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LIÇÕES APRENDIDAS DOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO PÓS-DESASTRE EM CABO VERDE O CASO DA ERUPÇÃO VULCÂNICA DE FOGO 2014-2015

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LIÇÕES APRENDIDAS DOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO

PÓS-DESASTRE EM CABO VERDE O CASO DA ERUPÇÃO VULCÂNICA DE FOGO 2014-2015

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

i. Prefácio

ii. Resumo executivo

iii. Índice de conteúdos

iv. Acrónimos

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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Índice de conteúdos

1. Contexto/ Enquadramento

1.1. Projeto Preparação para a Recuperação resiliente – Global

1.1.1. Desafios da fase de recuperação pós-desastre

1.1.2. Preparação para a Recuperação: que vantagens

1.2. Preparação para a Recuperação em Cabo Verde

1.2.1. Relevância da Preparação pós-desastres em CV

1.2.2. Recuperação pós-desastre e redução de riscos em CV

1.3. O estudo de lições aprendidas

1.3.1. Objetivos

1.3.2. Metodologia

1.3.3. Estrutura do Estudo

2. Resultados do estudo de lições aprendidas

2.1. Contexto: o desastre e seus efeitos

2.2. Lições aprendidas: apresentação geral

2.3. Pilares de estudo: resultados (findings) da análise e lições aprendidas

2.3.1. Arranjos institucionais

2.3.2. Leis e políticas para a recuperação

2.3.3. Avaliação das necessidades pós-desastre

2.3.4. Mecanismos financeiros para a recuperação

2.3.5. Seguimento e avaliação dos processos de recuperação

2.3.6. Sistemas de informação e comunicação

2.4. Conclusões e recomendações

3. Anexos

3.1. Lista de entrevistas realizadas

3.2. Guiões de entrevistas

3.3. Referências consultadas e bibliografia

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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Acrónimos

▪ ARAP: Agência de Regulação das Aquisições Públicas

▪ ASEAN: Associação de Estados do Sudeste Asiático

▪ BM: Banco Mundial

▪ CI: Comissão Interministerial

▪ CM: Conselho de Ministros

▪ DGI: Direção Geral de Infraestruturas

▪ DGT: Direção Geral do Tesouro

▪ DNA: Direção Nacional do Ambiente

▪ DRF: Disaster Recovery Framework (Quadro de Recuperação pós-desastre)

▪ ENRRD: Estratégia Nacional de Redução de Riscos de Desastres

▪ FAR: Fundo de Apoio a Reconstrução de Fogo

▪ GFDRR: Global Facility on Disaster Risk Reduction

▪ GRF: Gabinete de Reconstrução de Fogo

▪ GRIP: Global Risk Identification Programme

▪ IE: Instituto de Estradas

▪ INGT: Instituto Nacional de Gestão do Território

▪ IRP: International Recovery Platform (Plataforma Internacional de Recuperação)

▪ OND: Observatório Nacional de Desastres

▪ PEDS: Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável

▪ PDNA: Post Disaster Need Assessment (Avaliação de Necessidades Pós-desastre)

▪ PDRP: Post disaster Recovery Planning (Planeamento da Recuperação Pós-desastre)

▪ PNF: Parque Nacional de Fogo

▪ PM: Primeiro-Ministro

▪ QR: Quadro de Recuperação

▪ PNUD: Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento

▪ SNPCB: Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros

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5 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

1. Enquadramento do Estudo

1.1. Projeto Preparação para a Recuperação resiliente

contexto Global

1.1.1. Desafios da fase de recuperação pós-desastre

Tradicionalmente, o foco dos esforços de preparação tem-se concentrado na fase de resposta

ou na gestão do desastre durante a fase de emergência ou fase humanitária. Só nas últimas

décadas, e a partir das experiências de vários países na gestão de processos de recuperação

após grandes desastres, começa a dar-se mais atenção e dedicar mais esforços na análise dos

desafios e necessidades para a gestão do pós-desastre. Assim, a partir dos desafios enfrentados

por muitos governos na gestão da recuperação, começa a emergir a consciência global sobre a

complexidade e importância desta fase para promover a resiliência das comunidades e garantir

o regresso às trajetórias de desenvolvimento sustentável.

A reflexão e análise sobre a recuperação pós-desastre começam a ganhar relevância nas

agendas de trabalho e pesquisa sobre os enfoques de governação dos riscos de desastres. Assim,

tanto os decisores públicos, como os pesquisadores e os profissionais da área, começam a

prestar mais atenção às políticas, e aos mecanismos de gestão dos processos de recuperação

pós-desastre. Emerge, portanto, toda uma abordagem prática e teórica de preparação para a

recuperação pós-desastres, que ganha ainda mais relevância quando a sua pertinência e

efetividade são reconhecidas e elevadas ao rango de prioridade estratégica no Quadro de Ação

de Sendai para a redução de riscos de desastres (2015-2030).

O Quadro de Ação de Sendai (SFA ou QAS) representa o quadro de concertação e cooperação

global para a Redução de Riscos de Desastres. Aprovado em 2015, este Quadro reconhece na

prioridade de ação 5 o reforço da Preparação para a resposta e para uma recuperação,

reabilitação e reconstrução que integrem o princípio de reconstruir melhor “ build-back-

better”), como uma linha estratégica de ação, fundamental para criar comunidades e nações

mais resilientes e diminuir os efeitos dos desastres na sociedade.

A literatura científica e documentação técnica referente aos processos de recuperação

enfatizam de forma recorrente a complexidade dos processos de recuperação pós-desastre.

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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

1.1.2. Preparação para a Recuperação: que vantagens

Conforme o PNUD, o enfoque de preparação para a recuperação visa melhorar os resultados da

recuperação através da identificação e desenvolvimento, antes da ocorrência de qualquer

evento, dos arranjos institucionais, do quadro de política e dos mecanismos financeiros

necessários para a gestão desta fase. No contexto deste enfoque, estar preparados para a

recuperação pós-desastres implica também trabalhar ex-ante no desenvolvimento das

capacidades técnicas e funcionais, das instituições e dos indivíduos, necessárias para planear e

gerir a recuperação1.

Este processo e abordagem de preparação pretende identificar com antecedência a qualquer

desastre as lacunas e necessidades para uma implementação efetiva e eficiente da recuperação,

assim como apontar as medidas para reforçar as capacidades de implementação aos níveis

nacional e local. No quadro deste processo, a integração das lições aprendidas dos processos

prévios de recuperação considera-se essencial. Cada desastre aporta subsídios para melhorar o

nível de preparação e prontidão para a recuperação: o que funcionou bem e quais os fatores do

sucesso; quais foram as lacunas e constrangimentos e o que se pode aprender do processo. Este

conhecimento acumulado deve ser analisado e integrado no ciclo de planeamento e gestão da

recuperação pós-desastre.

O objetivo último da preparação para a recuperação é facilitar uma tomada de decisão

responsável e possibilitar uma ação rápida mas no entanto não informada, no difícil contexto

do pós-desastre e ainda assim assegurar que os processos de recuperação são mais eficientes

e efetivos e contribuem a redução de riscos e vulnerabilidades necessários para criar uma

sociedade mais resiliente.

A implementação de todo processo de recuperação pós-desastre exige um trabalho de base que

requer um mínimo de tempo de preparação durante o qual os progressos são invisíveis para o

público. Em um contexto de recuperação marcado pela pressão social e a urgência de atender

as situações de dificuldade e privação, e de responder necessidades e expectativas de todos os

grupos, quanto mais reduzido seja o tempo de preparação e mais célere o início efetivo da

execução no terreno, melhores as probabilidades de sucesso.

Estas duas exigências são por vezes contraditórias: por um lado a necessidade de um trabalho

preparativo para criar bases sustentáveis nas quais assentar os sucessos do futuro; e por outro

lado, a urgência em atender as necessidades e gerir as expectativas, revelam a importância e o

valor das abordagens de preparação para a recuperação. A semelhança de cada desastre, cada

1 UNDP 2015. A Guidance Note: National post-disaster recovery planning and coordination.

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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

processo de recuperação é diferente e a sua gestão e coordenação requerem mecanismos

flexíveis e habilidades de adaptação. Não obstante, existem uma série de elementos, em termos

de arranjos, planos, mecanismos, critérios, procedimentos, que podem ser previamente

estabelecidos como um guião orientador a ser adequado às necessidades específicas de cada

processo de recuperação.

Nas palavras de alguns órgãos governamentais que têm adotado, por deliberação ou resolução,

algum tipo de plano pré-evento de recuperação, a pertinência do mesmo resume-se assim:

“Enquanto os efeitos dos desastres são inúmeros e não podem ser totalmente previstos, o

planeamento pré-evento pode posicionar melhor as instituições e os cidadãos para se recuperar

de um desastre”. Um planeamento pré-desastre permite um processo ponderado e metódico

de definição de prioridades, estruturas e processos para a tomada de decisão, assim como

permite identificar os traços gerais das metas da recuperação. A existência de ferramentas de

preparação para a recuperação, no formato de quadros, planos, ordenanças ou deliberações,

permite às instituições responsáveis orientar, concentrar e acelerar o processo durante a fase

pós-desastre.

1.2. Preparação para a Recuperação em Cabo Verde

1.2.1. Relevância da Preparação pós-desastres em CV

A recuperação pós-desastre constitui em Cabo Verde, como no mundo, uma fase essencial do

ciclo de gestão dos riscos de desastres. Os desafios e necessidades para uma gestão eficiente e

sustentável da fase pós-desastre só têm recebido atenção nas últimas décadas.

Independentemente da escala dos desastres, a complexidade, mas também as oportunidades

desta fase para avançar nos objetivos de redução de riscos, não devem ser menosprezadas.

A experiência da recuperação pós-desastre no Fogo demonstra que a realização de uma

avaliação das necessidades pós-desastres é um passo essencial, mas por si só não suficiente,

para garantir um planeamento integrado e sistemático do processo de recuperação. Embora o

reforço da resiliência e o princípio de reconstruir melhor tenham sidos claramente identificados

no exercício de avaliação das necessidades pós-desastres, as lacunas identificadas nos processos

de gestão e financiamento da recuperação não permitiram, até ao momento, assegurar a

preparação de uma estratégia e plano integrado de recuperação e que a implementação dos

programas de recuperação venha reforçar a resiliência dos sistemas sociais e económicos da

ilha.

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8 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Atendendo às constatações do estudo de lições aprendidas com a erupção volcânica em Fogo e

considerando o perfil de riscos do país e as projeções futuras sobre ocorrências de desastres em

Cabo Verde, revela-se necessário a adoção de um enfoque nacional de preparação para a

recuperação.

Neste sentido, o estudo em curso informa o desenvolvimento participativo de um quadro (pré-

evento) de recuperação pós-desastre que desenvolve a visão e os objetivos partilhados para

uma recuperação sustentável e identifica, a título indicativo e adaptável, em função da natureza

e dimensão dos eventos, os arranjos e os mecanismos chave para a sua gestão. O quadro de

recuperação também orienta, com propostas detalhadas de ações setoriais por marco temporal,

as abordagens e sistemas para um planeamento e gestão eficiente e eficaz dos processos de

recuperação futuros.

1.2.2. Recuperação pós-desastre e redução de riscos em Cabo Verde

A preparação para uma recuperação resiliente está a ser abordada em Cabo Verde, em

paralelo com o processo de reforço do sistema de governação dos riscos de desastres.

A Resolução do Conselho de Ministros nº 4 de 2017, de 27 de Janeiro de 2017, cria o

grupo de trabalho para a elaboração da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de

Desastres. Este grupo multissetorial, constituído desde Setembro 2016, trabalhou na

análise do sistema atual de gestão de riscos de desastres, na avaliação de capacidades

para a redução de riscos de desastres e na diagnose dos problemas associados aos

riscos de desastres em Cabo Verde para a proposta de um quadro de política orientador

para uma governação dos riscos de desastre reforçada e integrada.

O grupo contava entre as suas responsabilidades, a proposta de uma política

estratégica para a gestão dos riscos de desastres que visa colmatar as lacunas

previamente existentes em relação à governação dos riscos de desastres em Cabo

Verde e a sua integração transversal em todos os setores e políticas do

desenvolvimento nacional. Assim mesmo, ao grupo foi confiada a tarefa de formular

um documento mais operacional de preparação para a recuperação: o quadro de

recuperação, cuja preparação se baseia nas necessidades identificadas nesta área

prioritária no processo de diagnose, nas lições aprendidas deste estudo e nas

capacidades, experiências e melhores práticas partilhadas por todos os atores

representados no grupo.

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9 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Quadro de recuperação pós-desastre

No quadro da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de desastres (ENRRD) prevê-se

como linha de ação prioritária o reforço das capacidades das instituições nacionais para

o planeamento e a gestão dos processos de recuperação pós-desastre. A preparação

para a recuperação, constitui portanto uma área de intervenção prioritária no quadro

do plano de ação previsto para 2017-2021.

Os processos de recuperação apresentam de forma regular objetivos concorrentes,

como por exemplo, celeridade e qualidade. Espera-se que os processos de recuperação

respondam rapidamente à necessidade dos afetados retomarem as suas atividades

produtivas, e para isto, é necessário que os recursos sejam rapidamente

disponibilizados e os programas executados; mas ao mesmo tempo o governo precisa

de assegurar a transparência, a qualidade das despesas, a equidade dos benefícios e

exclusividade dos resultados e a prevenção de fraude. Pretende-se que as opções de

recuperação e as decisões sobre a reconstrução física contribuam para a mitigação de

riscos e a resiliência da sociedade e seus sistemas de suporte perante os riscos de

desastres, ao mesmo tempo é necessário que o custo-eficiência dos investimentos seja

garantido.

Ainda, os processos de recuperação pretendem responder às necessidades dos

afetados e garantir a satisfação dos beneficiários com os programas e benefícios

gerados. Este objetivo de responder às necessidades precisa ser conciliado com as

exigências de equidade, justiça social e eficiência.

Todas as decisões associadas com a recuperação estão marcadas pela tensão existente

para agilizar as autoridades implicadas nos processos de tomada de decisão e acelerar

os processos administrativos/burocráticos normais, exigência que coabita com a

necessidade de um processo participativo que permita o tempo necessário para

deliberações informativas e inclusivas2 que contribuam para a equidade. A questão da

participação é exemplo de mais um aspeto sobre o qual os líderes responsáveis pela

recuperação são chamados a assegurar que os objetivos de celeridade e deliberação

são conciliados.

2 APA Recovery and Participation

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10 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

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11 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

1.3. O estudo de lições aprendidas

1.3.1. Objetivos

Como alguns especialistas da área apontam, “a recuperação pós-desastre não é um

processo que se repita tantas vezes de forma a permitir a maturação dos enfoques e a

consolidação de experiências e aprendizagens ”. Tendo em conta estes constrangimentos,

pretende-se avançar o conhecimento sobre estes processos e aprofundar a sua

compreensão e análise. Para isto, e na ausência de avaliações de processo e de impacto

sistemáticas dos processos e programas de recuperação, propõe-se uma revisão de um

estudo de caso que permita identificar algumas lições aprendidas e destilar recomendações

para o quadro de recuperação pós-desastre, cujo objetivo último é orientar o governo na

sua tarefa de organizar de forma sistemática o processo de recuperação com base num

enfoque de redução de riscos de desastres e de acordo aos danos, perdas e necessidades

de recuperação após um evento de desastre.

Para além de informar o quadro de recuperação, espera-se que as recomendações deste

estudo inspirem a prática da recuperação presente e futura, nos seus estágios de

planificação, implementação e avaliação dos programas, cujo desenho e operacionalização

o referido quadro de recuperação pretende orientar.

Por conseguinte, esta revisão e análise em profundidade do processo pretende contribuir

para informar e melhorar os resultados dos processos futuros de recuperação pós-desastre.

Identificar as principais lições aprendidas dos processos passados e presentes e recomendar

como integrá-las na prática futura, resulta especialmente relevante na ausência de um

mecanismo sistemático e integrado de seguimento, avaliação e aprendizagem dos

diferentes programas de recuperação. Assim mesmo, num contexto em que a memória

institucional é dispersa e efémera, promover a revisão sistemática de experiências contribui

para a sensibilização dos decisores públicos sobre a necessidade de reforçar os seus

mecanismos de gestão de conhecimento e os instrumentos, para identificar e integrar a

aprendizagem no processo de planeamento e execução. A decisão pública requer evidências

e ferramentas de apoio à decisão, para isto outras propostas no quadro da Estratégia

Nacional de Redução de Riscos de Desastres, como o desenvolvimento do Sistema Nacional

de Informação sobre os Riscos (SNIR) e a instalação do Observatório Nacional de Desastres

(OND) pretendem contribuir para dotar os decisores públicos de mecanismos sistemáticos

de recolha e análise das evidências sobre as quais basear as suas análises e tomada de

decisões estratégicas e operacionais.

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12 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

O presente estudo de lições aprendidas abrange no marco dos seus seis pilares chave a

questão das políticas e legislação em relação aos processos e recuperação pós-desastre.

Nesta componente, tanto o estudo, como o Quadro de recuperação e a própria Estratégia

Nacional de Redução de Riscos (ENRRD) pretendem identificar uma série de recomendações

ligadas às necessidades de desenvolvimento, revisão e/ou atualização de instrumentos

legais, regulamentares e de política que permitam uma organização mais eficiente do

processo, conforme as orientações do Quadro Nacional de Recuperação, e facilitam o

alinhamento entre os diferentes instrumentos de planeamento estratégico e a

implementação da própria estratégia nacional.

1.3.2. Metodologia

O presente estudo baseia-se na recolha, sistematização e análise das lições aprendidas do

processo de recuperação. No caso de Cabo Verde, a análise foca-se especialmente na erupção

vulcânica de Fogo 2014-2015. A escolha deste evento de desastre foi concertada com os

parceiros nacionais, especialmente o Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros e o

Instituto Nacional de Gestão do Território. Esta seleção baseia-se na relevância do processo de

recuperação pós-erupção, mas também está ligada a questões operacionais de disponibilidade

de informações em relação a uma experiência marcante e recente das complexidades da

recuperação.

Inicialmente, previa-se a inclusão neste estudo, da análise do processo de recuperação após as

cheias de São Miguel de Setembro de 2013. Não obstante a falta de registo sistemático das

informações e a mudança nas esferas políticas e níveis de responsabilidade da administração

pública central e local após as eleições legislativas e autárquicas de 2016, limitaram o acesso a

informações chave imprescindíveis para a inclusão deste exemplo no estudo. Este segundo tipo

de estudo de caso inicialmente previsto, corresponde ao tipo de riscos que o UNISDR denomina

como “ risco extensivoi” que se define como aquele associado a riscos de desastres menores

mais recorrentes. Apesar deste não ter sido finalmente retido para efeitos deste estudo,

considera-se importante abranger em futuras avaliações e análise de lições aprendidas,

processos associados a todos os tipos de risco: extensivo e intensivo, como forma de evitar que

o peso dos desastres de maior magnitude monopolize a atenção política e social. Assim, as

análises atuais sobre riscos de desastres destacam o impacto socioeconómico cumulativo de

eventos recorrentes de menor dimensão, em especial em pequenos estados insulares em

desenvolvimento (PEID/SIDS).

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13 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Quando analisamos os processos de recuperação, devemos de ter em conta que a complexidade

da gestão da recuperação não é diretamente proporcional à dimensão do desastre. Na sua

escala, cada processo tem os seus próprios desafios e requer medidas e guiões para a

intervenção, apropriados às suas especificidades.

Embora o foco da análise se concentre na erupção vulcânica 2014-2015, questões gerais sobre

outros processos de recuperação foram colocados aos atores entrevistados e outros eventos

prévios ou posteriores foram abrangidos na análise geral. A revisão em profundidade de outros

desastres históricos esteve fortemente limitada devido à ausência de informações registadas,

tanto sobre os efeitos (danos e perdas) e impactos dos eventos, como em especial sobre os

mecanismos e procedimentos empregados na fase de recuperação. Na ausência de sistemas de

registo e ferramentas de análise sistemática de processos e resultados, a memória institucional

dos atores implicados não é só curta mas também muito superficial. As instituições públicas

consultadas, dificilmente conseguem retraçar os processos e meios envolvidos em relação à

resposta perante determinados eventos desastres, menos ainda conseguem retraçar como foi

gerida a fase pós-desastre. Os limitados registos sobre programas, despesas e reafetações

orçamentais diluem-se nos arquivos gerais das intervenções de desenvolvimento das

instituições. Nesses registos, quando existem, dificilmente se incluem os mecanismos e

procedimentos para a tomada de decisão e implementação de programas. Em muitas ocasiões,

as informações limitam-se a uma memória de ter tido alguma intervenção após o desastre, mas

como se decidiu, ou quem decidiu e quais foram os resultados, são detalhes dificilmente

extraíveis dessa “memória geral” das instituições e programas aos quais a equipa de estudo teve

acesso.

Conforme a metodologia proposta pelo escritório regional do PNUD, no quadro do projeto

Japão/Luxemburgo de “Preparação para uma recuperação resiliente”, o processo de estudo

seguiu as seguintes fases:

✓ Identificação dos desastres em foco e discussão geral da relevância dessa seleção.

✓ Revisão de documentação existente: utilizando fontes arquivísticas e jornalísticas,

relatórios oficiais, pesquisas e artigos académicos, documentação de programas,

estudos de caso, relatórios de avaliação de necessidades pós-desastre; relatórios de

programas e projetos.

✓ Entrevistas semiestruturadas em profundidade com atores chave: estas entrevistas

foram realizadas a todos os níveis (central, local e comunitário) e abrangeram um leque

variado de atores e parceiros (associações comunitárias, representantes políticos,

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14 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

responsáveis e gestores públicos e privados, cidadãos afetados pelos desastres, etc.).

Para guiar estas entrevistas foram elaborados e adaptados guiões de entrevistas, mas

não se aplicou um questionário uniforme, foi orientada uma discussão aberta com base

numa série de pontos de interesse e questões para a discussão. A lista detalhada de

entrevistas realizadas figura no documento em anexo.

✓ Visita de terreno, confirmação das informações em falta e os resultados preliminares.

✓ Revisão dos resultados preliminares no seio do grupo de trabalho governamental para a

formulação da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de Desastres (ENRRD).

✓ Apresentação, recolha de subsídios e validação final dos resultados do estudo.

✓ Edição e publicação dos resultados do estúdio e resumo e tradução para uma publicação

regional sobre as lições aprendidas dos processos de recuperação.

1.3.3. Estrutura do Estudo

O estudo organiza-se à volta de seis pilares chave na base dos quais se analisam os processos de

recuperação. Para cada um destes pilares realiza-se uma análise e sistematização de: as

realizações e fatores críticos de sucesso; os desafios, limitações e circunstâncias imprevistas; as

tentativas de ultrapassar esses desafios e respetivos resultados; e as reflexões sobre como

poderia fazer de forma diferente e gerir melhor. Para cada pilar identificam-se os resultados,

apontam-se as lições aprendidas e apresentam-se uma série de recomendações associadas.

Em concreto, os seis pilares sobre os quais se estrutura este estudo são:

i. Os arranjos institucionais;

ii. As leis e políticas para a recuperação;

iii. A avaliação das necessidades pós-desastre;

iv. Os mecanismos financeiros para a recuperação;

v. O seguimento e avaliação dos processos de recuperação;

vi. Os sistemas de informação e comunicação.

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15 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

2. Resultados do estudo de lições aprendidas

2.1. Contexto: o desastre e seus efeitos

A 23 de Novembro de 2014, a população da ilha do Fogo, e em particular a comunidade de Chã das Caldeiras, foi acordada pelo início de uma erupção vulcânica nas cristas da falha tectónica do Pico do Fogo. A erupção foi precedida, por vários dias, por uma série de explosões fortes e pequenos tremores de terra, normalmente associados à falha de rocha quebradiça devido à redistribuição de magma num reservatório central de magma ou perto dele. Durante as primeiras horas da erupção, infraestruturas importantes, como estradas e telecomunicações, foram imediatamente destruídas por uma torrente volumosa de lavas, que também cobriu uma área considerável de terras aráveis. Por causa do tipo de vulcanismo associado ao Pico do Fogo, que consiste em movimento lento de magma, a população teve tempo suficiente de ser evacuada da zona afetada. Durante a erupção, grandes quantidades de cinzas e gases foram projetadas para a atmosfera, com graves impactos na qualidade do ar, que por sua vez impediram durante alguns dias as operações de voo normais. A erupção ganhou atenção local, nacional e internacional quando o fluxo de lavas destruiu completamente as duas partes da Chã das Caldeiras -Portela e Bangaeira - onde uma comunidade inteira residia no sopé da encosta do vulcão desde 1927. A erupção terminou a 7 de Fevereiro de 2015, após 88 dias de emissão de grandes quantidades de magma. A erupção de 2014-2015 deixou um rasto de devastação, deslocando 994 pessoas cujas casas foram cobertas pelas lavas, e destruindo terras e insumos agrícolas, assim como a adega de vinho. Os efeitos adversos nos meios de subsistência da população de Chã e na economia local foram significativos. A erupção também destruiu infraestruturas sociais (escolas, um centro de saúde e igrejas), a principal via de acesso a Chã, e a sede do Parque Natural do Fogo, que se encontrava na caldeira. No fim, a erupção tinha afetado, principalmente, os setores produtivos, sociais e de infraestruturas, com efeitos significativos essencialmente em propriedades privadas. 260 casas em Portela e Bangaeira; toda a infraestrutura, instalação pública e privada importante, como escolas, hotéis, um centro de saúde, equipamentos desportivos, e as estradas (cerca de 5.700 metros); terras aráveis (208 hectares); assim como as infraestruturas rurais, incluindo igrejas, foram totalmente destruídas. O emblemático e recém-inaugurado edifício (Maio de 2014) da sede e centro de visitantes do Parque Natural do Fogo também foi completamente soterrado pelas lavas. Figura 1: Danos a Propriedades Privadas em Portela (esquerda) e Bangaeira (direita)

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16 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Fonte: relatório do PNDA Fogo

Conforme o relatório do PDNA, o valor total dos efeitos da erupção (danos físicos e perdas de produção) foi estimado em 2,832.30 milhões de escudos cabo-verdianos (CVE), equivalentes a US$ 28 milhões (ver tabela ES.1). Desse montante, 2,138.0 milhões CVE referem-se ao valor dos ativos destruídos (75,5% do total) e 694.300.000 CVE são as alterações nos fluxos de produção de bens e serviços (24,5% do total). Esta distribuição é típica em desastres causados por catástrofes naturais de origem geofísica (isto é, o valor de danos é maior do que o valor de perdas). Tabela 1: Valor estimado dos efeitos da Erupção Vulcânica de 2014 no Fogo (milhões de CVE)

Sectores

Valor

de

danos

Propriedade Perdas

de

fluxos

Propriedade

Efeitos

totais

Propriedade

Pública Privada Pública Privada Pública Privada

Sectores

sociais 817.4 46.0 771.4 12.4 12.4 - 829.8 58.4 771.4

Habitação 755.2 - 755.2 1.5 1.5 - 756.7 1.5 755.2

Educação 40.2 40.2 - 2.1 2.1 - 42.3 42.3 -

Saúde 5.8 5.8 - 8.8 8.8 - 14.6 14.6 -

Cultura 16.2 - 16.2 - - - 16.2 0.2 16.1

Produtivo 970.7 17.4 953.3 426.5 4.6 421.9 1,397.2 22.0 1,375.2

Agricultura 578.3 16.4 561.9 272.8 4.6 268.2 851.0 20.9 830.1

Pecuária 5.1 - 5.1 0.9 - 0.9 6.0 - 6.0

Agro-

processamento 240.0 - 240.0 95.0 - 95.0 335.0 - 335.0

Turismo 147.3 - 147.3 57.8 - 57.8 205.1 - 205.1

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17 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Infra-

estruturas 186.5 182.7 3.9 44.1 9.2 34.9 230.6 191.9 38.8

Eletricidade - - - 3.7 - 3.7 3.7 - 3.7

Água e

saneamento 0.5 0.5 - 9.2 9.2 - 9.7 9.7 -

Transportes 182.2 182.2 - 22.2 - 22.2 204.4 182.2 22.2

Comunicação 3.8 - 3.8 9.0 - 9.0 12.8 - 12.8

Transversais 163.3 163.3 - 211.3 204.8 6.5 374.6 368.2 6.5

Ambiente 156.0 156.0 - 164.0 164.0 - 320.0 320.0 -

Governação 6.5 6.5 - 2.5 2.5 - 9.0 9.0 -

Redução de

riscos de

desastres

0.8 0.8 - 38.0 38.0 - 39.2 39.2 -

Emprego - - - 6.5 - 6.5 6.5 - 6.5

Total 2,138.0 409.4 1,728.5 694.3 231.0 463.4 2,832.3 640.4 2,191.9

Fonte: PDNA.

Conforme a avaliação pós-desastre, os setores mais afetados foram a agricultura (851 milhões CVE, em termos de danos e perdas de produção); habitação (757 milhões CVE, principalmente como danos); agro-processamento (335 milhões CVE); água e saneamento (540 milhões CVE); agro-indústria (330 milhões CVE): ambiente (320 milhões CVE); turismo (205 milhões CVE); e transportes (204 milhões CVE).

Figura 2: Discriminação por setor dos danos e das perdas de produção causados pela erupção

Fonte: PDNA Fogo

2.2. Lições aprendidas: apresentação geral

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18 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

De uma forma geral, estas são algumas das lições aprendidas mais destacadas:

L.A.1.Preparação para uma recuperação resiliente: Garantir que a recuperação pós-desastre

contribui para reforçar a resiliência requer uma abordagem de preparação para esta fase:

Que constatámos: a descoordenação e duplicação de esforços abundam na gestão dos processos de recuperação. A falta de decisão ou a tomada de decisões pouco informadas conduzida sob condições de stress não garante resultados eficientes, sustentáveis e equitativos da recuperação. Medidas de recuperação decididas sob pressão não contribuem para diminuir o risco pré-existente e podem mesmo conduzir a uma replicação ou aumento do risco. Que aprendemos: independente da escala dos desastres, a imagem da preparação necessária para dar resposta e gerir a emergência, a fase pós-desastre na qual se gere a reconstrução, reabilitação e recuperação é complexa, requer uma coordenação interinstitucional a muitos níveis e portanto exige também uma preparação prévia que facilite a sua implementação e permita otimizar os resultados da mesma. “Readiness” ou prontidão para a gestão da recuperação pós-desastre significa que os parceiros e as partes interessadas colaboram para predefinir abordagens, mecanismos e procedimentos para a recuperação pós-desastre que podem ser eficientemente ativados e aplicados quando um desastre acontece e surge a necessidade de planificar, gerir e avaliar a recuperação. As experiências do passado apontam a necessidade de adotar uma abordagem de preparação para a recuperação pós-desastre.

Que implica: desenvolver políticas sobre a recuperação (definindo papéis e

responsabilidades por setor e ator), pré-identificar critérios e procedimentos,

estabelecer mecanismos de coordenação e gestão da recuperação, e reforçar as

capacidades a todos os níveis para operacionalizar todos os mecanismos e medidas

previstas nas políticas e nos planos.

Recomendações:

a. Desenvolver e aprovar um quadro de recuperação, como guião chave para

orientar a planificação e implementação de estratégias de recuperação a serem

formuladas no momento necessário.

b. Reforçar as capacidades para a gestão da recuperação com base nas avaliações

de capacidades e nas avaliações das necessidades pós-desastre.

c. Assegurar a existência e funcionamento de mecanismos de coordenação (pré-

identificados conforme as orientações do quadro de recuperação e com os seus

elementos integrantes devidamente organizados, informados e capacitados) e

de participação pública funcionais durante todas as fases do processo. Neste

sentido, recomenda-se o reforço das capacidades do grupo temático sobre a

recuperação pós-desastre no seio da Plataforma Nacional de Redução de Riscos

de Desastres.

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19 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

L.A.2. A transição de um paradigma de gestão de desastres para uma abordagem de redução de

riscos de desastres ainda precisa de ser consolidada em Cabo Verde

Gerir os riscos de desastres implica alargar o foco de uma gestão reativa, focada na resposta ao

desastre e preparação para a mesma, para uma gestão integrada e abrangente dos riscos de

desastres com uma atenção especial aos fatores de vulnerabilidade e exposição. A abordagem

de redução de riscos de desastres requer uma integração transversal em todos os setores e

níveis de planeamento. Esta integração deve basear-se no conhecimento dos riscos e necessita

de capacidades reforçadas para interpretar as informações de risco e entender as implicações

das diferentes intervenções de desenvolvimento na sua redução ou no seu aumento ou

replicação.

Que constatámos: a mudança de paradigma da gestão dos desastres para a gestão dos riscos de

desastres ainda não está consolidada em Cabo Verde. Os riscos de desastres não têm sido até

agora abordados como um problema de desenvolvimento, como consequência os setores não

integram a análise de riscos no seu diagnóstico estratégico nem refletem de forma sistemática

e organizada sobre como as suas políticas e ações contribuem ou não para a redução de riscos.

O foco, em especial ao nível local continua na gestão do desastre (preparação para a resposta,

resposta humanitária) e pelo tanto se considera ainda que os riscos de desastres são uma

fatalidade da natureza e um problema dos serviços de proteção civil cuja solução praticamente

se resume à preparação de planos de emergência, sensibilização das comunidades e à dotação

de meios físicos e capacidades técnicas para a resposta.

Que aprendemos: resulta difícil introduzir a questão da preparação para a recuperação quando

a abordagem de redução de riscos não está ainda consolidada no país e integrada de forma

transversal no planeamento e gestão do desenvolvimento sustentável. Não obstante, para

aproveitar as oportunidades da fase de recuperação para “reconstruir-melhor” devemos

continuar a consolidar a abordagem de redução de riscos e desenhar um verdadeiro sistema

integrado de gestão de riscos.

Que implica: em especial, isto implica continuar a insistir na sensibilização e reforço de

capacidades. A sensibilização será muito mais efetiva quando utiliza exemplos concretos e se

baseia em evidências, por isso a avaliação e análise dos riscos de desastres continua a ser chave

neste processo. A quantificação do risco, entendido como perdas potenciais poderá conseguir

um alto impacto na sensibilização dos decisores: visualizar o risco em termos de Escudos que

potencialmente serão perdidos, apela à linguagem comum dos decisores: custo, orçamentos e

alocação de recursos.

Recomendações:

i. Desenvolver as capacidades para a preparação e gestão da recuperação em paralelo com as capacidades para a gestão dos riscos de desastres.

ii. Aprofundar o conhecimento dos riscos e utilizar as avaliações de riscos e informações sobre desastres para a identificação de cenários plausíveis de desastres que informem a preparação tanto para o planeamento de contingência como para a preparação para a recuperação.

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20 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

iii. Reforçar as capacidades para a avaliação das necessidades pós-desastre, adaptando as metodologias de PDNA às especificidades do perfil de desastres e contexto nacional e assegurar que as avaliações pós-desastre aprofundam na análise dos fatores causantes do desastre e pelo tanto contribuem a identificar curvas de vulnerabilidade úteis para futuras avaliações de risco. Em concreto, a análise das causas dos danos e perdas observadas deverão informar a compreensão de que fatores de vulnerabilidade e exposição determinam e que efeitos nas estruturas ou sistemas em questão.

2.3. Pilares do estudo: Pilares de estudo: resultados

(findings) da análise e lições aprendidas

2.3.1. Arranjos institucionais

Panorama geral: os arranjos institucionais para a gestão de riscos de desastres em Cabo

Verde

Atualmente, Cabo Verde dispõe de um sistema nacional de proteção civil cujas estruturas e

responsabilidades estão reguladas conforme a Lei de Bases Proteção Civil nº 12 /VIII de 07 de

Março 2012. Conforme o quadro institucional vigente, este sistema conta com dois órgãos

fundamentais, o Conselho Nacional de Proteção Civil e Bombeiros (CNPCB), responsável pela

aprovação da política de proteção civil, assim como dos instrumentos de planeamento,

especialmente os planos de contingência; e o Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros,

entidade especializada que presta assistência técnica e coordenação operacional das ações de

proteção civil ao nível nacional.

Assim, a legislação nacional prevê que o Primeiro-Ministro, ou Ministro de Administração Interna

por delegação daquele, assume a direção da política nacional. Para sua implementação, conta

com uma estrutura organizacional composta por um órgão de coordenação política e uma

estrutura de execução, o SNPCB, mandatado de planificar, coordenar e executar a política

nacional de proteção civil; e os serviços municipais de Proteção Civil e Bombeiros que contam

com atribuições similares de coordenação política ao nível local.

Desde a criação do sistema, as reuniões do CNPCB têm-se praticamente limitado a situações de

crise, com a exceção de alguma reunião extraordinária para a análise e aprovação dos planos de

contingência, nomeadamente do plano Nacional de contingência. O SNPCB tem

progressivamente reforçado as suas capacidades em termos de meios de resposta e

competências técnicas, assim como tem adquirido uma experiência significativa na gestão de

emergências e na preparação perante contingências.

Apesar do reconhecido esforço e dedicação do SNPCB na gestão dos desastres, deve-se notar

que nem a lei de bases que organiza o sistema nacional de proteção civil, nem as operações e

estrutura organizacional do SNPCB preveem um portfólio específico de redução de riscos de

desastres. Reconhecendo que algumas das atividades incluídas no mandato do SNPCB e

atribuições do Conselho Nacional de Proteção Civil e Bombeiros (CNPCB) incorporam elementos

de redução de riscos (nomeadamente a prevenção, análise de riscos e avaliação de

vulnerabilidades e o auxílio na reposição da normalidade), as suas operações e capacidades

institucionais e técnicas continuam orientadas para a preparação perante os desastres e a

resposta às emergências de todo o tipo.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Os arranjos institucionais para a recuperação pós-desastre.

No quadro deste estudo, cujo foco é a fase

de recuperação pós-desastres, foi realizada

uma revisão do quadro legal e operacional

do país com vista a identificar as provisões

relativas à fase pós-desastre. Após a revisão

do quadro legal e dos instrumentos de

planificação, realizou-se uma revisão dos

arranjos institucionais definidos ad-hoc

para a gestão do caso de estudo em foco.

Em primeiro lugar, da análise documental

realizada destacada a limitada referência

existente na fase pós-desastre. Assim

mesmo, a terminologia utilizada raramente

faz referência ao termo recuperação. Os

termos de reconstrução e reabilitação

dominam as referências operacionais,

enquanto que a reposição ou retoma da

normalidade prevalece nos documentos

legais. Atendendo às definições

internacionalmente reconhecidas, a palavra

recuperação faz referência a um conceito

mais alargado que os termos de

reconstrução (foco na reconstrução dos

bens físicos) ou reabilitação (utilizado

normalmente em relação a reposição de

serviços). No marco das referências legais, a

utilização do termo “reposição da

normalidade”, parece indicar uma

compreensão da fase pós-desastre ainda

marcada pela abordagem teórica e prática

de gestão de emergência. Numa

abordagem de gestão focalizada na crise e

na gestão da emergência, aplicável num

contexto de acidente, conflito político e/ou

desastre, entende-se a necessidade de

repor a normalidade como um regresso a

um estado ideal de calma e funcionamento

ordeiro de todos os sistemas sociais e

produtivos. Não obstante, numa

abordagem de gestão dos riscos de

desastres, a fase pós-desastre tem

objetivos maiores que aqueles ligados à

reposição das condições de normalidade,

retorno ao status quo ou à reprodução das

condições de partida.

“ A mudança de paradigma: a recuperação pós-desastre como um meio

para o Desenvolvimento sustentável”3

Quando o objetivo consiste em reduzir os

fatores subjacentes de risco que

desencadearam no desastre, a fase de

recuperação oferece uma oportunidade

única para mitigar o risco pré-existente.

Integrar a redução de risco nas metas de

recuperação, exige considerar que a

recuperação não pretende apenas repor as

condições de normalidade, mas deve

contribuir para a melhoria da situação de

partida, atacando as vulnerabilidades e

exposição iniciais que causaram esse

desastre. Nessa ótica, as intervenções de

reconstrução não devem visar apenas repor

o status quo e reproduzir a situação de

partida (em termos dos bens e serviços de

que uma população beneficiava e as

3 International Recovery Platform

atividades que realizava) mas pretende

reforçar a resiliência da sociedade e dos

seus sistemas de apoio (infraestruturas,

meios de vida e produção). Para isto, é

necessário que a avaliação pós-desastre

identifique os fatores que determinaram

que o perigo na origem do evento, afetasse

a comunidade, ultrapassasse as suas

capacidades de fazer face e desencadeasse

no desastre. Assim, a reconstrução e

reabilitação física, assim como os

programas de recuperação dos meios de

vida, devem contribuir para reorientar as

comunidades e os sistemas afetados para

uma resiliência reforçada e em definitivo

reconduzi-los para uma trajetória de

desenvolvimento sustentável.

Page 22: Lições aprendidas dos processos de recuperação pós ...€¦ · décadas, e a partir das experiências de vários países na gestão de processos de recuperação após grandes

As entidades responsáveis

pela recuperação devem

encontrar o equilíbrio entre

o ensejo das comunidades

em reestabelecer a

normalidade e os objetivos

de longo prazo da redução

de riscos de desastres e

vulnerabilidades.4

Da análise dos documentos legais e

operacionais (nomeadamente os planos de

contingência e emergência) depreende-se

que as funções e responsabilidades

relativas ao processo de recuperação pós-

desastre não estão claramente

identificadas nem detalhadas. Enquanto as

atribuições, em muitas ocasiões são apenas

enunciadas; a abrangência, os

procedimentos e mecanismos para a gestão

desta fase pós-desastre não têm sido

detalhados. Esta falta de desenvolvimento

sobre os arranjos e responsabilidades

relativas ao processo de recuperação pós-

desastres são ao mesmo tempo um sintoma

do problema como uma causa coadjuvante

no mesmo. Por um lado, são sintoma de

uma falta de experiências consolidadas na

gestão destes processos sobre os quais

refletir para desenvolver um quadro

institucional e operacional funcional, e por

outro lado, podem entender-se como uma

das causa coadjuvantes para as dificuldades

experimentadas em organizar, planificar e

gerir o processo de uma forma eficaz e

eficiente.

A recuperação não é apenas

um produto ou resultado

físico, mas um processo

social que implica decisões

4 UNISDR note-recovery

sobre a restauração e

reconstrução

A priori, quando se questionam as

instituições públicas e os parceiros

consultados na fase de entrevista, sobre a

necessidade de se prepararem para estes

processos de recuperação, com a adoção de

um quadro integral de recuperação como

proposto no âmbito do projeto “Preparação

para um recuperação resiliente”, a reação

tende a ser de questionamento da

pertinência e urgência do mesmo para um

país com um perfil de desastres como Cabo

Verde.

Das consultas com parceiros e instituições

públicas, ressalta um ceticismo inicial sobre

a necessidade de se preparar em Cabo

Verde para gerir os processos de

recuperação pós-desastre. Questionados

sobre a relevância de adotar um quadro

integral de referência para os processos de

recuperação, muitos decisores públicos,

especialmente ao nível central, não

consideram que isto seja necessário num

país com o perfil de desastres de Cabo

Verde e preferem confiar na capacidade de

reagir perante o facto e desenhar soluções

ad-hoc para os desastres dos quais o

destino não poupe o país. Assim, chama-se

a atenção como, apesar de uma

sensibilidade crescente nos responsáveis

públicos e líderes sociais dos riscos de

desastres, em especial aqueles ligados às

mudanças climáticas, persiste uma

confiança em que o destino ou um ente

divino protege o arquipélago de que

grandes desastres aconteçam. Apesar disso,

uma vez colocados sobre a mesa os desafios

da gestão do processo de recuperação no

Fogo (independentemente da escala ou

impacto localizado do desastre) parece

emergir uma certa sensibilidade e interesse

em refletir sobre esta fase pós-desastre

antes que outro evento aconteça.

Inversamente ao que acontece com o nível

central, para as instituições envolvidas na

linha de frente e os decisores ao nível local,

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

esta preparação e planificação para a

recuperação revelam-se extremamente

pertinentes e necessárias. As diferenças

claramente apreciáveis no que concerne ao

grau de sensibilidade e perceção sobre a

pertinência da preparação para a

recuperação, explicam-se pelas vivências e

experiências diferenciais entre os

diferentes níveis do Estado. No caso da

erupção vulcânica de Fogo 2014-2015,

como no caso das cheias de São Miguel

2013, os responsáveis locais têm sido

confrontados de perto com a complexidade

e os desafios desta fase. devido à sua

proximidade com as comunidades afetadas,

como poder mais próximo do cidadão, os

governos locais são os primeiros a receber

solicitações dos afetados e veem-se

pressionados para as atender. As

instituições locais são mais conscientes das

exigências de coordenação

interinstitucional a todos os níveis que a

planificação e gestão da recuperação

exigem. Também, os poderes mais

próximos das comunidades percebem o

potencial de desenvolvimento que a fase de

recuperação apresenta, mas as boas

perspetivas veem-se ensombradas perante

as dificuldades de transformar o potencial

em oportunidades reais.

As complexidades de coordenação

institucional, as vicissitudes da gestão e o

peso burocrático da execução dos planos de

recuperação nem sempre são claramente

apreciáveis pelos cidadãos afetados que

procuram respostas nas instituições que

lhes parecem mais acessíveis ao seu nível e

colocam uma pressão direta e indireta em

todos os níveis de decisão e execução. A

análise das múltiplas discussões com

parceiros e partes interessadas do

processo, permite concluir que a vivência

em primeira mão dos desafios da

recuperação explica a preocupação e

interesse prioritário que os atores locais

atribuem ao reforço de capacidades e à

definição de guiões de orientação para esta

fase pós-desastre.

Quadro 1: A recuperação na legislação nacional sobre Gestão de desastres

Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n. 12/VIII/2012)

Na lei que regula os princípios e mecanismos básicos do Sistema de Proteção Civil de Cabo Verde refere-

se que o apoio na reposição da normalidade de vida das pessoas nas áreas afetadas por acidente grave ou

catástrofe constitui um dos objetivos da Proteção Civil.

Assim, nesta lei que define as bases gerais da Proteção Civil em Cabo Verde atribui-se ao Governo, através

do Conselho de Ministros, a responsabilidade de decidir sobre a atribuição dos apoios destinados à

reposição da normalidade das condições de vida nas áreas afetadas (art.29). Nessa mesma linha, o

Conselho de Ministros deve adotar as medidas de caráter excecional, destinadas a repor a normalidade

das condições de vida nas zonas afetadas (art.32 alínea d) e deliberar sobre a afetação extraordinária dos

meios financeiros indispensáveis à aplicação das medidas previstas.

O Ministro da Administração interna, no exercício de funções de responsável nacional da política de

proteção civil, tem atribuído por lei a responsabilidade de desencadear as ações de proteção civil,

prevenção, socorro, assistência e reabilitação. Esta mesma responsabilidade recai no âmbito local sob o

presidente da Câmara como o responsável municipal pela política de proteção civil.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Os arranjos ad-hoc para a gestão de processos de recuperação

O caso da erupção vulcânica de Fogo 2014-2015

▪ O Gabinete de Reconstrução de Fogo

Tal como referimos na secção anterior, até

agora não existia em Cabo Verde um

mecanismo pré-estabelecido para a gestão

da fase de recuperação pós-desastre. Na

ausência de uma estrutura predeterminada

como responsável pela gestão e

coordenação da recuperação, o governo

optou pela criação de uma série de

estruturas ad-hoc: inicialmente o gabinete

de reconstrução de Fogo, posteriormente

substituído pela Comissão interministerial

para a definição de um plano de

Quadro 2: A recuperação nos instrumentos de planeamento para a gestão de riscos de

desastres.

No plano Nacional de Contingência (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº11/2010 B.O do

15 Março 2010) as referências ao processo de recuperação pós-desastre limitam-se a uma indicação de

que na fase “após emergência” corresponde ao Primeiro-Ministro, no âmbito da Coordenação e Direção

das ações de Proteção civil, “promover medidas adequadas ao desenvolvimento de planos gerais de

reabilitação estrutural e infraestrutural, nas áreas humana, social, económica, de serviços e outras, de

modo a reestabelecer as condições de vida normal das populações afetadas”. Assim mesmo, ao Primeiro-

Ministro, que poderá delegar no Ministro responsável pela Administração interna, também lhe compete

desenvolver, através dos Gabinetes e Grupos, os planos específicos de reabilitação adequados, no âmbito

das suas áreas de intervenção.

Ainda em relação à reabilitação, o Plano de Contingência atribui ao Presidente do SNPCB, como responsável

pelo Centro Nacional de Operações de Emergência e Proteção Civil, as responsabilidades sobre a

implementação de programas de reabilitação nas zonas afetadas pela emergência (Secção 6 sobre

Execução do Plano, artigo.6.2.2)

No quadro (Secção 7 de Coordenação, artigo 7.2.1) em que se resumem as atribuições e responsabilidades,

e setor de intervenção das diferentes instituições em relação à coordenação para a execução do plano de

contingência refere-se que o Ministério de Trabalho e Solidariedade será o responsável pelas ações de

recuperação precoce/rápida. Não obstante estas e as anteriores provisões do Plano de Contingência, não

têm sido desenvolvidas em nenhuma outra secção ou instrumento operacional e/ou legal e regulamentar.

Assim mesmo, chama-se a atenção que os documentos legais e de política utilizam mais frequentemente

o termo de reconstrução e reabilitação de infraestruturas. Esta tendência pode refletir apenas una questão

de maior familiaridade com o termo de reconstrução ou reabilitação. Não obstante, a escolha do termo,

parece também indicar uma ênfase no aspeto de reconstrução física. O termo de recuperação tem um

significado mais amplo que abrange também a retoma das atividades económicas e reposição dos meios

de vida. As instituições de referência ao nível internacional que produzem conhecimento sobre a

planificação e gestão da recuperação pós-desastre, no seu esforço de desenvolvimento conceptual e

preparação de glossários referem que a palavra “ recuperação” (recovery em inglês) “captura melhor o

complexo rango de dimensões físicas, sociais, económicas e ambientais do processo (ASEAN Disaster

recovery reference guide)

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

realojamento dos deslocados de Chã-das-

Caldeiras - às quais o executivo confiou

tarefas de planeamento, coordenação,

execução e seguimento das iniciativas de

recuperação.

O gabinete de reconstrução, criado por

Resolução do Conselho de Ministros nº

13/2015, publicada no B.O. de 26 de

Fevereiro de 2015, foi concebido como uma

estrutura com atribuições temporárias

(inicialmente previsto com uma duração de

2 anos) e funcionava na dependência direta

do Primeiro-Ministro. Apesar da sua

natureza como “estrutura de missão”, o

Gabinete estava dotado de autonomia

administrativa, financeira e patrimonial.

Esta estrutura foi concebida como o “

sucessor” do Gabinete de Crise responsável

pela “operação integrada de apoio e

reconstrução dos estragos derivados da

erupção vulcânica do Fogo”. O governo

encarrega a este gabinete funções

essenciais para todo processo de

recuperação, como a avaliação de

necessidades (levantamento das

necessidades), planificação das

intervenções de recuperação (neste caso, a

resolução faz referência explicita à projeção

das infraestruturas assim como a

reconstrução de novos assentamentos), a

coordenação do processo, a gestão técnica

e a execução dos programas, gestão dos

fundos mobilizados e o seguimento dos

diferentes programas de recuperação, cujo

objetivo último é orientar a “reposição das

condições socioeconómicas das localidades

afetadas”. Este gabinete era composto por

um Conselho Diretivo, um secretariado

técnico e uma Comissão de

acompanhamento. O conselho Diretivo era

integrado por um Presidente e por dois

vogais executivos, todos eles nomeados por

Despacho do Primeiro-Ministro e

exercendo, os últimos, funções a tempo

inteiro. O cargo de Presidente foi ocupado

pelo Diretor geral das infraestruturas. O

secretariado técnico era integrado pela

Direção Geral das Infraestruturas, a Direção

Geral da Agricultura e Desenvolvimento

5 UNISDR_recovery Note:. ISSUE BRIEF Reconstructing after disasters: Build back better

Rural, o Instituto Nacional de Gestão do

Território, o Laboratório de Engenheira

Civil, o Serviço Nacional de Proteção Civil e

Bombeiros, e um membro de cada um dos

gabinetes técnicos de obras públicas e

urbanismos das três Câmaras Municipais da

ilha de Fogo. A comissão de

aconselhamento incluía representantes das

entidades setoriais (Ministérios de

educação, saúde, solidariedade social,

infraestruturas, telecomunicações,

segurança aeronáutica, habitação e

ordenamento do território, investimento e

desenvolvimento empresarial,

desenvolvimento rural e proteção civil), um

representante do Ministério das finanças,

um representante da Universidade pública

de Cabo Verde, um elemento da Cruz

Vermelha de Cabo Verde e três

representantes dos moradores das zonas

afetadas.

Recuperação e reconstrução

oferecem uma

oportunidade para

remediar problemas pré-

existentes e evitar ou

mitigar o impacto da sua

recorrência5

O gabinete foi mandatado para operar em

coordenação com todos os ministérios e

instituições relevantes, e em parceria com

os parceiros de desenvolvimento

internacional. Em relação à preocupação de

“reconstruir melhor”, pode-se notar nos

objetivos do Gabinete a obrigação de

apresentar propostas quanto à qualidade e

segurança das construções. Embora esta

formulação não reflita uma compreensão

integrada do princípio de “build-back-

better” ou “reconstruir-melhor”, pelo

menos reflete uma preocupação para que

as caraterísticas das novas construções

contribuam para reduzir a sua

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

vulnerabilidade física e exposição perante

perigos.

Os períodos de

recuperação pós-

desastres são

oportunidades para

refletir sobre a raiz das

causas dos desastres e

reformular as

prioridades de

desenvolvimento para

reduzir a

vulnerabilidade humana

perante os perigos.

Simplesmente

reproduzir as condições

pré-existentes a um

desastre é uma

oportunidade perdida.6.

▪ A Comissão Interministerial para a

definição de um plano de

realojamento dos deslocados de Chã

das Caldeiras.

Conforme a resolução nº 53/2016, de 3 de Junho que cria esta estrutura, a comissão define-se como um “órgão de vocação interdepartamental de consulta, formulação, execução e definição de um plano de realojamento dos deslocados de Chã das Caldeiras, visando a retoma gradual, da normalidade das relações familiares e socioeconómicas”. Esta comissão foi mandatada por um período de 6 meses para conduzir um diagnóstico social exaustivo das famílias, propor mecanismos de entrega das moradias de 1995 reabilitadas, e identificar cenários de realojamento definitivo para aquelas famílias não beneficiárias das moradias construídas para o realojamento após a erupção de 1995. Assim mesmo, competia a

6 UN DESA. United Nations Department of Economic and Social Affairs (UN DESA). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision.

esta comissão desenvolver um plano de intervenção para a reativação da vida económica das comunidades visando a autossuficiência das famílias até aquelaa recetoras dos subsídios humanitários (cesta básica e outros subsídios) do governo. Este órgão era integrado pelos departamentos governamentais responsáveis pelas pastas de infraestruturas, habitação e ordenamento do território (que assumia a coordenação), economia e emprego, educação, família e inclusão social; e agricultura e ambiente.

Embora na descrição das suas competências encontremos ainda uma referência à “retoma da normalidade”, destaca como aspeto inovador a especial atenção à questão da recuperação económica e a consideração das desigualdades sociais no desenho de pacotes de assistência à recuperação das famílias. Ainda, a esta comissão foi confiada a tarefa de identificar medidas para melhorar a acessibilidade a Chã das Caldeiras. Em relação à composição desta nova estrutura destaca-se a ausência de participação das instituições locais e representantes comunitários. Não obstante, ao analisar as competências atribuídas destaca-se uma mudança substancial na natureza do mandato em relação ao anterior gabinete. Enquanto o Gabinete de Recuperação assumiu competências de decisão e gestão, esta comissão criada pelo governo teve um papel mais de assessoria do que de decisão e execução. A ausência de representantes das autarquias locais nesta nova estrutura pode também entender-se, à luz do momento político no qual se cria esta comissão: em meados de Junho de 2016 as Câmaras Municipais preparavam-se para a campanha eleitoral das eleições autárquicas de Setembro de 2016 que implicaram também mudanças significativas no panorama político local. A incerteza

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

partidária e preocupação política pelos resultados das eleições autárquicas poderá ter determinado a decisão do governo

central de não convidar as câmaras da ilha de Fogo ou outras organizações locais a participar desta comissão.

Constatações (findings) da análise

▪ Politização do processo de recuperação

A questão da politização do processo de

recuperação de Fogo, em especial nas suas

fases iniciais, foi repetidamente referida

pelos parceiros consultados. A análise

realizada constatou que a utilização política

da problemática da recuperação reforçou

as dificuldades de planificação, gestão e

coordenação habituais na fase pós-

desastre. Esta politização, e mesmo em

certo modo a instrumentalização eleitoral

da problemática dos deslocados de Fogo,

deve entender-se no contexto do momento

político - em relação ao ciclo democrático -

no qual acontece a erupção e se inicia a fase

de recuperação. O fim da erupção foi

oficialmente anunciado no dia 8 de

Fevereiro de 2015. Nessa fase, o país já se

preparava para a fase de pré-campanha

para as três eleições que se sucederam

durante o ano 2016. Nesta fase de pré-

campanha, assim como durante a

campanha eleitoral para as eleições

legislativas de Março de 2016, a

recuperação pós-desastre e em especial as

questões de apoios às famílias afetadas,

realojamento dos deslocados e o futuro de

Chã-das-Caldeiras, constituíram alguns dos

temas essencial nos discursos, estratégias e

programas eleitorais dos partidos

maioritários (PAICV e MPD).

Prova da relevância da recuperação pós-

erupção na campanha eleitoral -

especialmente nas eleições legislativas e,

em menor medida, nas autárquicas - são as

visitas eleitorais realizadas pelos líderes dos

principais partidos políticos às

comunidades que acolhiam a maioria dos

deslocados. A revisão retrospetiva das

preocupações salientadas nos discursos,

das temáticas nos debates públicos, dos

ecos nos meios de comunicação, das

promessas políticas e das declarações

realizadas durantes os comícios, visitas às

comunidades, declarações à imprensa,

reuniões de partido e eventos ou encontros

de caráter político, permitem entender até

que ponto a recuperação em Fogo foi um

dos temas essenciais à volta dos quais girou

a campanha eleitoral e cujo peso foi

determinante no resultado das mesmas,

pelo menos ao nível da ilha do Fogo. A

utilização eleitoral - por parte dos dois

partidos maioritários - do problema da

recuperação pós-desastre em Chá das

Caldeiras, resulta facilmente inteligível da

revisão da cobertura realizada pelos órgãos

de comunicação social da campanha

eleitoral.

O aproveitamento político da problemática

dos deslocados de Chã das Caldeiras tem

sido apontado por praticamente todos os

entrevistados, independentemente da sua

orientação política. Neste sentido, vários

atores entrevistados mencionam que a

manutenção dos apoios pós- emergência,

na modalidade da cesta básica7 durante um período prolongado (mais de 24 meses) e na

modalidade escolhida (beneficiando a todos os deslocados indiferentemente da sua situação

económica e de como tenham sido afetados os seus meios de vida pela erupção) só se pode

entender no contexto político do momento. Nessa fase pré-eleitoral, os efeitos da erupção foram

amplamente ressaltados pelos meios de comunicação. Num contexto no qual o partido, na altura

no poder (PAICV), se encontrava numa situação de uma certa fragilidade (em relação à

capacidade de dar resposta às expectativas dos deslocados, assim como em relação aos meios

7 A Cesta básica consiste em géneros alimentícios e produtos de higiene cuja quantidade se definia em função do número de

elementos que compõem os agregados familiares.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

de comunicação) e desgaste político após 15 anos no poder, o governo parece ter agido com

prudência na limitação da assistência pós-emergência por receio ao preço politico que pôr fim a

estes apoios poderia supor. A falta de decisões claras em relação às medidas de assistência

entende-se também num contexto geral de demora ou indefinição das opções, alternativas

privilegiadas, meios e metas para a recuperação. Considerando que as medidas de reabilitação,

em especial as condições de uso do solo na zona afetada não tinham sido claramente definidas

e reconhecendo as dificuldades em organizar e iniciar o processo de recuperação, o governo

optou por prolongar a fase de assistência humanitária pós-desastre.

▪ Difícil transição da fase de assistência humanitária à recuperação

Da análise das entrevistas realizadas,

depreende-se que o alongamento da fase

de assistência humanitária de emergência

se deve em grande medida ao momento

político no qual este processo se inscreve.

Assim, a eminência das eleições aponta-se

como uma das causas, tanto para a

indecisão ou falta de aplicação de

determinadas medidas que visam

disciplinar e guiar o processo de

recuperação, como pelo prolongamento

de medidas assistênciais que bem se

entendem numa fase inicial de gestão da

emergência, dificilmente se justificam

numa fase de retorno à dinâmica de

desenvolvimento local e autonomização

das comunidades afetadas.

A continuidade da assistência de

emergência “indiscriminada” pretendia

evitar o descontentamento e

incompreensão inicial que a aplicação de

determinadas medidas e critérios que

condicionam ou restringem os apoios

sociais poderiam causar numa população

em situação de indefinição, à espera de

decisões e especialmente de intervenções

concretas e ágeis. Embora a

permissividade aplicada ao continuar por

períodos prolongados com os apoios de

emergência, pretendia ganhar a confiança

das populações - acalmando os ânimos e

moderando as exigências - tudo aponta

para que o prolongamento no tempo de

algumas medidas adotadas como soluções

de caráter temporal (por exemplo, solução

em relação ao alojamento de famílias em

moradias de aluguer) terá apenas

alimentado a ansiedade, expetativas e

frustração das comunidades afetadas. O

prolongamento de outras medidas

assistenciais, tal como a entrega de apoios

em géneros alimentícios (cesta básica),

conforme várias fontes consultadas, terá

também contribuído para minar a iniciativa

empreendora, debilitar o tecido comercial

local e autonomia das populações

recetoras.

A análise das discussões com as

comunidades e outros atores que com eles

interagem, permite ressaltar que a

ineficiência na gestão da transição da

emergência para a recuperação contribui

para alimentar a convicção comunitária de

que os apoios de emergência são um

“direito adquirido” e os afetados pela

erupção passam a usufruir de um “estatuto

especial”, vitalício e quase ilimitado em

regalias, de deslocados. Várias fontes

consultadas apontam a que existe um

sentimento geral de “especialidade” entre

os deslocados, mesmo em relação a outras

populações em situação de vulnerabilidade

na própria ilha ou nas localidades de

receção desses deslocados.

Ao mesmo tempo, a decisão de utilizar o

critério de “ igualdade e cobertura para

todos” na atribuição dos apoios parece ter

motivado comportamentos de

oportunismo por parte de alguns

beneficiários. No programa de assistência

pós-desastre, foram consideradas

deslocadas todas as pessoas que moravam

em Chã-das-Caldeiras pelo menos desde há

3 anos antes da erupção. Entre esses

deslocados, qualquer pessoa,

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

independentemente dos efeitos da

erupção na sua fonte de rendimentos e

habitação, beneficiava dos apoios pós-

emergência (cesta básica, subsídio de luz,

água e gás butano, subsídio de transporte

escolar, subsídio nos gastos de atenção

médica e medicamentosa). O critério de

atribuição “ universal” de apoios a todos os

moradores de Chã, tem causado um certo

descontentamento entre outras

populações da ilha de Fogo e de todo o país

- na altura em que várias ilhas e muitas

famílias no mundo rural estavam afetadas

pela incidência da seca na produção

agrícola e nas atividades de pecuária- do

qual os próprios responsáveis de

instituições públicas ao nível local, assim

como os meios de comunicação têm feito

eco. Nesse sentido, é de salientar que

pessoas que já tinham conseguido

recuperar os seus meios de vida, com apoio

externo ou com meios próprios,

continuaram a receber durante muitos

meses este tipo de apoios sociais,

enquanto outras populações da ilha com

níveis de renda inferiores e, às vezes, em

situações de pobreza mais evidentes e

extremas, não beneficiam de ajudas sociais

equivalentes. Assim, alguns dos

entrevistados apontam o facto destes

apoios sociais terem induzido mudança de

comportamentos, em especial na camada

mais jovem das populações de Chã-das-

Caldeiras. Conforme a análise e visão de

alguns entrevistados, estes subsídios têm

favorecido atitudes de passividade,

assistencialismo e dependência numa

comunidade que historicamente é

reputada por se “valer por si mesma”,

conhecida por cultivar o

empreendedorismo e apreciada pela sua

determinação em tomar em mão o seu

futuro.

▪ Fraca Coordenação inter-institucional

Um outro aspeto que se destaca da análise

realizada neste estudo tem a ver com a

perceção de uma falta de coordenação

interinstitucional. Estas deficiências na

coordenação parecem ter sido mais

acusadas no sentido vertical - quer dizer,

entre entidades do governo central e

governos locais. As falhas na coordenação

estão na origem de numerosas

ineficiências na gestão, especialmente no

que se refere à duplicação de esforços no

que respeita a levantamentos de

informações de base (recenseamentos das

populações, etc.) e na individualização da

avaliação de danos e perdas ao nível das

famílias.

Embora os mecanismos formais de

coordenação tenham sido enunciados nas

resoluções que criam as diferentes

estruturas estabelecidas para a gestão da

recuperação, estas indicações parecem ter

sido insuficientes para garantir uma

coordenação efetiva entre os parceiros

envolvidos. As deficiências na coordenação

associam-se não apenas com um deficit de

explicitação no funcionamento dos

mecanismos de coordenação e as

ferramentas operacionais a serem

utilizadas, mas também com a própria

cultura institucional do setor público cabo

verdiano. Em relação à cultura

institucional, aponta-se uma dificuldade na

gestão interna da informação (por

exemplo, os mecanismos de reporte,

prestação de contas, e a partilha ao nível

interno de cada uma das organizações dos

trabalhos nas diferentes comissões nas

quais cada instituição está representada),

assim como uma dificuldade na

apropriação das abordagens de gestão

baseada nos resultados. Em paralelo aos

constrangimentos associados com a

cultura institucional, podemos identificar

outras dificuldades ligadas a uma relativa

falta de maturidade dos sistemas de

administração pública, em especial no que

refere ao planeamento estratégico, assim

como a relativa inexperiência na gestão e

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

orçamentação baseados em resultados, a

limitação na disponibilidade de

ferramentas - tais como sistemas de

informação – ou ainda na insuficiência de

capacidades e inadequação dos

mecanismos operacionais para o

seguimento e avaliação de programas

públicos. Outras limitações estão

associadas ao reduzido número de pessoal

técnico disponível em alguns

departamentos para dar resposta às

numerosas atribuições e a sobrecarga que

podem representar os fluxos adicionais de

demandas na fase de recuperação. Estas

limitações, em termos de recursos

humanos, ficam mais expostas nas

situações como os processos de

recuperação nos quais as solicitações

aumentam. Embora se tenha registado

algumas reafetações internas de recursos

humanos ou redistribuição de tarefas dos

elementos indicados a participar do

secretariado técnico das diferentes

estruturas, na maioria dos casos a

participação de técnicos nacionais

funcionários das instituições participantes

funcionou com base num regime de

acumulação de funções, o qual embora

ajude a controlar os custos de operação,

nem sempre permite garantir a

disponibilidade efetiva e motivação dos

elementos integrantes que assumem as

responsabilidades por decisão superior e

muitas vezes sob pressão hierárquica de

responder efetivamente às novas

atribuições.

Nesse sentido, como se apontava na

introdução, os responsáveis públicos

devem sempre lembrar que gerir a

recuperação não é “business-as-usual” e o

reforço das equipas deve ser considerado

desde o momento em que se planificam os

programas de recuperação e um sistema

de incentivos (em termos de

compensações que podem não apenas ser

salariais, mas referir-se a outros aspetos

como acumulação de dias de férias e

descanso, promoção interna, participação

em capacitações, reconhecimentos

profissionais) e/ou apoio (em termos de

subcontratação de determinados serviços,

aquisição de novas ferramentas de

processamento/gestão de informações e

processos mais eficientes, etc.) que devem

ser desenhados mesmo quando

Alguns moradores de Chã afetados pela

erupção, assim como outros entrevistados

no Fogo, referem uma falta de

coordenação entre as diferentes

instituições e representantes do Estado.

Embora tenham sido criados

primeiramente um Gabinete de

Reconstrução e posteriormente uma

Comissão Interministerial, com a

responsabilidade pela gestão do processo

de reconstrução e recuperação, os

entrevistados referem uma falta de

coordenação palpável nas próprias

agendas de encontros e visitas dos

representes setoriais (ministérios setoriais,

agências e institutos). Nesse sentido,

observava-se que os responsáveis pelas

pastas de agricultura, infraestruturas,

ambiente e ordenamento do território

visitavam em diferentes alturas as

comunidades e realizavam declarações,

por vezes contraditórias, que deixavam as

populações e instituições locais com a

impressão de que não existia uma voz

única do governo central para a questão da

recuperação e que as decisões e planos não

tinham sido concertados em foro interno

ao governo antes da sua discussão com

parceiros locais e apresentação e anúncio

público.

A fraca coordenação interinstitucional

também se reflete na duplicação de

esforços de levantamento e recolha de

informações. Neste sentido, constatou-se

uma repetição de inquéritos, compilação

de informações, estudos e análises para o

desenho dos programas específicos de

recuperação. A falta de coordenação

justificou esta duplicação de esforços

quando as instituições envolvidas não

tinham uma noção clara de que

informações estavam disponíveis em

outros serviços ou quando estes dados não

eram facilmente disponíveis para o

diagnóstico e planificação (por ausência de

divulgação, por inadequação de

metodologias de recolha ou simplesmente

por falta de conhecimento a outros níveis

da sua existência.

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

▪ Fraca valorização da experiência e mecanismos de engajamento público pré-desastre no

planeamento e gestão da recuperação

Vários interlocutores consultados ao nível

local lamentam uma fraca valorização das

instituições que no período pré-erupção

tinham conseguido um certo sucesso em

assegurar uma presença e relevância

reconhecidas na zona e em criar uma

relação de confiança com as populações de

Chã-das-Caldeiras. Em especial, os

entrevistados referem a estrutura de

gestão do Parque Nacional de Fogo, cuja

equipa – como resultado de um trabalho

de proximidade de anos - merecia o

respeito e a confiança das populações. Na

apreciação de vários atores locais e

comunitários, esta estrutura (Parque

Nacional de Fogo), não tem sido solicitada

como parceiro na recuperação ou mesmo

como elo de intermediação e comunicação

com as comunidades para um

planeamento mais participativo e

inclusivo. A falta de engajamento destes

parceiros e a valorização do seu

conhecimento local e dinâmica de

mobilização e engajamento público ao

nível comunitário, constitui uma

oportunidade perdida de aproveitar a

confiança e o conhecimento institucional

existentes pré-erupção para engajar as

comunidades locais num processo de

reconstrução e recuperação mais

participativo e inclusivo no qual as

populações afetadas se sentissem

empoderadas para pensar e construir o seu

futuro coletivo e conseguissem também

Quadro 3: problemas com os critérios

Para ilustrar o problema do oportunismo e aplicação de critérios, vários responsáveis entrevistados

citaram o exemplo de famílias que foram apoiadas a iniciar uma atividade produtiva alternativa num

perímetro agrícola próximo a Achada Furna, onde receberam terrenos, insumos, equipamentos,

formação e assistência técnica. Pelo menos 8 agregados familiares apoiados na produção agrícola

que já conseguiram a sua segunda safra de batatas e que conseguem um benefício económico com

a venda de batatas e outras verduras no mercado local (e em grande parte, como fornecedores do

SNPCB para as cestas básicas) continuaram a beneficiar dos apoios em géneros alimentários. Neste

exemplo, muito caricatural da situação, as famílias vendem ao SNPCB suas batatas, recebendo

dinheiro pelo produto e, por sua vez, recebem ao mesmo tempo as suas batatas de volta (junto com

outros géneros) em forma de cesta básica.

Fonte: Compilação dos autores a partir das entrevistas realizadas em Fogo

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

assim aceitar certos “ trades-off” (perde-e-

ganha), soluções de consenso geral e

compromissos. Este empoderamento local

deveria visar o reforço das capacidades

comunitárias para que os deslocados se

posicionem como parte da solução,

participando da construção da resiliência

coletiva, na prossecução do

desenvolvimento

comunitário e bem comum, e aceitando

também as suas responsabilidades e

deveres.

▪ Falta de clarificação sobre os papéis, responsabilidades e expectativas sobre os

diferentes atores engajados na recuperação

Conforme as fontes consultadas, parece ter

existido uma falta de clarificação geral

sobre os papéis e responsabilidades de cada

parte participante no processo.

Responsáveis e técnicos envolvidos na

gestão da recuperação, refletem sobre a

falta de explicitação do que se espera dos

representantes das entidades

desconcentradas e também do poder local

no processo de recuperação. Enquanto se

reconhece que os diversos setores do

desenvolvimento são chamados a participar

ao nível central nas estruturas de

coordenação e gestão criadas ad-hoc para

liderar o processo de reconstrução, as

estruturas desconcentradas do poder

central assim como atores locais

(municipais e intermunicipais) criticam a

falta de articulação dos seus serviços com

estas entidades. Alguns entrevistados,

reclamam ter sido solicitados apenas para

prestar apoio logístico e operacional

(requisições de veículos, técnicos para

serviços ocasionais ou acompanhamento

das missões e outros meios). Quando

confrontados com essas expectativas e

visões sobre o seu papel no processo,

experimentam um sentimento de exclusão

na análise do contexto e na avaliação das

necessidades locais e em especial no

processo de tomada de decisões.

Os problemas associados com a clareza dos

papéis dos diferentes atores são

especialmente delicados quando se

referem aos representantes das

comunidades locais afetadas. Neste

sentido, se bem muitos atores consideram

oportuna a seleção dos representantes da

comunidade -realizada durante o período

de vigência do Gabinete de Reconstrução-

considerando o reconhecimento e respeito

que estas figuras merecem pela parte das

comunidades, outros atores entrevistados

refletem sobre a falta de um processo

explícito, claro, democrático, participativo e

transparente da seleção ou nomeação

destes representantes. Em todo caso,

parece claro que não tem existido um

mecanismo definido, a partir do qual estes

representantes possam identificar o sentir

comunitário, captar o pensar coletivo, e

recolher as contribuições, propostas e

solicitações de todos os cidadãos afetados.

Na ausência de mecanismos explícitos de

construção da visão e compilação da

opinião dos deslocados sobre os problemas

e as soluções parece que nem todas as

vozes, especialmente dos mais socialmente

vulneráveis, terão sido ouvidas.

As opiniões comunitárias parecem divididas

quanto ao papel dos seus representantes

nos gabinetes e a legitimidade dos líderes

que os representam. Enquanto para alguns,

esta liderança não se contesta pelo facto da

mesma ser reconhecida e aceite pelas

comunidades, para outros esta aceitação

nasce dos próprios desequilíbrios de poder

presentes na comunidade. Assim, os críticos

referem que os representantes apontados

para participar nestas instâncias de

coordenação, são pessoas cuja legitimidade

deriva do seu poder económico e

possibilidade de conceder ou negar o

acesso a determinados benefícios

económicos (emprego, terras ou mesmo

participação na cooperativa). Ao mesmo

tempo, em diversas ocasiões refere-se

também que estes representantes têm os

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

seus próprios interesses económicos na

recuperação, situação que os coloca em

maior dificuldade de exercer uma função de

representação inclusiva e guiada pelo

interesse coletivo. Em certo modo, a

modalidade de representação comunitária

implementada pode resultar pouco efetiva

na identificação dos interesses dos

coletivos ou famílias mais vulneráveis e

pode estar condicionada na persecução do

bem coletivo quando esta colide com algum

interesse pessoal, enquanto agentes

económicos da comunidade.

Ao mesmo tempo, a falta de mecanismos

estruturados de informação e prestação de

contas também se reflete no sentido

contrário, é dizer dos representantes

comunitários para as populações. Nessa

linha, parecem existir limitações

consideráveis na passagem de informações

para as comunidades sobre as resoluções

das entidades, os esclarecimentos

recebidos da parte das autoridades, as

opções discutidas ou ainda as medidas

adotadas no curso dos diferentes

encontros.

▪ Excessiva centralização na planificação e gestão da recuperação

Das entrevistas realizadas com

representantes institucionais ao nível da

ilha de Fogo depreende-se uma apreciação

geral de uma falta de participação do nível

local (neste caso referidas as estruturas

desconcentradas do Estado) mas também

do poder local, representado pelas Câmaras

Municipais. Assim, a maioria dos atores

referiu o excesso de centralização dos

esforços de recuperação como um

constrangimento que terá impacto em

vários sentidos, nomeadamente na

adaptação das propostas ao contexto local,

na eficiência da implementação das ações,

mas também na justiça social e

transparência no processo de tomada de

decisão e implementação das medidas. Esta

centralização refere-se não só ao processo

de tomada de decisões, mas também à

própria execução dos programas de

recuperação, reabilitação e reconstrução.

Outros impactos da centralização do

processo de planeamento e tomada de

decisões ressaltados referem-se à

dificuldade em atingir e responder as

necessidades de determinados grupos

vulneráveis (por exemplo, as famílias mais

pobres e não proprietários nem de terras

nem de habitações). A centralização na

escolha das alternativas para a recuperação

tem também um impacto direto na

capacidade de aplicar as medidas e

regulamentos – em especial no que se

refere à limitação da reocupação

permanente da caldeira ou ainda nas

restrições em relação ao tipo de

construções e atividades.

▪ Falta de liderança e empoderamento tardio e parcial do poder local para liderar a

recuperação

Os representantes setoriais consultados

referem uma falta de liderança da parte da

entidade legalmente criada inicialmente

para comandar este processo de

recuperação – o Gabinete de Reconstrução

de Fogo.

Na opinião de vários entrevistados as

Câmaras Municipais, em especial aquela de

Santa Catarina (município que

administrativamente pertence Chã das

Caldeiras) deveriam ter assumido a

liderança do processo de recuperação. Não

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

obstante, os responsáveis das Câmaras

reconhecem que na altura, estas

instituições não estavam em condições de

liderar o processo. Na análise realizada das

entrevistas constata-se que este

sentimento de fragilidade institucional,

referido mesmo publicamente por alguns

dirigentes camarários na altura da erupção,

se sustenta no desconhecimento e/ou falta

de operacionalidade prática dos

instrumentos de planeamento da

contingência e gestão da emergência

(nomeadamente dos planos de emergência

municipal8 e plano especial de contingência

para emergências vulcânicas para a ilha de

Fogo) assim como na falta de recursos

técnicos, administrativos, financeiros e

materiais para liderar o processo de

recuperação. Neste sentido, alguns

responsáveis municipais reconhecem que

existia a disposição e motivação da parte

das Câmaras Municipais para assumir a

liderança do processo, mas que terão

recuado quando as instituições nacionais

assumem as rendas tanto na fase de gestão

da emergência (via SNPCB) como da gestão

do processo de recuperação (através

inicialmente do Gabinete de Reconstrução

de Fogo).

Após o fim do mandato da comissão

interministerial, e com novas equipas

camarárias resultantes das eleições

municipais de 2016 9, o governo transfere as

Câmaras Municipais da ilha de Fogo ( São

Felipe, Santa Catarina e Mosteiros) via

protocolo, a liderança e gestão do processo

de recuperação pós-desastre em Fogo.

Um outro problema identificado pelos

entrevistados chave está associado à

liderança e coordenação do processo de

reconstrução da parte do Gabinete de

Reconstrução de Fogo (GRF). Os atores

consultados referem a dificuldade, quando

não a incapacidade, desta estrutura em

integrar no processo de planificação todos

os setores relevantes. Assim, parece que o

8 Na altura da erupção a CM de Santa Catarina não contava com tal plano já que este município foi criado após a fase de elaboração da primeira geração de planos de emergência municipal no âmbito de um programa em parceria com o SNPCB e o PNUD.

Gabinete se tenha centrado mais na sua

atribuição de planeamento da recuperação,

na questão das infraestruturas de aceso e

na habitação - tanto na resposta temporal

como no planeamento de um novo

assentamento. Embora algumas entidades

desconcentradas reconheçam que tem

havido envolvimento das suas estruturas

centrais neste processo de planeamento

(saúde ou educação por dar alguns

exemplos) depreende-se das entrevistas

que os representantes locais não se

sentiram engajados na reflexão sobre a

questão do realojamento das famílias e na

construção de um novo assentamento

populacional. Durante a sua existência, o

GRF focou-se na reconstrução física das

habitações de 1995, assim como no

desenho de uma nova política de

assentamento. Nessa fase refletiu-se sobre

o local ótimo para um novo assentamento e

planeou-se o modelo e projeto do novo

núcleo habitacional. Não obstante, parece

que o processo de planeamento centrou-se

mais em aspetos espaciais (localização, uso

e propriedade do solo) e aspetos físicos

(morfologia do assentamento e das

habitações) e menos em aspetos sociais,

culturais e económicos, como são a

consideração do perfil demográfico,

necessidades sociais associadas à criação

duma nova comunidade (em relação a tipo

de serviços públicos e espaços sociais),

assim como opções económicas e dos

meios de vida das famílias a realojar. Neste

sentido, são significativas as considerações

de alguns responsáveis setoriais quando

referem que não foram consultados sobre a

tipologia de serviços (em termos de

estruturas e serviços de educação ou saúde)

que seriam precisos na criação de um novo

assentamento.

Neste sentido, parece que houve pouca

consideração e limitada reflexão sobre o

uso social do território e um planeamento

sensível a esta questão. As ciências sociais,

em especial geógrafos, sociólogos e

9 Se mantem o mesmo Presidente e Vereador para a Área de Proteção Civil para a C.M. dos Mosteiros.

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

urbanistas, têm estudado como o espaço e

sua organização (por exemplo o traçado

urbano de um novo assentamento)

influenciam o comportamento social.

Desde as disciplinas associadas ao

planeamento urbano, têm-se insistido

muito na necessidade de considerar a

organização social (as interações

comunitárias, práticas culturais, etc.) e as

atividades económicas no planeamento de

novos assentamentos. A análise social e

cultural da utilização do espaço, assim

como a influência da sua organização nas

atividades e relações socias, são ainda mais

relevantes quando o que se planifica não

era apenas um loteamento mas se projeta

um novo assentamento. O processo de

planificação não se restringia à elaboração

de um plano de zonagem e preparação de

lotes (entendidos como as “normas do

jogo” que regulam a divisão em parcelas de

uma área para posterior ocupação e

desenvolvimento conforme a iniciativa dos

privados) mais, implicava um nível mais

avançado de planeamento que abrangia até

o desenho das moradias, e pelo tanto, pré-

determinava a estrutura do espaço

doméstico familiar.

Outro aspeto no qual a liderança parece ter

falhado neste processo tem a ver com a

informação, tanto às instituições locais e

desconcentradas como às organizações da

sociedade civil e em especial às populações.

Os atores entrevistados criticam a falta de

comunicação efetiva em relação ao

processo: quais são as opções em estudo,

como são avaliadas as potenciais soluções

e/ou políticas de recuperação, que passos e

requisitos são necessários para se

implementarem, assim como e quando

serão implementadas cada uma das

medidas decididas.

Outros sintomas de uma coordenação

ineficiente têm a ver com a duplicação de

esforços, especialmente nos levantamentos

de informação e processos de estudo.

Alguns dos entrevistados, criticam as

numerosas solicitações ad-hoc de

participação em encontros, em comissões

de estudo ou grupos de trabalho. A falta de

clarificação do processo geral de

recuperação no que se enquadram esses

trabalhos setoriais parece ter gerado alguns

processos de diagnóstico e planeamento

desgarrados de um objetivo geral e

inconexos entre si que contribuem a uma

duplicação de esforços por parte das

instituições e dos técnicos engajados.

Nesse sentido, vários dos entrevistados

referiram que os levantamentos junto aos

afetados e os inquéritos as populações se

repetiram criando uma certa fadiga nos

deslocados mas também alimentando as

expetativas. Quando os estudos não se

traduzem em decisões e intervenções e as

expetativas dos deslocados não se

materializam, as tentativas de análise e

consulta acabam por reforçar a angústia

pelo futuro, aprofundado a sensação de

abandono que determina, por sua vez, o

sentimento de muitos deslocados de “ estar

por sua conta” e que intensifica o

sentimento de falta de autoridade na

origem ligado à distância física do poder

administrativo.

Em outra linha, a análise revela

constrangimentos consideráveis em relação

a associados ao estabelecimento de

gabinetes com uma duração limitada que se

extinguem ou reformulam mesmo antes de

terem completado a sua missão. Neste caso

concreto, a extinção do GRF e a criação da

Comissão Interministerial entende-se no

quadro dum processo de mudança de

governo após as eleições legislativas, não

obstante, parece que o processo de “

passagem de pastas” e a prestação de

contas (relatório e avaliação) sobre o já

realizado e o ainda pendente, entre o

extinto gabinete e a nova Comissão não têm

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Página | 1

1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

sido muito exaustivos. Esta falta de

clarificação na passagem das

responsabilidades duma entidade a outra

engendram uma descontinuidade na gestão

e em certo modo desempodera os atores

locais para quem o interlocutor e as regras

do jogo e mecanismos para a decisão

mudam com cada nova entidade criada.

Para alguns intervenientes locais, a

transição de uma entidade a outra não tem

sido bem gerida e tem criado “ vazios de

poder”, e por vezes retrocessos no processo

de planeamento e implementação. Em

certos exemplos, percebe-se que os

instrumentos para a execução e

seguimento dos programas de

reconstrução ainda estavam em fase de

definição ou desenvolvimento quando o

novo governo introduz novas abordagens e

modalidades de gestão do processo.

Parece que esta mudança no caminho e

uma transição relativamente politizada

poderiam ter uma repercussão negativa na

capacidade dos atores locais de fazer valer

os seus interesses e se organizar para

influenciar as tomadas de decisão relativas

ao processo de recuperação.

▪ Participação comunitária limitada

Uma das principais falhas identificadas na

gestão do processo de recuperação tem a

ver com a fraca participação das

comunidades. Assim, a criação de

mecanismos e oportunidades para a

participação comunitária salienta no

discurso de todas as instituições e

elementos da sociedade civil consultados

como um dos maiores desafios no

processo. Se bem as estruturas de gestão

de recuperação (GRF e Comissão

Interministerial) têm realizado esforços em

consultar as populações e informar de

algumas das opções e decisões, estes

esforços não têm sido nem suficientes,

nem parecem ter utilizado o mecanismo

mais adequado para engajar as populações

afetadas na procura de soluções e quanto

menos na sua implementação. O GRF e

posteriormente a CI têm adotado uma

abordagem de inquéritos familiares e

convite a representantes comunitários

selecionados para encontros informativos.

Se bem se considera que a técnica de

inquéritos permite a recolha de

informações sobre as preferências

individuais de forma confidencial, parece

que a modalidade de aplicação com

questionários fechados ou entrevistas

semiestruturadas não facilita o surgimento

e expressão de novas ideias e propostas. A

abordagem individual resulta insuficiente

quando se trata de encontrar soluções para

problemas comunitários complexos que

ultrapassam as preferências dos agregados

familiares sobre onde cada um deles quer

morar.

Assim, algum dos responsáveis pela

aplicação e análise destes inquéritos

refletem, com alguma preocupação, sobre

a inconsistência entre as respostas de

alguns agregados nos diferentes inquéritos

e mesmo um elevado grau de diversidade

entre as opções das famílias. Conforme

estes atores, a falta de consistência entre

os resultados dos inquéritos e a

heterogeneidade das respostas não

facilitam a identificação de soluções de

consenso. A inconsistência apontada pode

ser resultado da própria fadiga do

inquérito ou mesmo responder a uma

estratégia dos afetados, que em função das

expetativas que as declarações políticas

levantam, tentam maximizar as suas

oportunidades de beneficiar de apoios, em

especial quando tudo aponta a que

poderão beneficiar de determinadas

regalias, nomeadamente de habitações

num novo assentamento a ser criado ou

ainda usufruir de ações de melhoramento

das habitações para aqueles que já

receberam uma moradia após a erupção

de 1995. Durante as entrevistas, alguns

responsáveis criticam a inconsistência e

individualismo das populações de Chã, mas

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

ao mesmo tempo, e de uma forma

aparentemente contraditória destacam

como característica desta população, a sua

unidade, defesa mútua e vontade de viver

em comum e salvaguardar para as

gerações futuras a sua identidade

comunitária e idiossincrasia cultural.

A avaliação geral da gestão da participação

pública parece apontar a que esta tem

ficado a um nível de informação e consulta.

Figura 3: Quadro de referência: tipos de participação comunitária10

Da parte dos líderes comunitários e

moradores entrevistados existe um

sentimento de incompreensão e mesmo de

estigmatização. Na sua opinião, a sua

comunidade está a ser “muito maltratada

com o discurso” e muito mal entendida.

Nas conversas com outras populações e

mesmo nas declarações e entrevistas de

outros cidadãos cabo-verdianos, os

moradores de Chã das Caldeiras, sentem

que são apelidados de “oportunistas e

aproveitadores”. Os comentários

recebidos por estas comunidades referem

a oportunidade de desenvolvimento

económico e aproveitamento pessoal que

esta erupção irá trazer para as famílias de

Chã. Embora a maioria dos atores e partes

10 Active Learning Network for Accountability and Performance in Humanitarian (ALNAP), 2003, Participation by Crisis-Affected Populations in Humanitarian Action: A Handbook for Practitioners, citado na ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.

interessadas no processo (populações,

instituições e operadores económicos)

reconheçam que se abre uma nova etapa

de grandes oportunidades após cada

erupção, as populações de Chã sentem-se

incompreendidas pelos responsáveis

políticos, injustiçados pelos seus

cocidadãos e em muitos casos também se

sentem “abandonados” pelas instituições

públicas. À semelhança do acontecido após

a erupção de 1995, muitos atores, incluído

os próprios afetados pela erupção

preveem que nesta fase se abrem novos

horizontes para o desenvolvimento

económico da localidade e da ilha no seu

todo (em especial turístico na Chã), não

Tipo de participação Papel das comunidades afetadas

1 Iniciativas locais

A população afetada toma a iniciativa, atuando independentemente de organizações ou instituições externas. Embora possa recorrer a organismos externos para apoiar as suas iniciativas, o projeto é concebido e gerido pela comunidade e as instituições ou parceiros colaboram na sua implementação.

2 Participação interativa A população afetada participa na análise das necessidades e na conceção do programa, e tem poder de decisão.

3 Participação através de fornecimento de materiais, dinheiro ou trabalho

A população afetada fornece alguns materiais, dinheiro e / ou mão-de-obra necessários para operacionalizar uma intervenção. Isso inclui mecanismos de recuperação dos custos.

4 Participação através de incentivos materiais

A população afetada fornece alguns dos materiais e / ou mão-de-obra necessários para a operacionalização de uma intervenção, em troca de um pagamento em dinheiro ou em espécie.

5 Participação por consulta A população afetada é interrogada sobre a sua perspetiva sobre um determinado assunto, mas não tem poder de decisão e não se garante que os seus pontos de vista serão levados em consideração.

6 Participação através de fornecimento de informações

A população afetada fornece informações em resposta a perguntas, mas não tem influência sobre o processo, uma vez que os resultados do inquérito não são compartilhados e a sua precisão não é verificada.

7 Participação passiva A população afetada é informada sobre o que vai acontecer ou o que ocorreu.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

obstante, a valorização dos potenciais e

aproveitamento das oportunidades não

são automáticas nem claramente

apreciáveis para todos os deslocados.

Deve-se entender que se bem a erupção

abre uma nova fase de oportunidades para

Chã (como na expressão local dizem “ Chã

tira, Chã torna a dar”…ou seja o “Vulcão

toma e volta a dar”) nem todas as

populações contam com as mesmas

capacidades nem estão nas mesmas

condições sociais e económicas para

capitalizar essas oportunidades e tirar

partido do esperado boom.

A compreensão dos fatores que

condicionam a capacidade das populações

para aproveitar esta oportunidade é

essencial para o desenho de estratégias

que realmente contribuam a capacitar os

afetados para beneficiar das

oportunidades de desenvolvimento, ao

mesmo tempo que gerem os riscos de uma

forma mais efetiva. Na forma que estas

oportunidades da fase pós-erupção são

apresentadas e o comportamento das

populações abordado nos discursos, as

populações locais sentem-se

incompreendidas e reclamam da falta de

empatia para com a sua situação. Neste

sentido, muitos atores comunitários

querem fazer entender as instituições que

a morosidade, a incerteza e a indecisão na

qual têm vivido durante meses não os tem

ajudado a retomar em mão as rédeas do

seu futuro e saber como reorganizar as

suas vidas. Nessa mesma perspetiva,

alguns psicólogos envolvidos no apoio

psicossocial às comunidades afetadas

ressaltam o valor da ocupação (seja

trabalho remunerado ou mesmo

contribuições voluntárias ou parcialmente

compensadas na reconstrução) como

estratégia de autonomização e

recuperação pós-trauma das pessoas

afetadas. Nessa ótica, os psicólogos e

assistentes sociais apontam que se bem

estas comunidades não têm sofrido perdas

humanas, a perda das suas habitações e a

destruição parcial dos seus meios de vida

originam outro tipo de traumas. A

reinvenção das suas próprias estratégias

de vida, a reconstrução do seu lar e dos

meios de subsistência (às vezes num

ambiente diferente daquele da sua

socialização) requer esforços consideráveis

e capacidades de ajuste e readaptação, das

quais nem todos dispõem de forma

natural. Ao mesmo tempo, este processo

de reinvenção das estratégias de vida

supõe um desgaste psicológico e causa um

stress considerável e uma ansiedade

comum a qualquer mudança que é ainda

reforçado pela vivência de um desastre. O

sentimento de vítima, ainda que

sobrevivente de um desastre, reforça as

exigências de robustez psicológica que

colocam a necessidade de readaptar-se a

mudanças significativas nas vidas das

famílias e percursos de uma comunidade,

que acontecem espaço de tempo

extremamente curto.

Nas condições de indeterminação a que se

sucedem expetativas e frustrações, parece

até certo ponto naturalmente humano que

cada afetado tente maximizar o seu

benefício e bem-estar familiar. Nesse

contexto, entende-se também que os

indivíduos dificilmente consigam colocar-

se numa ótica de reflexão sobre o bem e o

futuro comum, quando não têm

conseguido ainda responder às suas

necessidades básicas de segurança e

conforto.

Se acrescentamos o fator de utilização

eleitoral da questão dos deslocados,

entende-se todavia melhor a dificuldade

em pensar no futuro comum de Chã: os

afetados pela erupção têm-se sentido

utilizados e depois dececionados na

maioria dos casos; ou bem em dívida com

os políticos em outros caso; e ao mesmo

tempo não têm encontrado fóruns em que

discutir os seus problemas e soluções

comuns. A dispersão física e geográfica dos

deslocados, distribuídos em vários centros

e localidades, reforça as dificuldades deste

processo de concertação comunitária. Os

mecanismos de discussão dos planos para

o futuro e os espaços para pensar em

comum na visão para a sua comunidade

parecem não ter existido. Assim, a falta de

participação em processos de procura de

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

soluções comuns e a exclusão do processo

formal de tomada de decisões têm

resultado numa aparente dificuldade da

parte dos afetados em assumir

compromissos e responsabilidades em prol

de um benefício coletivo.

Neste contexto, as populações afetadas

demonstram uma tendência geral a agir

como agentes maximizadores do seu

benefício individual, tanto seja no

aproveitamento dos apoios humanitários

distribuídos sem distinção, como no

posicionamento para receber outro tipo de

apoios, em especial uma habitação. Nesta

gestão dos apoios humanitários e de

recuperação devemos salientar a parte de

responsabilidade das instituições públicas

que não tem clarificado os critérios de

atribuição dos apoios, assim como a sua

justificação, objetivo e modalidades. A

falta de informação e clarificação, por

exemplo em relação à duração dos apoios

em relação a subsídios de renda ou outros

não facilita uma compreensão dos

beneficiários da necessidade de limitar no

tempo determinadas regalias e não ajuda

os deslocados a entender estes apoios

como medidas temporárias que deveriam

apoiar a sua autonomização e não em

cristalizar uma espécie de direito adquirido

ou de estatuto vitalício.

Nesta componente da participação das

comunidades afetadas, vários atores

entrevistados apontam para a necessidade

de organizar um fórum comunitário

alargado no qual se apresentem todas as

opções e soluções e mesmo se escolham os

representantes legítimos da comunidade.

Outros atores consultados duvidam da

viabilidade de tal encontro, referindo que

não seria pacífico a eleição de um ou vários

representantes locais via votação direta.

Alguns entrevistados associam esta

complexidade a fatores históricos e

culturais da comunidade de Chã das

Caldeiras que conforme estas fontes

apontam a uma vontade de participação

direta sem representações e têm

dificuldade em aceitar representação e

decisões emanadas de outros.

Nesse sentido, alguns dos entrevistados

mencionam a existência de uma clivagem

na comunidade em termos demográficos

entre as camadas mais jovens e os adultos

de idade média e idosos. Conforme estas

referências, as camadas mais jovens

também são vulneráveis a determinados

problemas sociais como drogas e

alcoolismos, derivados do desemprego e

ociosidade que terão uma influência

considerável nos comportamentos anti-

autoridade.

Figura 4: níveis de participação pública e seu impacto na recuperação

Informar Consultar Envolver Colaborar Empoderar

Objetivo da participação pública

Fornecer ao público

informação objetiva e

organizada

Obter feedback do público na análise de alternativas e/ou as

decisões

Trabalhar diretamente com o

público durante todo o processo

Estabelecer parcerias com o público em cada

um dos aspetos da decisão

Colocar a tomada de

decisões finais nas mãos do

público

Promessas ao

público: exemplos do tipo

de discurso

“ Iremos manter-vos informados”

“Iremos manter-vos informados, vamos

ouvir e considerar as vossas preocupações e

aspirações e dar resposta sobre como as

vossas contribuições têm influenciado as

decisões.

“Iremos trabalhar convosco para

assegurar que as vossas preocupações e aspirações sejam

diretamente refletidas nas alternativas

desenvolvidas e possam dar feedback

sobre como as

“Iremos procurar o vosso conselho,

orientações e inovação na formulação de

soluções e na integração de vossos

conselhos e recomendações nas

decisões conforme ao máximo das

possibilidades”

“Iremos implementar o que vocês

decidam”

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

contribuições públicas influenciam a

decisão”

Exemplo de técnicas a utilizar

Sitios web Folhas

informativas (Fact sheets)

Comentários públicos Focus groups

Inquéritos Encontros públicos

Ateliers Planeamento deliberativo

Comités cidadãos de aconselhamento Construção do

consenso Tomada de decisões

participativa

Júris de cidadãos

Sondagens Referendo

Decisão delegada

Fonte: adaptado do APA Recovery Guidelines11

Lições aprendidas

Pilar 1: Lição Aprendida 1: Necessidade de estabelecer um quadro de recuperação: predefinir

mecanismos de coordenação, critérios para cada fase

Que aprendemos: na ausência de arranjos predefinidos para a gestão da recuperação, o

estabelecimento dos mecanismos de coordenação e determinação das instâncias de decisões,

para além de levar mais tempo é mais suscetível a interferências políticas. A dilatação no tempo

na tomada de certas decisões essenciais aumenta a pressão social, mediática e política, dificulta,

quando não impossibilita, a aplicação de medidas pouco populares e favorece a utilização de

arranjos pouco participativos e de eficiência limitada.

Que implica: que os procedimentos para a decisão e os mecanismos de coordenação devem ser

pensados antes que qualquer desastre aconteça. Existindo arranjos indicativos, o ajuste às

necessidades específicas de cada desastre resulta muito mais rápido e simples do que uma

reinvenção de raiz. Assim mesmo, uma reflexão ex-ante permite uma discussão serena baseada

numa análise aprofundada e mais livre de pressões sobre os mecanismos mais eficientes para

planear e gerir a recuperação. A determinação prévia dos mecanismos a utilizar permite

11 American Planning Association ( APA) “ Planning for Recovery Management” Briefing nº 7, Planning for Post-Disaster Recovery

RápidezAcelera o processo de tomadade decisão e permite umcaminho acelerado para todasas ações partes interessadas

DeliberaçãoRequer tempo compreender e

empoderar a todas as partes para participar

IMPACTO NA RECUPERAÇÃO

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

também a cada ator e parte interessada ter o tempo de interiorizar as disposições e se preparar

e organizar para dar resposta às suas atribuições, caso seja necessário.

Recomendações:

▪ Assegurar que a recuperação, como fase essencial na redução de riscos de desastres é

abrangida pelas políticas e legislação nacional sobre RRD.

▪ Garantir que os sistemas de financiamento da gestão de risco de desastres especificam

os mecanismos para financiar a recuperação pós-desastre.

▪ Investir no reforço de capacidades a todos os níveis, tanto nacional como local, para

assegurar uma real “ preparação” para a recuperação.

▪ Avaliar as capacidades existentes vis-à-vis o Quadro de Recuperação e propor

mecanismos para abordar as lacunas identificadas na gestão da recuperação

(formações, recrutamentos externos, sistemas de destacamentos e requisição de

pessoal, etc.).

▪ Desenvolver a descrição de tarefas e funções de cada instituição proposta para a

planificação e gestão da recuperação e elaborar em mais detalhe os procedimentos

enunciados no quadro de recuperação.

▪ Explorar o quadro legal nacional sobre as aquisições públicas e valorizar os mecanismos

existentes para aquisições rápidas e eficientes, mas transparentes e conformes com a

lei no processo de recuperação.

▪ Clarificar o papel do poder local na fase de recuperação, detalhando no quadro de

recuperação as atribuições das instituições locais.

▪ Identificar as lições aprendidas dos diferentes processos de recuperação e assegurar a

montagem de sistemas de seguimento e avaliação que favoreçam a aprendizagem.

▪ Identificar as melhores práticas ao nível nacional em planeamento e gestão participativa

e avaliar como estas experiências poderão ser aproveitadas para uma gestão mais

participativa da recuperação pós-desastre.

Pilar 1: Lição Aprendida 2: os mecanismos de partilha e gestão de informação são uma base

essencial para uma coordenação efetiva.

Que aprendemos: a planificação e gestão da recuperação aumentam as demandas pré-existentes de

partilha efetiva e gestão eficiente das informações. Ao mesmo tempo, as dificuldades na gestão e partilha

de informações devem ser tratadas muito antes de um desastre acontecer. Embora a gestão de desastres

e recuperação associada possam criar uma necessidade de intercâmbios mais expeditos, os canais e

mecanismos para a gestão das informações devem existir pré-evento para poderem ser operacionalizados

e adaptados às necessidades da crise e do pós-desastre.

Que implica: em especial, isto aponta para uma necessidade de aproveitar cada experiência para rever as

políticas e as práticas. Nessa linha, a revisão contínua das lições aprendidas com a gestão da recuperação

após cada desastre deveria permitir às instituições integrar as recomendações pertinentes no desenho,

avaliação e reorganização dos seus sistemas de informação, para assegurar que recolhem os dados de

base relevantes e que se produzem informações no formato e nível de desagregação pertinentes para

constituir uma linha de base a partir da qual se possa estimar os danos e as perdas, avaliar as necessidades

de recuperação, operacionalizar, seguir e avaliar os programas de recuperação.

Que recomendações:

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

▪ Desenhar os sistemas de informação setoriais considerando as necessidades de informação

tipicamente presentes na fase de recuperação, assim como durante a gestão da emergência.

▪ Promover o estabelecimento do SNIR (Sistema Nacional de Informação sobre Riscos) onde as

informações de vulnerabilidade e exposição sirvam de linha de base para a estimativa dos efeitos

e avaliação das necessidades de recuperação.

▪ Assegurar a interoperabilidade e interconexão entre os sistemas de informação setoriais.

▪ Regular e regulamentar interna e externamente o processo de partilha de informações,

notificação, consulta pública, parecer e reporte.

▪ Explicitar e incorporar no quadro legal e regulamentar da recuperação as obrigações de partilha

de informações nos arranjos de recuperação, sejam estes pré-desastre ou ad-hoc.

Pilar 1: Lição Aprendida 3: Repensar os canais e mecanismos para a participação pública para

além da socialização de informações ou da consulta.

Que aprendemos: a experiência de participação pública no processo de recuperação pós-desastre no

Fogo demonstra que as modalidades de participação utilizadas não contribuem para a apropriação

comunitária do processo e o engajamento comunitário na implementação de soluções. As comunidades

manifestam uma vontade de se engajar no processo de tomada das decisões que influenciam quando não

determinam o seu futuro.

Que implica: as instituições públicas têm que vencer o seus “medos” a organizar processos de

participação pública mais significativos. Uma participação mais iterativa ou mesmo a facilitação do

surgimento de iniciativas locais, pensadas e promovidas pelos próprios afetados requer mais tempo, mas

pode supor imensos ganhos em termos de sustentabilidade e apropriação.

Recomendações:

▪ Capacitar as instituições públicas, tanto locais como nacionais no desenho e utilização de técnicas

e ferramentas de planeamento e gestão participativa.

▪ Identificar as melhores práticas, ao nível comunitário/local de Cabo Verde sobre mobilização

comunitária e participação.

▪ Capacitar as organizações da sociedade civil e as organizações comunitárias em técnicas e

ferramentas de advocacia, planeamento e gestão participativa.

▪ Promover iniciativas piloto, dentro dos programas-quadro de recuperação, de orçamentos e

planeamento participativos.

Pilar 1: Lição Aprendida 4: Assegurar que existem mecanismos efetivos de representação das

comunidades locais com canais de comunicação efetivos nos dois sentidos

Que aprendemos: o processo de indicação dos representantes da comunidade nas estruturas

responsáveis da recuperação não deve ser abordado de uma forma simplista. A representatividade de

todas as vozes da comunidade e legitimidade de certas figuras comunitárias não deve ser assumido como

algo natural. Ainda que a liderança de certas pessoas seja geralmente aceite devem garantir a existência

explícita de mecanismos a partir dos quais esses líderes recolhem os subsídios das comunidades que

representam e partilham das discussões e decisões adotadas nos foros que participam.

Que implica: promover foros alargados e abertos a toda comunidade, nos que se discute a necessidade

de estabelecer um mecanismo de representação e se recolhem os seus subsídios de como melhor

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

organizar esse mecanismo. Ao mesmo tempo, requer entender as estruturas de poder local e as

desigualdades subjacentes. Uma boa compreensão da organização social de cada comunidade é

importante para garantir que todos os grupos, incluindo os menos poderosos, são incluídos no processo.

Recomendações:

▪ Valorizar o conhecimento e experiências de engajamento público das organizações que

trabalham em cada comunidade na fase pré-desastre.

▪ Promover focus group com coletivos vulneráveis cuja opinião dificilmente emerge numa

assembleia ou reunião geral.

▪ Apoiar associações e grupos comunitários no seu reforço de capacidades e auto-organização.

▪ Promover a tradução da informação técnica numa linguagem comum e compreensível para as

comunidades locais, para que possam se apropriar dos elementos chave das discussões e

participar mais efetivamente.

2.3.2. Leis e políticas para a recuperação

Constatações (findings) da análise

▪ Limitadas referências diretas à recuperação na legislação e nas políticas estratégicas e

setoriais

Para além das referências gerais no plano

nacional de contingência, assim como na lei

de bases da proteção civil já referidas na

apresentação do quadro legal e

institucional, não existem outro tipo de leis,

planos ou políticas ao nível nacional que

regulem e orientem a gestão dos processos

de recuperação. Não obstante, podemos

identificar em algumas regulações setoriais

ou temáticas, certas provisões legais que

poderiam ser de utilidade na definição de

regulações, mecanismos e procedimentos

para a fase de recuperação. Assim, por

exemplo, conforme a lei cabo-verdiana de

aquisições públicas, existem sistemas de

“fast-track” ou pré-seleção de fornecedores

que podem ser capitalizados para acelerar

os processos de aquisição pública em

momentos de emergência e também na

fase de recuperação. Nestas fases de

emergência, resposta e recuperação são

necessárias celeridade e flexibilidade - para

agilizar os procedimentos burocráticos-

sem por isso fugir às exigências de rigor na

formação de contratos, publicidade,

transparência e legalidade nos processos de

contratação e aquisição de bens e serviços.

Conforme responsáveis da ARAP (agência

de regulação das aquisições públicas) estes

procedimentos especiais estão já previstos

na lei, pelo qual bastaria divulgar as

provisões legais e capacitar os responsáveis

das diferentes instituições na aplicação

efetiva dos mesmos, evitando um uso

abusivo dos mecanismos excecionais com

apelo às necessidades de “urgência”.

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▪ Ausência de critérios pré-definidos para a gestão da fase de recuperação

Conforme a análise realizada, revela-se

necessário um trabalho de preparação para

a gestão da recuperação que permita evitar

a morosidade e indeterminação vivida no

processo em curso após a erupção vulcânica

no Fogo. Conforme as reflexões recolhidas,

mostra-se necessário pré-definir a duração

de cada uma da fase (emergência,

assistência humanitária e recuperação),

estabelecer os princípios orientadores que

as norteiam, assim como definir alguns

critérios ou requisitos básicos para a

seleção de beneficiários dos diferentes

programas e intervenções e os mecanismos

mais eficientes de apoio aos afetados por

determinado desastre em cada uma das

fases da recuperação. Neste sentido, a

predefinição de alguns procedimentos e

mecanismos, deverá sempre salvaguardar a

flexibilidade necessária para adaptar-se às

condições e necessidades específicas de

cada tipo de evento. Nessa ótica de garantir

a flexibilidade, pondera-se a proposta de

um leque de procedimentos ou opções

alternativas a serem calibradas e ajustadas

em função do tipo de evento (em relação a

natureza, tipo de perigo na origem;

magnitude, abrangência, efeitos na

comunidade, etc.).

Da análise realizada dos problemas

repertoriados no caso de Fogo destaca que

estes são problemas bastante comuns que

emergem na maioria dos processos de

recuperação mas que se manifestam em

escalas diferentes em cada evento de

desastre (em função da sua magnitude,

perfil de afetados e tipo), e adquirem

expressões diferenciadas conforme o

contexto social, político e cultural do país e

comunidade. Problemas com a definição do

que constitui um agregado familiar e se

famílias formadas pós-desastre devem

merecer ou não apoios destinados aos

núcleos familiares afetado, são comuns e

mesmo, têm sido documentados e

reportados como problemas legais

recorrentes dos processos de recuperação.

A questão dos direitos de propriedade e uso

da terra em contexto pós-desastre é outro

problema legal comummente apontado nos

estudos de caso sobre os problemas de

recuperação.

A categorização dos agregados familiares e

a definição da sua elegibilidade para

diferentes “pacotes” de benefícios e

direitos a assistência de recuperação é

sempre sujeita a polémica e reclamações.

Não obstante, como aconteceu no caso de

Fogo, o adiamento deste tipo de trabalho

de definição dos critérios de assistência não

contribui para a resolução do problema,

pelo contrário, reforçou a especulação,

suscitou falsas expetativas - em especial em

torno aos apoios ligados às habitações - e

facilitou o caldo de cultivo para que atitudes

oportunistas sejam madurecidas e se

manifestem na forma de reclamações e

conflitos. A determinação da propriedade

das terras e habitações, a abordagem com

os agregados familiares que se separam

após o desastre, os direitos dos inquilinos

versus os locatários são problemas comuns

aos processos de recuperação que foram

identificados no caso da erupção vulcânica

do Fogo e que necessitam de uma reflexão

técnica e consideração prévia, para opções

mais equitativas e decisões mais livres de

pressão.

▪ Limitadas orientações em relação à recuperação dos meios de vida e emprego

Um outro âmbito no qual se reflete a falta

de orientações nas políticas públicas

nacionais tem a ver com a recuperação dos

meios de vida e as medidas de proteção

perante a perda de emprego. A análise das

experiências internacionais sobre a

recuperação aponta a que muitos países

não tem uma política explícita em relação à

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

reconstrução do setor privado, isto é

especialmente nos contextos em que o

setor privado habitualmente subscreve

apólices de seguro e as companhias

compensam os proprietários de negócios e

indústrias pelos danos sofridos e estas

compensações lhes permitem reiniciar a

sua atividade económica. O panorama é

diferente quando a maioria dos meios de

vida da comunidade se enquadram no setor

informal e mesmo estando dentro do

sistema económico formal não dispõem de

apólices de seguro ou bem estas não

cobrem os estragos ligados a desastres.

No caso de Fogo, não conseguimos

identificar se alguns dos operadores

económicos contavam com apólices de

seguros. Não obstante constatou-se que

alguns dos maiores operadores do setor

privado, em especial hotéis e as adegas de

vinho não dispunham de apólices de

seguros. Alguns destes atores refletem

sobre as deficiências na oferta do setor dos

seguros em Cabo Verde. Considerando a

oferta atual, os privados, para além das

apólices de responsabilidade civil, viagem

ou seguro automóvel, apenas conseguem

assegurar os seus estabelecimentos contra

riscos de incêndio nas instalações.

No caso do Fogo, as instituições

responsáveis pela recuperação demoraram

a decidir sobre as modalidades de apoio à

recuperação dos meios de vida. Enquanto

algumas iniciativas se iniciam com apoio de

parceiros externos e doadores

internacionais no setor de agricultura e

pecuária, esquemas similares de

compensação, proteção e/ou recuperação

de meios de vida em setores como o

turismo, comércio, artesanato ou

transformação, demoram a serem definidos

e toda a população continuou a ser

suportada através de esquemas

assistencialistas de entrega de bens

alimentícios, muito tardiamente

substituídos por transferências em

dinheiro. Em alguns casos específicos,

parece que mecanismos excecionais foram

desenhados para alguns operadores

comunitários, em concreto a cooperativa

de vinho Chã. Embora o governo e

numerosos atores não-governamentais

justifiquem este tratamento diferenciado

em função da natureza jurídica desta

sociedade - constituída como cooperativa

comunitária - muitos denunciam que o

lobbying dos líderes da cooperativa e seu

poder político teria pesado mais na decisão

de conceder ajudas especiais (para a

construção de uma adega temporária e

posteriormente para a reconstrução de um

adega definitiva), que a contribuição

potencial desta sociedade na recuperação

económica dos vinicultores e de uma forma

geral dos habitantes de Chã-das-Caldeiras.

A discussão à volta da justiça na concessão

de apoios especiais a esta cooperativa

transluz uma questão de base que deve ser

bem refletida nos guiões e políticas para a

recuperação: os critérios de compensação

para o setor privado e os limites da

responsabilidade do Estado.

No caso da adega da cooperativa Chã, se

bem muitos defendem que a sua

reabilitação era essencial para evitar perdas

económicas maiores na produção de vinho

da comunidade, outros muitos sugerem

que existiam alternativas para a produção

de vinho e também que nesta avaliação do

benefício social e económico da

reconstrução da adega se descuidou uma

análise mais aprofundada do

funcionamento interno da estrutura, e em

especial o aspeto ligado à redistribuição

interna dos benefícios da cooperativa para

os associados. Conforme as entrevistas com

responsáveis, associados e parceiros da

cooperativa, aqueles associados não

vinculados às estruturas diretivas e

membros fundadores da cooperativa

participam da organização com a venda das

suas uvas para a cooperativa mas não

beneficiam de uma redistribuição dos

benefícios comerciais da venda dos

produtos finais da cooperativa. Assim

mesmo, outras vozes se levantam para

questionar a questão da democracia

interna nos órgãos de decisão desta

cooperativa e mesmo colocam a exigência

de que esta constitua o seu próprio fundo

de contingências a partir de reservas dos

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

seus benefícios e contribuições próprias dos

associados.

O peso simbólico desta cooperativa e a sua

marca de vinho para a comunidade de Chã

são inegáveis, no entanto, no contexto da

definição dos critérios e medidas do apoio

público à recuperação no setor privado, as

instituições públicas deveriam aprofundar

mais na análise do custo-benefício e valor

social de cada medida proposta, assim

como refletir sobre os precedentes em

relação à responsabilidade pública com os

privados, que cada decisão cria.

Constata-se que outros mecanismos para

apoiar a recuperação dos meios de vida e o

emprego, como: esquemas de “ dinheiro-

por-trabalho” no âmbito da reconstrução

de infraestruturas; micro-créditos para os

pequenos empreendedores do setor

informal; suporte a renegociação de

créditos (extensão de prazo, períodos de

carência, aumento de capital

disponibilizado, etc.) para os empresários,

arranjos temporários com os sistemas de

proteção social (contributivos ou não

contributivos), para compensar

temporariamente a perda de emprego dos

assalariados de setores afetados como

hotelaria e turismo; reduções fiscais ou

ainda isenções de impostos temporais para

a recuperação de atividades económicas,

etc., não têm sido praticamente explorados

nem definidos ou quando aparecem - como

a questão dos microcréditos - surgem mais

como iniciativa do setor social/humanitário

e das ONGs (por exemplo, o programa da

Cruz Vermelha que previa a disponibilização

de até 600,000 CVE a empreendedores da

comunidade afetada)

▪ Escassas orientações para determinar a responsabilidade do Estado e guiar os esquemas

de compensação e assistência

Embora durante a campanha eleitoral de

2016 alguns líderes políticos tenham

chegado ao ponto de prometer ou exigir

compensações totais aos afetados de Chã

pelos danos e as perdas económicas

sofridas pelo desastre, passada esta fase

de agitação política, todos os atores dos

atuais oposição e governo reconhecem a

necessidade clarificar e

consequentemente limitar a

responsabilidade do Estado pelas perdas

sofridas pelos privados.

Na ausência de orientações e provisões

legais ou políticas claras sobre a questão da

responsabilidade do Estado, durante a fase

de entrevista perguntou-se aos

informantes sobre a sua compreensão

sobre os limites e visão em relação à

abrangência da responsabilidade do

Estado em relação aos danos e perdas

causadas por um desastre de origem

natural, tanto no caso do Fogo como na

eventualidade de outras ocorrências.

Para alguns esta responsabilidade pública

emerge da falta de orientações, regulação,

e aplicação efetiva da lei. Nesta ótica, a

falta de regulações e medidas claras por

parte do Estado que autorizem ou proíbam

determinados usos do solo e o

desenvolvimento de determinadas

atividades numa zona, engendra uma

responsabilidade pública no Estado como

principal garante do bem-estar dos

cidadãos e guardião da ordem pública. Por

exemplo, no caso de Chã-das-Caldeiras,

este concretiza-se na compreensão de

alguns intervenientes de que, quando o

governo permite (por ação ou omissão) a

ocupação de uma zona que considera de

risco como Chã-das-Caldeiras assume de

facto a responsabilidade moral de

indemnizar aos afetados ou pelo menos

repor alguns dos bens destruídos ou

equipamentos perdidos.

Para outros, a falta de limitação ex-ante da

própria responsabilidade do Estado cria

uma obrigação legal para a reposição de,

pelo menos, as habitações e os meios de

vida dos afetados. Ainda para outros

entrevistados, a responsabilidade do

Estado tem mais um caráter moral do que

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

legal e está enraizada numa obrigação

maior do Estado para com o bem-estar e

proteção social dos seus cidadãos.

▪ Falta de definição de mecanismos de apresentação de queixas e reparação extrajudiciais

No caso de Fogo, percebe-se da análise da

cobertura mediática do processo de

recuperação, que muitos afetados têm

utilizado os meios de comunicação social

para apresentação das suas queixas e

partilha das suas opiniões sobre as

propostas e decisões. O recurso à

comunicação social e média social por parte

dos cidadãos pode constituir uma

ferramenta adicional numa estratégia de

advocacia, não entanto neste caso, parece

constituir mais uma resposta a uma

necessidade do que uma opção voluntária

perante a falta de um mecanismo formal de

apresentação de queixas e sugestões. Nesse

sentido, em primeiro lugar, as comunidades

afetadas refletem sobre a ausência de

interlocutores diretos. Nessa ótica, a

situação parece ter melhorado no período

em que se efetivou a comissão

interministerial já que as pessoas contavam

com dois assistentes sociais baseados nas

comunidades de acolhimento dos

deslocados e vários técnicos cujo local de

trabalho estava baseado na delegação do

Ministério de agricultura e ambiente no

concelho de São Felipe (Fogo). Embora a

presença destes técnicos não assegura por

si a existência de mecanismos formais pelos

quais os afetados e beneficiários dos

programas de recuperação apresentam as

suas queixas e recebem respostas formais

às suas reclamações, pelo menos, melhora

o acesso das populações aos gestores do

processo de recuperação.

Em relação às reparações, ex-responsáveis

do GRF reconhecem que houve algumas

situações de “injustiça” nos apoios à

reabilitação das casas de 1995 que após

reclamação das famílias afetadas foram

corrigidas. Assim mesmo, a equipa da

Comissão Interministerial esforçou-se

enormemente no levantamento das

condições das famílias e na avaliação da sua

vulnerabilidade socio-económica com

vistas a direcionar melhor os apoios e

produzir resultados mais equitativos nos

programas de recuperação. Apesar do

reconhecimento que estes esforços e

correções merecem, isto não exclui a

necessidade de criar mecanismos formais

através dos quais as populações que

sentem que têm recebido um tratamento

discriminatório ou que as suas necessidades

não têm sido bem avaliadas ou atendidas

no desenho e execução dos programas,

possam fazer chegar o seu feedback e,

sobretudo, receber uma resposta formal

das instituições responsáveis.

A ausência destes mecanismos não se limita

à apresentação de queixas ou sugestões,

mas abrange também a questão de pedidos

de esclarecimento ou informações

adicionais. Um exemplo significativo da

ausência de mecanismos formais de

informação foi partilhado por um

empresário do setor de hotelaria de Chã-

das-Caldeiras que, informado sobre a

aprovação de um Decreto-lei que regulava

as medidas provisórias de uso do solo em

Chã e de acordo com o mesmo, as

estruturas de apoio a atividade turística,

hoteleira e restauração eram suscetíveis de

autorização, tentou procurar mais

esclarecimentos com vista à aprovação

legal do seu projeto de construção de um

hotel. Conforme o comunicado de

resolução do Conselho de Ministros sobre

as medidas preventivas para a regulação do

uso do solo em Chã das Caldeiras publicado

em Maio 2015, os “pequenos”

empreendimentos hoteleiros de pequena

dimensão são suscetíveis de autorização

prévio parecer do INGT, DNA e SNPCB.

Nessa ótica, o empresário refere ter

enviado mais de 10 cartas a todas as

instituições que considerava que poderiam

clarificar a questão e informar sobre os

procedimentos de autorização, mas relata

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

não ter recebido nenhuma resposta a essas

correspondências. Nesta situação, o

empreendedor decide seguir em frente

com o seu projeto, entendo que a falta de

resposta é sintomática da falta de

orientações e indecisões do governo em

torno da recuperação e interpretando a

falta de resposta como uma aprovação

tácita do seu empreendimento.

Nesse sentido, medidas como balcões ou

janelas única de informação melhoram

consideravelmente a experiência dos

usuários dos diferentes serviços e

beneficiários dos programas de

recuperação, que por vezes têm de

apresentar os seus dossiers de

documentação em repetidas ocasiões nos

diferentes balcões de cada instituição ou

agência.

Lições aprendidas

Pilar 2: Lição Aprendida 1: A montagem de sistemas de gestão de reclamações e sugestões

melhora a transparência, satisfação dos beneficiários e reforça a participação

Que aprendemos: as pessoas afetadas pelos desastres e beneficiados no âmbito dos programas de

recuperação têm compreensões diversas sobre os seus direitos e deveres e, por isso, podem fazer

avaliações díspares sobre as intervenções e mesmo sobre os benefícios que recebem. Os seus interesses

e opiniões como implementar a recuperação e como gerir os programas são heterogéneos e podem não

coincidir com o que as autoridades pensam. Por esses motivos, é preciso que existam mecanismos de

comunicação a partir dos quais as pessoas manifestam as suas preocupações e opiniões, e solicitam e

recebem respostas sobre as suas reclamações ou consultas.

Que implica: assegurar que os mecanismos de receção das solicitações existem, mas também que

atendem às solicitações e que existem os mecanismos para receber, analisar e sobretudo dar resposta às

mesmas, executando as correções e reparações necessárias às quais as decisões possam dar lugar.

Recomendações:

▪ Assegurar que o desenho dos sistemas de gestão inclui estas ferramentas de

reclamações e reparações.

▪ Considerar estes mecanismos no planeamento de programas e desenho de estratégias

de planeamento participativo.

▪ Assegurar que os critérios são claramente estabelecidos e que as capacidades de

comunicação com os beneficiários são desenvolvidas ao nível dos responsáveis de

gestão dos programas e das pessoas que asseguram o interface direto com o público.

▪ Assegurar a integração com os sistemas de seguimento e avaliação dos diferentes

projetos e programas com vista a que as correções informem as adaptações necessárias

nas lógicas de intervenção ou bem nos mecanismos específicos de execução de uma

atividade, serviço ou projeto.

Pilar 2: Lição Aprendida 2: A responsabilidade do Estado e os seus limites precisam ser

detalhados nas políticas e legislação concernentes à recuperação pós-desastre

Que aprendemos: a falta de desenvolvimento na legislação e nas políticas nacionais sobre a

responsabilidade do Estado alimenta expetativas sobre compensações aos particulares e apoios ao setor

privado que o Estado poderá conceder no pós-desastre. Assim mesmo, esta falta de critérios sobre que

responsabilidades o Estado assume e quais recaem sobre os cidadãos e o setor privado, desincentiva o

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

investimento privado em medidas de autoproteção e gestão de riscos. A falta de transparência sobre os

critérios que justificam o apoio à reconstrução de determinados investimentos privados pode criar

precedentes com implicações financeiras e políticas difíceis de assumir para os governos. Assim mesmo,

expetativas e precedentes podem incentivar comportamentos oportunistas da parte de operadores

privados e dos próprios afetados.

Que implica: a delimitação da responsabilidade pública e clarificação dos motivos e critérios de subsídio

público na reconstrução do setor privado implicam a análise das bases legais, socio-económicas e morais

que sustentam a responsabilidade pública na recuperação pós-desastre. Esta limitação e clarificação -

para ser efetiva - requer também um trabalho de socialização e de educação cívica. Em relação ao setor

privado, o governo deve assumir a responsabilidade de ajudar na identificação dos riscos aos que está

sujeito, assim como apoiar aos privados na identificação e adoção de medidas de autoproteção que

reduzam as suas vulnerabilidades e ajudem a prepararem-se para poder retomar as suas atividades e

reforçar a sua resiliência após um evento de desastre de qualquer envergadura.

Recomendações:

▪ No quadro da preparação da estratégia nacional de proteção financeira contra os riscos de

desastres, avaliar o funcionamento atual do mercado de seguros no país, identificar a oferta e

cobertura existente em termos de seguros catastróficos e promover, junto das instâncias

reguladoras do sistema - em especial o Banco Central – e as instituições setoriais o

desenvolvimento de seguros paramétricos, por exemplo seguros indexados a parâmetros

climáticos que cubram riscos de desastres (seguros indexados em base a fatores climáticos para

o setor de agricultura, etc.).

▪ Promover esquemas grupais (abordagem de negociação grupada para todo o Estado) de apólices

de seguros para bens públicos (edifícios, infraestruturas, instalações governamentais, etc.).

▪ Sensibilizar o setor privado sobre a necessidade de participar na redução de riscos de desastres

e assumir responsabilidades na sua própria estratégia de preparação.

▪ Apoiar as associações de profissionais do setor e as agências reguladoras na elaboração e

supervisão (com base em critérios pré-definidos) de planos de continuidade de negócios e de

serviços.

▪ Promover o estudo desde as ciências políticas e jurídicas, da questão da responsabilidade do

Estado em relação às bases jurídicas da República e jurisprudência e identificar onde é necessário

desenvolvimento jurídico (de detalhe, de desenvolvimento de raiz, de correção para assegurar a

coerência, etc.).

Orientações baseadas na revisão das melhores práticas internacionais

A revisão de estudos de caso, melhores práticas e orientações internacionais apontam a que o governo

está claramente obrigado à reconstrução de bens públicos não assegurados ou insuficientemente

cobertos. Para além desta obrigação que parece clara e evidente, as responsabilidades do Estado

frequentemente não estão muito claras. No seguinte quadro, resumem-se algumas orientações

internacionais que poderão guiar a delimitação das obrigações do Estado (liabilities).

No quadro em baixo, organizada em quatro quadrantes, podemos ver no quadrante A, o detalhe daquelas

obrigações públicas na fase de recuperação em relação a bens com fim social. A listagem de equipamentos

e bens no quadrante A constitui aquela que menos dúvida coloca. No quadrante D, obrigações privadas

com a reconstrução de bens com fim privado, refletem-se o tipo de intervenções de reconstrução mas

que em princípio, o setor privado deveria assumir a responsabilidade. No tocante a habitação, isto é

especialmente aplicável a habitações de agregados familiares com renda média ou elevada. Os

quadrantes B e C abrangem aquele tipo de intervenções de recuperação cuja responsabilidade resulta

mais subjetiva e precisa de uma decisão política complexa, às vezes mesmo aplicada caso a caso. Os

governos habitualmente têm financiado a recuperação de pequenas e médias empresas e explorações

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

agropecuárias de pequenos proprietários. Os efeitos sociais e económicos negativos de não o fazer criam

uma obrigação moral, frequentemente suportada pela pressão política. Embora o governo assuma esta

responsabilidade em determinados processos de recuperação, deverá considerar que as suas

responsabilidades, e os encargos associados com a reconstrução e recuperação continuarão a crescer na

base dos precedentes, até ao momento em que o governo não dê sinais claros aos proprietários privados

sobre as responsabilidades públicas do Estado na reconstrução, em especial num contexto em que as

famílias não têm ao seu alcance outras estratégias de gestão de riscos.

Figura

4:

Responsabilidades do Estado em relação à recuperação do setor público e privado

Fonte: ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.

No desenvolvimento da sua política de recuperação, o governo deve decidir que obrigações está disposto

a assumir. Assim, deve considerar que todas as suas decisões criam precedentes para futuros programas

de recuperação e arriscam criar um “ perigo moral”. Mesmo quando o Estado agir como “assegurador de

último recurso” dos bens privados, o governo deverá procurar formas de reduzir as suas obrigações

privadas, por exemplo, apoiando apenas a reconstrução de habitações com standards reforçados de

segurança, ou subsidiando apenas os agricultores que aceitem subscrever apólices de seguros contra

riscos futuros12.

Pilar 2: Lição Aprendida 1: Na falta de orientações chave nas políticas e legislação as decisões

ad-hoc relativas aos processos de recuperação tornam-se morosas e contestáveis.

Que aprendemos: a imagem do que ocorre em relação aos arranjos institucionais e mecanismos

de coordenação, a falta de orientações concretas nas políticas gerais ou setoriais que norteiem

as decisões relativas ao processo de recuperação, a gestão do mesmo torna-se mais morosa e

12 ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.

Fim social Fim privado

Obrigações ( liability) Responsabilidades públicas

▪ Infrastruturas públicas ▪ Edificos públicos ▪ Escolas e hospitais

públicos

▪ Habitações de famílias não asseguradas e em situação de pobreza/ baixo nível de renda

▪ Programas de proteção social ▪ Restauração dos sistemas de produção agrícola e

pecuária de pequenos proprietários ▪ Pequenas e médias empresas que asseguram

meios de vida ▪ Bens e equipamentos domésticos ▪ Equipamentos de pequena produção artesanal

Obrigação Responsabilidade Privada

▪ Escolas e hospitais privados

▪ Infraestrutura construída pelos privados

▪ Habitações ▪ Edifícios comerciais ▪ Operações industriais

A

C

B D

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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

corre o risco de estar desarticulada de objetivos a largo prazo, ou mesmo, entrar em contradição

com princípios do setor público, como o da equidade.

Que implica: a necessidade de rever, a partir das propostas de um quadro geral de recuperação,

os diferentes aspetos setoriais cujas orientações políticas precisam ser desenvolvidas para

orientar a tomada de decisão na fase de recuperação pós-desastre. Isto concerne em especial

ao uso e propriedade da terra, habitação e reassentamento, promoção económica, atividade

empresarial, crédito, etc.

Recomendações: ▪ Analisar no quadro das políticas e legislação sobre solos, expropriação, propriedade da terra,

cadastro como melhor regular o uso e propriedade da terra em caso de desastres e em situações

de risco eminente, que possam justificar a aplicação de determinadas restrições e/ou a

deslocação voluntária ou forçada de determinadas populações.

▪ Assegurar nas políticas de realojamento/reassentamento pós-desastres a adoção de um enfoque

integrado de habitat que considere, não só as necessidades de habitação dos realojados, mas

também as atividades económicas, sociais e culturais e as necessidades a elas associadas.

▪ Promover a consideração das políticas de apoio ao empreendimento privado e formalização do

setor informal dodesenho de mecanismos de transferência de riscos (seguros) em paralelo com

as medidas de acesso ao crédito.

▪ Assegurar que as políticas de gestão de dados no setor público, assim como no setor privado,

incluem provisões em relação à custódia, gestão, redundância, arquivo, proteção e recuperação

de dados em caso de desastre, em especial em relação a documentos essenciais (registos de

propriedade, registo civil, etc.).

▪ Analisar como as políticas de emprego e proteção social poderão melhor responder às

necessidades sociais e económicas de recuperação. Especial atenção deverá ser dada aos casos

de perda de emprego por causa de destruição dos meios de vida e/ou interrupção da atividade

económica no caso de um evento de desastre.

▪ Avaliar nos programas de reconstrução as opções de promoção do emprego, esquemas de

dinheiro-por-trabalho para assistir as pessoas atingidas pela destruição do emprego, mas

também para promover a participação da comunidade local na implementação das iniciativas de

reconstrução.

▪ Assegurar que se realiza uma avaliação do impacto socio-económico, com especial atenção aos

resultados na equidade, redução de desigualdades e igualdade de oportunidades dos programas

de recuperação. Por muito emblemáticas que determinadas intervenções resultem, para além

de avaliar o seu impacto ambiental, deve propor-se uma avaliação do impacto que irão ter no

desenvolvimento humano da comunidade e em especial na equidade, distribuição social de

riqueza e poder e igualdade de oportunidades para todos.

Pilar 2: Lição Aprendida 3: a falta de decisão também cria responsabilidades

públicas.

As medidas adotadas no sentido de compensação estabelecem precedentes que serão

lembrados pela opinião pública e são suscetíveis de ser reclamados no futuro por outros

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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

afetados ou grupos de interesse. Nesse sentido, o Estado deveria assegurar que as decisões

adotadas no quadro da recuperação são cautelosas em relação aos precedentes que podem

criar e deverão tentar limitar as futuras obrigações do Estado.

Que aprendemos: na ausência de provisões legais, a falta de resposta, falta de decisão e inação

podem ser interpretados como uma aceitação tácita de determinadas ações por parte dos

particulares, o que pode suscitar um certo tipo de direitos “ adquiridos” nos privados e

engendrar responsabilidades no setor público.

Que implica: as políticas de recuperação devem clarificar quem deve tomar determinado tipo

de decisões, quais os direitos e deveres dos cidadãos e dos poderes públicos e quais serão as

interpretações legítimas nos casos de silêncio administrativo.

Que recomendações:

▪ Reforçar o nível de preparação de todos os níveis de governo e administração em

relação à gestão da recuperação, com vista a que o processo seja mais ágil e se evitem

vazios na decisão ou lapsos na execução efetiva das políticas e medidas decididas.

▪ Assegurar que os setores analisam com antecedência, na sequência da aprovação do

Quadro de Recuperação, as principais questões que se colocam para a decisão nos

processos de recuperação e identifiquem ex-ante critérios para orientar as decisões.

▪ Assegurar o desenvolvimento dos instrumentos (regulamentos, ordenanças,

orientações administrativas) necessárias para que as legislações aprovadas se traduzam

em orientações efetivas para os serviços de administração que asseguram a interface

com os cidadãos.

2.3.3. Avaliação das necessidades pós-desastre

Avaliação das necessidades pós-desastre em Fogo No caso da erupção vulcânica de 2014-2015 em Fogo, realizou-se uma avaliação de necessidades pós-desastre, com recurso a metodologia do PDNA (post-disaster need assessment). De uma forma geral, os parceiros consultados conhecem o processo e o relatório, e reconhecem o valor da avaliação dos efeitos e das necessidades de recuperação. Da análise realizada não se colocam em questão nem as metodologias nem a credibilidade dos resultados. Não obstante, vários atores refletem sobre a necessidade de traduzir a avaliação das necessidades de recuperação e as propostas de intervenção refletidas no PDNA em algo concreto. Os entrevistados lamentam que o PDNA não tinha servido até à data para a elaboração de um plano de ação de recuperação com ações mais concretas nos diferentes horizontes temporais e com critérios explícitos para a priorização das mesmas. Neste sentido,

parece que se bem a mais-valia da metodologia de avaliação dos efeitos e necessidades é reconhecida, o valor do PNDA como instrumento de mobilização de recursos tem ainda que ser demonstrado. A realização dum PDNA foi impulsado pelas agências das Nações Unidas e os parceiros (Banco Mundial e União Europeia), não obstante, parece ter havido uma apropriação forte dos resultados do mesmo e pelo menos um interesse e apreciação da metodologia. Em relação ao processo, embora a avaliação tenha sido realizada por uma vasta equipa de técnicos nacionais que apoiaram os especialistas internacionais na sequência duma capacitação, a finalização do documento foi liderada pela equipa internacional que solicitava as contribuições, dados e revisões - quando julgava necessário - aos técnicos nacionais e se ocupava

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

da redação final do relatório, cuja versão original foi em inglês. No caso das cheias de São Miguel, o governo criou uma comissão interministerial, cuja missão principal foi a de avaliar os danos causados pelas cheias e a identificação das medidas de recuperação. Embora o trabalho conjunto intersetorial realizado por esta comissão tenham permitido evitar duplicações e assegurar uma avaliação integrada dos danos físicos a sistemas de infraestruturas e os serviços aos quais dão apoio, a equipa formada não dispunha de ferramentas específicas de avaliação pós-desastre e a sua análise limita-se à identificação dos danos físicos sem consideração dos custos económicos da interrupção de serviços e atividades económicas (produção, transporte, comércio, etc.) ou ainda

os custos adicionais de produção de bens e serviços através de mecanismos alternativos (por exemplo, assegurar a distribuição de água a partir de autotanques devido à destruição dos sistemas de adução de água). No caso deste desastre acontecido em Setembro 2013, as instituições públicas apenas avaliam os danos a partir do cálculo dos custos de reconstrução e reabilitação de sistemas danificados ou destruídos, mas não consideraram as perdas associadas nem analisaram o impacto do desastres nos sistemas de governação, economia e desenvolvimento humano local.

Constatações (findings) da análise

▪ Reconhecimento do valor da metodologia de PDNA mas limitada utilização da avaliação

para a planificação da recuperação

Da experiência dos técnicos das instituições consultadas que já participaram em outros processos de avaliação pós-desastre, anteriores ou posteriores à erupção de Fogo, a mais-valia da utilização de metodologia de PDNA tem a ver com: i) o seu reconhecimento pelas organizações internacionais e parceiros, e credibilidade que a sua utilização aporta às avaliações; ii) a agregação de todos os dados setoriais e a integração de assuntos transversais. Em relação a esta agregação, os técnicos do Ministério das Infraestruturas apontam ao facto que nas avaliações em que têm participado anteriormente, cada setor e/ou cada instituição realiza as suas avaliações separadamente e sem cruzamento posterior dos resultados e propostas de reconstrução. Cada instituição,

mesmo dentro do mesmo setor, recorre as suas próprias orientações e metodologias para avaliar o valor do bem danificado ou bem o orçamento necessário para reconstruir ou para reestabelecer o funcionamento de uma infraestrutura ou equipamento ao nível do pré-desastre. Neste sentido, os técnicos envolvidos nessas avaliações reconhecem uma falta de atenção para a questão de avaliação das perdas (entendidas como os fluxos económicos não usufruídos ou custos adicionais incorridos por prestar serviços e bens de substituição), assim como a existência de duplicações na avaliação dos custos de reconstrução ligadas a falta de cruzamento das avaliações sectoriais ou mesmo uma partilha dos resultados e metodologias entre os diferentes setores.

▪ Fraca apropriação das metodologias do PDNA ( post-disaster need assessment).

Apesar de não estarem abrangidos no âmbito deste estudo, nesta secção queremos considerar também alguns eventos de desastres ocorridos posteriormente à erupção de Fogo, em especial as cheias que assolaram a ilha de Santo Antão no mês de Setembro de 2016. Do processo de avaliação dos efeitos do desastres e das necessidades de recuperação, destaca-se a não utilização das metodologias de avaliação de necessidades pós-desastre (PDNA)

para cuja aplicação numerosos técnicos de diversas instituições públicas tinham sidos capacitados em 2015. Conforme as fontes consultadas, e pese a abertura e disponibilidade de alguns parceiros como o Banco Mundial e PNUD para apoiar o processo de avaliação das necessidades pós-desastres, as instituições públicas recorreram às suas ferramentas tradicionais de avaliação de estragos e identificação de projetos de reconstrução, reabilitação e recuperação. Estes

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mecanismos tradicionais apresentam determinadas vantagens e desvantagens em relação à metodologia do PDNA. Em relação às suas vantagens, de referir que se baseiam nas ferramentas de projeção de obras clássicas dos ministérios de agricultura e infraestruturas e pelo tanto, apresentam a vantagem da familiaridade, simplicidade e prática adquirida pelos técnicos destes serviços. Nessa mesma linha, as vantagens têm a ver com o nível de exigência de informações de base e o esforço de cálculo, que são consideravelmente menores do que aqueles exigidos para um PDNA completo. No lado das desvantagens, aponta-se por um lado a falta de cruzamento de dados de avaliação de necessidades entre os setores. Assim, responsáveis do Ministério das Infraestruturas reconhecem que em certos momentos têm identificado duplicações na contabilização de projetos de reconstrução (por exemplo, em relação às intervenções de correção torrencial, como diques e outras obras que foram identificadas como necessidades e projetadas como medidas de recuperação, tanto pelos técnicos de infraestruturas e estradas, como por aqueles de agricultura e engenharia rural) que se devem à fraca interação entre os setores para confirmar a abrangência das medidas consideradas por cada setor e confirmar que os requisitos, em termos de execução de pré-ações ou de intervenções complementárias são garantidos. Outras vantagens da metodologia do PDNA referem-se à integração das informações sobre as perdas associadas com o desastre. Apesar dos esforços realizados na capacitação de técnicos nacionais das diferentes instituições públicas normalmente envolvidas nos processos de recuperação, a fraca consideração para a questão das perdas nas avaliações pós-desastre conduzidas demonstra uma compreensão ainda limitada do conceito de perdas (diretas e indiretas) assim como dos métodos para o seu cálculo. A principal preocupação com o recurso a metodologias setoriais clássicas para a avaliação das necessidades de recuperação tem a ver com a

limitada consideração que estes permitem para a avaliação dos fatores de vulnerabilidade e exposição e a integração de medidas de redução de risco nas propostas de recuperação. Na nossa análise, a falta de apropriação das metodologias do PDNA em eventos de desastres pós-erupção de Fogo, explica-se de acordo com vários fatores: i) a fraca sensibilização dos decisores e responsáveis das instituições. Embora o nível técnico tenha participado nas formações, os responsáveis das instituições não se apropriam das metodologias, e quando o fazem tendem a considerar a mesma como um processo exigente, pesado e moroso que exige a mobilização de parcerias e recursos externos para poder ser iniciado, assim mesmo, no contexto de uma mudança governamental, muitos decisores na administração central tinham sido substituídos no momento em que aconteceram as cheias de Santo Antão e os novos responsáveis tendem a associar a metodologia PDNA como um “esforço extraordinário” da comunidade internacional para o caso do Fogo ; ii) o nível de capacitação técnica conseguida a partir das formações e ateliers organizados foi limitado. Os próprios técnicos reconhecem que a participação num worskhop e formação de curta duração não os faz sentir preparados para aplicar esta metodologia. Isto é especialmente certo para o caso dos técnicos que não participaram na avaliação pós-erupção do Fogo e que só entram em contacto com as metodologias a partir das formações organizadas pelo projeto; iii) a não utilização da metodologia em eventos posteriores em função do nível de exigência em dados e recursos técnicos do mesmo. Assim, parece que o esforço requerido apenas compensa no caso de grandes eventos de desastre e isto aponta para a necessidade de continuar a trabalhar na adaptação das metodologias e no detalhe das ferramentas, para as tornar mais operacionais para todo o tipo de desastres, independentemente da sua magnitude.

▪ Dificuldades na tradução do objetivo de reduzir os riscos de desastres e o princípio de “

reconstruir melhor” no planeamento efetivo da recuperação.

Em relação ao processo de avaliação das necessidades de recuperação referiu-se como constrangimento a integração da redução de riscos de desastres. Todos os atores concordam

com a necessidade de reforçar a resiliência e reconstruir melhor, no entanto o problema reside em saber como atingir este objetivo. Em alguns setores, esta dificuldade está associada

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a um conhecimento parcial dos fatores subjacentes de risco. Noutros casos, o desafio reside em identificar que medidas concretas reduzem a vulnerabilidade e quantificar esta redução para uma análise económica do custo-benefício das diferentes alternativas de intervenção. Noutros setores o problema reside em como integrar no desenho de novas Infraestruturas ou no planeamento da reabilitação de um sistema/setor determinado o reforço da resiliência. Estas dificuldades parecem estar associadas à dificuldade em conceptualizar a resiliência e sobretudo em medi-lá. Semanticamente, as definições de resiliência, em especial as emprestadas da engenheira ou das ciências naturais, parecem claras. Não obstante, quando este conceito se

aplica a sociedades e subsistemas sociais, a setores económicos e a sistemas complexos, a operacionalização do conceito torna-se mais complicada. Ao mesmo tempo, a ausência de avaliações de vulnerabilidade setoriais e a dificuldade metodológica em construir cenários e utilizá-los para avaliar como poderão resultar afetados determinados sistemas ou estruturas, complica a identificação das medidas que permitem limitar a exposição e reduzir a vulnerabilidade perante os riscos de desastres.

▪ Limitados argumentos para justificar os ganhos de eficiência da integração de medidas de

redução de risco que impliquem custos adicionais no desenho das infraestruturas ou

projetos.

Responsáveis entrevistados reconhecem o valor desse tipo de investimentos mas receiam a abertura dos financiadores, tanto privados como especialmente públicos (bancos de desenvolvimento e o próprio Estado) em aceitar e assumir os custos adicionais das medidas que reduzem a vulnerabilidade ou limitam a exposição das infraestruturas. Este receio parece apontar a uma certa dificuldade interna em apresentar argumentos técnicos e económicos sobre a pertinência destes investimentos. Por outro lado, pode ler-se também uma certa incongruência nas ações e decisões dos parceiros de desenvolvimento e doadores. Em determinados casos, em especial no que concerne aos bancos de desenvolvimento, por vezes aos responsáveis de programa encarregues das áreas de financiamento de infraestruturas são pouco sensíveis ou mesmo desconhecem todo o trabalho, literatura programática e conhecimento técnico produzido pelos colegas de departamentos da mesma instituição e que advogam pela redução de riscos de desastres e sua integração transversal em todos os setores do desenvolvimento nacional. Demonstrar os ganhos de eficiência, com recurso a metodologias quantitativas que permitam demonstrar em termos económicos os benefícios futuros (em termos de poupanças

em reconstrução e reabilitação) exige uma capacidade de identificar cenários de desastre plausíveis e suficientemente detalhados. Quantificar os ganhos de eficiência, em especial o que um governo poderá poupar em termos de investimentos na reconstrução mas também os benefícios sociais de uma maior proteção perante os riscos de desastre, requer capacidades técnicas para modelar como os cenários de desastres impactam a cada setor, exige dispor de ferramentas para avaliar o comportamento dos sistemas, infraestruturas, instalações críticas e edificado perante determinados perigos e, portanto, sua vulnerabilidade. Requer também a existência de avaliações e mapeamentos sistemáticos de perigos que permitam identificar os riscos a avaliar, conhecer e avaliar a exposição específica no local e decidir sobre que medidas diminuem a vulnerabilidade de cada sistema. Quantificar os custos adicionais de determinadas medidas, geralmente é uma tarefa relativamente simples para projetistas e especialistas de cada setor, não obstante, calcular os benefícios que poderá trazer e medi-los de forma a integrar um modelo de cálculo do custo-benefício requer competências e conhecimentos adicionais que nem sempre estão disponíveis nos departamentos responsáveis pela planificação das obras públicas.

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▪ Dificuldade em efetivar o princípio de “reconstruir melhor”

Um outro problema apontado por alguns atores em relação à integração do princípio de reconstruir melhor, tem a ver com a sensibilidade e abertura (pelo menos a perceção da mesma) dos doadores em relação aos custos adicionais que uma reconstrução guiada por standards mais exigentes de redução de risco pode acarretar. Neste sentido, seria interessante analisar mais a detalhe esta questão, para entender se realmente esta falta de abertura dos doadores é real ou percebida; se existem dificuldades em argumentar os custos adicionais e demonstrar

os retornos, em termos de benefícios de resiliência. De um outro lado, parece importante também entender se na realidade a integração de redução de risco sempre requer investimentos adicionais ou às vezes implica apenas a mudança (e para isso a consciencialização e vontade de inovar) de determinados processos de diagnose, análise, decisão ou execução. Salienta-se de toda a análise as lacunas no conhecimento aprofundado do perfil de risco do território e a existência muito restrita de avaliações de vulnerabilidade setoriais.

▪ A avaliação das necessidades pós-desastre não resultou na preparação de uma estratégia

e plano de recuperação

Da análise realizada a partir de entrevistas com diferentes parceiros destaca-se a frustração pelo facto do esforço investido na avaliação de necessidades pós-desastre no caso de Fogo, não ter resultado na preparação de uma estratégia e plano específico de recuperação. Embora os diferentes governos tenham anunciado medidas e programas específicos de recuperação, em especial nos setores de habitação, agricultura e transformação agropecuária e infraestruturas, nunca se chegou a apresentar uma estratégia integrada e plano de ação coerente para abordar todos os aspetos de recuperação, tanto dos meios de vida e atividades económicas como das infraestruturas, habitações e serviços básicos. A dificuldade de integração multisetorial das propostas de recuperação é referida por setores como a saúde e educação ou ainda ambiente que reclamam de uma fraca consideração da sua expertise no desenho de programas específicos de recuperação, em especial em relação às políticas de reassentamento. Ao mesmo tempo, nos últimos meses, percebe-se, pelo menos no discurso político e cobertura mediática, uma certa “externalização” da planificação do processo de recuperação. O lançamento do novo programa MAC-Interreg 2014-2013 marca uma nova aproximação da cooperação canarina com Cabo Verde. No quadro desta cooperação canarias oferece apoio ao governo na avaliação e desenho dos

13 programa de cooperação territorial transfronteiriça das regiões ultraperiféricas da União Europeia MAC – Interreg 2014-2020, em

programas de recuperação, em setores como o turismo ou vinicultura. Embora esta assistência técnica pareça muito pertinente - considerando a similitude física e ambiental entre os dois arquipélagos – e pode resultar em intercâmbios muito prolíficos e inspiradores para o processo de recuperação, o governo deve continuar a assumir a necessidade de estabelecer as suas próprias metas e objetivos para a recuperação. Assim, o governo de Cabo Verde deve ainda liderar a planificação das ações, priorizando os investimentos e articulando as parcerias externas para que apoiem na consecução destes objetivos. Nessa mesma linha, as instituições públicas devem assumir a participação e engajamento público na planificação e gestão da recuperação como uma responsabilidade intransferível. A execução dos programas e medidas de recuperação decididas pode sempre ser confiada a terceiros (setor privado, ONGs, setor associativo, grupos comunitários, etc.) a partir de mecanismos múltiplos (convenções, protocolos, contratos, contratos-programa, etc.) mas a responsabilidade pelo engajamento público na tomada de decisões e a prestação de contas pelos resultados e impacto da recuperação continua sempre com o Estado. Ainda nesta linha, e antes da conclusão deste estudo, foi apresentado pelo Governo uma nova proposta de plano de ordenamento de território para Chã-das-Caldeiras que tem sido elaborado com a assistência técnica de uma empresa

concreto no caso do MAC (Madeira-Açores e Canarias) com os países na sua vizinhança

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canarina (GesPlan). Embora ainda na fase de conclusão, o plano, na sua vertente de zoneamento e regulação do uso da terra, poderá aportar algumas luzes em relação às opções de recuperação (nomeadamente o tipo de uso da terra autorizado e a reocupação desejável na Caldeira). Não obstante, um plano de uso do solo não deveria substituir uma estratégia

integrada e plano de recuperação. Embora o planeamento do uso do território resulte essencial para o planeamento da reconstrução tanto física como económica e social, deve pensar-se que o território, embora chave, não é único fator condicionante nas opções de reconstrução.

▪ Alinhamento parcial das medidas de recuperação com os objetivos de desenvolvimento a

longo prazo

A questão do alinhamento dos programas de recuperação com os objetivos de desenvolvimento sustentável a longo prazo remete-nos para a questão da liderança na planificação e gestão dos processos de recuperação. Na fase em que se conduziu a segunda ronda de entrevistas no Fogo (Novembro-Dezembro 2016), salienta.se das entrevistas uma expetativa forte sobre a colaboração com instituições Canarias, através de projetos, assistências técnicas e iniciativas de cooperação descentralizada (com instituições públicas mas também com o setor empresarial) para a definição e implementação de medidas estratégicas sobre a reabilitação e revitalização económica. Em especial, existem referências concretas a propostas nas áreas de ordenamento do território, promoção e desenvolvimento turístico, desenvolvimento do setor vitícola e gestão dos riscos de desastres. Inquestionavelmente, existe um benefício e interesse na mobilização deste tipo de parcerias, tanto em termos de mobilização de recursos para execução, como assistências técnicas para a planificação e implementação, não obstante parecer existir uma certa esperança em que estes parceiros venham resolver a intrincada situação, propondo que decisões e posições as instituições nacionais deveriam tomar. Com vista a assegurar a sustentabilidade do processo, a apropriação e liderança da sua planificação e gestão resultam essenciais. As assistências técnicas, aconselhamentos especializados e parcerias devem ser procuradas e encorajadas, mas não devem implicar uma “abdicação” da liderança nacional do processo. A gestão da recuperação requer decisões críticas que só podem ser tomadas pelas instituições públicas nacionais e locais, como representantes eleitos do povo e responsáveis pela gestão pública. Do mesmo modo, resultaria difícil assegurar o alinhamento dos programas de recuperação com as

estratégias e programas de longo prazo sem que a liderança na planificação dos mesmos seja assumida pelas instituições nacionais. Os parceiros externos não determinam, e às vezes não conhecem, as prioridades de desenvolvimento a longo prazo, por isso dificilmente conseguem entender como as propostas de recuperação se enquadram nessas estratégias de longo prazo e contribuem para o desenvolvimento sustentável. Este é um papel reservado em exclusivo às instituições do Estado, que devem velar para que os programas de recuperação se alinhem com as políticas e planos estratégicos de desenvolvimento a longo prazo. As ações de recuperação podem ser apoiadas por agências externas, mas o planeamento, liderança e gestão das mesmas deve ser a responsabilidade do governo. Embora seja compreensível a impressão de que determinadas decisões – devido à sua complexidade técnica ou política -ultrapassam a capacidade e experiência dos responsáveis públicos, as opções e decisões estratégicas não podem ser externalizadas. Em certa medida, a magnitude da erupção de Fogo e as suas implicações em relação à gestão da recuperação saem fora do âmbito do “conhecido” para as instituições públicas cabo-verdianas e requerem um processo de aprendizagem institucional. Neste contexto, parece normal que as instituições se sintam desprovidas de orientações (por não terem sido confrontadas antes com este tipo de situações e decisões) e por isso resulta ainda mais relevante documentar o processo de tomada de decisões, incluindo os pressupostos considerados, as análises realizadas (diagnóstico e análises prospetivas), as alternativas consideradas e as informações técnicas utilizadas. Ao mesmo tempo, a aprendizagem institucional será facilitada pela prática regular de avaliações de resultados e impacto sobre os diferentes programas de recuperação.

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▪ Acessibilidade limitada as informações e nível de desagregação e formato de

disponibilização dos dados que dificultam a determinação da linha de base para as

avaliações

Durante o processo de avaliação das necessidades pós-desastre registaram-se consideráveis entraves no acesso aos dados. Em muitas ocasiões sabe-se da existência de dados mas desconhece-se a que nível estes dados estão disponíveis e quais os mecanismos para seu acesso e consulta. Estas dificuldades em relação à acessibilidade aos dados verificam-se mesmo ao nível interno de cada instituição. É caricatural uma situação em que um técnico de uma determinada agência ou departamento não tem acesso a informações produzidas pela sua instituição que são guardadas por colegas ou superiores como se de um património pessoal se tratasse. A intervenção de superiores hierárquicos e decisores de alto nível tem sido necessária em muitas ocasiões para assegurar o acesso a informações que, em princípio, não são nem confidenciais nem de circulação restrita. Por outro lado, constata-se uma certa fragilidade

dos serviços e lacunas nas capacidades estatísticas setoriais tanto na recolha dos dados como na própria análise e produção de informações úteis e utilizáveis para o próprio setor e/ou para seus parceiros. Em muitas ocasiões as informações são recolhidas e/ou agregadas na fase de análise a um nível não relevante para as avaliações de risco, assim como para as avaliações pós-desastre. Por outro lado, deparamo-nos com uma recorrente duplicação de esforços na recolha de informações tanto para a identificação de projetos como para seu próprio seguimento. A desarticulação destes esforços com os sistemas nacionais de estatísticas resulta numa utilização ineficiente dos recursos para o seguimento e avaliação, e a criação de sistemas paralelos cuja utilidade se limita à duração de um programa/projeto e cujas propostas, inovações e constatações se esquecem ou ignoram com o fim do financiamento externo.

7

Quadro 5: metodologia de PDNA O PDNA é uma metodologia para a avaliação conjunta e planeamento de recuperação que procura avaliar o impacto de desastres e definir uma estratégia para a recuperação, incluindo a estimativa dos recursos financeiros necessários. A avaliação estima os efeitos de desastres, reunindo informações sobre os danos físicos da catástrofe e sobre os seus aspetos socioeconómicos (perdas económicas, mudanças na prestação de serviços e na governação causados pela catástrofe, e o aumento de riscos e vulnerabilidades) e, nessa base, avalia o impacto global que os desastres têm no contexto de desenvolvimento macroeconómico e humano de um país. Com base nessas informações, o PDNA determina as necessidades e prioridades de recuperação produzidas e concebe um relatório consolidado que se presta a uma estratégia de recuperação resiliente.

Quadro 4: As dificuldades em estabelecer uma linha de base em relação às atividades rurais

Na área de Agricultura, pecuária e transformação, o departamento responsável pela área de desenvolvimento rural refere que na altura da erupção não contavam com informações precisas sobre área cultiva por tipo de cultura. Outras lacunas nos dados de base têm a ver com a produção/ produtividade média e nível de renda atingido em condições pré-desastre pelos agricultores e criadores de gado. Algumas destas limitações nos dados (inexistência ou caráter obsoleto) comprometem a precisão da avaliação dos danos e perdas, em especial nas situações de (inter-cropping) conjugação de culturas. Embora o governo se tenha engajado num Recenseamento Geral de Agricultura (RGA) entre 2014 e 2015, na altura da preparação deste estudo, os dados ainda não tinham sido divulgados. De outro lado, não está claro ainda como estas informações serão geridas pelo Ministério responsável pela área e até que ponto o sistema de informação na qual serão administradas permite a referência cruzada com os sistemas de outras agências.

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O processo de PDNA é liderado pelo governo, apoio técnico e facilitação podem ser concedidos pela União Europeia (UE), Banco Mundial e pelo Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG), bem como outras partes interessadas, conforme determinado e solicitado pelo governo. O processo de avaliação pós-desastre conforme a metodologia de PDNA envolve a participação da população afetada, das autoridades locais, das ONGs, dos doadores, da sociedade civil e do setor privado. Dada a ampla variedade de organizações, indivíduos e comunidades que precisam ser envolvidos, a cooperação e a coordenação são essenciais para se alcançar um PDNA participativo e abrangente.

Quadro 6: processo e timing do PDNA para a Erupção vulcânico do Fogo, Cabo Verde.

O governo de Cabo Verde solicitou a realização de uma ANPD e a assistência técnica das Nações Unidas, da União Europeia e do Banco Mundial no dia 1 de Março de 2015, através de uma carta oficial enviada pelo Gabinete do Primeiro-Ministro, por meio do Ministério das Relações Exteriores (MIREX / DNAPEC). Os termos de referência da ANPD e dos setores foram elaborados em consulta com o governo. O principal objetivo do PDNA foi fazer a avaliação das consequências da erupção vulcânica de 2014-2015 na comunidade afetada de Chã das Caldeiras, e incluindo considerações relativas a eventuais consequências secundárias para a Ilha do Fogo e para todo o país. Com base na avaliação, foram identificadas as necessidades de recuperação e as implicações financeiras conexas, e foi definida uma estratégia de recuperação. A elaboração e coordenação da avaliação da ANPD foram lideradas pelo Escritório Conjunto das Nações Unidas em Cabo Verde, em estreita coordenação com o cluster de mudanças climáticas e redução de riscos de desastres do Bureau de apoio a programas do PNUD UNDP Climate em Nova Iorque, e numa estreita colaboração com o Banco Mundial/GFDRR e a Delegação da UE em Cabo Verde. A avaliação foi precedida de uma formação de quatro dias (13-16 de Abril de 2015) para técnicos de todos os ministérios relevantes e as suas delegações a nível municipal ou da ilha do Fogo, que, em seguida, participaram na avaliação em si. Representantes dos municípios atingidos e alguns elementos de organizações da sociedade civil (incluindo a Cruz Vermelha) também participaram na formação. A recolha de dados foi realizada a partir de diferentes fontes e foram aplicados métodos em momentos diferentes e iniciou a 06-15 de Abril, quando especialistas da UN-Habitat, PNUD, UNICEF organizaram várias sessões técnicas de trabalho com a INGT e LEC. Esta fase inicial foi seguida da avaliação por setor, realizada no Fogo entre 16 e 18 de Abril. A avaliação, baseada nos dados primários, recolhidos através de visitas de campo à zona afetada, reuniões de grupos técnicos, e entrevistas com intervenientes relevantes (principalmente do governo, tanto a nível nacional como local) e secundários, disponíveis a partir de fontes governamentais nacionais e locais (relatórios setoriais, estatística, registos e documentos oficiais legalmente publicados no Boletim Oficial e diagnósticos e documentos programáticos). Foram também utilizadas avaliações setoriais específicas do setor humanitário às recomendações saídas do Fórum de Reconstrução para complementar a informação. Durante o processo, foram realizadas várias consultas com o governo e outras partes interessadas, com o objetivo de recolher dados e a sua validação. Diversas consultas foram realizadas com chefias do setor público, durante a formação e nas três reuniões com o Gabinete de Reconstrução. Os intervenientes do setor privado no Fogo também foram consultados através de conversas informais. Durante essas consultas, as conclusões preliminares da avaliação foram revistas num esforço conjunto e foram discutidos os princípios orientadores e as prioridades na definição da estratégia de recuperação. A sociedade civil participou neste processo de consulta através da integração dos resultados de dois levantamentos domiciliares realizados pelo INGT entre a população afetada. O Grupo de Apoio ao Orçamento também organizou um fórum no qual foram socializadas informações entre os parceiros sobre a PDNA.

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

O relatório foi finalizado com o governo de Cabo Verde, nomeadamente o Gabinete de Reconstrução e o Gabinete do Primeiro-Ministro, entre outros intervenientes-chave. O documento final foi apresentado em Setembro 2015 e socializado com parceiros numa conferência de doadores no mês de Outubro de 2015.

Lições aprendidas:

Pilar 3:L.A. 1: os programas de recuperação que visam “ repor as condições de partida” perdem

a oportunidade de reduzir os riscos que levaram a esse desastre

Que aprendemos: o risco de desastre não se resume na manifestação de um perigo. Mesmo que o perigo

exista, não acontecem desastres se não há nada exposto e vulnerável na sua zona de abrangência. Por

isso, os programas de recuperação devem tentar entender quais os fatores de risco, a saber, a exposição

e a vulnerabilidade que causaram esse desastre e tentar resolvê-los durante a fase de recuperação. Repor

as condições de partida pode levar a reproduzir o risco pré-existente, ou mesmo criar novos riscos.

Que implica: a necessidade de entender bem o risco existente no contexto pré-desastre, reavaliar os

cenários em função do realmente acontecido e identificar para cada um dos programas de recuperação

propostos o impacto que terá na redução do risco prévio e na gestão ou limitação de outro tipo de riscos

futuros.

Recomendações:

▪ Continuar a investir no conhecimento do risco, avaliando não só os perigos mas também

a exposição e vulnerabilidade, e reavaliando os cenários inicialmente utilizados após

cada evento.

▪ Institucionalizar as avaliações de risco de desastres, detalhando standards e orientações

metodológicas, os requisitos em relação à atualização, escala, formato de apresentação

de resultados e partilha das informações produzidas.

▪ Reforçar as capacidades de modelação de riscos com vista a identificar o impacto que

uma determinada intervenção (estrutural ou não estrutural) poderá ter na sua gestão.

Pilar 3: L.A. 2: as lacunas em informações de base dificultam uma avaliação pós-desastre

completa e exaustiva

Que aprendemos: para realizar uma avaliação dos danos, perdas e necessidades de recuperação é

imprescindível contar com informações de base com o nível de desagregação e consistência adequados

que sirvam de linha de referência.

Que implica: a necessidade de investir nas estatísticas setoriais e reforçar a capacidade dos setores de

capturar dados (e georreferenciar as suas informações e organizar os seus dados com apoio de sistemas

de gestão informação) e produzir indicadores e informações utilizáveis tanto nas avaliações de risco como

nas avaliações pós-desastre.

Recomendações:

▪ Sensibilizar os setores sobre a necessidade de produzir dados georreferenciados e desagregar as

informações, tanto ao nível territorial (ao nível de lugares, bairros e outros níveis para além do

município e ilha) como em relação a género, idade, etc. e publicá-los em formato acessível e

escala relevante.

▪ Identificar os constrangimentos, setor por setor, em relação às informações de base e informar

os órgãos de estatística com vista a corrigir falhas ou colmatar as lacunas existentes tanto através

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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

de ferramentas estatísticas correntes (censos, censo agricultura, inquéritos frequentes) como

através dos processos administrativos e/ou diagnósticos e projetos específicos.

▪ Promover a recolha de dados georreferenciada demonstrando o valor da espacialização dos

dados e as potencialidades de análise que isto abre.

▪ Reforçar as capacidades para a utilização de sistemas de informação geográfica ao nível setorial

com vista a agilizar processos de análise e permitir o cruzamento espacial das diferentes camadas

de informação.

▪ Promover a avaliação do património público e o recurso a sistemas de inventário no setor público

que permitam a atualização contínua com o registo das informações sobre gestão, intervenções

de reabilitação, manutenção, expansão ou remodelação e confirmem as metodologias utilizadas

para as avaliações de valor de imóveis, depreciação e amortização de bens e equipamentos, etc.

Pilar 3: L.A. 3: a ausência de metodologias integradas e abrangentes de avaliação pós-desastre

dificulta o planeamento da recuperação

Que aprendemos: na ausência de standards e orientações metodológicas para as avaliações pós-desastre

os setores aplicam os seus próprios métodos de avaliação de danos, projeção de obras e orçamentação

de atividades. Na maioria dos casos estes métodos setoriais de avaliação focam apenas na avaliação do

dano mas ignoram a avaliação das perdas14 – entendidas como as mudanças nos fluxos económicos que

resultam como consequência de um desastre, que por vezes podem representar valores económicos

muito superiores à quantificação do dano.

Que implica: a necessidade de estabelecer padrões para as avaliações pós-desastre e promover a

utilização de ferramentas que considerem também as perdas e permitam o cruzamento de dados entre

setores para chegar a uma compressão holística do desastre e avaliação precisa das necessidades de

recuperação. Na avaliação das necessidades de recuperação será preciso estimar e integrar os custos de

“reconstruir melhor”, reforçando a resiliência das infraestruturas e diminuindo a exposição de bens e

pessoas.

Recomendações:

▪ Continuar a capacitar os técnicos nacionais (nos diferentes setores) e locais na avaliação de

necessidades pós-desastres.

▪ Assegurar a sensibilização dos decisores sobre a importância das avaliações pós-desastre

sistemáticas e reforçar o seu conhecimento sobre todo o desenvolvimento metodológico e

parcerias de apoio em relação ao PDNA.

▪ Desenvolver ferramentas setoriais complementárias, detalhadas mas integradas e alinhadas

como o núcleo metodológico do PDNA para a avaliação de danos e também de perdas.

▪ Promover standards para a avaliação de danos e perdas, assim como de necessidades de

recuperação.

▪ Assegurar o cruzamento das informações setoriais e o seu registo organizado e sistemático.

▪ Garantir que a instituição responsável pela recuperação recebe e integra todas as informações

setoriais e trabalha com os setores para estabelecer critérios de priorização partilhados e

conhecidos de acordo com a visão e as metas de recuperação.

14 Estas mudanças nos fluxos económicos, podem advir de: benefícios perdidos ou menores das atividades

económicas (por exemplo, devido a cancelamento de voos e reservas nos hotéis da Boavista quando a queda da ponte em 2012, custos de operação mais elevados para fornecer água e luz aos deslocados de Fogo, ou despesas inesperadas, por exemplo a operação de centros de acolhimento, serviços especiais de atenção psicossocial, etc.)

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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Pilar 3: L.A. 4: a dispersão das informações em bases de dados setoriais inconexas dificulta o

processo de avaliação de necessidades pós-desastre

Que aprendemos: as informações sobre as populações afetadas, seus meios de vida, as infraestruturas e

serviços de uma comunidade, encontram-se comummente dispersos em bases de dados específicas a

programas e/ou setores. A identificação de todas as fontes, o acesso às mesmas, a sua consulta e esforços

de cruzamento supõem um investimento considerável em tempo e recursos humanos, dois elementos

que escasseiam na fase de recuperação.

Que implica: a necessidade de organizar bases de dados interoperáveis ou sistemas de informação

integrados que sirvam a múltiplas agências e programas. O desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento

destes sistemas permite evitar duplicações e melhorar a capacidade dos gestores de identificar os grupos

mais vulneráveis, direcionar as intervenções e propor a cada categoria de famílias afetadas o pacote de

assistência de recuperação mais relevante para a sua situação e necessidades.

Recomendações:

▪ Reforçar a interoperabilidade entre bases de dados de programas específicos e setores. Modelos

como o de cadastro único proposto para a proteção social devem ser melhor explorados e

replicados.

▪ Definir indicadores de vulnerabilidade social e económica perante riscos de desastres que

permitam classificar as populações em termos das suas capacidades de fazer face, limitar os

efeitos do desastre nos seus meios de vida e habitat e recuperar de um desastre.

▪ Promover avaliações de riscos de desastres em todos os setores harmonizando as metodologias

específicas de avaliação de vulnerabilidade relevantes a cada setor.

▪ Institucionalizar as metodologias a utilizar e desenvolver orientações e referências.

Pilar 3: L.A. 5: as metodologias de PDNA são conhecidas e apreciadas após a utilização no

contexto pós-erupção na Fogo, mas consideram-se complexas, muito exigentes e pouco

operacionais.

Que aprendemos: os atores reconhecem o valor da metodologia PDNA e referem-se ao relatório de

avaliação de Fogo como um estudo de referência, não obstante esta avaliação, teve pouca aplicação

prática porque não serviu de base para um planeamento da recuperação nem garantiu a mobilização de

fundos.

Que implica: a necessidade de adaptar as metodologias, “desmistificar” o estudo e simplificar o processo

de execução das avaliações. Para isso, é também preciso reforçar as capacidades nacionais, a partir de

experiências práticas e aplicações guiadas por especialistas.

Recomendações:

▪ Continuar os esforços de adaptação das metodologias, em especial com foco em desastres de

pequena ou média dimensão. Em especial, adaptação local das metodologias do PDNA para

desastres de pequena escala ou de surgimento lento (secas, erosão costeira) e assegurar o

desenvolvimento de ferramentas e orientações setoriais de suporte que apoiem a aplicação das

metodologias.

▪ Detalhar as ferramentas para a recolha, organização das informações e avaliação disponíveis

para cada setor e desenvolver planilhas e instruções adaptadas ao contexto nacional.

▪ Promover a integração das metodologias e a sua aplicação nas funções das instituições que

participam na planificação e gestão da recuperação.

▪ Reforçar as capacidades dos técnicos para liderar e conduzir as avaliações pós-desastres.

▪ Continuar a sensibilizar os decisores sobre a pertinência e valor desta metodologia.

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5 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

▪ Assegurar que a avaliação se entende como uma fase da planificação e como um requisito e base

para a mesma.

Pilar 3: L.A. 6: os programas de recuperação nem sempre conseguem identificar as pontes para

alinhar a recuperação com os programas de desenvolvimento ao longo prazo.

Que aprendemos: Para além de uma referência retórica e integração semântica, poucas políticas

estratégicas e programas de desenvolvimento avaliam em profundidade as implicações dos riscos de

desastres na exequibilidade do programa e na sustentabilidade dos resultados atingidos pela

política/plano ou programa. Ao mesmo tempo, os programas de recuperação tendem a focar-se na

reconstrução física dos aspetos mais visíveis sem excessiva consideração do impacto a longo prazo, da

sustentabilidade ou mesmo da visão geral de desenvolvimento a longo prazo espalhada nos modelos

territoriais, estratégicas setoriais ou planos de desenvolvimento. Neste contexto, os responsáveis da

recuperação enfrentam dificuldades consideráveis em assegurar o alinhamento da recuperação com os

objetivos de desenvolvimento a longo prazo tanto setoriais como territoriais.

Que implica: no pressuposto de que o reforço da resiliência (pelo menos em teoria) faz parte de qualquer

estratégia nacional e setorial de desenvolvimento sustentável, os programas de recuperação precisam

refletir como as intervenções recolocam as comunidades em posição para atingir as metas de

desenvolvimento a longo prazo. Isto requer liderança nacional e participação de todos os setores que

participam no desenvolvimento do quadro estratégico nacional para o desenvolvimento sustentável a

longo prazo.

Recomendações:

▪ Continuar a promover e facilitar a integração da redução de riscos de desastres em todos os

processos de planeamento (nacional, setorial e local) para garantir um desenvolvimento

informado pelos riscos.

▪ Assegurar que no desenvolvimento da estratégia de recuperação se revisam as políticas

estratégicas setoriais e se revê, conforme relevante, a análise de riscos e vulnerabilidade e os

pressupostos utilizados no exercício prospetivo.

2.3.4. Mecanismos financeiros para a recuperação

Conforme ao Decreto 68/2009 de 23 de Dezembro existe em Cabo Verde um Fundo Nacional de

Emergência (Capitulo III, art.10). Este fundo, não foi institucionalizado como um ente

organizacional com autonomia e equipa de gestão, mas entende-se como uma consignação

orçamental com uma finalidade específica, alimentada com uma alocação (de caráter anual) do

orçamento do Estado e cuja gestão depende da Direção Geral do Tesouro. Em relação à

finalidade deste fundo, o seu âmbito de aplicação restringe-se ao financiamento das autarquias

locais para a recuperação de equipamentos públicos baixo a sua responsabilidade. Neste

sentido, este mecanismo financeiro destina-se exclusivamente à reabilitação física de

instalações e infraestruturas públicas baixo a tutela dos Municípios. O referido Decreto-lei no

quadro do qual se cria este Fundo, tem como finalidade estabelecer o regime de concessão dos

auxílios financeiros à administração local no evento dum desastre que motive a declaração de

calamidade pública. O mecanismo escolhido para a execução deste fundo passa pela assinatura

de contratos de concessão em cuja execução e seguimento participam os departamentos

responsáveis ao nível central da descentralização e apoio às autarquias locais.

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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

No quadro do mesmo desenvolvimento do quadro legislativo em relação às situações de

calamidade pública, o decreto 67/2009 de 23 de Dezembro regula a declaração de calamidade

pública. No processo de declaração de calamidade pública o legislador exige ao Governo que

emita esta declaração, formalizada via resolução do Conselho de Ministros, a decisão sobre a

estrutura de coordenação e controlo que faz a inventariação dos prejuízos, faz a gestão global

dos apoios com base nos critérios estabelecidos no mesmo Decreto e em função dos efeitos e

das capacidades próprias dos afetados de fazer face.

No entanto, parece que a existência deste Fundo limitou-se ao papel, mas não tem havido até à

presente uma operacionalização e regulação detalhada do referido fundo. Assim mesmo, apesar

da criação legal do fundo, o mesmo não tem sido alimentado por rubricas orçamentais

específicas do Estado, pelo qual pode considerar-se que o fundo não foi nem operacionalizado

nem capitalizado. Assim mesmo, o decreto-lei não especifica uma percentagem específica do

orçamento do Estado que deva ser atribuído para a alimentação do fundo. Nesse contexto, a

fixação da alocação orçamental deveria estar sujeita a uma decisão anual, a ser aprovada no

parlamento no momento da discussão do orçamento do Estado. Uma outra dificuldade relativa

a este fundo nacional de contingência, refere-se à impossibilidade dos fundos não utilizados da

dotação anual transitarem para o ano seguinte. Isto implica a impossibilidade de constituir

reservas contingentes, que possam ser utilizadas na ocorrência de um desastre.

A falta de capitalização do fundo, assim como as limitações intrínsecas dos mecanismos

apresentadas mais acima, permitem entender os motivos pelos quais tanto no caso da erupção

vulcânica como nas cheias de São Miguel ou em Santo Antão 2016 o governo recorre a outros

mecanismos ad-hoc.

No caso da erupção vulcânica do Fogo, foi criado um mecanismo ad-hoc, o Fundo de

Reconstrução do Fogo. Esse mecanismo foi criado oficialmente a 21 de Abril de 2015, sob a

forma de um Fundo de Reconstrução (Decreto nº 23/2015). O fundo é definido como uma conta

especial no erário público e está configurado para gerir de forma transparente e controlada

todos os recursos financeiros afetos e mobilizados para a recuperação, e será supervisionado

pela Direção-Geral do Tesouro, o que garante a responsabilização da gestão de fundos.

A ajuda externa recebida para apoiar na reconstrução e recuperação, foi canalizada através

deste Fundo de Reconstrução, que opera como uma conta de tesouraria especial com controlos

orçamentais e programáticos específicos.

O fundo era alimentado por quatro tipos de recursos: receita fiscal cobrada a partir de 0,5% de

aumento do IVA decidido após a erupção para apoiar a reconstrução do Fogo desde 31 de

Dezembro de 2014; outras dotações previstas do Orçamento do Estado; subsídios e outros

apoios financeiros concedidos por instituições públicas e privadas ou indivíduos, como ajuda

humanitária às populações e municípios afetados pela erupção; quaisquer outros subsídios,

atribuições extraordinárias ou fundos consignados para as necessidades de recuperação.

O fundo era operado através dos sistemas normais de gestão das finanças públicas. A gestão do

mesmo está sujeita às normas contabilísticas aplicadas para orçamentos e programas do Estado,

os quais são geridos com ferramentas SIGOF (um rigoroso sistema informático integrado de

gestão das finanças públicas, que permite a monitorização de receitas e despesas em tempo

real). O fundo também está sujeito ao Tribunal de Contas, criado em 1993, e considerado um

parceiro essencial no esforço para aumentar a responsabilidade no uso dos recursos públicos.

Esse fundo não só mantém e desembolsa ajuda externa e as contribuições dos doadores, mas

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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

também recebeu as receitas fiscais do referido aumento do IVA e outras contribuições do

orçamento do Estado.

Além disso, em termos de controlo programático e estratégico, o Gabinete de Reconstrução era

responsável por aprovar e validar as propostas programáticas para a utilização dos fundos. A

Direção Nacional do Orçamento do Estado e Contabilidade pública era a unidade responsável

pelo controlo financeiro, monitorização e prestação de contas às instituições do Estado e aos

doadores sobre a utilização da ajuda. A maioria dos doadores, mesmo os privados, direcionaram

o seu apoio através dos canais e planos governamentais. Isto reflete um bom grau de confiança

dos parceiros internacionais nos mecanismos de gestão financeira do setor público cabo

Verdiano.

Constatações (findings) da análise

▪ Oportunidades limitadas para a mobilização externa de recursos financeiros para a

recuperação

Os atores entrevistados fazem referência à dificuldade de mobilização de fundos internacionais num contexto de mediatização forte da ajuda humanitária pós-desastre. Neste sentido, os entrevistados apontam que a “janela de oportunidade” para um desastre de “pequena escala” (se julgado pelos standards internacionais e comparados com o tipo de ocorrências com número avultado de vítimas morais sobre as quais os média fazem eco todos

os dias) e sem vítimas mortais, e muito limitada no tempo e, às vezes, restrita aos parceiros já ativos no país ou aqueles nos quais a diáspora cabo Verdiana tem algum peso e representação. Destaca também que ao nível internacional, as opções de mobilização de recursos via apelos extraordinários à solidariedade internacional, no caso de desastres sem vítimas mortais, parecem mais restritas e limitadas às operações de emergência e apoio humanitário

▪ Valorização das oportunidades dentro dos mecanismos e parcerias de cooperação já

existentes.

Se constata que Cabo Verde conseguiu mobilizar apoios para a recuperação no quadro das parcerias e mecanismos já existentes, em especial no quadro do programa de apoio orçamental da União Europeia, mas também através de parceiros já presentes com a Cruz Vermelha de Cabo Verde. Em relação a ajuda orçamental da União Europeia, tanto a recuperação no Fogo como o processo de recuperação após as cheias de 2016 em Santo Antão têm sido apoiados através de reforços financeiros dos mecanismos de apoio orçamental previamente existente e acordado com Cabo Verde via acordo financeiro. A

utilização de mecanismos pré-existentes permite poupar tempo na disponibilização dos fundos e recursos de formulação e negociação. Outro exemplo desta valorização tem a ver com ações de reforço de capacidades organizadas dentro de alguns programas de apoio a criação de emprego. No quadro de programas já em curso se direcionaram ações de capacitação em elaboração de planos de negocio e ferramentas de gestão empresarial, a potenciais empreendedores entre as comunidades afetadas. Estas ações visavam apoiar a recuperação económica dos meios de vida afetados.

▪ A montagem de mecanismos ad-hoc supõe esforços consideráveis em termos de tempo e

capacidades técnicas

Da própria experiência com a criação do fundo de reconstrução de Fogo percebe-se que o

desenho de mecanismos ad-hoc demora um tempo, às vezes incompatível com as

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

necessidades de intervenção rápida do processo de recuperação. Desde o fim da erupção, declarado em inícios de Fevereiro após quase três meses seguidos de atividade eruptiva, só em Abril foi oficialmente estabelecido o Fundo de Reconstrução de Fogo.

Conforme algumas fontes, a utilização dos mecanismos correntes de gestão financeira do Estado coloca pressões adicionais no processo de recuperação, que muitas vezes precisa de processos acelerados ou dispensas especiais para um desbloqueio rápido, porém transparente, dos fundos.

▪ As exigências em relação ao seguimento e reporte rápido colocam pressão adicional nos

sistemas normais governamentais de gestão financeira

No caso de Fogo, estas exigências e necessidades especiais em relação ao controlo, seguimento, reporte e avaliação da utilização dos fundos evidenciam-se em alguns desencontros com parceiros e doadores, em especial com a União Europeia em relação à utilização dos fundos disponibilizados para a recuperação. Os responsáveis públicos reconhecem o aumento do nível de exigência ligado a: pressões de tempo e produção de resultados, o aumento do fluxo de transações financeiras, assim como as necessidades de um seguimento e reporte mais exaustivo, ligado à origem dos fundos. Embora alguns dirigentes tenham insistido junto aos parceiros e doadores que os fundos que entram no orçamento do Estado não “tem bandeira”, admitem a necessidade de reforçar os mecanismos de gestão, atendendo não só à urgência das solicitações mas especialmente à

“cor do dinheiro”. Com isto, refere-se aos diferentes condicionalismos e necessidades de reporte dos valores disponibilizados no quadro de determinados programas, assim como em função da natureza dos fundos (por exemplo, contribuições privadas). As autoridades não produziram relatórios específicos para cada doador que contribuiu para o fundo. Esta exigência poderia ter sido difícil de atender, considerando as pressões existentes, não obstante sistemas mais transparentes e acessíveis de seguimento da alocação e utilização dos recursos, conseguiriam evitar desconfiança e frustração da parte dos doadores, especialmente em relação aos doadores privados, que decidem canalizar os seus apoios via instrumentos públicos e ferramentas de gestão financeira e contabilidade pública.

▪ Integração do mecanismo desenhado (Fundo de Reconstrução de Fogo) nos sistemas de

gestão financeira do setor público cabo-verdiano

A canalização dos recursos internos (receita tributária por aumento de impostos, consignações orçamentais) ao tempo que os recursos externos, através dos sistemas de gestão orçamental do Estado coloca no governo a responsabilidade total pela prestação de contas e supervisão das despesas. Ao mesmo tempo, esta integração apresenta algumas vantagens, em especial em termos de apropriação e contribuição ao

desenvolvimento, aperfeiçoamento ou consolidação dos sistemas nacionais de gestão financeira pela via da sua utilização e reforço no lugar da criação de mecanismos paralelos. Não obstante, esta utilização parece também ter implicado elevados custos de transação e lentidão no processo, ligados à própria burocracia do sistema público de gestão financeira.

▪ Centralização nas decisões de alocação do fundo de reconstrução de Fogo

Das entrevistas realizadas, depreende-se uma forte centralização na definição dos critérios de alocação dos fundos para as ações de reconstrução. Conforme ao Decreto-Lei que cria o Fundo de Apoio a Reconstrução dos estragos derivados da erupção de Fogo, eram apenas

elegíveis as despesas associadas à operação integrada de apoio e reconstrução dos estragos causados pela erupção vulcânica a cargo do Gabinete de Reconstrução de Fogo. Apesar da lei reconhecer como instrumentos do fundo, o plano de atividades anual, que deverá

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

ser elaborado pela Direção Geral do Tesouro, em concertação com os principais setores afetados (turismo, desenvolvimento rural, habitação e ordenamento do território) em articulação com o Gabinete de Reconstrução de Fogo, os representantes setoriais consultados referem uma excessiva centralização das decisões ao nível do GRF, assim como um foco na reconstrução física em setores como habitação e infraestruturas, enquanto que outros setores, como a agricultura e pecuária, procuram mecanismos de financiamento separadamente deste fundo e mobilizam recursos especificamente consignados às suas áreas de intervenção (FAO, BAD, fundações privadas, etc.). Um outro aspeto interessante, que ressalta da análise das despesas a cargo do Fundo, é o peso

relativo que recebem as operações que podem qualificar-se como “assistência humanitária”. Nesse sentido, a prolongada dilatação no tempo de medidas como o apoio em géneros alimentários, via cesta básica, tem consumido recursos consideráveis do referido fundo. Na reflexão sobre os mecanismos de financiamento para a recuperação, alguns responsáveis setoriais apontam a necessidade das iniciativas de recuperação serem identificadas pelas instituições setoriais e locais mais próximas das comunidades afetadas. Nesta configuração, o gabinete ou estrutura responsável pela gestão do fundo teria um papel de fiscalização, seguimento e avaliação, mas a execução dos projetos de recuperação (e seus fundos), estaria confiada às instituições locais ou entidades setoriais desconcentradas.

Lições aprendidas:

Pilar 4: L.A. 1: a montagem de mecanismos de financiamento ad-hoc é um processo lento e

pesado. Que aprendemos: a criação de mecanismos ad-hoc e a sua regulação é um processo lento, cuja montagem

e definição quando um desastre já aconteceu pode implicar atrasos na implementação das medidas de

recuperação.

Que implica: a necessidade de definir ex-ante os arranjos financeiros para a fase de recuperação que

combinem estratégias de financiamento externas e internas ao orçamento do Estado. Assim as

necessidades de desembolso rápido, coordenação de recursos com base em responsabilidades financeiras

claras, e a flexibilidade de fontes, devem ser tidas em conta no desenho do referido mecanismos,

Recomendações:

▪ Pré-estabelecer os mecanismos de financiamento perante os diferentes cenários de

desastre identificados e as modalidades de funcionamento operativo (fontes, gestão,

decisão, alocação, despesas elegíveis, instituições e atores que têm acesso,

modalidades de acesso, autorizações, reportes, avaliação).

▪ Identificar indicadores de performance para a gestão dos diferentes fundos e sistemas.

▪ Operacionalizar os mecanismos legalmente criados, assegurando consignações

orçamentais regulares, de preferência com percentagens pré-estabelecidos que não

tenham que ser renegociadas a cada orçamento anual.

▪ Desenvolver as capacidades técnicas para fazer face às exigências em termos de gestão

de fluxos financeiros de fontes diversas e reporte para os doadores.

▪ Assegurar que os fundos criados permitem que os valores não utilizados transitem para

anos posteriores e se acumulem para poder constituir reservas.

▪ Ligar o desenvolvimento dos mecanismos de financiamento da recuperação aos

mecanismos financeiros gerais de redução de riscos de desastres e de proteção

financeira do Estado contra os riscos de desastres.

▪ Assegurar que os mecanismos de financiamento da recuperação permitam incorporar

o princípio de “reconstruir melhor” (melhoria do acesso a serviços; reforço da resiliência

de estruturas e sistemas) nas ações de recuperação a serem financiadas.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Pilar 4: L.A. 2: a redução de riscos exige que existam não só mecanismos de financiamento de

desastres, mas de uma forma mais alargada, mecanismos de financiamento da gestão de riscos

de desastres.

Que aprendemos: a montagem de sistemas de financiamento da recuperação pós-desastre, como fundos

de contingência, linhas de crédito contingente, etc. são necessárias, mas não constituem o único

mecanismo financeiro de gestão de riscos. O governo tem realizado esforços consideráveis na montagem

de um Fundo de apoio à reconstrução de Fogo ou à negociação de uma linha de crédito contingente (tipo

Cat-DDO) com o Banco Mundial, mas deve ainda refletir como financiar ações ex-ante de mitigação de

riscos de desastres e preparação para a resposta e recuperação.

Que implica: Os fundos de recuperação podem e devem financiar ações de mitigação de risco que

reforcem a resiliência da comunidade ou sistema objeto da recuperação, não obstante, precisam existir

outros mecanismos que financiem as ações de redução de risco em todos os setores, assim como a

preparação para a resposta e as operações humanitárias. A montagem de sistemas integrados de

financiamento de riscos permite criar incentivos para o investimento em medidas de redução e mitigação

de riscos.

Recomendações:

▪ Considerar todo o leque de opções para a gestão financeira do risco (mecanismos de retenção e

transferência) e identificar a pertinência de cada um, para cada tipo de riscos e contexto.

▪ Estabelecer marcadores/classificadores orçamentais que permitam medir o investimento na

redução de riscos de desastres dos diferentes setores.

▪ Promover o desenvolvimento de sistemas de transferência de riscos, em especial seguros

paramétricos, seguros agrícolas, assim como sistemas de asseguramento de bens e propriedades

públicas que possam participar no financiamento da recuperação

2.3.5. Seguimento e avaliação dos processos de recuperação

Constatações (findings) da análise

▪ Transparência na gestão dos fundos públicos assente nos procedimentos e mecanismos

da função pública de Cabo Verde

Apesar dos parceiros reconhecerem a confiança que suscita o sistema cabo Verdiano de gestão financeira, e louvarem os progressos atingidos com a implementação do sistema SiGOF, para o exemplo concreto de um processo de recuperação parece ter faltado um sistema de seguimento financeiro mais abrangente que permita monitorizar o ponto de situação das solicitações aos parceiros versus as necessidades da recuperação conforme as avaliações pós-desastre, o seguimento das promessas de financiamento, assim como daqueles fundos efetivamente recebidos, alocados, desbloqueados, gastos e justificados. A existência destes mecanismos de

seguimento e informação contribuiria para aliviar algumas das pressões e resolver algumas dúvidas que se colocam sobre as instituições responsáveis pela recuperação e sua gestão. Neste sentido, cabe destacar que a maioria dos afetados apenas recebem as informações sobre as promessas e compromissos de financiamento via meios de comunicação, mas desconhecem os procedimentos e tempo requerido para a disponibilização efetiva dos recursos, e ainda menos conhecem as condições e exigências associadas a cada fundo (em termos de despesas não elegíveis, período de utilização, justificação, etc.).

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▪ Transparência sobre os mecanismos de alocação de recursos e bases da decisão e

priorização contestados

Um dos aspetos mais criticados da gestão do processo de recuperação tem a ver com as modalidades de assistência social às famílias afetadas. A duração e as modalidades de atribuição dos apoios em espécie têm sido contestadas tanto pelo custo que acarretou, imputado ao fundo de reconstrução, como pela justeza e equidade nos critérios de atribuição. As bases para a priorização de projetos e programas no quadro do fundo de recuperação não foram explicitadas e a maioria dos atores

refletem sobre o facto do fundo ter priorizado apoio humanitário e intervenções na reconstrução de habitações e infraestruturas, em detrimento de ações de recuperação dos meios de vida ou reabilitação de outros serviços públicos. Ao mesmo tempo, os atores locais, em especial ao nível das Câmaras, mas também dos representantes dos serviços desconcentrados, reclamam de uma forte centralização das decisões na alocação de recursos.

▪ Escassa comunicação sobre os mecanismos de gestão dos donativos cria desconfiança e

frustração

Da análise realizada, ressalta o elevado número de conflitos, reclamações e contestações em relação à gestão dos donativos recebidos e o controle e seguimento dos mesmos. Neste sentido, mesmo que as contribuições (em dinheiro) mais substanciais tenham sido canalizadas através do Fundo de Reconstrução, existe também um leque diverso de organizações e particulares que, com contribuições próprias ou através de apelos à solidariedade pública, recavaram donativos (em dinheiro ou em género) para as famílias afetadas pela erupção e distribuíram os mesmos através de canais diversos, nem sempre controlados pelas instituições responsáveis pela gestão humanitária e/ou recuperação (em pessoa diretamente ou através de intermediários como a Cruz Vermelha ou outras organizações locais). Se bem se entende que, por um motivo ou outro (falta de confiança nos mecanismos públicos, desejo de reconhecimento pessoal, preferência por entrega direta sem intermediários, vontade de evitar burocracia e lentidões), os donativos podem ser mobilizados e canalizados por diferentes meios, parece claro que existe um interesse público em que exista, ao mínimo, um registo dos apelos à solidariedade, que abranja informações sobre os valores mobilizados, a origem ou fontes dos donativos, objetivos dos apoios e as pessoas beneficiadas. Este mecanismo parece não ter existido e a sua falta tem contribuído para aumentar o descontento das populações - que desconfiam de potenciais desvios - e ao mesmo tempo facilita o oportunismo dos beneficiários.

Nesse sentido, a Cruz Vermelha Cabo Verde tem tentado promover - sem muito sucesso até ao presente - a ratificação e aplicação ao nível nacional dos princípios de ajuda humanitária, códigos de conduta em caso de Desastres e os instrumentos legislativos promovidos pela Federação Internacional da Cruz Vermelha. As instituições públicas e seus decisores, em especial ao nível central, refletem uma tendência a considerar que o perfil de desastres registados até ao momento em Cabo Verde não justifica a adoção de determinadas normas, convenções e ferramentas promovidas ao nível internacional. Em certa medida, entende-se que uma aplicação direta sem nenhuma adaptação previa a escala e contexto do país, seria excessivamente pesada para um pequeno país. Não obstante, parece que o facto dos desastres registados até ao momento, não tenham implicado, na maioria dos casos, vítimas mortais - pelo menos em massa - cria uma sensação de segurança e desincentiva a aplicação de medidas proativas e preparatórias nas pessoas e instituições. Na análise do discurso dos entrevistados deduz-se que os atores chave esperam que o tipo de desastres futuros continuem dentro da tendência geral e tenham características similares aos anteriormente vividos. Esta visão é reforçada pela confiança no futuro e na proteção divina da nação Cabo Verdiana, que salientam como elementos culturais e religiosos bastantes afiançados na cultura e discurso comum dos Cabo Verdianos. Não obstante, da análise das opiniões refletidas pelos representantes locais, percebe-se uma

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

maior sensibilidade a este nível de administração pública, sobre a necessidade de planear e de se preparar para a complexidade imbrincada no processo de reconstrução e recuperação, mesmo na dimensão dos desastres até agora vividos. A maior

recetividade dos responsáveis locais está claramente associada à vivência destas instituições e seus responsáveis, que têm experimentado na própria pele os complexos problemas de gerir a ajuda humanitária e decidir sobre o processo de recuperação.

▪ Mecanismos e ferramentas para o seguimento e avaliação dos programas de

recuperação foram escassamente explicitados

Nos instrumentos legais que regulam a criação tanto do Gabinete de Reconstrução de Fogo como do Fundo de Apoio a Reconstrução de Fogo, estabelece-se a responsabilidade do Conselho Diretivo do GRF, assim como da Direção Geral do Tesouro, respetivamente, de preparar e submeter relatórios periódicos. No caso do Gabinete de Reconstrução, do conselho diretivo esperava-se a submissão semestral para o Primeiro-Ministro de um relatório de execução do processo de reconstrução. No caso do Fundo de Apoio à Reconstrução, estabelecia-se que a Direção Geral do Tesouro, apresentava um relatório de atividades e contas, remetido para a provação dos membros do governo responsáveis pelo ordenamento do território e habitação, turismo, desenvolvimento rural, infraestrutura e finanças. Para além destes mecanismos explicitados na lei, não há constância de outros mecanismos de seguimento e avaliação, assim como da sua acessibilidade para o público geral e/ou doadores. Em relação à Comissão Interministerial, o decreto-lei que a criou previa também a obrigação da equipa de apresentar relatórios regulares ao departamento responsável da sua liderança – o Ministério de Infraestruturas, Habitação e Ordenamento do Território – assim como um relatório final de atividades. Apesar das provisões de seguimento e reporte recolhidas nos instrumentos regulamentares, destaca no processo de seguimento e avaliação uma falta de detalhe e definição sobre o conteúdo, estrutura e organização das ferramentas, assim como dos fluxos de

informações e obrigações de notificação/comunicação e contribuição. Assim mesmo, parece não ter existido um momento de definição de indicadores e metas para os diferentes programas de recuperação geridos a partir do Gabinete de Reconstrução, a Comissão Interministerial ou ainda, as Câmaras municipais. Por outro lado, os mecanismos de seguimento identificados na lei e elaborados parecem restringir-se a uma lógica de seguimento de atividades e não abrangem o seguimento de resultados atingidos e respetivos impatos. As iniciativas geridas na lógica de projeto com financiamento externo (de ONGs, doadores bilaterais ou multilaterais como a FAO/BAD) apresentam os seus próprios indicadores de progresso e efeito, mas no todo, parece não ter existido um marco geral de seguimento e avaliação dos progressos, resultados e efeitos do programa de recuperação). Das entrevistas realizadas, parece que um maior nível de definição de mecanismos de seguimento e avaliação existiu no setor humanitário e com foco nas operações de emergências e recuperação precoce. Uma exceção a esta constatação geral constitui a Cruz Vermelha de Cabo Verde que explica ao detalhe os seus mecanismos de seguimento e o seu procedimento de avaliação. Este mecanismo, muito elaborado e exaustivo, envolve as estruturas da Federação Internacional da Cruz Vermelha, os órgãos e comités locais e as sociedades de outros países que apoiaram as operações de emergência.

▪ Ausência de mecanismos formais para corrigir ou modificar os programas em função das

informações de seguimento

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Considerando que os mecanismos de seguimento explicitados se limitam a relatórios intermédios ou finais de atividades, deduz-se que não existia um mecanismo formal para integrar as recomendações do seguimento ou considerar alterações, correções ou redirecionamento das intervenções, em função das informações derivadas do seguimento e avaliação. O setor público cabo Verdiano integrou recentemente na sua lógica de administração de programas e projetos a gestão por resultados. Esta mudança implicou a introdução de um módulo de seguimento e avaliação no sistema de gestão financeira do

orçamento do Estado. Embora todos os setores tenham feito esforços consideráveis para a preparação de quadros lógicos por programa e a definição de indicadores e metas a todos os níveis dos programas e projetos, os mecanismos como o feedback da medição dos indicadores integram-se no redesenho, reprogramação de orçamentos e avaliação dos programas não parecem, ainda, ter sido desenvolvidos. Ao mesmo tempo, esta lógica de seguimento e avaliação de programas, não parece ter passado a programas definidos ad-hoc como o caso dos programas de recuperação.

Lições aprendidas:

Pilar 5: L.A. 1: A exigência de relatórios de atividades não garantem a existência de um

mecanismo de seguimento.

Que aprendemos: nos documentos legais que criam as estruturas responsáveis pela

recuperação geralmente requer-se a apresentação de relatórios intermédios ou finais de

execução das atividades, não obstante não haver mais detalhes ou orientações sobre como

produzir estes relatórios, cadeias de distribuição e na base de que indicadores e metas se realiza

o seguimento.

Que implica: isto significa que muitas vezes não existem indicadores claros para medir o

progresso e que se reporta apenas no que foi feito, sem reflexo sobre o resultado e o impacto

que as ações tiveram e como contribuem para atingir resultados e objetivos. A falta de

orientações sobre como se deve reportar dificulta a avaliação da qualidade dos relatórios em si.

Ao mesmo tempo, a falta de mecanismos definidos para a circulação, confirmação e validação

destes relatórios contribui a dispersão das informações e dificulta a sua acessibilidade, em

especial em contexto de alta rotatividade de dirigentes.

Recomendações:

▪ Identificar indicadores de progresso e resultado, assim como metas intermédias e finais, e

detalhar as fontes de verificação.

▪ Desenvolver quadros lógicos e uma descrição da teoria da mudança (situação que se

pretende mudar e como se espera atingir essa mudança no problema inicial identificado)

para os programas de recuperação ancorados na estratégia e plano de recuperação.

▪ Assegurar que se estabelecem os mecanismos para um seguimento contínuo e relevante

para a medição dos indicadores.

▪ Garantir que os sistemas de seguimento produzem as informações necessárias para reportar

para doadores e parceiros.

▪ Partilhar os resultados do seguimento com todos os parceiros implicados.

▪ Publicar os relatórios e documentos de seguimento.

▪ Assegurar a relevância dos indicadores e avaliar o seu nível de SMARTness.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

▪ Detalhar os fluxos de informação em relação aos relatórios de progresso e avaliação, com

vista a garantir a circulação, validação/aprovação pelos parceiros e o registo sistemático

para uma verdadeira gestão de conhecimento e gestão baseada nos resultados.

Pilar 5: L.A.2: a avaliação dos processos de recuperação não é ainda uma prática comum

Que aprendemos: para além das avaliações de alguns projetos, exigidas por doadores quando

a fonte de financiamento é externa, não existem nem políticas ao nível das instituições públicas

nem práticas consolidadas de avaliação de programas de recuperação.

Que implica: esta ausência implica uma dificuldade em identificar o que correu bem, o que

precisa ser melhorado e quais os fatores de sucesso ou fracasso. Na ausência destas avaliações,

identificar lições aprendidas e integrá-las numa proposta de quadro de recuperação resulta mais

complexo.

Recomendações:

▪ Promover avaliações de resultados e impacto, desenvolvendo as orientações

teóricas e identificadas as melhores práticas, numa ótica de gestão do

conhecimento e reforço das capacidades.

▪ Promover arranjos inovadores para a implementação das avaliações de

impacto, por exemplo, estabelecendo parcerias com universidades, ONGs ou

centros de pesquisa.

▪ Promover a utilização das tecnologias de informação e comunicação para

avaliar a satisfação dos beneficiários e o impacto dos programas (por exemplo,

UNICEF RapidPro app para a aplicação e sistematização de informações de

inquéritos aplicados via sms).

2.3.6. Sistemas de informação e comunicação

Constatações (findings) da análise

▪ O interesse mediático pelo processo de recuperação é elevado

O papel dos jornalistas e os órgãos de

comunicação durante as fases, tanto de

emergência como de recuperação, em

especial no caso de Fogo têm sido objeto de

discussão em numerosos foros. Em

determinadas situações, mesmo bem

salientadas pelos meios de comunicação, os

responsáveis políticos da altura têm

criticado abertamente a intervenção dos

jornalistas e órgãos de comunicação social

na cobertura da fase de erupção e em

especial no período pós-erupção. Se bem

que a atuação de diferentes meios de

comunicação merece avaliações diferentes

da parte dos parceiros e atores implicados

no processo, em muitas ocasiões, as críticas

referem-se a uma falta de profissionalismo

na produção da notícia. Neste sentido,

alguns entrevistados apontam para uma

falta de verificação das informações e

contrastação das versões obtidas nas

declarações públicas de pessoas afetadas

ou mesmo de técnicos envolvidos nas

operações de resposta ou nos trabalhos de

reconstrução. Como exemplo, alguns

entrevistados referem situações nos

lugares de abrigo e centros de acolhimento.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Nesses exemplos, os responsáveis da

gestão dos centros têm lamentado em

várias ocasiões não terem sido consultados

antes da divulgação de algumas notícias.

Estes responsáveis ressaltam a necessidade

de consultar as fontes oficiais para

confirmar as informações, procurar

explicações ou esclarecimentos, ou bem dar

uma oportunidade aos mesmos de

contestar as reclamações e denúncias

apresentadas pelos deslocados.

Os responsáveis políticos têm criticado a

intervenção dos jornalistas pela sua avidez

na procura e divulgação de informação a

“qualquer custo”, e reclamam dos

profissionais do setor mais ética, espírito de

colaboração e profissionalismo. Em

especial, as autoridades responsáveis pela

gestão da recuperação exigem dos meios de

comunicação maior esforço na confirmação

das informações e maior responsabilidade

na divulgação das notícias. Do seu lado, os

jornalistas reconhecem uma necessidade

de redobrar esforços para que a

comunicação social tenha um papel

educativo e jornalistas e órgãos da

comunicação social possam colaborar com

os esforços de gestão da “coisa pública”, em

especial nas situações de desastre. Não

obstante, os jornalistas reclamam também

maior recetividade e abertura para a

colaboração da parte das autoridades na

recolha de informações e elaboração das

notícias e reportagens.

Cabe salientar que a pressão mediática é

referida como um aspeto comum a muitos

processos de recuperação. O enfoque

denominado de “sensacionalista” por parte

dos responsáveis políticos, muitas vezes

entende-se num contexto caracterizado por

jornalistas pouco especializados, órgãos da

comunicação social pouco preparados para

participar na comunicação de emergência e

para cobrir e analisar os processos de

recuperação. Estas dificuldades, conjugam-

se com as práticas e políticas das

instituições responsáveis pelos processos

de recuperação, que tendem a considerar

que a resposta às solicitações dos média

constitui a última entre as muitas

prioridades a que devem dar atenção. No

caso em estudo, o processo de recuperação

tem sido liderado por instituições

responsáveis com limitada experiência na

gestão de recuperação pós-desastre e na

gestão da informação pública. A falta de

hábitos e procedimentos para o trabalho

em parceria com os meios de comunicação

condiciona a visão de que os mesmos

apenas complicam a intervenção quando

não cumpriam o seu papel. Para os média,

o acesso às histórias pessoais de privação,

sofrimento ou dificuldades resulta mais

simples, rápido e satisfatório do que tentar

aceder a informações sobre as decisões

políticas, técnicas e burocráticas sobre os

programas de recuperação e todos os

processos que estão por detrás da

implementação dos mesmos.

Cabe salientar também que os jornalistas

dos diferentes tipos de média, convidados a

uma reflexão pela Associação dos

Jornalistas de Cabo Verde (AJOC)

apresentam a falta de meios técnicos e

financeiros (por exemplo, para deslocações

e estadias para fazer uma reportagem mais

exaustiva, mas também para um jornalismo

de investigação) como um dos entraves na

realização do seu objetivo de informar e

elucidar o público. Os jornalistas são

conscientes do papel dos média em

qualquer sociedade democrática, de

escrutínio ao poder público, advocacia e

formação da opinião pública. Não obstante,

essa consciência do seu papel junto da

sociedade civil e das populações leva-os a

colocar-se numa posição de “ voz do povo”,

que não contribui para os esforços

coletivos se não estiver acompanhada de

um esforço sistemático e profissional de

confirmação das notícias, contrastação das

reclamações e opiniões defendidas pelos

diferentes grupos. A reflexão junto com os

média permitiu-nos entender o meio “

hostil” em que os jornalistas operam: por

um lado, os média tradicionais sentem-se

pressionados pelos cidadãos comuns que,

servindo-se dos social media, conseguem

rapidamente passar informações e, em

certa medida, moldar ou pelo menos

influenciar a opinião pública. Nesse

contexto de reconhecida rapidez dos “social

media” em penetrar determinadas

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

camadas da sociedade, os jornalistas veem-

se pressionados para “chegar antes” ou

difundir as informações em primeiro lugar.

Por outro lado, no contexto de órgãos de

comunicação independentes do poder

político, e privados no seu financiamento,

existe também uma grande concorrência

entre diferentes grupos (por exemplo,

entre os diferentes jornais) para terem a

exclusiva ou a primícia de algum assunto.

Por outro lado, os próprios jornalistas

reconhecem uma falta de sensibilidade e

compreensão dos editores e diretores de

informação, sobre a redução de riscos de

desastres. No círculo dos média, são estes

atores quem decide sobre a agenda sobre a

qual se informa, e sobre as linhas editorais

nas quais trabalham os seus jornalistas.

Sendo assim, é essencial despertar essa

sensibilidade para a gestão de riscos de

desastres e promover um espírito de

colaboração com os poderes públicos, em

especial nas situações de emergência.

Na fase de recuperação, esta colaboração

continua a ser essencial, não obstante,

nesse período, as responsabilidades dos

decisores e gestores públicos sobre a gestão

da informação, a transparência nos

processos e a prestação de contas, se veem

ainda mais reforçadas do que no momento

da gestão da emergência. O apelo à

colaboração dos média não isenta estes

decisores e gestores de se disponibilizarem

para uma prestação de contas e serem

submetidos ao escrutínio dos média sobre

as decisões e medidas, em especial quando

estas não parecem suficientemente claras

para os cidadãos.

▪ A inexistência de informações de base, dificuldade de aceso, dispersão das informações

ou irrelevância do formato de recolha ou análise dificultam e retardam o processo de

planificação e execução da recuperação e dificultam um seguimento sistemático.

Uma das principais dificuldades que se

apontam em relação à planificação da

recuperação tem a ver com a qualidade e

exaustividade das informações sobre os

efeitos do desastre. Nesse sentido, apesar

dos esforços realizados na avaliação de

danos e perdas e na identificação das

necessidades pós-desastres, o maior

problema com que se deparam nestes

processos de avaliação refere-se à

disponibilidade dos dados de referência.

Avaliar os efeitos dos desastres,

independentemente da metodologia

utilizada, requer a existência de uma linha

de base com a qual comparar os dados do

levantamento de danos, e em função da

qual se avalia as perdas derivadas da

interrupção de determinados fluxos

económicos e/ou da operação de serviços

alternativos. Nesse sentido, no caso da

erupção de Fogo, no qual se conduziu uma

avaliação exaustiva de danos e perdas, as

maiores dificuldades registadas tinham a

ver com o caráter incompleto e

desatualizado, quando não a inexistência

das informações de base (por exemplo,

sobre o tipo de culturas em cada uma das

parcelas existentes). O processo de

planificação da recuperação tropeçou

também com os problemas ligados à

dificuldade, quando não impossibilidade de

cruzar as informações existentes nas

diferentes bases de dados e sistemas de

informação setoriais. A questão da

interoperabilidade das bases de dados -

montadas e operadas pelas diferentes

agências no quadro dos seus programas e

serviços governamentais, constatou-se na

dificuldade em estabelecer claramente o

número de agregados familiares e

informações confiáveis sobre os seus meios

de vida e condições socioeconómica pré-

erupção. As informações de alguns serviços

e programas, por exemplo, em relação aos

beneficiários de determinados programas

baixo o chapéu do sistema de proteção

social (D.G de inclusão social, em relação às

pensões sociais e às próprias Câmaras

Municipais para outros subsídios e apoios

sociais), ou ainda as informações fiscais

sobre atividades económicas formais (sobre

comércio, transporte ou turismo, entre

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

outros) estavam disponíveis, mas a

identificação das informações disponíveis

em cada setor, nível administrativo ou

programa governamental, a avaliação da

sua exaustividade e abrangência, assim

como o acesso às mesmas e o seu

cruzamento efetivo com os dados

necessários para o desenho de um

programa de recuperação, requereram

imensos esforços de concertação

interinstitucional e resultaram num

processo administrativamente complexo e

moroso. Num contexto em que o acesso e

cruzamento das informações das diferentes

agências não é facilitado pela própria

estrutura e modalidades de gestão dos

sistemas de informação de cada instituição,

a confirmação de informações de base

exigiu esforços ad-hoc relativamente

exaustivos, dispendiosos e intensivos em

tempo e recursos humanos de

levantamento e inquérito de terreno.

▪ Eficiência na recuperação requer pensar ex-ante os mecanismos de comunicação pública

e organizar a comunicação interna

A imagem da comunicação durante a fase

de emergência, a comunicação externa e

informação pública está sujeita a inúmeras

pressões, por este motivo recomenda-se

estabelecer ex-ante relações de trabalho

com os meios de comunicação e

organizações da sociedade civil, para

trabalhar conjuntamente em abordagens

de comunicação para o desenvolvimento,

que contribuam para a mudança de

comportamentos e, neste caso, apoiem na

sensibilização para uma cultura de

prevenção e redução de riscos. A

aproximação prévia permitirá a todas as

partes entender os constrangimentos,

capacidades e perceção do outro de cada

um dos atores, e juntos trabalhar na

construção de parcerias que permitam a

cada um exercer os seus papéis e atender

às suas responsabilidades com

profissionalismo e responsabilidades,

enquanto juntos contribuem para o bem-

estar social e para os objetivos sociais de

resiliência e desenvolvimento sustentável.

Neste sentido, recomenda-se a

identificação prévia a qualquer desastre

dos mecanismos e arranjos a utilizar para

assegurar uma comunicação efetiva e

inclusiva.

Em relação à comunicação interna,

constata-se que a identificação das linhas

de reporte em relação às estruturas de

planeamento e gestão da recuperação

resulta insuficiente para garantir uma

comunicação eficiente. Assim mesmo,

constatam-se deficiências na partilha entre

os pares. e no sentido vertical. de

informações que se associam à própria

cultura organizacional e práticas de gestão

do setor público cabo Verdiano e que

precisam ser avaliadas e repensadas.

▪ Os mecanismos de comunicação com as populações afetadas não foram explicitados

Durante as entrevistas e discussões com as

populações afetadas ressalta a sua

confusão em relação aos canais de

comunicação com as autoridades

responsáveis pelos esforços de

recuperação. Para além das já referidas

mudanças nas estruturas à frente da gestão

de recuperação, as populações refletem

sobre a falta de clarificação sobre os

mecanismos para a comunicação com as

autoridades.

As comunidades locais relatam, na maioria

dos casos, ter acompanhado pela

comunicação social os diferentes encontros

gerais (como o Fórum de reconstrução de

Fogo), reuniões e atelieres de apresentação

de projetos ou ideias para a reconstrução

(encontro de apresentação da proposta de

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

novo assentamento em Achada Furna; ou o

lançamento do projeto de Master plan para

o Turismo Sustentável no Fogo). Embora

nestes encontros tenham sido convidados

alguns representantes dos moradores, os

deslocados referem uma falta sistemática

de informações oficiais sobre as propostas

e programas para a recuperação pós-

desastre. Esta falta de comunicação oficial

estruturada parece ter alimentado a

desconfiança (por exemplo, em relação à

questão dos donativos e o seu destino) e

poderá ter criado espaço para a

manipulação da informação por

determinados elementos da comunidade,

ou ainda alimentado a especulação que se

espelha nos social media (em especial

Facebook).

Salienta-se aqui, de novo, o papel essencial

dos média no processo de recuperação.

Num contexto de ausência de mecanismos

estruturados de comunicação com as

populações afetadas, os média são o único

canal disponível para a maioria dos

cidadãos poderem conhecer as opções,

propostas e progressos na recuperação.

Ainda que este papel dos média deva ser

reconhecido e valorizado, as instituições

públicas são responsáveis por organizar a

comunicação oficial, que pode servir-se dos

média como canal de difusão, mas que

deverá também considerar como as

informações chegam à comunidade e

assegurar que são bem compreendidas e

que ao mesmo tempo os afetados têm a

possibilidade de solicitar esclarecimentos,

resolver as suas dúvidas pessoais e partilhar

as suas preferências e preocupações em

relação às propostas e às decisões tomadas.

▪ Inexistência de uma estratégia de comunicação interna e externa para o processo de

recuperação

Esta deficiência constatou-se nos diferentes

processos de recuperação analisados. Em

relação ao Fogo, destacam-se os problemas

na gestão da comunicação com os parceiros

e doadores. Os responsáveis do Gabinete

de Recuperação de Fogo apontam a pressão

colocada por alguns doadores para terem

conhecimento do destino dos recursos

disponibilizados. Da parte dos doadores,

esta falta de uma estratégia clara de

comunicação sobre as propostas, gestão e

os progressos na execução das diferentes

medidas de recuperação, terá alimentado

uma preocupação sobre a transparência do

processo, em especial em relação às

aquisições públicas, mas também em

relação ao nível de participação pública e à

integração do princípio de “reconstruir

melhor” no processo de reconstrução,

reabilitação e recuperação.

Por outro lado, as falhas na comunicação

com os parceiros e doadores também se

registam em relação ao processo em si, de

avaliação de necessidades de recuperação e

a priorização da sua execução. Assim,

alguns parceiros de desenvolvimento

internacional manifestam a sua

preocupação com a capacidade do governo

de priorizar as necessidades de

recuperação. Outros parceiros referem que

se sentiram “infra-utilizados” em relação ao

tipo de apoios, conhecimento e expertise

com os quais poderiam apoiar o país. Em

especial, alguns referem ter-se

disponibilizado para apoiar o país com

meios e capacidades técnicas, mas relatam

ter perdido possibilidades de mobilização

de outros recursos para a recuperação

devido à morosidade do governo em

identificar e comunicar as necessidades. O

mesmo tipo de reflexões fazem alguns

parceiros em relação à fase de emergência,

por exemplo, um parceiro de

desenvolvimento foi solicitado pelas

autoridades nacionais para apoiar com

máscaras de proteção mas não

conseguiram mais detalhes em relação às

especificações técnicas do tipo de materiais

que eram necessários no contexto dessa

crise.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

No caso do processo de recuperação após

as cheias de São Miguel, da análise

destacam-se as ineficiências na

comunicação entre diferentes níveis

governamentais. Naquela altura, a Câmara

Municipal, liderada por um partido da

oposição política àquele responsável pelo

governo central, referiu as dificuldades

experimentadas em obter informações

sobre os recursos mobilizados para a

recuperação, a sua planificação e os

progressos e resultados da reconstrução. As

dificuldades de comunicação

interinstitucional entre os diferentes níveis

de governo parecem ser habituais nos

processos em que a recuperação é liderada

pelo nível central.

▪ Os canais de comunicação com as populações afetadas são maioritariamente

unidirecionais

Como já referido brevemente no pilar

relativo ao seguimento e avaliação, as

constatações da análise dos processos de

recuperação, tanto de Fogo como de São

Miguel, apontam que os canais de

comunicação com os afetados são

maioritariamente unidirecionais. Embora a

partir dos inquéritos, as instituições

pretendessem identificar as preferências

das comunidades afetadas, no que

concerne a todas as outras fases do

processo (solicitação de esclarecimentos,

apresentação de questões ou reclamações,

questionamento das decisões, submissão

de propostas, partilha de preferências

coletivas) as comunidades afetadas

referem a falta de mecanismos de

comunicação formal com as instituições. A

unidirecionalidade refere-se ao facto das

instituições comunicarem com os afetados

através dos canais previamente

apontados, mas estes desconhecem quais

os mecanismos para comunicarem com as

instituições responsáveis. Para alguns

deslocados, o único momento de contacto

com as autoridades era durante a recolha

de subsídios ou distribuição dos donativos,

não obstante, referem que na maioria das

ocasiões as pessoas com as quais

interagiam nesse momento nem tinham

Quadro 7: Exemplo: desafios na comunicação com o setor privado na reconstrução pós-erupção no

Fogo.

Durante a fase de entrevista no Fogo, vários técnicos e parceiros do setor privado, referiram a algumas

deficiências na comunicação da Comissão Interministerial com o setor privado, em especial com as

empresas do setor da construção. Em primeiro lugar, os requisitos do processo de aquisição pública

iniciado para a construção em Cabeça Fundão de 45 habitações com recurso a empreiteiros locais

gerou muitas dúvidas entre os privados da ilha. Não obstante, conforme a versão dos empreiteiros,

nem sempre as instituições responsáveis pelo concurso estavam disponíveis para esclarecer os

critérios de qualificação para os concorrentes. Por outro lado, na altura das entrevistas deste estudo,

o concurso tinha sido fechado há meses, mas a instituição responsável pela sua resolução não tinha

comunicado oficialmente nenhuma informação aos concorrentes. A comissão interministerial tinha

paralisado o projeto de Cabeça Fundão após a manifestação pública contra a iniciativa. Não obstante,

o concurso não tinha sido anulado nem resolvido e os empreiteiros locais, alguns dos quais tinham

investido tempo e recursos consideráveis para a preparação da candidatura, exigiam alguma resposta

e informação da parte das instituições responsáveis. Deve destacar-se que para muitos empreiteiros

locais, a formalização da sua empresa, exigiu um investimento económico considerável, que

assumiram pelo interesse em participar deste concurso.

As autoridades ficaram num impasse em relação à resolução deste concurso, devido à manifestação

pública de moradores de Chã-das-Caldeiras que protestavam em relação à escolha do local (Cabeça

Fundão) para o novo assentamento, assim como questionavam os critérios de atribuição das novas

moradias. Para além da questão do lugar escolhido, que as populações consideravam que não oferecia

níveis de proteção contra os perigos vulcânicos adicionais em relação a Chã-das-Caldeiras, nas

diferentes intervenções públicas, alguns líderes comunitários questionavam o porquê de só apenas 45

agregados familiares beneficiarem de moradias novas enquanto que as propostas anteriores, em

relação ao projeto em Achada Furna, já tinham alimentado as esperanças de um novo assentamento

e de “casas para todos”.

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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

tempo, nem a responsabilidade de registar

as suas reclamações ou sugestões, ainda

referem que nem sempre os atores de

distribuição dos apoios em primeira mão

estavam em condições de assumir um

papel de intermediário ou interlocutor das

instituições responsáveis pela gestão da

recuperação.

Em relação a esta questão, os

entrevistados referem que a gestão da

comunicação melhorou com a criação da

Comissão Interministerial, já que pontos de

atendimento foram operacionalizados e

vários assistentes sociais baseados nas

comunidades de acolhimento dos

deslocados, e mandatados para receber as

solicitações dos deslocados que residem

nessas localidades.

Lições aprendidas:

Pilar 6 L.A 1: A gestão eficiente da recuperação requer investir num sistema de comunicação com

mecanismos de comunicação interagências, com o público e os parceiros.

Que aprendemos: a comunicação interna (entre as instituições e níveis de governo) e externa

(com os beneficiários), quando não está pensada e estruturada, cria espaço para muitos

equívocos, frustrações e ineficiências.

Que significa: A gestão da informação deve ser pensada estrategicamente no processo de

planificação e na execução dos programas de recuperação. Esta necessidade também se aplica

à fase de gestão da emergência, na qual os requisitos são diferentes e a ordem de prioridades

também. A comunicação estruturada sobre os programas, as políticas e as opções para a

recuperação resulta essencial para reforçar a apropriação, transparência e prestação de contas.

Recomendações:

▪ Planificar a comunicação no quadro de recuperação, identificando mecanismos,

canais, ferramentas e processos flexíveis e adaptáveis a cada programa e

processo específico.

▪ Pensar para cada estratégia e plano de recuperação o mecanismo de

comunicação entre agências e com os parceiros externos, incluindo os média.

▪ Promover a capacitação dos jornalistas e editores sobre temáticas específicas,

entre elas a redução de riscos, preparação, gestão dos desastres e recuperação

▪ Desenvolver espaços de intercâmbio e mecanismos de partilha regular com os

órgãos de comunicação, com vista a clarificar dificuldades e expectativas de

todas as partes e definir os mecanismos mais eficientes de comunicação.

▪ Engajar as associações comunitárias e outras organizações que têm experiência

de trabalho com as comunidades afetadas, para definir os mecanismos de

comunicação para a recuperação pós-desastre.

Pilar 6 L.A. 2: Os sistemas de informação sobre desastres são relevantes para a gestão do

conhecimento

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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Que aprendemos: que ter informações sobre os passados desastres e como se geriu a sua

recuperação é útil para muitos fins: permite calibrar os modelos de avaliação de perigos e

cenários de desastre, permite orientar a planificação para a resposta e recuperação, permite

estudar as tendências, e dando uma visão integrada dos “custos do desastre” ajuda na

sensibilização dos decisores sobre a relevância de investir na redução de riscos.

Que implica: isto implica que vale a pena investir em sistemas de registo e análise dos dados

sobre os desastres.

Recomendações:

▪ Sensibilizar todos os parceiros e instituições sobre a necessidade de registar as

informações sobre os desastres.

▪ Promover a institucionalização do sistema do Observatório Nacional de

Desastres.

▪ Capacitar as instituições para utilizar a plataforma do OND e/ou outros

aplicativos de gestão de bases de dados relevantes (desinventar.net, etc.), como

base de dados integrada dos eventos de desastres e processos de recuperação.

▪ Utilizar as informações registadas para analisar tendências e preparar cenários

de desastres.

Pilar 6 L.A.3: Na ausência de informações sobre riscos de desastres, incluindo informações sobre

a exposição e a vulnerabilidade, a planificação da recuperação é mais complicada.

Que aprendemos: para reduzir o risco a partir da recuperação e reconstrução é preciso conhecer

o risco e entender qual pode ser o impacto dos desastres nos sistemas sociais e físicos.

Que implica: que o governo deve investir no sistema de informação sobre riscos e no reforço

das capacidades para compreender e utilizar as informações sobre riscos.

Recomendações:

▪ Estabelecer standards e desenvolver orientações para as avaliações de riscos.

▪ Capacitar os setores para avaliações de riscos de desastres setoriais.

▪ Avaliar as necessidades de dados e requisitos de informação dos setores para os seus

processos de planificação.

▪ Desenhar a arquitetura do sistema nacional de informação de risco (SNIR) com os

objetivos de preparação em mente.

▪ Capacitar os setores para entender e utilizar as informações de risco para o

planeamento e gestão dos programas de recuperação.

▪ Promover a partilha de dados e reforçar a interoperabilidade das bases de dados

setoriais, com vista a terem um sistema de cadastro único dos agregados familiares, ao

qual os setores recorrem na identificação, clarificação, avaliação de vulnerabilidade e

gestão de programas.

2.4. Conclusões e recomendações gerais

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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

2.4.1. Conclusões gerais

A recuperação consiste na restauração e no melhoramento das instalações, infraestruturas,

meios de vida, sistemas de produção e condições socio-económicas das comunidades afetadas

pelos desastres. O segundo elemento, o melhoramento, aponta para um foco importante dos

processos de recuperação: reconstruir melhor. Melhorar implica evitar a reprodução dos erros

do passado que levaram à ocorrência do desastre, mas também o aproveitar da oportunidade

do momento e do investimento na recuperação para melhorar as condições socio-económicas

de partida, reforçar o acesso aos serviços básicos, requalificar os assentamentos, reforçar o

tecido económico, diminuindo a vulnerabilidade das infraestruturas, sistemas e pessoas e, em

definitivo, tornando-os mais resilientes e sustentáveis, em detrimento de apenas os preparar

para o próximo desastre.

Analisar o passado, o que aconteceu e como se geriu a recuperação, proporciona orientações

úteis para o futuro. Como demonstra este estudo, existem justificações robustas para

recomendar que este futuro passe por uma preparação efetiva das instituições públicas e dos

seus parceiros, para gerir a recuperação. Em relação à fase de gestão dos desastres e resposta

de emergência, considera-se que a gestão reativa e a improvisação não são as estratégias mais

eficientes. Esta constatação é igualmente válida, e provavelmente ainda mais aplicável, em

relação à gestão da recuperação. Na fase de resposta, a própria situação de crise e contexto de

emergência coloca os atores num modo mais favorável à colaboração, sustentado pela

solidariedade perante a desgraça e a destruição. Já na fase de recuperação, o ambiente muda,

as pressões emergem e a urgência por reorganizar a vida alimenta pressões e expetativas de

todos os lados. Assegurar a eficiência, sustentabilidade, equidade e impacto num contexto de

pressões e urgência não constituem uma tarefa simples, por isso, as lições aprendidas com a

recuperação em Fogo reforçam a pertinência do enfoque de preparação para a recuperação que

se demonstra cada vez mais relevante e os ganhos de eficiência resultantes mais evidentes.

Alguns estudos de lições aprendidas sobre a recuperação salientam os desafios que estes

processos colocam, mesmo para os governos e administrações mais consolidadas e efetivas do

mundo, como por exemplo a administração americana. Apesar da coordenação da recuperação

implicar tipos de ações que os governos desempenham no seu funcionamento do dia-a-dia –

como: a alocação e gestão de recursos públicos; a prestação de serviços e produção de

benefícios; a construção de parcerias internas e externas; ou ainda a procura de contribuições e

feedback de todas as partes interessadas - a complexidade da fase de recuperação tem a ver

com uma série de fatores externos, assim como outros intrínsecos, associados à mentalidade e

estado de espírito que comummente predomina entre os governos após um evento de desastre.

Entre outros fatores que contribuem para aumentar a complexidade desta fase, apontam-se:

i. A pressão política, interesse mediático e escrutínio público de todo o processo.

O interesse dos média e jornalistas pela fase de recuperação é comummente elevado,

este tende a aumentar em determinados contextos políticos (especialmente pré-

eleitoral) e aquando dos “ aniversários” do desastre. Os sucessos, e em especial as falhas

e erros na implementação dos programas de recuperação, atraem uma atenção

considerável dos média. Isto implica que tanto as decisões como os seus resultados

estão submetidas ao escrutínio de muitos grupos de interesse, sejam comunitários,

privados, políticos, etc.

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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

ii. A relativa morosidade, que comummente se regista na receção e utilização dos

recursos para a recuperação. Esta morosidade adiciona-se ao tempo requerido para a

mobilização desses mesmos recursos quando não existem mecanismos pré-definidos e

os recursos não estão disponíveis

iii. A subestimação dos recursos e capacidades necessárias para desenhar e

implementar a recuperação. A falta de exposição frequente ou repetida a este tipo de

processos e a inexperiência derivada influenciam neste erro comum em relação à

planificação dos recursos e competências requeridos para a recuperação. Em especial,

os funcionários públicos que estão mais afastados do nível político onde se exerce a

pressão social e mediática subestimam o nível de urgência associado à execução dos

programas de recuperação. Nesse sentido, responsáveis técnicos de algumas das

instituições implicadas na recuperação subestimam as necessidades de capacidade

adicional, esperando poder produzir os resultados da recuperação no curso de um

período mais longo do que as comunidades e políticos desejam e esperam.

iv. Necessidades e sistemas de governação efetivos para a recuperação são

diferentes do “ business-as-usual”, nesse sentido, mesmo que os governos optem pela

utilização do sistema administrativo e burocracia existente, sem recurso a novas

entidades dedicadas que liderem o processo, são necessários mecanismos especiais que

permitam garantir a “adaptação” das estruturas existentes às necessidades diferenciais

dos processos de recuperação e à carga adicional de trabalho que este requer. Gerir a

recuperação implica uma dose especial de flexibilidade e de criatividade nas instituições

públicas porque o contexto pós-desastre, por definição, exige “gerir o excecional” mas

requer garantir ao mesmo tempo a legalidade, equidade e justiça dos resultados, assim

como a transparência e a prestação de contas de todo o processo.

2.4.2. Recomendações para a gestão do conhecimento, gestão da informação e

aprendizagem

Para além das recomendações por pilar, detalhadas em cada secção, a realização deste estudo leva-nos a identificação de algumas recomendações gerais aplicáveis a muitas outras áreas de políticas sobre o desenvolvimento, relativas à necessidade de reforçar os sistemas de seguimento e avaliação e a integração dos seus resultados nos processos de planificação como forma de fomentar a aprendizagem institucional. Assim, a gestão de conhecimento converte-se numa prática e abordagem institucional de extrema relevância para uma gestão institucional moderna baseada em evidências, adaptativa e cujo foco está em atingir resultados e provocar mudanças nas situações identificadas à partida como problemáticas. Aprender com o passado, requer não apenas realizar análises pontuais, através de avaliações, auditorias, estudos de lições aprendidas, etc. mas requer também a existência de mecanismos de registo sistemático, tratamento e análise, assim como as capacidades e mecanismos institucionais para traduzir essas informações em conhecimento utilizável para os processos de planeamento e gestão.

Em determinados setores, e em especial ao nível técnico, de muitas instituições existem investimentos consideráveis na produção de conhecimento, não entanto estes investimentos não são bem capitalizados, sendo os resultados arquivados e ignorados. A vivência de experiências negativas de conhecimento pouco utilizado e utilizável parece ter frustrado muitos

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5 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

decisores na sua prática de gestão do conhecimento institucional. Assim, muitos dos atores entrevistados fazem referência a uma certa “fadiga do estudo, e vontade de serem práticos e necessidade de agir”. Embora qualquer gestor concordaria que a produção de estudos cujo destino é apenas o arquivo da instituição constitui um desperdício de recursos escassos como tempo e dinheiro, não se deve menosprezar o valor da produção do conhecimento para informar uma tomada de decisões baseada nas evidências e uma gestão das organizações, programas e recursos orientada para os resultados. As intervenções práticas, não informadas por um conhecimento detalhado dos problemas e retroalimentada pelas lições do passado, correm o risco de gerar ineficiências maiores na utilização dos recursos públicos do que as ineficiências derivadas do investimento na produção de conhecimento não aproveitado. A necessidade de uma prática informada reforça a atenção que deve ser dedicada ao seguimento e avaliação de processos e seus resultados, assim como apela a desenvolver mecanismos institucionais de gestão de conhecimento e aprendizagem. Os decisores não só precisam de receber mais dados, e os estudos não só precisam de ser mais divulgados, como a gestão de resultados precisa de uma abordagem sistemática de recolha de informações para a identificação das evidências, produção de conhecimento ativável e valorização do mesmo. Otimizar a eficiência das decisões públicas requer o desenvolvimento de ferramentas de apoio à decisão e sistemas de informação que claramente permitam transformar os dados e informação registados e analisados em conhecimento aplicável e utilizável no momento em que mais é preciso, isto é, na fase de decisão.

Uma comunidade de prática indiana que trabalha na gestão de conhecimento para a Redução de Riscos de Desastres, resume assim as dificuldades ligadas à utilização do conhecimento: “a informação sobre a preparação, o que se deve ou não fazer nas emergências, os planos de gestão de desastres, as políticas e orientações nos diferentes domínios estão disponíveis desde há décadas. Não obstante, milhões de pessoas continuam a ser severamente afetadas por desastres a cada ano, devido à falta de capacidade de lhes fazer face. Isto pode atribuir-se ao facto da informação que reside num determinado lugar não estar a ser transformada em conhecimento para salvar vidas e reduzir as perdas das comunidades em risco.”15. Ainda, esta mesma proposta indiana, refere que: “ muitos de nós assumimos que a gestão do conhecimento consiste em capturar as lições aprendidas e experiências que as pessoas têm e armazená-las em bases de dados com a esperança de que algum dia venham a ser úteis…mas a gestão de conhecimento consiste em ter o conhecimento certo, no lugar certo e no momento certo”.

“ Uma característica das boas instituições e políticas é que não só facilitam

a transferência de conhecimentos, mas também reforçam as probabilidades

de que esse conhecimento seja efetivamente utilizado” (Stiglitz 1998).

As dificuldades de sistematizar a memória institucional têm sido salientadas em numerosas

ocasiões por pesquisadores, técnicos e decisores das diferentes instituições. A dificuldade na

partilha de dados é um problema recorrente apontado nos diferentes fóruns de discussão sobre

15 INDIAN APproach

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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

a gestão pública. Nesse contexto, parece um tanto irrealista pensar que as lições aprendidas

deste ou dequalquer outro estudo serão automaticamente consideradas e integradas no

planeamento e desenho de novos programas ou na revisão de quadros estratégicos e

operacionais. Com vista a assegurar que existem verdadeiras condições para a aprendizagem

institucional, é preciso reavaliar os mecanismos e capacidades dos que as instituições dispõem

para a gestão de conhecimento.

O UNISDR, no quadro da sua estratégia IKM4DRR (gestão do conhecimento e informação para a

redução de riscos de desastres), promove as seguintes definições:

✓ Gestão de conhecimento: mobilizar ou alavancar pessoas, recursos, processos e

informação de forma a atingir objetivos estratégicos. 16

✓ Gestão da informação: o processo de recolha, tratamento, organização,

armazenagem e disseminação de informações para um fim específico.

No concreto, no que se refere aos desastres e à gestão de riscos de desastres, este estudo

recomenda a valorização de várias ferramentas:

✓ A operacionalização do Observatório Nacional de Desastres17, como plataforma

nacional para o registo e análise das informações sobre efeitos e impactos dos

desastres, mas também como “knowledge hub” de informações sobre as iniciativas de

recuperação que sirvam de base para as avaliações de impacto sobre os programas de

recuperação; assim como o seguimento de metas e medição de indicadores associados

à RRD baseados na redução de danos e perdas associadas aos desastres. A utilização

efetiva do OND permitirá a quantificação dos efeitos gerais [em todos os setores e

incluindo as perdas (fluxos económicos18)] dos desastres e constituir a linha de base

sobre a qual identificar metas na redução de riscos de desastres.

A operacionalização do Observatório Nacional de Desastres não requer apenas a

implementação das componentes tecnológicas (base de dados e plataforma WebSIG,

portal web), mas também, e especialmente, necessita do desenho da arquitetura

16 IKM4DRR Scorecard. 17 O OND (Observatório Nacional de Desastres entende-se como um mecanismo institucional sustentável para a coleta, análise e interpretação sistemática de dados de desastres. Os OND pretendem contribuir para expandir e melhorar a base de evidências sobre perdas relacionadas a desastres, promovendo e apoiando a organização sistemática de dados de desastres em bases de dados nacionais para análise e uso, e para institucionalizar esses esforços a nível nacional. 18 Conforme a UNISDR, as perdas referem-se à queda do valor económico do agregado, como consequência dos danos ou destruição física e / ou impactos humanos e ambientais.

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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

institucional para o seu funcionamento e a participação de todos os parceiros. Assim,

propõe-se não apenas um protocolo voluntário de colaboração, mas a criação de um

instrumento legal que reja a sua implementação e crie uma obrigatoriedade legal de

todos as partes implicadas em reportar e partilhar os dados dentro desse sistema de

Observatório. Idealmente, o OND, se contar com uma equipa de dinamização adequada

poderá ser a semente de uma “comunidade de prática” nacional (list serve, group

discussions, repositor, e-library, cross-posting) sobre a gestão de riscos de desastres.

✓ A implementação do SNIR (Sistema Nacional de Informação de Riscos): este sistema de

informação deve ser interoperável com outros sistemas como sistema de informação

territorial, cadastro único no âmbito da proteção social, etc. Por definição, abrange

informações sobre perigos (sua monitorização, mapeamento e avaliação), exposição,

vulnerabilidades e riscos. Este SNIR poderá servir como fonte de referência para as

avaliações pós-desastre, assim como para estabelecer sistemas de seguimento dos

programas de recuperação.

De uma forma mais geral, recomenda-se investir na preparação para a recuperação pós-

desastre, conforme as orientações nos diferentes pilares de estudo, de forma a:

Sensibilizar os decisores sobre a importância da gestão do conhecimento para um

planeamento informado, tanto da recuperação como da redução dos riscos de

desastres.

Aprofundar a identificação e análise das lições aprendidas com os processos de

recuperação pós-desastre relativos a outro tipo de eventos, em especial para desastres

de menor escala e/ou repercussão mais localizadas.

Garantir a divulgação alargada das conclusões deste estudo com os atores da gestão dos

riscos de desastres em Cabo Verde, utilizando como fóruns de discussão a plataforma

nacional de redução de riscos de desastres.

Assegurar a aprovação e adoção de um Quadro nacional (pré-evento) de recuperação

pós-desastres e desenvolver instrumentos de preparação para a recuperação a outros

níveis administrativos (ilha e/ou município), conforme relevante.

Assegurar a definição dos arranjos institucionais mais efetivos para a gestão da fase de

recuperação e reforçar as capacidades das organizações e técnicos participantes.

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8 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

Desenvolver cadernos e orientações técnicas para os municípios e os setores para o

planeamento específico do município/setor para preparação para a recuperação mais

resiliente.

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9 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

3. Anexos

3.1. Lista de entrevistas realizadas

Organização Nome Cargo E-mail

1 Ministério de Desenvolvimento Rural

Elisângelo Furtado

Delegado na ilha de Fogo (até junho 2016

[email protected]

2 Ministério de Ambiente e Agricultura

Jaime Pina Delegado na ilha de Fogo (desde junho 2016).Anteriormente, técnico da Delegação do MDR em Fogo

[email protected]

3 Ministério de Educação

Luís Pina Delegado para a ilha de Fogo

[email protected]

4 Ministério de Saúde José Rosa Delegado para São Felipe e Santa Catarina

[email protected]

5 Cruz Vermelha Cabo Verde- Fogo

Mário Barbosa Presidente do Conselho Local de CV em São Felipe

[email protected]

6 Cruz Vermelha Cabo Verde- Nacional

Mário Moreira Presidente da Sociedade Nacional da Cruz Vermelha

[email protected]

Cruz Vermelha Cabo Verde- Nacional

José Simedo Especialista em RRD & emergências- Cruz Vermelha Cabo Verde

[email protected]

7 Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros

Narciso Mendes

Responsável do SNPCB para a assistência aos

deslocados da erupção

[email protected]

8 Direção Geral das Infraestruturas (MIHOT)

António Nascimento

Ex- Diretor Geral e Presidente do Gabinete de

Reconstrução de Fogo

[email protected]

José Salomão Ponto Focal DGI no PDNA Fogo

[email protected]

Adlisa Delgado Atual Diretora Geral das Infraestruturas

[email protected]

9 Direção Nacional do Ambiente

Alexander Nevsky

Diretora Geral (desde maio 2016) e ex-Diretor do Parque Nacional de Fogo

até abril 2016

[email protected]

10 Agencia Reguladora de Aquisições públicas (ARAP)

Carla Sousa Presidente Conselho de Administrador

[email protected]

Administrador Executivo

11 Gabinete de Reconstrução de Fogo- Gabinete de desenvolvimento

Arlindo Brandão

Vogal Local [email protected]

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10 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

intermunicipal de Fogo

12 CM São Felipe Luís Pires Ex-presidente [email protected]

13 CM São Felipe Jorge Nogueira Presidente atual [email protected]

14 CM São Felipe Caetano Rodrigues

Vereador de Proteção Civil [email protected]

15 Parque Nacional de FOGO

Herculano Dinis

Técnico de Seguimento ecológico e Diretor em

funções

[email protected]

16 CM Mosteiros Carlos Fernandinho Teixeira

Presidente [email protected]

Jaime Pina Vereador da Área de Proteção Civil

Jaime.Monteiro@ govcv .gov.cv

17 CM Sta Catarina Alberto Nunes Presidente [email protected]

18 CM Sta Catarina Francisco Monteiro

Ex-Vereador da Área de Proteção Civil

[email protected]

19 ADEI Sílvio Martins Coordenador local [email protected]

20 IEFP-Centro de Formação e Emprego de São Felipe

Paula Silva Ex-Coordenadora

[email protected]

21 MAA-Delegação Fogo

Christopher Oliveira

Engenheiro Civil – Adjunto a Comissão

Interministerial para Fogo

[email protected]

22 Associação de viticultores de Chã

Daniel Gomes Vice-Presidente

23 Cooperativa Chã Neves Presidente

24 Associação de agricultores de Montinho

Danildo Montrond

Presidente

25 Associação de guias turísticos de Chã das Caldeiras

Moustapha Erem

Presidente, empresário setor turístico e Engenheiro civil

[email protected]

26 Comando da Policia Nacional

João Barros Comandante São Felipe [email protected]

27 ONG COSPE Carla Cossu Coordenadora da ONG em Fogo

[email protected]

28 INMG José António Fernandes Dias Fonseca

Técnico de equipamentos e deslocado de Chã-das-

Caldeiras

29 AECID- Cooperação espanhola

Jaime Puyoles Diretor do escritório técnico de cooperação

Cabo Verde

[email protected]

30 UE-Delegação Cabo Verde

Stephan Van-Praet

Chargee de cooperação [email protected]

31 USA-Embaixada de América em Cabo Verde

Donald L. Heflin

Embaixador

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11 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

32 Cooperação luxemburguesa

Helene Chargee de cooperation

33 Embaixada do Brasil Ricardo Leal

34 OIT-ILO (organização internacional do trabalho)

Joana Borges Responsável de Programa Escritório de Cabo Verde

[email protected]

OMS/ WHO Mariano G. Salazar

Representante escritório de Cabo Verde.

[email protected]

FAO Remi Nono Womdim

Representante escritório de Cabo Verde.

[email protected]

35 D.G. do Tesouro Hernani Trigueiros

Diretor Geral [email protected]

D.N.de Orçamento do Estado

Lidiane Nascimento

Diretora Nacional [email protected]

36 ANMCV Luis Landim Gabinete Técnico [email protected]

Fernando Jorge Borges

Secretário Geral [email protected]

Salomão Furtado

Gabinete Técnico [email protected]

37 SNPCB Diretor

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12 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

3.2. Guiões de entrevista

3.2.1. Guião de entrevista para instituições nacionais, associações e agentes

comunitários

I. Enquadramento do estudo

II. Apresentação do estudo e os objetivos

III. Questões gerais de enquadramento:

Objetivo: levantamento de informações de contexto sobre o processo de

recuperação no que concerne à instituição e/ou setor em questão.

Lista indicativa de questões:

1. Como avalia o impacto do desastre no seu sector? (como ponto de

partida consideramos os efeitos (danos e perdas) recolhidos no PDNA,

para o caso do Fogo, mas pretendemos entender como isto tem afetado

o setor como um todo; até que ponto tem recuperado ou não, a que

níveis territoriais se sentiu o impacto (localidade, concelho, ilha inteira)

2. Que ações de recuperação já tem sido implementadas e quais estão

em curso ou previstas? Quais devem ser priorizadas e porquê? Como

avalia o resultado das mesmas? São insuficientes ou não? Porquê?

Constrangimentos na sua implementação? Impacto na redução de

desigualdades? Impacto nas comunidades de acolhimento dos

deslocados e perceção das mesmas?

3. Que ações para reduzir futuros riscos de desastre e reduzir a

vulnerabilidade no seu setor considera prioritárias? Quem deve

promover e quem deverá implementar as mesmas?

IV. Questões por pilar chave relevante ao estudo do processo de recuperação

i. Pilar I: Arranjos Institucionais

a) Conhece qual a agência ao nível central que tem a responsabilidade

ou as competências para liderar o processo de recuperação? Foi na

prática esta agência a coordenar e gerir o processo? Qual terá sido a

sua relação com outras agências?

b) No caso da sua instituição, quais são as competências/ atribuições

relativas ao processo de recuperação?

c) Quais são os arranjos institucionais para planificar e implementar o

processo de recuperação? Eram pré-existentes ou foram criadas ad-

hoc?

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13 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

d) Tem conhecimento de algum tipo de arranjo institucional/plano ou

provisão prévia sobre como devem ser conduzidos os processos de

recuperação?

e) Considera que os papéis e responsabilidades de cada um dos atores

estavam claros? (aos níveis tanto nacional, como local e setorial)

f) Até que ponto considera que o poder local e as comunidades em si

foram envolvidos no planeamento e na execução do processo de

recuperação? E do setor privado?

g) Considera que o processo de recuperação tem contribuído ou todavia

poderá contribuir a reforçar as capacidades das autoridades nacionais

e locais? E das comunidades afetadas?

h) Como qualificaria a coordenação entre os diferentes níveis nas

diferentes fases:

a. Na avaliação de danos e planeamento da recuperação

b. Na implementação

c. No seguimento

i) Como é que este desastre afetou a continuidade das ações

governamentais? E da prestação de serviços básicos?

j) Existiam alguns acordos prévios para a gestão da recuperação post-

desastre e para gerir a fase de recuperação (específicos ao setor

quando relevante? (i.e. para o fornecimento de materiais, para as

aquisições de bens e serviços; para a logística; para a coordenação) Será

que esses arranjos foram efetivos?

k) Existem mecanismos para a acelerar as aquisições? será que estes

foram utilizados? Qual é a sua perceção sobre se estes procedimentos

comprometem ou não a transparência do processo?

ii. Pilar II: Leis e políticas para a recuperação

a) Existe alguma lei ou política especial do seu conhecimento que regule

os processos de recuperação? (Podem entrar em aspetos específicos

como compensação, responsabilização, seguros, etc.)

b) Existe alguma política, do seu conhecimento, que promova a

integração da redução dos riscos de desastres no processo de

recuperação? Será que as disposições ou provisões dessa política têm

sido respeitados ou seguidos?

c) Como qualificaria o grau e relevância da participação pública neste

processo?

d) Existem mecanismos para priorizar os mais vulneráveis? Quais são?

Como identificaram e priorizaram esses indivíduos ou grupos mais

vulneráveis? ( i.e. no caso das políticas de realojamento, na prestação/

continuidade de serviços básicos, no apoio em género, nos programas

setoriais).

iii. Pilar III: Avaliação de necessidades pós-desastre

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14 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

*Se existiu um PDNA, referir as questões a este processo de avaliação de

necessidades, caso não tenha existido, as questões referiram-se ao processo de

avaliação de danos, perdas e necessidades pós-desastre.

a) Como avalia o processo de PDNA? Considera que foi um exercício

conjunto ou dominado por uma instituição?

b) Considera que para o seu setor houve uma avaliação atempada dos

danos, perdas e das necessidades? Quem liderou este processo de

avaliação?

c) Se foi conduzido um PDNA, considera que esta metodologia pode ser

apropriada (com as necessárias adaptações para o contexto local) pelas

instituições nacionais? Que mais-valias considera que esta

metodologia tem?

d) Este processo precisou de assistência técnica? Considera que poderia

ter sido completado por expertise nacional? E se tivessem que repetir

no futuro, precisaria de expertise internacional ou considera que as

instituições e quadros nacionais já estão suficientemente

capacitados?

e) Em relação à qualidade do produto do PDNA, qual é a sua avaliação?

f) Como avalia a partilha de informação que tem havido durante o

processo de avaliação de necessidades?

g) A avaliação das necessidades tem conduzido a um plano de

recuperação?

h) O plano e as intervenções de recuperação já implementadas,

considera que:

a. Estão em linha com os objetivos de desenvolvimento a longo

prazo

b. Levou em conta os riscos e vulnerabilidades pré-existentes e ou

criados após o desastre? Como foi isto considerado?

c. Participação das comunidades, e como? Respondeu às

expetativas das comunidades nesse sentido?

d. Promoveu a equidade de género e assegurou a consideração

das necessidades e vulnerabilidades dos diferentes grupos

(crianças, mulheres, etc.)

iv. Pilar IV: Mecanismos financeiros para a recuperação

a. Existem mecanismos financeiros para financiar a recuperação pós-

desastre?

b. Que fontes de rendimentos foram empregues?

c. Existem provisões nas diferentes leis sobre como financiar este

processo?

d. Que instituição é a responsável por gerir esses fundos? Se não existe

uma indicada pela lei, qual considera que deveria ser a instituição a

gerir esses fundos? (gestão centralizada ou descentralizada? Ao nível

local ou setorial?

e. Que setores receberam mais atenção e mais fundos? Quais as lacunas

no financiamento?

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15 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

f. No seu setor, considera que os fundos direcionados para a reabilitação

são suficientes?

g. Ao nível geral, conhece qual foi o critério para atribuição de fundos

entre setores e projetos?

h. Ao nível do seu setor, qual tem sido o critério para a seleção de

iniciativas?

i. Que procedimentos existem para o desbloqueio dos fundos?

Especificar em função da fonte ou origem dos fundos. Como avalia a

eficácia e eficiência destes procedimentos? Considera que estes

procedimentos são…morosos, adequados, efetivos, etc…

j. E os processos para a prestação de contas? São claros e eficientes?

será que tem funcionado adequadamente?

v. Pilar V: Seguimento e Avaliação da Recuperação

a. Conhece quais são/ foram as instituições aos diferentes níveis

(central, setorial e local) responsáveis por:

i. Seguimento do processo de recuperação

ii. Reportar para os doadores

iii. Informar do andamento dos processos ao público em geral

b. Da sua apreciação, tem havido um seguimento efetivo?

c. Existiam (no seu setor de intervenção, mas também ao nível geral)

indicadores chave para o seguimento? Como se recolhiam os dados

para o S&A?

d. Em relação às lacunas ou deficiências que se identificaram no processo

de recuperação…existiam mecanismos para as corrigir? Quais eram

esses mecanismos?

e. Existiam mecanismos para ouvir e integrar as opiniões, avaliações e

sugestões das comunidades afetadas nos programas de recuperação?

Estes mecanismos foram utilizados?

f. Há alguma avaliação já realizada ou prevista das ações de

recuperação?

vi. Pilar VI: Informação e sistemas de comunicação

a. Durante a fase de recuperação, como foi partilhada e disseminada a

informação entre os diferentes atores?

b. Estes sistemas estavam formalizados ou institucionalizados?

c. Como avalia a sua eficiência (numa escala de 1 a 5, onde 1 é pouco

eficiente e 5 é muito eficiente)

d. Existiam suficientes recursos para recolher, compilar e disseminar os

dados?

e. As informações sobre os danos e perdas eram registadas e analisadas?

E isto é uma prática comum no seu setor? Existem no seu setor

algumas orientações para o mesmo? (i.e. formas de calcular o custo de

reconstrução e quantificar os danos e perdas)

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16 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

f. Como foi gerida a comunicação com as comunidades envolvidas no

processo (tanto os afetados, como as localidades de receção)

g. Como foram envolvidos os meios de comunicação?

h. Existe ao nível do seu sctor (ou local) alguma base de dados onde se

registem informações sobre ocorrências de desastres?

i. Que fontes de informação têm sido utilizadas para estabelecer a

linha de base quando se analisaram os efeitos e impactos do

desastre? Estas informações eram facilmente acessíveis? Em que

formato dispõem destas informações?

j. As informações estavam desagregadas por género, idade, etc…? a

que nível geográfica estavam disponíveis estas informações?

3.2.2. Guião de entrevista para organizações internacionais e parceiros de

desenvolvimento

Introduction - Background and Purpose - lessons learnt and process of development of

DRRFramework

▪ What is the nature of support you provide to Cabo Verde. What are your focus

areas? In particular do you have any specific programmers related to or

involving disaster risk reduction and climate change . If so which sectors and

institutions have been involved with?

▪ What have been your experiences in terms of management, coordination and

monitoring of these programmers?

▪ With regard to the post-disaster recovery from the Fogo Volcanic eruption 2

years ago, what kind of support did you provide - financial, PDNA etc.

▪ Do you know which agency has the responsibility to lead the recovery process?

▪ How would assess overall management of the process, in terms of :

coordination; planning; transparency and accountability;

▪ How would you assess the Post-Disaster Needs Assessment in terms of

coordination, methodology, coordination, quality and its outcome (did it result

in a recovery plan

▪ Comments about formation management and sharing of information

▪ Comments about financing and financial management of record process

▪ Comments about monitoring and evaluation

▪ With regard to the development of the DRR framework, based in your

experience what some of the important considerations and provisions you

would like to see in the framework, particularly regarding institutional

arrangements.

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Página | 17

17 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

3.3. Referências

▪ American Planning Association (APA). Planning for post-disaster recovery: next

generation. PAS Report 576. December 2014.

▪ American Planning Association (APA). Public Engagement in Recovery. Planning for post-

disaster recovery. Briefing Papers nº 1.

▪ American Planning Association (APA).Planning for Recovery Management. Planning for

post-disaster recovery. Briefing Papers nº 7.

▪ American Planning Association (APA).Adopt a pre-event recovery ordinance. Planning

for post-disaster recovery. Briefing Papers nº 8.

▪ Association of South-East Asian Nations. Disaster Recovery Reference Guide. April 2016.

▪ European Community, World Bank/GFDRR, UN Development Programme, 2013, PDNA

Guidelines, Volumes A and B:

http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/crisis-prevention-and-

recovery/pdna.html

▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. (2015). GUIDE TO DEVELOPING

DISASTER RECOVERY FRAMEWORKS Sendai Conference Version. MARCH 2015.

▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. Resilient Recovery: An imperative

for sustainable development. 2015.

▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. (2014). Recovery from Recurrent

Floods 2000-2013 MOZAMBIQUE August 2014 Recovery Framework Case Study. Guide

for Disaster Recovery Frameworks. Country Case Study Series. Conference Version

▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. Handbook on The Standby Recovery

Financing Facility A partnership for accelerated disaster recovery in high risk countries.

March 2008.

▪ Government of India, NDMI. Knowledge Management in Disaster Risk Reduction: The

Indian approach.

▪ Government of Cabo Verde. (2015) Fogo Volcanic Eruption 2014-2015. Post-Disaster

Needs Assessment (PDNA).

▪ GRIP, UNDP. Guidelines for establishing a NDO. Version 2.0. July 2012.

▪ International Recovery Platform. Mozambique: Recovery Framework case study on

Recovery from Recurrent Floods 2000-2013. August 2014.

▪ International Recovery Platform. Guidance note on recovery governance.

▪ International Recovery Platform. Guidance Note on Recovery: Pre-Disaster Recovery

Framework.

▪ International Recovery Platform. Guidance Note on Recovery: Private Sector.

▪ Simonet, Catherine, Eva Comba and Emily Wilkinson. DISASTERS AND NATIONAL

ECONOMIC RESILIENCE AN ANALYSIS OF BRACED COUNTRIES. Working paper. February

2017

▪ UNISDR. Information and Knowledge Management for Disaster Risk Reduction

(IKM4DRR) Framework and Scorecard. May 2013.

▪ UNISDR (2015). Making Development Sustainable: The Future of Disaster Risk

Management. Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction. Geneva,

Switzerland: United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNISDR).

▪ United Nations Development Programme. (2015, a). A Guidance Note National Post-

Disaster Recovery Planning and Coordination.

Page 95: Lições aprendidas dos processos de recuperação pós ...€¦ · décadas, e a partir das experiências de vários países na gestão de processos de recuperação após grandes

Página | 18

18 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde

▪ United Nations Development Programme. Methodological Guide for Post disaster

Recovery Planning Processes, 2011.

▪ Guidelines and Actions for National, Regional and Local Governments.

http://www.preventionweb.net/files/32306_32306guametodolgicaparaprocesosdepl.

pdf

▪ United Nations Development Programme (UNDP). (2016). DISASTER RECOVERY

Empowered lives. Resilient Nations. Challenges and Lessons. 2016. United Nations

Development Programme (UNDP) Bureau for Policy and Programme Support. One

United Nations Plaza, New York, NY, 10017 USA www.undp.org

▪ World Bank. Learning lessons from disaster recovery: the case of Mozambique. Working

Papers series nº.12.April 2005.

i GAR 2015 Reference