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l i ítl Aios I s Coiqiiiti Jt Ceoti Portugal e a criação do primeiro sistema mundial

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Actas do XXIV Colóquio de História Militar“Nos 600 Anos da Conquista de Ceuta - Portugal e a Criação do Primeiro Sistema Mundial”

COORDENAÇÃO CIENTÍFICA:

Prof. Doutor Francisco J. Rogado Contente Domingues

ORGANIZAÇÃO:

Doutor Jorge Silva Rocha (CPHM)

EDIÇÃO:

Comissão Portuguesa de História Militar

CAPA:

Jorge Silva Rocha (CPHM)

COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO

Rainho & Neves - Artes Gráficas

Novembro de 2016

TIRAGEM: 200 Exemplares

DEPÓSITO LEGAL: 416410/16

ISBN: 978-989-8593-10-8

Todos os direitos reservados

N ota: Todas as imagens impressas nestas Actas e suas autorizações de publicação são da exclusiva

responsabilidade dos autores dos textos.

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XXIV COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR

Nos 600 Anos da Conquista de Ceuta Portugal e a Criação do Primeiro Sistema Mundial

ACTAS

Lisboa 17 a 20 de Novembro de 2015

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ABASTECER A GUERRA NOUTRO OCEANO:O ARMAZÉM DAS ARMAS DE GOA EM 1545-1546*

Mestre ROGER LEE DE JESUS1 2

Resumo

Este artigo pretende analisar a estrutura, organização e conteúdo do Armazém de Goa em 1546. Baseamo-nos numa devassa inédita ordenada pelo governador D. João de Castro, aquando da sua chegada à capital do chamado Estado da índia. Este manuscrito, hoje preservada na Biblioteca da Ajuda, dá conta do material existente neste edifício, do seu estado de conservação e disposição interna, dados raramente encontrados noutra documentação. Nom eado para este cargo no início de 1545, D. João de Castro é uma das figuras mais emblemáticas da presença portuguesa na Ásia. O seu governo e curto vice-reinado (1545-1548) decorreu num conturbado período de tensão político-militar, especialmente no âmbito da guerra movida contra soberanos locais. Ficou particularmente marcado por diversas reformas na estrutura militar, financeira e administrativa reforçando assim o poder da Coroa na Ásia. A reorganização do Armazém de Goa nestes anos foi crucial para assegurar o abastecimento logístico das restantes fortalezas e dos próprios efectivos militares tão frequentemente utilizados nas campanhas militares de D. João de Castro.

Palavras-chave: Logística, Armazéns, Armaria, Artilharia, D. João de Castro

1 A versão final do texto beneficiou dos comentários e sugestões de André Murteira, José Virgílio Pissarra e Tiago Machado de Castro.2 Doutorando em Altos Estudos em História - Época Moderna na Universidade de Coimbra. Colaborador do Centro de História da Sociedade e da Cultura (UC) e assistente de investigação do Centro de História d’Aquém e d’Além Mar (FCSH/NOVA-UAç).

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O presente estudo da organização e conteúdo do Armazém de Goa durante o governo de D. Joáo de Castro (1545-1548) pretende dar relevo à estrutura logística e orgânica da presença portuguesa na Ásia. Conceito recente na terminologia militar (séculos XIX/XX), a logística encontra-se intimamente ligada à administração da guerra, pois concorre para fornecer e manter os meios necessários ao ofício de Marte3. Apesar dos poucos estudos dedicados à logística militar portuguesa na Época Moderna, as guerras - mais no Império do que no reino - permitiram manter a presença lusa desde o Brasil a Macau e ao Japão4 5. Neste sentido, este estudo de caso procura contribuir com mais uma peça para o complexo puzzle que é a guerra e as guerras na Expansão Portuguesa. Publicamos, no final, a transcrição do manuscrito inédito quinhentista, permitindo assim que sirva para futuros estudos sobre o papel dos armazéns no Império Português.

1. Dos armazéns do reino aos armazéns do “Estado da índia”3

Sendo certo que, na época medieval, as armas deviam ser custeadas pelos próprios soldados, o Armazém Régio surge em Portugal somente na segunda metade do século XIV, no reinado de D. Fernando, sediado em Lisboa (dentro da velha cerca muçulmana, abaixo da Sé), enquadrando-se numa vasta política de controlo da organização militar do reino6. O Armazém veio a ser um “complexo de produção, técnico e logístico centralizado em Lisboa”, um arsenal estatal que não produzia para o mercado nem visava o lucro7. O armamento era entáo distribuído pelas fortalezas, navios e aos homens de arma que, regra geral, era pago por estes, sendo o valor descontado no soldo8.

No reinado de D. Manuel I, procedendo a vastas reformas urbanísticas em Lisboa, o Almazém foi instalado perto do Terreiro do Paço, frente ao Tejo. Situava-se assim na proximidade de outras estruturas logísticas, como os Armazéns de Guiné e índias, os Armazéns da Ribeira, a Cordoaria, a Casa da Pólvora e outros9. Na sua famosa

3 Veja-se, entre outros, «Logistique» in CHALIAND, Gérard e BLIN, Arnaud (eds.) - Dictionnaire de stratégie militaire des origines à nosjours. Paris: Perrin, 1998. ISBN 226-201-374-8, 795 p.4 Sobre a logística e a orgânica da da estrutura militar portuguesa veja-se, por exemplo, RODRIGUES, Vitor Luís Gaspar - A organização militar do Estado Português da índia (1500-1580). Lisboa: policopiado, 1990, e de PISSARA, José Virgílio Amaro - A armada da índia. Cômputo, tipologia e funcionalidade das armadas de guerra portuguesas do oriente (1501-1510). Lisboa: tese de mestrado policopiada/FLUL, 2001; “A indústria Portuguesa de artilharia nas primeiras décadas do século XVI. um estudo introdutório” in Vasco da Gama. Homens, viagens e culturas. Lisboa: CNCDP, 2001. ISBN 972-787-068-6. pp. 347-395 e ‘Armazéns” in DOM INGUES, Francisco Contente (dir.) — Dicionário da Expansão Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2016. ISBN 978-972-42-5083-0. pp. 86-91.5 À época denominados almazéns, o local onde estavam depositadas as armas ou arsenal.6 Cf. MONTEIRO, João Gouveia - Armeiros e armazéns nos finais da Idade Média. Viseu: Palimage, 2001. ISBN 972-857-520-3. pp. 13-21.7 PISSARRA, José Virgílio Amaro - “Armazéns”, cit., p. 91.8 PISSARRA, José Virgílio Amaro - A Armada da ín dia..., cit., pp. 126-127.9 Cf. COSTA, Leonor Freire - Naus e galeões na Ribeira de Lisboa. A construção naval no século XVIpara a Rota do Cabo. Cascais: Patrimonia, 1997. ISBN 972-744-017-7. pp. 264-270; sobre o armazém de Lisboa veja-se também CAETANO, Carlos - A Ribeira de Lisboa na época da Expansão Portuguesa (séculos XV a

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descrição da cidade de Lisboa, Damião de Góis diz-nos que estava “ [.••] repleto de ingente cópia de todo o género de armas, máquinas de guerra, de morteiros, e de tudo o mais que pertence à condução de combates por terra e por mar” e que a quantidade de pólvora, pelouros e tudo o mais era tão grandiosa que ele próprio tinha receio de que “[...] se eu tentasse esmiuçar e descrever as diversas formas, número, o peso de cada uma delas, receio que se poderia supor que estava a apresentar nesta obra falsidades em vez de factos verdadeiros”10. A descrição do arsenal aquando da viagem do Cardeal Alexandrino, em 1571, mantém a mesma ideia de grandeza11. Transpondo este modelo para os territórios do Indico, o primeiro armazém das armas terá sido estabelecido em Cochim, com a mesma estrutura orgânica existente no reino: um almoxarife e um escrivão12. Temos também referência, nas primeiras décadas do século XVI, ao Almazém de Cananor13 e de Ormuz14. Com a conquista de Goa em 1510, Afonso de Albuquerque ocupou o arsenal já existente, passando esse a servir os interesses militares portugueses15. Com a capitalização de Goa na década de trinta, na governação de Nuno de Cunha, a importância do armazém aumentou consideravelmente passando a ser o principal de todo o “Estado da índia” . Localizava-se perto da Ribeira das Galés, nas margens do Mandovi - nos inícios do século XVII, Fr. João dos Santos identifica os “almazéns das munições, e artelharia cTel-Rei” defronte do Paço dos Vice-reis, informação confirmada pelo viajante francês Pyrard de Lavai16. Não nos esqueçamos que os edifícios mudavam

XVIII). Lisboa: Pandora, 2004. ISBN 972-8247-14-1, pp. 176-179.10 GÓIS, Damião de - Descrição da cidade de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 2001. ISBN 972-241- 160-8. pp. 53-54.11 Cf. VITERBO, Francisco Marques de Sousa - “Armarias e arsenais portuguezes no século XVI”, Revista Militar, N .° 13, 15-VII-1887, p. 388. Outras descrições do século XVI podem ser vistas em CAETANO, Carlos - A Ribeira de Lisboa..., cit., pp. 177.12 Cf. CARITA, Rui - “A armaria na Expansão portuguesa” in PAULINO, Francisco Faria (coord.) - Tapeçarias de D. João de Castro. Lisboa: MNAA, 1995. ISBN 972-960-667-6. pp. 65.13 Mandado de 10-IX-1509, ANTT, Corpo Cronológico, Parte 2, Maço, 23, Doc. 114 pub. Cartas de Afonso de Albuquerque, PATO, Raimundo António de Bulhão (dir.). Lisboa Academia Real da Sciencias de Lisboa, 1898, tomo IV, pp. 292-293.14 Mandado de 30-VI-1515, ANTT, Corpo Cronológico, Parte 2, Maço, 58, Doc. 144 pub. Cartas de Afonso de Albuquerque..., cit., t. II, p. 153.15 Cf. CORREIA, Gaspar - LencUs da índia. Porto: Lello & Irmão Editores, 1975, vol. 2, p. 60. A descrição do conteúdo do armazém (dito arsenal), em 1510, aquando da conquista da cidade por Afonso de Albuquerque, é referida e traduzida para inglês no livro de DAEHNHARDT, Rainer - Espingarda feiticeira: a introdução da arma de fogo pelos portugueses no extremo oriente / The beivitched gun: the introduction ofthe firearm in the fa r east by portuguese. Lisboa: Texto Editora, 1994. ISBN 972-47-0373-8, p. 37. Tenha-se em atenção que a referida passagem está simplesmente adaptada do original, e que a designação aí dada ao arsenal (“Casa das Dez Mil Espingardas”) é completamente inverosímil e deturpada a partir de uma simples passagem da mesma obra de Gaspar Correia onde somente é referida a criação de uma espingardaria com o fim de ter 10 mil espingardas - CORREIA, Gaspar - Lendas da índia, cit., vol. 4, p. 663.16 C f SANTOS, João dos - Etiópia Oriental e Vária História de Cousas Notáveis do Oriente, ed. Manuel Lobato. Lisboa: CNCDP, 1999. ISBN 972-8325-76-2, p. 595; LAVAL, François Pyrard de - Voyage de Pyrard de Lavai aux Indes orientales (1601-1611), ed. Xavier de Castro. Paris: Éditions Chandeigne, 1998. ISBN 2-906462-50-0, vol. 2, p 578.

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facilmente de lugar, como aconteceu com a Alfândega durante o governo do vice-rei D. Constantino de Bragança17.

Os oficiais desta estrutura (almoxarife e escrivão) tratavam assim do acondicionamento, depósito e distribuição do armamento conforme nos indica o Regimento doAlmazém , de 152618. Já a compra de todo o material era da responsabilidade do feitor da fortaleza. O dito regimento chama ainda a atenção para a rigorosa proibição de se emprestar qualquer armamento sem a devida justificação e registo no livro do Armazém - tentava-se assim evitar a perda de armamento pago pela fazenda régia.

Quanto à manutenção do armamento, as fontes mostram-nos a existência de uma grande preocupação quanto ao seu acondicionamento. Planeava-se a gestão dos (sempre escassos) recursos, de forma a rentabilizá-los e a tê-los prontos em caso de necessidade. Por exemplo, o regimento da Fortaleza de Sofala, datado de 1530, aponta o cuidado que o capitão deveria ter “ [...] de todas as ditas armas e cousas aquy decradadas serem bem providas e limpas de maneira que à mimgoa disso nom se percão”, obrigando-o a “muy a meudo ver a casa em que as armas esteverem” para verificar se o seu estado “compre a meu serviço”19. Fernando Oliveira, célebre autor do tratado A Arte da Guerra do Mar, de 1555, também aborda a necessidade dos armazéns estarem bem apetrechados: “este[ja] m todas estas cousas [material da pólvora] prestes e a bom recado, em lugares enxutos, e guardadas do fogo. As bombardas repayradas de carretas, os arcabuzes de coronhas e toda sua munição. Assy estas como as outras armas limpas e revistas muytas vezes. Haja armas defensivas como couraças, arneses, malha, capacetes, e rodellas, ou paveses”20.

2. O auto sobre o armazém de Goa

D. João de Castro foi nomeado governador do “Estado da índia” no início de 1545, após uma vasta carreira militar ao serviço da Coroa no Norte de África e como capitão de várias armadas da guarda da costa. Após a sua chegada a Goa, em Setembro de 1545, Castro necessitou de resolver uma série de assuntos pendentes, como a desvalorização dos bazarucos (moeda local) ou a ameaça iminente do ataque à cidade por parte do sultão de Bijapur.

Foi certamente depois de lidar com estas questões que o recém-empossado Governador iniciou uma série de vistorias à Ribeira e ao Almazém. Em carta a D. João III, datada de Dezembro de 1546, após a vitória portuguesa no segundo cerco de Diu, D. João de Castro informava que se ocupara de “fazer de novo toda a armada de Vossa

17 Carta da Rainha D. Catarina para a Câmara de Goa, de 14-III-1562 - RIVARA, J.H . da Cunha - Arquivo Português Oriental. Nova-Goa: Imprensa Nacional, 1877, fase. 1, parte I, n.° 35, pp. 58-59.18 Regimento de 30-VIII-1526 - RIVARA, J.H . da Cunha - Arquivo Português O riental..., cit., fase. 5, parte I, n.° 56, alinha VI, p. 99.19 Regimento da Fortaleza de Sofala de 22 de Maio de 1530 pub Documentos sobre os portugueses em Moçambique e na África Central 1497-1840. Lisboa: CEHU, 1969, vol. VI, p. 330.20 Arte da guerra do mar. Estratégia e guerra naval no tempo dos descobrimentos. Lisboa: Edições 70, 2008. ISBN 978-972-44-1561-1. p. 42

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Alteza, [...] assim em concertar trezentas peças de artilharia que estaváo esquecidas de terra, sem rabos, piães, nem outra couza alguma, do que se costuma para poderem servir; em desaterrar as armas do Almazem e as fazer concertar e alimpar o milhor que for possível, das quais se aproveitarão mui poucas a comparação da necessidade que delias há [...] em mandar fazer muitos repairos cfartelharia [...] E porque de todas estas couzas lhe mando autos em que testemunhão os Capitães, Fidalgos, Bispo, Religiozos e todo o Povo, nam faço aqui menção a V. A. de tudo que nestas couzas passou”21. E precisamente sobre um destes autos — o do Armazém — que nos iremos debruçar.

O manuscrito, em excelente estado de conservação, encontra-se, como já foi dito, na Biblioteca da Ajuda e possui a cota 51-VII-21,com o título índia Portuguesa - 1546. Composto por setenta fólios, o códice contém o “Auto feito per mandado do senhor governador dom Johão de Castro sobre as armas e cousas que achou perdidas e danificadas no Allmazem desta cidade de Goa no tempo que tomou pose da governamça”, devassa realizada no início de 1546. Não duvidamos da sua autenticidade nem da sua originalidade, pois o documento encontra-se assinado pelo próprio D. João de Castro e encontra-se no mesmo espólio da Biblioteca da Ajuda que possui alguma documentação referente ao seu governo. O auto encontra-se bem estruturado: uma primeira devassa ao Armazém de Goa, tomando ocorrência do estado das armas, seguido de quinze testemunhos de homens relevantes da administração (civil e militar) acerca da situação das armas aí presentes22.

O objectivo do auto está bem patente no documento: dispor as armas conforme deveriam estar e “ [...] pera saber el rey noso senhor a maneyra de que Sua Senhoria achou qua os allmazens e lhe nam atribuyr cullpa allgua de tamanho destruído nem ho poder mandar obrigar a pagar tamanhas perdas”23. O governador náo apenas cumpria o

21 CORTESÃO, Armando e ALBUQUERQUE, Luís de (eds.) — Obras Completas de D. João de Castro. Coimbra: Academia Internacional de Cultura Portuguesa, 1976, vol. III, p. 313 - abreviaremos doravante esta obra por OCDJC. Sublinhado nosso.22 Curiosamente, praticamente todas as crónicas que narram a presença portuguesa na Ásia sáo totalmente omissas quanto a este episódio - como as obras de Gaspar Correia (.Lendas da índia), Diogo do Couto (Ásia), Francisco de Andrade (Crónica de D. João III), Leonardo Nunes (Crónica de D. João de Castro) e Jacinto Freire de Andrade (Vida de D. João de Castro quatro vice-rei da índia). O único texto narrativo que menciona este caso é a Crónica do Vice-Rei Dom João de Castro, da autoria do seu neto, D. Fernando de Castro. Tal acontece pelo autor ter usado muita documentação original - supomos até que terá tido acesso ao próprio auto por alguns aspectos minuciosos que refere, não obstante cometer graves erros na escrita da sua crónica - cf. CASTRO, Fernando de — Crónica do Vice-Rei D. João de Castro. Tomar: Escola Superior de Tecnologia de Tomar, 1995. ISBN 972-947-316-1. pp. 29-31. Poucos estudos recentes se debruçaram sobre esta fonte — alguns basearam-se numa transcrição moderna existente nos reservados da Biblioteca Nacional (Mss., cx. 199, n.° 151): RODRIGUES, Vitor Luís Gaspar - «A “reformação” das estruturas militares do “Estado da índia” com D. João de Castro (1545-1548)» in Os Mares do Oriente. A presença Portuguesa circa 1507. Actas do X Simpósio de História Marítima. Lisboa: Academia de Marinha, 2011. ISBN 978-972-78- 1107-6, p. 140 e BARATA, José Alberto Leitão - Os Senhores da Navegação. O domínio Português dos Mares da Ásia por meados do século XVI. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 2003. ISBN 972-637-110-4. pp.130-131.23 Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 51-VII-21, fl. 2v.

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serviço do rei, “onde comsyste a honra e segurança e defemsão destas partes e de seu reall estado”24, como simultaneamente se precavia de possíveis queixas futuras apresentando cruamente a situação deixada por anos de desleixo.

A deslocação de D. João de Castro às “casas do Almazém”25 ocorreu certamente nos primeiros meses após a sua chegada, mas supomos que terá adiado o auto por estar ocupado com outros assuntos mais urgentes da governação do “Estado da índia”. O processo iniciou-se então a 27 de Fevereiro de 1546, “nos paços honde pousa o senhor Dom Johão de Castro”26. O governador deu conta da situação do Armazém ao vedor da fazenda (Brás de Araújo), ao ouvidor geral (Simão Martins), ao juiz dos feitos dei rey (Pascoal Florim) e ao procurador dos feitos dei rey (António Rodrigues de Gamboa) e pediu que lá fossem realizar um inventario “ [...] de como se acharam estas armas e cousas acima ditas perdidas e danificadas com declaração da camtidade que de cada sorte se perdeo”27. Foi necessário a estes oficiais deslocarem-se três vezes às casas para poder observar o que era necessário - dia 27 de Fevereiro, 3 e 18 de Março. Iniciou-se neste último dia os interrogatórios individuais a diversas testemunhas, levados a cabo pelo ouvidor geral e pelo escrivão, inquirindo nas pousadas do ouvidor geral três testemunhas (João Luis, Álvaro Pires, Jorge Vaz de Magalhães). No dia seguinte (19 de Março), nas pousadas de Antonio Cardoso (secretário do Governador), foram interrogados o próprio Antonio Cardoso, Rui Gonçalves de Caminho e António Marques. No dia 20 do mesmo mês a itinerância aumentou: nas pousadas do ouvidor geral foram ouvidos Martim Gomes e Diogo Gonçalves e, posteriormente, Pero de Faria, Manuel de Sousa e Vasco da Cunha, cada um respectivamente nas suas pousadas. Descansando no Domingo 21, os trabalhos recomeçaram no dia 22, testemunhando nas pousadas de Nuno Pereira o próprio, bem como Gabriel de Ataíde e Rui Dias, encerrando esta fase dos trabalhos nas pousadas de João Rodrigues Pais com o seu testemunho pessoal. Por fim, a certidão final encontra-se datada de 30 de Abril, encerrando o caso, posteriormente remetido para o reino no final do ano28.

24 Idem, fl. 2r.25 Iderriy fl. Ir.26 Idem, fl. 2r., fl. Ir.27 Idem, fl. 2r e v.28 OCDJCy III, p. 313.

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Tabela I. Testemunhas do auto

Ordem no auto

Da administração militar

Ia João Luís, condestável-mor dos bombardeiros

2a Álvaro Pires, condestável da armada do governador

Funcionários civis

3a Jorge Vaz de Magalhães, almoxarife do Armazém

4a António Cardoso, do Desembargo dei rei e secretário do governador

5a Rui Gonçalves de Caminha, contador e casado de Goa

6a António Marques, escrivão do Armazém

13a Rui Dias, cavaleiro, juiz ordinário

Procuradores dos mesteres

7a Martim Gomes

8a Diogo Gonçalves, alfaiate-mor

Fidalgos

9a Pero de Faria

10a Manuel de Sousa

11a Vasco da Cunha

12a Gabriel de Ataíde

Vereadores

14a Nuno Pereira, fidalgo

15a João Rodrigues Pais, fidalgoO inventário do armamento revela que foram usados avaliadores externos

para averiguar o estado das armas. Em concreto, foram chamados António Toscano e Bertolomeu Fernandes, armeiros, para avaliarem os cossoletes29, capacetes, cervilheiras30, barbotes31, piastrões32 e gorjais33; Bernaldim Paios, couraceiro, para analisar estas armas de corpo; Domingos de Byrta, lanceiro, encarregue de computar as lanças e piques existentes; Baltezar Rodrigues e Simão Lourenço, espingardeiros, por estas armas; Tomé Branco, patrão-mor, para apreciar o velame; e por fim João Luís, condestável-mor dos bombardeiros e Álvaro Pires, condestável da armada do governador, encarregues da artilharia. Destes oito avaliadores, cinco assinaram a documentação de cruz o que demonstra uma baixa alfabetização em patentes inferiores.

29 Armadura ligeira para o tronco.30 Espécie de carnal que defendia a cabeça e a nuca.31 Parte do elmo que defendia a cara, do nariz para baixo.32 Peça de ferro que protegia a couraça, a principal peça de peito.33 Parte da armadura que defendia o pescoço.

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Tabela II. Avaliadores do estado das armas

Antônio Toscano Armeiro

Bartolomeu Fernandes Armeiro

Bernaldim Palos Couraceiro

Domingos de Byrta Lanceiro

Baltazar Rodrigues Espingardeiro

Simão Rodrigues Espingardeiro

Tomé Branco Patrão-mor da Ribeira

João Luis Condestável-mor da artilharia

Alvaro Pires Condestável da armada do Governador

Quinze testemunhas foram interrogadas acerca do estado do Armazém aquando da chegada do governador. Todas elas sáo comprovadamente pessoas influentes e de um certo estatuto na cidade. Algumas delas chegaram a ser consultadas noutras questões da governação de D. João de Castro - como o caso da liberalização da pimenta, da conversão do rei de Tanor ou da presença dos turcos-otomanos em Baçorá, no Golfo Pérsico34. Além da envolvência de todos estes homens, é-nos dito ainda que a primeira visita ao Armazém foi feito pelo governador, acompanhado dos procuradores dos mesteres, “outros fidalgos e gente do povo”35, comprovando o largo impacto que tal devassa teve na cidade.

4. O estado do armamento

Feitos os introitos necessários, é tempo de vermos de perto em que estado se encontrava o armamento português. O Armazém era composto por um edifício com dois andares: o rés-do-chão (a “casa de baixo”) onde era armazenada a artilharia enquanto no andar superior (a “casa de cima) se encontravam as armas de corpo.

Iniciemos pelo andar de baixo. Das diversas peças de artilharia existentes o auto menciona exclusivamente a presença de falcões, berços e meios berços no Armazém, ou seja, peças de artilharia de pequeno e médio calibre com sistema de retrocarga36. Ora maior parte destas peças encontravam-se sem rabos nem piães (parte da estrutura onde era encaixada a peça), lançados em montes, cheios de ferrugem. Uma porção considerável34 Para tal veja-se o quadro existente nas pp. 7-8 da obra de THOM AZ, Luís Filipe F.R. — A Questão da Pimenta em meados do século XVI. Um debate político do governo de D. João de Castro. Lisboa: UCP. ISBN 972-904-509-7. 1998.35 Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 51-VII-21, fl. 4lv.36 Sobre a artilharia naval portuguesa veja-se o recente estudo de PISSARRA, José Virgílio - ‘Armamento Naval” in DOM INGUES, Francisco Contente (coord.), História da Marinha Portuguesa. Navios, marinheiros e arte de navegar, 1500-1668, Lisboa, Academia de Marinha, 2012. ISBN 978-972-781-114-4, pp. 152-177.

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estava até enterrada, levando a que o chão (certamente em terra batida) tivesse de ser escavado. O mesmo se passava com as respectivas câmaras destas peças, muitas delas sem asa. A acrescentar, a casa estava cheia de cairo37 e enxárcia38 - materiais nada relacionados com a artilharia39. No balanço final somavam-se 330 câmaras de berços e 50 câmaras de falcões perdidas40. Das bocas-de-fogo que se consertaram contaram-se 125 falcões pedreiros, 284 berços, 270 meios berços, 1040 câmaras de falcão, 1500 câmaras de berço e 750 câmaras de meios berços41.

Na “casa de cima” o panorama não era melhor. Dos cossoletes, capacetes, cervilheiras, barbotes, piastrões e gorjões todos se encontravam lançados pelo chão, corroídos da ferrugem (algumas destas peças até furadas por tal motivo). Nalguns casos “ [...] quasy se nam podiam bem determinar se heram peytos se espaldeyras dos cosoletes”42. Tal situação levava a crer que não se mexera mais naquelas armas de corpo desde a sua chegada de Portugal. Destas peças de armadura encontravam-se completamente sem restauro possível 761 peitos e 717 espaldeiras43 dos cossoletes, 387 capacetes, 348 barbotes, 461 cervilheiras e 12 gorjais de piastrões44. Aquando da vistoria dos oficiais ao armazém, a 18 de Março, encontraram 251 cossoletes inteiros, bem como 174 cervilheiras e 13 capacetes. Pronto para serem limpos estavam ainda 249 peitos de piastrões, 124 espaldeiras dos piastrões, 61 peitos de cossoletes, 90 cervilheiras e 165 barbotes45.

Os piques e as lanças foram encontrados tortos, sem ferros, partidos e muito deles comidos do caruncho. Cerca de 1226 lanças e 190 piques não tinham qualquer aproveitamento46 e 494 lanças e piques estavam prontos para servir47. As lonas, cotonias e pano de velas de Vila do Conde encontravam-se também “ [...] a granel lançadas no sobrado huas sobre outras”48. Deste velame estavam podres e sem qualquer uso aproximadamente 50 lonas, 30 cotonias de Levante, 150 varas de pano de Vila do Conde e 8 corjas de cotonias da terra49.

Algum material não era passível de ser restaurado como os corpos de couraças, ferrugentos, em pedaços espalhados pela casa50, as cobertas de cavalo, rotas e estilhaçadas51

37 Fibra de coco usada para fabricar cabos para navios.38 Conjunto dos cabos do navio.39 Cf. entre outros testemunhos, Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 51-VII-21, fl. I4v.40 Idem, fl. 10r.41 Idem, fl. 13r.42 Idem> fl. 4v.43 Peça da armadura que protege o ombro.44 Idem, fl. 5v.45 Idem, fl. 1 lv.46 Idem, fl. 7r.47 Idem, fl. 3r e nota à margem.48 Idem, fl. 9r.49 Idem, fl. 9r e v.50 Idemy fl. 6r e v.51 Idemy fl. 8r e v, náo obstante terem sido encontradas, posteriormente algumas vindas do reino, colocadas em cima de um cavalo de pau - fl. 12r.

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e as espingardas arremessadas pelo armazém, gastas da ferrugem, sem coronhas, serpes, fechos nem carregadores52.

Feita a avaliação dos estragos, procedeu-se então a restruturação do Armazém53. De forma a orientar o trabalho de restauro das armas, o governador mandou erguer duas tendas54 e contratar dois armeiros (pagando-lhes mil reais a cada um por mês55) encarregando-os de limpar e guarnecer todas as armas aptas para o serviço da guerra. As próprias casas pertencentes ao Armazém sofreram algumas obras para seguir o “modo dos allmazens que Sua Allteza tem em Lixboa”56.

Na casa de baixo (da artilharia) os berços e falcões deficitários foram corrigidos com novos rabos e piães, todos picados e untados d’azeite para prevenir da ferrugem. Enquanto os berços se encontravam erguidos em pé nas paredes, os falcões encontravam- se colocados sobre vigas levantadas do chão57. As câmaras encontravam-se também picadas e untadas e “postas em remque huas sobre outras”58. Na outra casa, as paredes foram forradas por dentro de tabuado de modo a serem pendurados os cossoletes e respectivas peças59. As lanças e piques foram limpos, endireitados, untados também d’azeite e colocados em cabides feitos especialmente para esse efeito60. Quanto às lonas, cotonias e pano de velas foram colocados em tabernáculos e bancos que mandou fazer de maneira “ [...] que se podem arejar per bayxo e per cima”61.

D. João de Castro observava rigorosamente estas obras. Uma grande parte dos testemunhos refere este zelo - no de Pero de Faria é dito que “ [...] emquamto se nysto trabalhou asy no Almazem como na Ferraria e Ribeira Sua Senhoria foy e vay muitas vezes em pesoa vysytar os que nisso trabalham pera com isso folgarem de o fazer com mylhor vomtade”62.

52 Idem, fl. 7v e 8r.53 Antonio Cardoso chegou a afirmar que “ [...] parecia este almazem caguaçal e agora parece cousa maravilhosa” - fl. 28v.54 Idem, fl. 2v.55 Iderriy fl. 3 lr.56 Idem, fl. 3r.57 Idem, fl. 12v.58 Idem, ibidem.59 Idem, fl. 1 lr.60 Idem, ibidem.61 Idem, fl. 31v.62 Idem, fl. 50r e v.

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Tabela III. Armamento perdido

330 Câmaras de berço

50 Câmaras de falcão

761 Peitos

717 Espaldeiras de cossoletes

387 Capacetes

348 Barbotes

461 Cervilheiras

12 Gorjais de piastrões

1226 Lanças

190 Piques

43 Cobertas de cavalo

288 Canos de espingarda

Partes de couraças espalhadas, ferrugentas

Tabela IV. Armamento reparado

125 Falcões

284 Berços

270 Meios berços

1070 Câmaras de falcão

1500 Câmaras de berço

750 Câmaras de meios berços

251 Cossoletos

174 Cervilheiras

13 Capacetes

294 Peitos de piastrões

124 Espaldeiras dos piastrões

61 Peitos de cossoletes

90 Cervilheiras

165 Barbotes

494 Piques e lanças

50 Lonas

30 Cotonias do Levante

150 Varas de pano de Vila do Conde

8 Corjas de cotonias da terra

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5. As razões da desordem

Depois de vermos o estado do Armazém e a forma como ficou organizado, é legítimo tentar compreender de que forma se chegou a tal ponto. Infelizmente, tendo em conta os poucos estudos relativos a esta matéria, apenas podemos afirmar que tal se deve a vários anos de incúria. Após o forte governo de Afonso de Albuquerque, vários governadores tentaram reforçar as estruturas militares. O investimento feito pelos vice- reis/governadores Vasco da Gama (1524), D. Henrique de Meneses (1524-1526), Lopo Vaz de Sampaio (1526-1529), Nuno da Cunha (1529-1538) - já no reinado de D. Joáo III - indicia que a situação encontrada em Goa terá evoluído entre os governos imediatamente anteriores ao de D. João de Castro: D. Garcia de Noronha (1538-1540), Estêvão da Gama (1540-1542) e Martim Afonso de Sousa (1542-1542).

O governo de Martim Afonso de Sousa é particularmente importante nesta conjuntura. Fidalgo de grande mérito no reino, ocupou a governança da índia após granjear grandes feitos militares nessas partes63. Em carta ao monarca, D. João de Castro evitou culpabilizar o seu antecessor da perdição das armadas, dizendo que “a mi isso parece que a perdição delia não foi a culpa de Martim Afonso, mas hum engano em que caem os capitães muitas vezes por não verem as couzas por seus olhos e se encomendarem a seus oficiais”64. No entanto, várias testemunhas interrogadas pelo ouvidor geral e pelo escrivão, incutem as culpas ao descuido permanente dos anteriores governadores e vedores da fazenda, procurando claramente desresponsabilizar-se da situação a que tal chegara - aliás, tal como o próprio Castro estava a fazer.

Os que assim fizeram encontravam-se directamente ligados ao Armazém e às armas: João Luís, condestável-mor dos bombardeiros, pedira diversas vezes a Aleixo de Sousa “azeyte e aparelho pera aplympar e pycar a dita artelharia e camaras” e este “ho nam quys nunqua fazer”65; Jorge Vaz de Magalhães, almoxarife do armazém, insistira com o vedor para que “mandasse despejar as ditas casas da artelharia e almazen e mandase alympar e pôr em boa ordem a dita artelharia e armas e elle o nam quys nunqua fazer”66; por último António Marques, escrivão do armazém, servia este ofício há cerca de três ou quatro anos e “ [...] já ao tempo que começou a servyr muita parte das cousas atras declaradas estavam asy danefycadas e mal comcertadas”, e parecia-lhe que as coisas pioraram quando o vedor tirara “ [...] os pyães e servydores da casa que costomavam ter cuidado disto por dizer que nam heram nescesareos”67. Parece-nos claro que estes testemunhos são dúbios. Concretizemos: se por um lado a figura de Aleixo de

63 Cf. o estudo de Martim Afonso de Sousa e das suas redes clientelares por PELÚCIA, Alexandra - Martim Afonso de Sousa e a sua linhagem. Trajectóras de uma elite no Império de D. João III e de D. Sebastião. Lisboa: CHAM, 2009. ISBN 978-989-93-3636-2. Especialmente para este assunto as pp. 214-218.64 OCDJC, III, p. 317. Sobre a incúria no tempo de Martim Afonso de Sousa, veja-se a Verdadeira enjformaçam das cousas da índia, em As gavetas da Torre do Tombo, cit., vol. III, gav. XIII, maço 8-43, p. 21465 Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 5 l-VII-21, fl. 15r.66 Idem, fl. 23v e 24r67 Idem, fl. 35r.

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Sousa é largas vezes associada nas crónicas a um mau governo68, por outro estes oficiais procuravam ver-se livres de suspeitas, pois na situação que o armazém se encontrava muito dificilmente se acreditaria que tal teria acontecido rapidamente e sem ninguém se aperceber dessa degradação. Assim, estes três testemunhos parecem procurar um bode expiatório, descartando as suas próprias responsabilidades. Efectivamente, não nos parece que tenha existido uma pressão constante, ao longo dos três anos do governo de Martim Afonso, para que a situação dos armazéns se alterasse.

A falta de organização, consequência da fervorosa vontade de enriquecer rapidamente à custa do comércio privado apresentava-se como uma questão de longa data. Muitos dos interrogados no auto nos dizem que o armazém nunca tivera tão bem arrumado como se veio a ver, não obstante estarem na índia há 1669, 1870, 2571, 2772 ou até 40 anos73. Manuel de Sousa, fidalgo, chega a afirmar que “ [...] tem ouvydo a muitos da terra, pessoas honradas, gabarem o cuidado e coregymento do Ailmazem dizendo que depoys d’Afonso d’Albuquerque nam governara governador nesta tera que bulyse com armas senam ho senhor governador e que parecia que ha queria defender e conquistar mayor parte como fyzera o dito Afonso d’Albuquerque”74.

Conclusão

Em termos logísticos, o provimento do Armazém de Goa foi uma peça fulcral para assegurar as várias campanhas militares encetadas durante o governo de D. João de Castro. A própria organização das forças que iriam descercar Diu veio a beneficiar grandemente com esta restruturação. Caso o governador não tivera tido essa preocupação, o recrutamento e abastecimento de armas das tropas ter-se-ia mostrado muito mais difícil do que na realidade fora75. O zelo manteve-se ao longo do seu governo - Rui Gonçalves de Caminha, vedor da fazenda, escrevia ao próprio governador, em Outubro de 1547, dando conta de que arrolara todas as peças do armazém e de que provera os Armazéns76. As crónicas da época também referem o grande cuidado tido

68 A referida “Verdadeira enffbrmaçam” atrás referida diz-nos que “este Aleixo de Sousa governava mais nestas partes que Martim Afonso e era por allcovitar muitas filhas de casa de seus paeis e muitas molheres casadas e viúvas pera sy e pera o governador [...] e fazia tudo o que lhe vinha a vontade” - As gavetas da Torre do Tombo, cit., p. 209.69 Diogo Gonçalves - Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 51-VII-21, fl. 44v.70 Álvaro Pires - idem, fl. 20r.71 Gabriel de Ataíde - idem, fl. 6lv.72 Martim Gomes - idem, fl. 40r.73 João Luis - idem, fl. 18r..74 Idem, fl 54r e v.75 Sobre o segundo cerco de Diu veja-se o nosso estudo: O Segundo Cerco de Diu (1546). Estudo de História Política e M ilitar. Coimbra: tese de mestrado policopiada/FLUC, 2012, 190 pp.76 Carta de 31 -X-1547, ANTT, Cartas de D. João de Castro - Cartas de Goa, fls. 100-101, pub. (parcialmente) em OCDJC, IV, p. 58.

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por Gárcia de Sá, sucessor de Castro por via de sucessão, com a Ribeira, os Armazéns e a Casa da Pólvora77.

No entanto, muitos outros casos de incúria são conhecidos para esta centúria. Já anteriormente, em 1540, Lucas Veiga, guarda-mor da Ribeira de Goa, se queixara ao rei da grande desorganização que então reinava78. Quase vinte anos depois de Castro, era a vez do Cardeal D. Henrique receber uma queixa acerca do deplorável estado da Ribeira e dos Armazéns de Cochim79. Em Ceuta, em 1585, numa visitação ao Armazém, registou- se um cenário parecido com o de Goa: “muy desbaratado e sem ordem [...] tudo en tanta desordem e tan mal tratado que não parecia casa de almasem”80. Até em 1603 a própria Câmara de Goa se queixava ao monarca que “os Almazéns estão sem hum pelouro, nem hum quintal de polvora, nem huma peça d’artelharia, e mais acomodados para escola d’esgrima, que pera provimento d’armadas”81.

Aos problemas crónicos estruturais da falta de gente e de armamento, podemos acrescentar este problema de organização interna, fruto da incúria dos oficiais e da própria dificuldade em gerir um império pluricontinental e descontínuo como o português. No entanto, da importância das armas fixemos as palavras de Pero de Faria quando inquirido: “per elas e com elas se ganharam e com elas se ha de sostemtar esta ter[r]a e o real estado de Sua Allteza”82. A guerra teve um papel preponderante na fixação dos portugueses além-mar e como afirmou Gaspar Barreiros, juntamente com o comércio “ [...] nos descobriram o que sabemos do mundo”83. Os conflitos portugueses revelavam um forte pendor cruzadístico e apoiados nos quatro valores centrais - honra, proveito, fama e glória84. Instigado pela Coroa/Estado a lutar e a defender-se, o Estado da índia resistiu às forças locais e posteriormente à concorrência europeia. Obrigado a abastecer a guerra noutro oceano, o pequeno reino português desdobrou-se para assegurar as necessidades dos soldados e das fortalezas separadas por uma viagem de milhares de quilómetros.

77 Cf. CORREIA, Gaspar - Lendas da índia, cit., vol. 4, p. 663 e COUTO, Diogo do - Á sia. Lisboa: Na Regia Officina Typographica, 1781, Déc. VI, Liv. VII, Cap. X, pp. 133-134.78 As gavetas da Torre do Tombo, cit., vol. VI, gav. XVI, 3-6, Carta de Lucas de Veiga a D. João III de 7-XI- 1340, pp. 360-367.79 Carta de D. Jorge de Castro ao Cardeal D. Henrique, de 24-1-1563 - ANTT, Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 106, Doc. 52, referido e parcialmente publicado em CAETANO, Carlos - A Ribeira de Lisboa..., cit., pp. 81 e 253.80 ESAGUY, José de - O livro grande de Sampayo ou livro dos vedores de Ceuta (1505-1670). Coimbra: separata de O Instituto, 1941, p. 134.81 RIVARA, J.H . da Cunha - Arquivo Português O riental..., cit., fase. 1, parte II, n.° 9, p 112.82 Biblioteca da Ajuda (Lisboa), Cod. 5 l-VII-21, fl. 46r.83 BARREIROS, Gaspar - Chorographia de alguns lugares que stam em hum caminho que fez Gaspar Barreiros ó anno de MDXXXXVJ começâdo na cidade de Badajoz em Castella te à de Milam em Italia. Coimbra: Por João Alvarez, 1561, fl. 159r.84 Veja-se por exemplo SANTOS. João Marinho dos - A guerra e as guerras na Expansão Portuguesa. Séculos XV eXV I. Lisboa: GTMECDP, 1998. ISBN 972-818-660-6. pp. 109-118.

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Apêndice documental85

1546 F e v e r e i r o - A b r i l , Goa — Auto mandado fazer pelo governador D. João de Castro acerca do estado do armazém das armas de Goa, seguido dos respectivos testemunhos.

A) Biblioteca da Ajuda, Cód. 5 l-VII-21 (papel, largura 220x325 mm altura, 70 fls, bom estado de conservação, selo de chapa desaparecido no final, escrita encadeada).

B) Biblioteca Nacional de Portugal, Mss., cx. 199, n.° 151 (papel, cópia do séculoXIX).

[fl. Ir]t

Auto feito per mandado do senhor governador dom Johão de Castro sobre as armas e cousas que achou perdidas e danificadas no allmazem desta cidade de Goa no tempo que tomou pose da governamça.

Ano do nascimemto de noso senhor Jhesu Christo de myll e quinhemtos coremta e seys aos vymte sete dias do mês de Fevereiro na cidade de Goa nos paços honde pousa o senhor dom Johão de Castro do conselho dei rey noso senhor seu capitão gerall e governador nestas partes per sua senhoria foy dito a Bras d’Araújo vedor da fazenda e ao doutor Symão Martinz ouvydor gerall e asy ao doutor Pascoall Florim juiz dos feytos de sua allteza e ao licenciado Amtonio Rodriguez de Gamboa do seu desembarguo e procurador dos seus feytos que ao tempo que Sua Senhoria chegara a esta cidade e tomara pose da governança fora as casas do allmazem pera ver o que nelas avya e prover do que mays fose necesareo e corendo as ditas casas achara nelas [fl. lv] a mayor parte dos berços e falcões sem rabos nem piães e deytados a parte por fero velho e asy todallas câmaras de bonbarda pasadas todas da ferugem de parte a parte e outras sem asas e as mays delas soteradas debayxo do chão de maneira que pera se poderem tirar foy necesareo cavar se ha tera e dessotera las e asy achou todalas armas scilicet cosoletes cervilheyras e capacetes lamçadas a granell e em montes como cousa posta em despesa e avyda por fero velho e todas tão pasadas da ferugem que as mays estavão rotas e esburacadas per muitas partes e tam gastadas que pera nhua cousa podiam servir nem aproveytar e asy achara todolos corpos de couraças tam podres e moydas que amdavam todas espedaçadas pela casa do allmazem de maneyra que se nam achava peça inteyra e asy todalas cubertas de 85 Os critérios de transcrição adoptados seguem, no fundamental, as Normas gerais de transcrição e publicação de documentos e textos medievais e modernos de Avelino de Jesus da Costa (Coimbra: FLUC/IPD, 3a ed., 1993). Entre outros: desdobraram-se as abreviaturas sem assinalar as letras que lhes correspondem; actualizou-se o uso de maiusculas e minúsculas, do i e do j , do u e do v> conforme eram vogais ou consoantes; ignoraram-se alguns sinais de pontuação colocados no texto, e inseriram-se outros para tornar o documento mais compreensível; os acentos foram introduzidos apenas para evitar erros de pronúncia ou interpretação; separaram-se as palavras incorrectamente juntas e uniram-se os elementos dispersos da mesma palavra; mantiveram-se as consoantes e vogais duplas insertas no meio do vocábulo, reduzindo-as a uma só quando no início da palavra; as palavras proclíticas e aglutinadas foram separadas por apóstrofo; as leituras duvidosas foram seguidas de (?); as palavras entrelinhadas colocaram-se entre < >. Agradecemos a Pedro Pinto e a Rosário Morujão a ajuda dada na leitura de algumas palavras.

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cavallo que avya podres e em pedaços e comestas dos ratos e deytadas polia casa sem terem nhum coregimemto nem poderem aproveytar pera nada. E as [fl. 2r] espimgardas sem coronhas nem serpes nem fechos nem caregadores e elas todas tam pasadas da ferugem que pera nhua cousa aproveytavão e as lamças e piques tam tortos e comidos do carumcho que pareçia nam poderem servir e as lonas e cotonias e pano de veelas lamçado tudo a granell no cháo que estava ja muita parte delas podres de maneira que se lhe náo acudira tan asynha se perderam todas e por quamto Sua Senhoria nam queria que lhe fose posta cullpa nem atrebuydo o destruido e negrigemçia nhua cousa por pequena que fose do serviço dei rey noso senhor mayormente nestas onde comsyste a honra e segurança e defemsão destas partes e de seu reall estado mandava aos sobreditos veador da fazenda ouvydor gerall e juiz dos feytos dei rey noso senhor e a Amtonio Rodriguez de Gamboa procurador dos feytos de sua allteza que todos j um tos fosem as ditas casas do allmazem e fizesem invemtario com ho allmoxarife escprivaes delle de como se acharam estas armas e cousas acima ditas perdidas e danificadas com declaração da camtidade que de cada [fl. 2v] sorte delas se perdeo pera saber el rey noso senhor a maneyra de que Sua Senhoria achou qua os seus allmazens e lhe nam atribuyr cullpa allgua de tamanho descuido nem ho poder mandar obrigar a pagar tamanhas perdas como se nos ditos allmazens acharão temdo elle tam espeçiall cuidado de prover e remedear as cousas do allmazem armadas e fortalezas como se tem vysto per esperiemcia ate gora. 5 Poys tamto que chegou mandou por duas temdas d’armeyros pera alimparem todas as armas que daquelas que estavão lamçadas por perdidas podiam aproveytar e asy mandou guarnecer todolos falcões e berços e pôr rabos e pyães e todo ho mays necesareo que são per todos duzemtos sesemta e sete os que foram ate gora per esta maneira coregidos e asy mandou dessoterar todolas camaras de falquão e berços e pyqualos e umtalos d’azeyte e pôr lhe asas amtre as quaes se acharão mays de duzemtas e vymte camaras de falquão gastadas e que nam são pera servir e asy mandou emdereytar os piques e lamças [fl. 3r] e alimpar e umtar os feros daquelas que se achou poderem servir que são trezentas novemtae seys86 e as lonas e cotonias e todo outro pano de velas mandara allevantar do chão e fazer hum tabernáculo de tavoado onde estivesem limpas e guardadas da umidade e do poo e arejadas per baixo e per cima e as cubertas de cavalos por nam terem nhum coregimemto as nam mandou comcertar e coreger e asy mandara forar de tavoado as paredes do allmazem pera depemdurar todalas armas limpas que se poderam comçertar e estarem comservadas e guardadas da ferugem ao modo dos allmazens que Sua Allteza tem em Lixboa pelo que mandava ao dito ouvydor que alem da deligemcia a que avya de fazer com ho veador da fazemda e mays oficiaes tirase testemunhos pelo comteudo neste auto scilicet da deligemcia e obras e bem feytorias que Sua Senhoria tem feyto em todalas sobreditas cousas que achou daneficadas nos ditos allmazens e com seus ditos e deligemcia e exame do que achasem lhe pasase [fl. 3v] hum estormemto e mandou a mim scprivão que de todo fizese este auto e que Sua Senhoria asynou e eu Johão

86 Na margem esquerda: “São as lanças e piques limpos per todos quatrocentos noventa e quatro na verdade Joham Fernandez”.

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Fernamdez scprivão ho scprevy e comcertey onde diz todalas per verdades[assinatura] Dom Joham de Crastro

[fl. 4r]Vysta ho allmazem

E loguo ho dito dia XXblI dias de Fevereiro de Ibc coremta e seys annos o dito Bras dAxaujo veador da fazenda e o doutor Symão Martinz ouvidor geral e o doutor Pascoal Florim juiz dos feytos dei rey noso senhor e o licenciado Amtonio Rodriguez procurador dos feytos de Sua Alteza forão ao allmazem desta cidade de Goa e eu scprivão com elles onde acharão Jorge Vaaz de Magalhães allmoxarife do dito allmazem e Amtonio Marquez scprivão de seu cargo aos quaes mandaram que lhes mostrasem todalas armas que avya e estavam no dito allmazem scilicet cosoletes, capacetes, cervilheyras, barbotes, priastões e grojães deles, espimgardas, couraças, piques, lamças, cubertas de cavalos, berços, falcões, camaras de bonbardas, lonas, cotonias e panos de velas pera todo verem da sorte e maneyra que estavam danificadas ou aproveytadas pelo que logo lhes mostraram todas as ditas armas e na casa de cima no sobrado se achou e vyrão gramdes momtes de cosoletes, capacetes, cervilheyras, barbotes, priastões e grojães deles todos a granel huns sobre [fl. 4v] outros os quaes estavão tam ferujentos e velhos que de todo estavão gastados e quebrados com muitos buracos e muitas peças deles tam gastados que quasy se nam podiam bem determinar se heram peytos se espaldeyras dos cosoletes e muitos pegados da ferujem huns com outros que parecia ser que depoys que forão metidos na dita casa se nam vyram nem bulyrão mays com elles e desta maneira e sorte vyrão muitos capacetes metidos quatro e cimquo huns nos outros todos comidos e furados da ferugem que parecia estarem asy e da maneira que vyeram alojados do reyno sem ate ora se bolir com eles e asy se gastarão e furarão da ferujem e mao tratamento e logo mandaram chamar Amtonio Toscano armeyro de Sua Alteza nesta cidade e asy Bertolameu Fernandez também armeyro e semdo peresemtes o dito ouvidor geral lhes deu juramento dos evangelhos em que cada hum deles pos a mão sob cargo qual lhes mandou que eles vysem muito bem todos os ditos cosoletes, capacetes, cervilheyras, barbotes, [fl. 5r] pyastrões e grojães e depoys de bem vystos per eles apartasem a hua bamda os que lhes parecese que podiam ser aproveytados per servir e a outra bamda apartase todalas peças que não podiam aproveytar nem tivesem coregimento algum pelo que logo os ditos armeyros vyram todas as ditas armas que asy estavão em momtes e a granel e bem vystas e examinadas per eles apartaram as que lhes parecerão que podiam ter algum coregimento e asy apartaram as perdidas e danificadas, rotas e gastadas da ferugem e estas armas que acharam perdidas mandaram logo comtar o dito veador da fazenda e oficiaes peramte mim scprivão e o allmoxarife e scprivão de seu cargo e semdo peramte eles comtadas se acharam perdidas e danificadas que pera nhua cousa aproveytavão nem tinham coregimento algum as peças seguimtes:

Scilicet. Setecemtos sesemta e hum peytos de cosoletes amtre os quaes se acharam alguns de pyastrões;

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[fl. 5v] <Martim Afonso se quizera ir pera cochim sem se fazer esta dilligencia sem o viso rei o náo consentir>87

Item setecemtas e dezasete espaldeyras dos ditos cosoletes;Item trezemtos oytemta e sete capacetes;Item trezemtos coremta e oyto barbotes;Item quatrocemtos sesemta e hua cervilheyras;Item doze grojães de fero de pyastrões;As quaes armas comteudas nestas seys adições diserão os ditos armeyros pelo

juramemto que receberão que pera nhua cousa aproveytavão e de todo heram perdidas e gastadas da ferugem e nam tinham nem podiam ter coregimento algum por asy serem gastadas e comidas da ferugem e esburacadas e asy o pareçeo ao dito veador da fazenda e oficiaes e eu scprivão dou minha fee ver as ditas armas da dita maneira danificadas que pera nhua cousa parece poderem aproveytar e por os ditos armeiros asy ho declararem asynaram avamte ho fim deste auto com ho dito veador da fazenda e oficiaes.

[fl. 6r]Couraças

E logo emtraram no apartamemto de demtro do dito allmazem que esta em cima no dito sobrado onde ho dito allmoxarife dise que estavam as couraças e nam se acharam em todo ho dito allmazem mays que hum corpo delas inteiro e porem todo gastado e moydo, ferujemtas e gastadas as laminas e cravação e outro corpo se achou em pedaços apartados huns dos outros per hy espalhados e asy huas escarselas doutras couraças da mesma sorte e maneira que pera nhua cousa pareciam aproveytar e o dito allmoxarife dise que nam avya mays couraças no dito allmazem e logo mandaram chamar Bernalldim Paios couraçeyro e sendo vymdo lhe deu o dito ouvidor juramento dos evamgelhos em que pos a mão sob cargo do qual lhe mandou que vyse has ditas couraças e declarase se tinham ou podiam ter coregimento algum e depoys de bem vystas per elle dise e declarou pelo dito juramento que pera nhua cousa aproveytavão e de todo heram gastadas e nam [fl. 6v] tinhão coregimento algum e asy o pareçeo o dito veador da fazenda e oficiaes e eu scprivão dou minha fee estarem da dita maneira e por verdade asynou o dito couraceyro avamte neste auto com ho vedaor da fazenda e oficiaes.

Lamças e piquesE logo no dito apartamemto lhes foy mostrado e vyrão hum grande momte de

lamças e piques sem feros todas tortas, podres e gastados e muitas quebradas em muitos pedaços de podres que nam aproveytavão pera cousa algua lamçadas no sobrado a granel todos j um tas huas sobre outras e alguas que tinhão alguns feros heram todos comestos e gastados da ferugem que pera nada aproveytavão e logo mandaram chamar Domingos de Byrta byzcaynho lamçeyro e semdo peresemte o dito ouvidor lhe deu juramento dos evangelhos em que pos a mão sob cargo do qual lhe mandou [fl. 7r] que vyse todas

87 Entre entrelinhado foi adicionado posteriormente, como se comprova pelo tipo de letra e pela referência a D. Joáo de Castro como vice-rei.

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has ditas lanças e piques e depoys de bem vystas e examinadas apartase a hua bamda as que lhe parecese que podiam servyr e ter algum coregimemto e as que ho nam tevesem apartase a outra bamda o qual logo peramte eles coreo e vyo todas as ditas lamças e piques e apartou as lamças que lhes pareçeo que podiam servyr e ter algum coregimento e asy apartou hua grande soma de astes de lanças e pyques todas tortas, podres, quebradas e gastadas do caruncho sem aproveytarem pera nada as quaes logo mandaram comtar e acharam myll duzemtas vymte e seys lamças e cemto e novemta pyques todos tortos quebrados, podres comestos do caruncho e gastados de maneira que ho dito lamçeyro pelo dito juramento declarou que nam tinham coregimento algum nem aproveytavam pera nada e pelo asy declarar e a todos os oficiaes que heram peresemtes parecer o mesmo asynou com eles avamte neste auto.

[fl. 7v]Espymgardas

E bem asy acharam na dita casa e apartamemto de cima no sobrado hum momte de canos d’espimgardas lamçadas a granel huns sobre outros todos ferujentos e gastados e pasados da ferugem sem coronhas nem serpes nem fechos nem caregadores e todos hos ditos canos pasados de ferugem tamto que pareciam que nam tinham coregimento algum nem aproveytavão pera nada e logo mamdaram chamar Baltesar Rodriguez e Symão Lourenço espimgardeyros que costumáo fazer espimgardas e emtemdem bem do dito mester e sendo presemtes ho dito ouvydor lhes deu juramento dos evangelhos em que cada hum deles pos a máo sob cargo do qual lhes mandou que vysem todos hos ditos canos ^espimgardas e declarasem se amtre eles avya alguns que podesem servyr asy como estaváo ou ter coregimento em algua maneira e os que ho podesem ter apartasem a hua bamda os quaes [fl. 8r] logo vyram e coreram todos os ditos canos e diserão que todos estaváo pasados e gastados da ferugem e tam danifAcados e pasados que nhum coregimemto tinhão pera poderem servyr e asy o pareceo a todos os que heram presentes os quaes logo mandaram comtar e acharão que heram duzemtos oytemta e oyto canos d’espimgardas e por verdade asynaram os ditos espimgardeyros avamte neste auto com hos ditos oficiaes e veador da fazenda.

Cubertas de cavalosE bem asy acharam na dita casa de cima coremta e tres cubertas de cavalos que

pareciam serem feytas nestas partes de pano e algodão a maneyra de laudeys a feyção mourisca as quaes heram todas rotas e espedaçadas e tam mal tratadas que ao parecer do dito veador da fazenda e oficiaes e de todos hos que heram presentes nam tinham coregimento algum [fl. 8v] pera poderem servyr nem aproveytar as quaes estaváo todos a granel lamçadas pela casa e espalhados huns pedaços dos outros e por asy estarem tam rotas podres e espedaçadas e daneficadas nam foy necesareo verem se per outros oficiaes por todos os que foram presentes afirmarem que pera nada aproveytavao nem tinhão coregimento algum e por verdade asynaram todos avamte neste auto.

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Lonas e cotoniasE também vyram e acharam muitas lonas do reyno e cotonias de levamte e panos

de Vylla de Comde as quaes estavam sobre tabernáculos de madeyra alltos do sobrado de maneira que se podiam arejar per cima e per bayxo e o dito allmoxarife e scprivão de seu cargo diseram que o senhor governador as mandara asy erguer e pôr sobre as ditas bamquas e tabernacolos alltos [fl. 9r] porque damtes estavão a granel lamçadas no sobrado huas sobre outras e pera se ver as que estavão danyficadas e podres o dito veador da fazenda e oficiaes mandaram a Tome Bramquo patrão mor que has vyse todas muito bem e o dito ouvidor lhe deu juramemto dos evangelhos em que pos a mão sob cargo do qual lhes mandou que bem e verdadeiramemte declarase quamtas das ditas lonas, cotonias e panos de Vila de Conde estavam danificadas o qual logo as vyo todas huas e outras e depoys de bem vystas e examinadas per elle dise que amtre as lonas achava cimcoenta muito danifficadas e podres e rotas as quaes nam aproveytavão pera mays que pera remendos nas partes que estivesem sãas e nas cotonias de Levamte achava trimta danificadas e podres a maior parte delas que também nam aproveytam pera mays que pera remendos e hos panos de Vyla de Conde achou muito e deles da[fl. 9v]nificadas e podres que jumto este danificamemto serão cento e cimquoenta varas que nam aproveytam pera nada e nas cotonias da tera achou oyto corjas delas muito podres e danifficadas que são cemto e sesenta panos os quaes nam aproveytaram pera mays que pera remendos nas partes em que forem sãas e isto declarou asy o dito patram mor pelo dito juramento e per tamto asynou aquy com hos ditos officiaes.

E por todo ho atras dito pesar asy em verdade asynaram aquy o dito veador da fazenda e os ditos oficiaes e bem asy as partes atras nomeadas com que seos exames fezeram e eu Johão Fernamdez scprivão o scprevy

{assinaturas] Paschalis, Simon, Bras d’Araújo, Antonio Rodriguez, Do patram [sinal de cruz] mor, Balltesar Rodriguez, Bertolomeu Fernandez, Antonio Tos[sinal de ¿ms] cano armeiro, de Jorge Vaz de Magalhães, de Symão [sinal de cruz] Lourenço, Domingos [sinal de cruz] de Byrta, Antonio Marquez, de Bernal[r/^/ de cruz] dim de Paio.

[fl. 10 r]Artelharia

E despoys desto aos très dias do mes de Março do dito ano de myll quynhemtos coremta e seys anos em esta cidade de Goa o dito veador da fazenda e ouvidor geral e o juiz e o procurador dos feytos do dito senhor tornaram ao dito allmazem e o dito allmoxarife e scprivão de seu cargo e Johão Luis comdestabre mor nestas partes e Allvaro Pirez comdestabre d’armada do senhor governador lhes mostraram hua grande soma de camaras de berço as quaes estavam ora ja limpas pycadas e umtadas e postas huas sobre outras em ordem das quaes camaras de berço o dito comdestabre mor tinha apartadas trezemtas e trimta camaras de berço que dise que heram todas gastadas da ferujem e alguas sem asas e outras com grandes escorvas de maneira que nam podem servir no

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mester cbartelharia e asy tinha apartadas da dita maneira cimcoenta camaras de falquáo que dise que heram muito gastadas da ferugem e alguas nam tinham asas e outras tinham grandes escorvas de maneira que pera o dito mester dise que nam aproveytavão [fl. 10v] e logo ho dito ouvidor geral deu juramento dos evamgelhos ao dito comdestabre mor em que pos a mão sob cargo do qual lhe mandou que bem e verdadeiramente declarase se as ditas camaras de berço e falcão que atras declara que nam sao ja pera servir tem algum coregimemto em maneira que posão ser aproveytadas e per elle foy dito que todas as ditas camaras nam servião ja pera o mester da artelharia por asy estarem comestos e gastadas da ferujem e muitas sem asas e com grandes escorvas e nam tinham coregimemto algum pera as tornarem a servir somemte aproveytavão pera serem desmanchadas e desfeytas e se fazerem do fero delas outras novas camaras ou outras cousas do fero delas e pelo asy declarar asynou aquy com os ditos oficiaes e asy o comdestabre d>armada e eu Joham Fernamdez scprivão o scprevy

[assinaturas] Bras d’Araújo, Simon, Johão Luis, Paschalis, Antonio Rodriguez, Álvaro Pirez, Jorge Vaz de Magalhães, Antonio Marquez

[fl. l l r]Cosoletes e cervilheyras limpos e lamças e pyques e capacetes

E despoys desto aos dezoyto dias do mes de Março de myll quinhentos coremta e seys anos o dito veador da fazenda, ouvidor geral, juiz dos feytos da fazenda e procurador dos feytos de Sua Alteza tornaram a casa do allmazem onde acharam as paredes da bamda da cidade foradas per demtro de tavoado e per estas foradas e pelas outras viram muitos cosoletes e cervilheyras estarem pendurados e metidos88 em paos altos do chão cada cosolete acabado com seu peyto e espaldeyra muito bem limpos e muito bem comcerstados e postos em ordem que pareciam muito bem e bem asy vyram e acharam lamças e pyques lympas e direitas e os feros delas e dos pyques muito bem limpos e postos em cabydes per muito boa ordem o que tudo ho dito allmoxariffe e seu scprivão diserão que ho senhor governador mandara alimpar e comcertar da maneira que ora estavão porque damtes estava [fl. 1 lv] tudo a granell asy e da maneira que estavam os outros cosoletes e cervilheyras lamças e pyques e semdo peresemtes os ditos armeyros atras nomeados lhe mandaram que comtasem os ditos cosoletes cervilheyras89 capacetes e asy mandaram comtar as lamças e pyques e sendo comtadas se achou as seguimtes:

Item duzemtos cimcoenta e hum cosoletes inteyros;Item cemto sytemta e quatro cervilheyras;Item treze capacetes;E affora estes estão apartados pelos ditos armeyros pelos pera se alimparem os

cosoletes cervilheyras e capacetes seguimtes:Item duzemtos corenta e nove peytos de pyastroes e cemto vymte nove espaldeyras

deles e sesemta e hum peytos de cosoletes sem peças e sem espaldeyras e novemta cervilheyras e cemto sesemta e cymquo barbotes;88 Segue a palavra riscado “per” .89 Segue-se a letra “p” talvez emendada, com sentido de “e”.

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[fl. 12r] E as lamças limpas sáo duzemtas e trimta e seys;E cemto e sesemta pyques e mays novemta e oyto pyques;E bem asy acharam na dita casa do almazem huas cubertas de cavalos que vyeram

do regno d’aço douradas postas sobre hum cavalo de paao as quaes hos ditos armeyros diseram que alimpararam per mandado do senhor governador porque dantes estavam çujas e cheas de ferujem e ora estavam muito bem comcertadas e porque todo asy vyram e acharam da dita maneira mandaram de todo fazer este termo em que asynaram e asy o allmoxarife e seu scpriváo e os ditos armeiros e eu Joham Fernandez scprivão ho scprevy

[assinaturas] Antonio Rodriguez, Bras d’Araújo, Simon, Paschalis, de Jorge Vaz de Magalhães, Antonio [sinal de cruz] Toscano, Antonio Marquez, Bertolomeu Fernandez.

[fl. 12v.]Falcões berços e meos berços e camaras deles que se coregeram e alimparamE logo se forão a casa de bayxo omde esta a artelharia e acharam muita soma de

falcões pedreyros e berços e meos berços postos per ordem arimados as paredes erguidos em pee e os falcões postos sobre vyguas levantados do chão e todos muito bem limpos da ferugem e picados e umtados d’azeyte e da mesma maneira acharam muita soma de camaras de falcão berços e meos berços postas em remque huas sobre outras e per muito boas ordem postas sobre vygas umtadas d’azeyte e muito bem picados e limpos da ferugem a qual artelharia e camaras diseram o dito allmoxarife e seu scprivão e asy o comdestabre mor e o comdestabre da armada que peresemtes estavam que ho senhor governador mandara asy tudo alympar pycar e umtar e arumar da maneira que ora estavam a qual artelharia e camaras logo mandaram comtar e tudo foy comtado pelo comdestabre mor e comtamdo as o milhor [fl. 13r] que pode ser se achou a artelharia e camaras seguintes:

Item cemto e vymte cimquo falcões pedreyros em que entram dezasete a que se poserão alguns rabos e pyaens;

<São vymte pedreyros somente e os mais tyram chumbo>Item duzemtos e oytemta e quatro berços dos quaes forão coregydos de rabos e

pyaens duzemtos sesemta e sete segundo o dito condestabre mor declarou;Item duzemtos e setemta meos berços;Item myl e coremta camaras de falcão picadas e umtadas boas pera servyr;Item myll e quinhemtas camaras de berço umtadas e picadas;Item setecemtas e cimcoenta camaras de meyos berços umtados e pycados;E feito o dito exame e vysto asynaram aquy todos e Joham Fernandez scprivão o

scprevi.[assinaturas] Bras d’Araújo, Johão Luis, Simon, Jorge Vaz de Magalhães, Paschalis,

Antonio Marquez, Antonio Rodriguez, Álvaro Pirez.

[fl. I4r] E logo no dito dia dezoyto dias do mes de Março de mil quynhemtos corenta e seys anos em esta cidade de Goa nas pousadas do dito ouvidor geral elle

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comigo scprivão pergumtou as testemunhas seguintes pelo conteúdo no auto na maneira seguimte Joham Fernamdez scpriváo ho scprevy.

I a Item Johão Luis comdestabre mor dos bombardeyros nestas partes da índia testemunha a que foy dado juramento dos evangelhos pelo dito ouvidor geral pos a máo e pergumtado pelo costume disse.

Item Pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto dise elle testemunha que he verdade que agora ha dous anos que elle testemunha veo a esta cidade per mandado do governador Martim Afonso e des’entam ate ora esteve sempre nesta cidade e tamto que elle testemunha veo pela obrigação de seu oficio proveo e vyo toda ha artelharia que el rey noso senhor tem no almazem [fl. I4v] desta cidade e achou muitos berços de metal muito danifficados scilicet muitos sem rabos e outros sem pyães e muitos ferugemtos e mal tratados e asy os falcões e alguns deles sem rabos e sem pyães e as camaras dos ditos falcões e berços achou muito ferugemtas e muito gastadas da ferugem e lançadas a granell pelo chão e asy os berços e meos berços e os falcões e elle testemunha vendo isto começou logo apartar a artelharia e camaras que lhe pareceo que podia servir e os que ja nam heram pera iso e porque a casa onde a dita artelharia estava que pera ela he ordenada estava pejada com cayro e emxarceas e outras cousas d’almazem que tudo estava sobre ha dita artelharia e camaras elle testemunha por nam poder ver e descobrir a dita artelharia requereo muitas vezes a Aley[fl. 15r]xos de Sousa que emtam hera veador da fazenda que lhe mandase despejar a dita casa do dito cayro enxarceas e outras cousas que ha pejavam que nam heram do mester da artelharia e lhe mandase dar azeyte e aparelho pera alympar e pycar a dita artelharia e camaras e o dito Aleyxos de Sousa ho nam quys nunqua fazer pela qual rezão ate o tempo da chegada do senhor governador a estas partes elle testemunha tinha feyto pouquo no coregimento da dita artelharia e camaras e que he verdade que tamto que Sua Senhoria chegou e foy em pose da governança elle testemunha lhe deu rezam do sobredito e como tudo estava perdido pelo que Sua senhoria logo foy90 per muitas vezes ao dito allmazem e vendo como estava tudo danificado mandou logo despejar a casa da dita artelharia das cousas que ha pejavam que nam heram do mester e mandou [fl. 15v] logo dar a elle testemunha azeyte e todo ho nesçesareo pera alimpar a dita artelharia e camaras e mandou ao mestre das ferarias que acerqua do coregymento da artelharia e camaras e pyães dela fyzese em todo ho que elle testemunha lhe mandase per bem do qual elle testemunha com ho condestabre d’armada e bombardeyros começou a trabalhar no coregymento dela e acharam muitos berços e alguns falcões e muitas camaras de falcões e berços muito danifficadas e soteradas per baixo do chão e como cousa perdida e muito ferujemtas e muitas sem asas e outras de grandes escorvas e muitas pasadas da ferujem da maneira e a camtidade que ja tem declarado neste auto atras no termo que esta as dez folhas a qual se reporta e depoys de as ter vystas apartou as que heram [fl. I6r] gastadas e nam podiam servir segundo tem declarado no dito termo e as que são pera servyr e asy as que tinham nescesydade de coregymento e de asas as mandou <coreger> e fez todas pycar

90 Segue-se letra sem sentido.

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da ferugem de que estavam muito mal tratadas e as mandou alimpar e umtar d’azeyte e por em ordem sobre vygas levamtadas do chão de maneira que estão ora muito bem comcertadas e postas per boa ordem e bem asy mandou por a muitos berços e falcões rabos e pyães que nam tinham pela qual rezam nam serviam os quaes e asy as camaras que alympou e comcertou sãao as que tem declaradas no termo que fica as doze e trez folhas deste auto e bem asy depoys de Sua Senhoria vyr fez elle testemunha muitos repayros pera ar telharia scilicet pera camelos e serpes e esperas e salvajes e falcoens e dise elle testemunha [fl. 16v] que he verdade que amtes de o senhor governador vyr tinha elle testemunha ja em tempo do dito Martym Afonso feitos muitos repayros de que se lhe pasou certidão com fee dele testemunha e per elle asynada a qual também se reporta e que lhe parece verdadeiramemte que depoys da vynda do senhor governador mandou fazer outros tamtos repayros como os que heram feytos em todo o tempo de Martym Afonso e ainda agora se fazem mays pera algua artelharia que ainda nam esta acabada d’aparelhar e que todo ho sobredito o senhor governador mandou fazer e dar aparelho e ainda a elle testemunha e dise mays elle testemunha que he verdade que se sua senhoria nam mandara fazer o sobretido e nam dera ajuda pera iso e favor que ha dita artelharia e camaras e repayros dela se nam poderá nunqua alympar e coreger da maneira que ora esta e pera isto [fl. 17r] fazer hya Sua Senhoria muitas vezes ao almazem e asy à feraria em pessoa vysytar os que nyso trabalhavam e com isto asy ser e Sua Senhoria andar sobre iso em pessoa ha dous meses e mays que se trabalha nos berços e camaras e damtes todo ho tempo que ha que Sua Senhoria he nestas partes e em pose da governança sempre se trabalhou per seu mandado no coregymento e comcerto da dita artelharia e tam daneficada e mall tratada estava que ate ora ouve que fazer niso com todolos bonbardeiros que nesta cidade avya e quamto ao mays comteudo no auto dise elle testemunha que he verdade que quando ho senhor governador foy prover o almazem elle testemunha foy com elle alguas vezes e vyo que Sua Senhoria achou nelle os cosoletes e lanças e outras armas que nelle avya tudo lançado a granell huas sobre outras muito fe[fl. 17v]rugemtas e mal tratadas e danifficadas e muitos furadas da ferujem e as lamças quebradas e tortas e vyo elle testemunha que ho senhor governador mandou logo com muita delygemcia e cuidado alympar todos hos cosoletes e lanças que heram e são pera servyr e mandou alympar a casa e por os cosoletes e cervilheyras pendurados pelas paredes que pera isso mandou forar de taboado e asy mandou endereytar e alimpar as lanças e pyques que se acharam pera servyr e polos em cabydes como hera então e bem asy mandou Sua Senhoria alimpar e comçertar as espimgardas que achou no dito allmazem que aproveytavam porque todas estavam lançadas a granell e sem coronhas nem aparelhos e agora esta tudo muito bem comcertado e posto em seu lugar de maneira que elle testemunha o nam vyo nunqua nestas partes asy nem se fez [fl. 18r] de coremta annos a esta parte que haquelle testemunha neles serve Sua Alteza e al nom dise. Johão Fernamdez scprivão o scprevy fiz amtre linha que diz coreger per verdade.

[assinaturas] Simon, Joham Luis.

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2a Item Allvaro Pirez comdestabre d’armada do senhor governador testemunha a que foy dado juramento dos evangelhos em que pos a máo e pergumtado pelo costume dise.

Item pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto atras dise elle testemunha que quando ho senhor governador veyo a estas partes e foy em pose da governança ja elle testemunha servya de condestabre d’armada e que he verdade que ao tempo que Sua Senhoria foy em pose da dita governança logo foy ao allmazem da artelharia e armas que el rey noso senhor tem nesta cidade pera o prover do que fose nescesareo [fl. 18v] e entrando na casa da artelharia achou muitos berços e meos berços e falcões ferujentos e danificados e lançados a granell pelo chão huns sobre outros e muitos nam servião por nam terem rabos e pyães e asy achou as camaras de falcao e berços e meos berços todas lançadas a granell pelo chão ferugemtos e muitos gastadas da ferugem e outras sem asas e outras que ja nam serviam por terem grandes escorvas e tudo tam danefficado e mal tratado que hera pyadade de ver e pareçia cousa perdida de todo e lançado em despesa e sobre ha dita artelharia e camaras estava muito cayro e emxarceas e pypas d’alcatrâo e breu de maneira que ha dita artelharia e camaras nam parecia e estava como cousa esquecida e vemdo isto Sua Senhoria mandou logo despejar a dita [fl. 19r] casa das cousas que ha pejavam e nam serviam ao mester da artelharia e mandou ao condestabre mor e a elle testemunha que logo com muita delygencia lhe alimpasem e coregesem toda ha dita artelharia e camaras e posesem rabos e pyães aos que tyvesem diso nescesydade e mandou dar e deu pera iso todo ho nesçesareo e hya muitas vezes em pessoa a dita casa do allmazem a mandar trabalhar e favorecendo os ofyciaes e bonbardeiros que niso servyam per bem do qual ho dito comdestabre mor e elle testemunha com todolos bombardeyros que aquy avya se poseram logo apartar todos hos falcões, berços e meos berços e camaras deles que tynham nescesydade de coregymemto e de serem limpos e acharam muitas camaras91 soteradas e acravadas debayxo do chão e muitas sem asas e pera nam servirem [fl. 19v] e todas cheas de ferugem e tera e muitas delas gastadas da ferujem e outras de todo ja gastadas sem escorvas e asas e as que se acharam pera nam servir são as que ficam declaradas no termo que fica as dez folhas do auto asynado per elle testemunha ao qual se reporta e logo começaram a limpar e coreger as que estavam pera seryr e se poseram asas as que has nam tinham e todas foram pycadas da ferugem e umtadas d’azeyte e escorvada e postas em ordem sobre vygas da maneira que ora estão muito bem arumadas as quaes são as que ficam declaradas no termo atras as folhas doze e treze e bem asy alimparam e pycaram todos os falcões e berços e meos berços que na casa avya e os que tinham neçesidade de rabos e pyães lhos poserão e os alevantaram do chão [fl. 20r] e forão postos em ordem muito bem comcertados e arumados e os falcões sobre vygas e muito bem umtados e limpos de maneira que esta ora tudo muito pera ver e em seu lugar e qual elle testemunha o nunqua vyo nestas partes de dezoyto anos a esta parte que he que ele os serve Sua Alteza de bombardeo e os falcões e berços a que se poseram rabos e pyães são os que ficão declarados no dito termo doze e treze folhas e pera este91 Segue riscado a letra “d”.

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coregymemto mandou Sua Senhoria ao monte da feraria que fizese com delygencia todo o que lhe mandasem pera elo e Sua Senhoria em pessoa hya a dita feraria vysytar e prover no nesçesareo a iso e por estar asy tudo tam daneficado e perdido des’entam ate ora trabalharam sempre niso e teveram que fazer em alympar e coreger a dita artelharia da maneira que dito tem e que tudo estava perdido de maneira que se ho senhor governador nam posera niso máo [fl. 20v] nunqua se poderá nem acabara de fazer da maneira que ora está e de todo se perdera e pela muita delygencia e cuidado com que ho fez e mandou fazer e com ho trabalho que92 niso levou se acabou ainda agora começando em outro e bem asy mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros per a artelharia grosa e miuda por aver diso neçesidade e ainda agora se fazem e quanto ao mays comteudo no auto dise elle testemunha que he verdade que elle foy com Sua Senhoria ao allmazem das armas alguas vezes e vyo que sua senhoria achou grandes montes de cosoletes a granell e todos ferugemtos e mal tratados e muitos furados e pasados da ferugem e de todo perdidos e danefficados e asy os capacetes e cervilheyras e muitas lanças e pyques em grandes montes a granell muitos quebradas tortos e podres [fl. 2 lr] e sem feros e asy as espingardas sem coronhas serpes nem aparelhos e as couraças que ahy avya achou de todo desfeytas em pedaços e podres e logo Sua Senhoria com muita delygencia e presteza mandou pelos armeyros alympar os cosoletes capacetes e cervilheyras e barbotes que se acharam que podyam servyr e asy emdereytar e alympar as lanças e pyques e forar e alimpar as paredes do allmazem e polos pendurados per elas muito bem limpas e comcertados e asy as lamças e pyques em cabydes de maneira que he ora muito pera ver e nunqua o elle testemunha qua nestas partes tal vyo e all nam dise do comteudo no auto e eu Joháo Fernamdez scprivão ho scprevy.

[assinaturas] Simon, Álvaro Pirez.

[fl. 21v] 3a Item Jorge Vaaz de Magalhães allmoxarife do allmazem desta cidade de Goa testemunha a que foy dado juramemto dos evangelhos em que pos a mão e pergumtado pelo costume dise.

Item pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto dise que he verdade que ao tempo que ho senhor governador veyo a estas partes e tamto que foy em pose da governança logo foy a casa do allmazem de que elle testemunha he allmoxariffe e achou a mayor parte dos berços e falcões sem rabos e sem pyães e lamçados a granell pela casa que pera artelharia he ordenada pelo chão e espalhados e ferugemtos e bem asy achou todalas camaras dos falcões e berços da dita maneira ferugemtos e lançadas a granell pelo chao e cobertos de tera e muitas sem asas e bem asy achou todalas armas que na casa avya scilicet cosoletes, cervilheyras e capacetes lançadas a granel e grandes momtes huns sobre outros e muito gastados e furados da [fl. 22r] ferugem e estavam de maneira que parecia nam aproveytarem pera nada e se acharam da maneira que he declarado no auto atras as folhas cimquo e que he verdade que as couraças que na casa avya que são as declaradas no dito auto andavam espedaçadas e podres hus pedaços apartados

92 Segue-se palavra riscada.

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dos outros sem aproveytarem pera nada e asy todalas cubertas dos cavalos se acharam espedaçadas e comestas dos ratos e lançadas pela casa a granell sem aproveytarem pera nada nem terem coregymento algum e bem asy achou todalas espingardas que na casa avya lançadas a granell em momtes huas sobre outras sem alguas delas ter coronha nem serpe nem caregadores e todas tam pasadas da ferugem que parecya pera nada aproveytarem e asy achou as lamças e pyques tam tortos e comydos do caruncho e sem [fl. 22v] feros de maneira que parecia nam aproveytarem pera nada e he verdade que has lonas e cotonias estavam lançadas a granell pelo sobrado da dyta casa huas sobre outras de que alguas delas estavam ja casy gastadas e se lhe nam acodira o senhor governador tam cedo nam poderam deyxar de se danyfficar de todo e dise elle testemunha que a maneira de que se estas armas e cousas atras acharam danyfficadas podres e gastadas se fez declararam no auto atras como posava em verdade em que elle testemunha tem asynado ao qual se reporta em todo porque asy posa em verdade como no dito auto conteúdo e dyse elle testemunha que he verdade que logo tamto que Sua Senhoria isto vyo com muita delygencia presteza e cuydado mandou alympar e coreger todas has ditas armas cosoletes, capacestes e cervilheyras e se alimparm e agora [fl. 23r] ainda estam alympamdo todos os que se poderam aproveytar e sao ja lympas e estão pera alympar os que são comteudos e declarados no auto atras as folhas honze e mandou alympar e despejar a casa e mandou forar as paredes dela e pôr pendurados todos hos cosoletes capacetes e cervilheyras muito bem comcertados e de maneira que he ora muito pera ver e bem asy mandou alimpar e emdereytar todas has lanças e pyques que se acharam que podyam ter coregymemto e as mandou por em cabydes que mandou fazer pera iso asy como ora estão e asy mandou guarnecer todolos falcões e berços e meos berços e asy mandou alympar pycar e umtar d’azeyte todalas camaras de falcaos e berços e meos berços e tudo mandou alevamtar do chão e os falcões e camaras todas [fl. 23v] mandou por sobre vygas muito bem arumadas da maneira que ora estão e mandou despejar a casa da dita artelharia d’outras cousas ^almazem de que estava pejadas e ora esta muito bem limpa e em muito boa ordem; emquamto se isto fazya Sua Senhoria foy per muitas vezes vysytar a dyta casa da artelharia em pessoa e asy ha feraria onde se fazyam as cousas nescesareas pera o coregymento dela e com isto ser asy estava tudo tam danefycado e mal tratado que des que Sua Senhoria veo a esta tera e foy em pose da governança ate ora se trabalhou e trabalha em alympar e coreger a dita artelharia e armas e as camaras de falcao e berços e meos berços e falcões que se alymparam e coregeram de pyães e rabos e as camaras perdydas e as que podem ser[fl. 24r]vyr são todas declaradas no auto atras em que elle testemunha esta asynado ao qual em todo se reporta e as lonas e cotonyas mandou alevamtar sobre bamcas e tabernáculos alhos de madeira que mandou fazer de maneira que per bayxo e per cyma lhes dao o vento e estam arejadas e as cubertas de cavalos por nam terem nhum coregymemto se nam aproveitaram nem comcertaram e dise elle testemunha que he verdade que alem do sobredito Sua Senhoria mandou fazer muitos repayros de bombardas e artelharia de toda sorte e chapar outros que dyso tynham nescesidade e dise elle testemunha que he verdade que elle testemunha pela

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obrigação de seu carego requereo muitas vezes a Aleyxos de Sousa veador da fazenda que foy nestas partes que mandase despejar as ditas casas da artelharia e almazem e mandase alympar e [fl. 24v] por em boa ordem a dita artelharia e armas e elle o nam quys nunqua fazer pela qual rezam tudo se acabava e acabara de danyfficar se ho senhor governador nam vyera e lhe nam acodira como acodira levando com sua pessoa muito trabalho nyso e all nam dise. Johão Fernandez o scprevy.

[assinaturas] Simon, Jorge Vaaz de Magalhaes.

E despoys desto aos dezanove dias do mes de Março de myll quynhemtos coremta e seys anos nesta cidade de Goa nas pousadas do licenciado Antonio Cardoso sacretario o dito ouvydor geral o pergumtou pelo conteúdo no dito auto na maneira seguimte Johão Fernandez scprivão o scprevy e na sua pousada pergumtou as testemunhas adiamte scpritas. Johão Fernandez scprevy.

4a Item O licenciado Amtonio Cardoso do desenbargo dei rey noso senhor e sacretareo do senhor governador nestas partes testemunha a que foy dado juramento dos evamgelhos em que pos a mão e pergumtado pelo costume disse.

[fl. 25r] Item pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que he verdade que tamto que ho senhor governador foy em pose da governamça foy logo vysytar e prover as casas do allmazem das armas desta cidade e corendo as ditas casas achou todalas armas, artelharia e moniçoens de guera que neles avya muito danifficadas e perdidas e tamto que fazia espamto ver cousa tam mal provida e tam perdida scilicet achou a mayor parte dos berços e falcões sem rabos nem pyães e lançados pelo chão acarvados com tera muitos deles lançados per hy como cousa esquecida ou fero velho lamçado ja em despesa e asy achou todalas camaras de falcam e berços e meos berços pasadas todas da ferugem e lançadas pelo chão a granel huas sobre outras e muitas cubertas de tera cousa muito pera aver pyadade e muitas das dytas camaras sem asas e em maneira que nam podiam servyr e a casa onde esta artelharia estava [fl. 25v] achou toda pejada d’outras cousas d’almazem que nam heram do mester da artelharia e com isto estava tam pejada que ha artelharia e camaras se nam podia ver e bem asy achou todalas armas que estavam na casa de cima scilicet cosoletes couraças capacetes e cervilheyras lançadas a granell e em grandes montes como cousa de que se nam fazia fundamento pera nhua cousa e todas tão pasadas da ferugem que as mays delas estavam rotas e esburacadas93 da ferugem que parece que per sy se estiveram gastando huas com outras per falta de coregymemto e amtre todas nam parecia aver alguas que prestasem nem podesem ser aproveytadas e as couraças que se acharam na dita casa foy em pedaços e huas peças apartadas das outras e lançadas per hy de maneira que se nam poderam ajumtar e asy achou as cubertas de cavalos que na casa avya tam daneficadas rotas e roydas dos ratos [fl. 26r] e os pedaços tam espalhados huns dos outros que nhum coregimento nem remedeo tinham e asy achou as espimgardas que na casa avya lançadas na dita casa a granell e em montes huas sobre outras muito ferugemtas e danificadas porque nam tinham coronhas,

93 Palavra emendada.

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serpes, atacadores nem aparelhos alguns e de maneira que pera nada aproveytavão e as lamças e piques que na casa avya achou Sua Senhoria lançadas também a granell pela casa em montes huas sobre outras e muito tortas podres e quebradas que parecia muito pouquas delas poderem aproveytar por serem todas gastadas e comydas do caruncho e achou as lonas, cotonias e panos de Vyla de Conde que na casa avya pera fazer velas lançadas pelo sobrado da casa huas sobre outras a granell e tam mal tratadas que muitos delas estavam muito danyfficadas e quasy gastadas e podres e estavam de maneira que se Sua Senhoria lhe nam acudira pa[fl. 26v]rece que de todo se perderão todas e vyo elle testemunha isto tam danefficado e perdido que verdadeiramente hera pera aver pyadade de ver a fazenda de Sua Alteza perder se asy per deservido dos governadores e vedores pasados da fazenda, mayormemte semdo esta monicam de armas tam nescesarea pera deffemsáo e sustemtamento do real estado de Sua Alteza nestas partes e vemdo Sua Senhoria o negoçeo desta maneira com ho muito zelo que tem de serviço de Sua Alteza e do proveyto de sua fazenda mandou logo com muita delygencia e presteza em duas tendas de armeyros alimpar e coreger todolos cosoletes94, capacetes e cervylheras que se acharam que poderiam servyr e de feyto desentam ate ora nam se faz outra cousa senam alympar e comcertar neles e tamto que são lympos os manda Sua Senhoria pôr pela casa do almazem pendurados pelas paredes que pera iso mandou forar de tavoado [fl. 27r] em muito boa ordem e de maneira que he ora cousa muito pera ver e desta maneira são ja muitos limpos e postos na dita casa e asy mandou escolher todalas lamças e pyques que pareceo que poderiam ter coregymento e serviriam e as mandou endereytar e alympar e umtar os feros e as mandou por em cabydes que Sua Senhoria pera iso novamente mandou fazer e as couraças nam mandou coreger e aj umtar por serem pouquas peças e tam podres que nam tynham coregymento algum e bem asy se nam coregeram as cubertas dos cavalos por nam prestarem pera nada e serem todas gastadas e podres e rotas e bem asy mandou Sua Senhoria guarnecer todolos falcões e berços e meos berços e alimpalos da ferugem e a hua grande soma deles mandou por rabos e pyães e os mandou alevamtar do chão e os falcões e câmaras por sobre vygas altas do chão e apartados huns dos outros e umtar lhe [fl. 27v] os rabos e pyães com azeyte de maneira que estão ora muito pera folgar de ver e as muitas camaras mandou por asas que nam tinham pela qual rezão nam servyao e isto estava tam daneficado e mal tratado que desentam ate ora trabalhando se sempre niso ouve que fazer em se alimpar e em todo este tempo Sua Senhoria foy muitas vezes em pessoa vysytar a dita casa da artelharia no tempo em que se alimpava e asy a feraria onde se fazya as cousas nescesareas pera o coregimento dele e alem do sobre dito mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros de toda sorte de que avya muita nescesydade e as camaras que achou lançadas pelo chão e a granel mandou Sua Senhoria pycar e umtar d’azeyte e polas em ordem da maneira que ora estão que he cousa muito pera folgar de ver e amtre estas camaras se achou hua grande soma delas tam gastados da ferugem que nam [fl. 28r] são pera servyr e as lonas e cotonyas e outros pano de velas mandou Sua Senhoria alevamtar e por sobre tabernáculos e bamcas de madeira

94 Palavra emendada.

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que pera iso mandou fazer e estáo ora de maneira que lhes dão vemto e estam arejadas e guardadas da umidade e do poo e dise elle testemunha que lhe parecia que pera este allmazem aver d’estar como agora ho tem o senhor governador dom Joham hera cousa muito necesarea mandar Sua Alteza que lhe pagasem o danefficamento destas armas os governadores pasados e vedores de sua fazenda por diso nam terem o cuidado que Sua Senhoria teve porque ja pode ser que vyra governador que se nom for por temor da pena que nom tera o cuidado que ho senhor governador tomou deste negoceo como toma de todolos outros de serviço de Sua Alteza pelo que esta he das cousas em que lhe parece a elle testemunha que consyste a honra dei rey noso senhor nesta tera [fl. 28v] porque damtes parecia este almazem caguaçal e agora parece cousa maravilhosa e está de maneira que nom há mouro que venha a esta cidade que pela fama que core do comcerto delle ho nam va logo ver e saem delle como espantados de verem cousa tam simgullar e tras Sua Senhoria nisto tamto cuidado e comsyderação que amda olhando os buracos asy do almazem como da casa da pollvora e as frestas das paredes per onde parece que se pode meter hum tição ou candea com que se lhe posa por foguo e logo com muita presteza ho prove por evytar mãos azos e eu Joham Fernamdez o scprevy.

[assinaturas] Simon, Antonio Cardoso.

5a Item Rui Gomçalvez de Caminha testemunha a que foy dado juramemto dos evangelhos em que pos a mão e pergumtado [fl. 29r] pelo costume dise que he servidor do senhor governador e al nom dise.

Item pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto dise elle testemunha que he verdade que tamto que ho senhor governador foy em pose da governança logo Sua Senhoria foy vysytar e ver os almazens desta cidade em que está a artelharia, armas e moniçoes de guera e elle testemunha foy com Sua Senhoria ao dito almazem todalas vezes que la foy e he verdade que corendo as casas pera prover do neçesareo foy a casa de bayxo onde esta artelharia de toda sorte a qual estava mesturada hua com ha outra e de maneira que parecia aver muitos dias que se nam bolya com ela porque estavam muitos berços e falcões e muitas camaras em fimdas e asy soteradas debayxo do chão e em outras partes estavam pela casa outeyros e momtes de tera e salytre danifficado e debayxo [fl. 29v] disto estava muitas peças ^artelharia e camaras as quaes estavam muito ferugemtas e pasadas da ferugem e tam daneficadas que parecia que avya muito tempo que se nam bolyram nem foram pycadas nem umtadas e muitos berços e falcões sem pyães nem rabos e estavam lançados per hy a granell como cousa lançada em despesa e que nam prestavam nem se avyam ja de servyr deles e muitas das ditas camaras estavam sem asas e tam comestas e danefycadas que elle testemunha se affirma que muitas delas nam prestaram pera nada e pera has alimpar e tirar donde estavam foy nescesareo cavar ha tera e desateralos e sobyndo Sua Senhoria a casa de cima achou os cosoletes e95 capacetes e cervylheyras e barbotes estarem pela casa lançados a granell em grandes momtes huns sobre outros muito ferugemtos perdidos e gastados da ferujem e esburacados [fl. 30r] e

95 Palavra emendada.

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huns corpos metidos nos outros que parecya que se nam bolyra com eles despoys que aly foram lançados porque asy metidos huns nos outros se gastaram e comeram da ferugem e elle testemunha se afirma que muita soma destas armas nam pode aproveytar pera nada porque Sua Senhoria mandou apartar os que pareceo que tinham coregymemto e podiam servir e foram muito pouquos as que se acharam boas em comparaçam das muitas que se acharam de todo perdidas e daneficadas e bem asy achou na dita casa dous ou tres corpos de couraças somemte e estes tam gastados da ferugem rotos e em pedaços tam miúdos e espalhados huns dos outros que nhum coregymento nem remedeo tynham e todalas cubertas que avya na casa achou rotas comestas dos ratos e em pedaços lançadas pela casa e espalhadas de maneira que se lhes nam pode dar nhum coregimemto pelo nam terem nem aproveytarem [fl. 30v] e achou as espimgardas lançadas em cima huas das outras em hum momte todas ferugemtas e pasadas da ferugem sem coronhas, serpes, atacadores nem aparelhos e tam gastadas que parecia nam aproveytarem pera nada e as lamças e pyques que na casa avya achou em grandes montes huas sobre outras em feyxes todas tortas e mui grande soma delas quebrados e comestas do caruncho e sem feros e tam danefficadas que muito pouquas delas poderiam servyr e que he verdade que as lonas, cotonias e outros panos de velas que na casa avya estavam lançados pela casa a granell e huas sobre outras muito umedas e mal tratadas e alguas delas ja gastadas e espedaçadas de podres da umidade e mao tratamemto que se lhe nam acodira Sua Senhoria tam prestes segundo ja estavam mal tratadas parecya que de todos se poderam perder [fl. 31r] e dise elle testemunha que he verdade que tamto que Sua Senhoria vyo este danifflcamemto e tamanha perda em cousa tam nescesarea nesta tera e96 em que tamto depende o serviço de Sua Alteza com muita deligencia e presteza mandou a dous armeyros que nesta cidade avya que logo lhe escolhesem e apartasem das ditas armas aquelas que podesem ser aproveytadas pera servyr e pera isto fazerem com mylhor vomtade e como comprir ao serviço de Sua Alteza os mandou asemtar em soldo de myll reas cada hum cada mes que hera o soldo que do reyno trouxeram por armeiros do qual heram ryscados pelos governadores pasados por dizerem que nam heram nescesareos os quaes logo apartaram todos hos cosoletes priastões, capacetes e cervilheyras e barbotes que tinham coregimemto e podiam servyr e estes começaram logo de alimpar e coreger e tem ja muita soma deles limpos e asy como hos alimpavam [fl. 31v] e alimpam hos váo pomdo per muito boa ordem pendurados pelas paredes que Sua Senhoria pera iso mandou forar de tavoado de maneira que estam ora muito guardados da umidade e levamtados do cháo e tam bem comcertados que he muito pera ver e asy mandou alimpar e endereytar as lanças e pyques aqueles que tinham coregimemto e os feros mandou alimpar da ferugem e umtar dazeyte e os mandou pôr per ordem em cabydes que pera iso Sua Senhoria novamemte mandou fazer e mandou alevamtar as lonas e cotonias e outros panos de velas e po las em tabernáculos e bamquos que pera iso mandou fazer alevamtados do sobrado97 e guardados da umidade e do poo e de maneira que se podem arejar per bayxo e per

96 Segue-se letra riscada.97 Segue-se letra riscada.

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cima e as cubertas dos cavalos se nam coregeram por nam terem nhum coregymemto e mandou dessoterar todalas camaras que estavam na dita casa de que ja atras fala e as mandou [fl. 32r] pycar, alimpar e umtar d’azeyte e as mandou alevantar do chão e polas sobre vygas em muito boa ordem da maneira que ora estão e asy mandou alympar e alevamtar do chão os falcões e berços e meos berços e aos que faltavam rabos e pyães os mandou por e guarnecer de novo e os falcoens mandou por sobre vygas muito bem comcertadas de maneira que esta ora tudo muito différante do que antes estava porque damtes hera tudo perdido e danefficado e agora esta tudo muito aproveytado o que se pode aproveytar e tam bem feyto e per tam boa ordem que he muito pera folgar de ver e alem do sobre dito mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros de toda sorte de que avya muita nescesydade e mandou trazer a madeira pera elles de Cochym e outros muitos mandou chapar e guarnecer segundo o avyam mester e ainda agora se trabalha nyso e se fazem cada dia e dise elle testemunha que he verdade que em todo este tempo que ha que se [fl. 32v] nisto trabalha o senhor governador em pessoa foy e vay muitas vezes vysytar e ver os que nyso trabalhavam e asy às ferarias onde se faziam as cousas necesareas pera o coregymento da dita artelharia e isto sobfelle testemunha muito inteiramemte e que pasa asy todo em verdade por quamto semdo Bras d’Araújo veador da fazenda em Cochim a fazer a carga o senhor governador mandou a elle testemunha que provese em todos estas cousas que atras diz que Sua Senhoria mandou fazer e fez e lhe manda se dar todo ho nescesareo pera ele e por elle testemunha o fazer e lhe pasar pela mão o sabe todo de certeza como dito tem atras e al nom dise. Joham Fernandez o scprevy.

[assinaturas] Simon, Ruy Gonsalvez Caminha

6a Item Antonio Marquez scprivao dos allmazens desta cidade testemunha a que o dito ouvidor deu juramento dos evangelhos em que pos a mão e pergumtado pelo costume disse.

[fl. 33r] Item pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto atras dise que he verdade que tamto que ho senhor governador foy em pose da governança logo Sua Senhoria foy a casa do almazem desta cidade onde está artelharia e armas e moniçoes de guera de que elle testemunha he scprivão pera o prover do que fose nesçesareo e corendo a casa de bayxo onde esta a artelharia achou muitos berços e falcões sem rabos e outros sem pyães e lançados pelo chão mal tratados e a grandi e as camaras dos falcões e berços muita parte delas98 gastados da ferugem e todas lançadas pelo chão e mal tratadas e por aver muito tempo que se nam bolyra com elas estavam muitas delas cubertas de tera que pera se verem foy nesçesareo cavar a tera e dessoteralos e muitas destas camaras estavam sem asas e outras de todo gastadas pelas rezões que ho condestabre mor e condestabre d’armada deram de que se fez declaração neste [fl. 33v] auto atras as folhas dez e esta casa da artelharia estava toda pejada com cayro e pypas de breu e com outras cousas d’allmazem que encobriam a artelharia e camaras de maneira que se nam podia ver e estava tam pejada e enbaraçada com isto que quando hera nescesareo

Segue-se letra riscada.

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aparelhar se hum navyo asy por isto como também per ha artelharia e camaras estarem muito danifficadas e deshordenadas se aparelhava mal e com muito trabalho e muitas vezes depoys de entregarem a artelharia ja a tornavam ao almazem porque depoys de a terem nos navyos e que ha alimpavam e oulhavam achavam huns quebrados e outros desaperçebydos de maneira que nam podiam servyr e estava esta casa da artelharia toda tam danefycada dela e das moniçoes que hera cousa vergonhosa de ver porque pareçia cousa lançada aly pera nam servyr segundo o pouquo cuidado avya do provimento dela [fl. 34r] porque hos rabos e pyáes dos falcões, berços e meos berços e asy as camaras deles estavam da maneira a que atras diz sem serem numqua pycados nem escorvadas nem umtadas d’azeyte como hera nescesareo pera poderem servyr e durar e estavam de maneira que se asy estyveram muito todos se ouveram de perder e indo Sua Senhoria a casa de cyma he verdade que achou todos os cosoletes, priastóes, capacetes, barbotes e cervilheyras que na casa avya em grandes montes huns sobre outros e huns metydos em outros todos muito ferugentos e gastados da ferugem e lançados a granell de maneira que parecya que nam avyam ja de servir e de feyto mui pouquos deles em comparação dos muitos perdydos se acharam que aproveitasem pera nada porque heram casy todos gastados da ferugem e esburacados e asy da maneira que he declarado no auto atras as folhas quatro e cymquo a que se elle testemunha em todo reporta e as [fl. 34v] couraças que na casa avya se acharam em pedaços espalhadas pela casa e tam gastadas que se nam poderam aproveytar nem recolher e asy achou as cubertas dos cavalos que ahy avya rotas e comestas e roydas dos ratos e em pedaços lançadas pela casa espalhadas e de maneira que nam tinham coregimento algum nem se poderam ajuntar por nam aproveytarem pera nada e asy achou todalas espimgardas que na casa avya huas sobre outras lançadas no sobrado em hum momte todas ferugemtas e sem coronhas, serpes, caregadores nem aparelhos e de maneira pasadas e cubertas de ferugem que pera nada aproveytavam e as lanças e pyques que na casa avya estavam todos em montes huas sobre outras em feyxes todas tortas e sem feros e comestas do caruncho e muitas quebradas e de maneira que parecya que muito pouquos [fl. 35r] deles se podiam coreger pera servirem e as lonas, cotonias e outro pano de velas estavam todos lançados a granell pelo sobrado huas sobre outras mal comcertadas e mall tratadas e umedas de maneira que ja muitas delas estavao rotas e podres e se lhe nam acodiram tam prestes se poderam de todo perder e dise elle testemunha que elle ha tres anos e vay pera quatro que serve este ofycyo de scprivão do allmazem e que ja ao tempo que começou a servyr muita parte das cousas atras declaradas estavam asy danefycadas e mal comcertadas como ora Sua Senhoria as achou e des’emtam per ora foy isto em creçimemto por nam aver quem o provese e mandase fazer e que pareçeo a elle testemunha que em algua parte em tempo dele testemunha foy causa deste daniflicamemto tirar Aleyxos de Sousa os pyães e servydores da casa que costomavam ter cuidado disto por dizer que nam heram nesçesareos [fl. 35v] e dise elle testemunha que he verdade que logo tamto que Sua Senhoria vyo ha dita casa e as cousas que nela avya tam danefficadas e mal tratadas e tudo perdido com muita presteza e deligençia mandou a dous armeyros que nesta çydade avya que apartasem das ditas armas aquelas

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que fosem pera coreger e pera poderem servyr e os alympasem e coregesem as quaes logo apartaram os corpos d’armas, capacetes, cervilheyras e barbotes que acharam que tinham coregymemto e os começaram ahy a limpando e ainda agora trabalham nyso e asy como se váo alimpando hos manda Sua Senhoria pôr altos do chão pendurados pelas paredes que pera iso mandou forar de tavoado onde estam guardados da umidade e postos per muita boa ordem e asy mandou apartar das lanças e pyques aqueles que estavam pera servyr e os mandou endereytar e alympar e asy os fe[fl. 36r]ros e umtalos d’azeyte e po las em cabydes que pera iso mandou fazer o que todo esta ora também ordenado lympo e em boa maneira que he muito pera follgar de ver e qual nom esteve em tempo dele testemunha e em elle testemunha havia tal de vinte anos a esta parte que ho que serve Sua Alteza nestas partes e as lonas e cotonyas mandou alevamtados do sobrado onde jazyam a granel e as mandou por sobre banquos que pera isso mandou fazer alevamtalos do sobrado e postos de maneira que se podem arejar e estam guardados da umidade e as cubertas de cavalos se nam coregeram por nam terem nhum coregymemto e asy as couraças de que ja atras fala e asy he verdade que o senhor governador mandou com muita delygencya guarnecer todolos berços, meos berços e falcões e camaras deles que tinham nesçesydade de coregymento e pera iso os man[fl. 36v]dou alevamtar do chao onde jazyam e a muitos berços e falcões mandou por rabos e pyaes e a muitas camaras mandou por asas por falta" das quaes nam serviam e as mandou picar e umtar d’azeite e depoys de tudo guarnecydo e coregydo mandou Sua Senhoria pôr os falcões e camaras todas sobre vygas alevantados do chao cada cousa e sorte apartada sobre sy e os berços alevamtados do chao e tudo posto per muita boa ordem e tam bem comcertado tudo que he muito por folgar de ver e qual o elle testemunha nunqua vyo porque damtes hera tudo perdido e danefycado de maneira que atras diz e agora esta muito aproveytado aquillo que se pode coreger e aproveytar e alem disto mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros de toda sorte de que avya a nesçesydade e outras que deve (?) [fl. 37r] guarnecer e chapar e des que se começou a por mao nestes coregimemtos e provimento que Sua Senhoria fez nos almazens ate ora sempre Sua Senhoria foi em pesoa per sy vysytar a dita casa e os que nyso trabalhavam e asy as ferarias onde se faziam as cousas nesçesareas pera o coregymento da artelharia levando Sua Senhoria nysto muito trabalho de sua parte pelo muito que avya que fazer no que dito he e al nom disse. Johão Fernandez o scprevy e dise elle testemunha que acerqua desta artelharia, armas e moniçoes e da maneira que se achou e ora está he feyto o auto e declarações atras em que elle testemunha tem asynado por ser a todo peresemte e porque asy pasou na verdade se reporta também alem do que asy tem dito ao conteúdo no dito auto e declarações. Joham Fernamdez o scprevi.

[assinaturas] Simon, Antonio Marquez.

[fl. 37v]E despoys desto aos vymte dias do mes de Março de myll quinhemtos coremta e

seys nas pousadas do dito ouvidor geral elle comigo scprivão pergumtou as testemunhas 99

99 Segue-se letra riscada.

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seguintes. Johao Fernandez scpriváo scprevi.7o Item Martim Gomez procurador dos mesteres e povo desta cidade de Goa

testemunha a que foy dado juramento dos evangelhos em que pos a máo e pergumtado pelo costume dise.

Item perguntado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise elle testemunha que he verdade que elle testemunha antes e despoys de o senhor governador vyr a estas partes e ser em pose da governança da índia foy alguas vezes à casa do almazem das armas e a vyo da maneira que estava e asy as armas e artelharia e em especial foy la quando ho senhor governador o foy vysitar e prover logo tamto que chegou e he verdade que corendo Sua Senhoria a casa do allmazem foy ter a casa de bayxo onde [fl. 38r] se recolhe e costuma recolher a artelharia e camaras dela e achou a dita casa toda pejada com cayro emxarceas e outras cousas d’allmazem que estavam per cima da artelharia e camaras e mandando despejar a casa disto achou os falcões, berços e meos berços lançados pelo chao a granelle e desordenados como cousa que nam servia nem avya de servyr e muitos dos ditos berços e falcões nam tinham rabos nem pyães e estes lançados a parte como cousa de que se ja nam fazera fundamento e todalas camaras de falcão, berços e meos berços que na dita casa estavam vyo elle testemunha que estavam per hy lançados em momtes todos pasados da ferugem e muitos sem asas e tam daneficados e mal tratados que fora cousa muito pera aver pyadade e estavam a mayor parte deles soterados e acarvados debayxo da tera de [fl. 38v] aver muito que se com ela se nam bolyra nem tiverem coregimento algum e pera se estas verem foy nesçesareo cavarse ha tera e dessoteralos e que he verdade que andando o senhor governador asy vendo ha dita casa e moniçoes d’armas foy ter a casa de cima do dito allmazem e achou estarem lançados a granell e em grandes montes muitos cosoletes, capacetes, barbotes e cervilheiras todos tam pasados e gastados da ferugem que muitos deles estavam esburacados e pegados huns nos outros da ferugem e estavam de maneira que parecya que muito pouquos deles podiam aproveytar e bem asy achou na dita casa dous ou tres corpos de couraças em pedaços espalhados pela casa e tam ferugemtos podres e gastados que se nam podiam ajumtar nem prestaram pera nada e asy achou todalas cubertas de cavalos [fl.39r] que na casa avya tam podres e espedaçadas roydas dos ratos e gastadas que per nada aproveytavao e que nam tinham nem podiam ter coregimento algum e asy achou todalas espimgardas que na casa estavam lamçadas em hum momte grande e huas sobre outras e todas desguarnecydas e ferugemtas pasadas da ferugem de maneira que nam podiam servyr nem aproveytar e nam tinham coronhas, atacadores, serpes nem aparelhos alguns e achou as lamças e pyques que na dita casa avya em grandes montes e huas sobre outras em feyxes e todos tortos quebrados e podres e sem feros e de maneira que parecya que em todos avya muito pouquos que aproveytasem e asy achou as cotonias e lonas e outro pano de velas lançados pela casa e sobrado huas sobre outras a granell todas úmidas [fl. 39v] e muito mal tratadas e muitas delas ja gastadas e rotas de podres e estavam ja de maneira que se tam prestes lhe nam acodira Sua Senhoria parece que de todo se perderam e gastaram e dyse elle testemunha que he verdade que tamto

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que Sua Senhoria isto vyo estar asy danefycado e mal tratado logo mandou com muita delygencya chamar dous armeyros que nesta cydade avya e lhes mandou que amtre as ditas armas ferugemtas e gastadas buscasem e apartasem as que lhes parecese que podyam ter coregimento e podiam servyr e as alimpase pelo que logo os ditos armeiros em duas tendas começaram a limpar e coreger todolos cosoletes priastões capacetes barbotes e cervilheyras que acharam que podiam servyr e ainda agora trabalham nyso e asy como as váo alimpando e concertando as manda Sua Senhoria pôr pendurados pelas paredes do almazem [fl. 40r] que pera iso mandou forar de tavoado e estam ora de maneira que estam guardados da umi,dade e estam muito bem lympos e umtados e asy todalas outras peças que pertemcem aos cosoletes e bem asy mandou emdereytar, alimpar e comcertar as lanças e pyques que se acharam que podiam ter coregimemto e as mandou por em cabydes que pera iso mandou fazer a alimpar lhe e umtar lhe os feros e esta ora tudo de maneira que he muito pera ver e elle testemunha há vymte sete anos que he nestas partes e quinze ou dezaseys que serve de mester e procurador dos mesteres na camara desta cydade e nunqua vyo ho dito allmazem da maneira que ora o senhor governador o tem comcertado e posto em ordem e pera as lonas e cotonyas mandou Sua Senhoria fazer tabernáculos e banquas altas do sobrado sobre que has mandou pôr em boa ordem e de maneira que estam [fl. 40v] guardadas da umidade e que se podem arejar per cima e per bayxo e guardadas do poo e as espimgardas e cubertas dos cavalos e as couraças nam mandou coreger por nam terem nhum coregymemto segundo elle testemunha vyo e bem asy mandou Sua Senhoria guarnecer e comcertar todolos berços e falcões e aos que ho avyam mester mandou por rabos e pyáes novos e destes foram coregydos hua grande soma que elle testemunha vyo coreger e os mandou umtar d’azeyte e alevamtar do chao e os falcões postos sobre vygas e asy mandou alimpar e pycar e umtar as camaras e polas em renques muito bem ordenadas sobre vygas e a muitos mandou por asas que nam tinham e destes se achou hua grande soma gastados de todo da ferugem e mao trato que nam aproveytam pera servyr [fl. 4lr] e asy mandou fazer muitos repayros de toda sorte e outros muitos mandou chapar e guarnecer e ainda agora se trabalha niso e se fazem muitos e em todo este tempo que ha que Sua Senhoria governa e proveo estes allmazens foy per muitas vezes em pessoa à dita casa da artelharia e às ferarias fazer trabalhar os que nyso trabalhavam e está ora tudo de maneira e tam bem comcertado e posto em tam boa ordem que folga ho povo muito de o ver e vão a isso gerallmente por estar muito bem comcertado e de maneira que nunqua se qua tal vyo e al nam dise. Joham Fernandez scprivão o scprevi.

[assinaturas] Martim Gomes, Simon.

8a Item Diogo Gomçallvez allfayate mor nesta cidade e procurador dos mesteres e povo desta cidade de Goa testemunha a que foy dado juramento dos evamgelhos em que pos a mao e pergumtado pelo costume dise.

[fl. 4lv] Item pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que he verdade que depois de o senhor governador ser chegado a esta tera e ser em pose

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da governança da índia elle testemunha e os outros procuradores dos mesteres e povo forão com Sua Senhoria ao allmazem das armas e artelharia que el rey noso senhor tem nesta cidade e asy foram despoys outras vezes soos e outras vezes com Sua Senhoria e he verdade que logo tamto que Sua Senhoria chegou foy vysytar e prover ho dito allmazem e corendo as casas delle foy ter a casa em que esta a artelharia e camaras delas e elle testemunha e Martym Gomes testemunha atras heram entam peresemtes na dita casa e vyram que Sua Senhoria achou a dita casa da artelharia muito pejada de cayro, enxarceas e outras cousas d’allmazem que nam serviam ao mester da artelharia e de bayxo dysto estava ha arterlharia e camaras e mandando despejar do que [f. 42r] dito he vyram e acharam os falcões, berços e meos berços que na casa avya estarem lançados pelo chão a granell huns sobre outros muito mal tratados e sem nhum comcerto nem coregymemto e as camaras deles que na casa avya que heram muitas estavam também lançadas per hy pelo chão todas ferugemtas e pasadas da ferugem e tam mal tratadas que muita parte delas estavam cubertas de tera e acravadas debayxo dela que pera se verem foy nescesareo cavar a tera e dessoteralas e muitas destas camaras nam tinham asas e estavam como cousa perdyda e que ja nam aviam de servir e asy muitos falcões, berços e meos berços estavam sem rabos nem pyães nem tinham coregymento e estavam como que fora fero velho e ja de todo despeso e so hyndo ho senhor governador à casa de cyma do allmazem acharam e vyram os cosoletes, ca[fl. 42v]pacetes, priastões, cervilheiras e barbotes que na casa avya todos em grandes montes huns sobre outros tam mall tratados e ferugemtos que a mayor parte deles estavam gastados e furados per muitas partes da ferugem e tamtos que parecia que amtre todos eles nam avya coregymemto senam em muito pouquos e asy acharam os corpos de couraças que na casa avya que heram dous ou tres corpos tam rotos espedaçados e pasados da ferugem que pera nhua cousa aproveytavao nem se poderam ajumtar e asy as cubertas dos cavalos que ai avya estarem tam rotas podres, espedaçadas e danifficadas que pera nada aproveitavam nem tinham nenhum coregimento e bem asy acharam e vyram as espimgardas que na casa avya estavam todas huas sobre outras a granell pasadas da fe[fl. 43r]rugem sem coronhas serpes atacadores nem aparelhos alguns e de maneira estavam que parecya nhum deles poder servir nem aproveytar e as lanças e pyques que na casa avya estavam tam tortos, podres do caruncho e quebrados e tam mal tratadas huas sobre outras em montes e sem feros que amtre todos eles parecia que avya mui pouquos que podesem servyr e asy achou as lonas e cotonias que na dita casa estavam lançadas pelo sobrado a granell huas sobre outras tam mall tratadas da umidade que muitos delles estavam ja muito danificados podres e alguns rotos e estas estavam de maneira que se lhe nam acodiram tam prestes parece que todos se poderam asy huas com umidade das outras de todo perder e bem asy a propia casa do allmazem estava [fl. 43v] tam çuja e mal comcertada que pareçya que nam fora feita pera ter armas mas pera outra cousa de que se nam avya de ter nescesydade nunqua e a tudo isto elle testemunha foy peresemte como dito tem e que he verdade que tamto que Sua Senhoria isto asy vyo perdido e daneficado com muita delygencia e cuidado mandou per dous armeyros que nesta cydade avya apartar todalas armas que estivesem

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pera servyr e lhes mandou alympar e coreger pera servirem e de feyto asy fez e se faz ora e tanto que são lympos Sua Senhoria as manda por na dita casa de cyma do allmazem pendurados e alevantados do chão pelas paredes que pera iso Sua Senhoria mandou forar de tavoado e asy estam ora as ditas armas guardadas da umidade e do poo e estam ora tam bem postos e per tam boa ordem que he muito pera folgar de ver e bem asy mandou endereytar e alimpar to[fl. 44r]dalas lanças e pyques que se poderam aproveytar e alimpar os feros deles e umtalos e os mandou por em cabydes pela casa os quaes Sua Senhoria pera iso mandou ora fazer e estam postos de maneira que parecem muito bem alem de estarem asy aproveytados e pera poderem servyr e as cotonias e lonas e outro pano de velas mandou alevamtar do sobrado onde jazyam a granel e as mandou por muito bem comcertadas sobre tarbernaculos e bem que os que pera isso mandou fazer altos do sobrado de maneira a que estam ora guardados da umidade e do poo e que se podem muito bem arejar per bayxo e per cima e as cobertas dos cavalos e asy as couraças e espingardas de que atras fala se nam coregeram por nam terem nhum coregimento e de todo serem perdidas e bem asy mandou Sua Senhoria logo muita presteza guarnecer [fl. 44v] e alimpar pycar e umtar todolos falcões, berços e meos berços e camaras deles e mandou por rabos e pyães a hua grande soma de berços e falcões e asy a hua grande soma de camaras mandou pôr asas que nam tinham per rezam do qual nam serviam e amtre estes se acharam muitos que nam prestao pera nada e os falcões e camaras mandou por em ordem sobre vygas cada cousa per sy apartada e asy mandou alevamtar do chao os berços e meos berços e postos em pee umtados os pyães e rabos de maneira que estam muito prestes e aparelhados pera quando forem nescesareos e muito per boa ordem e esta tudo de maneira qual nunqua esteve nestas partes e elle testemunha de dezaseys ou dezasete anos que ha que serve nestas partes e de seys ou setes que ha que serve de procurador dos mesteres na camara [fl. 45r] desta cidade nunqua tal vyo e o povo todo em gerall asy o diz e se pratica e fala muito na perda que Sua Alteza recebeo e recebya no dito allmazem e no bom coregymemto e ordem que Sua Senhoria ora deva estar da maneira que esta e no proveyto que se da a Sua Alteza nyso alem de ser muito necesareo pera o sostemtamento desta tera e dise mais elle testemunha que he verdade que alem do sobre dito mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros de novo de toda sorte e outros chapados e guarnecydos e Sua Senhoria em pessoa foy sempre e vay vysitar e prover os que nisto trabalhavam asy no allmazem como na feraria e elle testemunha achou a iso peresemte muitas vezes e al nom dise. Joham Fernandez scprevy.

[assinaturas] do [sinal de cruz] testemunha, Simon.

[fl. 45v] E despoys desto logo no dito dia o dito ouvydor geral foy as pousadas de Pero de Faria onde comygo scprivão o perguntou por testemunha pelo comteudo no dito auto atras e seu testemunho he o seguinte. Joham Fernandez scprivão o scprevi.

9a Item Pero de Faria fidalgo da casa dei rey noso senhor testemunha a que o dito ouvidor geral deu juramento dos evangelhos em que pos a mao e pergumtado pelo costume dise que he amigo e servidor do senhor governador e com todo dirá verdade.

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Item Perguntado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise elle testemunha que he verdade que ate ora elle vyo qua os governadores pasados nam terem aquele cuidado das armas que parece neçesareo e rezam que se [fl. 46r] tenha nestas partes poys per elas e com elas se ganharam e com elas se ha de sostemtar esta tera e o real estado de Sua Allteza que elle testemunha há e tem pera sy que a mayor parte delle qua nesta tera consiste e depende das ditas armas e por asy ser que qua avya nysto pouquo cuidado e mao provymemto; ha casa do allmazem delas e asy da artelharia estava tam perdida, mal tratada e danifficada que hera cousa mui vergonhosa e de muita pyedade a quem o vya e querya sentir o serviço de Sua Allteza e que he verdade que tamto que ho senhor governador veyo a estas partes e foy em pose da governança da índia com muito zelo e amor do servyço de Sua Alteza e doendo se disto quanto he rezam que se doa quem deseja limpamemte servyr seu rey e senhor como Sua Senhoria faz e mostra per espriencia ate ora cousa que elle testemunha [fl. 46v] qua vyo em pouquos fazerem no tam saamente com tam syngular zelo tenção e cuidado se foy logo prover e vysytar a casa do dito allmazem pera ha prover do que achase que avya nescesidade e elle testemunha e outros fidalgos e gente do povo foram com Sua Senhoria e corendo as casas de bayxo onde costuma estar ha artelharia e camaras dela achou a dita casa muito danifficada e tam pejada de cordoalha e enxarceas e cayro e outras cousas d’almazem que nam servem ao mester da artelharia que ha dita artelharia e camaras dela nam parecyam e ficavam per bayxo lançadas no chão a granell os falcões, berços e meos berços e camaras delas e alguas e muita parte das camaras estavam soteradas no chao cubertas de tera [fl. 47r] e todas elas tam daneficadas e pasadas da ferugem que verdadeiramemte parecya mais fero velho e lançado ja de parte pera nam servyr que artelharia de que esta tera tem tanta nescesydade e que tam neçesareo he estar da maneira que ora se fez e está per mando de Sua Senhoria e muitos dos ditos berços, falcões e meos berços estavam sem pyaes e sem rabos e os que hos tinham os tinham tam daneficados e cheos de ferugem que parecya que nam servyam nem avyam de servyr e as camaras muito delas nam tinham asas e parecya que grande soma delas heram de todo perdidas e que ja nam poderiam servir e como cousa que se nam esperava que esta tera se ouvese de defender per armas e sobyndo Sua Senhoria a casa de cyma achou e vyo os cosoletes, priastoes, capacetes, barbotes [fl. 47v] e cervilheiras que na casa avya estarem todos em montes huns sobre outros tam gastados e pasados da ferugem que mui grande parte deles estavam esburacados e parece a elle testemunha verdadeiramente que mui pouquos deles em comparação dos muitos que são perdidos se poderiam achar pera servyr e hera cousa muito pera aver pyedade ve los da maneira que estavam perdidos e lançados como cousas de que se nam fazia nhum fundamento e bem asy os corpos de couraças que na casa avya que heram dous ou tres achou espedaçados, podres, rotos e gastados todos da ferugem e tanto que pera nada aproveytaram nem se poderam ajuntar e asy todalas cubertas de cavalos que na casa avya achou rotas, podres, espedaçadas e lançados os pedaços pela casa de maneira que nam se lhe sentio nem pode dar coreffl. 48r]gimento nem remedeo algum e achou todalas espingardas que na casa avya todas lançadas em hum monte huas sobre outras tam gastadas e pasadas da ferugem

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que parecya que nam poderiam servir porque elas nam tinham coronhas, serpes, atacadores nem aparelhos alguns e alem delo parecyam de todo pasadas da ferugem e asy achou todalas lanças e pyques que avya postas em montes huas sobre outras lançadas no sobrado tortas quebradas e sem feros e comestas do caruncho de maneira que parecya que mui pouquos delas podiam aproveitar e as lonas e cotonyas e outro pano de velas estava todo lançado a granell pelo sobrado da dita casa tam mal comcertado e tam lemtas e úmidas que alguas delas estavam perdidas e podres e parecya que se Sua Senhoria lhe nam socorera como fez [fl. 48v] que todos se perderam de todo e que he verdade que tamto que Sua Senhoria vyo a dita casa asy perdida e gastada com muito cuidado presteza e delygencia como pesoa que lhe tanta dor a perda de Sua Alteza mandou buscar dous armeyros que nesta cidade há e lhes mandou que logo apartasem todos hos corpos e peças das ditas armas que lhes parecese que tinham algum coregymento e poderiam servir e que lhos alimpasem e de feyto asy se começou logo a fazer e sempre ate ora se trabalhou e trabalha nyso e tamto que alguas armas saao lympas e levadas ao almazem Sua Senhoria has manda pendurar e por ao longo das paredes altas do sobrado em muito boa ordem e as paredes mandou pera iso forar de tavoado que estam ora muito pera ver porque estão guardados [fl. 49r] do poo, omidade e ferugem e asy mandou apartar todalas lanças e pyques que se acharáo que podiam servir pera remedeo e os mandou alimpar e endereytar e os feros mandou alimpar da ferugem e umtalos d’azeyte e as mandou por em cabydes pela casa os quaes pera iso mandou novamente fazer e as espyngardas couraças e cubertas de cavalos de que ja atras fala nam mandou Sua Senhoria coreger por nam terem coregimento allgum como dito he e esta esta casa do allmazem ora tam limpa, bem comcertada e parece100 tam bem o comcerto e aparelho dela que os fidalgos que nesta tera ha e asy o mais povo e lascarins espantados de ver cousa que tam perdida estava ser agora tam aprazivell e nobre a vão muitas vezes ver e desta [fl. 49v] fama que core de Sua Senhoria asy ter esta casa naçe vyrem os mouros e estrangeiros a ela verem da maneira que está depoys de vysta falarem muito no bom comcerto que ora tem cousa muito pera louvar ao senhor governador e pera lhe ser muito bem satysfeito pera Sua Alteza o serviço que lhe nisto fez que elle testemunha affirma que foy grande porque de isto asy ser provido e oulhado pelo muito tempo que ha que se tal nam vyo nem fez nesta tera os mouros espantados disto dizem e afirmam que os portugueses querem novamente defender esta tera e sostemtala como ha ganharam e bem asy mandou Sua Senhoria alevantar do chão os falcões, berços e meos berços que per elle jazyam e mandou por rabos e pyães novos a hua grande soma deles que per rezam de os nam terem nam servyam nem podiam servir e os falcões mandou por sobre vygas apartados huns dos outros [fl. 50r] em muito boa ordenança e os berços e meos berços mandou alevamtar em pee arimados as paredes e os rabos e pyaes deles mandou umtar pycar e alimpar da ferugem e as câmaras desta artelharia mandou dessoterar as que estavam acravados de bayxo da tera e todas mandou pycar e alimpar da ferugem e umtalos d’azeyte e mandou pôr asas a hua grande soma delas e todas has mandou pôr per ordem

100 Segue-se letra riscada

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sobre vygas levantadas do chão e está ora isto tam bem comcertadas que he muito pera folgar de ver e asy mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros de toda sorte e outros velhos chapar e guarnecer e emquamto se nysto trabalhou asy no almazem como na feraria e ribeira Sua Senhoria foy e vay muitas vezes em pesoa vysytar os que niso trabalham pera com iso [fl. 50v] folgarem de o fazer com mylhor vomtade levando nisto muito trabalho e fadiga porque alem de trabalhar com ho corpo toda sua magynação e sentydo e a pratica que diso naçe he como há de fazer as cousas do serviço de Sua Alteza e pera segurança e fortaleza desta tera o que parece e he asy muito nescesareo pelo muito descuido que ate ora qua ouve e mao provymento em cousa tam nescesarea e dise elle testemunha que pelo juramento que recebeo e pela obrigaçam que tem de falar verdade a Sua Alteza verdadeiramente lhe parece e asy o vee e o entende que ho senhor governador nam governa esta tera e faz o que faz nas cousas do serviço de Sua Alteza e bem de seu estado e fazenda como ho nunqua ho haa de governar tres anos e mas como que ela fora sua de juro e que primeiro se ha de pasar vymte annos que a índia e o serviço de Sua Alteza achem pesoa que ha governe que tenha atemção e ca[fl 51 .rjlidades que ho senhor governador pera iso tem e al nom dise. Joham Fernandez o scprevy e declarou elle testemunha que he verdade que as lonas cotonias e panos de velas que Sua Senhoria achou daneficadas da maneira que atras dise Sua Senhoria as mandou alevamtar do sobrado onde jazyam e polas em ordem sobre hum tabernáculo e bamquos que pera iso mandou fazer estam ora guardados do po e da umidade e que se podem arejar per cima e per bayxo e al nom dise. Joam Fernandez scprevy.

[assinaturas] Simon, Pero de Faria.

E despoys desto logo no dito dia o dito ouvidor geral foy as pousadas de Manuel de Sousa e comygo scprivão ho perguntou per testemunha na maneira seguinte. Joham Fernandez scprivão o scprevy.

[fl. 5 lv] 10 Item Manoell de Sousa fidalgo da casa dei rey noso senhor testemunha a que foy dado juramemto dos evangelhos em que pôs a mao e pergumtado pelo costume dise que he servidor do senhor governador e com tudo dirá verdade.

Item Pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto atras dise que he verdade que elle testemunha vyo tanto que ho senhor governador entrou na governança hyr ao allmazem a vysytalo e à ribeyra e à casa da pollvora e fundição d’artelharia e a outras partes de serviço do dito senhor tudo olhando e provendo com zelo e vontade e amor muito de serviço de Deus e de sua allteza e bem desta tera e que elle testemunha acompanhando Sua Senhoria e indo com elle o vyo entrar na casa do allmazem e entrando na casa de bayxo onde estava a artelharia Sua Senhoria a mandou olhar ao condestabre mor e aos bonbardeiros que ahy estavao no qual elle testemunha vyo a mor parte dos berços e falcões sem rabos e casy nhuns pyaes de maneira que nam parecia cousa ^artelharia nem que por esa aly a tinham somente por casa de fero velho e que he verdade que elle [fl. 52r] testemunha vyo muitas camaras de bombarda todas pasadas de ferugem e alguas sem asas e soterados debayxo da tera e sisco e elle testemunha as

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vyo andar dessoterando pera se tirarem de maneira que a elle testemunha e asy o ouvyo dyzer a muitas pesoas lhe pareceo cousa pyadosa e vergonhosa e dina de castigo per cuja culpa asy estava e que he verdade que acabando Sua Senhoria de ver isto ou parte delle se fora logo ao almazem de cyma onde estavam armas de corpo as quaes elle testemunha vyo estar em montes aos camtos e longo das paredes huas sobre outras tam cubertas de ferugem e poo que a elle testemunha lhe nam pareceram cousa d’armas senam depoys que Sua Senhoria as mandou bulyr e revolver no quall elle testemunha vyo muitos e todolos em que se tocava scilicet cosoletes, cervilheyras, capacetes tam cheos e pasados da ferugem que pera nada prestavam e muitos vyo com tres quatro buracos pasados de bamda a banda da dita ferugem [fl. 52v] de maneira que elle testemunha se afirma que os outros que estavam debaixo que elle testemunha nam vyo que devyam d’estar muito pyores de maneira que os que aly se vyram nam prestavam pera nhua cousa nem lhe fazer nhum beneficio e que he verdade que elle testemunha vyo alguns corpos de couraças todos podres e moydos e desfeytos que pera nada prestavam nem tinham coregimento e asy he verdade que elle testemunha vyo huas cubertas de cavalo a modo de laudeys todos em pedaços podres que nhum coregimento tinham nem pera nada prestavam senam pera os ratos se agasalharem nelas dos terenhos como fazyam e que he verdade que elle testemunha vyo espimgardas que hera soma delas todas perdidas e daneficadas sem serpes nem fechos e as mays delas sem coronhas nem atacadores e elas pasadas muito da ferugem e que elle testemunha se afirma as mays delas nam prestarem para nada de comestas da ferugem e que he verdade que elle testemunha101 no dito almazem vyo lanças e pyques os mays deles comidos do [fl. 53r] caruncho e os outros muito tortos e quebrados e daneficados sem feros e muitos poderyam nam prestar pera nada e que he verdade de que elle testemunha vyo cotonias e panos de velas isto tudo lançado pelo sobrado çujo e mall alojado como cousa que nam tinha quem dela se doese e que alguas delas vyo elle testemunha podres e rotos e que se lhe nam acordiram e asi esteveram tam mall agasalhadas e elle testemunha lhe parece que se acabaram de perder ou se perderam todas porque huas ouveram de danar as outras e que he verdade que elle testemunha vyo que depoys que ho senhor governador vyo estas perdas e maos provymemtos acudio logo a iso com muito cuidado e delygencia e trabalho de sua pessoa porque elle testemunha ho vyo hyr muitos dyas e muitas vezes ao allmazem e per calma e menhaas a pee e a ribeira e ferarias e outros lugares acyma declarados e logo mandou per dous armeyros pera alimparem as armas que pera iso prestasem que nam estavam acabadas de perder [fl. 53v] e as mandou alympar e estão ja muita parte delas limpas e aproveytadas que he pera follgar de se ver e asy mandou guarnecer todolos falcões e berços e por rabos e pyáes que elle testemunha depoys lhe vyo postos e asy umtados d’azeyte e pycados da ferugem e postos sobre vygas e alevantados com hos rabos ao longo das paredes que estão de maneira que elle testemunha pelo juramento que tem recebydo se affirma que depoys que nesta tera he nam vyo cousa que lhe milhor parece serem milhor ordenada e que he verdade que elle testemunha vyo dessoterar as camaras como dito tem e depoys

101 Segue-se letra riscada.

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as vyo pycar e umtar cTazeyte e postas sobre vygas que nom cheguem ao chão e asy pôr lhe as asas nescesareas e que he verdade que elle testemunha vyo alguas camaras e muitas que lhe pareceo que nam prestavam pera nada de comestas da ferugem e que a elle testemunha lhe dise ho condestabre mor ahy na dita casa que muitas hera verdade que nem prestavam pera nada de comestas da ferugem e de escorvas [fl. 54r] grandes e que he verdade que elle testemunha vyo no dito allmazem depoys pyques e lanças102 lympas e dereitas e umtadas hos feros e postos em cabydes em muito boa ordenança e que hera de tudo soma que elle testemunha nam contou e que he verdade que has lonas e cotonias e pano103 de velas elle testemunha os vyo depoys alevamtados em hum tabernáculo de tavoado onde estão muito limpos e guardados da umidade e poo e maneira que se nam podem agora danefycar nem perder e que he verdade que elle testemunha depois vyo a primeira casa do allmazem as paredes da banda da cidade foradas de tavoado a muito bom modo e maneira e pelo dito tavoado postos os cosoletes e armas limpas penduradas a muito bom modo e muito de maneira que se nam podem perder nem danar e alem de asy lustrarem e parecerem muito bem a toda pessoa asy portugueses como jemte da tera a que elle testemunha depoys disto tem ouvydo a muitos da tera pesoas honradas gabarem o cuidado e coregymento do allmazem dizendo [fl. 54v] que depoys d’Afonso d’Albuquerque nam governara governador nesta tera que bulyse com armas senam ho senhor governador e que parecia que ha queria defender e conquistar mayor parte como fyzera o dito Afonso d’Albuquerque e que elle testemunha pelo juramento que tem lhe vyo dizer isto como homens que temiam e nam folgavam de ver bolyr com ho que estava esquecido e que a elle testemunha lhe pareceo tam bem o coregimento de todas estas armas asy pelo proveyto de Sua Alteza do que nelas perdera como pelo credito que perdiam os seus vasalos de se requererem tanto das armas que ha muitos tempos que cousa nhua tam bem lhe pareceo nem tam nescesarea ao serviço de Sua Alteza porque ho pasado lhe parecia mal e grande descuido e culpa como elle testemunha praticou a partyda do vygario geral que em Portugall esta e o dira em que elle testemunha lhe dise que pelo credyto que tinha com Sua Alteza [fl. 55r] e per sua verdade disese a el rey noso senhor o como vya os seus allmazens e a sua artelharia que parecya cousa de doo com portas fechadas e nam de primcepe conquistador de tamanhas partes como estas heram que vendo isto os imigos lhe causaria grande animo e vendo agora ao que ho senhor governador fez elle testemunha se aflirma que hos que ho tem vysto e sabem estam mays encolhydos e metidos pera demtro do que amtes estavam e que ha casa do allmazem e ribeira e outros provymentos que agora corem são de tamto serviço de Deus e dei rey noso senhor que neste mundo nam tem satisfacao e al nom dise. Joham Fernandez o scprevy.

[,assinaturas] Simon, Manuel de Sousa.

E logo ho dito dia foy o dito ouvidor geral a pousada de Vasco da Cunha e

102 Seguem-se duas letras riscadas.103 Segue-se letra riscada.

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comygo scprevao o perguntou pelo conteúdo no auto. Joham Fernandes o escprevy.[fl. 55v] 11 Item Vasco da Cunha fidalgo da casa dei rey noso senhor testemunha a

que foy dado juramemto dos evamgelhos pelo dito ouvidor e pergumtado pelo costume dise.

Item pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que he verdade que tamto que ho senhor governador tomou pose da governança da índia foy vysytar os allmazens e casa da pollvora e asy a ribeyra per muitas vezes por ser a cousa mais sustancial a que mays cumpre ao serviço de Sua Alteza e a conservaçam de seu estado nestas partes e que començando no allmazen a querer saber primeiramente da artelharia achara muitos falcões e berços mui danyfficados sem rabos e sem pyães mal tratados da ferugem por estarem muitos deles acravados no chao e asy as mesmas camaras as quaes mandara pycar e a muitas delias fazer escorvas e por asas que nam tinham como cousas ou que dela se nam tinha nesçesydade ou [fl. 56r] a esperança perdida de poderem aproveytar Sua Senhoria com muito cuidado mandara tudo concertar na qual obra se gastara tempo por ver quamto compria a serviço de Sua Alteza nam se perder cousa de que tamta nesçesydade há nesta tera o que se lhe deve muito gabar pelo fazer com muito gosto e cuidado e asy vysytando as casas das armas elle testemunha indo em sua companhya per muitas vezes vyra mui grande perdyção asy de corsoletes, capacetes, cervilheiras tudo feyto em po e comesto da ferugem com muitos buracos que pera nhua cousa prestavam o que tudo per seu olho andou vendo e revolvendo allguns corpos que se destes podiam aproveytar os quaes mandara alimpar com muita delygencia por ver quam nescesareo isto hera por quam desarmada a jemte da índia andava e na mesma casa achara couraças podres e espedaçadas que nam prestavam pera nada e asy cubertas de cavalos que no allmazen [fl. 56v] estavam rotas e podres que pera nhua cousa prestavam e asy vyo elle testemunha mais hua grá soma de pyques e lanças comestas do caruncho que pera nhua cousa prestavam e alguas damtre estas Sua Senhoria mandara endereytar e alympar e por na dita casa em cabydes que pera iso mandou fazer e os cosoletes asy104 tam bem lympos mandara por de longo das paredes as quaes pera iso mandara forar e comcertar o que tudo foy mui necesareo e mui desacostemado nesta tera e asy mais dise elle testemunha que vyra muitas espyngardas sem coronhas serpes nem atacadores e as mais delas pasadas da ferugem que pera nhua cousa prestavam e asy vyra as lonas e cotonias e panos de velas lançados a granelle e muito mall tratado cousa de que a índia tamta nesçesydade tem das quaes alguas estavam muito danifficadas [fl. 57r] e podres e parece que se Sua Senhoria lhe nam acodira que huas com outras se perderam o que tudo pos a bom recado mandand os por em tabernáculos que pera iso mandou fazer alevamtados do sobrado guardados do poo e da umidade obra certo dina de muito louvor e depoys de tudo isto vysytado mandou alevantar os falcões e berços e camaras que jazyam no chão sobre vygas e pycalos e umtalos d’azeyte e postos em tam boa ordem como se nunqua na índia vyo a qual ordem de todos he muito louvada por quam

104 Palavra emendada.

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nescesarea105 he pera bem desta tera porque ainda que nam fora por mays que por os mouros e j em tios verem a ordem e lembrança que se nestes ailmazens tinha106 hera rezam que se fizera quamto mais que delia resulta bom exemplo e estar tudo a recado e como cumpre pera bem e segurança deste estado que el rey noso senhor [fl. 57v] nestas partes tem e dise elle testemunha que pelo juramento que tem que lhe parece tam bem a ordem e regimemto que ho senhor governador tem em sostemtar a openiam das armas e jemte guereyra que asy por isto como pelo proveyto que Sua Alteza nyso recebe lhe parece ser dino de ser louvado a Sua Alteza por iso lhe fazer mui grandes merces porque hua das mays sostamciaes cousas e em que mays vay ao serviço de Deos e bem desta tera he per ha deffensa delia na openiam das armas e al nom dise. Joham Fernandez scprevy.

[assinaturas] Simon, Vasco da Cunha.

E despoys desto aos vymte dous dias do mes de Março de myll quinhemtos corenta e seys anos nesta cidade de Goa nas pousadas de Nuno Pereira o dito ouvidor geral comigo scprivao pergumtou as testemunhas seguimtes pelo conteúdo no auto atras. Joham Fernandez scprivam o scprevy.

[fl. 58r] 12 Item Graviell de Tayde fydalgo da casa dei rey noso senhor testemunha a que foy dado juramemto dos evangelhos em que pos a mao e pergumtado pelo costume dise.

Item Pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que he verdade que tamto que ho senhor governador foy em pose da governança da índia foy logo vysytar os almazéns, casa da pollvora, ribeyra e ferarias e outros lugares nescesareos ao serviço de Sua Alteza e este pera os prover do que fose nescesareo e indo ter a casa do allmazem das armas emtrou na casa de bayxo onde esta ha artelharia de toda sorte e camaras dela e elle testemunha e outros fidalgos e outra jemte do povo hyam em sua companhya e vyo elle testemunha que ha dita casa da artelharia estava muito pejada de cayro emxarceas e outras cousas d’almazem que nam serviam ao [fl. 58v] mester da artelharia e ha casa muito çuja e chea d’esterco que nam parecya ser casa ordenada pera armas e debayxo disto estavam muitos berços, falcões e meos berços e muitas camaras delas todos lançados pelo chão a granell e a mayor parte das camaras soteradas debayxo da tera e de maneira que pera se verem foy nescesareo cavar a tera e estavam todas muito ferugemtas e pasadas da ferugem e muitas delas sem asas e de todo gastadas que parecya que muita parte delas nam prestariam pera nada e bem o asy vyo elle testemunha muitos berços e meos berços e alguns falcões sem rabos e sem pyaes e os que hos tinham estavam da sorte que estavam as camaras cubertas e pasadas da ferugem que parecya cousa de que nam avya daver nescesydade e que nam fora feyto pera artelharia mas pa[fl. 59r]recya cousa ja lançada em despesa e como que nam tinha dono nem quem se doese nem oulhase por ela e estava tam daneficado tudo e tam mal tratado que certo

105 Segue-se letra riscada.106 Segue-se letra riscada.

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hera cousa muito vergonhosa pera ver e de que todos os que heram peresentes muita pyedade ouverao alem de semtyrem a muita perda que Sua Alteza nisto recebya e indo a casa de cyma do dito allmazem achou Sua Senhoria e elle testemunha vyo grandes montes de cosoletes, capacetes, barbotes, priastões e cervilheyras lançadas pela casa ao longo das paredes todos gastados e pasados da ferugem e tam mall tratados que parecya antre todos aver muito pouquos que tevesem coregymemto e estes heram hua grande soma deles e asy achou e vyo elle testemunha que dous ou tres corpos de couraças que na casa avya andavam per hy espalhados em pedaços, rotos, podres e de maneira que se [fl. 59v] nam poderam ajumtar e asy vyo elle testemunha que as cubertas de cavalo que na casa avya que heram a modo de laudeys estavam todas rotas, podres e roydas dos ratos e lançadas em pedaços espalhados pela casa de maneira que se lhe nam sentio poderem ter coregimento algum e asy vyo elle testemunha na dita casa e sobrado de cima hum grande monte de espimgardas todas pasadas e gastadas da ferugem e nam tinham senam os canos somente e sem coronhas, serpes nem atacadores e tam daneficadas que parecia pera nada aproveytarem e asy vyo elle testemunha na dita casa grandes montes de lanças e pyques sem feros lançados a granell huas sobre outras, tortas, podres e comidas do caruncho de maneira mal tratados que pera nada prestavao e asy vyo elle testemunha estarem no dito sobrado lançados [fl. 60r] a granell grande soma de lonas, cotonias e pano de velas huas sobre outras e tam çujas e cheas de po e tam danefficadas que muita parte delas estavam ja podres e rotas e que elle testemunha lhe parece verdadeiramemte que se Sua Senhoria nam acodira a isto da maneira que acodio e com tamta deligencia e cuidado como fez que de todo se acabara de gastar e perder porque Sua Senhoria doendose desta perda que Sua Alteza perdia em tera que das ditas cousas tanta nescesydade tem e com ho zelo que tem do serviço de Sua Alteza logo mandou hyr ao dito allmazem dous armeyros que nesta cidade avya e lhes mandou que amtre as ditas armas boscasem e apartasem aquelas que podesem ter algum coregymento e remedeo e estes apartaram alguas delas e Sua Senhoria lhes mandou que has alimpasem os quaes logo começaram e des’entam ate ora nam fazem outra cousa senam alimpar armas [fl. 60v] e asy como has vão alimpando as levam ao allmazem e Sua Senhoria as manda pendurar e pôr ao longo das paredes alltas do chao em muito boa ordem as quaes paredes Sua Senhoria pera iso mandou forar e guarnecer de tavoado e estão ora muito guardadas da umidade, poo e ferugem e está isto de maneira comcertado e per tam boa ordem que he muito pera follgar de ver e corem todos a iso e espantados de verem cousa que estava tam perdida ser ora tam ganhada e aproveytada e asy mandou apartar das lanças e pyques as que pera remedeo se poderam achar e as mandou endereytar e alimpar e os feros limpos e umtados d’azeite mandou po los em cabydos pela casa em muito boa ordenança os quaes cabydes Sua Senhoria pera iso mandou fazer e as couraças e espingardas e cubertas de cavalos por nam terem nhum coregimento as nam [fl. 6 lr] mandou Sua Senhoria comcertar e as lonas e cotonias mandou alevamtar do sobrado onde jazyam e as mandou pôr sobre hum tabernáculo de madeira que pera iso mandou fazer altos do sobrado e guardados do poo e umidade e postos de maneira que se podem arejar per bayxo e per cima e bem asy mandou Sua

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Senhoria alevamtar os falcões, berços e meos berços que no chao jazyam e aos que nam tinham rabos e pyães lhos mandou logo por e aos que hos tinham e estavam ferugemtos mandou pycar e umtar d’azeite e os ditos falcões mandou por sobre vygas apartados huns dos outros por se nam gastarem da ferugem e asy os berços e meos berços mandou alevamtar em pee ao longo das paredes e as camaras de falcão e berços que estavam todas pasadas da ferugem mandou pycar comcertar e umtar [fl. 6lv] d’azeyte e a muitas mandou por asas novas e fazer escorvas as que has nam tinham e todas asy mandou pôr alevantadas do chão sobre vygas e está ora tudo asy comcertado de maneira que he muito pera ver e que he verdade que elle testemunha ha vynte cimquo anos que serve Sua Alteza nestas partes e nam vyo nunqua o dito allmazem da maneira que ora está nem aver delle cuidado nem ter a lembrança que ora Sua Senhoria diso tem que he tamta que nam cuidar nem magina nem pratica em outra cousa senam nas armas e moniçam de guera e cousas de serviço de Sua Alteza cousa tam nescesarea a esta tera e de que os pasados tem muita cullpa e são dinos de grande reprensao descuidarem tamto de cousa em que nestas partes consyste a mayor parte da segurança do real estado de sua alteza e bem asy mandou Sua Senhoria fazer muitos repayros novos de toda sorte e outros velhos [fl. 62r] mandou Sua Senhoria comcertar e chapar de novo e elle testemunha se affirma que despoys que sua senhoria isto começou ate ora tem feyto mays do que hos outros fyzeram em todos hos tres anos atras pasados e que he verdade que enquamto se trabalhou nisto e ainda agora Sua Senhoria foy sempre per sy em pessoa vysytar e ver o dito almazém, ribeira e ferarias e casa da pollvora pelas sestas e a outras oras a pee e com muito trabalho de hua pessoa e esprito e verdadeiramente ve elle testemunha per esperiencya que todo ho intemto de Sua Senhoria he posto no serviço de Sua Alteza e bem do povo e isto he asy notoreo a todos e al nom dise. Joham Fernandez scprivão ho scprevi.

[assinaturas] Simon, Gavriell d’Ataide.

13 Item Rui Diaaz cavaleiro da casa dei rey noso senhor e juiz ordinário neste peresemte ano nesta cidade de Goa testemunha [fl. 62v] a que foy dado juramemto dos evangelhos em que pôs a mao e pergumtado pelo costume dise.

Item pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que he verdade que tamto que ho senhor foy nesta cidade e em pose da governança dahy a pouquos dias foy vysytar e prover os allmazens desta cidade, casa da pollvora, ribeira e ferarias e he verdade que no dito allmazen se acharam berços e falcões sem rabos nem pyães e asy muitas camaras de bombarda sem asas e tudo muito ferugemto como cousa que estava perdida e alguas delas soteradas debayxo do chao e pela mesma maneira se achou muitos cosoletes, cervilheyras e capacetes lançadas a granell em montes todos pasados da ferugem que pera cousa nhua aproveytavao e asy os corpos de couraças que na casa avya s acharam espedaçados e podres [fl. 63r] que pera nada prestavao e asy alguas cubertas de cavalos que na casa avya também estavam rotas e em pedaços e podres sem terem coregymento nem aproveytarem pera nada e asy muitas espyngardas sem

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coronhas, serpes, fechos nem atacadores e pasadas da ferugem e muitas lanças e pyques lançados a granell tortos quebrados e comestos do caruncho e as cotonias e lonas tudo também lançado a granell e asy outro pano de velas çujo e mal tratado e alguns rotos e podres do mao tratamento e que vendo Sua Senhoria isto asy tam danefficado com muita delygencia e zelo de serviço de Sua Alteza mandou alimpar as armas que amtre estas tacharam pera terem coregymento per dous armeiros que nesta cydade avya as quaes foram limpas e s alimpam oje em dia e mandou guarnecer os falcões e berços e camaras e alimpar tudo e por lhe rabos e pyaes [fl. 63v] aos que diso tinham nescesydade e mandou forar de tavoado as paredes da casa de cima do allmazem onde mandou pôr todas has ditas armas lympas e luzentas e umtadas e estam ora asy guardadas da umidade e poo e pela mesma maneira mandou endereytar e alimpar os pyques e lanças que estavam pera poder servyr e alimpar os feros delas e po los em cabydes no dito allmazem em que pera iso mandou fazer e as lonas e velas mandou alevamtar e pôr em hum tabernacullo que mandou fazer onde estam limpas e guardadas e as cubertas dos cavalos couraças e espyngardas nam mandou coreger por nam terem coregimento algum de maneira que ho dito allmazem está agora muito bem comcertado lympo e per tam boa ordem que ha jemte folga de o ver o que damtes nunqua esteve amtes estava perdido e daneficado [fl. 64r] como cousa que nam tinha senhor nem quem por iso oulhase sendo as armas nesta tera cousa tam nescesarea e de que parece que depende a mayor parte do estado de Sua Alteza nestas partes e que ho dito senhor governador fez ora isto de maneira que hos mouros estrangeiros e a jemte da tera e asy os portugueses por quam perdido ho damtes vyam folgam ora muito de hyr ver o dito allmazen por estar tam ornado (sic)e tam bem comcertado asy as armas e artelharia como todo ho mays que he cousa que se ainda nesta cidade nam fez e al nom dise. Joham Fernandez o scprevy.

[assinaturas] Simon, Rui Diaz.

14 Item Nuno Pereira fidalgo da casa dei rey noso senhor e vereador este ano peresemte nesta cidade de Goa testemunha a que foy dado juramento dos [fl. 64v] evamgelhos em que pôs a mao e pergumtado pelo costume dise.

Item Pergumtado elle testemunha pelo comteudo no auto atras dise que ao tempo que ho senhor governador foy a primeira vez a vysytar a casa do allmazem das armas desta cidade elle testemunha nam hera peresemte por então vyr na vyage de Moçambyqye de que hera capitão da dita vyagem e veyo depoys de o senhor governador ja ser em pose da governança hum mes pouquo mais ou menos e que indo elle testemunha ter a casa do allmazem como muitas vezes fazia vyra na casa de bayxo onde esta a artelharia muitos berços, falcões e meos berços muito daneficados e lançados pelo chão muito mal tratados e muitos sem rabos nem pyães e a casa tam çuja que hera pyadade de ver e asy vyo ahy muitas camaras lançadas pelo chão ferugemtas e mal tratadas que ao parecer [fl. 65r] pareçyam cousa perdida e sem dono e indo elle testemunha a casa de cyma vyo esta vez e outras muitas que ja d’amtes la tinha ido amtes da vynda do senhor governador vyo muitos cosoletes postos em grandes montes huns sobre outros todos pasados e

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furados da ferugem e lançados de maneira como fero velho e que verdadeiramemte a elle testemunha lhe pareceo que nom prestariam pera nada e asy os capacetes, barbotes e cervilheyras de feycam que hera piadosa cousa de ver cousa tam desemparada e orfaam e que he verdade que os corpos de couraças que na casa avya estavam taes que nam prestavam pera nada mays que pera ser lançados no monturo e que he verdade que também vyo elle testemunha na dita casa muitas espimgardas em hum monte huas sobre outras perdidas e cheas de ferugem e sem coronhas serpes nem atacadores e muito mal tratadas que parecya que nam poderiam servyr e as lamças e pyques que na casa [fl. 65v] avya estavam ahy lançados em monte e alguns pendurados e todos tortos e comestos do caruncho e alguns que tinham feros estavam gastados da ferugem e que he verdade que as lonas e cotonias que na casa avya elle testemunha as vyo estar lançadas pelo sobrado a granell huas sobre outras muito çujas, úmidas, mal tratadas e que lhe parece que se asy esteveram e lhe nam acodiram que todas apodreceram e que he verdade que elle testemunha foy daquy a Dabul com hua armada em que ho senhor governador o mandou por capytão mor dela e quando agora dela veo achou ho almazem muito pera folgar de ver porque achou as paredes foradas de tavoado e com seus cabydos postos e com muitas lanças direitas e limpas e os feros muito luzemtos e muitos cosoletes per cima delas pendurados alltos per muito boa ordem e muito limpos e luzemtos e muitas [fl. 66r] cervilheyras e capacetes postos em ordem per bayxo dos cosoletes e per cima e está ora a dita casa de feycam que he pera se vyver nelas e pera muito comtemtamento pelo bom comcerto e atavyo dela e que he verdade que Sua Senhoria mandou guarnecer e guarnece ainda agora cada dia todolos berços e falcões que estavam sem rabos e sem pyáes e as camaras que estavam sem asas e asy mandou guarcener os repayros e fazer outros de novo com todalas chapas nescesareas e tudo de novo muito bem feyto de feycam que esta a cousa pera durar daquy a vynte anos e que he verdade que mandou alevamtar as lonas e cotonias e outro pano de velas do sobrado onde jazyam e elle testemunha vyo e as mandou por sobre hum tabernáculo de madeira que mandou fazer onde ora estam muito bem guardadas do po e da umidade e de maneira que se podem arejar per bayxo e per cima e dise elle testemunha que he verdade que isto estava [fl. 66v] damtes tam perdido e esta ora tam melhorado e posto per boa ordem que se nam pode deyxar de atrebuyr a grande milagre vyr a esta tera quem se doese e alembrase dela e do serviço de Deus e de Sua Alteza porque toda a magynacam e sentido e pratyca do senhor governador he nestas cousas e em outras de muito serviço de Sua Alteza e bem deste povo e preza a Deus que muitos annos ho sostenha e comserve na vomtade e obras que ate ora se tem vysto e ve pera esperiencya e al nom dise. Joham Fernandez o escprevy.

[assinaturas] Nuno Pereira, Simon.

E logo foy o dito ouvidor a pousada de Joham Rodriguez Paaez e o pergumtou per testemunha pelo conteúdo no auto na maneira seguinte. Joham Fernandez o scprevy.

15 Item Joháo Rodriguez Paaez fidalgo da casa dei rey noso senhor e vereador neste peresente anno nesta cidade de Goa testemunha [fl. 67r] a que foy dado juramento

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dos evangelhos em que pos a mao e pergumtado pelo costume dise.Item Pergumtado elle testemunha pelo conteúdo no auto atras dise que he

verdade que elle testemunha foy alguas vezes ao allmazem das armas e artelharia e quamto ha artelharia vyo elle testemunha muitos falcões e berços mui daneficados e sem rabos e asy as camaras dos ditos falcões e berços a seu parecer muito mal tratados da ferugem e mui perigosas e despoys indo la ao mesmo allmazem na companhia do senhor governador107 soube que per seu mandado se punha esta artelharia e camaras sobre vygas de paao e que heram pycadas e azeytadas pera bem de se nam gastarem de todo da ferugem e poderem servyr e asy vyo elle testemunha à porta do allmazem hua certa cantydade de falcões de metal sem rabos que mal se podia chamar artelharia pela mingoa [fl. 67v] que lhe elle testemunha vyo a qual Sua Senhoria mandava comcertar pera o serviço das armadas de Sua Alteza e asy mesmo foy elle testemunha ao allmazem de cyma onde estam s*s armas e lanças e pyques e espingardas e outras moniçoes e vyo tudo estar a granell lançado no sobrado e que tudo parecya mays cousa lançada em despesa que pera poder ter esperança de se poderem aproveytar pera o serviço de Sua Alteza que he o comtrayro do que cumpre pera bem do serviço e estado de Sua Alteza nestas partes e despoys tornou elle testemunha ao allmazen onde vyo certa copya de cosoletes e peytos e espaldeyras capacetes e cervilheiras mui limpos e aproveytados como cumpre as necesydades de tera de fromtaria e que ho allmoxarife da casa que hora serve dise a elle testemunha que Sua Senhoria mandara aquylo asy aproveytar e fazer e asy também logo dous108 armeiros que se acharam no dito allmazem lhe diseram que as taes armas ja lympas foram pere eles [fl. 68r] escolhydas per mando de Sua Senhoria e que pera o tal lhe dava seus ordenados e as mays armas que nam prestavam pera se poderem aproveytar nem alimpar elle testemunha vyo estar na casa diamteira do mesmo allamzen a granell como fero velho e asy os pyques e lanças limpas e direitos e seos feros lympos e postos em cabydes e asy vyo elle testemunha andar carpimteiros forando as paredes do allmazen pera bem das armas serem nelas penduradas e se nam acabarem de gastar por caso da umidade do que per elle testemunha foy muito louvado ha tal lembrança de Sua Senhoria porque certo estava a dita casa com has armas lympas per os poder ali receber embayxadores que do que damtes disto estava que hera sem ordem e grande vergonha pera nosos imigos saberem se ho tal vyram e quamto as cubertas de cavalo que elle testemunha as vyo estar ahy lançadas no sobrado huas sobre outras [fl. 68v] que parecya mais pylha ou monte de courama de mercadoria pela deshordem disto que armas de guera que ham d’estar mui resguardadas e limpas pera o tempo da nescesydade e serviço de Sua Alteza e asy também vyo elle testemunha as lonas pera as velas e cotonias sobre banquos alevantadas do sobrado pera asy estarem guardadas da umidade e asy vyo muitas espyngardas lançadas a granell cheas da ferugem e desaproveytadas sem coronhas nem os mais aparelhos nescesareos e dise elle testemunha que vysto este nam se poder negar a muito lembrança que Sua Senhoria tem dos allmazens e asy armada e do mais

107 Segue-se letra riscada.108 Segue-se letra riscada.

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que cumpre ao serviço de Sua Alteza porque tudo he lembrado per elle109 mandar se fazer e vysto per seus olhos do que pela tal lembrança mays merece a Sua Alteza merces e honras de grande renonbre que tachado de pouqua lembrança o quer com verdade se nam pode dizer poys ho contrayro [fl. 69r] se ve per esperiencya e al nom dise. Joham Fernandes o scprevy.

[assinaturas] Simon, Joam Rodriguez Paaez.

tO doutor Symão Martinz Do desembargo dei rey noso senhor e ouvydor geral da

índia com alçada etc. faço saber a quamtos esta minha certidão vyrem e o conhecimento dela pertemcer que por ho senhor governador Dom Johão de Castro querer pera sua guarda estes propios autos emquirição e delygençias atras que se fizeram sobre ha artelharia, armas e moniçoes que Sua Senhoria achou nesta cidade de Goa ao tempo que foy em pose da governamça nos almazens dela eu hos mandey tresladar todos de verbum ad verbum pelo scprivão que esta fez que hos tresladou e o treslado comcertado e autorizado fica em seu poder pera em todo tempo pelo dito treslado se saber como nestes propios autos vão na verdade e sem duvyda algua e pera mays clareza do que dito he certifico que ho primeiro auto que vay asynado per Sua Senhoria he scprito nas primeiras tres meas folhas e na primeira folha na segunda lauda vay coregydo onde diz todalos e na terceyra folha na primeira lauda na margem de demtro vay hua postila ou declaraçam feita e asynada pelo escprivam que esta fez que também fez o dito auto que diz asy são as lamças e pyques lympos per todos quatrocentos novemta e quatro na verdade [fl. 69v] e ha quarta folha começam as delygençias que se fizeram no almazem sobre as armas e artelharia e vay todo scprito pelo scprivam que esta fez e proseguem ate as folhas treze na primeira lauda e a vollta da folha he branqua toda e todas estas delygençias e exames vão limpos sem cousa que duvyda faça somemte as doze folhas vay na adicao dos pyques metido pela letra mays meuda o seguimte e mais novemta e oyto pyques e as treze folhas vay outra declaracam de letra mais meuda que diz asy sam vymte pedreyros somente e os mais tinham chumbo e as catorze folhas começa a inquiricam que eu tirey pelo comteudo no auto e começa na dita folha o testemunh de Joham Luis condestabre mor e seu testemunho core e prosegue ate as folhas dezoyto no qual as folhas dezaseys na vollta vay de letra mais meuda no fim da regra todo o e todo o mais vay limpo e na folha dezoyto começa o testemunho de Allvaro Pirez condestabre darmada e prosegue ate as folhas vymte hua e todo vay limpo sem cousa que faça duvida somente leva riscado hum 6 e na volta da dita folha começa o testemunho de Jorge Vaaz de Magalhães allmoxarife e prosegue ate a folha vymte quatro na vollta e vay todo limpo sem cousa que duvida faça e na volta da dita folha no termo vay de letra mais meuda o seguinte e na sua pousada perguntou as testemunhas adiamte scpritas Joham Fernandez ho scprevy e ao pe dele começa o testemunho do licenciado Amtonio Cardoso sacretario e prosegue ate as folhas vymtoyto na vollta no qual as folhas vymte seys na vollta vay

109 Segue-se letra riscada.

Page 55: li ítl Aios Is Coiqiiiti Jt Ceoti Lee... · soldados, o Armazém Régio surge em Portugal somente na segunda metade do século XIV, no reinado de D. Fernando, sediado em Lisboa (dentro

comcertado onde diz cosoletes e todo ho mais vay sem cousa que duvida faça e as XXblII folhas [fl. 70r] [na volta] começa o testemunho de Rui Gonçalvez d[e Cami} nha e prosegue ate as folhas X [X X IIn]a vollta e todo vay limpo sem co[us]a. que duvyda faça e na dita folha começa o testemunho de Amtonio Marquez scprivão do allmazen e prosegue ate as folhas trimta e sete todo limpo sem cousa que duvyda faça e na dita folha na vollta começa o testemunho de Martim Gomes e prosegue ate as folhas corenta e hua todo limpo sem cousa que duvida faça e na dita folha começa o testemunho de Diogo Gonçalvez e prosegue ate as folhas corenta e cimquo sem cousa que duvyda faça e na vollta da dita folha começa o testemunho de Pero de Faria e prosegue ate as folhas cimcoenta e hua sem cousa que duvyda faça e na volta da dita folha começa o testemunho de Manoell de Sousa e prosegue ate as folhas cimcoenta e cimquo e todo vay linpo sem cousa que duvyda faça e na volta da dita folha começa o testemunho de Vasco da Cunha e prosegue ate as folhas cincoenta e sete na vollta sem cousa que duvyda faça e as cimcoenta e oyto folhas começa o testemunho de Graviell de Tayde e prosegue ate as folhas sesemta e duas sem cousa que duvyda faça onde começa o testemunho de Rui Diaz o qual prosegue ate as folhas sesemta e quatro que vay todo sem duvida algua na qual folha começa o testemunho de Nuno Pereira o qual prosegue ate as folhas sesemta e seys na vollta o qual vay limpo sem cousa que duvyda faça e na dita folha começa o testemunho de Joham Rodriguez Paaes e prosegue ate a folha sesemta e nove onde ao pe delle começa esta certydam e todo vay limpo sem cousa que duvyda faça e por tamto se lhe deve e pode dar tamta fe credito e autoridade quamta de dereito se requere e lhe deve ser dada e pela certeza de todo pasey a peresemte per mim asinada e aselada com ho selo das armas do dito senhor feita em esta cidade de Goa aos trimta dias do mes d’Abril. Joham Fernandez scprivam a fez ano de I bc core[«]ta [e se]ys. Per chancelaria e d’asynaturaa nada.

[assinatura] Simon doctor

[fl. 70v][selo régio desaparecido]Pagou nihil[assinaturas] Agostinho Salivado Francisco Toscano