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Livro 2005 14 Poetas

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Livro do Premio Luiz Guimaraes

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14 POETAS DO RN

1° LugarKalline Sibelli de Amorim

2° LugarAnchella Monte F. R. Dantas

3° LugarGustavo de Castro e Silva

Menção HonrosaAdriana DuarteIsmael Carvalho PimentaJecson Augusto de MedeirosJosé de Sousa XavierJean SartiefJosé Antoniel C. FreitasKathirine Kelly GomesMarcos FerreiraMário César GomesPedro Antônio Lima dos SantosRoberta AssunçãoRachel Lúcio

Catalogação na fonte: Biblioteca Pública Câmara Cascudo

C744q Concurso de poesia Luis Carlos Guimarães

14 poetas do RN.---Natal(RN): Fundação

José

Augusto, 2010.

200p.

1.Poesia brasileira. I.Título.

2010/10 CDD B

869.1

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CONCURSO DE POESIA LUÍS CARLOS GUIMARÃES

ESTADO DO RIO

GRANDE DO

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FICHA TÉCNICA

Iberê Ferreira de SouzaGovernador

Joaquim Crispiniano NetoDiretor Presidente da FJA

Venâncio Pinheiro BarbosaCoordenador da Gráfica Manimbu

Capa e Projeto GráficoSocorro SoaresDiagramação

Hugnelma de AlmeidaImpressãoGilsomar

Manoel AndréMontagem:

Maria RosimarJosé Guedes Belo

Perfilamento:Lúcio de Medeiros

Atendimento?Márcia Maria

Luiz GonzagaAna Lúcia

Maria AparecidaFotomontagem:

Gilsomar

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Apresentação

Luís Carlos Guimarães nasceu em Currais Novos, Rio Grande do Norte, em 1934. Viveu quase toda sua vida em Natal, onde foi jornalista, juiz de Direito e professor universitário. Nos anos 70, fez um curso de extensão universitária na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e se apaixonou pela cidade, que visitava com muita freqüência.Estreou em poesia em 1961, com “O aprendiz e a canção”. Seguiram-se: “As cores do dia”, “Ponto de fuga”, “O sal da palavra”, “Pauta de passarinho”, “A lua no espelho” e “O fruto ma-duro”. Sem jamais ter saído da província natal, foi reconhecido como um dos grandes poetas do país, por escritores e poetas como Pedro Nava, Ledo Ivo, Francisco C. Dantas, Ivo Barro-so, Affonso Romano de Sant’Anna. Do seu livro “Ponto de fuga”, assim falou: Pedro Nava: “Que poesia terrível e pungente é a sua! Todo o seu livro é uma onda me levando”.Luis Carlos Guimarães também utilizou seu ta-lento de poeta como tradutor. Publicou em 1997 “113 traições bem-intencionadas,”onde traduziu mais de 100 poetas latino-americanos e poemas de Artur Rimbaud. A sua tradução de “O corvo”, de Edgar Allan Poe, é considerada de alta quali-dade pelo tradutor e poeta Ivo Barroso.Luis Carlos faleceu em Natal, em 21 de maio

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de 2001, dois dias antes de completar 67 anos. Morreu de um enfarte que ele previra num poema,”Ode mínima ao enfarte do miocárdio”, escrito em fevereiro de 1982 Nei Leandro de Cas-tro

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Sumário

Kalliane Sibelli de Amorim (1° Lugar)...............15 Lições de Amor........................................17 As Rãs.....................................................18 As garrafas..............................................19 Estrelas...................................................20 Lembranças do Mundo Antigo (A Carlos Drummond de Andrade)..........................21 Canção Alumiada (A Mário Quintana).......22Anchel la Monte Fernandes Ribeiro Dantas(2° Lugar)........................................................23 O Poema..................................................25 No Livro, O Poema...................................26 O Banho..................................................27 Limpeza..................................................28 Família.....................................................30 Mesa Posta..............................................31 Escolha...................................................32 A Cadelinha.............................................33 Ex-Votos...................................................34 Fé............................................................35Gustavo de Castro e Silva (3° Lugar)................37 Taos........................................................39 Aondestar?..............................................41 Homo Tottus...........................................42 Design.....................................................44 Sugestão.................................................45 Homem...................................................46 Homo Crepuscolares...............................48 Antes-e-depois-de-ser...............................49 Reflolhar-se..............................................50 Poço........................................................51

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MENÇÕES HONHOSAS.....................................53Jecson Augusto de Medeiros...........................55 Alimento..................................................57 Amo-ti......................................................58 Didática...................................................59 O Homem Se Fez no Tempo....................60 Palito de Pirulito.......................................61 Pingos.....................................................62 Poezia.....................................................63José de Sousa Xavier......................................65 Crenças...................................................67 Devoção..................................................69 Efemeridades...........................................70 Enigma....................................................71 Ermo.......................................................72 Frustrações.............................................73 Metamorfoses..........................................74 Poetificar..................................................75 Relutâncias..............................................76 Resquícios...............................................77 A um palmo.............................................78 Cana Caiana............................................79 Ecos........................................................80 Estasia.....................................................81 Poema Bento...........................................83 Toró........................................................84 Zona de Intimação...................................85Adriana Duarte de Oliveira Freitas...................87 Memória Inanimada.................................89 Cristal......................................................90 Quando Entraste em Mim I.......................91 Linda Rosa Louca....................................92 Linda Rosa Murcha..................................93

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Linda Rosa Pálida....................................94 Restos Mortos Conceitos.........................95 Respire....................................................96 Elegia e seus Afluentes............................98 Tantos Medos..........................................99Ismael de Carvalho Pimenta..........................101 Sobressaltos..........................................103 Roxa......................................................104 Três.......................................................105 Opostos.................................................106 O Palhaço..............................................107 Violetas do Oriente................................108 O Crespúsculo e a Neblina.....................109 Olho D’agua...........................................110Jean Sartief....................................................111 Minha Primeira Morte.............................113 Minha Segunda Morte............................114 Minha Terceira Morte.............................115 Imenso..................................................116 Porque Minha Alma é Velha...................117 Aquela Mulher........................................118 Ele vem, Será que Eu Vou?....................119 “Meu Confuso Mundo”...........................120 Reflexão................................................121 Na Mesma..............................................122José Antoniel Campos Feitosa.......................123 Vida.......................................................124 Três Sonetos Começando em para........125 A Face que eu Trago: Alegre e Triste......128 Ser Sem Ser...........................................129 Esses....................................................131 Contra...................................................132

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Kathirine Kelly Gomes....................................135 Homicida...............................................137 Tinta Mágica..........................................138 Meu Mar.................................................139 Retalhos................................................140 Um Homem...........................................141 Coisa.....................................................142 Novela...................................................143 Extraterrestre.........................................144 Passivo..................................................145 Execução...............................................146Marcos Ferreira.............................................149 Confissão Tardia....................................151 Pecado Original......................................152 Desconcerto..........................................153 Regresso...............................................154 O Castelo...............................................155 Extrema Unção......................................156 Ausência...............................................157 Musa Morta............................................158 Diante do Espelho.................................159 A Hora Azul do Silêncio.........................160Mário César Gomes.......................................161 Sortilégios da Manhã..............................163 Saturno..................................................165 A Cavalgada da Morte............................166 A Caixa dos Últimos Prazeres................167 Lucidez.................................................169 Do Fogo e da Névoa..............................170 Apocalipse.............................................172 O Tempo das Esferas............................173 Cernudos...............................................174 Presença...............................................175

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Pedro Antonio Lima dos Santos....................177 A Chuva Cai...........................................179 De Manhã..............................................180 Pessoa..................................................181 O Escultor..............................................183 Um Marinheiro Quero Ser.......................184 Boca de Forno.......................................185 A Gente Caminhava...............................186 Mais Valia O Pássaro na Mão..................187Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa....189 DO Que Nem os Deuses Curam.............191 Querubim..............................................192 Dúvida...................................................193 Mutilante................................................194 Câncer...................................................195 Agora.....................................................196 Assim Seja.............................................197 Entre Aspas...........................................198 No Centro da Cidade..............................199 Margarida...............................................200

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POETAS PREMIADOS

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1º Lugar

Kalliane Sibelli de Amorim

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LIÇÃO DE AMOR

Numa caixa de sapatosjazem sobrepostosos meus inúmeros corpos:um cartão de aniversáriodatado,um missal de amigoem memóriadatado,uma fitinha de São Francisco,conchinhas roubadas na praia(mania feia de amor falso),uma flor de papel e arame,desenhos inacabadose, num envelope amarelado,num último envelope,três cartas de amordatadasum rapaz que se perdeuum rapaz que se casouum rapaz que se encantou.

Duma caixa de sapatosbrotam meus habitantes.Minhas tardes se comovem,chegam mesmo a sorrir,e eu oferto minha ternurasem que ninguém desconfie.

Kalliane Sibelli de Amorim

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AS RÃS

As rãs se amontoavamdetrás da porta do banheiro.

Uma película de musgocobria o chão do banheiro.

No banheiro, um tanque sem fundoe uma cuia pra se molhar.

No banheiro, sabão de cocoe uma esponja vegetal.

E as rãs amontoadassem parar de me olhar.

As rãs, escorregadias.Aos oito anos, meu pudor.

Que saudades não tenho!

Kalliane Sibelli de Amorim

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AS GARRAFAS

Elas eram um exército sempre a postos,camuflado num quarto de despejoonde minha meninice, metódica,passava longos minutos a contar:cinco, dez, quinze, vinte...que também eram as horasde uma semana sem fim.Por que o domingo custava tanto?Tanto tempo e tanta garrafa?

- Olha o picolé! Olha o picolé!Era ele, com suas bermudas gastas,as mãos grosseiras e o riso largo,e o saco de garrafasque eu ajudava a aflorar.

E eu nem sei mais seu nomenem que itinerário misteriosodesenhou para si.Só sei dos domingos verde-róseosque não posso mais esperar.

Kalliane Sibelli de Amorim

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ESTRELAS

Nas noites de São Joãoos meninos costuravam a ruaexibindo chumbinhos,rojões e busca-péssó para aquarelar o céude muitas fumaças breves.

Como eu sofriasentada à beira da calçada!Mas aí meu pai punha fogonum pedaço de bombrile giravagiravagiravae a mim pareciaque o céu estava caindo(porque o céu ainda não erao que dizem — essa coisa vaga)e que as estrelas eram amigasde quem se sentia só.

Kalliane Sibelli de Amorim

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LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO(A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

Chaguinha passeava com suas panelas pela rua.Para ela, o céu era cor de alumínioe cheirava a sabão lavandeira.Não havia guardas-civis,não havia nem mesmo muros —o que havia eram batentespra barrar a água da chuvae meninos malvados brincandocom as panelas de Chaguinha.

O perigo que as mães temiamera não ter onde cozinhar,mas é certo que pediam pelo furto,é certo que facilitavam:naquele tempo, tudo durava tanto —a infância, o tempo, as panelas...Até os loucos podiam florir naquele tempo!

Kalliane Sibelli de Amorim

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CANÇÃO ALUMIADA(A MÁRIO QUINTANA)

Há nos teus versosaquela luzinha distantedos vaga-lumescintilando a noite:claro claro escuro escuro

E é tanto o fremitarque a gente vira criançae salta pra conseguirter as formas da luz nas mãos...

E é tanto o alumiarque a gente mesmo acreditanão haver noite alguma:só o diacom suas brancas, róseas nuvens.

Kalliane Sibelli de Amorim

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2º Lugar

Anchella Monte Fernandes RibeiroDantas

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O POEMA

Minha oraçãoÉ o poema.Diária e contrita.

Reservado tempoQue me habilitaÀ vida.

Leitura do poema:Puro rito.

Sem cheiro de velaOu dor de joelho posto.Só o gosto de infinito.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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NO LIVRO, O POEMA

O poema emerge das palavraslavas em precipícioriscos e desafogos, percalços do ofício.

O poema estanca a alma,essa que se faz escrita,proscrita do corporediviva.

No livro, o poemase abriga e emigradobra enrolada em nuvensindo e vindo.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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O BANHO

A água nas mãos espumasabonete e tato.

A águalimpa e louvao corpo.O banhoperfuma.

A águados cabelos pinga.Língua de sole vento insolentesecam.

Pentede precisa competênciaapreende os fiosentrança.A água dança.

Banhadapenteadavestida.Corpo limpoalma lavada.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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LIMPEZA

Escaldar garrafacoar cafécortar o pãoamanteigá-loe a satisfaçãoda conversana refeiçãoleve e ligeirade tardezinha.

A sopa ardentena panela ariadavontade espalhadapela casajuntam-se todosnovas conversasna cozinha.

Louça lavadapingam as xícarasno escorredorbrilham os pratostão bem tratadoscom detergente.

Lençóis e fronhasde cores clarasalfazema exalame pela salaa poeira tirada

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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espanta agourosatrai simpatia.

Da limpeza diáriase extrai confortosaúde, sossego.E poesia.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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FAMÍLIA

As vozes tomam a salaatravessam corredores e quadroschegam aos quartos.A filha sonolenta prepara o abraçoe as notícias.

Há que mostrar o novo vestido, a nova cor do cabeloo boletim do meninoas canseiras do trabalho.

A família fala juntodos ausentes, o carinho e a queixa.Reclamam, contam casos e comemas receitas da família.

O calor está sempre horrívelo mundo tão violentoe eles ali conversam enchendoa tarde de risos.

O amor faz guardar a tristezacomo indesejável sobremesa.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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MESA POSTA

Conheço casasem que café, almoço e jantaracontecem em horas certas.A refeição só começadepois de todos presentes.Assim se entendeque a refeição une a famíliapermite a conversa.

Na minha casa não é assim.A toda hora a mesa está feitacom garrafa de café, bolo de leitee um convite permanente.Não somos gordos ou vorazesmas respeitamos o apetitecomo um dos prazeres da vida.

Na minha casa o diálogo aparecenas horas incertas e como numa festaprocuramos o pão e o vinhoencontrados na mesa posta.O que vale para um não vale para outro.

Nem mesmo quando se gosta.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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ESCOLHA

Entre o gostar e o amarprefiro o gostar:sossegado, desaflito.

Amar – rede de ferro sobre mar de porcelananão dá para mimpequena aranhaque mal tece seus soluços.

Gostar – proficiência, desafogo:rede etérea sobre mar cristalizado,dá para mimaracnídea que executamandala de leves contornosenaltecendo vazios.

Entre o gostar e o amarfico com o que não entranha.Nem calor, nem frio.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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A CADELINHA

Quintal.Acerolas, mamoeirocebolinha e tomate.

Jardim.Pé de café, papoulasprimaveras, coqueiro.

A cadelinhalateno jardim altoaçuladapelo movimentoda calçada.

No quintallitúrgica ao revolveros canteiros.

Vista.O homem a castiga.

O tapa. O chute.Grita. Grita.

Arrasta as patastraseiras.Não entende.A noite se estendesobre as feridas.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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EX-VOTOS

De madeira, de massa, de barro, de panoSão tantas as dores dos seres humanos!

De pano, de barro, de madeira, de massaRezando, rezando, só assim a dor passa.

De barro, de pano, de massa e madeiraPartes expostas de uma dor verdadeira.

De pano, madeira, de massa ou de barroSão olhos tão tristes, mãos de longos dedosPernas de caminhadas, mechas de cabelosE velas que rezam e ardem nos jarros.

No pequeno quarto, na praça modestaA madeira esculpida a fé ela atesta.

No altar dos santos as flores fabricadasA boneca de pano é menina recuperada.

De barro e de massa, do barro que amassaO que tem a dor acredita que a dor passa.

São os votos cumpridos das dores carregadasEsculturas de fé que aliviam a alma penitenteRomarias e cantos, testemunho de cada genteAtestam os milagres de cada lágrima derramada.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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Macia, maciaa água do rio que carrega o barco e a Virgem Ma-ria.Macio, macioo cântico.E a fé que aquece contra os desvarios da vida.Amacia, amacia.

Afofam o leito das doresas rezas que carregam as lágrimas mais pesadas.Macias, maciasas lágrimas derramadas.

Sem cânticos e sem velasnão há preces nas bocas caladas dos incrédulos.Macio, maciocorre o rio de águas conspurcadasarrastando suas mazelas.

O rio corre ainda e semprelavando-se nas pedras e esperando o mar.Maior o mar que está a sua frentee de longe já sente os cheiros e as cintilações.

Como o rio há certas gentesque desvelam o próprio coração.

Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas

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3º Lugar

Gustavo de Castro e Silva

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TAOS

Para onde retorna a névoa após nascer o sol, para dentro da casca da nuvem?

Para onde segue o sol após nascer a noite,para o interior dos olhos das trevas?

Para onde vai a fumaça após o fogo,para o íntimo da língua da chama?

Para onde escoa a água da maré que seca,para o âmago das gotas do mar?

Para onde mergulha a lua após a aurora,para o peito da lembrança do louco?

Tudo volta para casa um dia.Mas ao voltar nada é como antes,dissolve-se em outros estadospara formar estados cheios de outros estados-d’alma.

Para onde retorna a palavra após a fala,para dentro da alma do silêncio?

Para onde se esconde a criança após o homem feito,para o interior da alma do velho?

Para onde caminha a vida após a morte,para o íntimo da alma do nada?

Gustavo de Castro e Silva

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Algumas fusões só se completam na sua incom-pletude.Algumas palavras são melhor ditas no silêncio.Alguns amores se fazem redondos na solidão. Alguns caminhos só começam no fim da jornada.

Todas as estradas levam para dentro.Até mesmo as que levam para fora.

Gustavo de Castro e Silva

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AONDESTAR?

Não são poucas as arestas a aparar.Tanto no real como no irreal esculpimos sem parar.

No sonho, somos alguém de mentira.Na realidade um ninguém de verdade.Ou será o inverso?

Será que é sempre assim:o que está dentro do sonho desperta para fora,e o que está dentro do real sonha sonhar?Ou será o inverso?

Dormir, dormir sempre: porque realidade demais mata.Despertar, despertar sempre: porque sonhar de-mais desbarata.Ou será o inverso?

Eterno sair-para-dentro-entrar-para-foranavegamos no desconhecimento de onde ficar.

Gustavo de Castro e Silva

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HOMO TOTTUS

Há que transportar o olho à coisa e deter-se nela,para que se possa ver a partir da coisa e enxergar o mundo a partir da louça, do bule, da pena e da chama.Porém isso já não basta.

É preciso levar o coração à coisa e pulsar dentro delapara que se possa sentir o mundo a partir dela e sentiro que sente a folha, o sapato, o brinco, a fogueira.Porém, isso também já não basta.

É necessário então levar-se por inteiro para dentro da coisae ser coisa por inteiro. E viver ali a solidão de ser coisa. E ao ficar isolada, muda, inerte, a coisa saber o que é ser coisa.

Ao perceber-se assim, a coisa talvez desperte de seu estado parado,acorde de sua quietude e utilidade. Sonhe sair de sipara deixar de ser coisa coisamente, e ter um nome que possa ser cantado em lábios e bocas.

É quando a coisa sonha também em ser homem.Há que transportar então a coisa ao homeme fazer a coisa ver com os olhos de homem,

Gustavo de Castro e Silva

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sentir com o peito de homem,ser homem por inteiro.

E ao ser coisa, o homem talvez viva a solidão de ser homem.Ao ficar isolado com os outros, falar, agir, andar, trabalhar,o homem talvez sinta o que é não ser nada, ou o que é não ser coisa nenhuma.

Gustavo de Castro e Silva

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DESIGN

Pintar intensamente um palhaço tristeaté que o quadro ganhe contornos de riso,e admirar nele algum traço sem graçaaté que a graça se reverta em pensamento.Colorir intensamente a própria faceaté que as trevas do rosto se dissipeme um arco-íris se forme na alma,até que a cor se reverta em pensamento.Ilustrar a realidade ao limiteaté que ela se transforme em ficçãoe viver numa galeria interioraté que a arte se reverta em pensamento.Artesanar o corpo com adornos e tintasaté que uma pintura permeie toda a pelee desenhe-se em nós uma tatuagem tribal,até que a beleza se reverta em pensamento.

Cada desenho íntimo do homemse assemelha todavia a outra lógicade traço e de cor. A figura que o compõetem o signo e a forma do mistério.Há então que reverter o mistério em pensamentoe pensar o impensável.

Gustavo de Castro e Silva

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SUGESTÃO

Colocar uma pena de índio na cabeçapara que as idéia possam ser escritasde forma natural.

Colocar pétalas entre as falanges dos dedospara que as palavras possam ser escritasde forma suave.

Colocar água na cuia das mãos para que as histórias possam ser escritasde forma fluída.

Colocar tinta colorida nas unhaspara que quadros possam ser escritosde forma marcante.

Colocar espirais nos cachos do cabelopara que os pensamentos possam ser escritosde forma elevada.

Gustavo de Castro e Silva

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HOMEM

O homem tem sempre pressa.Corre age avança acelera.O homem quer chegar,partir, seguir...O homem tem pressa até quando está parado.Mas ele nunca sabe onde quer chegar.Também nunca sabe para onde ir.

Às vezes, é preciso cair para poder levantar,é preciso aprender a parar para poder seguir,é preciso tropeçar para caminhar adiante.

Coisas da vida: tropeçar na pedra.Coisas da morte: nunca tropeçarou tropeçar por inteirono abismo da pressa.Para aprender a caminharo homem não deve apressar o passo,antes, deveria dar um passo atrás,ou dois,para ver melhor o que lhe esperaà frente.Ou não dar passo algum sem pensar o passoa ser dado.Porém, o homem não sabe dar passo algumà frente ou atrássem destruir o caminho.Pés de chumbo, coração de pedra, olhos frios,o que é isto que se diz homem?Fogo que destrói, geleira desolada?

Gustavo de Castro e Silva

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Homem: esse frio escaldante.Homem: essa pedra apressada.

Gustavo de Castro e Silva

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HOMO CREPUSCOLARES

Iluminado de noitesencontro seivas e amorasnos campos de Mil Sóis.Toco a mão na pedra fria,absorto,descasco dias, queimo polénsfrito cebolas na imaginação.

Iluminado de noitesperfilo pontos de luznos amanheceres sem clarim,abraço a estrada sem perguntarpara onde ela vai,porque o seu ir se esvai sob os pés de quem pesinhaa erva daninha.

Iluminado de noitessacio a fome dos saposnos charcos de Cem Solidões.Estendo a língua, atirando-ado corpo,capturo um ser no ar,em voo saco em vãoa palavra veloz pela sua fronte,cuspindo no mundoa sua voz.

Gustavo de Castro e Silva

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ANTES-E-DEPOIS-DE-SER

Depois que se é avóé que se está pronto para ser mãe.Depois que se é poetaé que se aprende a calar.Depois que se envelheceé que se começa a viver.

Um estado completa-se sempre em outro estado.A flor na espada, a água na pedra, o dia na noite, o fogo no vento, o todo no nada.

O homem é uma sucessão de incompletudes,uma praia que não cessa de encher e de secar,para que a completude possa se completar.É por isso que nenhum estado é todo inteiro.Para que se faça inteiro pelas partes que faltam.

A fruta não é inteira sem a árvore.A árvore não é a mesma sem a sombra.A sombra não existe sem o sol.O sol nada aquece sem amor.

Não há estado em si isolado. Não há estado em si inteiro.

Na dissonância sinfônica das almasnão há estado que não busqueencaixe de cantos e de calmas.

Gustavo de Castro e Silva

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REFLOLHAR-SE

Toda semente é uma casa de espelhos.Toda palavra é pedaço de caco coladoa outro caco.Tanto a semente como a palavra são flores,estilhaços sensíveis, prontos a saírem de si.Como as palavras, as sementes não esperam.Como as sementes, as palavras germinam.Ambas são jogadas sobre terras diversase sobre essas terras crescem e entroncam-se.Ambas são cordões de continuidadese só se realizam quando se erguem.Ambas são bocas abertas cuspindo raízes aéreas.E nenhum homem é capaz de explicá-las.

Gustavo de Castro e Silva

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POÇO

Olhar para dentro e ver como se é.Ter olhos cegos. Acender uma vela no interior de sipara procurar a si mesmo no fundo da cisterna va-zia.E descer na roldana uma lata d’água até o fundo.Descer até acabar a corda. Ouvir o oco da lata to-car a paredee o mundo. E ouvir soar o nada do lugar. Olhar para dentroe ver como se é. Mesmo vazia, não cuspir nem es-carrar na cisterna.Meditar o processo, parar. Depois, recolher a corda e a lata. Para, em seguida, meditar o processo, parar. Depois, acender na lata uma chama. Ou talvez uma vela. Dependurar também um sininho mágico.E repetir o descer na roldana até o fundo.E olhar para dentro de si.E ver como se é.

Gustavo de Castro e Silva

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MENÇÕES HONROSAS

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Menção Honrosa

Jecson Augusto de Medeiros

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ALIMENTO

Procuro um vaso de boca larga que encha de farta comidapara que eu possa me alimentarpor longos dias.

Procuro um gigante armazéme este, cheio de vasos deste,seja minha morada também.

Preciso ainda de um estábulo,onde eu deite meus cavalosfortes e robustos.Meus fiéis companheiros.

Após adquirir estas coisas,terei por fim, a minha espada empunhada,imponente e reluzente em minha destra:

a marca de um homema vida de um meninoo fardo de um medrosoo sexo de um cretinoo berço de um covardea sujeira de um destino

há leveza no pintar,porém preciso étrabalhar sol a pino

Jecson Augusto de Medeiros

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AMO-TI

amo-ti como a palavraamo-ti como o eterno falaramo-ti como mais ainda assimamo-ti

amo-ti és bela e raraamo-ti és palavraamo-ti és minha línguaassim Ti Amo minha fala

Jecson Augusto de Medeiros

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DIDÁTICA

Como OmoSomo e tomo.O pomo no humo:Vamo, e não fumo.

A onu não une,Ela trama o trono.O bromo no prumoPro humo nós vamo.

Tomo e como.No bamboNão tombo,E até samboMeu tangoÀs vezes bambo.

E como sem queixumeO aluno ao chegar no cumeTransparecerá seu lume...

Jecson Augusto de Medeiros

Page 60: Livro 2005 14 Poetas

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O HOMEM SE FEZ NO TEMPO

E o que é longoAnda devagar.A voz – Devagar soa,A cabeça,Os gestos,O fechar dos olhos...Tudo mais.

A lembrança não vem,A dificuldade de saber do passadoÉ pedra, é mar a se atravessar.E o querer que não mandaÉ um menino, o faz menino.

A distância de um tempoDá-lhe o diploma de ter vivido tanto.

As decepções passaramNum bater de asa de pardal.As lágrimas se transformaramem rios perenes.E todo húmus se fez feijão.

Sua moral e suas rugas,A voz arrastada, a tosse arranhada...É o tempoE o quanto se fezE o quanto passou.É o Homem.

Jecson Augusto de Medeiros

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PALITO DE PIRULITO

Parabéns aos loucos!Que em risos aos doutosOs fazem sorrir.

Parabéns aos poetas!(de “rimas fáceis”)Que como setasapontam para algum lugar.

Parabéns aos vagabundos!Que comem em pratos imundose não adoecem.

Parabéns para mim!Que nesses versos (?)para muitos chinfrim,Os fiz sorrir.

Jecson Augusto de Medeiros

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PINGOS

Pingos,cálidos pingos,como galos distraídosdormem à noite.

Pingos,evasivos pingos,cheios de ternurame banham com açoite.

Pingos,mórbidos pingos,feitos insetos invisíveisme atacam com seu som.

Pingos,Sonoros pingos.De sua alvorada,pelejo eue não escuto nada...

Jecson Augusto de Medeiros

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POEZIA

O que eu quero escreverdiante dessa brancura miserável de papelcoisa tão horrível quantoa minha caligrafia

os vechames da hortografiaos esquecidos e desnecessarios acentosestão todos guardados em cantotambém miserável de minha mentedesacostumada a escrever poeziasobre ou sob olhos severos grandes e brancosde papel

e me olham com a severidade da brancurada alma de um anjoé quando tremo o intestino a boca secao pescoço treme

eu, um começo de dedo sobre tão alvo autoritarismode íris-de-neve

descubro agora sobre este Senhor que de tãobranco ficou transparente inerte sem vidae me matou e mata-me ao olhar-medessa forma tão superior e forte

Jecson Augusto de Medeiros

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Menção Honrosa

José de Sousa Xavier

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CRENÇAS

Por que culpar as pedras esculpidaspela nossa inconsequente adoração,se sabemos que as rochas não têm mãos?

É desde a escravidão nas areias desérticas,que os bustos e os ângulos erguidos a péarrancam a fé e a devoção humanas;

desde o dragão e a fênix chineses, além das cren-ças indianas,que as filosofias cristalizadas em esculturas milenarmente separam ossos e mentes;

desde as milimétricas formas gregas e romanasque buscamos ajuda para os males cotidianos,evocando, de Esculápio ou de Asclépio, a Pana-céia;

desde a inteligência nas catedrais européias,retratadas em finos mármores, azulejos, ouros ou tijolos,que escutamos a voz que dizem ser de Deus;

desde os gritos e ritos desenvolvidos nas savanasque tememos e nos rendemos às dançasde entidades representadas em máscaras mágicas;

e, também, desde a minha infância nos oratórios de vovó,onde estão guardados todos os seus rosários e oráculos,

José de Sousa Xavier

Page 68: Livro 2005 14 Poetas

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que ela cria que eles me protegeriam a vida toda.

Mas quem a ensinou a amar as pedras,se ela nem sequer acreditava, às cegas,na fiel santidade que eu sentia em vovô?

José de Sousa Xavier

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DEVOÇÃO

Não me envergonhaa atitude de eu, amiúde,seguir imagensesculturadas em gessossobre os andoresdas procissões,se os endereçosdos meus interessesnão se concentramnaqueles lugares.

Nas mãos que outroraesculpiram as formaspor longas horasé que me detenho.

E então,embevecidopelos traços das esculturase pelas auras translúcidasde imaginárias divindadesque os desejos da humanidadepõem onde só há arte,vou recriandoa reverência.

José de Sousa Xavier

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EFEMERIDADES

Parece inútila postura das rochas:ficar em pé, inerte,bilhões de anosenquanto a vida passa,e tudo se move em seu redor.E eu que giro e girona matéria que giraao longo da história,enganando o tempo,não encontro artifíciospara deixar de sertão-somente fútilno meu barro estérilque sequer um séculona carne efêmera, que sobrevive frágil,não se sedimenta.

José de Sousa Xavier

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ENIGMA

Num cometa que se arremessana vastidão do Universo,moram mais promessasdo que as que espero habitar a minha rota na superfície deste planeta.

Durante sua enigmática rota,não encorpa a esperança dos sedentos que aborrecem os astros de modo persistente,pois não frequenta horóscopos nem calendáriosem que os homens roubam, das estrelas, o alívio.

E em sua triunfante volta,após o mergulho em galáxias desconhecidas,encontra-me mais velho e perto de partir,talvez pelos mesmos caminhos,anos-luz, após cumprir a profecia: O astro vaga e retorna, habita-nos dia a dia; o corpo fica no pó que o toma, e o espírito abandona os minerais na solidão da pedra fria para suas viagens espectrais.

José de Sousa Xavier

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ERMO

Nas cidades enormes,pessoas são cordilheirascom sopés petrificadosque suportam topos gelados,

ruas são galerias extensasescondidas por concretos empilhadosse esgueirando no asfalto estafadoonde estátuas se espalham frias.

Inutilmente, atiro-lhes dardoscom a força inútil de mil soldadospara bani-las da minha vida solitária,já que não me acrescentam nada.

Só a minha própria voz,escorrendo de mim mesmo,ecoa improdutiva pelas paredes estáticas,pois nem na morte um cristão me salvaria.

E enquanto travo essa batalha,a natureza segue sendo construída por coisas tão fúteis e tão sólidasque por nada parece ser repartida.

Assim, estando vivo no divã dessa vida,meu espírito metaboliza a maçã mundana,e mesmo que eu me sedimente sob gritos,não posso me dissipar desse mundo.

José de Sousa Xavier

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FRUSTRAÇÕES

Sempre esperas tu que eu cultive avencaspara te ofertar,

mas nos campos secos,só encontro pedraspara te atirar.

Sempre esperas tuque eu refaça o Taj Mahalpara o nosso amor ao mundo alardear,

mas nos solos imperfuráveis,eu não encontro mármorespara o teu altar.

Deixe-me somente te oferecero que simplesmente espero encontrar em ti:um ciclo eterno de bem-querer.

José de Sousa Xavier

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METAMORFOSES

Me deixo nas pedras.Me idealizo estátua:metade homem,metade animal,metade mente,metade medula...E carpintejando sal,cultivo as formas e as culpasda minh’alma;e esculpindo diamantes,cultuo meu próprio espíritonas minhas divindadesde semideuses quase Deus.

José de Sousa Xavier

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POETIFICAR

Não há pedra concreta perante o poeta.À luz dele,suas facetasse retorcem,se arquitetam,se lapidam,se reconstroeme se infiltramnas lentes humanaspara que captemo sedimento milenar,que na alma do poemanão tem entranhas definidasnem superfícies estabelecidas.

Não há pedra sólidaindefinidamenteque não possa, tão-somente,adquirir a forma gasosada longínqua e nebulosagaláxia imaginária,ou encorpar-se da nova anatomiaque o sagaz poeta recriana carne dura de olhos líricosao lapidar versos livres de estados físicos.

José de Sousa Xavier

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RELUTÂNCIAS

Velhos poemas em sólidos argilososé o que restarão nos paísesse os homens matarem as mães dos papéis,cultivarem traças que envelhecerão fartas,infectarem-se com DNA de bilhões de bytes e sepultarem as mentes das carnes que pensam.

E em cada busto pétreo em pé nas praçasrestará somente o barro rijo de um crâniomorto e sem nome, ressuscitado e sem memória,pois suas vísceras não descansaram livres nos li-vros.

Embora o rumo do mundo seja inconsistente,o poeta segue sempre se esculpindo na poesiapara um dia sua cinzenta substânciametamorfosear seus minérios preciososem concreto em cura para habitar os Homenscomo estátuas de conceitos eternos.

José de Sousa Xavier

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RESQUÍCIOS

A cibernética contemporâneame perscruta e me recheianas luzes dos letreiros das ruas,sob os tetos dos cybercafése nas ilusões de cada ser virtual.

Mas no meu quarto escuroainda moram imagens mudas, esculturas sem carnes nem unhas,que vestem meu lado desnudoe deixam insinuar suas faces inúteis.

Minhas mãos me traemquando ainda esculpem rochase criam recheios de deuses antigos e latentesque se fartam de minha alma ardentepara que sejam, em minha fraqueza,mais forte do que nunca fuino meu surto de infinita fée possam, mesmo que ilusoriamente,me socorrer quando fraquejo.

A despeito de eu seguir procissões de internautas,não consigo fingir que não cultuoas crenças, as tradições,os padroeiros e as superstiçõesque povoam e moldam as pedras.

José de Sousa Xavier

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A UM PALMO

Inda ontem choramos nossos mortosPorém sem amargor e sem ternuraEnterramo-nos em crus travesseirosAo bel-prazer de torpe desventura

Engasgamo-nos de tola saudadeDebulhamo-nos de corpo inteiroQuando o Sol se esconde sorrateiroSomos nós a deflorar a nua tarde

Como a noite vem sem novidadesO querosene queima a lamparinaSua fumaça polvilha purpurina

Mas quem conseguiria repousarEnquanto a laje inda está quenteE há tanto pó a pairar no ar?

José de Sousa Xavier

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CANA CAIANA

Contornar-te em tua cama, AnaSuspiras os teus pesadelos e insôniasConspiras com o mundo inteiro, amaEnquanto galgas terras errôneas

Controla essa tua sanha, AnaQue cedo ou tarde o mundo será teuCorre os olhos de doçura tantaNo palco parco onde és Corifeu

Cantarola tuas façanhas, AnaDas paixões, das amigas madrugadasMas que magia teu corpo emana?É tarde, mana, e nunca estás deitada

Toda ternura é tua, AnaQue se resume em largo risoMenina, mulher, madame, mucamaMas se te ponho em letras, dou-te o infinito.

José de Sousa Xavier

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ECOS

Entre seus joelhosO bater de asas de uma borboletaQue naquela noite violetaParecia vapor vulcânico

Calava o suor que pingavaRasgava o seu travesseiroE o lumiar do abajur sorrateiroEra tolo desenganoEm um minuto desfilaram tantos anosQue um gemido de espanto desprendeu-se...

Quantas mãos abafam aquela bocaQue deixavam as molas triunfantes?E o ócio momentâneo dos amantesIndicava o apogeu

O deleite do gozo era um alívioUm corpo desabava sobre o outroQue entre sussurros frouxosJá falava em nostalgiaEntão tudo se enrubesciaCom um torpor sub-humano

Suspensos no ar resíduos mundanosCobertos por lençóis amarrotadosO expirar dos espíritos suadosOs faziam soberanos

José de Sousa Xavier

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ESTASIA

Vamos que a noite é tardeO mundo virou ao avessoÉ momento de celebrar-teE fugir deste ato dantesco

Soletra no meu ouvidoO epíteto mais específicoDo covarde homem aturdidoSela minha sina, beija meu espírito

Segura nos meus ombrosRealinha nossa modaIgnora os olhares sonsosDancemos a madrugada morta!

Corra por essa chuvaQue eu me liquefaçoPodes te enxugar na minha blusaAconchega-te nos meus braços

Voa que eu vigioO teu corpo que cintilaVamos curtir o infinitoDentro de nós realizar uma orgia

Faz-me cócegas nas costelasAcaba-me de tanto rirCerra logo essa tramelaDeixa eu me lambuzar em ti

Agarra minh’alma imunda

José de Sousa Xavier

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Faça amor com o meu egoRecita-me um poema, me inventa uma alcunhaEncostado na tua barriga viro teu feto

Cai aqui no meu peitoE teus cabelos me embaraçamAndemos no mesmo eixoBebamos a aurora apressada

Muda a cor desse SolNada neste nosso chãoEnlaça-te no meu lençolLava-te em águas de aluvião

Acompanha o cortejo das estrelasQue eu cortejo a Lua que vaiAninha teu corpo de qualquer maneiraFecha os olhos num sonho loquaz...

José de Sousa Xavier

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POEMA BENTO

Era uma menina de cabelos negrosE um corpo tão belo e opulentoLinda menina, mas de olhos vesgosE que piorava com o passar do tempoMas os seus olhos viraram branco ermoAgora suas pupilas a enxergam por dentro

José de Sousa Xavier

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TORÓ

Foi um quadro surrealQuando o Sol brilhava alto A chuva teimou em cair impiedosaNão o fez por malMas por marasmoE por tórridos dez minutos foi formosa

José de Sousa Xavier

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ZONA DE INTIMAÇÃO

Tira esta roupa molhadaEsta magra malhaQue te encharca o medoEnxágua este rosto sem coresEnxuga este corpo de amoresQue te despem os segredos

Levanta este olhar dos outrosPerscruta o silêncio, esse estorvoCom teus lábios úmidosTateia os sonhos insolentesDos travesseiros de tanta genteOnde, só, gritaste em uníssono

Perfuma as tuas angústiasAcende velas macambúziasQue não poderás enxergarApalpa o teu sexo gélidoEntre o cio e o funestoQue não podes identificar

Amarga o teu ventre infértilQue exibe a todos os nésciosOuve o vento a te conclamarNesta luta, cadê foices?Nesta vida, cadê flores?Deita e chora o teu próprio lar

José de Sousa Xavier

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Menção Honrosa

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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MEMÓRIA INANIMADA

Escura e sem luz de uma vida passadaVivo sem saber em que vida me designo.Sua e qualquer estrela que brilha a mostrarO que vejo, mas não entendo!

Quando um olharQuer revelar a regressãoSofro sem entenderO pobre e inculto do meu coração

Sozinha e inanimadaProcuro intermitenteA palavra de uma vida passadaE costumo sentir presenteO passado de eternamente

O hoje que me duvidoSentido só teráSe pela morte eu me entenda.

É na morte que procuroAchar em outra dimensãoA certeza que precisaO meu pobre e inculto coração.

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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CRISTAL

O horizonte sorri seus pesadelosE uma infinitude de versosEspalham-se no caos invisível!

No meio do atordoante começo,Um cristal se quebra!Os pedaços formam abstratamenteO desenho impossível do medo.Uma farpa identifica o impossível Emitindo sons que anulam o vento!

Outra vez ao olhar pra dentroUma luz brilha!Há ainda um pedaço perdido.

Por fora eu não vejo nadaOs restos estão escondidosOs restos desperdiçados No desperdício do tempo!

Há algo inusitado no meio de dentroUm ponto que não se inibeA luz não se divideOs versos se consomem mortosOs restos não se unem mais!

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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QUANDO ENTRASTE EM MIM I

Quando entraste em mimEu não senti a dorQue deveria sentir,Confesso que choreiChorei de tanto rir!

Quando me pegasteE me rolaste pelo arEu perguntei:– Ai, Deus por que tanto tempofiquei a esperar?

Eu sei que todos os meus atos Nunca tiveram os pés no chãoInvariavelmente, nenhum foi em vão!

Quando me prendesteNos braços da ocasiãoAntes que perguntasteEu te falei:– Toma-me então!

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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LINDA ROSA LOUCA

Amáveis sensações esplendo(rosas)No íntimo significativo desta almaRazões desencadeadas em incertezasNesse mar azul de lindas rosas

Meu corpo é um mar abertoE há no que faço uma voz que gritaSerenas palavras desertasMiragens transcendentais raramente vistas

Meu mundo todo é um devaneio erradoUma inconstância fortemente rítmicaUm agrado sem pecado me é sem gostoNos meus seios há um desenho exposto:Linda Rosa Louca!

São palavras escassas que não digo.E é essa inexistência que afloraVem dos olhos para abaixo do umbigoE tão dentro de mim mora:Linda Rosa Louca!

Eu queria ser alguémPara beijar a minha boca!

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

Page 93: Livro 2005 14 Poetas

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LINDA ROSA MURCHA

Audaz tentativa de suprir prenúnciosInvestindo em fantasias e falsos assuntosComendo plantas secas para essa doença nefastaBuscando erroneamente formas exatas.

Eu não ganhei o concurso de outroraNão consegui entender que o que é bom demoraOu sempre vai embora cedo demais(é o frio que dentro de mim se liquefaz)

Intimamente me disperso do meu serE procuro no teu rosto outra forma de viverRaros tempos em que o novo permito sentir.

As rosas daquele vaso murcharamMeus dedos vãos caducaramO que vier não conseguirei definir.

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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LINDA ROSA PÁLIDA

Escondestes as palavrasGuardando o rancor pelo medo do amorSábias pronúncias que não foram ditasAs mais belas palavras estão escondidas(certos pensamentos escondem sua glória)

sou como aquela linda rosaque um dia murcha pálidasou tão forte sem o medo (sou nada).

consolo meus pensamentosalimento quem me maltrata.não é por bondade que assumo a loucuramas talvez no câncer esteja minha cura!

O meu mal é provar do venenoTal qual mortífero ele seja.Eu preciso desse gosto amargo(ainda é preciso sentir o sabor desse desejo falso)

todos aqueles sonhos foram desfiguradosos gastos não serão ressarcidos.Meus braços assumirão a culpaE esse sangue todoserá limpo com as lágrimas que ainda escondo.

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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RESTOS MORTOS CONCEITOS

Sou uma arbitrária amebaPerdida nos preceitosNestes restos mortos conceitos.

Aceito o que a humanidade anulaEscondendo o vazante tiro esquizofrênico.

Tenho nos olhos uma profundidadeClaramente imperceptível,Tenho meus dedos descontroladamenteCompondo a música dos aflitos.(uma melodia apreciada por surdos)

As horas passam e me conduzem a isto:Uma pobre veia pulsando involuntariamenteNa discordância entre a chama que queimaE as cinzas que contam a história,De uma verdade nunca vista(um mistério nunca sentido)

Eu prefiro estar sóEnquanto enlouqueço a lucidez que não tenho!

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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RESPIRE...

Sim, me dê um pedaço do meu fracasso desfragmentado pela incoerência das minhas mãos.

Sim, me dê um pedaço do meu escárnio expelido pela boca podre da necessária razão.

Sim, me dê um pedaço dos retalhos desse corpo rasurado por tanta incompreensão.

Apenas um minuto para encontrar a demênciaEssa porta aberta na consciência inconsistente,(oscilantemente pertinente) passeando pela ardência da frustração.

Torture meus membrosEssa estupidez enfadonhaComputadorize meus pensamentosDescompactando o sofrimento que sintoTal qual ebulição tamanha.

Decifre minha alma e se puder mande um resultado científico.Receite um remédioEu sei que preciso desse momento de alienação.

Sim, me dê um pedaçoDessa rosa de plásticoQue enfeita a naturalidade da sua intenção.

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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Respire em outro tom...Respire um outro tom...Respire...

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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ELEGIA E SEUS AFLUENTES

Os nossos rios deságuam em diversas sensaçõesNuma profundidade misticamente rítmica!

Não fazemos apologia a nossa maternidadeNascemos mudos, mas cheios de vontadesNascemos gritando as nossas enfermidadesNascemos urgentes de um ventre imaculadoNossa Musa é bendita no pecado.

A nossa dor é aventureira E deságua em águas virgensMas não esquece do berçoQue consagra a nossa origem.

Somos frutos inerentesNuma mesa repleta de gostosNão selecionamos nossos risosNem apontamos nossos rostos.Não abençoamos os aflitosNem alimentamos os bondosos.

Somos apenas mais um rastro na enorme multidãoA nossa mediocridade tem a excelência da humil-de originalidadeE o pecado da insuportável inutilidade.

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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TANTOS MEDOS

Vejo-a linda sobrevoando tantos medosOcultando tantos versosPousando os dedos em canetas desnorteadas

Talvez fosse melhor fazer bolosOu o almoço da casaEla não tem casaEla não pára!

Segurar esse pau tão denso e velozSegurar tantas rimas soltasEla corre atrás.Nem percebe, mas faz!

Talvez fosse melhor esperar o maridoCom uma janta quentinhaTalvez fosse melhor arrumar a mesaEla não sabe esperar ausênciasEla esquece, mas não é casada!

Nessa santa morbidez O maior entusiasmo é a solidãoEla sabe como inventar felicidadesMas ela não quer falsear verdades!

Adriana Duarte de Oliveira Freitas

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Menção Honrosa

Ismael de Carvalho Pimenta

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SOBRESSALTOS

De súbitoa noite se veste de lutoe de renda a mortalha reveste seus mortos.De súbitoas ruas se enchem de vultose na senda da lua o silêncio é absorto.

De súbitoO gatuno faz nó de gravatae um banco suíço digita seus vícios.De súbitoo morro sucumbe à navalhae é dado início a um game de surtos.

De súbitouma mãe se contorce de dorese de cores o caos contorna seus muros.De súbitoum infante irrompe nas sombrase a tal esperança renasce nos homens.

Ismael de Carvalho Pimenta

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ROXA

A dor dentro de mimé roxa,violeta entretecidanum jardim inexorável.Tem motivos insondáveisesta dor insofismávelno lilás da solidão.

Valei-me, santa alegria,que esta doré toda minhana ampola da saudade...Trocai as vestes de prantono líquido em que me decantopor linhos de felicidade.

Ismael de Carvalho Pimenta

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TRÊS

A dança é intensae a tarde é imensa.Quem dança é o ventona tarde que é tanta.

O vento é imensona tarde que dança.Intenso é o ventona dança que é tanta.

A tarde é intensano vento que é tanto.Quem dança é a tardeno vento que é imenso.

Ismael de Carvalho Pimenta

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OPOSTOS

Tu és o avessodo inverso universoonde agora me teço.Eu sou teu sumário, suposto inventáriode lendário endereço.

Tu és o sofismana íntima cismaque em vão me sublima.Eu sou o teu ópiono cálido copoem que torno meu corpo.

Tu és o sufrágiona frágil miragemem que me refugio.Eu sou teu vestígio,o verdugo, a vertigem,teu hangar fugidio.

Ismael de Carvalho Pimenta

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O PALHAÇO

Sob a pintada e flácidaface que o velho palhaço usaférvidas almas disputamum filete de alegria.

Fluidos de sorrisossão a paga dos ingressosà margem de um mundopurgatório de concreto.

E o palhaço rodopianuma ciranda de momicesem que todos se espelhamnuma tosca terapia.

Conter o choro entesourado,ludibriar a própria mente,sorrir o riso encomendado,eis a saga dessa horda penitente.

E o palhaço se despede.Quer verter também seu pranto.Em que canto? Não há tempo.A platéia pede bis.

Ismael de Carvalho Pimenta

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VIOLETAS DO ORIENTE

Violetas absurdasbrotam em ácido e fúnebre soloenquanto ogivas de metáforasreverberam por um céu de cinza e aço.Infância aviltadamaturando em campos de senhoresalgozes que se revezamna feitura de um funesto mausoléu.

Violetas obtusassangrando em sonhos depauperadosnum presente de fel e furto,sem futuro, num horizonte de nada.Infância subtraídaque explode (mas não de alegria),que implode em minas de agonia.São flores intermitentesnum jardim incandescenteessas flores, violetas do oriente.

Ismael de Carvalho Pimenta

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O CREPÚSCULO E A NEBLINA

Mesclado foide carmesimmeu ex-azul sem fim,horizontedas minhas tardes.

Vê,eu sou estavil neblinaque distorcenas retinaso crepúsculoque me deixaste.

Ismael de Carvalho Pimenta

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OLHO D’ÁGUA

No frio mundoonde não te vejoum céu sem lua,revolto e turvo,é simbiosedo que não tenho.

Amar-te assimneste mar salobreé falar ao vento,que não me ouve,do amor-tormentoque me carcome.

Amar-te assimsob céu tão rudeé morrer sozinho,choroso e mudono olho d’águaem que me desnudo.

Ismael de Carvalho Pimenta

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Menção Honrosa

Jean Sartief

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MINHA PRIMEIRA MORTE

Vem ainda hojeEssa dorDe sentirQue nunca seria vocêQue nunca seria eu.

Jean Sartief

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MINHA SEGUNDA MORTE

Não é verdadeNem o olhoNem o louvor.Só a facaAtravessada...A descobertaMatou aquele que não fui.

Jean Sartief

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MINHA TERCEIRA MORTE

Só então acrediteiE vi meu sangue,Vi meus olhos,Vi minhas mãos trêmulasE não havia nenhuma de tuas palavras.

Jean Sartief

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IMENSO

Esse céuNão suportaO tamanho dessa dor.

Jean Sartief

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PORQUE MINHA ALMA É VELHA

Porque minha alma é velhaE não é leveE dentro disso serei vocêOutras quinhentas vezes.CarregadoDe máculas,Das mãos cheias de assopro.Da língua em assombro.

Jean Sartief

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AQUELA MULHER

Não queria ser aquela mulher,Que carrega o dedo marcadoPelo arco apertadoQue sufocaSua carne,Seu corpo,Sua vidaE apodrece viva.

Jean Sartief

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ELE VEM, SERÁ QUE EU VOU?

E me vem essa dúvidaE todos os medosE tudo o que eu quero.Estremeço em pé, no claro e no silêncio.Porque tudo se perde nessa hora:Qualquer discurso,Qualquer razão;Toda a muralha construída.

Jean Sartief

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“MEU CONFUSO MUNDO”

Horas paradasNo silêncio desse meu antigo peitoNão mais procuroBocas abençoadas,Sorrisos escondidosE olhares de esperança.Confuso mundoEm que me encontroEntre clarões,Árvores tombadasE algumas palavras.

Jean Sartief

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REFLEXÃO

Depois do tremorSó ficou o tempoLatejando;Me dizendoQuem eu não fui,repetindoO que eu não fiz.

Jean Sartief

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NA MESMA...

Ainda não voltei das nuvens cinzasAinda não voltei de dentroAinda sigo quietoDe olhos abertosE coração em silêncio.

Jean Sartief

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Menção Honrosa

José Antoniel Campos Feitosa

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Quero gritar a vida numa palavra: digo teu nome numa palavraquero gritar teu nome: eu digo vida

José Antoniel Campos Feitosa

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TRÊS SONETOS COMEÇANDO EM PARA 1. Para escrever grande, comece assim: “em tese”.E lá pras tantas um rotundo “em princípio”(nem tanto lá pras tantas, pode ser no início).No final: “ou seja”. Mas, veja, não se apresse... A turma gosta dessa coisa tipo ascese.Então, aproveite: meta o malho no vício(no de linguagem, não, irmão. No mais difícilde encarar: o seu. Mas, e daí? tergiverse!). Importa é o seu discurso altivo e escorreito,como faz (copia!) o neófito em Direito(neófito! e eu quase me esquecia dessa). Olhe a coisa feita. Se orgulhe do seu texto!Você é o cara inserido no contexto!Um Machado temporão —oh!—quiçá um Eça!2.Para escrever um poema bem cabeça,desses que o leitor faz que entende e não entendepê ene (aliás, nem você compreende),escreva com desdém e muito tédio e desça o verbo (vê lá: com desdém) em quem pareçasó saber escrever com start, middle & end.Você, não. Você é do tal que não se rendenunca a qualquer inspiraçãozinha besta. Cite um poeta esquecido (é mão na roda!).

José Antoniel Campos Feitosa

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O leitor vai dizer: rapaz, o cara é foda!“Eu sou a última Coca-Cola do deserto!”, (você vai se achar). Depois (sempre com desdém),diga ao leitor: que é isso, meu brother!, nem vem!Ah! “concisão” é a palavra. Fique esperto.3.Para escrever sobre o que não se conhece,nada como uma busca básica no Cadêou no Google (todo mundo faz!). E vocêestará apto pra dizer o que acontece quando a pressão sobe e a temperatura descee o que isso implica no fato de choverou fazer sol no seu quintal. E perceberque, se você não é o tal, tal se parece. Vale até (vá por mim) pesquisar o latime, como quem não quer nada, dizer assimuma frase ou outra, citando sempre o autor. O seu conceito vai subir que benzadeus!O tema é verso grego? busca-se “troqueu”.E dirão (juro!) de você: puta escritor!

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A FACE QUE EU TRAGO: ALEGRE E TRISTE

Que nada me traduza o que ora sinto.Nem traços deixe eu: se alegre ou triste.Se alegre eu parecer, saiba que eu minto,e em triste nada mais do que despiste.

Não é que eu seja assim por puro chiste,tampouco por missão ou por instinto.Eu sou porque me apraz. Porque consisteque eu seja de mim mesmo o labirinto.

Portanto, alegre e triste eu sou os dois.E tudo ao mesmo tempo e no depois,bem como fui no antes. Eis-me a face.

Que eu nunca me decifre ou me descubra.Eu quero é mais um manto que me cubrae a própria face nua me disfarce.

José Antoniel Campos Feitosa

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SER SEM SER

Ser sem ser é ser não sendo sime no não sendo sim parecer.É sentir ser início — e ser fim,é saber-se que é — mas não ser.

É ser sempre e em talvez se saber,sem saber que se foi sempre assim.Ser sem ser é dar sim e o não ter,é dizer tudo em nós e ouvir mim.

Sou sem ser e apetece-me assim.Tenho a mim se eu de mim não me sere, se início, prefiro-me fim.

Se não sou, basta a mim parecer,sou metade do não e do sime ter tudo é ter isso: não ter.

Digo não e por dentro digo sim,tudo em mim é perfeita contramão.Sou canção começando pelo fim,estopim onde acendo a escuridão. Guardião desse nada de onde eu vim,folhetim não escrito pela mão,sou clarão incontido no nanquime o latim exilado do sermão. Sou senão em sinônimo de assim,sou enfim o meu sim que me diz não.

José Antoniel Campos Feitosa

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Eu sou esse que diz no início: eu sou.Mais esse que no início diz: mais esse.Eu sou esse terceiro em que eu estoue o quinto que do quarto se fez desse.

E em cada um de mim, sou quem passou.E fui quem sou e além me vejo nesse.E em tanto ser um só, não me restousequer um que comigo parecesse.

Não sei se sou de fato ou sou de vento.Talvez eu só me sinta em pensamento,no espaço entre o lembrar e o esquecer.

Pois sou, em sendo um só, esse que eu tentofazer dizer-me em outros que eu invento,e em sendo em outro eu, eu eu não ser.

José Antoniel Campos Feitosa

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ESSES Esse estigma, esse ranço, esse receio. Essa cólera de ironia travestida. Essa patrulha, essa partilha, esse guia, essa vontade dos caminhos da poesia. Esse achismo, esse ismo, esse outro ismo, esse atavismo em vã guardismo: esse fascismo. Esse apartheid, esse dedo indicador, essa receita, essa doença, esse doutor. Essa palavra, essa não, essa palavra. Esse escaninho, esse jeitinho bonitinho. Essa postura, esse salto, essa impostura, essa rede de sim-sim, essa costura. Essa estratégia, essa falácia, esse tribuno, esse quartel, essa po-lícia, esse coturno. Essa salada, essa sopa, essa lavagem, essa ordem de beber goela abaixo. Esse arauto apocalíptico e demiurgo, esse moicano der-radeiro desse burgo. Esse poema de outdoor e passarela. Essa tramela, esse embuste, essa pane-la.

José Antoniel Campos Feitosa

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CONTRA Contra a ordem, o rito, o senso,o correto e o seu primado;contra quando me convençoque é errado o errado.

Contra tudo que é consenso— sim, por favor, obrigado.Contra quando contra pensoao que foi contra pensado.

E por ser do contra feito,tenho parte do meu peitoda outra desencontrada. Mas se sou contra, contudo,uma parte é contra tudo;a outra, a favor de nada.

É de antes, de sempre e é de agora.É rebento da busca e do encontrado.É presente presente e em mim guardado.É meu lado de dentro e o de fora.Pigmento que o tempo não descora,é o instante de todos os instantes.É o dia dos meus dias restantes,é a causa e o efeito em que sou feito,é o que pulsa no esquerdo do meu peito,é de agora, é de sempre e é de antes.

José Antoniel Campos Feitosa

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Entre a verdade e o que sou,entre o que falo e o que penso,nem a mim mesmo convenço,nem essa chance me dou.Fico no instante em que vou,uno de duplicidade,sou minha cara-metadequando, gritando, me caloentre o que penso e o que falo,entre o que sou e a verdade.

José Antoniel Campos Feitosa

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Menção Honrosa

Kathirine Kelly Gomes

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HOMICIDA

Assassino minha própria criação.

Todos os dias desperdiço a mim mesma.

Abro os olhos e travo as mãos.Privo o papel de ser impressoPrivo as letras de sua profusão.

Com um sadismo frioDeixo as letras dentro de mim,Ainda soltas entre si,Ainda em formação.

Assassino minha própria poesia em formação,Sinto as letras se agrupando,As vírgulas e pontos buscando seus espaços,

Palavras chegam a se assumirEntão dissimulo.Finjo que nada está acontecendo,Apago a luzE fujo de qualquer papel em branco....

Kathirine Kelly Gomes

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TINTA MÁGICA

A minha vida é feita de silêncios,De espaços vãosDe horas vazias.

Meus dias são como páginas em branco,Cujas maiores impressões devem estar marcadascom tinta mágica,Pois não consigo enxergar.

As minhas horas são feitas de suspiros sem fim,De sonhos e desejos não postos no papel,Não vividos, não concretizados.

Quem sou além da folha branca?Quem vive além do tédio e da rotina a que me sub-meto?

Kathirine Kelly Gomes

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MEU MAR

Navego todos os diasNo mesmo marPercorro as mesmas ruasE acabo por me perder nos mesmos becos.

Sou abatida pelas mesmas ondasSou levada pelas mesmas correntesE sempre fico presaNo mesmo banco de areia.

Ou meu mar é muito vastoOu sou eu pequena demais para transpô-lo.

Kathirine Kelly Gomes

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RETALHOS

Faço poesia de retalhos

As vezes meusAs vezes roubo dos outros

Não pago a contaNinguém me cobra...

Acham bonito o produto do rouboAdmiram-me.

Retalho a vida dos outrosPor vezes a minha própria

Pelo menos assim o conjunto é mais bonito.

Kathirine Kelly Gomes

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UM HOMEM

Bati numa mulher

Firmei a mão devagar eApliquei-lhe a bofetada

Ela sorriuEla sangrouOfereceu-me novamente a cara eLasquei-lhe uma potente porretada

Ela caiuFicou estendida no chão gelado,GeladaEla sangrou e

Levantou novamente.Aí então o tiro.O corpo gelado no chão quente

– Quero ver me desafiar novamente!

Kathirine Kelly Gomes

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COISA

Dizem que os poetas são

Uma coisa.

Todos somos.Coisas.Todos sentimos.Coisas.Todos choramos.Por coisas.

Coisa.Existe noutra língua?Coisa.Existe noutra galáxia?E outro mundo existe?Coisas?

Sou uma!Coisa!Você é diferente?Não é. Coisa?Você é melhor.Coisa.Estes rabiscos?Nada!Coisa nenhuma!

Kathirine Kelly Gomes

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NOVELA

Descobri,

Esses diasQue novelas fazem mais sentidoQue a minha vida.

Esperta,Deixei de viver.

Agora só assisto novelas...

Kathirine Kelly Gomes

Page 144: Livro 2005 14 Poetas

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EXTRATERRESTRE

Um diaUm poeta enlouqueceu

Descobriu que não era extraterrestre...

Kathirine Kelly Gomes

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PASSIVO

Assis assistiu

Meio assim,Mas assentiu,

Embora sem sentir,

Pois não era bem assim.Assentiu simplesmente.

E não falou mais no assunto.

Foi encontrado morto no quarto,partiu.Apenas um bilhete,

Disse que preferia participar

Kathirine Kelly Gomes

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EXECUÇÃO

Devo ser assassinada,Executada.Para o meu caso específico defendo a pena de morte.Um homicida deve morrer.

Há anos sepulto palavras,Poemas inteiros,Frases completas,Também assassino inspirações pela metade.Frases bonitas me sobem pelo peito,Querem ser escritas.Eu as ignoro.

Devo ser eliminada da face da terra.Um tiro na nuca?Rápido demais!

Uma luta de espadas com um exímio esgrimista?Não, eu seria covarde e me precipitaria sobre sua espada...

Uma fogueira enorme?Eu, convencida, me julgaria Joana D’Arc,Forte, corajosa, sorvida pelo fogo, imolada em sa-crifício.

Uma cerimônia de enforcamento?Todos aqueles tambores para me enlouquecer,um horrível carrasco para me meter medo

Kathirine Kelly Gomes

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E a corda grossa e suja, pendurada em minha fren-te, pronta para me silenciar, assim como fiz com os poemas.Assistindo à cerimônia grotesca todas as letras,ordenadas, desordenadas, as grandes e as breves, enfileiradas, sorridentes.Eu lhes daria um sorriso triste, seria gentil, cumpri-mentaria cada uma delas e tentaria me esconder baixando os olhos envergonhada.

Uma cerimônia de enforcamento. Pronto!E todas as letras veriam minha cara e cuspiriam em meu rosto quando as últimas palavras pendes-sem de minha língua, já morta, posta para fora.

Kathirine Kelly Gomes

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Menção Honrosa

Marcos Ferreira

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CONFISSÃO TARDIA

Os passos no corredor, a luz acesa. O perfume da inocência brincando entre as mãos pervertidas do vento.

O pai caído no sofá, o cigarro no chão.

Apenas o céu emoldurado na janela, a tia nas orações — tateando o paraíso nas contas encardidas do rosário.

O buraco na parede e a prima no banho.

Marcos Ferreira

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PECADO ORIGINAL

Ao pingo do meio-dia, virgem e pura como fora esta página, ela sempre cruza o patamar da igreja, desencaminhado devotos e fazendo pecarem os santos.

Marcos Ferreira

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DESCONCERTO

Quando perdeste a fome do meu corpo e a sede deminh’alma, um comboio de salinas ardeu no chão nervoso de minha face. O sol deitou a cabeça vermelha nos ombros da montanha e todas as cores vestiram o luto dos meus olhos. Até a Moça da Foice (com piedade ou com remorso) deixou que voasse uma prece de sua boca de aragem.

Marcos Ferreira

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REGRESSO

Ontem voltei à rua dos meus anos verdes... O fantasma do amor imberbe me atravessou num abraço diáfano. Sob a campa soturna do asfalto jazia o esqueleto do meu cavalinho de pau.

Não vi balouçando na cadeira de palha o velho ferroviário com seu cachimbo de nuvens recém-nascidas. No recreio do vento a cantiga azul do meu pião de linha.

Acho que a velha casa dos meus sonhos mirins ameaçou um sorriso de janelas. Também não avistei a máquina laranja da prefeitura fazendo refeição no terreno baldio — era o dragão de ferro dos meus olhos castos.

O CASTELO

Marcos Ferreira

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Após tantas auroras e crepúsculos, retorno à estranha paz deste castelo.E tudo é como sempre na impune eternidade das coisas mortas. Um vento de abandono vai movendoas dobradiças do silêncio. As teias do tempo se espalharam por todos os cômodos e móveis. Nem mesmo o velho relógio de pênduloreagiu à minha súbita presença. Apenas Mona Lisa, um tanto grisalha e coberta de rugas, ofertou-me o seu tímido sorriso de moldura. O mais é tudo sombra e frialdade.Três ou quatro lembranças arderam no véu lacrimoso dos meus olhos, mas logo se afogaram no fosso emocional deste último soluço.Vejo-me assim neste insólito regresso,ruminando a solidão resignadade velhos desenganos e antigas saudades.E o Senhor Deus dos desgraçados, sempre tão soberano em seu reino de enormidade e esquecimento,nem reparou nos sonhos que morreramneste escuro penhasco de minh’alma. Agora um vulto lívido e sereno me aguarda no final do corredor vazio. Estendo-lhe o braço e atravessamos as grossas paredes do castelo, em direção à eternidade morta.

Marcos Ferreira

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EXTREMA-UNÇÃO

Arde em teus graves olhos a tristonha e muda exposição do amor desfeito — esse encanto fugaz que a gente sonha conservar toda a vida em nosso peito.

É que o mundo é este antro de peçonha que adultera o que é puro e o que é perfeito.A ventura mais longa e mais risonha morre sob os lençóis do próprio leito.

Entretanto prossegue, não desiste;fecha logo o caixão dos sonhos mortos e sepulta isso tudo quanto é triste!

Não te afogues no amor que se desfez — ser feliz é seguir por muitos portos e morrer por amor mais de uma vez.

Marcos Ferreira

Page 157: Livro 2005 14 Poetas

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AUSÊNCIA

É Noite de Natal... E o mundo se alumia. Sentamo-nos tranqüilos em redor da mesa. Alguém sugere um brinde, com delicadeza. As taças se entrechocam em desarmonia.

Remoto um galo tece uma oração baldia, e aqui nos irmanamos sob a luz acesa.Há vírgulas de pranto, olhos de incerteza, perante esta cadeira agora assim vazia.

Vai alta a meia-noite. O vinho tinto exalaum cheiro de saudade que percorre a salae vem se amotinar no coração da gente.

É Noite de Natal, é meia-noite e meia,e todos contemplamos, junto à Santa Ceia,a foto na parede de meu pai ausente.

Marcos Ferreira

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MUSA MORTA

Sem nome, sem respeito, malfalada; com tinta no cabelo, um dente escuro. A boca muito rubra quanto usada no leito coletivo, atrás do muro.

O vício do cigarro e tanto nada no olhar daquela vida sem futuro. A cruz dentro do peito, ensangüentada — um feto sepultado no monturo.

A perna com platina... A tosse feia — o busto avantajado de baleia; a voz muito sonora, mas confusa.

Portanto, assim morreu na primavera (doente de si mesma e de quimera), na casa do meu peito, a minha musa.

Marcos Ferreira

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DIANTE DO ESPELHO

Não sou eu este homem que divisona moldura do espelho à minha frente,sem a mínima sombra de um sorrisoa pender-lhe do lábio descontente.

Não são meus estes olhos de granizo,que me encaram completa e friamente,nem o queixo rotundo e tão concisosob os fios da barba intermitente.

Não são meus estes lóbulos caídoscomo estranhos e lânguidos badalosna capela insondável dos ouvidos.

Pois não sou este espírito a esmo, que me busca por sombras e abalosna infinita procura de si mesmo.

Marcos Ferreira

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A HORA AZUL DO SILÊNCIO

No coração da noite segue uma tristezacom passos muito lentos e desmotivados,enquanto novamente a solidão retesaa corda no pescoço dos abandonados.

Porém, no meu silêncio, com a luz acesa,eu vejo a roda-viva dos sonhos aladosgirando e espatifando toda naturezade santos e demônios por todos os lados.

Também eu sei da vida azul dos vaga-lumescom suas lanterninhas, loucos de ciúmesda Lua sonolenta, que nunca se importa.

E tarde, na penumbra, junto à minha cama,reparo que um fantasma de mulher me chamaao reino vaporoso de uma deusa morta.

Marcos Ferreira

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Menção Honrosa

Mário César Gomes

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SORTILÉGIOS DA MANHÃ

A lua criou máscaras de gessoEm teu rosto exposto.Quando o manto caiuVi toda a nudez da tua almaEnvolta em uma chama azul.

E você estava aqui.Diante de mim.Sedenta por uma palavraQue seria concebida em ti.Mas que nascesse também em mim.

Mas a lua nos deixouCom aquele gosto de bocaAinda não beijada,De uva maceradaPor sátiros embriagados.

Toda manhã eu te vejoComo um pequeno solIluminando os corredoresDe um coração escuro.Atraindo fantasias eAfugentando esperançasEm sua órbita louca.Sem medo de ferir os santosE se compadecendo dos malditos!

E o amor a tua crueldade me redimeDe mais um dia de pecados silenciosos.

Não posso ir mais adiante

Mário César Gomes

Page 164: Livro 2005 14 Poetas

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Mário César Gomes

Sem que, com a ponta da língua,Entrar no mundo que escondes

Dentro da tua boca.

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SATURNO

Estou distante de qualquer dia de sol.Preso numa eterna madrugadaCom vinho que não aquece.Doente, olhando a dor nascer do meu umbigo.

A morte passeia sob a chuvaE me espreita com promessasDe um navio de cristal.

Redemoinho...Vendaval.......................................Espiral.Não vou mais voltar.Por onde comeceiHá muitos naufrágios.

Agora você sabe:O tempo se esgota com palavras amargas.Há um lugar onde nenhuma criança brincou.Nas cinzas do teu último abraçoO sol se pôs.

Mário César Gomes

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A CAVALGADA DA MORTE

O fim vemSobre cascos peludos.Seguido por uma nuvem púrpura,Eu o vejo com olhos de bêbado.

O antigo palácio caiE por toda a terraNão se encontra nenhum deus.

Sopros gelados de uma manhã que sangraMe acordam para outro diaOnde a esperança foi assassinadaPor uma louca que vestia cetim preto.

Não há nada no solQue abrandeO desespero de Faetonte.Morto ao amanhecerMinha alma ainda vagueiaEntre as árvores de um paraíso arruinado.

Treme meus lábiosAo pensar no que nunca mais volta.Há fogo em minha mão assassina.Nunca mais poderei voltarAtravés da antiga aurora.

Entrego minhas flores mortasÀ louca que grita na madrugada.

Mário César Gomes

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A CAIXA DOS ÚLTIMOS PRAZERES

Escolha seus prazeresDentro da caixa.A chuva vai começar.Deite e mergulheEnquanto a areia escorregaPor debaixo da tua cama.

Onde você deixouOs despojos da tua última noite?Onde estão as criançasQue te esconderam?

A praia é vastaE se estendeu por mais 10 kmQuando você dormiu.Alguém deve saberQue horas você deixou de ser Deus.

Volte daqui a 10 segundos.O mundo ainda não acabouE o papa está morto outra vez.

Sem saber porquêVocê acorda de repenteE o sol ainda é vermelho.

Mate o primeiroQue bater a sua portaCom boas novas de um mundoAbortado.

Mário César Gomes

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Você sabe quantos diasSão necessários para o corpoApodrecer?Não esqueça as virgensNo campo de centeio.Amanhã tudo estará em chamas.

Mário César Gomes

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LUCIDEZ

A luz é áspera.O fogo suspende a dor.Nunca mais verei tua almaCaminhar entre as ruínas de um antigo amor.

Chora até que passe a dor.O mar beija a luaComo uma filha que cresceSob um olhar tenro.

Não vou esquecer você,Grande Mãe da minha embriaguez!Tua lua cresce atrás dos meus olhosE aos poucos eu vejoUm mundo sem sombras.

Mário César Gomes

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DO FOGO E DA NÉVOA

Ela tinha sete braçosE cantava em três línguas herméticasAntes do Sol magoar a Lua.Havia magia antes dos gigantesCaminharem sobre os lírios.

Máscaras frias me espreitamAtrás de uma cortina de nostalgia.Gostaria de ter parte na sua herança.Mas uma tempestade vinda de longeNos alcançou ainda no meio do caminhoE nos levou para um longo exílio numa terra friaOnde, por muito tempo,Eu não veria mais seus olhos de fogo e névoa.

Há areia em meu corpoE algo que queimaComo se quisesse me fazer lembrarDo que perdiQuando fechei a porta essa noite.

Um grande lobo brancoRonda a casa em busca dos meus olhos.

A porta do quarto está abertaPara a salaOnde um tornado encontrou sua pazCorroendo o piso e o sofá.

Ela me deixou sóEm uma das suas babilônias,Vagando nas ruas e colhendo remorsos

Mário César Gomes

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Dos nossos dias loucos.Mendigando sabores de um tempo que passou.Sendo o único a saberQue o rei está mortoE que sua filha cria uma serpenteSobre seu dorso frio.

Mário César Gomes

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APOCALIPSE

Refiz sete vezes o caminho do InfernoPor amor a teu nome.A águaO vinhoE a loucuraEm lábios carmim.Sem nome nem palavraQue nos salvasseDe hedionda tormenta.Numa orgia de dragõesMeu coração foi dilaceradoEntre as nuvens do céu.

Mas a chuva caiuCom gelo e fogoSobre nossos corpos nus.Havia lama e destroçosE a solidão que surgiuEra um novo deus.

E, como uma nova religiãoVinda de muito longe,Eu ouvi teu cânticoDe saudade e de dor.E antes que o abismoSe abrisse mais uma vezEu saltei em teus olhos enfeitiçados.

Mário César Gomes

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O TEMPO DAS ESPERAS

Só vou emboraNo último momento.Quando as luzes se apagarem.Quando os olhos fecharemE a boca esquecerO gosto do mundo.

Só vou emboraQuando não estiver mais ninguém aquiPara contar como foi;Como chegou;Como partiu...

Eis que será findaO tempo das longas esperasE por nada valeráO tempo que ficou.

Mário César Gomes

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CERNUDOS

Ele dança sobre a erva úmida.Sete voltas ele faz em torno do campo.Sem esperar por ninguém ele morrePara no próximo solstício nascer.

Chove para dentro do mundo.Canta o que não pode mais ser cantado.Corre com as criançasQue seguem a lua por toda a noite.

Há sinais que não apagarãoCom a chuva do verão.No inverno ele dançaráPara as flores voltarem.

Ainda há vinho no porão.Corra pequeno menino verde,Ainda há tempo para mais uma celebração.Soltem os cães para caçarem suas donzelasNa densa floresta dos nossos desejos.Acedam fogueiras para abrir o caminhoEntre nós, e nós te seguiremos sem hesitar.

Mário César Gomes

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PRESENÇA

Eu me deito e você passaAo lado da cama,Vestida de céu.

Eu acordoE você recolheOs vestígios do meu sonho.

Eu morro mil vezesToda noite e toda manhãE você passa por mimSem deixar evidências do teu crime.

Mas sei que você está aqui,Agora,Ao lado da porta,No canto do olho,Nas teclas do computador,Esperando um não-sei-o-quê de mim,Um insight difícil de segurar com as mãos.Ou talvez me dizendo coisasNo pé do meu ouvido,No pé da cama,Numa língua que eu ainda não entendo.

Você sabe, eu sei,E todos os anjos sabemOnde estamos quando adormecemosNesse sono místico.

Mário César Gomes

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Menção Honrosa

Pedro Antonio Lima dos Santos

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A CHUVA CAI

A chuva caicomo espelhos partidosno quintal e no jardim.

Os meninos e meninasbrincam esquecidos de simolhados da chuva.

Os velhos vigiam da janelae embaçam os vidrose os olhos de saudade.

Lá fora as águas formam riosrápidos e efêmerosonde o futuro navega sonhosem barcos de papel.

O tempo teima em pararnos remansos das esquinasenquanto meninos e meninasdisputam suas regatasfazem suas apostassuperam seus naufrágioscuram suas feridase aprendem os mistériosdo mundo e da vida.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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DE MANHÃ

De manhão sol abraçaa natureza vivaaves, onças, peixesrios, floressempre-vivas.

De tarde o sol a pinodeclina atrás da portaa triste ladainhaa natureza morta.

De noiteo sol a mínguarecolhe suas faíscasembainha suas lâminaslambe suas feridas.

Agora convém acalentar o fogoassoprar as cinzasrenascer de novoas brasas dormidas.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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PESSOA

Pessoapoeta diversode si mesmoverso e reverso.No espelho onde se viaum poeta duvidavaoutro consentiaum choravaoutro sorria.

Pessoapoeta vário,não o que émas, ao contrárioaquele que negaquando dáo que navegaem alto maro que caminhaem linha retao que pede e se entrega.

Pessoaentre razãoe sentimento.Um poeta é equaçãoo outro, fingimentoum é amor e humoroutro é prazer e doresclarecimento.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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PessoaPoeta plural.um sente saudadeoutro de verdadeama Portugal.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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O ESCULTOR

O escultoranalisa a pedrainerte, silenciosa e dura.Põe nela suas mãoságeis e precisase cinzela a escultura:uma bela mulherde formas sensuaisum altar barroco com folhas tropicais.

O escultor fazenfimcom a pedra músicatal qualcom a palavrao poeta faria.

Assimenquanto a poesia falaa pedra cantaria.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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UM MARINHEIRO QUERO SER

Um marinheiro quero ser.Quero ter uma mulher em cada portonão pelo prazer de voltar a cada diae encontrá-la sempre pronta, calma, marianão quero a calmaria.Quero antes a ressacaa maré alta, a tempestadee quero muito mais.Quero sem soluço poder deixar o caise aprender que suas pedras são pedras de saudadeunidas com argamassaamarga, doce, ambíguade tristeza e de felicidade.

Quero ser o companheiro da mulher amigapara quando, às vezesela cismar pensandosempre olhando a praiae de alegria correrao ver chegar navio ao portopoder dizer pra ela– Pronto nêgaé hora de ser de novo marinheiropois em cada navio que chegaa mulher tem também seu companheiro.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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BOCA DE FORNO

Boca de forno?– fornoTirando bolo?– boloJacarandá?– dáSe eu pedir?– ...............................

Silênciofoi sua última palavrase cala a boca e almatão pouco fala?Triste, mudaesta conversa amargaembora clara.Preferia o grito solto a gargalhada altaque afagos e sussurrosjá não esperava.

Mas sendo escura a noitequase madrugadatambém me caloe calmo espero o dia novo, a Albacom seu apelo inexorável:

Boca de forno?

Pedro Antonio Lima dos Santos

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A GENTE CAMINHAVA

A gente caminhavade mãos dadaspelas ruasinventando alegriaspro futuro:

com u’a mãocom a outrabate palmaspiruetas...

Mas entre umaoutra brincadeiraentre uma e outra mãocresceram o tempo e a distânciae a gentefoi ficando

sem rirsem falar

sem chorar

sem porquês.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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MAIS VALIA O PÁSSARO NA MÃO

Mais valia o pássaro na mãoquando se o tinhavalia mais vê-lo voando na imensidão.

Colorido o papagaio ia ao céucheio de armadilhasaqui embaixo evitávamoscair no alçapão.

Se às vezes o caminho era difícila gente se detinhae a mão de cada um buscavauma outra mão.

Mais valia a dor de dizer nãoquando se deviaqualquer palavra valia maisque a indecisão.

E se o silêncio se fazia longoe sem razãoisto sim, era o que mais doíaseguir só na escuridão.

Pedro Antonio Lima dos Santos

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Menção Honrosa

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

DO QUE NEM OS DEUSES CURAM

pintei com álcool iodado

na sola do pé esquerdoum anjo desenganado

saí pela areia quentepulava, queimava o anjoescaldavapulava, queimava o anjo

o diabo que me acompanhavaviu minha sombradançando desengonçadavioleta genciananum grafite da parede

cheguei pertoa sombra pulou o muropintei asas de mercúriono calcanhar do diabo

mandei procurar a sombrao diabo pulou o murofoi embora com a sombra da dança desesperada

fiquei escaldando o anjono caldeirão do diabo.

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QUERUBIM

que será de mimquerubim?perdi as asas e os anzóisque será de mimquerubim?podei as roseiras e os lençóisquerubim, que será?que será querubim?que será de mim?sem penasem peixecem pétalasmil fronhas...não me aponte assim, querubimque assim eu sufoco

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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DÚVIDA

arranco os teus cabelosum após o outrobem-me-quermalmequerbem-me-quer.....................divagar

agora que falta um só fiofica a dúvidapendurada

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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MUTILANTE

enterraram meu umbigono jardim de São Domingosenterraram meu umbigona porteira do curralmorão morãodente podredente sãomatureimaturinão sou daquinão sou “Dali”enterraram meu umbigono jardim de São Domingosenterraram meu umbigo na porteira do curralmorão morãodentre podresdentiçãomatureimaturienterraram meu umbigo nos jardins de sant-antão

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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CÂNCER

a minha avó tem cânceraos sábadosdegusto lentamentecaranguejos

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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AGORA

neste momento;nesta hora,sofroagorafóbicoave!volto pro ovogoro

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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ASSIM SEJA

doravantea minha invejaalvejará a tuaassim viveremosem branco(...)desdenhando círculos

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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ENTRE ASPAS

quando te vejo correndo

falando e ao mesmo tempoabanando tuas mãosparece-me que és um neologismoum estrangeirismoum desses personagens de quadrinhosque para mover-seprecisa estar sempreentre aspas

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio de Sousa

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NO CENTRO DA CIDADE

meu espanto dobrou a esquina!

sangue de boipapoulasbrinco de princesapalmeiras e rosas vermelhas.as duas senhorasno portãona casa da avenidanoutro tempooutras vidas.goladosgaiolascanários e pintassilgos.meu espanto avizinhou-sedo tempo dos bugaris.

Rachel Gomes de Oliveira Lúcio deSousa

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MARGARIDA

boa a velha Margarida as latinhas de óleo rasgadas na horizontaltão coloridinhas das florzinhas nove horas...tão desbotadinha a velha Margaridanem era mais pretanem tinha mais cornem no vestido acinturado de saia franzidanem nos chinelos empoeiradosnem no cabelonem na memóriatão desbotadinha tadinhaque eu nem me lembro mais

Rachel Gomes de oliveira Lúcio de Sousa

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Este livro foi impresso na Editora, Livraria e Gráfi ca Manimbu,

Rua Açu, 666-A - Tirol - Natal-RN.

Em papel Polen Bold 90g, fonte 12 Verdana BT

com tiragem de 1000 exemplares.