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Literatura Maranhense Fala-se muito, atualmente, da importância do marketing para a valorização das letras e da cultura em geral. Sabe-se que, no estágio de evolução em que estamos, torna-se muito difícil promover um produto sem a assessoria de profissionais que entendam a linguagem da mídia e que possam reverter situações aparentemente difíceis. No que diz respeito à divulgação e à venda de livros, podemos encontrar já no século passado o dramático depoimento de Aluísio Azevedo, um dos grandes nomes da literatura brasileira, afirmando que pouco adianta escrever, pois “não há público leitor” e “uma edição de dois mil exemplares leva anos para esgotar-se”. Hoje, em pleno final do século XX, podemos notar que a situação pouco mudou. As edições, salvas exceções cada vez mais raras, continuam sendo pequenas e o público continua a não prestigiar as obras literárias. Mas, deixando de lado a atualidade e voltando para o final do século passado, podemos afirmar que é o próprio autor de O Mulato um dos primeiros homens das letras brasileiras a usar o marketing para promoção de suas publicações. Sabe-se que Aluísio escrevia suas obras de acordo com as circunstâncias financeiras por que passava sua vida, sendo ele inclusive considerado um dos primeiros homens do Brasil a viver dos frutos de sua obra. Parte de sua bibliografia foi escrita com intuito de apenas conseguir dinheiro para seu sustento, constituindo o que ele mesmo chamou de obras comerciais (no caso, seus livros de cunho romântico). No entanto, quando não precisava alugar sua penas para agradar ao público leitor de sua época, o escritor dedicava-se a confeccionar o que ele convencionou chamar de obras artísticas (as de caráter naturalista). Dono de grande inteligência, Aluísio Azevedo, desde a publicação de O Mulato(1881), usava a mídia da época, no caso as publicações periódicas em jornais, para divulgar o que estava escrevendo. Em brilhante levantamento sobre as condições em que foi publicado o primeiro sucesso de Aluísio (já que seu primeiro romance, Uma Lágrima de Mulher, é um caso à parte), o professor João Mendonça Cordeiro traz à luz alguns recortes de jornais da época que atestam o que foi dito anteriormente.

Literatura maranhense

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Literatura Maranhense

Fala-se muito, atualmente, da importância do marketing para a valorização das letras e da cultura em geral. Sabe-se que, no estágio de evolução em que estamos, torna-se muito difícil promover um produto sem a assessoria de profissionais que entendam a linguagem da mídia

e que possam reverter situações aparentemente difíceis. No que diz respeito à divulgação e à venda de livros, podemos encontrar já no século

passado o dramático depoimento de Aluísio Azevedo, um dos grandes nomes da literatura brasileira, afirmando que pouco adianta escrever, pois “não há público leitor” e “uma edição

de dois mil exemplares leva anos para esgotar-se”. Hoje, em pleno final do século XX, podemos notar que a situação pouco mudou. As edições, salvas exceções cada vez mais

raras, continuam sendo pequenas e o público continua a não prestigiar as obras literárias. Mas, deixando de lado a atualidade e voltando para o final do século passado, podemos

afirmar que é o próprio autor de O Mulato um dos primeiros homens das letras brasileiras a usar o marketing para promoção de suas publicações. Sabe-se que Aluísio escrevia suas obras de acordo com as circunstâncias financeiras por que passava sua vida, sendo ele

inclusive considerado um dos primeiros homens do Brasil a viver dos frutos de sua obra. Parte de sua bibliografia foi escrita com intuito de apenas conseguir dinheiro para seu

sustento, constituindo o que ele mesmo chamou de obras comerciais (no caso, seus livros de cunho romântico). No entanto, quando não precisava alugar sua penas para agradar ao

público leitor de sua época, o escritor dedicava-se a confeccionar o que ele convencionou chamar de obras artísticas (as de caráter naturalista). 

Dono de grande inteligência, Aluísio Azevedo, desde a publicação de O Mulato(1881), usava a mídia da época, no caso as publicações periódicas em jornais, para divulgar o que estava

escrevendo. Em brilhante levantamento sobre as condições em que foi publicado o primeiro sucesso de Aluísio (já que seu primeiro romance, Uma Lágrima de Mulher, é um caso à

parte), o professor João Mendonça Cordeiro traz à luz alguns recortes de jornais da época que atestam o que foi dito anteriormente. 

Ora utilizando-se de pseudônimo, ora assinando com o nome verdadeiro, Aluísio Azevedo primeiro “preparou” o leitor para a história que iria ler mais tarde, aguçando-lhe a

curiosidade com notas jornalísticas, como a seguinte: “Acha-se entre nós o Dr. Raimundo José da Silva, distinto advogado que partilha de nossas idéias e propõe-se a bater os abusos

da Igreja. Consta-nos que há certos mistérios na vida deste cavalheiro”. Ou seja, um personagem fictício era tratado como ser real, tendo o seu criador o cuidado de até compor

uma biografia para que o Raimundo parecesse mais verossímil. Além dos avisos sobre a chegada a São Luís do protagonista de seu romance, o escritor

também usava a imprensa, da qual fazia parte, para promover a venda do livro, publicando em várias seções dos jornais alusões a preço e locais de venda da obra e ofertando

exemplares aos jornalistas que poderiam divulgar-lhe a obra, mesmo correndo o risco de receber críticas negativas (como realmente aconteceu). Mas, até mesmo da crítica negativa, Aluísio Azevedo sobe tirar proveito, como aconteceu com o inflamado artigo de Euclides

Faria, que posteriormente virou parte do prefácio do livro criticado. Agindo assim, com astúcia e visão de comerciante das letras Aluísio Azevedo conseguiu

sobreviver a uma fase difícil de sua vida, quando precisava transformar palavras em víveres, ou como diria depois outro maranhense, Humberto de Campos,” vender o miolo da cabeça para comprar o miolo do pão”. caso escrevesse hoje, provavelmente o autor de O Homem

iria utilizar os mais modernos meios publicitários para promover sua obra, já que na Era da Informação, apenas talento não é mais garantia de sucesso. É preciso também uma boa dose

de publicidade. 

(O Estado do Maranhão de 17 de janeiro de 1999) 

DOIS MESTRES DOS NOSSOS MARES 

Desde os primórdios literários, o mar tem servido de cenário para os mais diversos escritores. De Homero a Hemingway, passando por Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa e James Joyce, a maioria dos grandes escritores universais abordaram de algum modo temas

marítimos. O Brasil, dono de um vasto litoral, jamais poderia ficar fora do grande círculo literário que trata o mar como elemento poético vital para a perpetuação das letras. Algumas das mais belas páginas de Gonçalves Dias, Castro Alves, José de Alencar, Jorge Amado, Cecília Meirelles e Assis Brasil, dentre tantos outros nomes que poderiam ser citados, foram

dedicadas ao mar, que nem sempre aparece na obra literária como como simples ambiente sem vida, tornando-se, muitas vezes, um elemento ativo dentro do texto, constituindo-se em verdadeira extensão poética das personagens, assumindo nuances ora meigas e delicadas, ora

bravias e vingativas. Os escritores maranhenses, felizmente, não deixaram escapar tão grandioso e temível cenário

em suas obras, aproveitando a beleza de nossas águas para a ambientação de suas personagens. Dentre tantos que já tentaram dominar o mar com a força abstrata da

imaginação e com a força física de suas criações, podemos destacar Josué Montello e José Sarney, autores de Cais da Sagração e de O Dono do Mar, respectivamente, romances que

dão à ficção brasileira contemporânea importante contribuição através de duas figuras fortes e indeléveis: Severino e Antão Cristório, dois homens que apresentam diversos pontos em

comum. Eles não são apenas homens que vivem no mar, mas verdadeiros mestres que vivem do mar, pelo mar, para o mar e, principalmente, que vivem o mar. 

Mesmo cada um dos mestres vivendo seus dramas particulares, uma força atávica os une: o amor pela vida marítima. Embora sem se conhecerem, completam-se. Mesmo separados pelo imaginário de seus autores, fundem-se em outros significativos pontos: ambos, envoltos em

uma pecha de anti-heróis, trazem em si marcas do machismo, do pecado e da rudeza dos homens do mar, bem como o vigor físico, o heroísmo e a simplicidade dos mesmos. 

Em Cais da Sagração, Josué Montello traz de volta às letras o conhecidíssimo enigma de Capitu, desta vez na figura de Vanju, uma prostituta que conquista o coração do rude Mestre

Severino. A grande dúvida da obra - Vanju traiu ou não o seu marido? - não é respondida, bem como a que diz respeito à masculinidade de Pedro, que acaba transformando-se em um

outro mistério para a posteridade. Como homem do mar, Mestre Severino apresenta um código de honra que pode não estar de acordo com o da maioria dos leitores, deixando, desse

modo alguns pontos de aparente incoerência. Ela mata por desconfiar de infidelidade, mas ele próprio dá mostras de ser também infiel. É capaz de matar, mas incapaz de eximir-se da

culpa. Uma personalidade fascinante, que envolve o leitor da primeira à última linha do livro. 

Antão Cristório, mesmo sem a densidade lírica que caracteriza o Mestre severino, também encanta até mesmo o leitor menos acostumado com a leitura de obras aparentemente

regionalistas. Rodeado de seres sobrenaturais, o protagonista de O Dono do Mar aprende com os próprios erros e usa o mar como seu grande professor. Os Encantados que aparecem na narrativa não são meras figuras de retórica, mas parte da vivência do mestre marinheiro,

numa junção de maravilhoso, mágico e fantástico. Cada ser mitológico encontrado no romance mantém uma atitude de respeito com relação a Cristório e ao mesmo tempo é por

ele respeitada, numa simbiose perfeita entre Homem e Mar. Como não poderia deixar de ser, o ponto alto do romance também tem água como cenário: o suicídio da velha embarcação,

que se sente inútil para as necessidades de seu dono. É importante notar também que, ao contrário de Severino, Cristório não mata ninguém. O autor sempre encontra uma solução

para não macular as mão de seu protagonista. Com estes dois romances, o Maranhão insere seu nome para sempre na galeria das grandes

obras que têm o mar como cenário e os dois mestres, Severino e Cristório, podem ser colocados entre as personagens de melhor elaboração das letras brasileiras. 

(O Estado do Maranhão, fevereiro de 1999 

O GRUPO MARANHENSE 

Não é nenhum exagero afirmar que até a terceira década do século XIX não se pode falar em literatura maranhense, embora haja registros históricos de produção poética no Maranhão,

principalmente em São Luís. Tudo, porém, feito de forma assistemática, sem o mínimo interesse de atingir as demais regiões brasileiras. 

Data de 1832 o poema que oficialmente dá início ao “boom” da literatura maranhense. Trata-se de “Hino à Tarde”, de autoria de Odorico Mendes. Sílvio Romero, declara sobre tal poema

que nunca o pôde “ler sem boa e saudosa emoção”. A partir daí, o Maranhão, que era aparentemente uma terra sáfara para as letras começa a produzir uma boa quantidade de escritores de grande talento, chegando sua capital a receber o honroso epíteto de Atenas

Brasileira, em homenagem à quantidade e à diversidade de valores intelectuais surgidos em tão pouco tempo. 

Tão importante é a produção literária do Romantismo maranhense na vida literária brasileira que José Veríssimo, um dos mais exigentes críticos da literatura nacional, dedica todo o

décimo primeiro capítulo de seu mais importante livro ao estudo dos valores artísticos do Maranhão, tecendo elogiosos comentários às publicações de Gonçalves Dias, João Lisboa,

Sotero dos Reis, Odorico Mendes, Lisboa Serra e Franco de Sá. O título do referido capítulo não poderia ser mais sugestivo: “Gonçalves Dias e o Grupo Maranhense”. 

Na mesma época, Sílvio Romero, em sua História da Literatura Brasileira, não poupa páginas ao escrever sobre os românticos maranhenses, tratando de forma especial a produção de Joaquim Serra, Trajano Galvão, Gentil Braga e Sousândrade, além de também estudar os nomes já assinalados por José Veríssimo. O ilustre crítico sergipano chama mesmo a afirmar

que “ o Maranhão é uma de nossas províncias onde o espírito popular é mais vivaz”, mas reconhecendo também a diversidade cultural e intelectual da província, já que os escritores

eram tão diferentes que “o laço que os prende é terem nascido na mesma terra e vivido quase todos no mesmo tempo”. 

Mas não foram apenas os escritores citados acima que mereceram destaque dentre os tantos que participaram do Grupo Romântico Maranhense. Merecem citação também Maria

Firmina dos Reis, nossa primeira escritora, autora do, infelizmente, quase desconhecido romance Úrsula; Antônio Henriques Leal, brilhante biógrafo, a quem se deve farto material sobre a vida e a obra dos principais intelectuais do século XIX; José Cândido de Morais, o

Farol, combativo jornalista que, dono de um estilo vibrante, desafiou os poderosos da época; Joaquim Gomes de Sousa, um dos maiores matemáticos do Brasil; Belarmino de Matos, o famoso tipógrafo que imprimiu grande parte das obras de seus contemporâneos; e tantos

outros intelectuais, que não se limitavam à arte literária, mas sim compunham um verdadeiro quadro cultural de múltipla abrangência. 

Desse belo momento da história literária do Maranhão não restaram apenas saudades, mas também inúmeras obras que continuam despertando o interesse tanto dos que lêem por

diversão como dos que pesquisam as letras nacionais. Além dos Cantos de Gonçalves Dias, do Guesa (de Sousândrade), do Pantheon Maranhense (de Henriques Leal), do Jornal de

Timon (de João Lisboa) e das eruditas traduções de Odorico Mendes, muitas outras obras merecem leituras e estudos. É o caso de, por exemplo, de A Casca da Caneleira, novela organizada por Joaquim Serra, mas que foi escrita a 22 mãos, contando com capítulos

escritos por Gentil Braga, Raimundo Filgueiras, Marques Rodrigues, Trajano Galvão, Sotero dos Reis, Henriques Leal, Dias Carneiro, Sabbas da Costa, Caetano Cantanhede, e

Sousândrade, além do organizador do volume; do romance Úrsula, que marca um novo modo de abordar o negro na ficção e dos poemas sertanejistas de Trajano Galvão e Gentil

Braga. Também devem ser lidas as peças teatrais de Gonçalves Dias, principalmente Leonor de

Mendonça, reconhecida por Décio de Almeida Prado como uma das melhores produções da dramaturgia nacional. 

Aquele áureo período não mais voltará. Vale a pena, porém, como resgate do momento áureo do Maranhão, reproduzir algumas das palavras de José Veríssimo, ao comparar os poetas maranhenses do Romantismo com os fluminenses do mesmo período literário. O crítico

paraense, após enumerar os cinqüenta e dois membros do nosso Grupo Romântico diz:”O que o situa e o distingue na nossa literatura e o sobreleva a essa mesma geração é a sua mais

clara inteligência literária, a sua maior largueza espiritual. Os maranhenses não têm os blocos devotos, a ostentação patriótica, a afetação moralizante do grupo fluminense, e

geralmente escrevem melhor que estes.” 

(O Estado do Maranhão. 18 de abril de 1999. Página 05) 

MITOS E TRADIÇÕES EM O DONO DO MAR 

Em 1928, Mário de Andrade, um dos mais importantes nomes do Modernismo brasileiro, após longos anos de pesquisa, publicou Macunaíma, O Heróis sem nenhum Caráter, que

reunia em forma de narrativa algumas das principais lendas do folclore brasileiro. Décadas depois, em 1956, João Guimarães Rosa publica sua obra-prima, o romance Grande Sertão: Veredas, reconstituindo de forma lírica as tradições e as superstições do homem simples do sertão mineiro. Em 1995, José Sarney publica O Dono do Mar, que veio juntar-se aos dois

livros acima citados no resgate literário dos mitos brasileiros. Inicialmente recebido de forma reticente e preconceituosa pela crítica, o romance

rapidamente foi tendo suas sucessivas edições esgotadas e acabou conquistando seu espaço na prosa regionalista brasileira. Tendo como cenário a costa maranhense e como herói o Capitão Cristório, o romance faz um verdadeiro rastreamento dos mitos marítimos que

povoam o imaginário do pescador maranhense e, ao mesmo tempo, deixa o leitor entrar em contato com algumas cenas da vida humilde dos moradores de algumas das muitas praias do

nosso litoral. O primeiro detalhe que chama a atenção do leitor é a superstição a respeito da sexta-feira, que deixa, no decorrer da obra, de ser uma simples referência temporal para tornar-se um

importante marcador de acontecimentos. Os fatos mais importantes da vida de Antão Cristório acontecem em tal dia da semana. A começar pelo seu nascimento, passando pela morte de seu filho Jerumenho, o primeiro encontro com Aquimundo, o suicídio de Chita

Verde, sua fiel biana, a briga com o pai de Camborina, a autorização da esposa para que ele se deitasse com Germana, sua cunhada-mulher e, finalmente, sua última viagem, rumo ao infinito. Tudo isso acontece sempre em dia de sexta-feira, o dia da semana que o próprio

Capitão abomina. Parte da superstição do povo é também o próprio nome do protagonista, que poderia ser apenas Cristo, mas isso seria “jogar a cruz nas costas dele”, então “Cristório

seria o nome sem ser o nome”, como diz seu Isidoro no começo da narrativa. 

Todas as personagens da história evitam comentar as visões do mar, bem como evitam duvidar do que vêem, pois o menor descaso com os entes encantados pode implicar severos castigos para o incrédulo. O heróis da história tem um pacto com o mar, representado pelo episódio da camisa, mas considera a esse próprio mar uma criação do Demônio em várias

passagens do livro. É dali, contudo, que ele tira seu sustento. É dali que ele nem pensa em se afastar, pois, segundo suas próprias palavras: “a vida do pescador é isso. Matar os peixes,

enganar, fingir. Coloca a rede e não é rede, é uma armadilha pra ele cair. Colocar a isca e não é comida para eles viverem, é o meio de apanhar eles para eles morrerem. (...) Deus está aqui

e o Diabo também”. Esse mesmo mar, do qual o pescador tira seu sustento, está povoado de seres fantásticos.

Fantasmas, Encantados e navios históricos aparecem e desaparecem da narrativa da mesma forma: sempre de modo mágico. Podemos destacar, entre os tantos seres encantados do livro, alguns que servem para “amarrar” o enredo do romance. Querente - etimologicamente, o que

quer alguma coisa - é uma espécie de anjo-vingador, o homem que nunca morre e nem envelhece, assumindo várias identidades, mas sempre em busca do que considera ser o justo. Aquimundo - o viajante do tempo - que age como uma espécie de conselheiro, mostrando os caminhos já percorridos e alertando para os que ainda virão. Maria das Águas, a prostituta

encantada que não se sacia sexualmente. Os Piocos - seres de apenas um olho na testa - serão os principais inimigos de Cristório. Após o rapto de Quertide, amada do protagonista, que é

levada para o fundo do mar, o capitão passa a viver com o objetivo de um dia destruir aqueles que roubaram sua mulher, fazendo, desse modo, o eixo que norteará a maioria dos

acontecimentos da história. Ao mesmo tempo, outros seres, mesmo aparecendo poucas vezes, marcam momentos

importantes da obra. Temos, assim: os chicholas, entes alados que violentam sexualmente as esposas dos pescadores que estão trabalhando; Zé do Casco, viciado em estuprar os

pescadores distraídos; os camaleões encantados, que não deixam rastros; Batesta, a filha morta de Cristório, que sempre traz uma dose de ponderação para o pai, e Jerumenho,

sempre preocupado em justificar sua morte e nunca descuidando de seus deveres de homem do mar. 

Além das assombrações, os costumes dos homens do mar também sobrenadam nas páginas do livro. Sendo que alguns estão ligados às tradições machistas dos homens rudes do litoral. A mulher, por exemplo, é feita para ter filhos, sendo escolhida pelos seus atributos físicos, não por puro e desinteressado amor. O importante é que a mulher seja parideira, já que “a sorte do homem é ter filhos. Deus é que manda pra gente criar, e quanto mais ele manda, mais ele gosta da gente”. A desonra familiar por causa da perda da virgindade também

aparece com muita freqüência. (Importante notar que, nesse ponto, Cristório é totalmente incoerente. Tudo o que ele não quer que façam com as suas filhas, ele já fez com as filhas

alheias: sedução, rapto, desvirginamento...) De forma bastante didática, José Sarney apresenta ao leitor um rol de fatos históricos

ocorridos no mar,e, em busca de verossimilhança, relembra diversos acidentes marítimos e ressuscita antigos nomes de homens que se imortalizaram através dos tempos por suas

bravuras e por seus feitos nem sempre heróicos, numa mistura de História e ficção. Temos, assim, referências a Colombo, Vasco da Gama, James Cook, Fernão de Magalhães, Frank

Drake e Lorde Cochrane, dentre outros tantos citados no romance. Mas, como se trata de uma história ambientada no Maranhão, alguns mitos bastante

significativos não poderiam ficar de fora da narrativa. Logo no segundo capítulo, Cristório se depara com o navio Ville de Boulogne e sente o drama de Gonçalves Dias a pedir que seus originais fossem salvos do naufrágio e declamando, “numa voz acatarrada de rouquidão”,

sua famosíssima Canção do exílio. Outro mito também muito importante é o do sebastianismo, resgatando a lendária figura de Dom Sebastião, o rei português desaparecido

na batalha de Alcácer-Quibir e que “se encantou na praia dos Lençóis e de lá sai nas sextas-feiras de lua, na figura de um touro, para navegar e aparecer”. 

Não se pode esquecer também de Chita Verde, a embarcação que também é um ser encantado, uma biana com alma de mulher. É ela que, ao cometer o suicídio, leva o velho e experiente Cristório às lágrimas; e de Banco Feliz, que oferece água doce aos que são bem-

vindos e expulsa os indesejados com suas águas salgadas. A leitura de O Dono do Mar é extremamente agradável e os leitor pode aproveitar o romance

para conhecer melhor algumas tradições dos pescadores maranhenses, tendo o livro, simultaneamente, utilidade lúdica e pragmática, mas exigindo um pouco de atenção para

detalhes significativos da tessitura da obra. Cada fantasma, cada encantado, cada mito tem uma razão para aparecer no texto, pois, como em todo romance bem arquitetado, as partes

estão intimamente ligadas ao todo. 

ESTUDEMOS NOSSAS LETRAS 

A literatura maranhense é rica? Não há dúvida de que a resposta para tal pergunta só pode ser afirmativa. Mas essa riqueza não pode ser deixada em um museu imaginário ao qual

somente poucos pesquisadores têm acesso. É preciso divulgá-la. Os escritores maranhenses de incontestável valor são tantos e tão bons que riscar seus nomes

das letras brasileira equivaleria a reduzi-las drasticamente tanto em quantidade como em qualidade. Contudo, infelizmente, tão poucos são os literatos maranhenses estudados

academicamente em âmbito nacional que os demais estados brasileiros acabam desconhecendo a existência de muitos nomes de nossa literatura. 

Aqui caberia uma pergunta; Quem é o culpado por isso? A resposta, embora inusitada, pode ser facilmente comprovada: o próprio maranhense. Lemos pouco os nossos e discutimos suas

obras menos ainda. Os que têm suas publicações estudadas metodicamente formam um grupo extremamente reduzido. Excetuando-se nomes como Gonçalves Dias, Sousândrade,

Raimundo Correia, Aluísio e Artur Azevedo, Josué Montello, Ferreira Gullar e José Louzeiro, poucos são os maranhenses estudados fora do nosso estado. 

Raros são os estudos consistentes sobre a obra de Viriato Correia, Humberto de Campos, Graça Aranha, Coelho Netto, Maria Firmina dos Reis, Joaquim Serra, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chaga, Luís Augusto Cassas e João Mohana, dentre tantos que

merecem o justo reconhecimento literário. O pior de tudo isso é que bem pouco fazemos para mudar este quadro. Parece que nós, maranhenses, ainda não tomamos consciência de que temos o dever de preservar nossa memória cultural e de difundi-la pelos outros pontos do país. Não adianta conhecermos todos os cânones da literatura nacional se não temos noção

do que é produzido em nossa própria casa. Onde estão os estudos acerca da obra de José Maria Nascimento, Chagas Val, Viriato

Gaspar, Lucas Baldez, Roberto Kenard, Wanda Cristina, Lenita Estrela de Sá, Conceição Aboud, Ribamar Fonseca, Gardênia Mota, José Ewerton Neto, Marcos Fábio, Ariel Morais e

de tantos outros escritores que compõem nossa plêiade literária? Não se quer, todavia, insinuar que tudo o que é escrito no Maranhão tem boa qualidade, mas

sem estudos críticos sobre a nossa produção literária fica muito mais difícil selecionar os talentos que podem ser divulgados fora das fronteiras estaduais. 

Estudemos nossos escritores, sob o risco que a ausência dessa atitude poderá condenar muitos homens de letras à incômoda condição de mais uma peça inerte de nosso já tão vasto

museu do ostracismo literário. (O ESTADO DO MARANHÃ0, 23/02/1998. Opinião. Pág. 04) 

GULLAR E O CORDEL SOCIAL 

De que Ferreira Gullar é um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos não a a menos dúvida. Com dezenas de livros publicados, o poeta maranhense é conhecido pela crítica e pelo leitor em geral por seu tom que mistura o lírico e o social, sempre trazendo

denúncias contra os governantes, separando muito bem quais são os dominantes e quais são os dominados. Tal atitude lhe valeu anos de exílio e inúmeros poemas, como pode muito

bem ser comprovado através da leitura de Rabo de Foguete, autobiografia publicada no final de 1998. 

Visto por Vinícius de Morais, que o considerava “o último grande poeta brasileiro”, Ferreira Gullar é dono de uma alentada obra, que vai de poemas a ensaios, passando por peças teatrais, prosa experimental, roteiros para telenovelas, traduções e crônicas. Mas é sem

dúvida alguma um livro seu, Poema Sujo, escrito durante os anos de chumbo da censura brasileira, a sua maior realização literária, sendo visto por Assis Brasil como uma espécie de nova Canção do Exílio das letras nacionais. Conhecido também por seu estilo independente,

o poeta partiu de textos de caráter parnasiano, atingiu a aura modernista e investiu em atitudes vanguardistas, brigando com o grupo concretista e trazendo à luz o movimento

neoconcreto. E, entre 1962 e 1957, publica, numa demonstração, de engajamento político (que aparece também em obras anteriores e posteriores às datas citadas com outros matizes),

quatro romances de cordel, com os seguinte títulos: João Boa-Morte - Cabra Marcado pra morrer ; Quem Matou Aparecida; Peleja de Zé da Molesta com Tio Sam e História de um

Valente. No primeiro cordel, temos um caso que 

Sucedeu na Paraíba mas é uma história banal em todo aquele nordeste. 

Podia ser em Sergipe, Pernambuco ou Maranhão 

que todo cabra da peste ali se chama João 

Boa-Morte, vida não. 

João é um trabalhador rural que após desafiar o Coronel Benedito, o dono das terras em que trabalha, se vê ameaçado e é obrigado a deixar a região. Onde chega pedindo emprego é

tratado com desdém, pois o antigo patrão já declarou que ninguém pode contratá-lo, sob pena de sofrer retaliações. Com a mulher e os seis filhos, o herói da narrativa vaga sem

perspectiva de alimentar os seus. Finalmente, após a morte de um dos filhos, por inanição, decide matar a mulher e as demais crianças e cometer o suicídio. Quando vai cometer o

crime, é encontrado por Chico Vaqueiro, “um lavrador como ele sem dinheiro”, que faz parte da Liga que luta contra os latifundiários. O caboclo diz a João: 

O inimigo da gente é o latifundiário 

que submete nós todos a esse cruel calvário 

(...) É contra aquele inimigo que nós devemos lutar. 

Que culpa têm os seus filhos? Culpa de tanto penar? Vamos mudar o sertão 

para vida deles mudar. 

Em Quem Matou Aparecida, subintitulado História de uma favelada que ateou fogo às vestes, temos a vida e a morte de uma moça que 

que não teve glória nem fama de que se possa falar. 

Não teve nome distinto: criança brincou na lama, 

fez-se moça sem ter cama, nasceu na Praia do Pinto, morreu no mesmo lugar. 

Aparecida sai da favela e vai trabalhar como doméstica, sendo seduzida pelo patrão e descoberta pela patroa, que a acusa de roubo. Grávida, vai parar na cadeia, sofrendo as

maiores humilhações possíveis. Depois de muito sofrimento, conhece o operário Simão, que trabalhava muito, mas “ganhava tão pouco / que mal dava pra comer”. Vão morar juntos. Simão envolve-se em grave e é preso pela repressão, não mais voltando para casa. Sem

alimento, a criança morre e, no desespero, a mãe, com apenas 15 anos, “derramou álcool na roupa / pra logo o fogo acender”. Surgem então os questionamentos Quem matou

Aparecida? “Por que existem favelas?”, “Por que há ricos e pobres?”. Vindo depois a resposta: 

Quem ateou fogo às vestes dessa menina infeliz 

foi esse mundo sinistro que ela nem fez nem quis - que deve ser destruído 

pro povo viver feliz. 

No terceiro cordel temos Zé da Molesta. “um Zé franzino / nascido no Ceará / mas cantador como ele / no mundo inteiro não há”. Numa típica alegoria, Gullar põe Zé da Molesta como

sinônimo do povo brasileiro, sofrido, mas inteligente e improvisador e Tio Sam como o estereótipo da cultura americana, arrogante e dominador, impondo seus desejos pela força.

Desafiado pelo americano, o nordestino foi parar no prédio da ONU, para provar, que mesmo pobre, muito vale e que sua pobreza ocorre em virtude dos constantes saques que Os

Estados Unidos promovem no Brasil. Rendido no embate, o norte-americano apela para a força bruta de seu poderio bélico e econômico, e o brasileiro tem de fugir dali para continuar

com vida. Finalmente temos A História de um Valente, trazendo a saga de Gregório Bezerra, um “filho de pais camponeses” que sai de Pernambuco e torna-se soldado. Deixa o exército e ingressa

no PCB, participa da Revolta de 35, vai preso, é torturado, e depois torna-se deputado, perdendo o mandato quando o Partido Comunista é posto na ilegalidade. Já sexagenário

volta para a cadeia. O poeta termina seus versos conclamando e alertando: Gregório está na cadeia. 

Não basta apenas louvá-lo. O que a ditadura espera é a hora de eliminá-lo. 

Juntemos nossos esforços para poder libertá-lo, 

que o povo precisa dele pra em sua luta ajudá-lo. 

É importante notar que em todos os seus cordéis, Ferreira Gullar procura soluções marxistas para os problemas enfrentados pelo Brasil. Para ele só há um modo de salvar o que temos: a luta de classes, através de uma revolução. Logicamente, as idéias defendidas pelo escritor, bem como as propostas por ele dadas não agradaram ao Governo, que sempre o considerou

uma ameaça aos sistema vigente na época. Mesmo o próprio poeta dizendo que os poemas de tom predominante político são pobres, não podemos negar que a coragem de mostrar uma outra face do País em um momento tão

melindroso já é o suficiente para imortalizar um escritor. E, inteligentemente, Gullar escolheu uma forma popular para trabalhar um tema que a todos interessa: a liberdade. Ao

contrário do que alguns críticos pensam, o cordel não empobreceu a obra de Ferreira Gullar, pelo contrário, fê-la tornar-se mais rica e densa. Afinal, como diz o poeta: “a vida vale a pena

/ mesmo que o pão seja caro / e a liberdade, pequena. 

OS TRADUTORES MARANHENSES 

As comemorações em torno do bicentenário de Odorico Mendes, o intelectual maranhense justamente chamado de Virgílio Brasileiro, chamam a atenção para um outro fator importante de nossa cultura literária: a tradição maranhense em formar excelentes

tradutores. Ficando geralmente escondido por trás do nome do verdadeiro autor do texto e não tendo

algumas vezes nem mesmo citação na portada do livro, é o tradutor um dos responsáveis pela projeção de um escritor em um país de idioma diferente da sua língua materna. A

impossibilidade de verter com perfeição uma obra de língua para outra faz com que o profissional da tradução seja um verdadeiro artista, agindo como um co-autor da obra, dando

ressonância também à velha máxima que diz que todo tradutor é um traidor. No entanto, algumas vezes, o trabalho de tradução é tão bom que acaba enriquecendo o

trabalho original. Foi isso que aconteceu com alguns maranhenses no decorrer do tempo. Suas traduções (versões, às vezes) foram feitas com tanto esmero que ganha 

ram status de obra de arte. Sem dúvida alguma, de nossos ilustres homens de letras, foi Odorico Mendes, que no dizer

de José Veríssimo,pode ser considerado “o mais acabado humanista que já tivemos”, o dono dos maiores recursos de transposição de versos do grego e do latim para o português. Dono

de uma erudição incomum, o poeta do Hino à Tarde passou para a língua portuguesa Mérope e Tancredo (de Voltaire); Bucólicas, Géorgicas e Eneida (de Virgílio) e Ilíada e Odisséia (de

Homero), em linguagem poética escorreita, porém de difícil leitura mesmo no século passado. Sendo, por isso, severamente julgadas por Sílvio Romero como “verdadeiras

monstruosidades”. Ainda no século XIX, temos a primorosa mas não menos erudita tradução dos Comentários

(de César) feita por Sotero dos Reis, um homem sem estudos superiores, mas grande conhecedor das línguas é das letras clássicas, bem como de seu próprio idioma com sua

respectivas literaturas. Temos também a importante presença de Gentil Braga, fã de Lord Byron, Musset, Heine e Longfellow, mas que destacou com sua paráfrase de Eloá (de

Vigny). José Serra, poeta, teatrólogo e jornalista, em seu livro Mosaico, apresenta várias traduções de poemas. Gonçalves Dias e Artur Azevedo também não se furtaram em trazer

para a nossa língua algumas obras de autores europeus. Do primeiro temos A Noiva da Messina, uma peça teatral escrita pelo alemão Schiller. O segundo ..indou-nos com textos de

Molière e Alberto Vanloo, dentre outros. 

O tempo passou e ainda hoje alguns intelectuais maranhenses dedicam-se à árdua tarefa de fazer com que os menos aquinhoados em conhecimentos humanísticos possam entrar em

contato com algumas obras capitais das letras universais. A maior parte desses homens não faz da tradução um ofício único, pois têm outras atividades, como é o caso de José Sarney e Jomar Morais, que apenas esporadicamente exploram o ramo, mais por diletantismo e amor às artes literárias que por interesse de buscar reconhecimento. Outros, no entanto, fazem do

traduzir uma extensão do próprio labor intelectual, é o caso de Oswaldino Marques e Manuel Caetano Bandeira de Melo, homens de reconhecida verve cultural, que deixam marcas

indeléveis em cada página transposta para a nossa língua. Também Ferreira Gullar, o mais importante poeta brasileiro em atividade, já publicou trabalho de tradução, com destaque

para Cyrano de Bergerac (de Edmond Rostand) e Ubu Rei (de Alfredo Jarry). Contudo, o mais festejado tradutor maranhense na atualidade é Carlos Alberto Nunes,

intelectual quase desconhecido em sua terra, mas que já mereceu elogios de estudiosos de todo o mundo. Temos de sua lavra a tradução de todos os diálogos de Platão, do teatro completo de Shakespeare e dos poemas épicos de Homero. Sobre o maranhense, Carlos

Burlamáki Köpke, por exemplo, diz que nele “concentra-se a plenitude de uma vida excepcionalmente rica de equilíbrio e de dignidade”. 

Muitos outros tradutores maranhenses poderiam também ser mencionados, mas não precisa, pois os citados acima são o suficiente para que se tenha a certeza de que realmente há uma

tradição maranhense de formar tradutores de primeira linha. Cabe agora àqueles que começam a aventurar-se por tal caminho manterem acesa essa chama cultural. 

NOSSAS MULHERES DE LETRAS 

Ao folhear qualquer compêndio de literatura brasileira, o leitor incipiente ficará com a nítida impressão de que escrever é uma tarefa quase que exclusivamente masculina, pois são

poucas as mulheres citadas em tais livros e menor ainda o número das que são tratadas como grandes escritoras. 

No Maranhão não poderia ser diferente. Os nomes masculinos são divulgados, cultuados, lidos e estudados; as escritoras, por sua vez, ficam quase sempre esquecidas, relegadas a um

segundo plano. Mas, ao contrário do que pode parecer em uma análise superficial, a produção literária das mulheres maranhenses é bastante significativa. O primeiro nome a ser

lembrado é o de Maria Firmina dos Reis, uma mescla de educadora, poetisa, romancista e jornalista, autora dos romances Úrsula e Gupeva, além de poemas de temáticas românticas.

Até hoje, infelizmente, o restante do Brasil ainda não reconhece essa intelectual como a primeira escritora brasileira. Ainda no século passado, temos o nome de Jesuína Augusta

Serra, sobre quem há escassa fontes biobibliográficas. Provavelmente, muitas outras mulheres escreveram, mas, por uma razão ou por outra, não tiveram seus nomes gravados na

memória literária maranhense. No século XX, o número de mulheres escritoras (publicadas) cresceu consideravelmente, trazendo à tona talentos como o de Laura Rosa, autora de Promessas, livro de contos, e de

inúmeros poemas dispersos em jornais de sua época; Lucy Teixeira, a “cúmplice na renovação da poesia maranhense”, como afirma Assis Brasil, e Dagmar Desterro, autora de mais de vinte livros publicados, apresenta, tanto na poesia como na prosa, densidade lírica e social, mesclando lirismo, história e abordagem social. Dona de forte poder de dicção, Laura

Amélia Damous sintetiza idéias em pequenos poemas carregados de imagens. O mesmo acontece com Dilercy Adler, que além de escrever poemas, destaca-se também pelo

incentivo cultural às letras maranhenses, através de edições de antologias. Nos últimos anos temos também o surgimento de outros talentos poéticos, como é o caso de

Lúcia Santos, que diz que “se o dia é agora/ quero o sol em minhas mãos/ antes que

anoiteça”, numa atitude de quem sabe realmente a que ponto quer chegar; Márcia Gardênia Serra Mota, cheia de sentimentalismo, mas sem cair no piegas; o sensualismo ingênuo de

Maria Marta; as metáforas bem construídas de Wanda Cristina; as abordagens históricas do teatro de Lenita Estrela de Sá (também poetisa) e a prosa poética de Sonia Almeida; além de

Jorgeane Braga, Judith Coelho, Rosemary Rêgo e Raimunda Santos, participantes da antologia Safra 90, promessas para um futuro bem próximo. 

Algumas poetisas, no entanto, deixaram, pelo menos por enquanto de publicar. Foi o que aconteceu com Joelma Corrêa, dona de uma veia poética que une o sensual e o erótico em

textos simples e cheios de lirismo; Sandra Regina Alves Ramos, que publicou apenas o pequeno livro Desrumo, e Rita de Cássia Oliveira, autora de (Re)nascer Mulher. 

Voltando agora ao campo da prosa, temos que destacar Arlete Nogueira, principalmente por seu livro A parede, um pequeno romance que penetra profundamente na alma humana, além do sucesso de sua Litania da Velha, sua obra mais conhecida atualmente; Rita Ribeiro com sua Ana Jansen, e Conceição Aboud , autora de Teias do Tempo, uma narrativa leve mas

muito bem arquitetada, que nos leva a refletir sobre a existência humana. Felizmente, a galeria de escritoras do Maranhão não chegou nem perto de ser esgotada. Dezenas de outras mulheres (jovens e veteranas) continuam produzindo obras que, com certeza, servirão para o engrandecimento das letras da terra de Maria Firmina dos Reis.

Quanto à sobrevivência literária de cada uma delas, somente o tempo “o maior dos críticos literários”, poderá trazer os resultados. 

OS ROMANCES DE JOÃO MOHANA 

Há pessoas que têm o poder da multiplicação do próprio tempo. Envolvendo-se nas mais diversas atividades, elas sempre conseguem desenvolver seus projetos a contento e ainda

lhes sobra fôlego para outros vôos mais audaciosos. Foi o que aconteceu com o bacabalense João Mohana, uma mistura equilibrada de sacerdote, médico, psicólogo, professor,

teatrólogo, ensaísta, pesquisador, musicólogo e romancista. Hoje, passados alguns anos do falecimento do escritor, já se pode ter uma visão mais crítica e racional sobre sua produção literária, principalmente sobre os seus dois romances: Maria da

Tempestade e O Outro Caminho, duas das melhores obras da prosa maranhense contemporânea. O primeiro traz a dramática história de Bárbara, narrada em um clima de suspense e expectativa, prendendo o leitor da primeira à última página, quando recebe o

choque de um desfecho indesejado. Ao mesmo tempo em que a história é contada, uma série de análises paralelas podem ser feitas, o comportamento humano é esmiuçado de diversas

maneiras, mostrando as personagens sob vários ângulos. Cora Mendes, Guilherme, Ribamar, Padre Tarjet e a família da protagonista simbolizam mais que meros elementos de ficção,

retratam, sim, uma parte da própria sociedade maranhense do início do século XX. O Outro Caminho, premiado pela Academia Brasileira de Letras, conta a história de Eyder, um padre dividido entre as imposições sacerdotais e os desejos da carne. Narrada de forma

envolvente, a saga de Eyder desenvolve-se em tom de drama psicológico. Cada página passada é uma nova faceta dos sofrimentos do jovem Padre, que tem a sociedade maranhense

de sua época, mesquinha e preconceituosa, como a grande antagonista. Novamente, os personagens não aparecem por acaso, todos são essenciais para o desenrolar da história, que

já apresenta seu desfecho na primeira página do livro. Embora as histórias sejam diferentes (ambas encantadoras), pode-se perceber claramente as semelhanças estilístico-temáticas quem enlaçam os dois romances. Em alguns casos, uma

situação de um livro apresenta correspondência no outro, é o caso, por exemplo da desestruturação familiar e das descrições da morte. Algumas personagens também parecem imagem especular de outras, como Pe. Tarjet e Pe. Francisco, que parecem a mesma pessoa

em livros diferentes. No entanto, essas recorrências não empobrecem os romances de João Mohana, e sim provam sua capacidade de manusear as características de certos grupos de forma coerente, já que os

dois padres e as duas famílias, nos livros, são representações de dois sistemas complementares, mas antagônicos. Quanto à morte, presença marcante nos dois livros, é em suas descrições que o escritor atinge a plenitude de sua força narrativa. A agonia do pai de

Bárbara, de seu filho natimorto, a morte da mãe de Eyder e o falecimento do protagonista de O Outro Caminho são páginas antológicas em que temos a junção perfeita do padre, do médico e do escritor João Mohana, cada um dando sua contribuição para que as cenas

fossem escritas de maneira exemplar. Outro ponto bastante denso da obra do escritor é a sua busca de verossimilhança, chegando ao ponto de o leitor questionar-se sobre a existência ou não de Bárbara Sena, bem como o leva a acreditar que Eyder e João Mohana são a mesma pessoa, esquecendo-se de que tudo

não passa de ficção. Em verdade os dois livros trazem lições de vida. No final, todos estão entregues às mãos do Criador e é Ele quem decide o futuro. Ao leitor resta a sensação de vazio e a certeza de que todos vivem numa eterna tempestade, sempre com a angústia de querer saber como seria a vida, caso tivesse seguido o outro caminho. Eis a lição do padre, do médico e do humanista João Mohana, seguramente um dos maiores analistas da alma humana de nossa centúria. 

O PRÍNCIPE ESQUECIDO 

Até as primeiras décadas do século XX, o nome de Coelho Netto era presença obrigatória em todas as rodas intelectuais. Admirado por uma legião de amantes da literatura, o polígrafo

maranhense era tido como um exemplo e erudição e de domínio da linguagem escrita. Dono de um vocabulário ativo de aproximadamente vinte mil palavras e de uma produção literária que ultrapassa a marca dos cem volumes publicados, o escritor maranhense costumava não repetir adjetivos, verbos e substantivos em seus textos, produzindo o que alguns teóricos

classificam como parnasianismo em prosa, tal era o seu apuro formal. Embora recebendo cáusticas críticas como as de Lima Barreto, que o considerava “o sujeito

mais nefasto que tem aparecido em nosso meio intelectual”, o autor de Turbilhão era considerado pela maioria dos leitores um grande estilista da língua portuguesa e um fecundo

criador de personagens. Brito Broca informa que, por causa de sua linguagem castiça e escorreita, o romancista maranhense foi o primeiro brasileiro a ter a obra aceita pelo público

português, tendo a Livraria Chardro como sua editora quase exclusiva. Três vezes consecutivas foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros em concursos patrocinados por

revistas de sua época, e, na década de 30, pouco antes de seu passamento, o escritor foi indicado para receber o prêmio Nobel de Literatura, não sendo, no entanto escolhido para

receber tal honraria. Louvado no passado, a partir do evento da Semana de Arte Moderna, quando travou sério

debate com seu conterrâneo Graça Aranha, Coelho Netto começou a ter seu prestígio abalado. Aos poucos, o que parecia ser obra de gênio passou a ser considerado excesso de

verbosidade e falta de criatividade. Para a maioria dos jovens escritores que se propunham a modernizar as letras brasileiras, o autor de Rei Negro estava ultrapassado e era um modelo a não ser seguido pelas futuras gerações. Sepultar a vasta bibliografia de Coelho Netto parecia

ser ponto primordial para a evolução de nossa literatura O Último Heleno, como ele mesmo chegou a denominar-se, teve seu prestígio abalado pelos

modernistas, mas, durante algumas décadas, conseguiu manter-se como baluarte da cultura. Franklin de Oliveira, em excelente ensaio sobre o intelectual caxiense, chama a atenção para o fato de ser Coelho Netto um homem politizado (embora não demonstrasse essa faceta na maioria de seus livros) e bem informado acerca das novidades culturais de seu tempo. Sua crônica a respeito do episódio dos 18 do Forte (censurada, na época, por causa de seu tom

pró-revolução) já serviu de mote para estudos de Brito Broca e Josué Montello, dentre outros, e continua servindo como exemplo de coragem e sensatez política. 

A crítica tem sido geralmente implacável para com o romancista de Turbilhão. Jomar Morais não o considera um grande escritor, mas apenas fruto de um modismo; Agripino Grieco chega a considerá-lo um “entulho” literário; Lúcia Miguel-Pereira afirma que o escritor maranhense foi “asfixiado” pelo próprio vocabulário. Por outro lado, Otávio de Farias

considera-o “o maior romancista brasileiro” e Alfredo Bosi diz que Coelho Netto é “a grande presença literária entre o crepúsculo do Naturalismo e a semana de 22”. Ponderados, Eliezer

Bezerra e Massaud Moisés preferem equilibrar qualidades e defeitos do escritor. Hoje, cerca de seis décadas após a morte do intelectual, percebe-se que ele realmente está esquecido. Seus livros raramente são comentados, as reedições são escassas. Mais que um escritor deslocado na nossa chamada pós-modernidade, anacrônico em uma sociedade que

exige dinamismo e tem pouco tempo para complexos jogos vernaculares, Coelho Netto deixou, principalmente, de ser um escritor comercial. Baldadas foram todas as tentativas de

seus admiradores de levá-lo de volta à posição de grande literato brasileiro. Infelizmente, em nossos dias, lê-se mais as críticas sobre Coelho Netto que sua copiosa obra. As marcas

negativas postas no passado literário do autor de Rei Negro são entraves para leitura de sua obra no presente e obstáculos para sua reparação no futuro, condenando o eterno Príncipe

dos Prosadores ao esquecimento. 

AS LIÇÕES DE CAZUZA 

O nome de Viriato Correa é hoje quase desconhecido da maioria dos jovens leitores. No entanto, suas obras, mesmo raramente reeditadas, podem ser encontradas na maioria das

bibliotecas brasileiras e ainda hoje proporcionam leituras com um certo grau de atualidade. Escritor de múltiplos talentos, dedicou-se a diversas áreas do conhecimento, destacando-se

por suas obras literárias e por seus escritos de cunho histórico. No meio da alentada produção literária de Viriato Correa, uma obra em particular deveria ser de constante interesse por parte dos amantes da boa literatura. Trata-se de “Cazuza”, um livro classificado como

infanto-juvenil, mas que traz mensagens que podem levar pessoas de qualquer idade a uma reflexão acerca do comportamento humano. Usando a conhecida técnica de atribuir a autoria

da narrativa a alguém que certo dia lhe entrega uns manuscritos, o autor busca a verossimilhança dos fatos em imagens possivelmente fixadas em sua memória. À primeira vista, o livro parece apenas mais uma narrativa de caráter puramente autobiográfico, mas o

passar das páginas deixa entrever que a tessitura ficcional suplanta o meramente memorialístico. Cazuza, o narrador da história, repassa parte de sua vida de forma

extremamente lírica e inocente. Deixa inúmeras mensagens cívicas e morais, instigando o leitor a uma reflexão acerca dos inúmeros questionamentos que são focalizados no decorrer

da história. Um dos principais alvos do narrador é a escola, que deixa de ser um lugar de alegria e passa à condição de sinônimo perfeito de castigo e tormento. As sabatinas, a

palmatória e o professor carrancudo e sem paciência para as lides docentes representam o que de mais atrasado pode haver no sistema educacional. Ao afastar-se do lugarejo de

nascimento, Cazuza toma consciência de poder haver aprendizagem sem a necessidade do uso da força física. O amor e o respeito, associados a uma didática menos conservadora, são os substitutos ideais para as torturas impostas pelo modelo arcaico de escola. Pata Choca, o

mais atrasado garoto da escola, um menino viciado em comer terra, é a síntese perfeita da questão da verminose e da desinformação como fatores que impedem o desenvolvimento físico e mental do brasileiro. O pai de Pata Choca, um homem grosseiro e sem estudos,

credita unicamente à preguiça a causa do atraso do filho na escola. Em uma cena comovente, o homem descobre que o filho é uma criança doente e chora ao tomar consciência dos

próprios erros. Cazuza se lembra dos exercícios de ditado passados pelas professoras que mais marcaram sua vida. Cada vez que algum menino fazia algo moralmente reprovável, era ditada uma fábula ou um apólogo, cujo fundo moral era exatamente aquele que iria tocar na

alma de quem havia errado. Dessa forma, o castigo físico era sutilmente substituído por lições que poderiam modificar o interior dos meninos, sem a necessidade de deixar marcas pelo corpo. As questões cívicas são abordadas de modo claro e didático ao mesmo tempo.

São contadas as histórias de alguns dos ilustres brasileiros que lutaram para que suas idéias fossem aceitas. As grandezas do Brasil são exaltadas, valorizando-se não só a extensão

territorial, mas também a força do povo. É no povo que está a verdadeira riqueza de uma nação, conforme se pode depreender da leitura de alguns significativos dedicados ao assunto. O preconceito racial também é abordado na obra. Os alunos riem quando vêem um professor dar o braço para uma negra. O mestre, por sua vez, disserta longamente sobre a contribuição

do negro para a formação do país e conclui dizendo que ele é que se sente orgulhoso por poder dar a mão a alguém que tanto trabalhou pelo progresso do Brasil. O assunto volta à

tona nos últimos capítulos do livro, quando há uma disputa para que se saiba quem é o melhor aluno da escola. Percebe-se que os dois finalistas apresentam equivalência no que diz respeito aos conhecimentos. Contudo o fato de um deles ser negro será um empecilho para

sua vitória. O menino branco é laureado, de forma claramente protecionista. Não ficaria bem para o sistema ter um negro (ainda por cima filho de uma lavadeira) como melhor aluno do

ano. Contrariando todas as expectativas, a mãe do vencedor reconhece a vitória do adversário de seu filho, dando-lhe a medalha. Com isso Viriato Correa passa a mensagem de

que inteligência não é uma questão de cor ou de classe social, mas sim do esforço de cada um. Muitos outros pontos do livro podem ser destacados como verdadeiras lições dadas àqueles que agem de forma passiva diante dos obstáculos. Mais do que uma obra de teor

dogmático, o livro é também um mergulho em um mundo infantil já esquecido pela maioria dos adultos. As descobertas de novos horizontes ocorrem simultaneamente ao

amadurecimento do jovem Cazuza, uma espécie de síntese da sadia infância do interior. 

UM BALAIO DE POEMAS 

Publicado sem estardalhaço em 1997, pelo caxiense Quincas Vilaneto (pseudônimo adotado por Joaquim Vilanova Assunção Neto), o livro Balaio de Ilusões somente agora, com a sua

indicação pela Universidade Federal do Maranhão como leitura prévia para o concurso vestibular 2001, assume um lugar de destaque no cenário literário maranhense. Em 39

pequenos poemas, Quincas Vilaneto traz à tona dos versos momentos de intenso lirismo, resgatando imagens da infância, interessantes jogos de palavras e sutis críticas à sociedade. Os poemas curtos deixam suas marcas em ritmos cadenciados e carregados de metáforas,

compondo versos de grande poder imagético. Um bom exemplo de crítica constante no livro é o poema “como um Paxá” (pág. 67), em que a escolha lexical do título esconde uma ironia

refinada que se vai desnudando ao longo da leitura. A idéia inicial de um paxá como um homem cheio de poderes logo no início da leitura é desfeita, sendo substituída pela imagem de um desvalido que vaga em busca de melhores condições de vida. Versos como “tomo um

prato de vento / bebo um pouco de nada / estalando língua / até fartar” evocam a difícil situação de quem tem de contentar-se como o nada que o rodeia. Também há que se destacar

o tom metalingüístico adotado pelo autor em alguns de seus poemas. Mesmo que essa não

seja uma das temáticas mais importantes do livro, vale a pena destacá-la, pois serve para mostrar a diversidade temática encontrada ao longo do livro. O poema “O Outro Lado” (pág.

81) é um bom exemplo de despojamento métrico e estilístico, em que temos ao mesmo tempo uma retomada do fazer poético e um olhar sobre os dois lado da poesia: o material e o

que é pura essência. O homem físico, que precisa trabalhar para sobreviver, usando “seu terno cinzento de humana solidão, à noite cede seu espaço para o Poeta que mora dentro de si. Quando se trata de fazer jogos de palavras, Quincas Vilaneto se supera. Dominando com

certa maestria as palavras e, de forma artesanal, buscando o processo de substituição fonética, o poeta procura, sem esquecer seu tão peculiar lirismo, compor situações que

possam evocar dubiedade (algo bem próximo do que foi feito no movimento vanguardista chamado de poesia-práxi, em que as palavras ganham vida pela situação ocupada no corpo

do poema, não pelo isolamento semântico). Os poemas batizados sob o título de Magnetismo (pág. 84 até 89) são bons exemplos do que foi dito acima. Mas o é em Metamorfose (pág.

92), o último poema do livro, que o poeta leva às últimas conseqüências a busca da palavra ideal e ao mesmo tempo faz um mergulho na angústia do eu-lírico. Permutando poucos

fonemas, o poeta constrói a seguinte progressão semântica (ponto/ conto/ canto/ pranto), que leva o leitor a observar a própria metamorfose do eu-lírico. Ainda no que diz respeito aos

jogos de palavras, temos soluções poéticas bem trabalhadas em alguns pontos do livro, como é o caso de “Sentença” (pág. 23), uma mistura de anáforas e metáforas que terminam em

denúncia social através de neologismo. Após enumera algumas das possíveis desculpas para os problemas do nordeste, o poeta desabafa seu modo de ver a problemática. Nesse poema, um único verso (“É o que só-lhe-dão”) traz ao mesmo tempo uma espécie de neologismo sonoro e uma crítica ao esquecimento político por que passa o Nordeste. Mas o grosso do livro é dedicado ao sentimento telúrico de amor por Caxias. Nesse aspecto, o poema que

mais se sobressai é “Tocaia” (pág. 35-36), um verdadeiro resgate memorialístico da antiga cidade. Os costumes antigos, as brincadeiras de criança os pontos de encontro e até mesmo os velhos mendigos servem de motivo para uma reflexão sobre as mudanças ocorridas na cidade. Em outras páginas, o poeta aproveita para destacar os pontos que considera mais

importantes na cidade: os rios, as praças, os monumentos. Aproveita também para falar da fauna e da flora do município, sempre em tom de saudade de um passado sem volta. É por

isso que Morano Portella, no prefácio do livro afirma que “Balaio de Ilusões é Caxias, inesquecível pedaço de chão no fundo do coração do poeta, e é o mundo”. Se por um lado o livro não traz inovações técnicas e temáticas, o trabalho com a linguagem e a preocupação

em não se calar diante dos problemas do mundo já são suficientes para que a leitura de Balaio de Ilusões não seja enfadonha. Cada página pode esconder nas entrelinhas algo mais que simples versos, algo mais que a visão de um homem sobre o Universo. Cada verso pode

trazer um pouco daquilo que teimamos em não ver diretamente da realidade. Então a arte cumpre seu papel de servir de olhos suplementares para a miopia humana. 

CORDEL: A ALMA DO POVO 

Originário da Península Ibérica e chegando ao Brasil via Portugal, o cordel acabou transformando-se em um dos principais pontos de referência da genuína cultura nacional.

Segundo Ariano Suassuna, um dos mais importantes escritores da literatura brasileira contemporânea, o cordel “é o único espaço no qual o povo conseguiu se expressar sem

deformações”, ou seja, é na poesia dos cordelistas que podemos encontrar a verdadeira alma do povo brasileiro. Geralmente seguindo o padrão de sextilhas (estrofes com seis versos) em redondilha maior (versos com sete sílabas poéticas) e com rimas alternadas, o cordel costuma

ser confeccionado em papel jornal e vendido em feiras e praças, ou ainda pode ser cantado ao som de violas, constituindo-se em uma manifestação literária que diretamente o cidadão comum, amante das peripécias vividas pelos heróis criados (ou adaptados) pelos inúmeros

poetas populares. As temáticas abordadas são as mais variadas possíveis, indo dos “causos” mais estapafúrdios à sátira política; do futebol às eleições; da História do Brasil à vida no

campo ou na cidade; da visão mítica do cangaço às adaptações de obras clássicas. Tudo pode servir de tema para um cordelista criativo. Portanto, estar atualizado acerca dos fatos

políticos e sociais pelos quais passa a nação e o mundo é de essencial importância para que os versos ganhem fluência e veracidade. Além de um evidente caráter lúdico, pode-se dizer também que a literatura de cordel apresenta um cunho didático. Através da leitura de alguns autores, é possível fazer um resgate de um pouco da história mundial, mais particularmente de alguns fatos marcantes da vida pública brasileira. Nesse aspecto, um bom exemplo é a produção do poeta piauiense Pedro Costa - presidente da Funcor (Fundação Nordestina do

Cordel) e editor da De Repente (uma revista cultural especializada em literatura popular). De forma extremamente didática e lúcida, ele repassa em versos os quinhentos anos da História

do Brasil, numa viagem literária que mescla técnica, crítica e grande conhecimento do passado de nossa terra. Por ser tão popular, o cordel sempre enfrentou resistência por parte

de alguns intelectuais que vêem nessa expressão literária apenas uma espécie de subliteratura sem o menor valor artístico. Poucas são as universidades que dedicam parte da carga horária

dos cursos para o estudo da produção dos cordelistas brasileiros. Poucos também são os professores que se concentram no estudo desse tema, já que, pelo menos teoricamente,

mostrar erudição através da exegese de algum escritor canonizado pela crítica dá muito mais status intelectual que concentrar energia na descoberta de novos valores. Mesmo com todas as reticências dos meios acadêmicos, alguns pesquisadores de renome nacional e até mesmo internacional publicaram (ou ainda publicam) trabalhos sobre a tradição popular da poesia

brasileira. É o caso, por exemplo, do inigualável Luís da Câmara Cascudo, autor de diversos livros sobre “o folclore poético do sertão”; Orígenes Lessa, que, além de destacar as obras de Inácio Catingueira e Luís Gama, brindou seus leitores com “A Voz dos Poetas”, um ensaio

sobre os cantadores nordestinos; Flora Süssekind e Rachel Valença, autoras de estudos sobre os aspectos lingüísticos e literários sobre “O Sapateiro Silva”, do poeta popular Joaquim José da Silva. Mesmo não atingindo um grande público, alguns estudos acerca do cordel chamam a atenção não só pela qualidade como também pelo destaque dado a alguns dos temas e das personagens mais recorrentes no estro dos artistas populares. Livros como “O ciclo Épico dos Cangaceiros na Poesia Popular do Nordeste” (de Ronald Daus), “O Ciclo dos Animais

na Literatura Popular do Nordeste” (de Yvonne Bradesco-Godemand) e “O Negro na Literatura de Cordel” (de Olga de Jesus Santos e Marilena Vianna), além dos ensaios dos autores supracitados, são essenciais para quem deseja aventurar-se pelos caminhos ainda

quase inexplorados dos cordéis. Na comparação acadêmica com os chamados Poetas Maiores, os escritores populares são relegados a um plano inferior e tidos como figuras exóticas, verdadeiros párias da dita Boa Poesia. Quando o maranhense Ferreira Gullar

publicou alguns versos em forma de cordel, houve que lamentasse o fato de um dos mais talentosos poetas do Brasil ter pedido seu talento criativo e estar se “rebaixando” a escrever

poemas de segunda categoria. Contudo, mesmo com a visão limitada de boa parte dos críticos brasileiros, o professor Sébastien Joachim, da Universidade Federal de Pernambuco,

destaca que grandes nomes de nossa literatura, como João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e Carlos Drummond de Andrade, beberam nas fontes do cordel na fase áurea de suas respectivas produções poéticas. O que vem comprovar a importância dos humildes

cantadores na evolução de nossas letras.