de nós é o agente da propaganda de si mesmo, no trabalho da redenção humana, que não nasce da violência e sim da verdade e do amor, no toque fraternal de espírito a espírito.

A vista disso, se muito podes realizar, a benefício do próximo, por aquilo que sabes, somente conseguirás renovar os semelhantes por aquilo que és.

Doutrina Espírita (Emmanuel, in “Religião dos Espíritos” – cap. 80)

Reunião pública de 13/11/59 Questão no 838

Toda crença é respeitável.No entanto, se buscaste a Doutrina Espírita, não lhe

negues fidelidade. *

Toda religião é sublime. No entanto, só a Doutrina Espírita consegue explicar-te os fenômenos mediúnicos

em que toda religião se baseia. *

Toda religião é santa nas intenções. No entanto, só a Doutrina Espírita pode guiar-te na solução dos problemas do

destino e da dor. *

Toda religião auxilia. No entanto, só a Doutrina Espírita é capaz de exonerar-te do pavor ilusório do

inferno, que apenas subsiste na consciência culpada. *

No entanto, só a Doutrina Espírita é suscetível de descerrar a continuidade da vida, além do sepulcro.

* Toda religião apregoa o bem como preço do paraíso aos seus profitentes. No entanto, só a Doutrina Espírita estabelece a caridade incondicional como

simples dever. *

Toda religião exorciza os Espíritos infelizes. No entanto, só a Doutrina Espírita se dispõe a abraçá-los, como a doentes, neles

reconhecendo as próprias criaturas humanas desencarnadas, em outras faixas de evolução.

* Toda religião é conforto na morte. Toda religião educa sempre. No entanto, só a Doutrina Espírita é aquela em que se permite o livre exame, com

o sentimento livre de compressões dogmáticas, para que a fé contemple a razão, face a face.

* Toda religião fala de penas e recompensas. No entanto, só a Doutrina Espírita elucida que todos colheremos conforme a

plantação que tenhamos lançado à vida, sem qualquer privilégio na Justiça Divina. *

Page 43: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

43

Toda religião erguida em princípios nobres, mesmo as que vigem nos outros continentes, embora nos pareçam estranhas, guardam a essência cristã.

No entanto, só a Doutrina Espírita nos oferece a chave precisa para a verdadeira interpretação do Evangelho.

* Porque a Doutrina Espírita é em si a liberalidade e o entendimento, há quem julgue

seja ela obrigada a misturar-se com todas as aventuras marginais e com todos os exotismos, sob pena de fugir aos impositivos da fraternidade que veicula.

Dignifica, assim, a Doutrina que te consola e liberta, vigiando-lhe a pureza e a simplicidade, para que não colabores, sem perceber, nos vícios da ignorância e nos crimes do pensamento.

«Espírita» deve ser o teu caráter, ainda mesmo te sintas em reajuste, depois da queda.

«Espírita» deve ser a tua conduta, ainda mesmo que estejas em duras experiências.

«Espírita» deve ser o nome de teu nome, ainda mesmo respires em aflitivos combates contigo mesmo.

«Espírita» deve ser o claro adjetivo de tua instituição, ainda mesmo que, por isso, te faltem as passageiras subvenções e honrarias terrestres.

Doutrina Espírita quer dizer Doutrina do Cristo. E a Doutrina do Cristo é a doutrina do aperfeiçoamento moral em todos os mundos.

Guarda-a, pois, na existência, como sendo a tua responsabilidade mais alta, porque dia virá em que serás naturalmente convidado a prestar-lhe contas.

Esperança (Emmanuel, in “Vinha de Luz” – cap. 75)

"Porque tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança." - Paulo. (Romanos, 15:4.)

A esperança é a luz do cristão. Nem todos conseguem, por enquanto, o voo sublime da fé, mas a força da

esperança é tesouro comum. Nem todos podem oferecer, quando querem, o pão do corpo e a lição espiritual,

mas ninguém na Terra está impedido de espalhar os benefícios da esperança. A dor costuma agitar os que se encontram no "vale da sombra e da morte", onde o

medo estabelece atritos e onde a aflição percebe o "ranger de dentes", nas "trevas exteriores", mas existe a luz interior que é a esperança.

A negação humana declara falências, lavra atestados de impossibilidade, traça inextricáveis labirintos, no entanto, a esperança vem de cima, à maneira do Sol que ilumina do alto e alimenta as sementeiras novas, desperta propósitos diferentes, cria modificações redentoras e descerra visões mais altas.

A noite espera o dia, a flor o fruto, o verme o porvir... O homem, ainda mesmo que se mergulhe na descrença ou na dúvida, na lágrima ou na dilaceração, será socorrido por Deus com a indicação do futuro.

Jesus, na condição de Mestre Divino, sabe que os aprendizes nem sempre poderão acertar inteiramente, que os erros são próprios da escola evolutiva e, por isto mesmo, a esperança é um dos cânticos sublimes do seu Evangelho de Amor.

Imensas têm sido, até hoje, as nossas quedas, mas a confiança do Cristo é sempre maior. Não nos percamos em lamentações. Todo momento é instante de ouvir Aquele que pronunciou o "Vinde a mim ..."

Page 44: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

44

Levantemo-nos e prossigamos, convictos de que o Senhor nos ofereceu a luz da esperança, a fim de acendermos em nós mesmos a luz da santificação espiritual.

Os Discípulos (Novo Testamento – Mateus 10; 1:10)

1 E, chamando os seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem, e para curarem toda a enfermidade e todo o mal.

2 Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: O primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão;

3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu;

4 Simão, o Cananita, e Judas Iscariotes, aquele que o traiu. 5 Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis pelo caminho dos

gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos; 6 Mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; 7 E, indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus. 8 Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os

demônios; de graça recebestes, de graça dai. 9 Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos, 10 Nem alforges para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordões;

porque digno é o operário do seu alimento.

Eixo Transversal: Virtude Ativa

� Identificar em minha bagagem espiritual as virtudes que constituem o

homem de bem; � Perceber as virtudes que necessito desenvolver para ser um verdadeiro

espírita, através do processo de transformação diária.

Fora da Caridade não há salvação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” –

cap. XV, item 10)

Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão encerrados os destinos dos homens, na Terra e no céu; na Terra, porque à sombra desse estandarte eles viverão em paz; no céu, porque os que a houverem praticado acharão graças diante do Senhor. Essa divisa é o facho celeste, a luminosa coluna que guia o homem no deserto da vida, encaminhando-o para a Terra da Promissão. Ela brilha no céu, como auréola santa, na fronte dos eleitos, e, na Terra, se acha gravada no coração daqueles a quem Jesus dirá: Passai à direita, benditos de meu Pai. Reconhecê-los-eis pelo perfume de caridade que espalham em torno de si Nada exprime com mais exatidão o pensamento de Jesus, nada resume tão bem os deveres do homem, como essa máxima de ordem divina. Não poderia o Espiritismo provar melhor a sua origem, do que apresentando-a como regra, por isso que é um reflexo do mais puro Cristianismo. Levando-a por guia, nunca o homem se transviará. Dedicai-vos, assim, meus amigos, a perscrutar-lhe o sentido profundo e as consequências, a descobrir-lhe, por vós mesmos, todas as aplicações. Submetei todas as vossas ações ao governo da caridade e a consciência vos responderá. Não só ela evitará que pratiqueis o mal, como também fará que pratiqueis o bem, porquanto uma virtude negativa não basta: é necessária uma virtude ativa.

Page 45: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

45

Para fazer-se o bem, mister sempre se torna a ação da vontade; para se não praticar o mal, basta as mais das vezes a inércia e a despreocupação.

Meus amigos, agradecei a Deus o haver permitido que pudésseis gozar a luz do Espiritismo. Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos; é que,

ajudando-vos a compreender os ensinos do Cristo, ela vos faz melhores cristãos. Esforçai-vos, pois, para que os vossos irmãos, observando-vos, sejam induzidos a reconhecer que verdadeiro espírita e verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, dado que todos quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus, sem embargo da seita a que pertençam. Paulo, o apóstolo. (Paris, 1860.)

O Homem de Bem (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XVII, item

3)

O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem.

Deposita fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a Sua permissão nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas.

Tem fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.

Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou expiações e as aceita sem murmurar.

Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seus interesses à justiça.

Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa.

O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus.

Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam.

Em todas as circunstâncias, toma por guia a caridade, tendo como certo que aquele que prejudica a outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o seu desprezo a suscetibilidade de alguém, que não recua à ideia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever de amar o próximo e não merece a clemência do Senhor.

Não alimenta ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe será conforme houver perdoado.

É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de indulgência e tem presente esta sentença do Cristo: "Atire-lhe a primeira pedra aquele que se achar sem pecado."

Page 46: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

46

Nunca se compraz em rebuscar os defeitos alheios, nem, ainda, em evidenciá-los. Se a isso se vê obrigado, procura sempre o bem que possa atenuar o mal.

Estuda suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os esforços emprega para poder dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de melhor do que na véspera.

Não procura dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem; aproveita, ao revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros.

Não se envaidece da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, por saber que tudo o que lhe foi dado pode ser-lhe tirado.

Usa, mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um depósito de que terá de prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplica-lo à satisfação de suas paixões.

Se a ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo quanto lhes possa tornar mais penosa a posição subalterna em que se encontram.

O subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em cumpri-los conscienciosamente. (Cap. XVII, nº 9.)

Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis da Natureza, como quer que sejam respeitados os seus.

Não ficam assim enumeradas todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas, aquele que se esforce por possuir as que acabamos de mencionar, no caminho se acha que a todas as demais conduz.

A Virtude (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo Espiritismo” – cap. XVII, item 8)

A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são

qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham pequenas enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz ostentação da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome, não gosta de estadear-se. Adivinham-na; ela, porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. S. Vicente de Paulo era virtuoso; eram virtuosos o digno cura d'Ars e muitos outros quase desconhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que fossem virtuosos; deixavam-se ir ao sabor de suas santas inspirações e praticavam o bem com desinteresse completo e inteiro esquecimento de si mesmos.

À virtude assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar -vos.

Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude que assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de odiosas covardias.

Page 47: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

47

Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.

O vós todos a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe da perfeição está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é uma graça que desejo a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade é que um dia elas se hão de redimir. François-Nicolas- Madeleine. (Paris, 1863.)

A Fé: Mãe da Esperança e da Caridade (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo

Espiritismo” – cap. XIX, item 11)

Para ser proveitosa, a fé tem de ser ativa; não deve entorpecer-se. Mãe de todas as virtudes que conduzem a Deus, cumpre-lhe velar atentamente pelo desenvolvimento dos filhos que gerou.

A esperança e a caridade são corolários da fé e formam com esta uma trindade inseparável. Não é a fé que faculta a esperança na realização das promessas do Senhor? Se não tiverdes fé, que esperareis? Não é a fé que dá o amor? Se não tendes fé, qual será o vosso reconhecimento e, portanto, o vosso amor?

Inspiração divina, a fé desperta todos os instintos nobres que encaminham o homem para o bem. É a base da regeneração. Preciso é, pois, que essa base seja forte e durável, porquanto, se a mais ligeira dúvida a abalar que será do edifício que sobre ela construirdes?

Levantai, conseguintemente, esse edifício sobre alicerces inamovíveis. Seja mais forte a vossa fé do que os sofismas e as zombarias dos incrédulos, visto que a fé que não afronta o ridículo dos homens não é fé verdadeira.

A fé sincera é empolgante e contagiosa; comunica-se aos que não na tinham, ou, mesmo, não desejariam tê-la. Encontra palavras persuasivas que vão à alma. ao passo que a fé aparente usa de palavras sonoras que deixam frio e indiferente quem as escuta. Pregai pelo exemplo da vossa fé, para a incutirdes nos homens. Pregai pelo exemplo das vossas obras para lhes demonstrardes o merecimento da fé. Pregai pela vossa esperança firme, para lhes dardes a ver a confiança que fortifica e põe a criatura em condições de enfrentar todas as vicissitudes da vida.

Tende, pois, a fé, com o que ela contém de belo e de bom, com a sua pureza, com a sua racionalidade. Não admitais a fé sem comprovação, cega filha da cegueira. Amai a Deus, mas sabendo porque o amais; crede nas suas promessas, mas sabendo porque acreditais nelas; segui os nossos conselhos, mas compenetrados do um que vos apontamos e dos meios que vos trazemos para o atingirdes. Crede e esperai sem desfalecimento: os milagres são obras da fé. - José, Espírito protetor. (Bordéus, 1862.)

As Virtudes e os Vícios (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. XII)

893. Qual a mais meritória de todas as virtudes? “Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do

bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo

Page 48: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

48

bem do próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade.” 894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se veem na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem?

“Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as honras que se costumam tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.

“Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra, quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade na sua verdadeira acepção.”

Os Benfeitores Anônimos (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Outubro 1863)

O fato seguinte foi narrado pela Patrie, do mês de abril último: "O proprietário de uma casa da rua do Cherche-Midi tinha permitido, anteontem, a

um locatário, de trocar de residência sem tê-lo pago, mediante, no entanto, um reconhecimento de sua divida; mas, enquanto se carregavam os móveis, o proprietário muda de opinião e quer ser pago antes da partida do mobiliário. O locatário se desesperou, sua mulher chorou, e duas crianças de tenra idade imitavam sua mãe. Um senhor, condecorado da Legião de honra, passava, nesse momento, na rua; deteve-se. Tocado por esse desolador espetáculo, aproximou-se do infeliz devedor, e, sendo informado da soma devida pelo aluguel, entregou-lhe duas cédulas e desapareceu, seguido pelas bênçãos dessa família que ele salvou do desespero."

O Opinion du Midi, jornal de Nímes, relatou no mês de julho um outro episódio do mesmo gênero:

"Acaba de se passar um fato tão estranho pelo mistério com o qual se realizou quanto tocante pelo seu objetivo e pela delicadeza do procedimento da pessoa que dele foi o autor.

"Narramos, há três dias, que um violento incêndio havia consumido quase inteiramente a loja e as oficinas do senhor Marteau, marceneiro em Nimes. Contamos a dor desse infeliz homem em presença de um sinistro que consumava a sua ruína, porque o seguro mobiliário, que ele havia subscrito, era infinitamente abaixo do valor das mercadorias destruídas.

"Soubemos que hoje três carroças contendo madeiras de diversas espécies e qualidades, e instrumentos de trabalho, foram conduzidas diante da casa do senhor Marteau, e descarregadas em suas oficinas semi-devoradas pelas chamas.

"O indivíduo encarregado de conduzir essas carroças respondeu às interpelações das quais era o objeto, alegando a ignorância, em que estava, relativamente ao nome do doador do qual executava a vontade. Pretendeu não conhecer a pessoa que lhe havia dado a incumbência de conduzir as madeiras e as ferramentas à casa de Marteau, e nada

Page 49: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

49

saber fora dessa incumbência. Retirou-se depois de ter esvaziado completamente suas três viaturas.

"Alegria e a felicidade substituíram, em Marteau, o abatimento do qual era impossível tirá-lo desde o dia do incêndio.

"Que o generoso desconhecido que tão nobremente veio em socorro de um infortúnio que, sem ele, talvez tivesse sido irreparável, receba aqui os agradecimentos e as bênçãos de uma família que lhe deve, desde hoje, a mais doce das consolações e que talvez logo lhe deverá a sua prosperidade."

O coração se tranquiliza lendo semelhantes fatos que vêm, de tempos em tempos, fazer a contrapartida dos relatos de crimes e torpezas que os jornais expõem em suas colunas. Os episódios como os relatos acima, provam que a virtude não está inteiramente banida da Terra, como pensam certos pessimistas. Sem dúvida, o mal nela domina ainda, mas, quando se procura na sombra, acha-se que, sob a erva má, há mais violetas, quer dizer, mais boas almas do que não se crê. Se elas parecem tão dispersas, é que a verdadeira virtude não se põe em evidência, porque é humilde; contenta-se com os gozos do coração e da aprovação de sua consciência, ao passo que o vício se expõe impudentemente à luz; faz ruído, porque é orgulhoso. O orgulho e a humildade são os dois polos do coração humano: um atrai todo o bem, e o outro todo o mal; um tem a calma, e o outro a tempestade; a consciência é a bússola que indica a rota conduzindo a cada um dos dois.

O benfeitor anônimo, do mesmo modo que aquele que não espera para dar depois de sua morte àqueles que não têm, sem contradita, é o tipo do homem de bem por excelência; é a virtude modesta personificada, aquela que não procura os aplausos dos homens.

Fazer o bem sem ostentação é um sinal incontestável de uma grande superioridade moral, porque é preciso uma fé viva em Deus e no futuro, é preciso fazer abstração da vida presente e se identificar com a vida futura para esperar a aprovação de Deus, e renunciar à satisfação que proporciona o testemunho atual dos homens. O reconhecido bendiz em seu coração a mão generosa desconhecida que o socorreu, e esta bênção sobe aos céus mais do que os aplausos da multidão. Aquele que toma o sufrágio dos homens mais do que o de Deus, prova que tem mais fé nos homens do que em Deus, e que a vida presente é mais para ele do que a vida futura; se diz o contrário, age como se não cresse no que disse. Quantos há deles que não reconhecem senão com esperança de que o agradecido irá gritar o benefício sobre os telhados; que, à luz, dariam uma grande soma, e na sombra não dariam uma peça de moeda! Eis porque Jesus disse: "Aqueles que fazem o bem com ostentação já receberam sua recompensa." Com efeito, àquele que procura sua glorificação sobre a Terra, Deus não deve nada; não lhe resta a receber senão o preço de seu orgulho.

Que relação tem isso com o Espiritismo? dirão talvez certos críticos; que não contais fatos mais divertidos do que essa moral aborrecida! (Julgamento da moral espírita, pelo Sr. Figuier, IV vol., página 369.) Isto deveu semelhança, nesse sentido de que o Espiritismo, dando uma fé inabalável na bondade de Deus e na vida futura, graças a ele, os homens fazendo o bem pelo bem, serão um dia menos dispersos do que não o são hoje; que os jornais terão para registrar menos crimes e suicídios e mais atos da natureza daqueles que deram lugar a estas reflexões.

Page 50: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

50

Saber e Fazer (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 49)

“Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes.” — Jesus. (João, 13: 17)

Entre saber e fazer existe singular diferença. Quase todos sabem, poucos fazem. Todas as seitas religiosas, de modo geral, somente ensinam o que constitui o bem.

Todas possuem serventuários, crentes e propagandistas, mas os apóstolos de cada uma escasseiam cada vez mais.

Há sempre vozes habilitadas a indicar os caminhos. É a palavra dos que sabem. Raras criaturas penetram valorosamente a vereda, muita vez em silêncio,

abandonadas e incompreendidas. É o esforço supremo dos que fazem. Jesus compreendeu a indecisão dos filhos da Terra e, transmitindo-lhes a palavra

da verdade e da vida, fez a exemplificação máxima, através de sacrifícios culminantes. A existência de uma teoria elevada envolve a necessidade de experiência e

trabalho. Se a ação edificante fosse desnecessária, a mais humilde tese do bem deixaria de existir por inútil.

João assinalou a lição do Mestre com sabedoria. Demonstra o versículo que somente os que concretizam os ensinamentos do Senhor podem ser bem-aventurados. Aí reside, no campo do serviço cristão, a diferença entre a cultura e a prática, entre saber e fazer.

Renunciar (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 154)

“E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará a vida eterna.” — Jesus (Mateus, 19: 29)

Neste versículo do Evangelho de Mateus, o Mestre Divino nos induz ao dever de renunciar aos bens do mundo para alcançar a vida eterna. Há necessidade, proclama o Messias, de abandonar pai e mãe, mulher e irmãos do mundo. No entanto, é necessário esclarecer como renunciar.

Jesus explica que o êxito pertencerá aos que assim procederem por amor de seu nome.

A primeira vista, o alvitre divino parece contrassenso. Como olvidar os sagrados deveres da existência, se o Cristo veio até nós para

santificá-los? Os discípulos precipitados não souberam atingir o sentido do texto, nos tempos

mais antigos. Numerosos irmãos de ideal recolheram-se à sombra do claustro, esquecendo

obrigações superiores e inadiáveis. Fácil, porém, reconhecer como o Cristo renunciou. Aos companheiros que o abandonaram aparece, glorioso, na ressurreição. Não

obstante as hesitações dos amigos, divide com eles, no cenáculo, os júbilos eternos. Aos homens ingratos que o crucificaram oferece sublime roteiro de salvação com o Evangelho e nunca se descuidou um minuto das criaturas.

Observemos, portanto, o que representa renunciar por amor ao Cristo. É perder as esperanças da Terra, conquistando as do Céu.

Se os pais são incompreensíveis, se a companheira é ingrata, se os irmãos parecem cruéis, é preciso renunciar à alegria de tê-los melhores ou perfeitos, unindo-nos, ainda mais, a eles todos, a fim de trabalhar no aperfeiçoamento com Jesus.

Page 51: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

51

Acaso, não encontras compreensão no lar? os amigos e irmãos são indiferentes e rudes?

Permanece ao lado deles, mesmo assim, esperando para mais tarde o júbilo de encontrar os que se afinam perfeitamente contigo. Somente desse modo renunciarás aos teus, fazendo-lhes todo o bem por dedicação ao Mestre, e, somente com semelhante renúncia, alcançarás a vida eterna.

A Esmola Maior (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 30)

"Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus”. João. (I João, 4:7.).

No estudo da caridade, não olvides a esmola maior que o dinheiro não consegue realizar.

Ela é o próprio coração a derramar-se, irradiando o amor por sol envolvente da vida.

No lar, ela surge no sacrifício silencioso da mulher que sabe exercer o perdão sem alarde para com as faltas do companheiro; na renúncia materno do coração que se oculta, aprendendo a morrer cada dia, para que a paz e a segurança imperem no santuário doméstico; no homem reto que desculpa as defecções da esposa enganada sem cobrar-lhe tributos de aflição; nos filhos laboriosos e afáveis que procuram retribuir em ternura incessante para com os pais sofredores as dívidas do berço que todo ouro da terra não conseguiria jamais resgatar.

No ambiente profissional é o esquecimento espontâneo das ofensas entre os que dirigem e os que obedecem, tanto quanto o concurso desinteressado e fraterno dos companheiros que sabem sorrir nas horas graves ofertando cooperação e bondade para que o estímulo ao bem seja o clima de quantos lhes comungam a experiência.

No campo social é a desistência da pergunta maliciosa; a abstenção dos pensamentos indignos; o respeito sincero e constante; a frase amiga e generosa; e o gesto de compreensão que se exprime sem paga.

Na via pública é a gentileza que ninguém pede; a simplicidade que não magoa; a saudação de simpatia ainda mesmo inarticulada e a colaboração imprevista que o necessitado espera de nós muita vez sem coragem de endereçar-nos qualquer apelo.

Acima de tudo, lembra-te da esmola maior de todas, da esmola santa que pacifica o ambiente em que o Senhor situa, que nos honra os familiares e enriquece de bênçãos o ânimo dos amigos, a esmola de nosso dever cumprido, porquanto, no dia em que todos nos consagrarmos ao fiel desempenho das próprias obrigações o anjo da caridade não precisará desfalecer de angústia nos cárceres das provações terrenas, de vez que a fraternidade estará reinando conosco na exaltação da perfeita alegria.

Renovações (Emmanuel, in “Encontro Marcado” – cap. 5)

Tema – Renovações inevitáveis da vida.

Pausar para refletir ou refazer. Nunca estacionar para censurar ou lamentar. Em toda parte e em qualquer tempo, vermos a vitalidade do Universo a exprimir-

se, incessantemente. Árvores lançam fora de si as folhas inúteis e deitam vergônteas novas. Sementes lembrando fragmentos cadaverizados da Natureza são confiadas à terra que as fecunda, transfigurando-as com o tempo em gigantes do plano vegetal.

Em teu próprio corpo, o princípio da ação constante se manifesta; enquanto te guardas independente na esfera dos próprios pensamentos, milhões de células trabalham em teu favor. Alimentas-te e não te preocupas com os fenômenos da nutrição. Dormes e

Page 52: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

52

múltiplas operações fisiológicas se efetuam em ti, sem que precises tomar disso imediato conhecimento.

Queiramos ou não reconhecer a verdade, estamos mergulhados no oceano da Energia Divina, tanto quanto o peixe dentro d’água.

Nós, porém – as criaturas humanas – somos almas conscientes, erguidas ao regime da responsabilidade pessoal ante os privilégios da razão, e, conquanto “existamos e nos movamos em Deus”, conforme a feliz assertiva do apóstolo Paulo, somos livres para pensar, imaginar, criar e estabelecer, gerando causas e consequências na esfera de nossos próprios destinos. Daí, a necessidade de nos enquadrarmos nos planos do Supremo Pai, quanto à edificação da felicidade de todos, aceitando e abençoando as renovações que se nos façam indispensáveis.

Acreditar na força do bem e cooperar com ela, na sustentação da harmonia geral, é imperativo da Lei Divina, de cuja execução não nos é lícito desvencilhar. Se intimados pelas circunstâncias a necessárias alterações na experiência cotidiana, louvemos a Divina Providência e vejamos como dirigir convenientemente as nossas possibilidades para que se faça o melhor com o nosso auxílio, na obra do progresso e do aprimoramento em nós e fora de nós.

Em quaisquer óbices que nos tentem barrar a jornada evolutiva, procuremos a superação deles, através da ação contínua no bem de todos.

Comparemos a nossa tarefa a um navio lançado ao mar. Tempestades sobrevém e rochedos surgem, obrigando-nos, muitas vezes, a mudanças de rumo; no entanto, se cada um de nós se mantém fiel no posto de trabalho a que foi conduzido, com aplicação sincera ao próprio dever, nenhum perigo nos impelirá a desastre, porque, se o homem coopera, Deus opera, e se nós – a Humanidade – somos a equipagem na embarcação enorme do mundo, é preciso jamais esquecer que Deus está no leme.

Cruz e Disciplina (Emmanuel, in “Pão Nosso” – cap. 103)

“E constrangeram um certo Simão Cireneu, pai de Alexandre e de Rufo, que por ali passava, vindo do campo, a que levasse a cruz”. — (Marcos, 15:21)

Muitos estudiosos do Cristianismo combatem as recordações da cruz, alegando que as reminiscências do Calvário constituem indébita cultura de sofrimento.

Asseveram negativa a lembrança do Mestre, nas horas da crucificação, entre malfeitores vulgares.

Somos, porém, daqueles que preferem encarar todos os dias do Cristo por gloriosas jornadas e todos os seus minutos por divinas parcelas de seu ministério sagrado, ante as necessidades da alma humana.

Cada hora da presença dele, entre as criaturas, reveste-se de beleza particular e o instante do madeiro afrontoso está repleto de majestade simbólica.

Vários discípulos tecem comentários extensos, em derredor da cruz do Senhor, e costumam examinar com particularidades teóricas os madeiros imaginários que trazem consigo.

Entretanto, somente haverá tomado a cruz de redenção que lhe compete aquele que já alcançou o poder de negar a si mesmo, de modo a seguir nos passos do Divino Mestre.

Muita gente confunde disciplina com iluminação espiritual. Apenas depois de havermos concordado com o jugo suave de Jesus-Cristo, podemos alçar aos ombros a cruz que nos dotará de asas espirituais para a vida eterna.

Page 53: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

53

Contra os argumentos, quase sempre ociosos, dos que ainda não compreenderam a sublimidade da cruz, vejamos o exemplo do Cireneu, nos momentos culminantes do Salvador. A cruz do Cristo foi a mais bela do mundo, no entanto, o homem que o ajuda não o faz por vontade própria, e, sim, atendendo a requisição irresistível. E, ainda hoje, a maioria dos homens aceita as obrigações inerentes ao próprio dever, porque a isso é constrangida.

Auxílios Sempre Possíveis (André Luiz, in “Sinal Verde” – cap. 30)

Sem quaisquer recursos especiais, você dispõe do poder de renovar e reerguer a própria vida.

Você pode ainda e sempre: avivar o clarão da alegria onde a provação esteja furtando a tranquilidade; atear o calor do bom-ânimo onde a coragem desfaleça; entretecer o ambiente preciso à resignação onde o sofrimento domina; elevar a vibração do trabalho onde o desânimo apareça; extrair o ouro da bênção entre pedras de condenação e censura; colocar a flor da paciência no espinheiro da irritação; acender a luz do entendimento e da concórdia, onde surja a treva da ignorância; descobrir fontes de generosidade sob as rochas da sovinice; preparar o caminho para Jesus nos corações distantes da verdade.

Tudo isso você pode fazer, simplesmente pronunciando as boas palavras da esperança e do amor.

A Surpresa do Crente (Irmão X, in “Pontos e Contos” – cap. 13)

O devoto feliz experimentava a doce comoção do espetáculo celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém, via, extasiado, o Senhor à frente dele.

Chorava, ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se erguia, ali, inundando-lhe o espírito de alegria e de luz.

Sentia-se compensado de todos os tormentos da vida humana. Esquecera espinhos e pedras, dificuldades e dores.

Não vivia, agora, o instante supremo da realização? não esperara, impacientemente, aquele minuto divino? suspirara, muitos anos, por repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens, renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade, que se mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardara o Senhor que resplandecia glorificado, ali diante dos seus olhos.

Jesus aproximou-se e saudou-o. Oh! semelhante manifestação de carinho embriagava-o de ventura. Sentia-se mais

poderoso e mais feliz que todos os príncipes do mundo, reunidos!... O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe: – Dize-me, discípulo querido, onde puseste os ensinamentos que te dei? O crente levou a destra ao tórax opresso de alegria e respondeu: – No coração. – Onde guardaste – tornou o Amigo Sublime – minhas continuadas bênçãos de paz

e misericórdia? – No coração – retrucou o interpelado.

Page 54: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

54

– E as luzes que acendi, em torno de teus passos? – Tenho-as no coração – repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo. O Mestre silenciou por instantes e indagou novamente: – E os dons que te ministrei? – Permanecem comigo – informou o aprendiz –, no recôndito da alma. Silenciou o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda: – Ouve! onde arquivaste a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as

esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em meu nome? Reafirmou o discípulo, reverente e humilde: – Depositei-os no coração, Senhor!... A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus calou-se num véu de

melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto. O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se

mantinha em silêncio, indagou : – Benfeitor Divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça?

já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?

O Mestre meneou tristemente a cabeça e redarguiu: – Ainda não!... o trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do

repouso legítimo. Por enquanto, serias aqui um poço admirável e valioso pelo conteúdo, mas incomunicável e inútil... Volta, pois, à Terra! Convive com os bons e os maus, justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas mãos!...

Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se lhe subtraía ao olhar angustiado.

Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.

A Virtude (Vinícius, in “Nas Pegadas do Mestre” – cap. 4)

A virtude não é veste de gala para ser envergada em dias e horas solenes. Ela deve ser nosso traje habitual. A virtude precisa fazer parte de nossa vida, como o

alimento que ingerimos cotidianamente, como o ar que respiramos a todo instante. A virtude não é para ostentação: é para uso comum. É falsa a virtude que aparece

para os de fora, e não se verifica para os familiares. Quem não é virtuoso dentro do seu lar, não o será na vida pública, embora assim aparente. Ser delicado e afável na sociedade, deixando de manter esses predicados em família, não é ser virtuoso, mas hipócrita. A virtude não tem duas faces, uma interna, outra externa: ela é integral, é perfeita sob todos os aspectos e prismas. Não há virtude privada e virtude pública: a virtude é uma e a mesma, em toda parte.

O hábito da virtude, quando real, reflete-se em todos os nossos atos, do mais simples ao mais complexo, como o sangue que circula por todo o corpo.

As conjunturas difíceis, as emergências perigosas, não alteram a virtude quando ela já constitui nosso modo habitual de vida.

A virtude assume as modalidades necessárias para se opor a todos os males, sem prejuízo de sua integridade. Há um matiz para resolver cada caso, para se opor a cada

Page 55: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

55

vício, para vencer cada paixão, para enfrentar cada incidente; mas sempre, no fundo, é a mesma virtude. Ela é como a luz, que, iluminando, resolve de vez todos os obstáculos e tropeços, franqueando-nos o caminho. O hábito da virtude é fruto de uma porfiada conquista. Possuí-la é suave e doce. Praticá-la é fonte perene de infindos prazeres. A dificuldade não está no exercício da virtude, mas na oposição que lhe faz o vicio, que com ela contrasta. É necessário destronar um elemento, para que o outro impere. O vício não cede o lugar sem luta. A virtude nos diz: eis-me aqui, recebei-me, dai-me guarida em vosso coração; mas lembrai-vos de que, entre mim e o vício, existe absoluta incompatibilidade. Não podeis servir a dois senhores.

A verdadeira religião é a da virtude. Fora da virtude não há salvação. "Vós sois o sal da Terra", disse Jesus aos seus discípulos. Se ele hoje viesse ao mundo reunir seus escolhidos, não se valeria certamente das denominações e títulos dos vários credos religiosos para os distinguir; a virtude seria o sinal inconfundível por onde os descobriria, por mais dispersos e disfarçados que estivessem.

É pela virtude que as almas se irmanam entretecendo entre si liames indissolúveis. Os homens de virtude entendem-se num momento, ao passo que os séculos não

são suficientes para firmar acordo entre aqueles que dela vivem divorciados. Propaguemos a religião da virtude: só ela satisfaz o senso da vida, conduzindo o

espirito à realização dos seus destinos.

Para Crescer, Valorize-se (Joanes, in “Para Uso Diário” – cap. 8)

Enorme grupo de almas humanas vem se arrastando do atraso à ignorância, há longo tempo, tendo em vista as posições em que se aprisionaram.

Quantos são aqueles que nunca se sentem em boas condições para atividades enobrecidas para o bom andamento da vida?

Quantos os que juram não ser capazes de estudar, de falar em público nem em privado, de escrever uma carta ou um bilhete sequer? E os que afirmam não saber conversar com maturidade; não saber discutir sobre as próprias ideias, com lucidez, junto a quem pensa diferente?

É grande a quantidade de gente que segue dizendo, com toda convicção, que não sabe conduzir um auto, que não sabe cozinhar uma iguaria mínima para si mesma, que não sabe organizar seus aposentos, e assim por diante.

O que se mostra muito estranho, nesses quadros, é que raros, dentre esses irmãos, fazem algum esforço para aprender o que não sabem, para superar as próprias limitações, como se conduzissem um galardão pernicioso que lhes apraz, pelo simples gosto de garantir que não sabem... Quem sabe até por não se haverem percebido na inavaliável importância de se sair das teias da ignorância, a fim de penetrar intensamente o clima da vida?

Alguns alegam, “gloriosos”, que não entendem matemáticas ou geografias. Há os que abominam os estudos de psicologia, outros, os de história. Vários não captam ensinamentos os mais comuns e gerais de biologia, enquanto um agigantado número não se interessa pela própria língua com que se expressa, em franco relaxamento das regras mais mínimas.

A condição de não saber parece inalterada para muita gente. Não vê qualquer importância em saber isso ou aquilo, já que sempre viveu sem saber. Alegam uns, “nunca gostei”, “não consigo”, “não quero nem sabe”, enquanto outros exageram: “não quero nem saber e tenho raiva de quem sabe”.

Page 56: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

56

Seria muito importante, para o progresso individual, que cada coisa não sabida fosse buscada, desde que representasse verdadeiro valor para a existência.

Seria valioso se a ignorância não fosse um desastre intelectual e moral consentido, mantido e cuidado por esses guardiães do atraso chamado acomodação, má vontade, desinteresse...

É compreensível que ninguém cobrará conhecimentos universitários de quem não teve os primeiros passos da escolaridade; tampouco, ninguém quererá que todos dominem conhecimentos integrais de tudo. A questão é bem outra, como se pode verificar.

Cada um, no nível que se acha, deveria buscar superar-se, procurando conquistar os elementos em torno do campo de atividades e relacionamentos em que se move.

Alguém que já consiga falar melhor, comunicando-se melhor, entenderá melhor, e sem dúvida, se sentirá melhor diante de si mesmo.

Aquele que possa localizar-se no mundo, sabendo quem são, onde se encontram, e como são seus vizinhos geográficos, possivelmente viverá melhor.

Quem alcance compreender os episódios vividos por sua sociedade, podendo associar com ocorrências pretéritas dessa mesma comunidade, indubitavelmente terá outra visão do mundo, e, assim, viverá bem mais lucidamente.

Somente com a consciência do quanto é importante evoluir para Deus, seja pelo conhecimento das coisas da Terra, seja por meio das coisas do Céu, a pessoa conseguirá progredir superando seus limites, valorizando-se, imprimindo em seu roteiro terrestre o progresso esperado, que não vem de Deus “de graça”, mas vem de Deus para aqueles que fazem a sua parte, contando, só então, com a ajuda celeste.

Não se desmereça, mostrando-se sempre incapaz. Disponha-se a ler um jornal, uma revista, um livro. Aprenda a perguntar a quem

estudou a sua frente, de modo a entender melhor. Desenvolva o gosto por palestras sobre questões que você gostaria de conhecer ou

aprender melhor. Desenvolva o interesse por películas, por teatro, por tudo que lhe permita obter

outros ângulos de diversas situações da vida. Esforce-se, aprenda, supere-se e experimentará o que significa penetrar os

segredos da Vida ou os mistérios de Deus. Descobrirá, por fim, como é bom enxergar através de horizontes mais amplos, como é bom aumentar a própria luz para andar com segurança e firmeza pelos caminhos humanos.

Meditação: “Todo homem tem na Terra uma missão, grande ou pequena; qualquer que ela seja, sempre lhe é dada para o bem; falseá-la em seu princípio é, pois falir ao seu desempenho”. (Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII, item 9 – segundo parágrafo)

Eixo Transversal: Educar os Sentimentos

� Compreender as interações entre sentimento, pensamento e vontade para a realização da reforma íntima;

� Reconhecer na vida em sociedade e nos desafios cotidianos oportunidades

necessárias para educar os sentimentos;

� Identificar que educar sentimentos é um processo que deve ser exercido

com protagonismo.

Page 57: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

57

Ação dos Espíritos sobre os fluidos (Allan Kardec, in “A Gênese” – cap. XIV, itens 13 a 15)

13. - Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos da luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é do som.

14. - Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não manipulando-os como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.

Algumas vezes, essas transformações resultam de uma intenção; doutras, são produto de um pensamento inconsciente. Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera.

É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores - enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. - que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu períspirito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.

Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluídicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste1.

15. - Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som.. Pode-se pois dizer, sem receio de errar, que há, nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios2 sonoros.

Há mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório períspirito, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha

1 Revue Spirite, junho de 1859, pág. 184. - O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. VIII. 2 Nota da Editora, à 16ª edição, de 1973: Como consta no original francês. Usaríamos o termo vibrações,

definido com clareza nos modernos dicionários e plenamente consagrado na nossa literatura espírita.

Page 58: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

58

um homem, por exemplo, a ideia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.

Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Contudo, vendo a intenção, pode ela pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os pormenores, nem, ainda, afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus.

Sinais dos Tempos (Allan Kardec, in “A Gênese” – cap. XVIII, itens 1 a 26)

1. - São chegados os tempos, dizem-nos de todas as partes, marcados por Deus, em que grandes acontecimentos se vão dar para regeneração da Humanidade. Em que sentido se devem entender essas palavras proféticas?

Para os incrédulos, nenhuma importância têm; aos seus olhos, nada mais exprimem que uma crença pueril, sem fundamento. Para a maioria dos crentes, elas apresentam qualquer coisa de místico e de sobrenatural, parecendo-lhes prenunciadoras da subversão das leis da Natureza. São igualmente errôneas ambas essas interpretações; a primeira, porque envolve uma negação da Providência; a segunda, porque tais palavras não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas o cumprimento dessas leis.

2. - Tudo na criação é harmonia; tudo revela uma previdência que não se desmente, nem nas menores, nem nas maiores coisas. Temos, pois, que afastar, desde logo, toda ideia de capricho, por inconciliável com a sabedoria divina. Em segundo lugar, se a nossa época esta designada para a realização de certas coisas, é que estas têm uma razão de ser na marcha do conjunto. Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, esta submetido à lei do progresso. Ele progride, fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem e, moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Ambos esses progressos se realizam paralelamente, porquanto o melhoramento da habitação guarda relação com o do habitante. Fisicamente, o globo terráqueo há experimentado transformações que a Ciência tem comprovado e que o tornaram sucessivamente habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados. Moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens para isso concorrem pelos esforços de sua inteligência. Saneiam as regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e mais produtiva a terra.

De duas maneiras se executa esse duplo progresso: uma, lenta, gradual e insensível; a outra, caracterizada por mudanças bruscas, a cada uma das quais corresponde um movimento ascensional mais rápido, que assinala, mediante impressões bem acentuadas, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados, quanto às particularidades, ao livre-arbítrio dos homens, são, de certo modo, fatais em seu conjunto, porque estão sujeitos a leis, como os que se verificam na

Page 59: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

59

germinação, no crescimento e na maturidade das plantas. Por isso é que o movimento progressivo se efetua, às vezes, de modo parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, doutras vezes, de modo geral.

O progresso da Humanidade se cumpre, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo o que é efeito dessas leis resulta da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Quando, por conseguinte, a Humanidade está madura para subir um degrau, pode dizer-se que são chegados os tempos marcados por Deus, como se pode dizer também que, em tal estação, eles chegam para a maturação dos frutos e sua colheita.

3. - Do fato de ser inevitável, porque é da natureza o movimento progressivo da Humanidade, não se segue que Deus lhe seja indiferente e que, depois de ter estabelecido leis, se haja recolhido à inação, deixando que as coisas caminhem por si sós. Sem dúvida, suas leis são eternas e imutáveis, mas porque a sua própria vontade é eterna e constante e porque o seu pensamento anima sem interrupção todas as coisas. Esse pensamento, que em tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém a harmonia em tudo.

Cessasse ele um só instante de atuar e o Universo seria como um relógio sem pêndulo regulador. Deus, pois, vela incessantemente pela execução de suas leis e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros, encarregados de atender aos pormenores, dentro de atribuições que correspondem ao grau de adiantamento que tenham alcançado.

4. - O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável, acionado por um número incontável de inteligências, e um imenso governo em o qual cada ser inteligente tem a sua parte de ação sob as vistas do soberano Senhor, cuja vontade única mantém por toda parte a unidade. Sob o império dessa vasta potência reguladora, tudo se move, tudo funciona em perfeita ordem. Onde nos parece haver perturbações, o que há são movimentos parciais e isolados, que se nos afiguram irregulares apenas porque circunscrita é a nossa visão. Se lhes pudéssemos abarcar o conjunto, veríamos que tais irregularidades são apenas aparentes e que se harmonizam com o todo.

5. - A Humanidade tem realizado, até ao presente, incontestáveis progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes ainda um imenso progresso a realizar: o de fazerem que entre si reinem a caridade, a fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral. Não poderiam consegui-lo nem com as suas crenças, nem com as suas instituições antiquadas, restos de outra idade, boas para certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, havendo dado tudo o que comportavam, seriam hoje um entrave. Já não é somente de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento e, para isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite neles o egoísmo e o orgulho.

Tal o período em que doravante vão entrar e que marcará uma das fases principais da vida da Humanidade. Essa fase, que neste momento se elabora, é o complemento indispensável do estado precedente, como a idade viril o é da juventude. Ela podia, pois, ser prevista e predita de antemão e é por isso que se diz que são chegados os tempos determinados por Deus.

6. - Nestes tempos, porém, não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a certa região, ou a um povo, a uma raça. Trata-se de um movimento

Page 60: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

60

universal, a operar-se no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a estabelecer-se, e os homens, que mais opostos lhe são, para ela trabalham a seu mau grado. A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, se achará possuída de ideias e de sentimentos muito diversos dos da geração presente, que se vai a passo de gigante. O velho mundo estará morto e apenas viverá na História, como o estão hoje os tempos da Idade Média, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.

Aliás, todos sabem quanto ainda deixa a desejar a atual ordem de coisas. Depois de se haver, de certo modo, considerado todo o bem-estar material, produto da inteligência, logra-se compreender que o complemento desse bem-estar somente pode achar-se no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, tanto mais se sente o que falta, sem que, entretanto, se possa ainda definir claramente o que seja: é isso efeito do trabalho íntimo que se opera em prol da regeneração. Surgem desejos, aspirações, que são como que o pressentimento de um estado melhor.

7. - Mas, uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente, luta de ideias. Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais foram consequência do estado de formação da Terra. Hoje, não são mais as entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade.

8. - Se a Terra já não tem que temer os cataclismos gerais, nem por isso deixa de estar sujeita a periódicas revoluções, cujas causas, do ponto de vista científico, se encontram explicadas nas instruções seguintes, promanantes de dois Espíritos eminentes3:

«Cada corpo celeste, além das leis simples que presidem à divisão dos dias e das noites, das estações, etc., experimenta revoluções que demandam milhares de séculos para sua realização completa, porém que, como as revoluções mais breves, passam por todos os períodos, desde o de nascimento até o de um máximo de efeito, após o qual há decrescimento, até o limite extremo, para recomeçar em seguida o percurso das mesmas fases.

«O homem apenas apreende as fases de duração relativamente curta e cuja periodicidade ele pode comprovar. Algumas, no entanto, há que abrangem longas gerações de seres e, até, sucessões de raças, revoluções essas cujos efeitos, conseguintemente, se lhe apresentam com caráter de novidade e de espontaneidade, ao passo que, se seu olhar pudesse projetar-se para trás alguns milhares de séculos, veria, entre aqueles mesmos efeitos e suas causas, uma correlação de que nem sequer suspeita. Esses períodos que, pela sua extensão relativa, confundem a imaginação dos humanos, não são, contudo, mais do que instantes na duração eterna.

«Num mesmo sistema planetário, todos os corpos que o constituem reagem uns sobre os outros; todas as influências físicas são nele solidárias e nem um só há, dos efeitos que designais pelo nome de grandes perturbações, que não seja consequência da componente das influências de todo o sistema.

3 Extrato de duas comunicações dadas na Sociedade de Paris e publicadas na Revue Spirite de outubro de

1868, pág. 313. São corolários das de Galileu, reproduzidas no capítulo VI, e complementares do capítulo IX, sobre as revoluções do globo.

Page 61: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

61

«Vou mais longe: digo que os sistemas planetários reagem uns sobre os outros, na razão da proximidade ou do afastamento resultantes do movimento de translação deles, através das miríades de sistemas que compõem a nossa nebulosa. Ainda vou mais longe: digo que a nossa nebulosa, que é um como arquipélago na imensidade, tendo também seu movimento de translação através das miríades de nebulosas, sofre a influência das de que ela se aproxima.

«De sorte que as nebulosas reagem sobre as nebulosas, os sistemas reagem sobre os sistemas, corno os planetas reagem sobre os planetas, como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros e assim sucessivamente até ao átomo. Dal, em cada mundo, revoluções locais ou gerais, que sê não parecem perturbações porque a brevidade da vida não permite se lhes percebam mais do que os efeitos parciais.

«A matéria orgânica não poderia escapar a essas influências; as perturbações que ela sofre podem, pois, alterar o estado físico dos seres vivos e determinar algumas dessas enfermidades que atacam de modo geral as plantas, os animais e os homens, enfermidades que, como todos os flagelos, são, para a inteligência humana, um estimulante que a impele, por forca da necessidade, a procurar meios de os combater e a descobrir leis da Natureza.

«Mas a matéria orgânica, a seu turno, reage sobre o Espírito. Este, pelo seu contato e sua ligação íntima com os elementos materiais, também sofre influências que lhe modificam as disposições, sem, no entanto, privá-lo do livre-arbítrio, que lhe sobrexcitam ou atenuam a atividade e que, pois, contribuem para o seu desenvolvimento. A efervescência que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é coisa fortuita, nem resultado de um capricho; tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescência, inconsciente a princípio, não passando de vago desejo, de aspiração indefinida por alguma coisa melhor, de certa necessidade de mudança, traduz-se por uma surda agitação, depois por atos que levam às revoluções sociais, que, acreditai-o, também têm sua periodicidade, como as revoluções físicas, pois que tudo se encadeia. Se não tivésseis a visão espiritual limitada pelo véu da matéria, veríeis as correntes fluídicas que, como milhares de fios condutores, ligam as coisas do mundo espiritual às do mundo material.

«Quando se vos diz que a Humanidade chegou a um período de transformação e que a Terra tem que se elevar na hierarquia dos mundos, nada de místico vejais nessas palavras; vede, ao contrário, a execução da uma das grandes leis fatais do Universo, contra as quais se quebra toda a má vontade humana. ARAGO.»

9. - Sim, decerto, a Humanidade se transforma, como já se transformou noutras épocas, e cada transformação se assinala por uma crise que é, para o gênero humano, o que são, para os indivíduos, as crises de crescimento.

Aquelas se tornam, muitas vezes, penosas, dolorosas, e arrebatam consigo as gerações e as instituições, mas, são sempre seguidas de uma fase de progresso material e moral.

«A Humanidade terrestre, tendo chegado a um desses períodos de crescimento, está em cheio, há quase um século, no trabalho da sua transformação, pelo que a vemos agitar-se de todos os lados, presa de uma espécie de febre e como que impelida por invisível força. Assim continuará, até que se haja outra vez estabilizado em novas bases. quem a observar, então, achá-la-á muito mudada em seus costumes, em seu caráter, nas suas leis, em suas crenças, numa palavra: em todo o seu estado social.

Page 62: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

62

«Uma coisa que vos parecerá estranhável, mas que por isso não deixa de ser rigorosa verdade, é que o mundo dos Espíritos, mundo que vos rodeia, experimenta o contrachoque de todas as comoções que abalam o mundo dos encarnados.

Digo mesmo que aquele toma parte ativa nessas comoções. Nada tem isto de surpreendente, para quem sabe que os Espíritos fazem corpo com a Humanidade; que eles saem dela e a ela têm de voltar, sendo, pois, natural se interessem pelos movimentos que se operam entre os homens. Ficai, portanto, certos de que, quando uma revolução social se produz na Terra, abala igualmente o mundo invisível, onde todas as paixões, boas e más, se exacerbam, como entre vós. Indizível efervescência entra a reinar na coletividade dos Espíritos que ainda pertencem ao vosso mundo e que aguardam o momento de a ele volver.

«À agitação dos encarnados e desencarnados se juntam às vezes, e frequentemente mesmo, já que tudo se conjuga em a Natureza, as perturbações dos elementos físicos. Dá-se então, durante algum tempo, verdadeira confusão geral, mas que passa como furacão, após o qual o céu volta a estar sereno, e a Humanidade, reconstituída sobre novas bases, imbuída de novas ideias, começa a percorrer nova etapa de progresso.

«É no período que ora se inicia que o Espiritismo florescerá e dará frutos. Trabalhais, portanto, mais para o futuro, do que para o presente. Era, porém, necessário que esses trabalhos se preparassem antecipadamente, porque eles traçam as sendas da regeneração, pela unificação e racionalidade das crenças. Ditosos os que deles aproveitam desde já. Tantas penas se pouparão esses, quantos forem os proveitos que deles aufiram. Doutor BARRY.»

10. - Do que precede resulta que, em consequência do movimento de translação que executam no espaço, os corpos celestes exercem, uns sobre os outros, maior ou menor influência, conforme a proximidade em que se achem entre si e as suas respectivas posições; que essa influência pode acarretar uma perturbação momentânea aos seus elementos constitutivos e modificar as condições de vitalidade dos seus habitantes; que a regularidade dos movimentos determina a volta periódica das mesmas causas e dos mesmos efeitos; que, se demasiado curta é a duração de certos períodos para que os homens os apreciem, outros veem passar gerações e raças que deles não se apercebem e às quais se afigura normal o estado de coisas que observam. Ao contrário, as gerações contemporâneas da transição lhe sofrem o contrachoque e tudo lhes parece fora das leis ordinárias. Essas gerações veem uma causa sobrenatural, maravilhosa, miraculosa no que, em realidade, mais não é do que a execução das leis da Natureza.

Se, pelo encadeamento e a solidariedade das causas e dos efeitos, os períodos de renovação moral da Humanidade coincidem, como tudo leva a crer, com as revoluções físicas do globo, podem os referidos períodos ser acompanhados ou precedidos de fenômenos naturais, insólitos para os que com eles não se acham familiarizados, de meteoros que parecem estranhos, de recrudescência e intensificação desusadas dos flagelos destruidores, que não são nem causa, nem presságios sobrenaturais, mas uma consequência do movimento geral que se opera no mundo físico e no mundo moral.

Anunciando a época de renovação que se havia de abrir para a Humanidade e determinar o fim do velho mundo, a Jesus, pois, foi lícito dizer que ela se assinalaria por fenômenos extraordinários, tremores de terra, flagelos diversos, sinais no céu, que mais

Page 63: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

63

não são do que meteoros, sem ab-rogação das leis naturais. O vulgo, porém, ignorante, viu nessas palavras a predição de fatos miraculosos4.

11. - A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada apresenta de surpreendente, quando feita por seres desmaterializados, que veem o fim a que tendem todas as coisas, tendo alguns deles conhecimento direto do pensamento de Deus. Pelos movimentos parciais, esses seres veem em que época poderá operar-se um movimento geral, do mesmo modo que o homem pode calcular de antemão o tempo que uma árvore levará para dar frutos, do mesmo modo que os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico, pelo tempo que um astro gasta para efetuar a sua revolução.

12. - A Humanidade é um ser coletivo em quem se operam as mesmas revoluções morais por que passa todo ser individual, com a diferença de que umas se realizam de ano em ano e as outras de século em século. Acompanhe-se a Humanidade em suas evoluções através dos tempos e ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia especial.

13. - De duas maneiras se opera, como já o dissemos, a marcha progressiva da Humanidade: uma, gradual, lenta, imperceptível, se se considerarem as épocas consecutivas, a traduzir-se por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, melhoras que só com a continuação se podem perceber, como as mudanças que as correntes d’água ocasionam na superfície do globo; a outra, por movimentos relativamente bruscos, semelhantes aos de uma torrente que, rompendo os diques que a continham, transpõe nalguns anos o espaço que levaria séculos a percorrer. É, então, um cataclismo moral que traga em breves instantes as instituições do passado e ao qual sobrevém uma nova ordem de coisas que pouco a pouco se estabiliza, à medida que se restabelece a calma, e que acaba por se tornar definitiva.

Àquele que viva bastante para abranger com a vista as duas vertentes da nova fase, parecerá que um mundo novo surgiu das ruínas do antigo. O caráter, os costumes, os usos, tudo está mudado. É que, com efeito, surgiram homens novos, ou, melhor, regenerados. As ideias, que a geração que se extinguiu levou consigo, cederam lugar a ideias novas que desabrocham com a geração que se ergue.

14. - Tornada adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais vastas e mais elevadas; compreende o vazio com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para lhe dar felicidade; já não encontra, no estado das coisas, as satisfações legítimas a que se sente com direito. Despoja-se, em consequência, das faixas infantis e se lança, impelida por irresistível força, para as margens desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados,

É a um desses períodos de transformação, ou, se o preferirem, de crescimento moral, que ora chega a Humanidade. Da adolescência chega ao estado viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela já não pode ser conduzida pelos mesmos métodos; não mais se deixa levar por ilusões, nem fantasmagorias; sua razão amadurecida reclama alimentos mais substanciosos. É demasiado efêmero o presente; ela sente que mais amplo é o seu destino e que a vida 4 A terrível epidemia que, de 1866 a 1868, dizimou a população da Ilha Maurícia, teve a precedê-la tão extraordinária e tão abundante chuva de estrelas cadentes, em novembro de 1866, que aterrorizou os habitantes daquela ilha. A partir desse momento, a doença, que reinava desde alguns meses de forma muito benigna, se transformou em verdadeiro flagelo devastador. Aquele fora bem um sinal no céu e talvez nesse sentido é que se deva entender a frase - estrelas caindo do céu, de que fala o Evangelho, como sendo um dos sinais dos tempos. (Pormenores sobre a epidemia da ilha Maurícia: Revue Spirite, de julho de 1867, pág. 208, e novembro de 1868, pág. 321.)

Page 64: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

64

corpórea é excessivamente restrita para encerrá-lo inteiramente. Por isso, mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de descobrir num ou noutro o mistério da sua existência e de adquirir uma consoladora certeza.

E é no momento em que ela se encontra muito apertada na esfera material, em que transbordante se encontra de vida intelectual, em que o sentimento da espiritualidade lhe desabrocha no seio, que homens que se dizem filósofos pretendem encher o vazio com as doutrinas da nadismo e do materialismo! Singular aberração! Esses mesmos homens, que intentam impelir para a frente a Humanidade, se esforçam por circunscrevê-la no acanhado círculo da matéria, donde ela anseia por escapar-se. Velam-lhe o aspecto da vida infinita e lhe dizem, apontando para o túmulo: Nec plus ultra!

15. - Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos terá compreendido que ele abre à Humanidade uma estrada nova e lhe desvenda os horizontes do infinito. Iniciando-a nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe o seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual, como no estado corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe donde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe revela em sua realidade, despojado dos prejuízos da ignorância e da superstição. Já na se trata de uma vaga esperança, mas de uma verdade palpável, tão certa como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha limitado a alguns instantes de uma existência transitória; que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte; que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que haja ganho em perfeição; em suas existências anteriores depara com a razão do que é hoje e reconhece que: do que ele é hoje, qual se fez a si mesmo, poderá deduzir o que virá a ser um dia.

16. - Com a ideia de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização se limitam à vida presente, que, antes, a criatura nada foi e nada será depois, em que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Não fica perdido para ele todo o progresso, pois que deste nenhum proveito tirará? De que lhe serve trabalhar para os que hão de vir depois, se nunca lhe será dado conhecê-los, se os seus pósteros serão criaturas novas, que pouco depois voltarão por sua vez ao nada?

Sob o domínio da negação do futuro individual, tudo forçosamente se amesquinha às insignificantes proporções do momento e da personalidade.

Entretanto, que amplitude, ao contrário, dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade do seu ser espiritual! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador do que a lei segundo a qual a vida espiritual e a vida corpórea são apenas dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo há e de mais consolador do que a ideia de estarem os mesmos seres a progredir incessantemente, primeiro, através das gerações de um mesmo mundo, de mundo em mundo depois, até à perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, então, uma finalidade, porquanto, trabalhando para todos, cada um trabalha para si e reciprocamente, de sorte que nunca se podem considerar infecundos nem o progresso individual, nem o progresso coletivo. De ambos esses progressos aproveitarão as gerações e as individualidades porvindouras, que outras não virão a ser senão as gerações e as individualidades passadas, em mais alto grau de adiantamento.

17. - A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, não

Page 65: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

65

a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinito, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer; que não dele, porém dos homens vem o mal, todos se considerarão filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos uns aos outros.

Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.

18. - O progresso intelectual realizado até ao presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca uma primeira fase no avanço geral da Humanidade; impotente, porém, ele é para regenerá-la. Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.

19. - Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a concórdia, a paz, a fraternidade.

Será ele que deitará por terra as barreiras que separam os povos, que fará caiam os preconceitos de casta e se calem os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se considerarem irmãos que têm por dever auxiliarem-se mutuamente e não destinados a viver à custa uns dos outros.

Será ainda o progresso moral que, secundado então pelo da inteligência, confundirá os homens numa mesma crença fundada nas verdades eternas, não sujeitas a controvérsias e, em consequência, aceitáveis por todos.

A unidade de crença será o laço mais forte, o fundamento mais sólido da fraternidade universal, obstada, desde todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem sejam uns, os dissidentes, vistos, pelos outros, como inimigos a serem evitados, combatidos, exterminados, em vez de irmãos a serem amados.

20. - Semelhante estado de coisas pressupõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não se podia realizar senão fora do círculo das ideias acanhadas e corriqueiras que fomentam o egoísmo.

Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho; mas, ainda muito jovem, ela se conservou surda e os ensinamentos que eles ministraram foram como a boa semente caída no pedregulho.

Hoje, a Humanidade está madura para lançar o olhar a alturas que nunca tentou divisar, a fim de nutrir-se de ideias mais amplas e compreender o que antes não compreendia.

A geração que desaparece levará consigo seus erros e prejuízos; a geração que surge, retemperada em fonte mais pura, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo ascensional movimento, no sentido do progresso moral que assinalará a nova fase da evolução humana.

21. - Essa fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis e que começam a encontrar eco. Assim é que vemos fundar-se uma imensidade de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o influxo e por iniciativa de

Page 66: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

66

homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais se vão apresentando dia a dia impregnadas de sentimentos mais humanos. Enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de realizarem suas transações, eles suprimem as barreiras que os separavam e de todos os pontos do mundo reúnem-se em comícios universais, para as justas pacificas da inteligência.

Falta, porém, a essas reformas uma base que permita se desenvolvam, completem e consolidem; falta uma predisposição moral mais generalizada, para fazer que elas frutifiquem e que as massas as acolham. Ainda aí há um sinal característico da época, porque há o prelúdio do que se efetuará em mais larga escala, à proporção que o terreno se for tornando mais favorável.

22. - Outro sinal não menos característico do período em que entramos encontra-se na reação que se opera no sentido das ideias espiritualistas; na repulsão instintiva que se manifesta contra as ideias materialistas. O espírito de incredulidade, que se apoderara das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as levava a rejeitar com a forma a substância mesma de toda crença, parece ter sido um sono, a cujo despertar se sente a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, lá onde o vácuo se fizera, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio.

23. - Se supusermos possuída desses sentimentos a maioria dos homens, poderemos facilmente imaginar as modificações que dai decorrerão para as relações sociais; todos terão por divisa: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças. É a meta para que tende evidentemente a Humanidade; esse o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que, entretanto, ela perceba claramente por que meio as há de realizar. Ensaia, tateia, mas é detida por muitas resistências ativas, ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. Faz-se-lhe mister vencer tais resistências e essa será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir caminho. Ela terá por si a dupla força do número e das ideias e, de acréscimo, a experiência do passado.

24. - A nova geração marchará, pois, para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que houver chegado. Avançando para o mesmo alvo e realizando seus objetivos, o Espiritismo se encontrará com ela no mesmo terreno. Aos homens progressistas se deparará nas ideias espíritas poderosa alavanca e o Espiritismo achará, nos novos homens, espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Dado esse estado de coisas, que poderão fazer os que entendam de opor-se-lhe?

25. - O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento. Surgiu na hora em que podia ser de utilidade, visto que também para ele os tempos são chegados. Se viera mais cedo, teria esbarrado em obstáculos insuperáveis; houvera inevitavelmente sucumbido, porque, satisfeitos com o que tinham, os homens ainda não sentiriam. falta do que ele lhes traz. Hoje, nascido com as ideias que fermentam, encontra preparado o terreno para recebê-lo. Os espíritos cansados da dúvida e da incerteza, horrorizados com o abismo que se lhes abre à frente, o acolhem como âncora de salvação e consolação suprema.

Page 67: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

67

26. - Grande, por certo, é ainda o número dos retardatários; mas, que podem eles contra a onda que se alteia, senão atirar-lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que surge, ao passo que eles se somem com a geração que vai desaparecendo todos os dias a passos largos. Até lá, porém, eles defenderão palmo a palmo o terreno. Haverá, portanto, uma luta inevitável, mas luta desigual, porque é a do passado decrépito, a cair em frangalhos, contra o futuro juvenil. Será a luta da estagnação contra o progresso, da criatura contra a vontade do Criador, uma vez que chegados são os tempos por ele determinados.

Esquecimento do Passado (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap.

V, item 11)

Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes.

Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais.

Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.

Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.

Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.

Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do passado; nada mais há, portanto, do que uma interrupção temporária, semelhante à que se dá na vida terrestre durante o sono, a qual não obsta a que, no dia seguinte, nos recordemos do que tenhamos feito na véspera e nos dias precedentes.

E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança dó passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe por que sofre e que sofre com justiça. A lembrança unicamente se apaga no curso da vida exterior, da vida de relação. Mas, na falta de uma recordação exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicá-lo nas suas relações sociais, forças novas haure ele nesses instantes de emancipação da alma, se os sabe aproveitar.

Page 68: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

68

Motivos de Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V,

itens 12 e 13)

12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como prelúdio da cura.

Também podem essas palavras ser traduzidas assim: Deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura. Deveis, pois, sentir-vos felizes por reduzir Deus a vossa dívida, permitindo que a saldeis agora, o que vos garantirá a tranquilidade no porvir.

O homem que sofre assemelha-se a um devedor de avultada soma, a quem o credor diz: "Se me pagares hoje mesmo a centésima parte do teu débito, quitar-te-ei do restante e ficarás livre; se o não fizeres, atormentar-te-ei, até que pagues a última parcela." Não se sentiria feliz o devedor por suportar toda espécie de privações para se libertar, pagando apenas a centésima parte do que deve? Em vez de se queixar do seu credor, não lhe ficará agradecido?

Tal o sentido das palavras: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados."

São ditosos, porque se quitam e porque, depois de se haverem quitado, estarão livres. Se, porém, o homem, ao quitar-se de um lado, endivida-se de outro, jamais poderá alcançar a sua libertação. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, porquanto nenhuma há, qualquer que ela seja, que não acarrete forçosa e inevitavelmente uma punição. Se não for hoje, será amanhã; se não for na vida atual, será noutra. Entre essas faltas, cumpre se coloque na primeira fiada a carência de submissão à vontade de Deus. Logo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com resignação e como algo que devemos ter merecido, se acusarmos a Deus de ser injusto, nova dívida contraímos, que nos faz perder o fruto que devíamos colher do sofrimento. E por isso que teremos de recomeçar, absolutamente como se, a um credor que nos atormente, pagássemos uma cota e a tomássemos de novo por empréstimo.

Ao entrar no mundo dos Espíritos, o homem ainda está como o operário que comparece no dia do pagamento. A uns dirá o Senhor: "Aqui tens a paga dos teus dias de trabalho"; a outros, aos venturosos da Terra, aos que hajam vivido na ociosidade, que tiverem feito consistir a sua felicidade nas satisfações do amor-próprio e nos gozos mundanos: "Nada vos toca, pois que recebestes na Terra o vosso salário. Ide e recomeçai a tarefa."

13. O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena. Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento. Ora, aquele que a encara pelo prisma da vida espiritual apanha, num golpe de vista, a vida corpórea. Ele a vê como um ponto no infinito, compreende-lhe a curteza e reconhece que esse penoso momento terá presto passado. A certeza de um próximo futuro mais ditoso o sustenta e anima e, longe de se queixar, agradece ao Céu as dores que o fazem avançar. Contrariamente, para aquele que apenas vê a vida corpórea, interminável lhe parece esta, e a dor o oprime com todo o seu peso. Daquela maneira de considerar a vida, resulta ser diminuída a importância das coisas deste mundo, e sentir-se compelido o homem a moderar seus desejos, a contentar-se com a sua posição, sem invejar a dos outros, a receber atenuada a impressão dos reveses

Page 69: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

69

e das decepções que experimente. Dai tira ele uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo quanto à da alma, ao passo que, com a inveja, o ciúme e a ambição, voluntariamente se condena à tortura e aumenta as misérias e as angústias da sua curta existência.

A Melancolia (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 25)

Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos corações e vos leva a considerar amarga a vida? E que vosso Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se esgota, jungido ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele.

Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais infelizes.

Crede-me, resisti com energia a essas impressões que vos enfraquecem a vontade. São inatas no espírito de todos os homens as aspirações por uma vida melhor; mas, não as busqueis neste mundo e, agora, quando Deus vos envia os Espíritos que lhe pertencem, para vos instruírem acerca da felicidade que Ele vos reserva, aguardai pacientemente o anjo da libertação, para vos ajudar a romper os liames que vos mantêm cativo o Espírito. Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra. - François de Genève. (Bordéus.)

O Jugo Leve (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. VI, itens 1 e 2)

1. Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo. (S. Mateus, cap. XI, vv. 28 a 30.)

2. Todos os sofrimentos: misérias, decepções, dores físicas, perda de seres amados, encontram consolação em a fé no futuro, em a confiança na justiça de Deus, que o Cristo veio ensinar aos homens. Sobre aquele que, ao contrário, nada espera após esta vida, ou que simplesmente duvida, as aflições caem com todo o seu peso e nenhuma esperança lhe mitiga o amargor. Foi isso que levou Jesus a dizer: "Vinde a mim todos vós que estais fatigados, que eu vos aliviarei."

Entretanto, faz depender de uma condição a sua assistência e a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na lei por ele ensinada. Seu jugo é a observância dessa lei; mas, esse jugo é leve e a lei é suave, pois que apenas impõe, como dever, o amor e a caridade.

O Orgulho e a Humildade (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap.

VII, itens 11 e 12)

11. Que a paz do Senhor seja convosco, meus queridos amigos! Aqui venho para encorajar-vos a seguir o bom caminho.

Page 70: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

70

Aos pobres Espíritos que habitaram outrora a Terra, conferiu Deus a missão de vos esclarecer. Bendito seja Ele, pela graça que nos concede: a de podermos auxiliar o vosso aperfeiçoamento. Que o Espírito Santo me ilumine e ajude a tomar compreensível a minha palavra, outorgando-me o favor de pô-la ao alcance de todos! Oh! vós, encarnados, que vos achais em prova e buscais a luz, que a vontade de Deus venha em meu auxílio para fazê-la brilhar aos vossos olhos!

A humildade é virtude muito esquecida entre vós. Bem pouco seguidos são os exemplos que dela se vos têm dado. Entretanto, sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso próximo? Oh! não, pois que este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos são irmãos, que se devem auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis um vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos dAquele que nos salvou; lembrai-vos da sua humildade, que tão grande o fez, colocando-o acima de todos os profetas.

O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se o Cristo prometia o reino dos céus aos mais pobres, é porque os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são recompensas deferidas aos seus méritos e se consideram de essência mais pura do que a do pobre. Julgam que os títulos e as riquezas lhes são deferidas; pelo que, quando Deus lhos retira, o acusam de injustiça. Oh! irrisão e cegueira! Pois, então, Deus vos distingue pelos corpos? O envoltório do pobre não é o mesmo que o do rico? Terá o Criador feito duas espécies de homens? Tudo o que Deus faz é grande e sábio; não lhe atribuais nunca as ideias que os vossos cérebros orgulhosos engendram.

Ó rico! Enquanto dormes sob dourados tetos, ao abrigo do frio, ignoras que jazem sobre a palha milhares de irmãos teus, que valem tanto quanto tu? Não é teu igual o infeliz que passa fome? Ao ouvires isso, bem o sei, revolta-se o teu orgulho. Concordarás em dar-lhe uma esmola, mas em lhe apertar fraternalmente a mão, nunca. "Pois quê! dirás, eu, de sangue nobre, grande da Terra, igual a este miserável coberto de andrajos! Vã utopia de pseudo-filósofos! Se fôssemos iguais, por que o teria Deus colocado tão baixo e a mim tão alto?" E exato que as vossas vestes não se assemelham; mas, despi-vos ambos: que diferença haverá entre vós? A nobreza do sangue, dirás; a química, porém, ainda nenhuma diferença descobriu entre o sangue de um grão-senhor e o de um plebeu; entre o do senhor e o do escravo. Quem te garante que também tu já não tenhas sido miserável e desgraçado como ele?

Que também não hajas pedido esmola? Que não a pedirás um dia a esse mesmo a quem hoje desprezas? São eternas as riquezas? Não desaparecem quando se extingue o corpo, envoltório perecível do teu Espírito? Ah! lança sobre ti um pouco de humildade! Põe os olhos, afinal, na realidade das coisas deste mundo, sobre o que dá lugar ao engrandecimento e ao rebaixamento no outro; lembra-te de que a morte não te poupará, como a nenhum homem; que os teus títulos não te preservarão do seu golpe; que ela te poderá ferir amanhã, hoje, a qualquer hora. Se te enterras no teu orgulho, oh! quanto então te lamento, pois bem digno de compaixão serás.

Orgulhosos! Que éreis antes de serdes nobres e poderosos? Talvez estivésseis abaixo do último dos vossos criados. Curvai, portanto, as vossas frontes altaneiras, que Deus pode fazer se abaixem, justo no momento em que mais as elevardes. Na balança divina, são iguais todos os homens; só as virtudes os distinguem aos olhos de Deus. São da mesma essência todos os Espíritos e formados de igual massa todos os corpos.

Page 71: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

71

Em nada os modificam os vossos títulos e os vossos nomes. Eles permanecerão no túmulo e de modo nenhum contribuirão para que gozeis da ventura dos eleitos. Estes, na caridade e na humildade é que tem seus títulos de nobreza.

Pobre criatura! és mãe, teus filhos sofrem; sentem frio; tem fome, e tu vais, curvada ao peso da tua cruz, humilhar-te, para lhes conseguires um pedaço de pão! Oh! inclino-me diante de ti. Quão nobremente santa és e quão grande aos meus olhos! Espera e ora; a felicidade ainda não é deste mundo. Aos pobres oprimidos que nele confiam, concede Deus o reino dos céus.

E tu, donzela, pobre criança lançada ao trabalho, às privações, por que esses tristes pensamentos? Por que choras? Dirige a Deus, piedoso e sereno, o teu olhar: ele dá alimento aos passarinhos; tem-lhe confiança: ele não te abandonará. O ruído das festas, dos prazeres do mundo, faz bater-te o coração; também desejaras adornar de flores os teus cabelos e misturar-te com os venturosos da Terra. Dizes de ti para contigo que, como essas mulheres que vês passar, despreocupadas e risonhas, também poderias ser rica. Oh! caia-te, criança! Se soubesses quantas lágrimas e dores inomináveis se ocultam sob esses vestidos recamados, quantos soluços são abafados pelos sons dessa orquestra rumorosa, preferirias o teu humilde retiro e a tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos de Deus, se não queres que o teu anjo guardião para o seu seio volte, cobrindo o semblante com as suas brancas asas e deixando-te com os teus remorsos, sem guia, sem amparo, neste mundo, onde ficarias perdida, a aguardar a punição no outro.

Todos vós que dos homens sofreis injustiças, sede indulgentes para as faltas dos vossos irmãos, ponderando que também vós não vos achais isentos de culpas; é isso caridade, mas é igualmente humildade. Se sofreis pelas calúnias, abaixai a cabeça sob essa prova. Que vos importam as calúnias do mundo? Se é puro o vosso proceder, não pode Deus vo-las compensar? Suportar com coragem as humilhações dos homens é ser humilde e reconhecer que somente Deus é grande e poderoso.

Oh! meu Deus, será preciso que o Cristo volte segunda vez à Terra para ensinar aos homens as tuas leis, que eles olvidam? Terá que de novo expulsar do templo os vendedores que conspurcam a tua casa, casa que é unicamente de oração? E, quem sabe? ó homens! se o não renegaríeis como outrora, caso Deus vos concedesse essa graça! Chamar-lhe-íeis blasfemador, porque abateria o orgulho dos modernos fariseus. E bem possível que o fizésseis perlustrar novamente o caminho do Gólgota.

Quando Moisés subiu ao monte Sinai para receber os mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o Deus verdadeiro. Homens e mulheres deram o ouro e as joias que possuíam, para que se construísse um ídolo que entraram a adorar. Vós outros, homens civilizados, os imitais. O Cristo vos legou a sua doutrina; deu-vos o exemplo de todas as virtudes e tudo abandonastes, exemplos e preceitos. Concorrendo para isso com as vossas paixões, fizestes um Deus a vosso jeito: segundo uns, terrível e sanguinário; segundo outros, alheado dos interesses do mundo. O Deus que fabricastes é ainda o bezerro de ouro que cada um adapta aos seus gostos e às suas ideias.

Despertai, meus irmãos, meus amigos. Que a voz dos Espíritos ecoe nos vossos corações. Sede generosos e caridosos, sem ostentação, isto é, fazei o bem com humildade.

Que cada um proceda pouco a pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho.

Numa palavra: sede verdadeiros cristãos e tereis o reino da verdade. Não continueis a duvidar da bondade de Deus, quando dela vos dá ele tantas provas. Vimos

Page 72: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

72

preparar os caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor vos der uma manifestação mais retumbante da sua clemência, que o enviado celeste já vos encontre formando uma grande família; que os vossos corações, mansos e humildes, sejam dignos de ouvir a palavra divina que ele vos vem trazer; que ao eleito somente se deparem em seu caminho as palmas que aí tenhais deposto, volvendo ao bem, à caridade, à fraternidade. Então, o vosso mundo se tornará o paraíso terrestre. Mas, se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para depurar e renovar a vossa sociedade civilizada, rica de ciências, mas, no entanto, tão pobre de bons sentimentos, ah! então não nos restará senão chorar e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não será. Voltai para Deus, vosso pai, e todos nós que houvermos contribuído para o cumprimento da sua vontade entoaremos o cântico de ação de graças, agradecendo-lhe a inesgotável bondade e glorificando-o por todos os séculos dos séculos. Assim seja. Lacordaire. (Constantina, 1863.)

12. Homens, por que vos queixais das calamidades que vós mesmos amontoastes sobre as vossas cabeças? Desprezastes a santa e divina moral do Cristo; não vos espanteis, pois, de que a taça da iniquidade haja transbordado de todos os lados.

Generaliza-se o mal-estar. A quem inculpar, senão a vós que incessantemente procurais esmagar-vos uns aos outros? Não podeis ser felizes, sem mútua benevolência; mas, como pode a benevolência coexistir com o orgulho? O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males. Aplicai-vos, portanto, em destruí-lo, se não lhe quiserdes perpetuar as funestas consequências. Um único meio se vos oferece para isso, mas infalível: tomardes para regra invariável do vosso proceder a lei do Cristo, lei que tendes repelido ou falseado em sua interpretação.

Por que haveis de ter em maior estima o que brilha e encanta os olhos, do que o que toca o coração? Por que fazeis do vício na opulência objeto das vossas adulações, ao passo que desdenhais do verdadeiro mérito na obscuridade? Apresente-se em qualquer parte um rico debochado, perdido de corpo e alma, e todas as portas se lhe abrem, todas as atenções são para ele, enquanto ao homem de bem, que vive do seu trabalho, mal se dignam todos de saudá-lo com ar de proteção. Quando a consideração dispensada aos outros se mede pelo ouro que possuem ou pelo nome de que usam, que interesse podem eles ter em se corrigirem de seus defeitos?

Dar-se-ia o inverso, se a opinião geral fustigasse o vicio dourado, tanto quanto o vicio em andrajos; mas, o orgulho se mostra indulgente para com tudo o que o lisonjeia. Século de cupidez e de dinheiro, dizeis. Sem dúvida; mas por que deixastes que as necessidades materiais sobrepujassem o bom senso e a razão? Por que há de cada um querer elevar-se acima de seu irmão? Desse fato sofre hoje a sociedade as consequências.

Não esqueçais que tal estado de coisas é sempre sinal certo de decadência moral. Quando o orgulho chega ao extremo, tem-se um indicio de queda próxima,

porquanto Deus nunca deixa de castigar os soberbos. Se por vezes consente que eles subam, é para lhes dar tempo a reflexão e a que se emendem, sob os golpes que de quando em quando lhes desfere no orgulho para os advertir. Mas, em lugar de se humilharem, eles se revoltam. Então, cheia a medida, Deus os abate completamente e tanto mais horrível lhes é a queda, quanto mais alto hajam subido.

Pobre raça humana, cujo egoísmo corrompeu todas as sendas, toma novamente coragem, apesar de tudo. Em sua misericórdia infinita, Deus te envia poderoso remédio para os teus males, um inesperado socorro à tua miséria. Abre os olhos à luz: aqui estão as almas dos que já não vivem na Terra e que te vêm chamar ao cumprimento dos deveres

Page 73: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

73

reais. Eles te dirão, com a autoridade da experiência, quanto as vaidades e as grandezas da vossa passageira existência são mesquinhas a par da eternidade. Dir-te-ão que, lá, o maior é aquele que haja sido o mais humilde entre os pequenos deste mundo; que aquele que mais amou os seus irmãos será também o mais amado no céu; que os poderosos da Terra, se abusaram da sua autoridade, ver-se-ão reduzidos a obedecer aos seus servos; que, finalmente, a humildade e a caridade, irmãs que andam sempre de mãos dadas, são os meios mais eficazes de se obter graça diante do Eterno. - Adolfo, bispo de Argel. (Marmande, 1862.)

Simplicidade e Pureza de Coração (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo”

– cap. VIII, itens 1 a 4)

1. Bem-aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus. (S. Mateus, cap. V, v. 8.)

2. Apresentaram-lhe então algumas crianças, a fim de que ele as tocasse, e, como seus discípulos afastassem com palavras ásperas os que lhas apresentavam, Jesus, vendo isso, zangou-se e lhes disse: “Deixai que venham a mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino dos céus é para os que se lhes assemelham. - Digo-vos, em verdade, que aquele que não receber o reino de Deus como uma criança, nele não entrará.” - E, depois de as abraçar, abençoou-as, impondo-lhes as mãos. (S. MARCOS, cap. X, vv. 13 a 16.)

3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da humildade. Exclui toda ideia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma a infância como emblema dessa pureza, do mesmo modo que a tomou como o da humildade.

Poderia parecer menos justa essa comparação, considerando-se que o Espírito da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida corporal, as imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes existências. Só um Espírito que houvesse chegado à perfeição nos poderia oferecer o tipo da verdadeira pureza. E exata a comparação, porém, do ponto de vista da vida presente, porquanto a criancinha, não havendo podido ainda manifestar nenhuma tendência perversa, nos apresenta a imagem da inocência e da candura.

Daí o não dizer Jesus, de modo absoluto, que o reino dos céus é para elas, mas para os que se lhes assemelhem.

4. Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se, em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as ideias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.

Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente seja proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente precoces. Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito entra em perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando, por certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades permanecem em estado latente. E necessário esse estado de transição para que o Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua

Page 74: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

74

nova existência, tudo aquilo que a possa entravar. Sobre ele, no entanto, reage o passado. Renasce para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente, sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida.

A partir do nascimento, suas ideias tomam gradualmente impulso, à medida que os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda adormecidas as ideias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o tempo em que seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo, mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo progredir, o que toma mais fácil a tarefa que incumbe aos pais.

O Espírito, pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim, Jesus está com a verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a criança por símbolo da pureza e da simplicidade.

Pecado por Pensamentos – Adultério (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. VIII, itens 5 a 7)

5. Aprendestes que foi dito aos antigos: “Não cometereis adultério. Eu, porém, vos digo que aquele que houver olhado uma mulher, com mau desejo para com ela, já em seu coração cometeu adultério com ela.” (S. Mateus, cap. V, vv.27 e 28.)

6. A palavra adultério não deve absolutamente ser entendida aqui no sentido exclusivo da acepção que lhe é própria, porém, num sentido mais geral. Muitas vezes Jesus a empregou por extensão, para designar o mal, o pecado, todo e qualquer pensamento mau, como, por exemplo, nesta passagem: "Porquanto se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, dentre esta raça adúltera e pecadora, o Filho do Homem também se envergonhará dele, quando vier acompanhado dos santos anjos, na glória de seu Pai.” (S. Marcos, cap. VIII, v. 38.)

A verdadeira pureza não está somente nos atos; está também no pensamento, porquanto aquele que tem puro o coração, nem sequer pensa no mal. Foi o que Jesus quis dizer: ele condena o pecado, mesmo em pensamento, porque é sinal de impureza.

7. Esse principio suscita naturalmente a seguinte questão: Sofrem-se as consequências de um pensamento mau, embora nenhum efeito produza?

Cumpre se faça aqui uma importante distinção. À medida que avança na vida espiritual, a alma que enveredou pelo mau caminho se esclarece e despoja pouco a pouco de suas imperfeições, conforme a maior ou menor boa-vontade que demonstre, em virtude do seu livre-arbítrio. Todo pensamento mau resulta, pois, da imperfeição da alma; mas, de acordo com o desejo que alimenta de depurar-se, mesmo esse mau pensamento se lhe torna uma ocasião de adiantar-se, porque ela o repele com energia. É indício de esforço por apagar uma mancha. Não cederá, se se apresentar oportunidade de satisfazer a um mau desejo.

Depois que haja resistido, sentir-se-á mais forte e contente com a sua vitória. Aquela que, ao contrário, não tomou boas resoluções, procura ocasião de praticar

o mau ato e, se não o leva a efeito, não é por virtude da sua vontade, mas por falta de ensejo. E, pois, tão culpada quanto o seria se o cometesse.

Em resumo, naquele que nem sequer concebe a ideia do mal, já há progresso realizado; naquele a quem essa ideia acode, mas que a repele, há progresso em vias de realizar-se; naquele, finalmente, que pensa no mal e nesse pensamento se compraz, o mal

Page 75: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

75

ainda existe na plenitude da sua força. Num, o trabalho está feito; no outro, está por fazer-se.

Deus, que é justo, leva em conta todas essas gradações na responsabilidade dos atos e dos pensamentos do homem.

Verdadeira Pureza – Mãos não lavadas (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. VIII, itens 8 a 10)

8. Então os escribas e os fariseus, que tinham vindo de Jerusalém, aproximaram-se de Jesus e lhe disseram: “Por que violam os teus discípulos a tradição dos antigos, uma vez que não lavam as mãos quando fazem suas refeições?” Jesus lhes respondeu: “Por que violais vós outros o mandamento de Deus, para seguir a vossa tradição? Porque Deus pôs este mandamento: Honrai a vosso pai e a vossa mãe; e este outro: Seja punido de morte aquele que disser a seu pai ou a sua mãe palavras ultrajantes; e vós outros, no entanto, dizeis: Aquele que haja dito a seu pai ou a sua mãe: - Toda oferenda que faço a Deus vos é proveitosa, satisfaz à lei, - ainda que depois não honre, nem assista a seu pai ou à sua mãe. Tornam assim inútil o mandamento de Deus, pela vossa tradição.

Hipócritas, bem profetizou de vós Isaías, quando disse: Este povo me honra de lábios, mas conserva longe de mim o coração; é em vão que me honram ensinando máximas e ordenações humanas.”

Depois, tendo chamado o povo, disse: “Escutai e compreendei bem isto: - Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula. – O que sai da boca procede do coração e é o que torna impuro o homem; - porquanto do coração é que partem os maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as fornicações, os latrocínios, os falsos-testemunhos, as blasfêmias e as maledicências. - Essas são as coisas que tornam impuro o homem; o comer sem haver lavado as mãos não é o que o torna impuro.”

Então, aproximando-se, disseram-lhe seus discípulos: “Sabeis que, ouvindo o que acabais de dizer, os fariseus se escandalizaram?” - Ele, porém, respondeu: “Arrancada será toda planta que meu Pai celestial não plantou. - Deixai-os, são cegos que conduzem cegos; se um cego conduz outro, caem ambos no fosso.”( S. Mateus, cap. XV, vv. 1 a 20.)

9. Enquanto ele falava, um fariseu lhe pediu que fosse jantar em sua companhia. Jesus foi e sentou-se à mesa. - O fariseu entrou então a dizer consigo mesmo: "Por que não lavou ele as mãos antes de jantar?” Disse-lhe, porém, o Senhor: "Vós outros, fariseus, pondes grandes cuidado em limpar o exterior do copo e do prato; entretanto, o interior dos vossos corações está cheio de rapinas e de iniquidades. Insensatos que sois! aquele que fez o exterior não é o que faz também o interior?" (S. Lucas, cap. XI. vv., 37 a 40.)

10. Os judeus haviam desprezado os verdadeiros mandamentos de Deus para se aferrarem à prática dos regulamentos que os homens tinham estatuído e da rígida observância desses regulamentos faziam casos de consciência. A substância, muito simples, acabara por desaparecer debaixo da complicação da forma. Como fosse muito mais fácil praticar atos exteriores, do que se reformar moralmente, lavar as mãos do que expurgar o coração, iludiram-se a si próprios os homens, tendo-se como quites para com Deus, por se conformarem com aquelas práticas, conservando-se tais quais eram, visto se lhes ter ensinado que Deus não exigia mais do que isso. Dai o haver dito o profeta: É em vão que este povo me honra de lábios, ensinando máximas e ordenações humanas.

Page 76: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

76

Verificou-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que acabou por ser atirada para segundo plano, donde resulta que muitos cristãos, a exemplo dos antigos judeus, consideram mais garantida a salvação por meio das práticas exteriores, do que pelas da moral. E a essas adições, feitas pelos homens à lei de Deus, que Jesus alude, quando diz: Arrancada será toda planta que meu Pai celestial não plantou.

O objetivo da religião é conduzir a Deus o homem. Ora, este não chega a Deus senão quando se torna perfeito. Logo, toda religião que não torna melhor o homem, não alcança o seu objetivo. Toda aquela em que o homem julgue poder apoiar-se para fazer o mal, ou é falsa, ou está falseada em seu principio. Tal o resultado que dão as em que a forma sobreleva ao fundo. Nula é a crença na eficácia dos sinais exteriores, se não obsta a que se cometam assassínios, adultérios, espoliações, que se levantem calúnias, que se causem danos ao próximo, seja no que for. Semelhantes religiões fazem supersticiosos, hipócritas, fanáticos; não, porém, homens de bem.

Não basta se tenham as aparências da pureza; acima de tudo, é preciso ter a do coração.

Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos (Allan Kardec, in “O Evangelho

Segundo o Espiritismo” – cap. IX)

Injúrias e violências

1. Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra. (S. Mateus, cap. V, v. 4.)

2. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. (Id., v. 9.)

3. Sabeis que foi dito aos antigos: Não matareis e quem quer que mate merecerá condenação pelo juízo. - Eu, porém, vos digo que quem quer que se puser em cólera contra seu irmão merecerá condenado no juízo; que aquele que disser a seu irmão: Raca, merecerá condenado pelo conselho; e que aquele que lhe disser: És louco, merecerá condenado ao fogo do inferno. (Id., vv. 21 e 22.)

4. Por estas máximas, Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. Raca, entre os hebreus, era um termo desdenhoso que significava homem que não vale nada, e se pronunciava cuspindo e virando para o lado a cabeça. Vai mesmo mais longe, pois que ameaça com o fogo do inferno aquele que disser a seu irmão: És louco.

Evidente se torna que aqui, como em todas as circunstâncias, a intenção agrava ou atenua a falta; mas, em que pode uma simples palavra revestir-se de tanta gravidade que mereça tão severa reprovação? E que toda palavra ofensiva exprime um sentimento contrário à lei do amor e da caridade que deve presidir às relações entre os homens e manter entre eles a concórdia e a união; é que constitui um golpe desferido na benevolência recíproca e na fraternidade que entretém o ódio e a animosidade; é' enfim, que, depois da humildade para com Deus, a caridade para com o próximo é a lei primeira de todo cristão.

5. Mas, que queria Jesus dizer por estas palavras: "Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra", tendo recomendado aos homens que renunciassem aos bens deste mundo e havendo-lhes prometido os do céu?

Enquanto aguarda os bens do céu, tem o homem necessidade dos da Terra para viver.

Page 77: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

77

Apenas, o que ele lhe recomenda é que não ligue a estes últimos mais importância do que aos primeiros.

Por aquelas palavras quis dizer que até agora os bens da Terra são açambarcados pelos violentos, em prejuízo dos que são brandos e pacíficos; que a estes falta muitas vezes o necessário, ao passo que outros têm o supérfluo. Promete que justiça lhes será feita, assim na Terra como no céu, porque serão chamados filhos de Deus. Quando a Humanidade se submeter à lei de amor e de caridade, deixará de haver egoísmo; o fraco e o pacífico já não serão explorados, nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal a condição da Terra, quando, de acordo com a lei do progresso e a promessa de Jesus, se houver tornado mundo ditoso, por efeito do afastamento dos maus.

A afabilidade e a doçura

6. A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são as formas de manifestar-se. Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências. A educação e a frequentação do mundo podem dar ao homem o verniz dessas qualidades. Quantos há cuja fingida bonomia não passa de máscara para o exterior, de uma roupagem cujo talhe primoroso dissimula as deformidades interiores! O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno; que aso brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua, de ouro quando falam pela frente, se muda em dardo peçonhento, quando estão por detrás.

A essa classe também pertencem esses homens, de exterior benigno, que, tiranos domésticos, fazem que suas famílias e seus subordinados lhes sofram o peso do orgulho e do despotismo, como a quererem desforrar-se do constrangimento que, fora de casa, se impõem a si mesmos. Não se atrevendo a usar de autoridade para com os estranhos, que os chamariam à ordem, acham que pelo menos devem fazer-se temidos daqueles que lhes não podem resistir. Envaidecem-se de poderem dizer: "Aqui mando e sou obedecido", sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: "E sou detestado."

Não basta que dos lábios manem leite e mel. Se o coração de modo algum lhes está associado, só há hipocrisia. Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas nunca se desmente: é o mesmo, tanto em sociedade, como na intimidade. Esse, ao demais, sabe que se, pelas aparências, se consegue enganar os homens, a Deus ninguém engana. - Lázaro. (Paris, 1861.)

A paciência

7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes; antes, bendizei de Deus onipotente que, pela dor, neste mundo, vos marcou para a glória no céu.

Sede pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outra há, porém, muito mais penosa e, conseguintemente, muito mais meritória: a de perdoarmos aos que Deus colocou em nosso caminho para serem instrumentos do nosso sofrer e para nos porem à prova a paciência.

A vida é difícil, bem o sei. Compõe-se de mil nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém, atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por outro lado, recebemos, havemos de

Page 78: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

78

reconhecer que são as bênçãos muito mais numerosas do que as dores. O fardo parece menos pesado, quando se olha para o alto, do que quando se curva para a terra a fronte.

Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. Mais sofreu ele do que qualquer de vós e nada tinha de que se penitenciar, ao passo que vós tendes de expiar o vosso passado e de vos fortalecer para o futuro. Sede, pois, pacientes, sede cristãos. Essa palavra resume tudo. - Um Espírito amigo. (Havre, 1862.)

Obediência e resignação

8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antiguidade material desprezava. Ele veio no momento em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Veio fazer que, no seio da Humanidade deprimida, brilhassem os triunfos do sacrifico e da renúncia carnal.

Cada época é marcada, assim, com o cunho da virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual; seu vicio é a indiferença moral. Digo, apenas, atividade, porque o gênio se eleva de repente e descobre, por si só, horizontes que a multidão somente mais tarde verá, enquanto que a atividade é a reunião dos esforços de todos para atingir um fim menos brilhante, mas que prova a elevação intelectual de uma época. Submetei-vos à impulsão que vimos dar aos vossos espíritos; obedecei à grande lei do progresso, que é a palavra da vossa geração. Ai do espírito preguiçoso, ai daquele que cerra o seu entendimento! Ai dele! porquanto nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, lhe aplicaremos o látego e lhe submeteremos a vontade rebelde, por meio da dupla ação do freio e da espora. Toda resistência orgulhosa terá de, cedo ou tarde, ser vencida. Bem-aventurados, no entanto, os que são brandos, pois prestarão dócil ouvido aos ensinos. - Lázaro. (Paris, 1863.)

A cólera

9. O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? - Entregais-vos à cólera.

Pesquisai a origem desses acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.

Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito

Page 79: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

79

que deve a si mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de piedade.

Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Mas, outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida!

Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. O espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs. - Um Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)

10. Segundo a ideia falsíssima de que lhe não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa-vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados.

E assim, por exemplo, que o indivíduo, propenso a encolerizar-se, quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez de se confessar culpado, lança a culpa ao seu organismo, acusando a Deus, dessa forma, de suas próprias faltas. É ainda uma consequência do orgulho que se encontra de permeio a todas as suas imperfeições.

Indubitavelmente, temperamentos há que se prestam mais que outros a atos violentos, como há músculos mais flexíveis que se prestam melhor aos atos de força. Não acrediteis, porém, que aí resida a causa primordial da cólera e persuadi-vos de que um Espírito pacífico, ainda que num corpo bilioso, será sempre pacífico, e que um Espírito violento, mesmo num corpo linfático, não será brando; somente, a violência tomará outro caráter. Não dispondo de um organismo próprio a lhe secundar a violência, a cólera tornar-se-á concentrada, enquanto no outro caso será expansiva.

O corpo não dá cólera àquele que não na tem, do mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. A não ser assim, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O homem deformado não pode tornar-se direito, porque o Espírito nisso não pode atuar; mas, pode modificar o que é do Espírito, quando o quer com vontade firme. Não vos mostra a experiência, a vós espíritas, até onde é capaz de ir o poder da vontade, pelas transformações verdadeiramente miraculosas que se operam sob as vossas vistas? Compenetrai-vos, pois, de que o homem não se conserva vicioso, senão porque quer permanecer vicioso; de que aquele que queira corrigir-se sempre o pode. De outro modo, não existiria para o homem a lei do progresso. - Hahnemann. (Paris, 1863.)

Bem-aventurados os que são misericordiosos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. X)

Perdoai, para que Deus vos perdoe

1. Bem-aventurados os que são misericordiosos, porque obterão misericórdia. (S. Mateus, cap. V, v. 7.)

2. Se perdoardes aos homens as faltas que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial vos perdoará os pecados; - mas, se não perdoardes aos homens quando vos

Page 80: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

80

tenham ofendido, vosso Pai celestial também não vos perdoará os pecados. (S. Mateus, cap. VI, vv. 14 e 15.)

3. Se contra vós pecou vosso irmão, ide fazer-lhe sentir a falta em particular, a sós com ele; se vos atender, tereis ganho o vosso irmão. - Então, aproximando-se dele, disse-lhe Pedro: "Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes?" - Respondeu-lhe Jesus: “Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes." (S. MATEUS, cap. XVIII, vv. 15, 21 e 22.)

4. A misericórdia é o complemento da brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor denotam alma sem elevação, nem grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima dos golpes que lhe possam desferir.

Uma é sempre ansiosa, de sombria suscetibilidade e cheia de fel; a outra é calma, toda mansidão e caridade.

Ai daquele que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus. Com que direito reclamaria ele o perdão de suas próprias faltas, se não perdoa as dos outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que cada um perdoe ao seu irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.

Há, porém, duas maneiras bem diferentes de perdoar: uma, grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem pensamento oculto, que evita, com delicadeza, ferir o amor próprio e a suscetibilidade do adversário, ainda quando este último nenhuma justificativa possa ter; a segunda é a em que o ofendido, ou aquele que tal se julga, impõe ao outro condições humilhantes e lhe faz sentir o peso de um perdão que irrita, em vez de acalmar; se estende a mão ao ofensor, não o faz com benevolência, mas com ostentação, a fim de poder dizer a toda gente: vede como sou generoso! Nessas circunstâncias, é impossível uma reconciliação sincera de parte a parte. Não, não há aí generosidade; há apenas uma forma de satisfazer ao orgulho. Em toda contenda, aquele que se mostra mais conciliador, que demonstra mais desinteresse, caridade e verdadeira grandeza d’alma granjeará sempre a simpatia das pessoas imparciais.

Reconciliação com os adversários

5. Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não sejais metido em prisão. - Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não houverdes pago o último ceitil. (S. Mateus, cap. V, vv. 25 e 26.)

6. Na prática do perdão, como, em geral, na do bem, não há somente um efeito moral: há também um efeito material. A morte, como sabemos, não nos livra dos nossos inimigos; os Espíritos vingativos perseguem, muitas vezes, com seu ódio, no além-túmulo, aqueles contra os quais guardam rancor; donde decorre a falsidade do provérbio que diz: "Morto o animal, morto o veneno", quando aplicado ao homem. O Espírito mau espera que o outro, a quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e, assim, menos livre, para mais facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras afeições. Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão. O obsidiado e o possesso são, pois, quase sempre vítimas de uma vingança, cujo motivo se encontra em existência anterior, e à qual o que a sofre deu lugar pelo seu proceder.

Page 81: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

81

Deus o permite, para os punir do mal que a seu turno praticaram, ou, se tal não ocorreu, por haverem faltado com a indulgência e a caridade, não perdoando. Importa, conseguintemente, do ponto de vista da tranquilidade futura, que cada um repare, quanto antes, os agravos que haja causado ao seu próximo, que perdoe aos seus inimigos, a fim de que, antes que a morte lhe chegue, esteja apagado qualquer motivo de dissensão, toda causa fundada de ulterior animosidade. Por essa forma, de um inimigo encarniçado neste mundo se pode fazer um amigo no outro; pelo menos, o que assim procede põe de seu lado o bom direito e Deus não consente que aquele que perdoou sofra qualquer vingança. Quando Jesus recomenda que nos reconciliemos o mais cedo possível com o nosso adversário, não é somente objetivando apaziguar as discórdias no curso da nossa atual existência; é, principalmente, para que elas se não perpetuem nas existências futuras. Não saireis de lá, da prisão, enquanto não houverdes pago até o último centavo, isto é, enquanto não houverdes satisfeito completamente a justiça de Deus.

O sacrifício mais agradável a Deus

7. Se, portanto, quando fordes depor vossa oferenda no altar, vos lembrardes de que o vosso irmão tem qualquer coisa contra vós, - deixai a vossa dádiva junto ao altar e ide, antes, reconciliar-vos com o vosso irmão; depois, então, voltai a oferecê-la. - (S. Mateus, cap. V, vv. 23 e 24.)

8. Quando diz: "Ide reconciliar-vos com o vosso irmão, antes de depordes a vossa oferenda no altar", Jesus ensina que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o que o homem faça do seu próprio ressentimento; que, antes de se apresentar para ser por ele perdoado, precisa o homem haver perdoado e reparado o agravo que tenha feito a algum de seus irmãos.

Só então a sua oferenda será bem aceita, porque virá de um coração expungido de todo e qualquer pensamento mau. Ele materializou o preceito, porque os judeus ofereciam sacrifícios materiais; cumpria--lhe conformar suas palavras aos usos ainda em voga. O cristão não oferece dons materiais, pois que espiritualizou o sacrifício. Com isso, porém, o preceito ainda mais força ganha. Ele oferece sua alma a Deus e essa alma tem de ser purificada.

Entrando no templo do Senhor, deve ele deixar fora todo sentimento de ódio e de animosidade, todo mau pensamento contra seu irmão. Só então os anjos levarão sua prece aos pés do Eterno. Eis aí o que ensina Jesus por estas palavras: "Deixai a vossa oferenda junto do altar e ide primeiro reconciliar-vos com o vosso irmão, se quiserdes ser agradável ao Senhor."

O argueiro e a trave no olho

9. Como é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso olho? - Ou, como é que dizeis ao vosso irmão: Deixa-me tirar um argueiro ao teu olho, vós que tendes no vosso uma trave? - Hipócritas, tirai primeiro a trave ao vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar o argueiro do olho do vosso irmão. (S. Mateus, cap. VII, vv. 3 a 5.)

10. Uma das insensatezes da Humanidade consiste em vermos o mal de outrem, antes de vermos o mal que está em nós. Para julgar-se a si mesmo, fora preciso que o homem pudesse ver seu interior num espelho, pudesse, de certo modo, transportar-se para fora de si próprio, considerar-se como outra pessoa e perguntar: Que pensaria eu, se visse alguém fazer o que faço? Incontestavelmente, é o orgulho que induz o homem a

Page 82: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

82

dissimular, para si mesmo, os seus defeitos, tanto morais, quanto físicos. Semelhante insensatez é essencialmente contrária à caridade, porquanto a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente.

Caridade orgulhosa é um contrassenso, visto que esses dois sentimentos se neutralizam um ao outro. Com efeito, como poderá um homem, bastante presunçoso para acreditar na importância da sua personalidade e na supremacia das suas qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação bastante para fazer ressaltar em outrem o bem que o eclipsaria, em vez do mal que o exalçaria? Por isso mesmo, porque é o pai de muitos vícios, o orgulho é também a negação de muitas virtudes. Ele se encontra na base e como móvel de quase todas as ações humanas. Essa a razão por que Jesus se empenhou tanto em combatê-lo, como principal obstáculo ao progresso.

Não julgueis, para não serdes julgados. - Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado

11. Não julgueis, a fim de não serdes julgados; - porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; empregar-se-á convosco a mesma medida de que voz tenhais servido para com os outros. (S. Mateus, cap. VII, vv. 1 e 2.)

12. Então, os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma mulher que fora surpreendida em adultério e, pondo-a de pé no meio do povo, - disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher acaba de ser surpreendida em adultério; - ora, Moisés, pela lei, ordena que se lapidem as adúlteras. Qual sobre isso a tua opinião?” - Diziam isto para o tentarem e terem de que o acusar. Jesus, porém, abaixando-se, entrou a escrever na terra com o dedo. - Como continuassem a interrogá-lo, ele se levantou e disse: “Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra.” - Em seguida, abaixando-se de novo, continuou a escrever no chão. - Quanto aos que o interrogavam, esses, ouvindo-o falar daquele modo, se retiraram, um após outro, afastando-se primeiro os velhos. Ficou, pois, Jesus a sós com a mulher, colocada no meio da praça. Então, levantando-se, perguntou-lhe Jesus: “Mulher, onde estão os que te acusaram? Ninguém te condenou?” - Ela respondeu: “Não, Senhor.” Disse-lhe Jesus: “Também eu não te condenarei. Vai-te e de futuro não tornes a pecar.” (S. João, cap. VIII, vv. 3 a 11.)

13. "Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver isento de pecado", disse Jesus. Essa sentença faz da indulgência um dever para nós outros, porque ninguém há que não necessite, para si próprio, de indulgência. Ela nos ensina que não devemos julgar com mais severidade os outros, do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem aquilo de que nos absolvemos. Antes de profligarmos a alguém uma falta, vejamos se a mesma censura não nos pode ser feita.

O reproche lançado à conduta de outrem pode obedecer a dois móveis: reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos se criticam. Não tem escusa nunca este último propósito, porquanto, no caso, então, só há maledicência e maldade. O primeiro pode ser louvável e constitui mesmo, em certas ocasiões, um dever, porque um bem deverá daí resultar, e porque, a não ser assim, jamais, na sociedade, se reprimiria o mal. Não cumpre, aliás, ao homem auxiliar o progresso do seu semelhante? Importa, pois, não se tome em sentido absoluto este princípio: "Não julgueis se não quiserdes ser julgado", porquanto a letra mata e o espírito vivifica.

Não é possível que Jesus haja proibido se profligue o mal, uma vez que ele próprio nos deu o exemplo, tendo-o feito, até, em termos enérgicos. O que quis significar é que a autoridade para censurar está na razão direta da autoridade moral daquele que censura.

Page 83: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

83

Tornar-se alguém culpado daquilo que condena noutrem é abdicar dessa autoridade, é privar-se do direito de repressão. A consciência íntima, ao demais, nega respeito e submissão voluntária àquele que, investido de um poder qualquer, viola as leis e os princípios de cuja aplicação lhe cabe o encargo. Aos olhos de Deus, uma única autoridade legítima existe: a que se apoia no exemplo que dá do bem. E o que, igualmente, ressalta das palavras de Jesus.

Perdão das ofensas

14. Quantas vezes perdoarei a meu irmão? Perdoar-lhe-eis, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. Aí tendes um dos ensinos de Jesus que mais vos devem percutir a inteligência e mais alto falar ao coração. Confrontai essas palavras de misericórdia com a oração tão simples, tão resumida e tão grande em suas aspirações, que ensinou a seus discípulos, e o mesmo pensamento se vos deparará sempre. Ele, o justo por excelência, responde a Pedro: perdoarás, mas ilimitadamente; perdoarás cada ofensa tantas vezes quantas ela te for feita; ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que torna uma criatura invulnerável ao ataque, aos maus procedimentos e às injúrias; serás brando e humilde de coração, sem medir a tua mansuetude; farás, enfim, o que desejas que o Pai celestial por ti faça. Não está ele a te perdoar frequentemente? Conta porventura as vezes que o seu perdão desce a te apagar as faltas?

Prestai, pois, ouvidos a essa resposta de Jesus e, como Pedro, aplicai-a a vós mesmos.

Perdoai, usai de indulgência, sede caridosos, generosos, pródigos até do vosso amor. Dai, que o Senhor vos restituirá; perdoai, que o Senhor vos perdoará; abaixai-vos, que o Senhor vos elevará; humilhai-vos, que o Senhor fará vos assenteis à sua direita.

Ide, meus bem-amados, estudai e comentai estas palavras que vos dirijo da parte d’Aquele que, do alto dos esplendores celestes, vos tem sempre sob as suas vistas e prossegue com amor na tarefa ingrata a que deu começo, faz dezoito séculos. Perdoai aos vossos irmãos, como precisais que se vos perdoe. Se seus atos pessoalmente vos prejudicaram, mais um motivo aí tendes para serdes indulgentes, porquanto o mérito do perdão é proporcionado à gravidade do mal. Nenhum merecimento teríeis em relevar os agravos dos vossos irmãos, desde que não passassem de simples arranhões.

Espíritas, jamais vos esqueçais de que, tanto por palavras, como por atos, o perdão das injúrias não deve ser um termo vão. Pois que vos dizeis espíritas, sede-o. Olvidai o mal que vos hajam feito e não penseis senão numa coisa: no bem que podeis fazer. Aquele que enveredou por esse caminho não tem que se afastar daí, ainda que por pensamento, uma vez que sois responsáveis pelos vossos pensamentos, os quais todos Deus conhece. Cuidai, portanto, de os expungir de todo sentimento de rancor. Deus sabe o que demora no fundo do coração de cada um de seus filhos. Feliz, pois, daquele que pode todas as noites adormecer, dizendo: Nada tenho contra o meu próximo. Simeão. (Bordéus, 1862.)

15. Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio; perdoar aos amigos é dar-lhes uma prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era. Perdoai, pois, meus amigos, a fim de que Deus vos perdoe, porquanto, se fordes duros, exigentes, inflexíveis, se usardes de rigor até por uma ofensa leve, como querereis que Deus esqueça de que cada dia maior necessidade tendes de indulgência? Oh! ai daquele que diz: "Nunca perdoarei", pois pronuncia a sua própria condenação. Quem sabe, aliás, se, descendo ao fundo de vós mesmos, não reconhecereis que fostes o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começa por uma alfinetada e acaba por uma ruptura, não fostes quem atirou o

Page 84: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

84

primeiro golpe, se vos não escapou alguma palavra injuriosa, se não procedestes com toda a moderação necessária? Sem dúvida, o vosso adversário andou mal em se mostrar excessivamente suscetível; razão de mais para serdes indulgentes e para não vos tomardes merecedores da invectiva que lhe lançastes. Admitamos que, em dada circunstância, fostes realmente ofendido: quem dirá que não envenenastes as coisas por meio de represálias e que não fizestes degenerasse em querela grave o que houvera podido cair facilmente no olvido? Se de vós dependia impedir as consequências do fato e não as impedistes, sois culpados. Admitamos, finalmente, que de nenhuma censura vos reconheceis merecedores: mostrai-vos clementes e com isso só fareis que o vosso mérito cresça.

Mas, há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração. Muitas pessoas dizem, com referência ao seu adversário: "Eu lhe perdoo", mas, interiormente, alegram-se com o mal que lhe advém, comentando que ele tem o que merece.

Quantos não dizem: "Perdoo" e acrescentam. "mas, não me reconciliarei nunca; não quero tornar a vê-lo em toda a minha vida." Será esse o perdão, segundo o Evangelho? Não; o perdão verdadeiro, o perdão cristão é aquele que lança um véu sobre o passado; esse o único que vos será levado em conta, visto que Deus não se satisfaz com as aparências. Ele sonda o recesso do coração e os mais secretos pensamentos. Ninguém se lhe impõe por meio de vãs palavras e de simulacros. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas; o rancor é sempre sinal de baixeza e de inferioridade. Não olvideis que o verdadeiro perdão se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras. - Paulo, apóstolo. (Lião, 1861.)

A Indulgência

16. Espíritas, queremos falar-vos hoje da indulgência, sentimento doce e fraternal que todo homem deve alimentar para com seus irmãos, mas do qual bem poucos fazem uso.

A indulgência não vê os defeitos de outrem, ou, se os vê, evita falar deles, divulgá-los.

Ao contrário, oculta-os, a fim de que se não tornem conhecidos senão dela unicamente, e, se a malevolência os descobre, tem sempre pronta uma escusa para eles, escusa plausível, séria, não das que, com aparência de atenuar a falta, mais a evidenciam com pérfida intenção.

A indulgência jamais se ocupa com os maus atos de outrem, a menos que seja para prestar um serviço; mas, mesmo neste caso, tem o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não faz observações chocantes, não tem nos lábios censuras; apenas conselhos e, as mais das vezes, velados. Quando criticais, que consequência se há de tirar das vossas palavras? A de que não tereis feito o que reprovais, visto que estais a censurar; que valeis mais do que o culpado. O homens! quando será que julgareis os vossos próprios corações, os vossos próprios pensamentos, os vossos próprios atos, sem vos ocupardes com o que fazem vossos irmãos? Quando só tereis olhares severos sobre vós mesmos?

Sede, pois, severos para convosco, indulgentes para com os outros. Lembrai-vos daquele que julga em última instância, que vê os pensamentos íntimos de cada coração e que, por conseguinte, desculpa muitas vezes as faltas que censurais, ou condena o que relevais, porque conhece o móvel de todos os atos. Lembrai-vos de que vós, que clamais em altas vozes: anátema! tereis, quiçá, cometido faltas mais graves.

Page 85: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

85

Sede indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o rigor desanima, afasta e irrita. - José, Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)

17. Sede indulgentes com as faltas alheias, quaisquer que elas sejam; não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para convosco, como de indulgência houverdes usado para com os outros.

Sustentai os fortes: animai-os à perseverança. Fortalecei os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da penitência estendendo suas brancas asas sobre as faltas dos humanos e velando-as assim aos olhares daquele que não pode tolerar o que é impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita de vosso Pai e não esqueçais nunca de lhe dizer, pelos pensamentos, mas, sobretudo, pelos atos: "Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos hão ofendido." Compreendei bem o valor destas sublimes palavras, nas quais não somente a letra é admirável, mas principalmente o ensino que ela veste.

Que é o que pedis ao Senhor, quando implorais para vós o seu perdão? Será unicamente o olvido das vossas ofensas? Olvido que vos deixaria no nada, porquanto, se Deus se limitasse a esquecer as vossas faltas, Ele não puniria, é exato, mas tampouco recompensaria. A recompensa não pode constituir prêmio do bem que não foi feito, nem, ainda menos, do mal que se haja praticado, embora esse mal fosse esquecido. Pedindo-lhe que perdoe os vossos desvios, o que lhe pedis é o favor de suas graças, para não reincidirdes neles, é a força de que necessitais para enveredar por outras sendas, as da submissão e do amor, nas quais podereis juntar ao arrependimento a reparação.

Quando perdoardes aos vossos irmãos, não vos contenteis com o estender o véu do esquecimento sobre suas faltas, porquanto, as mais das vezes, muito transparente é esse véu para os olhares vossos. Levai-lhes simultaneamente, com o perdão, o amor; fazei por eles o que pediríeis fizesse o vosso Pai celestial por vós. Substitui a cólera que conspurca, pelo amor que purifica. Pregai, exemplificando, essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou; pregai-a, como ele o fez durante todo o tempo em que esteve na Terra, visível aos olhos corporais e como ainda a prega incessantemente, desde que se tornou visível tão somente aos olhos do Espírito. Segui esse modelo divino; caminhai em suas pegadas; elas vos conduzirão ao refúgio onde encontrareis o repouso após a luta. Como ele, carregai todos vós as vossas cruzes e subi penosamente, mas com coragem, o vosso calvário, em cujo cimo está a glorificação. - João, bispo de Bordéus. (1862.)

18. Caros amigos, sede severos convosco, indulgentes para as fraquezas dos outros. E esta uma prática da santa caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes maus pendores a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais ou menos pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha do progresso. Por que, então, haveis de mostrar-vos tão clarividentes com relação ao próximo e tão cegos com relação a vós mesmos? Quando deixareis de perceber, nos olhos de vossos irmãos, o pequenino argueiro que os incomoda, sem atentardes na trave que, nos vossos olhos, vos cega, fazendo-vos ir de queda em queda? Crede nos vossos irmãos, os Espíritos. Todo homem, bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtude e mérito, aos seus irmãos encarnados, é insensato e culpado: Deus o castigará no dia da sua justiça. O verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a humildade, que consistem em ver cada um apenas superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por fazer que prevaleça o que há nele de bom e virtuoso, porquanto, embora o coração humano seja um abismo de corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais ocultas, o gérmen de bons sentimentos, centelha vivaz da essência espiritual. Espiritismo! doutrina consoladora

Page 86: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

86

e bendita! felizes dos que te conhecem e tiram proveito dos salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, iluminado está o caminho, ao longo do qual podem ler estas palavras que lhes indicam o meio de chegarem ao termo da jornada: caridade prática, caridade do coração, caridade para com o próximo, como para si mesmo; numa palavra: caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque impossível é amar realmente a Deus, sem praticar a caridade, da qual fez ele uma lei para todas as criaturas. -Dufêtre, bispo de Nevers. (Bordéus.)

É permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem, divulgar o mal de outrem?

19. Ninguém sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender o seu próximo? Certamente que não é essa a conclusão a tirar-se, porquanto cada um de vós deve trabalhar pelo progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não, como as mais das vezes, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda seja cumprido com todo o cuidado possível. Ao demais, a censura que alguém faça a outrem deve ao mesmo tempo dirigi-la a si próprio, procurando saber se não a terá merecido. - S. Luís. (Paris, 1860.)

20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando daí nenhum proveito possa resultar para eles, uma vez que não sejam divulgadas?

Tudo depende da intenção. Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando ele existe.

Fora mesmo inconveniente ver em toda a parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso. O erro está no fazer-se que a observação redunde em detrimento do próximo, desacreditando-o, sem necessidade, na opinião geral. Igualmente repreensível seria fazê-lo alguém apenas para dar expansão a um sentimento de malevolência e à satisfação de apanhar os outros em falta. Dá-se inteiramente o contrário quando, estendendo sobre o mal um véu, para que o público não o veja, aquele que note os defeitos do próximo o faça em seu proveito pessoal, isto é, para se exercitar em evitar o que reprova nos outros. Essa observação, em suma, não é proveitosa ao moralista? Como pintaria ele os defeitos humanos, se não estudasse os modelos? - S. Luís. (Paris, 1860.)

21. Haverá casos em que convenha se desvende o mal de outrem? É muito delicada esta questão e, para resolvê-la, necessário se toma apelar para a

caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá nunca em divulgá-la. Se, porém, podem acarretar prejuízo a terceiros, deve-se atender de preferência ao interesse do maior número. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever, pois mais vale caia um homem, do que virem muitos a ser suas vítimas.

Em tal caso, deve-se pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes. - São Luís. (Paris, 1860.)

Amar o próximo como a si mesmo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. XI)

O mandamento maior. Fazermos aos outros o que queiramos que os outros nos façam. Parábola dos credores e dos devedores

Page 87: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

87

1. Os fariseus, tendo sabido que ele tapara a boca dos saduceus, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, para o tentar, propôs-lhe esta questão: - “Mestre, qual o mandamento maior da lei?” - Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este o maior e o primeiro mandamento. E aqui tendes o segundo, semelhante a esse: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. - Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” (S. Mateus, cap. XXII, vv. 34 a 40.)

2. Fazei aos homens tudo o que queirais que eles vos façam, pois é nisto que consistem a lei e os profetas. (Idem, cap. VII, v. 12.) Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem. (S. Lucas, cap. VI, v. 31.)

3. O reino dos céus é comparável a um rei que quis tomar contas aos seus servidores. - Tendo começado a fazê-lo, apresentaram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. - Mas, como não tinha meios de os pagar, mandou seu senhor que o vendessem a ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que lhe pertencesse, para pagamento da dívida. - O servidor, lançando-se-lhe aos pés, o conjurava, dizendo: “Senhor, tem um pouco de paciência e eu te pagarei tudo.” - Então, o senhor, tocado de compaixão, deixou-o ir e lhe perdoou a dívida. - Esse servidor, porém, ao sair, encontrando um de seus companheiros, que lhe devia cem dinheiros, o segurou pela goela e, quase a estrangulá-lo, dizia: “Paga o que me deves.” - O companheiro, lançando-se aos pés, o conjurava, dizendo: “Tem um pouco de paciência e eu te pagarei tudo.” - Mas o outro não quis escutá-lo; foi-se e o mandou prender, par tê-lo preso até pagar o que lhe devia.

Os outros servidores, seus companheiros, vendo o que se passava, foram, extremamente aflitos, e informaram o senhor de tudo o que acontecera. - Então, o senhor, tendo mandado vir à sua presença aquele servidor, lhe disse: “Mau servo, eu te havia perdoado tudo o que me devias, porque mo pediste. - Não estavas desde então no dever de também ter piedade do teu companheiro, como eu tivera de ti?” E o senhor, tomado de cólera, o entregou aos verdugos, para que o tivessem, até que ele pagasse tudo o que devia.

É assim que meu Pai, que está no céu, vos tratará, se não perdoardes, do fundo do coração, as faltas que vossos irmãos houverem cometido contra cada um de vós. (S. Mateus, cap. XVIII, vv. 23 a 35.)

4. "Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós", é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles?

A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua.

Dai a César o que é de César

5. Os fariseus, tendo-se retirado, entenderam-se entre si para enredá-lo com as suas próprias palavras. - Mandaram então seus discípulos, em companhia dos herodianos, dizer-lhe: Mestre, sabemos que és veraz e que ensinas o caminho de Deus

Page 88: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

88

pela verdade, sem levares em conta a quem quer que seja, porque, nos homens, não consideras as pessoas. Dize-nos, pois, qual a tua opinião sobre isto: É-nos permitido pagar ou deixar de pagar a César o tributo?

Jesus, porém, que lhes conhecia a malícia, respondeu: Hipócritas, por que me tentais? Apresentai-me uma das moedas que se dão em pagamento do tributo. E, tendo-lhe eles apresentado um denário, perguntou Jesus: De quem são esta imagem e esta inscrição? - De César, responderam eles. Então, observou-lhes Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Ouvindo-o falar dessa maneira, admiraram-se eles da sua resposta e, deixando-o, se retiraram. (S. Mateus, cap. XXII, vv. 15 a 22. - S. Marcos, cap. XII, vv. 13 a 17.)

6. A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância de que os judeus, abominando o tributo que os romanos lhes impunham, haviam feito do pagamento desse tributo uma questão religiosa. Numeroso partido se fundara contra o imposto. O pagamento deste constituía, pois, entre eles, uma irritante questão de atualidade, sem o que nenhum senso teria a pergunta feita a Jesus: "É-nos lícito pagar ou deixar de pagar a César o tributo?"

Havia nessa pergunta uma armadilha. Contavam os que a formularam poder, conforme a resposta, excitar contra ele a autoridade romana, ou os judeus dissidentes. Mas "Jesus, que lhes conhecia a malícia", contornou a dificuldade, dando-lhes uma lição de justiça, com o dizer que a cada um seja dado o que lhe é devido. (Veja-se, na "Introdução", o artigo: Publicanos.)

7. Esta sentença: "Dai a César o que é de César", não deve, entretanto, ser entendida de modo restritivo e absoluto. Como em todos os ensinos de Jesus, há nela um princípio geral, resumido sob forma prática e usual e deduzido de uma circunstância particular. Esse princípio é consequente daquele segundo o qual devemos proceder para com os outros como queiramos que os outros procedam para conosco. Ele condena todo prejuízo material e moral que se possa causar a outrem, toda postergação de seus interesses. Prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus. Estende-se mesmo aos deveres contraídos para com a família, a sociedade, a autoridade, tanto quanto para com os indivíduos em geral.

A lei de amor

8. O amor resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito. Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas. A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres; extingue as misérias sociais. Ditoso aquele que, ultrapassando a sua humanidade, ama com amplo amor os seus irmãos em sofrimento! Ditoso aquele que ama, pois não conhece a miséria da alma, nem a do corpo. Tem ligeiros os pés e vive como que transportado, fora de si mesmo. Quando Jesus pronunciou a divina palavra - amor, os povos sobressaltaram-se e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo.

O Espiritismo a seu turno vem pronunciar uma segunda palavra do alfabeto divino. Estai atentos, pois que essa palavra ergue a lápide dos túmulos vazios, e a reencarnação, triunfando da morte, revela às criaturas deslumbradas o seu patrimônio intelectual. Já não

Page 89: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

89

é ao suplício que ela conduz o homem: condu-lo à conquista do seu ser, elevado e transfigurado. O sangue resgatou o Espírito e o Espírito tem hoje que resgatar da matéria o homem.

Disse eu que em seus começos o homem só instintos possuía. Mais próximo, portanto, ainda se acha do ponto de partida, do que da meta, aquele em quem predominam os instintos.

A fim de avançar para a meta, tem a criatura que vencer os instintos, em proveito dos sentimentos, isto é, que aperfeiçoar estes últimos, sufocando os germes latentes da matéria.

Os instintos são a germinação e os embriões do sentimento; trazem consigo o progresso, como a glande encerra em si o carvalho, e os seres menos adiantados são os que, emergindo pouco a pouco de suas crisálidas, se conservam escravizados aos instintos. O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa. E então que, compreendendo a lei de amor que liga todos os seres, buscareis nela os gozos suavíssimos da alma, prelúdios das alegrias celestes. - Lázaro. (Paris, 1862.)

9. O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado. E fato, que já haveis podido comprovar muitas vezes, este: o homem, por mais abjeto, vil e criminoso que seja, vota a um ente ou a um objeto qualquer viva e ardente afeição, à prova de tudo quanto tendesse a diminuí-la e que alcança, não raro, sublimes proporções.

A um ente ou um objeto qualquer, disse eu, porque há entre vós indivíduos que, com o coração a transbordar de amor, despendem tesouros desse sentimento com animais, plantas e, até, com coisas materiais: espécies de misantropos que, a se queixarem da Humanidade em geral e a resistirem ao pendor natural de suas almas, que buscam em torno de si a afeição e a simpatia, rebaixam a lei de amor à condição de instinto. Entretanto, por mais que façam, não logram sufocar o gérmen vivaz que Deus lhes depositou nos corações ao criá-los. Esse gérmen se desenvolve e cresce com a moralidade e a inteligência e, embora comprimido amiúde pelo egoísmo, torna-se a fonte das santas e doces virtudes que geram as afeições sinceras e duráveis e ajudam a criatura a transpor o caminho escarpado e árido da existência humana.

Há pessoas a quem repugna a reencarnação, com a ideia de que outros venham a partilhar das afetuosas simpatias de que são ciosas. Pobres irmãos! o vosso afeto vos torna egoístas; o vosso amor se restringe a um círculo íntimo de parentes e de amigos, sendo-vos indiferentes os demais. Pois bem! para praticardes a lei de amor, tal como Deus o entende, preciso se faz chegueis passo a passo a amar a todos os vossos irmãos indistintamente. A tarefa é longa e difícil, mas cumprir-se-á: Deus o quer e a lei de amor constitui o primeiro e o mais importante preceito da vossa nova doutrina, porque é ela que um dia matará o egoísmo, qualquer que seja a forma sob que se apresente, dado que, além do egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade. Disse Jesus: "Amai o vosso próximo como a vós mesmos." Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não; é a Humanidade inteira. Nos mundos superiores, o amor recíproco é que harmoniza e dirige os Espíritos adiantados que os habitam, e o vosso planeta, destinado a realizar em breve sensível progresso, verá seus habitantes, em virtude da transformação social por que passará, a praticar essa lei sublime, reflexo da Divindade.

Page 90: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

90

Os efeitos da lei de amor são o melhoramento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrestre. Os mais rebeldes e os mais viciosos se reformarão, quando observarem os benefícios resultantes da prática deste preceito: Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam: fazei-lhes, ao contrário, todo o bem que vos esteja ao alcance fazer-lhes.

Não acrediteis na esterilidade e no endurecimento do coração humano; ao amor verdadeiro, ele, a seu mau grado, cede. E um ímã a que não lhe é possível resistir. O contato desse amor vivifica e fecunda os germens que dele existem, em estado latente, nos vossos corações. A Terra, orbe de provação e de exílio, será então purificada por esse fogo sagrado e verá praticados na sua superfície a caridade, a humildade, a paciência, o devotamento, a abnegação, a resignação e o sacrifício, virtudes todas filhas do amor. Não vos canseis, pois, de escutar as palavras de João, o Evangelista. Como sabeis, quando a enfermidade e a velhice o obrigaram a suspender o curso de suas prédicas, limitava-se a repetir estas suavíssimas palavras: Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros."

Amados irmãos, aproveitai dessas lições; é difícil o praticá-las, porém, a alma colhe delas imenso bem. Crede-me, fazei o sublime esforço que vos peço: "Amai-vos" e vereis a Terra em breve transformada num Paraíso onde as almas dos justos virão repousar. - Fénelon. (Bordéus, 1861.)

10. Meus caros condiscípulos, os Espíritos aqui presentes vos dizem, por meu intermédio: "Amai muito, a fim de serdes amados." E tão justo esse pensamento, que nele encontrareis tudo o que consola e abranda as penas de cada dia; ou melhor: pondo em prática esse sábio conselho, elevar-vos-eis de tal modo acima da matéria que vos espiritualizareis antes de deixardes o invólucro terrestre. Havendo os estudos espíritas desenvolvido em vós a compreensão do futuro, uma certeza tendes: a de caminhardes para Deus, vendo realizadas todas as promessas que correspondem às aspirações de vossa alma, Por isso, deveis elevar-vos bem alto para julgardes sem as constrições da matéria, e não condenardes o vosso próximo sem terdes dirigido a Deus o pensamento.

Amar, no sentido profundo do termo, é o homem ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros o que queira que estes lhe façam; é procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las; é considerar como sua a grande família humana, porque essa família todos a encontrareis, dentro de certo período, em mundos mais adiantados; e os Espíritos que a compõem são, como vós, filhos de Deus, destinados a se elevarem ao infinito. Assim, não podeis recusar aos vossos irmãos o que Deus liberalmente vos outorgou, porquanto, de vosso lado, muito vos alegraria que vossos irmãos vos dessem aquilo de que necessitais. Para todos os sofrimentos, tende, pois, sempre uma palavra de esperança e de conforto, a fim de que sejais inteiramente amor e justiça.

Crede que esta sábia exortação: "Amai bastante, para serdes amados", abrirá caminho; revolucionária, ela segue sua rota, que é determinada, invariável. Mas, já ganhastes muito, vós que me ouvis, pois que já sois infinitamente melhores do que éreis há cem anos.

Mudastes tanto, em proveito vosso, que aceitais de boa mente, sobre a liberdade e a fraternidade, uma imensidade de ideias novas, que outrora rejeitaríeis. Ora, daqui a cem anos, sem dúvida aceitareis com a mesma facilidade as que ainda vos não puderam entrar no cérebro.

Hoje, quando o movimento espírita há dado tão grande passo, vede com que rapidez as ideias de justiça e de renovação, constantes nos ditados espíritas, são aceitas

Page 91: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

91

pela parte mediana do mundo inteligente. E que essas ideias correspondem a tudo o que há de divino em vós. E que estais preparados por uma sementeira fecunda: a do século passado, que implantou no seio da sociedade terrena as grandes ideias de progresso. E, como tudo se encadeia sob a direção do Altíssimo, todas as lições recebidas e aceitas virão a encerrar-se na permuta universal do amor ao próximo. Por aí, os Espíritos encarnados, melhor apreciando e sentindo, se estenderão as mãos, de todos os confins do vosso planeta. Uns e outros reunir-se-ão, para se entenderem e amarem, para destruírem todas as injustiças, todas as causas de desinteligências entre os povos.

Grande conceito de renovação pelo Espiritismo, tão bem exposto em O Livro dos Espíritos; tu produzirás o portentoso milagre do século vindouro, o da harmonização de todos os interesses materiais e espirituais dos homens, pela aplicação deste preceito bem compreendido: "Amai bastante, para serdes amados." Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris. (1863.)

O egoísmo

11. O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta. Ao Espiritismo está reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, dirigir suas forças, sua coragem. Digo: coragem, porque dela muito mais necessita cada um para vencer-se a si mesmo, do que para vencer os outros. Que cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é o causador de todas as misérias do mundo terreno. E a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens.

Jesus vos deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos o do egoísmo, pois, quando o primeiro, o Justo, vai percorrer as santas estações do seu martírio, o outro lava as mãos, dizendo: Que me importa! Animou-se a dizer aos judeus: Este homem é justo, por que o quereis crucificar? E, entretanto, deixa que o conduzam ao suplício.

É a esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, à invasão do coração humano por essa lepra que se deve atribuir o fato de não haver ainda o Cristianismo desempenhado por completo a sua missão. Cabem-vos a vós, novos apóstolos da fé, que os Espíritos superiores esclarecem, o encargo e o dever de extirpar esse mal, a fim de dar ao Cristianismo toda a sua força e desobstruir o caminho dos pedrouços que lhe embaraçam a marcha. Expulsai da Terra o egoísmo para que ela possa subir na escala dos mundos, porquanto já é tempo de a Humanidade envergar sua veste viril, para o que cumpre que primeiramente o expilais dos vossos corações. - Emmanuel. (Paris, 1861.)

12. Se os homens se amassem com mútuo amor, mais bem praticada seria a caridade; mas, para isso, mister fora vos esforçásseis por largar essa couraça que vos cobre os corações, a fim de se tornarem eles mais sensíveis aos sofrimentos alheios. A rigidez mata os bons sentimentos; o Cristo jamais se escusava; não repelia aquele que o buscava, fosse quem fosse: socorria assim a mulher adúltera, como o criminoso; nunca temeu que a sua reputação sofresse por isso. Quando o tomareis por modelo de todas as vossas ações? Se na Terra a caridade reinasse, o mau não imperaria nela; fugiria envergonhado; ocultar-se-ia, visto que em toda parte se acharia deslocado. O mal então desapareceria, ficai bem certos.

Page 92: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

92

Começai vós por dar o exemplo; sede caridosos para com todos indistintamente; esforçai-vos por não atentar nos que vos olham com desdém e deixai a Deus o encargo de fazer toda a justiça, a Deus que todos os dias separa, no seu reino, o joio do trigo.

O egoísmo é a negação da caridade. Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade humana. Digo mais: não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas, a vida será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses, em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os sagrados laços da família merecerão respeito. Pascal. (Sens, 1862.)

A fé e a caridade

13. Disse-vos, não há muito, meus caros filhos, que a caridade, sem a fé, não basta para manter entre os homens uma ordem social capaz de os tornar felizes. Pudera ter dito que a caridade é impossível sem a fé. Na verdade, impulsos generosos se vos depararão, mesmo entre os que nenhuma religião têm; porém, essa caridade austera, que só com abnegação se pratica, com um constante sacrifício de todo interesse egoístico, somente a fé pode inspirá-la, porquanto só ela dá se possa carregar com coragem e perseverança a cruz da vida terrena.

Sim, meus filhos, é inútil que o homem ávido de gozos procure iludir-se sobre o seu destino nesse mundo, pretendendo ser-lhe licito ocupar-se unicamente com a sua felicidade.

Sem dúvida, Deus nos criou para sermos felizes na eternidade; entretanto, a vida terrestre tem que servir exclusivamente ao aperfeiçoamento moral, que mais facilmente se adquire com o auxílio dos órgãos físicos e do mundo material.

Sem levar em conta as vicissitudes ordinárias da vida, a diversidade dos gostos, dos pendores e das necessidades, é esse também um meio de vos aperfeiçoardes, exercitando-vos na caridade. Com efeito, só a poder de concessões e sacrifícios mútuos podeis conservar a harmonia entre elementos tão diversos.

Tereis, contudo, razão, se afirmardes que a felicidade se acha destinada ao homem nesse mundo, desde que ele a procure, não nos gozos materiais, sim no bem. A história da cristandade fala de mártires que se encaminhavam alegres para o suplício. Hoje, na vossa sociedade, para serdes cristãos, não se vos faz mister nem o holocausto do martírio, nem o sacrifício da vida, mas única e exclusivamente o sacrifício do vosso egoísmo, do vosso orgulho e da vossa vaidade. Triunfareis, se a caridade vos inspirar e vos sustentar a fé. - Espírito protetor. (Cracóvia, 1861.)

Caridade para com os criminosos

14. A verdadeira caridade constitui um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo. Completa fraternidade deve existir entre os verdadeiros seguidores da sua doutrina. Deveis amar os desgraçados, os criminosos, como criaturas, que são, de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a vós, pelas faltas que cometeis contra sua Lei. Considerai que sois mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem negardes perdão e comiseração, pois, as mais das vezes, eles não conhecem Deus como o conheceis, e muito menos lhes será pedido do que a vós.

Não julgueis, oh! não julgueis absolutamente, meus caros amigos, porquanto o juízo que proferirdes ainda mais severamente vos será aplicado e precisais de indulgência para os pecados em que sem cessar incorreis. Ignorais que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer como faltas leves considera?

Page 93: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

93

A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem, mesmo, nas palavras de consolação que lhe aditeis. Não, não é apenas isso o que Deus exige de vós. A caridade sublime, que Jesus ensinou, também consiste na benevolência de que useis sempre e em todas as coisas para com o vosso próximo. Podeis ainda exercitar essa virtude sublime com relação a seres para os quais nenhuma utilidade terão as vossas esmolas, mas que algumas palavras de consolo, de encorajamento, de amor, conduzirão ao Senhor supremo.

Estão próximos os tempos, repito-o, em que nesse planeta reinará a grande fraternidade, em que os homens obedecerão à lei do Cristo, lei que será freio e esperança e conduzirá as almas às moradas ditosas. Amai-vos, pois, como filhos do mesmo Pai; não estabeleçais diferenças entre os outros infelizes, porquanto quer Deus que todos sejam iguais; a ninguém desprezeis. Permite Deus que entre vós se achem grandes criminosos, para que vos sirvam de ensinamentos. Em breve, quando os homens se encontrarem submetidos às verdadeiras leis de Deus, já não haverá necessidade desses ensinos: todos os Espíritos impuros e revoltados serão relegados para mundos inferiores, de acordo com as suas inclinações.

Deveis, àqueles de quem falo, o socorro das vossas preces: é a verdadeira caridade.

Não vos cabe dizer de um criminoso: ~ um miserável; deve-se expurgar da sua presença a Terra; muito branda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem." Não, não é assim que vos compete falar. Observai o vosso modelo: Jesus. Que diria ele, se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podeis fazer o mesmo; mas, pelo menos, podeis orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja de passar na Terra. Pode ele ser tocado de arrependimento, se orardes com fé. E tanto vosso próximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada e revoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele. Elisabeth de França. (Havre, 1862.)

Deve-se expor a vida por um malfeitor?

15. Acha-se em perigo de morte um homem; para o salvar tem um outro que expor a vida. Sabe-se, porém, que aquele é um malfeitor e que, se escapar, poderá cometer novos crimes. Deve, não obstante, o segundo arriscar-se para o salvar?

Questão muito grave é esta e que naturalmente se pode apresentar ao espírito. Responderei, na conformidade do meu adiantamento moral, pois o de que se trata

é de saber se se deve expor a vida, mesmo por um malfeitor. O devotamento é cego; socorre-se um inimigo; deve-se, portanto, socorrer o inimigo da sociedade, a um malfeitor, em suma. Julgais que será somente à morte que, em tal caso, se corre a arrancar o desgraçado? E, talvez, a toda a sua vida passada. Imaginai, com efeito, que, nos rápidos instantes que lhe arrebatam os derradeiros alentos de vida, o homem perdido volve ao seu passado, ou que, antes, este se ergue diante dele. A morte, quiçá, lhe chega cedo demais; a reencarnação poderá vir a ser-lhe terrível. Lançai-vos, então, ó homens; lançai-vos todos vós a quem a ciência espírita esclareceu; lançai-vos, arrancai-o à sua condenação e, talvez, esse homem, que teria morrido a blasfemar, se atirará nos vossos braços. Todavia, não tendes que indagar se o fará, ou não; socorrei-o, porquanto, salvando-o, obedeceis a essa voz do coração, que vos diz: "Podes salvá-lo, salva-o!" - Lamennais. (Paris, 1862.)

Page 94: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

94

Amai os vossos inimigos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap.

XII)

Retribuir o mal com o bem

1. Aprendestes que foi dito: “Amareis o vosso próximo e odiareis os vossos inimigos.” Eu, porém, vos digo: “Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim de serdes filhos do vosso Pai que está nos céus e que faz se levante o Sol para os bons e para os maus e que chova sobre os justos e os injustos. - Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim também os publicanos? Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é o que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?” (S. Mateus, cap. V, vv. 43 a 47.)

- “Digo-vos que, se a vossa justiça não for mais abundante que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus.”(S. MATEUS, cap. V, v. 20.)

2. “Se somente amardes os que vos amam, que mérito se vos reconhecerá, uma vez que as pessoas de má vida também amam os que os amam? - Se o bem somente o

fizerdes aos que vo-lo fazem, que mérito se vos reconhecerá, dado que o mesmo faz a gente de má vida? - Se só emprestardes àqueles de quem possais esperar o mesmo favor, que mérito se vos reconhecerá, quando as pessoas de má vida se entreajudam dessa maneira, para auferir a mesma vantagem? Pelo que vos toca, amai os vossos inimigos, fazei bem a todos e auxiliai sem esperar coisa alguma.

Então, muito grande será a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, que é bom para os ingratos e até para os maus. - Sede, pois, cheios de misericórdia, como cheio de misericórdia é o vosso Deus.” (S. LUCAS, cap. VI, vv. 32 a 36.)

3. Se o amor do próximo constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho.

Entretanto, há geralmente equívoco no tocante ao sentido da palavra amar, neste passo. Não pretendeu Jesus, assim falando, que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que esta lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas ideias. Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo.

A diversidade na maneira de sentir, nessas duas circunstâncias diferentes, resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e da repulsão dos fluidos. O pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não pode, pois, significar que não se deva estabelecer diferença alguma entre eles e os amigos. Se este preceito parece de difícil prática, impossível mesmo, é apenas por entender-se falsamente que ele manda se dê no coração, assim ao amigo, como ao inimigo, o mesmo lugar. Uma vez que a pobreza da linguagem humana obriga a que nos sirvamos do mesmo termo para exprimir matizes diversos de um sentimento, à razão cabe estabelecer as diferenças, conforme aos casos.

Page 95: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

95

Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contato de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contato de um amigo. Amar os Inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo a reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os vossos inimigos.

4. Amar os inimigos é, para o incrédulo, um contrassenso. Aquele para quem a vida presente é tudo, vê no seu inimigo um ser nocivo, que lhe perturba o repouso e do qual unicamente a morte. pensa ele, o pode livrar. Daí, o desejo de vingar-se. Nenhum interesse tem em perdoar, senão para satisfazer o seu orgulho perante o mundo. Em certos casos, perdoar-lhe parece mesmo uma fraqueza indigna de si. Se não se vingar, nem por isso deixará de conservar rancor e secreto desejo de mal para o outro.

Para o crente e, sobretudo, para o espírita, muito diversa é a maneira de ver, porque suas vistas se lançam sobre o passado e sobre o futuro, entre os quais a vida atual não passa de um simples ponto. Sabe ele que, pela mesma destinação da Terra, deve esperar topar aí com homens maus e perversos; que as maldades com que se defronta fazem parte das provas que lhe cumpre suportar e o elevado ponto de vista em que se coloca lhe torna menos amargas as vicissitudes, quer advenham dos homens, quer das coisas. Se não se queixa das provas, tampouco deve queixar-se dos que lhe servem de instrumento.

Se, em vez de se queixar, agradece a Deus o experimentá-lo, deve também agradecer a mão que lhe dá ensejo de demonstrar a sua paciência e a sua resignação. Esta ideia o dispõe naturalmente ao perdão. Sente, além disso, que quanto mais generoso for. tanto mais se engrandece aos seus próprios olhos e se põe fora do alcance dos dardos do seu inimigo.

O homem que no mundo ocupa elevada posição não se julga ofendido com os insultos daquele a quem considera seu inferior. O mesmo se dá com o que, no mundo moral, se eleva acima da humanidade material. Este compreende que o ódio e o rancor o aviltariam e rebaixariam. Ora, para ser superior ao seu adversário, preciso é que tenha a alma maior, mais nobre, mais generosa do que a desse último.

Os inimigos desencarnados

5. Ainda outros motivos tem o espírita para ser indulgente com os seus inimigos. Sabe ele, primeiramente, que a maldade não é um estado permanente dos homens; que ela decorre de uma imperfeição temporária e que, assim como a criança se corrige dos seus defeitos, o homem mau reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom,

Sabe também que a morte apenas o livra da presença material do seu inimigo, pois que este o pode perseguir com o seu ódio, mesmo depois de haver deixado a Terra; que, assim, a vingança, que tome, falha ao seu objetivo, visto que, ao contrário, tem por efeito produzir maior irritação, capaz de passar de uma existência a outra. Cabia ao Espiritismo demonstrar, por meio da experiência e da lei que rege as relações entre o mundo visível e o mundo invisível, que a expressão: extinguir o ódio com o sangue é radicalmente falsa, que a verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo no além-túmulo. Cabia-lhe,

Page 96: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

96

portanto, apresentar uma razão de ser positiva e uma utilidade prática ao perdão e ao preceito do Cristo: Amai os vossos inimigos. Não há coração tão perverso que, mesmo a seu mau grado, não se mostre sensível ao bom proceder. Mediante o bom procedimento, tira-se, pelo menos, todo pretexto às represálias, podendo-se até fazer de um inimigo um amigo, antes e depois de sua morte. Com um mau proceder, o homem irrita o seu inimigo, que então se constitui instrumento de que a justiça de Deus se serve para punir aquele que não perdoou.

6. Pode-se, portanto, contar inimigos assim entre os encarnados, como entre os desencarnados. Os inimigos do mundo invisível manifestam sua malevolência pelas obsessões e subjugações com que tanta gente se vê a braços e que representam um gênero de provações, as quais, como as outras, concorrem para o adiantamento do ser, que, por isso; as deve receber com resignação e como consequência da natureza inferior do globo terrestre. Se não houvesse homens maus na Terra, não haveria Espíritos maus ao seu derredor. Se, conseguintemente, se deve usar de benevolência com os inimigos encarnados, do mesmo modo se deve proceder com relação aos que se acham desencarnados.

Outrora, sacrificavam-se vítimas sangrentas para aplacar os deuses infernais, que não eram senão os maus Espíritos. Aos deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma coisa. O Espiritismo demonstra que esses demônios mais não são do que as almas dos homens perversos, que ainda se não despojaram dos instintos materiais; que ninguém logra aplacá-los, senão mediante o sacrifício do ódio existente, isto é, pela caridade; que esta não tem por efeito, unicamente, impedi-los de praticar o mal e, sim, também o de os reconduzir ao caminho do bem e de contribuir para a salvação deles. E assim que o mandamento: Amai os vossos inimigos não se circunscreve ao âmbito acanhado da Terra e da vida presente; antes, faz parte da grande lei da solidariedade e da fraternidade universais.

Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra

7. Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. - Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; - e que se alguém quiser pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhes entregueis o manto; - e que se alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil. - Dai àquele que vos pedir e não repilais aquele que vos queira tomar emprestado. (S. Mateus, cap. V, vv. 38 a 42.)

8. Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar "ponto de honra" produzem essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a retribuir uma injúria com outra injúria, uma ofensa com outra, o que é tido como justiça por aquele cujo senso moral não se acha acima do nível das paixões terrenas. Por isso é que a lei mosaica prescrevia: olho por olho, dente por dente, de harmonia com a época em que Moisés vivia. Veio o Cristo e disse: Retribui o mal com o bem. E disse ainda: "Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra.” Ao orgulhoso este ensino parecerá uma covardia, porquanto ele não compreende que haja mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança, e não compreende, porque sua visão não pode ultrapassar o presente.

Dever-se-á, entretanto, tomar ao pé da letra aquele preceito? Tampouco quanto o outro que manda se arranque o olho, quando for causa de escândalo. Levado o ensino às

Page 97: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

97

suas últimas consequências, importaria ele em condenar toda repressão, mesmo legal, e deixar livre o campo aos maus, isentando-os de todo e qualquer motivo de temor. Se se lhes não pusesse um freio as agressões, bem depressa todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da Natureza, obsta a que alguém estenda o pescoço ao assassino. Enunciando, pois, aquela máxima, não pretendeu Jesus interdizer toda defesa, mas condenar a vingança. Dizendo que apresentemos a outra face àquele que nos haja batido numa, disse, sob outra forma, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os outros. E, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação de orgulho. Somente a fé na vida futura e na justiça de Deus, que jamais deixa impune o mal, pode dar ao homem forças para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e no amor-próprio. Daí vem o repetirmos incessantemente: Lançai para diante o olhar; quanto mais vos elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos

magoarão as coisas da Terra.

A vingança

9. A vingança é um dos últimos remanescentes dos costumes bárbaros que tendem a desaparecer dentre os homens. E, como o duelo, um dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens sob cujos guantes se debatia a Humanidade, no começo da era cristã, razão por que a vingança constitui indício certo do estado de atraso dos homens que a ela se dão e dos Espíritos que ainda as inspirem. Portanto, meus amigos, nunca esse sentimento deve fazer vibrar o coração de quem quer que se diga e proclame espírita. Vingar-se é, bem o sabeis, tão contrário àquela prescrição do Cristo: "Perdoai aos vossos inimigos", que aquele que se nega a perdoar não somente não é espírita como também não é cristão. A vingança é uma inspiração tanto mais funesta, quanto tem por companheiras assíduas a falsidade e a baixeza.

Com efeito, aquele que se entrega a essa fatal e cega paixão quase nunca se vinga a céu aberto. Quando é ele o mais forte, cai qual fera sobre o outro a quem chama seu inimigo, desde que a presença deste último lhe inflame a paixão, a cólera, o ódio. Porém, as mais das vezes assume aparências hipócritas, ocultando nas profundezas do coração os maus sentimentos que o animam. Toma caminhos escusos, segue na sombra o inimigo, que de nada desconfia, e espera o momento azado para sem perigo feri-lo. Esconde-se do outro, espreitando-o de contínuo, prepara-lhe odiosas armadilhas e, em sendo propícia a ocasião, derrama-lhe no copo o veneno, Quando seu ódio não chega a tais extremos, ataca-o então na honra e nas afeições; não recua diante da calúnia, e suas pérfidas insinuações, habilmente espalhadas a todos os ventos, se vão avolumando pelo caminho. Em consequência, quando o perseguido se apresenta nos lugares por onde passou o sopro do perseguidor, espanta-se de dar com semblantes frios, em vez de fisionomias amigas e benevolentes que outrora o acolhiam. Fica estupefato quando mãos que se lhe estendiam, agora se recusam a apertar as suas. Enfim, sente-se aniquilado, ao verificar que os seus mais caros amigos e parentes se afastam e o evitam, Ah! o covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpado do que o que enfrenta o seu inimigo e o insulta em plena face.

Page 98: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

98

Fora, pois, com esses costumes selvagens! Fora com esses processos de outros tempos! Todo espírita que ainda hoje pretendesse ter o direito de vingar-se seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tem como divisa: Sem caridade não há salvação! Mas, não, não posso deter-me a pensar que um membro da grande família espírita ouse jamais, de futuro, ceder ao impulso da vingança, senão para perdoar. - Júlio Olivier. (Paris, 1862.)

O ódio

10. Amai-vos uns aos outros e sereis felizes. Tomai sobretudo a peito amar os que vos inspiram indiferença, ódio, ou desprezo. O Cristo, que deveis considerar modelo, deu-vos o exemplo desse devotamento, Missionário do amor, ele amou até dar o sangue e a vida por amor, Penoso vos é o sacrifício de amardes os que vos ultrajam e perseguem; mas, precisamente, esse sacrifício é que vos torna superiores a eles. Se os odiásseis, como vos odeiam, não valeríeis mais do que eles. Amá-los é a hóstia imácula que ofereceis a Deus na ara dos vossos corações, hóstia de agradável aroma e cujo perfume lhe sobe até o seio. Se bem a lei de amor mande que cada um ame indistintamente a todos os seus irmãos, ela não couraça o coração contra os maus procederes; esta é, ao contrário, a prova mais angustiosa, e eu o sei bem, porquanto, durante a minha última existência terrena, experimentei essa tortura. Mas Deus lá está e pune nesta vida e na outra os que violam a lei de amor. Não esqueçais, meus queridos filhos, que o amor aproxima de Deus a criatura e o ódio a distancia dele. - Fénelon, (Bordéus, 1861.)

O duelo

11. Só é verdadeiramente grande aquele que, considerando a vida uma viagem que o há de conduzir a determinado ponto, pouco caso faz das asperezas da jornada e não deixa que seus passos se desviem do caminho reto. Com o olhar constantemente dirigido para o termo a alcançar, nada lhe importa que as urzes e os espinhos ameacem produzir-lhe arranhaduras; umas e outros lhe roçam a epiderme, sem o ferirem, nem impedirem de prosseguir na caminhada. Expor seus dias para se vingar de uma injúria é recuar diante das provações da vida, é sempre um crime aos olhos de Deus; e, se não fôsseis, como sois, iludidos pelos vossos prejuízos, tal coisa seria ridícula e uma suprema loucura aos olhos dos homens.

Há crime no homicídio em duelo; a vossa própria legislação o reconhece. Ninguém tem o direito, em caso algum, de atentar contra a vida de seu semelhante: é um crime aos olhos de Deus, que vos traçou a linha de conduta que tendes de seguir. Nisso, mais do que em qualquer outra circunstância, sois juízes em causa própria. Lembrai-vos de que somente vos será perdoado, conforme perdoardes; pelo perdão vos acercais da Divindade, pois a clemência e irmã do poder. Enquanto na Terra correr uma gota de sangue humano, vertida pela mão dos homens, o verdadeiro reino de Deus ainda se não terá implantado aí, reino de paz e de amor, que há de banir para sempre do vosso planeta a animosidade, a discórdia, a guerra. Então, a palavra duelo somente existirá na vossa linguagem como longínqua e vaga recordação de um passado que se foi. Nenhum outro antagonismo existirá entre os homens, afora a nobre rivalidade do bem. - Adolfo, bispo de Argel. (Marmande, 1861.)

12. Em certos casos, sem dúvida, pode o duelo constituir uma prova de coragem física, de desprezo pela vida, mas também é, incontestavelmente, uma prova de covardia moral, como o suicídio. O suicida não tem coragem de enfrentar as vicissitudes da vida; o duelista não tem a de suportar as ofensas, Não vos disse o Cristo que há mais honra e

Page 99: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

99

valor em apresentar a face esquerda aquele que bateu na direita, do que em vingar uma injúria? Não disse ele a Pedro, no jardim das Oliveiras: "Mete a tua espada na bainha, porquanto aquele que matar com a espada perecerá pela espada?" Assim falando, não condenou, para sempre, o duelo? Efetivamente, meus filhos, que é essa coragem oriunda de um gênio violento, de um temperamento sanguíneo e colérico, que ruge à primeira ofensa? Onde a grandeza d’alma daquele que, à menor injúria, entende que só com sangue a poderá lavar? Ah! que ele trema!

No fundo da sua consciência, uma voz lhe bradará sempre: Caim! Caim! que fizeste de teu irmão? Foi-me necessário derramar sangue para salvar a minha honra, responderá ele a essa voz, Ela, porem, retrucará: Procuraste salvá-la perante os homens, por alguns instantes que te restavam de vida na Terra, e não pensaste em salvá-la perante Deus! Pobre louco! Quanto sangue exigiria de vós o Cristo, por todos os ultrajes que recebeu! Não só o feristes com os espinhos e a lança, não só o pregastes num madeiro infamante, como também o fizestes ouvir, em meio de sua agonia atroz, as zombarias que lhe prodigalizastes, Que reparação a tantos insultos vos pediu ele? O último brado do cordeiro foi unia súplica em favor dos seus algozes! Oh! como ele, perdoai e oral pelos que vos ofendem.

Amigos, lembrai-vos deste preceito: "Amai-vos uns aos outros" e, então, a um golpe desferido pelo ódio respondereis com um Sorriso, e ao ultraje com o perdão. O mundo, sem dúvida, se levantará furioso e vos tratará de covardes; erguei bem alto a fronte e mostrai que também ela se não temeria de cingir-se de espinhos, a exemplo do Cristo, mas, que a vossa mão não quer ser cúmplice de um assassínio autorizado por falsos ares de honra, que, entretanto, não passa de orgulho e amor-próprio. Dar-se-á que, ao criar-vos, Deus vos outorgou o direito de vida e de morte, uns sobre os outros? Não, só à Natureza conferiu ele esse direito, para se reformar e reconstruir; quanto a vós, não permite, sequer, que disponhais de vós mesmos. Como o suicida, o duelista se achará marcado com sangue, quando comparecer perante Deus, e a um e outro o Soberano Juiz reserva rudes e longos castigos. Se ele ameaçou com a sua justiça aquele que disser raca a seu irmão, quão mais severa não será a pena que comine ao que chegar à sua presença com as mãos tintas do sangue de seu irmão! - Santo Agostinho. (Paris, 1862.)

13. O duelo, como o que outrora se denominava o juízo de Deus, é uma das instituições bárbaras que ainda regem a sociedade. Que diríeis, no entanto, se vísseis dois adversários mergulhados em água fervente ou submetidos ao contato de um ferro em brasa, para ser dirimida a contenda entre eles, reconhecendo-se estar a razão com aquele que melhor sofresse a prova? Qualificaríeis de insensatos esses costumes, não é exato? Pois o duelo é coisa pior do que tudo isso. Para o duelista destro, é um assassínio praticado a sangue frio, com toda a premeditação que possa haver, uma vez que ele está certo da eficácia do golpe que desfechará. Para o adversário, quase certo de sucumbir em virtude de sua fraqueza e inabilidade, é um suicídio cometido com a mais fria reflexão, Sei que muitas vezes se procura evitar essa alternativa igualmente criminosa, confiando ao acaso a questão: - mas, não é isso voltar, sob outra forma, ao juízo de Deus, da Idade Média? E nessa época infinitamente menor era a culpa.

A própria denominação de juízo de Deus indica a fé, ingênua, é verdade, porém, afinal, fé na justiça de Deus, que não podia consentir sucumbisse um inocente, ao passo que, no duelo, tudo se confia à força bruta, de tal sorte que não raro é o ofendido que sucumbe.

Page 100: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

100

Ó estúpido amor-próprio, tola vaidade e louco orgulho, quando sereis substituídos pela caridade cristã, pelo amor do próximo e pela humildade que o Cristo exemplificou e preceituou? Só quando isso se der desaparecerão esses preceitos monstruosos que ainda governam os homens, e que as leis são impotentes para reprimir, porque não basta interditar o mal e prescrever o bem; é preciso que o princípio do bem e o horror ao mal morem no coração do homem. - Um Espírito protetor. (Bordéus, 1861.)

14. Que juízo farão de mim, costumais dizer, se eu recusar a reparação que se me exige, ou se não a reclamar de quem me ofendeu? Os loucos, como vós, os homens atrasados vos censurarão; mas, os que se acham esclarecidos pelo facho do progresso intelectual e moral dirão que procedeis de acordo com a verdadeira sabedoria. Refleti um pouco. Por motivo de uma palavra dita às vezes impensadamente, ou inofensiva, vinda de um dos vossos irmãos, o vosso orgulho se sente ferido, respondeis de modo acre e daí uma provocação.

Antes que chegue o momento decisivo, inquiris de vós mesmos se procedeis como cristãos?

Que contas ficareis devendo à sociedade, por a privardes de um de seus membros? Pensastes no remorso que vos assaltará, por haverdes roubado a uma mulher o marido, a uma mãe o filho, ao filho o pai que lhes servia de amparo? Certamente, o autor da ofensa deve uma reparação; porém, não lhe será mais honroso dá-la espontaneamente, reconhecendo suas faltas, do que expor a vida daquele que tem o direito de se queixar? Quanto ao ofendido, convenho em que, algumas vezes, por ele achar-se gravemente ferido, ou em sua' pessoa, ou nas dos que lhe são mais caros, não está em jogo somente o amor-próprio: o coração se acha magoado, sofre.

Mas, além de ser estúpido arriscar a vida, lançando-se contra um miserável capaz de praticar infâmias, dar-se-á que, morto este, a afronta, qualquer que seja, deixa de existir? Não é exato que o sangue derramado imprime retumbância maior a um fato que, se falso, cairia por si mesmo, e que, se verdadeiro, deve ficar sepultado no silêncio? Nada mais restará, pois, senão a satisfação da sede de vingança. Ah! triste satisfação que quase sempre dá lugar, já nesta vida, a causticantes remorsos. Se é o ofendido que sucumbe, onde a reparação?

Quando a caridade regular a conduta dos homens, eles conformarão seus atos e palavras a esta máxima: “Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam." Em se verificando isso, desaparecerão todas as causas de dissensões e, com elas, as dos duelos e das guerras, que são os duelos de povo a povo. - Francisco Xavier, (Bordéus, 1861.)

15. O homem do mundo, o homem venturoso, que por uma palavra chocante, uma coisa ligeira, joga a vida que lhe veio de Deus, joga a vida do seu semelhante, que só a Deus pertence, esse é cem vezes mais culpado do que o miserável que, impelido pela cupidez, algumas vezes pela necessidade, se introduz numa habitação para roubar e matar os que se lhe opõem aos desígnios. Trata-se quase sempre de uma criatura sem educação, com imperfeitas noções do bem e do mal, ao passo que o duelista pertence, em regra, à classe mais culta. Um mata brutalmente, enquanto que o outro o faz com método e polidez, pelo que a sociedade o desculpa. Acrescentarei mesmo que o duelista é infinitamente mais culpado do que o desgraçado que, cedendo a um sentimento de vingança, mata num momento de exasperação.

O duelista não tem por escusa o arrebatamento da paixão, pois que, entre o insulto e a reparação, dispõe ele sempre de tempo para refletir. Age, portanto, friamente

Page 101: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

101

e com premeditado desígnio; estuda e calcula tu do, para com mais segurança matar o seu adversário. E certo que também expõe a vida e é isso o que reabilita o duelo aos olhos do mundo, que nele então só vê um ato de coragem e pouco caso da vida. Mas, haverá coragem da parte daquele que está seguro de si? O duelo, remanescente dos tempos de barbárie, em os quais o direito do mais forte constituía a lei, desaparecerá por efeito de uma melhor apreciação do verdadeiro ponto de honra e à medida que o homem for depositando fé mais viva na vida futura. -Agostinho. (Bordéus, 1861.)

16. NOTA. Os duelos se vão tornando cada vez mais raros e, se de tempos a tempos alguns de tão dolorosos exemplos se dão, o número deles não se pode comparar com o dos que ocorriam outrora. Antigamente, um homem não saía de casa sem prever um encontro, pelo que tomava sempre as necessárias precauções. Um sinal característico dos costumes do tempo e dos povos se nos depara no porte habitual, ostensivo ou oculto, de armas ofensivas ou defensivas. A abolição de semelhante uso demonstra o abrandamento dos costumes e é curioso acompanhar-lhes a gradação, desde a época em que os cavaleiros só cavalgavam bardados de ferro e armados de lança, até a em que uma simples espada à cinta constituía mais um adorno e um acessório do brasão, do que uma arma de agressão. Outro indício da modificação dos costumes está em que, outrora, os combates singulares se empenhavam em plena rua, diante da turba, que se afastava para deixar livre o campo aos combatentes, ao passo que estes hoje se ocultam. Presentemente, a morte de um homem é acontecimento que causa emoção, enquanto que, noutros tempos, ninguém dava atenção a isso.

O Espiritismo apagará esses últimos vestígios da barbárie, incutindo nos homens o espírito de caridade e de fraternidade.

A ingratidão dos filhos e os laços de família (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. XIV, item 9)

A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Revolta sempre os corações honestos. Mas, a dos filhos para com os pais apresenta caráter ainda mais odioso. E, em particular, desse ponto de vista que a vamos considerar, para lhe analisar as causas e os efeitos. Também nesse caso, como em todos os outros, o Espiritismo projeta luz sobre um dos grandes problemas do coração humano.

Quando deixa a Terra, o Espírito leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua natureza e se aperfeiçoa no espaço, ou permanece estacionário, até que deseje receber a luz. Muitos, portanto, se vão cheios de ódios violentos e de insaciados desejos de vingança; a alguns dentre eles, porém, mais adiantados do que os outros, é dado entrevejam uma partícula da verdade; apreciam então as funestas consequências de suas paixões e são induzidos a tomar resoluções boas. Compreendem que, para chegarem a Deus, lima só é a senha: caridade. Ora, não há caridade sem esquecimento dos ultrajes e das injúrias; não há caridade sem perdão, nem com o coração tomado de ódio.

Então, mediante inaudito esforço, conseguem tais Espíritos observar os a quem eles odiaram na Terra. Ao vê-los, porém, a animosidade se lhes desperta no íntimo; revoltam-se à ideia de perdoar, e, ainda mais, à de abdicarem de si mesmos, sobretudo à de amarem os que lhes destruíram, quiçá, os haveres, a honra, a família. Entretanto, abalado fica o coração desses infelizes. Eles hesitam, vacilam, agitados por sentimentos contrários. Se predomina a boa resolução, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos que lhes deem forças, no momento mais decisivo da prova.

Page 102: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

102

Por fim, após anos de meditações e preces, o Espírito se aproveita de um corpo em preparo na família daquele a quem detestou, e pede aos Espíritos incumbidos de transmitir as ordens superiores permissão para ir preencher na Terra os destinos daquele corpo que acaba de formar-se. Qual será o seu procedimento na família escolhida? Dependerá da sua maior ou menor persistência nas boas resoluções que tomou. O incessante contato com seres a quem odiou constitui prova terrível, sob a qual não raro sucumbe, se não tem ainda bastante forte a vontade. Assim, conforme prevaleça ou não a resolução boa, ele será o amigo ou inimigo daqueles entre os quais foi chamado a Viver. E como se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas que se notam da parte de certas crianças e que parecem injustificáveis. Nada, com efeito, naquela existência há podido provocar semelhante antipatia; para se lhe apreender a causa, necessário se torna volver o olhar ao passado.

Ó espíritas! compreendei agora o grande papel da Humanidade; compreendei que, quando produzis um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; inteirai-vos dos vossos deveres e ponde todo o vosso amor em aproximar de Deus essa alma; tal a missão que vos está confiada e cuja recompensa recebereis, se fielmente a cumprirdes. Os vossos cuidados e a educação que lhe dareis auxiliarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe perguntará Deus: Que fizestes do filho confiado à vossa guarda? Se por culpa Vossa ele se conservou atrasado, tereis como castigo vê-lo entre os Espíritos sofredores, quando de vós dependia que fosse ditoso. Então, vós mesmos, assediados de remorsos, pedireis vos seja concedido reparar a vossa falta; solicitareis, para vós e para ele, outra encarnação em que o cerqueis de melhores cuidados e em que ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu amor.

Não escorraceis, pois, a criancinha que repele sua mãe, nem a que vos paga com a ingratidão; não foi o acaso que a fez assim e que vo-la deu. Imperfeita intuição do passado se revela, do qual podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para perdoar ou para expiar. Mães! abraçai o filho que vos dá desgostos e dizei convosco mesmas: Um de nós dois é culpado. Fazei-vos merecedoras dos gozos divinos que Deus conjugou à maternidade, ensinando aos vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e bendizer. Mas oh! muitas dentre vós, em vez de eliminar por meio da educação os maus princípios inatos de existências anteriores, entretêm e desenvolvem esses princípios, por uma culposa fraqueza, ou por descuido, e, mais tarde, o vosso coração, ulcerado pela ingratidão dos vossos filhos, será para vós, já nesta vida, um começo de expiação.

A tarefa não é tão difícil quanto vos possa parecer. Não exige o saber do mundo. Podem desempenhá-la assim o ignorante como o sábio, e o Espiritismo lhe facilita

o desempenho, dando a conhecer a causa das imperfeições da alma humana. Desde pequenina, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua

existência anterior. A estudá-los devem os pais aplicar-se. Todos os males se originam do egoísmo e do orgulho. Espreitem, pois, os pais os menores indícios reveladores do gérmen de tais vícios e cuidem de combatê-los, sem esperar que lancem raízes profundas. Façam como o bom jardineiro, que corta os rebentos defeituosos à medida que os vê apontar na árvore. Se deixarem se desenvolvam o egoísmo e o orgulho, não se espantem de serem mais tarde pagos com a ingratidão. Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm de que se inculpar a si mesmos e podem conservar tranquila a consciência. A amargura muito natural que então

Page 103: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

103

lhes advém da improdutividade de seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor. (Cap. XIII, nº 19.)

Deus não dá prova superior às forças daquele que a pede; só permite as que podem ser cumpridas. Se tal não sucede, não é que falte possibilidade: falta a vontade. Com efeito, quantos há que, em vez de resistirem aos maus pendores, se comprazem neles. A esses ficam reservados o pranto e os gemidos em existências posteriores. Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus. E um momento supremo, no qual, sobretudo, cumpre ao Espírito não falir murmurando, se não quiser perder o fruto de tais provas e ter de recomeçar. Em vez de vos queixardes, agradecei a Deus o ensejo que vos proporciona de vencerdes, a fim de vos deferir o prêmio da vitória. Então, saindo do turbilhão do mundo terrestre, quando entrardes no mundo dos Espíritos, sereis aí aclamados como o soldado que sai triunfante da refrega.

De todas as provas, as mais duras são as que afetam o coração. Um, que suporta com coragem a miséria e as privações materiais, sucumbe ao peso das amarguras domésticas, pungido da ingratidão dos seus. Oh! que pungente angústia essa! Mas, em tais circunstâncias, que mais pode, eficazmente, restabelecer a coragem moral, do que o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se bem haja prolongados despedaçamentos d’alma, não há desesperos eternos, porque não é possível seja da vontade de Deus que a sua criatura sofra indefinidamente? Que de mais reconfortante, de mais animador do que a ideia que de cada um dos seus esforços é que depende abreviar o sofrimento, mediante a destruição, em si, das causas do mal? Para isso, porém, preciso se faz que o homem não retenha na Terra o olhar e só veja uma existência; que se eleve, a pairar no infinito do passado e do futuro. Então, a justiça infinita de Deus se vos patenteia, e esperais com paciência, porque explicável se vos torna o que na Terra vos parecia verdadeiras monstruosidades. As feridas que aí se vos abrem, passais a considerá-las simples arranhaduras. Nesse golpe de vista lançado sobre o conjunto, os laços de família se vos apresentam sob seu aspecto real. Já não vedes, a ligar-lhes os membros, apenas os frágeis laços da matéria; vedes, sim, os laços duradouros do Espírito, que se perpetuam e consolidam com o depurarem-se, em vez de se quebrarem por efeito da reencarnação.

Formam famílias os Espíritos que a analogia dos gostos, a identidade do progresso moral e a afeição induzem a reunir-se. Esses mesmos Espíritos, em suas migrações terrenas, se buscam, para se gruparem, como o fazem no espaço, originando-se daí as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, acontece ficarem temporariamente separados, mais tarde tornam a encontrar-se, venturosos pelos novos progressos que realizaram. Mas, como não lhes cumpre trabalhar apenas para si, permite Deus que Espíritos menos adiantados encarnem entre eles, a fim de receberem conselhos e bons exemplos, a bem de seu progresso.

Esses Espíritos se tornam, por vezes, causa de perturbação no meio daqueles outros, o que constitui para estes a prova e a tarefa a desempenhar.

Page 104: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

104

Acolhei-os, portanto, como irmãos; auxiliai-os, e depois, no mundo dos Espíritos, a família se felicitará por haver salvo alguns náufragos que, a seu turno, poderão salvar outros. - Santo Agostinho. (Paris, 1862.)

Preservar-se da avareza (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap.

XVI, item 3)

Então, no meia do turba, um homem lhe disse: Mestre, dize a meu irmão que divida comigo a herança que nos tocou. - Jesus lhe disse: Ó homem! quem me designou para vos julgar, ou para fazer as vossas partilhas? - E acrescentou: Tende o cuidado de preservar-vos de toda a avareza, seja qual for a abundância em que o homem se encontre, sua vida não depende dos bens que ele possua.

Disse-lhes a seguir esta parábola: Havia um rico homem cujas terras tinham produzido extraordinariamente - e que se entretinha a pensar consigo mesmo, assim:

Que hei de fazer, pois já não tenho lugar onde possa encerrar tudo o que vou colher? - Aqui está, disse, o que farei: Demolirei os meus celeiros e construirei outros maiores, onde porei toda a minha colheita e todos os meus bens. - E direi a minha alma: Minha alma, tens de reserva muitos bens para longos anos; repousa, come, bebe, goza. Mas, Deus, ao mesmo tempo, disse ao homem: Que insensato és! Esta noite mesmo tomar-te-ão a alma; para que servirá o que acumulaste?

É o que acontece àquele que acumula tesouros para si próprio e que não é rico diante de Deus. (S. Lucas, cap. XII, vv. 13 a 21.)

Emprego da riqueza (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVI,

itens 11 a 13)

11. Não podeis servir a Deus e a Mamon. Guardai bem isso em lembrança, vós, a quem o amor do ouro domina; vós, que venderíeis a alma para possuir tesouros, porque eles permitem vos eleveis acima dos outros homens e vos proporcionam os gozos das paixões que vos escravizam. Não; não podeis servir a Deus e a Mamon! Se, pois, sentis vossa alma dominada pelas cobiças da carne, dai-vos pressa em alijar o jugo que vos oprime, porquanto Deus, justo e severo, vos dirá: Que fizeste, ecônomo infiel, dos bens que te confiei? Esse poderoso móvel de boas obras exclusivamente o empregaste na tua satisfação pessoal.

Qual, então, o melhor emprego que se pode dar à riqueza? Procurai - nestas palavras: "Amai-vos uns aos outros", a solução do problema. Elas guardam o segredo do bom emprego das riquezas. Aquele que se acha animado do amor do próximo tem aí toda traçada a sua linha de proceder. Na caridade está, para as riquezas, o emprego que mais apraz a Deus. Não nos referimos, é claro, a essa caridade fria e egoísta, que consiste em a criatura espalhar ao seu derredor o supérfluo de uma existência dourada. Referimo-nos à caridade plena de amor, que procura a desgraça e a ergue, sem a humilhar. Rico!... dá do que te sobra; faze mais: dá um pouco do que te é necessário, porquanto o de que necessitas ainda é supérfluo. Mas, dá com sabedoria. Não repilas o que se queixa, com receio de que te engane; vai às origens do mal. Alivia, primeiro; em seguida, informa-te, e vê se o trabalho, os conselhos, mesmo a afeição não serão mais eficazes do que a tua esmola. Difunde em torno de ti, como os socorros materiais, o amor de Deus, o amor do trabalho, o amor do próximo. Coloca tuas riquezas sobre uma base que nunca lhes faltará e que te trará grandes lucros: a das boas obras.

Page 105: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

105

A riqueza da inteligência deves utilizá-la como a do ouro. Derrama em tomo de ti os tesouros da instrução; derrama sobre teus irmãos os tesouros do teu amor e eles frutificarão. - Cheverus. (Bordéus, 1861.)

12. Quando considero a brevidade da vida, dolorosamente me impressiona a incessante preocupação de que é para vós objeto o bem-estar material, ao passo que tão pouca importância dais ao vosso aperfeiçoamento moral, a que pouco ou nenhum tempo consagrais e que, no entanto, é o que importa para a eternidade. Dir-se-ia, diante da atividade que desenvolveis, tratar-se de uma questão do mais alto interesse para a humanidade, quando não se trata, na maioria dos casos, senão de vos pordes em condições de satisfazer a necessidades exageradas, à vaidade, ou de vos entregardes a excessos. Que de penas, de amofinações, de tormentos cada um se impõe; que de noites de insônia, para aumentar haveres muitas vezes mais que suficientes! Por cúmulo de cegueira, frequentemente se encontram pessoas, escravizadas a penosos trabalhos pelo amor imoderado da riqueza e dos gozos que ela proporciona, a se vangloriarem de viver uma existência dita de sacrifício e de mérito - como se trabalhassem para os outros e não para si mesmas!

Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados em conta os cuidados e os esforços que despendeis movidos pelo egoísmo, pela cupidez ou pelo orgulho, enquanto negligenciais do vosso futuro, bem como dos deveres que a solidariedade fraterna impõe a todos os que gozam das vantagens da vida social? Unicamente no vosso corpo haveis pensado; seu bem-estar, seus prazeres foram o objeto exclusivo da vossa solicitude egoística.

Por ele, que morre, desprezastes o vosso Espírito, que viverá sempre. Por isso mesmo, esse senhor tão animado e acariciado se tornou o vosso tirano; ele manda sobre o vosso Espírito, que se lhe constituiu escravo. Seria essa a finalidade da existência que Deus vos outorgou? - Um Espírito Protetor. (Cracóvia, l861.)

13. Sendo o homem o depositário, o administrador dos bens que Deus lhe pôs nas mãos, contas severas lhe serão pedidas do emprego que lhes haja ele dado, em virtude do seu livre-arbítrio. O mau uso consiste em os aplicar exclusivamente na sua satisfação pessoal; bom é o uso, ao contrário, todas as vezes que deles resulta um bem qualquer para outrem. O merecimento de cada um está na proporção do sacrifício que se impõe a si mesmo. A beneficência é apenas um modo de empregar-se a riqueza; ela dá alívio à miséria presente; aplaca a fome, preserva do frio e proporciona abrigo ao que não o tem. Dever, porem, igualmente imperioso e meritório é o de prevenir a miséria. Tal, sobretudo, a missão das grandes fortunas, missão a ser cumprida mediante os trabalhos de todo gênero que com elas se podem executar. Nem, pelo fato de tirarem desses trabalhos legítimo proveito os que assim as empregam, deixaria de existir o bem resultante delas, porquanto o trabalho desenvolve a inteligência e exalça a dignidade do homem, facultando-lhe dizer, altivo, que ganha o pão que come, enquanto a esmola humilha e degrada. A riqueza concentrada em uma mão deve ser qual fonte de água viva que espalha a fecundidade e o bem-estar ao seu derredor. O vós, ricos, que a empregardes segundo as vistas do Senhor! O vosso coração será o primeiro a dessedentar-se nessa fonte benfazeja; já nesta existência fruireis os inefáveis gozos da alma, em vez dos gozos materiais do egoísta, que produzem no coração o vazio. Vossos nomes serão benditos na Terra e, quando a deixardes, o soberano Senhor vos dirá, como na parábola dos talentos: “Bom e fiel servo, entra na alegria do teu Senhor.” Nessa parábola, o servidor que enterrou o dinheiro que lhe fora confiado é a representação dos avarentos, em cujas

Page 106: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

106

mãos se conserva improdutiva a riqueza. Se, entretanto, Jesus fala principalmente das esmolas, é que naquele tempo e no país em que ele vivia não se conheciam os trabalhos que as artes e a indústria criaram depois e nas quais as riquezas podem ser aplicadas utilmente para o bem geral. A todos os que podem dar, pouco ou muito, direi, pois: dai esmola quando for preciso; mas, tanto quanto possível, convertei-a em salário, a fim de que aquele que a receba não se envergonhe dela. - Fénelon. (Argel, 1860.)

Desprendimento dos bens terrenos (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. XVI, item 14)

Venho, meus irmãos, meus amigos, trazer-vos o meu óbolo, a fim de vos ajudar a avançar, desassombradamente, pela senda do aperfeiçoamento em que entrastes. Nós nos devemos uns aos outros; somente pela união sincera e fraternal entre os Espíritos e os encarnados será possível a regeneração.

O amor aos bens terrenos constitui um dos mais fortes óbices ao vosso adiantamento moral e espiritual. Pelo apego à posse de tais bens, destruís as vossas faculdades de amar, com as aplicardes todas às coisas materiais. Sede sinceros: proporciona a riqueza uma felicidade sem mescla? Quando tendes cheios os cofres, não há sempre um vazio no vosso coração? No fundo dessa cesta de flores não há sempre oculto um réptil? Compreendo a satisfação, bem justa, aliás, que experimenta o homem que, por meio de trabalho honrado e assíduo, ganhou uma fortuna; mas, dessa satisfação, muito natural e que Deus aprova, a um apego que absorve todos os outros sentimentos e paralisa os impulsos do coração vai grande distância, tão grande quanto a que separa da prodigalidade exagerada a sórdida avareza, dois vícios entre os quais colocou Deus a caridade, santa e salutar virtude que ensina o rico a dar sem ostentação, para que o pobre receba sem baixeza.

Quer a fortuna vos tenha vindo da vossa família, quer a tenhais ganho com o vosso trabalho, há uma coisa que não deveis esquecer nunca: é que tudo promana de Deus, tudo retorna a Deus. Nada vos pertence na Terra, nem sequer o vosso pobre corpo: a morte vos despoja dele, como de todos os bens materiais. Sois depositários e não proprietários, não vos iludais. Deus vo-los emprestou, tendes de lhos restituir; e ele empresta sob a condição de que o supérfluo, pelo menos, caiba aos que carecem do necessário.

Um dos vossos amigos vos empresta certa quantia. Por pouco honesto que sejais, fazeis questão de lha restituirdes escrupulosamente e lhe ficais agradecido. Pois bem: essa a posição de todo homem rico. Deus é o amigo celestial, que lhe emprestou a riqueza, não querendo para si mais do que o amor e o reconhecimento do rico. Exige deste, porém, que a seu turno dê aos pobres, que são, tanto quanto ele, seus filhos.

Ardente e desvairada cobiça despertam nos vossos corações os bens que Deus vos confiou. Já pensastes, quando vos deixais apegar imoderadamente a uma riqueza perecível e passageira como vós mesmos, que um dia tereis de prestar contas ao Senhor daquilo que vos veio d’Ele? Olvidais que, pela riqueza, vos revestistes do caráter sagrado de ministros da caridade na Terra, para serdes da aludida riqueza dispensadores inteligentes? Portanto, quando somente em vosso proveito usais do que se vos confiou, que sois, senão depositários infiéis? Que resulta desse esquecimento voluntário dos vossos deveres? A morte, inflexível, inexorável, rasga o véu sob que vos ocultáveis e vos força a prestar contas ao Amigo que vos favorecera e que nesse momento enverga diante de vós a toga de juiz.

Page 107: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

107

Em vão procurais na Terra iludir-vos, colorindo com o nome de virtude o que as mais das vezes não passa de egoísmo. Em vão chamais economia e previdência ao que apenas é cupidez e avareza, ou generosidade ao que não é senão prodigalidade em proveito vosso. Um pai de família, por exemplo, se abstém de praticar a caridade, economizará, amontoará ouro, para, diz ele, deixar aos filhos a maior soma possível de bens e evitar que caiam na miséria. E muito justo e paternal, convenho, e ninguém pode censurar. Mas será sempre esse o único móvel a que ele obedece? Não será muitas vezes um compromisso com a sua consciência, para justificar, aos seus próprios olhos e aos olhos do mundo, seu apego pessoal aos bens terrenais? Admitamos, no entanto, seja o amor paternal o único móvel que o guie. Será isso motivo para que esqueça seus irmãos perante Deus? Quando já ele tem o supérfluo, deixará na miséria os filhos, por lhes ficar um pouco menos desse supérfluo? Não será, antes, dar-lhes uma lição de egoísmo e endurecer-lhes os corações? Não será estiolar neles o amor ao próximo? Pais e mães, laborais em grande erro, se credes que desse modo granjeais maior afeição dos vossos filhos. Ensinando-lhes a ser egoístas para com os outros, ensinais-lhes a sê-lo para com vos mesmos.

A um homem que muito haja trabalhado, e que com o suor de seu rosto acumulou bens, é comum ouvirdes dizer que, quando o dinheiro é ganho, melhor se lhe conhece o valor.

Nada mais exato. Pois bem! Pratique a caridade, dentro das suas possibilidades, esse homem que declara conhecer todo o valor do dinheiro, e maior será o seu merecimento, do que o daquele que, nascido na abundância, ignora as rudes fadigas do trabalho. Mas, também, se esse homem, que se recorda dos seus penares, dos seus esforços, for egoísta, impiedoso para com os pobres, bem mais culpado se tornará do que o outro, pois, quanto melhor cada um conhece por si mesmo as dores ocultas da miséria, tanto mais propenso deve sentir-se em aliviá-las nos outros.

Infelizmente, sempre há no homem que possui bens de fortuna um sentimento tão forte quanto o apego aos mesmos bens: é o orgulho. Não raro, vê-se o arrivista atordoar, com a narrativa de seus trabalhos e de suas habilidades, o desgraçado que lhe pede assistência, em vez de acudi-lo, e acabar dizendo: "Faça o que eu fiz." Segundo o seu modo de ver, a bondade de Deus não entra por coisa alguma na obtenção da riqueza que conseguiu acumular; pertence-lhe a ele, exclusivamente, o mérito de a possuir. O orgulho lhe põe sobre os olhos uma venda e lhe tapa os ouvidos. Apesar de toda a sua inteligência e de toda a sua aptidão, não compreende que, com uma só palavra, Deus o pode lançar por terra.

Esbanjar a riqueza não é demonstrar desprendimento dos bens terrenos: é descaso e indiferença. Depositário desses bens, não tem o homem o direito de os dilapidar, como não tem o de os confiscar em seu proveito. Prodigalidade não é generosidade: é, frequentemente, uma modalidade do egoísmo. Um, que despenda a mancheias o ouro de que disponha, para satisfazer a uma fantasia, talvez não dê um centavo para prestar um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste em apreciá-los no seu justo valor, em saber servir-se deles em benefício dos outros e não apenas em benefício próprio, em não sacrificar por eles os interesses da vida futura, em perdê-los sem murmurar, caso apraza a Deus retirá-los. Se, por efeito de imprevistos reveses, vos tornardes qual Job, dizei, como ele: "Senhor, tu mos havias dado e mos tiraste. Faça-se a tua vontade." Eis ai o verdadeiro desprendimento. Sede, antes de tudo, submissos; confiai n’Aquele que, tendo-vos dado e tirado, pode novamente restituir-vos o que vos tirou.

Page 108: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

108

Resisti animosos ao abatimento, ao desespero, que vos paralisam as forças. Quando Deus vos desferir um golpe, não esqueçais nunca que, ao lado da mais rude prova, coloca sempre uma consolação. Ponderai, sobretudo, que há bens infinitamente mais preciosos do que os da Terra e essa ideia vos ajudará a desprender-vos destes últimos. O pouco apreço que se ligue a uma coisa faz que menos sensível seja a sua perda. O homem que se aferra aos bens terrenos é como a criança que somente vê o momento que passa. O que deles se desprende é como o adulto que vê as coisas mais importantes, por compreender estas proféticas palavras do Salvador: "O meu reino não é deste mundo."

A ninguém ordena o Senhor que se despoje do que possua, condenando-se a uma voluntária mendicidade, porquanto o que tal fizesse tornar-se-ia em carga para a sociedade.

Proceder assim fora compreender mal o desprendimento dos bens terrenos. Fora egoísmo de outro gênero, porque seria o indivíduo eximir-se da responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre aquele que a possui. Deus a concede a quem bem lhe parece, a fim de que a administre em proveito de todos. O rico tem, pois, uma missão, que ele pode embelezar e tornar proveitosa a si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando Deus a outorga, é renunciar aos benefícios do bem que se pode fazer, gerindo-a com critério. Sabendo prescindir dela quando não a tem, sabendo empregá-la utilmente quando a possui, sabendo sacrificá-la quando necessário, procede a criatura de acordo com os desígnios do Senhor. Diga, pois, aquele a cujas mãos venha o que no mundo se chama uma boa fortuna: Meu Deus, tu me destinaste um novo encargo; dá-me a força de desempenhá-lo segundo a tua santa vontade.

Aí tendes, meus amigos, o que eu vos queria ensinar acerca do desprendimento dos bens terrenos. Resumirei o que expus, dizendo: Sabei contentar-vos com pouco. Se sois pobres, não invejeis os ricos, porquanto a riqueza não é necessária à felicidade. Se sois ricos, não esqueçais que os bens de que dispondes apenas vos estão confiados e que tendes de justificar o emprego que lhes derdes, como se prestásseis contas de uma tutela. Não sejais depositário infiel, utilizando-os unicamente em satisfação do vosso orgulho e da vossa sensualidade. Não vos julgueis com o direito de dispor em vosso exclusivo proveito daquilo que recebestes, não por doação, mas simplesmente como empréstimo. Se não sabeis restituir, não tendes o direito de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres, salda a dívida que contraiu com Deus. - Lacordaire. (Constantina, 1863.)

A virtude (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII, item 8)

A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham pequenas enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz ostentação da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome, não gosta de estadear-se. Adivinham-na; ela, porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. S. Vicente de Paulo era virtuoso; eram virtuosos o digno cura d'Ars e muitos outros quase desconhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que fossem virtuosos; deixavam-se ir ao sabor de suas santas inspirações e praticavam o bem com desinteresse completo e inteiro esquecimento de si mesmos.

Page 109: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

109

À virtude assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar-vos.

Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude que assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de odiosas covardias.

Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.

O vós todos a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe da perfeição está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é uma graça que desejo a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade é que um dia elas se hão de redimir. François-Nicolas- Madeleine. (Paris, 1863.)

O homem no mundo (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XVII,

item 10)

Um sentimento de piedade deve sempre animar o coração dos que se reúnem sob as vistas do Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, pois, os vossos corações; não consintais que neles demore qualquer pensamento mundano ou fútil. Elevai o vosso espírito àqueles por quem chamais, a fim de que, encontrando em vós as necessárias disposições, possam lançar em profusão a semente que é preciso germine em vossas almas e dê frutos de caridade e justiça.

Não julgueis, todavia, que, exortando-vos incessantemente à prece e à evocação mental, pretendamos vivais uma vida mística, que vos conserve fora das leis da sociedade onde estais condenados a viver. Não; vivei com os homens da vossa época, como devem viver os homens. Sacrificai às necessidades, mesmo às frivolidades do dia, mas sacrificai com um sentimento de pureza que as possa santificar.

Sois chamados a estar em contato com espíritos de naturezas diferentes, de caracteres opostos: não choqueis a nenhum daqueles com quem estiverdes. Sede joviais, sede ditosos, mas seja a vossa jovialidade a que provém de uma consciência limpa, seja a vossa ventura a do herdeiro do Céu que conta os dias que faltam para entrar na posse da sua herança.

Não consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas condições humanas vos permitem. Basta reporteis todos os atos da vossa vida ao Criador que vo-la deu; basta que, quando começardes ou acabardes uma obra, eleveis o pensamento a esse Criador e lhe peçais, num arroubo d’alma, ou a sua proteção para que obtenhais êxito, ou a sua bênção para ela, se a concluístes. Em tudo o que fizerdes, remontai à Fonte de todas as coisas, para que nenhuma de vossas ações deixe de ser purificada e santificada pela lembrança de Deus.

A perfeição está toda, como disse o Cristo, na prática da caridade absoluta; mas, os deveres da caridade alcançam todas as posições sociais, desde o menor até o maior.

Page 110: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

110

Nenhuma caridade teria a praticar o homem que vivesse insulado. Unicamente no contato com os seus semelhantes, nas lutas mais árduas é que ele encontra ensejo de praticá-la. Aquele, pois, que se isola priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoar-se; não tendo de pensar senão em si, sua vida é a de um egoísta. (Capítulo V, nº 26.)

Não imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas. Não, não, ainda uma vez vos dizemos. Ditosos sede, segundo as necessidades da Humanidade; mas, que jamais na vossa felicidade entre um pensamento ou um ato que o possa ofender, ou fazer se vele o semblante dos que vos amam e dirigem. Deus é amor, e aqueles que amam santamente ele os abençoa. Um Espírito Protetor. (Bordéus, 1863.)

Cuidar do corpo e do espírito (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” –

cap. XVII, item 11)

Consistirá na maceração do corpo a perfeição moral? Para resolver essa questão, apoiar-me-ei em princípios elementares e começarei por demonstrar a necessidade de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas de saúde e de enfermidade, influi de maneira muito importante sobre a alma, que cumpre se considere cativa da carne. Para que essa prisioneira viva, se expanda e chegue mesmo a conceber as ilusões da liberdade, tem o corpo de estar são, disposto, forte. Façamos uma comparação: Eis se acham ambos em perfeito estado; que devem fazer para manter o equilíbrio entre as suas aptidões e as suas necessidades tão diferentes? Inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio5.

Dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que tem por base o aniquilamento do corpo, e o dos materialistas, que se baseia no rebaixamento da alma. Duas violências quase tão insensatas uma quanto a outra. Ao lado desses dois grandes partidos, formiga a numerosa tribo dos indiferentes que, sem convicção e sem paixão, são mornos no amar e econômicos no gozar. Onde, então, a sabedoria? Onde, então, a ciência de viver? Em parte alguma; e o grande problema ficaria sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma e dizendo-lhes que, por se acharem em dependência mútua, importa cuidar de ambos. Amai, pois, a vossa alma, porém, cuidai igualmente do vosso corpo, instrumento daquela. Desatender as necessidades que a própria Natureza indica, é desatender a lei de Deus. Não castigueis o corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu a cometer e pelas quais é ele tão responsável quanto o cavalo mal dirigido, pelos acidentes que causa.

Sereis, porventura, mais perfeitos se, martirizando o corpo, não vos tornardes menos egoístas, nem menos orgulhosos e mais caritativos para com o vosso próximo? Não, a perfeição não está nisso: está toda nas reformas por que fizerdes passar o vosso Espírito. Dobrai-o, submetei-o, humilhai-o, mortificai-o: esse o meio de o tornardes dócil à vontade de Deus e o único de alcançardes a perfeição. Jorge, Espírito Protetor. (Paris, l863.)

5 O último período desse parágrafo - "inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio" não aparece nas novas edições francesas desde a 3ª, mas se acha na 1ª edição e, por isso, a repomos no texto, corrigindo um evidente erro de impressão. - A Editora.

Page 111: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

111

Coragem da fé (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XXIV, itens

13 a 16)

13. Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu também o reconhecerei e confessarei diante de meu Pai que está nos céus; - e aquele que me renegar diante dos homens, também eu o renegarei diante de meu Pai que está nos céus. - (S. Mateus, cap. X, vv. 32 e 33.)

14. Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do Homem também dele se envergonhará, quando vier na sua glória e na de seu Pai e dos santos anjos. (S. Lucas, capítulo IX, v. 26.)

15. A coragem das opiniões próprias sempre foi tida em grande estima entre os homens, porque há mérito em afrontar os perigos, as perseguições, as contradições e até os simples sarcasmos, aos quais se expõe, quase sempre, aquele que não teme proclamar abertamente ideias que não são as de toda gente. Aqui, como em tudo, o merecimento é proporcionado às circunstâncias e à importância do resultado. Há sempre fraqueza em recuar alguém diante das consequências que lhe acarreta a sua opinião e em renegá-la; mas, há casos em que isso constitui covardia tão grande, quanto fugir no momento do combate.

Jesus profliga essa covardia, do ponto de vista especial da sua doutrina, dizendo que, se alguém se envergonhar de suas palavras, desse também ele se envergonhará; que renegará aquele que o haja renegado; que reconhecerá, perante o Pai que está nos céus, aquele que o confessar diante dos homens. Por outras palavras: aqueles que se houverem arreceado de se confessarem discípulos da verdade não são dignos de se verem admitidos no reino da verdade. Perderão as vantagens da fé que alimentem, porque se trata de uma fé egoísta que eles guardam para si, ocultando-a para que não lhes traga prejuízo neste mundo, ao passo que aqueles que, pondo a verdade acima de seus interesses materiais, a proclamam abertamente, trabalham pelo seu próprio futuro e pelo dos outros.

16. Assim será com os adeptos do Espiritismo. Pois que a doutrina que professam mais não é do que o desenvolvimento e a aplicação da do Evangelho, também a eles se dirigem as palavras do Cristo. Eles semeiam na Terra o que colherão na vida espiritual. Colherão lá os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza.

Não vos afadigueis pela posse do ouro (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. XXV, itens 9 a 11)

9. Não vos afadigueis por possuir ouro, ou prata, ou qualquer outra moeda em vossos bolsos. - Não prepareis saco para a viagem, nem dois fatos, nem calçados, nem cajados, porquanto aquele que trabalha merece sustentado.

10. Ao entrardes em qualquer cidade ou aldeia, procurai saber quem é digno de vos hospedar e ficai na sua casa até que partais de novo. - Entrando na casa, saudai-a assim: Que a paz seja nesta casa. Se a casa for digna disso, a vossa paz virá sobre ela; se não o for, a vossa paz voltará para vós.

Quando alguém não vos queira receber, nem escutar, sacudi, ao sairdes dessa casa ou cidade, a poeira dos vossos pés. - Digo-vos, em verdade: no dia do juízo, Sodoma e Gomorra serão tratadas menos rigorosamente do que essa cidade. (S. Mateus, cap. X, vv. 9 a 15.)

11. Naquela época, nada tinham de estranhável essas palavras que Jesus dirigiu a seus apóstolos, quando os mandou, pela primeira vez, anunciar a boa-nova. Estavam de

Page 112: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

112

acordo com os costumes patriarcais do Oriente, onde o viajor encontrava sempre acolhida na tenda.

Mas, então, os viajantes eram raros. Entre os povos modernos, o desenvolvimento da circulação houve de criar costumes novos. Os dos tempos antigos somente se conservam em países longínquos, onde ainda não penetrou o grande movimento. Se Jesus voltasse hoje, já não poderia dizer a seus apóstolos: "Ponde-vos a caminho sem provisões."

A par do sentido próprio, essas palavras guardam um sentido moral muito profundo.

Proferindo-as, ensinava Jesus a seus discípulos que confiassem na Providência. Ao demais, eles, nada tendo, não despertariam a cobiça nos que os recebessem. Era um meio de distinguirem dos egoístas os caridosos. Por isso foi que lhes disse: "Procurai saber quem é digno de vos hospedar" ou: quem é bastante humano para agasalhar o viajante que não tem com que pagar, porquanto esses são dignos de escutar as vossas palavras; pela caridade deles é que os reconhecereis.

Quanto aos que não os quisessem receber, nem ouvir, recomendou ele porventura aos apóstolos que os amaldiçoassem, que se lhes impusessem, que usassem de violência e de constrangimento para os converterem? Não; mandou, pura e simplesmente, que se fossem embora, à procura de pessoas de boa vontade.

O mesmo diz hoje o Espiritismo a seus adeptos: não violenteis nenhuma consciência; a ninguém forceis para que deixe a sua crença, a fim de adotar a vossa; não anatematizeis os que não pensem como vós; acolhei os que venham ter convosco e deixai tranquilos os que vos repelem. Lembrai-vos das palavras do Cristo. Outrora, o céu era tomado com violência; hoje o é pela brandura. (Cap. IV, nº 10 e 11.)

Transmissão oculta do pensamento (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 2ª parte –

cap. VIII)

419. Que é o que dá causa a que uma ideia, a de uma descoberta, por exemplo, surja em muitos pontos ao mesmo tempo?

“Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam entre si. Ora bem! Quando se dá o despertar, o Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser isso um invento de sua autoria. Assim é que muitos podem simultaneamente descobrir a mesma coisa. Quando dizeis que uma ideia paira no ar, usais de uma figura de linguagem mais exata do que supondes. Todos, sem o suspeitarem, contribuem para propagá-la.” Desse modo, o nosso próprio Espírito revela muitas vezes, a outros Espíritos, mau grado nosso, o que constituía objeto de nossas preocupações no estado de vigília. 420. Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente despertos os corpos?

“O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, se bem que mais dificilmente.” 421. Como se explica que duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instantaneamente a mesma ideia?

“São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e veem reciprocamente seus pensamentos respectivos, embora sem estarem adormecidos os corpos.”

Há, entre os Espíritos que se encontram, uma comunicação de pensamento, que dá causa a que duas pessoas se vejam e compreendam, sem precisarem dos sinais ostensivos da linguagem. Poder-se-ia dizer que falam entre si a linguagem dos Espíritos.

Page 113: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

113

Faculdade, que têm os Espíritos, de penetrar os nossos pensamentos (Allan Kardec, in

“O Livro dos Espíritos” – 2ª parte – cap. IX)

456. Veem os Espíritos tudo o que fazemos? “Podem ver, pois que constantemente vos rodeiam. Cada um, porém, só vê aquilo a

que dá atenção. Não se ocupam com o que lhes é indiferente.” 457. Podem os Espíritos conhecer os nossos mais secretos pensamentos?

“Muitas vezes chegam a conhecer o que desejaríeis ocultar de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se lhes podem dissimular.” a) - Assim, mais fácil nos seria ocultar de uma pessoa viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma pessoa depois de morta?

“Certamente. Quando vos julgais muito ocultos, é comum terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que vos observam.” 458. Que pensam de nós os Espíritos que nos cercam e observam?

“Depende. Os levianos riem das pequenas partidas que vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os Espíritos sérios se condoem dos vossos reveses e procuram ajudar-vos.”

Influência oculta dos Espíritos em nossos pensamentos e atos (Allan Kardec, in “O Livro

dos Espíritos” – 2ª parte – cap. IX)

459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos? “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que

vos dirigem.” 460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos?

“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que, frequentemente, muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto, não raro, contrários uns dos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes. É que tendes em vós duas ideias a se combaterem.” 461. Como havemos de distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos?

“Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão de que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que acodem em primeiro lugar. Afinal, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção. Muitas vezes, é útil que não saibais fazê-la. Não a fazendo, obra o homem com mais liberdade. Se se decide pelo bem, é voluntariamente que o pratica; se toma o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.” 462. É sempre de dentro de si mesmos que os homens inteligentes e de gênio tiram suas ideias?

“Algumas vezes, elas lhes vêm do seu próprio Espírito, porém, de outras muitas, lhes são sugeridas por Espíritos que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de vulgarizá-las. Quando tais homens não as acham em si mesmos, apelam para a inspiração. Fazem assim, sem o suspeitarem, uma verdadeira evocação.”

Se fora útil que pudéssemos distinguir claramente os nossos pensamentos próprios dos que nos são sugeridos, Deus nos houvera proporcionado os meios de o

Page 114: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

114

conseguirmos, como nos concedeu o de diferençarmos o dia da noite. Quando uma coisa se conserva imprecisa, é que convém assim aconteça. 463. Diz-se comumente ser sempre bom o primeiro impulso. É exato?

“Pode ser bom, ou mau, conforme a natureza do Espírito encarnado. É sempre bom naquele que atende às boas inspirações.” 464. Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau?

“Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos discernir.” 465. Com que fim os Espíritos imperfeitos nos induzem ao mal?

“Para que sofrais como eles sofrem.” a) - E isso lhes diminui os sofrimentos?

“Não; mas fazem-no por inveja, por não poderem suportar que haja seres felizes.” b) - De que natureza é o sofrimento que procuram infligir aos outros?

“Os que resultam de ser de ordem inferior a criatura e de estar afastada de Deus.” 466. Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal?

“Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a por em prova a fé e a constância dos homens na prática do bem. Como Espírito que és, tens que progredir na ciência do infinito. Daí o passares pelas provas do mal, para chegares ao bem. A nossa missão consiste em te colocarmos no bom caminho. Desde que sobre ti atuam influências más, é que as atrais, desejando o mal; porquanto os Espíritos inferiores correm a te auxiliar no mal, logo que desejes praticá-lo. Só quando queiras o mal, podem eles ajudar-te para a prática do mal. Se fores propenso ao assassínio, terás em torno de ti uma nuvem de Espíritos a te alimentarem no íntimo esse pendor. Mas outros também te cercarão, esforçando-se por te influenciarem para o bem, o que restabelece o equilíbrio da balança e te deixa senhor dos teus atos.”

É assim que Deus confia à nossa consciência a escolha do caminho que devamos seguir e a liberdade de ceder a uma ou outra das influências contrárias que se exercem sobre nós. 467. Pode o homem eximir-se da influência dos Espíritos que procuram arrastá-lo ao mal?

“Pode, visto que tais Espíritos só se apegam aos que, pelos seus desejos, os chamam, ou aos que, pelos seus pensamentos, os atraem.” 468. Renunciam às suas tentativas os Espíritos cuja influência a vontade do homem repele?

“Que querias que fizessem? Quando nada conseguem, abandonam o campo. Entretanto, ficam à espreita de um momento propício, como o gato que tocaia o rato.” 469. Por que meio podemos neutralizar a influência dos maus Espíritos?

“Praticando o bem e pondo em Deus toda a vossa confiança, repelireis a influência dos Espíritos inferiores e aniquilareis o império que desejam ter sobre vós. Guardai-vos de atender às sugestões dos Espíritos que vos suscitam maus pensamentos, que sopram a discórdia entre vós outros e que vos insuflam as paixões más. Desconfiai especialmente dos que vos exaltam o orgulho, pois que esses vos assaltam pelo lado fraco. Essa a razão por que Jesus, na oração dominical, vos ensinou a dizer: “Senhor! Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.”

Page 115: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

115

470. Os Espíritos, que ao mal procuram induzir-nos e que põem assim em prova a nossa firmeza no bem, procedem desse modo cumprindo missão? E, se assim é, cabe-lhes alguma responsabilidade?

“A nenhum Espírito é dada a missão de praticar o mal. Aquele que o faz fá-lo por conta própria, sujeitando-se, portanto, às consequências. Pode Deus permitir-lhe que assim proceda, para vos experimentar; nunca, porém, lhe determina tal procedimento. Compete-vos, pois repeti-lo.” 471. Quando experimentamos uma sensação de angústia, de ansiedade indefinível, ou de íntima satisfação, sem que lhe conheçamos a causa, devemos atribuí-la unicamente a uma disposição física?

“É quase sempre efeito das comunicações em que inconscientemente entrais com os Espíritos, ou da que com elas tivestes durante o sono.” 472. Os Espíritos que procuram atrair-nos para o mal se limitam a aproveitar as circunstâncias em que nos achamos, ou podem também criá-las?

“Aproveitam as circunstâncias ocorrentes, mas também costumam criá-las, impelindo-vos, mau grado vosso, para aquilo que cobiçais. Assim, por exemplo, encontra um homem, no seu caminho, certa quantia. Não penses tenham sido os Espíritos que a trouxeram para ali. Mas, eles podem inspirar ao homem a ideia de tomar aquela direção e sugerir-lhe depois a de se apoderar da importância achada, enquanto outros lhe sugerem a de restituir o dinheiro ao seu legítimo dono. O mesmo se dá com relação a todas as demais tentações.”

Da lei de sociedade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. VII)

Necessidade da vida social

766. A vida social está em a Natureza? “Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente

a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.” 767. É contrário à lei da Natureza o insulamento absoluto?

“Sem dúvida, pois que por instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente.” 768. Procurando a sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a um sentimento pessoal, ou há nesse sentimento algum providencial objetivo de ordem mais geral?

“O homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso possível, por não dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contato com os outros homens. No insulamento, ele se embrutece e estiola.”

Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados.

Vida de insulamento. Voto de silêncio

769. Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos os gostos estão na Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto, desde que cause satisfação ao homem?

“Satisfação egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na embriaguez. Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem se condena a não ser útil a ninguém.”

Page 116: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

116

770. Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contato do mundo?

“Duplo egoísmo.” a) - Mas, não será meritório esse retraimento se tiver por fim uma expiação, impondo-se aquele que o busca uma privação penosa?

“Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de caridade.” 771. Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados?

“Esses se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem o bem, obedecendo à lei do trabalho.” a) - E dos que buscam no retiro a tranquilidade que certos trabalhos reclamam?

“Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.” 772. Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas seitas, desde a mais remota antiguidade?

“Perguntai, antes, a vós mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus a concedeu ao homem. Deus condena o abuso e não o uso das faculdades que lhe outorgou. Entretanto, o silêncio é útil, pois no silêncio pões em prática o recolhimento; teu espírito se torna mais livre e pode entrar em comunicação conosco. Mas o voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida obedecem a boa intenção os que consideram essas privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não compreendem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.”

O voto de silêncio absoluto, do mesmo modo que o voto de insulamento, priva o homem das relações sociais que lhe podem facultar ocasiões de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso.

Laços de família

773. Por que é que, entre os animais, os pais e os filhos deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais precisam de cuidados?

“Os animais vivem vida material e não vida moral. A ternura da mãe pelos filhos tem por princípio o instinto de conservação dos seres que ela deu à luz. Logo que esses seres podem cuidar de si mesmos, está ela com a sua tarefa concluída; nada mais lhe exige a Natureza. Por isso é que os abandona, a fim de se ocupar com os recém-vindos.” 774. Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?

“Diverso do dos animais é o destino do homem. Por que, então, quererem identifica-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.” (205) 775. Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?

“Uma recrudescência do egoísmo.”

Page 117: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

117

Da lei de igualdade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. IX)

Igualdade natural

803. Perante Deus, são iguais todos os homens? “Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos. Dizeis

frequentemente: “O Sol luz para todos” e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.”

Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos, aos Seus olhos, são iguais.

Desigualdade das aptidões

804. Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a todos os homens? “Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou menos

tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas. Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que os habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o exemplo.” (361) 805. Passando de um mundo superior a outro inferior, conserva o Espírito, integralmente, às faculdades adquiridas?

“Sim, já temos dito que o Espírito que progrediu não retrocede. Poderá escolher, no estado de Espírito livre, um invólucro mais grosseiro, ou posição mais precária do que as que já teve, porém tudo isso para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir.” (180)

Assim, a diversidade das aptidões entre os homens não deriva da natureza íntima da sua criação, mas do grau de aperfeiçoamento a que tenham chegado os Espíritos encarnados neles. Deus, portanto, não criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em graus diversos de desenvolvimento estivessem em contato, para que os mais adiantados pudessem auxiliar o progresso dos mais atrasados e também para que os homens, necessitando uns dos outros, compreendessem a lei de caridade que os deve unir.

Desigualdades sociais

806. É lei da Natureza a desigualdade das condições sociais? “Não; é obra do homem e não de Deus.”

a) - Algum dia essa desigualdade desaparecerá? “Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que dia da dia ela gradualmente

se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade do merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social.”

Page 118: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

118

807. Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de suas posições sociais, para, em proveito próprio, oprimir os fracos?

“Merecem anátema! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de sofrer tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.” (684)

Desigualdade das riquezas

808. A desigualdade das riquezas não se originará da das faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais meios de adquirir bens do que outros?

“Sim e não. Da velhacaria e do roubo, que dizeis?” a) - Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de paixões más.

“Que sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da origem, que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso o que Deus julga e eu te asseguro que o Seu juízo é mais severo que o dos homens.” 809. Aos que, mais tarde, herdam uma riqueza inicialmente mal adquirida, alguma responsabilidade cabe por esse fato?

“É fora de dúvida que não são responsáveis pelo mal que outros hajam feito, sobretudo se o ignoram, como é possível que aconteça. Mas, fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter às mãos de um homem, para lhe proporcionar ensejo de reparar uma injustiça. Feliz dele, se assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que cometeu a injustiça, a ambos será a reparação levada em conta, porquanto, não raro, é este último quem a provoca.” 810. Sem quebra da legalidade, quem quer que seja pode dispor de seus bens de modo mais ou menos equitativo. Aquele que assim proceder será responsável, depois da morte, pelas disposições que haja tomado?

“Toda ação produz seus frutos; doces são os das boas ações, amargos sempre os das outras. Sempre, entendei-o bem.” 811. Será possível e já terá existido a igualdade absoluta das riquezas?

“Não; nem é possível. A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres.” a) - Há, no entanto, homens que julgam ser esse o remédio aos males da sociedade. Que pensais a respeito?

“São sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo, que é a vossa chaga social, e não corrais atrás de quimeras.” 812. Por não ser possível a igualdade das riquezas, o mesmo se dará com o bem-estar?

“Não, mas o bem-estar é relativo e todos poderiam dele gozar, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro bem-estar consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.” a) - Será possível que todos se entendam?

“Os homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça.” 813. Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria. Nenhuma responsabilidade caberá disso à sociedade?

Page 119: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

119

“Mas, certamente. Já dissemos que a sociedade é muitas vezes a principal culpada de semelhante coisa. Demais, não tem ela que velar pela educação moral dos seus membros? Quase sempre, é a má educação que lhes falseia o critério, ao invés de sufocar-lhes as tendências perniciosas.” (685)

As provas de riqueza e de miséria

814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria? “Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas

foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com frequência.” 815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza?

“São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.” 816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem?

“Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente.”

A alta posição do homem neste mundo e o ter autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder.

A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi que Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um camelo por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos céus.” (266)

Igualdade dos direitos do homem e da mulher

817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos? “Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de

progredir?” 818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países?

“Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.” 819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?

“Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.” 820. A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?

“Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem.” Deus apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar. Tendo dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade, em relação com a delicadeza das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.

Page 120: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

120

821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?

“Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.” 822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?

“O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.” a) - Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?

“Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com sua aptidão. A lei humana, para ser equitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”

Igualdade perante o túmulo

823. Donde nasce o desejo que o homem sente de perpetuar sua memória por meio de monumentos fúnebres?

“Último ato de orgulho.” a) - Mas a suntuosidade dos monumentos fúnebres não é antes devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto, que lhe querem honrar a memória, do que ao próprio defunto?

“Orgulho dos parentes, desejosos de se glorificarem a si mesmos. Oh! Sim, nem sempre é pelo morto que se fazem todas essas demonstrações. Elas são feitas por amor-próprio e para o mundo, bem como por ostentação de riqueza. Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido dure menos no coração do pobre, que não lhe pode colocar sobre o túmulo senão uma singela flor? Supões que o mármore salva do esquecimento aquele que na Terra foi inútil?” 824. Reprovais então, de modo absoluto, a pompa dos funerais?

“Não; quando se tenha em vista honrar a memória de um homem de bem, é justo e de bom exemplo.”

O túmulo é o ponto de reunião de todos os homens. Aí terminam inelutavelmente todas as distinções humanas. Em vão tenta o rico perpetuar a sua memória, mandando erigir faustosos monumentos. O tempo os destruirá, como lhe consumirá o corpo. Assim o quer a Natureza. Menos perecível do que o seu túmulo será a lembrança de suas ações boas e más. A pompa dos funerais não o limpará das suas torpezas, nem o fará subir um degrau que seja na hierarquia espiritual. (320 e seguintes)

Liberdade de pensar (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. X)

833. Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze ele de absoluta liberdade?

“No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há como por-lhe peias. Pode-se-lhe deter o voo, porém, não aniquilá-lo.” 834. É responsável o homem pelo seu pensamento?

Page 121: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

121

“Perante Deus, é. Somente a Deus sendo possível conhecê-lo, Ele o condena ou absolve, segundo a Sua justiça.”

Liberdade de consciência (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. X)

835. Será a liberdade de consciência uma consequência da de pensar? “A consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os

outros pensamentos.” 836. Tem o homem direito de pôr embaraços à liberdade de consciência?

“Falece-lhe tanto esse direito, quanto com referência à liberdade de pensar, por isso que só a Deus cabe o de julgar a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as relações entre Ele e o homem.” 837. Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à liberdade de consciência?

“Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.” 838. Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando notoriamente falsa?

“Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem. Condenáveis são as crenças que conduzam ao mal.” 839. Será repreensível aquele que escandalize com a sua crença um outro que não pensa como ele?

“Isso é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.” 840. Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices a crenças capazes de causar perturbações à sociedade?

“Podem reprimir-se os atos, mas a crença íntima é inacessível.” Reprimir os atos exteriores de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo a

terceiros, não é atentar contra a liberdade de consciência, pois que essa repressão em nada tira à crença a liberdade, que ela conserva integral. 841. Para respeitar a liberdade de consciência, dever-se-á deixar que se propaguem doutrinas perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade, procurar trazer ao caminho da verdade os que se transviaram obedecendo a falsos princípios?

“Certamente que podeis e até deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus, servindo-vos da brandura e da persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença daquele a quem desejaríeis convencer. Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar com violência. A convicção não se impõe.” 842. Por que indícios se poderá reconhecer, entre todas as doutrinas que alimentam a pretensão de ser a expressão única da verdade, a que tem o direito de se apresentar como tal?

“Será aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática da lei de amor na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falsa e perniciosa.”

Page 122: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

122

Da lei de justiça, amor e caridade (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte –

cap. XI)

Justiça e direitos naturais

873. O sentimento da justiça está em a Natureza, ou é resultado de ideias adquiridas? “Está de tal modo em a Natureza, que vos revoltais à simples ideia de uma

injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.” 874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?

“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.” 875. Como se pode definir a justiça?

“A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.” a) - Que é o que determina esses direitos?

“Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Demais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.” 876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?

“Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”

Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo. 877. Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais?

“Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhante. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. Em o vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa

Page 123: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

123

da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impões deveres recíprocos.” 878. Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que é o que lhe fará conhecer o limite desse direito?

“O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.” a) - Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes?

“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.” 879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?

“O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”

Direito de propriedade. Roubo

880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu

semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.” 881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais possa trabalhar?

“Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.” 882. Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo seu trabalho?

“Não disse Deus: “Não roubarás?” E Jesus não disse: “Dai a César o que é de César?”

O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quando o de trabalhar e de viver. 883. É natural o desejo de possuir?

“Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.” a) - Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez aquele que tem de que viver a ninguém é pesado?

“Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho.” 884. Qual o caráter da legítima propriedade?

“Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.” (808)

Page 124: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

124

Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários. 885. Será ilimitado o direito de propriedade?

“É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.” (795)

Caridade e amor do próximo

886. Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,

perdão das ofensas.” O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o próximo é

fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.

A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque da indulgência precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa. 887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre os Espíritos?

“Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança.” 888. Que se deve pensar da esmola?

“Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns.” a) - Dar-se-á reproveis a esmola?

“Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda a mão.

“A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.

Page 125: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

125

“Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus: “Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der.” Por essa forma, ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.

“Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.

“Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.

“Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento, sua situação como encarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados.

Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus.”

SÃO VICENTE DE PAULO 889. Não há homens que se veem condenados a mendigar por culpa sua?

“Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.” (707)

Amor materno e filial

890. Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento instintivo, comum aos homens e aos animais?

“Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessário se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no amor do animal.” (205-385) 891. Estando em a Natureza o amor materno, como é que há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes?

“Às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, noutra existência (392). Em todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada por um mau Espírito que procura criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas, essa violação das leis da Natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos obstáculos de que haja triunfado.” 892. Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes desculpa para o fato de lhes não dispensarem a ternura de que os fariam objeto, em caso contrário?

“Não, porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem (582-583). Demais, esses

Page 126: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

126

desgostos são, amiúde, a consequência do mau feitio que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço. Colhem o que semearam.”

Da perfeição moral (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 3ª parte – cap. XII)

As virtudes e os vícios

893. Qual a mais meritória de todas as virtudes? “Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do

bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade.” 894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se veem na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem?

“Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as honras que se costumam tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.

“Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra, quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade na sua verdadeira acepção.” 895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?

“O interesse pessoal. Frequentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um fenômeno.

“O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.” 896. Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus haveres sem utilidade real, por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm algum merecimento essas pessoas?

“Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre forte, também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito de que uns e outros

Page 127: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

127

terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele não precisavam.” 897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem, sem visar a qualquer recompensa na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?

“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.” a) - Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à penosa condição desta vida. Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse objetivo. Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa melhor do que temos na Terra?

“Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem ideia preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.” (894) b) - Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a ideia de que nos seja levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?

“Não, não. Quando dizemos - fazer o bem, queremos significar - ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem todos tender.” 898. Sendo a vida corpórea apenas uma estada temporária neste mundo e devendo o futuro constituir objeto da nossa principal preocupação, será útil nos esforcemos por adquirir conhecimentos científicos que só digam respeito às coisas e às necessidades materiais?

“Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de auxiliar os vossos irmãos; depois, o vosso Espírito subirá mais depressa, se já houver progredido em inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis numa hora o que na Terra vos exigiria anos de aprendizado. Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos contribuem para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e porque, cumprindo que o progresso se efetue em todos os sentidos, todas as ideias adquiridas ajudam o desenvolvimento do Espírito.” 899. Qual o mais culpado de dois homens ricos que empregam exclusivamente em gozos pessoais suas riquezas, tendo um nascido na opulência e desconhecido sempre a necessidade, devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui?

“Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o que é sofrer. A dor, a que nenhum alívio procura dar, ele a conhece; porém, como frequentemente sucede, já dela se não lembra.” 900. Aquele que incessantemente acumula haveres, sem fazer o bem a quem quer que seja, achará desculpa, que valha, na circunstância de acumular com o fito de maior soma legar aos seus herdeiros?

Page 128: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

128

“É um compromisso com a consciência má.” 901. Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro sacrifício para prestar um serviço ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o que dependa para satisfazer aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante para isso. Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação no mundo dos Espíritos?

“O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro já recebeu parte do seu castigo.” 902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o desejo de fazer o bem?

“Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro. Mas, será sempre bastante desinteressado esse desejo? Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em quem tal desejo se manifesta?” 903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?

“Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.” 904. Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da sociedade e as expõe em público?

“Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa produzir escândalo, não faz mais do que proporcionar a si mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros que constituem antes mau do que bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas pode vir a ser punido por essa espécie de prazer que encontra em revelar o mal.” a) - Como, em tal caso, julgar da pureza das intenções e da sinceridade do escritor?

“Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas coisas, aproveitai-as. Se proceder mal, é uma questão de consciência que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais, se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade, apoie o que disser nos exemplos que dê.” 905. Alguns autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que auxiliam o progresso da Humanidade, das quais, porém, nenhum proveito tiraram eles. Ser-lhes-á levado em conta, como Espíritos, o bem a que suas obras hajam dado lugar?

“A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o trabalho. De que vos serve a semente, se não a fazeis dar frutos que vos alimentem? Grave é a culpa desses homens, porque dispunham de inteligência para compreender. Não praticando as máximas que ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.”

Page 129: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

129

906. Será passível de censura o homem, por ter consciência do bem que faz e por confessá-lo a si mesmo?

“Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do bem igualmente deve tê-la, a fim de saber se andou bem ou mal. Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus e, sobretudo, na lei de justiça, amor e caridade, é que poderá dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más, que as poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode, portanto, censurar que reconheça haver triunfado dos maus pendores e que se sinta satisfeito, desde que de tal não se envaideça, porque então cairia noutra falta.” (919)

Paixões

907. Será substancialmente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na Natureza?

“Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.” 908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?

“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem.”

As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. Mas, se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.

Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das

condições providenciais da nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa e este excesso se torna um mal, quando tem como consequência um mal qualquer.

Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual.

Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição. 909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?

“Sim, e, frequentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!” 910. Pode o homem achar nos Espíritos eficaz assistência para triunfar de suas paixões?

“Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os bons Espíritos lhe virão certamente em auxílio, porquanto é essa a missão deles.” (459) 911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para dominá-las?

“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.”

Page 130: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

130

912. Qual o meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza corpórea? “Praticar a abnegação.”

O egoísmo

913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical? “Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal. Estudai todos os vícios

e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois, todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.” 914. Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo?

“À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretêm e excitam. Isso depende da educação.” 915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre um obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra?

“É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal, porém ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade mesma. Ora, depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais homens assim do que supondes. Apenas, não os conheceis, porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não haverá dez? Havendo dez, por que não haverá mil e assim por diante? 916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que, até, parece, o excita e mantém. Como poderá a causa destruir o efeito?

“Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se houverem despojado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o forte será o amparo e não o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os Espíritos estão incumbidos de preparar.” (784) 917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo?

“De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominante sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando, bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta na importância da personalidade. Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo

Page 131: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

131

modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo.

“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo os outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à sua personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem. Principalmente para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que se há de ver, todo aquele que em si somente houver pensado.” (785)

FÉNELON. Louváveis esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a Humanidade

progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que em qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social. É um mal real, que se alastra por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos vítima. Cumpre, pois, combatê-lo, como se combate uma enfermidade epidêmica. Para isso, deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas, todas as influências que, ostensiva ou ocultamente, excitam, alimentam e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. Só restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só vez, ao menos parcialmente, e o veneno pouco a pouco será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o mal for atacado em sua raiz, isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que tende a fazer homens de bem. A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito baste o conhecimento da Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do pobre, desde o instante do nascimento, o observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em consequência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando igualmente com quanta frequência falham os meios empregados para moralizá-los, não poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices. Faça-se com o moral o que se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se julga é o número das que apenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (872)

O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as causas de seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo reside uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que a cada momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais,

Page 132: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

132

provoca as dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a se manter constantemente na defensiva contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o induzirá. (784)

O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade o é de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do

homem, se quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.

Caracteres do homem de bem

918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe elevará o Espírito na hierarquia espírita?

“O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida espiritual.”

Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.

Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça.

É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os homens, sem distinção de raças, nem de crenças.

Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar.

Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho.

É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado.

Não é vingativo. A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será.

Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.

Conhecimento de si mesmo

919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.” a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a

Page 133: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

133

me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”

“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.

“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.

“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna.

Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”

SANTO AGOSTINHO. Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente,

seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa

Page 134: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

134

consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.

A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.

Das penas e gozos terrestres (Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos” – 4ª parte – cap. I)

Felicidade e infelicidade relativas

920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra? “Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.” 921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso se não verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa?

“O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, a muitos males se forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência grosseira.”

Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal mais do que uma estação temporária, uma como parada momentânea em péssima hospedaria. Facilmente se consola de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição, quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la.

Já nesta vida somos punidos pela infrações, que cometemos, das leis que regem a existência corpórea, sofrendo os males consequentes dessas mesmas infrações e dos nossos próprios excessos. Se, gradativamente, remontarmos à origem do que chamamos as nossas desgraças terrenas, veremos que, na maioria dos casos, elas são a consequência de um primeiro afastamento nosso do caminho reto. Desviando-nos deste, enveredamos por outro, mau, e, de consequência em consequência, caímos na desgraça. 922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os homens?

“Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a consciência tranquila e a fé no futuro.” 923. O que para um é supérfluo não representará para outro, o necessário, e reciprocamente, de acordo com as posições respectivas?

“Sim, conformemente às vossas ideias materiais, aos vossos preconceitos, à vossa ambição e às vossas ridículas extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha cinquenta mil libras de renda, vendo-se reduzido a só ter dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua posição, ter cavalos, lacaios, satisfazer a todas as paixões, etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente, achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos há, morrendo de fome e frio, sem um abrigo onde repousem a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (715)

Page 135: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

135

924. Há males que independem da maneira de proceder do homem e que atingem mesmo os mais justos. Nenhum meio terá ele de os evitar?

“Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer progredir. Sempre, porém, lhe é dado haurir consolação na própria consciência, que lhe proporciona a esperança de melhor futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.” 925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a certos homens que não parecem tê-las merecido?

“Isso significa um favor aos olhos dos que apenas veem o presente. Mas, ficai sabendo, a riqueza é, de ordinário, a prova mais perigosa do que a miséria.” (814 e seguintes) 926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas aflições?

“Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A muitos desenganos se poupa nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha sem inveja para o que esteja acima de si. O que menos necessidades tem, esse o mais rico.

“Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do mundo. Sabeis, porventura, o que lhes está reservado? Se os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao número dos egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes permite que o mau prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas palavras de Jesus: Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados.” 927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável, porém o mesmo não se dá com o necessário. Ora, não será real a infelicidade daqueles a quem falta o necessário?

“Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre a falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe houver dado causa.” 928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a nossa vocação neste mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não seguirmos essa vocação?

“Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam seus filhos da senda que a Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por efeito desse desvio. Responderão por ele.” a) - Acharíeis então justo que o filho de um homem altamente colocado na sociedade fabricasse tamancos, por exemplo, desde que para isso tivesse aptidão?

“Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas exigências. Por que haveria de fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado, como dizes, se pode fazer outra coisa? Poderá sempre tornar-se útil na medida de suas faculdades, desde que não as aplique às avessas. Assim, por exemplo, em vez de mau advogado, talvez desse bom mecânico, etc.”

No afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma das mais frequentes causas de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que fracassou recorra a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para escapar ao que se lhe afigura humilhação. Se uma educação moral o

Page 136: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

136

houvesse colocado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido. 929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora no seu derredor reine a abundância, só têm diante de si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar? Devem deixar-se morrer de fome?

“Nunca ninguém deve ter a ideia de deixar-se morrer de fome. O homem acharia sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o

trabalho. Costuma-se dizer: “Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o homem.” Isso, porém, cada um diz para os outros e não para si.” 930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa o homem dominar, ele sempre acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse meio de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou os põem de lado, não há pessoas que se veem na impossibilidade de prover às suas necessidades, em consequência de moléstias ou outras causas independentes da vontade delas?

“Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.”

Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são frequentemente resultado do meio onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.” (793) 931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as felizes?

“Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre.” 932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?

“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.” 933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de seus sofrimentos materiais, também o será de seus sofrimentos morais?

“Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas vezes independem da vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma.

“A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes dois vermes roedores! Para aquele que a inveja e o ciúme atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente, como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem até durante o sono, se levantam os objetos de sua cobiça, do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem ardendo em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra verdadeiro inferno?”

Muitas expressões pintam energicamente o efeito de certas paixões. Diz-se: ímpar de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, não comer nem beber de ciúmes, etc. Este quadro é sumamente real. Acontece até não ter o ciúme objeto determinado. Há pessoas ciumentas, por natureza, de tudo o que se eleva, de tudo o que sai da craveira vulgar, embora nenhum interesse direto tenham, mas unicamente porque

Page 137: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

137

não podem conseguir outro tanto. Ofusca-as tudo o que lhes parece estar acima do horizonte e, se constituíssem maioria na sociedade, trabalhariam para reduzir tudo ao nível em que se acham. É o ciúme aliado à mediocridade.

De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo. Fazem-lhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua felicidade suprema.

Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é feliz com os que outros consideram calamidades.

Referimo-nos ao homem civilizado, porquanto, o selvagem, sendo mais limitadas as suas necessidades, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias. Diversa é a sua maneira de ver as coisas. Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo que lhe dá a certeza desse futuro.

Perdas dos entes queridos

934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para nós legítima causa de dor, tanto mais legítima quanto é irreparável e independente da nossa vontade?

“Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre: representa uma prova, ou expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.” 935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as comunicações com o além-túmulo?

“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se isso fosse feito levianamente.”

A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar. 936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam?

“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor

Page 138: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

138

excessiva, ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes.”

Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz. Figuremos dois amigos que se achem metidos na mesma prisão. Ambos alcançarão um dia a liberdade, mas um a obtém antes do outro. Seria caridoso que o que continuou preso se entristecesse porque o seu amigo foi libertado primeiro? Não haveria, de sua parte, mais egoísmo do que afeição em querer que do seu cativeiro e do seu sofrer partilhasse o outro por igual tempo? O mesmo se dá com dois seres que se amam na Terra. O que parte primeiro é o que primeiro se liberta e só nos cabe felicitá-lo, aguardando com paciência o momento em que a nosso turno também o seremos.

Façamos ainda, a este propósito, outra comparação. Tendes um amigo que, junto de vós, se encontra em penosíssima situação. Sua saúde ou seus interesses exigem que vá para outro país, onde estará melhor a todos os respeitos. Deixará temporariamente de se achar ao vosso lado, mas com ele vos correspondereis sempre: a separação será apenas material.

Desgostar-vos-ia o seu afastamento, embora para o bem dele? Pelas provas patentes, que ministra, da vida futura, da presença, em torno de nós, daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam; pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita nos oferece suprema consolação, por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não mais solidão, não mais abandono: o homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode comunicar-se.

Impacientemente suportamos as tribulações da vida. Tão intoleráveis nos parecem, que não compreendemos possamos sofrê-las. Entretanto, se as tivermos suportado corajosamente, se soubermos impor silêncio às nossas murmurações, felicitar-nos-emos, quando fora desta prisão terrena, como o doente que sofre se felicita, quando curado, por se haver submetido a um tratamento doloroso.

Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas

937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade não são também uma fonte de amarguras?

“São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis: serão muito mais infelizes do que vós. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos os que hão feito mais bem do que vós, que valeram muito mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão. Lembrai-vos de que o próprio Jesus foi, quando no mundo, injuriado e menosprezado, tratado de velhaco. Seja o bem que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não atenteis no que dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos forem ingratos serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.” 938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade?

“Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.”

Page 139: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

139

a) - Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração. Ora, daí não poderá nascer-lhe a ideia de que seria mais feliz, se fosse menos sensível?

“Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade essa! Saiba, pois, que os amigos ingratos que os abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará outros, que saberão compreendê-lo melhor. Lastimai os que usam para convosco de um procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da medalha. Não vos aflijais, porém, com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.”

A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.

Uniões antipáticas

939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre os encarnados, frequentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?

“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira? Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade.

“Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com frequência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.” 940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto mais amargos quanto envenenam toda a existência, a falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos?

“Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais das vezes, a causa principal. Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis. Julgas, porventura, que Deus te constranja a permanecer junto dos que te desagradam? Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as consequências dos vossos prejuízos.” a) - Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima inocente?

“Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que lhe tiverem sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”

Temor da morte

Page 140: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

140

941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade, Donde lhes vêm esse temor, tendo elas diante de si o futuro?

“Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas, que queres! Se procuram persuadi-las, quando crianças, de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem ateias, ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há. Quanto aos que persistiram nas suas crenças da infância, esses temem aquele fogo eterno que os queimará sem os consumir.

“Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe seja de temer.” (730)

O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual tem, na Terra, penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.

O homem moral, que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem. 942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses conselhos para ser-se feliz na Terra; que neles vejam o que chamam lugares comuns, cediças verdades; e que digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste em saber cada um suportar a sua desgraça?

“Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e continuando a apanhar indigestões.”

Desgosto da vida. Suicídio

943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos?

“Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade. “Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas

aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.” 944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?

“Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa transgressão desta lei.” a) - Não é sempre voluntário o suicídio?

“O louco que se mata não sabe o que faz.” 945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida?

Page 141: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

141

“Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada.” 946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções deste mundo?

“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para me servir da linguagem deles, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.” a) - Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as consequências de tal proceder?

“Oh! Esses, ai deles! Responderão como por um assassínio.” 947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome?

“É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho. Quero dizer: se for quais homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta, que só tem boa-vontade para com aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a isso nenhum apreço dá.” 948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele que procura escapar à vergonha de uma ação má?

“O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as consequências. Deus, que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de Sua justiça.” 949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim obstar a que a vergonha caia sobre os filhos, ou sobre a família?

“O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa que o faz, Deus lhe leva isso em conta, pois que é uma expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta; entretanto, nem por isso deixa de haver falta. Demais; eliminai da vossa sociedade os abusos e os preconceitos e deixará de haver desses suicídios.”

Aquele que tira de si mesmo a vida, para fugir à vergonha de uma ação má, prova que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de repará-los durante a vida corpórea. Deus, geralmente, é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que sinceramente se arrependem e atende à reparação. O suicídio nada repara. 950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor?

Page 142: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

142

“Outra loucura! Que faça o bem e mais cedo estará de lá chegar, pois, matando-se, retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma ideia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.” 951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes?

“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado, se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”

Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte. 952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas?

“É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.” a) - Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si mesmo a vida por desespero?

“É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso que as penas são proporcionadas sempre à consciência que o culpado tem das faltas que comete.” 953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?” a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de alguns instantes.

“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.” b) - Quais, nesse caso, as consequências de tal ato?

“Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.” 954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?

“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática do mal.” 955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as consequências de um suicídio as mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos dos maridos?

“Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à força do que por vontade. Julgam cumprir um dever e esse não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na

Page 143: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

143

nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham. Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com o advento da civilização.” 956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes?

“Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao que era objeto de suas afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da Sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.” (934 e seguintes) 957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as consequências do suicídio?

“Muito diversas são as consequências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma consequência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”

A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a consequência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As consequências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos. (155 e 165)

A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.

A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de por termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.

Page 144: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

144

A Vontade (Leon Denis, in “O Problema do Ser, do Destino e da Dor” – 3ª parte – k cap.

XX)

O estudo do ser, a que consagramos a primeira parte desta obra, deixou-nos entrever a poderosa rede das forças, das energias ocultas entre nós. Mostrou-nos que todo o nosso futuro, em seu desenvolvimento ilimitado, lá está contido no gérmen. As causas da felicidade não se acham em lugares determinados no espaço; estão em nós, nas profundezas misteriosas da alma, o que é confirmado por todas as grandes doutrinas.

“O reino dos céus está dentro de vós”, disse o Cristo. O mesmo pensamento está por outra forma expresso nos Vedas: “tu trazes em ti

um amigo sublime que não conheces”. A sabedoria persa não é menos afirmativa: “vós viveis no meio de armazéns

cheios de riquezas e morreis de fome à porta” (Suffis Ferdousis). Todos os grandes ensinamentos concordam neste ponto: é na vida íntima, no

desabrochar de nossas potências, de nossas faculdades, de nossas virtudes, que está o manancial das felicidades futuras.

Olhemos atentamente para o fundo de nós mesmos, fechemos nosso entendimento às coisas externas e, depois de havermos habituado nossos sentidos psíquicos à escuridade e ao silêncio, veremos surgir luzes inesperadas, ouviremos vozes fortificantes e consoladoras. Mas, há poucos homens que saibam ler em si, que saibam explorar as jazidas que encerram tesouros inestimáveis. Gastamos a vida em coisas banais, improfícuas: percorremos o caminho da existência sem nada saber de nós mesmos, das riquezas psíquicas, cuja valorização nos proporcionaria gozos inumeráveis.

Há em toda alma humana dois centros ou, melhor, duas esferas de ação e expressão. Uma delas, circunscrita à outra, manifesta a personalidade, o ‘eu’, com suas paixões, suas fraquezas, sua mobilidade, sua insuficiência. Enquanto ela for a reguladora de nosso proceder, temos a vida inferior semeada de provações e males. A outra interna, profunda, imutável, é, ao mesmo tempo, a sede da consciência, a fonte da vida espiritual, o templo de Deus em nós. É somente quando este centro de ação domina o outro, quando suas impulsões nos dirigem, que se revelam nossas potências ocultas e que o Espírito se afirma em seu brilho e beleza. É por ele que estamos em comunhão com “o Pai que habita em nós”, segundo as palavras do Cristo, com o Pai que é o foco de todo o amor, o princípio de todas as ações.

Por um, perpetuamo-nos em mundos materiais, onde tudo é inferioridade, incerteza e dor; pelo outro, temos entrada nos mundos celestes, onde tudo é paz, serenidade, divino em nós que chegamos a vencer o “eu” egoísta, a associar-nos plenamente à obra universal e eterna, a criar uma vida feliz e perfeita.

Por que meio poremos em movimento as potências internas e as orientaremos para um ideal elevado? Pela vontade! O uso persistente, tenaz, desta faculdade soberana permitir-nos-á modificar a nossa natureza, vencer todos os obstáculos, dominar a matéria, a doença e a morte.

É pela vontade que dirigimos nossos pensamentos para um alvo determinado. Na maior parte dos homens os pensamentos flutuam sem cessar. Sua mobilidade constante e sua variedade infinita pequeno acesso oferecem às influências superiores. É preciso saber concentrar-se, pôr o pensamento acorde com o pensamento divino. Então, a alma humana é fecundada pelo Espírito divino, que a envolve e penetra, tornando-a apta a realizar nobres tarefas, preparando-a para a vida do Espaço, cujos esplendores ela, enfraquecidamente, começa a entrever desde este mundo. Os Espíritos elevados veem e

Page 145: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

145

ouvem os pensamentos uns dos outros, com os quais são harmonias penetrantes, ao passo que os nossos são, as mais das vezes, somente discordâncias e confusão. Aprendamos, pois, a servir-nos de nossa vontade e, por ela, a unir os nossos pensamentos a tudo que é grande, à harmonia universal, cujas vibrações enchem o espaço e embalam os mundos.

A vontade é a maior de todas as potências; é, em sua ação, comparável ao imã. A vontade de viver, de desenvolver em nós a vida, atrai-nos novos recursos vitais; tal é o segredo da lei de evolução. A vontade pode atuar com intensidade sobre o corpo fluídico, ativar-lhe as vibrações e, por esta forma, apropriá-lo a um modo cada vez mais elevado de sensações, prepará-lo para mais alto grau de existência.

O princípio de evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material. Esta é simplesmente a consequência daquela. O princípio superior, o motor da existência, é a vontade. A Vontade Divina é o supremo motor da Vida Universal.

É o que se dá com a vontade; ela pode agir tanto no sono como na vigília, porque a alma valorosa, que para si mesma estabeleceu um objetivo, procura-o com tenacidade em ambas as fases da sua vida e determina assim uma corrente poderosa, que mina devagar e silenciosamente todos os obstáculos.

Com a preservação dá-se o mesmo que com a ação. A vontade, a confiança e o otimismo são outras tantas forças preservadoras, outros tantos baluartes opostos em nós a toda causa de desassossego, de perturbação interna e externa. Bastam, às vezes, por si sós, para desviar o mal; ao passo que o desânimo, o medo e o mau humor nos desarmam e entregam a ele sem defesa. O simples fato de olharmos de frente para o que chamamos o mal, o perigo, a dor, a resolução de os afrontarmos, de os vencermos, diminuem-lhe a importância e o efeito.

Os americanos têm, com o nome de mind cure (cura mental) ou ciência cristã, aplicado este método a Terapêutica e não se pode negar que os resultados obtidos são consideráveis. Este método resume-se na fórmula seguinte: o pessimismo torna fraco, o otimismo torna forte. Consiste na eliminação gradual do egoísmo, na união completa com a Vontade Suprema, causa das forças infinitas. Os casos de cura são numerosos e apoiam-se em testemunhos irrecusáveis6.

Demais, foi esse – em todos os tempos e com formas diversas – o princípio da saúde física e moral.

Na ordem física, por exemplo, não se destroem os infusórios, os infinitamente pequenos, que vivem e se multiplicam em nós; mas se ganham forças para melhor lhes resistir. Da mesma forma, nem sempre é possível, na ordem moral, afastar as vicissitudes da sorte, mas se pode adquirir força bastante para suportá-las com alegria, sobrepujá-las com esforço mental, dominá-las por tal forma que percam todo o aspecto ameaçador, para se transformarem em auxiliares de nosso progresso e de nosso bem.

Em outra parte havemos demonstrado, apoiando-nos em fatos recentes, o poder da alma sobre o corpo na sugestão e autossugestão7. Limitar-nos-emos a lembrar Louise Lateau, a estigmatizada de Bois-d’Haine, cujo caso foi estudado por uma comissão da Academia de Medicina da Bélgica, fazia, meditando sobre a Paixão do Cristo, correr à

6 Ver W. James, Reitor da Universidade de Harvard. L’Expérience Religieuse. Págs. 86 e 87. Tradução francesa de Abauzit. Félix Alcan, editor, Paris, 1906. 7 Ver Depois da Morte, cap. XXXII, “A vontade e os fluidos” e no Invisível, cap. XV.

Page 146: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

146

vontade o sangue dos seus pés, mãos e lado esquerdo. A hemorragia durava muitas horas8.

Pierre Janet observou casos análogos na Salpétrière, em Paris. Uma extática apresentava estigmas nos pés quando lhos metiam num aparelho9.

Louis Vivé, em suas crises, a si mesmo dava ordem de sangrar-se a horas determinadas, e o fenômeno produzia-se com exatidão.

Encontra-se a mesma ordem de fatos em certos sonhos, bem como nos fenômenos chamados “naevi” ou sinais de nascença10. Em todos os domínios da observação, achamos a prova de que a vontade impressiona a matéria e pode submetê-la a seus desígnios. Esta lei manifesta-se com mais intensidade ainda no campo da vida invisível. É em virtude das mesmas regras que os Espíritos criam as formas e os atributos que nos permitem reconhecê-los nas sessões de materialização.

Pela vontade criadora dos grandes Espíritos e, acima de tudo, do Espírito Divino, uma vida repleta de maravilhas desenvolve-se e estende, de degrau em degrau, até ao infinito, nas profundezas do céu, vida incomparavelmente superior a todas as maravilhas criadas pela arte humana e tanto mais perfeita quanto mais se aproxima de Deus.

Se o homem conhecesse a extensão dos recursos que nele germinam, talvez ficasse deslumbrado e, em vez de se julgar fraco e temer o futuro, compreenderia a sua força, sentiria que ele próprio pode criar esse futuro.

Cada alma é um foco de vibrações que a vontade põe em movimento. Uma sociedade é um agrupamento de vontades que, quando estão unidas, concentradas num mesmo fito, constituem centro de forças irresistíveis. As humidades são focos mais poderosos ainda, que vibram através da imensidade.

Pela educação e exercício da vontade, certos povos chegam a resultados que parecem prodígios.

A energia mental, o vigor do espírito dos japoneses, seu desprezo pela dor, sua impassibilidade diante da morte, causaram pasmo aos ocidentes e foram para eles uma espécie de revelação. O japonês habitua-se desde a infância a dominar suas impressões, a nada deixar trair dos desgostos, das decepções, dos sentimentos por que passa, a ficar impenetrável, a não se queixar nunca, a nunca se encolerizar, a receber sempre com boa cara os revezes.

Tal educação retempera os ânimos e assegura a vitória em todos os terrenos. Na grande tragédia da existência e da História, o heroísmo representa o papel principal e é a vontade que faz os heróis.

Este estado de espírito não é privativo dos japoneses. Os hindus chegam também, com o emprego do que eles chama de “hatha-yoga”, ou exercício da vontade, a suprimir em si o sentimento da dor física.

Numa conferência feita no Instituto Psicológico de Paris e que “Les Annales das Sciences Psychiques”, de novembro de 1906, reproduziram, Annie Besant cita vários casos notáveis devidos a estas práticas persistentes.

Um hindu possuirá bastante poder de vontade para conservar um braço erguido até se atrofiar. Outro deitar-se-á numa cama eriçada de ponta de ferro sem sentir nenhuma dor. Encontra-se mesmo este poder em pessoas que não praticaram a “hatha-yoga”. A conferencista cita o caso de um de seus amigos que, tendo ido à caça do tigre e

8 Dr. Warlomont – Loiuse Lateau, la stigmatisée de Bois-d’Haine, Bruxelas, 1873. 9 P. Janet, “Une extatique”, Bulletin de l’Institut Psychologique, julho, agosto, e setembro de 1901.

10 Ver, entre outros, o Bulletin de la Société Psychique de Marseille, outubro de 1903.

Page 147: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

147

tendo recebido, por causa da imperícia de um caçador, uma bala na coxa, recusou-se submeter-se à ação do clorofórmio para a extração do projétil, afirmando ao cirurgião que teria suficiente domínio sobre si mesmo para ficar imóvel e impassível durante a operação. Esta efetuou-se; o ferido tinha plena consciência de si mesmo e não fez um só movimento. “O que para outro teria sido uma tortura atroz, nada era para ele; havia fixado sua consciência na cabeça e nenhuma dor sentira. Sem ser “yogui”, possuía o poder de concentrar a vontade, poder que, nas Índias, se encontra frequentemente”.

Pelo que se acaba de ler, pode julgar-se quão diferentes dos nossos são a educação mental e o objetivo dos asiáticos. Tudo, neles, tende a desenvolver o homem interior, sua vontade, sua consciência, à vista dos vastos ciclos de evolução que se lhes abrem, enquanto o europeu adota, de preferência, como objetivo, os bens imediatos, limitados pelos círculos da vida presente. Os alvos em que se põe mira nos dois casos, são diferentes; e esta divergência resulta da concepção essencialmente diferente do papel do ser no Universo. Os asiáticos consideraram por muito tempo, com um espanto misturado de piedade, nossa agitação febril, nossa preocupação pelas coisas contingentes e sem futuro, nossa ignorância das coisas mais profundas, indestrutíveis, que constituem a verdadeira força do homem. Daí o contraste surpreendente que oferecem as civilizações do Oriente e do Ocidente. A superioridade pertence evidentemente à que abarca mais vasto horizonte e se inspira nas verdadeiras leis da alma e de seu futuro. Pode ter parecido atrasada aos observadores superficiais enquanto as duas civilizações fizeram paralelamente sua evolução, sem que entre uma e outra houvesse choques excessivos. Mas, desde que as necessidades da existência e a pressão crescente dos povos do Ocidente forçaram os asiáticos a entrar na corrente do progresso modernos – tal é o caso do japoneses –, pode ver-se que as qualidades eminentes desta raça, manifestando-se no domínio material, podiam assegurar-lhes igualmente a supremacia. Se este estado de coisas se acentuar, como é de recear, se o Japão conseguir arrastar consigo todo o extremo Oriente, é possível que mude o eixo da dominação do mundo e passe de uma raça para outra, principalmente se a Europa persistir em não se interessar pelo que constitui o mais alto objetivo da vida humana e em contentar-se com um ideal inferior e quase bárbaro.

Restringindo mesmo campo de nossas observações à raça branca, aí vamos verificar também que as nações de vontade mais firme, mais tenaz, vão pouco a pouco tomando predomínio sobre as outras.

É o que se dá com os povos anglo-saxônicos e germânicos. Estamos vendo o que a Inglaterra tem podido realizar, através dos tempos, para execução de seu plano de ação. A Alemanha, com seu espírito de método e continuidade, soube criar e manter uma poderosa coesão em detrimento de seus vizinhos, não menos bem dotados do que ela, mas menos resolutos e perseverantes. A América do Norte prepara também para si um grande lugar no concerto dos povos.

A França é, pelo contrário, uma nação de vontade fraca e volúvel. Os franceses passam de uma ideia para outra com extrema mobilidade e a este defeito não são estranhas as vicissitudes de sua História. Seus primeiros impulsos são admiráveis, vibrantes de entusiasmo. Mas, se com facilidade empreendem uma obra, com a mesma facilidade a abandonam, quando o pensamento já a vai edificando e os materiais se vão reunindo silenciosamente ao seu derredor. Por isso o mundo apresenta, por toda a parte, vestígios meio apagados de sua ação passageira, de seus esforços depressa interrompidos.

Page 148: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

148

Além disso, o pessimismo e o materialismo que cada vez mais se alastram entre eles, tendem a amesquinhar as qualidades generosas de sua raça. O positivismo e o agnosticismo trabalham sistematicamente para apagar o que restava de viril na alma francesa; e os recursos profundos do espírito francês atrofiam-se por falta de uma educação sólida e de um ideal alevantado.

Aprendamos, pois, a criar “uma vontade de potência”, de natureza mais elevada do que a sonhada por Nietzsche. Fortaleçamos em torno de nós os espíritos e os corações, se não quisermos ver nosso país votado à decadência irremediável.

Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. O homem, consciente de si mesmo, de seus recursos latentes, sente crescerem suas forças na razão dos esforços. Sabe que tudo o que de bem e bom desejar há de, mais cedo ou mais tarde, realizar-se inevitavelmente, ou na atualidade ou na série de suas existências, quando seu pensamento se puser de acordo com a Lei Divina. E é nisso que se verifica a palavra celeste: “a fé transporta montanhas”.

Não é consolador e belo poder dizer: sou uma inteligência e uma vontade livres; a mim mesmo me fiz, inconscientemente, através das idades; edifiquei lentamente minha individualidade e liberdade, e agora conheço a grandeza e a força que há dentro de mim. Amparar-me-ei nelas; não deixarei que uma simples dúvida as empane por um instante sequer e, fazendo uso delas com o auxílio de Deus e de meus irmãos do espaço, elevar-me-ei acima de todas as dificuldades; vencerei o mal em mim; desapegar-me-ei de tudo o que me acorrenta às coisas grosseiras para levantar o voo para os mundos felizes!

Vejo claramente o caminho que se desenrola e que tenho que percorrer. Este caminho atravessa a extensão ilimitada e não tem fim; mas para guiar-me na Estrada Infinita, tenho um guia seguro – a compreensão da lei de vida, progresso e amor que rege todas as coisas; aprendi a conhecer-me, a crer em mim e em Deus. Possuo, pois, a chave de toda elevação e, na via imensa que tenho diante de mim, conservar-me-ei firme, inabalável na vontade de enobrecer-me e elevar-me, cada vez mais; atrairei, com o auxílio de minha inteligência, que é filha de Deus, todas as riquezas morais e participarei de todas as maravilhas do Cosmo.

Minha vontade chama-me: “para frente, sempre para frente, cada vez mais conhecimento, mais vida, vida divina!” E com ela conquistarei a plenitude da existência, construirei para mim uma personalidade melhor, mais radiosa e amante. Saí para sempre do estado de inferior do ser ignorante, inconsciente de seu valor e poder; afirmo-me na independência e dignidade de minha consciência e estendo a mão a todos os meus irmãos, dizendo-lhes:

Despertai de vosso pesado sono; rasgai o véu material que vos envolve, aprendei a conhecer-vos, a conhecer as potências de vossa alma e a utilizá-las. Todas as vozes da Natureza, todas as vozes do Espaço vos bradam: “levantai-vos e marchai! Apressai-vos para a conquista de vossos destinos!”

A todos vós que vergais ao peso da vidam que, julgando-se sós e fracos, vos entregais à tristeza, ao desespero ou que aspirais ao nada, venho dizer: “o nada não existe; a morte é um novo nascimento, um encaminhar para novas tarefas, novos trabalhos, novas colheitas; a vida é uma comunhão universal e eterna que liga Deus a todos os seus filhos”.

A vós todos, que vos credes gastos pelos sofrimentos e decepções, pobres seres aflitos, corações que o vento áspero das provações secou, Espíritos esmagados, dilacerados pela roda de ferro da adversidade, venho dizer-vos:

Page 149: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

149

“Não há alma que não possa renascer, fazendo brotar novas florescências. Basta-vos querer para sentirdes o despertar em vós de forças desconhecidas. Crede em vós, em vosso rejuvenescimento em novas vidas; crede em vossos destinos imortais. Crede em Deus, Sol dos sóis, foco imenso, do qual brilha em vós uma centelha, que se pode converter em chama ardente e generosa!”

“Sabei que todo homem pode ser bom e feliz; para vir a sê-lo basta que o queira com energia e constância. A concepção mental do ser, elaborada na obscuridade das existências dolorosas, preparada pela vagarosa evolução das idades, expandir-se-á à luz das vidas superiores e todos conquistarão a magnífica individualidade que lhes está reservada.”

“Dirigi incessantemente vosso pensamento para esta verdade – que podeis vir a ser o que quiserdes. E sabei querer ser cada vez maiores e melhores. Tal é a noção do progresso eterno e o meio de realizá-lo; tal é o segredo da força mental da qual emanam todas as forças magnéticas e físicas. Quando tiverdes conquistado este domínio sobre vós mesmos, não mais tereis que temer os retardamentos nem as quedas, nem as doenças, nem a morte; tereis feito de vosso ‘eu’ inferior e frágil uma alta e poderosa individualidade!”

A disciplina do pensamento e a reforma do caráter (Leon Denis, in “O Problema do Ser,

do Destino e da Dor” – 3ª parte – cap. XXIV)

O pensamento, dizíamos, é criador. Não atua somente em torno de nós, influenciando nossos semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente em nós; gera nossas palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia, o edifício grandioso ou miserável de nossa vida presente e futura.

Modelamos nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos; estes produzem formas, imagens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo fluídico é composto. Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas frívolas ou austeras, graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se enobrece, embeleza ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo o ideal a que visa, a chama interior aviva-se ou obscurece-se.

Não há assunto mais importante que o estudo do pensamento, seus poderes e sua ação. É a causa inicial de nossa elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as descobertas da Ciência, todas as maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas da humanidade. Segundo o impulso dado, funda ou destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as consciências. O homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele suas obras irradiam e se perpetuam através dos séculos.

O Espiritualismo experimental, muito melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perceber, compreender toda a força de projeção do pensamento, que é o princípio da comunhão universal. Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu papel nas sessões de experimentação é sempre considerável. A telepatia demonstrou-nos que as almas podem impressionar-se, influenciar-se a todas as distâncias; é o meio de que se servem as humanidades do espaço para comunicarem entre si através das imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades sociais, em todos os domínios do mundo visível ou invisível, a ação do pensamento é soberana; não é menor sua ação, repetimos, em nós mesmos, modificando constantemente nossa natureza íntima.

Page 150: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

150

As vibrações de nossos pensamentos, de nossas palavras, renovando-se em sentido uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem vibrar em harmonia com elas; atraem elementos similares que acentua as tendências do ser.

Uma obra, muitas vezes inconsciente, elabora-se; mil obreiros misteriosos trabalham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se um destino inteiro; em sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho.

Se meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. É por isso que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o influxo do Alto invade-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a consciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a beleza e para a verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da vida real e superior, aquela que não tem termo.

Se, ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela paixão, pelo ciúme, pelo ódio, as imagens que cria sucedem-se, acumulam-se em nosso corpo fluídico e o entenebrecem. Assim, podemos à vontade fazer em nós a luz ou a sombra, o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo.

Somos o que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e persistência. Mas, quase sempre, nossos pensamentos passam constantemente de um a outro assunto.

Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensamentos incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspiração que cada um traz consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um invólucro povoado das mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma habitação franca a todos os que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá se confundem, num caos perpétuo. É o combate incessante da paixão e do dever, em que, quase sempre, a paixão sai vitoriosa. Antes de tudo, é preciso aprender a fiscalizar os pensamentos, a discipliná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim nobre e digno.

A fiscalização dos pensamentos implica a fiscalização dos atos, porque, se uns são bons, os outros sê-lo-ão igualmente, e todo o nosso procedimento achar-se-á regulado por uma concatenação harmônica. Todavia, se nossos atos são bons e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma falsa aparência do bem e continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas influências, mais cedo ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa vida.

Às vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos, os escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por essa mesma contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica quando se consideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo que tudo fica obscuro, incompreensível, contraditório, com a teoria de uma vida única para cada um de nós.

*

Page 151: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

151

É bom viver em contato pelo pensamento com os escritores de gênio, com os autores verdadeiramente grandes de todos os tempos e países, lendo, meditando suas obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua alma. As radiações de seus pensamentos despertarão em nós efeitos semelhantes e produzirão, com o tempo, modificações de nosso caráter pela própria natureza das impressões sentidas.

E necessário escolhermos com cuidado nossas leituras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessência. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que se leu. É um meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos de sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, como o mal atrai o sofrimento.

O estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o desenvolvimento do pensamento. É no silêncio que se elaboram as grandes obras. A palavra é brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às vezes maléficas; com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao passo que na meditação o Espírito se concentra, volta-se para o lado grave e solene das coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas. Há em volta do pensador grandes seres invisíveis que só querem inspirá-lo; é à meia-luz das horas tranquilas ou então à claridade discreta da lâmpada de trabalho que melhor podem entrar em comunhão com ele. Em toda parte e sempre uma vida oculta mistura-se com a nossa.

Evitemos as discussões ruidosas, as palavras vãs, as leituras frívolas. Sejamos sóbrios em relação aos jornais, pois a sua leitura, fazendo-nos passar continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito ainda mais instável. Vivemos numa época de anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa evolução. Pouco a pouco, edificar-se-ão em nós uma inteligência e uma consciência mais fortes e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos de um pensamento elevado e puro.

Dissemos que a alma oculta profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas por baixo se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.

É necessário o choque das provações, as horas tristes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.

É por isso que as grandes almas se tornam tanto mais nobres e belas quanto mais vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição, e com esse pensamento experimentam uma espécie de volúpia amarga. Levantou-se no céu de seu destino uma nova estrela, cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.

Em certas horas de nossa vida, quando morre nossa mãe, quando se desmorona uma esperança ardentemente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, cada

Page 152: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

152

vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra, e entreabre-se todo um mundo ideal. Mas os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na vulgaridade de sua existência.

* Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. É necessário

vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos. Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre; em seguida, disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las, em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do “eu”, a desprender-nos de todo o sentimento de egoísmo. A verdadeira felicidade neste mundo está na proporção do esquecimento próprio.

Não basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário habituarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de guias à humanidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspirarmo-nos em suas vistas e sentir sua influência pela percepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.

Entre essas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirirmos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.

Assim, pouco a pouco iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas para isso são-nos dados os séculos.

Concentremos, pois, muitas vezes nossos pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda à nossa volta, nesse momento a que o poeta chama “a hora divina”, quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia.

Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela meditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo – a vida, os atos, os pensamentos – está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco.

Na vida mais simples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o infinito!

* Em todas as nossas relações sociais, em nossas relações com os nossos

semelhantes, é preciso lembrarmo-nos constantemente de que os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por

Page 153: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

153

conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar deles que não esteja em relação com seu grau de adiantamento.

A todos devemos tolerância, benevolência e até perdão; porque se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de compreensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos. Não temos o direito de exigir mais. Não fomos semelhantes aos mais atrasados deles? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! Às vezes, também nós carecemos da mesma indulgência que lhes devemos.

Sejamos severos conosco e tolerantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.

* Enfim, é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja

qual for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimento e aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isso o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio de aperfeiçoamento.

De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos permanecer firmes no meio das mais duras vicissitudes.

Quando chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas as altas verdades aparecem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos jardins.

Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral. As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades.

A felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo aonde não chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno. Mas, lembremo-nos de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase imperceptível na imensidade de seus destinos.

Fermento Espiritual (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 76)

"Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?" -. Paulo. (I Coríntios, 5:6).

Page 154: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

154

O fermento é uma substância que excita outras substâncias, e nossa vida é sempre um fermento espiritual com que influenciamos as existências alheias.

Ninguém vive só. Temos conosco milhares de expressões do pensamento dos outros e milhares de

outras pessoas nos guardam a atuação mental, inevitavelmente. Os raios de nossa influência entrosam-se com as emissões de quantos nos

conhecem direta ou indiretamente, e pesam na balança do mundo para o bem ou para o mal.

Nossas palavras determinam palavras em quem nos ouve, e, toda vez que não formos sinceros, é provável que o interlocutor seja igualmente desleal.

Nossos modos e costumes geram modos e costumes da mesma natureza, em torno de nossos passos, mormente naqueles que se situam em posição inferior à nossa, nos círculos da experiência e do conhecimento.

Nossas atitudes e atos criam atitudes e atos do mesmo teor, em quantos nos rodeiam, porquanto aquilo que fazemos atinge o domínio da observação alheia, interferindo no centro de elaboração das forças mentais de nossos semelhantes.

O único processo, portanto, de reformar edificando é aceitar as sugestões do bem e praticá-las intensivamente, por intermédio de nossas ações.

Nas origens de nossas determinações, porém, reside a ideia. A mente, em razão disso, é a sede de nossa atuação pessoal, onde estivermos. Pensamento é fermentação espiritual. Em primeiro lugar estabelece atitudes, em

segundo gera hábitos e, depois, governa expressões e palavras, através das quais a individualidade influencia na vida e no mundo. Regenerado, pois, o pensamento de um homem, o caminho que o conduz ao Senhor se lhe revela reto e limpo.

Mudança (Emmanuel, in “Fonte Viva” – cap. 175)

"Mas não o receberam, porque o seu aspecto era como de quem ia a Jerusalém." - Lucas 9:53

Digna de nota a presente passagem de Lucas. Reparando os samaritanos que Jesus e os discípulos se dirigiam a Jerusalém,

negaram-se a recebê-los. Identificaram-nos pelo aspecto. Se fossem viajores com destino a outros lugares, talvez lhes oferecessem

hospedagem, reconforto, alegria... Não se verifica, até hoje, o mesmo fenômeno com os verdadeiros continuadores

do Mestre? Jerusalém, para nós, simboliza aqui testemunho de fé. E basta que alguém se encaminhe resolutamente a semelhante domínio espiritual,

para que os homens comuns, desorientados e discuti dores, lhe cerrem as portas do coração.

Os descuidados, que rumam na direção dos prazeres fáceis, encontram imediato acolhimento entre os novos samaritanos do mundo.

Mulheres inquietas, homens enganadores e doentes espirituais bem apresentados possuem, por enquanto, na Terra, luzida assembleia de companheiros.

Todavia, quando o aprendiz de Jesus acorda na estrada humana, verificando que é indispensável fornecer testemunho da sua confiança em Deus, com a negação de velhos caprichos, na maior parte das vezes é constrangido a seguir sem ninguém.

É que, habitualmente, em tais ocasiões, o homem se revela modificado. Não dá a impressão comum da criatura disposta a satisfazer-se.

Page 155: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

155

É alguém resolvido a renunciar aos próprios defeitos e a anulá-los, a golpes de imenso esforço, para esposar a cruz redentora que o identificará com o Mestre Divino...

Por essa razão, mesmo portas a dentro do lar, quase sempre não será plenamente reconhecido, porque seu aspecto sofreu metamorfose profunda...

Ele mostra o sinal de quem tomou o rumo da definitiva renovação interior para Deus, disposto a consagrar-se ao eterno bem e a soerguer seu coração no grande caminho...

Espelho da Vida (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 1)

A mente é o espelho da vida em toda parte. Ergue-se na Terra para Deus, sob a égide do Cristo, à feição do diamante bruto,

que, arrancado ao ventre obscuro do solo, avança, com a orientação do lapidário, para a magnificência da luz.

Nos seres primitivos, aparece sob a ganga do instinto, nas almas humanas surge entre as ilusões que salteiam a inteligência, e revela-se nos Espíritos

Aperfeiçoados por brilhante precioso a retratar a Glória Divina. Estudando-a de nossa posição espiritual, confinados que nos achamos entre a

animalidade e a angelitude, somos impelidos a interpretá-la como sendo o campo de nossa consciência desperta, na faixa evolutiva em que o conhecimento adquirido nos permite operar.

Definindo-a por espelho da vida, reconhecemos que o coração lhe é a face e que o cérebro é o centro de suas ondulações, gerando a força do pensamento que tudo move, criando e transformando, destruindo e refazendo para acrisolar e sublimar.

Em todos os domínios do Universo vibra, pois, a influência recíproca. Tudo se desloca e renova sob os princípios de interdependência e repercussão. O reflexo esboça a emotividade. A emotividade plasma a ideia. A ideia determina a atitude e a palavra que comandam as ações. Em semelhantes manifestações alongam-se os fios geradores das causas de que

nascem as circunstâncias, válvulas obliterativas ou alavancas libertadoras da existência. Ninguém pode ultrapassar de improviso os recursos da própria mente, muito além

do círculo de trabalho em que estagia; contudo, assinalamos, todos nós, os reflexos uns dos outros, dentro da nossa relativa capacidade de assimilação.

Ninguém permanece fora do movimento de permuta incessante. Respiramos no mundo das imagens que projetamos e recebemos. Por elas,

estacionamos sob a fascinação dos elementos que provisoriamente nos escravizam e, através delas, incorporamos o influxo renovador dos poderes que nos induzem à purificação e ao progresso.

O reflexo mental mora no alicerce da vida. Refletem-se as criaturas, reciprocamente, na Criação que reflete os objetivos do

Criador.

Vontade (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 2)

Comparemos a mente humana — espelho vivo da consciência lúcida — a um grande escritório, subdividido em diversas seções de serviço.

Aí possuímos o Departamento do Desejo, em que operam os propósitos e as aspirações, acalentando o estimulo ao trabalho; o Departamento da Inteligência,

Page 156: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

156

dilatando os patrimônios da evolução e da cultura; o Departamento da Imaginação, amealhando as riquezas do ideal e da sensibilidade; o Departamento da Memória, arquivando as súmulas da experiência, e outros, ainda, que definem os investimentos da alma.

Acima de todos eles, porém, surge o Gabinete da Vontade. A Vontade é a gerência esclarecida e vigilante, governando todos os setores da

ação mental. A Divina Providência concedeu-a por auréola luminosa à razão, depois da laboriosa

e multimilenária viagem do ser pelas províncias obscuras do instinto. Para considerar-lhe a importância, basta lembrar que ela é o leme de todos os

tipos de força incorporados ao nosso conhecimento. A eletricidade é energia dinâmica. O magnetismo é energia estática. O pensamento é força eletromagnética. Pensamento, eletricidade e magnetismo conjugam-se em todas as manifestações

da Vida Universal, criando gravitação e afinidade, assimilação e desassimilação, nos campos múltiplos da forma que servem à romagem do espírito para as Metas Supremas, traçadas pelo Plano Divino.

A Vontade, contudo, é o impacto determinante. Nela dispomos do botão poderoso que decide o movimento ou a inércia da

máquina. O cérebro é o dínamo que produz a energia mental, segundo a capacidade de

reflexão que lhe é própria; no entanto, na Vontade temos o controle que a dirige nesse ou naquele rumo, estabelecendo causas que comandam os problemas do destino.

Sem ela, o Desejo pode comprar ao engano aflitivos séculos de reparação e sofrimento, a Inteligência pode aprisionar-se na enxovia da criminalidade, a Imaginação pode gerar perigosos monstros na sombra, e a memória, não obstante fiel à sua função de registradora, conforme a destinação que a Natureza lhe assinala, pode cair em deplorável relaxamento.

Só a Vontade é suficientemente forte para sustentar a harmonia do espírito. Em verdade, ela não consegue impedir a reflexão mental, quando se trate da

conexão entre os semelhantes, porque a sintonia constitui lei inderrogável, mas pode impor o jugo da disciplina sobre os elementos que administra, de modo a mantê-los coesos na corrente do bem.

Educação (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 5)

Disse-nos o Cristo: “brilhe vossa luz ...11“ E ele mesmo, o Mestre Divino, é a nossa divina luz na evolução planetária. Admitia-se antigamente que a recomendação do Senhor fosse mero aviso de

essência mística, conclamando profitentes do Culto externo da escola religiosa a suposto relevo individual, depois da morte, na imaginária corte celeste.

Hoje, no entanto, reconhecemos que a lição de Jesus deve ser aplicada em todas as condições, todos os dias.

A própria ciência terrena atual reconhece a presença da luz em toda parte.

11

Mateus, 5:16 — Nota do autor espiritual.

Page 157: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

157

O corpo humano, devidamente estudado, revelou-se, não mais como matéria coesa, senão espécie de veículo energético, estruturado em partículas infinitesimais que se atraem e se repelem, reciprocamente, com o efeito de microscópicas explosões de luz.

A Química, a Física e a Astronomia demonstram que o homem terrestre mora num reino entrecortado de raios.

Na intimidade desse glorioso império da energia, temos os raios mentais condicionando os elementos em que a vida se expressa.

O pensamento é força criativa, a exteriorizar-se, da criatura que o gera, por intermédio de ondas sutis, em circuitos de ação e reação no tempo, sendo tão mensurável como o fotônio que, arrojado pelo fulcro luminescente que o produz, percorre o espaço com Velocidade determinada, sustentando o hausto fulgurante da Criação.

A mente humana é um espelho de luz, emitindo raios e assimilando-os, repetimos. Esse espelho, entretanto, jaz mais ou menos prisioneiro nas sombras espessas da

ignorância, à maneira de pedra valiosa incrustada no cascalho da furna ou nas anfractuosidades do precipício. Para que retrate a irradiação celeste e lance de si mesmo o próprio brilho, é indispensável se desentrance das trevas, à custa do esmeril do trabalho.

Reparamos, assim, a necessidade imprescritível da educação para todos os seres. Lembremo-nos de que o Eterno Benfeitor, em sua lição verbal, fixou na forma

imperativa a advertência a que nos referimos: “Brilhe vossa luz.” Isso quer dizer que o potencial de luz do nosso espírito deve fulgir em sua

grandeza plena. E semelhante feito somente poderá ser atingido pela educação que nos propicie o

justo burilamento. Mas a educação, com o cultivo da inteligência e com o aperfeiçoamento do campo

íntimo, em exaltação de conhecimento e bondade, saber e virtude, não será conseguida tão-só à força de instrução, que se imponha de fora para dentro, mas sim com a consciente adesão da vontade que, em se consagrando ao bem por si própria, sem constrangimento de qualquer natureza, pode libertar e polir o coração, nele plasmando a face cristalina da alma, capaz de refletir a Vida Gloriosa e transformar, consequentemente, o cérebro em preciosa usina de energia superior, projetando reflexos de beleza e sublimação.

Associação (Emmanuel, in “Pensamento e Vida” – cap. 8)

Se o homem pudesse contemplar com os próprios olhos as correntes de pensamento, reconheceria, de pronto, que todos vivemos em regime de comunhão, segundo os princípios da afinidade.

A associação mora em todas as coisas, preside a todos os acontecimentos e comanda a existência de todos os seres.

Demócrito, o sábio grego que viveu na Terra muito antes do Cristo, assevera que “os átomos, invisíveis ao olhar humano, agrupam-se à feição dos pombos, à cata de comida, formando assim os corpos que conhecemos”.

Começamos agora a penetrar a essência do microcosmo e, de alguma sorte, podemos simbolizar, por enquanto, no átomo entregue à nossa perquirição, um sistema solar em miniatura, no qual o núcleo desempenha a função de centro vital e os elétrons a de planetas em movimento gravitativo.

Page 158: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

158

No plano da Vida Maior, vemos os sóis carregando os mundos na imensidade, em virtude da interação eletromagnética das forças universais.

Assim também na vida comum, a alma entra em ressonância com as correntes mentais em que respiram as almas que se lhe assemelham.

Assimilamos os pensamentos daqueles que pensam como pensamos. É que sentindo, mentalizando, falando ou agindo, sintonizamo-nos com as

emoções e ideias de todas as pessoas, encarnadas ou desencarnadas, da nossa faixa de simpatia.

Estamos invariavelmente atraindo ou repelindo recursos mentais que se agregam aos nossos, fortificando-nos para o bem ou para O mal, segundo a direção que escolhemos.

Em qualquer providência e em qualquer Opinião, somos sempre a soma de muitos. Expressamos milhares de criaturas e milhares de criaturas nos expressam. O desejo é a alavanca de fosso sentimento, gerando a energia que consumimos,

segundo a nossa vontade. Quando nos detemos nos defeitos e faltas dos Outros, o espelho de nossa mente

reflete-os, de imediato, como que absorvendo as imagens deprimentes de que se constituem, Pondo-se nossa imaginação a digerir essa espécie de alimento, que mais tarde se incorpora aos tecidos Sutis de nossa alma. Com o decurso do tempo nossa alma não raro passa a exprimir, pelo seu veículo de manifestação o que assimilara fazendo-o seja pelo corpo carnal, entre os homens, seja pelo corpo espiritual de que nos servimos, depois da morte.

É por esta razão que geralmente os censores do procedimento alheio acabam praticando as mesmas ações que condenam no próximo, porquanto, interessados em descer às minúcias do mal, absorvem-lhe inconscientemente as emanações, surpreendendo-se, um dia, dominados pelas forças que o representam.

Toda a brecha de sombra em nossa personalidade retrata a sombra maior. Qual o pequenino foco infeccioso que, abandonado a si mesmo, pode converter-se

dentro de algumas horas no bolo pestífero de imensas proporções, a maledicência pode precipitar-nos no vício, tanto quanto a cólera sistemática nos arrasta, muita vez, aos labirintos da loucura ou às trevas do crime.

Pensando, conversando ou trabalhando, a força de nossas ideias, palavras e atos alcança, de momento, um potencial tantas vezes maior quantas sejam as pessoas encarnadas ou não que concordem conosco, potencial esse que tende a aumentar indefinidamente, impondo-nos, de retorno, as consequências de nossas próprias iniciativas.

Estejamos, assim, procurando incessantemente o bem, ajudando, aprendendo, servindo, desculpando e amando, porque, nessa atitude, refletiremos os cultivadores da luz, resolvendo, com segurança o nosso problema de companhia.

Necessidade Essencial (Emmanuel, in “Vinha de Luz” – cap. 45)

"Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça." - Jesus. (Lucas, 22:32.)

Justo destacar que Jesus, ciente de que Simão permanecia num mundo em que imperam as vantagens de caráter material, não intercedesse, junto ao Pai, a fim de que lhe não faltassem recursos físicos, tais como a satisfação do corpo, a remuneração substanciosa ou a consideração social.

Declara o Mestre haver pedido ao Supremo Senhor para que em Pedro não se enfraqueça o dom da fé.

Page 159: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

159

Salientou, assim, o Cristo, a necessidade essencial da criatura humana, no que se refere à confiança em Deus, num círculo de lutas onde todos os benefícios visíveis estão sujeitos à transformação e à morte.

Testemunhava que, de todas as realizações sublimes do homem atual, a fé viva e ativa é das mais difíceis de serem consolidadas. Reconhecia que a segurança espiritual dos companheiros terrestres não é obra de alguns dias, porque pequeninos acontecimentos podem interrompê-la, feri-la, adiá-la. A ingratidão de um amigo, um gesto impensado, a incompreensão de alguém, uma insignificante dificuldade, podem prejudicar-lhe o desenvolvimento.

Em plena oficina humana, portanto, é imprescindível reconheças a transitoriedade de todos os bens transferíveis que te cercam. Mobiliza-os sempre, atendendo aos superiores desígnios da fraternidade que nos ensinam a amar-nos uns aos outros com fidelidade e devotamento. Convence-te, porém, de que a fé viva na vitória final do espírito eterno é o óleo divino que nos sustenta a luz interior para a divina ascensão.

Observações e novidades (André Luiz, in “Libertação” – cap. 6)

De volta ao domicilio de Gregório, fomos transferidos da cela trevosa para um aposento de janelas gradeadas, onde tudo desagradava à vista. Certo, devíamos a mudança ao resultado encorajador que alcançáramos nas operações seletivas, mas, em verdade, ainda aí, nos achávamos em autêntico pardieiro. De qualquer modo, era para nós imenso consolo contemplar algumas estrelas, através do nevoeiro que assaltava a paisagem noturna.

O Instrutor, versado em expedições idênticas à nossa, recomendou-úos não tocar os varões de metal que nos impediam a retirada, esclarecendo se achavam imantados por forças elétricas de vigilância e acentuando que a nossa condição ainda era de simples prisioneiros.

Aproximamo-nos, porém, das janelas que nos comunicavam com o exterior e reparei que o espetáculo era digno de estudo.

Grande movimento na via pública, congregando vários grupos de criaturas, em conversação não longe de nós.

Os diálogos e entendimentos surpreendiam. Quase todos se referiam à esfera carnal.

Questões minuciosas e pequeninas da vida particular eram analisadas com inequívoco interesse; contudo, as notas dominantes caíam no desequilíbrio sentimental e nas emoções primárias da experiência física.

Percebi diferentes expressões nos “halos vibratórios” que revestiam a personalidade dos conversadores, através das cores de variação típica.

Dirigi-me a Gúbio, buscando-lhe oportuno esclarecimento. — Não mediste, ainda — respondeu, prestimoso —‘ a extensão do intercâmbio

entre encarnados e desencarnados. A determinadas horas da noite, três quartas partes da população de cada um dos hemisférios da Crosta Terrestre se acham nas zonas de contacto conosco e a maior percentagem desses semi-libertos do corpo, pela influência natural do sono, permanecem detidos nos círculos de baixa vibração qual este em que nos movimentamos provisoriamente. Por aqui, muitas vezes se forjam dolorosos dramas que se desenrolam nos campos da carne. Grandes crimes têm nestes sítios as respectivas nascentes e, não fôsse o trabalho ativo e constante dos Espíritos protetores que se desvelam pelos homens no labor sacrificial da caridade oculta e da educação

Page 160: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

160

perseverante, sob a égide do Cristo, acontecimentos mais trágicos estarreceriam as criaturas.

De alma voltada para as noções da vida imensa que o ambiente sugeria, rememorei o curso incessante das civilizações. Pensamentos mais altos clarearam-me os raciocínios. A Bondade do Senhor não violenta o coração. O Reino Divino nascerá dentro dele e, à maneira da semente de mostarda que se liberta dos envoltórios inferiores, medrará e crescerá gradativamente, sob os impulsos construtivos do próprio homem.

Que temerária concepção a de um paraíso fácil! Gúbio percebeu-me a posição mental e falou em socorro de minhas pobres

reflexões intimas: — Sim, André, a coroa da sabedoria e do amor é conquistada por evolução, por

esforço, por associação da criatura aos propósitos do Criador. A marcha da Civilização é lenta e dolorosa.

Formidandos atritos se fazem indispensáveis para que o espírito consiga desenvolver a luz que lhe é própria. O homem encarnado vive simultaneamente em três planos diversos. Assim como ocorre à árvore que se radica no solo, guarda ele raizes transitórias na vida física; estende os galhos dos sentimentos e desejos nos círculos de matéria mais leve, quanto o vegetal se alonga no ar; e é sustentado pelos princípios sutis da mente, tanto quanto a árvore é garantida pela própria seiva. Na árvore, temos raiz, copa e seiva por três processos diferentes de manutenção para a mesma vida e. no homem, vemos corpo denso de carne, organização perispirítica em tipo de matéria mais rarefeita e mente, representando três expressões distintas de base vital, com vistas aos mesmos fins.

Segundo observamos, o homem exige para sustentar-se, no quadro evolucionário, segurança relativa no campo biológico, alimento das emoções que lhe são próprias nas esferas de vida psíquica que se afinam com ele e base mental no mundo íntimo. A vida é patrimônio de todos, mas a direção pertence a cada um. A inteligência caída precipita-se, despenhadeiro abaixo, encontrando sempre, nos círculos inferiores que elege por moradia, milhões de vidas inferiores, junto às quais é aproveitada pela Sabedoria Celestial para maior glorificação da obra divina. Na economia do Senhor, coisa alguma se perde e todos os recursos são utilizados na química do Infinito Bem. Aqui mesmo, nesta cidade, tínhamos, a princípio, autêntico império de vidas primitivas que, pouco a pouco, se fêz ocupado por extensas coletividades de almas vaidosas e cruéis.

Entrincheiraram-se nestes sítios, guardando o louco propósito de hostilizar a Bondade Excelsa, e exercem funções úteis junto a enorme agrupamento de criaturas, ainda sub-humanas, não obstante atenderem a serviço que para nós outros seria presentemente insuportável. Usam a violência em largas doses, todavia, no curso dos anos, a influenciação intelectual delas trará grandes benefícios aos oprimidos de agora e estejamos convictos de que, apesar de blasonarem inteligência e poder, permanecerão nos postos que ocupam apenas enquanto perdurar o consentimento da Divina Direção, atento ao princípio que determina tenha cada assembleia o governo que merece.

O Instrutor confiou-Se a pausa mais longa e concentrei minha atenção numa dupla feminina que conversava, rente à grade.

Certa mulher já desencarnada dizia para a companheira, ainda presa à experiência física, parcialmente liberta nas asas do sono:

— Notamos que você, ültimamente, anda mais fraca, mais serviçal... Estará desencantada, quanto aos compromissos assumidos?

Page 161: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

161

A interpelada explicou um tanto confundida: — Acontece que João se filiou a um círculo de preces, o que, de alguma sorte, nos

vem alterando a vida. A outra deu um salto à retaguarda, ao modo de um animal surpreendido e gritou: — Orações? você está cega quanto ao perigo que isso significa? Quem reza cai na

mansidão. É necessário espezinhá-lo, torturá-lo, feri-lo, a fim de que a revolta o mantenha em

nosso círculo. Se ganhar piedade, estragar-nos-á o plano, deixando de ser nosso instrumento na fábrica.

A interlocutora, no entanto, observou, ingênua: — Ele se diz mais calmo, mais confiante... — Marina — obtemperou a outra, intempestiva —, você sabe que não podemos

fazer milagres e não é justo aceitar regras e intrujices de espíritos acovardados que, a pretexto de fé religiosa, se arvoram em ditadores de salvação. Precisamos de seu marido e de muitas outras pessoas que a ele se agregam em serviço e em nosso nível, O projeto é enorme e interessante para nós. Já esqueceu quanto sofremos? Eu, de mim mesma, tenho duras lições por retribuir.

E batendo-lhe esquisitamente nos ombros, acentuava: — Não admita encantamentos espirituais. A realidade é nossa e cabe-nos

aproveitar o ensejo, integralmente. Volte para o corpo e não ceda um milímetro. Corra com os apóstulos improvisados.

Fazem-nos mal. Prenda João, controlando-lhe O tempo. Desenvolva serviço eficiente e não o liberte. Fira-o devagarinho. O desespero dele chegará, por fim, e, com as forças da insubmissão que forem exteriorizadas em nosso favor, alcançaremos os fins a que nos propomos. Nada de transigência. Não se atemorize com promessas de inferno ou céu depois da morte. Em toda parte a vida é aquilo que fazemos dela.

Boquiaberto com o que me era dado perceber, reparei que a entidade astuta e vingativa envolvia a interlocutora em fluidos sombrios, à maneira dos hipnotizadOreS comuns.

Enderecei olhar interrogativo ao nosso orientador que, após haver atenciosamente acompanhado a cena, informou, prestimoso:

— A obsessão desse teor apresenta milhões de casos. De manhãzinha, na Esfera da Crosta, essa pobre mulher, vacilante na fé, incapaz de apreciar a felicidade que o Senhor lhe concedeu num casamento digno e tranquilo, despertará no corpo, de alma desconfiada e abatida. Oscilando entre o “crer” e o “não crer” não saberá polarizar a mente na confiança com que deve enfrentar as dificuldades do caminho e aguardar as manifestações santificantes do Alto e, em face da incerteza intima, em que se lhe caracterizam as atitudes, demorar-se-á imantada a essa irmã ignorante e infeliz, que a persegue e subjuga para conseguir deplorável vingança. Converter-se-á, por isso, em objeto de acentuada aflição para o esposo e suas conquistas incipientes periclitarão.

— Como se libertaria de semelhante inimiga? — perguntou Elói, interessado. — Mantendo-Se num padrão de firmeza superior, com suficiente disposição para o

bem. Com esse esforço, nobre e contínuo, melhoraria intensivamente os seus princípios

mentais, afeiçoando-os ás fontes sublimes da vida e, ao invés de converter-se em material absorvente das irradiações enfermiças e depressivas, passaria a emitir raios transformadores e construtivos, em beneficio de si mesma e das entidades que se lhe

Page 162: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

162

aproximam do caminho. Em todos os quadros do Universo, somos satélites uns dos outros. Os mais fortes arrastam os mais fracos, entendendo-se, porém, que o mais frágil de hoje pode ser a potência mais alta de amanhã, conforme nosso aproveitamento individual. Expedimos raios magnéticos e recebemo-los ao mesmo tempo. É imperioso reconhecer, todavia, que aqueles que se acham sob o controle de energias cegas, acomodando-se aos golpes e sugestões da força tirânica, emitidos pelas inteligências per-versas que os assediam, demoram-se, longo tempo, na condição de aparelhos receptores da desordem psíquica. Muito difícil reajustar alguém que não deseja reajustar-se. A ignorância e a rebeldia são efetivamente a matriz de sufocantes males.

Ante o intervalo espontâneo, reparei, não longe de nós, como que ligadas às personalidades sob nosso exame, certas formas indecisas, obscuras. Semelhavam-se a pequenas esferas ovóides, cada uma das quais pouco maior que um crânio humano. Variavam profusamente nas particularidades. Algumas denunciavam movimento próprio, ao jeito de grandes amebas, respirando naquele clima espiritual; outras, contudo, pareciam em repouso, aparentemente inertes, ligadas ao halo vital das personalidades em movimento.

Fixei, demoradamente, o quadro, com a perquirição do laboratorista diante de formas desconhecidas.

Grande número de entidades, em desfile nas vizinhanças da grade, transportavam essas esferas vivas, como que imantadas às irradiações que lhes eram próprias.

Nunca havia observado, antes, tal fenômeno. Em nossa colônia de residência, ainda mesmo em se tratando de criaturas

perturbadas e sofredoras, o campo de emanações era sempre normal. E quando em serviço, ao lado de almas em desequilíbrio, na Esfera da Crosta, nunca vira aquela irregularidade, pelo menos quanto me fora, até ali, permitido observar.

Inquieto, recorri ao Instrutor, rogando-lhe ajuda. — André — respondeu ele, circunspecto, evidenciando a gravidade do assunto —,

compreendo-te o espanto. Vê-se, de pronto, que és novo em serviços de auxílio. Já ouviste falar, de certo, numa “segunda morte”

— Sim — acentuei —, tenho acompanhado vários amigos à tarefa reencarnacionista, quando, atraídos por imperativos de evolução e redenção, tornam ao corpo de carne. De outras vezes, raras aliás, tive notícias de amigos que perderam o veí-culo perispiritual12, conquistando planos mais altos. A esses missionários, distinguidos por elevados títulos na vida superior, não me foi possível seguir de perto.

Gúbio sorriu e considerou: — Sabes, assim, que o vaso perispirítico étambém transformável e perecível,

embora estruturado em tipo de matéria mais rarefeita. — Sim... — acrescentei, reticencioso, em minha sede de saber. — Viste companheiros — prosseguiu o orientador —, que se desfizeram dele,

rumo a esferas sublimes, cuja grandeza por enquanto não nos é dado sondar, e observaste irmãos que se submeteram a operações redutivas e desintegradoras dos elementos perispiríticos para renascerem na carne terrestre. Os primeiros são servidores enobrecidos e gloriosos, no dever bem cumprido, enquanto que os segundos são colegas nossos, que já merecem a reencarnação trabalhada por valores intercessores, mas, tanto

12

O perispírito, mais tarde, será objeto de mais amplos estudos das escolas espiritistas cristãs. — Nota do Autor espiritual.

Page 163: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

163

quanto ocorre aos companheiros respeitáveis desses dois tipos, os ignorantes e os maus, os transviados e os criminosos também perdem, um dia, a forma perispiritual.

Pela densidade da mente, saturada de impulsos inferiores, não conseguem elevar-se e gravitam em derredor das paixões absorventes que por muitos anos elegeram em centro de interesses fundamentais. Grande número, nessas circunstâncias, mormente os participantes de condenáveis delitos, imantam-se aos que se lhes associaram nos crimes. Se o discípulo de Jesus se mantém ligado a Ele, através de imponderáveis fios de amor, inspiração e reconhecimento, os pupilos do ódio e da perversidade se demoram unidos, sob a orientação das inteligências que os entrelaçam na rede do mal. Enriquecer a mente de conhecimentos novos, aperfeiçoar-lhe as faculdades de expressão, purificá-la nas correntes iluminativas do bem e engrandecê-la com a incorporação definitiva de princípios nobres é desenvolver nosso corpo glorioso, na expressão do apóstolo Paulo, es-truturando-o em matéria sublimada e divina. Essa matéria, André, é o tipo de veículo a que aspiramos, ao nos referirmos à vida que nos é superior. Estamos ainda presos às aglutinações celulares dos elementos físio-perispiríticos, tanto quanto a tartaruga permanece algemada à carapaça. Imergimo-nos dentro dos fluidos carnais e deles nos libertamos, em vicioso vaivém, através de existências numerosas, até que acordemos a vida mental para expressões santificadoras.

Somos quais arbustos do solo planetário. Nossas raízes emocionais se mergulham mais ou menos profundamente nos círculos da animalidade primitiva. Vem a foice da morte e sega-nos os ramos dos desejos terrenos; todavia, nossos vínculos guardam extrema vitalidade nas camadas inferiores e renascemos entre aqueles mesmos que se converteram em nossos associados de longas eras, através de lutas vividas em comum, e aos quais nos agrilhoamos pela comunhão de interesses da linha evolutiva em que nos encontramos.

As elucidações eram belas e novas aos meus ouvidos, e, em razão disso, calei as interrogações que me vagueavam no íntimo, para atenciosamente registrar as considerações do Instrutor, que prosseguiu:

— A vida física é puro estágio educativo, dentro da eternidade, e a ela ninguém é chamado a fim de candidatar-se a paraísos de favor e, sim, àmoldagem viva do céu no santuário do Espírito, pelo máximo aproveitamento das oportunidades recebidas no aprimoramento de nossos valores mentais, com o desabrochar e evolver das sementes di-vinas que trazemos conosco. O trabalho incessante para o bem, a elevação de motivos na experiência transitória, a disciplina dos impulsos pessoais, com amplo curso às manifestações mais nobres do sentimento, o esforço perseverante no infinito bem, constituem as vias de crescimento mental, com aquisição de luz para a vida imperecível. Cada criatura nasce na Crosta da Terra para enriquecer-se através do serviço à coletividade. Sacrificar-se é superar-se, conquistando a vida maior. Por isto mesmo, o Cristo asseverou que o maior no Reino Celeste é aquele que se converter em servo de todos. Um homem poderá ser temido e respeitado no Planeta pelos títulos que adquiriu à convenção humana, mas se não progrediu no domínio das idéias, melhorando-se e aperfeiçoando-se, guarda consigo mente estreita e enfermiça. Em suma, ir à matéria física e dela regressar ao campo de trabalho em que nos achamos presentemente, é sub-metermo-nos a profundos choques biológicos, destinados à expansão dos elementos divinos que nos integrarão, um dia, a forma gloriosa.

E porque me visse na atitude do aprendiz que interroga em silêncio, Gúbio asseverou:

Page 164: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

164

— Para fazer-me mais claro, voltemos ao símbolo da árvore, O vaso físico é o vegetal, limitado no espaço e no tempo, o corpo perispirítico é o fruto que consubstancia o resultado das variadas operações da árvore, depois de certo período de maturação, e a matéria mental é a semente que representa o substrato da árvore e do fruto, con-densando-lhes as experiências. A criatura para adquirir sabedoria e amor renasce inúmeras vezes, no campo fisiológico, à maneira da semente que regressa ao chão. E quantos se complicam, deliberadamente, afastando-se do caminho reto na direção de zonas irregulares em que recolhem experimentos doentios, atrasam, como é natural, a própria marcha, perdendo longo tempo para se afastarem do terreno resvaladiço a que se relegaram, ligados a grupos infelizes de companheiros que, em companhia deles, se extraviaram através de graves compromissos com a leviandade ou com o desequilíbrio.

Compreendeste, agora? Apesar da gentileza do orientador, que fazia o possível por clarear o seu

pensamento, ousei indagar: — E se consultarmos esses esferóides vivos? ouvir-nos-ão? possuem capacidade de

sintonia? Gúbio atendeu, solícito: — Perfeitamente, compreendendo-se, porém, que a maioria das criaturas, em

semelhante posição nos sítios inferiores quanto este, dormitam em estranhos pesadelos. Registram-nos os apelos, mas respondem-nos, de modo vago, dentro da nova forma em que se segregam, incapazes que são, provisoriamente, de se exteriorizarem de maneira completa, sem os veículos mais densos que perderam, com agravo de responsabilidade, na inércia ou na prática do mal. Em verdade, agora se categorizam em conta de fetos ou amebas mentais, mobilizáveis, contudo, por entidades perversas ou rebeladas. O caminho de semelhantes companheiros é a reencarnação na Crosta da Terra ou em setores outros de vida congênere, qual ocorre à semente destinada à cova escura para trabalhos de produção, seleção e aprimoramento. Claro que os Espíritos em evolução natural não assinalam fenômenos dolorosos em qualquer período de transição, como o que examinamos. A ovelha que prossegue, firme, na senda justa, contará sempre com os benefícios decorrentes das diretrizes do pastor; no entanto, as que se desviam, fugindo à jornada razoável, pelo simples gosto de se entregarem à aventura, nem sempre encontrarão surpresas agradáveis ou construtivas.

O orientador silenciou por momentos e perguntou, em seguida: — Entendeste a importância de uma existência terrestre? Sim, entendia, por experiência própria, o valor da vida corporal na Crosta

Planetária; contudo, ali, diante dos esferóides vivos, tristes mentes humanas sem apetrechos de manifestação, meu respeito ao veículo de carne cresceu de modo espantoso. Alcancei, então, com mais propriedade, o sublime conteúdo das palavras do Cristo: “andai, enquanto tendes luz”. O assunto era fascinante e tentei Gúbio a examiná-lo, mais detidamente; todavia, o orientador, sem trair a cortesia que lhe é característica, recomendou-me esperasse o dia seguinte.

Em matéria afetiva (André Luiz, in “Sinal Verde” – cap. 37)

Sempre é forçoso muito cuidado no trato com os problemas afetivos dos outros, porque muitas vezes os outros, nem de leve, pensam naquilo que possamos pensar.

Page 165: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

165

Os Espíritos adultos sabem que, por enquanto, na Terra, ninguém pode, em sã consciência, traçar a fronteira entre normalidade e anormalidade, nas questões afetivas de sentido profundo.

Os pregadores de moral rigorista, em assuntos de amor, raramente não caem nas situações que condenam.

Toda pessoa que lesa outra, nos compromissos do coração, está fatalmente lesando a si própria.

Respeite as ligações e as separações, entre as pessoas do seu mundo particular, sem estranheza ou censura, de vez que você não lhes conhece as razões e processos de origem.

As suas necessidades de alma, na essência, são muito diversas das necessidades alheias.

No que tange a sofrimentos do amor, só Deus sabe onde estão a queda ou a vitória.

Jamais brinque com os sentimentos do próximo. Não assuma deveres afetivos que você não possa ou não queira sustentar. Amor, em sua existência, será aquilo que você fizer dele. Você receberá, de retorno, tudo o que der aos outros, segundo a lei que nos rege

os destinos. Ante os erros do amor, se você nunca errou por emoção, imaginação, intenção ou

ação, atire a primeira pedra, conforme recomenda Jesus.

Sentimento (Áulus, in “Instruções Psicofônicas” – cap. 41)

O encerramento da nossa reunião de 16 de dezembro de 1954 assinalou grande regozijo para o nosso Grupo.

Através do médium, recebemos a visita de Áulus, abnegado Instrutor Espiritual13, que nos falou acerca do sentimento como base de nossa vida mental, oferecendo-nos Interessante conceituação educativa sobre o assunto e salientando que na comunhão mais íntima com o Divino Mestre é que poderemos consolidar o equilíbrio de que carecemos para realizar o nosso aprimoramento interior.

Amigos. Em nossas relações com o Senhor, com os nossos Semelhantes, com a Vida e com

a Natureza, é importante lembrar que a nossa própria alma produz os modelos sutis que nos orientam as atividades de cada dia.

Tanto quanto a segurança de um edifício corresponde ao projeto a que se subordina, o êxito ou o fracasso em nossos menores empreendimentos correspondem à nossa atitude espiritual.

Sabemos em fotografia que o clichê é a imagem negativa obtida na câmara escura, do qual podemos extrair inumeráveis provas positivas. Assim também o pensamento é a matriz que compomos na intimidade do ser, com a qual é possível criar infinitas manifestações de nossa individualidade.

Mas a formação do clichê depende da película sensível que, em nosso caso, é o sentimento antecedendo-nos toda e qualquer elaboração de ordem mental.

13

Trata-se do benfeitor espiritual a que se refere André Luiz em seu livro “Nos Domínios da Mediunidade”. — Nota do organizador.

Page 166: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

166

É imprescindível, dessa forma, melhorar sempre e cada vez mais as nossas aquisições de fraternidade, entendimento e simpatia.

A estrela é conhecida pela luz que desprende de si mesma. A presença da flor é denunciada pelo perfume que lhe é característico. A criatura é identificada pelas irradiações que projeta. Sorvemos ideias, assimilamos ideias e exteriorizamos ideias todos os dias. É imperioso, assim, em nosso intercâmbio uns com os outros, observar os nossos

estados sentimentais nas bases de nossas reflexões e raciocínios, como origens de nossa vitória ou de nossa derrota no campo de luta vulgar.

Ilustrando-nos a conceituação despretensiosa, evoquemos a natureza para simbolizar alguns de nossos sentimentos e clarear, tanto quanto possível, a lição que a experiência nos oferece.

O ódio é comparável à hiena, espalhando terror e morte. A inveja é semelhante à serpente que rasteja, emitindo raios de venenoso

magnetismo. O ciúme parece um lobo famulento, estendendo aflição e desconfiança. A agressividade assemelha-se ao ouriço, arremessando espinhos na direção

daqueles que lhe respiram a presença. O amor é comparável ao sol que aquece e ilumina. A compreensão copia a fonte amiga. A tolerância fraterna é qual árvore que serve e ajuda sempre. A gentileza é irmã da música construtiva, desdobrando consolações e mitigando o

infortúnio. O sentimento elevado gera o pensamento elevado e o pensamento elevado

garante a elevação da existência. Sintamos bem, para bem refletir, assegurando o bem na estrada que fomos

convidados a percorrer. Em verdade, o pensamento é a causa da ação, mas o sentimento é o molde vibrátil

em que o pensamento e a causa se formam. Sentindo, modelamos a ideia. Pensando, criamos o destino. Atendamos à higiene mental, entretanto não nos esqueçamos de que a casa, por

mais brilhante e por mais limpa, não viverá feliz sem alimento. E a bondade é o pão das almas.

Em razão disso, recomendou-nos o Divino Mestre, em sua lição imperecível: — «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.»

Áulus

Se você quiser (André Luiz, in “O Espírito da Verdade” – cap. 95)

Cap. XXV – Item 5

Diz você que o mundo é um amontoado de males infinitos. Entretanto, se você quiser construir o bem na própria alma, respirará, desde agora,

na faixa do mundo melhor que surgirá em si mesmo. Diz você que a casa onde reside é uma forja de sofrimento pela incompreensão

dos familiares que lhe ignoram os ideias. Contudo, se você quiser servir com paciência e bondade, ajudando a cada um sem

reclamar retribuição, embora pouco a pouco, passarão todos eles a conhecer-lhe os princípios, através de seus atos, convertendo-se-lhe o lar em ninho de bênçãos.

Page 167: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

167

Diz você que a ingratidão mora em seu campo de trabalho, transfigurando-o em lugar de suplício.

Todavia, se você quiser consagrar-se ao próprio dever, com humildade e tolerância, observará que o seu exemplo granjeará o respeito e o carinho dos outros, transformando-se-lhe a tarefa em manancial de alegria.

Diz você haver perdido a fé, ante aqueles que ensinam a virtude sem praticá-la. No entanto, se você quiser, cumprirá com tanto devotamento as próprias

obrigações, que a fé lhe brilhará no coração, por fonte de júbilo intransferível. Diz você que não dispõe de recursos para ajudar ao companheiro em luta maior. Contudo, se você quiser repousar menos alguns minutos, em seus lazeres de cada

dia, poderá converter algumas horas, cada semana, em auxílio ou consolação para os semelhantes, conquistando a simpatia e o concurso de muita gente.

Não se queixe em circunstância alguma. Lembre-se de que a vida e o tempo são concessões de Deus diretamente a você e,

acima de qualquer angústia ou provação, a vida e o tempo responderão a você com a bênção da luz ou com a experiência da sombra, como você quiser.

Adolescência, idade crítica? Crise de identidade (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e

Vida” – cap. 12)

Na adolescência, a conquista da identidade é muito relevante e relativamente complexa.

Fase de mudanças sob todos os aspectos, ao jovem parece confuso distinguir qual, quem ou como é o verdadeiro eu. Igualmente, diante de tantos papéis a desempenhar na sociedade, é por ele iniciada uma busca na tentativa de encontrar a sua identidade no conjunto, aquela que melhor se ajuste à sua escala de conceitos.

A identidade é o resultado dos valores que facultam a percepção do eu, separado e diferente de todos os demais, que esteja em equilíbrio e continue integrado, permanecendo, através dos tempos, como sendo o mesmo, podendo ser conhecido pelas demais pessoas e descobrindo como os outros são, o que constitui senso global de caracterização do ego.

Quaisquer influências que prejudiquem esta auto percepção geram confusão de identidade, problemas para conseguir a participação, a integração e o prosseguimento da construção da autoimagem.

O conceito de identidade varia de povo para povo, diferindo muito o dos orientais em relação aos ocidentais, em razão das diferentes culturas e heranças históricas. Em todas elas, no entanto, a pessoa deve perceber-se consistente, distinta e, até certo ponto, independente das demais.

No período da adolescência essa busca se torna afugente, porque o jovem se preocupa muito com a aparência, em relação ao que os outros pensam, de certo modo rompendo com o passado e definindo os rumos do futuro. Surgem, então, as identidades individual e grupal ou coletiva. A depender do estado psicológico do adolescente, ele pode destacar-se, surgindo com os seus caracteres próprios, ou perder-se no grupo, identificando-se com a maneira massiva de apresentação, normalmente como rebeldia contra o status.

Para conseguir a sua identidade individual, pessoal, o jovem depende muito das suas possibilidades cognitivas, que lhe apresentam os recursos de diferenciação dos demais e lhe oferecem as resistências para empreender a tarefa de fixação desses valores

Page 168: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

168

num todo harmônico, desenvolvendo os seus comprometimentos pessoais, sexuais, ocupacionais, culturais, etc.

Há, naturalmente, muitos impedimentos para que esse fenômeno aconteça com o êxito que será de desejar. Um deles é a interrupção do processo de construção da identidade, que pode acontecer de forma a definir, prematuramente, a autoimagem, que irá perturbar a caracterização de outros valores e recursos que trabalham pela auto definição, pela auto realização. A sua escala de compreensão é deficiente e se estrutura na maneira pela qual os outros o vêm, permitindo-se ceder ante pressões, tornando-se assim pessoa-espelho, a refletir outras imagens que não o seu próprio si.

Quase sempre, o jovem que sofre esse tipo de impedimento, encontra nos pais, especialmente no genitor, quando do sexo masculino e, na mãe, quando do sexo feminino, uma identificação muito forte que o impede de ser livre, não sabendo responder adequadamente quando confrontado com deveres desafiadores, atividades exigentes e comportamentos inesperados.

Outros, também confrontados com os problemas e desafios das mudanças que neles se operam, perdem o senso de identidade, não se libertando das vinculações anteriores, não conseguindo encontrar-se, ou desligando-se da família, do grupo social, do país, e sendo vítima de uma adaptação enferma, que se prolonga indefinidamente, sem capacidade para relacionamentos duradouros, para atitudes normais, para as expressões de lealdade e de afeição.

Muitas vezes, esse conflito, essa dificuldade de identificação, pode oferecer maior maturidade ao jovem, no futuro, porque trabalha em favor da sua seleção de valores e de conteúdos, adquirindo maior capacidade criativa, melhor maneira de elaborar ideias e de caracterizar definições, do que os outros que precipitadamente se firmaram em determinados quesitos que elegeram como forma de identidade.

Os jovens, igualmente experimentam dificuldade em estabelecer os padrões que a constituem, e esses variam muito de acordo com os relacionamentos domésticos – valores religiosos, familiares, sociais, econômicos – culturais e subculturais e mesmo as constantes mudanças sociais, que trabalham conteúdos diferentes.

Alguma confusão, portanto, nesse período, pode redundar saudável para a formação da identidade do adolescente, sem o exagero de um transtorno prolongado.

Outro fator que merece análise é o da identidade sexual. Há jovens que logo definem e aceitam a sua natureza essencial, masculina ou feminina. Nessa oportunidade surgem os conflitos mais fortes do transexualismo e do homossexualismo, alguns deles como resultado de fatores genéticos, trabalhados pelo Espírito na constituição do corpo através da reencarnação, que se utilizou do períspirito para a modelagem da forma orgânica, outros como efeito da conduta familiar ou social e, outros mais, ainda, pela necessidade de ser trabalhada a sexualidade como diretriz preponderante para a aquisição de recursos mais elevados e difíceis de serem conquistados.

Quando essa identidade sexual é prematura, o adolescente sofre de um efeito apenas biológico, sem preparação psicológica para o comportamento algo estressante. Quando atrasada, reações igualmente psicológicas podem levar a uma hostilidade ao próprio corpo como ao dos outros.

A identificação sexual do indivíduo equilibrado faz-se definir quando se harmonizam a expressão biológica –anatômica – com a psicológica, expressando-se de forma natural e progressiva, sem os choques da incerteza ou da incapacidade comportamental diante da realidade do fenômeno sexual.

Page 169: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

169

Uma identidade amadurecida faculta-lhe uma boa dose de auto- estima, de tolerância em relação às demais pessoas, de afetividade sem prejuízos emocionais, de comportamento sem estereótipo, de lucidez que facilita enfrentar desafios com naturalidade.

Assim, a adolescência é uma idade crítica, no que diz respeito ao processo de adaptação e definição de conceito, de comportamento, de realidade.

Para o adolescente, o mundo parece hostil, agressivo, com padrões difíceis de ser alcançados, e que o ameaçam.

Sentindo-se diferente das demais pessoas, luta, interiormente, para reconhecer como agir e quais os recursos de que dispõe, para colocar a serviço da sua realização pessoal. Por outro lado, muitas culturas consideram o jovem como um rebelde, egoísta, agressivo, equipando-se de conceitos que exigem do jovem submissão e dependência, dificultando-lhe o acesso a oportunidades de trabalho, de criação, de realização pessoal, porque ainda não está definido, nem possui experiência... Convenha-se que experiência é resultado da habilidade adquirida mediante o desempenho do trabalho, e somente será conseguida se for facultada a oportunidade de realização.

Esse choque entre o velho e o novo constitui desafio para ambos se afinarem, adaptando-se o jovem ao contexto social, sem abdicação dos seus valores, como também da inútil luta agressiva contra o que depara, porém trabalhando para a mudança dos paradigmas; e ao adulto cabe a aceitação de que a vida é uma constante renovação e ininterrupta mudança, rica de transformação de conceitos que avançam para o sentido ético elevado e libertador, no qual as criaturas se encontrarão felizes e unidas.

O ser e o ter na adolescência (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e Vida” – cap. 15)

A princípio, no conflito que surge com a adolescência, o jovem não se preocupa, normalmente, com a posse nem com a realização interior, face aos apelos externos que o convocam à tomada de conhecimento de tudo quanto o cerca.

Vivendo antes em um mundo especial, cujas fronteiras não iam além dos limites do lar e da família, no máximo da escola, rompem-se, agora, as barreiras que o detinham e surge um campo imenso, ora fascinante, ora assustador, que ele deve conhecer e conquistar, a fim de situar-se no contexto de uma sociedade que se lhe apresenta estranha, caprichosa, assinalada por costumes e atitudes que o surpreendem. Os seus pensamentos primeiros são de submeter tudo a uma nova ordem, na qual ele se sinta realizado e dominador, alçado à categoria de líder reformista, que altere a paisagem vigente e dê-lhe novos contornos. Lentamente, à medida que se vai adaptando aos fatores predominantes, percebe que não é tão fácil operar as mudanças que pretendia impor aos outros e ajusta-se ao “modus operandi” existente ou contribui para as necessárias e oportunas alterações por que passam os diferentes períodos da cultura e do comportamento humano.

Observando que a sociedade contemporânea se baseia muito no poder e no ter, predominando os valores amoedados e as posições de destaque, em uma competitividade cruel e desumana, é tomado pela ânsia de amealhar recursos para triunfar e programar o futuro de ordem material. Não lhe ocorrem as necessidades espirituais, as de natureza ético-moral, porque tudo lhe parece um confronto de oportunidades e de poderes que entram em choque, até que haja predominância do mais forte. Por outro lado, dá-se conta da rapidez com que passa o carro do triunfo e procura fruir ao máximo, imediatamente, toda a cota possível de prazer e de destaque, receando o futuro, face ao exemplo

Page 170: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

170

daqueles que ontem estavam no ápice e agora, após o tombo produzido pela realidade, encontram-se esquecidos, perseguidos ou desprezados.

Somente alguns adolescentes, mais amadurecidos psicologicamente, que procedem de lares equilibrados e saudáveis, despertam para a aquisição dos valores íntimos, da conquista do conhecimento, dos títulos universitários com os quais esperam abrir as portas da vitória mais tarde. Assim, empenham-se na busca dos tesouros do saber, das experiências evolutivas, das realizações de crescimento íntimo, lutando com denodo em favor do auto aprimoramento e da autoafirmação, no mundo de contrastes e desaires. Nesses jovens, o ser tem um grande significado, porque faz desabrochar os requisitos íntimos que estão dormindo e aguardam ser convocados para aplicação e vivencia.

Nesse sentido, não se faz necessário ser superdotado. É mesmo comum encontrar jovens com menos elevado QI, que conseguem, pela perseverança, pelo exercício, a vitória sobre os impedimentos ao seu progresso, enquanto outros mais bem aquinhoados deixam-se vencer pelos desajustes, sem o empenho de superar as dificuldades. Porque reconhecem as facilidades de aprendizagem, menosprezam o esforço que deve acompanhar todo trabalho de aquisição de cultura ou qualquer outro recurso evolutivo, perdendo as excelentes oportunidades que deparam, não vencendo a barreira do desafio para o crescimento.

Permanecem com o patrimônio intelectual sem o conveniente desenvolvimento ou, quando o realizam, derrapam para a delinquência, aplicando os tesouros da mente na ação equivocada dos triunfos de mentira.

O esforço para ter surge com as motivações de crescimento intelectual e compreensão das necessidades humanas em favor da sobrevivência, da construção da família, da distinção social, das esperanças de fruir gozos naturais em forma de férias e recreações, de jogos e prazeres, projetando as expectativas para a velhice, que esperam conseguir tranquila e confortável. O ter, passa a significar o esforço pelo conseguir, pelo amealhar, reunindo moedas e títulos que facilitem a movimentação pelas diferentes áreas do relacionamento humano. Essa ambição, perfeitamente justa e compreensível, de natureza previdenciária e lógica, pode tornar-se, no entanto, o objetivo único da existência, levando ao desespero e à insatisfação, porque a posse apenas libera de preocupações específicas, mas não harmoniza o ser interiormente. Não poucas vezes, o possuir faz-se acompanhar do medo de perder, gerando receios injustificáveis e neurotizantes. O verdadeiro amadurecimento psicológico do ser propicia-lhe visão otimista da vida, auxiliando-o a ter sem ser possuído, em desfrutar sem escravizar-se, em dispor hoje e buscar amanhã, não lhe constituindo motivo de aflição o receio da perda, da pobreza, porque reconhece que tudo transita, indo e voltando, raramente permanecendo por tempo indeterminado, já que a vida física é igualmente transitória, instável.

A verdadeira sabedoria ensina que se pode ter, sem deixar de lado o esforço por ser autossuficiente, equilibrado, possuidor não possuído, identificado com os objetivos essenciais da experiência carnal, que são a imortalidade, o progresso, o desenvolvimento de si mesmo com vistas à sua libertação da carne, o que ocorrerá, sem qualquer dúvida, e, no momento próprio, ao encontrar-se equipado de recursos para a harmonia. Os padrões do capitalismo sempre impõem ter mais, enquanto que os do comunismo expõem suprir as necessidades básicas sob a regência do Estado, que é sempre impiedoso e sem sentimento, porque tem um caráter empresarial e nunca um sentido de humanidade. O jovem, ainda indeciso nas atitudes a tomar, não se dá conta do significado de ser lúcido e

Page 171: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

171

feliz, tendo ou deixando de ter, livre para aspirar o que melhor lhe apraz e realizar-se interiormente, desfrutando dos bens da vida sem escravidão, sem alucinação.

Quando o indivíduo é mais ele mesmo, identificado com a sua realidade espiritual, consome menos, vive melhor, cresce e amadurece mais, superando os desafios com otimismo e produzindo sempre com os olhos postos no futuro. Para esse cometimento, é necessário que, desde cedo, na adolescência, seja elaborada uma escala de valores, a fim de definir quais os de importância e os secundários, de tal modo que a sua seja uma proposta de vida realizadora e eficiente.

Quando deseja ter mais e se afadiga por conseguir sempre os lucros de todos os empreendimentos, a sua é uma existência frustrada, ansiosa, sem justificativa, porque a sede de possuir atormenta-o e deixa-o sempre insatisfeito, porque vê aqueloutros que lhe estão à frente e lhe fazem sombra na realização como criatura triunfadora no mundo. Essa ambição igualmente tem início na juventude por falta de direcionamento espiritual e emocional, tornando o adolescente um ser fisiológico, imediatista, e não uma criatura em desenvolvimento para as altas construções da humanidade.

O jovem, que deseja ser, desenvolve a sua inteligência emocional, aprendendo a identificar os sentimentos das demais pessoas, a dominar os impulsos perturbadores e insensatos, a manter controle sobre as emoções desordenadas, a ter serenidade para enfrentar relacionamentos tumultuados e difíceis, preservando a própria identidade.

Essa inteligência emocional depende da constituição do seu cérebro, que se modelou e se equipou de recursos compatíveis com as necessidades de evolução em razão dos seus atos em reencarnações passadas, mas que pode alterar para melhor sempre que o deseje e insista na cultura dos valores ético-morais.

É necessário ter recursos para uma existência digna, porém é indispensável ser sóbrio e equilibrado, nobre e empreendedor, conhecendo-se interiormente e trabalhando-se sempre, a fim de se tornar um adulto sadio e um idoso sábio.

O adolescente e o suicídio (Joanna de Ângelis, in “Adolescência e Vida” – cap. 25)

Não conseguindo a auto identificação mediante o processo de educação a que se encontra submetido, ou portador de um distúrbio psicótico maníaco-depressivo que não conseguiu superar, ou experimentando frustrações decorrentes de conflitos íntimos, o adolescente imaturo opta pela solução adversa do suicídio.

Sem estrutura emocional para enfrentar os imperativos psicossociais, ou mesmo os desafios dos relacionamentos interpessoais, ou aturdido pelas sequelas das drogas aditivas, ou empurrado a plano secundário no lar, o adolescente parece não encontrar caminho que deva ser percorrido, tombando no autocídio infame, de consequências, infelizmente imprevisíveis e estarrecedoras.

Ignorando a realidade da vida na sua magnitude e profundidade, procura solucionar os problemas normais, pertinentes ao seu crescimento, da maneira mais absurda, que é a busca da morte, em cujo campo ressurge vivo, agora sob a carga insuportável da ocorrência elegida para fugir, do combate, que o elevaria a estágio superior de conhecimento e de auto realização.

A existência corporal é enriquecedora, exatamente por ser constituída de ocorrências, às vezes, antagônicas, que aparentemente se chocam, quando em realidade se completam, quais sejam a alegria e a tristeza, a saúde e a enfermidade, o êxito e o fracasso, a conquista e a perda, o bem e o mal, que se harmonizam em fascinantes mosaicos de experiências, resultando em vivências positivas pelo processo de atravessar e

Page 172: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

172

conhecer as diferentes áreas do mecanismo da evolução. Não houvesse esses fenômenos díspares e nenhum sentido existiria na metodologia do conhecimento, por faltar a participação ativa nos acontecimentos que fazem o cotidiano.

A desinformação a respeito da imortalidade do ser e da reencarnação responde pela correria alucinada na busca do suicídio, com a proposta de encontrar nele solução para as dificuldades que são ensanchas de progresso, sem as quais se permaneceria estacionado no patamar em que se transita. E essa falta de esclarecimento é maior no período infanto-juvenil, como compreensível, facultando a fuga hedionda da existência carnal, rumando para a tragédia da continuação da experiência que se desejou abandonar, agora piorada pelos efeitos trágicos da ação infeliz, que aumenta o fardo de desar, exatamente por causa do alucinado e covarde gesto de fuga.

O ser humano está fadado à glória estelar, que deverá conquistar a esforço pessoal, galgando cada degrau que o leva às alturas com o esforço próprio, mediante o qual se aprimora e consegue superar-se. Toda ascensão provoca reações compatíveis com o estágio que se alcança, exigindo renovação de forças, ampliação de resistência para conseguir os cumes anelados. É natural, portanto, que surjam impedimentos que se apresentam como testes de avaliação, que selecionam aqueles que se encontram mais bem dotados e fortalecidos para o êxito.

Desistência é prejuízo na economia da auto realização e fuga é desastre no empreendimento da evolução, que ninguém consegue sem grandes prejuízos.

No período de infância e de adolescência, o ser forma o caráter sob as heranças das reencarnações anteriores, que se expressam, nem sempre de forma feliz, produzindo, às vezes, choques e dores que devem ser atenuados, canalizados pela educação, pelos exercícios moralizadores, até que se fixem as disposições definidoras do rumo feliz. Nunca, porém, a caminhada se dará sem dificuldade, sem tropeço, sem esforço. Quem alcança uma glória sem luta não é digno dela.

O suicídio brutal, violento, é crueldade para com o próprio ser. No entanto, há também o indireto, que ocorre pelo desgastar das forças morais e emocionais, das resistências físicas no jogo das paixões dissolventes, na ingestão de alimentos em excesso, de bebidas alcoólicas, do fumo pernicioso, das drogas adictícias, das reações emocionais rebeldes e agressivas, do comportamento mental extravagante, do sexo em uso exagerado, que geram sobrecargas destrutivas nos equipamentos físicos, psicológicos e psíquicos...

O materialismo, que infelizmente grassa, sem qualquer disfarce, na sociedade, que se apresenta em grupos religiosos, salvadas as naturais exceções, coloca suas premissas no comportamento das pessoas e as propele para a conquista hedonista, para o gozo material exclusivo, empurrando as suas vítimas para as fugas alucinantes, quando os propósitos anelados não se fazem coroar pelos resultados esperados.

O adolescente, vivendo nesse clima de lutas acerbas e não havendo recebido uma base moral de sustentação segura, na vida física vê somente a superficialidade, o prazer mentiroso, a ilusão, que comandam os comportamentos de todos, em terríveis campeonatos de loucura.

Desfilam os líderes da aberração nos carros do triunfo enganoso, e muitos deles, não suportando a coroa pesada que os verga, são tragados pela overdose das drogas do desespero, que os retira do corpo mais dementados e atônitos do que antes se encontravam.

Page 173: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

173

Noutros casos, são consumidos pelas viroses irreversíveis, especialmente pela Síndrome de imunodeficiência adquirida, que os exaure e consome a pouco e pouco, tornando-os fantasmas desprezíveis e aparvalhantes para aqueles mesmos que antes os endeusavam, imitavam e buscavam a sua convivência a peso de ouro e de mil abjeções.

O adolescente, cuja formação padece constantes alterações comportamentais, necessitando de apoio e de diretriz emocional, desejando viver experiências adultas, sem alicerces psicológicos de segurança, naufraga, sem forças, arrastado pelas poderosas correntezas dos grupos sociais, nos quais transita, grupos esses, quase sempre, constituídos por enfermos e desestruturados quanto ele próprio.

Quando o lar se tornar escola de real educação e a escola se transformar em lar de formação moral e cultural, a realidade do Espírito fará parte das suas programações éticas, sem o caráter impositivo de doutrina religiosa compulsivo-obsessiva, porém com a condição de disciplina educativo-moralizadora que é, da qual ninguém se poderá evadir ou simplesmente ignorar; então o suicídio na adolescência cederá lugar à resistência espiritual para enfrentar as vicissitudes e os desafios, mediante amadurecimento íntimo e compreensão dos valores éticos que constituem a vida.

Através de uma visão correta sobre a realidade do ser, do seu destino, dos seus objetivos na Terra, o adolescente aprenderá a esperar, semeando e cuidando da gleba na qual prepara o futuro, a fim de colher os frutos especiais no momento próprio, frutos esses que não lhe podem chegar antes do tempo.

Descartando-se as impulsões autodestrutivas, que resultam de psicopatologias graves, mas que também podem ser devidamente tratadas, as ocorrências que levam ao suicídio na adolescência serão sanadas e se alterará a paisagem emocional do jovem, a fim de que ele desenvolva o seu processo reencarnatório em paz e esperança, ganhando conhecimentos, adquirindo sabedoria e construindo o mundo novo no qual o amor predominará, a infância e a juventude receberão os cuidados que merecem na sua condição de perenes herdeiros do futuro.

Sentimentos Tumultuados (Joanna de Ângelis, in “O Despertar do Espírito” – cap. 8)

Os sentimentos são conquistas paulatinas do ser humano, que os desenvolve conforme os fatores ancestrais que lhe predominam em a natureza, na condição de herança genética e por consequência das condições ambientais: família, educação, sociedade.

Afirmam alguns psicólogos que a hereditariedade responde sempre pela criatura, seus atos, sua existência, tudo quanto lhe acontece internamente na área da saúde física, emocional – no comportamento - e psíquica. Em alguns casos, indubitavelmente se encontram com razão, não porém quando consideram que os condicionamentos sociais e a educação em quase nada contribuem para alterar o quadro anteriormente definido pelos códigos genéticos. Sem dúvida, o ser humano é resultado do seu comportamento anterior quando, em existência passada, modelou o futuro que o aguarda. Assim considerando, o Espírito imprime, nos códigos genéticos de que se irá utilizar, tudo quanto se lhe tornará indispensável para o desenvolvimento intelecto-moral durante o processo de evolução. Não obstante, a educação no lar e na escola, o convívio social, alteram com vigor o seu comportamento e destino, construindo valores que podem modificar o processo anterior formulado para a recuperação espiritual, face aos gravames antes cometidos. Isso porque a Justiça Divina jamais embaraça ou impede o esforço daquele que deseja recuperar-se de quaisquer comprometimentos; antes oferece os recursos hábeis

Page 174: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

174

para que o desenvolvimento espiritual se expresse da melhor maneira possível, porque o amor viceja em todas as ocasiões e circunstâncias, facultando a realização dos magnos objetivos existenciais. O egoísmo, no entanto, que se encontra instalado em a natureza humana, responde pelas situações embaraçosas e desafiadoras que retardam a marcha evolutiva, criando impedimentos e transtornos complexos no processo da evolução. Desse modo, os mecanismos castradores que afligem o ser resultam dos processos primitivos anteriores de competição e de crueldade que ainda assinalam o comportamento individual e social, gerando estorvos ao avanço. Como resultado imediato, facilmente os sentimentos se tumultuam e as expressões de timidez ou de violência, de agressividade e de medo se instalam com exuberância nas criaturas humanas, conspirando contra a sua realização interior. Conflitos que remanescem do período primário tomam corpo então, alterando a conduta, que se manifesta assinalada por tormentos que se transferem de uma para outra reencarnação, como herança dos próprios atos, da qual ninguém consegue fugir.

Herdeiro dos seus pensamentos, palavras e atos, o Espírito imprime através do pensamento, nos tecidos sutis do psicossoma, os futuros fenômenos a que será submetido pela Lei de causa e efeito, que predomina na constituição espiritual da vida. Mediante o esforço de readaptação à ordem que foi perturbada pela sua insânia ou negligência, os sentimentos se modificam, contribuindo para uma conduta saudável psicologicamente, que se faz indispensável para a auto realização e a paz. Os sentimentos devem e podem ser trabalhados pelo pensamento, mediante fórmulas simples de esforço pessoal, que administrem as tendências perversas, cínicas, vulgares e ciumentas, responsáveis pela permanência nos conflitos perturbadores que tanto afligem os indivíduos. A medida que sejam superadas quaisquer expressões de desequilíbrio, por menor que pareçam, há um como dealbar de madrugada formosa que acalma e enseja alegria de viver e de amar, ampliando as forças para o prosseguimento da tarefa. Reflexão em torno das paisagens vivas e coloridas da Natureza, convivência com os animais e as criaturas, atividades de apoio e ensementação de vegetais, tudo quanto contribua para tornar o mundo melhor e mais belo, aureolado de vibrações de paz e de prece, transformam os impulsos cruéis em sentimentos de amor e compreensão do milagre, que é a vida em suas múltiplas manifestações.

Conflitos de culpa e de vergonha

Dois fatores essenciais fazem-se responsáveis pela conduta mórbida de quem carrega culpa e sente vergonha de ser humano, de apresentar-se conforme se encontra, e não consoante a fantasia mental a respeito de como gostaria de estar. O esforço pela evolução é contínuo e assinalado por experiências de vária ordem, que constituem conquistas libertadoras. O primeiro deles diz respeito aos registros no inconsciente profundo, resultantes de comportamentos inadequados ou destrutivos em outras existências ou na atual, que encarceram o ser em reminiscências perturbadoras que se encontram atuantes. Nesse caso, sentimentos controvertidos se mesclam nos processos normais das atividades patológicas, gerando situações de desconfiança e revolta, mágoa e insegurança. Inadvertidamente, o paciente experimenta a desagradável sensação de haver escamoteado a verdade ou agido erradamente, sem que ninguém tivesse ideia ou conhecimento dos seus atos reprocháveis. Porque os dissimulou com vigor ou conseguiu negá-los com veemência, permanece-lhe a crença subjacente de que, num ou noutro

Page 175: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

175

momento pode ser chamado à prestação de contas ou ser desmascarado, tombando em descrédito ou sofrendo a zombaria de quem hoje lhe oferece confiança e amizade.

Acoimado pela culpa, foge dos relacionamentos de qualquer natureza, cultiva o mau humor, processa erradamente o que ouve, sempre considerando que todas as queixas e reprimendas, advertências e observações que o alcançam têm por meta censurá-lo, humilhá-lo, estigmatiza-lo... Assim acreditando, inconscientemente arma-se contra a família, o grupo social, as pessoas com quem convive, sempre escudado na autocompaixão, na autopunição ou na auto recriminação. Esse indivíduo é muito difícil de ser aceito no convívio social, instável no comportamento que mantém e, não raro, é malicioso, quando não se faz perverso em mecanismo de autovalorização equivocada.

O segundo fator deflui da ignorância medieval nele ainda remanescente, que a tudo quanto ignorava, por parecer aético ou imoral, transformava em pecado, culpa, imundície, propiciando sentimentos ultrajantes e vergonhosos àqueles que passavam pelas experiências consideradas dignas de punição. A vergonha de si mesmo assoma-lhe ainda hoje como sinal de permanência emocional nos dias sombrios da intolerância, considerando ignóbil ou vulgar, promíscuo ou sujo, todo e qualquer comportamento menos adequado ou mais primitivo, e assim se eximindo de culpa. Apesar do conflito, prossegue mantendo a mesma conduta irregular através da ação oculta, quando as circunstâncias o permitem, ou mental e emocionalmente, desde que não seja percebida pelas demais pessoas a presença desses algozes internos que o atemorizam e o fazem sofrer. Tudo aquilo quanto lhe parece ilícito e negativo, desde que conhecido, é vivenciado intimamente, sem testemunhas, em tormentosa busca de alegria e de prazer, que não se podem manifestar em razão das circunstâncias serem neurotizantes. Pode-se acrescentar ainda, que esses dois sentimentos podem ser decorrência de uma convivência doentia com os pais neuróticos e irritados, que gritam e acusam, que maltratam e agridem a criança que, se sentindo impossibilitada de tolerá-los, foge-lhes da presença, refugiando-se no seu quarto ou no mundo particular da imaginação. Acusada de ser um peso nas suas vidas ou responsável pelos problemas e transtornos que experimentam, passa a sentir culpa, de que não consegue liberar-se, prosseguindo numa adolescência incompleta, na qual surge a vergonha da própria sexualidade, por parecer-lhe algo impuro. Enquanto se encontra sob essa tensão do lar, incapaz de entender o conflito que experimenta, em mecanismo de furtar-se à situação constrangedora, divide a unidade da personalidade, o seu equilíbrio, e passa a vivenciar uma conduta esquizofrênica. Essa ocorrência pode ser profunda e funesta ou superficial e temporária, de acordo com a intensidade e a continuidade da conjuntura estressante. A questão fundamental nesse acontecimento se encontra na capacidade do ego em resistir à pressão ou submeter-se-lhe. No primeiro caso, adquire autoconfiança e integridade moral, enquanto que no outro, a cisão da personalidade conduz a uma crise nervosa que pode alcançar o colapso. Trata-se de uma tortura moral e, às vezes, física, a que a criança não tem como resistir; e quando a mesma se faz frequente, através da agressão emocional e oral, por meio das críticas ácidas e acusações intempestivas, a morte do espírito, do ideal de viver, das motivações existenciais, se torna inevitável, gerando problemas profundos no seu comportamento atual e futuro. O pior, no entanto, vivido pelos pais, é o que se expressa pela indiferença em relação à criança, dando-lhe a ideia de que é invisível, inexistente. Tal crueldade, executada pelos adultos, fere profundamente o ser que se inibe e perde o sentido existencial e o significado psicológico da vida. A criança que sobrevive psicologicamente a esse conflito no lar torna-se incapaz de amar, sempre atormentada pelo ódio, que decorre

Page 176: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

176

do medo de novos sofrimentos, vivificando a amargura de haver sido morta em vida. Os sentimentos de culpa e de vergonha são ambivalentes.

A culpa tem a ver com pensamentos, palavras e ações tidos por errados sob o ponto de vista moral, enquanto que a vergonha resulta dos comportamentos considerados sujos ou inferiores.

Nos relacionamentos sexuais, podem expressar-se ambos os sentimentos, que são decorrentes dos fatores examinados e se exteriorizam como medo de amar, rejeição e castração, impedindo um relacionamento saudável quão plenificador. Quando esses sentimentos não se manifestam com clareza, a raiva e a tristeza produzem distúrbios não só psicológicos como igualmente de natureza física, em forma de tensão muscular em muitas partes do corpo, dores generalizadas e angustia que se acentuam à medida que o paciente os nega ou tende a ignorá-los. A culpa é urna carga emocional muito pesada e causadora de várias lesões íntimas, enquanto que a vergonha de condutas inadequadas ou de comportamento inconsequente se transforma em fator dissolvente da personalidade, que se busca anular mediante a autodepreciação e autopunição. Desse modo, a solução para esses sentimentos conflitantes é a busca do amor como terapia, e depois como expressão de vida, porquanto nele se podem fundir todas as emoções, anulando as imagens odientas dos pais cruéis, ou superando as falsas conceituações da moral arcaica e hipócrita, que assinalaram muitos comportamentos religiosos ortodoxos e ultramontanos que eram utilizados para dominar os fiéis. A intolerância para com atitudes tidas como imorais ou sujas é sempre resultado de conflito naquele que assume a postura de vigilante das virtudes e preservador dos denominados bons costumes ou convenientes condutas que servem a determinados interesses, nem sempre estruturados na dignidade ou objetivando o bem comum. Quando o indivíduo atinge a maturidade psicológica aceitando totalmente o Self, pode identificar os problemas relacionados ao medo, à insegurança, à culpa e à vergonha, como fenômenos normais do processo de crescimento emocional e moral.

Aceitando essa fragilidade emocional, desaparece-lhe o sentimento de vergonha pelos limites em que se encontra e pelos conflitos que o assinalam. Assim, pode-se dizer que esses dois sentimentos - culpa e vergonha - têm semelhanças de conteúdo, porque ambos coíbem a liberdade e proporcionam sofrimentos que devem ser ultrapassados e vencidos. Enquanto forem reprimidos, desconsiderados ou negados, permanecerão como inimigos disfarçados, gerando inquietação e impedindo a realização pessoal. Aceitando o corpo e suas funções, sem o sentimento de vergonha pelos seus impulsos primitivos, que levaram a comportamentos escusos, mais fácil fica o processo de diluição do conflito. Da mesma forma, assumindo a culpa e trabalhando-a com naturalidade, o sentimento de perdão e compreensão aos pais e aos fatores que trabalharam para a sua instalação facultam-lhe o desaparecimento paulatino até a total desintegração. O hábito saudável de aceitar-se como se encontra libera da autocrítica recriminatória, portanto, autopunitiva. Para o cometimento da saúde, somente através de terapia cuidadosa e prolongada, acompanhada do esforço desenvolvido pelo paciente para auto curar-se, é que culminará o processo de libertação desses algozes mediante a entrega total ao Self, num relacionamento profundo, exteriorizando os sentimentos de forma equilibrada e compensadora. De alguma forma, todos os indivíduos experimentam sentimentos de culpa e de vergonha, que fazem parte do contexto da sociedade ainda castradora e dos fenômenos psicossociais resultantes de conceitos derivados da busca do prazer e do

Page 177: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

177

poder, ao invés do natural estímulo que deveria existir para um esforço constante em favor de ser-se mais e tornar-se melhor.

O medo e seus vários aspectos.

O instinto de conservação da vida induz o indivíduo a manter receios em torno de tudo quanto é desconhecido, que se lhe apresenta como ameaçador.

A necessidade de segurança, tendo em vista a própria e a sobrevivência da prole, induz ao medo das ocorrências imprevistas, que se podem apresentar de maneira desastrosa.

Não obstante esse fenômeno se encontre ínsito na criatura humana como decorrência das experiências anteriormente vivenciadas, outros tipos de medo se apresentam como resultado de transtornos psicológicos, de atavismos ancestrais, de ansiedades mal contidas, de convivências perturbadoras. Desse modo, manifesta-se de forma normal ou patológica, quando, no último caso, se experienciam alterações emocionais e físicas que conduzem ao pavor, responsável por graves consequências no comportamento.

Evidentemente, todos sentem medo em algum momento ou circunstância da existência física, o que é perfeitamente normal. Aqueles que reconhecem possuir o sentimento, com mais facilidade enfrentam-no, podendo controlá-lo, enquanto que, aqueles que o negam, mascaram-no e sofrem-lhe os efeitos perturbadores, tombando, não raro, em colapsos nervosos diante de situações embaraçosas, graves ou não, que exigem serenidade para decidir e valor moral para enfrentar. O medo pode resultar de causas reais ou imaginárias que o desencadeiam, produzindo os mesmos resultados emocionais. Não é exatamente o fato que se responsabiliza pelo acontecimento, mas conforme o mesmo é sentido ou compreendido pelo indivíduo, que se torna o fator desencadeador do medo. Existe um temor interno, que procede de vários fatores psicológicos que induzem ao medo de amar, de entristecer-se, de ser infeliz, de ter raiva, de fracassar no relacionamento sexual, de adoecer, de morrer, de ser incapaz de enfrentar situações inadequadas ou inesperadas... O medo também se expressa entre os animais selvagens de forma fisiológica, produzindo-lhes paralisia, que decorre do fato de se sentirem perseguidos ou atacados por outros predadores mais poderosos. Ante a imobilização natural que os toma nessa circunstância, tornam-se presas fáceis para os inimigos, sucumbindo-lhes ante a agressão.

Da mesma maneira ocorre com o ser humano. Quando porém se consegue superar o momento do terror, que é o momento máximo do medo, e que pode ser rápido ou lento, recupera-se o equilíbrio, podendo-se discernir e tomar a decisão correta para escapar da situação afugente.

Em razão da impossibilidade de autodefender-se, a criança sempre sente muito medo. O adulto sempre se lhe afigura como recurso de proteção e amparo. Quando isso não ocorre, transforma-se-lhe na imaginação em motivo de terror, que sempre está preparado para afligi-la, maltratá-la, destruí-la, gerando-lhe pavor, que muitas vezes também a imobiliza, quando a situação é grotesca, violenta ou agressiva. Como decorrência, essa emoção perturbadora é instalada no infante pela imprevidência e ignorância dos adultos que preferem ameaçá-la em nome da educação primitiva, do que orientá-la e auxiliá-la no discernimento e na compreensão dos fatos e ocorrências que a envolvem. Desde os temores noturnos que são impostos pelos pais, amas ou irmãos mais velhos, até os naturais receios da sua constituição psicológica, a criança vive o tormento

Page 178: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

178

de enfrentar o medo, tornando-se contraída, excitada, ou deixando-se arrastar para a pusilanimidade, passando a uma atitude passiva, doentia, inquietante... O medo se manifesta no corpo através da tensão muscular, da rigidez de muitas partes do organismo, da contração do maxilar, que representam as reações fisiológicas produzidas por enzimas especiais que fomentam a ocorrência.

Nesse estágio, o paciente receia perder o controle e desvairar, o que mais o fragiliza e o predispõe a uma crise de desvario mental, a princípio momentânea, para agravar-se lentamente. Esse medo constante predispõe à perda da identidade, que é de alto significado para a saúde mental. A identidade é parte essencial do equilíbrio individual, porquanto lhe constitui característica básica para o comportamento e a vida. Quando ocorre essa despersonalização, fica-se predisposto a um colapso mental, que também resulta da vigência da ira contínua, que se transforma em tensão, desde que por muito tempo controlada. Na infância, quando faltam os meios de defesa da criança, a mesma tomba na urdidura perversa do adulto ou se torna rígida para não ceder às lágrimas, ao desespero, ou não reagir, com medo de punição mais rigorosa, refugiando-se na ira sob controle, que se prolonga por toda a existência, impedindo a naturalidade no comportamento, a afetividade espontânea, já que se encontra sempre sob tensão, não tendo valor para liberar-se através de uma catarse normal.

Por tal razão, é necessário que o paciente se conscientize do próprio medo, recuperando-se da infância atormentada, e tome as providências compatíveis para libertar-se da rigidez muscular, da tensão emocional, readquirindo a alegria de viver. Da mesma forma, o medo da morte, que é herança ancestral, assim como resultado das crenças religiosas e superstições que elaboraram um Deus vingador e punitivo, ou do materialismo que reduz a vida após a disjunção celular ao nada, o fenômeno natural da desencarnação se apresenta como tragédia, ou constitui um término infeliz para a existência humana, que sofre a dolorosa punição de ser extinguida. A visão transpessoal do ser confere-lhe dignidade psicológica, restaura-lhe o sentido de humanidade para o qual a Vida aplicou bilhões de anos desde o momento em que apareceram as primeiras cadeias de açúcares na profundidade das águas oceânicas... A insegurança resultante dos fenômenos do comportamento familial no ninho doméstico, geradora de conflitos, desenvolve as tormentosas expressões do medo, quais a incerteza quanto à sexualidade e à sua prática, o fascínio pelas aberrações como válvula mórbida de escape, os receios da convivência social, geradores de isolamento e de sentimentos de inferioridade. A fragilidade, orgânica ou não, os remanescentes das condutas infelizes em existências passadas, que imprimiram no inconsciente os mecanismos de reparação, também ressumam em forma de medo de enfermidades, que as pessoas cultivam inadvertida ou prazerosamente, contribuindo para muitos transtornos na área da saúde nos seus vários aspectos. Como terapia para todos esses conflitos que geram medo, tornam-se indispensáveis a ajuda correta do psicoterapeuta habilitado e o esforço do paciente para libertar-se da ira sob controle, da amargura penetrante, conscientizando-se dos próprios limites e das infinitas possibilidades que lhe estão ao alcance, dependendo do desejo real de realizar-se e de ser feliz. A libertação do controle inconsciente desses sentimentos perturbadores é de vital importância para a auto realização. Muitas vezes o paciente não sabe como fazê-lo e nega-se a acreditar que se encontre com problema, o que mais dificulta a convivência com o mesmo. Em uma autoanálise cuidadosa é possível identificar as dificuldades e trabalhá-las, recuperando o equilíbrio abalado desde os dias infantis... E compreensível, porém, que permaneçam os receios naturais de tudo quanto se apresenta

Page 179: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

179

como desconhecido até o momento de identificá-los, de tudo quanto produz dor e sofrimento, não lhes evitando o enfrentamento, e avançando na sua direção com naturalidade e discernimento, a fim de ultrapassá-los. Essa conduta resulta em uma atitude saudável perante a vida e si mesmo.

Falta de amor.

De importância fundamental para a vida é o amor, sem o qual o ser humano permaneceria no primarismo dos fenômenos biológicos. O amor vige em todas as expressões da Natureza, mesmo quando não identificado sob essa denominação, qual ocorre nas Leis que regem a Criação, expressando harmonia e ordem. A medida que o ser abandona as faixas iniciais do processo da evolução, os instintos em predomínio em sua natureza imiscuem-se nas expressões do amor que tem origem divina e transformam esse sentimento em conflito, em reação, gerando dificuldade de comportamento e de crescimento emocional. Lentamente porém, o amor rompe as amarras em que se encontra detido e expressa-se através de incontáveis recursos que terminam por comandar as aspirações, as palavras e os atos das criaturas. Vencer os degraus iniciais, superando os desafios naturais que surgem como consequência do trânsito nas faixas mais primitivas é o dever que a todos se faz imposto pela necessidade de adquirir e preservar a saúde nas suas variadas expressões e complexidades. O amor é sentimento superior que brota espontaneamente no ser humano. Não necessita ser conquistado, nem se reveste de qualquer atavio exterior para impressionar ou atingir a sua meta.

Quando escasseia em alguém, aí estão encravados diversos conflitos, principalmente aqueles que resultam dos fenômenos perinatais perturbadores, da convivência doméstica difícil, dos relacionamentos frustrantes como também de problemas orgânicos que desenvolvem a amargura, a revolta, a tristeza e a sistemática desconfiança em razão de influenciarem o comportamento. Em casos dessa natureza, torna-se imprescindível a análise dos fatores que desencadearam a problemática, a fim de serem erradicados, abrindo espaço para a vigência do sentimento afetivo. Crianças que foram desamadas ou que vivenciaram um grupo familiar agressivo, de constituição grosseira ou vulgar, permanecem assinaladas pelos atritos emocionais e desajustes a que se viram submetidas, cerrando-se ao sentimento, por transferirem para a sociedade aquilo que lhes era comum na intimidade doméstica. Bloqueando a capacidade de amar, por não se sentir amada, a criança encarcera outros sentimentos e tendências, impedindo-lhes o desenvolvimento em razão da ira e das mágoas que teve de acumular para sobreviver ou da dissimulação de que se revestiu, a fim de ser poupada pelos adultos perversos ou doentes que a cercaram, crivando-a de reprimendas, de golpes e de desinteresse emocional. Existem pais que mantêm antipatia pelos filhos e o demonstram, traduzindo a insanidade em que jornadeiam, longe de qualquer respeito pelo ser que depende da sua proteção e orientação, desenvolvendo neles reações mais violentas, que explodirão na adolescência ou na idade adulta contra a sociedade. Noutros casos, os mesmos se aprisionam no ressentimento ou matam a sensibilidade, tornando-se amorfos, depressivos, mentirosos, inseguros, desconfiados... O primeiro passo para uma saudável terapia do paciente não amado e que tem dificuldade de amar, é auxiliá-lo a vencer a autocompaixão, procurando abandonar a postura de vítima e esforçando-se para recuperar o seu lugar ao sol das oportunidades de crescimento interior. Toda vez que se refugia na autocomiseração, deixa de lutar, abandonando-se ao estágio em que se conserva como ser infeliz, quando lhe cabe superar a dificuldade e construir a vida sob

Page 180: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

180

nova condição. Logo após, identificar os fatores causais do transtorno e revivê-los corajosamente, desculpando aqueles que lhe foram motivo de embaraço e de tropeço, tornando a sua existência amarga e sem sentido. Em uma análise tranquila do acontecimento, ao invés de evitá-la, dar-se-á conta de que o responsável pela situação penosa também foi desditoso, pois que assim ou pior fizeram-lhe aqueles que o cuidaram ou descuidaram da educação. O sentimento de mágoa deve ceder lugar a um ato de compreensão do limite emocional e espiritual em que o outro - pai, mãe, amigo, grupo familiar - se encontrava, não lhe sendo possível haver-se desincumbido de outra maneira em razão da ignorância e do primitivismo em que se demorava. E provável que o gerador da situação penosa acreditasse estar fazendo o melhor, porquanto, no seu nível de compreensão e de maturidade psicológica atormentada, essa era a medida de comportamento e o mecanismo para bem enfrentar os desafios existenciais. A medida que se vai penetrando no entendimento dos conflitos alheios, tornam-se menores os próprios, e uma visão nova, otimista, da existência, toma o lugar daquela sombria por onde se transitava. O amor é tão maravilhoso, que basta o desejo de abrigá-lo no íntimo e ei-lo que se encontra embrionário, passando a germinar e desenvolver-se. O amor é o verdadeiro milagre da vida.

Frágil, é portador de força incomum. Assemelha-se a essa persistência e poder do débil vegetal que medra em solo coberto de cimento e asfalto, enfrentando todos os impedimentos, e ali ergue sua pequenina e delicada folha verde de esperança.

E indispensável abrir-se ao amor, a fim de que o amor se assenhoreie do coração e passe a comandar as disposições existenciais, traçando planos grandiosos para o futuro. O amor leva à integridade moral, quando se pensa que ele conduz à perfeição. Essa é uma aspiração de todo ser que pensa. No entanto, é conveniente não a confundir com o perfeccionismo, que resulta da luta íntima para ser melhor, para atingir metas inalcançáveis em tormentosa insatisfação em relação ao que se faz e ao que se deseja. O perfeccionismo aflige o ser, que perde o parâmetro dos limites e, inquieto, complexado, tenta, por esse meio, demonstrar aos outros e a si mesmo o de quanto é capaz, embora nunca se satisfaça com o adquirido, o já realizado.

Normalmente resulta do medo de ser superado, de ser colocado à margem, de não merecer elogio ou destaque, tornando-se essa incerteza um flagelo interior que nunca se sente compensado com a alegria do dever cumprido, nem dos objetivos alcançados.

A busca da integridade moral, porém, que resulta do amor, deve ser a meta a ser atingida por todos aqueles que se preparam para uma existência feliz. Quando não são encontradas diretrizes que estabeleçam as linhas básicas e os limites para a perfeição, o perfeccionista arrosta consequências dolorosas no comportamento futuro.

Mas se persegue a integridade moral, física, emocional, conscientizando-se dos deveres e responsabilidades para com a vida, eis que a falta do amor que lhe não chega cede lugar à harmonia íntima e ao interesse de amar, devolvendo em carinho tudo quanto recebeu em acrimonia, porque sabe quanto aflige e magoa o desinteresse e a agressividade de que foi vítima. O amor é terapia eficaz para vários distúrbios de comportamento, desde que o paciente se resolva pelo ato de ser aquele que ama, devolvendo à vida a grandiosa bênção da existência que pode tornar edificante e felicitadora.

Page 181: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

181

Sentimentos (Joanna de Ângelis, in “Triunfo Pessoal” – cap. 2)

Os sentimentos expressam a capacidade que possui o ser humano de conhecer, de compreender, de sentir e compartir as emoções que o vitalizam nas suas diversas ocorrências existenciais.

São os mecanismos que conduzem a Humanidade ao longo do processo evolutivo, através do qual o Self adquiriu o conhecimento e experienciou as conquistas que lhe exornam a realidade.

Inseridos no sistema nervoso central, respondem pela afetividade e pelo comportamento, nutridos por moléculas específicas que são produzidas pelos neurônios cerebrais, tipificando os diferentes biótipos humanos através das suas emoções.

Quando se encontram sob o comando da vontade dignificada, os sentimentos constituem instrumentos valiosos para equipar o indivíduo de equilíbrio e conduzi-lo aos fins que persegue.

São os sentimentos que dulcificam ou tornam a existência amarga, dependendo dos direcionamentos que lhes são aplicados.

Max Scheller, estudando os sentimentos, relacionou-os com a ideia de valor, graças ao que os mesmos orientam para a opção em torno daquilo a que se atribui significado. De início, ainda segundo ele, esses valores são destituídos de conteúdos, que são descobertos depois, atribuindo-lhes significado intelectual. Desse modo, esses sentimentos podem ser superiores, quando se referem às realizações nobres, a justiça, a beleza, o amor, a ciência, a abnegação, o bem, etc., ou inferiores, quando se fazem acompanhar das sensações de natureza física, tais o prazer sensual, a ambição da posse, a inveja, o ciúme...

Freud considerava os sentimentos como produtos sublimados das tendências psicofisiológicas, portanto, de significado meramente orgânico.

Outras tendências procuram explicar os sentimentos conforme as várias escolas neurológicas, fisiológicas, atribuindo-lhes significados pertinentes aos seus contextos...

No princípio do processo evolutivo, porém, eles se encontram em germe nos instintos agressivos ou primários, que os vão liberando até o momento em que passam a exercer atividades especiais na conduta, direcionando as aspirações e os anseios para o belo, o nobre, o bom e o elevado. São eles que facultam a compreensão da dignidade através da cooperação da razão e da consciência, produzindo os vínculos que unem os seres uns aos outros e propiciam o entendimento das necessidades dos relacionamentos, da busca de união e entrosamento, porque, estando isolado, o ser se perturba e se consome.

A aridez do instinto, a fertilidade do sentimento enriquece o ser humano, dando-lhe empatia para lutar e coragem para vencer, mesmo quando as dificuldades se apresentam mais desafiadoras. Sob o seu comando, quanto mais desenvolve a capacidade de compreender e de sentir, mais amplia os horizontes do amar e do servir.

Entre os animais, manifestam-se esses sentimentos sem a presença do discernimento nem da razão, mas através de impulsos, que são os pródromos da emoção que, desse modo, os conduzem à afetividade por aqueles que os cuidam e mantêm, aguçando-lhes a percepção de valores que, embora não decodificados pela consciência ainda embrionária, os propelem a inúmeras expressões que traduzem a sensibilidade em desenvolvimento.

Trabalhando-se os instintos e corrigindo lhes o direcionamento, os sentimentos substituem-nos na sua maioria e alimentam de emoção superior aqueles que são

Page 182: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

182

primordiais e essenciais à existência física, sem inibirem ou perturbarem as emoções que são um passo avançado na escala do progresso.

Quando ainda se mesclam os instintos e os sentimentos, permanecendo os primeiros em predominância em a natureza humana, destacam-se o tormento egotista, a necessidade de dominação, os impulsos inerentes ao primarismo, o desbordar do ódio e da vingança, as expressões asselvajadas da ira e da cólera, do ciúme e da perseguição, a inveja, o ressentimento, que traduzem o grau em que se situa a criatura, ainda sem o comando da razão. E quando se tratam de pessoas portadoras de alto grau de raciocínio e conhecimento, que se comportam com essas características, são os instintos que as governam e não os sentimentos de elevação, que a razão estimula.

Desenvolvendo as aptidões da afetividade, surgem os impulsos da amizade e da compreensão, do dever e da fraternidade, da bondade e da abnegação, das aspirações pela conquista do conhecimento, da Arte, da Ciência, do pensamento filosófico... Posteriormente esses impulsos iniciais se transformam em conquistas que se inserem no comportamento emocional. Como consequência, os vazios que decorrem da não predominância da natureza animal são preenchidos pelos ideais, aos quais o indivíduo oferece a própria vida quando necessário, por compreender o significado da luta e da existência.

O pensamento, rompendo as barreiras da ignorância, superando a densidade da sombra, inevitavelmente se adorna de emoções, ensejando que os sentimentos do amor passem a constituir o objetivo a ser alcançado, vencendo, etapa a etapa, as manifestações primárias pelas quais se apresenta até conseguir alcançar os patamares do sacrifício, da renúncia, da abnegação e da doação total.

Apesar do alto significado que possuem os sentimentos, torna-se necessário que a razão sempre os conduza, de forma que não se transformem em desarmonia, se comandados pelo desejo egotista ou se façam áridos, porque as suas tentativas iniciais de plenitude não encontraram ressonância no mundo objetivo, proporcionando os prazeres que se aguardavam.

Os sentimentos são precioso capítulo da existência humana, na qual o Self trabalha os conteúdos profundos do psiquismo, buscando harmonizá-los com as manifestações do ego de tal maneira que, razão e emoção constituam o binômio a ser bem conduzido pelo pensamento, que não se deve desbordar em aspirações exageradas ou desinteresse esquizoide.

Decodificados e conduzidos por alguns neuropeptídios, os sentimentos se originam no Self e se exteriorizam pelos condutores neurais, expressando-se por todo o organismo físico e emocional, passando a exercer um papel de grande relevância nos processos da saúde, pelas altas cargas de que se revestem em razão da conduta mental do indivíduo. À medida que o ser humano evolui maior se torna a sua capacidade espiritual de externar os sentimentos que lhe exornam as estruturas íntimas, ampliando a capacidade de entendimento da vida e dos seus conteúdos mais variados, profundos e superficiais, graves e sutis, que são todo o patrimônio alcançado ao largo do inevitável processo antropossociopsicológico.

Pode-se medir, portanto, o grau de adiantamento moral do indivíduo pelos sentimentos de que se faz portador e que expressa no seu dia a dia.

Page 183: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

183

Sentimentos e afetividade (Joanna de Ângelis, psicografia de 21/05/2010 em Zurique -

Suíça)

A expressiva maioria da sociedade encontra-se desassisada, especialmente pela falta de amor.

Assevera-se que o amor não conseguiu sobreviver à época da ciência de pesquisas frias e da tecnologia, tornando-se uma vaga sensação de prazer, que se experimenta nos encontros momentâneos.

Informa-se, ainda, que a convivência consegue destruí-lo, produzindo a rotina, o desinteresse, sendo ideal, portanto, que os relacionamentos da afetividade ocorram sem a contínua convivência.

Como efeito, as pessoas que se dizem amar, residem em locais diferentes, encontrando-se, sem maiores responsabilidades para os prazeres do repasto, das festas, do teatro e do cinema, dos períodos de férias, sobretudo, para a união sexual…

A experiência vivida por Jean-Paul Sartre e Mme. Beauvoir, no século passado, amando-se e vivendo em residências separadas, influenciou toda uma geração e ressurge com características especiais, ensejando relacionamentos sem maiores compromissos, nos quais os parceiros têm a sua própria vida, sua liberdade inalterada, mantendo fidelidade ao elegido.

Essa conduta leviana proporciona uma falsa existência de gozo, na qual a amizade enriquecedora, os diálogos recheados de experiências e de permutas de bondade desaparecem, dando lugar a encontros fortuitos somente para a preservação do egoísmo. Em consequência, o isolamento das criaturas faz-se, cada dia, mais volumoso, e as distâncias tornam-se mais difíceis de ser vencidas. A desconfiança substituiu o prazer da companhia, a insensibilidade domina os sentimentos, e quando os desafios, em forma de enfermidades, de conflitos, de problemas econômico s surgem, o outro, imediatamente, desaparece, deixando ao abandono o ser com o qual se vinculava…

Dir-se-á que o mesmo ocorre nos relacionamentos convencionais, no matrimônio, na parceria no mesmo lar, o que não deixa de ser verdade, porém, em número de vezes muito menor.

O prazer sensual, como é compreensível, desaparece logo depois de um período de experiências, dando lugar à busca erótica de novas sensações, especialmente para as pessoas sem formação moral equilibrada.

Isto porque, nessas relações o amor verdadeiro é dispensável, não se tornando essencial para a perfeita identificação dos sentimentos.

O amor é uma emoção profunda, que merece considerações especiais, caracterizando-se por valores significativos.

Ele inspira a amizade sem jaça, o apoio incondicional, o respeito contínuo, a dedicação integral, porque é fator de imensurável significado para a existência humana. Mesmo entre os animais, o instinto que se transforma em afetividade no processo da evolução, é responsável pela preservação da prole e sua preparação para os enfrentamentos da sobrevivência.

Pessoas imaturas, sonhadoras e fantasistas mantêm o sentimento de amor dentro do padrão lúdico, vivendo em busca da sua alma gêmea, a fim de completar-se, como se os indivíduos fossem metades aguardando a outra parte.

As almas nascem gêmeas nos sentimentos universais, nos ideais de engrandecimento, na grande família, na qual se destacam os Espíritos mais evoluídos,

Page 184: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

184

capazes dos gestos nobres da renúncia e da abnegação em favor daqueles a quem ama e, por extensão, por todas as criaturas…

Desejando-se a alma gêmea, intimamente, anela-se por encontrar alguém disposto a servir e estando sempre presente nas necessidades, sem pensar-se na retribuição e nos cuidados que devem ser mantidos, por sua vez.

* * * Os sentimentos são conquistas valiosas do curso evolutivo, que se vão

aprimorando através das vivências, das longas reencarnações. Viajando do instinto, aprimora-se e pode apresentar-se de formas variadas: a

atração, que pode ser física, social, econômica, na qual o aspecto externo do outro exerce papel preponderante; a mental, que se expressa como de natureza intelectual, em razão da lucidez e da vivacidade que são detectadas noutrem e, por fim, aquela de natureza espiritual, que transcende aos interesses imediatos, facultando bem-estar, alegria na convivência, sentimento de companheirismo.

As emoções, no entanto, estão sempre variando, não raro, de acordo com as circunstâncias, as reações fisiológicas, transformando o sentimento de afeto em antipatia, após certo período de descobrimento da outra pessoa.

Essa ocorrência é comum quando o amor se manifesta numa das duas primeiras expressões a que nos referimos.

No sentimento profundo, mesmo havendo variação de emoções, o amor se torna mais significativo, capaz de resistir e superar as alterações que venham a ocorrer.

Quando se manifestam as expressões do amor, quase sempre aqueles que não têm maturidade para a vivência expressiva do sentimento enobrecido, logo pensam em adaptar-se àquele por quem se sentem atraídos, alterando a programação existencial.

O amor não necessita que ocorram mudanças de compromissos, antes, pelo contrário, é um dínamo de forças e dispensador de energias para que se levem adiante as tarefas abraçadas, impulsionando ao crescimento interior e ao desenvolvimento da sabedoria.

É compreensível que esse sentimento não atrela uma a outra pessoa, gerando dependência de qualquer matiz. Ao invés, liberta os que se envolvem, dando-lhes um encantamento especial que, na esfera física se traduz como contínuas descargas de adrenalina invadindo a corrente sanguínea e proporcionando estímulos renovados.

Por outro lado, estimula a produção equilibrada da dopamina, a denominada substância responsável pela alegria, entre outras finalidades especiais, facultando júbilo, mesmo quando sem a presença física do ser amado.

É comum dizer-se que a distância esfria o amor, apaga-o. Essa ocorrência tem lugar quando é fruto do entusiasmo, da paixão, e arde como labareda que rapidamente consome…

O amor a outrem, desse modo, é também resultado do auto amor, quando o indivíduo se pode relacionar bem consigo, sustentando-se e possuindo as valiosas energias da saúde que pode esparzir.

Normalmente, quando se fala em amor e se o confunde com sexo, o pensamento reveste-se do interesse de fruir-se, de utilizar-se do outro, de receber benefícios. E como o fenômeno é recíproco, a aparente união mantém dois solitários sob o mesmo sentimento, distante dos benefícios que devem resultar quando a afeição é verdadeira.

Page 185: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

185

Indispensável, portanto, nas tentativas de aprimorar-se os sentimentos e a afetividade, investir-se no auto aprimoramento, no esforço de tornar-se melhor, dessa maneira, podendo ser feliz com aquele a quem se elege para companhia.

* * * É necessário que o amor eleve aquele que se lhe entrega, e não se constitua uma

base para segurança pessoal, para fruição, porquanto sempre se recebe conforme se doa. Se alguém espera receber é frágil ou fragiliza-se, tornando o outro seu protetor,

que também tem necessidade de beneficiar-se, e não encontrando esse concurso na pessoa com quem se relaciona, consciente ou inconscientemente parte em busca de outrem.

No enfraquecimento, as emoções inferiores aparecem e transtornam a afetividade.

Ama, portanto, deixando que os teus sentimentos nobres governem a tua existência, e poderás fruir os benefícios que defluem dessa conduta.

Desvendando os atributos essenciais do espírito: pensamento e vontade (Alzira Bessa e

Luciano Sivieri, in “Pelos Caminhos do Entendimento do Espírito)

O sol brilha para toda a Terra, para toda a Natureza na mesma intensidade. Nas regiões densas de grandes arvores onde as copas se entrelaçam, percebemos a dificuldade da penetração solar, ficando a sombra a dominar, o solo a se umedecer e a própria vegetação a tornar-se diferente.

O sol leva consigo a vida, sua energia, penetrando ou não, todos o recebem. Quando colocamos um vidro frente aos raios solares, esses o atravessam com grande beleza. No vidro fosco, não acontece a mesma coisa. O sol penetra, mas não com tanta luz. Nessa passagem percebem-se várias tonalidades que o sol emite. Assim também é o pensamento.

Aquele que está com ideias carregadas de ódio, intemperanças pelo egoísmo, orgulho, vingança, impedem a penetração da luz que a verdade proporciona. Esses pensamentos podem ser comparados com a mata densa que impede que o sol penetre, fonte renovadora das energias. O campo mental fica ensombrado pelas vibrações densas que esses sentimentos passam a impregnar. Enfraquecem as vibrações e a vontade fica sem sua função grandiosa de realimentar o pensamento com novas energias. Enfraquecido o grande motor; a vontade, o dínamo mental perde sua rotatividade e expansão, deixando o pensamento com uma frequência restrita.

A verdade é como o sol, renova as estruturas mentais, dá brilho e luminosidade ao pensamento. Ao penetrar no campo das ideias ela provoca mudanças que renova a maneira de pensar do espírito. Aos poucos sua energia atua diretamente nos sentimentos doentes, o que possibilita o Ser mudar sua forma de sentir e perceber os fatos que estão a sua volta. Todo esse conjunto de vibrações ocasionadas pela verdade, desencadeia uma mudança no contexto das energias perispirituais, renovando-as.

O espírito, quando depara com o Evangelho de Jesus, tem uma reação diferente. O Evangelho é um conjunto de verdades que toca o pensamento e mobiliza a vontade. Não existe para o espírito uma força de maior movimentação das energias do que a verdade contida no Evangelho de Jesus. Ele alimenta o campo das ideias, renova os quadros do passado, amplia a consciência e dinamiza a vontade para uma ação de grande expressão. A verdade quanto é bem filtrada, direcionada à consciência, tem uma força que modifica toda a sua ação mental, renovando o fluxo das energias armazenadas pelo espírito.

Page 186: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

186

Essa filtragem se torna clara, transparente, provocando uma ação grandiosa que nutre o pensamento e auxilia na reestruturação dos sentimentos doentes. Esse é um dos caminhos que promove na intimidade do espírito o entendimento do amor. A medida em que o Ser absorve a verdade, vai se expandindo até o seu próximo, como fonte de realimentação dos sentimentos nobres que passam a ser descortinados e alimentados de forma consciente pelo espírito.

É preciso aprender a pensar. O pensamento aos poucos, se liberta das energias doentes que dificultam o brilho das vibrações, adquirindo novas colorações mentais, mais claras em sua expressão. O amor renova a estrutura mental trazendo ao espírito clareza de suas ideias o que lhe promove equilíbrio e harmonia.

É necessário de vez em quando asserenar o pensamento por alguns instantes para perceber como são criadas as ideias, sua importância e sua definição no comportamento do Ser.

As ideias nascem das mais íntimas criações e elaborações mentais provocadas pelos estímulos externos, que no decorrer do tempo vão sendo registrados na forma de percepções. Essas ideias retidas na memória ganharam forma, cor, brilho, texturas devido às energias mantidas pela vontade. Todas essas energias são extraídas do Fluido Cósmico Universal em que o espírito está inserido. O ambiente em que o espírito vive se transforma num grande laboratório a oferecer todo o fluido que necessita para alimentar seu campo mental.

Pensar é criar. É plasmar, dar forma, modelar ideias. Essas ideias aos poucos ganham ritmo, frequência, força que a vontade imprime, impulsionando-as, formando assim a cadeia mental que se estende na forma de pensamento.

A vontade gera em torno do pensamento um circuito de energias que o impulsiona vibrando em várias frequências. O pensamento é fortalecido, por essas energias que ganhando força, transformam-se num dínamo a expandir e a atrair outros pensamentos e outras vibrações.

É preciso desvendar o papel essencial da vontade e do pensamento no espírito, atributos da mais alta relevância para o progresso do Ser. Compreender a importância dos núcleos mentais como fontes das ideias traz o entendimento de como as vinculações energéticas refletem em toda a organização mental, consequentemente no perispírito.

O que é então essa vontade? Léon Denis define a vontade como sendo “a maior de todas as potências do

Espírito. A vontade pode atuar com intensidade sobre o corpo fluídico, ativar-lhe as vibrações e, por esta forma, apropriá-lo a um modo cada vez mais elevado de sensações, prepará-lo para o mais alto grau de existência” (O Problema do Ser, do Destino e da Dor – cap. XX). O princípio da evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material.

A vontade é responsável pelo avançar do espírito. Nela está a base da motivação do pensamento.

A Evangelização de Espíritos esclarece o valor da vontade na progressividade das ideias do Ser. Ela demonstra sua ação como uma força propulsora a direcionar toda a existência, motivando o pensamento a grandes mudanças. Além de estimular o pensamento num sentido progressista, a vontade mantém coesa as energias internas que dela provém, com as externas, que por ela são atraídas. Esta atração do fluidos estabelece no pensamento um bem estar, que passa a ser reconhecido como querer. O querer

Page 187: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

187

portanto é uma movimentação elevada da vontade. Quanto mais elevado for o pensamento maior será o querer do espírito.

Esse estado gera um equilíbrio nos sentimentos, acarretando alegria, devido às vibrações que o espírito assimila. Ser feliz é estar em harmonia íntima, é uma conquista do Ser. A felicidade é construída a partir das mudanças das vibrações íntimas do Ser por isso ela não pode ser encontrada nas coisas efêmeras da vida.

A vontade conectada com consciência libera energias que provocam ressonância no pensamento. Na intimidade mental do Ser existe um circuito de forças magnéticas, que se atraem e se alimentam. Vontade, consciência e pensamento estão intimamente ligados com energias que são liberadas na dependência do querer, do sentir e do fazer. Tudo isso estabelece conexões vibratórias que implicam em consequências para o espírito.

Quanto mais claro for esse entendimento entre pensamento, vontade e consciência maior será a compreensão a respeito do livre-arbítrio que não pode ser visto apenas como freio, mas sim, como referencia de conexões vibratórias entre a consciência e a vontade.

O livre-arbítrio é o eixo de ligação entre as energias que vem da consciência e da vontade. É o ponto das decisões íntimas do espírito. Nele recaem as escolhas do espírito, o que implica nas consequências e na responsabilidade dos atos escolhidos e determinados pelo Ser. Quanto mais avançado o Ser mais claro é seu pensamento, maior é o discernimento, suas escolhas e opções.

O discernimento é uma atitude elevada, o que demonstra um nível mais elaborado e avançado do pensamento. Nem todos os Seres já conseguem trabalhar com discernimento. Discernir é uma atitude do espírito consciente, preocupado em acertar, definindo para si, papeis compatíveis com sua condição, o que implica as mais diversas escolhas.

A consciência ativada para esse circuito de vibrações dá ao pensamento uma postura harmoniosa, buscando sempre o conhecimento inteligente que promova a liberdade de pensar e escolher.

Outro atributo a ser considerado é a inteligência. Ela é a resposta operacionalizada do pensamento para alcançar a razão. Ela é operosa quando conduz ao conhecimento até o pensamento, ativando-o a modular novas criações mentais, ou revestindo-o de novas energias.

É importante saber usar a inteligência, ativar a razão, para não cair nas repetições, nos deslumbramentos, que nada acrescentam ao espírito. Devemos tomar cuidado com a formação da palavra, sua colocação no campo das ideias. As palavras geram grande movimentação de energias, por isso, precisam ser cuidadosamente elaboradas. As palavras são recomendações íntimas que o pensamento revela. São registros que partem da intimidade do Ser e são direcionadas a outras pessoas, ou seja, a tantos espíritos.

Jesus usou da palavra para restaurar o campo mental da humanidade enferma. Sua palavra carregada de energia, brilho, atraía a todos, como até hoje nos atrai.

São construções magnéticas que abastecem o espírito em qualquer época. São palavras inteligentes, portadoras de esclarecimentos, cheias de verdade, por isso elas alimentam o ser.

Jesus, inteligente, usou da verdade para alcançar todos os espíritos, encarnados ou desencarnados com a mesma vibração. Escolheu as parábolas como método de organizar a palavra, dando-lhe um sentido amoroso, rica em conhecimento. É impossível ouvir a palavra de Jesus, sem alterar o percurso mental. Sua palavra carregada de energia aciona

Page 188: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

188

a vontade de mudar. Através dela modifica o querer, desperta a consciência e acorda o Ser.

O Evangelho de Jesus é um eterno convite à mudança mental. Ele fortalece, renova o pensamento e pacifica o espírito. Seus ensinamentos pedem a participação da inteligência que ativa a razão, tornando o Ser mais lúcido, provocando novos estímulos às criações mentais. Somente com o conhecimento inteligente é que o espírito conseguirá modificar seus quadros mentais arquivados pela memória.

Chegou a hora de grandes mudanças no entendimento dos atributos do espírito, para que sejam melhor compreendidos e acionados. São eles as grandes potencialidades a serem desvendadas, para que realmente o espírito possa ser conhecido.

A vontade fornece ao pensamento energias que lhe promoverão ritmo e frequência. Quanto mais ativa essa vontade maior será a frequência mental. Se a vontade for direcionada para as necessidades reais do Ser espiritual, ela trará uma postura mental condizente com o evangelho de Jesus. Especialmente quando estiver ligada à prática da caridade. Mas se o espírito elegeu como prioridades as ações construtivas apenas com a finalidade do “alívio à consciência” sob a forma de atos beneficentes e sócias, não manterá uma postura mental elevada.

O Evangelho para tantos é compreendido como lições maravilhosas de grande valor, mas ainda difíceis de serem colocadas em prática ou vivenciadas. Sempre existem as argumentações falsas, colocando dificuldades humanas acima do esforço e do desejo de mudar.

Todo o esforço da vontade deveria ser no sentido de dominar os impulsos da materialidade, dando à consciência uma participação mais firme propiciando-lhe equilíbrio e harmonia.

A Evangelização de Espíritos não tem como dar avanço aos espírito que insiste numa postura contrária arquivando, guardando o conhecimento recebido. Esse conhecimento tem que promover um embasamento no espírito, auxiliando-o a superar suas dificuldades, para que possa compreender melhor o que seja viver para evoluir.

Sentimento: a força do espírito (Alzira Bessa e Luciano Sivieri, in “Pelos Caminhos do

Entendimento do Espírito)

Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre humanas. (Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XI)

O Espírito criado simples e ignorante destinado à perfeição, inicia uma historia extraordinária. Recebe de Deus a proteção e a oportunidade de evoluir através das múltiplas reencarnações.

Em diferentes ambientes o Espírito desenvolve as primeiras manifestações do pensamento. No processo do desenvolvimento do sentimento o instinto começa a enfraquecer, dando lugar aos mecanismos mais importantes da inteligência. O pensamento passa a ser estimulado, ganha movimentos por diversos processos repetitivos e avança na aprendizagem.

Page 189: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

189

Através das múltiplas vivências o Espírito constrói suas primeiras experiências e dessa forma o conhecimento se estrutura na consciência. O Ser experimenta diversas sensações e a memoria vai sendo lenta e progressivamente alimentada.

Nesse período inicia-se a interação entre o pensamento, a inteligência, a consciência, o livre-arbítrio e a vontade. Com o decorrer do tempo, o Espírito descobre as sensações que lhe dão alegria ou tristeza e a repetição dessas sensações faz surgir as primeiras manifestações do sentimento.

Inicia-se assim para o Espírito os princípios da ética. O Ser através dos mais diferentes relacionamentos vai descobrindo, conhecendo e ampliando seus limites, experimentando seus direitos de liberdade.

Com o tempo, os limites e a liberdade vão sendo determinados por diversos grupos de convivência com os quais o Espírito se relaciona, criando o seu comportamento moral. Os relacionamentos com esses grupos produzem princípios e experiências diversas, inerentes aos sentimentos que são manifestados.

A sociedade humana começou a ser formada por pequenos grupos de Espíritos, denominados grupos de convivência, unidos por pensamentos afins. Alguns se afastaram da maioria e, unindo-se a outros tantos, agruparam-se por sentimentos alicerçados em julgamentos, preconceitos, discriminações e radicalismos. Isso ocorreu devido aos níveis diferentes de absorção do conhecimento. Essa situação levou o homem a experimentar os primeiros processos de sofrimento, criando situações de perda de liberdade, quando então surgiram os grandes preconceitos, tumultuando o pensamento do Espírito.

Aos poucos a humanidade, por exigência do comportamento da maioria, foi obstruindo os canais dos sentimentos, comprometendo assim a livre manifestação do Espírito, deixando prevalecer o pensamento do homem hostil e materializado.

Muitos Espíritos, nesse caminhar, não construíram a liberdade de expressão e de amor, surgindo os Espíritos angustiados e infelizes. Submetidos a tantos impositivos, perderam a simplicidade.

O Espírito experimenta muitas situações que lhe permite diferenciar os momentos de prazer e alegria dos momentos de dor e desconforto. Essas experiências somadas, agregam-se ao complexo energético perispiritual e se fixam na memória. Mais tarde esses conteúdos servirão de pontos essenciais para a formação da personalidade.

Longos períodos de experiências vividas pelo Espírito, podem provocar repetições prazerosas. O Ser torna-se capaz de acionar recursos da inteligência que viabilizam repetições dos estados vivenciados. Em cada existência o Espirito reage de forma diferente, motivando a consciência a buscar novos sinais de progresso acionados pela vontade.

Assim o Ser desenvolve suas tendências, seu gosto e sensibilidade. Sentimentos múltiplos são trabalhados durante o tempo de evolução do Espírito.

Todo sentimento tem raízes profundas na estruturação mental, oferecendo à personalidade um conjunto de atos, atitudes, hábitos e tendências que definem o comportamento mental do Espírito. A personalidade portanto é o conjunto desses atos que merecem atenção. Através dela verifica-se a construção da postura do Espírito, que passa a identificar suas dificuldades, percebendo o movimento das vibrações que se processa em si mesmo.

Os sentimentos são responsáveis pelas definições e transformações da personalidade. Essas definições desenvolvem valores que são atuantes na ordem dos sentimentos, servindo como base do entendimento da moral do Espírito.

Page 190: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

190

O estudo da personalidade auxilia o entendimento do que seja a face do Espírito e como educá-lo, o que muito contribuirá para a mudança de seus sentimentos. Em cada personalidade há uma face escondida, um conjunto de sentimentos, uma construção mental.

Ao analisarmos a personalidade percebemos que o Espírito tenta ocultar suas dificuldades e dramas, os quais aos poucos vão, se manifestando nos seus painéis mentais. Oculta suas misérias sob situações que o tornam cada vez mais infeliz e os sentimentos em desalinho responderão pelo desequilíbrio manifestado no períspirito. Alguns Espíritos carregam um manifesto de culpa por não conseguirem mudar suas reservas pretéritas, apesar de muito terem recebido em termos de sentimento e conhecimento.

É preciso ter coragem para desempenhar, de maneira efetiva e inteligente, um trabalho que desperte a consciência do Espírito, promovendo-lhe maior atenção para a elaboração de seus atos mentais. O descuido e a indiferença com as elaborações mentais têm causado grandes danos ao progresso moral do Ser, vindo atuar de forma devastadora na personalidade.

A personalidade só terá equilíbrio quando tiver em si, a harmonia dos princípios básicos do amor.

A Evangelização de Espíritos demonstra com sua metodologia que o bem deve ser realizado sem restrições. É pelo bem que se educa o Espírito, para que ele possa compreender os próprios dramas e conflitos gerados por sentimentos doentios que o desorganizam energeticamente.

O trabalho de esclarecimento que a Evangelização de Espíritos vem realizando pede conhecimento espírita, seriedade e perseverança. A seriedade e a perseverança são pedras fundamentais para a grandeza desse trabalho, que não é instantâneo, mas auxilia os Espíritos que carregam dificuldades com pensamentos cristalizados e em desequilíbrio.

O conhecimento espírita auxilia a se perceber, a sentir a força e a consequência de seus sentimentos. A aquisição do conhecimento é importante para que o Ser mergulhe em seus pensamentos refletindo sobre seus atos e sua conduta. É necessário também que o Espírito reflita sobre a aplicação do conhecimento recebido.

Os sentimentos são energias emanadas pelo pensamento, provindo dos atos trabalhados pela vontade e consciência. São partículas que se agregam ao pensamento elaborado, corpúsculos energéticos das mais variadas tonalidades, com força atrativa ou repulsiva. Os sentimentos gerenciam a vida do Espírito e são responsáveis por todo seu percurso mental.

Os sentimentos são responsáveis pela textura, pela coloração, densidade das malhas perispirituais que sustentam todo conjunto de vibrações do Ser. Essas vibrações mudam de cor toda vez que o pensamento aciona um desejo.

Quanto mais grosseiro o pensamento, mais grosseiros são os sentimentos. Estes, mal trabalhados, geram uma série de patologias. Essas patologias têm como fator desencadeante as energias dos sentimentos doentios que vão aos poucos lesando pontos importantes do campo mental. Modificam o percurso das vibrações geradas pelos sentimentos e alteram os padrões de comportamento do Ser.

O homem perdeu a noção divina quando foi em busca dos prazeres fugidios, das satisfações materialistas. Sem um claro entendimento das consequências de seus atos, muitos caminharam pelas veredas do mal, construindo barreiras fortíssimas dentro de si, impedimentos concretos para a felicidade.

Page 191: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

191

Deus, que tudo vê e tudo sabe, na sua infinita misericórdia em momento preciso, enviou Jesus, a fim de mudar o pensamento do povos.

Os sentimentos primários desfilavam entre os prazeres e as facilidades da vida materializada. Por isso, Jesus veio ensinar a educar os pensamentos e os sentimentos da humanidade. A finalidade do Evangelho de Jesus na vida do Espírito é a de proclamar a independência do pensamento, pela compreensão das leis que regem a vida.

Muitos Espíritos, com Jesus, deixaram as sensações grosseiras para compreender a grandeza do sentimento, perceber Suas vibrações e a pujança do amor.

O Evangelho é o roteiro glorioso que alimenta os Espíritos de esperança e fé, dando progressividade ao pensamento expandido os sentimentos adquiridos.

A Evangelização de Espíritos arrebanha as ovelhas para que possam despertar e voltar ao grande rebanho de Deus. Cada Espírito uma história, uma vitória, uma luta. Todos chegarão à perfeição dos sentimentos pelas vias da fraternidade. Romper com o egoísmo para construir eternamente os valores da humildade. Eis o caminho! Viver e relacionar-se crescer e compreender, amar e avançar, essa é a meta a atingir.

O sentimento abre um leque de variações: amor, posse, perdão, alegria, orgulho, vaidade, etc. É através da reencarnação que o Espírito exercita-se nesses sentimentos e vai progredindo ao longo das sucessivas existências. Entre a paixão e o amor existe o caminho da dúvida, da lágrima, do egoísmo a vencer, até que tudo se transforme em puro amor. Hoje filhos, pais, irmãos, marido e esposa, para num amanhã compreenderem que todos os caminhos levam a um sentimento maior: irmãos universais sem barreiras e preconceitos.

Uma das questões que mais interferem nos sentimentos do Espírito é o sexo. O sexo é uma força geradora de potenciais, ainda hoje desconhecida do homem encarnado, assim como de muitos Espíritos desencarnados. A maioria dos Espíritos desconhece a manipulação dessa força, dessa energia difícil de ser compreendida. Ela tem uma potência própria, é inerente à condição do Espírito que a manipula de acordo com o seu pensamento, expressando o seu grau de evolução.

Não há como mudar a intensidade da fixação de uma ideia no campo energético do pensamento na área da sexualidade, sem um estímulo que seja superior à ideia plasmada. É preciso muito esforço e equilíbrio para manutenção de uma vibração harmoniosa.

A grande maioria das pessoas passa a existência com pensamentos contínuos ligados a sexualidade, sem manifestá-los. Alimenta desejos que são represados pela condição social, familiar e mesmo pela condição moral de que é portadora. Entretanto essas barreiras aparentes não auxiliam na mudança dos pensamentos degradantes.

O conhecimento e a ética em geral impedem a exteriorização desses sentimentos. Entretanto, ao passar para o mundo espiritual, após a morte, todas essas forças que não foram transformadas gravitam em torno do Espírito.

A energia sexual, quando dirigida à procriação é a força da vida. Essa mesma forçam se empregada de forma degradante deteriora a condição moral do Ser. As patologias mórbidos do Espírito são grandes explosões energéticas que lesam o centro genésico, atuando como uma bomba destruidora das energias do complexo perispiritual, quando o Ser não controla de maneira adequada o seu desejo sexual.

Eis, portanto, a gênese de grandes distúrbios da alma a ser depurada pelo processo de evangelização.

Como drenar as energias geradas no campo da sexualidade?

Page 192: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

192

Essas energias não são sentimentos, são forças e não devem ser comparadas ao processo de sentir e amar.

As forças sexuais não são energias elaboradas pela mente encarnada, uma vez que elas se manifestam também nos animais que não tem um pensamento contínuo. Essas forças são compostas por vibrações de tal intensidade que somente através da sublimação dos nossos sentimentos, da prática da solidariedade, da caridade cristã e do amor ao próximo, é que poderemos nos desvincular desses pensamentos doentios ligados ao sexo.

A drenagem das forças sexuais é realizada pela oposição de sentimentos. É necessária a atuação de sentimentos participativos equilibrados que ocupe a mente substituindo os pensamentos degradantes. O combate a esses pensamentos dá-se no clima da elevação das atitudes, no reconciliar-se consigo mesmo, depurando esse manancial de forças negativas num processo de drenagem perispirítica, facultando ao Ser um estado espiritual avançado.

Os primeiros sinais do amor tem uma relação grosseira e primitiva com o sexo. É através do relacionamento que partem as primeiras escolhas no campo da afetividade. Assim os painéis dos sentimentos se diversificam no inconsciente do Espírito, ficando armazenados para possíveis mudanças. Essas mudanças só acontecerão através do cumprimento das leis divinas, especialmente através da reencarnação, que é uma oportunidade ímpar, para o Espírita reconstruir seus painéis mentais.

Esse é um trabalho difícil, mas não impossível, devendo sempre ser estimulado. É de grande importância o processo de evangelização do Espírito na época que antecede a eclosão da sexualidade, como processo de prevenção da dor para jovens e adolescentes. Neste contexto, o idoso não deve ser esquecido, para ele o sexo tem importância, não tanto nas vinculações físicas, mas na persistência de pensamentos viciados que continuam a ser elaborados, apesar da senectude.

Os pensamentos fixos e não abolidos em tempo hábil conduzem o Espírito à cristalização de ideias nesse setor, ligando-o às entidades que o constrangem sobremaneira. Há que se tomar cuidado com a solidão, onde os pensamentos interagem com os de entidades sofridas, as quais contribuem para a fixação desses distúrbios.

Ninguém é capaz de evoluir carregando consigo sentimentos mascarados. O mal tem sempre moradia na mente enferma e os pensamentos recebem os

estímulos das vibrações de sentimentos desordenados. O Espírito, acionando a vontade, fortalece o pensamento para mudanças, pode

apagar as formas mentais criadas por ele mesmo, mas não consegue retirar as vibrações das energias causadoras do processo enfermo, que está acrisolado na consciência. Para que essas energias se modifiquem é necessário que o Ser alimente um pensamento evangelizado. As mazelas íntimas, as deformidades espirituais são resultados das mais diversas formas mentais doentias.

O conhecimento e a vivência dos ensinamentos de Jesus na vida do Espírito mudam as vibrações das energias deletérias que o Ser traz em si e, ao mesmo tempo, funcionam como um freio para os desajustes com a lei divina.

Eixo Transversal: Construção da Paz Íntima e Coletiva

� Trabalhar pelo encontro e manifestação da paz a partir de nós mesmos através do enfrentamento lógico2 dos conflitos da dor e da aflição.

Page 193: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

193

� Colaborar na construção de uma sociedade que reconheça e respeite as diferenças.

� Irradiar a paz nos ambientes em que vivemos e no mundo, através de nossa atuação firme em favor da harmonia entre os reinos da Natureza.

A Melancolia (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. V, item 25)

Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos corações e vos leva a considerar amarga a vida? É que vosso Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se esgota, jungido ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele. Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais infelizes.

Crede-me, resisti com energia a essas impressões que vos enfraquecem a vontade. São inatas no espírito de todos os homens as aspirações por uma vida melhor; mas, não as busqueis neste mundo e, agora, quando Deus vos envia os Espíritos que lhe pertencem, para vos instruírem acerca da felicidade que Ele vos reserva, aguardai pacientemente o anjo da libertação, para vos ajudar a romper os liames que vos mantêm cativo o Espírito. Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra. – François de Genève. (Bordéus.)

Provas Voluntárias – O Verdadeiro Cilício (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. V, item 26)

Perguntais se é lícito ao homem abrandar suas próprias provas. Essa questão equivale a esta outra: É lícito, àquele que se afoga, cuidar de salvar-se? Àquele em quem um espinho entrou, retirá-lo? Ao que está doente, chamar o médico? As provas têm por fim exercitar a inteligência, tanto quanto a paciência e a resignação. Pode dar-se que um homem nasça em posição penosa e difícil, precisamente para se ver obrigado a procurar meios de vencer as dificuldades. O mérito consiste em sofrer, sem murmurar, as consequências dos males que lhe não seja possível evitar, em perseverar na luta, em se não desesperar, se não é bem--sucedido; nunca, porém, numa negligência, que seria mais preguiça do que virtude.

Essa questão dá lugar naturalmente a outra. Pois, se Jesus disse: “Bem-aventurados os aflitos”, haverá mérito em procurar, alguém, aflições que lhe agravem as provas, por meio de sofrimentos voluntários? A isso responderei muito positivamente: sim, há grande mérito quando os sofrimentos e as privações objetivam o bem do próximo, porquanto é a caridade pelo sacrifício; não, quando os sofrimentos e as privações somente objetivam o bem daquele que a si mesmo as inflige, porque aí só há egoísmo por fanatismo.

Grande distinção cumpre aqui se faça: pelo que vos respeita pessoalmente, contentai-vos com as provas que Deus vos manda e não lhes aumenteis o volume, já de si por vezes tão pesado; aceitá-las sem queixumes e com fé, eis tudo o que de vós exige ele.

Page 194: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

194

Não enfraqueçais o vosso corpo com privações inúteis e macerações sem objetivo, pois que necessitais de todas as vossas forças para cumprirdes a vossa missão de trabalhar na Terra. Torturar e martirizar voluntariamente o vosso corpo é contravir a lei de Deus, que vos dá meios de o sustentar e fortalecer. Enfraquecê-lo sem necessidade é um verdadeiro suicídio. Usai, mas não abuseis, tal a lei. O abuso das melhores coisas tem a sua punição nas inevitáveis consequências que acarreta.

Muito diverso é o que ocorre, quando o homem impõe a si próprio sofrimentos para o alívio do seu próximo. Se suportardes o frio e a fome para aquecer e alimentar alguém que precise ser aquecido e alimentado e se o vosso corpo disso se ressente, fazeis um sacrifício que Deus abençoa. Vós que deixais os vossos aposentos perfumados para irdes à mansarda infecta levar a consolação; vós que sujais as mãos delicadas pensando chagas; vós que vos privais do sono para velar à cabeceira de um doente que apenas é vosso irmão em Deus; vós, enfim, que despendeis a vossa saúde na prática das boas obras, tendes em tudo isso o vosso cilício, verdadeiro e abençoado cilício, visto que os gozos do mundo não vos secaram o coração, que não adormecestes no seio das volúpias enervantes da riqueza, antes vos constituístes anjos consoladores dos pobres deserdados.

Vós, porém, que vos retirais do mundo, para lhe evitar as seduções e viver no insulamento, que utilidade tendes na Terra? Onde a vossa coragem nas provações, uma vez que fugis à luta e desertais do combate? Se quereis um cilício, aplicai-o às vossas almas e não aos vossos corpos; mortificai o vosso Espírito e não a vossa carne; fustigai o vosso orgulho, recebei sem murmurar as humilhações; flagiciai o vosso amor-próprio; enrijai-vos contra a dor da injúria e da calúnia, mais pungente do que a dor física. Aí tendes o verdadeiro cilício cujas feridas vos serão contadas, porque atestarão a vossa coragem e a vossa submissão à vontade de Deus. – Um anjo guardião. (Paris, 1863.)

Obediência e Resignação (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap.

IX, item 8)

A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antiguidade material desprezava. Ele veio no momento em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Veio fazer que, no seio da Humanidade deprimida, brilhassem os triunfos do sacrifício e da renúncia carnal.

Cada época é marcada, assim, com o cunho da virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral. Digo, apenas, atividade, porque o gênio se eleva de repente e descobre, por si só, horizontes que a multidão somente mais tarde verá, enquanto que a atividade é a reunião dos esforços de todos para atingir um fim menos brilhante, mas que prova a elevação intelectual de uma época. Submetei-vos à impulsão que vimos dar aos vossos espíritos; obedecei à grande lei do progresso, que é a palavra da vossa geração. Ai do espírito preguiçoso, ai daquele que cerra o seu entendimento! Ai dele! porquanto nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, lhe aplicaremos o látego e lhe submeteremos a vontade rebelde, por meio da dupla ação do freio e da espora. Toda

Page 195: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

195

resistência orgulhosa terá de, cedo ou tarde, ser vencida. Bem-aventurados, no entanto, os que são brandos, pois prestarão dócil ouvido aos ensinos. – Lázaro. (Paris, 1863.)

A Cólera (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. IX, item 9)

O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? – Entregai-vos à cólera.

Pesquisai a origem desses acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.

Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito que deve a si mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de piedade.

Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Mas, outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida!

Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. O espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs. – Um Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)

O Mandamento Maior (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – cap. XV,

itens 4 e 5)

4. Mas, os fariseus, tendo sabido que ele tapara a boca aos saduceus, se reuniram; – e um deles, que era doutor da lei, foi propor-lhe esta questão, para o tentar: – Mestre, qual o grande mandamento da lei? – Jesus lhe respondeu: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito. – Esse o maior e o primeiro mandamento. – E aqui está o segundo, que é semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. – Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos. (S. MATEUS, 22: 34 a 40.)

5. Caridade e humildade, tal a senda única da salvação. Egoísmo e orgulho, tal a da perdição. Este princípio se acha formulado nos seguintes precisos termos: “Amarás a Deus de toda a tua alma e a teu próximo como a ti mesmo; toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” E, para que não haja equívoco sobre a interpretação do amor de Deus e do próximo, acrescenta: “E aqui está o segundo mandamento que é

Page 196: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

196

semelhante ao primeiro”, isto é, que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar o próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus. Logo, tudo o que se faça contra o próximo o mesmo é que fazê-lo contra Deus. Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.

Não Vim Trazer a Paz, mas, a divisão (Allan Kardec, in “O Evangelho Segundo o

Espiritismo” – cap. XXIII, itens 16 e 18)

16. Quando Jesus declara: “Não creias que eu tenha vindo trazer a paz, mas, sim, a divisão”, seu pensamento era este:

“Não creias que a minha doutrina se estabeleça pacificamente; ela trará lutas sangrentas, tendo por pretexto o meu nome, porque os homens não me terão compreendido, ou não me terão querido compreender. Os irmãos, separados pelas suas respectivas crenças, desembainharão a espada um contra o outro e a divisão reinará no seio de uma mesma família, cujos membros não partilhem da mesma crença. Vim lançar fogo à Terra para expungi-la dos erros e dos preconceitos, do mesmo modo que se põe fogo a um campo para destruir nele as ervas más, e tenho pressa de que o fogo se acenda para que a depuração seja mais rápida, visto que do conflito sairá triunfante a verdade. À guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida. Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, isto é, que, dando a conhecer o sentido verdadeiro das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, porá termo à luta fratricida que desune os filhos do mesmo Deus. Cansados, afinal, de um combate sem resultado, que consigo traz unicamente a desolação e a perturbação até ao seio das famílias, reconhecerão os homens onde estão seus verdadeiros interesses, com relação a este mundo e ao outro. Verão de que lado estão os amigos e os inimigos da tranquilidade deles. Todos então se porão sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra, de acordo com a verdade e os princípios que vos tenho ensinado.”

18. Essas palavras de Jesus devem, pois, entender-se com referência às cóleras que a sua doutrina provocaria, aos conflitos momentâneos a que ia dar causa, às lutas que teria de sustentar antes de se firmar, como aconteceu aos hebreus antes de entrarem na Terra Prometida, e não como decorrentes de um desígnio premeditado de sua parte de semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens e não dele, que era como o médico que se apresenta para curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, atacando os maus humores do doente.

Jacques Latour (Allan Kardec, in “O Céu e o Inferno” – 2ª parte – cap. VI)

(Assassino condenado pelo júri de Foix e executado em setembro de 1864)

Em reunião intima de sete a oito pessoas, havida em Bruxelas a 13 de setembro de 1864 e à qual assistíamos, foi pedido a um médium que tomasse do lápis, sem que aliás houvéssemos feito qualquer evocação especial.

Possuído de extraordinária agitação, ei-lo a traçar caracteres muito grossos, e depois, rasgando o papel, exclama:

"Arrependo-me! arrependo-me! Latour!" Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto

como ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos

Page 197: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

197

assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta:

- Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos?

Responde o médium de viva voz: "Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou me

evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados." Depois começou por uma cena indescritível que não durou mais de meia hora. O

médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento; o tom da sua voz era tão compungido as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas nós sabíamos que a manifestação de um ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para os dominarem. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes.

Ei-lo a exclamar: "Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis,

e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! - é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem fim!...

E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares...

"Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!...

O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!...

Acreditava-me morto, e estou vivo! Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro...

"Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! meu Deus, porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo Nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares

Page 198: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

198

odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração.

"Vós outros que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por

mim... "Oh! eu vo-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a

Deus que me tire este horrível espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... imploro, orai por mim."

Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós. Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça. Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar-vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência dos bons Espíritos. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém em O Evangelho segundo o Espiritismo, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos. Não pronunciaremos a que se refere aos maus Espíritos, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz e não mau.

Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma: "Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se

afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem... Obrigado...

Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga ideia do que se há passado, mas pouco a pouco vai-se lembrando de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara.

No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu:

"Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vitimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?..." (Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo-se ao médium.)

"Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis...

"Obrigado! obrigado! que já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas, Deus meu, sede indulgente.

"Orai todos vós por mim, tende piedade. Latour." Um membro da Sociedade Espírita de Paris, que tinha orado por este infeliz,

evocando-o, obteve intervaladamente as seguintes comunicações:

Page 199: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

199

I Fui evocado quase imediatamente depois da minha morte, porém não pude

manifestar-me logo, de modo que muitos Espíritos levianos tomaram-me o nome e a vez. Aproveitei a estada em Bruxelas do Presidente da Sociedade de Paris, e comuniquei-me, com a aquiescência de Espíritos superiores.

Voltarei a manifestar-me na Sociedade, a fim de fazer revelações que serão um começo de reparação às minhas faltas, podendo também servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e meditarem na exposição dos meus sofrimentos. É somente sobre o Espírito dos homens fracos ou das crianças que a narrativa de penas infernais pode produzir efeitos terroristas. Ora; um grande malfeitor não é um Espírito pusilânime, e o temor de um polícia é para ele mais real que a descrição dos tormentos do inferno. Eis por que todos os que me lerem ficarão comovidos com as minhas palavras e com os meus padecimentos, que não são ficções. Não há um só padre que possa dizer que viu o que tenho visto, porque tenho assistido às torturas dos danados. Mas, quando eu vier dizer: "Eis o que se passou após a minha morte, a morte do corpo; eis a minha enorme decepção ao reconhecer-me vivo, ao contrário do que supunha e tinha tomado pelo termo dos suplícios, quando era o começo de outras torturas, aliás indescritíveis!" - então, mais de um ser estará à borda do precipício em que ia despenhar-se, e cada um dos desgraçados, desviados por mim da senda criminosa, concorrerá para o resgate das minhas faltas.

Foi-me permitido libertar-me do olhar das minhas vítimas transformadas em carrascos, a fim de comunicar convosco; ao deixar-vos, entretanto, tornarei a vê-las e só esta ideia me causa tal sofrimento que eu não poderia descrevê-lo. Sou feliz quando me evocam, porque assim deixo o meu inferno por alguns instantes.

Orai sempre ao Senhor por mim, pedi-lhe que me liberte do olhar das minhas vítimas.

Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem... Estou mais aliviado; não sinto tão pesado o fardo que me acabrunha. Vejo um resquício de esperança luzindo-me aos olhos e, contrito, exclamo: Bendita a mão do Senhor e seja feita a sua vontade!

II O médium. - Em vez de pedir a Deus para vos furtar ao olhar das vossas vítimas, eu

vos convido a pedir comigo para que vos dê a força necessária a fim de suportardes essa tortura expiatória.

Latour. - Eu preferiria livrar-me de tais olhares. Se soubésseis o quanto sofro... O homem mais insensível comover-se-ia vendo impressos na minha fisionomia,

como que a fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei, entretanto, o que me aconselhais, pois compreendo ser esse um meio de expiar um pouco mais rapidamente as minhas faltas. É qual dolorosa operação que viesse curar um corpo gravemente adoentado.

Ah! Pudessem ver-me os culpados da Terra, e ficariam apavorados das consequências de seus crimes, desses crimes que, ignorados dos homens, são, no entanto, vistos pelos Espíritos. Como a ignorância é fatal para tantas pessoas!

Que responsabilidade assumem os que recusam instrução às classes pobres da sociedade! Acreditam que com polícia e soldados se previnem crimes... Que grande erro!

III Terríveis são os meus sofrimentos, porém, depois que por mim orais, sinto-me

confortado por bons Espíritos, os quais me dizem tenha esperança. Compreendo a eficácia do remédio heroico que me aconselhastes e peço a Deus me dê forças para suportar esta dura expiação, aliás igual, posso afirmá-lo, ao mal que fiz. Não quero escusar-me das

Page 200: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

200

minhas atrocidades; mas o certo é que, para nenhuma das minhas vítimas, salvo a precedência de alguns instantes, na morte, a dor não existia, e as que tinham terminado a provação terrena foram receber a recompensa que as aguardava.

Para mim, entretanto, ao voltar ao mundo dos Espíritos, só houve sofrimentos infernais, excetuados os curtos instantes em que me manifestava.

Em que pesem aos seus quadros terroristas, os padres só têm uma fraca noção dos verdadeiros sofrimentos que a justiça divina reserva aos infratores da lei do amor e da caridade.

Como insinuar a pessoas sensatas que uma alma, isto é, uma coisa imaterial, possa sofrer ao contato do fogo material? É absurdo, e por isso tantos e tantos criminosos se riem desses painéis fantásticos do inferno. O mesmo porém não se dá quanto à dor moral do condenado, após a morte física. Orai para que o desespero não se aposse de mim.

IV Muito grato vos sou pela perspectiva que me trouxestes e a cujo fim glorioso sei

que devo chegar quando purificado. Sofro muito, mas parece-me que os sofrimentos diminuem. Não posso acreditar

que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro.

O pensamento se me volve então para a última existência e vejo as faltas que teria conjurado se soubesse orar. Hoje compreendo a eficácia da prece; compreendo o valor dessas mulheres honestas e piedosas, fracas pela carne, porém fortes pela fé; compreendo, enfim, esse mistério ignorado pelos supostos sábios da Terra. Preces! palavra que por si só provoca o riso dos espíritos fortes. Aqui os espero no mundo espiritual, e, quando a venda que encobre a verdade se romper para eles, então, a seu nuto se prosternarão aos pés do Eterno a quem desprezaram e serão felizes em se humilhar para que seus pecados e crimes sejam revelados! Hão de compreender então a virtude da prece.

Orar é amar, e amar é orar! E eles amarão o Senhor e lhe dirigirão preces de reconhecimento e de amor, regenerados pelo sofrimento. E, pois que devem sofrer, pedirão como eu peço a força necessária ao sofrimento e à expiação. Em deixando de sofrer, hão de orar ainda para agradecer o perdão merecido por sua submissão e resignação.

Oremos, irmão, para que mais me fortaleça... Oh! obrigado à tua caridade, meu irmão, pois que estou perdoado. Deus me liberta

do olhar das minhas vitimas. Oh! meu Deus! Bendito sejais vós por toda a eternidade, pela graça que me concedeis! Oh! meu Deus! Sinto a enormidade dos meus crimes e curvo-me ante a vossa onipotência. Senhor! eu vos amo de todo o meu coração e vos suplico a graça de me permitirdes, ao vosso arbítrio, sofrer novas provações na Terra; voltar a ela como missionário da paz e da caridade, ensinando as crianças a pronunciar com respeito o vosso nome. Peço-vos que me seja possível ensinar que vos amem, a vós, Pai que sois de todas as criaturas. Obrigado, meu Deus! Sou um Espírito arrependido, e sincero é o meu arrependimento.

Tanto quanto meu impuro coração pode comportá-lo, eu vos amo com esse sentimento que é pura emanação da vossa divindade. Irmão, oremos, pois meu coração transborda de reconhecimento. Estou livre, quebrei os grilhões, não sou mais um réprobo.

Page 201: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

201

Sou um Espírito sofredor, mas arrependido, a desejar que o meu exemplo pudesse conter nos umbrais do crime todas as mãos criminosas que vejo prestes a levantarem-se.

Oh! para trás, recuai, irmãos, pois as torturas que preparais serão atrozes! Não acrediteis que o Senhor se deixará tão prontamente submeter à prece dos seus filhos.

São séculos de torturas que vos esperam. O guia do médium. - Dizes que não compreendes as palavras do Espírito. Procura ter uma ideia da sua emoção e do seu reconhecimento para com o Senhor,

coisas que ele acredita não poder testemunhar melhor do que tentando demover todos esses criminosos por ele vistos, mas que tu não podes ver. Aos ouvidos desses, quereria ele que chegassem as suas palavras; mas o que te não disse ele, porque o ignora ainda, é que lhe será permitido o início de missões reparadoras. Irá para junto dos que lhe foram cúmplices, procurando inspirar-lhes arrependimento, implantando em seus corações o gérmen do remorso.

Frequentemente se veem na Terra pessoas, tidas por honestas, lançarem-se aos pés de um sacerdote para se acusarem de um crime.

É o remorso quem lhes dita a confissão da culpa. Pois se o véu que te encobre o mundo invisível se desfizesse, verias muitas vezes o Espírito cúmplice ou instigador de um crime, tal como o fará Jacques Latour, inspirando o remorso ao Espírito encarnado, no afã de reparar a própria falta.

Teu guia protetor. Mais tarde, o médium de Bruxelas, o mesmo que recebera o primeiro ditado,

obteve o seguinte: "Nada mais receeis de mim, que estou tranquilo, em que pese ao sofrimento que

ainda tenho. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas.

"Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Dai sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper, ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações!

Que lhe resta pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me envolve e protege.

"Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a vossa indulgência.

"Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim. Latour." (Estudo sobre o Espírito de Jacques Latour)

Page 202: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

202

Não se pode desconhecer a profundeza e a alta significação de algumas das frases encerradas nessa comunicação. Além disso, ela oferece um dos aspectos do mundo dos Espíritos em castigo, pairando ainda assim sobre ele a misericórdia divina.

A alegoria mitológica das Eumênides não é tão ridícula como parece, e os demônios, carrascos oficiais do mundo invisível, que as substituem perante as modernas crenças, são menos racionais com seus cornos e forcados, do que estas vítimas que servem elas próprias ao castigo do culpado.

Admitindo-se a identidade deste Espírito, talvez se estranhe tão pronta mudança do seu moral. É o caso da ponderação já feita, de que pode um Espírito brutalmente mau ter em si melhores predicados do que o dominado pelo orgulho ou pela hipocrisia. Esta reversão a sentimentos mais benéficos indica uma natureza mais selvagem que perversa, à qual apenas faltava boa direção. Comparando esta linguagem com a de outro Espírito, adiante consignada sob a epígrafe: castigo pela luz, é fácil concluir qual dos dois seja mais adiantado moralmente, apesar da disparidade de instrução e hierarquia social, obedecendo um ao natural instinto de ferocidade, a uma espécie de superexcitação, ao passo que o outro empresta à perpetração dos seus crimes a calma e sangue-frio inerentes às lentas e obstinadas combinações, afrontando ainda depois de morto o castigo, por orgulho. Este sofre e não o confessa, ao passo que aquele prontamente se submete. Também por aí podemos prever qual deles sofrerá por mais tempo.

Diz o Espírito de Latour: "Eu sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a extensão dos meus crimes."

Aí está um pensamento profundo. O Espírito só compreende a gravidade dos seus malefícios depois que se arrepende.

O arrependimento acarreta o pesar, o remorso, o sentimento doloroso, que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para se furtarem a isso que os Espíritos perversos se revoltam contra a voz da consciência, quais doentes a repelirem o remédio que os há de curar. E assim procuram iludir-se, aturdir-se e persistir no mal. Latour chegou a esse período no qual se extingue o endurecimento, acabando por ceder. Entra-lhe o remorso pelo coração, o arrependimento o assedia, e, compreendendo o mal que fez, vê a sua degradação e sofre dela. Eis por que ele diz: "Sofro por causa desse arrependimento." Na precedente encarnação, ele devia ter sido pior que na última, visto que, se se tivesse arrependido como agora, melhor lhe teria sido a vida subsequente. As resoluções, por ele ora tomadas, influirão sobre a sua vida terrestre no futuro; e a encarnação que teve nem por ser criminosa deixou de assinalar-lhe um estádio de progresso. E é muito provável que antes de a iniciar ele fosse na erraticidade um desses muitos Espíritos rebeldes, obstinados no mal. A muitas pessoas ocorre perguntar qual seja o proveito dessa anterioridade de existência, desde que dela nos não lembramos e nem temos ideia do que fomos nem do que fizemos.

Esta questão está assaz liquidada pela razão de que tal lembrança seria inútil, visto como de todo apagado o mal cometido, sem que dele nos reste um traço no coração, também com ele não nos devemos preocupar.

Quanto aos vícios de que porventura não estejamos inteiramente despojados, nós os conhecemos pelas nossas tendências atuais, e para elas é que devemos voltar todas as atenções. Basta saber o que somos, sem que seja necessário saber o que fomos.

Se considerarmos as dificuldades que há na existência para a reabilitação do Espírito, por maior que seja o seu arrependimento, as reprovações de que se torna objeto,

Page 203: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

203

devemos louvar a Deus por ter cerrado esse véu sobre o passado. Condenado a tempo ou absolvido que fosse, os antecedentes de Latour fá-lo-iam um enjeitado da sociedade.

Quem o acolheria com intimidade, apesar do seu arrependimento? Entretanto, as intenções que ora patenteia, como Espírito, nos dão a esperança de que venha a ser na próxima encarnação um homem honesto e estimado. Suponhamos que soubessem que esse homem honesto fora Latour, e a reprovação continuaria a persegui-lo. Esse véu sobre o passado é que lhe franqueia a porta da reabilitação, porque pode sem receio e sem pejo ombrear-se com os mais honestos. Quantos há que desejariam poder apagar da memória de outrem certas fases da própria vida?

Qual a doutrina que melhor se concilia com a bondade e justiça de Deus? Demais, esta doutrina não é uma teoria, porém o resultado de observações. Por

certo não foram os Espíritos que a imaginaram, porém eles viram e observaram as situações diferentes que muitos Espíritos apresentam, e daí o procurarem explicá-las, originando-se então a doutrina.

Aceitaram-na, pois, como resultante dos fatos, e ainda por lhes parecer mais racional que todas as emitidas até hoje relativamente ao futuro da alma.

Não se pode recusar a estas comunicações um grande fundo moral. O Espírito poderia ter sido auxiliado nesses raciocínios e, sobretudo, na escolha das suas expressões, por outros mais adiantados; mas o fato é que estes apenas influem na forma, que não na essência, e jamais fazem que o Espírito inferior esteja em contradição consigo mesmo. Assim é que em Latour poderiam ter poetizado a forma do arrependimento, mas não lho insinuaram contra sua vontade, porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio.

Em Latour lobrigaram o gérmen dos bons sentimentos e por isso o auxiliaram a exprimir-se, contribuindo assim para desenvolvê-lo, ao mesmo tempo que em seu favor imploravam comiseração.

Que há de mais digno, mais moralizador, capaz de impressionar mais vivamente, do que o espetáculo deste grande criminoso exprobrando-se a si mesmo o desespero e os remorsos? Desse criminoso que, perseguido pelo incessante olhar de suas vítimas e torturado, eleva a Deus o pensamento implorando misericórdia? Não será isso um exemplo salutar para os culpados? Posto que simples e desprovidos de fantasmagóricas encenações, compreende-se a natureza dessas angústias, porque elas, apesar de terríveis, são racionais.

Poder-se-ia talvez estranhar tão grande transformação num homem como Latour... Mas por que havia de ser inacessível ao arrependimento? Por que não possuir também ele a sua corda sensível? O pecador seria, pois, votado ao mal eternamente?

Não lhe chegaria, por fim, um momento em que a luz se lhe fizesse n’alma? Era justamente essa hora que chegara para Latour; e ali está precisamente o lado moral dos seus ditados; é a compreensão que ele tem do seu estado, são os seus pesares, os seus planos de reparação, que tornam tais mensagens eminentemente instrutivas. Que haveria de extraordinário se Latour confessasse um arrependimento sincero antes da morte, se dissesse antes da morte o que veio dizer depois? Não há, quanto a isso, inúmeros exemplos? Uma regeneração antes da morte passaria, aos olhos do maior número dos seus iguais, por fraqueza; mas essa voz de além-túmulo é seguramente a revelação daquilo mesmo que os aguarda. Ele está em absoluto com a verdade, quando afirma ser o seu exemplo mais eficaz que a perspectiva das chamas do inferno, e até do cadafalso.

Page 204: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

204

Por que não lhes ministrar esses sentimentos no cárcere? Eles fariam refletir, do que aliás já temos alguns exemplos. Mas como crer nas palavras de um morto, quando ninguém acredita que para além da morte não esteja tudo acabado?

Entretanto, dia virá em que se reconheça esta verdade: - os mortos podem vir instruir os vivos.

Outras muitas instruções importantes se podem tirar dessas comunicações; assim, a confirmação deste princípio de eterna justiça, pelo qual ao culpado não basta o arrependimento apenas, sendo este o primeiro passo para a reabilitação que atrai a divina misericórdia. O arrependimento é o prelúdio do perdão, o alívio dos sofrimentos, mas porque Deus não absolve incondicionalmente, faz-se mister a expiação, e principalmente a reparação. Assim o entende Latour, e para tanto se predispõe. Se compararmos este criminoso àquele de Castelnaudary, veremos ainda uma diferença nos castigos. Naquele o arrependimento foi tardio, e, consequentemente, mais longa a pena. Além disso, essa pena era quase material, ao passo que para Latour o foi antes moral, porque, como acima dissemos, havia grande diferença intelectual entre eles.

Ao outro, impunha-se coisa que pudesse ferir-lhe os sentidos obliterados; mas é preciso notar que as penas morais não serão menos pungentes para todo aquele que esteja em condições de compreendê-las. Podemos inferi-lo dos clamores do próprio Latour, que não são de cólera, mas antes a expressão dos remorsos, de perto seguidos de arrependimento e desejo de reparação, visando o progresso.

Paz aos Homens de Boa Vontade (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Fevereiro 1863)

(Poitiers. Reunião preparatória de operários espíritas. Médium: Sr. X...)

Meus caros amigos, a vida é curta; grande é a que a precede, grande é a que a sucede. Nada acontece sem a vontade de Deus. Consequentemente, tudo só passa de legítima e alta justiça. Vossa miséria, quando vos aperta, é um mal merecido, uma punição, não duvideis, de faltas anteriores. Encarai-a com bravura e erguei os olhos para o alto com resignação: a bênção e o alívio descerão. Por vezes vossos pesares são a prova pedida pelo vosso próprio Espírito, desejoso de chegar prontamente à meta final, sempre entrevista no estado de desencarnado.

No momento em que o mundo se agita e sofre, em que as sociedades, em busca do que é verdadeiro, se contorcem num parto laborioso, Deus permite que o Espiritismo, isto é, um raio da eterna verdade, desça das altas regiões e vos esclareça. Nosso objetivo é mostrar-vos o caminho, mas vos deixar a liberdade, ou seja, o mérito e o demérito de vossas ações. Escutai-nos, pois, e ficai certos de que a vossa felicidade é, para nós, uma viva preocupação. Se soubésseis quanto vossas más ações nos afligem! quanto os vossos esforços para a lei de Deus nos enchem de alegria! O Senhor nos disse: “Servidores do meu império, apóstolos devotados da minha lei, a todos levai a minha palavra; a todos explicai que a vida eterna será a dos que praticam o Evangelho; a todos os homens fazei entender que o bem, o belo, o grande, degraus de minha eternidade, estão contidos numa palavra: Amor.” O Senhor nos disse: “Espíritos velozes, correi a todos: aos mais infelizes e aos mais felizes; do rei ao artesão; do fariseu ao que se queima em ardente fé.” E nós vamos a todos os lados e gritamos: aos infelizes, resignação; aos felizes: caridade, humildade; aos reis: amor aos povos; ao artesão: respeito à lei!

Meus amigos, no dia em que fizerem mais que nos escutar, isto é, no dia em que praticarem nossos preceitos, não mais egoísmo, não mais inveja. Partindo daí, não mais misérias, não mais esse luxo, que é o verme que corrói a sociedade e a enfraquece; não mais esses erros morais, que perturbam as consciências; não mais revoluções, não mais

Page 205: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

205

sangue! Não mais esse triste preconceito que fez com que as famílias principescas acreditassem que o povo era coisa sua e que elas eram de outro sangue; não mais nada, senão a felicidade! Vossos governos serão bons, porque governantes e governados terão aproveitado do Espiritismo. As ciências e as artes, levadas nas asas da divina caridade, elevar-se-ão a uma altura que não suspeitais; vosso clima, saneado pelos trabalhos agrícolas; vossas colheitas mais abundantes; essas palavras tão profundas de igualdade e fraternidade, enfim interpretadas sem nenhum sonho a despojar aquele que possui, realizarão, eu vo-lo afirmo, as promessas do vosso Deus.

“Paz, disse o seu Cristo, aos homens de boa vontade!” Não obtivestes a paz porque não tivestes a boa vontade. A boa vontade, tanto para os pobres quanto para os ricos chama-se caridade. Há caridade moral, como há caridade material; e não a tivestes; e o pobre foi tão culpado quanto o rico!

Escutai-me bem: Crede e amai! Amai: muito será perdoado a quem muito amou. Crede: a fé transporta montanhas. Prudência e doçura no apostolado novo: vossa melhor exortação será o bom exemplo. Lamentai os cegos: os que não querem ver a luz. Lamentai, mas não censureis! Orai, meus amigos e a bênção de Deus será com as vossas almas. O facho da vida irradia; de todos os recantos do horizonte iluminam-se faróis; a tempestade vai sacudir e talvez quebrar os barcos! Mas o navegante que, sobre a vaga furiosa, olhar sempre o farol, atracará à costa e o Senhor lhe dirá: “Paz aos homens de boa vontade; sê bendito, tu que amaste; sê feliz, pois trabalhaste pela felicidade do próximo. Meu filho, a cada um segundo suas obras!”

F. D., antigo magistrado

O Verdadeiro Espírito das Tradições (Allan Kardec, in “Revista Espírita” – Novembro

1863)

(Sétif, Argélia, 15 de outubro de 1863)

Abri as Escrituras Sagradas e a cada página encontrareis predições ou alegorias incompreensíveis para quem quer que não esteja ao corrente das revelações novas e que, para a maioria, foram interpretadas por seus comentadores de acordo com a opinião que professavam e, muitas vezes, com o seu próprio interesse. Mas tomando como guia a ciência que começastes a adquirir, podereis facilmente descobrir o sentido oculto que elas encerram.

Os antigos profetas eram todos inspirados por Espíritos elevados, mas que só lhes davam, em suas revelações, ensinamentos que só eram compreendidos por inteligências de escol, e cujo sentido não estivesse em oposição muito patente com o estado dos conhecimentos e dos preconceitos daquele tempo. Era necessário que fosse possível interpretá-los de maneira apropriada à inteligência das massas, para que estas não as rejeitassem, como não teriam deixado de fazer se essas predições estivessem em frontal oposição com as ideias gerais.

Hoje o nosso cuidado deve ser o de vos esclarecer completamente e, ao mesmo tempo, vos fazer compreender os paralelos existentes entre as nossas revelações e as dos Antigos. Temos outra tarefa a desempenhar: a de combater a mentira, a hipocrisia e o erro, tarefa muito difícil e muito árdua, mas cujo fim alcançaremos, pois tal é a vontade de Deus. Tende fé e coragem; Deus jamais encontra um obstáculo irresistível à sua vontade. Meios imprevistos serão empregados por suas ordens para vencer o gênio do mal, personificado agora pelos que deveriam marchar à frente do progresso e propagar a verdade, em vez de entravá-la pelo orgulho ou pelo interesse.

Page 206: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

206

É preciso, pois, anunciar por toda parte, com confiança e segurança, o fim, que se avizinha, da escravidão, da injustiça e da mentira. Digo o fim que se avizinha porque os acontecimentos, embora devendo realizar-se com a sábia lentidão que a Providência imprime em suas reformas, com vistas a evitar as desgraças inseparáveis de uma grande precipitação, tenham seu curso num espaço de tempo mais próximo do que o esperam os que se atemorizam com os obstáculos que preveem, e também num tempo mais breve do que o aguardado por aqueles que, por medo ou egoísmo, estão interessados na manutenção indefinida desse estado de coisas.

Sede, pois, ardentes na propaganda, mas prudentes diante dos vossos ouvintes, não apavorando as consciências timoratas e ignorantes. Só os egoístas não exigem a menor circunspeção nem vos devem inspirar qualquer medo. Tendes a ajuda de Deus; sua resistência, pois, será impotente contra vós; é preciso lhes mostrar sem equívoco o futuro terrível que os espera, por sua própria causa e por causa dos que se deixarem perverter por seu exemplo, pois cada um é responsável pelo mal que faz e por aquele do qual for a causa.

Santo Agostinho

Conflitos Existenciais e Fugas Psicológicas (Joanna de Ângelis, in “Psicologia da Gratidão”

– cap. 6)

Cada pessoa experiência as emoções que dizem respeito ao nível de consciência em que estagia, não conseguindo de um para outro momento ultrapassá-lo. Diante desse acontecimento, os conflitos existenciais e as fugas psicológicas exercem um papel determinante no seu comportamento.

Os referidos conflitos são resultados de heranças ancestrais, quando foram cometidos atos que atentaram contra a ética e o bem proceder, dando lugar ao surgimento da culpa encarregada de transformar-se em aflição e desgaste do equilíbrio.

Noutras vezes, surgem como decorrência do processo de desenvolvimento ético-moral, quando ainda não havia a capacidade de discernimento responsável pela censura aos comprometimentos perturbadores, sendo aceitos como naturais e, portanto, frutos da sombra que permanecia ditando as atitudes mais compatíveis com a sua natureza arquetípica.

Nesse estágio, ocorrem os problemas emocionais que vergastam o ser, perturbando lhe a capacidade de orientação e de saúde, instalando-se por longo período gerador de distúrbios que se transferem de uma para outra existência.

Acostumando-se à impossibilidade de alcançar mais altos patamares de bem-estar e de harmonia, permite-se a aceitação do Self enfermiço dominado pelo ego, em estranha vitória no campeonato da evolução.

Torna-se urgente e indispensável a busca de ajuda psicoterapêutica, a fim de poder distinguir de maneira saudável o que é melhor para a conquista da alegria de viver e as diretrizes que deve adotar para conseguir vencer os obstáculos internos que se expressam ameaçadores.

As batalhas mais difíceis de ser vitoriosas são aquelas que se travam nos refolhos da psique, desde o momento em que o indivíduo se propõe alcançar as motivações para o prosseguimento da existência planetária dentro dos padrões da normalidade.

Seja qual for o conflito existencial que se manifeste, a criatura aturde-se e padece a incerteza de qual é o melhor caminho para o auto encontro, passo inicial para a auto iluminação.

Page 207: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

207

Não pode haver um comportamento equilibrado se nos painéis da psique as informações emocionais não se encontram estabelecidas sob o comando e a inspiração dos anseios elevados e pacificadores.

Toda vez quando surge um conflito que se expressa em forma de aflição e de insegurança emocional, torna-se necessário o enfrentamento lógico e frontal com este, de modo que possa libertar-se mediante o uso da razão e do ajustamento psicológico que se fazem necessários. São distúrbios dessa natureza que empurram para o vício, para a dependência de drogas aditivas, para a dissimulação e as fugas da realidade com transferência de responsabilidade para os outros.

O paciente, nesse caso, assume a atitude infeliz e acredita que tudo quanto lhe ocorre é resultado da antipatia que os outros lhe demonstram, refugiando-se nos escuros porões da comodidade, não envidando esforços para a luta que deve ser travada, a princípio mentalmente, diluindo as desculpas e justificativas pelo estado mórbido que o possui, para logo iniciar o esforço de compartilhar das atividades no grupo social, ajustando-se e modificando a óptica de observação dos fatos.

Apoiando-se, porém, no bastão da indiferença pela situação em que moureja, permanece em lamentável postura que pretende transformar em arma de acusação contra as demais pessoas.

Nesses pacientes, não surge o sentimento da gratidão que é sempre espontâneo, porquanto se acreditam vítimas indefesas da sociedade e, como efeito, agasalham ressentimento e amargura que mais os desajustam.

Os conflitos existenciais fazem parte do processo de evolução, porque, à medida que se vai abandonando uma faixa de experiência, conduz-se todo o material que foi armazenado, seja ele de qual conteúdo se revista.

Como a aprendizagem de novos hábitos é lenta e a superação dos atavismos perturbadores exige coragem, determinação e insistência, na fase inicial da luta apresenta-se como tentativas de acerto e de erro até que se definam as características que passam a alterar a conduta, dando lugar a novos cometimentos.

Somente uma atitude racional e grande equilíbrio emocional para se ter a coragem de reconhecer as próprias deficiências que resultam do processo evolutivo, aliás perfeitamente normais durante o seu trânsito no rumo do desenvolvimento psíquico e psicológico.

Narra-se, e tornou-se muito conhecida com variações, embora com o mesmo conteúdo, a história de um monge budista que rumava na direção do monastério acompanhado por alguns dos seus discípulos, quando, passando por uma ponte, viram um escorpião que estava sendo arrastado pela correnteza na qual se debatia, afogando-se.

O monge, apiedado, correu pela margem do rio, introduziu a mão na água e retirou-o da morte certa.

Alegre por havê-lo salvado da situação, quando o trazia para o solo, o escorpião picou-o, produzindo-lhe uma grande dor, que o fez derrubá-lo novamente nas águas...

Nesse momento, o monge correu e, tomando um pedaço de madeira, novamente se adentrou nas águas e retirou-o, salvando-o.

Retornou ao caminho em silêncio após o seu gesto nobre, quando um dos discípulos, surpreendido pela ocorrência, indagou-o:

— Mestre, penso que o senhor não se encontra bem. A sua tentativa de salvar esse aracnídeo nojento e perverso, que lhe agradeceu o gesto nobre com uma picada dolorosa,

Page 208: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

208

redundou inútil e perniciosa para o senhor. Não seria natural que o deixasse morrer, em vez de intentar por segunda vez salvá-lo, correndo novamente o mesmo risco?

O monge escutou com suave sorriso na face e respondeu com bondade: — Ele agiu conforme a sua natureza, enquanto eu procedi conforme a minha. Ele

reagiu por instinto, defendendo-se mediante a agressão, e eu agi de acordo com o meu sentimento de amor por tudo e por todos...

Encontramos nessa historieta a superação dos conflitos tormentosos sem nenhuma tentativa de fuga psicológica para transferir responsabilidade.

A emoção consciente da sua realidade é sempre lógica e nobre, contribuindo em favor da ordem e do dever.

Não se escusa, não se justifica, não transfere as atividades que lhe dizem respeito para os outros, contribuindo em favor do bem onde quer que se faça necessário. Tampouco se inquieta com a ingratidão, porque reconhece que cada ser se movimenta no nível de consciência e de discernimento que lhe é próprio.

Existem aqueles que, por um bom período da vida somente esperam receber, fruir, desfrutar dos favores de todos sem o mínimo compromisso com a retribuição ou com o bem-estar geral. Desde que se sintam atendidos e fisiologicamente satisfeitos, tudo se encontra bem. Ainda permanecem no período egocêntrico da evolução psicológica, agindo conforme a sua natureza. A ingratidão é-lhes uma característica definidora do comportamento, fazendo que sempre exijam e projetando a imagem de que as demais pessoas estão equivocadas, quando não fogem para a postura do martírio, a fim de inspirarem compaixão, provocando conflitos de culpa nos demais.

A gratidão constitui bênção de amadurecimento psicológico que felicita o Espírito, facultando-lhe ampliar os sentimentos de amor e de compaixão, porque reconhece todos os bens de que desfruta, mesmo quando alguma circunstância menos feliz se apresenta.

Não se expressa apenas quando tudo transcorre bem e comodamente. Mas especialmente quando o testemunho e a dor se apresentam convidando à reflexão.

A vida é, sem dúvida, um hino de gratidão a Deus em todas as suas expressões.

A Espada Simbólica (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 104)

“Não cuideis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada.” — Jesus. (Mateus, 10:34)

Inúmeros leitores do Evangelho perturbam-se ante essas afirmativas do Mestre Divino, porquanto o conceito de paz, entre os homens, desde muitos séculos foi visceralmente viciado. Na expressão comum, ter paz significa haver atingido garantias exteriores, dentro das quais possa o corpo vegetar sem cuidados, rodeando-se o homem de servidores, apodrecendo na ociosidade e ausentando-se dos movimentos da vida.

Jesus não poderia endossar tranquilidade desse jaez, e, em contraposição ao falso princípio estabelecido no mundo, trouxe consigo a luta regeneradora, a espada simbólica do conhecimento interior pela revelação divina, a fim de que o homem inicie a batalha do aperfeiçoamento em si mesmo. O Mestre veio instalar o combate da redenção sobre a Terra. Desde o seu ensinamento primeiro, foi formada a frente da batalha sem sangue, destinada à iluminação do caminho humano. E Ele mesmo foi o primeiro a inaugurar o testemunho pelos sacrifícios supremos.

Há quase vinte séculos vive a Terra sob esses impulsos renovadores, e ai daqueles que dormem, estranhos ao processo santificante!

Buscar a mentirosa paz da ociosidade é desviar-se da luz, fugindo à vida e precipitando a morte. No entanto, Jesus é também chamado o Príncipe da Paz.

Page 209: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

209

Sim, na verdade o Cristo trouxe ao mundo a espada renovadora da guerra contra o mal, constituindo em si mesmo a divina fonte de repouso aos corações que se unem ao seu amor; esses, nas mais perigosas situações da Terra, encontram, nEle, a serenidade inalterável. É que Jesus começou o combate de salvação para a Humanidade, representando, ao mesmo tempo, o sustentáculo da paz sublime para todos os homens bons e sinceros.

Entre os Cristãos (Emmanuel, in “Caminho, Verdade e Vida” – cap. 155)

“Mas entre vós não será assim.” — Jesus. (Marcos, 10: 43)

Desde as eras mais remotas, trabalham os agrupamentos religiosos pela obtenção dos favores celestes.

Nos tempos mais antigos, recordava-se da Providência tão-só nas ocasiões dolorosas e graves. Os crentes ofereciam sacrifícios pela felicidade doméstica, quando a enfermidade lhes invadia a casa; as multidões edificavam templos, em surgindo calamidades públicas.

Deus era compreendido apenas através dos dias felizes. A tempestade purificadora pertencia aos gênios perversos. Cristo, porém, inaugurou uma nova época. A humildade foi o seu caminho, o amor

e o trabalho o seu exemplo, o martírio a sua palma de vitória. Deixou a compreensão de que, entre os seus discípulos, o princípio de fé jamais será o da conquista fácil de favores do céu, mas o de esforço ativo pela iluminação própria e pela execução dos desígnios de Deus, através das horas calmas ou tempestuosas da vida.

A maior lição do Mestre dos Mestres é a de que ao invés de formularmos votos e sacrifícios convencionais, promessas e ações mecânicas, como a escapar dos deveres que nos competem, constitui-nos obrigação primária entregarmo-nos, humildes, aos sábios imperativos da Providência, submetendo-nos à vontade justa e misericordiosa de Deus, para que sejamos aprimorados em suas mãos.

No Erguimento da Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 19)

"Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus”. - Jesus (Mateus, 5:9.).

Efetivamente, precisamos dos artífices da inteligência, habilitados a orientar o progresso das ciências no planeta. Necessitamos, porém, e talvez mais ainda, dos obreiros do bem, capazes de assegurar a paz no mundo. Não somente daqueles que asseguram o equilíbrio coletivo na cúpula das nações, mas de quantos se consagram ao cultivo da paz no cotidiano:

– Dos que saibam ouvir assuntos graves, substituindo-lhe os ingredientes vinagrosos pelo bálsamo do entendimento fraterno;

– Dos que percebem a existência do erro e se dispõem a saná-lo, sem alargar-lhe a extensão com críticas destrutivas;

– Dos que enxergam problemas, procurando solucioná-los, em silêncio, sem conturbar o ânimo alheio;

– Dos que recolhem confidências aflitivas, sem passá-la adiante; – Dos que identificam que identificam os conflitos dos outros, ajudando-os sem

referências amargas; – Dos que desculpam ofensas, lançando-as no esquecimento; – Dos que pronunciam palavras de consolo e esperança, edificando fortaleza e

tranquilidade onde estejam;

Page 210: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

210

– Dos que apagam o fogo da rebeldia ou da crueldade, com exemplos de tolerância;

– Dos que socorrem os vencidos da existência, sem acusar os chamados vencedores;

– Dos que trabalham sem criar dificuldades para os irmãos do caminho; – Dos que servem sem queixa; – Dos que tomam sobre os próprios ombros toda a carga de trabalho que podem

suportar no levantamento do bem de todos, sem exigir a cooperação do próximo para que o bem de todos prevaleça.

Paz no coração e paz no caminho. Bem-aventurados os pacificadores – disse-nos Jesus –, de vez que todos eles agem

na vida, reconhecendo-se na condição de fiéis e valorosos filhos de Deus.

Prescrições de Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 20)

"Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados..." - Jesus (Mateus, 6:34.).

Na garantia do próprio equilíbrio, alinhemos algumas indicações de paz, destinadas a imunizar-nos contra a influência de aflições e tensões, nas quais, tanta vez imprevidentemente arruinamos tempo e vida:

– corrigir em nós as deficiências suscetíveis de conserto, e aceitar-nos, nas falhas cuja supressão não depende ainda de nós, fazendo de nossa presença o melhor que pudermos, no erguimento da felicidade e do progresso de todos:

– tolerar os obstáculos com que somos atingidos, ante os impositivos do aperfeiçoamento moral, e entender que os outros carregam igualmente os deles;

– observar ofensas como retratos dos ofensores, sem traçar-nos a obrigação de recolher semelhantes clichês de sombra;

– abolir inquietações ao redor de calamidades anunciadas para o futuro, que provavelmente nunca virão a sobrevir;

– admitir os pensamentos de culpa que tenhamos adquirido, mas buscando extinguir-lhes os focos de vibrações em desequilíbrio, através de reajustamento e trabalho;

– nem desprezar os entes queridos, nem prejudicá-los com a chamada superproteção tendente a escravizá-los ao nosso modo de ser;

– não exigir do próximo aquilo que o próximo ainda não consegue fazer; - nada pedir sem dar de nós mesmos;

– respeitar os pontos de vista alheios, ainda quando se patenteiam contra nós, convencidos quanto devemos estar de que pontos de vista são maneiras, crenças, opiniões e afirmações peculiares a cada um;

– não ignorar as crises do mundo; entretanto, reconhecer que, se reequilibrarmos o nosso próprio mundo por dentro - esculpindo-lhe a tranquilidade e a segurança em alicerces de compreensão e atividade, discernimento e serviço - perceberemos, de pronto, que as crises externas são fenômenos necessários ao burilamento da vida, para que a vida não se tresmalhe da rota que as Leis do Universo lhe assinalam no rumo da perfeição.

Na Cultura da Paz (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 54)

“Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus.” – Jesus (Mateus, 5:9.)

Na cultura da paz, saibamos sempre:

Page 211: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

211

– respeitar as opiniões alheias como desejamos seja mantido o respeito dos outros para com as nossas;

– colocar-nos na posição dos companheiros em dificuldades, a fim de que lhes saibamos ser úteis;

– calar referências impróprias ou destrutivas; – reconhecer que as nossas dores e provações não são diferentes daqueles que

visitam o coração do próximo; – consagrar-nos ao cumprimento das próprias obrigações; – fazer de cada ocasião a melhor oportunidade de cooperar a benefício dos

semelhantes; – melhorar-nos, através do trabalho e do estudo, seja onde for; – cultivar o prazer de servir; – semear o amor, por toda parte, entre amigos e inimigos; – jamais duvidar da vitória do bem. Buscando a consideração de pacificadores, guardaremos a certeza de que a paz

verdadeira não surge, espontânea, de vez que é e será sempre fruto do esforço de cada um.

Doação e Nós (Emmanuel, in “Ceifa de Luz” – cap. 57)

“Daí e dar-se-vos-á...” – Jesus (Lucas, 6:38.)

Deus te deu a ciência, a fim de que a estendas, em benefício de nossos irmãos, com tal devotamento que a ignorância jamais consiga entenebrecer os caminhos da humanidade.

Deus te deu o discernimento, para que o teu concurso verbal ajude a compreensão dos que te ouvem, de tal modo que a tua presença, seja onde for, venha a se constituir em luz que dissipe a sombra do desequilíbrio e o nevoeiro da discórdia.

Deus te deu a autoridade, a fim de que exerças a justiça com misericórdia, de tal maneira que a compaixão não desapareça do mundo, sob as rajadas da violência.

Deus te deu a fortuna para que o teu dinheiro se faça coluna do trabalho e da beneficência, com tal abnegação que a penúria jamais aniquile os nossos companheiros ainda felizes, nas trilhas da provação e do desespero.

Deus constantemente algo te dá, entretanto só conservarás e multiplicarás os talentos recebidos através das doações que fizeres.

Todos somos tão-somente usufrutuários dos bens da vida, os quais, no fundo, pertencem unicamente ao Senhor do Universo, que no-los conserva nas mãos, segundo o proveito e o rendimento que lhes venhamos a imprimir.

“Daí e dar-se-vos-á” – afirmou Jesus. Isso, na essência, quer dizer: Deus te dá para que dês.

A Trilogia Bendita (Neio Lúcio, in “Alvorada Cristã” – cap. 16)

Em tempos remotos, o Senhor vinha ao mundo frequentes vezes entender-se com as criaturas.

Certa vez, encontrou um homem irado e mau, que outra coisa não fazia senão atormentar os semelhantes. Perseguia, feria e matava sem piedade. Quando esse espírito selvagem viu o Senhor, aproximou-se atraído pela luz dEle, a chorar de arrependimento.

O Cristo, bondoso, dirigiu-lhe a palavra: — Meu filho, porque te entregaste assim à perversidade? Não temes a justiça do

Pai? Não acreditas no Celeste Poder? A vida exige fraternidade e compreensão.

Page 212: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

212

O malfeitor, que se mantinha prisioneiro da ignorância, respondeu em lágrimas: — Senhor, de hoje em diante serei um homem bom. Alguns anos passaram e Jesus voltou ao mesmo sítio. Lembrou-se do infeliz a quem

havia aconselhado e buscou-o. Depois de certa procura, foi achá-lo oculto numa choça, extremamente abatido. Interpelado quanto à causa de tão lamentável transformação, o mísero respondeu:

— Ai de mim, Senhor! Depois que passei a ser bom, ninguém me respeitou! Fiz-me escárnio da rua... Tenho usado a compaixão e a generosidade, segundo me ensinaste, mas em troca recebo apenas o ridículo, a pedrada e a dilaceração...

O Mestre, porém, abençoou-o e falou. — O teu lucro na eternidade não será pequeno com o sacrifício. Entretanto, não

basta reter a bondade. É necessário saber distribuí-la. Para bem ajudar, é preciso discernir. Realmente é possível auxiliar a todos. Contudo, se a muita gente devemos ternura fraterna, a numerosos companheiros de jornada devemos esclarecimento enérgico. Estimularemos os bons a serem melhores e cooperaremos, a benefício dos maus, para que se retifiquem. Nunca observaste o pomicultor? Algumas árvores recebem dele irrigação e adubo; outras, no entanto, sofrerão a poda, a fim de serem convenientemente amparadas.

O Senhor retirou-se e o aprendiz retomou luta para conquistar o conhecimento. Peregrinou através de muitos livros, observou demoradamente os quadros da vida

e recebeu a palma da ciência. Os anos correram apressados, quando o Cristo regressou e procurou-o,

novamente. Dessa vez, encontrou-o no leito, enfermo e sem forças. Replicando ao Divino

Amigo, explicou-se: — Ai de mim, Senhor! Fui bom e recebi injustiças, entesourei a ciência e minhas

dificuldades cresceram de vulto. Aprendi a amar e desejar em sã consciência, a idealizar com o plano superior, mas vejo a ingratidão e a discórdia, a dureza e a indiferença com mais clareza. Sei aquilo que muita gente ignora e, por isto mesmo, a vida tornou-se-me um fardo insuportável...

O Mestre, porém, sorriu e considerou: — A tua preparação para a felicidade ainda não se acha completa. Agora, é preciso

ser forte. Acreditas que a árvore respeitável conseguiria viver e produzir, caso não soubesse tolerar a tempestade? A firmeza interior, diante das experiências da vida, conferir-te-á o equilíbrio indispensável. Aprende a dizer adeus a tudo o que te prejudica na caminhada em direção da luz divina e distribuirás a bondade, sem preocupações de recompensa, guardando o conhecimento sem surpresas amargas. Sê inquebrantável em tua fé e segue adiante!

O aprendiz reergueu-se e nunca mais experimentou a desarmonia, compreendendo, enfim, que a bondade, o conhecimento e a fortaleza são a trilogia bendita da felicidade e da paz.

A Amizade Real (Neio Lúcio, in “Alvorada Cristã” – cap. 18)

Um grande senhor que soubera amontoar sabedoria, além da riqueza, auxiliava diversos amigos pobres, na manutenção do bom ânimo, na luta pela vida.

Sentindo-se mais velho, chamou o filho à cooperação. O rapaz deveria aprender com ele a distribuir gentilezas e bens.

Page 213: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

213

Para começar, enviou-o à residência de um companheiro de muitos anos, ao qual destinava trezentos cruzeiros mensais.

O jovem seguiu-lhe as instruções. Viajou seis quilômetros e encontrou a casa indicada. Contrariando-lhe a

expectativa, porém, não encontrou um pardieiro em ruínas. O domicílio, apesar de modesto, mostrava encanto e conforto. Flores perfumavam o ambiente e alvo linho vestia os móveis com beleza e decência.

O beneficiário de seu pai cumprimentou-o, com alegria efusiva, e, depois de inteligente palestra, mandou trazer o café num serviço agradável e distinto. Apresentou-lhe familiares e amigos que se envolviam, felizes, num halo enorme de saúde e contentamento.

Reparando a tranquilidade e a fartura, ali reinantes, o portador regressou ao lar, sem entregar a dádiva.

— Para quê? — confabulava consigo mesmo — aquele homem não era um pedinte. Não parecia guardar problemas que merecessem compaixão e caridade. Certo, o genitor se enganara.

De volta, explicou ao velho pai, particularizadamente, quanto vira, restituindo-lhe a importância de que fora emissário.

O ancião, contudo, após ouvi-lo calmamente, retirou mais dinheiro da bolsa, dobrou a quantia e considerou:

— Fizeste bem, tornando até aqui. Ignorava que o nosso amigo estivesse sob mais amplos compromissos. Volta à residência dele e, ao invés de trezentos, entrega-lhe seiscentos cruzeiros, mensalmente, em meu nome, de ora em diante. A sua nova situação reclama recursos duplicados.

— Mas, meu pai — acentuou o moço —, não se trata de pessoa em posição miserável. Ao que suponho, o lar dele possui tanto conforto, quanto o nosso.

Folgo bastante com a noticia — exclamou o velho. E, imprimindo terna censura à voz conselheiral, acrescentou: — Meu filho, se não é lícito dar remédio aos sãos e esmolas aos que não precisam

delas, semelhante regra não se aplica aos companheiros que Deus nos confiou. Quem socorre o amigo, apenas nos dias de extremo infortúnio, pode exercer a piedade que humilha ao invés do amor que santifica. Quem espera o dia do sofrimento para prestar o favor, muita vez não encontrará senão silêncio e morte, perdendo a melhor oportunidade de ser útil. Não devemos exigir que o irmão de jornada se converta em mendigo, a fim de parecermos superiores a ele, em todas as circunstâncias. Tal atitude de nossa parte representaria crueldade e dureza. Estendamos-lhe nossas mãos e façamo-lo subir até nós, para que nosso concurso não seja orgulho vão. Toda gente no mundo pode consolar a miséria e partilhar as aflições, mas raros aprendem a acentuar a alegria dos entes amados, multiplicando-a para eles, sem egoísmo e sem inveja no coração. O amigo verdadeiro, porém, sabe fazer isto. Volta, pois, e atende ao meu conselho para que nossa afeição constitua sementeira de amor para a eternidade. Nunca desejei improvisar necessitados, em torno de nossa porta e, sim, criar companheiros para sempre.

Foi então que o rapaz, envolvido na sabedoria paterna, cumpriu quanto lhe fora determinado, compreendendo a sublime lição de amizade real.

Page 214: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

214

A Exaltação da Cortesia (Neio Lúcio, in “Jesus no Lar” – cap. 17)

À frente da multidão de sofredores e desalentados, relacionou o Mestre as bem-aventuranças, destacando, com ênfase, a declaração de que os mansos herdariam a Terra.

A afirmativa, porém, soou entre os discípulos de maneira menos agradável. Tal asserção não seria encorajamento à ociosidade mental? Se o Evangelho reclamava espíritos valorosos na sementeira das verdades

renovadoras, como acomodar a promessa com a necessidade do destemor? Se o mal era atrevido e contundente, em todos os climas e posições, como estabelecer o triunfo inadiável do bem através da incapacidade de reagir, embora pacificamente?

Nessas interrogações imprecisas, reuniu-se a assembleia familiar no domicílio de Pedro.

Iniciados os comentários edificantes da noite, entreolhavam-se os discípulos entre a indagação e a curiosidade.

O Divino Amigo parecia perceber os motivos da expectação, em torno, mas esperava, sereno, que os seguidores se pronunciassem.

Foi então que Judas, rompendo o véu de respeito que aureolava a presença do Mestre, inquiriu, loquaz:

— Senhor, por que atribuíste aos mansos a posse final da Terra? Os corações acovardados gozarão de semelhante bênção? Os incapazes de testemunhar a fé, nos momentos graves de luta e sacrifício, serão igualmente bem-aventurados?

Jesus não respondeu, de imediato. Vagueou o olhar, através dos circunstantes, como a pedir-lhes a exposição de

quaisquer dúvidas que lhes povoassem a alma. Pedro cobrou ânimo e perguntou: — Sim, Mestre: se um malfeitor visitar-me a casa, não devo recordar-lhe os

imperativos do acatamento recíproco? Entregar-me-ei sem qualquer admoestação fraternal aos seus delituosos caprichos, a pretexto de guardar a mansidão a que te referiste?

O Cristo sorriu, como tantas vezes, e enunciou, calmo: — Enganaram-se todos, naturalmente. Eu não fiz o elogio da preguiça, que se

mascara de humildade, nem da covardia que se veste de cordura para melhor acomodar-se às conveniências humanas. As criaturas que se afeiçoam a semelhantes artifícios sofrerão duramente os instrumentos espirituais de que o mundo se utiliza para reajustar os caracteres tortuosos e indecisos. Exaltei, na realidade, a cortesia de que somos credores uns dos outros. Bem-aventurados os homens de trato ameno que sabem usar a energia construtiva entre o gesto de bondade e o verbo da compreensão! Bem-aventurados os filhos do equilíbrio e da gentileza que aprendem a negar o mal, sem ferir o irmão ignorante que os solicita sem saber o que pede!

Abençoados os que repetem mil vezes a mesma lição, sem alarde, para que o próximo lhes aproveite a influenciação na felicidade justa de todos! Bem-aventurados aqueles que sabem tratar o rico e o pobre, o sábio e o inculto, o bom e o mau, com espírito de serviço e entendimento, dando a cada um, de conformidade com os seus méritos e necessidades e deixando os sinais de melhoria, de elevação, bem-estar e contentamento por onde cruzam! Em verdade vos digo que a eles pertencerá o domínio espiritual da Terra, porque todo aquele que acolhe os semelhantes, dentro das normas do amor e do respeito, é senhor dos corações que se aperfeiçoam no mundo!

Page 215: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

215

Alívio e alegria transbordaram do ânimo geral e, de olhos fitos, agora, nas águas imensas do grande lago, o Senhor pediu a Mateus encerrasse o fraterno entendimento da noite, pronunciando uma prece.

A Caridade Desconhecida (Neio Lúcio, in “Jesus no Lar” – cap. 20)

A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do bem, com a viva colaboração verbal de todos.

Como expressar a compaixão, sem dinheiro? Por que meios incentivar a beneficência, sem recursos monetários?

Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e a maioria inclinava-se a admitir que somente os poderosos da Terra se encontravam à altura de estimular a piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando, bondoso:

— Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu ao exercício da beneficência; entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum, retirar a mínima parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes. Em verdade, dava de si mesmo, quanto possível, em boas palavras e gestos pessoais de conforto e estímulo a quantos se achavam em sofrimento e dificuldade; porém, magoava-lhe o coração a impossibilidade de distribuir agasalho e pão com os andrajosos e famintos à margem de sua estrada.

Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor. Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública, podia

perfeitamente guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela Terra. Assim é que passou a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos

inferiores que lhe eram sugeridos; quando em contato com pessoas interessadas na maledicência, retraía-se, cortês, e, em respondendo a alguma interpelação direta, recordava essa ou aquela pequena virtude da vítima ausente; se alguém, diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira como enfermidade digna de tratamento e recolhia-se à quietude; insultos alheios batiam-lhe no espírito à maneira de calhaus em barril de mel, porquanto, além de não reagir, prosseguia tratando o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não encontrava acesso em sua alma, de vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande silêncio; reparando ameaças sobre a tranquilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens da incompreensão, sem alarde, antes que assumissem feição tempestuosa; se alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo, mobilizava, espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e imperceptível; seu zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente minucioso que chegava a retirar detritos e pedras da via pública, para que não oferecessem perigo aos transeuntes.

Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de atender às sugestões da beneficência que o mundo conhece. Jamais pudera estender uma tigela de sopa ou ofertar uma pele de carneiro aos irmãos necessitados.

Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal divino, onde o servidor humilde compareceu receoso e desalentado. Temia o julgamento das autoridades celestes, quando, de improviso, foi aureolado por brilhante diadema, e, porque indagasse, em lágrimas, a razão do inesperado prêmio, foi informado de que a sublime recompensa se referia à sua triunfante posição na guerra contra o mal, em que se fizera valoroso empreiteiro.

Page 216: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

216

Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom amigo:

— Distribuamos o pão e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e intensifiquemos a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do combate metódico e sereno contra o mal, em esforço diário, convictos de que, nessa batalha santificante, conquistaremos a divina coroa da caridade desconhecida.

Dupla da Paz (André Luiz, in “Endereços de Paz” – cap. 8)

Súplicas de socorro explodem nos lugares mais recônditos do mundo. As respostas, no entanto, surgem da própria vida. Provações violentas enxameiam-te no caminho… Coragem e paciência. Incompreensões te envolvem a estrada, dificultando-te os passos… Paciência e coragem. Desgostos francamente inesperados aparecem-te, de súbito… Coragem e paciência. Notícias fulminantes esfogueiam-te os ouvidos… Paciência e coragem. Enfermidades sitiam-se a casa, conturbando-te a vida… Coragem e Paciência. Surpresas amargas te procuram, às vezes, por dentro do próprio lar… Paciência e coragem. Entes queridos se te transformam em aflitivos problemas… Paciência e coragem. Conflitos e tentações assomam-te ao pensamento, ameaçando-te a consciência

tranquila… Coragem e paciência. Sejam quais forem os obstáculos que te desafiem, aciona essas duas alavancas da

paz, porque a coragem te manterá o coração ligado à fé no Divino Poder que nos rege os dias e a paciência é a luz da esperança que nasce de nós mesmos nas lutas edificantes do dia-a-dia.

Dez Apontamentos de Paz (André Luiz, in “Mentores e Seareiros”)

1º Aprenda a desculpar infinitamente para que os seu erros, à frente dos outros, sejam esquecidos e perdoados.

2º Cale-se, diante do escárnio e da ofensa, sustentando o silêncio edificante, capaz de ambientar-lhe a palavra fraterna em momento oportuno.

3º Não cultive desafetos, recordando que a aversão por determinada criatura é, quase sempre, o resultado da aversão que lhe impuseste.

4º Não permita que o egoísmo e a vaidade, o orgulho e a discórdia se enraízem no seu coração, lembrando que toda a ideia de superestimação dos próprios valores é adubo nos espinheiros da irritação e do ódio.

5º Perante o companheiro que se rendeu às tentações de natureza inferior, deixe que a compaixão lhe ilumine os pontos de vista, pensando que, em outras circunstâncias, poderia você ocupar-lhe a indesejável situação e o lugar triste.

6º Não erga a sua voz demasiado e nem tempere a sua frase com fel para que a sua palavra não envenene as chagas do próximo.

Page 217: XXXIX COMEERJ – XXIV ENEFE OLHA O SOL ATRÁS DOS … · xxxix comeerj – xxiv enefe olha o sol atrÁs dos montes: confia e vai

217

7º Levante-se, cada dia, com a disposição de servir sem a preocupação de ser servido, de auxiliar sem retribuição e cooperar sem recompensa, para que a solidariedade espontânea te favoreça com os créditos e recursos da simpatia.

8º Esqueça a calúnia e a maledicência, a perversidade e as aflições que lhe dilaceram a alma, entendendo nas dores e obstáculos do mundo as suas melhores oportunidades de redenção.

9º Lembre-se de que os seus credores estão registrando a linguagem de seus exemplos e perdoar-lhe-ão as faltas e os débitos, à medida que você se fizer o benfeitor desinteressado de muitos.

10º Não julgue que o serviço da paz seja mero problema da boca mas, sim, testemunho de amor renúncia, regeneração e humildade da própria vida, porque, somente ao preço de nosso próprio suor, na obra do bem, é que conseguiremos reconciliar-nos, mais depressa, com os nossos adversários, segundo a lição do Senhor.

Se vos internardes pelo terreno baldio da queixa, em breve, vos achareis mergulhados no charco de compridas lamentações.