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7/26/2019 Livia Mesquita de Sousa- Significados e Sentidos Das Casas Estudantis
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Palavras-chave: psicologia social, dialtica incluso-excluso, significados e sentidos,
jovens universitrios e casas estudantis.
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Abstract
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Sumrio
CAPTULO 2-OS SIGNIFICADOS DAS CASAS ESTUDANTIS: APRENDIZAGEM E
ESPAO POLTICO COMO PRINCIPAIS REFERNCIAS ..................................................................
CAPTULO 3-TENSES CONSTITUTIVAS DOS SENTIDOS:
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Lista de Siglas
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Introduo
Desde o surgimento das universidades, no sculo XIII, estudantes deixam suas
cidades de origem, em busca de formao acadmica. LE GOFF(1989), em sua obra sobre a
histria das universidades, afirma que, desde a Idade Mdia, alguns estudantes com
dificuldades financeiras enfrentavam problemas com alimentao, vesturio, livros e
alojamento. A necessidade desses estudantes de se estabelecerem no lugar em que estava
sediada a universidade levou criao de moradias coletivas para abrig-los. Tais moradias
foram adquirindo, ao longo dos sculos, o estatuto de instituies com finalidades
determinadas e com o reconhecimento de que cumprem um papel social, no contexto da
vida universitria.
Porm, a institucionalizao no acarretou uma sistematizao quanto criao e
construo, ou mesmo quanto ao modo de funcionamento e organizao poltica dessas
moradias. Estas continuam, at o presente, muito pouco conhecidas. A pesquisa em bancos
de dados (DDALUS/USP e Scielo) permitiu encontrar apenas duas referncias sobre
moradia estudantil: um livro que trata de engenharia e um artigo de jornal. Na bibliografia
sobre juventude levantada por CARDOSO eSAMPAIO(1995), h referncia a um estudo sobremoradia estudantil, porm no localizado pelas autoras. Na pesquisa sobre o estado do
conhecimento sobre juventude, feita porSPOSITO(2000), abrangendo o perodo de 1980 a
1998, raros estudos relacionavam-se a jovens universitrios, e nenhum menciona a moradia
estudantil.
Apesar da escassez de publicaes sobre moradia estudantil, so encontrados textos
que se referem ao assunto, escritos pelos prprios moradores ou gerados em encontros,
simpsios e congressos que estes organizam ou de que participam. A definio, abaixocitada, retirada do texto de um morador (MACHADO, s.d., p. 1), fornece um esboo de
definio de moradia estudantil como:
qualquer tipo de coletividade que tenha por princpio bsico garantir acomodao apenaspara estudantes durante o perodo de formao educacional. Dentro da nossa realidadeestudantil encontramos trs perfis bsicos de moradia para estudantes: os alojamentos; asrepblicas e as casas de estudantes.
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O critrio usado por MACHADO(s.d.) para identificar esses tipos de moradias so as
relaes polticas estabelecidas pelos moradores. O alojamento caracterizado como uma
residncia construda no interior de uma universidade, como, por exemplo, na Universidade
de Braslia, sem qualquer forma de participao poltica de seus moradores. A repblica
uma residncia gerenciada pelos prprios moradores, o que implica certo grau de
participao poltica e de exerccio da coletividade. A casa do estudante apontada pelo
autor como uma organizao mais complexa, que tem como base de sustentao a sua
organizao coletiva e poltica (p. 3).
Em relao forma de manuteno das moradias estudantis, uma pesquisa
realizada pela Secretaria Nacional de Casas de Estudantes (SENCE, 1993), em maro de1993, abrangendo 69 instituies de ensino superior, discriminou trs tipos: a casa
autnoma tem gerenciamento prprio e independncia financeira; a moradia vinculada
ou alojamento mantm vnculo a uma entidade externa, com expectativa de ser mantida
pela entidade; a residncia ou habitao termo genrico que pode referir-se a qualquer um
dos tipos anteriores.
Os resultados dessa pesquisa mostram que as moradias estudantis, com exceo das
repblicas, so, em regra, mantidas por alguma instituio externa. Na maioria dos casos,
so as prprias universidades, predominantemente as federais, que as mantm.
Quanto denominao desse modo especfico de residncia, considerando apenas o
Brasil, h muitas variaes. Podem ser chamadas de alojamento (como, por exemplo, na
Universidade Federal de So Carlos e na Universidade de Braslia), moradia estudantil
(como, por exemplo, na Universidade de Campinas) ou casa do estudante universitrio
(como, por exemplo, nas universidades de Goinia).
Esses exemplos referem-se a moradias destinadas a estudantes que no dispem de
condies financeiras suficientes para custear suas despesas. Eles necessitam de um lugar
onde morar, sem que precisem arcar com aluguel, contas de gua, luz ou telefone. Os dados
do Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis
(FONAPRACE, 2004) informam que h, somente nas instituies federais de ensino
superior, 12.755 estudantes morando em casas estudantis.
Em Goinia, existem atualmente quatro casas para estudantes universitrios. Elas
so chamadas de Casa do Estudante UniversitrioCEU. Seguindo a tendncia
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predominante na realidade das moradias estudantis, as CEUs de Goinia no so
homogneas. Elas tm diferenas entre si quanto ao nmero de vagas que oferecem, ao
local onde esto situadas, instituio que as mantm, ao modo de funcionamento e
estrutura fsica.
Embora a diversidade em todos os aspectos seja um dado da realidade das casas
estudantis, existem algumas caractersticas que lhes so peculiares e esto necessariamente
vinculadas a elas. A primeira que essas casas so ocupadas por estudantes universitrios
que vm de outras cidades, onde deixam suas famlias. Outra, a condio socioeconmica
desses estudantes, que determina a busca por uma moradia coletiva e sem custos. Assim, as
casas estudantis renem pessoas que investem na escolarizao como uma forma deencaminhar suas vidas, em busca de uma carreira, tendo, para isso, de deixar seu lugar de
origem, afastando-se de suas famlias, para morar com outras pessoas em condies
semelhantes, ou seja, outros jovens vindos de suas cidades onde deixaram suas famlias.
A experincia de viver numa casa estudantil no se enquadra no que se poderia
chamar de acontecimento regular na vida de uma pessoa, como o , por exemplo, a
realizao de um curso universitrio.1 , na realidade, uma situao buscada para
possibilitar que pessoas vindas de determinada condio socioeconmica e de uma outra
regio geogrfica possam concretizar sua formao de nvel superior. A partir dessa
considerao, surgem indagaes acerca de quem so essas pessoas, de que modo vivem
como moradores de casa estudantil e que significados e sentidos constroem a partir dessa
experincia.
O objetivo do presente estudo foi apreender os significados e sentidos da casa
estudantil para seus moradores, considerando o contexto social em que esto inseridos,
como as relaes cotidianas dentro das casas, a estrutura sociofamiliar e econmica dos
moradores, a universidade e o movimento estudantil. Esses aspectos contextuais soelementos constitutivos dos significados e sentidos, que so compreendidos aqui como a
forma especificamente humana de apreender o mundo e constituir-se subjetivamente.
A realidade, compreendida como um complexo de objetos, relaes e smbolos, que
se apresenta desde muito cedo na vida do homem, mediada por signos que modificam a
1 Considera-se aqui que a realizao de um curso universitrio seja um acontecimento regular, pois pelo
menos formalmente um direito de todos.
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experincia direta e do a ela matizes diversos. Esses signos so construdos pelo homem
em sua relao com seus semelhantes a partir de suas emoes e aes, dentro do contexto
de sua cultura. H um longo processo de formao do psiquismo humano, estudado por
VIGOTSKI, que se traduz numa crescente capacidade de, no apenas sofrer o impacto da
realidade, mas dar a ela um significado e um sentido. Como afirma N AMURA (2003, p.
181), as significaes que permitem ao homem distanciar-se das imagens fornecidas pela
percepo e pelas sensaes imediatas.
A capacidade do homem de dar significado ao que vive, desde as experincias mais
imediatas at aquelas que exigem um alto grau de elaborao e abstrao, compreendida
aqui a partir da obra de VIGOTSKI. Esse autor buscou construir uma psicologia que tivessepor base o materialismo histrico e dialtico, demonstrando que o homem, ao transformar a
natureza, desenvolve formas de atribuir sentidos e significados ao que ele vive, em um
contnuo processo de formao do seu psiquismo. Durante o desenvolvimento humano, as
funes psquicas, que so inicialmente elementares, vo-se modificando numa complexa
interao entre aspectos afetivos, biolgicos, sociais e culturais at se tornarem funes
psquicas superiores. Estas so novas snteses que se formam a partir de outras funes
elementares que continuam fazendo parte das funes superiores, mas de um jeito novo,
qualitativamente modificado pelas mltiplas experincias humanas e pelo processo de
reorganizao de todo o sistema psquico (VIGOTSKI, 1996).
O homem e sua cultura so o resultado do desenvolvimento da capacidade de
significar. A realidade passa a ser conceituada e reconhecida dentro de significados. Estes
tm dimenses universais compartilhadas em diversas formas, como representaes,
crenas e ideologias e particulares vivenciadas como sentidos singulares. na dinmica
da relao dialtica entre os significados mais gerais e os sentidos mais particulares, que o
homem humaniza-se, tornando-se mais independente da natureza, pois para ele possveltransformar, planejar, abstrair e no apenas reproduzir a realidade vivida. Da dialtica
existente entre os significados universais e a produo de sentidos particulares resulta que,
em meio s fortes imposies ideolgicas da sociedade, que so mediaes da forma de
agir e de perceber o mundo, exista a possibilidade de construo de novas formas de
significao potencialmente capazes de romper com o imposto pela sociedade vigente.
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Os estudos de VIGOTSKI (2001) sobre a formao de conceitos, bem como dos
significados e sentidos da linguagem demonstram o alcance da afirmao de que o homem
se constitui socialmente. A constituio social do homem o processo pelo qual as funes
psquicas superiores se desenvolvem por meio da apropriao que a criana faz das
ferramentas disponveis em sua cultura. Essa apropriao no representa a reproduo dos
conceitos e significados compartilhados, mas uma forma prpria de constru-los. Quando
uma criana apreende o significado de uma palavra, isso no o fim de um processo, mas o
seu comeo, pois esse significado se desenvolve. Por exemplo, pode-se pensar o quanto se
transforma o significado de casa para um indivduo, ao longo de sua existncia. Presente
desde o incio da vida da criana, a casa concebida provavelmente no primeiro momentocomo uma espcie de contorno permanente, para passar a ser representada por uma
estrutura fixa que assume diversas formas, at chegar a concepes muito mais complexas
como abrigo, proteo, direito universal etc. Assim, a palavra no capaz de esgotar todas
as possibilidades de significao que uma casa, por exemplo, pode ter para uma pessoa e,
menos ainda, os sentidos vivenciados no contato com ela, nas experincias mais diversas.
Jos Saramago, escritor portugus, em seu romance Todos os nomes, explora as
amplas possibilidades de significado que uma palavra, aparentemente simples, como
Senhor, pode ter, dependendo do contexto em que empregada:
o tratamento Senhor no tem sempre o mesmo significado na prtica das relaeshierrquicas, podendo mesmo observar-se, nos modos de articular a breve palavra e
segundo os diferentes escales de autoridade ou os humores do momento,
modulaes to distintas como sejam as da condescendncia, da irritao, da ironia,do desdm, da humildade, da lisonja, o que mostra bem a que ponto podem chegar as
potencialidades expressivas de duas curtssimas emisses de voz que, simples vista,
assim reunidas, pareciam estar a dizer uma coisa s. ( p. 19).
VIGOTSKI(2001) chama o significado de potncia que se realiza no discurso vivo
(p. 465), apontando sua vinculao s emoes, s experincias e ao contexto em que se
desenvolve e postulando, como lei fundamental da dinmica dos significados (p. 465), o
seu enriquecimento pelo sentido a partir do contexto. Nas experincias humanas, os
significados vo-se formando, vai ocorrendo um entrelaamento constante entre idias e
conceitos j amplamente divulgados e vulgarizados e as formas particulares pelas quais
essas idias e esses conceitos vo sendo construdos e modificados.
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Se o significado, embora carregado de contedos ideolgicos e padronizados, guarda
ainda como caracterstica a dinamicidade, muito mais dinmicos so os sentidos. O sentido,
muitas vezes, pode ser separado da palavra que o expressa, assim como pode ser facilmente
fixado em outra palavra (VIGOTSKI, 2001, p. 467). Isso ocorre porque a produo de
sentidos um processo complexo, vivido nas experincias, envolvido pelas emoes
presentes e toda a carga de representaes e ideologias que permeiam essas experincias.
Dessa forma, muitas vezes, a apreenso de um sentido no se d pela via do pensamento
expresso, mas pelo que est por trs da enunciao, ou seja, pensamentos e desejos. Isso o
que VIGOTSKI(2001) chama de subtexto. A compreenso efetiva e plena do pensamento
alheio s se torna possvel quando descobrimos a sua eficaz causa afetivo-volitiva (p. 479-480). Da mesma forma, na anlise psicolgica de qualquer enunciao s chegamos ao fim
quando descobrimos esse plano interior ltimo e mais encoberto do pensamento verbal: a
sua motivao (p. 481).
O significado e o sentido tornaram-se categorias de estudo na psicologia social, em
especial, na psicologia scio-histrica. Como essas categorias revelam processos carregados
de afetividade, interesses, aspiraes e necessidades humanas tornaram-se ferramentas que
possibilitam ao pesquisador compreender de que elementos est constituda a subjetividade
humana, que VIGOTSKI chama de conscincia ou funes psquicas superiores. Essas
ferramentas tm como princpio norteador a constituio do homem em seu contexto scio-
histrico, sendo necessrio conhec-lo na sua forma peculiar de produzir significados e
sentidos em suas experincias.
VIGOTSKI estava interessado em contribuir para a construo de uma psicologia
geral, que obedecesse aos princpios do materialismo dialtico (1999) e isso o levou busca
da compreenso do funcionamento da conscincia e da relao entre pensamento,
linguagem, afetividade e aes humanas, buscando superar cises entre mente e corpo,
subjetividade e objetividade, razo e emoo. Ele no props uma metodologia que pudesse
direcionar uma pesquisa como esta que aqui se apresenta, mas tem sido amplamente
reivindicado como fonte de inspirao de uma atitude diante da realidade social que se
deseja conhecer.
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O sentido tem sido objeto de ateno de diferentes pesquisadores que buscam
produzir um conhecimento a partir das vivncias e experincias concretas dos sujeitos.2
NAMURA (2003) considera fundamental que se reconhea o sentido como resultado de
processos concretos de vida humana, como uma categoria que apanha o homem por inteiro:
a especificidade do modo humano de existncia, a ao, o trabalho, o homem sensvel,
criador, produtor, o que significa afirmar que ao falar de sentido, afirma-se uma ontologia da
existncia humana (p. 163).
No presente estudo, entende-se o sentido, a partir do que foi esboado por
VIGOTSKI, como uma categoria em construo que mantm uma relao dialtica com o
significado, numa dinmica constante em que um intervm no outro, provocando contnuasmudanas. Busca-se, aqui, conhecer os sentidos e significados das casas estudantis para
seus moradores, de acordo com a concepo de NAMURA (2003) e de sua proposta de
deslocar a anlise do discurso para a anlise do sentido, mas evitando equiparar sentido e
subtexto, sentido e pensamento, significado e palavra, entendendo que o subtexto no
esgota o sentido, principalmente porque o subtexto est muito prximo da conscincia.
Compreende-se, aqui, que os significados so bem mais facilmente verbalizados do
que os sentidos e que estes podem estar apenas nos gestos e no nos pensamentos, portanto
nem sempre expressos em palavras. Muitas vezes, sentidos so produzidos sem que possam
ser formulados ou mesmo compreendidos imediatamente pelas pessoas em suas diversas
experincias. por isso que a pesquisa busca ir alm do expresso em palavras. De acordo
com VIGOTSKI(1999), toda cincia se constri na relao entre o trabalho emprico, que
sempre guarda um carter conceitual, e a teoria, a qual por mais abstrata que seja, sempre
est apoiada na investigao emprica. O processo de interpretao, necessrio na pesquisa
cientfica, traduz-se na reconstruo do fenmeno estudado segundo suas marcas e
influncias, baseando-se em regularidades estabelecidas anteriormente. Segundo VIGOTSKI(1999,
p. 278),
o conhecimento e a experincia direta no coincidem em absoluto [...] como secomportam as cincias no estudo do que no se nos oferece diretamente? Em geral,reconstroem, elaboram seu objeto de estudo recorrendo ao mtodo de explicar ou
2O Ncleo de Estudos da Dialtica ExclusoInclusoNexin, do Programa de Ps-Graduao em PsicologiaSocial da PUCSP e o Ncleo da Infncia, Adolescncia e FamliaNIAF, da Vice-Reitoria de Ps-Graduao da UCG so exemplos da importncia atribuda produo de estudos com a categoria sentido.
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interpretar vestgios ou influncias, isto , recorrendo a elementos que lhes proporcionam
uma experincia direta.
No presente estudo, esse trajeto da experincia para a interpretao percorrido por
meio das reflexes tericas que possibilitam falar do objeto e de suas mediaes dentro de
um referencial sobre homem e sobre cincia. Este estudo resultado de um percurso de
reflexes ao longo do mestrado. Essas reflexes tomaram corpo no dilogo com diversos
autores, seja diretamente com professores do curso, seja de modo indireto, por meio de
livros ou documentos estudados. Nesse percurso, a pesquisa emprica constitui uma espcie
de matria-prima, que oferece informaes e inspirao para leituras, bem como formas
para o artesanato final.Conforme j foi dito anteriormente, buscou-se neste trabalho conhecer os
significados e sentidos das casas estudantis para seus moradores, contextualizando essas
casas em relao s universidades e ao movimento estudantil. Ao mesmo tempo, buscou-se
compreend-las como espao de relaes entre pessoas, que convivem cotidianamente, num
envolvimento afetivo ntimo. Para conhecer cada um desses aspectos, foram utilizados
procedimentos diversificados, como a aplicao de um questionrio (apndice A), visando
construo de um perfil dos moradores; a consulta a documentos relacionados moradia
estudantil; a realizao de grupos focais com alguns estudantes selecionados, alm da
observao no sistemtica durante as diversas visitas feitas s casas.
Cada procedimento foi escolhido com a inteno de que fosse complementar a uma
anlise geral. A complexidade do objeto, mesmo no visvel de imediato, na aparncia, vai
tomando forma no decorrer dos contatos estabelecidos. Como casas estudantis, essas
moradias esto envoltas em um contexto que as associa a problemticas de alcance diverso:
peculiaridades da populao jovem; situao das universidades; projeto de carreira;
separao das famlias; movimento estudantil; vida coletiva, que tem implicaes sobre
privacidade e convivncia e, por fim, o que mais pessoal, particular e prprio de cada
morador. Assim, foi preciso buscar, por meio de leituras, conhecimento sobre a juventude,
as universidades, a famlia, as casas e assim por diante. Isso deu um carter mltiplo ao
arcabouo terico que sustenta o presente trabalho. Porm, essa necessidade no levou a
uma fragmentao terica, pois todos os autores escolhidos, com raras excees, tm como
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principal foco de anlise a preocupao com o modo pelo qual o fenmeno estudado
mediado socialmente.
O primeiro procedimento utilizado na pesquisa emprica foi a aplicao de um
questionrio (apndice A). Compreender o modo como ele foi construdo importante para
o entendimento da busca por novas possibilidades de leitura e outros procedimentos
(consulta a documentos e grupos focais). A construo desse questionrio partiu
inicialmente da adaptao de um formulrio usado em uma das casas, a CEU III, para os
pleiteantes a vagas. Aps uma primeira reformulao desse instrumento, ele foi apresentado
ao Servio Social da Pr-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitria (PROCOM)
da UFG e Coordenao de Apoio Estudantil (CAE/PROEX) da UCG, recebendosugestes para modificaes. As sugestes foram acatadas e uma primeira verso do
questionrio foi aplicada a 12 moradores das casas estudantis para pr-teste. Em seguida,
aps novas reformulaes, o questionrio foi finalmente aplicado no perodo de 4 a 25 de
novembro de 2003.
O nmero de vagas ocupadas nas casas, constante na tabela 1, foi obtido das
informaes dos prprios moradores, que tambm informaram o nmero de mulheres e o
nmero de homens residentes em cada casa no momento da pesquisa. Chegou-se assim a
um nmero de 216 moradores, dos quais 115 responderam ao questionrio. Como um dos
questionrios foi preenchido de forma muito incompleta, foi invalidado, restando, ao final
114 questionrios vlidos, o que corresponde a 53% da populao total.
Tabela 1 Nmero de sujeitos por Casa do Estudante UniversitrioCEU.
Distribuio por sexo Sujeitos que responderam aoquestionrio, distribudospor sexo
Casas Vagas ocupadas nomomento da pesquisa
M F M FCEU I 90 Sem
informao
Sem
informao
23 24
CEU II 56 28 28 17 12
CEU III 60 44 16 24 07
CEU IV 10 06 04 05 02
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Considerando a participao dos prprios moradores (tendo em vista que o
formulrio original foi feito por eles) e dos rgos ligados s universidades, o questionrio
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resultou num conjunto de questes fechadas e abertas que compreende nove pginas. Essas
questes direcionaram necessariamente a discusso terica. Esta, por sua vez, interferiu na
seleo de aspectos a serem discutidos ao longo da dissertao, uma vez que seria
impossvel detalhar cada informao coletada. Em decorrncia disso, temas como
convivncia e participao poltica impuseram-se discusso e esto muito presentes ao
longo de todo o trabalho. As informaes dos questionrios foram tambm decisivas na
escolha dos sujeitos que participaram dos grupos focais.
O processamento das respostas s perguntas fechadas dos questionrios foi feito
pelo programa computacional EPIINFO e os resultados esto distribudos por todo o texto,
em um dilogo com os autores consultados. As perguntas abertas foram analisadas,buscando significados que pudessem direcionar a formao dos grupos focais. Essa anlise
possibilitou a formulao de um significado muito geral para a experincia de viver em
casa estudantil. Esse significado geral pode ser resumido na frase: Aprender com a
adversidade/diversidade. A partir desse significado geral, os sujeitos foram distribudos
em dois grandes grupos: os que vem a aprendizagem como a conseqncia mais imediata
e importante de sua experincia de morador e os que vem a aprendizagem como resultado
do sofrimento e dos sacrifcios vividos.
Foram convidados 12 moradores para ambos os grupos. Para o primeiro grupo, que
ser aqui chamado de Grupo Focal 1, foram confirmadas nove pessoas, mas compareceram
sete, quatro homens e trs mulheres, com idades variando entre 18 e 28 anos. Esse primeiro
grupo foi realizado no dia trs de junho de 2004, com moradores de quase todas as casas,
exceto a CEU IV. Para o segundo grupo, chamado de Grupo Focal 2, tambm foram
confirmadas nove pessoas, mas s compareceram quatro, todas mulheres, uma de cada
casa, com idades variando entre 20 e 31 anos. O Grupo Focal 2 realizou-se no dia 22 de
junho de 2004.A tcnica do grupo focal foi escolhida por seu potencial para facilitar a discusso
sobre determinado tpico de pesquisa. uma tcnica que se traduz em um meio de, no caso
especfico dos estudantes moradores de casa estudantil, conhec-los de uma maneira
prxima da vivida cotidianamente por eles, ou seja, em reunio, como indivduos e como
membros de uma experincia comum. O que define um grupo focal, em comparao com
outras formas de entrevista grupal, a nfase na interao do grupo e focalizao em um
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tpico escolhido pelo pesquisador (MORGAN, 1997). O teste mais simples para saber se o
grupo focal apropriado para o projeto da pesquisa perguntar quo ativa e facilmente os
participantes podero discutir o tpico da pesquisa (MORGAN, 1997). Esse teste pareceu de
fcil resoluo no caso dos estudantes pesquisados, pois familiar a eles qualquer tipo de
discusso, e isso foi confirmado nos grupos realizados. Segundo MINAYOet alii. (1999), o
grupo focal indicado nos casos em que os participantes tm caractersticas comuns,
podendo fazer parte de um grupo de discusso sobre algum tema que lhes interesse.
GASKELL (2002) e MINAYO et alii. (1999) indicam que essa tcnica tambm
recomendvel na investigao de significados e sentidos dos sujeitos.
Os moradores selecionados, a partir dos critrios apontados acima, para aparticipao nos grupos focais foram abordados pessoalmente pela pesquisadora e
convidados a participar. As reunies foram agendadas previamente em local e data
negociados com os participantes. As reunies foram gravadas e acompanhadas por
anotaes de um observador, tendo sido utilizado tambm um roteiro (apndice B) como
guia para as discusses. A sistematizao dos dados dos grupos focais obedeceu ordem
das seguintes etapas: transcrio das gravaes; leitura e releituras das transcries com o
apoio das anotaes; distribuio das falas em unidades de sentido de acordo com os
objetivos da pesquisa.
O terceiro procedimento de pesquisa foi a soma das leituras de documentos
referentes a casas estudantis em Goinia e no Brasil, que esto analisados no captulo 2.
Alm dessas leituras, teve grande importncia a observao direta realizada nas casas em
diversas visitas (aproximadamente 20) feitas aos moradores, em duas situaes: solicitao
de preenchimento do questionrio e convite para participao nos grupos focais. A
observao foi complementada pela participao voluntria e espontnea de alguns
moradores que desejaram se manifestar, solicitando oportunidade para expressarem sua
opinio, geralmente no sentido de defender as casas das representaes pejorativas que
julgam haver contra elas na sociedade. Essa atitude faz com que a denominao sujeitos,
quando aplicada aos estudantes pesquisados, no seja mera formalidade, pois designa de
fato uma caracterstica deles.
Em relao ao corpo terico do trabalho, partiu-se da constatao inicial de que os
sujeitos pesquisados so, em sua maioria, jovens. Para tanto, observa-se aqui o critrio de
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delimitao da juventude utilizado pelo IBGE e pela OIT como a faixa etria compreendida
entre 19 e 24 anos. No Brasil, esse segmento representa 20% da populao geral, ou seja,
h no pas 34,1 milhes de jovens (IBGE, Censo 2000). No entanto, os jovens no ensino
superior representam apenas 12% desse segmento da populao (BRASIL, 2003). Isso faz da
universidade uma mediao de grande importncia, pois se caracteriza pela possibilidade de
diferenciao de um grupo de pessoas em relao populao brasileira. Por vezes, essa
diferenciao, em especial para jovens de condies socioeconmicas pouco privilegiadas,
implica distinguir-se da prpria famlia, pelo menos quanto ao grau de escolaridade. Essas
consideraes iniciais foram-se delimitando ou ampliando conforme avanava a pesquisa
emprica, que enriqueceu a prpria demarcao do objeto de estudo.As Casas do Estudante Universitrio, as chamadas CEUs, de Goinia, esto
carregadas de significados oriundos, basicamente, de trs fontes principais: o movimento
estudantil, ao qual so de alguma forma vinculadas; sua histria particular e sua vinculao
s duas maiores universidades do estado de Gois, a Universidades Federal de Gois e a
Universidade Catlica de Gois. Esses significados so compartilhados pelos moradores
das casas, mas so tambm apropriados por eles, de modo muito singular nos diversos
sentidos particulares que so produzidos. A relao entre os significados mais gerais e os
sentidos mais particulares discutida ao longo deste trabalho. oportuno dizer, desde j,
que o significado da casa estudantil como um direito pelo qual os estudantes devem lutar
vivenciado como o meio de eles alcanarem uma condio de vida diferente da que tinham
na origem, antes do ingresso no curso superior.
A luta por uma mudana nas condies de vida desses estudantes pode ser
compreendida com a ajuda da dialtica exclusoincluso (SAWAIA, 2001), pois ao se
inclurem como universitrios, voltam a ser excludos, quando so designados estudantes de
baixa-renda, usurios da assistncia universitria.3 Como se pode ver, no decorrer destetrabalho, a excluso no aparece nos significados compartilhados, mas apenas como
condio vivenciada (sentida) e que deve ser superada pela busca de uma incluso futura no
mercado de trabalho. A dimenso subjetiva da excluso (SAWAIA, 2001) gera um
3A assistncia universitria definida, em um documento da UFG (BARRETO, 2002, p. 1), como um dosinstrumentos facilitadores de viabilizao da poltica educacional, alm de ser uma ao de incluso social edireito de cidadania.
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sofrimento (pouco verbalizado), cujo sentido o sacrifcio dos moradores,
predominantemente jovens, por um futuro melhor para si e para seus familiares.
Em resumo, compreende-se aqui que os jovens pesquisados buscam na universidade
uma forma de ascenso social ou de incluso na sociedade, mas que se deparam, no
contexto das casas, com uma viso social de mundo que estimula a participao e a
organizao de seus moradores para a reivindicao de direitos. Se, de um modo geral, a
juventude de hoje no considerada revolucionria,4necessrio se torna reconhecer que h
ainda formas de organizao coletiva de jovens, entre elas, o movimento de moradia
estudantil. Isso gera um campo de tenso entre os significados compartilhados que
valorizam a coletividade e os sentidos particulares que so constitudos no cotidiano dosmoradores das casas estudantis. Para a exposio dessas idias, o presente trabalho foi
dividido em trs captulos.
O primeiro captulo descreve os moradores das casas estudantis como jovens
universitrios e discute as implicaes decorrentes disso. A primeira delas a caracterstica
definidora dos sujeitos da pesquisa: jovens, em sua maioria. A juventude foi discutida como
um perodo de transio que implica a vivncia de profundas transformaes biolgicas,
afetivas, cognitivas e culturais, revelando-se como uma potncia para transformar tambm
a sua realidade, mas uma potncia que nem sempre se realiza. A juventude universitria
compreendida dentro do contexto da universidade de hoje, vista como pouco propcia
promoo do pensamento e mais preocupada com a formao de mo-de-obra para o
mercado. As informaes acerca dos jovens pesquisados conduzem discusso da
universidade como uma via para o alcance de uma vida melhor.
O segundo captulo focaliza as casas estudantis como um contexto fundamental para
a constituio de significados amplamente compartilhados pelos moradores. Esses
significados so apreendidos a partir de manifestaes como o movimento estudantil, a
viso social de mundo compartilhada pelas universidades, os profissionais que trabalham
4A discusso sobre a juventude atual, considerada pouco ativa em movimentos revolucionrios, retomadanos prximos captulos. Desde j, importante lembrar que o movimento da juventude no est isolado dos
demais movimentos sociais. Portanto, admitir um esmorecimento da juventude em face das lutas e
reivindicaes no quer dizer que seja exclusivo desse segmento ou que esteja desvinculado da histria dosmovimentos sociais, de um modo geral, e da prpria histria das universidades, em particular. H, sem
dvida, um recuo geral dos movimentos sociais atualmente, e isso no uma particulatidade da juventude.
Alm disso, as universidades enfrentaram todo um processo, j discutido por Chau (2001), de controle por
parte do Estado governado pela ditadura militar, o que levou ao recuo dos movimentos universitrios.
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com os estudantes e os prprios moradores. Essas manifestaes indicam que os jovens da
pesquisa podem ser compreendidos como pessoas que buscam uma vida melhor, mas
tambm que reconhecem a casa estudantil como um direito pelo qual devem lutar, tanto
quanto por sua insero na sociedade, como uma luta e um exerccio de cidadania. Tanto a
caracterstica de serem jovens universitrios quanto as manifestaes presentes no contexto
das casas so compreendidas como mediaes presentes na construo dos significados e
sentidos das casas estudantis.
O terceiro captulo dedicado a discutir, considerando as mediaes levantadas nos
captulos anteriores, a produo dos sentidos mais particulares das casas em um campo de
tenso entre a individualidade e a coletividade vividas pelos moradores e entre ossignificados, que tendem a enaltecer a experincia de ser morador e os sentidos, que so
muitas vezes contrrios aos significados, demonstrando a existncia de um sofrimento
cotidiano, que pode ser compreendido luz da dialtica exclusoincluso.
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Captulo 1
Os moradores: jovens universitrios
Apesar de discordar de muitas coisas em assistncia estudantil,
gosto da minha vida, porque nas dificuldades que mais se
aprende e, como disse John Lennon, a vida aquilo que fazemos
enquanto pensamos no futuro. (M, 21a)5
Os sujeitos pesquisados apresentam algumas caractersticas que necessitam ser
descritas e discutidas, a fim de se alcanar uma compreenso do modo como eles se
constituem, como moradores de casas estudantis, produzindo os significados e sentidos
analisados ao longo deste trabalho. Essas caractersticas ligam amplamente esses sujeitos ao
contexto da sociedade atual, ao mesmo tempo em que os identificam como uma populao
com especificidades. Essas especificidades so divididas em trs temas, abordados ao longo
deste captulo:
Alguns aspectos para a compreenso da juventude a juventude como caracterstica
mais geral qual se une uma outra: a de serem universitrios.
A universidade atual e os jovens universitrios a universidade atual considerada a
partir de sua insero histrica e de suas contradies.
Os sujeitos da pesquisa: suas relaes com o contexto da universidade atual e com
o contexto scio-familiar
Alguns aspectos para a compreenso da juventude
Os sujeitos da pesquisa so, em sua maioria, jovens, considerando a delimitao
utilizada pelo IBGE, que categoriza como jovens pessoas entre 15 e 24 anos de idade, e
pela OIT, que delimita essa mesma faixa etria e divide-a em dois perodos: dos 15 aos 19
anos, a adolescncia, e dos 19 aos 24 anos, a juventude propriamente dita (CANESINet alii,
5Quando se tratar de frases escritas nos questionrios, os sujeitos so indicados pelo sexo, seguido da idade.
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2002). Com o levantamento realizado por meio da aplicao dos questionrios, a faixa
etria ficou distribuda da seguinte forma: 67 (58,8%) sujeitos esto na faixa de 18 a 24
anos; 33 (28,9%) esto na faixa de 25 a 29 anos e apenas 12 (10,5%) tm 30 anos ou mais.
Existe uma diferena entre os conceitos de adolescncia e de juventude 6, utilizada
pela Organizao Internacional do TrabalhoOIT, que se encontra na literatura. Segundo
CANESIN et alii (2002), o conceito de adolescncia mais freqentemente utilizado nos
estudos de psicologia, biologia e educao e o conceito de juventude mais utilizado nos
estudos de sociologia e antropologia. Nesse sentido, o conceito de juventude definido por
MINAYO et alii (1999) como uma categoria sociolgica, que constitui um processo
sociocultural demarcado pela preparao dos indivduos para assumirem o papel de adultona sociedade, no plano familiar e profissional (p. 13). Segundo PERROT (1996),
adolescncia se precisa sob o ngulo biolgico e moral, enquanto juventude adquire um
sentido mais intelectual e poltico, associado s universidades, aos estudantes, s lutas
democrticas ou nacionais.
Neste trabalho, optou-se por designar os sujeitos como jovens, porque eles esto
mais prximos da faixa indicada pela OIT como juventude propriamente dita, e tambm por
serem universitrios, portanto mais prximos do que PERROT (1996) discrimina como
juventude. Alm disso, razovel supor que os sujeitos pesquisados se percebam mais
como jovens do que como adolescentes. Essa distino, porm, no pretende negar que ao
mesmo tempo em que um adolescente ou jovem est vivendo mudanas biolgicas, est em
processo sua maturao intelectual e cultural. De acordo com VIGOTSKI(1986), a mudana
biolgica que se opera na adolescncia caracteriza-se por uma mudana nos interesses e
aspiraes, mudando tambm as funes psicolgicas e provocando uma nova forma de
funcionamento e de estrutura do pensamento.
O conhecimento sobre a juventude vem sendo construdo ao longo dos sculos. J
na Antigidade grega havia distines de classes de idade, cada qual com suas
especificidades e necessidades definidas pelo sistema educativo (SCHNAPP, 1996). Mas o
incio de uma preocupao mais sistemtica com a juventude data do perodo moderno.
6Considera-se aqui que os conceitos de adolescncia e juventude sejam distintos, mas que o nmero maior de
publicaes em psicologia sobre adolescncia possibilita que a juventude possa ser tambm melhor
compreendida a partir dessas publicaes. Alm disso, o fato de se utilizar a obra de VIGOTSKI comoreferncia neste trabalho levou a sua escolha como autor tambm de base para a compreenso da juventude.
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Segundo FLITNER (1968, p. 37), os estudos cientficos referentes s idades infantil e
juvenil, bem como os incios de um empirismo sociolgico datam do sculo XVIII. O
sculo XX representa um momento de maior nfase nesses estudos e foi considerado por
ARIS(1986) como o sculo da adolescncia.
Os estudos sobre a juventude ou sobre a adolescncia no se justificam apenas pelo
conhecimento de uma classe de idade, mas por que representam esforos para uma
compreenso humana geral. Como disse ECHEVARRIA (1968), a interpretao que a
juventude d s suas prprias condies inclui uma imagem da sociedade. Da mesma
forma, ABRAMO (1997, p. 29) afirma que, de um modo geral, pode-se dizer que a
juventude tem estado presente, tanto na opinio pblica como no pensamento acadmico,como uma categoria propcia para simbolizar os dilemas da contemporaneidade.
A sociedade contempornea, com seu alto grau de massificao, realizada em nvel
mundial com a globalizao, reserva a seus jovens basicamente o papel de reprodutores do
modo de ser que, em ltima instncia, se configura no consumismo. BOCK e LIEBESNY
(2003, p. 212) afirmam que os modelos de juventude agora ultrapassam fronteiras muito
rapidamente. [...] As roupas, os hbitos, as grias, as grifes so agora universais. Os
grupos de jovens nas comunidades locais recebem quase de imediato a informao sobre as
referncias americanas e europias.
A despeito de toda a padronizao, h que se considerar a multiplicidade de
possibilidades que se apresentam na juventude, justamente por ser uma idade de
transio, como a chamou VIGOTSKI (1986), em que a constituio da personalidade, da
identidade, dos valores e das ideologias est em processo. PASSERINI(1996, p. 367) chamou
de polimorfismo o elemento mais marcante da experincia social dos jovens, que ela define
como diferente de multiplicidade, pois no que os jovens variem simplesmente quanto a
gnero, etnia, educao, classe, religio, mas h neles a disponibilidade para assumirdiversas configuraes, incluindo aquelas que a prpria cultura define como
irremediavelmente outras.
A disponibilidade para diversas configuraes pode ser observada nos jovens, por
exemplo, na forma de usufruir a msica, quando se dividem em grupos punksou de hip
hop. Essa disponibilidade representa uma possibilidade de enfrentar a padronizao que
lhes imposta, por estarem vivendo um momento de transformaes, em que a identidade
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ainda pouco estvel. Segundo ERIKSON(1976), a juventude uma fase da vida que se
caracteriza por alguns distrbios ou transtornos prprios da idade, que no se devem a uma
patologia permanente, mas a uma crise transitria, chamada de confuso de identidade.
Para ERIKSON (1976), a idia de juventude est intimamente ligada idia de
identidade, entendida como um processo que ocorre no mago do indivduo e tambm no
ncleo central da sua cultura coletiva. O adolescente visto como algum que vive uma
crise, em face das mudanas corporais, tecnolgicas e de sua sociedade e da busca por
definio de papis dentro dessa sociedade. Assim, a adolescncia vista como um perodo
com caractersticas especficas e individuais, mas sempre em relao com os movimentos
da sociedade. A juventude seria o momento de transio, em que o jovem, enfrentando osprocessos inerentes a ela, chegaria ao seu final com uma identidade de adulto, que depende
da definio de outros adultos com quem ele convive e das mudanas sociais. Ao adulto
cabe a funo de tomar conta, oferecer elementos para a identidade dos jovens.
A idia, desenvolvida na obra de ERIKSON, de que o jovem est vivendo
experincias emocionais difceis, que no significam necessariamente uma patologia, e que
para elabor-las precisa de um tempo, chamado de moratria social, enfatizada pela
psicanlise ao considerar a possibilidade de atitudes estranhas no jovem, mas que devem
ser consideradas normais. Foi nesse sentido que ABERASTURY & KNOBEL (1989)
propuseram denominar sndrome normal da adolescncia as vivncias pelas quais os
adolescentes costumam passar. Essa sndrome composta por dez itens: busca de si mesmo
e da identidade; tendncia grupal; necessidade de intelectualizar e fantasiar; crises
religiosas; deslocalizao temporal; evoluo sexual, desde o auto-erotismo at a
heterossexualidade; atitude social reivindicatria; contradies sucessivas em todas as
manifestaes da conduta; separao progressiva dos pais e constantes flutuaes do humor
e do estado de nimo.
Os estudos psicanalticos7 so, muitas vezes, vistos como excessivamente voltados
para o mundo psquico, negligenciando os aspectos culturais e sociais da adolescncia. No
entanto, no se pode negar que esses estudos lanaram luz sobre as diversas possibilidades
7 Estudos psicanalticos referem-se aqui a um conjunto de obras dentro da psicanlise desde os primeiros
trabalhos de S. Freud. Blos (1985) apresenta uma bibliografia cronolgica da literatura psicanaltica sobre
adolescncia no perodo de 1905, quando Freud publicou Fragmentos de uma anlise de um caso de
histeria, apontada como a obra inaugural, at 1961. Nessa bibliografia, esto includos autores como oprprio Freud, Klein, Balint, Erikson, Betelheim e o prprio Blos.
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de experincias subjetivas a que o adolescente se encontra submetido, devido s grandes
transformaes que est vivenciando. Com o devido cuidado para no ver o jovem ou o
adolescente apenas como seu mundo interno, mas tambm como um sujeito social, pode-se
buscar a compreenso do jovem ou do adolescente a partir de trs aspectos fundamentais:
1) sua insero em um modelo global de sociedade e suas ideologias; 2) a plasticidade
como uma caracterstica, devido a 3) estar vivendo um processo de transformaes. Esses
aspectos so discutidos luz da obra de VIGOTSKIsobre a adolescncia.
Em 1931, VIGOTSKI (1996) escreveu uma obra intitulada Psicologia Infantil e
incluiu nela um grande texto sobre adolescncia, no qual buscou analis-la como uma
etapa de transio, em que ocorrem mudanas profundas no funcionamento psquico comoum todo. Nessa obra, VIGOTSKIaponta para muitos equvocos, considerados por ele como
freqentes na psicologia sobre adolescncia de sua poca. Para esse autor, fundamental
entender essa fase como profundamente diferente da fase da infncia. Uma mudana
fundamental a extino de antigos interesses e o surgimento de novos. Durante a
adolescncia, os novos interesses provocam mudanas no s no contedo do pensamento
mas tambm na prpria forma do pensamento do adolescente.
A mudana nos interesses do adolescente um processo dialtico vinculado a
transformaes internas e externas. Segundo VIGOTSKI(1996, p. 20), fazendo referncia a
Hegel, se algum realiza uma atividade, [...] em relao com algum objeto, este no s se
interessa pelo objeto, mas tambm est incitado por ele. Dessa forma, as transformaes
no mundo interno do adolescente esto instigadas pelas mudanas em seu mundo
externo. A maturao sexual s poder ser compreendida levando em conta a natureza
histrica da atrao humana, a forma histrica do amor sexual entre os seres humanos (p.
22). Ao adolescente, que est vivenciando transformaes em sua base biolgica, so
apresentados elementos culturais que do forma a seus interesses.
Essa compreenso dialtica de VIGOTSKIsobre a adolescncia pretende romper com
velhas teorias sobre a adolescncia, entre elas algumas idias da psicanlise, como a
nfase excessiva na mudana biolgica e na vida emocional do adolescente. A mudana na
base biolgica permite o desenvolvimento de novos interesses, mas estes se caracterizam
por uma formao cultural das atraes, o que para V IGOTSKI (1996) explicaria o que ele
chama de fase negativa da adolescncia, ou seja, desinteresse, descontentamento,
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isolamento, desprezo por regras etc. Essa fase negativa no pode ser explicada somente
pela mudana biolgica, mas pelo conjunto de transformaes correntes.
Quanto nfase excessiva na vida emocional do adolescente, V IGOTSKI (1996)
afirma que este seria o lado externo, mais visvel, mas que na verdade o adolescente, mais
do que ocorre na infncia, desenvolve sua intelectualidade. Segundo ele, precisamente a
criana de idade precoce o ser mais emocional, as emoes, em sua estrutura geral,
desempenham um papel preponderante; o adolescente, ao contrrio, para ns antes de
tudo um ser pensante (p. 49)
Para VIGOTSKI (1996), a mudana intelectual do adolescente muito importante,
pois no muda apenas o contedo do pensamento (material totalmente novo e ligao aesferas novas da cultura, como poltica, justia, profisso, tica, cincia e ideologia), mas
tambm mudam e se enriquecem as prprias funes intelectuais, as formas do pensamento,
a estrutura e composio de suas operaes intelectuais. Isso significa que s na
adolescncia o pensamento pode operar logicamente com conceitos, uma mudana que
representa uma formao psquica qualitativamente nova, obedecendo a leis especiais e
regulaes totalmente distintas (VIGOTSKI, 1996).
O desenvolvimento de novos contedos do pensamento no ocorre independente de
mudanas importantes na forma de operar intelectualmente. Segundo VIGOTSKI (1996, p.
54), um contedo determinado pode ser representado de maneira adequada to somente
com ajuda de formas determinadas. Ao serem postos diante do adolescente novos
contedos externos, como interesses, concepes, normas e ideais, seu pensamento passa a
ter novas tarefas, novas formas de atividade, novas formas de combinao, passando a
funcionar por conceitos. Para VIGOTSKI (1996, p. 64), o passo para o pensamento em
conceitos abre ante o adolescente o mundo da conscincia social objetiva, o mundo da
ideologia social.
A relao entre os contedos do pensamento e a sua forma (funcionamento por
conceitos) constitui o processo pelo qual o adolescente passa a ter mais conscincia de sua
insero social. Segundo VIGOTSKI (1996), h dois fatores fundamentais que capacitam o
adolescente a sentir-se membro de sua classe social e dela participar: a vivncia na sua
comunidade, comungando de atividades e interesses, e o uso de conceitos que permitem
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conhecer essas atividades e interesses, partilhando a ideologia de sua classe. Os conceitos
se desenvolvem inevitavelmente dentro de uma determinada ideologia social.
O uso de conceitos est em desenvolvimento no adolescente e precisa ser
estimulado por sua cultura, que tem importncia decisiva na maior ou menor capacidade de
uso dessa forma de pensamento. Essa capacidade, se levada a seu desenvolvimento pleno,
levar o jovem ao pensamento dialtico, considerado por V IGOTSKI(1996) o pensamento
mais evoludo. Mas o que ocorre no adolescente, justamente pelo processo de grandes
transformaes, ser tipicamente contraditrio, deixando-se atrair, ao mesmo tempo, pela
lgica e pelo romantismo, alm de insuficientemente dialtico, no aceitando mais de uma
alternativa para as questes. Isso porque o pensamento adolescente no todo realizadoatravs de conceitos, pelo contrrio, ainda bastante concreto. Para o adolescente surge o
mundo no lugar do que era para a criana o meio circundante, mas isso ocorre de um modo
crescente: o pensamento abstrato no dominante, mas vai crescendo e o concreto vai
diminuindo com o avano da idade.
Em meio a todo o desenvolvimento biolgico e cultural do adolescente, as
mudanas em seu pensamento permitem que ele possa conhecer tambm sua realidade
interna, ter auto-percepo e auto-observao. A conscincia existe, muito precocemente,
na criana, mas a auto-conscincia s se desenvolve mais tarde, especialmente na
adolescncia, com a ajuda dos conceitos. A diviso entre o mundo das vivncias internas e
o mundo da realidade objetiva no um dado, desde idades precoces, mas resultado de um
desenvolvimento. Dessa forma, a adolescncia o momento em que se pode falar de uma
personalidade, ao mesmo tempo em que se pode falar de uma viso de mundo, embora
ainda em processo de desenvolvimento (VIGOTSKI, 1996).
A adolescncia caracteriza-se, ento, por um maior domnio do adolescente sobre si
mesmo e sobre o mundo a sua volta, no sentido de que pode compreender-se melhor e
conhecer sua realidade social. Pode, alm disso, usar sua vontade, que considerada por
VIGOTSKI (1996) uma importante funo psquica superior, capaz de ser utilizada pelo
adolescente. Dessa forma, o adolescente est mais consciente da distino que existe entre
seu mundo interno e seu mundo exterior, o que pode trazer muitos conflitos, mas capacita-o
a exercer melhor sua vontade. Isso no quer dizer que no haja diversas determinaes
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agindo sobre essa vontade, mas que ela uma funo sobre a qual se tem muito mais
controle do que na infncia.
A partir de alguns aspectos da juventude ou adolescncia, apontados acima, como a
insero do jovem ou adolescente em um modelo global de sociedade e a plasticidade como
uma caracterstica marcante, em decorrncia de estar vivendo um processo de
transformaes, pode-se estabelecer, luz da teoria de VIGOTSKI que: a) a partir da
adolescncia que o indivduo pode compreender a sua prpria insero na sociedade, em
sua classe e na sociedade global; b) o pensamento do adolescente ganha em plasticidade, ao
operar por conceitos, e ao possibilitar o uso da vontade no encaminhamento de sua vida e c)
as transformaes por que passa implicam uma nova conscincia de si mesmo e uma visode mundo.
Quanto distino entre os conceitos de juventude e de adolescncia, pode-se dizer
que o jovem est em uma fase imediatamente posterior fase da adolescncia, vivendo os
efeitos das transformaes recm-experimentadas. Esses aspectos revelam-se fundamentais
na compreenso dos jovens universitrios, pois a universidade supostamente deveria trazer
contedos para o enriquecimento da nova forma de pensar do jovem, possibilitando
transformaes pessoais capazes de repercutir na realidade social. Mas, como ser discutido
a seguir, a universidade no tem podido cumprir essa funo e aquilo que uma potncia
do jovem acaba no se realizando plena ou suficientemente.
A universidade e os jovens universitrios hoje
A universidade tem sua importncia reconhecida na sociedade, seja por ser a via de
formao dos profissionais que atendem populao, seja por ser considerada detentora de
um saber especial. Seu reconhecimento social acompanha sua longa histria, desde seu
surgimento, a partir de quando vem se modificando e se constituindo na relao com outros
aspectos da vida social.
De acordo com o estudo histrico feito por LE GOFF(1989), a universidade nasceu
no Ocidente, no contexto do cristianismo, especificidade que a distingue do
desenvolvimento do pensamento j existente no Oriente: cultura greco-rabe. O contexto do
surgimento da universidade, segundo LE GOFF (1989), foi o do surgimento do intelectual
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como profisso (escrever e ensinar), que por sua vez surgiu junto com as cidades, no sculo
XII. Para esse autor, as universidades so centros organizados, onde o movimento
intelectual fixa-se. So corporaes, assim como outras corporaes de ofcios que
estavam-se estabelecendo no mesmo sculo XII. Os intelectuais se firmavam ento como
mais uma categoria socioprofissional. Ainda segundo LE GOFF,
Resta a esses artesos do esprito, engendrados no desenvolvimento urbano do sculo
XII, organizarem-se dentro de um grande movimento corporativo, coroado pelo
movimento comunal. Essas corporaes de mestres e estudantes sero, no sentido estrito
da palavra, as universidades. Essa ser a obra do sculo XIII. (LE GOFF, 1989, grifo doautor).
A histria da universidade repleta de transformaes e contradies. Se ela surge
em um contexto de busca desinteressada pelo saber, muito rapidamente ocorreu-lhe um
processo de aristocratizao, revelado pelo uso de smbolos nobres e a tendncia
transmisso hereditria de cargos universitrios. LE GOFF (1989) reconhece que a
universidade, desde seu incio, representou uma nova forma de poder. Com seu surgimento
formava-se um poder universitrio, junto com o clerical e o monrquico, embora a
universidade tenha representado tambm uma resistncia contra esses poderes.
Em relao luta pelo poder, LE GOFF (1989) o situa dentro de um carter
revolucionrio, na medida em que jovens de camadas populares tinham chances de ter
acesso universidade: certo que jovens nobres, e logo em seguida tambm jovens
burgueses, constituam a maioria dos estudantes e dos mestres, porm o sistema
universitrio permitia uma real ascenso social para um certo nmero de filhos de
camponeses. (p. 9). Mas o final da Idade Mdia significa o fechamento da universidade
em um crculo de nobres. Nos sculos XIV e XV os professores passam a depender cada
vez mais do seu salrio e por isso declina rapidamente, por estatuto, o nmero de
estudantes pobres que recebem ensino gratuito (LE GOFF, 1989, p. 96).Se se considera, com base nos estudos de LE GOFF (1989), que as primeiras
universidades do mundo foram as de Paris, Oxford e Bolonha no sculo XIII, pode-se dizer
que a universidade surgiu no Brasil com um atraso de sete sculos. A primeira universidade
brasileira s foi criada em 1923 por um motivo extraeducacional, segundo RIBEIRO
(1977): a necessidade diplomtica de conceder o ttulo deDoctor Honoris Causaao rei da
Blgica, o que s poderia ser feito por uma universidade. Assim, foi criada a Universidade
do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A partir de ento, as universidades brasileiras foram sendo criadas em diferentes
momentos e com orientaes polticas diversas. Segundo CHAU (2001), na primeira
metade do sculo XX, foram criadas universidades pblicas dentro da viso liberal e da
idia do saber desinteressado. As universidades surgidas em torno dos anos 1950
inspiraram-se no reconhecimento do direito de todos educao pblica. As que foram
criadas no contexto poltico da dcada de 1970 tiveram a funo de controle e censura do
pensamento, ao mesmo tempo em que buscavam atender s necessidades da indstria.
Com a reforma universitria de 1968, a nova funo atribuda universidade
brasileira, de acordo com CHAU (2001), concretizou a sua transformao em uma
organizao que funciona segundo os moldes empresariais. Tomando o conceito desociedade administrada, formulado pela Escola de Frankfurt, CHAU (2001) afirma que a
universidade foi-se transformando em uma organizao administrada e administrativa. Esse
conceito explicita o fenmeno pelo qual todas as manifestaes sociais so tomadas como
equivalentes, podendo haver trocas entre elas, a despeito de suas especificidades. O sucesso
e a eficcia da universidade administrada so medidos, assim como na indstria, em termos
da gesto de recursos e estratgias de desempenho.
A universidade brasileira, hoje, insere-se no que CHAU (2001) denomina
instrumentalizao da produo cultural. Esse fenmeno caracteriza-se por provocar uma
confuso entre conhecimento e pensamento, reduzindo todo o campo do saber ao do
conhecimento. Segundo a autora, limitando seu campo ao do saber institudo, nada mais
fcil do que dividi-lo, dos-lo, distribu-lo e quantific-lo. Em uma palavra: administr-
lo.(p. 60) Ou seja, no se estimula o pensamento, a reflexo e a dvida, apenas se busca
transmitir o que considerado como saber estabelecido.
A universidade surge no Ocidente como uma instituio que busca promover o
exerccio do pensamento e o enfrentamento de novas experincias que ainda precisam terseu sentido formulado (CHAU, 2001), mas est hoje sujeita s exigncias do mercado.
Segundo CHAU(2001), a modernizao da universidade arcaica no sentido de que traz
de novo a submisso do saber a um sistema externo, que na universidade medieval era a
Igreja e hoje o mercado. A universidade passou a cumprir uma tarefa que antes era do
ensino mdio profissionalizante: adestramento de mo-de-obra para empresas,
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provocando um excedente de diplomados como reserva. As empresas passam a exigir
maior titulao no por necessidade real, mas devido a esse excedente.
O adestramento implica uma situao contrria que ofereceria aos sujeitos sociais
algumas condies de controle do seu trabalho (CHAU, 2001), pois estes ficam
dependentes de um saber muito especfico destinado a uma demanda tambm especfica.
Ou seja, a universidade no amplia os horizontes intelectuais nem produz sujeitos
autnomos. Em relao juventude, que ocupa as vagas universitrias, a universidade, na
viso de CHAU, atua como agente de padronizao, impedindo o desenvolvimento da
plasticidade prpria dos jovens que poderia lev-los ao exerccio do seu pensamento com
autonomia. O papel atual da universidade, segundo CHAU(2001, p. 46), :criar incompetentes sociais e polticos, realizar com a cultura o que a empresa realiza como trabalho, isto , parcelar, fragmentar, limitar o conhecimento e impedir o pensamento, demodo a bloquear toda tentativa concreta de deciso, controle e participao, tanto no planoda produo material quanto no da produo intelectual.
A restrio histrica que tem sido imposta ao papel da universidade na sociedade
distancia-a de sua especificidade como instituio. Seu papel especfico seria compreender
o processo social e propor sadas para os problemas sociais, com total autonomia em
relao a qualquer outra instituio, comprometida apenas com princpios como liberdade,
democracia e justia social. Segundo COELHO (1999, p. 81):
como instituio essencialmente acadmica que emerge da vida social concreta, a reproduze contesta, a universidade o espao por excelncia do debate e da crtica da produosocial, do confronto das idias, da interrogao do sentido e da gnese do real, doquestionamento de si mesma e da busca de alternativas para o mundo da produo e para aexistncia social e individual.
Se, ao contrrio do que se poderia esperar da universidade, ela se transformou em
uma organizao administrada e administrativa, como afirmou CHAU (2001), ser ainda
possvel encontrar caractersticas que especifiquem a juventude universitria? Ou seja, osjovens universitrios guardam alguma diferena em relao aos outros jovens da mesma
idade que no alcanaram o nvel superior de escolaridade? Um aspecto importante da
adolescncia, segundo VIGOTSKI (1996), o processo de intelectualizao do psquico,
quando todas as demais funes parciais se intelectualizam, se transformam e se
reestruturam pela influncia dos xitos decisivos que alcana o pensamento do adolescente
(p. 113). Essa intelectualizao, propiciada pelas novas formas de relao entre as diversas
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funes psquicas, agora subordinadas formao de conceitos, possibilita duas novas
snteses no pensamento: a conscincia de sua personalidade e a concepo de mundo.
A maior capacidade de uso do intelecto, propiciada pelo desenvolvimento dos
conceitos no adolescente pode levar ao pensamento dialtico, que s ser alcanado a partir
das possibilidades concretas existentes. A universidade deveria ser uma delas. Segundo
IANNI(1968, p. 233),
nos contatos com teorias e idias, propiciadas em especial pela escola, nos grupos de
amigos reunidos em torno de interesses intelectuais, nas atividades ldicas, nas
manifestaes da atividade sexual, no trabalho, o jovem posto continuamente emface de componentes do sistema sociocultural que revelam ou acentuam o carter
contraditrio dos elementos que compem a situao social vivida.
Algumas caractersticas da juventude fazem dela a etapa de desenvolvimento mais
propcia ao enfrentamento das condies postas pela realidade da universidade, caso esta
estivesse ainda funcionando como agente de produo do saber e do pensamento.
FORACCHI (1972), ao examinar o papel da universidade no movimento estudantil,
argumenta que aquela subsidiadora deste ao abrir os horizontes intelectuais. Para ela, a
formao universitria intervm nesse processo, que extenso e complexo, quando subsidia
o momento da interconexo com argumentos intelectuais que fundamentam a crtica ao
sistema e, ao mesmo tempo, ampliam o autoconhecimento (p. 48).
FORACCHI (1972), na dcada de 1970, um momento em que eclodiam com
virulncia manifestaes estudantis por todas as partes do mundo, analisa o movimento
estudantil como resultado da confluncia de trs ordens de fatores: a prpria juventude,
com sua necessidade de auto-expresso, sua reao autoridade e a rejeio do papel de
adulto imposto pela sociedade; a crise institucional da universidade, que menos se mantm
na funo da formao intelectual e mais se subordina ao sistema de produo industrial; a
carreira profissional como uma vinculao da universidade sociedade, demonstrando suascontradies no que diz respeito s reais possibilidades de insero na carreira.
Como se pode ver em FORACCHI(1972), os jovens universitrios so historicamente
associados a uma maior capacidade de questionamento da realidade e a uma atitude
revolucionria, mas, ao mesmo tempo em que a universidade foi-se tornando cada vez mais
administrada, tambm a juventude foi se encolhendo em seu papel de contestao. Embora
existam organizaes formais de estudantes, como a Unio Nacional dos Estudantes ou os
Diretrios Centrais de Estudantes, a juventude universitria hoje no pode ser considerada
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revolucionria. Como afirma FORRESTER (1997), no se v hoje nenhuma luta, todos
parecem participar do mesmo campo, considerar o estado atual das coisas seu estado
natural (p. 22). Para essa autora, os jovens pobres no tm mais sequer a que desejar
integrar-se. So excludos por excelncia, e a educao que poderia representar para eles
uma ltima chance revela-se perversa, ao indicar perspectivas que no pode cumprir.
Pode-se dizer que a juventude universitria tem, duplamente, potencial para a crtica
e a transformao, por ser jovem e ao mesmo tempo universitria. Porm, esse potencial
no tem-se realizado na sociedade contempornea ou pelo menos no tem-se realizado da
mesma forma de outras pocas da histria brasileira. Quanto disposio para impor
crticas e aes sociedade,
existe uma concepo de que no h mais lutas promovidaspela juventude depois das dcadas de 1960 e 1970. Segundo RUA(1997, p. 14):
Os jovens dos anos sessenta e setenta geraram filhos que compem a juventude dosanos noventa. Esta ltima parece ser, ao contrrio de seus pais, uma juventude carente deutopias e de organizao coletiva, dotada de parcos recursos de poder. [...] De fato, nocaso brasileiro, aps os anos sessenta e setenta, os jovens s vieram a se mostrar presentes,de forma diluda, em dois outros momentos, ambos capitaneados pelas elites adultas dopas: o Movimento das Diretas J e o movimento pelo impeachment do presidente Collor.A sua freqncia ao noticirio dos jornais, fora desses momentos, se concentra nasocorrncias policiais, seja pelo envolvimento com o trfico de drogas, com acidentes detrnsito, com gangues ou em episdios de criminalidade como a incinerao do ndio
Patax em Braslia8
.
Alguns autores, entretanto, apontam para uma representao presente nas avaliaes
sobre a juventude e seu papel poltico na sociedade. Essa representao estaria fortemente
carregada da idia de que somente os jovens dos anos 1960 e 1970 teriam participado de
manifestaes polticas (ALMEIDA, 2004), negligenciando a importncia de novos modos de
manifestao coletiva dos jovens. ALMEIDA (2004) afirma que mesmo os jovens esto
fortemente influenciados por uma representao de que a juventude atual essencialmente
individualista, no atentando para formas de solidariedade e formas coletivas de ao queno so identificadas pelos velhos cones da participao poltica clssica (p. 60), mas que
representam novas formas coletivas de aes.
FRATTI(2004) identifica quatro perfis atuais de jovens contestadores:
8Discute-se aqui um recuo da juventude, em especial a juventude universitria, em relao a movimentos emanifestaes. preciso situar essa juventude na prpria histria da universidade, que, como afirma CHAU(2001), tem se tornado uma instituio administrada, a partir da reforma de 1968, ocorrida na ditadura militar,o que trouxe srias restries s possibilidades de luta seja da juventude ou de qualquer outro segmentosocial.
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1. contestadores em potencial tm individualmente uma viso poltica crtica do
mundo;
2. contestadores institucionalizados participam de entidades estudantis e levantam
bandeiras como solidariedade anticapitalista e luta pela universidade pblica e gratuita;
3. jovens da periferia de centros urbanos fazem da cultura o espao da
manifestao poltica
4. contestadores independentes agregam uma pluralidade de ideologias como
socialismo, anarquismo ou defesa do meio ambiente.
Uma pesquisa realizada com jovens de todo o Brasil, pelo Instituto Cidadania, em
final de 2003, mostra que jovens com escolaridade superior tm um interesse por poltica egoverno acima da mdia: 14% contra 7% (mdia) e preocupam-se mais tambm com a crise
econmica e financeira acima da mdia: 15% contra 10% (mdia). Da mesma forma,
preocupam-se mais com administrao e poltica brasileira: 10% contra 3% (mdia).
Cultura e lazer tambm so assuntos que interessam mais aos jovens com nvel superior:
33%, enquanto a mdia foi de 27%.9
As especificidades da juventude universitria referem-se ao fato de vivenciar
transformaes pessoais ao mesmo tempo em que enfrenta a realizao de um curso
superior. Este, apesar de todos os problemas apontados por CHAU (2001), no deixa de
representar um perodo que pode trazer outras transformaes. Como afirma CHAU(2001,
p. 120):
Por mais seletiva e excludente que seja a universidade, ainda assim, em seu interiorreaparecem divises sociais, diferentes polticas e projetos culturais distintos, ou seja, auniversidade uma instituio social e, nessa qualidade, ela exprime em seu interior arealidade social das divises, das diferenas e dos conflitos.
por guardar em seu seio as contradies da sociedade, que a universidade
representa ainda a possibilidade de que se efetive o esprito do pensamento livre e da busca
pelo saber, bem como da busca pela autonomia nas aes e no pensamento. Basta lembrar
que importantes pensadores contemporneos esto nas universidades, das quais surgiro,
certamente, novos pensadores. Apesar da situao atual da universidade, ainda possvel
afirmar que algumas especificidades caracterizam a juventude universitria, pois no se
9Os resultados esto disponveis no siteindicado nas referncias.
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pode negar que os aspectos contextuais da maior escolaridade e do prprio convvio na
prtica universitria forneam uma certa configurao particular.
Uma primeira caracterstica que diferencia o universitrio dos outros jovens o seu
nmero reduzido na sociedade brasileira. O nmero de universitrios muito reduzido em
relao populao jovem. No Brasil, apenas 12% das pessoas com 18 a 24 anos de idade
esto no ensino superior, enquanto no Chile e na Argentina esse percentual de
aproximadamente 30% (GAZZOLA, 2003).
As vagas para cursos superiores, principalmente nas universidades pblicas, so
ainda restritas, se considerada a populao. Porm, na ltima dcada assistiu-se a uma
exploso de faculdades particulares. Segundo o Censo Universitrio (BRASIL, 2003, p. 21),hoje, no Brasil, 1442 instituies so particulares e apenas 195 so pblicas. Em 2003,
dos 3,5 milhes de estudantes matriculados, 2,4 milhes esto em instituies privadas
(BRASIL, 2003, p. 21).
Considerando que as faculdades particulares esto mais voltadas para a formao
profissional e menos para a pesquisa, o maior nmero de vagas pode representar uma
tendncia, cada vez mais acentuada, em direo ao preparo para o trabalho. Isso equivale a
caracterizar a universidade mais como uma forma de ascenso social e menos como forma
de enriquecimento cultural ou de erudio. Essa tendncia mais instrumental das
universidades reflete-se na qualidade da formao universitria. Os dados do Exame
Nacional de Cursos de 1997 revelaram, segundo RUA (1997), que a formao cultural dos
jovens universitrios muito precria, com pouqussimos estudantes desenvolvendo
leituras no obrigatrias ou freqentando bibliotecas.
Interessa, aqui, entender o quadro geral da universidade brasileira hoje, no qual se
insere o jovem universitrio. Embora se constate como predominante a tendncia,
caracterizada por CHAU(2001), como universidade e sociedade administradas, reconhece-se que sobretudo os jovens, por seu potencial para transformaes, representam uma
possibilidade de mudana nesse quadro.
O jovem universitrio talvez possa ser entendido como algum que acaba de passar
por uma espcie de revoluo pessoal. Esse fato faz com que algumas universidades
disponham de profissionais que desenvolvem aes voltadas para o cuidado de seus
jovens. Por exemplo, no sistema de atendimento realizado na UNICAMP, os universitrios
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so atendidos e vistos como pessoas que esto saindo do perodo de adolescncia, no qual
enfrentaram o processo de definio de identidade, cujos conflitos podem no ter sido bem
resolvidos (MULLER &MERGULHO, 1999).
O jovem universitrio enfrenta, concomitantemente ao seu processo de definio de
identidade, grande presso relacionada com as decises sobre seu futuro como adulto, que
marcado profundamente pela possibilidade ou no de insero no mercado de trabalho. Para
ERIKSON (1976), o que mais perturba os jovens a incapacidade para decidir sobre uma
identidade ocupacional. Considerando que a universidade a que tm acesso somente 12%
dos jovens brasileiros, faz parte das opes de caminho para o jovem, rumo a sua identidade
ocupacional, preciso consider-la a alternativa vista como a mais promissora, ou seja,aquela que lhe oferecer a possibilidade de conquistar a condio de vida almejada. nesse
sentido que se desenvolve a discusso a seguir a respeito dos jovens universitrios
participantes do presente estudo.
Os sujeitos da pesquisa
So apresentadas, a seguir, algumas informaes sobre os sujeitos pesquisados, a
fim de orientar a discusso posterior. A origem da populao pesquisada est descrita na
tabela 2. Como se pode ver, exatamente a metade dos respondentes vem de reas urbanas
do interior do estado de Gois.
Tabela 2 Origem da populao pesquisadaORIGEM N %
rea urbana do interior de Gois 57 50,0rea urbana do interior de outro estado brasileiro 32 28,1
Capital de outro estado brasileiro 13 11,4rea rural de Gois 5 4,4rea rural de outro estado brasileiro 4 3,5Outro pas 1 0,9No respondeu 2 1,8Total 114 100,0
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Dos 114 sujeitos pesquisados, com exceo de dois que no responderam, 58,8%
so do sexo masculino e 39,5% so do sexo feminino. Em relao cor/raa,10observando-
se o quadro abaixo, nota-se que 59,8% das pessoas pesquisadas consideram-se no-brancas.
Tabela 3 Auto-atribuio de cor/raa
COR N %
Branca 38 33,3
Negra 20 17,5
Parda 16 14,0
Morena 15 13,2
Amarela 04 3,5
Morena clara 03 2,6
Indgena 02 1,8Mestia (negra) 01 0,9
Latina 01 0,9
Brasileira/amarela 01 0,9
Caucsico 01 0,9
Mista 01 0,9
Mestia 01 0,9
Raa humana 01 0,9
Negra/morena 01 0,9
No respondeu 08 7,0
Total 114 100,0
Em relao renda familiar, as casas estudantis de Goinia utilizam um critrio para
receber seus moradores a partir da prtica do Servio Social das duas maiores universidades
de Goinia, a UFG e a UCG. Os requisitos mais importantes para ter direito a uma vaga so
a condio financeira e no residir em Goinia. O usurio da poltica de assistncia social
definido pela demanda, que tem sido, h aproximadamente 8 anos, de 1 a 1,5 salrio
mnimoper capita,11no caso do Servio Social/UFG e das casas estudantis de Goinia.
Considerando-se as pessoas que vivem na mesma casa em que moravam os sujeitosantes de virem para a CEU, a renda ficou assim dividida: 16,7% no informaram a renda;
10Utiliza-se aqui a orientao de Bernardino (2004) para que o termo raa no seja evitado, pois, embora no
diga respeito a qualidades biolgicas, refere-se a distines sociolgicas existentes na sociedade. Segundo o
autor, mesmo que a raa no exista do ponto de vista biolgico, ela existe do ponto de vista sociolgico, nosentido de que uma categoria social suficiente para explicar prticas discriminatrias de uns indivduos
perante outros (p. 19).11
Informaes do Servio Social da Pr-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitria da UFG,
fornecidas pela Assistente Social Dra. Simone Sobral.
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37,7% tem renda inferior a 1 salrio mnimo per capita;36,7% tem renda entre 1 e 1,5
salrio mnimo; 7,8% tem renda superior a 2 salrios mnimos. Pelo critrio da renda, esses
ltimos estariam fora do critrio exigido para ter direito vaga nas casas, mas a renda no
tomada isoladamente de outros fatores como nmero de pessoas na famlia e gastos com
doena, por exemplo. Nesta pesquisa, a renda foi apenas uma sondagem, sem a inteno de
fazer um levantamento rigoroso, o que demandaria um tempo e condies tcnicas de que
no se dispunha. Foi possvel, entretanto, confirmar que so pessoas sem condio
financeira suficiente para se manterem sem ajuda externa.
A renda familiar freqentemente complementada com o trabalho do prprio
estudante. Quanto a isso, 37 sujeitos (32,4%) afirmaram ter trabalho remunerado. Destes,12,3% exercem a funo de professor e 8% trabalham em atividades relacionadas a
escritrio e contabilidade. Os outros 12,6% se dividem nas mais diversas atividades, como
artesanato, servio pblico, teatro etc. Entre os estudantes que afirmaram no ter trabalho
remunerado, h uma grande parcela de pessoas com bolsas de estgio, pesquisa ou
monitoria: 32 pessoas (28%). Os estudantes que afirmaram no ter trabalho remunerado,
nem bolsa, relataram receber ajuda de familiares, amigos ou fazerem bicos: 45 pessoas
(39,4%).
Quanto renda dos estudantes, entre aqueles que tm trabalho remunerado, trs
sujeitos (8,1%) recebem entre trs e cinco salrios mnimos, 29 sujeitos (78,3%) recebem
entre um e trs salrios mnimos e 5 sujeitos (13,5%) recebem menos de um salrio
mnimo. Entre os que recebem ajuda de bolsas, familiares e/ou fazem bicos, e relataram o
valor dessas ajudas, 48,6% recebem de um a trs salrios mnimos, 47,2% recebem menos
de um salrio mnimo, 1,8% (apenas duas pessoas) recebem de trs a cinco salrios
mnimos e uma pessoa (0,9%) recebe mais de cinco salrios mnimos.
Quanto instituio em que estudam, do total de sujeitos pesquisados 51% esto emuniversidades pblicas e 44,9%, em universidades particulares. Sendo estudantes de baixa-
renda, alto o ndice daqueles que estudam nas particulares. que, muitas vezes, s
possvel conseguir vaga nessa categoria de universidade, pois a concorrncia, nas
universidades pblicas, exige maior preparo, o que, por sua vez, exige ter freqentado uma
escola particular. Segundo o Censo Universitrio (BRASIL, 2003, p. 21), as universidades
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pblicas registraram em mdia 9,4 candidatos por vaga, enquanto as faculdades particulares
registraram apenas 1,6 candidato por vaga.
Um fator que explica o alto ndice de estudantes pesquisados nas faculdades
particulares o tipo de escola de ensino mdio freqentada pelos sujeitos, pois as escolas
que melhor preparam para a aprovao nos vestibulares concorridos das universidades
pblicas so as particulares. Em relao ao ensino mdio, a grande maioria dos sujeitos
freqentou escola pblica: 76,3%. A porcentagem de sujeitos que fizeram o ensino mdio
em escola particular de 14,9%, enquanto 6,1% freqentaram escolas conveniadas e
apenas duas pessoas (1,8%) cursaram o ensino mdio parte em escola pblica e parte em
escola privada.Em relao ao curso, as respostas mostram grande variedade, resultando num total
de 43 cursos diferentes. Entre estes, apenas o curso de Letras teve um ndice maior, 11,4%,
seguido pelo curso de Enfermagem, 7,9%. O total de cursos pode ser subdivido em reas
representadas por 13 cursos das Cincias Biolgicas ou da Sade (30,2%), 14 cursos das
Cincias Exatas (32,6%), 11 cursos das Cincias Humanas e Sociais (25,6%) e 3 cursos
ligados s Artes (6,9%). Apenas uma pessoa no disse qual o curso que faz e uma outra
pessoa respondeu que cursa ps-graduao, sem especificar a rea. Considerando a mdia
de concorrncia das universidades pblicas (9,4 candidatos por vaga), os sujeitos da
pesquisa que esto em cursos com concorrncia igual ou superior somam 17%, enquanto
43% esto em cursos com baixa concorrncia (at 3 candidatos por vagas) e 40% esto em
cursos com mdia concorrncia (5 ou 6 por vagas).12
Em resumo, os sujeitos so jovens em sua maioria (58,8%), com um predomnio de
pessoas do sexo masculino (58,8%), consideram-se na maioria no-brancos (59,8%), com
uma porcentagem significativa de pessoas que se consideram negras (17,5%). Alm dessa
caracterizao inicial, so importantes algumas informaes referentes s famlias dos
pesquisados.
Na maioria dos casos, os jovens pesquisados vm de famlias com poucos membros,
formadas por pais e filhos. A tabela 4 refere-se ao nmero de pessoas que os respondentes
12Nmeros referentes a 100 sujeitos, que so os estudantes da UFG e da UCG, universidades cujos ndices de
concorrncia dos cursos foram de fcil acesso.
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afirmaram ter em seu ncleo familiar. Pode-se ver que h uma concentrao de sujeitos
(72,4%) cujo ncleo familiar tem at seis membros.
Tabela 4 Demonstrativo do nmero de pessoas nas famlias
NMEROS DE MEMBROSNA FAMILIA
N %
Cinco 27 23,7
Quatro 24 21,1
Seis 13 11,4
Trs 12 10,5
Sete 8 7,0
Oito 6 5,3Dez 5 4,4
Duas 4 3,5
Nove 3 2,6
Onze 3 2,6
Doze 3 2,6
Uma 1 1,8
Dezesseis 1 0,9
Vinte e cinco 1 0,9
Total 114 100,0
H, entre as famlias dos pesquisados, vrios desenhos de famlia (PERES &SOUSA,
2002), ou seja, composies diversas, que incluem muitas vezes outros membros alm de
pais e filhos. A composio familiar predominante entre os respondentes a de pai, me e
filhos (41,2%) ou pai e me (3,5%), seguida da composio me e filhos (15,8%). H
uma porcentagem razovel de pessoas que se referiram apenas me como compondo sua
famlia (7,9%), alguns incluram na composio pai, me e filhos, tambm o av ou a av
(5,3%) e apenas trs respondentes (2,6%) falaram de me, padrasto e filhos. H tambm
uma porcentagem significativa (16,2%) de famlias que incluem tios, avs, primos,madrasta, e outros parentes. Desses, h famlias que so compostas sem a presena do pai,
da me ou de ambos (13,5%).
Complementando essas informaes, foi perguntado aos estudantes quem exercia a
funo de pai e de me para eles. Embora essas funes sejam exercidas majoritariamente
pelos pais e mes biolgicas, 62,3% e 86%, respectivamente, h uma significativa parcela
dos respondentes que afirmam que ningum exerce a funo de pai para eles (21,1%) e/ou a
funo de me (10,5%). Em relao funo de pai, ela exercida pela me (7,9%),
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padrinho (3,5%), companheiro da me (2,6%), tio (0,9%), pela prpria pessoa (0,9%) ou
mesmo por um amigo (0,9%). A funo de me exercida por av (0,9%), companheira do
pai (0,9%), tia (0,9%) ou pela prpria pessoa (0,9%). Duas pessoas (1,8%) referiram-se a
uma segunda pessoa exercendo funo de pai e de me.
A origem dos sujeitos pesquisados confirma que so pessoas que deixaram suas
cidades para instalar-se em Goinia, a fim de estudar. Quanto aos desenhos das famlias
interessante notar que a maioria desses sujeitos vm de famlias pequenas, mas que muitos
vm de famlias numerosas e que em muitos casos seus pais biolgicos no esto presentes.
Compreendem-se aqui essas informaes como sinais de que o trajeto para a faculdade
implica dificuldades para os sujeitos, especialmente porque vm de famlias c