274
Os melhores contos de 2015 Contando com

LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

Este livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram

estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de belíssimos

contos de Clarice Lispector.

As narrativas foram criadas em duplas, e as melhores estão publicadas neste livro.

COLÉGIO DANTE ALIGHIERI Alameda Jaú, 1061 - CEP 01420-001 - SP

Tel.: (11) 3179-4400 - Fax: (11) 3289-9365

www.colegiodante.com.br

Conta ndo

Co

nta

nd

o c

om

Cla

ric

e L

isp

ec

tor

Os melhores contos de 2015

20

15

Contando com

Page 2: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de
Page 3: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2

Page 4: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

São Paulo 2015

Os melhores contos de 2015

Colégio Dante Alighieri

Os melhores contos de 2015

Page 5: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de
Page 6: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

5

Não quero ser entendida; quero ser amada

Clarice Lispector

Page 7: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

6

Page 8: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

7

Ideal de VidaClarice Lispector

“Um nome para o que eu sou, importa mui-to pouco. Importa o que eu gostaria de ser.

O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadei-ra chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.

[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procu-ra o que profundamente se sente e usa a pala-vra que o exprima.

É pouco, é muito pouco.”

Page 9: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de
Page 10: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

9

Agradecemos aos Departamentos de Audiovisual, de Editoração/Gráfica, de Marketing e de Tecnologia da Informação pela parceria na execução deste projeto.

Agradecemos especialmente ao Presidente, Dr. José Luiz Farina, e à Diretora-Geral Pedagógica, Profa Silvana

Leporace, a possibilidade da realização desta obra.

Departamentos de Arte, de Língua Portuguesa e de Tecnologia Educacional

Page 11: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

10

Page 12: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

11

Caro(a) aluno(a),

Esperamos que você tenha gostado da experiência e que tenha

percebido a magia que envolve o mundo da ficção. A palavra pode ser

sua aliada por toda a vida. Continue fazendo suas leituras e

lembre-se de que o ato de escrever nos transporta para mundos

maravilhosos onde podemos realizar nossos sonhos mais secretos.

Professoras de Língua Portuguesa

Page 13: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

1212

Page 14: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

13

Este é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. O concurso foi elaborado pelas professoras de Língua

Portuguesa e de Arte em parceria com o departamento de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri.

Todos os alunos dos 9os anos de 2015 participaram desta competição que, neste ano, tem um significado muito especial. Eles foram estimulados a criar seus próprios

textos e a ilustrá-los a partir de contos de Clarice Lispector.

Os contos foram criados de forma colaborativa, em duplas, e os melhores estão publicados neste livro.

Page 15: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

017 | Prefácio: Querida escritora clarice lisPector

022 | amor - clarice lisPector 035 | amor sem limites

037 | ilusões do coração

039 | Nem tão Pobre assim

042 | o brilho No olhar

044 | o Que há deNtro da caixa

047 | PoNto de Partida

50 | Primeiro estraNho amor

53 | susPiro de comPleta satisfação

56 | Velhice e VeNto 62 | feliz aNiVersário - clarice lisPector 78 | hiPocrisia 81 | laços comPlicados

086 | teNtação - clarice lisPector

92 | aiNda há esPeraNça 095 | embarcaNdo Na Vida

14

sum ário

Page 16: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

15

sum ário0 98 | fiQue

101 | NoiVa em chamas

104 | o boNde das duas horas 106 | PlaNeta flamejaNte

109 | uma doce aParição

114 | uma galiNha - clarice lisPectos

118 | o Que tem Para jaNtar? 122 | melhores amigas

125 | o bom filho a casa torNa

128 | Pobre galiNha

132 | ilustraNdo o coNtaNdo

139 | exPressaNdo

156 | clarice lisPector - breVe biografia

160 | colégio daNte alighieri coNtaNdo... 162 | ficha técNica

165 | referêNcias

15

Page 17: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

16

Page 18: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

17

Querida escritora Clarice Lispector

Ouvi sua própria voz dizendo o possível significado de Lispector : Flor de Lis no peito. Poderia haver nome mais significativo? Um nome que a traduz, que desvela seu coração ao leitor, que nos leva para dentro dele quando você escreve sobre almas humanas, benditas, nem tão benditas assim, fortes, fracas, humanas, desumanas...

Lispector. Lis no peito. Além disso, Lis no coração, Lis na alma. A flor de lis é símbolo de honra (que temos ao lê-la) e lealdade (suas obras nos mostram o quanto você é leal aos seres humanos e aos animais...). É também símbolo de pureza de corpo e espírito. Como não vê-la assim? Como olhar para seu rosto e não ver uma leoa lutadora e incansável? Como não enxergar nele o voo da águia, a rainha dos céus, a soberania, a beleza e a imponência de seu ser

Page 19: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

18

e de sua literatura? A águia, símbolo da vida eterna dos egípcios, símbolo de Zeus na mitologia grega, símbolo de renascimento na cultura celta, sugere-nos que você é a nossa águia , maior representante de todos os escritores do Brasil.

Lispector. Lis no peito. Flor de lis, lírio perfeito, branco, perfumado. Você nos olhou a todos, humanos, e nada ficou sem ser trazido à tona e sem ser refletido: desde a literatura infantil, até romances, contos e crônicas que nos puseram à espreita de nós mesmos, que fizeram eclodir nossas verdades nem sempre admitidas, que explodiram nossas falsidades e nos fizeram ter vergonha delas. É o nosso encontro de leitores com os medos, com as hipocrisias, com os valores, com os desrespeitos que muitos rotulam como você mesma escreveu, “a vitória nossa de cada dia”. Por que desaprendemos amar?Por não olharmos as Macabeas nos olhos, por não aprendermos o significado de amar com o professor de Filosofia de “Uma aprendizagem” ou “O livro dos prazeres?”. Por não percebermos as explosões (epifanias) do encontro entre a menina de cabelos vermelhos e o cachorrinho de pelos vermelhos, o encontro da mulher e o cego que mastigava chiclete, a despedida da mãe e da filha, a galinha de domingo, tão protegida, até que um dia “mataram-na e comeram-na e passaram-se anos?”. Ler você não cansa. Só nos faz crescer Porque você

Page 20: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

19

Maria Cleire CordeiroCoordenadora do Depto. de Língua Portuguesa

nos ama a todos, infinitamente.

Lispector. Flor de luz em nossos corações.

Clarice. Haia. Que virou Clarice. “ Quer dizer que você bebe água para não morrer? Pois eu também: escrevo para me manter viva.”

Clarice: flor brilhante. Flor que acende lírios em nossa alma.

Obrigada, Clarice.

Page 21: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2020

Page 22: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

212121

Page 23: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

22

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e

AMOR

Clarice Lispector

22

Page 24: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

23

era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía

23

Page 25: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2424

então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.

O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.

A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar

Page 26: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2525

de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.

A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um

Page 27: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

26

mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.

O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.

Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

26

Page 28: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

27

Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.

Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.

Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.

A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.

Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.

Um movimento leve e íntimo a sobressaltou — voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em

27

Page 29: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

28

novo andar silencioso, desapareceu.

Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.

Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.

Ao mesmo tempo que imaginário — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.

As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo.

28

Page 30: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

29

A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.

Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.

Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.

Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava — que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se tremula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de

29

Page 31: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

30

um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. Q sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.

Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lados que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranquilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo — e que nome se deveria dar a sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar um leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas

30

Page 32: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

31

era uma piedade de leão.Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais

pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.

Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d’água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.

Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.

Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas

31

Page 33: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

32

crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.

Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

— O que foi?! gritou vibrando toda. Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu

entendendo: — Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia

cansado, com olheiras.Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior

atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.

32

Page 34: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

33

— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um

estouro, respondeu ele sorrindo.Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde

alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora

diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.

33

Page 35: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

3434

Page 36: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

35

amor sem limites

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Isabella Verri Medici & Isabella Muniz Monteiro,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 37: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

36

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Um homem alto, de cabelos pretos e com bigode da mesma cor, usando roupas caras e chapéu Panamá, sentou-se ao lado de Ana e começou a observá-la com um olhar vidrado. Tentou puxar conversa com ela sobre como o dia estava e sobre as notícias do jornal. Ana, reservada, tímida e séria, ignorou-o. Como o homem era persistente, continuou sua tentativa. No entanto, Ana o interrompeu no mesmo instante alegando estar concentrada em seus pensamentos, pois sua vida estava complicada.

Finalmente o bonde chegou a seu destino, Ana desceu pensando que caminho seguir. Estava em um bairro não muito visitado, onde moravam pessoas simples e moradores de rua. Avistou um deles sentado em uma escada amarela já quase aos pedaços. Ele tinha cabelos compridos, grisalhos e roupas desgastadas e sujas. Ana, mesmo medrosa, se aproximou do homem, ajoelhou-se, entregou-lhe as roupas que havia trazido, água, comida e, mais que isso, abraçou-o.

— Pai, sinto sua falta, não importa onde você esteja, eu sempre vou te amar. Quando puder, vou te tirar deste lugar.

Page 38: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

37

ilusões do coração

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Laura Frega Ricca Parolin & Maria Luiza Lima Gonçalves Pacheco e Oliveira,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 39: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

38

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Estava prestes a fechar seus olhos devido ao cansaço quando avistou, na extremidade esquerda do bonde, um rapaz. Ele era formoso, elegante e principalmente charmoso.

Ana não conseguia parar de olhar para aquele homem, reparou em sua barba bem feita, cabelos escuros e roupas que aparentavam ser de alta costura. Seus olhares se encontraram.

Ela se sentiu um tanto quanto fragilizada, como se tivesse mergulhado na imensidão de seu olhar. Era um sentimento novo, diferente.

Conforme Ana se aproximava de seu destino, sua fascinação aumentava, porém algo a incomodava, o tempo ia passando e, aos poucos, aquela nítida visão do rapaz ficava mais turva.

O bonde parou. Ana desceu, mas quando decidiu dar uma última olhada pela grande janela do bonde, onde estaria o tal rapaz? Ela não viu nada e percebeu que aquilo era apenas uma miragem de uma simples adolescente que sonhava em viver um grande amor. Nesse pouco tempo, Ana percebeu que um coração vazio é capaz de criar coisas inexplicáveis; essas coisas são bonitas demais para ser verdade, e dolorosas demais para ser mentira.

Page 40: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

39

Nem tão Pobre assim

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Eduardo Ramella & Arnaldo Donardi Marçula,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 41: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

40

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Vida dura. Trabalho difícil. O pouco que ganhava mal a sustentava. Trabalhava muito, era empregada de uma família rica, mas sovina. Agora, no bonde, o peso do trabalho se somava ao do saco de tricô e se apresentava em ondas contínuas de dor. Era um longo caminho até sua casa, assim poderia descansar um pouco.

Havia um outro peso. Um outro passageiro que não pagara bilhete nem ocupava acento. Esse passageiro clandestino era um estalo de luz na vida escura de Ana. Pequeno como um sonho bom. Dedicara muito sangue e trabalho para criar o pequeno. Mãe solteira, teve de fazer várias horas extras para conseguir pagar as despesas geradas pelo novo companheiro.

Eis que uma idosa se aproxima de Ana. Vestia trajes espalhafatosos. Adornada com joias e um cachecol de grife que não combinava com o calor que fazia na cidade. O que uma senhora distinta como aquela fazia ao se aproximar de uma reles empregada? Foi exatamente isso que Ana se perguntou. Num súbito movimento, a senhora perguntou a Ana se ela e seu filho precisavam de alguma coisa. Talvez estivesse perguntando inocentemente, mas Ana conseguiu encontrar um tom de ironia na pergunta. Sentiu-se ofendida:

— E por que estaríamos? — respondeu, ríspida.

— Avistei-a do outro lado do bonde. Pela sua aparência, achei que fosse uma pedinte. Suas roupas estão surradas. Desculpe, enganei-me. Esta adorável criança lhe pertence? - perguntou com um ar de superioridade.

Page 42: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

41

Ana se enfureceu. Não bastava sua patroa arrogante, ainda vinha uma mulher petulante interromper um momento de descanso, para dar palpite em sua vida. Ana respondeu seca:

— Sim, é meu filho. Dei meu suor e tudo o que eu pude para mantê-lo comigo. É um motivo de orgulho e felicidade para mim.

— Meus sinceros parabéns. É muito gratificante ver uma mulher numa situação tão deplorável, batalhar tanto pelo seu filho... Olhe, tem certeza de que não quer ajuda financeira?

Ana ignorou por um momento. Sabia que aquilo era pura provocação de uma velha elitista. Não sabia aquela preconceituosa que o amor é incondicional; mesmo sem ter muito dinheiro, o amor pelo seu filho poderia mover montanhas, amor é sentimento que não se compra. Ana sabia que, apesar de todas as provações por que já passara e ainda passaria, tudo estaria bem, desde que estivesse com seu filho.

Virou para o lado como se nada tivesse acontecido. A velha não merecia uma lição de moral. Ela podia ter todo o dinheiro do mundo, mas a única coisa que não tinha era a noção e a vivência do que é o amor. Ana podia não ter um tostão no banco, mas era cheia de dignidade no coração por batalhar todos os dias e isso é algo que nem a velha nem ninguém no mundo poderão comprar um dia.

Ela virou a cabeça para a velha, olhou-a no fundo dos olhos. Sentiu pena. Levantou-se do assento com o saco de tricô em uma das mãos e o bebê apertado no peito. Era a parada onde deveria descer. E o fez. Foi-se embora, de cabeça erguida e enriquecida, afinal não era tão pobre assim.

Page 43: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

42

o brilho No olhar

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Caroline Cândido Feder & Marina Galvão de Barros Villalobos Bueno,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 44: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

43

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Ana sempre foi desejada por todos. Tinha cabelos dourados como o sol e um intenso brilho em seus grandes olhos azuis. Porém, alguns meses atrás, seus cabelos se tornaram opacos e o brilho em seus olhos havia desaparecido.

Para ela, o dia era como muitos outros, até que dois passageiros entraram no bonde. Era um casal. Aquela cena lembrava o motivo de sua solidão: seu amado noivo, que havia partido para a guerra. Quando ele mandava cartas, apesar de se sentir sozinha, Ana ficava aliviada.

No entanto, meses atrás, as cartas pararam de chegar e sua solidão se tornou desespero. Passara a ter muitos problemas, falava sozinha, se sentia devastada, abandonada. Só de se lembrar daquilo, Ana ficava abalada. Sua vida não tinha mais sentido.

Enxugou seus olhos e se preparou para sair do bonde, que havia chegado a sua parada. Desceu e tomou seu caminho para casa. Até que, no final da rua, Ana avistou um homem de farda, alto, com cabelos castanhos. Era ele. O homem de sua vida bem em frente aos seus olhos. Ela correu até ele e os dois se abraçaram por um longo tempo.

E lá estava algo único, que não era visto há muito tempo: o brilho em seu olhar.

Page 45: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

44

o Que há deNtro da caixa...

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Gabriela Sobrinho Marcondes & Estela Sant´Anna de Freitas Guimarães,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 46: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

45

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

A mulher, de longos cabelos encaracolados, abriu um sorriso, olhando fixamente para o pacote que segurava firmemente em suas mãos brancas. De repente, o bonde deu um tranco, fazendo o pacote cair no chão. Percebendo a situação, um jovem que estava sentado à sua frente, abaixou-se para pegar a sacola. Imediatamente, Ana a puxou de suas mãos, com um ar de desespero.

— Me desculpe, senhora. Não tive a intenção de incomodar — disse o rapaz, assustado.

Ana não respondeu nada, apenas o encarou, analisando-o. Seus olhos tão azuis e brilhantes estavam arregalados, transmitindo insegurança, e suas bochechas sardentas estavam levemente rosadas.

— Oh!— exclamou ela — Eu que peço desculpas. A culpa não foi sua.

Após esse incidente, o trajeto permaneceu tranquilo, apesar da constante troca de olhares entre a mulher e o rapaz.

Então, o bonde deu outro tranco, dessa vez, parando repentinamente. A luz vacilante que iluminava aquele transporte quente e abafado apagou, e Ana agarrou o pacote contra o peito, como se fosse seu filho.

— Senhores passageiros, ocorreu um pequeno problema no funcionamento desse bonde. Por conta disso, teremos que ficar alguns minutos parados até que tudo se resolva — o motorneiro anunciou.

Page 47: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

46

Ana suspirou exausta. Os últimos meses tinham sido muito difíceis para ela, não conseguia dormir ou comer direito.

O jovem, único passageiro além de Ana, a observava curiosamente. Então, lhe disse:

— Posso fazer uma pergunta?

Ela assentiu calmamente.

— O que há dentro dessa sacola?

Ana, cabisbaixa, respirou fundo e se levantou, dirigindo-se até o rapaz.

— São algumas roupas que acabei de comprar... Mas, além disso, tenho algo muito importante, que pertence a minha filha — falou enquanto tirava uma caixa pequena e rosa de dentro da sacola.

Nesse exato momento, o bonde começou a andar, Ana se desequilibrou e a tão preciosa caixa caiu de suas mãos. No instante em que tocou o chão encardido daquele bonde, se abriu, deixando seu conteúdo acinzentado espalhar-se. Uma lágrima fria imediatamente escorreu por seu rosto enrugado.

Eram cinzas... A única lembrança que restara de sua filha.

Page 48: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

47

PoNto de Partida

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Rafaela Cestari Gomes & Júlia Corregiari Ponciano,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector

Page 49: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

48

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Mas isso parecia impossível! Achar conforto naquele banco frio e duro. E com aquele saco de tricô praticamente se desfazendo em seu colo. E, quando menos esperava, PAF! O saco rasgou e as compras se espalharam todas pelo chão do bonde. Sem que percebesse, um gemido de frustração saiu da sua boca.

Naquela manhã de domingo, linda e ensolarada no Rio de Janeiro, ela só queria voltar para casa, já que sua mãe estava a sua espera e à espera das compras.

Um rosto conhecido surgiu em frente aos seus olhos. Não podia acreditar. Era Bruno, seu primeiro e único amor colegial. No entanto, ele estava diferente, seus olhos eram mais profundos e sérios, mas ainda mantinha aquele jeitinho meigo e doce de ser, que derretia qualquer coração, principalmente o de Ana.

Ela ficou perplexa, depois de tantos anos sem vê-lo. Encontrá-lo nessa situação tão embaraçosa... Nada disse ele, apenas acolheu-a ajudando-a a recolher as compras.

Bruno segurou as compras e perguntou:

— Ana, você vai para a casa de sua mãe?

Ana afirmou balançando a cabeça e pensando:”Maldito”. Conhecia-a mais do que ela desejava.

Desceram do bonde e andaram até a casa sem falar nada. Depois de todos aqueles anos, havia tanto para ser dito que não sabiam nem por onde começar.

Page 50: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

49

Em frente da casa, ela lhe agradeceu imensamente e o convidou para entrar. Ele aceitou:

— Ana, não precisa me agradecer. Você sempre soube desde a época em que namoramos que sempre estarei aqui para o que der e vier. Confie em mim.

Foi aí que ela lembrou. Durante todo seu tempo de namoro, Ana sempre o viu muito mais do que uma simples paixão. Para ela, ele sempre foi seu ponto de partida, do qual, por mais que ela tentasse resistir, sempre acabava voltando para o início.

Palavras não foram necessárias, pois ambos sabiam que aquilo era amor.

Page 51: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

50

Primeiro estraNho amor

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Manuela Glória Catarozzo & Maria Fernanda Marinho Vitório, a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 52: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

51

Ana estava acostumada com as longas viagens do centro da cidade até a sua casa. Olhando pela janela do bonde, viu casais comemorando o Dia dos Namorados com flores, chocolates, tudo o que cada um merecia de melhor. Num momento de nostalgia recordou-se, como em todas as noites, que, um dia, ou melhor, por um tempo, também fora jovem e tivera seu primeiro amor.

Há uns vinte anos, Ana comemorava a data com Pedro, nome que nunca esquecera. Ele era alto, esbelto, moreno de olhos verdes, e é claro, o amor de Ana. Os dois se conheciam desde adolescentes e ela ficara impressionada com a simpatia e gentileza de Pedro e os dois se apaixonaram. Foi amor à primeira vista, não como aqueles de filmes ou novelas, mas Ana podia sentir que era um amor diferente.

Porém toda história tem um vilão, e este era conhecido como Luiza, a irmã de Pedro. A mulher era alta, magra, morena como Pedro e muito protetora, como toda irmã mais velha. Todavia Luiza era diferente, ela era má, segundo Ana.

Luiza nunca aprovou o namoro dos dois. Devido à morte de seus pais, ela era a responsável por Pedro e não aceitava que qualquer outra pessoa passasse a fazer parte da família. Além disso, tinha inveja de Pedro, pois nunca encontrou alguém que a completasse. Por isso, Pedro e Ana decidiram passar um tempo a sós fora da cidade.

Passaram-se dias, semanas, meses e eles não voltavam. Nem notícias davam. Luiza, sofrendo de solidão e depressão, se matou. Ana e Pedro demoraram para receber a notícia, apenas dois meses depois de sua morte, por meio de uma carta de suicídio enviada para o casal, mas já que Luiza não sabia onde eles estavam, a carta demorou um bom tempo para chegar até eles. Dias depois, Ana descobriu que estava carregando uma criança em seu ventre. Pedro mostrou sinais

Page 53: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

52

de felicidade, mas no fundo não estava nada satisfeito. Não queria ter uma criança em sua juventude. Não podia ser pai..

Passados alguns dias sem saber o que fazer, Pedro seguiu o caminho da irmã e interrompeu sua vida. Foi uma morte súbita e inesperada, já que Ana achava que eles estariam juntos não importasse o que acontecesse. Agora Ana estava sozinha, carregando um bebê em seu ventre. O bebê, então, nasceu oito meses depois. Ela sabia que agora tinha uma responsabilidade muito grande, então dava tudo o que tinha para cuidar de Miguel, nome que dera ao bebê.

Ana, após dois meses, decidiu que não podia nem queria ser mãe. Então, resolveu que daria Miguel para a adoção. E foi o que fez. Toda semana, Ana visitava Miguel, mas, quando completou um ano, percebeu que ele se apegaria muito a ela e ela a ele, então parou de visitá-lo.

Muitos anos se passaram, e Ana não recebeu nenhuma notícia de Miguel. Provavelmente fora adotado por pais muito mais capazes do que ela para cuidar de uma criança, de um presente de Deus.

E foi depois de relembrar-se de seu filho que Ana voltou à realidade. Ainda estava no bonde e em seu lado estava sentado um rapaz aparentemente de uns 20 anos, idade que Miguel teria, muito parecido com Pedro e com alguns traços de Ana. Será ele, Miguel, o fruto do amor do casal?

Page 54: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

53

susPiro de comPleta satisfação

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Lara Hossepian Hojaij & Giovana Domingues Guimarães,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 55: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

54

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

O sol refletia o azul de seus olhos. Uma mecha rebelde de seus cabelos escuros e longos fugia de sua trança. O dia estava lindo, sol e poucas nuvens com uma leve brisa típica do Rio de Janeiro. Mesmo assim, Ana ainda tinha um suspiro de meia satisfação.

Ela observava a paisagem, assim como alguém observa a vida, calma e pacientemente. O bonde parou. Algumas pessoas desceram e outras subiram, mas dessas apenas uma lhe chamou a atenção.

Um homem alto e jovem, por volta de seus vinte anos, com seus cabelos claros e olhos mais escuros do que a noite, sentou-se ao lado de Ana. Todo o conforto que buscava ao entrar no bonde se perdeu ao esbarrarem suas mãos.

O bonde partiu. O calor que Ana sentiu ao tocar nas mãos do jovem permanecia ali, intacto. E cada vez mais o único som que Ana ouvia era o da respiração do moço, que parecia ecoar nos trilhos do bonde.

Como se estivesse ouvindo o apelo interior de Ana, o jovem falou com ela:

— Dia lindo, não? — disse tentando puxar assunto.

Antes mesmo de Ana responder-lhe, o bonde parou de forma brusca. Todos desceram. Estavam no meio da floresta da Tijuca, e, com certeza, o socorro demoraria para chegar.

Ana e o moço se levantaram e sentaram ao pé de uma grande árvore e lá ficaram o resto da tarde conversando. Ana,

Page 56: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

55

como se estivesse tirando um peso de suas costas, perguntou seu nome.

Nesse mesmo instante, eles foram interrompidos pelo carro que os resgataria. No meio da confusão, Ana perdeu o moço de vista.

Já tinham consertado o bonde. Ela estava descendo quando foi surpreendida pelo moço, que lhe entregou um bilhete com seu nome e seu endereço.

Voltou para casa com um suspiro de completa satisfação.

Page 57: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

56

Velhice e VeNto

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Vitória Brinker Cunha & Natalia Von Staa Mansur,a partir da introdução do conto “Amor”, de Clarice Lispector.

Page 58: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

57

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Sempre a mesma coisa, no calor do verão carioca fazia as compras, para logo o vento do bonde em movimento a aliviar.

Seus cabelos grisalhos balançavam, tapando a visão de seu marido.

— Comprou tudo?

— Sim, Vinícius.

— Não esqueceu o leite?

— Não.

— Pão?

— Vinícius, faço isso há muito tempo, sei o que devo comprar!

— E os remédios?

— Não preciso de remédios.

— Precisa sim, vamos voltar — responde o homem já se levantando.

Ana não se moveu. Não queria comprar remédios, e problema de seu marido se não concordasse.

— Ana, você já está caduca, pare com essa teimosia!

— Não preciso de você me dizendo o que fazer! — completou consigo mesma — Afinal, já está morto...

— Se continuar teimando, você logo estará também.

Não era a morte que assustava Ana, era parar de viver.

Page 59: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

58

Com a velhice, há tempos parara de viver. Já não estava mais presente na vida dos poucos que lhe restavam, seus filhos e seus netos, nunca mais ouvira falar deles. Talvez ela não estivesse presente nem em sua própria vida, apenas imersa em seus pensamentos.

Seus cabelos grisalhos balançavam com o vento, apagando o espectro de seu marido. Talvez, pensou, já estivesse morta.

Page 60: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

59Temperamento impulsivo

Clarice Lispector

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.

O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.”

Page 61: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

6060

Page 62: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

6161

Page 63: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

62

FELIZ ANIVERSÁRIOClarice Lispector

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.

Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.

Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá.

62

Page 64: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

63

O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.

E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.

Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!” No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.

E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa.

De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.

63

Page 65: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

64

Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.

Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa.

Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.

— Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos.

Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.

— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. — É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa.

A velha não se manifestava.

Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros

64

Page 66: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

65

trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.

— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.

A velha não se manifestava.Então, como se todos tivessem tido a prova final de que

não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.

— Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios!

— Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento.

— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o

bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos.E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o

barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam

65

Page 67: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

66

complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito “89”. Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, “vamos! todos de uma vez!” — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês.

Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.

Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada.

— Viva mamãe!

— Viva vovó!

— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.

— Happy birthday! gritaram os netos, do Colégio Bennett.

66

Page 68: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

67

Bateram ainda algumas palmas ralas.

A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.

— Parta o bolo, vovó, disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!

E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.

— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.

— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.

Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha.

Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda.

E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?

E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.

— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu

67

Page 69: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

68

José radiante.

— Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.

— Hoje é dia da mãe! disse José.

Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio.

68

Page 70: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

69

Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.

— Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.

— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.

Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.

Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos — provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ainda mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de

69

Page 71: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

70

ouro! A raiva a sufocava.

— Me dá um copo de vinho! disse.

O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.

— Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.

— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.

Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis.

Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.

Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido.

Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem

70

Page 72: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

71

ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar.

E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso.

— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo.

A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras

71

Page 73: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

72

propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.

— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas.

Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: é preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.

Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar.

Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.

Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada.

72

Page 74: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

73

— Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.

— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.

— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.

Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o, lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho.

E de repente veio a frase:

— Até o ano que vem! disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido.

Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano.

— No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso!

73

Page 75: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

74

esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso! disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.

Então ela abriu a boca e disse:

— Pois é.

Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos:

— No ano que vem nos veremos, mamãe!

— Não sou surda! disse a aniversariante rude, acarinhada.

Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo.

As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranquilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.

Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não sabiam

74

Page 76: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

75

propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão.

— Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema. “Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora.

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.

75

Page 77: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

7676

Page 78: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

7777

Page 79: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

78

hiPocrisia

Dezembro, 1969

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados ? e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

Agatha Schwartzmann & Julia Lee,a partir da introdução do conto “Feliz Aniversário”, de Clarice Lispector.

Page 80: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

79

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

O plano da família, a princípio comum a parentes unidos, era, na realidade, uma mistura de hipocrisias e aparências: jantariam todos juntos, à grande mesa da sala de jantar, acompanhados de um grande bolo e uma canção de parabéns, para, após a sesta, fazer um passeio noturno pela nobre parte do Rio de Janeiro. Foram sentando-se com suas belas roupas, artifícios para mostrar abundância e riqueza. Os anfitriões numa ponta e o aniversariante com seus irmãos na outra, arranjaram-se rapidamente e sem caprichos, todos desejando que a cerimônia fosse tão breve quanto possível.

Os pratos começaram a ser servidos, mas os olhos não se voltavam para a comida e sim para os jovens sentados num dos extremos da mesa. Como a garota estava crescida, bonita! Já apresentava características típicas de uma mulher. Os homens da mesa, enquanto comiam, olhavam furtivamente para jovem, tentadora, bonita, inocente. Seria realmente uma pena se ela ficasse como sua mãe, a velha antipática. Parecia que estava tendo problemas no casamento, a mulher - qual outro motivo, senão este, para a ausência do marido? Ora, uma mulher que não consegue tomar as rédeas de sua relação não conseguiria tomar conta dos filhos. Os pensamentos fluíam pela silenciosa mesa, criando uma atmosfera tensa, carregada de falsidade.

Page 81: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

80

O garoto, sentado à esquerda do aniversariante, inspirava pensamentos iguais ao da irmã - como havia crescido, mudado! Decerto atrairia a maior variedade de pretendentes, não iguais as que seu pai havia arranjado, mas superiores em graça, personalidade e compostura. Sim, estava muito bonito, com o ar maduro de um homem recém-metamorfoseado. Seria uma pena quando sua futura mulher percebesse a sogra que havia herdado.

Toda regra tinha, entretanto, sua exceção, encontrada no pobre aniversariante, posicionado desconfortavelmente no centro das atenções, embora não inspirasse análises profundas. Era pequeno, raquítico, não possuía características admiráveis. A família mal se lembrou de sua existência até o momento em que o bolo foi trazido, monumental, contrastando com a figura diminuta do pobre garoto. A canção foi entoada, num parabéns falso e breve.

Ao soprar as velas, todos encararam o garoto, calados. Mal sabiam que os pensamentos do menino eram urgentes, espertos, angustiantes — por que todos estavam olhando-o daquele jeito? Os olhares que todos haviam dirigido para a irmã e para o irmão eram de admiração, diferentes dos de pena e reprovação que agora a ele se destinavam. Suspirou, enquanto se sentava na majestosa cadeira, com a plena consciência de que nunca conseguiria pertencer ao universo dos que, agora, sorriam e murmuravam, em coro, a mais falsa das frases: feliz aniversário.

Page 82: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

81

laços comPlicados

Dezembro, 1969

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados ? e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

Annick Arruk Nicoli & Isabella Salles de Souza Santos,a partir da introdução do conto “Feliz Aniversário”, de Clarice Lispector.

Page 83: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

82

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

O mais velho, um menino alto, robusto e com a barba por fazer, era um rapaz desleixado, mas muito inteligente. Os outros dois eram gêmeos, de cinco anos, loirinhos e dotados de uma beleza exótica.

Logo que entraram na casa, depararam-se com o primogênito da sogra, Alfredo, que tinha uma relação um tanto quanto complicada com o irmão e com a cunhada.

— Parabéns! —disse Andreia na porta, dirigindo-se à sogra.

Parecia desconfortável, mas estava confiante, pois queria mostrar à família que, mesmo morando em um bairro pobre, tinha dignidade e fazia parte do conjunto familiar.

A senhora agradeceu, fria e direta, dirigindo um olhar de soslaio ao filho mais velho, o preferido e protegido.

— Nossa!-exclamou Andreia- Há quanto tempo não venho aqui!

— Decerto- respondeu Alfredo, lançando-lhe um olhar capaz de quebrar um vidro - Mas talvez não tivesse passado tanto tempo caso certas atitudes não tivessem sido tomadas.

Estavam todos no cetro da sala, imóveis e desconfortáveis. Como se interrompendo o início de uma longa discussão, a sogra disse abruptamente:

Page 84: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

83

— Mas, às vezes, é até bom que a família se distancie, para que assuntos ainda frescos sejam resolvidos.

— Principalmente quando o assunto envolve traição —concluiu Alfredo.

Andreia engoliu em seco, deixando o copo que estava há pouco em suas mãos espatifar-se no chão de madeira polida, causando um estrondo ensurdecedor.

Mal sabia ela que aquele ruído daria início a uma discussão capaz de partir o Império Romano em dois.

— Não se meta Alfredo, esse assunto não é seu! - exclamou Andreia.

Indignado, Alfredo respondeu: — Não é assunto meu? A minha esposa me trair com o

meu próprio irmão na minha casa e ainda casar-se com ele e juntos terem gêmeos não é assunto meu?

— Pare com isso, Alfredo! Eu sou uma mulher casada e me orgulho disso! Nunca fui feliz ao seu lado! Você não é digno de uma dama como eu, e mais, só casei com você pelo dinheiro da família, já que, por ser o primogênito e preferido de sua mãe, você herdaria quase tudo! Mas, na realidade, sempre fui apaixonada por seu irmão, e agora, por sua causa, ele perdeu toda a sua pequena parte da herança!

—Chega! — exclamou a sogra —Andreia, saia já da minha casa! Alfredo, venha aqui, querido, não preste atenção às bobagens que essa infeliz de Olaria diz.

Andreia saiu cabisbaixa, junto de seus três filhos, a caminho de casa. Suas roupas não pareciam mais tão brilhantes e chamativas, e ela não se preocupava mais com sua aparência e opiniões alheias. Só pensava em seu marido, em voltar para casa e reencontrá-lo, esquecer o que acontecera e continuar a viver sua simples e maravilhosa vida.

Page 85: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

8484

Page 86: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

8585

Page 87: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

86

TENTAÇÃOClarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada

86

Page 88: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

87

na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua

87

Page 89: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

88

natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás

88

Page 90: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

89Lúcida em excesso

Clarice Lispector

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim di-zer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei tam-bém que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irreali-dade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu con-sisto, eu consisto, amém.”

Page 91: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

9090

Page 92: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

9191

Page 93: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

92

aiNda há esPeraNça

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Heloísa Helena de Paula Cunha & Mariana Ballalai Bordon,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 94: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

93Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

As lágrimas, que ela já havia desistido de esconder, escorriam-lhe pelo rosto. Os soluços, antes abafados e quase mudos, cresciam cada vez mais, como o desespero dentro dela. A menina, antes quieta e tímida, não se importava mais que as pessoas a vissem chorando, não que elas fossem se importar com uma menina de cabelos ruivos e olhos marejados. Algumas pessoas passariam por ela desviando o olhar, como se ela fosse invisível. Outras, não muito melhores que as anteriores, se limitariam a fitá-la com um olhar de pena, mas sem que ninguém viesse ajudá-la. E, na verdade, a menina nem esperava que isso acontecesse.

O mundo hostil e impiedoso, repleto de pessoas mesquinhas que não se importavam com nada além dos próprios interesses era assim. Infelizmente, mas era e ponto final. Essa era uma das razões pelas quais a menina se encontrava naquela deserta cidadezinha, com lágrimas a escorrer-lhe pelas bochechas rosadas. Mas ela tinha que se conformar com isso, por mais que lhe doesse o coração, essa era a verdade. Pessoas normais jamais se importariam com sua inútil existência. A menina chorava por tantas razões que seria impossível listá-las. Tantas pessoas morriam em acidentes horríveis todos os dias, mortas pelas mãos de pessoas sem alma nem coração, que mal deveriam ser consideradas pessoas. Mais e mais inocentes morriam todos

Page 95: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

94 os dias no mundo, vítimas de ataques terroristas, de balas perdidas, de acidentes de trânsito. Será que elas realmente mereciam isso? Provavelmente não, mas era o que acontecia. No noticiário, as mortes já eram tão frequentes que ninguém mais se assustava ao saber do número de mortos e feridos. Era com intensa tristeza que a menina ouvia as notícias dos desastres que haviam matado inocentes, como se ela tivesse conhecido as vítimas. Ela poderia não as ter conhecido, mas alguém, certamente, tinha. Em algum lugar, uma mãe, um pai, um filho estariam chorando pela morte de alguém.

A menina acordou de seus devaneios quando um menino, provavelmente de sua idade, sentou-se a seu lado. Ele tinha cabelos cor de avelã e olhos verdes, e timidamente perguntou a ela o que havia acontecido.

— Mas por que você se importaria comigo? Pessoas normais simplesmente me ignorariam - ela respondeu.

O menino esboçou um sorriso melancólico e disse: — Talvez eu esteja aqui porque eu não seja como as

pessoas normais. — Não, todos nós somos. Eu choro por ver o mundo do

jeito que está e, acima de tudo, por perceber que todas as pessoas são iguais. — ela apertou os lábios e conteve um soluço — Inclusive eu, eu sou igual a todos os outros.

— Pessoas normais não estariam sentadas em frente as suas casas chorando pelos erros dos outros. E nem ao menos sentariam do lado das outras, tentando saber o motivo de suas lágrimas; pessoas normais ficariam sentadas se lamentando, mas sem fazer nada para mudar o que há de errado.

E com essas palavras o menino se levantou e entrou no bonde que a menina mal reparara ter chegado. Ela continuou lá sentada enquanto o bonde foi embora. A menina agora sorria, por finalmente ter percebido que havia, sim, pessoas diferentes no mundo.

Page 96: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

95

embarcaNdo Na Vida

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Bruna Spina Papaleo & Dafne Mordente Sotiropoulos,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 97: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

96

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da me-nina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suporta-va. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Essa era uma pergunta que ela ainda não podia responder. Fitou novamente as madeixas avermelhadas e as memórias de sua falecida mãe inundaram sua mente. A única coisa que herdara da amada mãe eram os cabelos ruivos, que tanto odi-ava por a lembrarem dela.

Ela podia continuar sentindo saudade e relembrando memórias, sentada ao pé da velha escada de madeira, mas foi interrompida em seus devaneios. Um homem alto, que apa-rentava ter sua idade, se aproximava:

— Moça, licença, será que você poderia me informar se é aqui a parada do bonde para o centro da cidade? Mas ela não respondeu.

A ruiva não prestava atenção ao que ele falava, estava ocu-pada demais reparando nos intensos olhos azuis que a fitavam contrastando com os cabelos negros. Os olhos lembravam os de sua mãe. A garota não mais lutava contra o sentimento de tristeza e saudade e desabava em lágrimas, interrompidas, ocasionalmente, por seu soluço.

— Ei moça, está tudo bem? — uma confusão pairava no ar.

Aquela foi a deixa para que ela contasse toda a história que a angustiava para um homem sobre quem não sabia nada e

Page 98: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

97

apenas lhe pedia informação. Ela contou que a mãe falecera há um ano e explicou todos os maus tratos que recebera do pai ao longo do ano que se passara. Ele bebia muito desde a morte da esposa e descontava a raiva na garota. Desde então, ela pensava em fugir de casa, mas não tinha coragem para isso.

— Eu saí de casa para nunca mais voltar. Meu sonho sem-pre foi viajar o mundo assim, sem destino algum. — o homem dizia, comovido com a história e tentando encorajar a garota.

A ruiva nada respondeu, pensando nas palavras que o homem soltara no ar, que para ela mais soavam como um convite. Então, de repente, como se o mundo explodisse em sua cabeça, ela gritou:

— Eu vou com você.

Ela pouco sabia sobre o homem, mas poderia descobrir. Afi-nal o que tinha a perder? O soluço finalmente passara, assim como sumiram todos os problemas que pareciam insolúveis em sua vida. Subiu naquele bonde que chegava e percebeu que entrava num mundo novo e desconhecido.

Page 99: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

98

fiQue

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Fernanda de Oliveira Ribeiro & Celine Hee Yeon Lee,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 100: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

99

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Viver em um lugar onde todos são iguais não é muito interessante. Principalmente quando se é ruiva. Menos interessante ainda é ser ruiva e ter soluço.

Tentou de tudo. Prendeu a respiração, mordeu um limão, bebeu um copo de água fria. Tentou até levar um susto. Nada muito eficiente.

Sentada, observava o homem à espera do bonde. Nunca havia visto aquele homem em sua vida. Era alto, magro, tímido, introspectivo. Ainda por cima, era ruivo. Como ela. A única diferença é que ela estava com soluço.

Mas, afinal, não se encontravam muitos ruivos por aquelas bandas, por isso a menina começou a examiná-lo. Nenhum bonde passou nos minutos seguintes, então a garota continuou a fitá-lo e seu soluço continuou a atormentá-la. O que fazer de uma garota ruiva, com soluço e apaixonada?

Gostou tanto do novo passatempo que poderia continuar lá o dia todo. Ficou imaginando como seria um casal de ruivos no lugar onde morava. Mesmo sabendo que ele era bem mais velho, apreciou a ideia de que um dia poderiam ser um casal.

Contudo, o olhar do homem acabou encontrando o seu. O soluço aumentou. Ela desviou seus olhos. Ao voltá-los, levou

Page 101: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

100

um susto. O único susto que poderia acabar com seu soluço totalmente. Ficou feliz por um segundo, até que a tristeza a consumiu por inteiro. O homem que tanto amava, mesmo sem conhecê-lo, havia sumido. Completamente desaparecido. Ele poderia ser o único amor que teria em sua vida. Mas estava perdido. Perdido para sempre. Como ela.

O que fazer de uma garota ruiva, sem soluço e sem seu amor?

Page 102: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

101

NoiVa em chamas

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Ana Paula Bisson Bensi & Fernanda Chiodo Soler,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 103: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

102

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Com lágrimas desabando de seus olhos, caindo em seu vestido branco, seu soluço quebrava o silêncio desconfortável da rua. Era como se sentia, uma menina. Seu choro parecia calmo, mas, ainda assim, triste e cheio de agonia.

Enquanto tirava o véu do cabelo em chamas, avistou um homem vestido formalmente, cabelos negros e olhos cobertos de preocupação.

Sentou-se ao lado da garota que não lhe parecia estranha, aqueles olhos azuis e profundos eram inconfundíveis.

— Mariana?

— Sou eu, nos conhecemos?- disse ela com um olhar de dúvida.

Jorge explicou-lhe de onde se conheciam: estudaram juntos, porém não se viam há anos. Contou também o que fazia da vida e o quão vazia era a vida e a cidade sem a presença de seus cabelos vermelhos.

— Mas, enfim, por que está aqui vestida de noiva, com lágrimas nos olhos e com um soluço persistente?

— Bom, o soluço já está passando, mas já que perguntou, depois que deixei a nossa cidade, conheci um homem muito

Page 104: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

103

rico e ignorante que parecia estar completamente apaixonado. Fazíamos muitas viagens juntos, jogávamos tênis aos sábados e aos domingos, íamos ao cinema. Hoje era para ser nosso casamento, mas percebi o quão superficial era nossa relação, eu não o amava. Então, resolvi voltar para cá, onde tenho as melhores lembranças com você.

Depois dessa pequena história, Jorge acabou confessando:

— Mariana, sua perda me abalou demais, senti como se fosse uma pedra me esmagando de tanta dor. Eu te amo desde que você apareceu no portão do colégio com duas trancinhas e um laço no cabelo, será que você poderia me amar de novo?

A menina ficou chocada com seu pedido, uma flecha acabara de acertar seu coração. O silêncio voltou por alguns minutos, quebrado apenas por seu soluço que voltara.

Sem querer, um “sim” saiu de sua boca, em uma voz baixa e calorosa. Ela agora sentia o conforto de ter um homem ao seu lado, alguém que realmente se importasse com ela. Ela sabia que Jorge seria bondoso, um cavalheiro e a amaria até o resto de suas vidas.

— Jorge, eu não sabia, mas agora sei que eu estava te esperando. Sinto culpa por te deixar aqui sozinho e senti medo de que você nunca mais aparecesse. Eu não percebi, mas a verdade é que desde sempre te amei.

Os olhos escuros do homem se encheram de amor, ambos se levantaram e seguiram pela rua vazia com destino à felicidade. O soluço finalmente findou. Um belo sorriso preencheu seu rosto; os lábios do amado tocaram os seus.

— Sim Jorge, eu te amarei de novo.

Page 105: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

104

o boNde das duas horas

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Luisa Frega Ricca Parolin & Gabriella Ganut Alvarez,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 106: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

105

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

A menina, soluçando, prestava atenção à estranha mulher esperando o bonde. Depois de alguns minutos, a mulher começou a falar. Falava um idioma estranho que a menina ruiva não entendia, mas escutava com atenção inutilmente, tão inutilmente quanto a espera da mulher pelo bonde. Depois de um tempo escutando, a menina se deu conta de que a mulher era uma daquelas parisienses ricas.

A menina ruiva fechou os olhos e começou a imaginar como seria a vida daquela mulher, parecia que cada pedra de suas joias vinha de um lugar do mundo, eram tão brilhantes e exóticas, que deviam vir das viagens que ela fazia, interessantes, diferentes, divertidas, extraordinárias. Ela já devia ter visitado todos os cantos do planeta: Dubai, Tóquio, Bahamas, Havaí, lugares com que a menina sonhava visitar um dia. Então pensou que bom seria se sua vida fosse assim.

A ruiva então abriu os olhos, observando suas botas sujas e desgastadas. O calor havia passado e agora chovia, o soluço havia parado e a parisiense havia pegado o bonde.

Page 107: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

106

PlaNeta flamejaNte

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Juliana Martes Sternlicht & Laura Meiken Morelli,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 108: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

107

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Ela acreditava que se cada cabeça fosse um mundo, o seu estaria constantemente em chamas e, no momento, sofria um terremoto. O interior dele não era menos caótico. E, agora, recebia olhares incomodados do homem que esperava o bonde. Como se não bastasse ser ruiva e com soluço, era ruiva, com soluço e observada.

A garota, ainda acanhada e até constrangida, desviou o olhar. Talvez o homem que esperava o bonde achasse que ela fosse uma estrela, devido à luz que irradiava. Mesmo sem o contato direto, a menina queria que ele entendesse que ela era somente um planeta. Um pequeno planeta num universo infinito.

O homem que esperava o bonde não se movera, impassível. A menina suspirou, aliviada. Provavelmente ele entendera o que ela era e não quis desviar-se de sua órbita por causa de um mero planeta.

A menina levantou o olhar, para conferir se não havia risco de ser atingida por um asteroide. O homem que esperava o bonde ainda não mexera um músculo. Seus olhos cinzentos encaravam a garota ruiva com soluço. Esta ficou tentada a pedir que parasse, afinal, era um desrespeito aquilo que ele fazia. Também queria quebrar a gravidade que se formava

Page 109: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

108

entre suas órbitas, mas não o fez. Sustentou o olhar.

A garota ruiva percebeu uma mudança na expressão daquele que a observava. Algo como ódio emanava dele. Ela sentiu calafrios, embora as pedras da rua ainda vibrassem com o calor.

Abaixou a cabeça novamente. E então ouviu passos. Pressentiu que um asteroide iria atingi-la, era inevitável. Levantou a cabeça — agora orgulhosa de ser um planeta flamejante — com o intuito de se defender do homem que esperava o bonde. Não viu ninguém. Olhou atentamente, buscando até mesmo atrás de si. E então entendeu. O homem que esperava o bonde enfim percebera que a espera era em vão, pois o transporte havia sido desativado há anos naquela rua. Ele se fora.

E lá ficara a menina ruiva, com soluço e solitária. Que fazer de uma menina ruiva, com soluço e solitária?

Page 110: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

109

uma doce aParição

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Miguel Bogdan Leão Bruno & Stephany Pecho e Souza,a partir da introdução do conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

Page 111: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

110

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Por conta de um soluço mais alto, a pessoa que estava à espera do bonde percebeu o choro da ruiva e foi lentamente em sua direção. Ele se fazia diversas perguntas. O que aconteceu com ela? Machucou-se? Algum parente da garota falecera? Estaria com fome? Há quanto tempo estaria soluçando?

A menina, com as mãos no rosto, não notou a aparição do homem. Ele usava um chapéu que cobria seus cabelos, uma blusa de frio por conta do inverno de agosto.

A cor do cabelo da menina lembrava-lhe sua irmã mais nova, que não via há oito anos. Ele tinha vinte e dois anos, sua irmã, dezesseis.

— Com licença, você está bem? — a menina olhou para cima. O homem não podia acreditar na enorme semelhança com sua irmã.

— Não é nada demais, mas obrigada pela preocupação.

Quando a garota olhou para o rapaz assustou-se.

— Joana?

Page 112: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

111

— Como você sabe meu nome? — aproximou-se — João? — ela não podia acreditar, depois de oito anos reencontrara seu irmão por causa de um soluço incessante.

— Sim, sou eu!

Os dois se abraçaram cheios de felicidade.

Page 113: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

112

112

Page 114: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

113

113

Page 115: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

114

UMA GALINHAClarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta,

114

Page 116: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

115

hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um

115

Page 117: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

116

ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

116

Page 118: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

117

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

117

Page 119: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

118

o Que tem Para jaNtar?

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

André Casara Luz & André Garcia Padilha,a partir da introdução do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.

Page 120: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

119

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

A galinha inocente não sabia o que lhe era reservado. Caminhava calma sobre o chão frio da cozinha, enquanto os minutos passavam e um tédio ordinário se acomodava ao meu lado.

Cochilei rapidamente e deparei com uma situação inusitada. Normalmente sonho com coisas absurdas e fora do meu cotidiano, mas dessa vez me vi diante da porta da cozinha de minha casa.

Entrei pela porta e avistei a galinha presa em uma gaiola apertada, ela fazia sons de sofrimento. Fui ao seu encontro e tentei socorrê-la. Enquanto eu tentava salvá-la, a galinha roçava seu pequeno pé em minha mão.

De repente, comecei a ouvir vozes vindas da sala. Percebi que diziam algo sobre o jantar e sobre o pobre animal, então, desesperadamente, abri a gaiola e a peguei no colo. As vozes se aproximavam e a única saída visível era uma janela acima do fogão.

Saí pela pequena janela com a galinha nos braços e corri para longe da casa. Coloquei-a no chão e mandei que fugisse, com esperança de que me entendesse. Logo que seu pé encostou no chão, virou-se para mim e disse com a voz de minha mãe:

— Acorde! Acorde! O jantar está pronto.

Page 121: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

120

Levantei subitamente, meio estonteada, e fui em direção à sala de jantar. Senti uma fome insaciável. Sentei-me à mesa e comi algo que estava ótimo. Sem conseguir identificar o sabor do alimento, perguntei a minha mãe:

— O que acabei de comer?

— Eu acho que você nunca provou. Galinha ao molho pardo.

Page 122: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

121

Page 123: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

122

122

melhores amigas

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Giullia Garcia dos Santos & Isabella Pletsch Venturella,a partir da introdução do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.

Page 124: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

123

123

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Poderia ter nascido gata, cadela ou até mesmo, humana. Mas era o que era: bípede, plumosa e choca. Não que se preocupasse, pois sabia muito bem que Diana logo chegaria e a salvaria do abate, como já tinha salvado muitas vezes antes.

Diana era uma menina da fazenda cujos crespos cabelos vermelhos — que caíam como cascatas nas costas — combinavam com a personalidade forte e sonhadora. E porque estavam sempre juntas, a volumosa galinha sabia que não era dessa vez que ficariam separadas. Se Diana estava em um lugar, a galinha também estava. A galinha estava lá quando Diana deu seus primeiros passos, estava lá quando o primeiro dente caiu, quando a garota teve sua primeira paixão, quando teve o coração partido. Diana sempre cuidou da galinha, mesmo quando esta foi mordida por uma raposa ou quando prendeu a perna numa cerca enferrujada. Eram melhores amigas e ponto final.

Entretanto as horas passavam e faltava pouco tempo para que suas penas voassem pelo cômodo e sua carne suculenta fosse servida na ceia de Natal. A galinha, porém, acompanhara Diana a vida inteira e sabia que agora, principalmente agora, ela não a abandonaria. Afinal, eram melhores amigas.

E sentindo uma mão imaginária sufocando seu pescoço, quase como se já tivesse chegado a hora do abate, viu o machado — frio como a morte - entrando na cozinha. E quase

Page 125: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

124

como se a mão assassina tivesse se esvaído, viu os olhos benevolentes de Diana entrando na cozinha. Era isso, estava salva. Diana estava lá.

Diana levantou a mão e aninhou o animal nos braços, saindo da cozinha. Com um rápido suspiro, levantou a mão como se deixasse a galinha ir embora. Uma. Duas. Três torcidas. Ouviram-se os estalos pela casa toda. Pegou o machado e foi rápida. Os cabelos se misturaram com o sangue que espirrou. Ninguém falou nada. Porque, afinal, eram melhores amigas.

Page 126: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

125

o bom filho a casa torNa

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Marco Antonio Mascaro Yazbek & Paloma Lazzaro Saliba,a partir da introdução do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.

Page 127: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

126

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Pensava ela em que receita se transformaria. Seria a galinha um ensopado ou um suculento filé grelhado? Não sabia. Bicou uma de suas asas para medir sua “suculência”, mas só havia pena e osso.

Uma esperança inundou a cabeça da galinha quando ela percebeu que podia escapar, fingindo-se de morta.

Botando seu plano para funcionar, a empregada da família aparece. Mulher gorda, cabelos “turbulantes”. Ia andando com gingado de pata por entre o fogão de lenha e a mesa de madeira em estilo rústico. Mesmo sendo feito de azulejo, o chão estremecia quando a empregada andava. Observou a galinha no fundo do quintal, que se encontrava imóvel, com um olhar fixo no céu, e disse:

— Dona Natasha, a galinha está morta! Não vai prestar para nada, vai que tá com verme!

A patroa chegou rapidamente, com seu cachorro lulu da Pomerânia em seus braços. Vestia um roupão, com pelos até os dentes, que balançavam enquanto ela descia as escadas longas de sua mansão.

— Como assim morreu, Cleide? — A empregada não sabia o que fazer - Meu filho chega da França em algumas horas! Faz mágica, chama Alá, Deus, mas reviva essa galinha!

O cachorro olhou a galinha de longe e pulou dos braços

Page 128: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

127

da dona, indo averiguar. Começou a cheirar a galinha e a latir. A galinha achava que fora descoberta, mas a madame só o pegou de volta e subiu as escadas.

A empregada, mais inteligente que a patroa, foi buscar outra galinha no galinheiro, e voltou a trabalhar.

A galinha percebeu que não ia durar muito tempo se continuasse lá, então tentou fugir.

Começou a bater as asas e a voar sobre os muros enormes da casa. Enquanto estava naquele voo frenético, sentiu uma dor forte na asa que ela mesma bicara, e então caiu.

Tentou cavar um buraco, mas engasgou com a terra e quase chamou a atenção de Cleide.

Com raiva, voou por cima do muro e fugiu.

Quando percebeu que estava livre, cacarejou alto chamando a atenção de Cleide.

No almoço, o filho adorou o filé de frango grelhado...

Page 129: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

128

Pobre galiNha

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Matheus Pereira Santiago & Pedro Ricardo Gava Rubio,a partir da introdução do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.

Page 130: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

129

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não pas-sava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nun-ca se adivinharia nela um anseio.

O menino mais novo da casa, ainda que uma criança, já es-tava ciente do triste destino da galinha. Embora tenha sido ele quem escolhera o animal no galinheiro, logo se arrependeu, ao vê-lo amedrontado no canto da cozinha. Perplexo por seu sentimento de culpa, o garoto se aproximou da galinha, algo que ninguém na casa se preocupara em fazer.

— Oi, meu nome é Maurinho — disse o garoto, com a in-sensata esperança de que a galinha conseguisse compreendê-lo.

Ao observá-la, cautelosamente para ela não se assustar, pôde perceber um grave corte em sua coxa, feito pela cozi nheira para evitar uma possível fuga.

Com a culpa aumentando, o garoto quis convencer a co-zinheira a desistir de cozinhar o pobre animal.

— Podemos não comer essa galinha hoje? — perguntou o garoto.

— Mas por quê? - respondeu a cozinheira com outra per-gunta.

— É que estou sentindo um pouco de dó dela. — Então tudo bem, cozinharei o frango que comprei no

mercado outro dia. Meio-dia, o almoço começou. O menino, cheio de felici-

dade por não estar comendo a galinha, apreciava o frango su-postamente do mercado.

Ao observar melhor a coxa do frango, um pequeno detalhe passou a intrigá-lo...

Page 131: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

130

Page 132: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

131

131

Page 133: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

132

ILUSTRANDO O CONTANDO

Os alunos dos 9os anos ilustraram, individualmente, trechos (início, meio ou fim) dos contos de Clarice Lispector: Amor, Feliz Aniversário, Tentação e Uma galinha. Antes de iniciar a produção, os alunos leram na íntegra o conto escolhido.

Treze ilustrações que melhor retrataram os contos da autora homenageada do Contando, Clarice Lispector, foram escolhidas pelas professoras do Departamento de Arte.

Amor

Eu achei legal participar do Ilustrando. Nos chamaram durante a aula de Português e ninguém sabia por que nós estávamos sendo chamados. Quando chegamos, nos contaram que havíamos sido escolhidos. Foi bem legal e inesperado.Dora Pereira de Souza Camareiro

Gostaria de agradecer os professores por terem escolhido meu trabalho, que fiz com muita dedicação. Adorei participar e fiquei muito honrada em ter ganhado.Isabela Meniconi

Page 134: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

133

Feliz aniversário

Foi uma grande honra participar de um concurso tão disputado, sempre gostei de desenhar e, para mim, ganhar foi extremamente gratificante. Tenho a sensação de ter sido reconhecido por algo que gosto de fazer. Gostei de ter ganhado, mas o mais importante foi ter participado.Lucas Nunes Mintorelli

Gostei de ganhar, o projeto foi empolgante, fiz meu desenho com muito carinho. Obrigada aos professores.Viviane Francisco Rocha

Desde pequena eu sempre gostei muito de desenhar e, quando a professora disse que teria um concurso de ilustrações, fiquei muito animada. Quando ela anunciou os ganhadores, não esperava ganhar, mas ela disse meu nome. Fiquei um pouco em choque e depois muito feliz!Alexia Rodopoulos Campedelli

Page 135: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

134

Durante o processo do concurso, eu conheci muito sobre a Clarice Lispector. Ao receber a notícia de que eu havia ganhado o Ilustrando eu “fiquei nas nuvens” e muito surpresa. Essa experiência foi muito gratificante e inesquecível, eu simplesmente amei a oportunidade de poder homenagear uma escritora maravilhosa, que é a Clarice Lispector! Gostaria de agradecer às minhas professoras Sophia e Lúcia por terem me ajudado nesse lindo projeto!Rafaella de Aguiar Vannucci

Amei ter ganhado o Ilustrando pelo fato de eu adorar desenhar. Me senti muito surpresa e, ao mesmo tempo, animada. Acho o Ilustrando um projeto muito interessante que deve continuar a ser feito, pois incentiva mais pessoas a terem criatividade.Anna Luiza Longobardi Maldonado

Gostei muito de participar do Ilustrando, foi divertido e importante para o meu aprendizado. Fiquei surpreendida, pois, apesar de pensar muito no que desenhar, não imaginei que ganharia o Concurso. Amo desenhar e sou grata pela oportunidade. Obrigada, professora Katia Villari.Larissa Ciríaco dos Santos

Page 136: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

135

Tentação

Foi uma surpresa ganhar o Contando. Foi uma experiência muito inspiradora, uma experiência que me aproximou da escrita, da leitura e da história. Com toda a certeza, foi um dos projetos mais divertidos, o qual eu pude fazer em dupla, me envolver e me inspirar. Com isso eu aprendi muito, além de ter sido incrível como pudemos desenvolver um conto a partir dos sentimentos de outra autora, ainda mais uma tão brilhante quanto a Clarice. Participar me fez ter mais vontade de me envolver com escrita e com leitura. Foi algo memorável, que vou lembrar para toda vida.Dafne Mordente Sotiropoulos

Quero agradecer aos profes-sores pelo apoio e pela proposta do concurso. Foi uma ótima experiência participar dele! Sempre gos-tei muito de desenhar e fiquei muito feliz em saber que ganhei o Ilustrando simplesmente fazendo algo que amo! Me sinto honrada!Bárbara Pellegrino Poggetti

Participar do Contando foi uma experiência incrível. Eu nunca havia participado de um concurso de redação antes e foi muito divertido poder fazer parte dele. Eu e minha companheira queríamos muito vencer esse concurso porque significava muito para nós.Também fiquei muito feliz ao ganhar, pois sempre gostei muito de escrever. Definitivamente foi algo único que eu poderei lembrar para sempre.Caroline Candido Feder

Page 137: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

136

Ganhar o Contando foi uma experiência única e extremamente emocionante para mim. Descobrir que de todas as redações dos meus colegas de classe a minha foi escolhida como uma das melhores, é surreal. Desde o início eu e a Agatha tínhamos em mente escrever um conto para ganharmos mesmo, não apenas pela nota, e agora que nossa meta foi alcançada, realmente não consigo acreditar que fomos vitoriosas.Julia Lee

Eu sempre gostei de contos. Esse gênero literário nos dá grande liberdade para criar. Quando conheci o Contando, fiquei muito entusiasmada. Li inúmeros contos da Clarice Lispector e refleti muito para poder escrever. Afinal, dar continuidade à obra de uma sumidade da literatura brasileira, como ela, é uma responsabilidade imensa. Uma parte interessante do concurso são as duplas. Quem mais escutaria minhas reflexões, inicialmente absurdas, senão alguém igualmente envolvido no projeto? Também adorei o fato de que esse concurso acontece paralelamente ao Ilustrando. Combinar a escrita com o desenho é fantástico. Quando recebemos a notícia dos escolhidos, fiquei muito feliz, não podia acreditar. Eu adoro escrever e desenhar, ver meus trabalhos publicados aqui é uma grande honra e resultado não só do meu esforço mas também da parceria com a minha colega e, sobretudo, do incentivo das professoras Sophia e Lúcia. Quisera eu conseguir transformar em palavras a alegria que estou sentindo neste momento. E, por fim, agradeço a Deus por essa grande oportunidade.Juliana Martes Sternlicht

Page 138: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

137

Para mim foi muito importante o concurso, eu gostei muito de participar e fiquei muito feliz ao saber que ganhei. Agradeço muito aos professores o apoio que recebi deles.Isabela Pecora Meluzzi

Eu não esperava ganhar porque eu sempre achei que eu desenhava muito mal, mas foi muito legal, para mim, ganhar. Agradeço a Adriana por ter me ajudado.João Victor Gonçalves

Quero agradecer a todos os professores que me elegeram para o “Ilustrando”. Fiquei muito feliz por ter ganhado o concurso. Muito obrigada por tudo! Desenhar é minha paixão e isso significou muito para mim!Marcela Montellato Franco

Gostei muito de participar, foi uma surpresa muito grande. Estou muito honrado de ter ganhado e gostaria de agradecer minha mãe, minha professora de Arte Adriana e a todos os meus amigos.N’zembo Ivanilson da Costa Pitta Grós

Uma galinha

Page 139: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

138

138

Page 140: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

139

EXPRESSANDO

139

Page 141: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

140

Desde pequena, queria publicar um livro. Escrever, para mim, sempre foi um modo de me expressar, e ganhar o Contando me incentivou a correr atrás desse sonho.Ana Paula Bisson Bensi

Lembro-me do dia em que me tornei escritora. Foi aos 5 anos, com um poema para a minha mãe. Ela o leu, derramou algumas lágrimas orgulhosas, e, como uma boa mãe coruja, guardou-o na carteira para admirá-lo quando sentisse o coração apertar de saudades. Foi a minha maior vitória como escritora, o reconhecimento da pessoa que mais amo. Ganhar o Contando foi uma lágrima de reconhecimento materno, uma experiência única de ser parabenizada pela arte que produzi. Gostaria de agradecer à minha família, que sempre foi a essência do meu ser, e ao Colégio por me proporcionar uma experiência tão satisfatória.Agatha Schwartzmann

CONTANDO

Contando, um concurso, por assim dizer, que abre portas aos participantes, que podem mostrar a todos como pensam, como se sentem.Uma ótima ideia que ajuda muitas pessoas a se revelar e se mostrar a todos. Espero que o projeto continue e que abra muitas portas para muitas pessoas.André Casara Luz

Page 142: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

141

Além do Contando, existem todos os Concursos de Redação. São eles que fazem a graça dos competidores, envolvendo não apenas uma questão de nota, mas sim de diversão e de competitividade. Com eles, podemos aprender a pensar rápido e a administrar o tempo.André Garcia Padilha

Eu achei que o Contando apresentou uma proposta muito bem elaborada e desenvolvida. Já que foi um concurso em duplas, pude usar elementos, ideias e vocabulário tanto do meu parceiro, como de mim próprio. O tempo foi suficiente para se desenvolver um texto bom e claro. A premiação também me parece muito legal e criativa. O Contando foi uma ótima experiência.Arnaldo Donardi Marçula

Participar do Contando está sendo uma experiência incrível da qual me lembrarei durante toda minha vida. Não apenas por ser um evento maravilhoso, mas também pelo fato de escrever ser minha paixão. Quando escrevo, parece que minha vida para e começo a viver o que está escrito no papel. Ganhar o concurso foi um sonho que se realizou, mas certamente não seria capaz de tal façanha sem contar com a ajuda das minhas professoras de Português e da minha parceira, Isabella. Escolher entre os contos de Clarice Lispector foi difícil, pois eram todos ótimos. Gostaria de agradecer a todos que me proporcionaram a honra de ser uma das escolhidas.Annick Arruk Nicoli

Page 143: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

142

Apenas a ideia da honra que é estar presente no livro do Contando 2015 me encanta. Escrever para o Contando foi muito mais do que uma simples experiência. Foi incrível me aproximar dos contos da Clarice e a experiência me fez crescer como pessoa. Envolvi-me, me emocionei e nunca escrevi pensando em prêmios. Digo que nunca escrevi pensando em prêmios, pois, para mim, escrever é muito mais do que isso. É mais do que simples palavras soltas e histórias. Escrever é colocar nas palavras sentimentos, emoções e angústias de escritor que só os leitores entendem. É isso que cada escritor espera. Que suas palavras sejam compreendidas como sentimentos e alcancem o leitor, seja com um sorriso ou uma lágrima. Escrever é a porta da alma.Bruna Spina Papaleo

Não gosto de redação, mas o Contando me deu a chance de explorar melhor minha criatividade e compartilhá-la com minha amiga, o que me deixou feliz. Adorei vencer, apenas não gostei de ter que tirar uma foto minha para o livro.Celine Hee Yeon Lee

Participar do Contando foi uma experiência incrível. Eu nunca havia participado de um concurso de redação antes e foi muito divertido poder fazer parte deste. Eu e minha companheira queríamos vencer esse concurso porque significava muito para nós e também fiquei feliz ao ganhar, pois sempre gostei muito de escrever. Definitivamente, foi um acontecimento único que eu poderei lembrar para sempre.Caroline Cândido Feder

Page 144: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

143

O Contando foi uma experiência muito inspiradora, que me aproximou da escrita, da leitura e da história. Com toda a certeza, foi um dos projetos mais divertidos, que eu eu pude fazer em dupla, me envolver e me inspirar. Com isso eu aprendi muito, além de ter sido incrível como pudemos desenvolver um conto a partir dos sentimentos de outra autora, ainda mais uma tão brilhante quanto a Clarice. Participar me fez ter mais vontade de me envolver com a escrita e com a leitura. Foi algo memorável, que eu vou lembrar para toda vida.Dafne Mordente Sotiropoulos

Gostei muito do Contando. Foi muito legal já que pude trabalhar em dupla. O texto fica melhor quando se trabalha com a pessoa certa, isso resulta em mais ideais, mais palavras novas. Estou ansioso para receber o prêmio, achei uma experiência boa para aprendermos a trabalhar em dupla, superamos divergências em relação às ideias e ganhamos.Eduardo Ramella

O Contando foi uma ótima experiência para mim. Tivemos a chance de escrever um conto a partir de um trecho tirado de uma história de Clarice Lispector, uma fantástica escritora. Acho que esse projeto abriu muitas portas na minha mente, pois tivemos que criar um final totalmente diferente do conto original, o que foi um desafio. Eu adorei termos ganhado esse concurso e acho que foi uma maravilhosa oportunidade.Estela Sant´Anna de Freitas Guimarães

Page 145: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

144

Participar do Contando foi um desafio desde o início. Vencer foi gratificante e incentivador, pois escrever é algo que eu sempre gostei de fazer. Fernanda Chiodo Soler

Me senti muito contente e surpresa por ter vencido esse concurso! Foi uma experiência muito boa e divertida que nos deixou desenvolver nossa criatividade e imaginação. Gostei bastante de aprender mais sobre a Clarice! Espero que ela esteja se revirando de felicidade onde quer que esteja (como diria professora Sophia, a quem devo agradecer minha vitória)! Também quero deixar uma mensagem para os próximos concorrentes: vocês podem ganhar, é só ter força de vontade! Fernanda de Oliveira Ribeiro

O Contando foi um projeto muito interessante e envolvente, pois pudemos usar o quanto quiséssemos de nossa imaginação para criar um conto a partir de trechos de Clarice Lispector, o que nos fez sentar e refletir como se fôssemos escritores. Fiquei muito feliz ao saber que fui uma das vencedoras do Concurso, um grande mérito que levarei para a vida toda.Gabriela Sobrinho Marcondes

Adorei participar desse concurso; além de ser o primeiro de que participo, ainda consegui ganhar! Fiquei muito feliz em poder dar esse prazer orgulhoso para mim e para meus pais. Ganhar esse prêmio graças ao meu esforço e a minha dedicação me deixou emocionada. Obrigada a todos os professores do departamento Língua Portuguesa e especialmente à professora Katia.Gabriella Ganut Alvarez

Page 146: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

145

O Contando foi um concurso muito interessante de participar. Gostei muito de poder escrever um texto partindo de introduções de contos de Clarice Lispector. Só de poder criar uma redação partindo de seu trabalho, é muito especial. Saber que ganhei o concurso foi mais especial ainda.Giovana Domingues Guimarães

Sem a ajuda dos professores e da minha intrépida companheira literária, Isabella, nunca teria conseguido escrever este conto. Muito obrigada e parabéns a todos os participantes do Contando! Como dizia Clarice: “Minha liberdade é escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo’’.Giullia Garcia dos Santos

Eu adorei participar do Contando! Foi muito divertido poder fazer o trabalho em dupla, porque assim pudemos trocar ideias e ver a mesma história sob pontos de vista diferentes. Durante o trabalho, passamos por algumas dificuldades, mas, no final, deu tudo certo. Eu fiquei muito feliz por ter ganhado, pois, desde que aprendi a escrever, sonho em ser uma escritora e só de saber que eu vou ter um pedacinho do livro para a minha história já é como um sonho realizado! Só de ver minhas história, mesmo que em poucas páginas, no livro do vencedores, me faz sentir que meu sonho está cada vez mais perto e eu quero agradecer ao Colégio por todas essas oportunidades. Além disso, eu adoro escrever contos porque neles podemos deixar a imaginação livre e fugir um pouco do mundo real. Espero que o Contando dure muitos anos para que os próximos nonos também possam passar por essa experiência, que, com certeza, vou carregar para sempre comigo!Heloísa Helena de Paula Cunha

Page 147: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

146

Adorei a ideia de poder participar do concurso em dupla. Achei as propostas incríveis e nem imaginava por onde começar com tantas ideias em minha cabeça. Quando a professora chamou o meu nome e o da minha parceira, não acreditamos, no começo, que tínhamos vencido. O concurso foi uma grande oportunidade de aprender mais sobre Clarice Lispector e de nos aprofundar em seus ótimos textos.Isabella Muniz Monteiro

Eu gostei muito da experiência de participar do “Contando 2015”. É diferente dos outros concursos, pois você trabalha em dupla. Sinceramente é uma atividade muito legal já que você escreve com seu (sua) amigo (a). Todos que participaram, ganhando ou não, tiveram uma chance de ter o conhecimento de outras formas de pensar e escrever (e serve como uma ferramenta, pois teremos outras redações durante o ano). No geral, foi muito divertido.Isabella Pletsch Venturella

Ganhar o Contando foi um sonho! Quando descobri que ganhei, fiquei tão feliz que não conseguia pensar em mais nada senão nisso. Os contos da Clarice Lispector são maravilhosos, e não seria possível realizar esse trabalho sem a inspiração que eles me proporcionaram e a ajuda de minha parceira, Annick. Acima de tudo, gostaria de agradecer às professoras de Português pela ótima oportunidade e por me ensinarem tudo o que sei, além de reconhecerem a minha grande paixão que é escrever. Isabella Salles de Souza Santos

Eu gostei muito de ter participado deste concurso, nunca passou pela minha cabeça a ideia de ser escolhida, mas o que valeu mesmo foi ter como inspiração um belíssimo texto de uma grande escritora. Quando a professora nos chamou e disse que ganhamos, fiquei parada por um instante raciocinando o quanto aquilo era importante. Eu realmente fiquei emocionada. Valeu muito a pena toda essa experiência.Isabella Verri Medici

Page 148: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

147

Foi uma honra participar do “Contando” e agradeço a escolha do nosso texto como um dos vencedores. Eu e a minha parceira ficamos atônitas ao saber que a nossa redação ganhou, pois dentre vários outros textos que também foram bem escritos, o nosso foi escolhido. Para ser sincera, foi uma experiência bem similar à das outras redações que nós fazemos em classe (um pouquinho mais pressionada, tenho que dizer). Mas de qualquer forma, valeu a pena, pois eu e minha parceira não podíamos estar mais contentes e gratificadas de ter ganhado o concurso que homenageia uma escritora tão maravilhosa e criativa como a Clarice Lispector.Júlia Corregiari Ponciano

Ganhar o Contando foi uma experiência única e extremamente emocionante para mim. Me surpreendo ao descobrir que de todas as redações dos meus colegas de classe a minha foi escolhida como uma das melhores, é surreal. A princípio eu e a Agatha tínhamos em mente escrever um conto para ganharmos mesmo, não apenas pela nota, e agora que nossa meta se realizou, realmente não consigo acreditar que fomos vitoriosas.Julia Lee

Participar do Contando foi muito bom, sempre gostei da Clarice Lispector e do seu trabalho e foi muito bom participar do concurso no ano em que ela é homenageada. Acho que ganhar foi muito gratificante, ainda mais que o nosso texto teve como ponto de partida um trecho de um conto de Clarice Lispector.Lara Hossepian Hojaij

Quando recebi a notícia de que havia ganhado o Contando, me senti literalmente realizada, pois tive a oportunidade de expressar minha imaginação continuando de uma forma tão diferente, um dos incríveis contos de Clarice.Laura Frega Ricca Parolin

Page 149: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

148

Quando era mais nova, meu sonho era ser escritora. Sempre gostei muito de escrever e a cada redação é uma nova forma que eu encontro de desenvolver meu gosto pela escrita. A leitura também sempre fez parte de minha vida e, ao começar a ler os contos, descobri um novo gênero literário que me cativou. Escrever a continuação de um conto, principalmente sendo de Clarice Lispector, uma escritora de quem eu sempre gostei, foi uma grande aventura. Não pensei que fosse ganhar o Concurso, uma vez que o meu conto era um no meio de um milhão, mas descobri que minhas expectativas estavam erradas. Ganhar o Contando me motivou a voltar a escrever minhas pequenas histórias, e acredito que novas portas foram abertas em minha mente, todas prontas para serem exploradas, me levando para vários mundos diferentes e esperando para serem descritas em minhas histórias.Laura Meiken Morelli

Eu sempre gostei de contos. Esse gênero literário nos dá grande liberdade para criar. Quando conheci o Contando, fiquei muito entusiasmada. Li inúmeros contos da Clarice Lispector e refleti muito para poder escrever. Afinal, dar continuidade à obra de uma sumidade da literatura brasileira, como ela, é uma responsabilidade imensa. Uma parte interessante do concurso são as duplas. Quem mais escutaria minhas reflexões, inicialmente absurdas, senão alguém igualmente envolvido no projeto? Também adorei o fato de que esse concurso acontece paralelamente ao Ilustrando. Combinar a escrita com o desenho é fantástico. Quando recebemos a notícia dos escolhidos, fiquei muito feliz, não podia acreditar. Eu adoro escrever e desenhar, ver meus trabalhos publicados aqui é uma grande honra e resultado não só do meu esforço, mas também da parceria com a minha colega e, sobretudo, do incentivo das professoras Sophia e Lúcia. Quisera eu conseguir transformar em palavras a alegria que estou sentindo neste momento. E, por fim, agradeço a Deus por essa grande oportunidade.Juliana Martes Sternlicht

Page 150: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

149

Foi muito bom ter participado do concurso Contando. Foi uma experiência muito legal. A minha dupla deu muito certo e nós concordávamos com tudo e nossa imaginação ficou mais fértil ainda. Espero poder trabalhar mais vezes assim. Obrigada à Escola por nos dar essa oportunidade tão maravilhosa e obrigada aos professores por sempre nos ajudaram. É muito importante que possamos expressar nossas ideias e nossa imaginação e deixá-las escritas para que os outros também se sintam inspirados.Manuela Glória Catarozzo

Para mim, ganhar o Contando não foi uma tarefa fácil, eu tive que me empenhar desde que eu fiquei sabendo que haveria o concurso. Eu dei o meu melhor e escrevi a melhor história que pude imaginar.Marco Antonio Mascaro Yazbek

Quando pensei em meu texto para o Contando, eu estava muito animada e queria muito ganhar o concurso. Quando ganhamos fiquei muito feliz, percebi que o concurso não se tratava só disso, mas também de podermos explorar nossa incrível e ilimitada imaginação para criar contos e histórias.Luisa Frega Ricca Parolin

O Contando foi uma oportunidade única de sairmos da nossa realidade e escrever uma continuação para um dos quatro incríveis contos da grande autora Clarice Lispector. O Conto é um dos gêneros de redação de que eu mais gosto e que aprecio, pois tenho que prestar atenção para escrever um conto fictício. Sendo assim, o resultado foi um texto fantástico com muitos detalhes que deixaram a história mais interessante. Eu gostei muito do que nos propuseram a escrever, pois os quatro contos sugeridos são maravilhosos e inspiradores.Maria Fernanda Marinho Vitório

Page 151: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

150

Para mim e para minha companheira, foi muito bom e gratificante ganhar o Contando porque a gente realmente se esforçou bastante na redação; mesmo assim, eu não esperava ganhar, então foi muito bom e será muito bom também ter o nosso conto em um livro. Maria Luiza Lima Gonçalves Pacheco e Oliveira

Eu adorei participar do Contando foi bem divertido trabalhar em dupla! Nós tivemos um pouco de dificuldade para decidir com qual início iríamos trabalhar, mas no final deu tudo certo!Mariana Ballalai Bordon

Eu adorei participar do Contando e foi uma experiência incrível ter minha produção sendo premiada; eu queria muito, pois já é o segundo prêmio de redação que eu ganho, e isso é muito importante, significa muito para mim, já que, quando crescer, quero me tornar uma jornalista de muito sucesso e para isso preciso escrever bem. Ganhar mais um prêmio de redação me motiva ainda mais a seguir a carreira.Marina Galvão de Barros Villalobos Bueno

Estou muito feliz de ter ganhado o Contando. E, entre muitas produções, ter a nossa como uma das escolhidas. Demos sequência ao conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.Matheus Pereira Santiago

Page 152: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

151

Foi uma experiência imensa poder participar desse projeto e ainda mais poder ganhar; uma honra poder dar sequência a um texto de uma escritora tão renomada como Clarice Lispector. Poder sentir um pouco como é ter essa vida tão cobiçada de escritor foi maravilhoso...Miguel Bogdan Leão Bruno

É sempre ótimo criar uma nova história para o mundo, jogar suas palavras livremente no papel e se surpreender em como as suas ideias se completam no final. O grande diferencial do Contando foi o trabalho em duplas que, para mim, é sensacional. Espero que o projeto continue, e que outras classes tenham a chance de se divertir escrevendo seus contos. Natalia Von Staa Mansur

Eu gostei muito de participar do Contando, pois escrevo scripts de filmes. Estou genuinamente feliz por ter meu conto como um dos ganhadores, pois eu trabalhei duro para elaborar e escrever esta história. Gostaria também de agradecer a minha tutora, a excelentíssima professora Katia Villari.Paloma Lazzaro Saliba

Ser um dos vencedores do Contando, com certeza, me contenta muito, não só por estar vencendo um concurso, mas por perceber que posso dominar a língua portuguesa. Espero que o concurso tenha servido de inspiração para muitos alunos e que os faça perceber que têm capacidade de dominar a língua e, possivelmente de se tornarem escritores.Pedro Ricardo Gava Rubio

Page 153: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

152

Quando escrevi esse texto com meu amigo, colocamos todas as nossas emoções no papel esperando, por uma mínima chance, ganhar o concurso. Achava que não seriamos capazes de ganhar, e, quando soube dos vencedores, tive a sensação de “missão cumprida” e de felicidade. Foi muito bom participar do Contando!Stephany Pecho e Souza

Senti-me muito feliz ganhando o concurso! Achei muito legal, foi bem divertido e nos deixou soltar nossa criatividade, além de incentivar a leitura dos contos da maravilhosa Clarice! Espero que tenham mais propostas como essa no futuro e, para aqueles que pretendem ganhar nos anos seguintes, o segredo é deixar a mente livre e ter determinação!Vitória Brinker Cunha

Participar do Contando foi uma experiência muito gratificante, principalmente se pensarmos que estamos criando um texto que apresenta um inicío de um dos contos de Clarice Lispector, uma grande escritora da literatura brasileira. Ficamos surpresas ao ganhar o Contando, pois no começo estávamos com dificuldade para escrever e nunca pensaríamos que pudéssemos ganhar um concurso desse. Aprendi que tudo é possível se realmente quisermos. Levaremos isso para a vida toda.Rafaela Cestari Gomes

Page 154: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

153

A importância da maternidade Clarice Lispector

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que co-nheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Page 155: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

154

154

Page 156: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

155

155

Page 157: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

156

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas seus pais imigraram para o Brasil pouco depois. Chegou a Maceió com dois meses de idade, com seus pais e duas irmãs. Em 1924 a família mudou-se para o Recife, e Clarice passou a frequentar o grupo escolar João Barbalho. Aos oito anos, perdeu a mãe. Três anos depois, transferiu-se com seu pai e suas irmãs para o Rio de Janeiro.

Em 1939, Clarice Lispector ingressou na faculdade de direito, formando-se em 1943. Trabalhou como redatora para a Agência Nacional e como jornalista no jornal “A Noite”. Casou-se em 1943 com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem viveria muitos anos fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo, este último afilhado do escritor Erico Verissimo.

Seu primeiro romance foi publicado em 1944, “Perto do Coração Selvagem”. No ano seguinte, a escritora ganhou o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois publicou “O Lustre”.

Em 1954, saiu a primeira edição francesa de “Perto do Coração Selvagem”, com capa ilustrada por Henri Matisse. Em 1956, Clarice Lispector escreveu o romance “A Maçã no Escuro” e começou a colaborar com a Revista Senhor, publicando contos.

Separada de seu marido, radicou-se no Rio de Janeiro. Em 1960, publicou seu

CLARICE LISPECTOR____ BREVE BIOGRAFIA ____

156

Page 158: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

157

primeiro livro de contos, “Laços de Família”, seguido de “A Legião Estrangeira” e de “A Paixão Segundo G. H.”, considerado um marco na literatura brasileira. Sua carreira literária prosseguiu com os contos infantis de “A Mulher que matou os Peixes”, “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” e “Felicidade Clandestina”.

Nos anos 1970, Clarice Lispector ainda publicou “Água Viva”, “A Imitação da Rosa”, “Via Crucis do Corpo” e “Onde Estivestes de Noite?”. Reconhecida pelo público e pela crítica, em 1976 recebeu o prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra.

No ano seguinte, publicou “A Hora da Estrela”, seu último romance, que foi adaptado para o cinema, em 1985.

No dia 9 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, morreu Clarice Lispector aos 57 anos.

157

Page 159: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

158

158

Page 160: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

159

159

Page 161: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

160

Page 162: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

161

coNtaNdo 2007 coNtaNdo 2008 coNtaNdo 2009

coNtaNdo 2010 coNtaNdo 2011 coNtaNdo 2012

coNtaNdo 2015coNtaNdo 2013 coNtaNdo 2014

Page 163: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

PRESIDENTE:JOSÉ LUIZ FARINA

DIRETORA-GERAL PEDAGÓGICA:PROFª SILVANA LEPORACE

ASSISTENTE DE DIREÇÃO (8OS E 9OS ANOS):PROF. LUÍS PATRÍCIO RAUL ARRIAGADA SANCHO

COORDENAÇÃO-GERAL PEDAGÓGICA:PROFª SANDRA TONIDANDEL

COORDENAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA:PROFª MARIA CLEIRE CORDEIRO

COORDENAÇÃO DE ARTE:PROFª MARIA BEATRIZ PEROTTI

COORDENAÇÃO-GERAL DE TECNOLOGIAPROFª VALDENICE MINATEL MELO DE CERQUEIRA

ORIENTADORA EDUCACIONAL (9OS ANOS):PROFª CLAUDIA MARIA DURAN MELETTIPROFª THATIANA SEGUNDO GERENTE DE MARKETING:FERNANDO LOPO HOMEM DE MONTES SUPERVISOR DO DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAL:JOÃO FLORENCIO SOUZA FILHO

SUPERVISORA DO DEPTO. DE EDITORAÇÃO/GRÁFICA:VANNIA CHIODO SILVA

162

FICHA TÉCNICA

CORPO DOCENTE - LÍNGUA PORTUGUESA:PROFª KATIA MARIA CAMARGO VILLARI PROFª SOPHIA MARIA VISCONTI CORPO DOCENTE - ARTE:PROFª ADRIANA D’AGOSTINHO PROFª LÚCIA JUNQUEIRA CALDAS L. OLIVEIRA

CORPO DOCENTE - TECNOLOGIA:PROFª ADRIANA DE FREITAS SEBASTIÃOPROFª CELIA REGINA GOULART DA SILVAPROFª KARINE GUARACHO

PROJETO GRÁFICO:JOYCE BUITONITHIAGO XAVIER MANSILLA MALDONADOVERÔNICA MARTINS CANNATÁ

FOTO CAPA - CLARICE LISPECTORPAULO GURGEL VALENTE

FOTOS:ACERVO - COLÉGIO DANTE ALIGHIERI

LIVRO DIGITAL:DAVID HENRIQUE DA CUNHA PEREIRA THIAGO XAVIER MANSILLA MALDONADO

DEPARTAMENTOS ENVOLVIDOS:ARTEAUDIOVISUALEDITORAÇÃO E GRÁFICALÍNGUA PORTUGUESA MARKETINGTECNOLOGIA DA INFORMAÇÃOTECNOLOGIA EDUCACIONAL

Page 164: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

Créditos finais: Todas as fotos, informações e depoimentos publicados neste livro cedidos

por terceiros somente foram utilizados após a expressa autorização de seus proprietários. Agradecemos a gentileza de todas as pessoas e empresas que,

com sua colaboração, tornaram essa produção possível.

Distribuição:O livro “Contando com Clarice Lispector: os melhores contos do Dante

2015” é distribuído gratuitamente. Não é autorizada a comercialização deste em banca, livraria, loja ou qualquer outro espaço comercial por parte de

pessoa física ou jurídica.

Reprodução: É proibida a reprodução total ou parcial deste livro. Nenhuma pessoa física ou jurídica está autorizada a representar, promover ou se pronunciar em nome deste livro ou de seus responsáveis. Esta proibição é válida dentro e

fora do território nacional.

Tiragem: 300 exemplares

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1061 - CEP 01420-001 - SP

Tel.: (11) 3179-4400 - Fax: (11) 3289-9365www.colegiodante.com.bre-mail: [email protected]

163

Page 165: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

164

Page 166: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

165

REFERÊNCIAS

Colégio Dante Alighieri. Contando 2015. Disponível em http://www.colegio-dante.com.br/escola/webquest/fund_ii/contando/. Acesso em 19 maio 2015.

Lispector, Clarice. Amor. Disponível em http://www.releituras.com/clispec-tor_amor.asp. Acesso em 19 maio 2015.

Releituras. Feliz Aniversário. Disponível em http://www.releituras.com/clispector_aniversario.asp. Acesso em 19 maio 2015.

________. Uma galinha. Disponível em http://www.releituras.com/clispec-tor_galinha.asp. Acesso em 19 maio 2015.

Tiro de letra - Mistérios da criação literária. Tentação. Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/conto_canino/Tentacao-ClariceLispector.htm. Aces-so em 19 maio 2015.

UOL Educação. Clarice Lispector. Disponível em http://educacao.uol.com.br/biografias/clarice-lispector.jhtm. Acesso em 19 maio 2015.

Page 167: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

Este livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram

estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de belíssimos

contos de Clarice Lispector.

As narrativas foram criadas em duplas, e as melhores estão publicadas neste livro.

COLÉGIO DANTE ALIGHIERI Alameda Jaú, 1061 - CEP 01420-001 - SP

Tel.: (11) 3179-4400 - Fax: (11) 3289-9365

www.colegiodante.com.br

Conta ndo

Co

nta

nd

o c

om

Cla

ric

e L

isp

ec

tor

Os melhores contos de 2015

20

15

Contando com

Page 168: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

5

Não quero ser entendida; quero ser amada

Clarice Lispector

Page 169: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

7

Ideal de VidaClarice Lispector

“Um nome para o que eu sou, importa mui-to pouco. Importa o que eu gostaria de ser.

O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadei-ra chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.

[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procu-ra o que profundamente se sente e usa a pala-vra que o exprima.

É pouco, é muito pouco.”

Page 170: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

9

Agradecemos aos Departamentos de Audiovisual, de Editoração/Gráfica, de Marketing e de Tecnologia da Informação pela parceria na execução deste projeto.

Agradecemos especialmente ao Presidente, Dr. José Luiz Farina, e à Diretora-Geral Pedagógica, Profa Silvana

Leporace, a possibilidade da realização desta obra.

Departamentos de Arte, de Língua Portuguesa e de Tecnologia Educacional

Page 171: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

11

Caro(a) aluno(a),

Esperamos que você tenha gostado da experiência e que tenha

percebido a magia que envolve o mundo da ficção. A palavra pode ser

sua aliada por toda a vida. Continue fazendo suas leituras e

lembre-se de que o ato de escrever nos transporta para mundos

maravilhosos onde podemos realizar nossos sonhos mais secretos.

Professoras de Língua Portuguesa

Page 172: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

13

Este é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. O concurso foi elaborado pelas professoras de Língua

Portuguesa e de Arte em parceria com o departamento de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri.

Todos os alunos dos 9os anos de 2015 participaram desta competição que, neste ano, tem um significado muito especial. Eles foram estimulados a criar seus próprios

textos e a ilustrá-los a partir de contos de Clarice Lispector.

Os contos foram criados de forma colaborativa, em duplas, e os melhores estão publicados neste livro.

Page 173: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

19

Maria Cleire CordeiroCoordenadora do Depto. de Língua Portuguesa

nos ama a todos, infinitamente.

Lispector. Flor de luz em nossos corações.

Clarice. Haia. Que virou Clarice. “ Quer dizer que você bebe água para não morrer? Pois eu também: escrevo para me manter viva.”

Clarice: flor brilhante. Flor que acende lírios em nossa alma.

Obrigada, Clarice.

Page 174: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

22

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e

AMOR

Clarice Lispector

22

Page 175: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

23

era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía

23

Page 176: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2424

então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.

O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.

A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar

Page 177: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

2525

de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.

A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um

Page 178: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

26

mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.

O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.

Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

26

Page 179: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

27

Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.

Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.

Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.

A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.

Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.

Um movimento leve e íntimo a sobressaltou — voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em

27

Page 180: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

28

novo andar silencioso, desapareceu.

Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.

Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.

Ao mesmo tempo que imaginário — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.

As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo.

28

Page 181: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

29

A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.

Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.

Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.

Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava — que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se tremula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de

29

Page 182: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

30

um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. Q sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.

Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lados que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranquilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo — e que nome se deveria dar a sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar um leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas

30

Page 183: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

31

era uma piedade de leão.Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais

pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.

Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d’água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.

Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.

Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas

31

Page 184: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

32

crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.

Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

— O que foi?! gritou vibrando toda. Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu

entendendo: — Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia

cansado, com olheiras.Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior

atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.

32

Page 185: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

33

— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um

estouro, respondeu ele sorrindo.Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde

alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora

diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.

33

Page 186: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

36

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Um homem alto, de cabelos pretos e com bigode da mesma cor, usando roupas caras e chapéu Panamá, sentou-se ao lado de Ana e começou a observá-la com um olhar vidrado. Tentou puxar conversa com ela sobre como o dia estava e sobre as notícias do jornal. Ana, reservada, tímida e séria, ignorou-o. Como o homem era persistente, continuou sua tentativa. No entanto, Ana o interrompeu no mesmo instante alegando estar concentrada em seus pensamentos, pois sua vida estava complicada.

Finalmente o bonde chegou a seu destino, Ana desceu pensando que caminho seguir. Estava em um bairro não muito visitado, onde moravam pessoas simples e moradores de rua. Avistou um deles sentado em uma escada amarela já quase aos pedaços. Ele tinha cabelos compridos, grisalhos e roupas desgastadas e sujas. Ana, mesmo medrosa, se aproximou do homem, ajoelhou-se, entregou-lhe as roupas que havia trazido, água, comida e, mais que isso, abraçou-o.

— Pai, sinto sua falta, não importa onde você esteja, eu sempre vou te amar. Quando puder, vou te tirar deste lugar.

Page 187: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

38

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Estava prestes a fechar seus olhos devido ao cansaço quando avistou, na extremidade esquerda do bonde, um rapaz. Ele era formoso, elegante e principalmente charmoso.

Ana não conseguia parar de olhar para aquele homem, reparou em sua barba bem feita, cabelos escuros e roupas que aparentavam ser de alta costura. Seus olhares se encontraram.

Ela se sentiu um tanto quanto fragilizada, como se tivesse mergulhado na imensidão de seu olhar. Era um sentimento novo, diferente.

Conforme Ana se aproximava de seu destino, sua fascinação aumentava, porém algo a incomodava, o tempo ia passando e, aos poucos, aquela nítida visão do rapaz ficava mais turva.

O bonde parou. Ana desceu, mas quando decidiu dar uma última olhada pela grande janela do bonde, onde estaria o tal rapaz? Ela não viu nada e percebeu que aquilo era apenas uma miragem de uma simples adolescente que sonhava em viver um grande amor. Nesse pouco tempo, Ana percebeu que um coração vazio é capaz de criar coisas inexplicáveis; essas coisas são bonitas demais para ser verdade, e dolorosas demais para ser mentira.

Page 188: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

40

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Vida dura. Trabalho difícil. O pouco que ganhava mal a sustentava. Trabalhava muito, era empregada de uma família rica, mas sovina. Agora, no bonde, o peso do trabalho se somava ao do saco de tricô e se apresentava em ondas contínuas de dor. Era um longo caminho até sua casa, assim poderia descansar um pouco.

Havia um outro peso. Um outro passageiro que não pagara bilhete nem ocupava acento. Esse passageiro clandestino era um estalo de luz na vida escura de Ana. Pequeno como um sonho bom. Dedicara muito sangue e trabalho para criar o pequeno. Mãe solteira, teve de fazer várias horas extras para conseguir pagar as despesas geradas pelo novo companheiro.

Eis que uma idosa se aproxima de Ana. Vestia trajes espalhafatosos. Adornada com joias e um cachecol de grife que não combinava com o calor que fazia na cidade. O que uma senhora distinta como aquela fazia ao se aproximar de uma reles empregada? Foi exatamente isso que Ana se perguntou. Num súbito movimento, a senhora perguntou a Ana se ela e seu filho precisavam de alguma coisa. Talvez estivesse perguntando inocentemente, mas Ana conseguiu encontrar um tom de ironia na pergunta. Sentiu-se ofendida:

— E por que estaríamos? — respondeu, ríspida.

— Avistei-a do outro lado do bonde. Pela sua aparência, achei que fosse uma pedinte. Suas roupas estão surradas. Desculpe, enganei-me. Esta adorável criança lhe pertence? - perguntou com um ar de superioridade.

Page 189: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

41

Ana se enfureceu. Não bastava sua patroa arrogante, ainda vinha uma mulher petulante interromper um momento de descanso, para dar palpite em sua vida. Ana respondeu seca:

— Sim, é meu filho. Dei meu suor e tudo o que eu pude para mantê-lo comigo. É um motivo de orgulho e felicidade para mim.

— Meus sinceros parabéns. É muito gratificante ver uma mulher numa situação tão deplorável, batalhar tanto pelo seu filho... Olhe, tem certeza de que não quer ajuda financeira?

Ana ignorou por um momento. Sabia que aquilo era pura provocação de uma velha elitista. Não sabia aquela preconceituosa que o amor é incondicional; mesmo sem ter muito dinheiro, o amor pelo seu filho poderia mover montanhas, amor é sentimento que não se compra. Ana sabia que, apesar de todas as provações por que já passara e ainda passaria, tudo estaria bem, desde que estivesse com seu filho.

Virou para o lado como se nada tivesse acontecido. A velha não merecia uma lição de moral. Ela podia ter todo o dinheiro do mundo, mas a única coisa que não tinha era a noção e a vivência do que é o amor. Ana podia não ter um tostão no banco, mas era cheia de dignidade no coração por batalhar todos os dias e isso é algo que nem a velha nem ninguém no mundo poderão comprar um dia.

Ela virou a cabeça para a velha, olhou-a no fundo dos olhos. Sentiu pena. Levantou-se do assento com o saco de tricô em uma das mãos e o bebê apertado no peito. Era a parada onde deveria descer. E o fez. Foi-se embora, de cabeça erguida e enriquecida, afinal não era tão pobre assim.

Page 190: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

43

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Ana sempre foi desejada por todos. Tinha cabelos dourados como o sol e um intenso brilho em seus grandes olhos azuis. Porém, alguns meses atrás, seus cabelos se tornaram opacos e o brilho em seus olhos havia desaparecido.

Para ela, o dia era como muitos outros, até que dois passageiros entraram no bonde. Era um casal. Aquela cena lembrava o motivo de sua solidão: seu amado noivo, que havia partido para a guerra. Quando ele mandava cartas, apesar de se sentir sozinha, Ana ficava aliviada.

No entanto, meses atrás, as cartas pararam de chegar e sua solidão se tornou desespero. Passara a ter muitos problemas, falava sozinha, se sentia devastada, abandonada. Só de se lembrar daquilo, Ana ficava abalada. Sua vida não tinha mais sentido.

Enxugou seus olhos e se preparou para sair do bonde, que havia chegado a sua parada. Desceu e tomou seu caminho para casa. Até que, no final da rua, Ana avistou um homem de farda, alto, com cabelos castanhos. Era ele. O homem de sua vida bem em frente aos seus olhos. Ela correu até ele e os dois se abraçaram por um longo tempo.

E lá estava algo único, que não era visto há muito tempo: o brilho em seu olhar.

Page 191: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

45

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

A mulher, de longos cabelos encaracolados, abriu um sorriso, olhando fixamente para o pacote que segurava firmemente em suas mãos brancas. De repente, o bonde deu um tranco, fazendo o pacote cair no chão. Percebendo a situação, um jovem que estava sentado à sua frente, abaixou-se para pegar a sacola. Imediatamente, Ana a puxou de suas mãos, com um ar de desespero.

— Me desculpe, senhora. Não tive a intenção de incomodar — disse o rapaz, assustado.

Ana não respondeu nada, apenas o encarou, analisando-o. Seus olhos tão azuis e brilhantes estavam arregalados, transmitindo insegurança, e suas bochechas sardentas estavam levemente rosadas.

— Oh!— exclamou ela — Eu que peço desculpas. A culpa não foi sua.

Após esse incidente, o trajeto permaneceu tranquilo, apesar da constante troca de olhares entre a mulher e o rapaz.

Então, o bonde deu outro tranco, dessa vez, parando repentinamente. A luz vacilante que iluminava aquele transporte quente e abafado apagou, e Ana agarrou o pacote contra o peito, como se fosse seu filho.

— Senhores passageiros, ocorreu um pequeno problema no funcionamento desse bonde. Por conta disso, teremos que ficar alguns minutos parados até que tudo se resolva — o motorneiro anunciou.

Page 192: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

46

Ana suspirou exausta. Os últimos meses tinham sido muito difíceis para ela, não conseguia dormir ou comer direito.

O jovem, único passageiro além de Ana, a observava curiosamente. Então, lhe disse:

— Posso fazer uma pergunta?

Ela assentiu calmamente.

— O que há dentro dessa sacola?

Ana, cabisbaixa, respirou fundo e se levantou, dirigindo-se até o rapaz.

— São algumas roupas que acabei de comprar... Mas, além disso, tenho algo muito importante, que pertence a minha filha — falou enquanto tirava uma caixa pequena e rosa de dentro da sacola.

Nesse exato momento, o bonde começou a andar, Ana se desequilibrou e a tão preciosa caixa caiu de suas mãos. No instante em que tocou o chão encardido daquele bonde, se abriu, deixando seu conteúdo acinzentado espalhar-se. Uma lágrima fria imediatamente escorreu por seu rosto enrugado.

Eram cinzas... A única lembrança que restara de sua filha.

Page 193: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

48

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Mas isso parecia impossível! Achar conforto naquele banco frio e duro. E com aquele saco de tricô praticamente se desfazendo em seu colo. E, quando menos esperava, PAF! O saco rasgou e as compras se espalharam todas pelo chão do bonde. Sem que percebesse, um gemido de frustração saiu da sua boca.

Naquela manhã de domingo, linda e ensolarada no Rio de Janeiro, ela só queria voltar para casa, já que sua mãe estava a sua espera e à espera das compras.

Um rosto conhecido surgiu em frente aos seus olhos. Não podia acreditar. Era Bruno, seu primeiro e único amor colegial. No entanto, ele estava diferente, seus olhos eram mais profundos e sérios, mas ainda mantinha aquele jeitinho meigo e doce de ser, que derretia qualquer coração, principalmente o de Ana.

Ela ficou perplexa, depois de tantos anos sem vê-lo. Encontrá-lo nessa situação tão embaraçosa... Nada disse ele, apenas acolheu-a ajudando-a a recolher as compras.

Bruno segurou as compras e perguntou:

— Ana, você vai para a casa de sua mãe?

Ana afirmou balançando a cabeça e pensando:”Maldito”. Conhecia-a mais do que ela desejava.

Desceram do bonde e andaram até a casa sem falar nada. Depois de todos aqueles anos, havia tanto para ser dito que não sabiam nem por onde começar.

Page 194: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

49

Em frente da casa, ela lhe agradeceu imensamente e o convidou para entrar. Ele aceitou:

— Ana, não precisa me agradecer. Você sempre soube desde a época em que namoramos que sempre estarei aqui para o que der e vier. Confie em mim.

Foi aí que ela lembrou. Durante todo seu tempo de namoro, Ana sempre o viu muito mais do que uma simples paixão. Para ela, ele sempre foi seu ponto de partida, do qual, por mais que ela tentasse resistir, sempre acabava voltando para o início.

Palavras não foram necessárias, pois ambos sabiam que aquilo era amor.

Page 195: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

51

Ana estava acostumada com as longas viagens do centro da cidade até a sua casa. Olhando pela janela do bonde, viu casais comemorando o Dia dos Namorados com flores, chocolates, tudo o que cada um merecia de melhor. Num momento de nostalgia recordou-se, como em todas as noites, que, um dia, ou melhor, por um tempo, também fora jovem e tivera seu primeiro amor.

Há uns vinte anos, Ana comemorava a data com Pedro, nome que nunca esquecera. Ele era alto, esbelto, moreno de olhos verdes, e é claro, o amor de Ana. Os dois se conheciam desde adolescentes e ela ficara impressionada com a simpatia e gentileza de Pedro e os dois se apaixonaram. Foi amor à primeira vista, não como aqueles de filmes ou novelas, mas Ana podia sentir que era um amor diferente.

Porém toda história tem um vilão, e este era conhecido como Luiza, a irmã de Pedro. A mulher era alta, magra, morena como Pedro e muito protetora, como toda irmã mais velha. Todavia Luiza era diferente, ela era má, segundo Ana.

Luiza nunca aprovou o namoro dos dois. Devido à morte de seus pais, ela era a responsável por Pedro e não aceitava que qualquer outra pessoa passasse a fazer parte da família. Além disso, tinha inveja de Pedro, pois nunca encontrou alguém que a completasse. Por isso, Pedro e Ana decidiram passar um tempo a sós fora da cidade.

Passaram-se dias, semanas, meses e eles não voltavam. Nem notícias davam. Luiza, sofrendo de solidão e depressão, se matou. Ana e Pedro demoraram para receber a notícia, apenas dois meses depois de sua morte, por meio de uma carta de suicídio enviada para o casal, mas já que Luiza não sabia onde eles estavam, a carta demorou um bom tempo para chegar até eles. Dias depois, Ana descobriu que estava carregando uma criança em seu ventre. Pedro mostrou sinais

Page 196: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

52

de felicidade, mas no fundo não estava nada satisfeito. Não queria ter uma criança em sua juventude. Não podia ser pai..

Passados alguns dias sem saber o que fazer, Pedro seguiu o caminho da irmã e interrompeu sua vida. Foi uma morte súbita e inesperada, já que Ana achava que eles estariam juntos não importasse o que acontecesse. Agora Ana estava sozinha, carregando um bebê em seu ventre. O bebê, então, nasceu oito meses depois. Ela sabia que agora tinha uma responsabilidade muito grande, então dava tudo o que tinha para cuidar de Miguel, nome que dera ao bebê.

Ana, após dois meses, decidiu que não podia nem queria ser mãe. Então, resolveu que daria Miguel para a adoção. E foi o que fez. Toda semana, Ana visitava Miguel, mas, quando completou um ano, percebeu que ele se apegaria muito a ela e ela a ele, então parou de visitá-lo.

Muitos anos se passaram, e Ana não recebeu nenhuma notícia de Miguel. Provavelmente fora adotado por pais muito mais capazes do que ela para cuidar de uma criança, de um presente de Deus.

E foi depois de relembrar-se de seu filho que Ana voltou à realidade. Ainda estava no bonde e em seu lado estava sentado um rapaz aparentemente de uns 20 anos, idade que Miguel teria, muito parecido com Pedro e com alguns traços de Ana. Será ele, Miguel, o fruto do amor do casal?

Page 197: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

54

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

O sol refletia o azul de seus olhos. Uma mecha rebelde de seus cabelos escuros e longos fugia de sua trança. O dia estava lindo, sol e poucas nuvens com uma leve brisa típica do Rio de Janeiro. Mesmo assim, Ana ainda tinha um suspiro de meia satisfação.

Ela observava a paisagem, assim como alguém observa a vida, calma e pacientemente. O bonde parou. Algumas pessoas desceram e outras subiram, mas dessas apenas uma lhe chamou a atenção.

Um homem alto e jovem, por volta de seus vinte anos, com seus cabelos claros e olhos mais escuros do que a noite, sentou-se ao lado de Ana. Todo o conforto que buscava ao entrar no bonde se perdeu ao esbarrarem suas mãos.

O bonde partiu. O calor que Ana sentiu ao tocar nas mãos do jovem permanecia ali, intacto. E cada vez mais o único som que Ana ouvia era o da respiração do moço, que parecia ecoar nos trilhos do bonde.

Como se estivesse ouvindo o apelo interior de Ana, o jovem falou com ela:

— Dia lindo, não? — disse tentando puxar assunto.

Antes mesmo de Ana responder-lhe, o bonde parou de forma brusca. Todos desceram. Estavam no meio da floresta da Tijuca, e, com certeza, o socorro demoraria para chegar.

Ana e o moço se levantaram e sentaram ao pé de uma grande árvore e lá ficaram o resto da tarde conversando. Ana,

Page 198: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

55

como se estivesse tirando um peso de suas costas, perguntou seu nome.

Nesse mesmo instante, eles foram interrompidos pelo carro que os resgataria. No meio da confusão, Ana perdeu o moço de vista.

Já tinham consertado o bonde. Ela estava descendo quando foi surpreendida pelo moço, que lhe entregou um bilhete com seu nome e seu endereço.

Voltou para casa com um suspiro de completa satisfação.

Page 199: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

57

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Sempre a mesma coisa, no calor do verão carioca fazia as compras, para logo o vento do bonde em movimento a aliviar.

Seus cabelos grisalhos balançavam, tapando a visão de seu marido.

— Comprou tudo?

— Sim, Vinícius.

— Não esqueceu o leite?

— Não.

— Pão?

— Vinícius, faço isso há muito tempo, sei o que devo comprar!

— E os remédios?

— Não preciso de remédios.

— Precisa sim, vamos voltar — responde o homem já se levantando.

Ana não se moveu. Não queria comprar remédios, e problema de seu marido se não concordasse.

— Ana, você já está caduca, pare com essa teimosia!

— Não preciso de você me dizendo o que fazer! — completou consigo mesma — Afinal, já está morto...

— Se continuar teimando, você logo estará também.

Não era a morte que assustava Ana, era parar de viver.

Page 200: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

58

Com a velhice, há tempos parara de viver. Já não estava mais presente na vida dos poucos que lhe restavam, seus filhos e seus netos, nunca mais ouvira falar deles. Talvez ela não estivesse presente nem em sua própria vida, apenas imersa em seus pensamentos.

Seus cabelos grisalhos balançavam com o vento, apagando o espectro de seu marido. Talvez, pensou, já estivesse morta.

Page 201: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

59Temperamento impulsivo

Clarice Lispector

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.

O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.”

Page 202: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

62

FELIZ ANIVERSÁRIOClarice Lispector

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.

Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.

Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá.

62

Page 203: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

63

O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.

E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.

Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!” No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.

E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa.

De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.

63

Page 204: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

64

Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.

Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa.

Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.

— Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos.

Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.

— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. — É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa.

A velha não se manifestava.

Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros

64

Page 205: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

65

trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.

— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.

A velha não se manifestava.Então, como se todos tivessem tido a prova final de que

não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.

— Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios!

— Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento.

— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o

bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos.E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o

barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam

65

Page 206: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

66

complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito “89”. Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, “vamos! todos de uma vez!” — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês.

Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.

Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada.

— Viva mamãe!

— Viva vovó!

— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.

— Happy birthday! gritaram os netos, do Colégio Bennett.

66

Page 207: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

67

Bateram ainda algumas palmas ralas.

A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.

— Parta o bolo, vovó, disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!

E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.

— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.

— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.

Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha.

Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda.

E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?

E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.

— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu

67

Page 208: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

68

José radiante.

— Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.

— Hoje é dia da mãe! disse José.

Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio.

68

Page 209: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

69

Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.

— Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.

— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.

Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.

Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos — provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ainda mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de

69

Page 210: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

70

ouro! A raiva a sufocava.

— Me dá um copo de vinho! disse.

O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.

— Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.

— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.

Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis.

Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.

Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido.

Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem

70

Page 211: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

71

ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar.

E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso.

— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo.

A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras

71

Page 212: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

72

propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.

— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas.

Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: é preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.

Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar.

Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.

Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada.

72

Page 213: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

73

— Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.

— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.

— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.

Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o, lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho.

E de repente veio a frase:

— Até o ano que vem! disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido.

Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano.

— No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso!

73

Page 214: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

74

esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso! disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.

Então ela abriu a boca e disse:

— Pois é.

Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos:

— No ano que vem nos veremos, mamãe!

— Não sou surda! disse a aniversariante rude, acarinhada.

Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo.

As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranquilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.

Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não sabiam

74

Page 215: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

75

propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão.

— Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema. “Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora.

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.

75

Page 216: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

79

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

O plano da família, a princípio comum a parentes unidos, era, na realidade, uma mistura de hipocrisias e aparências: jantariam todos juntos, à grande mesa da sala de jantar, acompanhados de um grande bolo e uma canção de parabéns, para, após a sesta, fazer um passeio noturno pela nobre parte do Rio de Janeiro. Foram sentando-se com suas belas roupas, artifícios para mostrar abundância e riqueza. Os anfitriões numa ponta e o aniversariante com seus irmãos na outra, arranjaram-se rapidamente e sem caprichos, todos desejando que a cerimônia fosse tão breve quanto possível.

Os pratos começaram a ser servidos, mas os olhos não se voltavam para a comida e sim para os jovens sentados num dos extremos da mesa. Como a garota estava crescida, bonita! Já apresentava características típicas de uma mulher. Os homens da mesa, enquanto comiam, olhavam furtivamente para jovem, tentadora, bonita, inocente. Seria realmente uma pena se ela ficasse como sua mãe, a velha antipática. Parecia que estava tendo problemas no casamento, a mulher - qual outro motivo, senão este, para a ausência do marido? Ora, uma mulher que não consegue tomar as rédeas de sua relação não conseguiria tomar conta dos filhos. Os pensamentos fluíam pela silenciosa mesa, criando uma atmosfera tensa, carregada de falsidade.

Page 217: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

80

O garoto, sentado à esquerda do aniversariante, inspirava pensamentos iguais ao da irmã - como havia crescido, mudado! Decerto atrairia a maior variedade de pretendentes, não iguais as que seu pai havia arranjado, mas superiores em graça, personalidade e compostura. Sim, estava muito bonito, com o ar maduro de um homem recém-metamorfoseado. Seria uma pena quando sua futura mulher percebesse a sogra que havia herdado.

Toda regra tinha, entretanto, sua exceção, encontrada no pobre aniversariante, posicionado desconfortavelmente no centro das atenções, embora não inspirasse análises profundas. Era pequeno, raquítico, não possuía características admiráveis. A família mal se lembrou de sua existência até o momento em que o bolo foi trazido, monumental, contrastando com a figura diminuta do pobre garoto. A canção foi entoada, num parabéns falso e breve.

Ao soprar as velas, todos encararam o garoto, calados. Mal sabiam que os pensamentos do menino eram urgentes, espertos, angustiantes — por que todos estavam olhando-o daquele jeito? Os olhares que todos haviam dirigido para a irmã e para o irmão eram de admiração, diferentes dos de pena e reprovação que agora a ele se destinavam. Suspirou, enquanto se sentava na majestosa cadeira, com a plena consciência de que nunca conseguiria pertencer ao universo dos que, agora, sorriam e murmuravam, em coro, a mais falsa das frases: feliz aniversário.

Page 218: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

82

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos.

O mais velho, um menino alto, robusto e com a barba por fazer, era um rapaz desleixado, mas muito inteligente. Os outros dois eram gêmeos, de cinco anos, loirinhos e dotados de uma beleza exótica.

Logo que entraram na casa, depararam-se com o primogênito da sogra, Alfredo, que tinha uma relação um tanto quanto complicada com o irmão e com a cunhada.

— Parabéns! —disse Andreia na porta, dirigindo-se à sogra.

Parecia desconfortável, mas estava confiante, pois queria mostrar à família que, mesmo morando em um bairro pobre, tinha dignidade e fazia parte do conjunto familiar.

A senhora agradeceu, fria e direta, dirigindo um olhar de soslaio ao filho mais velho, o preferido e protegido.

— Nossa!-exclamou Andreia- Há quanto tempo não venho aqui!

— Decerto- respondeu Alfredo, lançando-lhe um olhar capaz de quebrar um vidro - Mas talvez não tivesse passado tanto tempo caso certas atitudes não tivessem sido tomadas.

Estavam todos no cetro da sala, imóveis e desconfortáveis. Como se interrompendo o início de uma longa discussão, a sogra disse abruptamente:

Page 219: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

83

— Mas, às vezes, é até bom que a família se distancie, para que assuntos ainda frescos sejam resolvidos.

— Principalmente quando o assunto envolve traição —concluiu Alfredo.

Andreia engoliu em seco, deixando o copo que estava há pouco em suas mãos espatifar-se no chão de madeira polida, causando um estrondo ensurdecedor.

Mal sabia ela que aquele ruído daria início a uma discussão capaz de partir o Império Romano em dois.

— Não se meta Alfredo, esse assunto não é seu! - exclamou Andreia.

Indignado, Alfredo respondeu: — Não é assunto meu? A minha esposa me trair com o

meu próprio irmão na minha casa e ainda casar-se com ele e juntos terem gêmeos não é assunto meu?

— Pare com isso, Alfredo! Eu sou uma mulher casada e me orgulho disso! Nunca fui feliz ao seu lado! Você não é digno de uma dama como eu, e mais, só casei com você pelo dinheiro da família, já que, por ser o primogênito e preferido de sua mãe, você herdaria quase tudo! Mas, na realidade, sempre fui apaixonada por seu irmão, e agora, por sua causa, ele perdeu toda a sua pequena parte da herança!

—Chega! — exclamou a sogra —Andreia, saia já da minha casa! Alfredo, venha aqui, querido, não preste atenção às bobagens que essa infeliz de Olaria diz.

Andreia saiu cabisbaixa, junto de seus três filhos, a caminho de casa. Suas roupas não pareciam mais tão brilhantes e chamativas, e ela não se preocupava mais com sua aparência e opiniões alheias. Só pensava em seu marido, em voltar para casa e reencontrá-lo, esquecer o que acontecera e continuar a viver sua simples e maravilhosa vida.

Page 220: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

86

TENTAÇÃOClarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada

86

Page 221: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

87

na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua

87

Page 222: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

88

natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás

88

Page 223: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

89Lúcida em excesso

Clarice Lispector

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim di-zer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei tam-bém que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irreali-dade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu con-sisto, eu consisto, amém.”

Page 224: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

93Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

As lágrimas, que ela já havia desistido de esconder, escorriam-lhe pelo rosto. Os soluços, antes abafados e quase mudos, cresciam cada vez mais, como o desespero dentro dela. A menina, antes quieta e tímida, não se importava mais que as pessoas a vissem chorando, não que elas fossem se importar com uma menina de cabelos ruivos e olhos marejados. Algumas pessoas passariam por ela desviando o olhar, como se ela fosse invisível. Outras, não muito melhores que as anteriores, se limitariam a fitá-la com um olhar de pena, mas sem que ninguém viesse ajudá-la. E, na verdade, a menina nem esperava que isso acontecesse.

O mundo hostil e impiedoso, repleto de pessoas mesquinhas que não se importavam com nada além dos próprios interesses era assim. Infelizmente, mas era e ponto final. Essa era uma das razões pelas quais a menina se encontrava naquela deserta cidadezinha, com lágrimas a escorrer-lhe pelas bochechas rosadas. Mas ela tinha que se conformar com isso, por mais que lhe doesse o coração, essa era a verdade. Pessoas normais jamais se importariam com sua inútil existência. A menina chorava por tantas razões que seria impossível listá-las. Tantas pessoas morriam em acidentes horríveis todos os dias, mortas pelas mãos de pessoas sem alma nem coração, que mal deveriam ser consideradas pessoas. Mais e mais inocentes morriam todos

Page 225: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

94 os dias no mundo, vítimas de ataques terroristas, de balas perdidas, de acidentes de trânsito. Será que elas realmente mereciam isso? Provavelmente não, mas era o que acontecia. No noticiário, as mortes já eram tão frequentes que ninguém mais se assustava ao saber do número de mortos e feridos. Era com intensa tristeza que a menina ouvia as notícias dos desastres que haviam matado inocentes, como se ela tivesse conhecido as vítimas. Ela poderia não as ter conhecido, mas alguém, certamente, tinha. Em algum lugar, uma mãe, um pai, um filho estariam chorando pela morte de alguém.

A menina acordou de seus devaneios quando um menino, provavelmente de sua idade, sentou-se a seu lado. Ele tinha cabelos cor de avelã e olhos verdes, e timidamente perguntou a ela o que havia acontecido.

— Mas por que você se importaria comigo? Pessoas normais simplesmente me ignorariam - ela respondeu.

O menino esboçou um sorriso melancólico e disse: — Talvez eu esteja aqui porque eu não seja como as

pessoas normais. — Não, todos nós somos. Eu choro por ver o mundo do

jeito que está e, acima de tudo, por perceber que todas as pessoas são iguais. — ela apertou os lábios e conteve um soluço — Inclusive eu, eu sou igual a todos os outros.

— Pessoas normais não estariam sentadas em frente as suas casas chorando pelos erros dos outros. E nem ao menos sentariam do lado das outras, tentando saber o motivo de suas lágrimas; pessoas normais ficariam sentadas se lamentando, mas sem fazer nada para mudar o que há de errado.

E com essas palavras o menino se levantou e entrou no bonde que a menina mal reparara ter chegado. Ela continuou lá sentada enquanto o bonde foi embora. A menina agora sorria, por finalmente ter percebido que havia, sim, pessoas diferentes no mundo.

Page 226: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

96

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da me-nina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suporta-va. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Essa era uma pergunta que ela ainda não podia responder. Fitou novamente as madeixas avermelhadas e as memórias de sua falecida mãe inundaram sua mente. A única coisa que herdara da amada mãe eram os cabelos ruivos, que tanto odi-ava por a lembrarem dela.

Ela podia continuar sentindo saudade e relembrando memórias, sentada ao pé da velha escada de madeira, mas foi interrompida em seus devaneios. Um homem alto, que apa-rentava ter sua idade, se aproximava:

— Moça, licença, será que você poderia me informar se é aqui a parada do bonde para o centro da cidade? Mas ela não respondeu.

A ruiva não prestava atenção ao que ele falava, estava ocu-pada demais reparando nos intensos olhos azuis que a fitavam contrastando com os cabelos negros. Os olhos lembravam os de sua mãe. A garota não mais lutava contra o sentimento de tristeza e saudade e desabava em lágrimas, interrompidas, ocasionalmente, por seu soluço.

— Ei moça, está tudo bem? — uma confusão pairava no ar.

Aquela foi a deixa para que ela contasse toda a história que a angustiava para um homem sobre quem não sabia nada e

Page 227: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

97

apenas lhe pedia informação. Ela contou que a mãe falecera há um ano e explicou todos os maus tratos que recebera do pai ao longo do ano que se passara. Ele bebia muito desde a morte da esposa e descontava a raiva na garota. Desde então, ela pensava em fugir de casa, mas não tinha coragem para isso.

— Eu saí de casa para nunca mais voltar. Meu sonho sem-pre foi viajar o mundo assim, sem destino algum. — o homem dizia, comovido com a história e tentando encorajar a garota.

A ruiva nada respondeu, pensando nas palavras que o homem soltara no ar, que para ela mais soavam como um convite. Então, de repente, como se o mundo explodisse em sua cabeça, ela gritou:

— Eu vou com você.

Ela pouco sabia sobre o homem, mas poderia descobrir. Afi-nal o que tinha a perder? O soluço finalmente passara, assim como sumiram todos os problemas que pareciam insolúveis em sua vida. Subiu naquele bonde que chegava e percebeu que entrava num mundo novo e desconhecido.

Page 228: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

99

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Viver em um lugar onde todos são iguais não é muito interessante. Principalmente quando se é ruiva. Menos interessante ainda é ser ruiva e ter soluço.

Tentou de tudo. Prendeu a respiração, mordeu um limão, bebeu um copo de água fria. Tentou até levar um susto. Nada muito eficiente.

Sentada, observava o homem à espera do bonde. Nunca havia visto aquele homem em sua vida. Era alto, magro, tímido, introspectivo. Ainda por cima, era ruivo. Como ela. A única diferença é que ela estava com soluço.

Mas, afinal, não se encontravam muitos ruivos por aquelas bandas, por isso a menina começou a examiná-lo. Nenhum bonde passou nos minutos seguintes, então a garota continuou a fitá-lo e seu soluço continuou a atormentá-la. O que fazer de uma garota ruiva, com soluço e apaixonada?

Gostou tanto do novo passatempo que poderia continuar lá o dia todo. Ficou imaginando como seria um casal de ruivos no lugar onde morava. Mesmo sabendo que ele era bem mais velho, apreciou a ideia de que um dia poderiam ser um casal.

Contudo, o olhar do homem acabou encontrando o seu. O soluço aumentou. Ela desviou seus olhos. Ao voltá-los, levou

Page 229: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

100

um susto. O único susto que poderia acabar com seu soluço totalmente. Ficou feliz por um segundo, até que a tristeza a consumiu por inteiro. O homem que tanto amava, mesmo sem conhecê-lo, havia sumido. Completamente desaparecido. Ele poderia ser o único amor que teria em sua vida. Mas estava perdido. Perdido para sempre. Como ela.

O que fazer de uma garota ruiva, sem soluço e sem seu amor?

Page 230: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

102

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Com lágrimas desabando de seus olhos, caindo em seu vestido branco, seu soluço quebrava o silêncio desconfortável da rua. Era como se sentia, uma menina. Seu choro parecia calmo, mas, ainda assim, triste e cheio de agonia.

Enquanto tirava o véu do cabelo em chamas, avistou um homem vestido formalmente, cabelos negros e olhos cobertos de preocupação.

Sentou-se ao lado da garota que não lhe parecia estranha, aqueles olhos azuis e profundos eram inconfundíveis.

— Mariana?

— Sou eu, nos conhecemos?- disse ela com um olhar de dúvida.

Jorge explicou-lhe de onde se conheciam: estudaram juntos, porém não se viam há anos. Contou também o que fazia da vida e o quão vazia era a vida e a cidade sem a presença de seus cabelos vermelhos.

— Mas, enfim, por que está aqui vestida de noiva, com lágrimas nos olhos e com um soluço persistente?

— Bom, o soluço já está passando, mas já que perguntou, depois que deixei a nossa cidade, conheci um homem muito

Page 231: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

103

rico e ignorante que parecia estar completamente apaixonado. Fazíamos muitas viagens juntos, jogávamos tênis aos sábados e aos domingos, íamos ao cinema. Hoje era para ser nosso casamento, mas percebi o quão superficial era nossa relação, eu não o amava. Então, resolvi voltar para cá, onde tenho as melhores lembranças com você.

Depois dessa pequena história, Jorge acabou confessando:

— Mariana, sua perda me abalou demais, senti como se fosse uma pedra me esmagando de tanta dor. Eu te amo desde que você apareceu no portão do colégio com duas trancinhas e um laço no cabelo, será que você poderia me amar de novo?

A menina ficou chocada com seu pedido, uma flecha acabara de acertar seu coração. O silêncio voltou por alguns minutos, quebrado apenas por seu soluço que voltara.

Sem querer, um “sim” saiu de sua boca, em uma voz baixa e calorosa. Ela agora sentia o conforto de ter um homem ao seu lado, alguém que realmente se importasse com ela. Ela sabia que Jorge seria bondoso, um cavalheiro e a amaria até o resto de suas vidas.

— Jorge, eu não sabia, mas agora sei que eu estava te esperando. Sinto culpa por te deixar aqui sozinho e senti medo de que você nunca mais aparecesse. Eu não percebi, mas a verdade é que desde sempre te amei.

Os olhos escuros do homem se encheram de amor, ambos se levantaram e seguiram pela rua vazia com destino à felicidade. O soluço finalmente findou. Um belo sorriso preencheu seu rosto; os lábios do amado tocaram os seus.

— Sim Jorge, eu te amarei de novo.

Page 232: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

105

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

A menina, soluçando, prestava atenção à estranha mulher esperando o bonde. Depois de alguns minutos, a mulher começou a falar. Falava um idioma estranho que a menina ruiva não entendia, mas escutava com atenção inutilmente, tão inutilmente quanto a espera da mulher pelo bonde. Depois de um tempo escutando, a menina se deu conta de que a mulher era uma daquelas parisienses ricas.

A menina ruiva fechou os olhos e começou a imaginar como seria a vida daquela mulher, parecia que cada pedra de suas joias vinha de um lugar do mundo, eram tão brilhantes e exóticas, que deviam vir das viagens que ela fazia, interessantes, diferentes, divertidas, extraordinárias. Ela já devia ter visitado todos os cantos do planeta: Dubai, Tóquio, Bahamas, Havaí, lugares com que a menina sonhava visitar um dia. Então pensou que bom seria se sua vida fosse assim.

A ruiva então abriu os olhos, observando suas botas sujas e desgastadas. O calor havia passado e agora chovia, o soluço havia parado e a parisiense havia pegado o bonde.

Page 233: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

107

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Ela acreditava que se cada cabeça fosse um mundo, o seu estaria constantemente em chamas e, no momento, sofria um terremoto. O interior dele não era menos caótico. E, agora, recebia olhares incomodados do homem que esperava o bonde. Como se não bastasse ser ruiva e com soluço, era ruiva, com soluço e observada.

A garota, ainda acanhada e até constrangida, desviou o olhar. Talvez o homem que esperava o bonde achasse que ela fosse uma estrela, devido à luz que irradiava. Mesmo sem o contato direto, a menina queria que ele entendesse que ela era somente um planeta. Um pequeno planeta num universo infinito.

O homem que esperava o bonde não se movera, impassível. A menina suspirou, aliviada. Provavelmente ele entendera o que ela era e não quis desviar-se de sua órbita por causa de um mero planeta.

A menina levantou o olhar, para conferir se não havia risco de ser atingida por um asteroide. O homem que esperava o bonde ainda não mexera um músculo. Seus olhos cinzentos encaravam a garota ruiva com soluço. Esta ficou tentada a pedir que parasse, afinal, era um desrespeito aquilo que ele fazia. Também queria quebrar a gravidade que se formava

Page 234: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

108

entre suas órbitas, mas não o fez. Sustentou o olhar.

A garota ruiva percebeu uma mudança na expressão daquele que a observava. Algo como ódio emanava dele. Ela sentiu calafrios, embora as pedras da rua ainda vibrassem com o calor.

Abaixou a cabeça novamente. E então ouviu passos. Pressentiu que um asteroide iria atingi-la, era inevitável. Levantou a cabeça — agora orgulhosa de ser um planeta flamejante — com o intuito de se defender do homem que esperava o bonde. Não viu ninguém. Olhou atentamente, buscando até mesmo atrás de si. E então entendeu. O homem que esperava o bonde enfim percebera que a espera era em vão, pois o transporte havia sido desativado há anos naquela rua. Ele se fora.

E lá ficara a menina ruiva, com soluço e solitária. Que fazer de uma menina ruiva, com soluço e solitária?

Page 235: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

110

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço?

Por conta de um soluço mais alto, a pessoa que estava à espera do bonde percebeu o choro da ruiva e foi lentamente em sua direção. Ele se fazia diversas perguntas. O que aconteceu com ela? Machucou-se? Algum parente da garota falecera? Estaria com fome? Há quanto tempo estaria soluçando?

A menina, com as mãos no rosto, não notou a aparição do homem. Ele usava um chapéu que cobria seus cabelos, uma blusa de frio por conta do inverno de agosto.

A cor do cabelo da menina lembrava-lhe sua irmã mais nova, que não via há oito anos. Ele tinha vinte e dois anos, sua irmã, dezesseis.

— Com licença, você está bem? — a menina olhou para cima. O homem não podia acreditar na enorme semelhança com sua irmã.

— Não é nada demais, mas obrigada pela preocupação.

Quando a garota olhou para o rapaz assustou-se.

— Joana?

Page 236: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

111

— Como você sabe meu nome? — aproximou-se — João? — ela não podia acreditar, depois de oito anos reencontrara seu irmão por causa de um soluço incessante.

— Sim, sou eu!

Os dois se abraçaram cheios de felicidade.

Page 237: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

114

UMA GALINHAClarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta,

114

Page 238: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

115

hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um

115

Page 239: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

116

ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

116

Page 240: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

117

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

117

Page 241: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

119

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

A galinha inocente não sabia o que lhe era reservado. Caminhava calma sobre o chão frio da cozinha, enquanto os minutos passavam e um tédio ordinário se acomodava ao meu lado.

Cochilei rapidamente e deparei com uma situação inusitada. Normalmente sonho com coisas absurdas e fora do meu cotidiano, mas dessa vez me vi diante da porta da cozinha de minha casa.

Entrei pela porta e avistei a galinha presa em uma gaiola apertada, ela fazia sons de sofrimento. Fui ao seu encontro e tentei socorrê-la. Enquanto eu tentava salvá-la, a galinha roçava seu pequeno pé em minha mão.

De repente, comecei a ouvir vozes vindas da sala. Percebi que diziam algo sobre o jantar e sobre o pobre animal, então, desesperadamente, abri a gaiola e a peguei no colo. As vozes se aproximavam e a única saída visível era uma janela acima do fogão.

Saí pela pequena janela com a galinha nos braços e corri para longe da casa. Coloquei-a no chão e mandei que fugisse, com esperança de que me entendesse. Logo que seu pé encostou no chão, virou-se para mim e disse com a voz de minha mãe:

— Acorde! Acorde! O jantar está pronto.

Page 242: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

120

Levantei subitamente, meio estonteada, e fui em direção à sala de jantar. Senti uma fome insaciável. Sentei-me à mesa e comi algo que estava ótimo. Sem conseguir identificar o sabor do alimento, perguntei a minha mãe:

— O que acabei de comer?

— Eu acho que você nunca provou. Galinha ao molho pardo.

Page 243: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

123

123

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Poderia ter nascido gata, cadela ou até mesmo, humana. Mas era o que era: bípede, plumosa e choca. Não que se preocupasse, pois sabia muito bem que Diana logo chegaria e a salvaria do abate, como já tinha salvado muitas vezes antes.

Diana era uma menina da fazenda cujos crespos cabelos vermelhos — que caíam como cascatas nas costas — combinavam com a personalidade forte e sonhadora. E porque estavam sempre juntas, a volumosa galinha sabia que não era dessa vez que ficariam separadas. Se Diana estava em um lugar, a galinha também estava. A galinha estava lá quando Diana deu seus primeiros passos, estava lá quando o primeiro dente caiu, quando a garota teve sua primeira paixão, quando teve o coração partido. Diana sempre cuidou da galinha, mesmo quando esta foi mordida por uma raposa ou quando prendeu a perna numa cerca enferrujada. Eram melhores amigas e ponto final.

Entretanto as horas passavam e faltava pouco tempo para que suas penas voassem pelo cômodo e sua carne suculenta fosse servida na ceia de Natal. A galinha, porém, acompanhara Diana a vida inteira e sabia que agora, principalmente agora, ela não a abandonaria. Afinal, eram melhores amigas.

E sentindo uma mão imaginária sufocando seu pescoço, quase como se já tivesse chegado a hora do abate, viu o machado — frio como a morte - entrando na cozinha. E quase

Page 244: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

124

como se a mão assassina tivesse se esvaído, viu os olhos benevolentes de Diana entrando na cozinha. Era isso, estava salva. Diana estava lá.

Diana levantou a mão e aninhou o animal nos braços, saindo da cozinha. Com um rápido suspiro, levantou a mão como se deixasse a galinha ir embora. Uma. Duas. Três torcidas. Ouviram-se os estalos pela casa toda. Pegou o machado e foi rápida. Os cabelos se misturaram com o sangue que espirrou. Ninguém falou nada. Porque, afinal, eram melhores amigas.

Page 245: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

126

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Pensava ela em que receita se transformaria. Seria a galinha um ensopado ou um suculento filé grelhado? Não sabia. Bicou uma de suas asas para medir sua “suculência”, mas só havia pena e osso.

Uma esperança inundou a cabeça da galinha quando ela percebeu que podia escapar, fingindo-se de morta.

Botando seu plano para funcionar, a empregada da família aparece. Mulher gorda, cabelos “turbulantes”. Ia andando com gingado de pata por entre o fogão de lenha e a mesa de madeira em estilo rústico. Mesmo sendo feito de azulejo, o chão estremecia quando a empregada andava. Observou a galinha no fundo do quintal, que se encontrava imóvel, com um olhar fixo no céu, e disse:

— Dona Natasha, a galinha está morta! Não vai prestar para nada, vai que tá com verme!

A patroa chegou rapidamente, com seu cachorro lulu da Pomerânia em seus braços. Vestia um roupão, com pelos até os dentes, que balançavam enquanto ela descia as escadas longas de sua mansão.

— Como assim morreu, Cleide? — A empregada não sabia o que fazer - Meu filho chega da França em algumas horas! Faz mágica, chama Alá, Deus, mas reviva essa galinha!

O cachorro olhou a galinha de longe e pulou dos braços

Page 246: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

127

da dona, indo averiguar. Começou a cheirar a galinha e a latir. A galinha achava que fora descoberta, mas a madame só o pegou de volta e subiu as escadas.

A empregada, mais inteligente que a patroa, foi buscar outra galinha no galinheiro, e voltou a trabalhar.

A galinha percebeu que não ia durar muito tempo se continuasse lá, então tentou fugir.

Começou a bater as asas e a voar sobre os muros enormes da casa. Enquanto estava naquele voo frenético, sentiu uma dor forte na asa que ela mesma bicara, e então caiu.

Tentou cavar um buraco, mas engasgou com a terra e quase chamou a atenção de Cleide.

Com raiva, voou por cima do muro e fugiu.

Quando percebeu que estava livre, cacarejou alto chamando a atenção de Cleide.

No almoço, o filho adorou o filé de frango grelhado...

Page 247: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

129

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não pas-sava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nun-ca se adivinharia nela um anseio.

O menino mais novo da casa, ainda que uma criança, já es-tava ciente do triste destino da galinha. Embora tenha sido ele quem escolhera o animal no galinheiro, logo se arrependeu, ao vê-lo amedrontado no canto da cozinha. Perplexo por seu sentimento de culpa, o garoto se aproximou da galinha, algo que ninguém na casa se preocupara em fazer.

— Oi, meu nome é Maurinho — disse o garoto, com a in-sensata esperança de que a galinha conseguisse compreendê-lo.

Ao observá-la, cautelosamente para ela não se assustar, pôde perceber um grave corte em sua coxa, feito pela cozi nheira para evitar uma possível fuga.

Com a culpa aumentando, o garoto quis convencer a co-zinheira a desistir de cozinhar o pobre animal.

— Podemos não comer essa galinha hoje? — perguntou o garoto.

— Mas por quê? - respondeu a cozinheira com outra per-gunta.

— É que estou sentindo um pouco de dó dela. — Então tudo bem, cozinharei o frango que comprei no

mercado outro dia. Meio-dia, o almoço começou. O menino, cheio de felici-

dade por não estar comendo a galinha, apreciava o frango su-postamente do mercado.

Ao observar melhor a coxa do frango, um pequeno detalhe passou a intrigá-lo...

Page 248: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

132

ILUSTRANDO O CONTANDO

Os alunos dos 9os anos ilustraram, individualmente, trechos (início, meio ou fim) dos contos de Clarice Lispector: Amor, Feliz Aniversário, Tentação e Uma galinha. Antes de iniciar a produção, os alunos leram na íntegra o conto escolhido.

Treze ilustrações que melhor retrataram os contos da autora homenageada do Contando, Clarice Lispector, foram escolhidas pelas professoras do Departamento de Arte.

Amor

Eu achei legal participar do Ilustrando. Nos chamaram durante a aula de Português e ninguém sabia por que nós estávamos sendo chamados. Quando chegamos, nos contaram que havíamos sido escolhidos. Foi bem legal e inesperado.Dora Pereira de Souza Camareiro

Gostaria de agradecer os professores por terem escolhido meu trabalho, que fiz com muita dedicação. Adorei participar e fiquei muito honrada em ter ganhado.Isabela Meniconi

Page 249: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

133

Feliz aniversário

Foi uma grande honra participar de um concurso tão disputado, sempre gostei de desenhar e, para mim, ganhar foi extremamente gratificante. Tenho a sensação de ter sido reconhecido por algo que gosto de fazer. Gostei de ter ganhado, mas o mais importante foi ter participado.Lucas Nunes Mintorelli

Gostei de ganhar, o projeto foi empolgante, fiz meu desenho com muito carinho. Obrigada aos professores.Viviane Francisco Rocha

Desde pequena eu sempre gostei muito de desenhar e, quando a professora disse que teria um concurso de ilustrações, fiquei muito animada. Quando ela anunciou os ganhadores, não esperava ganhar, mas ela disse meu nome. Fiquei um pouco em choque e depois muito feliz!Alexia Rodopoulos Campedelli

Page 250: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

134

Durante o processo do concurso, eu conheci muito sobre a Clarice Lispector. Ao receber a notícia de que eu havia ganhado o Ilustrando eu “fiquei nas nuvens” e muito surpresa. Essa experiência foi muito gratificante e inesquecível, eu simplesmente amei a oportunidade de poder homenagear uma escritora maravilhosa, que é a Clarice Lispector! Gostaria de agradecer às minhas professoras Sophia e Lúcia por terem me ajudado nesse lindo projeto!Rafaella de Aguiar Vannucci

Amei ter ganhado o Ilustrando pelo fato de eu adorar desenhar. Me senti muito surpresa e, ao mesmo tempo, animada. Acho o Ilustrando um projeto muito interessante que deve continuar a ser feito, pois incentiva mais pessoas a terem criatividade.Anna Luiza Longobardi Maldonado

Gostei muito de participar do Ilustrando, foi divertido e importante para o meu aprendizado. Fiquei surpreendida, pois, apesar de pensar muito no que desenhar, não imaginei que ganharia o Concurso. Amo desenhar e sou grata pela oportunidade. Obrigada, professora Katia Villari.Larissa Ciríaco dos Santos

Page 251: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

135

Tentação

Foi uma surpresa ganhar o Contando. Foi uma experiência muito inspiradora, uma experiência que me aproximou da escrita, da leitura e da história. Com toda a certeza, foi um dos projetos mais divertidos, o qual eu pude fazer em dupla, me envolver e me inspirar. Com isso eu aprendi muito, além de ter sido incrível como pudemos desenvolver um conto a partir dos sentimentos de outra autora, ainda mais uma tão brilhante quanto a Clarice. Participar me fez ter mais vontade de me envolver com escrita e com leitura. Foi algo memorável, que vou lembrar para toda vida.Dafne Mordente Sotiropoulos

Quero agradecer aos profes-sores pelo apoio e pela proposta do concurso. Foi uma ótima experiência participar dele! Sempre gos-tei muito de desenhar e fiquei muito feliz em saber que ganhei o Ilustrando simplesmente fazendo algo que amo! Me sinto honrada!Bárbara Pellegrino Poggetti

Participar do Contando foi uma experiência incrível. Eu nunca havia participado de um concurso de redação antes e foi muito divertido poder fazer parte dele. Eu e minha companheira queríamos muito vencer esse concurso porque significava muito para nós.Também fiquei muito feliz ao ganhar, pois sempre gostei muito de escrever. Definitivamente foi algo único que eu poderei lembrar para sempre.Caroline Candido Feder

Page 252: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

136

Ganhar o Contando foi uma experiência única e extremamente emocionante para mim. Descobrir que de todas as redações dos meus colegas de classe a minha foi escolhida como uma das melhores, é surreal. Desde o início eu e a Agatha tínhamos em mente escrever um conto para ganharmos mesmo, não apenas pela nota, e agora que nossa meta foi alcançada, realmente não consigo acreditar que fomos vitoriosas.Julia Lee

Eu sempre gostei de contos. Esse gênero literário nos dá grande liberdade para criar. Quando conheci o Contando, fiquei muito entusiasmada. Li inúmeros contos da Clarice Lispector e refleti muito para poder escrever. Afinal, dar continuidade à obra de uma sumidade da literatura brasileira, como ela, é uma responsabilidade imensa. Uma parte interessante do concurso são as duplas. Quem mais escutaria minhas reflexões, inicialmente absurdas, senão alguém igualmente envolvido no projeto? Também adorei o fato de que esse concurso acontece paralelamente ao Ilustrando. Combinar a escrita com o desenho é fantástico. Quando recebemos a notícia dos escolhidos, fiquei muito feliz, não podia acreditar. Eu adoro escrever e desenhar, ver meus trabalhos publicados aqui é uma grande honra e resultado não só do meu esforço mas também da parceria com a minha colega e, sobretudo, do incentivo das professoras Sophia e Lúcia. Quisera eu conseguir transformar em palavras a alegria que estou sentindo neste momento. E, por fim, agradeço a Deus por essa grande oportunidade.Juliana Martes Sternlicht

Page 253: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

137

Para mim foi muito importante o concurso, eu gostei muito de participar e fiquei muito feliz ao saber que ganhei. Agradeço muito aos professores o apoio que recebi deles.Isabela Pecora Meluzzi

Eu não esperava ganhar porque eu sempre achei que eu desenhava muito mal, mas foi muito legal, para mim, ganhar. Agradeço a Adriana por ter me ajudado.João Victor Gonçalves

Quero agradecer a todos os professores que me elegeram para o “Ilustrando”. Fiquei muito feliz por ter ganhado o concurso. Muito obrigada por tudo! Desenhar é minha paixão e isso significou muito para mim!Marcela Montellato Franco

Gostei muito de participar, foi uma surpresa muito grande. Estou muito honrado de ter ganhado e gostaria de agradecer minha mãe, minha professora de Arte Adriana e a todos os meus amigos.N’zembo Ivanilson da Costa Pitta Grós

Uma galinha

Page 254: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

139

EXPRESSANDO

139

Page 255: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

140

Desde pequena, queria publicar um livro. Escrever, para mim, sempre foi um modo de me expressar, e ganhar o Contando me incentivou a correr atrás desse sonho.Ana Paula Bisson Bensi

Lembro-me do dia em que me tornei escritora. Foi aos 5 anos, com um poema para a minha mãe. Ela o leu, derramou algumas lágrimas orgulhosas, e, como uma boa mãe coruja, guardou-o na carteira para admirá-lo quando sentisse o coração apertar de saudades. Foi a minha maior vitória como escritora, o reconhecimento da pessoa que mais amo. Ganhar o Contando foi uma lágrima de reconhecimento materno, uma experiência única de ser parabenizada pela arte que produzi. Gostaria de agradecer à minha família, que sempre foi a essência do meu ser, e ao Colégio por me proporcionar uma experiência tão satisfatória.Agatha Schwartzmann

CONTANDO

Contando, um concurso, por assim dizer, que abre portas aos participantes, que podem mostrar a todos como pensam, como se sentem.Uma ótima ideia que ajuda muitas pessoas a se revelar e se mostrar a todos. Espero que o projeto continue e que abra muitas portas para muitas pessoas.André Casara Luz

Page 256: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

141

Além do Contando, existem todos os Concursos de Redação. São eles que fazem a graça dos competidores, envolvendo não apenas uma questão de nota, mas sim de diversão e de competitividade. Com eles, podemos aprender a pensar rápido e a administrar o tempo.André Garcia Padilha

Eu achei que o Contando apresentou uma proposta muito bem elaborada e desenvolvida. Já que foi um concurso em duplas, pude usar elementos, ideias e vocabulário tanto do meu parceiro, como de mim próprio. O tempo foi suficiente para se desenvolver um texto bom e claro. A premiação também me parece muito legal e criativa. O Contando foi uma ótima experiência.Arnaldo Donardi Marçula

Participar do Contando está sendo uma experiência incrível da qual me lembrarei durante toda minha vida. Não apenas por ser um evento maravilhoso, mas também pelo fato de escrever ser minha paixão. Quando escrevo, parece que minha vida para e começo a viver o que está escrito no papel. Ganhar o concurso foi um sonho que se realizou, mas certamente não seria capaz de tal façanha sem contar com a ajuda das minhas professoras de Português e da minha parceira, Isabella. Escolher entre os contos de Clarice Lispector foi difícil, pois eram todos ótimos. Gostaria de agradecer a todos que me proporcionaram a honra de ser uma das escolhidas.Annick Arruk Nicoli

Page 257: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

142

Apenas a ideia da honra que é estar presente no livro do Contando 2015 me encanta. Escrever para o Contando foi muito mais do que uma simples experiência. Foi incrível me aproximar dos contos da Clarice e a experiência me fez crescer como pessoa. Envolvi-me, me emocionei e nunca escrevi pensando em prêmios. Digo que nunca escrevi pensando em prêmios, pois, para mim, escrever é muito mais do que isso. É mais do que simples palavras soltas e histórias. Escrever é colocar nas palavras sentimentos, emoções e angústias de escritor que só os leitores entendem. É isso que cada escritor espera. Que suas palavras sejam compreendidas como sentimentos e alcancem o leitor, seja com um sorriso ou uma lágrima. Escrever é a porta da alma.Bruna Spina Papaleo

Não gosto de redação, mas o Contando me deu a chance de explorar melhor minha criatividade e compartilhá-la com minha amiga, o que me deixou feliz. Adorei vencer, apenas não gostei de ter que tirar uma foto minha para o livro.Celine Hee Yeon Lee

Participar do Contando foi uma experiência incrível. Eu nunca havia participado de um concurso de redação antes e foi muito divertido poder fazer parte deste. Eu e minha companheira queríamos vencer esse concurso porque significava muito para nós e também fiquei feliz ao ganhar, pois sempre gostei muito de escrever. Definitivamente, foi um acontecimento único que eu poderei lembrar para sempre.Caroline Cândido Feder

Page 258: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

143

O Contando foi uma experiência muito inspiradora, que me aproximou da escrita, da leitura e da história. Com toda a certeza, foi um dos projetos mais divertidos, que eu eu pude fazer em dupla, me envolver e me inspirar. Com isso eu aprendi muito, além de ter sido incrível como pudemos desenvolver um conto a partir dos sentimentos de outra autora, ainda mais uma tão brilhante quanto a Clarice. Participar me fez ter mais vontade de me envolver com a escrita e com a leitura. Foi algo memorável, que eu vou lembrar para toda vida.Dafne Mordente Sotiropoulos

Gostei muito do Contando. Foi muito legal já que pude trabalhar em dupla. O texto fica melhor quando se trabalha com a pessoa certa, isso resulta em mais ideais, mais palavras novas. Estou ansioso para receber o prêmio, achei uma experiência boa para aprendermos a trabalhar em dupla, superamos divergências em relação às ideias e ganhamos.Eduardo Ramella

O Contando foi uma ótima experiência para mim. Tivemos a chance de escrever um conto a partir de um trecho tirado de uma história de Clarice Lispector, uma fantástica escritora. Acho que esse projeto abriu muitas portas na minha mente, pois tivemos que criar um final totalmente diferente do conto original, o que foi um desafio. Eu adorei termos ganhado esse concurso e acho que foi uma maravilhosa oportunidade.Estela Sant´Anna de Freitas Guimarães

Page 259: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

144

Participar do Contando foi um desafio desde o início. Vencer foi gratificante e incentivador, pois escrever é algo que eu sempre gostei de fazer. Fernanda Chiodo Soler

Me senti muito contente e surpresa por ter vencido esse concurso! Foi uma experiência muito boa e divertida que nos deixou desenvolver nossa criatividade e imaginação. Gostei bastante de aprender mais sobre a Clarice! Espero que ela esteja se revirando de felicidade onde quer que esteja (como diria professora Sophia, a quem devo agradecer minha vitória)! Também quero deixar uma mensagem para os próximos concorrentes: vocês podem ganhar, é só ter força de vontade! Fernanda de Oliveira Ribeiro

O Contando foi um projeto muito interessante e envolvente, pois pudemos usar o quanto quiséssemos de nossa imaginação para criar um conto a partir de trechos de Clarice Lispector, o que nos fez sentar e refletir como se fôssemos escritores. Fiquei muito feliz ao saber que fui uma das vencedoras do Concurso, um grande mérito que levarei para a vida toda.Gabriela Sobrinho Marcondes

Adorei participar desse concurso; além de ser o primeiro de que participo, ainda consegui ganhar! Fiquei muito feliz em poder dar esse prazer orgulhoso para mim e para meus pais. Ganhar esse prêmio graças ao meu esforço e a minha dedicação me deixou emocionada. Obrigada a todos os professores do departamento Língua Portuguesa e especialmente à professora Katia.Gabriella Ganut Alvarez

Page 260: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

145

O Contando foi um concurso muito interessante de participar. Gostei muito de poder escrever um texto partindo de introduções de contos de Clarice Lispector. Só de poder criar uma redação partindo de seu trabalho, é muito especial. Saber que ganhei o concurso foi mais especial ainda.Giovana Domingues Guimarães

Sem a ajuda dos professores e da minha intrépida companheira literária, Isabella, nunca teria conseguido escrever este conto. Muito obrigada e parabéns a todos os participantes do Contando! Como dizia Clarice: “Minha liberdade é escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo’’.Giullia Garcia dos Santos

Eu adorei participar do Contando! Foi muito divertido poder fazer o trabalho em dupla, porque assim pudemos trocar ideias e ver a mesma história sob pontos de vista diferentes. Durante o trabalho, passamos por algumas dificuldades, mas, no final, deu tudo certo. Eu fiquei muito feliz por ter ganhado, pois, desde que aprendi a escrever, sonho em ser uma escritora e só de saber que eu vou ter um pedacinho do livro para a minha história já é como um sonho realizado! Só de ver minhas história, mesmo que em poucas páginas, no livro do vencedores, me faz sentir que meu sonho está cada vez mais perto e eu quero agradecer ao Colégio por todas essas oportunidades. Além disso, eu adoro escrever contos porque neles podemos deixar a imaginação livre e fugir um pouco do mundo real. Espero que o Contando dure muitos anos para que os próximos nonos também possam passar por essa experiência, que, com certeza, vou carregar para sempre comigo!Heloísa Helena de Paula Cunha

Page 261: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

146

Adorei a ideia de poder participar do concurso em dupla. Achei as propostas incríveis e nem imaginava por onde começar com tantas ideias em minha cabeça. Quando a professora chamou o meu nome e o da minha parceira, não acreditamos, no começo, que tínhamos vencido. O concurso foi uma grande oportunidade de aprender mais sobre Clarice Lispector e de nos aprofundar em seus ótimos textos.Isabella Muniz Monteiro

Eu gostei muito da experiência de participar do “Contando 2015”. É diferente dos outros concursos, pois você trabalha em dupla. Sinceramente é uma atividade muito legal já que você escreve com seu (sua) amigo (a). Todos que participaram, ganhando ou não, tiveram uma chance de ter o conhecimento de outras formas de pensar e escrever (e serve como uma ferramenta, pois teremos outras redações durante o ano). No geral, foi muito divertido.Isabella Pletsch Venturella

Ganhar o Contando foi um sonho! Quando descobri que ganhei, fiquei tão feliz que não conseguia pensar em mais nada senão nisso. Os contos da Clarice Lispector são maravilhosos, e não seria possível realizar esse trabalho sem a inspiração que eles me proporcionaram e a ajuda de minha parceira, Annick. Acima de tudo, gostaria de agradecer às professoras de Português pela ótima oportunidade e por me ensinarem tudo o que sei, além de reconhecerem a minha grande paixão que é escrever. Isabella Salles de Souza Santos

Eu gostei muito de ter participado deste concurso, nunca passou pela minha cabeça a ideia de ser escolhida, mas o que valeu mesmo foi ter como inspiração um belíssimo texto de uma grande escritora. Quando a professora nos chamou e disse que ganhamos, fiquei parada por um instante raciocinando o quanto aquilo era importante. Eu realmente fiquei emocionada. Valeu muito a pena toda essa experiência.Isabella Verri Medici

Page 262: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

147

Foi uma honra participar do “Contando” e agradeço a escolha do nosso texto como um dos vencedores. Eu e a minha parceira ficamos atônitas ao saber que a nossa redação ganhou, pois dentre vários outros textos que também foram bem escritos, o nosso foi escolhido. Para ser sincera, foi uma experiência bem similar à das outras redações que nós fazemos em classe (um pouquinho mais pressionada, tenho que dizer). Mas de qualquer forma, valeu a pena, pois eu e minha parceira não podíamos estar mais contentes e gratificadas de ter ganhado o concurso que homenageia uma escritora tão maravilhosa e criativa como a Clarice Lispector.Júlia Corregiari Ponciano

Ganhar o Contando foi uma experiência única e extremamente emocionante para mim. Me surpreendo ao descobrir que de todas as redações dos meus colegas de classe a minha foi escolhida como uma das melhores, é surreal. A princípio eu e a Agatha tínhamos em mente escrever um conto para ganharmos mesmo, não apenas pela nota, e agora que nossa meta se realizou, realmente não consigo acreditar que fomos vitoriosas.Julia Lee

Participar do Contando foi muito bom, sempre gostei da Clarice Lispector e do seu trabalho e foi muito bom participar do concurso no ano em que ela é homenageada. Acho que ganhar foi muito gratificante, ainda mais que o nosso texto teve como ponto de partida um trecho de um conto de Clarice Lispector.Lara Hossepian Hojaij

Quando recebi a notícia de que havia ganhado o Contando, me senti literalmente realizada, pois tive a oportunidade de expressar minha imaginação continuando de uma forma tão diferente, um dos incríveis contos de Clarice.Laura Frega Ricca Parolin

Page 263: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

148

Quando era mais nova, meu sonho era ser escritora. Sempre gostei muito de escrever e a cada redação é uma nova forma que eu encontro de desenvolver meu gosto pela escrita. A leitura também sempre fez parte de minha vida e, ao começar a ler os contos, descobri um novo gênero literário que me cativou. Escrever a continuação de um conto, principalmente sendo de Clarice Lispector, uma escritora de quem eu sempre gostei, foi uma grande aventura. Não pensei que fosse ganhar o Concurso, uma vez que o meu conto era um no meio de um milhão, mas descobri que minhas expectativas estavam erradas. Ganhar o Contando me motivou a voltar a escrever minhas pequenas histórias, e acredito que novas portas foram abertas em minha mente, todas prontas para serem exploradas, me levando para vários mundos diferentes e esperando para serem descritas em minhas histórias.Laura Meiken Morelli

Eu sempre gostei de contos. Esse gênero literário nos dá grande liberdade para criar. Quando conheci o Contando, fiquei muito entusiasmada. Li inúmeros contos da Clarice Lispector e refleti muito para poder escrever. Afinal, dar continuidade à obra de uma sumidade da literatura brasileira, como ela, é uma responsabilidade imensa. Uma parte interessante do concurso são as duplas. Quem mais escutaria minhas reflexões, inicialmente absurdas, senão alguém igualmente envolvido no projeto? Também adorei o fato de que esse concurso acontece paralelamente ao Ilustrando. Combinar a escrita com o desenho é fantástico. Quando recebemos a notícia dos escolhidos, fiquei muito feliz, não podia acreditar. Eu adoro escrever e desenhar, ver meus trabalhos publicados aqui é uma grande honra e resultado não só do meu esforço, mas também da parceria com a minha colega e, sobretudo, do incentivo das professoras Sophia e Lúcia. Quisera eu conseguir transformar em palavras a alegria que estou sentindo neste momento. E, por fim, agradeço a Deus por essa grande oportunidade.Juliana Martes Sternlicht

Page 264: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

149

Foi muito bom ter participado do concurso Contando. Foi uma experiência muito legal. A minha dupla deu muito certo e nós concordávamos com tudo e nossa imaginação ficou mais fértil ainda. Espero poder trabalhar mais vezes assim. Obrigada à Escola por nos dar essa oportunidade tão maravilhosa e obrigada aos professores por sempre nos ajudaram. É muito importante que possamos expressar nossas ideias e nossa imaginação e deixá-las escritas para que os outros também se sintam inspirados.Manuela Glória Catarozzo

Para mim, ganhar o Contando não foi uma tarefa fácil, eu tive que me empenhar desde que eu fiquei sabendo que haveria o concurso. Eu dei o meu melhor e escrevi a melhor história que pude imaginar.Marco Antonio Mascaro Yazbek

Quando pensei em meu texto para o Contando, eu estava muito animada e queria muito ganhar o concurso. Quando ganhamos fiquei muito feliz, percebi que o concurso não se tratava só disso, mas também de podermos explorar nossa incrível e ilimitada imaginação para criar contos e histórias.Luisa Frega Ricca Parolin

O Contando foi uma oportunidade única de sairmos da nossa realidade e escrever uma continuação para um dos quatro incríveis contos da grande autora Clarice Lispector. O Conto é um dos gêneros de redação de que eu mais gosto e que aprecio, pois tenho que prestar atenção para escrever um conto fictício. Sendo assim, o resultado foi um texto fantástico com muitos detalhes que deixaram a história mais interessante. Eu gostei muito do que nos propuseram a escrever, pois os quatro contos sugeridos são maravilhosos e inspiradores.Maria Fernanda Marinho Vitório

Page 265: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

150

Para mim e para minha companheira, foi muito bom e gratificante ganhar o Contando porque a gente realmente se esforçou bastante na redação; mesmo assim, eu não esperava ganhar, então foi muito bom e será muito bom também ter o nosso conto em um livro. Maria Luiza Lima Gonçalves Pacheco e Oliveira

Eu adorei participar do Contando foi bem divertido trabalhar em dupla! Nós tivemos um pouco de dificuldade para decidir com qual início iríamos trabalhar, mas no final deu tudo certo!Mariana Ballalai Bordon

Eu adorei participar do Contando e foi uma experiência incrível ter minha produção sendo premiada; eu queria muito, pois já é o segundo prêmio de redação que eu ganho, e isso é muito importante, significa muito para mim, já que, quando crescer, quero me tornar uma jornalista de muito sucesso e para isso preciso escrever bem. Ganhar mais um prêmio de redação me motiva ainda mais a seguir a carreira.Marina Galvão de Barros Villalobos Bueno

Estou muito feliz de ter ganhado o Contando. E, entre muitas produções, ter a nossa como uma das escolhidas. Demos sequência ao conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector.Matheus Pereira Santiago

Page 266: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

151

Foi uma experiência imensa poder participar desse projeto e ainda mais poder ganhar; uma honra poder dar sequência a um texto de uma escritora tão renomada como Clarice Lispector. Poder sentir um pouco como é ter essa vida tão cobiçada de escritor foi maravilhoso...Miguel Bogdan Leão Bruno

É sempre ótimo criar uma nova história para o mundo, jogar suas palavras livremente no papel e se surpreender em como as suas ideias se completam no final. O grande diferencial do Contando foi o trabalho em duplas que, para mim, é sensacional. Espero que o projeto continue, e que outras classes tenham a chance de se divertir escrevendo seus contos. Natalia Von Staa Mansur

Eu gostei muito de participar do Contando, pois escrevo scripts de filmes. Estou genuinamente feliz por ter meu conto como um dos ganhadores, pois eu trabalhei duro para elaborar e escrever esta história. Gostaria também de agradecer a minha tutora, a excelentíssima professora Katia Villari.Paloma Lazzaro Saliba

Ser um dos vencedores do Contando, com certeza, me contenta muito, não só por estar vencendo um concurso, mas por perceber que posso dominar a língua portuguesa. Espero que o concurso tenha servido de inspiração para muitos alunos e que os faça perceber que têm capacidade de dominar a língua e, possivelmente de se tornarem escritores.Pedro Ricardo Gava Rubio

Page 267: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

152

Quando escrevi esse texto com meu amigo, colocamos todas as nossas emoções no papel esperando, por uma mínima chance, ganhar o concurso. Achava que não seriamos capazes de ganhar, e, quando soube dos vencedores, tive a sensação de “missão cumprida” e de felicidade. Foi muito bom participar do Contando!Stephany Pecho e Souza

Senti-me muito feliz ganhando o concurso! Achei muito legal, foi bem divertido e nos deixou soltar nossa criatividade, além de incentivar a leitura dos contos da maravilhosa Clarice! Espero que tenham mais propostas como essa no futuro e, para aqueles que pretendem ganhar nos anos seguintes, o segredo é deixar a mente livre e ter determinação!Vitória Brinker Cunha

Participar do Contando foi uma experiência muito gratificante, principalmente se pensarmos que estamos criando um texto que apresenta um inicío de um dos contos de Clarice Lispector, uma grande escritora da literatura brasileira. Ficamos surpresas ao ganhar o Contando, pois no começo estávamos com dificuldade para escrever e nunca pensaríamos que pudéssemos ganhar um concurso desse. Aprendi que tudo é possível se realmente quisermos. Levaremos isso para a vida toda.Rafaela Cestari Gomes

Page 268: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

153

A importância da maternidade Clarice Lispector

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que co-nheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Page 269: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

156

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas seus pais imigraram para o Brasil pouco depois. Chegou a Maceió com dois meses de idade, com seus pais e duas irmãs. Em 1924 a família mudou-se para o Recife, e Clarice passou a frequentar o grupo escolar João Barbalho. Aos oito anos, perdeu a mãe. Três anos depois, transferiu-se com seu pai e suas irmãs para o Rio de Janeiro.

Em 1939, Clarice Lispector ingressou na faculdade de direito, formando-se em 1943. Trabalhou como redatora para a Agência Nacional e como jornalista no jornal “A Noite”. Casou-se em 1943 com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem viveria muitos anos fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo, este último afilhado do escritor Erico Verissimo.

Seu primeiro romance foi publicado em 1944, “Perto do Coração Selvagem”. No ano seguinte, a escritora ganhou o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois publicou “O Lustre”.

Em 1954, saiu a primeira edição francesa de “Perto do Coração Selvagem”, com capa ilustrada por Henri Matisse. Em 1956, Clarice Lispector escreveu o romance “A Maçã no Escuro” e começou a colaborar com a Revista Senhor, publicando contos.

Separada de seu marido, radicou-se no Rio de Janeiro. Em 1960, publicou seu

CLARICE LISPECTOR____ BREVE BIOGRAFIA ____

156

Page 270: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

157

primeiro livro de contos, “Laços de Família”, seguido de “A Legião Estrangeira” e de “A Paixão Segundo G. H.”, considerado um marco na literatura brasileira. Sua carreira literária prosseguiu com os contos infantis de “A Mulher que matou os Peixes”, “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” e “Felicidade Clandestina”.

Nos anos 1970, Clarice Lispector ainda publicou “Água Viva”, “A Imitação da Rosa”, “Via Crucis do Corpo” e “Onde Estivestes de Noite?”. Reconhecida pelo público e pela crítica, em 1976 recebeu o prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra.

No ano seguinte, publicou “A Hora da Estrela”, seu último romance, que foi adaptado para o cinema, em 1985.

No dia 9 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, morreu Clarice Lispector aos 57 anos.

157

Page 271: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

PRESIDENTE:JOSÉ LUIZ FARINA

DIRETORA-GERAL PEDAGÓGICA:PROFª SILVANA LEPORACE

ASSISTENTE DE DIREÇÃO (8OS E 9OS ANOS):PROF. LUÍS PATRÍCIO RAUL ARRIAGADA SANCHO

COORDENAÇÃO-GERAL PEDAGÓGICA:PROFª SANDRA TONIDANDEL

COORDENAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA:PROFª MARIA CLEIRE CORDEIRO

COORDENAÇÃO DE ARTE:PROFª MARIA BEATRIZ PEROTTI

COORDENAÇÃO-GERAL DE TECNOLOGIAPROFª VALDENICE MINATEL MELO DE CERQUEIRA

ORIENTADORA EDUCACIONAL (9OS ANOS):PROFª CLAUDIA MARIA DURAN MELETTIPROFª THATIANA SEGUNDO GERENTE DE MARKETING:FERNANDO LOPO HOMEM DE MONTES SUPERVISOR DO DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAL:JOÃO FLORENCIO SOUZA FILHO

SUPERVISORA DO DEPTO. DE EDITORAÇÃO/GRÁFICA:VANNIA CHIODO SILVA

162

FICHA TÉCNICA

CORPO DOCENTE - LÍNGUA PORTUGUESA:PROFª KATIA MARIA CAMARGO VILLARI PROFª SOPHIA MARIA VISCONTI CORPO DOCENTE - ARTE:PROFª ADRIANA D’AGOSTINHO PROFª LÚCIA JUNQUEIRA CALDAS L. OLIVEIRA

CORPO DOCENTE - TECNOLOGIA:PROFª ADRIANA DE FREITAS SEBASTIÃOPROFª CELIA REGINA GOULART DA SILVAPROFª KARINE GUARACHO

PROJETO GRÁFICO:JOYCE BUITONITHIAGO XAVIER MANSILLA MALDONADOVERÔNICA MARTINS CANNATÁ

FOTO CAPA - CLARICE LISPECTORPAULO GURGEL VALENTE

FOTOS:ACERVO - COLÉGIO DANTE ALIGHIERI

LIVRO DIGITAL:DAVID HENRIQUE DA CUNHA PEREIRA THIAGO XAVIER MANSILLA MALDONADO

DEPARTAMENTOS ENVOLVIDOS:ARTEAUDIOVISUALEDITORAÇÃO E GRÁFICALÍNGUA PORTUGUESA MARKETINGTECNOLOGIA DA INFORMAÇÃOTECNOLOGIA EDUCACIONAL

Page 272: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

Créditos finais: Todas as fotos, informações e depoimentos publicados neste livro cedidos

por terceiros somente foram utilizados após a expressa autorização de seus proprietários. Agradecemos a gentileza de todas as pessoas e empresas que,

com sua colaboração, tornaram essa produção possível.

Distribuição:O livro “Contando com Clarice Lispector: os melhores contos do Dante

2015” é distribuído gratuitamente. Não é autorizada a comercialização deste em banca, livraria, loja ou qualquer outro espaço comercial por parte de

pessoa física ou jurídica.

Reprodução: É proibida a reprodução total ou parcial deste livro. Nenhuma pessoa física ou jurídica está autorizada a representar, promover ou se pronunciar em nome deste livro ou de seus responsáveis. Esta proibição é válida dentro e

fora do território nacional.

Tiragem: 300 exemplares

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1061 - CEP 01420-001 - SP

Tel.: (11) 3179-4400 - Fax: (11) 3289-9365www.colegiodante.com.bre-mail: [email protected]

163

Page 273: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

165

REFERÊNCIAS

Colégio Dante Alighieri. Contando 2015. Disponível em http://www.colegio-dante.com.br/escola/webquest/fund_ii/contando/. Acesso em 19 maio 2015.

Lispector, Clarice. Amor. Disponível em http://www.releituras.com/clispec-tor_amor.asp. Acesso em 19 maio 2015.

Releituras. Feliz Aniversário. Disponível em http://www.releituras.com/clispector_aniversario.asp. Acesso em 19 maio 2015.

________. Uma galinha. Disponível em http://www.releituras.com/clispec-tor_galinha.asp. Acesso em 19 maio 2015.

Tiro de letra - Mistérios da criação literária. Tentação. Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/conto_canino/Tentacao-ClariceLispector.htm. Aces-so em 19 maio 2015.

UOL Educação. Clarice Lispector. Disponível em http://educacao.uol.com.br/biografias/clarice-lispector.jhtm. Acesso em 19 maio 2015.

Page 274: LIVRO Contando - 2015 - montagemEste livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de

Este livro é o resultado do Contando e do Ilustrando 2015. Os alunos foram

estimulados a criar seus próprios textos a partir das introduções de belíssimos

contos de Clarice Lispector.

As narrativas foram criadas em duplas, e as melhores estão publicadas neste livro.

COLÉGIO DANTE ALIGHIERI Alameda Jaú, 1061 - CEP 01420-001 - SP

Tel.: (11) 3179-4400 - Fax: (11) 3289-9365

www.colegiodante.com.br

Conta ndo

Co

nta

nd

o c

om

Cla

ric

e L

isp

ec

tor

Os melhores contos de 2015

20

15

Contando com