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Diálogos de Zygmunt Bauman e a liquidez na sociedade consumista: das prateleiras ao lixo Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês cujos livros já alçaram espaço nas prateleiras de Ciências Humanas de diversas livrarias do país. Professor em universidades na Polônia e no Reino Unido é deveras lembrado pelo seu tato com que lida as questões do cotidiano, sobretudo aquelas atinentes à sociedade de consumo, incluindo-se as suas vertentes e desvios. Usufruindo de teses que remonta o discurso crítico da “indústria cultural” criado por Theodor Adorno, Bauman defende que conceitos de “liquidez” estão permeando a atual sociedade, isto é, em síntese, “as coisas” não são necessariamente feitas “para durar”. Argumenta em sua obra Vida para Consumo, que a demora é o real assassino em série das oportunidades, de modo que se privilegia a “vida agorista” a fim de se manterem vivos os impulsos da aquisição de novos produtos, assim como o consequente descarte de bens antigos aos quais são paulatinamente substituídos (Vida para Consumo, página 50). Certamente, não se deseja consolidar uma crítica ao consumo, hábito natural dos seres humanos que consiste na satisfação do desejo destes. O julgamento que se faz é

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Diálogos de Zygmunt Bauman e a liquidez na sociedade consumista: das

prateleiras ao lixo

Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês cujos livros já alçaram espaço nas

prateleiras de Ciências Humanas de diversas livrarias do país. Professor em

universidades na Polônia e no Reino Unido é deveras lembrado pelo seu tato

com que lida as questões do cotidiano, sobretudo aquelas atinentes à

sociedade de consumo, incluindo-se as suas vertentes e desvios.

Usufruindo de teses que remonta o discurso crítico da “indústria cultural” criado

por Theodor Adorno, Bauman defende que conceitos de “liquidez” estão

permeando a atual sociedade, isto é, em síntese, “as coisas” não são

necessariamente feitas “para durar”. Argumenta em sua obra Vida para

Consumo, que a demora é o real assassino em série das oportunidades, de

modo que se privilegia a “vida agorista” a fim de se manterem vivos os

impulsos da aquisição de novos produtos, assim como o consequente descarte

de bens antigos aos quais são paulatinamente substituídos (Vida para

Consumo, página 50).

Certamente, não se deseja consolidar uma crítica ao consumo, hábito natural

dos seres humanos que consiste na satisfação do desejo destes. O julgamento

que se faz é acerca do fato que, embora exista uma vasta oferta e ampla

disponibilidade de produtos e meios para adquiri-los, os membros da sociedade

continuam insatisfeitos.

O cientista social repete o seu pensamento em A Ética É Possível Num Mundo

de Consumidores?, arguindo que a vida de consumo é uma vida que aprende-

se rápido, ao passo que se esquece em velocidade maior. Logo, o consumista

é o consumidor demasiadamente ativo, haja vista que ele não perde de vista as

novas tendências e esquecendo de imediato das antigas, já que caso não o

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faça, padeceria diante do “júri do estilo”. Ademais, Bauman congrega o seu

discurso, afirmando que “consumir significa investir na afiliação social de si

próprio”.

Em matéria literária publicada no mês passado, foi abordada a questão do lixo

e o panorama jurídico que trata deste tema no Brasil. A Lei 12.305/2010 da

Política Nacional de Resíduos Sólidos é um dos maiores avanços no país em

termos legais, pois definiu, dentre outros conceitos, que ciclo de vida do

produto, corresponde à todas as etapas que envolvem o desenvolvimento do

produto, abrangendo desde a obtenção de matérias-primas até a disposição

final. A referida Lei também traz a responsabilidade compartilhada por este

ciclo, atribuindo aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes,

consumidores e aos titulares dos serviços públicos o dever de minimizar o

volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados. Não se deve também ignorar o

debate da responsabilidade pós-consumo, oriundo de embalagens que são

descartadas.

Talvez por ser algo inexorável, não é possível permitir a imediata

conscientização dos consumidores e fornecedores da íntima ligação entre o

consumismo e a geração do lixo, para amenizar os problemas atinentes à este

cenário, em que pese o fato legislação estar empreendendo esforços para a

sua plena efetivação, ensejando inclusive políticas públicas de educação

ambiental. Entretanto, a publicidade continua a exercer uma inverossímil

influência na sociedade consumista. Por óbvio, o consumidor dispõe de uma

série de ferramentas para se “afugentar” da oferta ardilosa, que hora ou hora

culmina na geração de mais lixo.

A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva constitui-se como direito

básico do consumidor, conforme o previsto no artigo 6º do Código de Defesa

do Consumidor. O seu corolário está presente na seção III da referida Lei,

dedicando três artigos ao tema da publicidade, tutelando o consumidor em face

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de propagandas enganosas ou abusivas. Obviamente, durante um litígio

judicial acerca da veracidade das informações colocadas em dada propaganda,

caberá à quem patrocinou a referida publicidade comprovar se o comercial

usufruiu de dados reais (artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor).

Não devem ser colocados como vilões os fornecedores, empresas de

publicidade e imputados outros estereótipos. Não há “Guerra Fria” no mundo

consumista, com partes adversas e desfrutando de ideologias plenamente

distintas entre si. Bauman explica que os consumidores seguem tendências,

pois do consumo não surgem vínculos duradouros (Vida para Consumo, página

101). Sendo assim, o mais importante é buscar uma reflexão sobre como

caminhar e, sobretudo, orientar-se em um mundo de incertezas, em que as

relações e bens escoem como líquidos. O ordenamento jurídico apresenta

ferramentas para o auxílio ao desenvolvimento sustentável, todavia também

devem os consumidores, como cidadãos, estarem conscientes da liquidez a

que pode estar submetidos.

PS: sobre a responsabilidade pós-consumo, faz jus mencionar a interessante

decisão proferida no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, sobre a

responsabilidade pós-consumo advinda dos resíduos de embalagens plásticas

tipo PET de refrigerantes: https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1393017/Ac

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