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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGAMA DE MESTRADO EM DIREITO
RAQUEL TIAGO BEZERRA
LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA
Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico
gerando impunidades
Salvador
2013
RAQUEL TIAGO BEZERRA
LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA
Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico
gerando impunidades
Monografia apresentado ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito (PPGD) da Universidade Federal da Bahia para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Doutor Saulo Casali Bahia.
Salvador 2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca da Universidade Federal da Bahia Biblioteca Federal da Bahia
Nº ____ BEZERRA, Raquel Tiago Bezerra,1981-.
Limites do Princípio da Presunção de Inocência. Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico gerando impunidades/ Raquel Tiago Bezerra. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012.
Trabalho de conclusão do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em
Direito na Universidade Federal da Bahia, Curso de Direito Público e Privado. 2013
Orientador: Prof .Doutor. Saulo Casali Bahia 1. Princípios. 2. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. 4.
Presunção de Inocência. Proporcionalidade e Limitação. Bezerra. Saulo Casali. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Título de Mestre em Direito.
III
RAQUEL TIAGO BEZERRA
LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico
gerando impunidades
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
(Mestrado) em Direito da Universidade Federal da
Bahia, como requisito exigido pela obtenção do título de
Mestre.
Área de concentração: Direto Publico. Limite do Discurso Jurídico.
Data da defesa: ____/_____/________
Resultado: _______________________________________
Banca Examinadora:
Prof.Dr.Saulo Casali Bahia ______________________________________________
Universidade Federal da Bahia
Prof. Ricardo Mauricio Freire Soares ______________________________________________
Universidade Federal da Bahia
Prof. André Alves Portella ______________________________________________
Universidade Católica de Salvador
IV
A Deus incondicionalmente.
Aos meus queridos pais, Paulo e
Claudivina que me emprestam seus
dias, sabedoria, força e fé. Ao meu
novo e eterno amor que está sendo
gerado em meu ser e, desde já é
amado.
V
AGRADECIMENTOS
Nesta página muito especial deste trabalho, gostaria de agradecer a algumas pessoas, dentre as
muitas que me ajudaram a realizá-lo.
Ao apoio intelectual do meu orientador Prof. Dr. Saulo Casali, e de outros mestres componentes
do programa: Paulo Bezerra, Rodolfo Pamplona, Sebastian B. de Albuquerque Mello, Nelson
Cerqueira e Maria Auxiliadora Minahim.
.
VI
Sem justiça, as leis não são aplicadas e
deixam de existir na prática. Sem
justiça, qualquer nação democrática
capitula diante de ditadores, corruptos,
bandidos, rebeldes, justiceiros, imorais
e oportunistas. Jorge Bengochea
VII
RESUMO
Demonstrar como a manipulação discursiva da Constituição, e, suas diversas
formas (ideológica, governativa, partidarista, narcisista, forense), faz com que o princípio da
presunção de inocência, uma vez submetido a uma hermenêutica manipulativa, pode gerar
inefetividade, desvios econômicos e sociais, impunidade e insegurança jurídica.
Tem a finalidade de afirmar que o principio da presunção de inocência é garantia
constitucional do acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo
uma interpretação contextualizada com outros princípios como o do interesse público e da
razoabilidade, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-se
julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a instrução
probatória seja esgotada.
PALAVRAS-CHAVE: Princípios. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. Presunção de
Inocência. Proporcionalidade e Limitação.
VIII
Sommario
Dimostrare come la manipolazione discorsiva della Costituzione, e le sue varie
forme (ideologiche, governative, partigiano, narcisistica, medicina legale), rendono la
presunzione di innocenza, una volta sottoposto ad una manipolazione ermeneutica, in grado di
generare inefficienza, e gli spostamenti economici sociale, incertezza giuridica e l'impunità.
Si intende affermare che il principio della presunzione di innocenza di garanzia
costituzionale dell’imputado, è la dottrina e la giurisprudenza a stabilire le sue dimensioni, per un
interpretazione contestuale con altri principi, quali l'interesse pubblico e ragionevolezza, un peso
di ciascun caso in cui si deve prevalere, evitando giudizi politici e ideologici e processi di
estinzione senza l'istruzione probatoria è esaurito.
KEYWORDS: Principi. Discorso giuridico e manipolazione della legge.
Presunzione di innocenza. Proporzionalità e limitazioni.
IX
SUMÁRIO
1. Introdução 10
Cap.01. Os Princípios Jurídicos 14
1.1 O que é um princípio? 14
1.2 A normatividade dos princípios. 18
1.3 A hierarquia dos princípios. 23
1.4 A colisão de princípios e sua solução. 27
Cap.02. Discurso e Manipulação do Direito 30
2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise. 30
2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico. 34
2.3 A manipulação do discurso jurídico e seus efeitos. 39
Cap.03. Presunção de Inocência 48
3.1 Princípio da Presunção de Inocência: Origem histórica e
conceitos.
48
3.2 Interpretações do princípio da presunção de inocência. 51
3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: Efetividade e Eficácia 53
3.4 Limites interpretativos que impedem a efetividade do
direito e a segurança jurídica dos cidadãos.
58
3.5 As práticas reiteradas desses desvios incide em
insegurança jurídica e inefetividade do sistema jurídico.
66
Cap. 04. Aplicabilidade entre o princípio de inocência e o princípio da
proporcionalidade stricto sensu como restrição
70
4.1 Fundamento e caráter jurídico do princípio da
proporcionalidade.
70
4.2 O crime e a culpa como fatores de impunidade ao
princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência
77
4.3 A inter-relação entre o princípio da razoabilidade e o
princípio da proporcionalidade na limitação ao princípio da presunção de
inocência.
83
Considerações Finais 86
Referências Bibliográficas 91
10
1. INTRODUÇÃO
O trabalho exigirá inter-relação de campos de saber que permitam um
resultado interdisciplinar das abordagens, estando de permeio saberes como: a) Direito,
principalmente Direito Constitucional, já que o Princípio da Presunção da Inocência é
uma garantia constitucional prevista no art. 5º, LVII, que diz verbi: “ninguém será
considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”; b)
Política, uma vez que estará atentando para a manipulação do uso dispositivo
constitucional de forma político-ideológica no sentido de gerar impunidade para
determinados cidadãos e grupos; c) Análise de Discurso, pois será através desse
instrumento de averiguação que serão propostos alguns limites hermenêuticos do
princípio em tela, evitando-se a manipulação da Constituição, que, na prática,
beneficiaria alguns destinatários da norma, gerando impunidade.
O tema não é novo, e aparece já no primeiro documento com fisionomia
constitucional do Ocidente, isto é, o instrumento of Governement inglês, de 1653, que
afirmava que “nem o próximo Parlamento que se convoque, nem nenhuma Parlamento
posterior, será, durante o lapso de cinco meses, a contar desde o dia de sua primeira
reunião, suspenso, prorrogado ou dissolvido, sem seu próprio consentimento”. Na
interpretação do texto, Oliver Cromwell utilizou o termo meses como lunares e não
solares como de costumes, com a finalidade de dissolver o Parlamento alguns dias do
prazo.1
Não obstante a antiguidade e a frequência do problema, o tema não é
constantemente observado pelos constitucionalistas. Vale a pena deter-se sobre essa
patologia jurídica, intimamente vinculada com a hermenêutica da Constituição, já que o
discurso e a manipulação necessitam, habitualmente, de valer-se da interpretação da Lei
Suprema.
A principal justificativa da pesquisa encontra-se em seus aspectos de
relevância e atualidade.
1 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Teoria da Constituição e do direito constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
11
De fato, o tema é relevante porque comporta investigação de tema de
extrema complexidade e importância em sede de Direito Constitucional, Hermenêutica
e Jurisdição Constitucional, a saber, o tema de Manipulação ideológica da
Constituição.
Relevante, por outro lado, porque as práticas manipulativas nem sempre
são claramente estabelecidas, utilizando-se, por via do discurso político-ideológico,
verdadeiros desvios dos fins da Constituição, através das hermenêuticas excessivamente
extensivas, sem limites , que geraram, geram e gerarão, mecanismo de impunidade que
precisam ser denunciados e coarctados.
No aspecto da atualidade do tema, mais ainda se justifica. Os meios de
comunicação de massa têm, diariamente, veiculados em seus noticiários, tudo que vêm
acontecendo em sede de investigações criminais que envolvem grandes grupos,
principalmente políticos e econômicos, onde o trabalho inquisitório e processual
apontam flagrantes de crimes organizados.
O que, porém, mais preocupa, daí a relevância da pesquisa, é que esses
fatos têm ocorrido em sede de Jurisdição Constitucional, em vários julgados do
Supremo Tribunal Federal, que, nos termos do art.102 da Constituição Federal de 1988,
é o guardião da Constituição.
A manipulação político-ideológica do Direito sempre foi um dos
problemas mais cruciantes da seara jurídica, por vários motivos, tais como: a) gerar
inefetividade do sistema; b) produzir desvios sociais e economicamente relevantes na
questão dos fins do direito, e muitos outros.
O problema central, contudo é: o principio da presunção de inocência
sendo uma garantia constitucional das mais importantes para o cidadão, pode ser
manipulado ideológico-politicamente por determinadas grupos de poder?
Na esteira deste problema, outros podem ser suscitados: 1)A
manipulação da Constituição, a exemplo do princípio aqui eleito como paradigma, pode
ser causa de baixa constitucionalidade? 2) A segurança jurídica deve ser flexibilizada
em que limites para que não se caia em insegurança? C) Ao manipular a Constituição
através de discurso ideológico-político, e de resto, todo o ordenamento jurídico, o
produtor dessa espécie de interpretação beneficia a quem? De que maneira?
12
O trabalho estará fundado, em dois eixos principais: a) a teoria do
discurso aplicada ao direito; b) a teoria constitucional da efetividade e normatividade
dos princípios constitucionais da Segurança Jurídica e da Presunção de Inocência. Esse
referencial teórico embasou o Projeto de Sumário abaixo descrito, buscando-se uma
inter-relação entre os eixos teóricos eleitos para o trabalho e cada capítulo constante na
estrutura prevista para o trabalho final.
Como pano de fundo, a Teoria da Constituição e a Teoria da Justiça.
A pesquisa, a exemplo do presente projeto, partirá de algumas hipóteses
que serão submetidas à verificabilidade. Caso algumas das hipóteses pré-estabelecidas
se mostrem falsas, em substituição surgirão, automaticamente, outras hipóteses
verdadeiras fundamentais para embasar a mesma2.
Como ressalta Gould3 que durante o estudo metodológico verifica que a
ciência tem como base o estudo de confirmar ou refutar argumentos, que podem ser
ponderados refutando os estigmas e a manipulação desse conhecimento para obter uma
legitimação científica e, portanto, seria válida e, por isso, durante o desenvolvimento de
uma pesquisa. E nesse sentido pode também ocorrer à desconstrução do método como
afirma Balkin4
Sendo assim, partir-se-á do geral para o particular, logo, a princípio,
utilizar-se-á o método dedutivo, o que não impedirá a pesquisa de dados para formar
novos juízos, (caso de método indutivo), sem, contudo, se misturar métodos para que
possa ser aplicado o uso essencial de métodos epistemológicos e especialmente
operacionais5.
No presente trabalho verificaram-se ainda os conflitos existentes entre
conceitos, ideias que de acordo com o interesse, ou seja, o objetivo principal da tese.6
Como instrumentos de pesquisa, os principais são os dados
bibliográficos (doutrina) e a jurisprudência pertinente ao tema, revistas, jornais e dados
de informação pela internet.
2 DESCARTES, René. Discurso do Método. Edición: eBooket. www.eBooket.net
3 GOULD, Sthepen Jay – A falsa medida do Homem. Editora: Martins Fontes. São Paulo.2003. Cap.04.
Pag.111-146. 4 BALKIN, J. M. Deconstructive Practice and Legal Theory. 1987.
5 POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais: trad. Estevão de Resende Martins. Rio de Janeiro. Ed:
Tempo Brasileiro, 1999, 2ª Ed. 6 HABERMAS, JÛRGEN. Conflito e interesse. Trad. Suhrkamp Verlag. Ed. Zahar. 1973.
13
Este trabalho monográfico é dividido em 04 (quatro) capítulos. O
primeiro traz consigo noções de princípios e as diferenças existentes entre principio,
fundamento, postulado, e ainda acrescentando os tipos de princípios aqui pertinentes ao
tema proposto.
No segundo capítulo trata de Discurso e Manipulação do Direito com
espécies e análise desses discursos jurídicos, políticos-ideológicos, e que nesse sentido
ocorre por parte do intérprete a manipulação e seus efeitos.
E como cerne da pesquisa o terceiro capítulo tem como item o princípio
de inocência que traz a origem, conceito e como a interpretação hermenêutica pode
efetivar e trazer eficácia para garantir o direito e garantia fundamental desde que a
limitação impeça a inefetividade e a insegurança ao cidadão, pois tem como finalidade
de evitar que as práticas reinteradas causem desvios e insegurança jurídica.
O quarto capítulo aborda sobre a aplicabilidade entre o principio da
proporcionalidade stricto sensu e o principio da presunção de inocência como restrição
e, para isso traz fundamento e caráter jurídico; a interdependência e os mecanismos de
punição ou impunidade entre estes princípios.
O último capítulo conclui a pesquisa com respostas que durante o
trabalho foram confirmadas.
14
CAPÍTULO I – OS PRINCÍPIOS JURIDICOS
1.1 O que é um princípio?
A noção de princípios tem provocado discussões doutrinárias as mais
variadas. Esse fato deve-se ao aspecto polissêmico e, às vezes, ambíguo, fugaz, do
conceito. O certo é que os princípios “não constituem absolutamente uma categoria
simples e unitária: pelo contrário, por essa expressão entendem-se frequentemente
coisas muito distintas”.7
Por força disso, é possível tomar-se o conceito de princípio em várias
acepções. Inicialmente, contudo, deve-se fixar que princípio vem de “ponto de partida”
e “fundamento de um processo qualquer”. Os dois significados estão estreitamente
ligados à noção desse termo que foi introduzida em filosofia, por Anaximandro8 e a ele
recorria Platão, com frequência, no sentido de Causa do movimento ou de fundamento
da demonstração; e Aristóteles foi o primeiro a enumerar uma lista de significados.
Para o estagirita, princípio poderia significar: a) ponto de partida de
um movimento (de uma linha ou de um caminho); b) o melhor ponto de partida (que
facilita a aprender uma coisa); c) ponto de partida efetiva de uma produção (quilha de
um navio ou alicerce de uma casa); d) causa externa de um processo ou de um
movimento (insulto que provoca uma briga); e) o que, com sua decisão, determina
movimento ou mudanças (governo ou magistratura de uma cidade); f) aquilo que parte
de um processo de conhecimento (premissa de uma demonstração), acrescentando,
ainda que “todas as causas são princípios”.9
Etimologicamente, pelo menos para os gregos, a raíz de princípio
estaria no termo arque, significando “a ponta”; a “extremidade”; “o lugar de onde se
parte”; o “início”; a “origem”.
7 BOBBIO, Norberto. Principi generali Del diritto. In: Novissimo digesto italiano, XIII, UTET:
Turim:1966.p.893-894. 8 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op cit. p. 175.
9 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P. 793.
15
No termo princípio porém, “há mais do que em arque. Principium,
tal como “príncipe” ou “principal”, provém de primum (primeiro) + capere (tomar,
pegar, apreender, capturar). Primum capere significa “colocar em primeiro lugar.
Assim, princípio significa não o que está em primeiro lugar mas o que “se coloca
primeiro lugar”. E essa distinção é importante porque significa uma valoração. Coloca-
se em primeiro lugar porque valioso, mais valioso.10
É importante ressaltar aqui a distinção de Alexy11
e Ávila12
fazem
entre os dois modelos - regras e princípios - de compreensão e aplicação do sistema
jurídico, que por vezes podem desempenhar papeis muito semelhantes, e ao mesmo
tempo, se diferenciar quanto ao aspecto formal. O primeiro autor afirma que a aplicação
ocorre por via da ponderação mediante regras, e os princípios seriam elásticos, ou seja,
deve ser realizado na medida do possível, levando-se em conta as possibilidades
jurídicas e fáticas, embora ocorram nos planos de validade, e quando ocorrer conflitos
no plano abstrato entre princípios as condições ou o peso determinará qual prevalece
sobre o outro, o que não ocorre se houver conflito entre regras, pois estas têm
características abstratas.
Já o segundo autor – Ávila – concretiza seu pensamento ao afirmar
que a regras só entram em conflito no caso concreto, pois são imediatamente
descritivas, e por isso, ocorre no plano da eficácia e não no plano da validade, sempre
observando e criticando critérios tais como o: hipotético-condicional, modo final de
aplicação e o relacionamento normativo, ao passo que os princípios são normas
imediatamente finalísticas, ou seja, estabelecem a determinação da realização de um fim
juridicamente relevante. Ainda podemos acrescentar aqui que para distingui-los – regras
e princípios – propõe outros critérios de acordo com a natureza do comportamento
prescrito, da justificação exigida e a medida de contribuição para a decisão. Portanto
Ávila contraria e critica a ideia de Alexy.
É comum a confusão entre os termos “princípio”, “fundamento” e
“postulado”. A confusão, contudo se desfaz com o processo de fixação dos termos.
10
CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto. Estudos de direito constitucional: em homenagem
a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 261 O primeiro autor listou 14 acepções para o
termo “princípio” em seu Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002. 11
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2008. 12
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª Ed.
São Paulo: Malheiros, 2009.
16
Princípio é geralmente ligado a uma progressão, isto é, ao início das coisas, enquanto
“fundamento” é mais utilizado com um sentido de regressão, ou seja, a fundamentação
final das coisas, a base. Já os postulados, pertencem a uma terceira categoria, que não
se confunde com princípios nem com normas: embora também normativos, os
postulados são regras de segundo grau, que estruturam a aplicação de outras normas,
como o chamado princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, (que se verão mais
adiante), são postulados e não princípios13
.
Em Direito, costuma-se fixar o significado de princípio,
estabelecendo-se uma distinção entre eles e as normas. Contudo, não parece possível
traçar uma linha precisa de demarcação entre estes e aquelas. Como se verá, num certo
sentido, os princípios são normas, ou seja, enunciados do discurso prescritivo, dirigidos
à orientação do comportamento. Constituem gênero das normas, uma espécie particular
cujos traços característicos não é fácil individualizar com precisão: não é absolutamente
claro, quais propriedades deva ter uma norma para merecer o nome de princípio. Grosso
modo, pode-se dizer que: 1) em geral, os princípios caracterizam-se relativamente às
(outra) normas pelo lugar que ocupam no ordenamento jurídico como um todo e/ou em
algum setor específico (direito civil, penal, administrativo, etc.), considerados como
fundamento de um conjunto de normas; 2) segundo um modo muito difundido, os
princípios se caracterizam com respeito às (outras) normas também do ponto de vista
linguístico: as normas seriam enunciados de significados (relativamente) precisos; os
princípios, ao contrário, seriam enunciados dotados de significados (altamente) elástico
e/ou indeterminado; 3) segundo outro modo de ver, os princípios são vistos com
característica mais generalizante com referencia às demais normas, por isso que se
aproxima do termo “princípio” o adjetivo “geral”.14
Ainda sobre princípios é possível afirmar que podem ser vistos em
cinco modalidades:15
13
BARRETTO, Vicente de Paula. Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p.
660. Para nós, a proporcionalidade e a razoabilidade não são, a rigor, nem princípios, nem postulados, e
sim métodos de ponderação. O Juiz, ao escolher um princípio em lugar de outro, para aplicação do caso
concreto, faz ponderação de valores e aplica a solução que lhe pareça mais razoável, utilizando-se de
critérios como proporcionalidade, adequação e necessidade, como já assentadas em vasta doutrina. 14
GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2003. PP. 188-190 15
ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito. Rio de janeiro:
Renovar, 1999, p. 621.
17
a) Como princípio positivo de direito, norma explicitamente
formulada no texto do direito positivo, quer uma disposição legal, quer uma norma
construída a partir dos elementos contidos nestas disposições;
b) Como princípio implícito do direito, regra tratada como
permissão ou consequência das disposições legais ou das normas;
c) Como princípio extra-sistêmico do direito, regra tratada como
princípio, mas que não é nem princípio positivo do direito, nem principio implícito do
direito. Por definição não pertence ao sistema do direito, como as diretrizes da
interpretação e aplicação do direito;
d) Como princípio-nome do direito. Nome que caracteriza traços
essenciais de uma instituição jurídica, como o princípio da liberdade, da verdade
objetiva e outros, que às vezes são tratados como fontes;
e) Como princípio-construção do direito, construção do legislador,
racional ou perfeita, pressuposta na elaboração dogmática do direito ou na aplicação e
interpretação jurídica.
O sistema constitucional brasileiro, como o português, é um sistema
normativo aberto de regras e princípios. Apresentando uma opção à tradicional
separação entre regras e princípios, Canotilho sugere a divisão segundo a qual: a) regras
e princípios são duas espécies de normas; b) a distinção entre regras e princípios é a
distinção entre duas espécies de normas.16
16
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 166. Para o autor, toda
a dificuldade de se distinguir entre regras e princípios consiste em não se distinguir duas questões: a)
saber qual a função dos princípios e regras; b) saber se entre princípios e regras existem denominadores
comuns, pertencendo à mesma família e havendo apenas uma diferença de grau (quanto à generalidade,
ao conteúdo informativo, à hierarquia das fontes, à explicitação do conteúdo valorativo) ou se, ao
contrário, os princípios e as regras são suscetíveis de uma diferenciação qualitativa.
18
1.2 A normatividade dos princípios.
Parece-nos absolutamente ultrapassada a discussão acerca da
normatividade dos princípios. De fato, de tudo o que foi dito até agora, parece
indiscutível a força normativa dos princípios.
O caminho teórico para o reconhecimento da normatividade dos
princípios segue o seguinte roteiro: a) direito natural; b) positivismo legalista; c) pós-
positivismo. No primeiro momento (direito natural) os princípios eram axiomas
jurídicos que buscavam atingir o conceito de bem, ideia superada pelo positivismo
legalista que, com a Escola da Exegese, via os princípios como fontes meramente
secundárias e subsidiárias, com função integradora ou programática, o que provocou
um esvaziamento de sua função normativa e, dentre outras coisas, a separação entre
Direito e Moral, e também nesse sentido, o legalismo de:
“Certo modo é o desejo ou a sensação de segurança
que faz com que os homens continuem reduzindo o
ser do direito ao ser da lei, quando sabem que o
direito meramente legal é só um pedaço da realidade
jurídica, e que o predomínio deste direito apenas
legal é o ponto de apoio de certas denominações
sociais às vezes compatíveis com o conteúdo ético
alcançado pela própria cultura moderna”17
A esse caminho teórico – o do legalismo - existem críticas a respeito,
pois devido ao liberalismo predominante à época e a necessidade de se codificar os
“ismos jurídicos” se desfaz pelo fato de ser antagônico e difícil manter afastados os
traços próprios do direito, inclusive a valorização da expressão legal, mesmo que
revelando uma característica social, a marca de diversos elementos reduz a estrutura
legal do ordenamento a um mero aparato formal e, portanto, não essencial.
O positivismo é um modelo de e para um sistema de regras,
denominado “política” um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado,
em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade
denominado “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
17
SALDANHA, Nelson. Legalismo e ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977.
19
assegurar uma situação econômica, política ou social considerável desejável, mas
porque é um exigência de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.18
E finalmente o surgimento, no chamado pós-positivismo, da força
normativa autônoma e preponderante dos princípios, verdadeiro arcabouço do
ordenamento jurídico.19
Servem mesmo os princípios para promover uma “síntese dialética
entre o direito natural e o direito positivo”,20
havendo mesmo quem afirme, com razão,
que:
A grande virtude, pois, dos princípios é esta
capacidade de condensar numa unidade operacional,
os aspectos axiológicos e deontológicos da
normatividade jurídica, revelando que o dever-ser
das imperatividade do direito não pode ser
dissociado de um núcleo ontológico que resguarde
uma eticidade necessária à consecução dos fins do
direito. Assim, o comando (dever-ser) não pode ser
separado do valor que lhe justifica, impedindo que o
direito seja reduzido à pura força ou violência
institucional, muito embora não prescinda dela.
Dessa forma, os princípios jurídicos parecem ter
uma extraordinária capacidade de aglutinar as
dimensões constitutivas da própria teoria do direito:
dever-ser (deontologia), valor (axiologia) e
finalidade (teleologia) se reúnem numa tecitura
ontológica que forma identidade e validade do
direito.21
No mesmo sentido e buscando a mesma aproximação integradora entre
Direito e Moral, proporcionada pelos princípios, é o ensinamento de José Armando
ponte Dias Junior:
A teoria pós-positivista rearticula o direito e a moral,
buscando introduzir elemento morais na
fundamentação estritamente jurídica das decisões
judiciais, reconhecendo a magnitude de padrões
normativos que não se limitam às tradicionais
proibições, permissões e obrigações (...) Os
18
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério.Trad. Nelson Boeira. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p.36. 19
RANGEL, Helano Marcio Vieira. Breves apontamentos sobre a teoria dos direitos fundamentais de
Robert Alexy. In: Diálogo Jurídico. São Paulo: N.5. 2006, p. 301-315. 20
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos, 2007, p. 51. 21
CUNHA. José Ricardo. Sistema aberto e princípios na ordem jurídica e na metódica constitucional. In:
\os princípios da Constituição de 1988, Rio de janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 34.
20
princípios, na linha de pensamento pós-positivista,
prestam-se assim a diluir elementos morais no
ordenamento jurídico, contribuindo para uma
proveitosa articulação entre equidade e segurança
jurídica, uma vez que as decisões judiciais não mais
precisam recorrer a elementos extrínsecos ao
ordenamento jurídico, metafísicos talvez, na
ausência de uma regra específica a regular um caso
concreto posto, sob apreciação jurisdicional.22
Há doutrina que afirma o contrário, optando pela tese da não
normatividade dos princípios, parece fundar-se no fato de os princípios serem, às vezes,
bastante vagos. Mas essa aparente vagueza dos princípios pode depender de “duas
circunstâncias distintas (ora de uma, ora de outra, ora de ambas)” às vezes um princípio
é vago porque não possui um campo exato de aplicação, como o princípio da tutela da
confiança, que se concretiza no principio segundo o qual “o contrato é anulável se uma
das partes era inapta legalmente para contraí-lo”; (b) ou é vago porque possui um
conteúdo teleológico ou programático, não prescreve uma conduta determinada.
Mas nem por isso deixam os princípios de consistirem em verdadeiras
normas, de possuírem força normativa de condutas, incluindo-se no gênero de normas
prescritivas. Coexistem, portanto, no ordenamento jurídico, os princípios e as regras,
ambos com força normativa diferenciada apenas pelo seu grau. Enquanto as regras são
mandamentos fechados e excludentes, os princípios são abertos, não retira a
característica de ser includente ou impositivos, possuindo, inclusive, maior densidade
valorativa, sendo, por isso, mais adequados para o suprimento da vontade do direito.
Essa normatividade, portanto, concretiza, de forma mais satisfativa, os imperativos da
segurança jurídica e de legitimidade que deve estar inserido no direito.
Porém não serve de critério de distinção entre princípios e regras, a
normatividade, uma vez que é comum às duas espécies de normas. É muito
esclarecedora a técnica utilizada por Vicente de Paulo Barreto, para distinguir princípios
de regra, classificando a distinção em: distinção fraca e distinção forte entre princípios
e regras. Para o autor:
“A distinção fraca funda-se no argumento de que os
princípios, porque fluidos, permitem maior
22
DIAS JUNIOR, José Armando Ponte. Princípios, regras e proporcionalidade: análise e síntese das
críticas às teorias de Ronald Dworkin e de Robert Alexy. In: Revista do Curso de Mestrado em Direito da
UFC (NOMOS). Ceará. V.27. Jul/Dez, 2007, p. 177-199.
21
mobilidade valorativa, ao passo que as regras,
porque pretensamente determinadas eliminam
sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador
(...) já a distinção forte afirma que os princípios são
normas que se caracterizam por serem aplicadas
mediante ponderação com outras e por poderem ser
realizadas em vários graus, contrariamente às regras
que estabelecem em sua hipótese, definitivamente
aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido”23
.
Os princípios embora distintos das regras e dos postulados, pois “na sua
grande maioria não são postulados, não são conceitos intuídos a priori; são sínteses
extraídas das normas, por abstração de seu conteúdo ou se sua forma” tem exatamente
por distinção principal o grau de normatividade.24
Assim, não há qualquer dúvida de que os princípios são também
normas jurídicas prescritivas, tanto quanto as regras específicas, entretanto mais
abstratas; mais gerais. E como “toda norma de conducta es obrigatória, y por eso no
quiere dar consejos, sino imponer deberes”25
ressalta a obrigatoriedade induvidosa de
cumprir e fazer cumprir os comandos contidos nos princípios.
Vai ainda mais além Robert Alexy, ao afirmar “norma é o gênero, do
qual são espécies as regras e os princípios. Ambas dizem o dever-ser, sendo expressas
por meio de termos deônticos, prescrevendo proibições ou permissões”.26
Deixam mesmo os princípios, na era do neo-positivismo ou do pós-
modernismo, um papel meramente secundário, para ocupar lugar de relevo no
ordenamento, reconhecido que tem sido o seu caráter de norma potencializada e
predominante.
E esse caráter normativo não se encontra somente nos “princípios
positivos do direito”, como também nos chamados “princípios gerais de direito”.
“Reconhece-se normatividade não só nos princípios explicitamente contemplados no
23
BARRETTO, Vicente de Paulo. Op.Cit. p.658. O autor apresenta ainda outros critérios de distinção
entre regras e princípios, contudo a conclusão, para o que aqui interessa, é o reconhecimento da
normatividade dos princípios, regras e postulados. . 24
CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do Direito Administrativo. Rio de janeiro: Forense,
1977, p. 22. 25
VANNI, Icilio. Filosofia Del derecho. Madrid: Principe, s.d. p. 71. 26
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p.187
22
âmago da ordem jurídica, mas também nos que, defluentes de seu sistema são
enunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito”.27
Embora seja teoricamente aceitável que os princípios “assumem um
significado apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema
jurídico, daí a necessidade de pressupô-los como uma totalidade”28
, vai daí uma
distância enorme em se poder, só por isso, retirar-lhe a normatividade que lhe é própria.
27
ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma
formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: RT, 2002. P. 64. 28
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.
110.
23
1.3 A hierarquia dos princípios
Falar de hierarquia dos princípios importa dois tipos de questão: a)
sobre a hierarquia entre princípios e regras; b) discute se há hierarquia entre princípios.
No que toca a hierarquia entre princípios e regras, a doutrina já fixou
que os princípios são mais relevantes do que as regras, por serem mais carregados de
valores.
A grande questão é a de se estabelecer uma hierarquia entre dois
princípios, se é possível se falar especificamente em hierarquia nesse caso. Em todo
caso, há que se distinguir três dimensões para os princípios: os princípios gerais de
direito; os princípios constitucionais positivos e os princípios fundamentais.
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam o sistema de
normas; são núcleos de condensações; começam por ser a base das normas jurídicas e
“podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e
constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.29
Os princípios constitucionais positivos referem-se aos princípios que
traduzem em normas da Constituição ou que delas diretamente se inferem, e podem ser
de duas categorias: os princípios políticos constitucionais e os princípios jurídicos
constitucionais.
“Os primeiros, constituem-se daquelas decisões
políticas fundamentais concretizadas em normas
conformadoras do sistema constitucional positivo”
(...). Já os princípios jurídicos constitucionais são
princípios constitucionais gerais informadores da
ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas
constitucionais e não raro, constituem
desdobramentos (ou princípios derivados) dos
fundamentais, como o princípio da supremacia da
Constituição e o consequente princípio da
constitucionalidade, da legalidade, da autonomia
individual, decorrente da Declaração de Direitos, da
isonomia e da proteção social dos trabalhadores,
dentre outros. 30
29
CANOTILHO, J.J.Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991,
p. 49. 30
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 93.
24
Os princípios políticos constitucionais constituem-se, por outro lado,
“nos princípios definidores da forma do Estado; da estrutura do Estado; dos princípios
estruturantes do regime político e dos princípios caracterizadores da forma de governo e
da organização política em geral”. 31
Os princípios constitucionais fundamentais são aqueles de que
derivam logicamente - em que, portanto, já se manifestam implicitamente - as normas
particulares, regulando imediatamente, relações específicas da vida social.32
Dentre as funções dos princípios fundamentais, destaca-se a função
ordenadora servindo mesmo de critério de interpretação e integração, pois são eles que
dão coerência geral ao sistema.33
Há hierarquia dos princípios, notadamente dos princípios
constitucionais sobre os demais princípios e regras, em proporção direta ao grau de
consciência constitucional ou de sentimento constitucional, ou seja, quanto maior o
grau de conscientização constitucional, maior o valor dos princípios constitucionais.
“Sucede que não há no Brasil, cultura constitucional materializada em comportamentos
e condutas tendentes a: i) preservar a vontade da Constituição; ii) efetivar, no plano
máximo possível, os princípios e regras constitucionais; iii) disseminar o conhecimento
a respeito do texto constitucional. E a inexistência de cultura constitucional reverbera
nos mais variados domínios da vida brasileira, que no campo econômico, político social,
quer no pensamento jurídico”.34
Assim, os princípios seguem uma ordem de hierarquia axiológica:
primeiramente os princípios constitucionais fundamentais; depois os princípios gerais
de direito em espécie; e mais abaixo em valor, as chamadas regras jurídicas. Essa
gradação hierárquica de valores tem implicação imediata no próximo tópico, a saber, o
referente à colisão de princípios.
Só é possível discorrer sobre a questão se há hierarquia entre os
princípios, analisando-se a relação entre os princípios e os valores, uma vez que se pode
falar em colisão e sopesamento tanto de uns, quanto de outros, ou seja, uma vez que a
31
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Op. Cit. P. 66 32
CRISAFULLI, Vezio. La constituzione e Le sue disposizioni di princípi. Milano: Giuffré, 1952, p. 38. 33
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1983, Tomo II, p. 199. Os
princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 estão nos artigos 1º a 4º. 34
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008,
p.237.
25
definição bem como o sentido dos enunciados normativos depende da escolha reflexiva
entre valores e opções políticas.35
Pode-se distinguir como faz Robert Alexy36
os princípios dos valores,
dizendo-se que princípios são mandamentos de otimização e se situam no âmbito
deontológico, enquanto os valores pertencem ao nível axiológico. Os princípios
funcionam como “filtros, que captam os valores em abstrato, e os transformam em
regras, em direitos, como no caso do valor igualdade que através do princípio da
igualdade criam os direitos de igualdade”.37
A grande questão posta no tema da hierarquia entre princípios é: há
que se falar, com rigor, numa hierarquia entre princípios? Depois de acirrada cizânia
doutrinária, aqui dispensável de ser reproduzida à exaustão, podemos seguir a lição
segundo a qual:
Os princípios jurídicos devem ser aplicados nos
limites e nos contornos das circunstâncias fáticas
(adequabilidade), o que não quer dizer que sejam
propriamente determinados por essas circunstâncias.
Antes eles funcionam como pressupostos que
orientam os processos de aplicação das regras e dos
próprios princípios jurídicos, que transferem
correção a esses processos. O conflito na verdade, é
fruto da concorrência de princípios distintos em um
caso concreto. 38
Não é, todavia, pelo fato de haver a necessidade de opção entre um e
outro princípio, quando colidem na apreciação de um caso concreto, que se pode falar,
com rigor, na existência de hierarquia entre eles. Na verdade, quando se escolhe um
princípio para aplicação a um caso concreto, o outro não escolhido não sai do
ordenamento jurídico, permanecendo à espera de novo caso concreto e de nova colisão,
quando poderá ser reputado, pela ponderação, como sendo mais adequado, proporcional
e necessário para aplicação.
A hierarquização dos princípios constitucionais tanto é possível que o
constituinte assim o fez, “elegendo” os mais importantes para compor o núcleo
35
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. P, 117. 36
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. Cit. P. 98. 37
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op. Cit. p. 177 38
GUALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado democrático de Direito: ensaio sobre
o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa. N.143. p.191-209. Jul/set.1999
26
essencial, e por isso seriam “irreformáveis”, enquanto outros podem ser submetidos a
mudanças através, por exemplo, de um processo legislativo constitucional. Do ponto de
vista estritamente jurídico (epistemológico), não há hierarquia entre princípios.
É importante enfatizar que as regras têm sua interpretação e eficácia
atrelada aos princípios e que estes se harmonizam, a partir da hierarquia estabelecida
entre eles, para dar coerência ao sistema jurídico, como afirma Hans Kelsen39
: “o
ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, cada uma delas dotada de
um determinado valor e ocupando uma posição igual no sistema, pois uma norma para
ser válida tem que ter seu fundamento de validade em outra norma superior”, e assim é
reconduzida a uma norma fundamental, uma ordem normativa, embora esse autor não
reconhecesse o caráter de norma jurídica aos princípios de direito, este pensamento foi
superado pela dogmática moderna.40
39
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.248. 40
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998,
p.141.
27
1.4 A Colisão de princípios e sua solução
Quando se refere a um conflito de normas, de modo específico se está
falando de conflito de regras e não de princípios, isto porque, entre princípios o máximo
que pode ocorrer é colisão entre eles, uma vez que no ordenamento jurídico não cabe
antinomia de princípios, como se verá.
“Um conflito de normas pressupõe que valem ambas
as normas que estão em conflito (caso contrário o
conflito é aparente) (...) Por meio da derrogação é
abolida a validade de uma norma que está em vigor,
mas não constitui uma contradição lógica; no caso
de contradição lógica entre dois enunciados
normativos, um deles é falso desde o início”.41
No caso de conflito de regras, há conflito de validade, mas não um
conflito lógico, e a doutrina assentou que tal conflito se resolve pelos três critérios
clássicos: regra posterior revoga a anterior (critério temporal); regra superior revoga a
inferior (critério hierárquico); regra especial revoga a geral (critério da especialidade).
No caso dos princípios, fala-se de colisão e não de conflito, vez que não
se pode falar de conflito lógico, nem mesmo de conflito de validade, por isso que, em
caso de colisão de princípios, no momento de aplicação ao caso concreto, aplica-se um
deles, porém o outro não perde a validade nem é expurgado do sistema, porque, num
outro caso concreto, em que ocorra a colisão, este outro princípio pode ser aplicado.
No caso de colisão entre princípios, a doutrina tem recorrido ao
chamado princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio
da proporcionalidade, gerando uma confusão, porque a razoabilidade comporta “três
elementos: proporcionalidade, necessidade e nexo de causalidade (ou adequação).
Assim, é razoável a escolha de um princípio em detrimento de outro que lhe é
41
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre-RS: Fabris, 1986, p. 159.
28
inconciliável, se for mais proporcional ao caso concreto ao qual de aplica, se for mais
necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso”. 42
Portanto, a proporcionalidade não é o mesmo que razoabilidade, mas
um critério de aferição da razoabilidade; o método de ponderação ou sopesamento e
fixação da razoabilidade.
Assim, no dizer de Robert Alexy:
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por
exemplo, quando algo é proibido de acordo com um
princípio e de acordo com outro é permitido – um
dos princípios terá que ceder. Isso não significa,
contudo, nem que o princípio cedente deva ser
considerado inválido, nem que nele deva ser
introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade o
que ocorre é que um dos princípios tem precedência
em face do outro sob determinadas condições. Sob
outras condições, a questão da precedência pode ser
resolvida de forma oposta. 43
Alexy propõe uma abertura na interpretação e aplicação dos princípios a
toda a comunidade de intérpretes44
e, no caso de colisão entre princípios, o que há, na
verdade é a necessidade de se agir, conforme Marcelo Lima Guerra ensina:
Se há casos em que não é possível, em razão de
limites da própria capacidade humana, discernir uma
única solução correta, nem mesmo a melhor entre
várias, quando há mais de uma qualificável como
correta, então não se pode considerar que tudo esteja
contido nos princípios, nada restando a fazer senão
concretizá-los através do sopesamento.45
42
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de teoria constitucional e de Direito constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2009, p. 241. 43
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93. Essa proposta
do autor parece mais adequada do que aquela apresentada por Ronald Dworkin, recorrendo à figura do
juiz “Hercules”, um ser dotado d qualidades ideais, onisciente, que busca a solução para cada caso através
da reconstrução do direito vigente com base nos princípios morais. DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 165. 44
Proposta seguida, dentre outros por MULLER, Friederich. Hermenêutica constitucional. São Paulo
Martins Fontes, 2010, p. 11. 45
GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “fórmula do peso” de Robert
Alexy; In: Revista de Processo. São Paulo: V.31, n. 141. P. 53-71, Nov.2006.
29
Assim é, que a ponderação deve ser uma técnica distinta na solução
das antinomias , pois:
Em particular, o intérprete poderá ser confrontado
com conflitos normativos que envolvem valores ou
opções políticas e tensões insuperáveis pelas formas
hermenêuticas tradicionais da solução de
antinomias, e, para solucioná-los, será necessário
recorrer à técnica da ponderação (...).
Ademais, não é possível simplesmente escolher uma
disposição em detrimento das demais; o princípio
da unidade, pelo qual todas as disposições
constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser
interpretadas de maneira harmônica, não admite essa
solução. Essa, portanto, é a primeira distinção entre
a ponderação e as técnicas tradicionais de solução de
antinomias; estas estão ligadas à subsunção, ao
passo que a ponderação é uma alternativa a ela.46
Por fim, o princípio da razoabilidade (ou o método da ponderação da
proporcionalidade em sentido estrito) pode ser entendido “pela análise da relação entre
o fim e o meio com o sentido teleológico ou finalístico, reputando-se arbitrário o ato
que não observar que os meios destinados a realizar um fim, são por si mesmos
apropriados ou quando a desproporção entre fim e o fundamento é arbitrário” 47
. Por
isso é necessária à adequação e o nexo de causalidade.
Assim, para o que interessa no presente trabalho, pode-se concluir neste
capítulo, preparando-se uma sinergia entre os diversos capítulos, dizendo-se que, no
tocante ao princípio da presunção de inocência, muitas vezes invocado em nome da
dignidade da pessoa humana do acusado, não pode ser elevado ao nível de princípio
intransponível porque isso pode gerar impunidades, comprometendo o princípio da
segurança jurídica, e até o princípio da motivação jurisdicional.
46
BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 112. 47
BERALDO, Leonardo de Farias. A flexibilização da coisa julgada que vicia a Constituição.In:
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. Rio de janeiro: América Jurídica,
2005, p. 172.
30
CAPÍTULO II – DISCURSO E MANIPULAÇÃO DO DIREITO
O presente capítulo trata das espécies de discurso e da análise desses
discursos, buscando estabelecer pontos de contato entre o discurso jurídico e o discurso
político-ideológico, o uso (ou manipulação) desse discurso jurídico pelos centros de
poder produtores do direito, preparando a análise de como se tem manipulado o
conceito de presunção de inocência, que interessa aqui, mais de perto.
2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise
Apesar de passar também por essas ideias, a análise de discurso como
aqui se refere não trata da língua ou da linguística, nem de estudo de gramática, mas
propriamente de discurso, em seu sentido de curso, de percurso, de correr por, de
movimento48
. Trata-se, assim, de analisar a palavra em movimento, prática da
linguagem, tendo esta apenas como mediação necessária à compreensão dos conceitos e
de seus usos na prática jurídica, possibilitando a análise de seus usos e dos efeitos
desses usos. Portanto, resta delimitado assim, o uso dos conceitos que têm pertinência
direta com as ideias de presunção, de inocência, de manipulação, de ideologia, e de
discurso jurídico.
Por seu turno, a análise do discurso viabiliza a mediação, por meio da
linguagem, entre o homem e a realidade natural e social, que, portanto possibilita a
continuação e o deslocamento e transformação do homem e da realidade em que se
insere. Essa análise é que identifica as estratégias críticas dos usos da linguagem e das
ciências sociais como um todo, refletindo e pondo a descoberto, as manobras
48
Embora muitos sejam os sentidos da palavra discurso, podendo-se apontar: atividade comunicativa
entre interlocutores; atividade produtora de sentidos, que se dá na interação entre falantes.
31
ideológicas, uma vez que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o
indivíduo é transformado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”.49
Nesse sentido, pode-se dizer que não há discurso neutro; todo discurso
produz sentidos que expressam posições sociais, culturas, ideologias do sujeito da
linguagem. Muitas vezes os sentidos são explicitados e às vezes não, nem sempre se diz
o que se pensa, deixa-se nas entrelinhas significados que não se quer tornar claros ou
porque a situação não permite ou não se quer assumir responsabilidades, deixando a
critério do interlocutor (ou do intérprete) o trabalho de construir os sentidos implícitos.
Isso é muito comum nos discursos políticos mas acabam interferindo nos discursos
jurídicos.
Assim, a análise de discurso tem por objeto de estudo o próprio discurso,
o que delimita significativamente as abordagens a respeito do tema, o que facilita o
trabalho do pesquisador, pois trata do estudo da língua, distinguindo-se da análise de
conteúdo, pois enquanto esta tem por objetivo direto extrair o sentido do texto, a análise
do discurso deve estar centrada nos falantes, daí toda a carga ideológica que acaba
desnudando. Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos e se
reveste de significados para e pelo sujeito.
Além dos sujeitos, (e age por meio deles) é que se manifesta outro
elemento do discurso, a saber: a memória. Fazendo parte do discurso, a memória
interfere na produção do discurso, melhor dizendo, no contexto de produção do
discurso, inclusive (e principalmente) nos discursos jurídicos e políticos. É o que Marx
denunciava, quando dizia que todo produto carrega as influências de seu meio de
produção. Do mesmo modo, todo discurso carrega os elementos do “meio” onde é
produzido, ideologicamente.
E nesse “meio”, nesse “espaço” onde o discurso é produzido, dá-se na
tensão entre a paráfrase e a polissemia, num jogo entre o mesmo e o diferente, entre o
que foi dito e o que está ainda por dizer, que os sujeitos falantes se movimentam,
percorrem seus intentos discursivos, produzem o direito.
Importante para se trabalhar com análise de discurso é, também, a idéia
de “formação discursiva”, que significa que, numa formação ideológica dada, a partir de
uma determinada posição, determina o que pode e o que deve ser dito. E como o
49
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento? Campinas: Pontes, 1997, p. 43.
32
discurso se delineia sempre nas relações com os outros, é importante que se determine
se o sujeito diz se inscreve numa formação discursiva e não em outra; e é produzido
para ter um sentido e não outro. Esse aspecto do discurso é importante, aqui, para
determinar que o discurso da presunção de inocência deva ser tomado num determinado
sentido e não em outro (o que leva, por exemplo, à costumeira impunidade, o que soi
acontecer, como se verá).
Ponto que interessa reforçar aqui, é o diz respeito a possibilidade da
análise de discurso permitir uma re(significação) da noção de ideologia, a partir da
linguagem. Essa ideologia tem o sentido de determinar que não há sentido das palavras
sem o exercício da interpretação, o que atesta a presença desta, seria a presença
constante de qualquer objeto simbólico, o homem é obrigado a interpretar, o que, como
já foi dito, transforma o indivíduo em sujeito que produz e interpreta o discurso.
E como nem sujeitos nem sentidos são completos, essa incompletude
reclama uma integração do discurso, através da interpretação, carregada sempre de
ideologia, o que gera a polissemia dos termos componentes do discurso, o que facilita a
manipulação desse tipo dos discursos constitutivos dos textos normativos. E essa
manipulação é sempre possível de se manifestar porque a ideologia e o inconsciente não
se controlam com o saber e a razão. O próprio jogo da linguagem funciona assim. Tudo
depende de uma questão de método. É o método de se analisar o discurso que permite o
desnudar das ideologias inseridas nos discursos, e principalmente, nas interpretações
que se dão aos textos.
E o texto, escrito ou oral, é uma dispersão do sujeito, como o discurso é
uma dispersão do texto. O sujeito se subjetiva de várias maneiras ao longo de um texto,
o que permite a invasão de sentidos eivados de ideologias variadas para um mesmo
texto.
Muitos autores têm procurado apontar as principais características do
discurso. Assim, Maigueneau50
aponta como características: a) o discurso deve ser
entendido como algo que ultrapassa o nível puramente gramatical (contam os
interlocutores, com suas crenças e valores; e a situação, o lugar e o tempo geográfico e
histórico em que é produzido); b) Os falantes/ouvintes devem ter não apenas
conhecimento linguístico como extralinguísticos, para produzirem discursos adequados;
50
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise de discurso. Campinas: Unicamp/Pontes, 1993,
p.18.
33
c) o discurso é contextualizado, isto é, do ponto de vista discursivo, toda frase só tem
sentido no contexto em que é produzido; d) o discurso é produzido por um sujeito e é
em torno dele que se organizam as referências de tempo e espaço; e) o discurso é
interativo, pois se desenvolve entre dois parceiros (binômio eu-você); f) o discurso é
uma forma de atuar, de agir sobre o outro; promessas, ordenamentos, perguntas,
permissões, proibições, isso é uma ação sobre o outro, um ato de fala, que busca sempre
modificar uma situação; g) o discurso trabalha como enunciados concretos,
falas/escritas produzidas; h)um princípio geral rege o discurso: o princípio do
dialogismo, que significa conversa, interação verbal, que supõe pelo menos dois
falantes; i) mas o discurso é também dialógico porque quando se fala ou escreve,
dialoga-se com outros discursos, trazendo a fala do outro para o nosso discurso; j) por
causa desse caráter dialógico o discurso tem efeito polifônico, emporque um discurso
dialoga com outros, é sempre atravessado por outras vozes; k) todo discurso se constrói
em rede com outros discursos, é uma arena de luta entre os diversos discursos.51
51
Essas características variam de acordo com a linha teórica de quem as aponta. Assim, variam de acordo
o autor se filie à escola francesa da análise de discurso, de cunho preponderantemente político, de caráter
ideológico, com o viés marxista, ao qual costuma-se ligar Michel Pêcheux, Michel Foucault, Louis
Althusser e, mais recentemente, Boaventura de Souza Santos.
34
2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico.
Como tipos de discursos, podem ser apontados: o discurso político, o
jurídico, o religioso, o jornalístico, o pedagógico, o médico, o científico. Esses tipos
comportam variáveis como: discurso terapêutico, místico, didático, dentre outros,
devendo-se ainda levar em consideração os estilos (barroco, renascentista, moderno,
contemporâneo); gêneros (narrativa, descrição, dissertação), interessando, para a análise
do discurso as prioridades internas dos processos discursivos; as condições de
formação, produção, interpretação e efeitos dos discursos, e, aqui, aquelas (condições)
referentes aos discursos jurídicos e políticos.
Pode-se, inicialmente afirmar que as palavras constantes nos discursos
de textos jurídicos, costumam ter significados distintos da linguagem comum. São
utilizadas por pessoas específicas (os operadores de direito e os destinatários da norma),
em situações específicas (necessidades do exercício profissional ou nos chamados “usos
do direito”). Pode-se, assim dizer que é uma linguagem técnico-jurídica, apresentando,
assim, várias e sérias dificuldades de compreensão.
A primeira dificuldade é a constatação de que embora o discurso
jurídico seja feito de termos técnicos, com nomenclatura que exige exatidão técnica, não
consegue se desprender totalmente de sua significação comum. Essa dificuldade
avoluma-se quando se constata que o direito não é feito apenas para técnicos e sim para
toda a comunidade que se encontra em seu espaço de aplicação, a saber todos os
destinatários da regra posta.
E por ser assim, multiplicam-se as dificuldades quando se tem uma
técnica de aplicação do direito como a nossa que afirma que a ninguém é permitida a
alegação de desconhecimento da lei.52
Apesar de se justificar que esse dispositivo é
fundado no princípio da publicidade e que atende à necessidade de observar ao princípio
da imperatividade das regras jurídicas, esse discurso não satisfaz as reais condições de
sua aplicabilidade uma vez que toda lei tem o que se conhece como vacatio legis, que
52
O art. 3º da Lei de Introdução Ao Código Civil diz, verbis: Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece.
35
grande parte da comunidade desconhece, e mesmo o acesso ao conhecimento do direito,
que reclama por uma política mais efetiva de educação para o direito53
.
A lei brasileira exige que “em todos os atos e termos do processo é
obrigatório o uso do vernáculo”54
Ocorre que esse “vernáculo” (língua portuguesa),
contém termos desconhecidos da grande maioria da comunidade de destinatários da
norma, o que facilita o trabalho de manipuladores do discurso, emprestando significados
e finalidades distantes do pretendido pelo produtor da norma.
Além da dificuldade de compreensão dos textos, por causa de sua
tecnicidade, o discurso jurídico é, como amplamente reconhecido, um discurso de
poder, o que, por si só, implica uma interface com o discurso político, ou seja, o
discurso jurídico tem uma inafastável ligação com o político, seja porque é produzido
pelos centros políticos do Poder Legislativo (notadamente a lei, em sentido amplo), seja
porque engendra uma decisão política sobre quais matérias devem ser regulamentadas,
seja porque, decidido o quê,decide-se, também politicamente, como legislar.
Depreende-se do pensamento de Foucault55
, que o exercício do poder
manifesta-se no modo de agir de uns sujeitos sobre os outros, que os divide em
governantes e governados, e as relações de força se estabelecem entre sujeitos desiguais,
individuais ou coletivos, por suas posições sociais e quantidade de recursos de que
dispõem (econômicos, políticos, militares ou de informação). É preciso, pois, estudar o
direito em seus aspectos contextuais: a) do próprio contexto do discurso, onde o
significado das palavras resulta do contexto textual, do ordenamento onde esse operador
tá inserido; b) da situação discursiva, (quem fala, de onde, de qual centro de poder; c) da
situação jurídica no espaço político–social.
Mas não é isso que se verifica no espaço que está entre a produção do
direito e sua aplicação, ou seja, não têm sido esses os parâmetros utilizados pelos
operadores/intérpretes/aplicadores do direito, e sim um mecanismo político/ideológico/
manipulador, como se observa facilmente. Ao contrário, dá-se um discurso jurídico que
53
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 46. O autor
trata das funções do direito, dentre elas, a função educativa. Advirta-se que não se está aqui defendendo a
tese de que qualquer um, para esquivar-se da incidência da regra, basta alegar que a desconhece. O que
não é admissível é essa presunção genérica de que todos conhecem a lei amplamente, somente porque foi
publicada. A linguagem do discurso muitas vezes impede ou dificulta o seu entendimento,
comprometendo a compreensão. 54
Art. 156 do Código de Processo Civil. 55
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Graal.1960.
36
vai além do poder e se torna autoritário, monofônico, pois as vozes que poderiam
compor o discurso são abafadas ou ocultadas sob a aparência de uma única voz (a do
detentor do poder).
A grande dificuldade enfrentada em toda parte, pelos aplicadores do
direito, ou pelos destinatários da regra, advém, justamente, da ambigüidade, da falta de
clareza que muitas vezes se encontram nos textos normativos, e cabe ao operador do
direito determinar e esclarecer o sentido e o alcance dos vocábulos, observando a
característica técnico-científica de sua linguagem. Isso leva a um contexto onde uns (os
técnicos) falam e determinam o sentido das normas que serão aceitos e obedecidos por
outros ouvintes (destinatários), o que, por si só gera uma relação de
dominação/subordinação.
Deve-se buscar, pois, o sentido mais razoável possível para os textos
objetivando-se uma aplicação mais justa possível. Mas essa tarefa torna-se
extremamente difícil, ver, por exemplo, quando estamos diante de conceitos jurídicos
indeterminados, que, não raras vezes, encontram-se nos textos a serem interpretados e
aplicados. Assim ocorre com termos como “função social” da propriedade e do
contrato; “duração razoável” do processo; utilidade pública; interesse público;
presunção de inocência, “fumaça do bom direito” . Nesses casos todos, os termos
jurídicos perdem clareza, concisão, harmonia com a realidade, dando vazão a sentidos
absolutamente subjetivos, em detrimento da objetividade do direito.
Outro tipo de discurso que, de tão relacionado que está com o discurso
jurídico, às vezes com este se confunde, seja na produção, seja na interpretação e
aplicação do direito, é o discurso político. É um discurso que está sempre presente nos
espaços (legislativo, executivo e, até judiciário), de todas as esferas de poder ou
unidades da Federação. Um discurso que tem legitimados para o produzirem em todos
os escalões de poder e que se manifestam não somente nas épocas de campanhas
políticas, quando se desnudam de vez e passam a fazer parte do cotidiano das gentes,
mas também de forma velada (às vezes ideologicamente) em todos os espaços sociais, e
em todos os tempos.
Legitimados são, pois, todos os cidadãos e cidadãs, em todos os espaços
sociais para proferir discurso político, falando, propondo, criticando, etc Assembléias,
comícios, ou rodas informais de discussão, estão sempre impregnadas de discurso
político, sempre permeado pela poderosa mídia, escrita, falada ou televisiva,(sem
37
esquecer os usos da tecnologia de informática) passando-se mesmo a reconhecer esses
espaços não somente como espaços de expressão desses discursos, mas também como
espaços de produção discursiva.
O discurso político, pois, invade todos os espaços discursivos, sejam
jurídico-científicos, ou de senso comum do povo, grandemente perpassado pela atuação
da mídia, que passou, nos últimos tempos, a ser fonte de informação sobre todos os
temas, sejam acontecimentos diários, até temas de política, de direito, de religião, de
economia e isso tem repercussão nos discursos em geral, mas principalmente nos
discursos jurídicos e políticos; primeiro porque os discursos se transformam pela
imposição das técnicas da mídia; segundo, porque a mídia tem o seu próprio discurso,
com suas formas de funcionamento. Em nome da busca pela verdade e objetividade, a
mídia, às vezes, distorce a realidade, de forma político-ideológica, dentro daquele
conceito marxista, já apontado, de que “todo produto carrega consigo as marcas de sua
produção”. Na verdade, os meios de produção de discurso da mídia carregam consigo
toda a ideologia política que o grupo dominante pratica, em grande parte.
Nesse tipo de discurso, um conceito fundamental é o conceito de
“opinião pública”. É um conceito formado de duas formas: a partir da perspectiva do
próprio meio de comunicação, e a partir de opinião pública propriamente dita, a
primeira muitas vezes preponderando sobre a segunda, o que o torna um discurso
político/ideológico por excelência.
Como principais características do discurso político (sem pretender
esgotar a tipologia), podem ser apontadas: a) o discurso político necessita, para
sobreviver, impor a sua verdade a muitos, mesmo que, paradoxalmente, seja aquele que
mais dificilmente se consegue. É, portanto, um discurso dinâmico, frágil, e provisório;
b) é um discurso por excelência, do sujeito; c) os discursos políticos deixaram de ter
espaços específicos de enunciação (hoje reservados apenas ao sentido político stritu
senso) passando a estar em todos os espaços sociais, diretamente proporcionais às
práticas democráticas.
Apesar de o fato de todo discurso ser um discurso de poder, porque
pretendem impor verdades a respeito de um tema específico, ou de uma área da ciência,
da moral, da ética, do comportamento, é, contudo, no discurso político onde o poder
mais se explicita (apesar de ser possível o disfarce ideológico da dominação). É um
38
discurso que se alimenta na polêmica, na desconstrução do outro, para se construir. Por
isso mesmo se aproxima tanto do marketing .
Talvez essa seja a tensão que dificulta tanto a convivência entre o
discurso jurídico/científico e o discurso político. O antagonismo que permeia essa
relação, gerando efeitos nocivos (embora inafastáveis) do político sobre o direito, fruto
de determinadas “formações discursivas”.56
Antes de abordar o discurso ideológico, necessário se fixar ao menos
uma noção de ideologia, dentre as tantas já apresentadas pelos autores. A idéia de
ideologia depende, pois, da escola doutrinária à qual se filia o autor. Para Marilena
Chauí, a ideologia significa aquilo que analisa a faculdade de pensar e, sob o conceito
de ciência positiva do espírito, se opunha à Metafísica, Teologia, à Psicologia, trazendo
uma visão doutrinária irreal e sectária.57
Essa é, contudo uma conotação negativa de ideologia, herdada de Marx e
Engels, em crítica à visão abstrata e ideológica dos filósofos alemães, identificando-a
com a separação entre a produção de ideias e as condições sociais e históricas em que
são produzidas, verificando apenas dados perceptíveis empiricamente.58
Nesse sentido,
a ideologia é instrumento de dominação de classe, impondo-se as ideias da classe
dominante, tendo Althusser afirmado que “para manter sua dominação, a classe
dominante gera mecanismos de perpetuação das condições materiais das políticas de
exploração, entrando assim, em cena, o Estado, com seus aparelhos repressores, por
meio dos aparelhos ideológicos de que dispõe, para garantir sua própria coesão e
reprodução, e para divulgar os valores por ele propostos”.59
Assim, como o direito é, em grande parte, produzido pelos centros
políticos de poder, notadamente do Estado (embora não seja o único), está permeado de
56
Para maior aprofundamento sobre o conceito de formação discursiva, ver. FOUCAULT, Michel.
Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.35º autor define formação discursiva como um
conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço e que definem em
cada época e para cada área social e econômicas, geográficas ou lingüísticas dadas as condições de
exercício da função enunciativa. 57
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 78. 58
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p. 81. 59
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1974,
pg. 56. O autor aponta como principais Aparelhos Ideológicos do Estado, a religião, a escola, a família, o
direito, a política, os sindicatos, os meios de informação e comunicação, e a cultura (letras, artes, esportes,
etc). Ademais, para ele, a ideologia é uma “ representação” da relação imaginária dos indivíduos com
suas condições reais de existência. A despeito de algumas características às vezes possíveis de serem
atribuídas às ideologias, para o presente trabalho assume-se sua dimensão negativa aqui exposta.
39
ideologias praticadas pelos grupos que o produzem, seja na produção, seja na
interpretação ou na aplicação desse mesmo direito.60
2.3. A manipulação do discurso jurídico e seus efeitos
É exatamente essa inter-relação entre o jurídico, o político e o ideológico,
que engendra as diversas espécies de manipulação do direito, a partir da manipulação de
seu discurso, causando efeitos muitas vezes nefastos sobre sua efetividade e concreção.
Assim, teorias surgem e se desvanecem, historicamente, na tentativa de
solucionar esse cruciante problema para a ciência do direito. Revezam-se teorias
jusnaturalistas e positivistas, processualistas e substancialistas, humanistas,
antropologistas, sociologistas, funcionalistas, estruturalistas e desestruturalistas;
normativistas e principiologistas, todos se debatem nos meandros obscuros de teses
formuladas a partir de posturas políticas e ideológicas, assumam ou não esse caráter.61
A manipulação do direito pode ocorrer em três fases: em sua produção,
em sua interpretação e em sua aplicação. Na primeira fase (da produção, notadamente a
legislativa), essa manipulação ocorre de várias formas, destacando-se aqui, a chamada
legislação simbólica; na segunda (na interpretação), no bojo do fenômeno conhecido
por mutação constitucional; e, por último (na aplicação), na jurisprudência (um certo
tipo dela), que baseando-se no jogo que utiliza os dois primeiros aspectos, tornam a
manipulação ainda mais nociva à efetividade e concreção do direito, notadamente dos
direitos fundamentais, dentre eles, a presunção de inocência.62
60
Abstrai-se, aqui, o sentido positivo e a ideologia como conjunto de ideias para aprofundamento da
relação entre Direito, Política e Ideologia, veja-se, ainda, WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado
e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, passim. 61
Impossível anotar aqui todas as tendências, todas as teorias e todas as vertentes que tentaram ou tentam
analisar essa influência do político e do ideológico sobre o Direito. 62
É claro que a manipulação do direito pode ocorrer em outros campos, mas esses três aspectos
(produção, interpretação e aplicação) são aqui tomados, primeiro pela necessidade de limitação dos
campos de abordagem, e, em segundo lugar, porque se entende que permite o fechamento de um círculo
satisfatório de análise da manipulação.
40
No que diz respeito à produção de legislação simbólica, é clara a
manipulação do direito pelos centros de poder produtor da norma. É certo que a lei tem
sempre três variáveis, como aponta Marcelo Neves, quando diz que:
“As três funções coexistem em qualquer situação. A
função instrumental pode ser simplificada na ideia
de meio-fim. Seria a prática de vontade consciente
de atingir um resultado determinado mediante a
atividade necessária. A função expressiva é, antes,
uma medida de purgação do que um meio de
conflito, pois pressupõe uma confusão entre a
prática da vontade consciente e a satisfação do
resultado almejado. Haveria, então, uma
imediatidade entre a medida e a satisfação do
referido resultado almejado. A função simbólica
pode ser representada por um fim imediato e
impreciso, inserto no fim representado, sendo que
aquele prevalece em relação a esse”.63
É, ainda, o mesmo autor que propõe uma tipologia tríplice da legislação
simbólica, a saber: a) aquela que serve para confirmação de valores sociais; b) a que
serve para demonstrar a capacidade de ação do Estado para a solução de problemas
sociais (legislação-álibi); c) a que se presta ao adiantamento da solução de conflitos
sociais através de compromissos dilatórios.64
No primeiro caso, o legislador, aparentando estar à frente de seu tempo,
regulamenta situações, assumindo posição, em situação de conflitos sociais, atendendo,
na verdade, aos interesses do grupo que é destinatário direto da lei e se beneficia de sua
promulgação. Aparenta, assim, uma eficácia que é, seguramente, secundária, frente à
valoração do interesse desses grupos beneficiados. É exemplo: a lei seca, nos Estados
Unidos. Os defensores da proibição de consumo de bebidas alcoólicas não estavam
interessados na sua eficácia, mas em adquirir respeito social. No Brasil, além da lei
seca, pode-se entrever esse interesse na lei que obrigava o uso do cinto de segurança ou
dos estojos de primeiros socorros nos veículos, e, mesmo nas teses defendidas nas leis
promulgadas contra ou a favor da homofobia, para manter prestígio da base de apoio
aos parlamentares, como fazem, por exemplo, algumas bancadas religiosas, na postura
intransigente de posturas radicais. Esconde-se a verdadeira intenção que viaja por trás
63
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 102. 64
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75. Análise do
autor, citando Marcelo Neves.
41
dos discursos. A “vitória legislativa” funciona para os “vitoriosos” e de degradação para
os “perdedores” sendo irrelevante os seus efeitos instrumentais. Estabelece-se um
perde-ganha que passa ao largo da generalidade e da abstração características da regra
jurídica, para contemplar interesses individuais ou de pequenos grupos, muitas vezes
escusos.65
A segunda espécie de legislação simbólica diz respeito à necessidade de o
Estado demonstrar sua capacidade de ação frente aos conflitos sociais e aos grandes
problemas sociais, a conhecida legislação-álibi. Além de atender aos objetivos da
primeira espécie, a saber, a confirmação de valores de determinados grupos, vai além e
fixa , como objetivo, o de assegurar confiança nos sistemas jurídicos e, principalmente,
nos sistemas políticos.66
Diante de grandes conflitos ou problemas sociais (endemias, catástrofes,
desastres ecológicos, violência urbana) a legislação-álibi é logo produzida, como uma
resposta pronta e rápida dos governos e dos Estados.
Assim, a legislação-álibi tem o “poder de introduzir um sentimento de
bem-estar na sociedade, solucionando tensões e servindo à lealdade das massas” 67
É o
que ocorre, constantemente, com a legislação penal, muitas vezes insatisfatória e
imprópria para a solução de problemas como a criminalidade e a violência.68
Esse tipo de legislação mais se coaduna com a fabricação e “legitimação”
das políticas públicas encetadas pelos governos.
65
BEZERRA, Paulo Cesar Santos; BEZERRA, Raquel Tiago. Legislação simbólica: sobre os riscos de
manipulação ideológica do Direito. In: Legislação simbólica uma realidade constatada. Salvador: Editora
Dois de Julho, 2012. 66
Por isso mesmo que todo grupo que chega ao poder, procura logo se cercar de nova legislação, muitas
vezes apenas “novas roupagens” para velhos preceitos, buscando a legitimação de suas políticas. É esse
grupo que serve mais à manipulação político-ideológica, seja da Constituição, seja da legislação
infraconstitucional, acabando mesmo por influenciar os Tribunais em sua produção jurisprudencial, como
se verá. 67
LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 40. 68
Recentemente ocorreu uma leva de legislação simbólica desse segundo tipo, podendo-se apontar,
apenas para dar um exemplo, a catástrofe provocada pelas chuvas na região da serra fluminense. Diante
da catástrofe, logo o governo federal, para fazer valer sua presença, tamanha foi a mobilidade popular e
de solidariedade social, disparada em todo o território nacional, baixou portarias e decretos, firmou
convênios e liberou orçamentos, logicamente fazendo veicular toda essa sua “pronta providência social”
nos meios de comunicação, com ampla publicidade político-partidária que, se de um lado, convenceu
correligionários e simpatizantes e mesmo aqueles que nem o eram tanto assim, de que o governo estava
“fazendo a sua parte” e estava “presente e era capaz de solucionar problemas”, por outro, decorridos
tantos meses, tem gerado um desencanto para os atingidos pelo desastre, que estão em situação de espera
angustiante, fato veiculado pelos mesmos meios de comunicação que se prestaram a divulgar essa
“sensibilidade governamental” .
42
Por fim, o terceiro tipo de legislação simbólica serve para adiar a solução
de conflitos por meio de compromissos dilatórios. O exemplo das enchentes acima
citado serve também a esse tipo de legislação simbólica. Aliás, as grandes catástrofes
sociais conseguem a proeza de servir aos três tipos de legislação simbólica. Servem para
confirmar valores de certos grupos (as doações generosas acobertadas por descontos no
imposto de renda e outros benefícios fiscais) a legislação-álibi para mostrar à sociedade
a capacidade do Estado em “solucionar” problemas sociais; e o adiamento desses
mesmos conflitos através de compromissos, cartas de intenções que jamais saem do
papel. Nesse caso, não se produz uma legislação imediatamente eficaz, mas se firmam
pactos que não se fundam no conteúdo do texto normativo, mas na transferência do
conflito para um futuro indeterminado. Em alguns casos, passado o consenso
momentâneo, o tema jamais volta às pautas de discussão.69
Mas o uso abusivo da legislação simbólica pode produzir o efeito contrário
ao pretendido, isso é, o fracasso das finalidades pretendidas pelos donos do poder,
porque pode levar à descrença no próprio sistema jurídico, resultando que o público se
descobre enganado e os autores políticos mostram-se cínicos.70
Como acima afirmado, a manipulação do direito ocorre em sua segunda
fase (a da interpretação), através de inúmeros fenômenos hermenêuticos, mas,
principalmente, naquele que se conhece como mutação, que nada mais é do que a
mudança do sentido do texto, sem mudar o texto, seja constitucional ou
infraconstitucional, por meio sempre da interpretação.
Podem ocorrer, assim, alguns tipos de manipulação em nome das
mutações, a saber: a) as manipulações governativas;71
manipulação partidista;72
69
A legislação que se tem produzido no Brasil, em nome da realização da Copa do Mundo e das
Olimpíadas futuras, mascaram, ideologicamente, as verdadeiras intenções, priorizando a função
simbólica, em detrimento das funções instrumentais (de efetividade) e expressivas do direito produzido. 70
NEVES, Parcelo. Op. Cit. p. 40. 71
Consiste na leitura dos textos legais (Constituição, leis, etc.) em favor do elenco que está no poder.
Sabe-se que o direito é um discurso de poder. Manipular o seu discurso de forma ideológica é o que de
mais fácil há de se fazer e mais difícil de se detectar. Esse tipo de manipulação gera, muitas vezes,
grandes adesões, porque conta com o poder oficial para sua difusão. 72
Nesse tipo, a manipulação é utilizada para legitimar a ação dos partidos políticos concretos. Suas
cláusulas podem ser torcidas tanto para fundamentar determinados projetos, como para justificar fatos
consumados, ou comportamentos em trâmite. É factível que o operativo conte com o apoio de
catedráticos ou experts em direito que, em tal empresa, passam a ser, basicamente, advogados de partidos
e não doutrinadores da disciplina. Ocorre sorrateiramente, nos conhecidos pareceres jurídicos pagos a
peso de ouro.
43
manipulação narcisista; 73
manipulação forense;74
manipulação tolerante ou
agressiva.75
Através da interpretação, pode-se, ainda: a) dar às palavras do texto
normativo, sentidos absurdos ou rebuscados; b) interpretar-se isoladamente um artigo
do texto, ignorando-se a concordância com outros, ou magnificar uma cláusula da lei,
reduzindo o valor das restantes; c) realizar afirmações dogmáticas de fato ou de
direito; d) praticar analogias improcedentes; e) fazer mal uso dos princípios jurídicos;
f) consumar distinções inexatas; g) aplicar métodos interpretativos opostos, em nome
de “certa dialética manipulativa”; h) utilizar um raciocínio ou argumento
incongruente; j) inventar exceções que a lei não prevê; l) praticar arbitrariamente as
funções de precisão e determinação dos vocábulos jurídicos.76
As mutações, pois, exigem limites para a sua razoável aplicação. Assim,
limites de ordem jurídica e extrajurídica devem ser observados, evitando-se incorrer em
verdadeira insegurança jurídica. Se for necessária a atualização dos textos, adaptando-os
à realidade social, não menos necessária é a prudência para não se cair em estado de
anomalia, mesmo na presença de leis escritas.
Assim, influências estranhas ao mundo jurídico são permitidas com
parcimônia, sejam de ordem moral, política, ideológica, religiosa, cultural. A mutação
tem por vantagem a possibilidade de se atualizar o sentido de um texto, sem alterá-lo,
mas traz ínsito o perigo de manipulação através de qualquer tipo de interpretação que
lance mão dos mecanismos acima indicados, o que ocorre também na interpretação de
princípios como o da presunção de inocência.
73
Nessa espécie, o manipulador realiza a operação de marketing pretendendo vender seu produto
interpretativo, a verdadeiros “juízos de autoridade”, e os autores desfilam em encontros e congressos,
fazendo verdadeiras “showlestras”, que fazem as plateias delirar, mas não têm robusto conteúdo. 74
Praticada para defender posturas em processos tribunalícios. Seja para acusar, seja para defender, seja
para reclamar, seja para rejeitar ou aceitar demandas, levando o direito a ser recortado, entendido, mal
entendido, exagerado, desvirtuado, tudo a gosto das palavras do protagonista de um juízo (juiz, promotor
ou advogado) para sustentar pretensões ou prolatar certo tipo de sentença. Esse é o tipo de manipulação
que mais se tem aplicado ao caso de presunção de inocência. 75
Trata não do sujeito ou do cenário manipulativo, mas de seu TOM. Algumas vezes a conduta
manipulativa é pacífica e discreta (por isso tão perigosamente não percebida), sem pretender,
aparentemente, impor-se aos demais. Opera pela via da sedução ou persuasão, como no poder persuasivo
da tipologia weberiana de poder. Outras vezes são agressivas, como nos casos em que surgem opiniões
diversas do falante. Todas essas ideias foram tiradas de LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 79-84. 76
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. O que o autor analisa
para a manipulação da Constituição através da mutação pode ser estendida para a interpretação de
qualquer texto jurídico.
44
Esses limites devem ser observados, de forma mais clara e decisiva, na
terceira fase do direito, a saber, em sua aplicação. Esse cuidado tem sido apontado pela
doutrina como necessário.
É claro que não é apenas possível, mas imperativo que se proceda à
correção do Direito mediante seleção da norma mais adequada para os casos concretos.
É necessária e útil a cisão proposta por Klaus Gunther, entre o discurso
jurídico de justificação e o discurso jurídico de aplicação. Nesse sentido, a Teoria do
Discurso serve para preservar a ética da legalidade e dos princípios em desfavor da
judicialização da política feita de qualquer forma e da utilização de um método
irracional e arbitrário que manipula os direitos.77
Atenção especial deve-se ter com a novidade da judicialização da
política, quando o juiz deixa de ser um mero aplicador do direito, para passar a ser um
criador de normas. Salutar a prática, mas com um grão de sal, respeitando-se a teoria da
tripartição dos poderes e não se confundindo cheks and balances com usurpação de
funções.
Nesse diapasão, surge como ponto crucial, a conhecida “tirania dos
princípios” que assomou a interpretação e a aplicação do direito nos últimos tempos.
Quando não se pode inferir um princípio que se quer, todas as águas correm para o
remanso chamado princípio da proporcionalidade. Chamado por alguns de ponderação,
esse princípio não pode ser uma panaceia que resolve todos os casos.
O principal equívoco é com a chamada “ponderação de valores”
confundida por muitos com princípio da ponderação. Apresentando distinção entre
normas e valores, Habermas critica a adoção da Jurisprudência que utiliza os valores,
segundo ele, os princípios tem primazia sobre valores por conta de uma “especial
dignidade de preferência” e porque esse tipo de jurisprudência transforma o Tribunal
Constitucional em uma instância autoritária e infratora da Separação de Poderes.
E no caso de aplicação dessa ponderação de valores nos casos de
presunção de inocência só tem servido para que não se esgote a fase probatória e,
quando o que interessa (por todo tipo de interesses nem sempre explícitos), é que se
presumam inocentes pessoas que não são; beneficiando culpados e incidindo-se em
77
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. São
Paulo: Landy, 2004, p. 18.
45
verdadeira impunidade, logo, em flagrantes injustiças78
, que é o que se denuncia no
presente trabalho.
A Jurisprudência dos Tribunais brasileiros tem de forma assídua aplicado
o princípio da proporcionalidade em seus julgados, embora Luís Barroso nos demonstre
que o principio da proporcionalidade no Brasil tem percorrido trajetória modesta, já
Daniel Sarmento debita à lenta aplicação a visão rígida e esquemática da jurisprudência
a propósito da separação de poderes.
Os valores correspondem a códigos morais, que são, muitas vezes,
individuais. Os princípios, no entanto, são eivados de normatividade em sua
conformação e podem ser aplicados coletivamente.
Embora estas questões não podem ser deixadas totalmente a critério do
Judiciário (que se transformaria no juiz Hercules de Dworkin), num modelo de ativismo
judicial sem fronteiras que aqui se critica, porque:
“Atribui-se ao Judiciário o papel de tutor da política,
um superpoder quase constituinte, e permanente,
como pretensa e única forma de garantia de uma
democracia materializada e de massa, sem, contudo,
considerar os riscos a que expõe o pluralismo
cultural, social e político próprio a um Estado
Democrático de Direito”.79
Nesse mesmo sentido, se não houver limites constitucionais na
atuação dos Tribunais, o direito se limitaria a ser “que o juiz diz que é direito” e os
Tribunais Superiores converter-se-iam nos guardiães da moral e dos bons costumes,
78
Rio de Janeiro - A Justiça condenou o estado do Rio de Janeiro a pagar R$ 2 milhões a um homem que
ficou preso por 11 anos e oito meses e, depois, foi absolvido da acusação. Segundo a assessoria de
imprensa do Tribunal de Justiça, Valdimir Sobrosa respondia por homicídio e por integrar um grupo de
homicídio. O pedido foi feito pelo próprio Valdimir, que disse que, na prisão, ficou privado de
acompanhar o crescimento do filho e sobreviveu a diversas rebeliões. Segundo a juíza Simone Lopes da
Costa, o Estado contrariou o princípio constitucional da eficiência, ao manter uma pessoa presa por
tanto tempo sem concluir o julgamento. Segundo a Justiça, o estado do Rio se defendeu dizendo que o
processo criminal correu dentro do prazo razoável e que era necessário apurar corretamente os fatos. Mas
a juíza considerou que o tempo foi maior do que o “necessário” e que, por isso, Valdimir merece ser
indenizado pelos danos imateriais sofridos. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro informou
que irá recorrer da decisão. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-27/rio-
tera-que-pagar-r-2-milhoes-homem-inocente-que-ficou-quase-12-anos-na-prisao> Data da. Acesso em:
30/07/2012- 10h51. 79
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, Política e Filosofia: contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p.121-122.
46
uma espécie de Poder Moderador ou, quem sabe, de Santo Ofício, a ditar um codex e
um índex de boas maneiras para o Legislativo e para o Executivo, porque:
“a aplicação de um princípio da proporcionalidade, a
compreensão dos princípios como valores
otimizáveis, assim como a compreensão dos direitos
como bens ou interesses sujeitos a um cálculo de
utilidade, confunde “argumentos de princípio” com
“argumentos de política” perspectiva jurisdicional e
perspectiva legislativa. E, por isso, não garante
direito algum, nem legitimidade à Jurisdição”80
“O Poder Judiciário não está autorizado a substituir a ética legislativa
por qualquer outra, uma vez que a ética da legalidade percebe-se no respeito ao caráter
deontológico do Direito (manda, proíbe e permite) e na impossibilidade de romper e
substituir a racionalidade formal do Direito em detrimento de outra racionalidade
substancial (material), que fatal e irremediavelmente, será resolvida, no bojo da díade
violência/direito, pelo primado do primeiro termo, significando que toda argumentação
que objetive tornar devido um juízo moral, individual, um mero valor, é uma
violência”.81
Se deixar de parecer injusto que as pessoas se beneficiem de seus
próprios delitos, então o principio da ponderação irá aos poucos ruir, e, perder o seu
status de devido.82
O discurso jurídico tem sido apontado como discurso de poder e da
ordem em todo e qualquer tipo de análise de discurso. Há sempre uma posição de poder
no discurso do produtor ou do aplicador do direito, como um eu que fala para outro que
ouve e deve obedecer, sem que se questione essa competência, quando a decisão é
acompanhada do que reputa adequado.
Assim, por causa das funções sociais abrangidas pelo Direito, o
discurso jurídico reveste-se de uma tipologia própria que é a do poder e da persuasão,
permeado pelo elemento ideológico. Persuasivo porque tem como destinatário direto ou
indireto, um alguém que, supostamente tenha infringido o ordenamento ou deva se
80
Idem, ibidem, pg. 125. 81
GRAU, Eros Roberto. Direito posto e Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 18.
Argumento utilizado em seu voto no julgamento da ADPF 144 veremos mais adiante na íntegra. 82
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 64.
47
comportar de determinada forma. Em assim sendo, o jurídico conduzirá sempre os
efeitos do poder e as relações de força entre os sujeitos que, inseridos num espaço
ideológico-discursivo e passam a ser vistos como seres que utilizam argumentos de
“verdade”.
Esse jogo de persuasão acima apontado decorre do fato de “a
finalidade de todo ato de comunicação (e o texto do discurso jurídico sempre o é) não é
simplesmente informar, porém é tentar convencer o outro a aceitar o que está sendo dito
e o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o
enunciatário crer naquilo que se transmite”. 83
Não é porque se vislumbre a possibilidade de se aplicar o princípio da
razoabilidade na aplicação do direito nos casos de inocência presumida, que seja
necessariamente entendido que se está permitindo qualquer tipo de hermenêutica e de
aplicação desse princípio, que deve ter suas limitações necessárias que evitem a
impunidade de culpados.
Acrescenta ainda que a valoração e os valores dependem de um
intérprete jurídico que por sua vez, utiliza analogia e discurso, mas com o raciocínio
prático para decidir mesmo que subjetivadamente, e nessa hipótese, dificulta um
controle mais eficaz na aplicação.
83
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1990, p.52.
48
CAPÍTULO III – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Ao pesquisar sobre o Princípio da Presunção de Inocência a ideia inicial é
dar concretude a um preceito constitucional, uma vez que a sua aplicação tem sido feita
num nível abstrato e sem efetividade com critérios juridicamente subjetivos e aleatórios.
E nesse intuito esse capitulo discorre sobre a origem histórica, as Garantias
Fundamentais, a efetividade deste princípio.
3.1 Princípio da presunção de inocência: Origem histórica e conceito.
Embora a origem da máxima in dúbio pro reo passa ser vislumbrada desde
o direito romano especialmente por influencia do Cristianismo, o principio da presunção
de inocência, regra tradicional no sistema da common law, insere-se entre os postulados
fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela
Revolução Liberal do século XVIII.84
Como já exposto a ideia de princípio vem de “ponto de partida” e
“fundamento de um processo qualquer”. Estes significados foram introduzidos por
Platão e Aristóteles, e posteriormente passaram a afirmar que “todas as causas são
princípios” 85
.
A Constituição Federal de 1988 inclui em seu artigo 5º, LVII, que diz
verbi: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal
condenatória” tratando do princípio da presunção de inocência, muito embora já fosse
arrolado pela doutrina pátria dentre os princípios gerais que regiam o direito processual
penal. A forma como está enunciado na Constituição, entretanto, ensejou por si mesma
alguns debates a respeito do seu alcance. Isso porque não se repetiu a fórmula
84
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva;
1991. 85
ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P.792
49
consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela
Assembleia Nacional Francesa, em 26 de agosto de 1789 em seu artigo 9º “Todo
acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei". Esse artigo da Declaração é de influencia iluminista, principalmente
de Montesquieu, que em sua obra clássica O Espírito das Leis, defende a ideia do
homem responder por seus atos, dentro de sua esfera de liberdade. Tudo pode ser feito
se permitido em lei e, se esta for violada, necessária se faz a prova para posterior
condenação. Outro filosofo foi Rosseau que, em sua obra clássica Contrato Social,
esclarece: o homem nasce bom, a sociedade que o corrompe86
.
Também na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, no
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e pela Convenção Americana
de Direitos Humanos de 1969 houve um reforço à presunção de inocência. Assim diz o
artigo XI: "Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à
sua defesa”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos instrumentos
legais internacionais que em todos os momentos, desde a sua adoção, inspira acordos,
convenções internacionais como o objetivo de estabelecer de forma coletiva ou
individual um padrão comum para todas as nações e promover o respeito a esses
direitos e liberdades, tanto entre povos de próprios Estados-Membros ou entre povos
dos territórios sob sua jurisdição.
O Pacto de San Jose, assinado em 1969 atenta para o princípio, pois em
seu artigo 8°, inciso II, encontra-se enunciado que "toda pessoa acusada de um delito
tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada
sua culpa".
A presunção de inocência pertence aos princípios fundamentais,
inspirador da política criminal e garantia constitucional dentro do processo penal, como
direito subjetivo público, tendo sido consagrada em nível constitucional nos países
europeus, no direito anglo-saxônico e em alguns países da América Latina, inclusive o
Brasil.
86
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia; Jorge Zahar; 1997; Rio de Janeiro.
50
O presente trabalho objetiva, em primeiro lugar, fixar o significado de tal
enunciado normativo e, em segundo lugar, afirmar que a garantia constitucional prevista
na Carta Constitucional deve ser interpretada pelo aplicador para posteriormente ter a
sua efetividade quanto à sua aplicação no caso concreto.
Com efeito, o sistema normativo constitucional, através de seus
preceitos, exerce notória influência sobre os demais ramos do direito. Esta influência
destaca-se no âmbito processual penal que trata do conflito existente entre
o jus puniendi do Estado, que é o seu titular absoluto, e o jus libertatis do cidadão, bem
intangível, reputado o maior de todos os bens jurídicos afetos à pessoa humana,
devendo o aplicador, no caso concreto, decidir qual deles deve prevalecer.
O conceito de presunção tem teorias desenvolvidas por Aurelia Vilela
Romero Coloma87
que podem superar a conceituação pelo simples fato que de utilizar o
termo presunção como prova, meio de prova legítima ou como fonte de prova para
convencimento do juiz da verdade ou falsidade de um dado processual e, portanto
resulta de um raciocínio, e na maioria dos casos concretos quando o juiz ou autoridade
não está convencido da culpabilidade ou responsabilidade do acusado, deverá absolvê-
lo, e assim, o critério é ainda mais subjetivo.
87
COLOMA, Aurelia Maria Romer. El articulo 24 de la Constitucion Española: examen y
valoracion.Granada: Impredisur (Talles de Edicion), 1992, p.71.
51
3.2 Interpretações do princípio da presunção de inocência.
A hermenêutica constitucional segue transformações concomitantes
com as ocorridas na Teoria do Direito, no processo de superação do positivismo para o
pós-positivismo. Refazendo-se o processo de compreensão das normas, enquanto
realizadoras de valores constitucionais, agregando-se ao papel de integração entre os
princípios e regras, concedendo-se aos princípios um papel de fundamental importância.
Hermenêutica, interpretação e aplicação do Direito são termos
estreitamente relacionados. A primeira tem por objeto a investigação sistemática dos
princípios com vista na aplicação, a interpretação, por sua vez, procura realizar
praticamente, os princípios e regras hermenêuticos. E a aplicação da norma jurídica
consiste na técnica de adaptar os preceitos nela contidos e os fatos lhe subordinam.
Ao aplicar estas regras por via da hermenêutica, o interprete terá que
necessariamente utilizar de outro subprincípio – o da proporcionalidade – e, para isso
consequentemente utilizar-se-á de dimensões e critérios de peso argumentativos
presuntivos ou de importância, medidas de intensidade aos direitos afetados/afetáveis
para resolucionar colisões através de ponderação mesmo que condicionadas e
valoradas88
.
Para esses critérios de medição de intensidade de acordo com as lições
de Bernal Pulido89
existem regras onde a intensidade da intervenção dos direitos
fundamentais depende de eficácia, rapidez, probabilidade, alcance e duração com que a
intervenção legislativa afete negativamente a intervenção no direito fundamental.
Por isso que se questiona se ao aplicar essa medição não causaria por
parte do legislativo - ao criar a norma jurídica - uma relativização do princípio da
presunção de inocência para fins, por exemplo, da prisão preventiva por razões de
ordem pública, e consequentemente, se questiona se tornaria a justiça ágil e eficaz.
As regras argumentativas só teriam efeito se observados que quanto
maior o âmbito de aplicabilidade, maior o valor; quanto maiores os efeitos da posição
88
PACHECO, Denilson Feitoza. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 89
PULIDO, Bernal apud PACHECO, Denilson Feitoza. Pg.216
52
jusfundamental afetada sobre outros direito fundamentais e princípios constitucionais;
maior será sua fundamentalidade e, portanto, maior o peso que deverá outorgar-se na
ponderação do direito fundamental em que se “subsume”.90
O mesmo autor ainda afirma que a “própria legislação acolhe a ideia de
uma escala valorativa, e nessa pesquisa algo se atribui à palavra presunção, e que os
valores seriam atribuídos, mas quem os aplica e a quem se destinam os valores nesse
momento”? E sem especificar quanto ao sentido de qualificação e gravidade por mais
que o legislador ao criar o princípio tenha a intenção de aferir um conceito já pré-
definido e estático traz consigo a expectativa de certeza jurídica, nem por isso o
princípio deve ser aplicado sem critério.
O ordenamento jurídico permanece em constante movimento, e por
isso, o sentido das palavras se move por entre os significados e as formas de
interpretação através dos tempos. Vale lembrar que as presunções são normas de
comportamento, em que o legislador formulou regras do “dever ser” e estas são
fundamentadas em valores ideológicos e técnicos (manifestação de raciocínio indutivo,
o que pode fazer com que a probabilidade de o acusado a ser absolvido se torne ainda
menor). No sentido técnico podemos classifica-los em: a) legais ou de direito, a própria
lei o aprova após constatar o fato ocorrido; b) judiciais, de fato ou naturais, estes
fundados em regras experimentais; c) iuris tantum e iure et de jure ̧ possibilidade ou
não de prova em contrário91
.
Embora que presunção de inocência não tenha sentido técnico se estiver
diante de uma ausência lógica de probabilidade porque é imprescindível que tenha um
nexo entre necessidade de uma relação causal de um fato real e o fato presumido;
também não há um sentido judicial, por ser um previsão constitucional, e nem tampouco
uma iure et de jure¸ por se tratar de um critério interno (subjetivo),pois tem a
possibilidade de ser alterada com a prova em contrário. A verdade imposta pelo
legislador deve fundar-se na normalidade dos fatos.
Aqui podemos enfim conceituar que a presunção está contida dentro de
um direito positivo; possui impacto dentro do âmbito processual e com efeitos
declaratórios (antecedentes e consequente), portanto é uma presunção verdade, mesmo
90
______Ibidem. Pg. 220-221. 91
VARALDA, Renato Barão. Restrição ao Princípio da Presunção de Inocência: prisão preventiva e
Ordem Pública. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2007. P. 51. Esta classificação esta na obra
nesta obra.
53
que provisória e interna, mais é suportada apenas por prova em contrário invalidada, ou
seja, seria consistente em presunção iuris tantum. E é ilegítima qualquer tentativa que
tenha efeitos negativos como a violação à presunção de inocência pelo fato de que seria
uma adoção de medidas cautelares restritas de direitos fundamentais desprovidas de
indícios suficientes de autoria e prova da materialidade.
3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: Efetividade e eficácia.
O conteúdo da liberdade se expande com a própria evolução da
humanidade. A evolução da sociedade, da cultura, dos novos descobrimentos, exige
uma adaptação do Direito para que ele dispense a necessária proteção do homem. As
garantias fundamentais constantes na Constituição Federal são um verdadeiro freio aos
excessos do poder punitivo do Estado. No Brasil, somente após a Constituição de 1988
cuidou-se da aplicação do devido processo legal. No âmbito criminal a Constituição,
especificou minuciosamente, as garantias fundamentais do indivíduo. O devido
processo legal pode ser tomado como sinônimo de princípio do processo justo. É por
meio do processo que alguém pode pleitear seus direitos. Ainda, é através do processo
que o juiz exerce sua atividade jurisdicional e busca a solução dos conflitos. Há justiça
penal a partir do momento em que a jurisdição aprecia os interesses em conflito através
do devido processo penal.
O Estado, ao assumir o monopólio da administração da justiça, passou ao
dever da prestação jurisdicional atribuída a ele, mediante a atuação dos órgãos do Poder
Judiciário. A partir do momento em que há a centralização da justiça e a publicização do
direito, esses se tornam pontos essenciais para que o Estado exerça o monopólio do
direito de punir.
A origem do princípio da presunção de inocência está relacionada à
limitação do poder público face ao arbítrio do Estado, ou seja, está ligada à garantia das
liberdades individuais. Antes da sentença judicial transitada em julgado a condição do
indivíduo é de inocência. A presunção de inocência nasce do conflito entre o Estado e o
54
indivíduo, o qual se reflete no interior do processo penal entre o jus puniendi do Estado
e o jus libertatis do indivíduo como limite às restrições de liberdade do acusado antes
do trânsito em julgado, evitando a antecipação da pena.
O texto constitucional em seu artigo 5º, inciso LVII, consolida o
princípio da presunção de inocência como regra geral de tratamento do acusado, antes
da sentença penal condenatória irrecorrível. A presunção de inocência é a opção pela
proteção do indivíduo em detrimento do poder de persecução penal exercida pelo
Estado. É o princípio reitor do processo penal.
Esteban Arias92
entende que “a presunção de inocência tem como
conteúdo essencial o significado originário contigo no art.9º da Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão, aqui já exposto, excluindo, assim a presunção inversa de
culpabilidade do acusado durante todo o desenvolvimento do processo, ou seja, o ônus
de prova é de quem acusa para a formação do convencimento do juiz”.
É importante frisar o quanto é necessário evitar sim que se pratique o
ilícito sem ministrar posteriormente uma sanção, mas também se deve observar e
impedir que um indivíduo tenha sua liberdade sancionada sem provas concludentes de
que cometeu o ilícito que lhe foi imputado, até mesmo porque indícios e conjecturas não
podem ser a causa suficiente para fundamentar a sentença condenatória, embora no
cumprimento destas exigências não interfira nem o número de provas realizadas de
acordo com outro princípio o da livre apreciação da prova e nem a valoração destas,
para que o retire ao máximo a dúvida e a incerteza.
Segundo Bulos93
os direitos fundamentais e as garantias fundamentais
não se confundem visto que, o primeiro seria “bens e vantagens disciplinados na
Constituição e que consagram disposições meramente declaratórias, imprimindo
existência legal aos direitos reconhecidos”. Ao passo que o segundo – garantias
fundamentais – “são ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem,
limitando os poderes do Estado, e por isso, contêm disposições assecuratórias, que
servem para defender direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos”, mesmo que
sejam específicos ou gerais. Nesse passo, o princípio da presunção de inocência torna-se
uma verdadeira garantia do cidadão.
92
ARIAS, Esteban Romer. La Presuncion de Inocencia. Pamplona: Editorial Aranzandi, 1985. P.48-50. 93
BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva. 2009.
Pg.231
55
A partir da teoria das garantias institucionais, de Carl Schimtt é que
houve a distinção entre direitos fundamentais e garantias institucionais. Àquela atinge
as relações particulares, sem atingir o todo, ao passo que esta, repercute em toda a
sociedade. Mas, por existirem casos em que os direitos fundamentais interagem com os
direitos institucionais, não se pode afirmar categoricamente que se deve aplicar
dissociadamente, portanto pode-se ainda afirmar, que os direitos e garantias
fundamentais são relativos, limitados e não absolutos.
Porém, numa mesma norma constitucional, garantias podem vir junto
com direitos, por exemplo, quando se dispõe sobre o principio da presunção de
inocência, está se referindo a um direito, o da ampla defesa e juntamente garantindo o
contraditório, ate mesmo porque de nada adiantaria que o direito fundamental fosse
reconhecido se não houver garantias no momento em que fosse violado.
Ao afirmar que os direitos fundamentais irradia a todos os direitos,
Alexy94
traz com isso amplas consequências na natureza do sistema jurídico, tais como:
a) limitação dos possíveis conteúdos, pois tornaria a norma vigente e com isso seria
substancialmente determinado; b) ocorre o processo de sopesamento, algo que depende
de valorações que não são controláveis pelo próprio processo de sopesar; c) tipo de
abertura, se de acordo com o moral incorporados à Constituição e, com isso, ao direito
positivo.
E dessa forma “analisar a culpabilidade à luz da dignidade humana
significa observar que o ser humano e seus direitos fundamentais, como limites ao
poder punitivo do Estado e a funções preventivas das penas, busca um fundamento que,
mais do que limitar, fundamente o direito de punir e, com ele, as causa de
exculpação”95
.
A eficácia é dos elementos essenciais à operatividade e condição para a
efetividade dos direitos fundamentais96
. Por isso como regra geral, todas as normas
constitucionais apresentam eficácia, algumas jurídicas e sociais, ou seja, estão aptas a
produzir efeitos na ocorrência de relações concretas e, consequentemente, efeitos
jurídicos, outras são normas de eficácia apenas jurídicas, podendo também ser plena,
contida ou limitada.
94
ALEXY, Robert (Trad. Virgilio Afonso da Silva). Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:
Malheiros. 2006. 95
ALBUQUERQUE MELLO, Sebástian Borges de. O Conceito Material de Culpabilidade. O
fundamento da Imposição da Pena a um Indivíduo Concreto em face da Dignidade da Pessoa Humana. 96
BEZERRA, Paulo C. Santos. Lições de Teoria Constitucional e de Direito Constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar. 2ª Ed. 2009. Pg.217-218.
56
Esse item - da eficácia - tem sido uma das questões mais recorridas na
teoria dos direitos fundamentais, e por isso, corrobora para o surgimento de problemas
em torno desse assunto.
Outro ponto importante a ressaltar é que a eficácia, segundo Marcelo
Neves97
tem uma forma de concretizar a norma, ou seja, contem conjuntamente um
“programa condicional” e um programa “finalísticos”, produzindo efeitos diretos e
indiretos, portanto uma norma se torna efetiva quando existe uma modificação válida e
consequentemente torna-se vigente social. E quanto a efetividade pode-se afirmar que:
“A efetividade da Constituição há de assentar-se
sobre alguns pressupostos indispensáveis” tais
como: “senso de realidade, ter boa técnica
legislativa, bens jurídicos protegidos e as condutas
exigíveis, vontade política, e por fim e
indiscutivelmente o consciente exercício de
cidadania”.98
A efetividade de uma norma constitucional perpassa por uma aplicação
válida, pois a norma pode se tornar eficaz, mas inefetiva quanto aos seus efeitos tais
como a falta de vigência da lei ou carência de normatividade do texto legal.
É por isso que a ideia de dignidade da pessoa humana encontra-se em
caminhos opostos quando se tem como fundamento, por exemplo, a intervenção estatal
no âmbito penal, pois este tem caráter punitivo (legítima ou abusiva), o que por sua vez
praticamente dificulta a junção entre os institutos que defendem a humanização da pena
e a restrição desta garantia aplicada ao indivíduo.
O princípio da presunção de inocência é interligado com outros direitos
fundamentais, por exemplo, os processuais penais que atuam de forma complementar e
interdependente devido a sua autonomia. É importante ressaltar outros direitos como o
da: liberdade e duração razoável do processo, pois estes têm como objetivo o de manter
a presunção de inocência de certa forma imaculada, ou pelo menos garantida de forma
plena.
Cabe ao legislador e ao intérprete judicial ponderar e avaliar o princípio
da presunção de inocência como suporte de orientação e com a finalidade de aplicação,
97
NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 98
BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos
fundamentais e a Construção do Novo Modelo: São Paulo: Saraiva, 2009.Pg.221
57
embora haja discordância entre doutrinadores como Zanóide de Moraes99
e Varalda100
porque o primeiro afirma que para efetivar, o princípio deve ser ampliado o mais
possível, enquanto para o segundo doutrinador, a efetividade ocorre desde que
proporcional e, portanto restritiva por se “tratar de um direito relativo, que limita e é
limitado pelos demais valores constitucionais”, e nesses termos havendo colisão entre
diversos princípios estes devem ser ponderados.
Inclusive porque quanto mais posições de direitos fundamentais de uma
pessoa sejam afetadas por uma medida seja pela preventiva, cautelar, investigativa, mais
fortes devem ser os elementos fáticos, jurídicos e analíticos que sustentem a
aplicabilidade dessa medida.
99
MORAES, Mauricio Zanóide de. Presunção de Inocencia no Processo Penal Brasileiro: análise de sua
estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão. Ed: Lumen Juris.Rio de Janeiro. 2010. 100
VARALDA, Renato Barão. Restrição ao principio da presunção de inocência: prisão preventiva e
ordem pública. Ed: Sergio Antonio Fabris Junior. Porto Alegre. 2007.
58
3.4 Limites interpretativos que impedem a efetividade do direito e a
segurança jurídica dos cidadãos
O papel do Poder Judiciário tem modificado muito desde a efetivação na
pós-positivismo até o Estado Democrático de Direito, e nesse momento histórico traz
consigo um novo modelo de organização estatal e o surgimento de poderes estatais e
funções: Executivo, Legislativo e Judiciário.
É claro que o Poder Judiciário dentro de uma lógica ainda possui como
objetivo o de frear os outros poderes, porém com um Estado social moderno passa a
precisar de novos papeis àqueles que podem concretizar direito fundamentais101
.
A dificuldade da efetivação dos direitos sociais e devido a uma
complexidade de fatores que estimulam a um desvio de função, que entre os fatores
poderia se destacar: disputas entre os diversos interesses sociais, a inflamação e
despreparo legislativo, e com isso traz insegurança e deficiência de capacidade
regulativa por parte do Estado, e como resultado fica difícil estabelecer os parâmetros
para a solução de colisão entre o direito à segurança e o princípio da presunção de
inocência.
Portanto de acordo com Agra102
passa a “ter um questionamento da
credibilidade de instâncias como o legislativo e suas crises de direito legislado aliados a
problemas econômicos, devido ao excesso de legislação” e, mais uma vez, enfatiza-se o
despreparo antes e até mesmo durante o processo que pondera o princípio de inocência
de um indivíduo ou grupo social.
A credibilidade fica instável pelo fato de que com adventos de novas
técnicas hermenêuticas para uma atividade interpretativa por parte do judiciário trouxe
também a necessidade de adaptar leis que pelas mudanças sociais por muitas vezes não
consegue disciplinar e prever o atendimento ao princípio da presunção de inocência.
101
CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Ed: JusPodivm, Salvador, 5ª Edição, 2011,
Pg.201. 102
AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Superior Tribunal Federal: densificação
da jurisdição constitucional brasileira. Ed: Forense, Rio de Janeiro, 2005, Pg. 71-105
59
A liberdade hermenêutica é outro grande fator arriscado para tornar perigosa
uma constitucionalização exacerbada, ou seja, o uso abusivo da discricionariedade
judicial na solução de casos difíceis e comprometer a legitimidade democrática da
função judicial como enfatiza Luis Roberto Barroso. 103
Dworkin104
acredita que juiz e juristas ao debaterem e decidirem ações
judiciais invocam não somente regras jurídicas, mas também outros tipos de normas,
chamados de princípios e obrigações jurídicas que vão existir sempre que as razões por
traz destas obrigações em termos de princípios obrigatórios, são mais fortes que as
razões contra a existência da obrigação.
É importante frisar que utilizar da ponderação ao aplicar e proteger direitos
fundamentais e garantir direitos sociais por muitas vezes não condiz em dizer que as
decisões atingiram um ideal de justiça ao caso concreto.
O ser humano – aqui se destaca a figura do magistrado - nem sempre segue
decisões dentro de um claro padrão de justiça. A ideia de que juízes vão sempre seguir o
que julga como justo e efetivam direitos podem trazer decisões que contrariem o senso
de justiça individual buscando um senso de justiça coletiva na busca de atender o
interesse público.
E nesse pensamento a Lei de Ficha Limpa – Lei Complementar nº135/2010
– confirma a assertiva anterior quando rompe com todos os paradigmas de que só após o
processo legal transitado em julgado presume-se como culpado determinado indivíduo
em benefício do interesse público, contrariando os defensores de inconstitucionalidade
deste diploma. Nisso porque a nova redação poderia entrar em atrito com a norma
constitucional da presunção de inocência nas alíneas d, h, j, l e p (conforme transcrição
abaixo), não se referir a ilícitos penais e sim, a ilícitos civis, objetos de instrução na
Justiça Eleitoral e na Justiça Comum. Nessa lei há distinção e uma longa divergência na
aplicação do principio da presunção entre um processo criminal e a esfera eleitoral para
os casos julgados, pois a segunda não necessita de transito em julgado, conforme
jurisprudência.105
103
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. Ed: Saraiva. São Paulo. 2009. Pag.391-392 104
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad: Nelson Boeira. Ed: Martins Fontes, São
Paulo, 2002, Pg.71-73. 105
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, disse na sexta-feira, 25, que
o princípio da presunção de inocência, que impede que alguém seja declarado culpado até que seja
60
LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 4 DE JUNHO
DE 2010
Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de
1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art.
14 da Constituição Federal, casos de
inelegibilidade, prazos de cessação e determina
outras providências, para incluir hipóteses de
inelegibilidade que visam a proteger a probidade
administrativa e a moralidade no exercício do
mandato.
Art. 2o A Lei Complementar n
o 64, de 1990, passa a
vigorar com as seguintes alterações:
d) os que tenham contra sua pessoa representação
julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em
decisão transitada em julgado ou proferida por
órgão colegiado, em processo de apuração de abuso
do poder econômico ou político, para a eleição na
qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem
como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes;
h) os detentores de cargo na administração pública
direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a
si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou
político, que forem condenados em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados, bem como
para as que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes;
j) os que forem condenados, em decisão transitada
em julgado ou proferida por órgão colegiado da
Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por
captação ilícita de sufrágio, por doação, captação
ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por
conduta vedada aos agentes públicos em
campanhas eleitorais que impliquem cassação do
registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos
a contar da eleição
l) os que forem condenados à suspensão dos
direitos políticos, em decisão transitada em julgado
ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato
doloso de improbidade administrativa que importe
lesão ao patrimônio público e enriquecimento
ilícito, desde a condenação ou o trânsito em
esgotado o último recurso, não deve ser aplicado em relação à Lei da Ficha Limpa. Na quinta-feira, 24, o
advogado-geral da União disse que a lei precisa evoluir nesse sentido para que "inocentes não sejam
condenados por antecipação". Segundo o Ministro, existem duas ideias de presunção de inocência que
precisam ser distinguidas: a do campo criminal e a da esfera eleitoral. "No campo criminal, o STF já
decidiu que é preciso esgotar todos os recursos antes que as sanções se tornem efetivas. Outra coisa é esse
conceito no direito eleitoral, pois estamos falando em condições de elegibilidade", disse o ministro após
proferir palestra na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília.
61
julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos
após o cumprimento da pena;
p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas
jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas
por ilegais por decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral,
pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão,
observando-se o procedimento previsto no art. 22;
A discussão se torna ainda mais acalorada quando se discute sobre as
inovações incluídas no próprio texto da lei quando diz “que não atinge a defesa do
principio da presunção de inocência, pois a norma prevê a inelegibilidade daquele que
foi considerado culpado em julgamento por órgão colegiado pela pratica de crimes tais
como: contra fé pública, contra o patrimônio público ou privado, contra o sistema
financeiro, e outros previstos pela legislação criminal” como era exigido na antiga lei.106
Para aqueles que defendem a legalidade trata-se um passo muito importante,
pois tem como objetivo proteger a probidade administrativa e a moralidade para
exercício do mandato e, principal causa foi estabelecer uma fiscalização mais rígida e
permanente por parte dos cidadãos e na busca de punir os responsáveis pelo mau uso do
dinheiro público e, portanto estabelece o processo para punir a corrupção, embora essa
lei atualmente não passa de um casuísmo político porque favorece apenas os interesses
de pequenas parcelas da sociedade.
O Supremo Tribunal Federal julgou constitucional porque atingiria o
candidato apenas após transito em julgado como já assim prevê o texto constitucional.
Porém o que se discute é como se constata a existência desse comportamento se este se
constata previamente ao julgamento? E qual seria requisito para considerar um ímprobo
como criminoso ou apenas moralmente? Outro fator a acrescentar seria sobre as
condições de elegibilidade serve como base para aplicação da pena ou apenas como
condições para que relativize a incidência de garantias constitucionais?
106
Lewandowski também lembrou que o próprio legislador entendeu que os direitos são diferentes ao
cobrar apenas a decisão de órgão colegiado na Lei da Ficha Limpa. "Sou um daqueles que se filiam a essa
ideia. Mesmo porque quando um colegiado de juízes decide determinada matéria, já decidiu sobre todos
os fatos que são discutidos no processo", disse. O ministro ainda afirmou que não se sente incomodado
com a possibilidade de liberar políticos antes barrados pela Justiça Eleitoral. "Nós temos que cumprir as
decisões do Tribunal maior do país. As decisões de qualquer magistrado, sobretudo da Suprema Corte do
país, têm que ser cumpridas a risca e com celeridade".
Disponível em:http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,lewandowski-nao-concorda-com-presuncao-
de-inocencia-para-ficha-limpa,697605,0.htm. Acesso no dia: 21/09/2011 as 16hs46min
62
Para ilustrar a relevância dessa lei, convém demonstrar sua aplicação no
caso concreto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)
144/DF contra interpretação judicial:
Arguição de descumprimento de preceito
fundamental – possibilidade de Ministros do STF,
com assento no TSE, participarem do julgamento da
ADPF– inocorrência de incompatibilidade
processual, ainda que o presidente do TSE haja
prestado informações na causa – reconhecimento da
legitimidade ativa “ad causam” da associação dos
magistrados brasileiros – existência, quanto a ela,
do vínculo de pertinência temática –
admissibilidade, do ajuizamento de ADPF contra
interpretação judicial de que possa resultar lesão
a preceito fundamental – existência de
controvérsia relevante na espécie, ainda que
necessária sua demonstração apenas nas arguições
de descumprimento de caráter incidental –
observância, ainda, no caso, do postulado da
subsidiariedade – mérito: relação entre processos
judiciais, sem que neles haja condenação
irrecorrível, e o exercício, pelo cidadão, da
capacidade eleitoral passiva – registro de candidato
contra quem foram instaurados procedimentos
judiciais, notadamente aqueles de natureza criminal,
em cujo âmbito ainda não exista sentença
condenatória com trânsito em julgado –
impossibilidade constitucional de definir-se,
como causa de inelegibilidade, a mera
instauração, contra o candidato, de
procedimentos judiciais, quando inocorrente
condenação criminal transitada em julgado –
probidade administrativa, moralidade para o
exercício do mandato eletivo, “vita anteacta” e
presunção constitucional de inocência –
suspensão de direitos políticos e
imprescindibilidade, para esse efeito, do trânsito
em julgado da condenação criminal (cf, art. 15, iii)
– reação, no ponto, da Constituição democrática de
1988 à ordem autoritária que prevaleceu sob o
regime militar – caráter autocrático da cláusula de
inelegibilidade fundada na lei complementar nº 5/70
(art. 1º, i, “n”), que tornava inelegível qualquer réu
contra quem fosse recebida denúncia por suposta
prática de determinados ilícitos penais – derrogação
dessa cláusula pelo próprio regime militar (lei
Complementar nº 42/82), que passou a exigir, para
fins de inelegibilidade do candidato, a existência,
contra ele, de condenação penal por determinados
delitos – entendimento do Supremo Tribunal Federal
sobre o alcance da LC nº 42/82: necessidade de que
se achasse configurado o trânsito em julgado da
condenação (re 99.069/ba, rel. Min. Oscar corrêa) –
presunção constitucional de Inocência: um direito
fundamental que assiste a qualquer pessoa –
63
evolução histórica e regime jurídico do princípio do
estado de inocência – o tratamento dispensado à
presunção de inocência pelas Declarações
internacionais de direitos e liberdades fundamentais,
Tanto as de caráter regional quanto as de natureza
global – o Processo penal como domínio mais
expressivo de incidência da presunção constitucional
de inocência – eficácia irradiante da presunção
de inocência – possibilidade de extensão desse
princípio ao âmbito do processo eleitoral -
hipóteses de inelegibilidade – enumeração em
âmbito constitucional (cf, art. 14, §§ 4º a 8º) –
reconhecimento, no entanto, da faculdade de o
Congresso Nacional, em sede legal, definir “outros
casos de inelegibilidade” – necessária observância,
em tal situação, da reserva constitucional de lei
Complementar (cf, art. 14, § 9º) – impossibilidade,
contudo, de a Lei complementar, mesmo com
apoio no § 9º do art. 14 da Constituição,
transgredir a presunção constitucional de
inocência, que se qualifica como valor fundamental,
verdadeiro “cornerstone” em que se estrutura o
sistema que a nossa carta política consagra em
respeito ao regime das liberdades e em defesa da
própria preservação da ordem democrática -
privação da capacidade eleitoral passiva e
processos, de natureza civil, por improbidade
administrativa – necessidade, também em tal
hipótese, de condenação irrecorrível –
compatibilidade da lei nº 8.429/92 (art. 20, “caput”)
com a Constituição federal (art. 15, v, c/c o art. 37, §
4º) – o significado político e o valor jurídico da
exigência da coisa julgada – releitura, pelo tribunal
superior eleitoral, da súmula 01/TSE, com o
objetivo de inibir o afastamento indiscriminado da
cláusula de inelegibilidade fundada na lc 64/90 (art.
1º, i, “g”) – nova interpretação que reforç aa
exigência ético-jurídica de probidade administrativa
e de moralidade para o exercício de mandato eletivo
– arguição de descumprimento de preceito
fundamental julgada improcedente, em decisão
revestida de efeito vinculante.
Embora tenham discussões entre os próprios Ministros do Supremo sobre
se o principio de inocência fere ou não um direito fundamental, e se atinge, seria
impossível o transito em julgado e, portanto, não seria possível de impor a
inelegibilidade, e em defesa do principio afirma-se que por não ser absoluto porque não
se equipara a perda ou suspensão dos direitos políticos e sim às causas de elegibilidade
para cargos públicos e, portanto seria sim possível de ser aplicado, desde que se tenha
por parte s, acrescenta-se que o interesse público sempre é o alvo de um Estado
Democrático de Direito.
64
Por haver omissões na lei e/ou lacunas fica ao interprete a tarefa de (i)
limitar a atividade de integrar e interpretar a lei para posteriormente, aplicar a
determinado caso critérios aceitáveis para cada caso. E nesse sentido traz uma
relativização que torna questionável no momento de aplicação da pena ou no decurso do
processo.107
O princípio da presunção de inocência pode e por muitas vezes colide
com outros princípios ou garantias constitucionais, mesmo assim, aquele deve ter
prevalência em relação aos demais, por isso não é atual o problema de que o Poder
Judiciário ao ser chamado para sopesar direitos fundamentais em conflito acaba
restringindo direitos de outro lado, ou quando a decisão for irrecorrível se transforma
em uma decisão contrária.
Essa precedência, prevalência ou prioridade de um
ente normativo em relação a outro ocorre no caso
concreto e se diz que é condicionada porque não
vale de maneira geral, ma para as circunstâncias ou
condições específicas do caso concreto. 108
Em nome de uma liberdade hermenêutica conquistada pelo Poder
Judiciário traz consigo um questionamento negativo no sentido de que reside aí um
perigo de uma constitucionalização exacerbada em muitos casos no que tange a
aplicabilidade do princípio da presunção, e posteriormente quando verificada que não
existem indícios de culpabilidade, o que se presume e sendo redundante aqui, apenas a
presunção de que o indivíduo é determinantemente inocente, passando assim, se
107
No tocante a condenação dos principais réus da Ação Penal 470, denominado de Mensalão por parte
do Superior Tribunal Federal para julgar e punir que cometeu fraudes envolvendo dinheiro e poder
público em contratações de agencia durante o processo de licitação para a compra de apoio político, e
esse ato criminoso fora comprovado através de provas obtidas em depoimentos à CPIs (Comissões
Parlamentares de Inquérito), chamadas de provas testemunhais e documentais. A aplicação da presunção
de inocência foi obedecida em todo o procedimento, mas o principal legado desse caso foi o avanço
jurisdicional em relação ao tempo e o esclarecimento à sociedade e abre espaço para maior independência
em casos de réus poderosos ou que acreditamos em uma moralização política. Embora tenha trazido
respostas ao interesse publico muito se questiona se não haveria um retrocesso nos direitos e garantias
democráticas – aqui se inclui o principio da presunção de inocência – quando ao final antes de julgado e
proferido a dosimetria daqueles que foram possivelmente condenados que a execução fosse imediata e até
mesmo cautelar, por exemplo, da apreensão de passaportes dos indiciados. Por isso que, embora o Poder
Judiciário tenha evoluído muito ainda sim, haverá necessidade sempre de que se observe se para atingir
um fim não provoca outros meios que ofende a dignidade da pessoa humana e a liberdade. 108
PACHECO, Denilson Feitoza. Op cit. p.223
65
comprovada esta, apenas será indenizado pelo Estado, por ter tido uma condenação
transitada em julgado que não lhe caberia penalidade.109
Posto isso, mesmo reconhecendo que nosso sistema constitucional
contempla o princípio da presunção de inocência como garantia constitucional do
acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo uma
interpretação contextualizada com outros princípios com o: do interesse publico e do
interesse social, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-
se julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a
instrução probatória seja esgotada.
O princípio da presunção de inocência afasta a vigência de todos os demais
princípios porque a sua aplicação ocorre como regra jurídica, e por isso, qualquer
ponderação, se feita de forma ineficaz, causa graves danos jurídicos e, por isso, uma
interpretação harmônica e evitar que se transforme em um instrumento de destruição do
grupo social.
E diante disto, fica claro que o princípio da proporcionalidade deve ser
suscitado com o intuito de quando necessário, relativizar os direitos e garantias do
cidadão, porém é fundamental a restrição no momento da aplicação, interpretação e
109
O nome é a única coisa que Fagner Santana de Oliveira, o Ninho, 29 anos, tem em comum com um
acusado de tráfico de drogas, porte ilegal de arma e homicídio. A idade, a altura e a filiação dos dois são
diferentes. Mesmo assim, ele ficou dez meses preso após ser confundido com o homônimo. A liberdade
veio ontem à noite. Depois de colocá-lo frente à frente com o verdadeiro acusado dos crimes, que tem 19
anos e o apelido de “Cara Véia”, a juíza da 2ª Vara Criminal da Comarca de Paulista, Blanche Maymone
Pontes Matos, livrou o flanelinha da cadeia. Ele deixou o Cotel, em Abreu e Lima, por volta das 21h. O
mais curioso é que os dois estavam presos na mesma unidade. A captura do flanelinha ocorreu em
novembro de 2011. Já “Cara Véia” foi detido em fevereiro deste ano. “São pessoas absolutamente
diferentes, mas um equívoco inadmissível do estado deixou um inocente preso por quase um ano”, disse
Jefferson Cabral, um dos advogados que, desde abril, assistem o flanelinha. Os outros são Edmilson
Alves e Erick de Souza, que planejam ingressar com processo de indenização contra o estado.
Com a inocência reconhecida, explicou o promotor Antônio Arroxeles, o flanelinha teve o nome retirado
do processo. “O sofrimento é que nunca vai sair da cabeça”, lamentou Gerusa Ferreira, esposa de Fagner.
Segundo ela, ao ser preso, em novembro passado, Ninho foi espancado na frente dos filhos. A agressão
teria sido cometida porque policiais pediam ao flanelinha para dizer onde estavam certas armas, uma vez
que ele era tratado como integrante de uma quadrilha e negava. Livre, o flanelinha seguiu para casa, com
a mulher, de ônibus. Chorava bastante e parecia não acreditar estar indo ao encontro dos filhos. “O que
mais quero agora é ficar perto da minha família”, aliviou-se. Somente depois disso, confessou, é que
pensará no que fazer da vida. Quer trabalhar. A família, assim como os advogados, pensam em requerer
na Justiça indenização por danos físicos e morais. Denúncias de desrespeito aos direitos humanos são
recorrentes nas unidades penais de Pernambuco. Um dos dramas mais emblemáticos foi o vivido pelo
mecânico Marcos Mariano da Silva, preso por engano duas vezes. Foram mais de 19 anos atrás das
grades. O caso chegou a ser considerado o maior erro judicial registrado no Brasil, segundo sentença do
Supremo Tribunal de Justiça. Somente depois de cego e turbeculoso, Marcos encontrou a liberdade. Em
2009, chegou a receber indenização de R$ 1 milhão por danos morais. Em 22 de novembro do ano
passado, dia em que foi informado de que receberia mais uma parcela da indenização, Marcos morreu de
infarto enquanto dormia.
66
integração entre os princípios da presunção de inocência e o da proporcionalidade como
veremos adiante em um capítulo específico.
3.5 As práticas reiteradas desses desvios incidem em insegurança jurídica e
inefetividade do sistema jurídico.
O discurso jurídico sobre o princípio da presunção de inocência tem sido
um dos temas mais difíceis de se enfrentar, tanto na teoria quanto na prática,
principalmente quando se trata de fixar seu alcance e seus limites.
A própria ambiguidade e vaguidade da linguagem e da linguagem jurídica
em especial, já contribuem muito para essa falta de limite de sentidos da expressão e do
princípio.
Essa dificuldade da linguagem já foi anotada por Manuel Atienza,
quando afirma que:
...la ambiguidad es una dificultad que afecta, por asi
decirlo, a las palabras e es relativamente fácil de
solucionar: já a vaguidade es outro de los defectos
congenitos, considerablemente mas graves, enquanto
afecta a los conceptos.
Para o autor, esses aspectos contêm aspectos intencionais ou
extencionais. A intenção de um conceito é o conjunto de propriedades que o
caracterizam e a extensão diz respeito ao campo de sua aplicabilidade.
A confusão que se tem feito com referência ao princípio da presunção de
inocência, forjada em intenções nem sempre claras, tem refletido sobre o campo de sua
aplicabilidade. De fato, conforme já demonstrado, o discurso jurídico é permeado pelo
discurso político e pelo ideológico.
Pelo discurso puramente científico, já se faz necessário alguns
esclarecimentos que a doutrina tem feito para afastar a ideia de aplicação absoluta e
67
genérica do conceito em estudo. Essa aceitação ampla da presunção de inocência já foi
contestada por Mirabete , que prefere falar de “princípio da não-culpabilidade” já que a
Constituição diz expressamente que “não será considerado culpado...”
Por isso nossa Constituição não “presume” a inocência
(...). Pode-se até dizer que existe uma presunção de
culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura
a ação penal, que é um ataque a inocência do acusado, e
se não a destrói, e põe em incerteza até a prolação da
sentença definitiva. Não se impede, assim, que, de
maneira mais ou menos intensa, seja reforçada a
presunção de culpabilidade com os elementos
probatórios colhidos nos autores de modo a justificar
medidas coercitivas contra o acusado.110
O autor ainda ressalta o fato de que “de uns tempos para cá passou a
considerar tal princípio” que, levado às ultimas consequências não permitiria qualquer
medida coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo.
Não se está aqui abstraindo toda a força coercitiva da norma
constitucional como garantia do cidadão. O que se critica é a interpretação que se tem
dado do conceito “presunção”, eivada de intenções nem sempre jurídicas, que acabam
por macular sua extensão, ou seja, sua aplicabilidade, acabando por beneficiar muitos
praticantes de infrações, olvidando-se a segurança jurídica e o interesse social de que
sejam punidos, privilegiando-se interesses individuais de cunho iluminista, em
detrimento da segurança e do interesse social.
É claro, que toda doutrina e jurisprudência tem sido nesse sentido, que
incumbe a acusação o ônus da prova contra o acusado, mas o que não se deve admitir é
a desvalorização de toda e qualquer prova porque se mostra não robusta. Entende-se
aqui que, qualquer indício de prova deve ser investigado e valorado até a exaustão
evitando-se a declaração de inocência apenas por uma mera ou fraca “presunção”.
Por isso, em capítulos anteriores se falou em razoabilidade e
proporcionalidade. Em sopesamento e valoração dos fatos e das provas carreadas aos
autos, evitando-se tantos discursos que busquem punir nem aqueles que busquem
absolver facilmente os acusados, principalmente nos processos que envolvem as esferas
do poder.
110
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. São Paulo: aTLAS, 1994. P 43
68
Nos julgamentos deve-se levar em conta não só os interesses do
acusado como principalmente o interesse social ou grupo onde está inserido.
O problema da liberdade é, em larga medida
(embora não exclusivamente) um problema de sua
justa distribuição. Dito em termos simplificados, isto
deve-se ao fato de as pretensões de desenvolvimento
individual de um cidadão colidirem sempre com o
de seus concidadãos. As liberdades jurídicas de uma
pessoa estão sempre em correlação com as
pretensões de liberdade e desenvolvimento dos
outros homens com que ela convive numa
comunidade jurídica (...) A liberdade juridicamente
garantida de um, corresponde necessariamente, a
vinculação do outro. A vinculação de todos é o
preço das liberdades garantidas a cada um. Ao traçar
limites no campo, livres até esse momento
asseguram-se a cada indivíduo a sua área, mas só
pelo preço da restrição da liberdade de cada um.
Esse constituem o ato civilizador que se substitui
sempre o direito do mais forte.111
Dessa forma a presunção de inocência não é incompatível com o interesse
público do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação, por isso
falou-se nos capítulos anteriores da necessidade de um ajuste, de uma interpretação
condizente com um discurso jurídico que afastasse o mais possível o discurso político e
ideológico.
A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da
apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição
créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,
efetuado com as garantias processuais em que se creditam tantos elementos objetivos
quanto subjetivos, ante a prática de um delito pelo acusado ou investigado, caso
contrário, surgirão paradoxos insolúveis ao se desconsiderar o valor jurídico da prisão
cautelar.
A presunção de inocência analisada rigorosamente, levaria à proibição de
suspeita da culpabilidade dos acusados e à proibição de antecipação de medidas de
investigação e cautelares e às medidas de coação, consequentemente, a
inconstitucionalidade da instrução. Contudo, o citado princípio não tem valor absoluto,
balizado com outros valores constitucionais, direitos, liberdades e garantias.112
111
ZIPPELIOS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Lisboa. Fundação Calouste Gulbeinkian, 1997. p 448. 112
VARALDA, Renato Barao. Op cit.p. 66.
69
Assim, “deve o princípio da presunção de inocência, ser recepcionado e
acatado com a devida prudência, a fim de que não se exacerbe o aspecto individualista
dessa franquia em detrimento da segurança social, pois que princípios outros dotados de
grande carga publicística, impõe-se em sentido contrario”.113
É essa interpretação abusivamente estendida que se vem denunciando desde
o início desse trabalho, a exemplo do que fez recentemente o Supremo Tribunal Federal
(STF) no julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão)114
nos casos onde a votação sobre
os crimes imputados aos acusados obteve igualdade de votos para acusar e absolver, e,
embora o regimento interno do STF determinasse que o voto do Presidente tivesse valor
duplicado, tendo o mesmo votado pela condenação, em nome de um falso principio da
presunção de inocência e do in dúbio pro réu e fundado num discurso político
democrático acabou por absolver os acusados incidindo em manifesta confusão teórica
que deixou toda a população brasileira com sentimento de injustiça, insegurança jurídica
e impunidade dos acusados.
113
COSTA, José Armando da. Estrutura juridica da liberdade provisória. São Paulo: Saraiva, 1989, p.07. 114
Após 53 sessões plenárias inteiramente dedicadas à análise da ação, com o voto de desempate do
Ministro Celso de Mello sentido da possibilidade de perda automática – após transitado em julgado - de
mandato pelos três réus condenados (Deputados Federais) e a outros participantes pelo crime de lavagem
de dinheiro, e se discute se a prisão deverá ser efetuada de forma imediata. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=226884. Acesso: 18 de dezembro de
2012.
70
CAPÍTULO IV – APLICABILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE STRICTO SENSU COMO RESTRIÇÃO.
4.1 Fundamento e caráter jurídico do principio da proporcionalidade
A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos no art. 29
estabelece que no “exercício de seus direitos e liberdade onde todo homem está sujeito
apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com os fins de assegurar o
devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às
justas exigências da moral, da ordem publica e do bem-estar da sociedade democrática”
e, por essa razão o principio da proporcionalidade como condição de legalidade tem que
propor de forma adequada qual é a medida que deve ser aplicada para proteger direitos
fundamentais tais como os Direitos Humanos, sob pena se não for proporcional se
tornar inconstitucional.
O conceito de proporcionalidade nada mais é que uma regra de
interpretação e aplicação de um direito com o objetivo de fazer com que nenhuma
restrição ocorra a direitos fundamentais e que muito menos, cause dimensões
desproporcionais. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar por exames de
adequação, da necessidade de da proporcionalidade em sentido estrito, por isso são
considerados como sub-regras da proporcionalidade115
.
Atualmente no Brasil há uma tendência de reforçar o método de controle
do princípio da igualdade e também o princípio da presunção de inocência por meio da
proporcionalidade para que assim possa tratar sobre a legitimidade e o fim do
tratamento desigual; e a adequação e necessidade são formas de perseguir essa
115
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. São Paulo: Revista dos Tribunais. Nº 798,
2002, p. 23-50.
71
finalidade. É comum também se referir ao principio da proporcionalidade como
princípio da proibição do excesso, da vedação de excesso 116
ou da vedação de arbítrio.
A proibição de excesso representa para Canotilho uma serie de restrição
de direitos onde as providencias adotadas pelo individuo ou pelo Estado com relação
aos interesses das demais pessoas ou os administrados ocorrerão de acordo com a
adequação desses mesmos interesses, portanto, tem a finalidade proibir medidas
excessivas, denominando-se como princípio da reserva legal proporcional. A
proibição do excesso foi considerada por muitas vezes pelo Supremo Tribunal Federal
como um das facetas da proporcionalidade que proíbe a restrição excessiva de qualquer
direito fundamental, e se ocorrer, estará o postulado de proibição de excesso.
“O Tribunal deve sempre levar em conta que a
Constituição confere ao legislador amplas margens
de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar
as medidas adequadas e necessárias para a efetiva
proteção desses bens. Porém, uma vez que se
ateste que as medidas legislativas adotadas
transbordam os limites impostos pela Constituição –
o que poderá ser verificado com base no princípio da
proporcionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e como proibição de proteção
deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal
exercer um rígido controle sobre a atividade
legislativa,declarando inconstitucionalidade de leis
penais transgressoras de princípios constitucionais
(...) Portanto, pode o legislador, dentro de suas
amplas margens de avaliação e de decisão, definir
quais as medidas mais adequadas e necessárias para
a efetiva proteção de determinado bem jurídico,
o que lhe permite escolher espécies de tipificação
próprias de um direito penal preventivo. Apenas a
atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde
os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada
de inconstitucional”117
. (Habeas Corpus 104.410
Rio Grande Do Sul. 2ª Turma. Rel. Min.
GILMAR MENDES DJe 27/03/2012)
Nesse sentido podemos afirmar que o por meio de interpretação
sistemática, o princípio da proporcionalidade pode ser inserido, por meio de um
116
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 5ª ed. Coimbra:
Almedina, 2002. 117
MENDES, Gilmar Ferreira. HABEAS CORPUS 104.410/ RIO GRANDE DO SUL. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040. Acesso: 02 maio. 2012.
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em
favor de Aldori Lima, contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso
Especial n. 984.616/RS.
72
raciocínio indutivo - de enunciados constitucionais específicos – e, após um raciocínio
dedutivo, pode ser aplicado a qualquer caso particular118
. Portanto é um axioma do
Direito Constitucional; uma manifestação do Princípio do Estado de Direito119
e tem
fundamentação expressa no princípio do devido processo legal substancial, por ser uma
garantia essencial dos direitos fundamentais, enfim, é um princípio jurídico-material.
O princípio da proporcionalidade é também limitado pelo direito
fundamental e vinculado à atuação do legislador. E está correlacionado a noções de
moderação, equidade e proibição de excesso, que mesmo com um grau de subjetividade
deve atender a outros critérios que aqui denominamos de trifásico: 1)adequação ou
idoneidade; 2) necessidade ou exigibilidade; 3) proporcionalidade em sentido estrito da
medida.
Difícil mensurar que a adequação deve apenas apreciar a relação entre
meio e fim porque como especificar a intensidade (mais ou menos do que outro meio),
qualidade (pior ou igual ao outro meio) ou a certeza (mais, menos ou igual certeza do
fim atingido), portanto por ser um fim abstrato ou em concreto depende naturalmente do
caso analisado.
“Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem
sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se
revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins
punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o
indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias
constitucionais da presunção de inocência e do devido processo
legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia
– tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade
individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de
condenação sem processo”. (HC 93.883/SP, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, v.g.).
A função do Direito Penal, por exemplo, não é a punição pura e simples,
por meio de imposições, nem tampouco a proibição ou coibição, de condutas com maior
ou menos grau de reprovabilidade social, e sim, a prevenção proteção de determinados
bens jurídicos e entre eles a liberdade, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa
humana estão umbilicalmente inseridos.
118
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p.395. 119
STUMM, Raquel Denize. Principio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1995.p.155.
73
A Teoria da adequabilidade está voltada para a aplicação de normas em
geral, enquanto a da proporcionalidade para aplicação de normas de direitos
fundamentais, podendo complementar-se reciprocamente se admitida à especificidade
normativa e a observância de critérios formais de argumentação e valorativos.
Para a ideia de necessidade ou exigibilidade as medidas adequadas para
apreciação por vezes tem um diagnóstico precário ou subjetivo devido a sua
complexidade e como afirma Alexy120
que “a aferição em concreto dos interesses em
litígio, todavia, nem sempre apresenta uma solução simples”. Obriga os órgãos do
Estado a comparar medidas restritivas aplicáveis que sejam suficientemente aptas para a
satisfação do fim perseguido e a eleger, finalmente aquela que seja menos lesiva para os
direitos dos cidadãos.
É importante pontuar que o legislador ao prever condutas incriminadoras
(leis, medidas ou meios legislativos) em violação à ideia de necessidade; traz apenas a
intervenção estatal para aferir a pena e esquece a prevenção e de que em determinados
casos a presunção de inocência não cabe como alegação de que determinado individuo
não poderia ser considerado inocente, haja vista, a existência de grupos de extermínio,
tráfico de drogas, pessoas e animais, entre outros delitos cometidos com habitualidade
por estes.
A importância da afetação de direitos fundamentais de terceiros e de
outros direitos, bens e princípios constitucionais pode ou não ser aferida no subprincipio
da necessidade, conforme um caso fácil ou um caso difícil, porém se houver incerteza
ou insegurança quanto ao grau de importância de cada um, então deve ser remetida a
outro subprincípio: o da proporcionalidade em sentido estrito, pois evita uma
ponderação ad hoc, e assim, admite-se que fazer a ponderação de todas as razões
(idoneidade e necessidade) define mais precisamente o papel de cada subprincípio e,
torna a aplicabilidade mais simples e precisa relevante ao caso.
E quanto à proporcionalidade em sentido estrito tem no terceiro critério
há dificuldade de se estabelecer se o meio utilizado não se apresentou desproporcional
ao fim a que se pretendia, portanto, pressupõe-se que as vantagens ao serem trazidas
pela adoção da medida superem as desvantagens, mas que na prática nem sempre
consegue efetividade ao ser comparado e acarretando prejuízo, embora o foco principal
de argumentar que a retirada deste condenado do convívio social tem como objetivo de
120
Ob.cit. p.591 et seq.
74
proteger as pessoas de novas investidas criminosas. Vejam que se enfatiza é a retirada
de condenados, e não daqueles que antes mesmo de ser indiciados, já respondam
perante a sociedade e a mídia como condenados e por isso, penalizados.
Nesse subprincípio a utilização de técnicas de contrapeso de bens ou
valores ou da ponderação de interesses segundo as circunstancias do caso concreto deve
ser sempre observado se o “sacrifício” resulta excessivo, se for verificada a medida
torna-se inadmissível. Deve verificar a intervenção legislativa ou administrativa para
que não distancie da garantia dos direitos fundamentais porque quanto maior a procura
em demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria, mais se torna difícil a tarefa
de reunir, por exemplo, a coleta e produção de provas que poderão confirmar ou refutar
o nexo causal entre o fato e autoria. 121
O princípio da proporcionalidade apesar de ter sua origem como garantia
de direitos fundamentais, aplica-se a quaisquer entes normativos, sejam objetivos,
princípios, regras, direitos, deveres, garantias ou bens jurídicos, com uma carga
argumentativa em favor dos fundamentais e, ainda podemos acrescentar o caráter
jurídico formal e não material.
Na aplicação não possibilita um processo penal meramente punitivo,
compele a persecução criminal a um processo penal garantista de direitos fundamentais
e, por isso, verificaremos que existem fatores que resultam em impunidade de desvio do
objetivo principal do princípio da presunção de inocência.
121
Podemos citar a grande dificuldade de aplicar nos casos de interceptação das comunicações telefônicas
- Lei 9.296/96, art.2º - onde afirma que deve pautar o deferimento de prova que implique em restrição a
um direito fundamental do imputado, uma verdadeira excepcionalidade.
75
4.2 O crime e a culpa como fatores de impunidade aos princípios da
proporcionalidade e da presunção de inocência.
O crime é um dos fenômenos sociais que mais causa comoção e
repercussão perante a sociedade, que historicamente, imprime uma forma de infração
social e deve ser reprimida ou prevenida em todas as suas formas.
O objetivo da intervenção por parte do Estado é evitar que exista um
crime se punição, porém mais importante, é impedir que punição de uma pessoa que
tenha apenas sobre ela indícios, pois se fosse baseada uma condenação apenas em
indícios, a dúvida seria em grau elevado e, possivelmente refutável.
A culpa está inserida dentro dos princípios limitadores do poder punitivo
do Estado, pois toda pessoa é titular de direitos fundamentais, mas segundo Sebastian B.
A de Mello122
“a delimitação do que é permitido e proibido por intermédio da lei é
insuficiente para estabelecer critérios de imputação que respeitem a dignidade humana”.
A culpabilidade é a base em que se sustenta o Direito Penal e para que
durante a fase processual ao utilizar outros conceitos como dolo e a culpa por ser
indispensáveis como forma de garantir a liberdade, assegurar critérios para determinar a
dosimetria e o fundamento da pena na intervenção estatal.
E para aplicar de forma coerente a pena, observar todos os trâmites
durante a investigação e atender ora a proteção deficiente, ora por acolher os excessos
punitivos como única forma de tutelar interesses e valores mais caros à sociedade: a
liberdade.
É certo que cabe ao Estado proceder à limitação de interesses individuais
e coletivos, com a finalidade de atender ao interesse público, portanto o agir estatal tem
que ser proporcional entre os meios a ser alcançados e os fins a serem atingidos.
Quanto à presunção de inocência consideramos essencial em qualquer
fase processual para que possa alcançar um equilíbrio entre a necessidade de unir e
fortalecer o direito do acusado a presunção e a um processo justo, criminal, eficaz,
122
MELLO, Sebástian Borges Alburquerque de. O Conceito Material de Culpabilidade: O fundamento
da imposição da pena a um indivíduo concreto em fase da dignidade da pessoa humana. Ed: JusPodivm,
Salvador, 2010.Pg.91.
76
rápido e sem demora injustificada e, intimamente relacionada com a motivação das
sentenças e a possibilidade de recursos, ao contrario da dúvida, que se permanecer torna
o processo passível de causar danos irreparáveis.
Por outra via, o dogmatismo do “principio da presunção de inocência”,
que levado a uma interpretação rigorosa, impede a prisão do individuo antes que sejam
superadas todas as fases do processo criminal, e na prática, deve ser observado que a
nosso ordenamento jurídico padece diante de uma morosidade, portanto existe a
diferença entre prender antes do transito em julgado da sentença condenatória, não
significa “não prender de jeito nenhum”.
Neste diapasão, ficou nítida a interpretação dada ao dispositivo pelo STF,
com a possibilidade de se estabelecer restrições a liberdade do cidadão, ainda que não
esteja presente uma condenação definitiva.
Este entendimento, contudo, foi evoluindo e se modificando nos tribunais
pátrios, conforme se constata de duas decisões antagônicas (a primeira de 1995 e a
segunda de 2009) do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
- Direito Constitucional e Processual Penal.
Prisão.Condenação não transitada em julgado. Art.
5., inciso LVII, da Constituição Federal, art. 637 do
Código de Processo Penal e art. 27, PAR.2. da Lei n.
8.038, de 28.05.1990. Regime de cumprimento.
"Habeas Corpus". Alegações de que:5Constituição
Federal637Código de Processo Penal8.0381.) - o
acórdão impugnado incidiu em "reformatio in peius"
porque, mesmo improvendo recurso do Ministério
Público, alterou o regime de cumprimento de pena,
de semi-aberto para fechado.2.) - havendo a sentença
condenatória determinado que o mandado de prisão
fosse expedido apenas após o trânsito em julgado,
não poderia o acórdão da apelação do Ministério
Público, que nada reclamara a respeito, determinar
desde logo a prisão, quando ainda cabiveis recursos
especial e extraordinário. 1. A determinação do Juiz
de 1. grau, na sentença condenatória, de que o
mandado de prisão somente deveria ser expedido
após o trânsito em julgado, valia apenas para seu
Escrivao e visava a permitir a interposição de
recurso, pelos reus, em liberdade, beneficio que,
naquele ato, lhes foi concedido. Não podia, porem,
impedir que o Tribunal de 2. grau, ao negar
provimento a apelação do Ministério Público,
determinasse a expedição, desde logo, do mandado
de prisão, para cumprimento da condenação, em
face do que estabelece o art. 637 do Código de
Processo Penal. Até porque os recursos
extraordinário (para o S.T.F.) e especial (para o
S.T.J.) não tem efeito suspensivo (art. 27,PAR.2.,
77
da Lei n. 8.038, de 28.05.1990). 2. O inciso LVII do
art. 5. da Constituição Federal, segundo o qual
"ninguem será considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória" e
obstaculo, apenas, a que se lance o nome do réu no
rol dos culpados, enquanto não estiver
definitivamente condenado, mas não a prisão
imediata após o julgamento do recurso ordinário,
como previsto no art. 637 do C.P.Penal.637Código
de Processo Penal27PAR.28.038LVII5Constituição
Federal3. Embora o acórdão haja mantido a sentença
condenatória, que fixara o regime semi-aberto, para
o inicio do cumprimento da pena, a Súmula de
julgamento, por equivoco, fez constar que para todos
os reus, inclusive o paciente, seria observado,
inicialmente, o regime fechado, quando, na verdade,
este só se aplicara na sentença a um dos
condenados.4. Sendo assim, e de se deferir, apenas
em parte, o "H.C.", para que se observe, com relação
ao paciente, e, por extensão, aos demais reus, na
mesma situação, exceto, portanto, o ja referido, o
regime inicial semi-aberto (de cumprimento de
pena). Tudo nos termos do voto do Relator. (72171
SP , Relator: SYDNEY SANCHES, Data de
Julgamento: 21/08/1995, PRIMEIRA TURMA, Data
de Publicação: DJ 27-10-1995 PP-36332 EMENT
VOL-01806-02 PP-**219) (grifos nossos)
"Inconstitucionalidade da chamada ‘execução
antecipada da pena’. Art. 5º, LVII, da CF.
Dignidade da pessoa humana. Art. 1º, III, da CF. O
art. 637 do CPP estabelece que „(o) recurso
extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez
arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os
originais baixarão à primeira instância para a
execução da sentença". A Lei de Execução Penal
condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença
condenatória. A Constituição do Brasil de 1988
definiu, em seu art. 5º, LVII, que „ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória". Daí que os preceitos
veiculados pela Lei 7.210/1984, além de adequados
à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,
temporal e materialmente, ao disposto no art. 637
do CPP. A prisão antes do trânsito em julgado da
condenação somente pode ser decretada a título
cautelar. (...) A Corte que vigorosamente prestigia o
disposto no preceito constitucional em nome da
garantia da propriedade não a deve negar quando
se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a
propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça
às liberdades alcança de modo efetivo as classes
subalternas. Nas democracias mesmo os criminosos
são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade,
para se transformarem em objetos processuais. São
pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela
afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º,
III, da CF). É inadmissível a sua exclusão social,
sem que sejam consideradas, em quaisquer
78
circunstâncias, as singularidades de cada infração
penal, o que somente se pode apurar plenamente
quando transitada em julgado a condenação de
cada qual. Ordem concedida.” (HC 94.408, Rel.
Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-2009, Segunda
Turma, DJE de 27-3-2009.)(grifos nossos)
Nesta linha, devem-se destacar algum marcos desta mudança de
posicionamento dos nossos juízes, acompanhada posteriormente pelos legisladores. O
primeiro deles tem a ver com as decisões do Superior Tribunal de Justiça, resumidas na
edição de duas súmulas conflitantes, senão vejamos:
STJ Súmula nº 9 - 06/09/1990 - DJ 12.09.1990; A
exigência da prisão provisória, para apelar, não
ofende a garantia constitucional da presunção de
inocência. STJ Súmula nº 347 - 23/04/2008 -
DJe 29/04/2008; O conhecimento de recurso de
apelação do réu independe de sua prisão.
A segunda ocorreu cerca de sessenta dias depois, e veio através do poder
legislativo, por meio da Lei 11.719/2008, que revogou expressamente o artigo 594 do
Código de Processo Penal, que tinha a seguinte redação:
“O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão,
ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons
antecedentes, assim reconhecido na sentença
condenatória, ou condenado por crime de que se
livre solto”.
Este comando normativo era incompatível com os princípios
constitucionais da ampla defesa, da presunção de inocência, e do amplo acesso ao poder
judiciário, todos com o objetivo de resguardar os direitos fundamentais.
Uma vez verificada qual a interpretação dada à norma pelos Tribunais,
torna-se agora imperioso entender a sua repercussão no sistema criminal brasileiro, para
que não resulte em punição ou impunidade de determinados indivíduos ou grupos que
detêm o poder (político, criminoso, econômico).
Indaga-se a todo o momento nessa pesquisa se estariam contidas no
princípio da presunção de inocência, restrições à prisão preventiva e cautelar, e a total
vedação a qualquer tipo de prisão que se configure execução antecipada da pena.
Quanto as primeiras, prisão preventiva, é certo que não está contido no
principio da presunção de inocência, desde que estejam presentes os requisitos do
79
Código de Processo Penal, que, diga-se de passagem, estão mais restritos e racionais, a
partir das modificações postas pela Lei 12.403/2011 sobre a Reforma do Código
Processual Penal.
A segunda - prisão cautelar - preceitua que o princípio da presunção de
inocência não obsta a que o legislador adote determinadas medidas de caráter cautelar,
seja em relação a própria liberdade do eventual investigado ou denunciado, seja em
relação a seus bens ou pertences. De qualquer sorte, toda providência ou restrição que
importe em antecipação da condenação ou de sua execução parece vedada ao
legislador.
O fato é que o Supremo Tribunal Federal tem autorizado medidas que
restringem a liberdade de pessoas, sem que exista uma condenação com transito em
julgado, nem estejam presentes os requisitos da prisão preventiva (gravidade do crime
não é requisito). Assim, ainda, que os Ministros a repudiem, e, ainda que em caráter
excepcionalíssimo, não se pode negar que em certos casos, tem sido consentida a
execução provisória da pena. A diferença é que esta decisão ocorre caso a caso
conforme o arbítrio do julgador, e não por conta de uma regra legislativa de caráter
geral.
Outro fator que contribui para um desvio de finalidade no momento de
aplicação do principio da presunção de inocência é a discussão que ainda há entre este
principio e o principio da não-culpabilidade, ou seja, ainda não se estabeleceu
diferenças entre os princípios da presunção de inocência e a da desconsideração prévia
da culpabilidade. Nesse sentido existem jurisprudência dos nossos tribunais que estas se
diferenciam e outros que citam como sinônimos. Como veremos abaixo:
RHC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO
DE PRAZO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. SÚM.
Nº 21/STJ. PRISÃO CAUTELAR MANTIDA
PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.
PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS
AUTORIZADORES. FUNDAMENTAÇÃO
SUFICIENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA.INOCORRÊNCIA.
RECURSO DESPROVIDO. Não se acolhe alegação
de excesso de prazo na formação da culpa, se já
houve a pronúncia do réu. Incidência da Súmula n.º
21 desta Corte, ainda mais se evidenciado que
eventual demora para o julgamento foi decorrente de
expedientes da defesa. Se a sentença de pronúncia
mantém a prisão cautelar do réu, preso desde a
prática de crime hediondo, por persistirem os
motivos autorizadores da custódia, e inexistindo
80
fatos novos favoráveis à soltura e capazes de alterar
a situação anterior, deve ser mantida a segregação
atacada, não se exigindo nova ou ampla
fundamentação para tanto. Condições pessoais
favoráveis dos réus não são garantidoras de eventual
direito subjetivo à liberdade provisória, se outros
elementos dos autos recomendam as prisões
processuais. O Princípio Constitucional da
Inocência não é incompatível com as custódias
cautelares, não obstando a decretação da prisão
antes do trânsito em julgado da decisão
condenatória, nas hipóteses previstas em lei. Recurso desprovido.
123
Em sentido contrário que afirma a distinção entre o principio da
presunção de inocência e o principio da não culpabilidade podemos citar abaixo a
jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO
PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
(ART. 214, CAPUT, C/C O ART. 224 DO CP).
DELITO CONSIDERADO HEDIONDO.
IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE
REGIME. RÉU CONDENADO. EXPEDIÇÃO DO
MANDADO DE PRISÃO ANTES DO
JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL FACE À POSSIBILIDADE DE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS ESPECIAL E
EXTRAORDINÁRIO QUE, COMO CEDIÇO,
NÃO POSSUEM EFEITO SUSPENSIVO.
Consoante entendimento recentemente pacificado
pelo Col. STF, secundado por julgados desta Corte,
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor,
quando cometidos em quaisquer de suas
modalidades, se enquadram na definição legal de
crimes hediondos (art. 1º, da Lei 8.072/90). Hipótese
dos autos em que incide a regra proibitiva da
progressão de regime inserta no § 1º do art. 2º da Lei
8.072/90. É assente a diretriz pretoriana no
sentido de não inibir a constrição do status
libertatis do condenado o princípio constitucional
da não culpabilidade, porquanto o recurso
especial não tem efeito suspensivo. A norma
inserida no art. 224, I, do Código Penal é expressa
no sentido de que, sendo a vítima menor de 14 anos,
a violência é presumida, pouco importando as suas
condições individuais. (REsp nº 137.163-PR, Rel.
123
STJ – Superior Tribunal de Justiça. Diário de Justiça. Seção 1. 27/08/2001. p.355. Disponível em:
http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.5:acordao;rhc:2001-06-07;11387-
400713. Acesso: 14 de outubro de 2012.
81
Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 22/11/1999)
Ordem denegada.124
Dentre várias que afirmam que são distintas, existem outras decisões dos
tribunais que defendem a igualdade de sentido entre presunção e não culpabilidade
podemos citar:
“HC. ESTELIONATO. ACÓRDÃO QUE
SUBSTITUIU A PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS,
MANTENDO, NO MAIS, A CONDENAÇÃO.
DETERMINAÇÃO DE IMEDIATO
CUMPRIMENTO DA PENA. EFEITO DA
CONDENAÇÃO. RECURSOS ESPECIAL E
EXTRAORDINÁRIO SEM EFEITO
SUSPENSIVO. IMPROPRIEDADE DO WRIT.
ORDEM DENEGADA. O início de cumprimento da
pena constitui-se em mero efeito da
condenação, não se cogitando, entretanto, de
qualquer violação ao princípio constitucional da
presunção de inocência ou da não-culpabilidade.
Tanto o recurso especial quanto o extraordinário não
têm, de regra, efeito suspensivo, razão pela qual sua
eventual interposição não tem o condão de impedir a
imediata execução do julgado, com o início de
cumprimento da pena. Precedentes do STJ e do STF.
O habeas corpus não é a via adequada para se
atribuir efeito suspensivo a recurso especial ou
recurso extraordinário, pedido que normalmente é
veiculado por medida cautelar inominada e só é
acolhido em casos excepcionalíssimos, condicionado
ao recebimento do recurso na origem.
Ordem denegada.125
Porém o exame da jurisprudência de nossos tribunais superiores
demonstra que não se estabeleceu na prática como fundamento para restringir o campo
de aplicação, e para isso o Supremo Tribunal Federal reforça o que é sustentado:
Prisão por pronúncia de réu já anteriormente preso:
pressuposto de validade da prisão cautelar anterior.
1. Em princípio, se tem dispensado a motivação, na
pronúncia, da manutenção da prisão preventiva
anterior; com maior razão, se tem considerado
124
STJ – Superior Tribunal de Justiça/ Mato Grosso . Diário de Justiça 25.08.2003. p.347. Disponível
em: http://www.direitonet.com.br/jurisprudencia/exibir/421961/STJ-HC-28177-MS-HABEAS-CORPUS-
2003-0066521-0 . Acesso em 20 de outubro de 2012. 125
STJ – Superior Tribunal de Justiça/ RS. HC 31662. Diário de Justiça 26.04.2004. p. 187. Disponível
em: http://www.direitonet.com.br/jurisprudencia/exibir/371356/STJ-HC-31662-RS-HABEAS-CORPUS-
2003-0203238-0 . Acesso em: 20 de outubro de 2012.
82
suficiente que a pronúncia se remeta no ponto aos
motivos da prisão cautelar que mantém. 2. Essa
orientação pressupõe, contudo, a validade da prisão
cautelar antes decretada (precedentes): se é nulo o
decreto originário da preventiva, a nulidade
contamina a prisão por pronúncia que só nela se
fundar. II. Prisão preventiva: motivação inidônea. O
apelo à preservação da "credibilidade da justiça e da
segurança pública" não constitui motivação idônea
para a prisão processual, que - dada a presunção
constitucional da inocência ou da não
culpabilidade - há de ter justificativa cautelar e não
pode substantivar antecipação da pena e de sua
eventual função de prevenção geral". (HC 82797/PR
- Relator SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento:
01/04/2003 - DJ 02-05-2003 - Primeira Turma -
Unânime).
Enfim, se o direito constitucional e processual, ao perseguirem
determinados fins, admitem constrições entre os princípios (a verdade material é
restringida pela proibição da prova ilícita), se há elasticidade na própria dignidade
humana, não é menos admissível a restrição da presunção de inocência, cuja aplicação
absoluta do principio inviabiliza o princípio da investigação e da própria segurança
pública. Trataremos por isso, no próximo item sobre a inter-relação entre o princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade na prática da restrição ao princípio da presunção
de inocência.
83
4.3 A inter-relação entre o principio da razoabilidade e o principio da
proporcionalidade na limitação ao principio da presunção de inocência.
A proporcionalidade e a razoabilidade não são, a rigor, nem princípios,
nem postulados, e sim métodos de ponderação. O Juiz, ao escolher um princípio em
lugar de outro, para aplicação do caso concreto, faz ponderação de valores e aplica a
solução que lhe pareça mais razoável, utilizando-se de critérios como
proporcionalidade, adequação e necessidade, como já assentadas em vasta doutrina.
No que se refere ao princípio da razoabilidade existem três fundamentos:
a) uma adequação racional entre meios e fins, portanto razoabilidade técnica; b) quando
se busca o fundamento dos valores específicos, por exemplo, são razoáveis enquanto se
buscam justiça; c) quando se busca a razoabilidade para uma conduta (essência) para
uma verdade126
.
A razoabilidade ocorre em dois sentidos: lato e estrito. A primeira
quando se aplica a uma lei, sentença ou administrativo são necessário que identifique
outros três fatores: validade ou verdade (justiça), existência e a essência. Na segunda o
sentido de razoabilidade se equipara à justiça juntamente com a verdade ou com
essência, ou ainda com existência, e não os três fatores.
Existem duas espécies de (ir) razoabilidade: a) ponderação jurídica,
ocorrer entre o antecedente da norma e a prestação, lícito e a sanção, ou seja, é a
igualdade, proporção ou equilíbrio; b) seleção, ocorre quando se determina uma garantia
de “igualdade ante a lei”. Mas a garantia do devido processo substantivo se tipifica por
sua exigência de razoabilidade ponderativa e não de seleção
Por isso no contexto brasileiro existem diferenças entre os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade ao afirmar que a primeira é mais sensível, que se
distinguem pelo conteúdo (proporcionalidade é meio-fim e a razoabilidade com meios
utilizados), quanto à natureza (proporcionalidade um princípio jurídico, e razoabilidade
tem exigência da razão humana) e em sua forma de aplicação (proporcionalidade
bloqueia, veda e concretiza a melhor medida possível, enquanto que a razoabilidade tem
apenas a função de bloquear) .
126
LINARES, JUAN FRANDISCO apud PACHECO, Denilson. O Principio da Proporcionalidade no
Direito Processual Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed.Lumen Juris. 2007. P.111.
84
A força da racionalidade e da objetividade do princípio da
proporcionalidade deve ser mantida, desde que, o primeiro seja delimitado
conceitualmente e o segundo consiga manter sua integridade estrutural.
Mas volta-se a enfatizar que o Poder Judiciário não deve aplicar apenas
regras de proteção ou exclusão, mas também com um trabalho de interpretação jurídica
visando apurar os limites de proteção assegurados aos direitos fundamentais e visando a
ordem pública por não admitir também que a sua aplicação tenha uma pluralidade de
soluções justas, pois a transformaria em uma interpretação do que é razoável e
proporcional em regra abstrata e sem atingir o interesse público.
Por isso torna-se imprescindível a supremacia do interesse público
esculpido no requisito “ordem pública” pra legitimação, por exemplo, da prisão
processual com a consequente restrição ao principio da presunção de inocência nos
casos de perigo substancial do suspeito ou acusado constatado pela gravidade do crime
praticado, e a depender da lesão acarrete grave repercussão social. Ordem pública se
identifica com a ideia de ordem pública material, e por isso cause um possível estado de
segurança, integridade e tranquilidade.127
Portanto na limitação ao princípio da presunção de inocência o intérprete
deve buscar o significado preciso do conceito indeterminado no ramo jurídico em que se
enquadra e tendo como norte o sentido da lei e não do conceito indeterminado tomado
isoladamente, e para isso utilizar dos elementos que de forma (in) direta deverão
influenciar a decisão imposta por lei no seu conjunto. Identificado os pressupostos dos
fatos deverá empregar a ponderação para determinar o peso de cada um,
individualmente ou na relação com os demais e, com isso, extrair seu valor justo.
Esse processo de limitação ao princípio da presunção de inocência,
embora complexo, resultará uma decisão clara e transparente com aspectos positivos e
negativos, como ocorre com os direitos fundamentais que não podem ser usados como
barreira de proteção às práticas delitivas ou como ilação à exclusão de responsabilidade
aos indivíduos que estão vinculados a atuarem dentro dos limites da lei.
127
É ilustrativo de tal tendência o julgamento de habeas corpus impetrado em favor do juiz Nicolau dos
Santos Neto (HC 80717-8-SP, julgado pelo Plenário do STF em 13.6.2001), ocasião em que se travou
interessante debate sobre a significação de "garantia da ordem pública", uma das hipóteses legais em que
se justifica a decretação da prisão preventiva e a manutenção da prisão em flagrante. A prisão preventiva
do réu havia sido decretada para assegurar a credibilidade e respeitabilidade das instituições públicas,
tendo considerado ainda a magnitude da lesão causada. Tais fundamentos foram considerados
insuficientes, em face do princípio da presunção da inocência, pelo Relator, Ministro Sepúlveda Pertence.
Prevaleceu, no entanto entendimento diverso capitaneado pela Ministra Ellen Gracie, tendo sido denegada
a ordem.
85
A preservação do núcleo essencial do princípio da presunção de
inocência decorrerá da análise judicial não violam o princípio da proibição do excesso,
pois ao se analisar a incidência dos elementos parciais do princípio da
proporcionalidade à limitação ao da presunção de inocência frente às exigências
constitucionais da supremacia do interesse público verifica-se presentes a adequação,
conformidade ou validade do fim, representada pelo correto meio, executado pela
autoridade judicial, para a realização de um fim de interesse público.
A necessidade de identificada pela dosagem do meio empregado à
obtenção do fim pretendido, ou seja, a aplicação da medida cautelar embasada na defesa
social frente à lesão ou ameaça de lesão imensurável à sociedade e a vedação do arbítrio
ou de excesso aos legítimos interesses em conflito.
86
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o discurso jurídico tenha sido apontado como discurso de poder e
da ordem em todo e qualquer tipo de análise de discurso, haverá sempre uma posição de
poder no discurso do produtor ou do aplicador do direito, como um eu que fala para
outro que ouve e deve obedecer, sem que se questione essa competência, quando a
decisão é acompanhada do que reputa adequado, exige-se que esse discurso seja eivado
de adequação e em interação lógica de todo o sistema jurídico como um todo.
Ao aplicar estas regras por via da hermenêutica, o intérprete terá que
necessariamente utilizar-se de outro subprincípio – o da proporcionalidade – e, para isso
consequentemente utilizar-se-á de dimensões e critérios de peso argumentativos
presuntivos ou de importância, medidas de intensidade aos direito afetados/afetáveis
para solucionar colisões através de ponderação mesmo que condicionadas e valoradas.
E nesse contexto, a hermenêutica, a interpretação e aplicação do Direito são
termos estreitamente relacionados. A primeira tem por objeto a investigação sistemática
dos princípios com vista na aplicação, a interpretação, por sua vez, procura realizar
praticamente, os princípios e regras hermenêuticos. E a aplicação da norma jurídica
consiste na técnica de adaptar os preceitos nela contidos e que de fato lhe subordinam.
A credibilidade fica instável pelo fato de que com advento de novas técnicas
hermenêuticas para uma atividade interpretativa por parte do judiciário trouxe também a
necessidade de adaptar leis que pelas mudanças sociais por muitas vezes não conseguem
disciplinar e prever o atendimento ao princípio da presunção de inocência.
Portanto, pode-se dizer que não há discurso neutro, pois carrega elementos
do “meio” onde é produzido, ideologicamente. E é claro que a manipulação do direito
pode ocorrer em outros campos, mas esses três aspectos (produção, interpretação e
aplicação) são aqui tomados, primeiro pela necessidade de limitação dos campos de
abordagem, e, em segundo lugar, porque se entende que permite o fechamento de um
círculo satisfatório de análise da manipulação.
87
A possibilidade de se aplicar um princípio, deve sempre atentar para a
razoabilidade na aplicação do direito, e nos casos de inocência presumida, não pode ser
diferente, e deve ser necessariamente entendido que não se está permitindo qualquer
tipo de hermenêutica e de aplicação desse princípio, que diante de várias limitações de
ordem pública e social, deve ter suas limitações necessárias que evitem a impunidade de
culpados.
Não se deve esquecer que os princípios são ordenações que se irradiam e
atinge o sistema de normas; são núcleos de condensações; e começam por ser a base das
normas jurídicas e “podem estar positivamente incorporados, transformando-se em
normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.
Os princípios jurídicos, contudo, devem ser aplicados nos limites e nos
contornos das circunstâncias fáticas (adequabilidade), o que não quer dizer que sejam
propriamente determinados por essas circunstâncias. Antes eles funcionam como
pressupostos que orientam os processos de aplicação das regras e dos próprios
princípios jurídicos, que transferem correção a esses processos. O conflito na verdade, é
fruto da concorrência de princípios distintos em um caso concreto.
Como no caso dos princípios, fala-se de colisão e não de conflito, vez que
não se pode falar de conflito lógico, nem mesmo de conflito de validade, em caso de
colisão de princípios, no momento de aplicação ao caso concreto, aplica-se um deles,
porém o outro não perde a validade nem é expurgado do sistema, porque, num outro
caso concreto, em que ocorra a colisão, este outro princípio pode ser aplicado.
No caso de colisão entre princípios, a doutrina tem recorrido ao chamado
princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio da
proporcionalidade, gerando uma confusão, porque, a razoabilidade comporta três
elementos: proporcionalidade, necessidade e nexo de causalidade (ou adequação).
Assim, é razoável a escolha de um princípio em detrimento de outro que lhe é
inconciliável, se for mais proporcional ao caso concreto ao qual de aplica, se for mais
necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso.
O presente trabalho teve como objetivo, em primeiro lugar, fixar o
significado de tal enunciado normativo – princípio da presunção de inocência - e, em
segundo lugar, afirmar que a garantia constitucional prevista na Carta Constitucional
88
deve ser interpretada pelo aplicador para posteriormente ter a sua efetividade quanto à
sua aplicação no caso concreto.
A origem do princípio da presunção de inocência está relacionada à
limitação do poder público face ao arbítrio do Estado, ou seja, está ligada à garantia das
liberdades individuais. Antes da sentença judicial transitada em julgado a condição do
indivíduo é de inocência. A presunção de inocência nasce do conflito entre o Estado e o
indivíduo, o qual se reflete no interior do processo penal entre o jus puniendi do Estado
e o jus libertatis do indivíduo como limite às restrições de liberdade do acusado antes
do trânsito em julgado, evitando a antecipação da pena.
Porém a presunção de inocência não é incompatível com o interesse público
do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação e por isso, sempre
há necessidade de um ajuste, de uma interpretação condizente com um discurso jurídico
que afaste o mais possível o discurso político e ideológico.
A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da
apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição
créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,
efetuado com as garantias processuais.
É por isso que, própria legislação acolhe a ideia de uma escala valorativa, e
nessa pesquisa algo se atribui à palavra presunção, e que os valores seriam atribuídos,
mas quem os aplica e a quem se destinam os valores nesse momento? E sem especificar
quanto ao sentido de qualificação e gravidade por mais que o legislador ao criar o
princípio tenha a intenção de aferir um conceito já pré-definido e estático traga consigo
a expectativa de certeza jurídica128
, nem por isso o princípio deve ser aplicado sem
critério.
O Estado, ao assumir o monopólio da administração da justiça, passou ao
dever da prestação jurisdicional atribuída a ele, mediante a atuação dos órgãos do Poder
Judiciário. A partir do momento em que há a centralização da justiça e a publicização do
direito, esses se tornam pontos essenciais para que o Estado exerça o monopólio do
direito de punir. Mas cabe a este – o Estado - proceder à limitação de interesses
89
individuais e coletivos, com a finalidade de atender ao interesse público, portanto o agir
estatal tem que ser proporcional entre os meios e os fins a serem atingidos.
Os direitos fundamentais interagem com os direitos institucionais, não se
pode afirmar categoricamente que se deve aplicar dissociadamente, portanto pode-se
ainda afirmar, que os direitos e garantias fundamentais são relativos, limitados e não
absolutos.
Posto isso, mesmo reconhecendo que nosso sistema constitucional
contempla o princípio da presunção de inocência como garantia constitucional do
acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo uma
interpretação contextualizada com outros princípios como o do interesse público e do
interesse social, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-
se julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a
instrução probatória seja esgotada.
A confusão que se tem feito com referência ao princípio da presunção de
inocência, forjada em intenções nem sempre claras, tem refletido sobre o campo de sua
aplicabilidade. De fato, conforme já demonstrado, o discurso jurídico é permeado pelo
discurso político e pelo ideológico.
Não se está aqui abstraindo toda a força coercitiva da norma constitucional
como garantia do cidadão. O que se critica é a interpretação que se tem dado do
conceito, eivada de intenções nem sempre jurídicas, que acabam por macular sua
extensão, ou seja, sua aplicabilidade, acabando por beneficiar muitos praticantes de
infrações, olvidando-se a segurança jurídica e o interesse social de que sejam punidos,
privilegiando-se interesses individuais de cunho iluminista, em detrimento da segurança
e do interesse social.
Dessa forma a presunção de inocência não é incompatível com o interesse
público do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação, por isso
falou-se nos capítulos anteriores da necessidade de um ajuste, de uma interpretação
condizente com um discurso jurídico que afastasse o mais possível o discurso político e
ideológico.
A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da
apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição
créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,
efetuado com as garantias processuais em que se creditam tantos elementos objetivos
90
quanto subjetivos, ante a prática de um delito pelo acusado ou investigado, caso
contrário, surgirão paradoxos insolúveis ao se desconsiderar o valor jurídico da prisão
cautelar.
Propõe-se aqui então que na medida do avanço do processo criminal, se as
decisões tomadas pelos servidores públicos (promotores, juízes, etc), forem no sentido
da punibilidade, o instituto previsto no art. 5º, inc. LVII, da Lex Fundamentallis, deva
ser mitigado parcialmente, trazendo de volta o entendimento anterior do STF,
facilitando a aplicação de medidas cautelares, e incluindo a possibilidade de prisão
provisória quando houver um maior juízo de certeza quanto ao crime e a
responsabilização.
O princípio da presunção de inocência, independentemente do entendimento
que se adote sobre a sua natureza jurídica, como os demais direitos fundamentais, não
têm caráter ilimitado e absoluto. Trata-se de um direito relativo, que limita e é limitado
pelos mais valores constitucionais, e no caso de colisão desses valores, é solucionado
pela preferência do princípio do maior peso, ou seja, de maior importância, o qual
invalidará o preceito contraposto.
Concluindo, pode-se dizer que no tocante ao princípio da presunção de
inocência, muitas vezes invocado em nome da dignidade da pessoa humana do
acusado, não se pode elevar ao nível de princípio intransponível porque isso pode gerar
impunidades, comprometendo o princípio da segurança jurídica, e até a ordem pública.
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