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Linguagem e Tempo Maria Clara Paixão de Sousa Instituto dos Estudos da Linguagem – IEL Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP [email protected] 0. A Lingüística e suas Histórias...................................................................................................................... 2 1. Caminhos percorridos: língua e diacronia ............................................................................................................................................ 3 1.0 Da temporalidade cronológica ........................................................................................................ 3 1.1 A “Lingüística Histórica” dos 1800 ............................................................................................... 4 1.2 O “corte saussureano”................................................................................................................... 11 1.3 A “Mudança” nos 1900.................................................................................................................. 14 2. Trilhas abertas: língua e história ............................................................................................................................................ 17 2.0 Da temporalidade histórica ........................................................................................................... 17 2.1 Os “tempos do Tempo”................................................................................................................ 18 2.2 Das histórias das “Línguas Românicas” ...................................................................................... 20 2.3 A teoria da gramática e a história das línguas ............................................................................. 25 3. Perguntas finais............................................................................................................................................ 28

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Linguagem e Tempo

Maria Clara Paixão de SousaInstituto dos Estudos da Linguagem – IEL

Universidade Estadual de Campinas – [email protected]

0. A Lingüística e suas Histórias...................................................................................................................... 2

1. Caminhos percorridos: língua e diacronia ............................................................................................................................................ 3

1.0 Da temporalidade cronológica........................................................................................................ 31.1 A “Lingüística Histórica” dos 1800............................................................................................... 41.2 O “corte saussureano”................................................................................................................... 111.3 A “Mudança” nos 1900..................................................................................................................14

2. Trilhas abertas: língua e história ............................................................................................................................................ 17

2.0 Da temporalidade histórica........................................................................................................... 172.1 Os “tempos do Tempo”................................................................................................................ 182.2 Das histórias das “Línguas Românicas”......................................................................................202.3 A teoria da gramática e a história das línguas............................................................................. 25

3. Perguntas finais............................................................................................................................................ 28

0. A Lingüística e suas HistóriasA história é uma canção que deveria cantar-se a muitas vozes, aceitandotambém o inconveniente de que com freqüência as vozes se cobrem umasàs outras.

Fernand Braudel1

Falaremos aqui sobre a “Lingüística Histórica”, e já de partida nos espera o interessante problema dasua definição exata – seu estatuto entre os estudos da linguagem; seu objeto; suas perguntas; seusobjetivos.

As abordagens “Históricas” na lingüística ocupam-se dos fatos da linguagem sob a clave do passar dotempo. Mas os caminhos percorridos pelos diferentes estudos para dar conta desse objeto difuso (alinguagem sub specie temporis) podem se fazer quase irreconhecíveis entre si.

Antes de tudo, porque – como qualquer estudo lingüístico – os estudos em Lingüística Históricaprecisam situar-se quanto a alguma concepção de Linguagem. Mas além disso – e mais especificamente –porque os estudos em Lingüística Histórica precisam situar-se perante alguma concepção de História.

Nesta exposição pensaremos a Lingüística Histórica como o espaço de análise em que se encontramdiferentes concepções de língua e diferentes concepções de tempo, possibilitanto diferentesdinâmicas teóricas em torno de algumas questões fundantes – se, porque, e como as línguas mudam.

Vamos ver que esse encontro entre idéias de Tempo e de Língua foi fundante para diferentesmomentos da história da lingüística. Veremos também que a perspectiva “histórica” na lingüísticatem privilegiado a dimensão do temporal-cronológico sobre a dimensão do temporal-histórico – na tradiçãooitocentista, no recorte saussureano entre sincronia e diacronia, e na herança desse corte para areflexão lingüística do século 20.

Discutiremos, então, os caminhos que se podem abrir para a Lingüística Histórica hoje, sequisermos conjugar os atuais quadros teóricos sobre a linguagem com uma concepção crítica dastemporalidades.

Noutros termos: se nos propusermos a perceber “como por transparências”2 as múltiplas históriassuperpostas nas diferentes realidades da linguagem.

1 No original, e em contexto: “Es, además, un intento de historia de una nueva especie, una historia global,escrita en tres registros diferentes, a tres niveles diversos, o, y prefiro esta expressión, tres diferentestemporalidades, siendo mi objetivo abarcar en toda su multiplicidad todos los diferentes tiempos del pasado, yafirmar su coexistencia, sus interferencias, sus contradicciones y la riqueza de experiencias que contienen yque nos brindan. La historia, a mi modo de ver, es una canción que debería cantarse a muchas voces,aceptando también el inconveniente de que con frecuencia las voces se cubren unas a otras. Nunca ha habidouna voz que se haya impuesto para cantar un solo, rechazando cualquier clase de acompañamiento. Como sepodría, entonces, percibir, en el sincronismo de un solo instante, y como por transparencias, las historiasdiferentes que la realidad superpone?” El Mediterráneo y el mundo mediterráneo en la época de FelipeII. Edição do Fondo de Cultura Economica, México, 1997; 787-788.

2 Nos termos de Braudel, op cit.

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1. Caminhos percorridos: língua e diacronia

Poucos lingüistas percebem que a intervenção do fator tempo é de moldea criar, para a Lingüística, dificuldades particulares, e que ela lhes colocaa ciência frente a duas rotas absolutamente divergentes.

F. Saussure3.

1.0 Da temporalidade cronológicaDamos início a esta reflexão lembrando resumidamente a trajetória principal dos estudos históricosna lingüística, principalmente ao longo dos séculos 19 e 20. Vamos procurar compreender como asprincipais abordagens se posicionam perante três perguntas-chave sobre a relação entre o tempo eas línguas:

1. As línguas sofrem o efeito do tempo? Como, e porque?2. Qual a relevância teórica dessas perguntas?3. Como podemos explorá-las?

A aparente obviedade dessas questões não deve nos deter – em particular, quanto à primeirapergunta, que equivale a perguntar: “As línguas mudam”? Longe de ser evidente, a noção da mudançalingüística, a depender da concepção de língua, pode representar uma encruzilhada teórica4.

A “evidência” da mudança das línguas opera antes de tudo no plano do empírico – ou seja,principalmente a partir de registros documentais, “observamos” que as formas das línguas não são asmesmas ao longo da história. Mas se paramos para refletir, os fatos empíricos resumem-se àdiferença entre uma forma lingüística registrada em um momento do passado e uma formalingüística registrada em um momento do presente; conceber essa diferença como a mudança daprimeira para a segunda forma é já um passo de análise.

Mudança, no sentido de alteração de estado, é uma noção que remete à organicidade – ou seja, se amudança de A para B é uma alteração de A, noutros termos A muda-se em B, passa a ser B. Nessesentido, quando se concebe o contraste entre um dois eventos no tempo como uma mudança,pressupõe-se uma relação de identidade entre esses dois eventos – no limite, uma organicidade, umadinâmica na qual um mesmo evento se está alterando no eixo do tempo. Num sentido estrito, então, oque chamamos de mudança lingüística poderia ser definido antes como uma variação dos fatos de línguano eixo do tempo.

Vamos ver aqui que na reflexão lingüística dos séculos 19 e 20, essa variação foi analisada sobretudocomo mudança em sentido orgânico, ou seja, como evolução-transformação-desenvolvimento dos eventosno eixo do tempo.

Esse eixo do tempo de que se ocupam as análises sobre as línguas, por sua vez, tem sido concebidocomo unidimensional – ou seja, a temporalidade concebida como progressão linear entre passado e

3 Curso de Lingüística Geral, cap III: Lingüística Estática e Lingüística evolutiva; p.94 em Saussure1915 (1995).

4 Vamos nos ocupar de uma dessas encrizilhadas mais adiante, na seção 2, quando falarmos do lugardos estudos históricos na concepção mentalista-chomskiana da língua.

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futuro. Nesse contexto, as respostas metodológicas ao problema da investigação das mudanças têmsido buscadas na noção de reversibilidade dos fenômenos. Ou seja: concebendo a mudança comodesenvolvimento ou evolução, em sentido orgânico, ao longo da linha do tempo, os estudoslingüísticos procuraram abordar a mudança das línguas pela reprodução dos acontecimentos em forma deanálise. Um fato lingüístico interpretado como resultante de uma mudança, nessa perspectiva, deveguardar em si as sementes da mudança; os acontecimentos que levaram a forma A para a forma Bdevem poder ser traçados reversamente, como em um experimento, revertendo-se no eixo daanálise as etapas do processo ativo no eixo do acontecimento.

Os estudos “históricos” da língua nesse sentido tiveram relevância teórica central nos 1800 – de fato,a reflexão sobre a evolução das línguas marca a construção da Lingüística como área deconhecimento científico neste momento. Mas nos 1900, os estudos da língua no eixo do tempo(esse eixo temporal linear ou diacrônico) tomam o estatuto de periféricos nas principais linhas teóricasinstituídas. Vamos resumir nas seções a seguir um pouco desses dois momentos.

1.1 A “Lingüística Histórica” dos 1800“Da mudança que as lingoas fazem per discurso de tempo” – esse título do primeiro capítulo da “Origem daLingoa Portuguesa” escrita por Duarte Nvnez de Lião em 1606 mostra que a mudança lingüística temsido objeto de interesse há algum tempo: “Assi como em todas as cousas humanas ha continua mudança &alteração, assi he tambem nas lingoages. E o que parecia increiuel, tambem isto estaa subiecto ao arbitrio dafortuna...”5 .

No entanto, costuma-se situar o surgimento da “Lingüística Histórica” como disciplina no século 19, apartir do grande corpo de estudos genéticos construído na Europa. De fato, das diferentesconcepções sobre as relações entre o Tempo e as Línguas, foi seminal a concepção evolutivo-genética sistematizada nos 1800, no âmbito da qual se forma a herança da lingüística “científica”ativa no século seguinte. A reflexão sobre a linguagem anterior ao século 19 e que é consideradacomo “antecedente científica” da Lingüística tem sido localizada nos estudos dos gramáticos lógicos noambiente de Port-Royal. Para a tradição da Gramática Lógica, nem a história nem o decorrer dotempo são alvos relevantes de reflexão.

Não podemos nos esquecer, entretanto, que na periferia da reflexão sobre as línguas neste período,pululam tratados sobre as “Origens” das línguas faladas nos reinos da Europa Ocidental, formandoum corpo de conhecimento que, mesmo não sendo considerado precursor dos estudos lingüísticos“científicos”, certamente é um contribuinte da idéia que o século 19 irá desenhar sobre os idiomaseuropeus, suas gênenes, seus parentescos. Noutros termos, a Lingüística oitocentista não “inventou”nem “descobriu” a idéia do parentesco entre essas línguas.

Isso é evidenciado exemplarmente pela a reflexão lingüística a partir do Renascimento europeu nosterritórios da antiga “România”, toda ela marcada pela questão crucial da determinação de filiaçãodos diferentes vernáculos em relação ao Latim. Nesse contexto, a observação das semelhanças entreidiomas como o italiano, o castelhano, o francês, ou o português entre si – aliada ao conhecimentoda história de colonização românica dos territórios onde esses “vernáculos” eram falados – trouxedesde séculos a idéia de uma herança lingüística latina.

Tomemos o exemplo do seguinte conjunto de cognatos: a palavra portuguesa 'novo' , castelhana'nuevo' , francesa 'neuf', italiana 'nuovo'; a semelhança saliente conduz à hipótese de uma relação deidentidade entre os termos. Considerando a forma latina 'novu', e levando em conta terem sido os

5 A “Origem da Lingoa Portuguesa” está disponível em edição fac-similar na coleção virtual daBiblioteca Nacional de Lisboa, <http://purl.pt/50/> (28.04.2005).

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territórios onde se falam o português, o castelhano, o francês e o italiano áreas de influênciaromânica, chega-se à idéia da precedência cronológica da forma latina 'novu'. Daí a idéia daidentidade entre os termos em português, castelhano, francês e italiano como uma identidadegenética, ou seja, explicável como evoluções a partir de uma origem comum. Sendo a semelhançaformal entre esses idiomas estensível à grande parte de seu léxico, de sua morfologia e de suafonologia, forma-se a noção de “línguas latinas”, ou “línguas românicas”.

Duarte Nunes de Lião, por exemplo, na sua “Origem da Língua Portuguesa”, já concebe a semelhançaentre as línguas da Espanha como exemplos de diferentes derivações de formas latinas, e explica asdiferenças e regularidades como diferentes resultados dessa uma herança comum6. Agrupa, ainda, oportuguês, o castelhano e o catalão com o italiano e o francês, por serem todas línguas de herançalatina – com isso ilustrando o que dizíamos acima, sobre os antecedentes da idéia do parentescolingüístico.

Entretanto, há diferenças notáveis entre abordagens como a de Duarte Nunes e as abordagensbuscadas no século 19, sobretudo diferenças relativas à concepção de herança. Para os oitocentistas,como veremos, a herança comum e os desenvolvimentos particulares em cada “família de línguas”serão conceituados internamente. Na reflexão anterior, são conceituados externamente. Assim,antes de tudo, em cada contexto serão diferentes a concepção das identidades e das determinaçõesdas mudanças.

Um primeiro ponto em que isto se revela é no diferente peso conferido, em cada caso, à questão do contato entre línguas. Isso é interessante, pois como veremos ao longo desta exposição, o lugarteórico atribuído ao contato lingüístico está fortemente ligado à relação entre a concepção de línguae a concepção de temporalidade nas diferentes abordagens históricas na lingüística.

Para Duarte Nunes, o contato – ou seja, as relações externas entre diferentes idiomas – é umaspecto fundante da mudança, ao qual ele remete tanto para explicar a diversidade, como paraexplicar a homogeneidade. Já de início, por exemplo, ele explicará a formação de idiomas distintosna Península Ibérica (a partir da língua latina original) em função do “caldo” de convivência entrepovos de linguagens distintas (latina, germânica, árabe) ao longo dos séculos nesta região. Assim,aquele falar românico dos primeiros tempos (“a lingoa Latina q naquelles tempos se fallou pura como emRoma”) irá corromper-se e transformar-se em uma língua “meio latina, meio gótica”, por força do

6 No Capítulo 6 da obra (“A Lingoa que se oje falla em Portugal donde teue origem, & porque se chamaRomance”), ele lembra: “Temos dito atras, como por as muitas & desvairadas gentes que a Hespanha vieraõpouoar & negociar, estaua a terra toda diuidida em muitos regulos, & senhorios, & assi hauia muitasdifferenças de lingoages & costumes. Polo que vindo os Romanos a lançar de Hespanha aos Carthaginesesque occupauão grande parte della, foilhes facil hauer o vniuersal senhorio de todos, & reduzir Hespanha emforma de prouincia como fizeraõ, dos quaes como de vencedores naõ soomente os hespanhoes tomaraõ o jogo daobediencia mas as leis, os costumes, & a lingoa Latina q naquelles tempos se fallou pura como em Roma, & nomesmo Latio ate a vinda dos Vandalos, Alanos, Godos, & Sueuos, & outros barbaros que aos Romanossuccederaõ, & corromperão a lingoa Latina com a sua, & amisturaraõ de muitos vocabulos assi seis como deoutras naçoes barbaras que sosigo trouxerão, de que se veo fazer a lingoa que oje falamos, que por ser lingoa,que tem fundamentos da Romana, ainda que corrupta lhe chamamos oje Romance. Desta introduçaõ da lingoaLatina, que os Romanos fizeraõ em Hespanha, & como de muitas naçoes & varios costumes, se vieraõ aconformar, & parecer tudo hum pouo de Romanos, he testemunha a mesma lingoa que oje fallamos, ainda quecorrupta” (Lião 1606:26.) Lembro que na acepção de Duarte Nunes, como é geral em sua época, ostermos 'Espanha', 'Espanhol', etc. têm como referência o que hoje chamaríamos de a 'Península Ibérica',incluindo portanto Portugal (cf. Paixão de Sousa 2004, capítulo III, para uma discussão detalhadadeste problema).

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contato com o falar dos invasores germânicos7. Neste processo de “desencaminhamento das regras”,fruto do contato entre línguas “mui dessemelhantes”, Duarte Nunes cita algumas “corrupções” ouprocessos de mudança sistemáticos, que explicariam a relação entre as formas latinas originais e asformas portuguesas de sua época (alguns exemplos trazidos por ele remetem a regras que mais tardese verão sistematizadas pelos próprios neogramáticos oitocentistas8). Para Duarte Nunes, asdiferentes circunstâncias deste contato com os “povos de bárbara lingoa” em cada um dos diferentesreinos ibéricos significará ainda que o “romance espanhol” irá se fragmentar e diferenciar – dandoorigem ao português, ao castelhano, ao catalão, ao galego. Mais tarde, o contato com os invasoresseguintes – os africanos de fala árabe – ocasionará novas transformações, novamente sobcircunstâncias distintas em cada reino, gerando mais diferenças entre as falas ibéricas (pontointeressante ao qual voltaremos mais adiante). Por outro lado, o contato lingüístico pode aparecer,em Duarte Nunes, também como fator de homogeneização e unidade. Ao remeter à semelhança,em seu tempo, entre as línguas “latinas”, ele a atribui tanto à herança como ao contato por meio deempréstimos mútuos (outro ponto interessante a ser explorado mais adiante).

Assim, uma noção difusa de identidade genética entre diferentes grupos de línguas, ao menos noque se refere aos idiomas de “origem latina”, é já ponto de partida para a reflexão sobre a língua desdeo renascimento; e mesmo uma tentativa de sistematização dos processos de transformação ou“corrupção” dos vocábulos já transparece, em obras seiscentistas como a de Duarte Nunes, comovimos.

No entanto, a reflexão lingüística dos 1800 representa um marco divisor na história das histórias dotempo e da linguagem, por inaugurar uma concepção inteiramente nova dos condicionantes dessarelação.

Em primeiro lugar, como já esboçamos, a Lingüística Histórica do século 19 concebe a língua comoorgânica, e portanto, conceitua as mudanças como evolução internamente motivada.

Mas por sobre isso – e crucialmente – os oitocentistas, ao contrário de Duarte Nunes na citação quevimos no início, não concebem as mudanças como sujeitas “ao arbítrio da fortuna”.

Ao contrário: os efeitos do Tempo sobre as línguas seriam condicionados por regras geraisdefinidoras concebidas como Leis Naturais. É, de fato, a busca pela compreensão destas Leis quemarca e que dá sentido à reflexão lingüística dos 1800. O elemento diferenciador da reflexãolingüística do 19 em termos metodológicos será a construção de uma metodologia na abordagem darelação genética, que ficará conhecida como o Método Histórico Comparativo.

7 “Natural cousa he aos que se entremettem a fallar alg~ua lingoa alhea desencaminharse das regras, &propriedade della, & commetterem os vicios que chamão barbarismos & solecismos, mórmente quando aslingoas saõ mui dessemelhantes como aconteceo aos Godos, & Vandalos, & outros taes nascidos na Gothia, &na Sarmacia. Vindo a Hespanha onde a lingoa Latina casta & pura que se fallaua corromperaõ, adulterandoos vocabulos, & mudandoos em outra forma. E significado differente & introduzindo outros de nouo de suasterras, & de outras g~etes que consigo trouxeraõ.” (Lião, 1606).

8 Alguns exemplos de gênese e corrupção de vocábulos portugueses a partir do latim, em DuarteNunes de Lião (no capítulo oitavo: “VII. Das muitas maneiras perque se causou a corrupçaõ da lingoaLatina que em Hespanha se fallaua na que se oje falla”.): “Corrupção nas terminações”: seruus-seruo <sermão; prudens <prudente; sanguis < sangue; similis < simel. “Corrupção por diminuição de letras ousílabas”: mare < mar; nodo < noo; balista < beeta; nudo < nuo ou nuu. “Corrupção por acrescentamentode letras ou sílabas”: umbra < sombra; stella <strella; mica < migalha; acu < agulha; cor < coração.“Corrupção por troca e transmudação de umas letras em outras”: ecclesia < igreja; desideriu < desejo;cupiditas < cobiça (“Na qual maneira de corrupçaõ ha h~uas certas letras que quasi s~epre respond~ea outras, como o diphtongo au, dos latinos a ~q os Portugueses respõde com o seu ou como: audio< ouço; aurum < ouro; taurus < touro; laurus < louro; maurus < mouro; caulis < couue; paucus < porco”.

[ 5 ]

Se tomamos em conta o contexto mais amplo no qual a reflexão lingüística dos 1800 construiu ocorpo metodológico fundador da Lingüística como disciplina “científica”, vemos que mais que dizerque a “Lingüística Histórica” é construída no século 19, será mais interessante dizer que a “Lingüística”no século 19 se constitui na perspectiva histórico-evolutiva, de modo coerente com o ambienteteórico geral da época na Europa.

O mundo do século 19 é um mundo que evolui. Os fenômenos de linguagem, como os demaisfenômenos naturais e humanos que mereceram atenção desta época, são abordados na clave daprogressão do tempo. O tempo age sobre as línguas como age sobre a natureza e as sociedades, ou sejapela ação da seleção ordenada por Leis internas. A perspectiva evolucionista dos 1800 concebe aHistória, fundamentalmente, como uma progressão cronológica; o efeito da passagem do tempo,como linear; os fenômenos sujeitos a esses efeitos, como orgânicos. A Língua é um organismosujeito à ação desse tempo linear e progressivo; é este o ambiente científico em que se forma ométodo histórico-comparativo.

O método histórico-comparativo fundamentalmente procurava recompor, a partir de um conjuntode fenômenos recortados no presente, um passado compreendido como sucessão de etapascronológicas linearmente agrupadas, unidirecionalmente orientadas – e portanto, reversamenterecuperáveis.

Para explorar um pouco as idéias trazidas por essa tradição, vamos prosseguir com o exemplo daschamadas “línguas românicas” ou “neolatinas”. Já vimos que os gramáticos do século 19 não foram osprimeiros a observar a semelhança entre esses idiomas; entrentato, a metodologia por elesconstruida lhes permitiu categorizar e justificar a identidade genética e a evolução paralela de cadaidioma em uma família em relação à língua-mãe.

Seguindo no exemplo de 'novu' que esboçamos mais acima, vamos a um caso de sistematizaçãoproposto por essa tradição, tal como lembrado por R. Ilari9. Os gramáticos oitocentistas observam aregularidade da seguinte transformação: o 'o' breve (aberto e acentuado) latino se converteu em 'o'acentuado no português; em um ditongo 'ue' no castelhano; em '[ ]' ou '[oe]' (grafia 'eu') no francês;e em 'uo' (antes de vogais) em italiano (a regularidade se observa nas séries derivadas das formaslatinas 'movet', 'modrdit', 'porta' e 'populu' , itens 1 do Quadro I a seguir). O 'o' breve (fechado) latino,em contraste, conserva-se como 'o' em todos os idiomas neo-latinos, exceto o francês (porexemplo, do latim 'hora', o termo português 'hora'; o castelhano 'hora'; o italiano 'hora'; e o francês'heure' - itens 2 no Quadro I a seguir):

9 Em Ilari, R. (1992) - “Lingüística Românica”. São Paulo, Ática.

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QUADRO ISéries comparativas no romance

latim português castelhano francês italiano

(1) o breve: novumovetmorditportapopulu

novomovemordeportapovo

nuevomuevemuerdepuertapueblo

neufmeutmordportepeuple

nuovomuovemordeportapopolo

(2) o longo: florehorasolufamosucohorteprorsa

florhorasófamosocorteprosa

florhorasolofamosocorteprosa

fleurheureseulfameuxcourprose

fiorehorasolofamosocorteprosa

(3) u breve: gulajuvenoeulmuundabuccafurnumusca

golajovemolmoondabocafornomosca

golajovenolmoondabocahornomosca

gueulejeuneormeondebouchefourmouche

golagiovaneolmoondaboccafornomosca

(4) u longo: lunavirtutemutare

luavirtudemudar

lunavirtudmudar

lunevertumuer

lunavirtùmutare

(adapatado de R. Ilari, “Lingüística Românica” (Ilari 1992:23).

A recomposição (ou reconstrução) das etapas passadas em cada ramo de cada família de línguas sebaseava fundamentalmente em fatos estruturais disponíveis para a observação – os fatos de língua,provavelmente processos fonológicos ou morfo-fonológicos tais como os exemplificados no quadroacima. De modo geral, as mudanças internamente motivadas e regidas por leis fonéticas remetem ainstabilidades internas que podem resultar em diferentes processos de pressão sobre as formasestabelecidas: por exemplo, pressões do entorno de um som no corpo da palavra provocamassimilação entre sons consecutivos. Entre esses processos sistematizados pela lingüística históricatradicional, estão a assimilação (progressiva e regressiva), a dissimilação, a deleção (síncope, apócope, afarese) aepêntese ou inserção (prótese, anapese, excrescência, paragogo), o alongamento, o rotacismo, entre outras leisfonéticas10.

Interessa lembrar, entretanto, que de outro lado, a tipologia genética teve como base conhecimentosexternos: o saber histórico e geográfico está intimamente ligado às hipóteses sobre parentescogenético nas grandes famílias de línguas, como trataremos melhor mais adiante. Foi o conjuntocomplexo desses saberes (digamos então, estritamente linguísticos e outros) que permitiu acomposição de um corpo de conhecimento sobre as línguas que de um lado as agrupavatipologicamente; e de outro explicava este agrupamento como fruto de evoluções paralelas a partirde uma origem comum.

10 Para uma listagem detalhada, com exemplos, dessas Leis Fonéticas, e também das sistematizaçõesdas regras para a mudança morfológica e derivas semânticas, pode-se consultar L. Campbell,“Historical linguistics – An Introduction”; em especial, os capítulos 2 (Sound Change), 4 (AnalogicalChanges), 5 (The comparative method and linguistic recosntruction) e 8 (Internal Reconstruction).

[ 7 ]

No centro dessa reflexão, a partir do método histórico-comparativo, está o conceito de famílias delínguas geneticamente relacionadas e derivadas paralelamente a partir de uma “língua-mãe”. Comoexemplo, vemos no Quadro II a seguir a genealogia da Família Romance, tal como reconstruída pelatradição da Lingüística Histórica e adaptada por L. Campbell11:

QUADRO II

Exemplo de Stammbaum – a Família Romance

A reflexão lingüística do século 19 estudou, pelo viés da genética, diversas outras “famílias” entre aslínguas conhecidas; e o espírito mais amplo dessa reflexão foi o de buscar chegar, pelo métodocomparativo, a uma tipologia genética abrangente que permitisse, ultimamente, reconstruir a Língua-Mãe Original (a “Ursprache”), a mãe de todas as línguas. A idéia das “famílias de línguas” se torna, apartir disso, um dos conceitos mais difundidos da linguística – percolando, note-se, para outrasáreas do conhecimento que hoje consideraríamos distantes de nossos horizontes disciplinares(notavelmente, para os estudos da gênese e evolução dos organismos biológicos).

Esta perspectiva da Lingüística Histórica tradicional implica num pressuposto forte com relevânciacentral para a discussão que aqui propomos: o de que as línguas naturalmente mudam com o tempo.Ou seja: na tradição oitocentista, qualquer língua, em qualquer contexto (espacial, temporal, social),sofre e sofrerá necessariamente mudanças.

Esta reflexão concebe portanto a mudança como processo internamente motivado: as línguasengendram sua prórpia evolução.

Note-se, neste sentido, que um dos axiomas do método histórico comparativo é a acepção daárvore genealógica de forma a que cada “língua-filha” tenha apenas uma “língua-mãe” (uma árvoregenealógica tradicional se construirá, portanto, sempre no sentido da abertura, da expansão dosramos, nunca no sentido da junção ou afunilamento dos ramos). Isso confere pouca importância aocontato entre idiomas, e no extremo fundamenta afirmações como a de M. Müller no sentido deque a mudança lingüística, ou seja, a evolução das estruturas das línguas, nunca pode ser explicada

11 Em Campbell, L. (2000) – “Historical linguistics”. Cambridge: MIT Press.

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como fruto da mistura, por contato, entre idiomas diferentes – não haverá, portanto, línguas comduplo parentesco: “Es gibt keine Mischprache” ('não há línguas mistas'). O ponto de vista oposto nãotarda a ser proposto: Hugo Schuchardt afirmará em 1884: “Es gibt keine völlig ungemischte Sprache” ('nãohá línguas puras'). Para Schuchardt, considerado o primeiro grande crioulista, é apenas o contato comoutras línguas que pode provocar a mudança em um idioma. Noutros termos, não haveria razãopara se acreditar que uma língua necessariamente sofrerá mudanças – ou seja, que toda línguaengendre sua própria evolução. Nesta perspectiva, portanto, a mudança é sempre externamentemotivada; na linha dos gramáticos oitocentistas representada por Müller, sempre internamente motivada.Importa neste ponto observar que, para além do resumo necessariamente simplificado que aquiapresentamos, a Lingüística Histórica dos 1800 constrói tendências que dialogam a partir de pontosde vista distintos em alguns aspectos12.

Em resumo, a concepção mais internalista da Lingüística Histórica irá desconsiderar o fator contato,e irá procurar conceituar a mudança sempre como evolução natural que incide internamente a cadaidioma; as diferenças entre línguas de comum origem se devem a desenvolvimentos paralelos. Os“empréstimos” são concebidos como fator pouco importante, no sentido de que cada idioma só“toma” de outro idioma itens que sejam compatíveis com sua própria natureza estrutural; ou, deoutra forma, que apenas idiomas estruturalmente compatíveis entre si sofrem empréstimos13.

Vimos até aqui que os tratados lingüísticos anteriores aos 1800 já abordam e discutem a questão doparentesco entre as línguas, aí incluindo a idéia de uma língua ancestral que será fragmentada emodificada pelo Tempo, “gerando” idiomas aparentados e semelhantes por evoluções paralelas. Noentanto, essa reflexão anterior ao Médodo Histórico Comparativo costuma preocupar-sebasicamente com as condições externas que determinariam a “ação do Tempo”. Para a reflexão dosoitocentistas, passa a ser primordialmente interessante abordar a ação do tempo no plano interno, ecompreender suas determinações e regularidades.

No processo de investigação sobre esses mecanismos internos, os lingüistas dos 1800 erguem umsólido edifício de conhecimento sobre as línguas e suas estruturas, cujas fundações seguirão comoreferências importantes mesmo mesmo depois da formação da “Linguística Moderna” no séculoseguinte.

Assim, a tradição da Lingüística Histórica recorta, descreve e explica os fenômenos da linguagem doponto de vista do binômio gênese-evolução. A constituição da Lingüística como disciplina, noséculo 19, quer abordar um objeto-língua orgânico – o que se traduz na construção de um corpometodológico que possa descobrir as Leis internas das estruturas lingüísticas sujeitas a ação dotempo linear-progressivo.

Será em contraposição à abordagem assim constituída que no início do século seguinte Ferdinandde Sausurre irá traçar o corte fundador da lingüística moderna. O gesto de Saussure com maior efeitona discussão que exploramos aqui é a sua separação sincronia/diacronia, ou melhor dito: a suaproposta de que o objeto-língua pode ser estudado fora da dimensão dos efeitos do tempo – algotalvez inconcebível para os teóricos anteriores a ele.

12 Para uma descrição detalhada das diferentes linhas, remeto ao “Dicionário Enciclopédico das Ciênciasda Linguagem”, O. Ducrot e T. Todorov, 1972 (pp. 19 a 29 na edição em português de 1988).

13 Para uma discussão aprofundada sobre o papel do contato nas abordagens oitocentistas – bemcomo na linha estruturalista e funcionalista do século 20 – remeto a “Language Contact, Creolizationand Genetic Linguistics”, de S.G. Thompson e T. Kaufman, 1988.

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1.2 O “corte saussureano”No início dos 1900, o “corte saussureano” vai afastar o foco das preocupações centrais da Lingüísticapara bem longe da dimensão dinâmica de que se ocuparam os oitocentistas, trazendo o olhar dadisciplina para a dimensão estática dos fenômenos. A intervenção de Saussure é, antes de tudo,fundadora de um objeto-língua definido como sistema, e do interesse científico pelas relações entreos termos no interior de cada sistema estaticamente considerado.

É nesse contexto que toma sentido sua discussão sobre o binômio diacronia-sincronia, colocado comouma questão de dinâmica versus estática. Ou seja, a Lingüística, antes de absorver a cisão entresincronia e diacronia, precisa absorver a cisão entre Língua e Fala, Langue e Parole, e a suspensão doobjeto-língua em um plano abstrato no qual possa ser observado, descrito e teorizado de modointeiramente independente de sua realidade histórica – e mesmo, de sua dimensão temporal.

Para começar uma exploração desse corte saussureano fundamental em relação à dimensãotemporal dos fatos de língua, podemos retomar e discutir um pouco a metáfora do jogo de xadrez,com que Saussure ilustra a dualidade sincronia/diacronia:

QUADRO IIIMetáfora da partida de xadrez - F. Saussure, c.1915

“Mas de tôdas as comparações que se poderiam imaginar, a mais demonstrativa é a que se estabeleceria entre o jôgo da língua euma pertida de xadrez. De um lado e de outro, estamos em presença de um sistema de valôres e assistimos às suasmodificações. Uma partida de xadrez é como uma realização artificial daquilo que a língua nos apresenta sob forma natural.

Vejamo-la mais de perto.

Primeiramente, uma posição de jôgo corresponde de perto a um estado da língua. O valor respectivo das peças depende da suaposição no tabuleiro, do mesmo modo que na língua cada têrmo tem seu valor pela oposição aos outros têrmos.

Em segundo lugar, o sistema nunca é mais que momentâneo; varia de uma posição a outra. É bem verdade que os valôresdependem também, e sobretudo, de uma convenção imutável: a regra do jogo, que existe antes do início da partida e persisteapós cada lance. Essa regra, admitida de uma vez por tôdas, existe também em matéria de língua; são os princípios constantes daSemiologia.

Finalmente, para passar de um equilíbrio a outro, ou – segundo nossa terminologia – de uma sincronia a outra, o deslocamentode uma peça é suficiente; não ocorre mudança geral. Temos aí o paralelo do fato diacrônico, com tôdas as suas particularidades.Com efeito:

a) Cada lance do jôgo de xadrez movimenta apenas uma peça; do mesmo modo, na língua, as mudanças não se aplicam senão aelementos isolados.

b) Apesar disso, o lance repercute sôbre todo o sistema; é impossível ao jogador prever com exatidão os limites dêsse efeito. Asmudanças de valôres que disso resultem serão, conforme a ocorrência, ou nulas ou muito graves ou de importância média.Tal lance pode transtornar a partida em seu conjunto e ter coseqüências mesmo para as peças fora de cogitação no momento.Acabamos de ver que ocorre o mesmo com a língua.

c) O deslocamento de uma peça é um fato absolutamente distinto do equilíbrio precedente e do equilíbrio subseqüente. A trocarealizada não pertence a nenhum dos dois estados: ora, os estados são a única coisa importante.

Numa partida de xadrez, qualquer posição dada tem como característica singular estar libertada de seus antecedentes; étotalmente indiferente que se tenha chegado a ela por um caminho ou por outro; o que acompanhou tôda a partida não tem amenor vantagem sôbre o curioso que vem espiar o estado do jôgo no momento crítico; para descrever a posição, éperfeitamente inútil recordar o que ocorreu dez segundos antes. Tudo isso se aplica igualmente à língua e consagra a distinçãoradical do diacrônico e do sincrônico. A fala só opera sôbre um estado de língua, e as mudanças que ocorrem entre os estadosnão têm nestes nenhum lugar”. (...)

(Saussure 1915(1995):104-105)

Essa metáfora explicita como, para o objeto-língua definido como sistema de valores, os efeitos dotempo não são relevantes. É possível entender a importância da distinção entre cada estado do jogo(ou seja, a posição das peças no tabuleiro em dado momento) e cada movimento das peças para a

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perspectiva saussureana: no primeiro caso estamos diante do sistema, que é o objeto da reflexão. Doponto de vista do sistema em cada momento, o jogo de oposições – ou seja, o estabelecimento devalores para cada “peça” – nada tem a dever à origem da posição (isto é: uma posição de xeque nãoserá mais ou menos perigosa por ter resultado de um movimento do cavalo desde a esquerda ou deum movimento do cavalo desde a direita).

Evidentemente, na língua os estados e transições não são claramente destacáveis entre si como numjogo de tabuleiro. Assim, nem a posição estática das peças nem a transição entre elas é que de fatose prestam à comparação com a sincronia e a diacronia na esfera da língua. O que poderíamoscomparar é a abordagem dos fatos em cada caso; ou seja, qual a visão do “curioso que vem espiar oestado do jogo” e a visão do que acompanhou toda a partida. O que vê e se ocupa apenas do estadodo tabuleiro no momento “x” toma a perspectiva sincrônica. Aliás: mesmo aquele que vê e se ocupade toda a coleção de momentos “x” subsequentes no jogo, mas isoladamente entre si, ainda assimestá na perspectiva sincrônica. Em contraste, aquele que se interessar pela seqüência demodificações entre as posições das peças ao longo do tempo de jogo, este estará na perspectivadiacrônica. Dito de outro modo, é no âmbito metodológico que podemos separar o eixo dassimultaniedades (a sincronia) do eixo das sucessões (a diacronia), como mostra Saussure.

O binômio sincronia-diacronia se configura fundamentalmente, portanto, como uma distinçãometodológica: as abordagens são diacrônicas ou sincrônicas; e nenhum dos conceitos se aplica aosfatos de língua em si14. De fato, vamos lembrar que Saussure dá início a essa discussão fundadora dadistinção entre sincronia e diacronia na lingüística moderna com aquela afirmação que lembramosno início desta seção: “...a intervenção do fator tempo é de molde a criar, para a Lingüística, dificuldadesparticulares...”. Já vemos aí a chave da complexidade da discussão – ora: absorver ou impedir a“intervenção” do “fator” tempo só poderá ser uma escolha do ponto de vista da reflexão sobre alíngua; a língua, ontologicamente, não escolhe estar ou não no tempo. A idéia do tempo como umfator que pode ser isolado tem portanto um sentido fundamentalmente metodológico; assim, ametáfora do jogo de xadrez pode ser interpretada da seguinte forma: em uma partida de xadrez (i.e.no estudo da linguagem), há dois pontos de observação e interesse possíveis: a perspectivasincrônica, que se interessa por cada etapa do jogo (ie. cada sistema lingüístico estático)isoladamente; ou a perspectiva diacrônica, que se interessa pelo processo que leva de uma etapa paraa outra ao longo do tempo do jogo (ie. a dinâmica das transições entre cada sistema lingüístico).

A partir daí, configuram-se três pontos de interesse para a nossa discussão. Um primeiro ponto seriao lugar ou o estatuto da diacronia no corte saussureano; um segundo ponto seria a herança do cortesaussureano nas diferentes linhas dos estudos da linguagem ao longo dos 1900. Mas há um terceiroponto, que é importante para compreender os dois primeiros: o da relação entre diacronia e história.

A partida de xadrez de Saussure é construida na forma de um evento fundamentalmente abstrato.Visualiza-se um tabuleiro suspenso no espaço – invisíveis a mesa que o apóia, os jogadores, e osexpectadores da partida.

É nesta partida no vácuo que são definidas as duas perspectivas, a sincrônica – que aborda cadamomento estático da partida como um evento; e a diacrônica – que aborda a sucessão desses mesmoseventos encadeados cronologicamente. Entretanto, nem a abordagem sincrônica nem a abordagemdiacônica assim definidas incluem, a rigor, uma perspectiva histórica da partida.

14 Como salienta, entre outros, E. Coseriu na “Teoria da Linguagem e Lingüística Geral” (1921; 1979);uma discussão aprofundada sobre as repercussões da cisão saussureana neste sentido se encontraem Lucchesi (1997; 2004).

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O olhar diacrônico ilustrado por Saussure na metáfora do xadrez é portanto também um olhar não-histórico, pois que aceita a partida como um evento suspenso no tempo histórico; num tabuleiro semmesa, uma partida que pode estar sendo jogada em qualquer época, por qualquer jogador – vainesse sentido o que dizíamos logo atrás: a cisão entre diacronia e sincronia só toma sentido depoisdo corte fundamental, aquele que funda um objeto-língua abstrato, suspenso no tempo histórico.

Será portanto importante distinguir a cisão sincronia-diacronia da diferença entre a perspectiva históricae a perspectiva não-histórica (ou a-histórica) dos fenômenos de língua. A cisão sincronia/diacronia remeteà inclusão ou exclusão da dinâmica temporal-cronológica em nossa perspectiva dos eventos – e pode muitobem estar ligada a uma concepção desses eventos como abstratos, ou suspensos no tempo histórico.A separação entre a perspectiva histórica e a perspectiva não-histórica não remete necessariamenteao problema da dinâmica da diacronia – mas sim, fundamentalmente, à concepção da língua comoum objeto teórico historicamente contextualizado ou como um objeto teórico sem dimensão histórica.

QUADRO IVEtimologia de “Diacronia”, e etimologia de “História”

DiacroniaDiacronia < Grego dia 'através de ' + chronos 'o tempo'.

O termo diacronia remete a chronos, pela junção de dia 'através de' - chronos, ou seja, 'através dotempo'. Na cosmologia grega, Chronos é fruto da união entre o Céu (Urano) e a Terra (Gaia)– mas também fruto da cisão fundamental entre ambos, uma vez que é ao conseguir separar-se violentamente do abraço de Urano que Gaia consegue dar à luz a Chronos, e assimoriginar o prórpio cosmo. O 'nascimento' de Chronos (ou seja, a separação entre o céu e aterra) é que possibilita a abertura do espaço, o correr do tempo, a sucessão das gerações. MasChronos não 'é' o 'tempo', e sim possibilita nossa percepção do desenrolar dosacontecimentos em uma dimensão sucessiva, fora da união original que foge à nossapercepção. O próprio Chronos, por sua vez, tem uma história violenta; devora seus filhos aonascerem (o que tem sido interpretado como uma alegoria da passagem linear do tempo – osséculos engolem os anos que engolem os dias que engolem as horas...). A idéia de cronologia,de cronológico, remete assim, pela etimologia grega, fundamentalmente à noção de sucessão elinearidade.

HistóriaHistória < Latim historia 'narrativa', 'relato de acontecimentos' < Grego hístor 'aquele que sabe'; historía'conhecimento obtido', 'relato do conhecimento, narrativa' < Indo-Europeu *wid 'ver, saber' .

A etimologia de história está ligada à noção de conhecimento, e mais tarde, de relato ou narrativa –não remete diretamente ao acontecimento, nem à dinâmica do acontecimento. Atualmente,uma das acepções do termo em português é ainda a de narrativa. Em campo especializado, aHistória, como disciplina, está preocupada com a narrativa dos fatos humanos, das sociedades,seus agentes, seus condicionantes sociais e culturais, no tempo. A propriedade de 'histórico',neste sentido, não remete simplesmente à dinâmica da passagem do tempo cronológico, massim remete à narrativa de fatos contextualizados no tempo e no espaço.

A diferenciação entre os conceitos de diacronia e de história é importante, neste ponto, paracompreendermos os diferentes caminhos trilhados, a partir do estruturalismo saussureano, pordiferentes linhas teóricas no campo da assim chamada Lingüística Histórica. De partida, teremos

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que entender que ao longo dos 1900, nem todo estudo dito histórico será, necessariamente, histórico,no sentido de História tal como concebido na disciplina vizinha (ou seja: a própria História). Muitosserão simplesmente estudos lingüísticos que tomam em conta o decorrer do tempo, ou seja, queabordam fatos de língua abstratos em uma sequencia cronológica.

Voltemos, então, àqueles dois pontos interessantes de exploração, que dizem respeito à herança doestruturalismo e à localização da relevância da perspectiva diacrônica nessa herança. Seráfundamental compreender que a “Lingüística Histórica” definiu-se, na herança estruturalista, como ocampo dos estudos linguísticos que se ocupa da dinâmica temporal-cronológica dos processoslinguísticos: ou seja, desenvolveu-se como “ Lingüística Diacrônica ” .

O interesse da perspectiva diacrônica, neste sentido, tem se revelado em diferentes linhas teóricasposteriores ao corte saussureano (pois importa não esquecer que, malgrado o corte da sincronia,também o estruturalismo saussureano confere algum lugar na teoria para a diacronia – comotestemunha toda a segunda parte do Curso de Saussure, dedicada aos estudos “dinâmicos”). Adepender do quadro teórico, a dinâmica temporal-cronológica dos processos linguísticos terádiferentes relevâncias – pois, obviamente, serão distintos os lugares em que se localizam osprocessos linguísticos considerados relevantes; é o que veremos resumidamente a seguir.

1.3 A “Mudança” nos 1900É já um lugar-comum dizer-se que a partir de Saussure, os estudos históricos são relegados aosegundo plano nos horiziontes da Lingüística Moderna. Mas aqui há dois pontos a observar:primeiro, notemos que a desimportância dos estudos históricos (ou seu “ostracismo”15) deve serentendida como pertinente ao âmbito da Lingüística instituída como disciplina “científica” – pontointeressante, a que voltaremos no final desta seção. E, em segundo lugar, importa não esquecer que,como já mencionamos, ainda na herança estruturalista resta um lugar para os estudos da “dinâmicatemporal”, ou seja, para os estudos históricos definidos como diacrônicos.

Se nos deslocarmos um pouco do universo dualista da diacronia versus sincronia, e tentarmos nosvoltar para aquela acepção do objeto de interesse da Lingüística Histórica como a Mudança,podemos entender que os estudos diacrônicos na Linguística apresentam em comum a abordagemda não-permanência dos fatos de língua. Ora: a partir do “corte saussureano”, diferentes quadrosteóricos delineados ao longo do século 20 situarão essa não-permanência – ou seja, a mudança – emdiferentes planos da língua, a depender de como construiram seu objeto teórico. Maisespecificamente, a depender de onde se situa, neste objeto, o espaço para a movimentação einstabilidade16.

É assim que no recorte saussureano, a diacronia pertence à esfera da Fala (Parole), não da Língua(Langue) – pois é a Fala que pode abarcar, neste quadro, a instabilidade, a impermanência, e portantoa mudança. É assim, também, que no recorte chomskiano – que construirá, na segunda metade dos1900, um objeto-língua como entidade biológica – a diacronia irá pertencer à Língua, não àGramática – pois neste quadro é a Língua (aí, um objeto cultural, humano, imponderável) que podeabarcar instabilidade, impermanência, mudança.

Neste sentido, na década de 1960 os estudos da relação entre o Tempo e as Línguas passam por umnovo marco divisor, a partir da reflexão fundada pelo quadro variacionista.

Fundamentalmente, essa perspectiva recusa o paradigma estruturalista, para abordar a língua como

15 Nos termos de Lucchesi (2004).

16 Nesse resumo simplificado das teorias da mudança no século 20, remetemos fundamentalmente àabordagem proposta por D. Lucchesi de modo aprofundado em “Sistema, Mudança e Linguagem”(2004).

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objeto multi-sistêmico. O variacionismo construirá um objeto-língua substantivamente heterogêneo, aoinvés de procurar resolver a hetereogeneidade no plano do não-estruturado. Dessa forma, emcontraste com o quadro estruturalista e com o quadro gerativista (abordagens radicalmente distintasem certos aspectos, mas que têm em comum a característica da abstração do plano sócio-histórico),no recorte sócio-variacionista a heterogeneidade da língua (nos planos geográfico, social, etemporal) está situada no objeto teórico de interesse central.

No que respeita a dimensão temporal da hetereogeneidade (ou seja, a “variação diacrônica”), estaabsorção da não-permanência no objeto-língua significou um impulso na direção dos estudoshistóricos, na contra-mão dos efeitos do corte estruturalista. Desde as décadas de 1960-70 até osdias de hoje, importantes estudos sobre a variação diacrônica nesse quadro têm sido conduzidos17 –com ênfase, sobretudo, na ampliação do universo empírico de pesquisa, e no refinamento de umcorpo metodológico de base estatística que torne possível interpretar essa base empírica.

A partir da abordagem assim esboçada, inspirada pela análise detalhada de D. Lucchesi, seráinteressante pensarmos como se tornou possível que nos quadros em que a instabilidade, aimpermanência, a hetereogeneidade, não podem estar situadas no objeto de estudo central (osistema, para o estruturalismo; a faculdade da linguagem, para o gerativismo), a mudança pudesseainda constituir um objeto relevante de reflexão.

No ambiente estruturalista, a Mudança é importante sobretudo em sua dimensão resultante – ouseja, é relevante pelas marcas que deixa nos sistemas. Aqui estamos incluindo, como herdeiros doestruturalismo, o corpo dos estudos funcionalistas e tipológicos, ou seja, as linhas para as quais o objetoLíngua está localizado nos sistemas e estruturas, linhas para as quais a mudança se concebe comoalterações impressas nos sistemas, seja em parte deles, seja em seu todo18. A relevância dos processosde mudança, aí, nunca é autônoma, mas sim relativa a seus resultados nos sistemas estáticos. Amudança lingüística será aí um objeto de pesquisa relevante sobretudo na medida em que contribuapara a compreensão da organização tipológica dos idiomas. Nesta tradição, portanto, os estudoshistóricos são os estudos das marcas deixadas pelos processos de mudança (por herança ou contato):importa sistematizar as regras internas dos processos engedrados por mudanças, e que podem serestudados a partir de seus resultados nas línguas. Daí se entende a importância da Reconstrução edo Método Comparado nesta linha de pesquisa; de fato, os estudos da mudança nesse ambiente –especialmente os estudos funcionalistas sobre mudanças fônicas19 – renovam e refinam asistematização de processos internos de mudança. Ao longo do século 20, a lingüística histórica deinspiração tipológico-funcionalista foi especialmente importante nos estudos de línguas sem registrodocumental escrito – como por exemplo os idiomas ameríndios.

De outro lado, no quadro chomskiano-gerativista, a perspectiva diacrônica adquiriu diferentes

17 No Brasil, podem-se destacar as pesquisas sobre a formação do português brasileiro, por exemplo apartir do projeto “Para a história do português brasileiro” (organizado por Ataliba Castilho, 1998).

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18 Ou seja, aqueles estudos que irão considerar que a transmissão da língua, por exemplo, é atransmissão do conjunto da produção lingüística: “what is transmitted is an entire language, that is, acomplex set of itnerrelated lexical, phonological, morphosyntactic, and semantic structures”. S.G. Kaufman,1986.

19 Caso exemplar seria a sistematização (na “Économie des changements phonétiques”, de A. Martinet)das mudanças por pressão paradigmática, a partir da concepção do sistema fonológico das línguascomo um equilíbrio precário, no qual a tensão entre a necessidade expressiva e a necessidade deeconomia nunca chega a um estado ideal – uma tensão que pode, assim, dar causa a mudançasinternas, cujos mecanismos podem ser previstos/sistematizados.

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pertinências ao longo do século 20. Em um primeiro momento, os estudos neste quadro voltaram-se ao tema da “variação diacrônica” como mais uma instância de análise que pudesse expandir oconhecimento sobre a variedade das línguas particulares20. Essas primeiras abordagens se ocupavamda diferença entre o estado passado de uma língua e seu estado presente como sincronias em contraste,sem que se problematizasse o plano dinâmico da mudança. Em um segundo momento, entretanto, osgerativistas passam localizar a relevância teórica da mudança lingüística no plano dinâmico eprocessual. Passam a tomar os processos de mudança como lugar privilegiado para a compreensãodo fenômeno da aquisição da linguagem; e nesse sentido, os estudos da mudança se fazem relevantesna medida em que possam contribuir para a compreensão do objeto teórico Faculdade daLinguagem – mais especificamente, por elucidar a relação entre o ambiente lingüístico e a GramáticaUniversal no processo de emergência das gramáticas nos falantes. O foco das pesquisas diacrônicasno no quadro gerativista, então, se desloca da comparação de sincronias para a própria dinâmica damudança. Especialmente a partir dos anos 1990, os estudos nesta linha têm privilegiado asabordagens quantitativas, aproximando-se da linha sócio-variacionista, dela aproveitando odesenvolvimento dos estudos estatísticos e populacionais21. Mais à frente (na seção 2) vamosexplorar algumas questões interessantes surgidas nesse quadro teórico, quanto aos estudos damudança.

Desse modo, na tradição tipológico-funcionalista e na tradição mentalista-gerativista, a relevânciateórica da mudança lingüística localiza-se em planos distintos: no primeiro caso, os efeitos do temposão relevantes na sua dimensão resultante; no segundo caso, são relevantes na sua dimensãoprocessual. Nos dois casos, o século 20 viu surgirem importantes estudos diacrônicos, mas semtanta ênfase na reflexão efetivamente histórica.

Por fim, será interessante lembrar que ao longo do século 20, a despeito de Saussure e à margem dareflexão que será considerada sua herdeira, seguem sendo realizados estudos históricos sobre aslínguas. No âmbito da língua portuguesa, por exemplo, surgem depois dos anos 1910 tratadosgramaticais que se ocupam da história da língua22 – estudos que, de um modo geral, filiam-se àtradição oitocentista, seguindo o método histórico-comparativo; e englobam também um olharimportante sobre a assim chamada História Externa. De um ponto de vista estritamenteinstitucional, essas “Gramáticas Históricas” foram relegadas à periferia da reflexão 'científica'.

Mas notemos que, quando os estudos históricos retomam relevância no núcleo da Lingüística(sobretudo, como vimos, a partir da perspectiva variacionista dos anos 1960), a herança dosgramáticos tradicionais será retomada como referência de pesquisa. Uma das heranças deixadaspelos historiadores das línguas no século 20, por exemplo, foi a notável ampliação de fontes dedados lingüísticos. A partir das investigações de cunho filológico, os 1900 testemunharam enormes

20 Isso se aplica, sobretudo, aos estudos em sintaxe diacrônica conduzidos ao longo dos anos 1980pelos gerativistas, no contexto da expansão da teoria dos Princípios e Parâmetros.

21 Esta aproximação, que parece à primeira vista sem sentido, explica-se na medida em que para ogerativismo a mudança passa a ser concebida como um fenômeno da aquisição da linguagem, eportanto deve ser interpretada a partir do conhecimento sobre as condições para a aquisição em cadageração de falantes. A diferença crucial e fundante entre as duas abordagens é que do ponto devista sócio-variacionista, a dinâmica da mudança (no eixo do tempo, e nos estratos populacionais) éobjeto de interesse em si; do ponto de vista gerativista, a dinâmica é tomada como indicaçãomediada do objeto de interesse de fato (ou seja, o processo de aquisição). Remeto à introdução de“O Português Brasileiro – Uma viagem Diacrônica”, por M. Kato e F. Tarallo, para uma discussão dessajunção das perspectivas.

22 Como por exemplo, no Brasil, as Gramáticas Históricas de Manuel Said Ali, 1921.

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avanços “arqueológicos”, com uma ampla gama de documentação lingüística vindo à tona, e tornando-se sujeita à classificação e análise. Esse processo irá repercutir nas pesquisas assim chamadasespecificamente lingüísticas com necessidade metodológica por grandes volumes de dados (notadamenteo sócio-variacionismo, e em tempos recentes também os estudos no quadro gerativo).

Assim, a história das línguas “cientificamente” reconstituída a partir de fins do século 20 será, emdeterminado plano, herdeira da tradição filológica das Gramáticas Históricas do início do século. Alingüística moderna irá se apoiar em boa medida tanto no material desencavado por esta tradição,como na própria narrativa histórica por ela construída à margem do interesse “científico” dadisciplina.

Aqui note-se que já nos voltamos para um novo aspecto dessa relação entre língua e tempo: aquestão mais especificamente histórica da recomposição das narrativas, de que trataremos a seguir.

Vimos, até aqui, como os estudos lingüísticos têm conferido ao termo histórico primordialmente aacepção de “relativo à passagem do tempo”. Podemos entender que muito do debate sobre o lugar daperspectiva “histórica” na Lingüística remete a uma limitação da história à dimensão do temporal-cronológico, unidimensional – desde a tradição da oitocentista, passando pelo recorte saussureano entresincronia e diacronia, e chegando à sua herança na lingüística moderna.

Procuraremos agora explorar outras dimensões possíveis na reflexão sobre a temporalidade, parabuscarmos nosso caminho de compreensão das diferentes análises das relações entre Tempo eLíngua.

2. Trilhas abertas: língua e história

A consciência da pluralidade dos tempos do tempo é o manifesto daHistória como complexidade.

L.F. Barreto23

2.0 Da temporalidade históricaTentaremos nesta seção explorar um pouco mais as diferentes implicações do diacrônico (tomadocomo relativo à dinâmica do cronológico) e do histórico (tomado como relativo à construção de umconhecimento narrado), buscando com isso um olhar renovado sobre as perspectivas da LingüísticaHistórica hoje.

Quando estávamos explorando a nossa conhecida a metáfora saussureana do jogo de xadrez, jáobservamos que ela se presta a ilustrar a oposição entre diacronia e sincronia; mas nada tem a dizersobre a historicidade. A historicidade da partida de xadrez não pertence à mesma dimensão dadiacronia da partida: a diacronia é a observação e o relato da seqüência de seus diferentes momentosno eixo cronológico, a historicidade incluiria também seu lugar na história das partidas de xadrez, nahistória de cada jogador, e na história do que observa e relata a partida. Já vimos, portanto, que aperspectiva histórica e a perspectiva diacrônica não se recobrem necessariamente, pois abordar a línguaem sua dimensão histórica não se resume a tomá-la na dimensão do temporal-cronológico. Em

23 Em “Caminhos do Saber no Renascimento Português”, 1986.

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nosso resumo sobre os estudos da mudança ao longo do século 20, vimos que a partir daperspectiva estruturalista, os estudos históricos definem-se como diacrônicos. Podemos entendercomo mesmo os diferentes quadros teóricos da Lingüística cujos objetos-língua se constituem comoa-históricos realizem suas incursões pela “Lingüística Histórica”: é que, de fato, esses quadros partem deuma perspectiva estritamente cronológica, ocupando-se primordialmente da sucessão linear de fatos delíngua no tempo. Porquanto passem a incluir a dimensão temporal-cronológica em seus horizontesde pesquisa, fazem-no ainda a partir de uma abstração da historicidade: o eixo temporal dassucessivas etapas evolutivas dos fatos de língua constrói-se como uma sucessão de eventos semhistoricidade. Com temporalidade, mas sem historicidade: o evento A precede no tempo o eventoB; mas isso poderia se dar em qualquer momento da história.

É verdade que esse problema da historicidade não é especificamente relevante apenas para a assimchamada Lingüística Histórica – de fato, é uma questão que se coloca para todo estudo lingüístico.Diferentes linhas contruirão diferentes objetos-língua; em alguns deles, a historicidade é abstraída;em outros, é fundante. Mas aqui entendemos que para a “Lingüística Histórica”, a questão daabstração ou absorção da historicidade adquire pertinência central.

Partindo da definição ampla da Lingüística Histórica como o estudo da língua sob a clave do tempo,proposta no início desssa discussão, teremos de reconhecer que a reflexão sobre a história daslínguas guarda uma especificidade que a destaca das demais perspectivas sobre a linguagem: pois aíse trata de pensar sobre o Tempo – ou seja, estão implicadas as dimensões do tempo comoconhecimento, não apenas do tempo como acontecimento. Exploraremos agora as implicaçõesdessa idéia.

2.1 Os “tempos do Tempo”Nos estudos da língua sob a dinâmica do tempo, a temporalidade integra a esfera das preocupaçõesteóricas da reflexão lingüística. A Lingüística Histórica constitui-se, assim, como um fazerhistoriográfico, no qual é preciso pensar não só o tempo, mas os tempos do Tempo – ou seja, onde épreciso que se reconheça analiticamente a historicidade da própria narrativa em construção.

Quando nos propomos a abordar a língua na perspectiva histórica, estamos portanto nos propondoa um fazer historiográfico, e precisamos refletir criticamente sobre ele. Entretanto, no extremopoderíamos afirmar que a lingüística tem feito a história das línguas ainda apoiada em uma noçãoromântica de “fazer história”, e a uma noção estritamente cronológica do tempo. Ora, na “História”,no sentido de área do conhecimento humano, a temporalidade tem sido compreendida emdimensões mais complexas que a puramente cronológica – trabalha-se aí na dimensão da duração, eda pluralidade do tempo. 24

A Ligüística Histórica, como reflexão da língua sub specie temporis, precisa então pensar as implicaçõesepistemológicas que o estudo do tempo traz. Vamos escolher aqui um aspecto central desseproblema, e suas conseqüências para os estudos lingüísticos: o fato de que os estudos sobre o tempoprecisam trabalhar com os resultados do próprio tempo. Ou seja: só podemos estudar “o passado” a partirdo que se formou como “passado”, a partir do que foi registrado, preservado, e compreendido pornós como passado; estamos inexoravelmente presos ao que se deu a conhecer. Conseqüentemente,os estudos históricos trabalham no plano das narrativas, não no plano da experimentação.

24 Nas palavras de L.F. Barreto, “A revolução epistemológica Braudeliana representa a morte, enquantoinvestigação, do tempo unidimensional (a desautorização plena das histórias tradicionais assentes nocronológico, falso calendário de imediatismo positivista-factológico e no eruditismo cego que confunde recolhadocumental com armazenamento de baús não dando ao documento um estatuto/tratamento teórico massimplesmente técnico/prático) porque é a demonstração de que a diferença repousa na identidade, adescontinuidade implica a continuidade, a mudança atravessa e é atravessada pela permanência/herança.”

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Um primeiro aspecto das análises em que se repercute esse problema de se estar preso ao que se dáa conhecer é a questão da reconstituição das etapas dos fenômenos passados. Nos estudos dopassado a partir do presente, por definição não temos acesso aos fatos e processos, apenas a seussinais no tempo. Esses estudos dependem, portanto, de uma mediação teórica que construa umametodologia de análise desses sinais. Já vimos que a principal resposta dos estudos lingüísticos parao problema da abordagem metodológica dos efeitos do tempo nas línguas tem sido buscada nareversibilidade das etapas de mudança. No entanto, os estudos dos efeitos do tempo nem sempre seprestam à abordagens nesse espírito. No caso dos efeitos do tempo sobre a língua, antes de tudo aorganicidade do objeto em mudança (que precisa estar garantida para entendermos a mudançacomo evolução) não pode ser sustentada em todos os quadros teóricos sobre a linguagem; mas alémdisso, a noção da reversibilidade dos processos deixa de ser interessante para os estudos das línguasquando se toma em conta que, no trabalho da lingüística histórica, o que podemos “examinar” é oque se deixa narrar, não o ciclo completo dos acontecimentos.

Na reflexão histórica, há que tomar em conta que a multiplicidade dos planos temporais dadinâmica dos acontecimentos não são recuperáveis no plano temporal do conhecimento. Nesseponto estamos sujeitos ao veneno das “reconstituições do passado”: a ilusão da recomposição, quandopassamos a pensar que as etapas tais como registradas nos testemunhos do passado são na verdadeas próprias etapas do passado. Como, na reconstituição, estamos abordando linearmente osfenômenos (estamos em um ponto atual do eixo do tempo, olhando retroativamente para um pontoanterior), confundimos essa linearidade da nossa observação com uma linearidade dosacontecimentos. O risco de uma abordagem não-crítica deste problema é terminar atribuindo aosfatos narrados uma linearidade que é, na verdade, atributo da narrativa dos fatos.

O ponto principal que precisamos lembrar, portanto, é que trabalhamos com o que o tempo deixou,não com o que aconteceu; em outros termos, nossa análise opera no plano temporal do conhecimento,não no plano temporal dos acontecimentos25. Nesse sentido uma “reconstituição” histórica não se dácomo reprodução dos fatos em forma de análise, mas como recomposição de narrativas. E, alémdas implicações que isso traz para a questão da reconstituição “experimental” dos acontecimentos, háoutras implicações para os estudos históricos da língua, e que remetem sobretudo ao recorte dasanálises e aos impactos das narrativas anteriores.

A face mais evidente desse problema, para a historiografia das línguas, se revela nos recortes doespaço empírico das análises, e na escolha dos problemas a serem levantados. Para trazer essaafirmação para a esfera do concreto, vamos pensar nas metodologias de pesquisa: os estudos daslínguas, seja qual for o quadro teórico, não partem de recortes “estritamente lingüísticos” (nosentido de puramente abstratos, ou puramente estruturais) para definir seus objetos de análise. Ouseja, não propomos estudos sobre “um sistema ergativo-absolutivo VSO”, ou sobre “uma gramática SVOcom parâmetro de sujeito nulo”, mas sim sobre “O Português”, “O Francês”, “O Tupi-Guarani” – ou seja,partimos de recortes definidos segundo um determinado saber que separa as unidades linguísticascomo universos supostamente homogêneos em seu interior e supostamente diferenciados do seuentorno. Está claro que, nas perspectivas abstratas, esses recortes são tomados como “atalhos” ou“simplificações” dos objetos abstratos a serem tratados – no entanto são essas simplificações, em

25 Voltamos mais uma vez à avaliação de L.F. Barreto sobre as temporalidades na “revoluçãobraudeliana”: “O tempo cronológico, medida do imediato e superficial, é colocado no seu devido lugar, isto é,no reino do empiricamente sentido e visto, e, por isso, valorizado, quando, na verdade, a sua dimensãomeramente factual aberta ao acaso é apenas um dos elementos do jogo entre o simétrico espacial feito decontínuo linear e assimétrico temporal.” O que Barreto chama de “a revolução braudeliana” pode serdescrito, em termos limitados, como a formação de uma nova concepção da temporalidade e suasanálises, a partir da reflexão de Fernand Braudel nos anos 1940. Uma “revolução” que já foiabsorvida, re-discutida, e re-construída amplamente na historiografia em geral, mas à qual areflexão Lingüística parece ainda impermeável.

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toda sua concretude, que permitem delimitar as fronteiras empíricas a serem consideradas26.

Pois bem, este saber em que se apoiam as pesquisas lingüísticas no recorte empírico é histórico – nosentido de que é buscado no conhecimento da realidade social e cultural em que cada idioma estáenvolvido. Trata-se, portanto, de um saber relativo à formação de narrativas anteriores, onde asescolhas das questões pertinentes e dos espaços em que se aplicam podem ser pensados econstruídos diferentemente a depender do ponto de partida de diferentes narrativas.

Isso nos traz de volta ao problema da reconstituição: como podemos pensar a tarefa da LingüísticaHistórica como uma experiência de recuperação reversa de acontecimentos factuais, quando nãotemos acesso a registros completos dos “acontecimentos factuais”; não temos garantias de quenossos recortes empíricos remetem aos nossos objetos teóricos; e não refletimos criticamente sobreas noções de língua e de tempo em que nos baseamos recortar e interrogar os espaços de análise?

Em suma, quando buscamos uma perspectiva efetivamente histórica, e não apenas diacrônica, noestudo lingüístico, precisamos refinar e tornar crítico o nosso olhar sobre o “discurso do tempo”.Precisamos lembrar que as novas narrativa se constróem com base nas narrativas anteriores; e quepodemos refletir sobre aquilo que resta a narrar. Será interessante buscarmos um caso pontual paraexplicitar essas implicações do trabalho sobre os tempos do Tempo, voltando-nos mais uma vezpara a história das línguas românicas.

2.2 Das histórias das “Línguas Românicas”Vamos agora contrapor diferentes narrativas sobre as “Línguas Românicas”, para poder abordar esteproblema da recomposição e da linearidade, discutindo como neste caso concreto a perspectiva denarração constrói diferentes Histórias.

Como já vimos na seção 1, a “Família Romance” é das mais estudadas na historiografia lingüística,sendo a gênese dos idiomas românicos a partir do latim um fato conhecido desde a reflexãogramatical renascentista até os dias de hoje. Como também já mencionamos, a relação genéticaentre estes idiomas “neolatinos” é conceituada tanto com base na observação e sistematização dassuas semelhanças estruturais, como também com base em um conhecimento histórico – referente àcolonização românica dos territórios onde são falados estes idiomas. Seria possível pensarmos, defato, que há pouco o que se discutir a respeito da formação dos idiomas românicos: sua história élargamente sabida; a herança do latim é evidenciada na fala de portugueses, castelhanos, italianos,franceses, sardos...

Entretanto, Teodoro Maurer Jr., em “A Unidade da România Ocidental” (1951) chamou a atenção parao seguinte fato: o vocabulário românico comum (aquele conjunto de itens lexicais compartilhados,com variações formais mínimas, pelos “neo-latinos”) compõe-se sobretudo de itens que entraram

26 Para exemplificar: em um estudo sobre “O Português”, eu irei separar os meus falantes “brasileiros”dos meus falantes “portugueses”, considerando cada um dos conjuntos de suas“intuições”/“estruturas” como homogêneos e excludentes; mas não necessariamente os meusfalantes “paulistas” dos meus falantes “mato-grossenses”; nem vou agrupar os meus falantes“paraenses” com meus falantes “beirenses”, separando-os como grupo em relação ao conjunto dos“lisboetas” e “cariocas” - etc.). Notemos ainda que nos estudos diacrônicos, as pesquisas terão deconsiderar ainda mais fatores complexos que nos estudos sincrônicos nesse momento; pois, além dadefinição espacial, há que se fazer uma delimitação temporal do objeto empírico; e a delimitaçãotemporal pode entrar ainda em uma complexa relação com a delimitação espacial (voltando aoexemplo do meu estudo de “O Português”: a partir de que momento eu passo a separar meuuniverso emírico brasileiro do meu universo empírico português?).

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nos idiomas “românicos” apenas a partir de fins da Idade Média. Segundo Maurer, nos idiomas faladosna parte ocidental da Europa, as palavras formalmente mais semelhantes ao latim, cujas diferentesformas nos diferentes idiomas “neo-latinos” são menos alteradas, são as mais recentementeintroduzidas – em especial depois do renascimento. Trazemos aqui alguns exemplos de um dosaspectos desse problema, os “duplos diacrônicos” do português, representados por duplas de itenslatinos mais ou menos “aportuguesados” ainda hoje presentes na língua:

QUADRO V

Exemplos de Latinização Tardia nos “romances” ocidentais em T. Maurer (“A unidade da România Ocidental”)

(1) Sufixo -anus < - ano

Português Arcaico: -anus < -ão (romão)

Português pós-séc 16: -ão < -ano (romano) (expt.: hortelão; ancião) (“hiper-latinizações”: Fernão < Fernando, Antão < Antonio)

(2) Itens Lexicais Populares (entrada mais antiga) vs. Eruditos (entrada mais recente)

popular erudito

artelho artículocabedal capitalcatar captarcadeira cátedrachão planocheio plenodelgado delicadologro lucromágoa máculaolho óculoorelha aurícula

Consideremos que, em uma análise comparativa, iremos de imediato associar itens como oportuguês plano com o castelhano plano, por exemplo; mas menos imediatamente, o português chãocom o castelhano llano. Ora, é possível pensarmos que grande parte da semelhança “formal” quepercebemos nas falas “românicas”, e que provoca uma identificação imediata entre falaresportugueses, castelhanos, italianos ou franceses, provavelmente não fazia parte do inventário dessesfalares nos primeiros tempos medievais, e talvez não sucitasse, de imediato, a mesma identificação.Mas pela teoria genética tradicional da Linguística Histórica, seria de esperar que quanto maisrecuássemos no tempo, maior fosse o grau de semelhança entre os idiomas românicos – pois maispróximos estariam, cada um deles, à língua mãe; menos afetados pelas evoluções internas paralelasque, em tese, os diferenciaram entre si e em relação ao Latim. Entretanto, segundo T. Maurer, ooposto acontece: quanto mais recuamos no tempo, mais diferentes entre si aparecem esses idiomas.

Esse aparente paradoxo se explica pela história cultural da formação da “Unidade da RomâniaOcidental”, segundo Maurer. Essa unidade teria sido construída em torno de dois eixos: ao longo daIdade Média, com base no intercâmbio cultural entre os diferentes reinos; e a partir doRenascimento, isso se reforça pelo resgate da tradição latina nos quatro cantos do território. Um eoutro processo eram propícios ao contato lingüístico e à importação de vocabulário latino via línguaescrita. É interessante salientar que essa noção do universo românico ocidental como uma áera decontato lingüístico, sobretudo pela via da língua escrita, encontra eco também na história dasorigens das línguas da Hispania tal como narrada por Duarte Nunes do Lião, que já lembramos

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resumidamente na seção 1. O contato entre os idiomas “filhos dos latinos” é, também para DuarteNunes, um fator importante na homogeneidade formal por eles guardada27.

Esse “caldo cultural” latino, que configura as identidades lingüísticas inseridas nesta parte ocidental doimpério romano, distingue historicamente uma outra porção do território da antiga românia: aRomânia Oriental, notadamente a Romênia. Isolado culturalmente do ocidente da Europa depois daqueda de Roma, o romeno não apresenta diversos dos traços comumente identificados como“herança latina” nos demais idiomas – sobretudo no que se refere ao vocabulário. Para Maurer, sãoapenas os aspectos vocabulares e estruturais que se podem identificar como comuns tanto aoromeno como aos idiomas ocidentais que se podem tomar como herança latina direta – pela via dolatim vulgar (e não como re-latinização, pela via do latim escrito).

Ao contrapormos essas duas histórias, veremos então que a grande “Família Romance” pode sercompreendida como o resultado fragmentado de evoluções paralelas de uma mesma língua-mãe (oLatim) – é a interpretação habitual a que estamos todos acostumados. Mas inversamente, pode sercompreendida como a (re-)construção de um imaginário homogêneo que remete a uma língua-modelo (o Latim), a partir de uma fragmentação historicamente determinada de uma origemcomum bastante difusa (o Latim Vulgar); é a perspectiva possível com base em Teodoro Maurer Jr.Se lembrarmos da “árvore genealógica” romance, proposta pela Lingüística Histórica tradicional, elacompunha uma figura arbórea unidirecionalmente orientada – sempre abrindo, expandindo seusramos. Numa perspectiva que leve em conta a “re-latinização”, a “árvore” poderia se construir menoslinearmente, passando por diferentes ciclos de expansão (o “latim vulgar” se diferenciando nosvernáculos medievais) e concentração (os vernáculos medievais se re-latinizando).

Uma pergunta interessante, a partir dessa narrativa de Maurer, remeteria à situação das “línguasromânicas” antes de se terem re-romanizado. Ou seja, no período que se segue à queda do ImpérioRomano, mas é ainda anterior aos 1300, 1400 - qual a realidade lingüística dos territórios daRomânia Ocidental?

Se olhamos para o extremo ocidente da românia, a Península Ibérica, veremos uma situaçãoextremamente interessante. A partir do século 5, a Hispania dos romanos é avassalada por Vândalos,Godos e Visigodos – ou seja, por povos germânicos, que vem formar uma cultura “romano-gótica” naregião, com a fundação de reinos cristãos neste período. A partir do século oitavo, uma nova leva deinvasores chega do sul – e a antiga Ibéria é agora arabizada. Os testemunhos históricos vão nosentido de que nas terras altas – A Castela Antiga, a Galícia, etc – resistem os reinos cristãos(herdeiros dos romanos, e agora dos germanos); mas de ali para o mediterrâneo, o modo de vidamourisco se entranha nas aldeias e cidades da Hispania. Ao longo dos séculos 10 e 15, travam-se asbatalhas para a “Reconquista” – movimento em que os reinos cristãos do norte vem descendo etomando dos “mouros” as terras do sul, e que só termina em 1494 com a tomada da última cidadelaárabe, Granada. Os cristãos traziam, nessas batalhas, suas leis, sua religião, e seus falares. Depois dos1500, é cristã a Península inteira, e toda ela culturalmente inserida em um movimento de re-romanização, em vista de se tornar novamente a Hispania.

Datam desse último período os primeiros tratados sobre os idiomas da Península – preocupados,todos eles, em elevar os vernáculos à condição de línguas, sobretudo reforçando a herança latina.

27 “E se alg~us disserem que ha muitos vocabulos que os Portugueses tem semelhantes aos Castelhanos, naõ heporque delles os tomassem, mas saõ com~us a elles como saõ aos Castelhanos, Italianos, & Franceses, semsaber quem os tomou de quem, como saõ muitos dereiuados dos latinos, ou Godos, ~q cada h~u corrompeosegundo tinha a lingoa como vem nestes exemplos, o Portugues diz começar, ~q parece que viria de com &initiare. O Castelhano diz començar, o Italiano cominciar, o Frances commencer, dizem os Portuguesesespantar, os Italianos espauentar, os Franceses espouinter, que todos vaõ a hum”. (Lião 1606: 128-129)

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Não é de se admirar que capítulos e mais capítulos desses tratados se dedicassem à época românica;que se lamentem pela invasão dos povos de “bárbara língua”; que se enraiveçam com a “perdição”para os mouros28. E que esmiúcem as semelhanças de cada vernáculo com o Latim, mas dediquemesparsos e parcos comentários às marcas deixadas pelos povos de fala germânica, e posteriormente,pelos povos de fala árabe.

A narrativa que se constrói ali é a narrativa dos herdeiros da tradição romana, é a narrativa doscristãos vencedores, e suas línguas companheiras da espada (nos termos de Nembrija).

A memória das eventuais heranças germânicas e árabes nas falas hispânicas se perde na construçãoda história romanizada de seus vernáculos, a tal ponto que hoje nos parece irrelevante questioná-la.Ora, se trezentos anos de convivência com os germanos, sobrepostos (na maior parte do território)por mais setecentos anos de convivência com os árabes, não resultam em nenhum efeito lingüísticosobre as falas ibéricas – isso em si se configura como um fato digno de nota, ou seja, como pontode extremo interesse para a pesquisa lingüística. Entretanto, as narrativas que se compuseram emtorno das línguas portuguesa ou castelhana nunca escolheram privilegiar a história dos contatos –mas sim, a história das heranças e evoluções a partir da “língua-mãe”. A história das línguasespanholas é, como talvez não poderia deixar de ser, a história que se deixou contar; a história quefez sentido histórico.

Nesse aspecto o caso das “Línguas Românicas” ilustra as armadilhas colocadas pela noção de“objetividade” para o lingüista preocupado com a Mudança. Seria possível argumentar-se que o fatorealmente “objetivo” do qual podemos partir para estudar a história desses idiomas é sua filiaçãogenética ao Latim; seria o que lhes confere a homogeneidade necessária a um estudo tipológico, porexemplo. Mas é difícil sabermos o quanto de “objetividade” há no agrupamento tal como estabelecidoaté aqui como herança dos séculos de estudos latinizantes sobre as línguas espanholas, uma vez queperguntas diferentes raramente foram formuladas29. Sabemos da importância histórica da pergunta originalsobre a gênese dos idiomas ibéricos “românicos” a partir do latim. Mas quais seriam as conseqüências“teóricas” para o nosso “conhecimento” sobre as línguas Ibéricas em um contexto histórico no qual areflexão lingüística, ao invés de gerada no coração da europa ocidental renascentista, tivesseflorescido no interior de um mundo científico de influência árabe – no qual esta, portanto, fosse a

28 Lembrando Duarte Nunes, “Vindo pelos tempos, como he natural, hauer mudança nos stados, & declinar oImperio Romano, veo a Hespanha a inundaçaõ dos Godos, Vandalos, & Sitingos, & de outras gentes barbaras,que deuastaraõ Italia, & as Gallias, & dominaraõ Hespanha, & com sua barbara lingoa corromperaõ a Latina,& amesturaraõ com a sua da maneira que se vé nos liuros & scripturas antigas que pelo tempo foi esta lingoafazendo differença nas Prouincias de hespanha, segundo as gentes a vieraõ habitar. Depois desta barbaria quese introduzio veo a perdição de toda Hespanha, que os Moutros assolaraõ, & destroiraõ entre os quaes ficaraõos Hespanhoes h~us captivos, & outros tributarios por partidos, que de si fizeraõ, para lhes laurarem as terrascomo seus ascripticos, & inquilinos. E viuendo entre elles corromperaõ ainda mais a lingoa mea Gothica, &mea latina que fallauão tomando outros vocabulos dos Mouros, ~q ainda oje nos duraõ. Depois destecaptiueiro vindose recuperar muitos lugares de poder dos Mouros, pellas reliquias dos Christaõs que dadestroiçaõ dos Mouros escaparaõ nas terras altas de Vizcaia, Austurias & Galliza. E faz~edo cabeças dealg~us senhorios ficou aquella lingoa Gothica, que era comua a toda hespanha faz~edo alg~ua diuisaõ, &mudança entre si cada hum em sua regiaõ segundo era a gente com que tratauaõ”. (Lião, 1606:30)

29 Uma interessante exceção é a discussão proposta por alguns tratadistas portugueses românticos,que contestaram a origem latina da língua portuguesa – sem grande repercussão na linhagem“científica” lingüística histórica. Veja-se, sobretudo, a discussão de Alexandre Herculano (nas“Reflexões ethnographicas, philologicas e historicas a proposito de uma publicação recente sobre a origemceltica da lingua portugueza”, numa edição da revista O Panorama de 1884), sobre o “Opúsculo Acercada origem da língua portuguesa” (impresso em 1844). As duas obras estão disponíveis na coleçãovirtual da Biblioteca Nacional de Lisboa, <http://bnd.bn.pt>.

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herança que importasse valorizar30?

Vimos até aqui como a história das línguas ibéricas se relaciona ao problema da reconstituição dasnarrativas, levantando a questão dos condicionamentos históricos do ponto de vista da narração. Háentretanto um segundo aspecto interessante – ligado àquela questão mencionada mais acima, dasimplicações de não podermos trabalhar no âmbito dos acontecimentos, mas sim do que resta deles.Ora, um argumento que se poderia levantar como bloqueio ao questionamento sobre a relevânciado contexto cultural mourisco para a reflexão sobre a história do português ou do castelhano seria oargumento documental: os testemunhos lingüísticos da fala medieval portuguesa e castelhana nãoapontariam para uma influência árabe.

Aqui não podemos esquecer que os testemunhos do tempo são, eles mesmos, um efeito do tempo –noutros termos, os “dados históricos” são selecionados pelo tempo, representam o que se deixaconhecer. No caso da documentação sobre as línguas, os dados históricos principais são os registrosescritos que chegam até nós. Ora: esses registros representam um fragmento dos acontecimentos.Mais que isso: um fragmento daquilo que um determinado contexto histórico julgou relevante registrar; queum segundo momento histórico julgou importante preservar; e que um terceiro momento histórico consideroupertinente examinar. Trazendo esse problema mais para perto, isso significa que como documentaçãodas línguas espanholas medievais temos acesso, hoje, aos fragmentos da língua escrita nas cortescristãs – por exemplo, os códigos de leis e outros documentos legais; as crônicas históricas dosfeitos dos reis cristãos.

Importantes e interessantíssimos fatos lingüísticos nos são revelados por estes testemunhos; nãopodemos esquecer, entretanto, que há todo um universo de fatos lingüísticos contemporâneos aeles, e aos quais não temos acesso por meio de documentação – porque tais fatos nunca foramregistrados. Não foram julgados dignos de registro em sua época; ou não foram consideradosdignos de preservação. Com isso, a verdade é que hoje podemos chegar a conhecer a linguagem dosreis e das cortes cristãs espanholas medievais; mas ficamos com a pergunta: como falavam suascriadas quando iam comprar mariscos e temperos nos mercados, nos idos dos 1200?

Tentamos aqui discutir uma das maneiras pelas quais os estudos sobre os efeitos do tempo naslínguas absorvem as narrativas anteriormente construídas. Tanto no momento da escolha dosespaços empíricos e de seu recorte, como na escolha das perguntas que parecem valer a penapercorrer, os estudos se apóiam no conhecimento da História das línguas – não apenas no

30 Na reflexão gramatical dos séculos XVI e XVII, a influência árabe aparece pontualmente, e sereveste sobretudo de item bélico fundamental na atribuição de rudeza aos idiomas português ecastelhano por seus respectivos detratores. Parecer com o árabe, assim, é uma acusação dedessemelhança com o latim. Os castelhanos gostam de apontar as nasais portuguesas como sinal deuma rudeza moura, enquanto os portugueses elejem as aspirações castelhanas como marcas dessemesmo passado nada louvável entre os castelhanos. Mesmo mais tarde, a influência árabe, na grande maioria dos estudos sobre as línguas ibéricas, temsido relegada ao plano dos empréstimos lexicais (em particular no que toca a toponímia e ovocabulário tecnológico), havendo um consenso largamente estabelecido de que não houveconseqüências estruturais desse contato. Mais adiante, na seção 3, voltaremos um pouco a essaquestão dos “resultados” do contato; embora ainda sem discutir em termos específicos, valerálembrar que o argumento da semelhança lexical e morfo-fonológica das línguas ibéricas com olatim não nega necessariamente esse questionamento, uma vez que em casos mais extremos dehistórias de contato – os crioulos – não se questionará a importância dos idiomas da base sintática,malgrado a semelhança de um crioulo com o idioma da base lexical.

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conhecimento da diacronia dos fatos lingüísticos.

Nesse sentido, os estudos históricos da língua precisam partir de uma postura historiográfica crítica.E podemos entender que isso se aplica a todo estudo histórico da língua – em qualquer quadroteórico. Na última seção, a seguir, falaremos sobre alguns desafios que se apresentam, a partir disso,para os estudos sobre a mudança lingüística em um dos quadros teóricos mais importantes naatualidade, e no qual a historicidade pareceria ser, à primeira vista, inteiramente irrelevante no eixodas análises.

2.3 A teoria da gramática e a história das línguasJá mencionamos, no início, que a mudança lingüística pode ser uma noção desafiadora a dependerda concepção de linguagem; é o caso do quadro teórico mentalista-chomskiano. Iremos ver agoraque a renovação do interesse da teoria da gramática gerativa pela Linguística Histórica em temposrecentes é responsável por alguns dos mais interessantes debates em processo nesta linha depesquisa.

Para a concepção da Lingüística Histórica tradicional, como vimos, é central a evidência de que aslínguas mudam. Pois se testemunhamos diferenças entre etapas cronológicas que se sucedem; e seconcebemos os eventos da língua como orgânicos, a diferença entre as etapas só pode serconceituada como desenvolvimento ou evolução. Entretanto, a perspectiva estruturalista de sistemarejeita a noção de organicidade – ou seja, cada sistema tem sua própria lógica, independente dalógica do sistema que o precede cronologicamente. Nesse quadro, fundou-se um objeto-língua quenão muda naquele sentido orgânico – pois é um objeto que só tem sentido analítico na estaticidade.A rejeição da perspectiva estruturalista, nos meados do século 20, remeterá por sua vez a outrosdeslocamentos do foco de análise.

No caso da fundação da perspectiva mentalista-chomskiana, o objeto-língua constrói-se novamenteno plano do estável: neste caso, a estabilidade abstrata de uma capacidade mental. A faculdade dalinguagem, essa capacidade mental, é portanto novamente um objeto-língua que não comporta anoção de mudança em sentido orgânico – ou seja, não evolui, não se transforma, não se desenvolve31.

O objeto da lingüística neste quadro teórico, portanto, não está na estrutura, mas na possibilidade de segerarem as estruturas, ou seja, a gramática. A dimensão do heterogêneo nas línguas humanas estálocalizada, neste quadro, em diferentes instanciações da faculdade da linguagem: ou seja, gramáticasparticulares, limitadas pela gramática universal. As gramáticas particulares não são transmitidas, enem devem ser confundidas com o conjunto das estruturas possíveis – a aquisição da linguagem,para os gerativistas, é um processo no qual as gramáticas amadurecem a partir do contato da criançacom a experiência lingüística. Nesse contexto, a evidência empírica da mudança linguística temcolocado problemas profundamente desafiadores para os gerativistas – nas palavras de D. Lightfoot:“Grammars, in our perspective, are mental entities which arise in the minds of individuals when they are exposed aschildren to some triggering experience. In that case, the central mistery for historical linguists is why they have anythingto study: why do languages have histories? Why do changes take place, and why are languages not generally stable?”

Em algumas das principais abordagens no quadro mentalista-chomskiano, a mudança lingüísticatem sido conceituada como um evento catastrófico que abala a experiência lingüística dedeterminada geração de falantes. Ou seja, em condições ideais, as gramáticas seriam sempreadquiridas sem mudança; entretanto, condições externas adversas podem abalar este processo eimpedir que uma determinada geração de falantes adquira uma gramática da mesma forma que a

31 Saliente-se: ao menos, não no tempo histórico. A mudança na faculdade da linguagem pode serpensada no tempo da evolução – mas esse é campo a que não nos dedicamos; remeto a S. Pintzuk, naintrodução a “Diachronic Syntax” (2000), para uma breve discussão desse aspecto.

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geração anterior a adquiriu32. Nesta perspectiva, as gramáticas de fato não mudam (em um sentido“orgânico”, ou seja, de um organismo que evolui ou se desenvolve), mas sim são substituídas poroutras gramáticas.

Notemos, portanto, que enquanto objeto teórico, a “evolução” das estruturas ou fatos de língua nãotoma sentido no quadro mentalista-chomskiano. Se a linguagem é a gramática (ou seja, apossibilidade de se gerarem estruturas), as gêneses dos processos não devem ser buscadas noseventuais rastros deixados nas estruturas. Nesse sentido a reconstrução pelo método comparativoescapa inteiramente ao quadro teórico e metodológico gerativista. A gênese dos processos demudança só pode ser buscada, nesse quadro, na análise comparativa de estruturas produzidas emetapas cronológicas sucessivas, com a pergunta fundamental: como se dá o processo pelo qual apossibilidade de se gerar a estrutura “A” foi abandonada, e substituida pela possibilidade de se gerar a estrutura“B”. Ou seja: o que provocou e como se deu a substituição das gramáticas?

Os estudos da mudança gerativistas têm apontado diferentes processos que podem abalar a situaçãoótima de experiência lingüística. Os mais evidentes são os grandes deslocamentos populacionais, eas situações intensas de contato; nesses contextos são descritos casos de mudanças catastróficas,como a crioulização. Entretanto, outros estudos têm apontado para situações externas um poucomais sutis como causa última de mudanças – por exemplo, alterações no ambiente sócio-lingüísticopor meio de contato dialetal. De todo modo, o ponto interessante aqui é observar que pornecessidade teórica, a causa última da mudança gramatical – ou melhor, da substituição degramáticas – deve ser localizada na experiência lingüística, ou seja, em um plano externo ao objeto-língua33.

Aqui retornamos àquela questão da acepção da mudança como internamente motivada ouexternamente motivada – e portanto, à abordagem da instabilidade, ou mesmo da concepção delíngua como objeto estável ou variável. Na acepção mais tradicional da lingüística oitocentista, comovimos, as línguas engendram suas mudanças (portanto, a mudança é fundamentalmente interna, e osistema, instável); aqui, o objeto-língua (a gramática) é visto como estável – e a mudança, portanto,como externamente motivada. Volta à baila, assim, a relevância do contato como fator causador demudanças nas línguas. A relevância do contato como fator nas teorias da mudança revela, também,qual a dimensão que se confere ao “fator tempo” em cada abordagem; nas abordagens em que otempo é, fundamentalmente, uma força cronológica unidimensional (como na tradição oitocentista),a questão do contato aparece como menos relevante. Na perspectiva da teoria da gramática gerativa,os efeitos do tempo precisam ser concebidos menos como uma força gradual e linear, e mais comouma força desestabilizadora que pode atuar em golpes imprevistos e catastróficos – e nestes casos, aquestão do contato volta ao centro das atenções.

32 “If people produce utterances corresponding fairly closely to the capacity of their grammars, then childrenexposed to that production would be expected to converge on the same grammar. This is what one wouldexpect if grammars have structural stability, as we have claimed. (...) In that case, diachronic change wouldbe expected only if there were some major disruption due to population movement. Not only is this what onewould expect naively and pre-theoretically; it is also what many learnability models would lead one toexpect.” D. Lightfoot, 1999.

33 É verdade que uma das linhas de pesquisa sobre aquisição e mudança no quadro gerativistainvestiga a instabilidade nas próprias gramáticas. Ou seja: localizam a potencialidade de variação eerro no sistema de aquisição (remeto por exemplo ao algoritmo de aquisição de Clark e Roberts,1993). Evidentemente, as teorias de aquisição e mudança nesse quadro precisam investigar quais ospontos da arquitetura da gramática que comportam variação-erro-mudança. No entanto, em algumponto-limite, se torna sempre necessário invocar um agente externo de perturbação da lógica dagramática. Para uma discussão interessante sobre a localização da variação (e portanto, damudança) na arquitetura da gramática a partir do modelo chomskiano minimalista, remeto maisuma vez a S. Pintzuk (2000).

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Vamos ressaltar um último ponto importante: na perspectiva gerativista, a gramática é o lugar daestabilidade; a língua, não; ainda nas palavras de D. Lightfoot, “Grammars, then, are real, biologicalentities represented in individual minds. On the other hand, a language, like Odysseus, turns out to be a mythical,imaginary creature. It may be a convenient and useful fiction, like Odysseus and like the setting of the sun, but inreality it is a derivative, the aggregate output of some set of grammars. We shall see that a language is not a coherent,definable entity”.

Ora, a investigação dos processos de mudança vem obrigando a teoria gerativa a enfrentar umaquestão definidora para o quadro: a linha que distingue, nos fatos de língua, a dimensão da gramáticada dimensão da língua. Pois ao se propor estudar a história das línguas, o que lingüista terá diante desi será aquela criatura “mítica e imaginária”, aquela “entidade não-coerente e não-definível”, aquela sereia deUlisses – ou seja: a língua. Interessantes problemas metodológicos surgem dessa contingência de setrabalhar com as línguas, tendo por objeto as gramáticas.

É verdade que os lingüistas no quadro gerativo estão sempre diante desta contingência. Mas ametodologia da lingüística gerativa construiu um mecanismo que, em tese, dá suporte analítico àinvestigação: a pesquisa nesse quadro teórico se dá como experimentação. O que os gerativistas fazem,quando estudam as gramáticas, é partir da produção lingüística como dado empírico, e proporexperimentos nos quais se consulta a intuição gramatical dos falantes. É de fato o julgamento dosfalantes sobre os dados (e não os dados imediatos) o objeto da observação e da investigação nessaspesquisas. O acesso à intuição dos falantes é portanto a ferramenta metodológica fundante, que dásentido e possibilita a análise dos fatos da gramática.

Evidentemente, essa ferramenta não está disponível para o estudo de línguas faladas no passado. Ese em um primeiro momento, a lingüística gerativa se ocupou da diacronia conferindo poucaimportância para este problema “técnico”, em tempos recentes essa encruzilhada metodológica vemsendo considerada central. As pesquisas sobre mudança gramatical têm procurado construirmetodologias mais adequadas para o trabalho com os dados históricos; sobretudo, buscam apoiar-sena ampliação dos universos empíricos de análise, com grandes recolhas de dados e quantificaçãoestatística. No entanto, e este é o passo interessante, a análise desses dados precisa ser enfrentada deforma mediada; a evolução dos fatos de língua não é a evolução das gramáticas, mas apenas seupossível reflexo34.

Isso equivale a dizer que nos estudos da mudança no quadro gerativo, será fundamental propor umadiferença entre mudança gramatical e mudança lingüística, o que traz interessantes desafiosmetodológicos – como já vimos, pelo problema fundante de se trabalhar com a língua, querendorefletir sobre as gramáticas; mas também questões interessantes para a reflexão que desenhamosaqui, sobre o problema das temporalidades.

Voltando a essa nossa questão das temporalidades, podemos pensar que na substituição das gramáticasopera o tempo catastrófico e a ruptura; nas alterações graduais das línguas opera o tempo linear e a herança.

As unidades temporais fundamentais para a teoria da mudança no quadro gerativo são os ciclos de“transmissão” ideal da gramática; no interior de cada ciclo assim concebido, tudo corre comoesperado, e as possibilidades de se gerarem estruturas (i.e., as gramáticas) funcionam de modoótimo. Cada um desses ciclos, entretanto, pode ser interrompido por eventos catastróficos –definidos, nos termos da teoria da gramática, como eventos externos em sua gênese, mas que terãoefeitos na língua. O efeito fundamental dos eventos externos em termos de mudança é o de abalar asituação ótima de experiência lingüística, afetando assim o surgimento de uma gramática particularem determinada geração. As conseqüências desses processos de perturbação são imprevisíveis,

34 O termo reflexo surge da investigação que dá início, no ambiente gerativista, a esta busca por umapesquisa com dados aliada à uma mediação teórica da análise: o “Reflexes of Grammar in Patterns ofLanguage Change”, de A. Kroch, em 1989.

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podendo ir da interrupção mais radical (por exemplo em situações de crioulização) às alteraçõesmenos globais, que podem ser conceituadas como mudança paramétrica, mas não sãonecessariamente experimentadas como mudança de língua35.

Entretanto, e é esse o ponto de interesse, essa sucessão dos ciclos temporais gramaticaisentrecortados por catástrofes é uma análise teórica; mas não se imprime necessariamente no eixo davivência empírica. No eixo do factual (que como já vimos, remete à dimensão do temporal-cronológico, do experimentado) a sucessão de eventos pode se apresentar como gradual – seja notempo do acontecimento (pela percepção necessariamente limitada da vivência empírica), seja notempo da narrativa (pelas condições de reconstrução da temporalidade a que também já nosreferimos). Daí se explicaria a aparência quase sempre gradual das mudanças lingüísticas no planodocumental, ou seja: assim se explicaria o fato de que um acontecimento catastrófico pornecessidade teórica – a substituição de gramáticas – imprima testemunhos linearmente graduais.

Nesta seção procuramos pensar como os estudos da mudança no ambiente gerativista hoje podemlevar a perspectivas interessantes quanto à relação entre Tempo e Língua. Pode-se vislumbrar apossibilidade bastante desafiadora de se conceber, no quadro da teoria da gramática, uma teoria damudança que leve em conta o problema dos tempos do Tempo – ou seja, que absorva a complexidadedo tempo pluridimensional.

Mas como só se pode fazer hipóteses sobre as gramáticas com base nos registros das línguas, surgeo desafio – talvez paradoxal – da articulação entre uma teoria complexa das gramáticas e umareflexão historiográfica crítica.

3. Perguntas finaisO homem, filho do tempo, reparte com o mesmo tempo o seu saber ou a suaignorância; do presente sabe pouco, do passado menos e do futuro nada.

Antonio Vieira, na História do Futuro, meados dos 1600

Para terminar, retomamos uma última pergunta que esboçamos no início da discussão: será possívelpercebermos “como por transparências” as múltiplas histórias superpostas nas diferentes realidades dalinguagem?

Tentamos aqui desenvolver um debate sobre os estudos históricos na lingüística que aproveitasse aidéia da História como complexidade, a partir do passo teórico que possibilita às análises abandonara abordagem do tempo como dimensão cronológica e linear, e conceber o tempo em pluri-dimensões – passo que, como vimos, outros estudos históricos propuseram já em meados do século20. Essa concepção complexa do tempo traz a idéia da superposição de eixos temporais, com aatuação concomitante de ciclos distintos, tanto no eixo dos acontecimentos como no eixo doconhecimento.

Seria interessante procurarmos examinar este desafio da abordagem das histórias superpostas nasrealidades da linguagem de um modo mais próximo; para isso podemos aproveitar o que vimosacima acerca da reflexão gerativista sobre a mudança de gramáticas, e voltar a pensar no problemadas “histórias” das “Línguas Românicas”, que vem aqui nos servindo de fio condutor.

35 Já veremos que esse pode ser o caso da mudança gramatical que separa, para os gerativistas, oportuguês do Brasil e o português europeu como gramáticas distintas, embora sejam imaginadaspelos falantes como uma mesma língua

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Vimos até aqui que a concepção da relação genética entre os idiomas dessa “família” foi herdada dorenascimento europeu, sistematizada pelos gramáticos oitocentistas, e tornada lugar-comum pelalingüística do século 20 em geral. Vimos também uma outra abordagem, que explica a proximidadeentre os idiomas “neolatinos” ocidentais com ênfase mais no contato pós-românico que na herançaromana direta. Propusemos ainda que há argumentos históricos interessantes no sentido de que a“herança românica” não seja a única herança que precisa ser levada em conta na reflexão sobre ahistória lingüística da Península Ibérica, por exemplo – salientando, neste caso, que à colonizaçãoromânica seguem-se longos períodos sob o domínio de povos distintos (germânicos e árabes),configurando um contexto no qual a hipótese de uma situação importante de contato lingüísticonão é descabida. Salientamos, a partir daí, que a história das línguas ibéricas é a história que pode sercontada, pelas escolhas dos problemas a serem investigados, pelos recortes documentais possíveis; ahistória que fez sentido histórico.

Mas deixamos em aberto a questão da “herança estrutural”, ou seja a pergunta: se a situação pós-românica na Península Ibérica era uma situação de contato lingüístico, porque não vemos resultadosdesse contato nos idiomas atualmente falados?

Ora, para responder essa pergunta, precisaríamos definir o que são “resultados esperados” em situaçõesde contato. De um ponto de vista estritamente orgânico, como de um ponto de vista estritamenteestrutural, espera-se que o contato imprima marcas na língua – que resulte em estruturas mistas,léxicos mistos, fonologias mistas. Por exemplo, que em processos morfológicos ou fonológicos dalíngua formada por contato encontremos manifestos de processos próprios das línguas originárias.Entretanto, essa não é a única teoria possível sobre o contato como fator de mudanças lingüísticas.Como vimos, do ponto de vista de um teoria da gramática como a proposta pelo gerativismo, umasituação de contato pode resultar em mudanças de gramática na medida em que provoque umadesestruturação da situação ótima de aquisição da linguagem em determinada população. Ou seja: aatuação do contato não será “detectável” pelo exame das suas pegadas nas estruturas da língua; maspode ser concebida como uma atuação no processo de formação das possibilidades de se geraremessas estruturas, com resultados imprevisíveis36.

Pensemos um pouco nas possíveis situações que daí podem surgir: em determinados planos, pode-se esperar algum grau de continuidade entre a língua (ou línguas) antiga e a nova. Será por exemploo caso do léxico, tipicamente – pois é claro que uma geração de falantes não criará um léxico“novo” no espaço do seu tempo de aquisição; ao contrário, herdará a maior parte do léxico dageração anterior. Entretanto, em outros planos, uma ruptura radical é teoricamente concebível. Serápor exemplo o caso da sintaxe; partindo da teoria da sintaxe gerativista, a mudança no valor de umúnico parâmetro pode alterar profundamente a lógica das possibilidades de geração de estruturas –ou seja, a mudança em um determinado ponto chave re-organiza e possibilita uma nova gramática.Isso significa que nesse caso, há uma mudança de gramática no espaço de uma geração.

A geração da mudança, nessa hipótese, terá formado uma gramática nova (por definiçãoindependente da gramática anterior); a ruptura é radical nesse nível. Entretanto, logicamente essamesma geração preservará o inventário lexical, fonético, semântico, da geração anterior. Seguindonessa hipótese, a análise posterior desse processo poderá se dar em dois planos. O exame daprodução lingüística da “nova geração” mostrará continuidade nos níveis do léxico, dos processosmorfo-fonológicos, etc. Mas poderá mostrar uma ruptura no nível da sintaxe.

A situação de dualidade que assim se formaria para as análises pode percorrer séculos da história deum idioma; e pode tornar extremamente complexa e interessante a tarefa de se classificar

36 Imprevisíveis, está claro, no sentido orgânico. Pois para o gerativismo, os efeitos dadesestruturação da experiência lingüística sobre o amadurecimento da gramática daquela novageração serão, naturalmente, limitados pelas possibilidades da Gramática Universal. É isso, aliás, oque confere peso teórico aos estudos da mudança neste quadro.

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geneticamente e tipologicamente esse idioma em um grupo maior, um tronco ou família. Assim éque determinado idioma pode compartilhar grande parte (ou mesmo a maior parte) de seu léxicocom um idioma geneticamente relacionado, mas ao mesmo tempo apresentar uma organizaçãosintática radicalmente distinta, tipologicamente distinta. Um exemplo interessante é o portuguêsfalado no Brasil, e o português falado na Europa, idiomas que podem ser descritos como línguas deléxico comum, com gramáticas distintas. Essa é a abordagem gerativista em relação a essas duasgramáticas37 – sem que isso implique, necessariamente, em concebê-los historicamente, culturalmente,geneticamente, como duas línguas diferentes.

Voltando então ao caso da família “românica”, e em especial, ao seu tronco ibérico: em um plano, osidiomas da antiga Hispania são Línguas Românicas no sentido mais amplo do termo: ou seja, sãogeneticamente relacionados com outros idiomas “filhos” do Latim. Em outros planos, essa divisãogenética deixa de ser relevante, e sua história pode ser melhor abordada levando em conta a longa eintricada situação de contato a que estiveram expostos esses idiomas ao longo dos últimos 15séculos. Nesse sentido, em um dos eixos de análise, faz sentido a concepção da gênese a partir dolatim (e consequentemente o agrupamento tipológico de base genética no grupo românico); emoutro eixo, a linearidade daquele primeiro eixo se perde, e a história desses idomas é uma sucessãode ciclos catastróficos de mudança – ciclos para os quais uma relação orgânica de gênese e herançanão tem significado analítico. Os dois planos são relevantes para a análise; a articulação entre os doisé desafio para novas abordagens.

Chegamos agora a um bom momento para voltar àquelas perguntas fundamentais que se abrem naconjunção dos estudos do Tempo e da Língua: “As línguas sofrem o efeito do tempo? Como, e porque?”;“Qual a relevância teórica dessas perguntas?”, e “Como podemos explorá-las?”. Aproveitando a concepção dosdiferentes eixos temporais de análise, podemos voltar ao problema que propusemos de início: otrabalho da Lingüística Histórica será diferentemente concebido a depender da idéia de Língua e daidéia de História das quais se parta.

No que toca a idéia de Língua, se concebemos o objeto dos estudos da linguagem como as estruturasproduzidas, então nos interessará principalmente o eixo temporal em que se movimentam asalterações nas estruturas – esse, em geral, um movimento gradual; e no qual identidades genéticas erelações de herança são mais propriamente analisadas. Se concebemos o objeto dos estudos dalinguagem como a entidade mental que organiza as possibilidades de se gerarem estruturas (ou seja:a gramática no sentido mentalista), então nos interessará principalmente o eixo temporal em que semovimentam as alterações nos processos de aquisição das gramáticas – essa, em geral, umadinâmica cíclica em que podem se intercalar estagnações e catástrofes.

Entretanto, aqui entra a idéia de História. Pois um e outro eixo, vamos lembrar, pertencem à esfera daanálise: são olhares, lugares de observação dos acontecimentos. Noutros termos, são planos dotempo do conhecimento, não do tempo do acontecimento. A História não se ocupa da reconstituição dosacontecimentos no tempo, mas sim das possibilidades de articulação entre o acontecer e o conhecer.Lembrando as palavras de Barreto: importa à história a consciência da pluralidade dos tempos do tempo.Faz-se necessário, neste sentido, refletir criticamente sobre as condições do conhecimento – orecorte das análises, a herança das narrativas passadas, as contingênicas da nossa própria narração.

E, como já sugerimos mais acima, essas contingências são inerentes ao trabalho historiográfico. Ouseja: independentemente do nosso recorte teórico no plano da concepção de língua, quando

37 São muitos os estudos recentes neste quadro que se dedicaram às diferenças entre a gramática doportuguês europeu e a do português brasileiro nesses termos. Podem-se consultar, entre outros,“Ensaios sobre as gramáticas do português”, de C. Galves (2001); e o “Português Brasileiro: uma viagemdiacrônica”, organizado por M. Kato e I. Roberts (1996).

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pensamos a história das línguas estamos no fazer hsitoriográfico, pois estamos pensando o passadoa partir do presente. Neste sentido, se é verdade que do ponto de vista estrito da Lingüística, asdiferentes concepções de língua têm seus diferentes lugares epistemológicos, suas diferentes lógicasde análise (que quase nunca dialogam entre si), da perspectiva Histórica, todos os eixos precisam sertrazidos para a análise, se queremos uma reflexão que de fato valha a pena.

Com isso podemos chegar a uma conclusão interessante sobre o papel da Lingüística Histórica nasteorias da linguagem. Isto é: destacando, na Lingüística Histórica, sua dimensão de histórica – deestudo historiográfico, sub specie temporis – um panorama interessante e amplo pode se abrir nohorizonte. A Lingüística Histórica não precisa construir-se apenas como um recorte histórico dosestudos lingüísticos (muito menos como uma cronologia dos fatos de língua), recortados pordiferentes linhas teóricas; mas pode também, e além disso, construir-se como um recorte lingüísticodos estudos históricos. O interesse pelo efeito dos tempo sobre a língua terá diferentes implicaçõesa depender das diferentes concepções desse objeto-língua; mas todas as perspectivas terão emcomum o problema do Tempo. A Lingüística Histórica é o campo da Lingüística que acaba sedeparando com os processos e os efeitos do Tempo na reflexão teórica, uma dimensão por demaiscomplexa e interessante para ser abordada por disciplinas estanques – que dirá por quadros teóricosestanques em cada disciplina.

Vimos neste artigo como o interesse pela “mudança que as línguas fazem per discurso de tempo” surge já nareflexão anterior à fundação da Lingüística como “disciplina científica”. Lembramos um pouco daimportância que a tradição do século 19 europeu conferiu aos estudos da mudança lingüística; e emcontraste, a importância fundadora da cisão saussureana entre a perspectiva dinâmica e aperspectiva estática sobre a linguagem. Percorremos, resumidamente, as conseqüências desse corteepistemológico na reflexão lingüística do século 20, buscando compreender como os estudosdiacrônicos sobreviveram neste período. Discutimos as implicações dos conceitos de diacrônico ede histórico, e mencionamos por fim algumas perspectivas abertas para a pequisa em LingüísticaHistórica hoje. Vimos que o lingüista que se pergunte, a partir de qualquer quadro teórico, se, como eporque as línguas mudam, fatalmente irá se deparar com encruzilhadas metodológicas interessantes.

Os desafios para a Lingüística Histórica hoje, na sua dimensão de Lingüística, têm sido enfrentadossobretudo na procura pelo alargamento dos horizontes empíricos, e na absorção dosdesenvolvimentos recentes das teorias da linguagem no que respeita a Mudança Lingüística.

Mas há também desafios para a área na sua dimensão de Histórica: entre eles, o de uma atuaçãocrítica, que busque um resgate das narrativas anteriores, repensadas a partir dos pontos de vista quese podem formar hoje.

A partir dos desafios trazidos pelas abordagens temporais – em uma concepção complexa, dialética,plural da dinâmica do tempo – as perspectivas da própria lingüística podem sofrer transformaçõesinteressantes. Não pelo encontro de novas soluções – ao contrário, pela proposição de novosproblemas38.

38 Nunca esquecendo as palavras de L Fébvre: “Problemas difíceis, eu sei – e a dificuldade vai desde acriação desses problemas que precisam ser inventados, à sua colocação em forma própria e à demonstração deque há problemas onde ninguém vê problema algum. Que a dificuldade não nos desanime entretanto”. Pois“O historiador não é aquele que sabe, mas sim aquele que procura”.

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