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LIMITAÇÕES À DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS NO ÂMBITO DA FUSÃO DE EMPRESAS Sandra Paula de Marta Pereira Coutinho TESE DE MESTRADO EM FINANÇAS E FISCALIDADE Orientadores: Professor Doutor Elísio Fernando Moreira Brandão Professor Doutor Samuel Cruz Alves Pereira Porto, Setembro de 2012

LIMITAÇÕES À DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS NO … · A abolição de fronteiras e o desaparecimento dos diferentes espaços nacionais, das barreiras físicas, técnicas e fiscais,

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LIMITAES DEDUO DE PREJUZOS FISCAIS

NO MBITO DA FUSO DE EMPRESAS

Sandra Paula de Marta Pereira Coutinho

TESE DE MESTRADO EM FINANAS E FISCALIDADE

Orientadores:

Professor Doutor Elsio Fernando Moreira Brando

Professor Doutor Samuel Cruz Alves Pereira

Porto, Setembro de 2012

ii

If you cant convince them, confuse them.

Harry S. Truman

iii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Elsio Brando, agradeo o seu apoio, a sua pacincia, a sua

compreenso e disponibilidade sempre manifestada.

Ao Professor Doutor Samuel Pereira, agradeo a motivao constante, o

acompanhamento, a permanente disponibilidade e a generosidade com que sempre me

apoiou.

iv

RESUMO

O presente estudo analisa o enquadramento fiscal das fuses em Portugal,

nomeadamente no que se refere possibilidade de transmitir e utilizar os prejuzos

fiscais gerados pela(s) sociedade(s) incorporada(s).

Neste contexto, analisada a legislao fiscal portuguesa em matria de fuses,

aprofundando o enquadramento em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas

Colectivas e ao nvel do regime especial de neutralidade fiscal, sendo ainda feita

referncia Directiva n. 90/434/CEE, de 23 de Julho.

Conclui-se que as limitaes impostas em Portugal ao nvel da transmisso e

posterior deduo de prejuzos fiscais em especial, a imposio de um plano

especfico de deduo de prejuzos introduzem graves ineficincias ao nvel do

sistema fiscal e dificultam ou inviabilizam em muitos casos essa deduo, pondo em

causa a verdadeira neutralidade fiscal destas operaes.

Conclui-se tambm que a complexidade e a instabilidade do sistema fiscal

portugus, bem como a incerteza quanto interpretao da Lei, afastam o investimento,

pondo em causa a competitividade do pas.

Estas realidades reduzem, assim, a atractividade das operaes de fuso e

aquisio em Portugal, como forma de aumentar a competitividade de empresas

eficientes, ou mesmo como uma alternativa para a sobrevivncia das empresas que

enfrentam srias dificuldades no actual contexto de grave crise econmica.

PALAVRAS-CHAVE: Fuso, neutralidade fiscal, prejuzos fiscais.

v

ABSTRACT

The present study analyses the fiscal framework of mergers in Portugal, as regards

the possibility to transmit and use the tax losses generated by the incorporated company.

In this context, we analysed the Portuguese tax legislation for mergers, deepening

the Corporate Income Tax framework of mergers and the tax neutrality regime; we also

made reference to Directive No. 90/434/EEC of 23 July.

It is concluded that the limitations imposed on Portugal at the level of

transferability and subsequent deduction of tax losses carried forward in particular, a

specific loss relief plan introduce serious inefficiencies at the level of the tax system

and make this deduction difficult or unfeasible in many cases, calling into question the

accurate application of the tax neutrality of these operations.

It is also concluded that the complexity and instability of the Portuguese tax

system, as well as the uncertainty as to the interpretation of the law, discourages the

investment and undermining the competitiveness of Portugal.

These constraints reduce the attractiveness of mergers and acquisitions in

Portugal, as a way to increase the competitiveness of efficient companies, or even as an

alternative to the survival of companies in the current context of economic crisis.

KEYWORDS: Merger, tax neutrality, tax losses.

vi

NDICE

1 CAPTULO I Introduo .............................................................................................................. 1

2 CAPTULO II Reviso da literatura ............................................................................................ 5

2.1 Breve enquadramento das fuses ............................................................................................ 5

2.2 A actual crise financeira e econmica e a poltica fiscal ........................................................ 6

2.3 Aspectos que influenciam as decises de fuso ...................................................................... 9

2.3.1 Aspectos gerais ..................................................................................................................... 9

2.3.2 Aspectos fiscais ................................................................................................................... 10

2.4 Neutralidade fiscal, prejuzos fiscais e normas anti-abuso ................................................. 13

3 CAPTULO III Definio de fuso ............................................................................................. 19

3.1 Perspectiva jurdica ................................................................................................................ 19

3.2 Perspectiva fiscal .................................................................................................................... 20

3.3 Perspectiva contabilstica ....................................................................................................... 21

4 CAPTULO IV - Regime fiscal aplicvel s fuses de sociedades em Portugal ......................... 23

4.1 IRC .......................................................................................................................................... 23

4.1.1 Regime geral ....................................................................................................................... 24

4.1.2 Regime especial de neutralidade fiscal ............................................................................. 25

4.2 Tributao das fuses em sede dos restantes impostos ....................................................... 30

4.2.1 IVA ...................................................................................................................................... 30

4.2.2 IMT, Imposto do Selo e IMI .............................................................................................. 31

4.3 Benefcios fiscais ..................................................................................................................... 31

5 CAPTULO V Deduo de prejuzos fiscais .............................................................................. 34

5.1 Regra geral Artigo 52. do Cdigo do IRC ........................................................................ 35

5.2 Regime especial de neutralidade fiscal ................................................................................. 37

6 CAPTULO VI - Anlise ao regime de deduo dos prejuzos fiscais ........................................ 41

6.1 Comentrios gerais ................................................................................................................. 41

6.2 Objectivos anti-abusivos ........................................................................................................ 42

6.3 Limitaes do regime regra de utilizao de prejuzos fiscais ............................................ 46

6.4 Transmisso de prejuzos no caso de fuses ......................................................................... 48

7 CAPTULO VII ANLISE DE SITUAES CONCRETAS ................................................. 53

7.1 CASO 1 Compra e posterior fuso no sector do aluguer operacional ............................ 53

7.1.1 Apresentao dos factos ..................................................................................................... 53

7.1.2 Comentrios........................................................................................................................ 56

7.2 CASO 2 Reorganizao no sector de servios de consultoria .......................................... 64

7.3 Outras situaes ...................................................................................................................... 68

vii

7.3.1 Sector Txtil ........................................................................................................................ 68

7.3.2 Empresas de parques elicos ............................................................................................. 70

8 Captulo VIII - CONCLUSO ...................................................................................................... 71

8.1 Principais concluses do estudo ............................................................................................ 71

8.2 Recomendaes de alterao ao nvel do sistema fiscal....................................................... 73

8.3 Limitaes do estudo .............................................................................................................. 74

8.4 Sugestes para investigao futura ....................................................................................... 74

Bibliografia ............................................................................................................................................... 75

viii

Lista de abreviaturas:

CEE Comunidade Econmica Europeia

Circular Circular n. 7/2005, de 16 de Maio

CSC Cdigo das Sociedades Comerciais

DGCI Direco Geral dos Impostos

Directiva Directiva n. 90/434/CEE, do Conselho, de 23 de Julho

EBF Estatuto dos Benefcios Fiscais

IFRS International Financial Reporting Standards

IMI Imposto Municipal sobre Imveis

IMT Imposto Municipal sobre as Transmisses Onerosas de Imveis

IRC Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

IRS Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

IVA Imposto sobre o Valor Acrescentado

LGT Lei Geral Tributria

NCRF Norma Contabilstica e de Relato Financeiro

OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

SEAF Secretrio de Estado dos Assuntos Fiscais

SNC Sistema de Normalizao Contabilstica

TJCE Tribunal de Justia das Comunidades Europeias

TJUE Tribunal de Justia da Unio Europeia

UE Unio Europeia

ix

A FEP entende no dar nenhuma aprovao ou reprovao s opinies emitidas nesta

dissertao, que so da inteira responsabilidade do seu autor

1 CAPTULO I INTRODUO

A importncia e, mesmo, necessidade de reestruturar e concentrar actividades

empresariais so reconhecidas por diferentes pases, que contemplam no seu quadro

legislativo medidas de incentivo a estas operaes, principalmente a nvel fiscal.

neste contexto que surgem o regime especial de neutralidade fiscal em sede de

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) onde est includa a

possibilidade de transmisso de prejuzos fiscais no mbito de operaes de fuso, ciso

e entrada de activos , bem como um conjunto de benefcios fiscais aplicveis aos actos

de concentrao de empresas.

O presente estudo tem como objectivo a anlise do impacto das limitaes

utilizao de prejuzos fiscais gerados pela(s) sociedade(s) incorporada(s) na esfera da

sociedade beneficiria, na sequncia de operaes de fuso. Pretende-se, igualmente,

analisar as implicaes das constantes alteraes legislativas e de interpretao

verificadas a este nvel, da sucessiva introduo de alegadas normas anti-abuso

especficas e do conjunto de regras disperso que os investidores tm de ter em

considerao para avaliar os reais impactos de uma fuso, no respeita possibilidade de

deduo de prejuzos fiscais.

Ao nvel das motivaes subjacentes s fuses, importa desde logo ter presente

que, nos ltimos anos, a economia mundial tem vindo a ser caracterizada pela crescente

globalizao dos mercados, esbatimento e desaparecimento das fronteiras e

internacionalizao das empresas.

Para o aceleramento deste processo contribuiu decisivamente a criao do

Mercado nico Europeu e da Unio Econmica e Monetria. A abolio de fronteiras e

o desaparecimento dos diferentes espaos nacionais, das barreiras fsicas, tcnicas e

fiscais, a livre circulao de mercadorias, servios e capitais, e o estabelecimento de

uma poltica comercial comum provocaram um aumento da presso competitiva e a

entrada de novos agentes econmicos atrados por um mercado de dimenso cada vez

mais alargada, que tendem a implementar processos de concentrao para garantir as

condies concorrenciais necessrias sua sobrevivncia neste mercado cada vez mais

exigente.

A vantagem competitiva pode mesmo ditar a sobrevivncia nos mercados, que

enfrentam actualmente condies extremamente adversas. Com efeito, desde 2008 que

2

o mundo enfrenta uma grave crise econmico-financeira, que afectou o sistema

financeiro e a actividade econmica a nvel global, marcada tambm por acentuados

decrscimos do consumo privado.

neste contexto globalmente depressivo que existe uma necessidade

incontornvel de os agentes econmicos focalizarem as suas estratgias empresariais,

entre outros aspectos, na eliminao de ineficincias, no ajustamento das suas estruturas

organizacionais, produtivas e comerciais, na procura do perfil e dimenso adequados,

no sentido de beneficiar de economias de escala, da mxima eficincia operacional,

financeira e de gesto, para assim poderem encarar com mais segurana, flexibilidade e

rapidez as exigncias do novo mercado ou, mesmo, assegurar a sua sobrevivncia.

Tambm a economia portuguesa se encontra, actualmente, numa forte crise, de

onde emergem fenmenos sociais graves, desequilbrios financeiros, elevado

endividamento pblico1 e interno.

Assim, o sector empresarial portugus no pode ficar indiferente ao fenmeno de

concentrao, que amplia a intensidade competitiva dos mercados e, por conseguinte,

exige que os diversos agentes econmicos redefinam o seu posicionamento, a fim de se

adaptarem s novas condies da economia.

A fuso de sociedades uma forma de as empresas poderem atingir esses

objectivos e adquirirem uma vantagem competitiva. Numa poca de crise como a que

agora se atravessa, as fuses e aquisies podem representar uma soluo para a

viabilidade das empresas, funcionando como verdadeiros instrumentos de reestruturao

econmico-financeira, permitindo adquirir a dimenso necessria, obter sinergias e,

assim, aumentar a competitividade.

Para as empresas com disponibilidade financeira, as fuses e aquisies podem

ser uma forma de aumentar a quota de mercado. Para as empresas com problemas

financeiros, mas economicamente viveis, a abertura do seu capital a terceiros ou a

fuso com outra empresa pode ser, na actual conjuntura econmica, a nica forma de

obter capitalizao, principalmente numa altura em que o financiamento bancrio se

encontra muito dificultado.

1 Portugal sofreu fortemente os impactos da crise econmico-financeira mundial e tornou-se o terceiro

pas da Zona Euro, aps a Irlanda e a Grcia, a receber apoio financeiro internacional para suplantar as

dificuldades financeiras.

3

A grande motivao para explorar este tema resulta da experincia adquirida em

termos profissionais, na rea de consultoria fiscal e da reorganizao de empresas, e da

extrema relevncia e actualidade do mesmo, no actual contexto econmico que se

atravessa.

Para a realizao da presente dissertao foram analisados diversos estudos

internacionais, principalmente ao nvel do enquadramento das fuses e das motivaes

inerentes s mesmas, conscientes porm de que os aspectos fiscais esto muito

relacionados com as especificidades legais de cada pas, o que limita a validade ou

extrapolao das concluses dos estudos internacionais existentes.

Este trabalho est organizado em oito captulos, sendo que o primeiro diz respeito

presente introduo.

O segundo captulo est consagrado reviso da literatura relacionada com o tema

da presente dissertao.

No terceiro captulo apresentam-se, de uma forma muito sucinta, os conceitos

jurdico, fiscal e contabilstico da fuso.

O quarto captulo, intitulado Regime fiscal aplicvel s fuses de sociedades em

Portugal, est subdividido em trs partes, onde na primeira se apresenta o tratamento

fiscal da fuso em sede de IRC, dentro e fora do regime de neutralidade fiscal, fazendo-

se tambm uma referncia ao direito comunitrio no que a este regime respeita. A

segunda parte faz uma abordagem geral ao tratamento fiscal da fuso em sede dos

restantes impostos. Na terceira parte descrevem-se os benefcios fiscais previstos para

estas operaes.

O quinto captulo dedicado descrio das regras de reporte, transmisso e

utilizao dos prejuzos fiscais. Para esse efeito, realizado previamente um

enquadramento luz do regime geral de reporte de prejuzos, para depois aprofundar as

especificidades do regime de neutralidade fiscal.

O sexto captulo consagrado anlise do regime de deduo de prejuzos fiscais

descrito no captulo anterior, abordando em primeiro lugar os objectivos anti-abusivos

que lhe esto subjacentes, analisando de seguida as limitaes do regime-regra e

terminando com a anlise das limitaes e constrangimentos associados transmisso e

deduo dos mesmos no mbito de operaes de fuso.

4

O stimo captulo consagrado apresentao de algumas situaes concretas,

entre as muitas que poderiam ser descritas, tendo como objectivo facilitar a

compreenso do impacto efectivo que os constrangimentos criados ao nvel da

utilizao de prejuzos tm para as empresas que exercem a sua actividade e investem

no nosso pas. Procuramos tambm evidenciar que, em diversos casos, a aplicao das

limitaes em referncia no se mostra compreensvel, quer pela excessiva

complexidade que acarretam, como pelas consequncias prticas que da advm.

No oitavo e ltimo captulo so apresentadas as concluses do presente estudo.

So includas ainda neste captulo algumas recomendaes de alterao ao actual

sistema fiscal portugus, que resultaram da reviso bibliogrfica, da anlise efectuada e,

bem assim, da experincia adquirida nesta rea. Por fim, apresentam-se as limitaes do

estudo e orientaes para investigaes futuras.

5

2 CAPTULO II REVISO DA LITERATURA

As fuses e aquisies tm vindo a ser, ao longo das ltimas dcadas, objecto de

intensa investigao emprica, tanto ao nvel das cincias econmicas, como das

cincias sociais.

Com efeito, este um tema que tem sido amplamente analisado nas suas diversas

vertentes, pelo facto de estas operaes assumirem um papel crescente numa economia

cada vez mais globalizada e devido ao seu grande impacto ao nvel do mercado. So

operaes que, pelo elevado grau de complexidade, risco e incerteza, dividem opinies

quanto s respectivas vantagens e desvantagens.

No presente captulo fazemos uma reviso da literatura relacionada com este

tema, sem, contudo, ter qualquer pretenso de exaustividade, atenta a quantidade e

diversidade de estudos sobre esta matria e, bem assim, o mbito do presente trabalho.

No entanto, devido abrangncia de temticas associadas ao objectivo da presente

dissertao, este captulo tornou-se extenso. Comea por fazer um breve enquadramento

da incidncia das fuses nos ltimos sculos, abordando de seguida alguns aspectos

relacionados com a actual conjuntura econmica e financeira, no mbito da qual surge a

necessidade de repensar as polticas fiscais desenvolvidas pelos Estados. So depois

referidos alguns dos aspectos mais importantes que influenciam as decises de fuso e

aquisio de sociedades, diferenciando entre aspectos gerais e fiscais. Por fim,

analisado o actual regime fiscal aplicvel s fuses de sociedades, explorando o regime

de neutralidade fiscal, as limitaes transmisso e utilizao de prejuzos fiscais e feita

uma referncia sucessiva introduo, no sistema fiscal portugus, de restries e

normas anti-abuso relativas a esta matria.

2.1 BREVE ENQUADRAMENTO DAS FUSES

As fuses e aquisies surgiram com preponderncia no final do sculo XIX (a

chamada primeira vaga) e em mais quatro vagas no sculo XX [Gaughan (2002)].

Nelson (1959) analisou a relao entre as vagas de fuses (ocorridas entre 1895 e

1956) e o comportamento cclico da economia americana, tendo concludo que as

mesmas apresentavam um claro carcter pr-cclico.

Mitchell e Mulherin (1996) tm, no entanto, uma perspectiva mais abrangente,

argumentando que as fuses so, em grande parte das vezes, uma resposta a alteraes

6

expressivas na envolvente econmica, a choques econmicos, de natureza global ou

sectorial. Nesta perspectiva, as fuses tenderiam a concentrar-se em perodos de fortes

alteraes na envolvente econmica, o que justifica a incidncia de fuses nas ltimas

duas dcadas.

2.2 A ACTUAL CRISE FINANCEIRA E ECONMICA E A POLTICA FISCAL

Segundo Hemmelgarn e Nicodme (2010), a crise financeira de 2008 despoletou a

crise econmica mais profunda desde a Grande Depresso de 1929 e teve srias

consequncias negativas ao nvel da economia mundial. Apesar de as reais causas desta

crise ainda estarem a ser fortemente debatidas e objecto de estudos vrios2, a maioria

dos estudiosos defende que o acesso facilitado ao crdito e o aumento do risco das

empresas e famlias tiveram um peso significativo no surgimento desta crise.

De acordo com estes autores, a tributao no originou, por si s, a crise, nem foi

o maior contribuidor para essa situao, mas alguns aspectos potenciaram

comportamentos que podero ter contribudo para a crise, designadamente atravs de

um aumento da assuno do risco e do endividamento por parte dos bancos, empresas e

famlias, como por exemplo:

O tratamento favorvel dos custos inerentes ao financiamento fomentou o

endividamento e aumentou o risco das empresas, evidenciado num contexto

recessivo;

As taxas de juro baixas, os reduzidos custos de deteno e transaco de

imveis, juntamente com os incentivos fiscais, como o caso dos incentivos

aquisio de casa prpria, podero ter influenciado os agentes econmicos a

endividar-se excessivamente e fomentado a procura exagerada de imveis com

consequncias ao nvel da sobrevalorizao dos mesmos e ao surgimento de

uma bolha especulativa. Neste contexto, a proporo dos emprstimos

2 No obstante, existe j uma abundante literatura sobre a crise de 2008, com diferentes perspectivas e

opinies, como o caso de Krugman, Paul (2008) e Soros, George (2008).

7

subprime3

aumentou substancialmente na dcada que antecedeu a crise

financeira4;

O tratamento favorvel de alguns rendimentos associados compensao de

executivos em funo dos resultados ter potenciado tambm um

comportamento mais favorvel ao risco.

Pode-se, pois, concluir que os aspectos fiscais podem ter um impacto considervel

ao nvel da economia e do comportamento dos agentes econmicos.

Na sequncia da crise financeira, o crdito concedido a empresas e particulares

registou tambm uma forte quebra, quer pela falta de liquidez dos bancos, quer por

questes de gesto do risco. Neste contexto, os Governos e os Bancos Centrais dos

Pases-membros da Unio Europeia reagiram injectando capital e liquidez nas

economias, criando polticas reguladoras e estmulos fiscais, auxiliando e resgatando os

bancos para evitar o colapso de todo o sistema financeiro [Hemmelgarn e Nicodme

(2010)]5, o que criou srios constrangimentos nas contas pblicas que viram os seus

dficits aumentarem significativamente.

De acordo com Doris Prammer (2011), a actual situao econmica, oramental e

poltica apresenta uma oportunidade nica e mesmo a necessidade de repensar a

qualidade dos sistemas fiscais. Apesar de existir evidncia de que a reduo da

despesa mais eficaz ao nvel do controlo oramental do que o aumento da receita, a

magnitude da actual situao dos Estados sugere que a contribuio via tributao

inevitvel neste momento. Com efeito, a poltica fiscal persegue diversos objectivos,

como obter os fundos necessrios para a despesa pblica, para distribuir a riqueza

3 Por definio, tratam-se de um tipo especfico de crdito hipotecrio imobilirio que surgiu nos Estados

Unidos da Amrica (EUA) e comporta um elevado risco, designadamente devido ao perfil do devedor

e/ou relao entre o valor financiado e o valor atribudo ao imvel [Hemmelgarn e Nicodme (2010);

ver tambm, a este respeito, Fabozzi, (2005)]. 4 A crise do subprime foi uma crise financeira desencadeada nos EUA a partir de 2006 com a queda

dos preos dos imveis, por instituies de crdito que concediam emprstimos hipotecrios de elevado

risco, conduzindo vrios bancos a uma situao de insolvncia com repercusses ao nvel das bolsas de

valores de todo o mundo. A valorizao contnua dos imveis, verificada at essa altura, permitia aos

muturios obter novos emprstimos para liquidar os anteriores ou para outras finalidades (como o

consumo), dando o mesmo imvel como garantia. Esta crise foi potenciada pelo desenvolvimento de

novos instrumentos financeiros, designadamente a securitizao dos referidos crditos atravs de veculos

de investimento (ver Fabozzi (2005) relativamente descrio destes instrumentos e processos). Assim,

criaram-se ttulos negociveis, que foram adquiridos em grandes quantidades pelas instituies de crdito

dos diversos pases, o que provocou o contgio da crise aos principais bancos mundiais, quando os

imveis comearam a desvalorizar-se. 5 Consulte-se, a este respeito, tambm Lopes, Jos Silva (2010).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_financeirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Institui%C3%A7%C3%A3o_financeirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%A9ditohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hipotecahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Risco_(administra%C3%A7%C3%A3o)http://pt.wikipedia.org/wiki/Bancohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Insolv%C3%AAnciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Bolsa_de_valoreshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Bolsa_de_valoreshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Securitiza%C3%A7%C3%A3o

8

(tributao progressiva do rendimento), para estabilizar a economia, para atingir certos

comportamentos6 e para influenciar a alocao de recursos. Ao mesmo tempo, os

impostos no devem ser factores de distoro do crescimento econmico.

Atentas estas vrias dimenses evidente que a qualidade da poltica fiscal

um conceito multifacetado, que lida com a concepo da poltica fiscal e dos sistemas

fiscais para atingir os objectivos polticos desejados da forma mais eficiente

minimizando as distores indesejadas, promovendo o crescimento e minimizando o

custo da cobrana de impostos [Doris Prammer (2011)].

De acordo com Myles (2009c), os impostos sobre o rendimento (imposto sobre as

empresas e sobre as pessoas singulares) podem influenciar a tomada de deciso sobre o

exerccio de uma actividade empreendedora, devido a alteraes no perfil de risco-

rentabilidade que os mesmos acarretam. Por um lado, os impostos reduzem o

rendimento dos investidores e, consequentemente, podem desmotiv-los ao exerccio de

uma actividade. Por outro lado, se os prejuzos puderem ser dedutveis aos lucros, o

risco do investimento partilhado com o Estado.

No entanto, se o sistema fiscal for de tributao progressiva dos rendimentos ou se

existirem limites deduo de prejuzos, os prejuzos apenas podero ser deduzidos a

taxas mais baixas do que aquelas que incidem sobre os lucros, o que pode desencorajar

os investidores [De Mooij e Nicodme (2007)].

Segundo Doris Prammer (2011), os impostos que incidem sobre o capital7

influenciam a taxa de retorno dos investimentos, pelo que podem desencorajar a

poupana e o investimento por parte dos agentes econmicos (empresas e indivduos), o

que tem um impacto negativo ao nvel do crescimento econmico. Assim, num contexto

de crescente mobilidade de capital a nvel internacional, e em particular num mercado

comum como o caso da Unio Europeia, a tributao das empresas pode ter impacto

no crescimento em diferentes nveis, como, designadamente, influenciar a escolha da

localizao do investimento por parte das empresas, quanto investem e onde escolhem

localizar os lucros8.

6 Como por exemplo, do ponto de vista ambiental, de consumos como o lcool e tabaco.

7 Como o caso dos impostos incidentes sobre os lucros das empresas, dos ganhos de capital, dividendos

e juros. 8 Acrescenta ainda a mesma autora que o tratamento fiscal das mais-valias, bem como de outras formas

de remunerao do capital, como os juros e dividendos, podem distorcer as decises financeiras das

empresas. Como exemplo temos a maior parte dos pases da Unio Europeia (UE), que permite a

9

Os impostos sobre o consumo, como o caso do IVA, so geralmente

considerados como menos distorcivos do que os impostos sobre o rendimento9. Com

efeito, estudos empricos revelam que algumas taxas afectam mais negativamente o

crescimento do que outras. Myles (2009b) encontrou algumas evidncias de que a

tributao incidente sobre o consumo menos prejudicial ao crescimento do que a

tributao sobre o rendimento.

2.3 ASPECTOS QUE INFLUENCIAM AS DECISES DE FUSO

2.3.1 ASPECTOS GERAIS

Os motivos que levam as empresas a planearem e executarem operaes de fuso

e aquisio so diversos e no lineares. Da mesma forma, a doutrina sobre a

necessidade e a justificao econmica das reorganizaes muito vasta.

DePamphilis (2005) considera que There are numerous theories of why mergers

and acquisitions take place. In reality, most M&As are a result of a number of different

motivations10

.

Uma das ideias subjacentes a todos os processos de fuso e aquisio que as

mesmas conduzem criao de valor para os accionistas, que pode ser obtida com a

existncia de algum tipo de sinergia11

.

No entanto, mesmo essa matria tem-se revelado controversa em termos de

evidncia emprica. Por exemplo, Agrawal, Jaffe e Mandelker (1992) concluram que os

accionistas das empresas adquirentes sofrem uma perda estatisticamente significativa de

cerca de 10% nos cinco anos posteriores ocorrncia da fuso12

.

dedutibilidade fiscal dos juros suportados pelas empresas com os financiamentos obtidos, mas o

pagamento de dividendos no pode ser deduzido para efeitos fiscais. Devido a esta discriminao as

empresas podem optar pelo recurso ao endividamento em detrimento de equity financing for their

investments; isto no s favorece empresas com mais capacidade de endividamento (porventura mais

antigas e menos inovadoras) como tambm potencia situaes de elevadas taxas de endividamento [Mooij

e Ederveen (2005)]. 9 Para aprofundar esta matria consultar Doris Prammer (2011).

10 DePamphilis (2005), p. 17.

11 DePamphilis (2005) define sinergia como the rather simplistic notion that the combination of two

businesses can create greater shareholder value than if they are operated separately (DePamphilis (2005),

p. 17). 12

No presente estudo no vamos aprofundar esta matria, que encerra bastante controvrsia e tem sido

analisada por diversos autores. DePamphilis (2005) faz um resumo de alguns estudos sobre este tema que

podero ser consultados (DePamphilis (2005), p. 29).

10

Gaughan (2002) defende que os principais motivos estratgicos e determinantes

das fuses e aquisies so o crescimento13

, as sinergias (operacionais e financeiras14

), a

diversificao, motivos econmicos (onde se incluem as economias de escala), a

possibilidade de melhorias na gesto e ao nvel da investigao e desenvolvimento,

melhorar os canais de distribuio e motivos fiscais.

Na opinio de Matos e Rodrigues (2000), as fuses podem contribuir para a

criao ou reforo do poder de mercado, na medida em que estas operaes conduzem a

uma maior concentrao do mercado, o que origina a diminuio do nmero de

concorrentes.

Ross et al. (2008) defendem que a possibilidade de obteno de sinergia

estratgica15

com uma fuso e aquisio um dos factores que pode gerar um aumento

das receitas das empresas. A transferncia de tecnologia outra razo apontada por

estes autores para as fuses e aquisies16

.

As sinergias financeiras podem tambm ser obtidas atravs do aumento da

capacidade negocial perante os diversos financiadores. Para Weston e Weaver (2001), o

aumento da dimenso cria a possibilidade de aumentar a capacidade negocial,

igualmente, ao nvel da obteno de descontos de quantidade e melhores condies em

acordos entre empresas.

No iremos, no presente trabalho, analisar pormenorizadamente os factores mais

relevantes nas decises de fuso e aquisio. No entanto, o que pretendemos demonstrar

com os estudos referidos a reconhecida existncia de diversas razes econmicas

vlidas para a realizao destas operaes, com vantagens aos mais diversos nveis, o

que justifica a preocupao dos governos em no criar entraves s mesmas.

2.3.2 ASPECTOS FISCAIS

As vantagens fiscais so tambm apontadas por vasta literatura como um factor

que pode ser determinante para a concretizao de uma operao de fuso e aquisio.

Porm, a opinio quanto a esta matria no consensual.

13

Weston e Weaver (2001) referem que as vantagens da dimenso residem, por exemplo, ao nvel da

maior capacidade na aquisio de equipamentos de alta tecnologia. 14

Para melhor compreenso destes tipos de sinergia consultar DePamphilis (2005), pp. 17-19. 15

Como o caso da aquisio de capacidades em novas indstrias, a obteno de talentos para as

indstrias de desenvolvimento rpido, a capacidade de movimento rpido em novos produtos e mercados

[Weston e Weaver (2001)]. 16

Esta vantagem pode assumir a forma de partilha de informao, tecnologia e know-how.

11

Saldanha Sanches (2010) defende que no faz sentido, na maior parte dos casos,

que o investimento seja feito por razes puramente fiscais, mesmo que as vantagens

fiscais se revelem favorveis ao investimento econmico.

Neste mesmo sentido, Weston e Weaver (2001) referem que os estudos empricos

sobre os efeitos fiscais nas fuses e aquisies revelam que estes factores tm uma

magnitude de significncia inferior a 10% do valor das operaes.

DePamphilis (2005) refere tambm que Tax considerations are generally not the

driving factor behind acquisitions. The value of tax benefits may represent a significant

but relatively small percentage of the targets total value 17

.

Carla Hayn (1989) concluiu que os potenciais benefcios decorrentes da existncia

de prejuzos fiscais reportveis e crditos fiscais tinham um efeito positivo na

rentabilidade das aces de empresas envolvidas em fuses/aquisies num regime

tax-free18

; concluiu tambm que as mais-valias e a aplicao do justo valor aos

activos adquiridos influenciavam a rentabilidade de empresas envolvidas em

fuses/aquisies tributadas.

Segundo Auerbach (1988a), existem diferentes formas pelas quais as empresas

procuram diminuir a carga fiscal atravs de uma operao de fuso e aquisio, em prol

de benefcios para as empresas mas tambm para os accionistas. Mas, no so s as

poupanas podem condicionar estas operaes, pois as perdas ou limitaes fiscais

tambm podem influenciar as decises de concretizar uma fuso ou aquisio.

As taxas de tributao sobre os rendimentos das empresas no so uniformes entre

os vrios pases, sendo naturalmente positiva para as empresas a possibilidade de

reduzir a carga fiscal com operaes de reorganizao. Nesse sentido, Huizinga e

Nicodme (2006) encontraram evidncias empricas a favor de um maior volume

externo de fuses e aquisies quando os impostos internos so elevados em

comparao com os dos pases de acolhimento do investimento.

No que respeita ao impacto dos impostos no incentivo para trabalhar ou investir

num pas, o World Economic Forum colocou Portugal na 134. posio entre 142

pases19

, pelo que podemos concluir que Portugal dos pases em que os impostos mais

desincentivam estes dois factores.

17

DePamphilis (2005), p. 34. 18

Semelhante ao regime de neutralidade fiscal. 19

The Global Competitiveness Report 2011-2012 do World Economic Forum.

12

De facto, Portugal tem uma taxa nominal de IRC elevada20

, pelo que no se

afigura como um pas competitivo na atractividade do investimento estrangeiro a este

nvel. Segundo o World Economic Forum (2011), a taxa de IRC em Portugal apenas a

85. mais competitiva em termos internacionais, entre os 142 pases analisados.

Com a criao da Unio Econmica e Monetria, a perda de importncia da

poltica monetria e cambial foi acompanhada pelo ganho de importncia da poltica

fiscal, cujos grandes objectivos so, como referido, a criao de riqueza, a atraco de

investimento e a satisfao das necessidades financeiras do Estado [Bessa (1999)].

Horta (2009) considera que a atractividade de Portugal como pas de destino de

investimento estrangeiro enfrenta um momento decisivo. Catroga (2001) entende que a

fiscalidade assume um papel determinante na capacidade de captao desse

investimento, na medida em que uma componente do fenmeno da globalizao, onde

a competio mais evidente nos pases com maior proximidade.

Tal como anteriormente referido, as sinergias financeiras podem diminuir o custo

de capital. Assim, os impostos tambm podem ter um papel importante, na medida em

que podem influenciar as decises de financiamento das empresas [Fama e French

(1998), Scholes et al. (2009)]. Ross et al. (2008) reforam esta ideia ao afirmarem que

possvel obter uma vantagem fiscal com a capacidade de endividamento no utilizada,

sendo tambm possvel aumentar a capacidade de endividamento conjunta com a

combinao de empresas.

Noutra perspectiva, Bruner (2004) refere que uma das sinergias possveis com as

operaes de fuso e aquisio a reduo de impostos atravs da poupana fiscal

associada ao aumento das depreciaes ou atravs da transferncia de prejuzos

fiscais21

.

Na opinio de Gaughan (2002) tax considerations are important as both the

motivation for a transaction and the valuation of a company. Part of the tax benefits

from a transaction may derive from tax synergy, whereby one of the firms involved in a

merger may not be able to fully utilize its tax shields. When combined with the merger

20

A taxa do IRC, actualmente, de 25% (Cfr. artigo 87. do Cdigo do IRC). 21

Segundo Auerbach (1988a) a potencial transferncia de crditos e prejuzos fiscais foi o motivo fiscal

mais significativo para as fuses e aquisies nas dcadas de 70 e 80 nos EUA.

13

partner, however, the tax shields may offset income. Some of these gains may come

from unused net operating losses, which may be used by a more profitable partner22

.

Tambm para Ross et al. (2008), a possibilidade de utilizao de prejuzos fiscais

pode ser um poderoso incentivo para a realizao de algumas fuses e aquisies, na

medida em que os prejuzos, tal como os crditos fiscais no utilizados, permitem s

empresas reduzir o imposto sobre o rendimento no perodo de tributao em que a

operao realizada e nos perodos subsequentes.

De facto, as empresas procuram benefcios, subsdios e incentivos fiscais quando

decidem os seus investimentos. Nesta perspectiva, Saldanha Sanches (2010) considera

que a atribuio de benefcios fiscais pode ser um instrumento essencial para estimular

as exportaes ou conseguir a instalao de indstrias com elevada tecnologia.

Sintetizando, apesar de a maioria dos estudos reconhecer que as questes fiscais

no so a principal motivao das fuses, de certa forma consensual que a fiscalidade

assume um papel importante nas decises de investimento, influenciando tambm a

rentabilidade dessas operaes e, consequentemente, a sua concretizao. A

neutralidade fiscal, a transmissibilidade de crditos e de prejuzos fiscais so apontadas

como as vantagens fiscais mais significativas para as operaes de fuso e aquisio, a

par com as restantes vantagens econmicas que, regra geral, motivam estas operaes.

2.4 NEUTRALIDADE FISCAL, PREJUZOS FISCAIS E NORMAS ANTI-ABUSO

As operaes de fuso e aquisio encerram alguma complexidade em todas as

fases do processo, sendo a fiscalidade um factor que deve ser tido em considerao dada

a sua importncia na rentabilidade e sucesso das operaes. A este propsito, Saldanha

Sanches (2008) acrescenta que a anlise das consequncias fiscais das operaes de

fuso e das possveis vantagens e desvantagens da resultantes deve estar sempre

presente e um dos factores a considerar, ainda que no seja a principal motivao para

as fuses.

Em Portugal, existe um regime geral aplicvel s fuses de sociedades e um

regime especial de neutralidade fiscal, que sero objecto de reflexo no presente estudo.

22

Gaughan (2002), p. 579.

14

De acordo com Freitas Pereira (2009) o sistema fiscal dever ter subjacente o

conceito de eficincia econmica, que implica a neutralidade do imposto, ou seja, os

impostos no devem influenciar as escolhas dos agentes econmicos.

Neste mesmo sentido, Antnio Martins (2009)23

afirma: No plano dos princpios,

a reorganizao ou reestruturao empresarial devia ser movida por factores

econmicos. O sistema fiscal no deveria influenciar as escolhas mais eficientes da

organizao das actividades econmicas ou do seu financiamento.

O mesmo autor acrescenta ainda: Pode afirmar-se que existe no ordenamento

jurdico-fiscal portugus bem como no de outros pases um propsito geral de

neutralidade tributria no enquadramento das operaes de reestruturao. Na verdade,

num plano muito geral, quer-se que sejam razes econmicas e no motivos fiscais a

comandar essas operaes. () Que assim mostra-o entre ns a preocupao em

estabelecer regimes de neutralidade fiscal, relativamente a tais operaes ().24

.

A propsito do regime especial de neutralidade fiscal refere Casalta Nabais

(2010)25

que, Nos termos dos arts. 73. a 78.26

, est previsto um regime especial

aplicvel s fuses, cises, entradas de activos e permutas de partes sociais de

sociedades residentes. Trata-se de um regime especial que exigido pela Directiva n.

90/434/CEE quando nestas operaes intervenham sociedades de diferentes Estados

membros da Unio Europeia, o qual tem por objectivo assegurar a neutralidade fiscal

dessas operaes de reorganizao das unidades produtivas. Regime cuja aplicao

exige que sejam observadas determinadas condies.

Na opinio de Lobo (2006), o mecanismo de neutralidade fiscal das fuses

estrutural ao sistema fiscal, uma vez que adopta uma perspectiva de continuidade. De

acordo com Saldanha Sanches (2008), o regime de neutralidade fiscal tem como

objectivo, no caso concreto das fuses, que nem o Estado cobre o imposto, nem as

partes obtenham a vantagem econmica que pretendiam.

No sendo aplicvel o regime de neutralidade fiscal, refere Saldanha Sanches et

al. (2009), () a tributao destas operaes cria um caso exemplar de excess burden.

23

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Antnio Martins, A Influncia da Lei Fiscal nas Decises de

Reestruturar: uma Perspectiva Financeira, pp. 13-37 (p. 37). 24

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Antnio Martins, A Influncia da Lei Fiscal nas Decises de

Reestruturar: uma Perspectiva Financeira, pp. 13-37 (pp. 21-22). 25

Casalta Nabais, Jos (2010), p. 605. 26

Do Cdigo do IRC (nota nossa).

15

Se a mudana da estrutura jurdica das empresas sofre uma pesada tributao (com um

encargo fiscal que deve ser pago independentemente da existncia de lucros), temos um

forte incentivo para que a operao no seja feita. H excess burden, porque, no limite,

a tributao inviabiliza a operao (com os consequentes prejuzos para a optimizao

das formas de organizao de empresas) ()27

.

Contudo, Freitas Pereira (2010) chama a ateno para o facto de no se poder

concluir partida que o regime especial de neutralidade fiscal se afigura sempre como

mais favorvel do que o regime geral.

Nesta perspectiva, DePamphilis (2005) refere que os benefcios fiscais associados

transferncia de prejuzos e de crditos fiscais so factores que podem motivar as

fuses, acrescentando contudo que a valorizao dos activos, quando aplicado o mtodo

da compra, tambm um factor que pode motivar fuso, na medida em que o

incremento de depreciaes da decorrente also reduces the amount of future taxable

income generated by the combined companies28

.

Este mesmo autor refere, no entanto, que a tributao da operao, i.e., a

aplicao ou no de um regime equivalente ao da neutralidade fiscal, representa um

papel mais importante na concretizao da fuso do que quaisquer benefcios fiscais

para a sociedade adquirente, podendo mesmo ser considerado como um requisito prvio

para a realizao do negcio.

No entanto, o sistema fiscal nunca completamente neutro. Neste sentido

pronuncia-se Antnio Martins (2009)29

: Consegue este propsito de neutralidade

eliminar a influncia da fiscalidade nas decises de reestruturao? A nossa resposta

negativa. Justificando, () apesar de as referidas normas conterem um propsito

geral de neutralidade, muitos outros preceitos restam ainda para que consideremos que o

tratamento fiscal das operaes reestruturao () pode influenciar, de forma no

despicienda, o contributo destas operaes para a criao de valor.

Continua o mesmo autor, a propsito das fuses, esta falta de neutralidade

tambm decorrer do facto de o regime fiscal aplicvel s fuses no ter uma base de

aplicao ampla a todas as operaes, existindo tratamento fiscal diferente, mesmo

27

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), Prefcio, p. 5. 28

DePamphilis (2005), p. 23. 29

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Antnio Martins, A Influncia da Lei Fiscal nas Decises de

Reestruturar: uma Perspectiva Financeira, pp 13-37 (p. 22).

16

quando existe justificao econmica para a sua realizao, apontando como fontes de

divergncia de tratamento fiscal, entre outras, o tratamento conferido ao reporte dos

prejuzos fiscais30

.

A propsito da possibilidade de deduo de prejuzos fiscais e da neutralidade

fiscal, Poitevin (2002) refere It is a well established fact that the assymetric fiscal

treatment of firms losses and profits introduces distortions in economic decisions.

Acrescentando, Neutrality is defined as tax losses being available on the same basis

regardless of any takeover activity31

.

tambm importante ter presente que os impostos acarretam custos para os

contribuintes e para a administrao pblica.

Os custos associados cobrana dos impostos crescem com os comportamentos

de fraude e evaso fiscal, sendo que a fraude anda geralmente a par com a complexidade

do sistema fiscal, como decorre das recomendaes gerais do Relatrio do Grupo para

o Estudo da Poltica Fiscal Competitividade, Eficincia e Justia do Sistema Fiscal

(2009), onde se conclui: H, ainda, que ter conscincia de que a complexidade de um

sistema fiscal envolve, tambm, a dimenso essencial da justia na tributao. () Um

sistema em que proliferam excepes regra tem implcitas maiores oportunidades de

planeamento fiscal()32

.

Neste contexto, e tendo presente a questo das fuses, Saldanha Sanches et al.

(2009) refere que A reestruturao de empresas fuses, cises, destaques de activos

ou meras aquisies e alienaes constitui simultaneamente uma necessidade

permanente (adaptao a novas circunstncias, crescimento por absoro, destaque de

sectores que no devem continuar na mesma organizao) e uma fonte potencial de

comportamentos ilcitos ou abusivos de diversos tipos 33

.

Acrescenta ainda: A reestruturao de empresas () pode ser tambm uma

forma de, abusivamente, reduzir a obrigao fiscal. Por esta razo, a Directiva fuses-

30

Neste contexto realamos uma operao considerada atpica pelas Autoridades Fiscais que tem sido

excluda do mbito de aplicao deste regime: a fuso inversa, quando uma sociedade detm uma

participao no capital de outra sociedade e esta ltima incorpora a primeira. A Administrao Fiscal tem

vindo a considerar que fuso inversa no se pode aplicar o regime especial de neutralidade fiscal. No

entanto, Saldanha Sanches (2008) discorda desta posio, entendendo mesmo que existe m-f

processual da Administrao Fiscal na excluso do regime de neutralidade fiscal das fuses inversas.

Para analisar a posio da Administrao Fiscal sobre as fuses inversas, ver Despacho n. 1204/2004

XV do SEAF, de 19 de Maio (informao vinculativa da DGCI). 31

Poitevin (2002), pp. 156-157. 32

Relatrio citado, pp. 190-191. 33

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), Prefcio, p. 5.

17

cises34

contm no seu artigo 11. uma habilitao especfica aos Estados-Membros

para que estes recusem a aplicao do regime contido na Directiva aos casos em que o

especial objectivo do contribuinte seja a fraude ou evitao fiscais. Esta uma clusula

geral, cuja aplicao dever ser objecto de fundamentao por parte da Administrao

fiscal, mas que constitui um limite ao direito de realizar uma reestruturao em regime

de neutralidade fiscal ().

Refere o mesmo autor, a propsito da clusula anti-abuso, A recusa da atribuio

do regime de neutralidade fiscal a uma operao quando a Administrao fiscal

demonstre que a inteno do sujeito passivo era a explorao abusiva do regime hoje

() uma questo pacfica. O mesmo no acontece com as numerosas normas com que o

legislador portugus, dispensando-se dos deveres fundamentais que acompanham a

aplicao de uma clusula geral anti-abuso, procura impedir ou inviabilizar certas

operaes. Que elas se situam em zonas de risco onde h dificuldades objectivas de

controlo, no temos qualquer dvida. Que para a Administrao fiscal no fcil o

cumprimento do dever de fundamentao reforada que acompanha a aplicao da

clusula geral anti-abuso, tambm no nos merece dvidas. O problema reside, como

tem salientado o TJCE e de forma menos incisiva o Tribunal Constitucional, na

admissibilidade da aplicao de normas que recusam certas operaes e que pela sua

natureza ignoram as razes do comportamento do sujeito passivo ().

Tratam-se das chamadas clusulas anti-abuso especficas, que tm surgido de

forma crescente no normativo fiscal portugus com o objectivo de combater

comportamentos especficos qualificados, partida, como abusivos.

Estas clusulas encontram-se em praticamente todos os impostos vigentes em

Portugal. Com efeito, o mbito da aplicao destas clusulas anti-abuso especficas

variado, concentrando-se mais nos impostos sobre o rendimento. Para alm deste facto,

dentro destes impostos, como refere Manuela Teixeira (2009)35

, a maioria destas

clusulas est relacionada com operaes de reestruturao, com a deduo de prejuzos

fiscais, com a liquidao de sociedades e com a utilizao de pases com regimes fiscais

favorveis ou privilegiados.

34

As regras da Directiva n. 90/434/CEE foram transpostas para o direito portugus atravs do DL n.

6/93, de 9 de Janeiro. Comentrio nosso. 35

Manuela Teixeira faz uma anlise geral das clusulas anti-abuso existentes ao nvel dos impostos sobre

o rendimento que poder ser consultada. Ver Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Manuela Duro

Teixeira, Reestruturao de empresas e limites do planeamento fiscal, pp. 237-277.

18

Com efeito, a rea da reestruturao de empresas, segundo Manuela Teixeira

(2009)36

, a principal rea de actuao do legislador em matria de clusulas antiabuso

especficas, o que estar relacionado com a especial dificuldade de deteco (e, por

maioria de razo, de prova) de intenes abusivas que viabilize, na prtica, a aplicao

da clusula geral. De entre estas normas, a autora reala as que condicionam a

aplicao de benefcios fiscais, as constantes no regime de neutralidade fiscal (que pode

deixar de ser aplicado em funo da motivao subjacente s operaes), as relativas

transmissibilidade de prejuzos fiscais nestas operaes, entre outras.

Nesta mesma linha de raciocnio, e relativamente ao sistema fiscal vigente em

Portugal, Saldanha Sanches et al. (2009) refere tambm que Encontramos () uma

srie de normas que restringem a portabilidade dos prejuzos fiscais ().37

.

De acordo com Francisco de Sousa da Cmara (2009) 38

, () a utilizao de

critrios especficos que no so meramente exemplificativos, representa no s a

tentativa de alcanar objectivos especficos (extra-fiscais) como a inteno do legislador

de atribuir maior discricionariedade administrao para decidir sobre a concesso ou a

rejeio da pretenso (do benefcio) requerida pelos intervenientes nas operaes de

reorganizao.

Refere ainda este autor39

que o pressuposto de existncia de razes econmicas

vlidas foi elegido pelo legislador portugus como condio de atribuio de

benefcios fiscais especficos no mbito de operaes de reestruturao e reorganizao

empresarial, designadamente, ao nvel da transmissibilidade dos prejuzos fiscais e para

efeitos da atribuio de isenes tributrias complementares. Mas, as disposies legais

que prevem a atribuio destes benefcios, pressupem que a verificao desta

condio ser necessria mas no suficiente para que os benefcios possam ser

atribudos referindo em seguida as condies que devem ser verificadas para que uma

operao de concentrao aproveite os benefcios fiscais previstos na Lei fiscal

portuguesa.

36

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Manuela Duro Teixeira, Reestruturao de empresas e limites

do planeamento fiscal, pp. 237-277 (p. 251). 37

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), Prefcio, p. 8. 38

Saldanha Sanches, J. L. et al. (2009), in Francisco de Sousa da Cmara, As operaes de

Reestruturao e a Clusula Anti-abuso Prevista no Artigo 67./10 do CIRC, pp. 71-109, (p. 91). 39

No mesmo livro, p. 90.

19

3 CAPTULO III DEFINIO DE FUSO

Aps ter sido abordada a importncia das fuses como forma de investimento,

importa definir este tipo de operaes, embora no existam definies nicas40

.

Assim, no presente captulo feita uma breve abordagem das perspectivas

jurdica, fiscal e contabilstica da fuso de sociedades. Com efeito, em Portugal as

fuses podem ser definidas segundo estas trs perspectivas.

3.1 PERSPECTIVA JURDICA

A disciplina jurdica da fuso de sociedades comerciais est consagrada no

Cdigo das Sociedades Comerciais (CSC)41

.

A noo e as modalidades de fuso esto previstas no artigo 97. do CSC42

, onde

esta operao descrita em sentido lato como sendo a reunio de duas ou mais

sociedades, ainda que de tipo diverso, numa s, podendo realizar-se por incorporao ou

por constituio de uma nova sociedade.

A fuso por incorporao realiza-se mediante a transferncia global do

patrimnio de uma ou mais sociedades para outra e a atribuio aos scios daquelas

de partes, aces ou quotas desta43

.

A fuso por constituio de uma nova sociedade realiza-se mediante a

constituio de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente os

patrimnios das sociedades fundidas, sendo aos scios atribudas partes do capital,

aces ou quotas da nova sociedade44

.

40

DePamphilis (2005) define fuso numa perspectiva legal como sendo a combination of two or more

firms in which all but one legally cease to exist, and the combined organization continues under the

original name of the surviving firm (DePamphilis (2005), p. 6). 41

Aprovado pelo Decreto-Lei n. 262/86, de 2 de Setembro. Entretanto, o CSC sofreu inmeras

actualizaes, das quais destacamos as introduzidas pelo Decreto-Lei n. 76-A/2006, de 29 de Maro, que

alterou o regime das fuses e cises de sociedades comerciais, com o objectivo de o tornar mais simples e

menos oneroso. 42

A definio de fuso implcita no CSC est em linha com a Terceira Directiva em matria de imposto

de sociedades Directiva n. 78/855/CEE, do Conselho, de 9 de Outubro. Lobo (2006) refere que a

transposio desta Directiva para o CSC foi parcial, na medida em que no foi transposto para o

normativo nacional o processo de dissoluo sem liquidao associado s operaes de fuso. Esta

situao diferente, por exemplo, em Frana, onde foi transposta a definio do processo de dissoluo

sem liquidao. 43

Cfr. alnea a) do n. 4 do artigo 97. do CSC. 44

Cfr. alnea b) do n. 4 do artigo 97. do CSC.

20

Alm das possveis atribuies de partes, aces ou quotas da sociedade

incorporante ou da nova sociedade45

, podem ser atribudas aos scios da sociedade

incorporada ou das sociedades fundidas quantias em dinheiro que no excedam 10%

do valor nominal das participaes que lhes forem atribudas46

.

Estabelece ainda o artigo 97. do CSC, que as sociedades dissolvidas podem

fundir-se com outras sociedades, dissolvidas ou no, ainda que a liquidao seja feita

judicialmente 47

. No entanto, uma sociedade no pode fundir-se a partir da data da

petio de apresentao insolvncia ou do pedido de declarao desta48

.

No artigo 116. do CSC prevista uma outra modalidade de fuso: a incorporao

de uma sociedade detida pelo menos a 90% por outra. Nestas operaes no exigida a

atribuio de participaes sociais e os scios detentores de 10 % ou menos do capital

social da sociedade incorporada, que tenham votado contra o projecto de fuso, podem

exonerar-se da sociedade.

3.2 PERSPECTIVA FISCAL

A perspectiva fiscal das fuses actualmente equiparada perspectiva jurdica49

,

encontrando-se previstas no artigo 73. do Cdigo do IRC as modalidades abrangidas

pelo o regime especial aplicvel s fuses de sociedades, que descrito nos artigos 74.

e seguintes do mesmo Cdigo50

.

Com efeito, o n. 1 do artigo 73. do Cdigo do IRC prev as seguintes

modalidades de fuso:

1) Fuso por incorporao

Operao pela qual se realiza A transferncia global do patrimnio de uma ou

mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade j existente

(sociedade beneficiria) e a atribuio aos scios daquelas de partes

representativas do capital social da beneficiria e, eventualmente, de quantias em

45

Cfr. n. 5 do artigo 97. do CSC. 46

Neste contexto, Saldanha Sanches (2008) considera que as fuses se distinguem da mera aquisio de

uma sociedade, porque no so feitas mediante um pagamento em dinheiro dos direitos alienados, mas

mediante um esquema em que as prprias participaes sociais constituem o essencial da prestao, pois

o pagamento em dinheiro tem limites. 47

Cfr. n. 2 do artigo 97. do CSC. 48

Cfr. n. 3 do artigo 97. do CSC. 49

A definio fiscal foi alterada em 2001 com a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 221/2001, de 7 de

Agosto, passando a ser idntica perspectiva jurdica. 50

A Directiva n. 90/434/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, influenciou a legislao fiscal relativa ao

regime especial aplicvel s fuses de sociedades consagrado no Cdigo do IRC.

21

dinheiro que no excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal,

do valor contabilstico equivalente ao nominal das participaes que lhes forem

atribudas51

.

2) Fuso por constituio de uma nova sociedade

Operao pela qual se realiza A constituio de uma nova sociedade (sociedade

beneficiria), para a qual se transferem globalmente os patrimnios de duas ou

mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos scios destas atribudas partes

representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias

em dinheiro que no excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor

nominal, do valor contabilstico equivalente ao nominal das participaes que

lhes forem atribudas52

.

3) Fuso de uma sociedade pertencente a outra

A operao pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto

do activo e do passivo que integra o seu patrimnio para a sociedade (sociedade

beneficiria) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital

social53

.

3.3 PERSPECTIVA CONTABILSTICA

A perspectiva contabilstica das fuses encontra-se prevista no Sistema de

Normalizao Contabilstica (SNC)54

, onde est contemplada a definio

contabilstica de fuso (Norma Contabilstica de Relato Financeiro (NCRF) 14,

pargrafo 9), ao referir que uma concentrao de actividades empresariais a juno de

entidades ou actividades empresariais separadas numa nica entidade que relata.

Quanto contabilizao, na parte que se afigura relevante para o presente estudo,

nos termos do pargrafo 10 da NCRF 14, todas as concentraes de actividades

empresariais devem ser contabilizadas pela aplicao do mtodo de compra.

51

Cfr. alnea a) do n. 1 do artigo 73. do Cdigo do IRC. 52

Cfr. alnea b) do n. 1 do artigo 73. do Cdigo do IRC. 53

Cfr. alnea c) do n. 1 do artigo 73. do Cdigo do IRC. 54

O SNC entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, na sequncia da publicao do Decreto-Lei

n. 158/2009, de 13 de Julho, revogando o Decreto-Lei n. 47/1977, de 7 de Fevereiro, que tinha aprovado

o Plano Oficial de Contabilidade. Anteriormente, a definio contabilstica de fuso estava prevista na

Directriz Contabilstica n. 1 e na International Financial Reporting Standards (IFRS) 3 para as

empresas cotadas. O novo normativo contabilstico exigiu uma reviso do Cdigo do IRC,

consubstanciada pelo Decreto-Lei n. 159/2009, de 13 de Julho, que tambm entrou em vigor em Janeiro

de 2010.

22

De acordo com o mtodo de compra, o adquirente regista pelo seu justo valor os

activos e passivos adquiridos, data da sua aquisio. A parte do custo dessa aquisio

acima do justo valor lquido dos activos e passivos identificveis registada como

goodwill.

23

4 CAPTULO IV - REGIME FISCAL APLICVEL S FUSES

DE SOCIEDADES EM PORTUGAL

No presente captulo propomo-nos fazer uma sntese da tributao das operaes

de fuso em sede dos vrios impostos, sendo que, atento o propsito do presente estudo,

daremos particular nfase ao IRC, distinguindo o enquadramento fiscal luz do regime

geral e num contexto de aplicao do regime especial de neutralidade fiscal.

De notar, porm, que apenas sero descritos alguns pontos considerados mais

relevantes do actual regime fiscal das fuses de sociedades, pois no mbito deste estudo

no se pretende analisar em detalhe e de forma exaustiva o actual regime que, s por si,

constituiria uma dissertao.

As operaes de fuso, regra geral, podem produzir efeitos em cada um dos

seguintes impostos do sistema fiscal portugus:

IRC;

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e IRC, na esfera

dos associados das sociedades incorporadas;

Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

Imposto do Selo;

Imposto Municipal sobre as Transmisses Onerosas de Imveis (IMT);

Imposto Municipal sobre Imveis (IMI).

Atento o mbito do presente trabalho e pelas razes acima expostas, optmos

apenas por resumir as implicaes fiscais na esfera das sociedades incorporada e

incorporante, no contemplando neste estudo o impacto fiscal das fuses ao nvel dos

associados das empresas fundidas ou incorporadas.

4.1 IRC

Ao nvel do IRC existem dois regimes de enquadramento das operaes de

concentrao: o regime geral e o regime especial de neutralidade fiscal. Centrados nas

operaes de fuso, comearemos por abordar o regime geral para depois

aprofundarmos, no que se afigura relevante para o presente estudo, o regime especial de

24

neutralidade fiscal pelo qual as empresas podero optar, respeitadas que sejam

determinadas condies.

4.1.1 REGIME GERAL

Nas operaes de fuso abrangidas pelo regime geral, concorrem para a

determinao do lucro tributvel as mais-valias e outros resultados apurados com a

transferncia dos elementos patrimoniais activos e passivos para a sociedade

beneficiria (sociedade incorporante), sendo considerados os valores de mercado desses

bens (o justo valor dos activos e passivos transmitidos)55

.

Neste contexto, a sociedade fundida ser tributada nos termos gerais previstos no

Cdigo do IRC, sendo as eventuais mais-valias, correspondentes diferena entre o

valor da transmisso do patrimnio e o valor pelo qual o mesmo se encontra registado

na sua contabilidade56

, consideradas como rendimentos que concorrem para a

determinao do lucro tributvel. Assim, a transmisso do patrimnio da sociedade

incorporada para a sociedade incorporante tratada, do ponto de vista fiscal, como uma

alienao.

Relativamente aos activos tangveis transmitidos, a sociedade incorporante passa a

utilizar, no regime geral e para efeitos de depreciao, o regime dos bens em estado de

uso, sobre os valores de mercado da transmisso, tendo em considerao os limites

previstos no Decreto Regulamentar n. 25/2009, de 14 de Setembro57

.

Nas fuses enquadradas no regime geral no possvel a transferncia de

prejuzos fiscais gerados pela sociedade incorporada, e ainda disponveis para

utilizao, para a esfera da sociedade incorporante.

Apesar de a tributao das fuses enquadradas no regime geral, i.e. fora do regime

especial de neutralidade fiscal, se assumir, partida, como uma desvantagem por poder

revelar-se bastante onerosa, possvel que este regime geral se revele vantajoso, como

55

Anulando-se, com as consequncias fiscais inerentes, as perdas por imparidade e as provises

constitudas. 56

Artigo 46. do Cdigo do IRC - Conceito de mais-valias e de menos-valias: (); 2 - As mais-valias e

as menos-valias so dadas pela diferena entre o valor de realizao, lquido dos encargos que lhe sejam

inerentes, e o valor de aquisio deduzido das perdas por imparidade e outras correces de valor

previstas no artigo 35., bem como das depreciaes ou amortizaes aceites fiscalmente, sem prejuzo da

parte final do n. 5 do artigo 30.; 3 - Considera-se valor de realizao: (); d) Nos casos de fuso ou

ciso, o valor de mercado dos elementos transmitidos em consequncia daqueles actos; (). 57

No caso de existirem diferenas positivas entre os valores contabilizados e os valores aceites

fiscalmente, estas devem ser acrescidas para efeitos do apuramento do lucro tributvel.

25

o caso de situaes em que a sociedade incorporada apresenta prejuzos fiscais

suficientes para absorver as mais-valias decorrentes da transferncia do seu patrimnio.

Consegue-se, nesse caso, evitar a tributao futura no momento em que o

patrimnio transferido seja vendido, na esfera da sociedade incorporante, aumentar o

valor das depreciaes e amortizaes aps fuso e, bem assim, evitar as condicionantes

impostas por lei quanto utilizao de prejuzos fiscais no mbito destas operaes

(risco de indeferimento do requerimento a apresentar para este efeito ou perda efectiva

da totalidade ou de uma parte significativa dos prejuzos com transmisso autorizada,

por fora das limitaes existentes, como adiante se aprofundar).

4.1.2 REGIME ESPECIAL DE NEUTRALIDADE FISCAL

Na abordagem ao regime especial de neutralidade fiscal comearemos por fazer

um breve enquadramento ao nvel do direito comunitrio, no que a esta matria respeita,

para de seguida aprofundarmos a aplicao deste regime em Portugal.

4.1.2.1 A NEUTRALIDADE FISCAL NO DIREITO COMUNITRIO

Atenta a possibilidade de a carga fiscal associada s fuses poder desincentivar a

realizao destas operaes, e dada a reconhecida importncia que as mesmas tm para

a reorganizao e fortalecimento do tecido empresarial, diversos pases implementaram

nos seus sistemas fiscais um regime de neutralidade fiscal (ou Tax Free) nas

operaes de fuso de sociedades.

No espao Europeu foi, em 1990, adoptada a nvel comunitrio a Directiva

n. 90/434/CEE, do Conselho, de 23 de Julho (Directiva)58

, contendo o regime fiscal

comum aplicvel s fuses, cises, entradas de activos e permutas de aces entre

sociedades dos Estados-membros.

Um dos objectivos da Directiva foi instaurar regras fiscais neutras relativamente

concorrncia, a fim de permitir que as empresas se adaptem s exigncias do mercado

comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posio concorrencial no plano

internacional, tendo presente que as operaes de reestruturao no devem ser

58 A Directiva foi alterada pela Directiva n. 2005/19/CE, do Conselho, de 17 de Fevereiro, sendo recompilada pela

Directiva n. 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de Outubro.

26

entravadas por restries, desvantagens ou distores especiais resultantes das

disposies fiscais dos Estados-membros59

.

O regime fiscal comum institudo tem ainda como objectivo proteger os interesses

financeiros dos Estados-membros de residncia das sociedades envolvidas.

Neste contexto, estabelece o artigo 4. da Directiva que as mais-valias

correspondentes diferena entre o valor real e o valor fiscal dos elementos do activo e

do passivo transferidos no do lugar a qualquer tributao no momento da realizao

da fuso60

. A tributao diferida para um momento posterior, em que ocorra a

alienao ou extino daquele patrimnio61

.

No que se refere ao reporte de prejuzos, a Directiva no impe qualquer regime

de transmissibilidade, apenas estabelece a extenso a operaes transfronteirias do

regime interno desse reporte, caso o mesmo esteja previsto para essas operaes62

.

A Directiva prev ainda63

que os benefcios resultantes da sua aplicao podem

ser retirados sempre que a operao tenha como principal objectivo ou como um dos

principais objectivos a fraude ou a evaso fiscais, como acontece se as operaes no

forem realizadas por razes econmicas vlidas64

.

4.1.2.2 A NEUTRALIDADE FISCAL EM PORTUGAL

Como j foi referido, a Lei fiscal portuguesa prev, nos artigos 73. a 78. do

Cdigo do IRC, um regime especial de tributao para certas operaes de

59

Considerandos da exposio de motivos da Directiva. 60

Para esse efeito, a sociedade beneficiria ter de calcular as novas depreciaes e amortizaes e as

mais ou menos-valias relativas aos elementos do activo e do passivo transferidos nas mesmas condies

que seriam praticadas se a fuso no tivessem ocorrido. Cfr. n. 2 do artigo 4. da Directiva. 61

Garante-se ainda o direito do Estado da sociedade contribuidora a essa tributao posterior de duas

formas: a) Os elementos do activo e do passivo transferidos tm de continuar efectivamente afectos a um

estabelecimento estvel da sociedade beneficiria situado no Estado Membro da sociedade contribuidora;

b) O apuramento de resultados relativos a esses elementos pela sociedade beneficiria feito como se a

operao no tivesse ocorrido, recuperando-se, assim, os resultados que se apurariam no momento da

realizao da operao se o regime no fosse aplicado. 62

Nos termos da Directiva, os Estados-membros tornaro extensivo o benefcio da transmisso dos

prejuzos da sociedade contribuidora ainda no deduzidos para efeitos fiscais aos estabelecimentos

estveis da sociedade beneficiria situados no seu territrio (artigo 6. da Directiva). 63

No artigo 11.. 64

A este propsito, fazemos referncia ao Acrdo do Tribunal de Justia da Unio Europeia (TJUE),

nos termos do qual, a verificao de que a operao em causa tem como principal objectivo a fraude ou a

evaso fiscais implica que as autoridades nacionais competentes procedam, em cada caso, apreciao

global da operao (Processo C-28/95 A. Leur Bloem C. Inspecteur der

Belastingdienst/Ondernemingen Amsterdam 2, de 17 de Julho de 1997).

27

reestruturao empresarial, com vista a assegurar a sua neutralidade fiscal, em

consonncia com o direito comunitrio.

Este regime tem por objectivo assegurar, assim, o diferimento da tributao dos

rendimentos e das mais-valias resultantes das operaes de fuso. A estrutura do regime

especial de neutralidade fiscal encontra-se assente no princpio da continuidade do

exerccio da actividade pela sociedade beneficiria.

Sendo adoptado o regime especial de neutralidade fiscal, estabelece o n. 1 do

artigo 74. do Cdigo do IRC, que na determinao do lucro tributvel das sociedades

fundidas no considerado qualquer resultado derivado da transferncia dos elementos

patrimoniais em consequncia dessas operaes, nem so considerados como

rendimentos os ajustamentos em inventrios, as perdas por imparidade e outras

correces de valor que respeitem a crditos, inventrios e, bem assim, as provises

relativas a obrigaes e encargos objecto de transferncia, aceites para efeitos fiscais65

.

Refere ainda o n. 6 desse artigo que, quando a sociedade incorporante detm uma

participao no capital das sociedades fundidas, no concorre para a formao do lucro

tributvel a mais ou menos-valia resultante da anulao das partes de capital detidas

naquelas sociedades em consequncia da fuso.

Assim, os resultados associados transmisso do patrimnio na sequncia de uma

operao de fuso no so tributados na esfera da sociedade incorporada sendo, ao

invs, transferidos para a sociedade incorporante e a tributao diferida para o momento

em que ocorra a alienao ou extino desse patrimnio.

Este regime especial aplica-se s fuses referidas na alnea c) do n. 1 do artigo

73. do Cdigo do IRC, que define fuso, para este efeito, como uma operao pela qual

uma ou mais sociedades (sociedades fundidas ou incorporadas) transferem o conjunto

dos activos e dos passivos que integram o seu patrimnio para outra sociedade

(sociedade beneficiria ou incorporante) detentora da totalidade das partes

representativas do seu capital social.

No mbito deste regime especial, na determinao do lucro tributvel da

sociedade beneficiria deve ser mantido o regime anteriormente aplicado na esfera da(s)

sociedade(s) incorporporada(s) aos elementos patrimoniais transferidos, ao nvel das

65

Com excepo dos que respeitem a estabelecimentos estveis situados fora do territrio portugus,

quando estes so objecto de transferncia para entidades no residentes.

28

depreciaes ou amortizaes66

, ajustamentos em inventrios, perdas por imparidade e

provises, por forma a garantir a neutralidade da operao.

A este respeito, importa ainda ter presente que, com a entrada em vigor do SNC, a

aplicao do regime de neutralidade fiscal deixou de estar condicionada transferncia

dos activos e passivos da sociedade incorporada pelo valor contabilstico pelo qual se

encontravam registados na data da fuso.

Actualmente o artigo 74. do Cdigo do IRC determina, que apenas para efeitos

fiscais, a sociedade beneficiria dever manter os elementos patrimoniais objecto de

transferncia pelos mesmos valores que tinham nas sociedades fundidas, deixando de

impor tal procedimento a nvel contabilstico, como se verificava anteriormente67

.

Assim, os activos e passivos da sociedade incorporada so transferidos a valores

de mercado, de acordo com o normativo contabilstico actualmente em vigor, devendo

apenas serem considerados os valores originais dos elementos patrimoniais para efeitos

fiscais.

Para este efeito, a entidade beneficiria deve passar a incluir no seu dossier fiscal

a reconciliao entre os valores relevantes para efeitos fiscais e os valores considerados

para efeitos contabilsticos, fazendo o respectivo acompanhamento enquanto os

referidos elementos no forem alienados, transferidos ou extintos. Por outro lado, as

operaes de reestruturao empresarial, ao abrigo deste regime especial, encontram-se

sujeitas a comunicao Direco Geral dos Impostos (DGCI) na declarao anual de

informao contabilstica e fiscal68

.

66

A quota de depreciao ou amortizao que poderia ser aceite como gasto do perodo de tributao

determinada tendo em conta o nmero de meses em que os activos estiveram em funcionamento ou

utilizao nas sociedades incorporadas (cfr. alnea c) do n. 3 do artigo 7. do Decreto Regulamentar n.

25/2009, de 14 de Setembro). 67

Segundo o actual n. 3 do artigo 74. do Cdigo do IRC: A aplicao do regime especial determina

que a sociedade beneficiria mantenha, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais objecto de

transferncia pelos mesmos valores que tinham nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade

contribuidora antes da realizao das operaes, considerando-se que tais valores so os que resultam

da aplicao das disposies deste Cdigo ou de reavaliaes efectuadas ao abrigo de legislao de

carcter fiscal.. Segundo o n. 3 do artigo 68. do Cdigo do IRC (antes da reviso introduzida pelo

Decreto-Lei n. 159/2009, de 13 de Julho): A aplicao do regime especial est ainda subordinada

observncia, pela sociedade beneficiria, das seguintes condies: (a) Os elementos patrimoniais objecto

de transferncia sejam inscritos na respectiva contabilidade com os mesmos valores que tinham na

contabilidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora.. 68

No artigo 78. do Cdigo do IRC esto previstas as obrigaes acessrias que devero ser cumpridas

para efeitos da aplicao deste regime.

29

Estabelece o n. 7 do artigo 73. do Cdigo do IRC (excepcionando o n. 8 do

mesmo artigo algumas situaes especficas69

) que este regime aplicvel s sociedades

com sede ou direco efectiva em territrio portugus, sujeitas e no isentas de IRC e a

sociedades de outros Estados-membros da Unio Europeia, desde que todas as

sociedades se encontrem nas condies estabelecidas no artigo 3. da Directiva.

Por outro lado, o legislador teve tambm a preocupao de introduzir uma

clusula anti-abuso especfica relativa a esta matria, prevista alis, e como j referido,

ao nvel da legislao comunitria.

Nestes termos, dispe o n. 10 do artigo 73. do Cdigo do IRC que este regime

especial no se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operaes em

causa tiveram como principal objectivo a evaso fiscal, nomeadamente por no terem

sido realizadas por razes econmicas vlidas, tais como a reestruturao ou a

racionalizao das actividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se

ento, se for caso disso, s correspondentes liquidaes adicionais de imposto. Ou seja,

a Administrao Fiscal presume, nestas circunstncias, que o principal objectivo foi a

evaso fiscal.

Nesta medida, importa desde logo reter a necessidade de a operao de fuso ter

na sua gnese razes econmicas vlidas, devidamente justificadas e passveis de serem

demonstradas.

Relativamente s operaes de fuso a que seja aplicvel o regime especial de

neutralidade fiscal, est prevista a transmisso de prejuzos fiscais reportveis gerados

na esfera da(s) sociedade(s) incorporada(s) para a sociedade beneficiria ou

incorporante.

No entanto, existem apertadas condies para se verificar a transmisso de

prejuzos fiscais, estando a mesma sempre dependente de autorizao do Ministro das

Finanas, na sequncia de um pedido que dever ser apresentado pela sociedade

incorporante. Mas, mesmo nos casos em que essa transmisso seja autorizada, existem

tambm diversas limitaes que restringem, ou impedem de facto, a utilizao desses

prejuzos.

69

Artigo 73. -Definies e mbito de aplicao: 8 - O regime especial no se aplica sempre que, por

virtude das operaes referidas no nmero anterior, sejam transmitidos navios ou aeronaves, ou bens

mveis afectos sua explorao, para uma entidade de navegao martima ou area internacional no

residente em territrio portugus.

30

Esta matria, pela sua importncia dado que constitui o cerne do presente estudo,

ser analisada em pormenor mais adiante, em captulo autnomo.

4.2 TRIBUTAO DAS FUSES EM SEDE DOS RESTANTES IMPOSTOS

Vamos neste ponto fazer uma breve abordagem tributao em sede dos restantes

impostos, com o objectivo de transmitir um enquadramento geral das operaes de

fuso a este nvel.

De notar que em sede de IVA, Imposto do Selo, IMT e IMI no existem

implicaes associadas aplicao ou no aplicao do regime especial de neutralidade

fiscal s operaes de fuso, razo pela qual na descrio sucinta que fazemos de

seguida no feita qualquer distino a esse nvel.

4.2.1 IVA

Nos termos do n. 1 do artigo 1. do Cdigo IVA, as transmisses de bens,

efectuadas no territrio nacional a ttulo oneroso, por um sujeito passivo agindo como

tal, esto sujeitas a este imposto. No entanto, as operaes de fuso beneficiam da no

incidncia consagrada no n. 4 do artigo 3. do mesmo Cdigo que estabelece que no

so consideradas transmisses as cesses a ttulo oneroso ou gratuito () da

totalidade de um patrimnio ou de uma parte dele, que seja susceptvel de constituir um

ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou

venha a ser, pelo facto da aquisio, um sujeito passivo do imposto ().

Esta no incidncia no se aplica quando o adquirente um sujeito passivo isento

de IVA ou quando esteja abrangido pelo regime dos pequenos retalhistas, sendo

tambm limitada para os sujeitos passivos mistos70

.

Em concluso, a transmisso de bens ocorrida no mbito da fuso fica afastada da

incidncia do IVA no caso de as sociedades envolvidas na operao serem sujeitos

passivos integrais, na medida em que o imposto a liquidar pela sociedade incorporada

seria idntico ao que a sociedade incorporante teria direito a deduzir, no resultando

70

Quando o adquirente pratique em simultneo operaes que conferem direito deduo e outras

operaes que no o conferem, deve-se observar o seguinte (Ofcio-Circulado n. 134850, de 21 de

Novembro de 1989, do SIVA): (i) Se o adquirente adoptar o mtodo da percentagem de deduo (pro

rata) dever proceder a uma regularizao a favor do Estado, correspondente diferena entre o montante

do IVA que lhe teria sido liquidado caso a transmisso fosse tributada e o que resultaria da aplicao

dessa percentagem sobre o mesmo montante; (ii) Se o regime for o da afectao real haver ou no

liquidao de IVA, conforme o patrimnio transferido for afecto, respectivamente, ao(s) sector(es) que

no confere(m) o direito deduo ou ao sector(es) que conferem esse direito.

31

qualquer arrecadao de imposto nos cofres do Estado, mas apenas um acrescido

esforo financeiro por parte da sociedade resultante da fuso71

.

4.2.2 IMT, IMPOSTO DO SELO E IMI

As transmisses de bens imveis por fuso de sociedades esto sujeitas a IMT,

nos termos da alnea g) do n. 5 do artigo 2. do respectivo Cdigo.

Este imposto incide sobre o valor tributrio de todos os imveis das sociedades

fundidas transferidos para o activo da sociedade beneficiria ou sobre o valor pelo qual

estes bens entrarem no activo desta sociedade, se superior72. A taxa a aplicar para os

prdios urbanos no destinados habitao de 6,5% e de 5% quando se tratem de

prdios rsticos73

.

Para alm do IMT, ser tambm devido Imposto do Selo taxa de 0,8% sobre o

valor da transmisso dos imveis no mbito da fuso74

. Por outro lado, as operaes de

fuso exigem a realizao de inmeros actos, contratos, documentos igualmente

tributados em sede de Imposto do Selo, nos termos previstos nos respectivos Cdigo e

Tabela Geral anexa.

De referir ainda que, na sequncia de uma fuso, o eventual aumento do valor

patrimonial tributvel dos imveis pertencentes (s) sociedade(s) incorporada(s) ou

fundida(s) originar encargos superiores ao nvel do IMI. Esta situao ter um maior

impacto aquando d