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LIÇÕES APRENDIDAS DOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO
PÓS-DESASTRE EM CABO VERDE O CASO DA ERUPÇÃO VULCÂNICA DE FOGO 2014-2015
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
i. Prefácio
ii. Resumo executivo
iii. Índice de conteúdos
iv. Acrónimos
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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Índice de conteúdos
1. Contexto/ Enquadramento
1.1. Projeto Preparação para a Recuperação resiliente – Global
1.1.1. Desafios da fase de recuperação pós-desastre
1.1.2. Preparação para a Recuperação: que vantagens
1.2. Preparação para a Recuperação em Cabo Verde
1.2.1. Relevância da Preparação pós-desastres em CV
1.2.2. Recuperação pós-desastre e redução de riscos em CV
1.3. O estudo de lições aprendidas
1.3.1. Objetivos
1.3.2. Metodologia
1.3.3. Estrutura do Estudo
2. Resultados do estudo de lições aprendidas
2.1. Contexto: o desastre e seus efeitos
2.2. Lições aprendidas: apresentação geral
2.3. Pilares de estudo: resultados (findings) da análise e lições aprendidas
2.3.1. Arranjos institucionais
2.3.2. Leis e políticas para a recuperação
2.3.3. Avaliação das necessidades pós-desastre
2.3.4. Mecanismos financeiros para a recuperação
2.3.5. Seguimento e avaliação dos processos de recuperação
2.3.6. Sistemas de informação e comunicação
2.4. Conclusões e recomendações
3. Anexos
3.1. Lista de entrevistas realizadas
3.2. Guiões de entrevistas
3.3. Referências consultadas e bibliografia
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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Acrónimos
▪ ARAP: Agência de Regulação das Aquisições Públicas
▪ ASEAN: Associação de Estados do Sudeste Asiático
▪ BM: Banco Mundial
▪ CI: Comissão Interministerial
▪ CM: Conselho de Ministros
▪ DGI: Direção Geral de Infraestruturas
▪ DGT: Direção Geral do Tesouro
▪ DNA: Direção Nacional do Ambiente
▪ DRF: Disaster Recovery Framework (Quadro de Recuperação pós-desastre)
▪ ENRRD: Estratégia Nacional de Redução de Riscos de Desastres
▪ FAR: Fundo de Apoio a Reconstrução de Fogo
▪ GFDRR: Global Facility on Disaster Risk Reduction
▪ GRF: Gabinete de Reconstrução de Fogo
▪ GRIP: Global Risk Identification Programme
▪ IE: Instituto de Estradas
▪ INGT: Instituto Nacional de Gestão do Território
▪ IRP: International Recovery Platform (Plataforma Internacional de Recuperação)
▪ OND: Observatório Nacional de Desastres
▪ PEDS: Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável
▪ PDNA: Post Disaster Need Assessment (Avaliação de Necessidades Pós-desastre)
▪ PDRP: Post disaster Recovery Planning (Planeamento da Recuperação Pós-desastre)
▪ PNF: Parque Nacional de Fogo
▪ PM: Primeiro-Ministro
▪ QR: Quadro de Recuperação
▪ PNUD: Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento
▪ SNPCB: Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros
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5 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
1. Enquadramento do Estudo
1.1. Projeto Preparação para a Recuperação resiliente
contexto Global
1.1.1. Desafios da fase de recuperação pós-desastre
Tradicionalmente, o foco dos esforços de preparação tem-se concentrado na fase de resposta
ou na gestão do desastre durante a fase de emergência ou fase humanitária. Só nas últimas
décadas, e a partir das experiências de vários países na gestão de processos de recuperação
após grandes desastres, começa a dar-se mais atenção e dedicar mais esforços na análise dos
desafios e necessidades para a gestão do pós-desastre. Assim, a partir dos desafios enfrentados
por muitos governos na gestão da recuperação, começa a emergir a consciência global sobre a
complexidade e importância desta fase para promover a resiliência das comunidades e garantir
o regresso às trajetórias de desenvolvimento sustentável.
A reflexão e análise sobre a recuperação pós-desastre começam a ganhar relevância nas
agendas de trabalho e pesquisa sobre os enfoques de governação dos riscos de desastres. Assim,
tanto os decisores públicos, como os pesquisadores e os profissionais da área, começam a
prestar mais atenção às políticas, e aos mecanismos de gestão dos processos de recuperação
pós-desastre. Emerge, portanto, toda uma abordagem prática e teórica de preparação para a
recuperação pós-desastres, que ganha ainda mais relevância quando a sua pertinência e
efetividade são reconhecidas e elevadas ao rango de prioridade estratégica no Quadro de Ação
de Sendai para a redução de riscos de desastres (2015-2030).
O Quadro de Ação de Sendai (SFA ou QAS) representa o quadro de concertação e cooperação
global para a Redução de Riscos de Desastres. Aprovado em 2015, este Quadro reconhece na
prioridade de ação 5 o reforço da Preparação para a resposta e para uma recuperação,
reabilitação e reconstrução que integrem o princípio de reconstruir melhor “ build-back-
better”), como uma linha estratégica de ação, fundamental para criar comunidades e nações
mais resilientes e diminuir os efeitos dos desastres na sociedade.
A literatura científica e documentação técnica referente aos processos de recuperação
enfatizam de forma recorrente a complexidade dos processos de recuperação pós-desastre.
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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
1.1.2. Preparação para a Recuperação: que vantagens
Conforme o PNUD, o enfoque de preparação para a recuperação visa melhorar os resultados da
recuperação através da identificação e desenvolvimento, antes da ocorrência de qualquer
evento, dos arranjos institucionais, do quadro de política e dos mecanismos financeiros
necessários para a gestão desta fase. No contexto deste enfoque, estar preparados para a
recuperação pós-desastres implica também trabalhar ex-ante no desenvolvimento das
capacidades técnicas e funcionais, das instituições e dos indivíduos, necessárias para planear e
gerir a recuperação1.
Este processo e abordagem de preparação pretende identificar com antecedência a qualquer
desastre as lacunas e necessidades para uma implementação efetiva e eficiente da recuperação,
assim como apontar as medidas para reforçar as capacidades de implementação aos níveis
nacional e local. No quadro deste processo, a integração das lições aprendidas dos processos
prévios de recuperação considera-se essencial. Cada desastre aporta subsídios para melhorar o
nível de preparação e prontidão para a recuperação: o que funcionou bem e quais os fatores do
sucesso; quais foram as lacunas e constrangimentos e o que se pode aprender do processo. Este
conhecimento acumulado deve ser analisado e integrado no ciclo de planeamento e gestão da
recuperação pós-desastre.
O objetivo último da preparação para a recuperação é facilitar uma tomada de decisão
responsável e possibilitar uma ação rápida mas no entanto não informada, no difícil contexto
do pós-desastre e ainda assim assegurar que os processos de recuperação são mais eficientes
e efetivos e contribuem a redução de riscos e vulnerabilidades necessários para criar uma
sociedade mais resiliente.
A implementação de todo processo de recuperação pós-desastre exige um trabalho de base que
requer um mínimo de tempo de preparação durante o qual os progressos são invisíveis para o
público. Em um contexto de recuperação marcado pela pressão social e a urgência de atender
as situações de dificuldade e privação, e de responder necessidades e expectativas de todos os
grupos, quanto mais reduzido seja o tempo de preparação e mais célere o início efetivo da
execução no terreno, melhores as probabilidades de sucesso.
Estas duas exigências são por vezes contraditórias: por um lado a necessidade de um trabalho
preparativo para criar bases sustentáveis nas quais assentar os sucessos do futuro; e por outro
lado, a urgência em atender as necessidades e gerir as expectativas, revelam a importância e o
valor das abordagens de preparação para a recuperação. A semelhança de cada desastre, cada
1 UNDP 2015. A Guidance Note: National post-disaster recovery planning and coordination.
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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
processo de recuperação é diferente e a sua gestão e coordenação requerem mecanismos
flexíveis e habilidades de adaptação. Não obstante, existem uma série de elementos, em termos
de arranjos, planos, mecanismos, critérios, procedimentos, que podem ser previamente
estabelecidos como um guião orientador a ser adequado às necessidades específicas de cada
processo de recuperação.
Nas palavras de alguns órgãos governamentais que têm adotado, por deliberação ou resolução,
algum tipo de plano pré-evento de recuperação, a pertinência do mesmo resume-se assim:
“Enquanto os efeitos dos desastres são inúmeros e não podem ser totalmente previstos, o
planeamento pré-evento pode posicionar melhor as instituições e os cidadãos para se recuperar
de um desastre”. Um planeamento pré-desastre permite um processo ponderado e metódico
de definição de prioridades, estruturas e processos para a tomada de decisão, assim como
permite identificar os traços gerais das metas da recuperação. A existência de ferramentas de
preparação para a recuperação, no formato de quadros, planos, ordenanças ou deliberações,
permite às instituições responsáveis orientar, concentrar e acelerar o processo durante a fase
pós-desastre.
1.2. Preparação para a Recuperação em Cabo Verde
1.2.1. Relevância da Preparação pós-desastres em CV
A recuperação pós-desastre constitui em Cabo Verde, como no mundo, uma fase essencial do
ciclo de gestão dos riscos de desastres. Os desafios e necessidades para uma gestão eficiente e
sustentável da fase pós-desastre só têm recebido atenção nas últimas décadas.
Independentemente da escala dos desastres, a complexidade, mas também as oportunidades
desta fase para avançar nos objetivos de redução de riscos, não devem ser menosprezadas.
A experiência da recuperação pós-desastre no Fogo demonstra que a realização de uma
avaliação das necessidades pós-desastres é um passo essencial, mas por si só não suficiente,
para garantir um planeamento integrado e sistemático do processo de recuperação. Embora o
reforço da resiliência e o princípio de reconstruir melhor tenham sidos claramente identificados
no exercício de avaliação das necessidades pós-desastres, as lacunas identificadas nos processos
de gestão e financiamento da recuperação não permitiram, até ao momento, assegurar a
preparação de uma estratégia e plano integrado de recuperação e que a implementação dos
programas de recuperação venha reforçar a resiliência dos sistemas sociais e económicos da
ilha.
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8 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Atendendo às constatações do estudo de lições aprendidas com a erupção volcânica em Fogo e
considerando o perfil de riscos do país e as projeções futuras sobre ocorrências de desastres em
Cabo Verde, revela-se necessário a adoção de um enfoque nacional de preparação para a
recuperação.
Neste sentido, o estudo em curso informa o desenvolvimento participativo de um quadro (pré-
evento) de recuperação pós-desastre que desenvolve a visão e os objetivos partilhados para
uma recuperação sustentável e identifica, a título indicativo e adaptável, em função da natureza
e dimensão dos eventos, os arranjos e os mecanismos chave para a sua gestão. O quadro de
recuperação também orienta, com propostas detalhadas de ações setoriais por marco temporal,
as abordagens e sistemas para um planeamento e gestão eficiente e eficaz dos processos de
recuperação futuros.
1.2.2. Recuperação pós-desastre e redução de riscos em Cabo Verde
A preparação para uma recuperação resiliente está a ser abordada em Cabo Verde, em
paralelo com o processo de reforço do sistema de governação dos riscos de desastres.
A Resolução do Conselho de Ministros nº 4 de 2017, de 27 de Janeiro de 2017, cria o
grupo de trabalho para a elaboração da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de
Desastres. Este grupo multissetorial, constituído desde Setembro 2016, trabalhou na
análise do sistema atual de gestão de riscos de desastres, na avaliação de capacidades
para a redução de riscos de desastres e na diagnose dos problemas associados aos
riscos de desastres em Cabo Verde para a proposta de um quadro de política orientador
para uma governação dos riscos de desastre reforçada e integrada.
O grupo contava entre as suas responsabilidades, a proposta de uma política
estratégica para a gestão dos riscos de desastres que visa colmatar as lacunas
previamente existentes em relação à governação dos riscos de desastres em Cabo
Verde e a sua integração transversal em todos os setores e políticas do
desenvolvimento nacional. Assim mesmo, ao grupo foi confiada a tarefa de formular
um documento mais operacional de preparação para a recuperação: o quadro de
recuperação, cuja preparação se baseia nas necessidades identificadas nesta área
prioritária no processo de diagnose, nas lições aprendidas deste estudo e nas
capacidades, experiências e melhores práticas partilhadas por todos os atores
representados no grupo.
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9 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Quadro de recuperação pós-desastre
No quadro da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de desastres (ENRRD) prevê-se
como linha de ação prioritária o reforço das capacidades das instituições nacionais para
o planeamento e a gestão dos processos de recuperação pós-desastre. A preparação
para a recuperação, constitui portanto uma área de intervenção prioritária no quadro
do plano de ação previsto para 2017-2021.
Os processos de recuperação apresentam de forma regular objetivos concorrentes,
como por exemplo, celeridade e qualidade. Espera-se que os processos de recuperação
respondam rapidamente à necessidade dos afetados retomarem as suas atividades
produtivas, e para isto, é necessário que os recursos sejam rapidamente
disponibilizados e os programas executados; mas ao mesmo tempo o governo precisa
de assegurar a transparência, a qualidade das despesas, a equidade dos benefícios e
exclusividade dos resultados e a prevenção de fraude. Pretende-se que as opções de
recuperação e as decisões sobre a reconstrução física contribuam para a mitigação de
riscos e a resiliência da sociedade e seus sistemas de suporte perante os riscos de
desastres, ao mesmo tempo é necessário que o custo-eficiência dos investimentos seja
garantido.
Ainda, os processos de recuperação pretendem responder às necessidades dos
afetados e garantir a satisfação dos beneficiários com os programas e benefícios
gerados. Este objetivo de responder às necessidades precisa ser conciliado com as
exigências de equidade, justiça social e eficiência.
Todas as decisões associadas com a recuperação estão marcadas pela tensão existente
para agilizar as autoridades implicadas nos processos de tomada de decisão e acelerar
os processos administrativos/burocráticos normais, exigência que coabita com a
necessidade de um processo participativo que permita o tempo necessário para
deliberações informativas e inclusivas2 que contribuam para a equidade. A questão da
participação é exemplo de mais um aspeto sobre o qual os líderes responsáveis pela
recuperação são chamados a assegurar que os objetivos de celeridade e deliberação
são conciliados.
2 APA Recovery and Participation
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10 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
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11 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
1.3. O estudo de lições aprendidas
1.3.1. Objetivos
Como alguns especialistas da área apontam, “a recuperação pós-desastre não é um
processo que se repita tantas vezes de forma a permitir a maturação dos enfoques e a
consolidação de experiências e aprendizagens ”. Tendo em conta estes constrangimentos,
pretende-se avançar o conhecimento sobre estes processos e aprofundar a sua
compreensão e análise. Para isto, e na ausência de avaliações de processo e de impacto
sistemáticas dos processos e programas de recuperação, propõe-se uma revisão de um
estudo de caso que permita identificar algumas lições aprendidas e destilar recomendações
para o quadro de recuperação pós-desastre, cujo objetivo último é orientar o governo na
sua tarefa de organizar de forma sistemática o processo de recuperação com base num
enfoque de redução de riscos de desastres e de acordo aos danos, perdas e necessidades
de recuperação após um evento de desastre.
Para além de informar o quadro de recuperação, espera-se que as recomendações deste
estudo inspirem a prática da recuperação presente e futura, nos seus estágios de
planificação, implementação e avaliação dos programas, cujo desenho e operacionalização
o referido quadro de recuperação pretende orientar.
Por conseguinte, esta revisão e análise em profundidade do processo pretende contribuir
para informar e melhorar os resultados dos processos futuros de recuperação pós-desastre.
Identificar as principais lições aprendidas dos processos passados e presentes e recomendar
como integrá-las na prática futura, resulta especialmente relevante na ausência de um
mecanismo sistemático e integrado de seguimento, avaliação e aprendizagem dos
diferentes programas de recuperação. Assim mesmo, num contexto em que a memória
institucional é dispersa e efémera, promover a revisão sistemática de experiências contribui
para a sensibilização dos decisores públicos sobre a necessidade de reforçar os seus
mecanismos de gestão de conhecimento e os instrumentos, para identificar e integrar a
aprendizagem no processo de planeamento e execução. A decisão pública requer evidências
e ferramentas de apoio à decisão, para isto outras propostas no quadro da Estratégia
Nacional de Redução de Riscos de Desastres, como o desenvolvimento do Sistema Nacional
de Informação sobre os Riscos (SNIR) e a instalação do Observatório Nacional de Desastres
(OND) pretendem contribuir para dotar os decisores públicos de mecanismos sistemáticos
de recolha e análise das evidências sobre as quais basear as suas análises e tomada de
decisões estratégicas e operacionais.
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12 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
O presente estudo de lições aprendidas abrange no marco dos seus seis pilares chave a
questão das políticas e legislação em relação aos processos e recuperação pós-desastre.
Nesta componente, tanto o estudo, como o Quadro de recuperação e a própria Estratégia
Nacional de Redução de Riscos (ENRRD) pretendem identificar uma série de recomendações
ligadas às necessidades de desenvolvimento, revisão e/ou atualização de instrumentos
legais, regulamentares e de política que permitam uma organização mais eficiente do
processo, conforme as orientações do Quadro Nacional de Recuperação, e facilitam o
alinhamento entre os diferentes instrumentos de planeamento estratégico e a
implementação da própria estratégia nacional.
1.3.2. Metodologia
O presente estudo baseia-se na recolha, sistematização e análise das lições aprendidas do
processo de recuperação. No caso de Cabo Verde, a análise foca-se especialmente na erupção
vulcânica de Fogo 2014-2015. A escolha deste evento de desastre foi concertada com os
parceiros nacionais, especialmente o Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros e o
Instituto Nacional de Gestão do Território. Esta seleção baseia-se na relevância do processo de
recuperação pós-erupção, mas também está ligada a questões operacionais de disponibilidade
de informações em relação a uma experiência marcante e recente das complexidades da
recuperação.
Inicialmente, previa-se a inclusão neste estudo, da análise do processo de recuperação após as
cheias de São Miguel de Setembro de 2013. Não obstante a falta de registo sistemático das
informações e a mudança nas esferas políticas e níveis de responsabilidade da administração
pública central e local após as eleições legislativas e autárquicas de 2016, limitaram o acesso a
informações chave imprescindíveis para a inclusão deste exemplo no estudo. Este segundo tipo
de estudo de caso inicialmente previsto, corresponde ao tipo de riscos que o UNISDR denomina
como “ risco extensivoi” que se define como aquele associado a riscos de desastres menores
mais recorrentes. Apesar deste não ter sido finalmente retido para efeitos deste estudo,
considera-se importante abranger em futuras avaliações e análise de lições aprendidas,
processos associados a todos os tipos de risco: extensivo e intensivo, como forma de evitar que
o peso dos desastres de maior magnitude monopolize a atenção política e social. Assim, as
análises atuais sobre riscos de desastres destacam o impacto socioeconómico cumulativo de
eventos recorrentes de menor dimensão, em especial em pequenos estados insulares em
desenvolvimento (PEID/SIDS).
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13 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Quando analisamos os processos de recuperação, devemos de ter em conta que a complexidade
da gestão da recuperação não é diretamente proporcional à dimensão do desastre. Na sua
escala, cada processo tem os seus próprios desafios e requer medidas e guiões para a
intervenção, apropriados às suas especificidades.
Embora o foco da análise se concentre na erupção vulcânica 2014-2015, questões gerais sobre
outros processos de recuperação foram colocados aos atores entrevistados e outros eventos
prévios ou posteriores foram abrangidos na análise geral. A revisão em profundidade de outros
desastres históricos esteve fortemente limitada devido à ausência de informações registadas,
tanto sobre os efeitos (danos e perdas) e impactos dos eventos, como em especial sobre os
mecanismos e procedimentos empregados na fase de recuperação. Na ausência de sistemas de
registo e ferramentas de análise sistemática de processos e resultados, a memória institucional
dos atores implicados não é só curta mas também muito superficial. As instituições públicas
consultadas, dificilmente conseguem retraçar os processos e meios envolvidos em relação à
resposta perante determinados eventos desastres, menos ainda conseguem retraçar como foi
gerida a fase pós-desastre. Os limitados registos sobre programas, despesas e reafetações
orçamentais diluem-se nos arquivos gerais das intervenções de desenvolvimento das
instituições. Nesses registos, quando existem, dificilmente se incluem os mecanismos e
procedimentos para a tomada de decisão e implementação de programas. Em muitas ocasiões,
as informações limitam-se a uma memória de ter tido alguma intervenção após o desastre, mas
como se decidiu, ou quem decidiu e quais foram os resultados, são detalhes dificilmente
extraíveis dessa “memória geral” das instituições e programas aos quais a equipa de estudo teve
acesso.
Conforme a metodologia proposta pelo escritório regional do PNUD, no quadro do projeto
Japão/Luxemburgo de “Preparação para uma recuperação resiliente”, o processo de estudo
seguiu as seguintes fases:
✓ Identificação dos desastres em foco e discussão geral da relevância dessa seleção.
✓ Revisão de documentação existente: utilizando fontes arquivísticas e jornalísticas,
relatórios oficiais, pesquisas e artigos académicos, documentação de programas,
estudos de caso, relatórios de avaliação de necessidades pós-desastre; relatórios de
programas e projetos.
✓ Entrevistas semiestruturadas em profundidade com atores chave: estas entrevistas
foram realizadas a todos os níveis (central, local e comunitário) e abrangeram um leque
variado de atores e parceiros (associações comunitárias, representantes políticos,
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14 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
responsáveis e gestores públicos e privados, cidadãos afetados pelos desastres, etc.).
Para guiar estas entrevistas foram elaborados e adaptados guiões de entrevistas, mas
não se aplicou um questionário uniforme, foi orientada uma discussão aberta com base
numa série de pontos de interesse e questões para a discussão. A lista detalhada de
entrevistas realizadas figura no documento em anexo.
✓ Visita de terreno, confirmação das informações em falta e os resultados preliminares.
✓ Revisão dos resultados preliminares no seio do grupo de trabalho governamental para a
formulação da Estratégia Nacional de Redução de Riscos de Desastres (ENRRD).
✓ Apresentação, recolha de subsídios e validação final dos resultados do estudo.
✓ Edição e publicação dos resultados do estúdio e resumo e tradução para uma publicação
regional sobre as lições aprendidas dos processos de recuperação.
1.3.3. Estrutura do Estudo
O estudo organiza-se à volta de seis pilares chave na base dos quais se analisam os processos de
recuperação. Para cada um destes pilares realiza-se uma análise e sistematização de: as
realizações e fatores críticos de sucesso; os desafios, limitações e circunstâncias imprevistas; as
tentativas de ultrapassar esses desafios e respetivos resultados; e as reflexões sobre como
poderia fazer de forma diferente e gerir melhor. Para cada pilar identificam-se os resultados,
apontam-se as lições aprendidas e apresentam-se uma série de recomendações associadas.
Em concreto, os seis pilares sobre os quais se estrutura este estudo são:
i. Os arranjos institucionais;
ii. As leis e políticas para a recuperação;
iii. A avaliação das necessidades pós-desastre;
iv. Os mecanismos financeiros para a recuperação;
v. O seguimento e avaliação dos processos de recuperação;
vi. Os sistemas de informação e comunicação.
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15 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
2. Resultados do estudo de lições aprendidas
2.1. Contexto: o desastre e seus efeitos
A 23 de Novembro de 2014, a população da ilha do Fogo, e em particular a comunidade de Chã das Caldeiras, foi acordada pelo início de uma erupção vulcânica nas cristas da falha tectónica do Pico do Fogo. A erupção foi precedida, por vários dias, por uma série de explosões fortes e pequenos tremores de terra, normalmente associados à falha de rocha quebradiça devido à redistribuição de magma num reservatório central de magma ou perto dele. Durante as primeiras horas da erupção, infraestruturas importantes, como estradas e telecomunicações, foram imediatamente destruídas por uma torrente volumosa de lavas, que também cobriu uma área considerável de terras aráveis. Por causa do tipo de vulcanismo associado ao Pico do Fogo, que consiste em movimento lento de magma, a população teve tempo suficiente de ser evacuada da zona afetada. Durante a erupção, grandes quantidades de cinzas e gases foram projetadas para a atmosfera, com graves impactos na qualidade do ar, que por sua vez impediram durante alguns dias as operações de voo normais. A erupção ganhou atenção local, nacional e internacional quando o fluxo de lavas destruiu completamente as duas partes da Chã das Caldeiras -Portela e Bangaeira - onde uma comunidade inteira residia no sopé da encosta do vulcão desde 1927. A erupção terminou a 7 de Fevereiro de 2015, após 88 dias de emissão de grandes quantidades de magma. A erupção de 2014-2015 deixou um rasto de devastação, deslocando 994 pessoas cujas casas foram cobertas pelas lavas, e destruindo terras e insumos agrícolas, assim como a adega de vinho. Os efeitos adversos nos meios de subsistência da população de Chã e na economia local foram significativos. A erupção também destruiu infraestruturas sociais (escolas, um centro de saúde e igrejas), a principal via de acesso a Chã, e a sede do Parque Natural do Fogo, que se encontrava na caldeira. No fim, a erupção tinha afetado, principalmente, os setores produtivos, sociais e de infraestruturas, com efeitos significativos essencialmente em propriedades privadas. 260 casas em Portela e Bangaeira; toda a infraestrutura, instalação pública e privada importante, como escolas, hotéis, um centro de saúde, equipamentos desportivos, e as estradas (cerca de 5.700 metros); terras aráveis (208 hectares); assim como as infraestruturas rurais, incluindo igrejas, foram totalmente destruídas. O emblemático e recém-inaugurado edifício (Maio de 2014) da sede e centro de visitantes do Parque Natural do Fogo também foi completamente soterrado pelas lavas. Figura 1: Danos a Propriedades Privadas em Portela (esquerda) e Bangaeira (direita)
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16 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Fonte: relatório do PNDA Fogo
Conforme o relatório do PDNA, o valor total dos efeitos da erupção (danos físicos e perdas de produção) foi estimado em 2,832.30 milhões de escudos cabo-verdianos (CVE), equivalentes a US$ 28 milhões (ver tabela ES.1). Desse montante, 2,138.0 milhões CVE referem-se ao valor dos ativos destruídos (75,5% do total) e 694.300.000 CVE são as alterações nos fluxos de produção de bens e serviços (24,5% do total). Esta distribuição é típica em desastres causados por catástrofes naturais de origem geofísica (isto é, o valor de danos é maior do que o valor de perdas). Tabela 1: Valor estimado dos efeitos da Erupção Vulcânica de 2014 no Fogo (milhões de CVE)
Sectores
Valor
de
danos
Propriedade Perdas
de
fluxos
Propriedade
Efeitos
totais
Propriedade
Pública Privada Pública Privada Pública Privada
Sectores
sociais 817.4 46.0 771.4 12.4 12.4 - 829.8 58.4 771.4
Habitação 755.2 - 755.2 1.5 1.5 - 756.7 1.5 755.2
Educação 40.2 40.2 - 2.1 2.1 - 42.3 42.3 -
Saúde 5.8 5.8 - 8.8 8.8 - 14.6 14.6 -
Cultura 16.2 - 16.2 - - - 16.2 0.2 16.1
Produtivo 970.7 17.4 953.3 426.5 4.6 421.9 1,397.2 22.0 1,375.2
Agricultura 578.3 16.4 561.9 272.8 4.6 268.2 851.0 20.9 830.1
Pecuária 5.1 - 5.1 0.9 - 0.9 6.0 - 6.0
Agro-
processamento 240.0 - 240.0 95.0 - 95.0 335.0 - 335.0
Turismo 147.3 - 147.3 57.8 - 57.8 205.1 - 205.1
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17 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Infra-
estruturas 186.5 182.7 3.9 44.1 9.2 34.9 230.6 191.9 38.8
Eletricidade - - - 3.7 - 3.7 3.7 - 3.7
Água e
saneamento 0.5 0.5 - 9.2 9.2 - 9.7 9.7 -
Transportes 182.2 182.2 - 22.2 - 22.2 204.4 182.2 22.2
Comunicação 3.8 - 3.8 9.0 - 9.0 12.8 - 12.8
Transversais 163.3 163.3 - 211.3 204.8 6.5 374.6 368.2 6.5
Ambiente 156.0 156.0 - 164.0 164.0 - 320.0 320.0 -
Governação 6.5 6.5 - 2.5 2.5 - 9.0 9.0 -
Redução de
riscos de
desastres
0.8 0.8 - 38.0 38.0 - 39.2 39.2 -
Emprego - - - 6.5 - 6.5 6.5 - 6.5
Total 2,138.0 409.4 1,728.5 694.3 231.0 463.4 2,832.3 640.4 2,191.9
Fonte: PDNA.
Conforme a avaliação pós-desastre, os setores mais afetados foram a agricultura (851 milhões CVE, em termos de danos e perdas de produção); habitação (757 milhões CVE, principalmente como danos); agro-processamento (335 milhões CVE); água e saneamento (540 milhões CVE); agro-indústria (330 milhões CVE): ambiente (320 milhões CVE); turismo (205 milhões CVE); e transportes (204 milhões CVE).
Figura 2: Discriminação por setor dos danos e das perdas de produção causados pela erupção
Fonte: PDNA Fogo
2.2. Lições aprendidas: apresentação geral
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18 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
De uma forma geral, estas são algumas das lições aprendidas mais destacadas:
L.A.1.Preparação para uma recuperação resiliente: Garantir que a recuperação pós-desastre
contribui para reforçar a resiliência requer uma abordagem de preparação para esta fase:
Que constatámos: a descoordenação e duplicação de esforços abundam na gestão dos processos de recuperação. A falta de decisão ou a tomada de decisões pouco informadas conduzida sob condições de stress não garante resultados eficientes, sustentáveis e equitativos da recuperação. Medidas de recuperação decididas sob pressão não contribuem para diminuir o risco pré-existente e podem mesmo conduzir a uma replicação ou aumento do risco. Que aprendemos: independente da escala dos desastres, a imagem da preparação necessária para dar resposta e gerir a emergência, a fase pós-desastre na qual se gere a reconstrução, reabilitação e recuperação é complexa, requer uma coordenação interinstitucional a muitos níveis e portanto exige também uma preparação prévia que facilite a sua implementação e permita otimizar os resultados da mesma. “Readiness” ou prontidão para a gestão da recuperação pós-desastre significa que os parceiros e as partes interessadas colaboram para predefinir abordagens, mecanismos e procedimentos para a recuperação pós-desastre que podem ser eficientemente ativados e aplicados quando um desastre acontece e surge a necessidade de planificar, gerir e avaliar a recuperação. As experiências do passado apontam a necessidade de adotar uma abordagem de preparação para a recuperação pós-desastre.
Que implica: desenvolver políticas sobre a recuperação (definindo papéis e
responsabilidades por setor e ator), pré-identificar critérios e procedimentos,
estabelecer mecanismos de coordenação e gestão da recuperação, e reforçar as
capacidades a todos os níveis para operacionalizar todos os mecanismos e medidas
previstas nas políticas e nos planos.
Recomendações:
a. Desenvolver e aprovar um quadro de recuperação, como guião chave para
orientar a planificação e implementação de estratégias de recuperação a serem
formuladas no momento necessário.
b. Reforçar as capacidades para a gestão da recuperação com base nas avaliações
de capacidades e nas avaliações das necessidades pós-desastre.
c. Assegurar a existência e funcionamento de mecanismos de coordenação (pré-
identificados conforme as orientações do quadro de recuperação e com os seus
elementos integrantes devidamente organizados, informados e capacitados) e
de participação pública funcionais durante todas as fases do processo. Neste
sentido, recomenda-se o reforço das capacidades do grupo temático sobre a
recuperação pós-desastre no seio da Plataforma Nacional de Redução de Riscos
de Desastres.
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19 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
L.A.2. A transição de um paradigma de gestão de desastres para uma abordagem de redução de
riscos de desastres ainda precisa de ser consolidada em Cabo Verde
Gerir os riscos de desastres implica alargar o foco de uma gestão reativa, focada na resposta ao
desastre e preparação para a mesma, para uma gestão integrada e abrangente dos riscos de
desastres com uma atenção especial aos fatores de vulnerabilidade e exposição. A abordagem
de redução de riscos de desastres requer uma integração transversal em todos os setores e
níveis de planeamento. Esta integração deve basear-se no conhecimento dos riscos e necessita
de capacidades reforçadas para interpretar as informações de risco e entender as implicações
das diferentes intervenções de desenvolvimento na sua redução ou no seu aumento ou
replicação.
Que constatámos: a mudança de paradigma da gestão dos desastres para a gestão dos riscos de
desastres ainda não está consolidada em Cabo Verde. Os riscos de desastres não têm sido até
agora abordados como um problema de desenvolvimento, como consequência os setores não
integram a análise de riscos no seu diagnóstico estratégico nem refletem de forma sistemática
e organizada sobre como as suas políticas e ações contribuem ou não para a redução de riscos.
O foco, em especial ao nível local continua na gestão do desastre (preparação para a resposta,
resposta humanitária) e pelo tanto se considera ainda que os riscos de desastres são uma
fatalidade da natureza e um problema dos serviços de proteção civil cuja solução praticamente
se resume à preparação de planos de emergência, sensibilização das comunidades e à dotação
de meios físicos e capacidades técnicas para a resposta.
Que aprendemos: resulta difícil introduzir a questão da preparação para a recuperação quando
a abordagem de redução de riscos não está ainda consolidada no país e integrada de forma
transversal no planeamento e gestão do desenvolvimento sustentável. Não obstante, para
aproveitar as oportunidades da fase de recuperação para “reconstruir-melhor” devemos
continuar a consolidar a abordagem de redução de riscos e desenhar um verdadeiro sistema
integrado de gestão de riscos.
Que implica: em especial, isto implica continuar a insistir na sensibilização e reforço de
capacidades. A sensibilização será muito mais efetiva quando utiliza exemplos concretos e se
baseia em evidências, por isso a avaliação e análise dos riscos de desastres continua a ser chave
neste processo. A quantificação do risco, entendido como perdas potenciais poderá conseguir
um alto impacto na sensibilização dos decisores: visualizar o risco em termos de Escudos que
potencialmente serão perdidos, apela à linguagem comum dos decisores: custo, orçamentos e
alocação de recursos.
Recomendações:
i. Desenvolver as capacidades para a preparação e gestão da recuperação em paralelo com as capacidades para a gestão dos riscos de desastres.
ii. Aprofundar o conhecimento dos riscos e utilizar as avaliações de riscos e informações sobre desastres para a identificação de cenários plausíveis de desastres que informem a preparação tanto para o planeamento de contingência como para a preparação para a recuperação.
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20 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
iii. Reforçar as capacidades para a avaliação das necessidades pós-desastre, adaptando as metodologias de PDNA às especificidades do perfil de desastres e contexto nacional e assegurar que as avaliações pós-desastre aprofundam na análise dos fatores causantes do desastre e pelo tanto contribuem a identificar curvas de vulnerabilidade úteis para futuras avaliações de risco. Em concreto, a análise das causas dos danos e perdas observadas deverão informar a compreensão de que fatores de vulnerabilidade e exposição determinam e que efeitos nas estruturas ou sistemas em questão.
2.3. Pilares do estudo: Pilares de estudo: resultados
(findings) da análise e lições aprendidas
2.3.1. Arranjos institucionais
Panorama geral: os arranjos institucionais para a gestão de riscos de desastres em Cabo
Verde
Atualmente, Cabo Verde dispõe de um sistema nacional de proteção civil cujas estruturas e
responsabilidades estão reguladas conforme a Lei de Bases Proteção Civil nº 12 /VIII de 07 de
Março 2012. Conforme o quadro institucional vigente, este sistema conta com dois órgãos
fundamentais, o Conselho Nacional de Proteção Civil e Bombeiros (CNPCB), responsável pela
aprovação da política de proteção civil, assim como dos instrumentos de planeamento,
especialmente os planos de contingência; e o Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros,
entidade especializada que presta assistência técnica e coordenação operacional das ações de
proteção civil ao nível nacional.
Assim, a legislação nacional prevê que o Primeiro-Ministro, ou Ministro de Administração Interna
por delegação daquele, assume a direção da política nacional. Para sua implementação, conta
com uma estrutura organizacional composta por um órgão de coordenação política e uma
estrutura de execução, o SNPCB, mandatado de planificar, coordenar e executar a política
nacional de proteção civil; e os serviços municipais de Proteção Civil e Bombeiros que contam
com atribuições similares de coordenação política ao nível local.
Desde a criação do sistema, as reuniões do CNPCB têm-se praticamente limitado a situações de
crise, com a exceção de alguma reunião extraordinária para a análise e aprovação dos planos de
contingência, nomeadamente do plano Nacional de contingência. O SNPCB tem
progressivamente reforçado as suas capacidades em termos de meios de resposta e
competências técnicas, assim como tem adquirido uma experiência significativa na gestão de
emergências e na preparação perante contingências.
Apesar do reconhecido esforço e dedicação do SNPCB na gestão dos desastres, deve-se notar
que nem a lei de bases que organiza o sistema nacional de proteção civil, nem as operações e
estrutura organizacional do SNPCB preveem um portfólio específico de redução de riscos de
desastres. Reconhecendo que algumas das atividades incluídas no mandato do SNPCB e
atribuições do Conselho Nacional de Proteção Civil e Bombeiros (CNPCB) incorporam elementos
de redução de riscos (nomeadamente a prevenção, análise de riscos e avaliação de
vulnerabilidades e o auxílio na reposição da normalidade), as suas operações e capacidades
institucionais e técnicas continuam orientadas para a preparação perante os desastres e a
resposta às emergências de todo o tipo.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Os arranjos institucionais para a recuperação pós-desastre.
No quadro deste estudo, cujo foco é a fase
de recuperação pós-desastres, foi realizada
uma revisão do quadro legal e operacional
do país com vista a identificar as provisões
relativas à fase pós-desastre. Após a revisão
do quadro legal e dos instrumentos de
planificação, realizou-se uma revisão dos
arranjos institucionais definidos ad-hoc
para a gestão do caso de estudo em foco.
Em primeiro lugar, da análise documental
realizada destacada a limitada referência
existente na fase pós-desastre. Assim
mesmo, a terminologia utilizada raramente
faz referência ao termo recuperação. Os
termos de reconstrução e reabilitação
dominam as referências operacionais,
enquanto que a reposição ou retoma da
normalidade prevalece nos documentos
legais. Atendendo às definições
internacionalmente reconhecidas, a palavra
recuperação faz referência a um conceito
mais alargado que os termos de
reconstrução (foco na reconstrução dos
bens físicos) ou reabilitação (utilizado
normalmente em relação a reposição de
serviços). No marco das referências legais, a
utilização do termo “reposição da
normalidade”, parece indicar uma
compreensão da fase pós-desastre ainda
marcada pela abordagem teórica e prática
de gestão de emergência. Numa
abordagem de gestão focalizada na crise e
na gestão da emergência, aplicável num
contexto de acidente, conflito político e/ou
desastre, entende-se a necessidade de
repor a normalidade como um regresso a
um estado ideal de calma e funcionamento
ordeiro de todos os sistemas sociais e
produtivos. Não obstante, numa
abordagem de gestão dos riscos de
desastres, a fase pós-desastre tem
objetivos maiores que aqueles ligados à
reposição das condições de normalidade,
retorno ao status quo ou à reprodução das
condições de partida.
“ A mudança de paradigma: a recuperação pós-desastre como um meio
para o Desenvolvimento sustentável”3
Quando o objetivo consiste em reduzir os
fatores subjacentes de risco que
desencadearam no desastre, a fase de
recuperação oferece uma oportunidade
única para mitigar o risco pré-existente.
Integrar a redução de risco nas metas de
recuperação, exige considerar que a
recuperação não pretende apenas repor as
condições de normalidade, mas deve
contribuir para a melhoria da situação de
partida, atacando as vulnerabilidades e
exposição iniciais que causaram esse
desastre. Nessa ótica, as intervenções de
reconstrução não devem visar apenas repor
o status quo e reproduzir a situação de
partida (em termos dos bens e serviços de
que uma população beneficiava e as
3 International Recovery Platform
atividades que realizava) mas pretende
reforçar a resiliência da sociedade e dos
seus sistemas de apoio (infraestruturas,
meios de vida e produção). Para isto, é
necessário que a avaliação pós-desastre
identifique os fatores que determinaram
que o perigo na origem do evento, afetasse
a comunidade, ultrapassasse as suas
capacidades de fazer face e desencadeasse
no desastre. Assim, a reconstrução e
reabilitação física, assim como os
programas de recuperação dos meios de
vida, devem contribuir para reorientar as
comunidades e os sistemas afetados para
uma resiliência reforçada e em definitivo
reconduzi-los para uma trajetória de
desenvolvimento sustentável.
As entidades responsáveis
pela recuperação devem
encontrar o equilíbrio entre
o ensejo das comunidades
em reestabelecer a
normalidade e os objetivos
de longo prazo da redução
de riscos de desastres e
vulnerabilidades.4
Da análise dos documentos legais e
operacionais (nomeadamente os planos de
contingência e emergência) depreende-se
que as funções e responsabilidades
relativas ao processo de recuperação pós-
desastre não estão claramente
identificadas nem detalhadas. Enquanto as
atribuições, em muitas ocasiões são apenas
enunciadas; a abrangência, os
procedimentos e mecanismos para a gestão
desta fase pós-desastre não têm sido
detalhados. Esta falta de desenvolvimento
sobre os arranjos e responsabilidades
relativas ao processo de recuperação pós-
desastres são ao mesmo tempo um sintoma
do problema como uma causa coadjuvante
no mesmo. Por um lado, são sintoma de
uma falta de experiências consolidadas na
gestão destes processos sobre os quais
refletir para desenvolver um quadro
institucional e operacional funcional, e por
outro lado, podem entender-se como uma
das causa coadjuvantes para as dificuldades
experimentadas em organizar, planificar e
gerir o processo de uma forma eficaz e
eficiente.
A recuperação não é apenas
um produto ou resultado
físico, mas um processo
social que implica decisões
4 UNISDR note-recovery
sobre a restauração e
reconstrução
A priori, quando se questionam as
instituições públicas e os parceiros
consultados na fase de entrevista, sobre a
necessidade de se prepararem para estes
processos de recuperação, com a adoção de
um quadro integral de recuperação como
proposto no âmbito do projeto “Preparação
para um recuperação resiliente”, a reação
tende a ser de questionamento da
pertinência e urgência do mesmo para um
país com um perfil de desastres como Cabo
Verde.
Das consultas com parceiros e instituições
públicas, ressalta um ceticismo inicial sobre
a necessidade de se preparar em Cabo
Verde para gerir os processos de
recuperação pós-desastre. Questionados
sobre a relevância de adotar um quadro
integral de referência para os processos de
recuperação, muitos decisores públicos,
especialmente ao nível central, não
consideram que isto seja necessário num
país com o perfil de desastres de Cabo
Verde e preferem confiar na capacidade de
reagir perante o facto e desenhar soluções
ad-hoc para os desastres dos quais o
destino não poupe o país. Assim, chama-se
a atenção como, apesar de uma
sensibilidade crescente nos responsáveis
públicos e líderes sociais dos riscos de
desastres, em especial aqueles ligados às
mudanças climáticas, persiste uma
confiança em que o destino ou um ente
divino protege o arquipélago de que
grandes desastres aconteçam. Apesar disso,
uma vez colocados sobre a mesa os desafios
da gestão do processo de recuperação no
Fogo (independentemente da escala ou
impacto localizado do desastre) parece
emergir uma certa sensibilidade e interesse
em refletir sobre esta fase pós-desastre
antes que outro evento aconteça.
Inversamente ao que acontece com o nível
central, para as instituições envolvidas na
linha de frente e os decisores ao nível local,
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
esta preparação e planificação para a
recuperação revelam-se extremamente
pertinentes e necessárias. As diferenças
claramente apreciáveis no que concerne ao
grau de sensibilidade e perceção sobre a
pertinência da preparação para a
recuperação, explicam-se pelas vivências e
experiências diferenciais entre os
diferentes níveis do Estado. No caso da
erupção vulcânica de Fogo 2014-2015,
como no caso das cheias de São Miguel
2013, os responsáveis locais têm sido
confrontados de perto com a complexidade
e os desafios desta fase. devido à sua
proximidade com as comunidades afetadas,
como poder mais próximo do cidadão, os
governos locais são os primeiros a receber
solicitações dos afetados e veem-se
pressionados para as atender. As
instituições locais são mais conscientes das
exigências de coordenação
interinstitucional a todos os níveis que a
planificação e gestão da recuperação
exigem. Também, os poderes mais
próximos das comunidades percebem o
potencial de desenvolvimento que a fase de
recuperação apresenta, mas as boas
perspetivas veem-se ensombradas perante
as dificuldades de transformar o potencial
em oportunidades reais.
As complexidades de coordenação
institucional, as vicissitudes da gestão e o
peso burocrático da execução dos planos de
recuperação nem sempre são claramente
apreciáveis pelos cidadãos afetados que
procuram respostas nas instituições que
lhes parecem mais acessíveis ao seu nível e
colocam uma pressão direta e indireta em
todos os níveis de decisão e execução. A
análise das múltiplas discussões com
parceiros e partes interessadas do
processo, permite concluir que a vivência
em primeira mão dos desafios da
recuperação explica a preocupação e
interesse prioritário que os atores locais
atribuem ao reforço de capacidades e à
definição de guiões de orientação para esta
fase pós-desastre.
Quadro 1: A recuperação na legislação nacional sobre Gestão de desastres
Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n. 12/VIII/2012)
Na lei que regula os princípios e mecanismos básicos do Sistema de Proteção Civil de Cabo Verde refere-
se que o apoio na reposição da normalidade de vida das pessoas nas áreas afetadas por acidente grave ou
catástrofe constitui um dos objetivos da Proteção Civil.
Assim, nesta lei que define as bases gerais da Proteção Civil em Cabo Verde atribui-se ao Governo, através
do Conselho de Ministros, a responsabilidade de decidir sobre a atribuição dos apoios destinados à
reposição da normalidade das condições de vida nas áreas afetadas (art.29). Nessa mesma linha, o
Conselho de Ministros deve adotar as medidas de caráter excecional, destinadas a repor a normalidade
das condições de vida nas zonas afetadas (art.32 alínea d) e deliberar sobre a afetação extraordinária dos
meios financeiros indispensáveis à aplicação das medidas previstas.
O Ministro da Administração interna, no exercício de funções de responsável nacional da política de
proteção civil, tem atribuído por lei a responsabilidade de desencadear as ações de proteção civil,
prevenção, socorro, assistência e reabilitação. Esta mesma responsabilidade recai no âmbito local sob o
presidente da Câmara como o responsável municipal pela política de proteção civil.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Os arranjos ad-hoc para a gestão de processos de recuperação
O caso da erupção vulcânica de Fogo 2014-2015
▪ O Gabinete de Reconstrução de Fogo
Tal como referimos na secção anterior, até
agora não existia em Cabo Verde um
mecanismo pré-estabelecido para a gestão
da fase de recuperação pós-desastre. Na
ausência de uma estrutura predeterminada
como responsável pela gestão e
coordenação da recuperação, o governo
optou pela criação de uma série de
estruturas ad-hoc: inicialmente o gabinete
de reconstrução de Fogo, posteriormente
substituído pela Comissão interministerial
para a definição de um plano de
Quadro 2: A recuperação nos instrumentos de planeamento para a gestão de riscos de
desastres.
No plano Nacional de Contingência (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº11/2010 B.O do
15 Março 2010) as referências ao processo de recuperação pós-desastre limitam-se a uma indicação de
que na fase “após emergência” corresponde ao Primeiro-Ministro, no âmbito da Coordenação e Direção
das ações de Proteção civil, “promover medidas adequadas ao desenvolvimento de planos gerais de
reabilitação estrutural e infraestrutural, nas áreas humana, social, económica, de serviços e outras, de
modo a reestabelecer as condições de vida normal das populações afetadas”. Assim mesmo, ao Primeiro-
Ministro, que poderá delegar no Ministro responsável pela Administração interna, também lhe compete
desenvolver, através dos Gabinetes e Grupos, os planos específicos de reabilitação adequados, no âmbito
das suas áreas de intervenção.
Ainda em relação à reabilitação, o Plano de Contingência atribui ao Presidente do SNPCB, como responsável
pelo Centro Nacional de Operações de Emergência e Proteção Civil, as responsabilidades sobre a
implementação de programas de reabilitação nas zonas afetadas pela emergência (Secção 6 sobre
Execução do Plano, artigo.6.2.2)
No quadro (Secção 7 de Coordenação, artigo 7.2.1) em que se resumem as atribuições e responsabilidades,
e setor de intervenção das diferentes instituições em relação à coordenação para a execução do plano de
contingência refere-se que o Ministério de Trabalho e Solidariedade será o responsável pelas ações de
recuperação precoce/rápida. Não obstante estas e as anteriores provisões do Plano de Contingência, não
têm sido desenvolvidas em nenhuma outra secção ou instrumento operacional e/ou legal e regulamentar.
Assim mesmo, chama-se a atenção que os documentos legais e de política utilizam mais frequentemente
o termo de reconstrução e reabilitação de infraestruturas. Esta tendência pode refletir apenas una questão
de maior familiaridade com o termo de reconstrução ou reabilitação. Não obstante, a escolha do termo,
parece também indicar uma ênfase no aspeto de reconstrução física. O termo de recuperação tem um
significado mais amplo que abrange também a retoma das atividades económicas e reposição dos meios
de vida. As instituições de referência ao nível internacional que produzem conhecimento sobre a
planificação e gestão da recuperação pós-desastre, no seu esforço de desenvolvimento conceptual e
preparação de glossários referem que a palavra “ recuperação” (recovery em inglês) “captura melhor o
complexo rango de dimensões físicas, sociais, económicas e ambientais do processo (ASEAN Disaster
recovery reference guide)
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
realojamento dos deslocados de Chã-das-
Caldeiras - às quais o executivo confiou
tarefas de planeamento, coordenação,
execução e seguimento das iniciativas de
recuperação.
O gabinete de reconstrução, criado por
Resolução do Conselho de Ministros nº
13/2015, publicada no B.O. de 26 de
Fevereiro de 2015, foi concebido como uma
estrutura com atribuições temporárias
(inicialmente previsto com uma duração de
2 anos) e funcionava na dependência direta
do Primeiro-Ministro. Apesar da sua
natureza como “estrutura de missão”, o
Gabinete estava dotado de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial.
Esta estrutura foi concebida como o “
sucessor” do Gabinete de Crise responsável
pela “operação integrada de apoio e
reconstrução dos estragos derivados da
erupção vulcânica do Fogo”. O governo
encarrega a este gabinete funções
essenciais para todo processo de
recuperação, como a avaliação de
necessidades (levantamento das
necessidades), planificação das
intervenções de recuperação (neste caso, a
resolução faz referência explicita à projeção
das infraestruturas assim como a
reconstrução de novos assentamentos), a
coordenação do processo, a gestão técnica
e a execução dos programas, gestão dos
fundos mobilizados e o seguimento dos
diferentes programas de recuperação, cujo
objetivo último é orientar a “reposição das
condições socioeconómicas das localidades
afetadas”. Este gabinete era composto por
um Conselho Diretivo, um secretariado
técnico e uma Comissão de
acompanhamento. O conselho Diretivo era
integrado por um Presidente e por dois
vogais executivos, todos eles nomeados por
Despacho do Primeiro-Ministro e
exercendo, os últimos, funções a tempo
inteiro. O cargo de Presidente foi ocupado
pelo Diretor geral das infraestruturas. O
secretariado técnico era integrado pela
Direção Geral das Infraestruturas, a Direção
Geral da Agricultura e Desenvolvimento
5 UNISDR_recovery Note:. ISSUE BRIEF Reconstructing after disasters: Build back better
Rural, o Instituto Nacional de Gestão do
Território, o Laboratório de Engenheira
Civil, o Serviço Nacional de Proteção Civil e
Bombeiros, e um membro de cada um dos
gabinetes técnicos de obras públicas e
urbanismos das três Câmaras Municipais da
ilha de Fogo. A comissão de
aconselhamento incluía representantes das
entidades setoriais (Ministérios de
educação, saúde, solidariedade social,
infraestruturas, telecomunicações,
segurança aeronáutica, habitação e
ordenamento do território, investimento e
desenvolvimento empresarial,
desenvolvimento rural e proteção civil), um
representante do Ministério das finanças,
um representante da Universidade pública
de Cabo Verde, um elemento da Cruz
Vermelha de Cabo Verde e três
representantes dos moradores das zonas
afetadas.
Recuperação e reconstrução
oferecem uma
oportunidade para
remediar problemas pré-
existentes e evitar ou
mitigar o impacto da sua
recorrência5
O gabinete foi mandatado para operar em
coordenação com todos os ministérios e
instituições relevantes, e em parceria com
os parceiros de desenvolvimento
internacional. Em relação à preocupação de
“reconstruir melhor”, pode-se notar nos
objetivos do Gabinete a obrigação de
apresentar propostas quanto à qualidade e
segurança das construções. Embora esta
formulação não reflita uma compreensão
integrada do princípio de “build-back-
better” ou “reconstruir-melhor”, pelo
menos reflete uma preocupação para que
as caraterísticas das novas construções
contribuam para reduzir a sua
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
vulnerabilidade física e exposição perante
perigos.
Os períodos de
recuperação pós-
desastres são
oportunidades para
refletir sobre a raiz das
causas dos desastres e
reformular as
prioridades de
desenvolvimento para
reduzir a
vulnerabilidade humana
perante os perigos.
Simplesmente
reproduzir as condições
pré-existentes a um
desastre é uma
oportunidade perdida.6.
▪ A Comissão Interministerial para a
definição de um plano de
realojamento dos deslocados de Chã
das Caldeiras.
Conforme a resolução nº 53/2016, de 3 de Junho que cria esta estrutura, a comissão define-se como um “órgão de vocação interdepartamental de consulta, formulação, execução e definição de um plano de realojamento dos deslocados de Chã das Caldeiras, visando a retoma gradual, da normalidade das relações familiares e socioeconómicas”. Esta comissão foi mandatada por um período de 6 meses para conduzir um diagnóstico social exaustivo das famílias, propor mecanismos de entrega das moradias de 1995 reabilitadas, e identificar cenários de realojamento definitivo para aquelas famílias não beneficiárias das moradias construídas para o realojamento após a erupção de 1995. Assim mesmo, competia a
6 UN DESA. United Nations Department of Economic and Social Affairs (UN DESA). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision.
esta comissão desenvolver um plano de intervenção para a reativação da vida económica das comunidades visando a autossuficiência das famílias até aquelaa recetoras dos subsídios humanitários (cesta básica e outros subsídios) do governo. Este órgão era integrado pelos departamentos governamentais responsáveis pelas pastas de infraestruturas, habitação e ordenamento do território (que assumia a coordenação), economia e emprego, educação, família e inclusão social; e agricultura e ambiente.
Embora na descrição das suas competências encontremos ainda uma referência à “retoma da normalidade”, destaca como aspeto inovador a especial atenção à questão da recuperação económica e a consideração das desigualdades sociais no desenho de pacotes de assistência à recuperação das famílias. Ainda, a esta comissão foi confiada a tarefa de identificar medidas para melhorar a acessibilidade a Chã das Caldeiras. Em relação à composição desta nova estrutura destaca-se a ausência de participação das instituições locais e representantes comunitários. Não obstante, ao analisar as competências atribuídas destaca-se uma mudança substancial na natureza do mandato em relação ao anterior gabinete. Enquanto o Gabinete de Recuperação assumiu competências de decisão e gestão, esta comissão criada pelo governo teve um papel mais de assessoria do que de decisão e execução. A ausência de representantes das autarquias locais nesta nova estrutura pode também entender-se, à luz do momento político no qual se cria esta comissão: em meados de Junho de 2016 as Câmaras Municipais preparavam-se para a campanha eleitoral das eleições autárquicas de Setembro de 2016 que implicaram também mudanças significativas no panorama político local. A incerteza
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
partidária e preocupação política pelos resultados das eleições autárquicas poderá ter determinado a decisão do governo
central de não convidar as câmaras da ilha de Fogo ou outras organizações locais a participar desta comissão.
Constatações (findings) da análise
▪ Politização do processo de recuperação
A questão da politização do processo de
recuperação de Fogo, em especial nas suas
fases iniciais, foi repetidamente referida
pelos parceiros consultados. A análise
realizada constatou que a utilização política
da problemática da recuperação reforçou
as dificuldades de planificação, gestão e
coordenação habituais na fase pós-
desastre. Esta politização, e mesmo em
certo modo a instrumentalização eleitoral
da problemática dos deslocados de Fogo,
deve entender-se no contexto do momento
político - em relação ao ciclo democrático -
no qual acontece a erupção e se inicia a fase
de recuperação. O fim da erupção foi
oficialmente anunciado no dia 8 de
Fevereiro de 2015. Nessa fase, o país já se
preparava para a fase de pré-campanha
para as três eleições que se sucederam
durante o ano 2016. Nesta fase de pré-
campanha, assim como durante a
campanha eleitoral para as eleições
legislativas de Março de 2016, a
recuperação pós-desastre e em especial as
questões de apoios às famílias afetadas,
realojamento dos deslocados e o futuro de
Chã-das-Caldeiras, constituíram alguns dos
temas essencial nos discursos, estratégias e
programas eleitorais dos partidos
maioritários (PAICV e MPD).
Prova da relevância da recuperação pós-
erupção na campanha eleitoral -
especialmente nas eleições legislativas e,
em menor medida, nas autárquicas - são as
visitas eleitorais realizadas pelos líderes dos
principais partidos políticos às
comunidades que acolhiam a maioria dos
deslocados. A revisão retrospetiva das
preocupações salientadas nos discursos,
das temáticas nos debates públicos, dos
ecos nos meios de comunicação, das
promessas políticas e das declarações
realizadas durantes os comícios, visitas às
comunidades, declarações à imprensa,
reuniões de partido e eventos ou encontros
de caráter político, permitem entender até
que ponto a recuperação em Fogo foi um
dos temas essenciais à volta dos quais girou
a campanha eleitoral e cujo peso foi
determinante no resultado das mesmas,
pelo menos ao nível da ilha do Fogo. A
utilização eleitoral - por parte dos dois
partidos maioritários - do problema da
recuperação pós-desastre em Chá das
Caldeiras, resulta facilmente inteligível da
revisão da cobertura realizada pelos órgãos
de comunicação social da campanha
eleitoral.
O aproveitamento político da problemática
dos deslocados de Chã das Caldeiras tem
sido apontado por praticamente todos os
entrevistados, independentemente da sua
orientação política. Neste sentido, vários
atores entrevistados mencionam que a
manutenção dos apoios pós- emergência,
na modalidade da cesta básica7 durante um período prolongado (mais de 24 meses) e na
modalidade escolhida (beneficiando a todos os deslocados indiferentemente da sua situação
económica e de como tenham sido afetados os seus meios de vida pela erupção) só se pode
entender no contexto político do momento. Nessa fase pré-eleitoral, os efeitos da erupção foram
amplamente ressaltados pelos meios de comunicação. Num contexto no qual o partido, na altura
no poder (PAICV), se encontrava numa situação de uma certa fragilidade (em relação à
capacidade de dar resposta às expectativas dos deslocados, assim como em relação aos meios
7 A Cesta básica consiste em géneros alimentícios e produtos de higiene cuja quantidade se definia em função do número de
elementos que compõem os agregados familiares.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
de comunicação) e desgaste político após 15 anos no poder, o governo parece ter agido com
prudência na limitação da assistência pós-emergência por receio ao preço politico que pôr fim a
estes apoios poderia supor. A falta de decisões claras em relação às medidas de assistência
entende-se também num contexto geral de demora ou indefinição das opções, alternativas
privilegiadas, meios e metas para a recuperação. Considerando que as medidas de reabilitação,
em especial as condições de uso do solo na zona afetada não tinham sido claramente definidas
e reconhecendo as dificuldades em organizar e iniciar o processo de recuperação, o governo
optou por prolongar a fase de assistência humanitária pós-desastre.
▪ Difícil transição da fase de assistência humanitária à recuperação
Da análise das entrevistas realizadas,
depreende-se que o alongamento da fase
de assistência humanitária de emergência
se deve em grande medida ao momento
político no qual este processo se inscreve.
Assim, a eminência das eleições aponta-se
como uma das causas, tanto para a
indecisão ou falta de aplicação de
determinadas medidas que visam
disciplinar e guiar o processo de
recuperação, como pelo prolongamento
de medidas assistênciais que bem se
entendem numa fase inicial de gestão da
emergência, dificilmente se justificam
numa fase de retorno à dinâmica de
desenvolvimento local e autonomização
das comunidades afetadas.
A continuidade da assistência de
emergência “indiscriminada” pretendia
evitar o descontentamento e
incompreensão inicial que a aplicação de
determinadas medidas e critérios que
condicionam ou restringem os apoios
sociais poderiam causar numa população
em situação de indefinição, à espera de
decisões e especialmente de intervenções
concretas e ágeis. Embora a
permissividade aplicada ao continuar por
períodos prolongados com os apoios de
emergência, pretendia ganhar a confiança
das populações - acalmando os ânimos e
moderando as exigências - tudo aponta
para que o prolongamento no tempo de
algumas medidas adotadas como soluções
de caráter temporal (por exemplo, solução
em relação ao alojamento de famílias em
moradias de aluguer) terá apenas
alimentado a ansiedade, expetativas e
frustração das comunidades afetadas. O
prolongamento de outras medidas
assistenciais, tal como a entrega de apoios
em géneros alimentícios (cesta básica),
conforme várias fontes consultadas, terá
também contribuído para minar a iniciativa
empreendora, debilitar o tecido comercial
local e autonomia das populações
recetoras.
A análise das discussões com as
comunidades e outros atores que com eles
interagem, permite ressaltar que a
ineficiência na gestão da transição da
emergência para a recuperação contribui
para alimentar a convicção comunitária de
que os apoios de emergência são um
“direito adquirido” e os afetados pela
erupção passam a usufruir de um “estatuto
especial”, vitalício e quase ilimitado em
regalias, de deslocados. Várias fontes
consultadas apontam a que existe um
sentimento geral de “especialidade” entre
os deslocados, mesmo em relação a outras
populações em situação de vulnerabilidade
na própria ilha ou nas localidades de
receção desses deslocados.
Ao mesmo tempo, a decisão de utilizar o
critério de “ igualdade e cobertura para
todos” na atribuição dos apoios parece ter
motivado comportamentos de
oportunismo por parte de alguns
beneficiários. No programa de assistência
pós-desastre, foram consideradas
deslocadas todas as pessoas que moravam
em Chã-das-Caldeiras pelo menos desde há
3 anos antes da erupção. Entre esses
deslocados, qualquer pessoa,
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
independentemente dos efeitos da
erupção na sua fonte de rendimentos e
habitação, beneficiava dos apoios pós-
emergência (cesta básica, subsídio de luz,
água e gás butano, subsídio de transporte
escolar, subsídio nos gastos de atenção
médica e medicamentosa). O critério de
atribuição “ universal” de apoios a todos os
moradores de Chã, tem causado um certo
descontentamento entre outras
populações da ilha de Fogo e de todo o país
- na altura em que várias ilhas e muitas
famílias no mundo rural estavam afetadas
pela incidência da seca na produção
agrícola e nas atividades de pecuária- do
qual os próprios responsáveis de
instituições públicas ao nível local, assim
como os meios de comunicação têm feito
eco. Nesse sentido, é de salientar que
pessoas que já tinham conseguido
recuperar os seus meios de vida, com apoio
externo ou com meios próprios,
continuaram a receber durante muitos
meses este tipo de apoios sociais,
enquanto outras populações da ilha com
níveis de renda inferiores e, às vezes, em
situações de pobreza mais evidentes e
extremas, não beneficiam de ajudas sociais
equivalentes. Assim, alguns dos
entrevistados apontam o facto destes
apoios sociais terem induzido mudança de
comportamentos, em especial na camada
mais jovem das populações de Chã-das-
Caldeiras. Conforme a análise e visão de
alguns entrevistados, estes subsídios têm
favorecido atitudes de passividade,
assistencialismo e dependência numa
comunidade que historicamente é
reputada por se “valer por si mesma”,
conhecida por cultivar o
empreendedorismo e apreciada pela sua
determinação em tomar em mão o seu
futuro.
▪ Fraca Coordenação inter-institucional
Um outro aspeto que se destaca da análise
realizada neste estudo tem a ver com a
perceção de uma falta de coordenação
interinstitucional. Estas deficiências na
coordenação parecem ter sido mais
acusadas no sentido vertical - quer dizer,
entre entidades do governo central e
governos locais. As falhas na coordenação
estão na origem de numerosas
ineficiências na gestão, especialmente no
que se refere à duplicação de esforços no
que respeita a levantamentos de
informações de base (recenseamentos das
populações, etc.) e na individualização da
avaliação de danos e perdas ao nível das
famílias.
Embora os mecanismos formais de
coordenação tenham sido enunciados nas
resoluções que criam as diferentes
estruturas estabelecidas para a gestão da
recuperação, estas indicações parecem ter
sido insuficientes para garantir uma
coordenação efetiva entre os parceiros
envolvidos. As deficiências na coordenação
associam-se não apenas com um deficit de
explicitação no funcionamento dos
mecanismos de coordenação e as
ferramentas operacionais a serem
utilizadas, mas também com a própria
cultura institucional do setor público cabo
verdiano. Em relação à cultura
institucional, aponta-se uma dificuldade na
gestão interna da informação (por
exemplo, os mecanismos de reporte,
prestação de contas, e a partilha ao nível
interno de cada uma das organizações dos
trabalhos nas diferentes comissões nas
quais cada instituição está representada),
assim como uma dificuldade na
apropriação das abordagens de gestão
baseada nos resultados. Em paralelo aos
constrangimentos associados com a
cultura institucional, podemos identificar
outras dificuldades ligadas a uma relativa
falta de maturidade dos sistemas de
administração pública, em especial no que
refere ao planeamento estratégico, assim
como a relativa inexperiência na gestão e
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orçamentação baseados em resultados, a
limitação na disponibilidade de
ferramentas - tais como sistemas de
informação – ou ainda na insuficiência de
capacidades e inadequação dos
mecanismos operacionais para o
seguimento e avaliação de programas
públicos. Outras limitações estão
associadas ao reduzido número de pessoal
técnico disponível em alguns
departamentos para dar resposta às
numerosas atribuições e a sobrecarga que
podem representar os fluxos adicionais de
demandas na fase de recuperação. Estas
limitações, em termos de recursos
humanos, ficam mais expostas nas
situações como os processos de
recuperação nos quais as solicitações
aumentam. Embora se tenha registado
algumas reafetações internas de recursos
humanos ou redistribuição de tarefas dos
elementos indicados a participar do
secretariado técnico das diferentes
estruturas, na maioria dos casos a
participação de técnicos nacionais
funcionários das instituições participantes
funcionou com base num regime de
acumulação de funções, o qual embora
ajude a controlar os custos de operação,
nem sempre permite garantir a
disponibilidade efetiva e motivação dos
elementos integrantes que assumem as
responsabilidades por decisão superior e
muitas vezes sob pressão hierárquica de
responder efetivamente às novas
atribuições.
Nesse sentido, como se apontava na
introdução, os responsáveis públicos
devem sempre lembrar que gerir a
recuperação não é “business-as-usual” e o
reforço das equipas deve ser considerado
desde o momento em que se planificam os
programas de recuperação e um sistema
de incentivos (em termos de
compensações que podem não apenas ser
salariais, mas referir-se a outros aspetos
como acumulação de dias de férias e
descanso, promoção interna, participação
em capacitações, reconhecimentos
profissionais) e/ou apoio (em termos de
subcontratação de determinados serviços,
aquisição de novas ferramentas de
processamento/gestão de informações e
processos mais eficientes, etc.) que devem
ser desenhados mesmo quando
Alguns moradores de Chã afetados pela
erupção, assim como outros entrevistados
no Fogo, referem uma falta de
coordenação entre as diferentes
instituições e representantes do Estado.
Embora tenham sido criados
primeiramente um Gabinete de
Reconstrução e posteriormente uma
Comissão Interministerial, com a
responsabilidade pela gestão do processo
de reconstrução e recuperação, os
entrevistados referem uma falta de
coordenação palpável nas próprias
agendas de encontros e visitas dos
representes setoriais (ministérios setoriais,
agências e institutos). Nesse sentido,
observava-se que os responsáveis pelas
pastas de agricultura, infraestruturas,
ambiente e ordenamento do território
visitavam em diferentes alturas as
comunidades e realizavam declarações,
por vezes contraditórias, que deixavam as
populações e instituições locais com a
impressão de que não existia uma voz
única do governo central para a questão da
recuperação e que as decisões e planos não
tinham sido concertados em foro interno
ao governo antes da sua discussão com
parceiros locais e apresentação e anúncio
público.
A fraca coordenação interinstitucional
também se reflete na duplicação de
esforços de levantamento e recolha de
informações. Neste sentido, constatou-se
uma repetição de inquéritos, compilação
de informações, estudos e análises para o
desenho dos programas específicos de
recuperação. A falta de coordenação
justificou esta duplicação de esforços
quando as instituições envolvidas não
tinham uma noção clara de que
informações estavam disponíveis em
outros serviços ou quando estes dados não
eram facilmente disponíveis para o
diagnóstico e planificação (por ausência de
divulgação, por inadequação de
metodologias de recolha ou simplesmente
por falta de conhecimento a outros níveis
da sua existência.
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
▪ Fraca valorização da experiência e mecanismos de engajamento público pré-desastre no
planeamento e gestão da recuperação
Vários interlocutores consultados ao nível
local lamentam uma fraca valorização das
instituições que no período pré-erupção
tinham conseguido um certo sucesso em
assegurar uma presença e relevância
reconhecidas na zona e em criar uma
relação de confiança com as populações de
Chã-das-Caldeiras. Em especial, os
entrevistados referem a estrutura de
gestão do Parque Nacional de Fogo, cuja
equipa – como resultado de um trabalho
de proximidade de anos - merecia o
respeito e a confiança das populações. Na
apreciação de vários atores locais e
comunitários, esta estrutura (Parque
Nacional de Fogo), não tem sido solicitada
como parceiro na recuperação ou mesmo
como elo de intermediação e comunicação
com as comunidades para um
planeamento mais participativo e
inclusivo. A falta de engajamento destes
parceiros e a valorização do seu
conhecimento local e dinâmica de
mobilização e engajamento público ao
nível comunitário, constitui uma
oportunidade perdida de aproveitar a
confiança e o conhecimento institucional
existentes pré-erupção para engajar as
comunidades locais num processo de
reconstrução e recuperação mais
participativo e inclusivo no qual as
populações afetadas se sentissem
empoderadas para pensar e construir o seu
futuro coletivo e conseguissem também
Quadro 3: problemas com os critérios
Para ilustrar o problema do oportunismo e aplicação de critérios, vários responsáveis entrevistados
citaram o exemplo de famílias que foram apoiadas a iniciar uma atividade produtiva alternativa num
perímetro agrícola próximo a Achada Furna, onde receberam terrenos, insumos, equipamentos,
formação e assistência técnica. Pelo menos 8 agregados familiares apoiados na produção agrícola
que já conseguiram a sua segunda safra de batatas e que conseguem um benefício económico com
a venda de batatas e outras verduras no mercado local (e em grande parte, como fornecedores do
SNPCB para as cestas básicas) continuaram a beneficiar dos apoios em géneros alimentários. Neste
exemplo, muito caricatural da situação, as famílias vendem ao SNPCB suas batatas, recebendo
dinheiro pelo produto e, por sua vez, recebem ao mesmo tempo as suas batatas de volta (junto com
outros géneros) em forma de cesta básica.
Fonte: Compilação dos autores a partir das entrevistas realizadas em Fogo
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
assim aceitar certos “ trades-off” (perde-e-
ganha), soluções de consenso geral e
compromissos. Este empoderamento local
deveria visar o reforço das capacidades
comunitárias para que os deslocados se
posicionem como parte da solução,
participando da construção da resiliência
coletiva, na prossecução do
desenvolvimento
comunitário e bem comum, e aceitando
também as suas responsabilidades e
deveres.
▪ Falta de clarificação sobre os papéis, responsabilidades e expectativas sobre os
diferentes atores engajados na recuperação
Conforme as fontes consultadas, parece ter
existido uma falta de clarificação geral
sobre os papéis e responsabilidades de cada
parte participante no processo.
Responsáveis e técnicos envolvidos na
gestão da recuperação, refletem sobre a
falta de explicitação do que se espera dos
representantes das entidades
desconcentradas e também do poder local
no processo de recuperação. Enquanto se
reconhece que os diversos setores do
desenvolvimento são chamados a participar
ao nível central nas estruturas de
coordenação e gestão criadas ad-hoc para
liderar o processo de reconstrução, as
estruturas desconcentradas do poder
central assim como atores locais
(municipais e intermunicipais) criticam a
falta de articulação dos seus serviços com
estas entidades. Alguns entrevistados,
reclamam ter sido solicitados apenas para
prestar apoio logístico e operacional
(requisições de veículos, técnicos para
serviços ocasionais ou acompanhamento
das missões e outros meios). Quando
confrontados com essas expectativas e
visões sobre o seu papel no processo,
experimentam um sentimento de exclusão
na análise do contexto e na avaliação das
necessidades locais e em especial no
processo de tomada de decisões.
Os problemas associados com a clareza dos
papéis dos diferentes atores são
especialmente delicados quando se
referem aos representantes das
comunidades locais afetadas. Neste
sentido, se bem muitos atores consideram
oportuna a seleção dos representantes da
comunidade -realizada durante o período
de vigência do Gabinete de Reconstrução-
considerando o reconhecimento e respeito
que estas figuras merecem pela parte das
comunidades, outros atores entrevistados
refletem sobre a falta de um processo
explícito, claro, democrático, participativo e
transparente da seleção ou nomeação
destes representantes. Em todo caso,
parece claro que não tem existido um
mecanismo definido, a partir do qual estes
representantes possam identificar o sentir
comunitário, captar o pensar coletivo, e
recolher as contribuições, propostas e
solicitações de todos os cidadãos afetados.
Na ausência de mecanismos explícitos de
construção da visão e compilação da
opinião dos deslocados sobre os problemas
e as soluções parece que nem todas as
vozes, especialmente dos mais socialmente
vulneráveis, terão sido ouvidas.
As opiniões comunitárias parecem divididas
quanto ao papel dos seus representantes
nos gabinetes e a legitimidade dos líderes
que os representam. Enquanto para alguns,
esta liderança não se contesta pelo facto da
mesma ser reconhecida e aceite pelas
comunidades, para outros esta aceitação
nasce dos próprios desequilíbrios de poder
presentes na comunidade. Assim, os críticos
referem que os representantes apontados
para participar nestas instâncias de
coordenação, são pessoas cuja legitimidade
deriva do seu poder económico e
possibilidade de conceder ou negar o
acesso a determinados benefícios
económicos (emprego, terras ou mesmo
participação na cooperativa). Ao mesmo
tempo, em diversas ocasiões refere-se
também que estes representantes têm os
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
seus próprios interesses económicos na
recuperação, situação que os coloca em
maior dificuldade de exercer uma função de
representação inclusiva e guiada pelo
interesse coletivo. Em certo modo, a
modalidade de representação comunitária
implementada pode resultar pouco efetiva
na identificação dos interesses dos
coletivos ou famílias mais vulneráveis e
pode estar condicionada na persecução do
bem coletivo quando esta colide com algum
interesse pessoal, enquanto agentes
económicos da comunidade.
Ao mesmo tempo, a falta de mecanismos
estruturados de informação e prestação de
contas também se reflete no sentido
contrário, é dizer dos representantes
comunitários para as populações. Nessa
linha, parecem existir limitações
consideráveis na passagem de informações
para as comunidades sobre as resoluções
das entidades, os esclarecimentos
recebidos da parte das autoridades, as
opções discutidas ou ainda as medidas
adotadas no curso dos diferentes
encontros.
▪ Excessiva centralização na planificação e gestão da recuperação
Das entrevistas realizadas com
representantes institucionais ao nível da
ilha de Fogo depreende-se uma apreciação
geral de uma falta de participação do nível
local (neste caso referidas as estruturas
desconcentradas do Estado) mas também
do poder local, representado pelas Câmaras
Municipais. Assim, a maioria dos atores
referiu o excesso de centralização dos
esforços de recuperação como um
constrangimento que terá impacto em
vários sentidos, nomeadamente na
adaptação das propostas ao contexto local,
na eficiência da implementação das ações,
mas também na justiça social e
transparência no processo de tomada de
decisão e implementação das medidas. Esta
centralização refere-se não só ao processo
de tomada de decisões, mas também à
própria execução dos programas de
recuperação, reabilitação e reconstrução.
Outros impactos da centralização do
processo de planeamento e tomada de
decisões ressaltados referem-se à
dificuldade em atingir e responder as
necessidades de determinados grupos
vulneráveis (por exemplo, as famílias mais
pobres e não proprietários nem de terras
nem de habitações). A centralização na
escolha das alternativas para a recuperação
tem também um impacto direto na
capacidade de aplicar as medidas e
regulamentos – em especial no que se
refere à limitação da reocupação
permanente da caldeira ou ainda nas
restrições em relação ao tipo de
construções e atividades.
▪ Falta de liderança e empoderamento tardio e parcial do poder local para liderar a
recuperação
Os representantes setoriais consultados
referem uma falta de liderança da parte da
entidade legalmente criada inicialmente
para comandar este processo de
recuperação – o Gabinete de Reconstrução
de Fogo.
Na opinião de vários entrevistados as
Câmaras Municipais, em especial aquela de
Santa Catarina (município que
administrativamente pertence Chã das
Caldeiras) deveriam ter assumido a
liderança do processo de recuperação. Não
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
obstante, os responsáveis das Câmaras
reconhecem que na altura, estas
instituições não estavam em condições de
liderar o processo. Na análise realizada das
entrevistas constata-se que este
sentimento de fragilidade institucional,
referido mesmo publicamente por alguns
dirigentes camarários na altura da erupção,
se sustenta no desconhecimento e/ou falta
de operacionalidade prática dos
instrumentos de planeamento da
contingência e gestão da emergência
(nomeadamente dos planos de emergência
municipal8 e plano especial de contingência
para emergências vulcânicas para a ilha de
Fogo) assim como na falta de recursos
técnicos, administrativos, financeiros e
materiais para liderar o processo de
recuperação. Neste sentido, alguns
responsáveis municipais reconhecem que
existia a disposição e motivação da parte
das Câmaras Municipais para assumir a
liderança do processo, mas que terão
recuado quando as instituições nacionais
assumem as rendas tanto na fase de gestão
da emergência (via SNPCB) como da gestão
do processo de recuperação (através
inicialmente do Gabinete de Reconstrução
de Fogo).
Após o fim do mandato da comissão
interministerial, e com novas equipas
camarárias resultantes das eleições
municipais de 2016 9, o governo transfere as
Câmaras Municipais da ilha de Fogo ( São
Felipe, Santa Catarina e Mosteiros) via
protocolo, a liderança e gestão do processo
de recuperação pós-desastre em Fogo.
Um outro problema identificado pelos
entrevistados chave está associado à
liderança e coordenação do processo de
reconstrução da parte do Gabinete de
Reconstrução de Fogo (GRF). Os atores
consultados referem a dificuldade, quando
não a incapacidade, desta estrutura em
integrar no processo de planificação todos
os setores relevantes. Assim, parece que o
8 Na altura da erupção a CM de Santa Catarina não contava com tal plano já que este município foi criado após a fase de elaboração da primeira geração de planos de emergência municipal no âmbito de um programa em parceria com o SNPCB e o PNUD.
Gabinete se tenha centrado mais na sua
atribuição de planeamento da recuperação,
na questão das infraestruturas de aceso e
na habitação - tanto na resposta temporal
como no planeamento de um novo
assentamento. Embora algumas entidades
desconcentradas reconheçam que tem
havido envolvimento das suas estruturas
centrais neste processo de planeamento
(saúde ou educação por dar alguns
exemplos) depreende-se das entrevistas
que os representantes locais não se
sentiram engajados na reflexão sobre a
questão do realojamento das famílias e na
construção de um novo assentamento
populacional. Durante a sua existência, o
GRF focou-se na reconstrução física das
habitações de 1995, assim como no
desenho de uma nova política de
assentamento. Nessa fase refletiu-se sobre
o local ótimo para um novo assentamento e
planeou-se o modelo e projeto do novo
núcleo habitacional. Não obstante, parece
que o processo de planeamento centrou-se
mais em aspetos espaciais (localização, uso
e propriedade do solo) e aspetos físicos
(morfologia do assentamento e das
habitações) e menos em aspetos sociais,
culturais e económicos, como são a
consideração do perfil demográfico,
necessidades sociais associadas à criação
duma nova comunidade (em relação a tipo
de serviços públicos e espaços sociais),
assim como opções económicas e dos
meios de vida das famílias a realojar. Neste
sentido, são significativas as considerações
de alguns responsáveis setoriais quando
referem que não foram consultados sobre a
tipologia de serviços (em termos de
estruturas e serviços de educação ou saúde)
que seriam precisos na criação de um novo
assentamento.
Neste sentido, parece que houve pouca
consideração e limitada reflexão sobre o
uso social do território e um planeamento
sensível a esta questão. As ciências sociais,
em especial geógrafos, sociólogos e
9 Se mantem o mesmo Presidente e Vereador para a Área de Proteção Civil para a C.M. dos Mosteiros.
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
urbanistas, têm estudado como o espaço e
sua organização (por exemplo o traçado
urbano de um novo assentamento)
influenciam o comportamento social.
Desde as disciplinas associadas ao
planeamento urbano, têm-se insistido
muito na necessidade de considerar a
organização social (as interações
comunitárias, práticas culturais, etc.) e as
atividades económicas no planeamento de
novos assentamentos. A análise social e
cultural da utilização do espaço, assim
como a influência da sua organização nas
atividades e relações socias, são ainda mais
relevantes quando o que se planifica não
era apenas um loteamento mas se projeta
um novo assentamento. O processo de
planificação não se restringia à elaboração
de um plano de zonagem e preparação de
lotes (entendidos como as “normas do
jogo” que regulam a divisão em parcelas de
uma área para posterior ocupação e
desenvolvimento conforme a iniciativa dos
privados) mais, implicava um nível mais
avançado de planeamento que abrangia até
o desenho das moradias, e pelo tanto, pré-
determinava a estrutura do espaço
doméstico familiar.
Outro aspeto no qual a liderança parece ter
falhado neste processo tem a ver com a
informação, tanto às instituições locais e
desconcentradas como às organizações da
sociedade civil e em especial às populações.
Os atores entrevistados criticam a falta de
comunicação efetiva em relação ao
processo: quais são as opções em estudo,
como são avaliadas as potenciais soluções
e/ou políticas de recuperação, que passos e
requisitos são necessários para se
implementarem, assim como e quando
serão implementadas cada uma das
medidas decididas.
Outros sintomas de uma coordenação
ineficiente têm a ver com a duplicação de
esforços, especialmente nos levantamentos
de informação e processos de estudo.
Alguns dos entrevistados, criticam as
numerosas solicitações ad-hoc de
participação em encontros, em comissões
de estudo ou grupos de trabalho. A falta de
clarificação do processo geral de
recuperação no que se enquadram esses
trabalhos setoriais parece ter gerado alguns
processos de diagnóstico e planeamento
desgarrados de um objetivo geral e
inconexos entre si que contribuem a uma
duplicação de esforços por parte das
instituições e dos técnicos engajados.
Nesse sentido, vários dos entrevistados
referiram que os levantamentos junto aos
afetados e os inquéritos as populações se
repetiram criando uma certa fadiga nos
deslocados mas também alimentando as
expetativas. Quando os estudos não se
traduzem em decisões e intervenções e as
expetativas dos deslocados não se
materializam, as tentativas de análise e
consulta acabam por reforçar a angústia
pelo futuro, aprofundado a sensação de
abandono que determina, por sua vez, o
sentimento de muitos deslocados de “ estar
por sua conta” e que intensifica o
sentimento de falta de autoridade na
origem ligado à distância física do poder
administrativo.
Em outra linha, a análise revela
constrangimentos consideráveis em relação
a associados ao estabelecimento de
gabinetes com uma duração limitada que se
extinguem ou reformulam mesmo antes de
terem completado a sua missão. Neste caso
concreto, a extinção do GRF e a criação da
Comissão Interministerial entende-se no
quadro dum processo de mudança de
governo após as eleições legislativas, não
obstante, parece que o processo de “
passagem de pastas” e a prestação de
contas (relatório e avaliação) sobre o já
realizado e o ainda pendente, entre o
extinto gabinete e a nova Comissão não têm
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
sido muito exaustivos. Esta falta de
clarificação na passagem das
responsabilidades duma entidade a outra
engendram uma descontinuidade na gestão
e em certo modo desempodera os atores
locais para quem o interlocutor e as regras
do jogo e mecanismos para a decisão
mudam com cada nova entidade criada.
Para alguns intervenientes locais, a
transição de uma entidade a outra não tem
sido bem gerida e tem criado “ vazios de
poder”, e por vezes retrocessos no processo
de planeamento e implementação. Em
certos exemplos, percebe-se que os
instrumentos para a execução e
seguimento dos programas de
reconstrução ainda estavam em fase de
definição ou desenvolvimento quando o
novo governo introduz novas abordagens e
modalidades de gestão do processo.
Parece que esta mudança no caminho e
uma transição relativamente politizada
poderiam ter uma repercussão negativa na
capacidade dos atores locais de fazer valer
os seus interesses e se organizar para
influenciar as tomadas de decisão relativas
ao processo de recuperação.
▪ Participação comunitária limitada
Uma das principais falhas identificadas na
gestão do processo de recuperação tem a
ver com a fraca participação das
comunidades. Assim, a criação de
mecanismos e oportunidades para a
participação comunitária salienta no
discurso de todas as instituições e
elementos da sociedade civil consultados
como um dos maiores desafios no
processo. Se bem as estruturas de gestão
de recuperação (GRF e Comissão
Interministerial) têm realizado esforços em
consultar as populações e informar de
algumas das opções e decisões, estes
esforços não têm sido nem suficientes,
nem parecem ter utilizado o mecanismo
mais adequado para engajar as populações
afetadas na procura de soluções e quanto
menos na sua implementação. O GRF e
posteriormente a CI têm adotado uma
abordagem de inquéritos familiares e
convite a representantes comunitários
selecionados para encontros informativos.
Se bem se considera que a técnica de
inquéritos permite a recolha de
informações sobre as preferências
individuais de forma confidencial, parece
que a modalidade de aplicação com
questionários fechados ou entrevistas
semiestruturadas não facilita o surgimento
e expressão de novas ideias e propostas. A
abordagem individual resulta insuficiente
quando se trata de encontrar soluções para
problemas comunitários complexos que
ultrapassam as preferências dos agregados
familiares sobre onde cada um deles quer
morar.
Assim, algum dos responsáveis pela
aplicação e análise destes inquéritos
refletem, com alguma preocupação, sobre
a inconsistência entre as respostas de
alguns agregados nos diferentes inquéritos
e mesmo um elevado grau de diversidade
entre as opções das famílias. Conforme
estes atores, a falta de consistência entre
os resultados dos inquéritos e a
heterogeneidade das respostas não
facilitam a identificação de soluções de
consenso. A inconsistência apontada pode
ser resultado da própria fadiga do
inquérito ou mesmo responder a uma
estratégia dos afetados, que em função das
expetativas que as declarações políticas
levantam, tentam maximizar as suas
oportunidades de beneficiar de apoios, em
especial quando tudo aponta a que
poderão beneficiar de determinadas
regalias, nomeadamente de habitações
num novo assentamento a ser criado ou
ainda usufruir de ações de melhoramento
das habitações para aqueles que já
receberam uma moradia após a erupção
de 1995. Durante as entrevistas, alguns
responsáveis criticam a inconsistência e
individualismo das populações de Chã, mas
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
ao mesmo tempo, e de uma forma
aparentemente contraditória destacam
como característica desta população, a sua
unidade, defesa mútua e vontade de viver
em comum e salvaguardar para as
gerações futuras a sua identidade
comunitária e idiossincrasia cultural.
A avaliação geral da gestão da participação
pública parece apontar a que esta tem
ficado a um nível de informação e consulta.
Figura 3: Quadro de referência: tipos de participação comunitária10
Da parte dos líderes comunitários e
moradores entrevistados existe um
sentimento de incompreensão e mesmo de
estigmatização. Na sua opinião, a sua
comunidade está a ser “muito maltratada
com o discurso” e muito mal entendida.
Nas conversas com outras populações e
mesmo nas declarações e entrevistas de
outros cidadãos cabo-verdianos, os
moradores de Chã das Caldeiras, sentem
que são apelidados de “oportunistas e
aproveitadores”. Os comentários
recebidos por estas comunidades referem
a oportunidade de desenvolvimento
económico e aproveitamento pessoal que
esta erupção irá trazer para as famílias de
Chã. Embora a maioria dos atores e partes
10 Active Learning Network for Accountability and Performance in Humanitarian (ALNAP), 2003, Participation by Crisis-Affected Populations in Humanitarian Action: A Handbook for Practitioners, citado na ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.
interessadas no processo (populações,
instituições e operadores económicos)
reconheçam que se abre uma nova etapa
de grandes oportunidades após cada
erupção, as populações de Chã sentem-se
incompreendidas pelos responsáveis
políticos, injustiçados pelos seus
cocidadãos e em muitos casos também se
sentem “abandonados” pelas instituições
públicas. À semelhança do acontecido após
a erupção de 1995, muitos atores, incluído
os próprios afetados pela erupção
preveem que nesta fase se abrem novos
horizontes para o desenvolvimento
económico da localidade e da ilha no seu
todo (em especial turístico na Chã), não
Tipo de participação Papel das comunidades afetadas
1 Iniciativas locais
A população afetada toma a iniciativa, atuando independentemente de organizações ou instituições externas. Embora possa recorrer a organismos externos para apoiar as suas iniciativas, o projeto é concebido e gerido pela comunidade e as instituições ou parceiros colaboram na sua implementação.
2 Participação interativa A população afetada participa na análise das necessidades e na conceção do programa, e tem poder de decisão.
3 Participação através de fornecimento de materiais, dinheiro ou trabalho
A população afetada fornece alguns materiais, dinheiro e / ou mão-de-obra necessários para operacionalizar uma intervenção. Isso inclui mecanismos de recuperação dos custos.
4 Participação através de incentivos materiais
A população afetada fornece alguns dos materiais e / ou mão-de-obra necessários para a operacionalização de uma intervenção, em troca de um pagamento em dinheiro ou em espécie.
5 Participação por consulta A população afetada é interrogada sobre a sua perspetiva sobre um determinado assunto, mas não tem poder de decisão e não se garante que os seus pontos de vista serão levados em consideração.
6 Participação através de fornecimento de informações
A população afetada fornece informações em resposta a perguntas, mas não tem influência sobre o processo, uma vez que os resultados do inquérito não são compartilhados e a sua precisão não é verificada.
7 Participação passiva A população afetada é informada sobre o que vai acontecer ou o que ocorreu.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
obstante, a valorização dos potenciais e
aproveitamento das oportunidades não
são automáticas nem claramente
apreciáveis para todos os deslocados.
Deve-se entender que se bem a erupção
abre uma nova fase de oportunidades para
Chã (como na expressão local dizem “ Chã
tira, Chã torna a dar”…ou seja o “Vulcão
toma e volta a dar”) nem todas as
populações contam com as mesmas
capacidades nem estão nas mesmas
condições sociais e económicas para
capitalizar essas oportunidades e tirar
partido do esperado boom.
A compreensão dos fatores que
condicionam a capacidade das populações
para aproveitar esta oportunidade é
essencial para o desenho de estratégias
que realmente contribuam a capacitar os
afetados para beneficiar das
oportunidades de desenvolvimento, ao
mesmo tempo que gerem os riscos de uma
forma mais efetiva. Na forma que estas
oportunidades da fase pós-erupção são
apresentadas e o comportamento das
populações abordado nos discursos, as
populações locais sentem-se
incompreendidas e reclamam da falta de
empatia para com a sua situação. Neste
sentido, muitos atores comunitários
querem fazer entender as instituições que
a morosidade, a incerteza e a indecisão na
qual têm vivido durante meses não os tem
ajudado a retomar em mão as rédeas do
seu futuro e saber como reorganizar as
suas vidas. Nessa mesma perspetiva,
alguns psicólogos envolvidos no apoio
psicossocial às comunidades afetadas
ressaltam o valor da ocupação (seja
trabalho remunerado ou mesmo
contribuições voluntárias ou parcialmente
compensadas na reconstrução) como
estratégia de autonomização e
recuperação pós-trauma das pessoas
afetadas. Nessa ótica, os psicólogos e
assistentes sociais apontam que se bem
estas comunidades não têm sofrido perdas
humanas, a perda das suas habitações e a
destruição parcial dos seus meios de vida
originam outro tipo de traumas. A
reinvenção das suas próprias estratégias
de vida, a reconstrução do seu lar e dos
meios de subsistência (às vezes num
ambiente diferente daquele da sua
socialização) requer esforços consideráveis
e capacidades de ajuste e readaptação, das
quais nem todos dispõem de forma
natural. Ao mesmo tempo, este processo
de reinvenção das estratégias de vida
supõe um desgaste psicológico e causa um
stress considerável e uma ansiedade
comum a qualquer mudança que é ainda
reforçado pela vivência de um desastre. O
sentimento de vítima, ainda que
sobrevivente de um desastre, reforça as
exigências de robustez psicológica que
colocam a necessidade de readaptar-se a
mudanças significativas nas vidas das
famílias e percursos de uma comunidade,
que acontecem espaço de tempo
extremamente curto.
Nas condições de indeterminação a que se
sucedem expetativas e frustrações, parece
até certo ponto naturalmente humano que
cada afetado tente maximizar o seu
benefício e bem-estar familiar. Nesse
contexto, entende-se também que os
indivíduos dificilmente consigam colocar-
se numa ótica de reflexão sobre o bem e o
futuro comum, quando não têm
conseguido ainda responder às suas
necessidades básicas de segurança e
conforto.
Se acrescentamos o fator de utilização
eleitoral da questão dos deslocados,
entende-se todavia melhor a dificuldade
em pensar no futuro comum de Chã: os
afetados pela erupção têm-se sentido
utilizados e depois dececionados na
maioria dos casos; ou bem em dívida com
os políticos em outros caso; e ao mesmo
tempo não têm encontrado fóruns em que
discutir os seus problemas e soluções
comuns. A dispersão física e geográfica dos
deslocados, distribuídos em vários centros
e localidades, reforça as dificuldades deste
processo de concertação comunitária. Os
mecanismos de discussão dos planos para
o futuro e os espaços para pensar em
comum na visão para a sua comunidade
parecem não ter existido. Assim, a falta de
participação em processos de procura de
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
soluções comuns e a exclusão do processo
formal de tomada de decisões têm
resultado numa aparente dificuldade da
parte dos afetados em assumir
compromissos e responsabilidades em prol
de um benefício coletivo.
Neste contexto, as populações afetadas
demonstram uma tendência geral a agir
como agentes maximizadores do seu
benefício individual, tanto seja no
aproveitamento dos apoios humanitários
distribuídos sem distinção, como no
posicionamento para receber outro tipo de
apoios, em especial uma habitação. Nesta
gestão dos apoios humanitários e de
recuperação devemos salientar a parte de
responsabilidade das instituições públicas
que não tem clarificado os critérios de
atribuição dos apoios, assim como a sua
justificação, objetivo e modalidades. A
falta de informação e clarificação, por
exemplo em relação à duração dos apoios
em relação a subsídios de renda ou outros
não facilita uma compreensão dos
beneficiários da necessidade de limitar no
tempo determinadas regalias e não ajuda
os deslocados a entender estes apoios
como medidas temporárias que deveriam
apoiar a sua autonomização e não em
cristalizar uma espécie de direito adquirido
ou de estatuto vitalício.
Nesta componente da participação das
comunidades afetadas, vários atores
entrevistados apontam para a necessidade
de organizar um fórum comunitário
alargado no qual se apresentem todas as
opções e soluções e mesmo se escolham os
representantes legítimos da comunidade.
Outros atores consultados duvidam da
viabilidade de tal encontro, referindo que
não seria pacífico a eleição de um ou vários
representantes locais via votação direta.
Alguns entrevistados associam esta
complexidade a fatores históricos e
culturais da comunidade de Chã das
Caldeiras que conforme estas fontes
apontam a uma vontade de participação
direta sem representações e têm
dificuldade em aceitar representação e
decisões emanadas de outros.
Nesse sentido, alguns dos entrevistados
mencionam a existência de uma clivagem
na comunidade em termos demográficos
entre as camadas mais jovens e os adultos
de idade média e idosos. Conforme estas
referências, as camadas mais jovens
também são vulneráveis a determinados
problemas sociais como drogas e
alcoolismos, derivados do desemprego e
ociosidade que terão uma influência
considerável nos comportamentos anti-
autoridade.
Figura 4: níveis de participação pública e seu impacto na recuperação
Informar Consultar Envolver Colaborar Empoderar
Objetivo da participação pública
Fornecer ao público
informação objetiva e
organizada
Obter feedback do público na análise de alternativas e/ou as
decisões
Trabalhar diretamente com o
público durante todo o processo
Estabelecer parcerias com o público em cada
um dos aspetos da decisão
Colocar a tomada de
decisões finais nas mãos do
público
Promessas ao
público: exemplos do tipo
de discurso
“ Iremos manter-vos informados”
“Iremos manter-vos informados, vamos
ouvir e considerar as vossas preocupações e
aspirações e dar resposta sobre como as
vossas contribuições têm influenciado as
decisões.
“Iremos trabalhar convosco para
assegurar que as vossas preocupações e aspirações sejam
diretamente refletidas nas alternativas
desenvolvidas e possam dar feedback
sobre como as
“Iremos procurar o vosso conselho,
orientações e inovação na formulação de
soluções e na integração de vossos
conselhos e recomendações nas
decisões conforme ao máximo das
possibilidades”
“Iremos implementar o que vocês
decidam”
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
contribuições públicas influenciam a
decisão”
Exemplo de técnicas a utilizar
Sitios web Folhas
informativas (Fact sheets)
Comentários públicos Focus groups
Inquéritos Encontros públicos
Ateliers Planeamento deliberativo
Comités cidadãos de aconselhamento Construção do
consenso Tomada de decisões
participativa
Júris de cidadãos
Sondagens Referendo
Decisão delegada
Fonte: adaptado do APA Recovery Guidelines11
Lições aprendidas
Pilar 1: Lição Aprendida 1: Necessidade de estabelecer um quadro de recuperação: predefinir
mecanismos de coordenação, critérios para cada fase
Que aprendemos: na ausência de arranjos predefinidos para a gestão da recuperação, o
estabelecimento dos mecanismos de coordenação e determinação das instâncias de decisões,
para além de levar mais tempo é mais suscetível a interferências políticas. A dilatação no tempo
na tomada de certas decisões essenciais aumenta a pressão social, mediática e política, dificulta,
quando não impossibilita, a aplicação de medidas pouco populares e favorece a utilização de
arranjos pouco participativos e de eficiência limitada.
Que implica: que os procedimentos para a decisão e os mecanismos de coordenação devem ser
pensados antes que qualquer desastre aconteça. Existindo arranjos indicativos, o ajuste às
necessidades específicas de cada desastre resulta muito mais rápido e simples do que uma
reinvenção de raiz. Assim mesmo, uma reflexão ex-ante permite uma discussão serena baseada
numa análise aprofundada e mais livre de pressões sobre os mecanismos mais eficientes para
planear e gerir a recuperação. A determinação prévia dos mecanismos a utilizar permite
11 American Planning Association ( APA) “ Planning for Recovery Management” Briefing nº 7, Planning for Post-Disaster Recovery
RápidezAcelera o processo de tomadade decisão e permite umcaminho acelerado para todasas ações partes interessadas
DeliberaçãoRequer tempo compreender e
empoderar a todas as partes para participar
IMPACTO NA RECUPERAÇÃO
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
também a cada ator e parte interessada ter o tempo de interiorizar as disposições e se preparar
e organizar para dar resposta às suas atribuições, caso seja necessário.
Recomendações:
▪ Assegurar que a recuperação, como fase essencial na redução de riscos de desastres é
abrangida pelas políticas e legislação nacional sobre RRD.
▪ Garantir que os sistemas de financiamento da gestão de risco de desastres especificam
os mecanismos para financiar a recuperação pós-desastre.
▪ Investir no reforço de capacidades a todos os níveis, tanto nacional como local, para
assegurar uma real “ preparação” para a recuperação.
▪ Avaliar as capacidades existentes vis-à-vis o Quadro de Recuperação e propor
mecanismos para abordar as lacunas identificadas na gestão da recuperação
(formações, recrutamentos externos, sistemas de destacamentos e requisição de
pessoal, etc.).
▪ Desenvolver a descrição de tarefas e funções de cada instituição proposta para a
planificação e gestão da recuperação e elaborar em mais detalhe os procedimentos
enunciados no quadro de recuperação.
▪ Explorar o quadro legal nacional sobre as aquisições públicas e valorizar os mecanismos
existentes para aquisições rápidas e eficientes, mas transparentes e conformes com a
lei no processo de recuperação.
▪ Clarificar o papel do poder local na fase de recuperação, detalhando no quadro de
recuperação as atribuições das instituições locais.
▪ Identificar as lições aprendidas dos diferentes processos de recuperação e assegurar a
montagem de sistemas de seguimento e avaliação que favoreçam a aprendizagem.
▪ Identificar as melhores práticas ao nível nacional em planeamento e gestão participativa
e avaliar como estas experiências poderão ser aproveitadas para uma gestão mais
participativa da recuperação pós-desastre.
Pilar 1: Lição Aprendida 2: os mecanismos de partilha e gestão de informação são uma base
essencial para uma coordenação efetiva.
Que aprendemos: a planificação e gestão da recuperação aumentam as demandas pré-existentes de
partilha efetiva e gestão eficiente das informações. Ao mesmo tempo, as dificuldades na gestão e partilha
de informações devem ser tratadas muito antes de um desastre acontecer. Embora a gestão de desastres
e recuperação associada possam criar uma necessidade de intercâmbios mais expeditos, os canais e
mecanismos para a gestão das informações devem existir pré-evento para poderem ser operacionalizados
e adaptados às necessidades da crise e do pós-desastre.
Que implica: em especial, isto aponta para uma necessidade de aproveitar cada experiência para rever as
políticas e as práticas. Nessa linha, a revisão contínua das lições aprendidas com a gestão da recuperação
após cada desastre deveria permitir às instituições integrar as recomendações pertinentes no desenho,
avaliação e reorganização dos seus sistemas de informação, para assegurar que recolhem os dados de
base relevantes e que se produzem informações no formato e nível de desagregação pertinentes para
constituir uma linha de base a partir da qual se possa estimar os danos e as perdas, avaliar as necessidades
de recuperação, operacionalizar, seguir e avaliar os programas de recuperação.
Que recomendações:
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
▪ Desenhar os sistemas de informação setoriais considerando as necessidades de informação
tipicamente presentes na fase de recuperação, assim como durante a gestão da emergência.
▪ Promover o estabelecimento do SNIR (Sistema Nacional de Informação sobre Riscos) onde as
informações de vulnerabilidade e exposição sirvam de linha de base para a estimativa dos efeitos
e avaliação das necessidades de recuperação.
▪ Assegurar a interoperabilidade e interconexão entre os sistemas de informação setoriais.
▪ Regular e regulamentar interna e externamente o processo de partilha de informações,
notificação, consulta pública, parecer e reporte.
▪ Explicitar e incorporar no quadro legal e regulamentar da recuperação as obrigações de partilha
de informações nos arranjos de recuperação, sejam estes pré-desastre ou ad-hoc.
Pilar 1: Lição Aprendida 3: Repensar os canais e mecanismos para a participação pública para
além da socialização de informações ou da consulta.
Que aprendemos: a experiência de participação pública no processo de recuperação pós-desastre no
Fogo demonstra que as modalidades de participação utilizadas não contribuem para a apropriação
comunitária do processo e o engajamento comunitário na implementação de soluções. As comunidades
manifestam uma vontade de se engajar no processo de tomada das decisões que influenciam quando não
determinam o seu futuro.
Que implica: as instituições públicas têm que vencer o seus “medos” a organizar processos de
participação pública mais significativos. Uma participação mais iterativa ou mesmo a facilitação do
surgimento de iniciativas locais, pensadas e promovidas pelos próprios afetados requer mais tempo, mas
pode supor imensos ganhos em termos de sustentabilidade e apropriação.
Recomendações:
▪ Capacitar as instituições públicas, tanto locais como nacionais no desenho e utilização de técnicas
e ferramentas de planeamento e gestão participativa.
▪ Identificar as melhores práticas, ao nível comunitário/local de Cabo Verde sobre mobilização
comunitária e participação.
▪ Capacitar as organizações da sociedade civil e as organizações comunitárias em técnicas e
ferramentas de advocacia, planeamento e gestão participativa.
▪ Promover iniciativas piloto, dentro dos programas-quadro de recuperação, de orçamentos e
planeamento participativos.
Pilar 1: Lição Aprendida 4: Assegurar que existem mecanismos efetivos de representação das
comunidades locais com canais de comunicação efetivos nos dois sentidos
Que aprendemos: o processo de indicação dos representantes da comunidade nas estruturas
responsáveis da recuperação não deve ser abordado de uma forma simplista. A representatividade de
todas as vozes da comunidade e legitimidade de certas figuras comunitárias não deve ser assumido como
algo natural. Ainda que a liderança de certas pessoas seja geralmente aceite devem garantir a existência
explícita de mecanismos a partir dos quais esses líderes recolhem os subsídios das comunidades que
representam e partilham das discussões e decisões adotadas nos foros que participam.
Que implica: promover foros alargados e abertos a toda comunidade, nos que se discute a necessidade
de estabelecer um mecanismo de representação e se recolhem os seus subsídios de como melhor
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
organizar esse mecanismo. Ao mesmo tempo, requer entender as estruturas de poder local e as
desigualdades subjacentes. Uma boa compreensão da organização social de cada comunidade é
importante para garantir que todos os grupos, incluindo os menos poderosos, são incluídos no processo.
Recomendações:
▪ Valorizar o conhecimento e experiências de engajamento público das organizações que
trabalham em cada comunidade na fase pré-desastre.
▪ Promover focus group com coletivos vulneráveis cuja opinião dificilmente emerge numa
assembleia ou reunião geral.
▪ Apoiar associações e grupos comunitários no seu reforço de capacidades e auto-organização.
▪ Promover a tradução da informação técnica numa linguagem comum e compreensível para as
comunidades locais, para que possam se apropriar dos elementos chave das discussões e
participar mais efetivamente.
2.3.2. Leis e políticas para a recuperação
Constatações (findings) da análise
▪ Limitadas referências diretas à recuperação na legislação e nas políticas estratégicas e
setoriais
Para além das referências gerais no plano
nacional de contingência, assim como na lei
de bases da proteção civil já referidas na
apresentação do quadro legal e
institucional, não existem outro tipo de leis,
planos ou políticas ao nível nacional que
regulem e orientem a gestão dos processos
de recuperação. Não obstante, podemos
identificar em algumas regulações setoriais
ou temáticas, certas provisões legais que
poderiam ser de utilidade na definição de
regulações, mecanismos e procedimentos
para a fase de recuperação. Assim, por
exemplo, conforme a lei cabo-verdiana de
aquisições públicas, existem sistemas de
“fast-track” ou pré-seleção de fornecedores
que podem ser capitalizados para acelerar
os processos de aquisição pública em
momentos de emergência e também na
fase de recuperação. Nestas fases de
emergência, resposta e recuperação são
necessárias celeridade e flexibilidade - para
agilizar os procedimentos burocráticos-
sem por isso fugir às exigências de rigor na
formação de contratos, publicidade,
transparência e legalidade nos processos de
contratação e aquisição de bens e serviços.
Conforme responsáveis da ARAP (agência
de regulação das aquisições públicas) estes
procedimentos especiais estão já previstos
na lei, pelo qual bastaria divulgar as
provisões legais e capacitar os responsáveis
das diferentes instituições na aplicação
efetiva dos mesmos, evitando um uso
abusivo dos mecanismos excecionais com
apelo às necessidades de “urgência”.
▪ Ausência de critérios pré-definidos para a gestão da fase de recuperação
Conforme a análise realizada, revela-se
necessário um trabalho de preparação para
a gestão da recuperação que permita evitar
a morosidade e indeterminação vivida no
processo em curso após a erupção vulcânica
no Fogo. Conforme as reflexões recolhidas,
mostra-se necessário pré-definir a duração
de cada uma da fase (emergência,
assistência humanitária e recuperação),
estabelecer os princípios orientadores que
as norteiam, assim como definir alguns
critérios ou requisitos básicos para a
seleção de beneficiários dos diferentes
programas e intervenções e os mecanismos
mais eficientes de apoio aos afetados por
determinado desastre em cada uma das
fases da recuperação. Neste sentido, a
predefinição de alguns procedimentos e
mecanismos, deverá sempre salvaguardar a
flexibilidade necessária para adaptar-se às
condições e necessidades específicas de
cada tipo de evento. Nessa ótica de garantir
a flexibilidade, pondera-se a proposta de
um leque de procedimentos ou opções
alternativas a serem calibradas e ajustadas
em função do tipo de evento (em relação a
natureza, tipo de perigo na origem;
magnitude, abrangência, efeitos na
comunidade, etc.).
Da análise realizada dos problemas
repertoriados no caso de Fogo destaca que
estes são problemas bastante comuns que
emergem na maioria dos processos de
recuperação mas que se manifestam em
escalas diferentes em cada evento de
desastre (em função da sua magnitude,
perfil de afetados e tipo), e adquirem
expressões diferenciadas conforme o
contexto social, político e cultural do país e
comunidade. Problemas com a definição do
que constitui um agregado familiar e se
famílias formadas pós-desastre devem
merecer ou não apoios destinados aos
núcleos familiares afetado, são comuns e
mesmo, têm sido documentados e
reportados como problemas legais
recorrentes dos processos de recuperação.
A questão dos direitos de propriedade e uso
da terra em contexto pós-desastre é outro
problema legal comummente apontado nos
estudos de caso sobre os problemas de
recuperação.
A categorização dos agregados familiares e
a definição da sua elegibilidade para
diferentes “pacotes” de benefícios e
direitos a assistência de recuperação é
sempre sujeita a polémica e reclamações.
Não obstante, como aconteceu no caso de
Fogo, o adiamento deste tipo de trabalho
de definição dos critérios de assistência não
contribui para a resolução do problema,
pelo contrário, reforçou a especulação,
suscitou falsas expetativas - em especial em
torno aos apoios ligados às habitações - e
facilitou o caldo de cultivo para que atitudes
oportunistas sejam madurecidas e se
manifestem na forma de reclamações e
conflitos. A determinação da propriedade
das terras e habitações, a abordagem com
os agregados familiares que se separam
após o desastre, os direitos dos inquilinos
versus os locatários são problemas comuns
aos processos de recuperação que foram
identificados no caso da erupção vulcânica
do Fogo e que necessitam de uma reflexão
técnica e consideração prévia, para opções
mais equitativas e decisões mais livres de
pressão.
▪ Limitadas orientações em relação à recuperação dos meios de vida e emprego
Um outro âmbito no qual se reflete a falta
de orientações nas políticas públicas
nacionais tem a ver com a recuperação dos
meios de vida e as medidas de proteção
perante a perda de emprego. A análise das
experiências internacionais sobre a
recuperação aponta a que muitos países
não tem uma política explícita em relação à
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
reconstrução do setor privado, isto é
especialmente nos contextos em que o
setor privado habitualmente subscreve
apólices de seguro e as companhias
compensam os proprietários de negócios e
indústrias pelos danos sofridos e estas
compensações lhes permitem reiniciar a
sua atividade económica. O panorama é
diferente quando a maioria dos meios de
vida da comunidade se enquadram no setor
informal e mesmo estando dentro do
sistema económico formal não dispõem de
apólices de seguro ou bem estas não
cobrem os estragos ligados a desastres.
No caso de Fogo, não conseguimos
identificar se alguns dos operadores
económicos contavam com apólices de
seguros. Não obstante constatou-se que
alguns dos maiores operadores do setor
privado, em especial hotéis e as adegas de
vinho não dispunham de apólices de
seguros. Alguns destes atores refletem
sobre as deficiências na oferta do setor dos
seguros em Cabo Verde. Considerando a
oferta atual, os privados, para além das
apólices de responsabilidade civil, viagem
ou seguro automóvel, apenas conseguem
assegurar os seus estabelecimentos contra
riscos de incêndio nas instalações.
No caso do Fogo, as instituições
responsáveis pela recuperação demoraram
a decidir sobre as modalidades de apoio à
recuperação dos meios de vida. Enquanto
algumas iniciativas se iniciam com apoio de
parceiros externos e doadores
internacionais no setor de agricultura e
pecuária, esquemas similares de
compensação, proteção e/ou recuperação
de meios de vida em setores como o
turismo, comércio, artesanato ou
transformação, demoram a serem definidos
e toda a população continuou a ser
suportada através de esquemas
assistencialistas de entrega de bens
alimentícios, muito tardiamente
substituídos por transferências em
dinheiro. Em alguns casos específicos,
parece que mecanismos excecionais foram
desenhados para alguns operadores
comunitários, em concreto a cooperativa
de vinho Chã. Embora o governo e
numerosos atores não-governamentais
justifiquem este tratamento diferenciado
em função da natureza jurídica desta
sociedade - constituída como cooperativa
comunitária - muitos denunciam que o
lobbying dos líderes da cooperativa e seu
poder político teria pesado mais na decisão
de conceder ajudas especiais (para a
construção de uma adega temporária e
posteriormente para a reconstrução de um
adega definitiva), que a contribuição
potencial desta sociedade na recuperação
económica dos vinicultores e de uma forma
geral dos habitantes de Chã-das-Caldeiras.
A discussão à volta da justiça na concessão
de apoios especiais a esta cooperativa
transluz uma questão de base que deve ser
bem refletida nos guiões e políticas para a
recuperação: os critérios de compensação
para o setor privado e os limites da
responsabilidade do Estado.
No caso da adega da cooperativa Chã, se
bem muitos defendem que a sua
reabilitação era essencial para evitar perdas
económicas maiores na produção de vinho
da comunidade, outros muitos sugerem
que existiam alternativas para a produção
de vinho e também que nesta avaliação do
benefício social e económico da
reconstrução da adega se descuidou uma
análise mais aprofundada do
funcionamento interno da estrutura, e em
especial o aspeto ligado à redistribuição
interna dos benefícios da cooperativa para
os associados. Conforme as entrevistas com
responsáveis, associados e parceiros da
cooperativa, aqueles associados não
vinculados às estruturas diretivas e
membros fundadores da cooperativa
participam da organização com a venda das
suas uvas para a cooperativa mas não
beneficiam de uma redistribuição dos
benefícios comerciais da venda dos
produtos finais da cooperativa. Assim
mesmo, outras vozes se levantam para
questionar a questão da democracia
interna nos órgãos de decisão desta
cooperativa e mesmo colocam a exigência
de que esta constitua o seu próprio fundo
de contingências a partir de reservas dos
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
seus benefícios e contribuições próprias dos
associados.
O peso simbólico desta cooperativa e a sua
marca de vinho para a comunidade de Chã
são inegáveis, no entanto, no contexto da
definição dos critérios e medidas do apoio
público à recuperação no setor privado, as
instituições públicas deveriam aprofundar
mais na análise do custo-benefício e valor
social de cada medida proposta, assim
como refletir sobre os precedentes em
relação à responsabilidade pública com os
privados, que cada decisão cria.
Constata-se que outros mecanismos para
apoiar a recuperação dos meios de vida e o
emprego, como: esquemas de “ dinheiro-
por-trabalho” no âmbito da reconstrução
de infraestruturas; micro-créditos para os
pequenos empreendedores do setor
informal; suporte a renegociação de
créditos (extensão de prazo, períodos de
carência, aumento de capital
disponibilizado, etc.) para os empresários,
arranjos temporários com os sistemas de
proteção social (contributivos ou não
contributivos), para compensar
temporariamente a perda de emprego dos
assalariados de setores afetados como
hotelaria e turismo; reduções fiscais ou
ainda isenções de impostos temporais para
a recuperação de atividades económicas,
etc., não têm sido praticamente explorados
nem definidos ou quando aparecem - como
a questão dos microcréditos - surgem mais
como iniciativa do setor social/humanitário
e das ONGs (por exemplo, o programa da
Cruz Vermelha que previa a disponibilização
de até 600,000 CVE a empreendedores da
comunidade afetada)
▪ Escassas orientações para determinar a responsabilidade do Estado e guiar os esquemas
de compensação e assistência
Embora durante a campanha eleitoral de
2016 alguns líderes políticos tenham
chegado ao ponto de prometer ou exigir
compensações totais aos afetados de Chã
pelos danos e as perdas económicas
sofridas pelo desastre, passada esta fase
de agitação política, todos os atores dos
atuais oposição e governo reconhecem a
necessidade clarificar e
consequentemente limitar a
responsabilidade do Estado pelas perdas
sofridas pelos privados.
Na ausência de orientações e provisões
legais ou políticas claras sobre a questão da
responsabilidade do Estado, durante a fase
de entrevista perguntou-se aos
informantes sobre a sua compreensão
sobre os limites e visão em relação à
abrangência da responsabilidade do
Estado em relação aos danos e perdas
causadas por um desastre de origem
natural, tanto no caso do Fogo como na
eventualidade de outras ocorrências.
Para alguns esta responsabilidade pública
emerge da falta de orientações, regulação,
e aplicação efetiva da lei. Nesta ótica, a
falta de regulações e medidas claras por
parte do Estado que autorizem ou proíbam
determinados usos do solo e o
desenvolvimento de determinadas
atividades numa zona, engendra uma
responsabilidade pública no Estado como
principal garante do bem-estar dos
cidadãos e guardião da ordem pública. Por
exemplo, no caso de Chã-das-Caldeiras,
este concretiza-se na compreensão de
alguns intervenientes de que, quando o
governo permite (por ação ou omissão) a
ocupação de uma zona que considera de
risco como Chã-das-Caldeiras assume de
facto a responsabilidade moral de
indemnizar aos afetados ou pelo menos
repor alguns dos bens destruídos ou
equipamentos perdidos.
Para outros, a falta de limitação ex-ante da
própria responsabilidade do Estado cria
uma obrigação legal para a reposição de,
pelo menos, as habitações e os meios de
vida dos afetados. Ainda para outros
entrevistados, a responsabilidade do
Estado tem mais um caráter moral do que
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
legal e está enraizada numa obrigação
maior do Estado para com o bem-estar e
proteção social dos seus cidadãos.
▪ Falta de definição de mecanismos de apresentação de queixas e reparação extrajudiciais
No caso de Fogo, percebe-se da análise da
cobertura mediática do processo de
recuperação, que muitos afetados têm
utilizado os meios de comunicação social
para apresentação das suas queixas e
partilha das suas opiniões sobre as
propostas e decisões. O recurso à
comunicação social e média social por parte
dos cidadãos pode constituir uma
ferramenta adicional numa estratégia de
advocacia, não entanto neste caso, parece
constituir mais uma resposta a uma
necessidade do que uma opção voluntária
perante a falta de um mecanismo formal de
apresentação de queixas e sugestões. Nesse
sentido, em primeiro lugar, as comunidades
afetadas refletem sobre a ausência de
interlocutores diretos. Nessa ótica, a
situação parece ter melhorado no período
em que se efetivou a comissão
interministerial já que as pessoas contavam
com dois assistentes sociais baseados nas
comunidades de acolhimento dos
deslocados e vários técnicos cujo local de
trabalho estava baseado na delegação do
Ministério de agricultura e ambiente no
concelho de São Felipe (Fogo). Embora a
presença destes técnicos não assegura por
si a existência de mecanismos formais pelos
quais os afetados e beneficiários dos
programas de recuperação apresentam as
suas queixas e recebem respostas formais
às suas reclamações, pelo menos, melhora
o acesso das populações aos gestores do
processo de recuperação.
Em relação às reparações, ex-responsáveis
do GRF reconhecem que houve algumas
situações de “injustiça” nos apoios à
reabilitação das casas de 1995 que após
reclamação das famílias afetadas foram
corrigidas. Assim mesmo, a equipa da
Comissão Interministerial esforçou-se
enormemente no levantamento das
condições das famílias e na avaliação da sua
vulnerabilidade socio-económica com
vistas a direcionar melhor os apoios e
produzir resultados mais equitativos nos
programas de recuperação. Apesar do
reconhecimento que estes esforços e
correções merecem, isto não exclui a
necessidade de criar mecanismos formais
através dos quais as populações que
sentem que têm recebido um tratamento
discriminatório ou que as suas necessidades
não têm sido bem avaliadas ou atendidas
no desenho e execução dos programas,
possam fazer chegar o seu feedback e,
sobretudo, receber uma resposta formal
das instituições responsáveis.
A ausência destes mecanismos não se limita
à apresentação de queixas ou sugestões,
mas abrange também a questão de pedidos
de esclarecimento ou informações
adicionais. Um exemplo significativo da
ausência de mecanismos formais de
informação foi partilhado por um
empresário do setor de hotelaria de Chã-
das-Caldeiras que, informado sobre a
aprovação de um Decreto-lei que regulava
as medidas provisórias de uso do solo em
Chã e de acordo com o mesmo, as
estruturas de apoio a atividade turística,
hoteleira e restauração eram suscetíveis de
autorização, tentou procurar mais
esclarecimentos com vista à aprovação
legal do seu projeto de construção de um
hotel. Conforme o comunicado de
resolução do Conselho de Ministros sobre
as medidas preventivas para a regulação do
uso do solo em Chã das Caldeiras publicado
em Maio 2015, os “pequenos”
empreendimentos hoteleiros de pequena
dimensão são suscetíveis de autorização
prévio parecer do INGT, DNA e SNPCB.
Nessa ótica, o empresário refere ter
enviado mais de 10 cartas a todas as
instituições que considerava que poderiam
clarificar a questão e informar sobre os
procedimentos de autorização, mas relata
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
não ter recebido nenhuma resposta a essas
correspondências. Nesta situação, o
empreendedor decide seguir em frente
com o seu projeto, entendo que a falta de
resposta é sintomática da falta de
orientações e indecisões do governo em
torno da recuperação e interpretando a
falta de resposta como uma aprovação
tácita do seu empreendimento.
Nesse sentido, medidas como balcões ou
janelas única de informação melhoram
consideravelmente a experiência dos
usuários dos diferentes serviços e
beneficiários dos programas de
recuperação, que por vezes têm de
apresentar os seus dossiers de
documentação em repetidas ocasiões nos
diferentes balcões de cada instituição ou
agência.
Lições aprendidas
Pilar 2: Lição Aprendida 1: A montagem de sistemas de gestão de reclamações e sugestões
melhora a transparência, satisfação dos beneficiários e reforça a participação
Que aprendemos: as pessoas afetadas pelos desastres e beneficiados no âmbito dos programas de
recuperação têm compreensões diversas sobre os seus direitos e deveres e, por isso, podem fazer
avaliações díspares sobre as intervenções e mesmo sobre os benefícios que recebem. Os seus interesses
e opiniões como implementar a recuperação e como gerir os programas são heterogéneos e podem não
coincidir com o que as autoridades pensam. Por esses motivos, é preciso que existam mecanismos de
comunicação a partir dos quais as pessoas manifestam as suas preocupações e opiniões, e solicitam e
recebem respostas sobre as suas reclamações ou consultas.
Que implica: assegurar que os mecanismos de receção das solicitações existem, mas também que
atendem às solicitações e que existem os mecanismos para receber, analisar e sobretudo dar resposta às
mesmas, executando as correções e reparações necessárias às quais as decisões possam dar lugar.
Recomendações:
▪ Assegurar que o desenho dos sistemas de gestão inclui estas ferramentas de
reclamações e reparações.
▪ Considerar estes mecanismos no planeamento de programas e desenho de estratégias
de planeamento participativo.
▪ Assegurar que os critérios são claramente estabelecidos e que as capacidades de
comunicação com os beneficiários são desenvolvidas ao nível dos responsáveis de
gestão dos programas e das pessoas que asseguram o interface direto com o público.
▪ Assegurar a integração com os sistemas de seguimento e avaliação dos diferentes
projetos e programas com vista a que as correções informem as adaptações necessárias
nas lógicas de intervenção ou bem nos mecanismos específicos de execução de uma
atividade, serviço ou projeto.
Pilar 2: Lição Aprendida 2: A responsabilidade do Estado e os seus limites precisam ser
detalhados nas políticas e legislação concernentes à recuperação pós-desastre
Que aprendemos: a falta de desenvolvimento na legislação e nas políticas nacionais sobre a
responsabilidade do Estado alimenta expetativas sobre compensações aos particulares e apoios ao setor
privado que o Estado poderá conceder no pós-desastre. Assim mesmo, esta falta de critérios sobre que
responsabilidades o Estado assume e quais recaem sobre os cidadãos e o setor privado, desincentiva o
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
investimento privado em medidas de autoproteção e gestão de riscos. A falta de transparência sobre os
critérios que justificam o apoio à reconstrução de determinados investimentos privados pode criar
precedentes com implicações financeiras e políticas difíceis de assumir para os governos. Assim mesmo,
expetativas e precedentes podem incentivar comportamentos oportunistas da parte de operadores
privados e dos próprios afetados.
Que implica: a delimitação da responsabilidade pública e clarificação dos motivos e critérios de subsídio
público na reconstrução do setor privado implicam a análise das bases legais, socio-económicas e morais
que sustentam a responsabilidade pública na recuperação pós-desastre. Esta limitação e clarificação -
para ser efetiva - requer também um trabalho de socialização e de educação cívica. Em relação ao setor
privado, o governo deve assumir a responsabilidade de ajudar na identificação dos riscos aos que está
sujeito, assim como apoiar aos privados na identificação e adoção de medidas de autoproteção que
reduzam as suas vulnerabilidades e ajudem a prepararem-se para poder retomar as suas atividades e
reforçar a sua resiliência após um evento de desastre de qualquer envergadura.
Recomendações:
▪ No quadro da preparação da estratégia nacional de proteção financeira contra os riscos de
desastres, avaliar o funcionamento atual do mercado de seguros no país, identificar a oferta e
cobertura existente em termos de seguros catastróficos e promover, junto das instâncias
reguladoras do sistema - em especial o Banco Central – e as instituições setoriais o
desenvolvimento de seguros paramétricos, por exemplo seguros indexados a parâmetros
climáticos que cubram riscos de desastres (seguros indexados em base a fatores climáticos para
o setor de agricultura, etc.).
▪ Promover esquemas grupais (abordagem de negociação grupada para todo o Estado) de apólices
de seguros para bens públicos (edifícios, infraestruturas, instalações governamentais, etc.).
▪ Sensibilizar o setor privado sobre a necessidade de participar na redução de riscos de desastres
e assumir responsabilidades na sua própria estratégia de preparação.
▪ Apoiar as associações de profissionais do setor e as agências reguladoras na elaboração e
supervisão (com base em critérios pré-definidos) de planos de continuidade de negócios e de
serviços.
▪ Promover o estudo desde as ciências políticas e jurídicas, da questão da responsabilidade do
Estado em relação às bases jurídicas da República e jurisprudência e identificar onde é necessário
desenvolvimento jurídico (de detalhe, de desenvolvimento de raiz, de correção para assegurar a
coerência, etc.).
Orientações baseadas na revisão das melhores práticas internacionais
A revisão de estudos de caso, melhores práticas e orientações internacionais apontam a que o governo
está claramente obrigado à reconstrução de bens públicos não assegurados ou insuficientemente
cobertos. Para além desta obrigação que parece clara e evidente, as responsabilidades do Estado
frequentemente não estão muito claras. No seguinte quadro, resumem-se algumas orientações
internacionais que poderão guiar a delimitação das obrigações do Estado (liabilities).
No quadro em baixo, organizada em quatro quadrantes, podemos ver no quadrante A, o detalhe daquelas
obrigações públicas na fase de recuperação em relação a bens com fim social. A listagem de equipamentos
e bens no quadrante A constitui aquela que menos dúvida coloca. No quadrante D, obrigações privadas
com a reconstrução de bens com fim privado, refletem-se o tipo de intervenções de reconstrução mas
que em princípio, o setor privado deveria assumir a responsabilidade. No tocante a habitação, isto é
especialmente aplicável a habitações de agregados familiares com renda média ou elevada. Os
quadrantes B e C abrangem aquele tipo de intervenções de recuperação cuja responsabilidade resulta
mais subjetiva e precisa de uma decisão política complexa, às vezes mesmo aplicada caso a caso. Os
governos habitualmente têm financiado a recuperação de pequenas e médias empresas e explorações
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
agropecuárias de pequenos proprietários. Os efeitos sociais e económicos negativos de não o fazer criam
uma obrigação moral, frequentemente suportada pela pressão política. Embora o governo assuma esta
responsabilidade em determinados processos de recuperação, deverá considerar que as suas
responsabilidades, e os encargos associados com a reconstrução e recuperação continuarão a crescer na
base dos precedentes, até ao momento em que o governo não dê sinais claros aos proprietários privados
sobre as responsabilidades públicas do Estado na reconstrução, em especial num contexto em que as
famílias não têm ao seu alcance outras estratégias de gestão de riscos.
Figura
4:
Responsabilidades do Estado em relação à recuperação do setor público e privado
Fonte: ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.
No desenvolvimento da sua política de recuperação, o governo deve decidir que obrigações está disposto
a assumir. Assim, deve considerar que todas as suas decisões criam precedentes para futuros programas
de recuperação e arriscam criar um “ perigo moral”. Mesmo quando o Estado agir como “assegurador de
último recurso” dos bens privados, o governo deverá procurar formas de reduzir as suas obrigações
privadas, por exemplo, apoiando apenas a reconstrução de habitações com standards reforçados de
segurança, ou subsidiando apenas os agricultores que aceitem subscrever apólices de seguros contra
riscos futuros12.
Pilar 2: Lição Aprendida 1: Na falta de orientações chave nas políticas e legislação as decisões
ad-hoc relativas aos processos de recuperação tornam-se morosas e contestáveis.
Que aprendemos: a imagem do que ocorre em relação aos arranjos institucionais e mecanismos
de coordenação, a falta de orientações concretas nas políticas gerais ou setoriais que norteiem
as decisões relativas ao processo de recuperação, a gestão do mesmo torna-se mais morosa e
12 ASEAN Disaster Recovery Reference Guide.
Fim social Fim privado
Obrigações ( liability) Responsabilidades públicas
▪ Infrastruturas públicas ▪ Edificos públicos ▪ Escolas e hospitais
públicos
▪ Habitações de famílias não asseguradas e em situação de pobreza/ baixo nível de renda
▪ Programas de proteção social ▪ Restauração dos sistemas de produção agrícola e
pecuária de pequenos proprietários ▪ Pequenas e médias empresas que asseguram
meios de vida ▪ Bens e equipamentos domésticos ▪ Equipamentos de pequena produção artesanal
Obrigação Responsabilidade Privada
▪ Escolas e hospitais privados
▪ Infraestrutura construída pelos privados
▪ Habitações ▪ Edifícios comerciais ▪ Operações industriais
A
C
B D
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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
corre o risco de estar desarticulada de objetivos a largo prazo, ou mesmo, entrar em contradição
com princípios do setor público, como o da equidade.
Que implica: a necessidade de rever, a partir das propostas de um quadro geral de recuperação,
os diferentes aspetos setoriais cujas orientações políticas precisam ser desenvolvidas para
orientar a tomada de decisão na fase de recuperação pós-desastre. Isto concerne em especial
ao uso e propriedade da terra, habitação e reassentamento, promoção económica, atividade
empresarial, crédito, etc.
Recomendações: ▪ Analisar no quadro das políticas e legislação sobre solos, expropriação, propriedade da terra,
cadastro como melhor regular o uso e propriedade da terra em caso de desastres e em situações
de risco eminente, que possam justificar a aplicação de determinadas restrições e/ou a
deslocação voluntária ou forçada de determinadas populações.
▪ Assegurar nas políticas de realojamento/reassentamento pós-desastres a adoção de um enfoque
integrado de habitat que considere, não só as necessidades de habitação dos realojados, mas
também as atividades económicas, sociais e culturais e as necessidades a elas associadas.
▪ Promover a consideração das políticas de apoio ao empreendimento privado e formalização do
setor informal dodesenho de mecanismos de transferência de riscos (seguros) em paralelo com
as medidas de acesso ao crédito.
▪ Assegurar que as políticas de gestão de dados no setor público, assim como no setor privado,
incluem provisões em relação à custódia, gestão, redundância, arquivo, proteção e recuperação
de dados em caso de desastre, em especial em relação a documentos essenciais (registos de
propriedade, registo civil, etc.).
▪ Analisar como as políticas de emprego e proteção social poderão melhor responder às
necessidades sociais e económicas de recuperação. Especial atenção deverá ser dada aos casos
de perda de emprego por causa de destruição dos meios de vida e/ou interrupção da atividade
económica no caso de um evento de desastre.
▪ Avaliar nos programas de reconstrução as opções de promoção do emprego, esquemas de
dinheiro-por-trabalho para assistir as pessoas atingidas pela destruição do emprego, mas
também para promover a participação da comunidade local na implementação das iniciativas de
reconstrução.
▪ Assegurar que se realiza uma avaliação do impacto socio-económico, com especial atenção aos
resultados na equidade, redução de desigualdades e igualdade de oportunidades dos programas
de recuperação. Por muito emblemáticas que determinadas intervenções resultem, para além
de avaliar o seu impacto ambiental, deve propor-se uma avaliação do impacto que irão ter no
desenvolvimento humano da comunidade e em especial na equidade, distribuição social de
riqueza e poder e igualdade de oportunidades para todos.
Pilar 2: Lição Aprendida 3: a falta de decisão também cria responsabilidades
públicas.
As medidas adotadas no sentido de compensação estabelecem precedentes que serão
lembrados pela opinião pública e são suscetíveis de ser reclamados no futuro por outros
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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
afetados ou grupos de interesse. Nesse sentido, o Estado deveria assegurar que as decisões
adotadas no quadro da recuperação são cautelosas em relação aos precedentes que podem
criar e deverão tentar limitar as futuras obrigações do Estado.
Que aprendemos: na ausência de provisões legais, a falta de resposta, falta de decisão e inação
podem ser interpretados como uma aceitação tácita de determinadas ações por parte dos
particulares, o que pode suscitar um certo tipo de direitos “ adquiridos” nos privados e
engendrar responsabilidades no setor público.
Que implica: as políticas de recuperação devem clarificar quem deve tomar determinado tipo
de decisões, quais os direitos e deveres dos cidadãos e dos poderes públicos e quais serão as
interpretações legítimas nos casos de silêncio administrativo.
Que recomendações:
▪ Reforçar o nível de preparação de todos os níveis de governo e administração em
relação à gestão da recuperação, com vista a que o processo seja mais ágil e se evitem
vazios na decisão ou lapsos na execução efetiva das políticas e medidas decididas.
▪ Assegurar que os setores analisam com antecedência, na sequência da aprovação do
Quadro de Recuperação, as principais questões que se colocam para a decisão nos
processos de recuperação e identifiquem ex-ante critérios para orientar as decisões.
▪ Assegurar o desenvolvimento dos instrumentos (regulamentos, ordenanças,
orientações administrativas) necessárias para que as legislações aprovadas se traduzam
em orientações efetivas para os serviços de administração que asseguram a interface
com os cidadãos.
2.3.3. Avaliação das necessidades pós-desastre
Avaliação das necessidades pós-desastre em Fogo No caso da erupção vulcânica de 2014-2015 em Fogo, realizou-se uma avaliação de necessidades pós-desastre, com recurso a metodologia do PDNA (post-disaster need assessment). De uma forma geral, os parceiros consultados conhecem o processo e o relatório, e reconhecem o valor da avaliação dos efeitos e das necessidades de recuperação. Da análise realizada não se colocam em questão nem as metodologias nem a credibilidade dos resultados. Não obstante, vários atores refletem sobre a necessidade de traduzir a avaliação das necessidades de recuperação e as propostas de intervenção refletidas no PDNA em algo concreto. Os entrevistados lamentam que o PDNA não tinha servido até à data para a elaboração de um plano de ação de recuperação com ações mais concretas nos diferentes horizontes temporais e com critérios explícitos para a priorização das mesmas. Neste sentido,
parece que se bem a mais-valia da metodologia de avaliação dos efeitos e necessidades é reconhecida, o valor do PNDA como instrumento de mobilização de recursos tem ainda que ser demonstrado. A realização dum PDNA foi impulsado pelas agências das Nações Unidas e os parceiros (Banco Mundial e União Europeia), não obstante, parece ter havido uma apropriação forte dos resultados do mesmo e pelo menos um interesse e apreciação da metodologia. Em relação ao processo, embora a avaliação tenha sido realizada por uma vasta equipa de técnicos nacionais que apoiaram os especialistas internacionais na sequência duma capacitação, a finalização do documento foi liderada pela equipa internacional que solicitava as contribuições, dados e revisões - quando julgava necessário - aos técnicos nacionais e se ocupava
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
da redação final do relatório, cuja versão original foi em inglês. No caso das cheias de São Miguel, o governo criou uma comissão interministerial, cuja missão principal foi a de avaliar os danos causados pelas cheias e a identificação das medidas de recuperação. Embora o trabalho conjunto intersetorial realizado por esta comissão tenham permitido evitar duplicações e assegurar uma avaliação integrada dos danos físicos a sistemas de infraestruturas e os serviços aos quais dão apoio, a equipa formada não dispunha de ferramentas específicas de avaliação pós-desastre e a sua análise limita-se à identificação dos danos físicos sem consideração dos custos económicos da interrupção de serviços e atividades económicas (produção, transporte, comércio, etc.) ou ainda
os custos adicionais de produção de bens e serviços através de mecanismos alternativos (por exemplo, assegurar a distribuição de água a partir de autotanques devido à destruição dos sistemas de adução de água). No caso deste desastre acontecido em Setembro 2013, as instituições públicas apenas avaliam os danos a partir do cálculo dos custos de reconstrução e reabilitação de sistemas danificados ou destruídos, mas não consideraram as perdas associadas nem analisaram o impacto do desastres nos sistemas de governação, economia e desenvolvimento humano local.
Constatações (findings) da análise
▪ Reconhecimento do valor da metodologia de PDNA mas limitada utilização da avaliação
para a planificação da recuperação
Da experiência dos técnicos das instituições consultadas que já participaram em outros processos de avaliação pós-desastre, anteriores ou posteriores à erupção de Fogo, a mais-valia da utilização de metodologia de PDNA tem a ver com: i) o seu reconhecimento pelas organizações internacionais e parceiros, e credibilidade que a sua utilização aporta às avaliações; ii) a agregação de todos os dados setoriais e a integração de assuntos transversais. Em relação a esta agregação, os técnicos do Ministério das Infraestruturas apontam ao facto que nas avaliações em que têm participado anteriormente, cada setor e/ou cada instituição realiza as suas avaliações separadamente e sem cruzamento posterior dos resultados e propostas de reconstrução. Cada instituição,
mesmo dentro do mesmo setor, recorre as suas próprias orientações e metodologias para avaliar o valor do bem danificado ou bem o orçamento necessário para reconstruir ou para reestabelecer o funcionamento de uma infraestrutura ou equipamento ao nível do pré-desastre. Neste sentido, os técnicos envolvidos nessas avaliações reconhecem uma falta de atenção para a questão de avaliação das perdas (entendidas como os fluxos económicos não usufruídos ou custos adicionais incorridos por prestar serviços e bens de substituição), assim como a existência de duplicações na avaliação dos custos de reconstrução ligadas a falta de cruzamento das avaliações sectoriais ou mesmo uma partilha dos resultados e metodologias entre os diferentes setores.
▪ Fraca apropriação das metodologias do PDNA ( post-disaster need assessment).
Apesar de não estarem abrangidos no âmbito deste estudo, nesta secção queremos considerar também alguns eventos de desastres ocorridos posteriormente à erupção de Fogo, em especial as cheias que assolaram a ilha de Santo Antão no mês de Setembro de 2016. Do processo de avaliação dos efeitos do desastres e das necessidades de recuperação, destaca-se a não utilização das metodologias de avaliação de necessidades pós-desastre (PDNA)
para cuja aplicação numerosos técnicos de diversas instituições públicas tinham sidos capacitados em 2015. Conforme as fontes consultadas, e pese a abertura e disponibilidade de alguns parceiros como o Banco Mundial e PNUD para apoiar o processo de avaliação das necessidades pós-desastres, as instituições públicas recorreram às suas ferramentas tradicionais de avaliação de estragos e identificação de projetos de reconstrução, reabilitação e recuperação. Estes
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mecanismos tradicionais apresentam determinadas vantagens e desvantagens em relação à metodologia do PDNA. Em relação às suas vantagens, de referir que se baseiam nas ferramentas de projeção de obras clássicas dos ministérios de agricultura e infraestruturas e pelo tanto, apresentam a vantagem da familiaridade, simplicidade e prática adquirida pelos técnicos destes serviços. Nessa mesma linha, as vantagens têm a ver com o nível de exigência de informações de base e o esforço de cálculo, que são consideravelmente menores do que aqueles exigidos para um PDNA completo. No lado das desvantagens, aponta-se por um lado a falta de cruzamento de dados de avaliação de necessidades entre os setores. Assim, responsáveis do Ministério das Infraestruturas reconhecem que em certos momentos têm identificado duplicações na contabilização de projetos de reconstrução (por exemplo, em relação às intervenções de correção torrencial, como diques e outras obras que foram identificadas como necessidades e projetadas como medidas de recuperação, tanto pelos técnicos de infraestruturas e estradas, como por aqueles de agricultura e engenharia rural) que se devem à fraca interação entre os setores para confirmar a abrangência das medidas consideradas por cada setor e confirmar que os requisitos, em termos de execução de pré-ações ou de intervenções complementárias são garantidos. Outras vantagens da metodologia do PDNA referem-se à integração das informações sobre as perdas associadas com o desastre. Apesar dos esforços realizados na capacitação de técnicos nacionais das diferentes instituições públicas normalmente envolvidas nos processos de recuperação, a fraca consideração para a questão das perdas nas avaliações pós-desastre conduzidas demonstra uma compreensão ainda limitada do conceito de perdas (diretas e indiretas) assim como dos métodos para o seu cálculo. A principal preocupação com o recurso a metodologias setoriais clássicas para a avaliação das necessidades de recuperação tem a ver com a
limitada consideração que estes permitem para a avaliação dos fatores de vulnerabilidade e exposição e a integração de medidas de redução de risco nas propostas de recuperação. Na nossa análise, a falta de apropriação das metodologias do PDNA em eventos de desastres pós-erupção de Fogo, explica-se de acordo com vários fatores: i) a fraca sensibilização dos decisores e responsáveis das instituições. Embora o nível técnico tenha participado nas formações, os responsáveis das instituições não se apropriam das metodologias, e quando o fazem tendem a considerar a mesma como um processo exigente, pesado e moroso que exige a mobilização de parcerias e recursos externos para poder ser iniciado, assim mesmo, no contexto de uma mudança governamental, muitos decisores na administração central tinham sido substituídos no momento em que aconteceram as cheias de Santo Antão e os novos responsáveis tendem a associar a metodologia PDNA como um “esforço extraordinário” da comunidade internacional para o caso do Fogo ; ii) o nível de capacitação técnica conseguida a partir das formações e ateliers organizados foi limitado. Os próprios técnicos reconhecem que a participação num worskhop e formação de curta duração não os faz sentir preparados para aplicar esta metodologia. Isto é especialmente certo para o caso dos técnicos que não participaram na avaliação pós-erupção do Fogo e que só entram em contacto com as metodologias a partir das formações organizadas pelo projeto; iii) a não utilização da metodologia em eventos posteriores em função do nível de exigência em dados e recursos técnicos do mesmo. Assim, parece que o esforço requerido apenas compensa no caso de grandes eventos de desastre e isto aponta para a necessidade de continuar a trabalhar na adaptação das metodologias e no detalhe das ferramentas, para as tornar mais operacionais para todo o tipo de desastres, independentemente da sua magnitude.
▪ Dificuldades na tradução do objetivo de reduzir os riscos de desastres e o princípio de “
reconstruir melhor” no planeamento efetivo da recuperação.
Em relação ao processo de avaliação das necessidades de recuperação referiu-se como constrangimento a integração da redução de riscos de desastres. Todos os atores concordam
com a necessidade de reforçar a resiliência e reconstruir melhor, no entanto o problema reside em saber como atingir este objetivo. Em alguns setores, esta dificuldade está associada
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a um conhecimento parcial dos fatores subjacentes de risco. Noutros casos, o desafio reside em identificar que medidas concretas reduzem a vulnerabilidade e quantificar esta redução para uma análise económica do custo-benefício das diferentes alternativas de intervenção. Noutros setores o problema reside em como integrar no desenho de novas Infraestruturas ou no planeamento da reabilitação de um sistema/setor determinado o reforço da resiliência. Estas dificuldades parecem estar associadas à dificuldade em conceptualizar a resiliência e sobretudo em medi-lá. Semanticamente, as definições de resiliência, em especial as emprestadas da engenheira ou das ciências naturais, parecem claras. Não obstante, quando este conceito se
aplica a sociedades e subsistemas sociais, a setores económicos e a sistemas complexos, a operacionalização do conceito torna-se mais complicada. Ao mesmo tempo, a ausência de avaliações de vulnerabilidade setoriais e a dificuldade metodológica em construir cenários e utilizá-los para avaliar como poderão resultar afetados determinados sistemas ou estruturas, complica a identificação das medidas que permitem limitar a exposição e reduzir a vulnerabilidade perante os riscos de desastres.
▪ Limitados argumentos para justificar os ganhos de eficiência da integração de medidas de
redução de risco que impliquem custos adicionais no desenho das infraestruturas ou
projetos.
Responsáveis entrevistados reconhecem o valor desse tipo de investimentos mas receiam a abertura dos financiadores, tanto privados como especialmente públicos (bancos de desenvolvimento e o próprio Estado) em aceitar e assumir os custos adicionais das medidas que reduzem a vulnerabilidade ou limitam a exposição das infraestruturas. Este receio parece apontar a uma certa dificuldade interna em apresentar argumentos técnicos e económicos sobre a pertinência destes investimentos. Por outro lado, pode ler-se também uma certa incongruência nas ações e decisões dos parceiros de desenvolvimento e doadores. Em determinados casos, em especial no que concerne aos bancos de desenvolvimento, por vezes aos responsáveis de programa encarregues das áreas de financiamento de infraestruturas são pouco sensíveis ou mesmo desconhecem todo o trabalho, literatura programática e conhecimento técnico produzido pelos colegas de departamentos da mesma instituição e que advogam pela redução de riscos de desastres e sua integração transversal em todos os setores do desenvolvimento nacional. Demonstrar os ganhos de eficiência, com recurso a metodologias quantitativas que permitam demonstrar em termos económicos os benefícios futuros (em termos de poupanças
em reconstrução e reabilitação) exige uma capacidade de identificar cenários de desastre plausíveis e suficientemente detalhados. Quantificar os ganhos de eficiência, em especial o que um governo poderá poupar em termos de investimentos na reconstrução mas também os benefícios sociais de uma maior proteção perante os riscos de desastre, requer capacidades técnicas para modelar como os cenários de desastres impactam a cada setor, exige dispor de ferramentas para avaliar o comportamento dos sistemas, infraestruturas, instalações críticas e edificado perante determinados perigos e, portanto, sua vulnerabilidade. Requer também a existência de avaliações e mapeamentos sistemáticos de perigos que permitam identificar os riscos a avaliar, conhecer e avaliar a exposição específica no local e decidir sobre que medidas diminuem a vulnerabilidade de cada sistema. Quantificar os custos adicionais de determinadas medidas, geralmente é uma tarefa relativamente simples para projetistas e especialistas de cada setor, não obstante, calcular os benefícios que poderá trazer e medi-los de forma a integrar um modelo de cálculo do custo-benefício requer competências e conhecimentos adicionais que nem sempre estão disponíveis nos departamentos responsáveis pela planificação das obras públicas.
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▪ Dificuldade em efetivar o princípio de “reconstruir melhor”
Um outro problema apontado por alguns atores em relação à integração do princípio de reconstruir melhor, tem a ver com a sensibilidade e abertura (pelo menos a perceção da mesma) dos doadores em relação aos custos adicionais que uma reconstrução guiada por standards mais exigentes de redução de risco pode acarretar. Neste sentido, seria interessante analisar mais a detalhe esta questão, para entender se realmente esta falta de abertura dos doadores é real ou percebida; se existem dificuldades em argumentar os custos adicionais e demonstrar
os retornos, em termos de benefícios de resiliência. De um outro lado, parece importante também entender se na realidade a integração de redução de risco sempre requer investimentos adicionais ou às vezes implica apenas a mudança (e para isso a consciencialização e vontade de inovar) de determinados processos de diagnose, análise, decisão ou execução. Salienta-se de toda a análise as lacunas no conhecimento aprofundado do perfil de risco do território e a existência muito restrita de avaliações de vulnerabilidade setoriais.
▪ A avaliação das necessidades pós-desastre não resultou na preparação de uma estratégia
e plano de recuperação
Da análise realizada a partir de entrevistas com diferentes parceiros destaca-se a frustração pelo facto do esforço investido na avaliação de necessidades pós-desastre no caso de Fogo, não ter resultado na preparação de uma estratégia e plano específico de recuperação. Embora os diferentes governos tenham anunciado medidas e programas específicos de recuperação, em especial nos setores de habitação, agricultura e transformação agropecuária e infraestruturas, nunca se chegou a apresentar uma estratégia integrada e plano de ação coerente para abordar todos os aspetos de recuperação, tanto dos meios de vida e atividades económicas como das infraestruturas, habitações e serviços básicos. A dificuldade de integração multisetorial das propostas de recuperação é referida por setores como a saúde e educação ou ainda ambiente que reclamam de uma fraca consideração da sua expertise no desenho de programas específicos de recuperação, em especial em relação às políticas de reassentamento. Ao mesmo tempo, nos últimos meses, percebe-se, pelo menos no discurso político e cobertura mediática, uma certa “externalização” da planificação do processo de recuperação. O lançamento do novo programa MAC-Interreg 2014-2013 marca uma nova aproximação da cooperação canarina com Cabo Verde. No quadro desta cooperação canarias oferece apoio ao governo na avaliação e desenho dos
13 programa de cooperação territorial transfronteiriça das regiões ultraperiféricas da União Europeia MAC – Interreg 2014-2020, em
programas de recuperação, em setores como o turismo ou vinicultura. Embora esta assistência técnica pareça muito pertinente - considerando a similitude física e ambiental entre os dois arquipélagos – e pode resultar em intercâmbios muito prolíficos e inspiradores para o processo de recuperação, o governo deve continuar a assumir a necessidade de estabelecer as suas próprias metas e objetivos para a recuperação. Assim, o governo de Cabo Verde deve ainda liderar a planificação das ações, priorizando os investimentos e articulando as parcerias externas para que apoiem na consecução destes objetivos. Nessa mesma linha, as instituições públicas devem assumir a participação e engajamento público na planificação e gestão da recuperação como uma responsabilidade intransferível. A execução dos programas e medidas de recuperação decididas pode sempre ser confiada a terceiros (setor privado, ONGs, setor associativo, grupos comunitários, etc.) a partir de mecanismos múltiplos (convenções, protocolos, contratos, contratos-programa, etc.) mas a responsabilidade pelo engajamento público na tomada de decisões e a prestação de contas pelos resultados e impacto da recuperação continua sempre com o Estado. Ainda nesta linha, e antes da conclusão deste estudo, foi apresentado pelo Governo uma nova proposta de plano de ordenamento de território para Chã-das-Caldeiras que tem sido elaborado com a assistência técnica de uma empresa
concreto no caso do MAC (Madeira-Açores e Canarias) com os países na sua vizinhança
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
canarina (GesPlan). Embora ainda na fase de conclusão, o plano, na sua vertente de zoneamento e regulação do uso da terra, poderá aportar algumas luzes em relação às opções de recuperação (nomeadamente o tipo de uso da terra autorizado e a reocupação desejável na Caldeira). Não obstante, um plano de uso do solo não deveria substituir uma estratégia
integrada e plano de recuperação. Embora o planeamento do uso do território resulte essencial para o planeamento da reconstrução tanto física como económica e social, deve pensar-se que o território, embora chave, não é único fator condicionante nas opções de reconstrução.
▪ Alinhamento parcial das medidas de recuperação com os objetivos de desenvolvimento a
longo prazo
A questão do alinhamento dos programas de recuperação com os objetivos de desenvolvimento sustentável a longo prazo remete-nos para a questão da liderança na planificação e gestão dos processos de recuperação. Na fase em que se conduziu a segunda ronda de entrevistas no Fogo (Novembro-Dezembro 2016), salienta.se das entrevistas uma expetativa forte sobre a colaboração com instituições Canarias, através de projetos, assistências técnicas e iniciativas de cooperação descentralizada (com instituições públicas mas também com o setor empresarial) para a definição e implementação de medidas estratégicas sobre a reabilitação e revitalização económica. Em especial, existem referências concretas a propostas nas áreas de ordenamento do território, promoção e desenvolvimento turístico, desenvolvimento do setor vitícola e gestão dos riscos de desastres. Inquestionavelmente, existe um benefício e interesse na mobilização deste tipo de parcerias, tanto em termos de mobilização de recursos para execução, como assistências técnicas para a planificação e implementação, não obstante parecer existir uma certa esperança em que estes parceiros venham resolver a intrincada situação, propondo que decisões e posições as instituições nacionais deveriam tomar. Com vista a assegurar a sustentabilidade do processo, a apropriação e liderança da sua planificação e gestão resultam essenciais. As assistências técnicas, aconselhamentos especializados e parcerias devem ser procuradas e encorajadas, mas não devem implicar uma “abdicação” da liderança nacional do processo. A gestão da recuperação requer decisões críticas que só podem ser tomadas pelas instituições públicas nacionais e locais, como representantes eleitos do povo e responsáveis pela gestão pública. Do mesmo modo, resultaria difícil assegurar o alinhamento dos programas de recuperação com as
estratégias e programas de longo prazo sem que a liderança na planificação dos mesmos seja assumida pelas instituições nacionais. Os parceiros externos não determinam, e às vezes não conhecem, as prioridades de desenvolvimento a longo prazo, por isso dificilmente conseguem entender como as propostas de recuperação se enquadram nessas estratégias de longo prazo e contribuem para o desenvolvimento sustentável. Este é um papel reservado em exclusivo às instituições do Estado, que devem velar para que os programas de recuperação se alinhem com as políticas e planos estratégicos de desenvolvimento a longo prazo. As ações de recuperação podem ser apoiadas por agências externas, mas o planeamento, liderança e gestão das mesmas deve ser a responsabilidade do governo. Embora seja compreensível a impressão de que determinadas decisões – devido à sua complexidade técnica ou política -ultrapassam a capacidade e experiência dos responsáveis públicos, as opções e decisões estratégicas não podem ser externalizadas. Em certa medida, a magnitude da erupção de Fogo e as suas implicações em relação à gestão da recuperação saem fora do âmbito do “conhecido” para as instituições públicas cabo-verdianas e requerem um processo de aprendizagem institucional. Neste contexto, parece normal que as instituições se sintam desprovidas de orientações (por não terem sido confrontadas antes com este tipo de situações e decisões) e por isso resulta ainda mais relevante documentar o processo de tomada de decisões, incluindo os pressupostos considerados, as análises realizadas (diagnóstico e análises prospetivas), as alternativas consideradas e as informações técnicas utilizadas. Ao mesmo tempo, a aprendizagem institucional será facilitada pela prática regular de avaliações de resultados e impacto sobre os diferentes programas de recuperação.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
▪ Acessibilidade limitada as informações e nível de desagregação e formato de
disponibilização dos dados que dificultam a determinação da linha de base para as
avaliações
Durante o processo de avaliação das necessidades pós-desastre registaram-se consideráveis entraves no acesso aos dados. Em muitas ocasiões sabe-se da existência de dados mas desconhece-se a que nível estes dados estão disponíveis e quais os mecanismos para seu acesso e consulta. Estas dificuldades em relação à acessibilidade aos dados verificam-se mesmo ao nível interno de cada instituição. É caricatural uma situação em que um técnico de uma determinada agência ou departamento não tem acesso a informações produzidas pela sua instituição que são guardadas por colegas ou superiores como se de um património pessoal se tratasse. A intervenção de superiores hierárquicos e decisores de alto nível tem sido necessária em muitas ocasiões para assegurar o acesso a informações que, em princípio, não são nem confidenciais nem de circulação restrita. Por outro lado, constata-se uma certa fragilidade
dos serviços e lacunas nas capacidades estatísticas setoriais tanto na recolha dos dados como na própria análise e produção de informações úteis e utilizáveis para o próprio setor e/ou para seus parceiros. Em muitas ocasiões as informações são recolhidas e/ou agregadas na fase de análise a um nível não relevante para as avaliações de risco, assim como para as avaliações pós-desastre. Por outro lado, deparamo-nos com uma recorrente duplicação de esforços na recolha de informações tanto para a identificação de projetos como para seu próprio seguimento. A desarticulação destes esforços com os sistemas nacionais de estatísticas resulta numa utilização ineficiente dos recursos para o seguimento e avaliação, e a criação de sistemas paralelos cuja utilidade se limita à duração de um programa/projeto e cujas propostas, inovações e constatações se esquecem ou ignoram com o fim do financiamento externo.
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Quadro 5: metodologia de PDNA O PDNA é uma metodologia para a avaliação conjunta e planeamento de recuperação que procura avaliar o impacto de desastres e definir uma estratégia para a recuperação, incluindo a estimativa dos recursos financeiros necessários. A avaliação estima os efeitos de desastres, reunindo informações sobre os danos físicos da catástrofe e sobre os seus aspetos socioeconómicos (perdas económicas, mudanças na prestação de serviços e na governação causados pela catástrofe, e o aumento de riscos e vulnerabilidades) e, nessa base, avalia o impacto global que os desastres têm no contexto de desenvolvimento macroeconómico e humano de um país. Com base nessas informações, o PDNA determina as necessidades e prioridades de recuperação produzidas e concebe um relatório consolidado que se presta a uma estratégia de recuperação resiliente.
Quadro 4: As dificuldades em estabelecer uma linha de base em relação às atividades rurais
Na área de Agricultura, pecuária e transformação, o departamento responsável pela área de desenvolvimento rural refere que na altura da erupção não contavam com informações precisas sobre área cultiva por tipo de cultura. Outras lacunas nos dados de base têm a ver com a produção/ produtividade média e nível de renda atingido em condições pré-desastre pelos agricultores e criadores de gado. Algumas destas limitações nos dados (inexistência ou caráter obsoleto) comprometem a precisão da avaliação dos danos e perdas, em especial nas situações de (inter-cropping) conjugação de culturas. Embora o governo se tenha engajado num Recenseamento Geral de Agricultura (RGA) entre 2014 e 2015, na altura da preparação deste estudo, os dados ainda não tinham sido divulgados. De outro lado, não está claro ainda como estas informações serão geridas pelo Ministério responsável pela área e até que ponto o sistema de informação na qual serão administradas permite a referência cruzada com os sistemas de outras agências.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
O processo de PDNA é liderado pelo governo, apoio técnico e facilitação podem ser concedidos pela União Europeia (UE), Banco Mundial e pelo Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG), bem como outras partes interessadas, conforme determinado e solicitado pelo governo. O processo de avaliação pós-desastre conforme a metodologia de PDNA envolve a participação da população afetada, das autoridades locais, das ONGs, dos doadores, da sociedade civil e do setor privado. Dada a ampla variedade de organizações, indivíduos e comunidades que precisam ser envolvidos, a cooperação e a coordenação são essenciais para se alcançar um PDNA participativo e abrangente.
Quadro 6: processo e timing do PDNA para a Erupção vulcânico do Fogo, Cabo Verde.
O governo de Cabo Verde solicitou a realização de uma ANPD e a assistência técnica das Nações Unidas, da União Europeia e do Banco Mundial no dia 1 de Março de 2015, através de uma carta oficial enviada pelo Gabinete do Primeiro-Ministro, por meio do Ministério das Relações Exteriores (MIREX / DNAPEC). Os termos de referência da ANPD e dos setores foram elaborados em consulta com o governo. O principal objetivo do PDNA foi fazer a avaliação das consequências da erupção vulcânica de 2014-2015 na comunidade afetada de Chã das Caldeiras, e incluindo considerações relativas a eventuais consequências secundárias para a Ilha do Fogo e para todo o país. Com base na avaliação, foram identificadas as necessidades de recuperação e as implicações financeiras conexas, e foi definida uma estratégia de recuperação. A elaboração e coordenação da avaliação da ANPD foram lideradas pelo Escritório Conjunto das Nações Unidas em Cabo Verde, em estreita coordenação com o cluster de mudanças climáticas e redução de riscos de desastres do Bureau de apoio a programas do PNUD UNDP Climate em Nova Iorque, e numa estreita colaboração com o Banco Mundial/GFDRR e a Delegação da UE em Cabo Verde. A avaliação foi precedida de uma formação de quatro dias (13-16 de Abril de 2015) para técnicos de todos os ministérios relevantes e as suas delegações a nível municipal ou da ilha do Fogo, que, em seguida, participaram na avaliação em si. Representantes dos municípios atingidos e alguns elementos de organizações da sociedade civil (incluindo a Cruz Vermelha) também participaram na formação. A recolha de dados foi realizada a partir de diferentes fontes e foram aplicados métodos em momentos diferentes e iniciou a 06-15 de Abril, quando especialistas da UN-Habitat, PNUD, UNICEF organizaram várias sessões técnicas de trabalho com a INGT e LEC. Esta fase inicial foi seguida da avaliação por setor, realizada no Fogo entre 16 e 18 de Abril. A avaliação, baseada nos dados primários, recolhidos através de visitas de campo à zona afetada, reuniões de grupos técnicos, e entrevistas com intervenientes relevantes (principalmente do governo, tanto a nível nacional como local) e secundários, disponíveis a partir de fontes governamentais nacionais e locais (relatórios setoriais, estatística, registos e documentos oficiais legalmente publicados no Boletim Oficial e diagnósticos e documentos programáticos). Foram também utilizadas avaliações setoriais específicas do setor humanitário às recomendações saídas do Fórum de Reconstrução para complementar a informação. Durante o processo, foram realizadas várias consultas com o governo e outras partes interessadas, com o objetivo de recolher dados e a sua validação. Diversas consultas foram realizadas com chefias do setor público, durante a formação e nas três reuniões com o Gabinete de Reconstrução. Os intervenientes do setor privado no Fogo também foram consultados através de conversas informais. Durante essas consultas, as conclusões preliminares da avaliação foram revistas num esforço conjunto e foram discutidos os princípios orientadores e as prioridades na definição da estratégia de recuperação. A sociedade civil participou neste processo de consulta através da integração dos resultados de dois levantamentos domiciliares realizados pelo INGT entre a população afetada. O Grupo de Apoio ao Orçamento também organizou um fórum no qual foram socializadas informações entre os parceiros sobre a PDNA.
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
O relatório foi finalizado com o governo de Cabo Verde, nomeadamente o Gabinete de Reconstrução e o Gabinete do Primeiro-Ministro, entre outros intervenientes-chave. O documento final foi apresentado em Setembro 2015 e socializado com parceiros numa conferência de doadores no mês de Outubro de 2015.
Lições aprendidas:
Pilar 3:L.A. 1: os programas de recuperação que visam “ repor as condições de partida” perdem
a oportunidade de reduzir os riscos que levaram a esse desastre
Que aprendemos: o risco de desastre não se resume na manifestação de um perigo. Mesmo que o perigo
exista, não acontecem desastres se não há nada exposto e vulnerável na sua zona de abrangência. Por
isso, os programas de recuperação devem tentar entender quais os fatores de risco, a saber, a exposição
e a vulnerabilidade que causaram esse desastre e tentar resolvê-los durante a fase de recuperação. Repor
as condições de partida pode levar a reproduzir o risco pré-existente, ou mesmo criar novos riscos.
Que implica: a necessidade de entender bem o risco existente no contexto pré-desastre, reavaliar os
cenários em função do realmente acontecido e identificar para cada um dos programas de recuperação
propostos o impacto que terá na redução do risco prévio e na gestão ou limitação de outro tipo de riscos
futuros.
Recomendações:
▪ Continuar a investir no conhecimento do risco, avaliando não só os perigos mas também
a exposição e vulnerabilidade, e reavaliando os cenários inicialmente utilizados após
cada evento.
▪ Institucionalizar as avaliações de risco de desastres, detalhando standards e orientações
metodológicas, os requisitos em relação à atualização, escala, formato de apresentação
de resultados e partilha das informações produzidas.
▪ Reforçar as capacidades de modelação de riscos com vista a identificar o impacto que
uma determinada intervenção (estrutural ou não estrutural) poderá ter na sua gestão.
Pilar 3: L.A. 2: as lacunas em informações de base dificultam uma avaliação pós-desastre
completa e exaustiva
Que aprendemos: para realizar uma avaliação dos danos, perdas e necessidades de recuperação é
imprescindível contar com informações de base com o nível de desagregação e consistência adequados
que sirvam de linha de referência.
Que implica: a necessidade de investir nas estatísticas setoriais e reforçar a capacidade dos setores de
capturar dados (e georreferenciar as suas informações e organizar os seus dados com apoio de sistemas
de gestão informação) e produzir indicadores e informações utilizáveis tanto nas avaliações de risco como
nas avaliações pós-desastre.
Recomendações:
▪ Sensibilizar os setores sobre a necessidade de produzir dados georreferenciados e desagregar as
informações, tanto ao nível territorial (ao nível de lugares, bairros e outros níveis para além do
município e ilha) como em relação a género, idade, etc. e publicá-los em formato acessível e
escala relevante.
▪ Identificar os constrangimentos, setor por setor, em relação às informações de base e informar
os órgãos de estatística com vista a corrigir falhas ou colmatar as lacunas existentes tanto através
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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
de ferramentas estatísticas correntes (censos, censo agricultura, inquéritos frequentes) como
através dos processos administrativos e/ou diagnósticos e projetos específicos.
▪ Promover a recolha de dados georreferenciada demonstrando o valor da espacialização dos
dados e as potencialidades de análise que isto abre.
▪ Reforçar as capacidades para a utilização de sistemas de informação geográfica ao nível setorial
com vista a agilizar processos de análise e permitir o cruzamento espacial das diferentes camadas
de informação.
▪ Promover a avaliação do património público e o recurso a sistemas de inventário no setor público
que permitam a atualização contínua com o registo das informações sobre gestão, intervenções
de reabilitação, manutenção, expansão ou remodelação e confirmem as metodologias utilizadas
para as avaliações de valor de imóveis, depreciação e amortização de bens e equipamentos, etc.
Pilar 3: L.A. 3: a ausência de metodologias integradas e abrangentes de avaliação pós-desastre
dificulta o planeamento da recuperação
Que aprendemos: na ausência de standards e orientações metodológicas para as avaliações pós-desastre
os setores aplicam os seus próprios métodos de avaliação de danos, projeção de obras e orçamentação
de atividades. Na maioria dos casos estes métodos setoriais de avaliação focam apenas na avaliação do
dano mas ignoram a avaliação das perdas14 – entendidas como as mudanças nos fluxos económicos que
resultam como consequência de um desastre, que por vezes podem representar valores económicos
muito superiores à quantificação do dano.
Que implica: a necessidade de estabelecer padrões para as avaliações pós-desastre e promover a
utilização de ferramentas que considerem também as perdas e permitam o cruzamento de dados entre
setores para chegar a uma compressão holística do desastre e avaliação precisa das necessidades de
recuperação. Na avaliação das necessidades de recuperação será preciso estimar e integrar os custos de
“reconstruir melhor”, reforçando a resiliência das infraestruturas e diminuindo a exposição de bens e
pessoas.
Recomendações:
▪ Continuar a capacitar os técnicos nacionais (nos diferentes setores) e locais na avaliação de
necessidades pós-desastres.
▪ Assegurar a sensibilização dos decisores sobre a importância das avaliações pós-desastre
sistemáticas e reforçar o seu conhecimento sobre todo o desenvolvimento metodológico e
parcerias de apoio em relação ao PDNA.
▪ Desenvolver ferramentas setoriais complementárias, detalhadas mas integradas e alinhadas
como o núcleo metodológico do PDNA para a avaliação de danos e também de perdas.
▪ Promover standards para a avaliação de danos e perdas, assim como de necessidades de
recuperação.
▪ Assegurar o cruzamento das informações setoriais e o seu registo organizado e sistemático.
▪ Garantir que a instituição responsável pela recuperação recebe e integra todas as informações
setoriais e trabalha com os setores para estabelecer critérios de priorização partilhados e
conhecidos de acordo com a visão e as metas de recuperação.
14 Estas mudanças nos fluxos económicos, podem advir de: benefícios perdidos ou menores das atividades
económicas (por exemplo, devido a cancelamento de voos e reservas nos hotéis da Boavista quando a queda da ponte em 2012, custos de operação mais elevados para fornecer água e luz aos deslocados de Fogo, ou despesas inesperadas, por exemplo a operação de centros de acolhimento, serviços especiais de atenção psicossocial, etc.)
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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Pilar 3: L.A. 4: a dispersão das informações em bases de dados setoriais inconexas dificulta o
processo de avaliação de necessidades pós-desastre
Que aprendemos: as informações sobre as populações afetadas, seus meios de vida, as infraestruturas e
serviços de uma comunidade, encontram-se comummente dispersos em bases de dados específicas a
programas e/ou setores. A identificação de todas as fontes, o acesso às mesmas, a sua consulta e esforços
de cruzamento supõem um investimento considerável em tempo e recursos humanos, dois elementos
que escasseiam na fase de recuperação.
Que implica: a necessidade de organizar bases de dados interoperáveis ou sistemas de informação
integrados que sirvam a múltiplas agências e programas. O desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento
destes sistemas permite evitar duplicações e melhorar a capacidade dos gestores de identificar os grupos
mais vulneráveis, direcionar as intervenções e propor a cada categoria de famílias afetadas o pacote de
assistência de recuperação mais relevante para a sua situação e necessidades.
Recomendações:
▪ Reforçar a interoperabilidade entre bases de dados de programas específicos e setores. Modelos
como o de cadastro único proposto para a proteção social devem ser melhor explorados e
replicados.
▪ Definir indicadores de vulnerabilidade social e económica perante riscos de desastres que
permitam classificar as populações em termos das suas capacidades de fazer face, limitar os
efeitos do desastre nos seus meios de vida e habitat e recuperar de um desastre.
▪ Promover avaliações de riscos de desastres em todos os setores harmonizando as metodologias
específicas de avaliação de vulnerabilidade relevantes a cada setor.
▪ Institucionalizar as metodologias a utilizar e desenvolver orientações e referências.
Pilar 3: L.A. 5: as metodologias de PDNA são conhecidas e apreciadas após a utilização no
contexto pós-erupção na Fogo, mas consideram-se complexas, muito exigentes e pouco
operacionais.
Que aprendemos: os atores reconhecem o valor da metodologia PDNA e referem-se ao relatório de
avaliação de Fogo como um estudo de referência, não obstante esta avaliação, teve pouca aplicação
prática porque não serviu de base para um planeamento da recuperação nem garantiu a mobilização de
fundos.
Que implica: a necessidade de adaptar as metodologias, “desmistificar” o estudo e simplificar o processo
de execução das avaliações. Para isso, é também preciso reforçar as capacidades nacionais, a partir de
experiências práticas e aplicações guiadas por especialistas.
Recomendações:
▪ Continuar os esforços de adaptação das metodologias, em especial com foco em desastres de
pequena ou média dimensão. Em especial, adaptação local das metodologias do PDNA para
desastres de pequena escala ou de surgimento lento (secas, erosão costeira) e assegurar o
desenvolvimento de ferramentas e orientações setoriais de suporte que apoiem a aplicação das
metodologias.
▪ Detalhar as ferramentas para a recolha, organização das informações e avaliação disponíveis
para cada setor e desenvolver planilhas e instruções adaptadas ao contexto nacional.
▪ Promover a integração das metodologias e a sua aplicação nas funções das instituições que
participam na planificação e gestão da recuperação.
▪ Reforçar as capacidades dos técnicos para liderar e conduzir as avaliações pós-desastres.
▪ Continuar a sensibilizar os decisores sobre a pertinência e valor desta metodologia.
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▪ Assegurar que a avaliação se entende como uma fase da planificação e como um requisito e base
para a mesma.
Pilar 3: L.A. 6: os programas de recuperação nem sempre conseguem identificar as pontes para
alinhar a recuperação com os programas de desenvolvimento ao longo prazo.
Que aprendemos: Para além de uma referência retórica e integração semântica, poucas políticas
estratégicas e programas de desenvolvimento avaliam em profundidade as implicações dos riscos de
desastres na exequibilidade do programa e na sustentabilidade dos resultados atingidos pela
política/plano ou programa. Ao mesmo tempo, os programas de recuperação tendem a focar-se na
reconstrução física dos aspetos mais visíveis sem excessiva consideração do impacto a longo prazo, da
sustentabilidade ou mesmo da visão geral de desenvolvimento a longo prazo espalhada nos modelos
territoriais, estratégicas setoriais ou planos de desenvolvimento. Neste contexto, os responsáveis da
recuperação enfrentam dificuldades consideráveis em assegurar o alinhamento da recuperação com os
objetivos de desenvolvimento a longo prazo tanto setoriais como territoriais.
Que implica: no pressuposto de que o reforço da resiliência (pelo menos em teoria) faz parte de qualquer
estratégia nacional e setorial de desenvolvimento sustentável, os programas de recuperação precisam
refletir como as intervenções recolocam as comunidades em posição para atingir as metas de
desenvolvimento a longo prazo. Isto requer liderança nacional e participação de todos os setores que
participam no desenvolvimento do quadro estratégico nacional para o desenvolvimento sustentável a
longo prazo.
Recomendações:
▪ Continuar a promover e facilitar a integração da redução de riscos de desastres em todos os
processos de planeamento (nacional, setorial e local) para garantir um desenvolvimento
informado pelos riscos.
▪ Assegurar que no desenvolvimento da estratégia de recuperação se revisam as políticas
estratégicas setoriais e se revê, conforme relevante, a análise de riscos e vulnerabilidade e os
pressupostos utilizados no exercício prospetivo.
2.3.4. Mecanismos financeiros para a recuperação
Conforme ao Decreto 68/2009 de 23 de Dezembro existe em Cabo Verde um Fundo Nacional de
Emergência (Capitulo III, art.10). Este fundo, não foi institucionalizado como um ente
organizacional com autonomia e equipa de gestão, mas entende-se como uma consignação
orçamental com uma finalidade específica, alimentada com uma alocação (de caráter anual) do
orçamento do Estado e cuja gestão depende da Direção Geral do Tesouro. Em relação à
finalidade deste fundo, o seu âmbito de aplicação restringe-se ao financiamento das autarquias
locais para a recuperação de equipamentos públicos baixo a sua responsabilidade. Neste
sentido, este mecanismo financeiro destina-se exclusivamente à reabilitação física de
instalações e infraestruturas públicas baixo a tutela dos Municípios. O referido Decreto-lei no
quadro do qual se cria este Fundo, tem como finalidade estabelecer o regime de concessão dos
auxílios financeiros à administração local no evento dum desastre que motive a declaração de
calamidade pública. O mecanismo escolhido para a execução deste fundo passa pela assinatura
de contratos de concessão em cuja execução e seguimento participam os departamentos
responsáveis ao nível central da descentralização e apoio às autarquias locais.
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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
No quadro do mesmo desenvolvimento do quadro legislativo em relação às situações de
calamidade pública, o decreto 67/2009 de 23 de Dezembro regula a declaração de calamidade
pública. No processo de declaração de calamidade pública o legislador exige ao Governo que
emita esta declaração, formalizada via resolução do Conselho de Ministros, a decisão sobre a
estrutura de coordenação e controlo que faz a inventariação dos prejuízos, faz a gestão global
dos apoios com base nos critérios estabelecidos no mesmo Decreto e em função dos efeitos e
das capacidades próprias dos afetados de fazer face.
No entanto, parece que a existência deste Fundo limitou-se ao papel, mas não tem havido até à
presente uma operacionalização e regulação detalhada do referido fundo. Assim mesmo, apesar
da criação legal do fundo, o mesmo não tem sido alimentado por rubricas orçamentais
específicas do Estado, pelo qual pode considerar-se que o fundo não foi nem operacionalizado
nem capitalizado. Assim mesmo, o decreto-lei não especifica uma percentagem específica do
orçamento do Estado que deva ser atribuído para a alimentação do fundo. Nesse contexto, a
fixação da alocação orçamental deveria estar sujeita a uma decisão anual, a ser aprovada no
parlamento no momento da discussão do orçamento do Estado. Uma outra dificuldade relativa
a este fundo nacional de contingência, refere-se à impossibilidade dos fundos não utilizados da
dotação anual transitarem para o ano seguinte. Isto implica a impossibilidade de constituir
reservas contingentes, que possam ser utilizadas na ocorrência de um desastre.
A falta de capitalização do fundo, assim como as limitações intrínsecas dos mecanismos
apresentadas mais acima, permitem entender os motivos pelos quais tanto no caso da erupção
vulcânica como nas cheias de São Miguel ou em Santo Antão 2016 o governo recorre a outros
mecanismos ad-hoc.
No caso da erupção vulcânica do Fogo, foi criado um mecanismo ad-hoc, o Fundo de
Reconstrução do Fogo. Esse mecanismo foi criado oficialmente a 21 de Abril de 2015, sob a
forma de um Fundo de Reconstrução (Decreto nº 23/2015). O fundo é definido como uma conta
especial no erário público e está configurado para gerir de forma transparente e controlada
todos os recursos financeiros afetos e mobilizados para a recuperação, e será supervisionado
pela Direção-Geral do Tesouro, o que garante a responsabilização da gestão de fundos.
A ajuda externa recebida para apoiar na reconstrução e recuperação, foi canalizada através
deste Fundo de Reconstrução, que opera como uma conta de tesouraria especial com controlos
orçamentais e programáticos específicos.
O fundo era alimentado por quatro tipos de recursos: receita fiscal cobrada a partir de 0,5% de
aumento do IVA decidido após a erupção para apoiar a reconstrução do Fogo desde 31 de
Dezembro de 2014; outras dotações previstas do Orçamento do Estado; subsídios e outros
apoios financeiros concedidos por instituições públicas e privadas ou indivíduos, como ajuda
humanitária às populações e municípios afetados pela erupção; quaisquer outros subsídios,
atribuições extraordinárias ou fundos consignados para as necessidades de recuperação.
O fundo era operado através dos sistemas normais de gestão das finanças públicas. A gestão do
mesmo está sujeita às normas contabilísticas aplicadas para orçamentos e programas do Estado,
os quais são geridos com ferramentas SIGOF (um rigoroso sistema informático integrado de
gestão das finanças públicas, que permite a monitorização de receitas e despesas em tempo
real). O fundo também está sujeito ao Tribunal de Contas, criado em 1993, e considerado um
parceiro essencial no esforço para aumentar a responsabilidade no uso dos recursos públicos.
Esse fundo não só mantém e desembolsa ajuda externa e as contribuições dos doadores, mas
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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
também recebeu as receitas fiscais do referido aumento do IVA e outras contribuições do
orçamento do Estado.
Além disso, em termos de controlo programático e estratégico, o Gabinete de Reconstrução era
responsável por aprovar e validar as propostas programáticas para a utilização dos fundos. A
Direção Nacional do Orçamento do Estado e Contabilidade pública era a unidade responsável
pelo controlo financeiro, monitorização e prestação de contas às instituições do Estado e aos
doadores sobre a utilização da ajuda. A maioria dos doadores, mesmo os privados, direcionaram
o seu apoio através dos canais e planos governamentais. Isto reflete um bom grau de confiança
dos parceiros internacionais nos mecanismos de gestão financeira do setor público cabo
Verdiano.
Constatações (findings) da análise
▪ Oportunidades limitadas para a mobilização externa de recursos financeiros para a
recuperação
Os atores entrevistados fazem referência à dificuldade de mobilização de fundos internacionais num contexto de mediatização forte da ajuda humanitária pós-desastre. Neste sentido, os entrevistados apontam que a “janela de oportunidade” para um desastre de “pequena escala” (se julgado pelos standards internacionais e comparados com o tipo de ocorrências com número avultado de vítimas morais sobre as quais os média fazem eco todos
os dias) e sem vítimas mortais, e muito limitada no tempo e, às vezes, restrita aos parceiros já ativos no país ou aqueles nos quais a diáspora cabo Verdiana tem algum peso e representação. Destaca também que ao nível internacional, as opções de mobilização de recursos via apelos extraordinários à solidariedade internacional, no caso de desastres sem vítimas mortais, parecem mais restritas e limitadas às operações de emergência e apoio humanitário
▪ Valorização das oportunidades dentro dos mecanismos e parcerias de cooperação já
existentes.
Se constata que Cabo Verde conseguiu mobilizar apoios para a recuperação no quadro das parcerias e mecanismos já existentes, em especial no quadro do programa de apoio orçamental da União Europeia, mas também através de parceiros já presentes com a Cruz Vermelha de Cabo Verde. Em relação a ajuda orçamental da União Europeia, tanto a recuperação no Fogo como o processo de recuperação após as cheias de 2016 em Santo Antão têm sido apoiados através de reforços financeiros dos mecanismos de apoio orçamental previamente existente e acordado com Cabo Verde via acordo financeiro. A
utilização de mecanismos pré-existentes permite poupar tempo na disponibilização dos fundos e recursos de formulação e negociação. Outro exemplo desta valorização tem a ver com ações de reforço de capacidades organizadas dentro de alguns programas de apoio a criação de emprego. No quadro de programas já em curso se direcionaram ações de capacitação em elaboração de planos de negocio e ferramentas de gestão empresarial, a potenciais empreendedores entre as comunidades afetadas. Estas ações visavam apoiar a recuperação económica dos meios de vida afetados.
▪ A montagem de mecanismos ad-hoc supõe esforços consideráveis em termos de tempo e
capacidades técnicas
Da própria experiência com a criação do fundo de reconstrução de Fogo percebe-se que o
desenho de mecanismos ad-hoc demora um tempo, às vezes incompatível com as
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
necessidades de intervenção rápida do processo de recuperação. Desde o fim da erupção, declarado em inícios de Fevereiro após quase três meses seguidos de atividade eruptiva, só em Abril foi oficialmente estabelecido o Fundo de Reconstrução de Fogo.
Conforme algumas fontes, a utilização dos mecanismos correntes de gestão financeira do Estado coloca pressões adicionais no processo de recuperação, que muitas vezes precisa de processos acelerados ou dispensas especiais para um desbloqueio rápido, porém transparente, dos fundos.
▪ As exigências em relação ao seguimento e reporte rápido colocam pressão adicional nos
sistemas normais governamentais de gestão financeira
No caso de Fogo, estas exigências e necessidades especiais em relação ao controlo, seguimento, reporte e avaliação da utilização dos fundos evidenciam-se em alguns desencontros com parceiros e doadores, em especial com a União Europeia em relação à utilização dos fundos disponibilizados para a recuperação. Os responsáveis públicos reconhecem o aumento do nível de exigência ligado a: pressões de tempo e produção de resultados, o aumento do fluxo de transações financeiras, assim como as necessidades de um seguimento e reporte mais exaustivo, ligado à origem dos fundos. Embora alguns dirigentes tenham insistido junto aos parceiros e doadores que os fundos que entram no orçamento do Estado não “tem bandeira”, admitem a necessidade de reforçar os mecanismos de gestão, atendendo não só à urgência das solicitações mas especialmente à
“cor do dinheiro”. Com isto, refere-se aos diferentes condicionalismos e necessidades de reporte dos valores disponibilizados no quadro de determinados programas, assim como em função da natureza dos fundos (por exemplo, contribuições privadas). As autoridades não produziram relatórios específicos para cada doador que contribuiu para o fundo. Esta exigência poderia ter sido difícil de atender, considerando as pressões existentes, não obstante sistemas mais transparentes e acessíveis de seguimento da alocação e utilização dos recursos, conseguiriam evitar desconfiança e frustração da parte dos doadores, especialmente em relação aos doadores privados, que decidem canalizar os seus apoios via instrumentos públicos e ferramentas de gestão financeira e contabilidade pública.
▪ Integração do mecanismo desenhado (Fundo de Reconstrução de Fogo) nos sistemas de
gestão financeira do setor público cabo-verdiano
A canalização dos recursos internos (receita tributária por aumento de impostos, consignações orçamentais) ao tempo que os recursos externos, através dos sistemas de gestão orçamental do Estado coloca no governo a responsabilidade total pela prestação de contas e supervisão das despesas. Ao mesmo tempo, esta integração apresenta algumas vantagens, em especial em termos de apropriação e contribuição ao
desenvolvimento, aperfeiçoamento ou consolidação dos sistemas nacionais de gestão financeira pela via da sua utilização e reforço no lugar da criação de mecanismos paralelos. Não obstante, esta utilização parece também ter implicado elevados custos de transação e lentidão no processo, ligados à própria burocracia do sistema público de gestão financeira.
▪ Centralização nas decisões de alocação do fundo de reconstrução de Fogo
Das entrevistas realizadas, depreende-se uma forte centralização na definição dos critérios de alocação dos fundos para as ações de reconstrução. Conforme ao Decreto-Lei que cria o Fundo de Apoio a Reconstrução dos estragos derivados da erupção de Fogo, eram apenas
elegíveis as despesas associadas à operação integrada de apoio e reconstrução dos estragos causados pela erupção vulcânica a cargo do Gabinete de Reconstrução de Fogo. Apesar da lei reconhecer como instrumentos do fundo, o plano de atividades anual, que deverá
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ser elaborado pela Direção Geral do Tesouro, em concertação com os principais setores afetados (turismo, desenvolvimento rural, habitação e ordenamento do território) em articulação com o Gabinete de Reconstrução de Fogo, os representantes setoriais consultados referem uma excessiva centralização das decisões ao nível do GRF, assim como um foco na reconstrução física em setores como habitação e infraestruturas, enquanto que outros setores, como a agricultura e pecuária, procuram mecanismos de financiamento separadamente deste fundo e mobilizam recursos especificamente consignados às suas áreas de intervenção (FAO, BAD, fundações privadas, etc.). Um outro aspeto interessante, que ressalta da análise das despesas a cargo do Fundo, é o peso
relativo que recebem as operações que podem qualificar-se como “assistência humanitária”. Nesse sentido, a prolongada dilatação no tempo de medidas como o apoio em géneros alimentários, via cesta básica, tem consumido recursos consideráveis do referido fundo. Na reflexão sobre os mecanismos de financiamento para a recuperação, alguns responsáveis setoriais apontam a necessidade das iniciativas de recuperação serem identificadas pelas instituições setoriais e locais mais próximas das comunidades afetadas. Nesta configuração, o gabinete ou estrutura responsável pela gestão do fundo teria um papel de fiscalização, seguimento e avaliação, mas a execução dos projetos de recuperação (e seus fundos), estaria confiada às instituições locais ou entidades setoriais desconcentradas.
Lições aprendidas:
Pilar 4: L.A. 1: a montagem de mecanismos de financiamento ad-hoc é um processo lento e
pesado. Que aprendemos: a criação de mecanismos ad-hoc e a sua regulação é um processo lento, cuja montagem
e definição quando um desastre já aconteceu pode implicar atrasos na implementação das medidas de
recuperação.
Que implica: a necessidade de definir ex-ante os arranjos financeiros para a fase de recuperação que
combinem estratégias de financiamento externas e internas ao orçamento do Estado. Assim as
necessidades de desembolso rápido, coordenação de recursos com base em responsabilidades financeiras
claras, e a flexibilidade de fontes, devem ser tidas em conta no desenho do referido mecanismos,
Recomendações:
▪ Pré-estabelecer os mecanismos de financiamento perante os diferentes cenários de
desastre identificados e as modalidades de funcionamento operativo (fontes, gestão,
decisão, alocação, despesas elegíveis, instituições e atores que têm acesso,
modalidades de acesso, autorizações, reportes, avaliação).
▪ Identificar indicadores de performance para a gestão dos diferentes fundos e sistemas.
▪ Operacionalizar os mecanismos legalmente criados, assegurando consignações
orçamentais regulares, de preferência com percentagens pré-estabelecidos que não
tenham que ser renegociadas a cada orçamento anual.
▪ Desenvolver as capacidades técnicas para fazer face às exigências em termos de gestão
de fluxos financeiros de fontes diversas e reporte para os doadores.
▪ Assegurar que os fundos criados permitem que os valores não utilizados transitem para
anos posteriores e se acumulem para poder constituir reservas.
▪ Ligar o desenvolvimento dos mecanismos de financiamento da recuperação aos
mecanismos financeiros gerais de redução de riscos de desastres e de proteção
financeira do Estado contra os riscos de desastres.
▪ Assegurar que os mecanismos de financiamento da recuperação permitam incorporar
o princípio de “reconstruir melhor” (melhoria do acesso a serviços; reforço da resiliência
de estruturas e sistemas) nas ações de recuperação a serem financiadas.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Pilar 4: L.A. 2: a redução de riscos exige que existam não só mecanismos de financiamento de
desastres, mas de uma forma mais alargada, mecanismos de financiamento da gestão de riscos
de desastres.
Que aprendemos: a montagem de sistemas de financiamento da recuperação pós-desastre, como fundos
de contingência, linhas de crédito contingente, etc. são necessárias, mas não constituem o único
mecanismo financeiro de gestão de riscos. O governo tem realizado esforços consideráveis na montagem
de um Fundo de apoio à reconstrução de Fogo ou à negociação de uma linha de crédito contingente (tipo
Cat-DDO) com o Banco Mundial, mas deve ainda refletir como financiar ações ex-ante de mitigação de
riscos de desastres e preparação para a resposta e recuperação.
Que implica: Os fundos de recuperação podem e devem financiar ações de mitigação de risco que
reforcem a resiliência da comunidade ou sistema objeto da recuperação, não obstante, precisam existir
outros mecanismos que financiem as ações de redução de risco em todos os setores, assim como a
preparação para a resposta e as operações humanitárias. A montagem de sistemas integrados de
financiamento de riscos permite criar incentivos para o investimento em medidas de redução e mitigação
de riscos.
Recomendações:
▪ Considerar todo o leque de opções para a gestão financeira do risco (mecanismos de retenção e
transferência) e identificar a pertinência de cada um, para cada tipo de riscos e contexto.
▪ Estabelecer marcadores/classificadores orçamentais que permitam medir o investimento na
redução de riscos de desastres dos diferentes setores.
▪ Promover o desenvolvimento de sistemas de transferência de riscos, em especial seguros
paramétricos, seguros agrícolas, assim como sistemas de asseguramento de bens e propriedades
públicas que possam participar no financiamento da recuperação
2.3.5. Seguimento e avaliação dos processos de recuperação
Constatações (findings) da análise
▪ Transparência na gestão dos fundos públicos assente nos procedimentos e mecanismos
da função pública de Cabo Verde
Apesar dos parceiros reconhecerem a confiança que suscita o sistema cabo Verdiano de gestão financeira, e louvarem os progressos atingidos com a implementação do sistema SiGOF, para o exemplo concreto de um processo de recuperação parece ter faltado um sistema de seguimento financeiro mais abrangente que permita monitorizar o ponto de situação das solicitações aos parceiros versus as necessidades da recuperação conforme as avaliações pós-desastre, o seguimento das promessas de financiamento, assim como daqueles fundos efetivamente recebidos, alocados, desbloqueados, gastos e justificados. A existência destes mecanismos de
seguimento e informação contribuiria para aliviar algumas das pressões e resolver algumas dúvidas que se colocam sobre as instituições responsáveis pela recuperação e sua gestão. Neste sentido, cabe destacar que a maioria dos afetados apenas recebem as informações sobre as promessas e compromissos de financiamento via meios de comunicação, mas desconhecem os procedimentos e tempo requerido para a disponibilização efetiva dos recursos, e ainda menos conhecem as condições e exigências associadas a cada fundo (em termos de despesas não elegíveis, período de utilização, justificação, etc.).
▪ Transparência sobre os mecanismos de alocação de recursos e bases da decisão e
priorização contestados
Um dos aspetos mais criticados da gestão do processo de recuperação tem a ver com as modalidades de assistência social às famílias afetadas. A duração e as modalidades de atribuição dos apoios em espécie têm sido contestadas tanto pelo custo que acarretou, imputado ao fundo de reconstrução, como pela justeza e equidade nos critérios de atribuição. As bases para a priorização de projetos e programas no quadro do fundo de recuperação não foram explicitadas e a maioria dos atores
refletem sobre o facto do fundo ter priorizado apoio humanitário e intervenções na reconstrução de habitações e infraestruturas, em detrimento de ações de recuperação dos meios de vida ou reabilitação de outros serviços públicos. Ao mesmo tempo, os atores locais, em especial ao nível das Câmaras, mas também dos representantes dos serviços desconcentrados, reclamam de uma forte centralização das decisões na alocação de recursos.
▪ Escassa comunicação sobre os mecanismos de gestão dos donativos cria desconfiança e
frustração
Da análise realizada, ressalta o elevado número de conflitos, reclamações e contestações em relação à gestão dos donativos recebidos e o controle e seguimento dos mesmos. Neste sentido, mesmo que as contribuições (em dinheiro) mais substanciais tenham sido canalizadas através do Fundo de Reconstrução, existe também um leque diverso de organizações e particulares que, com contribuições próprias ou através de apelos à solidariedade pública, recavaram donativos (em dinheiro ou em género) para as famílias afetadas pela erupção e distribuíram os mesmos através de canais diversos, nem sempre controlados pelas instituições responsáveis pela gestão humanitária e/ou recuperação (em pessoa diretamente ou através de intermediários como a Cruz Vermelha ou outras organizações locais). Se bem se entende que, por um motivo ou outro (falta de confiança nos mecanismos públicos, desejo de reconhecimento pessoal, preferência por entrega direta sem intermediários, vontade de evitar burocracia e lentidões), os donativos podem ser mobilizados e canalizados por diferentes meios, parece claro que existe um interesse público em que exista, ao mínimo, um registo dos apelos à solidariedade, que abranja informações sobre os valores mobilizados, a origem ou fontes dos donativos, objetivos dos apoios e as pessoas beneficiadas. Este mecanismo parece não ter existido e a sua falta tem contribuído para aumentar o descontento das populações - que desconfiam de potenciais desvios - e ao mesmo tempo facilita o oportunismo dos beneficiários.
Nesse sentido, a Cruz Vermelha Cabo Verde tem tentado promover - sem muito sucesso até ao presente - a ratificação e aplicação ao nível nacional dos princípios de ajuda humanitária, códigos de conduta em caso de Desastres e os instrumentos legislativos promovidos pela Federação Internacional da Cruz Vermelha. As instituições públicas e seus decisores, em especial ao nível central, refletem uma tendência a considerar que o perfil de desastres registados até ao momento em Cabo Verde não justifica a adoção de determinadas normas, convenções e ferramentas promovidas ao nível internacional. Em certa medida, entende-se que uma aplicação direta sem nenhuma adaptação previa a escala e contexto do país, seria excessivamente pesada para um pequeno país. Não obstante, parece que o facto dos desastres registados até ao momento, não tenham implicado, na maioria dos casos, vítimas mortais - pelo menos em massa - cria uma sensação de segurança e desincentiva a aplicação de medidas proativas e preparatórias nas pessoas e instituições. Na análise do discurso dos entrevistados deduz-se que os atores chave esperam que o tipo de desastres futuros continuem dentro da tendência geral e tenham características similares aos anteriormente vividos. Esta visão é reforçada pela confiança no futuro e na proteção divina da nação Cabo Verdiana, que salientam como elementos culturais e religiosos bastantes afiançados na cultura e discurso comum dos Cabo Verdianos. Não obstante, da análise das opiniões refletidas pelos representantes locais, percebe-se uma
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maior sensibilidade a este nível de administração pública, sobre a necessidade de planear e de se preparar para a complexidade imbrincada no processo de reconstrução e recuperação, mesmo na dimensão dos desastres até agora vividos. A maior
recetividade dos responsáveis locais está claramente associada à vivência destas instituições e seus responsáveis, que têm experimentado na própria pele os complexos problemas de gerir a ajuda humanitária e decidir sobre o processo de recuperação.
▪ Mecanismos e ferramentas para o seguimento e avaliação dos programas de
recuperação foram escassamente explicitados
Nos instrumentos legais que regulam a criação tanto do Gabinete de Reconstrução de Fogo como do Fundo de Apoio a Reconstrução de Fogo, estabelece-se a responsabilidade do Conselho Diretivo do GRF, assim como da Direção Geral do Tesouro, respetivamente, de preparar e submeter relatórios periódicos. No caso do Gabinete de Reconstrução, do conselho diretivo esperava-se a submissão semestral para o Primeiro-Ministro de um relatório de execução do processo de reconstrução. No caso do Fundo de Apoio à Reconstrução, estabelecia-se que a Direção Geral do Tesouro, apresentava um relatório de atividades e contas, remetido para a provação dos membros do governo responsáveis pelo ordenamento do território e habitação, turismo, desenvolvimento rural, infraestrutura e finanças. Para além destes mecanismos explicitados na lei, não há constância de outros mecanismos de seguimento e avaliação, assim como da sua acessibilidade para o público geral e/ou doadores. Em relação à Comissão Interministerial, o decreto-lei que a criou previa também a obrigação da equipa de apresentar relatórios regulares ao departamento responsável da sua liderança – o Ministério de Infraestruturas, Habitação e Ordenamento do Território – assim como um relatório final de atividades. Apesar das provisões de seguimento e reporte recolhidas nos instrumentos regulamentares, destaca no processo de seguimento e avaliação uma falta de detalhe e definição sobre o conteúdo, estrutura e organização das ferramentas, assim como dos fluxos de
informações e obrigações de notificação/comunicação e contribuição. Assim mesmo, parece não ter existido um momento de definição de indicadores e metas para os diferentes programas de recuperação geridos a partir do Gabinete de Reconstrução, a Comissão Interministerial ou ainda, as Câmaras municipais. Por outro lado, os mecanismos de seguimento identificados na lei e elaborados parecem restringir-se a uma lógica de seguimento de atividades e não abrangem o seguimento de resultados atingidos e respetivos impatos. As iniciativas geridas na lógica de projeto com financiamento externo (de ONGs, doadores bilaterais ou multilaterais como a FAO/BAD) apresentam os seus próprios indicadores de progresso e efeito, mas no todo, parece não ter existido um marco geral de seguimento e avaliação dos progressos, resultados e efeitos do programa de recuperação). Das entrevistas realizadas, parece que um maior nível de definição de mecanismos de seguimento e avaliação existiu no setor humanitário e com foco nas operações de emergências e recuperação precoce. Uma exceção a esta constatação geral constitui a Cruz Vermelha de Cabo Verde que explica ao detalhe os seus mecanismos de seguimento e o seu procedimento de avaliação. Este mecanismo, muito elaborado e exaustivo, envolve as estruturas da Federação Internacional da Cruz Vermelha, os órgãos e comités locais e as sociedades de outros países que apoiaram as operações de emergência.
▪ Ausência de mecanismos formais para corrigir ou modificar os programas em função das
informações de seguimento
Considerando que os mecanismos de seguimento explicitados se limitam a relatórios intermédios ou finais de atividades, deduz-se que não existia um mecanismo formal para integrar as recomendações do seguimento ou considerar alterações, correções ou redirecionamento das intervenções, em função das informações derivadas do seguimento e avaliação. O setor público cabo Verdiano integrou recentemente na sua lógica de administração de programas e projetos a gestão por resultados. Esta mudança implicou a introdução de um módulo de seguimento e avaliação no sistema de gestão financeira do
orçamento do Estado. Embora todos os setores tenham feito esforços consideráveis para a preparação de quadros lógicos por programa e a definição de indicadores e metas a todos os níveis dos programas e projetos, os mecanismos como o feedback da medição dos indicadores integram-se no redesenho, reprogramação de orçamentos e avaliação dos programas não parecem, ainda, ter sido desenvolvidos. Ao mesmo tempo, esta lógica de seguimento e avaliação de programas, não parece ter passado a programas definidos ad-hoc como o caso dos programas de recuperação.
Lições aprendidas:
Pilar 5: L.A. 1: A exigência de relatórios de atividades não garantem a existência de um
mecanismo de seguimento.
Que aprendemos: nos documentos legais que criam as estruturas responsáveis pela
recuperação geralmente requer-se a apresentação de relatórios intermédios ou finais de
execução das atividades, não obstante não haver mais detalhes ou orientações sobre como
produzir estes relatórios, cadeias de distribuição e na base de que indicadores e metas se realiza
o seguimento.
Que implica: isto significa que muitas vezes não existem indicadores claros para medir o
progresso e que se reporta apenas no que foi feito, sem reflexo sobre o resultado e o impacto
que as ações tiveram e como contribuem para atingir resultados e objetivos. A falta de
orientações sobre como se deve reportar dificulta a avaliação da qualidade dos relatórios em si.
Ao mesmo tempo, a falta de mecanismos definidos para a circulação, confirmação e validação
destes relatórios contribui a dispersão das informações e dificulta a sua acessibilidade, em
especial em contexto de alta rotatividade de dirigentes.
Recomendações:
▪ Identificar indicadores de progresso e resultado, assim como metas intermédias e finais, e
detalhar as fontes de verificação.
▪ Desenvolver quadros lógicos e uma descrição da teoria da mudança (situação que se
pretende mudar e como se espera atingir essa mudança no problema inicial identificado)
para os programas de recuperação ancorados na estratégia e plano de recuperação.
▪ Assegurar que se estabelecem os mecanismos para um seguimento contínuo e relevante
para a medição dos indicadores.
▪ Garantir que os sistemas de seguimento produzem as informações necessárias para reportar
para doadores e parceiros.
▪ Partilhar os resultados do seguimento com todos os parceiros implicados.
▪ Publicar os relatórios e documentos de seguimento.
▪ Assegurar a relevância dos indicadores e avaliar o seu nível de SMARTness.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
▪ Detalhar os fluxos de informação em relação aos relatórios de progresso e avaliação, com
vista a garantir a circulação, validação/aprovação pelos parceiros e o registo sistemático
para uma verdadeira gestão de conhecimento e gestão baseada nos resultados.
Pilar 5: L.A.2: a avaliação dos processos de recuperação não é ainda uma prática comum
Que aprendemos: para além das avaliações de alguns projetos, exigidas por doadores quando
a fonte de financiamento é externa, não existem nem políticas ao nível das instituições públicas
nem práticas consolidadas de avaliação de programas de recuperação.
Que implica: esta ausência implica uma dificuldade em identificar o que correu bem, o que
precisa ser melhorado e quais os fatores de sucesso ou fracasso. Na ausência destas avaliações,
identificar lições aprendidas e integrá-las numa proposta de quadro de recuperação resulta mais
complexo.
Recomendações:
▪ Promover avaliações de resultados e impacto, desenvolvendo as orientações
teóricas e identificadas as melhores práticas, numa ótica de gestão do
conhecimento e reforço das capacidades.
▪ Promover arranjos inovadores para a implementação das avaliações de
impacto, por exemplo, estabelecendo parcerias com universidades, ONGs ou
centros de pesquisa.
▪ Promover a utilização das tecnologias de informação e comunicação para
avaliar a satisfação dos beneficiários e o impacto dos programas (por exemplo,
UNICEF RapidPro app para a aplicação e sistematização de informações de
inquéritos aplicados via sms).
2.3.6. Sistemas de informação e comunicação
Constatações (findings) da análise
▪ O interesse mediático pelo processo de recuperação é elevado
O papel dos jornalistas e os órgãos de
comunicação durante as fases, tanto de
emergência como de recuperação, em
especial no caso de Fogo têm sido objeto de
discussão em numerosos foros. Em
determinadas situações, mesmo bem
salientadas pelos meios de comunicação, os
responsáveis políticos da altura têm
criticado abertamente a intervenção dos
jornalistas e órgãos de comunicação social
na cobertura da fase de erupção e em
especial no período pós-erupção. Se bem
que a atuação de diferentes meios de
comunicação merece avaliações diferentes
da parte dos parceiros e atores implicados
no processo, em muitas ocasiões, as críticas
referem-se a uma falta de profissionalismo
na produção da notícia. Neste sentido,
alguns entrevistados apontam para uma
falta de verificação das informações e
contrastação das versões obtidas nas
declarações públicas de pessoas afetadas
ou mesmo de técnicos envolvidos nas
operações de resposta ou nos trabalhos de
reconstrução. Como exemplo, alguns
entrevistados referem situações nos
lugares de abrigo e centros de acolhimento.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Nesses exemplos, os responsáveis da
gestão dos centros têm lamentado em
várias ocasiões não terem sido consultados
antes da divulgação de algumas notícias.
Estes responsáveis ressaltam a necessidade
de consultar as fontes oficiais para
confirmar as informações, procurar
explicações ou esclarecimentos, ou bem dar
uma oportunidade aos mesmos de
contestar as reclamações e denúncias
apresentadas pelos deslocados.
Os responsáveis políticos têm criticado a
intervenção dos jornalistas pela sua avidez
na procura e divulgação de informação a
“qualquer custo”, e reclamam dos
profissionais do setor mais ética, espírito de
colaboração e profissionalismo. Em
especial, as autoridades responsáveis pela
gestão da recuperação exigem dos meios de
comunicação maior esforço na confirmação
das informações e maior responsabilidade
na divulgação das notícias. Do seu lado, os
jornalistas reconhecem uma necessidade
de redobrar esforços para que a
comunicação social tenha um papel
educativo e jornalistas e órgãos da
comunicação social possam colaborar com
os esforços de gestão da “coisa pública”, em
especial nas situações de desastre. Não
obstante, os jornalistas reclamam também
maior recetividade e abertura para a
colaboração da parte das autoridades na
recolha de informações e elaboração das
notícias e reportagens.
Cabe salientar que a pressão mediática é
referida como um aspeto comum a muitos
processos de recuperação. O enfoque
denominado de “sensacionalista” por parte
dos responsáveis políticos, muitas vezes
entende-se num contexto caracterizado por
jornalistas pouco especializados, órgãos da
comunicação social pouco preparados para
participar na comunicação de emergência e
para cobrir e analisar os processos de
recuperação. Estas dificuldades, conjugam-
se com as práticas e políticas das
instituições responsáveis pelos processos
de recuperação, que tendem a considerar
que a resposta às solicitações dos média
constitui a última entre as muitas
prioridades a que devem dar atenção. No
caso em estudo, o processo de recuperação
tem sido liderado por instituições
responsáveis com limitada experiência na
gestão de recuperação pós-desastre e na
gestão da informação pública. A falta de
hábitos e procedimentos para o trabalho
em parceria com os meios de comunicação
condiciona a visão de que os mesmos
apenas complicam a intervenção quando
não cumpriam o seu papel. Para os média,
o acesso às histórias pessoais de privação,
sofrimento ou dificuldades resulta mais
simples, rápido e satisfatório do que tentar
aceder a informações sobre as decisões
políticas, técnicas e burocráticas sobre os
programas de recuperação e todos os
processos que estão por detrás da
implementação dos mesmos.
Cabe salientar também que os jornalistas
dos diferentes tipos de média, convidados a
uma reflexão pela Associação dos
Jornalistas de Cabo Verde (AJOC)
apresentam a falta de meios técnicos e
financeiros (por exemplo, para deslocações
e estadias para fazer uma reportagem mais
exaustiva, mas também para um jornalismo
de investigação) como um dos entraves na
realização do seu objetivo de informar e
elucidar o público. Os jornalistas são
conscientes do papel dos média em
qualquer sociedade democrática, de
escrutínio ao poder público, advocacia e
formação da opinião pública. Não obstante,
essa consciência do seu papel junto da
sociedade civil e das populações leva-os a
colocar-se numa posição de “ voz do povo”,
que não contribui para os esforços
coletivos se não estiver acompanhada de
um esforço sistemático e profissional de
confirmação das notícias, contrastação das
reclamações e opiniões defendidas pelos
diferentes grupos. A reflexão junto com os
média permitiu-nos entender o meio “
hostil” em que os jornalistas operam: por
um lado, os média tradicionais sentem-se
pressionados pelos cidadãos comuns que,
servindo-se dos social media, conseguem
rapidamente passar informações e, em
certa medida, moldar ou pelo menos
influenciar a opinião pública. Nesse
contexto de reconhecida rapidez dos “social
media” em penetrar determinadas
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
camadas da sociedade, os jornalistas veem-
se pressionados para “chegar antes” ou
difundir as informações em primeiro lugar.
Por outro lado, no contexto de órgãos de
comunicação independentes do poder
político, e privados no seu financiamento,
existe também uma grande concorrência
entre diferentes grupos (por exemplo,
entre os diferentes jornais) para terem a
exclusiva ou a primícia de algum assunto.
Por outro lado, os próprios jornalistas
reconhecem uma falta de sensibilidade e
compreensão dos editores e diretores de
informação, sobre a redução de riscos de
desastres. No círculo dos média, são estes
atores quem decide sobre a agenda sobre a
qual se informa, e sobre as linhas editorais
nas quais trabalham os seus jornalistas.
Sendo assim, é essencial despertar essa
sensibilidade para a gestão de riscos de
desastres e promover um espírito de
colaboração com os poderes públicos, em
especial nas situações de emergência.
Na fase de recuperação, esta colaboração
continua a ser essencial, não obstante,
nesse período, as responsabilidades dos
decisores e gestores públicos sobre a gestão
da informação, a transparência nos
processos e a prestação de contas, se veem
ainda mais reforçadas do que no momento
da gestão da emergência. O apelo à
colaboração dos média não isenta estes
decisores e gestores de se disponibilizarem
para uma prestação de contas e serem
submetidos ao escrutínio dos média sobre
as decisões e medidas, em especial quando
estas não parecem suficientemente claras
para os cidadãos.
▪ A inexistência de informações de base, dificuldade de aceso, dispersão das informações
ou irrelevância do formato de recolha ou análise dificultam e retardam o processo de
planificação e execução da recuperação e dificultam um seguimento sistemático.
Uma das principais dificuldades que se
apontam em relação à planificação da
recuperação tem a ver com a qualidade e
exaustividade das informações sobre os
efeitos do desastre. Nesse sentido, apesar
dos esforços realizados na avaliação de
danos e perdas e na identificação das
necessidades pós-desastres, o maior
problema com que se deparam nestes
processos de avaliação refere-se à
disponibilidade dos dados de referência.
Avaliar os efeitos dos desastres,
independentemente da metodologia
utilizada, requer a existência de uma linha
de base com a qual comparar os dados do
levantamento de danos, e em função da
qual se avalia as perdas derivadas da
interrupção de determinados fluxos
económicos e/ou da operação de serviços
alternativos. Nesse sentido, no caso da
erupção de Fogo, no qual se conduziu uma
avaliação exaustiva de danos e perdas, as
maiores dificuldades registadas tinham a
ver com o caráter incompleto e
desatualizado, quando não a inexistência
das informações de base (por exemplo,
sobre o tipo de culturas em cada uma das
parcelas existentes). O processo de
planificação da recuperação tropeçou
também com os problemas ligados à
dificuldade, quando não impossibilidade de
cruzar as informações existentes nas
diferentes bases de dados e sistemas de
informação setoriais. A questão da
interoperabilidade das bases de dados -
montadas e operadas pelas diferentes
agências no quadro dos seus programas e
serviços governamentais, constatou-se na
dificuldade em estabelecer claramente o
número de agregados familiares e
informações confiáveis sobre os seus meios
de vida e condições socioeconómica pré-
erupção. As informações de alguns serviços
e programas, por exemplo, em relação aos
beneficiários de determinados programas
baixo o chapéu do sistema de proteção
social (D.G de inclusão social, em relação às
pensões sociais e às próprias Câmaras
Municipais para outros subsídios e apoios
sociais), ou ainda as informações fiscais
sobre atividades económicas formais (sobre
comércio, transporte ou turismo, entre
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
outros) estavam disponíveis, mas a
identificação das informações disponíveis
em cada setor, nível administrativo ou
programa governamental, a avaliação da
sua exaustividade e abrangência, assim
como o acesso às mesmas e o seu
cruzamento efetivo com os dados
necessários para o desenho de um
programa de recuperação, requereram
imensos esforços de concertação
interinstitucional e resultaram num
processo administrativamente complexo e
moroso. Num contexto em que o acesso e
cruzamento das informações das diferentes
agências não é facilitado pela própria
estrutura e modalidades de gestão dos
sistemas de informação de cada instituição,
a confirmação de informações de base
exigiu esforços ad-hoc relativamente
exaustivos, dispendiosos e intensivos em
tempo e recursos humanos de
levantamento e inquérito de terreno.
▪ Eficiência na recuperação requer pensar ex-ante os mecanismos de comunicação pública
e organizar a comunicação interna
A imagem da comunicação durante a fase
de emergência, a comunicação externa e
informação pública está sujeita a inúmeras
pressões, por este motivo recomenda-se
estabelecer ex-ante relações de trabalho
com os meios de comunicação e
organizações da sociedade civil, para
trabalhar conjuntamente em abordagens
de comunicação para o desenvolvimento,
que contribuam para a mudança de
comportamentos e, neste caso, apoiem na
sensibilização para uma cultura de
prevenção e redução de riscos. A
aproximação prévia permitirá a todas as
partes entender os constrangimentos,
capacidades e perceção do outro de cada
um dos atores, e juntos trabalhar na
construção de parcerias que permitam a
cada um exercer os seus papéis e atender
às suas responsabilidades com
profissionalismo e responsabilidades,
enquanto juntos contribuem para o bem-
estar social e para os objetivos sociais de
resiliência e desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, recomenda-se a
identificação prévia a qualquer desastre
dos mecanismos e arranjos a utilizar para
assegurar uma comunicação efetiva e
inclusiva.
Em relação à comunicação interna,
constata-se que a identificação das linhas
de reporte em relação às estruturas de
planeamento e gestão da recuperação
resulta insuficiente para garantir uma
comunicação eficiente. Assim mesmo,
constatam-se deficiências na partilha entre
os pares. e no sentido vertical. de
informações que se associam à própria
cultura organizacional e práticas de gestão
do setor público cabo Verdiano e que
precisam ser avaliadas e repensadas.
▪ Os mecanismos de comunicação com as populações afetadas não foram explicitados
Durante as entrevistas e discussões com as
populações afetadas ressalta a sua
confusão em relação aos canais de
comunicação com as autoridades
responsáveis pelos esforços de
recuperação. Para além das já referidas
mudanças nas estruturas à frente da gestão
de recuperação, as populações refletem
sobre a falta de clarificação sobre os
mecanismos para a comunicação com as
autoridades.
As comunidades locais relatam, na maioria
dos casos, ter acompanhado pela
comunicação social os diferentes encontros
gerais (como o Fórum de reconstrução de
Fogo), reuniões e atelieres de apresentação
de projetos ou ideias para a reconstrução
(encontro de apresentação da proposta de
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
novo assentamento em Achada Furna; ou o
lançamento do projeto de Master plan para
o Turismo Sustentável no Fogo). Embora
nestes encontros tenham sido convidados
alguns representantes dos moradores, os
deslocados referem uma falta sistemática
de informações oficiais sobre as propostas
e programas para a recuperação pós-
desastre. Esta falta de comunicação oficial
estruturada parece ter alimentado a
desconfiança (por exemplo, em relação à
questão dos donativos e o seu destino) e
poderá ter criado espaço para a
manipulação da informação por
determinados elementos da comunidade,
ou ainda alimentado a especulação que se
espelha nos social media (em especial
Facebook).
Salienta-se aqui, de novo, o papel essencial
dos média no processo de recuperação.
Num contexto de ausência de mecanismos
estruturados de comunicação com as
populações afetadas, os média são o único
canal disponível para a maioria dos
cidadãos poderem conhecer as opções,
propostas e progressos na recuperação.
Ainda que este papel dos média deva ser
reconhecido e valorizado, as instituições
públicas são responsáveis por organizar a
comunicação oficial, que pode servir-se dos
média como canal de difusão, mas que
deverá também considerar como as
informações chegam à comunidade e
assegurar que são bem compreendidas e
que ao mesmo tempo os afetados têm a
possibilidade de solicitar esclarecimentos,
resolver as suas dúvidas pessoais e partilhar
as suas preferências e preocupações em
relação às propostas e às decisões tomadas.
▪ Inexistência de uma estratégia de comunicação interna e externa para o processo de
recuperação
Esta deficiência constatou-se nos diferentes
processos de recuperação analisados. Em
relação ao Fogo, destacam-se os problemas
na gestão da comunicação com os parceiros
e doadores. Os responsáveis do Gabinete
de Recuperação de Fogo apontam a pressão
colocada por alguns doadores para terem
conhecimento do destino dos recursos
disponibilizados. Da parte dos doadores,
esta falta de uma estratégia clara de
comunicação sobre as propostas, gestão e
os progressos na execução das diferentes
medidas de recuperação, terá alimentado
uma preocupação sobre a transparência do
processo, em especial em relação às
aquisições públicas, mas também em
relação ao nível de participação pública e à
integração do princípio de “reconstruir
melhor” no processo de reconstrução,
reabilitação e recuperação.
Por outro lado, as falhas na comunicação
com os parceiros e doadores também se
registam em relação ao processo em si, de
avaliação de necessidades de recuperação e
a priorização da sua execução. Assim,
alguns parceiros de desenvolvimento
internacional manifestam a sua
preocupação com a capacidade do governo
de priorizar as necessidades de
recuperação. Outros parceiros referem que
se sentiram “infra-utilizados” em relação ao
tipo de apoios, conhecimento e expertise
com os quais poderiam apoiar o país. Em
especial, alguns referem ter-se
disponibilizado para apoiar o país com
meios e capacidades técnicas, mas relatam
ter perdido possibilidades de mobilização
de outros recursos para a recuperação
devido à morosidade do governo em
identificar e comunicar as necessidades. O
mesmo tipo de reflexões fazem alguns
parceiros em relação à fase de emergência,
por exemplo, um parceiro de
desenvolvimento foi solicitado pelas
autoridades nacionais para apoiar com
máscaras de proteção mas não
conseguiram mais detalhes em relação às
especificações técnicas do tipo de materiais
que eram necessários no contexto dessa
crise.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
No caso do processo de recuperação após
as cheias de São Miguel, da análise
destacam-se as ineficiências na
comunicação entre diferentes níveis
governamentais. Naquela altura, a Câmara
Municipal, liderada por um partido da
oposição política àquele responsável pelo
governo central, referiu as dificuldades
experimentadas em obter informações
sobre os recursos mobilizados para a
recuperação, a sua planificação e os
progressos e resultados da reconstrução. As
dificuldades de comunicação
interinstitucional entre os diferentes níveis
de governo parecem ser habituais nos
processos em que a recuperação é liderada
pelo nível central.
▪ Os canais de comunicação com as populações afetadas são maioritariamente
unidirecionais
Como já referido brevemente no pilar
relativo ao seguimento e avaliação, as
constatações da análise dos processos de
recuperação, tanto de Fogo como de São
Miguel, apontam que os canais de
comunicação com os afetados são
maioritariamente unidirecionais. Embora a
partir dos inquéritos, as instituições
pretendessem identificar as preferências
das comunidades afetadas, no que
concerne a todas as outras fases do
processo (solicitação de esclarecimentos,
apresentação de questões ou reclamações,
questionamento das decisões, submissão
de propostas, partilha de preferências
coletivas) as comunidades afetadas
referem a falta de mecanismos de
comunicação formal com as instituições. A
unidirecionalidade refere-se ao facto das
instituições comunicarem com os afetados
através dos canais previamente
apontados, mas estes desconhecem quais
os mecanismos para comunicarem com as
instituições responsáveis. Para alguns
deslocados, o único momento de contacto
com as autoridades era durante a recolha
de subsídios ou distribuição dos donativos,
não obstante, referem que na maioria das
ocasiões as pessoas com as quais
interagiam nesse momento nem tinham
Quadro 7: Exemplo: desafios na comunicação com o setor privado na reconstrução pós-erupção no
Fogo.
Durante a fase de entrevista no Fogo, vários técnicos e parceiros do setor privado, referiram a algumas
deficiências na comunicação da Comissão Interministerial com o setor privado, em especial com as
empresas do setor da construção. Em primeiro lugar, os requisitos do processo de aquisição pública
iniciado para a construção em Cabeça Fundão de 45 habitações com recurso a empreiteiros locais
gerou muitas dúvidas entre os privados da ilha. Não obstante, conforme a versão dos empreiteiros,
nem sempre as instituições responsáveis pelo concurso estavam disponíveis para esclarecer os
critérios de qualificação para os concorrentes. Por outro lado, na altura das entrevistas deste estudo,
o concurso tinha sido fechado há meses, mas a instituição responsável pela sua resolução não tinha
comunicado oficialmente nenhuma informação aos concorrentes. A comissão interministerial tinha
paralisado o projeto de Cabeça Fundão após a manifestação pública contra a iniciativa. Não obstante,
o concurso não tinha sido anulado nem resolvido e os empreiteiros locais, alguns dos quais tinham
investido tempo e recursos consideráveis para a preparação da candidatura, exigiam alguma resposta
e informação da parte das instituições responsáveis. Deve destacar-se que para muitos empreiteiros
locais, a formalização da sua empresa, exigiu um investimento económico considerável, que
assumiram pelo interesse em participar deste concurso.
As autoridades ficaram num impasse em relação à resolução deste concurso, devido à manifestação
pública de moradores de Chã-das-Caldeiras que protestavam em relação à escolha do local (Cabeça
Fundão) para o novo assentamento, assim como questionavam os critérios de atribuição das novas
moradias. Para além da questão do lugar escolhido, que as populações consideravam que não oferecia
níveis de proteção contra os perigos vulcânicos adicionais em relação a Chã-das-Caldeiras, nas
diferentes intervenções públicas, alguns líderes comunitários questionavam o porquê de só apenas 45
agregados familiares beneficiarem de moradias novas enquanto que as propostas anteriores, em
relação ao projeto em Achada Furna, já tinham alimentado as esperanças de um novo assentamento
e de “casas para todos”.
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1 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
tempo, nem a responsabilidade de registar
as suas reclamações ou sugestões, ainda
referem que nem sempre os atores de
distribuição dos apoios em primeira mão
estavam em condições de assumir um
papel de intermediário ou interlocutor das
instituições responsáveis pela gestão da
recuperação.
Em relação a esta questão, os
entrevistados referem que a gestão da
comunicação melhorou com a criação da
Comissão Interministerial, já que pontos de
atendimento foram operacionalizados e
vários assistentes sociais baseados nas
comunidades de acolhimento dos
deslocados, e mandatados para receber as
solicitações dos deslocados que residem
nessas localidades.
Lições aprendidas:
Pilar 6 L.A 1: A gestão eficiente da recuperação requer investir num sistema de comunicação com
mecanismos de comunicação interagências, com o público e os parceiros.
Que aprendemos: a comunicação interna (entre as instituições e níveis de governo) e externa
(com os beneficiários), quando não está pensada e estruturada, cria espaço para muitos
equívocos, frustrações e ineficiências.
Que significa: A gestão da informação deve ser pensada estrategicamente no processo de
planificação e na execução dos programas de recuperação. Esta necessidade também se aplica
à fase de gestão da emergência, na qual os requisitos são diferentes e a ordem de prioridades
também. A comunicação estruturada sobre os programas, as políticas e as opções para a
recuperação resulta essencial para reforçar a apropriação, transparência e prestação de contas.
Recomendações:
▪ Planificar a comunicação no quadro de recuperação, identificando mecanismos,
canais, ferramentas e processos flexíveis e adaptáveis a cada programa e
processo específico.
▪ Pensar para cada estratégia e plano de recuperação o mecanismo de
comunicação entre agências e com os parceiros externos, incluindo os média.
▪ Promover a capacitação dos jornalistas e editores sobre temáticas específicas,
entre elas a redução de riscos, preparação, gestão dos desastres e recuperação
▪ Desenvolver espaços de intercâmbio e mecanismos de partilha regular com os
órgãos de comunicação, com vista a clarificar dificuldades e expectativas de
todas as partes e definir os mecanismos mais eficientes de comunicação.
▪ Engajar as associações comunitárias e outras organizações que têm experiência
de trabalho com as comunidades afetadas, para definir os mecanismos de
comunicação para a recuperação pós-desastre.
Pilar 6 L.A. 2: Os sistemas de informação sobre desastres são relevantes para a gestão do
conhecimento
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2 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Que aprendemos: que ter informações sobre os passados desastres e como se geriu a sua
recuperação é útil para muitos fins: permite calibrar os modelos de avaliação de perigos e
cenários de desastre, permite orientar a planificação para a resposta e recuperação, permite
estudar as tendências, e dando uma visão integrada dos “custos do desastre” ajuda na
sensibilização dos decisores sobre a relevância de investir na redução de riscos.
Que implica: isto implica que vale a pena investir em sistemas de registo e análise dos dados
sobre os desastres.
Recomendações:
▪ Sensibilizar todos os parceiros e instituições sobre a necessidade de registar as
informações sobre os desastres.
▪ Promover a institucionalização do sistema do Observatório Nacional de
Desastres.
▪ Capacitar as instituições para utilizar a plataforma do OND e/ou outros
aplicativos de gestão de bases de dados relevantes (desinventar.net, etc.), como
base de dados integrada dos eventos de desastres e processos de recuperação.
▪ Utilizar as informações registadas para analisar tendências e preparar cenários
de desastres.
Pilar 6 L.A.3: Na ausência de informações sobre riscos de desastres, incluindo informações sobre
a exposição e a vulnerabilidade, a planificação da recuperação é mais complicada.
Que aprendemos: para reduzir o risco a partir da recuperação e reconstrução é preciso conhecer
o risco e entender qual pode ser o impacto dos desastres nos sistemas sociais e físicos.
Que implica: que o governo deve investir no sistema de informação sobre riscos e no reforço
das capacidades para compreender e utilizar as informações sobre riscos.
Recomendações:
▪ Estabelecer standards e desenvolver orientações para as avaliações de riscos.
▪ Capacitar os setores para avaliações de riscos de desastres setoriais.
▪ Avaliar as necessidades de dados e requisitos de informação dos setores para os seus
processos de planificação.
▪ Desenhar a arquitetura do sistema nacional de informação de risco (SNIR) com os
objetivos de preparação em mente.
▪ Capacitar os setores para entender e utilizar as informações de risco para o
planeamento e gestão dos programas de recuperação.
▪ Promover a partilha de dados e reforçar a interoperabilidade das bases de dados
setoriais, com vista a terem um sistema de cadastro único dos agregados familiares, ao
qual os setores recorrem na identificação, clarificação, avaliação de vulnerabilidade e
gestão de programas.
2.4. Conclusões e recomendações gerais
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3 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
2.4.1. Conclusões gerais
A recuperação consiste na restauração e no melhoramento das instalações, infraestruturas,
meios de vida, sistemas de produção e condições socio-económicas das comunidades afetadas
pelos desastres. O segundo elemento, o melhoramento, aponta para um foco importante dos
processos de recuperação: reconstruir melhor. Melhorar implica evitar a reprodução dos erros
do passado que levaram à ocorrência do desastre, mas também o aproveitar da oportunidade
do momento e do investimento na recuperação para melhorar as condições socio-económicas
de partida, reforçar o acesso aos serviços básicos, requalificar os assentamentos, reforçar o
tecido económico, diminuindo a vulnerabilidade das infraestruturas, sistemas e pessoas e, em
definitivo, tornando-os mais resilientes e sustentáveis, em detrimento de apenas os preparar
para o próximo desastre.
Analisar o passado, o que aconteceu e como se geriu a recuperação, proporciona orientações
úteis para o futuro. Como demonstra este estudo, existem justificações robustas para
recomendar que este futuro passe por uma preparação efetiva das instituições públicas e dos
seus parceiros, para gerir a recuperação. Em relação à fase de gestão dos desastres e resposta
de emergência, considera-se que a gestão reativa e a improvisação não são as estratégias mais
eficientes. Esta constatação é igualmente válida, e provavelmente ainda mais aplicável, em
relação à gestão da recuperação. Na fase de resposta, a própria situação de crise e contexto de
emergência coloca os atores num modo mais favorável à colaboração, sustentado pela
solidariedade perante a desgraça e a destruição. Já na fase de recuperação, o ambiente muda,
as pressões emergem e a urgência por reorganizar a vida alimenta pressões e expetativas de
todos os lados. Assegurar a eficiência, sustentabilidade, equidade e impacto num contexto de
pressões e urgência não constituem uma tarefa simples, por isso, as lições aprendidas com a
recuperação em Fogo reforçam a pertinência do enfoque de preparação para a recuperação que
se demonstra cada vez mais relevante e os ganhos de eficiência resultantes mais evidentes.
Alguns estudos de lições aprendidas sobre a recuperação salientam os desafios que estes
processos colocam, mesmo para os governos e administrações mais consolidadas e efetivas do
mundo, como por exemplo a administração americana. Apesar da coordenação da recuperação
implicar tipos de ações que os governos desempenham no seu funcionamento do dia-a-dia –
como: a alocação e gestão de recursos públicos; a prestação de serviços e produção de
benefícios; a construção de parcerias internas e externas; ou ainda a procura de contribuições e
feedback de todas as partes interessadas - a complexidade da fase de recuperação tem a ver
com uma série de fatores externos, assim como outros intrínsecos, associados à mentalidade e
estado de espírito que comummente predomina entre os governos após um evento de desastre.
Entre outros fatores que contribuem para aumentar a complexidade desta fase, apontam-se:
i. A pressão política, interesse mediático e escrutínio público de todo o processo.
O interesse dos média e jornalistas pela fase de recuperação é comummente elevado,
este tende a aumentar em determinados contextos políticos (especialmente pré-
eleitoral) e aquando dos “ aniversários” do desastre. Os sucessos, e em especial as falhas
e erros na implementação dos programas de recuperação, atraem uma atenção
considerável dos média. Isto implica que tanto as decisões como os seus resultados
estão submetidas ao escrutínio de muitos grupos de interesse, sejam comunitários,
privados, políticos, etc.
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4 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
ii. A relativa morosidade, que comummente se regista na receção e utilização dos
recursos para a recuperação. Esta morosidade adiciona-se ao tempo requerido para a
mobilização desses mesmos recursos quando não existem mecanismos pré-definidos e
os recursos não estão disponíveis
iii. A subestimação dos recursos e capacidades necessárias para desenhar e
implementar a recuperação. A falta de exposição frequente ou repetida a este tipo de
processos e a inexperiência derivada influenciam neste erro comum em relação à
planificação dos recursos e competências requeridos para a recuperação. Em especial,
os funcionários públicos que estão mais afastados do nível político onde se exerce a
pressão social e mediática subestimam o nível de urgência associado à execução dos
programas de recuperação. Nesse sentido, responsáveis técnicos de algumas das
instituições implicadas na recuperação subestimam as necessidades de capacidade
adicional, esperando poder produzir os resultados da recuperação no curso de um
período mais longo do que as comunidades e políticos desejam e esperam.
iv. Necessidades e sistemas de governação efetivos para a recuperação são
diferentes do “ business-as-usual”, nesse sentido, mesmo que os governos optem pela
utilização do sistema administrativo e burocracia existente, sem recurso a novas
entidades dedicadas que liderem o processo, são necessários mecanismos especiais que
permitam garantir a “adaptação” das estruturas existentes às necessidades diferenciais
dos processos de recuperação e à carga adicional de trabalho que este requer. Gerir a
recuperação implica uma dose especial de flexibilidade e de criatividade nas instituições
públicas porque o contexto pós-desastre, por definição, exige “gerir o excecional” mas
requer garantir ao mesmo tempo a legalidade, equidade e justiça dos resultados, assim
como a transparência e a prestação de contas de todo o processo.
2.4.2. Recomendações para a gestão do conhecimento, gestão da informação e
aprendizagem
Para além das recomendações por pilar, detalhadas em cada secção, a realização deste estudo leva-nos a identificação de algumas recomendações gerais aplicáveis a muitas outras áreas de políticas sobre o desenvolvimento, relativas à necessidade de reforçar os sistemas de seguimento e avaliação e a integração dos seus resultados nos processos de planificação como forma de fomentar a aprendizagem institucional. Assim, a gestão de conhecimento converte-se numa prática e abordagem institucional de extrema relevância para uma gestão institucional moderna baseada em evidências, adaptativa e cujo foco está em atingir resultados e provocar mudanças nas situações identificadas à partida como problemáticas. Aprender com o passado, requer não apenas realizar análises pontuais, através de avaliações, auditorias, estudos de lições aprendidas, etc. mas requer também a existência de mecanismos de registo sistemático, tratamento e análise, assim como as capacidades e mecanismos institucionais para traduzir essas informações em conhecimento utilizável para os processos de planeamento e gestão.
Em determinados setores, e em especial ao nível técnico, de muitas instituições existem investimentos consideráveis na produção de conhecimento, não entanto estes investimentos não são bem capitalizados, sendo os resultados arquivados e ignorados. A vivência de experiências negativas de conhecimento pouco utilizado e utilizável parece ter frustrado muitos
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5 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
decisores na sua prática de gestão do conhecimento institucional. Assim, muitos dos atores entrevistados fazem referência a uma certa “fadiga do estudo, e vontade de serem práticos e necessidade de agir”. Embora qualquer gestor concordaria que a produção de estudos cujo destino é apenas o arquivo da instituição constitui um desperdício de recursos escassos como tempo e dinheiro, não se deve menosprezar o valor da produção do conhecimento para informar uma tomada de decisões baseada nas evidências e uma gestão das organizações, programas e recursos orientada para os resultados. As intervenções práticas, não informadas por um conhecimento detalhado dos problemas e retroalimentada pelas lições do passado, correm o risco de gerar ineficiências maiores na utilização dos recursos públicos do que as ineficiências derivadas do investimento na produção de conhecimento não aproveitado. A necessidade de uma prática informada reforça a atenção que deve ser dedicada ao seguimento e avaliação de processos e seus resultados, assim como apela a desenvolver mecanismos institucionais de gestão de conhecimento e aprendizagem. Os decisores não só precisam de receber mais dados, e os estudos não só precisam de ser mais divulgados, como a gestão de resultados precisa de uma abordagem sistemática de recolha de informações para a identificação das evidências, produção de conhecimento ativável e valorização do mesmo. Otimizar a eficiência das decisões públicas requer o desenvolvimento de ferramentas de apoio à decisão e sistemas de informação que claramente permitam transformar os dados e informação registados e analisados em conhecimento aplicável e utilizável no momento em que mais é preciso, isto é, na fase de decisão.
Uma comunidade de prática indiana que trabalha na gestão de conhecimento para a Redução de Riscos de Desastres, resume assim as dificuldades ligadas à utilização do conhecimento: “a informação sobre a preparação, o que se deve ou não fazer nas emergências, os planos de gestão de desastres, as políticas e orientações nos diferentes domínios estão disponíveis desde há décadas. Não obstante, milhões de pessoas continuam a ser severamente afetadas por desastres a cada ano, devido à falta de capacidade de lhes fazer face. Isto pode atribuir-se ao facto da informação que reside num determinado lugar não estar a ser transformada em conhecimento para salvar vidas e reduzir as perdas das comunidades em risco.”15. Ainda, esta mesma proposta indiana, refere que: “ muitos de nós assumimos que a gestão do conhecimento consiste em capturar as lições aprendidas e experiências que as pessoas têm e armazená-las em bases de dados com a esperança de que algum dia venham a ser úteis…mas a gestão de conhecimento consiste em ter o conhecimento certo, no lugar certo e no momento certo”.
“ Uma característica das boas instituições e políticas é que não só facilitam
a transferência de conhecimentos, mas também reforçam as probabilidades
de que esse conhecimento seja efetivamente utilizado” (Stiglitz 1998).
As dificuldades de sistematizar a memória institucional têm sido salientadas em numerosas
ocasiões por pesquisadores, técnicos e decisores das diferentes instituições. A dificuldade na
partilha de dados é um problema recorrente apontado nos diferentes fóruns de discussão sobre
15 INDIAN APproach
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6 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
a gestão pública. Nesse contexto, parece um tanto irrealista pensar que as lições aprendidas
deste ou dequalquer outro estudo serão automaticamente consideradas e integradas no
planeamento e desenho de novos programas ou na revisão de quadros estratégicos e
operacionais. Com vista a assegurar que existem verdadeiras condições para a aprendizagem
institucional, é preciso reavaliar os mecanismos e capacidades dos que as instituições dispõem
para a gestão de conhecimento.
O UNISDR, no quadro da sua estratégia IKM4DRR (gestão do conhecimento e informação para a
redução de riscos de desastres), promove as seguintes definições:
✓ Gestão de conhecimento: mobilizar ou alavancar pessoas, recursos, processos e
informação de forma a atingir objetivos estratégicos. 16
✓ Gestão da informação: o processo de recolha, tratamento, organização,
armazenagem e disseminação de informações para um fim específico.
No concreto, no que se refere aos desastres e à gestão de riscos de desastres, este estudo
recomenda a valorização de várias ferramentas:
✓ A operacionalização do Observatório Nacional de Desastres17, como plataforma
nacional para o registo e análise das informações sobre efeitos e impactos dos
desastres, mas também como “knowledge hub” de informações sobre as iniciativas de
recuperação que sirvam de base para as avaliações de impacto sobre os programas de
recuperação; assim como o seguimento de metas e medição de indicadores associados
à RRD baseados na redução de danos e perdas associadas aos desastres. A utilização
efetiva do OND permitirá a quantificação dos efeitos gerais [em todos os setores e
incluindo as perdas (fluxos económicos18)] dos desastres e constituir a linha de base
sobre a qual identificar metas na redução de riscos de desastres.
A operacionalização do Observatório Nacional de Desastres não requer apenas a
implementação das componentes tecnológicas (base de dados e plataforma WebSIG,
portal web), mas também, e especialmente, necessita do desenho da arquitetura
16 IKM4DRR Scorecard. 17 O OND (Observatório Nacional de Desastres entende-se como um mecanismo institucional sustentável para a coleta, análise e interpretação sistemática de dados de desastres. Os OND pretendem contribuir para expandir e melhorar a base de evidências sobre perdas relacionadas a desastres, promovendo e apoiando a organização sistemática de dados de desastres em bases de dados nacionais para análise e uso, e para institucionalizar esses esforços a nível nacional. 18 Conforme a UNISDR, as perdas referem-se à queda do valor económico do agregado, como consequência dos danos ou destruição física e / ou impactos humanos e ambientais.
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7 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
institucional para o seu funcionamento e a participação de todos os parceiros. Assim,
propõe-se não apenas um protocolo voluntário de colaboração, mas a criação de um
instrumento legal que reja a sua implementação e crie uma obrigatoriedade legal de
todos as partes implicadas em reportar e partilhar os dados dentro desse sistema de
Observatório. Idealmente, o OND, se contar com uma equipa de dinamização adequada
poderá ser a semente de uma “comunidade de prática” nacional (list serve, group
discussions, repositor, e-library, cross-posting) sobre a gestão de riscos de desastres.
✓ A implementação do SNIR (Sistema Nacional de Informação de Riscos): este sistema de
informação deve ser interoperável com outros sistemas como sistema de informação
territorial, cadastro único no âmbito da proteção social, etc. Por definição, abrange
informações sobre perigos (sua monitorização, mapeamento e avaliação), exposição,
vulnerabilidades e riscos. Este SNIR poderá servir como fonte de referência para as
avaliações pós-desastre, assim como para estabelecer sistemas de seguimento dos
programas de recuperação.
De uma forma mais geral, recomenda-se investir na preparação para a recuperação pós-
desastre, conforme as orientações nos diferentes pilares de estudo, de forma a:
Sensibilizar os decisores sobre a importância da gestão do conhecimento para um
planeamento informado, tanto da recuperação como da redução dos riscos de
desastres.
Aprofundar a identificação e análise das lições aprendidas com os processos de
recuperação pós-desastre relativos a outro tipo de eventos, em especial para desastres
de menor escala e/ou repercussão mais localizadas.
Garantir a divulgação alargada das conclusões deste estudo com os atores da gestão dos
riscos de desastres em Cabo Verde, utilizando como fóruns de discussão a plataforma
nacional de redução de riscos de desastres.
Assegurar a aprovação e adoção de um Quadro nacional (pré-evento) de recuperação
pós-desastres e desenvolver instrumentos de preparação para a recuperação a outros
níveis administrativos (ilha e/ou município), conforme relevante.
Assegurar a definição dos arranjos institucionais mais efetivos para a gestão da fase de
recuperação e reforçar as capacidades das organizações e técnicos participantes.
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8 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
Desenvolver cadernos e orientações técnicas para os municípios e os setores para o
planeamento específico do município/setor para preparação para a recuperação mais
resiliente.
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9 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
3. Anexos
3.1. Lista de entrevistas realizadas
Organização Nome Cargo E-mail
1 Ministério de Desenvolvimento Rural
Elisângelo Furtado
Delegado na ilha de Fogo (até junho 2016
2 Ministério de Ambiente e Agricultura
Jaime Pina Delegado na ilha de Fogo (desde junho 2016).Anteriormente, técnico da Delegação do MDR em Fogo
3 Ministério de Educação
Luís Pina Delegado para a ilha de Fogo
4 Ministério de Saúde José Rosa Delegado para São Felipe e Santa Catarina
5 Cruz Vermelha Cabo Verde- Fogo
Mário Barbosa Presidente do Conselho Local de CV em São Felipe
6 Cruz Vermelha Cabo Verde- Nacional
Mário Moreira Presidente da Sociedade Nacional da Cruz Vermelha
Cruz Vermelha Cabo Verde- Nacional
José Simedo Especialista em RRD & emergências- Cruz Vermelha Cabo Verde
7 Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros
Narciso Mendes
Responsável do SNPCB para a assistência aos
deslocados da erupção
8 Direção Geral das Infraestruturas (MIHOT)
António Nascimento
Ex- Diretor Geral e Presidente do Gabinete de
Reconstrução de Fogo
José Salomão Ponto Focal DGI no PDNA Fogo
Adlisa Delgado Atual Diretora Geral das Infraestruturas
9 Direção Nacional do Ambiente
Alexander Nevsky
Diretora Geral (desde maio 2016) e ex-Diretor do Parque Nacional de Fogo
até abril 2016
10 Agencia Reguladora de Aquisições públicas (ARAP)
Carla Sousa Presidente Conselho de Administrador
Administrador Executivo
11 Gabinete de Reconstrução de Fogo- Gabinete de desenvolvimento
Arlindo Brandão
Vogal Local [email protected]
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10 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
intermunicipal de Fogo
12 CM São Felipe Luís Pires Ex-presidente [email protected]
13 CM São Felipe Jorge Nogueira Presidente atual [email protected]
14 CM São Felipe Caetano Rodrigues
Vereador de Proteção Civil [email protected]
15 Parque Nacional de FOGO
Herculano Dinis
Técnico de Seguimento ecológico e Diretor em
funções
16 CM Mosteiros Carlos Fernandinho Teixeira
Presidente [email protected]
Jaime Pina Vereador da Área de Proteção Civil
Jaime.Monteiro@ govcv .gov.cv
17 CM Sta Catarina Alberto Nunes Presidente [email protected]
18 CM Sta Catarina Francisco Monteiro
Ex-Vereador da Área de Proteção Civil
19 ADEI Sílvio Martins Coordenador local [email protected]
20 IEFP-Centro de Formação e Emprego de São Felipe
Paula Silva Ex-Coordenadora
21 MAA-Delegação Fogo
Christopher Oliveira
Engenheiro Civil – Adjunto a Comissão
Interministerial para Fogo
22 Associação de viticultores de Chã
Daniel Gomes Vice-Presidente
23 Cooperativa Chã Neves Presidente
24 Associação de agricultores de Montinho
Danildo Montrond
Presidente
25 Associação de guias turísticos de Chã das Caldeiras
Moustapha Erem
Presidente, empresário setor turístico e Engenheiro civil
26 Comando da Policia Nacional
João Barros Comandante São Felipe [email protected]
27 ONG COSPE Carla Cossu Coordenadora da ONG em Fogo
28 INMG José António Fernandes Dias Fonseca
Técnico de equipamentos e deslocado de Chã-das-
Caldeiras
29 AECID- Cooperação espanhola
Jaime Puyoles Diretor do escritório técnico de cooperação
Cabo Verde
30 UE-Delegação Cabo Verde
Stephan Van-Praet
Chargee de cooperação [email protected]
31 USA-Embaixada de América em Cabo Verde
Donald L. Heflin
Embaixador
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11 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
32 Cooperação luxemburguesa
Helene Chargee de cooperation
33 Embaixada do Brasil Ricardo Leal
34 OIT-ILO (organização internacional do trabalho)
Joana Borges Responsável de Programa Escritório de Cabo Verde
OMS/ WHO Mariano G. Salazar
Representante escritório de Cabo Verde.
FAO Remi Nono Womdim
Representante escritório de Cabo Verde.
35 D.G. do Tesouro Hernani Trigueiros
Diretor Geral [email protected]
D.N.de Orçamento do Estado
Lidiane Nascimento
Diretora Nacional [email protected]
36 ANMCV Luis Landim Gabinete Técnico [email protected]
Fernando Jorge Borges
Secretário Geral [email protected]
Salomão Furtado
Gabinete Técnico [email protected]
37 SNPCB Diretor
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3.2. Guiões de entrevista
3.2.1. Guião de entrevista para instituições nacionais, associações e agentes
comunitários
I. Enquadramento do estudo
II. Apresentação do estudo e os objetivos
III. Questões gerais de enquadramento:
Objetivo: levantamento de informações de contexto sobre o processo de
recuperação no que concerne à instituição e/ou setor em questão.
Lista indicativa de questões:
1. Como avalia o impacto do desastre no seu sector? (como ponto de
partida consideramos os efeitos (danos e perdas) recolhidos no PDNA,
para o caso do Fogo, mas pretendemos entender como isto tem afetado
o setor como um todo; até que ponto tem recuperado ou não, a que
níveis territoriais se sentiu o impacto (localidade, concelho, ilha inteira)
2. Que ações de recuperação já tem sido implementadas e quais estão
em curso ou previstas? Quais devem ser priorizadas e porquê? Como
avalia o resultado das mesmas? São insuficientes ou não? Porquê?
Constrangimentos na sua implementação? Impacto na redução de
desigualdades? Impacto nas comunidades de acolhimento dos
deslocados e perceção das mesmas?
3. Que ações para reduzir futuros riscos de desastre e reduzir a
vulnerabilidade no seu setor considera prioritárias? Quem deve
promover e quem deverá implementar as mesmas?
IV. Questões por pilar chave relevante ao estudo do processo de recuperação
i. Pilar I: Arranjos Institucionais
a) Conhece qual a agência ao nível central que tem a responsabilidade
ou as competências para liderar o processo de recuperação? Foi na
prática esta agência a coordenar e gerir o processo? Qual terá sido a
sua relação com outras agências?
b) No caso da sua instituição, quais são as competências/ atribuições
relativas ao processo de recuperação?
c) Quais são os arranjos institucionais para planificar e implementar o
processo de recuperação? Eram pré-existentes ou foram criadas ad-
hoc?
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d) Tem conhecimento de algum tipo de arranjo institucional/plano ou
provisão prévia sobre como devem ser conduzidos os processos de
recuperação?
e) Considera que os papéis e responsabilidades de cada um dos atores
estavam claros? (aos níveis tanto nacional, como local e setorial)
f) Até que ponto considera que o poder local e as comunidades em si
foram envolvidos no planeamento e na execução do processo de
recuperação? E do setor privado?
g) Considera que o processo de recuperação tem contribuído ou todavia
poderá contribuir a reforçar as capacidades das autoridades nacionais
e locais? E das comunidades afetadas?
h) Como qualificaria a coordenação entre os diferentes níveis nas
diferentes fases:
a. Na avaliação de danos e planeamento da recuperação
b. Na implementação
c. No seguimento
i) Como é que este desastre afetou a continuidade das ações
governamentais? E da prestação de serviços básicos?
j) Existiam alguns acordos prévios para a gestão da recuperação post-
desastre e para gerir a fase de recuperação (específicos ao setor
quando relevante? (i.e. para o fornecimento de materiais, para as
aquisições de bens e serviços; para a logística; para a coordenação) Será
que esses arranjos foram efetivos?
k) Existem mecanismos para a acelerar as aquisições? será que estes
foram utilizados? Qual é a sua perceção sobre se estes procedimentos
comprometem ou não a transparência do processo?
ii. Pilar II: Leis e políticas para a recuperação
a) Existe alguma lei ou política especial do seu conhecimento que regule
os processos de recuperação? (Podem entrar em aspetos específicos
como compensação, responsabilização, seguros, etc.)
b) Existe alguma política, do seu conhecimento, que promova a
integração da redução dos riscos de desastres no processo de
recuperação? Será que as disposições ou provisões dessa política têm
sido respeitados ou seguidos?
c) Como qualificaria o grau e relevância da participação pública neste
processo?
d) Existem mecanismos para priorizar os mais vulneráveis? Quais são?
Como identificaram e priorizaram esses indivíduos ou grupos mais
vulneráveis? ( i.e. no caso das políticas de realojamento, na prestação/
continuidade de serviços básicos, no apoio em género, nos programas
setoriais).
iii. Pilar III: Avaliação de necessidades pós-desastre
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*Se existiu um PDNA, referir as questões a este processo de avaliação de
necessidades, caso não tenha existido, as questões referiram-se ao processo de
avaliação de danos, perdas e necessidades pós-desastre.
a) Como avalia o processo de PDNA? Considera que foi um exercício
conjunto ou dominado por uma instituição?
b) Considera que para o seu setor houve uma avaliação atempada dos
danos, perdas e das necessidades? Quem liderou este processo de
avaliação?
c) Se foi conduzido um PDNA, considera que esta metodologia pode ser
apropriada (com as necessárias adaptações para o contexto local) pelas
instituições nacionais? Que mais-valias considera que esta
metodologia tem?
d) Este processo precisou de assistência técnica? Considera que poderia
ter sido completado por expertise nacional? E se tivessem que repetir
no futuro, precisaria de expertise internacional ou considera que as
instituições e quadros nacionais já estão suficientemente
capacitados?
e) Em relação à qualidade do produto do PDNA, qual é a sua avaliação?
f) Como avalia a partilha de informação que tem havido durante o
processo de avaliação de necessidades?
g) A avaliação das necessidades tem conduzido a um plano de
recuperação?
h) O plano e as intervenções de recuperação já implementadas,
considera que:
a. Estão em linha com os objetivos de desenvolvimento a longo
prazo
b. Levou em conta os riscos e vulnerabilidades pré-existentes e ou
criados após o desastre? Como foi isto considerado?
c. Participação das comunidades, e como? Respondeu às
expetativas das comunidades nesse sentido?
d. Promoveu a equidade de género e assegurou a consideração
das necessidades e vulnerabilidades dos diferentes grupos
(crianças, mulheres, etc.)
iv. Pilar IV: Mecanismos financeiros para a recuperação
a. Existem mecanismos financeiros para financiar a recuperação pós-
desastre?
b. Que fontes de rendimentos foram empregues?
c. Existem provisões nas diferentes leis sobre como financiar este
processo?
d. Que instituição é a responsável por gerir esses fundos? Se não existe
uma indicada pela lei, qual considera que deveria ser a instituição a
gerir esses fundos? (gestão centralizada ou descentralizada? Ao nível
local ou setorial?
e. Que setores receberam mais atenção e mais fundos? Quais as lacunas
no financiamento?
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f. No seu setor, considera que os fundos direcionados para a reabilitação
são suficientes?
g. Ao nível geral, conhece qual foi o critério para atribuição de fundos
entre setores e projetos?
h. Ao nível do seu setor, qual tem sido o critério para a seleção de
iniciativas?
i. Que procedimentos existem para o desbloqueio dos fundos?
Especificar em função da fonte ou origem dos fundos. Como avalia a
eficácia e eficiência destes procedimentos? Considera que estes
procedimentos são…morosos, adequados, efetivos, etc…
j. E os processos para a prestação de contas? São claros e eficientes?
será que tem funcionado adequadamente?
v. Pilar V: Seguimento e Avaliação da Recuperação
a. Conhece quais são/ foram as instituições aos diferentes níveis
(central, setorial e local) responsáveis por:
i. Seguimento do processo de recuperação
ii. Reportar para os doadores
iii. Informar do andamento dos processos ao público em geral
b. Da sua apreciação, tem havido um seguimento efetivo?
c. Existiam (no seu setor de intervenção, mas também ao nível geral)
indicadores chave para o seguimento? Como se recolhiam os dados
para o S&A?
d. Em relação às lacunas ou deficiências que se identificaram no processo
de recuperação…existiam mecanismos para as corrigir? Quais eram
esses mecanismos?
e. Existiam mecanismos para ouvir e integrar as opiniões, avaliações e
sugestões das comunidades afetadas nos programas de recuperação?
Estes mecanismos foram utilizados?
f. Há alguma avaliação já realizada ou prevista das ações de
recuperação?
vi. Pilar VI: Informação e sistemas de comunicação
a. Durante a fase de recuperação, como foi partilhada e disseminada a
informação entre os diferentes atores?
b. Estes sistemas estavam formalizados ou institucionalizados?
c. Como avalia a sua eficiência (numa escala de 1 a 5, onde 1 é pouco
eficiente e 5 é muito eficiente)
d. Existiam suficientes recursos para recolher, compilar e disseminar os
dados?
e. As informações sobre os danos e perdas eram registadas e analisadas?
E isto é uma prática comum no seu setor? Existem no seu setor
algumas orientações para o mesmo? (i.e. formas de calcular o custo de
reconstrução e quantificar os danos e perdas)
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f. Como foi gerida a comunicação com as comunidades envolvidas no
processo (tanto os afetados, como as localidades de receção)
g. Como foram envolvidos os meios de comunicação?
h. Existe ao nível do seu sctor (ou local) alguma base de dados onde se
registem informações sobre ocorrências de desastres?
i. Que fontes de informação têm sido utilizadas para estabelecer a
linha de base quando se analisaram os efeitos e impactos do
desastre? Estas informações eram facilmente acessíveis? Em que
formato dispõem destas informações?
j. As informações estavam desagregadas por género, idade, etc…? a
que nível geográfica estavam disponíveis estas informações?
3.2.2. Guião de entrevista para organizações internacionais e parceiros de
desenvolvimento
Introduction - Background and Purpose - lessons learnt and process of development of
DRRFramework
▪ What is the nature of support you provide to Cabo Verde. What are your focus
areas? In particular do you have any specific programmers related to or
involving disaster risk reduction and climate change . If so which sectors and
institutions have been involved with?
▪ What have been your experiences in terms of management, coordination and
monitoring of these programmers?
▪ With regard to the post-disaster recovery from the Fogo Volcanic eruption 2
years ago, what kind of support did you provide - financial, PDNA etc.
▪ Do you know which agency has the responsibility to lead the recovery process?
▪ How would assess overall management of the process, in terms of :
coordination; planning; transparency and accountability;
▪ How would you assess the Post-Disaster Needs Assessment in terms of
coordination, methodology, coordination, quality and its outcome (did it result
in a recovery plan
▪ Comments about formation management and sharing of information
▪ Comments about financing and financial management of record process
▪ Comments about monitoring and evaluation
▪ With regard to the development of the DRR framework, based in your
experience what some of the important considerations and provisions you
would like to see in the framework, particularly regarding institutional
arrangements.
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3.3. Referências
▪ American Planning Association (APA). Planning for post-disaster recovery: next
generation. PAS Report 576. December 2014.
▪ American Planning Association (APA). Public Engagement in Recovery. Planning for post-
disaster recovery. Briefing Papers nº 1.
▪ American Planning Association (APA).Planning for Recovery Management. Planning for
post-disaster recovery. Briefing Papers nº 7.
▪ American Planning Association (APA).Adopt a pre-event recovery ordinance. Planning
for post-disaster recovery. Briefing Papers nº 8.
▪ Association of South-East Asian Nations. Disaster Recovery Reference Guide. April 2016.
▪ European Community, World Bank/GFDRR, UN Development Programme, 2013, PDNA
Guidelines, Volumes A and B:
http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/crisis-prevention-and-
recovery/pdna.html
▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. (2015). GUIDE TO DEVELOPING
DISASTER RECOVERY FRAMEWORKS Sendai Conference Version. MARCH 2015.
▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. Resilient Recovery: An imperative
for sustainable development. 2015.
▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. (2014). Recovery from Recurrent
Floods 2000-2013 MOZAMBIQUE August 2014 Recovery Framework Case Study. Guide
for Disaster Recovery Frameworks. Country Case Study Series. Conference Version
▪ Global Facility for Disaster Reduction and Recovery. Handbook on The Standby Recovery
Financing Facility A partnership for accelerated disaster recovery in high risk countries.
March 2008.
▪ Government of India, NDMI. Knowledge Management in Disaster Risk Reduction: The
Indian approach.
▪ Government of Cabo Verde. (2015) Fogo Volcanic Eruption 2014-2015. Post-Disaster
Needs Assessment (PDNA).
▪ GRIP, UNDP. Guidelines for establishing a NDO. Version 2.0. July 2012.
▪ International Recovery Platform. Mozambique: Recovery Framework case study on
Recovery from Recurrent Floods 2000-2013. August 2014.
▪ International Recovery Platform. Guidance note on recovery governance.
▪ International Recovery Platform. Guidance Note on Recovery: Pre-Disaster Recovery
Framework.
▪ International Recovery Platform. Guidance Note on Recovery: Private Sector.
▪ Simonet, Catherine, Eva Comba and Emily Wilkinson. DISASTERS AND NATIONAL
ECONOMIC RESILIENCE AN ANALYSIS OF BRACED COUNTRIES. Working paper. February
2017
▪ UNISDR. Information and Knowledge Management for Disaster Risk Reduction
(IKM4DRR) Framework and Scorecard. May 2013.
▪ UNISDR (2015). Making Development Sustainable: The Future of Disaster Risk
Management. Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction. Geneva,
Switzerland: United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNISDR).
▪ United Nations Development Programme. (2015, a). A Guidance Note National Post-
Disaster Recovery Planning and Coordination.
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18 Lições aprendidas dos processos de recuperação pós-desastre em Cabo Verde
▪ United Nations Development Programme. Methodological Guide for Post disaster
Recovery Planning Processes, 2011.
▪ Guidelines and Actions for National, Regional and Local Governments.
http://www.preventionweb.net/files/32306_32306guametodolgicaparaprocesosdepl.
▪ United Nations Development Programme (UNDP). (2016). DISASTER RECOVERY
Empowered lives. Resilient Nations. Challenges and Lessons. 2016. United Nations
Development Programme (UNDP) Bureau for Policy and Programme Support. One
United Nations Plaza, New York, NY, 10017 USA www.undp.org
▪ World Bank. Learning lessons from disaster recovery: the case of Mozambique. Working
Papers series nº.12.April 2005.
i GAR 2015 Reference