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RESENHA
A CIVILIZAÇÃO FEUDALDo ano mil à colonização da América
Jérôme Baschet
Renata Morais
Limites e contestações da dominação da igreja
Na medida em que a igreja se transforma em uma instituição preocupada em fixar sua
doutrina, serão as contestações que a igreja vai sofrer que contribuirão para forjar o seu poder de
dominação. O papel da heresia vai ser de: definir os dogmas que baseavam sua organização e seu
domínio sobre a sociedade. Tanto que “a heresia não existe em si e nada mais é do que aquilo que a
autoridade eclesiástica definiu como tal”.
Ao longo do texto o autor vai apresentar alguns exemplos de contestações, para ilustrar que
tudo que fosse contrário aos ideais da igreja eram taxado de herético e encaixado na lista que
Agostinho formou.
As manifestações heréticas eram, segundo o autor, uma tentativa de retorno ao cristianismo
primitivo sem a mediação dos clérigos e é justamente quando se radicaliza esta crítica que a igreja
vai acirrar o seu combate. Para Baschet o questionamento dessas correntes heréticas é um
questionamento social e religioso que atinge sua intensidade máxima em 1140 e 1250. A igreja vai
reafirmar a autoridade e o privilégio dos clérigos e qualquer dissidência será qualificada de herética.
A igreja também vai se preocupar com as práticas julgadas “inconvenientes ou desviantes”. O autor
aponta um problema para qualificar essas práticas “religião popular”, “cultura folclórica” ou
“superstições” acaba optando por esta última, pois segundo a igreja significa fenômenos que se
convém expurgar e uma condenação. Ele considera o século XII como de interações permitindo
que numerosas concepções folclóricas aflorassem até mesmo nos textos clericais, já no século XIII
com o estabelecimento de novos instrumentos de controle, as superstições serão combatidas.
A igreja vai regulamentar a fronteira da desordem com a ordem normal, exemplo claro disso
vai ser o carnaval que vai acentuar a quaresma e a festa dos loucos que vai contribuir para liberar
tensões. Mikhail Bakhtin vai defender a existência de uma cultura popular autônoma e oposta à
cultura dos clérigos, vai ser criticado por Aaron Gourevitch que enfatiza que o carnaval e a festa dos
loucos somente reafirmam o caráter dominante da igreja.
Os manuscritos com representações profanas e piedosas o autor explica como uma “cultura
da ambigüidade” onde o centro é valorizado e as margens depreciadas. O século XV vai rejeitar
esta postura chegando ao ápice com a ordem dada pelo papa para vestir todos os personagens do
juízo final na Capela sistina. A dimensão de paródia ou uma subversão controlada se extingue com
a Contra Reforma.
A atitude intransigente dos clérigos vai atingir também os judeus e feiticeiros. Na Alta
Idade Média as comunidades judaicas eram toleradas existindo inclusive formas de inter-relações,
mas essa atitude vai se modificar progressivamente a partir do século XI, e mais ainda nos séculos
seguintes com as cruzadas, onde muitos judeus foram massacrados. Pedro, o Venerável, que
escreve o tratado Contra os judeus vai ressaltar que os judeus eram ainda pior que os sarracenos e
que a coabitação com o cristão somente os contaminava. O processo de exclusão vai ocorrendo ao
ponto de a população judaica apenas se tornar residual na Europa Ocidental. Mais o autor não deixa
de ressaltar que o anti judaísmo na Idade Média é antes de tudo uma atitude contra os que
assassinaram cristo e não o anti-semitismo do século XIX, pois quando um judeu se converte era
admitido na sociedade, embora essa atitude também mude principalmente na Espanha onde mesmo
com a conversão os judeus serão perseguidos inclusive seus descendentes. Mas a exclusão dos
judeus, no geral, era uma forma de afirmar a dominação da igreja.
A feitiçaria vai ser ainda mais combatida pela igreja, todas as práticas como atos de magia,
sortilégios, encantamentos, previsão do futuro, práticas folclóricas consideradas inaceitáveis serão
enquadradas como atos de feitiçaria e serão perseguidos pela igreja. Neste momento os feiticeiros
serão considerados vítimas depois a atitude da igreja começa a mudar e no século XII e XIII os
feiticeiros serão demonizados.
A sociedade medieval se torna uma sociedade de persecução e a igreja vai afirmar o seu poder na
medida em que ela molda os seus inimigos para poder triunfar. Mais do que perseguir inimigos
externos o importante era exterminar os inimigos internos ou pelos menos subjugá-los.
Jérôme Baschet conclui seu texto nos informando que a igreja vai conseguir afirmar o seu poder por
meio das contestações que ela vai sofrer ao longo a Idade Média