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Salomão Rovedo (Texto, pesquisa e organização) Viagem em torno de Dom Quixote Rio de Janeiro 2008

Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Ensaio que visa transitar pelos arredores onde Dom Quixote e Cervantes conviveram.

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Salomão Rovedo

(Texto, pesquisa e organização)

Viagem em torno de

Dom Quixote

Rio de Janeiro 2008

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Salomão Rovedo

Viagem em torno de Dom Quixote de

La Mancha e de um tal Miguel

de Cervantes Saavedra

Rio de Janeiro 2008

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Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha

e de um tal Miguel de Cervantes Saavedra

Atenção! Este trabalho é de um leitor de Cervantes, são anotações feitas ao longo da segunda leitura do Dom Quixote (de uma edição obsoleta). Escritos de um escritor amador, portanto sujeito a falhas, omissões e com certeza sem nenhuma erudição. Mas foi produzido com amor e prazer, trazidos pela leitura amena, alegre e divertida das aventuras do Ilustre Cavaleiro e seu fiel escudeiro Sancho. Rio de Janeiro, Cachambi, 2002/2004 e-mail: [email protected] Blog: http://ww.salomaorovedo.blogspot.com/

FÓRMULAS, ADAGIÁRIO, FRASES FEITAS, EXPRESSÕES, POESIAS, CURIOSIDADES, REFERÊNCIAS, LIVROS, AUTORES, PERSONAGENS, etc. referentes ao livro O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, o desfazedor de agravos e sem-razões, o cavaleiro da triste figura, narrados por Cide Hamete Benengeli, flor dos historiadores mouro-hispânicos, a Miguel de Cervantes, no ano da graça de 1605, parte I e também a O engenhoso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha 1615, parte II. Tradução Viscondes de Castilho e Azevedo e Fernando Nuno Rodrigues (Editora Nova Cultural, São Paulo 2002) e de El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha, Parte I, e El ingenioso caballero Don Quijote de La Mancha, Parte II, edição, introdução, notas, comentários e apêndice por Ángel Basanta (Biblioteca Didáctica Anaya, Madrid 1987).

"Oh Dulcinéia del Toboso, dia da minha noite, glória da minha pena, norte dos meus caminhos, estrela da minha ventura (assim o céu ta depare favorável em tudo que lhe pedireis!), considera, te peço, o lugar e o estado a que a tua ausência me conduziu e corresponde propícia ao que deves à minha fé!" Dom Quixote (no local que o Cavaleiro da Triste Figura escolheu para penitência) Cap. XV, I "Oh flor da cavalaria! Que só com uma paulada acabaste a carreira dos teus anos, tão bem empregados! Oh honra da tua linhagem, glória e maravilha da Mancha, e até de todo o mundo, que, faltando-lhe tu, ficará cheio de malfeitores, sem receio de serem castigados pelas suas malfeitorias! Oh tu, mais liberal que todos os Alexandres, pois, só por oito meses de serviço me tinhas dado a melhor ilha que o mar cinge e rodeia! Oh humilde com os soberbos e arrogante com os humildes, afrontador de perigos, sofredor de injúrias, namorado sem causa, incitador dos bons, açoite dos maus, inimigo dos ruins, enfim, cavaleiro andante, que é o mais que se pode dizer!" Sancho Pança (lamentando-se sobre o corpo abatido de Dom Quixote) Cap. LII, I

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Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes

Saavedra

(Parte I)

1 - Um tal Miguel de Cervantes Saavedra 2 - A época, os inimigos e os amigos, os póstumos 3 - Os vizinhos, as influências, muitos agregados 4 - O famoso Dom Quixote de La Mancha 5 - Quando o herói é Sancho Pança 6 - Para ler o Dom Quixote 7 - Um leitor entrevista Miguel de Cervantes

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UM TAL MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA

Miguel de Cervantes e Saavedra (Alcalá de Henares 1547-Madri 1616),

famoso escritor espanhol, provável descendente de família nobre. O fundador

da estirpe familiar foi o Cavaleiro de Cervantes, originário da região de León,

cujo maior feito foi acompanhar Fernando III, o Santo, na reconquista de

Sevilha em 1248. Entre os conquistadores da América do Sul, há também

referência a Don Juan Ortiz de Cervantes, contemporâneo de Garcilaso de la

Vega, el Inca, famoso conquistador e imperador do Peru. Juan Ortiz de

Cervantes escreveu “Memoriales”, obra que se tornou célebre porque

denunciava os espanhóis que vinham para as colônias com o fim único de

fazer riqueza pessoal, rápida, fácil e sempre criminosa, em detrimento dos

serviços que poderiam prestar à Espanha. Porém, não se sabe se há

parentesco entre eles.

A família de Miguel de Cervantes não era rica, o pai, cirurgião de vida

errante, mudava-se constantemente e portanto não pôde oferecer uma

educação regular, obrigando-o a tornar-se autodidata. Mesmo assim,

Cervantes fez os primeiros estudos na então famosa Universidade de Alcalá de

Henares, que competia em reputação com a de Salamanca, numa época em

que para os menos afortunados a ascensão social se dava através da arte, do

clero ou do ingresso no exército, mas não necessariamente nessa ordem. Sob

a égide de tais profissões todos se igualavam, poderiam crescer socialmente:

piratas viravam almirante, renegados eram vice-reis, padrecos viravam bispos,

um e outro poderia ter a sorte de ser nomeado ministro ou conselheiro. Só para

dar um exemplo: os irmãos Francisco, Hernando e Gonzalo Pizarro, tidos como

grandes conquistadores, eram pobres e analfabetos. Após participar em várias

guerras na Itália, ganharam o direito de viajar à América, chegando ao Peru,

trucidaram os imperadores Incas e assassinaram os vice-reis nomeados pela

corte espanhola. Para se tornarem ricos, saquearam as riquezas locais,

envolveram-se em golpes milionários, ações que resultavam em inúmeros

assassinatos e crimes. Ante tamanha virulência os irmãos Pizarro acabaram

mortos por mando de um de seus muitos inimigos.

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Na Espanha de Cervantes, a origem social, porém, não garantia acesso

à nobreza da época, que não oferecia nenhuma opção de crescimento a quem

não pertencesse ao clero e à realeza. As famílias preparavam os varões

dando-lhe educação necessária para seguir a vida militar, servindo o exército

sob as ordens dos generais nobres. Cervantes deveria ter sido um bom

espadachim porque em 1569 foi aconselhado a emigrar para a Itália, em

virtude de ter ocasionado ferimentos em duelo no cavaleiro Antônio de Segura.

Já em 1570 estava Cervantes trabalhando em Roma, como camareiro e

secretário do Cardeal Júlio Acquaviva y Aragón. Nessa ocasião teve a chance

de aprimorar os seus conhecimentos. Na cidade havia boas bibliotecas,

mestres renomados, poetas e artistas famosos, que viviam em contato

cotidiano, oportunidade da qual ele se aproveitou muito bem. Teve os meios

favoráveis para alimentar o espírito com obras dos maiores mestres do

pensamento ocidental, de ouvir alguns pessoalmente, a tirou bom proveito

dessa chance.

Para conquistar seu espaço Cervantes teve de se candidatar a herói,

antes de ser escritor. Ligou-se a Dom Diego de Urbina, oficial de Miguel de

Moncada, do exército espanhol. Em 1571 estava em plena atividade: combateu

em Lepanto, batalha que ficou famosa, porque ali as forças da Santa Liga,

formada após a tomada de Chipre pelos turcos, comandadas pelo grande

estrategista Juan da Áustria, meio-irmão de Filipe II, destruíram a frota

otomana. Cervantes lutou lado a lado com guerreiros, mercenários, piratas,

aventureiros, entre os quais El Uchalí e Diego de Urbina, que se sobressaíram

e foram aquinhoados com honrarias e reinos. Cervantes feriu a mão, parte do

braço esquerdo ficou defeituoso, mas jamais deixou de se referir com orgulho a

essa participação, como o mais importante feito da frustrada carreira militar. A

ela se referiu mais de uma vez no em suas obras, com grandes esperanças de

crescer socialmente, para isso conseguiu de Juán de Áustria recomendação

para ser promovido a capitão, pretensão barrada por Filipe II.

Sete meses depois Cervantes, recuperado dos ferimentos que teve em

Lepanto, imediatamente voltou às atividades militares. Lutou na Itália e no

Norte da África. Em 1575, estando a bordo da galera El Sol junto com seu

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irmão Rodrigo, foi capturado e levado para Argel em poder dos piratas

barbarescos que o guardaram durante cinco anos em cativeiro. Foi resgatado

junto com 184 outros prisioneiros e levado de volta à Espanha. Cervantes

continuou na carreira militar, depois ocupou o cargo comissário de víveres de

Filipe II, até o desastre da Invencível Armada, quando foi acusado de exações,

encarcerado e excomungado.

Sob o reinado de Filipe III, Cervantes pôde provar sua inocência e se

reabilitar. Foi perdoado e nomeado inspetor de impostos, passou a integrar a

corte livrando-se de problemas materiais e financeiros. Agora poderia

consagrar-se à literatura, mas para sobreviver teria de enfrentar não só a

concorrência de uma literatura pujante, mas, principalmente, o poder de Lope

de Vega, seu desafeto, autor de peças teatrais famosas, protegido e membro

da Inquisição.

Após ter escrito “Numancia” e “A vida em Argel”, baseados em suas

aventuras, publicou um romance pastoril, “A Galatéia”, cujo relativo sucesso o

encorajou a seguir escrevendo. Em 1584 Cervantes casou-se e fixou

residência em Esquivias, terra da esposa, mas fazia seguidas viagens à capital

onde produzia farsas (entremezes), representadas no teatro de Madri. Sempre

inquieto, mudou-se para Sevilha, passou algum tempo em La Mancha, indo

depois para Valladolid, aonde o rei Filipe III havia transferido a corte. Nessa

cidade ocorreu outro fato pouco claro, que levou Cervantes e toda a família a

sofrer prisão domiciliar por vários meses.

Uma noite, ao recolher-se à sua casa, Dom Gaspar de Ezpeleta,

Cavaleiro de São Jorge, pessoa muito conhecida, teve de cruzar espada com

alguém que surgiu no caminho. Dom Gaspar foi ferido gravemente no duelo e

tombou gemendo nas imediações da casa de Cervantes. Acudiu-lhe um vizinho

de nome Estéban de Garibay, que chamou Cervantes para ajudá-lo a socorrer

o ferido. De pouco serviu o auxílio porque, momentos depois, Dom Gaspar de

Ezpeleta morreria nos braços de ambos. Interveio a justiça, ignorando quem

seria o culpado, mas as primeiras suspeitas recaíram sobre Cervantes, para

cuja habitação havia sido levado o ferido. Ainda que Garibay e outros vizinhos

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testemunhassem favoravelmente, um tal Hernández de Toledo, mais Simão

Mendez, se apresentaram para depor contra Cervantes, declarando este como

inimigo de Ezpeleta, que tinha o costume de visitar várias famílias onde

também habitava o acusado. Portanto, era de se presumir que Cervantes

tivesse armado alguma cilada, da qual resultou a desgraça.

Todo o depoimento estava eivado de contradições, carregado de ódio

que ambos tinham ao escritor, mas foi suficiente para que as más línguas

tornassem suspeita a sua honra, já muito provada e acabou por condená-lo a

uma reclusão domiciliar rigorosa. Foi talvez a ferida aberta na sua dignidade,

pelo triunfo parcial dos caluniadores, que o levou a escrever no Dom Quixote:

"Esteja onde estiver a virtude elevada a alto grau, é certo ser perseguida.

Poucos ou nenhuns dos varões ilustres do passado deixaram de ser caluniados

por simples maldade."

Nas desventuras, na afinidade com idéias e ideais inabaláveis,

encontrou matéria para o “Dom Quixote de la Mancha”. Em 1604 terminou de

escrever a primeira parte de Dom Quixote, obtendo permissão para publicá-la.

Em 1605 saiu a publicação coincidindo com o nascimento de Filipe IV, ocorrido

em Valladolid no mesmo ano. No romance Cervantes dá a palavra a Cide

Hamete Benengeli, pseudo historiador mouro-hispânico, alter ego criado para

ser o testamenteiro histórico das façanhas de Dom Quixote (Cide = Senhor,

Hamete = hispanização de Hamed ou Ahmed (aquele que elogia), Benengeli =

deformação cômica de "berinjela"). O sucesso do Quixote lhe valeu a

celebridade e, por fim, a necessária proteção de grandes senhores, permitindo

consagrar-se unicamente à literatura. Foi a Don Alonso Diego López de Zuñiga

y Sotomayor, sétimo duque de Béjar, pouco dado às letras e pouco generoso,

que Cervantes dedicou o Dom Quixote.

Escreveu “Novelas exemplares”, “Viagem ao Parnaso” e elaborou uma

coletânea das melhores peças de teatro, “Oito comédias e oito farsas”. Em

1616 surgiu a parte II de Dom Quixote, em que o humor dá lugar à sátira. O

plano de ação privilegia mais o escudeiro Sancho Pança que o próprio Quixote,

fato que o autor ressalta no Prólogo. Tendo em vista que algum tempo antes

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havia sido publicada uma II parte do DomQuixote – escrita por um tal de

Avellaneda – também esse fato passa a fazer parte do roteiro original. Sua

obra se completa com a narrativa enciclopédica “Os trabalhos de Persiles e

Sigismunda”. No prólogo ao segundo volume de Dom Quixote, Cervantes

oferece este último trabalho ao seu protetor Dom Pedro Fernández de Castro,

sétimo conde de Lemos, então vice-rei de Nápoles. Os trabalhos de Persiles e

Sigismunda, porém, só foi publicado postumamente.

Aos 68 anos de idade, sofrendo de séria enfermidade, Cervantes

continuava escrevendo. Mas a doença foi se agravando e em 18 de abril de

1616, foi-lhe dada a extrema unção. Estava lúcido e escreveu uma bela carta

àquele que considerava seu protetor, o conde de Lemos, na qual escreveu:

"Ontem me deram a extrema unção. Hoje escrevo esta carta.

O tempo é curto, a angústia aumenta, as esperanças diminuem.

E, com tudo isto, mantenho-me vivo pelo desejo que tenho de

viver. "

Miguel de Cervantes morreu no dia 23 de abril de 1616, foi sepultado no

Convento das Monjas Trinitárias, para o qual dois anos antes sua filha Isabel

havia entrado, levado à sepultura nos ombros dos irmãos da Ordem Terceira

de São Francisco.

Ao combater os excessos cometidos pelos livros de cavalaria no seu

tempo criando o anti-herói Dom Quixote, Cervantes transmitiu a idéia de que

erradicara completamente o mal. Ledo engano. Jamais imaginaria que a

semente da praga apenas repousara alguns séculos e que viria brotar nas

mãos de vários outros autores. Os mais famosos, chegados até hoje, são Sir

Walter Scott com Ivanhoé, ambientado no séc. XII, tendo como cenário a

Inglaterra conturbada pelos conflitos entre saxões e normandos, gerou como

filhotes inúmeros filmes. Mais recentemente saiu As brumas de Avalon, de

Marion Zimmer Bradley, que pretende ser a história da cavalaria sob a ótica

feminina, evidente disfarce para mais uma representação da cavalaria.

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Cronologia resumida 1547 - Nasce em Alcalá de Henares, quarto dos sete filhos de Rodrigo de Cervantes e Leonor de Cortinas 1567 - Aluno de Juán López de Hoyos, escreve poesias, póstuma homenagem a Isabel de Valois, esposa de Filipe II. 1569 - Camareiro do Cardeal Júlio de Acquaviva, viaja pela Itália, onde assiste ao crepúsculo do Renascimento. 1570 - Ingressa no exército, sob as ordens de Dom Diego de Moncada, parte para a batalha. 1571 - Combate em Lepanto, Navarino, La Goleta... Parte para novas batalhas, aonde for chamado. 1573 - Aquartelado em Nápoles atua na tomada de Túnis sob comando de Juán de Áustria, que o recomenda a Filipe II. 1575 - No retorno, espera ser capitão, mas piratas raptam o navio com Cervantes, o irmão Rodrigo e os demais. 1575/1580 - Aprisionado em Argel com o irmão e os outros, lá adquire conhecimentos da língua e cultura árabes. 1580 - Resgatado de Argel pela missão de Frei João Gil, após 5 anos cativo e várias tentativas de fuga. 1581 - Em Madri, recomeça a escrever peças teatrais e inicia o romance pastoril A Galatéia. 1582 - Sem medalha, sem promoção, sem dinheiro, Cervantes volta a ser soldado de Filipe II. 1584 - Nasce Isabel, sua filha com Ana Villafranca. Casa-se com Catalina Palacios, 20 anos mais nova. 1585 - O matrimônio dura só um ano. A Galatéia é publicada em Alcalá de Henares. 1586 - Sobrevive escrevendo loucamente. Cerca de trinta peças e farsas para o teatro. 1587 - Em Sevilha, a serviço da Invencível Armada. É preso e no cárcere começa a escrever Dom Quixote. 1589 - A Inglaterra derrota a Invencível Armada. Cervantes, inocentado, muda-se para Valladolid. 1593 - Perde o cargo de comissário, enfrenta problemas com a justiça, mas continua a escrever. 1594 - Além de continuar escrevendo peças para teatro é nomeado coletor de impostos. 1598 - Filipe III, filho de Filipe I e de Ana de Áustria, assume o trono espanhol. 1597 - Continua a escrever Dom Quixote. Prepara os originais para obter licença. 1602 - Preso em Sevilha, por haver sido citado em processo como testemunha. A família também fica detida. 1604 - Obtém licença régia para publicar Dom Quixote. Vende a novela ao editor Juan de la Cuesta. 1605 - Publica Dom Quixote (I), em Madri, torna-se mais conhecido e respeitado fora da Espanha 1606 - Definitivamente em Madri, dedica-se à literatura para sobreviver. Traduções piratas de Dom Quixote. 1613 - Publica Novelas Exemplares. Novas edições de Dom Quixote chegam à França, Itália, Inglaterra. 1614 - Sai Viagem ao Parnaso, ganha o 1º lugar em concurso de poesia. A doença começa a abalá-lo. 1615 - Oito comédias e oito farsas novas nunca representadas, termina Dom Quixote, Parte II. 1616 - Entra na Ordem dos Franciscanos, sai Dom Quixote (II), morre a 22 de abril, é enterrado dia 23. 1617 - Sai Os trabalhos de Persiles e Sigismunda. Milhares de novas edições e traduções de Dom Quixote.

Verbetes: Cervantesco. Adj. Próprio do escritor espanhol Miguel de Cervantes; relativo a ele ou ao seu estilo. Cervantista. S. 2g. Grande admirador de Cervantes e/ou profundo conhecedor de sua obra. Estudioso delas.

Projeto para bibliografia

1568 - Homenagem à Isabel de Valois, Rainha esposa de Filipe II - Poesia 1581 - Epístola a Mateo Vázquez - Correspondência 1582 - A vida em Argel - Narrativa histórica 1583 - O acordo de Argel - Narrativa histórica 1584 - A destruição de Numancia - Romance 1585 - Os seis livros da Galatéia - Romance pastoril (em verso e prosa) 1605 - O genial fidalgo Dom Quixote de La Mancha - Romance, parte I 1613 - Novelas Exemplares - Contos 1614 - Viagem ao Parnaso - Antologia Poética 1615 - Oito comédias e oito farsas nunca representados - Teatro 1616 - O genial cavaleiro Dom Quixote de la Mancha - Romance, parte II 1617 - Os trabalhos de Persiles e Sigismunda - Romance (póstumo)

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A ÉPOCA, OS INIMIGOS, OS AMIGOS, ALGUNS PÓSTUMOS

No tempo de Cervantes a Espanha atravessava o que os historiadores

viriam a chamar de "O Século de Ouro". Só que eles não sabiam disso. Mais

grave ainda: o poder de vida e morte da Inquisição vivia também se

locupletando, ensanduichado nas benesses, conquistas e progresso do reino

Espanhol. No seu reinado Filipe II despendeu todas as economias para montar

uma poderosa armada (a Invencível Armada), um exército numeroso, bem

equipado, capacitando a Espanha a empreender grandes conquistas. Mas

enfrentou guerras, dissensões, que foram consumindo todas as reservas da

nação e, afinal, aonde arranjar tanto dinheiro para suportar todo esse aparato?

Ora, não haviam ocupado o México e o Peru? Não haviam descoberto as

riquezas dos astecas e dos incas? As minas do Potosí boliviano não se

mostravam inesgotáveis?

Os espanhóis pilhavam os ricos tesouros de ouro e prata da América

Central e Andina. O fluxo de metais preciosos foi bastante para salvar Filipe II

das várias crises e ameaças de golpe. Os herdeiros estavam de olho. Um dia

acabaram-se as riquezas latino-americanas, os impérios Asteca e Inca

estavam dizimados, se quisessem ouro que fossem garimpar. Bem mais

próximos estavam os inimigos ingleses, estes descobriram que a Invencível

Armada não era tão invencível assim e infligiram uma incontestável derrota à

força naval espanhola. Dos 130 navios enviados à Inglaterra por Filipe II para

vingar a morte de Maria Stuart, destronar Elizabeth e restabelecer o

catolicismo, somente 63 retornaram à Espanha, quase totalmente destroçados.

Estavam plantadas as primeiras sementes que viriam promover a derrocada do

"Século de Ouro". O volume do estoque de ouro e prata era considerado como

expressão da verdadeira riqueza nacional. Mas nem mesmo a adoção do

bulionismo, sistema monetário apoiado nesse fluxo de riqueza, foi capaz de

reduzir o peso da herança que Filipe II deixou...

No entanto, nas artes a trajetória não era a mesma. O Barroco substituiu

o Maneirismo dominante dos sécs. XV/ XVI, dominação que só passou a ser

aceita a analisada na frieza já distante do séc. XVIII. A palavra Barroco, de

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etimologia incerta, passou a ser aceita sem contestações para explicar esse

movimento artístico que dominou toda a Europa e influenciou o resto do

mundo. A expressão também se tornou comum nos meios artísticos

neoclássicos, a partir da definição dada por Milizia em 1797: "O Barroco é o

paroxismo do bizarro, o cúmulo do ridículo." Como todos os movimentos

renovadores, o Barroco também foi condenado com essa definição

escatológica, mais feérica que precisa, incapaz de designar o movimento

renovador do séc. XVII, considerando-o desintegrador da arte renascentista.

Quase toda a Europa conheceu um florescimento de grandes

proporções da nova estética literária, principalmente Espanha, Inglaterra e

França. O Barroco se tornou um estilo internacional de altíssimo valor estético,

sob sua égide surgiram alguns dos maiores nomes da literatura universal:

Shakespeare, Cervantes, Góngora, Pascal, Tasso, Corneille, Tirso de Molina,

Lope de Vega, John Donne, Quevedo, Pepys, Moliére. Em alguns aspectos da

literatura, porém, o Barroco se caracterizou pelo excesso de religiosidade que

chegou até a expressão de situações místicas, a extrema sensualidade, a uma

mistura de crueldade, heroísmo, melancolia e estoicismo, provavelmente

influenciado pelo extremismo inquisitorial.

Com todos os percalços, vencendo a todos, assistiu-se ao mais rico

florescimento também da literatura universal. Enquanto o Renascimento se

orientou pela a antigüidade clássica, o Barroco buscou raízes na Idade Média.

Na Espanha sobrevivia o modelo chamado gótico flamboyant, mas o Barroco

passou a ter significação importante, ao opor-se à influência internacional dos

humanistas. Por outro lado, ocorreu o fenômeno de que, enquanto a literatura

barroca alcançava seu ponto mais alto, era bastante visível a decadência

política e social do país, daí o caráter peculiar do Barroco espanhol. Houve

quem dissesse que o Barroco constituía uma qualidade permanente do caráter

espanhol. É admirável, por exemplo, o heroísmo estóico que Cervantes coloca

em Numancia, como se tentando representar a resistência do próprio reinado.

Os místicos espanhóis contaram com a tradição dos sofistas islâmicos, a

Espanha foi, sem dúvida, um dos mais importantes centros do movimento, mas

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o Barroco não foi um movimento especificamente espanhol. A profunda

influência do Barroco literário espanhol na literatura inglesa do séc. XVII pode

ser constatada através das fontes espanholas do teatro elizabetano e jacobeu:

na composição do seu Spanish Gipsy, Middleton aproveitou muito da obra de

Cervantes:

La gitanilla e os enredos de muitas peças do teatro inglês, como Rule a

wife and have a wife, de John Fletcher, tirada do Casamento engañoso, em A

very woman, de Massinger, o tema foi extraído do Amante liberal, ambas de

Cervantes. Algumas outras fontes de enredo foram o teatro cervantino, as

obras de Lope de Vega e de Tirso de Molina. As traduções de obras da

literatura espanhola ao inglês se tornaram comuns. Em 1586 David Rowland

traduziu Lazarillo de Tormes, entre os anos de 1612 e 1620, traduziu Dom

Quixote.

O próprio Shakespeare utilizou na peça The two gentleman of Verona, o

enredo de Diana enamorada, de Montemayor. Em alguns representantes do

teatro inglês a influência se deu de maneira indireta, mais sutil, através da

leitura de Sêneca e de Tácito, cujos estilos foram adotados pelos barrocos

espanhóis e ingleses. O estoicismo senequiano serviu para moldar aquela

expressão fortemente espanhola de heroísmo, mostrada em Numancia. Houve

uma época em que o Barroco literário passou a coincidir com a corrente política

e religiosa. O Barroco jesuítico e contra-reformista odiava Maquiavel, através

dele se expandiu por toda a Europa o antimaquiavelismo espanhol. Uma das

fontes de divulgação foram os jesuítas espanhóis Antonio Possevino e Pedro

de Ribadeneyra, autores de terríveis panfletos carregados de ódio contra

Maquiavel e sua doutrina política.

Luís de Góngora y Argote é o autor da obra-prima de construção

poética, dentro da melhor tradição peninsular, chamada Soledades, com seus

náufragos, seus pastores, uma vida quase selvagem numa região idílica de

florestas e campos. Góngora exerceu grande influência na literatura da sua

época, era inimitável, daí ter surgido um anti-gongorismo que levou alguns de

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seus discípulos a vilipendiar a memória do grande poeta. Juan de Jaurégui,

tradutor de Tasso e de Lucano, foi um exemplo de antigongorismo.

Lope de Vega, criador de um teatro único, aristocrático, católico, se

distinguiu por possuir um caráter extremamente nacional, escreveu autos,

comédias, pastoris, dramas. Tirso de Molina, autor de cinco volumes de

comédia e autos de uma comicidade mordaz, que em nada empana seu

catolicismo dogmático. Pedro Calderón de la Barca, autor dos famosos Autos

sacramentales e do eterno La vida es sueño, escreveu muitas obras de

profunda expressão cristã, de grandeza literária até hoje insuperável.

William Shakespeare, morto no mesmo ano que Cervantes, teve como

contemporâneos grandes autores e atores: Chapman, Bem Jonson, Marston,

Thomas Heywood, Richard Burbage, que além de ator brilhante em Ricardo III,

Hamlet, Rei Lear, Otelo, era sócio da companhia de Shakespeare, mas

nenhum deles teve as qualidades universais que ele impôs às suas tragédias e

comédias. As primeiras obras de Shakespeare ainda estão influenciadas pelo

estilo renascentista, mas as escritas posteriores, como por exemplo a

tragicomédia de construção dramática Antonio e Cleopatra, já representam o

espírito barroco.

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OS VIZINHOS, AS INFLUÊNCIAS, ALGUNS AGREGADOS

ITÁLIA

Sem recusar a herança recebida dos três grandes toscanos, Dante,

Petrarca e Boccacio e do contato com obras da antigüidade clássica, nasceu

na Itália o humanismo vulgar, reinante no séc. XV, que triunfou com Lourenço

de Médici e Angelo Poliziano. Na Toscana renasceu a moda do romance de

cavalaria, cresceu em importância o romance pastoral de Sannazzaro, a

Arcádia despontou em Nápoles despertando a consciência de unidade cultural,

desembocando em discussões lingüísticas e estéticas. A Itália desembocou na

Renascença próximo de recuperar também a liberdade política, já que os

vizinhos, menos favorecidos culturalmente, invejavam o avanço fantástico dos

italianos, que os colocava acima de qualquer povo europeu.

O debate central do séc. XVI recaiu sobre a língua, mas foi no teatro (a

diversão mais popular), que a discussão sobre a nacionalidade literária

desembocou, pois este, recorrendo ao repertório clássico greco-latino, atiçava

os literatos mais ardorosos defensores da língua nacional. Bibbiena, Ariosto,

Guicciardini, Aretino e Maquiavel sobressaíram-se entre os demais,

demonstrando talento original, em literatura, história, política e filosofia,

enquanto Castiglione e Della Casa elaboravam códigos de novo ideal humano.

Com exceção de Michelangelo, os poetas líricos ainda estavam atrelados aos

modelos petrarquianos, devendo-se a Ariosto e a Torquato Tasso as melhores

produções, com Orlando furioso e Jerusalém libertada.

Quando o séc. XVII trouxe o Barroco para a Itália, cujas raízes já estavam

solidificadas desde o fim do século anterior, a literatura afirmou-se por uma

extraordinária reflexão e experimentação sobre Retórica e Estética. Mas foi

com Galileu Galilei e seguidores que a língua vulgar começou a se tornar

verdadeiramente nacional, destronando o latim clássico, que até então reinava,

inclusive nos meios científicos. A poesia se identificou com o marinismo, a

história e o ensaio se firmaram como gêneros literários importantes. A

chamada língua vulgar retomou a tradição iniciada por São Francisco de Assis,

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que já a empregara no Cântico das criaturas, obra que data de 1224, ganhou

forma culta para firmar-se em definitivo como língua nacional da Itália unificada.

INGLATERRA

As línguas vulgares travaram sempre uma batalha com as influências

clássicas antes de se firmarem como língua oficial. O mesmo ocorreu na

Inglaterra e somente após a "tradução" do Roman de Brut, de autoria do

trovador popular Wace, escrito originalmente em francês, a língua inglesa foi

tomando pé. O poeta Geoffrey Chaucer (sempre os poetas!), autor dos

célebres Contos de Canterbury e William Langland, Pedro, o lavrador, ambos

do séc. XIV, solidificaram o inglês, enquanto se desenvolvia uma poesia de

cunho popular, feita de baladas e canções para dançar.

O renascimento inglês veio mais tarde e sem o radicalismo do resto da

Europa, trazendo a reboque a primeira idade de ouro da literatura inglesa.

Seria dominada por John Lyly (Euphues), Philip Sidney, com o romance

pastoral Arcádia e Edmund Spenser, o poeta mais puro dos três, autor de

Calendário do pastor e A rainha das fadas, que iria estender sua influência até

o séc. XVI. Foi no teatro, porém, que o gênio do renascimento inglês se

destacou, favorecido pela abertura de várias salas de espetáculo, a atividade

cênica se expandiu, culminando no maior gênio e glória da literatura inglesa:

William Shakespeare. A fama de Shakespeare deixou obscuros outros autores

importantes de seu tempo, entre os quais Bem Johnson, Francis Beaumont,

Theodore Dekker.

FRANÇA

As canções de gesta, cuja origem remonta ao início do séc. XII,

apresentaram três ciclos os gestas: a Gesta do rei, a Canção de Rolando, a

Gesta de Garin de Monglane e a gesta de Doon de Mayence. Os trovadores se

expressavam em duas linguagens: a língua-d'oc (Guillaume d'Aquitaine,

Bernard de Ventadour, Jaufré Rudel, Arnaut Daniel, Bertrand de Born e

Page 17: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

17

somente mais tarde entre os trovadores de língua-d'oïl Conon de Béthune, Gui

de Coucy, Colin Muset, Adam le Bossu, Rutebeuf e Jean Bodel).

Os romances corteses testemunham o progressivo refinamento da

sociedade medieval e dividem-se em vários ciclos. A Matéria de Bretanha deu

origem aos mais célebres desses romances em versos, dos quais o ciclo do

Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, inspirou os romances bretães do

poeta Chrétien de Troyes, entre os quais Tristão e Isolda. O ciclo do Santo

Graal surgiu no final do séc. XII, com um longo poema de Robert de Boron,

provocando o florescimento dos romances em prosa, ressaltando-se Lancelote

do lago e o Romance de Renart, que já apresenta um caráter popular, ao qual

estão ligados os fabliaux, poemas maliciosos, satíricos, os ditos cômicos e de

conteúdo moral.

A partir do séc. XIV a inspiração lírica cedeu terreno à forma poética,

fixada por Eustache Deschamps e Guillaume de Machaut, marcando as obras

de Charles d'Orleans e François Villon, que viriam no século seguinte. A prosa

alcançou considerável avanço, os tratados didáticos e morais multiplicaram-se.

No teatro foram encenadas as peças de caráter cômico e moral, a farsa criou

força, as sátiras assumiram papel crítico importante. Mistura de lendas

populares e erudição humanista, Gargantua e Pantagruel de Rabelais, difere

substancialmente das obras anteriores e assinala o início da idade moderna na

prosa francesa. O trabalho Defesa e ilustração da língua francesa, determinou

a ruptura definitiva da poesia francesa com a Idade Média. Os poetas da

Plêiade, Ronsard, Joachin du Bellay, Jean Dorat, Rémi Belleau, Jean Antoine

de Baïf, Pontus de Tyard e Étienne Jodelle, procuraram modelar a poesia

francesa dentro do ideal de grandeza e com esse intuito escreveram em

conjunto a Sátira menipéia, publicada em 1594.

PORTUGAL

Influenciada inicialmente pela Bretanha em fins do séc. XII, Portugal foi

dos primeiros a traduzir a Demanda do Santo Graal e em seguida de José de

Arimatéia, mas somente no final do séc. XIV surgiu o primeiro romance escrito

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18

em português: Amadis de Gaula, atribuído a Vasco de Lobeira. Durante os

sécs. XIV e XV os livros de linhagens e compilações de genealogias de famílias

nobres, prevaleceram. Com a publicação da Crônica de D. Afonso Henriques,

baseada em tradições épicas, demonstra considerável amplitude da literatura

portuguesa, destacando-se Fernão Lopes, cujo talento e concepção moderna

fizeram dele o maior prosador medieval. Lopes deu autonomia à prosa lusitana,

com ele nasceu a historiografia portuguesa que tanto iria se notabilizar depois.

Fernão Lopes teve em comum com seus sucessores Gomes Eanes de Zurara

e Rui de Pina, a matéria, os métodos, o rigor histórico, porém superou-os por

sua arte e lucidez.

A prosa doutrinária e didática, escrita pelos homens cultos da corte,

rendeu O livro de montaria, de Dom João I, Livro da ensinança e bem cavalgar

toda sela e O leal conselheiro de Dom Duarte, Virtuosa benfeitoria, de Dom

Pedro. Até meados do séc. XVI certas formas e temas ligados à cultura

medieval persistiram, embora a influência humanista já despontasse. Assim, no

Cancioneiro geral de Garcia de Resende, percebe-se a influência de Petrarca e

de sua concepção do amor.

Bernardim Ribeiro, autor do romance sentimental Menina e Moça,

cultivava a écloga italiana, porém inspirava-se em elementos e temas

populares lusitanos. O romance de cavalaria sempre suscitou interesse e assim

foi que surgiram Crônica do imperador Clarimundo de João de Barros,

Palmerim de Inglaterra de Francisco de Morais, Memorial das proezas da

segunda Távola Redonda, de Jorge Ferreira de Vasconcelos.

Mas foi no teatro clássico, inspirado na Renascença italiana, que

Portugal se elevou, tendo Antônio Ferreira como seu representante mais

legítimo. Esse grande florescimento do teatro deu nomes importantes para a

dramaturgia da língua portuguesa, tendo em Gil Vicente seu maior expoente,

apesar de escrever regularmente em castelhano e em português. Gil Vicente é

considerado o fundador do teatro lusitano, descreveu com todo o seu lirismo e

verve popular, as mazelas, fofocas, tipos populares da época. Francisco Sá de

Miranda também escreveu peças, mas foi na poesia que se fez marcante:

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introduziu em Portugal o soneto, a écloga, sempre mantendo a tradição satírica

da poesia popular do cancioneiros. No entanto, o grande poeta do século foi

sem dúvida Luis de Camões, cujas poesias líricas, sonetos, baladas marcaram

época. Todo o seu talento, no entanto, refluiu na produção do poema épico Os

Lusíadas, no qual exalta o povo português, as conquistas, as lutas navais,

sendo, por todo esse conjunto, considerado a obra-prima da literatura lusa, que

afinal de firmava sozinha, libertando-se da permanente influência hispânica.

Page 20: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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O FAMOSO DOM QUIXOTE DE LA MANCHA

O fantástico sucesso de Dom Quixote e o conseqüente exacerbado

engrandecimento patriótico exercitado pelos espanhóis, teve como

conseqüência o obscurecimento de outras obras de Miguel de Cervantes,

algumas tão importantes quanto o próprio Dom Quixote, como Novelas

exemplares, Numancia e Trabalhos de Persiles e Sigismunda, só para citar

algumas. Em verdade, além de Dom Quixote, quantas obras da vasta produção

de Cervantes são populares hoje em dia? Nenhuma.

"Livro imortal que tem sido traduzido em todas as línguas, narra as

aventuras do fidalgote castelhano Dom Quixote de la Mancha, cujo cérebro se

exaltou até à insensatez com a leitura dos livros de cavalaria, a ponto de

descobrir maravilhas, encantamentos, sortilégios e magias nos fatos mais

triviais. Seu fiel escudeiro Sancho Pança, encarnação do bom senso trivial e

comezinho, passa por tremendas e divertidíssimas privações, a que o expõe a

singular mania de seu amo.

Este, a despeito de seus ridículos, não inspira senão simpatia, tão

ardente é a fé que o anima, tão nobres e generosos são os sentimentos, tão

alto é o ideal de justiça e de poesia, para o que tendem sempre as suas ações,

mesmo as mais disparatadas. Fica na memória dos leitores as aventuras

principais do Cavaleiro da Triste Figura, principalmente o seu famoso combate

com os moinhos de vento, o episódio dos quadrilheiros." Isso é o que dizem as

enciclopédias, introduções, comentários, os livros estudantis.

Os espanhóis não deixam por menos. Para eles trata-se da "novela mais

importante da literatura universal, uma síntese poética do ser humano, a

expressão de um ideal ético e estético de vida, uma galeria de todos os

gêneros literários de seu tempo, lição de teoria e práticas literárias, uma

panorâmica social da Espanha do Século de Ouro, em suma: uma síntese de

realismo e fantasia". Daí para mais! No entanto, a literatura espanhola teve a

sua grandeza na história da cavalaria não em prosa, mas nos versos da mais

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famosa obra da época, El cantar de Mio Cid, livro que narra as façanhas

guerras de Cid Campeador em favor do reino da Espanha.

Botando os pés no chão, pode-se excluir alguns exagerismos: I) não é "a

novela mais importante da literatura universal", no entanto a segunda parte do

Dom Quixote marca uma interessante transição da narrativa que veio redundar

na estrutura do romance, cuja trajetória elíptico-circular acabou se

transformando em didática. Isto só acontece quando uma obra consegue

quebrar os patamares, regras e limites antes estabelecidos.

Então, pode-se dizer que a segunda parte do Dom Quixote, ao

desobedecer as normas vigentes, acabou por se mostrar estruturalmente

moderno, mais ao agrado dos leitores; II) pode ser "a expressão de um ideal

ético e estético de vida", no entanto jamais alcançado, que todos os autores

literários pregam e buscam desde até sempre; III) quanto à imortalidade,

comparada à da Bíblia, vamos considerar que a Bíblia se encontra no estágio

que entendê-la só pelo lado religioso, espiritual, porque a ótica histórica e

literária pouco se consegue entender, quase nada, sem a explicação dos

estudiosos.

É o caso que ocorre com Dom Quixote, um romance de pseudo-

cavalaria, por isso mesmo cevado de referências de cunho histórico medieval,

qualidade que não lhe falta. Não sendo livro religioso nem histórico, mas

literatura em estado puro, Dom Quixote terá de atualizar a leitura para uma

versão mais recente, que traga para o linguajar a gramática moderna, porque

do jeito que está vai precisar sempre de outro volume para explicar todas as

citações religiosas, históricas e referências à linguagem. Em suma, ou traduz-

se para o séc. XXI ou perecerá. No presente, nem mesmo os estudiosos

conseguem identificar tudo no Dom Quixote, imagine nós. [Parece que os

editores espanhóis se deram conta disso e lançam edições modernizadas, só

que voltadas para o público jovem estudantil. Há que fazer chegar a

atualização também à todas as traduções.]

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O mesmo ocorre com outras obras que se tornam universais. Neste caso

a apresentação de um anti-herói encaixotado num mundo acachapante de

aventuras fantásticas, aventureiros capazes de derrotar qualquer inimigo,

exércitos de milhões de adversários, obstáculos à primeira vista

intransponíveis, seres fantásticos, dragões, fantasmas, cavaleiros de aço, que

se interpõem, todos, entre o herói e seu ideal, entre o aventureiro e sua amada,

tudo isso chegou na hora certa. Muito sangue havia corrido pouco tempo antes,

uma nova Europa se formava, os principados davam lugar a estados

organizados tendo como base os princípios democráticos de direito, a política

religiosa afastava-se do centro de poder.

Tudo isso facilitou para a fixação do tipo que fez o sucesso do livro. Ali

está o homem natural e simples apesar de fidalgo; interiorano, que deposita

muita fé no enunciado ético; religioso, que exacerba no apostolado em defesa

dos fracos e oprimidos; aventureiro, sempre disposto a largar tudo e partir em

busca do sonho. Essa herança legou-nos um sem número de expressões

gramaticais e proverbiais capazes de se identificar com o ideal dos indivíduos

de hoje. Os difíceis tempos modernos transformam-nos em verdadeiros

sobreviventes, irmanando-os com o anti-herói Dom Quixote. Assim é que

tornaram-se temas proverbiais, tanto que chegaram até nós não só como

esperança, mas como expressão tanto de uso culto quanto popular, verdadeira

religião e método de vida.

A literatura espanhola previamente ao Dom Quixote pode ser vista assim

resumidamente, não antes de sabermos que o estudo das letras espanholas

compreende essencialmente a história das obras escritas em castelhano, o

idioma nacional, embora existam literaturas locais independentes dentro do

próprio país, sendo as mais importantes e literatura catalã e a literatura gallega.

O castelhano tem seu início literário no séc. XII, com o Poema do Cid

(Cantar de mío Cid), poema anônimo de 3750 versos, escritos por volta de

1140. Antes, a literatura de língua castelhana, era informal, limitando-se a

cantares de canções e gestas, feitos oralmente pelos trobadores, uma mistura

de vários dialetos da região, subordinada à influência maior do castelhano. A

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literatura de Cervantes, como de resto toda dos séc. XV e XVI, para ser

entendida, era elaborada com a fala de seu tempo, o que significa a fala da

península ibérica, uma sadia mistura dialetal que incluía o galego, o português,

o asturiano, o andaluz, o catalão, o leonês. Somente através da letra impressa,

poderiam todos esses dialetos se transformar em linguagem culta.

No séc. XIII, o monge Gonzalo de Berceo, autor de biografias de santos,

foi o primeiro escritor a assinar suas obras. O verdadeiro fundador da prosa

literária, porém, foi o rei Alfonso X, o Sábio, que escreveu sobre vários

assuntos (história, ciências, astronomia, jogo de xadrez, música). O Libro de

buen amor, do arcipreste Juan Ruiz de Hita, constitui a obra-prima do séc. XIV.

Na primeira metade do séc. XV, com a conquista do reino de Nápoles em 1442

e a invenção da imprensa de Gutemberg favoreceram a difusão das obras de

Dante, Petrarca, Bocaccio. Os grandes senhores letrados, como Villena,

Santillana, Juan de Mena, aderiram ao modelo literário italiano.

O séc. XV também assistiu ao florescimento dos romances de cavalaria

(Amadis de Gaula, 1492 de Rodríguez de Montalvo), do conjunto de romances

em verso que transformaram o Romancero num dos mais originais

monumentos da literatura espanhola. Em 1449 foi publicada a Tragicomédia de

Calixto e Melibéa, de Fernando de Rojas, mais conhecida como La Celestina,

cuja história se tornou modelo de tipo literário.

O séc. XVI e o séc. XVII (o Século de Ouro), compõem o grande período

das letras espanholas. Esse momento se inicia com a poesia pastoral de

Garcilaso de la Veja e se prolongou até as derradeiras obras de Calderón de la

Barca. A poesia lírica foi ilustrada por Luis de León. Montemayor escreveu A

Diana, que Honoré d'Urfé imitaria em Astréia. Vida de Lazarillo de Tormes,

anônima, inaugurou o gênero picaresco, romance de cavalaria às avessas,

irresponsável, cujo herói, o "pícaro", é um tratante simpático. Guzmán de

Alfarache (1599) de Mateo Alemán, El Buscón, de Quevedo, seriam os

modelos do gênero.

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Luis de Góngora, um dos maiores nomes da poesia barroca, criou um

estilo que marcou época. Ainda no "século de ouro" se destaca a poesia

mística de São João de la Cruz (Cântico Espiritual), de Santa Teresa de Ávila

(El Castelo Interior). O teatro de Lope de Vega, o dramaturgo mais fecundo da

época, autor de comédias de capa e espada (El perro del hortelano) e de

dramas históricos (Peribáñez, 1614). O teatro de Calderón de la Barca de

cunho filosófico (La vida es un sueño, 1633), religiosos (Autos sacramentales).

Guillén de Castro, autor de Mocedades del Cid (1600). O monge Tirso de

Molina, criador de Don Juan (El Burlador de Sevilla) e finalmente Cervantes,

considerado o pai do romance moderno, com Dom Quixote de La Mancha.

Estão nos dicionários: Quixotada. S.f. 1. Bravata ridícula, fanfarronada, bazófia; ato de quixote; V. fanfarrice. 2. Ato ou dito de ingênuo ou sonhador. Sin. ger.: quixotice Quixote. S.m. 1. Aquele que procede como Dom Quixote e ingenuamente se mete em questões que não lhe dizem respeito quando por via de regra se dá mal. Que toma as dores alheias e se sai mal; 2. Indivíduo ingênuo, romântico, sonhador. Sin. ger.: dom-quixote. Quixotesco. Adj. 1. Relativo a D. Quixote2. Relativo ou próprio de quixote, ou que envolve quixotada; ridiculamente pretensioso. 3. Ingênuo, romântico, sonhador. 4. Que se envolve em trapalhadas. Sin. ger.: quixótico Quixotice. S.f. Quixotada Quixótico. S.m. Quixotesco Quixotismo. S.m. 1. Modos e hábitos próprios de Dom Quixote; v. cervantesco; 2. Herói romanesco, idealista, sempre em busca de aventuras fantásticas. Abnegação cavalheiresca. 3. Romantismo, aventureirismo ou cavalheirismo exagerado. 4. V. fanfarrice. Sin. ger.: dom-quixotismo.

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QUANDO O HERÓI É SANCHO PANÇA

"Uma das coisas que maior contentamento

deve dar a um homem virtuoso e eminente

é o ver-se andar em vida pelas bocas do

mundo, impresso e com estampa com bom

nome, é claro, porque, sendo ao contrário,

não há morte que se lhe iguale."

(Dom Quixote, II, III)

Uma mais das tantas curiosidades do Dom Quixote é o tão discutido

segundo volume do romance de Cervantes. Não bastasse o fato de ter sido

publicada em vida do autor uma segunda parte apócrifa, Cervantes imprimiu no

seu texto tantas novidades que mesmo os mais rigorosos cervantinos vivem às

turras, armam discussões sem fim, mas não conseguem sequer acompanhá-lo

em sua modernidade.

Entre as edições originais de Dom Quixote, que saíram em vida do

autor, menciona-se uma segunda parte, publicada em Tarragona em 1614,

supostamente de autor desconhecido, que vem assinada por Alonso

Fernández de Avellaneda. No entanto, vários pesquisadores dão como certa a

autoria do padre Luís de Aliaga, dominicano confessor de Filipe III, desta

continuação, que se achou no direito de escrever, já que o seu autor prometeu

e jamais. É provável que, com este incidente, Avellaneda tenha contribuído

mais para a literatura publicando o seu Dom Quixote do que possam imaginar

todos os seus tietes.

Do relação à identificação de autoria deste Dom Quixote de Avellaneda,

é bom referir à introdução de Cervantes ao verdadeiro Quixote. Diz ele no

Prólogo ao leitor: "Valha-me Deus, com quanta vontade deves estar esperando

agora, leitor ilustre, ou plebeu, este prólogo, julgando achar nele vinganças,

pugnas e vitupérios contra o autor do segundo Dom Quixote; quero dizer,

contra aquele que dizem que se gerou em Tordesilhas e nasceu em Tarragona!

Pois em verdade te digo que te não hei de dar esse contentamento, que, ainda

que os agravos despertam a cólera nos mais humildes peitos, no meu há de ter

exceção esta regra. Quererias que eu lhe chamasse asno, atrevido e

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mentecapto, mas tal não me passa pelo pensamento: castigue-o o seu pecado

e trague-o a seu bel prazer e que não lhe faça engulhos. O que não pude

deixar de sentir foi que me apodasse de manco e de velho, como se estivesse

na minha mão demorar o tempo, que parasse para mim".

Neste momento Cervantes se ofende e retalia quanto ao apodo de

manco, como o faz todas as vezes que alguém tenta depreciar a sua

participação na batalha de Lepanto, da qual se orgulhava muito. Continuando,

critica o fato de ter sido chamado de velho: " ...e convém advertir que não se

escreve com as cãs, mas sim com o entendimento, que costuma aperfeiçoar-se

com os anos. Senti também que me chamasse invejoso e me descrevesse,

como a um ignorante, que coisa seja a inveja, que, na verdade, verdade, de

duas que há, eu só conheço a santa, a nobre e a bem-intencionada; e sendo

assim como é não tenho motivo para perseguir nenhum sacerdote que, de mais

a mais, seja também familiar do Santo Ofício; e se ele o disse referindo-se a

quem parece, de todo em todo se enganou, que desse tal adoro eu o engenho,

admiro as obras e a ocupação contínua e virtuosa."

A referência ao sacerdote "familiar do Santo Ofício" remeteu os

cervantinos diretamente a Lope de Vega, colaborador da Inquisição, notório

desafeto de Cervantes. No entanto, como se pode ver claramente do texto, as

diferenças que Cervantes tinha com Lope de Vega eram limitadas às disputas

literárias, com o fato deste se aproveitar da amizade e proximidade com

membros do Santo Ofício para promover seus trabalhos. Cervantes tinha como

importante fonte de renda a representação de seus entremezes e farsas, arte a

que Lope de Vega também se dedicava.

Só não vê quem não quer, mas fica bem nítida a identificação que

Cervantes dá ao pretenso autor do Quixote de Avellaneda neste Prólogo

elucidativo. O próprio Cervantes suspeita que a autoria é do padre Luís de

Aliaga, confessor de Filipe III, também familiar do Santo Ofício da Inquisição,

não de Lope de Vega.

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27

A história da literatura tem dessas coisas. Se formos analisar sob o

ponto de vista estatístico, justifica-se plenamente a saída do Quixote de

Avellaneda, porque em todas as obras que Cervantes prometeu uma

continuação – notadamente na Galatéia e no próprio Dom Quixote – jamais

havia cumprido a promessa. Apesar de todos os cervantinos anotarem que

Cervantes já estava trabalhando na parte II do seu Quixote quando a obra de

Avellaneda foi publicada, não existe nenhuma evidência a respeito. Por esse

detalhe pode-se afirmar com alguma segurança que Cervantes jamais teria

escrito a segunda parte do Quixote se não fosse o episódio da pirataria.

Escrito quase 10 anos após a saída do volume I, por vários motivos esta

segunda parte tem deixado os cervantinos de cabelos ralos. Primeiro porque os

ensaístas literários têm balizado o advento do romance moderno com a

publicação do Dom Quixote. Então é mister apontar e provar que no Quixote já

se encontram os parâmetros do romance tal como conhecemos hoje,

principalmente quanto à unidade temática.

Aí é que a porca torce o rabo. Qualquer estudante de literatura sabe que

é impossível exigir-se unidade plena em dois textos escritos com o intervalo de

10 anos, ainda mais sabendo-se que aquela era uma época de constantes

transformações estéticas. Cervantes consegue manter a unidade temática, mas

a arte e a estética ficaram para trás: também é impossível a um escritor, atento

às transformações do seu universo, manter sua arte estagnada por 10 anos.

Na segunda parte Cervantes deu grandes passos em prol de uma escrita muito

mais enxuta.

O que mudou? De princípio, o tratamento visual é outro completamente

novo, sem aquelas maçantes poesias laudatórias que abriam e encerravam as

obras literárias, principalmente os romances. O tratamento seqüencial é outra

novidade no Dom Quixote II, acentuando-se o entrelaçamento dos capítulos,

fechando círculos temáticos, mesmo quando há inserção de parâmetros, tais

como história dentro da história. A escritura do texto avança para o que viriam

classificar de barroco, embora esta expressão de primeiro fosse utilizada

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apenas para as artes clássicas, entre as quais a pintura, a escultura, a

composição musical.

A transformação maior, porém, foi na dicção dos heróis, quando

Cervantes coloca os personagens completamente arrevesados e opositores,

comparando-se com a primeira parte. Aqui o truque usado é o do espelho, do

revés e trevés, o oposto do oposto, o avesso do avesso, em suma. Desta vez o

herói não é o cavaleiro andante, mas seu escudeiro. Dom Quixote passa a ser

um coadjuvante, secundário por técnica, não por necessidade temática. A visão

dos personagens principais também se distorce: Sancho Pança, que fazia no

tomo I o elo de ligação de Dom Quixote com o mundo real, desta vez é atirado

sem dó nem piedade ao universo imaginário, fantasmagórico, acuado pelas

primeiras visões de seu amo.

Neste momento é Dom Quixote quem está de pés no chão. O castelo é

um castelo real, a venda é uma venda, moinhos de vento são moinhos, fala

com distinção e discernimento, discursa sobre a ética e a moral, tudo isso sem

trair os princípios da cavalaria andante. Na hora de dar conselhos a Sancho

Pança, quando este assume o governo da sua ilha é o mais lúcidos dos

governantes quem fala pela voz do Quixote, não o tresloucado que atropela o

vento.

Mesmo que Sancho Pança alerte para a impossibilidade de existir por ali

uma ilha verdadeira, Dom Quixote faz ver que o importante não é a ilha em si e

suas delimitações, mas o fato de que Sancho finalmente vai assumir um

governo e deve governar bem.

Até diante do amor o fidalgo dobra as pernas: apesar de relembrar

sempre a sua Dulcinéia del Toboso e a ela manter-se fiel, não recuas ver na

paixão de Altisidora uma coisa factível, ao passo que a Sancho aquilo tudo

resulta de uma farsa, uma comédia mal interpretada.

A crítica moderna, libertada das ataduras que amordaçam os

cervantistas, considera que Cervantes "pôs em questão toda a literatura de

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29

ficção, através de uma indagação sobre suas próprias ilusões e princípios

estéticos. (...) Cervantes, como Dom Quixote, não pôde impedir-se de ter nas

pessoas e coisas uma confiança que resistia às zombarias e aos golpes. Foi

por essa via que deu início à busca desesperada dos valores que o herói

moderno empreende num mundo degradado. O real é doravante "impossível"

para o herói; inacessível diretamente, a não ser pela intervenção de um

mediador que lhe designe o objeto a desejar e o caminho para atingi-lo, mas,

ao final desse caminho, o real não comparece ao encontro marcado. Dom

Quixote inaugurou assim a figura triangular (herói-mediador-objeto do desejo),

do desejo mediatizado, expressão da alienação moderna que, até Dostoievski

(pelo tema do duplo) e Proust (pelo esnobismo), compôs a estrutura profunda

do romance ocidental."

No segundo volume, como se disse, o realce maior é dado ao escudeiro

Sancho Pança. Não que Dom Quixote passe a ser considerado figura de

segundo plano, mas a figura do escudeiro aqui é mais presente num grande

número de capítulos. A sua fala já não é mais a de um prudente chefe de

família nem a de um simples camponês, ao contrário, em alguns momentos

chega a dialogar de igual para igual com outros personagens e – surpresa! –

com o próprio Dom Quixote. Logo no Capítulo II o cura e o barbeiro dialogam

sobre as inseparáveis figuras: "... não me maravilho tanto da loucura do

cavaleiro como da simplicidade do escudeiro, que tão ferrada tem lá a história

da ilha, que me parece que não a tiram dos cascos nem quantos desenganos

se possam imaginar".

O cura não deixa por menos: "... veremos em que pára esta máquina de

disparates com semelhante cavaleiro e semelhante escudeiro, que parece que

os tiraram a ambos da mesma pedra e que as loucuras do amo sem as

necedades do criado, não valeriam coisa alguma."

A partir daí cresce a importância de Sancho, segundo o próprio Dom

Quixote: "... podes, Sancho, falar livremente e sem rodeios." No capítulo IV,

com motivo de explicar ao bacharel Sansão Carrasco "acerca das suas dúvidas

e perguntas" Sancho assume o centro das atenções.

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No capítulo seguinte já é o próprio quem de novo aparece, numa

"graciosa prática que houve entre Sancho Pança e sua mulher Teresa Pança".

No capítulo VII Sancho avança e inicia falar uma linguagem parelha a de seu

amo, quando este o observa num dos muitos erros vocábulos que comete: "Já

uma ou duas vezes – respondeu Sancho – , se bem me lembro, supliquei a

Vossa Mercê que não me emende os vocábulos, logo que entenda o que eu

quero dizer e, em não entendendo, diga assim: 'Sancho ou Diabo, não te

percebo'. E se eu não me explicar então emende, que eu sou muito fócil

(dócil)."

Para combinar a terceira saída Sancho se mostra muito mais esperto

que aquele ingênuo camponês que largou tudo e foi aventurar-se com o fidalgo

da Mancha. Estipula salário, funções, direitos (inclusive sociais), exige o

cumprimento da promessa feita por Dom Quixote acerca da ilha que receberia

para governar. No capítulo VIII acompanha o amo que intenta ver sua dama

Dulcinéia, missão que se completa no capítulo seguinte.

No capítulo X toma de novo o leme, pois ali se conta a "indústria que

Sancho teve para encontrar a senhora Dulcinéia". No capítulo XI dá uma

bronca no amo, ao vê-lo desmotivado para a cavalaria: "senhor, as tristezas

não se fizeram para os brutos e sim para os homens, mas se os homens

sentem demasiadamente, embrutecem. Vossa Mercê tenha conta em, si e

colha as rédeas a Rocinante, reviva e desperte e mostre aquela galhardia que

costumam ter os cavaleiros andantes. Que diabo é isso? Que descaimento é

esse? Estamos aqui ou em França?"

Como se vê, é outra a linguagem do novo herói. Pode-se dizer que o

cavaleiro agora é Sancho Pança e Dom Quixote o escudeiro. No capítulo XII

Sancho filosofa com o amo: "Pudera, alguma coisa se me há de pegar da

discrição de Vossa Mercê – respondeu Sancho –, que as terras de si estéreis e

secas, em se estrumando, vêm a dar bons frutos; quero dizer que a

conversação de Vossa Mercê tem sido como um estrume deitado na terra

estéril do meu seco engenho e a cultura, o tempo em que o tenho servido e

tratado; e com isto espero dar frutos de bênção, tais que não desdigam nem

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deslizem da boa lavoura que Vossa Mercê fez no meu acanhado

entendimento." Dom Quixote reconhece o crescimento do criado "porque

Sancho de quando em quando falava de modo que lhe fazia pasmo"...

No capítulo XIII Sancho trava conhecimento com o escudeiro do

"Cavaleiro da Selva" e esse encontro serve para um elaborado diálogo entre

ambos. Sancho conhece, enfim, alguém que desempenha a mesma função

que lhe coube e pode falar de igual para igual. Nos diálogos a fala de Sancho

cresce em volume e importância. Já é dono de um saber que permite longas

frases e, de sobra, algumas citações. O linguajar não é mais uma algaravia, é

claro, didático, luxuoso: "Por Deus que, segundo diviso, as patenas que devia

trazer são ricos corais, o vestido é do mais rico veludo e as guarnições de

cetim!. Vejam-me aquelas mãos, todas cheias de anéis de ouro, e de bom

ouro, com pérolas brancas como leite, que deve cada uma valer um olho da

cara. E que cabelos que, se não são postiços, nunca os vi na minha vida mais

compridos, nem mais loiros” (Cap. XXI). E assim por diante, a fala de Sancho

torna-se nobre, nem de perto lembra o atrapalhado escudeiro semi-analfabeto

do primeiro volume.

No capítulo XXII, a caminho da Cova de Montesinos, Sancho Pança se

dá ao luxo de discutir com o guia, primo do licenciado, apesar deste ser

"famoso estudante e muito afeiçoado à leitura de livros de cavalaria", enfim,

"moço que sabia fazer livros para imprimir e para dedicar a príncipes". A

discussão de Sancho com o primo, no entanto, é fortemente criticada por

Cervantes, que dali lança a primeira censura aos livros carregados de cultura

inútil. Estava Sancho enfim nas boas e crescendo.

A partir do capítulo XXX, Dom Quixote e Sancho Pança são recebidos

no castelo, pelo duque e a duquesa e em pouco tempo se encontra nomeado

governador de uma ilha nas terras ducais. O escudeiro, estimulado pela

duquesa que se diverte muito ao ouvi-lo, está à vontade para narrar seus

contos e "todas as donzelas e donas da duquesa rodearam-no atentas em

grandíssimo silêncio, para o escutarem."

Page 32: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

32

Noutra ocasião passa-se um diálogo curioso que Sancho Pança encerra

com um modo não usual do criado dirigir-se ao seu amo, até certo ponto

considerado por demais atrevido: "– Essa pergunta e essa resposta não são

tuas – acudiu Dom Quixote – a alguém as ouviste dizer. – Cale-se, senhor –

replicou Sancho – que se eu me meto a fazer perguntas e respostas, não

acabo nem amanhã. Para perguntar tolices e responder disparates não preciso

de andar a pedir o auxílio dos vizinhos. – Mais disseste do que sabes – tornou

Dom Quixote – que há pessoas que se cansam em averiguar coisas que,

depois de averiguadas, nada valem, nem para o entendimento nem para a

memória." É o próprio Dom Quixote reconhecendo a evolução cultural de seu

escudeiro e lá pelas tantas faz o elogio:

"Estás um filósofo, Sancho, falas mui discretamente, não sei quem to

ensina. O que posso te dizer é que não há fortuna no mundo, nem as coisas

que sucedem, boas ou más, sucedem por acaso, mas sim por especial

providência dos céus (...)".

O ápice do crescimento de Sancho Pança se dá justamente ao ser

nomeado governador da Ilha Baratária, "uma ilha bem feita e bem direita,

redonda e bem proporcionada e muito fértil e abundante, onde, se souberdes

ter manha, podeis com as riquezas da terra granjear as do céu." Assim cumpre-

se a promessa feita por Dom Quixote, que aproveita a ocasião para ditar

algumas normas gerais para o bom governar: "– Infinitas graças dou ao céu,

Sancho amigo, de que antes de eu ter topado alguma boa fortuna, te viesse a

receber e encontrar a prosperidade (...), antes do tempo e contra a lei das

suposições razoáveis vês os teus desejos premiados."

"Digo pois que, com todo o seu acompanhamento, chegou Sancho a um

lugar quase de mil vizinhos, que era dos melhores que o duque possuía.

Disseram-lhe que se chamava a ilha Baratária, ou porque o lugar tinha o nome

de Baratário ou pela barateza com que se lhe dera o governo. Ao chegar às

portas da vila, que era cercada de muros, saíram os alcaides do povo a recebê-

lo, tocaram os sinos e todos os vizinhos deram mostras de geral alegria e com

muita pompa o levaram à igreja matriz a dar graças a Deus e em seguida, com

Page 33: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

33

algumas ridículas cerimônias, lhe entregaram a chave da vila e o admitiram

como governador perpétuo da ilha Baratária."

Sancho é levado para o governo, toma posse, de um suntuoso palácio

faz julgamentos e governa a ilha de um modo sapiencial, que daria inveja a

muitos prefeitos e governadores de agora. A saga corre até o capítulo XLVII e

tempos depois, dados paga bem governar, o duque cria uma situação de

emergência que o faz retornar ao ducado, para salvar a própria vida, que

certamente perderia já que uns "inimigos meus e inimigos dessa ilha tencionam

dar-lhe um assalto furioso, uma noite destas"... Os ataques prosseguem e

Sancho, coitado, alertado pelos assessores de que poderia ser envenenado, é

submetido a um rigoroso jejum, apesar das mesas fartas que lhe são servidas

desde que chegou na ilha.

O governador troca cartas com Dom Quixote e Sancho Pança, para não

ter de enfrentar inimigos sanguinários com as poucas armas que tem, resolve ir

embora, tendo bem governado a ilha Baratária, "como um anjinho". Os

auxiliares do governo ofereceram-lhe "tudo o que quisesse para regalo de sua

pessoa e comodidade da sua viagem, mas Sancho retorna ao castelo do duque

apenas com "uma pouca cevada para o ruço e meio queijo e meio pão para si".

"Abraçaram-no todos e ele, chorando, a todos abraçou e deixou-os

admirados das suas razões e da sua determinação, tão resoluta e discreta."

Como um verdadeiro herói, diga-se...

Page 34: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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PARA LER DOM QUIXOTE

Quem quiser pegar Dom Quixote pelo pé, fazer uma boa e aproveitável

leitura, deve se preparar para ler um livro que foi feito para divertir. Nada de

encher-se de ares intelectuais, como seria necessário para ler, por exemplo,

Ulisses, de James Joyce. Dom Quixote foi escrito para divertir. E não só o

leitor, mas principalmente quem o escreveu. Graças a Deus, Cervantes deveria

estar chateado com a literatura de sua época, na qual - que nem hoje -

venciam aqueles mais chegados ao poder ou os que escreviam sobre temas

tão fantásticos quanto inverossímeis, os cunhados livros de cavalaria foram

ressuscitados, reescritos recheados de estórias fantásticas, muitas tiradas do

descobrimento do novo mundo, estavam na moda.

Aquilo que se poderia chamar de literatura séria, ficava restrita aos

escritos religiosos, políticos e econômicos (se iniciava esse tipo de literatura,

tendo em vista os revezes monetários que a Europa rica sofrera e sofreria

ainda, apesar do aporte do ouro e da prata resultante dos saques da América

Latina, principalmente México, Peru e Brasil). Ademais, a Inquisição Católica

andava querendo salvar os milhões de hereges que teimavam em viver longe

de Deus, senão pela fé ao menos pelo fogo das fogueiras.

Era uma época em que a humanidade vivia sedenta de sangue. Não

bastavam as calamidades naturais, as doenças, a peste. A indústria da guerra

florescia, em nome dos reinos da terra e de Deus. Expulsão, muitas com

massacres, total de quase um milhão de mouros, os ataques constantes à

Turquia, à Terra Santa (Palestina), ao Norte da África, as violentas batalhas

navais entre vizinhos. A partir do momento que Carlos I, o Grande, não

conseguiu realizar o sonho de formar o império único, os governos

incompetentes de seus sucessores ruíram um a um, gerando o efeito dominó.

Somente a guerra salvava a honra.

Resultava então que escrever sobre esses temas diretamente, era

procurar a condenação, o calorzinho nada agradável das fogueiras

inquisicionais. Então mister é fazê-lo de modo obscuro, escondido, satirizando,

Page 35: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

35

por exemplo, os livros de cavalaria, sem buscar para herói algum grego ou

romano, mas no próprio interior espanhol, onde a vida rude faz com que as

pessoas tudo vejam sob um prisma completamente diverso dos citadinos.

Melhor ainda se conseguirmos que o tal personagem se encontre mortalmente

atacado com o vírus dos livros de cavalaria!

Assim nasceu Dom Quixote, filho natural de um fidalguinho do interior,

devotado para a ética e a estética do cavaleirismo andante. Quem está preso

deve ser solto. Quem vai para aonde não quer, de livre e espontânea vontade,

deve escolher seu próprio caminho. Quem é cavaleiro deve ser fiel, fidelíssimo,

à sua dama de honra, à sua amada (a figura de Dom Quixote é assexuada,

afora algumas citações às prostitutas, casas e ruas do ramo, nada mais se

fala). O próprio Dom Quixote confessa: "Sou enamorado, só porque é forçoso

que o sejam os cavaleiros andantes e, sendo-o, não pertenço ao mundo dos

viciosos, mas sim ao dos platônicos e continentes". (Cap. XXXII, II)

Quem se dedica a esse mister deve bater-se em defesa da honra, da

religião, da dignidade, tais são outros princípios da cavalaria. Só que em Dom

Quixote, ficam de revés, a cavalaria serve mais de cenário porque, a verdade

da sociedade feudal é mais crua, há mais interesse em mostrar o retrato da

vida humilde dos campesinos, as injustiças cometidas contra a sociedade rural,

cujo orgulho maior era ser considerada nobreza, mesmo não sendo.

Entre as edições originais de Dom Quixote que saíram em vida do autor,

menciona-se uma segunda parte, publicada em Tarragona em 1614,

supostamente de autor desconhecido, mas que vem assinada por Alonso

Fernández de Avellaneda. No entanto, vários pesquisadores dão como certa a

autoria do padre Luís de Aliaga, dominicano confessor de Filipe III, desta

continuação, que se achou no direito de escrever, já que o seu autor prometeu

e durante nove anos não o fez.

O livro, com um prólogo provocativo, feriu os brios de Cervantes. Era o

estímulo que necessitava para escrever, aos 68 anos e doente, a Parte II do

seu Dom Quixote. Foi um desafio que o gênio maduro de Cervantes soube

Page 36: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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explorar, dando ao livro apócrifo tratamento de personagem, que passou a

integrar a parte II do verdadeiro Dom Quixote. Também a figura do historiador

Cide Hamete Benengeli foi consolidada, nomeado como único capacitado a

contar a história do cavaleiro andante. A partir do Cap. LIX, mais agressivo,

Cervantes aproveita todas as oportunidades para ridicularizar o falso Quixote,

ao mesmo tempo faz uma apologia publicitária do verdadeiro Quixote. Para

diferençar do falso Quixote, lá pelas tantas muda o destino da viagem que

estava prevista no romance, obrigando o cavaleiro desviar de Saragoça e

seguir para Barcelona, cidade, povo e cultura muito queridos e elogiados por

Cervantes.

Dom Quixote é antes de tudo uma grande gozação, sátira dos livros de

cavalaria, como também dos escritores contemporâneos que se jactavam de

grande erudição, se gabavam de ler gregos e troianos no original! Não se trata

de um livro erudito, como alguns estudiosos querem fazer que seja, à custa de

estudos minuciosos das referências que nele estão colocadas às claras. Alguns

mais, críticos metidos a besta, tentam achar chifre em cabeça de cobra e

plantam mais coisas do ali está. Só que isso é fácil de perceber...

A cultura que Cervantes tinha foi adquirida principalmente em Roma,

quando foi secretário-camareiro do Cardeal Júlio Acquaviva y Aragón e nas

diversas viagens que a vida militar proporcionou. É o conhecimento amplo de

um intelectual voltado para o seu tempo, buscando raízes na cultura clássica

dos gregos, romanos e Europa Medieval. Daí a pseudo erudição emprestada a

Dom Quixote, que fez com que seus admiradores fanáticos o colocassem bem

acima do espaço que ocupa. Convém lembrar que Cervantes mencionou no

prólogo de Dom Quixote, a título de gozação, a falsa erudição que cometiam

autores da época, inclusive alguns de seus pares. Referia-se, principalmente, a

Lope de Vega, que incluiu em livro páginas e mais páginas de citações de

"obras e autores consultados e referidos".

Dom Quixote é, sim ,um livro alegre, brincalhão, gozador, ótimo para

desopilar o fígado. Ademais tem muita coisa que se pode guardar, cultivar,

colher. Assim deve ser lido para ser apreciado. Estamos conversados: sente-

Page 37: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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se, relaxe, leia com vagar, deguste o livro, os ditos sentenciosos, as piadas, os

fuxicos, as farsas inventadas com os senhores feudais da época, as gozações

com os colegas escritores amigos do poder. Histórias com anti-heróis sempre

nos fazem rir. Seguir, enfim, o roteiro que Cervantes deixou no prólogo

direcionado ao desocupado leitor, que foi mais ou menos o seguinte:

Gostaria que este livro, como filho do saber, fosse o mais

bonito, o mais exuberante e mais simples que pudesse imaginar.

Porém não pude contradizer ordem da natureza, que cada coisa

gera outra que lhe seja semelhante.

Por isso, haverão de encontrar neste livro disparates

fabulosos, com os quais nada tem que ver a exatidão da verdade

nem as observações da astrologia. Não lhe servem de coisa

alguma as medidas geométricas, nem a confutação dos

argumentos usados pela retórica, nem tive necessidade de fazer

sermões aos leitores misturando o humano com o divino.

Procurei fazer com que esta história se apresente em

público escrita em estilo significativo, com palavras honestas e

bem colocadas, sonoras e festivas em grande abastança,

pintando em tudo quanto for possível a minha intenção, fazendo

entender todos os conceitos sem os tornar intrincados, nem

obscuros.

Minha única intenção é fazer que, quando ler este livro, o

triste imediatamente se alegre e solte uma risada, que o risonho

quase endoideça de prazer, o simples não se enfade, que o

discreto se admire de minha intenção, o grave não a despreze,

nem o sisudo deixe de elogiá-la, quando for o caso.

Se tiver conseguido realizar pelo menos a metade do que

aqui digo, ficarei feliz. Valeu!

Tirando fora as edições e traduções piratas (sim, elas sempre existiram e existirão!), Cervantes viu publicadas as seguintes edições de Dom Quixote: O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha (El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha), Parte I, Valladolid 1604, Madri 1605 e 1608, Lisboa 1605, Valência 1605, Bruxelas 1607 e 1611, Milão 1610, Barcelona 1617 Ambers 1673, Londres 1612. E, juntado ao volume II, mais e mais edições até os dias de hoje. O engenhoso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha (El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha), Parte II, Madri 1615, Barcelona 1617. O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Parte II, de Alonso Fernández de Avellaneda (pseudônimo provável do padre Luís de Aliaga), Tarrragona 1614.

Page 38: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

38

UM LEITOR ENTREVISTA MIGUEL DE CERVANTES

Leitor: É possível que todos os romances de cavalaria sejam tão maléficos

para a alma, a ponto de merecerem a fogueira, como se fazia aos hereges nos

moldes inquisitoriais?

Cervantes: Nunca vi um livro de cavalarias com unidade de ação, mas

compõem-se de tantos membros, que mais parece que o autor quis formar uma

quimera ou um monstro do que fazer uma figura proporcionada. Apesar de ter

dito mal desses livros, achava neles uma coisa boa, que era darem assunto

para se poder manifestar um vivo engenho, porque tinham vasto e espaçoso

campo, por onde podia correr a pena sem o mínimo obstáculo, descrevendo

naufrágios, tormentas, reencontros e batalhas. Tem a História do famoso

cavaleiro Tirant lo Blanch, de Johanot Mastorell e Martí Johan de Galba. Este

não vai para a fogueira, faço de conta que nele achei um tesouro de

contentamento e mina para passatempos. A verdade vos digo que em razão de

estilo não há no mundo livro melhor. Aqui comem e dormem os cavaleiros,

morrem nas suas camas e antes de morrer fazem testamento, com outras

coisas mais que faltam nos livros deste gênero. Bem, pode você mandar

queimar como aos outros, porque não admiraria que, depois de curado Dom

Quixote da mania dos cavaleiros, lendo agora estes, se lhe metesse em

cabeça fazer-se pastor, andar pelos bosques e prados, cantando e tangendo. E

pior ainda fora o perigo de fazer-se poeta, que, segundo dizem, é enfermidade

incurável e pegadiça.

Leitor: Não acha você, senhor Cervantes, que o Dom Quixote merece um

tratamento mais favorável no futuro, com atualização de linguagem e, quem

sabe, até com uma continuação da história?

Cervantes: Tinha assentado comigo que Dom Quixote continuaria a jazer

sepultado nos arquivos da Mancha até que o céu lhe depare pessoa

competente que o adorne de todas as coisas que lhe faltam, porque eu me

sinto incapaz de remediá-las em razão das minhas poucas letras e natural

insuficiência e ainda de mais a mais porque sou muito preguiçoso e custa-me

Page 39: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

39

muito a andar procurando autores que me digam aquilo que eu muito bem me

sei dizer sem eles. Em resumo, imagino que tudo o que digo é assim, sem que

sobre nem falte nada, pinto as coisas em minha imaginação como as desejo.

Leitor: Como o senhor gostaria de ver apresentada a figura de Dom Quixote?

Cervantes: Como uma legenda seca igual as palhas, falta de invenção,

minguada de estilo, pobre de conceitos e alheia a toda erudição e doutrina,

sem notas às margens nem comentários no fim do livro. Ao contrário do que

vejo por, aí muitos livros, ainda que fabulosos e profanos, tão cheios de

sentenças de Aristóteles e Platão, de toda a caterva de filósofos, que levam

admiração ao ânimo dos leitores e fazem que estes julguem os autores dos tais

livros como homens lidos, eruditos e eloqüentes. Quando citam a Divina

Escritura, se dirá que são uns Santos Tomases e outros doutores da Igreja,

guardando nisto um decoro tão engenhoso, que em uma linha pintam um

namorado distraído e em outra fazem um sermãozinho tão cristão, que é

mesmo um regalo lê-lo ou ouvi-lo.

Leitor: Não é verdade! Porque é tão clara que não há como dificultá-la. As

crianças a manuseiam, os jovens a lêem, os adultos a entendem e com ela os

velhos se divertem. Afinal, é tão divulgada, tão lida, tão conhecida de todo tipo

de gente, que mal se vê um cavalo fraco, um pangaré, um matungo, logo se

diz: Olha lá o Rocinante! Mas não é normal que se cite pelo menos a fonte de

inspiração, sem que isso de torne forma de soberba?

Cervantes: Não foi sábio o autor de minha história, mas algum ignorante

falador, que de repente, sem nenhum preparo, começou a escrevê-la, saia o

que sair. O que eu somente muito desejava era dar-ta mondada e despida,

sem os ornatos de prólogo nem do inumerável catálogo dos costumados

sonetos, epigramas e elogios que no princípio dos livros por aí é uso pôr-se. Os

homens famosos pelo seu engenho, os grandes poetas, os ilustres

historiadores sempre, a maior parte das vezes, são invejados por aqueles que

têm por gosto e particular entretenimento julgar os escritos alheios sem ter

dado um só à luz do mundo.

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40

Leitor: A mentira é tanto mais saborosa quanto mais verdadeira se afigura e

agrada tanto mais quanto mais se aproxima do possível.

Cervantes: Hão de se casar as fábulas mentidas com o entendimento dos que

as lerem, escrevendo-se de forma que, facilitando os impossíveis, nivelando as

grandezas, suspendendo os ânimos, espantem, suspendam, alvorocem e

entretenham de modo que andem juntas a admiração e a alegria e estas coisas

todas não as poderá fazer quem fugir da verossimilhança e da imitação, em

que consiste a perfeição do que se escreve.

Leitor: Não só por me parecer que me ia metendo em coisas alheias à minha

profissão, como por ver que é maior o número que simples de espírito do que

dos cordatos e que, ainda que é melhor ser louvado pelos poucos sábios que

fustigado pelos muitos néscios, não quero sujeitar-me ao confuso juízo do

vulgo, que lê semelhantes livros...

Cervantes: E, sendo isto feito com aprazível estilo e engenhosa invenção, que

se aproxime da verdade tanto quanto for possível, há de compor sem dúvida

uma fina tela, entretecida de fios formosíssimos que, depois de acabada, se

revele tão perfeita e linda, que consiga o fim melhor que se aspira nesses

escritos, que é ensinar e deleitar juntamente, como já disse; porque a solta

contextura destes livros dá lugar a que o autor possa mostrar-se épico, lírico,

trágico, cômico, com todas as partes que encerram em si as dulcíssimas e

agradáveis ciências da poesia e da oratória - que a epopéia tanto pode

escrever-se em prosa como em verso.

Leitor: Dizem os estudiosos que com Dom Quixote se inaugurou um novo tipo

de narrativa, cujo roteiro sugere algo moderno, de linhas definidas, ordenadas

dentro de um crescente ritmo, enfim, um estilo novo...

Cervantes: Para alguns, escrever sempre um só assunto e falar pela boca de

poucas pessoas é um trabalho insuportável, que não redunda em proveito de

seu autor. Mas, uma vez que se contém, se aprisiona nos limites estreitos da

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41

narrativa, tendo habilidade, suficiência e entendimento para tratar do universo

do todo, é mister que não se deprecie o seu trabalho e que se elogie não pelo

que escreve, mas pelo que deixou de escrever.

Leitor: Devem os escritores apresentar seus trabalhos, mesmo os mais

imaturos, quando carecem de estilo embora sejam dono já de alguma técnica?

Cervantes: Contra isso posso alegar de minha parte a inclinação que, para a

poesia, sempre tive, havendo apenas saído dos limites da juventude. Além do

que, não se pode negar que os estudos desta faculdade trazem consigo mais

que medianos proveitos: o poeta enriquece-se de sua própria língua e se

assenhora da arte da eloqüência que nela cabe, para empreendimentos mais

elevados e de maior importância, abre caminho para que, à sua imitação, os

espíritos estreitos cresçam.

Leitor: Hoje a poesia chamada erudita invade os teatros, os romances

pastoris, até os relatos históricos. É possível que a poesia seja o gênero maior

até que o romance?

Cervantes: Quero responder que o escritor livre de paixão, com maior

fundamento se dispõem a não admitir as diferenças da poesia. Alguns

resolvem publicar seus escritos por leviana consideração, mais levados pela

força que a paixão das próprias composições costuma exercer sobre os

autores. Entretanto, a ninguém cabe satisfazer os espíritos que se encerram

em termos tão limitados. O mesmo sucederá a todos quantos quiserem traduzir

para os seus idiomas livros de versos, que, por muito cuidado que nisso

ponham e por mais habilidade que mostrem, nunca hão de igualar ao que eles

valem no original. Sendo assim, para entendê-la, será necessário de

comentários.

Leitor: Como você vê o progresso da literatura castelhana, com tantos autores

querendo publicar seus trabalhos?

Page 42: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Cervantes: Disso posso ser testemunha segura, já que conheço alguns que,

com justo direito e sem os embaraços que enfrento, puderam seguir com

segurança carreira tão perigosa. Mas são tão comuns, tão diferentes as

dificuldades humanas e tão vários os fins e as ações, que uns - com desejo de

glória - se aventuram; outros, - com temor da infâmia - não se atrevem a

publicar aquilo que há de sofrer o julgamento do povo, perigoso e quase

sempre enganado. Se as comédias da voga, tanto as de pura imaginação,

como as que se fundam na história, são todas, ou a maior parte, verdadeiros

disparates e coisas que não têm pé nem cabeça e, com tudo isso, o vulgo as

ouve com gosto, as considera e aprova como boas, estando tão longe de o ser.

Os autores e os atores dizem que estão muito bem assim, porque assim as

quer o vulgo e que as que seguem os preceitos da arte servem só para quatro

discretos que as entendem e todos os outros ficam em jejum, sem

compreender o seu artifício. E que a eles fica melhor ganhar o pão com muitos

do que fama com poucos, acontecerá o mesmo ao meu livro.

Leitor: O que ocorre é que com tal avalanche de livros, difícil será separar o

joio do trigo, o que é bom e útil daquilo que representa apenas a vaidade de ser

publicado...

Cervantes: Eu, não porque tenha motivos para ser arrojado, dei mostras de

atrevimento publicando este livro. Mas porque não saberia determinar qual o

maior de dois inconvenientes: o de quem, com pressa, desejando comunicar o

talento que do céu recebeu, cedo se aventura a oferecer os frutos de seu

engenho ou o de quem, escrupuloso, moroso ou negligente, jamais acabando

de contestar o que faz e entende, nunca se decide a comunicar seus escritos.

Assim como a ousadia e a coragem de um poderiam condenar-se pela licença

demasiada que concede a si mesmo, o receio e a tardança do outro são

viciosos: pois tarde ou nunca serve, com o fruto de seu engenho e estudos, aos

que esperam e desejam ajudas e exemplos para prosseguir em suas

atividades.

Leitor: Então, vale a pena arriscar-se a ser condenado pela crítica, pela

opinião dos autores da moda que, afinal, podem influenciar o povo?

Page 43: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

43

Cervantes: Bem sei como sói condenar-se uma pessoa insignificante que se

excede em matéria de estilo, pois até o príncipe da poesia latina (Quem?

Cícero?) foi caluniado por se haver levantado em algumas de suas éclogas

mais do que em outras. Assim, não temerei muito que alguém condene ter eu

mesclado razões de filosofia com algumas da cavalaria, que poucas vezes se

ocupam de coisas que não sejam das liças, do amor fiel e dos campos.

Leitor: O seu Dom Quixote, no entanto, parece um tipo universal e será

milhões de vezes imitado.

Cervantes: Só para mim nasceu Dom Quixote e eu para ele: ele para praticar

as ações e eu para as escrever. Somos um só, a despeito e apesar do escritor

que se atreveu ou se há de atrever, a contar com pena de avestruz, grosseira e

mal aparada, as façanhas do meu valoroso cavaleiro. Porque não é carga para

os seus ombros, nem assunto para o seu frio engenho.

Leitor: O Dom Quixote já corre mundo traduzido para várias línguas, porque

também tem a qualidade de ser um livro fácil de traduzir...

Cervantes: Parece-me que traduzir duma língua para outra, não sendo das

rainhas das línguas grega e latina, é ver panos de rás pelo avesso que, ainda

que se vêem as figuras, Vêem-se cheias de fios que as escurecem e não se vê

a lisura e cor do direito. E o traduzir de línguas fáceis não prova engenho nem

elocução, como não o prova quem traslada, nem quem copia um papel de

outro papel. E daqui não quero inferir que não seja louvável este exercício das

traduções, porque em outras coisas piores e que menos proveito lhe

trouxessem, se podia ocupar o homem. Estão fora desta conta os nossos dois

famosos tradutores Cristóvão de Figueroa, no seu Pastor Fido e Dom Juán de

Jáuregui, no seu Aminta, em que facilmente se fica em dúvida sobre qual é a

tradução e qual o original."

Leitor: Apesar de todo o sucesso do Dom Quixote, das farsas, das novelas, o

efeito financeiro foi bem pouco.

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Cervantes: Eu ficarei satisfeito e ufano de ter sido o primeiro que gozou

inteiramente o fruto dos seus escritos, como desejava, pois não foi outro o meu

intento senão o de tornar aborrecidas dos homens as fingidas e disparatadas

histórias dos livros de cavalarias, que vão já tropeçando com as do meu

verdadeiro Dom Quixote e ainda hão de cair de todo, sem dúvida.

Leitor: Então, de qualquer modo, aproveita-se algo para o saber o que contêm

as histórias de cavalarias...

Cervantes: No meu entender, este gênero de composição assemelha-se ao

que chamam fábulas milésias, que são esses contos disparatados que só

tratam de deleitar e não de instruir; ao contrário do que sucede com as fábulas

apologais, que justamente deleitam e instruem. O deleite que na alma se gera,

deve resultar da formosura e harmonia que vê ou fantasia nas coisas que os

olhos ou a imaginação apresentam e tudo quanto é feio ou desconcertado não

nos pode causar satisfação alguma.

Leitor: Mas haveria a necessidade de enterrar o pobre Dom Quixote, ao

contrário de dar-lhe vida longa como merecem os heróis imortais?

Cervantes: Como as coisas humanas não são eternas e vão sempre em

declinação desde o princípio até o fim, especialmente as vidas dos homens, a

de Dom Quixote não teria esse privilégio do céu para deixar de seguir o seu

termo e acabamento. Depois de recebidos todos os sacramentos e de ter

arrenegado, com muitas e eficazes razões, os livros de cavalaria, chegou,

afinal, a última hora de Dom Quixote.

Leitor: Nunca li em nenhum livro de cavalarias que algum cavaleiro andante

houvesse morrido no seu leito, tão sossegado e cristãmente como Dom

Quixote.

Cervantes: As minhas intenções sempre as dirijo para bons fins, que são fazer

o bem a todos e mal a ninguém. Se quem isto entende, se quem isto pratica, se

quem disto trata merece ser chamado de bobo, digam-no as vossas grandezas.

O não saber um homem ler indica uma de duas coisas: ou que teve nascimento

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humilde e baixo, ou que foi tão travesso e tão mau, que lhe não pôde entrar na

cabeça o bom costume nem a boa doutrina. Como disse Sancho Pança: "Que

grandeza é mandar num grão de mostarda ou que dignidade ou que império é

governar em meia dúzia de homens do tamanho de avelãs, que me pareceu

que em toda ela não havia mais? Se Vossa Senhoria fosse servido de me dar

uma pequena parte do céu, ainda que não fosse mais de meia légua, tomá-la-

ia de melhor vontade que a maior ilha do mundo."

Page 46: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

46

Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes

Saavedra

(Parte II) 1 - Fórmulas, adagiário, frases feitas, expressões populares 2 - Poemário, coplas, romanceiro, sonetos, poesias

Page 47: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Cervantes delegou ao escudeiro Sancho Pança a função de contraponto da história. Os próprios personagens - Cavaleiro vs. Escudeiro - formam o necessário espelho para que suas atuações reflitam entre si. Ao pseudo erudito, o fidalgo Dom Quixote, Sancho Pança contrapõe o popular e através da fala dele Cervantes registra a fala de sua época, um linguajar cuja nacionalidade não estava definida nem lingüística nem gramaticalmente. Embora a linguagem culta castelhana prevaleça (saturada com muitas citações gregas e latinas), todo o dialeto peninsular (português, catalão, galego, etc.), está representado na narrativa e sob a égide do palavrear simples de Sancho Pança. Como se verá, muitas das expressões ainda são corriqueiras hoje em dia, ainda que em forma corrupta.

A A abundância das coisas ainda que sejam boas faz com que se não as

estimem

A amizade de Deus por nenhuma na terra se há de perder

A arte não vence a natureza mas aperfeiçoa-a

A barriga de palha de feno se enche

A caça é mais saborosa quando é à custa alheia

A cada porco chega o seu São Martinho

A cada um que o mate a sua má estrela ou Nosso Senhor que o criou

A carestia ainda que das más coisas alguma coisa se estima

A cavalo dado não se olha o dente

A cobiça rompe o saco

A Deus darei contas

A Deus e a el-rei

A Deus nada é impossível

A diligência é a mãe da boa ventura e a preguiça sua contrária

A diligência é mãe do bom êxito

A discrição é a gramática da boa linguagem

A dizer tantos disparates que bem mostrava trazer o juízo a monte

A epopéia tanto pode escrever-se em prosa como em verso

À fé que lhe não arrendava o ganho nem por um maravedi

A formosura é a primeira e a principal prenda que enamora

A fortuna tudo faz pelo melhor

A gente deita-se são e acorda doente

A gente lavradora que é de si maliciosa e dando-lhe o ócio lugar é a própria

malícia

A gente neste mundo está nas mãos de Deus

A gente onde está fala dos seus negócios

Page 48: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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A história é como uma coisa sagrada porque tem de ser verdadeira

A honra pode-a ter o pobre mas não o vicioso

A imitação deve ser o fim principal da comédia

A ingratidão é filha da soberba e um dos maiores pecados que se conhecem

A ingratidão é filha da soberba e um dos maiores pecados que se conhecem

A inveja de duas que há eu só conheço a santa a nobre e bem intencionada

A isso é que só Deus pode dar remédio

A liberdade é um dos dons mais preciosos que aos homens deram os céus

A liberdade é um dos dons mais preciosos que o homem recebeu do céu

A maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem

mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos

que não sejam as da melancolia.

A maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem

mais nem mais nem ninguém nos matar nem darem cabo de nós outras mãos

que não sejam as da melancolia

A mais discreta figura da comédia é a do parvo porque precisa de o não ser

quem quer fingir de tolo

A mão de Deus nos proteja

A mentira é tanto mais saborosa quanto mais verdadeira se afigura

A mim me há de levar o Diabo daqui donde estou

A morte é surda e vem-nos bater à porta quando menos a esperamos e não a

detém nem rogos nem súplicas nem mitras e cetros como é fama e como

dizem por esses púlpitos

A morte que se recebe repentina depressa acaba as penas; mas a que se

dilata com tormentos está matando sem acabar a existência

A morte vem correndo

A mulher boa não alcança boa fama só com o ser boa

A mulher e a galinha por andar se perdem cedo

A mulher é animal imperfeito

A mulher que é boa por medo ou por falta de ocasião não a acho merecedora

da estima

A música é uma suavizadora dos ânimos alterados e um alívio para os

trabalhos do espírito

A não ser tão breve que em duas palavras se diga

Page 49: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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A necessidade persuade a fazer o que não se deve

A outro cão com esse osso

A pata que me pôs

A pé enxuto

A pena é a língua da alma

A pena é ainda mais livre que a fala para bem expressar os mistérios do

coração

À primavera segue-se o verão ao verão o outono ao outono o inverno e ao

inverno a primavera e assim gira e regira o tempo nesta volta contínua

A quantidade de néscios é infinita do Eclesiastes

A quem busca o impossível justo é que até o possível se lhe negue

A quem Deus a deu São Pedro que a benza

A quem hás de castigar com obras não trates mal com palavras

A quem Nosso Senhor maldiga

A quem quero mais que as pestanas dos meus olhos

A quem sega e amassa não lhe furtem a fogaça

A razão da sem-razão que à minha razão se faz...

A roda da fortuna anda mais depressa que a roda de um moinho

A sabedoria do Diabo também não se estende a mais

A salvo está quem repica os sinos

A santidade consiste em caridade e humildade fé obediência e pobreza

A saúde de todo corpo se forja na oficina do estômago

A senda da virtude é muito estreita e o caminho do vício largo e espaçoso

A soldadesca é uma escola na qual o mesquinho se torna liberal e o liberal

passa a ser pródigo

A solicitude do demandista leva a bom fim o pleito duvidoso

À sombra de aleijão fingido ou de chaga falsa andam ladrões os braços e

bêbada a saúde

A sorte fatal tudo encaminha risca e dispõe a seu talante

A um brinde de amigo que coração de mármore haverá que não faça logo a

razão?

A um tiro de besta

A valentia que entra por temeridade é mais loucura que fortaleza

A valentia que não se baseia na prudência chama-se temeridade

Page 50: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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A valentia que não se baseia na prudência chama-se temeridade.

A verdade é o que eu disse que há de sobrenadar sempre na mentira como o

azeite na água

A verdade manda Deus que se diga

A verdade torce mas não quebra e anda sempre ao de cima da mentira como o

azeite ao de cima da água

A virtude é tão poderosa que por si só sairá vencedora

A virtude há de se honrar onde se encontrar

A virtude mais é perseguida pelos maus que amada pelos bons

A virtude vale por si só o que o sangue não vale

Abaixou a cabeça e meteu pernas ao potro

Abrindo-lhe portas por onde saísse a minha honra envolta no seu sangue

Ache-se a paz na roda

Acudiam a picá-lo os pensamentos como as moscas ao mel

Adeus e com Ele ide! E com Ele fiqueis!

Aduba-me essa lamparina!

Agarrar a ocasião pelos cabelos

Aí é que bate o ponto corpo de meu pai!

Ainda luz sol no mundo

Ainda que a traição agrade o traidor sempre aborrece

Ainda que coma o pão com sobressalto ao menos sempre me farto

Ainda que eu viva mais anos que Matusalém

Ainda que os rifões são sentenças breves muitas vezes os trazes tanto pelos

cabelos que mais parecem disparates do que sentenças

Ainda que perdi a honra não perdi nem posso perder a virtude de cumprir a

minha palavra

Ainda que são iguais todos os atributos de Deus mais resplandece e triunfa a

nossos olhos o da misericórdia que o da justiça

Ainda que se escondesse na barriga da baleia

Ainda que sejam hipérboles sobre todas as hipérboles

Ainda que vos escondais mais fundo que uma lagartixa

Ajude Deus a razão e a verdade

Ajude-me Deus com o que é meu

Alfaiate de cantinho (cose de graça e dá o fio)

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Alma de esparto e um coração de carvalho que se desses comigo outro galo te

cantara

Alvos como amêndoa sem casca

Amaldiçoou-os com todas as veras da sua alma

Andante cavaleiro sem amores era árvore sem folhas nem fruto e corpo sem

alma

Andar de um lado para outro e ir de mal a pior

Andará entre nós a paz e a bênção de Deus

Ande eu quente e ria-se a gente

Ânimo, ânimo que tudo é nada

Antes de sair para a praça dos vossos ouvidos

Antes me arrancariam a alma do meio das carnes

Antes quero ir Sancho para o céu do que governador para o inferno

Antes quero ser mulher legítima de um lacaio do que amiga e escarnecida de

um cavaleiro

Antes se peca por carta de mais que por carta de menos

Antes ser lavrador que rei se o hão de comer os bichos

Ao bom pagador não custa dar penhor

Ao bom pagador não dói o dar penhores

Ao bom pagador não lhe custa dar penhor

Ao bom silêncio chamam Sancho

Ao deixarmos este mundo e metermo-nos pela terra adentro por tão estreita

senda vai o príncipe como o jornaleiro

Ao fritar dos ovos

Ao inimigo que foge se deve fazer uma ponte de prata!

Ao possuidor das riquezas não o faz feliz o possuí-las mas sim despendê-las e

não o gastá-las como quiser mas saber empregá-las bem

Ao que não vai nem vem passar ao largo é cordura

Ao que o governador diz não se deve replicar

Aonde se não cuida salta a lebre

Aos amigos casados já se não hão de as casas freqüentar

Aos mouros não se pode mostrar o erro da sua seita com as citações da

Escritura

Apesar de andar a estimação sempre anexa à riqueza

Page 52: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Apesar de seres tonto és homem verídico

Aplicarei o pensamento a discursos de mais proveito

Aquele que diz injúrias perto está de perdoar

Aquele que muito viver muitos trabalhos há de passar

Aqui del-rei e da justiça!

Aqui e diante de Deus

Aquilo que mais custoso é em maior estima deve ser tido

Arrancando-se-lhe a alma

Arrancava-lhe a alma a estocadas

Arrasam-se-me os olhos de água

As ações que não mudam nem alteram o fundo verdadeiro da história não há

motivo para se escreverem

As armas dos que vestem sotainas são como as das mulheres a língua

As armas requerem tanta força de espírito como as letras

As ave-marias e os padre-nossos são de ouro de martelo

As aventuras de Dom Quixote ou se hão de celebrar com admiração ou com

riso

As avezinhas do campo têm a Deus por seu provedor e despenseiro

As canas voltam-se em lanças

As cicatrizes que o soldado ostenta no rosto e no peito são estrelas que guiam

os outros ao céu da honra

As coisas difíceis empreendem-se por Deus ou pelo mundo ou por ambos

juntos

As coisas humanas não são eternas e vão sempre em declinação desde o

princípio até o seu último fim especialmente as vidas dos homens

As coisas presentes que os olhos estão mirando assistem na nossa memória

muito melhor e com mais veemência que as coisas passadas

As esperanças duvidosas devem fazer os homens atrevidos mas não

temerários

As façanhas do temerário mais se atribuem à boa fortuna que ao seu ânimo.

As iras dos amantes costumam desabafar em maldições

As leis que atemorizam e se não escutam vêm a ser como o cepo

As marafonas que fiem

Page 53: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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As misericórdias de Deus não têm limite e não as abreviam nem as impedem

os pecados dos homens.

As nossas loucuras procedem de termos estômagos vazios e cérebros de ar

As obras de caridade que se praticam tíbia e frouxamente não têm mérito nem

valem nada

As riquezas podem soldar muitas quebras

As terras de si estéreis e secas em se estrumando vêm a dar bons frutos

As tolices dos ricos passam por sentenças no mundo

As tripas é que levam os pés não são os pés as tripas

As tristezas não se fizeram para os brutos e sim para os homens

As virtudes adubam o sangue

Assim como é teu pai é pai e mãe dos rifões

Assim como o fogo não pode estar escondido e encerrado não pode a virtude

deixar de ser conhecida

Assim costuma Deus ajudar o bom desejo do simples e desfavorecer o mau do

discreto

Assim Deus me ajude

Assim fossem as pulgas da minha cama

Assim o Diabo o determinara

Até agora tem sido pão com mel

Até aí chegava eu e não diria mais o profeta Perogrullo

Até o lavar dos cestos é vindima

Até que te venham obrigar pela dúvida que a ninguém perdoa

B

Barbada e com bigodes tenha eu a minha alma quando me for embora desta

vida é o que importa

Barcelona arquivo de cortesia albergue dos estrangeiros hospital dos pobres

pátria dos valentes vingança dos ofendidos e grata correspondência de firmes

amizades única em situação e formosura

Basta ao desditoso as penas do suplício sem o acrescentamento das injúrias

Basta conheceres que eu digo a verdade e dá um ponto na boca

Bêbado como um cacho

Page 54: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Bebi com o leite a fé católica

Bem está cada um usando do ofício para que foi nascido

Bem está São Pedro em Roma

Bem haja quem inventou o sono

Bem se comem as mãos por mostrar que são curiosas

Bem sei o que são tentações do Demônio

Bendito seja o céu

Bendito seja o poderoso Deus que tanto bem me fez

Benza-me Deus

Benza-o Deus

Benzer-nos e levar ferro

Biscainho por terra fidalgo por mar fidalgo com os diabos

Boa índole tens sem a qual não há ciência que valha

Boa ventura vos dê Deus

Bom coração quebranta má ventura

Bom é viver muito para ver muito

Bom inteiro e católico de saúde

C Cada coisa gera outra que lhe seja semelhante

Cada dia se vêem coisas novas no mundo: as mentiras se trocam em verdades

e os burladores são burlados

Cada ovelha com a sua parelha

Cada qual é como Deus o fez e muitas vezes ainda pior

Cada qual é feito de suas obras

Cada qual veja como despede o virote

Cada terra com seu uso

Cada um é artífice da sua ventura

Cada um é filho das suas obras

Cair em juízo temerário

Calaram-se todos tírios e troianos

Canta como uma calhandra dança como o pensamento baila como perdida lê e

escreve como um mestre-escola e conta como um sovina

Capaz de falar mais do que trinta advogados

Page 55: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Capazes de alegrar a própria melancolia

Casamentos desiguais nem se gozam nem aturam muito no gosto com que

principiam

Cavam leis onde querem reis

Cedo verás quem leva o gato à água

Cego é quem não vê por entre os fios de seda!

Cerrar as janelas dos olhos

Chega-te para boa árvore boa sombra terás

Chega-te para os bons serás um deles

Coisa que não venha muito a pêlo

Colchões lhe serão as penhas / E o dormir sempre velar

Com a mais triste e melancólica fisionomia que a própria tristeza podia ter

Com a vida muitas coisas se remedeiam

Com ânimo de me bater com Satanás em pessoa

Com as faces tão chupadas que se beijavam por dentro

Com bom cimento se pode levantar um bom edifício e o melhor cimento do

mundo é o dinheiro

Com ele não tinham que ver as gerais de enamorado nem de desesperado

Com esta obrigação nasceram as mulheres de ser obedientes e seus maridos

Com mero e misto império

Com o que Deus for servido dar-me

Com os amigos não se corta as unhas rentes

Com tanta energia que nem as forças de Sansão a poderiam romper

Com tanta prudência e juízo que lhe tapou a boca

Com tantas lágrimas que bastaram para me lavar as mãos

Com teu amo não jogues as pêras

Coma-os o Diabo

Combina a misericórdia com a justiça

Comedimento é azul sobre o ouro da formosura

Comendo puxarei pela minha vida até chegar ao fim que o céu determinou

Comia com garfo as uvas e os bagos de romã

Comida feita companhia desfeita

Como a morte que devo a Deus

Page 56: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Como aquele que sai das trevas para a luz da morte para a vida e do inferno

para o céu

Como brandos espinhos nos atravessam a alma e como raios a ferem

Como com as nuvens do ano passado

Como lançarmos um milheiro de cãs fora

Como no fogo do crisol se apura a pureza do ouro

Como o que me dão

Como sabem Deus e todo mundo

Como se fora asno de cigano com azougue nos ouvidos

Como se não fosse maior mal a fraqueza do que a febre

Como um ovo se parece com outro

Como um pedaço de toucinho entre duas masseiras

Conheço o zurrar como se eu o tivesse dado à luz

Conheço-a como se a tivesse parido

Conselhos melhores que os de Catão

Conservando-me intacta como a salamandra no lume ou como a lã nas sarças

Contra ajuizados e contra loucos está obrigado qualquer cavaleiro a acudir pela

honra das mulheres

Contra o uso dos tempos não há que argüir nem que tirar conseqüências

Contra todos os golpes da minha aziaga fortuna

Corpo de tal!

Corpo do mundo

Cortar os racimos verdes da mais formosa vide dos vinhedos

Cortesias geram cortesias

Cosendo-lhe a boca aos sapatos

Costuma Deus ajudar o bom desejo do simples e desfavorecer o mau do

discreto

Cruel Vireno fugitivo Enéias Barrabás te acompanhe lá te avenhas

Cuidados alheios matam o asno

Custa pouco prometer o que nunca pensaram nem poderiam cumprir

Custa-me muito andar procurando autores que me digam aquilo que eu muito

bem me sei dizer sem eles

Page 57: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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D Da doença que Deus lhe deu

Da dor de cabeça hão de participar os membros

Da melhor vontade e seja o que for bom prol me faria

Da prolixidade costuma gerar-se o fastio

Da saia parda de burel para sedas e veludos

Dadas graças a Deus e água às mãos

Dadas graças a Deus e águas às mãos

Dádivas quebrantam penhas

Dando contas a Deus da sua má vida

Dar conselhos a este bom homem é dar coices no aguilhão

Dar depressa é dar duas vezes

Dar fim a um negócio em que lhe iam a existência a honra e a alma

Daria três pontos na boca e até morder três vezes a língua

Darmos depressa o que temos de dar não tira nem põe nada ao valor da coisa

Das coisas obscenas e torpes devem afastar-se os pensamentos quanto mais

os olhos

Das palavras de um louco ninguém devia fazer caso

Das repúblicas bem governadas se devem desterrar os poetas como Platão

aconselhava

Dava uns suspiros que chegavam ao céu

De conhecer-te resultará o não inchares como a rã que se quis igualar ao boi

De escrivão Deus nos livre esses amigos fazem letra processada que nem

Satanás a decifra

De estômago feito para lhe arrancar a vida

De forma que disfarce o que é e pareça o que há de ser

De grandes senhoras grandes mercês se esperam

De hoje até amanhã não me doa a cabeça e numa hora cai a casa

De mal-agradecidos está o inferno cheio

De membro podre se tornou limpo e são com penitência e arrependimento

De não ser notória a tua dor te provirá isenção dela

De noite todos os gatos são pardos

De palha ou de feno minha pança cheia

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De pouco sal na moleira

De qualquer modo que me leveis sem a vida sempre eu irei

De todo coração a Deus

De tudo o que a mulher do juiz receber há de dar conta o marido na residência

universal

De tudo tem de haver no mundo

De um adormecido a um morto pouca diferença vai

De vez em quando dorme o bom Homero de um verso de Horácio

Debaixo de ruim capa se esconde bom bebedor

Debaixo do meu manto ao rei mato

Deitando para trás das costas todas as obrigações

Deitarei água às mãos

Deixai-me ir buscar a vida passada para que me ressuscite desta morte

presente

Deixa-me morrer à mão dos meus pensamentos e à força das minhas

desgraças

Deixando feito xis ao vendeiro

Deixem-me gostar a mim de ser da desventura podendo ser da felicidade

Demônio manco

Dentre bois e arados tiraram o lavrador Wamba para ser rei de Espanha

Dentre os brocados passatempos e riquezas tiraram a Rodrigo para ser comido

pelas cobras

Depois das trevas espero a luz (Jó)

Depois de ter roído metade da polpa de um dedo

Desde que Apolo foi Apolo e as musas musas e os poetas poetas

Desejo não vos arruinar como se fora padrasto

Desenterrando-nos os ossos e enterrando-nos a fama

Desfazer esse tal agravo e endireitar esse torto

Desgraçado é quem às duas horas da tarde ainda não quebrou o jejum

Despregarás os lábios com riso de macaco

Deste com uma alma de esparto e um coração de carvalho que se desses

comigo outro galo te cantara

Desterram a melancolia e melhoram a condição se acaso a tiver má

Destila âmbar e algália entre algodões

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Detrás da cruz está o Diabo

Deu a alma a Deus

Deu lugar a aurora ao sol que com o rosto maior que uma rodela surgia a

pouco e pouco do fundo do horizonte

Deus abençoou a paz e amaldiçoou as rixas

Deus ajuda a quem madruga

Deus dá asas à formiga para que morram mais depressa

Deus lhe dê a mão direita

Deus lhe dê remédio

Deus lhe dê ventura

Deus lhe fale na alma porque já morreu

Deus livre a Vossa Mercê de mal intencionados nigromantes

Deus madrugará conosco

Deus me ajude e a Santíssima Trindade de Gaeta

Deus me entende

Deus me entende e basta

Deus o encaminhe

Deus o livre desse tormento

Deus o ouça e o pecado seja surdo!

Deus olhará pelo seu povo

Deus permite muitas vezes que tenhamos verdugos para nos castigarem

Deus sabe a verdade de tudo

Deus sabe o que amanhã sucederá

Deus sabe o que me pesa

Deus seja contigo e te faça um santo

Deus será servido

Deus suporta os maus mas não para sempre

Deus te dê saúde e não te esqueças de mim

Deus te guarde de quem te queira magoar

Deus te guarde mais anos do que a mim

Deus te guie e a Penha da França e a Trindade de Gaeta

Deus te guie e te traga são

Deus vos perdoe o agravo que fizestes a todo o mundo

Deve ser delicioso o trabalho de sepultar a sua própria infâmia

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60

Diabos levem o Diabo

Digo bem ou peço para as almas?

Discretos dias viva Vossa Santidade

Dispensar-me-ei de repreender o que não me é possível remediar

Disponha o céu como lhe aprouver

Disse a caldeira à sertã tira-te para lá não me enfarrusques

Dizem que o Amor é um rapaz ceguinho

Dize-me com quem andas dir-te-ei as manhas que tens

Dizer graças e escrever donaires é de altíssimo engenho

Diz-me com quem andas dir-te-ei as manhas que tens

Do coração procedem os maus pensamentos (Mateus XV 19)

Do dizer ao fazer vai grande distância

Do pé para a mão

Dois tiros de besta para diante

Donzela honesta ter que fazer é a sua festa

Donzela honrada em casa de perna quebrada

Dos homens é que se fazem os bispos não é das pedras

Dos mouros não se podia esperar verdade alguma

Dos socos para os chapins

E E adeus que aí vem o romper da alva

É alívio nas desgraças termos quem se nos doa delas

E andai com Deus

E assim está Deus sobre todos porque é sobre todos doador

É bom como o bom pão

É bom mandar ainda que seja um rebanho de gado

É capaz de me pôr na espinha de Santa Lúcia

É de vassalos leais dizer a seus senhores a verdade como ela é

E depois assobiem-lhe às botas

É desatino sendo de vidro o telhado apanhar pedras na mão para atirar ao

vizinho

E desde agora para então e desde então para agora...

E Deus ma guarde

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61

É doce o amor da pátria

É esta a verdade toda sem lhe faltar um só migalha

E eu vos digo: amai aos vossos inimigos (Mateus V 44)

É grandíssimo o risco a que se expõe quem imprime um livro sendo

completamente impossível compô-lo de tal forma que satisfaça e contente a

todos os que o lerem

É impossível que nos separe outro sucesso que não seja o que deitar umas

pás de terra para cima de qualquer de nós

E leve o Diabo tudo

É maior o número dos simples de espírito do que dos cordatos

É mais fácil vir o pródigo a ser liberal do que o avaro

É mais que estudos receber uma pessoa martírios no seu corpo

É mais salteador que o próprio Caco e mais somíticos que Andradilla

É melhor ser louvado pelos poucos sábios que fustigados pelos muitos néscios

E não vem esse estado do mal mensal habitual nas fêmeas

É o mesmo que procurar agulha em palheiro ou bacharel em Salamanca

E o vencedor é tanto mais honrado / Quanto mais o vencido é reputado

E os outros que lá se avenham!

E ponho-lhe uma pedra em cima

É possível que a ponte de Mantible seja de madeira? Possível é e possível era

É próprio e natural dos poetas desdenhados e maltratados pelas suas damas

fingidas ou não fingidas vingar-se com sátiras e libelos

É raro o poeta que não seja arrogante e que se não suponha o maior do mundo

É sempre mais louvado fazer o bem do que fazer o mal

É tanto de valentes corações o serem sofridos nas desgraças como alegres

nas prosperidades

É tão boa coisa a justiça que é necessária até entre os ladrões

E tudo vem a propósito

É um louco cheio de intervalos lúcidos

É um louco de pedras

E vós alma de cântaro...

Eles foram santos e pelejaram o divino e eu sou pecador e pelejo ao humano

Em algumas mulheres a formosura tem dias e estações e diminui ou cresce

conforme as circunstâncias

Page 62: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

62

Em as estrelas nos influindo o infortúnio não há força na terra que os detenha

Em boa hora seja

Em boca das boas senhoras não há palavra má

Em branco de miolos

Em Candaia não se enterram as pessoas vivas

Em casa cheia depressa se guisa e ceia

Em certas ocasiões mais úteis nos podem ser os pés que as mãos

Em chegando os tempos marcados

Em desgraçada ocasião nascemos em hora minguada nos geraram nossos

pais!

Em dizendo uma vez nunes, nunes hão de ser ainda que sejam pares, apesar

de todo mundo

Em eu enchendo o saco pouco importa que represente mais impropriedades do

que átomos tem o sol

Em Haldudos também pode haver cavaleiros

Em idade de poderem escolher estado

Em má hora senhor meu amo muito bailastes!

Em mais alto valor se há de apreciar a intenção daquele que tem por objeto

alcançar um fim mais glorioso e nobre

Em mal cuja causa não se sabe é milagre que acerte a medicina

Em me fartando pouco me importa que seja com feijões ou que seja com

perdizes

Em menos de dois credos

Em moedinha defumada

Em nome de Deus verdadeiro

Em sua comparação se pode dizer que é doce o absinto

Em tantos pedaços há de cortar que o maior de todos será a orelha

Em te dando uma vitela vai logo por ela

Em toda parte se come pão

Em verdade te digo

Enamorado até os fígados

Encomendai o caso a Deus

Encomendando-se a Deus e à sua dama

Encomenda-o tu a Deus que Ele dará o que mais convenha

Page 63: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

63

Encomendem-me a Deus e os anjos que me favoreçam

Encomendemos tudo a Deus

Enfiar uma súcia de rifões a trouxe-mouxe torna a conversa descorada e baixa

Enquanto o Diabo esfrega um olho

Enquanto se dorme todos são iguais

Entre o sim e o não da mulher não me atrevia a eu a meter uma ponta de

alfinete porque não caberia

Entre os mouros não há traslados à parte nem prova e fique

Era mais fácil deixar cortar um bigode

Era mais fácil fazer-me turco

Era o pular dos corações o retocar do riso o desassossego dos corpos e

finalmente o azougue de todos os sentidos!

Era por fio pouco mais ou menos

Era tudo engrandecer eu a minha ventura

Eram as suas galas e o seu descanso o pelejar

Esconjuro-te por tudo quanto posso esconjurar-te como cristão católico

Esfolar que nem um São Bartolomeu

Esperança irmã gêmea e sempre companheira do amor

Esperando como às águas de maio

Esperar hortaliças de sequeiro ou apojadura de cabra velha

Espero chegar a porto de salvamento com a minha verdadeira história

Espero em Deus e na sua benta mãe

Esta ciência é como a de nadar: em se aprendendo nunca mais se esquece

Está de pedra e cal

Está em boas mãos o pandeiro; verá como o tocam

Está inabilitado o pobre de poder mostrar com pessoa alguma a virtude da

generosidade

Está tão encantada como meu pai

Está tão longe de sê-lo como está longe o branco do negro e a verdade da

mentira

Estar sempre sem crescer nem minguar como figura de paramento

Estás falando sem que ninguém te vá à mão

Este dia há de ser marcado por mim com pedra branca

Page 64: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

64

Este foi o fim desditoso para todos que lhes veio de um tão desatinado

princípio

Esteja aonde estiver a virtude é certo ser perseguida

Estou com idéias de me matar à fome a morte mais cruel de todas

Estou destinado a vaca de boda (servir de galhofa)

Eu falo como Deus é servido

Eu o porei nas meninas dos meus olhos

Eu quero mais a uma unha da minha alma do que a todo o meu corpo

Eu Sancho nasci para viver morrendo tu para morrer comendo

F Façamos bem aos nossos inimigos e amemos a quem nos aborrece

Fala mais do que seis e bebe mais do que doze

Falar de corda em casa de enforcado

Falas hoje como um livro

Falas mansas cá para mim não pegam

Falou como um abençoado e sentenciou como um cônego

Falsos e embusteiros como inventores de nova seita e de novo modo de vida

Falta ainda o rabo que é o pior de esfolar!

Faze o que manda teu amo e senta-te com ele à mesa

Fazendo mais cruzes que se levassem o Diabo atrás de si

Fazer bem a todos e mal a ninguém

Fazer bem a vilões é deitar água no mar

Fazer penitência como se fosse ermitão

Fazia mais conta dormir sozinho numa choça do que acompanhado num

palácio

Fez parar o sol na sua carreira para as ver

Ficar a mentira totalmente calva

Fique na sua casa trate de sua fazenda confesse-se amiúde favoreça os

pobres e caia sobre mim o mal que daí lhe vier

Fiquem contigo os demônios

Fiz um serviço a Deus matando um mau médico

Fizeram tanto caso das suas ameaças como das nuvens de antanho

Freira a língua, considera e rumina as palavras antes que te saiam da boca

Page 65: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

65

Fugiu a sete pés

G Gabo-me de expor meus motivos com palavras claras simples de grande

significado

Governador cobiçoso faz desgovernada a justiça

Graças a Deus tenho a alma nas carnes e todos os dentes e queixais na boca

Grande miséria é viver da sopa alheia

Grão a grão enche a galinha o papo

Gratidão que só consiste no desejo é coisa morta como é morta a fé sem obras

Guardai vossas graças para quem vo-las pague que eu só se vos der uma figa

Guie-te melhor ventura que a minha

H Há de haver diferença entre as cabras do céu e as da terra

Há de lhe chegar o seu São Martinho como aos porcos

Há de ter exceção esta regra

Há diferentes opiniões como há diversos gostos

Há duas coisas que não têm resposta: ide-vos de minha casa e o que quereis

de minha mulher?

Há duas formosuras: uma da alma outra do corpo

Há homem que mais depressa se atreverá a matar um gigante que a dar uma

cabriola

Há mais frades no céu que cavaleiros andantes

Há muitos que pensam encontrar toicinhos e não há nem estacas

Há ocasiões para acometer e ocasiões para retirar

Há tempo para brincar e tempo em que não caem bem os brinquedos

Há toledanos que falam como Deus é servido

Habilidades e prendas que não são vendáveis tenha-as o Conde Dirlos

Hão de me suar os dentes

Haveis de saber para que nascestes

Havia de passar desta a melhor vida

Havíamos de ter tamanha bulha que até os surdos nos ouviriam

Page 66: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

66

Hei de pensar tanto em dar chuva à terra como penso em enforcar-me

Hei de ter rasca na assadura

Herdar algo dissipa ou modera no herdeiro a lembrança do sentido que é razão

que deixe o morto

Historiadores que de mentiras se valem deviam ser queimados como os que

fazem moeda falsa

Hoje por mim e amanhã por ti

Homem apercebido vale por dois

Homem de pouca fé

Homero não escreveu em latim porque era grego; nem Virgílio escreveu em

grego porque era latino

I Ia crescendo em formosura como a espuma do mar

Ide-vos com Deus

Ide-vos em má hora e não vos metais onde não sois chamado

Igreja ou mar ou casa real

Inimigo de Deus e de seus santos

Isso parece-me agraço sobre agraço e não mel sobre mel

Isso que a ti parece ser uma bacia de barbeiro, a mim parece ser o Elmo de

Mambrino e a outro parecerá outra coisa.

Isto de morrerem os enamorados é coisa de riso Judas que o acredite

Isto não são brincadeiras para duas vezes

J Já eu estarei comendo barro

Já me está pulando o pé para me pôr a caminho

Já não torno a ser gente em dias de vida

Já que não tem remédio nas mãos de Deus me entrego

Já que temos sardinhas não andemos à busca de perus

Já se usa entre os intonsos poetas do nosso tempo escrever cada qual como

quer e furtar a quem lhe parece (...) e não há necedade que escrevam ou

cantem que se não atribua a licença poética

Page 67: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

67

Já te choramos por morto

Jóias que em anzol para as mulheres são ainda a melhor isca

Judas que o acredite

Jura o homem que vai morrer na forca; se morre nela jurou a verdade e pela lei

merece ser livre e que atravesse a ponte; se não o enforcam jurou mentira e

por isso merece que o enforquem

Juro pela salvação da minha alma que é uma moça de truz e que pode passar

pelos bancos da Flandres.

Juro-lhe pela minha Cruz Benta

Justiça de Deus e del-rei contra tal malícia para não dizer velhacaria

Justiça! e se a não acho na terra irei buscá-la ao céu

L Lá está Deus nos céus que julga os corações

Lá se vão em fumo minhas esperanças

Lá vão reis onde querem leis

Lágrimas com pão passageiras são

Lé com lé e cré com cré

Leia livros e verá como lhe desterram a melancolia e lhe melhoram a condição

se acaso a tiver má

Lembro-me tanto como das nuvens do ano passado

Letras sem virtude são pérolas no tremedal

Levou a noite de vela

Liberdade e soltura não é por ouro comprado

Lindo como um alfinete de tocar

Livre-me Deus do inimigo! Cruzes!

Louvado seja Deus que tanto bem me tem feito

Louvor em boca própria é vitupério

M Má peste mate os que estorvam que se casem os que se querem bem

Má ventura tem consigo o mando ainda que fingido

Mais alcançam de Deus duas dúzias de açoites do que duas mil lançadas

Page 68: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Mais aquecem quatro varas de pano de Cuenca do que outras quatro de

lemiste de Segóvia

Mais ardente que um forno de vidraça

Mais depressa me tirariam a vida do que a bolsa!

Mais direita que um fuso de Guadarrama

Mais disseste do que sabes

Mais dor sentia eu no meu espírito de que tu no teu corpo

Mais escuro que boca-de-lobo

Mais faz quem Deus ajuda que quem muito madruga

Mais força terá o tempo para mudar as coisas do que a vontade humana

Mais livros do que letras têm as coplas de Mingo Revulgo

Mais longo em bondade que a barba de Trifaldim

Mais parece a barca de Caronte

Mais perseguem as desgraças os cavaleiros andantes do que os seus

escudeiros

Mais que a vida se mais que ela me é possível perder

Mais sabe o tolo no seu que o avisado no alheio

Mais são isso encarecimentos de poeta que verdades

Mais se toma o pulso ao haver que ao saber

Mais secas e mais enxutas que um esparto

Mais vale boa esperança que ruim posse

Mais vale esperança boa que pensão ruim e boa queixa que mal pago

Mais vale quem Deus ajuda que quem muito madruga

Mais vale salteador que sai à estrada que namorado que ajoelha

Mais vale um "toma" que dois "te darei"

Mais vale um "toma" que dois "te darei" e um pássaro na mão que dois a voar

Mais vale um bom nome do que muitas riquezas

Mais vale um pássaro na mão que dois a voar

Mais valem migalhas de rei que mercês de senhor

Mais verdadeira que os milagres de Mafoma

Mal deles leva o Diabo quem os usa

Mal haja a tola que na flor da idade não preferir ser monja a ser dona

Mal haja a tua condição e a de todas aquelas a quem imitas

Maldito sejas por Deus e por todos os santos

Page 69: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Manifesta os átomos do mais curioso desejo

Mansa como uma borrega e mais branda que a manteiga

Marcado pela mão de Deus

Más ilhas te afoguem

Mau ano e mau mês para quantos murmuradores que há no mundo

Mau pesar viesse por mim

Me dá papinha a mim

Me deu o coração uma pancada

Me há de levar o Diabo

Medis com vossos próprios pés

Melhor ainda me saiba o pão

Melhor é a vergonha na cara que nódoa no coração

Melhor ganhar o pão com muitos do que fama com poucos

Melhor não mexer o arroz ainda que cheire a esturro

Melhor parece filha malcasada que bem amancebada

Melhor parece o soldado morto na batalha do que vivo e salvo na fuga

Melhor que quatro cidades e quatro alcaides da corte

Menos mal faz o hipócrita do que o público pecador

Merenda feita companhia desfeita

Metendo nas mãos de mão beijada

Minha mãe a castigar-me e eu a desmandar-me

Minha mãe a castigar-me e eu com o pião às voltas

Minhas desgraças tiveram princípio mas nunca hão de ter fim

Minhas esperanças sempre mortas e os seus desdéns sempre vivos

Minhas pompas são as armas / Meu descanso o pelejar

Mísero do bem-nascido que sacrifica tudo à sua honra

Morra Marta morra farta

Morra por elo de morte natural

Morra Sansão e todos quantos aqui estão

Morto eu caia neste instante

Muita diferença há entre as obras que se fazem por amor e as que se fazem

por agradecimento

Muitas graças não se podem dizer com poucas palavras

Muitas truchelas somarão uma truta

Page 70: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

70

Muitas vezes numa banda se põe o ramo e noutra se vende o vinho

Muitas vezes onde há estacas não há toicinho

Muitas vezes vai abaixo a paciência quando a carregam de insultos

Muito grande e muito poderosa é a força do amoroso desdém

Muitos médicos há no mundo! Até o são nigromantes!

Muitos poucos fazem muito

Muitos são os caminhos por onde se vai ao céu

Muitos teólogos há que não são bons no púlpito e são ótimos para conhecer os

erros ou acertos dos que pregam

Muitos vão buscar lã e vêm tosquiados

Mulher honrada a perna quebrada e em casa

N Na mão de Deus me entrego

Na tardança é que está o perigo

Não admira que um Diabo se pareça com outro

Não ano a meter a foice em seara alheia

Não bole a folha na árvore sem a vontade de Deus

Não chegariam nem o tesouro de Veneza nem as minas de Potosi

Não comecem a chamar preto ao branco e branco ao preto

Não comem pão de balde

Não como coisa que bem me saiba enquanto não for informado de tudo

Não conhecemos o bem enquanto o não perdemos

Não conhecêsseis a mãe que vos deu à luz

Não deitaria em saco roto

Não é aí que bate o ponto

Não é aí que lhe aperta a albarda

Não é bom andar uma pessoa com a consciência em ânsias

Não é bom o vento que sopra

Não é carga para seus ombros nem assunto para seu frio engenho

Não é melhor a fama de juiz rigoroso que do compassivo

Não é o mel para a boca do asno

Não é valentia a temeridade

Não era possível ser sempre dia

Page 71: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Não estou nem para dar migas a um gato (sem forças para nada)

Não falará mais do que um mudo sob pena de pagar o julgado e sentenciado

Não fales à ventura que está fazendo truz-truz à porta da tua casa

Não faltaram olhos ociosos que tudo costumam ver

Não ficou ao sábio coisa alguma no tinteiro

Não foge quem se retira.

Não foi Deus servido

Não foram tão vãs as nossas orações que não fossem ouvidas do céu

Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje

Não há amigo para amigo

Não há cadeados guardas nem fechaduras que defendam melhor uma donzela

que as do próprio recato

Não há caminho tão plano que não tenha alguns barrancos

Não há coisa que mais depressa arrase as torres da vaidade das formosas que

a adulação

Não há coisa que saia mais barata que os bons comedimentos

Não há desventura tão cansada nem tão posta no cabo enquanto não

degenera em morte que deva esquivar-se a um alvitre oferecido com bom

ânimo

Não há estômago que não seja um palmo maior que outro

Não há fortuna no mundo nem as coisas que sucedem boas ou más sucedem

por acaso mas sim por especial providência dos céus

Não há história humana em todo o mundo que não tenha seus altos e baixos

Não há jóia no mundo que em valia se compara à mulher casta e honrada

Não há livro por mau que seja que não tenha alguma coisa boa

Não há livro tão ruim que não tenha algo bom vem de Plínio o velho

Não há melhor mostarda que a fome e como esta não falta aos pobres sempre

comem com gosto

Não há mulher por mais retirada que esteja e por mais recatada que seja a

quem não sobre tempo para pôr em execução e efeito os seus atropelados

desejos

Não há pai nem mãe a quem pareçam feios os filhos

Não há pouco que tosquiar nas donas

Não há que fiar na descarnada que tanto come cordeiro como carneiro

Page 72: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Não há redenção no inferno

Não há regra sem exceção

Não há sobre a terra contentamento igual ao que se sente quando se alcança a

liberdade perdida

Não há vilão que desempenhe a palavra dada em não lhe fazendo conta

Não há virtude que não se encerre numa dona

Não hei de ir jogar as cristas com os inimigos

Não lhe vá Deus pedir contas

Não me queira impingir gato por lebre

Não mentem as trovas dos romances antigos

Não o conheceria nem a mãe que o pariu

Não ocupa mais pés de terra o papa que o sacristão

Não os surdos nos hão de ouvir

Não ousem contradizer-me os que pretendem sustentar que as letras levam

vantagem às armas que os trabalhos do espírito excedem muito os do corpo e

que as armas somente ao corpo pertencem e por ele são exercitadas

Não parava nem em três ruas

Não pertenço ao número dos viciosos mas sim ao dos platônicos e continentes

Não pode haver graça onde não houver discrição

Não podem as trevas da maldade e da ignorância encobrir e escurecer a luz do

valor e da virtude

Não podem as trevas da malícia nem da ignorância encobrir nem escurecer a

luz do valor e da virtude

Não podem corresponder as dádivas do homem às de Deus

Não queria que ela fosse buscar lã e voltasse tosquiada

Não quero rabos de palha nem cão com guizo

Não se deve acrescentar mais aflições ao aflito

Não se deve lembrar baraço em casa de enforcado

Não se devem valer da amizade em coisas que sejam ofensa a Deus

Não se podem nem se devem chamar enganos os que miram a virtuosos fins

Não se vos dê dez-réis de mel coado

Não sei de quem sou nem de quem não sou

Não sei nada das minhas vinhas venho

Não sei o que nem o que não foi

Page 73: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

73

Não sei que desejos de vingança que têm força de turbar os mais sossegados

corações

Não sei se a paga fará mal à cura e impedirá o efeito do remédio

Não só tem os quatro ss que dizem ser precisos a todos os namorados sábio

só solícito e secreto mas até o abc inteiro: agradecido bom cavalheiro dadivoso

enamorado firme galante honrado ilustre leal moço nobre ótimo principal

quantioso rico os ss que dizem tácito verdadeiro zelador da tua honra

Não sou dos que querem voar ao céu sem asas

Não tardou muito que não principiasse a descobrir-se pelos balcões do Oriente

o rosto da branca aurora alegrando as ervas e as flores em vez de alegrar o

ouvido

Não te cegue paixão própria em causa alheia

Não te deites a perder com o meu alívio

Não te fique no tinteiro nem um pontinho

Não te metas entre a bigorna e o martelo

Não tenho motivo para perseguir nenhum sacerdote

Não tenho o estômago afeito a cardos

Não ter comido coisa que se lhe metesse nos dentes

Não ter nenhum chavo e querer casar nas nuvens!

Não tiram dos cascos nem quantos desenganos se possam imaginar

Não tiro rei nem ponho rei mas ajudo ao meu senhor

Não venhais a coxear do mesmo pé

Não vos engane o Diabo

Naquele ano tinham as nuvens negado à terra o seu benfazejo orvalho

Nas choças dos pegureiros acontece o mesmo que nos palácios dos reis

Nas mãos de Deus se entreguem

Nasci nu, nu agora estou e não perco nem ganho

Nascido sou e não há de viver o homem confiando em outrem senão em Deus

Negócio de grande polpa

Nem à mão de Deus Padre

Nem a nossa presença pode desmentir o vosso nomes nem o vosso nome

pode desacreditar a vossa presença

Nem a rei nem a roque

Nem a Vossa Mercê nem a mim nos deixam costela inteira

Page 74: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

74

Nem com a idade de Matusalém

Nem eu sou de mármore nem vós sois de bronze

Nem exército sem general nem castelo sem castelão; coisa pior que essas

duas é mulher casada e moça sem o seu marido ao pé

Nem os tesouros de Veneza nem as minas de Potosi

Nem pelos dois olhos da cara descobriria

Nem permita o céu que eu engane a ninguém num cabelo que seja

Nem que lho mandasse el-rei

Nem que me leve o Diabo

Nem que mo dissessem frades descalços

Nem que mo peçam frades descalços

Nem sempre a fortuna põe a par dos males os remédios

Nem sempre se vende o vinho onde se põe o ramo

Nem todos os frades descalços

Nem todos os que se chamam homens de bem o são completamente

Nem todos os tempos são os mesmos

Nem tudo que luz é ouro

Nem vi o que vi nem se passou comigo o que se passou

Nenhum particular pode afrontar um povo inteiro senão arrojando a todos

juntos o epíteto de traidores

Nenhuma comparação há que tão bem nos represente o que somos e o que

havemos de ser como a comédia e os comediantes

Nigromantes de que peço a Deus que me livre

Ninguém diga: "Desta água não beberei"

Ninguém estenda as pernas para fora do lençol

Ninguém nasce ensinado

Nisto de amores quem perde a ocasião perde a ventura

No rico estrado da sua autoridade

No tardar costuma estar o perigo

No temor de Deus está a sabedoria

No tempo do rei Wamba

Nos casos de amor não há nenhum que com mais facilidade se cumpra do que

aquele que tem pela sua parte o desejo da dama

Nos faz crer que tem o Diabo no corpo

Page 75: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

75

Nos princípios amorosos os desenganos prontos costumam ser remédios

excelentes

Nosso Senhor dê a Vossa Mercê muita saúde e a nós não nos desampare

Nosso Senhor que guarde Vossa Grandeza e que a mim não esqueça

Nu nasci e nu me encontro nem ganho nem perco

Nu vim ao mundo e nu me vejo; nem perco nem ganho

Numa banda se põe o ramo e noutra se vende o vinho

Nunca chegou ao termo que pede um bom desejo

Nunca lhe ouvi dar um ai

Nunca morri nos dias da minha vida

Nunca ou raras vezes o bem puro e simples deixa de vir acompanhado ou

seguido de algum mal que o perturbe ou sobressalte

O O abade janta do que canta

Ó ama de satanás!

O amo é tido em conta tão maior quanto melhores e mais bem-nascidos são os

criados que tem

O amor e a afeição cegam os olhos do entendimento

O amor e a guerra são a mesma coisa

O Amor é invisível; entra e sai por onde quer sem que ninguém lhe peça conta

das suas ações

O amor não tem maior contrário que a fome

O Amor nem atende a respeitos nem guarda limites de razão

O amor olha de tal maneira que o cobre lhe parece ouro; a pobreza riqueza e

as remelas pérolas

O amor umas vezes voa e outras anda

O asno atura a carga mas não a sobrecarga

O bem que se deseja degenera em tormento quando inopinadamente se nos

afasta

O biscainho é fidalgo por terra e por mar

O boi solto lambe-se todo

O cativeiro é o maior mal que pode acudir aos homens

O céu ... poucas vezes deixa de ajudar o que é justo

Page 76: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

76

O céu favorece sempre os bons desejos

O céu por estranhos e nunca vistos rodeios nunca imaginados pelos homens

costuma levantar os caídos e enriquecer os pobres

O céu que ordene o que mais for servido

O céu sabe levantar os pobre do monturo e fazer discretos dos tolos

O começar as coisas eqüivale a tê-las meio acabadas

O comer e o coçar está no principiar

O conhecimento da enfermidade e o querer tomar o enfermo os remédios que

o médico receita são o princípio da saúde

O conselho da mulher é pouco e quem não o toma é louco

O Demônio não dorme

O desalento nos infortúnios míngua a saúde e traz consigo a morte

O desalinho na roupa é sinal de desmazelo na alma

O Diabo é muito fino

O Diabo está em Cantilhana e o bispo em Brenes

O Diabo os aconselhasse em alguma coisa

O discreto cristão não deve andar em pontinhos com que o céu quer fazer

O estão moendo como se fosse pimenta

O fazer uma coisa por outra o mesmo é que mentir

O fim a que as letras se dirigem é estabelecer com clareza a justiça distributiva

e dar a cada um o que é seu

O fim de uma esperança é princípio de outra maior

O final da guerra é a paz e nisto levam as armas vantagem às letras

Ó força da adulação aonde te escondes e que dilatados limites tem a tua

jurisdição agradável!

O homem põe e Deus dispõe

O homem sem honra é pior que um morto

Ó inveja raiz de infinitos males que não fazes senão carcomer virtudes!

Ó lua dos três rostos!

O maior gosto para um desalmado é fugir donde o extorquiu

O matrimônio há de ir sempre adiante em quaisquer negócios destes que por

mim se tratarem

O mau (o Diabo) que a todo mal ordena

O melhor que tem é que não tem nada de nicas

Page 77: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

77

O merecimento está em destemperar sem motivo

O mesmo que deitar pólvora

O montar a cavalo a uns faz cavaleiros e a outros cavalariços

O morto à sepultura e o vivo à folgança

Ó pão mal cozido! Ó promessas mal empregadas!

O piedoso céu vale sempre aos aflitos

O pobre deve contentar-se com o que topar e não andar à procura de pérolas

nos vinhedos

O poeta nasce poeta

O poeta pode contar ou cantar as coisas não como foram mas como deviam

ser e o historiador há de escrevê-las não como deviam ser mas como o foram

sem acrescentar nem tirar à verdade a mínima coisa

O principiar as coisas é tê-las meio acabadas

O princípio da saúde está em se conhecer a doença

O próprio Alexandre se nada tivesse de seu não poderia haver feito os

donativos que fez

O que a boa árvore se arrima boa sombra o acolhe

O que Deus faz é sempre pelo melhor

O que é hoje vencido será vencedor amanhã

O que está feito, feito está

O que existe é o que vemos presente

O que foi já não é

O que hás de dar ao rato dá-o ao gato e tira-te de cuidados

O que me vem à boca não posso deixar de o dizer

O que não se faz em dia de Santa Maria far-se-á noutro dia

O que pouco custa pouco se estima

O rei é meu galo!

O rifão que não vem de molde é mais disparate que sentença

O rir sem causa grave denuncia sandice

O sangue herda-se e a virtude adquire-se

O sangue se herda e a virtude adquire-se e a ventura por si só vale o que não

vale o sangue

O seu brasão é a firmeza e a sua profissão guardá-la com suavidade e sem

esforço algum

Page 78: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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O sol brilha para todos

O soldado melhor parece morto na batalha do que livre na fuga

O sono é alívio das misérias

O temor de Deus é o princípio de toda a sabedoria

O tempo descobridor de todas as coisas não deixa nenhuma que não tire à luz

do sol

O tempo descobridor de todas as verdades

O tempo é ligeiro e não há barranco que o detenha

O tempo tem o cuidado de nos tirar as vidas sem que andemos à cata de

apetites

O trabalho e peso das armas não se pode levar sem o governo das tripas

O vinho em excesso nem guarda segredos nem cumpre promessa

Obras aldrabadas à pressa nunca se acabam

Ofício que não dá de comer a quem o tem não vale dois caracóis

Oleiro que faz um vaso pode fazer dois ou três ou um cento

Olhos que não vêem coração que não suspira

Onde a virtude estiver em alto grau será perseguida

Onde ele põe os pés ponho eu os olhos

Onde entrei nu e nu de lá saio e não perco nem ganho

Onde está a verdade está Deus enquanto verdade

Onde há muito amor não costuma haver muita desenvoltura

Onde há música não pode haver coisa má nem onde há luzes e claridade

Onde interviessem donas não podia haver coisa boa

Onde me aperta o sapato

Onde menos se pensa se levanta a lebre

Onde não há toucinho não há fumeiro

Onde reina a inveja não pode viver a virtude nem onde há escassez a liberdade

Onde se fazem aí se pagam

Os agravos despertam a cólera nos mais humildes peitos

Os coroam com as folhas da árvore que o raio não ofende louro

Os descuidos das senhoras tiram a vergonha às criadas

Os desejos do traidor só com a vida se podem pagar

Os Diabos sabem muito

Page 79: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

79

Os filhos são pedaços das entranhas de seus pais e sejam bons ou maus

sempre se lhes há de querer

Os homens famosos pelo seu engenho, os grandes poetas, os ilustres

historiadores sempre, a maior parte das vezes, são invejados por aqueles que

têm por gosto e particular entretenimento julgar os escritos alheios sem ter

dado um só à luz do mundo

Os homens nem sempre estão de boa venta

Os mal colocados desejos não podem trazer consigo outros resultados

Os malvados são sempre desagradecidos

Os manjares poucos e delicados avivam o engenho

Os mares que nossos olhos têm chovido

Os ofícios e grandes cargos não são outra coisa senão um gólfão profundo de

confusões

Os ofícios mudam os costumes

Os pecadores discretos estão mais próximos de emendar-se do que os simples

Os poetas antigos escreveram na língua que beberam com o leite

Os poetas também se chamam vates, o que quer dizer "adivinhos"

Os preceitos da arte servem só para quatro discretos que a entendem

Os primeiros movimentos não estão na mão da gente

Os que Deus junta não pode o homem separar

Os que governam, ainda que sejam uns tolos, às vezes encaminha-os Deus

em seus juízos

Os que mendigam devem ser comedidos e receber com rosto alegre o que se

lhes derem

Os que ontem estavam nas grimpas hoje se acham estirados por terra

Os rifões são sentenças breves tiradas da experiência e das especulações de

nossos antigos sábios

Os tesouros dos cavaleiros andantes são como os dos duendes aparentes e

falsos

Os tesouros dos cavaleiros andantes são como os dos duendes, aparentes e

falsos.

Os trabalhos contínuos e extraordinários desarranjam a idéia a quem os

padece

Os trajos devem acomodar-se ao ofício e dignidade que se professa

Page 80: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

80

Os varões prudentes devem guardar-se para melhor ocasião.

Ou bem que somos ou bem que não somos

P Pagar para que me digam o que sei seria uma grande asneira

Palavras e penas o vento as leva

Para amêndoas de rio não há arma defensiva

Para dar e para ter muito rico é mister ser

Para dar e para ter muito siso é mister

Para lhe desfrutarem a fazenda ($)

Para mim são favos de mel

Para o pobre todos olham de corrida mas nos ricos demora-se a vista

Para o que eu o quero tanta filosofia sabe como Aristóteles e até mais

Para que não te percas por carta de mais nem por carta de menos

Para que veja que sou pão agradecido

Para se tirar uma verdade a limpo não necessárias muitas confrontações e

agravos

Para ser asno de todo só me falta o rabo.

Para três anos e para trezentos que fossem é quanto basta

Para tudo há remédio menos para a morte

Para ver muito é necessário viver muito

Parece que vindes a pé e despeado

Parece-me que é pregar no deserto

Pecado novo penitência nova

Pedindo a Deus que abrisse as mãos da sua misericórdia e lhes desse chuva

Pega-se-nos a língua ao céu da boca de tanto falar

Pela disposição do céu que assim o ordenava

Pela garra se conhece o leão

Pela misericórdia de Deus

Pelas obras se revela a vontade de quem as pratica

Pelejem nossos amos e bebamos e vivamos nós

Pelo cantar lhe conheceremos os pensamentos

Pelo céu que nos cobre juro

Pelo dedo se conhece o gigante

Page 81: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

81

Pelo Deus que me sustenta

Pelo deus vivo

Pelo sim pelo não, cuide da salvação da sua alma, que a do corpo corre perigo

Pelo sinal da santa cruz juro

Pelos ossos de meu pai e honra de minha mãe

Pensar que as coisas desta vida hão de sempre durar é escusado

Peque ou não pegue não há de me apodrecer no peito

Pinto-a na fantasia como a desejo assim nas graças como no respeito

Pintor do Demônio em pessoa

Platão é amigo porém mais amiga é a verdade

Pobreza pode enublar a fidalguia mas não escurecê-la de todo

Pode com segurança transladar o que tem no seu peito para o meu e fazer de

conta que o arrojou aos abismos do silêncio

Pode ser que eu desse no vinte

Podem vir buscar lã e voltar tosquiados

Poderei marcar este dia com pedra branca ou pedra negra?

Podereis com as riquezas da terra granjear as do céu

Pode-se ir buscar lã e voltar-se tosquiado

Põe os olhos em quem és procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o

conhecimento mais difícil que se pode imaginar

Põe-no em dúvida Santo Agostinho

Pois que foi Deus servido

Ponha-se Vossa Mercê a caminho, mais a sua grandeza, antes hoje que

amanhã

Por da cá aquela palha

Por Deus e pela minha consciência

Por Deus que nos governa

Por esses mundos de Cristo

Por metade da barba e ainda pela barba inteira

Por minha fé que não há aqui parente pobre!

Por misericórdia de Deus

Por não ter encontrados ninhos onde supôs encontrar pássaros

Por onde sua alma se perde e o corpo se lhe não ganha

Por seu mal nasceram asas à formiga

Page 82: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

82

Por seus pecados e por sua má fortuna

Por termos tomado no ar a palha

Por todos os séculos dos séculos amém

Por unha de cavalo

Por ver já o seu barquinho na água

Porei um selo na boca e uma mordaça nos dentes

Pouco dói o mal alheio

Pouco dói o mal alheio.

Poucos ou nenhum dos homens do passado deixaram de ser caluniados pela

maldade

Praza a Deus Onipotente onde mais largamente se contém

Praza a Deus que assim seja

Prega bem quem vive bem

Prevaricador de boa linguagem que Deus te confunda!

Promessas de namorados pela mor parte são ligeiras de prometer e muito

pesadas de cumprir

Próprio dos sábios é pouparem-se de hoje para amanhã

Q Quando a cabeça dói todos os outros membros doem

Quando a cólera se apodera impetuosamente de um homem não há quem lhe

segure a língua

Quando a puta fia, o rufião trabalha e o escrivão pergunta qual é o dia do mês,

com mal andam todos três

Quando a Roma fores faze o que vires

Quando assim não seja, paciência, toca a baralhar as cartas

Quando Deus for servido

Quando és feliz tens muitos amigos; em tempos nublados ficas só (Ovídio)

Quando nos dói a cabeça todos os membros nos doem

Quando o coração transborda a língua fala

Quando o valente foge é que está descoberta a cilada

Quando o valente foge é que está descoberta a cilada.

Quando te baterem à porta com alguma dádiva recebe-a ou então deita-te a

dormir

Page 83: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

83

Quando te derem a vaca vem logo com a corda

Quando um amante louva sua dama de formosa e ao mesmo tempo a censura

de cruel nem por sombras a desdoura

Quando venta molha a vela

Quando vos doer a cabeça fomentai os joelhos

Quanto maior é o coração dum homem maior é a sua valentia

Quanto toma inteira posse de uma alma a primeira coisa que o Amor faz é tirar-

lhe o temor e a vergonha

Quantos fazem cinco

Que a morte amarela vá igualmente à choça do pobre desvalido e ao alcácer

do rei potente. (Horácio)

Que a um cavaleiro vencido o comam as raposas o piquem as vespas e o

pisem aos pés os porcos

Que demônios leva no peito que o incitam a ir contra a nossa fé católica?

Que Deus maldiga

Que Deus prospere mais anos que a mim

Que entram rifões no que estamos falando como Pilatos no credo

Que esses dias sejam tantos como os de Nestor

Que ganhe tanta fama como dinheiro e tanto dinheiro como fama

Que má ventura lhe dê Deus

Que não queira o que os céus querem o que a fortuna ordena

Que nem de letra redonda

Que nenhum cego cantasse milagres em coplas

Que nos tire o pé do lodo

Que o vale neste mundo é estudar e mais estudar

Que ponha o sal na moleira

Que Roma nem Pavia não se fez num dia

Que só o Diabo é capaz de suportar

Que sofra calado que a mais se atreve do que as suas forças lhe permitem

Que tudo mato no ar

Queira Deus que orégano seja e não se transforme em alcaravea

Quem bem está e mal escolhe por mal que lhe venha não se anoje

Quem bem quer não se vinga tão mal

Quem compra e mente na bolsa o sente

Page 84: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

84

Quem dá o mal dá o remédio

Quem deseja ver também deseja ser visto

Quem disse que é bom falar de corda em casa de enforcado?

Quem é mais doido: quem o é porque se não conhece ou quem é por sua

vontade?

Quem é pobre coisa nenhuma tem boa

Quem erra e se emenda a Deus se encomenda

Quem está ausente não há mal que não tenha e que não tema

Quem está no inferno nunca mais sai de lá

Quem ganha alguma coisa não perde coisa alguma

Quem hoje cai amanhã se levanta

Quem lê muito e viaja muito, muito vê e muito sabe

Quem manda a ti sapateiro tocar rabecão?

Quem muito bebe mata e consome o úmido radical que consiste a vida

Quem não madruga com o sol não goza o dia

Quem não pode ser ofendido, a ninguém pode ofender

Quem não sabe gozar a ventura quando a tem, não se deve queixar se ela lhe

fugir

Quem não tenciona satisfazer, não regateia condições no contratar

Quem parte não baralha

Quem pode ter em mãos línguas de praguentos, se nem Cristo se livrou delas?

Quem procura aventuras nem sempre as encontra boas

Quem se faz de mel as moscas o comem

Quem se não sabe governar a si, como há de saber governar os outros?

Quem te cobre que te descubra

Quem te dá um osso não te quer ver morta

Quem tem pai alcaide tranqüilo vai a juízo

Quem tropeça em falador e gracioso ao primeiro pontapé cai e dá em truão

desengraçado

Quem vai cozer favas a casa dos outros na sua tem caldeirada

Quem vê as coisas por um lado não as vê todas

Quem vê um argueiro nos olhos dos outros, veja a trave nos seus

Querer amarrar as línguas aos maldizentes é o mesmo que querer pôr portas

ao campo

Page 85: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

85

Quero proveito que sem ele nada vale a boa fama

Quero-lhe como às meninas dos meus olhos

R Reinava a paz otaviana

Reporta-te e não descubras o fio

Retirar-se não é fugir

Retrate-me quem quiser mas não me maltrate

S Sabe mais do que o Diabo em tudo que diz e pensa

Saco de maldades e costal de malícias

Salvo Deus que entende de tudo, abaixo d'Ele não há quem o entenda

Sancho ou o Diabo não te percebo!

Santiago e cerra Espanha!

Santo Agostinho o põe em dúvida

São horas mais de dormir que de negociar

São más brincadeiras as que doem, nem há passatempos que valham, sendo

em prejuízo alheio

Satanás e Barrabás levem consigo

Satisfazer à minha palavra antes que ao meu gosto

Se a intenção for errada nos princípios, irão sempre errados os meios e os fins

Se a virtude fora riqueza que se estimasse, não invejara eu ditas alheias nem

chorara desditas próprias

Se aos ouvidos dos príncipes chegasse a verdade nua sem os vestígios da

lisonja, outros séculos correriam

Se aprouver ao Altíssimo

Se às vezes sucede darem-me a vaca vou logo com a corda

Se bem canta o abade não lhe fica atrás o noviço

Se costuma dizer que as paredes têm ouvidos

Se de duas partes iguais tiramos partes iguais, as restantes serão também

iguais

Se Deus for servido

Page 86: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

86

Se Deus lhe der vida

Se Deus me guardar os meus sete ou cinco sentidos

Se em seco faço tanto em molhado o que não faria?

Se esta for errada nos princípios irão sempre errados os meios e os fins

Se há de amar a Deus por si só

Se há de parecer muito com Deus quem se rejubilar em ser pobre

Se ia dando ao Diabo

Se lhe dêem louvores não pelo que escreve mas pelo que deixa de escrever

Se maus caldos mexerem tais os bebam

Se me há de desfazer como sal na água

Se me não dizia bem o coração de que pé coxeava meu amo!

Se não escreve com as cãs mas sim com o entendimento

Se não o é parece-o como um ovo com outro

Se não pode salvar quem mete em si o alheio contra a vontade do seu dono

Se não possa dizer que teve o mau pago o bom serviço

Se no pombal houver milho pombas não faltarão

Se o cântaro bate na pedra quem fica de mal é o cântaro

Se o cego guia o cego correm ambos perigo de cair no fojo

Sê pai das virtudes e padrasto dos vícios

Se te benzeram com um cacete, ao menos não te persignaram com um alfanje.

Se um livro for bom, fiel e verdadeiro terá séculos de vida, mas se for mau do

nascimento à sepultura irá breve espaço

Se vem vencido pelos braços alheios vem vencedor de si mesmo

Segue com o cantochão e deixa-te de contrapontos

Seguir à estrela que o chama

Seguir como a seta ao alvo e o marinheiro o norte

Sei perfeitamente onde me aperta o sapato

Seja assim e Deus te acompanhe!

Sem acrescentar nem tirar à história um só átomo da verdade

Sem lhe faltar nem uma mealha

Sem mais nem mais

Sem poder remediar nem rei nem roque

Sem proferir chus nem bus nem "guarda de baixo"

Sempre me há de levar o Diabo

Page 87: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

87

Sempre os trapaceiros são tributários dos mirones que os conhecem

Sempre se devem temer as maldições dos pais

Senão metam-me o dedo na boca e verão se eu mordo

Sendo homem posso vir a ser papa

Sendo isto assim como é diga lá cada um o que quiser

Sentinela a toda hora de mim mesmo

Ser abrasados como se fossem os hereges

Será querer persuadir que o sol não alumia nem o gelo arrefece nem a terra

pode conosco

Seria o dano sem remédio

Sessenta mil satanases te levem a ti e aos teus rifões!

Sinais de ser malicioso de condição e amigo de donaires e de burlas

Só a Deus está reservado o conhecer os tempos e os momentos

Só a vida humana corre para o seu fim ligeira mais do que o tempo, sem

esperar renovar-se, a não ser na outra que não tem termos que a limitem

Só há duas linhagens no mundo, como dizia a minha avó, que são ter e não ter

e ela ao ter é que se pegava

Só me falta dar à alma a sua refeição

Só para Deus está reservado conceder essas graças e mercês

Só te pode apanhar o Diabo que te leve

Só uma coisa má tem o sono: é parecer-se com a morte

Sobre o tempo em que se bebe pouca jurisdição têm os cuidados

Sobremesa do maior apetite

Socarrão de língua viperina

Somos do mesmo lugar, comi-lhe o pão, quero-lhe bem

Sou rata pelada e comigo não se brinca

Soube-se do seu pecado antes e se saber do seu desejo

Sua boca é a medida

Subiram ao galarim as minhas presunções

Sumidas sejam elas nas profundas dos infernos

T Tal se deita sadio à noite e não pode mover-se no dia seguinte

Page 88: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

88

Também os pobres virtuosos e discretos têm quem os siga honre e ampare

como os ricos têm quem os lisonjeie e acompanhe

Tanta saúde lhes dê Deus como a verdade que eles dizem

Tanto como se estivesse em Flandres

Tanto é o de mais como o de menos

Tanto há de aproveitar comigo como aproveita o receitado por médico de fama

ao enfermo que recuse recebê-lo

Tanto mata a súbita alegria como a grande aflição

Tanto me vale que me dêem oito reais pegados como em miúdos

Tanto monta cortar como desatar

Tanto se há de emendar com esta como é verdade ser eu turco

Tanto tens tanto vales

Tão certo como nasci para morrer

Tão certo como ser eu cristão

Tão depressa morre o cordeiro como o carneiro

Tão disposto a isso como a fazer-me cacique

Tão longe de serem verdadeiras como está longe a mentira da verdade

Tão mau que se eu de propósito me metesse a fazê-lo pior não o conseguiria

Tarde piaste

Taverneiro sou mas ainda assim sou também cristão

Te comem o siso e descoalham o entendimento

Tem mais boa vontade do que alfaias

Tem o rosto enrugado como um pergaminho

Tem uma alma de cântaro

Tempo virá em que sejamos o que agora não somos

Tende todas as coisas como se não as tivésseis

Tendo el Cid nas armas e Cícero na eloqüência

Tendo eu a faca e o queijo na mão é o que basta

Tenho visto chover e fazer sol ao mesmo tempo

Tentativas em coisa de que antes nos pode vir prejuízo que proveito, são de

entendimento roto e ânimo temerário

Ter dares e tomares

Ter feito pacto expresso ou tácito com o Demônio

Ter posto os ossos num feixe

Page 89: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Terei por glória as penas do meu cárcere

Tinha a alma nos dentes

Tinha deixado a sua filha, a jóia que em se perdendo não há esperança de que

nunca mais se recupere

Tinha fumaças de cortês

Tirada a causa tira-se o efeito

Tirar do borrador (passar a limpo)

Tocava guitarra de modo tal que não parecia senão que a fazia falar

Toda a afetação é má

Todas as coisas de cavaleiros andantes parecem quimeras, tolices e desatinos,

ao contrário, são realidades

Todas as indigestões são más mas a da perdiz é péssima (parafraseando

Hipócrates)

Todas as mulheres nos lisonjeamos quando nos ouvimos celebrar de bonitas

Todos os contentamentos desta existência passam como sombra e sonho ou

murcham como a flor do campo

Todos os dias de vida que o céu te outorgar

Todos os males vêm juntos sobre nós como as chibatas sobre os cães

Todos os vícios têm consigo um não sei quê de deleite, mas a inveja só traz

desgostos, rancores e raivas

Todos os vícios trazem não sei que deleites consigo, mas o da inveja não traz

senão desgostos rancores e raivas

Todos somos obrigados a respeitar os anciãos

Toma o pulso ao que sabe

Toma que te dou eu!

Tomar as de Vila-Diogo

Tome o meu conselho e viva muitos anos

Traduzir duma língua para outra não sendo das rainhas das línguas grega e

latina é ver panos de rás pelo avesso

Tripas levam o coração e não o coração as tripas

Tudo Deus há de remediar

Tudo é peregrino e raro

Tudo entrego nas mãos de Deus

Tudo era clamar no deserto

Page 90: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Tudo era pregar no deserto e malhar em ferro frio

Tudo está no principiar

Tudo isto foi pão com mel

Tudo mais que leve o Diabo se quiser

Tudo quanto é afetado é mau

Tudo tem remédio, menos a morte que a todos nos há de levar no fim da vida

U Ufana-te mais em seres humilde virtuoso que pecador soberbo

Um abismo chama a outro abismo e um pecado chama outro pecado

Um bom coração quebranta a má sorte

Um bom coração quebranta a má ventura

Um burro carregado de ouro sobe ligeiro um monte

Um burro coberto de ouro parece melhor que um cavalo albardado

Um diz que é branco e outro que é preto

Um homem é um homem e a mulher, mulher

Um mal nunca vem só

Um pau enfeitado já não parece um pau

Um rosário de gente mofina

Uma esposa não é mercadoria que depois de comprada ainda se pode trocar

ou rejeitar; é um acidente inseparável que dura a vida toda

Uma grandeza desmarcada

Uma mulher não é melhor nem pior que outra

Uma resolução magnânima não carece de estímulos

Uma vez promete um cavaleiro procura cumpri-lo ainda que lhe custe a vida

Uns seguem o largo campo da ambição soberba, outros o da adulação servil e

baixa, outros o da hipocrisia enganosa.

V Vadios e mandriões são na república o mesmo que zangões nas colmeias, que

comem o mel que as abelhas trabalhadoras fabricam

Vai aqui pancada de três em pipa

Vale mais bom nome que grande riqueza

Page 91: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Valem tanto como dois maravedis

Valer um olho da cara

Valha-me Deus que pode

Valha-me Deus!

Valham-te mil satanases

Valha-te o Diabo Dom Quixote de la Mancha

Valha-te o Diabo!

Vamos com a festa em paz

Vamos entrar no nosso lugar com o pé direito

Vá-se o Diabo para o Diabo e o temor para os mesquinhos

Vejamo-nos como dizia um cego a outro

Vejo com os meus olhos e o assinalo com o dedo

Vêm de golpe todas as fortunas que posso desejar

Vem tu com a consciência segura e deixa falar o mundo

Venha bater-nos o cravo na ferradura e verá se temos cócegas

Venham as quixotadas!

Venturoso aquele a quem o céu deu um pedaço de pão sem o obrigar a

agradecê-lo a outrem que não seja o mesmo céu!

Ver com os olhos e comer com a testa

Verá com os olhos o que não acredita com os ouvidos

Verás quão rápido levo o gato à água

Visto que Deus lha deu São Pedro a abençoe

Viu-se o Diabo com botas correu a cidade toda

Viva a galinha com a sua pevide

Viva ele mil anos e o enviado outro tanto e até dois mil se necessário for

Viva o vinte e quatro meu senhor e Cristo com todos

Viva para mim o vinte e quatro meu senhor e Cristo para todos

Viva Roque!

Vivam os altos céus!

Vive tu e leve o Diabo

Vontade de fazer águas maiores e menores

Vos enganais de meio a meio

Voto a tal!

Vou fugindo do bem e correndo empós o mal

Page 92: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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X Xô que te estrafego burra de meu sogro!

Page 93: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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POEMÁRIO: COPLAS, ROMANCEIRO, SONETOS, POESIAS

Cervantes entremeou o Dom Quixote com poesias, obedecendo o

costume de antecipar e encerrar a história com oferendas, dedicatórias,

lamentos e elegias fúnebres, composições elogiosas de amigos do autor.

Seguindo o princípio de "lo que yo me sé decir sin ellos", ele mesmo escreve

os poemas, atribuindo-os a personagens imaginários, muitos tirados dos livros

de cavalaria. Muito foi retirado de romances, excertos de obras de poetas

contemporâneos, reprodução de coplas e canções populares, traduções,

versões. Os primeiros poemas estão como foram apresentados na edição

citada: em espanhol. O "Prólogo" ilustra bem a situação que ficam os

tradutores de poesia.

******

AO LIVRO DE COM QUIXOTE DE LA MANCHA

URGANDA, A DESCONHECIDA

Si de llegarte a los bue-,

libro, fueres com lectu-

no te dirá el boquirru-

que no pones bien los de-.

Mas si el pan no se te cue-

por ir a manos de idio-

verás de manos a bo-,

aún no dar una el cla-,

si bien se comen las ma-

por mostrar que son curio-.

Y pues la experiencia ense-

que él que a buen árbol se arri-

buena sombra le cobi-,

en Béjar tu buena estre-

Page 94: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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un árbol real te ofre-

que da príncipes por fru-

en el cual floreció un du-

que es nuevo Alejandro Ma-;

llega a su sombra; que a osa-

favorece la fortu-.

De un noble hidalgo manche-

contarás las aventu-,

a quien ociosas lectu-

trastornaron la cabe-:

damas, armas, caballe-,

le provocaron de mo-,

que, cual Orlando Furio-,

templado a lo enamora-

alcanzó a fuerza de bra-

a Dulcinea del Tobo-.

No indiscretos hieroglí-

estampes en el escu-,

que cuando es todo figu-

com ruines puntos se envi-.

Se en la dirección te humí-,

no dirá mofante algu-;

«¡Qué don Álvaro de Lu-.

Qué Aníbal el de Carta-,

qué rey Francisco en espa-

se queja de la fortu-!»

Pues al cielo no le plu-

que salieses tan ladi-

como el negro Juan Lati-,

hablar latines rehú-.

No me despuntes de agu-

Page 95: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

95

ni mi alegues com filó-;

porque, rociendo la bo-,

dirá el que entiende la le-

no un palmo de las ore-:

«¿Para qué conmigo flo-?»

No te metas en dibu-

ni en saber vidas aje-

que en lo que no va ni vie-

pasar de largo es cordu-.

Que suelen en caperu-

darles a los que grace-;

más tú quémate las ne-

solo en cobrar buena fa-;

que el que imprime neceda-

dalas a censo perpe-.

Advierte que es desati-,

siendo de vidrio el teja-,

tomar piedras en las ma-

para tirar al veci-.

Deja que el hombre de jui-

en las obras que compo-

se vaya com pies de plo-;

que el que saca a luz pape-

para entrener donce-

escribe a tontas y a lo-.

[Essas décimas foram compostas com versos "de rabo curto": a última sílaba é suprimida de propósito, antecipando a rima para a penúltima, sem perder a métrica. Tem-se como inventor de método o poeta Alfonso Álvarez de Soría, mas na verdade é poesia de cunho nitidamente popular, oriundo de canções medievais. O verso “de rabo curto” também veio para o Brasil junto com a literatura de cordel].

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AMADIS DE GAULA

A Dom Quixote de La Mancha

Tú que imitaste la llorosa vida

Que tuve ausente y desdeñado sobre

El gran ribazo de la Peña Pobre,

De alegre a penitencia reducida.

Tú, a quien los ojos dieron la bebida

De abundante licor, aunque salobre,

Y alzándote de plata, estaño y cobre,

Te dió la tierra en tierra la comida.

Vive seguro de que eternamente,

En tanto, al menos, que en la cuarta esfera

Sus caballos aguije el rubio Apolo,

Tendrás claro renombre de valiente;

Tu patria será en todas la primera;

Tu sabio autor, al mundo único y solo.

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DOM BELIANIS DE GRÉCIA

A Dom Quixote de La Mancha

Rompí, corté, abollé, y dije y hice

Más que en el orbe caballero andante;

Fuí diestro, fuí valiente, fuí arrogante;

Mil agravios vengué, cien mil deshice.

Hazañas di a la Fama que eternice;

Fuí comedido y regalado amante;

Fué enano para mí todo gigante

Y al duelo en cualquier punto satisfice.

Tuve a mis pies postrada la Fortuna,

Y trajo del copete mi cordura

A la calva ocasión del estricote.

Mas, aunque sobre el cuerno de la luna

Siempre se vió encumbrada mi ventura,

Tus proezas envidio, ¡oh gran Quijote!

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A SENHORA ORIANA

A Dulcinéia Del Toboso

¡Oh, quien tuviera, hermosa Dulcinea,

Por más comodidad y más reposo,

A Miraflores puesto en el Toboso,

Y trocara sus Londres com tu aldea!

¡Oh, quien de tus deseos y librea

Alma y cuerpo adornada, y del famoso

Caballero que hiciste venturoso

Mirara alguna desigual pelea!

¡Oh, quien tan castamente se escapara

Del señor Amadís como tú hiciste

Del comedido hidalgo Don Quijote!

Que así envidiada fuera, y no envidiara,

Y fuera alegre el tiempo que fué triste.

Y gozara los gustos sin escote.

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GANDALIM,

Escudeiro de Amadis de Gaula,

A Sancho Pança,

Escudeiro de Dom Quixote

Salve, varón famoso, a quien Fortuna,

Cuando en el trato escuderil te puso,

Tan blanda y cuerdamente lo dispuso,

Que lo pasaste sin desgracia alguna.

Ya la hazada o la hoz poco repugna

Al andante ejercicio; ya está en uso

La llaneza escudera com que acuso

Al soberbio que intenta hollar la luna.

Envidía a tu jumento y a tu nombre,

Y a tus alforjas igualmente envidio,

Que mostraron tu cuerda providencia.

Salve outra vez, ¡oh Sancho! Tan buen hombre,

Que a solo tú nuestro español Ovidio

Com buzcorona te hace reverencia.

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ORLANDO FURIOSO

A Dom Quixote de La Mancha

Si no eres par, tampoco le has tenido:

Que par pudieras ser entre mil pares,

Ni puede haberle donde tú te hallares,

Invicto vencedor, jamás vencido.

Orlando soy, Quijote, que perdido

Por Angélica, vi remotos mares,

Ofreciendo a la Fama en sus altares

Aquel valor que respetó el olvido.

No puedo ser tu igual; que este decoro

Se debe a tus proezas y a tu fama,

Puesto que, como yo, perdiste el seso.

Mas serlo has mío, si al soberbio moro

Y cita fiero domas, que hoy nos llama

Iguales en amor com mal suceso.

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O CAVALEIRO DO FEBO

A Dom Quixote de La Mancha

A vuestra espada no igualé la mía,

Febo español, curioso cortesano,

Ni a la alta gloria de valor mi mano,

Que royo fué do nace y muere el día.

Imperios desprecié: la monarquia

Que me ofreció el Oriente rojo en vano

Dejé, por ver el rostro soberano

De Claridiana, aurora hermosa mía.

Améla por milagro único y raro,

Y, ausente en su desgracia, el próprio infierno

Temió mi brazo, que domó su rabia.

Mas vos, godo Quijote, ilustre y claro,

Por Dulcinea sois al mundo eterno,

Y ella por vos, famosa, honesta y sabia.

Page 102: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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DE SOLISDÃO

A Dom Quixote de La Mancha

Magüer, señor Quijote, que sandeces

Vos tengan el cerbelo derrumbado,

Nunca seréis de alguno reprochado

Por home de obras viles y soeces.

Serán vuesas fazañas los jorces,

Pues tuertos desfaciendo habéis andado,

Siendo vegadas mil apaleado

Por follones cautivos y raheces.

Y si la vuesa linda Dulcinea

Desaguisado contra vos comete,

Ni a vuesas cuitas muestra buen talante.

En tal demán, vueso conorte sea

Que Sancho Panza fué mal alcagüete,

Necio él, dura ella, y vos no amante.

Page 103: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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DIÁLOGO ENTRE BABIECA E ROCINANTE

B. ¿Como estais, Rocinante, tan delgado?

R. Porque nunca se come, y se trabaja.

B. Pues ¿qué es de la cebada e dela paja?

R. No me deja mi amo ni un bocado.

B. Anda, señor, que estáis muy mal criado,

Pues vuestra lengua de asno al amo ultraja.

R. Asno se es de la cuna a la mortaja,

¿Qeuréislo ver? Miraldo enamorado.

B. ¿Es necedad amar? R. No es gran prudencia

B. Metafisico estáis. R. Es que no como.

B. Quejaos del escudero. R. No es bastante.

¿ Como me he de quejar en mi dolencia

Si el amo y escudero o mayordomo

Son tan rocines como Rocinante?

Page 104: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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SONETO

Ou não cabe no amor entendimento,

Ou passa de cruel; e a minha pena

Não iguala à razão que me condena

Ao gênero mais duro de tormento.

Porém, se Amor é deus, conhecimento

De tudo tem, e condição amena.

Qual pois o poder bárbaro que ordena

A dor atroz que adoro, e em vão lamento?

Sê-lo-eis, Filis? Inda desacerto;

Um mal tamanho em tanto bem não cabe,

Nem de um céu pode vir tanta ruína.

Sinto, e sei que o meu fim já tenho perto,

Porque em mal cuja causa se não sabe

É milagre que acerte a medicina.

Page 105: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

105

SONETO

Santa amizade, que habitar imitas

Neste baixo, fingido, e térreo assento,

Mas que tens por morada o firmamento

Coas essências angélicas benditas.

De lá, por dó das térreas desditas,

Sonhos nos dás de alegre fingimento,

Imitações do céu por um momento,

Fugaz consolo às regiões proscritas.

Volta, volta dos céus, pura amizade,

Ou proíbe que a amável aparência

Te ursupe a desleal perversidade.

Confundida coa nobre e infame essência,

Breve reverte o mundo à prisca idade;

Volve o caos, é morta a Providência.

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106

SONETO

Da umbrosa noite no silêncio, quando

Meigo sono refaz os mais viventes,

Só eu vou meus martírios inclementes

Aos céus e à minha Clóris numerando.

Quando o dia os seus raios vem mostrando

Dentre as rosas d'aurora auriesplentes

Com suspiros e lástimas ferventes

Vou as teimosas queixas renovando.

Se doura o sol a prumo o térreo assento,

Não me dissipa as trevas da agonia;

Dobra-me o pranto, aumenta-me os gemidos.

Volve a noite, e eu com ela ao meu lamento.

Ai! Que sorte! Implorar de noite e dia,

Ao céu piedade, e à minha ingrata ouvidos.

Page 107: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

107

SONETO

Bem sei que morro, pois não sendo crido,

Forçoso é que me acabe o desconforto;

Podes ver-me a teus pés, ingrata, morto,

Mas nunca de adorar-te arrependido.

Poderei ver nos páramos do olvido

Que a vida, a glória, o bem, for tudo aborto;

Só no teu semblante conquistando um porto

No ardente coração resta esculpido.

Vem comigo, relíquia, ao transe duro

A que me há de levar esta porfia,

Que em seu próprio rigor se fortalece.

Ai de quem voga à toa em pego escuro

Sem roteiro, sem bússola, sem via!

Astro, não vê, nem porto se lhe of'rece.

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108

SONETO

Almas ditosas, que a mortal cadeia

Rompestes, e que pelo bem que obrastes

De um solo obscuro e baixo remontastes

À sublime região de luzes cheia;

Que, ardendo na ira duma honrosa idéia,

Vossas forças na terra exercitastes;

Que o sangue alheio e o próprio derramastes

No mar vizinho, e na longínqua areia;

Primeiro que o valor faltou a vida

Aos braços fatigados que a vitória

Vos deram ao cair já de vencida!

Queda triste, mas bela, onde a história

Mostra quanto é justa e a vós devida

No mundo a fama, e lá nos céus a glória.

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109

SONETO

De aridez desta terra desgraçada,

E dos castelos pelo chão lançados,

As santas almas de três mil soldados

Subiram vivas a melhor morada!

Mui grande valentia exercitada

Por aqui por seus braços esforçados,

Mas afinal já poucos e cansados,

Todos morreram vítimas da espada!

É este o solo onde padeceram

Tristes sucessos as hispanas gentes

No atual séc'lo, e nos que já correram.

Mas jamais foram dele aos céus luzentes

Almas tão santas, nem jamais desceram

Ao seio seu uns corpos tão valentes!

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O MONICONGO,

Acadêmico de Argamasilha,

à sepultura de Dom Quixote

Epitáfio

O tresloucado que adornou a Mancha

De mais despojos que Jasão de Creta;

O juízo, que teve a grimpa inquieta

Bicuda, quando fora melhor ancha;

O braço que a sua força tanto ensancha,

Que chegou do Catai até Gaeta,

A Musa mais horrenda e mais discreta

Que versos foi gravar em brônzea prancha;

Quem bem longe deixou os Amadises,

E em pouco os Galaores avaliou,

Estribado no amor, na bizarria:

Quem soube impor silêncio aos Belianises,

Quem, montado em Rocinante, vagueou,

Jaz morto, enfim, sob esta lousa fria.

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DO APANIGUADO,

Acadêmico de Argamasilha,

in laudem Dulcineae del Toboso

Esta que vês de rosto amondongado,

Alta de peitos, e ademã brioso,

É Dulcinéia, rainha del Toboso,

De quem esteve o grão Quixote enamorado.

Pisou por ela um e o outro lado

Da grande serra Negra, e o bem famoso

Campo de Montiel, e o chão relvoso

De Aranjuez, a pé e fatigado.

Culpa de Rocinante! Ó dura estrela!

Que esta manchega dama, a este invicto

Andante cavaleiro, em tenros anos

Ela deixou, morrendo, de ser bela,

Ele, ainda que em mármores inscrito,

Não evitou o amor, iras e enganos.

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DO CAPRICHOSO,

Discretíssimo acadêmico de Argamasilha,

em louvor de Rocinante,

cavalo de Dom Quixote de La Mancha

No alto e soberbo trono diamantino,

Quem com sangrentas plantas pisa Marte,

O manchego frenético o estandarte

Tremula, com esforço peregrino.

Pendura as armas e o aço fino,

Com que assola, destroça, racha e parte!

Novas proezas! mas inventa a arte

Um novo estilo ao novo paladino.

Se do seu Amadis se orgulha a Gaula,

Por cuja prole a Grécia gloriosa

Mil vezes triunfou e a fama ensancha;

Cinge a Quixote um diadema a aula

A que preside a deusa belicosa,

E orgulha-se dele a altiva Mancha.

Nunca as suas glórias o olvido mancha,

Pois que até Rocinante em ser galhardo

Excede a Brilhadouro, vence a Baiardo.

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DO BURLADOR,

Acadêmico argamasilhesco,

a Sancho Pança

Pobre de corpo, de bravura rico,

Sancho Pança aqui jaz: é coisa estranha!

Escudeiro mais simples, mais sem manha,

Não teve o mundo, juro e certifico!

Pra ser conde faltou-lhe só um nico,

Se não conspira contra ele a sanha

Desta idade mesquinha, vil, tacanha,

Que nem sequer perdoa a um burrico.

No burro andou (e com perdão se diga!)

Este manso escudeiro, atrás do manso

Rocinante e do deu dono bisonho.

Ó vãs esp'ranças! e mais vã fadiga!

Nunca deixais de prometer descanso,

E tudo acaba em sombra, em fumo, em sonho.

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SONETO

Dai-me um roteiro que eu, senhora, siga,

A vosso bel-prazer feito e cortado,

Que por mim há de ser tão respeitado,

Que nem num ponto só dele desdiga.

Se vos apraz que eu morra, e que a fadiga

Que me punge, a não conte, eis-me finado!

Se preferis que em modo desusado

Vo-la narre, eu farei que Amor a diga.

De substâncias contrárias eu sou feito,

De mole cera e diamante duro;

Às leis do amor curvar esta alma posso.

Brando ou rijo, aqui tendes o meu peito,

Engastai, imprimi a sabor vosso!

Tudo guardar eternamente eu juro.

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SONETO

Rompe o muro a donzela tão formosa,

Que abriu de Píramo o galhardo peito:

Parte o Amor de Chipre, e vai direito

A ver a quebra estreita e prodigiosa.

Fala o silêncio ali, porque não ousa

Entrar a voz em tão estreito estreito;

As almas sim, que o amor sói com efeito

Facilitar a mais difícil cousa.

Desvairou-se o desejo, e o amor tamanha

Da imprudente virgem solicita

A morte por seu gosto: olhai que história!

Que a ambos num só ponto, ó caso estranho!

Os mata, e os sepulta, e os ressuscita

Uma espada, um sepulcro, uma memória.

Page 116: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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COPLAS

- Onde estás, senhora minha,

Que não te dói o meu mal?

Ou não nos sabes, senhora,

Ou és falsa e desleal.

Nunca fora cavaleiro

De damas tão bem servido,

Como fora Laçarote

De Bretanha arribadiço.

Aqui jaz um amador

O pobre corpo gelado;

Foi ele um pastor de gado,

Perdido por desamor;

Morreu às mãos do rigor

De uma esquiva e linda ingrata,

Com quem seu reino dilata

O tirano deus Amor.

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ROMANCE DO ARRABILEIRO

Sei, Olaia, que me adoras,

Sem nunca mo teres dito,

Nem coos olhos, línguas mudas,

Que entendem os amorios.

Sei-o sim, porque és discreta;

Por isso em tal me confirmo:

Todo o amor alcança paga,

Salvo se é desconhecido.

Verdade é que tenho, Olaia,

Em ti descoberto indícios

De teres a alma de bronze,

E o peito de gelo frio.

Mas, através das repulsas

E honestíssimos desvios,

Talvez se enxergue da esp'rança

Um vislumbre fugitivo.

O meu amor se abalança

A esperar, sem ter podido,

Nem minguar por enjeitado,

Nem crescer por escolhido.

Se amores têm cortesia,

Da que tu mostras colijo

Que o fim das minhas esp'ranças

Há de ser qual imagino.

E, se o bem servir consegue

Tornar um peito benigno,

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Já tenho em que funde a crença

De obter os bens a que aspiro;

Porque, se nisso reparas,

Às vezes me terás visto

Vestido à segunda-feira

Com as galas de Domingo.

As louçainhas e amores

Seguem o mesmo caminho;

E eu sempre quis aos teus olhos

Apresentar-me polido.

Por teu respeito não bailo;

As músicas não te cito,

Que a desoras, e acordado

Os galos, terás ouvido.

Não te encareço os louvores

Com que os teus dotes sublimo,

Que, se bem que verdadeiros,

Me fazem de outras malquisto.

Teresa do Berrocal

Já, louvando-te eu, me há dito:

- Há quem pense adorar anjos;

Estando a adorar bugiosa;

Milagre dos arrebiques

Mais dos cabelos postiços,

Hipócritas formosuras,

Que enganam até Cupido.

Desmenti-a; ela enfadou-se;

Page 119: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Pôs-se por ela seu primo;

Desafiou-me, e bem sabes

Qual saiu do desafio.

Nem por demais te cortejo,

Nem para mal de cobiço;

A melhor fim se endereçam

Minhas atenções contigo.

Na Igreja há prisões de seda

Para os casais bem unidos;

Mete o pescoço na canga,

Que eu sigo o mesmo caminho.

Quando não, desde aqui juro,

Pelo santo mais bendito,

Não sairei destas serras

Senão para capuchinho.

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CANÇÃO DE CRISÓSTOMO

Pois desejas, cruel, que se publique

De boca em boca, e vá de gente em gente,

Do teu rigor a nunca vista força;

Farei que o mesmo inferno comunique

A este peito aflito um som veemente,

E à minha voz o usual estilo Terça.

E a par do meu desejo, que se esforça

A contar minha dor e tuas façanhas,

Da voz terrível brotará o acento;

E nele envoltos por maior tormento

Pedaços destas míseras entranhas.

Escuta, pois, e presta atento ouvido,

Não a aprazível sons, sim ao ruído,

Que desde o abismo do meu triste peito,

Obrigado de indômito delírio,

Sai para meu martírio e teu despeito.

O rugir do leão; do lobo fero

O ulular temeroso; o silvo horrendo

Da escamosa serpente; o formidável

Som de algum negro monstro; o grasno austero

Da gralha, ave de agouro; o mar fervendo

Em luta co'um tufão incontrastável

De já vencido touro o inamansável

Bramido; os ais da lúgubre rolinha

Na viuvez; o consternado canto

Do invejado mocho a par coo pranto

Do inferno todo, soem na dor minha,

E saia com esta alma exasperada

Uma explosão de música aterrada,

De confusão para os sentidos todos;

Pois a pena cruel que em mim padeço

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Pede coo seu excesso estranhos modos.

De confusão tamanha ecos sentidos

Pelas praias do Tejo não ressoem;

Nem do Bétis nos ledos olivedos;

Por ali meus queixumes esparzidos

Por cavernas e penhas não ecoem

Para o mundo os terríveis meus segredos;

Vão por escuros vales, por degredos

De ermas praias a humano trato alheias,

Ou por onde jamais se enxergue dia,

Ou pela seca Líbia, onde se cria

Venenosa ralé de pragas feias;

Que inda que nesses páramos sem termo

Ninguém me escute os ais do peito enfermo,

Nem ouça o teu rigor tão sem segundo,

Por privilégio de meus curtos fados

Serão levados aos confins do mundo.

São veneno os desdéns; uma suspeita,

Ou verdadeira ou falsa, desespera;

E os zelos matam com rigor mais forte.

Ausência larga à morte nos sujeita;

Contra um temer olvido não se espera

Remédio no esperar ditosa sorte.

No fundo disso tudo há certa a morte;

Mas eu (milagre nunca visto!) vivo

Zeloso, ausente, desdenhado, e certo

Das suspeitas a que anda o peito aberto,

E do olvido em que o fogo em dobro avivo.

E entre tanto tormento, ao meu desejo

Nem uma luz de alívio vejo,

Nem já sequer fingi-la em mim procuro;

Antes, para requinte de querela,

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Estar sem ela eternamente juro.

Pode-se juntamente, porventura,

Esperar e temer? E onde os temores

Têm mais razão que a esp'rança, há de esperar-se?

Debalde os olhos furto à sina escura;

Pelas feridas d'alma os seus negrores

Não cessam um momento de mostrar-se.

Quem pode à desconfiança recusar-se,

Quando tão claramente se estão vendo

Os desdéns e os motivos de suspeita?

Ai verdades em fábulas desfeitas!

Ai câmbio infausto, lastimoso horrendo!

Ó do reino de amor feros tiranos

Zelos! dai-me um punhal; desdéns insanos,

Um baraço! um baraço! ai sorte crua,

Celebras tua última vitória;

Não há memória atroz igual à tua.

Eu enfim morro e, por que nunca espere

Que a morte me ressarça o mal da vida,

Persistirei na minha fantasia.

Direi que anda acertado quem prefere

A tudo o bem-querer, que a mais rendida

Alma é a que de mais livre se gloria.

Direi que a minha algoz não acho ímpia

Senão que de alma, qual de corpo, é bela,

Que eu tenho a culpa, eu só, de sua fereza;

Que os males que nos causa com certeza

Não se opõem ao tão justo império dela.

Com esta crença e um rigoroso laço,

Da morte acelerando o extremo passo,

A que me hão seus desprezos condenado.

Darei pendente ao vento corpo e alma

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Sem louro ou palma de outro e melhor fado.

Com tantas sem-razões, puseste clara

A causa por que odeio e enjeito a vida

E pelas próprias mãos a lanço fora.

De tudo hoje razão se te depara:

Profunda e peçonhenta era a ferida;

De não mais a sofrer me eximo agora,

Se por dita conheces nesta hora

Que o claro céu dos olhos teus formosos

Não é razão que eu turbe, evita o pranto;

Tudo que por ti dei não vale tanto

Que mo pagues com olhos lacrimosos.

Antes a rir na ocasião funesta

Mostra que este meu fim é tua festa.

Louco é quem aclarar-to assim se atreve

Sabendo ser-te a ânsia mais querida

Que a negra vida me termine em breve.

Vinde, sedes de Tântalo; penedo

De Sísifo; ave atroz que róis a Tício;

Vem, roda de Egeu com giro eterno;

Vinde a mim, vinde a mim; não é já cedo,

Tartáreo horror do mais cruel suplício,

Urnas de ímpias irmãs, cansado inferno.

Quantos sofrem tormento mais interno,

Vejam que igual cá dentro me trabalha;

E se a suicida exéquias são devidas,

Cantem-nas em voz baixa, e bem sentidas.

Ao morto, a quem faltou até mortalha.

E o porteiro infernal dos três semblantes

Coos outros monstros mil extravagantes,

Soltem-me o de profundis, pois entendo

Ser esta a pompa única devida

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Do amante suicida ao caso horrendo.

Canção desesperada, não te queixes

Quando a chorar na solidão me deixes;

Se a glória dela no meu mal consiste,

E o perdimento meu lhe traz ventura,

Já minha sepultura é menos triste.

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EM HONRA E LOUVOR DE DULCINÉIA

Árvores, ervas e plantas,

Que neste lugar estais,

Tão altas, verdes, e tantas,

Se coo meu mal não folgais,

Ouvi minhas queixas santas,

Tal dor não vos alvorote,

Embora de terror cheia,

Pois, por pagar-vos o escote,

Aqui chorou Dom Quixote

Ausências de Dulcinéia

Del Toboso.

É aqui o lugar onde

O adorador mais leal

De sua amada se esconde,

Chegou a tamanho mal

Sem saber como ou por onde.

Trá-lo Amor ao estricote,

Pela sua má raléia;

E até encher um pipote

Aqui chorou Dom Quixote

Ausências de Dulcinéia

Del Toboso.

Procurando as aventuras

Entre as desabridas penhas,

Maldizendo entranhas duras,

Que entre fragas e entre brenhas

Acha o triste desventuras.

Deu-lhe Amor com seu chicote

Da mais áspera correia;

Page 126: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Tal lhe foi o esfuziote,

Que aqui chorou Dom Quixote

Ausências de Dulcinéia

Del Toboso.

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LAMENTAÇÃO DE CARDÊNIO

Quem menoscaba meus bens?

Desdéns.

Quem mais ceva meus queixumes?

Ciúmes.

Quem me apura a paciência?

A ausência.

De meu fado na inclemência,

Nenhum remédio se alcança,

Pois me dão morte: esperança,

Desdéns, ciúmes e ausência.

Quem me causa tanta dor?

Amor.

Quem me as glórias arruina?

Mofina.

Quem às dores me há votado?

O fado.

Receio me é pois fundado

Morrer deste mal tirano,

Pois conspiram em meu dano

O amor, a mofina e o fado.

Quem pode emendar-me a sorte?

A morte.

O bem de amor quem no alcança?

Mudança.

E seus males que os cura?

Loucura.

Então em vão se procura

Remédio algum a tais chagas,

Sendo-lhe únicas triagas

Morte, mudança, loucura.

Page 128: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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LÁGRIMAS DE SÃO PEDRO

(Luís Tansilo)

Cresce em Pedro o pesar, cresce a vergonha,

Quando vê que no oriente o dia é nado;

Ninguém o vê, mas tem de si vergonha,

Pois em si sente e sabe que há pecado.

Não é mister que o mundo se interponha

Testemunha de um crime a peito honrado;

Ele próprio se acusa, aflige e aterra,

Bem que o vejam somente o céu e a terra.

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COPLAS

É como o vidro a mulher;

Mas não é mister provar

Se se pode ou não quebrar,

Porque tudo pode ser.

E é mais fácil o quebrar-se;

Loucura é logo arriscar

A que se possa quebrar

O que não pode soldar-se.

Fiquem nisto e ficam bem,

Pois nisto o conselho fundo:

Que se há Dânais neste mundo,

Há chuvas de ouro também.

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O GALHARDO ESPANHOL

Procuro na morte a vida;

Saúde na enfermidade;

No cárcere, liberdade;

No encerramento, saída;

No traidor, fidelidade.

Mas minha sorte, de quem

Já não posso esperar bem,

Ajustou coo céu terrível,

Que, pois lhe peço o impossível,

Nem o impossível me dêem.

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COPLAS

Sou marinheiro de amor,

E em seu pélago profundo

Navego, sem ter esp'rança

De encontrar porto no mundo.

E vou seguindo uma estrela,

Que brilha no céu escuro,

Mais bela e resplandecente

Que quantas viu Palinuro.

Eu não sei aonde me guia,

E a navegar me costumo,

Mirando-a com alma atenta,

Cuidoso, mas não do rumo.

Recatos impertinentes,

Honestidade no apuro,

São as nuvens que ma encobrem,

Quando mais vê-la procuro.

Límpida e lúcida estrela,

Só teu clarão me conduz!

Extingue-se a minha vida,

Em se extinguindo a tua luz.

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CANÇÃO PARA CLARA

Ó minha doce esperança,

Que, afrontando impossíveis na verdade,

Prossegues sem mudança

Na senda que traçou tua vontade,

Conserva ânimo forte,

Inda que surja a cada passo a morte.

Não ganham preguiçosos

Triunfo honrado, ou singular vitória,

Nem podem ser ditosos

Os que, mostrando uma fraqueza inglória,

Entregam desvalidos

Ao ócio vil os lânguidos sentidos.

Que amor suas glórias venda

Caro, é razão, e é justo o que se contrata;

Nem há tão rica prenda

Como a que pelo gosto se aquilata.

E é caso natural

Custar só pouco o que pouco val.

Coisas quase impossíveis sempre alcança

Quem emprega porfias amorosas.

Com firme confiança

Sigo eu do amor as mais dificultosas.

E nem sequer me aterra

Ter de ganhar o céu, estando na terra.

Page 133: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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DO CACHIDIABO,

Acadêmico de Argamasilha,

na sepultura de Dom Quixote

Epitáfio

Aqui jaz o cavaleiro

Bem moído e mal andante,

Que, montado em Rocinante,

Percorreu senda e carreiro.

Sancho Pança, o malhadeiro,

Jaz também neste local,

Escudeiro o mais leal,

Que houve em trato de escudeiro.

DO TIQUITOC,

Acadêmico de Argamasilha,

na sepultura de Dulcinéia del Toboso

Epitáfio

Repousa aqui Dulcinéia,

Que, sendo gorda e corada,

Em cinza e pó foi mudada

Pela morte horrenda e feia.

Foi de castiça raleia,

E teve assomos de dama,

Do grão Quixote foi chama,

E foi glória da sua aldeia.

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DÉCIMAS

Mote

Se o meu foi tornasse a ser,

Sem eu ter que esperar será,

Ou viesse o tempo já

Do que está pra acontecer...

Glosa

Alfim, como tudo passa,

Passou o bem que me deu

A fortuna nada escassa,

Mas que nunca me volveu,

Por mais que eu peça ou que faça.

Fortuna, bem podes ver

Que já é longo o meu sofrer;

Faze-me outra vez ditoso,

Que eu seria venturoso

Se o meu foi tornasse a ser.

Só quero um gosto, uma glória,

Uma palma, um vencimento,

Um triunfo, uma vitória,

Tornar ao contentamento

Que me é pesar na memória.

Fortuna, leva-me lá,

E temperado estará

Todo o rigor do teu fogo,

Sobretudo sendo logo,

Sem eu ter que esperar será.

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Sei que sou indeferido,

Pois tornar o tempo a ser,

Depois de uma vez Ter sido,

Não há na terra poder

Que a tanto se haja estendido.

Corre o tempo; leve dá

Seu vôo, e não voltará,

E erraria quem pedisse

Ou que o tempo partisse,

Ou viesse o tempo já.

Viver em perplexa vida,

Ora esperando, ora temendo,

É morte mui conhecida,

E é muito melhor morrendo

Buscar para a dor saída.

Eu preferia morrer,

Mas não o devo querer,

Pois com discurso melhor

Me dá a vida o temor

Do que está pra acontecer.

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CANÇÃO DO AMOR

De Cupido a uma donzela:

Eu sou o deus poderoso

No firmamento e na terra,

E no vasto mar undoso

E em tudo o que o abismo encerra

No seu báratro espantoso.

Nunca soube o que era medo;

Tenho o mágico segredo

De conquistar o impossível,

E em tudo quanto é possível

Mando, tiro, ponho e vedo.

A fala do Interesse:

Sou quem pode mais que Amor,

Mas é o Amor que me guia.

Eu sou da estirpe maior,

Que o céu cá no mundo cria,

Mais conhecida e melhor.

Sou o Interesse, com quem

Poucos soem obrar bem;

É milagre o dispensar-me,

E a ti venho consagrar-me

Pra sempre jamais, amém!

Disse a Poesia:

Em mil conceitos discretos

A dulcíssima Poesia

A alma cheia de afetos,

Page 137: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Vivos, suaves, te envia,

Envolta entre mil sonetos.

Se acaso te não enfado

Com meu porfiar, teu fado,

Que de inveja a muitos dana,

Levantarei de Diana

Sobre o disco prateado.

Saiu a Liberalidade e disse:

Chamam Liberalidade

Ao dar, quando se recusa

A ser prodigalidade

E ao contrário ser, que acusa

Tíbia e tímida vontade.

Mas eu, por te engrandecer,

Hoje pródiga hei de ser,

Que, se é vício, e vício honrado,

E de peito enamorado

Que no dar se deixa ver.

O BRADO DE DURANDARTE

"Ó meu primo Montesino,

Uma coisa vos pedia:

Que, em eu dando a Deus minh'alma,

E meu corpo à terra fria;

Meu coração a Balerma

Leveis, sem tardar um dia,

Arrancando-me do peito

Com a adaga luzidia."

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A APARIÇÃO DO MAGO MERLIM

Eu sou Merlim, aquele que as histórias

Dizem que tem por pai o próprio Diabo

(Mentira autorizada pelos tempos),

príncipe da arte mágica, monarca

e arquivo da ciência zoroástrica,

Êmulo das idades, e dos séculos,

Que solapar pretendem as façanhas

Dos andantes valentes cavaleiros,

A quem eu tive e tenho grande afeto.

Mas, apesar de ser dos nigromantes,

Dos magos e dos mágicos, por uso,

Severa a condição, áspera e forte,

A minha é terna, e amorosa e branda:

Gosto de fazer bem a toda a gente.

Nessas cavernas lôbregas de Dite,

Onde em formar os magos caracteres

Minha alma se entretinha, ouvi, de súbito,

A voz plangente e meiga da formosa

E sem-par Dulcinéia del Toboso.

Narrou-me então seu infeliz destino,

Sua transformação em gentil dama

Em rústica aldeã; compadeci-me;

Dentro desta figura horripilante

Encerrei meu espírito; mil livros

Revolvi, manuseei, desta ciência

Endiabrada e torpe que professo,

E enfim, trago remédio competente

Para tamanha dor, desgraça tanta.

Ó tu, que és honra e glória dos que vestem

Túnicas de aço e rútilo diamante,

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Luz e fanal e mestre e norte e guia

Daqueles que, deixando o torpe sono

E os ociosos leitos, só se empregam

No rude, intolerável exercício

Das sangrentas, fatais, pesadas armas!

A ti digo, à varão nunca louvado

Como o mereces ser; a ti, valente

Cavaleiro e discreto Dom Quixote,

Da Mancha resplendor, da Espanha estrela:

Para que Dulcinéia del Toboso

Possa recuperar o antigo estado,

Deve o teu escudeiro Sancho Pança

Assentar nas suas largas pousadeiras,

Descobertas e ao ar, três mil açoites

Com suas próprias mãos, e mais trezentos...

Açoites que lhe doam bem deveras.

Mandam isto os que foram da desgraça

Da bela Dulcinéia causadores,

E aqui vim a dizê-lo, meus senhores.

DUAS COPLAS

Da minha doce inimiga

Nasce a dor que a alma aflige

E por mais tormento exige

Que se sinta e não se diga.

Morte, vem tão escondida

Que eu não te sinta aparecer.

P'ra que o gosto de morrer

Me não torne a dar a vida.

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ROMANCE DE ALTISIDORA

Ó tu, que estás no teu leito

Com lençóis de holanda fina,

Dormindo bem regalado,

Sem sentires a espertina,

Cavaleiro o mais valente

Que na Mancha se há gerado,

Mais honesto e abençoado

Que o ouro da Arábia ardente:

Quisera estar nos teus braços

Ou prestar-te o bom serviço

De te sacudir a caspa,

De te coçar o toutiço.

Muito peço, não sou digna

De mercê tão levantada;

Dá-me os teus pés, isso basta,

Nem eu desejo mais nada.

Ouve uma triste donzela,

Bem-nascida e mal lograda,

Que na luz desses teus olhos

A alma sente abrasada.

Achas desditas alheias,

Quando buscas aventuras;

E de amor cruéis feridas

Tu as dás, mas não as curas.

Dize-me, bravo mancebo

(que Deus cumpra os teus desejos),

Page 141: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

141

Se te criaste na Líbia

Ou em montes sertanejos.

Deram-te leite as serpentes?

Foram tuas armas bravias

As aspérrimas florestas

E o horror das serranias?

Mui bem pode Dulcinéia,

Donzela sã e gorducha,

Gabar-se de ter rendido

Um tigre, fera machucha.

Por isso será famosa

De Jarama até Henares,

De Pisuerga até Arlanza

E do Tejo ao Manzanares.

Eu trocava-me por ela,

E ainda em cima dava a saia

Mais vistosa que eu possuo

De áureas franjas na cambraia.

Que coifas eu te daria!

Escarpins de prata fina,

Umas calças de damasco,

Uns calções de bombazina;

Muitas pedras preciosas,

Finas pérolas orientais,

Que, a não terem companheiras,

Não contariam iguais!

Não mires dessa Tarpéia

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142

Este incêndio que me queima,

Nero manchego, que o fogo

Avivas coa tua teima.

Menina sou, pulcela tenra,

Quinze anos não completei;

Tenho catorze e três meses,

Juro pela santa lei.

Não sou manca, não sou coxa,

Não tenho um só aleijão,

Meus cabelos cor de lírios,

'Estando em pé, chegam-me ao chão.

A boca tenho aquilina,

Tenho a penca abatatada;

Os dentes são uns topázios!

Vê que beleza afamada.

Sou pequenina, o que importa?

A minha voz, fresca e pura,

Confessa que (se me escutas)

Tem suavíssima doçura.

Conquistou minha alma ingênua

Teu rosto que me enamora;

Sou donzela desta casa,

E chamam-me Altisidora.

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143

ROMANCE

(de Dom Quixote a Altisidora)

Tiram as almas dos eixos

As forças do amor,

São os cuidados do ócio

Seu instrumento melhor.

As donzelas na costura,

E em 'estar sempre atarefadas,

Têm antídoto ao veneno

Das ânsias enamoradas.

Os cavaleiros andantes

E os que vão da corte às festas,

Têm com as soltas requebros,

Mas só casam coas honestas

Fútil amor de levante

Podem-no hóspedes sentir,

Chega rápido ao poente

Porque acaba coo partir.

Amor que nasce depressa

Hoje vem, vai-se amanhã,

Nas almas não deixa impressa

A sua imagem louçã.

Pintura sobre pintura

Não é como em tábua rasa;

Onde há primeira beleza

A segunda não faz vaza.

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Dulcinéia del Toboso

Eu tenho n'alma pintada

Com tal viveza, que nunca

Poderá ser apagada.

A firmeza nos amantes

É dote mui de louvar,

Amor que opera milagres

Por quem assim sabe amar.

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DESPEDIDA DE ALTISIDORA

Sopeia um pouco essas rédeas,

E, escuta, mau cavaleiro;

Não fatigues as ilhargas

Desse teu nobre sendeiro.

Refalsado, tu não foges

De alguma fera serpente,

Foges de uma cordeirinha

Tenra, cândida, inocente.

Tu escarneceste, ó monstro,

A donzela menos feia,

Que viu Diana em seus montes,

E em seus bosques Citeréia.

Cruel Vireno, fugitivo Enéias,

Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.

Tu levas, que roubo ímpio!

Nas tuas garras grifanhas,

De uma terna namorada

As humílimas entranhas.

Levas três lenços, e as ligas

De umas pernas torneadas,

Que são como o puro mármore,

Lisas, duras, jaspeadas.

Levas também mil suspiros,

Cujo ardor talvez pudesse

Abrasar outras mil Tróias,

Se outras mil Tróias houvesse.

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Cruel Vireno, fugitivo Enéias,

Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.

Que do teu Sancho as entranhas

Sejam, para teu tormento,

Tão duras, que Dulcinéia

Não saia do encantamento.

Que a triste leve o castigo

Da tua culpa tamanha,

Que justos por pecadores

Pagam sempre cá na Espanha.

Que as mais finas aventuras

Para ti sejam tristezas,

Sonhos os teus passatempos,

Olvidos tuas firmezas!

Cruel Vireno, fugitivo Enéias,

Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.

Que sejas tido por falso

De Sevilha a Finisterra,

Desde Loja até Granada,

E de Londres a Inglaterra.

Se tu jogares a bisca,

Os centos, ou outro jogo,

Que os reis, os azes e os setes

Fujam de ti logo e logo.

Quando cortares os calos,

Que haja sangue e cicatrizes,

Page 147: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

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Quando arrancares os dentes,

Que te fiquem as raízes.

Cruel Vireno, fugitivo Enéias,

Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.

MADRIGAL

(tradução do poeta Pierro Bembo)

Amor, eu quando penso

No mal que tu me dás, terrível, forte,

Alegre corro à morte,

Para assim acabar meu mal imenso;

Mas quando chego ao passo,

Que é meu porto no mar desta agonia,

Sinto tal alegria

Que a vida se revolta e não o passo.

Assim o viver me mata,

Pois que a morte me torna a dar a vida!

Condição nunca ouvida,

A quem comigo vida e morte trata!

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ESTÂNCIAS

Enquanto não ressurge Altisidora,

De Dom Quixote a vítima discreta,

E as damas na corte encantadora

Enverguem cada qual sua roupeta,

A duquesa gentil, minha senhora,

Manda as donas vestir-se de baeta,

Cantarei a beldade que morreu

Com melhor plectro do que o próprio Orfeu.

E parece-me até que me não toca

Um tal dever unicamente em vida,

Mas com a língua morta em fria boca

Hei de soltar a voz que te é devida.

Livre a minha alma da apertada roca,

E pelo estígio lago conduzida,

Celebrando-te irá, e ao seu lamento

Hão de as águas parar de esquecimento.*

* Oitava de Garcilaso de la Vega

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EPITÁFIO DE SANSÃO CARRASCO

(Ante a sepultura de Dom Quixote)

Aqui jaz quem teve a sorte

De ser tão valente e forte,

Que o seu cantor alegou

Que a morte não triunfou

Da sua vida coa sua morte.

Foi grande a sua bravura,

Teve todo o mundo em pouco,

E na final conjuntura

Morreu: vejam que ventura,

Com siso vivendo louco!

COPLA

(Cide Hamete, para que jamais usem

a pena com que escreveu esta história)

Alto, alto, vis traidores,

por ninguém seja eu tocada,

porque, bom rei, esta empresa

para mim 'estava guardada.

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150

Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes

Saavedra

(Parte III)

1 - Autores, Plagiadores, Aderentes, Pré-Históricos, Pósteros 2 - Obras, Escolas, Influências, Mesmo Não Identificadas e Póstumas 3 - Outras Ocorrências: Gentes, Tipos, Terras, Reinos

Page 151: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

151

AUTORES, PLAGIADORES, ADERENTES, PRÉ-HISTÓRICOS, PÓSTEROS

Afonso Sanches (1298-1329), poeta e trovador português, filho bastardo de

Dom Dinis. Por desavença com o irmão legitimado, foi obrigado a viver na

Espanha. Poeta lírico escreveu cantigas de amigo, de maldizer, de amor e uma

tenção amorosa com Vasco Martins de Resende, todas incluídas no

Cancioneiro da Vaticana [códice do séc. XV ou XVI existente na biblioteca do

Vaticano], que compreende trovas e canções de antigos trovadores espanhóis

e lusos, que também se encontram no Cancioneiro da Ajuda.

Alain René Lesage (1668-1747), [ou Le Sage], escritor francês, se inspirou em

temas cervantinos para escrever seus romances mais famosos e de maior

sucesso: O diabo coxo (1707), História de Guzmán de Alfarache (1732), Gil

Blás de Santillana (1715-1735), O bacharel de Salamanca (1736). Famoso

também como autor dramático, escreveu numerosas peças e farsas, entre as

quais Crispin, rival de seu mestre (1707), Turcaret (1709). Não obstante

confessar a fonte de sua inspiração, Lesage foi por demais fiel às mesmas e

sua obra algumas vezes mais sugere tradução e transcrição que criação

própria. René Lesage era tão fanático pela literatura espanhola e pelo Dom

Quixote que também traduziu para o francês a parte II apócrifa, assinada por

Avellaneda.

Alfonso Tostado Ribera de Madrigal (séc. XV), bispo de Ávila, "escritor de

fecundidade proverbial", um dos suspeitos de ser o Avellaneda, autor do Dom

Quixote apócrifo.

Alfonso X, El Sabio (1221-1284), rei de Castela e de Leão, imperador

germânico, o mais esclarecido príncipe de seu tempo, animador do movimento

intelectual e artístico que se desenvolveu na Espanha no séc. XIII. Escreveu

cantigas e compôs 420 poemas musicados em honra à Virgem Maria, além de

obras relativas à língua castelhana, direito, astronomia, xadrez e dirigiu a

publicação Tábuas Alfonsinas.

Page 152: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

152

Alonso de Ercilla y Zuñiga (1533-1594), poeta épico espanhol, tomou parte de

várias expedições à América Latina, entre as quais a do Chile, que inspirou o

poema épico sobre a Descoberta da América: La Araucania, escrito entre 1569

e 1589.

Angelo Poliziano (1454-1494), poeta e humanista italiano, um dos maiores

intelectuais da Renascença, compôs poemas em grego, latim e italiano. As

Estâncias para a justa (1478) celebram a vitória de Júlio de Medici e o seu

Orfeu (1480) constitui o primeiro exemplo de teatro com argumento profano.

Dedicou ao poeta florentino Micael Verino, morto aos 17 anos o epigrama

iniciado com o verso "Morreu na flor de seus anos"

Antoine de Montchrestien (c.1575-1621), escritor e economista francês, autor

de tragédias Davi, A escocesa e Heitor, que já anunciavam alguns temas

cornelianos.

Antonio de Guevara (1480-1545), escritor espanhol, frei franciscano, bispo de

Mondoñedo, foi nomeado confessor e historiógrafo de Carlos V. As suas obras

Relógio dos príncipes (1529), Desprezo da Corte (1539) e Epístolas familiares

(1539-1541), fizeram grande sucesso na época.

Antônio Ribeiro Chiado (1520-1591), poeta português, após largar o hábito e o

convento, foi para Lisboa onde começou a escrever autos semelhantes aos de

Gil Vicente (Auto de Gonçalo Chambão, Auto da natural invenção). Entre

outros trabalhos destaca-se Letreiros sentenciosos os quais se acharam em

certas sepulturas de Espanha feitos em trovas (1602), obra de evidente

folclorismo.

Ariosto Ludovico Ariosto (1474-1533), poeta italiano que nas Sátiras (1517-

1525) exprimiu o ideal de vida tranqüila, consagrada aos prazeres do coração e

dos estudos. Compôs Poesias Latinas (1494-1503), as comédias La Cassaria

(1508), La Lena (1529). Mas a sua obra-prima é o poema épico Orlando

Furioso (1516-1532), um perfeito exemplo da Renascença em plena

Page 153: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

153

maturidade e a continuação do também célebre Orlando enamorado de Matteo

Boiardo.

Ausiàs March (1397-1459), cavaleiro e poeta catalão, sua obra Cants d'amor

compreende canções de amor dentro de um espírito cortesão e Canto

espiritual, poemas de inspiração filosófica.

Baltasar Teles (1595-1675), historiador, filósofo e teólogo português, educado

pelos jesuítas, em 1610 entrou para a Companhia de Jesus, desempenhando o

cargo de Cronista. Entre seus trabalhos, altamente documentados, destacam-

se Crônicas da Companhia de Jesus na província de Portugal, História Geral

da Etiópia, a Alta, ou Preste João, e Summa Universae Philosophiae (1642),

manual de filosofia muito reeditado e um dos primeiros compêndios filosóficos

de sentido didático.

Bartolomeu Carrasco de Figueroa (1580-1610), célebre poeta espanhol,

cognominado o Divino, nasceu nas Ilhas Canárias. Poeta da época de

Cervantes não mencionados em nenhuma das citações de autores célebres

espanhóis.

Benito Arias Montano (1527-1598), erudito espanhol que Filipe II enviou a

Antuérpia para dirigir a impressão da Bíblia Poliglota, editada por Platino,

primeira edição do texto original, acompanhada de todas as versões antigas.

Bernarda Ferreira de Lacerda (1596-1644), poetisa portuguesa (Oporto), de

língua espanhola, autora de As soledades de Bussaco, España libertada.

Bernardim Ribeiro (1500-1550), poeta e prosador português, desempenhou

altos cargos na corte e teria morrido num manicômio devido a seus amores

infelizes, mas é impossível confirmar qualquer coisa sobre sua biografia. Suas

primeiras poesias constam do Cancioneiro geral de Garcia de Resende.

Escreveu depois cinco Éclogas, todas de natureza bucólica, que firmaram sua

glória como o maior dos poetas portugueses ao lado de Camões. Juntamente

com as Éclogas, publicadas em Ferrara, em 1555, saiu o romance pastoril

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Menina e moça, uma das obras mais originais da língua portuguesa. Localizou-

se uma edição independente quinhentista de suas obras, cuja data é

desconhecida.

Bernardo de Balbuena (1568-1627), poeta espanhol, autor do poema El

Bernardo.

Brás Garcia de Mascarenhas (1595-1656), poeta português barroco, autor de

Ausências brasílicas e Viriato trágico. De vida agitada e aventurosa, irreverente

e inquieto, foi preso em Coimbra em 1616, mas fugiu da cadeia. Viajou pela

Europa e chegou ao Brasil em 1623.

Catão [Marcus Porcius Cato], o Censor, (234-149 aC), cognominado também o

Antigo, cônsul, censor, homem de estado, político e orador romano, lutou

contra o luxo, eliminou os senadores que julgava indignos e combateu o

helenismo em nome da moral austera. Temendo desforra de Cartago, pregou

continuamente sua destruição, daí a sentença Delenda est Carthago (É preciso

destruir Cartago). Escreveu Tratado de agricultura.

Chrétien de Troyes (1135-1183), poeta francês, a serviço da condessa Maria

de Champagne e do conde de Flandres, foi autor de grandes romances do fim

do séc. XII. Erec e Enida, Cliges, Lancelote, Evain ou O Cavaleiro do leão,

Percival ou O conto do Graal, sendo também atribuída a ele a autoria de

Guilherme de Inglaterra. Em um cenário povoado de fadas, anões, gigantes, a

missão dos Cavaleiros é dissipar os malefícios, encantamentos e maus

costumes, para restabelecer a ordem cortês num mundo agitado por paixões

violentas. A ética heróica é arranjada visando oferecer aos Cavaleiros pobres

que rodeiam o príncipe e a senhora, um objetivo, uma esperança na busca da

felicidade, já que nenhuma chance de ascender socialmente é reservada pela

sociedade dominadora.

Clément Marot (1496-1544), poeta francês autor do primeiro soneto escrito na

França, escreveu também epigramas, elegias e epístolas.

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155

Cristóbal de Virués (1550-1609), poeta espanhol, tornando-se conhecido no

teatro por tragédias cheias de horror, chegou a rivalizar com Félix Lope de

Vega.

Cristóbal Suárez de Figueroa (1571-1644), escritor espanhol autor de

romances pastoris (La constante Amarilis, 1609) e de uma coletânea de

diálogos literários, morais e filosóficos (El pasajero, 1617).

Cristóvão da Costa (séc. XVI) sábio, médico e botânico português nascido em

Ceuta, autor do Tratado das drogas e medicinas (1578) e Tratado em louvor

das mulheres (1592), ambos em castelhano.

Diego Hurtado de Mendoza (1503-1575), poeta, guerreiro e historiador

espanhol, encarregado de diversas missões diplomáticas, legou à biblioteca do

Escorial uma coleção de manuscritos gregos e árabes. A ele é atribuída a

autoria do pioneiro romance picaresco Lazarillo de Tormes. Alguns críticos

espanhóis atribuem a Diego Hurtado a autoria do Palmerim de Inglaterra, obra

que apenas traduziu do português. Escreveu também Guerra de Granada,

publicado somente em 1627.

Diogo de Paiva de Andrade (1574-1660), poeta português, autor do poema

épico Chauleida, em que exalta os feitos militares de Francisco de

Mascarenhas e outros vultos históricos, acerca do cerco da cidade de Chaul

(Índia).

Diogo do Couto (1542-1616), poeta, escritor e historiador português, por ordem

de Filipe II deu continuação às Décadas da Ásia, de João de Barros. Depois de

ser algum tempo pajem da Real Câmara, foi para a Índia como combatente da

armada de 1559. Compôs poemas líricos e pastoris, deixou um volume de

elegias, éclogas, canções, sonetos e glosas. Voltou a Portugal em 1570, tendo

assistido Camões, que era seu amigo. É autor do diálogo O soldado prático,

em cujo prefácio se conta a dramática história da redação das suas décadas.

Em vida do autor publicaram-se Década IV (1606), Década V (1612), Década

VI (1614) e Década VII (1616). Diogo do Couto escreveu até a Década XII, mas

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156

a VIII e IX foram-lhe roubadas e a XI e XII não atingiram a revisão final.

Nomeado guarda-mor do Arquivo da Índia, morreu em Goa.

Diogo Fernandes (séc.XVI), escritor português, autor da Terceira e da Quarta

parte da Crônica de Palmerim de Inglaterra (1604).

Discorides (séc. I), botânico grego e autor de trabalhos sobre ervas medicinais,

venenos mortíferos, obras traduzidas, comentadas e ilustradas para o espanhol

pelo doutor Andrés Laguna, médico e humanista segoviano (séc. XVI), fonte de

pesquisa para as mezinhas do fidalgo manchego.

Dom Manuel de Portugal (1520-1606), poeta português cujas obras, escritas

em castelhano, compõem 17 livros de canções, odes, endechas, oitavas, etc.,

de conteúdo moral e ascético. Deixou o Tratado breve da oração, escrito em

português.

Ésquilo (525-456 aC), poeta trágico grego, após lutar contra os persas em

Maratona e Salamina, obteve aos 40 anos de idade sua primeira grande vitória

num concurso de tragédias. O triunfo de Os persas (472aC) consagrou-o

definitivamente e atraiu o interesse de Hiéron, tirano de Siracusa. A partir daí

Ésquilo viveu ora em Atenas ora na Sicília fazendo representar quase 90

tragédias que exploravam o universo dos antigos mitos, a teogonia, o ciclo

troiano, a história dos Argonautas, as lendas de Tebas, Argos e Micenas.

Considerado o verdadeiro fundador da tragédia grega, introduziu o segundo

ator, tornou mais vivo o diálogo, embelezou os movimentos do coral, conferiu

maior expressividade às máscaras, decorou o palco com cenários. Foi o

primeiro a explorar os recursos das trilogias.

Félix Lope de Vega y Carpio (1526-1635), poeta e o primeiro grande

dramaturgo espanhol, provavelmente o autor mais prolífico da época, com mais

de 2.000 peças, comédias e entremezes. Iniciou o teatro de cunho nacional,

com elementos cômicos, trágicos, eruditos e populares. Em conseqüência da

ligação excessivamente amigável com a Inquisição, Lope de Vega alimentou

inimizades pessoais e adversários literários, entre os quais Cervantes e

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157

Góngora. De suas peças destacam-se El alcaide de Zalamea (1600),

Peribáñez y el comendador de Ocaña (1614), Fuenteovejuna (1618), La

Dorotea (1632), El caballero de Olmedo (1606), os dramas de inspiração

religiosa La hermosa Ester (1610), El romancero espiritual (1619), mas a crítica

considera sua obra-prima o drama La estrella de Sevilla. Deixou extensa obra

lírica.

Fernán de Herrera (1534-1597), poeta sevilhano, autor de inúmeras canciones,

duas das quais evocam a vitória de Lepanto (1571) e a derrota de Dom

Sebastião de Portugal (1578). Foi o líder da escola sevilhana, graças a ele o

vocabulário espanhol se enriqueceu e as regras poéticas foram estabelecidas.

Fernán Pérez de Guzmán (1376-1460), senhor de Batres, cronista castelhano,

autor da crônica rimada, Loores de los claros varones da España, de biografias

históricas, Mar de histórias.

Fernán Pérez de Oliva (1494-1533), humanista espanhol, seu Diálogo sobre a

dignidade do homem é dos primeiros modelos da prosa castelhana.

Fernando de Rojas (1465-1541), escritor espanhol, presumível autor do

romance La Celestina (1499).

Fernão Álvares do Oriente (1540-1595), escritor e poeta português maneirista,

muito influenciado por Petrarca, Camões e Sannazzaro, cuja Arcádia inspirou

sua coletânea de novelas pastoris Lusitânia transformada (1607).

Fernão Mendes Pinto (1510-1583), escritor, aventureiro e viajante português,

por volta de 1537 partiu para a Índia, começando a odisséia que narrou em sua

obra. Em 1538 viajou ao mar Vermelho, depois afirma ter entrado na Abissínia

(informação recebida com reservas). Numerosas vezes esteve prisioneiro e foi

vendido como escravo. Ingressou na Companhia de Jesus, fato provado por

cartas e testemunho dos jesuítas São Francisco Xavier, padre Belchior Nunes,

irmão Aires Brandão. Fernão Mendes Pinto emprestou a Francisco Xavier 300

cruzados para a edificação de uma igreja no Japão, doou 4 mil cruzados para

ajudar a obra dos jesuítas, libertou escravos e distribuiu muitas esmolas. Em

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158

1554 voltou ao Japão, já noviço da Companhia de Jesus, como embaixador do

vice-rei Dom Afonso de Noronha. Desiludido da vida religiosa, abandonou o

noviciado e regressou a Portugal. Escreveu Peregrinação e Algumas

informações da China (publicadas no número 13 da Revista de História). Logo

depois de sua publicação a Peregrinação foi traduzida em vários idiomas. Por

considerar sua obra exagerada demais, o nome do autor (Fernão Mendes

Pinto) é objeto do trocadilho secular: Fernão, mentes? Minto!

Francisco Agostinho Tárrega (?), cônego, autor de A inimiga favorável

Francisco de Morais (1500-1572), escritor português, autor de Desculpas de

uns amores (1524), obra baseada na sua própria infelicidade amorosa. A ele é

atribuída a autoria do famoso romance de cavalaria Palmerim de Inglaterra,

cuja primeira edição (c.1544), está perdida, existindo a edição castelhana de

1546. Baseados nesta reedição os espanhóis atribuem a obra a Diego Hurtado

de Mendoza.

Francisco de Paiva de Andrade (1540-1614), escritor português, cronista-mor

do reino, guarda-mor da Torre do Tombo, dos maiores acervos históricos e

literários do mundo. Escreveu a Crônica do muito alto e muito poderoso rei

destes reinos de Portugal Dom João III deste nome (1613). Como poeta

compôs uma crônica rimada em 20 cantos, O primeiro cerco de Diu (1589).

Francisco de Sá de Miranda (1481-1558), poeta português, partícipe do

Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. Em 1521 foi à Itália, lá permaneceu

cinco anos, introduzido no meio literário pela poetisa Vittoria Colonna, grande

paixão de Michelangelo, autora de Rimme della Vittoria Colonna. Retornando a

Portugal em 1527, Sá de Miranda iniciou a fase mais fecunda da sua produção,

realizada numa linguagem elíptica e cingida ao concreto, sentenciosa,

aforística, a meio caminho da sátira e do ensaio.

Francisco Suárez (1545-1617), filósofo e teólogo espanhol, jesuíta, chamado

Doctor Eximius, ensinou em Roma, Alcalá, Salamanca e Coimbra, considerado

um dos últimos representantes da escolástica e um dos fundadores da filosofia

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159

do direito. Refutou a teoria do direito divino dos reis e afirmou que o direito

internacional fundamenta-se no costume. Suas obras incluem: Disputas

metafísicas (1597), Tratado das leis e do Deus legislador (1612), Defesa da fé

católica e apostólica (1613), além de extensos comentários sobre a Suma

teológica, de Santo Tomás

François Rabelais (1494-1553), escritor e médico francês, uma das maiores

expressões do Renascimento. Editou em 1532 obras de direito, de medicina e

Horríveis e espantosos feitos e proezas do mui afamado Pantagruel, assim

como um divertido almanaque Pantagruéline prognostication. Viajou para

Roma e na volta publicou Vida inestimável do grande Gargantua, pai de

Pantagruel (1534). Em 1546 dedicou a Margarida de Navarra o Terceiro livro

dos fatos e ditos heróicos do nobre Pantagruel, que foi, como as obras

anteriores, condenado pela Sorbonne. Refugiado em Roma, publicou os

primeiros capítulos do Quarto livro de Pantagruel (1548), cuja edição completa

saiu em 1552. Sua obra resume as aspirações da primeira metade do séc. XVI,

concilia erudição com tradições populares e lições de um novo humanismo.

Através das narrativas cômico-heróicas, do tom grotesco e da farsa, Rabelais

convida o leitor a pensar em renovação do ideal filosófico à luz do pensamento

antigo e faz uma profissão de fé na ciência e na natureza humana. Seu gênio

como escritor sobressai na linguagem truculenta, de invenções verbais, servida

de um vocabulário rico, imaginoso, que utiliza sabiamente a diversidade de

língua e registros dialetais da época.

Frei Pedro de Padilla (natural de Linares), autor de Romancero, Madri 1580;

Grandezas e excelências da Virgem Nossa Senhora (?); Églogas pastoris (?);

Jardim espiritual (?).

Frei Tomé de Jesus (1529-1583), escritor português, em 1578 foi para a África,

sendo preso em Alcácer-Kibir, é autor dos Trabalhos de Jesus, compostos

durante o cativeiro e "dedicados à nação portuguesa na sua tribulação".

Compôs também uma Vida do venerável padre Luís de Montoya e A quarta

parte da Vida de Jesus que o padre Montoya havia deixado inacabada. Sua

obra caracteriza-se pela sinceridade e ausência de ostentação erudita.

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160

Garci Rodríguez (ou Ordoñez) de Montalvo (séc. XV), escritor espanhol,

governador de Medina del Campo, escreveu, entre outros, o romance de

cavalaria Amadis de Gaula (1508) e sua continuação Las sergas de Esplandián

(1510).

Garcia de Orta (1490-1568), médico e escritor naturalista português, em 1534

foi para a Índia, onde colecionou e estudou produtos naturais da terra.

Escreveu Colóquios dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia,

autêntica enciclopédia de medicina e botânica. Em 1580 teve os ossos

exumados e queimados publicamente pela Inquisição e as cinzas jogadas no

rio Mandovi, porém mais tarde fizeram-lhe justiça e sua obra foi reconhecida.

Garcia de Resende (1470-1536), poeta, pesquisador e historiógrafo português,

músico, cantor, foi sobretudo o compilador do Cancioneiro geral em 1516,

também chamado Cancioneiro de Garcia de Resende. Outras obras: Vida e

feitos de Dom João II (1545), Miscelânea e variedade de História (1554), Breve

memorial sobre a confissão (1521), Sermão dos três Reis Magos.

Garcilaso de la Vega (1540-1615), guerreiro e escritor espanhol, cognominado

"El Inca" pela origem peruana (nasceu em Cuzco), historiador e ficcionista, um

dos primeiros cronistas da civilização Inca. Pela profunda ligação com a cultura

pré-colombiana, seus livros combinam elementos históricos e fantásticos.

Escreveu, entre outros: Florida del Inca, o Historia del adelantado Hernando del

Soto (1605), Los comentarios reales, que tratan del origen de los Incas (1609),

Historia general del Peru (póstumo 1617). É provável filho de Sebastián

Garcilaso de la Vega (1495-1559), conquistador espanhol que serviu no

exército de Cortés (México) e no de Alvarado (Peru), sendo posteriormente

nomeado governador de Cuzco em 1548, onde morreu.

Gaspar de Aguilar (?), valenciano, autor de O mercador amante

Geofrey Chaucer (1340-1400), poeta inglês de grande influência na Europa.

Descobriu a literatura francesa quando esteve preso naquele país, traduziu o

Page 161: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

161

francês Jean de Meung e compôs uma série de Lamentos. Diplomata na Itália,

enturmou-se nos meios literários e artísticos, encontrou Petrarca, Bocaccio e

escreveu a Lenda das mulheres exemplares (1385). Os Cantos de Canterbury

(1400), mescla realismo social e aspirações urbanas, tornou-se a mais

importante contribuição para a fixação da língua inglesa, divulgou a literatura

britânica em toda a Europa.

Gil Vicente (1465-1537), dramaturgo português, a maior figura da literatura

portuguesa anterior a Camões. Em 1502 entrou a serviço de Dona Leonor,

viúva do rei Dom João e desde então escreveu inúmeras peças para festas

reais. Parou de escrever em 1536 e num documento de 1540 já aparece como

morto. A obra teatral de Gil Vicente deu origem à primitiva dramaturgia

peninsular, ao lado da espanhola, da qual fazia parte. A maioria de suas obras

está escrita em língua castelhana. Escreveu, entre tantas: Auto pastoril

castelhano (1502), Auto dos Reis Magos (1503, Auto da história de Deus

(1528), Exortação da guerra (1534). Foi autor de várias peças de cavalaria,

entre as quais a Tragicomédia de Dom Duardo, Amadis de Gaula e a Farsa do

escudeiro. Gil Vicente exercitou todas as temáticas: tragédia, crítica, cavalaria,

superstições populares, paródias, polêmica, moral.

Ginés Pérez de Hita (1544-1619), autor de Guerras civis de Granada

(1595/1604), que narra a revolta dos mouriscos do reino de Granada, último

bastião muçulmano da Espanha. Os rebeldes só foram derrotados após dura

guerra comandada por Don Juan de Áustria. A rebelião ficou conhecida como a

Revolta dos Mouros, verdadeira guerra civil, redundou em morticínio e

expulsão dos mouriscos, consolidada em 1609, gerou irreparáveis perdas

econômicas, artísticas, humanas e sociais para a Espanha e Portugal.

Giovanni Batista Guarini (1537-1612), escritor italiano, escreveu poesias, uma

comédia (Idropica, 1584), notadamente a tragicomédia pastoril Il pastor fido,

anúncio da poesia barroca.

Godofredo de Bouillon (1061-1100) e não Godofredo de Bulhões, como

erradamente traduzem os portugueses. Trata-se de Godofredo IV, de Bolonha

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162

(daí o Bouillon), vendeu o seu ducado para organizar e dirigir a I Cruzada

contra Jerusalém (1099). Após a tomada da cidade, governou com o título de

Procurador do Santo Sepulcro. Cavaleiro valoroso, inspirou os trovadores que

difundiam suas façanhas por toda Europa cantando a gesta A Canção de

Antioquia.

Gomes Eanes de Azurara ou Zurara (1410-1474), cronista português que em

1454 substituiu Fernão Lopes como guarda-mor da Torre do Tombo. Foi

Cavaleiro da Ordem de Cristo. Principais obras: Crônica da Tomada de Ceuta

(1450); Crônica de Dom João I (1455); Crônica do Conde Dom Pedro de

Meneses (1458), Crônica de Dom Duarte Meneses (1468); Crônica dos feitos

da Guiné (1473).

Gonzalo Fernández de Córdoba (1453-1515), militar espanhol conhecido como

"O Grande Capitão". Lutou inicialmente contra os mouros, conquistou a vitória

de Lucena, onde capturou o rei Boabdil (1483). Após participar da tomada de

Granada (1492), foi enviado por Fernando II para a Itália, venceu as batalhas

de Seminara, Atella e Cerignola (1503), apoderando-se do reino de Nápoles,

que foi anexado ao de Aragão. Nomeado Vice-rei de Nápoles, depois foi

chamado de volta por Fernando II e caiu em desgraça em 1507.

Gregório Silvestre (1520-1569), poeta espanhol, "glosador de fama, muito

imitado", segundo citado.

Guillén de Castro y Bellvís (1569-1631), dramaturgo espanhol. Miguel de

Cervantes elogiava o caráter patético de seu teatro. Autor de Las mocedades

del Cid, uma das fontes de inspiração para o Cid de Corneille. Foi também

citado como provável autor da Parte II do Dom Quixote, apócrifo, assinado por

Alonso Fernández de Avellaneda.

Hernán de Herrera (1534-1597), "um dos poetas espanhóis mais ilustres de

seu tempo", igualmente Bartolomeu Carrasco de Figueroa, Herrera também foi

cognominado o Divino e no entanto não é mencionado em nenhuma das

citações de autores célebres espanhóis aparecidas no Quixote.

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Hernán Pérez de Pulgar (1451-1531), dito “El de las Hazañas”, guerreiro e

escritor espanhol, escreveu a história El Gran Capitán Gonzalo de Córdoba

(1527).

Horácio [Quintus Horatius Flaccus], (65aC-8aC), poeta latino, filho de escravo

alforriado que lhe proporcionou sólidos estudos literários e filosóficos em Roma

e Atenas, serviu como tribuno militar no exército de Brutus, derrotado em

Filipos em 42. De volta a Roma, conheceu Virgílio que o apresentou a

Mecenas, a quem se ligaria por profunda amizade até a morte. Epicurista

elegante e artista refinado, legou às letras latinas uma poesia ao mesmo tempo

familiar, nacional e religiosa. Suas obras, Sátiras, Epodos, Odes, Epístolas,

fizeram com que fosse considerado um modelo de virtudes clássicas de

equilíbrio e medida.

Iñigo López de Mendoza Santillana (1398-1458), guerreiro e escritor espanhol,

participou das guerras civis durante o reinado de Juán II de Castela e obteve,

após a Batalha de Olmedo (1445), o título de marquês de Santillana. Deixou

numerosos poemas de amor, nos quais se harmonizam a tradição castelhana,

o gosto pela alegoria à moda francesa e a imitação dos italianos. Foi o

introdutor do soneto na poesia espanhola.

Jean Bodel (?-1210), poeta da confraria dos saltimbancos de Arras (jograis),

divulgou a canção de gesta, pastoral, teatro dramático e criou o gênero poético

da renúncia. Obras: La chanson des Saisnes, Auto de São Nicolau.

Jean de Meung ou Meun (1240-1305), escritor francês, autor da Segunda parte

do Romance da rosa e de importantes traduções (A arte da cavalaria, de

Vegécio; As cartas de Abelardo e Heloísa). Atribui-se também a ele O

testamento de Jean de Meung.

Jean Renart (séc. XII-séc. XIII), poeta francês, autor de rimances e contos,

direcionou o romance para visão mais realista, sem abandonar, contudo, a

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influência do lirismo cortês da época. Principais obras: L'Escoufle (1202),

Guillaume de Dole (1210), Le lai de l'ombre.

Jerônimo Corte Real (1535-1588), poeta português, serviu nas Índias e na

África, é autor de três poemas célebres: Sucesso do segundo cerco de Diu

(1574), La Austríada (1578), [em castelhano]; Naufrágio e lastimoso sucesso

da perdição de Manuel de Sousa de Sepúlveda (1594).

Joanot Martorell (1410-1468), escritor catalão, compôs, por volta de 1460, as

três primeiras partes do romance de cavalaria Tirant lo Blanch (1490),

completado pelo seu conterrâneo Martí Johan de Galba.

João de Barros (1496-1570), escritor português, tesoureiro e feitor da Casa da

Índia, Casa de Ceuta e Casa da Mina, recebeu junto com Aires da Cunha as

capitanias hereditárias do Norte e Maranhão, das quais não conseguiram tomar

posse. Destacado cronista, escreveu a novela de cavalaria Crônica do

imperador Clarimundo donde os reis de Portugal descendem (1522),

Ropicapnefma (segundo o autor, expressão grega que significa "Mercadoria

espiritual"), Décadas da Ásia (1522), que teve várias edições seguidas. A

Crônica do imperador Clarimundo foi a fonte do famoso Palmerim de Inglaterra.

Diogo do Couto escreveu a continuação das Décadas da Ásia.

João de Castro (1500-1548), navegador e escritor português, 4º vice-rei da

Índia, em 1535 tomou parte na expedição de Carlos V contra Túnis. Fez

estudos sobre a distância do Brasil ao Cabo da Boa Esperança, escreveu

Roteiro de Lisboa a Goa, esteve com a armada portuguesa em Diu, que

resultou no Primeiro roteiro da costa da Índia, de Goa a Diu. Aproveitou uma

expedição a Suez para novos estudos, registrados em Roteiro do mar Roxo

(1541).

John Barbour (1316-1395), cronista, poeta e teólogo escocês. O herói de seu

poema épico The Bruce (1375) é uma encarnação das virtudes da cavalaria

européia.

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165

John Napier (ou Neper) (1150-1617), escritor, inventor e matemático escocês,

publicou em 1593 fortíssimo comentário anticatólico sobre o Apocalipse. Sua

crença na astrologia e adivinhação deram-lhe a fama de louco e de praticar

bruxaria. Imaginou engenhos e máquinas de guerra, jamais construídas,

destinados a conter a invasão de Filipe II.

Jorge de Montemayor (1520-1561), poeta português de língua castelhana, sua

obra mais famosa é Los siete libros de Diana, foi o pioneiro em mesclar verso e

prosa num só trabalho. Escreveu também um Cancionero.

Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1585), comediógrafo e escritor português.

Suas obras não obedecem aos preceitos tradicionais: o diálogo adquire função

e importância capitais conforme o próprio autor declara na abertura de

Eufrósina (1555). Denuncia as ilusões do idealismo erótico feudal e representa

forte nacionalismo lingüístico, incorporando locuções populares, ditados,

idiotismos, característicos do tempo, misturando-os com cuidadosas descrições

de móveis, vestuários, hábitos e usos. Além das peças, entre as quais estão

Ulíssipo e Aleugrafia, escreveu ainda um romance de cavalaria, Memorial da

segunda Távola Redonda, de intuitos moralizantes e pedagógicos.

Juan Bautista de Bivar (?-?), poeta elogiado por Cervantes em Canto de

Calíope, incluído na Galatéia.

Juan de la Cueva (1550-1610), poeta dramático espanhol, um dos precursores

do teatro do século de ouro, com El inflamador (1581), que seria a primeira

manifestação dramática do personagem Don Juan e com A comédia da morte

do rei Dom Sancho (1600).

Juan de Mena (1411-1456), poeta espanhol, cronista real, autor de El laberinto

de Fortuna, alegoria poética de cunho barroco e também de As Trezentas.

Juan Mariana de La Reina (1536-1624), historiador e jesuíta espanhol,

escreveu uma História Geral da Espanha em 1592 e um tratado: Do rei e da

realiza (l599), no qual faz a apologia do tiranocídio.

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Juan Ponce de León (1527-1591), poeta espanhol, considerado das maiores

figuras do Renascimento. Agostiniano, foi preso pela Inquisição por

comentários ao Cântico dos Cânticos, que traduziu do hebraico. Suas poesias

reunidas por Francisco Quevedo são de inspiração mística e neoplatônica.

Deixou em prosa A perfeita casada e Os nomes de Cristo.

Juan Ruiz (1285-1350), escritor espanhol de Alcalá de Henares, conhecido

como O Arcipreste, autor de longo poema , O libro de buen amor (1330 e

1343), obra singular e autobiográfica, mesclada de lendas, alegorias e sutilezas

satíricas sobre a sociedade de sua época.

Leão Hebreu (1465-1535), escritor e filósofo de vertente hebraico-portuguesa,

de expressão italiana, divulgador do neoplatonismo, através do averroísmo. Em

Dialoghi d'Amore, que teve várias edições no séc. XVI, Leão Hebreu defende o

conceito neoplatônico do amor. Sua obra influenciou Cervantes, Vivés,

Giordano Bruno e Spinoza.

Lope de Rueda (1500-1568), célebre autor dramático espanhol, iniciador dos

autos e peças satíricas, que iriam tornar famoso a Félix Lope de Vega. Lope de

Rueda estranhamente não é diretamente citado no Quixote, apesar de ter sido

tomado como exemplo e até imitado por Cervantes.

Luigi Pulci (1432-1484), escritor italiano, cuja obra-prima, Il Morgante (l483), é

um poema de cavalaria em 28 cantos, muito superior à canções de gesta do

séc. XIV que o autor pretendia, em princípio, parodiar.

Luis de Góngora y Argote (1561-1627), poeta, de família nobre, foi dotado de

importantes privilégios eclesiásticos que permitiram consagrar-se

exclusivamente à literatura. Foi ordenado padre aos 56 anos para se tornar

capelão de Filipe III. Renovou profundamente os gêneros clássicos compondo

letrillas e romances de cunho popular, bem aceitos pelos círculos literários. Em

1585 sua glória estava suficientemente estabelecida para que Cervantes o

citasse na Galatea e posteriormente no Quixote, como um dos grandes poetas

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167

espanhóis. Pedro de Espinosa publicou 37 peças de Góngora na sua Antologia

dos poetas ilustres da Espanha (1605). Em suas obras A fábula de Polifemo y

Galatea (1612) e Soledades (1613), poema semi-hermético sobre a vida

camponesa, desenvolveu o culteranismo ou gongorismo, estilo ornamentado e

metafórico que foi combatido por Félix Lope de Vega. Antes de morrer Góngora

viu seus poemas editados sob o título de Obras em versos del Homero español

(1627).

Luís Vaz de Camões (1517-1580), o maior poeta português, dramático, épico,

lírico, de vida tecida de aventuras e adversidades, batalhas, duelos, brigas,

resultando na perda do olho direito. Participou de várias expedições marítimas.

Em 1571 obteve da inquisição licença para publicar Os Lusíadas, saído em

1572. Além dessa epopéia, pouca coisa sua foi publicada em vida: três peças

líricas, a ode "Aquele único exemplo", a elegia "Depois que Magalhães teve

tecida", o soneto "Vós, ninfas de gantética espessura". Artesão do verso,

ordenando imagens em antíteses e paradoxos, antecipou-se à explosão

barroca. O primeiro poeta português a publicar uma epopéia, cultivou todos os

gêneros poéticos. Toda a obra dramática (Anfitriões, Filodemo, Auto d'el rei

Seleuco), a poesia lírica, as cartas são de publicação póstuma. A literatura

popular brasileira em verso (cordel), imaginativa e despojada, desprezando os

séculos que os separam, uniu Camões a Bogage em diversas aventuras, a

maioria picaresca, licenciosa, algumas francamente pornográficas. Uma quadra

popular brasileira diz: "Este é o Luís de Camões,/ Grande vate português,/ Via

mais com um só olho/ Do que nós com todos três!"

Luiz Vélez de Guevara (1570-1644), romancista e dramaturgo espanhol,

seguidor de Cervantes, autor do romance satírico El Diablo Cojuelo, no qual

cita-se pela primeira vez a figura de Asmodeu, entidade diabólica que, através

dos telhados das casas, descobre os segredos íntimos dos habitantes.

Asmodeu, conhecido como o demônio dos prazeres, se tornou figura folclórica

e proverbial. O romance foi adaptado para o francês por Alain René Lesage,

autor também de Gil Blas.

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Lupercio Leonardo de Argensola (1559-1613), autor de tragédias

renascentistas, entre as quais A Isabela, A Filis e A Alexandra.

Marco Polo (1254-1324), viajante veneziano, cuja celebridade provém da

publicação da narrativa de sua viagem pela Ásia, O livro de Marco Polo,

também chamado Livro das maravilhas e O milhão. Seu pai Niccolo e seu tio

Matteo, negociantes de Veneza, viajaram antes dele até Pequim e retornaram

trazendo uma mensagem de Kublai Khan para o papa. Voltaram a Pequim em

1271 com o jovem Marco seguindo a rota da seda. Ficaram por um ano em

Cantão, principal cidade da China, depois continuaram a viagem sob a

proteção de uma escolta oficial e chegaram a Shangdu, residência do Cã.

Enquanto seu tio e pai faziam negócios, Marco cumpriu diversas missões na

China a serviço do Cã. Essas viagens pelo interior do reino os levaram até

Caragian, permitindo estabelecer seu extraordinário retrato da China, a

organização administrativa, artesanato original, informação sobre o papel-

moeda, as riquezas. Em 1292 os mercadores deixaram a China pelo mar até

Ormuz, depois por terra até Trebizonda, chegando a Veneza em 1295. Foi

numa prisão de Gênova, onde ficou entre 1296 e 1296, que Marco Polo ditou

suas recordações de viagem ao escritor Rustichello. Em Marco Polo encontra-

se referência ao Preste João das Índias, cuja legenda chegou até Cervantes e

ao Dom Quixote.

Marie de France (1154-1189), poetisa francesa, autora de uma coletânea de

poemas intitulada Lais (publicada durante o reinado de Henrique II), inspirados

em lendas bretãs.

Mateo Alemán (1547-1614), célebre escritor espanhol, autor do romance

picaresco Vida e aventuras de Gusmán de Alfarache (1599, parte I e 1604,

Parte II).

Matteo Maria Boiardo (c.1430-1494), poeta italiano cujas composições eruditas,

églogas e poemas (Amorum libre tres 1469-1476), antecipam a atmosfera

onírica do Orlando innamorato, sua obra-prima.

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Maurice Sceve (1501-1560), poeta francês, autor de Délia, objeto da mais alta

virtude (1544), cancioneiro em 449 estrofes de dez versos que celebra Pernett

de Guillet e Microcosmos (1562), poema científico sobre a epopéia do

conhecimento.

Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), escritor e pensador francês, uma

das maiores figuras do Renascimento, combinou elementos de Epicuro e do

ceticismo antigos, deu expressão ao humanismo, expôs um ideal de felicidade,

que consiste na tranqüilidade da alma, na prudência, na eliminação da

inquietude, no viver de acordo com a natureza mais íntima do eu. Para ele o

homem se define pelo que faz e pelo que projeta no futuro, sendo um ser

"ondulante". Toda a obra de Montaigne está contida em seus Ensaios (1580),

gênero que criou e que se identifica com seu pensamento. Por tudo isso, tem

sido lembrado como um precursor do existencialismo moderno.

Nicolas Rapin (1535-1608), magistrado e poeta francês, um dos autores da

Sátira Menipéia.

Ovídio (43aC-17dC), Publius Ovidius Naso, brilhante poeta latino autor de

coletâneas de poesias eróticas, além de obras de maior envergaduras: As

metamorfoses, Os fastos, Os amores, As heróides, Arte de amar, Os remédios

do amor, Os cosméticos, Pônticas. Amigo de Virgilio e Horacio, protegido por

Augusto, foi o autor favorito da sociedade mundana de Roma. Por razões

misteriosas e motivo jamais esclarecido, foi condenado ao exílio em Tomi em 8

dC, onde morreu.

Paio Gomes Charinho (1225-1295), poeta trovadoresco galego (Pontevedra),

marinheiro, homem de confiança de Alfonso X, participou da conquista de

Sevilla e Jaén. Distinguiu-se como um dos primeiros poetas a cantar o mar.

Pedro da Fonseca (1528-1599), filósofo português, padre jesuíta, representante

da Segunda Escolástica Portuguesa, redigiu Comentários aos Livros de

Metafísica de Aristóteles, publicados no Curso Coimbricense, espécie de

manual para a divulgação do pensamento aristotélico-tomista, utilizado no

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Colégio das Artes de Coimbra. Inspirou Molina na sua conciliação entre a

doutrina do livre-arbítrio e a da predestinação.

Petrarca (1304-1374), poeta e humanista italiano, estudou em Pisa, Bolonha,

Montpellier, Avignon, onde conheceu Laura de Noves, inspiradora de um amor

platônico que durou até o fim da vida, sobrevivendo às viagens, às pesquisas

eruditas, à vida na corte e às honrarias. Refletiu sobre a vida em uma confissão

sob forma de diálogo em latim (Segredo). Para seus contemporâneos era

sobretudo humanista: descobriu e divulgou manuscritos antigos, publicou

estudos históricos e filosóficos, Sobre os homens ilustres (1338), A vida

solitária (1356), O repouso dos religiosos (1347), o poema épico África (1338) e

Cartas (1366). Deve, porém, a sua glória poética ao Canzoniere, publicado em

1470. Modelo de poeta elegíaco, exprimiu sua divisão entre as aspirações

ascéticas e as seduções do mundo por meio de múltiplos jogos de antíteses,

que constituem os elementos fundamentais do petrarquismo.

Polidoro Vergilio (1470-1555), historiador e humanista italiano, autor de vários

livros de erudição tão abundante quanto inútil, segundo seus críticos.

Robert Wace (1100-1175), poeta anglo-normando, protegido de Henrique II, é o

autor de Roman de Brut (1155), primeira obra em língua vulgar que relata as

aventuras do rei Artur e do Roman Rou ou Gesta dos normandos (1155-1170),

que narra a história da Normandia até 1106.

Ruy de Pina (1440-1520), autor de obras portuguesas de história de cavalaria,

escritas em castelhano.

Serafino Aquilano (séc. XV), poeta italiano (ver cap. 38 do livro II).

Suetonio [Caius Suetonius Tranquillus], (69-126), historiador latino, protegido

de Plínio, o moço, sua obra mais importante é Vida dos Césares, 12 biografias

que abrangem a vida desde César até Domiciano.

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Terencio [Publius Terentius Afer] (185-159aC), poeta cômico, dramaturgo

latino, freqüentou círculos cultos de Cipião e Emiliano, escreveu as comédias:

O eunuco, Autoflagelador, A sogra, Fórmio, Os irmãos. Em suas peças a

análise psicológica, o problema moral, sobrepõem-se às peripécias dramáticas

e aos exageros cômicos. Foi modelo para os clássicos franceses, sobretudo

Molière.

Thomas Nashe (1567-1601), escritor inglês cujo talento satírico foi reconhecido

em panfletos e peças de teatro. É o pioneiro romance picaresco com O

desventurado ou A vida de Jack Wilton, de 1594.

Torquato Tasso (1544-1595). Escritor italiano de vida errante, cheia de crise e

internações por problemas mentais. Autor do poema épico Jerusalém libertada

(1575), de Jerusalém conquistada (1593), escreveu o poema de cavalaria

Reinaldo (1562), a fábula pastoril Aminta (1573), a tragédia Torrismondo

(1587), Discursos do poema heróico (1594), a comédia Intrigas de amor e

Cartas, importante documento sobre o espírito do seu tempo e das crises de

consciência que o atormentavam. Um dos maiores sonetistas da língua italiana.

Vasco Mousinho de Quevedo e Castelo Branco (séc. XVI-séc. XVII), poeta

português, autor de um Discurso sobre a vida e morte de Santa Isabel, rainha

de Portugal, e outras várias rimas (1596) e do poema Triunfo do monarca Filipo

terceiro na felicíssima entrada de Lisboa (1619), em seis cantos. Sua obra mais

importante é Afonso Africano (1611).

Vicente Espinel (1550-1624), escritor, poeta e músico espanhol. Modernizou

vários instrumentos de cordas e acrescentou uma quinta ao encordoamento da

guitarra. Autor do romance de aventuras Marcos de Obregón (1618), no qual

Alain René Lesage se inspirou para escrever Gil Blas.

Sir Walter Raleigh (1554-1618), escritor e navegador inglês, favorito de

Elizabeth I, foi o fundador do estado da Virgínia nos EUA, que ganhou este

nome em homenagem à Rainha Virgem. Participou da expedição contra Cádiz

em 1596. É autor de inúmeras obras, poesias, narrativas de viagem, etc. e de

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uma História do mundo inacabada. Jaime I mandou executá-lo em virtude de

ter fracassado numa expedição à Guiana em 1618.

William Shakespeare (1564-1616), poeta e o maior dramaturgo inglês. Muitos

contemporâneos e parte notável da posteridade, decepcionados pela pobre

biografia em relação à exuberância da obra, tentaram negar-lhe a existência,

atribuindo autoria a personagens ilustres e cultos. São poucas as informações

sobre sua vida e é difícil separá-la das lendas, mas sabe-se que Shakespeare

foi autor, ator e sócio do grupo de lorde Chamberlain e fez do teatro um bom

negócio. Em 1598 instalou-se no Globe Theatre, escreveu poemas (Vênus e

Adônis, 1593; O rapto de Lucrécia, 1594 e 154 Sonetos, 1609). Seus

contemporâneos eram uma plêiade de grandes autores (Chapman, Bem

Jonson, Marston, Thomas Heywood), mas poucos tiveram a qualidade

universal que Shakespeare impôs às suas tragédias e comédias. As primeiras

obras de Shakespeare são influenciadas pelo estilo renascentista, mas as

posteriores, como a tragicomédia dramática Antony and Cleopatra, já

representam o espírito barroco. A obra dramática de Shakespeare funde a

visão poética refinada a um forte caráter popular no qual assassinos, violações,

incestos, traições, são os ingredientes mais leves para divertir o público. O

mestre da dramaturgia concluiu sua obra com peças de caráter romanesco

(Cimbelina, 1609; Conto de inverno, 1611), onde Calibã, encarnação do gênio

da poesia material e Próspero, mágico sem ilusões ("Nós somos do estofo de

que os sonhos são feitos"), dão um balanço do jogo extraordinário de palavras

e coisas: toda a feitiçaria do verbo para provar a nulidade da linguagem como

instrumento de domínio do mundo, como meio de comunicação. O teatro inglês

deu mostras durante mais de três quartos de século, (desde Gorboduc, de

Sackville e Norton, em 1562, ao fechamento dos teatros pelo parlamento

puritano em 1642), de grande vitalidade. Sucesso comercial e popular, o teatro

elisabetano foi fruto de uma multiplicidade de autores: George Peele, Robert

Greene, George Chapman, Christopher Marlowe, Thomas Dekker, Francis

Beaumont, John Fletcher, John Webster, John Ford e, principalmente, William

Shakespeare. Apesar da diversidade é possível delinear algumas

características do teatro inglês do período: estilização do cenário, interlocução

com a platéia, ligação entre o trágico e o cômico, predileção pela violência, o

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tema da vingança da honra, angústia metafísica, apetite arrebatado pelo prazer

e conhecimento, misto de truculência verbal e refinamento poético. O teatro

inglês acabou por disseminar o gosto pelo palco por todo mundo, influenciando

autores, estimulando espectadores a participar da trama, tornando-os autor e

personagem.

Wolfram von Eschenbach (1170-1220), poeta alemão, autor de grandes

epopéias de caráter cavaleiresco, entre as quais Parsifal, onde aborda a lenda

do Graal, Willehalm, que conta a luta de Guilherme de Aquitânia contra os

sarracenos e Titurel, do qual restam apenas 170 estrofes, que evoca os

amores do cavaleiro Scionatulander e da bela dama Sigune.

Page 174: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

174

OBRAS, ESCOLAS, INFLUÊNCIAS, MESMO NÃO IDENTIFICADAS OU

PÓSTUMAS

A Caroléia, de Jerónimo Sempere, Valência 1560

A Caroléia, de Juan Ochoa (?)

A Celestina (1499), de Fernando de Rojas, A Celestina ou Tragicomédia de

Calixto e Melibéia, tem como tema a história de um jovem apaixonado, uma

moça ignorante, um criador venal e uma alcoviteira (Celestina), que compõem

os personagens da obra, um dos primeiros grandes textos do teatro espanhol.

Temas recorrentes e usuais nos vários cuentos inseridos em Dom Quixote por

Cervantes...

A demanda do Santo Graal, Lisboa (1515), novela anônima portuguesa de

cavalaria, de temática arturiana, cristã e das aventuras dos Cavaleiros da

Távola Redonda (o manuscrito encontra-se em Viena). Narra a tentativa de

recuperação do vaso no qual, segundo a lenda, José de Arimatéia conservara

o sangue de Jesus Cristo. Com exceção de algumas tentativas parcialmente

realizadas, só em 1944 foi publicada no Rio de Janeiro a primeira versão em

português, editada por Augusto Magne. Esta obra foi a fonte de inspiração na

Literatura de Cordel, vários romances, peças teatrais, filmes, adaptações que

ambientaram o tema no cenário nordestino.

A destruição de Numancia, de Miguel de Cervantes Saavedra, Numancia,

cidade da antiga Espanha, que desafiou durante 14 anos o poder de Roma,

tomada e destruída em 133 aC pelo imperador romano Cipião Emiliano (206-

254aC), que já havia destruído Cartago em 146 aC. Ali Cipião morreu

assassinado durante a discussão de leis agrárias propostas pelos Gracchos,

das quais discordava. A primeira vítima da reforma agrária... Constam também:

Epístola a Mateo Vásquez (?); O acordo de Argel (1602); Os banheiros de

Argel (?); Viagem ao Parnaso (?)

Page 175: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

175

A divina comédia (1306), epopéia cristã de Dante Alighieri (1265-1321),

compõe-se de 100 cantos divididos em prólogo e três partes de 33 cantos

(Inferno, Purgatório e Paraíso), cada canto compreende 130 a 140 versos,

dispostos em terza rima. Contendo grande parte da ciência da Idade Média,

Dante a situa durante a Semana Santa de 1300. Conduzido por Virgílio, o

poeta chega ao mundo do além e atravessa os nove círculos do Inferno.

Depois empreende a escalada da montanha do Purgatório, no alto da qual

encontra Beatriz, que o leva ao Paraíso. Poema sublime, grandioso, semeado

de episódios graciosos e terríveis, admirável como estilo, como versificação,

criador da poesia e da própria linguagem italiana do Século XIV. A obra

combina o realismo mais cru com o mais místico lirismo, forma a síntese

espiritual e poética da Idade Média.

A história do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França, Alcalá de

Henares 1589 Novela de cavalaria que narra as façanhas do imperador Carlos

Magno (Carlos I, o Grande), muito popular em toda a península ibérica,

trasladada para toda a Europa e América, chegou ao Brasil em 1728 em edição

portuguesa, traduzida do espanhol por Jerônimo Moreira de Carvalho.

Aderente: A peregrinação de Carlos Magno - poema anônimo do início do

Século XII, épico à maneira das canções de gesta. O enredo do livro inspirou

sobretudo os cantadores nordestinos e são muitos os folhetos de cordel que

tratam do tema. O original francês Conquêtes du Gran Charlemagne é de 1485.

A Imperatriz Porcina, romance em versos muito popular de Baltazar Díaz,

poeta da escola vicentina, escrito na segunda metade do séc. XVI, vem sendo

reeditado até os nossos dias. De larga difusão em Portugal e no Brasil, ainda é

representado em forma de auto na região do Douro (Duero) com o nome de A

Santa Imperatriz. A origem da história é oriental, sendo divulgada da Europa

desde o séc. XI ou XII, quando circulou em redação latina e nos manuscritos

dedicados aos milagres da Virgem Maria. Personagem inspiradora e muito

cantada nos folhetos de cordel.

A ingratidão vingada, A Arcádia, A Formosura de Angélica, Auto das Cortes da

Morte (auto de caráter sacramental), obras teatrais de Félix Lope de Vega,

Page 176: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

176

escritor prolífico que deixou cerca de 1500 peças. Em virtude de seu

envolvimento com a Inquisição, teve muitos adversários literários, entre os

quais Miguel de Cervantes e Luís de Góngora. Lançou a comédia de cunho

nacional com elementos cômicos, trágicos, eruditos e populares. Deixou

também extensa obra lírica.

A inimiga favorável, do Cônego Francisco Agostinho Tárrega (?).

A morte de Artur (1485), obra de Thomas Malory, a primeira escrita em inglês

moderno, da lenda do Rei Artur. Inspirada em romances arturianos anteriores,

principalmente franceses, conta as aventuras dos cavaleiros da Távola

Redonda, desde o nascimento de Artur.

A Vida de Diogo Garcia e Paredes, Diogo Garcia y Paredes (1466-1530),

guerreiro espanhol, muito popular e uma das legendas militares da Espanha

Acerca da matéria médica, de Padacius Dioscorides Anazarbeo, por A. Laguna

Amadis de Gaula (1508), célebre romance de cavalaria de Garci Rodríguez de

Montalvo, a partir do original português de Vasco de Lobeira (séc. XIII), [foi

traduzido para o francês por Nicolas d'Herberay des Essarts, 1540]. Romance

iniciador da série de mais de 24 livros, que montou toda uma família

cavaleiresca: Perión de Gaula, pai de Amadis, Esplandián, filho de Amadis e

Lisuarte de Grécia, filho de Esplandián e Amadis de Grécia, neto de Amadis.

Montalvo também publicou a continuação do Amadis: Las Sergas de

Esplandião (1510). O herói Amadis, cognominado "O Amante Taciturno" é o

protótipo do Cavaleiro andante, fiel à amada, aos preceitos da cavalaria e

Cervantes considerava-o a obra-prima do gênero, em conseqüência, Dom

Quixote pode ser considerado dele sátira, espelho ou caricatura.

Amadis de Grécia (1530), de Feliciano de Silva, autor de romances de

cavalaria, que narra as aventuras do presumido filho de Esplandião, (neto de

Amadis de Gaula), el de la Muerte, cognominado O Cavaleiro da espada

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177

flamejante, em oposição à Espada Verde do famoso avô, o Amadis por

excelência.

Aminta, novela pastoril de Torquato Tasso (1544-1595). Compôs o poema

épico Jerusalém libertada (1575), a cuja publicação se opôs até 1581, o que

daria origem à segunda versão da obra Jerusalém conquistada (1593).

Escreveu o poema de cavalaria Reinaldo (1562), obteve sucesso com a fábula

Aminta (1573), a tragédia Torrismondo (1587), Discursos do poema heróico

(1594), a comédia Intrigas de amor, além de Cartas, importante documento

sobre o espírito do tempo e as crises de consciência que o atormentavam. Um

dos maiores sonetistas da língua italiana.

Arcádia, romance pastoril em prosa e verso (1504), de Iacopo Sannazaro,

(1455-1530), escritor e humanista italiano, sua obra-prima. Arcádia, mescla de

prosa e verso, teve considerável influência sobre a formação do romance

pastoril e da literatura barroca, dando origem ao Arcadismo. Arcádia, região do

Peloponeso (Grécia), aonde os clássicos localizaram o mito literário da

perfeição da vida pastoril, bucólica. Simboliza a morada da felicidade, mas nem

por isso a morte a poupa.

As lágrimas de Angélica, de Luis Barahona de Soto, Granada 1586. Poeta

andaluz famoso. Segundo Cervantes, "seu autor foi um dos famosos poetas do

mundo, não só de Espanha, e foi felicíssimo na tradução de algumas fábulas

de Ovídio".

As lágrimas de São Pedro (1585), poema religioso do poeta napolitano Luigi

Tansillo (1510-1568)

As quinze alegrias do casamento (1450), sátira anônima, une aos temas anti-

feministas tradicionais dos clérigos e das fábulas satíricas (fabliaux), uma

observação realista da vida burguesa da época.

Astréia, de Honoré d' Urfé, escritor francês (1567-1625), obtendo a confiança

de Henrique IV empreendeu, apesar da vida aventurosa, a composição deste

Page 178: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

178

romance em que misturou prosa e verso, cuja influência foi considerável.

Escreveu também o poema pastoral Sireine de messire, 1604 e Epístolas

Morais (?)

Austríada, de Juan Rufo (jurado de Córdoba), Madri 1584. Enquanto nada se

sabe sobre Juan Rufo, foi constatado que La Austríada, escrita em espanhol, é

de autoria do poeta português Jerônimo Corte Real, autor também de O

segundo cerco de Diu, Naufrágio de Sepúlveda, "poemas de apreciável

merecimento, descrições vigorosas". Militou na África e na Índia.

Canção de Roland (Chanson de Roland), antiga gesta e epopéia nacional

francesa de 4.002 versos decassílabos do fim do séc. XI, atribuída a Théroulde

(Turoldus), trovador normando do Século XII, que assina o último verso do

poema. É composta de duas partes: a traição de Ganelon, a batalha e a morte

de Roland, seguida do confronto de Carlos Magno com o emir Baligant e o

castigo do traidor. O poema exalta a fidelidade ao Rei, o sentimento religioso e

patriótico, a glória dos heróis. Modelo de Cavaleiro cristão, herói de outras

canções de gesta evocando o heroísmo da Batalha de Roncesvalles,

imortalizado por Boiardo, Ariosto e Berni, paladino famoso, um dos doze pares

de França, Roland era conde das marcas da Bretanha e, segundo a lenda,

sobrinho de Carlos Magno. Morreu na Batalha de Roncesvalles, protegendo a

retirada do exército carlista, no dia 15 de agosto de 778.

Cancioneiro de López de Maldonado, Madri 1586 - Aderentes: Cancioneiro da

Ajuda, com 310 cantigas de amor, compostas por poetas anteriores a Dom

Dinis, espólio dos jesuítas, compilado em fins do Séc. XIII e início do Séc. XIV.

Cancioneiro de Évora, coleção de poemas escritos em espanhol e português,

compilada em fins do Séc. XVI. Cancioneiro de Luís Franco Correia, iniciado na

Índia (1557), terminado em Lisboa (1589), com composições de poetas

quinhentistas. Cancioneiro Geral, coleção bilingüe, publicada em 1516 por

Garcia de Resende, à semelhança da que foi publicada com o mesmo nome

em 1511 na Espanha. Cancionero de Upsala, "villancicos de diversos autores,

a dos y a tres y a cuatro y a cinco bozes, agora nuevamente corrigidos. Ay más

ocho tonos de canto llano, y ocho tonos de canto de órgano para que puedan

Page 179: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

179

aprovechar los que a cantar comezaren. Venettis, Apud Hieronymum Scotum,

MDLVI.", cujo original encontra-se na Real Universidade de Upsala, Suécia.

Cancionero de Segóvia, coletânea de cantos litúrgicos. Cancionero, coletânea

de poemas do espanhol Juan del Encina.

Cantar de Mio Cid (Poema do Cid), poema longo (3.750 versos), anônimo,

escrito cerca do ano de 1140, narra a história de Rodrigo Díaz de Vivar,

Cavaleiro célebre, protótipo lendário dos paladinos castelhanos, cuja

verdadeira biografia difere muito da que lhe teceu a imaginação do povo e dos

poetas. A serviço dos mouros, conquistou Valência, capital do reino árabe (taifa

de Valência), onde reinou de 1094 até 1099, quando morreu. De qualquer

modo, El Cid foi guerreiro e sua valentia se tornou proverbial. O lendário

popular conta que, mesmo estando morto, foi colocado empalado sobre um

cavalo (para mantê-lo em posição ereta) e assim pôde ajudar seu exército a

derrotar o inimigo, que fugiam apavorados ao ver vivo aquele que julgavam

morto, criando a fama de imortal. O Poema do Cid é um dos monumentos mais

antigos da literatura espanhola, início da literatura castelhana. Aderentes: O

Cid, tragicomédia de Pierre Corneille representada em 1637, de temática

inspirada em Las mocedades del Cid, de Guillén de Castro.

Carlos Famoso (1566), poema de autoria de Luis Zapata, talvez inspirado na

vida do Imperador Germânico Carlos V, príncipe dos Países Baixos, Rei da

Espanha, Rei da Sicília, neto do Imperador Maximiliano I e de Maria de

Borgonha, do também Rei da Espanha Fernando II e de Isabel I, a Católica.

Luís Zapata escreveu também Memorial histórico espanhol

Carlos Magno e os doze pares de França (1485), obra literária, que gerou

incontáveis filhotes, sobre os feitos guerreiros e conquistadores do imperador

Carlos Magno, muito popular em Portugal e no Brasil, inspirou série de gestas

e obras de cavalaria na Europa. No Brasil influenciou os poetas de Literatura

de Cordel e cantadores nordestinos, após a divulgação, em 1728, da edição

portuguesa de Jerônimo Moreira de Carvalho, traduzida do original francês

Conquêtes du Grand Charlemagne, de 1485.

Page 180: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

180

Comentário da guerra da Alemanha (1548), de Luis de Ávila, obra histórica em

prosa, deste que parece ser o historiador e estadista espanhol cuja notícia

chegou até nós (séc. XVI).

Coplas de Jorge Manrique (?-1479), famoso poeta espanhol, cujas importantes

Endechas foram traduzidas por Camões e mais tarde transpostas ao inglês por

Longfellow.

Crônica de Dom Afonso Henrique, de Fernão Lopes? (1380-1458), obra de

feição arturiana, baseada nas tradições épicas ibéricas.

Crônica de Lepolemo, Valência 1521. Aderentes: Crônica breve do Arquivo

Nacional (Portugal 1429), Crônica da conquista do Algarve, de Paio Correia

(1419); Crônica de Portugal de 1419, relato histórico dos sete primeiros reis de

Portugal; Crônica do Imperador Clarimundo, romance português de cavalaria

escrito por João de Barros (1522), Crônica do príncipe Dom João (1567) e

Crônica do Rei Dom Manuel (l566/1567), obras históricas de Damião de Góis;

Crônica Geral de Espanha, a mais antiga compilação de natureza histórica em

língua portuguesa (1344); Crônicas breves de Santa Cruz de Coimbra (?);

Crônicas de Froissart, que relatam os fatos acontecidos na Europa entre 1325

a 1400; Grandes Crônicas de França, história dos reis de França das origens

ao sim do Séc. XV; Crônica do Grão-Capitão Gonçalo Hernández de Córdova e

Aguilar, de Florismarte de Hircánia, Alcalá de Henares, 1584

Crônicas Diversas: Crônica de Dom Afonso Henrique, de Fernão Lopes (1380-

1458), obra de feição arturiana, baseada nas tradições épicas ibéricas. *

Crônica breve do Arquivo Nacional (1429). * Crônica da conquista do Algarve,

de Paio Correia (1419). * Crônica de Lepolemo, Valência (1521). * Crônica de

Portugal de 1419, relato histórico dos sete primeiros reis de Portugal. * Crônica

do Grão-Capitão Gonçalo Hernández de Córdova e Aguilar, de Florismarte de

Hircánia (1584). * Crônica do Imperador Clarimundo, romance português de

cavalaria escrito por João de Barros, (1522). * Crônica do mui valente e

esforçado Cavaleiro Platir filho do Imperador Primaleão, anônimo, Valladolid

(1533). * Crônica do príncipe Dom João (1567), de Damião de Góis. * Crônica

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181

do Rei Dom Manuel (l566/1567), obra histórica de Damião de Góis. * Crônica

dos nobres Cavaleiros Tablante de Ricamonte e Jofre (1513), livro de

cavalarias traduzido da novela provençal intitulada Jaufré (séc. XII). * Crônica

Geral de Espanha, a mais antiga compilação de natureza histórica em língua

portuguesa (1344). * Crônicas breves de Santa Cruz de Coimbra (?). * Crônicas

de Froissart, que relatam os fatos acontecidos na Europa entre 1325 e 1400. *

Grandes Crônicas de França, história dos reis de França das origens ao sim do

Séc. XV.

Decamerão, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), escritor italiano, a maior

figura do Renascimento (A caça de Diana (1334), Os trabalhos de amor (1336),

O filóstrato (1338), Teseida (1339), poema épico em linguagem vulgar. Sua

obra principal é Decamerão (1348), contos no qual exalta a beleza e o amor,

tornando-se o primeiro grande realista da literatura. Amigo de Petrarca, foi o

primeiro escritor italiano a ler Platão e Homero no original, escreveu ainda:

Fiammeta (1343), A visão amorosa (1342), A ninfa de Fiésole (1344), Vida de

Dante e comentário sobre A divina comédia, Sobre a vida e os hábitos de

Francesco Petrarca, Mulheres célebres (1362).

Desengano de zelos, de Bartolomeu López de Enciso, Madri 1586.

Diálogos de amor, de Leão Hebreu, escritor judeu de língua italiana, escreveu

Dialoghi d'Amore, editado várias vezes no séc. XVI, onde defende o conceito

neoplatônico do amor. Suas obras tiveram grande repercussão entre os

intelectuais da época e influenciaram não só Cervantes, como também Vivés,

Giordano Bruno e Spinoza.

Diana enamorada (1564), novela pastoril, de Gaspar Gil Polo. Mit. Nome latino

de Ártemis, uma das 12 divindades do Olimpo, filha de Júpiter e Latona, irmã

gêmea de Apolo, nasceu na ilha de Delos, vivia na Arcádia e dedicava-se à

caça, acompanhada pelas ninfas. Sempre casta e virgem, Diana exigia o

mesmo de suas acompanhantes.

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Diana A segunda (Alcalá de Henares 1564), assim chamada por ser do médico

salmantino Alonso Pérez. Uma tentativa pouco considerada de continuação de

A Diana, obra de Jorge de Montemayor.

Ditischa Catonis (Livro de Aforismos), de Dionísio Catão (?)

El monserrate (Madri 1588), de Cristóbal de Virués tornou-se conhecido no

teatro pelas tragédias cheias de horror. Porém, sua obra maior é mesmo a

epopéia religiosa El Monserrate, escrita em 1587.

Eneida (29aC), de Virgílio (79aC-19aC), tradução espanhola de Gregório

Hernández de Velasco 1559. Publius Vergilius Maro, poeta latino de família

modesta, estudou em Cremona, Milão e Roma, freqüentou o círculo literário de

Asínio Pólio. Escreveu Bucólicas, Geórgicas e a vasta epopéia nacional

Eneida, considerada a mais importante obra da latinidade. A celebridade do

poeta não parou de crescer, originando o ciclo de lendas em torno de sua

memória.

Epístola aos pisões, de Horácio (65aC-8aC), poeta latino, filho de escravo,

conheceu Virgílio que o apresentou a Mecenas, a quem se ligaria por profunda

amizade até a morte. Epicurista elegante e artista refinado, legou às letras

latinas uma poesia ao mesmo tempo familiar, nacional e religiosa (Sátiras,

Epodos, Odes, Epístolas), que fizeram com que fosse considerado pelos

humanistas como modelo de virtude clássica, de equilíbrio e medida.

Epístolas familiares (1539-1541), de frei Antonio de Guevara. Cervantes faz

alusão irônica a esta obra, cheia de falsa erudição, baseando-se na autoridade

que o bispo teria em matéria de rameiras, pois numa das cartas ele fala de

Lamia, Laida e Flora, três célebres prostitutas da antigüidade. Guevara

escreveu também Relógio dos príncipes (1529), Desprezo da Corte (1539).

Espelho de Cavalarias (1586), coletânea de traduções de Orlando enamorado

por Pedro de Reynosa, em três partes: a primeira trata de Dom Roldão e Dom

Reinaldo (Sevilha 1533), a segunda dos amores de Roldão com Angélica, a

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Formosa (Sevilha 1536), a terceira trata dos feitos do infante Dom Roserim e o

fim que teve com a princesa Florimena (Sevilha 1550). Toda a obra é adaptada

e inspirada na obra de Matteo Boiardo, pois o paladino Reinaldos de Montalbán

é, depois de Roland, o mais famoso personagem dos poemas cavaleirescos de

Boiardo e de Ludovico Ariosto. Parte I: Dom Roland e Dom Reinaldo; Parte II:

Os amores de Roland com Angélica, a Formosa; Parte III: O Infante Dom

Roserim e o fim que teve com a Princesa Florimena.

Felixmarte de Hircanía (1556), de Melchor de Ortega, cavaleiro de Ubeda,

também protagonista, nasceu numa montanha, ajudado por uma mulher

selvagem. Entre suas sonhadas aventuras, conta haver posto em fuga um

exército de 1,6 milhões de combatentes. Trata-se de mais uma saga heróica de

cavalaria, de caráter disparatado, das muitas que inundaram a Europa

medieval. Hircânia é o nome antigo da região do Irã, a sudeste do mar Cáspio,

entre a Margiana e a Média. O romance também é citado como Florismarte de

Hircânia.

Fierabrás, canção de gesta do séc. XII, celebra a reconquista das relíquias que

o gigante sarraceno Fierabrás havia se apoderado por ocasião da conquista de

Roma. Personagem das lendas carolíngias, dono de um bálsamo milagroso,

"originado da essência usada para embalsamar Jesus Cristo", que tornava

invencível (portanto imortal), quem o possuía. Chegou até nós como Ferrabrás,

sinônimo de valentão, fanfarrão, indivíduo violento, abrutalhado e correu o

nordeste na cabeça de cantadores, autores de poesia de cordel, originando

inúmeros romances e folhetos.

Floresta geral, de Melchior de Santa Cruz (?)

Florisel de Niqueia, de Feliciano de Silva, conta a história de Florarlán de

Tracia, denominado "O Cavaleiro das Donzelas", o autor escreveu também as

novelas de cavalaria Lisuarte de Grécia e Dom Rogel de Grécia, segunda e

terceira partes de Florisel de Niqueia.

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Guerras civis de Granada (1595/1604), de Ginés Pérez de Hita (1544-1619). O

reino de Granada, último bastião muçulmano da Espanha, foi tomado pelos reis

católicos em 1492, final da Reconquista. Os habitantes muçulmanos

(mouriscos) rebelaram-se e só foram derrotados após dura guerra comandada

por Don Juan da Áustria (1568-1571). A Revolta dos Mouros, verdadeira guerra

civil, redundou em morticínio e expulsão de todos os mouros do país,

consolidada em 1609, gerou irreparáveis perdas econômicas, artísticas,

humanas e sociais para a Espanha e Portugal.

História da linda Magalona, filha do Rei de Nápoles, e de Pierres, filho do

Conde de Provença, Burgos 1519 Princesa Magalona, novela (em provençal e

latim) medieval de cavalaria, de autoria do cônego Bernardo de Treviez

(primeiro quartel do Século XIV), com versões em francês, italiano, alemão,

flamengo, dinamarquês, polonês, grego, espanhol, português, etc.

História das façanhas e feitos do invencível Cavaleiro Bernardo del Carpio, de

Agustín Alonso, Toledo 1585. Bernardo del Carpio é o lendário herói basco,

personagem central do ciclo do Romanceiro e de epopéias de Cristóbal Suárez

de Figueroa e de Bernardo de Balbuena, inspirou também Félix Lope de Vega.

Ao vasconço Bernardo del Carpio se atribui a vitória na batalha de

Roncesvalles, região do país Basco no vale dos Pirineus, onde em 778 a

retaguarda do exército de Carlos Magno foi dizimada, mortos os doze pares de

França, entre eles o paladino Roland.

História de Clamades e Clarmonde, livro de cavalaria de 1562

História de Henrique Fi de Oliva, outro romance de cavalaria, editado em

Sevilha, 1498

História do famoso Cavaleiro Tirante o Branco, de Johanot Mastorell e Martí

Johan de Galba, Valência 1490, Barcelona 1497, Valladolid 1511. Tirant lo

Blanch, romance de cavalaria de autores catalãos, em que aventuras

fantásticas se alternam com cenas cruas, realistas e obscenas. "faço de conta

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que nele achei um tesouro de contentamento e mina para passatempos", diz

Cervantes no Quixote, "em razão de estilo não há no mundo livro melhor".

História dos amores de Clareo e Floriséia (1552), romance pastoril, de J. de

Contreras

História Natural, de Plínio, o velho, recolhidas e divulgadas por Pedro Mexía e

Silva, de vária lección (1540).

Índice Expurgatório, do Cardeal Zapata (1632), censor espanhol que mandou

expurgar algumas palavras do Dom Quixote (Capítulo XXXVI (Parte II): "y

advierta Sancho, las obras de caridad que se hacen tibia y flojamente, no

tienen mérito ni valen nada". A censura só acabou na edição de 1863, quando

o aforismo voltou a aparecer.

Jardim de flores (1570), de Antônio de Torquemada (Salamanca 1570), autor

também do livro de cavalarias Dom Olivante de Laura (Barcelona 1564).

(Aderente: Tomás de Torquemada (1420-1498), inquisidor-geral para toda a

península ibérica, perseguidor fanático dos proclamados hereges e dos judeus

que foram expulsos da Espanha. Famoso por sua crueldade, que ainda hoje

deve estar no Inferno pagando seus crimes).

Jerusalém libertada (1581), poema épico de Torquato Tasso, em 20 cantos,

com 15.000 versos distribuídos em oitavas, conta a tomada de Jerusalém pelos

Cavaleiros cristãos da I Cruzada (1099). Ao relato da I Cruzada mesclam-se

episódios romanescos como a paixão de Hermínia por Tancredo e a morte de

Clorinda. Tasso realizou nessa obra a fusão de uma epopéia nos moldes de

Virgílio com a matéria típica das canções de gesta e da poesia cortês da Idade

Média.

La Aracaunia, poema épico de Alonso de Ercilla y Zúñiga, em 32 cantos, sobre

a descoberta da América (Madri 1569-1589). O tema versa também sobre a

expedição ordenada por Filipe II para combater e dizimar os araucanos. A

Araucânia é uma região central chilena entre os Andes e o Pacífico (capital

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186

Temuco), terra dos araucanos, genérico dado pelos espanhóis no séc. XVI aos

índios do planalto central, que vivem nas reservas entre Copiapó e Chiloé, a

cuja família lingüística compreende dialetos mapuches e influenciaram muito o

castelhano falado no Chile.

Labirinto da sorte, de Juan de Mena, poema alegórico do "grande poeta

cordobês e notável poeta hispânico", autor também de As Trezentas.

Lazarillo de Tormes (1554), a primeira novela picaresca espanhola. A ela

seguiram-se Guzmán de Alfarache (1599), de Mateo Alemán, Buscón (?), de

Francisco Quevedo e muitas outras. Por longo tempo Lazarillo foi considerada

anônima, porém hoje sabe-se que a autoria é do literato, guerreiro e diplomata

Diego Hurtado de Mendoza. Os intelectuais espanhóis tiveram interesse em

mantê-la anônima, por ser picaresca, escrita por quem... e em plena Inquisição!

Do mesmo modo procedem com a Parte II apócrifa do Quixote.

Livro de Cavalarias, (?), Toledo 1513

Livro do famoso Cavaleiro Palmerim de Oliva, Salamanca 1511, novela

espanhola de cavalaria, de autor anônimo, que inspirou, a partir de 1586,

romances análogos na literatura européia, com reflexos em todo o mundo.

Livro do mui esforçado Cavaleiro Palmerim de Inglaterra, Toledo 1547.

Romance de cavalaria de autoria do português Francisco de Morais (1544?).

No entanto, diz Cervantes no Quixote: "Este livro, senhor compadre, tem

autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de si muito bom; segundo, por

ter sido seu autor um discreto Rei de Portugal". O livro é da época em que

reinou Dom João III (1521-1557). Inspirado na tradição do Amadis de Gaula,

tem antecedente espanhol no Palmerim de Oliva (1511). Ao Palmerim de

Inglaterra (1547), em duas partes, seguiram-se a terceira e quarta partes, em

1587, nas quais "se tratam as grandes cavalarias de seu filho, o príncipe Dom

Duardos II", de autoria de Diogo Fernandes. A quinta e a sexta partes,

publicadas em 1602, dizem respeito ao "príncipe Dom Clarisol de Bretanha,

Page 187: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

187

filho de Dom Duardos". Seu autor é Baltasar Gonçalves Lobato, que utiliza

amplamente elementos de cultura clássica e de mitologia.

Livro primeiro do valoroso e invencível Príncipe Dom Belianis de Grécia,

Primeira, segunda, terceira e quarta partes (1547-1579), de Jerónimo

Fernández. Nesta série de livros de cavalaria os exageros são o destaque: já

no dois primeiros volumes o herói recebe 101 feridas graves! Em seguida

aparece um luxuoso castelo, tão grande que nele cabem dois mil Cavaleiros

com montaria e tudo. O castelo é um veículo que se move sobre rodas de

prata, puxado por elefantes! Outras maravilhas são ali descritas.

Loa das cortes da morte, de Mira de Amescua (?).

Luz da alma cristã contra a ceguidade e ignorância no que pertence à fé e lei

de Deus e da Igreja, de Frei Felipe de Menezes, Valladolid 1544, dominicano,

obra de tendência erasmista.

Lusitânia transformada (1607), de Fernão Álvares do Oriente, escritor e poeta

português, maneirista, muito influenciado por Petrarca, Camões e Sannazzaro,

cuja Arcádia inspirou esta coletânea de novelas pastoris.

Memorial das proezas da segunda Távola Redonda, de Jorge Ferreira de

Vasconcelos (1515-1585), português, autor de obras em que o diálogo tem

função e importância capitais, conforme declarou em Eufrósina (1555). Além

das peças Ulíssipo, Aleugrafia e outras, escreveu o romance de cavalaria

Memorial da segunda távola redonda.

Metamorfoses ou O Ovídio Espanhol, provável citação a As Metamorfoses,

poema mitológico de Ovídio (43aC-16), em 15 livros. Esta obra, dos momentos

mais brilhantes da poesia latina, encerra todas as lendas da mitologia e dos

tempos fabulosos

Mort Arthur (1230), romance de cavalaria anônimo francês, o último do ciclo

Lancelot-Graal. O Rei Artur é mortalmente ferido por Mordred, raptor de

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188

Crunevere e filho incestuoso do Rei. Sua espada, jogada num lago, é agarrada

por uma mão misteriosamente saída da água.

Naufrágio e lastimoso sucesso da perdição de Manuel de Souza Sepúlveda

(1594), poema de Jerônimo Corte Real, cuja concepção obedece a um

sentimento de tragédia coletiva, que abrange de modo muito específico a

aristocracia nobiliária.

Ninfas de Henares, de B. González de Bobadilla (1587).

Novelas exemplares, de Miguel de Cervantes, Novela de Riconete e Cortadillo

(1604), uma das Novelas Exemplares do próprio Cervantes, que faz

autopromoção dentro do Quixote.

O Cavaleiro da carreta (séc. XII), de Chrétien de Troyes, novela medieval, uma

das muitas lendas artúricas, na qual Lancelote é transportado numa carroça

conduzida por um anão, estratagema que Cervantes usou em Dom Quixote, II.

O Cavaleiro da Cruz, Toledo 1526, romance de cavalaria, consta de duas

partes: a primeira é Crônica de Lepolemo, chamado Cavaleiro da Cruz, filho do

imperador de Alemanha, "composta em árabe por Xarton e trasladada ao

castelhano por Alonso de Salazar" (Valência, 1521). A segunda foi editada em

Toledo, 1526.

O Cavaleiro do Febo (1555), de Ortúñez de Calahorra

O Cavaleiro do Febo, Lirgandeu (?)* (Mit.) Febo ou Apolo, deus grego e

romano dos oráculos, da medicina, da poesia, das artes, dos rebanhos, do dia

e do sol. Nesta última qualidade também chamado Febo. Era filho de Júpiter e

de Latona, irmão gêmeo de Diana. Nascera na ilha de Delos. Celebravam-se

em sua honra os Jogos Apolinares)

O livro dos trajos (?), pseudo livro citado por Cervantes como obra que para

nada serve, literatura inútil.

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189

O mercador amante, novela picaresca de Gaspar de Aguiar, Valência (?)

O passageiro, de Cristóvão Suárez de Figueroa (1571-1644)

O pastor da Ibéria, de Bernardo de la Vega, Sevilha 1591

O pastor de Fílida, de Luís Galvez de Montalvo, Madri 1582

O pastor fido (Il pastor fido) (1590), de Giovanni Batista Guarini, escritor

italiano, escreveu poesias, comédias e a célebre tragicomédia pastoril Il pastor

fido, prenúncio da literatura barroca.

O que realmente ocorreu na famosa batalha de Roncesvalles, com a morte dos

doze pares de França, de Francisco Garrido de Villena, Valência 1555.

Roncesvalles é a vila da Espanha na Navarra, vale dos Pirineus, onde em 15

de agosto de 778, na passagem do desfiladeiro, a retaguarda de Carlos Magno

foi surpreendida e destruída pelos Vasconços (guerreiros montanheses

bascos). Entre as vítimas encontrava-se o paladino Roland, cuja história se

transformou em lenda na Canção de Roland.

Obras de Garcilaso com anotações (1580), de Fernando de Herrera. Livro do

qual Cervantes retirou algumas frases feitas para montar a dedicatória "Ao

Duque de Béjar", em Quixote Tomo I.

Odisséia, poema épico grego de 24 cantos atribuído a Homero. Ligando-se,

como a Ilíada, ao ciclo da guerra de Tróia, a Odisséia é consagrada ao retorno

de Ulisses, que durante dez anos afrontou perigos em terra e mar, antes de

voltar ao seu reino de Ítaca. O poema compõe-se de três partes: 1)

"Telemaquia" (cantos I-IV), em que Telêmaco parte à procura do pai; 2) "Volta

de Ulisses" (cantos V-XIII), em que Ulisses, recolhido após um naufrágio por

Alcino, rei dos feácios, relata suas peregrinações que o levaram até os

Lotofagos, os Ciclopes, a feiticeira Circe, os Infernos, o mar das Sereias e, por

fim, à ninfa Calipso; 3) "Vingança de Ulisses" (cantos XIV-XXIV), em que

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190

Ulisses chega a Ítaca disfarçado de mendigo, entra no seu palácio, invadido

pelos pretendentes à mão de sua esposa Penélope; ela porém declara que só

se casará com aquele que conseguir manejar o arco de Ulisses; então, ele se

dá a conhecer e massacra os pretendentes. A obra exalta o espírito de

aventura dos gregos e a vitória da inteligência sobre a força bruta. Segundo

Heródoto, Homero viveu no Século IX aC, de origem jônica, que era cego e

percorria o mundo mediterrâneo recitando poemas. A poesia homérica ficou

popular e constituiu exemplo para todos os épicos. A poesia épica ocidental é

fortemente influenciada pela Ilíada e Odisséia: desde a Eneida, de Virgílio e Os

Lusíadas, de Camões até encontrar ressonância nos contemporâneos Ezra

Pound e James Joyce.

Orlando Enamorado, de Matteo Maria Boiardo, poema em três livros e 69

cantos. Os dois primeiros livros foram publicados em 1487, a edição completa

dos 69 cantos é de 1495. A obra, inacabada, inspirou-se na epopéia carolíngea

e nos romances bretões, mas combina à narrativa dos combates contra os

infiéis episódios maravilhosos, encantamentos, anéis mágicos, castelos

encantados e o relato da paixão de Orlando por Angélica. O nome Orlando é

constantemente alternado com Rolando.

Orlando Furioso, de Ariosto Ludovico Ariosto, poema publicado em 40 cantos

em 1516 e, em 1532, sob a forma definitiva em 46 cantos. Ariosto retoma o

Orlando enamorado onde Boiardo o havia interrompido. Narra sobretudo a

loucura de Orlando, desdenhado por Angélica, a viagem de Astolfo à lua

montado num hipogrifo, para trazer a poção que deveria curar Orlando, os

amores de Roger e de Bradamante, que originariam a família de Este. Cada

canto se inicia por uma digressão sobre a sociedade da época. Orlando é às

vezes Rolando.

Os amores de Lancelote e Ginevra (12..?), O Livro de Lancelote do Lago,

Cavaleiro da Távola Redonda. Título dado a um dos grandes romances em

prosa do Século XIII, que tem como tema o rapto da rainha Guinevere, mulher

do Rei Artur, amada por Lancelote. Chegou até o nordeste brasileiro, em

versões portuguesas, onde inspirou vários folhetos de cordel.

Page 191: Salomão Rovedo - Viagem em Torno de Dom Quixote

191

Os dez livros de fortuna de amor (1573), de Antônio de Lofraso, poeta sardo.

Cervantes cita elogiosamente este livro em Quixote em nota que os críticos

consideram irônica, já que em outra obra Viagem ao Parnaso, o havia criticado

com piadas.

Os quatro livros do valoroso Cavaleiro Dom Cirolíngio de Trácia, Sevilha 1545?

Os seis livros da Galatéia, de Miguel de Cervantes, Alcalá de Henares 1585.

Galatéia, nereida mitológica, amada por Ácis, pastor da Sicília, atirou-se ao mar

para escapar do ciclope Polifemo, que havia esmagado Ácis. Cervantes ficou

na carreira das armas até fins do ano de 1583. Quando publicou Os Seis Livros

da Galatéia, renunciou à profissão militar, onde não ganhou nada, para

dedicar-se à literatura. A Galatéia foi razoavelmente bem recebido pelo público

e animou o autor de tal maneira que encerrou o livro com o seguinte parágrafo:

"O fim desta história amorosa, com todo o acontecido a Galércio, Lênio e

Gelasia, Arsindo e Maurisa, Grisaldo, Artandro e Rosaura, Marcílio e Belisa e

com outras coisas sucedidas aos pastores citados até aqui, ficam prometidos

para a segunda parte desta história, a qual, se esta primeira parte for bem

recebida, terá o atrevimento de sair brevemente para ser vista e julgada pelos

olhos e pelo entendimento dos leitores". Como muitas das promessas não

cumpridas, esta segunda parte jamais foi escrita.

Os sete contra Tebas (467aC), de Ésquilo, poeta grego, tragédia de força

poética inigualável. Das numerosas tragédias que escreveu, ficaram sete, entre

elas As Suplicantes (490aC), Prometeu Acorrentado (467aC), Os sete contra

Tebas (467aC). Esta última baseada na lenda tebana da Guerra dos Sete

Chefes contra Tebas, que opôs os dois filhos de Édipo, Etéocles e Polinices,

pela posse do reino de Tebas. Dele participaram sete chefes gregos, que

deixaram a seus filhos, os Epígonos, a missão de vingá-los de sua derrota. Ao

final dessa guerra, em que os dois irmãos inimigos se mataram, um ao outro,

Creonte retomou o trono de Tebas. Esse tema inspirou não só Ésquilo, mas

também Eurípedes (As fenícias), Estácio (A Tebaida) e Racine (A Tebaida),

entre outros.

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Os sete livros de Diana (1559), romance pastoril escrito em castelhano, em

prosa e verso, de Jorge de Montemayor, poeta português (escreveu quase toda

sua obra em espanhol). O êxito retumbante alcançado por essa série de

queixas amorosas de pastores foi devido principalmente à beleza da forma.

Também autor de um Cancioneiro, com o romance A Diana, traduzido em

várias línguas, Jorge de Montemayor introduziu o gênero bucólico na

península.

Pantagruel ou Horríveis e espantosos fatos e proezas do muito renomado

Pantagruel (1532), romance de Rabelais, é uma paródia cômica dos romances

de cavalaria e da historiografia da época, publicada sob o pseudônimo de

"Alcofribas Nasier", relata as aventuras de Pantagruel e precede as proezas de

seu pai Gargântua (1534), destacando a importante figura do personagem

Panurgo, cujo nome transcrito do grego panourgos significa "industrioso",

"capaz de tudo". Panurgo faz o tipo debochado, poltrão, cínico, mas dotado de

espírito fértil e alegre, brincalhão, é o fiel companheiro de Pantagruel. Está aí a

provável razão do intraduzível ingenioso, com que Cervantes batiza o fidalgo

Dom Quixote, que até mesmo os mais famosos cervantinos não conseguem

(ou não querem) decifrar...

Patrañuelo (1565), de J. de Timoneda, escreveu também Sobremesa e alívio

dos caminhantes (1569).

Peregrinação que dá conta de muitas e mui estranhas cousas que viu e ouviu

no reino da China, no de Tartária, no de Surnau, que vulgarmente se chama

Sião, no de Pegu, no de Martavão e em outros muitos reinos e senhorios das

partes orientais, de que nestas nossas do Ocidente há muito pouca ou

nenhuma notícia. E também dá conta de muitos casos particulares que

aconteceram assi a ele como a outras muitas pessoas. E no fim dela trata

brevemente de algumas cousas e da morte do santo padre mestre Francisco

Xavier, única luz e resplendor daquelas partes do Oriente e reitor nelas

universal da companhia de Jesus (1614), narrativas escritas por Fernão

Mendes Pinto, aventureiro, escritor e viajante português, publicada após a

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morte do autor. Por volta de 1537 ele tomou lugar numa caravela e partiu para

a Índia, começando a odisséia que resultou na obra. O autor narra muitos

exageros, mas sua obra constitui um dos mais ricos repositórios de dados

sobre a época e costumes das regiões que percorreu. Em 1582 os jesuítas

Maffei, Rebelo e Gonçalves dele obtiveram Algumas informações da China,

publicadas no número 13 da Revista de História. A Peregrinação foi traduzida

para vários idiomas.

Poema trágico do espanhol Gerardo e desengano do amor lascivo (1615), de

Gonzalo de Céspedes y Menezes (1585-1638), escritor espanhol autor também

do romance picaresco Fortuna vária do soldado Píndaro (1624).

Primeira parte de ninfas e pastores de Henares, de Bernardo de Bobadilla,

Alcalá de Henares, 1587.

Refrães e provérbios, de Fernão Nuñez de Guzmán, Salamanca 1555.

Romance da Rosa, obra-prima da poesia alegórica, dividido em duas partes, a

primeira datada de 1230-1235, composta de 4.058, versos é atribuída a

Guillaume de Lorris. Constitui a arte de amar resumindo os grandes princípios

de fine amor dos trovadores. O objeto do desejo, representado pela Rosa, é

vedado por obstáculos que se multiplicam em personificações como Perigo,

Medo, etc. A segunda parte, com 17.723 versos, foi escrita entre 1270 e 1275

por Jean de Meung, dando aos amantes os mesmos interlocutores ele lhes

presta os mais longos discursos inspirados pela Arte de amar, de Ovídio e pela

filosofia de Alain de Lille.

Romance de Alexandre, o Grande, história romanceada de Alexandre Magno.

Entre os séc. XII e XIII, vários poetas, Lambert le Tort, Alexandre de Bernay,

Pierre de Saint-Cloud, retomaram a versão em pointevin (dialeto da língua d'oil)

do relato da vida de Alexandre, optando pelo verso de 12 sílabas, dando

origem ao nome "alexandrino". Esse conjunto de romances, que introduziu na

Europa o pendor oriental pelo maravilhoso, remonta à narrativa fabulosa do

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romancista grego do séc. II dC, o pseudo Calístenes. Tem evidente conotação

cavaleiresca.

Ropicapnefma, curiosíssima obra de João de Barros, por muitos considerada a

"manifestação mais complexa e mais explícita do erasmismo português",

conforme José Saraiva. De difícil classificação, pode ser comparada a um

colóquio humanista e, analisando-se do ponto de vista de estruturação

alegórica, a alguns autos de Gil Vicente e contemporâneos. A obra retrata o

encontro de três personagens (Tempo, Vontade e Entendimento), que, à beira

do Rio de Morte, pretendem atravessar sua mercadoria (vícios) pela Alfândega

da Vida Eterna. A Razão impede a trama, iniciando-se uma discussão em que

o autor passa em revista toda a sociedade portuguesa da época, criticando-a

com ironia e abordando, analiticamente, os fundamentos do direito, da política

de guerra, da paz, da reforma do cristianismo, etc. Ropicapnefma, segundo o

autor, é uma expressão grega que significa "Mercadoria espiritual".

Sátira contra as damas de Sevilla, de Vicente Espinel, escritor, poeta e músico

espanhol de técnica primorosa, autor também do romance de aventuras

Marcos de Obregón (1618), no qual Lesage se inspirou para escrever Gil Blas.

Selva de aventuras (1565), de ?

Sete partidas, livro de Alfonso X, El Sabio (1221-1284), Rei de Castela e de

Leão, imperador germânico, príncipes dos mais esclarecidos de seu tempo,

animador do movimento intelectual que se desenvolveu na Espanha no séc.

XIII. Escreveu cantigas e compôs 420 poemas musicados em honra à Virgem

Maria (Cantigas de Santa Maria), além de obras relativas à língua castelhana,

direito, astronomia, xadrez. Dirigiu a publicação Tábuas Alfonsinas.

Summa summalarum (1557), Súmulas, conjunto de escritos que formam o

Tratado de Dialética da Universidade de Alcalá de Henares, escrito pelo

segoviano Gaspar Cardillo de Villalpando, catedrático da Universidade de

Alcalá de Henares.

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Suplemento a Virgílio Polidoro, (1550), [De inventoribus rerum, de Virgilio

Polidoro], tradução espanhola de Francisco Támara.

Tratado do amor de Deus (1592), obra de frei Cristóvão de Fonseca, pregador

augustino.

Vergel de consolação ou Virgeu de consolaçon, tradução em português

medieval do Vergel de Consolación, do frei Jacobo de Benavente, dominicano

espanhol de meados do séc. XIV. A obra trata dos pecados capitais e dos

vícios a que dão origem, das virtudes cardeais, das virtudes teologais e de

"outras virtudes honestas". O estilo é sentencioso, com abundância de citações

críticas, às vezes duras, à sociedade medieval.

Vida dos Césares, Suetônio Caius Suetonius Tranquillus, (69-126), historiador

latino, protegido de Plínio, o moço, sua obra mais importante é Vida dos

Césares, 12 biografias que abrangiam de César a Domiciano. Influenciou A

vida de Carlos Magno, de Einhardt, além de ter fornecido dados valiosos sobre

a personalidade dos imperadores romanos.

Vida e aventuras de Gusmán de Alfarache (1599, parte I e 1604, Parte II),

célebre romance picaresco espanhol de Mateo Alemán, adaptado em francês

muito habilmente por Lesage.

Viriato Trágico (1699), poema heróico de Brás Garcia de Mascarenhas,

guerreiro e poeta português de vida agitada e aventurosa, foi preso

injustamente acusado de traição à pátria. Mascarenhas escreveu também o

inédito e desaparecido Ausências brasílicas, no qual narra o seu exílio no

Brasil, para onde fugiu em 1623.

Yvain ou O Cavaleiro do leão, romance cortesão de Chrétien de Troyes,

composto em c. 1177. Esse poema, onde o maravilhoso céltico se mistura à

reflexão psicológica, é o modelo perfeito do romance do ciclo do Rei Artur.

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OUTRAS OCORRÊNCIAS: GENTES, TIPOS, TERRAS, REINOS...

A judia de Saragoça que cegou chorando lutos alheios (Até parece título de

folheto de literatura de cordel!) Chorar luto alheio é hábito árabe-judeu.

Homens e mulheres são contratados para gritar lamentos, se derramar em

choro, durante os ritos funerais. No Brasil ganhou o nome de carpideiras e

sobrevivem no interior nordestino, dando plantão nos velórios, quando

convocadas. Lá pelas tantas se interrompe a lamentação. Às carpideiras e

demais participantes do velório, é servida farta mesa de comida, bolos,

biscoitos, acompanhados de bebidas, refrigerantes, sucos.

Alcácer-Quibir, batalha travada entre portugueses e mouros em 1578 no

Marrocos. Uma das maiores mobilizações de tropas até então verificadas: os

portugueses contavam com 16 mil soldados sob o comando do rei Dom

Sebastião. Os árabes, dirigidos pelo sultão Abd al-Malik (Abde Almélique),

tinham 40 mil Cavaleiros e cerca de 9 mil infantes. A vantagem numérica foi

decisiva para o resultado, considerado o maior desastre das armas lusitanas. A

batalha durou apenas quatro horas e nela morreram cerca de 6 mil mouros e

mais de 8 mil portugueses. O rei Dom Sebastião morreu na batalha, levando

consigo grande parte da nobreza dirigente da Coroa, que perfilava a seu lado.

Do lado árabe, morreram o sultão de Marrocos e o mulei Mohamed

Almotauaquil, por isso a batalha ficou conhecida também como a "Batalha dos

Três Reis". Não deixando descendentes, o trono português passou para o tio-

avô de Dom Sebastião, Dom Henrique e dois anos depois para Filipe II da

Espanha, dando início à união das duas coroas.

Alexandre III, o Grande (356-323aC), rei da Macedônia, filho de Filipe II e de

Olímpia, exemplo tradicional de prodigalidade, aprendeu arte militar em

campanhas contra os trácios e os ilírios, participou da Batalha de Queronéia.

Educado por Aristóteles, em 336 sucedeu a seu pai. Derrotou o exército persa,

recusando-se a qualquer negociação com os vencidos. tornou-se senhor da

Ásia Menor, prosseguiu em seu plano de envolvimento do Mediterrâneo

oriental submetendo a Síria, penetrou no Egito, que estava sob o jugo dos

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persas, lá foi recebido como Libertador. Fundou Alexandria e atravessou o

Tigre e o Eufrates. Venceu Dario III, marcando o fim da dinastia dos

aquemênidas, empreendeu a fabulosa escalada que o conduziu para além do

Indo. Em 323aC Alexandre III morreu na Babilônia, como senhor absoluto do

mundo oriental, deixando um império que em poucos tempos seria dividido

entre seus generais. Sua vida, batalhas e guerras serviram de enredo a

diversos romances e gestas de cavalaria.

Álvaro de Bazan (1510-1588), marquês de Santa Cruz, almirante espanhol que

conduziu a esquadra espanhola contra os turcos na batalha de Lepanto, na

qual Cervantes lutou e foi ferido.

Aparicio de Zubia (séc. XVI), farmacêutico, inventor de óleo medicinal para

aplicação em feridas, bálsamo capaz de curar todas as chagas, que seria

utilizado por todos os Cavaleiros andantes (talvez aquele mesmo, cujos

milagres são citados em Fierabrás e no Quixote).

Artur (ou Artús) (séc. V-VI), legendário rei de Gales, patrono das histórias de

cavalaria do romanceiro medieval, que deu origem à Ordem dos Cavaleiros da

Távola Redonda. A figura de Artur como herói nacional deve-se muito aos

livros Historia Britonum (826) de Nennius e Historia Regum Britanniae (1136)

de Godofredo de Monmouth, cuja tradução francesa foi divulgada na Europa,

dando origem à chamada "matéria céltica", inspirando todo um conjunto de

poemas e narrativas conhecidas como "ciclo da Távola Redonda". Chrétien de

Troyes, Béroul, Maria de França, Thomas Mallory, entre outros, foram os

autores a partir dos quais se criou a mística em torno de Artur e dos Cavaleiros

da Távola Redonda, em muito alimentada pelas lendas do Santo Graal. Fonte

de muitos seguidores, tanta inspiração veio refletir no Renascimento, com

sobras consideráveis para alimentar vários folhetos de cordel em pleno séc.

XIX.

Barba-Roxa (I) (1122-1190), Frederico I, imperador germânico, retomou Roma

de Arnaldo de Brescia e foi coroado imperador em 1155, mas recusou-se a

comportar-se como vassalo, iniciando um demorado conflito com o papado.

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Após derrotar e arrasar Milão em 1162, Frederico I reforçou a autoridade

imperial na Itália, mas a inimizade religiosa o levou a ser derrotado em 1176

pela Liga Lombarda, aliada do Papa Alexandre III. Morto durante a III Cruzada

em 1190, o Barba-Roxa tornou-se, a partir do séc. XVI, a figura mítica do

imperador adormecido sob o monte Kyffhäuser, destinado a reaparecer com

seu exército para concretizar as esperanças populares nacionais.

Barba-Roxa (II), nome dado pelos historiadores ocidentais aos irmãos Baba

Arudj e Khair al-Din, piratas turcos fundadores do Estado de Argel no séc. XVI.

Khair al-Din ganhou do sultão Selim o título de paxá, invadiu e apoderou-se da

ilha de Peñon em 1529 e fundou a cidade de Argel. Posteriormente uniu-se à

frota francesa contra Carlos V em 1544, morreu em Constantinopla em 1546.

Barroco. Durante muito tempo o Barroco definiu apenas as artes plásticas. O

conceito aplicado à literatura surgiu no fim do séc. XIX com os trabalhos de

Jakob Burkardt e Heinrich Wöfflin. O termo "barroco" abrange em literatura uma

série de denominações. Em Portugal, Espanha e Itália, seiscentismo; na

França, preciosismo; na Inglaterra, enfuísmo e na Alemanha, silesianismo. São

características do barroco: linguagem pomposa, imagens sutis e obscuras,

musicalidade, descritivismo, exploração das possibilidades fonéticas da língua,

utilização do paradoxo, estilo rebuscado, jogo de palavras, oposições e idéias

abstratas, imagens e sugestões fora da realidade, virtuosismo, amplo uso de

alegorias, hibérboles, paralelismo, repetições, anáforas e antíteses,

exacerbação dos sentimentos, gosto do requinte, estilo sentencioso,

preocupação moralista, ritmo sincopado e metáforas sinuosas ligando imagens

complexas. Principais representantes: Góngora, Quevedo, Cervantes, Félix

Lope de Vega, Calderón de la Barca, Tirso de Molina (Espanha); Tasso,

Marino, Guarini, Della Porta (Itália); Montaigne, Pascal, Corneille, Racine,

Boileau (França); Lily, Donne, Bacon (Inglaterra); Silesius, Gryphius, Opitz

(Alemanha); Sóror Mariana de la Cruz, Hoje, Balbuena, Caviedas (América

espanhola); Rodrigues Lobo, Manuel de Melo, Tomás de Noronha, Frei Luís de

Sousa (Portugal); Gregório de Mattos, Manuel Botelho, Rocha Pita, padre

Antônio Vieira (Brasil). Em Portugal, o Barroco desenvolveu-se entre 1580 e

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1680, cobrindo todo o período em que o país esteve sob domínio espanhol

(1580-1640).

Belerofonte, filho de Possêidon, quis subir à morada de Zeus, este o precipitou

à terra. Cervantes faz apologia de cavalos célebres: Pégaso, cavalo alado de

Belerofonte e Bucéfalo, de Alexandre III, cavalos da mitologia e história

clássicas. Brilhadouro, Baiardo e Frontino, respectivamente, os cavalos de

Roland, Reinaldos de Montalbán e Bradamante (também de Ruggiero),

personagens de Orlando Furioso, de Ariosto. Bootes e Peritoa parecem

deformação dos nomes dos quatro cavalos de Apolo, chamados Eoo e Pireis.

Orelia é o cavalo de Dom Rodrigo, no romanceiro novo, que perdeu a vida e o

reino na batalha de Guadalete (711).

Benito Arias Montano (1527-1598), erudito espanhol que Filipe II enviou a

Antuérpia para dirigir a impressão da Bíblia Poliglota, editada por Platino,

primeira edição do texto original, acompanhada de todas as versões antigas.

Bernardino de Velasco, conde de Salazar, foi o encarregado de levar a cabo a

ordem de expulsão dos mouros em Castilla, La Mancha e Estremadura.

Carlos Magno ou Carlos I, o Grande, em latim Carolus Magnus (747-814), rei

dos francos e dos lombardos, imperador do Ocidente, filho mais velho de

Pepino, o Breve e de Berta, recebeu a unção real em 754. Carlos era um

homem alto 1,92m, de ombros largos, rosto imberbe, de vitalidade prodigiosa.

Cristão, inteligente, culto e simples, era porém autoritário, às vezes violento e

cruel, essa personalidade marcante explica a amplitude de seus feitos. Durante

46 anos de reinado realizou 53 expedições militares para expandir os domínios

da cristandade, proteger o estado franco e impor sua hegemonia.

Considerando-se efetivo chefe do povo cristão, a quem deveria guiar rumo à

salvação eterna por determinação de Deus, Carlos Magno, leitor de Cidade de

Deus, de Santo Agostinho, quis estabelecer uma espécie de estado teocrático

para fazer reinar a paz e a concórdia. "Rei em seu poder" e "padre em seus

sermões", exerceu o poder absoluto sobre seus súditos, leigos e eclesiásticos,

protegendo e dirigindo a Igreja. Promotor do primeiro florescimento da cultura

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européia, lançou também os fundamentos da cristandade, fazendo do

cristianismo o elo essencial dos povos de seu império. Carlos realizou a

primeira reunião territorial da Europa, esboço da formação atual.

Cavalaria. Instituição feudal, militar e religiosa da Idade Média. Os nobres que

pretendiam fazer parte dela deviam submeter-se às formalidades de cerimônia

solene, na qual prestavam juramento de combater os infiéis, proteger os fracos

e oprimidos. Eram então armados Cavaleiros. A Cavalaria era originalmente

encarregada de defender os lugares santos. O caráter sagrado da Cavalaria, o

ideal de perfeição cristã na vida guerreira que ela propunha, encontraram o seu

ápice por ocasião das Cruzadas, com a criação das ordens militares. As

principais ordens de cavalaria foram a dos Templários, a do Hospital ou de São

João de Jerusalém, a de Avis e a de Santiago da Espada. A ética cavaleiresca,

a influência dos romances de cavalaria, deram lugar ao ideal refinado do

Cavaleiro, de acordo com um código complexo de honra e ideais, sonho de

realizar façanhas, mesmo extravagantes, pelo amor de sua dama. Assim

completou-se o declínio da cavalaria, que se tornou, ao fim da Idade Média,

apenas um grau de nobreza.

Cid Campeador (1043-1099), Rodríguez Díaz de Vivar, El Cid, herói nacional

espanhol, filho de Diego Láinez, fidalgo castelhano, capitão de Sancho II, rei de

Castela e Leão, ao lado de quem se distinguiu contra os navarreses, adquirindo

o nome de Campeador (vencedor de batalhas). Passou ao serviço de Alfonso

VI, que lhe deu por esposa uma parente. Banido de Castela pelo rei, que temia

sua ambição, pôs-se a serviço do emir de Saragoça e lutou ao lado dos

muçulmanos, que lhe deram o título de sidi (senhor), antes que ele se

apoderasse de Valência em 1095, onde reinou até a morte. O personagem do

Cid inspirou o Cantar de mio Cid (1140), que relata os últimos anos de vida do

herói, um dos mais belos monumentos da literatura espanhola da Idade Média.

A Crônica Rimada (séc. XV), evoca a juventude do Cid. Essas duas obras são

a origem de todo um ciclo chamado Romanceiro do Cid.

Cipião Emiliano (206-254aC), O Africano, general e imperador romano,

encarregado da destruição de Cartago (África) e Numancia, cidade da antiga

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Espanha, que desafiou durante catorze anos o poder de Roma e que foi

tomada e destruída em 133aC.

Cruzadas. Nome dado às expedições militares empreendidas no séc. XI ao XIII

pelos cristãos do Ocidente, por instigação do papado, que lhes fixava por alvo

a libertação dos lugares santos ocupados pelos muçulmanos, ditos infiéis.

Favorecidos pelas condições sociais e econômicas da Europa Ocidental, as

cruzadas encontraram sua origem longe das prescrições eclesiásticas do séc.

IX. Estas santificavam a luta contra os infiéis pela defesa dos cristãos

oprimidos e tinham como causa imediata a invasão da Ásia Menor e da Síria

pelos turcos seljúcidas, que ocuparam Jerusalém em 1077. Em 1095 no

Concílio de Clermont, o Papa Urbano II apelou para a cristandade ocidental

dirigir-se em socorro dos cristãos do Oriente oprimidos pelos turcos e libertar

os lugares santos, desencadeando assim a I Cruzada. Por trás do fator

religioso sobressaíam os interesses militares, econômicos e de conquista. I

Cruzada (1096-1099). Após o apelo de Urbano II, bandos de peregrinos

lançaram-se na estrada liderados por Pedro o Eremita e Gautier Sem Nada,

chegando pelo Vale do Danúbio até a Ásia Menor, sendo ali massacrados

pelos turcos em Civitot. Logo em seguida seguia a Cruzada dos Barões, mais

organizada, com cerca de quatro exércitos, dirigidos pelo legado Adhemar de

Monteil e outros grandes senhores do Ocidente. Após terem vencidos os turcos

em Doriléia (1097), as cuzadas apoderaram-se de Edessa, Antioquia e

Jerusalém, que somadas a Trípoli se tornaram as capitais dos quatro estados

latinos que foram fundados para defender a Terra Santa. II Cruzada (1147-

1149). Provocada pela retomada de Edessa em 1144 pelo atabegue Mossul, foi

pregada por São Bernardo, por iniciativa do Papa Eugênio II. Conduzidos por

Luís VII e pelo imperador Conrado III, os dois exércitos dessa expedição

desceram o Danúbio e alcançaram a Antioquia e Acre por mar. Após terem

sitiado em vão Damasco, os dois monarcas retornaram ao Ocidente em 1148,

sem haver tentado livrar Edessa. III Cruzada (1189-1192). Foi decidida pelo

Papa Gregório VIII em seguida à tomada de Jerusalém por Saladino em 1187.

Ao apelo do papa, Frederico I Barba Ruiva deixou Ratisbonne em 1189,

tomando o itinerário danubiano. Foi bem sucedido na travessia da Ásia Menor,

mas afogou-se na Cilicia atravessando Sélef (Goksu). Partindo de Vézelay,

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Filipe II, Augusto e Ricardo Coração de Leão tomaram o caminho do mar e

fizeram capitular Acre, após a conquista de Chipre pelo rei da Inglaterra. Não

conseguindo, porém, recuperar Jerusalém, este último concluiu com Saladino

uma trégua em 1192, que deixou aos francos a costa de Tyr-a-Jafa e

assegurou aos cristãos o livre acesso aos lugares santos. IV Cruzada (1202-

1204). Reunida por iniciativa do papa Inocêncio III, foi conduzida contra o Egito

em 1202, para obrigar o sultão a restituir Jerusalém, foi desviada pelos

venezianos que, para estender seu domínio comercial, levaram as Cruzadas a

se apoderarem de Constantinopla e a substituírem o Império Bizantino por um

Império Latino. V Cruzada (1217-1219). A construção da fortaleza do monte

Tabor, compeliu o papa Inocêncio III a pregar esta Cruzada, organizada pelo

Concílio de Latrão IV e empreendida por André II da Hungria, depois por Jean

de Brienne, rei de Jerusalém. Não conseguindo apoderar-se de Tabor, as

cruzadas atacaram e tomaram Damieta em 1219. Vencidos, porém, ao avançar

para o Cairo, foram obrigados a deixar esta cidade e evacuar o Egito. VI

Cruzada (1228-1229). Lançada pelo papa Honório III, foi conduzida pelo

imperador Frederico II, que chegou a Acre por mar em 1228 e concluiu o

Tratado de Jafa com o sultão al-Malik al-Kamil, obrigado a restituir Jerusalém,

Belém e Nazaré. VII Cruzada (1248-1250) Sua pregação pelo papa Inocêncio

IV no Concílio de Lyon foi suscitada com a conquista de Jerusalém pelos

kharezmianos. Conduzidos por Luís IX, os cruzados embarcaram para o Egito,

tomaram Damieta, mas foram derrotados em Mansurá, onde Luís IX foi feito

prisioneiro em 1250. Libertado mediante a entrega de Damieta, o rei teve que

deixar o Egito com os cruzados. VIII Cruzada (1270-1291). Tendo o sultão

Baybars I se apoderado da Antioquia em 1268, Luís IX organizou esta Cruzada

que, sob a influência de Carlos I de Anjou, se dirigiu para Túnis em 1270, onde

Luís IX morreu. Após haver concluído um tratado vantajoso para seu reino da

Sicília, Carlos de Anjou reconduziu os cruzados para a França sem ter levado

socorro aos francos do Levante. Privados da ajuda do Ocidente, estes tiveram

que abandonar a Terra Santa, deixando-a inteiramente em poder dos

muçulmanos.

Degolação de São João, festa religiosa popular, celebrada no dia 29 de agosto

na Espanha.

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Diego de Espinosa (1502-1572), prelado e estadista espanhol, nascido Martín

Muñoz de las Posadas, foi Inquisidor-geral em 1566, Cardeal em 1568, chefe

do Conselho de Estado durante o reinado de Filipe II, inspirou o malfadado

decreto que provocou as guerras civis e o morticínio, originados da insurreição

dos mouriscos em 1568.

Diego García de Paredes, celebrizou-se como coronel do exército do Grande

Capitão Gonzalo Hernández de Córdoba, foi cognominado "o Sansão de

Estremadura".

Diego Ordoñez de Lara, Cavaleiro castelão, primo do rei Sancho II de Castilla,

lançou à toda cidade de Zamora o conhecido desafio para vingar a seu rei, ao

qual o zamorano Vellido Dolfos assassinou à traição. O desafio depois se

tornou proverbial e parte do romanceiro popular.

Diego Pérez Vargas y Machuca, Cavaleiro toledano que nos tempos de

Fernando III, o Santo, se tornou famoso por suas façanhas no cerco de Jerez

contra os mouros.

Dom Galaor, irmão de Amadis de Gaula, cujo escudeiro, Gasabal e a

"excelência de su maravilloso silencio" é citado em Dom Quixote, em

contraposição à loquacidade de Sancho Pança.

Don Fernando Álvarez de Toledo, terceiro duque de Alba, chegou em Bruxelas

em 1567 à frente de um exército de 10.000 homens.

Don Juan, personagem lendário cujas aventuras parecem se originar de um

fato real narrado pela Crônica de Sevilha. Don Juan Tenório, assassino do

comandante Ulloa, após ter raptado sua filha, foi atraído ao convento dos

franciscanos onde fora enterrada sua vítima, sendo ali assassinado. Os

monges fizeram então correr o rumor de que a estátua do comandante

arrastara Don Juan, que viera insultá-lo em seu túmulo, para o Inferno. Esse

castigo inspirou, além da comédia edificante de Tirso de Molina (O embusteiro

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de Sevilha e O convidado de pedra), numerosas obras literárias, especialmente

as comédias italianas de Gilberto e Cicognini. Sob o título de Festim de pedra,

as peças de Villiers (1659), Dorimond (1661), Rosimon (1669), Thomas

Corneille (1677), o Don Juan de Molière, o poema Don Juan de Byron, a

tragédia de Puchkin O conviva de pedra (1830), a novela de Mérimée As almas

do purgatório (1834), o poema dramático de Lenau Don Juan (1844), o drama

de Zorilla Don Juan Tenório (1844). Através das obras Don Juan passou de

embusteiro e sedutor brutal a personagem angustiado em busca do infinito e da

pureza. Mas ele é também um ser de ruptura, que rompe o ciclo da troca e da

circulação das mulheres (deseja-as todas) e do dinheiro (se recusa a pagar as

dívidas). Mito do desejo e da morte, da infinita possibilidade dos amores que

tornam a vida inesgotável, se apoia sobre uma base arcaica trazida à luz pela

psicanálise, o deflorador sagrado, o duplo e sua culpabilidade, a relação entre

Eros e Tânatos, o mito de Don Juan traduziria a mais profunda obsessão do

homem, a de unidade e da união, ante a realidade da divisão dos sexos e a

ruptura entre o tempo vivido e a eternidade postulada.

Doon de Mogúncia (gesta de), um dos três grandes ciclos épicos da Idade

Média. As principais canções (Raoul de Cambrai, Doon de Mogúncia, O

cavaleiro Ogier, Renaud de Montauban, Girart de Roussillon) descrevem

senhores feudais que se revoltam contra o suserano para vingar injúrias

recebidas.

El Uchalí, renegado atrevido, aventureiro e corsário calabrês que combateu em

Lepanto, chegou a vice-rei de Argel, submeteu a capitania de Malta, ilha do

Mediterrâneo cuja soberania Carlos I de Espanha e V do Sacro Império

Romano, concedeu em 1530 à Ordem militar e religiosa dos Cavaleiros de

Malta, também chamada de Ordem de São João de Jerusalém. Consta que El

Uchalí morreu em 1587.

Entremez. Composição teatral curta de um só ato, jocosa ou burlesca, farsa

intercalada nas representações demoradas, funcionando como repouso aos

intérpretes quanto e para a platéia. Os entremezes terminavam geralmente

com uma canção popular, cantada em coral por todos os espectadores. A

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origem do gênero remonta à Idade Média, às breves apresentações de jograis

nas refeições e banquetes. Cervantes, um dos maiores cultores do gênero, a

eles se dedicou por longo tempo como meio de sobrevivência, chegando a

produzir cerca de trinta numa temporada. Publicou Oito entremezes jamais

representados. Apesar da grande aceitação popular, os entremezes tinham

veia crítica, realista e profana, afetando a aristocracia espanhola. O entremez

foi representação de muito sucesso na Espanha do séc. XVI em diante e

chegou até o Brasil na virada do séc. XVIII, sendo vendido em folhetos de

cordel.

Escoto (séc. XVI), aventureiro, mago e nigromante italiano, de fama obscura.

Eugénio de Torralba, doutor e médico dedicado à quiromancia, confessou ao

Tribunal do Santo Ofício que, com ajuda do demônio, havia ido a Roma, aonde

presenciou o saque da cidade pelas tropas de Carlos I em 1527, no qual

morreu o condestado Carlos de Bourbon, comandante das tropas espanholas e

depois regressou a Valladolid, isso tudo em só uma hora e meia!

Filesbião de Candaria, um dos muitos heróis da enxurrada de romances de

cavalaria da época, cognominado "O Cavaleiro da Ave Fênix".

Fillipe de Villiers de L'Isle Adam (1464-1534), grão mestre da Ordem de São

João de Jerusalém, sustentou o cerco famoso em Rodes, em 1522, contra o

sultão turco Solimão. Em 1530 Carlos V concedeu à Ordem de São João de

Jerusalém "as ilhas de Malta e Gozzo".

Goliardo, estudante ou clérigo de vida erradia, dado à prática da literatura, que

trabalhava como jogral para se sustentar. Constitui a manifestação final do tipo

jogralesco, gênero peculiar surgido no fim da Idade Média. A expressão passou

a significar "aquele que leva a vida desregrada e/ou devassa".

Hassan Bajá, renegado veneziano, chegou a ser rei de Argel entre 1577 e

1580. Casou-se com Zahara (ou Zoraida), filha de Hadji Murad, outro renegado

que, por sua vez, foi governador da fortaleza de Al Batha, próxima a Orã.

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Helena de Tróia, uma das principais heroínas da Ilíada, filha de Zeus e de

Leda, célebre por sua beleza, formosa esposa de Menelau rei de Esparta, foi

raptada por Páris, príncipe troiano, seus antigos pretendentes uniram-se para

vingar a afronta, desencadeando a famosa Guerra de Tróia, narrada por

Homero. Tróia resistiu por dez anos ao cerco dos gregos, até cair no truque do

Cavalo de Tróia, verdadeiro presente de grego.

Heráclio I (575-647), imperador bizantino, depôs o usurpador Focas,

empreendeu o soerguimento do império, a reorganização do exército e depois

concluiu a paz com o cã dos ávaros.

Isabel de Valois (1545-1568), filha do rei de França Henrique II e de Catarina

de Médici, também conhecida como Isabel de França. Desposou Filipe II em

virtude do tratado de Cateau-Cambrésis, sendo rainha da Espanha de 1559 a

1568. Quando faleceu, recebeu diversas homenagens da nobreza espanhola,

inclusive os versos que constituem a primeira obra publicada de Cervantes.

Juan da Áustria, (1545-1578), príncipe espanhol, filho natural de Carlos V e

Bárbara Blomberg, reprimiu a revolta dos mouriscos da Andaluzia (1568-1570),

comandou as tropas aliadas que venceram os turcos em Lepanto (1571),

batalha da qual Cervantes muito se orgulhava de ter participado. Ocupou Túnis

e Bizerta (1574), tenente-general em Nápoles, foi nomeado governador-geral

dos Países Baixos com a morte de Roquesens (1576). Foi obrigado pelo Édito

Perpétuo (1577) a evacuar as províncias do sul, mas após a chegada de

Alexandre Farnese, retomou a ofensiva. Vencedor em Gembloux (1578),

morreu pouco depois, provavelmente envenenado. Seus feitos inspiraram

várias obras, entre as quais La Austríada, de Jerônimo Corte Real.

La Goleta, fortaleza que defendia o porto de Túnis, havia sido tomada por

Carlos I em 1535, que desalojou dali o pirata Barba Roxa e depois foi retomada

pelos turcos em 1574.

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La Herradura, porto próximo a Véles Málaga onde em 1562 houve o naufrágio

em que morreram mais de quatro mil pessoas.

Lancelote do Lago, um dos mais valentes e famosos Cavaleiros da Távola

Redonda, que, segundo a lenda, era amante da rainha Guinevere, esposa do

rei Artur.

Leão de Espanha (1586), de Pero de la Vecilla Castellanos. Assim era

cognominado o rei Carlos V (1500-1558), herói da historiografia espanhola,

lutou contra a França, contra a Turquia, contra os otomanos, contra Túnis,

conquistando inúmeros reinos para a Espanha. Após uma série de conquistas

e alianças, Carlos V estava à frente de imenso império, no qual "o sol jamais

se punha". Pareceu encarnar, pela última vez no Ocidente, o ideal de

monarquia universal. Em 1556, desiludido, prematuramente envelhecido,

reconhecendo o fracasso de sua política imperial, abdicou e retirou-se ao

Convento de Yuste, Estremadura, onde morreu.

Lepanto, porto e cidade marítima da Grécia, junto ao estreito do mesmo nome,

que comunica os golfos de Patras e de Corinto. Ali foi o palco da batalha

durante a qual as forças da Santa Liga, formada logo após a tomada de Chipre

pelos turcos, comandadas por Juan de Áustria (irmão bastardo de Filipe II),

destruíram a frota otomana em Lepanto. Entre tantos heróis, além de

Cervantes, se distinguiu também o almirante espanhol Álvaro de Bazan (1510-

1588), marquês de Santa Cruz, comandante supremo da armada espanhola.

Lirgandeu, sábio encantador e cronista do livro de cavalarias do Cavaleiro do

Febo.

Lope de Aguirre, conquistador espanhol que foi ao Peru em busca da cidade do

ouro, El Dorado. Renegou sua fidelidade a Filipe II, sentindo-se assim livre para

praticar inúmeros crimes e assassinatos aos povos indígenas. Ajuntou contra si

tanto ódio e ambição, que nem os comandados suportaram: Aguirre foi

justiçado por seus próprios soldados.

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Luiz de Requesens y Zuniga (1528-1576), político e guerreiro espanhol,

contribuiu em muito para a vitória de Lepanto, na batalha que Cervantes

participou. Sucessor do Duque de Alba nos Países Baixos (1573), concedeu

ampla anistia e tentou negociar com Guilherme I, mas não conseguiu por fim à

insurreição.

Madrid, capital da Espanha e da comunidade autônoma de Madrid, em Castela,

centro da península ibérica, ao pé da serra de Guadarrama. Antiga fortaleza

árabe (Madjrit), a cidade foi ocupada por Alfonso VI em 1083. Sua posição

central favoreceu a instalação da corte e Filipe II transformou-a em capital do

reino em 1561.

Mambrino, rei mouro, célebre nos romances de cavalaria, cujo elmo encantado

tornava invulnerável quem o possuía. Em episódio de Orlando Furioso, de

Ariosto, o famoso paladino Reinaldos de Montalbán, protegido pelo elmo,

matou o sarraceno Dardinel de Almonte. Dom Quixote encontra uma velha

bacia de barbear, toma-a pelo elmo de Mambrino e usa-a a partir de então

como capacete, julgando-se, assim, invencível.

Maneirismo. Forma de arte que se desenvolveu no séc. XVI na Itália e outros

países, demonstra atitude sistemática de afetação na maneira de se expressar,

falta de naturalidade, de simplicidade em matéria artística e literária. Surgida

tardiamente na história da arte, a noção de "maneirismo" designa estilo original

e completo que exacerba a "maneira" de artistas da grande geração do

Renascimento. Surgido na Itália em torno de 1520, em tempos de dúvida e

inquietação, espalhou-se pela Europa, sobrevivendo até o séc. XVII,

assumindo formas diversas conforme os locais. Irrealismo, sofisticação,

refinamento, traços dominantes: os temas se confinam com o fantástico e até

mesmo esotérico.

Maravedi, pequena moeda de cobre corrente na Espanha e em Portugal, onde

correspondia a 27 réis. O maravedi ou marabitino (pelo árabe marabiti), era a

moeda legal desde o séc. XI, com a qual se solviam as obrigações com a

coroa.

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Marco Tulio Cicero, político, orador e escritor romano (séc. I aC), célebre por

sua eloqüência.

Matamoros, expressão espanhola (matamoros = matador de mouros), que

redundou em vários personagens de comédias do séc. XVI, inspirado em

Ferrabras, da comédia italiana (em francês Fiér-a-bras), por sua vez originado

do Miles gloriosus da comédia latina, soldado fanfarrão, falastrão, tipo do falso

herói contador de bravatas. Chegou até nós, herói popular e pilantra, como

Ferrabrás.

Medéia (Mit.) filha do Rei da Colchida, fugiu com Jasão, chefe dos Argonautas

que graças aos artifícios dela conseguira apossar-se do velocino de ouro.

Abandonada por seu esposo, vingou-se matando os filhos que dele tivera. Uma

das principais tragédias de Eurípedes (480-405aC), o tema foi tratado por

outros poetas, mas nenhum conseguiu igualar o poeta grego (431 aC). Uma

das melhores tragédias de Sêneca, conquanto muito declamatória. Inspirou

também a tragédia de Corneille.

Merlin, dito O Encantador, mágico, profeta, adivinhador, personagem da

tradição céltica (Myrrdin) e do ciclo do rei Artur, amante da fada Viviana.

Mingo Revulgo, pseudônimo do autor de um livro de coplas e refrães muito

popular nos séc. XV e XVI. Cervantinos dizem que se trata de "anónima sátira

política y social del reinado de Enrique IV de Castilla (siglo XV)".

Provavelmente se tornou expressão proverbial. Encontrei a publicação de uma

carta datada de 1492 de Hernando del Pulgar dirigida a um amigo doutor [em

Ajedrez 2000]. Pulgar, Cavaleiro que tomou parte no sítio de Granada contra os

mouros, falando sobre as teorias e pretensões de Cristóvão Colombo, na

época em busca desesperada de patrocinador, escreve a seu amigo: "tienes

que haber oído hablar de él [Colombo], ya que su nombre ha llegado a ser

ultimamente tan familiar como los relatos (refranes) de Martín Revulgo".

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Morgana, fada dos romances de cavalaria medievais, do ciclo bretão, chamada

também de A dama do lago. A lenda da Fada Morgana, resiste até hoje, seja

em episódios cavaleirescos, seja através da literatura infantil.

Novelas de Cavalaria, narrativas originárias da prosificação das canções de

gesta, das poesias de temas guerreiros e avenureitros, que abordam aventuras

tipicamente medievais. Introduzidas na Península Ibérica no séc. XIII através

de traduções do francês, sofreram alterações e adaptações à realidade sócio-

cultural da terra adotiva. As novelas de cavalaria classificam-se segundo o

herói da narrativa: 1) ciclo bretão ou arturiano, em que o rei Artur e os

cavaleiros da Távola Redonda são os protagonistas; 2) carolíngio, no qual

Carlos Magno e os dozes pares de França são os personagens centrais; 3) o

clássico, com temas greco-latinos, mitológicos e fantástico. Dentre as novelas

de cavalaria mais célebres destacam-se A demanda do Santo Graal, do ciclo

arturiano, tendo Galaaz como o herói que vai em busca do cálice sagrado que

guarda o sangue de Jesus Cristo, colhido durante o seu martírio; Amadis de

Gaula, de origem controvertida mas produzida na península ibérica, em que se

destacam o herói Amadis e sua amada Oriana; As avenuras de Carlos Magno

e os doze pares de França, que narra as conquistas carolíngeas e a morte dos

doze pares na famosa batalha de Roncesvalles. Afrânio Coutinho ensina: "Na

literatura medieval, floresceu esse gênero de literatura narrativa, com fundo

heróico, que teve grande voga, resultado da redução a prosa das 'canções de

gesta'. A origem é obscura, uns defendendo a tese da origem francesa, outros

a da inglesa, outros a da combinação de ambas. Difundiu-se também na

Espanha e Portugal. A sua produção foi dividida em três ciclos: bretão ou

arturiano (Rei Artur como centro), carolíngio (Carlos Magno como figura

principal), clássico (figuras da Antigüidade). Durou até o Século XVI. Algumas

das principais foram: A demanda do Santo Graal, José de Arimatéia, O Amadis

de Gaula, Merlim, Palmerim da Inglaterra, etc. O gênero encerrou o sonho dos

Cavaleiros, mas no Século XVI estava em franca decadência, acompanhando o

declínio da sociedade feudal. Cervantes, no D. Quixote, satirizando a moda das

novelas de cavalaria, pôs termo às suas possibilidades." (Enciclopédia de

Literatura Brasileira) Pôs termo mesmo? Não esquecer Ivanhoé de Sir Walter

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Scott, As brumas de Avalon de Marion Bradley, O senhor dos anéis de Tolkien,

além de inúmeros livros infanto-juvenis.

O Gigante Morgante, companheiro de Roland em várias aventuras,

protagonista do poema épico burlesco Morgante maggiori, de L. Pulci (séc.

XV).

O Santo Graal, vaso do qual se teria servido Jesus Cristo na Ceia e que José

de Arimatéia teria recolhido o sangue que lhe corria do flanco trespassado pelo

centurião. Nos séculos XII e XIII muitos romances de cavalaria narravam a

busca do Graal pelos Cavaleiros da Távola Redonda, companheiros do rei

Artur. As obras mais conhecidas são as de Chrétien de Troyes, Robert de

Boron e Wolfram von Eschenbach. Esta inspirou Richard Wagner a compor a

ópera Parsifal.

Odet de Foix, monsenhor de Lautrec, que ainda muito jovem combateu com os

franceses contra O Grande Capitão e herói espanhol Gonzalo Hernández de

Córdoba, na batalha de Cerinola (1503), no reino de Nápoles.

Palmerins, ciclo de novelas de cavalaria iniciado na Espanha com o Palmerim

de Oliva, de autor anônimo e que inspirou, a partir de 1586, uma série de

romances análogos na literatura portuguesa, hispânica e francesa, com

reflexos em toda Europa. Ao Palmerim de Inglaterra (1547), em duas partes, de

Francisco de Morais, seguiram-se a terceira e quarta parte, em 1587, nas quais

"se tratam as grandes cavalarias de seu filho, o príncipe Dom Duardos II", de

autoria de Diogo Fernandes. A quinta e a sexta partes, publicadas em 1602,

dizem respeito ao "príncipe Dom Clarisol de Bretanha, filho de Dom Duardos",

de autoria de Baltasar Gonçalves Lobato, que utiliza amplamente elementos de

cultura clássica e de mitologia.

Pedro Malasartes, herói de histórias populares da Península Ibérica do

séc.XVI. Aventureiro cínico, astucioso, pilantra, em geral aplicava seus golpes

nos ricos, avarentos, orgulhosos, fazendo-os de tolos perdedores. Transladado

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para o Brasil, aqui também fez das suas, ganhou notoriedade e simpatia

popular, garantindo o seu lugar no folclore.

Pero da Covilhã (séc. XV-1545), viajante português, ficou célebre pela missão

que lhe foi confiada, de ir por terra ao Oriente colher informações acerca do

caminho marítimo para as Índias e do reino do Preste João das Índias, de

quem os portugueses esperavam auxílio. Partiu em 1487 acompanhado do

escudeiro Afonso de Paiva que falava árabe, com mapas, instruídos por

cosmógrafos da corte, seguiram pela Espanha até Valência, depois Florença,

daí para a ilha de Rodes. Disfarçados de mercadores mouros seguiram até

Cairo, chegaram a Áden, onde se separaram: Pero da Covilhã partiu para a

Índia e Afonso de Paiva, em demanda do Preste João das Índias. Esteve em

Cananor, Calicute, Goa, Sofala e Ormuz, regressando ambos ao Cairo quase

dois anos depois. Aí encontraram emissários de Dom João II, com cartas e

Covilhã detalhou ao rei se poderia navegar do mar da Guiné para a Índia, em

demanda da costa da Sofala ou da Ilha da Lua (Madagascar). Foi ainda à Meca

e à Abissínia, tendo sido aí retido prisioneiro por cinco anos, embora bem

tratado pelo rei. Em 1514 estava em Lisboa, voltou à Abissínia com uma

embaixada de Dom Manuel. Pero da Covilhã e Afonso de Paiva jamais

encontraram o Preste João das Índias, mas descobriram novas rotas de

interesse de Portugal.

Pero Grullo, figura tradicional do folclore ibérico, proverbial autor de verdades

tão evidentes que sua afirmação se torna desnecessária.

Pierre Terrail (1476-1524), Senhor de Bayard, guerreiro francês, cognominado

"Cavaleiro sem medo e sem mácula", celebrizou-se na batalha de Fornovo

(1495), campanha da Itália. Em 1515 foi nomeado lugar-tenente-geral do

Delfinado por Francisco I que, na noite da batalha de Marignan, quis ser

armado cavaleiro por suas mãos. O "Cavaleiro sem medo e sem mácula", foi

inspiração de inúmeras gestas e romances de cavalaria.

Preste João das Índias, soberano cristão lendário que teria reinado num

poderoso país situado na Ásia ou África, para além dos territórios conhecidos

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da Europa medieval. Seu reino foi, a partir do séc. XV, identificado com a

Etiópia. Foi confundido com o chefe nestoriano da povoação turca da Mongólia,

depois com o Cã mongol Hulagu, com soberanos da Etiópia. O desejo de

chegar a esse aliado da cristandade foi uma das motivações ideológicas das

grandes descobertas. O infante Dom Henrique de Portugal esperava encontrá-

lo e obter o seu apoio como aliado na luta contra o Islã. Vários embaixadores

do Preste João das Índias teriam estado na península ibérica em 1427, 1450 e

1452. A expedição para encontrá-lo foi dirigida por Pero de Covilhã, chegou à

Abissínia em 1493 e acabou por ajudar na descoberta de novas rotas para o

Oriente. Baltasar Teles, historiador português, escreveu História Geral da

Etiópia, a Alta, ou Preste João. Marco Polo, em suas aventuras narrou:

“Originalmente, os tártaros viviam ao norte, na Ciorcia [Manchúria]. Naquelas

regiões, vêem-se grandes ribeiras, mas não há habitações, nem castelos nem

cidades; já os pastos são bons e há muita água. De fato, eles não tinham

senhorio embora pagassem renda a um homem muito importante, conhecido

no mundo todo como Padre João. [Durante toda a idade media, corria a

legenda deste temível Petre Gianni ou Preste Giovanni, de quem nos fala

Marco Polo. Identificado como Togril, príncipe e sacerdote cristão nestoriano,

ele foi derrotado em 1203 por Gêngis Khan (1155-1277), que o teria posto em

fuga, na qual acabou morto.] Aconteceu que, em 1187, os tártaros

proclamaram um rei, que se chamou Gêngis Khan, homem de muita valentia,

bom senso e força. Quando foi aclamado, todos os tártaros que existiam no

mundo, espalhado por aquelas regiões, foram ter com ele, reconhecendo-o

como seu senhor. Gêngis Khan exerceu o poder com benevolência e as

pessoas seguiam-no, espontaneamente, por causa de sua bondade. Com

tantos a seu lado, Gêngis decidiu que queria conquistar o mundo. Mandou

emissários ao Padre João com a mensagem de que lhe pretendia desposar a

filha. Isto aconteceu no ano de 1200. Mas o Padre João, quando soube do

pedido, respondeu com grande desprezo: “Não terá Gêngis vergonha de pedir

minha filha para esposa? Não saberá ele que sou seu senhor? Voltai, portanto,

e dizei-lhe que eu a queimaria, antes de concordar com tal casamento e

também dizei ainda que eu o devo matar, como traidor. Parti imediatamente e

não torneis mais a voltar.” Os mensageiros voltaram à presença do grande

senhor e contaram em detalhes tudo o que Padre João tinha dito. Depois disso

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[Gêngis Khan], reuniu seus homens e mandou avisar ao padre que se

defendesse. Este ficou muito contente e igualmente preparou seus guerreiros.

Após aquele dia, tanto um lado como o outro terminaram os preparativos e,

depois, combateram duramente: foi a maior batalha que alguma vez já se viu.

Para os dois lados, foi uma carnificina, mas no final venceu Gêngis Khan. O

Padre João morreu e, a partir de então, toda a sua terra passou para os

tártaros. Tenduc [região ao norte da Muralha Chinesa] é uma província na

direção do levante, onde há muitos castelos e cidades, todos pertencentes ao

Grã-Cã, mas a sua gente é descendente do Padre João. A principal cidade tem

também o nome de Tenduc e o rei Jorge é da linhagem do padre. [Há por aqui

duas igrejas de cristãos nestorianos, construídas de 1278 para cá, conforme

vou explicar: durante três anos, a partir desta data, foi senhor ali, em nome do

Grã-Cã, um cristão nestoriano, que se chamava Masarchis (Dom Jorge): foi ele

quem as fez construir e desde então ali se encontram.] Ficai sabendo que esta

província era a capital quando o Padre João dominava os tártaros e, por isso,

ainda há na região descendentes seus. (...) Tenho de dizer que, apesar de

tudo, o Grã-Cã deu a este rei, descendente de Padre João, algumas de suas

filhas e parentes, como esposas.”

Ptolomeu (Cláudio) (100-170), matemático, astrônomo, geógrafo grego que

viveu na Alexandria, foi o mais célebre astrônomo da Antigüidade. A Grande

sintaxe matemática, chamada de Almagesto pelos árabes, é a síntese dos

conhecimentos astronômicos de seus antecessores, mas nela Ptolomeu

desenvolveu o sistema geocêntrico, que dominou a astronomia até o

aparecimento de Das revoluções dos mundos celestes, de Nicolau Copérnico,

em 1543.

Reconquista, expressão que se refere à reconquista pelos cristãos da Espanha

e Portugal, contra os invasores muçulmanos, durante a Idade Média. A fase de

reconquista iniciou-se em 750 nas Astúrias e regiões montanhosas,

prosseguindo lentamente: Navarra (840), Astúrias (910), Leão (910), Castela

(951), Catalunha (985) e Aragão (1035), consolidaram a região geopolítica e no

séc. XI os cristãos chegaram às margens do Tejo. A fragmentação dos

muçulmanos em pequenos reinos (taifas), facilitou as vitórias decisivas em

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Tolosa (1212) e em Granada (1492). Os territórios recuperados foram

colonizados por homens livres dotados de direitos reconhecidos (fueros) e não

servos, como ocorria na Europa feudal. O contato com o mundo muçulmano

revelou-se fecundo, trazendo conhecimentos, técnicas e usos que marcaram

para sempre a península ibérica.

Romance, ficção romanesca, um legado da Antigüidade. O séc. XVII fazia

remontar a arte do romance a Aristides de Mileto e a Antônio Diógenes. Pode-

se considerar Dafnes e Cloé, de Longo, como o protótipo do romance de amor;

a História verídica, de Luciano, como o modelo do romance filosófico; Asno de

ouro, de Apuleio, como o primeiro romance picaresco. Na literatura da Europa

Medieval o romance definiu-se de início, como um fenômeno lingüístico.

Considerava-se romance tudo que não era escrito em latim. O romance de

cavalaria apareceu sobretudo como sucedâneo do poema épico, colocado ao

alcance do público mais popular. No fabulário há de se achar a pintura de

caracteres, costumes e condições sociais que formam os traços fundamentais

da literatura romanesca. Paródia nostálgica do romance de cavalaria, Dom

Quixote de la Mancha, consagrando espaços anteriormente conquistados,

solidifica a era do romance moderno: o herói negativo, anti-herói de uma anti-

epopéia, espelho e avesso, verso e inverso, consagra o desaparecimento dos

limites da ética e o nascimento de uma estética nova e liberalizante. A partir de

então, o romance passa a basear-se no relacionamento entre o homem e o

universo. Escrever um romance é revelar a distância entre o ser e o seu objeto

de desejo. Como em todas as artes, as regras rígidas, as teorias fixas, deram

vez à liberdade criadora, fazendo com que o romance passasse a respeitar a

ausência da harmonia entre componentes de uma mesma estrutura. Ao

abordarem a falsidade dos romances, os escritores clássicos não os reprovam

por contarem histórias fabulosas, inverossímeis, ao contrário, reconhecem que

a razão de ser do gênero reside na constatação do afastamento entre a

imaginação e a realidade. A dimensão do romance cresceu tanto que não é

mais um mero fotógrafo da infelicidade, do fracasso, do ódio, da miséria. A

escrita romanesca não só se recoloca no espaço da arte, mas resolve

problemas técnicos, revelando fórmulas de extrema maleabilidade, a ponto de

permitir modernamente aos escritores duvidarem da própria escrita. O

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desgaste da expressão literária levou ao culto do anti-romance, à recusa do

herói tradicional, da psicologia flagrada diante de um universo plano,

impenetrável, retilíneo, diante do qual o homem fica reduzido a um olhar. No

entanto, o que parece o fim é apenas um começo: quanto mais estranha é a

realidade mais ela estará presente. Mesmo diante do fantástico, do improvável,

somente a linguagem romanesca pode reconstituir a realidade fragmentada

pela História. O escritor é montador dos quebra-cabeças que a crônica

cotidiana registra e despedaça a cada segundo.

Romanceiro ou Rimanceiro, coleção de chácaras ou solaus, isto é, de antigas

narrativas de fatos imaginários, reais ou legendários, de caráter melancólico,

em versos geralmente acompanhados de música, baseados em temas capazes

de comover o ouvinte, próprios para serem cantados. Os romanceiros

portugueses, galegos, franceses e espanhóis, representam inestimável tradição

de literatura lírica, tesouro das poesias medievais. Por ter origem em literatura

oral, o romanceiro se constituía na primeira forma literária transplantada para

as terras conquistadas, estimulando o desenvolvimento da literatura local.

Saga é o nome genérico do conjunto de narrativas em prosa. Existem diversos

tipos de saga: as sagas reais, as que são dedicadas a uma região, as sagas

relativas a acontecimentos e ao povo, as sagas contemporâneas, referentes à

história e fatos políticos, as sagas dos tempos antigos, romances de aventuras

fantasiosas ou não, finalmente as sagas fantásticas, que escapam a qualquer

classificação normal. As sagas são o elo da raiz dos romances de cavalaria e

se afiguram inspiradoras de muitos romances de ficção científica, fantásticos,

supra-realistas... afetando, também, a literatura de cordel nordestina.

San Diego Matamoros, o apóstolo Santiago el Mayor, patrono da Espanha.

Segundo a lenda, apareceu montado sobre um cavalo branco lutando na

batalha contra os mouros, sendo assim considerado o Libertador da Espanha.

San Martín (séc. IV), soldado e bispo de Tours (França), foi bem conhecido

pela prática da caridade, como comprovado no célebre episódio da capa

compartilhada com o pobre.

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São Francisco de Assis, fundador da Ordem dos franciscanos (1209),

conhecido por sua humildade e amor aos animais. Diz a superstição popular

que é mau agouro encontrar-se com algum frade logo pela manhã. Nos tempos

modernos, também é mau agouro viajar em aviões com algum religioso a bordo

(provavelmente devido à afinidade que o mesmo tem com o Pai Eterno).

Selim II, sultão da Turquia de 1566 até a sua morte em 1574.

Sierra Morena, região montanhosa do sul da Espanha que se estende da

fronteira portuguesa, até o Alcaraz, nas proximidades de Albacete. A Serra

Morena faz parte da Meseta Ibérica, constituída por planaltos suavemente

ondulados, que vão de Castela Nova a Castela Velha, separados pelas serras

de Guadarrama e Gredos, é limitada em sua periferia pelos Montes

Cantábricos. Rebordo sul da planície de Guadalquivir, constitui uma vasta

região, pouco habitada, recoberta por vegetação de maquis, um bonito cenário

e itinerário para as aventuras de Dom Quixote.

Trebizonda, Império grego fundado em 1204 por netos do Imperador Andrônico

I, a cidade de Trebizonda foi centro cultural e comercial de importância na

Antigüidade. Capital do Império no séc. XIII, após a queda de Constantinopla

em 1453, transformou-se em abrigo de refugiados. Caiu sob o domínio dos

otomanos em 1461, tornando-se um império decadente, distante e sem valor

algum. Por isso, proverbial.

Tribunal do Santo Ofício. Tribunal da Inquisição espanhola, instituído em 1478

pelos reis católicos Fernando e Isabel, para "salvaguardar a unidade da fé

católica", especialmente contra judeus, mouros, hereges e simpatizantes. Foi

estabelecido em todos os territórios da Coroa, suprimido somente em 1808 e

por fim abolido em 1834. Funcionou também em Portugal de 1557 a 1826, com

reflexos de sua atividade respingando no Brasil colonial.

Trovador, poeta da Idade Média, que não deve ser confundido com o troveiro.

Os trovadores falavam a língua de Oc e corriam de castelo em castelo o sul da

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França para cantar seus poemas, recados, sonetos, canções, notícias, pois

constituíam o correio da época. Narravam histórias e estórias, declarações de

amor e de guerra, desafios e desistências, ascensões e quedas, batalhas e

rendições, cantadas a esposas e donzelas, recadinhos e torpedos. Os troveiros

eram os poetas do norte da França e particularmente da Picardia, falavam a

língua de Oil, cultivavam a poesia épica ou lírica.

Zaratustra ou Zoroastro (628-551aC), rei da Pérsia, fundador do zoroastrismo

ou masdeísmo reformado, cujos discípulos na Índia são chamados de parses.

Dizia ter tido a visão de Ahura-Mazde, senhor da Sabedoria, o maior dos

deuses e único digno de adoração e recebido a missão de pregar a verdade.

Essa doutrina penetrou profundamente a religião da Pérsia aquemênida. O

dualismo de Zaratustra também influenciou os judeus na época da diáspora,

produzindo depois as diversas formas do maniqueísmo. Vulgarmente se atribui

a Zaratustra a invenção da magia negra.

FIM

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O Autor: Salomão Rovedo [Sá de João Pessoa em Literatura de Cordel], n. 22/03/1942 em João Pessoa (PB), de família maranhense. Estudos iniciais e formação intelectual em São Luis (MA), desde 1963 reside no Rio de Janeiro. Éditos e inéditos: Abertura Poética (Antologia), Walmir Ayala/César de Araújo-CS, Rio de Janeiro, 1975; Tributo (Poesia)-Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 1980; 12 Poetas Alternativos (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-Trotte, Rio de Janeiro, 1981; Chuva Fina (Part. Antologia), org. Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-Trotte, Rio de Janeiro, 1982; Folguedos (Poesia/Folclore), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed.dos AA, Rio de Janeiro, 1983; Erótica (Poesia), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed. dos AA, Rio de Janeiro, 1984; Livro das Sete Canções (Poesia)-Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 1987; Liriana (Contos); O Breve Reinado das Donzelas (Contos); Estrela Ambulante (Contos); O Pacto dos Meninos da Rua Bela (Contos); Ventre das Águas (Romance); Poesia de Cordel - O Poeta é Sua Essência (Ensaio Desaparecido); O Cometa de Halley e Outros Ensaios (Artigos Publicados em Jornais); Poesia: Pobres Cantares, 20 Poemas Pornôs e 1 Canção Ejaculada, Glosas Escabrosas (Xilogravura de Marcelo Soares), Suíte Picasso; Blues Azuis & Boleros Imperfeitos, Ventre das Águas, Amaricanto, Viola Baudelaireana e Outras Violas, Templo das Afrodites, Amor a São Luís e Ódio, Anjos Pornôs, Macunaíma (Em Cordel) Outros Publicou folhetos de cordel com o nome “Sá de João Pessoa”; Publicou o jornalzinho de poesia Poe/r/ta; Colaborações: Poema Convidado(USA), La Bicicleta(Chile), Poetica(Uruguai), Alén(Espanha), Jaque(Espanha), Ajedrez 2000(Espanha), O Imparcial(MA), Jornal do Dia(MA), Jornal do Povo(MA), A Toca do (Meu) Poeta (PB), Jornal de Debates(RJ), Opinião(RJ), O Pasquim(RJ), O Galo(RN), Jornal do País(RJ), DO Leitura(SP), Diário de Corumbá(MS) Endereço: Rua Basílio de Brito, 28/605-Cachambi 20785-000-Rio de Janeiro Rio de Janeiro Brasil Tel: 21 2201-2604 eBooks para baixa gratuita em: www.dominiopublico.gov.br/ http://www.4shared.com/dir/ http://www.logospoetry.org/ http://personales.ya.com/alkionehoxe/ http://www.revista.agulha.nom.br/ http://andar21.fiestras.com/ http://recantodasletras.uol.com.br/ http://www.logoslibrary.eu/ http://www.dominiopublico.gov.br/ http://www.belaspalavras.com/ Blog: www.salomaorovedo.blogspot.com