Língua e Linguagem

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  • LNGUA E LINGUAGEM Patrcia A. Rosa

    bvio afirmar que para ensinar uma lngua, seja nativa ou estrangeira,

    necessrio ter o conhecimento dessa lngua. E ter o conhecimento dessa lngua significa

    somente dominar seus sistemas lexicais, sintticos, morfolgicos e fonolgicos?

    Tomando como premissa que o conhecimento de uma lngua vai alm do domnio

    desses sistemas, este paper pretende abordar a seguinte questo: Quais so as nossas

    concepes de Lngua e Linguagem? Buscaremos nas leituras dos textos de Ferdinand

    de Saussure, Jonathan Culler, Mikhail Bakhtin e Jacques Derrida elementos para

    reflexo e possveis respostas.

    Observa-se que no existe um s conceito de lngua e de linguagem, mas sim

    tericos e suas concepes. Essa heterogeneidade em torno dos conceitos vai ser vista

    atrelada a uma poca/orientao.

    No sculo XVIII, de acordo com Culler (1979, p.47-48), a origem da linguagem

    era trabalhada para esclarecer sua natureza e consequentemente a natureza do

    pensamento. Acredita-se que h uma lngua-me geradora de todas as lnguas e, assim,

    iniciam-se os estudos da comparao do sistema de conjugao da lngua snscrita com

    as da lngua latina, persa, germnica e grega. Em 1816, Franz Bopp publica livro sobre

    esse sistema de comparao e cria-se o mtodo comparativo. Este perodo

    caracterizado pela Filologia comparada ou gramtica comparada e tem como

    representantes: Willian Jones, Friedrich Schlegel, Franz Bopp, Jacob Grimm e Friedrich

    Diez. neste sculo que foi elaborado, de forma simplificada, a ideia da lngua como

    sistema de signos arbitrrios e convencionais (Bakhtin, 1997, p.84).

    Abordaremos o sculo XIX tomando como base as duas orientaes do

    pensamento filosfico-lingustico. Conforme Bakhtin, a primeira orientao a do

    Subjetivismo Idealista, e a segunda a do Objetivismo Abstrato. No quadro, abaixo,

    elencamos as principais posies, das duas orientaes, quanto lngua (1997, p.72, 77,

    82 e 83):

    SUBJETIVISMO IDEALISTA OBJETIVISMO ABSTRATO

    A lngua tem como fundamento os atos

    individuais de fala. A lngua uma

    atividade, um processo criativo

    ininterrupto de construo.

    A lngua situa-se no sistema lingustico (o

    sistema das formas fonticas, gramaticais, e

    lexicais da lngua). A lngua um sistema

    estvel, imutvel, de formas lingusticas

    submetidas a uma norma fornecida tal qual

    conscincia individual e peremptria para

    esta.

    A lngua tem como fonte o psiquismo

    individual. Sendo a lngua uma evoluo

    ininterrupta, uma criao contnua, as

    As leis da lngua so essencialmente leis

    lingusticas especficas, que estabelecem

    ligaes entre os signos lingusticos no

  • leis da criao lingustica so

    essencialmente as leis da Psicologia

    individual.

    interior de um sistema fechado. Estas leis

    so objetivas relativamente a toda

    conscincia subjetiva.

    A lngua, enquanto produto acabado,

    enquanto sistema estvel (lxico,

    gramtica, fontica), apresenta-se como

    um depsito inerte, tal como a lava fria

    da criao lingustica, abstratamente

    construda pelos linguistas com vistas

    sua aquisio prtica como instrumento

    pronto para ser usado.

    Os atos individuais de fala constituem, do

    ponto de vista da lngua; simples refraes

    ou variaes fortuitas ou mesmo

    deformaes das formas normativas.

    A essncia da lngua est precisamente

    na sua histria.

    Entre o sistema da lngua e sua histria no

    existe nem vnculo nem afinidade de

    motivos. Eles so estranhos entre si.

    Wilhelm Humboldt, Steintahl, Wundt e Vossler so alguns dos representantes do

    Subjetivismo Idealista. Na poca contempornea, Ferdinand de Saussure o

    representante mais expressivo do Objetivismo Abstrato, juntamente com Charles Bally,

    Sechehaye, Meillet, William Dwight Whitney, Osthoff e Brugmann, tambm

    conhecidos como os neogramticos.

    Segundo Saussure (1973, p.15-33) a distino entre lngua e linguagem:

    LINGUAGEM LNGUA

    multiforme e heterclita. Ela no se confunde com a linguagem.

    somente uma parte determinada essencial

    da linguagem.

    Cavaleiro de diversos domnios, ao

    mesmo tempo fsica, fisiolgica e

    psquica, ela pertence ainda ao domnio

    individual e ao domnio social;

    um produto social da faculdade da

    linguagem. um conjunto de convenes

    necessrias, adotadas pelo corpo social para

    permitir o exerccio dessa faculdade nos

    indivduos.

    No se deixa classificar em nenhuma

    categoria de fatos humanos, pois no se

    sabe como inferir sua unidade.

    um todo por si e um princpio de

    classificao.

    O exerccio da linguagem repousa numa

    faculdade que nos dada pela natureza.

    Constitui algo adquirido e convencional,

    que deveria subordinar-se ao instituto

    natural em vez de adiantar-se a ele. a

    parte social da linguagem. Exterior ao

    indivduo.

    heterognea. de natureza homognea.

    Para este linguista o estudo da linguagem comporta duas partes: uma, essencial,

    que tem por objeto a lngua, que social e independente do indivduo; e outra,

    secundria, que tem por objeto a fala, que a parte individual da linguagem. Estes dois

    objetos lngua e fala esto estreitamente ligados e se implicam mutuamente. A

    lngua necessria para que a fala seja inteligvel e produza todos os seus efeitos. a

    fala que faz evoluir a lngua, pois so as impresses recebidas ao ouvir os outros que

    modificam nossos hbitos lingusticos. Enfim, existe uma interdependncia da lngua e

  • da fala, contudo isto no impede que sejam duas coisas absolutamente distintas

    (Saussure, 1973, p.27-28).

    Bakhtin (1997) ao fazer uma anlise crtica das duas orientaes pontua que

    tanto o objetivismo abstrato quanto o subjetivismo idealista apresentam seus prton

    pseudos quando rejeitam o ato da fala (enunciao) como sendo de natureza social. Para

    ele atravs da fala em sociedade que podemos entender a linguagem humana.

    Enquanto Saussure trabalha com o signo lingustico (relao entre significante

    (som-imagem acstica) e significado (conceito)), Bakhtin trabalha com o enunciado,

    que nico e irreptvel. Este enunciado ao ser produzido leva em conta um

    determinado local, tempo e sujeito. este enunciado que considerado como a unidade

    bsica do conceito de linguagem em Bakhtin. A linguagem s existe num sistema de

    dilogos, que nunca se interrompe. J Derrida considera que o significado no mais

    que o significante posto em determinada relao com outros significantes. No pode ter

    significado nem significante sem os contextos (outros sociais) e relaes (contextuais e

    relacionais). O enunciado, para Derrida, no est fechado em si mesmo, permanecendo

    essencialmente aberto leitura do outro.

    Aps o estudo e a reflexo sobre os conceitos acima elencados, retomamos a

    questo abordada no incio deste ensaio e sinalizamos que o conhecimento de uma

    lngua vai alm do domnio dos seus sistemas lexicais, sintticos, morfolgicos e

    fonolgicos, pois a lngua lida com conhecimentos culturais e sociais dos falantes. O

    professor ao ensinar uma lngua tem que levar em considerao os conhecimentos

    necessrios para usar a linguagem, que determinada pela interao social. E nessa

    interao que o discurso construdo e desconstrudo pelos participantes.

    E assim, pensamos lngua como um sistema de comunicao que est

    incorporada na cultura de um povo e reflete a totalidade de crenas e sentimentos deste

    povo. Por conseguinte, pensamos linguagem como uma manifestao social, dialgico,

    marcado por um lugar, tempo e sujeito.

    No obstante, conclumos que o pensar lngua e linguagem no encerra neste

    momento. Pelo contrrio, acreditamos que atravs deste paper iniciamos o ato de

    reflexo contnuo, que seguramente ser retomado no futuro por novas impresses e

    leituras.

  • REFERNCIAS

    BAKHTIN, M.;VOLOCHINOV, V.N. Marxismo e filosofia da linguagem (1929). Trad.

    Michel Lahud; Yara Frateschi Vieira. 8. ed. So Paulo: Hucitec, 1997. Captulo I 196p.

    CULLER, J. As ideias de Saussure. So Paulo: Cultrix, 1979, p. 45-76.

    DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferena. Traduo de Maria Beatriz Marques

    Nizza da Silva. So Paulo, Perspectiva, 1971. P. 227-249.

    SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingustica Geral. Organizado por Charles Bally

    e Albert Sechehaye. So Paulo: Cultrx. 1973. P. 15-33.