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9 INTRODUÇÃO A escolha do tema deste Trabalho de Conclusão de Curso foi motivada pela curiosidade de se observar nos discursos midiáticos como a imprensa se reportava ao advogado, jornalista, ex-membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e desaparecido político Jayme Amorim de Miranda, vez que a imprensa escrita é uma fonte bibliográfica (POLLAK,1989), na qual se encontram registradas fatos de relevância social. Em 2010, contabilizam-se 25 anos do final da ditadura militar e 35 anos do desaparecimento de Jayme Miranda e, mesmo depois de tantos anos, foi observado, durante a pesquisa, que ainda não se tem as informações oficiais completas de quem e em que circunstância violou o direito à vida, não só de Jayme Miranda, como também de vários brasileiros no período entre 1964 a 1985. A pesquisa mostra que, apesar do processo de negociação, no qual o governo indenizou os familiares dos mortos, desaparecidos e perseguidos pelo regime militar, ainda há famílias que vagam pelos labirintos da memória oficial tentando encontrar vestígios do paradeiro dos restos mortais de seus entes queridos. Matérias jornalísticas foram publicadas sobre o regime militar, mas ainda há muita coisa para se encontrar e divulgar sobre o silêncio imposto pelas Forças Armadas. Observa-se no desenrolar desta pesquisa que durante o período da ditadura, alguns jornalistas tentaram alertar a sociedade sobre a repressão que se abatia sobre o país, mas que outros auxiliaram à propagação do regime. A abertura dos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) era uma esperança de se conhecer os principais fatos e localizar os corpos dos desaparecidos políticos. Em Alagoas, esses arquivos foram colocados à disposição dos interessados em 18 de março de 1996, e foi amplamente divulgado na mídia. Quando da leitura das fichas, verificou-se que o arquivo possui informação sobre diversos alagoanos, principalmente estudantes universitários participantes de Centro Acadêmicos e Congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE). No caso de Jayme Miranda há registros de algumas atividades desempenhadas por ele,

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema deste Trabalho de Conclusão de Curso foi motivada

pela curiosidade de se observar nos discursos midiáticos como a imprensa se

reportava ao advogado, jornalista, ex-membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

e desaparecido político Jayme Amorim de Miranda, vez que a imprensa escrita é

uma fonte bibliográfica (POLLAK,1989), na qual se encontram registradas fatos de

relevância social.

Em 2010, contabilizam-se 25 anos do final da ditadura militar e 35 anos do

desaparecimento de Jayme Miranda e, mesmo depois de tantos anos, foi observado,

durante a pesquisa, que ainda não se tem as informações oficiais completas de

quem e em que circunstância violou o direito à vida, não só de Jayme Miranda,

como também de vários brasileiros no período entre 1964 a 1985.

A pesquisa mostra que, apesar do processo de negociação, no qual o

governo indenizou os familiares dos mortos, desaparecidos e perseguidos pelo

regime militar, ainda há famílias que vagam pelos labirintos da memória oficial

tentando encontrar vestígios do paradeiro dos restos mortais de seus entes

queridos.

Matérias jornalísticas foram publicadas sobre o regime militar, mas ainda

há muita coisa para se encontrar e divulgar sobre o silêncio imposto pelas Forças

Armadas. Observa-se no desenrolar desta pesquisa que durante o período da

ditadura, alguns jornalistas tentaram alertar a sociedade sobre a repressão que se

abatia sobre o país, mas que outros auxiliaram à propagação do regime.

A abertura dos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social

(DOPS) era uma esperança de se conhecer os principais fatos e localizar os corpos

dos desaparecidos políticos. Em Alagoas, esses arquivos foram colocados à

disposição dos interessados em 18 de março de 1996, e foi amplamente divulgado

na mídia.

Quando da leitura das fichas, verificou-se que o arquivo possui informação

sobre diversos alagoanos, principalmente estudantes universitários participantes de

Centro Acadêmicos e Congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE). No

caso de Jayme Miranda há registros de algumas atividades desempenhadas por ele,

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como militante do PCB, nas décadas de 1950 e 1960. Atualmente esses arquivos

foram transferidos para a Biblioteca Pública.

No resgate da memória desse período foi percebido que a promulgação

da Lei da Anistia representou para o povo brasileiro um dos passos mais

importantes em direção à reconstrução da democracia. Foi uma conquista clamada

pela sociedade nos palanques e passeatas encerrando um período de restrições e

arbítrios no qual se baniu, tirou a cidadania, perseguiu e assassinou brasileiros por

defenderem idéias diferenciadas do regime militar.

Ainda no período da ditadura, mas com uma censura mais branda,

principalmente após a Lei da Anistia, a partir de 1979, a imprensa passou a ser um

grande veículo de investigação e divulgação das sequelas deixadas pelo regime de

exceção, a exemplo de algumas matérias constantes nos anexos desta pesquisa,

publicadas no Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, O Jornal, Tribuna de Alagoas,

Revista Veja, Voz do Povo.

Verifica-se que os familiares de mortos e desaparecidos na época do

regime militar para demarcar esses acontecimentos, se utilizaram de monumentos e

efetuaram comemorações, para protestar e divulgar o passado, com o objetivo de

banir a tortura. Um exemplo conhecido é o monumento Tortura Nunca Mais,

existente em Recife/PE.

Essas publicações de textos jornalísticos, associadas às biografias, livros,

filme, documentos públicos e particulares e monumentos, permitiu que se pudesse

fazer um resgate da memória sobre o jornalista Jayme Miranda, para que outras

gerações possam conhecer um pouco da vida desse intelectual alagoano.

O curso de jornalismo ministrado pela Faculdade de Educação e

Comunicação – Fecom, alicerçado em fundamentos teóricos, permite a absorção de

conteúdos significativos e a elaboração de um sumário do que se sabe sobre o

objeto, com base nos fatos ocorridos na época da ditadura militar que estão

interligados ao jornalista Jayme Miranda.

A pesquisa é de natureza documental e bibliográfica. Documental porque

coleta dados de documentos escritos. Desse modo, foram consultados documentos

de arquivos públicos e privados, tais como relatório do inquérito instaurado contra

Luiz Carlos Prestes e Jayme Miranda, Ficha do Departamento de Ordem Política

Social de São Paulo e da Delegacia de Ordem Política, Social e Econômica de

Alagoas e outros. Pesquisa bibliográfica porque foram analisados os impressos

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relacionados ao tema em estudo, como jornais do país e do Estado de Alagoas,

livros, documentário e revistas.

Para isso o trabalho divide-se em três capítulos mais as considerações

finais. No primeiro capítulo se faz uma breve abordagem sobre mídia e ação social,

os avanços da sociedade e das tecnologias da informação; um pouco da história do

jornalismo de modo geral, no Brasil e em Alagoas, inclusive a imprensa militante.

Em seguida a pesquisa trata da questão da memória, onde se constata

que o relato midiático também se configura como elemento mnemônico, sendo,

portanto, uma fonte; reporta-se também à história como registro da memória e a

perda de sua exclusividade para a mídia. Já as biografias une história e literatura

para recuperar personagens que foram agentes transformadores na sociedade

brasileira.

No último capítulo se faz uma análise específica do objeto deste trabalho,

ou seja, de como o discurso jornalístico se reportava ao jornalista Jayme Miranda.

Nele foi delineado a vida desse Jornalista e advogado, sua trajetória como diretor do

jornal A Voz do Povo, sua militância no Partido Comunista em Alagoas e no Brasil,

os registros do (DOPS), suas viagens em missão no exterior, prisões, seu sequestro

em 1975 pelo (DOI- CODI) de São Paulo e as notícias sobre seu desaparecimento.

A pesquisa demonstra como Jayme Miranda foi afetado pela ditadura

militar. Uma história calcada nos relatos jornalísticos e biográficos de pessoas que

viram e viveram os acontecimentos relacionados a ele, numa tentativa de romper o

silêncio e completar um círculo, dando novas formas à história.

Na época da ditadura, o silêncio significava efetivamente a censura

imposta aos veículos de comunicação e as matérias se caracterizavam como

verdadeiras propagandas ideológicas necessitando esforço para se captar nas

entrelinhas o que realmente a mídia hegemônica queria destinar ao esquecimento.

Por fim, este trabalho objetiva dar uma contribuição no sentido de se

recontar a história do Brasil e de Alagoas em relação ao jornalista Jayme Miranda.

Nesse percurso procura mostrar que todo discurso jornalístico é ideológico e que a

objetividade, nas narrativas jornalísticas, dificilmente é alcançada em razão dos

diversos fatores que interferem no processo de produção dos textos midiáticos.

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1. MÍDIA: EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE E DA INFORMAÇÃO

Mídia pode ser definida como os mais diversos suportes empregados pelo

profissional da comunicação para produzir os bens culturais, tais como: rádio,

televisão, revista, jornal e outros. Para Downing (2001) mídia é tudo que possa

estabelecer a comunicação entre as pessoas, mediada ou não por aparelho.

A esse respeito, Thompson (2002) classifica a mídia em três campos: o de

produção que se refere às empresas e sua logística; o campo da construção que se

refere à ação do profissional; e o campo da recepção relacionado às audiências, que

seriam os consumidores das formas simbólicas.

Antes do desenvolvimento das indústrias da mídia, as mensagens eram

transmitidas boca-a-boca, pela arte, dança, vestuário e símbolos. A narração dessas

histórias teve um papel fundamental na formação de sentido nas mais diversas

civilizações. A tecnologia permitiu que fosse alargado o modo como os sujeitos têm

compreendido o passado e o mundo além de seus contextos sociais imediatos.

O desenvolvimento dos meios de comunicação está associado à evolução

da economia, das sociedades e a comunicação de massa. Straubhaar e La Rose

(2004) observam que somente após a Revolução Industrial se poderia falar de

comunicação de massa, pois, não era possível a produção e disseminação da

comunicação como, por exemplo, livros e jornais.

Isso não quer dizer que a comunicação hoje em dia se dê apenas através

de aparelhos, mas é concomitante com outras técnicas a exemplo do grafite nas

paredes, broches, cartum, histórias em quadrinho, murais, adesivos, ou seja tudo

que possa servir de suporte à comunicação.

1.1 Mídia e ação social

A tecnologia possibilitou grande desenvolvimento aos suportes midiáticos,

porém não basta só o avanço tecnológico para que o cidadão tenha acesso à

informação, vai depender do fator econômico e cultural, como por exemplo, a

maioria da população não pode comprar um computador, além disso, não tem um

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conhecimento mínimo de informática que permita utilizá-lo para seu

desenvolvimento intelectual.

Straubhaar e La Rose (Op. Cit.) falam que no começo do século XX,

muitas pessoas nos Estados Unidos não liam jornais porque possuíam poucos

recursos econômicos e culturais, mas que outros meios de massa surgiram para

suprir essa deficiência como o rádio que teve alcance inclusive nas áreas rurais, na

década de 1920. A produção em massa de cultura para ampliar a audiência reduziu

os custos e aumentou a acessibilidade a livros, jornais, rádios, revistas e filmes.

Acrescenta Thompson (2005) que esse avanço tecnológico permitiu

também o distanciamento espaço-temporal, ou seja, as formas simbólicas não são

produzidas necessariamente no local onde acontecem, pode ser em qualquer lugar.

Todo processo de intercâmbio simbólico implica um distanciamento da forma

simbólica do seu contexto de produção: ela é afastada de seu contexto, tanto no

espaço quanto no tempo.

A mídia produz o dizer e tem sua maneira de significar e propagar as

idéias que interferem nas opiniões e nas ações das pessoas e, devido ao seu

grande alcance, tem sido considerada como o quarto poder. Complementando isso

Orlandi (2001) afirma que o discurso torna possível tanto à permanência e a

continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade

em que ele vive

Toda linguagem procede de alguém e é dirigida a alguém e tem como

finalidade a persuasão, mesmo no dia-a-dia isso acontece. No discurso midiático a

função do comunicador é instituir um relato jornalístico. Nesse se tem exigido

objetividade, a condição técnica de eliminar o sujeito, utilizando regras fixas.

Baccega (1998) faz crítica a essa objetividade alegando que isso é uma forma de

esconder o processo social que possibilitou a escolha do fato divulgado

Sobre o tema, Ana Paula Ribeiro (2000) entende que a objetividade é um

dos critérios responsáveis pela acolhida que o jornalismo tem e faz com que seu

discurso determine fidelidade aos fatos e um efeito de sentido, se constituindo num

dos principais registros e se transformando no porta-voz oficial dos acontecimentos

e da transformação social .

O discurso jornalístico permite a produção da história do homem como

agente inserido no contexto social, seja no presente ou no passado e é por isso que

os meios de comunicação tem sido utilizados em pesquisas históricas. As

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mensagens midiáticas são consideradas como fontes pelos historiadores. Elas

produzem o real através das significações do processo social. Assim, o importante

não é o fato, mas a forma pela quais os sujeitos tomam consciência dele e o

relatam.

Ribeiro (2000) cita o historiador francês Jacques Lê Goff que propõe que

se reconheça em todo documento (testemunho histórico, escolhido pelo cientista)

um monumento (um ato de poder, uma intencionalidade de perpetuação de uma

certa visão do passado). Esses documentos são encarados como produto da classe

dominante. Alega ainda que como discurso, eles devem ser considerados nas

condições concretas em que foram produzidos. É preciso desmontá-los,

desestruturar a sua construção e trazer à tona uma pluralidade de leituras possíveis.

Como qualquer instrumento pode ser manipulado pelo detentor de sua

posse, com a mídia não seria diferente. Ela será utilizada ou para informar ou para

deformar. No processo social, a mídia constrói sentido, de acordo com a ideologia a

que está submetida.

Desse modo, é indubitável, como mostra Thompson (2005), a força que a

mídia possui. Inclusive ele aduz que há quatro formas de poder, sendo a mídia uma

dessas formas, tão importante quanto o poder econômico, político e coercitivo.

Sobre isso ele afirma:

(...) temos quatro formas de poder, o poder econômico que usa os recursos matéria e financeiros através de instituições econômicas; o poder político; o poder coercitivo que usa a força física e armada para subjugar ou conquistar um oponente através das instituições coercitivas e o poder simbólico que usa de recursos dos meios de informação e comunicação através das instituições culturais como igreja, escolas, universidades e indústrias da mídia. (Op. Cit.: 2005 p.25).

Ele acrescenta que o quarto tipo de poder nasce na atividade de

produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas. Através da

linguagem a mídia é a instituição de maior poder de convencimento das massas,

em razão de sua grande capacidade de penetração na sociedade.

Conscientes dessa capacidade da mídia, os regimes ditatoriais souberam

se utilizar bem dela e da comunicação de massa, desenvolvendo propaganda

ideológica e promovendo a difusão de idéias que aparentavam ser do interesse de

todos.

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Dessa forma vê-se que, para atingir esse objetivo, as mensagens ocultam

ou deformam alguns dos aspectos da ideologia1 do emissor para que os receptores

se convencessem de que essas idéias atendiam às suas necessidades, escondendo

os interesses reais do emissor. Segundo Nelson Jahr Garcia (1992), nesse caso, a

propaganda tem o caráter de mistificação, manipulação e engano.

Ele cita o exemplo de Getúlio Vargas que na época utilizava a propaganda

para transferir as vantagens dos incentivos, empréstimos e subsídios concedidos às

indústrias, para os trabalhadores, alegando que isso geraria melhores empregos.

Na época da ditadura militar de 1964, para redefinir o regime político e

com objetivo na expansão econômica, era preciso apoio dos trabalhadores e da

sociedade. Para isso, se fazia necessário gerar uma imagem positiva do regime

ditatorial, sendo então, criada a Assessoria Especial de Relações Públicas da

Presidência da República (AERP) que prestou assessoria de comunicação para os

presidentes Costa e Silva e Médici.

Também ficou estabelecida a censura, com o controle absoluto da mídia.

O golpe foi justificado na propaganda ideológica, com base na alegação de que o

país estava uma bagunça, mergulhado em onda de terrorismo, subversão e no

comunismo. Além disso, era feito frequentemente publicidade para vender uma

imagem positiva do golpe militar.

Em Alagoas, o Diário Oficial do Estado (DOE), no ano de 1964, exibia

diariamente congratulações da sociedade dirigida ao governador Luiz Cavalcante

por apoiar o governo militar e o estabelecimento do combate rigoroso aos

comunistas. O jornal do governo divulgava cartas dos estudantes, das associações

comunitárias, dos políticos e até de jornalistas em apoio ao governador pelo

combate ao terrorismo e pela manutenção da ordem.

O DOE do dia 2 de abril de 1964, quinta-feira, publica na primeira página a

manchete “Governador Luiz Cavalcante: Devemos ter orgulho de Alagoas, pois, foi

o primeiro Estado a repudiar no nordeste a comunização que se implantava no

Brasil”.

1 Partindo da idéia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade

específica do discurso é a língua, trabalha a relação língua-discurso-ideologia. Essa relação se complementa com o fato de que, como diz M. Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido. (ORLANDI, 2001, p.17).

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Meus conterrâneos: depois de longas horas de inquietação, de angústia, de expectativa, chegamos ao final de nossa vigília cívica pelo bem da comunidade brasileira. Façamos de conta que nada houve. A bonança chegou antes mesmo de ser desabada a tempestade. Desarmem-se os ânimos. Tranquilizem-se os espíritos. Deponham-se as armas, porque, mais uma vez, o Brasil venceu. Nada de vingança e nada de violência (...)

Percebe-se no texto que o discurso do governador está impregnado de

significância. Ele garantia a população que a ordem estava assegurada, tudo seria

melhor para o país e não haveria violência. Na época a declaração do governador

tentava transmitir tranquilidade e segurança a sociedade. Para quem fizesse uma

leitura mais atenta perceberia a drástica mudança no país e a gravidade da situação.

Complementando isso, Garcia (1992) destaca como a palavra democracia

é insistentemente utilizada pelos políticos e homens do governo, que raramente

explicitam a que ser referem, resumindo as idéias em expressões ambíguas que dá

a entender que todos seriam beneficiados, ou seja,

Quando alguém fala em democracia a um grande número de pessoas, cada uma entende a palavra num sentido relacionado à sua própria condição. Pequenos empresários pensam em maior abertura pra decidir sobre seus próprios negócios ou na possibilidade de concorrer com as multinacionais em igualdade de condições. Operários pensam em liberdade de lutar eficazmente por melhores condições de trabalho. Estudantes imaginam maior participação dos alunos nas decisões e atividades escolares. (GARCIA, 1992, p.32).

Relaciona os vários recursos utilizados pela propaganda ideológica para

camuflar a realidade como o uso de jargões do tipo todos são iguais perante a lei e o

uso da expressão esforço pessoal para justificar que a diferença entre ricos e pobres

decorre do esforço de cada um.

Quando não era possível minimizar os efeitos das desigualdades eles as

escondiam ou atribuíam a culpa a outros fatores como crises internacionais,

corrupção, infiltração comunista e até a forma de colonização do país.

Demonstravam que as contradições e desigualdades são inevitáveis, falsificavam e

deformavam fatos da história, a fim de esconder a capacidade de luta de um povo.

O fato é que o uso da informação é um componente essencial na

sociedade. Segundo Straubhaar e La Rose (2004), a tecnologia da informação

oferece serviços de grande conteúdo informativo de forma industrializada. Existem

negócios em que a informação é o principal produto, como bancos, seguradoras e

contadores. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico em que muitas coisas

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estão disponíveis on-line (em redes de computadores), nem todos poderão pagar

para ter esse serviço.

Além disso, a influência do campo jornalístico sobre os campos de

produção cultural se exerce através da intervenção de produtores culturais situados

em um lugar incerto entre o campo do jornalismo e os campos especializados

(literário ou filosófico), que Bourdieu (1997) chama de intelectuais-jornalistas que

sem a devida formação, objetivam ampliar o índice de audiência orientando as

escolhas para produtos mais atrativos comercialmente.

Destarte, ao se efetuar uma leitura de uma mensagem midiática, deve ser

observado qual o verdadeiro sentido dela, analisando não só as palavras, mas os

textos e principalmente a relação com a exterioridade, o contexto na qual foi

produzida. Sobre isso Bourdieu (1997, p. 117), na mesma obra observa:

(...) desvelar as restrições ocultas impostas aos jornalistas e que eles impõem por sua vez sobre todos os produtores culturais (...) É tentar oferecer a uns e outros uma possibilidade de se libertar, pela tomada de consciência, da influência desses mecanismos (...),

Não é a toa que Baccega (1998) alerta que é imprescindível se buscar as

motivações, as intencionalidades, os interesses, as necessidades e os

condicionamentos sociais presentes em uma mensagem. Essa difusão dos

produtos da mídia permite em certo sentido a experiência de eventos, a investigação

de outros e o conhecimento de um mundo que se amplia para além de nosso

cotidiano2. Conhecer como se processa os discursos é entender como se produz a

memória institucional e buscar a memória constituída pelo esquecimento que rompe

com a primeira.

Sendo a mídia uma fonte de registro dos fatos, ela é um lugar de memória

(POLLAK, 1989), portanto, ela serve para lembrar. Nesse caso específico, o

discurso midiático, é conceituado por Ribeiro, como sendo o porta-voz oficial dos

acontecimentos e da transformação do social de modo a trazer à pauta de

discussões um personagem do relato histórico do período da ditadura militar, o

jornalista Jayme Amorim de Miranda.

Hoje em dia, a História não mais tem a exclusividade de armazenamento da memória coletiva. A mídia vem exercendo o principal discurso sobre as

2 Aquilo que é “aqui e agora” apresentado a mim na vida cotidiana é o realíssimum de minha consciência. A realidade da vida diária, porém, não se esgota nessas presenças imediatas, mas abraça fenômenos que não estão presentes aqui e agora. Isto que dizer que experimento a vida cotidiana em diferentes graus de aproximação e distância, espacial e temporalmente. (LUCKMANN e BERGER, 2004, p. 39).

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representações sociais, sendo o principal lugar de memória. A produção de significado das transformações sociais realiza-se através das operações linguísticas e translinguisticas da mídia, sobretudo no âmbito do discurso jornalístico. (RIBEIRO, 2000, p. 32).

Lembrando por fim que mídia não se restringe somente à televisão,

rádios, internet, mas aos mais diversos suportes. Também é mídia a produção em

pequena escala que possibilita, uma visão alternativa, diferente das expressões

hegemônicas no plano industrial e que desvia o foco para as questões que

realmente são relevante é o que Downing (2001) denomina de mídia radical, na qual

estão inseridos o teatro popular, cartazes, murais, filmes, vídeos populares e

qualquer suporte que possibilite a transmissão de uma mensagem e o registro de

fatos.

1.2 Panorama geral sobre a imprensa

A informação é uma das necessidades fundamentais do ser humano. A

curiosidade sempre suscitou o desejo da comunicação. Na antiguidade as notícias

eram veiculadas através dos mensageiros que as transmitiam oralmente.

Posteriormente, conforme relata Marshall (2003) surgem, no século XIV as folhas e

as cartas, que instituíram a circulação de notícias.

A partir do século XV, com a ampliação das atividades comerciais,

descoberta de novos caminhos marítimos e novas profissões, aumentou-se ainda

mais a necessidade de comunicação. Com a invenção da prensa pelo alemão

Johann Gutenberg, em 1445, segundo Marshall (Op. Cit.), as notícias começaram a

se expandir mais rapidamente, através das gazetas. Era a extinção paulatina do

feudalismo, e a instauração da burguesia e do liberalismo, que pregava a liberdade

de mercado. Porém a imprensa periódica surgiu mais de um século e meio depois3.

Navegando pela história, se verifica o quanto a informação era e é

fundamental para se gerenciar os negócios e interesses políticos. Portanto, não é de

se estranhar também que, desde seu nascimento, o jornalismo tenha sofrido

restrições em sua atuação pelos titulares do poder governamental e econômico que

3 O jornalismo nasceu sob a forma de jornalismo internacional, com o formato de coleta e difusão de notícias produzidas em terras distantes. (Natali, 2004, p. 23). A informação foi comercializada como instrumento para produzir eficiência e poder por meio de negócios. (Natali, Op. Cit.).

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utilizavam a capacidade de comunicação exclusivamente para suprir suas

necessidades.

As primeiras manifestações do jornalismo eram cobertas pelo manto da

censura exercida pelo Estado Absolutista e pela Igreja, impedindo a expansão do

conhecimento e da atividade jornalística. José Marcos de Melo (1985) declara que

Domenico de Gregório rotula a “pré-história do jornalismo” como:

(...) publicações clandestinas, manuscritos ou até mesmo impressos, que circulam à margem do aparelho censório, desafiando o poder absolutista, antecipando as idéias que acabariam por destruí-lo e as publicações oficiais como a Gazeta de Lisboa que circula de 1718 a 1760 e de 1778 em diante, mas que, submetida a censura prévia e licença, não trazia, segundo a avaliação de Rizzini, “mais que atrasadas notícias do estrangeiro, escasso expediente oficial e elogios à corte e aos poderosos. ( Op. Cit. 1985, p.21).

O fato é que a informação, após o desenvolvimento das cidades, o

aparecimento de novas profissões e a intensificação da alfabetização, se tornava

cada vez mais imprescindível, não só para se manter a comunicação a distância,

mas também a necessidade de absorver conhecimentos pertinentes à realidade

circundante.

Marsahall (2003), no livro O jornalismo na era da publicidade, destaca que

a história da imprensa e do jornalismo encerra, em sua essência, o modo de

produção da sociedade capitalista. A imprensa periódica surgiu em decorrência da

necessidade de informação mercantil na florescente sociedade capitalista e,

portanto, veio suprir objetivamente uma necessidade do capitalismo.

Aduz, ainda, com base na teoria do jornalismo, que uma publicação para

ser considerada um jornal deveria obedecer aos critérios de periodicidade,

universalidade, atualidade e difusão, em razão disso existe divergência entre os

estudiosos sobre qual jornal deveria ser considerado o primeiro. Mas, segundo

Nilson Lage (2005), o primeiro jornal diário publicado foi Einkommende Zeitung, em

1650 na Alemanha. Já os primeiros diários franceses tiveram que esperar até 1777

para surgirem em Paris: o Jornal de Paris.

A Revolução Industrial incrementou o número de instalações de fábricas,

com isso o público leitor aumentou e a mecanização possibilitou a produção de

número elevado de exemplares. Em 1880 Mergenthaler inventou o linotipo que

compunham as linhas à mão, catando os tipos das gavetas de estantes (Lage, 2005,

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p.13)4. O jornalismo adquiriu as feições que lhe são próprias, caracterizando-se a

princípio como expressão opinativa e assumindo um papel ostensivo, atacando,

denunciando, combatendo o governo.

Apesar da abolição da censura pela burguesia e do aumento tecnológico

que propiciava maior poder de expressão, a nova classe também buscava garantir o

controle do debate público e manter o poder utilizando o mecanismo de cobrança de

impostos que criava entraves de ordem econômica ou a publicação de legislações

que regulamentavam a liberdade de imprensa e terminavam por inibir o jornalismo

de opinião e estimular o jornalismo de informação.

No século XIX deixa-se o jornalismo publicista dos séculos XVII e XVIII,

financiado pelos leitores, para um jornalismo informativo, assumindo feição industrial

e convertendo a informação de atualidade em mercadoria, integrado aos interesses

econômicos, financiado pelo mercado publicitário, se estabelecendo forte

concorrência e a criação de novos gêneros que atraíssem o interesse do público.

Ao mesmo tempo em que o jornalismo se tornava instrumento de

educação, à medida que divulgava questões sociais, como trabalhistas, esportivas e

culturais; também empregava a técnica do sensacionalismo para chamar a atenção

através do sentimentalismo e aventura, o exótico e incomum. A esse respeito Nilson

Lage (2005, p.15) afirma: “A realidade deveria ser tão fascinante quanto à ficção e,

se não fosse, era preciso fazê-la ser!”

Nesse diapasão, os jornalistas se viram obrigados a adequar sua

linguagem para o coloquial e a utilizar estilos espetaculares e títulos chamativos.

Cobriam todos os fatos sociais e nem os governos, nem os poderosos podiam mais

desmentir os crimes; violências; corrupções e a prática de preconceitos, porque a

busca pelo furo de reportagem antecipava qualquer medida que pudesse conter a

divulgação dos desvios e escândalos. Dessa forma, os jornalistas passaram a ser

respeitados e ao mesmo tempo temidos.

Diante de práticas contestáveis e se buscando um jornalismo responsável

para se findar com a prática do “jornalismo amarelo” fundaram-se cursos superiores

de jornalismo e desenvolveram-se pesquisas acadêmicas. O objetivo era se

4 A informação abria os braços para o capitalismo, permitindo a sua reificação como objeto e mercadoria. Além de atender às necessidades latentes na sociedade burguesa da época, o mercado da informação precisava despertar nos consumidores as necessidades nem tão latentes. (L Marshall, p. 74)

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aproximar da realidade, através da comparação com diversas versões emanadas

pelas fontes.

Estabeleceu-se como padrão que a informação deveria ter uma

proposição completa, isto é, com as circunstâncias de tempo, lugar, modo, causa,

finalidade e instrumento – lead.5 . Ocorre que essa metodologia engessou a ação do

jornalista, diminuindo a sua capacidade de observação e criatividade. Objetivando

planejamento da edição surge a pauta. Anteriormente apenas às matérias principais

ou de interesse da direção eram programadas. Entretanto, aquilo que seria apenas

instrumento de orientação terminou acarretando em mais uma limitação do

jornalista.

Além disso, o modelo do ultracapitalismo reestrutura relações comerciais,

determina o laissez-faire6, a desregulamentação, a política de privatizações e

reconfigura o universo da comunicação e da informação. É a fase industrial

publicitária ultracapitalista, o poder das empresas e dos anúncios sobre os jornais

(MARSHAL, 2003, p.88). Aparece então a imprensa cor-de-rosa, cujo princípio era

uma produção da informação de natureza leve, marketizada e mercadorizada,

destinada a agradar a todos os consumidores.

Infere-se do exposto que a produção jornalística está condicionada as

relações de poder. Submetida aos vários critérios, tais como: político, econômico,

gráficos (adequação ao espaço diagramado para sua matéria) e dependente do

monopólio das fontes oficiais. Bourdieu (1996) alega que o jornalismo cada vez mais

está sujeito às exigência do mercado (leitores e anunciantes).

Essa exigência gera a concorrência pela prioridade que, segundo

Bourdieu (Op. Cit.) atrai agentes que, preocupados com a velocidade da produção e

da renovação permanente, incita com isso a espionagem sobre as atividades do

concorrente e ocasiona a uniformidade da oferta.

Todos esses fatos inviabilizam uma produção jornalística alternativa

referente às políticas, impede a ruptura dos bloqueios da livre expressão, o

questionamento sobre o silêncio imposto pelos governos, os dogmas religiosos, a

análise da crise que afeta as formas do sistema do capital e a escolha de ações

transformadoras. 5 Lead – Contém, ou deveria conter os elementos fundamentais da notícia, independente do estilo, forma ou veículo. São as perguntas básicas que deve conter qualquer texto jornalístico, que são: Quem? O quê? Quando? Onde? Como? e Por quê?(PATERNOSTRO, 1999, p.73). 6 laissez-faire é um chavão cujo significado está relacionado ao capitalismo, onde o mercado deve funcionar de maneira livre, sem interferências.

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1.3. História do Jornalismo no Brasil e em Alagoas

No Brasil há o registro de que o primeiro jornal a circular foi o Correio

Brasiliense, em primeiro de julho, de 1808 de Hipólito José da Costa, impresso em

Londres e trazido clandestinamente para o Brasil. Este jornal tinha como escopo

criticar a administração da Corte portuguêsa. Em setembro do mesmo ano foi

fundado a Gazeta do Rio de Janeiro, que além de pertencer ao governo foi

submetida à censura prévia até o ano de 1821 e só noticiava aquilo que a corte

permitia. O objetivo era homogeneizar a opinião pública em favor da realeza.

(NATALI, 2004).

A circulação de jornais no Brasil é estimulada em 1844 graças aos

serviços de Correios. Em 1858 já existe uma estrutura para entrega e assinaturas de

jornal. O Jornal do Brasil nasce em 1891, assumindo uma condição de jornal livre e

independente.

De acordo com Natali (Op. Cit.), surgiram, entre 1878 e 1901, 17 jornais

em São Paulo para suprir as necessidades econômicas dos imigrantes oriundos da

Europa. O primeiro deles foi o Germânia, para atender à comunidade alemã.

Destacam-se também os italianos, os quais fundaram 55 jornais em língua

estrangeira. Entre 1890 e 1920 no Brasil já existiam 343 jornais, incluindo os

militantes.

A imprensa brasileira entrava na fase da concorrência e, nesse contexto,

também incorpora a prática jornalística do modelo americano e se utiliza,

principalmente, do mecanismo de direcionar a ação do jornalista, através da pauta e

da utilização de técnicas de redação de textos.

Conforme Nilson Lage (2005), nos jornais brasileiros a pauta se

generalizou na década de 1950. No Rio de Janeiro, têm-se dois exemplos: o jornal

Última Hora, fundado por Samuel Weiner, que apoiava seu patrocinador Getúlio

Vargas e o Diário Carioca que introduziu na imprensa brasileira a técnica do lead e

as reformas do movimento modernista. Na década de 60, o Jornal do Brasil foi um

dos primeiros impressos a utilizar a pauta de forma mais estruturada e completa.

A pauta se assemelha a uma ordem de serviço elaborada com base na

linha editorial da empresa e pode cair, não só quando não é possível realizá-las, por

falta de recursos disponíveis, de documentos ou outras provas sobre o fato em

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23

evidência, mas, além disso, quando contrariam o interesse econômico e a política da

empresa.

Durante a ditadura militar as empresas jornalísticas eram obrigadas a

seguir um padrão rigoroso. As pautas giravam em torno de ocorrências inerentes ao

governo, qualquer texto que se desviava desse arquétipo era censurado ou no seu

nascedouro ou posterior a sua conclusão. Apesar disso, alguns jornais e jornalistas

desafiaram o regime ditatorial, às vezes ostensivamente e às vezes nas entrelinhas

dos textos jornalísticos.

Quanto às fontes de informação, é a matéria-prima das notícias. Lage

(Op. Cit) classifica as fontes como oficiais, quando mantidas pelo Estado, empresas

e entidades; fontes oficiosas que provém de pessoas ligadas a entidades, mas que

não estão autorizadas a falar em nome delas e fontes independentes que são

desvinculadas de uma relação de poder ou interesse.

Com a criação das assessorias de imprensa, boa parte das notícias vem

dessa fonte, que se por um lado contribuiu para a profissionalização do setor de

informação pública por outro é considerado por alguns autores como mais um

entrave à atuação do jornalista.

Lage (Op. Cit.) alega que a fonte de maior credibilidade é a oficial por ter

aparência de maior credibilidade. Na época da ditadura a imprensa funcionava sob

censura. O Departamento de Polícia Federal analisava o conteúdo das matérias

conforme as diretrizes estabelecidas pelo governo. Se fosse considerado subversivo

ou contra a moral e bons costumes era censurado.

Ainda assim, a frente de resistência ao regime continuava lutando contra a

ditadura. Em junho de 1968, houve a célebre passeata dos 100 mil, no Rio de

Janeiro, liderada por Vladimir Palmeira, em protesto a forma truculenta como o

regime vinha tratando seus opositores. Esse foi um dos fatos que irritou bastante os

militares e antes mesmo de publicar o AI-5, eles aumentaram o nível de repressão,

determinando, no dia 13 de dezembro de 1968, a invasão das redações de jornais,

rádios e televisão de vários estados para impor a censura.

Na sexta-feira, 13, O Estado de S.Paulo era proibido de circular e o Jornal da Tarde tinha parte de sua edição apreendida. Também no Rio os leitores não encontraram alguns de seus jornais nas bancas, ou os encontraram totalmente censurado. O País que era dirigido por Joel Silveira, conseguiu driblar a censura prévia, mas foi logo retirado das bancas e seus diretores presos. (VENTURA, 2008, P.251).

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O Jornal do Brasil – JB não escapou à censura e mesmo sob pressão o

editor chefe Alberto Dines apoiado por Nascimento Brito, diretor do JB, no dia 14 de

junho de 1968, procurou dar sinais de que o jornal estava sob censura se utilizando

da descrição do tempo atmosférico, conforme relata Ventura (2008): Tempo negro.

Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes

ventos. Para quem estava atento à situação do país e tinha o hábito de ler o jornal,

percebeu que na mensagem havia um alerta, pois, o tempo no dia 14 estava

ensolarado e claro.

A prisão, em 13 dezembro de 1968, e tortura do ex-presidente Juscelino

Kubitschek, fundador de Brasília, significava que qualquer pessoa estaria sujeita aos

ditames da nova ordem, inclusive os advogados de defesa, como foi o caso de

Heleno Fragoso e Sobral Pinto (VENTURA, Op. Cit. p.254).

Em Alagoas a situação política não era diferente do restante do Brasil e a

mídia seguia os padrões estabelecidos para os discursos jornalísticos. Em 03 de

julho de 1968, a Gazeta de Alagoas expõe a seguinte manchete: Costa teria

repelido a edição de outro Ato Institucional. No bojo da matéria o general declara

que prefere renunciar a editar novo ato revolucionário para debelar a crise estudantil

e política.

De acordo com a Análise de Dicurso há sempre no dizer um não-dizer

necessário. Quando se diz “x”, o não-dito “y” permanece como uma relação de

sentido que informa o dizer de “x”. Além disso, a questão do silêncio como iminência

de sentido, o sentido fundador, indica que o sentido pode sempre ser outro

(ORLANDI,2001, P.83). Na verdade muitas pessoas não acreditaram nessa

declaração.

No caso da manchete supramencionada, a declaração não teve cinco

meses de sustentação o não-dito torna-se visível quando o presidente Costa e Silva

publicou o Ato Institucional nº 5 - AI-5, em 13 de dezembro de 1968 e continuou no

comando. Os boatos que corriam nos bastidores tinham total procedência. O Jornal

Gazeta publica em 14 de dezembro de 1968: Presidente Costa e Silva edita novo

Ato e decreta recesso do Congresso Nacional

O regime ditatorial estimulou nos militares e na sociedade o

anticomunismo de forma radical. O poder hierárquico com viés autoritário, a rigida

disciplina, os valores cirstãos e a falsa democracia e desenvolvimento da nação,

induziram na maioria dos militares o ódio e a raiva a ponto de nada contestarem,

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inclusive construindo fatos que causavam indignação nacional e atribuindo estes aos

comunistas/terroristas.

Evidente que houve exceção e Ventura (2001) cita o caso do capitão pára-

quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho que impediu que os militares

provocassem a morte de cerca de 100 mil habitantes do Rio, com a explosão de um

gasômetro no início da Av. Brasil, às 18h, e a destruição da represa de Ribeirão das

Lajes, com o único objetivo de incriminar os comunistas( VENTURA, 2001, p.187).

O período de recrusdecimento da ditadura se consolidou com esse novo

ato que, dentre outras coisas, legalizou a censura prévia, levando-a para dentro dos

jornais, rádios e televisões. Somente eram liberadas matérias de interesse exclusivo

dos militares. A doutrina de segurança nacional alegou que o problema do Basil era

interno. O inimigo poderia está em qualquer parte, poderia ser brasileiro ou

estrangeiro, instalou-se um aparato de repressão, incluindo aí a suspensão de

direitos inclusive de habeas corpus e a decretação de penas de prisão perpétua e

até pena de morte.

A década de 1970 foi devastadora para os opositores do regime. Os

veículos de comunicação intensificaram a propaganda ideológica7 em favor do

regime militar, considerando todo aquele que contestava o governo como inimigo.

Nas escolas foram intensificadas a sabatinação cívica com os estudantes. Os

professores não se detinham apenas ao currículo escolar, faziam apologia ao regime

e estimulava com ufanismo o amor à pátria. A mesma coisa se dava nos cultos

religiosos.

Os estudantes e toda sociedade comemoravam o 31 de março como um

marco importante na história do Brasil e a sociedade passou a enxergar os

comunistas como comedores de criancinha, terroristas, sequestradores e

destruidores da ordem e da paz.

Em razão desses 21 anos de censura prévia, houve uma distorção no

trabalho jornalístico: prefere-se a declaração à informação, aduz Clóvis Rossi (1994,

p.48). Esta preferência resguarda o jornalista de comprometimento com a justiça,

7 Segundo Nelson Jahr Garcia a função da propaganda ideológica é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua estrutura econômica, regime político ou sistema cultural. (GARCIA, 1992, P.10)

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mas por si só não assegura que a declaração tenha procedência, como o exemplo

abaixo:

O Jornal de Brasília, no dia 7 de dezembro de1992 dedicou manchete do

Ministro da Justiça Maurício Corrêa cujo título dizia: Corrêa promete solução

definitiva para caso dos desaparecidos de 64. O ministro prometia respostas sobre o

que ocorreu com as vítimas do regime em no máximo 2 meses, e até hoje isso não

ocorreu, Se o jornalista avaliasse melhor a situação veria que a declaração do

ministro não era condizente com as circunstâncias.

O Diário Oficial do Estado de Alagoas também é uma importante fonte de

registro da história, apesar de integralmente a serviço do governo. Nele

encontramos, por exemplo, registro do Golpe de 64, o apoio diário do governo

estadual ao novo regime, as cassações dos deputados, a estruturação dos DOPS,

as bajulações efetuadas ao presidente da República, o combate acirrado aos

comunistas, a excessiva valorização da democracia e da religião, a publicação dos

Atos Institucionais, pedidos de secretários para que se estabeleça censura e outros.

1.4 Imprensa Militante

Conhecendo o papel formativo da imprensa na criação de uma

consciência e considerando que as classes dominantes fazem notícias e contam a

história, os jornais também são instrumentos de circulação de ideologias.

Percebendo o uso desse veículo em benefício exclusivo da burguesia, o movimento

operário passou a utilizar-se do mesmo processo, muitas vezes de forma

clandestina.

Contra essa mídia hegemônica sempre existiram os dissidentes que

tentaram expor suas idéias e divulgar denúncias, é o que Natali (2004) chama de

imprensa militante.8 Durante os anos mais difíceis da ditadura militar houve

resistência de vários brasileiros que disseminavam idéias diferentes e de jornalistas

que procuravam alertar à sociedade sobre as ações praticadas pelos militares.

8 A imprensa militante, ou mais propriamente socialista e anarquista, a partir do final do século XIX, iniciou com a publicação do jornal Se Riveglio, dirigido pelo italiano Alfredo Mari e tinha como finalidade conscientizar os trabalhadores e a construção de um modelo de sociedade sem classes. Esses jornais eram de cunho ideológico e refletiam as idéias da Europa a exemplo de El Grito del Pueblo (1899) elaborado pelos espanhóis e que circulava em São Paulo e Curitiba (Natali, 2004, p. 42).

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Desempenharam papel importante na história da imprensa brasileira por

exemplo os jornais: Imprensa Popular, no Rio e São Paulo; os semanários

nacionais A Classe Operária, A Voz Operária, A Folha do Povo, jornal diário dos

comunistas pernambucanos; Jornal do Povo, jornal diário dos comunistas de Minas

Gerais; entre outros.

O jornal Voz Operária, por exemplo, era órgão central do PCB, lançado

como semanário legal em 1949, tendo seu nome alterado para Novos Rumos.

Depois de 1964 era impresso na clandestinidade, sendo desbaratado em 1975, no

Rio de Janeiro e São Paulo, o que levou a prisão de vários militantes do PCB,9

Segundo alega o Jornalista Nilson Miranda, em edição extra do A Voz do

Povo, quem primeiro criou uma cadeia de jornais populares no Brasil foi o Partido

Comunista Brasileiro, em 1954. Os jornais populares eram diários no Rio, São

Paulo, Minas Gerais, Recife, Salvador, Porto Alegre e jornais semanários nas

demais capitais.

Em Alagoas O jornal “A Voz do Povo” foi o jornal de esquerda mais

resistente na história do Estado, surgiu em 1946, foi fundado pelo médico, deputado

estadual e jornalista André Papini Góis e funcionou na maioria das vezes

clandestinamente. Elaborado pelos membros do Partido Comunista Brasileiro(PCB),

sua linha editorial era voltada para a defesa dos trabalhadores e conscientização do

povo sobre política e economia.

No registro do (DOPS), existe uma relação de revistas e jornais

considerados subversivos como por exemplo: a Folha da Tarde, editado em Natal-

/RN; O Dominical, de orientação católica; Folha do Professor; Jornal da UBES;

Movimento; Ferroviário em Marcha; Brasil Municipal; Jornal Partidários da Paz, cujo

dono e editor foi o escritor, jornalista e ex-comunista alagoano Graciliano Ramos,

fundador e conselheiro do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz10.

9 COELHO, Marco Antônio Tavares Coelho, Livro Herança de um Sonho, 2000,p.514) 10É de Graciliano Ramos a autoria do livro Memórias do Cárcere que se refere a sua experiência na prisão ocorrida em março de 1936 a janeiro de 1937. Graciliano foi o diretor Organizador Nacional de Defesa da Paz e da Cultura, Presidente da Associação Brasileira de Escritores, fez dela uma das entidades mais empenhadas no combate pela paz. (http://biblioteca.folha.com.br).

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2. HISTÓRIA, MÍDIA E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO

Esta fase da pesquisa foi realizada entre os dias 10 de agosto e 30 de

setembro sendo selecionados textos e livros que discorrem sobre a memória,

história e biografias, elementos que associados às mensagens midiáticas na época

da ditadura militar permitiram a construção de sentido do discurso veiculado sobre o

jornalista Jayme Miranda.

2.1 Memória

Para Michael Pollak (1988) memória pode ser compreendida sob os mais

amplos aspectos, por exemplo, os monumentos históricos, personagens da história,

bem como relatos. Nesse sentido, o relato midiático, ou seja, a narrativa jornalística,

também se configura como elemento mnemônico.

Como a narrativa jornalística se configura como um produto social, desse

modo, coletivo, ela pode ser entendida como elementos de memória coletiva, como

ensina Baccega (1998). Por essa perspectiva, Pollak (1988) defende que essa

memória coletiva implica em um patrimônio pertencente a múltiplos sujeitos, de

modo que produz sentimentos de pertencimentos, por sua vez identidades. De outro

lado também produz diferenças, na medida em que promove a diferenciação desses

mesmos sujeitos.

Ele destaca que essas memórias, entendidas como patrimônio coletivo

nem sempre são oficiais, pois muitas vezes não são contempladas pelo discurso

oficial. É o que ele chama de memórias subterrâneas. Essas memórias são

caracterizadas como aquelas que, por determinado tempo estão supostamente

apagadas, mas em momentos oportunos afloram, podem se destacar e até serem

agregadas ao discurso oficial do Estado.

Exemplo disso é o episódio da ditadura militar. Até 1979, ninguém poderia

se reportar ao golpe militar de 64, como um regime ditatorial. Hoje se fala

abertamente sobre a ditadura militar na mídia e há vários livros, biografias,

reportagens e documentários sobre o tema, tanto defendendo o golpe militar, como

criticando e repudiando-o.

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Pollak (1989) acentua o caráter destruidor, uniformizador e opressor da

memória coletiva nacional e faz referência às memórias subterrâneas que mantém

em grupos pequenos fatos ou versões diferentes dos fatos narrados pela história

oficial, de maneira imperceptível, mas que um dia brotam como se fossem uma

semente aguardando o momento propício para germinar, são os discursos

resistentes a homogeneização.11

Na mesma linha de Pollak, Hugo Achugar (2000), refletindo sobre a

necessidade de se construir um relato de todos os cidadãos, uma história inclusiva

resultante de uma negociação, uma história múltipla e, por isso mesmo,

contraditória, que não silencie ou esqueça os outros, respeite a diversidade, dispõe

que:

O discurso nacionalista funcionou para a configuração de imagens, disfarces, relatos e processo que, paradoxalmente, ocultam uma identidade e, ao mesmo tempo, constroem outras. Máscaras ou maquilagens discursivas, posições de enunciação ocupadas por um conjunto de indivíduos ou por um sujeito que, assim, se propões como possuidor de um patrimônio, de uma história. Máscara ou maquiagem que esquece e encobre outros rostos, outras histórias, outras memórias, outras múltiplas memórias. (ACHUGAR, 2000, p.175).

Ana Paula Ribeiro (2000) ressalta que, por estar ligada às

representações coletivas, a memória social funciona e se constitui como instrumento

de poder. A memória oficial, que ordena os fatos segundo critérios determinados

pelos grupos dominantes, na maioria das vezes silencia e esquece de acordo com a

conveniência política e econômica. Mas não apagam as várias memórias coletivas

subterrâneas transmitidas no núcleo familiar, sindical, de grupos étnicos, culturais ou

políticos.

Para ocupar um espaço na história para um novo relato é necessário

segundo Achugar (2000), uma negociação com o sujeito que atua construindo um

relato, conquistar através do debate para transformar o que é imposto. Como o que

aconteceu com o governo brasileiro que, para minimizar os impactos causados pela

ditadura, sancionou uma lei federal reconhecendo como mortos os desaparecidos

políticos e indenizando os familiares.

Mas não basta uma negociação, segundo Ana Paula Ribeiro (2000). Para

ela um fato, para ser considerado histórico, deve estabelecer relações com outros

eventos encadeados e Pollak (1989) na mesma linha de Ribeiro (2000) aduz que

11 A memória entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre memórias concorrentes. (POLLAK, Michael. Estudos Históricos, p4,1989)

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para que a memória dos outros possa ser considerada deve haver pontos de contato

entre as memórias, objetivando a reconstrução sobre uma base comum.

Além disso, acrescenta Ribeiro (Op. Cit.), o fato histórico é produto de uma

elaboração teórica, que o promove à categoria de histórico. Selecionar, relacionar e

valorizar são operações de construção de sentido, impossível sem a intervenção da

ciência histórica e do historiador12.

A batalha dos sujeitos sociais, por tanto tempo silenciados, marginalizados e esquecidos, para exercer a memória coletiva e construir um espaço público e privado democrático e multicultural foi uma reação contra o esquecimento imposto por uma comunidade hegemônica muitas vezes incapaz de ver ou ler a diferença do outro, em virtude de seus próprios horizontes ideológicos .(ACHUGAR, 2000, p.178).

Quanto ao esquecimento eleito ao qual se reporta Achugar (2000) não

significa apagar da memória, mas depositar em algo, a representação de um

acontecimento ou para que não aconteça novamente ou para homenagear. É isso

que leva a necessidade da construção de monumentos históricos para fixar no

tempo e no espaço esse fato marcante, para que se possa seguir em frente.

Citamos como exemplo o monumento Tortura Nunca Mais, de Recife,

escultura do artista plástico Demétrio que simboliza o pau-de-arara, uma da formas

de tortura utilizada contra as vítimas da ditadura militar de 1964 a 1979. É a

memória viva da ditadura, que significa o desejo de que não haja tortura em

nenhuma hipótese.

O processo de negociação entre esquecimento e memória é gradual e

difícil de equalizar. No caso do monumento Tortura Nunca Mais de Recife, ele foi

recentemente depredado e há suspeita de que não tenha sido mero vandalismo,

mas insatisfações daqueles que não concordam com o significado dado a essa obra

de arte.

Por outro lado, os parentes das vítimas da ditadura exigem a divulgação

total dos fatos ocorridos nos porões da ditadura e insistem em querer enterrar seus

mortos. Enquanto alguns militares se sentem injustiçados, pois, entendem que tudo

que fizeram foi pelo bem da pátria. Isso indica que o debate sobre a ditadura militar

ainda não tem previsão para acabar. Ao privilegiar a análise dos excluídos, a história

oral destacou a relevância de memórias subterrâneas que, por integrar as culturas

minoritárias e dominadas, se contrapõe à memória oficial/nacional.

12 RIBEIRO, Ana Paula Goulart. A mídia e o lugar da história. Lugar Comum – Estudos de mídia, cultura e democracia. Rio de Janeiro, 2000.

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31

Contudo, não se pode esquecer a lição de André Cardoso (2000), que, por

mais que tentemos recuperar o passado, o que temos é uma representação de uma

narrativa sobre ele. O máximo que podemos alcançar seria uma aproximação da

realidade. Este mesmo pensamento é realçado por Mazzeo (1997, p. 18) que alega:

A apreensão do real, por ser ele mesmo enquanto totalidade, constituído por múltiplas determinações (ou, no dizer de Lukács, por infinitas interações de complexos heterogêneos internos e externos), não é mais do que uma aproximação do real (...) A existência dessas múltiplas e infinitas determinações do real, não impedem que o conheçamos. Pelo contrário, permite que se descubra o encadeamento lógico-imanente das leis mais gerais da economia e, com isso, o entendimento do desenvolvimento social, histórica e conceitualmente).

Assim sendo, a busca do real deve primar pela análise de diversos fatores

que o conformam, que se entrelaçam, formando o todo. Deve-se investigar no

passado esses fatores determinantes dessa totalidade.

2.2 História

Falar de memória implica tratar de história, pois, como mostra Pollak

(1989), ambas não se dissociam, uma vez que a memória pode ser entendida como

relatos da história, ou seja, fragmentos que compõem uma narrativa histórica, seja

de pequenos grupos, seja da nação. Sobre isso Ribeiro (2000, p.27) complementa:

A disciplina História cria relatos escritos (descritivos e/ou explicativos) são as obras históricas, que produzem sentidos e instauram inteligibilidade sobre o passado. A sua prática científica é, portanto, também uma prática discursiva, na qual o sujeito exercer um papel ativo. (RIBEIRO, 2000, p. 27).

Para se formular teses, estruturar conceitos e relatos históricos se parte da

observação de acontecimentos e registros significativos, que são selecionados como

o objeto de estudo ou fontes e que posteriormente se transformarão em objeto

teórico.

De acordo com Ana Paula Ribeiro (Op. Cit.) essa seleção obedece a uma

lógica científica, a pesquisa aprofundada sobre o passado que é identificado não

simplesmente pela cronologia do tempo, mas principalmente pela alteridade, noção

de mudança e transformação da realidade social.

A história sempre teve como função a constituição e formalização da

memória social, mas com vínculo ao discurso do poder do Estado que, para Ribeiro

(Op. Cit) permite caracterizá-la como uma memória de caráter oficial. Baccega

(1998) argumenta que a história não é estática e a cada nova descoberta de

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32

relevância haverá a reinterpretação da história e para se apropria do saber histórico

deve-se estudar a rede de relações que envolve determinado período.

Sobre isso Achugar (2000) aduz que o sentimento de cidadania só existe

se todos forem tratados com igualdade, forem visíveis e tiverem oportunidade de

fazerem seus relatos. A palavra historiador significa etmologicamente – aquele que

sabe e elege os fatos e tenta recontá-lo, investigando outras versões, sendo

inclusivo, abrindo espaço àqueles que foram silenciados e esquecidos.

Durante a ditadura militar, a história aprendida nas escolas era “ o não

discurso” porque não tinha intenção direta de persuasão e sim de se evitar qualquer

enunciação sobre alguns fatos e impedir a manifestação de vozes contrária ao poder

dominante, o que por si só produzia sentido. Baccega (1998, p.25) esclarece que o

silêncio não é o vazio, o sem-sentido ao contrário, ele é o indício de uma totalidade

significativa.

2.3 O Brasil e a censura

O Brasil é um país que tem um histórico de golpes e estabelecimento de

regimes autoritários e de censura. De acordo com Mazzeo (1997), a independência

do Brasil se fez a partir de uma transferência pacífica do poder metropolitano para o

brasileiro, executada pela classe dominante para conter a instauração de um

governo republicano, rebeliões e manter a estrutura agrária.

Em maio de 1823 instalou-se a Constituinte e a repressão aos radicais,

com prisões e banimento e temendo a radicalização os detentores do poder deram

golpe de 1823. (MAZZEO, Op. Cit, p.129). Eduardo Bueno (2003) complementa que

em 12 de novembro de 1823, D.Pedro destituiu a Constituinte e mandou o Exército

invadir o plenário, prender e exilar os deputados, outorgou a Constituição de 1824

que foi violada pelo Ato Adicional de 1834.

Enquanto na França o bonapartismo garante o desenvolvimento burguês e

das forças produtivas, consolidando o capitalismo não subordinado, o Brasil mantém

a estrutura escravista de produção e a não ruptura com o atraso econômico e social.

Há a conciliação com a estrutura produtiva colonial, onde a burguesia brasileira cede

seu poder econômico para manter o poder político condicionado aos interesses das

potências européias e a isso Mazzeo (1997, p.133) chama de bonapartismo colonial.

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33

Que é a consolidação política de uma sociedade extremamente autocrática, comandada por uma burguesia débil e subordinada aos pólos centrais do capitalismo, para a qual a sociedade civil se restringe aos que detém o poder econômico, e as massas trabalhadoras constituem a ameaça constante aos seus interesses de classe. O bonapartismo colonial será o articulador de uma política de Estado manipuladora e alijadora das massas populares; será, enfim, a encarnação e a gênese da autocracia burguesa no Brasil.

Nessa época, surgiram, no Rio e em São Paulo, vários jornais

independentes que se insurgiam contra D. Pedro I, mas ele determinou o

fechamento de muitos desses pasquins. No entanto, Bueno (2003) relata que

quando o jornalista Líbero Badaró foi assassinado em São Paulo, em novembro de

1830, ficou claro que D. Pedro não se sustentaria no poder. Ele terminou abdicando

em nome do seu filho D. Pedro II, de 5 anos, que tomou posse em razão do golpe da

maioridade, arquitetado pela burguesia brasileira para continuar mantendo a

estrutura de poder.

Em 15 de novembro de 1889 Marechal Deodoro da Fonseca, alagoano,

liderou o golpe que instituiria o regime republicano. Na primeira década da República

houve escândalos financeiros, arrocho salarial, clientelismo, aumento dos impostos,

coronelismo, repressão aos movimentos populares, desvio de verbas, impunidade,

fraude eleitoral, fechamento do Congresso, estado de sítio, crimes políticos e outras

mazelas.

Sob a ótica de Bueno (Op. Cit.) Deodoro foi um dos primeiros ditadores do

Brasil, porém, Floriano Peixoto, chamado de o Marechal de Ferro, também nascido

em Alagoas, em 1839, levou o título de primeiro ditador de fato da história do Brasil.

Fez um governo nacionalista, austero e centralizador.

Na Revolução de 1930, o gaúcho Getúlio Vargas nomeado chefe do

governo provisório em três de novembro, suspendeu a Constituição e designou

interventores para todos os Estados, menos o de Minas Gerais. O Brasil tinha um

novo regime e um novo ditador.

Vargas instituiu um organizado sistema de repressão aos opositores,

principalmente a partir de 1934. A Intentona Comunista, em novembro de 1935 foi a

maior responsável pela disseminação e consolidação do anticomunismo no Brasil. A

Lei de Segurança Nacional (1935) foi sancionada sob o pretexto da instabilidade

social e o medo do comunismo. Em 1936, foi criada a Comissão Nacional de

Repressão ao Comunismo (CNRC).

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O Departamento Oficial de Propaganda do governo Vargas era organizado

e fornecia informações oficiais à imprensa. Produzia campanhas para o combate as

ideologias subversivas, com o objetivo de criar uma imagem do terror ao

comunismo e implantar uma imagem positiva do governo.

A divisão do mundo em bloco comunista e capitalista estabeleceu uma

guerra constante entre essas duas ideologias. Muitos países da América Latina,

incluindo o Brasil, eram aliados dos Estados Unidos, de regime capitalista, e contra a

União Soviética, que possuía um regime comunista. Com a revolução Cubana em

1959 e para se manter o poder hegemônico do sistema capitalista, os Estados

Unidos trabalharam para que todo tipo de insurgências contra o capitalismo, na

América Latina, fosse dissolvido.

Em razão disso, o golpe militar de 1964, recebeu todo o apoio dos

americanos que estavam preparados para intervir no Brasil, caso ele não vingasse.

Segundo Couto (2003) era a chamada operação Brother Sam, que consistia no

apoio logístico como porta-aviões – o Forrestal-, seis destróieres13, quatro

petroleiros, navio, armas e munições e aviões de caça. Como não houve resistência,

a operação foi suspensa.

Deposto, o presidente João Goulart, os militares assumem o poder e

Castello Branco governa de 1964 a 1967 com o objetivo de instituir reformas

administrativas, econômicas, institucionais, por ordem na casa, instituir a democracia

e combater a subversão e corrupção.

Sendo o Brasil aliado dos Estados Unidos, adotou uma estratégia de

contenção do avanço das idéias comunistas, que eram contrárias ao capitalismo,

fundando a Doutrina de Segurança Nacional que, através da edição de várias

legislações, legalizou a prática de perseguição aos opositores do sistema.

Com o objetivo de montar um sistema de repressão eficaz, foi construída

uma rede de comunicação entre o Ministério do Exército, da Marinha e da

Aeronáutica, à Polícia Federal, à Polícia Estadual. Em São Paulo, em 1969 foi

montada a Operação Bandeirante (OBAN) que centralizava todo o comando voltado

para a repressão e em todo o Brasil.

O primeiro Destacamento de Operações de Informações (CODI), órgão de

inteligência e repressão do Regime Militar foi criado junto a (OBAN) em 1970, depois

13 Destróieres são navios de guerra da marinha.norte-americana

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o Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa

Interna (DOI-CODI) 14e Departamento de Ordem Política Social (DOPS). A busca

da informação era a arma mais importante do sistema repressivo, não importava a

que custo ela seria obtida. Essas informações eram tratadas e compartilhadas. O

objetivo de trabalho era a eliminação da subversão e dos focos de insurgência à

revolução de 1964.

O golpe no Brasil abriu as portas para implantação das ditaduras militares

do Cone Sul, conhecida como Operação Condor que eliminou todas as fronteiras

desses países, com o propósito de combater a subversão. Era um esquema de

cooperação entre Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Havia troca de

informações e de prisioneiros que podiam ser levados de um país para outro sem

qualquer formalidade, apenas a acusação de que eram terroristas.

Quanto à imprensa, essa pouco podia fazer em razão da implantação da

política do silêncio local que Baccega (1998) denomina de censura, aquilo que é

proibido dizer em certa conjuntura, é o que faz com que o sujeito não diga o que

poderia dizer. Livre desse determinismo, a imprensa passou a revelar o que era

proibido dizer. Sobre o assunto acima referido foi publicada uma matéria na Revista

Veja (2000), sob o titulo: Ferida Aberta e subtítulo: Arquivos revelam a cooperação

das ditaduras militares que dominaram o Cone Sul no combate à oposição.

Apesar de o princípio discursivo brasileiro ser de natureza autoritária, o

discurso alternativo tornou-se uma prática de resistência e afrontamento e

possibilitou a inclusão de relatos de pessoas que testemunharam fatos ocorridos na

ditadura. Dessa forma, a história foi sendo reformulada através da investigação e

divulgação oriundas da mídia, das biografias, documentos, filmes, monumentos

elaborados, promovidos pelos que foram silenciados pela censura.

2.4 Jornalistas que fazem a história

Conforme ensina Schmidt (1997), o sujeito comunicador para ser agente

transformador tem que conhecer o passado e seu contexto. Saber elaborar e

reelaborar. O comunicador que faz a história deve unir o papel do historiador com o

14 COUTO, Ronaldo Costa, p.99

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do escritor. Com base na história ele poderá rearranjar o passado, presente em sua

formação, com a literatura ele se humaniza através das emoções.

Nas sociedades globais, apesar da especialização das profissões, há um

notável cruzamento de funções, como nos mostra Schmidt (Op. Cit.). Isso pode ser

observado, na prática do jornalista e do historiador. Nesse estudo, ele mostra a ação

de jornalistas e historiadores recuperando trajetórias de pessoas esquecidas.

Schmidt, na mesma obra, alega que a razão do crescimento do gênero

biográfico tem lastro no contexto social, aporte teórico e metodológico. Sobre o

contexto alega que a massificação e a perda de referenciais ideológicos e morais,

faz com que busquemos inspiração em trajetórias individuais do passado.

Nas biografias, os personagens têm características comuns a todas as

pessoas, erram e acertam, sofrem, têm dificuldades, alegrias e decepções, o que

permitir ao leitor se identificar com essa trajetória. Um dos fatos que também

impulsionou o aparecimento das biografias foi a crise do estruturalismo, que destaca

as estruturas e as relações que comandam os mecanismos econômicos, organizam

as relações sociais e engendram as formas do discurso.

A preferência pela história narrativa direciona seu enfoque ao indivíduo

como construtor e partícipe dos fatos sociais, utilizando uma cronologia sequencial,

que a aproxima da literatura. A literatura ficcional, conforme demonstra Schimicht

(Op. Cit.) tem sido utilizada por jornalistas que, às vezes, empregando seus

recursos, evita a estrutura cronológica rígida, como no livro de Fernando de Morais

no qual ele inicia a biografia de Assis Chateaubriand narrando sua morte e depois

retoma à infância.

Para esse mesmo autor, a diferença entre a biografia de um historiador e

de um jornalista é que naquela o historiador mantém-se fiel à tradição da crítica aos

documentos e questiona quem produziu determinado vestígio, em que situação e

qual a intenção. Já o jornalista busca as informações e não as coloca sob suspeição.

Além disso, quanto ao aspecto formal, na narrativa jornalística as fontes são citadas

apenas no final do livro e o conteúdo ficcional é maior.

A reportagem em livro, também tem influência da literatura. Um exemplo

disso é o livro Olho por Olho, do jornalista Figueiredo (2009, 103), no qual ele aduz

que os militares no livro secreto do Exército, o Orvil15, se reporta aos presos políticos

15 Orvil, segundo Figueiredo era a palavra livro ao contrário e foi elaborado por militares insatisfeitos com a publicação do livro Brasil: Nunca Mais. O livro do Exército tentava desmoralizar o trabalho feito

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assassinados, como praticantes de um fenômeno característico de uma sofisticada

operação de guerra psicológica que tinha como escopo transformar o suicídio de

Herzog e outros políticos em assassinato, alegando que:

Para ilustrar o suposto fenômeno, o livro secreto relatava o caso de uma certa Maria, cujo nome real não era identificado por “motivo de segurança”. Presa pela repressão, Maria, militante do PC do B, teria sido salva por um de seus carcereiros, a contragosto da própria, quando tentava se enforcar com um lençol. Livrada do laço e ainda com a respiração entrecortada, Maria proferiu suas primeiras palavras: - Me deixa morrer, seu filho da p..! Além de tudo, ainda tinha-se que pajear esses energúmenos.

Ainda sobre as biografias, Schmidt (1997) cita em seu artigo as seguintes

palavras ditas por Morais: um personagem me seduz quando, além de ter tido uma

vida rica, interessante, permite que, por intermédio de sua trajetória, seja possível

recontar um pouco da história não oficial, da história que não nos contaram nos

bancos da escola.

As biografias conquistam um espaço cada vez maior entre os leitores,

graças ao trabalho criterioso dos jornalistas. Um exemplo de trabalho jornalístico

destacado por Schmidt (Op. Cit.) como características históricas é do jornalista

Fernando de Moraes, autor da biografia do jornalista Assis Cheauteaubriand e Olga.

Este último é a história de Olga Benário, judia, militante comunista e esposa de

Carlos Prestes, presa em março de 1936 e apesar de estar grávida foi extraditada

para a Alemanha e assassinada pelos nazistas.

Em Alagoas a biografia do jornalista alagoano Denis Agra, de autoria de

Joaldo Cavalcante, intitulado A última Reportagem aborda não só a trajetória do

jornalista Denis, mas o contexto em que ele viveu, inclusive a prisão e tortura

ocorrida no Doi-Codi de Pernambuco, sua experiência no Jornal de Alagoas, Gazeta

de Alagoas16, Tribuna de Alagoas, da “Ùltima Palavra” e os comentários que ele

fazia sobre setores de pressão nas empresas jornalísticas de Alagoas

No jornalismo dois setores sempre exerceram fortes pressões para determinar o roteiro dos fatos. Denis costuma avistar na área da agro-indústria do açúcar um pólo de pressão enorme contra o papel dos veículos

sob a orientação de d. Paulo Eraristo Arns, que com base nos processos do Superior Tribunal Militar contabilizaram que na época da ditadura houve 3.613 foram presas, 1.843 declaram em juízo terem sido torturadas e que existia 285 modalidade de tortura, 400 mortes, incluídos os 135 presos políticos desaparecido. (FIGUEIREDO, 2009). 16 Fato que marcou a passagem de Denis na Gazeta de Alagoas foi que nos finais de tarde, ele testemunhava a chegada do censor da Polícia Federal, com telegramas instruindo os fatos que poderiam ser abordados sob o ângulo jornalístico. Era a tal da censura prévia, instituída para legitimar a posição do poder vigente. (CAVALCANTE, 1993, P.38).

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de comunicação. Uma notícia desfavorável aos usineiros só saía mesmo por descuido. Já a área governamental determina, via de regra, as angulações dos fatos. O problema é que a informação possui profunda ligação com a questão do poder. Possuí-la é ter condições de adotar decisões, antecipar-se a fatos de interesse público. É influir na coletividade. Por isso, o governo do Estado não desempenha ações com vista à implantação de políticas de comunicação duradouras, que influenciem na democratização dos veículos de comunicação. (CAVALCANTE, 1993, p.60).

Outro exemplo de resgate da memória pode-se observa na autobiografia

do jornalista Marcos Antonio Tavares Coelho, em Herança de um Sonho, No qual o

autor descreve não só a trajetória de sua vida em família, a prisão, a sobrevivência

as torturas; mas também a história da ditadura, do Partido Comunista Brasileiro e

seus militantes, fala das eleições de 1974 e a vitória do (MDB), o fim da censura

pelo presidente Geisel, a divulgação no O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil da

carta de sua esposa ao presidente, após visita feita a ele na (OBAN):

(...) O que vi foi o bagaço de um homem descarnado pela tortura e maus-tratos. Meu marido perdeu em um mês 30 quilos; seus braços – que seus algozes nem me procuraram esconder, como se houvesse o propósito de aniquilar-me com uma exibição de força, ao mesmo tempo esmagadora e feroz, indubitáveis e impune – apresentam-se roxos e inchados, tais e tantas marcas visíveis dos golpes e picadas de tortura... Estou certa que o Senhor, um homem também respeitável, dirá dele: o senhor Marco Antonio Tavares Coelho, por suas convicções, é um inimigo nosso, sim, é um homem para matarmos em combate ou para um dia fuzilarmos após um julgamento. Mas nunca uma pessoa que mereça aviltamento.. “E terminou com essas palavras candentes e desesperadas: Matem o meu marido, mas não o torturem” (2000, p.412).

Coelho (2000, p.414) informa que os agentes do (DOI) mesmo depois do

escândalo da carta assassinaram os dirigentes comunistas: Orlando Bonfim Júnior,

Jaime Miranda, Itaí José Veloso e o estudante José Montenegro Lima Marcos

procurava captar, na prisão, o que estava acontecendo com os outros presos:

Pouco a pouco, juntando pequenos detalhes e algumas indiscrições, concluí de forma irrefutável: os miseráveis chacinaram aqueles cinco companheiros, num local perto de São Paulo a que denominam de “Colina”. O tempo transcorrido, desde quando “desapareceram”, elimina qualquer dúvida a respeito. Desgraçadamente, parece que o mesmo fizeram, neste ano (se reporta a 1975) com Élson Costa, Hiram Pereira, Jaime Miranda e Itaí José Veloso. Bandidos!.

Nesse livro o autor relembra Luis Carlos Prestes, o cavaleiro da

esperança, Armênio Guedes e outros personagens da história brasileira. Em todas

as obras citadas se observam qualidades estilísticas, técnicas e historiográfias. São

memórias de pessoas que foram agentes de transformação social e participaram

ativamente da história nacional e alagoana.

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39

3. O PAPEL DA MÍDIA EM RELAÇÃO AO JORNALISTA JAYME MIRANDA

Como esse Trabalho de Conclusão de Curso se trata de resgate de

memória, vista anteriormente no capítulo II, ela se qualifica como pesquisa

documental porque a coleta de dados está centrada em documentos ou a que

Marcone e Lakatos (2007) denomina de fontes primárias. Esses documentos estão

disponíveis nos lugares da memória: arquivos oficiais, particulares, bibliográficos e

nos discursos midiáticos.

Para traçar o perfil de Jayme Miranda a pesquisa se amparou em

informações constantes em documentos oficiais. Foram consultados documentos

públicos, tais como: a - Certidão da sessão da Assembléia Legislativa Estadual, de

29 de abril de1964, sobre cassação do mandato de suplente de deputado de Jayme

Amorim de Miranda e mandados de prisão; b - Documentação da Comissão Externa

destinada a atuar junto aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos,

instituída pelo governo federal; c - Dados do Centro de Inteligência do Exército (CIE)

sobre os 144 desaparecidos; d - Ficha de Jayme Miranda, da Secretaria do Interior e

Segurança Pública da Delegacia de Ordem Política, Social e Econômica de Alagoas

(DOPSE, anexo 1); e - relatório da Secretaria da Segurança Pública do

Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo referente ao inquérito

instaurado contra Luiz Carlos Prestes em 1964; f - Documentos do Arquivo Público

do Estado do Rio de Janeiro; g - Dossier nº 9 do Ministério da Marinha, Estado Maior

da Armada, Centro de Informações da Marinha intitulado Comissão Executiva

Nacional dos Comunistas, onde consta que Jayme Miranda era da Comissão

Executiva Nacional e do Secretariado do PCB; h - Documentos pessoais de Jayme

Miranda, tais como: Carteira da OAB, passaporte, reservista, carteira da Associação

Alagoana de Imprensa, carteira de trabalho.

Configura-se também essa pesquisa como bibliográfica, ou fonte

secundária em função da consulta a livros, filmes, jornais e revistas apresentados

nas referências deste TCC e já tornada pública em relação ao tema estudado.

Salienta-se a importância do documentário de Beto Leão sobre a trajetória de Jayme

Miranda, com depoimento de familiares e amigos do jornalista, para a

fundamentação desse trabalho.

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40

3.1 A trajetória do jornalista Jayme Miranda

Esta pesquisa por ter natureza qualitativa, procurou compreender com

profundidade o fenômeno da ditadura militar, contexto em que viveu o jornalista

Jayme Miranda, através de descrições, comparações e interpretações entre os

documentos oficiais e bibliográficos. O tema ditadura militar é muito amplo, ao todo

foram 21 anos de repressão, pela impossibilidade de se abordar sobre tudo, foi feito

um corte metodológico.

O enfoque, portanto, é saber como era o discurso midiático em relação a

Jayme Miranda, através da análise do material coletado sobre o tema. Esses

documentos que fundamentaram a pesquisa ainda não receberem um tratamento

analítico e poderão servir de base para outros estudos, inclusive em outras áreas do

conhecimento humano, com outros enfoques.

Nesta parte do trabalho, há a descrição da vida do jornalista com base na

análise e cruzamento das informações constantes nos materiais supramencionados,

com o intento de iniciar o desenvolvimento de um estudo que não se encerra com

esse Trabalho.

Jayme Amorim de Miranda, nascido em 18 de julho de 1926, era o

segundo dos dez filhos de Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de

Miranda, donos do antigo Hotel Atlântico, localizado na Av. Duque de Caixas, em

Maceió/AL e casado com Elza Rocha de Miranda de quem teve dois filhos

alagoanos e dois cariocas.

Jayme Miranda, aos 22 anos de idade, tornou-se 3º Sargento de

Engenharia, sendo excluído em 03 de maio de 1948, conforme certificado de

reservista 21499, do Ministério da Guerra. Em 15 de setembro de1948 Jayme teve

pela primeira e única vez sua carteira de trabalho nº. 34659, assinada pela

Cooperativa dos Plantadores de Cana de Alagoas, mas, a ficha da Delegacia de

Ordem Política, Social e Econômica registra que ele foi bancário.

Aos 23 anos, ainda estudante, foi eleito Delegado do Brasil ao Congresso

Pró-Paz a ser realizado no México, representando o Estado de Alagoas. Em 1950,

Jayme reabre o jornal A Voz do Povo17, cujo registro foi cassado em 1947, tornando-

17 Em entrevista ao jornal A Voz do Povo, Dirceu Lindoso relada que o jornal A Voz do Povo tem um alto significado histórico: é o símbolo da permanência de uma crítica ideológica e radical marxista na vivência alagoana do século XX. Em nenhum momento deixou de ser um jornal de vanguarda da

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se um dos principais responsáveis por sua edição, que era tirada com muita

dificuldade, distribuído de mão em mão, nos bairros e fábricas. Chegou a ser

impresso em Recife. Na década de 1950, Alagoas possuía 10 fábricas de tecidos18,

nas quais trabalhavam centenas de operários e a classe operária era o grande foco

do jornal A Voz do Povo.

Nessa época Jayme Miranda distribuía boletins considerados subversivos

pelo (DOPS). Foi preso no distrito de Fernão Velho em 12 de março de 1951, por

causa de um comício e em abril de 1951, notificado a comparecer à uma delegacia

por ter distribuído o jornal A Voz do Povo. Em agosto do mesmo ano discursou na

reunião de instalação da Frente Juvenil de Estudo e Defesa do Petróleo e da

Economia Nacional.19

Em 1951 colou grau em Direito, numa cerimônia em que seus colegas o

tentaram proteger para que não voltasse para a cadeia. A carteira da Ordem dos

Advogados do Brasil, secção de Alagoas (OAB) registra que Jayme colou grau em

8.12.51 e em 29.09.1954, prestou compromisso, sob registro 354, mas a assinatura

do presidente da OAB-AL é de 29.09.1968, esta data é a mesma da foto. Não foi

encontrada justificação para essa diferença nas datas.

O jornal A Voz do Povo foi fechado, empastelado e seus funcionários

presos no governo de Arnon de Mello, que administrou o estado de Alagoas de 1950

a 1956. Sobre esse fato os jornais não redigiam uma linha sequer, o silêncio era

total. Os dirigentes do A Voz do Povo foram: André Papini, Osvaldo Nogueira,

Nilson Miranda e por último Jayme Miranda.

Quando cumpriu um ano de prisão, em Maceió, no governo de Arnon de

Mello, como advogado, auxiliou a libertar aos presos sem culpa formada, e por isso

foi determinado pelo diretor do presídio que ele fosse surrado o que gerou um motim

na prisão. Era a reação dos enjaulados em defesa do advogado sem prisão especial

que não recebia dinheiro para por na ruas os injustiçados da época. (CABRAL E

LAPA, 1979).

Segundo a ficha do jornalista no DOPS de Pernambuco, Jayme foi preso

em Recife em 1953 (não registra que ele foi torturado) e condenado a passar um

classe operária, e no trabalho diário de sua produção formou-se a intelectualidade marxista alagoana de melhor duração e compleição teórica. 18 (http://www.asa-al.com.br/curi02.php) 19 Ficha Pessoal de Jayme Miranda da Delegacia de Ordem Política, Social e Econômica

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ano na Penitenciária de Maceió/AL, acusado de ter desempenhado a missão de

articular movimento subversivo, visando a posse do Governador Miguel Arraes,

agindo com o nome de Alcides Quintiliano e de lançar uma campanha pré-imprensa

popular. No mesmo ano foi novamente processado, por liderar um movimento

considerado subversivo, dentro da penitenciária.

Relata o arquivo do DOPS que Jayme conseguiu catequizar, em Recife,

30 elementos dentre os quais usineiros e industriais. Pretendia manter 30 casas sob

o manto de Assistência Social a famílias necessitadas. Devido ao estado de saúde,

seqüela das torturas, Jayme Miranda passa algum tempo em Recife e em seguida

vai para uma missão em Belém do Pará, retornando apenas em 1957 para Alagoas.

O único período em que o jornal A Voz do Povo não foi perseguido foi

durante o governo Muniz Falcão. Porém, esse tempo de liberdade foi curto, pois, o

governador sofreu um processo de impeachement. Após essa intervenção em

Alagoas, os funcionários do jornal A Voz do Povo foram presos, inclusive Nilson

Miranda, irmão de Jayme Miranda.

Ele ingressou para a Associação Alagoana de Imprensa em 15 de junho

de 1959 e tirou passaporte nº. 279933 para viajar, em missão, para Europa, Ásia e

África, esteve também em Cuba numa viagem com uma delegação de jornalistas

entre eles Nilson Miranda e Alberto Jambo, tendo encontro com Fidel Castro e Che

Guevara.

Com outro passaporte, de nº 372580 Jayme obteve autorização para

viajar, também em missão determinada pelo PCB, para América, Europa, Ásia e

África. O passaporte foi emitido em 19 de 1963, com validade até 19 de fevereiro de

1965 e registra visto de embarque no Estado da Guanabara em 27 de março de

1963, o retorno por Praha-Ruzyn em 10 de maio de 63 e o desembarque por Recife

em 11 de maio de 1963.20

Consta também no arquivo do (DOPS) que Jayme Miranda obteve

documentação no Instituo Ferreira Faustino, em Niterói-RJ, com o nome frio de

Juarez Amorim da Rocha, mediante certidão falsa Identidade de n. 2.501.190 e

passaporte A-134436. Foi registrado no aeroporto de Orly-Paris, a passagem do

nominado, em trânsito para paises do bloco socialista.

20 Esses dados foram retirados do Passaporte original de Jayme Amorim de Miranda

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Jayme participou do Festival Mundial da Juventude pela Paz, em Moscou

e integrou a primeira delegação do Partido Comunista Brasileiro à China, tendo se

reunido com Mao Tsé Tung. A esse respeito Rubens Jambo declara no jornal A Voz

do Povo que Jayme criticou o partido chinês afirmando:

O partido na China está endeusando Mao Tsé Tung e induzindo o povo ao culto à personalidade. É ridículo o processo místico adotado na propaganda maoista, sem qualquer diferença do proselitismo protestante. A única diferença é que os protestantes repetem à bíblia e o PC Chines esgrime o Livro Vermelho de Mao.

Estabelecido o golpe militar de 64 e aprimorado os aparelhos de

repressão, começaram as prisões e a censura. A informação era a arma mais

importante do sistema repressivo. Para isso existia um aparato perfeito, com espiões

em toda parte: nas escolas, igrejas, fábricas, universidades. Essas informações

eram tratadas e compartilhadas. O objetivo do trabalho era a eliminação da

subversão e dos focos de insurgências.

O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo,

aparato repressivo do Estado, em 7 de abril de 1964 instaura inquérito contra Luiz

Carlos Prestes, Jayme Miranda e mais 72 pessoas. O trabalho durou 5 meses e 23

dias e gerou 10 volumes com 2.099 folhas.21

Foram anexadas ao inquérito, as 19 cadernetas de Carlos Prestes,

contendo 3.426 páginas com toda a atividade do (PCB) e centenas de nome. No

inquérito eles relatam a história do comunismo no Brasil desde seu início em 1922,

demonstram como era a organização do (PCB), a grande rede de comunicação que

se estabelecia entre os camaradas do partido e o conhecimento profundo que

tinham de todas as atividades política e econômica do país. De uma das páginas do

relatório, destaca-se a anotação abaixo

Como vimos nos capítulos anteriores, a diligência realizada na residência de Luiz Carlos Prestes só foi possível graças à Revolução de 31 de março de 1964. Antes dessa data, não era possível realizar qualquer tipo de diligência contra os comunistas...Líderes sindicais foram detidos e processados regularmente; entidades estudantis e outras também foram objeto de nossa ação, comunistas outros não ligados a Prestes, também foram alcançados e indiciados (p.30131).

O texto acima faz parte do relatório confidencial do (DOPS), recuperado

pelo grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, e que declara estarem os detidos

21 Esses dados foram obtidos do Relatório sobre o Inquérito instaurado contra Luiz Carlos Prestes e outros por ocasião da revolução de março de 1964, da Secretaria da Segurança Pública – Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo.

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sendo processados regularmente, é evidente que este termo processo regular

significa para um cidadão comum, direito a ampla defesa e contraditório, mas para

os militares no comando da ditadura incluía humilhação, cassação, tortura e sucídio.

Ao final do relatório é solicitada a decretação da prisão preventiva de 74

comunistas e se alega que estão excluídos 9 nomes por não haver sido possível

conseguir nenhum dado para qualificação, embora seus nomes sejam citados

frequentemente nas cadernetas de Luiz Carlos Prestes, entre eles estava o nome de

Jayme Miranda membro da Comissão Executiva Nacional e Secretário do (PCB).

Mas não demorou a ser completada as informações que faltavam e em

1964 o Jornal A Voz do Povo é depredado e Jayme Miranda recolhido à prisão.

Conseguiu evitar muitas mortes e torturas orientando as esposas dos detidos a

prestar denúncia à guarnição federal do Estado. No mesmo ano, seu mandato de

deputado estdual foi cassado, conforme anexo 2.

Ele passou um ano na prisão. Ao conseguir liberdade vigiada, foge de jipe

até Recife, juntamente com sua esposa Elza Miranda, para dar um ar de

naturalidade. Chegando à capital pernambucana, Jayme parte para o Rio de Janeiro

de avião e sua esposa retorna para Maceió.

O Ministério da Guerra e Exército, em 03 de novembro de 1965, lavra o

mandado de prisão de Jayme e outros, determinando que sejam recolhidos à prisão

incomunicável. Em 1965 o povo demonstrou nas urnas sua insatisfação com o

regime militar, o que acarretou a publicação do AI-2 e a instituição de apenas dois

partidos Arena e MDB – Movimento Democrático Brasileiro, concentrando toda a

esquerda, entre 1966 e 1979.

Segundo Cabral e Lapa (1979) Jayme, era um esquerdista de sentimentos

puros, que impunha respeito aos seus adversários, mais temível preso do que solto,

face à envolvência com que dominava as massas, nos presídios ou nas ruas.

Com base no AI-4/1966 é promulgada a Constituição Federal 24 de janeiro

de 1967. Em 27 de fevereiro de 1967 Jayme Miranda teve seus direitos políticos

suspensos pelo Diário Oficial da União. Ele continuou a desenvolver suas atividades

de militante comunista. Em razão de ser poliglota e para sobreviver, fazia traduções

de textos para jornais cariocas.

A derrota do governo nas urnas só fez aumentar o rigor da ditadura,

ampliando o número de vítimas, em janeiro de 1972 a alagoana Gastone Beltrão da

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(ALN) foi assassinada com uma rajada de metralhadora pela equipe de Sérgio

Fleury, na Avenida Lins de Vasconcelos, no Cambuci, em São Paulo.

Manoel Lisboa de Moura, alagoano, fundador do Partido Comunista

Revolucioário – PCR e editor do jornal A Luta, foi preso em 16.08.73 e em 04.09.73,

uma nota oficial do governo declarava a morte dele e mais duas pessoas, durante

um tiroteio com a polícia, sendo enterrado em 2003. O jornalista alagoano Denis

Agra também foi preso e torturado em 1973.

Segundo Coelho (2000) o movimento guerrilheiro organizado pelo Partido

Comunista do Brasil (PcdoB) no sul do Brasil foi derrubado em 1974, seus

combatente brutalmente assassinados, com a intervenção de grandes contingentes

da Forças Armadas. Em outubro de 1974 o (MDB) ganhou as eleições em todo país,

com a ajuda do (PCB) e Marco Tavares entusiasmado, coloca como título do

editorial da Voz Operária “Aperta o Cerco”, que bradava por aplicarmos novos

golpes na ditadura. Isso aumentou ainda mais a raiva dos ditadores (Op. Cit.).

Em fins de 1974, agravou-se a repressão sobre os membros do PCB, em

18.01.1975 o ex- deputado Marco Tavares é preso e torturado. Ele relata em sua

autobiografia: Herança de um Sonho, o sistema de tortura adotado nos quartéis do

(DOI/CODI), (DOPS), com base nas cartas que escreveu para a esposa, nos meses

de junho, julho e agosto de 1975.

Declara o autor que mesmo diante das torturas tentava ganhar tempo, por

causa da lista de pontos onde estava marcada sua ida a uma reunião, no dia 20 de

janeiro/75, do Secretariado Nacional, o núcleo central do PCB, de que participavam

Giocondo Dias, Aristeu Nogueira, Jayme Miranda e Itaí Veloso. Aduz que quando os

camaradas não o encontraram se dispersaram.

Em 31 de janeiro de 1975, Jayme estava morando com a família no

Catumbi-RJ. A mídia em todo o Brasil começou a divulgar a descoberta de uma

tipografia do Partido Comunista no Rio de Janeiro e São Paulo, descreviam a

passagem secreta na casa onde as gráficas funcionavam, o material encontrado e

as prisões que a polícia federal havia efetuado.

A mídia alagoana reproduziu as matérias sobre a gráfica. O Jornal Gazeta

de Alagoas, 31 de janeiro de 1975, traz a seguinte manchete: Brasil descobre ação

comunista em suas eleições

Segundo o Ministro Armando Falcão , em consequência da descoberta, já foram efetuadas inúmeras prisões, instaurados os devidos inquéritos e virão os processos competentes, para a punição do culpados. Frisou

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também que se descobriu a participação do partido comunista nas eleições de 15 de novembro de1974.

Esse acontecimento era de grande significado para Jayme, pois,

representava a queda de grande parte dos militantes do partido comunista, era hora

de sair do país. No dia 04 de fevereiro de 1975 Jayme tinha um encontro com um

camarada do partido que tinha a missão de lhe entregar documentos necessários

para que ele pudesse viajar. Ocorre que o militante com quem ele iria estar, havia

sido detido e sob tortura revelara sobre o encontro.

Desse dia em diante começa a perigrinação de Elza para localizar Jayme.

Fez denúncia na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), Associação Brasileira

de Imprensa (ABI), Comando do Exército, escreveu carta ao Presidente da

República, ao Exértico e outras entidades. Explicou a todos que se prontificaram a

ouví-la que Jayme jamais deixaria de comparecer ao jantar com os parentes, bem

como no dia 9 de fevereiro era aniversário dos filhos mais novos: Jayme e André.

Ele sempre comemorarava.

O Ministério de Justiça respondendo a carta que Elza encaminhou ao

Presidente alegou que Jayme Miranda se encontrava na Rússia, em 05 de maio de

1975, conforme anexo 4. Entretando com base nas declarões de Coelho (2000),

provavelmente nessa data Jayme Miranda já deveria está morto.

Coelho, (Op. Cit) em sua biografia alega que não esquecia dos

companheiros e tentava buscar informações, ficando atento aos comentário dos

torturadores, chegando a concluir que Valter Ribeiro, João Massena, David

Capistrano, Luiz Ignácio, José Roman, Elson Costa, Hirem Pereira, Jaime Miranda e

Itaí José Veloso, foram mortos num local perto de São Paulo denominado de Colina.

O Diário de Noticias de 02 de marco de 1975 rompe o silêncio

determinado pelo regime militar e noticia que o Presidente da Ordem dos Advogados

do Brasil (OAB) intercede em defesa de advogado Jayme Miranda, alegando que ele

continua desaparecido. Essa publicação foi registrada no prontuário de Jayme

Miranda, no mesmo dia da publicação, O que demonstra a atenção dos militares a

tudo que era divulgado .

Em 14 de abril de 1975 eles registram que o Jornal O Globo divulgou que

o Ministério da Justiça forneceu ao lider do governo na Câmara informações sobre o

epigrafado (termo que eles empregavam no lugar do nome) e dentre outras a de

que ele encontrava-se foragido. Em 26.06.75 consta também o registo do Diário de

Page 39: LIDO - Jayme Miranda Por Olga Miranda - Midia_e_memoria

47

Notícias no qual a junventude do MDB pede liberdade para os correligionários e para

Jayme Miranda.

Informa ainda os arquivos que Amaro Marques Carvalho (Zé Gordo,

professor José, Professor Carvalho) declarou que providenciou documentos usando

nomes falsos para o epigrafado. Em 10 de fevereiro de 1976 o (DOPS) registra que

a Amnesty Internacional solicitou novamente informações sobre Jayme,

perguntando em que prisão se encontrava, se foi oficialmente condenado e qual o

seu estado de saúde.

O DOPS em 18 de maio de 1976 fez o último registro neste prontuário,

sobre a publicação do jornal Berlinger Zeitung, da República Democrática Alemã, em

sua edição de 24 de dezembro de 1975, apelando para solidariedade mundial para

com o povo brasileiro, mencionando vários nomes entre eles o de Jayme Miranda.

Em 17 de janeiro de 1976, o alagoano Manoel Fiel Filho, militante do

Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi preso. Os órgão de segurança alegaram que

ele se enforcou na prisão, apesar dos sinais evidentes de tortura.

Com a publicação da lei de Anistia, em 1979, finda a ilusão de que Jayme

Miranda e outros políticos ainda pudessem estar vivo. A mídia já publicava

abertamente o desaparecimento desses polícos. Em junho de 1985 foi publicado um

projeto audacioso, o livro Brasil: Nunca Mais – BNM que iniciou em 1979 e foi

idealizado por um grupo de religiosos, advogados, professores, pesquisadores e

especializas em computação, orientados por D. Paulo Evaristo Arns e Jaime Wright.

Em plena ditadura, eles entraram na sala de processo do Superior

Tribunal Militar (STM); pegaram toneladas de provas das atrocidades cometidas nos

porões do regime e reuniram tudo num livro-denúncia, Nele constava o depoimento

de vários presos políticos sobreviventes a tortura e a relação dos desaparecidos

inclusive Jayme Miranda.22

Um grupo de militares inconformados com a publicação do livro BNM,

redigiram o chamado Orvil, que através de uma memória seletiva, lembravam os

seis militares, os dois civis mortos e os assaltos a bancos praticados pela guerrilha.

Figueiredo (2009) alega que eles omitiram os crimes praticados pelos militares,

como o dos oficiais ligados ao CIE que explodiram bombas em teatros e na editora

22 FIGUEIREDO, Lucas. Olho por Olho. Os livros secretos da ditadura, 2009, p.9

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Civilização Brasileira, as denúncias de tortura feitas contra presos políticos e outros

planos terroristas, objetivando incriminar os comunistas.

Quando o ministro Leônidas Pires Gonçalves apresentou o Orvil ao

Presidente Sarney , este não autorizou a publicação do livro (p,119). Inconformados

alguns militares começaram a dar outra versão do BNM e publicaram livros como: o

Rompendo o silêncio; A grande mentira; Guerrilha do Araguaia:A grande verdade;

Desfazendo mitos da luta armada; A verdade sufocada.

O tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel, publicou A farsa do

Araguaia (2007) e Guerrilha do Araguaia: relato de um combatente (2008). Sob o

codinome doutor Asdrúbal, esse paraquedista alagoano liderou a equipe do serço

secreto do Exército que mais matou ou “trucidou”, termo usado por ele – no

Araguaia (FIGUEIREDO, 2009, p.129). Criaram uma entidade para propagar os

ideais do regime militar, chamada Terrorismo Nunca Mais-Ternunca e o site

www.ternuma.com.br que divulga artigos pró-ditadura e antiesquerda.

Em 1985 uma edição especial do jornal A Voz do Povo23, que conta a

história do partido, sua fundação em Alagoas em 1924, por Olímpio Santana, traz os

relatos de Laudo Braga , Zé da Feira, Rubens Jambo, o pernambucano Gregório

Bezerra, líder comunista torturado em praça publica e outros sobre o jornalista

Jayme Miranda24.

A edição especial faz ainda uma homenagem ao revolucionário Octavio

Brandão, primeiro vereador comunista eleito em 1928 no Rio de Janeiro, que fez

uma opção pela escrita militante. Em maio/junho de 1986 e marco/abril de 1987 o

Jornalista Freitas Neto e Nilson Miranda fazem edição especial de A Voz do Povo,

sempre lembrando o desaparecimento de Jayme. Em 13 de junho de 1986, a pedido

de Elza Miranda, o Juiz Mário Casado declara Jayme Miranda ausente e nega a

declaração de morte alegando inexistencia de provas.

23 A edição especial foi impressa na Gráfica Tribuna de Alagoas, teve como editor Anivaldo de Miranda Pinto e os colaboradores Laudo Braga, Nilson Miranda, Gregório Bezerra, Dirceu Lindoso, Cícero Péricles de Carvalho, Rubens Jambo, Zé da Feira. 24 Laudo Braga - Combatemos juntos na juventude. Pude testemunhar suas extraordinárias qualidades de marxista, patriota, dotado de uma fabulosa capacidade de discernimento e coragem que lhe proporcionavam uma larga e não sectária visão política. (Jornal a Voz do Povo, p.7) Zé da Feira – A Voz do Povo foi o jornal e a tribuna defensora da classe trabalhadora e da justiça social, mas a mesquinhez brutal da chamada repressão tirou-a de circulação e a Jayme Miranda deu fim mas os dois ainda que assim vivos na memória estão. (Jornal a Voz do Povo, p.7) Gregório Bezerra – Atuei algumas vezes em Maceió e sempre ao lado de Jaime Miranda, que, pra mim, era um verdadeiro espelho no sentido de sua abnegação, do seu sentimento patriótico e de seu grande humanismo. Alem de tudo, era um homem muito valente (jornal A Voz do Povo, p.3).

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O Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) do Rio de Janeiro, fundado em 1985

por iniciativa de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos

que tem como compromiso lutar pelos direitos humanos, pelo esclarecimento das

circunstâncias de morte e desaparecimento de militantes políticos, pelo resgate da

memória histórica, pelo afastamento de cargos públicos de torturadores e pela ética,

arquiva a seguinte informação sobre Jayme Miranda: (Anexo 5)

Jornalista, advogado e ex-diretor do jornal “Voz do Povo”, de Maceió. Foi preso no dia 4 de fevereiro de 1975 no Catumbi, Rio de Janeiro, ao sair de casa. O Relatório do Ministério do Exército diz que “esteve em Moscou e seu nome aparece numa lista de brasileiros que, em 1974, transitaram pelo aeroporto de Orly/França, com destino aos países socialistas, com o nome falso de Juarez Amorim da Rocha”. Já o Relatório do Ministério da Marinha diz que, com data de Ago/79, “figurou em uma relação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, cassados pelo AI 1, 2 e 5 e desaparecido depois de ter sido preso (Relação s/n de 20/08/79 - CAM-DEP).

Esses Grupos existem em outros estados da Federação tais como: São

Paulo, Paraná, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina. Todos fundados com o mesmo

objetivo. Como Jayme Miranda também foi preso em Pernambuco, foi encontrado

pelo Movimento Tortura Nunca Mais/PE - MTNM no arquivo do (DOPS) registros

sobre suas atividades como militante do (PCB).

A última versão sobre o desaparecimento25 de Jayme Miranda foi contada

pelo Sargento do DOI-CODI Marival Chaves, num depoimento exclusivo, para a

revista Veja, de 18 de novembro de 1992. A manchete da capa da revista era: “Eles

matavam e esquartejavam”. O título da reportagem: Autópsia da sombra

Alega o sargendo que sua missão era avaliar os depoimetos dos presos e

cruzá-los com as informações repassadas ao Exército pelos militares de esquerda

que haviam se convertido em informantes. Porém, sabia que os presos políticos

morriam na tortura e que os que resistiam tomavam um injeção usada para matar

cavalos para morrer, posteriormente eles matavam e esquartejavam.

Chaves relatou que na casa de São Paulo, havia uma equipe

especializada na ocultação dos cadáveres. Primeiro amputavam as falanges dos

dedos, depois amarravam as pernas para trás, de forma que o corpo ficasse

25 O termo desaparecido é usado para definir a condição de pessoas sobre quem as autoridades governamentais

jamais assumiram ou divulgaram a prisão e morte, apesar de terem sido seqüestradas, torturadas e assassinadas

pelos órgãos de repressão. Foram consideradas pelo Estado pessoas foragidas até a publicação da lei 9.140, em

04 de dezembro de 1995. (Dossiê Ditadura. Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil de 1964-1985, São

Paulo, 2009)

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reduzido à metade e esfaqueavam a barriga para evitar que o corpo, se fosse jogado

num rio, viesse à tona .

Sobre Jayme Miranda aduz que ele era o terceiro na hierarquia do partido

comunista, que foi levado para casa de Itapevi, morto sob tortura e depois atirado

num rio próximo de Avaré. Diz que boa parte dos membros do PCB caiu nas mão da

repressão durante a Operação Radar26.

A Folha de São Paulo de 17.11.1992 anuncia que a Polícia do Corpo de

Bombeiros da região de Sorocaba iria começar a procurar as ossadas de ex-presos

políticos. Porém, em 20.11.92, o jornal do Brasil anuncia que delegado decide

suspender buscas de ossadas em Avaré porque não estava encontrando nada. Em

08/12/1992 O Jornal do Brasil sai com a manchete Lista de desaparecidos

ultrapassa 144, mais do que os listados no livro Brasil Nunca Mais.

O Jornal divulga em 31 de janeiro de 1996 sobre atestado de óbito do

Jornalista Jayme Miranda com base na lei federal 9.140, de 04 de dezembro de

1995. O Estado dá como causa mortirs a lei federal, que reconhece como mortos os

desaparecidos políticos. Recentemente O Estado de São Paulo - Estadão, em

25.07.2009, também fez uma excelente matéria sobre o jornalista e a luta dos

familiares na busca do conhecimento sobre o restante das informações negada pelo

atual governo.

3.2 Jayme Miranda: Um perfil biográfico

Observou-se, durante o trabalho, como se deu o funcionamento dos

discursos encontrados nos diversos materiais analisados e os elementos

constituitivos que contribuiram para sua produção e procurou-se reconhecer os

indícios dos processos de significação, conforme ensina ORLANDI (2001). Na

pesquisa foi considerado o que foi dito pelos órgãos de repressão, com o que foi dito

pela mídia, para captar o “não-dito naquilo que é dito”. A tradução dos fenômenos

sociais acima descritos levou ao seguinte direcionamento sobre o perfil biográfico do

jornalista Jayme Miranda:

26 A Operação Radar foi uma grande ofensiva do Exército iniciada em 1973, para dizimar o PCB. Esta operação culminou com a apreensão da gráfica do jornal Voz Operária do PCB.

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Jayme Miranda ao sair de casa, de personalidade brilhante e rica de

sonhos humanistas, a cabeça cheia de idéias que conflitaram com os interesses

perverso do capital, almejava um mundo melhor, mais justo, declara Rubens Jambo,

no Jornal de Povo. Porém, como todo ser humano, se pode deduzir que teve

dúvidas e medo, mas tinha o espírito dos grandes guerreiros e não se acorvadou.

Foi um grande líder, conseguia circular desde o local mais simples até o

mais sofisticado, falava errado quando era preciso e dialogava em outras línguas,

quando necessário. Seu nível de intelectualidade fazia com que fosse respeitado até

pelos adversários. O dom da oratória e da persuasão causava temor aos poderosos,

por isso os militares alegaram ser elemento perigoso, de alto poder de

convencimento, conforme relata Cabral e Lapa (1979) e a ficha do DOPS.

Subtende-se também, a partir dos registros do (DOPS), que ele era

amante da paz participando de diversas campanhas em prol dela e defendia as

riquezas naturais do nosso Brasil. Fazia isso com muito ardor através do discurso,

discurso ideológico voltado para o interesse maior do seu povo. Averso à violência e

paciente, queria vencer pelo argumento, através da conscientização, isso se capta

facilmente desses registros quando alegam que ele montou verdadeiros cursos de

politização.

Percebe-se que o objetivo dele era libertar as pessoas da ignorância,

através do conhecimento, por isso fazia muitos comícios e se esforçava para editar,

junto com seu irmão Nilson Miranda e outros companheiros, um jornal radical o A

Voz do Povo, o qual que permitia uma leitura alternativa dos fatos e diferente do que

veiculava na mídia hegemônica. Por esse jornal apanhou, foi esfaqueado e preso

várias vezes.

Mesmo preso ele incomodou, devido ao espírito de solidariedade para

com os companheiros de cela. Utilizando-se de seus conhecimentos jurídicos,

auxiliou muitos presos a conquistar a liberdade, orientando suas esposas de como

deveriam proceder para desengavetar os processos. Está dito na ficha nº 04, que ele

causou tumulto na penitenciária.

Está consignado também que ele conseguiu quebrar um paradigma num

estado de regime coronelista: tornou-se suplente de deputado estadual, pelo Partido

Social Progressista, mesmo sem dinheiro e apenas com o potencial discursivo, mas

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foi cassado, por ser diferente dos parlamentares da época, em sessão realizada no

dia 29 de abril de 1964.27

Era um humanista, como declara Gregório Bezerra e se confirma nos

registros oficiais, quando diz que pretendia, no seu trabalho de catequese manter

cerca de 30 casas sob o manto da assistência social a famílias necessitadas.

Poderia ter escolhido o exílio, mas optou por continuar lutando, ficando nítido seu

caráter de agente transformador.

Conforme relatos constantes no A Voz do Povo, ele era alegre,

extrovertido e com grande capacidade de comunicação, Jayme tinha amigos de

todas as tendências e com eles também compartilhava sempre um bom papo

acompanhado de uma cerveja geladinha, comprada com o pouco dinheiro, sempre

amassado, que encontrava no bolso.

Ficou demonstrada sua capacidade intelectual, era o 3º na hierarquia do

Partido Comunista Brasileiro, fez parte da Executiva e do Secretariado e suas

viagens ao exterior eram de caráter político. Os contatos dele com políticos do

cenário mundial, demonstra que ele era dotado de uma fabulosa potencialidade para

o diálogo com cidadãos de diferentes culturas, não só por que falava outros idiomas,

mas por causa da amplitude de seus conhecimentos. Evidenciou-se também, que

nem sempre ele concordava com todos os procedimentos adotados por elas, pois,

ele não era sectário e tinha uma larga visão política.

Outra característica marcante dele era a coragem, alega Laudo Braga, no

A Voz do Povo. Viveu uma vida de tensão constante. Clandestino, Ele e sua família

tinham que se mudar anualmente de residência, de escola e de amigos. Para

transitar nos aeroportos, precisava utilizar nome falso, assim conseguia passar pela

imigração no Brasil e no exterior. Quando preso, ao invés de se resguardar,

mantinha suas índole solidária para orientar e auxiliar a desengavetar os processos

dos detentos.

Por essa característica da coragem, por sua abnegação e ideologia,

jamais conciliaria com a repressão e naqueles dias o indivíduo que não falasse

estava condenado à morte, afirma Gregório Bezerra. Deduz-se dessa assertiva e do

que constam nos demais documentos e bibliografias consultadas que Jayme

27 A Certidão da Assembléia Legislativa Estadual foi registrada no cartório Bel. Luma Fonseca de Machado e dispõe quanto a Jayme Miranda que é escusado de argumentar ou esclarecer sobre qualquer ponto a respeito de suas atividades subversivas, mesmo porque são elas de domínio público.

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Miranda ao ser seqüestrado em 1975, foi torturado e que não deve ter demorado a

morrer.

3.3 O discurso midiático no caso Jayme Miranda

Para o desenvolvimento dessa pesquisa foi determinado como o corpus o

discurso midiático dos seguintes veículos: Jornal de Hoje, Diário de Notícias, Revista

Veja, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, O Jornal, Tribuna de Alagoas, o Diário

Oficial de Alagoas e A Voz do Povo. Como a abordagem jornalística é ampla e essa

pesquisa se centra em resgate de memória, a análise textual foi restrita a matérias

jornalísticas publicadas referentes ao caso Jayme Miranda.

A partir dessa catalogação foi efetuada a leitura do material, fichamento e

análise. Esse procedimento viabilizou a identificação de práticas jornalísticas

relativas à produção de sentido ao narrar o caso Jayme Miranda. A reportagem mais

longa e de maior repercussão sobre os desaparecidos políticos e especialmente

Jayme Miranda foi a da Revista Veja, através dela, várias outras matérias foram

divulgadas.

Foi visto no decorrer do trabalho que a mídia também é lugar de memória

e portanto dita a história, foi feita análise apenas nos materiais de cunho jornalístico,

lembrando que os demais materiais bibliográficos foram utilizados para embasar o

perfil biográfico de Jayme Miranda. Esse corte metodológico se justifica em razão da

grande quantidade de material existente sobre Jayme Miranda e por ser esse um

Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo.

3.3.1 Jornal de Hoje

A matéria, de 31 de janeiro de 1975 (anexo 3), cujo título era: Segurança

desbarata tipografia, informava que os órgãos de segurança do país descobriam a

existência, no Rio de Janeiro e em São Paulo, de um sistema clandestino tipográfico

do PCB, que produzia o jornal A Voz Operária, folhetos, panfletos e fascículos.

Narrava que esses materiais eram destinados a envenenar a consciência das

pessoas desprevenidas, a perturbar paz, interromper caminhada rumo ao

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54

desenvolvimento. A notícia foi divulgada em todo Brasil. O Ministro Armando Falcão,

da Justiça, através de uma cadeia nacional de rádio e televisão falou sobre a

descoberta das gráficas.

Essa matéria tem relação com o depoimento de ex-sargento Marival,

prestado à Revista Veja. Ele alegou que o desbaratamento das gráficas do PCB foi

resultado da Operação Radar, destinada a aniquilar o PCB. Nessa operação, ele diz

que o DOI-CODI prendeu, torturou e assassinou vários militantes do PCB, entre eles

Jayme Miranda. Consequentemente, se deduz que a notícia da queda da gráfica

sinalizava para Jayme Miranda um fator de grande preocupação e a necessidade de

sair do país.

3.3.2 Diário de Notícias

Nesse diário carioca, publicado no dia 02 de março de 1975, conforme

(anexo 6), cujo título da matéria era: OAB intercede em defesa de advogado preso, o

presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ, Vírgilio Luiz Donicci, divulgou

uma nota oficial manifestando a preocupação dos advogados da Guanabara28 com

relação à prisão de Roberto Camargo, detido e não localizado e o desaparecimento

do advogado alagoano Jayme Amorim de Miranda.

Essa nota relata que o advogado alagoano havia sido preso há 15 dias

antes e, apesar dos esforços de Virgílio Donicci e do presidente do Conselho

Federal da OAB, José Ribeiro de Castro Filho, as autoridades não conseguiram

localizá-lo.

Fomos recebidos pelo comandante do Primeiro Exército, general Reinaldo de Almeida, que apenas nos garantiu que nas prisões militares já não existem presos políticos. Foram todos entregues ao DOPS. O general se interessou pelo caso, pediu maiores informações sobre o advogado e disse que tentaria localizá-lo. Também o comandante do II Exército disse desconhecer o paradeiro de Jaime Miranda. Quanto ao direitor-geral do DOPS, também nega que Amorim esteja preso sob sua responsabilidade.

Pode se abstrair dessa nota os seguintes significados: Jayme Miranda

havia sido seqüestrado em 04 de fevereiro de 1975, portanto, na data da publicação

da nota estava próximo de completar um mês de absoluto silêncio sobre o seu

desaparecimento, prática utilizada pela ditadura nos anos 1970; Em reação a isso,

28 Guanabara – foi um estado do Brasil, até 1975, hoje atual município do Rio de Janeiro.

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55

pessoas que tinham conhecimento do que estava acontecendo com os militantes

comunistas se empenhavam em tornar público essa informação na tentativa de

salvar vidas , nesse caso a de Jayme Miranda.

Nessa época apesar de se iniciar o processo de reestabelecimento da

democracia, ainda se vivia sob o manto ditadura e a produção do discurso

jornalístico sofria restrições, tanto é que essa matéria foi registrada no arquivo do

DOPS porque intercedia por um militante do PCB, conforme se vê no anexo 7.

3.3.3 Revista Veja

A revista semanal Veja (anexos 8 e 9), publicada nacionalmente, no dia

18 de novembro de 1992, teve como manchete: Eles matavam e esquartejavam, o

título da reportagem de Expedito Filho era: Autópsia da sombra e como subtítulo: O

depoimento terrível de um ex-sargento que transitava no mundo clandestino da

repressão militar resgata parte da história de uma guerra suja.

No box da matéria acompanhada de fotografia, na página 24, Jayme

Miranda é apresentado, pelo ex-sargendo do DOI-CODI, como sendo advogado, o

terceiro na hierarquia do Partido Comunista Brasileiro e que foi morto sob tortura na

casa de Itapevi, situada na estrada da Granja 20, município da Grande São Paulo.

Na legenda abaixo da foto de Jayme Miranda consta que Miranda – Era o

terceiro na linha do comando comunista. Foi morto sob tortura em 1975. O ex-

sargento acrescenta que:

(...) oito membros do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro caiu nas mãos da repressão durante a Operação Radar, que era uma ofensiva do Exército, iniciada em 1973, para dizimar o PCB. A Operação Radar culminou com a apreensão da gráfica do jornal Voz Operária, do PCB. Jayme também foi preso na Operação Radar numa das incursões do DOI de São Paulo ao Rio. Foi transferido para Itapevi. Seu irmão Nilson Miranda que era secretário geral do PCB de Porto Alegre estava preso no Ipiranga, mas ele nega ter sido preso.

Essa matéria faz levantar uma série de questionamentos que podem

levar a outro efeito de sentido, como: o que está atrás das aparências? Por que

somente depois de 17 anos, quando já conclusa a eliminação de todas as

insurgências existentes no país, o sargento resolve falar? Por que relatou somente

uma parte da história.

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56

Observa-se que a manchete da Revista Veja é de natureza

sensacionalista, sem nenhuma preocupação humanística. Transmite a ideia de que

as pessoas assassinadas eram subversivas, como se tentasse resgatar na memória

do leitor a rejeição implantada através da propaganda ideológica da sociedade aos

comunistas.

A matéria foi um furo jornalístico de grande repercussão, apesar da

precariedade de informações, principalmente para as pessoas envolvidas no

processo. Gerou expectativas para os familiares de pelo menos enterrar seus

mortos. A reportagem foi utilizada como fonte para outras matérias e mesmos não

gerando efeitos concretos, pois, nada do que foi dito pelo Sargento Marivaldo foi

comprovado, também serviu de fonte para historiadores e biógrafos continuarem

investigando.

Um fato relatado pelo ex-sargento, que parece de relevância histórica é

que a descoberta das gráficas clandestinas do (PCB) e de todo seu material foi fator

preponderante para a queda dos membros do Comitê Central do Partido Comunista

e consequentemente de Jayme Miranda. Esta notícia tem conecção com os fatos

narrados pelo Jornal Hoje, item 3.3.1. Para quem tinha ligação com a gráfica

clandestina do PCB sabia bem o significado dessa matéria para o destino de suas

vidas. Sobre a matéria de Veja não houve mais avanços sobre o tema e sim uma

reprodução do assunto, demonstrando a pressão do monopólio das fontes oficiais

sobre os fatos.

3.3.4 Folha de São Paulo

Em 17 de novembro de 1992 (anexo 10), com uma matéria intitulada:

Polícia começa a procurar corpos de presos políticos, o jornal Folha de São Paulo

relata que:

Policiais do Corpo de Bombeiros da região de Sorocaba devem começar hoje a procurar as ossadas de ex-presos políticos desaparecidos durante o governo militar, na década de 70. As buscas serão concentradas em Avaré a 260 Km de São Paulo.

Essa matéria está relacionada com a reportagem da Veja, constante do

item 3.3.2 e com Jayme Miranda, vez que, o ex-Sargento Marival Dias alegou que

Jayme e outros militantes do PCB haviam sido jogados no Rio Novo, em Avaré. O

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57

reporte Mário Filho informa ainda que as buscas serão acompanhadas por entidades

de defesa de Direitos Humanos.

3.3.5 Jornal do Brasil

O Jornal do Brasil publicou duas matérias jornalísticas com abordagens

sobre o jornalista Jayme Miranda. A primeira foi divulgada no dia 20 de novembro de

92 e trata de um depoimento feito pelo ex-sargento Marival à comissão externa que

investiga o desaparecimento de presos políticos durante o regime militar. Ele revelou

que o Serviço Nacional de Informações - SNI destruiu em 1977 a maior parte dos

documentos em que eram assinaladas as ações clandestinas da repressão.

Observa-se que essa matéria é desdobramento resultante da reportagem

da revista Veja que gerou um ano inteiro de reprodução. É o poder de persuasão de

uma revista, criando novos significados para o discurso militar sobre mortos e

desaparecidos. Se os fatos nela narrados realmente forem verídicos isso pode

significar que nunca será elucidado o que realmente aconteceu nos porões da

ditadura.

Quanto a segunda matéria do JB (anexo 11) cujo título é Anistia, há uma

crítica às declarações do almirante Mauro César Pereira e a indignação em razão da

afirmação desse almirante de que Jayme Miranda e outros militantes tenham

participado de uma guerra ideológica e sabiam que podia se machucar. O ex-

integrante do Comitê Brasileiro da Anistia e do Tortura Nunca Mais, Rubim Santos

Leão de Aquino, alega que a maioria dos mortos e desaparecidos políticos não

morreu em combate:

Tenho a consciência de que a maioria dos mortos e desaparecidos políticos morreu sob tortura nos centros clandestinos. Muitos foram simplesmente fuzilados, sem qualquer possibilidade de defesa(...) outros foram mortos sob tortura (...)será que um simples atestado de óbito basta? E as dezenas de famílias que até hoje lutam para encontrar os restos dos familiares desaparecidos?

Este artigo mostra de forma contundente que a justificativa do ministro da

Marinha, Mauro César foi absurda e mexeu com o sentimento das vítimas da

ditadura militar. Isso porque num regime ditatorial não há defesa, nem justiça, mas

sim arbítrio e repressão. A matéria critica a decisão do governo de liberar atestado

de óbito sem esclarecer a causa real das mortes, bem como o direito de

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conhecerem os locais onde os corpos foram jogados. Isso traz à tona a questão da

negociação a que esta pesquisa se reporta no capítulo II, quando trata da história e

do esquecimento. Isso reforça o que Ribeiro (2000) defende ao dizer que nem

sempre a negociação é possível.

3.3.6 O Jornal

Deste jornal, destaca-se duas matérias uma referente ao dia 21 de

janeiro de1996, com o título: Sai atestado de óbito de Jayme Miranda e subtítulo:

Depois de 21 anos, família do ex-miliante do PCB requer o documento. A matéria

divulga que a família do jornalista Jayme Miranda solicitou do Cartório do 1º Ofício

de Registro Civil, o atestado de óbito dele. A matéria ainda narra que:

Miranda é um dos 136 desaparecidos políticos da lista oficial de mortos reconhecidos pelo governo federal. Afora Jayme Miranda, consta na lista do governo, o nome de um outro alagoano: Luís Almeida de Araújo. As famílias de mais quatro desaparecidos políticos alagoanos, que ficaram de fora da listagem, estão recorrendo aos meios legais para conseguir o registro dos mortos.

A matéria relata ainda que Elza Miranda, esposa de Jayme, tinha

dificuldade de falar do marido

Na época que ele sumiu pedi ajuda a imprensa e percorri várias delegacias. Sobrevivi com a ajuda dos familiares. Depois de um tempo percebi que teria que fazer alguma coisa para criar meus filhos. Fiz um curso de cabeleireira no Senac e, em vez de chorar, fui trabalhar. Segundo Elza, o marido era um pai dedicado. Sempre que podia levava as crianças à praia, jogava bola e xadrex.

Apreende-se do texto jornalístico uma abordagem direcionada não

apenas a Jayme Miranda, mas também ao reflexo que seu desaparecimento causou

aos familiares. Certamente é uma matéria mais humanística, pois, tem a

preocupação de divulgar um pouco da conduta de Jayme não só como político, mas

também como pai.

A segunda matéria foi em razão dos 45 anos do Golpe militar de 64, O

Jornal de 5 de abril de 2009, lembra que Alagoas teve vários deputados federais

cassados como: Oseas Cardoso, Abrahão Moura, Aloísio Nonô e os deputados

estaduais: Moacir Andrade; o jornalista Anivaldo Miranda, Thomaz Beltrão, o

advogado José Moura Rocha, Marivone Loureiro, o historiador Luiz Sávio Almeida;

Douglas Apratto; Luiz Nogueira e Geraldo Majella.

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O Jornal faz um destaque especial, inclusive com foto na página A4, do

jornalista Jayme Miranda, ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro e ex-diretor

do Jornal A Voz do Povo, que foi destruído a golpes de marreta, pela polícia

alagoana. Aduz que a história do jornalista virou documentário. O filme, do cineasta

Alberto Leão Maia, que mostra Jayme como um dos mais importantes intelectuais da

esquerda em Alagoas.

Jayme Miranda foi preso no dia 4 de fevereiro de 1975, no Catumbi, Rio

de Janeiro, ao sair de casa e nunca mais foi visto e que faz parte da lista dos

desaparecidos político de Alagoas.

3.3.7 Tribuna de Alagoas

O jornal, de 20 de fevereiro de 2005 (anexo 12) divulga que familiares,

amigos e simpatizantes das causas sociais se reuniram para prestar uma

homenagem ao jornalista Jaime Miranda, alagoano e dirigente nacional do Partido

Comunista Brasileiro, 30 após seu desaparecimento. O evento foi realizado no 24 de

fevereiro de 2005, no Salão dos Conselhos, no Palácio Floriano Peixoto.

A matéria relata que Jayme fazia parte da Comissão Executiva Nacional

do Partido Comunista Brasileiro, junto com outras lideranças como Luís Carlos

Prestes e Giocondo Dias. Além disso, Jaime era o editor-geral do jornal “A Voz do

Povo”, principal veículo de comunicação do partido.

3.3.8 Diário Oficial do Estado de Alagoas

Em 25 de fevereiro de 2005, anexo 13, o Diário Oficial do Estado sai com

a manchete: Mesa-redonda lembra os 30 anos do desaparecimento de Jayme

Miranda, nele há a seguinte abordagem:

Com a participação de parentes, amigos, militantes e admiradores do jornalista e advogado Jayme Miranda, foi aberta ontem, em Palácio, uma mesa-redonda para lembrar os 30 anos de seu desaparecimento durante a ditadura militar. O governador em exercício, Luís Abílio, que participou da abertura do evento, lembrou que homens e mulheres do quilate de Odijas Carvalho, Gastone Beltrão, Manoel Lisboa, José Dalmo e Manoel Fiel Filho tombaram em nome de seus ideais libertários.

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Verifica-se com essa matéria o avanço que houve com o processo

democrático, na época da ditadura a ordem emanada do governador do estado era

prender os subversivos. Reestabelecida a democracia, o Palácio do Governo de

Alagoas é aberto para prestar uma homenagem ao Jornalista Jayme Miranda e

lembrar os 30 anos de silêncio sobre o destino que os militares deram a ele. Tudo

isso com plena cobertura da imprensa oficial.

3.3.9 A Voz do Povo

Desse jornal foram feitas algumas edições especiais (anexo 14).

Destacamos apenas uma cujo editor foi Anivaldo de Miranda Pinto, em 1985, que no

seu editorial se dispõe:

Fazem 10 anos que Jayme Miranda “desapareceu”. Assassinado, depois de torturas indescritíveis, nos porões da ditadura. Sua vida foi o preço do seu combate. De seu incondicional devotamento à causa do povo trabalhador, aos ideais de socialismo. Cidadão comunista, Jayme morreu da mesma forma como viveu: digno, lúcido, corajoso e sempre de pé.

Foi um edição falando sobre Jayme Miranda e a história da Voz do Povo,

tem depoimentos de Laudo Braga, Nilson Miranda, Gregório Bezerra, Rubens

Jambo, Anivaldo Miranda, Dirceu Lindoso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em função do que foi observado durante o estudo em revistas, jornais,

documentos, etc., foi possível constatar que, para se abstrair o real sentido das

matérias veiculadas na mídia, é preciso verificar o modo como a mensagem foi

produzida. Dessa maneira, deve-se procurar as motivações e os interesses, e suas

condicionantes.

A imprensa no Brasil é um poder do Estado, desde a época colonial. A luta

do operariado para a conquista desse espaço foi sempre difícil, conforme

demonstrado nesse trabalho. O governo sabia que a imprensa, nas mãos dos

ideólogos, representava obstáculos aos interesses da classe dominante.

Dessa forma existe um histórico de repressão contra os trabalhadores que

desafiavam o poder dominante, com prisões, assassinatos e destruição de gráficas

clandestinas. Mas o brasileiro pode se orgulhar de que sempre teve uma mídia

radical, como denomina Downing (2001). Isso está inserido na cultura desse povo,

conforme visto no primeiro capítulo, alguns exemplos de jornais radicais. Esses

jornais cooperaram, com certeza para a instauração da democracia nesse país, para

despertar consciências.

Eles cumpriram seu papel social, o de manter a sociedade bem informada.

Nos jornais tradicionais não havia espaço para pensamentos progressistas e foi nos

jornais anarquistas e socialistas que esses rebeldes divulgavam suas visões de

mundo, teciam críticas de caráter social e política, estimulando no operariado a

reflexão e incrementando seu nível cultural.

Desde o governo de Getúlio Vargas os comunistas eram perseguidos e

considerados elementos perturbadores da ordem e do progresso, uma ameaça aos

valores cristãos, à moral, à propriedade e à família, sendo, efetuado uma campanha

na mídia que introduziu na sociedade capitalista uma imagem de que o comunismo

era o grande inimigo nacional que justificava a repressão.

Com a abertura dos arquivos do DEOPS/AL pesquisadores poderão

constatar, também, a grande quantidade de pessoas que não eram ligadas a

partidos políticos, mas que fizeram parte do mundo da resistência. Essa

documentação possibilitará conhecer a história da repressão e o aparato estatal, em

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Alagoas, que tinha como objetivo controlar, amedrontar e silenciar aquele que se

destacava pelo seu potencial de compreensão e persuasão junto aos operários.

Verificou-se no decorrer da pesquisa que, mesmo com a ditadura militar

(1964 – 1985), muitos jornalistas lutaram para continuar produzindo informações. O

preço disso foi, em muitos casos, o tolhimento do exercício de sua profissão. Vê-se

também que o resultado dessa resistência, foi também, em muitos casos, a perda da

liberdade e da própria vida.

No estudo sobre Jayme Miranda, observou-se que na ditadura militar a

alternativa para divulgar idéias era a produção jornalística clandestina. Assim se

podia disseminar informação de interesses da sociedade, de modo geral, e de

interesse dos trabalhadores, de modo específico.

Na época áurea do regime militar pouco a mídia poderia fazer. Como diz

Orlandi (2001), era o silêncio local, a censura. Nesse contexto, era proibido dizer até

que se estava numa ditadura. Havia uma propaganda ideológica que martelava na

cabeça da sociedade que todos que eram contrários ao regime militar eram

subversivos e terroristas.

Nessa fase, tanto o jornalista Jayme Miranda como qualquer pessoa de

esquerda era equiparado a bandido, elemento perigoso e nocivo à sociedade.

Mesmo encerrada a ditadura, por muito tempo houve por parte de alguns veículos

de comunicação a manutenção dessa imagem. Mas alguns jornais se destacaram

na defesa do direito à boa informação, como se viu nesse trabalho.

A mídia se reporta ao jornalista apenas como um comunista desaparecido.

São raras as matérias que falam um pouco de Jayme Miranda como um idealista,

um intelectual, um humanista. Quanto à relação textual nas matérias analisadas, foi

possível observar o uso das técnicas de comunicação e linguagem nos discursos

midiáticos objetivando a persuasão. Essa mesma produção permite que os textos

jornalísticos sejam utilizados como fonte de informação para a história.

Não se pode olvidar, porém, que as classes dominantes fazem notícias e

controlam a história, pois, as grandes empresas de comunicação estão nas mãos de

poucos privilegiados. Portanto, os discursos jornalísticos são instrumentos de

circulação ideológica dessas classes. Isso implica dizer que o discurso hegemônico

veiculado nos espaços públicos, são os discursos das também classes

hegemônicas, mesmo que, em algum momento, sejam incluídas as falas dos

excluídos desses processos de construções simbólicas.

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Hoje Jayme Miranda é lembrado num documentário de Beto Leão,

empresta o nome a uma rua no Poço, bairro de Maceió. É nome de uma das escolas

públicas desse mesmo município, no bairro de Santa Lúcia. Isso significa que ele

está integrado simbolicamente ao discurso histórico, no entanto, vale salientar, pela

ótica de Michael Pollak (1999), que essa inclusão pode também significar apenas

uma tentativa da memória oficial em criar uma sensação de pertencimento e de

aceitação daquilo que não mais se pode ocultar, nem negar.

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ANEXOS