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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGAMA DE MESTRADO EM DIREITO RAQUEL TIAGO BEZERRA LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico gerando impunidades Salvador 2013

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Sobre os ...§ão... · Os Princípios Jurídicos 14 1.1 O que é um ... 3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: ... ponderados refutando

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGAMA DE MESTRADO EM DIREITO

RAQUEL TIAGO BEZERRA

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE

INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Salvador

2013

RAQUEL TIAGO BEZERRA

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE

INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Monografia apresentado ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito (PPGD) da Universidade Federal da Bahia para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Doutor Saulo Casali Bahia.

Salvador 2013

FICHA CATALOGRÁFICA

Biblioteca da Universidade Federal da Bahia Biblioteca Federal da Bahia

Nº ____ BEZERRA, Raquel Tiago Bezerra,1981-.

Limites do Princípio da Presunção de Inocência. Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico gerando impunidades/ Raquel Tiago Bezerra. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012.

Trabalho de conclusão do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em

Direito na Universidade Federal da Bahia, Curso de Direito Público e Privado. 2013

Orientador: Prof .Doutor. Saulo Casali Bahia 1. Princípios. 2. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. 4.

Presunção de Inocência. Proporcionalidade e Limitação. Bezerra. Saulo Casali. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Título de Mestre em Direito.

III

RAQUEL TIAGO BEZERRA

LIMITE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Sobre os riscos de manipulação ideológica do discurso jurídico

gerando impunidades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

(Mestrado) em Direito da Universidade Federal da

Bahia, como requisito exigido pela obtenção do título de

Mestre.

Área de concentração: Direto Publico. Limite do Discurso Jurídico.

Data da defesa: ____/_____/________

Resultado: _______________________________________

Banca Examinadora:

Prof.Dr.Saulo Casali Bahia ______________________________________________

Universidade Federal da Bahia

Prof. Ricardo Mauricio Freire Soares ______________________________________________

Universidade Federal da Bahia

Prof. André Alves Portella ______________________________________________

Universidade Católica de Salvador

IV

A Deus incondicionalmente.

Aos meus queridos pais, Paulo e

Claudivina que me emprestam seus

dias, sabedoria, força e fé. Ao meu

novo e eterno amor que está sendo

gerado em meu ser e, desde já é

amado.

V

AGRADECIMENTOS

Nesta página muito especial deste trabalho, gostaria de agradecer a algumas pessoas, dentre as

muitas que me ajudaram a realizá-lo.

Ao apoio intelectual do meu orientador Prof. Dr. Saulo Casali, e de outros mestres componentes

do programa: Paulo Bezerra, Rodolfo Pamplona, Sebastian B. de Albuquerque Mello, Nelson

Cerqueira e Maria Auxiliadora Minahim.

.

VI

Sem justiça, as leis não são aplicadas e

deixam de existir na prática. Sem

justiça, qualquer nação democrática

capitula diante de ditadores, corruptos,

bandidos, rebeldes, justiceiros, imorais

e oportunistas. Jorge Bengochea

VII

RESUMO

Demonstrar como a manipulação discursiva da Constituição, e, suas diversas

formas (ideológica, governativa, partidarista, narcisista, forense), faz com que o princípio da

presunção de inocência, uma vez submetido a uma hermenêutica manipulativa, pode gerar

inefetividade, desvios econômicos e sociais, impunidade e insegurança jurídica.

Tem a finalidade de afirmar que o principio da presunção de inocência é garantia

constitucional do acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo

uma interpretação contextualizada com outros princípios como o do interesse público e da

razoabilidade, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-se

julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a instrução

probatória seja esgotada.

PALAVRAS-CHAVE: Princípios. Discurso Jurídico e Manipulação do Direito. Presunção de

Inocência. Proporcionalidade e Limitação.

VIII

Sommario

Dimostrare come la manipolazione discorsiva della Costituzione, e le sue varie

forme (ideologiche, governative, partigiano, narcisistica, medicina legale), rendono la

presunzione di innocenza, una volta sottoposto ad una manipolazione ermeneutica, in grado di

generare inefficienza, e gli spostamenti economici sociale, incertezza giuridica e l'impunità.

Si intende affermare che il principio della presunzione di innocenza di garanzia

costituzionale dell’imputado, è la dottrina e la giurisprudenza a stabilire le sue dimensioni, per un

interpretazione contestuale con altri principi, quali l'interesse pubblico e ragionevolezza, un peso

di ciascun caso in cui si deve prevalere, evitando giudizi politici e ideologici e processi di

estinzione senza l'istruzione probatoria è esaurito.

KEYWORDS: Principi. Discorso giuridico e manipolazione della legge.

Presunzione di innocenza. Proporzionalità e limitazioni.

IX

SUMÁRIO

1. Introdução 10

Cap.01. Os Princípios Jurídicos 14

1.1 O que é um princípio? 14

1.2 A normatividade dos princípios. 18

1.3 A hierarquia dos princípios. 23

1.4 A colisão de princípios e sua solução. 27

Cap.02. Discurso e Manipulação do Direito 30

2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise. 30

2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico. 34

2.3 A manipulação do discurso jurídico e seus efeitos. 39

Cap.03. Presunção de Inocência 48

3.1 Princípio da Presunção de Inocência: Origem histórica e

conceitos.

48

3.2 Interpretações do princípio da presunção de inocência. 51

3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: Efetividade e Eficácia 53

3.4 Limites interpretativos que impedem a efetividade do

direito e a segurança jurídica dos cidadãos.

58

3.5 As práticas reiteradas desses desvios incide em

insegurança jurídica e inefetividade do sistema jurídico.

66

Cap. 04. Aplicabilidade entre o princípio de inocência e o princípio da

proporcionalidade stricto sensu como restrição

70

4.1 Fundamento e caráter jurídico do princípio da

proporcionalidade.

70

4.2 O crime e a culpa como fatores de impunidade ao

princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência

77

4.3 A inter-relação entre o princípio da razoabilidade e o

princípio da proporcionalidade na limitação ao princípio da presunção de

inocência.

83

Considerações Finais 86

Referências Bibliográficas 91

X

10

1. INTRODUÇÃO

O trabalho exigirá inter-relação de campos de saber que permitam um

resultado interdisciplinar das abordagens, estando de permeio saberes como: a) Direito,

principalmente Direito Constitucional, já que o Princípio da Presunção da Inocência é

uma garantia constitucional prevista no art. 5º, LVII, que diz verbi: “ninguém será

considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”; b)

Política, uma vez que estará atentando para a manipulação do uso dispositivo

constitucional de forma político-ideológica no sentido de gerar impunidade para

determinados cidadãos e grupos; c) Análise de Discurso, pois será através desse

instrumento de averiguação que serão propostos alguns limites hermenêuticos do

princípio em tela, evitando-se a manipulação da Constituição, que, na prática,

beneficiaria alguns destinatários da norma, gerando impunidade.

O tema não é novo, e aparece já no primeiro documento com fisionomia

constitucional do Ocidente, isto é, o instrumento of Governement inglês, de 1653, que

afirmava que “nem o próximo Parlamento que se convoque, nem nenhuma Parlamento

posterior, será, durante o lapso de cinco meses, a contar desde o dia de sua primeira

reunião, suspenso, prorrogado ou dissolvido, sem seu próprio consentimento”. Na

interpretação do texto, Oliver Cromwell utilizou o termo meses como lunares e não

solares como de costumes, com a finalidade de dissolver o Parlamento alguns dias do

prazo.1

Não obstante a antiguidade e a frequência do problema, o tema não é

constantemente observado pelos constitucionalistas. Vale a pena deter-se sobre essa

patologia jurídica, intimamente vinculada com a hermenêutica da Constituição, já que o

discurso e a manipulação necessitam, habitualmente, de valer-se da interpretação da Lei

Suprema.

A principal justificativa da pesquisa encontra-se em seus aspectos de

relevância e atualidade.

1 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Teoria da Constituição e do direito constitucional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008.

11

De fato, o tema é relevante porque comporta investigação de tema de

extrema complexidade e importância em sede de Direito Constitucional, Hermenêutica

e Jurisdição Constitucional, a saber, o tema de Manipulação ideológica da

Constituição.

Relevante, por outro lado, porque as práticas manipulativas nem sempre

são claramente estabelecidas, utilizando-se, por via do discurso político-ideológico,

verdadeiros desvios dos fins da Constituição, através das hermenêuticas excessivamente

extensivas, sem limites , que geraram, geram e gerarão, mecanismo de impunidade que

precisam ser denunciados e coarctados.

No aspecto da atualidade do tema, mais ainda se justifica. Os meios de

comunicação de massa têm, diariamente, veiculados em seus noticiários, tudo que vêm

acontecendo em sede de investigações criminais que envolvem grandes grupos,

principalmente políticos e econômicos, onde o trabalho inquisitório e processual

apontam flagrantes de crimes organizados.

O que, porém, mais preocupa, daí a relevância da pesquisa, é que esses

fatos têm ocorrido em sede de Jurisdição Constitucional, em vários julgados do

Supremo Tribunal Federal, que, nos termos do art.102 da Constituição Federal de 1988,

é o guardião da Constituição.

A manipulação político-ideológica do Direito sempre foi um dos

problemas mais cruciantes da seara jurídica, por vários motivos, tais como: a) gerar

inefetividade do sistema; b) produzir desvios sociais e economicamente relevantes na

questão dos fins do direito, e muitos outros.

O problema central, contudo é: o principio da presunção de inocência

sendo uma garantia constitucional das mais importantes para o cidadão, pode ser

manipulado ideológico-politicamente por determinadas grupos de poder?

Na esteira deste problema, outros podem ser suscitados: 1)A

manipulação da Constituição, a exemplo do princípio aqui eleito como paradigma, pode

ser causa de baixa constitucionalidade? 2) A segurança jurídica deve ser flexibilizada

em que limites para que não se caia em insegurança? C) Ao manipular a Constituição

através de discurso ideológico-político, e de resto, todo o ordenamento jurídico, o

produtor dessa espécie de interpretação beneficia a quem? De que maneira?

12

O trabalho estará fundado, em dois eixos principais: a) a teoria do

discurso aplicada ao direito; b) a teoria constitucional da efetividade e normatividade

dos princípios constitucionais da Segurança Jurídica e da Presunção de Inocência. Esse

referencial teórico embasou o Projeto de Sumário abaixo descrito, buscando-se uma

inter-relação entre os eixos teóricos eleitos para o trabalho e cada capítulo constante na

estrutura prevista para o trabalho final.

Como pano de fundo, a Teoria da Constituição e a Teoria da Justiça.

A pesquisa, a exemplo do presente projeto, partirá de algumas hipóteses

que serão submetidas à verificabilidade. Caso algumas das hipóteses pré-estabelecidas

se mostrem falsas, em substituição surgirão, automaticamente, outras hipóteses

verdadeiras fundamentais para embasar a mesma2.

Como ressalta Gould3 que durante o estudo metodológico verifica que a

ciência tem como base o estudo de confirmar ou refutar argumentos, que podem ser

ponderados refutando os estigmas e a manipulação desse conhecimento para obter uma

legitimação científica e, portanto, seria válida e, por isso, durante o desenvolvimento de

uma pesquisa. E nesse sentido pode também ocorrer à desconstrução do método como

afirma Balkin4

Sendo assim, partir-se-á do geral para o particular, logo, a princípio,

utilizar-se-á o método dedutivo, o que não impedirá a pesquisa de dados para formar

novos juízos, (caso de método indutivo), sem, contudo, se misturar métodos para que

possa ser aplicado o uso essencial de métodos epistemológicos e especialmente

operacionais5.

No presente trabalho verificaram-se ainda os conflitos existentes entre

conceitos, ideias que de acordo com o interesse, ou seja, o objetivo principal da tese.6

Como instrumentos de pesquisa, os principais são os dados

bibliográficos (doutrina) e a jurisprudência pertinente ao tema, revistas, jornais e dados

de informação pela internet.

2 DESCARTES, René. Discurso do Método. Edición: eBooket. www.eBooket.net

3 GOULD, Sthepen Jay – A falsa medida do Homem. Editora: Martins Fontes. São Paulo.2003. Cap.04.

Pag.111-146. 4 BALKIN, J. M. Deconstructive Practice and Legal Theory. 1987.

5 POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais: trad. Estevão de Resende Martins. Rio de Janeiro. Ed:

Tempo Brasileiro, 1999, 2ª Ed. 6 HABERMAS, JÛRGEN. Conflito e interesse. Trad. Suhrkamp Verlag. Ed. Zahar. 1973.

13

Este trabalho monográfico é dividido em 04 (quatro) capítulos. O

primeiro traz consigo noções de princípios e as diferenças existentes entre principio,

fundamento, postulado, e ainda acrescentando os tipos de princípios aqui pertinentes ao

tema proposto.

No segundo capítulo trata de Discurso e Manipulação do Direito com

espécies e análise desses discursos jurídicos, políticos-ideológicos, e que nesse sentido

ocorre por parte do intérprete a manipulação e seus efeitos.

E como cerne da pesquisa o terceiro capítulo tem como item o princípio

de inocência que traz a origem, conceito e como a interpretação hermenêutica pode

efetivar e trazer eficácia para garantir o direito e garantia fundamental desde que a

limitação impeça a inefetividade e a insegurança ao cidadão, pois tem como finalidade

de evitar que as práticas reinteradas causem desvios e insegurança jurídica.

O quarto capítulo aborda sobre a aplicabilidade entre o principio da

proporcionalidade stricto sensu e o principio da presunção de inocência como restrição

e, para isso traz fundamento e caráter jurídico; a interdependência e os mecanismos de

punição ou impunidade entre estes princípios.

O último capítulo conclui a pesquisa com respostas que durante o

trabalho foram confirmadas.

14

CAPÍTULO I – OS PRINCÍPIOS JURIDICOS

1.1 O que é um princípio?

A noção de princípios tem provocado discussões doutrinárias as mais

variadas. Esse fato deve-se ao aspecto polissêmico e, às vezes, ambíguo, fugaz, do

conceito. O certo é que os princípios “não constituem absolutamente uma categoria

simples e unitária: pelo contrário, por essa expressão entendem-se frequentemente

coisas muito distintas”.7

Por força disso, é possível tomar-se o conceito de princípio em várias

acepções. Inicialmente, contudo, deve-se fixar que princípio vem de “ponto de partida”

e “fundamento de um processo qualquer”. Os dois significados estão estreitamente

ligados à noção desse termo que foi introduzida em filosofia, por Anaximandro8 e a ele

recorria Platão, com frequência, no sentido de Causa do movimento ou de fundamento

da demonstração; e Aristóteles foi o primeiro a enumerar uma lista de significados.

Para o estagirita, princípio poderia significar: a) ponto de partida de

um movimento (de uma linha ou de um caminho); b) o melhor ponto de partida (que

facilita a aprender uma coisa); c) ponto de partida efetiva de uma produção (quilha de

um navio ou alicerce de uma casa); d) causa externa de um processo ou de um

movimento (insulto que provoca uma briga); e) o que, com sua decisão, determina

movimento ou mudanças (governo ou magistratura de uma cidade); f) aquilo que parte

de um processo de conhecimento (premissa de uma demonstração), acrescentando,

ainda que “todas as causas são princípios”.9

Etimologicamente, pelo menos para os gregos, a raíz de princípio

estaria no termo arque, significando “a ponta”; a “extremidade”; “o lugar de onde se

parte”; o “início”; a “origem”.

7 BOBBIO, Norberto. Principi generali Del diritto. In: Novissimo digesto italiano, XIII, UTET:

Turim:1966.p.893-894. 8 BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op cit. p. 175.

9 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P. 793.

15

No termo princípio porém, “há mais do que em arque. Principium,

tal como “príncipe” ou “principal”, provém de primum (primeiro) + capere (tomar,

pegar, apreender, capturar). Primum capere significa “colocar em primeiro lugar.

Assim, princípio significa não o que está em primeiro lugar mas o que “se coloca

primeiro lugar”. E essa distinção é importante porque significa uma valoração. Coloca-

se em primeiro lugar porque valioso, mais valioso.10

É importante ressaltar aqui a distinção de Alexy11

e Ávila12

fazem

entre os dois modelos - regras e princípios - de compreensão e aplicação do sistema

jurídico, que por vezes podem desempenhar papeis muito semelhantes, e ao mesmo

tempo, se diferenciar quanto ao aspecto formal. O primeiro autor afirma que a aplicação

ocorre por via da ponderação mediante regras, e os princípios seriam elásticos, ou seja,

deve ser realizado na medida do possível, levando-se em conta as possibilidades

jurídicas e fáticas, embora ocorram nos planos de validade, e quando ocorrer conflitos

no plano abstrato entre princípios as condições ou o peso determinará qual prevalece

sobre o outro, o que não ocorre se houver conflito entre regras, pois estas têm

características abstratas.

Já o segundo autor – Ávila – concretiza seu pensamento ao afirmar

que a regras só entram em conflito no caso concreto, pois são imediatamente

descritivas, e por isso, ocorre no plano da eficácia e não no plano da validade, sempre

observando e criticando critérios tais como o: hipotético-condicional, modo final de

aplicação e o relacionamento normativo, ao passo que os princípios são normas

imediatamente finalísticas, ou seja, estabelecem a determinação da realização de um fim

juridicamente relevante. Ainda podemos acrescentar aqui que para distingui-los – regras

e princípios – propõe outros critérios de acordo com a natureza do comportamento

prescrito, da justificação exigida e a medida de contribuição para a decisão. Portanto

Ávila contraria e critica a ideia de Alexy.

É comum a confusão entre os termos “princípio”, “fundamento” e

“postulado”. A confusão, contudo se desfaz com o processo de fixação dos termos.

10

CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto. Estudos de direito constitucional: em homenagem

a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 261 O primeiro autor listou 14 acepções para o

termo “princípio” em seu Dicionário Compacto do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002. 11

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5ª Ed. São

Paulo: Malheiros, 2008. 12

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª Ed.

São Paulo: Malheiros, 2009.

16

Princípio é geralmente ligado a uma progressão, isto é, ao início das coisas, enquanto

“fundamento” é mais utilizado com um sentido de regressão, ou seja, a fundamentação

final das coisas, a base. Já os postulados, pertencem a uma terceira categoria, que não

se confunde com princípios nem com normas: embora também normativos, os

postulados são regras de segundo grau, que estruturam a aplicação de outras normas,

como o chamado princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, (que se verão mais

adiante), são postulados e não princípios13

.

Em Direito, costuma-se fixar o significado de princípio,

estabelecendo-se uma distinção entre eles e as normas. Contudo, não parece possível

traçar uma linha precisa de demarcação entre estes e aquelas. Como se verá, num certo

sentido, os princípios são normas, ou seja, enunciados do discurso prescritivo, dirigidos

à orientação do comportamento. Constituem gênero das normas, uma espécie particular

cujos traços característicos não é fácil individualizar com precisão: não é absolutamente

claro, quais propriedades deva ter uma norma para merecer o nome de princípio. Grosso

modo, pode-se dizer que: 1) em geral, os princípios caracterizam-se relativamente às

(outra) normas pelo lugar que ocupam no ordenamento jurídico como um todo e/ou em

algum setor específico (direito civil, penal, administrativo, etc.), considerados como

fundamento de um conjunto de normas; 2) segundo um modo muito difundido, os

princípios se caracterizam com respeito às (outras) normas também do ponto de vista

linguístico: as normas seriam enunciados de significados (relativamente) precisos; os

princípios, ao contrário, seriam enunciados dotados de significados (altamente) elástico

e/ou indeterminado; 3) segundo outro modo de ver, os princípios são vistos com

característica mais generalizante com referencia às demais normas, por isso que se

aproxima do termo “princípio” o adjetivo “geral”.14

Ainda sobre princípios é possível afirmar que podem ser vistos em

cinco modalidades:15

13

BARRETTO, Vicente de Paula. Dicionário de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p.

660. Para nós, a proporcionalidade e a razoabilidade não são, a rigor, nem princípios, nem postulados, e

sim métodos de ponderação. O Juiz, ao escolher um princípio em lugar de outro, para aplicação do caso

concreto, faz ponderação de valores e aplica a solução que lhe pareça mais razoável, utilizando-se de

critérios como proporcionalidade, adequação e necessidade, como já assentadas em vasta doutrina. 14

GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2003. PP. 188-190 15

ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito. Rio de janeiro:

Renovar, 1999, p. 621.

17

a) Como princípio positivo de direito, norma explicitamente

formulada no texto do direito positivo, quer uma disposição legal, quer uma norma

construída a partir dos elementos contidos nestas disposições;

b) Como princípio implícito do direito, regra tratada como

permissão ou consequência das disposições legais ou das normas;

c) Como princípio extra-sistêmico do direito, regra tratada como

princípio, mas que não é nem princípio positivo do direito, nem principio implícito do

direito. Por definição não pertence ao sistema do direito, como as diretrizes da

interpretação e aplicação do direito;

d) Como princípio-nome do direito. Nome que caracteriza traços

essenciais de uma instituição jurídica, como o princípio da liberdade, da verdade

objetiva e outros, que às vezes são tratados como fontes;

e) Como princípio-construção do direito, construção do legislador,

racional ou perfeita, pressuposta na elaboração dogmática do direito ou na aplicação e

interpretação jurídica.

O sistema constitucional brasileiro, como o português, é um sistema

normativo aberto de regras e princípios. Apresentando uma opção à tradicional

separação entre regras e princípios, Canotilho sugere a divisão segundo a qual: a) regras

e princípios são duas espécies de normas; b) a distinção entre regras e princípios é a

distinção entre duas espécies de normas.16

16

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 166. Para o autor, toda

a dificuldade de se distinguir entre regras e princípios consiste em não se distinguir duas questões: a)

saber qual a função dos princípios e regras; b) saber se entre princípios e regras existem denominadores

comuns, pertencendo à mesma família e havendo apenas uma diferença de grau (quanto à generalidade,

ao conteúdo informativo, à hierarquia das fontes, à explicitação do conteúdo valorativo) ou se, ao

contrário, os princípios e as regras são suscetíveis de uma diferenciação qualitativa.

18

1.2 A normatividade dos princípios.

Parece-nos absolutamente ultrapassada a discussão acerca da

normatividade dos princípios. De fato, de tudo o que foi dito até agora, parece

indiscutível a força normativa dos princípios.

O caminho teórico para o reconhecimento da normatividade dos

princípios segue o seguinte roteiro: a) direito natural; b) positivismo legalista; c) pós-

positivismo. No primeiro momento (direito natural) os princípios eram axiomas

jurídicos que buscavam atingir o conceito de bem, ideia superada pelo positivismo

legalista que, com a Escola da Exegese, via os princípios como fontes meramente

secundárias e subsidiárias, com função integradora ou programática, o que provocou

um esvaziamento de sua função normativa e, dentre outras coisas, a separação entre

Direito e Moral, e também nesse sentido, o legalismo de:

“Certo modo é o desejo ou a sensação de segurança

que faz com que os homens continuem reduzindo o

ser do direito ao ser da lei, quando sabem que o

direito meramente legal é só um pedaço da realidade

jurídica, e que o predomínio deste direito apenas

legal é o ponto de apoio de certas denominações

sociais às vezes compatíveis com o conteúdo ético

alcançado pela própria cultura moderna”17

A esse caminho teórico – o do legalismo - existem críticas a respeito,

pois devido ao liberalismo predominante à época e a necessidade de se codificar os

“ismos jurídicos” se desfaz pelo fato de ser antagônico e difícil manter afastados os

traços próprios do direito, inclusive a valorização da expressão legal, mesmo que

revelando uma característica social, a marca de diversos elementos reduz a estrutura

legal do ordenamento a um mero aparato formal e, portanto, não essencial.

O positivismo é um modelo de e para um sistema de regras,

denominado “política” um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado,

em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade

denominado “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou

17

SALDANHA, Nelson. Legalismo e ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977.

19

assegurar uma situação econômica, política ou social considerável desejável, mas

porque é um exigência de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.18

E finalmente o surgimento, no chamado pós-positivismo, da força

normativa autônoma e preponderante dos princípios, verdadeiro arcabouço do

ordenamento jurídico.19

Servem mesmo os princípios para promover uma “síntese dialética

entre o direito natural e o direito positivo”,20

havendo mesmo quem afirme, com razão,

que:

A grande virtude, pois, dos princípios é esta

capacidade de condensar numa unidade operacional,

os aspectos axiológicos e deontológicos da

normatividade jurídica, revelando que o dever-ser

das imperatividade do direito não pode ser

dissociado de um núcleo ontológico que resguarde

uma eticidade necessária à consecução dos fins do

direito. Assim, o comando (dever-ser) não pode ser

separado do valor que lhe justifica, impedindo que o

direito seja reduzido à pura força ou violência

institucional, muito embora não prescinda dela.

Dessa forma, os princípios jurídicos parecem ter

uma extraordinária capacidade de aglutinar as

dimensões constitutivas da própria teoria do direito:

dever-ser (deontologia), valor (axiologia) e

finalidade (teleologia) se reúnem numa tecitura

ontológica que forma identidade e validade do

direito.21

No mesmo sentido e buscando a mesma aproximação integradora entre

Direito e Moral, proporcionada pelos princípios, é o ensinamento de José Armando

ponte Dias Junior:

A teoria pós-positivista rearticula o direito e a moral,

buscando introduzir elemento morais na

fundamentação estritamente jurídica das decisões

judiciais, reconhecendo a magnitude de padrões

normativos que não se limitam às tradicionais

proibições, permissões e obrigações (...) Os

18

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério.Trad. Nelson Boeira. 2 ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2007. p.36. 19

RANGEL, Helano Marcio Vieira. Breves apontamentos sobre a teoria dos direitos fundamentais de

Robert Alexy. In: Diálogo Jurídico. São Paulo: N.5. 2006, p. 301-315. 20

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso

Bastos, 2007, p. 51. 21

CUNHA. José Ricardo. Sistema aberto e princípios na ordem jurídica e na metódica constitucional. In:

\os princípios da Constituição de 1988, Rio de janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 34.

20

princípios, na linha de pensamento pós-positivista,

prestam-se assim a diluir elementos morais no

ordenamento jurídico, contribuindo para uma

proveitosa articulação entre equidade e segurança

jurídica, uma vez que as decisões judiciais não mais

precisam recorrer a elementos extrínsecos ao

ordenamento jurídico, metafísicos talvez, na

ausência de uma regra específica a regular um caso

concreto posto, sob apreciação jurisdicional.22

Há doutrina que afirma o contrário, optando pela tese da não

normatividade dos princípios, parece fundar-se no fato de os princípios serem, às vezes,

bastante vagos. Mas essa aparente vagueza dos princípios pode depender de “duas

circunstâncias distintas (ora de uma, ora de outra, ora de ambas)” às vezes um princípio

é vago porque não possui um campo exato de aplicação, como o princípio da tutela da

confiança, que se concretiza no principio segundo o qual “o contrato é anulável se uma

das partes era inapta legalmente para contraí-lo”; (b) ou é vago porque possui um

conteúdo teleológico ou programático, não prescreve uma conduta determinada.

Mas nem por isso deixam os princípios de consistirem em verdadeiras

normas, de possuírem força normativa de condutas, incluindo-se no gênero de normas

prescritivas. Coexistem, portanto, no ordenamento jurídico, os princípios e as regras,

ambos com força normativa diferenciada apenas pelo seu grau. Enquanto as regras são

mandamentos fechados e excludentes, os princípios são abertos, não retira a

característica de ser includente ou impositivos, possuindo, inclusive, maior densidade

valorativa, sendo, por isso, mais adequados para o suprimento da vontade do direito.

Essa normatividade, portanto, concretiza, de forma mais satisfativa, os imperativos da

segurança jurídica e de legitimidade que deve estar inserido no direito.

Porém não serve de critério de distinção entre princípios e regras, a

normatividade, uma vez que é comum às duas espécies de normas. É muito

esclarecedora a técnica utilizada por Vicente de Paulo Barreto, para distinguir princípios

de regra, classificando a distinção em: distinção fraca e distinção forte entre princípios

e regras. Para o autor:

“A distinção fraca funda-se no argumento de que os

princípios, porque fluidos, permitem maior

22

DIAS JUNIOR, José Armando Ponte. Princípios, regras e proporcionalidade: análise e síntese das

críticas às teorias de Ronald Dworkin e de Robert Alexy. In: Revista do Curso de Mestrado em Direito da

UFC (NOMOS). Ceará. V.27. Jul/Dez, 2007, p. 177-199.

21

mobilidade valorativa, ao passo que as regras,

porque pretensamente determinadas eliminam

sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador

(...) já a distinção forte afirma que os princípios são

normas que se caracterizam por serem aplicadas

mediante ponderação com outras e por poderem ser

realizadas em vários graus, contrariamente às regras

que estabelecem em sua hipótese, definitivamente

aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido”23

.

Os princípios embora distintos das regras e dos postulados, pois “na sua

grande maioria não são postulados, não são conceitos intuídos a priori; são sínteses

extraídas das normas, por abstração de seu conteúdo ou se sua forma” tem exatamente

por distinção principal o grau de normatividade.24

Assim, não há qualquer dúvida de que os princípios são também

normas jurídicas prescritivas, tanto quanto as regras específicas, entretanto mais

abstratas; mais gerais. E como “toda norma de conducta es obrigatória, y por eso no

quiere dar consejos, sino imponer deberes”25

ressalta a obrigatoriedade induvidosa de

cumprir e fazer cumprir os comandos contidos nos princípios.

Vai ainda mais além Robert Alexy, ao afirmar “norma é o gênero, do

qual são espécies as regras e os princípios. Ambas dizem o dever-ser, sendo expressas

por meio de termos deônticos, prescrevendo proibições ou permissões”.26

Deixam mesmo os princípios, na era do neo-positivismo ou do pós-

modernismo, um papel meramente secundário, para ocupar lugar de relevo no

ordenamento, reconhecido que tem sido o seu caráter de norma potencializada e

predominante.

E esse caráter normativo não se encontra somente nos “princípios

positivos do direito”, como também nos chamados “princípios gerais de direito”.

“Reconhece-se normatividade não só nos princípios explicitamente contemplados no

23

BARRETTO, Vicente de Paulo. Op.Cit. p.658. O autor apresenta ainda outros critérios de distinção

entre regras e princípios, contudo a conclusão, para o que aqui interessa, é o reconhecimento da

normatividade dos princípios, regras e postulados. . 24

CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do Direito Administrativo. Rio de janeiro: Forense,

1977, p. 22. 25

VANNI, Icilio. Filosofia Del derecho. Madrid: Principe, s.d. p. 71. 26

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p.187

22

âmago da ordem jurídica, mas também nos que, defluentes de seu sistema são

enunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito”.27

Embora seja teoricamente aceitável que os princípios “assumem um

significado apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema

jurídico, daí a necessidade de pressupô-los como uma totalidade”28

, vai daí uma

distância enorme em se poder, só por isso, retirar-lhe a normatividade que lhe é própria.

27

ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma

formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: RT, 2002. P. 64. 28

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.

110.

23

1.3 A hierarquia dos princípios

Falar de hierarquia dos princípios importa dois tipos de questão: a)

sobre a hierarquia entre princípios e regras; b) discute se há hierarquia entre princípios.

No que toca a hierarquia entre princípios e regras, a doutrina já fixou

que os princípios são mais relevantes do que as regras, por serem mais carregados de

valores.

A grande questão é a de se estabelecer uma hierarquia entre dois

princípios, se é possível se falar especificamente em hierarquia nesse caso. Em todo

caso, há que se distinguir três dimensões para os princípios: os princípios gerais de

direito; os princípios constitucionais positivos e os princípios fundamentais.

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam o sistema de

normas; são núcleos de condensações; começam por ser a base das normas jurídicas e

“podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e

constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.29

Os princípios constitucionais positivos referem-se aos princípios que

traduzem em normas da Constituição ou que delas diretamente se inferem, e podem ser

de duas categorias: os princípios políticos constitucionais e os princípios jurídicos

constitucionais.

“Os primeiros, constituem-se daquelas decisões

políticas fundamentais concretizadas em normas

conformadoras do sistema constitucional positivo”

(...). Já os princípios jurídicos constitucionais são

princípios constitucionais gerais informadores da

ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas

constitucionais e não raro, constituem

desdobramentos (ou princípios derivados) dos

fundamentais, como o princípio da supremacia da

Constituição e o consequente princípio da

constitucionalidade, da legalidade, da autonomia

individual, decorrente da Declaração de Direitos, da

isonomia e da proteção social dos trabalhadores,

dentre outros. 30

29

CANOTILHO, J.J.Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991,

p. 49. 30

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 93.

24

Os princípios políticos constitucionais constituem-se, por outro lado,

“nos princípios definidores da forma do Estado; da estrutura do Estado; dos princípios

estruturantes do regime político e dos princípios caracterizadores da forma de governo e

da organização política em geral”. 31

Os princípios constitucionais fundamentais são aqueles de que

derivam logicamente - em que, portanto, já se manifestam implicitamente - as normas

particulares, regulando imediatamente, relações específicas da vida social.32

Dentre as funções dos princípios fundamentais, destaca-se a função

ordenadora servindo mesmo de critério de interpretação e integração, pois são eles que

dão coerência geral ao sistema.33

Há hierarquia dos princípios, notadamente dos princípios

constitucionais sobre os demais princípios e regras, em proporção direta ao grau de

consciência constitucional ou de sentimento constitucional, ou seja, quanto maior o

grau de conscientização constitucional, maior o valor dos princípios constitucionais.

“Sucede que não há no Brasil, cultura constitucional materializada em comportamentos

e condutas tendentes a: i) preservar a vontade da Constituição; ii) efetivar, no plano

máximo possível, os princípios e regras constitucionais; iii) disseminar o conhecimento

a respeito do texto constitucional. E a inexistência de cultura constitucional reverbera

nos mais variados domínios da vida brasileira, que no campo econômico, político social,

quer no pensamento jurídico”.34

Assim, os princípios seguem uma ordem de hierarquia axiológica:

primeiramente os princípios constitucionais fundamentais; depois os princípios gerais

de direito em espécie; e mais abaixo em valor, as chamadas regras jurídicas. Essa

gradação hierárquica de valores tem implicação imediata no próximo tópico, a saber, o

referente à colisão de princípios.

Só é possível discorrer sobre a questão se há hierarquia entre os

princípios, analisando-se a relação entre os princípios e os valores, uma vez que se pode

falar em colisão e sopesamento tanto de uns, quanto de outros, ou seja, uma vez que a

31

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Op. Cit. P. 66 32

CRISAFULLI, Vezio. La constituzione e Le sue disposizioni di princípi. Milano: Giuffré, 1952, p. 38. 33

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1983, Tomo II, p. 199. Os

princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 estão nos artigos 1º a 4º. 34

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008,

p.237.

25

definição bem como o sentido dos enunciados normativos depende da escolha reflexiva

entre valores e opções políticas.35

Pode-se distinguir como faz Robert Alexy36

os princípios dos valores,

dizendo-se que princípios são mandamentos de otimização e se situam no âmbito

deontológico, enquanto os valores pertencem ao nível axiológico. Os princípios

funcionam como “filtros, que captam os valores em abstrato, e os transformam em

regras, em direitos, como no caso do valor igualdade que através do princípio da

igualdade criam os direitos de igualdade”.37

A grande questão posta no tema da hierarquia entre princípios é: há

que se falar, com rigor, numa hierarquia entre princípios? Depois de acirrada cizânia

doutrinária, aqui dispensável de ser reproduzida à exaustão, podemos seguir a lição

segundo a qual:

Os princípios jurídicos devem ser aplicados nos

limites e nos contornos das circunstâncias fáticas

(adequabilidade), o que não quer dizer que sejam

propriamente determinados por essas circunstâncias.

Antes eles funcionam como pressupostos que

orientam os processos de aplicação das regras e dos

próprios princípios jurídicos, que transferem

correção a esses processos. O conflito na verdade, é

fruto da concorrência de princípios distintos em um

caso concreto. 38

Não é, todavia, pelo fato de haver a necessidade de opção entre um e

outro princípio, quando colidem na apreciação de um caso concreto, que se pode falar,

com rigor, na existência de hierarquia entre eles. Na verdade, quando se escolhe um

princípio para aplicação a um caso concreto, o outro não escolhido não sai do

ordenamento jurídico, permanecendo à espera de novo caso concreto e de nova colisão,

quando poderá ser reputado, pela ponderação, como sendo mais adequado, proporcional

e necessário para aplicação.

A hierarquização dos princípios constitucionais tanto é possível que o

constituinte assim o fez, “elegendo” os mais importantes para compor o núcleo

35

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. P, 117. 36

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. Cit. P. 98. 37

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op. Cit. p. 177 38

GUALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado democrático de Direito: ensaio sobre

o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa. N.143. p.191-209. Jul/set.1999

26

essencial, e por isso seriam “irreformáveis”, enquanto outros podem ser submetidos a

mudanças através, por exemplo, de um processo legislativo constitucional. Do ponto de

vista estritamente jurídico (epistemológico), não há hierarquia entre princípios.

É importante enfatizar que as regras têm sua interpretação e eficácia

atrelada aos princípios e que estes se harmonizam, a partir da hierarquia estabelecida

entre eles, para dar coerência ao sistema jurídico, como afirma Hans Kelsen39

: “o

ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, cada uma delas dotada de

um determinado valor e ocupando uma posição igual no sistema, pois uma norma para

ser válida tem que ter seu fundamento de validade em outra norma superior”, e assim é

reconduzida a uma norma fundamental, uma ordem normativa, embora esse autor não

reconhecesse o caráter de norma jurídica aos princípios de direito, este pensamento foi

superado pela dogmática moderna.40

39

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.248. 40

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998,

p.141.

27

1.4 A Colisão de princípios e sua solução

Quando se refere a um conflito de normas, de modo específico se está

falando de conflito de regras e não de princípios, isto porque, entre princípios o máximo

que pode ocorrer é colisão entre eles, uma vez que no ordenamento jurídico não cabe

antinomia de princípios, como se verá.

“Um conflito de normas pressupõe que valem ambas

as normas que estão em conflito (caso contrário o

conflito é aparente) (...) Por meio da derrogação é

abolida a validade de uma norma que está em vigor,

mas não constitui uma contradição lógica; no caso

de contradição lógica entre dois enunciados

normativos, um deles é falso desde o início”.41

No caso de conflito de regras, há conflito de validade, mas não um

conflito lógico, e a doutrina assentou que tal conflito se resolve pelos três critérios

clássicos: regra posterior revoga a anterior (critério temporal); regra superior revoga a

inferior (critério hierárquico); regra especial revoga a geral (critério da especialidade).

No caso dos princípios, fala-se de colisão e não de conflito, vez que não

se pode falar de conflito lógico, nem mesmo de conflito de validade, por isso que, em

caso de colisão de princípios, no momento de aplicação ao caso concreto, aplica-se um

deles, porém o outro não perde a validade nem é expurgado do sistema, porque, num

outro caso concreto, em que ocorra a colisão, este outro princípio pode ser aplicado.

No caso de colisão entre princípios, a doutrina tem recorrido ao

chamado princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio

da proporcionalidade, gerando uma confusão, porque a razoabilidade comporta “três

elementos: proporcionalidade, necessidade e nexo de causalidade (ou adequação).

Assim, é razoável a escolha de um princípio em detrimento de outro que lhe é

41

KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre-RS: Fabris, 1986, p. 159.

28

inconciliável, se for mais proporcional ao caso concreto ao qual de aplica, se for mais

necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso”. 42

Portanto, a proporcionalidade não é o mesmo que razoabilidade, mas

um critério de aferição da razoabilidade; o método de ponderação ou sopesamento e

fixação da razoabilidade.

Assim, no dizer de Robert Alexy:

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por

exemplo, quando algo é proibido de acordo com um

princípio e de acordo com outro é permitido – um

dos princípios terá que ceder. Isso não significa,

contudo, nem que o princípio cedente deva ser

considerado inválido, nem que nele deva ser

introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade o

que ocorre é que um dos princípios tem precedência

em face do outro sob determinadas condições. Sob

outras condições, a questão da precedência pode ser

resolvida de forma oposta. 43

Alexy propõe uma abertura na interpretação e aplicação dos princípios a

toda a comunidade de intérpretes44

e, no caso de colisão entre princípios, o que há, na

verdade é a necessidade de se agir, conforme Marcelo Lima Guerra ensina:

Se há casos em que não é possível, em razão de

limites da própria capacidade humana, discernir uma

única solução correta, nem mesmo a melhor entre

várias, quando há mais de uma qualificável como

correta, então não se pode considerar que tudo esteja

contido nos princípios, nada restando a fazer senão

concretizá-los através do sopesamento.45

42

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de teoria constitucional e de Direito constitucional. Rio de

Janeiro: Renovar, 2009, p. 241. 43

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93. Essa proposta

do autor parece mais adequada do que aquela apresentada por Ronald Dworkin, recorrendo à figura do

juiz “Hercules”, um ser dotado d qualidades ideais, onisciente, que busca a solução para cada caso através

da reconstrução do direito vigente com base nos princípios morais. DWORKIN, Ronald. Levando os

direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 165. 44

Proposta seguida, dentre outros por MULLER, Friederich. Hermenêutica constitucional. São Paulo

Martins Fontes, 2010, p. 11. 45

GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “fórmula do peso” de Robert

Alexy; In: Revista de Processo. São Paulo: V.31, n. 141. P. 53-71, Nov.2006.

29

Assim é, que a ponderação deve ser uma técnica distinta na solução

das antinomias , pois:

Em particular, o intérprete poderá ser confrontado

com conflitos normativos que envolvem valores ou

opções políticas e tensões insuperáveis pelas formas

hermenêuticas tradicionais da solução de

antinomias, e, para solucioná-los, será necessário

recorrer à técnica da ponderação (...).

Ademais, não é possível simplesmente escolher uma

disposição em detrimento das demais; o princípio

da unidade, pelo qual todas as disposições

constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser

interpretadas de maneira harmônica, não admite essa

solução. Essa, portanto, é a primeira distinção entre

a ponderação e as técnicas tradicionais de solução de

antinomias; estas estão ligadas à subsunção, ao

passo que a ponderação é uma alternativa a ela.46

Por fim, o princípio da razoabilidade (ou o método da ponderação da

proporcionalidade em sentido estrito) pode ser entendido “pela análise da relação entre

o fim e o meio com o sentido teleológico ou finalístico, reputando-se arbitrário o ato

que não observar que os meios destinados a realizar um fim, são por si mesmos

apropriados ou quando a desproporção entre fim e o fundamento é arbitrário” 47

. Por

isso é necessária à adequação e o nexo de causalidade.

Assim, para o que interessa no presente trabalho, pode-se concluir neste

capítulo, preparando-se uma sinergia entre os diversos capítulos, dizendo-se que, no

tocante ao princípio da presunção de inocência, muitas vezes invocado em nome da

dignidade da pessoa humana do acusado, não pode ser elevado ao nível de princípio

intransponível porque isso pode gerar impunidades, comprometendo o princípio da

segurança jurídica, e até o princípio da motivação jurisdicional.

46

BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 112. 47

BERALDO, Leonardo de Farias. A flexibilização da coisa julgada que vicia a Constituição.In:

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. Rio de janeiro: América Jurídica,

2005, p. 172.

30

CAPÍTULO II – DISCURSO E MANIPULAÇÃO DO DIREITO

O presente capítulo trata das espécies de discurso e da análise desses

discursos, buscando estabelecer pontos de contato entre o discurso jurídico e o discurso

político-ideológico, o uso (ou manipulação) desse discurso jurídico pelos centros de

poder produtores do direito, preparando a análise de como se tem manipulado o

conceito de presunção de inocência, que interessa aqui, mais de perto.

2.1 Considerações iniciais sobre o discurso e sua análise

Apesar de passar também por essas ideias, a análise de discurso como

aqui se refere não trata da língua ou da linguística, nem de estudo de gramática, mas

propriamente de discurso, em seu sentido de curso, de percurso, de correr por, de

movimento48

. Trata-se, assim, de analisar a palavra em movimento, prática da

linguagem, tendo esta apenas como mediação necessária à compreensão dos conceitos e

de seus usos na prática jurídica, possibilitando a análise de seus usos e dos efeitos

desses usos. Portanto, resta delimitado assim, o uso dos conceitos que têm pertinência

direta com as ideias de presunção, de inocência, de manipulação, de ideologia, e de

discurso jurídico.

Por seu turno, a análise do discurso viabiliza a mediação, por meio da

linguagem, entre o homem e a realidade natural e social, que, portanto possibilita a

continuação e o deslocamento e transformação do homem e da realidade em que se

insere. Essa análise é que identifica as estratégias críticas dos usos da linguagem e das

ciências sociais como um todo, refletindo e pondo a descoberto, as manobras

48

Embora muitos sejam os sentidos da palavra discurso, podendo-se apontar: atividade comunicativa

entre interlocutores; atividade produtora de sentidos, que se dá na interação entre falantes.

31

ideológicas, uma vez que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o

indivíduo é transformado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”.49

Nesse sentido, pode-se dizer que não há discurso neutro; todo discurso

produz sentidos que expressam posições sociais, culturas, ideologias do sujeito da

linguagem. Muitas vezes os sentidos são explicitados e às vezes não, nem sempre se diz

o que se pensa, deixa-se nas entrelinhas significados que não se quer tornar claros ou

porque a situação não permite ou não se quer assumir responsabilidades, deixando a

critério do interlocutor (ou do intérprete) o trabalho de construir os sentidos implícitos.

Isso é muito comum nos discursos políticos mas acabam interferindo nos discursos

jurídicos.

Assim, a análise de discurso tem por objeto de estudo o próprio discurso,

o que delimita significativamente as abordagens a respeito do tema, o que facilita o

trabalho do pesquisador, pois trata do estudo da língua, distinguindo-se da análise de

conteúdo, pois enquanto esta tem por objetivo direto extrair o sentido do texto, a análise

do discurso deve estar centrada nos falantes, daí toda a carga ideológica que acaba

desnudando. Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos e se

reveste de significados para e pelo sujeito.

Além dos sujeitos, (e age por meio deles) é que se manifesta outro

elemento do discurso, a saber: a memória. Fazendo parte do discurso, a memória

interfere na produção do discurso, melhor dizendo, no contexto de produção do

discurso, inclusive (e principalmente) nos discursos jurídicos e políticos. É o que Marx

denunciava, quando dizia que todo produto carrega as influências de seu meio de

produção. Do mesmo modo, todo discurso carrega os elementos do “meio” onde é

produzido, ideologicamente.

E nesse “meio”, nesse “espaço” onde o discurso é produzido, dá-se na

tensão entre a paráfrase e a polissemia, num jogo entre o mesmo e o diferente, entre o

que foi dito e o que está ainda por dizer, que os sujeitos falantes se movimentam,

percorrem seus intentos discursivos, produzem o direito.

Importante para se trabalhar com análise de discurso é, também, a idéia

de “formação discursiva”, que significa que, numa formação ideológica dada, a partir de

uma determinada posição, determina o que pode e o que deve ser dito. E como o

49

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento? Campinas: Pontes, 1997, p. 43.

32

discurso se delineia sempre nas relações com os outros, é importante que se determine

se o sujeito diz se inscreve numa formação discursiva e não em outra; e é produzido

para ter um sentido e não outro. Esse aspecto do discurso é importante, aqui, para

determinar que o discurso da presunção de inocência deva ser tomado num determinado

sentido e não em outro (o que leva, por exemplo, à costumeira impunidade, o que soi

acontecer, como se verá).

Ponto que interessa reforçar aqui, é o diz respeito a possibilidade da

análise de discurso permitir uma re(significação) da noção de ideologia, a partir da

linguagem. Essa ideologia tem o sentido de determinar que não há sentido das palavras

sem o exercício da interpretação, o que atesta a presença desta, seria a presença

constante de qualquer objeto simbólico, o homem é obrigado a interpretar, o que, como

já foi dito, transforma o indivíduo em sujeito que produz e interpreta o discurso.

E como nem sujeitos nem sentidos são completos, essa incompletude

reclama uma integração do discurso, através da interpretação, carregada sempre de

ideologia, o que gera a polissemia dos termos componentes do discurso, o que facilita a

manipulação desse tipo dos discursos constitutivos dos textos normativos. E essa

manipulação é sempre possível de se manifestar porque a ideologia e o inconsciente não

se controlam com o saber e a razão. O próprio jogo da linguagem funciona assim. Tudo

depende de uma questão de método. É o método de se analisar o discurso que permite o

desnudar das ideologias inseridas nos discursos, e principalmente, nas interpretações

que se dão aos textos.

E o texto, escrito ou oral, é uma dispersão do sujeito, como o discurso é

uma dispersão do texto. O sujeito se subjetiva de várias maneiras ao longo de um texto,

o que permite a invasão de sentidos eivados de ideologias variadas para um mesmo

texto.

Muitos autores têm procurado apontar as principais características do

discurso. Assim, Maigueneau50

aponta como características: a) o discurso deve ser

entendido como algo que ultrapassa o nível puramente gramatical (contam os

interlocutores, com suas crenças e valores; e a situação, o lugar e o tempo geográfico e

histórico em que é produzido); b) Os falantes/ouvintes devem ter não apenas

conhecimento linguístico como extralinguísticos, para produzirem discursos adequados;

50

MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise de discurso. Campinas: Unicamp/Pontes, 1993,

p.18.

33

c) o discurso é contextualizado, isto é, do ponto de vista discursivo, toda frase só tem

sentido no contexto em que é produzido; d) o discurso é produzido por um sujeito e é

em torno dele que se organizam as referências de tempo e espaço; e) o discurso é

interativo, pois se desenvolve entre dois parceiros (binômio eu-você); f) o discurso é

uma forma de atuar, de agir sobre o outro; promessas, ordenamentos, perguntas,

permissões, proibições, isso é uma ação sobre o outro, um ato de fala, que busca sempre

modificar uma situação; g) o discurso trabalha como enunciados concretos,

falas/escritas produzidas; h)um princípio geral rege o discurso: o princípio do

dialogismo, que significa conversa, interação verbal, que supõe pelo menos dois

falantes; i) mas o discurso é também dialógico porque quando se fala ou escreve,

dialoga-se com outros discursos, trazendo a fala do outro para o nosso discurso; j) por

causa desse caráter dialógico o discurso tem efeito polifônico, emporque um discurso

dialoga com outros, é sempre atravessado por outras vozes; k) todo discurso se constrói

em rede com outros discursos, é uma arena de luta entre os diversos discursos.51

51

Essas características variam de acordo com a linha teórica de quem as aponta. Assim, variam de acordo

o autor se filie à escola francesa da análise de discurso, de cunho preponderantemente político, de caráter

ideológico, com o viés marxista, ao qual costuma-se ligar Michel Pêcheux, Michel Foucault, Louis

Althusser e, mais recentemente, Boaventura de Souza Santos.

34

2.2 Espécies de discurso: jurídico, político e ideológico.

Como tipos de discursos, podem ser apontados: o discurso político, o

jurídico, o religioso, o jornalístico, o pedagógico, o médico, o científico. Esses tipos

comportam variáveis como: discurso terapêutico, místico, didático, dentre outros,

devendo-se ainda levar em consideração os estilos (barroco, renascentista, moderno,

contemporâneo); gêneros (narrativa, descrição, dissertação), interessando, para a análise

do discurso as prioridades internas dos processos discursivos; as condições de

formação, produção, interpretação e efeitos dos discursos, e, aqui, aquelas (condições)

referentes aos discursos jurídicos e políticos.

Pode-se, inicialmente afirmar que as palavras constantes nos discursos

de textos jurídicos, costumam ter significados distintos da linguagem comum. São

utilizadas por pessoas específicas (os operadores de direito e os destinatários da norma),

em situações específicas (necessidades do exercício profissional ou nos chamados “usos

do direito”). Pode-se, assim dizer que é uma linguagem técnico-jurídica, apresentando,

assim, várias e sérias dificuldades de compreensão.

A primeira dificuldade é a constatação de que embora o discurso

jurídico seja feito de termos técnicos, com nomenclatura que exige exatidão técnica, não

consegue se desprender totalmente de sua significação comum. Essa dificuldade

avoluma-se quando se constata que o direito não é feito apenas para técnicos e sim para

toda a comunidade que se encontra em seu espaço de aplicação, a saber todos os

destinatários da regra posta.

E por ser assim, multiplicam-se as dificuldades quando se tem uma

técnica de aplicação do direito como a nossa que afirma que a ninguém é permitida a

alegação de desconhecimento da lei.52

Apesar de se justificar que esse dispositivo é

fundado no princípio da publicidade e que atende à necessidade de observar ao princípio

da imperatividade das regras jurídicas, esse discurso não satisfaz as reais condições de

sua aplicabilidade uma vez que toda lei tem o que se conhece como vacatio legis, que

52

O art. 3º da Lei de Introdução Ao Código Civil diz, verbis: Ninguém se escusa de cumprir a lei,

alegando que não a conhece.

35

grande parte da comunidade desconhece, e mesmo o acesso ao conhecimento do direito,

que reclama por uma política mais efetiva de educação para o direito53

.

A lei brasileira exige que “em todos os atos e termos do processo é

obrigatório o uso do vernáculo”54

Ocorre que esse “vernáculo” (língua portuguesa),

contém termos desconhecidos da grande maioria da comunidade de destinatários da

norma, o que facilita o trabalho de manipuladores do discurso, emprestando significados

e finalidades distantes do pretendido pelo produtor da norma.

Além da dificuldade de compreensão dos textos, por causa de sua

tecnicidade, o discurso jurídico é, como amplamente reconhecido, um discurso de

poder, o que, por si só, implica uma interface com o discurso político, ou seja, o

discurso jurídico tem uma inafastável ligação com o político, seja porque é produzido

pelos centros políticos do Poder Legislativo (notadamente a lei, em sentido amplo), seja

porque engendra uma decisão política sobre quais matérias devem ser regulamentadas,

seja porque, decidido o quê,decide-se, também politicamente, como legislar.

Depreende-se do pensamento de Foucault55

, que o exercício do poder

manifesta-se no modo de agir de uns sujeitos sobre os outros, que os divide em

governantes e governados, e as relações de força se estabelecem entre sujeitos desiguais,

individuais ou coletivos, por suas posições sociais e quantidade de recursos de que

dispõem (econômicos, políticos, militares ou de informação). É preciso, pois, estudar o

direito em seus aspectos contextuais: a) do próprio contexto do discurso, onde o

significado das palavras resulta do contexto textual, do ordenamento onde esse operador

tá inserido; b) da situação discursiva, (quem fala, de onde, de qual centro de poder; c) da

situação jurídica no espaço político–social.

Mas não é isso que se verifica no espaço que está entre a produção do

direito e sua aplicação, ou seja, não têm sido esses os parâmetros utilizados pelos

operadores/intérpretes/aplicadores do direito, e sim um mecanismo político/ideológico/

manipulador, como se observa facilmente. Ao contrário, dá-se um discurso jurídico que

53

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 46. O autor

trata das funções do direito, dentre elas, a função educativa. Advirta-se que não se está aqui defendendo a

tese de que qualquer um, para esquivar-se da incidência da regra, basta alegar que a desconhece. O que

não é admissível é essa presunção genérica de que todos conhecem a lei amplamente, somente porque foi

publicada. A linguagem do discurso muitas vezes impede ou dificulta o seu entendimento,

comprometendo a compreensão. 54

Art. 156 do Código de Processo Civil. 55

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Graal.1960.

36

vai além do poder e se torna autoritário, monofônico, pois as vozes que poderiam

compor o discurso são abafadas ou ocultadas sob a aparência de uma única voz (a do

detentor do poder).

A grande dificuldade enfrentada em toda parte, pelos aplicadores do

direito, ou pelos destinatários da regra, advém, justamente, da ambigüidade, da falta de

clareza que muitas vezes se encontram nos textos normativos, e cabe ao operador do

direito determinar e esclarecer o sentido e o alcance dos vocábulos, observando a

característica técnico-científica de sua linguagem. Isso leva a um contexto onde uns (os

técnicos) falam e determinam o sentido das normas que serão aceitos e obedecidos por

outros ouvintes (destinatários), o que, por si só gera uma relação de

dominação/subordinação.

Deve-se buscar, pois, o sentido mais razoável possível para os textos

objetivando-se uma aplicação mais justa possível. Mas essa tarefa torna-se

extremamente difícil, ver, por exemplo, quando estamos diante de conceitos jurídicos

indeterminados, que, não raras vezes, encontram-se nos textos a serem interpretados e

aplicados. Assim ocorre com termos como “função social” da propriedade e do

contrato; “duração razoável” do processo; utilidade pública; interesse público;

presunção de inocência, “fumaça do bom direito” . Nesses casos todos, os termos

jurídicos perdem clareza, concisão, harmonia com a realidade, dando vazão a sentidos

absolutamente subjetivos, em detrimento da objetividade do direito.

Outro tipo de discurso que, de tão relacionado que está com o discurso

jurídico, às vezes com este se confunde, seja na produção, seja na interpretação e

aplicação do direito, é o discurso político. É um discurso que está sempre presente nos

espaços (legislativo, executivo e, até judiciário), de todas as esferas de poder ou

unidades da Federação. Um discurso que tem legitimados para o produzirem em todos

os escalões de poder e que se manifestam não somente nas épocas de campanhas

políticas, quando se desnudam de vez e passam a fazer parte do cotidiano das gentes,

mas também de forma velada (às vezes ideologicamente) em todos os espaços sociais, e

em todos os tempos.

Legitimados são, pois, todos os cidadãos e cidadãs, em todos os espaços

sociais para proferir discurso político, falando, propondo, criticando, etc Assembléias,

comícios, ou rodas informais de discussão, estão sempre impregnadas de discurso

político, sempre permeado pela poderosa mídia, escrita, falada ou televisiva,(sem

37

esquecer os usos da tecnologia de informática) passando-se mesmo a reconhecer esses

espaços não somente como espaços de expressão desses discursos, mas também como

espaços de produção discursiva.

O discurso político, pois, invade todos os espaços discursivos, sejam

jurídico-científicos, ou de senso comum do povo, grandemente perpassado pela atuação

da mídia, que passou, nos últimos tempos, a ser fonte de informação sobre todos os

temas, sejam acontecimentos diários, até temas de política, de direito, de religião, de

economia e isso tem repercussão nos discursos em geral, mas principalmente nos

discursos jurídicos e políticos; primeiro porque os discursos se transformam pela

imposição das técnicas da mídia; segundo, porque a mídia tem o seu próprio discurso,

com suas formas de funcionamento. Em nome da busca pela verdade e objetividade, a

mídia, às vezes, distorce a realidade, de forma político-ideológica, dentro daquele

conceito marxista, já apontado, de que “todo produto carrega consigo as marcas de sua

produção”. Na verdade, os meios de produção de discurso da mídia carregam consigo

toda a ideologia política que o grupo dominante pratica, em grande parte.

Nesse tipo de discurso, um conceito fundamental é o conceito de

“opinião pública”. É um conceito formado de duas formas: a partir da perspectiva do

próprio meio de comunicação, e a partir de opinião pública propriamente dita, a

primeira muitas vezes preponderando sobre a segunda, o que o torna um discurso

político/ideológico por excelência.

Como principais características do discurso político (sem pretender

esgotar a tipologia), podem ser apontadas: a) o discurso político necessita, para

sobreviver, impor a sua verdade a muitos, mesmo que, paradoxalmente, seja aquele que

mais dificilmente se consegue. É, portanto, um discurso dinâmico, frágil, e provisório;

b) é um discurso por excelência, do sujeito; c) os discursos políticos deixaram de ter

espaços específicos de enunciação (hoje reservados apenas ao sentido político stritu

senso) passando a estar em todos os espaços sociais, diretamente proporcionais às

práticas democráticas.

Apesar de o fato de todo discurso ser um discurso de poder, porque

pretendem impor verdades a respeito de um tema específico, ou de uma área da ciência,

da moral, da ética, do comportamento, é, contudo, no discurso político onde o poder

mais se explicita (apesar de ser possível o disfarce ideológico da dominação). É um

38

discurso que se alimenta na polêmica, na desconstrução do outro, para se construir. Por

isso mesmo se aproxima tanto do marketing .

Talvez essa seja a tensão que dificulta tanto a convivência entre o

discurso jurídico/científico e o discurso político. O antagonismo que permeia essa

relação, gerando efeitos nocivos (embora inafastáveis) do político sobre o direito, fruto

de determinadas “formações discursivas”.56

Antes de abordar o discurso ideológico, necessário se fixar ao menos

uma noção de ideologia, dentre as tantas já apresentadas pelos autores. A idéia de

ideologia depende, pois, da escola doutrinária à qual se filia o autor. Para Marilena

Chauí, a ideologia significa aquilo que analisa a faculdade de pensar e, sob o conceito

de ciência positiva do espírito, se opunha à Metafísica, Teologia, à Psicologia, trazendo

uma visão doutrinária irreal e sectária.57

Essa é, contudo uma conotação negativa de ideologia, herdada de Marx e

Engels, em crítica à visão abstrata e ideológica dos filósofos alemães, identificando-a

com a separação entre a produção de ideias e as condições sociais e históricas em que

são produzidas, verificando apenas dados perceptíveis empiricamente.58

Nesse sentido,

a ideologia é instrumento de dominação de classe, impondo-se as ideias da classe

dominante, tendo Althusser afirmado que “para manter sua dominação, a classe

dominante gera mecanismos de perpetuação das condições materiais das políticas de

exploração, entrando assim, em cena, o Estado, com seus aparelhos repressores, por

meio dos aparelhos ideológicos de que dispõe, para garantir sua própria coesão e

reprodução, e para divulgar os valores por ele propostos”.59

Assim, como o direito é, em grande parte, produzido pelos centros

políticos de poder, notadamente do Estado (embora não seja o único), está permeado de

56

Para maior aprofundamento sobre o conceito de formação discursiva, ver. FOUCAULT, Michel.

Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.35º autor define formação discursiva como um

conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço e que definem em

cada época e para cada área social e econômicas, geográficas ou lingüísticas dadas as condições de

exercício da função enunciativa. 57

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 78. 58

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p. 81. 59

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1974,

pg. 56. O autor aponta como principais Aparelhos Ideológicos do Estado, a religião, a escola, a família, o

direito, a política, os sindicatos, os meios de informação e comunicação, e a cultura (letras, artes, esportes,

etc). Ademais, para ele, a ideologia é uma “ representação” da relação imaginária dos indivíduos com

suas condições reais de existência. A despeito de algumas características às vezes possíveis de serem

atribuídas às ideologias, para o presente trabalho assume-se sua dimensão negativa aqui exposta.

39

ideologias praticadas pelos grupos que o produzem, seja na produção, seja na

interpretação ou na aplicação desse mesmo direito.60

2.3. A manipulação do discurso jurídico e seus efeitos

É exatamente essa inter-relação entre o jurídico, o político e o ideológico,

que engendra as diversas espécies de manipulação do direito, a partir da manipulação de

seu discurso, causando efeitos muitas vezes nefastos sobre sua efetividade e concreção.

Assim, teorias surgem e se desvanecem, historicamente, na tentativa de

solucionar esse cruciante problema para a ciência do direito. Revezam-se teorias

jusnaturalistas e positivistas, processualistas e substancialistas, humanistas,

antropologistas, sociologistas, funcionalistas, estruturalistas e desestruturalistas;

normativistas e principiologistas, todos se debatem nos meandros obscuros de teses

formuladas a partir de posturas políticas e ideológicas, assumam ou não esse caráter.61

A manipulação do direito pode ocorrer em três fases: em sua produção,

em sua interpretação e em sua aplicação. Na primeira fase (da produção, notadamente a

legislativa), essa manipulação ocorre de várias formas, destacando-se aqui, a chamada

legislação simbólica; na segunda (na interpretação), no bojo do fenômeno conhecido

por mutação constitucional; e, por último (na aplicação), na jurisprudência (um certo

tipo dela), que baseando-se no jogo que utiliza os dois primeiros aspectos, tornam a

manipulação ainda mais nociva à efetividade e concreção do direito, notadamente dos

direitos fundamentais, dentre eles, a presunção de inocência.62

60

Abstrai-se, aqui, o sentido positivo e a ideologia como conjunto de ideias para aprofundamento da

relação entre Direito, Política e Ideologia, veja-se, ainda, WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado

e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, passim. 61

Impossível anotar aqui todas as tendências, todas as teorias e todas as vertentes que tentaram ou tentam

analisar essa influência do político e do ideológico sobre o Direito. 62

É claro que a manipulação do direito pode ocorrer em outros campos, mas esses três aspectos

(produção, interpretação e aplicação) são aqui tomados, primeiro pela necessidade de limitação dos

campos de abordagem, e, em segundo lugar, porque se entende que permite o fechamento de um círculo

satisfatório de análise da manipulação.

40

No que diz respeito à produção de legislação simbólica, é clara a

manipulação do direito pelos centros de poder produtor da norma. É certo que a lei tem

sempre três variáveis, como aponta Marcelo Neves, quando diz que:

“As três funções coexistem em qualquer situação. A

função instrumental pode ser simplificada na ideia

de meio-fim. Seria a prática de vontade consciente

de atingir um resultado determinado mediante a

atividade necessária. A função expressiva é, antes,

uma medida de purgação do que um meio de

conflito, pois pressupõe uma confusão entre a

prática da vontade consciente e a satisfação do

resultado almejado. Haveria, então, uma

imediatidade entre a medida e a satisfação do

referido resultado almejado. A função simbólica

pode ser representada por um fim imediato e

impreciso, inserto no fim representado, sendo que

aquele prevalece em relação a esse”.63

É, ainda, o mesmo autor que propõe uma tipologia tríplice da legislação

simbólica, a saber: a) aquela que serve para confirmação de valores sociais; b) a que

serve para demonstrar a capacidade de ação do Estado para a solução de problemas

sociais (legislação-álibi); c) a que se presta ao adiantamento da solução de conflitos

sociais através de compromissos dilatórios.64

No primeiro caso, o legislador, aparentando estar à frente de seu tempo,

regulamenta situações, assumindo posição, em situação de conflitos sociais, atendendo,

na verdade, aos interesses do grupo que é destinatário direto da lei e se beneficia de sua

promulgação. Aparenta, assim, uma eficácia que é, seguramente, secundária, frente à

valoração do interesse desses grupos beneficiados. É exemplo: a lei seca, nos Estados

Unidos. Os defensores da proibição de consumo de bebidas alcoólicas não estavam

interessados na sua eficácia, mas em adquirir respeito social. No Brasil, além da lei

seca, pode-se entrever esse interesse na lei que obrigava o uso do cinto de segurança ou

dos estojos de primeiros socorros nos veículos, e, mesmo nas teses defendidas nas leis

promulgadas contra ou a favor da homofobia, para manter prestígio da base de apoio

aos parlamentares, como fazem, por exemplo, algumas bancadas religiosas, na postura

intransigente de posturas radicais. Esconde-se a verdadeira intenção que viaja por trás

63

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 102. 64

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75. Análise do

autor, citando Marcelo Neves.

41

dos discursos. A “vitória legislativa” funciona para os “vitoriosos” e de degradação para

os “perdedores” sendo irrelevante os seus efeitos instrumentais. Estabelece-se um

perde-ganha que passa ao largo da generalidade e da abstração características da regra

jurídica, para contemplar interesses individuais ou de pequenos grupos, muitas vezes

escusos.65

A segunda espécie de legislação simbólica diz respeito à necessidade de o

Estado demonstrar sua capacidade de ação frente aos conflitos sociais e aos grandes

problemas sociais, a conhecida legislação-álibi. Além de atender aos objetivos da

primeira espécie, a saber, a confirmação de valores de determinados grupos, vai além e

fixa , como objetivo, o de assegurar confiança nos sistemas jurídicos e, principalmente,

nos sistemas políticos.66

Diante de grandes conflitos ou problemas sociais (endemias, catástrofes,

desastres ecológicos, violência urbana) a legislação-álibi é logo produzida, como uma

resposta pronta e rápida dos governos e dos Estados.

Assim, a legislação-álibi tem o “poder de introduzir um sentimento de

bem-estar na sociedade, solucionando tensões e servindo à lealdade das massas” 67

É o

que ocorre, constantemente, com a legislação penal, muitas vezes insatisfatória e

imprópria para a solução de problemas como a criminalidade e a violência.68

Esse tipo de legislação mais se coaduna com a fabricação e “legitimação”

das políticas públicas encetadas pelos governos.

65

BEZERRA, Paulo Cesar Santos; BEZERRA, Raquel Tiago. Legislação simbólica: sobre os riscos de

manipulação ideológica do Direito. In: Legislação simbólica uma realidade constatada. Salvador: Editora

Dois de Julho, 2012. 66

Por isso mesmo que todo grupo que chega ao poder, procura logo se cercar de nova legislação, muitas

vezes apenas “novas roupagens” para velhos preceitos, buscando a legitimação de suas políticas. É esse

grupo que serve mais à manipulação político-ideológica, seja da Constituição, seja da legislação

infraconstitucional, acabando mesmo por influenciar os Tribunais em sua produção jurisprudencial, como

se verá. 67

LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 40. 68

Recentemente ocorreu uma leva de legislação simbólica desse segundo tipo, podendo-se apontar,

apenas para dar um exemplo, a catástrofe provocada pelas chuvas na região da serra fluminense. Diante

da catástrofe, logo o governo federal, para fazer valer sua presença, tamanha foi a mobilidade popular e

de solidariedade social, disparada em todo o território nacional, baixou portarias e decretos, firmou

convênios e liberou orçamentos, logicamente fazendo veicular toda essa sua “pronta providência social”

nos meios de comunicação, com ampla publicidade político-partidária que, se de um lado, convenceu

correligionários e simpatizantes e mesmo aqueles que nem o eram tanto assim, de que o governo estava

“fazendo a sua parte” e estava “presente e era capaz de solucionar problemas”, por outro, decorridos

tantos meses, tem gerado um desencanto para os atingidos pelo desastre, que estão em situação de espera

angustiante, fato veiculado pelos mesmos meios de comunicação que se prestaram a divulgar essa

“sensibilidade governamental” .

42

Por fim, o terceiro tipo de legislação simbólica serve para adiar a solução

de conflitos por meio de compromissos dilatórios. O exemplo das enchentes acima

citado serve também a esse tipo de legislação simbólica. Aliás, as grandes catástrofes

sociais conseguem a proeza de servir aos três tipos de legislação simbólica. Servem para

confirmar valores de certos grupos (as doações generosas acobertadas por descontos no

imposto de renda e outros benefícios fiscais) a legislação-álibi para mostrar à sociedade

a capacidade do Estado em “solucionar” problemas sociais; e o adiamento desses

mesmos conflitos através de compromissos, cartas de intenções que jamais saem do

papel. Nesse caso, não se produz uma legislação imediatamente eficaz, mas se firmam

pactos que não se fundam no conteúdo do texto normativo, mas na transferência do

conflito para um futuro indeterminado. Em alguns casos, passado o consenso

momentâneo, o tema jamais volta às pautas de discussão.69

Mas o uso abusivo da legislação simbólica pode produzir o efeito contrário

ao pretendido, isso é, o fracasso das finalidades pretendidas pelos donos do poder,

porque pode levar à descrença no próprio sistema jurídico, resultando que o público se

descobre enganado e os autores políticos mostram-se cínicos.70

Como acima afirmado, a manipulação do direito ocorre em sua segunda

fase (a da interpretação), através de inúmeros fenômenos hermenêuticos, mas,

principalmente, naquele que se conhece como mutação, que nada mais é do que a

mudança do sentido do texto, sem mudar o texto, seja constitucional ou

infraconstitucional, por meio sempre da interpretação.

Podem ocorrer, assim, alguns tipos de manipulação em nome das

mutações, a saber: a) as manipulações governativas;71

manipulação partidista;72

69

A legislação que se tem produzido no Brasil, em nome da realização da Copa do Mundo e das

Olimpíadas futuras, mascaram, ideologicamente, as verdadeiras intenções, priorizando a função

simbólica, em detrimento das funções instrumentais (de efetividade) e expressivas do direito produzido. 70

NEVES, Parcelo. Op. Cit. p. 40. 71

Consiste na leitura dos textos legais (Constituição, leis, etc.) em favor do elenco que está no poder.

Sabe-se que o direito é um discurso de poder. Manipular o seu discurso de forma ideológica é o que de

mais fácil há de se fazer e mais difícil de se detectar. Esse tipo de manipulação gera, muitas vezes,

grandes adesões, porque conta com o poder oficial para sua difusão. 72

Nesse tipo, a manipulação é utilizada para legitimar a ação dos partidos políticos concretos. Suas

cláusulas podem ser torcidas tanto para fundamentar determinados projetos, como para justificar fatos

consumados, ou comportamentos em trâmite. É factível que o operativo conte com o apoio de

catedráticos ou experts em direito que, em tal empresa, passam a ser, basicamente, advogados de partidos

e não doutrinadores da disciplina. Ocorre sorrateiramente, nos conhecidos pareceres jurídicos pagos a

peso de ouro.

43

manipulação narcisista; 73

manipulação forense;74

manipulação tolerante ou

agressiva.75

Através da interpretação, pode-se, ainda: a) dar às palavras do texto

normativo, sentidos absurdos ou rebuscados; b) interpretar-se isoladamente um artigo

do texto, ignorando-se a concordância com outros, ou magnificar uma cláusula da lei,

reduzindo o valor das restantes; c) realizar afirmações dogmáticas de fato ou de

direito; d) praticar analogias improcedentes; e) fazer mal uso dos princípios jurídicos;

f) consumar distinções inexatas; g) aplicar métodos interpretativos opostos, em nome

de “certa dialética manipulativa”; h) utilizar um raciocínio ou argumento

incongruente; j) inventar exceções que a lei não prevê; l) praticar arbitrariamente as

funções de precisão e determinação dos vocábulos jurídicos.76

As mutações, pois, exigem limites para a sua razoável aplicação. Assim,

limites de ordem jurídica e extrajurídica devem ser observados, evitando-se incorrer em

verdadeira insegurança jurídica. Se for necessária a atualização dos textos, adaptando-os

à realidade social, não menos necessária é a prudência para não se cair em estado de

anomalia, mesmo na presença de leis escritas.

Assim, influências estranhas ao mundo jurídico são permitidas com

parcimônia, sejam de ordem moral, política, ideológica, religiosa, cultural. A mutação

tem por vantagem a possibilidade de se atualizar o sentido de um texto, sem alterá-lo,

mas traz ínsito o perigo de manipulação através de qualquer tipo de interpretação que

lance mão dos mecanismos acima indicados, o que ocorre também na interpretação de

princípios como o da presunção de inocência.

73

Nessa espécie, o manipulador realiza a operação de marketing pretendendo vender seu produto

interpretativo, a verdadeiros “juízos de autoridade”, e os autores desfilam em encontros e congressos,

fazendo verdadeiras “showlestras”, que fazem as plateias delirar, mas não têm robusto conteúdo. 74

Praticada para defender posturas em processos tribunalícios. Seja para acusar, seja para defender, seja

para reclamar, seja para rejeitar ou aceitar demandas, levando o direito a ser recortado, entendido, mal

entendido, exagerado, desvirtuado, tudo a gosto das palavras do protagonista de um juízo (juiz, promotor

ou advogado) para sustentar pretensões ou prolatar certo tipo de sentença. Esse é o tipo de manipulação

que mais se tem aplicado ao caso de presunção de inocência. 75

Trata não do sujeito ou do cenário manipulativo, mas de seu TOM. Algumas vezes a conduta

manipulativa é pacífica e discreta (por isso tão perigosamente não percebida), sem pretender,

aparentemente, impor-se aos demais. Opera pela via da sedução ou persuasão, como no poder persuasivo

da tipologia weberiana de poder. Outras vezes são agressivas, como nos casos em que surgem opiniões

diversas do falante. Todas essas ideias foram tiradas de LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 79-84. 76

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. O que o autor analisa

para a manipulação da Constituição através da mutação pode ser estendida para a interpretação de

qualquer texto jurídico.

44

Esses limites devem ser observados, de forma mais clara e decisiva, na

terceira fase do direito, a saber, em sua aplicação. Esse cuidado tem sido apontado pela

doutrina como necessário.

É claro que não é apenas possível, mas imperativo que se proceda à

correção do Direito mediante seleção da norma mais adequada para os casos concretos.

É necessária e útil a cisão proposta por Klaus Gunther, entre o discurso

jurídico de justificação e o discurso jurídico de aplicação. Nesse sentido, a Teoria do

Discurso serve para preservar a ética da legalidade e dos princípios em desfavor da

judicialização da política feita de qualquer forma e da utilização de um método

irracional e arbitrário que manipula os direitos.77

Atenção especial deve-se ter com a novidade da judicialização da

política, quando o juiz deixa de ser um mero aplicador do direito, para passar a ser um

criador de normas. Salutar a prática, mas com um grão de sal, respeitando-se a teoria da

tripartição dos poderes e não se confundindo cheks and balances com usurpação de

funções.

Nesse diapasão, surge como ponto crucial, a conhecida “tirania dos

princípios” que assomou a interpretação e a aplicação do direito nos últimos tempos.

Quando não se pode inferir um princípio que se quer, todas as águas correm para o

remanso chamado princípio da proporcionalidade. Chamado por alguns de ponderação,

esse princípio não pode ser uma panaceia que resolve todos os casos.

O principal equívoco é com a chamada “ponderação de valores”

confundida por muitos com princípio da ponderação. Apresentando distinção entre

normas e valores, Habermas critica a adoção da Jurisprudência que utiliza os valores,

segundo ele, os princípios tem primazia sobre valores por conta de uma “especial

dignidade de preferência” e porque esse tipo de jurisprudência transforma o Tribunal

Constitucional em uma instância autoritária e infratora da Separação de Poderes.

E no caso de aplicação dessa ponderação de valores nos casos de

presunção de inocência só tem servido para que não se esgote a fase probatória e,

quando o que interessa (por todo tipo de interesses nem sempre explícitos), é que se

presumam inocentes pessoas que não são; beneficiando culpados e incidindo-se em

77

GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. São

Paulo: Landy, 2004, p. 18.

45

verdadeira impunidade, logo, em flagrantes injustiças78

, que é o que se denuncia no

presente trabalho.

A Jurisprudência dos Tribunais brasileiros tem de forma assídua aplicado

o princípio da proporcionalidade em seus julgados, embora Luís Barroso nos demonstre

que o principio da proporcionalidade no Brasil tem percorrido trajetória modesta, já

Daniel Sarmento debita à lenta aplicação a visão rígida e esquemática da jurisprudência

a propósito da separação de poderes.

Os valores correspondem a códigos morais, que são, muitas vezes,

individuais. Os princípios, no entanto, são eivados de normatividade em sua

conformação e podem ser aplicados coletivamente.

Embora estas questões não podem ser deixadas totalmente a critério do

Judiciário (que se transformaria no juiz Hercules de Dworkin), num modelo de ativismo

judicial sem fronteiras que aqui se critica, porque:

“Atribui-se ao Judiciário o papel de tutor da política,

um superpoder quase constituinte, e permanente,

como pretensa e única forma de garantia de uma

democracia materializada e de massa, sem, contudo,

considerar os riscos a que expõe o pluralismo

cultural, social e político próprio a um Estado

Democrático de Direito”.79

Nesse mesmo sentido, se não houver limites constitucionais na

atuação dos Tribunais, o direito se limitaria a ser “que o juiz diz que é direito” e os

Tribunais Superiores converter-se-iam nos guardiães da moral e dos bons costumes,

78

Rio de Janeiro - A Justiça condenou o estado do Rio de Janeiro a pagar R$ 2 milhões a um homem que

ficou preso por 11 anos e oito meses e, depois, foi absolvido da acusação. Segundo a assessoria de

imprensa do Tribunal de Justiça, Valdimir Sobrosa respondia por homicídio e por integrar um grupo de

homicídio. O pedido foi feito pelo próprio Valdimir, que disse que, na prisão, ficou privado de

acompanhar o crescimento do filho e sobreviveu a diversas rebeliões. Segundo a juíza Simone Lopes da

Costa, o Estado contrariou o princípio constitucional da eficiência, ao manter uma pessoa presa por

tanto tempo sem concluir o julgamento. Segundo a Justiça, o estado do Rio se defendeu dizendo que o

processo criminal correu dentro do prazo razoável e que era necessário apurar corretamente os fatos. Mas

a juíza considerou que o tempo foi maior do que o “necessário” e que, por isso, Valdimir merece ser

indenizado pelos danos imateriais sofridos. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro informou

que irá recorrer da decisão. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-27/rio-

tera-que-pagar-r-2-milhoes-homem-inocente-que-ficou-quase-12-anos-na-prisao> Data da. Acesso em:

30/07/2012- 10h51. 79

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, Política e Filosofia: contribuições para uma

teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2007, p.121-122.

46

uma espécie de Poder Moderador ou, quem sabe, de Santo Ofício, a ditar um codex e

um índex de boas maneiras para o Legislativo e para o Executivo, porque:

“a aplicação de um princípio da proporcionalidade, a

compreensão dos princípios como valores

otimizáveis, assim como a compreensão dos direitos

como bens ou interesses sujeitos a um cálculo de

utilidade, confunde “argumentos de princípio” com

“argumentos de política” perspectiva jurisdicional e

perspectiva legislativa. E, por isso, não garante

direito algum, nem legitimidade à Jurisdição”80

“O Poder Judiciário não está autorizado a substituir a ética legislativa

por qualquer outra, uma vez que a ética da legalidade percebe-se no respeito ao caráter

deontológico do Direito (manda, proíbe e permite) e na impossibilidade de romper e

substituir a racionalidade formal do Direito em detrimento de outra racionalidade

substancial (material), que fatal e irremediavelmente, será resolvida, no bojo da díade

violência/direito, pelo primado do primeiro termo, significando que toda argumentação

que objetive tornar devido um juízo moral, individual, um mero valor, é uma

violência”.81

Se deixar de parecer injusto que as pessoas se beneficiem de seus

próprios delitos, então o principio da ponderação irá aos poucos ruir, e, perder o seu

status de devido.82

O discurso jurídico tem sido apontado como discurso de poder e da

ordem em todo e qualquer tipo de análise de discurso. Há sempre uma posição de poder

no discurso do produtor ou do aplicador do direito, como um eu que fala para outro que

ouve e deve obedecer, sem que se questione essa competência, quando a decisão é

acompanhada do que reputa adequado.

Assim, por causa das funções sociais abrangidas pelo Direito, o

discurso jurídico reveste-se de uma tipologia própria que é a do poder e da persuasão,

permeado pelo elemento ideológico. Persuasivo porque tem como destinatário direto ou

indireto, um alguém que, supostamente tenha infringido o ordenamento ou deva se

80

Idem, ibidem, pg. 125. 81

GRAU, Eros Roberto. Direito posto e Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 18.

Argumento utilizado em seu voto no julgamento da ADPF 144 veremos mais adiante na íntegra. 82

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 64.

47

comportar de determinada forma. Em assim sendo, o jurídico conduzirá sempre os

efeitos do poder e as relações de força entre os sujeitos que, inseridos num espaço

ideológico-discursivo e passam a ser vistos como seres que utilizam argumentos de

“verdade”.

Esse jogo de persuasão acima apontado decorre do fato de “a

finalidade de todo ato de comunicação (e o texto do discurso jurídico sempre o é) não é

simplesmente informar, porém é tentar convencer o outro a aceitar o que está sendo dito

e o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o

enunciatário crer naquilo que se transmite”. 83

Não é porque se vislumbre a possibilidade de se aplicar o princípio da

razoabilidade na aplicação do direito nos casos de inocência presumida, que seja

necessariamente entendido que se está permitindo qualquer tipo de hermenêutica e de

aplicação desse princípio, que deve ter suas limitações necessárias que evitem a

impunidade de culpados.

Acrescenta ainda que a valoração e os valores dependem de um

intérprete jurídico que por sua vez, utiliza analogia e discurso, mas com o raciocínio

prático para decidir mesmo que subjetivadamente, e nessa hipótese, dificulta um

controle mais eficaz na aplicação.

83

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1990, p.52.

48

CAPÍTULO III – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Ao pesquisar sobre o Princípio da Presunção de Inocência a ideia inicial é

dar concretude a um preceito constitucional, uma vez que a sua aplicação tem sido feita

num nível abstrato e sem efetividade com critérios juridicamente subjetivos e aleatórios.

E nesse intuito esse capitulo discorre sobre a origem histórica, as Garantias

Fundamentais, a efetividade deste princípio.

3.1 Princípio da presunção de inocência: Origem histórica e conceito.

Embora a origem da máxima in dúbio pro reo passa ser vislumbrada desde

o direito romano especialmente por influencia do Cristianismo, o principio da presunção

de inocência, regra tradicional no sistema da common law, insere-se entre os postulados

fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela

Revolução Liberal do século XVIII.84

Como já exposto a ideia de princípio vem de “ponto de partida” e

“fundamento de um processo qualquer”. Estes significados foram introduzidos por

Platão e Aristóteles, e posteriormente passaram a afirmar que “todas as causas são

princípios” 85

.

A Constituição Federal de 1988 inclui em seu artigo 5º, LVII, que diz

verbi: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal

condenatória” tratando do princípio da presunção de inocência, muito embora já fosse

arrolado pela doutrina pátria dentre os princípios gerais que regiam o direito processual

penal. A forma como está enunciado na Constituição, entretanto, ensejou por si mesma

alguns debates a respeito do seu alcance. Isso porque não se repetiu a fórmula

84

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva;

1991. 85

ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P.792

49

consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela

Assembleia Nacional Francesa, em 26 de agosto de 1789 em seu artigo 9º “Todo

acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável

prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei". Esse artigo da Declaração é de influencia iluminista, principalmente

de Montesquieu, que em sua obra clássica O Espírito das Leis, defende a ideia do

homem responder por seus atos, dentro de sua esfera de liberdade. Tudo pode ser feito

se permitido em lei e, se esta for violada, necessária se faz a prova para posterior

condenação. Outro filosofo foi Rosseau que, em sua obra clássica Contrato Social,

esclarece: o homem nasce bom, a sociedade que o corrompe86

.

Também na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, no

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e pela Convenção Americana

de Direitos Humanos de 1969 houve um reforço à presunção de inocência. Assim diz o

artigo XI: "Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido

inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em

julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à

sua defesa”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos instrumentos

legais internacionais que em todos os momentos, desde a sua adoção, inspira acordos,

convenções internacionais como o objetivo de estabelecer de forma coletiva ou

individual um padrão comum para todas as nações e promover o respeito a esses

direitos e liberdades, tanto entre povos de próprios Estados-Membros ou entre povos

dos territórios sob sua jurisdição.

O Pacto de San Jose, assinado em 1969 atenta para o princípio, pois em

seu artigo 8°, inciso II, encontra-se enunciado que "toda pessoa acusada de um delito

tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada

sua culpa".

A presunção de inocência pertence aos princípios fundamentais,

inspirador da política criminal e garantia constitucional dentro do processo penal, como

direito subjetivo público, tendo sido consagrada em nível constitucional nos países

europeus, no direito anglo-saxônico e em alguns países da América Latina, inclusive o

Brasil.

86

MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia; Jorge Zahar; 1997; Rio de Janeiro.

50

O presente trabalho objetiva, em primeiro lugar, fixar o significado de tal

enunciado normativo e, em segundo lugar, afirmar que a garantia constitucional prevista

na Carta Constitucional deve ser interpretada pelo aplicador para posteriormente ter a

sua efetividade quanto à sua aplicação no caso concreto.

Com efeito, o sistema normativo constitucional, através de seus

preceitos, exerce notória influência sobre os demais ramos do direito. Esta influência

destaca-se no âmbito processual penal que trata do conflito existente entre

o jus puniendi do Estado, que é o seu titular absoluto, e o jus libertatis do cidadão, bem

intangível, reputado o maior de todos os bens jurídicos afetos à pessoa humana,

devendo o aplicador, no caso concreto, decidir qual deles deve prevalecer.

O conceito de presunção tem teorias desenvolvidas por Aurelia Vilela

Romero Coloma87

que podem superar a conceituação pelo simples fato que de utilizar o

termo presunção como prova, meio de prova legítima ou como fonte de prova para

convencimento do juiz da verdade ou falsidade de um dado processual e, portanto

resulta de um raciocínio, e na maioria dos casos concretos quando o juiz ou autoridade

não está convencido da culpabilidade ou responsabilidade do acusado, deverá absolvê-

lo, e assim, o critério é ainda mais subjetivo.

87

COLOMA, Aurelia Maria Romer. El articulo 24 de la Constitucion Española: examen y

valoracion.Granada: Impredisur (Talles de Edicion), 1992, p.71.

51

3.2 Interpretações do princípio da presunção de inocência.

A hermenêutica constitucional segue transformações concomitantes

com as ocorridas na Teoria do Direito, no processo de superação do positivismo para o

pós-positivismo. Refazendo-se o processo de compreensão das normas, enquanto

realizadoras de valores constitucionais, agregando-se ao papel de integração entre os

princípios e regras, concedendo-se aos princípios um papel de fundamental importância.

Hermenêutica, interpretação e aplicação do Direito são termos

estreitamente relacionados. A primeira tem por objeto a investigação sistemática dos

princípios com vista na aplicação, a interpretação, por sua vez, procura realizar

praticamente, os princípios e regras hermenêuticos. E a aplicação da norma jurídica

consiste na técnica de adaptar os preceitos nela contidos e os fatos lhe subordinam.

Ao aplicar estas regras por via da hermenêutica, o interprete terá que

necessariamente utilizar de outro subprincípio – o da proporcionalidade – e, para isso

consequentemente utilizar-se-á de dimensões e critérios de peso argumentativos

presuntivos ou de importância, medidas de intensidade aos direitos afetados/afetáveis

para resolucionar colisões através de ponderação mesmo que condicionadas e

valoradas88

.

Para esses critérios de medição de intensidade de acordo com as lições

de Bernal Pulido89

existem regras onde a intensidade da intervenção dos direitos

fundamentais depende de eficácia, rapidez, probabilidade, alcance e duração com que a

intervenção legislativa afete negativamente a intervenção no direito fundamental.

Por isso que se questiona se ao aplicar essa medição não causaria por

parte do legislativo - ao criar a norma jurídica - uma relativização do princípio da

presunção de inocência para fins, por exemplo, da prisão preventiva por razões de

ordem pública, e consequentemente, se questiona se tornaria a justiça ágil e eficaz.

As regras argumentativas só teriam efeito se observados que quanto

maior o âmbito de aplicabilidade, maior o valor; quanto maiores os efeitos da posição

88

PACHECO, Denilson Feitoza. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal

Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 89

PULIDO, Bernal apud PACHECO, Denilson Feitoza. Pg.216

52

jusfundamental afetada sobre outros direito fundamentais e princípios constitucionais;

maior será sua fundamentalidade e, portanto, maior o peso que deverá outorgar-se na

ponderação do direito fundamental em que se “subsume”.90

O mesmo autor ainda afirma que a “própria legislação acolhe a ideia de

uma escala valorativa, e nessa pesquisa algo se atribui à palavra presunção, e que os

valores seriam atribuídos, mas quem os aplica e a quem se destinam os valores nesse

momento”? E sem especificar quanto ao sentido de qualificação e gravidade por mais

que o legislador ao criar o princípio tenha a intenção de aferir um conceito já pré-

definido e estático traz consigo a expectativa de certeza jurídica, nem por isso o

princípio deve ser aplicado sem critério.

O ordenamento jurídico permanece em constante movimento, e por

isso, o sentido das palavras se move por entre os significados e as formas de

interpretação através dos tempos. Vale lembrar que as presunções são normas de

comportamento, em que o legislador formulou regras do “dever ser” e estas são

fundamentadas em valores ideológicos e técnicos (manifestação de raciocínio indutivo,

o que pode fazer com que a probabilidade de o acusado a ser absolvido se torne ainda

menor). No sentido técnico podemos classifica-los em: a) legais ou de direito, a própria

lei o aprova após constatar o fato ocorrido; b) judiciais, de fato ou naturais, estes

fundados em regras experimentais; c) iuris tantum e iure et de jure ̧ possibilidade ou

não de prova em contrário91

.

Embora que presunção de inocência não tenha sentido técnico se estiver

diante de uma ausência lógica de probabilidade porque é imprescindível que tenha um

nexo entre necessidade de uma relação causal de um fato real e o fato presumido;

também não há um sentido judicial, por ser um previsão constitucional, e nem tampouco

uma iure et de jure¸ por se tratar de um critério interno (subjetivo),pois tem a

possibilidade de ser alterada com a prova em contrário. A verdade imposta pelo

legislador deve fundar-se na normalidade dos fatos.

Aqui podemos enfim conceituar que a presunção está contida dentro de

um direito positivo; possui impacto dentro do âmbito processual e com efeitos

declaratórios (antecedentes e consequente), portanto é uma presunção verdade, mesmo

90

______Ibidem. Pg. 220-221. 91

VARALDA, Renato Barão. Restrição ao Princípio da Presunção de Inocência: prisão preventiva e

Ordem Pública. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2007. P. 51. Esta classificação esta na obra

nesta obra.

53

que provisória e interna, mais é suportada apenas por prova em contrário invalidada, ou

seja, seria consistente em presunção iuris tantum. E é ilegítima qualquer tentativa que

tenha efeitos negativos como a violação à presunção de inocência pelo fato de que seria

uma adoção de medidas cautelares restritas de direitos fundamentais desprovidas de

indícios suficientes de autoria e prova da materialidade.

3.3 Direitos e Garantias Fundamentais: Efetividade e eficácia.

O conteúdo da liberdade se expande com a própria evolução da

humanidade. A evolução da sociedade, da cultura, dos novos descobrimentos, exige

uma adaptação do Direito para que ele dispense a necessária proteção do homem. As

garantias fundamentais constantes na Constituição Federal são um verdadeiro freio aos

excessos do poder punitivo do Estado. No Brasil, somente após a Constituição de 1988

cuidou-se da aplicação do devido processo legal. No âmbito criminal a Constituição,

especificou minuciosamente, as garantias fundamentais do indivíduo. O devido

processo legal pode ser tomado como sinônimo de princípio do processo justo. É por

meio do processo que alguém pode pleitear seus direitos. Ainda, é através do processo

que o juiz exerce sua atividade jurisdicional e busca a solução dos conflitos. Há justiça

penal a partir do momento em que a jurisdição aprecia os interesses em conflito através

do devido processo penal.

O Estado, ao assumir o monopólio da administração da justiça, passou ao

dever da prestação jurisdicional atribuída a ele, mediante a atuação dos órgãos do Poder

Judiciário. A partir do momento em que há a centralização da justiça e a publicização do

direito, esses se tornam pontos essenciais para que o Estado exerça o monopólio do

direito de punir.

A origem do princípio da presunção de inocência está relacionada à

limitação do poder público face ao arbítrio do Estado, ou seja, está ligada à garantia das

liberdades individuais. Antes da sentença judicial transitada em julgado a condição do

indivíduo é de inocência. A presunção de inocência nasce do conflito entre o Estado e o

54

indivíduo, o qual se reflete no interior do processo penal entre o jus puniendi do Estado

e o jus libertatis do indivíduo como limite às restrições de liberdade do acusado antes

do trânsito em julgado, evitando a antecipação da pena.

O texto constitucional em seu artigo 5º, inciso LVII, consolida o

princípio da presunção de inocência como regra geral de tratamento do acusado, antes

da sentença penal condenatória irrecorrível. A presunção de inocência é a opção pela

proteção do indivíduo em detrimento do poder de persecução penal exercida pelo

Estado. É o princípio reitor do processo penal.

Esteban Arias92

entende que “a presunção de inocência tem como

conteúdo essencial o significado originário contigo no art.9º da Declaração de Direitos

do Homem e do Cidadão, aqui já exposto, excluindo, assim a presunção inversa de

culpabilidade do acusado durante todo o desenvolvimento do processo, ou seja, o ônus

de prova é de quem acusa para a formação do convencimento do juiz”.

É importante frisar o quanto é necessário evitar sim que se pratique o

ilícito sem ministrar posteriormente uma sanção, mas também se deve observar e

impedir que um indivíduo tenha sua liberdade sancionada sem provas concludentes de

que cometeu o ilícito que lhe foi imputado, até mesmo porque indícios e conjecturas não

podem ser a causa suficiente para fundamentar a sentença condenatória, embora no

cumprimento destas exigências não interfira nem o número de provas realizadas de

acordo com outro princípio o da livre apreciação da prova e nem a valoração destas,

para que o retire ao máximo a dúvida e a incerteza.

Segundo Bulos93

os direitos fundamentais e as garantias fundamentais

não se confundem visto que, o primeiro seria “bens e vantagens disciplinados na

Constituição e que consagram disposições meramente declaratórias, imprimindo

existência legal aos direitos reconhecidos”. Ao passo que o segundo – garantias

fundamentais – “são ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem,

limitando os poderes do Estado, e por isso, contêm disposições assecuratórias, que

servem para defender direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos”, mesmo que

sejam específicos ou gerais. Nesse passo, o princípio da presunção de inocência torna-se

uma verdadeira garantia do cidadão.

92

ARIAS, Esteban Romer. La Presuncion de Inocencia. Pamplona: Editorial Aranzandi, 1985. P.48-50. 93

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva. 2009.

Pg.231

55

A partir da teoria das garantias institucionais, de Carl Schimtt é que

houve a distinção entre direitos fundamentais e garantias institucionais. Àquela atinge

as relações particulares, sem atingir o todo, ao passo que esta, repercute em toda a

sociedade. Mas, por existirem casos em que os direitos fundamentais interagem com os

direitos institucionais, não se pode afirmar categoricamente que se deve aplicar

dissociadamente, portanto pode-se ainda afirmar, que os direitos e garantias

fundamentais são relativos, limitados e não absolutos.

Porém, numa mesma norma constitucional, garantias podem vir junto

com direitos, por exemplo, quando se dispõe sobre o principio da presunção de

inocência, está se referindo a um direito, o da ampla defesa e juntamente garantindo o

contraditório, ate mesmo porque de nada adiantaria que o direito fundamental fosse

reconhecido se não houver garantias no momento em que fosse violado.

Ao afirmar que os direitos fundamentais irradia a todos os direitos,

Alexy94

traz com isso amplas consequências na natureza do sistema jurídico, tais como:

a) limitação dos possíveis conteúdos, pois tornaria a norma vigente e com isso seria

substancialmente determinado; b) ocorre o processo de sopesamento, algo que depende

de valorações que não são controláveis pelo próprio processo de sopesar; c) tipo de

abertura, se de acordo com o moral incorporados à Constituição e, com isso, ao direito

positivo.

E dessa forma “analisar a culpabilidade à luz da dignidade humana

significa observar que o ser humano e seus direitos fundamentais, como limites ao

poder punitivo do Estado e a funções preventivas das penas, busca um fundamento que,

mais do que limitar, fundamente o direito de punir e, com ele, as causa de

exculpação”95

.

A eficácia é dos elementos essenciais à operatividade e condição para a

efetividade dos direitos fundamentais96

. Por isso como regra geral, todas as normas

constitucionais apresentam eficácia, algumas jurídicas e sociais, ou seja, estão aptas a

produzir efeitos na ocorrência de relações concretas e, consequentemente, efeitos

jurídicos, outras são normas de eficácia apenas jurídicas, podendo também ser plena,

contida ou limitada.

94

ALEXY, Robert (Trad. Virgilio Afonso da Silva). Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:

Malheiros. 2006. 95

ALBUQUERQUE MELLO, Sebástian Borges de. O Conceito Material de Culpabilidade. O

fundamento da Imposição da Pena a um Indivíduo Concreto em face da Dignidade da Pessoa Humana. 96

BEZERRA, Paulo C. Santos. Lições de Teoria Constitucional e de Direito Constitucional. Rio de

Janeiro: Renovar. 2ª Ed. 2009. Pg.217-218.

56

Esse item - da eficácia - tem sido uma das questões mais recorridas na

teoria dos direitos fundamentais, e por isso, corrobora para o surgimento de problemas

em torno desse assunto.

Outro ponto importante a ressaltar é que a eficácia, segundo Marcelo

Neves97

tem uma forma de concretizar a norma, ou seja, contem conjuntamente um

“programa condicional” e um programa “finalísticos”, produzindo efeitos diretos e

indiretos, portanto uma norma se torna efetiva quando existe uma modificação válida e

consequentemente torna-se vigente social. E quanto a efetividade pode-se afirmar que:

“A efetividade da Constituição há de assentar-se

sobre alguns pressupostos indispensáveis” tais

como: “senso de realidade, ter boa técnica

legislativa, bens jurídicos protegidos e as condutas

exigíveis, vontade política, e por fim e

indiscutivelmente o consciente exercício de

cidadania”.98

A efetividade de uma norma constitucional perpassa por uma aplicação

válida, pois a norma pode se tornar eficaz, mas inefetiva quanto aos seus efeitos tais

como a falta de vigência da lei ou carência de normatividade do texto legal.

É por isso que a ideia de dignidade da pessoa humana encontra-se em

caminhos opostos quando se tem como fundamento, por exemplo, a intervenção estatal

no âmbito penal, pois este tem caráter punitivo (legítima ou abusiva), o que por sua vez

praticamente dificulta a junção entre os institutos que defendem a humanização da pena

e a restrição desta garantia aplicada ao indivíduo.

O princípio da presunção de inocência é interligado com outros direitos

fundamentais, por exemplo, os processuais penais que atuam de forma complementar e

interdependente devido a sua autonomia. É importante ressaltar outros direitos como o

da: liberdade e duração razoável do processo, pois estes têm como objetivo o de manter

a presunção de inocência de certa forma imaculada, ou pelo menos garantida de forma

plena.

Cabe ao legislador e ao intérprete judicial ponderar e avaliar o princípio

da presunção de inocência como suporte de orientação e com a finalidade de aplicação,

97

NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 98

BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos

fundamentais e a Construção do Novo Modelo: São Paulo: Saraiva, 2009.Pg.221

57

embora haja discordância entre doutrinadores como Zanóide de Moraes99

e Varalda100

porque o primeiro afirma que para efetivar, o princípio deve ser ampliado o mais

possível, enquanto para o segundo doutrinador, a efetividade ocorre desde que

proporcional e, portanto restritiva por se “tratar de um direito relativo, que limita e é

limitado pelos demais valores constitucionais”, e nesses termos havendo colisão entre

diversos princípios estes devem ser ponderados.

Inclusive porque quanto mais posições de direitos fundamentais de uma

pessoa sejam afetadas por uma medida seja pela preventiva, cautelar, investigativa, mais

fortes devem ser os elementos fáticos, jurídicos e analíticos que sustentem a

aplicabilidade dessa medida.

99

MORAES, Mauricio Zanóide de. Presunção de Inocencia no Processo Penal Brasileiro: análise de sua

estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão. Ed: Lumen Juris.Rio de Janeiro. 2010. 100

VARALDA, Renato Barão. Restrição ao principio da presunção de inocência: prisão preventiva e

ordem pública. Ed: Sergio Antonio Fabris Junior. Porto Alegre. 2007.

58

3.4 Limites interpretativos que impedem a efetividade do direito e a

segurança jurídica dos cidadãos

O papel do Poder Judiciário tem modificado muito desde a efetivação na

pós-positivismo até o Estado Democrático de Direito, e nesse momento histórico traz

consigo um novo modelo de organização estatal e o surgimento de poderes estatais e

funções: Executivo, Legislativo e Judiciário.

É claro que o Poder Judiciário dentro de uma lógica ainda possui como

objetivo o de frear os outros poderes, porém com um Estado social moderno passa a

precisar de novos papeis àqueles que podem concretizar direito fundamentais101

.

A dificuldade da efetivação dos direitos sociais e devido a uma

complexidade de fatores que estimulam a um desvio de função, que entre os fatores

poderia se destacar: disputas entre os diversos interesses sociais, a inflamação e

despreparo legislativo, e com isso traz insegurança e deficiência de capacidade

regulativa por parte do Estado, e como resultado fica difícil estabelecer os parâmetros

para a solução de colisão entre o direito à segurança e o princípio da presunção de

inocência.

Portanto de acordo com Agra102

passa a “ter um questionamento da

credibilidade de instâncias como o legislativo e suas crises de direito legislado aliados a

problemas econômicos, devido ao excesso de legislação” e, mais uma vez, enfatiza-se o

despreparo antes e até mesmo durante o processo que pondera o princípio de inocência

de um indivíduo ou grupo social.

A credibilidade fica instável pelo fato de que com adventos de novas

técnicas hermenêuticas para uma atividade interpretativa por parte do judiciário trouxe

também a necessidade de adaptar leis que pelas mudanças sociais por muitas vezes não

consegue disciplinar e prever o atendimento ao princípio da presunção de inocência.

101

CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Ed: JusPodivm, Salvador, 5ª Edição, 2011,

Pg.201. 102

AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Superior Tribunal Federal: densificação

da jurisdição constitucional brasileira. Ed: Forense, Rio de Janeiro, 2005, Pg. 71-105

59

A liberdade hermenêutica é outro grande fator arriscado para tornar perigosa

uma constitucionalização exacerbada, ou seja, o uso abusivo da discricionariedade

judicial na solução de casos difíceis e comprometer a legitimidade democrática da

função judicial como enfatiza Luis Roberto Barroso. 103

Dworkin104

acredita que juiz e juristas ao debaterem e decidirem ações

judiciais invocam não somente regras jurídicas, mas também outros tipos de normas,

chamados de princípios e obrigações jurídicas que vão existir sempre que as razões por

traz destas obrigações em termos de princípios obrigatórios, são mais fortes que as

razões contra a existência da obrigação.

É importante frisar que utilizar da ponderação ao aplicar e proteger direitos

fundamentais e garantir direitos sociais por muitas vezes não condiz em dizer que as

decisões atingiram um ideal de justiça ao caso concreto.

O ser humano – aqui se destaca a figura do magistrado - nem sempre segue

decisões dentro de um claro padrão de justiça. A ideia de que juízes vão sempre seguir o

que julga como justo e efetivam direitos podem trazer decisões que contrariem o senso

de justiça individual buscando um senso de justiça coletiva na busca de atender o

interesse público.

E nesse pensamento a Lei de Ficha Limpa – Lei Complementar nº135/2010

– confirma a assertiva anterior quando rompe com todos os paradigmas de que só após o

processo legal transitado em julgado presume-se como culpado determinado indivíduo

em benefício do interesse público, contrariando os defensores de inconstitucionalidade

deste diploma. Nisso porque a nova redação poderia entrar em atrito com a norma

constitucional da presunção de inocência nas alíneas d, h, j, l e p (conforme transcrição

abaixo), não se referir a ilícitos penais e sim, a ilícitos civis, objetos de instrução na

Justiça Eleitoral e na Justiça Comum. Nessa lei há distinção e uma longa divergência na

aplicação do principio da presunção entre um processo criminal e a esfera eleitoral para

os casos julgados, pois a segunda não necessita de transito em julgado, conforme

jurisprudência.105

103

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. Ed: Saraiva. São Paulo. 2009. Pag.391-392 104

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad: Nelson Boeira. Ed: Martins Fontes, São

Paulo, 2002, Pg.71-73. 105

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, disse na sexta-feira, 25, que

o princípio da presunção de inocência, que impede que alguém seja declarado culpado até que seja

60

LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 4 DE JUNHO

DE 2010

Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de

1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art.

14 da Constituição Federal, casos de

inelegibilidade, prazos de cessação e determina

outras providências, para incluir hipóteses de

inelegibilidade que visam a proteger a probidade

administrativa e a moralidade no exercício do

mandato.

Art. 2o A Lei Complementar n

o 64, de 1990, passa a

vigorar com as seguintes alterações:

d) os que tenham contra sua pessoa representação

julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em

decisão transitada em julgado ou proferida por

órgão colegiado, em processo de apuração de abuso

do poder econômico ou político, para a eleição na

qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem

como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos

seguintes;

h) os detentores de cargo na administração pública

direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a

si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou

político, que forem condenados em decisão

transitada em julgado ou proferida por órgão

judicial colegiado, para a eleição na qual

concorrem ou tenham sido diplomados, bem como

para as que se realizarem nos 8 (oito) anos

seguintes;

j) os que forem condenados, em decisão transitada

em julgado ou proferida por órgão colegiado da

Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por

captação ilícita de sufrágio, por doação, captação

ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por

conduta vedada aos agentes públicos em

campanhas eleitorais que impliquem cassação do

registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos

a contar da eleição

l) os que forem condenados à suspensão dos

direitos políticos, em decisão transitada em julgado

ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato

doloso de improbidade administrativa que importe

lesão ao patrimônio público e enriquecimento

ilícito, desde a condenação ou o trânsito em

esgotado o último recurso, não deve ser aplicado em relação à Lei da Ficha Limpa. Na quinta-feira, 24, o

advogado-geral da União disse que a lei precisa evoluir nesse sentido para que "inocentes não sejam

condenados por antecipação". Segundo o Ministro, existem duas ideias de presunção de inocência que

precisam ser distinguidas: a do campo criminal e a da esfera eleitoral. "No campo criminal, o STF já

decidiu que é preciso esgotar todos os recursos antes que as sanções se tornem efetivas. Outra coisa é esse

conceito no direito eleitoral, pois estamos falando em condições de elegibilidade", disse o ministro após

proferir palestra na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília.

61

julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos

após o cumprimento da pena;

p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas

jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas

por ilegais por decisão transitada em julgado ou

proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral,

pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão,

observando-se o procedimento previsto no art. 22;

A discussão se torna ainda mais acalorada quando se discute sobre as

inovações incluídas no próprio texto da lei quando diz “que não atinge a defesa do

principio da presunção de inocência, pois a norma prevê a inelegibilidade daquele que

foi considerado culpado em julgamento por órgão colegiado pela pratica de crimes tais

como: contra fé pública, contra o patrimônio público ou privado, contra o sistema

financeiro, e outros previstos pela legislação criminal” como era exigido na antiga lei.106

Para aqueles que defendem a legalidade trata-se um passo muito importante,

pois tem como objetivo proteger a probidade administrativa e a moralidade para

exercício do mandato e, principal causa foi estabelecer uma fiscalização mais rígida e

permanente por parte dos cidadãos e na busca de punir os responsáveis pelo mau uso do

dinheiro público e, portanto estabelece o processo para punir a corrupção, embora essa

lei atualmente não passa de um casuísmo político porque favorece apenas os interesses

de pequenas parcelas da sociedade.

O Supremo Tribunal Federal julgou constitucional porque atingiria o

candidato apenas após transito em julgado como já assim prevê o texto constitucional.

Porém o que se discute é como se constata a existência desse comportamento se este se

constata previamente ao julgamento? E qual seria requisito para considerar um ímprobo

como criminoso ou apenas moralmente? Outro fator a acrescentar seria sobre as

condições de elegibilidade serve como base para aplicação da pena ou apenas como

condições para que relativize a incidência de garantias constitucionais?

106

Lewandowski também lembrou que o próprio legislador entendeu que os direitos são diferentes ao

cobrar apenas a decisão de órgão colegiado na Lei da Ficha Limpa. "Sou um daqueles que se filiam a essa

ideia. Mesmo porque quando um colegiado de juízes decide determinada matéria, já decidiu sobre todos

os fatos que são discutidos no processo", disse. O ministro ainda afirmou que não se sente incomodado

com a possibilidade de liberar políticos antes barrados pela Justiça Eleitoral. "Nós temos que cumprir as

decisões do Tribunal maior do país. As decisões de qualquer magistrado, sobretudo da Suprema Corte do

país, têm que ser cumpridas a risca e com celeridade".

Disponível em:http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,lewandowski-nao-concorda-com-presuncao-

de-inocencia-para-ficha-limpa,697605,0.htm. Acesso no dia: 21/09/2011 as 16hs46min

62

Para ilustrar a relevância dessa lei, convém demonstrar sua aplicação no

caso concreto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)

144/DF contra interpretação judicial:

Arguição de descumprimento de preceito

fundamental – possibilidade de Ministros do STF,

com assento no TSE, participarem do julgamento da

ADPF– inocorrência de incompatibilidade

processual, ainda que o presidente do TSE haja

prestado informações na causa – reconhecimento da

legitimidade ativa “ad causam” da associação dos

magistrados brasileiros – existência, quanto a ela,

do vínculo de pertinência temática –

admissibilidade, do ajuizamento de ADPF contra

interpretação judicial de que possa resultar lesão

a preceito fundamental – existência de

controvérsia relevante na espécie, ainda que

necessária sua demonstração apenas nas arguições

de descumprimento de caráter incidental –

observância, ainda, no caso, do postulado da

subsidiariedade – mérito: relação entre processos

judiciais, sem que neles haja condenação

irrecorrível, e o exercício, pelo cidadão, da

capacidade eleitoral passiva – registro de candidato

contra quem foram instaurados procedimentos

judiciais, notadamente aqueles de natureza criminal,

em cujo âmbito ainda não exista sentença

condenatória com trânsito em julgado –

impossibilidade constitucional de definir-se,

como causa de inelegibilidade, a mera

instauração, contra o candidato, de

procedimentos judiciais, quando inocorrente

condenação criminal transitada em julgado –

probidade administrativa, moralidade para o

exercício do mandato eletivo, “vita anteacta” e

presunção constitucional de inocência –

suspensão de direitos políticos e

imprescindibilidade, para esse efeito, do trânsito

em julgado da condenação criminal (cf, art. 15, iii)

– reação, no ponto, da Constituição democrática de

1988 à ordem autoritária que prevaleceu sob o

regime militar – caráter autocrático da cláusula de

inelegibilidade fundada na lei complementar nº 5/70

(art. 1º, i, “n”), que tornava inelegível qualquer réu

contra quem fosse recebida denúncia por suposta

prática de determinados ilícitos penais – derrogação

dessa cláusula pelo próprio regime militar (lei

Complementar nº 42/82), que passou a exigir, para

fins de inelegibilidade do candidato, a existência,

contra ele, de condenação penal por determinados

delitos – entendimento do Supremo Tribunal Federal

sobre o alcance da LC nº 42/82: necessidade de que

se achasse configurado o trânsito em julgado da

condenação (re 99.069/ba, rel. Min. Oscar corrêa) –

presunção constitucional de Inocência: um direito

fundamental que assiste a qualquer pessoa –

63

evolução histórica e regime jurídico do princípio do

estado de inocência – o tratamento dispensado à

presunção de inocência pelas Declarações

internacionais de direitos e liberdades fundamentais,

Tanto as de caráter regional quanto as de natureza

global – o Processo penal como domínio mais

expressivo de incidência da presunção constitucional

de inocência – eficácia irradiante da presunção

de inocência – possibilidade de extensão desse

princípio ao âmbito do processo eleitoral -

hipóteses de inelegibilidade – enumeração em

âmbito constitucional (cf, art. 14, §§ 4º a 8º) –

reconhecimento, no entanto, da faculdade de o

Congresso Nacional, em sede legal, definir “outros

casos de inelegibilidade” – necessária observância,

em tal situação, da reserva constitucional de lei

Complementar (cf, art. 14, § 9º) – impossibilidade,

contudo, de a Lei complementar, mesmo com

apoio no § 9º do art. 14 da Constituição,

transgredir a presunção constitucional de

inocência, que se qualifica como valor fundamental,

verdadeiro “cornerstone” em que se estrutura o

sistema que a nossa carta política consagra em

respeito ao regime das liberdades e em defesa da

própria preservação da ordem democrática -

privação da capacidade eleitoral passiva e

processos, de natureza civil, por improbidade

administrativa – necessidade, também em tal

hipótese, de condenação irrecorrível –

compatibilidade da lei nº 8.429/92 (art. 20, “caput”)

com a Constituição federal (art. 15, v, c/c o art. 37, §

4º) – o significado político e o valor jurídico da

exigência da coisa julgada – releitura, pelo tribunal

superior eleitoral, da súmula 01/TSE, com o

objetivo de inibir o afastamento indiscriminado da

cláusula de inelegibilidade fundada na lc 64/90 (art.

1º, i, “g”) – nova interpretação que reforç aa

exigência ético-jurídica de probidade administrativa

e de moralidade para o exercício de mandato eletivo

– arguição de descumprimento de preceito

fundamental julgada improcedente, em decisão

revestida de efeito vinculante.

Embora tenham discussões entre os próprios Ministros do Supremo sobre

se o principio de inocência fere ou não um direito fundamental, e se atinge, seria

impossível o transito em julgado e, portanto, não seria possível de impor a

inelegibilidade, e em defesa do principio afirma-se que por não ser absoluto porque não

se equipara a perda ou suspensão dos direitos políticos e sim às causas de elegibilidade

para cargos públicos e, portanto seria sim possível de ser aplicado, desde que se tenha

por parte s, acrescenta-se que o interesse público sempre é o alvo de um Estado

Democrático de Direito.

64

Por haver omissões na lei e/ou lacunas fica ao interprete a tarefa de (i)

limitar a atividade de integrar e interpretar a lei para posteriormente, aplicar a

determinado caso critérios aceitáveis para cada caso. E nesse sentido traz uma

relativização que torna questionável no momento de aplicação da pena ou no decurso do

processo.107

O princípio da presunção de inocência pode e por muitas vezes colide

com outros princípios ou garantias constitucionais, mesmo assim, aquele deve ter

prevalência em relação aos demais, por isso não é atual o problema de que o Poder

Judiciário ao ser chamado para sopesar direitos fundamentais em conflito acaba

restringindo direitos de outro lado, ou quando a decisão for irrecorrível se transforma

em uma decisão contrária.

Essa precedência, prevalência ou prioridade de um

ente normativo em relação a outro ocorre no caso

concreto e se diz que é condicionada porque não

vale de maneira geral, ma para as circunstâncias ou

condições específicas do caso concreto. 108

Em nome de uma liberdade hermenêutica conquistada pelo Poder

Judiciário traz consigo um questionamento negativo no sentido de que reside aí um

perigo de uma constitucionalização exacerbada em muitos casos no que tange a

aplicabilidade do princípio da presunção, e posteriormente quando verificada que não

existem indícios de culpabilidade, o que se presume e sendo redundante aqui, apenas a

presunção de que o indivíduo é determinantemente inocente, passando assim, se

107

No tocante a condenação dos principais réus da Ação Penal 470, denominado de Mensalão por parte

do Superior Tribunal Federal para julgar e punir que cometeu fraudes envolvendo dinheiro e poder

público em contratações de agencia durante o processo de licitação para a compra de apoio político, e

esse ato criminoso fora comprovado através de provas obtidas em depoimentos à CPIs (Comissões

Parlamentares de Inquérito), chamadas de provas testemunhais e documentais. A aplicação da presunção

de inocência foi obedecida em todo o procedimento, mas o principal legado desse caso foi o avanço

jurisdicional em relação ao tempo e o esclarecimento à sociedade e abre espaço para maior independência

em casos de réus poderosos ou que acreditamos em uma moralização política. Embora tenha trazido

respostas ao interesse publico muito se questiona se não haveria um retrocesso nos direitos e garantias

democráticas – aqui se inclui o principio da presunção de inocência – quando ao final antes de julgado e

proferido a dosimetria daqueles que foram possivelmente condenados que a execução fosse imediata e até

mesmo cautelar, por exemplo, da apreensão de passaportes dos indiciados. Por isso que, embora o Poder

Judiciário tenha evoluído muito ainda sim, haverá necessidade sempre de que se observe se para atingir

um fim não provoca outros meios que ofende a dignidade da pessoa humana e a liberdade. 108

PACHECO, Denilson Feitoza. Op cit. p.223

65

comprovada esta, apenas será indenizado pelo Estado, por ter tido uma condenação

transitada em julgado que não lhe caberia penalidade.109

Posto isso, mesmo reconhecendo que nosso sistema constitucional

contempla o princípio da presunção de inocência como garantia constitucional do

acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo uma

interpretação contextualizada com outros princípios com o: do interesse publico e do

interesse social, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-

se julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a

instrução probatória seja esgotada.

O princípio da presunção de inocência afasta a vigência de todos os demais

princípios porque a sua aplicação ocorre como regra jurídica, e por isso, qualquer

ponderação, se feita de forma ineficaz, causa graves danos jurídicos e, por isso, uma

interpretação harmônica e evitar que se transforme em um instrumento de destruição do

grupo social.

E diante disto, fica claro que o princípio da proporcionalidade deve ser

suscitado com o intuito de quando necessário, relativizar os direitos e garantias do

cidadão, porém é fundamental a restrição no momento da aplicação, interpretação e

109

O nome é a única coisa que Fagner Santana de Oliveira, o Ninho, 29 anos, tem em comum com um

acusado de tráfico de drogas, porte ilegal de arma e homicídio. A idade, a altura e a filiação dos dois são

diferentes. Mesmo assim, ele ficou dez meses preso após ser confundido com o homônimo. A liberdade

veio ontem à noite. Depois de colocá-lo frente à frente com o verdadeiro acusado dos crimes, que tem 19

anos e o apelido de “Cara Véia”, a juíza da 2ª Vara Criminal da Comarca de Paulista, Blanche Maymone

Pontes Matos, livrou o flanelinha da cadeia. Ele deixou o Cotel, em Abreu e Lima, por volta das 21h. O

mais curioso é que os dois estavam presos na mesma unidade. A captura do flanelinha ocorreu em

novembro de 2011. Já “Cara Véia” foi detido em fevereiro deste ano. “São pessoas absolutamente

diferentes, mas um equívoco inadmissível do estado deixou um inocente preso por quase um ano”, disse

Jefferson Cabral, um dos advogados que, desde abril, assistem o flanelinha. Os outros são Edmilson

Alves e Erick de Souza, que planejam ingressar com processo de indenização contra o estado.

Com a inocência reconhecida, explicou o promotor Antônio Arroxeles, o flanelinha teve o nome retirado

do processo. “O sofrimento é que nunca vai sair da cabeça”, lamentou Gerusa Ferreira, esposa de Fagner.

Segundo ela, ao ser preso, em novembro passado, Ninho foi espancado na frente dos filhos. A agressão

teria sido cometida porque policiais pediam ao flanelinha para dizer onde estavam certas armas, uma vez

que ele era tratado como integrante de uma quadrilha e negava. Livre, o flanelinha seguiu para casa, com

a mulher, de ônibus. Chorava bastante e parecia não acreditar estar indo ao encontro dos filhos. “O que

mais quero agora é ficar perto da minha família”, aliviou-se. Somente depois disso, confessou, é que

pensará no que fazer da vida. Quer trabalhar. A família, assim como os advogados, pensam em requerer

na Justiça indenização por danos físicos e morais. Denúncias de desrespeito aos direitos humanos são

recorrentes nas unidades penais de Pernambuco. Um dos dramas mais emblemáticos foi o vivido pelo

mecânico Marcos Mariano da Silva, preso por engano duas vezes. Foram mais de 19 anos atrás das

grades. O caso chegou a ser considerado o maior erro judicial registrado no Brasil, segundo sentença do

Supremo Tribunal de Justiça. Somente depois de cego e turbeculoso, Marcos encontrou a liberdade. Em

2009, chegou a receber indenização de R$ 1 milhão por danos morais. Em 22 de novembro do ano

passado, dia em que foi informado de que receberia mais uma parcela da indenização, Marcos morreu de

infarto enquanto dormia.

66

integração entre os princípios da presunção de inocência e o da proporcionalidade como

veremos adiante em um capítulo específico.

3.5 As práticas reiteradas desses desvios incidem em insegurança jurídica e

inefetividade do sistema jurídico.

O discurso jurídico sobre o princípio da presunção de inocência tem sido

um dos temas mais difíceis de se enfrentar, tanto na teoria quanto na prática,

principalmente quando se trata de fixar seu alcance e seus limites.

A própria ambiguidade e vaguidade da linguagem e da linguagem jurídica

em especial, já contribuem muito para essa falta de limite de sentidos da expressão e do

princípio.

Essa dificuldade da linguagem já foi anotada por Manuel Atienza,

quando afirma que:

...la ambiguidad es una dificultad que afecta, por asi

decirlo, a las palabras e es relativamente fácil de

solucionar: já a vaguidade es outro de los defectos

congenitos, considerablemente mas graves, enquanto

afecta a los conceptos.

Para o autor, esses aspectos contêm aspectos intencionais ou

extencionais. A intenção de um conceito é o conjunto de propriedades que o

caracterizam e a extensão diz respeito ao campo de sua aplicabilidade.

A confusão que se tem feito com referência ao princípio da presunção de

inocência, forjada em intenções nem sempre claras, tem refletido sobre o campo de sua

aplicabilidade. De fato, conforme já demonstrado, o discurso jurídico é permeado pelo

discurso político e pelo ideológico.

Pelo discurso puramente científico, já se faz necessário alguns

esclarecimentos que a doutrina tem feito para afastar a ideia de aplicação absoluta e

67

genérica do conceito em estudo. Essa aceitação ampla da presunção de inocência já foi

contestada por Mirabete , que prefere falar de “princípio da não-culpabilidade” já que a

Constituição diz expressamente que “não será considerado culpado...”

Por isso nossa Constituição não “presume” a inocência

(...). Pode-se até dizer que existe uma presunção de

culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura

a ação penal, que é um ataque a inocência do acusado, e

se não a destrói, e põe em incerteza até a prolação da

sentença definitiva. Não se impede, assim, que, de

maneira mais ou menos intensa, seja reforçada a

presunção de culpabilidade com os elementos

probatórios colhidos nos autores de modo a justificar

medidas coercitivas contra o acusado.110

O autor ainda ressalta o fato de que “de uns tempos para cá passou a

considerar tal princípio” que, levado às ultimas consequências não permitiria qualquer

medida coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo.

Não se está aqui abstraindo toda a força coercitiva da norma

constitucional como garantia do cidadão. O que se critica é a interpretação que se tem

dado do conceito “presunção”, eivada de intenções nem sempre jurídicas, que acabam

por macular sua extensão, ou seja, sua aplicabilidade, acabando por beneficiar muitos

praticantes de infrações, olvidando-se a segurança jurídica e o interesse social de que

sejam punidos, privilegiando-se interesses individuais de cunho iluminista, em

detrimento da segurança e do interesse social.

É claro, que toda doutrina e jurisprudência tem sido nesse sentido, que

incumbe a acusação o ônus da prova contra o acusado, mas o que não se deve admitir é

a desvalorização de toda e qualquer prova porque se mostra não robusta. Entende-se

aqui que, qualquer indício de prova deve ser investigado e valorado até a exaustão

evitando-se a declaração de inocência apenas por uma mera ou fraca “presunção”.

Por isso, em capítulos anteriores se falou em razoabilidade e

proporcionalidade. Em sopesamento e valoração dos fatos e das provas carreadas aos

autos, evitando-se tantos discursos que busquem punir nem aqueles que busquem

absolver facilmente os acusados, principalmente nos processos que envolvem as esferas

do poder.

110

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. São Paulo: aTLAS, 1994. P 43

68

Nos julgamentos deve-se levar em conta não só os interesses do

acusado como principalmente o interesse social ou grupo onde está inserido.

O problema da liberdade é, em larga medida

(embora não exclusivamente) um problema de sua

justa distribuição. Dito em termos simplificados, isto

deve-se ao fato de as pretensões de desenvolvimento

individual de um cidadão colidirem sempre com o

de seus concidadãos. As liberdades jurídicas de uma

pessoa estão sempre em correlação com as

pretensões de liberdade e desenvolvimento dos

outros homens com que ela convive numa

comunidade jurídica (...) A liberdade juridicamente

garantida de um, corresponde necessariamente, a

vinculação do outro. A vinculação de todos é o

preço das liberdades garantidas a cada um. Ao traçar

limites no campo, livres até esse momento

asseguram-se a cada indivíduo a sua área, mas só

pelo preço da restrição da liberdade de cada um.

Esse constituem o ato civilizador que se substitui

sempre o direito do mais forte.111

Dessa forma a presunção de inocência não é incompatível com o interesse

público do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação, por isso

falou-se nos capítulos anteriores da necessidade de um ajuste, de uma interpretação

condizente com um discurso jurídico que afastasse o mais possível o discurso político e

ideológico.

A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da

apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição

créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,

efetuado com as garantias processuais em que se creditam tantos elementos objetivos

quanto subjetivos, ante a prática de um delito pelo acusado ou investigado, caso

contrário, surgirão paradoxos insolúveis ao se desconsiderar o valor jurídico da prisão

cautelar.

A presunção de inocência analisada rigorosamente, levaria à proibição de

suspeita da culpabilidade dos acusados e à proibição de antecipação de medidas de

investigação e cautelares e às medidas de coação, consequentemente, a

inconstitucionalidade da instrução. Contudo, o citado princípio não tem valor absoluto,

balizado com outros valores constitucionais, direitos, liberdades e garantias.112

111

ZIPPELIOS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Lisboa. Fundação Calouste Gulbeinkian, 1997. p 448. 112

VARALDA, Renato Barao. Op cit.p. 66.

69

Assim, “deve o princípio da presunção de inocência, ser recepcionado e

acatado com a devida prudência, a fim de que não se exacerbe o aspecto individualista

dessa franquia em detrimento da segurança social, pois que princípios outros dotados de

grande carga publicística, impõe-se em sentido contrario”.113

É essa interpretação abusivamente estendida que se vem denunciando desde

o início desse trabalho, a exemplo do que fez recentemente o Supremo Tribunal Federal

(STF) no julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão)114

nos casos onde a votação sobre

os crimes imputados aos acusados obteve igualdade de votos para acusar e absolver, e,

embora o regimento interno do STF determinasse que o voto do Presidente tivesse valor

duplicado, tendo o mesmo votado pela condenação, em nome de um falso principio da

presunção de inocência e do in dúbio pro réu e fundado num discurso político

democrático acabou por absolver os acusados incidindo em manifesta confusão teórica

que deixou toda a população brasileira com sentimento de injustiça, insegurança jurídica

e impunidade dos acusados.

113

COSTA, José Armando da. Estrutura juridica da liberdade provisória. São Paulo: Saraiva, 1989, p.07. 114

Após 53 sessões plenárias inteiramente dedicadas à análise da ação, com o voto de desempate do

Ministro Celso de Mello sentido da possibilidade de perda automática – após transitado em julgado - de

mandato pelos três réus condenados (Deputados Federais) e a outros participantes pelo crime de lavagem

de dinheiro, e se discute se a prisão deverá ser efetuada de forma imediata. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=226884. Acesso: 18 de dezembro de

2012.

70

CAPÍTULO IV – APLICABILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE STRICTO SENSU COMO RESTRIÇÃO.

4.1 Fundamento e caráter jurídico do principio da proporcionalidade

A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos no art. 29

estabelece que no “exercício de seus direitos e liberdade onde todo homem está sujeito

apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com os fins de assegurar o

devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às

justas exigências da moral, da ordem publica e do bem-estar da sociedade democrática”

e, por essa razão o principio da proporcionalidade como condição de legalidade tem que

propor de forma adequada qual é a medida que deve ser aplicada para proteger direitos

fundamentais tais como os Direitos Humanos, sob pena se não for proporcional se

tornar inconstitucional.

O conceito de proporcionalidade nada mais é que uma regra de

interpretação e aplicação de um direito com o objetivo de fazer com que nenhuma

restrição ocorra a direitos fundamentais e que muito menos, cause dimensões

desproporcionais. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar por exames de

adequação, da necessidade de da proporcionalidade em sentido estrito, por isso são

considerados como sub-regras da proporcionalidade115

.

Atualmente no Brasil há uma tendência de reforçar o método de controle

do princípio da igualdade e também o princípio da presunção de inocência por meio da

proporcionalidade para que assim possa tratar sobre a legitimidade e o fim do

tratamento desigual; e a adequação e necessidade são formas de perseguir essa

115

SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. São Paulo: Revista dos Tribunais. Nº 798,

2002, p. 23-50.

71

finalidade. É comum também se referir ao principio da proporcionalidade como

princípio da proibição do excesso, da vedação de excesso 116

ou da vedação de arbítrio.

A proibição de excesso representa para Canotilho uma serie de restrição

de direitos onde as providencias adotadas pelo individuo ou pelo Estado com relação

aos interesses das demais pessoas ou os administrados ocorrerão de acordo com a

adequação desses mesmos interesses, portanto, tem a finalidade proibir medidas

excessivas, denominando-se como princípio da reserva legal proporcional. A

proibição do excesso foi considerada por muitas vezes pelo Supremo Tribunal Federal

como um das facetas da proporcionalidade que proíbe a restrição excessiva de qualquer

direito fundamental, e se ocorrer, estará o postulado de proibição de excesso.

“O Tribunal deve sempre levar em conta que a

Constituição confere ao legislador amplas margens

de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar

as medidas adequadas e necessárias para a efetiva

proteção desses bens. Porém, uma vez que se

ateste que as medidas legislativas adotadas

transbordam os limites impostos pela Constituição –

o que poderá ser verificado com base no princípio da

proporcionalidade como proibição de excesso

(Übermassverbot) e como proibição de proteção

deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal

exercer um rígido controle sobre a atividade

legislativa,declarando inconstitucionalidade de leis

penais transgressoras de princípios constitucionais

(...) Portanto, pode o legislador, dentro de suas

amplas margens de avaliação e de decisão, definir

quais as medidas mais adequadas e necessárias para

a efetiva proteção de determinado bem jurídico,

o que lhe permite escolher espécies de tipificação

próprias de um direito penal preventivo. Apenas a

atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde

os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada

de inconstitucional”117

. (Habeas Corpus 104.410

Rio Grande Do Sul. 2ª Turma. Rel. Min.

GILMAR MENDES DJe 27/03/2012)

Nesse sentido podemos afirmar que o por meio de interpretação

sistemática, o princípio da proporcionalidade pode ser inserido, por meio de um

116

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 5ª ed. Coimbra:

Almedina, 2002. 117

MENDES, Gilmar Ferreira. HABEAS CORPUS 104.410/ RIO GRANDE DO SUL. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040. Acesso: 02 maio. 2012.

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em

favor de Aldori Lima, contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso

Especial n. 984.616/RS.

72

raciocínio indutivo - de enunciados constitucionais específicos – e, após um raciocínio

dedutivo, pode ser aplicado a qualquer caso particular118

. Portanto é um axioma do

Direito Constitucional; uma manifestação do Princípio do Estado de Direito119

e tem

fundamentação expressa no princípio do devido processo legal substancial, por ser uma

garantia essencial dos direitos fundamentais, enfim, é um princípio jurídico-material.

O princípio da proporcionalidade é também limitado pelo direito

fundamental e vinculado à atuação do legislador. E está correlacionado a noções de

moderação, equidade e proibição de excesso, que mesmo com um grau de subjetividade

deve atender a outros critérios que aqui denominamos de trifásico: 1)adequação ou

idoneidade; 2) necessidade ou exigibilidade; 3) proporcionalidade em sentido estrito da

medida.

Difícil mensurar que a adequação deve apenas apreciar a relação entre

meio e fim porque como especificar a intensidade (mais ou menos do que outro meio),

qualidade (pior ou igual ao outro meio) ou a certeza (mais, menos ou igual certeza do

fim atingido), portanto por ser um fim abstrato ou em concreto depende naturalmente do

caso analisado.

“Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem

sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se

revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins

punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o

indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias

constitucionais da presunção de inocência e do devido processo

legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia

– tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade

individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de

condenação sem processo”. (HC 93.883/SP, Rel. Min.

CELSO DE MELLO, v.g.).

A função do Direito Penal, por exemplo, não é a punição pura e simples,

por meio de imposições, nem tampouco a proibição ou coibição, de condutas com maior

ou menos grau de reprovabilidade social, e sim, a prevenção proteção de determinados

bens jurídicos e entre eles a liberdade, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa

humana estão umbilicalmente inseridos.

118

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p.395. 119

STUMM, Raquel Denize. Principio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1995.p.155.

73

A Teoria da adequabilidade está voltada para a aplicação de normas em

geral, enquanto a da proporcionalidade para aplicação de normas de direitos

fundamentais, podendo complementar-se reciprocamente se admitida à especificidade

normativa e a observância de critérios formais de argumentação e valorativos.

Para a ideia de necessidade ou exigibilidade as medidas adequadas para

apreciação por vezes tem um diagnóstico precário ou subjetivo devido a sua

complexidade e como afirma Alexy120

que “a aferição em concreto dos interesses em

litígio, todavia, nem sempre apresenta uma solução simples”. Obriga os órgãos do

Estado a comparar medidas restritivas aplicáveis que sejam suficientemente aptas para a

satisfação do fim perseguido e a eleger, finalmente aquela que seja menos lesiva para os

direitos dos cidadãos.

É importante pontuar que o legislador ao prever condutas incriminadoras

(leis, medidas ou meios legislativos) em violação à ideia de necessidade; traz apenas a

intervenção estatal para aferir a pena e esquece a prevenção e de que em determinados

casos a presunção de inocência não cabe como alegação de que determinado individuo

não poderia ser considerado inocente, haja vista, a existência de grupos de extermínio,

tráfico de drogas, pessoas e animais, entre outros delitos cometidos com habitualidade

por estes.

A importância da afetação de direitos fundamentais de terceiros e de

outros direitos, bens e princípios constitucionais pode ou não ser aferida no subprincipio

da necessidade, conforme um caso fácil ou um caso difícil, porém se houver incerteza

ou insegurança quanto ao grau de importância de cada um, então deve ser remetida a

outro subprincípio: o da proporcionalidade em sentido estrito, pois evita uma

ponderação ad hoc, e assim, admite-se que fazer a ponderação de todas as razões

(idoneidade e necessidade) define mais precisamente o papel de cada subprincípio e,

torna a aplicabilidade mais simples e precisa relevante ao caso.

E quanto à proporcionalidade em sentido estrito tem no terceiro critério

há dificuldade de se estabelecer se o meio utilizado não se apresentou desproporcional

ao fim a que se pretendia, portanto, pressupõe-se que as vantagens ao serem trazidas

pela adoção da medida superem as desvantagens, mas que na prática nem sempre

consegue efetividade ao ser comparado e acarretando prejuízo, embora o foco principal

de argumentar que a retirada deste condenado do convívio social tem como objetivo de

120

Ob.cit. p.591 et seq.

74

proteger as pessoas de novas investidas criminosas. Vejam que se enfatiza é a retirada

de condenados, e não daqueles que antes mesmo de ser indiciados, já respondam

perante a sociedade e a mídia como condenados e por isso, penalizados.

Nesse subprincípio a utilização de técnicas de contrapeso de bens ou

valores ou da ponderação de interesses segundo as circunstancias do caso concreto deve

ser sempre observado se o “sacrifício” resulta excessivo, se for verificada a medida

torna-se inadmissível. Deve verificar a intervenção legislativa ou administrativa para

que não distancie da garantia dos direitos fundamentais porque quanto maior a procura

em demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria, mais se torna difícil a tarefa

de reunir, por exemplo, a coleta e produção de provas que poderão confirmar ou refutar

o nexo causal entre o fato e autoria. 121

O princípio da proporcionalidade apesar de ter sua origem como garantia

de direitos fundamentais, aplica-se a quaisquer entes normativos, sejam objetivos,

princípios, regras, direitos, deveres, garantias ou bens jurídicos, com uma carga

argumentativa em favor dos fundamentais e, ainda podemos acrescentar o caráter

jurídico formal e não material.

Na aplicação não possibilita um processo penal meramente punitivo,

compele a persecução criminal a um processo penal garantista de direitos fundamentais

e, por isso, verificaremos que existem fatores que resultam em impunidade de desvio do

objetivo principal do princípio da presunção de inocência.

121

Podemos citar a grande dificuldade de aplicar nos casos de interceptação das comunicações telefônicas

- Lei 9.296/96, art.2º - onde afirma que deve pautar o deferimento de prova que implique em restrição a

um direito fundamental do imputado, uma verdadeira excepcionalidade.

75

4.2 O crime e a culpa como fatores de impunidade aos princípios da

proporcionalidade e da presunção de inocência.

O crime é um dos fenômenos sociais que mais causa comoção e

repercussão perante a sociedade, que historicamente, imprime uma forma de infração

social e deve ser reprimida ou prevenida em todas as suas formas.

O objetivo da intervenção por parte do Estado é evitar que exista um

crime se punição, porém mais importante, é impedir que punição de uma pessoa que

tenha apenas sobre ela indícios, pois se fosse baseada uma condenação apenas em

indícios, a dúvida seria em grau elevado e, possivelmente refutável.

A culpa está inserida dentro dos princípios limitadores do poder punitivo

do Estado, pois toda pessoa é titular de direitos fundamentais, mas segundo Sebastian B.

A de Mello122

“a delimitação do que é permitido e proibido por intermédio da lei é

insuficiente para estabelecer critérios de imputação que respeitem a dignidade humana”.

A culpabilidade é a base em que se sustenta o Direito Penal e para que

durante a fase processual ao utilizar outros conceitos como dolo e a culpa por ser

indispensáveis como forma de garantir a liberdade, assegurar critérios para determinar a

dosimetria e o fundamento da pena na intervenção estatal.

E para aplicar de forma coerente a pena, observar todos os trâmites

durante a investigação e atender ora a proteção deficiente, ora por acolher os excessos

punitivos como única forma de tutelar interesses e valores mais caros à sociedade: a

liberdade.

É certo que cabe ao Estado proceder à limitação de interesses individuais

e coletivos, com a finalidade de atender ao interesse público, portanto o agir estatal tem

que ser proporcional entre os meios a ser alcançados e os fins a serem atingidos.

Quanto à presunção de inocência consideramos essencial em qualquer

fase processual para que possa alcançar um equilíbrio entre a necessidade de unir e

fortalecer o direito do acusado a presunção e a um processo justo, criminal, eficaz,

122

MELLO, Sebástian Borges Alburquerque de. O Conceito Material de Culpabilidade: O fundamento

da imposição da pena a um indivíduo concreto em fase da dignidade da pessoa humana. Ed: JusPodivm,

Salvador, 2010.Pg.91.

76

rápido e sem demora injustificada e, intimamente relacionada com a motivação das

sentenças e a possibilidade de recursos, ao contrario da dúvida, que se permanecer torna

o processo passível de causar danos irreparáveis.

Por outra via, o dogmatismo do “principio da presunção de inocência”,

que levado a uma interpretação rigorosa, impede a prisão do individuo antes que sejam

superadas todas as fases do processo criminal, e na prática, deve ser observado que a

nosso ordenamento jurídico padece diante de uma morosidade, portanto existe a

diferença entre prender antes do transito em julgado da sentença condenatória, não

significa “não prender de jeito nenhum”.

Neste diapasão, ficou nítida a interpretação dada ao dispositivo pelo STF,

com a possibilidade de se estabelecer restrições a liberdade do cidadão, ainda que não

esteja presente uma condenação definitiva.

Este entendimento, contudo, foi evoluindo e se modificando nos tribunais

pátrios, conforme se constata de duas decisões antagônicas (a primeira de 1995 e a

segunda de 2009) do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

- Direito Constitucional e Processual Penal.

Prisão.Condenação não transitada em julgado. Art.

5., inciso LVII, da Constituição Federal, art. 637 do

Código de Processo Penal e art. 27, PAR.2. da Lei n.

8.038, de 28.05.1990. Regime de cumprimento.

"Habeas Corpus". Alegações de que:5Constituição

Federal637Código de Processo Penal8.0381.) - o

acórdão impugnado incidiu em "reformatio in peius"

porque, mesmo improvendo recurso do Ministério

Público, alterou o regime de cumprimento de pena,

de semi-aberto para fechado.2.) - havendo a sentença

condenatória determinado que o mandado de prisão

fosse expedido apenas após o trânsito em julgado,

não poderia o acórdão da apelação do Ministério

Público, que nada reclamara a respeito, determinar

desde logo a prisão, quando ainda cabiveis recursos

especial e extraordinário. 1. A determinação do Juiz

de 1. grau, na sentença condenatória, de que o

mandado de prisão somente deveria ser expedido

após o trânsito em julgado, valia apenas para seu

Escrivao e visava a permitir a interposição de

recurso, pelos reus, em liberdade, beneficio que,

naquele ato, lhes foi concedido. Não podia, porem,

impedir que o Tribunal de 2. grau, ao negar

provimento a apelação do Ministério Público,

determinasse a expedição, desde logo, do mandado

de prisão, para cumprimento da condenação, em

face do que estabelece o art. 637 do Código de

Processo Penal. Até porque os recursos

extraordinário (para o S.T.F.) e especial (para o

S.T.J.) não tem efeito suspensivo (art. 27,PAR.2.,

77

da Lei n. 8.038, de 28.05.1990). 2. O inciso LVII do

art. 5. da Constituição Federal, segundo o qual

"ninguem será considerado culpado até o trânsito

em julgado da sentença penal condenatória" e

obstaculo, apenas, a que se lance o nome do réu no

rol dos culpados, enquanto não estiver

definitivamente condenado, mas não a prisão

imediata após o julgamento do recurso ordinário,

como previsto no art. 637 do C.P.Penal.637Código

de Processo Penal27PAR.28.038LVII5Constituição

Federal3. Embora o acórdão haja mantido a sentença

condenatória, que fixara o regime semi-aberto, para

o inicio do cumprimento da pena, a Súmula de

julgamento, por equivoco, fez constar que para todos

os reus, inclusive o paciente, seria observado,

inicialmente, o regime fechado, quando, na verdade,

este só se aplicara na sentença a um dos

condenados.4. Sendo assim, e de se deferir, apenas

em parte, o "H.C.", para que se observe, com relação

ao paciente, e, por extensão, aos demais reus, na

mesma situação, exceto, portanto, o ja referido, o

regime inicial semi-aberto (de cumprimento de

pena). Tudo nos termos do voto do Relator. (72171

SP , Relator: SYDNEY SANCHES, Data de

Julgamento: 21/08/1995, PRIMEIRA TURMA, Data

de Publicação: DJ 27-10-1995 PP-36332 EMENT

VOL-01806-02 PP-**219) (grifos nossos)

"Inconstitucionalidade da chamada ‘execução

antecipada da pena’. Art. 5º, LVII, da CF.

Dignidade da pessoa humana. Art. 1º, III, da CF. O

art. 637 do CPP estabelece que „(o) recurso

extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez

arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os

originais baixarão à primeira instância para a

execução da sentença". A Lei de Execução Penal

condicionou a execução da pena privativa de

liberdade ao trânsito em julgado da sentença

condenatória. A Constituição do Brasil de 1988

definiu, em seu art. 5º, LVII, que „ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória". Daí que os preceitos

veiculados pela Lei 7.210/1984, além de adequados

à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,

temporal e materialmente, ao disposto no art. 637

do CPP. A prisão antes do trânsito em julgado da

condenação somente pode ser decretada a título

cautelar. (...) A Corte que vigorosamente prestigia o

disposto no preceito constitucional em nome da

garantia da propriedade não a deve negar quando

se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a

propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça

às liberdades alcança de modo efetivo as classes

subalternas. Nas democracias mesmo os criminosos

são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade,

para se transformarem em objetos processuais. São

pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela

afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º,

III, da CF). É inadmissível a sua exclusão social,

sem que sejam consideradas, em quaisquer

78

circunstâncias, as singularidades de cada infração

penal, o que somente se pode apurar plenamente

quando transitada em julgado a condenação de

cada qual. Ordem concedida.” (HC 94.408, Rel.

Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-2009, Segunda

Turma, DJE de 27-3-2009.)(grifos nossos)

Nesta linha, devem-se destacar algum marcos desta mudança de

posicionamento dos nossos juízes, acompanhada posteriormente pelos legisladores. O

primeiro deles tem a ver com as decisões do Superior Tribunal de Justiça, resumidas na

edição de duas súmulas conflitantes, senão vejamos:

STJ Súmula nº 9 - 06/09/1990 - DJ 12.09.1990; A

exigência da prisão provisória, para apelar, não

ofende a garantia constitucional da presunção de

inocência. STJ Súmula nº 347 - 23/04/2008 -

DJe 29/04/2008; O conhecimento de recurso de

apelação do réu independe de sua prisão.

A segunda ocorreu cerca de sessenta dias depois, e veio através do poder

legislativo, por meio da Lei 11.719/2008, que revogou expressamente o artigo 594 do

Código de Processo Penal, que tinha a seguinte redação:

“O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão,

ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons

antecedentes, assim reconhecido na sentença

condenatória, ou condenado por crime de que se

livre solto”.

Este comando normativo era incompatível com os princípios

constitucionais da ampla defesa, da presunção de inocência, e do amplo acesso ao poder

judiciário, todos com o objetivo de resguardar os direitos fundamentais.

Uma vez verificada qual a interpretação dada à norma pelos Tribunais,

torna-se agora imperioso entender a sua repercussão no sistema criminal brasileiro, para

que não resulte em punição ou impunidade de determinados indivíduos ou grupos que

detêm o poder (político, criminoso, econômico).

Indaga-se a todo o momento nessa pesquisa se estariam contidas no

princípio da presunção de inocência, restrições à prisão preventiva e cautelar, e a total

vedação a qualquer tipo de prisão que se configure execução antecipada da pena.

Quanto as primeiras, prisão preventiva, é certo que não está contido no

principio da presunção de inocência, desde que estejam presentes os requisitos do

79

Código de Processo Penal, que, diga-se de passagem, estão mais restritos e racionais, a

partir das modificações postas pela Lei 12.403/2011 sobre a Reforma do Código

Processual Penal.

A segunda - prisão cautelar - preceitua que o princípio da presunção de

inocência não obsta a que o legislador adote determinadas medidas de caráter cautelar,

seja em relação a própria liberdade do eventual investigado ou denunciado, seja em

relação a seus bens ou pertences. De qualquer sorte, toda providência ou restrição que

importe em antecipação da condenação ou de sua execução parece vedada ao

legislador.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal tem autorizado medidas que

restringem a liberdade de pessoas, sem que exista uma condenação com transito em

julgado, nem estejam presentes os requisitos da prisão preventiva (gravidade do crime

não é requisito). Assim, ainda, que os Ministros a repudiem, e, ainda que em caráter

excepcionalíssimo, não se pode negar que em certos casos, tem sido consentida a

execução provisória da pena. A diferença é que esta decisão ocorre caso a caso

conforme o arbítrio do julgador, e não por conta de uma regra legislativa de caráter

geral.

Outro fator que contribui para um desvio de finalidade no momento de

aplicação do principio da presunção de inocência é a discussão que ainda há entre este

principio e o principio da não-culpabilidade, ou seja, ainda não se estabeleceu

diferenças entre os princípios da presunção de inocência e a da desconsideração prévia

da culpabilidade. Nesse sentido existem jurisprudência dos nossos tribunais que estas se

diferenciam e outros que citam como sinônimos. Como veremos abaixo:

RHC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO

DE PRAZO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. SÚM.

Nº 21/STJ. PRISÃO CAUTELAR MANTIDA

PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.

PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS

AUTORIZADORES. FUNDAMENTAÇÃO

SUFICIENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS

FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. OFENSA AO

PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA.INOCORRÊNCIA.

RECURSO DESPROVIDO. Não se acolhe alegação

de excesso de prazo na formação da culpa, se já

houve a pronúncia do réu. Incidência da Súmula n.º

21 desta Corte, ainda mais se evidenciado que

eventual demora para o julgamento foi decorrente de

expedientes da defesa. Se a sentença de pronúncia

mantém a prisão cautelar do réu, preso desde a

prática de crime hediondo, por persistirem os

motivos autorizadores da custódia, e inexistindo

80

fatos novos favoráveis à soltura e capazes de alterar

a situação anterior, deve ser mantida a segregação

atacada, não se exigindo nova ou ampla

fundamentação para tanto. Condições pessoais

favoráveis dos réus não são garantidoras de eventual

direito subjetivo à liberdade provisória, se outros

elementos dos autos recomendam as prisões

processuais. O Princípio Constitucional da

Inocência não é incompatível com as custódias

cautelares, não obstando a decretação da prisão

antes do trânsito em julgado da decisão

condenatória, nas hipóteses previstas em lei. Recurso desprovido.

123

Em sentido contrário que afirma a distinção entre o principio da

presunção de inocência e o principio da não culpabilidade podemos citar abaixo a

jurisprudência:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO

PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

(ART. 214, CAPUT, C/C O ART. 224 DO CP).

DELITO CONSIDERADO HEDIONDO.

IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE

REGIME. RÉU CONDENADO. EXPEDIÇÃO DO

MANDADO DE PRISÃO ANTES DO

JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO

ILEGAL FACE À POSSIBILIDADE DE

INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS ESPECIAL E

EXTRAORDINÁRIO QUE, COMO CEDIÇO,

NÃO POSSUEM EFEITO SUSPENSIVO.

Consoante entendimento recentemente pacificado

pelo Col. STF, secundado por julgados desta Corte,

os crimes de estupro e atentado violento ao pudor,

quando cometidos em quaisquer de suas

modalidades, se enquadram na definição legal de

crimes hediondos (art. 1º, da Lei 8.072/90). Hipótese

dos autos em que incide a regra proibitiva da

progressão de regime inserta no § 1º do art. 2º da Lei

8.072/90. É assente a diretriz pretoriana no

sentido de não inibir a constrição do status

libertatis do condenado o princípio constitucional

da não culpabilidade, porquanto o recurso

especial não tem efeito suspensivo. A norma

inserida no art. 224, I, do Código Penal é expressa

no sentido de que, sendo a vítima menor de 14 anos,

a violência é presumida, pouco importando as suas

condições individuais. (REsp nº 137.163-PR, Rel.

123

STJ – Superior Tribunal de Justiça. Diário de Justiça. Seção 1. 27/08/2001. p.355. Disponível em:

http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.5:acordao;rhc:2001-06-07;11387-

400713. Acesso: 14 de outubro de 2012.

81

Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 22/11/1999)

Ordem denegada.124

Dentre várias que afirmam que são distintas, existem outras decisões dos

tribunais que defendem a igualdade de sentido entre presunção e não culpabilidade

podemos citar:

“HC. ESTELIONATO. ACÓRDÃO QUE

SUBSTITUIU A PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS,

MANTENDO, NO MAIS, A CONDENAÇÃO.

DETERMINAÇÃO DE IMEDIATO

CUMPRIMENTO DA PENA. EFEITO DA

CONDENAÇÃO. RECURSOS ESPECIAL E

EXTRAORDINÁRIO SEM EFEITO

SUSPENSIVO. IMPROPRIEDADE DO WRIT.

ORDEM DENEGADA. O início de cumprimento da

pena constitui-se em mero efeito da

condenação, não se cogitando, entretanto, de

qualquer violação ao princípio constitucional da

presunção de inocência ou da não-culpabilidade.

Tanto o recurso especial quanto o extraordinário não

têm, de regra, efeito suspensivo, razão pela qual sua

eventual interposição não tem o condão de impedir a

imediata execução do julgado, com o início de

cumprimento da pena. Precedentes do STJ e do STF.

O habeas corpus não é a via adequada para se

atribuir efeito suspensivo a recurso especial ou

recurso extraordinário, pedido que normalmente é

veiculado por medida cautelar inominada e só é

acolhido em casos excepcionalíssimos, condicionado

ao recebimento do recurso na origem.

Ordem denegada.125

Porém o exame da jurisprudência de nossos tribunais superiores

demonstra que não se estabeleceu na prática como fundamento para restringir o campo

de aplicação, e para isso o Supremo Tribunal Federal reforça o que é sustentado:

Prisão por pronúncia de réu já anteriormente preso:

pressuposto de validade da prisão cautelar anterior.

1. Em princípio, se tem dispensado a motivação, na

pronúncia, da manutenção da prisão preventiva

anterior; com maior razão, se tem considerado

124

STJ – Superior Tribunal de Justiça/ Mato Grosso . Diário de Justiça 25.08.2003. p.347. Disponível

em: http://www.direitonet.com.br/jurisprudencia/exibir/421961/STJ-HC-28177-MS-HABEAS-CORPUS-

2003-0066521-0 . Acesso em 20 de outubro de 2012. 125

STJ – Superior Tribunal de Justiça/ RS. HC 31662. Diário de Justiça 26.04.2004. p. 187. Disponível

em: http://www.direitonet.com.br/jurisprudencia/exibir/371356/STJ-HC-31662-RS-HABEAS-CORPUS-

2003-0203238-0 . Acesso em: 20 de outubro de 2012.

82

suficiente que a pronúncia se remeta no ponto aos

motivos da prisão cautelar que mantém. 2. Essa

orientação pressupõe, contudo, a validade da prisão

cautelar antes decretada (precedentes): se é nulo o

decreto originário da preventiva, a nulidade

contamina a prisão por pronúncia que só nela se

fundar. II. Prisão preventiva: motivação inidônea. O

apelo à preservação da "credibilidade da justiça e da

segurança pública" não constitui motivação idônea

para a prisão processual, que - dada a presunção

constitucional da inocência ou da não

culpabilidade - há de ter justificativa cautelar e não

pode substantivar antecipação da pena e de sua

eventual função de prevenção geral". (HC 82797/PR

- Relator SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento:

01/04/2003 - DJ 02-05-2003 - Primeira Turma -

Unânime).

Enfim, se o direito constitucional e processual, ao perseguirem

determinados fins, admitem constrições entre os princípios (a verdade material é

restringida pela proibição da prova ilícita), se há elasticidade na própria dignidade

humana, não é menos admissível a restrição da presunção de inocência, cuja aplicação

absoluta do principio inviabiliza o princípio da investigação e da própria segurança

pública. Trataremos por isso, no próximo item sobre a inter-relação entre o princípio da

proporcionalidade e da razoabilidade na prática da restrição ao princípio da presunção

de inocência.

83

4.3 A inter-relação entre o principio da razoabilidade e o principio da

proporcionalidade na limitação ao principio da presunção de inocência.

A proporcionalidade e a razoabilidade não são, a rigor, nem princípios,

nem postulados, e sim métodos de ponderação. O Juiz, ao escolher um princípio em

lugar de outro, para aplicação do caso concreto, faz ponderação de valores e aplica a

solução que lhe pareça mais razoável, utilizando-se de critérios como

proporcionalidade, adequação e necessidade, como já assentadas em vasta doutrina.

No que se refere ao princípio da razoabilidade existem três fundamentos:

a) uma adequação racional entre meios e fins, portanto razoabilidade técnica; b) quando

se busca o fundamento dos valores específicos, por exemplo, são razoáveis enquanto se

buscam justiça; c) quando se busca a razoabilidade para uma conduta (essência) para

uma verdade126

.

A razoabilidade ocorre em dois sentidos: lato e estrito. A primeira

quando se aplica a uma lei, sentença ou administrativo são necessário que identifique

outros três fatores: validade ou verdade (justiça), existência e a essência. Na segunda o

sentido de razoabilidade se equipara à justiça juntamente com a verdade ou com

essência, ou ainda com existência, e não os três fatores.

Existem duas espécies de (ir) razoabilidade: a) ponderação jurídica,

ocorrer entre o antecedente da norma e a prestação, lícito e a sanção, ou seja, é a

igualdade, proporção ou equilíbrio; b) seleção, ocorre quando se determina uma garantia

de “igualdade ante a lei”. Mas a garantia do devido processo substantivo se tipifica por

sua exigência de razoabilidade ponderativa e não de seleção

Por isso no contexto brasileiro existem diferenças entre os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade ao afirmar que a primeira é mais sensível, que se

distinguem pelo conteúdo (proporcionalidade é meio-fim e a razoabilidade com meios

utilizados), quanto à natureza (proporcionalidade um princípio jurídico, e razoabilidade

tem exigência da razão humana) e em sua forma de aplicação (proporcionalidade

bloqueia, veda e concretiza a melhor medida possível, enquanto que a razoabilidade tem

apenas a função de bloquear) .

126

LINARES, JUAN FRANDISCO apud PACHECO, Denilson. O Principio da Proporcionalidade no

Direito Processual Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed.Lumen Juris. 2007. P.111.

84

A força da racionalidade e da objetividade do princípio da

proporcionalidade deve ser mantida, desde que, o primeiro seja delimitado

conceitualmente e o segundo consiga manter sua integridade estrutural.

Mas volta-se a enfatizar que o Poder Judiciário não deve aplicar apenas

regras de proteção ou exclusão, mas também com um trabalho de interpretação jurídica

visando apurar os limites de proteção assegurados aos direitos fundamentais e visando a

ordem pública por não admitir também que a sua aplicação tenha uma pluralidade de

soluções justas, pois a transformaria em uma interpretação do que é razoável e

proporcional em regra abstrata e sem atingir o interesse público.

Por isso torna-se imprescindível a supremacia do interesse público

esculpido no requisito “ordem pública” pra legitimação, por exemplo, da prisão

processual com a consequente restrição ao principio da presunção de inocência nos

casos de perigo substancial do suspeito ou acusado constatado pela gravidade do crime

praticado, e a depender da lesão acarrete grave repercussão social. Ordem pública se

identifica com a ideia de ordem pública material, e por isso cause um possível estado de

segurança, integridade e tranquilidade.127

Portanto na limitação ao princípio da presunção de inocência o intérprete

deve buscar o significado preciso do conceito indeterminado no ramo jurídico em que se

enquadra e tendo como norte o sentido da lei e não do conceito indeterminado tomado

isoladamente, e para isso utilizar dos elementos que de forma (in) direta deverão

influenciar a decisão imposta por lei no seu conjunto. Identificado os pressupostos dos

fatos deverá empregar a ponderação para determinar o peso de cada um,

individualmente ou na relação com os demais e, com isso, extrair seu valor justo.

Esse processo de limitação ao princípio da presunção de inocência,

embora complexo, resultará uma decisão clara e transparente com aspectos positivos e

negativos, como ocorre com os direitos fundamentais que não podem ser usados como

barreira de proteção às práticas delitivas ou como ilação à exclusão de responsabilidade

aos indivíduos que estão vinculados a atuarem dentro dos limites da lei.

127

É ilustrativo de tal tendência o julgamento de habeas corpus impetrado em favor do juiz Nicolau dos

Santos Neto (HC 80717-8-SP, julgado pelo Plenário do STF em 13.6.2001), ocasião em que se travou

interessante debate sobre a significação de "garantia da ordem pública", uma das hipóteses legais em que

se justifica a decretação da prisão preventiva e a manutenção da prisão em flagrante. A prisão preventiva

do réu havia sido decretada para assegurar a credibilidade e respeitabilidade das instituições públicas,

tendo considerado ainda a magnitude da lesão causada. Tais fundamentos foram considerados

insuficientes, em face do princípio da presunção da inocência, pelo Relator, Ministro Sepúlveda Pertence.

Prevaleceu, no entanto entendimento diverso capitaneado pela Ministra Ellen Gracie, tendo sido denegada

a ordem.

85

A preservação do núcleo essencial do princípio da presunção de

inocência decorrerá da análise judicial não violam o princípio da proibição do excesso,

pois ao se analisar a incidência dos elementos parciais do princípio da

proporcionalidade à limitação ao da presunção de inocência frente às exigências

constitucionais da supremacia do interesse público verifica-se presentes a adequação,

conformidade ou validade do fim, representada pelo correto meio, executado pela

autoridade judicial, para a realização de um fim de interesse público.

A necessidade de identificada pela dosagem do meio empregado à

obtenção do fim pretendido, ou seja, a aplicação da medida cautelar embasada na defesa

social frente à lesão ou ameaça de lesão imensurável à sociedade e a vedação do arbítrio

ou de excesso aos legítimos interesses em conflito.

86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o discurso jurídico tenha sido apontado como discurso de poder e

da ordem em todo e qualquer tipo de análise de discurso, haverá sempre uma posição de

poder no discurso do produtor ou do aplicador do direito, como um eu que fala para

outro que ouve e deve obedecer, sem que se questione essa competência, quando a

decisão é acompanhada do que reputa adequado, exige-se que esse discurso seja eivado

de adequação e em interação lógica de todo o sistema jurídico como um todo.

Ao aplicar estas regras por via da hermenêutica, o intérprete terá que

necessariamente utilizar-se de outro subprincípio – o da proporcionalidade – e, para isso

consequentemente utilizar-se-á de dimensões e critérios de peso argumentativos

presuntivos ou de importância, medidas de intensidade aos direito afetados/afetáveis

para solucionar colisões através de ponderação mesmo que condicionadas e valoradas.

E nesse contexto, a hermenêutica, a interpretação e aplicação do Direito são

termos estreitamente relacionados. A primeira tem por objeto a investigação sistemática

dos princípios com vista na aplicação, a interpretação, por sua vez, procura realizar

praticamente, os princípios e regras hermenêuticos. E a aplicação da norma jurídica

consiste na técnica de adaptar os preceitos nela contidos e que de fato lhe subordinam.

A credibilidade fica instável pelo fato de que com advento de novas técnicas

hermenêuticas para uma atividade interpretativa por parte do judiciário trouxe também a

necessidade de adaptar leis que pelas mudanças sociais por muitas vezes não conseguem

disciplinar e prever o atendimento ao princípio da presunção de inocência.

Portanto, pode-se dizer que não há discurso neutro, pois carrega elementos

do “meio” onde é produzido, ideologicamente. E é claro que a manipulação do direito

pode ocorrer em outros campos, mas esses três aspectos (produção, interpretação e

aplicação) são aqui tomados, primeiro pela necessidade de limitação dos campos de

abordagem, e, em segundo lugar, porque se entende que permite o fechamento de um

círculo satisfatório de análise da manipulação.

87

A possibilidade de se aplicar um princípio, deve sempre atentar para a

razoabilidade na aplicação do direito, e nos casos de inocência presumida, não pode ser

diferente, e deve ser necessariamente entendido que não se está permitindo qualquer

tipo de hermenêutica e de aplicação desse princípio, que diante de várias limitações de

ordem pública e social, deve ter suas limitações necessárias que evitem a impunidade de

culpados.

Não se deve esquecer que os princípios são ordenações que se irradiam e

atinge o sistema de normas; são núcleos de condensações; e começam por ser a base das

normas jurídicas e “podem estar positivamente incorporados, transformando-se em

normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.

Os princípios jurídicos, contudo, devem ser aplicados nos limites e nos

contornos das circunstâncias fáticas (adequabilidade), o que não quer dizer que sejam

propriamente determinados por essas circunstâncias. Antes eles funcionam como

pressupostos que orientam os processos de aplicação das regras e dos próprios

princípios jurídicos, que transferem correção a esses processos. O conflito na verdade, é

fruto da concorrência de princípios distintos em um caso concreto.

Como no caso dos princípios, fala-se de colisão e não de conflito, vez que

não se pode falar de conflito lógico, nem mesmo de conflito de validade, em caso de

colisão de princípios, no momento de aplicação ao caso concreto, aplica-se um deles,

porém o outro não perde a validade nem é expurgado do sistema, porque, num outro

caso concreto, em que ocorra a colisão, este outro princípio pode ser aplicado.

No caso de colisão entre princípios, a doutrina tem recorrido ao chamado

princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio da

proporcionalidade, gerando uma confusão, porque, a razoabilidade comporta três

elementos: proporcionalidade, necessidade e nexo de causalidade (ou adequação).

Assim, é razoável a escolha de um princípio em detrimento de outro que lhe é

inconciliável, se for mais proporcional ao caso concreto ao qual de aplica, se for mais

necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso.

O presente trabalho teve como objetivo, em primeiro lugar, fixar o

significado de tal enunciado normativo – princípio da presunção de inocência - e, em

segundo lugar, afirmar que a garantia constitucional prevista na Carta Constitucional

88

deve ser interpretada pelo aplicador para posteriormente ter a sua efetividade quanto à

sua aplicação no caso concreto.

A origem do princípio da presunção de inocência está relacionada à

limitação do poder público face ao arbítrio do Estado, ou seja, está ligada à garantia das

liberdades individuais. Antes da sentença judicial transitada em julgado a condição do

indivíduo é de inocência. A presunção de inocência nasce do conflito entre o Estado e o

indivíduo, o qual se reflete no interior do processo penal entre o jus puniendi do Estado

e o jus libertatis do indivíduo como limite às restrições de liberdade do acusado antes

do trânsito em julgado, evitando a antecipação da pena.

Porém a presunção de inocência não é incompatível com o interesse público

do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação e por isso, sempre

há necessidade de um ajuste, de uma interpretação condizente com um discurso jurídico

que afaste o mais possível o discurso político e ideológico.

A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da

apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição

créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,

efetuado com as garantias processuais.

É por isso que, própria legislação acolhe a ideia de uma escala valorativa, e

nessa pesquisa algo se atribui à palavra presunção, e que os valores seriam atribuídos,

mas quem os aplica e a quem se destinam os valores nesse momento? E sem especificar

quanto ao sentido de qualificação e gravidade por mais que o legislador ao criar o

princípio tenha a intenção de aferir um conceito já pré-definido e estático traga consigo

a expectativa de certeza jurídica128

, nem por isso o princípio deve ser aplicado sem

critério.

O Estado, ao assumir o monopólio da administração da justiça, passou ao

dever da prestação jurisdicional atribuída a ele, mediante a atuação dos órgãos do Poder

Judiciário. A partir do momento em que há a centralização da justiça e a publicização do

direito, esses se tornam pontos essenciais para que o Estado exerça o monopólio do

direito de punir. Mas cabe a este – o Estado - proceder à limitação de interesses

89

individuais e coletivos, com a finalidade de atender ao interesse público, portanto o agir

estatal tem que ser proporcional entre os meios e os fins a serem atingidos.

Os direitos fundamentais interagem com os direitos institucionais, não se

pode afirmar categoricamente que se deve aplicar dissociadamente, portanto pode-se

ainda afirmar, que os direitos e garantias fundamentais são relativos, limitados e não

absolutos.

Posto isso, mesmo reconhecendo que nosso sistema constitucional

contempla o princípio da presunção de inocência como garantia constitucional do

acusado, cabe à doutrina e a jurisprudência estabelecer suas dimensões, fazendo uma

interpretação contextualizada com outros princípios como o do interesse público e do

interesse social, sopesando em cada caso concreto, qual deles deve prevalecer, evitando-

se julgamentos políticos e ideológicos, bem como extinção de processos sem que a

instrução probatória seja esgotada.

A confusão que se tem feito com referência ao princípio da presunção de

inocência, forjada em intenções nem sempre claras, tem refletido sobre o campo de sua

aplicabilidade. De fato, conforme já demonstrado, o discurso jurídico é permeado pelo

discurso político e pelo ideológico.

Não se está aqui abstraindo toda a força coercitiva da norma constitucional

como garantia do cidadão. O que se critica é a interpretação que se tem dado do

conceito, eivada de intenções nem sempre jurídicas, que acabam por macular sua

extensão, ou seja, sua aplicabilidade, acabando por beneficiar muitos praticantes de

infrações, olvidando-se a segurança jurídica e o interesse social de que sejam punidos,

privilegiando-se interesses individuais de cunho iluminista, em detrimento da segurança

e do interesse social.

Dessa forma a presunção de inocência não é incompatível com o interesse

público do direito à segurança, devendo sempre adequá-lo para sua aplicação, por isso

falou-se nos capítulos anteriores da necessidade de um ajuste, de uma interpretação

condizente com um discurso jurídico que afastasse o mais possível o discurso político e

ideológico.

A presunção de inocência não diminui em nada a faculdade soberana da

apreciação da prova segundo a consciência do julgador, que deve ter à disposição

créditos suficientes para o mínimo de atividade probatória de caráter incriminatório,

efetuado com as garantias processuais em que se creditam tantos elementos objetivos

90

quanto subjetivos, ante a prática de um delito pelo acusado ou investigado, caso

contrário, surgirão paradoxos insolúveis ao se desconsiderar o valor jurídico da prisão

cautelar.

Propõe-se aqui então que na medida do avanço do processo criminal, se as

decisões tomadas pelos servidores públicos (promotores, juízes, etc), forem no sentido

da punibilidade, o instituto previsto no art. 5º, inc. LVII, da Lex Fundamentallis, deva

ser mitigado parcialmente, trazendo de volta o entendimento anterior do STF,

facilitando a aplicação de medidas cautelares, e incluindo a possibilidade de prisão

provisória quando houver um maior juízo de certeza quanto ao crime e a

responsabilização.

O princípio da presunção de inocência, independentemente do entendimento

que se adote sobre a sua natureza jurídica, como os demais direitos fundamentais, não

têm caráter ilimitado e absoluto. Trata-se de um direito relativo, que limita e é limitado

pelos mais valores constitucionais, e no caso de colisão desses valores, é solucionado

pela preferência do princípio do maior peso, ou seja, de maior importância, o qual

invalidará o preceito contraposto.

Concluindo, pode-se dizer que no tocante ao princípio da presunção de

inocência, muitas vezes invocado em nome da dignidade da pessoa humana do

acusado, não se pode elevar ao nível de princípio intransponível porque isso pode gerar

impunidades, comprometendo o princípio da segurança jurídica, e até a ordem pública.

91

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