Livro Categorias - Aristóteles

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  • 7/30/2019 Livro Categorias - Aristteles

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    CATEGORIASARISTTELES

    Porto Editora

    CategoriasTraduo, introduo e comentrios de Ricardo santos

    PoRTo editoraTtulo: categorias, de AristtelesAutor: Ricardo SantosDesign Grfico: Quatro Cores DesignEditor: Porto Editora

    para a lngua portuguesa:PoRTo editora, LDA.--1995Rua da Restaurao, 365

    4099 porto CoDEX--PoRTUGAL

    ReserVados todos os direitos.Esta publicao no pode ser reproduzida, nem transmitida, notodo ou em parte, por qualquerProceSsO eLectrnico, mecanico, fotocpia, gravao ou outros,

    sem prvia autorizao

    A vida de AristtelesA obra de Aristteleso organonAs CategoriasA estrutura da obraA primazia das substncias individuaisA pergunta o que .. ?Sinonmia, homonmia e paronmiaA caracterizao das diversas categoriaso mtodo dialcticoMtodo de citaoo texto

    Captulo ICaptulo 2CaptuloCaptulo 4Captulo 5Captulo 6Captulo 7

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    Captulo 8Captulo 9Captulo 10

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    39Captulo 11 Captulo 12 Captulo 13 Captulo 14 Captulo 15

    Comentrio Glossrio

    Bibliografia

    69

    71

    17 1

    183

    As Categorias ocupam, na ordenao tradicional dos tratadosaristotlicos, o primeiro lugar. A este facto est associada aconvico de que por esta obra que deve comear o estudo dafilosofia de Aristteles. Responsvel pela enorme influncia queas Categorias exerceram ao longo de toda a histria dafilosofia, esta convico ainda hoje partilhada por alguns. Apresente edio pretende, por isso, ser acessvel ao leitor noespecializado e no pressupe qualquer contacto prvio com asdoutrinas aristotlicas. Tambm nos pareceu prefervelapresentar ao leitor uma interpretao da obra, sem osobrecarregar com as numerosas controvrsias entreinterpretaes divergentes a que qualquer texto com valorfilosfico d origem. A interpretao , assim, inteiramenteassumida por ns, tendo sido subtradas todas as referncias aoscomentadores de que discordamos ou queles com que concordamos eem que nos apoimos. o leitor interessado em aprofundar oassunto e conhecer outras perspectivas encontrar no final dovolume indicaes bibliogrficas que podero orientar a sua

    pesquisa. E, no entanto, indispensvel registar o valioso apoioque encontrmos na Traduo e notas de J. L. Ackrill (AristotlesCategorias ad De Interpretatione, oxford, 1963). o livro deAckrill constitui desde h muito um verdadeiro clssico dosestudos aristotlicos e foi responsvel pelo interesse renovadode que as Categorias tm sido objecto nos ltimos anos. Acompreenso das Categorias como uma obra de metafsica - quepredomina actualmente e que aqui tambm perfilhamos - foi por

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    ele decisivamente reforada.

    Ricardo SantoS

    Sintra 13 de Maio de 1995

    A vida de Aristteles

    Embora tenha passado a maior parte da sua vida em Atenas,Aristteles era natural de Estagiar, pequena cidade do Norte daGrcia, onde nasceu em 384 a. C. o seu pai, Nicmaco, era mdicopessoal do rei Amistas da Macednia. Aos 17 anos, viajou paraAtenas, a fim de ingressar na Academia de Plato. Nos vinte anosem que foi membro da Academia, distinguiu-se pelo seu talento,primeiro como estudante e, depois, tambm como professor eautor. Sabe-se que a ensinou dialctica e retrica, e queescreveu e publicou uma srie de obras, na sua maioria sob aforma de dilogos, que o tornaram reconhecido pela excelncia doseu estilo. Infelizmente, a maior parte destas obras perderam-see restam-nos apenas alguns fragmentos. Destinadas a um pblicoalargado, o objectivo de muitas delas era despertar o interessepela filosofia e captar novos estudantes para a Academia.Em 347, quando Plato morreu e Espeusipo, seu sobrinho, Lhetomou o lugar na direco da Academia, Aristteles deixouAtenas. Viajou, primeiro, para as colnias gregas da sia Menor(Assis e Lesbos) e, depois, a convite de Filipe, viveu algunsanos na corte em Pela (capital da Macednia), como preceptor dofuturo imperador Alexandre. S voltaria a Atenas doze anosdepois, em 335, desta vez no para regressar Academia, maspara fundar uma nova escola, o Liceu. As obras de Aristtelesque conhecemos so o produto da investigao e do ensino quedesenvolveu, com o auxlio de diversos colaboradores, no s napoca do Liceu, mas j durante a sua estadia na sia Menor e emPela e, talvez, tambm durante os ltimos anos em que esteve naAcademia.o pensamento que nelas se expressa, cobrindo as mais diversasreas do conhecimento, deferncia-se claramente da filosofaplatnica, rejeitando mesmo algumas das suas principais ideias(como a teoria das Formas e a teoria da reminiscncia).

    Pretendendo, no entanto, ser fiel inspirao bsica doplatonismo (que considerava ser, afinal, a de toda a filosofia),Aristteles desenvolveu um pensamento autnomo, que procuraresponder melhor aos problemas - muitas vezes os mesmos com quese debateu Plato - que dificultam a nossa compreenso do mundoe de ns mesmos.Dirigiu o Liceu at 323, ano em que morreu Alexandre. o ambienteem Atenas era, nessa altura, fortemente hostil Macednia, e

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    Aristteles, considerado um amigo da Macednia, no era umapresena desejada. Foi acusado por um conjunto de atenienses,num processo idntico ao que, em 399, condenara Scrates morte, e decidiu fugir de Atenas, para evitar, segundo se conta,que os atenienses cometessem um segundo crime contra a

    filosofia. Morreu um ano depois, em Clcio, cidade natal da suame.

    A obra de Aristteles

    As obras escritas por Aristteles dividem-se em dois grupos:1. as obras que foram compostas para ser publicadas e que oforam de facto em vida de Aristteles (na sua maioria sodilogos, destinados a um pblico vasto);2. as obras compostas para uso interno da escola, constitudasna maior parte por manuscritos a partir dos quais Aristtelesdava as suas Lies e evidentemente destinadas a uma audinciaespecializada de filsofos e estudantes de filosofia.Ao contrrio do que seria o mais natural, as obras publicadasperderam-se e delas conhecem-se apenas alguns fragmentos,enquanto as que chegaram at ns pertencem ao segundo grupo, dosescritos escolares. no estando originalmente destinados a serpublicados, a histria da transmisso destes manuscritos foiatribulada e a primeira edio completa de que temos notcia foirealizada, em Roma, em meados do sculo I a. C. As sucessivasEdies e cpias a que desde ento foram sujeitos serepresentam, por um lado, a condio de possibilidade de hoje oslermos, por outro lado, representam tambm outras tantasinterferncia, que dificultam por vezes o nosso conhecimento dotexto original. Apenas como exemplo, refira-se que os ttulosdas obras no so, na generalidade, da autoria de

    I ()

    Aristteles, mas devem-se a editores posteriores. Cada obra, outratado, muitas vezes composta por diversos livros (cujaextenso dever corresponder aproximadamente dos originaisrolos de papiro). provvel que muitos destes livros existissemseparadamente e tero sido aqueles editores a decidir quais os

    livros que deveriam ser reunidos sob um mesmo ttulo.Para dar uma ideia das matrias abordadas na obra conhecida deAristteles, podemos dividir os tratados em cinco grandesgrupos: no primeiro, temos os tratados que, editadosconjuntamente sob o nome de organon (a que nos referiremosadiante com mais pormenor), constituem o que habitualmenteconhecido como a lgica aristotlica; num segundo grupo, temosum vasto conjunto de obras que versam sobre a filosofia da

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    natureza, onde se incluem tratados de fsica, cosmologia,psicologia e biologia; em terceiro lugar, vem o que o prprioAristteles designa por filosofia primeira, e que tambm porele definida como a cincia que estuda o ser em geral (a qualconstitui o objecto do conjunto de livros editados sob o ttulo

    de Metafsica); no quarto grupo, incluem-se as obras que tratamda tica e da poltica (sobretudo a tica Nicomaqueia e aPoltica); e, por fim, o ltimo grupo constitudo pelostratados de retrica e de potica.Durante muito tempo, a obra de Aristteles foi encarada eestudada como constituindo uma totalidade completamente coerentee sistemtica. os diversos tratados distinguir-se-iam peladiferena de tema e de objectivo, mas no haveria entre elesdiferenas significativas de doutrina. No nosso sculo, pelocontrrio, tem predominado uma abordagem que considera haver, aolongo da obra, sinais de mudana de doutrina e reformulao deperspectivas, os quais parecem testemunhar uma evoluo nopensamento do autor. De acordo com isto, tornou-se necessrioprocurar determinar, pelo menos de modo aproximado, a ordemcronolgica por que tero sido compostos os diversos tratados.Deste estudo, embora tenham resultado alguns avanosimportantes, no foi ainda possvel obter uma soluo global,solidamente fundamentada e consensual. Para o que aquiprincipalmente nos interessa, refira-se, no entanto, que ageneralidade dos intrpretes concordam que as Categoriasconstituem uma das primeiras obras de Aristteles.

    ARISTTELES: o organon

    Como veremos mais adiante, existem fortes razes para considerarque a colocao das Categorias como primeiro tratado do organonestabaseada num equvoco. Todavia, uma vez que esse o seu lugartradicional e que este facto determinou toda a filosofiaposterior, comearemos por uma apresentao sumria do contedoe da estrutura do organon.

    Sob o ttulo de organon encontram-se editadas (mas no, comovimos, por Aristteles) um conjunto de obras, nas quais

    habitual considerar-se que se encontra exposta a lgicaaristotlica. Na verdade, a palavra lgica, com o sentido quetem hoje, no era conhecida de Aristteles. Quando pretendiadesignar aquilo que, para ns, so os estudos lgicos,Aristteles referia-se a os analticos; e, provavelmente, comesta expresso, o que visava eram os dois tratados queconstituem a parte central e, sem dvida, a mais importante doorganon - os Analticos Anteriores e os Analticos Posteriores.

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    De qualquer modo, a questo de saber se os tratados que compemo organon so ou no tratados de lgica, apesar de inevitvel, um pouco anacrnica, pois foi o organon que determinou aquiloque durante muito tempo se entendeu como sendo a lgica.o organon uma ColECO de cinco tratados que, apesar de terem

    evidentes relaes entre si e de, por vezes, se referirem unsaos outros, no obedecem a um plano ordenado de conjunto. Alis, muito provvel que os tratados que o compoem tenham sidoescritos em datas bastante diferentes e que a ordem pela qualforam escritos no corresponda quela com que foram editados.no se sabe ao certo quem ter sido o responsvel pela reuniodestes tratados numa nica ColECO, mas o sentido com que foirealizada parece ser-nos indicado pela palavra organon, cujosignificado instrumento. Alm disso, um comentador antigodas obras de Aristteles explica que a lgica ocupa nafilosofia o lugar de um instrumento (organon) (Alexandre, iTap., 74.29). Isto significa que os tratados do organonconstituem um estudo cujo estatuto diferente do dos outrosestudos filosficos. os conhecimentos facultados pela lgica soutilizados por todas as outras disciplinas filosficas e, porisso, so por elas pressupostos. De acordo com isto, Aristtelesafirma na Metafsica que necessrio conhecer os analticosantes de abordar qualquer cincia (1105b4-5). o conhecimento dalgica seria, portanto, uma condio ou um requisito prvio parainiciar o estudo de qualquer disciplina filosfica.os tratados que compoem o organon so cinco, e a sua ordem aseguinte: 1. Categorias, 2. De Interpretatione, 3. AnalticosAnteriores, 4. Analtic.os Posteriores, 5. Tpicos.

    Prlogo

    nos Analticos Anteriores que se encontra exposta aquela que a principal contribuio de Aristteles para a investigaolgica- a teoria do silogismo. Um silogismo, diz Aristteles, um discurso no qual, sendo assumidas certas coisas, algumacoisa diferente delas resulta necessariamente do facto de elasserem tais (24bl9-20). Esta definio muito geral e, porisso, pode dizer-se que abrange toda e qualquer infernciavlida, isto , qualquer argumento no qual, a partir de certas

    premissas (qualquer que seja a sua forma e nmero), se segue umaconcluso que uma sua consequncia necessria. Uma concluso uma consequncia necessria das premissas quando, se aspremissas so verdadeiras, a concluso tem de ser tambmverdadeira. o objectivo de Aristteles ento, nos AnalticosAnteriores, estabelecer por que meios, quando e como que soefectuados todos os silogismos (25b26-27). o projecto ambicioso, pois implicaria desenvolver um sistema no qual todas

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    as inferncias vlidas, sem excepo, pudessem ser expressas.Uma das principais descobertas de Aristteles foi a de que issos pode ser realizado atravs de um sistema formal, isto , deum sistema no qual se faz completa abstraco do significado dostermos que ocorrem nas diversas inferncias e que, portanto, no

    pressupe qualquer conhecimento acerca do contedo dessasinferncias. alis este seu carcter formal que toma o sistemalgico utilizvel por todas as disciplinas filosficas, qualquerque seja o seu objecto de estudo.outro aspecto importante na silogstica aristotlica adistino entre inferncias pel feitas e imperfeitas. Umainferncia perfeita quando a sua validade imediatamenteevidente, isto , quando no preciso mais nenhuma premissaalm das que so expressas para tornar evidente que a concluso uma sua consequncia necessria. Aristteles consideraperfeitas as seguintes inferncias:

    TodooAB TodooABTodo o B C Nenhum B C

    Logo Todo o A C Nenhum A C

    Algum A B Algum A BTodooBC NenhumBC

    Logo Algum A C Algum A no CAs inferncias imperfeitas so aquelas cuja validade no imediatamente evidente, sendo preciso acrescentar uma ou maispremissas (que, na realidade, so consequncias necessrias daspremissas expressas) para tornar evidente que a conclusoresulta necessariamente das premissas. Esta definio mostra queAristteles considera que todas as inferncias imperfeitas podemser tornadas perfeitas, ou seja, que todas elas soperfectveis. ora, uma vez que, para Aristteles, as infernciasperfeitas so as quatro que mencionmos, e que todas asinferncias vlidas so ou perfeitas ou imperfeitas, issosignifica que todas as inferncias vlidas ou so formalmenteidnticas quelas quatro ou podem ser reduzidas a uma que oseja. Por isso que Aristteles considera que o sistema lgico

    que apresenta suficiente para testar a validade de toda equalquer inferncia, sem excepo.Na realidade, ao fazer este juzo, Aristteles sobrestima oresultado que atingiu. Existem muitas inferncias vlidas queno podem ser expressas pelo seu sistema silogstico e que, deacordo com ele, teriam de ser declaradas invlidas. Todavia, asua tentativa foi de uma enorme importncia histrica.Sobretudo, se tivermos em considerao que, por um lado, como

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    ele prprio diz, se tratou de uma investigao para a qual nopde apoiar-se em nenhuns resultados anteriores (cf. RefutaesSofstic.as, 183bl5-184b8) e que, por outro lado, a silogsticaaristotlica uma das teorias com maior longevidade na histriada cincia, pois, apesar de ter sido objecto de sucessivas

    correces e melhoramentos, o seu lugar de paradigma dos estudoslgicos s foi seriamente posto em dvida a partir do final dosculo XIX.

    o que levou Aristteles a ocupar-se do silogismo foi o seuinteresse pela cincia. os Analticos Posteriores seriam hojeclassificados como um tratado de epistemologia. Possuem, emcomum com os Analticos Anteriores, um mesmo carcter formal:abstraindo do objecto de estudo das diversas cincias,procura-se analisar a forma comum a todas elas, isto , a formado conhecimento cientfico. Essa forma a demonstrao. o quedefine o conhecimento cientfico ser um conhecimentodemonstrativo e, por isso, o objectivo dos Analtic.osPosteriores apresentar uma teoria da demonstrao. ora, toda ademonstrao um silogismo, embora nem todo o silogismo sejauma demonstrao. Por isso que se tornava necessrio, antes deestudar a demonstrao, realizar um estudo mais geral sobre osilogismo.Nem toda a inferncia vlida produz conhecimento cientfico.Aristteles considera que o conhecimento cientfico de uma coisaobedece

    14

    IntroduCt

    a duas condies principais: por um lado, temos de conhecer arazo de ser dessa coisa e, por outro, temos de reconhecer queessa coisa no pode ser diferente do que . A relao entre acoisa conhecida e a sua razo de ser corresponde relao, numainferncia, entre a concluso e as premissas. Mas, para poderconstituir um conhecimento cientfico, esta relao tem de sermais forte do que a da simples validade. Por isso, o silogismodemonstrativo uma inferncia que, alm de ser vlida, obedece

    a condies suplementares, que dizem sobretudo respeito natureza das premissas.As premissas de uma demonstrao tm de ser verdadeiras. Estacondio ilustra bem a diferena que h entre demonstrao einferncia vlida. Uma inferncia pode ser vlida tendopremissas falsas; e, alm disso, possvel, partindo depremissas falsas, inferir validamente uma concluso verdadeira.Mas uma inferncia que conclui uma verdade a partir de premissas

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    falsas no pode ser considerada uma demonstrao, pois a razoou explicao que apresenta para essa verdade falsa. Contudo, necessrio que as premissas sejam no s verdadeiras, mastambm verdadeiramente explanatrias da concluso. Sepretendemos demonstrar que todos os objectos de uma certa classe

    A possuem uma propriedade B, temos de apoiar-nos em premissasque digam, acerca de A e B, no apenas coisas verdadeiras, mas averdadeira razo (C) por que todos os A possuem a propriedade B.Relacionada com esta encontra-se uma outra condio: aspremissas de uma demonstrao tm de ser melhor conhecidas doque a concluso. Pois se, por hiptese, por serem C que todosos A so tambm B, s teremos conhecimento demonstrativo dessefacto quando a ordem do nosso conhecimento for idntica ordemda prpria realidade. ou seja, uma vez que a relao A-C acausa da relao A-B, o nosso conhecimento s ser demonstrativoe cientfico quando o conhecimento que temos da relao A-C fortambm a causa de conhecermos a relao A-B. Aquilo que anterior na realidade tem de tomar-se tambm anterior no nossoconhecimento. As verdades anteriores so, segundo Aristteles,as mais universais. ora, no por elas que, geneticamente,comea o nosso conhecimento. Todavia, uma vez conhecidas, elasdevero tornar-se primeiras no nosso conhecimento, isto , aoconhec-las devemos compreender que delas que dependem osconhecimentos que j possuamos e no o inverso.Esta diferena entre a ordem pela qual os conhecimentos sodescobertos e a ordem pela qual so demonstrados mostra que ascincias spodem atingir uma forma demonstrativa num estdio avanado do seudesenvolvimento, quando se encontra j adquirido um corporelativamente completo de conhecimentos.Se todos os nossos conhecimentos dependem das verdadesprimeiras, de que que, por sua vez, dependem estas? o nossoconhecimento acerca da natureza, para tornar-se cientfico, temde ser demonstrado a partir das verdades primeiras, isto , dosprincpios bsicos. o conhecimento destes princpios oproblema com que terminam os Analticos Posteriores. Estesprincpios, uma vez que so bsicos, no podem ser demonstrados(pois no h princpios anteriores a eles que Lhes possam servirde premissas). Por isso, a derradeira condio de uma

    demonstrao que as suas premissas sejam ou indemonstrveis oudemonstradas a partir de premissas indemonstrveis. Aindemonstrabilidade dos princpios de todo o conhecimentocientfico dever resultar, por um lado, de serem imediatamenteinteligveis e, por outro, de expressarem realidadesabsolutamente primeiras, que, sendo causas de todas as outrascoisas, no so elas prprias causadas por nada.

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    Nem todo o silogismo, como vimos, uma demonstrao. NosTpicos analisado o silogismo dialctico, que se define porser um tipo de inferncia cujas premissas so opinies aceitesou por toda a gente ou pela maioria ou pelos homens reconhecidoscomo mais sabedores. o objectivo do tratado ensinar a

    raciocinar e argumentar, a partir deste tipo de opinies, acercade qualquer assunto que se nos apresente. o argumento dialctico adequado sobretudo para aquele tipo de assuntos acerca dosquais no parece ser possvel nem sequer razovel exigirdemonstraes, como o caso, por exemplo, no domnio da tica eda poltica. Aristteles menciona trs actividades para as quaiso conhecimento do modo dialctico de argumentar pode serespecialmente til: o treino intelectual, as conversas oudiscusses casuais e as cincias filosficas. No que respeita aestas ltimas, sublinhada a necessidade de os princpios decada cincia (uma vez que no podem, como vimos, serdemonstrados) serem discutidos dialecticamente. A discussodialctica sempre determinada pelo carcter particular dointerlocutor que se tem pela frente. os Tpicos propoempreceitos para guiar a prtica corrente de discusses pblicas,efectuadas segundo o esquema de pergunta e resposta, cuja melhorilustrao se encontra porventura nos dilogos socrticos.o ttulo do tratado derivado de uma palavra cuja traduoliteral lugares, mas cujo significado corrente o delugares-comuns, ou

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    seja, padres de argumentao que podem ser usados na discussode qualquer assunto. Efectivamente, a maior parte do tratado preenchida com uma extensa enumerao dessas formasargumentativas. o tratado termina com um apndice Sobre asRefutaes Sofsticas, que constitui um estudo dos principaistipos de paralogismos (ou falcias) - argumentos que, sendoinvlidos, possuem contudo uma enganosa aparncia de validade.

    Apesar de terem sido escritos em perodos provavelmentedistintos e segundo uma ordem que no exactamente conhecida,os principais tratados do organon possuem contudo uma certa

    unidade sistemtica, pois ao estudo geral do silogismo (nosAnalticos Anteriores) segue-se o estudo especfico dos seusprincipais tipos: o silogismo demonstrativo (nos AnalticosPosteriores) e o silogismo dialctico (nos Tpicos). Precedendoestes trs tratados surgem, no organon, dois outros que, com umadimenso bastante mais reduzida, constituiriam uma espcie depreparao para o estudo do silogismo: as Categorias e o DeInterpretatione. A inteno que ter presidido colocao

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    destes dois tratados antes da abordagem do silogismo parece serclara: sendo os silogismos formados a partir de proposies(tais como Todo o homem mortal, Algum homem no grego,etc.) e as proposies constitudas por um relao entre termos(tais como homem, mortal, grego, etc.), deve ter parecido

    necessrio inserir antes dos Analticos um estudo dasproposies (o De Interpretatione) e, antes deste, um estudo dostermos (as Categorias).De facto, a anlise das proposies efectuada no DeInterpretatione um dos elementos que torna possvel aformalizao do sistema silogstico dos Analticos Anteriores.Comeando por definir proposio como uma frase que pode serverdadeira ou falsa, Aristteles examina em seguida as diversaspropriedades possveis das proposies (afirmativas, negativas,universais, particulares, etc.), obtendo assim uma classificaodos seus diferentes tipos. Esta classificao permite entoanalisar as relaes existentes entre as diversas espcies deproposies. Aristteles interessa-se especialmente pelasrelaes de oposio, distinguindo dois tipos principais deoposio - a contradio e a contrariedade. Duas proposies socontraditrias quando uma tem de ser verdadeira e a outra falsa(como, por exemplo, as proposies Todo o homem branco eAlgum homem no branco), enquanto as proposies contrriasso aquelas que, no podendo ser ambas verdadeiras, podemcontudo ser ambas falsasCategorias

    (como, por exemplo, as proposies Todo o homem branco eNenhum homem branco). os exemplos com que Aristtelesilustra a sua anlise so geralmente proposies assertricasacerca de factos presentes. Todavia, o De Interpretationeocupa-se tambm das proposies acerca do passado e do futuro e,alm disso, das proposies acerca do possvel e do necessrio(conhecidas como proposies modais).

    As proposies simples afirmam ou negam alguma coisa de algumacoisa. Aquilo que afirmado ou negado constitui o predicado,enquanto aquilo de que o predicado afirmado ou negadoconstitui o sujeito da proposio. o sujeito e o predicado so

    ento os termos que compoem a proposio simples. Pensou-sefrequentemente que as Categorias seriam um estudo dos termos apartir de cuja combinao as proposies so formadas. Estaideia era confirmada, em primeiro lugar, pelo facto de a obraanteceder o De Interpretatione (que analisa as proposies eque, por sua vez, antecede a anlise dos silogismos), mastambm, em grande medida, pelo seu prprio ttulo. De facto,categoria a transliterao de uma palavra grega que

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    significa predicado, de modo que, a fazer f no seu ttulo, asCategorias seriam uma obra acerca dos predicados. obviamente,isto levantava a questo de saber por que que, aparentemente,seriam excludos de considerao os sujeitos. Mas esta questopodia ser facilmente respondida, mostrando que aquilo a que em

    sentido mais estrito se chama as categorias (a lista de dezcategorias apresentada no cap. 4 da obra) so, no predicadosquaisquer, mas os predicados ltimos de todos os termos(sujeitos e predicados) possveis. Simplesmente, nem a inclusodas Categorias no organon nem a escolha do seu ttulo so daresponsabilidade de Aristteles. Pelo contrrio, a conjunodestas duas opes indicia uma interpretao (de quem tenha sidoo seu editor) que no suportada pelo contedo da obra.Efectivamente, aquilo de que Aristteles primariamente se ocupanas Categorias no so as palavras ou expresses que constituemos termos das proposies, mas antes as coisas existentes. oobjecto de que trata a obra , em primeiro lugar, o que existe.Aristteles no pretende fazer uma enumerao completa de tudo oque existe, pois isso seria, evidentemente, uma tarefainterminvel e pouco proveitosa. o seu objectivo antes o deelaborar uma classificao, to completa quanto possvel, dostipos de coisas que existem, agrupando-as em espcies eintegrando estas espcies em gneros, at chegar determinaodos gneros supremos. Estes gneros supremos sero no sdiferentes uns dos outros ma.

    1

    tambm irredutveis, isto , tais que no haja nenhum gnerosuperior de cuja diviso eles resultem. A lista de dezcategorias apresentada por Aristteles pretende serprecisamente o resultado desta classificao: so determinadosdez gneros supremos, de tal modo que cada coisa que existedever pertencer a um deles. o principal interesse destaclassificao reside em permitir, uma vez determinados osgneros supremos, analisar as propriedades de cada um deles e assuas possveis relaes.Na antiguidade, alm do ttulo Categorias, eram atribudos mesma obra outros ttulos alternativos. Entre estes,

    encontrava-se o ttulo Sobre os Gneros de Ser, o qual seriatalvez mais adequado ao contedo da obra do que aquele queacabou por ser adoptado.As Categorias no constituem, portanto, um estudo lingustico,nem sequer um estudo lgico, devendo antes ser consideradas comopertencendo ao domnio da metafsica. Alis, precisamente aMetafsica a outra obra de Aristteles com a qual as Categoriaspossuem maior afinidade (embora aquela apresente um nvel de

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    elaborao muito superior). Isto no significa que a teoria aexposta no possua consequncias para outro tipo de estudos, nemimpede que haja nela frequente recurso a consideraes decarcter lingustico. Mas, para compreender o papel que alinguagem e as consideraes lingusticas desempenham nas

    Categorias, necessrio obter, primeiro, uma viso de conjuntoda obra, identificando os seus principais temas e o tipo demetodologia por ela adoptado, o que faremos na seco seguinte.

    ARISTTELES: As Categorias

    ARISTTELES: CATEGORIAS: A estrutura da obra

    Tal como chegaram at ns, as Categorias so uma obra num nicolivro, dividido em 15 captulos. No entanto, parece muitoprovvel que a obra tenha resultado da juno de dois textosoriginalmente independentes: por um lado, os caps. 1-9, queconstituem o tratado original sobre os mais elevados gneros deser ou categorias, o qual se encontra incompleto; e, poroutro, os caps. lO-15, que compoem um texto a que falta unidade,ondeso analisadas uma srie de noes (oposio, anterioridade,simultaneidade, etc.), mas sem que esta anlise siga um fiocondutor ou qualquer ordem lgica. A passagem 1 lblO-16, queprocura fazer a transio entre os dois textos, dever ter sidoinserida pelo editor responsvel pela sua juno.

    1 ()os tratados aristotlicos costumam comear com uma introduo,onde se explica o tema e o objectivo da investigao, seapresenta o plano e tambm o mtodo a seguir. Nada disto seencontra nas Categorias, que comeam de imediato com a exposiode certos conceitos, sem o devido enquadramento. Por outro lado, tambm habitual em Aristteles que o tratamento de um temaseja antecedido por uma reviso crtica das posies que foramdefendidas por pensadores anteriores. ora, no s isto noocorre nas Categorias, como no h, em todo o texto, nenhumameno a perspectivas - diferentes ou concordantes - de outrosfilsofos.

    Embora incompleto, o texto dos caps. 1-9 possui uma unidadeevidente. o seu ncleo estruturador encontra-se no cap. 4, onde apresentada a lista das dez categorias: substncia,quantidade, qualidade, relao, lugar, tempo, posio, posse,aco e paixo (estas so as designaes tradicionais, mas noas que Aristteles efectivamente utiliza). A esta enumerao dascategorias segue-se, nos captulos seguintes, a anlisedetalhada de cada uma delas. o cap. 5 trata da substncia, o

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    cap. 6 da quantidade, o cap. 7 da relao (mais exactamente: dosrelativos) e o cap. 8 da qualidade. o texto deveria continuarcom o tratamento das restantes seis categorias, mas, em vezdisso, o cap. 9 d incio a uma exposio sobre as duas ltimasda lista (aco e paixo) e subitamente interrompido, ao fim

    de poucas linhas, em l l b8. os trs captulos iniciais, dereduzida extenso, contm uma apresentao preliminar de certasnoes cuja importncia s posteriormente se torna evidente. ocap. I expe as noes de homonmia, sinonmia e paronmia. ocap. 2 distingue expresses simples de expresses complexas eintroduz as noes de predicao e inerncia, atravs das quaisse obtm uma classificao das coisas existentes em quatrogrupos. E o cap. 3 estabelece a transitividade da relao depredicao e introduz a noo de diferena.os caps. 10-15 funcionam como uma espcie de apndice dasCategorias. Devido a isso, os opostos (caps. 10-11), o anterior(cap. 12), o simultneo (cap. 13), a mudana (cap. 14) e o ter(cap. 15) foram denominados pela tradio ps-predicamentos.Aristteles distingue e caracteriza quatro gneros de oposio:entre relativos, entre contrrios, entre privao e posse, eentre afirmao e negao. Dos diversos sentidos deanterioridade e simultaneidade, aquele que Aristteles consideraser o mais prprio o sentido temporal. Alm deste, h contudooutros que possuem especial importncia: dadas duas coisas A eB, se A pode existir sem B, mas B no pode existir sem A, A anterior a B; se nenhuma delas pode existir sem a outra, mas A causa da existncia de B, ento A

    (

    introduo

    ainda anterior a B; pelo contrrio, se nenhuma delas podeexistir sem a outra e nenhuma delas causa da existncia daoutra, ento A e B so simultneas. Quanto mudana,Aristteles distingue seis espcies gerao, destruio,aumento, diminuio, alterao e mudana de lugar procuradeterminar o contrrio de cada uma delas. No ltimo captulo,so distinguidos os diversos sentidos do verbo ter.

    ARISTTELES: A primazia das substncias individuais

    Das dez categorias, substncia que cabe o primeiro lugar.Substncia a traduo tradicional de uma palavra que,literalmente, significa realidade ou entidade. As coisas aque Aristteles chama substncias no so as nicas coisasreais, mas so as mais importantes, e por isso que esta

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    designao Lhes atribuda. A distino entre a substncia e asrestantes nove categorias, que uma distino entre o principalgnero de ser e os gneros secundrios, constitui um dos pontoscapitais da teoria aristotlica. Ela efectuada atravs danoo de inerncia (existir num sujeito), introduzida no cap.

    2: todas as coisas que no so substncias (v.g. cores,conhecimentos, tamanhos, etc.) existem em algum sujeito,enquanto as substncias (v.g. homens, rvores e outros seresvivos) no existem em nenhum sujeito. Aristteles procurarprovar no cap. 5 que as substncias, no existindo em nenhumsujeito, so elas prprias os sujeitos em que as no-substnciasexistem. E isto implica que a existncia destas se encontradependente daquelas: porque existem homens que existemconhecimentos, porque existem corpos que existem cores, etc.ora, neste sentido que as restantes nove categorias constituemgneros secundrios de ser.Paralelamente noo de inerncia, tambm introduzida no cap.2 a noo de predicao (ser dito de um sujeito ou serpredicado de um sujeito). Esta noo utilizada sobretudo paradistinguir dois tipos de substncias: as substncias individuaise as substncias universais. Um homem individual (v.g. Scrates)e um cavalo individual (v.g. Relmpago) so ambos substncias e,por isso, sujeitos em que existem cores, conhecimentos,tamanhos, etc. Porm, alm disso, estas duas substnciaspertencem a espcies diferentes de um mesmo gnero, pois oprimeiro um homem e o segundo um cavalo e homens e cavalosso ambos animais. As substncias universais so, ento, asespcies e os gneros a que as substncias individuaispertencem. os gneros predicam-se dasespcies e dos indivduos que Lhes pertencem, as espciespredicam-se somente dos indivduos, enquanto estes no sepredicam de nenhum sujeito. As substncias individuais so,ento, os sujeitos de que todas as substncias universais sepredicam. E, como a predicao uma relao que envolve tambmdependncia ontolgica, Aristteles chama aos indivduossubstncias primeiras e s suas espcies e gnerossubstncias segundas, pois estas s existem porque existemaquelas.As noes de inerncia e predicao, e as correspondentes

    distines entre substncias e no-substncias e entresubstncias primeiras e segundas, as quais envolvem relaes dedependncia ontolgica, permitem ento a Aristteles formularaquela que a principal tese das Categorias: as substnciasprimeiras so sujeitos de todas as outras coisas e, por isso, seno existissem substncias primeiras, nenhuma outra coisapoderia existir.Embora, como referimos, no haja nas Categorias nenhum outro

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    filsofo com quem Aristteles estabelea um dilogo explcito, muito provvel que Plato seja o principal visado por esta tese.De facto, Plato considerava que o principal tipo de realidade(a substncia primeira) seriam as Formas inteligveis, taiscomo o Homem, a Virtude, o Bem, etc., e no os seres individuais

    e sensveis de que elas se predicam. o ser das coisas sensveisser-lhes-ia conferido pela sua participao nas Formas. Emoposio a esta perspectiva, Aristteles argumenta queuniversais como Homem e Animal no constituem coisas singulares(nenhum deles um isto), mas apenas qualificaes. A suaexistncia consiste em serem ditos de muitas coisas e, por isso,no podem subsistir separadamente destas, pois so estas queLhes servem de suporte ontolgico, isto , de sujeito.

    ARISTTELES: A pergunta o que ...?

    Se as substncias individuais so o suporte de todas as outrascoisas, h no entanto dois modos irredutivelmente distintos deestas serem suportadas por aquelas: as outras coisas ou existemnas substncias primeiras ou so ditas delas. Mas qual ocritrio que permite distinguir a predicao da inerncia? Porque que, por exemplo, o homem dito de Clias, mas no existeem Clias, enquanto o conhecimento existe em Clias, mas no dito de Clias? conhecida a importncia que a pergunta o que ...?desempenha nos dilogos socrticos. Neles, Scrates interrogadiversos interlocutores

    2

    Introduo

    acerca da virtude e refuta-os, demonstrando a sua incapacidadepara responder pergunta o que ... (a coragem, a justia, atemperana, etc.)? De acordo com isto, Aristteles diz naMetafsica que Scrates foi o primeiro a ocupar-se dasdefinies (cf. 987bl-4, 1078bl7-30), sendo que a definio precisamente o que a pergunta o que ...? pede como resposta.ora, esta pergunta, que foi crucial para o desenvolvimento da

    filosofia, desempenha tambm uma importante funo nasCategorias e numa sua interpretao que assenta a distinoentre predicao e inerncia.A definio, enquanto resposta pergunta o que ...?, deverser expressa atravs de uma frase predicativa, isto , uma fraseda forma S P (ou simplesmente S P, nos casos em que P um verbo). Todavia, Aristteles considera que nem todas asfrases predicativas que tm S como sujeito so susceptveis de

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    constituir uma definio de S. No cap. 5, dado um exemplosignificativo. Imagine-se que a pergunta o que ...? feitaacerca de um homem - Clias, por exemplo. Aristteles diz entoque, a esta pergunta, pode responder-se Clias (um) homem ouClias (um) animal (o grego no possui artigo indefinido),

    enquanto respostas como Clias branco ou Clias corre jno so aceitveis (cf. 2b3 1-36). Pois, ao dizer que Clias branco, estamos apenas a indicar uma qualidade - a cor branca oua brancura - que ele possui, mas Clias no uma cor nem umaqualidade. E, do mesmo modo, ao dizer que Clias corre, estamosa indicar uma aco - a aco de correr - que ele realiza, masClias no uma aco. Por isso, a brancura e o correr, apesarde serem propriedades ou atributos de Clias, no dizem o queele . So coisas que existem em Clias, mas que no so ditasdele. Pelo contrrio, o homem e o animal so, respectivamente, aespcie e o gnero a que o indivduo Clias pertence e adefinio de uma coisa feita pela indicao da sua espcie oudo seu gnero.No entanto, a brancura pode tambm ser indicada numa resposta pergunta o que ...?, se esta pergunta for feita, no acercade um homem, mas acerca de uma cor. Esta possibilidade estpresente numa importante passagem dos Tpicos (cap. I 9), ondeAristteles introduz as categorias, relacionando-as directamentecom a pergunta o que ...?. Diz ele que a pessoa quesignifica o que uma coisa significa por vezes uma substncia,por vezes uma qualidade e por vezes um dos outros predicados.Pois quando se est a discutir sobre um homem e uma pessoa dizque o que est sob discusso um homem ou que um animal, esta dizer o que e a significar uma substncia; mas quando seest a discutir

    2.uma cor branca e uma pessoa diz que o que est sob discusso um branco ou que uma cor, est a dizer o que e a significaruma qualidade. E, de modo semelhante, se se est a discutir umagrandeza de um cvado e uma pessoa diz que o que est sobdiscusso uma grandeza de um cvado, estar a dizer o que ea significar uma quantidade. E o mesmo se verifica com os outrospredicados. Conclui-se daqui que a pergunta o que ...? pode

    ser feita acerca de diversos tipos de coisas, mas quando feitaacerca de uma substncia a resposta dever indicar tambm umasubstncia, quando feita acerca de uma qualidade a respostadever indicar uma qualidade, e assim por diante. A predicao, portanto, uma relao intracategorial: substnciaspredicam-se de substncias, qualidades de qualidades, etc.Aristteles sublinha este ponto quando diz que cada uma destascoisas, se dita acerca de si mesma ou se o seu gnero dito

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    acerca dela, significa o que . Mas, de seguida, Aristtelesreconhece outra possibilidade, que corresponde antes relaointercategorial de inerncia: mas quando ela dita acerca deuma outra coisa, no significa o que , mas sim uma quantidadeou uma qualidade ou algum dos outros predicados. ou seja, se os

    predicados branco e de um cvado t`orem afirmados, noacerca de uma cor e de uma grandeza, mas acerca de um homem,neste caso j no significaro o que , mas antes uma qualidadee uma quantidade desse homem - coisas que existem nele, mas nose predicam dele.

    ARISTTELES: Sinonmia, homonmia e paronmia

    A distino entre sinonmia e homonmia compreende-se facilmenteem ligao com a pergunta o que ...?. Efectivamente, sempreque a pergunta o que ...? feita acerca de um gnero G, adefinio que da resulta dever ser predicvel de tudo aquilode que o nome G se predica. ora, isto implica que todas ascoisas que pertencem a esse gnero sero sinnimas, pois possuemem comum um mesmo nome e a mesma definio. o que se passa,por exemplo, com tudo o que pertence ao gnero animal: o nomeanimal e a definio de animal (seja, por exemplo, ser vivodotado de percepo) predicam-se de todas as espcies eindivduos que pertencem ao gnero animal, sejam eles homens,cavalos ou ces.Todavia, existem casos em que isto no se verifica. Se, porexemplo, pergunta o que o lils? for dada como respostauma flor, esta definio no ser predicvel de tudo aquilo deque o nome lils se predica, pois lils tambm o nome deuma cor. Este um caso de homonmia, em que flores e corespossuem o mesmo nome, mas no admitem a mesma definio. Ahomonmia uma situao excepcional, mas a sua identificao importante, pois revela a necessidade de, antes de perguntar oque G?, examinar se o nome G tem ou no sentidosdiferentes. no prolongamento desta ideia que Aristtelesafirma na Metafsica que procurar os elementos dos seres, semdistinguir os diversos sentidos segundo os quais eles sochamados seres, no pode resultar em nenhuma descoberta(992bl8-19). Por isso, a investigao acerca do ser tem de ser

    precedida por uma anlise dos seus diferentes sentidos, poisanimais, cores, grandezas, conhecimentos, aces, etc., sotodos eles seres, mas no no mesmo sentido - uns sosubstncias, outros qualidades, outros quantidades, etc.As diversas coisas que pertencem a um mesmo gnero ou a umamesma espcie so, portanto, sinnimas. Mas a sinonmiaverifica-se tambm entre cada coisa e a espcie ou o gnero aque pertence, pois estes so ditos dela e Aristteles afirma, em

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    2al9-21, que o nome e a definio das coisas que so ditas deum sujeito predicam-se necessariamente do sujeito. Assim, seuma coisa P se predica de um sujeito S, o nome e a definio deP, que se predicam de P, predicam-se tambm de S e, portanto, Se P sero coisas sinnimas. Por exemplo: animal predica-se de

    homem e o nome e a definio de animal predicam-se tanto deanimal como de homem, pelo que estes so sinnimos. Isto mostraque a sinonmia uma propriedade necessria da relaopredicativa.Mas se a predicao sempre sinonmica, a inerncia, pelocontrrio, nunca o . Quando uma coisa P existe num sujeito S,no nunca o caso de o nome e a definio de P se predicarem deS (cf. 2a27-3 1). Por exemplo, a coragem existe em Clias, masnem o nome coragem nem a definio uma virtude se podempredicar de Clias. A sinonmia fornece, ento, um teste paradistinguir a predicao da inerncia. Quando a relao entre S eP de predicao, S ser tudo o que P (v.g. se o homem umanimal e o animal um ser vivo, ento o homem tambm um servivo); mas quando a relao entre S e P de inerncia, S noser nunca o que P (v.g. a coragem existe no homem e a coragem uma virtude, mas o homem no uma virtude).A inerncia acompanhada, na maior parte dos casos, por umarelao paronmica. Vimos que, quando a coragem existe emClias, nem o nome nem a definio de cora em se predicam deClias. Nesse caso, o que sepredica de Clias o nome corajoso e diz-se, ento, queClias e a coragem so parnimos. Pois, em virtude de a coragemexistir nele, Clias recebe dela o nome corajoso, o qualdifere do nome coragem apenas na terminao. Aristteles dirque Clias paronimicamente chamado a partir da coragem (cf.10b9-lO e comparar 3a33-34). Deve porm observar-se que,enquanto a conexo predicao-sinonmia necessria, a conexoinerncia-paronmia apenas a mais frequente, pois admiteexcepes: por exemplo, a virtude existe em Clias e, por isso,Clias chamado bom ou excelente (10b7-9; cf. tambm2a29-34, 10a29-b2).As noes de sinonmia e paronmia mostram a correspondncia queexiste entre as duas modalidades de dependncia de todas asoutras coisas relativamente s substncias primeiras e certas

    propriedades da linguagem.

    ARISTTELES: A caracterizao das diversas categorias

    Nos caps. 5-8, Aristteles examina detalhadamente as categoriasda substncia, da quantidade, dos relativos e da qualidade; ocap. 9 d incio a um exame idntico do fazer e ser afectado.Poderia esperar-se ver a apresentadas as definies de cada um

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    destes gneros de ser. Porm, se a definio de qualquer gnerodeve mencionar o gnero superior a que ele pertence, segue-sedaqui que as categorias no so susceptveis de definio, poiselas so os gneros supremos. Em vez disso, o que Aristtelesapresenta na maior parte dos casos antes uma espcie de

    descrio da natureza de cada categoria, identificando critriosque permitem diferenci-la das restantes. Assim, a afirmao deque substncia [primeira] aquilo que nem dito de algumsujeito nem existe em algum sujeito (2all-13) no possui oestatuto de uma definio em sentido estrito, e o mesmo se passacom a afirmao de que as substncias segundas so as espcies eos gneros a que as substncias primeiras pertencem (cf.2al4-16). Trata-se, em todo o caso, de descries que, aliadasaos frequentes exemplos que as acompanham, so suficientes paraa determinao do seu conceito. o mesmo procedimento adoptadopara os relativos (relativos so aquelas coisas para as quaisser o mesmo que estar de algum modo em relao com algumacoisa, 8a31-32) e tambm para a qualidade (chamo qualidadequilo em virtude do qual as coisas so ditas ser qualificadasde certo modo, 8b25).Alm disso, um outro objectivo de Aristteles na anlise de cadagnero supremo a enumerao dos principais gneros em que elese divide. Assim, em 2b29-3a6, Aristteles argumenta que, almdas substncias primeiras e segundas, no h mais nada a quecaiba o nome de substncia; no cap. 6, divide as quantidadesem discretas e contnuas e, depois de identificar as diversasespcies de cada um destes gneros, afirma (em 5a38-b10) aexaustividade da classificao apresentada; e, no cap. 8,distingue quatro gneros de qualidade (disposies, capacidadesnaturais, qualidades afectivas e figuras), mas admite aincompletude da classificao (cf. I Oa25-26).Na restante anlise, o que Aristteles procura discutir asprincipais caractersticas de cada uma das categorias. Nestadiscusso evidente a preocupao de, ao considerar cadacaracterstica, examinar se ela ocorre em todas as coisas quepertencem categoria sob anlise, ou s a algumas, ou anenhuma; e, no caso de pertencer a todas, Aristteles procuraainda ver se se trata de uma caracterstica exclusiva daquelacategoria ou se, pelo contrrio, comum a outras categorias.

    H, assim, algumas caractersticas que so discutidas em todasas categorias: a questo de saber se tm contrrio e se admitemmais e menos colocada em todas elas. Aristteles mostra uminteresse especial pela determinao da caracterstica prpriade cada categoria.De seguida, apresentamos uma sinopse das caractersticasdiscutidas em cada categoria.Substncia (cap. 5):

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    1. Nenhuma substncia existe num sujeito (3a7-32);2. A predicao das substncias envolve sempre sinonmia(3a33-b9);3. As substncias primeiras so seres singulares, mas as

    substncias segundas no (3b10-23);4. Nenhuma substncia tem contrrio (3b24-32);5. Nenhuma substncia admite mais e menos (3b33-4a9);6. A substncia capaz de, sendo numericamente uma e a mesma,receber contrrios (caracterstica prpria) (4a10-b18).

    Quantidade (cap. 6):

    1. Nenhuma quantidade tem contrrio (5b1 1-6al8);2. Nenhuma quantidade admite mais e menos (6a19-25);3. A quantidade dita igual e no-igual (caractersticaprpria) (6a26-35).Categorias

    Relativos (cap. 7):

    1. Alguns relativos tm contrrio, mas nem todos (6b15-19);2. Alguns relativos admitem mais e menos, mas nem todos(6b19-27);3. Todos os relativos so ditos em relao a correlativos quereciprocam (6b28-7bl4);4. A maior parte dos relativos so simultneos, mas existemexcepes (7b1 5-8al 2).

    Qualidade (cap. 8):

    1. Na maior parte dos casos, a predicao das qualidades envolveparonmia, mas existem excepes (10a27-bl 1);2. Algumas qualidades tm contrrio, mas nem todas (10b12-25);3. Algumas qualificaes admitem mais e menos, mas nem todas(10b26-1 1a14);4. em virtude da qualidade que as coisas so ditas semelhantesou dissemelhantes (caracterstica prpria) (11 a I S - 19) .

    Fazer e ser afectado (cap. 9):

    1. Fazer e ser afectado tm contrrio (I 1b1-4);2. Fazer e ser afectado admitem mais e menos (11 b4-8).

    ARISTTELES: o mtodo dialctico

    o mtodo caracterstico das obras filosficas de Aristteles

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    dialctico e as Categorias confirmam tambm esta regra. o mtododialctico (descrito, nos seus traos gerais, nos Tpicos, I 1-4e lO-12) um mtodo de investigao que toma como ponto departida as opinies ou crenas comuns, ou seja, aquilo queparece a toda a gente ou maioria das pessoas ou ainda aos

    homens reconhecidos como sabedores. Aristteles atribui grandeimportncia a estas crenas comuns, uma vez que elas constituema base a partir da qual o nosso prprio conhecimento pode seraumentado. Pois toda a aquisio de novos conhecimentos seefectua a partir de um conhecimento preexistente (cf. AnalticosPosteriores, 71a1-2) e as crenas comuns so precisamente aquiloque pensamos j saber. Elas constituem aquilo que mais claropara ns, ou que nos mais

    familiar, e por a que qualquer investigao deve comear (cf.v.g. Fsica, 184a 16-21) .Mas, alm disso, estas crenas comuns do frequentemente origema dificuldades ou aporias, cuja resoluo tambm uma dastarefas essnciais do mtodo dialctico. Tais dificuldadesresultam do conflito entre argumentos que, embora paream serigualmente convincentes e igualmente baseados em crenas comuns,sustentam, no entanto, concluses que so contrrias (cf.Tpicos, 145b16-20). Embora haja outras obras de Aristtelesonde o mtodo de resoluo de aporias (tambm chamado mtododiaporemtico) est presente de uma forma bastante maisexplcita do que nas Categorias, tambm aqui existem numerososexemplos da sua utilizao. o caso da passagem final do cap.S, onde, depois de afirmar que a capacidade de recebercontrrios prpria das substncias, Aristteles enfrenta aobjeco de que tambm as opinies e as declaraes so capazesde receber valores de verdade contrrios (cf. 4a21-b18). tambm o caso, no cap. 6, da passagem onde se discute se ouno verdade que nenhuma quantidade tem contrrio; pois grande epequeno, muito e pouco, parecem ser quantidades e tambmcontrrios (cf. Sbl 1-6a1 1 e tambm 6a1 1-15). No cap. 7encontram-se trs exemplos maiores, em trs importantesdiscusses: sobre a reciprocidade (cf. 6b36-7bl4) e asimultaneidade (cf. 7b15-8a12) dos correlativos, e sobre aimpossibilidade de quaisquer substncias serem relativos (cf.

    8a13-b21). Significativamente, o captulo termina com umaobservao sobre a utilidade de analisar cada uma destasdificuldades (cf. 8b21-24). No final do cap. 8 analisada aaporia resultante da incluso dos estados e das disposies nacategoria dos relativos e tambm na da qualidade (cf. 11a20-38).Poderiam acrescentar-se outros exemplos (cf. 3a29-32, 3b10-23,10b30-1 1a5, 13b12-16, 15a17-33), mas estes so sem dvida osmais significativos e fornecem uma ilustrao suficiente de um

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    dos aspectos do mtodo dialctico utilizado por Aristteles nasCategorias.Mas, mais ainda do que a resoluo de aporias, o recurso induo o que sobretudo caracteriza as Categorias. A induo uma forma de argumento dialctico que Aristteles define como a

    passagem das coisas particulares para as universais (cf.Tpicos, I 12). Precisamente porque as coisas particulares soas que se encontram mais prximas da nossa experincia, ainduo uma forma argumentativa bastante acessvel econvincente, que procura fixar a nossa ateno sobre aquilo que,nessa mesma experincia, nos pode conduzir a conhecimentosuniversais. Seria fastidioso fazer uma enumerao dos diversosargumentos indutivos que29ocorrem nas Categorias, to elevado o seu nmero. Qualquerleitor da obra se apercebe de imediato que a maioria dosprincpios nela afirmados como universais so apoiados pelainspeco de um nmero limitado de casos particulares,apresentados como exemplos. Alis, por vezes, Aristtelesutiliza mesmo frmulas do tipo isto evidente pelos casosparticulares que se nos apresentam (2a35-36) ou isto manifesto por induo a partir dos casos particulares(13b36-37). A ttulo ilustrativo, sublinhe-se o carcterclaramente indutivo daquele que talvez o principal argumentodas Categorias: para estabelecer que as substncias primeirasso sujeitos de todas as outras coisas, Aristteles consideradois exemplos - o animal e a cor - e mostra como eles s sepredicam de, ou existem em, outros sujeitos, porque se predicamde, ou existem em, substncias primeiras (cf. 2a34-b5);espera-se ento destes exemplos que tornem evidente que o mesmoacontece em todos os outros casos.o uso que as Categorias fazem da induo possui, contudo, umaparticularidade: as coisas particulares que Lhe servem deponto de partida so, na sua maior parte, exemplos do usolingustico de determinadas expresses. o mtodo das Categoriasno um mtodo de investigao emprica, mas sim dialctica.Por isso, o seu ponto de partida no so as observaesempricas ou os dados da percepo (como acontece, por exemplo,nas obras que tratam de biologia ou de astronomia), mas sim as

    crenas comuns. Simplesmente, neste caso, as crenas comunsem que Aristteles se baseia no so tanto opinies expressaspelas pessoas acerca de diversos assuntos, mas sobretudo a suaprtica lingustica e a estrutura conceptual que nela seencontra implcita (aquilo a que se poderia chamar o saber deque a prpria lngua depositria). Da o constante recurso, aolongo de toda a obra, quilo que dito. Vejamos alguns dosexemplos mais significativos.

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    Para provar que grande e pequeno so relativos, Aristtelesapoia-se no uso que fazemos dos predicados grande e pequeno:se uma coisa fosse dita pequena ou grande por si mesma, nunca amontanha seria dita pequena, enquanto o gro de milho ditogrande (5b20-22). Do mesmo modo, dizemos tambm haver muitos

    homens numa aldeia e poucos em Atenas, embora estes sejam muitomais numerosos (Sb22-24), o que prova que muito e pouco soigualmente relativos. , alis, recorrendo tambm a um critriolingustico que Aristteles descreve os relativos como aquelascoisas que so ditas ser o que so de outras coisas (6a36-37).Pois aquilo em que esta descrio se apoia o facto de apredicao de termos como o dobro, escravo, conhecimento,etc., ter de ser

    3()

    complementada por um genitivo: A o dobro de B, A escravo deB, A tem conhecimento de B, etc. Inversamente, por exemplo, agramtica e a msica no so relativos, pois a gramtica no dita gramtica de alguma coisa, nem a msica, msica de algumacoisa (I 1a27-28).Tambm a distino entre estado e disposio suportada pelouso lingustico: evidente que as pessoas pretendem chamarestados quelas coisas que so mais durveis e mais difceis demudar. Pois, daqueles que no dominam completamente umconhecimento e so fceis de mudar, no se diz que tm umestado, embora estejam certamente em alguma disposio - pior oumelhor - em relao ao conhecimento (9a4-8). E o mesmo severifica com a distino entre qualidade e afeco: Pois nem apessoa que fica vermelha por se envergonhar dita avermelhada,nem a pessoa que empalidece por se atemorizar dita plida, masdiz-se antes que foram afectadas de algum modo. Por conseguinte,chama-se a isto afeces, mas no qualidades (9b30-33).Todos estes exemplos revelam que Aristteles toma a linguagemcomo uma base segura a partir da qual se podem concluirdeterminadas propriedades e caractersticas da prpriarealidade. Quando observa, por exemplo, que se tivermos dedizer quo longa uma aco, determinamo-lo pelo tempo, dizendoque de um ano ou qualquer coisa deste tipo (5b4-6),

    Aristteles no pretende apenas registar um facto lingustico.Ele examina este tipo de factos lingusticos porque consideraque eles revelam importantes propriedades da realidadeextralingustica; neste caso, trata-se de um uso lingustico querevela o facto de as aces no serem por si mesmas quantidades.De modo idntico, o facto de pergunta o que Clias? sepoder responder Clias um homem, mas no Clias branco(cf. 2b31-36), mostra que o homem e o branco so coisas de tipos

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    diferentes.Porm, este procedimento metodolgico foi muitas vezes tomadocomo prova de que as Categorias constituiriam uma investigaoessncialmente lingustica. o principal vcio destainterpretao reside em confundir o mtodo com o objecto. o

    objecto de que tratam as Categorias expressamente nomeado em1a20: as coisas que existem. A funo das consideraeslingusticas a que a obra frequentemente recorre tem de serenquadrada numa compreenso do mtodo dialctico adoptado porAristteles. Ao mesmo tempo, ela pressupe uma determinadaposio filosfica acerca das relaes entre a linguagem e arealidade, entre aspalavras e as coisas. Aristteles considera que, em geral,aquilo que dizemos expressa correctamente o que as coisas so. esta confiana geral nacorreco da linguagem que Lhe permite us-la como forma deacesso realidade, apoiando-se frequentemente em factoslingusticos e usando-os para testar as concluses a que chega.No entanto, o intuito original da investigao alargar o nossoconhecimento acerca das coisas e no das palavras com que assignificamos (embora uma coisa deva muito provavelmente implicara outra).A referida correco da linguagem admite, no entanto, excepes.E, por isso, a confiana nessa mesma correco no exclui anecessidade de vigilncia. Aristteles no se considera obrigadoa aceitar tudo o que a linguagem institui e, por diversas vezes,vemo-lo a argumentar para l da linguagem, corrigindo-a eapontando as suas deficincias. A sua preocupao com ahomonmia (cf. 1a1-6) um claro exemplo disso: trata-se deevitar ser enganado pela frequente equivocidade das palavras.Tambm quando argumenta contra o erro de tratar os universaiscomo seres auto-subsistentes (como constituindo um isto),Aristteles reconhece que esse erro de certo modo induzidopela prpria linguagem (pela forma substantiva como sonomeados) (cf. 3b13-18). Alm disso, so diversas as passagensdas Categorias onde Aristteles se refere a coisas para as quaisno existem nomes (cf. 7a13, 10a32-b2, 12a21-25). E, em 7aS esegs., chega mesmo a propor que, em certos casos, se inventemnomes. Perante tais factos, dificilmente se pode continuar a

    sustentar o carcter essncialmente lingustico da investigaolevada a cabo nas Categorias.

    ARISTTELES: Mtodo de citao

    A referncia a qualquer passagem das obras de Aristtelesfaz-se, por regra, indicando a pgina, a coluna e a linha daedio do texto grego realizada por Immanuel Bekker (Berlim,

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    1831). Assim, por exemplo, com a indicao 3b10 referimo-nos linha 10 da coluna b da pgina 3 dessa edio. So estes osnmeros que aparecem margem da traduo. Assinale-se, porm,que numa traduo a correspondncia do nmero da linha no exacta, mas apenas aproximada (pois cinco linhas no texto grego

    podem resultar em seis ou sete linhas na traduo portuguesa).Alm disso, as obras de Aristteles so habitualmente divididasem livros (embora no seja o caso das Categorias) com diversoscaptulos. A numerao romana usada para os livros e a rabepara os captulos. Assim, por exemplo, Tpicos, IV 3 indica ocaptulo 3 do livro IV dos Tpicos.

    ARISTTELES: CATEGORIAS: o texto

    o texto que serviu de base presente traduo o estabelecidopor L. Minio-Paluello em 1949, com as correces introduzidas em1956 (publicado na coleco oxford Classical Texts, da oxfordUniversity Press).Adoptamos, contudo, as seguintes alteraes propostas por J. L.Ackrill (1963):. em 1b16, ler hetern genn em vez de heterogenn (variantesuportada pelos manuscritos);. omisso das linhas 2b6-6c (que so uma simples repetio de2b3-6);. em 8b18-19, ler ouk anankaion estin eidenai hrismens emvez de ouk estin eidenai hrismens (conjectura de Ackrill).Categorias

    Traduo de RiCardo SantosARISTTELES: Categorias

    Captulo 1

    Chamam-se homnimas as coisas que s tm o nome em comum, laenquanto a definio do ser que corresponde ao nome diferente.Assim, por exemplo, um homem e um desenho so ambos animais l).Mas eles s tm o nome em comum, enquanto a definio do ser quecorresponde ao nome diferente; pois se tivermos de dizer o que para cada um deles ser um animal, daremos uma definio

    diferente para cada um.Chamam-se sinnimas as coisas que tm o nome em comum e em que adefinio do ser que corresponde ao nome a mesma. Assim, porexemplo, um homem e um boi so ambos animais. Cada um deles chamado pelo nome comum animal, e a definio do ser amesma; pois se tivermos de dizer qual a definio de cada um -o que para cada um deles ser um animal -, daremos a mesmadefinio.

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    Chamam-se parnimas as coisas que recebem o seu nome de algumaoutra coisa, com uma diferena de terminao. Assim, porexemplo, o gramtico recebe o seu nome da gramtica e o corajosorecebe onome da coragem.

    (1) o exemplo dado por Aristteles no funciona em portugus,porque a palavra grega que traduzimos por animal tantosignifica (a) animal como (b) figura ou imagem artstica; porisso, ela tanto pode ser aplicada a um homem (no primeirosentido) como a um desenho (no segundo sentido).

    Categorias

    1r

    Captulo 2

    Das expresses que dizemos, umas so ditas por combinaoe outras

    so-no sem combinao. As que so ditas por combinao so,por exemplo, o homem corre, o homem vence; as que o so semcombinao

    so, por exemplo, homem, boi, corre, vence.20 Das coisas que existem, [1] umas so ditas de algumsujeito, mas no

    existem em nenhum sujeito. Por exemplo, homem dito de umsujeito, a

    saber, de um certo homem, mas no existe em nenhum sujeito.[2] outras

    existem num sujeito, mas no so ditas de nenhum sujeito(com num

    sujeito quero dizer aquilo que existe em alguma coisa, nocomo uma sua25 parte, e que no pode existir separadamente daquilo em queexiste). Por

    exemplo, um certo conhecimento gramatical existe numsujeito, a saber, na

    alma, mas no dito de nenhum sujeito; e um certo brancoexiste num

    sujeito, a saber, no corpo (pois toda a cor existe numcorpo), mas no dito1b de nenhum sujeito. [3] outras so ditas de um sujeito eexistem num sujeito.

    Por exemplo, o conhecimento existe num sujeito, a saber, naalma, e dito de

    um sujeito, a saber, da gramtica. [4] outras ainda nemexistem num sujeito

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    nem so ditas de um sujeito. Por exemplo, um certo homem ouum certo5 cavalo; pois nenhum destes existe num sujeito nem dito deum sujeito. Em

    geral, as coisas individuais e numericamente umas no so

    nunca ditas de umsujeito, mas nada impede que algumas existam num sujeito;pois um certo

    conhecimento gramatical algo que existe num sujeito.

    Captulo 3

    10 Sempre que uma coisa se predica de uma outra como de umsujeito,todas as coisas que so ditas daquilo que predicado serotambm ditas

    do sujeito. Por exemplo, homem predica-se de um certo homeme animal

    predica-se de homem e, por isso, animal predicar-se-tambm de ums certo homem; pois um certo homem um homem e tambm umanimal.

    As diferenas de gneros distintos(2) e no subordinadosuns aos outros

    so elas tambm de tipos distintos. Por exemplo, animal econhecimento:

    pedestre, voador, aqutico e bpede so diferenas deanimal, mas nenhuma

    delas uma diferena de conhecimento; pois um conhecimentono difere

    de outro conhecimento por ser bpede. No entanto, nadaimpede que as dife-

    (2) Adoptamos a leitura hetern genon, em vez deheterogenon (1 b16).

    38

    1b

    renas de gneros subordinados uns aos outros sejam as mesmas;pois os mais elevados predicam-se dos gneros abaixo deles, demodo que todas as diferenas do gnero predicado sero tambmdiferenas do sujeito.

    Captulo 4

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    Das expresses que so ditas sem qualquer combinao, cada umasignifica ou uma substncia, ou uma quantidade, ou umaqualificao, ou um relativo, ou onde, ou quando, ou estar numaposio, ou ter, ou fazer, ou ser afectado. Para dar apenas umaideia, uma substncia , por exemplo: homem, cavalo; uma

    quantidade: de dois cvados, de trs cvados; umaqualificao: branco, gramatical; um relativo: o dobro,metade, maior; onde: no Liceu, na praa; quando:ontem, o ano passado; estar numa posio: est deitado,est sentado; ter: est calado, est armado; fazer:cortar, queimar; ser afectado: ser cortado, ser queimado.Nenhuma destas expresses dita por si mesma uma afirmao, mas antes pela combinao de umas com as outras que se produz umaafirmao. Pois toda a afirmao parece ser ou verdadeira oufalsa; mas nenhuma das expresses que so ditas sem qualquercombinao (como, por exemplo, homem, branco, corre,vence) verdadeira ou falsa.

    Captulo 5

    Substncia - aquilo a que chamamos substncia de modo maisprprio, primeiro e principal - aquilo que nem dito de algumsujeito nem existe em algum sujeito, como, por exemplo, um certohomem ou um certo cavalo. Chamam-se substncias segundas asespcies a que as coisas primeiramente chamadas substnciaspertencem e tambm os gneros dessas espcies. Por exemplo, umcerto homem pertence espcie homem, e animal o gnero daespcie; por conseguinte, homem e animal so chamadossubstncias segundas. evidente, pelo que foi dito antes, que o nome e a definiodas coisas que so ditas de um sujeito se predicamnecessariamente do sujeito. Por exemplo, homem dito de umsujeito, a saber, de um certo homem, e claro que o nome sepredica (pois predicars homem de um certo homem); e adefinio de homem predicar-se- de um certo homem (pois um certo

    10

    o

    s homem tambm um homem). De modo que tanto o nome como adefinio predicar-se-ao do sujeito. Mas quanto s coisas queexistem num sujeito, na maioria dos casos, nem o nome nem adefinio se predica do sujeito. Em alguns casos, nada impedeque o nome se predique do sujeito, mas, quanto 30 definio, isso impossvel. Por exemplo, o branco,existindo num sujeito, a saber, no corpo, predica-se do sujeito(pois um corpo dito branco); mas a definio de branco jamais

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    se predicar do corpo.Todas as outras coisas ou so ditas das substncias primeirascomo de35 sujeitos ou existem nelas como em sujeitos. Isto evidentepelos casos particulares que se nos apresentam. Por exemplo,

    animal predica-se do homem e, portanto, tambm de um certohomem; pois se no se predicasse de nenhum2b dos homens individuais, no seria de todo predicado do homem.Do mesmo modo, a cor existe no corpo e, portanto, tambm numcerto corpo; pois se no existisse em nenhum dos corposindividuais, no poderia de todo existir no corpo. Assim, todasas outras coisas ou so ditas das substncias primeiras s comode sujeitos ou existem nelas como em sujeitos. Por conseguinte,se as substncias primeiras no existissem, nenhuma outra coisapoderia existir.(3'Das substncias segundas, a espcie mais substncia do que ognero, pois est mais prximo da substncia primeira. Pois setivermos de dizer de uma substncia primeira o que ela , sermais informativo e10 mais adequado indicar a espcie do que indicar o gnero. Porexemplo, de um certo homem ser mais informativo dizer que umhomem do que dizer que um animal (pois o primeiro maisprprio de um certo homem, enquanto o segundo mais comum); e,para dizer o que um certa rvore, ser mais informativo dizerque uma rvore do que dizer s que uma planta. Alm disso, porque as substncias primeiras so sujeitos de todas as outrascoisas, e todas as outras coisas ou se predicam delas ou existemnelas, que elas so principalmente chamadas substncias. Mas talcomo as substncias primeiras esto para as outras coisas, assimest tambm a espcie para o gnero (pois a espcie sujeito do20 gnero, uma vez que os gneros se predicam das espcies, masas espcies no se predicam reciprocamente dos gneros). De modoque, tambm por isto, a espcie mais substncia do que ognero.Mas das prprias espcies - daquelas que no so gneros -,nenhuma mais substncia do que outra; pois no mais adequadodizer de um25 certo homem que um homem do que dizer de um certo cavaloque um cavalo. E. do mesmo modo, tambm nenhuma substncia

    primeira mais

    (3) omitimos as linhas 2b6-6c, que so uma repetic,ao.

    ()' h

    substncia do que outra; pois um certo homem no mais

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    substncia do que um certo boi.E ento com razo que, alm das substncias primeiras, asespcies e os gneros so as nicas outras coisas que sochamadas substncias segundas. Pois elas so as nicas, entre ascoisas que se predicam, que revelam a substncia primeira. Pois

    se tivermos de dizer de um certo homem o que ele , seradequado responder indicando a espcie ou o gnero (e maisinformativo faz-lo com homem do que com animal); masindicar qualquer das outras coisas ser deslocado - por exemplo,dizer branco ou corre ou qualquer destas coisas. Deste modo, com razo que estas so as nicas outras coisas que sochamadas substncias. Alm disso, porque as substnciasprimeiras so sujeitos de todas as outras coisas que elas somais propriamente chamadas substncias. Mas tal como assubstncias primeiras esto para todas as outras coisas, assimas espcies e os gneros das substncias primeiras esto paratudo o resto; pois tudo o resto se predica deles. Pois se chamasa um certo homem gramtico, ento tambm chamas gramtico aohomem e ao animal; e do mesmo modo para as outras coisas. comum a todas as substncias no existir num sujeito. Pois asubstncia primeira nem dita de um sujeito nem existe numsujeito. Da mesma maneira, tambm evidente que as substnciassegundas no existem num sujeito. Pois homem dito de umsujeito, a saber, de um certo homem, mas no existe num sujeito(pois o homem no existe num certo homem). E, do mesmo modo,tambm animal dito de um sujeito, a saber, de um certo homem,mas o animal no existe num certo homem. Alm disso, enquantonada impede que o nome das coisas que existem num sujeito sejapor vezes predicado do sujeito, impossvel que a definio oseja. Mas tanto o nome como a definio das substncias segundasse predicam do sujeito; pois predicars a definio de homem deum certo homem, e tambm a definio de animal. Portanto,nenhuma substncia existe num sujeito.Todavia, isto no prprio da substncia, uma vez que tambm adiferena no existe num sujeito. Pois pedestre e bpede soditos de um sujeito, a saber, do homem, mas no existem numsujeito (nem o bpede nem o pedestre existem no homem). E adefinio da diferena predica-se daquilo de que a diferena dita. Por exemplo, se pedestre dito do homem, tambm a

    definio de pedestre se predicar do homem; pois o homem pedestre.o facto de as partes das substncias existirem nos respectivostodoscomo em sujeitos no deve perturbar-nos, nem devemos recear serforados a admitir que elas no so substncias. Pois no foicomo coisas que existem em algo como suas partes que definimosas coisas em um sujeito.

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    10

    la

    1 n1n

    303a

    uma caracterstica das substncias e das diferenas quetudo o que

    chamado a partir delas o seja sinonimicamente. Pois todosos predicados35 formados a partir delas predicam-se ou dos indivduos oudas espcies: a

    partir da substncia primeira no se forma nenhum predicado(uma vez

    que no dita de nenhum sujeito); das substnciassegundas, a espcie

    predica-se do indivduo e o gnero predica-se da espcie edo indivduo;3b e, do mesmo modo, tambm as diferenas se predicam dasespcies e dos

    indivduos. E as substncias primeiras admitem a definiodas espcies e

    a dos gneros, e a espcie admite a do gnero (pois tudo oque ditos daquilo que predicado tambm ser dito do sujeito); domesmo modo,

    tambm as espcies e os indivduos admitem a definio dasdiferenas.

    Mas sinnimas eram precisamente aquelas coisas com o nomeem comum

    e a mesma definio. Portanto, tudo o que chamado apartir das substancias e das diferenas -o sinonimicamente.

    Todas as substncias parecem significar um certo isto. Noque respeita s substncias primeiras, incontestavelmenteverdade que elas

    significam um certo isto; pois a coisa revelada individual e numrica-

    mente uma. Mas, quanto s substncias segundas, emboraparea, pela

    forma como so nomeadas - quando dizemos homem ou

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    animal -,s que significam igualmente um certo isto, isso no defacto verdade. o

    que elas significam antes uma certa qualificao, pois osujeito no

    um como a substncia primeira, mas homem e animal so ditosde muitascoisas. No entanto, no significam simplesmente uma certa

    qualificao,como branco o faz. Pois branco no significa nenhuma

    outra coisa20 seno a qualificao, enquanto a espcie e o gnerodeterminam a qualificao da substncia - significam umasubstncia de um certo tipo. Com

    o gnero, a determinao que feita mais vasta do quecom a espcie,

    pois ao falar de animal abrangemos mais coisas do que aofalar de

    homem.Uma outra caracterstica das substncias no terem

    qualquer contr-25 rio. Pois qual seria o contrrio de uma substnciaprimeira? Um certo

    homem, por exemplo, no tem qualquer contrrio; assim comohomem

    ou animal tambm no tm qualquer contrrio. Contudo, istono prprio da substncia, mas verifica-se tambm a respeitode muitas outras

    coisas, como, por exemplo, da quantidade. Pois dois cvadosno temO qualquer contrrio, nem dez, nem nenhuma destas coisas, ano ser que

    se diga que muito o contrrio de pouco ou que grande ocontrrio de

    pequeno. Mas, ainda assim, nenhuma quantidade definida temqualquer

    contrrio.

    42

    3b

    A substncia, ao que parece, no admite mais e menos. No querodizer com isto que uma substncia no seja mais substncia doque outra (pois foi dito que assim ), mas que cada substnciano dita mais ou menos aquilo que ela . Por exemplo, se estasubstncia um homem, ele no ser mais ou menos homem do que

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    Categorias

    4a

    prpria coisa mudar que o contrrio Lhes advm. Pois a

    declarao de que uma certa pessoa est sentada mantm-se amesma; pela mudana nab prpria coisa que ela se torna ora verdadeira ora falsa. o

    mesmo se passa tambm com as opinies. Portanto, pelo menos omodo como capaz de receber os contrrios - atravs de umamudana em si mesma- seria prprio da substncia, ainda queadmitssemos que as opinies e as declaraes so capazes dereceber contrrios. No entanto, isto no verdade. Pois no por receberem elas mesmas alguma coisa que se diz que asopinies e as declaraes so capazes de receber contrrios, massim pelo que acontece a alguma outra coisa. Pois por a prpriacoisa ser ou no ser que a declarao dita ser verdadeira oufalsa, e no por ela mesma10 ser capaz de receber os contrrios. Na realidade, asdeclaraes e as opinies no so mudadas em nada por nenhumacoisa, de modo que elas no so capazes de receber contrrios,uma vez que nada acontece em si mesmas. Mas a substncia, porreceber ela mesma os contrrios, dita capaz de recebercontrrios. Pois ela recebe doena e sade, brancura e negrura,e porque ela mesma recebe cada uma destas coisas, ela dita sercapaz de receber contrrios. Portanto, prprio da substncia,sendo numericamente uma e a mesma, ser capaz de recebercontrrios. Sobre a substncia, ento, dissemos o suficiente.

    Captulo 6

    20 Das quantidades, umas so discretas e outras contnuas; eumas so

    compostas por partes que tm posio umas em relao soutras,

    enquanto outras no so compostas por partes que tmposio.

    So quantidades discretas, por exemplo, o nmero e alinguagem; so

    quantidades contnuas a linha, a superfcie, o corpo e,alm destas, o25 tempo e o lugar. Pois as partes do nmero no tm nenhumlimite

    comum onde se unam. Se, por exemplo, cinco uma parte dedez, os

    dois cincos no se unem em qualquer limite comum, mas estosepara-

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    dos; nem o trs e o sete se unem em qualquer limite comum.Nem, emo geral, ser possvel encontrar, no caso do nmero, umlimite comum das

    suas partes, mas elas esto sempre separadas. Por isso, o

    nmero umaquantidade discreta. Do mesmo modo, tambm a linguagem uma quantidade discreta (que a linguagem uma quantidade, isso evidente: pois

    ela medida por slabas longas e breves; refiro-me aqui linguagem35 falada). Pois as suas partes no se unem em qualquer limitecomum. Pois

    Ih

    no h nenhum limite comum onde as slabas se unam, mas cada umaest separada em si mesma. A linha, por seu lado, umaquantidade contnua. Pois possvel encontrar um limite comum,a saber, um ponto, onde as suas partes se unem. E, para aspartes da superfcie, uma linha; pois as partes de um planounem-se num certo limite comum. Do mesmo modo, tambm no caso docorpo possvel encontrar um limite comum, a saber, uma linhaou uma superfcie, onde as partes do corpo se unem. E o tempo eo lugar so tambm deste tipo. Pois o tempo presente une-se aotempo passado e ao tempo futuro. E o lugar tambm umaquantidade contnua. Pois as partes de um corpo ocupam um certolugar e unem-se num certo limite comum. Por conseguinte, tambmas partes do lugar, que so ocupadas por cada uma das partes docorpo, se unem no mesmo limite em que se unem as partes docorpo. Portanto, o lugar tambm uma quantidade contnua, poisas suas partes unem-se num limite comum.Alm disso, umas quantidades so compostas por partes que tmposio umas em relao s outras, enquanto outras no socompostas por partes que tm posio. Por exemplo, as partes deuma linha tm posio umas em relao s outras; pois cada umadelas est situada algures, e possvel distingui-las e dizeronde, no plano, cada uma est situada e a qual das restantespartes ela se une. Do mesmo modo, tambm as partes de um plano

    tm uma certa posio; pois igualmente possvel dizer ondecada uma delas est situada, e quais se unem entre si. Everifica-se o mesmo com as partes de um slido, e tambm com asde um lugar. Mas j no caso de um nmero no possvel ver seas partes tm alguma posio umas em relao s outras, ou ondeesto situadas, ou quais das partes se unem entre si. Nem isso possvel com as partes de um tempo. Pois nenhuma parte do tempoperdura; ora, como

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    uma coisa fosse dita pequena ou grande por si mesma, nunca amontanha seria dita pequena, enquanto o gro de milho ditogrande. Dizemos tambm haver muitos homens numa aldeia e poucosem Atenas, embora estes sejam muito mais numerosos; e dizemoshaver

    25 muitos numa casa e poucos num teatro, embora estes sejammuito mais numerosos. Alm disso, dois cvados, trs cvados eoutras coisas deste tipo significam uma quantidade, enquantogrande ou pequeno no significam uma quantidade, mas antes umrelativo. Pois o grande e o pequeno so vistos em relao aoutra coisa. evidente, portanto, que eles so relativos.3() Alm disso, quer os considerem como quantidades, quer osno considerem, eles no tm nenhum contrrio. Pois como queaquilo que nopode ser apreendido por si mesmo, mas somente por referncia aoutracoisa, poderia ter um contrrio'? Alm disso, se grande epequeno fossemcontrrios, da resultaria ser possvel a mesma coisa admitirambos os

    46

    contrrios ao mesmo tempo e as coisas serem o contrrio de simesmas. Pois acontece a mesma coisa ser ao mesmo tempo grande epequena pois pequena em relao a uma coisa, mas, em relao auma outra, esta mesma coisa grande; acontece ento a mesmacoisa ser grande e pequena ao mesmo tempo e, por conseguinte,admitir ambos os contrrios ao mesmo tempo. Mas, ao que parece,no h nada que admita ambos os contrrios ao mesmo tempo. Nocaso de uma substncia, por exemplo, embora parea ser capaz dereceber contrrios, no certamente ao mesmo tempo que ela seencontra doente e saudvel, nem branca e morena ao mesmo tempo,nem h qualquer outra coisa que admita ambos os contrrios aomesmo tempo. E tambm resultaria as coisas serem o contrrio desi mesmas. Pois se grande o contrrio de pequeno e a mesmacoisa ao mesmo tempo grande e pequena, uma coisa seria ocontrrio de si mesma. Mas impossvel uma coisa ser ocontrrio de si mesma. Portanto, grande no o contrrio de

    pequeno, nem muito de pouco. De modo que, mesmo que algum digaque estas coisas no so relativos mas sim quantidades, elas notero qualquer contrrio.Mas principalmente a respeito do lugar que a contrariedadeentre quantidades parece ocorrer. Pois as pessoas consideram emcima o contrrio de em baixo, chamando em baixo regioprxima do centro, devido ao facto de o centro se encontrar maior distncia dos limites do mundo. E parecem derivar a

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    definio dos outros contrrios a partir destes; pois definem oscontrrios como sendo aquelas coisas que, no mesmo gnero, estomais distantes umas das outras.A quantidade no parece admitir mais e menos. Por exemplo, doiscvados: uma coisa no mais de dois cvados do que outra. Nem

    isso acontece no caso do nmero: nenhum trs, por exemplo, dito mais trs do que um cinco, nem nenhum trs dito mais trsdo que outro trs. Nem um tempo dito mais um tempo do queoutro. Nem, em geral, qualquer das quantidades que referimos dita mais e menos. Portanto, a quantidade no admite mais emenos.Mas o que principalmente prprio da quantidade ser ditaigual eno-igual. Pois cada uma das quantidades que referimos ditaigual e no-igual. Um corpo, por exemplo, dito igual eno-igual; um nmero dito igual e no-igual; um tempo ditoigual e no-igual. E verifica-se o mesmo no caso das outrasquantidades que referimos: cada uma delas dita igual eno-igual. Mas nenhuma das restantes coisas - das que no soquantidades - de modo algum, ao que parece, dita igual eno-igual.

    n

    3()categorias

    6aUma disposio, por exemplo, no de modo algum dita igual eno-igual, mas antes semelhante; e um branco no de modo algumigual e no-igual, mas semelhante. Portanto, o queprincipalmente prprio da35 quantidade ser dita igual e no-igual.

    Captulo 7

    Chamam-se relativos todas aquelas coisas que so ditas ser o queso de, ou do que, outras coisas, ou de alguma outra maneira emrelao a outra coisa. Por exemplo, o maior dito o que ele

    do que outra coisa (pois dito maior do que alguma coisa); e odobro dito o que ele de6b outra coisa (pois dito o dobro de alguma coisa); e do mesmomodo com todas as outras coisas deste tipo. So tambmrelativos, por exemplo, as seguintes coisas: estado, disposio,percepo, conhecimento, posio. Pois todas elas so ditas oque so (e no outra coisa) de outras coisas;5 pois um estado dito estado de alguma coisa, um conhecimento,

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    conhecimento de alguma coisa e uma posio, posio de algumacoisa; e os outros do mesmo modo. So ento relativos todasaquelas coisas que so ditas o que elas so de, ou do que,outras coisas, ou de alguma outra maneira em relao a outracoisa. Por exemplo, uma montanha dita grande em relao a

    outra coisa (pois a montanha dita grande em relao a algumacoisa); e o semelhante dito semelhante a alguma coisa; e10 as outras coisas deste tipo so, do mesmo modo, ditas emrelao a alguma coisa.Deitado, levantado e sentado so certas posies, e a posio um relativo. Mas estar deitado, estar levantado ou estar sentadono so eles mesmos posies, mas so paronimicamente chamados apartir das referidas posies.15 Nos relativos h tambm contrariedade. Por exemplo, avirtude ocontrrio do vcio, sendo cada um deles um relativo; e oconhecimento ocontrrio da ignorncia. Mas nem todos os relativos tmcontrrio. Pois odobro no tem contrrio, nem o triplo, nem qualquer destascoisas.2() Parece que os relativos tambm admitem mais e menos. Poissemelhante dito mais e menos, e no-igual dito mais e menos,sendo cadaum deles um relativo (pois o semelhante dito semelhante aalguma coisa25 e o no-igual no-igual a alguma coisa). Mas nem todosadmitem mais e menos. Pois o dobro no dito mais ou menosdobro, nem qualquer destas coisas.

    h

    Todos os relativos so ditos em relao a correlativos quereciprocam. Por exemplo, o escravo dito escravo de um senhor eo senhor dito senhor de um escravo; e o dobro dito dobro deuma metade e a metade dita metade de um dobro; e o maior dito maior do que um menor e o menor dito menor do que ummaior; e o mesmo se verifica nos outros casos. Por vezes, noentanto, haver uma diferena na forma de expresso. Por

    exemplo, o conhecimento dito conhecimento do conhecvel e oconhecvel, conhecvel pelo conhecimento; e a percepo,percepo do perceptvel e o perceptvel, perceptvel pelapercepo.Contudo, por vezes, eles no parecero reciprocar - se, emvirtude de um erro, aquilo em relao ao qual o relativo ditono for adequadamente expresso. Por exemplo, se a asa expressacomo sendo de uma ave, a ave de uma asa no reciproca; pois o

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    que partida foi expresso - a asa de uma ave - no o foiadequadamente. Pois no enquanto ave que a asa dita serdela, mas enquanto alada; pois h muitas outras coisas que tmasas e que no so aves. Portanto, quando adequadamenteexpresso, o correlativo reciproca. Por exemplo, a asa asa de

    um alado e o alado alado com uma asa.Por vezes pode at ser necessrio criar nomes - quando noexiste um nome em relao ao qual o relativo possa seradequadamente expresso. Por exemplo, se o leme expresso comode um barco, a expresso no adequada (pois no enquantobarco que o leme dito ser dele, uma vez que h barcos que notm leme) e por isso no reciproca; pois o barco no ditobarco de um leme. Mas a expresso seria talvez mais adequada seele fosse expresso deste modo: o leme leme de um lemado, oude qualquer outra maneira (pois no existe um nome). E assim jreciproca, por ter sido adequadamente expresso; pois o lemado lemado com um leme. E o mesmo se verifica nos outros casos. Porexemplo, a cabeaseria mais adequadamente expressa como de um cabeado do quese fosse expressa como de um animal. Pois no enquanto animalque ele tem cabea, uma vez que h muitos animais que no tmcabea. Esta talvez a maneira mais fcil de apreender coisaspara as quais no existe nome - se nomes derivados dos primeirosrelativos forem dados aos seus correlativos recprocos, tal comonos casos acima referidos alado foi derivado de asa elemado de leme.Todos os relativos, ento, desde que adequadamente expressos,so ditos em relao a correlativos que reciprocam. Porconseguinte, se um relativo expresso em relao a uma qualquercoisa casual e no em relao quilo mesmo de que ele dito,no h com certeza reciprocidade.

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    1025 Quero com isto dizer que, at com os relativos que soreconhecidamente ditos em relao a correlativos que reciprocam

    e para os quais existem nomes, nenhum reciproca, se for expressoem relao a alguma coisa acidental e no em relao quilomesmo de que ele dito. Se, por exemplo, o escravo expresso,no como de um senhor, mas como de um homem,3() ou de um bpede, ou de qualquer outra coisa deste tipo, noh reciprocidade; pois a expresso no adequada. Alm disso,se aquilo em relao ao qual o relativo dito for adequadamenteexpresso, ento, se forem retiradas todas as outras coisas que

  • 7/30/2019 Livro Categorias - Aristteles

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    so acidentais, deixando apenas aquela em relao qual orelativo foi adequadamente expresso, ele ser sempre35 dito em relao a isso. Por exemplo, se o escravo dito emrelao a um senhor, ento, se forem retiradas todas as coisasque so acidentais ao senhor - como o ser bpede, o ser capaz de

    conhecimento, o ser homem -, deixando apenas o seu ser senhor,sempre o escravo ser dito em relao a ele; pois o escravo dito escravo de um senhor. Por outro lado, se aquilo7b em relao ao qual o relativo dito no for adequadamenteexpresso, ento, se as outras coisas forem retiradas, deixandoapenas aquela em relao qual foi expresso, ele no ser comcerteza dito em relao a isso. Pois expressemos o escravo comosendo de um homem e a asa como5 sendo de uma ave, e retiremos do homem o seu ser senhor: oescravo j no ser dito em relao ao homem, pois no havendosenhor tambm no h escravo. Do mesmo modo, retiremos da ave oser alada: a asa j no ser um relativo, po