Salomão Rovedo-Poesia Maranhense

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  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    Salomo Rovedo

    Ilustrao: Mariano

    (Publicado no D. O. Leitura em 1986)

    Rio de Janeiro2014

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    Salomo Rovedo

    Poesia Maranhense:

    a Atenas renascida

    capa: Mariano)

    D. O. Leitura

    So Paulo

    1986

    Rio de Janeiro

    2014

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    Introduo

    Em geral na maioria das vezes tenho reproduzido meus escritos antigos da era pr-internet deixando-os como saiu na publicao original. Neste caso, porm, medediquei a fazer a reviso devido s implicaes de ordem cronolgica. Revisei datas,confirmei nomes e seguindo ensinamento de Gabriel Garca Mrquez exclu amaioria das palavras terminadas em mente. O fantasma de Gabo me persegue: todasas vezes que chego nessa encruzilhada ouo a voz sepulcral me alertando sobre aexpresso mente, at que por fim se tornou um timo exerccio para esteescrevinhador. Tenho muito cuidado com as traies que arrastam consigo um,uma, meu, minha, os, as possessivos na extrema acepo do termo, queinsistem invadir a cabea dos escritores: por isso o receio de deixar pra trs qualquerescorregadela esse negcio de citar nomes, datas, excertos de obras trabalhoso e

    merece cuidados. De qualquer modo, sou grato a Gabriel Garca Mrquez pelo conselhoe por deixar disposio o seu fantasma: que me persiga para sempre, amm.

    O exemplar do D. O. Leitura que este artigo foi publicado j se encontra amarelado epodre. Urgia digitaliz-lo antes que se esfarelasse fui luta, pois... Publicado pelaImprensa Oficial do Estado de So Paulo (IMESP), sob a regncia de WladimirArajo (Editoria) e Ionaldo Cavalcanti (Arte), o D. O. Leitura provocou reviravoltanas edies culturais, tendo como foco a liberdade de expresso, aberta a todos ospensamentos. Ora, direis, no deveria ser sempre assim? Deveria, mas no . Nas vintepginas do exemplar citado D. O. Leitura, So Paulo 5(49) jun. 1986 a variedadede publicados abrange grande parte dos temas culturais:

    Carlos Gomes: 150 anos, de Juvenal Fernandes. Neste artigo Juvenal Fernandes nos resume a vida e a obra de Antonio Carlos Gomes (Obra completa e quadrocronolgico), como d a conhecer Jos Pedro de SantAnna Gomes, irmo mais velho,virtuose em violino, viola e clarineta, ele mesmo compositor de duas peras. Sant'AnnaGomes deixou herdeiros musicais nas figuras dos filhos Alfredo Gomes, violoncelistacom bolsa e prmios em Bruxelas e Alice Gomes Grosso, pianista. Alice deu sequncia famlia de Maneco Gomes o patriarca: me de Iber Gomes Grosso (cello), Alda

    Grosso Borgeth (violino) e Ilara Gomes Grosso (piano). E por a vai...

    Cana

    de

    acar x Caf, de Ernani Silva Bruno, trata da disputa entre as duasimportantes agriculturas em terras paulistas, cavoucando suas razes a partir doSculo XVIII.

    O dialeto crioulo e a literatura em Cabo Verde, de Joo Alves das Neves, artigo emque especula sobre o avano da fala cabo-verdiana, cuja amplitude literria egramatical deixa margem a interrogaes se j no uma lngua. Em quadro o autor

    enfeixa pequena antologia da poesia de Cabo Verde escritas em dialeto crioulo.

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    Audlio Dantas escreve Gil Passarelli caador de imagens, em que ressalta, ilustradopelas prprias imagens do fotgrafo, a qualidade da fotorreportagem na imprensa.

    Anita Leocdia Prestes, em A coluna Prestes uma nova viso, a filha de Luiz Carlos

    Prestes busca respostas para a pergunta: Ento, por que a Coluna?O Alienista: tese anttese e sntese, de Eduardo Maffei, escritor e mdico, tentaescapar do labirinto entre o trgico da loucura e a comdia d a normalidade",analisando a obra-prima de Machado de Assis. Talvez o Dr. Simo Bacamarte aindaesteja recolhido aos seus livros na Casa Verde de Itagua, sua procura.

    A lepra e a cobra, de Lycurgo de Castro, trilha o caminho da lepra antes de tornar-sehansenase, em poca que eram atribudas doena as causas mais extravagantes,ocasionando tratamentos mais extravagantes ainda.

    O budismo japons em So Paulo, de Yukyo Ponce, descobre que existe pontos deatritos entre os budistas brasileiros e a vertente nipnica. Quem diria!

    A literatura de cordel em So Paulo, no qual Franklin Maxado, ele mesmo cordelistapaulistano, desvenda a produo da poesia popular nordestina em pleno corao de SoPaulo, na Praa da Repblica e bairros onde a presena do nordestino prevalente.

    Afora tantos artigos, o D. O. Leitura reserva duas pginas para resenha de livros,

    concursos e prmios literrios, coisa rara hoje em dia. ou no uma publicao depeso? Por isso e por essas que no me canso de elogiar o trabalho rduo de WladimirArajo e Ionaldo Cavalcanti nos idos em que tnhamos nos esquecido de como fazercultura com liberdade.

    Rio de Janeiro, Cachambi, 22 de julho de 2014.

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    Quem chega a So Lus depois de demorada ausncia de

    mais de vinte anos se surpreende com a dinmica de uma

    cidade anci que ressurge em tentculos modernos. As velhas

    ladeiras ainda esto l, caladas com as mesmas pedrarias,

    cada vez mais escorregadias, entressachadas de limo e lodoaps as sempre abundantes chuvaradas de abril. Os velhos

    casares ainda se mantm de p, orgulhosos do vigor com que

    foram erguidos.

    Apesar das paredes encobertas ora de cartazes

    publicitrios, ora de propaganda eleitoral, conservam os

    mesmos azulejos seculares que fizeram a cidade famosa. Os

    telhados de outrora servem de jardineira natural onde o lodoacumulado adubo para as sementes plantadas pelas

    andorinhas, bem-te-vis, pipiras e rolinhas que por ali

    transitam e se aninham.

    Pois, desde as telhas coloniais que da borda das

    coberturas muitas vezes ofuscam com sua beleza a azulejaria

    at o p das paredes midas, vasadas, com a rebocadura ferida

    a mostrar pedaos de cantarias estereotomizadas, tudo, tudoainda recende a passado, um passado que a So Lus moderna,

    que cresce distante, mas s vezes se infiltra, no consegue

    sufocar. Alvssaras!

    Da necessidade de recolher migalhas do passado recente

    (pois l se vo apenas algumas poucas dcadas de ausncia),

    do satisfazer-se com o hlito do cho umedecido pelas

    constantes chuvas, do saciar-se com os sabores singularesdas frutas tropicais e haja sapota, pequi, pitomba, juara,

    murici, cupuau, buriti de matar a fome e a sede de temperos

    bem so-luisenses, desde o cachorro-quente de carne moda

    picante, at iguarias finas como o arroz-de-cux, sururu ao

    leite-de-coco, torta de caranguejo, camaroadas e o mais, tudo

    bem acompanhado do molho de pimenta-de-cheiro e de uma

    abrideirade tiquira na moringa s poderia se consumar com

    a cata de idnticas informaes poticas, capaz de fartar a

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    nsia devoradora de um ltero manaco fervoroso e

    juramentado.

    Eia, pois, sigamos excitados pelos camares secos da

    Praia Grande e pela refrescante infuso de pega-pinto embusca dos redutos onde se escondem os contemporneos

    daqueles escrevedores que conseguiram em priscas eras o

    memorvel feito de se fazer batizar a terra maranho de

    Atenas Brasileira.

    Pior foi depois, quando o cognome elogioso terminou,

    com o tempo, por se transformar em pesado fardo, uma

    fantasiosa alegoria para muitos, pior, em seguida virou terrvelapodo Apenas Brasileira fazendo com que aqueles que

    ousaram trilhar os espaos literrios tivessem que carreg-lo

    estoicamente ou ento o abomin-lo para todo o sempre.

    Os verdadeiros amantes das letras, porm, aqueles

    indefectveis visitadores das livrarias e dedilgrafosnotvagos,

    poucos ligam para os xingadores que transfiguraram o Atenas

    Brasileira em Apenas Brasileira, mantendo o ritmo construtivoda sua participao na histria literria do pas, mesmo ilhados

    por sua prpria gente.

    Com efeito, extremoso e difcil se fazer arte com tantos

    eflvios negativos, mas em nenhum momento a literatura

    maranhense apresentou sinais de fraqueza ou esmaecimento.

    Isolamento sim, e, por ser ilha, necessitada de volta e meia

    liberar tufos de elementos dos quais formada; e estes, porsua vez, atracando-se em terras alheias ali vingam, florescem,

    frutificam.

    Do mesmo modo que a liberdade no Brasil passa

    obrigatria pelo maranhense Manuel Bequimo, a Histria da

    Literatura h de passar por Antonio Pereira (1641-1702),

    autor de um primoroso Vocabulrio da lngua braslica; pelo

    padre Gabriel Malagrida (1689-1761), estrangulado esacrificado pelas infernais labaredas da Inquisio lusitana.

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    Mas s a partir do Sculo XVIII a literatura maranhense

    cresceu de tal forma que passou a se igualar com escolas

    europeias tradicionais. Nomes da terra se destacaram no

    cenrio das letras e das cincias. Historiadores, poetas,romancistas, oriundos de cursos e estudos nas universidades

    estrangeiras elevavam o nome das letras maranhenses.

    Odorico Mendes (1799-1864), Joo Francisco Lisboa

    (1812-1863), grande recuperador da Histria do Maranho,

    Cndido Mendes de Almeida (1818-1881), patriarca de um cl

    de pensadores cuja influncia chega aos dias de hoje,

    Gonalves Dias (1823-1864), poeta do indianismo, HenriquesLeal (1828-1885), so nomes perenes.

    Joaquim de Sousndrade (1833-1902), heroico autor de

    O Guesa Errante, pr-histria do Modernismo; Joaquim

    Serra (1838-1888), multifacetado que necessita uma reviso e

    reedies; os irmos Arthur (1855-1908), Alusio (1857-1913)

    e Amrico Azevedo (1863-1900), este ltimo cedo

    desaparecido, mas como os irmos, talentoso literato;Raimundo Correia (1859-1911), Catulo da Paixo Cearense

    (1863-1946), o poeta sertanejo que teve a ousadia de cantar

    serestas nos sales sociais da poca (uma heresia!); Nina

    Rodrigues (1862-1906), cientista de renome cujas descobertas

    levaram o nome do Brasil respeitvel comunidade cientfica

    mundial, precursor de estudos antropolgicos sobre o negro

    brasileiro.

    Coelho Neto (1864-1934) e Graa Aranha (1868-1931),

    o coroa que teve o desplante de romper com a senhoraa

    Academia Brasileira de Letras para apoiar um grupo de

    rebeldes que estabeleceram os fundamentos do Modernismo

    em 1922; Dunshee de Abranches (1867-1941), outro

    historiador cujo trabalho at hoje altamente considerado;

    Vespasiano Ramos (1844-1916), Viriato Correia (1884-1967),

    Humberto de Campos (1886-1934), Fran Paxeco (1894-1952),

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    lusitano de nascimento e maranhense de corao, Astolfo

    Serra (1900-1979).

    Com tantos nomes clebres no costado, a

    responsabilidade do escritor maranhense se multiplica aodesespero. Os contemporneos, pelo que se v, sequer

    tomaram conhecimento de tal dificuldade, donde se deduz que

    o talento literrio do maranhense inato.

    Nomes vrios mais recentes continuam contribuindo para

    manter a Atenas Brasileiraem constante destaque: Oswaldino

    Marques (1916-2003), Manoel Caetano Bandeira de Melo

    (1918-2008), Ribamar Galiza (1915-1987), Josu Montello(1917-2006), Franklin de Oliveira (1916-2000), Odylo Costa

    filho (1914-1979), so, entre outros, grandes nomes da

    literatura maranhense que repercutiram no pas.

    Alguns deles sequer necessitaram sair de sua terra natal

    para apontar como nomes literrios de expresso. o caso de

    Joo Mohana (1925-1995), sacerdote de comprovada vocao

    para as letras, Domingos Vieira Filho (1924-1981), folclorista,autor do nico A linguagem popular do Maranho,

    vocabulrio de expresses moderno e de Bandeira Tribuzi

    (1927-1977), pilar da moderna poesia de seu Estado.

    Carlos Cunha (1933-2007), que mantm na crtica

    literria o permanente exerccio da escrita; Jomar Moraes

    (1938), cuja trajetria nas letras lembra o paciente trabalho

    musical de um Saint-Sans, alm do trabalho quase braal derecapitulao dos valores esquecidos, reconstruo mais que

    necessria para que as geraes atuais reciclem seus

    conhecimentos (ocupou a presidncia da Academia

    Maranhense de Letras e a Secretaria de Cultura); Ribamar

    Carvalho (1923-1972), Jos Chagas (1924-2014), Nauro

    Machado (1935) e Joaquim Itapary (1936), nomes vivos e

    atuantes da poesia maranhense, contemporneos do mesmo

    grupo que saiu de So Lus para o Sul, mantendo elevado onvel de representatividade e a fora da literatura maranhense.

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    Lago Burnett (1929-1995), Jos Sarney (1930), que, optando

    da vida poltica, o fez sem detrimento da literatura; Ferreira

    Gullar (1930), o poeta exilado que jamais se afastou de suas

    origens (autor do consagrado Poema sujo, de 1976); Jos

    Louzeiro (1932), romancista, reprter, fundador do Sindicatodos Escritores do Rio de Janeiro, toda uma gerao, enfim,

    situada num espao bem claro do tempo.

    No fosse a memria mais prdiga em esquecimentos, a

    literatura maranhense teria maior expressividade. O trabalho

    de recuperao dessa lembrana edo passado coube mais uma

    vez a Jomar Moraes e essa continuidade (j que suas novas

    ocupaes no permitem continuar), deve ser encetada pelosmais jovens, eis que muitos nomes ainda andam esquecidos,

    mas tm lugar certo na literatura brasileira. Frederico Jos

    Correia (1817-1881), Sabbas da Costa (1829-1874),

    romancista que merece reavaliao da sua obra, Maria Firmina

    dos Reis (1825-1917), que deve ter reestudada sua posio na

    literatura feminina, Marques Rodrigues (1826-1873), Euclides

    Faria (1846-1911), Celso Magalhes (1849-1879), precursor

    dos estudos sobre o folclore brasileiro com o amigo ecompanheiro Silvio Romero.

    Gentil Homem de Almeida Braga (1835-1876), Franco de

    S (1836-1856), falecido bem jovem, promessa to vigorosa

    quanto Casimiro de Abreu; Dias Carneiro (1837-1896), Ribeiro

    do Amaral (1853-1927), Adelino Fontoura (1855-1884), Hugo

    Leal (1857-1883), filho do famoso Henriques Leal, romancista

    talentoso j aos 26 anos; Tefilo Dias (1857-1889), parnasianode mo cheia, Joo de Deus (1867-1902), Tasso Fragoso

    (1869-1945), uma lista enorme e cansativa, mas

    continuemos...

    Antonio Lobo (1870-1916), Xavier de Carvalho (1871-

    1944), Incio Raposo (1875-1944), Raul de Azevedo (1875-

    1957), que tem uma biografia de Dona Beja ainda indita,

    Astolfo Marques (1876-1918), Maranho Sobrinho (1879-

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    1915), jornalista que brilhou na Capital Federa, Luso Torres

    (1879-1960).

    Entre os escritores do fim do Sculo XIX cuja importncia

    deva ser ressaltada, encontramos Costa Gomes (1880-1916),Domingos Barbosa (1880-1946), contista, romancista e

    cronista de peso, Laura Rosa (1884-1946), cujo nome uma

    legenda na educao, Correia de Arajo (1885-1951), Teixeira

    Mendes (1885-1927), outro educador de renome, Antonio

    Lopes (1889-1950), Jos Silvestre Fernandes (1889-?),

    Clarindo Santiago (1893-1941), Joaquim Luz (1893-1945),

    Oliveira Roma (1894-1944), Raimundo Lopes (1894-1941), os

    irmos Otoniel (1896) e Newton Beleza (1899), Carlos AlbertoNunes (1897) e Assis Garrido (1899-1971).

    Novo sculo vista, mas a memria continua farta de

    olvidos, curta, curtssima. A vem Ribamar Viana (1904-1984),

    Mrio Meirelles (1915), Bernardo de Almeida (1896-1979),

    professor emrito, romancista que enriqueceu a bibliografia de

    Manuel Bequimo com um belo romance; Wolney Milhomem

    (1927), Rodrigues Marques (1929), Lus Costa Lima (1937) eademais tantos, tantos nomes, que daria para fundar mais de

    uma Academia dos Esquecidos.

    A poesia maranhense, ento, merece um captulo a parte,

    pois que com Bandeira Tribuzi poeta da cabea ao dedo do

    p recuperou a identidade potica sufocada por expoentes

    pr-romnticos, romnticos, simbolistas, parnasianos e outros

    ismos antes citados, resumindo no seu modo de versificaruma espcie de Ps-Tudo.

    Sem me deixar subornar pelas unhas de caranguejo

    gratinadas, acompanhadas do sabor bvaro da Cerma Pilsen

    estupidamente gelada, lembro os nomes atualssimos de Nauro

    Machado e de Jos Chagas (para mencionar sos expoentes

    que permanecem em So Lus). En passant, cito ainda Ferreira

    Gullar, Lago Burnett, Manoel Caetano Bandeira de Mello, que

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    de fora sustentam com um ritmo alucinante de publicaes a

    presena constante nas livrarias e colunas literrias.

    O resultado dessa poesia atuante consolidada a partir de

    Bandeira Tribuzi resulta no aparecimento de valores novos,mais comprometidos com a arte potica, entre os quais se

    destaca Bacelar Viana (1938-1982), poeta de enorme

    sentimento e paixo pela terra, demonstrados de vez por todas

    aps a publicao pstuma de Clamor deSo Lus.

    Outro nome que se firma em definitivo na poesia de hoje

    o de Luiz Augusto Cassas. Aps a sada de A paixo

    segundo Alcntara, a crtica, que j havia se pronunciadofavorvel em trabalhos anteriores, aponta-o no como

    promessa, mas consagrada realidade, merc da qualidade de

    sua poesia, que mereceu amplos elogios da comunidade

    literria do Maranho e algures.

    De Bandeira Tribuzi as Edies Sioge promovem a

    editorao esperada das obras completas, ajuntando o que

    estava disperso. Na novela Da convenincia de fazer-se umdeputado conveniente, se revela o lado desconhecido do

    poeta: o prosador e arguto comentarista poltico que faz da

    provncia o cenrio microcsmico do coronelismo crnico que

    subsiste no interior do Brasil.

    Este poeta, que sempre manteve o prosador na

    obscuridade, aparece mais slido na pea Rosamonde O

    touro da morte, faceta de um mundo que a ele no eratotalmente desconhecido: o teatro. Tambm um terceiro

    volume desse lanamento rene as poesias que compem

    Tropiclia Consumo & Dor, cuja unidade temtica d mais

    aparncia de um longo poema, posto que em todo o volume o

    poeta em plena forma aparece inquirindo e questionando a

    modernidade de tudo, em confronto com elementos lricos

    marcados j pela perenidade.

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    O choque do homem com o agressivo presente e o

    incognoscvel futuro encontra o apaziguamento possvel na voz

    do poeta.

    A vasta e volumosa produo de Nauro Machado nointerfere, em absoluto, na qualidade da alta poesia que exerce.

    Em plena maturao, humana e potica, os mecanismos

    construtivos de seu trabalho (aquilo que alguns antiquados

    insistem em chamar inspirao), obedecem a rigorosos

    critrios e conceitos que norteiam toda a sua obra.

    Antologia Potica (1980), O calcanhar do humano

    (1981), Apicerum da clausura (1985), so exemplosmagistrais que confirmam, de maneira singela, mas slida, o

    labor potico para o qual Nauro Machado vem concentrando

    todas as teclas da sua sensibilidade.

    Joaquim Itapary, poeta e cronista semanal no Estado do

    Maranho, membro da Academia Maranhense de Letras,

    publicou inmeros livros, entre os quais, Do Incerto cio

    (poesia); A falncia do ilusrio (ensaio); Sob o sol eCrnicas tapuiranas (crnicas) e a novela Hitler no

    Maranho, de cunho fantstico-realista, seguindo as pegadas

    de Garca Mrquez e Vargas Llosa.

    Contrio

    Eu pecador contrito me confesso

    de joelhos sobre lisas cantariasbato no peito e pecados meo

    cometidos em ti noites e dias.

    Cubro a cabea e em solenidade

    busco o perdo de ruas e janelas

    lavo o esprito nas fontes da cidade

    virgem de cal azeite e pedras belas.

    (in Do incerto cio)

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    Vida

    Onde est a densa tristeza

    que tanto em mim demorava,

    gneo punhal do peito dentro,qual noite de negro nix?

    Levou-a da madrugada a chuva,

    tornou-a orvalho nos rebentos verdes,

    prolas de prata na bruma da manh,

    colorindo flores no jardim do dia.

    Lavar-me nesse orvalho devo agora,banhar meu rosto nas gotas do relvado,

    plantar mil rvores para proteger-me

    do duro sol da humana iniquidade.

    Ao fim do dia casa regressar,

    ntegro, integral alegre,

    do despropsito da tristeza certo,

    que apesar da vida a vida valee vale mais que o pesar da vida.

    (in Do incerto cio)

    Do poeta Jos Chagas a Sioge promoveu o lanamento de

    alentado volume contendo a Poesia reunida (1955-1979)

    desse importante escritor maranhense por adoo. Um volume

    imperdvel para aqueles que amam a poesia! Na sequnciacronolgica, que somente o tempo implacvel pode determinar

    com sua irreversibilidade trgica, ressurge vigoroso o Jos

    Chagas panfletrio, cordelista, humorista fino e satrico em O

    discurso da ponte (1959) e O caso da ponte de So

    Francisco (1964), agora mais comprometido com o fazer

    potico-poltico. O poeta social. O poeta do palanque. O poeta

    do discurso.

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    O rio parte em duas

    a cidade com seu povo

    e a ponte liga as ruas

    e as conversas de novo.

    o rio posto entre

    pernas pelas anguas

    como se de humano ventre

    corressem suas guas

    e o rio entre esbeltas

    coxas e saias

    perseguindo deltase obscuras praias.

    (A ponte em funo do pecado, in O discurso da ponte)

    Difcil o poeta repetir em produes iguais aos volumes

    em pauta, eis que novos rumos ditados pelo consequente

    exerccio potico raras vezes daro chance de o autor

    (re)pisar suas prprias pegadas.

    e at que o rio

    se revele raso

    a gua um desafio

    contra rocha e acaso.

    (O rio visto da ponte, id. ibid.)

    Um rio que banha

    de ouro uma ilha

    mas que fere a entranha

    da terra e a humilha.

    (in O caso da ponte de So Francisco III)

    A ponte foi caso de poltica e de polcia. Pegou-se averba para constru-la e a nica coisa que se fez foi o

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    esqueleto de madeira e algumas fundaes das pilastras. A

    ponte? Babau!

    Papai para ver a ponte

    de So Francisco, como ? fcil, meu filho, aponte

    para longe e tenha f,

    que a ponte sai do infinito

    como em sonho ou pesadelo.

    Mas seu olho estaria fito

    no monstro sem perceb-lo.

    Ela surge de repente,

    mas de repente se esvai.

    Ela presente e ausente...

    Eu no entendo, papai.

    Meu filho, voc novo

    para entender os mistrios,

    as sutilezas de um povocom seus mltiplos critrios.

    A ponte surge de tudo.

    s vezes surge de nada.

    Mas, meu filho, eu no o iludo

    com essa histria atrapalhada.

    Surge a ponte at do centrode nossa alma tristonha.

    Ns temos a ponte dentro

    da nossa prpria vergonha.

    Ns todos a arquitetamos

    com omisso ou apoio,

    porque nunca separamos,

    na vida, o trigo do joio.

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

    16/32

    Cada um de ns fez um pouco

    dessa ponte inexistente,

    permitindo a um mundo louco

    dominar a nossa gente.

    O Maranho tinha outrora

    s gente honesta e capaz.

    Mas hoje apenas vigora

    a lei do que rouba mais.

    Nem mais se segue o evangelho

    que ainda agora se apregoa:

    o rouba mas faz do velhol da terra da garoa.

    Fazer qualquer coisa crime.

    Roubar no nenhum mal.

    O prprio tempo redime

    toda lunfa nacional.

    Basta apenas que ele estejado lado forte, no instante

    de comear a peleja

    da pulga contra o elefante.

    (Duas geraes conversam em torno da ponte, in O caso da

    ponte)

    Clarssimo exemplo de um veio potico / satrico /poltico, explorado at as ltimas consequncias com extrema

    propriedade. Note-se como Jos Chagas domina com maestria

    insupervel o verso curto e o contnuo namoro com as rimas

    sem arestas, redondas.

    Mais maduro, mais voltado s revelaes ntimas e

    intimistas, esse o Jos Chagas de Cem anos de infncia ou

    O poeta e o rio, ltimo opsculo publicado. Rasgando aroupagem dos oito aos oitenta anos, desde a infncia

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    imperdida at a madureza que ora vive, o poeta resolve

    revelar a alma, mostrar o corao, num memorialismo infinito

    que todos um dia teremos de fazer.

    O que parece mistrio o tema, a volta do rio comopersonagem importante, os elementos perdidos nos intrincados

    labirintos da memria, anos e anos a fio, at que um dia se

    materialize na alvura do papel.

    O Rio real

    sua gua dura

    to dura que fez a ponte

    sua gua alicera um naviosupre as razes da vida.

    (in O rio visto da ponte)

    Nos 48 sonetos que compem Cem anos de infncia o

    rio corre no pelo lento rumo que o leva ao mar, mas pelo leito

    que enfeita a entrada da vida mais precisa de uma vida

    especfica, clara, existida. o rio, a gua de pacinciarefletida, gua cheia de f, [que] toda manh sussurra aos

    ventos, a rogar por ns. O poeta se incorpora s guas como

    parte que dela , como irmo das guase nas guas do rio

    busca desesperada resposta para as inquiries fantsticas que

    a infncia passada e presente insistem em fazer.

    Rio em lirismo, rio onde flutua

    a barca que conduz a poesia....

    Quanto mistrio rola sobre a tua

    lmina aberta ao sonho que te guia.

    (in A gua concebida)

    Teu poeta bebe desta gua pura, para poder cantar de

    como as formas do rio se transfiguram em ente misterioso,lendrio, que nem o ser humano mesmo, que nem a gente viva,

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    dessa que passa diariamente ante ns. A vida passa e repassa,

    cem anos passam como um rio passa, / pois que o tempo

    tambm gua corrente e o poeta vai navegando nas

    profundas guas do rio para ter a medida do tempo-espao, do

    curto tempo de vida. O rio no morre, o rio perene emcontraste com a temporalidade humana, o poeta morre em

    So Lus, / triste por no morrer como queria.

    Inebriado pela poesia e pelo generoso licor de jenipapo,

    degustando picantes casquinhas de siri recheadas, prossigo no

    amvel labor de revisitar os encantados versos so-luisenses

    que fluem como as guas que circundam a cidade.

    (...)

    e sob ela passam as guas

    e o rio fica. passo-me em guas

    e rio fico. E, de repente,

    como se num espelho mgico

    (mgica lanterna) com as guas

    fossem transcorrendo as coisas,. As pessoas,pedaos de mim e alheios,

    coisas pessoas, eu, eles havidos

    mas estranhamente combinados

    em outras formas de ser (mos)

    pessoas, coisas, eu, eles.

    (Meditao da ponte, in Tropiclia Consumo & Dor)

    Apesar do discurso afim, aparentado tal e qual os demais,

    no desta vez a voz de Carlos Chagas que se faz ouvir e sim

    a de Bandeira Tribuzi. Falar da poesia de Bandeira Tribuzi, do

    que ela representa para a literatura maranhense, cair no

    vasto mundo do lugar-comum.

    A poesia l em So Lus no seria a mesma sem o

    importante aporte concedido em vida e pela vida desse poeta.Ainda hoje se procura reunir seus trabalhos esparsos e depois

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

    19/32

    dessa juntada que poder se fazer uma avaliao mais

    ampliada de tudo que representou a existncia literria de

    Bandeira Tribuzi para o Maranho e por extenso para a

    literatura de lngua portuguesa.

    como se o poeta se mantivesse circulando pela

    redondeza em carne e osso, tal a influncia que inda hoje tem

    o seu trabalho. Essa vigorosa influncia que forte porque a

    poesia de Bandeira Tribuzi tambm forte acaba por se

    consolidar com o tempo e, se perenizando, dificilmente desfar

    a aura de mito que j cerca o poeta.

    Da sua importncia para a literatura maranhense, talvezmais importante que os grandes nomes , por exemplo, de

    Josu Montello e Odylo Costa filho, que estes no se cogita

    mais da naturalidade, nomes nacionais que so. Tribuzi criou

    razes e quanto mais distante estiver em matria, mais

    arraigada estar influncia do seu dizer potico no contexto

    literrio da terra em que nasceu, viveu, morreu.

    E fez-se em rio e transformou-se em pradoo que desfeito no prado e no rio

    transformou o pesadelo em sonho alado

    e transformou a matria em puro cio.

    (Soneto, in Apicerum da clausura, 1985)

    O ttulo do ltimo livro de Nauro Machado (Apicerum da

    Clausura, 1985) j havia sido nome de poema sado em Ocalcanhar do humano (1981). Que mistrio cerca o poema que

    deu ttulo ao livro?

    A vida espreita sua angstialaica,

    seu catecismo de volpia e treva...

    Que mistrio esse que cerca o poeta e o obriga a

    tematiz-lo em noventa alentados sonhos soneteados?

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    Quem saber na treva a luz da chama,

    quem ganhar da luz essa vitria?

    Caminha-se pelas pginas de todo o volume e no se

    vislumbra a soluo que explicaria o mistrio. No se desfaz epermanecer o segredo mesmo aps ter o poeta vomitado

    em todas as direes as discrepncias que o tema estimulou.

    torna-me em natureza, natureza,

    capaz de guardar, na ltima dureza,

    a flexibilidade da emoo.

    (Soneto, in Apicerum da clausura)

    O poeta percorre a trajetria cometria, apesar de tudo

    intimista, dentro de si mesmo, como se estivesse pisando

    pisadas calcadas nas escorregadias caladas de So Lus aps

    um longo dia,. At que a tarde chegue anunciando a boca da

    noite.

    Cheira a morte o crepsculo de So Lus.

    Arrastando-me aos tropees pelas areias sagradas da

    praia de Olho Dgua, depois de enxugar garrafa e meia da

    miraculosa tiquira de Turiau, tirando gosto com postas de

    pescada frita e farinha dgua de Carema, medito sobre a

    parecena entre os vrios discursos poticos aqui amostrados.

    Afinidade que serve tambm para demonstrar o estreito

    parentesco que existe entre aqueles que exercitam a poesia noMaranho, a partir de Bandeira Tribuzi.

    bvia seria a temeridade ao se falar em escola, talvez

    sequer se deva falar em grupo, mas decerto trata-se de um

    conjunto de voz unssono e como tal se expande em reas de

    influncia entre os contemporneos estreantes. Bom sinal.

    O legado de Bandeira Tribuzi sem temer que essapalavra possa causar emparedamento (mumificao) do grande

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    poeta foi o pleno culto s estruturas poticas cujas

    fronteiras, tanto entre si quanto com relao prpria arte,

    no as preservando de propsito, ao invs, ainda mais as

    alargou abrindo perspectivas ilimitadas no fazer poesia.

    Se na prtica a poesia assim: ampla, geral, irrestrita,

    quando o poeta assume essa conscinciaem geral termina por

    se enredar nas teias que delimitam suas prprias limitaes

    seja ela de foro pessoal, seja ditada pelo mundo que o cerca,

    seja resultante da fiscalizao individual (essa censura que

    campeia em todos ns), seja pela cobrana exigente imposta

    pela crtica literria.

    Para Bandeira Tribuzi, enfim, quaisquer objees que

    convivem parasitaria com a criao, devem ser eliminadas para

    que, reeducado, possa o poeta exercer plena sua atividade,

    livre de barreiras, algemas, pronto para esse ps-tudo que o

    desafia. Para isso serviu Bandeira Tribuzi na poesia

    maranhense.

    Esse posicionamento serviu para nivelar a poesiamaranhense ao carter nacional, tambm com a praticada por

    autores de outras regies, como por exemplo, de Ledo Ivo,

    Moacyr Flix e Affonso Romano de Sant'Anna, para citar

    somente alguns.

    Uma linguagem que trespassa lmpida, dando um grande

    salto para a escurido, foi a colaborao que a poesia

    continental deu, contrapondo-se ao cerceamento da liberdade(de vrias liberdades, inclusive literria), ocorrido em vrias

    naes latino-americanas, mormente no Brasil. Esse grande

    vcuo que se formou ento foi ocupado pela gerao

    mimegrafo e pelos alternativos. Tornar-se literato era se

    tornar marginal.

    Em consequncia se formou um verdadeiro cu-de-boi

    (para usar expresso bem maranhense) na poesia. Mas,passado o pesadelo, retomadas as premissas democrticas,

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    entre elas a liberdade de pensar (ainda que precria), tambm

    a poesia tornou aos eixos: quem resistiu malha fina da

    histria passou no vestibular potico,quem no passou teve o

    seu momento de glria efmera e ora repousa no famoso

    limbo do esquecimento.

    Pois quando o cu clareou, passada a turbulncia, os

    poetas maranhenses surgiram inclumes do desastre com uma

    elevada poesia de fala clara, lmpida, cristalina uma orao

    que vara o tempo sem arranhes atropelando todos os ismos

    acadmicos mais elaborados. Esse mesmssimo exemplo vai

    passando, assimilado pelas geraes que chegam, para ir aos

    poucos tomando conta do espao deixado por aqueles que misso cumprida viajam novos rumos.

    Antes de falar em Lus Augusto Cassas e seu A Paixo

    segundo Alcntara,umas poucas linhas exige o livro pstumo

    de Bacelar Viana (1938-1982), mdico que, segundo aparenta,

    escrevia poesia de gaveta mostrada sa alguns privilegiados

    e/ou publicada esparsa, como as nuvens de So Lus (dois

    volumes publicados: Elogio da rosa e Trs evocaes nada mais).

    Porm o que mais impressiona nesse ajuntamento de

    versos espontneos justo a primeira parte do pequeno

    volume que, afinal, acabou por enriquecer a obra Poemas de

    So Lus. So dez poemas que, pela unidade temtica, s eles

    poderiam formar um nico volume, denso, crtico. A poesia de

    Bacelar Viana simples, direta. Os artifcios que usa comorecursos poticos so capazes de ser reconhecidos por

    qualquer leitor de nibus. O poeta clama pela cidade tombada,

    luta contra a violncia, as contradies que as mudanas

    trazem a reboque. E apela:

    So Lus, So Lus, faze um confiteor, Princesa,

    Para um pouco para pensar.

    No te enredes na tramaDos que te querem mudar.

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    Mantmtua alma intocada

    No te deixes conspurcar.

    Tens de crescer para todos,

    No te deixes enganar.

    (in Clamor de So Lus)

    O dilogo, mais que um colquio, pedido de socorro em

    prol dos mais desvalidos. queles que sobrevivem margem,

    nos alagados, nos beirais do mangue, aonde difcil ou

    impossvel literatura chegar, Bacelar Viana canta:

    Circundam a velha ilha qual estranho

    E pegajento colar de figas e bentinhos.

    (...)

    J viram, vocs j viram

    O Candido sorriso das crianas,

    Alegres, descontradas,Cheias de vermes, desnutridas.

    (...)

    So plidas, enfermias, mas no tombam,

    Mourejam dia e noite, indmitas e frias.

    So humanos restos inidentificveis

    Que atendem oh! paradoxo! por nomes, como ns.

    (in A saga das palafitas)

    Nesse diapaso peculiar o poeta segue o ritual da

    denncia: O Evangelho da cidade; O sombrio bazar do

    meretrcio; Um rio diferente do Bacanga. Toda a cidade

    feia perpassa pela palavra do poeta. So Lus tem essa magia:

    ningum faz poesia impune, sem escalavrar suas ruas, sua

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    gente, seus modismos de cidade nica. Com Bacelar Viana

    tambm assim foi, proftica:

    Ah! Cidade querida, teu Poeta

    Cantou-te tanto que o canto sua mortalha.

    (in Louvao de So Lus)

    De Lus Augusto Cassas, desde o aparecimento de

    Repblica dos becos (1982) a crtica teve preocupao de

    ressaltar que se tratava mesmo de revelao potica, no

    apenas promessa. Sobre A paixo segundo Alcntara,

    Antonio Houaiss observa que (o livro) parece provir deunidades heterodditas, que tratam de matrias divinas e

    humanas como se nada tivesse com a paixo.

    Realmente, se quanto unidade se pode levantar alguma

    objeo e questionar se a mesma foi conseguida, no restante

    se mostra edifcio de perenidade garantida. Aqui e ali um

    poema provoca um interregno, um respiro, para depois voltar

    ao tema com a mesma gana.

    O poeta Lus Augusto Cassas faz o necrolgio de

    Alcntara. As palavras acuradas de Nonato Masson deixam a

    constatao de que a poesia de Cassas (repercute) como

    nnia da cidade morta.

    Mas no s a cidade morre: tudo morre em Alcntara, os

    sentimentos fenecem, as pedras seculares desmoronam, ahistria se desfaz em p, at o amor morre:

    Quando o amor acaba

    desmorona-se a casa.

    Intil tentar restaur-la:

    (...)

    Intil o amor e a casa

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    Quando um dos dois desaba.

    (in rea tombada)

    Entre roedores e predadores o poeta se faz presente, seintromete para identificar o arrasamento material e imaterial, a

    runa da alma. Remoendo o passado, roendo o presente e o

    futuro.

    (...)

    J roemos nossa esperana

    livros tradies museusmemrias lembranas retratos

    ps-de-cama caibros ratos

    amanha roeremos

    vossos ossos.

    (in Manifesto dos cupins)

    A nnia da cidade morta a que alude Nonato Masson na

    orelha na verdade um retrato da destruio, destroos do

    que se pretende salvar.

    Oh Vernica

    enxgua o alvo sudrio em tuas lgrimas cristalinas

    para que desapaream os espinhos

    cravos estampadosa ltima gota de sangue

    o semblante ferido

    crucificado

    desta cidade.

    Oh Vernica

    rasga o alvo sudrio

    que nem as lagrimas copiosas ou as guas do Atlnticoconseguiro enxaguar o sangue

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    a dor estampada

    o semblante ferido

    o calvrio

    desta cidade.

    (in Poster)

    Impedindo, pois, que a poesia se transforme em coisa,

    num esteretipo globalizado, ode pasteurizada, igual a tantas

    epopeias no mundo, os poetas de So Lus fincam o p na terra

    querida e da sim partem para universalizar seu ritmo.

    Exemplo dessa riqueza Odylo Costa filho, que, mesmodeixando a terra natal rumo ao sucesso da cidade grande

    jamais a esqueceu. So dele estes ltimos versos:

    No cantarei telhados impossveis,

    telhados de ar erguidos no ar vazio

    mas humanas feituras, elegveis

    contra a chuva, o sol quente e o vento frio.

    (in Os telhados)

  • 5/21/2018 Salomo Rovedo-Poesia Maranhense

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    Bibliografia:

    - Cassas, Lus Augusto

    A paixo segundo Alcntara

    Roswhitha Kempf Editores, 1985

    - Chagas, Jos

    Poesia reunida

    Sioge, 1980

    Cem anos de infncia ou O poeta e o rio

    Secma/Sioge, 1985

    - Costa (Filho), Odylo

    Boca da noiteSalamandra, 1979

    Itapary, Joaquim

    Do incerto cio

    Edies AML 1989

    - Machado, Nauro

    Antologia potica

    Quron, 1980

    O calcanhar do humano

    Func/Sioge, 1981

    Apicerum da clausura

    Ctedra/INL, 1985

    - Tribuzi, Bandeira

    Poesias completas

    Ctedra/INL, 1979Rosamonde O touro da morte

    Sioge, 1985

    Tropiclia Consumo & Dor

    Sioge, 1985

    - Viana, Bacelar

    Clamor de So Lus

    Sioge, 1984

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    O autor

    Salomo Rovedo(1942), formao cultural em So Luis (MA), reside no Rio de Janeiro. Poeta, escritor,participou dos movimentos poticos/polticos nas dcadas 60/70/80, tempos do mimegrafo, dasbancas na Cinelndia, das manifestaes em teatros, bares, praias e espaos pblicos. Textos publicadosem: Abertura Potica (Antologia), Walmir Ayala/Csar de Arajo-1975; Tributo (Poesia)-Ed. do Autor,1980; 12 Poetas Alternativos (Antologia), Leila Mccolis/Tanussi Cardoso-1981; Chuva Fina (Antologia),

    Leila Mccolis/Tanussi Cardoso-Trotte-1982; Folguedos, c/Xilogravuras de Marcelo Soares-1983; Ertica,c/Xilogravuras de Marcelo Soares-1984; 7 Canes-1987.

    e-books (Salomo Rovedo):

    Novelas:A Ilha, Chiara, Gardnia ; Contos:A apaixonada de Beethoven, A estrela ambulante , Arte decriar periquitos, O breve reinado das donzelas , O sonhador, Sonja Sonrisal; Ensaios: 3 x Gullar, Leituras& escrituras, O cometa e os cantadores / Orgenes Lessa personagem de cordel, Poesia de cordel: opoeta sua essncia, Quilombo, um auto de sangue, Viagem em torno de Cervantes; PoesiaMaranhense: a Atenas Renascida; Poesia:20 Poemas pornos, 4 Quartetos para a amada cidade de SoLuis, 6 Rocks matutos, 7 Canes, Amaricanto, Amor a So Lus e dio, Anjo porn, Bluesia, Cadernoelementar, Ertica (c/xilogravuras de Marcelo Soares), Espelho de Vnus, Glosas Escabrosas(c/xilogravuras de Marcelo Soares), Mel, Pobres cantares, Porca elegia, Sentimental, Sute Picassso;Crnicas: Cervantes, Quixote e outras e-crnicas do nosso tempo, Dirios do facebook, Escritos

    mofados; Antologias:Cancioneiro de Upsala (Traduo e notas), Meu caderno de Sylvia Plath (Cortes erecortes), Os sonetos de Abgar Renault (Antologia e ensaios), Stefan Zweig - Pensamentos e perfis(Seleo e ensaio).

    e-books (S de Joo Pessoa):

    Antologia de Cordel # 1, Antologia de Cordel # 2, Antologia de Cordel # 3, Antologia de Cordel # 4,Macunama em cordel, Por onde andou o cordel?.Inditos:Geleia de rosas para Hitler (Novela), Chiara (Romance); Stefan ZweigA vida repartida (Ensaio).Etc.: Folhetos de cordel com o pseudo S de Joo Pessoa; jornalzinho de poesia Poe/r/ta; colaboraoesparsa: Poema Convidado(USA), La Bicicleta(Chile), Poetica(Uruguai), Aln(Espanha), Jaque(Espanha),Ajedrez 2000(Espanha), O Imparcial(MA), Jornal do Dia(MA), Jornal do Povo(MA), Jornal Pequeno (MA),A Toca do (Meu) Poeta (PB), Jornal de Debates(RJ), Opinio(RJ), O Galo(RN), Jornal do Pas(RJ), DOLeitura(SP), Dirio de Corumb(MS) e outras ovelhas desgarradas. Os e-books esto disponveis em:

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    Foto: Priscila Rovedo

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