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ROSEMARY DE OLIVEIRA PIRES TEREZA ASTA GEMIGNANI NEY MARANHÃO Coordenadores CONTRATOS FLEXÍVEIS NA REFORMA TRABALHISTA Trabalho em Tempo Parcial, Teletrabalho, Trabalho Intermitente, Trabalhador Hipersuficiente e Terceirização Belo Horizonte 2019

Livro CONTRATOS FLEXÍVEIS - RTM

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rosemarY de oLiVeira Pires tereZa asta gemignani

neY maranHÃo coordenadores

contratos FLeXÍVeis na reForma traBaLHista

Trabalho em Tempo Parcial, Teletrabalho, Trabalho Intermitente, Trabalhador

Hipersufi ciente e Terceirização

Belo Horizonte2019

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IsBN: Belo Horizonte - 2019

Todos os direitos reservados à Editora rTM.Proibida a reprodução total ou parcial, sem a autorização da Editora.

As opiniões emitidas em artigos de revistas, site e livros publicados pela Editora rTM (Instituto rTM de Direito do Trabalho e Gestão sindical) são de inteira responsabilidade de seus autores, e não refl etem necessariamente, a posição da nossa editora e de seu editor responsável.

Editoração Eletrônica e Projeto gráfi co: Amanda carolinecapa: Amanda carolineeditor responsável: Mário Gomes da Silvarevisão: os organizadores

Editora RTM - (Instituto rTM de Direito do Trabalho e Gestão sindical)Rua João Eufl ásio, 80 - Bairro Dom Bosco BH - MG - Brasil - Cep 30850-050 Tel: 31-3417-1628 WhatsApp:(31)99647-1501(vivo)e-mail : [email protected]: www.editorartm.com.brLoja Virtual : www.rtmeducacional.com.br

conselho editorial:Amauri césar AlvesAdriano Jannuzzi MoreiraAndréa de campos VasconcellosAntônio Álvares da silvaAntônio Fabrício de Matos GonçalvesBruno Ferraz HazanCarlos Henrique Bezerra LeiteCláudio Jannotti da RochaCleber Lucio de AlmeidaDaniela Muradas reisEllen Mara Ferraz HazanGabriela Neves DelgadoJorge Luiz Souto MaiorJose reginaldo InacioLívia Mendes Moreira MiragliaLorena Vasconcelos PortoLutiana Nacur LorentzMarcella PaganiMarcelo Fernando BorsioMarcio Tulio VianaMaria Cecília Máximo TeodoroNey MaranhãoRaimundo Cezar Brittoraimundo simão de Mellorenato cesar cardosorômulo soares Valentinirosemary de oliveira Piresrúbia Zanotelli de AlvarengaValdete souto severoVitor salino de Moura Eça

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Dedicamos este livro a todos que acreditam na importância do Direito do Trabalho como instrumento de promoção de uma sociedade livre, justa e solidária.

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agradecimentos

Expressamos nossos mais sinceros agradecimentos ao nobre amigo, Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho, pelo trato sempre gentil e pelo belo prefácio lavrado para esta obra.

Agradecemos, ainda, ao dileto amigo, Dr. Mário Gomes da Silva, da Editora RTM, pela oportunidade concedida e pela presteza na concretização deste projeto.

Agradecimentos, igualmente, a todos os articulistas que deram vida a este livro, compartilhando seus múltiplos talentos intelectuais, bem como por acreditarem na proposta acadêmica que ora vem a lume.

Gratidão eterna aos nossos queridos familiares. Por todo o apoio, compreensão e carinho... Enfim, pelo amor sem medida!

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sUmÁrio

PreFÁcio .......................................................................................................... 11Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão (TST)

as noVas e desaFiantes Formas FLeXÍVeis de contrataÇÃo no conteXto redUcionista tUteLar da Lei n. 13.467/17 .. 13Rosemary de Oliveira Pires Ney Maranhão

os noVos contratos e o PrincÍPio da ProteÇÃo no direito traBaLHista .............................................................................................33Tereza Asta Gemignani

1) traBaLHo em temPo ParciaL ....................................................43

TRABALHO EM TEMPO PARCIAL E REFORMA TRABALHISTA .........45Antonio Umberto de Souza JúniorFabiano Coelho de SouzaNey Maranhão Platon Teixeira de Azevedo Neto

TRABALHO EM TEMPO PARCIAL .............................................................56Rúbia Zanotelli Alvarenga Francisco Matheus Alves Melo

TRABALHO EM TEMPO PARCIAL .............................................................70Georgenor de Sousa Franco Filho

2)teLetraBaLHo .....................................................................................75

O TELETRABALHO E A LEI N. 13.467/2017: REFLExõES ACERCA Dos IMPACTOS DA REFORMA TRABALHISTA NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO DO TELETRABALHADOR. ...................................................77José Claudio Monteiro de Brito Filho Anna Marcella Mendes Garcia

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O TELETRABALHO E SUAS MÚLTIPLAS DIMENSõES: ANáLISES E REFLExõES NECESSáRIAS NO DIREITO BRASILEIRO E NO DIREITO coMPArADo ................................................................................................90Francisco Matheus Alves MeloCláudio Jannotti da Rocha Lorena Vasconcelos Porto

REFORMA TRABALHISTA: O TELETRABALHO .....................................111Kleber de Souza Waki

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E AS RELAÇõES DE TRABALHO NO BRASIL: O TELETRABALHO NA LEI N.º 13.467/17 ....................................... 136Rodolfo Pamplona FilhoLeandro Fernandez

TELETRABALHO E A RESPONSABILIDADE PELA AQUISIÇÃO, MANUTENÇÃO OU FORNECIMENTO DOS EQUIPAMENTOS TECNOLÓGICOS E DA INFRAESTRUTURA NECESSáRIA E ADEQUADA À SUA ExECUÇÃO ........................................................................................ 159Platon Teixeira de Azevedo Neto Rafael Lara Martins

TELETRABALHO, JORNADA ExCESSIVA E DANO ExISTENCIAL ..179Sandro Nahmias Melo

TELETRABALHO NO BRASIL: ANáLISE CRíTICA DA REGULA-MENTAÇÃO ESTABELECIDA PELA LEI 13.467/17 ........................197Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

3) traBaLHo intermitente ................................................................. 209

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: DIREITO EUROPEU, LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E JURISPRUDêNCIA PáTRIA (PRIMEIROS cAsos) ............................................................................................................. 211Lorena de Mello Rezende Colnago

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: POSSIBILIDADES INTERPRETATIVAS EM DESFAVOR DO SEU USO NA MODALIDADE “VALE-TUDO” ................................................................................................. 231Ana Cláudia Nascimento Gomes

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CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UMA ANáLISE A PARTIR DA PERSPECTIVA DE CONFIGURAÇÃO DO DANO ExISTENCIAL................ 248Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos

O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE COMO FORMA DE DILUIÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS. .........................................263Cristiane Rosa Pitombo

4) traBaLHador HiPersUFiciente ...................................................... 279

A NOVA CARACTERIZAÇÃO DOS EMPREGADOS GESTORES A PARTIR DA LEI 13.467/17 ...........................................................................................281Sabrina Zein

A REFORMA TRABALHISTA E O “HIPERSUFICIENTE” .......................297Arnaldo Afonso Barbosa Rosemary de Oliveira Pires

CRIAÇÃO DAS FIGURAS DO TRABALHADOR AUTÔNOMO E DO EMPREGADO HIPERSUFICIENTE PELA LEI 13.467/17 .........................310Antonio Capuzzi

EMPREGADO HIPERSUFICIENTE E NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL .....323Rodrigo Fortunato Goulart

5) terceiriZaÇÃo ......................................................................................... 333

ASPECTOS OBJETIVOS E RELEVANTES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO E O CONTExTO DO INSTITUTO JUNTO AO DIREITO DO TRABALHO ........... 335Ricardo Pereira de Freitas Guimarães

DA PRECARIEDADE À DIGNIDADE: PRIMEIRAS LINHAS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA UM NOVO REGIME DE TERCEIRIZAÇÃO ............................................................................................ 341Cyntia Santos Ruiz Braga

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DISCIPLINA JURíDICA TRABALHISTA CONTEMPORÂNEA DA TERCEIRIZAÇÃO: REFLExõES PÓS-REFORMA TRABALHISTA E DECISõES DO STF .......................................................................................... 359Silvia Teixeira do ValeRodolfo Pamplona FilhoMurilo C. S. Oliveira

NEOCONSTITUCIONALISMO E O NOVO CROWD WORK ....................... 380José Affonso Dallegrave Neto

TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES EMPRESARIAIS E INTERMEDIAÇÃO DE PESSOAS TRABALHADORAS .................................................................... 401José Eduardo de Resende Chaves Júnior

TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: JURISPRUDêNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DECRETO 9.507/2018 .............418Gustavo Filipe Barbosa Garcia

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CONTRATOS FLEXÍVEIS NA REFORMA TRABALHISTA Trabalho em Tempo Parcial, Teletrabalho, Trabalho Intermitente, Trabalhador Hipersuficiente e Terceirização

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PreFÁcio: Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão

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CONTRATOS FLEXÍVEIS NA REFORMA TRABALHISTA Trabalho em Tempo Parcial, Teletrabalho, Trabalho Intermitente, Trabalhador Hipersuficiente e Terceirização

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as noVas e desaFiantes Formas FLeXÍVeis de contrataÇÃo no conteXto

redUcionista tUteLar da Lei n. 13.467/17

rosemary de oliveira Pires1 Ney Maranhão2

“Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, às condi-ções equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

(Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 23) “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável,

emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos.” (Objetivo 8 in Objetivos do Desenvolvimento Sustentável visando o ano 2030, OIT).

1. introdução: a força protetiva do direito do trabalho e as razões da estabilidade tendencial dos contratos laborais

O Direito do Trabalho sempre se caracterizou por um importante movimento expansionista de garantia de direitos, iniciado pelos mais elementares (limitações de jornada, imposição de descansos e estipulação de mínimos remuneratórios) e progredindo para outros temas (prevenção de fadiga, de doenças e de acidentes, irreversibilidade das condições contratuais in pejus, isonomia salarial etc.). Por uma série de razões históricas, a relação de emprego foi alçada a uma condição peculiar de contrato em que boa parte das cláusulas já é predefinida pela lei diante da discrepância, no plano da vida real, dos poderes negociais das partes envolvidas. Em verdade, não houvesse a incisiva intervenção estatal sobre a configuração mínima de direitos e deveres decorrentes da relação de trabalho subordinado, certamente a força do capital – representada pelo empregador – quase sempre sobrepujaria a vontade e a força dos empregados.

o fato desse contrato envolver a disponibilidade da força de trabalho humano mediante a paga de salário atrai, portanto, um colorido diferenciado para tal tipo de pactuação, fazendo-o, a rigor, destoar dos modelos contratuais ordinários, quase sempre limitados a uma dimensão estritamente individual e de

1 Doutora e Mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Direito pela Universidade La Sapienza (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-Minas. Professora do Curso de Pós-Graduação da Faculdade Milton Campos. Desembargadora do TrT da Terceira região. 2 Doutor e Mestre em Direito pela USP e UFPA, respectivamente. Especialista em Direito pela Universidade La Sapienza (Itália). Professor Adjunto da UFPA. Juiz titular da 2a. Vara do Trabalho de Macapá, TRT da Oitava Região.

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cariz essencialmente patrimonialista. No contrato de emprego, porém, para além de uma patente faceta contratual-patrimonial, viceja também uma dinâmica que envolve incontornável faceta existencial, porquanto o enlace jurídico oportuniza, quanto ao polo obreiro, a percepção de verbas de natureza alimentar3.

Não por outro motivo, a vinculação contratual trabalhista, como regra, operacionaliza-se para durar no tempo, constituindo-se com obrigações de trato sucessivo e efeito continuado, tendendo à permanência,4 já que permanente também é a necessidade material alimentar do trabalhador, fator humano quase sempre justificador da fixação jurídica que materializa o pacto de trabalho.

Por isso, ao olhar do pensador atento, a intensa propensão contratual flexibilizatória hoje em voga no mundo do trabalho não pode prescindir de um necessário senso crítico, de maneira a averiguar se essas novas formatações pactuais, mais fluídas e líquidas, estão acompanhadas da correspondente expansão das liberdades reais desfrutadas pelo ser humano que trabalha5, a ponto de se justificar, jurídica e socialmente, o afastamento do imperativo ético-tuitivo que fez irromper o Direito do Trabalho como ramo jurídico preocupado com a tutela da dignidade do vulnerável.

Logo, nosso ímpeto, com este estudo, dentro dos estreitos limites de tempo e espaço aqui reservados, aponta no sentido de trabalharmos nessa senda mais crítico-humanista, averiguando em que maneira a fragilização desse importante vetor de estabilidade tendencial dos contratos laborais pode colocar em risco avanços civilizatórios até então já sedimentados em nossa sociedade.

2. alguns dados sobre o cenário do trabalho no Brasil e no contexto mundial.

comecemos por um breve panorama do trabalho no Brasil, apresentado manifestações relevantes contidas no recente relatório da oIT denominado “o Futuro do Trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites”6. Confira-se, in verbis:3 Cf. SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto; MARANHÃO, Ney. Quando a nostalgia salva: novos contornos da responsabilidade trabalhista do sucedido. In: HORTA, Alves; FABIANO, Isabela; KOURY, Luiz; OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. (Org.). direito do trabalho e processo do trabalho: reforma trabalhista - Principais Alterações. São Paulo: LTr, 2018, v. 1, p. 198-199.4 Cf. RUSSOMANO, Mozart Victor. curso de direito do trabalho. 7. ed. Curitiba: Juruá, 1999, p. 149.5 cf. sEN, Amartya. desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.6 Relatório da OIT “O Futuro do Trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites”, 2018. Reúne a síntese de quatro Diálogos Nacionais Tripartites, realizados no Brasil no curso dos anos 2016 e 2017, como estudo preparatório à comemoração do centenário da Organização Internacional do Trabalho em 2019. O objetivo das discussões e reflexões realizadas “foi de levantar as contribuições de representantes tripartites no Brasil e de especialistas e estudiosos sobre o tema do futuro do trabalho, no intuito de contribuir tanto

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“No que toca à inserção do Brasil em um quadro de mudanças globais na organização da produção e das formas de produção, fo-ram destacados os fortes impactos no mundo do trabalho causados pela crise econômica global, bem como os processos de redução e precarização de postos de trabalho relacionados à globalização, o desenvolvimento tecnológico e à manufatura avançada. o papel desempenhado pelas tecnologias de informação, pela automação e pela robotização foi amplamente analisado. Um dos estudos que recebeu menções nas discussões foi a análise elaborada pela con-sultoria McKinsey que estimou uma perda de até 50% dos postos de trabalho no Brasil em função do crescente uso de processos automa-tizados, tecnologia de informação e inteligência artificial, capazes de progressivamente substituir trabalhos rotinizados, até mesmo aqueles exercidos por trabalhadores altamente especializados (…) No ano de 2017, a taxa média de desocupação registrada foi de 12,7%, a maior da série histórica do IBGE, que começou em 2012, com o desemprego alcançando, em média, 13,23 milhões de pesso-as da força do trabalho, sendo o número mais elevado desde 2012.”7

“cabe lembrar, aqui, que o Brasil apresenta níveis muito altos de informalidade e que os trabalhadores no mercado informal se encontram totalmente desprotegidos. Dados do IPEA referentes ao último trimestre de 2016 indicam que 45% da força de traba-lho ativa, estimada em 90 milhões, estaria na informalidade.”8

Esse quadro assustador, tanto em seu aspecto numérico quanto pela ausência de um sistema efetivo de proteção formal de parte significativa dos trabalhadores brasileiros, não apresentou até agora, mesmo com o advento da regulação de formas flexíveis pela Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), uma modificação substancial, pois dados recentes do IBGE apontam que o desemprego está no patamar de 12,4% em fevereiro de 2019.9

Na verdade, os desafios da empregabilidade no Brasil não diferem dos enfrentados pelo restante do mundo ocidental, o que, se por um lado nos mostra o alto grau de dificuldade na solução dos problemas, por outro permite que compreendamos o fenômeno em sua dimensão global, autorizando um pensar

para estimular essa discussão no Brasil quanto apontar suas perspectivas para a comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho criada pelo Diretor-Geral da OIT”. 7 Dra. Patricia Oliveira é socióloga e tem doutorado pela Universidade de Frankfurt na Alemanha. Foi contratada como consultora pela OIT para acompanhar os diálogos, compilar as contribuições e preparar a síntese das reflexões do Relatório da OIT. Fonte: páginas 08 e 09 do referido Relatório.8 Ney Artur Gonçalves canani é chefe da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro do Trabalho, Ministério do Trabalho. Fonte: página 13 do referido Relatório. 9 In G1 29/3/2019.

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coletivo sobre os desafios de encontrar e regular todas as formas decentes de trabalho humano e, com isso, garantir ocupação e renda capazes de promover a paz mundial e a evolução civilizatória da Humanidade.

Vejamos o que se afirma ainda em outro trecho do citado Relatório da OIT:

“Estima-se a necessidade de se criar 600 milhões de novos em-pregos até 2030 para atender às demandas de novos entrantes no mercado de trabalho. A economia global está em risco de entrar num estado permanente de baixas taxas de crescimento, conco-mitantemente a um aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, faltam propostas alternativas e liderança política para repensar a fonte de geração dos empregos no futuro.”10

Como se percebe, vigora cenário de intensa incerteza quanto ao futuro do trabalho, em termos quantitativos e qualitativos. Quais serão, afinal, as fontes desses novos postos de trabalho? Será mesmo possível fomentar a criação de tantos empregos? E como serão as formas desses empregos? Qual será a sua regulação jurídica no futuro? Em tempos de tanta insegurança e ceticismo, talvez convenha aos juristas acionar seus espíritos criativos a serviço apenas das duas últimas indagações (formas de emprego e regulação), pois a criação de empregos ou ocupações (se se quiser abranger com o termo “ocupações” todas as formas de trabalho humano) é tema afeto à organização e operacionalização das empresas e seu sistema produtivo, vinculado às demandas de mercado e à necessidade de seu crescimento numa ambiência de profunda e acirrada competição, em que a não realização desse objetivo implica mesmo em risco à sua própria sobrevivência. Ao Estado cabe cumprir seu papel político de atuar na mediação, formulando espaços de diálogo entre todos os protagonistas sociais, permitindo o debate democrático sobre os valores que se quer afirmar e os rumos que se pretende avançar, equilibrando a liberdade, a igualdade e o desenvolvimento sustentável.

Este breve artigo revela um pouco de nossa inquietude de espírito em tentar compreender o que está acontecendo, visualizar minimamente o que está por vir e trabalhar, intelectualmente, para que o que advirá atenda de maneira mais próxima possível aos firmes ideias solidarísticos encrustados em nossa Carta Constitucional, máxime no que respeita à garantia de dignidade ao ser humano que trabalha.

10 Jacques Marcovitch (Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo), no Relatório da OIT “O Futuro do Trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites”, p. 15 e 16.

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3. o modelo tradicional de regulação da relação trabalhista e as novas formas de contratação flexível da Lei 13.467/17.

Já vem se tornando consenso entre os estudiosos a afirmação de que a relação de emprego, como a conhecemos tradicional e historicamente desde o advento do Direito do Trabalho como disciplina autônoma e destacada do Direito civil, tende a perder espaço a cada dia.

ou seja, a relação de emprego atualmente regulada, prioritariamente na CLT, em que o trabalhador comparece rotineiramente à empresa empregadora, ali desempenhando função específica dentro de uma jornada regular em troca de salário previamente combinado, seja quanto ao valor ou cálculo previsto, já vem se tornando frágil e insuficiente como único ou prevalente modelo de contrato formal de trabalho.

Pelo que se vê, esse tipo normativo de emprego vem sofrendo o paralelo e correspondente influxo das profundas modificações dos próprios modelos de negócios das empresas que o garante e que nele impactam, numa relação de causa-efeito inseparável.

Os impactos da crescente redução dos quadros de pessoal, a externalização das atividades que antes eram em grande maioria realizadas no interior das empresas, o aumento de fornecedores de serviços autônomos, sob a roupagem empresarial ou individual, a introdução de novas ferramentas tecnológicas na execução laboral, entre outros fenômenos, vêm provocando uma verdadeira metamorfose nas relações de trabalho, oportunizando reestruturação sistêmica no perfil objetivo dos contratos e subjetivos dos contratantes11, contexto que, evidentemente, também afeta suas respectivas representações coletivas, sobretudo a obreira, com a degradação expansiva da participação sindical profissional ativa nas relações de trabalho, o que faz ruir sua legitimidade e poder de ação reivindicatória, com consequente e perigoso acirramento do quadro de vulnerabilidade socioeconômica ínsito às relações de trabalho.

A propósito, nesse particular, sem dúvida, as modificações introduzidas pela Lei 13.467/17 no campo da representação coletiva, imprimindo abrupta facultatividade ao principal custeio dos sindicatos, sem qualquer contrapartida de retirada dos ônus legais que incumbem a tais entes (como se dá, por exemplo, com a legitimidade para propor ações coletivas das categorias que representam ou ainda a necessária assistência por ocasião de pedido de demissão de empregado estável, a teor do art. 500 da CLT, intocado pelas mudanças legislativas recentes) minaram ainda mais essa representação, frustrando sobremaneira o expresso desejo (sincero ou não) do legislador reformista de alavancar a negociação coletiva

11 cf. scHWAB, Klaus. Quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 41-55.

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a ponto de sobrepô-la à legislação protetiva, como se depreende dos novos art. 611-A e 611-B. Esse descompasso é inegavelmente ameaçador para a valia do sistema de garantias mínimas que a regulação heterônoma estabelece em nível progressivo, nos moldes previstos no caput, in fine, do art. 7º da constituição Federal, atraindo vozes críticas à própria validade de tais dispositivos por afronta ao texto constitucional e seu introjetado princípio da vedação ao retrocesso social.

O surgimento de novas formas flexíveis de contratação pela Lei 13.467/17 dá bem a dimensão da tentativa do Estado de facilitar a criação de novos empregos. Aliás, todo o sistema introduzido pela Reforma Trabalhista vai no sentido de reduzir, em favor do empregador, os entraves legais e burocráticos que lhe limitavam a negociação individual direta ou dificultava a prevalência da negociação coletiva, o que, do ponto de vista empresarial, representava o custo da legislação empregatícia, traduzida pela intervenção do Estado na atividade econômica desenvolvida.

Tanto assim, que a Lei 13.467/17, na estrondosa maioria de seus dispositivos, passou bem ao largo de acrescer direitos aos empregados. Ao contrário, alguns direitos foram suprimidos e outros alterados para dificultar sua constituição ou exercício nos moldes anteriormente estabelecidos.

Por exemplo, podemos citar, apenas para ficar no campo do direito material individual, a supressão das horas in itinere (art. 58, §2º.), a liberação do não pagamento dos feriados trabalhados quando procedida a contratação de regime de 12 horas trabalhadas por 36 horas de descanso (art. 59-A- parágrafo único), a limitação do pagamento ao período do intervalo efetivamente não gozado (art. 71, §4º.), a não integração na remuneração de várias parcelas contraprestativas, ainda que habituais, como diárias e prêmios, dentre outras (art. 457, § 2º.). Seguem na lista não exaustiva das reduções tuitivas a não descaracterização do regime de compensação de jornada e banco de horas mesmo em caso de prestação habitual de horas extras (art. 59-B, parágrafo único), a retirada de exigência de autorização prévia no cumprimento da jornada de 12 por 36 horas (art. 60, parágrafo único), a pretendida desnecessidade de comunicação à autoridade competente quando exigido trabalho em excesso do limite legal para a duração do trabalho em caso de força maior (art. 61), a flexibilização da atividade da gestante e da lactante em ambiente insalubre (art. 394-A e parágrafos – recentemente declarada inconstitucional no STF), a que autoriza a dispensa em massa nos mesmos moldes das dispensas imotivadas individuais (art. 477-A), a que limita a indenização por danos extrapatrimoniais (art. 223-G, § 1º.), dificulta a caracterização da isonomia salarial (art. 461e seus §§ 1º, 2º., 3º e 5º.), promove a prescrição total (art. 11, § 2º.), despreza o direito de imagem e a assunção dos custos de manutenção do uniforme pelo empregador (art. 456-A, caput e parágrafo único) e estabelece a inexistência de direito à manutenção do pagamento ou incorporação de gratificação no caso de empregado que seja revertido ao cargo efetivo, deixando a função de confiança, independentemente do tempo de exercício em tal função (art.

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468, § 2º.), admite a quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia no caso de adesão do empregado a plano de demissão voluntária ou incentivada (art. 477-B) e ainda a modificação do prazo para quitação rescisória (art. 477, § 6º.), não mais exigida a quitação com assistência sindical para empregados com mais de um ano de serviço (art. 477, § 1º).

Além disso, há uma série de dispositivos aptos a infirmar o tradicional prestígio do império da lei sobre a vontade privada, individual ou coletiva, quando em jogo a melhoria das condições do trabalhador – o que, em Direito do Trabalho, sempre constituiu a pedra de toque da disciplina, consubstanciado nos princípios da inderrogabilidade legal, da intangibilidade objetiva e da cláusula mais favorável ao empregado, em caso de conflito aparente de normas, independentemente de sua categoria hierárquica formal.

É o caso da negociação individual privada na pactuação de banco de horas (art. 59, § 5º.), na contratação da jornada 12 por 36 (art. 59-A), na estipulação de assunção pelo empregado dos custos de aquisição de equipamentos tecnológicos no caso de contratação de teletrabalho (art. 75-D), na extinção do contrato por mútuo acordo (art. 484-A), na estipulação de horários de descanso para a mulher gestante e lactante (art. 396, § 2º.), na concordância expressa do empregado sobre cláusula compromissória de arbitragem (art. 507-A), na possibilidade de firmar termo de quitação anual de obrigações trabalhistas perante o ente sindical de sua categoria (art. 507-B). No que tange à derrocada da lei em face da vontade coletiva, os arts. 611-A e 611-B fazem o restante do trabalho de desconstrução tuitiva, na medida em que permitem a prevalência do negociado, seja em desfavor do empregado, seja mesmo contra legem, sem contar a por demais esdrúxula assertiva de que, para fins de viabilização de negociação coletiva, regras sobre duração do trabalho e intervalos não haverão de ser consideradas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (art. 611-B, parágrafo único).

Especificamente quanto à introdução de contratos flexíveis no ordenamento juslaboral – como o contrato intermitente, o teletrabalho, o trabalho a tempo parcial, o trabalho do hiperssuficiente previsto no art 444 e a terceirização lícita em qualquer atividade –, concordamos que, em linha de princípio, tais contratos podem promover, em certo prazo, a diminuição dos índices de informalidade e de desemprego, na medida em que estimulam a captação de trabalhadores outrora sem vínculo de emprego ou desviados de uma contrato formal, inserindo-os na proteção legal destinada aos empregados em geral. Mas, e sendo bastante otimistas, apenas e talvez em curto e médio prazo.

É que essa estratégia legislativa acaba por referendar e estimular a prática empresarial sustentada nesse sistema de desproteção e de garantia dos direitos trabalhistas, atendendo o interesse imediato de redução dos custos operacionais, o

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que se faz pela via da substituição de empregados contratados sob o regime geral, migrando-os para a recontratação sob tais modelos flexíveis, em espiral tuitiva descendente. Tal movimento de dispensa e recontratação se confirma pelo fato de que, na véspera da edição da Lei 13.467/17 e logo após a sua vigência, foram promovidas dispensas em massa, como fartamente noticiado pela mídia, e, em sequência, restaurados postos de emprego, muitos sob a tal contratação flexível.12

Essa técnica política de ação exprime, a nosso ver, medida equivocada de enfrentamento do cenário de crise que vivemos, porquanto significa, em última instância, combate ao desemprego não através do desejado fortalecimento de garantias sociais maximamente aproximativas do pleno emprego, mas por meio da singela generalização do subemprego, com ênfase imediata em melhoramentos estatísticos no mundo do trabalho em detrimento da real condição social daqueles que são os mais vulneráveis em delicados contextos socioeconômicos. Promove-se, com isso, priorização quantitativa ao invés de qualitativa, fomentando política redistributiva provocadora de novas incertezas e desigualdades sociais13.

O microssistema de flexibilização contratual com redução tuitiva compõe também uma inequívoca e escancarada política de prestígio e desintegração do próprio sistema de fiscalização e inspeção do trabalho contra a violação ao regramento juslaboral, aqui podendo ser citados como impactados o Ministério do Trabalho (hoje já extinto), o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho (estes últimos acuados pelas frequentes ameaças de sua extinção institucional). O governo confirma, aos quatro cantos, sua tendência neoliberal, dando as costas ao compromisso constitucional de valorização do trabalho humano em concomitância com a afirmação da função social da propriedade.

Igualmente, essa ação mais voltada ao imediatismo produz desestruturação sistêmica no próprio mercado. A generalização da precariedade contratual, com expressiva impactação no rendimento médio do trabalhador brasileiro, além de acirrar o já terrível quadro de desigualdade social que assola nosso país, também alimenta cenário perigosíssimo, a médio e longo prazo, quando ao próprio equilíbrio do mercado. Afinal de contas, não se pode esquecer que trabalhadores também são consumidores14 e, sem consumo, a “roda” do capital não gira. Isso sem mencionar a óbvia queda de produtividade de trabalhadores pouco conectados à estrutura empresarial e o próprio

12 Quase 10 % das vagas abertas são de trabalho intermitente. Ou seja, 50.000 dos 529.554 novos empregos criados em 2018 (segundo o CAGED- Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados) foram pelo novo contrato intermitente, em que o empregado trabalha apenas quando é convocado pelo empregador. 2019. Fonte: Veja, 23/01/2019.13 Cf. BECK, Ulrich. sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 208.14 cf. ForD, Martin. os robôs e o futuro do emprego. Tradução de claudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Best Business, 2019, 296.

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despencar da arrecadação de tributos em benefício do Estado, incidentes sobre uma base salarial cada vez mais lânguida. Ponto também a merecer atenção especial é a repercussão dos chamados empregos jus-in-time no bem-estar emocional dos trabalhadores, especialmente em épocas onde o cansaço físico está sendo superado pela fadiga mental diante do ritmo frenético do nanossegundo típico da nova economia da informação15. Todos parecem perder, enfim, em um tal estado precarizante de coisas.

4. Os contratos flexíveis, mais alguns de seus desvios axiológicos e suas dificuldades hermenêuticas.

Dentre tantos dispositivos alterados ou acrescidos pela Lei 13.467/17, localizamos aqueles que consagram um novo e mais elástico disciplinamento de figuras contratuais já conhecidas, como a terceirização de serviços e o contrato a tempo parcial, bem assim a regulação de outras figuras contratuais, como o teletrabalho e o contrato intermitente, em inédita tipificação normativa.

Identificamos, ainda, regramento especial aplicável aos contratos típicos já existentes, modificador da lógica tuitiva anterior, como no caso do chamado empregado hiperssuficiente para quem, nos termos do art. 444, parágrafo único da CLT, a proteção pelas vias da legislação ou da negociação coletiva é passível de derrogação pela simples vontade contratual individual.

Por “contratos flexíveis” definimos aqueles que não se enquadram no modelo geral de proteção dedicada aos empregados, assim tomados como hipossuficientes socioeconômicos. Seu regramento é, pois, excepcional neste aspecto, por suas peculiaridades de formação, conteúdo obrigacional ou ambos, apresentando menor atenção tuitiva em certos aspectos, exatamente com fundamento em especificidades indicadas no texto normativo que os conforma. Já por isso, no ponto, como critério hermenêutico geral de incidência, propugnamos sobre eles exegese restritiva, na medida que, como dissemos, materializam quadros normativos excetivos no sistema trabalhista.

Nessa categoria, incluímos sobretudo o contrato de trabalho intermitente, o teletrabalho, o trabalho em tempo parcial, o trabalho por terceirização e o contrato com trabalhador hiperssuficiente. Evidentemente, tal classificação é meramente didática, facilitadora da compreensão e estudo comparativo entre os dois modelos (contratos em geral e contratos flexíveis), segundo o quantum de proteção legal a cada grupo destinada.

A seguir, cuidaremos de expor linhas gerais sobre cada um dos integrantes referenciados para essa categoria contratual, ofertando algo como que uma breve 15 A respeito, confira-se: RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 200-218.

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apresentação temática de cada qual, a título introdutório, sendo certo que o devido aprofundamento discursivo será levado a efeito em cada artigo que virá a seguir, compondo esta coletânea.

a) teletrabalho. Essa modalidade contratual encontra-se regulada nos arts. 75-A a 75-E, havendo

previsão expressa de sua exclusão no regime de jornada segundo o art. 62, III. O teletrabalho é, por definição contida no art. 75-B, um trabalho realizado

fora das dependências do empregador, mas, confusamente, diz o legislador que os serviços não se constituem como trabalho externo. A preocupação parece inócua, pois teletrabalho ou trabalho externo se equiparam para os fins de exclusão do regime de jornada, como preceitua o art. 62.

A explicação que se vislumbra para tal expressão é no sentido de justificar o permissivo constante do parágrafo único do art. 75-B, de tal modo que o comparecimento do empregado às dependências da empresa para realização de atividades específicas que exijam sua presença física não implique a descaracterização do teletrabalho.

Embora não se constitua numa modalidade contratual específica, apresenta-se como objeto de cláusula expressa do contrato do trabalho, como determina o art. 75-C. Tal exigência formal coloca em dúvida a possibilidade de sua descaracterização na prática, mesmo que comprovado o trabalho com uso de tecnologias de informação e de comunicação, mas por ausência do registro escrito.

Pensamos que, a par de vigorar no direito do trabalho a regra de prevalência da realidade sobre a forma, quando há determinação de forma não observada, haverá de ser considerado o regramento que melhor atender os interesses do empregado, com base no princípio maior da proteção que norteia essa disciplina jurídica.

O § 2º. do art. 72-B mostra a insistência do legislador reformista em atender, com primazia, os interesses do empregador. É que, se a mudança do sistema presencial para o teletrabalho é possível por mútuo consentimento (§ 1º.)16, o reverso, ou seja, do teletrabalho para o presencial se situa no âmbito do 16 Nada obstante, há doutrina no sentido de que, “em casos excepcionais, relacionados à tutela da dignidade humana e da proteção da criança, o trabalhador terá o direito a migrar para o regime de teletrabalho, independentemente da anuência do empregador. Nesse particular, pela omissão da lei brasileira no que tange a essas situações especiais, a legislação portuguesa pode servir de bom parâmetro normativo (CLT, art. 8º, caput). Em terras lusitanas, cuida-se de direito do trabalhador o acesso ao teletrabalho quando, por exemplo, o obreiro tenha filho com idade de até 3 (três) anos ou quando vítima de violência doméstica, mas desde que a atuação telemática seja compatível com a atividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para tanto (Código do Trabalho de Portugal [Lei n. 7/2009], art. 166, itens 2 a 4)” (SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017 e da MP n. 808/2017. 2. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2018, p. 108).

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ius variandi do empregador (§ 2º.), afastando por completo a afirmada regra de que a reforma pretendia estimular a negociação individual.

Aqui, nessa regra de alteração dos regimes, se escancara a intenção do legislador reformista de estabelecer a seguinte ordem preferencial quanto ao atendimento dos interesses: primeiramente, ao ius variandi do empregador (em supremacia a qualquer outra fonte normativa, seja contrato, negociação coletiva ou lei); depois, à negociação individual (em supremacia à negociação coletiva e à lei); sucessivamente, à negociação coletiva (em supremacia à lei); e finalmente, em último lugar, à lei.

Vê-se também que a pretendida responsabilidade pela assunção dos custos dos instrumentos de trabalho (aquisição, manutenção, fornecimento de equipamento e infraestrutura necessária e adequada ao trabalho remoto e o reembolso de despesas arcadas pelo empregado) quebra a regra de que devem ser arcados pelo empregador, na medida em que o art. 75-D autoriza que tal matéria seja objeto de previsão contratual, sabidamente submetida à maior prevalência da vontade do empregador contratante.

Particularmente, entendemos que o teletrabalho gera vantagens para a empresa, como a redução do espaço imobiliário, com diminuição de custos inerentes à aquisição de locais, aluguéis, manutenção, transporte etc., bem como pela eliminação do tempo perdido, sobretudo no trânsito, o que pode gerar maior produtividade. Por outro lado, o teletrabalho gera a necessidade de investimentos em equipamentos e conexões, sendo que tais gastos não podem ser repassados para o trabalhador, pois interessa ao empregador a realização das atividades de forma satisfatória.

Assim, a opção pela modalidade de teletrabalho, vantajosa ao patrão, como se viu, não retira do empregador a responsabilidade de arcar com todas as despesas para as instalações e manutenções de equipamentos, incluindo computadores e conexão à internet, se necessário. Discutível a responsabilidade sobre o pagamento das contas de casa, como energia, se o trabalho é desempenhado, preponderantemente, na residência do empregado.

Fechando a redução tuitiva, verificamos que o art. 75-E contém regra de que ao empregador cabe apenas instruir aos empregados acera das regras de precauções pertinentes à saúde do empregado em decorrência do exercício laboral, de modo a tentar transferir para o empregado os riscos de eventual lesão ou doença ocupacional consequente, ainda que se saiba que existem atividades, como a digitação, que amplificam consideravelmente a possibilidade de provocar doenças musculares de difícil afastamento do risco mesmo com a adoção de medidas de prevenção adotadas regularmente.

Entendemos que, mesmo com tal assinatura no termo de responsabilidade, essa circunstância não conduz, inexoravelmente, ao afastamento de eventual

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responsabilidade do empregador, caso laudo pericial ou outras provas conduzam à confirmação de que o empregado, ainda que tomando todas as precauções, não estaria livre do risco ocupacional. A matéria, pois, deverá ser cuidadosamente apreciada se levada à apreciação judicial.

No que tange à exclusão do empregado que realiza teletrabalho do regime de duração da jornada, nos moldes do art. 62, III, entendemos que, a priori, deve ser considerada a possibilidade de, confirmada a existência de meios diretos ou indiretos de controle pelo empregador da jornada efetivamente realizada pelo empregado, ser expungido o enquadramento da exceção, computando-se as horas efetivamente trabalhadas com o consequente pagamento da sobrejornada acaso constatada.

Em suma, não será a circunstância de trabalho remoto com o uso de tecnologia da informação suficiente para descartar o regime (inclusive constitucional) de proteção à duração do trabalho. Será imprescindível a configuração de um esquema laboral sem controles, ainda que indiretos ou sutis, aplicando-se a mesma condicionante explicitada para os trabalhadores externos comuns (CLT, art. 62, I). Portanto, apesar da inclusão do inciso III no art. 62 da CLT, reiteramos que a situação desafia um exame acurado por parte da Justiça do Trabalho, se acionada, para verificação das circunstâncias do contrato laboral, podendo, no caso concreto, ficar configurada jornada extraordinária, caso haja fraude por mau uso do sistema ou se for possível aferir a jornada cumprida17.

b) contrato de trabalho intermitente. regulado inicialmente pelo caput do art. 443 da CLT, é identificado

separadamente dos outros tipos de contratos indicados nesse dispositivo. “Art. 443. O contrato individual do trabalho poderá ser acordado tácita

ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.”

As primeiras dúvidas que podem ser colocadas com essa confusa redação inclusiva desse contrato em estudo são:

1) ele pode ser acordado tácita ou expressamente?2) ele pode ser verbal ou por escrito?3) ele pode ser a prazo determinado ou indeterminado? A essas específicas questões o legislador reformista deu resposta às duas

primeiras, quando em seu art. 452-A determinou que tal tipo de contrato deve ser celebrado por escrito, com outras exigências formais ali descritas.

Por seu silêncio quanto à terceira indagação, é razoável supor a possibilidade de o contrato de trabalho intermitente se fazer tanto por prazo

17 Cf. SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017 e da MP n. 808/2017. 2. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2018, p. 99-100.

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indeterminado quanto por prazo determinado, neste último caso observando as hipóteses do § 2º. do art. 443. É razoável, entretanto, supor que, na prática, a regra será a da indeterminação do prazo de contratação, mais compatível com o próprio interesse na feitura desse contrato pelo empregador, que já terá garantido o chamado apenas nas ocasiões que lhe aprouver.

Seu regramento específico consta do art. 452-A e seus §§ 1º. a 9º., e revelam a induvidosa tendência do legislador de atender aos interesses precípuos de eliminação de custos trabalhistas pelo empregador, evitando gastos com o chamado tempo ocioso de trabalho. Aqui, implementa-se a forte tendência atual de se firmar diferença entre jornada produtiva e jornada de trabalho, com primazia jurídica da primeira e, no caso brasileiro, consequente excepcionalidade quanto à regra geral de que o simples tempo à disposição, ainda que concretamente não produtivo, é circunstância fático-jurídica suficiente para acionar o dever patronal de contraprestação salarial (CLT, art. 4º, caput).

Importante referir que, nessas circunstâncias, o empregado que se submete a um tal regime com certeza não conta com esse vínculo para seu sustento, de tal modo que, embora permaneça como hipossuficiente econômico nesta relação, terá que fazer dela sua segunda ocupação e não a primordial. Inverte-se, assim, aquela tradicional lógica de que o emprego é a principal fonte de renda do empregado. O contrato de trabalho intermitente passa a ser um “bico”, uma atividade de “free lancer”, que não gera engajamento do empregado ao empreendimento onde trabalho, pela tênue relação que o vincula, seja pelo tempo dedicado, seja pela renda por ele auferida. A verdade é que o contrato intermitente, tal como regulado juridicamente no Brasil, representa figura de evidente caráter precarizante. Alinha-se, sociologicamente, como nenhum outro, com o insólito e contemporâneo “mundo labiríntico” onde, no dizer de Zygmunt Bauman, “os trabalhos humanos se dividem em episódios isolados como o resto da vida humana”18.

c) trabalho em tempo parcial. Essa modalidade contratual foi objeto de maior flexibilização normativa

pelo legislador reformista, como se depreende da alteração da parte final do caput do art. 58-A e inserção dos novos §§ 3º. a 7º. desse dispositivo.

Inicialmente ampliou-se o permissivo máximo de jornada contratada para até 30 horas semanais, sem possibilidade de prestação de horas suplementares ou de até 26 horas semanais, com a possibilidade de, dentro desse quantitativo máximo, ser prestadas até 6 horas suplementares semanais, certo que, pelo regramento anterior, só era permitido o limite máximo de 25 horas semanais, sem previsão de jornada excedente.

18 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 159.

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O § 5º. prevê expressamente a autorização de compensação das horas extras até a semana imediatamente posterior ou sua quitação no mês subsequente.

Já o § 6º. prevê a faculdade de o empregado converter um terço do período de suas férias em abono pecuniário, certo que as férias nesse regime são reguladas pelo disposto no art. 130 da CLT.

Não se nega que o trabalho a tempo parcial tenha em seu favor o discurso de que, em um mundo com empregos cada vez mais escassos, é necessário se adotar modelos que democratizam o acesso ao emprego formal e flexibilizem a jornada de trabalho. Em verdade, há uma “gigantesca coalizão” de forças nesse sentido (instâncias estatais, pressionadas pelos escandalosos índices de desemprego; mulheres, na expectativa de harmonizar trabalho assalariado com trabalho doméstico; jovens, interessados em ter maior controle sobre o próprio tempo; e empresas, que veem na reorganização da jornada laboral uma fonte de melhor produtividade)19. Entretanto, a fragilidade do vínculo, pelo pouco tempo dedicado ao empregador e certamente o menor valor salarial auferido pela proporcionalidade da jornada cumprida, compromete seu vínculo profissional com o empregador e com seus colegas de trabalho, impactando ainda sua potencial força no âmbito da construção e efetivação de uma pauta reivindicatória sindical.

d) Empregado hipersuficiente.Em verdade, não se trata de uma modalidade contratual típica, mas de

uma figura normativa criada e consequente do disposto no parágrafo único do art. 444. A configuração do empregado hipersuficiente decorre da sua exclusão do regramento tuitivo dedicado a todos os demais empregados. É, de todos os modelos, o que mais apresenta a face flexibilizadora ou, no caso, precarizante, instituída pelo legislador reformista.

Por empregado hipersuficiente vem a doutrina denominando aquele empregado “portador de diploma de nível superior e que percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, nos termos da parte final do parágrafo único do ar. 444.

conjugados os termos do caput do art. 444 com a primeira parte do seu parágrafo único, conclui-se que, em tese, a contratação desse empregado permite que qualquer disposição contida em instrumento coletivo, inclusive a que prepondera sobre a lei, possa ser objeto de livre estipulação pelas partes contratantes.

Sem dúvida, é o ápice da flexibilização. A negociação individual prevalece sobre a negociação coletiva, que, por sua vez, prevalece sobre a lei, fechando o ciclo excludente de proteção além do que, por meio do contrato firmado, foi possível se estabelecer. Neste ponto, salta mesmo aos olhos a expressa

19 Cf. BECK, Ulrich. sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 212.

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cristalização legal do ideal de flexibilidade máxima nas relações de trabalho, a ponto de o individualmente negociado merecer validade superior ao coletivamente transacionado – onde, bem se recorda, tal modalidade transacional se estabelece dentro de todo um sistema tuitivo garantidor de real igualdade entre os seres pactuantes, assegurado, basicamente, por sua necessária atuação coletivo-sindical, no caso dos trabalhadores. Promove-se, aqui, franca debilitação do sistema padronizado do pleno emprego típico da sociedade industrial, onde as condições contratuais portavam intenso grau de imperatividade e a autonomia obreira individual não tinha valia na implementação de condições laborais pejorativas20.

Não é preciso dizer muito sobre a perplexidade que uma tal disposição provoca no intérprete das normas, em especial no juslaboralista, acostumado com o primado da proteção heterônoma e conhecedor da realidade, há muito posta na doutrina, de que uma das principais características do contrato de trabalho é de ser ele um contrato de adesão em que a maior parte do conteúdo de suas cláusulas é mera repetição da legislação, outro tanto que remanesce corresponde às condições postas pelo empregador (cargo/função, salário, horário e local de trabalho), restando ao empregado tão somente o registro de seu aceite.

Evidente que o empregado portador de maior escolaridade e detentor de salários mais altos do que os normalmente praticados à grande massa de trabalhadores em geral, tem maior condição, em tese, de negociar. Mas não é menos certo que, em determinadas situações, premido exatamente pela dificuldade de obter novas colocações no mercado, seu poder de resistência é bastante baixo, às vezes até menor do que a resistência dos empregados de menor condição salarial que ele.

Além disso, a norma celetista em comento não considera a possibilidade de o empregado, com contrato em curso, vir a adquirir o diploma de curso superior e passar a receber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do regime Geral de Previdência social. Nesse caso, poderia haver reestabelecimento de novas condições de trabalho in pejus para o empregado? Em outros termos, a regra do art. 468 poderia não ser aplicada diante dessa nova situação jurídica?

Outra questão que colocamos em análise diz respeito à verificação de se tal regra legal não está a infringir o princípio da igualdade, insculpido na Constituição Federal. De fato, por certo o novel regramento celetista parte de um grau mínimo

20 Sobre a passagem da sociedade industrial para a pós-industrial, confira-se, entre outros: BELL, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Tradução de Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Editora Cultrix; TOFFLER, Alvin. a terceira onda. Tradução de João Távora. Rio de Janeiro: Editora Record, 1980. Para uma detida análise do fenômeno do trabalho nas comunidades pré-industriais, bem como nas sociedades industrial e pós-industrial, confira-se, entre outros: DE MASI, Domenico. o futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadyr A. Figueiredo. Brasília/DF: Ed. da UnB, 1999.

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de isonomia entre o chamado trabalhador hipersuficiente e seu empregador. Essa igualdade, todavia, é meramente presumida. Assim, visualizando-se, no caso concreto, que, nada obstante a presença daqueles requisitos objetivos financeiro-educacionais, inexiste isonomia real entre os pactuantes a nível individual (requisito “subjetivo”), tal entabulamento seria ineficaz mercê dos princípios da primazia da realidade e da boa-fé objetiva.

Muitos desafios hermenêuticos deverão ser superados pela doutrina e pela jurisprudência. Até lá, o desmonte da cadeia hierárquica das fontes tuitivas aguardará a posição fundamentada de opositores ou de defensores de um sistema tuitivo paralelo e frágil, incapaz de dar um mínimo de segurança jurídica ao empregado, deixando a ele, sozinho, a tarefa de autodefesa de seus interesses, numa largueza de autonomia privada sequer mesmo vista hoje até em contratos civis. Ao julgador restará apreciar os requisitos de validade do negócio jurídico firmado por este fictício empregado hipersuficiente (CLT, art. 9º)21.

e) trabalho por terceirização. A Lei n. 13.467/17 alterou, em seu art. 2º., alguns dispositivos da Lei n.

6.019, de 03/011/74. quais sejam, o art. 4º.-A e o art. 5º.-A, bem como introduziu o art. 4º.-C e seus §§ 1º. e 2º. e art. 5º.-C e art. 5º.-D.

Pelos termos do art. 4º.-A e 5º.-A, a prestação de serviços terceirizados pode se dar em quaisquer das atividades da empresa tomadora contratante, inclusive sua atividade principal. Essa é uma modificação substancial no permissivo do trabalho por terceirização, pois que a legislação anterior (no caso, a Lei n. 13.429, de 2017) só autorizava “serviços determinados e específicos”. Com isso, a terceirização, pelo legislador reformista, passou a ser ampla, nada mais guardando correspondência com a distinção que era feita pela antiga Súmula 331 do TST, exigindo a verificação de se a contratação tinha como objeto a atividade-meio e a atividade-fim, esta de realização proibida pelos termos sumulares.

O mencionado art. 4º.-A estabelece que a contratação pela tomadora deve recair em pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços, dela exigindo que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. Tal exigência legal quer nos parecer fundamental para a validade desse tipo de contratação. Em outros termos, se constatado que a empresa prestadora não possui capacidade

21 A questão é tão grave que em 11 de junho de 2019, aquando da redação deste artigo e durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, anunciou-se a reinclusão do Brasil na “short list” dos vinte e quatro países suspeitos de violar normas internacionais do trabalho relativas à aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, em razão de preceitos polêmicos introduzidos na Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei n. 13.467/2017, inclusive naquilo em que permite aos chamados obreiros “hipersuficientes” negociarem diretamente com o empregador as condições do art. 611-A da CLT, sem interveniência sindical.

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econômica para a execução dos serviços contratados pode a tomadora ser surpreendida com a invalidação do próprio contrato, tomado, nesta hipótese, como fraudulento, violador do art. 9º. da CLT, atraindo sua responsabilidade principal e não secundária ou subsidiária.

O art. 4º.-C estabelece importante regra isonômica, na medida que assegura os mesmos direitos ali elencados (relativos à alimentação, atendimento médico, treinamento e medidas de proteção à saúde, segurança e instalações adequadas) aos empregados das empresas prestadoras, quando e enquanto uma das atividades contratadas forem executadas nas dependências da tomadora. Esse dispositivo vai ao encontro do princípio isonômico insculpido na constituição Federal e é, por óbvio, regramento que visa a validade do dispositivo.

Todavia, afora essa situação, o §1º. desse dispositivo apenas autoriza – e não determina – que as empresas contratante e contratada estabeleçam salário e direitos equivalentes aos empregados da contratante. Deixou, nesse ponto, de avançar no princípio isonômico e nesse sentido merece crítica pelo reducionismo tuitivo praticado, legitimando inclusive incursões jurídicas de ordem constitucional22.

Em seu art. 5º.-C há regra impeditiva de figurar como pessoa jurídica contratada aquela cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 18 meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregados ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. É regra de mera garantia contra a caracterização da fraude, facilmente percebida pelo que se conhece como processo de pejotização, em que antigos empregados ou trabalhadores informais acabam constituindo uma empresa e, através dela, mantém as mesmas condições de trabalho para burlar a conquista de direitos trabalhistas que lhe seriam devidos.

No mesmo diapasão, seguem os termos do art. 5º.-D que também estabelece cláusula de barreira contratual, impedindo que empregado demitido da empresa tomadora possa continuar para ela trabalhando na qualidade de empregado da empresa prestadora, antes do decurso de 18 meses contados da data da sua demissão.

A experiência nos conduz a que se tenha fundado receio de a terceirização se espraiar como prática nefasta à melhoria da condição dos empregados da empresa prestadora, deles retirando não apenas a possibilidade de percepção de iguais direitos em relação àqueles empregados diretamente ligados à contratante, como chegar mesmo ao cúmulo de se encontrarem empresas que não possuam um único empregado, porque toda a mão-de-obra foi por ele terceirizada a outra empresa contratada para tal fim. Também podemos apontar o enorme prejuízo na consolidação 22 A respeito, confira-se: SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017 e da MP n. 808/2017. 2. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2018, p. 581.

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de uma unidade sindical envolvendo todos os empregados que trabalham para a empresa contratante pois que, pulverizados, guardarão o enquadramento sindical conforme a atividade econômica de cada empresa contratada, sucumbindo em sua força reivindicatória para conquistas contratuais complementares.

Diante dessas considerações preocupantes, aliadas à constatação relativamente óbvia de que o fenômeno terceirizante, por si, encarece o preço do produto e barateia o da mão de obra – sendo, pois, bastante prejudicial tanto a trabalhadores como a consumidores –, havemos mesmo de adotar postura de extrema cautela na análise da terceirização23.

5. Considerações finais.

A multiplicidade de novas formas de trabalho e de organização produtiva, aliada ao cenário atual de declínio nos níveis de empregos formais, no Brasil e no mundo, sem sinais animadores de reversão de tal quadro excludente de trabalhadores em condições de empregabilidade ou que caminham para a necessidade de sua inserção no mundo trabalho para obtenção de seus víveres, vêm estimulando o discurso fácil de aceitação de contratos de trabalho flexíveis, hábeis a permitir o rápido esfacelamento do arcabouço tuitivo, sem muita certeza de que não provocarão efeitos deletérios na construção de uma sociedade justa e fraterna.

É claro que o Brasil deverá caminhar em passos regulatórios compatíveis com os demais países que compõem a grande família da oIT. E que deve encontrar uma tal regulação que não só atenda suas peculiaridades regionais, como possa alavancar sua economia doméstica. Mas não pode se afastar do conceito de trabalho decente e da proteção mínima de seus trabalhadores, todos filhos da mesma pátria que deve equitativamente estimular a iniciativa privada, pena de sacrificar também a condição de consumidores desses trabalhadores sufocando as empresas e, assim, seguir patinando no ciclo vicioso impeditivo do crescimento social e econômico harmonioso desejável.

Os contratos flexíveis são vistos, por nós, com a cautela que entendemos cabível para o delicado momento por que passa o Brasil, em especial no que tange à relativa estabilidade política que vivemos, na qual muitas instituições são questionadas quanto à importância de sua existência, acenando-se para uma arriscada opção neoliberal, em detrimento do caminhar histórico de construir um estado do bem-estar social propugnado pela Constituição Federal vigente. Por isso, grandes desafios são vislumbrados na criação de um legítimo sistema normativo, includente de uma verdadeira responsabilidade social.

Esperamos que as novas conformações que devem alterar o Direito do 23 Cf. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. reforma trabalhista em pontos: de acordo com a Lei n. 13.467/2017 e a MP n. 808/2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 82.

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Trabalho, atualizando-o com a realidade, mantendo o dinamismo que lhe é próprio desde sua origem, com mecanismos eficazes de proteção adequada aos trabalhadores e suportáveis pelos empregadores, sejam objeto de intenso e profundo diálogo envolvente de todas as forças sociais, estabelecendo um pacto nacional includente de todos os protagonistas de sua própria Historia na fixação dos rumos de seu porvir.

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os noVos contratos e o PrincÍPio da ProteÇÃo no direito traBaLHista

Tereza Aparecida Asta Gemignani1

“Fechem os livros e abram os olhos”Maria Clara Machado

1. introdução

O padrão fordista de produção, centrado em horários fixos de entrada e saída do trabalho, que se repete todos os dias, no mesmo local, formatou o padrão normativo trabalhista posto pela CLT, uma consolidação de leis até então espar-sas, que disciplinavam diferentes matérias.

Surgiu em uma sociedade estruturada de forma rígida e binária, tendo como um de seus principais propósitos estabelecer limites à duração da jornada e períodos para descanso e alimentação, visando garantir condições de saúde e segurança, além de possibilitar que o trabalhador tivesse tempo para suas rela-ções sociais, familiares e interesses pessoais, a fim de assegurar espaços para usufruir de sua vida privada .

Porém, ante as mudanças tecnológicas que começaram a surgir no final do século xx e se intensificaram como força no século xxI, trabalhar todos os dias, no mesmo horário e no mesmo local, passou a ser possibilidade restrita a um número cada vez menor de atividades, alterando de maneira significativa as relações humanas e, por consequência, também as trabalhistas quanto ao tempo e lugar da prestação laboral, o que veio provocar fissuras estruturais no edifício normativo da CLT.

Também demandaram a formatação de uma nova organização produtiva, horizontal e descolada da antiga escala hierárquica verticalizada, centrada mais no foco principal da atividade econômica explorada, como demonstra o vertigi-noso desenvolvimento da terceirização.

Ademais, as novas formas de viver e trabalhar acentuaram o interesse pela di-versificação de horários e possibilidade de trabalho à distância, tornando insustentá-vel a manutenção unívoca do modelo anterior fordista/taylorista focado em “linhas” de produção, em que o trabalhador era “ pago para executar e não para pensar”.

Por outro lado, trouxe novas e instigantes controvérsias quanto a impor-tância de garantir tempos para a vida privada, ante uma realidade que demandava 1 Tereza Aparecida Asta Gemignani é desembargadora do TRT 15, doutora em direito do trabalho, pós graduação stricto sensu pela USP- Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho- cadeira n.70.

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disponibilidade ampla e contínua do trabalhador, para um trabalho prestado em períodos descontínuos, em situação de aparente paradoxo.

Neste novo cenário, ante a demanda crescente por novos marcos regulató-rios que pudessem disciplinar as novas formas de trabalhar, o modelo posto pela CLT não podia continuar a ser unívoco.

2. os novos contratos trabalhistas

Priorizando a realidade fática, que demonstrava notória assimetria entre os contratantes no modelo organizacional fordista/taylorista predominante na indústria, a CLT regrou o contrato de trabalho típico como aquele prestado por prazo indeterminado, admitindo outras variáveis quanto a celebração de contra-tos de experiência e por prazo determinado, apenas para situações específicas.

Porém, a intensa evolução tecnológica veio alterar de maneira significativa os tempos e lugares de trabalhar, ensejando a necessidade de regramento jurídico dos novos tipos contratuais, a fim de evitar que a informalidade pudesse deixar essas novas relações trabalhistas à margem do sistema.

2.1. A nova tipificação contratual dos tempos de trabalho

.A fixação do tempo de trabalho em jornadas fixas, com a duração de oito horas diárias, que predominou no século passado, vem sendo objeto de alterações significativas.

A regulamentação do trabalho em tempo parcial surgiu em 2001, com a inserção do artigo 58-A na CLT pela Medida Provisória 2.164-41, convertida em lei, que veio admitir a prestação laboral em jornada reduzida de 25 horas semanais, posteriormente alterada pela Lei 13.467/2017 para 30 horas, sem a possibilidade de prestação de horas extras, ou 26 horas com acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

O contrato de trabalho por tempo intermitente está previsto no § 3º do ar-tigo 443 da CLT, para tanto considerando aquele em que a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, podendo ocorrer com alternância de períodos de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. Embora a tentativa de am-pliar sua regulamentação não tenha obtido êxito, ante a cessação de vigência da Medida Provisória 808/2017, este novo tipo contratual está disciplinado no artigo 452-A da CLT,nos termos em que foi acrescentado pela lei 13.467/2017, exigindo a celebração por escrito, contendo especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento, que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. Em seus parágrafos disciplinou as formas de oferecer e aceitar trabalho, os períodos de atividade/inatividade e os direitos trabalhistas garantidos.

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2.2. A nova tipificação contratual dos lugares de trabalho.

A ideia de subordinação via de regra vinculava o exercício do jus varian-di às relações presenciais de mando no espaço físico do empregador. Porém, a alteração que a Lei 12.551/2011 conferiu ao artigo 6º da CLT abriu novas pers-pectivas ao estabelecer que:

“Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimen-to do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pres-supostos da relação de emprego.Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de su-bordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

Assim, ampliou a possibilidade de configuração da subordinação fora do espaço físico da empresa, deixando de exigir a relação presencial para tanto.

Nesta esteira surgiu o contrato de teletrabalho, inserido pela Lei 13.467/2017 no corpo da CLT pelos artigos 75-A a 75-E, tipificando a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, mediante a utilização das tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natu-reza, não se constituam como trabalho externo.

2.3. Os contratos de trabalho sem vínculo empregatício

Além das novas modalidades de contrato de emprego (a tempo parcial, in-termitente, teletrabalho), a realidade fática também vem demonstrando um número expressivo de trabalhadores autônomos, que passaram a atuar como pessoa jurídica.

O artigo 442-B, inserido pela Lei 13.467/2017, conferiu conceituação abran-gente para a caracterização deste tipo contratual, considerando autônomo o trabalho prestado com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, que afasta a qualidade de empregado por não apresentar os requisitos exigidos pelo artigo 3º da CLT.

Neste contexto, o desafio consiste em fixar novos parâmetros para a apli-cação do princípio da proteção aos contratos de trabalho em geral, e não apenas aos contratos de emprego, ou seja, uma ampliação da abrangência da aplicação do direito do trabalho.

3. Os princípios fundantes do direito do trabalho

Porém, o arcabouço doutrinário tem se mostrado insuficiente para superar a singela configuração binária de outrora e interpretar as regras disciplinadoras de

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outros tipos contratuais, instituídos para tirar da informalidade as novas relações trabalhistas, moldadas por uma realidade fática em rápida e constante interconexão, que anseia por segurança como bem descreveu o sociólogo Zygmunt Bauman.2

Neste cenário, a tentativa de reduzir a complexidade da nova realidade fática, destituindo-a de suas peculiaridades e desidratando suas características, para “encaixar” em um marco teórico já existente, anteriormente formatado por um modelo unívoco, posto para disciplinar o tradicional contrato de emprego celetista, não tem dado certo...

A natureza do mundo real é poderosa... e não costuma se submeter a mar-cos teóricos anteriormente construídos...mesmo que num primeiro momento possam pretensamente prevalecer pela força de certas idéias tidas como preten-samente dominantes.

A complexidade da questão trabalhista contemporânea, que os novos tipos contratuais procurou regrar, não pode ser enfrentada pela singeleza do manique-ísmo, sob pena de provocar o imobilismo que levará a esterilidade do ordena-mento, além da perda de significado da “própria ideia de transformação, apri-sionada numa contínua apologia do existente” como ressaltou Antonio Baylos.3

Isto faz lembrar a celeuma provocada por Nicolau Copérnico ao defender que, contrariamente ao que os teóricos da época propagavam, era a terra que gira-va em seu próprio eixo em torno do sol. Tal constatação foi retomada por Galileu Galilei que, entretanto, foi obrigado a retratar-se porque o marco teórico domi-nante à época dizia exatamente o contrário, ou seja, que era o sol que girava em torno da terra e, assim, esta perspectiva ditada pela doutrina, construída ao longo dos anos, tinha que prevalecer, pouco importando que a realidade fosse outra...

Embora muito mais confortável aplicar vetores doutrinários já conhecidos e sedimentados, isto só tem provocado disfuncionalidade, por tentar impor respostas e perspectivas totalmente descoladas da realidade cotidiana do mundo do trabalho.

Neste contexto, o risco consiste na resistência doutrinária à aceitação dos novos tipos contratuais de trabalho, como se fossem espúrios e bastardos, insti-tuídos a altere do sistema posto, que devem ser rejeitados por abrir espaços para uma arena precarizante de “vale tudo”, em que quem pode mais dita as regras ...

Será verdade ?Ou o grande desafio consiste em ter coragem para admitir que o mundo

mudou, a vida mudou, a forma de trabalhar mudou e, por isso, é preciso construir um novo arcabouço doutrinário e jurisprudencial que, repristinando o princípio

2 BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001. p.239-246.3 BAYLOS, Antonio. Direito do Trabalho: modelo para armar.Tradução Flávio Benitez e Cristina Schultz. São Paulo: LTr, 1999. p.187/188.

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da primazia da realidade como ela é, possa edificar novos marcos normativos pelas diretrizes constitucionais, para reconstruir o significado do princípio da proteção, que na era contemporânea implica em assegurar tutelas diferenciadas, em consonância com as especificidades inerentes às situações fáticas distintas.

3.1. a primazia da realidade

Em uma sociedade a eficácia do padrão normativo só é sustentável, se estiver em conformidade com a realidade fática, que exsurge das condicionantes sociológicas e econômicas de seu tempo.

Com a CLT não foi diferente...O padrão normativo que estabeleceu para caracterizar o contrato de em-

prego como único, quando presentes os requisitos previstos no artigo 3º da CLT, manteve sua eficácia enquanto predominou o modelo de relações trabalhistas fordistas/tayloristas predominantemente industriais, que deram ensejo a sua edificação como parâmetro de regulamentação.

Porém, as alterações tecnológicas minaram sua efetividade como padrão contratual único, assim arrastando também todo arcabouço teórico construído para lhe dar suporte.

O grande problema enfrentado nas primeiras décadas do século xxI é a di-ficuldade da doutrina para reformular conceitos e reestruturar institutos, superando a perspectiva binária, que deixou de ser suficiente na era contemporânea, porque o mundo do trabalho se apresenta muito mais complexo e articulado em intensa e cam-biante interconexão com as novas condicionantes sociais, econômicas e políticas.

Para reconstruir o edifício do direito do trabalho é preciso reforçar seu alicerce e voltar às origens, trazendo a primazia da realidade para o centro do debate, mas com um alargamento do conceito para além dos limites originalmen-te delineados por Mario de La Cueva,4 porque na era contemporânea as novas relações de trabalho exigem não só outras modalidades de vínculo empregatício, mas também do contrato de trabalho sob diferentes perspectivas, assim deman-dando a edificação doutrinária de novos marcos epistemológicos para sustentar a estrutura deste novo edifício normativo, que deve ser forte para resistir às pres-sões precarizantes, mas não pode ser pesado nem marcado pela rigidez, para não incorrer no engessamento que atrofia e compromete a funcionalidade do sistema, levando ao descrédito da sua eficácia .

4 DE LA CUEVA, Mário. El nuevo derecho mexicano del trabajo.México: Editorial Por-rúa S.A.2ª ed. 1981.

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3.2. O princípio da proteção

Em obra seminal, cuja atualidade se mantém até hoje, Américo Plá Rodri-guez5 destaca que o princípio da proteção “está ligado à própria razão de ser do direito do trabalho”. E, com uma visão quase profética com o que viria a ocorrer, ressalta não compartilhar da idéia de que o:

“propósito protetor esteja em crise. Que o direito do Trabalho não aborde mais os temas primários e elementares, porém, que melho-re as regulamentações, abarque outros aspectos mais difíceis ou se introduza em temas diversos, não significa que haja mudado sua orientação fundamental, consubstanciada na proteção do trabalho.”

Mais adiante, ressalta com maestria que o princípio da proteção está atre-lado ao princípio da primazia da realidade, trazendo à colação sentença proferida pelo juiz Carlos Maestro ao destacar que em “matéria trabalhista,mais que o contrato formal,interessa o trabalho como fato, a prestação efetiva, na prática...”

o jurista Arturo Hoyos 6 faz uma observação interessante, ao pontuar que a nova realidade está sob o signo do deus romano JANO, por ostentar duas faces contrapostas. Um lado, que mira para o futuro, admite a existências de novas for-mas de trabalhar, que podem melhorar a qualidade de vida, ante a possibilidade de retirar o trabalhador das atividades que demandam esforços repetitivos, além do trabalho penoso, insalubre e perigoso. outro lado, voltado para o passado, entende que a nova realidade não pode colocar em xeque a cadeia de proteção até então existente. Figura mitológica que bem representa a fase de transição que estamos vivendo, assim demonstrando que o direito do trabalho nunca foi tão im-portante, como agora, para garantir a efetiva aplicação do princípio da proteção.

Neste contexto, o grande desafio consiste em proceder à reconfiguração epistemológica para sustentar novos marcos doutrinários que possam traçar o fio condutor, que levará o princípio da proteção para diferentes modalidades con-tratuais trabalhistas, que atuam em contínua interconexão nas diversas formas contratuais de trabalho, assim tangenciando a inovadora concepção de direito dúctil, defendida pelo constitucionalista Gustavo Zagrebelsky. 7

Neste cenário, imperioso considerar a primazia da nova realidade, em de-trimento de conceitos teóricos que se perderam no tempo, pois formatados por

5 PLá RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. tradução de Wagner D. Giglio.Editora LTr. 1993. p. 28,39, 243.6 HOYOS, Arturo El ocaso del elemento utópico en el Derecho del Trabajo in Derecho Laboral n. 47, jul-set de 1987, p.211.7 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho dúctil. Ley, derechos, justicia.Tradução Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta,1995.p.14-18.

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condicionantes que deixaram de existir ante a nova realidade econômica, social, política, sindical e jurídica, como já alertava Héctor-Hugo Barbagelata desde o final do século passado.8

Arnaldo Sussekind 9também registrou a imperiosidade de reelaborar o princípio da proteção, ante a implementação das novas tecnologias, a fim de que “os instrumentos jurídicos promovam a reformulação dos sistemas concernentes às relações entre os homens e entre os Estados, amoldando princípios tradicio-nais em função das novas realidades socioeconômicas”.

Estudo sobre o futuro do Direito do Trabalho, elaborado com a chancela da oIT10, ressalta que na sociedade contemporânea “ os novos empregos tendem a ser muito diferentes do que aqueles com que estamos acostumados”. Por isso, a fim de que as “formas atípicas de emprego” possam ser “sinônimo de preca-rização”, cobrando “um preço em termos de formalização e proteção social”, a atualização da legislação trabalhista deve “adequar o arcabouço jurídico do tra-balho às novas realidades da economia no século xxI, deve ser vista como parte da agenda do futuro do trabalho”. Assim sendo:

“(…) As novas modalidades de contratação previstas na moder-nização poderão propiciar a formalização de atividades que hoje não fazem parte do mercado formal, estimulando a criação de novos postos de trabalho formal e levando a proteção social a um número maior de trabalhadores”.

Acrescente-se que a antiga fase unidirecional, unilateral e uniforme, ditada pela supremacia da regulamentação estatal, está sendo alterada também neste aspecto por um novo modelo, que confere âmbito maior para o exercício da de-cidibilidade pelos atores sociais.

Há, portanto, fissuras na estrutura do modelo até então existente, provoca-das pela nova realidade fática contemporânea, dotada de relevante complexida-de, cuja superação não será obtida pelo singelo debate binário entre contendores pró x contra.

8 BARBAGELATA, Héctor- Hugo. O particularismo do direito do trabalho. trad. Edilson Alkmin Cunha. São Paulo.LTr.1996.pp. 43 e 115.9 SUSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia e o direito do trabalho in rEvista LTr, vol.61,n.1, jan de 1997 pp. 42 e 43.10 Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites.p.13 (http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_626908.pdf acesso em 10/06/2019.

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4. de volta ao começo

Conferindo primazia à realidade fática, o direito do trabalho desnudou o artificialismo do contrato civil de locação de serviços e trouxe para o sistema jurídico um novo marco normativo.

Um dos seus principais objetivos consistiu em fixar limites à duração da jornada e intervalos para descanso e alimentação, a fim de garantir os espaços da vida privada daquele que dependia do seu trabalho para sobreviver.

Nestes tempos de alta tecnologia, em que o trabalho pelo celular nos acom-panha em todos os momentos da vida, o direito do trabalho é instado a voltar às suas origens para garantir o direito a desconexão, fim de preservar os espaços da vida privada do trabalhador.

Por isso, imperioso ressaltar que, diferentemente do apregoado, o momen-to não é de redução do princípio da proteção, que está na base do alicerce que sustenta o direito do trabalho, mas do alargamento de sua aplicação aos novos tipos contratuais trabalhistas em sua acepção lata, assim abrangendo tanto os que tem, quanto os que não tem vínculo empregatício.

Para tanto, exige da doutrina a edificação de novos marcos epistemológicos, com observância de outros paradigmas, necessários para promover a ressignificação do direito do trabalho, a fim de garantir a funcionalidade do próprio sistema jurídico trabalhista.

Neste vértice, o artigo 9º da CLT11 não rege apenas o contrato por prazo indeterminado celebrado nos termos do seu artigo 3º , mas também todas as no-vas modalidades contratuais previstas nos artigos 58-A, 75-A, 443 § 3º e 452-A, inclusive no que se refere a apuração dos critérios de distinção do contrato de trabalho autônomo, nos termos do artigo 442-B.

Neste passo, atrai também o disposto no artigo 186 do Código Civil. As-sim, em caso de desvirtuamento ou fraude na celebração dos novos tipos contra-tuais trabalhistas ( empregatícios ou não), haverá nulidade e também imputação de responsabilidade, pela prática de ato ilícito, àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

Importante trazer à colação o preceituado no artigo 187 do Código Civil, aplicável por compatível com o direito trabalhista, ao estabelecer que se o titular do direito, manifestamente exceder os limites impostos pelo fim econômico ou social do contrato, boa-fé ou bons costumes, também comete ato ilícito.

Portanto, se a parte que celebrar contrato de trabalho a tempo parcial, contrato intermitente, teletrabalho e contrato autônomo exceder manifestamente os limites de sua finalidade, boa-fé e bons costumes, responderá pelo ato ilícito praticado.11 Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação.

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Neste novo quadro institucional, em que o modelo unívoco é superado pela instituição de novos tipos contratuais, os conceitos da boa-fé objetiva e função social do contrato passam a ter nova estatura, como integrantes do princípio da proteção, assim atraindo a aplicação dos artigos 421 e 422 do Código Civil, de modo que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da fun-ção social do contrato, cabendo às partes a obrigação de guardar não só durante a celebração/ conclusão, mas também em sua fase de execução, os princípios da pro-bidade e boa-fé, sob pena de responder pelo ilícito praticado por ação ou omissão.

5. conclusões

o marco regulatório posto para reger relações de trabalho, focado no mo-delo de contrato por prazo indeterminado previsto no caput do artigo 442 da CLT, apropriado para disciplinar as relações trabalhistas fordista/taylorista, pas-sou a apresentar sinais de insuficiência quando houve a alteração da realidade fática pelas inovações tecnológicas, que se intensificaram em um ritmo acelerado neste início do século xxI.

Nesta quadra, a doutrina começou a demonstrar dificuldade para resgatar o princípio da primazia da realidade e ultrapassar conceitos outrora sedimentados, que não são mais consonantes com o mundo do trabalho contemporâneo...

É preciso coragem para mudar o que foi superado, reconstruindo a mus-culatura doutrinária com força suficiente para fazer valer o princípio da proteção sob outros parâmetros, pois não adianta tentar encontrar a solução em enuncia-dos livrescos, que se limitam a repetir sempre o mais do mesmo, insistindo em argumentos dissonantes do que efetivamente ocorre no mundo do trabalho.

Daí a necessidade de oxigenar o sistema por outras construções epistemo-lógicas, que possibilitem a edificação de novos marcos doutrinários, capazes de conferir concretude à regulação eficaz, para garantir que os novos tipos contra-tuais trabalhistas estejam inseridos na reconfiguração do princípio da proteção.

Durante este rito de passagem, é necessário abrir os olhos e reconhecer a primazia da nova realidade fática, para encontrar a dosagem certa da interpreta-ção e aplicação das novas regras, repristinando os marcos fundantes que possam levar à ressignificação do direito do trabalho, a fim de que o princípio da proteção ultrapasse a linha do discurso e retome seu lugar no alicerce do novo edifício jurídico trabalhista, fazendo valer sua eficácia no mundo do trabalho.

Isto porque, diferentemente do apregoado por alguns, o direito do trabalho não é parte do problema, mas peça chave para obter a solução.

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traBaLHo em temPo ParciaL e reForma traBaLHista

Antonio Umberto de Souza Júnior1

Fabiano Coelho de Souza2

Ney Maranhão3

Platon Teixeira de Azevedo Neto4

1. trabalho a tempo parcial

O trabalho a tempo parcial foi inserido na CLT pela Medida Provisória n. 1.709/98, reeditada diversas vezes e sucedida pelas Medidas Provisórias n.s 1.779, 1.879, 1.952, 2.076 e, finalmente, 2.164, igualmente reeditada até a versão 1 Antonio Umberto de Souza Junior é Professor Universitário. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e de diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (2007-2009). Advogado (1986-1993). Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Brasília/DF (TRT da 10ª Região). E-mail: [email protected] Fabiano Coelho de Souza é Mestre em Direito pela PUC-GO. Doutorando em Direito pela UFG. Professor da Escola de Direito de Brasília. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e de diversas Escolas Judiciais de Tribunais regionais do Trabalho. Membro Integrante da coordenação do Grupo de Pesquisas em Direito do Trabalho do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Juiz Titular da 4ª Vara do Trabalho de Goiânia (GO) (TRT da 18ª Região). E-mail: [email protected] Ney Maranhão é Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma – La Sapienza (Itália). Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenador do Grupo de Pesquisa “Contemporaneidade e Trabalho” – GPCONTRAB (UFPA/CNPQ). Professor convidado em diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá (AP) (TRT da 8ª Região/PA-AP). E-mail: [email protected] / Facebook: Ney Maranhão II / Instagram: @neymaranhao.4 Platon Teixeira de Azevedo Neto é Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho da Universidade Federal de Goiás. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás. Professor da Escola Nacio-nal de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e de diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Ex-Diretor de Informática da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA). Ex-Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 18ª Região (AMATRA18) e do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT). Membro Efetivo do Instituto ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho. Titular da Cadeira n. 3 da Academia Goiana de Direito. Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Luís de Montes Belos/GO (TRT da 18ª Região). E-mail: [email protected].

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vigente (41ª, de 2001), com intuito de criar empregos5, inclusive mediante a redução da jornada dos já empregados, e inserir no mercado de trabalho pessoas que, por razões familiares, acadêmicas ou por outras atividades laborais, não pretendem ou não podem dispor de tempo integral para se dedicarem a uma rela-ção de emprego. As características marcantes desse regime de trabalho, antes da reforma Trabalhista, eram:

a) jornada nunca superior a vinte e cinco horas semanais; b) proibição de execução de horas extras; c) regime diferenciado de duração das férias. Com a Lei n. 13.467/176, várias mudanças são efetivadas em tal modali-

dade de contratação. Em primeiro lugar, a duração do trabalho a tempo parcial mudou. com a

reforma Trabalhista, a jornada passa a ser ajustada dentro das seguintes possi-bilidades:

a) regime de trabalho por até trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares; ou

b) duração não superior a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

Chamamos a atenção para o fato de que a regra ora fixada não se aplica aos domésticos. É que, para tais trabalhadores, a Lei Complementar n. 150/15 fixou o limite de jornada em 25 horas para o trabalho a tempo parcial, com a possibili-dade de uma hora suplementar diária, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, não admitindo a superação do limite máximo de seis horas diárias (art. 3º, § 2º) 7. Deste modo, tratando-se de regra específica, a lei dos domésticos não foi impactada pela reforma Trabalhista neste ponto.8

5 Ainda que, cinicamente, o legislador excepcional (Presidente da República), na Exposi-ção de Motivos respectiva (Mensagem 539, publicado no Diário do Congresso Nacional de 19/8/98, p. 1.395-1.396), explicitamente sugira que a iniciativa criaria novos empregos não pela expansão das vagas, mas pelo compartilhamento solidário dos empregos já existentes.6 Para uma detida análise da Reforma Trabalhista, ponto a ponto, confira-se: SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVE-DO NETO, Platon Teixeira de. reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. 2. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2018. 7 Cf. SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de. o novo direito do trabalho doméstico. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 146.8 Vale acrescentar que, segundo o Enunciado 92 da 2ª Jornada da ANAMATrA, o novo regime de trabalho a tempo parcial não seria aplicável aos empregados do comércio, em razão da existência de norma mais favorável não impactada pela Reforma Trabalhista: “contra-taÇÃo Por temPo ParciaL de traBaLHadores no comÉrcio. O art. 58A e seus parágrafos, da CLT, alterados por força da Lei nº 13.467/2017, não são aplicáveis aos comerciários, em virtude da aplicação obrigatória do art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.790/2013, em decorrência da especificidade e da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador”.

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A Convenção 175 da Organização Internacional do Trabalho trata do traba-lho a tempo parcial. A norma internacional exige observância dos seguintes direitos dos trabalhadores em regime de tempo parcial em comparação aos trabalhadores de tempo completo: a) liberdade sindical, negociação coletiva e direito a disputar a re-presentação dos trabalhadores, segurança e saúde no trabalho e não discriminação no emprego e na profissão (art. 4º); b) salário proporcional à jornada executada (art. 5º) e c) proteção à maternidade, cessação da relação de emprego, férias anuais e fe-riados remunerados, licença por doença (art. 7º). A Convenção 175 destaca, ainda, a importância deste contrato como política de emprego para inclusão, no mercado de trabalho, de desempregados, trabalhadores com responsabilidades familiares, idosos, trabalhadores com deficiência e trabalhadores que estudem ou que se encontrem em formação (art. 9.2). Embora a Convenção 175 não tenha sido ratificada pelo Brasil, as regras constantes da norma e identificadas aqui constituem direito inerente aos tra-balhadores nacionais, por constituírem mero desdobramento dos direitos trabalhistas estabelecidos na Constituição Federal de 1988, em especial no art. 7º 9.

2. salário devido no regime de trabalho a tempo parcial

A Reforma Trabalhista manteve intacto o disposto no § 1º do art. 58-A da CLT. Com isso, o salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será, no mínimo, proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cum-prem, nas mesmas funções, tempo integral. O “tempo integral”, a servir de base para o pagamento proporcional devido ao trabalhador em tempo parcial, naturalmente tem por referência ordinária um regime de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais de trabalho. Essa proporcionalidade aplica-se, inclusive, quando o empregador remunerar seus empregados à base do salário mínimo, situação em que permitirá que o trabalhador em tempo parcial perceba menos que o mínimo men-sal, mas observada a proporcionalidade em relação à sua jornada, com exceção dos empregados públicos, trabalhadores que possuem o automático direito a perceber salário nunca inferior ao mínimo legal, ainda que cumpram jornada reduzida. Neste sentido, destacamos o teor da Orientação Jurisprudencial 358 da SDI-1 do TST:

saLÁrio mÍnimo e Piso saLariaL ProPorcionaL À Jornada redUZida. emPregado. serVidor PÚBLico.

9 Nesse sentido, Fernanda Pereira Barbosa, para quem “conquanto a Convenção 175 não tenha sido ratificada pelo Brasil, nada impede que suas previsões sejam utilizadas para fins interpretativos, notadamente quando se encontram em consonância com a ordem constitucio-nal e com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho” (BARBOSA, Fernanda Perei-ra. Trabalho em jornada reduzida. In: COSTA, Ângelo Fabiano Farias da Costa; MONTEI-RO, Ana Claudia Rodrigues Bandeira; BELTRAMELLI NETO, Silvio (Coord.). reforma trabalhista na visão de Procuradores do trabalho. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 246).

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I - Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou qua-renta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado.II - Na Administração Pública direta, autárquica e fundacional não é válida remuneração de empregado público inferior ao sa-lário mínimo, ainda que cumpra jornada de trabalho reduzida. Precedentes do supremo Tribunal Federal.

A lógica da proporcionalidade deve ser ajustada quando o trabalhador integrar categoria profissional com regulamentação específica e que contemple jornada especial. É o caso dos professores, mencionados na orientação Jurispru-dencial 393 da SDI-1 do TST, cujo entendimento baseia-se na jornada anterior à Lei n. 13.415/2017:10

ProFessor. Jornada de traBaLHo esPeciaL. art. 318 da cLt. saLÁrio mÍnimo. ProPorciona-Lidade. A contraprestação mensal devida ao professor, que trabalha no limite máximo da jornada prevista no art. 318 da CLT, é de um salário mínimo integral, não se cogitando do pagamento propor-cional em relação a jornada prevista no art. 7º, xIII, da Consti-tuição Federal.

Em relação ao trabalhador doméstico, também se observa a proporcionali-dade aqui mencionada. No caso, o § 1º do art. 3º da Lei Complementar n. 150/15 sinaliza que o salário a ser pago ao empregado doméstico sob regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação ao empregado que cumpre as mesmas funções em tempo integral.

3. conversão do trabalho a tempo integral em tempo parcial

Diante da alteração do regime de trabalho a tempo parcial, discute-se a possibilidade de migração dos atuais trabalhadores a tempo integral para o re-gime parcial. A situação suscita dúvidas porque a Reforma não faz nenhuma referência a respeito.

Aplicando-se o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, insculpido no art. 468 da CLT, é certo que os atuais empregados não podem ter seus contra-

10 Para registro, a partir da Lei n. 13.415/17, o professor poderá lecionar em um mesmo estabelecimento por mais de um turno, desde que não ultrapasse a jornada de trabalho se-manal estabelecida legalmente, assegurado e não computado o intervalo para refeição. An-teriormente, o professor não poderia ministrar mais que quatro aulas consecutivas ou seis intercaladas em um mesmo estabelecimento.

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tos transformados unilateralmente pelo empregador em regime de tempo parcial. Cabe refletir, então, se, na hipótese de consenso entre as partes, o regime de tem-po parcial poderia ser adotado mediante ajuste meramente individual.

A resposta é negativa. O § 2º do art. 58-A da CLT, cuja redação é contemporânea à criação do

instituto e não foi alterada pela Reforma, faz menção de que, para os empregados contemporâneos à criação deste regime de trabalho, a adoção do tempo parcial seria feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva11. com isso, temos que esse mes-mo procedimento possa ser aplicado à mudança aqui analisada, de modo que as premissas para a migração de um atual empregado para o tempo parcial, a partir da vigência da Lei n. 13.467/17, hão de ser as seguintes:

a) previsão autorizativa em norma coletiva; b) opção livremente manifestada pelo trabalhador perante a empresa, nos

parâmetros estabelecidos na norma coletiva. Essa exigência de negociação coletiva, envolvendo os atuais empregados,

parece-nos imprescindível também se o empregador pretender ampliar a jornada atual do limite de 25 horas para 26 horas, bem como para a possibilidade de ajus-te de prorrogação de jornada neste regime.

4. Prestação de horas extras no regime de trabalho a tempo parcial

Como visto, a nova lei autoriza a opção de contratação de empregado em jornada de até vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de prestação de horas suplementares de até seis horas semanais. Tais horas extraordinárias serão pagas com o acréscimo de, no mínimo, 50%, como expresso no art. 7º, xVI, da CF/88, ao passo que a regra introduzida pela Reforma menciona pagamento com acréscimo invariável de 50% (CLT, art. 58-A, § 3º), desprezando o fato de que se trata de um percentual mínimo.12

A base de cálculo da hora extra será o salário-hora normal, o que, por ób-vio, não afasta a incidência do art. 64 da CLT, de modo que o cálculo das horas suplementares levará em consideração todas as verbas de natureza salarial perce-

11 Na linha da exigência de negociação coletiva para migração do empregado em regime integral para o tempo parcial segue Rodrigo Dias da Fonseca, em seus comentários ao res-pectivo dispositivo celetista, para quem a exigência de negociação coletiva foi mantida após a reforma, a fim de evitar eventual imposição do interesse empresarial. Cf.: RODRIGUES, Deusmar José (coord.). Lei da reforma trabalhista. Leme (SP): JHMizuno, 2017, p. 52.12 A título de exemplo, se a norma coletiva da categoria fixa o percentual de 60% como adi-cional de horas extras, tal acréscimo aplica-se a todos os empregados sujeitos e beneficiários do instrumento normativo, inclusive os trabalhadores em regime de tempo parcial.

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bidas pelo empregado a tempo parcial13. Do mesmo modo, será observado o teor da súmula 264 do TST, com o seguinte conteúdo:

Súmula n. 264 do TST: HORA SUPLEMENTAR. CáLCULO - A remuneração do serviço suplementar é composta do valor da hora normal, integrado por parcelas de natureza salarial e acres-cido do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa.

Ao contrário do que ocorre com os domésticos em tempo parcial, não há previsão na Lei n. 13.467/17 de que tais trabalhadores devam ajustar acordo de prorrogação de jornada, para fins de prestação de horas suplementares. Neste sentido, o § 4º do art. 58-A da CLT, incluído pela Reforma Trabalhista, indica que, na hipótese do contrato de trabalho em regime de tempo parcial ser estabe-lecido em número inferior a vinte e seis horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras para fins do pagamento adi-cional, estando também limitadas a seis horas suplementares semanais. ou seja, para os empregados de jornada semanal de vinte e seis horas, o limite, já com as seis possíveis horas suplementares, será de trinta e duas horas semanais. Para empregados com jornada inferior, o limite de horas extras também será de seis horas semanais, independentemente da duração ajustada. com isso, no caso de empregado que ajusta jornada semanal de vinte horas e faz em uma determinada semana seis horas suplementares, mesmo alcançando vinte e seis horas semanais ao todo, as excedentes ao limite ajustado serão pagas como extras.

E, afinal, o acordo de prorrogação é dispensado ou presumido no contrato de trabalho a tempo parcial?

A finalidade do contrato de trabalho a tempo parcial é permitir o acréscimo de postos de trabalho, engajando trabalhadores que nem sempre têm disponibili-dade para a jornada integral – e, neste sentido, a reforma Trabalhista andou mal ao admitir a prestação de horas suplementares para tais empregados porque tal prática desvirtua os fins secundários propostos quando da regulamentação ori-ginal do instituto. se os empregados em regime de tempo parcial, em geral, não possuem disponibilidade para o cumprimento da jornada integral, prevista em lei, com mais razão deverão ter reconhecida a possibilidade de ajustar ou não a prorrogação de jornada. Deste modo, em que pese o silêncio da lei, a prorrogação

13 No mesmo sentido é a manifestação de Luiz Otávio Linhares Renault e Raquel Betty de Castro Pimenta. Fonte: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; PIMENTA, Raquel Betty de castro. A nova regulamentação do trabalho em regime de tempo parcial. In: HorTA, Denise Alves; FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; KOURY, Luiz Ronan Neves; OLIVEIRA, sebastião Geraldo de. (coord.). direito do trabalho e Processo do trabalho: reforma trabalhista – principais alterações. São Paulo, LTr, 2018, p. 125.

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não é presumida e depende de anuência expressa do empregado no contrato de trabalho a tempo parcial.

A Reforma Trabalhista acrescentou ainda o § 5º ao art. 58-A da CLT, de modo que as horas suplementares da jornada de trabalho normal poderão ser compensadas diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execu-ção, devendo ser feita a sua quitação na folha de pagamento subsequente, caso não sejam compensadas. Com isso, as horas extras laboradas no regime a tempo parcial poderão ser compensadas na própria semana ou na semana seguinte à sua execução, ou ainda poderão ser pagas (estranhamente) no contracheque do mês subsequente ao trabalhado. No caso, como a prestação de jornada suplementar constitui exceção ao regime de trabalho a tempo parcial, a compensação não poderá ser antecipada, devendo ocorrer na semana da execução das horas extra-ordinárias ou na semana imediatamente subsequente14.

Importante frisar que as restrições à sobrejornada no contrato de trabalho a tempo parcial fixam situações de trabalho proibido em busca da proteção ao trabalhador. Deste modo, caso haja exigência de horas extras vedadas para o regime de trabalho a tempo parcial com jornada de 27 a 30 horas semanais ou horas extras que extrapolam o limite de seis horas suplementares na semana, o trabalhador fará jus normalmente ao pagamento das horas extraordinárias com adicional mínimo de 50% e demais repercussões legais. É que, neste caso, a nuli-dade não pode prejudicar o sujeito ao qual se direciona a proteção: o ser humano que trabalha15. Não bastasse, o descumprimento patronal sistemático quanto aos limites legais para o trabalho em regime de tempo parcial desconfiguraria a mo-dalidade contratual e, em consequência, o contrato seria conduzido à regra geral de tempo integral, inclusive tornando devido ao trabalhador o mesmo salário aplicado para a jornada integral16.

14 Em sentido contrário, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, para quem, “por interpretação lógica, sistemática e teleológica, tais horas suplementares poderão tam-bém ser objeto de compensação durante a semana imediatamente anterior à da sua execução” (DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. a reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017, p. 124).15 Por analogia, a situação narrada atrai a lógica estabelecida na súmula 376 do TST, sobre a prestação de serviços além do permissivo legal: “Súmula n. 376 do TST. HORAS Ex-TRAS. LIMITAÇÃO. ART. 59 DA CLT. REFLExOS (conversão das Orientações Jurispru-denciais n.s 89 e 117 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. I - A limitação legal da jornada suplementar a duas horas diárias não exime o empregador de pagar todas as horas trabalhadas. II - O valor das horas extras habitualmente prestadas integra o cálculo dos haveres trabalhistas, independentemente da limitação prevista no “caput” do art. 59 da CLT”.16 A respeito, confira-se a doutrina de Augusto César Leite de Carvalho, para quem “a ino-bservância de qualquer desses limites (até 30 horas semanais sem horas extras, até 26 horas semanais com até seis horas extras) acarretará a desfiguração do regime de tempo parcial e a

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5. Férias no trabalho a tempo parcial

A reforma Trabalhista, sem dúvida, avançou e melhorou a condição das férias para os trabalhadores a tempo parcial. No regime então vigente, estavam submetidos a uma regulamentação bem mais precária que a dos trabalhadores em tempo integral. No caso, os trabalhadores de tempo parcial tinham férias com du-ração de oito a dezoito dias (art. 130-A da CLT), o que fere patamar mínimo pro-tetivo aos empregados, equivalente às férias com duração mínima de três sema-nas, conforme regra estabelecida na Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho. Por outro lado, estavam excluídos da possibilidade de conversão de um terço do descanso de férias em abono pecuniário (CLT, art. 143, § 3º).

A partir da vigência da reforma Trabalhista, os empregados em regime de trabalho a tempo parcial terão suas férias regidas pelo disposto no art. 130 da CLT, com o seguinte conteúdo:

Art. 130. Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: I - 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao servi-ço mais de 5 (cinco) vezes;II - 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas; III - 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quin-ze) a 23 (vinte e três) faltas; IV - 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas. § 1º É vedado descontar, do período de férias, as faltas do em-pregado ao serviço. § 2º O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço.

Assim, os trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial passam a usufruir férias de doze a trinta dias, a depender do número de faltas injustificadas ao longo do período aquisitivo – e podem, inclusive, não adquirir férias, caso faltem, injustificadamente, mais que trinta e dois dias no período aquisitivo. Com isso, está sendo revogada expressamente a regra do art. 130-A da CLT.

Em relação aos empregados domésticos, permanece em vigor a regra cons-tante do § 3º do art. 3º da Lei Complementar n. 150/15, que prevê, em situação similar com o revogado art. 130-A da CLT, férias com duração de 8 a 18 dias, a

recondução do contrato à vala comum dos contratos em que o salário devido será o equiva-lente à jornada máxima prevista em lei” (CARVALHO, Augusto César Leite de. direito do trabalho: curso e discurso. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 294).

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depender da jornada contratada no regime a tempo parcial. Para estes empregados, à míngua de previsão legal, o número de faltas injustificadas ao longo do período aquisitivo não produz nenhum impacto nas férias. No entanto, há forte questiona-mento de inconvencionalidade da regra constante da lei do trabalhador doméstico, haja vista que a Convenção n. 132 da OIT prevê duração mínima de três semanas para as férias, o que implicaria em 21 dias, patamar mínimo superior ao máximo de duração das férias legalmente estabelecido para o empregado doméstico sujeito ao regime de tempo parcial (18 dias, ex vi do art. 3º, § 3º, I, da LC 150/15).

Outra alteração trazida com a Reforma é que o empregado em regime de tempo parcial poderá converter um terço do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário (CLT, art. 58-A, § 6º). Em consequência, foi revogada a proibição de conversão para tais trabalhadores, prevista no art. 143, § 3º, da CLT.

Cabe lembrar, com base no art. 143, § 1º, da CLT, que o abono de férias deverá ser requerido até quinze dias antes do término do período aquisitivo. Com isso, fica evidente que as férias já adquiridas anteriormente à vigência da Lei n. 13.467/17 não permitirão a dita conversão de parte do descanso em abono, eis que já vencido o prazo decadencial estipulado em lei para que o empregado exerça tal opção, salvo se o empregador aquiescer com o pedido extemporâneo, pois não haverá nenhum prejuízo ao trabalhador, detentor exclusivo do direito potestativo de postulação da conversão das férias em abono pecuniário.

Por outro lado, para os períodos aquisitivos de férias em curso quando da vigência da Reforma Trabalhista, temos que a conversão será obrigatória para o empregador, caso o empregado manifeste tal opção no prazo legal, haja vista que a regra de concessão será da lei vigente ao tempo da fruição das férias e no advento da vigência da Lei n. 13.467/2017 o empregado ainda teria tempo de manifestar a vontade pela conversão de um terço do descanso em pecúnia.

Por fim, para os períodos aquisitivos iniciados já sob a égide da Lei n. 13.467/17 também será compulsória a conversão parcial das férias em abono pecuniário, desde que requerida tempestivamente pelo trabalhador ou aquiesça o empregador com o pleito extemporâneo, tendo em vista que as férias estarão em situação de plena regência das regras ordinárias da CLT.

Em síntese, para aquisição das férias será observada a regra vigente no início do período aquisitivo. Por outro lado, as regras de concessão observam a norma vigente no período concessivo, o que inclui a possibilidade de conversão de um terço dos dias previstos para o descanso nas férias em abono pecuniário.

conclusões

A Reforma Trabalhista trouxe mudanças para o regime de trabalho a tem-po parcial, sendo que o conjunto normativo a respeito deve ser interpretado de

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forma sistemática e ainda à luz da Constituição Federal e das normas internacio-nais de direitos humanos.

Nesse contexto, não se admite a transposição das regras da CLT ao regime de trabalho doméstico, considerando haver norma expressa específica aplicável a essa modalidade de relação laboral.

Quanto aos demais trabalhadores, admite-se a migração do contrato a tem-po completo para o regime de trabalho a tempo parcial somente se houver previ-são autorizativa em norma coletiva e desde que a opção do obreiro seja livremen-te manifesta perante a empresa, nos parâmetros estabelecidos na referida norma.

No que tange às horas extras, a quantidade limite deve ser de seis horas su-plementares semanais, independentemente da carga horária semanal acordada. O acréscimo de remuneração deve observar o disposto na constituição Federal, que estabelece aditivo de valor mínimo de 50% ao montante da hora normal (art. 7º, xVI), prevalecendo sobre o disposto no § 3º do art. 58-A da CLT que prescreve apenas o acréscimo invariável de 50% ao salário-hora normal.

Ademais, em relação à compensação, as horas extras laboradas no regime de tempo parcial apenas poderão ser compensadas na própria semana ou na se-mana seguinte e, caso não sejam compensadas, devem ser pagas no contracheque do mês subsequente ao laborado.

sobre as férias no trabalho a tempo parcial, modo geral, houve melhora para os trabalhadores desse regime. A regulamentação anterior restringia o direi-to a 18 dias anuais de descanso, ferindo a Convenção n.º 132 da OIT, que prevê férias na quantidade mínima de 3 semanas anuais. Com a regra atual, os trabalha-dores em regime de tempo parcial passam a ter o direito a 30 dias corridos, caso não tenham faltado ao serviço mais de 5 vezes.

Por fim, permitiu-se ao trabalhador em regime de tempo parcial converter um terço das férias em abono pecuniário, revogando-se a proibição antes existente. De todo modo, a opção deve ser feita livremente pelo trabalhador, que possui o di-reito potestativo de postular a conversão do período previsto legalmente em abono.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Fernanda Pereira. Trabalho em jornada reduzida. In: COSTA, Ângelo Fabiano Farias da Costa; MONTEIRO, Ana Claudia Rodrigues Bandeira; BELTRAMELLI NETO, silvio (coord.). reforma trabalhista na visão de Procuradores do trabalho. salvador: Juspodivm, 2018.

CARVALHO, Augusto César Leite de. direito do trabalho: Curso e Discurso, 2ª ed. são Paulo: LTr, 2018.

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. a reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017.

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FONSECA, Rodrigo Dias da. Comentários ao art. 58-A da CLT. In: RODRIGUES, Deusmar José (coord.). Lei da reforma trabalhista. Leme (SP): JHMizuno, 2017.

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traBaLHo em temPo ParciaL

rúbia Zanotelli Alvarenga1

Francisco Matheus Alves Melo2

introdução

o Direito do Trabalho é um dos ramos da ciência jurídica, que constante-mente precisa ser revisto, em decorrência das transformações sociais que ocor-rem no seio da sociedade. No momento atual, diante do fortalecimento de ideias neoliberais e do viés econômico, vemos a consagração da Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista), que precariza diversos pontos da legislação trabalhista – inclusive, as normas sobre o contrato de trabalho parcial.

Neste sentido, faz-se necessário resgatar valores fundamentais justrabalhis-tas, de modo a garantir a sua finalidade primordial: a dignidade do obreiro. Para isso, ainda é possível valermo-nos de outros institutos espalhados no nosso orde-namento jurídico, seja em outros ramos ou mesmo em normas internacionais.

No intuito de contribuir para o fortalecimento do resgate do Direito do Tra-balho, o presente estudo analisa os impactos da novidade legislativa do contrato de trabalho parcial. Além disso, esta pesquisa volta-se a estudar a compatibilida-de das novas disposições sobre trabalho parcial com os tratados internacionais de direitos humanos e averiguar seus efeitos precarizantes.

1. Contrato de trabalho: histórico

A relação de emprego é uma invenção da modernidade, advinda na re-volução Industrial. A partir do momento em que se separa a força de trabalho da pessoa que presta serviço. Dessa forma, a relação de trabalho torna-se uma mercadoria, economicamente mensurável e maleável às leis da demanda e oferta.

Em paralelo, torna-se economicamente interessante combater a escravidão e incentivar a mão de obra “livre”, em que se cria uma massa de consumidores daquilo que é produzido sem os “custos” para manter um escravo.

De tal sorte, teoricamente, o labor deixa de ser encarado como uma pena ou uma relação pessoal entre o seu utilizador e o trabalhador. Para isso, cria-se

1 Professora Titular do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, Brasília. Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC/MG. Advogada.2 Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade entre Rios do Piauí. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogado. Professor.

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no âmbito do universo jurídico a figura do contrato de trabalho para validar a “venda” do desforço de quem trabalha em troca de pecúnia3.

A princípio, tal contrato era regido apenas pelas leis do mercado, como um simples contrato civil. Isto é, pelo modelo de Estado Liberal de intervenção estatal mínima, as partes estavam “livres” para pactuar o contrato de trabalho, já que seriam formalmente iguais.

Nessa toada, a lógica seria que a revolução Industrial – com o avanço do uso cada vez maior de máquinas e, por conseguinte, o ganho de produtividade – permitiria a pactuação de maiores salários e jornadas de trabalho melhores4.

Todavia, a disparidade econômica mostrou uma realidade bem diferente. Os trabalhadores (incluindo mulheres e crianças) – sem condições de, na prática, negociar em pé de igualdade – eram submetidos a jornadas exaustivas, em meio ambientes insalubres, perigosos e degradantes em troca de uma remuneração aquém do necessário para subsistir.

Essa superexploração da força de trabalho contribuiu para o surgimento de uma consciência de classe, afinal os trabalhadores identificaram uns nos outros a mesma penúria. Em meio a esse processo de resistência e luta por melhores condi-ções de vida e de trabalho, surge o movimento sindical, que, por sua vez, ao exercer pressão nos demais atores sociais promove o surgimento do Direito do Trabalho5.

cabe destacar que, sem desmerecer as conquistas históricas do movimento dos trabalhadores, o surgimento do Direito do Trabalho, ao mesmo tempo em que representou uma coação ao Estado Liberal de direitos sociais, também possibilitou a manutenção da burguesia no poder e do seu sistema capitalista de produção.

Neste sentido, a criação da concepção moderna de trabalho só se torna completa quando ela é assimilada pelo universo jurídico. Pois, a partir do mo-mento em que o mundo do Direito absorve essa inovação do mundo dos fatos, enaltecido pela visão econômica, dá-se o respaldo legal e “segurança jurídica”. E assim a ideia contraditória – que a força de trabalho pessoal pode ser vendida separadamente da pessoa do obreiro – torna-se aceitável.

Porém, nada disso seria possível sem um instrumento jurídico capaz de res-paldar tais ideias: o contrato de trabalho. Sob a “máscara” do contrato de trabalho, “a figura do trabalhador (...) apaga-se atrás da do contraente: já não é a pessoa, e o seu saber-fazer, que é o fulcro jurídico da relação de trabalho, mas sim o preço que ela custa (o salário) que absorve (...) a pessoa do trabalhador (o assalariado) 6”.

com o passar do tempo, o movimento da classe trabalhadora cresce e, por conseguinte, o Direito do Trabalho (e o contrato de trabalho) evoluem. Novos 3 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016, p. 7.4 SUSSEKIND, Arnaldo. direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 6.5 Ibidem.6 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016, p. 58-59.

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instrumentos de restrição do poder empresarial são pactuados e aos poucos inse-ridos no universo jurídico.

Nesse ínterim, há o aprofundamento do processo de institucionalização de direitos sociais, no qual vislumbramos a institucionalização do Estado Social de Direito, voltado a implementar direitos fundamentais de segunda dimensão (direitos de igualdade) e revisar aqueles de primeira geração. Nesse processo, o Direito do Trabalho ascende e expande-se.

E depois em mais um passo evolutivo temos o Estado Democrático de Direito, voltado a “declarar, garantir e realizar os direitos fundamentais”7 – dentre eles, os di-reitos fundamentais do trabalhador. E, nesse cenário, o ramo juslaboral desponta como meio progressista e modernizante do sistema socioeconômico e jurídico, responsável por “aperfeiçoar as condições de contratação e gestão da força de trabalho” 8.

Neste mesmo sentido, Gustavo Zagrebelsky, defendendo o papel singular do trabalho na promoção da democracia (consagrado no art. 1º da constituição Italiana), afirma que:

O significato profundo da conexão, estabelecida no art. 1, entre democracia e trabalho está aqui: a questão democrática é ques-tão de trabalho, de trabalho livre e digno. o que importa a de-mocracia se não é garantido um trabalho que permita enfrentar um dia de vida, próprio e de suas crianças, e encarar com um mínimo de tranquilidade? (tradução nossa)9.

Entretanto, a partir do fortalecimento das ideias liberalistas, movimento ini-ciado na década de 1970, os avanços do Direito do Trabalho, bem como na seara dos contratos de trabalhos, são postos em xeque. Os avanços da corrente de pen-samento com forte viés econômico desequilibram a dinâmica juslaboral e compro-metem o processo de elevação do patamar civilizatório dos trabalhadores. Combi-

7 DELGADO, Mauricio Godinho. Os paradigmas do Estado Constitucional Contempo-râneo. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. constituição da república e direitos Fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 27.8 DELGADO, Mauricio Godinho. Funções do Direito do Trabalho na Capitalismo e na Democracia. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. constitui-ção da república e direitos Fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 87-88.9 Trecho original: “Il significato profondo del collegamento, stabilito nell’art. 1, fra de-mocrazia e lavoro sta qui: la questione democrática è questione del lavoro, e del lavoro libero e dignitoso. Che cosa importa la democrazia se non è garantito un lavoro che permetta di affrontare i giorni dela vita, própria e dei propri figli, e di affrontarli com un minimo de tranquilità?” (ZAGREBELSKY, Gustavo. Fondata sul lavoro: la solitudine dell’articolo 1. Torino: Giulio Einaudi, 2013, p. 28).

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nado com outras mudanças na realidade do mundo do trabalho (p. ex., toyotismo, globalização, revolução tecnológica), o cenário traçado por Alain Supiot é de que:

Enquanto as velhas distinções fundadas na consideração do trabalho concreto tendem a desaparecer, novas fontes de fragmentação da no-ção de contrato de trabalho aparecem, por um lado, à flexibilização do emprego e, por outro, a generalização do salariato. Essas novas fontes de desequilíbrio mostram quão ilusório seria pensar poder re-gular uma vez por todas as questões de vase suscitadas pela relação de trabalho. o enigma do trabalho não cessa de ressurgir sob formas novas e de sapar a validade das respostas imaginadas para resolver10.

Assim, o instituto do contrato de trabalho - como principal ferramenta do Direito do Trabalho, acompanha esse processo de reinvenção desse ramo jurídico. E, uma dessas mudanças foi a figura do contrato de trabalho por tempo parcial, a qual abordaremos no tópico seguinte.

2. O contrato de trabalho: caracterísiticas

Para a devida compreensão do contrato de trabalho a tempo parcial, faz-se necessário analisar primeiro o que seria um contrato de trabalho. Nessa toada, após compreender o papel do contrato de trabalho na história do Direito do Trabalho, cabe adentrar no seu conceito propriamente dito e seus elementos. Destarte, o art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define de forma vaga e genérica, que “é um acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.

Como se pode perceber, a definição sucinta de um instituto tão importante é criticada pela doutrina, da qual destacamos os ensinamentos de Maurício Go-dinho Delgado, para quem:

O texto da CLT não observa, como se percebe, a melhor técnica de construção de definições: em primeiro lugar, não desvela os elemen-tos integrantes do contrato empregatício; em segundo lugar, esta-belece uma relação incorreta entre seus termos (é que em vez de o contrato corresponder à relação de emprego, na verdade ele propicia o surgimento daquela relação); finalmente, em terceiro lugar, o refe-rido enunciado legal produz verdadeiro círculo vicioso de afirmações (contrato/relação de emprego; relação de emprego/contrato)11.

Destarte, no intuito de contribuir para uma melhor compreensão do insti-tuto do contrato de trabalho, a doutrina se presta a completar a lacuna normativa. Neste sentido, ressaltamos a posição de Vólia Bomfim Cassar, a qual aduz que:10 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016, p. 50-51.11 DELGADO, Mauricio Godinho. curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 614.

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[...] o contrato de trabalho resulta da soma dos requisitos caracteri-zadores da relação de emprego, ou seja, é a convenção expressa ou tácita, pela qual uma pessoa física presta serviços a outra (pessoa física ou jurídica), de forma subordina e não-eventual, mediante sa-lário e sem correr os riscos do negócio, de forma continuada12.

Nota-se, portanto, que o contrato de trabalho é um contrato especial, voltado a regulamentar uma relação empregatícia. Não obstante, é oportuno mencionar que o contrato de trabalho não deixa de ser um contrato de Direito Privado, entre dois particulares. Daí faz-se necessário observar não só as normas de proteção trabalhis-ta, como também regras e princípios do direito contratual, inclusive os elementos essenciais de qualquer contrato, como manifestação livre de vontade das partes ca-pazes, sobre objeto lícito, possível, determinada ou determinável, cuja forma seja prescrita ou não vedada por lei, conforme preceitua o art. 104 do Código Civil.

Nessa senda, o contrato de trabalho pode ser caracterizado como um con-trato complexo de adesão intuito personae, cuja pactuação deve ser consensual, dotado de alteridade, prevendo obrigações sinalagmáticas e de trato sucessivo para desempenho de atividade onerosa.

A diferença é que o contrato de trabalho possui duas partes com diferentes poderes de negociação. De um lado, via de regra, temos o empregador que detém os meios de produção, os organiza em uma atividade empresarial e por isso corre o risco do negócio. De outra banda, temos, geralmente, um trabalhador hipossu-ficiente, que se vê obrigado a vender sua força de trabalho para se manter.

Assim, historicamente, o sindicato – como ente coletivo representante da categoria – é capaz de negociar cláusulas coletivas em pé de igualdade, de modo a garantir diversas conquistas (v.g. o aviso prévio e o décimo terceiro salário). Mas, além das entidades sindicais, o Estado, dentro da dinâmica de garantidor e promotor de direitos sociais, ao passar do tempo, passou a garantir a igualdade material do contrato de trabalho através do dirigismo contratual.

Nessa toada, o Direito do Trabalho estabelece diversas regras e princípios que garantem um limite à liberdade contratual, para que o trabalhador hipossu-ficiente não se veja obrigado a vender sua força de trabalho abaixo do patamar civilizatório mínimo, em condições indignas.

Entretanto, como dito anteriormente, com o avanço das ideias neoliberais, o papel intervencionista do Estado e do dirigismo do contrato de trabalho passa a ser questionado. Daí, surgem novas figuras voltadas a flexibilizar o contrato de trabalho típico, cabendo destacar o contrato de trabalho de tempo parcial, que será aprofundado no próximo tópico.

12 CASSAR, Vólia Bomfim. direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 419.

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3. contrato de trabalho a tempo parcial: antes e depois da reforma trabalhista

o contrato de trabalho a tempo parcial consiste na regulamentação de um contrato atípico em que há duração da jornada inferior a oito horas por dia e/ou quarenta e quatro horas semanais. Informalmente, isso já era permitido; uma vez que a Constituição Federal de 1988, no inciso xIII do artigo 7º, xIII, prevê apenas a jornada máxima.

Apenas com a Medida Provisória n. 1709/1998, iniciou-se o processo de regulamentação da pactuação de jornada parcial de trabalho no ordenamento ju-rídico brasileiro. E tal medida provisória foi seguida pelas MPs 1952/2000 e a 2164/2001, esta última por ser anterior à Emenda Constitucional n. 32/2001 tem vigência indeterminada. De sorte que a redação dada ao art. 58-A da CLT per-maneceu válido, com força de lei, até a mudança legislativa promovida pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).

Nesse diapasão, a CLT, com redação anterior à reforma trabalhista, regu-lamentava o contrato de trabalho da seguinte forma:

Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais.§ 1º O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos emprega-dos que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.§ 2º Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.

Além do mais, o art. 59, §4º da CLT vedava a sobrejornada do contrato de trabalho por tempo parcial. E o art. 130 previa um regime especial de férias, entre oito e dezoito dias, proporcional a duração da jornada semanal, exceto se tivesse mais de sete faltas injustificadas ao longo do período aquisitivo, hipótese em que o período era reduzido à metade.

Em síntese, o contrato de trabalho especial do regime de tempo parcial era uma redução proporcional do contrato de trabalho típico, de forma que, ao mesmo passo em que se reduzia a jornada, também percebia uma proporcionalidade da remuneração e das férias. outra característica era a proibição da conversão pecuni-ária de um terço das férias ou da prestação de horas extras, já que os dois institutos desvirtuariam o propósito em si mesmo de ter uma jornada de trabalho parcial.

É oportuno destacar ainda a crítica feita por Vólia Bomfim Cassar, sobre a redução da jornada de trabalho:

A inclusão expressa do regime de tempo parcial em até 25 horas semanais teve a nítida finalidade de pôr fim à tese de limitação da

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redução salarial e aos motivos que a ensejam. Pelo novo dispositi-vo pode-se reduzir, durante o contrato, o salário do empregado em 90%, por exemplo, sem qualquer motivo econômico da empresa, desde que seja também reduzida a jornada, que a norma coletiva autorize e que o empregado declare sua concordância, o que não é difícil de o empregador obter mediante ameaça de dispensa13.

No mesmo sentido, leciona Maurício Godinho Delgado. Para quem a re-dução da jornada de trabalho não poderia ser acompanhada da diminuição da renda do obreiro para níveis abaixo do salário mínimo mensal, tendo em vista que este seria um direito fundamental previsto na constituição para garantir as necessidades básicas14.

De toda forma, as discussões no tocante ao contrato de trabalho por tempo parcial voltam a ganhar relevância com a promulgação da Lei n. 13.467/2017. Tal norma trouxe em seu bojo a alteração de mais de cem temas previstos na CLT. E uma das mudanças feitas foi a do art. 58-A, incluindo diversos parágra-fos sobre a possibilidade de jornada extraordinária, conforme o texto abaixo:

Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aque-le cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares se-manais. [...]§ 3º As horas suplementares à duração do trabalho semanal nor-mal serão pagas com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal.§ 4º Na hipótese de o contrato de trabalho em regime de tempo parcial ser estabelecido em número inferior a vinte e seis ho-ras semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras para fins do pagamento estipulado no § 3o, estando também limitadas a seis horas suplementares se-manais.§ 5º As horas suplementares da jornada de trabalho normal po-derão ser compensadas diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execução, devendo ser feita a sua quitação na folha de pagamento do mês subsequente, caso não sejam com-pensadas.§ 6º É facultado ao empregado contratado sob regime de tempo parcial converter um terço do período de férias a que tiver direi-to em abono pecuniário.

13 CASSAR, Vólia Bomfim. direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 521.14 DELGADO, Mauricio Godinho. curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 1106-1107.

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§ 7º As férias do regime de tempo parcial são regidas pelo dis-posto no art. 130 desta Consolidação.

Destarte, pode-se dizer que a partir da Reforma Trabalhista temos dois modelos de regime de trabalho em tempo parcial:

a) até trinta horas semanais sem horas extras (isto é, aumentou o limite de vinte e cinco horas semanais);

b) até vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de prestar até seis horas extras (compensadas até a semana imediatamente posterior à execução ou indenizadas com adicional de 50%), ou seja até trinta e duas horas por semana (novidade legislativa).

Ademais, a Lei n. 13.467/2017 revogou os arts. 59, §4º e 130, da Conso-lidação. Logo, não há mais proibição para a prestação de horas extras (apenas limitação da quantidade de horas), nem proporcionalidade nos dias de férias para os obreiros sob contrato de trabalho a tempo parcial.

como se pode perceber, o legislador reformador, ao mesmo tempo, pro-moveu avanços e retrocessos. Nessa toada, cabe destacar que a revogação do art. 130 da CLT simbolizou progresso, uma vez que extirpou a norma diferenciadora da proporcionalidade dos dias de gozo de férias dos trabalhadores sob contrato de trabalho a tempo parcial. ou seja, igualou os dias de férias dos trabalhadores.

Nesse mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado aponta outro ponto po-sitivo da Reforma Trabalhista, ao afirmar que:

Estende a nova lei ao empregado contratado sob regime de tem-po parcial a faculdade de converter “um terço do período de fé-rias a que tiver direito em abono pecuniário” (novo § 6º do art. 58-A da CLT). Trata-se também de medida correta, pois coeren-te com a incidência da nova tabela padrão de férias para tal tipo de contrato, idêntica à tabela padrão aplicável a todos os demais empregados (art. 58-A, § 7º, CLT)15.

Assim, se levarmos em consideração a tese de Maurício Godinho Del-gado, de que o trabalho a tempo parcial tem direito ao salário mínimo mensal, combinado com o direito do gozo de trinta dias de férias, o legislador acabou por promover uma conquista social e um passo a mais para aproximar o trabalhador a tempo parcial do patamar civilizatório mínimo de um contrato de trabalho tí-pico, na luta pela promoção da dignidade dos obreiros – ao garantir o direito ao descanso anual remunerado.

15 DELGADO, Mauricio Godinho. curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 1112-1113.

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De outra banda, as alterações do contrato de trabalho a tempo parcial pro-moveram o retrocesso e até mesmo a descaracterização desse contrato especial, ao permitir a prestação de sobrejornada. Afinal, o contrato a tempo parcial, já é um contrato de trabalho atípico, com restrição de parcela da proteção das normas ce-letistas, a prestação de horas extras (ainda que indenizadas) prejudica a saúde e se-gurança do trabalhador; diminui o tempo de desconexão (e de ir atrás de um pleno emprego) e as chances do contrato de trabalho ser convertido para tempo integral.

Assim, diante das novas formas de contratos de trabalho atípicas - dentre elas o contrato de trabalho por tempo parcial, o desafio do Direito do Trabalho é encontrar a harmonia entre os aspectos objetivos e subjetivos do contrato de tra-balho. A solução é reequilibrar a análise jurídica sobre o tema, de sorte a balan-cear a validade das cláusulas do contrato de trabalho com o papel de promoção da dignidade da pessoa do trabalhador16.

4. Precarização do contrato de trabalho a tempo parcial

Após a análise da legislação pátria sobre o contrato de trabalho parcial e suas alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, é oportuno por ora abordar a compreensão do tema sob o viés internacional – com destaque para a conven-ção n. 175 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – para que se possa alcançar o retrocesso social e precarização que a reforma trabalhista causou aos trabalhadores por tempo parcial.

Primeiramente, no tocante ao contrato de trabalho por tempo parcial, cabe salutar que a OIT realiza diversos estudos sobre o tema, bem como possui Trata-do Internacional de Direitos Humanos (TIDH) específico – Convenção de n. 175. Nesse sentido, no que se refere aos estudos de tal organismo Internacional, cabe destacar o conduzido por Collete Fagan et al17.

Nessa pesquisa, destaca-se que a motivação por trás da jornada reduzida pode ser voluntária (pessoas com problemas de saúde ou que conciliar o labor com família ou estudos) ou involuntária (pessoas que não conseguem encontrar trabalho com a jornada completa). 16 Neste mesmo sentido, Alain Supiot defende que: “Assim, na própria definição do contrato de trabalho, o elemento pessoal da relação de trabalho encontra-se integrado através da noção de subordinação pessoal (persönliche Abhängijkeit), que se distingue assim da noção francesa de subordinação jurídica. A esta ideia de subordinação pessoal ligam-se noções, como a de dever de fidelidade (Treuepflicht) do trabalhador, e aquela outra, que lhe é recíproca, de dever de assis-tência (Fürsongepflicht) que pesa sobre o empregador. E, destes deveres, deduz-se um conjunto de deveres secundários que não poderiam normalmente filiar-se no direito das obrigações” (SU-PIoT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016, p. 38).17 FAGAN, collete et al. In search of good quality part-time employment. conditions of Work and employment series, Geneve, n. 43, 2014, p. 3.

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O mesmo estudo apontou que, nos países mais industrializados, a maioria da população economicamente ativa gostaria de, em algum ponto da vida, trabalhar por tempo parcial e uma grande porção dos trabalhadores que voluntariamente optaram por trabalhador por tempo parcial gostariam de trabalhar mais horas18.

Já em países em desenvolvimento (como é o caso do Brasil), a realidade é bem diferente. os contratos de trabalho por tempo parcial, em sua maioria, são involuntários; uma vez que a redução salarial compromete a segurança de ter uma renda adequada19.

Fagan et al ainda ressaltaram que a maioria dos trabalhos ofertados com jornada reduzida são de baixa remuneração e exigem pouca escolaridade, para exercer atividades com pouca regulamentação das condições de trabalho. Já os trabalhadores por tempo parcial em sua maioria por mulheres com responsabili-dades familiares – o que reforça as desigualdades de gênero20.

Neste sentido, o mesmo estudo aponta que, muito embora, o trabalho por tempo parcial possa promover a inserção da mulher no mercado de trabalho em algumas sociedades; não deixa de ser um reforço ou incremento da desigualdade de gênero ao gerar apenas subempregos para mulheres. Daí sugere-se que para o incremento de tal política pública sejam asseguradas outras medidas de infra-estrutura, como o aumento da licença paternidade e a disponibilização para que mulheres e homens tenham mais opções para organizar suas vidas21.

A pesquisa da oIT aponta ainda que trabalho em tempo parcial também está associada a informalidade. A situação agrava nos países em desenvolvimen-to, pois a maioria das vagas para trabalho por tempo parcial encontram-se no mercado informal. E o processo de desregulamentação do Direito do Trabalho iniciado na década de 1980 em toda a América Latina aprofundou as desigual-dades, expondo os mais vulneráveis a menos proteções; e piores remunerações e condições de trabalho. Isto, por sua vez, aumentou a economia informal, princi-palmente nas épocas de crise econômica22.

No tocante à normatização internacional, a Convenção n. 175 da OIT asse-gura diversos direitos humanos para os trabalhadores a tempo parcial, dos quais destacamos as normas dos arts. 1º, 4º, 5º, 7º e 9º.

Quanto às disposições específicas do art. 1º do diploma retro mencionado, temos a definição de que trabalho a tempo parcial como todo aquele assalariado cuja jornada de trabalho é inferior a dos trabalhadores a tempo completo.

18 FAGAN, collete et al. In search of good quality part-time employment. conditions of Work and Employment Series, Geneve, n. 43, 2014, p. 3.19 Idem, p. 3-4.20 Ibidem.21 Idem, p. 10.22 Idem, p. 16.

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Ademais, cabe destacar que o art. 4º da Convenção n. 175 da OIT deixou claro que os trabalhadores a tempo parcial fazem jus ao direito de organização, negociação coletiva; saúde e segurança do trabalho.

Por sua vez, o art. 5º da mesma norma23 trata sobre a igualdade salarial. E o art. 7º24 prevê a necessidade de adotar medidas que beneficiem os trabalhado-res a tempo parcial em condições equivalentes aos obreiros a tempo completo, inclusive no tocante às férias anuais pagas.

O último ponto que cabe ressaltar é o art. 9º25 da convenção em questão. Tal norma traça o compromisso dos membros da oIT de melhorar as condições do trabalho a tempo parcial de forma que a pactuação desse contrato de trabalho atípico seja livremente escolhido pelo trabalhador. Nessa toada, sugere-se o re-exame da legislação sobre o tema e a utilização de pesquisas científicas sobre a efetividade das normas internas em face dos objetivos socioeconômicos.

Embora tais normas internacionais sejam de suma importância para a pro-teção do trabalho a tempo parcial, cabe mencionar que a Convenção n. 175 da OIT não foi ratificada pelo Brasil. Não obstante, defendemos que tais normas são de aplicação plena e direta em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Deve-se ter em mente que os diplomas internacionais de direitos humanos, dentre eles a convenção internacional da oIT supracitada, formam um conjunto de Direitos Humanos do Trabalho. E tal arcabouço consubstancia um patamar mínimo para que haja o respeito à condição humana do trabalhador – o trabalho decente. 23 Art. 5º: Devem tomar-se medidas adequadas à legislação e à prática nacionais para que os trabalhadores a tempo parcial não recebam, apenas pelo facto de trabalharem a tempo par-cial, um salário de base que, calculado proporcionalmente com base na hora, no rendimento ou à peça, seja inferior ao salário de base, calculado segundo o mesmo método, dos trabalha-dores a tempo completo que se encontrem numa situação comparável.24 Art. 7º: Devem tomar-se medidas a fim de que os trabalhadores a tempo parcial bene-ficiem de condições equivalents às dos trabalhadores a tempo completo que se encontrem numa situação comparável nos seguintes domínios:(...)c) Férias anuais pagas e dias feriados pagos;25 Art. 9º: 1—Devem tomar-se medidas para facilitar o acesso ao trabalho a tempo par-cial produtivo e livremente escolhido que responda às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores, desde que seja assegurada a protecção visada nos artigos 4º a 7º.2—Essas medidas devem compreender:a) O reexame das disposições da legislação susceptíveis de impedir ou de desencorajar o recurso ao trabalho a tempo parcial ou a aceitação desse tipo de trabalho;b) A utilização dos serviços de emprego, quando existam, para identificar e dar a conhecer as possi-bilidades de trabalho a tempo parcial, no decurso das suas actividades de informação e colocação;c) Uma atenção especial, no âmbito das políticas de emprego, às necessidades e referências de grupos espe-cíficos, como os desempregados, os trabalhadores com responsabilidades familiares, os trabalhadores ido-sos, os trabalhadores com deficiência e os trabalhadores que estudem ou que se encontrem em formação.3—Estas medidas podem compreender igualmente pesquisas e a difusão de informações so-bre a medida em que o trabalho a tempo parcial responde aos objectivos económicos e sociais dos empregadores e dos trabalhadores.

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Nesse sentido, é válido destacar, em apertada síntese, que a Emenda Cons-titucional n. 45/2004 previu que os TIDH que fossem ratificados no rito e quo-rum de emenda constitucional, teriam status constitucional. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (sTF) decidiu que os demais tratados internacionais de direitos humanos que não seguissem tal formalidade ostentariam o patamar supralegal (abaixo da constituição, porém acima das normas infraconstitucionais).

Todavia, fazemos coro à doutrina de Flávia Piovesan, segundo a qual os TIDH devem ser encarados como normas constitucionais de aplicação direta e imediata, do art. 5º, 3º, da Constituição Federal de 1988 com base na interpretação sistemática dos parágrafos 1º e 2º do mesmo dispositivo26. Destarte, defendemos que as nor-mas de TIDH mencionado anteriormente, mesmo não observando o rito de emenda constitucional nos seus processos de ratificação, possuem status constitucional e aplicação direta sobre as inovações legislativas trazidas pela Lei n. 13.467/2017.

Ainda que assim não fosse, tais normas por tratarem de direitos humanos na esfera global e regional possuiriam status supralegal. E, por conseguinte, podemos falar em um processo de controle de convencionalidade, isto é, a análise de com-patibilidade da norma infraconstitucional com as normas previstas em TIDH, haja vista que os Estados-partes não podem se isentar de cumprir os direitos humanos previstos em tratados internacionais sob a alegação de incompatibilidade.

Por último, cabe mencionar que mesmo com o desligamento do Brasil da OIT, nosso país permanece obrigado às Convenções ratificadas. Por isso, cabe legislar em conformidade com o arcabouço jurídico dos direitos humanos e fun-damentais do trabalhador que já integram o nosso ordenamento jurídico pátrio.

Daí a importância de realizarmos um juízo de convencionalidade das nor-mas introduzidas pela Lei n. 13.467/2017 – cujo foco deste estudo se dá na figura do contrato de trabalho parcial.

sob o mesmo raciocínio, entendemos, assim como Mauricio Delgado e Gabrie-la Delgado, que a reforma trabalhista afronta os direitos fundamentais do trabalhador previstos na Constituição Federal de 1988, como também os direitos humanos do trabalhador previstos nos tratados internacionais de direitos humanos, de modo que:

Esse processo de desarticulação extremada das premissas constitu-cionais de proteção ao trabalho, promovido pela Lei n. 13.467/2017, também se apresenta como um processo de desarticulação do conjunto normativo de proteção aos direitos trabalhistas firmado na perspectiva do sistema Internacional de Direitos Humanos, circunstância que pos-sibilita a submissão da referida Lei ao eventual juízo de constituciona-lidade e também ao eventual juízo de convencionalidade – igualmente denominado de controle de convencionalidade27.

26 Ver mais em: PIOVESAN, Flávia. direitos humanos e o direito constitucional inter-nacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 27 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Op. cit., p. 229.

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Assim, diante da norma de TIDH e estudo da OIT destacados, pode-se perceber que as alterações legislativas da reforma trabalhista sobre o trabalho a tempo parcial vislumbram-se a sua incompatibilidade não só com as normas internas, como também com as normas internacionais.

ou seja, embora a inovação normativa aparente avançar em alguns pontos na pro-teção dos trabalhadores a tempo parcial, percebe-se um aprofundamento e legitimização do processo de flexibilização do contrato de trabalho típico (com jornada integral).

Ignora-se os estudos quanto os efeitos maléficos dos contratos de trabalho por tempo parcial involuntário, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, e especialmente sobre as questões de crescimento de informali-dade do mercado de trabalho e dos impactos na desigualdade social. Ademais, deixa de observar ainda as metas de revisão e inserção do trabalhador a tempo parcial, prevista na Convenção n. 175 da OIT.

De tal sorte, a alteração dos arts. 58, 59 e 130 da CLT promoveu o retro-cesso social e a precarização das relações de trabalho, agravando a situação dos obreiros na busca do pleno emprego digno. E, por isso, cabe o controle de con-vencionalidade de tais normas.

conclusão

Após a análise do contrato de trabalho e seus elementos, depois adentrar-mos no contrato de trabalho a tempo parcial – analisando a sua regulação antes e depois da reforma trabalhista –, perpassando pelos aspectos precarizantes da nova regulamentação do contrato de trabalho a tempo parcial, podemos concluir que tais normas se mostram incompatíveis com nosso ordenamento jurídico e representam verdadeiro retrocesso social.

Nesse diapasão, chegamos à conclusão de que os artigos da CLT sobre traba-lho parcial contrariam as normas constitucionais e infraconstitucionais, como tam-bém aos TIDH. Por isso, cabe a sua interpretação conforme a constituição Federal de 1988, bem como a aplicação do controle de convencionalidade, de forma difusa.

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traBaLHo em temPo ParciaL

Georgenor de sousa Franco Filho 1

1. o surgimento de um novo modelo

Embora desde sempre tenha sido possível a contratação de empregado com jor-nada e salário reduzidos, as primeiras formais regras brasileiras sobre o contrato de trabalho em regime de tempo parcial são razoavelmente recentes no Direito do Trabalho em nosso país. Apareceram com a Medida Provisória n. 1.709, de 06.08.1998, substitu-ída pela Medida Provisória n. 2164-41, de 24.08.2001. Desde novembro de 2017, a re-gulação dessa atividade ganhou novos contornos, a partir da entrada em vigor da Lei n. 13.467, de 13.7.2017, que promoveu profunda reforma na legislação laboral brasileira.

Anteriormente, afora o salário mínimo contemplar valores correspondentes a sa-lário-dia e salário-hora, o que ensejaria contratar por menos horas de trabalho e, conse-quentemente por menor contraprestação pecuniária, a própria jurisprudencia consolida-da do Tribunal superior do Trabalho adotava essa possibilidade, através da orientação Jurisprudencial n. 358 da SBDI-1. À sua redação primitiva, de 2008, foi acrescentado o item II, na alteração processada em 2016, e sua atual redação é a seguinte:

SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA REDUZIDA. EMPREGADO. SERVIDOR PÚBLICO I - Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzi-da, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso sala-rial ou do salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado. II - Na Administração Pública direta, autárquica e fundacional não é válida remuneração de empregado público inferior ao sa-lário mínimo, ainda que cumpra jornada de trabalho reduzida. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Essa modalidade de contrato de trabalho é conhecida como part-time e, a rigor, trata-se de mais uma forma precarizadora do trabalho humano, embora nele sejam assegurados os direitos trabalhistas mais tradicionais, como FGTs, aviso prévio, 13ª salário, férias, além de garantia de existência de aplicação de normas de higiene, saúde e segurança do trabalho e benefícios previdenciários em geral.

1 Desembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8ª região, Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa e Professor Titular de Direito Internacional e do Trabalho da Universidade da Amazônia, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro de Número da Academia Ibero-Americana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social e Membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Letras Jurídicas.

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As modificações introduzidas na CLT pela Lei n. 13.467/17 atingiram, também, o contrato de trabalho em regime de tempo parcial.

originalmente, a duração da jornada de trabalho em tempo parcial não excedia a vinte e cinco horas semanais, mas agora passou para até vinte e seis ou trinta horas semanais, quando poderá ou não haver acréscimo de horas suple-mentares semanais, estando regulado pelo art. 58-A, sendo revogados os arts. 59, § 4º, 130-A e parágrafo único, e 143, § 3º, todos da CLT, e as férias, antes dife-renciadas, passaram a observar a regra do art. 130 da CLT, com a possibilidade de transformar 1/3 em abono pecuniário.

Trata-se de uma tentativa de modernização das relações de trabalho no Brasil e ainda é objeto de muitas dúvidas sobretudo no ambiente laboral.

Alice Monteiro de Barros doutrina que:

não há dúvida de que um horário mais flexível e a possibilidade de emprego em tempo parcial poderiam incentivar a inserção e a permanência no mercado de trabalho de pessoas oneradas com encargos familiares e atividades domésticas, como as mu-lheres, os jovens que precisam estudar em parte do dia, e as pessoas que pretendem ir desligando-se das atividades aos pou-cos, ante de se aposentarem. Essa flexibilidade poderá também constituir estratégia para o combate ao desemprego. Para isso, porém, é indispensável que o trabalho em tempo parcial receba tratamento proporcional ao trabalho em tempo integral, mor-mente no que tange ao salário, às oportunidades de promoção e às prestações previdenciárias, do contrário, de nada adiantaria e essa modalidade de emprego seria considerada precária, po-dendo traduzir até mesmo uma discriminação indireta 2.

Apesar de mais de duas décadas de sua implantação, não se nota uma am-pliação significativa do número de trabalhadores em tempo parcial no país.

2. o regime anterior

A Medida Provisória n; 2.164-41/2001 cuidou do contrato de trabalho em tempo parcial com duração da jornada de trabalho não excede a vinte e cinco horas semanais. Suas regras estavam nos arts. 58-A, 59, § 4º, 130-A e parágrafo único, e 143, § 3º, da CLT.

Quanto ao salário, retornaremos adiante, porquanto as regras atuais são as mesmas de antes (art. 58-A, §§ 1º e 2º, da CLT), diferentemente das férias, para a qual foi criado regime específico.

2 BArros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed;. Sao Paulo, LTr, 2010, p. 675.

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Assim, foi é alterada a proporcionalidade, após cada período de doze me-ses de vigência do contrato de trabalho, em relação ao empregado de tempo inte-gral. No caso de contrato em tempo parcial, a proporção era a seguinte:

• 18 (dezoito) dias, para a jornada semanal superior a 22 (vinte e duas) horas, até 25 (vinte e cinco) horas;

• 16 (dezesseis) dias, para a jornada semanal superior a 20 (vinte horas), até 22 (vinte e duas) horas;

• 14 (quatorze) dias, para a jornada semanal superior a 15 (quinze) horas, até 20 (vinte) horas;

• 12 (doze) dias, para a jornada semanal superior a 10 (dez) horas, até 15 (quinze) horas;

• 10 (dez) dias, para a jornada semanal superior a 5 (cinco) horas, até 10 (dez) horas;

• 8 (oito) dias, para a jornada semanal igual ou inferior a 5 (cinco) horas. (art. 130-A, caput, CLT).

Por outro lado, o empregado contratado a tempo parcial que faltasse in-justificadamente mais de sete vezes durante o período aquisitivo terá suas férias reduzidas à metade (art. 130-A, parágrafo único, da CLT). Ademais, a conversão de 1/3 das férias em abono pecuniário não se aplicava ao empregado nessas con-dições (art. 143, § 3º, da CLT), da mesma forma como era vedado o parcelamento das férias em dois períodos, mas poderia (como continua a poder) o trabalhador ser incluído nas férias coletivas que forem concedidas aos demais empregados.

A norma consolidada previa, igualmente, que os empregados submetidos a esse regime não podiam prestar horas extras (art. 59, § 4º, da CLT), mas o dis-positivo foi revogada pela legislação em vigor.

No tempo passado, a adoção por esse sistema seria feita mediante opção dos atuais empregados, manifestada perante a empresa, na forma prevista em ins-trumento decorrente de negociação coletiva ou contratação de novos empregados sob esse regime, o que permanece ainda hoje, como o direito à gratificação de Natal do art. 7º VIII constitucional.

3. o regime atual

Na atualidade, o contrato de trabalho em regime de tempo parcial apresen-ta-se, em relação ao modelo anterior, alterados basicamente nos três pontos que ressaltamos acima (jornada semanal, horas extras e férias). No mais, as regras são as mesmas da Medida Provisória n. 2.164-41/2001.

O salário a ser pago aos empregados nessas condições deve ser proporcio-nal à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas fun-ções, tempo integral, permitida aos atuais empregados a opção por esse regime,

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mediante manifestação ao empregador, como previsto em norma coletiva (art. 58-A, §§ 1º e 2º, da CLT).

Relativamente às férias, ao contrário da regra pretérita, o § 7º do art. 58-A estende ao trabalhador contratado nessas condições as mesmas regras do art. 130 da CLT. Assim, as férias desse trabalhador devem observar as faltas injustifica-das ao serviço durante o período aquisitivo (doze meses de vigência do contrato de trabalho), como segue:

• trinta dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de cinco vezes;• vinte e quatro dias corridos, quando houver tido de seis a quatorze faltas; • dezoito dias corridos, quando houver faltado sem justificativa de quinze

a vinte e três dias; • doze dias corridos, quando registrar de vinte e quatro a trinta e duas faltas

no período aquisitivo. Trata-se, entendemos, de uma medida bastante expressiva e justa, porque

dá a esse tipo de empregado as mesmas garantias daquele de jornada normal, pelo menos no que refere a férias, inclusive a possibilidade de converter um ter-ço do período em abono pecuniário (§ 6º), tendo sido revogado o art. 143, § 3º, da CLT, que proibia essa conversão. Nesse particular, um grupo de magistrados trabalhistas, em festejada obra comentando a reforma trabalhista, destacou que o legislador avançou e melhorou quanto às férias 3.

A proporção que existia anteriormente, então, não existe mais para o em-pregado em regime de trabalho em tempo parcial, que poderá ser incluído nas férias coletivas que vierem a ser concedidas aos demais empregados.

A norma consolidada prevê que os empregados submetidos a esse regime podem prestar horas suplementares, em decorrência da revogação do § 4º do art. 59 da CLT, que proibia essa prática.

Nesse aspecto, é necessário distinguir duas situações. A primeira é relativa ao contrato com jornada semanal de trinta horas, quando não é possível a pres-tação de horas suplementares semanais. A segunda cuida de contratação com jornada semanal de até 26 horas, permitindo o acréscimo de até seis horas extras por semana (art. 58-A, caput, da CLT), regra aplicável também para os contratos com jornada semanal menor que 26 horas (§ 4º). Assim, a jornada a tempo par-cial poderá, excepcionalmente, se estender por até 32 horas semanais.

Em qualquer situação, cada hora extraordinária sofrerá acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal (art. 59, § 3º), podendo esse excesso de jornada ser compensado diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execução, ou quitada na fo-lha de pagamento do mês subsequente, caso inexista compensação (art. 59, § 5º).

3 SOUZA JÚNIOR, Antônio Umberto et alii. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017, p. 59.

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A adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção dos atuais empregados, manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva, ou contratação de novos empregados sob este regime (art. 58-A, § 2º).

os trabalhadores que integrarem o regime de contrato de trabalho em tempo parcial farão jus ao benefício do décimo terceiro salário, na proporcionalidade da car-ga horária e dos salários recebidos, conforme o art. 7º, VIII, da Constituição de 1988.

Interessante observar, ainda, que a Lei Complementar n. 150/2015, que cuida do trabalho doméstico, prevê a possibilidade de contrato de trabalho em regime de tempo parcial (art. 3º e §§), notando-se que, mesmo nessa atividade, resulta evidente a possibilidade de sua maior precarização.

4. O que se pode esperar?

Vivemos tempos modernos demais, e as mudanças têm ocorrido em uma velocidade inimaginável. As tendências parecem apontar para a substituição do homem pela inteligência artificial e muitos trabalhos passarão a ser realizados por robots quase-humanos.

o contrato em regime de tempo parcial, além de atípico, comparado aos tradicionais, e precarizador, pelas mudanças nem sempre promissoras para o tra-balhador, revela-se nessa linha de evolução das formas de pactuar as relações de trabalho subordinado. Parece sinalizar que as mudanças introduzidas em 2017 aperfeiçoaram esse tipo de pacto, minorando suas dificuldades para o trabalhador.

Esperemos que, no Brasil, essa modalidade realmente consiga alcançar seu objetivo principal, o de proporcionar redução das elevadas taxas de desemprego, e preparar o novo mundo do trabalho brasileiro para enfrentar as modernidades todas que estão por vir.

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teLetraBaLHo

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o teLetraBaLHo e a Lei n. 13.467/2017: reFLeXões acerca dos imPactos da

reForma traBaLHista no meio amBiente de traBaLHo do teLetraBaLHador

José claudio Monteiro de Brito Filho1

Anna Marcella Mendes Garcia2

1. introdução

A Lei n. 13.467/2017, conhecida popularmente como Reforma Trabalhista — nomenclatura esta que também utilizaremos neste estudo —, trouxe diver-sas modificações ao ordenamento jurídico laboral, dentre as quais se encontra a inclusão do Capítulo II-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e que versa sobre o teletrabalho.

Esta modalidade de trabalho consiste, basicamente, no labor exercido à distância, fora do estabelecimento empresarial, por meios telemáticos (SOUZA JÚNIOR, 2018, p. 104). Não obstante o teletrabalho tenha sido regulamentado pelo capítulo em questão, já encontrava previsão no art. 6º da CLT, que prelecio-nava, ao menos desde a alteração legislativa promovida pela Lei n. 12.551/2011, que ele não se distingue do trabalho dito presencial, no estabelecimento do em-pregador, desde que caracterizada a relação de emprego mediante cumprimento dos requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Até a alteração promovida pela reforma Trabalhista, o teletrabalho conta-va apenas com previsão legal, que permitia sua realização no plano fático, con-tudo, não havia sido efetivamente regulamentado pela CLT, tampouco por outro diploma legal, restando, portanto, uma lacuna neste aspecto.

A Lei n. 13.467/2017 buscou solver este problema, acrescentando à CLT um capítulo destinado a regular o teletrabalho, trazendo uma definição legal, a necessidade de previsão expressa no contrato, a possibilidade de alteração entre este regime e o presencial, a remuneração, e a responsabilidade pela prevenção de doenças e acidentes de trabalho.

Ocorre que as modificações trazidas pela novel legislação, em particular o art. 75-E, que abarca a prevenção de doenças e acidentes de trabalho, não foram capazes de contemplar adequadamente a tutela do meio ambiente laboral a partir

1 Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do PPGD/CESUPA. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará – UFPA. Integrante do Grupo de Pesquisa Emprego, Subemprego e Políticas Públicas na Amazônia.

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do interesse do trabalhador, repassando o risco da atividade econômica, na forma da manutenção da higidez do ambiente laboral, para ele.

A principal problemática reside no fato de que, por a prestação do serviço ocorrer fora do ambiente empresarial, mais comumente na residência do trabalha-dor, aspectos como o controle e a prevenção dos riscos ambientais restam prejudi-cados, impactando negativa e diretamente na saúde e segurança deste trabalhador.

De outro lado, por ter a Lei n. 13.467/2017 acrescido ao rol do art. 62 da CLT o inciso III, indicando expressamente os empregados em regime de te-letrabalho como exceções ao controle de jornada, possibilitou-se, na prática, a exposição destes indivíduos a jornadas extenuantes, o que, associado à questão ergonômica que também circunda a prática do teletrabalho, eleva exponencial-mente os riscos desta atividade.

Trata-se de estudo teórico-normativo, realizado sob o método hipotético-dedutivo, no qual parte-se da hipótese de que a Reforma Trabalhista impactou negativamente no meio ambiente do trabalho quando tutelou o teletrabalho.

O estudo dividir-se-á em quatro seções, sendo esta introdução a primeira; a seguinte voltada à conceituação de meio ambiente do trabalho, dentro da propos-ta multidimensional e gestáltica de meio ambiente defendida por Ney Maranhão; a terceira destinar-se-á à abordar a tutela do teletrabalho pela Lei n. 13.467/2017, de maneira geral, tendo como principais referenciais teóricos Souza Júnior e Deusmar José Rodrigues, e relacionando-a com o meio ambiente do trabalho, de modo a testar a hipótese inicial; por fim, a quarta seção voltar-se-á diretamente à análise da hipótese ventilada, confirmando-a.

2. O meio ambiente do trabalho no ordenamento jurídico brasileiro

A Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Am-biente, define este como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, s. p.).

A Constituição Federal Brasileira (CRFB/88), por sua vez, adotou uma con-cepção complexa, ampliativa e multifacetada de meio ambiente, considerando-o a partir da interação entre fatores naturais e humanos, culminando na previsão ex-pressa de quatro dimensões ambientais inter-relacionadas, quais sejam: a natural, a artificial, a cultural e a laboral. Esta divisão se dá, além dos fins didáticos, no intuito de favorecer a identificação do bem ambiental violado ou ameaçado, faci-litando o restabelecimento do equilíbrio ambiental (MARANHÃO, 2017, p. 43).

A primeira dimensão, natural, possui conotação ecológica, compreenden-do os seres bióticos e abióticos que compõem a natureza, e cuja proteção está prevista no art. 225 da CRFB/88. Já a segunda — artificial — diz respeito ao

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constructo humano, isto é, à alteração espacial promovida pelo homem, seja em área urbana ou rural. A cultural, por seu turno, abarca todo o patrimônio histó-rico, arqueológico, turístico, artístico, científico, paisagístico e cultural de cada sociedade (MARANHÃO, 2017, p. 43-44).

Neste estudo, todavia, estaremos voltados à análise mais detida da última, a dimensão laboral, sem, todavia, olvidarmos de sua conexão com as demais, e da indis-sociabilidade entre todas elas enquanto integrantes de um mesmo sistema ambiental.

Da leitura da CRFB/88 é possível extrair, portanto, que o meio ambiente é, simultaneamente, um produto natural e humano, fruto da relação entre ambos, sendo que o homem possui um papel central em sua conceituação, pois, na medida em que “ambiente é o conjunto de elementos que nos envolve; meio ambiente é a resultante da interação desses elementos, tal como é ou tal como a percebemos. Estamos no ambiente; integramos o meio ambiente” (MARANHÃO, 2017, p. 26).

Ao tutelar o meio ambiente, a CRFB/88 o fez a partir de uma interpretação extensiva, holística, considerando tanto os fatores naturais quanto os humanos ca-pazes de influenciar na qualidade de vida, abarcando, assim, na sua conceituação jurídica, a biosfera (elementos naturais) e a sociosfera (elementos socioculturais).

Essa conceituação ampla aplica-se, também, à definição contemporânea de meio ambiente do trabalho, considerado como o produto da interação entre os fatores naturais, técnicos e psicológicos ligados diretamente à atividade laboral, quer em relação às condições de trabalho, à sua organização e/ou às relações interpessoais, todas estas capazes de influenciar, positiva ou negativamente, na saúde física e mental do trabalhador (MARANHÃO, 2017, p. 251).

Ainda nos ensinamentos de Maranhão (2017, p. 103-104), o meio am-biente do trabalho é composto por três elementos nucleares: ambiente, técnica e homem. O ambiente é o espaço físico no qual o trabalho é executado; a técnica corresponde à ação direcionada à consecução do objetivo instituído para deter-minada atividade econômica; e o homem aqui retratado é o que está na condição de trabalhador, constituindo o elemento central que, conjugado com os demais, propicia a existência do meio ambiente laboral.

A concepção de meio ambiente do trabalho volta-se, essencialmente, à proteção da higidez do espaço laboral no intuito de preservar o trabalhador. Tem-se, portanto, que quaisquer aspectos relacionados à saúde física e mental deste, incluídos aqui elementos históricos, culturais e sociais, dentre outros, fazem par-te do meio ambiente de trabalho (CRUZ, 2011 p. 262).

O meio ambiente do trabalho encontra lugar na CRFB no art. 200, inciso VIII, quando o Legislador conferiu ao Sistema Único de Saúde (SUS) a função de cola-borar com a proteção do meio ambiente, nele incluído expressamente o do trabalho.

Destacamos que, por conta da opção constitucional de implementar uma interpretação ampliativa de meio ambiente, abarcando tanto a biosfera quanto

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a sociosfera, não há qualquer impedimento para que seja aplicada também ao meio ambiente do trabalho, interpretação neste sentido. Desta feita, defende-se a caracterização como poluição labor-ambiental de tudo o que acarrete morte ou adoecimento, mas também o que cause incômodo ou desconforto, físico ou men-tal, ao trabalhador. Neste sentido, Pasqualotto (1993, p. 454) aduz:

O espectro legal [da poluição] é virtualmente ilimitado, prote-gendo o meio ambiente de lesões materiais e imateriais. res-saltem-se, na linha da imaterialidade, o bem-estar da população e as atividades sociais, tutelados nas alíneas a e b, bens que es-tavam ao abrigo do Dec. 76.389/75 (art. 1º, I e II). o simples desconforto, portanto, advindo a terceiros por uma determinada atividade, pode ser causa de responsabilidade.

Essa construção teórica se amolda ao conceito contemporâneo de meio ambiente do trabalho e permite a compreensão holística do fenômeno ambiental em toda a sua complexidade, possibilitando, assim, a maior proteção ao ser hu-mano exposto a qualquer contexto jurídico-laboral.

3. o teletrabalho na lei n. 13.467/2017 e seus impactos no meio ambiente laboral

O teletrabalho consiste, sinteticamente, no exercício do labor predominan-temente realizado à distância, isto é, fora da sede do empregador, valendo-se, para tanto, de tecnologias informacionais e comunicacionais (TIc), sem, todavia, extinguir o vínculo empregatício. Pode ser compreendido, ainda, como um novo conceito de organização laboral, diretamente vinculado ao avanço tecnológico (MARTINEZ, 2018, p. 261).

A definição de teletrabalho gira, portanto, em torno da utilização de tecno-logias informacionais e comunicacionais que permitam o controle da atividade exercida pelo trabalhador que está fisicamente distante da sede do empregador.

Esse regime de trabalho, como dissemos ao início, já era previsto no art. 6º da CLT, que dispõe que não haverá distinção entre ele e o exercício da atividade laboral no estabelecimento do empregador, desde que presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego.

Acontece que a CLT, até então, havia restado silente quanto à efetiva re-gulação do citado instituto, limitando-se a afirmar sua possibilidade no mundo jurídico, sem, entretanto, dispor especificamente sobre temas como jornada, re-muneração e meio ambiente do trabalho.

Em parte, essa omissão pode ser atribuída ao contexto histórico que cir-cundava a elaboração e o surgimento da CLT, na década de 1940, na qual, no Brasil, ainda não se vislumbrava com tanta intensidade o impacto destas tecno-logias, em particular nas relações de trabalho.

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Posteriormente, com a evolução das tecnologias de informação e comuni-cação, especialmente a ascensão e consolidação da internet enquanto importante veículo de comunicação e transmissão de dados, houve uma modificação em todas as relações sociais, inclusive as de trabalho, nas quais estes meios passaram a ocupar destaque, tornando-se, em alguns casos, indispensáveis.

Diante da globalização e do avanço das novas tecnologias, a lacuna da CLT sobre a regulação do teletrabalho passou a se tornar cada vez mais signi-ficativa, tendo constituído uma pauta relevante na Reforma Trabalhista, que já seguia uma tendência dos ordenamentos jurídicos estrangeiros de tutelar novas formas de trabalho oriundas da modernização das relações trabalhistas, essen-cialmente mais flexíveis (FREDIANI, 2015, p. 285-296).

A Lei n. 13.467/2017 inovou, portanto, ao incluir na CLT um capítulo destinado a reger expressamente esta modalidade de trabalho, trazendo, dentre outros tópicos, os quais abordaremos detidamente, sua definição e necessidade de previsão no contrato de trabalho.

Quanto à definição legal de teletrabalho, insculpida no art. 75-B da CLT, aduz-se que assim será considerada a prestação de serviços predominantemente realizada à distância, fora do ambiente patronal, por meios telemáticos, e que não constitua trabalho externo.

Importante, desde logo, asseverar que o teletrabalho não se confunde com o trabalho externo, visto que, nas palavras de Martinez (2018, p. 262), consiste o primeiro em “um trabalho interno virtual e sui generis”, no qual, em que pese não estar fisicamente presente no local onde tipicamente se espera o resultado do labor, o trabalhador está virtualmente nele inserido.

Verifica-se, portanto, a presença de dois elementos centrais: a relação de trabalho e a utilização de tecnologias de informação e comunicação para a pres-tação do serviço fora da sede do empregador.

Importam-nos neste estudo, particularmente, as tecnologias de informação e comunicação (TIC), que são os instrumentos que viabilizam a realização da atividade laboral fora do ambiente do empregador, pois permitem o controle, ainda que remo-to, porém quase que instantâneo, por parte deste em relação à atividade produtiva, garantindo, assim, a subordinação, um dos elementos caracterizadores do vínculo empregatício. são as TIc, também, que diferenciarão, tecnicamente, o teletrabalho do trabalho a domicílio, outra modalidade de trabalho à distância (art. 83, CLT).

Nota-se, portanto, um deslocamento da prestação do serviço do ambiente empresarial para, via de regra, a residência do trabalhador, gerando a “desneces-sidade da presença corporal do empregado na sede do empregador”, (RODRI-GUES, 2018, p. 92), o que somente é possível em razão do avanço na área de tecnologia da informação e comunicação.

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O teletrabalho pode ser realizado, também, a partir de telecentros, espaços pertencentes ao empregador onde os teletrabalhadores, conjuntamente, realizam suas atividades, contudo, fora da sede principal da empresa, sendo tanto a presta-ção do serviço quanto seu controle por parte do empregador exercidos por meios telemáticos.

o teletrabalhador necessita, assim, além do conhecimento intrínseco à profissão, dominar os instrumentos tecnológicos indispensáveis à realização da atividade fora do estabelecimento empresarial. Esta exigência se coaduna com a tendência atual de polivalência do empregado, do qual é requisitada flexibilidade e capacidade de desenvolver múltiplas habilidades.

O teletrabalho foi defendido pelos reformistas como benéfico para ambos os polos da relação trabalhista: para o empregador, que conseguiria reduzir os custos da atividade produtiva, tanto por não ter a obrigação de propiciar um espa-ço físico que suporte a totalidade de seus empregados, quanto por não ter de arcar com o deslocamento dos mesmos e com o pagamento de horas extras; e para o trabalhador, que gozaria de maior liberdade para estipular seu horário de traba-lho, conciliando melhor suas atividades pessoais e profissionais — tendo em vista a flexibilidade de horários permitida legalmente, que abordaremos adiante —, além de contar com a comodidade de exercer seu trabalho na sua residência, no caso específico do chamado home-based telework.

A reforma Trabalhista, além de regular o teletrabalho no capítulo II, tam-bém inovou ao inscrevê-lo no rol do art. 62 da CLT, configurando-o como uma exceção ao regime de controle de jornada. Isto implica dizer que, por lei, aos tele-trabalhadores não se aplica o regime de duração de trabalho, ou seja, não há para eles duração de jornada pré-estabelecida, tampouco, possibilidade de percepção de horas extras. Na prática, isto significa a possibilidade de uma atividade laboral exercida a qualquer tempo e sem a devida contraprestação pecuniária em relação às horas que seriam consideradas como extraordinárias.

Essa suposta flexibilidade, que se perfaz em uma jornada não delimitada, atre-lada à utilização de sistemas online, denotam, na prática, a impossibilidade ou, ao menos, a extrema dificuldade de desconexão do trabalhador, o qual acaba por ficar à disposição do empregador em tempo integral, o que mais se assemelha à superexplo-ração do que a um regime de trabalho benéfico, também, para o empregado.

A despeito disso, e objeto central deste estudo, importam-nos especial-mente as inovações legislativas promovidas pela Lei n. 13.467/2017 que afeta-ram a proteção ao meio ambiente do trabalho do teletrabalhador.

Adotaremos aqui, conforme exposto anteriormente, o conceito contem-porâneo de meio ambiente do trabalho, compreendido como fruto da interação sistêmica de fatores naturais, físicos, técnicos e psicológicos ligados diretamente ao trabalho, como suas condições, sua organização e, até mesmo, as relações

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interpessoais desenvolvidas neste ambiente, que influenciam na segurança e na saúde física e mental do trabalhador (MARANHÃO, 2017, p. 251).

conforme asseverado anteriormente, no teletrabalho a prestação do ser-viço dá-se fora do ambiente físico mantido pelo empregador, normalmente na própria residência do trabalhador, e sem controle de jornada. com isso, aspectos como a manutenção da higidez do meio ambiente de trabalho e o controle dos riscos ocupacionais tornaram-se de difícil elucidação.

Antecipando-se a este questionamento, a Lei n. 13.467/2017 estabeleceu no art. 75-E da CLT que cabe ao empregador fornecer as instruções devidas quanto à prevenção de doenças e acidentes de trabalho e, adiante, no parágrafo único, que o empregado deve assinar termo de responsabilidade comprometen-do-se a seguir tais instruções, aplicando expressamente ao teletrabalhador o que já constava nos artigos157 e 158 da CLT.

O fato da prestação do serviço, neste caso, dar-se majoritariamente fora da sede do empregador, por si só já torna a atividade mais arriscada em relação a acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, porque a fiscalização regular das condições de trabalho fica prejudicada, até mesmo por conta da inviolabilidade constitucional do domicílio (art. 5º, xI, CFRB/88).

Em que pese o art. 75-E indicar que o empregador deve fornecer as ins-truções relativas à prevenção de doenças e acidentes, não há previsão legal, por exemplo, da obrigatoriedade de estudos ambientais, como o Programa de Pre-venção de Riscos Ambientais (PPRA), a serem realizados no efetivo local da prestação do serviço, tornando o novel dispositivo, senão inócuo, gravemente prejudicado em sua efetividade, pois não há garantias de que o local de exercício da atividade laboral é adequado a esta finalidade.

De outro lado, o teletrabalho também impacta no meio ambiente do traba-lho quando minimiza e, em alguns casos, até impede a socialização do teletraba-lhador com os demais empregados, visto que, por se dar fora do estabelecimento empresarial, prescinde do convívio diário entre os trabalhadores, acarretando em um isolamento que impacta negativamente no sentimento de solidariedade da-quela categoria profissional e que pode, também, causar prejuízos à saúde mental do trabalhador (BATALHA, 2018, p. 100-106).

Neste aspecto, Fonseca e Pérez-Nebra (2012, p. 314) alertam que a perda e/ou diminuição das relações interpessoais físicas, os problemas na comunicação e a pró-pria dependência tecnológica tornam os teletrabalhadores mais suscetíveis a transtor-nos mentais, em formas variadas de sofrimento psíquico, em particular a depressão.

Há, ainda, questões atinentes à ergonomia, quando o trabalho se dá em posição e esforços repetitivos, e aos problemas de visão pela utilização constante de telas, ainda pouco estudados, considerando a recente relevância que o teletra-

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balho encontrou em nossa sociedade, não se permitindo ter, ainda, notícia de seus efeitos nestes pontos a longo prazo.

Quando o teletrabalho é exercido a partir de telecentros, como ocorre, prin-cipalmente, com grandes empresas de telemarketing, a questão do meio ambien-te do trabalho encontra contornos ainda mais preocupantes, pois estas empresas costumam sediar estas instalações em países cuja legislação trabalhista é mais branda, no claro intuito de maximizar seus lucros às custas dos direitos funda-mentais dos trabalhadores (MARTINEZ, 2018, p. 262).

A utilização das TIC é, senão a principal, uma das mais evidentes causas da dificuldade de desconexão do trabalhador, gerando uma sensação de disponi-bilidade irrestrita deste em relação ao empregador, e que acarreta em um estado constante de alerta extremamente prejudicial à saúde física e mental do obreiro.

como se vê, as consequências negativas do teletrabalho são diversas, ao ponto de alguns doutrinadores defenderem que ele é nocivo tanto ao trabalhador, pois afeta sua saúde física e mental, como à própria relação de trabalho, de modo a gerar nela um desequilíbrio que, em último grau, afeta a sociedade como um todo. É o que sustenta Souza Júnior (2018, p. 111), ao afirmar que:

Há diversos riscos inerentes ao teletrabalho, especialmente ergonô-micos e psicossociais. De fato, os teletrabalhadores tendem a labutar longas horas sem qualquer pausa, inclusive pela madrugada e finais de semana. Também são mais propensos a atuar em ambientes com pouca luminosidade, temperatura imprópria, postura inadequada e em execução de movimentos repetitivos e tarefas monótonas. Preo-cupações com a segurança de dados empresariais sigilosos também ganham relevância no teletrabalho, o mesmo se dando com o peri-goso quadro de isolamento social e fadiga visual/mental. [...] Todos esses fatores bem demonstram que o labor fora das dependências da empresa mediante recursos telemáticos induz cenário extremamen-te nocivo à saúde psicofísica do teletrabalhador.

Podemos compreender os riscos acima elencados como espécies de polui-ção do meio ambiente do trabalho, por se tratarem de manifestações de um de-sequilíbrio nas condições de trabalho, da organização do trabalho e/ou das rela-ções interpessoais que geram riscos intoleráveis à segurança e à saúde física e/ou mental do trabalhador (MARANHÃO, 2017, p. 255). Isso porque as condições de trabalho experimentadas pelo teletrabalhador afetam diretamente a fruição do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado (arts. 225, caput; 200, VIII; e 7º, xxII, da CRFB).

o conceito de poluição aqui adotado se encontra no art. 3º, inciso III, da Lei n. 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), onde consta que assim será considerada:

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[...] a degradação da qualidade ambiental resultante de ativida-des que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segu-rança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. (BRASIL, 1981, p. 1).

Verifica-se, assim, que constitui poluição qualquer desequilíbrio provo-cado pelo homem que afete negativamente elementos naturais e/ou humanos do meio ambiente, inclusive o do trabalho, o que se coaduna com a tese aqui defen-dida em relação ao teletrabalhador.

Ademais, é imperioso ressaltar que, para ser classificada como poluição, faz-se necessário que a alteração ambiental antrópica seja de grande monta, isto é, intolerável, o que se verifica quando se trata de condições de trabalho que violem os direitos humanos dos trabalhadores ou, como também é denominado (BRITO FILHO, 2018, p. 57), o trabalho decente.

4. conclusão

Os avanços tecnológicos certamente afetam os modelos de organização do trabalho, propiciando, com a utilização de novas tecnologias, o alcance de objetivos caros à maximização dos lucros decorrentes da exploração da atividade econômica, como o aumento da produtividade e da eficiência. Impactam, ainda mais diretamente em determinadas atividades, criando, alterando e, até mesmo, extinguindo algumas categorias profissionais, por exemplo. Com isso, a tecnolo-gia torna-se central dentro do sistema capitalista de produção.

o advento da internet foi um marco no mundo do trabalho, pois respon-sável por promover mudanças substanciais nas relações a ele afetas, tanto em relação aos meios de produção que, por exemplo, passaram a ser cada vez mais automatizados, quanto aos trabalhadores, os quais tiveram de desenvolver outras habilidades outrora desnecessárias ou pouco valorizadas.

As tecnologias influenciam, também, nas características buscadas pelos empregadores nos trabalhadores; torna-se necessária uma espécie de multifun-cionalidade, que impõe a este indivíduo o desenvolvimento de múltiplas habili-dades, demonstrando tratar-se de um “processo de trabalho de produção flexível baseado em máquinas ou sistemas flexíveis e uma força de trabalho apropriada-mente flexível” (MAEDA, 2017, p. 41), o que, a depender de como for maneja-do, pode ter um resultado positivo ou negativo.

Há uma tendência mundial à implementação do teletrabalho, especialmen-te pela redução de custos que esta modalidade de trabalho propicia ao emprega-

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dor3. Tornou-se comum empresas que já iniciam suas atividades sem base física ou que a desfazem para explorar determinada atividade econômica apenas por meios telemáticos.

É comum associar-se o uso de novas tecnologias à modernização do tra-balho, todavia, em alguns casos, esta reformulação da atividade produtiva vem atrelada à informalidade e à precarização das relações de trabalho, aqui compre-endida como a redução de direitos sociais.

Tais tecnologias são os meios ideais para aumentar a produtividade, maxi-mizar os lucros da atividade e melhorar as condições de trabalho. Caso utilizadas indiscriminadamente, todavia, sem atender ao princípio protetor que rege o Di-reito do Trabalho, podem tornar-se meios para a superexploração dos trabalhado-res, impactando negativamente no meio ambiente do trabalho.

No Brasil, a Lei n. 13.467/2017, conhecida amplamente como Reforma Trabalhista, propôs uma espécie de reorganização produtiva, pautada nos novos modelos de organização do trabalho que despontaram no país, dentre os quais está o teletrabalho. A citada lei, atenta à lacuna deixada pela CLT quanto à regu-lação deste regime de trabalho, propôs-se a fazê-lo, trazendo em seu bojo diver-sos dispositivos que citam expressamente esta modernização.

Por óbvio não podemos nos ater a meios de organização do trabalho já obsoletos, que não mais se coadunam com a realidade social; todavia, certo é, também, que devemos nos atentar para os impactos da tecnologia, principalmen-te, no polo mais frágil da relação trabalhista, que é o trabalhador.

Qualquer modelo de organização do trabalho deve se pautar na proteção ao meio ambiente do trabalho e na garantia à preservação da dignidade dos trabalha-dores, porque, quando isto não é feito, provoca um desequilíbrio socioambiental prejudicial aos obreiros, o que pode e deve ser compreendido como uma espécie de poluição labor-ambiental.

ressaltamos que, ao falarmos em saúde do trabalhador adotamos o con-ceito previsto na convenção n.º 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que a define a partir da conjugação de todos os elementos físicos e mentais que, de algum modo, influenciam na mesma, de modo que esta relaciona-se dire-tamente com as noções de segurança e a higiene no trabalho.

É notório que as novas tecnologias possibilitam e, em alguns casos, exi-gem uma reorganização do trabalho, de modo a adequá-lo à atual realidade so-cial; entretanto, qualquer modificação deve encontrar no trabalho decente e na dignidade da pessoa humana suas limitações.

3 Para mais sobre as tendências do mundo do trabalho, vide: WORLD ECONOMIC FO-RUM. the future of jobs report 2018. Geneva: centre for the New Economy and society, 2018, p. 8.

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Nos casos de poluição labor-ambiental, conceito no qual algumas situa-ções envolvendo o teletrabalho se encaixam, conforme exposto anteriormente, o bem ambiental atingido é o próprio homem-trabalhador, que constitui parte integrante e central da noção de meio ambiente do trabalho.

A utilização da tecnologia no mundo do trabalho deve, portanto, dar-se de maneira responsável e ética, em benefício de ambos os polos da relação tra-balhista, de modo que sirva tanto à maximização dos lucros, como, também, a proporcionar melhores condições de trabalho aos indivíduos e, caso não seja pos-sível este equilíbrio na satisfação de vontades por vezes antagônicas, que se prio-rize a garantia do trabalho decente e obste a instrumentalização do trabalhador.

A reestruturação produtiva visada pela reforma Trabalhista e consolidada na figura do teletrabalho teve como mote principal a flexibilidade de todas as fa-ses da relação trabalhista, desde a contratação até a efetiva prestação do serviço, passando pelas condições de trabalho, jornada, etc.

Em que pese mostre-se vantajosa em alguns aspectos — em especial para o empregador —, em outros é sinônimo de insegurança jurídica, riscos biopsicos-sociais e prejuízos aos trabalhadores, principalmente em questões afetas ao meio ambiente do trabalho.

Desta feita, conclui-se que as inovações legislativas promovidas pela Re-forma Trabalhista quanto ao teletrabalho impactaram negativamente no meio ambiente do trabalho dos profissionais que assim exercem suas atividades, dei-xando-os mais vulneráveis a acidentes e doenças ocupacionais por conta tanto da ausência de uma jornada rígida de trabalho, quanto pela dificuldade de fisca-lização do local em que o labor ocorre, de modo que a novel legislação não se desincumbiu de seu ônus de garantir o trabalho decente e o meio ambiente sadio e equilibrado, fundamentos estes de qualquer relação de trabalho digna.

Era e é o teletrabalho forma de exercício do trabalho humano que não pode, no mundo atual, em que a tecnologia invadiu nossas vidas, ser ignorado, sendo vantajoso demais para quem empreende economicamente para ser deixado de lado. Isso não deve, todavia, significar violação ao direito dos trabalhadores a um meio ambiente do trabalho equilibrado. Essa é uma questão que merece ajustes na legislação, nos aspectos discutidos neste texto.

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o teLetraBaLHo e sUas mÚLtiPLas dimensões: anÁLises e reFLeXões necessÁrias no direito

BrasiLeiro e no direito comParado

Francisco Matheus Alves Melo1

Cláudio Jannotti da Rocha2

Lorena Vasconcelos Porto3

1. introdução

o Brasil passa por uma grave e duradoura crise econômica, uma recessão estabelecida desde 2015, que foi provocada por uma combinação de fatores po-líticos e socioeconômicos de níveis nacional e global. Assim como em alguns países europeus que enfrentaram medidas de austeridade pós-crise econômica de 2008, no Brasil houve o fortalecimento do discurso neoliberal, acompanhado de medidas de retrocesso social e jurídico, tal como a reforma trabalhista.

Em meio a avanços na doutrina e jurisprudência brasileira voltados à pro-moção do trabalho digno, do pleno emprego e inclusão social a partir do trabalho, deparamo-nos com a retomada de alegações voltadas à redução de direitos tra-balhistas para tornar o país Market Friendly. Aumentou-se a pressão para adotar medidas de austeridade e de retrocesso social e jurídico, entre elas a reforma tra-balhista, que implementa e regulamenta no ordenamento jurídico brasileiro no-vas formas atípicas e estratificadas de contrato de trabalho, como o teletrabalho,

1 Francisco Matheus Alves Melo é Mestre em Direito das relações sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade Entre rios do Piauí (FAErPI). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado. Professor.2 Cláudio Jannotti da Rocha é Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), na Graduação e no Mestrado. Doutor em Direito pela PUC/MG, com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela PUC/MG. Membro da Rede Nacional de Grupos de Pesqui-sas e Estudos em Direito do Trabalho e da seguridade social (rENAPEDTs). Membro da Rede de Grupos de Pesquisa em Direito e Processo do Trabalho (RETRABALHO). Membro do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais (ICJS), de Belo Horizonte/MG. Pesquisador. Au-tor de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior. Advogado.3 Lorena Vasconcelos Porto é Procuradora do Ministério Público do Trabalho. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Professora Convidada do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia, em Bogotá, e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas. Pesquisadora. Auto-ra de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior.

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o intermitente, o terceirizado e o hiperssuficiente. E assim, com a aprovação das Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017, a legislação trabalhista é alterada e o orde-namento jurídico brasileiro passa a prever essas modalidades empregatícias que, na verdade, segregam o mundo do trabalho e a classe trabalhadora, bem como alteram a própria morfologia do contrato de trabalho e a própria essência do Di-reito do Trabalho, tornando o princípio da alteridade exclusivo do empregador.

2. da reforma trabalhista

como visto acima, a situação socioeconômica provocada pelo agravamen-to da crise econômica brasileira, combinada com o cenário político conturbado e complexo, propiciou que ocorresse no Brasil a reforma trabalhista através de um rápido processo legislativo de tramitação urgente e truculenta, que deu origem às Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017.

No caso da última lei, que foi mais abrangente, ela teve início com o envio do Projeto de Lei n. 6.787/16 pelo governo Temer, em dezembro de 2016, conten-do apenas dez pontos acordados entre confederações patronais e centrais sindicais. Já na Câmara dos Deputados, esse Projeto de Lei foi ampliado para cerca de 100 alterações da CLT, com a aprovação por 296 votos (177 contra). No Senado Fe-deral, o PLC n. 38/17 foi aprovado por 50 votos (26 contra) sem mais nenhuma alteração do texto encaminhado pela Câmara dos Deputados. E, por fim, o então Presidente Michel Temer sancionou a Lei n. 13.467/2017 sem qualquer veto4.

A doutrina neoliberal enalteceu que a reforma trabalhista visa a garantir a empregabilidade e gerar segurança jurídica. Ademais, argumentou-se que a refor-ma trabalhista no Brasil segue um contexto de reformas da legislação laboral re-alizadas em diversos países desde a primeira década do século xxI. Defendeu-se também que tais reformas têm como traço em comum a flexisecurity, de modo que as alterações buscam desregulamentar a relação de trabalho, prestigiar a negocia-ção coletiva e flexibilizar a legislação no intuito de prevalecer a vontade das partes, para que a proteção e a segurança não dependam da rigidez da legislação5.

Em suma, trata-se de discurso que defende a redução de direitos trabalhis-tas como solução dos males da crise econômica, política e social enfrentada no Brasil. Mas tal discurso não se sustenta, pois não se resolve uma crise econômica e política flexibilizando e retirando direitos trabalhistas. Isso jamais foi visto em qualquer país do mundo. Nenhuma lei trabalhista por si só possui o condão de

4 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A reforma trabalhista no Brasil. In: GUIMA-RÃES, Ricardo Pereira de Freitas; MARTINEZ, Luciano (coord.). Desafios da Reforma trabalhista: de acordo com a MP 808/2017 e com a Lei 13.509/2017. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 59.5 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Op. cit., p. 55.

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gerar emprego, sendo imprescindíveis políticas públicas que estimulem econo-micamente a produção e o consumo, o que automaticamente ensejará a necessi-dade de contratações pelo empresariado.

Na verdade, o que se percebe até o momento é que, no primeiro ano de vigência da reforma trabalhista, os resultados esperados pelo discurso neoliberal não correspondem. Ao contrário, ocorreu o aumento do número de desemprega-dos, conduzindo o Brasil ao recorde de 13,4 milhões de pessoas sem emprego, alcançando o altíssimo percentual de 12,7% e o contingente alarmante de 28,3 milhões de subutilizados. Esses números por si só retratam os efeitos deletérios que a reforma trabalhista, através das modalidades empregatícias estratificadas, causou no mercado de trabalho brasileiro, como a redução da remuneração; a queda da contratação típica e o aumento das contratações estratificadas ou da in-formalidade; o fechamento de sindicatos pela baixa arrecadação sindical (-86%); a redução do número de normas coletivas, de reclamações trabalhistas (-36%) e de pedidos de indenização por danos extrapatrimoniais6.

3. Das modalidades empregatícias estratificadas

Na atualidade, as transformações da realidade do mercado de trabalho, im-plementadas pela Revolução Industrial 4.0, combinadas com a ascensão do capita-lismo financeiro, abriram caminho para a hegemonia do pensamento sob viés eco-nômico, cujo valor primário é o capital. Defende-se que o trabalho vivo vem sendo aos poucos substituído pelo trabalho morto e, assim, ainda que de maneira velada (mas nem tanto), altera-se a própria ontologia do trabalho, ensejando a desvalori-zação global do labor humano. Em contrapartida, o trabalho, embora seja atividade humana fundamental na constituição, organização e evolução da sociedade, bem como o alicerce das relações sociais, passa a ser questionado, a ponto de alterar a formação da identidade dos trabalhadores como um grupo social e de reconfigurar as formas de labor. o homem passa a perder o seu emprego, não mais para outro trabalhador, mas sim para a máquina, que por ele mesmo foi pensada e criada, admitindo-se que até mesmo fique sem emprego, mas com uma renda universal. O papel do ser humano na sociedade deixa de ser de trabalhador, para ser de con-sumidor. O homem pode até ficar sem trabalhar, mas sem consumir ele não pode.

Assim, há uma doutrina voltada à erosão da relação de emprego típica esta-belecida em um contrato de trabalho por tempo indeterminado sob a organização e direção de um empregador definido, invertendo-se a própria lógica trabalhista: a al-teridade do negócio jurídico deixa de ser do empregador e passa a ser do trabalhador. 6 Notícia disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/no-ticia/2018/11/11/reforma-trabalhista-completa-1-ano-veja-os-principais-efeitos.ghtml>. Acesso em: 28 jan. 2019.

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Na verdade, tenta-se de alguma forma fazer-nos acreditar na desvalorização do trabalho e do ser humano no mercado laboral, como se fosse possível existir trabalho sem labor humano. Ora, tais hipóteses são impossíveis, vez que o trabalho é uma atividade inerente ao ser humano, o qual possui capacidade de cognição, criatividade e integração e é justamente desse trino que advém a própria máquina que ele opera. Desde os primórdios o homem trabalha para manter sua sobrevivên-cia, podendo inclusive o trabalho ser produtivo ou improdutivo, mas fato é que o ser humano precisa do trabalho para sua sobrevivência física e mental.

A relação de dependência entre o trabalhador e a empresa pode ser analisa-da da maneira metafórica na relação do porco espinho ensinada por Arthur scho-penhauer, em seu célebre livro Parerga und Paralipomena, publicado em 1851. Ele demonstra que, em busca da sobrevivência, esses animais aproximam-se so-mente o necessário para troca mútua de calor, que é satisfeita apenas parcialmen-te, mas ao menos não se machucam e se mantêm vivos. E assim se dá no mundo do trabalho, em que a empresa, para sua sobrevivência, depende do trabalho do ser humano e, por isso, o contrata, via de regra, na forma de empregado, para que ocorra a troca, mas não de calor e sim da liberdade pelo pagamento do salário.

Porém, a reforma trabalhista brasileira, desconsiderando todo esse con-texto de importância do valor social do trabalho a partir do emprego, incorporou (e privilegiou) em nosso ordenamento jurídico várias relações laborais atípicas. Nesse sentido, rosilene Nascimento destaca que:

A Lei 13.467/2017, que traduziu no Brasil o que se chamou de reforma trabalhista, veio na esteira do movimento, sedutora-mente denominado de flexibilização das relações de trabalho, movimento esse que tem privilegiado relações laborais atípicas, através da inserção no ordenamento jurídico de formas de em-prego plásticas, que se amoldam aos interesses puramente eco-nômicos, os mais diversos7.

Além disso, a Lei n. 13.467/2017 almeja inverter a lógica do Direito do Trabalho, a ponto de relativizar a proteção do trabalhador ao normatizar “novas” formas de trabalho e legitimar fraudes trabalhistas8. Nesse diapasão, Grijalbo coutinho defende que:

7 NAscIMENTo, rosilene. contrato intermitente: trabalho humano just in time. In: FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; MENDES, Márcia Cristina Sampaio (coord.). reforma trabalhista. Ribeirão Preto: Migalhas, 2017, p. 278.8 ROCHA, Cláudio Jannotti da. Reflexões temporais acerca do Direito do Trabalho bra-sileiro e do seu constitucionalismo: a obrigatoriedade do controle difuso de constitucionali-dade e de convencionalidade da reforma trabalhista. In: PORTO, Lorena Vasconcelos; RO-CHA, Cláudio Jannotti da (org.). trabalho: diálogos e críticas. São Paulo: LTr, 2018, p. 51.

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Continuará sendo o marco regulatório do capitalismo, um Direito capitalista do Trabalho que nasceu da revolução Industrial como pauta de modernização das condições de vida, resultado de lutas e resistência. Mas, agora, introduz um novo sistema, pois substitui o mito de fundação, de tutela e proteção do trabalhador hipossu-ficiente para a autonomia negocial privada individual e coletiva. Rechaça e realoca o Estado, abandonando o Bem-estar para aco-lher o Mínimo, agasalhando a ideologia neoliberal e abstraindo a necessidade de intervenção estatal no mercado, na economia. substitui o projeto de uma sociedade salarial, isto é, uma univer-salização do assalariamento regulamentado como padrão para a economia por uma sociedade de trabalho fragmentado e precário, cuja perspectiva de renda pode ser substituída assistencialista9.

Assim, a erosão da relação de emprego típica chega ao ponto de podermos falar que a reforma trabalhista causou a estratificação empregatícia, como o inter-mitente, o teletrabalhador, o terceirizado e o hipersuficiente. O termo estratificação foi abordado primeiramente por Mauricio Delgado e Gabriela Delgado como um fenômeno específico do trabalhador hipersuficiente, conforme o trecho a seguir:

Conforme se percebe, a Lei da Reforma Trabalhista cria seg-mento estratificado no universo dos empregados das instituições e empresas empregadoras, a partir de dois dados fáticos que des-taca: o fato de ser o empregado portador de diploma de nível superior; o fato de esse empregado perceber salário mensal igual ou maior do que duas vezes o limite máximo de benefícios do regime Geral de Previdência social10.

Entretanto, entendemos que esse processo de estratificação é um fenômeno mais amplo e perverso ao considerarmos como parâmetro a relação de empre-go tipicamente concebida pelas normas constitucionais e celetistas (prévias às Leis n. 13.429 e 13.467/2017), o que enseja até mesmo a segregação da classe trabalhadora. Ou seja, com base no contrato de trabalho por prazo indetermina-do, subordinado diretamente ao tomador de serviços, prestado dentro ou fora da sede da empresa, com direito à jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais, pode-se dizer que o legislador reformador inseriu modalidades de contrato de emprego atípicas, ou melhor dizendo, estratificadas. Nesse dia-

9 COUTINHO, Aldacy Rachid. Desconstruindo a falácia da reforma trabalhista de 2017: aná-lise crítica dos argumentos retóricos do jurídico, do social e do econômico. In: MELO, Raimundo Simão de (coord.); ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, Trabalho, Segu-ridade social e as reformas trabalhista e Previdenciária. São Paulo: LTr, 2017, p. 119.10 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. a reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 171.

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pasão, identificamos como modalidades de estratificação da relação de emprego adotadas pelas Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017: o empregado intermitente, o teletrabalhador, o hipersuficiente, o terceirizado (tendo a lei permitido inclusive a quarteirização), o trabalho autônomo e a pejotização. Entretanto, este trabalho científico terá como foco a figura do teletrabalhador.

É como se a lei falasse assim para o trabalhador: ei, você é livre, comple-tamente livre e tão bom que possui várias tipologias para escolher aonde, como e quando trabalhar, até mesmo em sua própria casa, na rua, na praça ou na ca-feteria, olhe que legal e moderno, você não trabalha, você faz aquilo que gosta. Ame a liberdade, abrace-a e seja feliz com seu trabalho. A sua vida é e deve ser você fazendo aquilo que gosta e por isso faça isso mais e mais, você será muito feliz, só depende de você e do seu sacrifício. É você, e tão somente você lutando contra o mundo e ao mesmo tempo o ajudando. Seu sucesso está em suas mãos. Seja forte e corajoso, o poder é seu, escolha seu trabalho que gosta e deseja, lute e lute, a força está dentro de você.

4. do teletrabalhador

A figura do teletrabalho é uma das estratificações da relação de emprego tí-pica que foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 13.467/2017, através da ideologia utilizada pela reforma trabalhista, consubstanciada na mo-dernização do trabalho, na liberdade que o obreiro deve ter para pactuar sua mão de obra e na geração de novos postos de trabalho. Afinal, dizia-se que a CLT estava defasada e atrasada, que não conseguia mais regulamentar o mundo do trabalho e que com a reforma teríamos a modernidade e o fim do desemprego, como um amor que nasce das estrelas e desce para o mundo terrestre e resolve tudo, mas esqueceram de combinar com os astros e com a lua, porque, conforme acima demonstrado, o que a reforma trabalhista causou foi o aumento do desem-prego, da precarização da mão de obra e do subemprego.

Como se analisará abaixo, assim como o intermitente, há um contrato de trabalho que caracteriza o teletrabalhador como empregado; mas a sua caracteri-zação decorre do seu afastamento do local de trabalho, utilização de instrumen-tos de informática ou telemáticos e exclusão dos limites da jornada de trabalho, além da questão que envolve os custos dos instrumentos de trabalho.

Primeiramente, é válido mencionar que na Quarta Revolução Industrial, caracterizada pela cyberização, “a telemática faz parte do dia a dia da força de trabalho contemporânea em praticamente todas as zonas urbanas do mundo. Do ocidente ao oriente, desde países desenvolvidos até os em desenvolvimento”11.

11 ESTEVES, Juliana Teixeira; COSENTINO FILHO, Carlos. O teletrabalho na lei n.

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Inclusive, as empresas passam a se virtualizar, utilizando cada vez mais os ins-trumentos telemáticos, sem que haja a necessidade de comparecimento pessoal à sede da empresa, já que os obreiros assumem atividades por meio de redes de comunicação eletrônica12, pois se alega que a liberdade é difusa, podendo o trabalhador estar até mesmo em outro continente e o consumidor contratá-lo di-retamente sem a participação do empregador. Dentro desse contexto, através dos instrumentos telemáticos, surge a chamada “economia do bico”. Esta compre-ende duas formas principais de trabalho: o crowdwork, que abrange a realização de tarefas a partir de plataformas on-line, e o trabalho on-demand, que envolve a execução de labores tradicionais, como o de transporte ou de escritório, deman-dados por meio de aplicativos gerenciados por empresas13.

Portanto, através de um clique, a empresa ou o próprio consumidor con-trata o empregado através de uma plataforma digital, mesmo estando ele longe fisicamente de um ou do outro, podendo as ordens ou o pedido ser feitos à dis-tância, inclusive de outro país. A distância física deixou de existir através da globalização empresarial e das plataformas digitais.

E, assim, aparenta-se uma liberdade plena e difusa para o trabalhador, mas, na verdade, de livre ele nada tem, estando vinculado a um computador, celular, tablet, drone, câmera ou até mesmo a uma televisão e dependente do trabalho que realiza e do tomador do seu serviço. A liberdade e o trabalho à distância escon-dem ou camuflam um verdadeiro controle físico e mental que a empresa exerce sobre o trabalhador e, principalmente, a dependência econômica que o trabalha-dor tem de seu trabalho e do tomador dos seus serviços. É como se alguém lhe dissesse que uma pipa é livre para voar, estando ela presa a uma linha ou um ca-chorro livre para andar, preso em uma coleira. Não, não, um teletrabalhador não é livre para trabalhar, afinal, mesmo ele estando longe fisicamente da empresa, ele encontra-se preso a ela através de um instrumento telemático, que controla, inclusive, os seus movimentos e pensamentos, até mesmo ele estando dentro de sua própria casa. A situação ora demonstrada é muito bem estudada e ilustrada por Ricardo Antunes em seu livro “O Privilégio da Servidão”.

13.467/17 (reforma trabalhista): uma regulamentação em desacordo com as evidências em-píricas. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). constitu-cionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. são Paulo: LTr, 2017, p. 386.12 MELO, Geraldo Magela. O teletrabalho na CLT pós-reforma trabalhista. In: MELO, Rai-mundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti da (coord.). Constitucionalismo, Trabalho, Se-guridade social e as reformas trabalhista e Previdenciária. São Paulo: LTr, 2017, p. 401.13 DE sTEFANo, Valerio. The gig economy and labour regulation: an international and comparative approach. revista direito das relações sociais e trabalhistas, v. 4, n. 2, Bra-sília, Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, p. 68-79, mai.-ago./2018. p. 68.

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O fato de o trabalhador realizar a sua atividade distante da empresa e de seus superiores hierárquicos, não significa que ele se encontra livre do poder empresarial de direção e controle. As novas tecnologias da informação e das telecomunicações mudaram a morfologia da subordinação, mas, na prática, esta pode continuar sendo tão intensa, senão até mais, do que no passado. o teletra-balho, portanto, não gera o desaparecimento da subordinação, mas, sim, a sua transformação. Ela adquire novas formas, novos contornos, tornando-se mais sutil e difusa, transformando-se em “telessubordinação”.

Conforme exposto pelo Professor italiano Gianni Loy, a inovação tecno-lógica pode ser inerente ao processo de produção, mostrando-se também instru-mento facilitador do exercício do poder de controle pelo empregador:

A adoção de novas tecnologias invariavelmente comporta uma extensão intrínseca da possibilidade de controle por parte do empresário, controle que, nesses casos, é ínsito às novas moda-lidades do processo produtivo e é praticamente impossível de se eliminar. Mas também a inovação tecnológica “genérica”, isto é, estranha e não intrínseca ao processo produtivo, facilita o exer-cício do poder de controle por parte do empregador.14

Na realidade, é possível verificar que, ao revés de demonstrar o desapa-recimento do vínculo de subordinação, a implementação do uso da tecnologia, principalmente no tocante à orientação e fiscalização do trabalho, torna a su-bordinação ainda mais incisiva e verticalizada, apesar de camuflada, exercendo ainda maior influência sobre o empregado.

o teletrabalho (assim como outras formas de trabalho à distância) surgiu a partir de uma combinação de fatores econômicos, sociais e tecnológicos. Assim, com a crise energética da década de 1970, combinada com a diminuição de preço dos computado-res pessoais, o surgimento da internet, a globalização empresarial, a desvalorização do trabalho, a tônica da redução dos custos empresariais, a criação das plataformas digitais e a desmaterialização da produção possibilitam o surgimento do teletrabalhador15.

Entretanto, até a reforma trabalhista, o nosso ordenamento jurídico dispunha apenas sobre o home office e sobre a equiparação da subordinação no trabalho remo-to (introduzida pela Lei n. 12.551/2011). Fazia-se somente a menção ao teletrabalho, sem regulamentá-lo, mas ofertando ao teletrabalhador os mesmos direitos do empre-

14 LOY, Gianni. Il dominio sul lavoratore. revista de direito das relações sociais e trabalhistas, v. 4, n. 1, 2018. Tradução nossa.15 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Teletrabalho, Desconexão e Reforma Trabalhista – (In)compatibilidade? In: FIGUEIREDO, Carlos Arthur et al (org.). reforma trabalhista: novos rumos de direito do trabalho e do direito processual do trabalho. são Paulo, LTr, 2018, p. 139.

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gado presencial, com a declaração do vínculo empregatício através da subordinação integrativa ou estrutural. Diante da falta de normatização específica sobre o tema no nosso ordenamento jurídico, o legislador valeu-se desse subterfúgio para defender a tese de que toda a nossa legislação trabalhista seria antiquada e, por conseguinte, seria necessária a regulamentação do teletrabalho através da reforma trabalhista16. E assim, com a Lei n. 13.467/2017, entre as mais de cem mudanças sofridas pela CLT, criou-se um capítulo específico (II-A) para tratar do teletrabalho.

O primeiro dispositivo que deve ser comentado é o art. 75-B da CLT que prevê o conceito de teletrabalho. O texto legal define-o como aquele prestado “preponderadamente fora das dependências do empregador, com utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se cons-tituam como trabalho externo”.

Nesse diapasão, com base na previsão legal, pode-se dizer que o teletraba-lho é marcado por três características:

a) o local da prestação de serviços; b) a natureza do serviço prestado; c) a utilização de tecnologias de informação e comunicação para executar

o labor17.No tocante à primeira característica, Rodolfo Pamplona Filho e Leandro

Fernandez entendem que o conceito adotado se aproxima daquele previsto no Có-digo do Trabalho de Portugal18. No teletrabalho, desenvolve-se atividade que po-deria ser executada no interior do estabelecimento do empregador, mas que “por conveniência das partes ou por interesse empresarial na gestão do espaço e dos recursos humanos, o labor é predominantemente prestado de maneira remota”19.

Deve-se ter em mente que o regime de teletrabalho, embora seja caracteriza-do por ser extramuros da empresa, não é descaracterizado por visitas esporádicas à sede do estabelecimento – desde que não seja uma exigência contínua que acarrete um controle diário camuflado. Portanto, tendo em vista que a habitualidade não é vinculada a dias de trabalho (ao contrário da continuidade, na relação de emprego doméstica, que exige no mínimo três vezes por semana), o fato de o empregado comparecer semanalmente em uma empresa torna-o empregado presencial.

16 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Tecnologia da Informação e as relações de trabalho no Brasil: O teletrabalho na lei n. 13.467/2017. In: FIGUEIREDO, carlos Arthur et al (org.). reforma trabalhista: novos rumos de direito do trabalho e do direito processual do trabalho. São Paulo, LTr, 2018, p. 125.17 BATALHA, Elton Duarte. Teletrabalho – a reforma trabalhista brasileira e a experiên-cia estrangeira. In: MANNrIcH, Nelson (coord.). reforma trabalhista: reflexões e críticas. São Paulo: LTr, 2018, p. 92.18 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 125.19 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 125.

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Assim, embora o legislador não tenha definido de forma clara o que seriam “serviços preponderantemente fora das dependências do empregador”, podemos en-tender que, caso a maior parte dos serviços seja realizada dentro da empresa ou do estabelecimento, o empregado será presencial e não teletrabalhador. Além disso, caso o empregado trabalhe fora do escritório central da empresa, porém em local próximo ou ao lado a ela, deverá ser considerado como empregado presencial.

É oportuno ressaltar que, para a configuração do teletrabalho, a lei não prevê um local específico para a sua realização. Logo, conforme as lições de Francisco Oli-veira, pode-se dizer que o conceito de teletrabalho é a noção de trabalho à distância, isto é, aquele desempenhado em lugar diverso da empresa, englobando, por exemplo, o home office, o centro compartilhado, o trabalhador de campo (teletrabalho nômade ou itinerante) e o teletrabalho em equipes transnacionais (trabalho colaborativo)20. Assim, no teletrabalho o labor é realizado total ou preponderantemente fora da em-presa, seja no domicílio do empregado, em telecentros ou de forma nômade.

Além disso, é oportuno aclarar que existe a figura do crowdwork, que não se confunde com o teletrabalho, sendo este uma espécie daquele, que é o gênero. Como visto acima, o elemento caracterizador do teletrabalho é o labor fora das de-pendências do empregador, com uso de instrumentos telemáticos ou de informática e a determinação das partes, podendo o trabalho ser realizado on line ou off-line. De outra banda, o crowdwork é marcado pela utilização de instrumentos telemáticos ou de informática, porém usando plataforma on line ou off-line que realiza a interme-diação de mão de obra, sendo possível que não haja contato direto ou identificação das partes envolvidas e até mesmo a contratação direta pelo consumidor.

Já quanto à característica da natureza do serviço que marca o teletrabalha-dor, entendemos, assim como Elton Batalha ressalta, que, em tese, pode recair sobre qualquer atividade prestada de forma clássica que o empregado exerceria dentro do estabelecimento do empregador.

No tocante à característica da utilização de tecnologias da informação para pres-tar o teletrabalho, deve-se ter em mente que, segundo Ricalde e Carvalho, o teletra-balho é marcado pela relação entre a organização e o trabalhador através de meca-nismos digitais (softwares), eletrônicos (computadores) e de comunicação (telefone, fax, até Skype)21. Mas, como esclarece Talita Nunes, não precisa que empregador e teletrabalhador utilizem aparelhos eletrônicos simultaneamente – pois podem se valer de e-mails, whatsapp ou fax –, nem que se comuniquem por intermédio da internet, devendo apenas utilizar os mecanismos tecnológicos para superar a distância física22. 20 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. reforma trabalhista: comentários à Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, vigência em 11.11.2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 32-33.21 RICALDE, Mario do Carmo; CARVALHO, William Epitácio Teodoro de. comentá-rios à Reforma trabalhista + CLT comparada. Campo Grande: Contemplar, 2017, p. 65.22 NUNES, Talita Camila Gonçalves. Ob. cit, p. 57-59.

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O inciso III no art. 62 da CLT excluiu os teletrabalhadores brasileiros da proteção da jornada, sem qualquer ressalva. Na verdade, essa norma fechou os olhos para a realidade e desconsiderou que o avanço tecnológico permite atual-mente que os empregadores determinem atividades aos empregados, controlem e fiscalizem a localização exata do trabalhador, observem o trabalho que está sen-do realizado e os horários de início e fim, bem como até mesmo se comuniquem com os trabalhadores. Inclusive, como Carvalho e Lucena destacam, hoje esse controle pode se dar:

Por diversos meios diretos e indiretos, qualitativa e quantitativa-mente. São exemplos de formas diretas de controle: os registros de jornada feitos pelo próprio empregado, horários e tempo de conexão telemática (logs de acesso), controle biométrico, equi-pamentos de conexão com horários pré-programados de funcio-namento, sendo possível a aferição exata da quantidade de toques digitados pelo teletrabalhador. O controle indireto, por sua vez, pode ser efetuado por meio do estabelecimento de tarefas, metas, roteiros de visitas, prazos, pontos de encontro, reuniões, etc23.

Inclusive, como visto, o teletrabalhador está sujeito a uma modalidade di-ferente de subordinação, a telessubordinação. Não se trata, entretanto, de uma hipótese de subordinação rarefeita, como defendido por Deusmar rodrigues. Na verdade, quando utilizada inadequadamente, como meio de controle exacerbado do empregado, obriga-o a permanecer constantemente conectado ao empregador, deixando de observar os limites diários de horas de trabalho permitidos por lei24.

Devemos ainda completar o raciocínio com base na doutrina de Márcia Hernandez, a qual esclarece que na telessubordinação as diferentes formas de co-nexão entre teletrabalhador e empresa incidem diretamente no poder de direção e no controle de jornada. Assim, para a autora, no teletrabalho não existe mais a subordinação típica, consagrada no sistema fordista; o teletrabalhador ganha, em parte, autonomia, ao mesmo tempo que está diante das novas formas de controle e direção (on line ou off line)25.

Além do mais, a limitação da duração do tempo de trabalho foi uma con-quista da classe trabalhadora após muita luta e conflito social, “estando intima-mente relacionada à viabilização do pleno desenvolvimento das potencialidades e dos projetos de vida das pessoas cuja sobrevivência digna depende do ofere-

23 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 146.24 ESTEVES, Juliana Teixeira; COSENTINO FILHO, Carlos. Op. cit., p. 386.25 HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. novas perspectivas das relações de traba-lho: o teletrabalho. São Paulo: LTr, 2011, p. 63-65.

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cimento de sua força de trabalho”26. Inclusive, trata-se de tema caro ao Direito do Trabalho consagrado desde a primeira convenção da oIT27 e presente na Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 7º, “d”) e no Protocolo de San Sal-vador (art. 7º, “g”)28. Assim, não se pode menosprezar as sucessivas conquistas na redução da jornada de trabalho até a chegada ao parâmetro de 8 horas diárias e 44 horas semanais na Constituição de 1988.

Portanto, a falta de limitação da jornada do teletrabalhador mostra-se in-compatível com a previsão constitucional de uma jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais. De tal sorte, é necessário realizar uma interpretação conforme a Constituição, já que a Lei Maior não distingue a forma de exercício da atividade laboral (seja em um local fixo dentro ou fora da empresa). Nesse mesmo diapa-são, o art. 6º da CLT, que não foi alterado pela reforma trabalhista, equipara o controle telemático e informatizado à supervisão direta do empregador29.

Já sob o foco dos tratados internacionais de direitos humanos, Rodolfo Pamplona Filho e Leandro Fernandez questionam a convencionalidade do art. 62, III, da CLT, defendendo que a limitação da jornada está protegida por nor-mas de status supralegal, que integram o jus cogens e, por isso, não poderia ser afastada de forma genérica e abstrata por pactuação pelas partes30. No mesmo sentido, temos o Enunciado aglutinado n. 2 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATrA31, que se utiliza da mesma lógica para defender a limitação da jornada de trabalho do teletrabalhador e o pagamento das horas extras.

Assim, em sede de controle de constitucionalidade e de convencionalidade, a interpretação do art. 62, III, da CLT, deve ser no sentido de se assegurarem a li-mitação da jornada de trabalho do teletrabalhador e o pagamento das horas extras, inclusive para garantir o direito à desconexão. Com efeito, a partir dos direitos fun-damentais ao lazer e ao descanso, além da dignidade, saúde, liberdade, privacidade e

26 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 127.27 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 146.28 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 127.29 MELO, Geraldo Magela. Op. cit., p. 402.30 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 128.31 Enunciado aglutinado n. 2 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Proces-sual do Trabalho da ANAMATrA: teLetraBaLHo. Horas eXtras. são devidas horas extras em regime de teletrabalho, assegurado em qualquer caso o direito ao repouso semanal remunerado. Interpretação do art. 62, III e do parágrafo único do art. 6º da CLT con-forme o art. 7º, xIII e xV, da Constituição da República, o artigo 7º, “e”, “g” e “h” protocolo adicional à convenção americana sobre direitos humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais (“Protocolo de San Salvador”), promulgado pelo Decreto 3.321, de 30 de dezembro de 1999, e a Recomendação 116 da OIT.

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limitação da jornada, construiu-se a tese do direito à desconexão. O teletrabalhador, assim como os demais trabalhadores, tem o direito de “se libertar física e mental-mente de tudo que se relaciona com a atividade laboral”, de modo a se recuperar, conviver com família e participar da sociedade, realizar projetos pessoais32.

Inclusive, cabe alertar, conforme Talita Nunes defende, que é possível ocorrer o teletrabalho em condição análoga à de escravo. Essa situação se dá quando o teletrabalhador “em condições degradantes ou não, se submete a jor-nadas exaustivas, com desgaste físico e/ou mental, ausência de convívio com a família e lazer, bem como impossibilidade de qualquer interação com a socieda-de, ferindo sua dignidade”33.

Em uma análise específica dos dispositivos que regem a figura do teletra-balho, cabe destacar que, de acordo com o art. 75-C da CLT, o regime de teletra-balho deve ser previsto por escrito, sendo possível migrar do regime presencial para ele através de mútuo acordo. Já para modificar do teletrabalho para o retorno ao ambiente empresarial, o empregador teria essa faculdade, independentemente da anuência do empregado.

Assim, no tocante à previsão por escrito, embora dependa de sedimentação na jurisprudência, cabe destacar as ponderações feitas por rodolfo Pamplona Filho e Leandro Fernandez sobre o aspecto processual da exigência de previsão expressa do regime de teletrabalho, no sentido de que o descumprimento de tal requisito provocará a declaração do empregado presencial.

Nesse contrato, devem constar especificamente as atividades a serem de-sempenhadas pelo teletrabalhador e, no caso de desvirtuamento, haverá a decla-ração do empregado presencial, bem como o direito ao pagamento de diferenças salariais ou acúmulo de função.

No que se refere à mudança entre os regimes prevista nos parágrafos do art. 75-C da CLT, a redação mostra-se imprecisa, pois a expressão “mútuo acordo” pres-supõe entendimento prévio34. Vólia cassar entende que a redação posta pelo legis-lador reformador é confusa ao estabelecer parâmetros diferentes para a migração entre o teletrabalho e o presencial, de modo que a exigência de aditivo é inócua35.

No mesmo sentido, Maximiliano Carvalho e Luana Lacerda defendem que, embora o dispositivo em questão não mencione a possibilidade ou a necessidade de aceite para que ocorra a alteração do regime de teletrabalho para o presencial, deve ser encarada como mudança lesiva, uma vez que provoca modificação na rotina do trabalhador e de sua família36. Assim, deve-se encarar essa alteração 32 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 138-139.33 NUNES, Talita Camila Gonçalves. Op. cit., p. 221.34 BATALHA, Elton Duarte. Op. cit., p. 95.35 CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Op. cit., p. 36.36 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 144.

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unilateral como contrária ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva, pois o retorno da prestação de serviços na sede da empresa pode gerar prejuízos ao trabalhador. Cabe, inclusive, com base no art. 8º da CLT, aplicar como solução o direito comparado (art. 166, item 6, do Código de Trabalho Português, que exige a anuência do teletrabalhador)37.

De toda forma, cabe destacar ainda que deve ser considerada nula eventual cláusula contratual, celebrada no momento da admissão do trabalhador, que es-tabeleça de forma prévia e genérica a concordância com qualquer transferência futura ao regime de teletrabalho e a renúncia do direito à recusa38.

Outro ponto polêmico do teletrabalho que deve ser abordado encontra-se no art. 75-D da CLT. Adotamos a posição expressa no Enunciado n. 1 da Co-missão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANA-MATrA39, em interpretação conforme ao princípio da alteridade, de modo que os custos da atividade econômica permanecem como obrigação do empregador, mesmo que seja através de reembolso. A omissão do legislador nacional de regu-lamentar como deve se dar o reembolso enseja a aplicação do art. 168, item I, do código de Trabalho de Portugal. De acordo com tal dispositivo, deve haver um prazo para requerer o reembolso, além de estabelecer quais são os documentos necessários40. Nesse diapasão, Geraldo Melo conclui que:

a norma também foi tímida na questão do gerenciamento dos riscos ocupacionais do meio ambiente do trabalho, na medida em que não estabeleceu de forma objetiva a obrigação patronal de fiscalizar o correto uso dos instrumentos de trabalho de modo a precaver eventuais e prováveis doenças ocupacionais em de-corrência do manuseio dos equipamentos informáticos.(...)Ressalta-se que a omissão legislativa nesse tocante, não afasta o dever de o empregador fiscalizar e implementar um meio am-biente laboral corretamente gerenciado, com redução dos riscos ambientais do trabalho, ainda que o local da atividade seja a residência do obreiro41.

37 MELO, Geraldo Magela. Op. cit., p. 403.38 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 130.39 Enunciado aglutinado n. 1 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATrA: teLetraBaLHo. cUsteio de eQUiPamentos. o contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sistemática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, xIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT.40 MELO, Geraldo Magela. Op. cit., p. 403.41 MELO, Geraldo Magela. Op. cit., p. 404.

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Além dessas celeumas jurídicas envolvendo os equipamentos e infraes-trutura relacionados ao meio ambiente do trabalho do teletrabalhador, existem outras relativas às medidas preventivas de doenças e acidentes de trabalho. Nessa toada, o art. 75-E da CLT estabelece que o empregador tem o dever de instruir seus empregados quanto às precauções a serem tomadas sobre esse tema.

Maximiliano Carvalho e Luana Lacerda aduzem que a interpretação literal dá a impressão de que o termo formal escrito de responsabilidade do teletraba-lhador exaure a responsabilidade patronal. Todavia, não é essa a interpretação a ser adotada, pois o empregador possui o dever de fiscalizar e manter o meio ambiente de trabalho saudável42. Inclusive, tal dispositivo seria tautológico e anacrônico, já que o art. 157, II, da CLT já prevê que a inobservância das normas de segurança e saúde do trabalho por parte do empregado, quanto às orientações dadas pelo empregador, enseja dispensa por justa causa43.

Homero Silva observa que o art. 75-E da CLT utilizou uma linguagem patriarcal para normatizar a superada tese de que o empregado é quem dá causa ao “ato inseguro”. Tal ato é um ônus exclusivo do empregador, devendo este res-ponder pelo meio ambiente saudável e seguro do teletrabalhador a partir de uma conjuntura de fatores, inclusive na perspectiva objetiva quando necessário, sendo que o local de trabalho encontra-se, inclusive, passível de fiscalização por parte dos órgãos competentes, nos termos do art. 7º, xxII, da Constituição da Repú-blica de 1988. Na verdade, faz-se necessária a análise multifatorial para compre-ender o acidente e doenças a este equiparadas. Nesse sentido, o autor menciona o exemplo da sobrecarga muscular pelo trabalho de digitação, de sorte que:

não é crível que se pense apenas em analisar o descuido do em-pregado quanto à postura; elementos relevantes como prazos para entrega dos trabalhos, nível de complexidade, ritmo exi-gido, número de toques necessários para dar cobro à demanda, forma de remuneração, metas impostas e vários outros assuntos correlatos deverão ser levados em consideração44.

Todavia, conforme Pamplona Filho e Fernandez salientam, mesmo que o legislador tenha sido omisso quanto ao dever de orientação, treinamento e fisca-lização das questões de saúde e segurança do teletrabalho, cabe aplicar o dever estabelecido aos demais empregados, previsto no art. 157, I, da CLT45. Esse de-ver de cuidar do meio ambiente do trabalho do teletrabalhador decorre, inclusive,

42 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 145.43 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 134.44 SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista: análise da lei 13.467/2017 – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 56.45 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 134.

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da função social da empresa46. No mesmo sentido, temos os enunciados nsº 145 e 345, ambos da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATrA.

O último instituto do teletrabalho a ser abordado é o art. 611-A, VIII, da CLT. Essa prevê que o “negociado sobre o legislado” pode tratar do teletrabalho. Nesse diapasão, fazemos coro à Bruno Fonseca, que sintetiza os cenários possíveis:

a) manutenção da regulamentação, conforme prevista na refor-ma Trabalhista, em virtude da ausência de instrumento coletivo de trabalho a respeito; b) adequação constitucional da regula-mentação prevista na CLT em razão de aprimoramentos, parcial ou total, advindos de normas coletivas. Essa possibilidade é pos-sível, contudo pouco provável, sobretudo quando considerarmos o universo de sindicatos no Brasil, a ausência de reforma sindi-cal, o histórico de atuação das agremiações sindicais no país, o enfraquecimento estrutural da classe trabalhadora, o desem-prego, o neoliberalismo nacional, a própria reforma Trabalhis-ta, entre outros fatores; c) previsões em normas coletivas mais prejudiciais aos empregados, quando cotejados com as previstas dos arts. 75-A a 75-E da CLT. Diante da conjuntura citada na alínea anterior, a probabilidade é que essa senda seja comum, o que tornará mais daninho o regime de teletrabalho47.

Entendemos, portanto, que a prevalência da negociação coletiva (ou até mesmo a individual feita pelo hipersuficiente teletrabalhador) sobre as normas protetivas de ordem pública pode trazer efeitos ainda mais devastadores do que a Lei n. 13.467/2017 promoveu. Por isso cabe ressaltar que a autonomia das partes não é um valor absoluto, de modo que a validade das transações resta condicio-nada à sua compatibilidade com as normas constitucionais e os tratados interna-cionais de direitos humanos – que estabelecem um padrão de trabalho decente –, sob pena de atingir o patamar civilizatório mínimo.

5. do teletrabalho no direito comparado

Para termos a compreensão completa do instituto do teletrabalho, cabe ain-da realizar o seu estudo no Direito comparado. Primeiramente, cabe destacar que existe escassa regulamentação da matéria em outros países. Maxiliano Lacerda e Luana Lacerda destacam que nos Estados Unidos e na Itália as leis existentes

46 PAULA, Hilda Maria Francisca de. Teletrabalho: desafios frente a uma nova realidade. In: MIEssA, Élisson (org.). A reforma trabalhista e seus impactos. salvador: JusPoDIVM, 2017, p. 223.47 FoNsEcA, Bruno Gomes Borges da. Op. cit., p. 232.

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tratam apenas do teletrabalho na administração pública48. Além disso, destacam que na Europa vigora o Acordo-Marco Europeu sobre Teletrabalho (AMET), que estabelece normas gerais para a União Europeia49.

Já com base no AMET, em Portugal, o Código do Trabalho de 2009 pas-sou a prever expressamente a figura do teletrabalhador. A codificação portuguesa dispôs sobre a definição e formalidades contratuais; assegurou o direito à priva-cidade e fixou o período de trabalho; normatizou a participação e representação coletiva; e ainda previu deveres entre empregadores e teletrabalhadores50.

Geraldo Melo esclarece que o teletrabalho no Direito Lusitano, conforme o art. 165 do Código de Trabalho Português, é caracterizado pelo elemento geográ-fico – labor à distância – e outro tecnológico – utilização de ferramentas tecno-lógicas para o desempenho da atividade. Já no ordenamento pátrio, o legislador reformador optou por uma definição mais restrita de teletrabalhador, ao prever no art. 75-B da CLT a expressão trabalho fora das dependências, que não seja trabalho externo (desenvolvido sem um local fixo, embora passível de controle e de quedar à disposição por meios telemáticos)51.

No caso espanhol, o teletrabalho pode ser definido como a prestação de serviços efetuada tanto na sede da empresa, como também fora dela de maneira regular. Portanto, não se confunde com o trabalho em domicílio, já que o labor pode ocorrer em local diverso que não seja da escolha do empregado e porque existem formas de teletrabalho em que há vigilância empresarial. Por conseguin-te, gera o questionamento se deveria ser tratado como modalidade especial de contrato de trabalho pelo ordenamento jurídico espanhol52.

Elton Batalha salienta que no Peru o teletrabalho é definido como a presta-ção de serviço sem a presença física na empresa através de meios informáticos, de telecomunicação ou análogos, que também são utilizados para controle e su-pervisão por parte do empregador (art. 40 da Lei Geral do Trabalho)53.

O mesmo autor menciona que, na França, o artigo L1222-9 do Código do Trabalho estabelece, da mesma forma que no Brasil, que o teletrabalho é uma forma de organização do trabalho que poderia ser executada dentro da empresa, mas é voluntariamente executada fora dela, utilizando tecnologias da informação e da comunicação54.

48 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 140.49 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 140.50 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 141.51 MELO, Geraldo Magela. Op. cit., p. 401-402.52 VILLALÓN, Jesús Cruz et al (org.). comentarios al estatuto de los trabajadores. 4 ed. Pamplona: Thomson Reuters, 2016, p. 209-210.53 BATALHA, Elton Duarte. Op. cit., p. 93.54 BATALHA, Elton Duarte. Op. cit., p. 93.

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É oportuno destacar as medidas adotadas na França voltadas à promoção da dignidade do teletrabalhador. conforme a lição de Esteves e cosentino Filho, o legislador francês positivou o direito à desconexão dos trabalhadores, “a fim de que possam, verdadeiramente, usufruir dos seus períodos de descanso, não se obrigando, portanto, a responder e-mails ou qualquer tipo de mensagem do seu empregador fora da jornada de trabalho”55. Inclusive, os juristas destacam que:

Algumas empresas (francesas) têm tomado medidas formais, tais como: (I) incentivar seus empregados a não responder às solici-tações nos horários de descanso (como, por exemplo, ocorre na Post, APEC, Syntec.); (II) implementar módulos experimentais de desconexão (como ocorreu, por exemplo, na Orange O’zone) e, por fim; (III) a imposição da desconexão pelo o desligamento dos servidores de correio durante os finais de semana56.

Alain Supiot observa que, na Alemanha, desde 2011, o grupo Volkswagen decidiu cortar seus servidores de informática das 18:15 às 07:00 horas da manhã. O grupo Daimler instalou um “assistente de ausência”, que apaga as mensagens enviadas aos empregados durante os seus afastamentos e convida o remetente, seja a contatar outra pessoa, seja a esperar o retorno do destinatário para lhe re-enviar o correio eletrônico57.

Na América Latina, Carvalho e Lacerda ressaltam que, até a reforma tra-balhista brasileira, apenas a colômbia e o chile possuíam normas sobre o tele-trabalho. Inclusive, no caso colombiano, a Lei n. 1.221/2008 teria assegurado os mesmos direitos dos trabalhadores presenciais, além das garantias à equiparação salarial, à não discriminação e ao lazer; embora também tenha excluído a limita-ção da jornada (inclusive horas extras e adicional noturno). Já no Chile, apenas excluiu a limitação da jornada de trabalho58.

6. considerações Finais

Em conclusão, pode-se dizer que, embora a incorporação dos meios telemá-ticos e de informática à organização produtiva e às formas de prestação de serviço indiquem que o teletrabalho seja o futuro e até mesmo o presente do mercado de trabalho, não se pode ignorar os riscos que o afastamento do local de trabalho e

55 ESTEVES, Juliana Teixeira; COSENTINO FILHO, Carlos. Op. cit., p. 392.56 ESTEVES, Juliana Teixeira; COSENTINO FILHO, Carlos. Op. cit., p. 393.57 SUPIOT, Alain. Para além do emprego: os caminhos de uma verdadeira reforma do Direito do Trabalho. revista de direito das relações sociais e trabalhistas, v. 4, n. 3, Brasília, UDF, set./dez. 2018, p. 17-52.58 CARVALHO, Maximiliano; LACERDA, Luana. Op. cit., p. 141.

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a mistura da vida pessoal com a profissional podem acarretar para o trabalhador. No caso brasileiro, em razão de a regulamentação ser omissa em alguns aspectos e confusa em outros momentos, nota-se que o conjunto normativo do teletraba-lhador é mais uma figura de estratificação da relação típica de emprego, marcada, principalmente, pelos aspectos da 4ª Revolução Industrial e do pós-fordismo, que inquestionavelmente acarreta a segregação no mercado de trabalho.

Não se pode admitir que as vantagens proporcionadas pelos avanços tec-nológicos sejam utilizadas como subterfúgio para retirar direitos fundamentais do trabalhador, a exemplo da limitação da jornada, da filiação sindical, da saúde e segurança do trabalho, custos com os instrumentos de trabalho, além de direitos deles decorrentes (como o direito à desconexão), tendo como critério de estrati-ficação apenas o fato de o trabalho ser prestado extramuros.

Na verdade, não se vislumbra nenhum motivo justo e adequado para que o teletrabalhador receba um tratamento jurídico aquém daquele destinado aos trabalhadores presenciais, porquanto a constituição da república veda terminan-temente a diferenciação entre as modalidades de trabalho, nos termos de seu art. 7º, inciso xxxII. Portanto, toda e qualquer norma que diferencie o trabalhador presencial e o teletrabalhador deve ser considerada inconstitucional, seja via con-trole difuso e/ou concentrado.

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reForma traBaLHista: o teLetraBaLHo

Kleber de Souza Waki1

1. introdução

A legislação trabalhista brasileira, em grande parte concentrada na consoli-dação das Leis do Trabalho, atravessou gerações e, até então, vinha dando respostas para os conflitos que desafiavam solução à luz desse ordenamento. Contudo, também ao longo dos anos, as críticas foram se acumulando: ora apontada como anacrônica em alguns aspectos, ora como sendo pouco eficaz em relação à segurança jurídica, ou excessivamente protecionista em relação à parte mais frágil do contrato de trabalho, instigadora da litigância judicial excessiva e, em tempos de agravamento da crise econômica nacional da primeira década do novo século, as leis do trabalho passaram a representar as fortes razões pelas quais não há geração de empregos suficientes.

Há, de outra banda, os que sustentam que a flexibilização da legislação trabalhista, quando aplicada, jamais resultou em crescimento dos índices de emprego em qualquer país onde tenha sido experimentada; que a precarização dos direitos do trabalhador faz, apenas, com que os postos de trabalho migrem para atividades que enfraquecem a força sindical e a própria identidade de categoria, causando redução salarial; que o esmaeci-mento do princípio protetivo fere de morte a essência do Direito do Trabalho; que há in-constitucionalidades na Lei da Reforma Trabalhista (como a tarifação legal do dano) etc.

Em matéria de tamanha complexidade e diante da radicalização dos argu-mentos, onde pouco se debate acerca da razoabilidade, ainda que parcial, acerca da motivação adversária, é bem provável que todos estejam certos. Como diz o ditado popular, entre o remédio e o veneno, a distinção está na dose.

Para que o nosso ordenamento jurídico albergasse, no corpo constitucio-nal, a estrutura basilar dos direitos dos trabalhadores, houve incessante luta para a soma dessas conquistas. A simples ideia de que se imponha o retrocesso nos direitos dos trabalhadores é, por si só, um contrassenso à nossa própria História. No entanto, também é imperioso que nos questionemos: o Direito do Trabalho que praticamos tem sido, de fato, um amparo aos trabalhadores?

se a busca de uma solução para esta questão nos levasse a uma resposta verdadeiramente inquestionável, então por que ainda duvidamos que as ações trabalhistas, ajuizadas anualmente aos milhões, e as execuções trabalhistas que decorrem das condenações judiciais, cumpridas com a utilização de ferramentas de pesquisa patrimonial sem paralelo em outros segmentos do Judiciário, ainda nos apresente resultados de tão pouco efetividade?1 Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Juiz do Trabalho – TRT 18ª região.

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A complexidade do mundo do trabalho, como podemos perceber, não se en-cerra na reforma legal em si, mas especialmente na necessidade de percebermos a importância do emprego e da produtividade em nosso país, para nós e para todos os estrangeiros que livremente, ainda que impulsionados por necessidades básicas, se deslocam para cá abraçando esta terra como a sua própria, dedicados à construção de uma nação que espelhe nossos ideais por gerações. A compreensão desta com-plexidade passa pela concepção da produtividade, ou seja, a identificação de méto-dos para um crescimento produtivo associado à inserção das relações de trabalho em um ambiente permeado pelo uso criativo e desafiador das novas tecnologias.

Tudo isso precisa estar dentro da equação que não fuja do teorema de um Direito do Trabalho que, longe de fomentar o conflito, inspire o cumprimento de suas regras e princípios; seja mais de perto fiscalizado pelo Poder Executivo; promova a segurança jurídica em relação a suas normas - tanto para o empregador (de modo que não sofra turbulências inesperadas pelas modificações abruptas do entendimento jurisprudencial, por exemplo), quanto para o empregado (por exemplo: com a instituição do Fundo de Garantia de Execuções Trabalhistas e de espécies de seguros contratuais universais), para que se garanta a ele, minimamente, os direitos contratuais elementares.

Dentre os temas abraçados pela Reforma Trabalhista, está a figura do Teletra-balho, associado à utilização de novas tecnologias de informática e de comunicação.

Diante daquilo que parece ser uma novidade (a associação da relação de trabalho, como a conhecemos, com ferramentas que não existiam na época da consolidação das leis trabalhistas), é quase intuitivo voltarmos os olhos para o objeto e especularmos acerca do futuro: como defini-lo? Onde está sendo aplica-do? Quais suas peculiaridades e que tratamento legal devemos dispensar a essas supostas diferenças? Como ele irá se desenvolver?

Que tipo de legislação será necessária para a sua disciplina? Que novos direitos tra-balhistas ele poderá agregar, quais ele modificará ou, quem sabe, quais ele os fulminará?

Voltando a mais um velho aforisma, diz a sabedoria popular e ensinam nossos professores no ensino fundamental, que a História é o estudo do passado para permi-tir a compreensão do que somos hoje e definirmos os rumos para onde vamos. Por isso, antes de começar a tratar do Teletrabalho, creio ser essencial rememorar alguns aspectos da relação de trabalho e de emprego. A partir daí, seguramente teremos ain-da mais questões para fazer, mas é bem provável que encontremos algumas respostas.

2. relação de trabalho e relação de emprego. os elementos clássicos do vínculo empregatício. Núcleo fundamental do Direito do Trabalho.

Em 1.º de maio de 1943, por meio do Decreto-lei n.º 5.452, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil, com o escopo de regular as rela-ções individuais e coletivas de trabalho previstas naquele documento.

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De antemão, a Consolidação explicitou que aquele diploma legislativo não se aplicaria:

a) aos trabalhadores domésticos;b) aos trabalhadores rurais que exercessem atividades diretamente vincu-

ladas à agricultura e pecuária (excluindo-se aqueles que, em razão do método de execução dos trabalhos ou a finalidade das operações, fossem considerados como empregados em atividades industriais ou comerciais);

c) aos servidores públicos do Estado e das entidades paraestatais submeti-dos a regime especial de trabalho regulado por lei e empregados das empresas de propriedade da União e administradas por esta ou pelos Estados.

A estreita aplicação da CLT limitava-se, ao tempo de sua aprovação, aos grupos de trabalhadores urbanos comerciais, das poucas indústrias existentes e do ainda incipiente e inexpressivo segmento de prestadores de serviços, todos ligados às atividades da economia privada.

Para a caracterização da relação de emprego, a CLT optou pela definição dos papéis dos sujeitos envolvidos no contrato: o empregador e o empregado.

Assim, definiu-se que o Empregador seria a empresa individual ou coletiva a quem se atribuiu o risco da atividade econômica (ou atividade social) por ela escolhida, com os poderes para contratar e dispensar empregados, assalariá-los e dirigir a prestação dos serviços contratados.

Na verdade, o que a redação legal quer dizer é que será considerado em-pregador a pessoa física ou a pessoa jurídica dedicada a uma ou mais atividades econômicas2 ou sociais.

Ao eleger como empregador a empresa e dar a esta expressão um conceito amplíssimo, o que a legislação do trabalho procurou fazer foi permitir uma am-2 christóvão Piragibe Tostes Malta ensinava: “confundem muitas pessoas os conceitos de empresa e empregador, e há mesmo quem sustente que a empresa é, de fato, o empregador. A tese, aliás, fica robustecida face à circunstância de a CLT, art. 2.º, dizer que se considera empregador a empresa. A definição legal, contudo, encampa um erro técnico. Empresa e empregador pode-riam confundir-se no caso de a primeira ter personalidade jurídica; isso, entretanto, não ocorre. A lei, de fato, não confere personalidade jurídica à empresa, o que a impede de ser empregador. o verdadeiro empregador, por conseguinte, é a pessoa física ou jurídica proprietária do patrimônio empresarial. Com efeito, os contratos, inclusive o de trabalho, processam-se entre pessoas. Assim, se a empresa não tem personalidade jurídica, é preciso procurar-se a pessoa com quem o trabalha-dor contrata prestar serviços à empresa: essa pessoa com quem se processa o contrato é que será o empregador. A empresa é mero instrumento de atividade comercial ou industrial, ‘não é sujeito nem objeto de direito’ (Délio Maranhão e Luiz Inácio Carvalho, Direito do Trabalho, 16.ª ed., p. 69)” (Comentários à CLT, editora LTr, S. Paulo, 6.ª edição, 1993, p. 19). Destaco que, no atual Código Civil e por força da Lei n.º 12.441/2011, foram incluídas no rol das pessoas jurídicas de direito privado “as empresas individuais de responsabilidade limitada”. A menção às empresas também aparece na responsabilidade civil por danos causados em razão dos produtos postos em circulação (art. 931) e no Livro II (Do Direito de Empresa).

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pliação na responsabilidade pelos créditos trabalhistas e, sob o aspecto processual, estender a legitimidade quanto à figura do empregador, não a limitando tão somen-te em face daquele que assina o contrato de trabalho na condição de contratante. Desse modo, havendo reunião de duas ou mais pessoas jurídicas, de atividades econômicas iguais, semelhantes ou diversificadas, mas que estejam unidas sob ad-ministração ou propósito comum, estar-se-ia caracterizado o grupo econômico3

3 A jurisprudência, antes das alterações promovidas pela Lei n.º 13.467/2017 (v. art. 2º, §§ 2º e 3º, CLT), já vinha admitindo a ampliação do conceito de grupo econômico, entendendo suficiente a existência do propósito comum e/ou a cooperação recíproca. Neste sentido: EMENTA (parcial): “RECURSO ORDINáRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. CON-DENAÇÃO SOLIDáRIA. ARTIGO 2º, §2º, DA CLT. VIOLAÇÃO DE LEI. NÃO CONFI-GURAÇÃO. A doutrina e jurisprudência moderna não exigem, para efeito da caracterização da responsabilidade solidária, que haja entre as empresas uma relação verticalizada de dire-ção, controle ou coordenação, bastando que tenham atuado em conjunto com uma finalidade comum, em cooperação recíproca, utilizando-se da mesma força de trabalho para a conse-cução de seus fins. Portanto, o fato de o acórdão rescindendo destacar que a hipótese dos autos era “similar a grupo econômico de que trata o art. 2º da consolidação”, não pressupõe a existência de literal violação do artigo 2º, §2º, da CLT, pois referido julgado na verdade se limitou a interpretar referido dispositivo com base na “prova oral produzida nos autos” para a partir de então chegar “à conclusão de existência de empregador único”. Ressalte-se que a pretensão rescisória fundamentada no artigo 485, V, do CPC, por suposta violação do artigo 2º, §2º, da CLT, esbarra na Súmula n. 83 desta Corte, mormente quando constatado que o acórdão rescindendo se limitou a dar ao referido dispositivo a interpretação que entendia ser melhor aplicável à espécie, a partir do conjunto probatório formado nos autos. Se a matéria relacionada à interpretação daquele dispositivo não se encontra sedimentada por orientação Jurisprudencial desta Corte, não há como admitir que uma decisão proferida justamente com base naquele texto legal tenha sido violado, mormente no caso em que o acórdão se reportou às provas orais produzidas nos autos para concluir pela configuração da responsabilidade solidária. (…)” TST-ROAR-600-92.2007.5.09.0909, relator: Ministro Renato de Lacerda Paiva, j. 13.04.2010, órgão julgador: Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho - SESDI-2). Convém destacar que, na análise dos Embargos de Declaração, o Tribunal superior do Trabalho esclareceu que não cabe falar em responsa-bilidade subsidiária (leia-se, na aplicação do benefício de ordem, na fase executiva) quando admitida a existência de grupo econômico em seu conceito amplo. Destaco a ementa e tre-cho do voto do relator: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINáRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RESCINDENDO QUANTO À ExISTêNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDáRIA MANTI-DA. PEDIDO ALTERNATIVO QUANTO À DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIáRIA. OMISSÃO. Embora os fundamentos do acórdão embargado sejam suficien-tes para afastar a pretensão da embargante quanto ao pedido alternativo de declaração de sua responsabilidade subsidiária, deve-se dar provimento aos embargos de declaração apenas para prestar esclarecimento, acrescentando à motivação do acórdão embargado os fundamen-tos declinados para afastar expressamente o pedido sucessivo. Embargos de declaração pro-vidos. (…) VOTO: (…) II - MÉRITO (…) e o acórdão embargado manteve o entendimento

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que, para a CLT, seria enfocado como empresa ou empregador, estando qualquer deles legitimado a figurar no polo passivo de uma reclamação trabalhista.

Este mesmo propósito foi incorporado ao art. 455 da CLT, onde a mesma legitimidade ampla foi assegurada aos trabalhadores admitidos em relação con-tratual de emprego por empreiteiros ou subempreiteiros. A legislação trabalhista consolidada garantiu a estes trabalhadores a possibilidade de trazerem, para o polo passivo de suas demandas, tanto o empreiteiro principal quanto o subempreiteiro envolvido na mesma relação jurídica laboral, impondo a ambos a responsabilidade solidária quanto às obrigações trabalhistas admitidas em condenação4.

Por fim, a CLT assemelhou à qualidade de empresário e de empregador os profissionais liberais, as instituições beneficentes, as associações recreativas e outras espécies de sociedades civis sem fins lucrativos, que executam idênticas tarefas de contratação, direção da prestação de serviços, remuneração e dispensa de trabalhadores contratados.

Em relação ao outro ator social, só pode ser considerado empregado a pes-soa natural (pessoa física), para a prestação de serviços de forma não eventual e em benefício do propósito econômico ou social do empregador. o serviço con-tratado é prestado pelo empregado mediante subordinação, que se subdivide em hierárquica (o trabalhador está sujeito ao cumprimento de ordens) e econômica (recebe, por sua disposição, nos limites da lei e do contrato, o salário ajustado, evidenciando a onerosidade), sendo certo que a relação de emprego não admite a prestação voluntária ou gratuita dos serviços.

Daí a conclusão clássica da doutrina de que a relação de emprego caracte-riza-se pela existência de vínculo por meio do qual o empregado presta serviços não eventuais ou contínuos, sob subordinação e mediante pagamento.

Ainda na concepção clássica, a legislação trabalhista consolidada quis res-salvar que não interferem na concepção e disciplina da relação de emprego:

a) o conceito de trabalho técnico, trabalho intelectual ou trabalho manual;

quanto a existência de grupo econômico entre as reclamadas, obviamente que não poderia ser reconhecida a responsabilidade subsidiária, pois a responsabilidade solidária decorre da própria aplicação do § 2º do artigo 2º da CLT.Ressalte-se, ainda, que a pretensão rescisória relacionada à condenação solidária sustentou apenas a violação do artigo 2º, § 2º, da CLT. Portanto, afastada a alegada ofensa direta e literal daquele dispositivo, inviabilizada está qualquer modificação da decisão rescindenda neste par-ticular, mesmo porque o pedido alternativo revela natureza nitidamente recursal, não admitido em sede de ação rescisória. (…)” (TST EDROAR-600-92.2007.5.09.0909, j. 22.06.2010).4 É interessante notar que a previsão legal da possibilidade de concurso de empregadores atuando na mesma atividade econômica – principal para ambos – com atribuição de respon-sabilidade solidária entre eles - e sem nenhum benefício de ordem – quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos operários envolvidos, já parecia o prenúncio do fenô-meno da terceirização que se disseminou a partir do século xx e ainda conserva sua força.

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b) a distinção de sexo; ec) o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no

domicílio do empregado5.A Constituição Federal de 1988 ampliou o rol de discriminações proibidas

na relação de trabalho, vedando a distinção:• salarial, no exercício de funções ou no critério de admissão, em razão do

sexo, idade, cor ou estado civil do trabalhador;• entre o trabalho manual, técnico ou intelectual e entre os respectivos pro-

fissionais;• entre o trabalhador avulso e aquele com vínculo empregatício permanente.o professor Maurício Godinho Delgado, ao tratar da relação de trabalho e

da relação de emprego ensina, com precisão, que a “relação jurídica, engloban-do os sujeitos, o objeto e o negócio jurídico vinculante das partes” constitui “o vértice em torno do qual se constroem todos os princípios, institutos e regras que caracterizam o universo jurídico”6.

Na seara jurídica do mundo do Trabalho, a relação de trabalho tem sig-nificado genérico, pois abrange toda e qualquer relação jurídica que tenha como objeto o trabalho humano.

A relação de emprego, no entanto, representa o núcleo básico sobre o qual edificamos o Direito do Trabalho. Daí a importância fundamental da compre-ensão do que ele (o vínculo com a qualidade empregatícia) representa, porque a partir daí concebemos o Direito do Trabalho e é em torno deste núcleo funda-mental que devemos nos ancorar para compreendermos as transformações im-postas pela modernização da nossa sociedade.

Assim, não obstante outras espécies possam ser abrigadas no amplo conceito de relação de trabalho7, não estão elas, a rigor, abrigadas pelo tuitivo Direito do Trabalho8 por causa da construção deste ramo do Direito, os vínculos jurídicos que envolvam servidores públicos civis; servidores públicos militares; o estagiário (des-de que observados os requisitos de lei especial9); a mãe-social em fase de estágio10; 5 CLT, Art. 83 - É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere.6 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, ed. LTr, 3.ª edição, 2004, p. 285.7 O Código Civil dispõe sobre a regulação da prestação de serviços em geral, excluindo expressamente àquela que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial (art. 593).8 Para o Código Tributário Nacional, o Direito do Trabalho pode ser compreendido como aquele que abrange, especificamente, a legislação do trabalho (v. art. 186, CTN, na atribui-ção da qualidade superprivilegiada dos créditos trabalhistas).9 Lei n.º 11.788, de 25 de setembro de 2008 (art. 3.º).10 Lei n.º 7.644, de 18 de dezembro de 1987, art. 8.º, §§ 1º e 2.º, em típica figura legal de pré-contrato.

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o cooperado11; o trabalhador autônomo nas suas mais variadas espécies contratu-ais12, inclusive profissionais liberais e especialmente quando o trabalho seja marcado pela eventualidade; o atleta não profissional maior de catorze anos e menor de vinte anos, que perceba auxílio-financeiro por meio de bolsa aprendizagem13; o emprei-teiro14; o jornalista colaborador15; o trabalhador avulso16; o serviço voluntário17; o contrato de parceria entre profissionais de beleza (cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador) e salões de beleza18; etc.

11 CLT, art. 442 e seu Parágrafo único que tem a seguinte redação: “Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo emprega-tício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. (Inclu-ído pela Lei n. 8.949, de 9.12.1994). Anote-se, por oportuno, que a Lei 12.690, de 19 de julho de 2012, regulamentando as Cooperativas de Trabalho, pretendia revogar o parágrafo único do art. 442 da CLT e introduzir uma nova redação disciplinando este mesmo tema (Parágrafo único do art. 5.º da Lei 12690/2012). Estes dispositivos do novo diploma legislativo, entre-tanto, foram vetados pela Presidente da república, ao argumento de que o “dispositivo daCLT que se pretende revogar disciplina a matéria de forma ampla e suficiente, sendo desne-cessária regra específica para as cooperativas de trabalho”.12 V. Lei n.º 4.886, de 9 de dezembro de 1945 (Representante Comercial) e art. 710 e seguin-tes do código civil (com a moderna nomenclatura de Agência e Distribuição, para tratar do con-trato de representação comercial); Lei n.º 4.594, de 29 de dezembro de 1964 (Corretor de Segu-ros; v. art. 17, alíneas “a” e “b”); Art. 28-A e seu § 1.º, da Lei n.º 9.615, de 24 de março de 1998 com as alterações introduzidas pela Lei n.º 12.395, de 16 de março de 2011 (Atleta autônomo); Lei n.º 12.009, de 29 de julho de 2009, arts. 6.º, 7.º, I e seu parágrafo único (prestador continu-ado de serviço de moto-frete); Lei n.º 11.442, de 5 de janeiro de 2007, art. 2.º, I, (Transportador Autônomo de Cargas - TAC), art. 4.º, § 1.º (TAC-agregado, que labora com exclusividade para a Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas e mediante remuneração certa); e art. 4.º, § 2.º (TAC-Independente, que labora sem exclusividade e mediante frete contratado a cada serviço).13 Lei n.º 9.615, de 24 de março de 1998, art. 29, §§ 4. e 5.º (outra figura legal típica de pré-contrato).14 Código Civil, arts. 610 a 626.15 Decreto-lei n.º 972, de 17 de outubro de 1969, art. 4.º, § 1.º, “a” (Redação dada pela Lei n.º 6.612/1978).c/c art. 5.º, I do Decreto n.º 83.824, de 13 de março de 1979.16 Lei n.º 4.860, de 26 de novembro de 1965 (regime de trabalho nos portos organizados) - art. 18; v. Decreto 53.153, de 10 de dezembro de 1963, art. 43, que assegurou o direito ao salário-família aos trabalhadores avulsos; v. Lei n.º 5085, de 27 de agosto de 1966, que reco-nheceu o direito a férias aos trabalhadores avulsos; v. Lei n.º 5.480, de 10 de agosto de 1968 (revogada pela Lei n.º 8.630/1993 que, por sua vez, foi revogada pela Lei n.º 12.815/2013), que estendeu aos trabalhadores avulsos o direito ao décimo terceiro salário e FGTS (art. 3.º); e v. Lei n.º 7002, de 14 de junho de 1982, que autorizou a implantação de jornada noturna, com pagamento de adicional noturno, aos trabalhadores em portos organizados.17 Lei n.º 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, art. 1.º (com nova redação dada pela Lei n.º 13.297/2016), Parágrafo único.18 Lei 12.592, de 18 de janeiro de 2012, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13.352, de 27 de outubro de 2016, art. 1.º-A, § 11.

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Neste ponto, é necessário que façamos uma pequena distinção entre as mais diversas formas de prestação de serviço para que possamos definir, com a clareza possível, o vínculo de emprego.

Quando dizemos que a relação de emprego se caracteriza pela prestação uni-pessoal de serviço, de forma não eventual ou contínua, mediante subordinação e remuneração, precisamos excluir os servidores públicos civis, que se vinculam à ad-ministração pública por laço institucional e estão disciplinados por regime especial.

Também afastamos aqueles prestadores de serviço que, embora se admita a pos-sibilidade de suas contratações pela via do emprego, são contratados para a realização de tarefas eventuais e dissociadas da finalidade econômica de quem o contratou.

Igualmente precisamos afastar a ideia de vínculo empregatício daqueles que laboram por força do concerto de objetivos maiores (como o estagiário) ou que assumam, minimamente, a condição de parceiros no negócio (vide os pro-fissionais de beleza e salões de beleza19) ou aqueles que executam tarefas com relativa autonomia (agente e distribuição) podendo até, caso queiram - e ainda que não o façam - mitigar o aspecto da pessoalidade.

O que dizer, por exemplo, de relações jurídicas como o Transportador Autônomo de Cargas (nas figuras Agregado ou Independente), que se consorcia com o contratante, trazendo para a relação de trabalho patrimônio pessoal (no caso, o seu veículo20), atuan-do diretamente na atividade final da empresa tomadora dos serviços, mediante remune-ração certa (TAC-Agregado) ou fixada a cada serviço prestado (TAC-Independente)21?

É forçoso extrair a conclusão de que a concepção da relação de emprego não se restringe à figura do contratante único (pessoa física ou jurídica), pois ela admite o grupo econômico ou se estende para relações solidárias de empresas que se consor-ciam na tomada e prestação de serviços realizados pelo trabalhador (pessoa natural).

A relação de emprego também não se abala:• em razão da existência ou não de efetiva prestação dos serviços (o que, na dou-

trina, chamou-se de contrato realidade), haja vista que o simples fato de haver tempo à disposição do empregador é suficiente para a caracterização da duração do trabalho (v. art. 4.º da CLT, observando-se as ressalvas contidas no § 2º deste dispositivo);

19 Ver Lei n.º 13.352, de 27 de outubro de 2016.20 O art. 83 da CLT, que cuida do trabalho prestado no domicílio do empregado, menciona também a existência de oficina da família dedicada à atividade empresarial do empregador, caracterizando situação em que o patrimônio do empregado consorcia-se com a atividade econômica de seu contratante.21 Ver Lei n.º 11.442, de 5 de janeiro de 2007. Está em curso, no Supremo Tribunal Federal, a ADC 48, apresentada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) postulando o reco-nhecimento da constitucionalidade da Lei 11447/2007, especialmente em relação ao transporte de cargas por terceiros. Liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso determinou a suspensão dos processos na Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação da L. 11447/2007.

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• por causa do local da prestação dos serviços (podendo se dar nas depen-dências da empresa, no domicílio do trabalhador, de forma externa);

• a ausência de controle sobre a duração do trabalho (v. art. 62, CLT);• nem mesmo diante da possibilidade de inserção de patrimônio pessoal do

trabalhador para ser agregado ao patrimônio empresarial ou dedicado à finalida-de econômica do empregador (v. art. 7.º, II, Lei 12.009/2009).

A relação jurídica do trabalhador avulso, por sua vez, demonstra que, mesmo não constituindo vínculo de emprego, ou seja, mesmo não integrando o núcleo fun-damental de construção do Direito do Trabalho, é possível abrigar-se sob o mesmo manto protetor dos direitos trabalhistas, inclusive unindo forças com outras catego-rias profissionais e vínculos jurídicos para a conquista de direitos que podem ser co-muns, sem que isso, volto a repetir, desnature a essência de sua constituição jurídica.

Destarte, se o código civil disciplina a prestação de serviços comuns, de-finindo estes como sendo todo aquele não enquadrado na legislação trabalhista ou em lei especial, também para o Direito do Trabalho prevalece a parte final desta regra geral, ou seja: reputa-se submetido à legislação trabalhista toda rela-ção de trabalho em que estejam presentes as figuras do empregado e empregador, excepcionando-se aqueles que celebrem vínculo jurídico regido por lei especial que expressamente afaste o enquadramento da relação jurídica como relação de emprego. Por outro lado, a lei especial pode estender direitos trabalhistas pró-prios de uma relação jurídica para outra.

Em suma, é preciso afastar, da concepção de relação de emprego aque-le vínculo disciplinado por lei especial que, expressamente, afaste a natureza empregatícia. E, é claro, desde que a lei especial não esteja sendo observada e esteja caracterizada a prática de fraude trabalhista, o vínculo de emprego sempre poderá vir a ser reconhecido.

3. o teletrabalho e a relação de emprego. as diretrizes do modelo europeu. a reforma trabalhista e o regime de teletrabalho no Poder Judiciário.

Poderíamos sustentar que, com o avanço das tecnologias e da transforma-ção de nosso corpo social em uma sociedade Digital, a relação de trabalho esta-ria suscetível a modificações em sua concepção e que novos costumes estariam a desafiar o ordenamento jurídico hoje existente, já não mais capaz de oferecer a necessária proteção característica do Direito do Trabalho.

Este pensamento, seguramente, pode ser sustentado. No entanto, olhando para trás, podemos perceber que a relação de trabalho sempre foi o conceito ge-nérico de todas as formas de prestação humana de serviço e, do qual, destacamos o núcleo fundamental do Direito do Trabalho: a relação de emprego.

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Assim como o Direito especializou-se no cuidado das relações de emprego, outras formas de prestação humana de serviço também conquistaram, na legisla-ção, regras especiais. O trabalho avulso, por exemplo, apesar de não se caracterizar como vínculo de emprego, foi agregando, ao longo do tempo, diversos direitos trabalhistas típicos do empregado, mesmo sem incorporar esta natureza jurídica.

O trabalhador rural e o doméstico - que sempre foram empregados e, ainda assim, eram excluídos das regras da CLT, com o tempo, conquistaram o direito de ser disciplinado pela legislação trabalhista consolidada e extravagante.

Mesmo que seu contrato tenha, desde a origem, a natureza do vínculo de em-prego, os empregados domésticos somente conquistaram igualdade nos direitos do trabalhador urbano por força da Emenda constitucional n.º 72/2013 e pela edição da Lei Complementar n.º 150, de 1.º de junho de 2015. Chegava a ser paradoxal que trabalhadores avulsos, não sendo empregados, tivessem alcançado mais direi-tos trabalhistas de empregados do que determinadas categorias de empregados22.

A distinção, como constatamos, está naquilo que a lei disciplina e como o faz. A Lei n.º 12.551/2011 alterou o art. 6.º da CLT para acrescentar que o

local em que se realize o trabalho contratado não pode servir de elemento distin-tivo entre os empregados. Não faz, portanto, nenhuma diferença para a caracte-rização da relação de emprego, se a tarefa é desempenhada no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado, de forma externa ou à distância. A nova redação do art. 6.º da CLT passou a admitir a identificação da subordina-ção também pela utilização de recursos tecnológicos, como meios telemáticos e informatizados capazes de enviar comandos, registrar controle e propiciar a supervisão do trabalho do empregado. Afastou-se, assim, a ideia de que a subor-dinação estivesse, necessariamente, vinculada à alguma ação direta e imediata entre empregado e empregador (inclusive por meio de seus prepostos).

A doutrina vem avançando em relação ao conceito do teletrabalho, procu-rando identificá-lo não só como o trabalho prestado no mundo físico por meio de recursos tecnológicos e virtuais (especialmente por conexões na rede mundial de computadores), como também admitindo-o como o trabalho executado exclusi-vamente de modo virtual23.

22 A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, dispunha no art. 7.º, inciso xxxIV: “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”. Logo em seguida, no Parágrafo único do art. 7.º, trazia para os em-pregados domésticos um rol limitado de direitos trabalhistas: “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social”.23 Ver, por exemplo, experiências de comércio virtual de produtos virtuais utilizado em ambiente virtual (por exemplo: atividades comerciais dentro do ambiente Second Life ou em diversos outros jogos eletrônicos).

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Observando-se a etimologia da palavra, poderíamos concluir que o teletra-balho seria o trabalho dotado da possibilidade de ser executado à distância, ou seja, fora das instalações do empregador. A concepção etimológica, contudo, não é suficiente, eis que é necessário agregar a concepção do teletrabalho às moder-nas ferramentas tecnológicas.

Ainda que possa ser prestado na residência do empregado, o teletrabalho não pode ser confundido com a figura do trabalho domiciliar, já que a caracte-rização específica desta nova figura se dá mediante a verificação da necessária adoção de recursos da informática. Mesmo assim, o teletrabalho deve ser consi-derado como espécie do gênero (Home Work). Sobre o trabalho em domicílio, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lavrou a Convenção n.º 177 (C177 - Home Work Convention ou Convenio sobre el trabajo a domicilio24) - não ra-tificada pelo Brasil25 - dispondo o seguinte:

“A los efectos del presente convenio: (a) la expresión trabajo a domicilio significa el trabajo que una persona, designada como trabajador a domicilio, realiza:(I) en su domicilio o en otros locales que escoja, distintos de los locales de trabajo del empleador;(II) a cambio de una remuneración;(III) con el fin de elaborar un producto o prestar un servicio con-forme a las especificaciones del empleador, independientemente de quién proporcione el equipo, los materiales u otros elemen-tos utilizados para ello, a menos que esa persona tenga el grado de autonomía y de independencia económica necesario para ser

24 convenção oIT n.º 177, disponível em espanhol no seguinte endereço: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLExPUB:12100:0::NO::P12100_INSTRUMENT_ID:312322>. Acesso em 02/09/2018. Em tradução livre: “Para os efeitos da presente Con-venção: a) a expressão trabalho a domicílio significa o trabalho que uma pessoa, designada como trabalhador a domicílio, realiza: (I) em seu domicílio ou em outros locais à sua escolha, distintos dos locais de trabalho do empregador; (II) em troca de remuneração; (III) com o fim de elaborar um produto ou prestar um serviço conforme as especificações do empregador, independentemente de quem forneça o equipamento, os materiais ou outros elementos para a consecução desse fim, a menos que essa pessoa tenha o grau de autonomia e de independência econômica necessários para ser considerada como trabalhadora independente em virtude da legislação nacional ou de decisões judiciais”; (b) uma pessoa que tenha condição de assalariado não será considerada trabalhador a domicílio, para os fins da presente Convenção, apenas pelo simples ato de realizar, ocasionalmente, seu trabalho como assalariado em seu domicílio, em vez de realizá-lo em seu local de trabalho habitual; (c) a palavra empregador significa uma pes-soa física ou jurídica que, de modo direto ou por meio de um intermediário, esteja ou não pre-vista esta figura na legislação nacional, oferece trabalho a domicílio por conta de sua empresa”.28.06.2017. Ver, também, Recomendação OIT n.º 184.25 As Convenções ratificadas pelo Brasil podem ser acessadas neste endereço: < https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang--pt/index.htm>. Acesso em 02/09/2018.

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considerada como trabajador independiente en virtud de la legis-lación nacional o de decisiones judiciales;(b) una persona que tenga la condición de asalariado no se con-siderará trabajador a domicilio a los efectos del presente Con-venio por el mero hecho de realizar ocasionalmente su trabajo como asalariado en su domicilio, en vez de realizarlo en su lugar de trabajo habitual;(c) la palabra empleador significa una persona física o jurídica que, de modo directo o por conducto de un intermediario, esté o no prevista esta figura en la legislación nacional, da trabajo a domicilio por cuenta de su empresa”.

Na Europa, os parceiros sociais ETUC (European Trade Union Confede-ration), UNICE (depois Business Europe)/UEAPME (European Association of Craft, Small and Medium-sized Enterprises) e CEEP (European Centre of Enter-prises with Public Participation and of Enterprises of General Economic Interest) firmaram, em 16 de julho de 2002, em Bruxelas, um acordo com marco regula-tório sobre o teletrabalho (Framework Agreement on Telework). O documento foi dividido em 12 partes: Considerações Gerais, Definição e Alcance, Caráter Voluntário, Condições de Emprego, Proteção de Dados, Privacidade, Equipa-mentos, Saúde e Segurança, Organização do Trabalho, Treinamento, Questões de Direitos Coletivos, Medidas de Implementação e de Acompanhamento.

O documento define o teletrabalho como uma forma de organização e/ou realização do trabalho por meio da utilização de tecnologia da informação, no contexto de uma relação contratual de trabalho/emprego, no qual a prestação de serviços tanto pode ser realizada nas instalações do contratante como pode ser executada fora delas.

Esta modalidade de prestação de serviços é caracterizada como voluntária, tanto para o trabalhador quanto para o empregador e poderá ser definida no ato inicial da contratação ou, a qualquer tempo, mediante livre ajuste das partes.

Fica assegurado ao teletrabalhador os mesmos direitos do empregado co-mum. O trabalhador admitido sempre terá o direito de recusar a oferta de altera-ção do seu contrato para a modalidade de teletrabalho e vice-versa (se a oferta partir do empregado, o empregador também poderá recusá-la), sem que isso pos-sa ser considerado ato faltoso por qualquer das partes. se aceita a contratação ou a modificação contratual, o ajuste precisará ser formalizado por escrito e deverá conter informações especiais como: identificação do departamento da empresa ao qual está vinculado o teletrabalhador, quem é seu superior imediato, quais são as normas coletivas aplicáveis, com quem deve ser tratadas as questões de natu-reza profissional ou pessoal etc. Se o teletrabalho foi estabelecido após a admis-são inicial, o ajuste será reversível por meio de acordo individual e/ou coletivo.

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É dever do empregador adotar as medidas apropriadas, especialmente o for-necimento de softwares adequados, com vistas a garantir a proteção dos dados uti-lizados e processados pelo teletrabalhador em suas tarefas. Caberá também ao em-pregador informar o empregado acerca de toda a legislação e regras empresariais concernentes à proteção de dados. Por sua vez, é responsabilidade do empregado cumprir essas regras. Também competirá ao empregador informar o empregado acerca de regras de restrição sobre o uso de equipamentos de TI ou ferramentas como o acesso à internet e das respectivas sanções em caso de violação dessas normas restritivas. O empregador deverá respeitar a privacidade do empregado e qualquer sistema de monitoramento implantado deve ser proporcional ao objetivo e harmônico com a Diretiva 90/270/CEE (estabelece prescrições mínimas de segu-rança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visores26).

Em Portugal, o teletrabalho foi regulado no Código do Trabalho (Lei n.º 7, de 12 de fevereiro de 200927), arts. 165 a 171. Este regime especial de labor é definido como “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habi-tualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”. Constitui um direito do empregado, quando possuir filho com idade de até 3 anos e desempenhar tarefa compatível com a prestação remota do serviço (“e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito”).

o ajuste contratual português deve ser escrito e conter:

“a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;b) Indicação da atividade a prestar pelo trabalhador, com men-ção expressa do regime de teletrabalho, e correspondente retri-buição;c) Indicação do período normal de trabalho;d) Se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de teletrabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a atividade a exercer após o termo daquele período;e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o res-ponsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo paga-mento das inerentes despesas de consumo e de utilização;f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empre-sa em cuja dependência fica o trabalhador, bem como quem este deve contactar no âmbito da prestação de trabalho.” (art. 166, n.º 5, alíneas ‘a’ a ‘f’, Código do Trabalho Português).

26 Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TxT/?uri=CELEx%3A31990L0270>. Acesso em 02.09.2018.27 Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_indi-ce.html>. Acesso em 02.09.2018.

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Para assegurar a privacidade do trabalhador, a visita do empregador ao lo-cal só pode se dar com o propósito de controle do trabalho ou dos equipamentos e deve ocorrer entre 9h00 e 19h00, com a assistência do empregado fiscalizado ou de pessoa por ele designada. o trabalhador, em regime de teletrabalho, não se dissocia da categoria profissional representada por seu sindicato.

No Brasil, pela primeira vez, o tema foi disciplinado pela legislação traba-lhista e com a sanção da Lei n.º 13.467/2018 passou a integrar a Consolidação das Leis do Trabalho, incorporando as seguintes inovações:

* exclui o regime de teletrabalho da disciplina do Capítulo II (Da Duração do Trabalho), Título II (Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho), inserindo o inciso III ao art. 62, CLT;

* insere o Capítulo II-A (Do Teletrabalho), ao Título II da CLT (arts. 75-A a 75-E);

* define o teletrabalho como a atividade laboral realizada preponderantemente fora das dependências do empregador mediante a utilização de tecnologias de infor-mação e de comunicação e que não constitua modalidade de trabalho externo;

* impõe o ajuste por escrito, com especificação das tarefas;* permite a alteração do contrato para regime presencial ou de teletrabalho,

mediante ajuste mútuo e escrito, firmado pelas partes, por meio de um aditivo contratual ou, quando este ajuste se der deste a formação do pacto, no momento em que estabelecido o contrato individual de trabalho;

* faculta ao empregador alterar o regime de teletrabalho para presencial, desde que assegurado período mínimo de 15 dias para a transição;

* determina que sejam previstas, no contrato e por escrito, as regras relati-vas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipa-mentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do tra-balho remoto, assim como do reembolso das despesas arcadas pelo empregado;

* não admite que as utilidades mencionadas sejam tratadas como parcelas in natura da remuneração do empregado;

* impõe ao empregador o dever de instruir os empregados acerca das medidas preventivas de doenças e acidentes de trabalho. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade, comprometendo-se a seguir as orientações patronais recebidas.

Antes da regulamentação por lei, no âmbito do Poder Judiciário, o tele-trabalho foi tratado na resolução cNJ n.º 277, de 15 de junho de 2016, que o definiu como modalidade de trabalho realizada de forma remota, com utilização de recursos tecnológicos (art. 2.º, I), associando-o com os seguintes objetivos:

• aumento de produtividade e qualidade de trabalho dos servidores;• meio de motivação dos servidores e de seu comprometimento com os

objetivos da instituição;

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• economia de tempo e redução do custo de deslocamento dos servidores até o local de trabalho;

• diminuição de poluente, redução no consumo de água, esgoto, energia elétrica, papel e de outros bens e serviços;

• ampliar a possibilidade de trabalho de servidores com dificuldades de deslocamento;

• aumentar a qualidade de vida dos servidores;• promover a cultura orientada a resultados, incremento de eficiência e efe-

tividade dos serviços prestados à sociedade;• estímulo ao desenvolvimento de talentos;• respeito à diversidade.De acordo com a Resolução CNJ 277/2016, a autorização para o trabalho

remoto é uma faculdade dos órgãos do Poder Judiciário e não pode ser concedida a servidores em estágio probatório; servidores que tenham subordinados ou que ocupem cargos de direção ou chefia; servidores que apresentem contraindicações por motivo de saúde e constatadas em perícia médica; servidores que tenham so-frido penalidade disciplinar nos dois anos anteriores à data em que indicado para o teletrabalho; ou que estejam fora do país (exceto aqueles que tenham direito à licença para acompanhar cônjuge). Não pode haver concessão do regime de tele-trabalho para mais de 30 % dos membros da unidade, exceto se autorizado pela presidência do órgão (e, ainda assim, limitado a 50 % do quadro da unidade). Devem ser estipuladas metas de desempenho (de medição diária, semanal e/ou mensal) ao servidor colocado em regime de teletrabalho, em número superior às metas dos servidores que desempenhem as mesmas tarefas nas dependências do órgão judicial. Não é cabível o pagamento de horas extras para o servidor em te-letrabalho e compete a ele providenciar e manter estruturas físicas e tecnológicas necessárias para a realização das tarefas remotas.

E muito antes do CNJ, de forma pioneira, a Justiça do Trabalho já havia implementado, em caráter experimental e nos mesmos termos que, depois, vi-riam a ser adotados pelo conselho Nacional de Justiça, o trabalho remoto entre os seus servidores. De início, por meio da resolução csJT n.º 109, de 29 de junho de 2012 e, mais tarde, incorporando o modelo, definitivamente, às práticas institucionais dos órgãos do Judiciário Trabalhista, por força da Resolução CSJT n.º 151, de 29 de maio de 201528.

28 Disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstre-am/handle/1939/63630/2015_res0151_csjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 02.09.2017.

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4. aspectos práticos relativos ao teletrabalho.

Analisados os aspectos relativos à relação de emprego, a concepção do teletrabalho que vem sendo erigida, inclusive no Brasil com a experiência vi-venciada pelos servidores do Poder Judiciário e a proposta legislativa, podemos começar a suscitar algumas questões práticas:

(I) a quem deve ser atribuído o custo dos equipamentos e insumos utiliza-dos na prestação do serviço remoto?

(II) o modelo de trabalho remoto seria incompatível com o pagamento de sobreaviso e de horas extras?

(III) quais os limites do controle e fiscalização do trabalho e dos equipa-mentos?

(IV) cabe a equiparação salarial adotando-se, como modelo, um paradigma em regime de teletrabalho?

(V) qual é o juízo competente para julgar a demanda envolvendo empre-gado em regime de teletrabalho? A competência seria definida pelo local de tra-balho, assim considerado o domicílio do trabalhador, a sede da empresa ou de agência vinculada à empresa? Qualquer local em que tenha sido efetuado o aces-so remoto? ou o local onde houve o aproveitamento da força de trabalho? E em relações transnacionais?

(VI) A lei assegura um período de transição quando o empregador decidir retornar o teletrabalhador para as dependências da empresa, mas e quando esta iniciativa partir do empregado, qual será o tempo de transição?

Como vimos, o regime de trabalho remoto revela um modelo de organiza-ção ou de realização das tarefas, já que o teletrabalho se caracteriza pela possi-bilidade de transferir a execução dos serviços que, ordinariamente, poderiam ser executados nas dependências da empresa, para outro local, valendo-se dos meios de informática e comunicação.

Notem que modelo similar já existia na CLT, desde a edição das regras originais consolidadas, com o trabalho domiciliar, valendo-se o empregador, in-clusive, de oficina da família (art. 83, CLT29), demonstrando que equipamentos e insumos não são, necessariamente, atribuições exclusivas e exigíveis do empre-gador, presumindo-se que tais despesas estejam incluídas no valor da remunera-ção ou que possam ser naturalmente deduzidas ou deduzíveis pois, ao fim, é do empregador o risco da atividade econômica, compreendendo-se nesta expressão todas as despesas necessárias para o desempenho da atividade econômica.

29 CLT: “Art. 83 - É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere”.

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Por outro lado, também não podemos olvidar que o regime de teletrabalho ca-racteriza-se como voluntário, ou seja, tanto pode ser sugerido pelo empregado como pode ser proposto pelo empregador. Vimos, inclusive, que em Portugal há situação em que o teletrabalho pode ser exigido como um direito pelo empregado que possua criança de até 3 anos de idade. Sob este ângulo, a depender da tarefa a ser executada pelo empregado e considerando que o regime pode ser solicitado pelo próprio em-pregado, acabaríamos por desaguar em, pelo menos, três caminhos possíveis:

(I) o primeiro, considerando a constituição do regime de teletrabalho pelo acerto de vontades, poderíamos conceber um cenário legal (ou, na falta da lei, a presunção mais natural em razão da necessidade do acordo de vontades) em que as despesas com os equipamentos e insumos fossem, sempre e naturalmente, da responsabilidade do empregador. Assim, não tendo o empregador qualquer inte-resse em realizar gastos que, para a empresa, não trariam qualquer proveito que compensasse a medida, simplesmente rejeitaria a oferta do empregado;

(II) o segundo caminho, ainda sob a perspectiva de que o regime só pode ser adotado pelo concerto de vontades, seria admitir a hipótese de que a res-ponsabilidade pela aquisição e custeio de insumos necessários deve ficar por conta de quem ofertou a proposta de teletrabalho. Assim, na hipótese de a oferta partir do empregado, seria dele a responsabilidade de executar as suas tarefas sem qualquer auxílio do empregador no fornecimento de equipamentos para tal propósito - exceto, é claro, se a empresa se dispusesse a tanto, voluntariamente. Desta forma, a resistência do empregador seria menor em aceitar a proposta do empregado e, em situação contrária, o empregador também teria como defender as vantagens para o empregado, que nenhuma despesa suportaria se concordasse com a sugestão do teletrabalho;

(III) por fim, o terceiro caminho seria a definição legal de situações em que o regime de teletrabalho pode ser exigido, por qualquer das partes, cabendo, sempre, a responsabilidade do empregador no custeio dos equipamentos e insu-mos necessários.

A lei dispõe que esses equipamentos e insumos não podem ser reputados como utilidades para fins de enquadramento como parcelas salariais in natura. Por essa linha, poderíamos intuir que estamos falando de recursos que têm como fonte o empregador, ainda que com a excludente da natureza salarial.

Entretanto, a meu sentir, a visão de que, em razão do risco da atividade econômica, possamos extrair uma presunção de que, havendo despesas, estas seriam naturalmente e sempre impostas ao empregador, por força da lei ou da jurisprudência, poderia acabar vulnerando uma característica fundamental na de-finição do teletrabalho: o concerto de vontades para sua instituição. Além disso, poderia vir a desestimular justamente a formação do consenso na vontade dos

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integrantes da relação de trabalho pois, como assentamos antes, a obrigação de ter que assumir tais despesas poderia culminar na decisão do empregador pelo imediato indeferimento do pleito do seu trabalhador sob o pretexto de não ser interessante para a empresa ter que arcar com essas despesas.

É claro que a lei poderia, como fez Portugal, adotar determinadas situações específicas em que o regime de teletrabalho poderia ser invocado como um di-reito unilateral como, por exemplo, no caso de pai ou mãe com filho menor de 3 (três) anos de idade ou filho com condições especiais que exijam atenção domici-liar permanente. Dentro desta ótica, a imposição de obrigações, como o forneci-mento de equipamentos, pode resultar em atenção a uma política pública social.

contudo, ao menos na fase em que estamos começando a compreender o teletrabalho, o mais adequado é tê-lo como uma disciplina que nasce a partir do concerto de vontades, com amplo direito ao arrependimento e retorno das par-tes ao status quo ante - especialmente porque este tipo de prestação de serviços caracteriza-se quando o produto ou o serviço, atribuído à mão de obra, puder ser elaborado ou prestado tanto nas dependências da empresa quanto fora delas. É por isso que, vale lembrar mais uma vez, que o teletrabalho não é o mesmo que trabalho a domicílio. Passemos para a segunda questão: a duração do trabalho.

Este modelo, segundo a experiência do Poder Judiciário - inclusive desta Justiça Especializada - tem se traduzido como incompatível com o pagamento de horas extras e, por conseguinte, com horas de sobreaviso.

Em linhas gerais, o teletrabalho se equipara, em razão das dificuldades e, sobretudo, da desnecessidade de controle e fiscalização permanente, com outras espécies de prestação de serviços legalmente destacadas, tais como aquelas pre-vistas no art. 62, incisos I e II da CLT.

Aliás, as alterações na redação do art. 62 da CLT demonstra, historicamen-te, como a força do tempo altera a presunção de determinados fatos. compare-mos a evolução dessas redações:

CLT REDA-ÇÃO ORIGI-

NAL

CLT – LEI 7.313/1985

CLT – REDA-ÇÃO PRÉ-RE-FORMA (LEI 8.966/1994)

CLT – REDA-ÇÃO ATUAL

(PÓS-REFOR-MA TrABA-LHISTA – LEI

N. 13.467/2018)

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Art. 62. Não se compreendem no regime deste capítulo:

Art. 62. Não se compreendem no

regime deste capítulo:

Art. 62. Não são abrangidos pelo

regime previsto neste capítulo:

sem alteração no caput.

a) os vendedores pracistas, os via-jantes e os que exercerem, em geral, funções de serviço externo não subordinado a horário, deven-do tal condição ser, explicita-mente, referida na carteira pro-fissional e no livro de registo de empregados, ficando-lhes de qualquer modo assegurado o re-pouso semanal;

a) os vendedores pracistas, os via-jantes e os que exercerem, em geral, funções de serviço externo não subordinado a horário, deven-do tal condição ser, explicita-mente, referida na carteira pro-fissional e no livro de registo de empregados, ficando-lhes de qualquer modo assegurado o re-pouso semanal;

I - os empregados que exercem ati-vidade externa in-compatível

com a fixação de horário de traba-lho, devendo tal condição ser ano-tada na carteira de Trabalho e Pre-vidência social e no registro de empregados; (re-daÇÃo aLte-rada)

sem alteração no inciso I.

b) os vigias, cujo horário, entretan-to, não deverá exceder de dez horas, e que não estarão obrigados à prestação de outros serviços, ficando-lhes, ain-da, assegurado o descanso sema-nal;

sUPrimida

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c) os gerentes, assim conside-rados os que investidos de mandato, em forma legal, exerçam encar-gos de gestão, e, peIo padrão mais elevado de vencimentos, só diferenciem aos demais empre-gados, ficando-lhes, entretanto, assegurado o descanso sema-nal;

b) os gerentes, assim conside-rados os que investidos de mandato, em forma legal, exerçam encar-gos de gestão, e, peIo padrão mais elevado de vencimentos, só diferenciem aos demais empre-gados, ficando-lhes, entretanto, assegurado o descanso sema-nal; (renU-merada)

II - os gerentes, as-sim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equi-param, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de depar-tamento ou filial.

Parágrafo único. o regime previsto neste capítulo será aplicável aos em-pregados mencio-nados no inciso II deste artigo, quan-do o salário do cargo de confian-ça, compreenden-do a gratificação de função, se hou-ver, for inferior ao valor do respecti-vo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cen-to). (redaÇÃo aLterada)

sem alteração no inciso II.

d) os que traba-lham nos servi-ços de estiva e nos de capatazia nos portos sujei-tos a regime es-pecial.

c) os que traba-lham nos servi-ços de estiva e nos de capatazia nos portos su-jeitos a regime especial. (re-nUmerada)

HiPÓtese re-Vogada

III - os emprega-dos em regime de teletrabalho

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Na evolução do texto legal, o legislador foi abandonando categorias profis-sionais específicas para dispor em qual situação o trabalhador não poderá exigir o pagamento de horas extras ou de sobreaviso, especificando que não estão suscetí-veis às regras de duração do trabalho aqueles que laborem na execução de tarefas em atividade externa, onde se revele incompatível a fixação de horário de trabalho.

A jurisprudência tem afastado a aplicação deste dispositivo em situações onde, apesar de não existir um controle próprio e específico da jornada de traba-lho, verifique-se que havia a possibilidade de mensurar o expediente cumprido pelo trabalhador.

contudo, a própria Justiça do Trabalho tem adotado, administrativamente, o regime de teletrabalho reputando-o como incompatível com o pagamento de horas extras, já que ao servidor compete apresentar resultados conforme as metas de produtividade estipuladas, não havendo qualquer fiscalização acerca do cum-primento diário das tarefas executadas para o alcance desses objetivos.

Evidentemente que, havendo imposição de fiscalização e controle da execu-ção das tarefas prestadas em regime de teletrabalho e restando demonstrado que o contexto fático denuncia efetivo controle do empregador com o claro propósito de exigir o cumprimento de expediente específico de trabalho, com horas que podem ser mensuradas e, por isso mesmo, permitam a verificação de que há extrapolação da jornada legal, será forçoso concluir que o regime do teletrabalho foi violado e que as horas extras e seus reflexos serão, por certo, devidas pelo empregador.

O desrespeito às regras básicas de privacidade e a imposição de permanen-te conexão do empregado, com exigência de respostas imediatas, também podem evidenciar a existência de tempo do empregado à disposição do seu contratante. Daí o crescimento de lições doutrinárias acerca do chamado direito à descone-xão, ou seja, o direito ao cumprimento de garantia de higidez no ambiente de trabalho e de corte necessário que separe a atividade profissional dos demais interesses privados do trabalhador30.

Além do direito à desconexão31, o regime de teletrabalho impõe, por ób-vio, limites ao controle efetivo e permanente dos equipamentos utilizados no processamento das tarefas pelo empregado. O acesso virtual deve ser autorizado

30 Em França, foi aprovada Lei em 2016, para entrar em vigor a partir de 01.01.2017, introduzindo o “direito à desconexão”. Texto legal disponível no seguinte endereço eletrô-nico:<https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexteArticle.do;jsessionid=FAB9AC7670C-F471EC7297438B60F53EB.tplgfr44s_1?cidTexte=JORFTExT000032983213&idAr-ticle=LEGIARTI000033001100&dateTexte=20170923&categorieLien=id#LEGIAR-TI000033001100>. Acesso em 02.09.2018.31 Ver, ainda, valioso estudo de Rafael Neves Harff, Direito à Desconexão: estudo compa-rado do direito brasileiro com o direito francês, revista Eletrônica do Tribunal regional do Trabalho da 4.ª Região, ano xIII, número 205, julho de 2017, págs. 53 a 74.

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pelo empregado e, seguramente, pode e deve ser recusado - sem que isto possa constituir qualquer afronta aos deveres profissionais - em horários destinados ao convívio familiar ou para a dedicação a qualquer outro interesse particular do tra-balhador. Ainda que o modelo do trabalho remoto seja incompatível com a fixa-ção de um expediente regular de trabalho, isso não afasta o fato de que, também para o teletrabalhador, há um limite legal de horas a serem trabalhadas, assim como detém ele o direito a intervalo (estando dotado de autonomia para gozá-lo), descanso em feriados e repouso semanal remunerado. A fixação de horários em que seja absolutamente vedado qualquer pedido de acesso remoto ao trabalhador não implica em reconhecer que o horário não proibido deva ser integralmente dedicado para a execução das tarefas em teletrabalho. Não se deve confundir o horário de restrição às atividades de controle e fiscalização de equipamentos e do trabalhador de horário livre para que, autonomamente, o empregado decida qual o tempo dedicará para a sua produção. Não menos importante – e ainda no cam-po do meio ambiente do trabalho, deve o empregador assegurar que os serviços serão prestados observando-se as normas de ergonomia.

Na questão da equiparação salarial, o empregado em trabalho remoto não poderá ser paradigma ou postular diferenças salariais alegando identidade na produtividade e perfeição técnica. Obviamente, a Lei da Reforma Trabalhista mirou em fórmula para acabar com a chamada equiparação salarial em cadeia, exigindo-se a contemporaneidade entre modelo e equiparando.

A rigor, sob o enfoque de que o teletrabalho é uma forma de organização ou realização do trabalho, a equiparação salarial de um teletrabalhador já seria, em si, incompatível com a figura da equiparação salarial, quer em relação a um empregado que labore nas dependências da empresa sob as regras ordinárias da duração do trabalho, quer em relação a outro trabalhador em situação remota, pouco importando qual deles seja o paradigma.

Não é possível comparar a identidade produtiva se o modelo de realização do trabalho não pode ser comparado. O teletrabalho é uma forma de organização e realização de trabalho diferente do modelo em que o empregado labora nas dependências da empresa: o controle e a fiscalização são diferentes; o ambiente laboral é diferente; as metas de produtividade podem ser diferentes; as regras de duração do trabalho são aplicáveis a um e não aplicáveis a outro; os equipamen-tos podem ser distintos. Não se afigura cabível nem mesmo a produtividade de um trabalhador remoto em cotejo com outro, ante essas distinções.

Neste ponto, a reforma trabalhista introduziu substanciais modificações ao art. 461 da CLT. O trabalho, que antes era comparado levando-se em conta a localidade32 do empregador, agora precisa ser prestado ao mesmo empregador

32 A jurisprudência havia cristalizado o entendimento de que, por mesma localidade, deve ser

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e no mesmo estabelecimento empresarial33. Por fim, há proposta de introdução do § 5.º que veda a adoção de paradigmas remotos, que põe fim à chamada equi-paração em cadeia, reforçando a exigência de contemporaneidade associada ao mesmo estabelecimento empresarial.

Quanto à competência para apreciação dos conflitos envolvendo demandas relativas ao trabalho remoto, a reforma trabalhista não cuidou de adotar nenhuma regra específica. Embora tenha determinado que o teletrabalho seja ajustado por escrito, não incluiu como itens obrigatórios, a definição do estabelecimento em face do qual o empregado terá que se reportar ou quem seria o seu imediato su-perior hierárquico, sendo estes fatores cruciais na definição do foro competente observando-se a premissa da prestação dos serviços.

Considerando que o teletrabalho se caracterize pela possibilidade de pres-tar, em outro local, a tarefa que poderia ser executada no estabelecimento da em-presa, o local da prestação de serviços (ordinariamente na empresa) é reputado como irrelevante. A partir daí, avulta-se, então a segunda premissa na definição da competência: o local de domicílio do empregado ou local mais próximo ao seu domicílio (v. art. 651, § 1.º, CLT).

Por se tratar de regime que exige a vontade consensual, a lei estabeleceu um período de transição para que o trabalhador retorne aos afazeres no estabele-cimento da empresa, quando for da vontade do empregador por fim ao exercício deste modelo de produção. contudo, quando a iniciativa de retornar ao estabe-lecimento da empresa partir do empregado, a lei não fez qualquer previsão de tempo de carência. É compreensível a omissão legislativa, já que o teletrabalho deve ser compreendido como o modelo de produção em que a prestação de ser-viço ou a elaboração do produto possa acontecer tanto dentro quanto fora das dependências do empregador. Se há um desejo de retornar, é de se presumir que a empresa disponha de dependências que agreguem as rotinas de produção que, até então, estavam sendo processadas fora do estabelecimento da empresa. Ainda assim, nada obsta que se adote, por analogia, o mesmo tempo conferido quando a iniciativa for tomada pelo empregador: 15 (quinze) dias (art. 75-C, § 2º, CLT).

compreendido o mesmo Município ou a mesma região Metropolitana (v. súmula TsT n.º 6, x).33 A CLT não usa mais, no art. 461, a expressão “mesma localidade”, que foi substituída por “mesmo estabelecimento empresarial”. O tempo de serviço entre paradigma e equipa-rando, que era de dois anos, passou para 4 anos, no máximo. Fora desse intervalo, não cabe mais pedir a equiparação. Dentro desse intervalo, a distinção entre o tempo na função que se quer equiparar tem que ser inferior a dois anos. Não caberá a equiparação salarial quando a empresa possuir quadro de carreiras ou plano de cargos e salários definido por norma interna ou por negociação coletiva, não havendo mais exigência de registro em órgão público ou qualquer forma de homologação. Põe fim à equiparação salarial em cadeia, exigindo a con-temporaneidade no exercício da função por paradigma e equiparando.

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Para concluir, a Lei da Reforma Trabalhista inseriu o regime do teletraba-lho dentro do campo da livre negociação coletiva, com poderes suficientes para disciplinar a matéria de forma distinta daquela prevista na legislação vigente.

Por óbvio, a negociação coletiva não poderá desnaturar o conceito de tele-trabalho, que é o mesmo na legislação brasileira e europeia. Assim, desde que não viole os padrões conceituais do teletrabalho, a negociação acerca das práticas disci-plinares, que não firam esses marcos, especialmente quanto ao concerto das vonta-des dos atores sociais, há um vasto território a ser explorado pelos entes sindicais.

5. conclusões

Vimos que o Direito do Trabalho tem, na relação de emprego, o seu eixo fundamental, sobre o qual estabeleceu regras e princípios, dentre os quais o de proteção ao hipossuficiente.

Também pudemos observar que esta construção doutrinária tem se dado especialmente a partir da definição da lei e interpretação da Constituição. A ins-piração do Direito do Trabalho tem servido, aliás, para abrigar outras relações jurídicas distintas da relação de emprego. O sentido protecionista da norma já inspirou, por exemplo, a Lei de Alimentos e o nosso modelo processual tem sido uma contínua fonte de inspiração para modificações e aperfeiçoamento das regras do processo comum.

A categoria dos trabalhadores avulsos, na luta pelas conquistas de direitos trabalhistas, não precisou definir novos direitos, valendo-se daqueles mesmos já tratados no Direito do Trabalho edificado para os empregados. A propósito, a ins-piração da legislação trabalhista alcançou os servidores e agentes públicos quando, por exemplo, se cuida das regras de antecipação do décimo terceiro salário.

Está na legislação o marco regulatório das relações jurídicas e o aperfei-çoamento legislativo deve se dar mediante o cuidado de não comprometer uma herança de conquistas reunidas por meio da luta secular e do progresso da ciência jurídica. É sabido que não é propósito de nenhum parlamento atuar para o im-plemento do retrocesso, especialmente nos direitos individuais e sociais. Daí a necessidade de adequada ponderação para os ajustes nos direitos dos trabalhado-res, buscando imprimir-lhe efetividade que se traduza em maior respeito espon-tâneo das regras e menor aforamento de demandas judiciais, o que, a rigor, para ser alcançado, exige mais do que boa técnica legislativa: é preciso fiscalização e imposição de sanções que desestimulem o desrespeito às normas trabalhistas.

É positiva a preocupação do legislador acerca do teletrabalho, ainda que o tema seja inaugurado com economia de dispositivos. Melhor seria que a legislação trabalhis-ta adotasse, por aqui, um marco regulatório sobre este modelo de organização ou rea-lização do trabalho, especialmente definindo os pontos de ajuste escrito obrigatórios:

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• a começar pelo foro (preferencialmente, o domicílio do empregado - já que no teletrabalho é irrelevante o local da prestação de serviços);

• as situações em que o regime pode ser invocado como um direito do tra-balhador (a exemplo do que ocorre em Portugal, para trabalhadores que tenham crianças de até 3 anos sob seus cuidados);

• a abertura de mercado para a contratação de pessoas portadoras de defi-ciência física ou outras restrições;

• a possibilidade explícita de revogação, a qualquer tempo, do regime de teletrabalho em situações que não sejam para expansão do mercado de trabalho;

• a garantia de participação da vida sindical; os limites de controle e fisca-lização do empregador nos equipamentos e no domicílio do empregado;

• a disciplina sobre o e-mail corporativo (ferramenta essencial no trabalho remoto);

• a prevenção contra eventuais ataques informáticos (adoção de medidas pro-tetivas contra os dados pessoais do trabalhador, da empresa e de seus clientes);

• a especificação de medidas que caracterizem a inequívoca incompatibi-lidade do controle de horário (como a proibição de instalação de softwares de controle sobre os equipamentos informáticos);

• a definição sobre as metas de produtividade;• a abordagem clara e explícita sobre regras que tratem da higiene e se-

gurança do trabalho, com clara aplicação no meio ambiente em que se cogitar o exercício do teletrabalho; e

• a vedação explícita de equiparação salarial entre trabalhadores remotos, para ficarmos em apenas alguns pontos cruciais.

O fato é que, com a introdução legal da disciplina do teletrabalho, cumpriu-se a primeira etapa necessária na pavimentação desta trilha no mundo do trabalho.

Referências Bibliográficas

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; CHAVES JR., José Eduardo de Resende;

ESTRADA, Manuel Martín Pino - Coordenadores; Teletrabalho, editora LTr, 2016.

DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, ed. LTr, 3.ª edição, 2004, p. 285.

HArFF, rafael Neves, Direito à Desconexão: estudo comparado do direito brasileiro com o direito francês, Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, ano xIII, número 205, julho de 2017, págs. 53 a 74.

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tecnoLogia da inFormaÇÃo e as reLaÇões de traBaLHo no BrasiL:

o teLetraBaLHo na Lei n.º 13.467/17

rodolfo Pamplona Filho1

Leandro Fernandez2

1. introdução

A evolução das ferramentas tecnológicas conduz à superação de modelos tra-dicionais das relações sociais e, com velocidade nunca antes vivenciada pela huma-nidade, à constante reinvenção dos padrões concebidos a partir das novas realidades.

Inevitavelmente, o Direito, ramo do conhecimento responsável pela regu-lação dessas relações, encontra-se diante do desafio de oferecer respostas ade-quadas e socialmente aceitáveis a problemas surgidos a cada dia.

No presente trabalho, examinaremos uma das mais importantes inovações no mundo do trabalho decorrentes da evolução da tecnologia da informação: o teletrabalho, especialmente à luz da Lei n.º 13.467/17.

A Lei da Reforma Trabalhista consagrou a disciplina geral da matéria no ordenamento brasileiro e, como veremos, talvez haja contribuído muito mais para a criação de novos problemas do que para a solução dos desafios já presen-tes no Direito do Trabalho.

1 Juiz Titular da 32a Vara do Trabalho de Salvador/BA. Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador — UNIFACS. Professor Associado da graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito da UFBA – Universidade Federal da Bahia. Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Civil e em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito. Coordenador do Curso de Pós-Graduação on-line em Direito Contratual e em Direito e Processo do Trabalho da Estácio, em parceria tecno-lógica com o CERS. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Máster em Estudios en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil pela UCLM — Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Membro e Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (antiga Academia Nacional de Direito do Traba-lho — ANDT). Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e do Instituto Baiano de Direito do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito civil, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e do Instituto Brasileiro de Direito civil (IBDcivil).2 Juiz do Trabalho Substituto no Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. Mestre em Relações Sociais e Novos Direitos pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo JusPodivm/BA. Professor. Membro do Ins-tituto Bahiano de Direito do Trabalho (IBDT). Membro do conselho Fiscal da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região — AMATRA VI (gestão 2016/2018).

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Analisaremos, aqui, as formalidades contratuais no teletrabalho, as con-trovérsias concernentes à duração do labor, os requisitos para a alteração entre o regime presencial e o de teletrabalho, as questões relativas à responsabilidade por despesas com aquisição e manutenção de equipamentos e infraestruturas, as indagações na seara do meio ambiente do trabalho e a possibilidade de respon-sabilização do empregador por acidentes e doenças ocupacionais, bem como as inquietantes reflexões em torno da proteção da privacidade do trabalhador.

O cumprimento do itinerário proposto depende, porém, previamente, da compre-ensão da própria figura jurídica do teletrabalho. Será este o objeto do tópico a seguir.

2. teletrabalho: compreensão

Um dos principais recursos manejados pelos Poderes Executivo e Legislativo para convencimento da sociedade quanto à necessidade de uma reforma trabalhista consistiu no argumento do caráter anacrônico da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual seria incapaz de disciplinar as novas formas de desenvolvimento das relações trabalhistas. O exemplo normalmente invocado era o do home office, do trabalho remo-to ou, na terminologia que veio a ser consagrada na nova legislação, do teletrabalho.

É bem verdade que qualquer diploma legislativo — e, de maneira geral, qual-quer obra da inteligência humana — é suscetível a lacunas e passível de atualização.

Entretanto, a afirmação genérica da idade avançada da CLT nada diz sobre o valor do seu conteúdo, mesmo porque ela foi alvo de dezenas de alterações, da maior ou menor expressão, nas últimas décadas.

Nessa ordem de ideias, mencionar o teletrabalho como um exemplo de relação trabalhista que estaria à margem da velha CLT não deixa de ser uma expressão de ignorância, com o devido respeito.

Desde o ano de 2011, em virtude da Lei 12.551, prevê a Consolidação, em seu art. 6º, que, se presentes os requisitos da relação de emprego, não há falar em distinção entre trabalho presencial no estabelecimento do empregador e tra-balho remoto, bem como que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, tipicamente utilizados no teletrabalho, equiparam-se aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio para fins de configuração da subordinação jurídica.

Em outras palavras: há anos o legislador consagrou a regra de acordo com a qual o empregado submetido ao teletrabalho é subordinado ao empregador da mesma maneira que o trabalhador que presta seus serviços presencialmente, sen-do àquele aplicável a mesma disciplina de proteção do labor.

Embora não houvesse detalhamento na legislação acerca da dinâmica con-tratual, a orientação era inequívoca quanto à submissão às mesmas regras que incidiam em relação aos demais trabalhadores.

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Todavia, sob a propaganda da novidade, a Lei n.º 13.467/17 veio a consa-grar regulamentação a respeito do teletrabalho em seus arts. 62, inciso III, e 75-A a 75-E. Como veremos adiante, alguns desses dispositivos nada estabelecem de novo, ao passo que outros certamente ensejarão severas controvérsias, ante a ausência de tratamento analítico dos respectivos temas, criando um potencial cenário de ameaça à segurança jurídica (a qual, aliás, foi outro dos propalados objetivos da reforma).

O legislador perdeu, ademais, a importante oportunidade de explicitar a isonomia de direitos e oportunidades do teletrabalhador em relação aos empre-gados presenciais, bem como de criar mecanismos capazes de assegurar a par-ticipação do teletrabalhador no cotidiano da empresa e em entes ou órgãos de representação da coletividade3.

Conceitua o novo art. 75-B da CLT, em seu caput, o teletrabalho como a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empre-gador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. Em seu parágrafo único, esclarece o dispositivo que o “comparecimento às dependências do em-pregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”.

O conceito legal brasileiro aproxima-se bastante daquele consagrado no Código do Trabalho de Portugal (art. 1654) e no Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho (item 25).

A partir da nova previsão legal brasileira e das referências estrangeiras mencionadas, é possível identificar que o teletrabalho consiste em uma modali-dade de trabalho a distância caracterizada pela prestação de serviços com intensa utilização de recursos de tecnologia da informação.

Em regra, a atividade desenvolvida pelo teletrabalhador poderia perfeita-mente ser executada no interior do estabelecimento do empregador. Entretanto, por conveniência das partes ou por interesse empresarial na gestão do espaço e dos recursos humanos, o labor é predominantemente prestado de maneira remo-ta, muitas vezes a partir da residência do empregado.3 Vide, a propósito, os arts. 169 e 171 do Código do Trabalho de Portugal, assim como os itens 9 e 10 do Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho.4 Artigo 165. Noção de teletrabalho. Considera-se teletrabalho a prestação laboral re-alizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.5 El teletrabajo es una forma de organización y/o de realización del trabajo, utilizando las tecnologías de la información en el marco de un contrato o de una relación de trabajo, en la cual un trabajo que podría ser realizado igualmente en los locales de la empresa se efec-túa fuera de estos locales de forma regular. (Disponível em: https://www.uned.ac.cr/viplan/images/acuerdo-marco-europeo-sobre-teletrabajo.pdf).

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Assim, o teletrabalho não se confunde com o trabalho externo, em que a execução dos serviços pressupõe o deslocamento para fora do estabelecimento do empregador para a realização, por exemplo, de entregas ou visitas a clientes ou parceiros comerciais.

Assentadas essas premissas, avancemos ao exame das formalidades con-tratuais estabelecidas pela Lei n.º 13.467/17 em relação ao teletrabalho.

3. Formalidades contratuais

A regra geral no Direito do Trabalho é a desnecessidade de adoção de for-ma específica no contrato de emprego, seja sob a ótica da validade do ato jurídi-co, seja sob a perspectiva da prova do ato. Pactuações tácitas são ordinariamente possíveis, aspecto vinculado ao caráter de “contrato-realidade” dessa espécie de negócio jurídico (CLT, art. 442).

A exigência de forma específica é excepcional, estando normalmente atre-lada ao resguardo de normas de ordem pública ou à proteção de interesses dos trabalhadores.

A Lei n.º 13.467/17 instituiu, em relação ao teletrabalho, um conjunto de requisitos formais, cuja presença deve constar expressamente do contrato.

Em primeiro lugar, a própria submissão ao regime de teletrabalho deve ser explicitada no contrato de emprego (art. 75-C, caput, da CLT).

A exigência, aqui, aproxima-se da determinação legal existente quanto aos tra-balhadores externos, em relação aos quais deve haver o registro de tal condição, pelo empregador, na CTPS e na ficha de registro de empregado (CLT, art. 62 inciso I).

Discussão que tende a ocupar a atenção da jurisprudência nos anos vin-douros diz respeito à definição da natureza da formalidade prevista no art. 75-C celetista, isto é, se estamos diante de um requisito para a válida pactuação do regime de teletrabalho (ad solemnitatem) ou de um mecanismo de simples prova de tal ajuste (ad probationem).

O debate possui relevante interesse prático, uma vez que uma das princi-pais inovações da Reforma Trabalhista foi a fixação da presunção relativa de não enquadramento do teletrabalhador na disciplina celetista de duração do trabalho (art. 62, inciso III), tema que será abordado em tópico adiante.

Assim, no primeiro caso, a ausência de expressão previsão contratual quan-to à adoção do teletrabalho conduziria o intérprete a concluir pela invalidade da adoção desse regime de trabalho, com o consequente afastamento da presunção fixada no art. 62, inciso III, da CLT e o reconhecimento da submissão do obreiro às regras gerais de limitação da duração do labor.

Parece-nos, entretanto, que a tendência será a de reconhecer o estabeleci-mento em cláusula contratual do regime de teletrabalho como formalidade desti-

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nada somente à prova do ato (tal qual a exigência de anotação na CTPS e na ficha de registro de empregado da condição de trabalhador externo), sendo possível, em sua ausência, a produção de outras provas para demonstração da avença.

com efeito, o dispositivo não prevê sanção para o caso de inobservância da forma escrita, de modo que a validade da declaração de vontade dela não de-penderá (Código Civil, art. 107).

Vale registrar que idêntica é a solução consagrada no código do Trabalho de Portugal, que dispõe, em seu art. 166, item 7, que a “forma escrita é exigida apenas para prova da estipulação do regime de teletrabalho”.

Prevê também o novo art. 75-C da CLT que deve constar no contrato do teletrabalhador o rol específico de atividades que serão realizadas pelo empregado.

A novidade pode render ensejo à formulação de pleitos de pagamento de diferenças salariais por acúmulo de função, com fundamento na violação da boa-fé objetiva e na ruptura do equilíbrio contratual, nas hipóteses em que o trabalha-dor venha a desempenhar tarefas não elencadas no contrato.

Também aqui inexiste no texto legal a previsão de sanção para as situações de determinação, pelo empregador, da realização de atividades não elencadas no rol fixado no contrato.

Por isso, a tendência jurisprudencial deverá ser a de reconhecer na previ-são uma formalidade com a simples finalidade de prova da pactuação do tele-trabalho. Não ajustada cláusula que preveja o rol de atividades do obreiro, será aplicada a regra geral estabelecida no art. 456, parágrafo único, da CLT, compre-endendo-se que o “empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”.

A Lei da Reforma Trabalhista dispôs, ainda, que a alteração entre o regi-me de trabalho presencial e o de teletrabalho (e vice-versa) deve ser prevista em aditivo contratual (art. 75-C, §§1º e 2º, da CLT).

É interessante observar que, em relação a outra situação de alteração con-tratual com impactos na duração do trabalho, exigiu o legislador a participação do ente sindical (CLT, art. 58-A, §2º). No âmbito do teletrabalho, entretanto, é suficiente a manifestação de vontade no plano do contrato individual de trabalho.

o tema da alteração entre os regimes de labor (presencial e teletrabalho) envolve diversas controvérsias, que serão posteriormente examinadas.

Estabelece o art. 75-D celetista que também devem constar do contrato de emprego do teletrabalhador as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da in-fraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado. Ante suas importantes repercus-sões, a matéria será analisada de maneira específica adiante.

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Assim, em síntese, fixa a Lei n.º 13.467/17 que devem constar expressa-mente do contrato de emprego do teletrabalhador os seguintes dados:

a) submissão ao regime de teletrabalho;b) as atividades que serão realizadas pelo empregado;c) a alteração entre o regime de trabalho presencial e o de teletrabalho e

vice-versa (aditivo contratual);d) as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção

ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Convém observar, a propósito, que o rol de cláusulas contratuais exigidas na pactuação do teletrabalho no Brasil aproxima-se daquele consagrado no art. 166, item 5, do Código do Trabalho de Portugal, a seguir transcrito: “5 - O con-trato está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação da atividade a prestar pelo trabalhador, com menção expres-

sa do regime de teletrabalho, e correspondente retribuição; c) Indicação do período normal de trabalho; d) Se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de tele-

trabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a atividade a exercer após o termo daquele período;

e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização;

f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empresa em cuja dependência fica o trabalhador, bem como quem este deve contactar no âmbito da prestação de trabalho”.

A regulamentação é complementada pelo art. 218, item 1, alínea “c” do cTP, de acordo com o qual “por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: (...) c) teletrabalho e outros casos de exercício regular de atividade fora do estabeleci-mento, sem controlo imediato por superior hierárquico”.

A principal distinção entre a disciplina portuguesa e a brasileira, no particular, diz respeito à necessidade de indicação da duração do trabalho ou da previsão de isenção de restrições de horário de labor naquele ordenamento, ao passo que, no atual sistema jurídico pátrio, o ajuste do regime de teletrabalho importa automaticamente na presunção de afastamento das regras gerais de limitação do tempo de trabalho.

Precisamente este instigante tema será objeto de reflexão a seguir.

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4. duração do trabalho

A limitação da duração do trabalho consiste em uma importante conquista histórica e em um dos mais relevantes direitos humanos trabalhistas, estando intimamente relacionada à viabilização do pleno desenvolvimento das potencia-lidades e dos projetos de vida das pessoas cuja sobrevivência digna depende do oferecimento de sua força de trabalho.

Justamente por isso, tal direito é explicitamente consagrado em diversos documentos internacionais referentes à proteção do ser humano, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 246, do Pacto Interna-cional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 7º, alínea “d”7, e do Protocolo de San Salvador, em seu art. 7º, alínea “g”8.

Não à toa, a primeira9 Convenção editada pela Organização Internacional do Trabalho dispôs exatamente sobre o tema da limitação das horas de trabalho, sendo a observância deste direito indispensável para a concretização da noção de trabalho decente sustentada pela entidade.

Em âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 consagra, em seu art. 7º, xIII, a regra geral da duração do trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, fixando que a remuneração do serviço extraordinário deve ser superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal.

No plano infraconstitucional, a Consolidação das Leis do Trabalho esta-belece, atualmente, em seu art. 62, três hipóteses de empregados afastados da disciplina da duração do trabalho nela prevista:

a) os trabalhadores que exercem atividade externa incompatível com a fi-xação de horário de trabalho (inciso I);

6 Artigo 24. Todo o homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.7 Artigo 7º. os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.8 Artigo 7º. os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias, para o que esses Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular: g. Limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jor-nadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos.9 A convenção n.º 01 da Organização Internacional do Trabalho foi editada em 1919. No Brasil, isso correspondeu a apenas aproximadamente trinta anos após a abolição formal da escravatura, mediante a Lei Imperial n.º 3.353 (Lei áurea), quadro que bem evidencia o déficit histórico de proteção dos direitos humanos no País.

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b) os ocupantes de cargos de gestão (gerentes, diretores e chefes de depar-tamento ou filial) (inciso II);

c) a partir da vigência da Lei n.º 13.467/17, os empregados em regime de teletrabalho (inciso III).

O adequado exame da matéria, sob o enfoque do teletrabalho, exige breve digressão a respeito das duas primeiras situações excepcionais previstas no art. 62.

O enquadramento na exceção contida no art. 62, I, da CLT pressupõe os seguintes fatores:

a) inviabilidade fática de controle da jornada do trabalhador (e não a sim-ples opção do empregador por não realizar o controle);

b) anotação da condição de trabalhador externo na CTPS e na ficha de registro de empregado (formalidade para fins de prova, não como exigência de validade).

Em outras palavras: só não deverão ser pagas as horas extraordinárias quando, estando registrada a condição de externo na CTPS e na FRE, a duração do trabalho desenvolvido fora do ambiente da empresa for incontrolável, pela impossibilidade de fiscalização, e não incontrolada porque assim houve melhor o empregador. Entendimento diverso importaria na conclusão de que estaria ex-clusivamente sob o poder de decisão do patrão se os empregados externos teriam ou não os direitos decorrentes das normas que disciplinam a duração do trabalho.

Por sua vez, o art. 62, II, celetista veicula hipótese de duvidosa constitu-cionalidade.

Isso porque a Constituição Federal de 1988, ao fixar a duração normal do trabalho, não admitiu distinção de qualquer espécie, relacionada a qualquer cargo ou posição ocupada na estrutura empresarial.

Igualmente, a convencionalidade do dispositivo é questionável, tendo em vista a aparente incompatibilidade com os documentos de Direito Internacional mencionados supra (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Interna-cional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, Protocolo de san salvador), os quais são dotados de jus cogens. Afinal, a limitação da duração do trabalho é, como já afirmado, um dos mais importantes direitos humanos de índole social.

Não obstante, o Tribunal superior do Trabalho possui posicionamento pa-cífico quanto à constitucionalidade do mencionado artigo celetista, em quase três décadas de manifestação a respeito do dispositivo sob a égide da nova ordem constitucional.

Vale destacar, entretanto, que se o exercente de cargo de gestão estiver, no plano fático, submetido a controle de jornada, a cláusula de exclusão prevista no art. 62, inciso II, da CLT não será aplicável, pois sua razão de ser reside precisa-mente na inviabilidade de fiscalização do horário.

Assentadas essas premissas, três conclusões são inevitáveis:

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a) O art. 62 da CLT assume como premissa um sistema de presunções. A exclusão do empregado externo do regime de duração do trabalho deve-se ao fato da inviabilidade de controle de seus horários, com a possibilidade de início, interrupção, retomada e cessação dos serviços insuscetível de verificação e deter-minação por parte do empregador. O exercente de cargo de gestão está excluído do regime de duração do trabalho em razão da possibilidade de estabelecimento, dada sua elevada posição na estrutura de pessoal da empresa, dos seus próprios horários, não estando sujeito a fiscalização em relação a tal matéria;

b) As presunções fixadas no art. 62 da CLT possuem natureza relativa, não absoluta. É dizer: a discussão em torno do válido enquadramento em tal disposi-tivo está vinculada ao exame do quadro fático vivenciado na relação jurídica de direito material. constatada a possibilidade de controle da jornada (no caso dos externos) ou sua efetiva realização (no caso dos ocupantes de cargo de gestão), afasta-se a presunção relativa estabelecida no art. 62 celetista, reconhecendo-se a submissão dos trabalhadores ao regime geral de duração do labor;

c) Tratando-se de fato impeditivo do direito à percepção de horas extraor-dinárias, o ônus probatório quanto à demonstração do preenchimento dos requi-sitos para o lícito enquadramento nos casos excepcionais consagrados no art. 62 da CLT recai sobre o empregador (CPC/15, art. 373, II; CLT, art. 818, II).

Tais considerações eram indispensáveis à adequada compreensão da nova hipótese de exclusão do regime de duração do trabalho concebida pela Lei n.º 13.467/17: o teletrabalho (art. 62, III).

A redação do inciso III do art. 62 da CLT parece sugerir que o simples fato da adoção do teletrabalho seria suficiente para o afastamento dos direitos concer-nentes à duração do trabalho, nela não estando contemplada a ressalva contida no inciso I do mesmo artigo (“incompatível com a fixação de horário de trabalho”).

Não nos parece ser a melhor interpretação.De fato, como visto, a regra geral no direito brasileiro é a limitação da

duração do trabalho, por força da constituição Federal e dos aludidos tratados de Direitos Humanos. Os casos de exclusão do regime de duração do labor são excepcionalíssimos e devem possuir um fundamento racionalmente justificável (quanto ao externo, a impossibilidade de acompanhamento e controle da jornada; quanto ao ocupante de cargo de gestão, a fixação por ele próprio dos seus horá-rios, não estando subordinado a fiscalização no tocante ao tema).

A mesma lógica deve ser aplicada em relação ao novo inciso do art. 62 da CLT.o teletrabalho deve ser compreendido sob a ótica do sistema de presunções re-

lativas erigidas no aludido dispositivo legal, não como uma cláusula absoluta de exclu-são do âmbito de incidência da disciplina da duração do trabalho, sob pena de violação à constituição Federal e aos citados diplomas internacionais de Direitos Humanos.

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O simples fato do exercício de tarefas fora do estabelecimento do empre-gador não conduz automaticamente à conclusão quanto à inviabilidade de fisca-lização do tempo de trabalho, como há anos explicita o art. 6º da CLT.

Em verdade, é de conhecimento geral a existência de inúmeros programas e aplicativos concebidos precisamente para o controle da duração do labor do empregado no sistema de teletrabalho, mediante, por exemplo, a programação do tempo médio para o cumprimento de cada tarefa ou projeto, com a criação de ro-tinas de trabalho, o acompanhamento dos períodos de login e logout, o envio de relatórios das atividades desempenhadas, o encaminhamento de mensagens onli-ne para acompanhamento das tarefas e fornecimento de feedback, a identificação instantânea da visualização de mensagens, o monitoramento em tempo real do trabalho que está sendo executado pelo obreiro, até mesmo com visualização da imagem em seu monitor e do conteúdo do texto digitado pelo empregado.

Nessa ordem de ideias, se for possível, no plano fático, o controle da jornada do empregado em regime de teletrabalho (observe-se, aqui, que a dinâmica do contexto de labor deste sujeito é muito mais próxima da realidade do externo do que do exercente de cargo de gestão), será ele alcançado pela disciplina celetista da duração do trabalho.

Assim como nos demais casos previstos no art. 62 da CLT, temos no novo inciso o estabelecimento de uma presunção relativa10, suscetível de afastamento em casos concretos, cabendo ao empregador, no plano processual, a comprovação da incompatibilidade da atividade do teletrabalhador com o controle da sua jornada.

Vale rememorar, a propósito, que o art. 75-B da CLT prevê que a pre-sunção consagrada no art. 62, III, do mesmo diploma não será desconstituída pela circunstância do comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no es-tabelecimento.

Naturalmente, se tal comparecimento revelar-se não como uma necessida-de para a realização de certas atividades específicas, mas como verdadeiro meca-nismo de controle do tempo de trabalho restará, também aqui, descaracterizada a presunção contida no art. 62, III, da CLT.

10 Em sentido diverso, consagrando a tese de que sempre serão devidas horas extraordi-nárias no teletrabalho, foi editado o enunciado n.º 71 da 2ª Jornada de direito material e Processual do trabalho: “Säo devidas horas extras em regime de teletrabalho, assegurado em qualquer caso o direito ao repouso semanal remunerado. Interpretação do art. 62, III e do parágrafo único do art. 6º da CLT conforme o art. 7º, XIII e XV, da Constituição da República, o artigo 7º, “e”, “g” e “h” Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“Protocolo de San Salvador”), promulgado pelo Decreto 3.321, de 30 de dezembro de 1999, e a Recomen-dação 116 da OIT”.

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5. alteração entre regime presencial e de teletrabalho

Visando a contemplar a dinâmica das relações econômicas e sociais, pre-vê o art. 75-C, §§1º e 2º, da CLT a possibilidade de alteração entre os regimes presencial e de teletrabalho, mediante aditivo contratual, nos seguintes termos:

a) a alteração do regime presencial para o de teletrabalho exige mútuo acordo entre as partes;

b) a alteração entre o regime de teletrabalho e o presencial pode ser de-terminada unilateralmente pelo empregador, que deverá garantir um prazo de transição de no mínimo quinze dias.

A novel disciplina enseja diversos questionamentos interessantes.Primeiramente, é importante observar que a transição do regime presencial

para o de teletrabalho não pode ser operada por decisão unilateral do emprega-dor, pressupondo manifestação de vontade positiva por parte do obreiro, dado o caráter voluntário (ao menos em tese, sem consideração em relação a eventuais contingências concretas na explicitação da vontade do trabalhador) que informa tal modalidade de prestação dos serviços.

Precisamente por isso, a recusa do empregado à modificação do seu regime para o de teletrabalho não pode ser reputada como falta contratual, não ensejan-do a aplicação de sanções. Nesse sentido, registre-se a título de informação, é a previsão contida no item 311 do Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho.

Vale salientar, também, que o novel dispositivo legal exige a celebração de adi-tivo contratual para a alteração do regime presencial para o de teletrabalho, sem res-salvar a possibilidade de existência, no contrato de trabalho, de cláusula que preveja a concordância do trabalhador com a realização, em momento futuro, de tal alteração.

É dizer: ainda que haja no contrato cláusula de assemelhado teor, a redação do art. 75-C, §1º, da CLT exige que haja manifestação de vontade específica, concreta, antes da efetiva alteração do regime de trabalho.

Ainda que se entenda que a celebração de aditivo contratual escrito destina-se apenas à prova do ato (conforme acreditamos que tenderá a ser o posicionamento predominante), a demonstração da existência de manifestação de vontade específica do trabalhador anteriormente à modificação do regime é indispensável à sua validade.

Nessa ordem de ideias, salientamos, por relevante, que eventual cláusula contratual, celebrada no momento da admissão do obreiro, que preveja a prévia concordância do trabalhador em relação a qualquer futura transferência para o regime de teletrabalho, com a renúncia do obreiro ao direito de recusa diante de

11 3) Carácter voluntario. (...) El paso al teletrabajo en tanto que tal, puesto que modifica únicamente la manera en que se efectúa el trabajo, no afecta al estatus laboral del traba-jador. La negativa de un empleado a teletrabajar no es, en sí, un motivo de rescisión de la relación laboral ni de modificación de las condiciones de trabajo de este trabajador.

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dada proposta concreta, será nula, em conformidade com o disposto no art. 42412 do Código Civil, tendo em vista a caracterização do contrato de emprego, em regra, como contrato de adesão.

Em segundo lugar, a matéria suscita a relevante discussão a respeito de qual seria a condição mais benéfica ao trabalhador: o trabalho presencial ou o teletrabalho?

A resposta, parece-nos, envolve certa margem de subjetivismo.Deveras, por um lado, o teletrabalho permite a redução das despesas do

trabalhador com vestuário e transporte e reduz (ou mesmo elimina) o tempo in-vestido em deslocamentos, permitindo maior convívio familiar por parte do em-pregado e melhor organização do seu tempo.

Por outro lado, a adoção do regime de teletrabalho importa na presunção de afastamento das regras de limitação da duração do labor, com o potencial de criação de um estado de diluição da exigência da prestação de serviços ao longo do dia e da noite, com a possibilidade de frustração do convívio familiar. Ademais, pode resultar na realização de despesas pelo trabalhador com equipa-mentos e infraestrutura para a prestação dos serviços (tema que abordaremos adiante). Por fim, alija, ao menos em certa medida, o obreiro do convívio com os colegas de trabalho e da participação no cotidiano da empresa, inclusive para a defesa de interesses comuns dos trabalhadores.

Assim, a avaliação quanto à ocorrência ou não de alteração contratual le-siva em razão da modificação do regime de trabalho demanda certa valoração pessoal (dos envolvidos e do julgador), com a possibilidade de criação de inse-gurança jurídica no exame do tema.

Embora seja possível afirmar que o legislador considerou, sob a ótica da licitude, ambas as alterações contratuais como neutras, já que não estabeleceu a nulidade de qualquer delas (vale recordar, a propósito, que o art. 468 de CLT repu-ta nula a alteração contratual, bilateral ou unilateral, em prejuízo ao trabalhador), também reconheceu, implicitamente, que a passagem do regime de teletrabalho para o presencial representa o deslocamento de uma condição de trabalho mais gravosa para uma menos gravosa. Isso porque a realização de tal alteração pode ser determinada unilateralmente pelo empregador (ius variandi), a exemplo do que ocorre com a cessação da prestação dos serviços em sistema de prorrogação habitual de jornada, em horário noturno ou em condições insalubres ou perigosas.

Esse é o esforço hermenêutico necessário à compatibilização dos parágra-fos do art. 75-C com o art. 468, ambos da CLT.

Contudo, em verdade, parece-nos que a harmonização entre os aludidos dispositivos não foi objeto de preocupação por parte do legislador, o qual preten-

12 Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia an-tecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

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deu consagrar o teletrabalho como instrumento da empresa para organização do seu espaço físico e processo produtivo e para gestão do pessoal, não como uma opção para o empregado de uma modalidade de trabalho que prestigie algumas das suas escolhas existenciais.

Para alcançar essa conclusão, é interessante cotejar o art. 75-C, §§1º e 2º, da CLT com a disciplina sobre o tema contida no art. 166 do Código do Trabalho de Portugal.

No sistema jurídico português, é direito do empregado exigir seu enqua-dramento no regime de teletrabalho, desde que compatível com a atividade por ele desempenhada, sem direito de oposição por parte do empregador, nos casos de: a) trabalhador vítima de violência doméstica (art. 195); b) trabalhador com filho com idade até 3 anos.

Por fim, deve-se observar que o exercício do ius variandi na alteração do regime de teletrabalho para o presencial não é absoluto, devendo ser concretiza-do em conformidade com a boa-fé objetiva.

Imagine o leitor a situação do empregado que pactua com seu patrão a modi-ficação do regime presencial para o de teletrabalho, com o propósito de exercer suas atividades a partir de outro Estado da Federação, no qual, por questões familiares, terá de encontrar-se durante os próximos meses ou anos. Ou mesmo hipótese do tra-balhador que ajusta a modificação para o regime de teletrabalho e realiza uma série de despesas para a estruturação da sua residência para acomodação do seu labor.

considere que, após duas semanas da alteração contratual, decide o emprega-dor exercer seu ius variandi e determinar o retorno do obreiro ao regime de trabalho presencial, frustrando as expectativas criadas a partir da sua anterior (e recente) manifestação de vontade em que concordou com o desenvolvimento do teletrabalho.

A conduta patronal, em tais casos, sem dúvidas, consiste em abuso de di-reito (Código Civil, art. 187), violando a proibição do comportamento contradi-tório, a ensejar a possibilidade de postulação de reconhecimento da invalidade da alteração unilateral ou mesmo a reparação dos prejuízos por ela provocados.

6. Aquisição e manutenção de equipamentos e infraestrutura

Prevê o novo art. 75-D, caput, da CLT que as “disposições relativas à respon-sabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnoló-gicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”. Em seu parágrafo único, é estabelecido que as “utilidades mencio-nadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado”.

A leitura do caput do citado artigo sugere a possibilidade de livre (questão sempre complexa numa relação social em que uma das partes é, por definição, hi-

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possuficiente) estipulação acerca das despesas com equipamentos e infraestrutura, inclusive com a atribuição ao empregado da responsabilidade por seu custeio total.

O tema é delicado e exige cuidadosa reflexão.No Direito do Trabalho, os custos e riscos da atividade econômica recaem

sobre o empregador (CLT, art. 2º), que não pode transferi-los aos empregados.Nessa linha de intelecção, uma primeira interpretação do novo art. 75-D da

CLT seria no sentido da impossibilidade de estabelecimento de qualquer respon-sabilidade do trabalhador em relação às despesas com equipamentos e infraestru-tura, admitindo-se apenas a regulamentação quanto à forma de custeio ou forne-cimento pelo empregador ou, no máximo, quanto ao procedimento de reembolso das despesas adiantadas pelo trabalhador para fins de aquisição ou manutenção dos instrumentos, procedimento que seria excepcional, ante a intangibilidade sa-larial (convenção n.º 95 da Organização Internacional do Trabalho).

Nesse sentido, inclusive, foi editado o enunciado n.º 70 da 2ª Jornada de direito material e Processual do trabalho, com o seguinte teor: “O contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de des-pesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sis-temática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT”.

sem dúvidas, o custeio total das despesas com equipamentos e infraestru-tura pelo trabalhador está proscrito no ordenamento brasileiro, por importar em transferência dos custos e riscos da atividade econômica do empregador, bem como em vulneração à intangibilidade salarial.

Entretanto, parece-nos que há uma situação intermediária a autorizar algu-ma modalidade de compartilhamento das despesas entre trabalhador e empresa, sem que isso represente violação aos princípios do Direito do Trabalho.

Conquanto os arts. 75-A a 75-E da CLT não estabeleçam como cláusula contratual obrigatória no teletrabalho a referente à destinação dos equipamentos utilizados pelo obreiro13, é altamente recomendável que conste no contrato a sua finalidade, nomeadamente em relação à possibilidade de seu uso para atividades não relacionadas ao trabalho, a fim de que sejam evitadas (ou, ao menos, reduzi-das) futuras controvérsias.

É possível, por exemplo, que o empregado tenha interesse na utilização da conexão de internet com maior capacidade, disponibilizada pelo empregador 13 A questão possui disciplina específica no art. 168, itens 2 e 3, do Código do Trabalho de Portugal: “2 - O trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados. 3 - Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho”.

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para a realização das suas tarefas, para fins de aproveitamento por ele próprio e por sua família. É possível, também, que interesse ao trabalhador a utilização de moderníssimo equipamento de informática, concedido em razão do contrato de trabalho, com o propósito de desenvolvimento de atividades particulares (pro-fissionais, inclusive, desde que não se constituam em ato de concorrência e não tenha sido fixada proibição contratual quanto a essa destinação).

Em tais casos, parece-nos possível a pactuação do compartilhamento das despesas com os equipamentos e infraestrutura, desde que não seja transferida, na prática, a totalidade ou quase totalidade dos custos ao trabalhador.

Na repartição das despesas, deve-se levar em consideração que, em re-gra, quanto mais elevado o custo do equipamento ou da infraestrutura ou mais específicas as suas características, menos provável seria sua aquisição por parte do trabalhador para o desenvolvimento de suas atividade particulares, sendo ra-zoável que o empregador seja responsável por arcar com parcela substancial do investimento em aquisição e manutenção.

Naturalmente, havendo cláusula contratual que vede sua utilização para finalidade diversa da realização das atividades inerentes ao vínculo empregatício, caberá exclusivamente ao empregador a responsabilidade pelas despesas, sendo nulo o ajuste em sentido diverso (CLT, art. 9º).

Aqui, dois aspectos merecem consideração.O primeiro deles diz respeito aos equipamentos ou à infraestrutura com

finalidade ergonômica ou, de modo geral, atrelados à preservação da higidez do ambiente de trabalho. Em linha de princípio, compete ao empregador o seu cus-teio, em conformidade com o disposto no art. 21 da Convenção n.º 155 da OIT: “As medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores”.

Todavia, se deles o trabalhador fizer uso para outras atividades, desvincu-ladas do contrato de emprego, parece-nos possível a adoção da solução anterior-mente mencionada, com o estabelecimento de alguma modalidade de comparti-lhamento das responsabilidades pela aquisição e manutenção.

O segundo ponto refere-se à utilização, pelo trabalhador, da sua própria energia elétrica ou da sua própria conexão de internet para o desempenho das tarefas decorrentes do contrato.

Não é dado ao empregador considerar tal uso como uma benesse para si ou como uma espécie de “contraprestação” por haver “concedido” ao obreiro a possibilidade de laborar no regime de teletrabalho.

No período destinado ao trabalho, esses insumos são indispensáveis à con-cretização dos objetivos empresariais, não podendo seu custeio ser transferido ao empregado, sob pena de violação à convenção n.º 95 da OIT e ao art. 2º da CLT.

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Se não for possível determinar o tempo de duração do trabalho para fins de quantificação do valor correspondente ao período de utilização da energia elétrica e da internet do próprio trabalhador para a realização das suas tarefas, deverá ser esta-belecida uma estimativa razoável, que será observada para reembolso ao empregado.

Interessa-nos ainda a questão da responsabilidade quanto às despesas com equipamentos e infraestrutura nas hipóteses em que, inobservado o disposto no art. 75-D celetista, não houver previsão contratual sobre a matéria.

No código do Trabalho de Portugal, a solução adotada foi a adoção da pre-sunção no sentido de que o custeio recairia sobre o empregador, de acordo com seu art. 168, item 1, in verbis: “Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunica-ção utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”.

No Brasil, inexiste correspondente previsão. Contudo, a resposta deve ser idêntica à consagrada no ordenamento português, seja em razão da regra geral de responsabilidade do empregador em relação aos ônus da atividade econômica (CLT, art. 2º), seja em virtude da possibilidade de invocação do direito compa-rado (CLT, art. 8º) quando compatível com a principiologia do sistema jurídico pátrio, como ocorre no presente caso.

Por fim, é importante destacar que eventuais falhas em equipamentos, sistemas operacionais ou meios de comunicação, que redundem em atraso na prestação dos serviços não podem ser imputados ao trabalhador (ressalvada, na-turalmente, a hipótese de o próprio obreiro, embora adequadamente treinado, haver provocado a falha), sob pena, também aqui, da transferência dos riscos da atividade econômica ao empregado.

7. acidentes de trabalho e doenças ocupacionais

A partir da disciplina veiculada pelos arts. 19 a 21 da Lei n.º 8.213/91, é possível identificar três modalidades de infortúnios relacionados ao trabalho: o acidente típico, as doenças ocupacionais e os acidentes por equiparação.

Valendo-nos da sistematização elaborada pelo Ministro Cláudio Brandão em trabalho de profundo fôlego acadêmico, podemos apresentar as seguintes distinções entre o acidente e as doenças ocupacionais:

“a) o acidente é caracterizado, em regra, pela subitaneidade e violência, ao passo que a doença decorre de um processo que tem certa duração, embora se desencadeie num momento certo, gerando a impossibilidade do exercício das atividades do empregado;

b) no acidente a causa é externa, enquanto a doença, em geral, apresenta-se internamente, num processo silencioso peculiar às moléstias orgânicas do homem;

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c) o acidente pode ser provocado intencionalmente, ao passo que a doença não, ainda que seja possível a simulação pelo empregado;

d) no acidente a causa e o efeito, em geral, são simultâneos, enquanto na doença o mediatismo é a sua característica”14.

o acidente típico consiste em “um evento, em regra, súbito, ocorrido du-rante a realização do trabalho por conta alheia, que acarreta danos físicos ou psíquicos à pessoa do empregado, capazes de gerar a morte ou a perda, tempo-rária ou permanente, de sua capacidade laboral”15.

A figura da doença ocupacional é gênero abrangente da doença profissio-nal e da doença do trabalho.

Doença profissional (“ergopatias, tecnopatias, idiopatias, doenças pro-fissionais típicas, doenças profissionais verdadeiras ou tecnopatias propriamen-te ditas”16) é “aquela peculiar a determinada atividade ou profissão”, vindo a “produzir ou desencadear certas patologias, sendo certo que, nessa hipótese, o nexo causal da doença com a atividade é presumido”17.

Por sua vez, a doença do trabalho (“mesopatias, moléstias profissionais atípicas, doenças indiretamente profissionais, doenças das condições de tra-balho, enfermidades profissionais indiretas, enfermidades profissionais impro-priamente tidas como tais ou doenças do meio”18), “apesar de igualmente ter origem na atividade do trabalhador, não está vinculada necessariamente a esta ou aquela profissão. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente de trabalho”19.

A seu turno, os acidentes por equiparação encontram-se previstos no rol de situações heterogêneas contido no art. 21 da Lei n.º 8.213/91.

É relevante registrar que a ocorrência de alguma das hipóteses indicadas nos mencionados dispositivos legais importará no reconhecimento do acidente de traba-lho (lato sensu) para fins previdenciários, não necessariamente ensejando a respon-sabilidade civil do empregador, a qual apenas existirá se presentes seus pressupostos (conduta, nexo de causalidade, dano, podendo ou não exigir-se a presença de culpa, de acordo com o enquadramento num caso de responsabilidade subjetiva ou objetiva).

Tratando-se de acidente de trabalho ou doença ocupacional passível de respon-sabilização patronal, é possível a formulação de uma série de postulações decorrentes

14 BRANDÃO, Cláudio. acidente do trabalho e responsabilidade civil do emprega-dor. 4 ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 165.15 Ibidem, p. 132.16 BRANDÃO, Cláudio. Op. cit., p. 166.17 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 6 ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 50.18 BRANDÃO, Cláudio. Op. cit., p. 168.19 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Op. cit., p. 50.

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de diversas lesões: danos materiais (dano emergente, lucro cessante), danos morais, perda de uma chance, dano estético, dano sexual20, dano biológico, dano à saúde21...

A Lei n.º 13.467/17 inseriu um dispositivo específico na CLT para abordar o tema da segurança do empregado no regime de teletrabalho.

O novo art. 75-E da CLT prevê, em seu caput, que a empresa “deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. O parágrafo único do dispositivo estabelece que o “empregado deverá assinar termo de responsabi-lidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”.

O dispositivo revela-se tautológico e anacrônico.A expedição de orientações por parte do empregador quanto a segurança

e saúde do trabalho está prevista no art. 157, inciso II22, da CLT, que trata da figura das ordens de serviço, competindo ao trabalhador observá-las, sob pena de configuração de hipótese de justa causa (art. 15823).

20 Vide, por exemplo, a Apelação 9079708-44.2003.8.26.0000, Tribunal de Justiça de São Paulo, 9ª Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Gonzaga Franceschini, Data do julgamento: 19/08/2009, decisão mencionada em SCHREIBER, Anderson. direitos da personalidade. 2 ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013, p. 225. Saliente-se que, no decisum, não consta expressamente a locução “dano sexual”, a qual viria a ser utilizada pela doutrina para identificar a lesão à integridade física da pessoa que inviabiliza a fruição (por ela própria ou seu parceiro) de uma vida sexual regular.21 Em perspectiva crítica à criação de nomenclaturas específicas aos denominados “novos danos indenizáveis”: “A prática da adjetivação de danos parece não apenas ser atécnica, mas também pe-rigosa, resultando não numa ampliação da proteção à pessoa, mas uma redução. Ao se enumerar to-das as situações merecedoras de tutela, dando nomes próprios a cada dano decorrente delas, corre-se o risco de entender que um dano, quando não esteja dentro das hipóteses enumeradas, não mereça proteção, restringindo, portanto, a tutela à pessoa. A dignidade não comporta limitações, bem como, qualquer dano que a ofenda. (...) O caminho a se seguir parece ser o de entender a dignidade como um valor unitário inerente a todo o ser humano, que não admite fracionamento ou enumeração. Dentro desta concepção, tendo em mente que qualquer lesão à pessoa em sua dignidade caracteriza-se como dano moral, permite-se que a clausula geral de proteção à dignidade humana funcione de maneira aberta, porosa, adequando-se às mais diversas situações de risco” (PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos Vilas Boas. a torre de Babel das novas adjetivações do dano. Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3477).22 Art. 157 - Cabe às empresas: (...) II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;23 Art. 158 - Cabe aos empregados:I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;II - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.

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Não haveria motivo para cogitar-se da exclusão do teletrabalhador em re-lação a tais regras, até mesmo em razão da proibição de distinção entre o “traba-lho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância” (CLT, art. 6º).

O novo art. 75-E, portanto, simplesmente reitera previsão já contida na CLT.Aqui, entretanto, um ponto merece destaque. A circunstância de o novel dis-

positivo não haver explicitado o dever de treinamento e fiscalização quanto ao cum-primento das medidas de segurança e saúde no caso do teletrabalho jamais deve ser interpretada como uma liberação do empregador em relação a tais deveres.

Deveras, prevê que o art. 157, inciso I, celetista que cabe à empresa “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, disciplina em conso-nância com o art. 19 da Convenção n.º 155 da Organização Internacional do Trabalho.

Assim, o empregador possui, em relação aos teletrabalhadores e aos traba-lhadores em seus estabelecimentos, o mesmo dever de orientação, treinamento e fiscalização quanto ao cumprimento das providências de saúde e segurança.

A questão da fiscalização da concretização de tais medidas envolve rele-vantes questões atinentes à privacidade do empregado em regime de teletrabalho, que serão examinadas em tópico posterior.

Adotada essa cautela interpretativa, nada há de novo no art. 75-E celetista. Em verdade, a redação do seu parágrafo único evidencia que o legislador bus-cou inspiração na teoria do ato inseguro, que procura o motivo da ocorrência do acidente ou doença em um comportamento do trabalhador, negligenciando as diversas causas que ordinariamente conduzem à provocação dos agravos à saúde, visão há muito ultrapassada no âmbito da Medicina do Trabalho.

Tal concepção teórica “parte do pressuposto de que existe uma forma cer-ta ou segura de realizar certa ação, que seria do conhecimento prévio do ope-rador, e a inobservância dessa forma seria fruto de uma escolha consciente do trabalhador, originada em particularidades do próprio indivíduo, e quiçá, de sua personalidade descuidada, indisciplinada ou negligente”24.

Na atualidade, é amplamente difundida a compreensão de que os “acidentes do trabalho ocorrem em razão de uma rede de fatores causais, cujas variáveis são controladas, em sua maior parte, exclusivamente pelo empregador. Com isso, muitas vezes a culpa patronal absorve ou mesmo neutraliza a culpa da vítima, em razão das diversas obrigações preventivas que a lei atribui às empresas”25.24 sILVA, Alessandro da. Ato inseguro, culpabilização das vítimas e o papel do nexo de causalidade na responsabilidade por acidentes do trabalho in Direito Ambiental do Trabalho: Apontamentos para uma Teoria Geral. Vol. II. 2 ed. Coord: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto. São Paulo: LTr, 2015, p. 467.25 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 8 ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 203.

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Especificamente sob a perspectiva da responsabilidade por acidentes de tra-balho ou doenças ocupacionais no âmbito do teletrabalho, convém transcrever o enunciado n.º 72 da 2ª Jornada de direito material e Processual do trabalho: “A mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-E, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsa-bilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho. Aplicação do art. 7º, XXII da Constituição c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil”.

Andou mal o legislador ao redigir o novo art. 75-E: o dispositivo não ape-nas repete previsão já existente na CLT, mas o faz de maneira incompleta, po-dendo suscitar dúvidas quanto ao dever de fiscalização da observância das nor-mas de segurança e saúde do trabalho, além de flertar com concepção teórica que há muito não se sustenta no âmbito da Medicina do Trabalho.

8. Privacidade do empregado em regime de teletrabalho e visitas pelo empregador

Insere-se na dinâmica da prestação de serviços em regime de teletrabalho a ocorrência de visitas de prepostos do empregador ao local de trabalho do empre-gado, ainda que se trate da sua residência, o que bem evidencia o quão sensível é o tema em análise.

Vale recordar que o empregador possui o dever de fiscalizar e fazer cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho, podendo, para dele desincumbir-se, visitar o local de trabalho, verificar a adequação de equipamentos e infraestru-turas e acompanhar, durante tempo razoável, o modo de execução dos serviços, a fim de confirmar a efetiva observância das regras de ergonomia, por exemplo, inclusive em razão da possibilidade de sua responsabilização por agravos à saúde decorrentes das condições de prestação do labor.

Ademais, o teletrabalhador está submetido à mesma subordinação jurídica que o trabalhador presencial (CLT, art. 6º), podendo o empregador, exemplifica-tivamente, examinar eventual desvirtuamento em relação ao uso de equipamen-tos fornecidos.

É interessante perceber, aqui, que estamos diante de uma mitigação da inviolabilidade de domicílio (CF, art. 5º, inciso xI), cuja extensão (dela, mitiga-ção) é passível de questionamento sob a ótica constitucional.

Em favor da licitude da realização das visitas, temos a circunstância de o trabalhador ter ciência da sua ocorrência antes da celebração do ajuste relativo ao teletrabalho. Não se ignora, entretanto, a posição de hipossuficiência do obreiro na relação de emprego e como contingências fáticas podem interferir na manifestação da sua vontade, aspecto que deve ser analisado diante de cada caso concreto.

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O legislador reformista nada previu sobre a realização das visitas de pre-postos da empresa, conferindo, na prática, à doutrina e à jurisprudência a missão de delineamento dos seus contornos.

Uma primeira referência importante para o tratamento do tema reside no art. 11-A da Lei n.º 10.593/2002, incluído pela Lei Complementar n.º 150/2015, que, conquanto não cuide de visitas realizadas por particulares, insere-se no mes-mo contexto de proteção à privacidade no âmbito da residência. Eis o dispositivo:

Art. 11-A. A verificação, pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, do cumpri-mento das normas que regem o trabalho do empregado doméstico, no âmbito do domicílio do empregador, dependerá de agendamento e de entendimento prévios entre a fiscalização e o empregador. § 1º A fiscalização deverá ter natureza prioritariamente orientadora. § 2º Será observado o critério de dupla visita para lavratura de auto de infração, salvo quando for constatada infração por falta de anota-ção na carteira de Trabalho e Previdência social ou, ainda, na ocor-rência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. § 3º Durante a inspeção do trabalho referida no caput, o Auditor-Fiscal do Trabalho far-se-á acompanhar pelo empregador ou por alguém de sua família por este designado.

É oportuno, também, buscar referências da abordagem da matéria espe-cificamente em relação às visitas do empregador ao teletrabalhador no direito estrangeiro.

O Código do Trabalho de Portugal possui disciplina específica sobre o tema em seu art. 170, a seguir transcrito:

Artigo 170. Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho. 1 - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico. 2 - Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do traba-lhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o contro-lo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistên-cia do trabalhador ou de pessoa por ele designada. 3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

A seu turno, prevê o Acordo-Quadro Europeu sobre Teletrabalho, em seu item 8, o seguinte:

Para verificar la correcta aplicación de las normas en materia de salud y seguridad, el empresario, los representantes de los trabaja-

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dores y/o las autoridades competentes tienen acceso al lugar del tele-trabajo, dentro de los límites de la legislación y de los convenios co-lectivos nacionales. Si el teletrabajador trabaja en el domicilio, este acceso está sometido a previa notificación y consentimiento previo. El teletrabajador está autorizado a pedir una visita de inspección.

A partir das previsões contidas nos mencionados diplomas, é possível pro-por a construção de diretrizes, adequadas à realidade brasileira, acerca do pro-cedimento de realização de visitas por prepostos da empresa na residência do trabalhador, a saber:

a) A visita deve ter por objetivo exclusivamente o acompanhamento da prestação dos serviços e do cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho, limitando-se apenas ao local de efetivo trabalho;

b) A visita deve ser previamente agendada com o trabalhador, com infor-mações precisas a respeito da identificação do preposto que a realizará;

c) A recusa do obreiro quanto à realização da visita em certo período pro-posto pela empresa não deve ser reputada como falta contratual, exceto se reve-lar-se abusiva (com o propósito, por exemplo, de ocultação do desvirtuamento dos equipamentos de trabalho). Em tal hipótese, não será cabível a realização compulsória da visita (ante a inviolabilidade do domicílio), sendo possível, en-tretanto, a alteração do regime de teletrabalho para presencial (já assegurada ao empregador pelo art. 75-C, §2º, da CLT) ou, sendo o caso, a imposição de san-ções contratuais, inclusive da despedida por justa causa;

d) A visita deve ser realizada em dia útil e em horário comercial;e) Por ocasião da visita, o trabalhador tem o direito de estar presente no

local e de fazer-se acompanhar por ente familiar, por outra pessoa por ele desig-nada e, ainda, por representante sindical da sua categoria profissional.

Buscando inspiração na redação do art. 11-A da Lei n.º 10.593/2002 e considerando as peculiaridades do regime de teletrabalho, sustentamos que essas mesmas orientações gerais devem ser observadas quando da fiscalização por Au-ditores do Ministério do Trabalho na residência do teletrabalhador.

Outro aspecto concernente à privacidade do teletrabalhador refere-se à já mencionada utilização de programas ou aplicativos para acompanhamento da rotina de trabalho.

A ativação de sistemas dessa natureza somente será possível durante o período de prestação de serviços, não podendo ser prolongada pelo restante do dia e da noite, sob pena de configuração de vigilância abusiva da vida privada do trabalhador.

Ressalte-se que, nesse caso, não haverá maiores dificuldades em relação ao argumento da não submissão a controle de horário, uma vez que, consoante abor-

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dado anteriormente, o uso dos referidos sistemas revela a plena possibilidade de fiscalização da jornada do teletrabalhador, o qual estará submetido, portanto, às regras gerais de limitação da duração do labor, afastando-se a presunção institu-ída no art. 62, inciso III, da CLT.

Por fim, ainda que, em dada situação concreta, venha a incidir a presunção fixada no aludido dispositivo celetista, é indispensável a observância ao denominado direito à desconexão, ao direito ao não trabalho, com respeito aos períodos de repou-so, necessários à recuperação biológica, à proteção da intimidade e da privacidade e à viabilização do pleno desenvolvimento da personalidade do trabalhador (De-claração Universal dos Direitos Humanos, art. 24; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 7º, alínea “d”; Protocolo de San Salvador, art. 7º, alínea “g”; Constituição Federal de 1988, arts. 5º, x, e 7º, xIII e xV).

9. Considerações finais

o teletrabalho consiste em uma modalidade de trabalho a distância carac-terizada pela prestação de serviços com intensa utilização de recursos de tecno-logia da informação.

A Lei n.º 13.467/17 buscou regulamentar o tema no direito pátrio, mas, como visto, diversos são os questionamentos e as lacunas surgidos a partir da novel legislação.

compete, agora, à doutrina e à jurisprudência o oferecimento dos seus me-lhores esforços para a construção de soluções seguras para os desafios impostos pelos impactos da evolução tecnológica sobre o mundo do trabalho.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Cláudio. acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. 4 ed. São Paulo: LTr, 2015.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupa-cional. 6 ed. São Paulo: LTr, 2011.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos Vilas Boas. a torre de Babel das novas adjetivações do dano. Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/in-dex.php/redu/article/view/3477.

scHrEIBEr, Anderson. direitos da personalidade. 2 ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013.

SILVA, Alessandro da. Ato inseguro, culpabilização das vítimas e o papel do nexo de cau-salidade na responsabilidade por acidentes do trabalho in Direito Ambiental do Trabalho: Apontamentos para uma Teoria Geral. Vol. II. 2 ed. Coord: FELICIANO, Guilherme Guim-arães; URIAS, João; MARANHÃO, Ney; SEVERO, Valdete Souto. São Paulo: LTr, 2015.

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teLetraBaLHo e a resPonsaBiLidade PeLa AQUISIÇÃO, MANUTENÇÃO OU FORNECIMENTO DOS

eQUiPamentos tecnoLÓgicos e da inFraestrUtUra necessÁria e adeQUada À sUa eXecUÇÃo

Platon Teixeira de Azevedo Neto1

Rafael Lara Martins2

introdUÇÃo

O presente texto tem como objetivo trazer breves reflexões jurídicas acerca da introdução no ordenamento jurídico brasileiro de previsão expressa do teletrabalhador, passando por breves considerações sobre o surgimento do Teletrabalho para que, em seguida, seja traçada uma conceituação desta recente modalidade de labor, tecendo comentários sobre o conceito tanto antes da Lei n. 13.467/2017 como quanto após o advento da legislação em questão, traçando considerações iniciais sobre os novos dispositivos.

Em seguida, serão analisados com mais acuidade o artigo 75-D da CLT, refletindo-se sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou forneci-mento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto.

1. conceito

Pode se dizer que o teletrabalho tem conceitos diferentes antes e após a nova regulamentação trazida pela Lei n.º 13.467/2017. Desta forma, é essencial 1 ______ Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Luís de Montes Belos/GO (TRT da 18ª Região). Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho da Universidade Federal de Goiás. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e de diversas Escolas Judiciais de Tribunais regionais do Trabalho. Ex-Diretor de Informática da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Tra-balho (ANAMATRA). Ex-Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 18ª região (AMATRA18) e do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT). Membro Efetivo do Instituto ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho. Titular da Cadeira n. 3 da Academia Goiana de Direito.2 ______ Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especia-lista em Direito do Trabalho pela PUC-GO, especialista em Direito Civil pela UFG e especialista em Direito Processual Civil pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Doutorando em Direitos Humanos (UFG). Conselheiro Federal da OAB. Diretor-Geral da Escola da Advocacia da OAB-GO (triênios 2016-2018 e 2019-2021). Foi Conselheiro Seccional da OAB/GO (triênios 2013-2015 e 2016-2018). Foi presidente do Instituto Goiano de Direito do Trabalho -IGT (biênios 2012-2013 e 2014-2015). Palestrante e Professor em cursos e pós-graduações.

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que estabeleça conceitos trazidos antes e depois da regulamentação, comparando-os – ou, quiçá, complementando-os.

1.1. conceito na doutrina antes da regulamentação

Ao se tratar do teletrabalho, deve-se, antes, analisar o contexto em que a sociedade mundial passou pelo processo da industrialização. Bettencourt (2007, p. 247) explica-o ao enfocar que:

A industrialização provocou todo um processo de alterações tanto económicas como sociológicas. O sector primário começou a perder importância. A electricidade, o taylorismo, e as inovações inerentes à introdução da linha de montagem marcaram o final do século xIx e o início do século xx. O automóvel e o avião reduziram as distân-cias e possibilitaram que fossem feitas em horas viagens até então quase impossíveis. O telégrafo, e subsequente o telefone, o rádio, a televisão e a comunicação via satélite tornaram possível sabermos instantaneamente o que se passa no outro lado do mundo. As guerras e catástrofes naturais são vistas diretamente nas televisões de todo o mundo aumentando o poder e o impacto dos media. o computador abriu caminho à robótica, tornou-se numa ferramenta pessoal e co-meçou a comunicar com outros computadores. O mundo está em mu-dança e as novas tecnologias de informação e comunicação enquanto factores de mudança transformaram o nosso quotidiano.

Nesta perspectiva, RODRIGUES (2011, p. 90) contextualiza que:

A recessão económica, a globalização e a competitividade empresa-rial, bem como o surgimento da sociedade da informação baseada nas tecnologias da informação e comunicação, especialmente a di-fusão da internet e do comércio electrónico, ocasionaram o detri-mento do modelo tradicional de contrato de trabalho e o surgimento da flexibilização laboral com a proliferação das formas atípicas de trabalho, circunstâncias que conduziram a que o teletrabalho assu-misse um papel importante na sociedade actual. Essa relevância gradual que o teletrabalho foi ganhando fez nascer a latente preocu-pação com o seu desenvolvimento e consequente implementação.

Ao se falar em teletrabalho, imediatamente se tem um sentimento de ab-soluta contemporaneidade. Imaginar o labor sem fronteiras, conectado por note-books e smartphones cada vez mais potentes e facilitadores da atividade laboral é experimentar a sensação de que se está vivendo no futuro antes nunca imaginado.

Mas, ao contrário dessa percepção, o teletrabalho é um fato social que, apesar de ser cada vez mais presente, não pode ser entendido como algo criado nessa década, sequer nesse século.

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Hoje não é fácil imaginar o que seria a vida sem aquelas tecnologias que, hoje, controlam as nossas vidas desde o fornecimento de água e energia, o fluxo do tráfego, os movimentos das nossas contas bancárias e até nossa situação fiscal. As tecnologias de informação e a comunicação estão modificando a organização do trabalho de uma forma que ela já foi comparada ao impacto da introdução da linha de montagem nas instalações fabris. Não apenas isso, ela chega a ser descrita como equivalente às mu-danças ocorridas durante a Revolução Industrial (BETTENCOURT, 2007, p. 248).

A doutrina nacional e estrangeira aponta o início do teletrabalho ainda na dé-cada de 70 do século passado. Segundo Redinha (1999, p. 4-6), o teletrabalho surge a partir do final dos anos 70 (em que pese a reconhecida divergência a respeito de sua origem e até de sua terminologia) como um meio de desenvolvimento do trabalho em que a comunicação estivesse ligada por meios informáticos ou telemáticos.

RODRIGUES (2011, p. 91-92) pondera que:

Na década de setenta, com as sucessivas crises petrolíferas e instalada a recessão económica mundial, as empresas sentiram a necessidade de reflectir sobre os custos de manutenção dos con-tratos de trabalho, sendo obrigadas a procurar alternativas menos onerosas. Aliados a este fator surge, mais recentemente, a globa-lização da economia e o desenvolvimento da sociedade da infor-mação, comandado pelas novas tecnologias da informação (TIc) que permitiram grandes inovações na organização do trabalho.

Nesse sentido, Redinha (2001, p. 90) afirma que o teletrabalho surge a par-tir do final dos anos 70. Eclode como nova forma de trabalhar, com a característi-ca de separar fisicamente os sujeitos envolvidos na relação de labor. E no futuro, mais ou menos imediato, há aqueles que anteveem um crescimento excepcional do teletrabalho, “enquanto para grande parte dos estudiosos da matéria laboral – juristas, sociólogos, economistas – esta convicção é retraída”.

A mesma referência histórica é trazida por Damasceno (2017, p. 219) ao expor que o teletrabalho era uma técnica empresarial de administração emprega-da nos anos de 1970, tratando-se de um fenômeno que ganhou força a partir dos anos 1990, com o barateamento e a disponibilidade da tecnologia, da informação e com a telecomunicação. Nesse sentido, o referido autor contextualiza:

O tema “teletrabalho”, enquanto objeto de estudo jurídico, tem essa mesma perspectiva, sendo um fenômeno socioeconômico que passou a ter importância para o Direito. Com efeito, trata-se de um fenômeno surgido no meio empresarial, como técnica de administração empregada nos anos de 1970. Seria, no dizer de alguns, uma alternativa econômica viável diante da crise do pe-tróleo e dos problemas relacionados ao trânsito nos grandes con-

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glomerados urbanos. sob o ângulo da administração empresarial, o fenômeno ganhou força nos anos de 1990, quando a tecnologia da informação e a telecomunicação ganharam corpo e foram mas-sificadas. O desenvolvimento da prática do teletrabalho ganhou corpo, primeiro, nos países desenvolvidos, como subproduto da era pós-industrial, ou da terceira revolução industrial. Com efeito, o avanço dessa nova forma estrutural de produção estaria ligado ao desenvolvimento de tecnologias relacionadas à informação e à telecomunicação. Por certo, o barateamento progressivo dos equipamentos e a disseminação do uso da internet foram fatores decisivos para que se empregasse o teletrabalho como forma al-ternativa viável de aquisição de lucro por meio do trabalho alheio.

Já no Brasil, em que pese a imprecisão temporal do fenômeno, reconhece-se o atraso tecnológico para utilização efetiva da disseminação do uso informá-tico e telemático com relação à Europa e aos Estados Unidos da América, sendo possível dizer que somente neste século o teletrabalho ganhou força a ponto de ganhar atenção efetiva do Direito (DAMASCENO, 2017, p. 220).

o trabalho tradicional é aquele em que o empregado se desloca diariamen-te ao seu local de trabalho, permanecendo, nos termos do artigo 4º da CLT, “à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”, inferindo-se daí uma presença física, não necessariamente no local de trabalho.

A par disso, a realidade legislativa trazia apenas duas alternativas ao labor executado ao empregador fora do local de trabalho: a atividade externa e o tra-balho em domicílio.

A atividade externa é ainda hoje regulada pelo artigo 62, I do compêndio celetista como aquela que é “incompatível com a fixação de horário de trabalho”. Já o trabalho em domicílio era historicamente conceituado pelo artigo 6º da CLT (que atualmente possui outra redação) como aquele “executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”.

Por muitos anos, pôde-se dizer que a execução do trabalho era classica-mente “externa ou interna”, e a externa era aquela classificada como aquela de impossível controle ou realizada no domicílio do empregado.

Uma questão importante de se diferenciar no presente estudo é o traba-lho em domicílio e o trabalho doméstico. Este é regido pela Lei Complementar 150/2015, a qual define que trabalhador doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua à pessoa física ou à família no âmbito (ou para o âmbito) residencial do tomador. Já o “empregado em domicílio” labora em sua própria residência, sendo que a atividade do seu empregador é, em princípio, de natureza lucrativa (LEITE, 2017, p. 211).

Além disso, Leite (2017, p. 211) lembra que o trabalhador doméstico não é destinatário de todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal

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(artigo 7º, parágrafo único) – mesmo após a Emenda Constitucional n.º 72/2013. Já o empregado em domicílio é “trabalhador comum”, destinatário de todos os direitos trabalhistas previstos na Carta Magna e na CLT.

Voltando à atividade desenvolvida em favor do empregador fora da sede da empresa, com o advento da tecnologia, pode-se dizer que houve uma nova es-pecialização do gênero atividade externa e trabalho em domicílio: o teletrabalho.

Damasceno (2017, p. 220) aborda a distinção entre trabalho em domicílio e teletrabalho ao conceituar que:

Do ponto de vista conceitual, observa-se que os artigos doutrinários a respeito do tema, de uma forma geral, costumam distinguir o tele-trabalho do trabalho em domicílio. Assim, o teletrabalho seria uma espécie de trabalho exercido fora do âmbito estrutural do emprega-dor, aí entendido o estabelecimento empresarial (sentido lato), com o uso de equipamentos eletrônicos de informática e telecomunica-ção. Distinto, portando, do trabalho em domicílio tradicionalmente conhecido, o que já era um fenômeno comum e regulado pelo direito pátrio. Exemplificando, o trabalho das costureiras que, em casa rea-lizam a confecção de peças para uma grande indústria do ramo, não é considerado teletrabalho, mas trabalho em domicílio, porquanto não há uso de meios informáticos de execução. Etimologicamente, todavia, teletrabalho significa trabalho à distância, porquanto o pre-fixo grego tele traz a ideia de “ao longe, longe de” ou o que não está presente. o fenômeno, por estar relacionado às telecomunicações e à telemática, acabou incorporando o prefixo, como uma herança dos elementos que lhe deram origem, sendo, pois, diferenciado do tra-balho à distância, que passou a ser gênero. Importa mencionar que o termo representa nos países de língua portuguesa uma versão de sua matriz americana, “teleworking” ou “telecommuting”. Vale obser-var, a título de esclarecimento, que, nos Estados Unidos, há distin-ção entre o teletrabalho realizado em um ponto fixo (teleworking) e aquele no qual o trabalhador não tem um local fixo, estando em constante fluidez geográfica (telecommuting).

Segundo Garcia (2017, p. 253), enquanto o trabalho em domicílio é mais comum em atividades manuais, o teletrabalho, normalmente, é desenvolvido em diversas atividades que exigem conhecimentos mais especializados, como audi-toria, gestão de recursos, tradução, jornalismo, digitação.

Em que pese ser possível o teletrabalho em domicílio (home office), este não precisa ser necessariamente desenvolvido na residência, mas em qualquer outro local. Já na década de 90, Redinha (1999, p. 5-12) informava a existência de Centros de Trabalho Comunitários para o teletrabalho na Europa e indica que essa modalidade de trabalho já representava, à época, próximo de três por cento

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da força de trabalho da União Europeia. Hoje, segundo dados da European Com-mission, estima-se cerca de 10 milhões de teletrabalhadores na União Europeia nessas condições, sendo que destes 4,5 milhões são assalariados (EUROPEAN COMMISSION, 2002, on-line, s/p).

o teletrabalho é mais do que uma modalidade de trabalho em domicílio. É um novo conceito de organização laboral por meio do qual o prestador dos ser-viços encontra-se fisicamente ausente da sede do empregador, mas virtualmente presente, por meios telemáticos, na construção dos objetivos contratuais do em-preendimento (MARTINEZ, 2016, p. 403).

O ponto nodal de encontro na definição do teletrabalho é justamente a conexão direta ou indireta com seu empregador por meio de instrumento de tra-balho que permita a conexão de dados, textos, sons e imagens. Se não há distan-ciamento físico ou se não há labor exclusiva ou predominantemente por meio de recursos informáticos e/ou telemáticos, não se trata de teletrabalho (HOF-FMANN, 2017, p. 233).

o chamado teletrabalho é uma modalidade de trabalho a distância, típica dos tempos modernos, em que o avanço da tecnologia permite o labor preponde-rantemente fora do estabelecimento do empregador, embora mantendo o contato com este por meio de recursos eletrônicos e de informática, principalmente o computador e a internet (GARCIA, 2017, p. 253).

Segundo Estrada (2017, p. 11), o teletrabalho é aquele realizado com ou sem subordinação por meio do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação de trabalho, permitindo a sua execução à distância, prescindindo de presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho.

O teletrabalho, que poderia ser definido em termos amplos como “traba-lho electrónico à distância” (BETTENCOURT, 2007, p. 248), como outras for-mas de trabalho em rede (network), quebra a clássica estrutura hierarquizada da organização do trabalho, substituindo-a por novas e mais dinâmicas formas de organização do labor. Tarefas que previamente tinham que ser desenvolvidas numa única localização geográfica podem ser realizadas fora das instalações da empresa. o trabalho pode ser desenvolvido a partir de qualquer lugar e em qual-quer hora do dia ou da noite.

Já de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tele-trabalho é a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou cen-tro de produção, que permita a separação física e que se utilize de uma tecnologia que facilite a comunicação.

A aprovação da Declaração da oIT sobre os princípios e direitos funda-mentais no trabalho de 1998 seria um freio para que, desta maneira, possam ser eliminados os efeitos negativos do teletrabalho transfronteiriço. Vale recorrer inclusive ao prefácio da Constituição da OIT (1919): “Se qualquer nação não

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adotar um regime de trabalho realmente humano, esta omissão constituiria um óbice aos esforços de outras nações que quiserem melhorar a vida dos trabalha-dores de seus próprios países”. A crescente conscientização pública das práticas exploradoras e as repercussões políticas do temor da destruição do emprego nos países industrializados, fizeram com que alguns países propusessem a inclusão, nos tratados comerciais internacionais, de um capítulo sobre normas sociais, e com uma sanção para o caso de não as cumprirem.

Nessa linha de pensamento, percebem-se três pontos importantes que ca-racterizam o teletrabalho:

1) Tecnologia: é preciso que o empregado realize suas funções por meio de equipamentos tecnológicos que permitam a execução das tarefas remotamente, como, por exemplo, aparelhos celulares, laptops, palmtops e internet de banda de alta velocidade;

2) Lugar: é necessário que o serviço seja prestado fora da sede da empresa, podendo ser no domicílio do empregado, em telecentros ou qualquer outro lugar que possua conexão de internet;

3) Organização: Alguns autores adicionam a ideia de que é preciso relações in-tervenientes (teletrabalhador > empresa empregadora > Cliente) (PRETTI, 2018, p. 93).

O teletrabalho apresenta três espécies quando classificado quanto ao local da realização das tarefas do empregado, quais sejam: teletrabalho em domicílio, teletrabalho em telecentros e o teletrabalho nômade. Acerca de cada uma dessas espécies, Pretti (2018, p. 93) explica:

Teletrabalho em domicílio: o empregador fornece o material de trabalho para o empregado (computador e telefone celular) e este realiza em sua casa as tarefas estipuladas no contrato de trabalho. O teletrabalhador é responsável pelas despesas de energia elétrica, mensalidade de Internet e telefone fixo. Essa é a espécie mais utili-zada no Brasil atualmente. Teletrabalho em Telecentros: são locais de uma ou várias empresas, fora da sede principal, mas que estão interligados com esta, que se unem e criam telecentros onde os tra-balhadores realizarão suas obrigações empregatícias. Nesse caso to-dos os equipamentos (computadores, equipamentos que permitem o acesso à Internet, linha telefônica, fac-símiles...) e despesas são da empresa. É uma modalidade bem difundida na Europa, mas não muito utilizada no Brasil, apesar de ser uma das melhores alterna-tivas. Teletrabalho nômade: nesse caso o empregado realiza suas tarefas ora em um local ora em outro. Isso é aplicado aos trabalha-dores que costumam viajar muito.

A diferenciação do Teletrabalho com as demais formas de labor passa por uma de suas principais consequências, qual seja, a subordinação jurídica dife-

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renciada, sendo defendida, inclusive, a necessidade de adaptação do conceito clássico de subordinação até então conhecido antes dessa modalidade trabalho (REDINHA, 1999, p. 17).

A doutrina brasileira tradicional – antes da Lei n.º 13.467/2017, na mesma linha da portuguesa – entende que a subordinação jurídica no teletrabalho é mais tênue e é efetivada por meio de câmeras, sistema de logon e logoff, computado-res, relatórios, bem como ligações por celulares, rádios etc. Por isso, houve evo-lução do entendimento contido na Súmula 428 do TST, que passou a assegurar, no caso de ofensa à desconexão do trabalho e ao direito fundamental ao lazer, o pagamento de horas de sobreaviso. Trata-se de interpretação que se coaduna com a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais (direito ao lazer e à desconexão) (LEITE, 2017, p. 211).

Diante desse cenário claramente delineado, o Direito do Trabalho passou a preocupar-se com o teletrabalho de forma mais efetiva, refletindo se essa moda-lidade seria vantajosa ou desvantajosa ao teletrabalhador.

Nesse sentido, Redinha (2001, p. 94) aponta que:

Trabalhar à distância fora do espaço e do quadro clássico de exer-cício da atividade profissional convoca custos e benefícios para os sujeitos envolvidos. No que respeita ao teletrabalhador é in-dubitável que esta forma de exercício da atividade autoriza uma gestão flexível do tempo de trabalho, elimina, total ou parcial-mente, os incómodos e gastos relativos à deslocação para o posto de trabalho, permite uma melhor articulação da vida profissional e familiar, bem como potencia à criatividade e responsabilidade individual. Demais, os trabalhadores com deficiências incidentes sobre a motilidade vêem as perspectivas de emprego e ocupação substancialmente alargadas, o mesmo acontecendo com a mão-de-obra periférica que só, ocasional ou transitoriamente, está dis-ponível. No entanto, o isolamento a que está sujeito o teletraba-lhador, especialmente o que exerce a sua atividade no domicílio, conduz, não raro a um desenraizamento social e psicológico que empobrece a experiência profissional, dificulta a continuidade de uma carreira, enfraquece as probabilidades de promoção e acar-reta quebras salariais devido à subtracção de parcelas correspon-dentes a subsídios de transporte ou alimentação, por exemplo.

Garcia (2017, p. 255) também menciona as vantagens e desvantagens no teletrabalho, tanto ao empregado quanto ao empregador, ao afirmar que:

No teletrabalho é frequente ocorrer uma flexibilização do horá-rio de trabalho. Além disso, evita-se a necessidade de desloca-mento até o estabelecimento do empregador, o que economiza tempo, principalmente em grandes cidades, possibilitando maior

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tempo livre ao empregado. Para a empresa, há economia quan-to à manutenção de local de trabalho e sua infraestrutura. No entanto, podem ocorrer desvantagens no teletrabalho, como a maior dificuldade de inserção do empregado no grupo dos de-mais trabalhadores, bem como na sua participação de atuações coletivas e sindicais. São possíveis, ainda, prejuízos na vida ín-tima e familiar do empregado, bem como eventuais situações de cansaço e esgotamento daqueles que apresentem maior di-ficuldade em delimitar o período de trabalho e o tempo livre, por estarem constantemente conectados com o empregador. Para este, também podem surgir certas dificuldades de fiscalização e controle do trabalho a ser desempenhado, justamente em razão da forma diferenciada de trabalho em questão.

Martinez aponta problemas de ordem prática e desvantagens ao emprega-do em razão da possibilidade dessa modalidade especial. Entre os problemas está o deslocamento das demandas para locais onde as leis trabalhistas sejam menos exigentes ou para pontos do território global onde o custo da hora de trabalho seja menor. Assim, a fim de diminuir custos, algumas empresas europeias, “preferem instalar seus call-centers na índia, na Argélia ou em Marrocos, para que ali, em inglês, francês ou em espanhol, seus clientes sejam atendidos sem que se deem conta de que estão falando com empregados lotados em outro país” (2016, p. 404).

Por outro lado, para o empregador, há inegáveis vantagens nessa modali-dade de trabalho, que vão desde a economia de espaço e insumos da atividade empresarial, um potencial aumento de produtividade e até mesmo criatividade. “Em suma, é uma forma de redução dos custos e aumento da produtividade” (CAVALCANTE, 2017, p. 33).

Robortella (2010), por sua vez, também aponta as principais vantagens e desvantagens do teletrabalho:

Para o trabalhador oferece maior liberdade de horário para o desenvolvimento das atividades, menor necessidade de desloca-mento físico e mais intensa vida familiar. Tais vantagens contri-buem para o aumento da produtividade e diminuição do estresse.Para a empresa as maiores vantagens estão na redução de custos, contratação do trabalhador independentemente de residir longe ou perto do estabelecimento, diminuição do absenteísmo e in-cremento da produtividade.Empresa, empregado e a comunidade são beneficiados pela des-necessidade de deslocamento no tráfego das cidades, cada vez mais populosas e poluídas, com economia de tempo e custo do transporte, além do ganho ambiental.As principais desvantagens para o trabalhador são: maior co-brança por resultados, independentemente do esforço despendi-

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do; diminuição do convívio social no interior da empresa; perda da noção dos resultados globais da empresa; e menor mobiliza-ção e consciência no plano coletivo, com reflexos nas entidades sindicais e associações de defesa de direitos.Há também desvantagens para o empregador, tais como dificul-dade de controles dos dados confidenciais e manutenção logísti-ca da produção, além de problemas de avaliação da qualidade e produtividade do trabalho.

As vantagens do teletrabalho são inegáveis. Cumpre salientar, inclusive, que diversos tribunais e órgãos públicos já regulamentaram o teletrabalho. So-mente para citar as principais referências e alguns exemplos, vale mencionar o supremo Tribunal Federal, por meio da resolução n.º 621 de 29 de outubro de 2018; o Governo do Distrito Federal, por meio do Decreto n.º 39.368 de 04 de outubro de 2018 e o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª região), por meio do Ato GP n. 56, de 29 de outubro de 2018.

Em todas as regulamentações é necessário que o trabalhador postule a re-alização de teletrabalho, não havendo imposição desse regime. É possível verifi-car, face aos requisitos exigíveis, que ele está sendo tratado nas resoluções como uma vantagem ao próprio trabalhador. se são os próprios trabalhadores que estão buscando essa modalidade especial de labor, alguma vantagem é possível vis-lumbrar na execução desse modelo de atividade.

Conquanto existam inegáveis vantagens no teletrabalho, tanto para o empre-gado como para o empregador, parece ser quase um consenso doutrinário que há diversos desafios a serem enfrentados, em vários aspectos sociais e legais. E é nesse contexto e preocupação que a regulamentação deste fenômeno deveria caminhar.

1.2. Conceito e requisitos que se extraem da Lei n.º 13.467/2017

A Lei n.º 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) incluiu no Título II da CLT, que versa acerca das normas gerais de tutela do trabalho, o Capítulo II-A, e este passou a consagrar de forma destacada o regime jurídico do teletrabalho em nos-so ordenamento jurídico pátrio.

Delgado (2018, p. 1066) menciona, ainda, outros dispositivos que referen-ciam o teletrabalho na normatização trabalhista brasileira:

A Lei da Reforma Trabalhista (n. 13.467/2017), conforme expos-to, fez menção expressa ao teletrabalho. Desse modo, inseriu novo inciso III no art. 62 da Consolidação e acrescentou novo Capítulo II-A ao Título Il da CLT (composto pelos arts. 75-A até 75-E, além do art. 134, relativo às férias anuais remuneradas): todos esses no-vos dispositivos são direcionados ao regime de teletrabalho.

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O artigo 75-B da CLT, que conceitua o teletrabalho, diz:

Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderan-temente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empre-gador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

É claro que um conceito enfrenta questionamentos e reflexões da doutrina, por mais completo ou adequado que seja – ou não. Um primeiro questionamen-to que pode ser feito quando da análise do artigo 75-B é quanto à utilização da expressão “preponderante”. Quanto ao uso desta terminologia, Krost indaga se essa preponderância pode ser mensurada em horas por dia, dias por semana ou semanas num mês ou ano. E complementa os questionamentos: A mensuração ocorrerá pelo resultado objetivo dos serviços contratados, tais como projetos ou petições? Ou, ainda, ocorrerá pela quantificação do valor atribuído monetaria-mente a cada uma das atividades? (2018, p. 106).

Observa-se que o uso da palavra “preponderante” ocasionou diversas dúvi-das, que serão superadas com base na aplicação prática desta realidade imposta. Sobre o tema, o eminente professor Maurício Godinho Delgado (2018, p.140) faz importantes alertas:

Naturalmente que, sendo excessivos ou preponderantes esses comparecimentos ao estabelecimento empresarial, pode se des-caracterizar o regime de teletrabalho, em vista de se tornar ple-namente factível o controle de jornada pelo empregador. contu-do trata-se de matéria eminentemente fático-probatória, em que tende a vigorar o império do caso concreto posto à análise.

O teletrabalho não exige que o trabalho prestado pelo empregado seja apenas fora das dependências do empregador. É natural que em algumas ocasiões o em-pregado tenha que se dirigir às dependências deste. como bem ressaltou Delgado (2018), o que se espera é que não haja abuso na possibilidade de o teletrabalhador comparecer à empresa. É impossível, do ponto de vista acadêmico ou legislativo, criar parâmetros gerais. Em algumas situações, o comparecimento uma vez na se-mana pode ser adequado. Em outras, essa mesma periodicidade de comparecimento pode ser excessiva. A lei deixa de estabelecer um padrão para definir esta frequência.

Analisando os requisitos dos dispositivos legais conceituais, Miziara (2017, p. 37) traz pedagogicamente pelo menos dois elementos caracterizadores

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do teletrabalho sem os quais fica afastado o enquadramento legal da situação fática, quais sejam:

(I) que a prestação de serviços ocorra preponderantemente fora das depen-dências do empregador;

(II) que a utilização das tecnologias de informação e de comunicação não constitua a relação como trabalho externo.

O referido autor elenca como características para configuração do teletra-balho as seguintes:

a) prestação de serviços preponderantemente (mais da metade do tempo) fora das dependências do empregador;

b) utilização de tecnologias de informação e de comunicação; c) o exercício de suas atribuições deve se dar sem necessidade de constante lo-

comoção, sob pena de configurar-se como trabalho externo (MIZIARA, 2017, p. 39).Finalmente, há um último requisito trazido pela CLT para reconhecimento

da modalidade de teletrabalho, previsto no artigo 75-C do desse dispositivo legal citado. Este requisito, formal, é a necessidade de que a “prestação de serviços na modalidade teletrabalho” conste expressamente no contrato de trabalho do em-pregado, inclusive com as especificações das tarefas que serão realizadas (ZAI-NAGHI, 2018, p. 34).

Ficam, assim, estabelecidas todas as características necessárias para iden-tificação e delimitação do conceito de teletrabalho após o início da vigência da Lei n.º 13.467/2017.

2. O custeio e ônus de equipamentos, infraestrutura e despesas no teletrabalho

Dentre as várias novidades do Teletrabalho trazidas pela Lei n.º 13.467/2017, reserva-nos especial atenção as disposições acerca da previsão do artigo 75-D da CLT, que diz:

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, ma-nutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho re-moto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empre-gado, serão previstas em contrato escrito.

O artigo em comento provoca uma série de reflexões e debates, especial-mente acerca da possibilidade – ou não – de o empregador transferir ao emprega-do o ônus de sua atividade, o que seria vedado pela própria CLT, em seu artigo segundo, quando é conceituado o empregador como aquele que assume “os ris-cos da atividade econômica”, denotando o princípio da alteridade, que significa, em resumo, que o empregador assume os riscos do empreendimento.

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A questão de assunção do risco da atividade e a (im)possibilidade de trans-ferência desse ônus ao empregador sempre foi tema de embates – mais processu-ais do que doutrinários, é verdade – e bastante relevantes. Tentativas de dividir esse ônus com os empregados são frequentemente criadas – consciente ou in-conscientemente – no dia a dia da prática juslaboral.

Um primeiro debate, antes de se entrar efetivamente na questão específica do artigo 75-D da CLT, é se essa assunção dos ônus da atividade seria exclusiva do quem desenvol-ve atividade econômica ou de todos os empregadores. A doutrina diverge nesse aspecto, mas tende a entender que o risco é de todo empregador e não somente daquele que exerce atividade econômica. Maurício Godinho Delgado bem retrata essa diferenciação:

É que o art. 2º, caput, do diploma consolidado fala em riscos da atividade econômica, no mesmo preceito em que define empregador como empresa. Não obstante essa aparência, a interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica da ordem justrabalhista indica que se impõem, juridicamente, ao empregador também os riscos do trabalho prestado, ainda que este não tenha intuito econômico para seu tomador (caso do trabalho doméstico). Há alguma diver-gência doutrinária acerca desse efeito jurídico específico. Existem posições interpretativas que entendem que esse risco não se estende a todo e qualquer empregador, mas somente aos que desempenham atividade rigorosamente econômica, lucrativa (empresas, portanto).

E é nesse cenário polêmico que surge a dicção do artigo 75-D da CLT, buscando as regras acerca do custeio da aquisição e manutenção dos insumos e equipamentos necessários para o exercício do teletrabalho.

Pela simples leitura atenta do dispositivo, é possível já estabelecer algumas diferenciações de ordem prática, essenciais para apresentação didática da questão.

O comando legislativo separa-se em duas previsões distintas a serem pre-vistas em contrato:

a) disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos e infraestruturas necessárias;b) reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Como se percebe, o legislador estabeleceu expressamente que as despesas devem ser, necessariamente, reembolsadas ao empregado pelo empregador, limi-tando-se a dizer que a forma do reembolso deveria ser prevista em contrato escrito.

Por outro lado, a intenção legislativa foi claramente em dizer que aquisição ou fornecimento dos equipamentos e infraestruturas não precisam ser, necessa-riamente, reembolsadas, podendo ser pactuadas contratualmente. E acresceu a isso a própria manutenção dos equipamentos e infraestrutura, retirando tal manu-tenção do conceito de despesas.

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Tal evidência, no entanto, não parece ser clara a toda a doutrina. A profes-sora portuguesa Teresa coelho Moreira critica o dispositivo:

Parece-nos que o legislador não foi claro quanto a cargo de quem ficará a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária à realização do trabalho remoto na medida em que so-mente estabeleceu que deverá ser acordada em contrato escrito e que essas utilidades não integram a remuneração do empregado.

Já para Krost (2018, p.112) todas essas questões devem fazer parte do pacto pré-estabelecido entre empregador e teletrabalhador, principalmente con-siderando seu aspecto solene. Contudo, intencionalmente, ou não, teria deixado o Legislador de explicar a quem cabe assumir tais despesas, indispensáveis à atuação do sujeito subordinado na relação sob modalidade à distância.

Independente da clareza ou não dos institutos, tais disposições precisam, necessariamente, ser interpretadas à luz da Constituição, princípios e normas do Direito do Trabalho.

A nós parece razoável fazer outra classificação diferente da disposição co-dificada, não bastando, para melhor interpretação, classificar pelo tipo de despesa para se aferir a possibilidade ou não de se atribuir o ônus ao empregado.

Independentemente de a despesa ser com “aquisição, manutenção ou for-necimento” ou “despesas” é importante analisar, em primeiro lugar, se estamos diante de um dispositivo que gera transferência ilícita da alteridade ao contrato de trabalho.

Vejamos a expressa redação do já citado artigo 2º da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Uma exceção prevista, na própria CLT, para a regra da assunção dos ris-cos da atividade econômica está na redação do artigo 468 da CLT, que diz ser permitida a realização de descontos nos salários dos empregados quando estes resultarem de “adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”.

Na Organização Internacional do Trabalho foi publicada a Recomendação 184, que trata do trabalho em domicílio (que pode ser uma espécie de teletraba-lho, apesar de nem sempre sê-lo). A referida Recomendação traz o pensamento de justiça da OIT a respeito do tema, no artigo 16 da referida Recomendação:

Los trabajadores a domicilio deberían percibir una compensa-ción por:(a) los gastos relacionados con su trabajo, como los relativos al consumo de energía y de agua, las comunicaciones y el mante-nimiento de máquinas y equipos;

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(b) el tiempo dedicado al mantenimiento de máquinas y equipos, al cambio de herramientas, a la clasificación, al embalaje y de-sembalaje y a otras operaciones similares.

Como se percebe, a Recomendação 184 da OIT prevê que os trabalhado-res deveriam receber compensação pelos gastos mais singelos – como energia e água, por exemplo. Desta forma, tem-se clara percepção do espírito protetivo que a oIT pretende propiciar para o tema em questão.

Internamente, defende-se que a interpretação do artigo 75-D da CLT deve se dar de forma sistemática não apenas com o multicitado art. 2º celetista, mas com os artigos 1º, IV, 5º, xIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT – esta ratificada pelo Brasil e que diz que “as medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores”.

Tal entendimento foi consubstanciado no enunciado aglutinado 1 da Co-missão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho ocorrida em Brasília, em outubro de 2017, que traz a seguinte redação:

TELETRABALHO: CUSTEIO DE EQUIPAMENTOSo contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusiva-mente pelo empregador. Interpretação sistemática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, xIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT.

Maurício Godinho Delgado (2018, p. 140-141) entende também que o ônus deverá ser sempre suportado pelo empregador:

Relativamente aos equipamentos necessários para a realização do teletrabalho e despesas usuais correspondentes (aquisição de apa-relhos tecnológicos e instalações de suporte; assinaturas de telefo-nia e/ou internet; etc.), a nova Lei estabelece regra algo imprecisa. Não obstante certa imprecisão da Lei nesse tópico, o fato é que a CLT segue a diretriz geral de que os custos e encargos relativos ao contrato empregatício e à prestação de serviços nele contratada cabem ao empregador, ao invés de ao empregado. Isso é o que deflui do próprio conceito de empregador explicitado pela ordem jurídica. De fato, o art. 2º, caput, da CLT, enfatiza ser emprega-dor “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviço” (grifos acrescidos). Nesse quadro, a regra do art. 75-D da CLT tem de ser interpretada em harmonia com a regra do art. 2º, caput, da mesma CLT, colocando sob ônus do empregador es-ses custos inerentes ao teletrabalho. Esclarece, de toda maneira, o

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parágrafo único do art. 75-D da Consolidação que tais utilidades “não integram a remuneração do empregado”. Efetivamente, em princípio, são utilidades fornecidas para a prestação de serviços, não apenas para viabilizá-la como também para torná-la de melhor qualidade. Por isso, não ostentam mesmo natureza salarial.

De forma prática, temos que essas interpretações não são suficientes para aclaramento do tema. Verificar se está sendo transferida ilicitamente a alteridade do contrato de trabalho implica em analisar, de forma eficaz, a natureza do custo e até mesmo a necessidade de investimento dele ou não.

Daí porque sugerimos relacionar todos os custos decorrentes da prestação de serviços no teletrabalho com a seguinte classificação:

a) equipamentos e infraestrutura:a.1. previamente adquiridos;a.2. adquiridos ou implementados em decorrência do contrato de trabalho;a.3. reposição por desgaste natural;a.4. reposição por desgaste excessivo;b) despesas e manutenção:b.1. ordinárias;b.2. extraordinárias.Apesar de aparentemente excessiva a classificação em uma primeira análi-

se, parece-nos necessária para melhor compreensão do tema.Quando da contratação do teletrabalhador, parece-nos bastante razoável

que não haja necessidade de prever pagamento para aquisição de equipamentos e infraestrutura já preexistente e de uso ordinário do trabalhador. É o exemplo do trabalhador que já possui um computador compatível em sua casa e internet instaladas para seu uso cotidiano. Se o equipamento e infraestrutura existentes são adequados e suficientes para o exercício laboral, não se está, a nosso sentir, transferindo um ônus da atividade ao teletrabalhador em questão.

Já os equipamentos eventualmente adquiridos (ou implementados) em de-corrência do contrato de trabalho deverão ser custeados pelo empregador, sendo essencial que o contrato de trabalho preveja essas hipóteses. É o caso da internet que não é suficientemente rápida ou do computador que demanda um aumento de sua memória rAM ou HD. Essas implementações deverão ser ressarcidas pelo trabalhador, nos termos da fundamentação já exposta.

Nesse sentido, Raphael Miziara (2018) traz seu entendimento a respeito:

Fato é que, se a compra for efetivada pelo empregado, obriga-toriamente o reembolso deverá ocorrer na forma prevista no contrato (prazo para reembolso, forma de reembolso etc.). No entanto, há pelo menos uma hipótese na qual o empregado, ao fim e ao cabo, custeará parte dos equipamentos e infraestrutura,

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qual seja, quando aquelas despesas já forem despesas ordinárias do cotidiano do empregado.

Já a substituição dos equipamentos ou infraestrutura seguem a mesma lógica. Desgastes ordinários, normais de equipamentos de propriedade do empregado, po-derão – e deverão (salvo se assumidos por liberalidade do empregador) – ser substi-tuídos por ele sem participação do patrão. Tal lógica presume que os equipamentos em questão são utilizados pelo empregado também em suas atividades particulares, desconectadas do trabalho realizado – como atividades acadêmicas e de lazer.

Por outro lado, se o desempenho da atividade laboral gera uma depreciação excessiva ou acelerada do bem pelo seu uso, natural é se exigir do empregador o custeio – mediante pagamento direto ou reembolso – dos valores necessários para sua adequação ou substituição.

Tema mais delicado seria a questão relativa à aquisição de itens de saúde e segurança do trabalhador. A NR 17 – que trata da ergonomia – prevê a utilização de mobiliário adequado para o exercício da atividade, especialmente cadeiras com apoio para braços, telas de altura ajustável e, dependendo da altura do em-pregado, descanso para os pés.

Conforme já exposto anteriormente, o artigo 21 da Convenção 155 da OIT trata especificamente do tema, prescrevendo: “As medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores”.

Se nenhum ônus financeiro advindo das medidas de segurança e higiene do trabalho poderá ser suportado pelo empregado, esses itens devem ser, necessaria-mente, adquiridos pelo empregador se inexistentes de forma adequada quando da contratação do teletrabalhador.

Com relação às despesas – previstas na CLT que necessariamente reem-bolsadas ao empregado – será imperioso analisar se essas despesas são ou não destacáveis como despesas decorrentes do contrato de trabalho.

Como exemplo podemos citar o caso da internet. Se o trabalhador já pos-suía conexão com a rede mundial de computadores em sua casa e se utiliza dessa mesma rede para realização de suas atividades, não se trata de despesa a ser re-embolsada pelo empregador.

A questão limítrofe seria na análise de itens como energia, por exemplo – expressamente citada na Recomendação 184 da OIT. Como mensurar o custo de energia despendida pelo empregado em sua casa para execução de sua atividade?

Eis a razão da necessidade de, obrigatoriamente, ser pactuado em contrato escrito entre as partes, conforme previsto no dispositivo celetista em questão. Na ausência da estipulação caberá ao magistrado, em eventual reclamação tra-balhista, arbitrar o valor (já que a perícia para cálculo seria provavelmente mais onerosa do que o próprio reembolso).

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Ocorre que, apesar de todas essas previsões, a questão, se utilizada de for-ma ética e inteligente pelas partes contratantes, sanará uma séria de questões de interesse mútuo. Diz o parágrafo único do artigo 75-D que: “As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado”.

Parece-nos bastante adequado que contratualmente as partes estabeleçam valores a serem pagos mensalmente ao empregado para indenizá-lo ou contra-prestá-lo da utilização de seus equipamentos.

Nenhum óbice legal há para se estabelecer rubricas – em conjunto ou se-paradas – para os itens necessários, desde que os valores sejam compatíveis com valores de mercado para locação de itens semelhantes e não representem parcela maior do que a própria remuneração do teletrabalhador – maquiando-se o paga-mento de salário com essas rubricas.

De toda sorte, o pagamento mensal de indenização (ou locação) dos equi-pamentos eletrônicos (computadores, smartphones), mobiliários (cadeira, encos-to de pés, mesa e suportes) e infraestrutura e despesas (energia, internet) seria uma forma justa de se garantir ao empregado o recebimento de todas as essas despesas e ainda possibilitar uma espécie de contraprestação sem incidência de reflexos salariais e – dependendo da natureza – até mesmo previdenciárias e fis-cais. Isso tudo sob o manto da legalidade, adequação e justiça.

conclusão

o teletrabalho, que passou a ser regulamentado de forma mais detalhada com a Lei n.º 13.467/2017, caracteriza-se pelo uso da tecnologia e pela prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador.

No que toca ao custeio dos equipamentos, o que é especificamente objeto deste texto, não se pode adotar uma regra geral para um lado ou outro da relação emprega-tícia, como preferem alguns. É preciso verificar, entre outras coisas, se os gastos eram realizados previamente pelo teletrabalhador ou ainda se eram despesas ordinárias.

Assim, se o custo era preexistente e a despesa era para uso ordinário do teletra-balhador, não faz sentido obrigar, de qualquer modo, sem previsão expressa, que seja o gasto assumido pelo empregador. É o caso do acesso à internet que já estava disponível na residência do empregado e que não precisou ser ampliado. ou ainda se a substitui-ção dos equipamentos ou a manutenção deles ocorrem no interesse do empregado.

De outra sorte, se o desempenho da atividade laboral gera uma depreciação excessiva ou acelerada do bem do trabalhador pelo seu uso, deve-se exigir do empregador a assunção dos custos, assim também quando se trata de itens relati-vos à saúde e à segurança do teletrabalhador.

Parece-nos bastante adequado e razoável, de qualquer forma, o estabele-cimento de montantes mensais a serem pagos pelo empregador ao empregado –

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desde que não haja fraude para maquiar verba de natureza salarial –, a fim de se garantir o ressarcimento das despesas efetuadas pelo empregado.

Enfim, o pagamento mensal de valor fixo, como medida para ressarcimen-to global das despesas do teletrabalhador relativas ao seu trabalho, afigura-nos razoável, e serve como medida justa para minimizar eventuais prejuízos tidos pelo empregado no exercício de seu mister.

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TELETRABALHO, JORNADA EXCESSIVA e dano eXistenciaL

sandro Nahmias Melo1

1. tempos modernos

Tempos modernos. A profecia de Chaplin está consumada. Acordamos, nos alimentamos, nos divertimos, trabalhamos e vamos dormir cercados – e o mais grave, dependentes – de máquinas. Não necessariamente grandes, como as do fil-me da década de 30. Pequenas em sua maioria, mas praticamente onipresentes.

O Big Brother – descentralizado – vaticinado por George Orwell, também é realidade na vida de qualquer portador dos chamados smartphones.

Em qualquer ambiente, público ou particular, cresce a concentração das pessoas em direção dos onipresentes small (pelo tamanho) brothers, ou smar-tphones. Mais do que isso, pesquisas indicam que – cada vez mais – tem aumen-tado a dependência desses aparelinhos. cabeças curvadas e olhares na telinha durante almoços, reuniões em família, jantares “românticos” e, também, no am-biente de trabalho que, atualmente, é “transportado” para onde quer que se vá.

A dependência – adquirida voluntariamente – relacionada aos atos mais co-mezinhos do dia-a-dia pode, e deve, ser encarada como problema de saúde pública (nomofobia). Entretanto, e quando esta dependência é derivada de imposição? sendo decorrente de exigências ligadas ao contrato de trabalho? Quais os limites para uso de meios informatizados como ferramentas de produção no meio ambiente de trabalho?

Mais importante, para os fins do presente estudo, quais os reflexos do uso dos citados meios informatizados no controle da jornada de trabalho de um em-pregado? As multifacetadas atividades laborais que podem ser entendidas como teletrabalho devem ser excluídas do regime legal de jornada previsto na CLT?

Em termos sucintos, o novel inc. III, do art. 62 da CLT, acrescido pela Lei 13.467/2017, está em claro descompasso com a realidade tecnológica atual.

O excesso de conectividade nas relações de trabalho está ligado diretamen-te ao volume de labor a ser desenvolvido diariamente. Os meios informatizados – vinculados a uma atividade de trabalho – ainda que, potencialmente, possam estabelecer maior flexibilidade na rotina do trabalhador, ampliam, sobremaneira, a possibilidade de fiscalização do trabalho diário do mesmo. 1 Juiz do Trabalho Titular (11ª. Região). Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor Ad-junto da Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor dos livros: Meio Ambiente do Trabalho: Direito Fundamental; O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência e principio constitucional da igualdade (ação afirmativa); Prin-cípios de direito ambiental do trabalho; Direito à Desconexão do Trabalho, todos pela LTr editora.

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Assim, o eixo científico do presente estudo está pautado na ideia de des-compasso da nova norma celetista (in. III, do art. 62) com o contexto fático-so-cial atual; constituindo verdadeira lacuna ontológica (apesar de recente a norma) e, ainda, conflito direto com direitos fundamentais previstos na Constituição da república, entre eles o da sadia qualidade de vida no meio ambiente do trabalho, o descanso, o lazer, entre outros.

2. reforma trabalhista: de volta para o Futuro

No campo do direito material, a lei 13.467/2017 – aprovada no Congresso Nacional em velocidade avassaladora e sem diálogo com sociedade – parece repetir, em parte, o roteiro do filme clássico “DE VOLTA PARA O FUTURO”.

Ora, segundo uma das premissas da “Reforma Trabalhista”, a legislação trabalhista – anacrônica e caduca – tem que se modernizar e ir em direção ao futuro. Entretanto nossos roteiristas do Congresso Nacional tiveram, na prática, objetivo diferente. se não, vejamos nós.

Tal como no filme da década de 80, o protagonista e herói – no nosso caso o trabalhador brasileiro – seguia sua vida – já nada fácil – até ser perseguido por vilões que acabam fazendo com que ele volte ao passado. Após a viagem tempo-ral, o herói fica preso no passado, lutando, com todas as forças, para voltar para o futuro. E o passado para nosso herói nunca foi fácil. A proteção dos seus direitos sempre foi coisa do futuro, mediante muita luta.

A Reforma Trabalhista, baseada em pós-verdades, ou mentiras mesmo, transporta o trabalhador brasileiro para o passado. Ponto.

E nesse contexto, segue nosso herói lutando para voltar ao futuro. De fato, o nosso presente. Presente onde a CLT, antes da Lei 13.467/2017, não impedia o aumen-to do número de empregos – como aconteceu até 2014 -, onde a CLT não impediu a recente recuperação econômica (2017), apesar da maior crise institucional brasileira, onde conquistas históricas quanto aos limites da jornada de trabalho, quanto à proteção da saúde – física e psíquica – dos trabalhadores são vistas como avanço e não como obstáculo ao crescimento, tal como defendiam os empresários da Revolução Industrial.

Neste contexto, com a Lei 13.467/2017, temos caracterizada a volta ao passado. A Reforma Trabalhista que, pretensamente, buscou “modernizar” a CLT, em especial quanto ao controle da jornada de trabalho, não trouxe qualquer avanço ou modernização, protagonizando sim verdadeiro retrocesso social.

É certo que a CLT, em seu nascedouro, regulava – tutelava – atividades que sequer hoje existem. Sua recente “modernização” tampouco, em observância aos primados do Direito do Trabalho, considera os avanços tecnológicos na área das comunicações referente à transmissão de voz e dados por aparelhos celula-res, smartphones, notebooks, que passaram a facilitar a comunicação direta da

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empresa com o seu empregado. A jurisprudência dos tribunais brasileiros, como se verá adiante, reconhece que essas novas tecnologias passaram a limitar a li-berdade do trabalhador durante seus intervalos para descanso e folgas, especial-mente quando considerado o aspecto psicológico, pois este sofre da ansiedade de, a qualquer momento, ser convocado pelo empregador para prestar serviços de imediato. Neste contexto, a ideia de inexistência de limites claros para a jornada de um teletrabalhador nos remete ao passado – próprio da revolução Industrial – no qual o labor era desenvolvido até o limite da exaustão física.

A Constituição da República é o dispositivo de segurança que, a despeito da Lei 13.467/2017, deve trazer o nosso herói – trabalhador brasileiro – de volta ao futuro.

3. teletrabalho: amplitude conceitual

O novel inciso III, do art. 62 da CLT estabelece que:

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial;iii – os empregados em regime de teletrabalho. (grifou-se).

Sucitamente, o empregado em regime de teletrabalho, com a Lei 13.467/2017, foi equiparado ao trabalhador que tem atividade externa incompa-tível com a fixação de horário de trabalho. Não terá, então, direito às horas ex-tras. A Lei, entretanto, sem trocadilho, está desconectada da realidade, mesmo se considerada sua redação anterior. A ideia de impossibilidade de controle da jornada de um trabalhador externo ou de um teletrabalhador não subsiste diante da realidade dos avanços tecnológicos.

com uso de aplicativos de smartphone, o empregador consegue monitorar cada passo do seu empregado, inclusive sua localização através de sistema de rastreamento por GPs (sistema de Posicionamento Global).

Mais preocupante é a amplitude do conceito de teletrabalho que, implica, objetivamente, em restrição a direito. Os artigos 75-A e 75-B apresentam os se-guintes parâmetros conceituais:

Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo. Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com

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a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único. O comparecimento às dependências do em-pregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteri-za o regime de teletrabalho. (grifou-se).

Abstraídos os comentários sobre a redação esquizofrênica dos dispositivos supratranscritos, impõe-se ressaltar os requisitos do tipo legal: 1- o trabalho pre-ponderantemente externo; 2 – uso de tecnologias de informação e de comuni-cação; 3 – que não constitua, por sua natureza, trabalho externo.

Neste sentido, o empregado que usa aplicativo de gestão de tarefas em smartphone e realiza visita a clientes em alguns dias da semana deve ser consi-derado em regime de teletrabalho? sua rotina, portanto, impossibilita o controle de jornada que justifique a restrição legal ao direito a limite de jornada diária de trabalho e ao pagamento de horas extras. Parece-nos que não.

Um conceito tão amplo e de contornos confusos, em matéria de restrição de direitos, apenas fomenta insegurança jurídica. Note-se que Jurisprudência e doutrina têm evitado conceituar o teletrabalho de forma hermética ou definitiva, até pela evolução cada vez mais rápida dos tipos de trabalho que usam instrumen-tos de informática ou telemáticos. Para Alice Monteiro de Barros, o teletrabalho é considerado como modalidade especial de trabalho a distância, constituindo novo tipo de trabalho descentralizado, realizado no domicílio do trabalhador ou em centros satélites fora do estabelecimento patronal, mas em contato com ele ou em outro local, de uso público. Observa a autora, com fineza de pensamento, que:

Aliás, essa nova forma de trabalhar poderá ser também transre-gional, transnacional e transcontinental. Esse tipo de trabalho permite até mesmo a atividade em movimento. Ele é executado por pessoas com média ou alta qualificação, as quais se utilizam da informática ou da telecomunicação no exercício das ativida-des (BARROS, 2009, p. 327).

Já Rodrigues Pinto entende que:

seu melhor conceito é o de uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal. Desse modo, o comando, a exe-cução e a entrega do resultado se completarão mediante o uso da tecnologia da informação, sobretudo a telecomunicação e a informática, substitutivas da relação humana direta (RODRI-GUES PINTO, 2007, p. 133).

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Entende-se, para os efeitos deste estudo, que o conceito de teletrabalho está indissociavelmente ligado à rotina de trabalho à distância e ao uso dos meios de tecnologia da informação e comunicação, mas não pode ter seus contornos estratificados, engessados, tampouco implica, necessariamente, em falta de con-trole da jornada de trabalho pelo tomador de serviços.

4. direito ao meio ambiente do trabalho saudável.

Como já observado em outra oportunidade na obra “Meio ambiente do tra-balho: direito fundamental (MELO, 2001, p. 26)” o conceito de meio ambiente é amplo, não estando limitado, tão somente, a elementos naturais (águas, flora, fauna, recursos genéticos, etc.), mas incorporando elementos ambientais huma-nos, fruto de ação antrópica (ROCHA, 2002, p.127). Assim, considerando que o meio ambiente do trabalho está indissociavelmente ligado ao meio ambiente geral, forçosa é a conclusão no sentido de ser impossível qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sus-tentável, ignorando o meio ambiente do trabalho (OLIVEIRA, 2011, p. 127).

O meio ambiente do trabalho, repita-se, não está adstrito ao local, ao espaço, ao lugar onde o trabalhador exerce suas atividades. Ele é constituído por todos os elementos que compõem as condições (materiais e imateriais, físicas ou psíquicas) de trabalho de uma pessoa.

Neste mesmo sentido observa, com acuidade, Arion Sayão Romita (2005, p.383):

Importante é a conceituação de meio ambiente do trabalho apta a re-colher o resultado das transformações ocorridas nos últimos tempos nos métodos de organização do trabalho e nos processos produti-vos, que acarretam a desconcentração dos contingentes de trabalha-dores, não mais limitados ao espaço interno da fábrica ou empresa. Por força das inovações tecnológicas, desenvolvem-se novas moda-lidades de prestação de serviços, como trabalho em domicílio e te-letrabalho, de sorte que o conceito de meio ambiente do trabalho se elastece, passando a abranger também a moradia e o espaço urbano.

Inúmeros podem ser os componentes que permeiam um determinado meio ambiente de trabalho. No dizer de Julio Cesar de Sá da Rocha (2002, p. 254):

(...) há que se perceber o caráter relativo e profundamente diferen-ciado de prestação da relação de trabalho e do espaço onde se es-tabelecem essas relações. com efeito, a tamanha diversidade das atividades implica uma variedade de ambientes de trabalho. A refe-rência acerca do meio ambiente de trabalho assume, assim, conte-údo poliforme, dependendo de que atividade está a ser prestada, e como os ‘componentes’ e o ‘pano de fundo’ reagem efetivamente.

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Ressalte-se, ainda, que o conceito de trabalho humano ou de trabalhador, para fins da definição do meio ambiente do trabalho, não está atrelado necessa-riamente à uma relação de emprego subjacente e sim à uma atividade produtiva. Todos aqueles que prestam trabalho nestes termos têm o direito fundamental de realizá-lo em um local seguro e saudável, nos termos do art. 200, VIII, c/c art. 225 da CR, tanto o empregado clássico quanto os trabalhadores autônomos, terceiriza-dos, informais, eventuais e outros. Todos, enfim, que disponibilizam sua energia física e mental para o benefício de outrem, inseridos em uma dinâmica produtiva. o conceito de meio ambiente do trabalho deve abranger, sobretudo, as relações in-terpessoais – relações subjetivas – especialmente as hierárquicas e subordinativas, pois a defesa desse bem ambiental espraia-se, em primeiro plano, na totalidade de reflexos na saúde física e mental do trabalhador (MELO; CASTILHO, 2011, p. 06).

Cumpre aqui destacar que o direito à sadia qualidade de vida insculpido no art. 225 da Constituição da República não está limitado ao aspecto da saúde física. Segundo o con-ceito estabelecido pela Organização Mundial de Saúde-OMS (1986, p. 13), a saúde é “um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou enfermidade”, sendo essa a verdadeira concepção tutelada pela Carta Política de 1988.

Conclui-se, após as digressões supra, que o conceito de meio ambiente do trabalho considera todas as condições físicas e psíquicas de trabalho, relacio-nadas à sadia qualidade de vida do trabalhador, empregado ou não. Neste viés, o empregado que atua em regime de teletrabalho não pode ter negado os direitos, constitucionalmente previstos, à saúde, ao descanso e ao lazer. A norma do inc. III, do art. 62 da CLT, além de desconectada da realidade, é claramente inconstitucional.

5. controle de Jornada.

Insistimos: com os modernos meios de comunicação todas as atividades são suscetíveis ao controle de jornada, ainda que preponderantemente externas. Des-considerar os avanços tecnológicos implica em fechar os olhos para a realidade.

Entendem Muniz e Rocha que:

é perfeitamente viável aplicar ao teletrabalhador as normas sobre jornada de trabalho, quando estiver em conexão permanente com a empresa que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho. Afinal, essa é a regra, ao passo que o inciso I do artigo 62 da CLT é a exce-ção. não há incompatibilidade entre o teletrabalho e a jornada extraordinária (MUNIZ e ROCHA, 2013, p.111 – grifou-se).

Neste mesmo sentido, observa Vólia Bomfim Cassar:

Há forte presunção de que teletrabalhador não é fiscalizado e, por isso, está incluído na exceção prevista no art. 62, I, da CLT. Se,

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todavia, o empregado de fato for monitorado por webcâmera, intra-net, intercomunicador, telefone, número mínimo de tarefas diárias etc., terá direito ao Capítulo “Da Duração do Trabalho”, pois seu trabalho é controlado. Aliás, o parágrafo único do art. 6º da CLT é claro no sentido de que ‘Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordi-nação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio’. (CASSAR, 2012, p. 712).

Reitere-se, diferentemente do que dispõe a presunção do inc. III, do art. 62 da CLT, a condição de teletrabalhador não afasta, por si só, a possibilidade de fiscalização do horário de trabalho por parte do empregador. Tampouco o uso de instrumentos de informática – vinculados a uma rotina laboral à distância – im-plicam, necessariamente, em trabalho realizado. Martins (2012, p. 101) eviden-cia que “o fato de o trabalhador prestar serviços na sua residência não quer dizer que trabalha todo o tempo”, destacando que “a circunstância de o computador estar aberto e conectado também pode não dizer que ao trabalhar está prestando serviços para a empresa”. Importante ressaltar que o mero log in ou log out de um trabalhador no sistema informatizado designado para o exercício da ativi-dade laborativa não implica, necessariamente, em efetivo labor despendido. o trabalhador pode estar conectado ao sistema e não se encontrar laborando. Dessa forma, o direito do teletrabalhador à percepção de adicional de horas extras es-tará condicionado à prova de que seu horário de trabalho era efetivamente fis-calizado/controlado pelo empregador, com realização de atividades específicas.

Destaque-se que a jurisprudência, quanto à impossibilidade de controle de jornada, mesmo no caso da hipótese de trabalho externo (inc. I, do art. 62 da CLT), tem entendido tratar-se de presunção relativa:

TRABALHADOR EXTERNO. CONTROLE DA JORNADA DE TRABALHO. Ao indicar os trabalhadores que exercem atividade externa como não sujeitos à regência das regras sobre jornada de trabalho, a CLT cria apenas uma presunção juris tantum de que tais empregados não estão submetidos, no cotidiano laboral, à fiscalização e ao controle de horário, não se sujeitando, pois à regência das regras sobre jornada de trabalho. Tal presunção pode ser elidida mediante prova em contrário, que demonstre um mínimo de fiscalização e controle por parte do emprega-dor sobre a prestação concreta dos serviços ou sobre o período de disponibilidade perante a empresa. No caso vertente, restou evidenciado, de acordo com o acórdão regional, que existia ati-vidade externa, mas compatível com o controle de horário, visto que a Reclamada detinha condições de acompanhar e registrar a jornada de trabalho, mediante a exigência de preenchimento

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de -relatórios de visitas- pelos vendedores, nos quais consta-va o horário das visitas e o período gasto com deslocamento e alimentação, os quais eram elaborados na empresa após as 17 horas. Tais circunstâncias evidenciam que vigorava uma condi-ção de controle, suficiente para exclui-lo da exceção do art. 62, I, da CLT. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. (…) Processo: RR – 1839100-75.2005.5.09.0028 Data de Julgamen-to: 30/03/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/04/2011. RECURSO DE REVISTA – HORAS ExTRAORDINáRIAS – MOTORISTA – TRABALHO ExTERNO – FIxAÇÃO DE JORNADA – POSSIBILIDADE. Para o enquadramento do em-pregado como trabalhador externo, inserido nas disposições do art. 62, I, da CLT, é conditio sine qua non que o obreiro exerça atividade fora do estabelecimento comercial da empresa e haja incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho. Anote-se que não é a ausência de controle de jornada que caracteriza a exceção do art. 62, I, da CLT, mas a impossibilidade de fixação de horário de trabalho, hipótese que não ocorreu nos presentes au-tos. No caso, o Tribunal Regional consignou expressamente que a reclamada dispunha de equipamentos de rastreamento via sa-télite, tacógrafo, sistema de comunicação por telefone, os quais, em conjunto, permitiam aferir a precisa localização do veículo conduzido pelo empregado e possibilitavam a fixação de horário de trabalho e o controle da jornada praticada pelo autor. Conclui-se, pois, que a reclamada possuía meios de controlar a jornada de trabalho do autor. Logo, afigura-se devido o pagamento das horas extraordinárias. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 132319201150300431323-19.2011.5.03.0043, Re-lator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 13/11/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/11/2013).

Assim, como já defendido à exaustão alhures, a norma do inc. III, do art. 62, da CLT, acrescida pela Lei 1.3467/2017, está em descompasso com a reali-dade social, além de inconstitucional.

6. Direito à desconexão.

Como exposto alhures, as novas tecnologias revolucionaram o mundo do trabalho, possibilitando novos esquemas de organização. O lado positivo é o de trazerem novas possibilidades de flexibilização, como a de poder trabalhar à dis-tância e facilitar as comunicações em grupo. Mas elas também têm o potencial de dissolver as fronteiras entre a vida pessoal e a vida profissional. Em síntese, estas novas tecnologias, além de permitirem o controle de jornada podem contri-

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buir para um elastecimento exagerado desta, inclusive aos fins de semana e em períodos reservados para descanso, como férias.

Aquele que atua em regime de teletrabalho, pelas peculiaridades de sua atividade, demanda limites claros para o tempo - virtualmente - à disposição do seu empregador, sob pena de ver afetada sua sadia qualidade de vida no meio am-biente do trabalho. Note-se que o direito ao repouso e ao lazer são assegurados pela constituição da república. Neste sentido, entende-se que o teletrabalha-dor, em especial, tem direito à desconexão.

O direito à desconexão do ambiente de trabalho é inerente a todo e qual-quer empregado e consiste no “desligamento”, na desconexão, como o próprio nome sugere, tanto físico ou mental, do empregado ao ambiente em que trabalha.

O direito a desconexão é antes de tudo fator de resgate da natureza humana que na era da conexão em tempo integral encontra-se comprometida pelo uso indiscriminado no ambiente laboral das ferramentas telemáticas.

O descanso e o direito a desligar-se do trabalho apresentam-se essenciais ao bem estar físico e mental do trabalhador, importando em sua qualidade de vida e saúde, sendo essencial até mesmo a sua produtividade, importando na de-fesa de vários direitos constitucionais conexos, como o direito à saúde, ao lazer e ao meio ambiente sadio.

O Tribunal Superior do Trabalho tem se posicionado favorável à desco-nexão do ambiente de trabalho, como se pode perceber pelo trecho de julgado colacionado em seguida:

A concessão de telefone celular ao trabalhador não lhe retira o di-reito ao percebimento das horas de sobreaviso, pois a possibilidade de ser chamado em caso de urgência por certo limita sua liberda-de de locomoção e lhe retira o direito à desconexão do trabalho. (Processo: RR – 64600-20.2008.5.15.0127. Data de julgamento: 27/06/2012. Relatora: Juíza convocada – Maria Laura Franco Lima de Faria, 8ª turma, Data de Publicação: DETJ 29/06/2012).

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região entendeu no mesmo senti-do, que durante o descanso, deve haver total desconexão das atividades que o empregado desempenha, com o objetivo de proteger a saúde física e mental do trabalhador, como se pode perceber no julgado infra:

Direito à desconexão do trabalho. Intervalo intrajornada substi-tuído por pagamento de horas extras. Norma de ordem pública e caráter cogente. Invalidade. O artigo 71 da Consolidação das Leis Trabalhistas, ao prever a obrigatoriedade do intervalo intra-jornada, estabelece norma de ordem pública e de caráter cogente, indisponível pelas partes, nem mesmo no campo da autonomia

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privada coletiva (negociação coletiva). os períodos de descanso intrajornada previstos em lei devem ser gozados pelo trabalha-dor com total desvinculação de suas atividades laborais. Trata-se do denominado “direito à desconexão do trabalho”, expressão cunhada pelo doutrinador Jorge Luiz Souto Maior. O “direito ao não trabalho”, durante o intervalo dentro da jornada, tem por escopo a preservação da saúde, física e mental, e a própria se-gurança do empregado, como forma mínima de assegurar a dig-nidade da pessoa humana. O mero pagamento de horas extras, em substituição à fruição do intervalo intrajornada, (...) (TRT-4 - RO: 1199000320095040332 RS 0119900-03.2009.5.04.0332, Relator: DENISE PACHECO, Data de Julgamento: 04/08/2011, 2ª Vara do Trabalho de São Leopoldo).

7. dano existencial.

E quando o exercício do direito à desconexão é negado? Quando o excesso de conectividade ao trabalho, imposto pelas demandas de um empregador ou tomador de serviços, impossibilitam o exercício dos direitos ao descanso, ao lazer, à saúde e, em última instância, à felicidade? danos a projetos de vida invariavelmente ocorrem.

O excesso de trabalho, além de afetar imediatamente à saúde física e psí-quica, pode contribuir para a não realização de sonhos e aspirações naturais a qualquer ser humano. A sobrecarga sistemática de trabalho, em longos perío-dos totalmente à disposição do tomador de serviços, compromete a liberdade de escolha do indivíduo em relação ao seu destino, afetando, por consequência, o respectivo projeto de vida. Georgenor de Sousa Franco Filho observa, com fineza de pensamento:

Quando os projetos de vida do trabalhador são violados, quando restam impossíveis de serem alcançados, e isso represen-ta reflexos graves ao seu bem-estar psicológico estamos diante do que se chamada dano existencial, ligado ao dano psicológico. Ocorre inúmeras vezes no âmbito de trabalho. São casos, v. g., de negar permissão ao empregado para se ausentar temporaria-mente do trabalho a fim de prestar exame de vestibular, preju-dicando-lhe o futuro profissional, ou impedir que desenvolva alguma prática desportiva, fora do horário do expediente, ou exigir-lhe sobrejornada frequente e não observar as regras do banco de horas, ou, desmotivadamente, cancelar as férias já con-cedidas prejudicando o empregado do convívio familiar. Evi-dente que, em casos dessa natureza, o prejuízo ao trabalhador é subjetivo, lhe está sendo negado o direito à felicidade (...), e, por corolário, a usufruir de alguns dos direitos contemplados no art.

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6º da Constituição de 1988. É praticamente unânime o entendi-mento de que a caracterização do dano existencial está ligada, na sua essência, à frustração de um projeto de vida do trabalhador (Grifou-se - FRANCO FILHO, 2017, p.272).

Rodolfo Pamplona e Luiz Carlos Vilas Boas (2014, p. 560) afirmam que “o dano existencial é entendido como aquele que inviabiliza o projeto de vida da vítima, que a impede de alcançar suas aspirações. Se o ato danoso faz com que a vítima não possa mais exercer determinadas atividades, a jurisprudência o tem qualificado como existencial”.

Para Júlio César Bebber (2009, p 28), “por dano existencial compreende-se toda lesão que compromete a liberdade de escolha e frustra o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano. Diz-se existencial exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um vazio existencial na pessoa que perde a fonte de gratificação vital. (...) O fato injusto que frustra esse destino (impede sua plena realização) e obriga a pessoa a resignar-se com o seu futuro é chamado de dano existencial”.

Importa ressaltar, entretanto, que não é qualquer impedimento ao exercí-cio do direito ao lazer que implicará, necessariamente, em dano existencial. A caracterização do dano existencial, conforme abalizada doutrina, requer, além dos requisitos inerentes para configuração de qualquer dano, tal como a, como a existência de prejuízo, o ato ilícito do agressor e o nexo de causalidade entre as duas figuras, dois elementos específicos, quais sejam: o projeto de vida e a vida de relações (Frota, 2010, p. 276).

A título de exemplo, a extensão extraordinária de jornada de trabalho, sem observância a intervalos mínimos para descanso ou lazer, por algumas semanas ou um mês, não implica, automaticamente, em dano existencial.

o projeto de vida, para Bebber (2009, p. 28) se refere a tudo aquilo que determinada pessoa decidiu fazer com a sua vida. Para o autor, o ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades, o que o leva a permanentemente projetar o futuro e realizar escolhas visando à realização do projeto de vida. Por isso, o mesmo afirma que qualquer fato injusto que frustre esse destino, impedindo a sua plena realização e obrigando a pessoa a resignar-se com o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial.

No tocante à vida de relação, para Almeida Neto (2005), o dano resta caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam al-guém de desfrutar total ou parcialmente, dos prazeres propiciados pelas diversas formas de atividades recreativas e extra laborais, como por exemplo, a prática de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações re-creativas, entre tantas outras. Essa vedação interfere decisivamente no estado de

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ânimo do trabalhador atingindo, consequentemente, o seu relacionamento social e profissional. Reduz com isso suas chances de adaptação ou ascensão no traba-lho o que reflete negativamente no seu desenvolvimento patrimonial.

Para FROTA (2010, p. 277) o prejuízo à vida de relação, diz respeito ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspira-ções, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato contínuo (pro-cesso de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsitos à humanidade.

Importa mencionar que o dano à vida da relação não se dá somente por condutas reiteradas, sendo que um único ato pode causá-lo na vida do trabalha-dor, a exemplo do empregador que obriga o empregado a fazer jornada extraor-dinária no dia que o mesmo compareceria a um importante evento familiar.

Destaca-se ainda a proteção constitucional às relações familiares, como se pode perceber nos artigos transcritos a seguir:

Art. 226 A entidade familiar, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberda-de e à convivência familiar.

Nas palavras de Ballestrero (2009, p. 163), a tutela da família não pode prescindir das normas que impõe ao tomador dos serviços o sacrifício de reco-nhecer ao trabalhador direitos cujo exercício pressupõe que ele saia do trabalho com tempo e energia para se dedicar ao seio de sua família.

No tocante a tutela do lazer e o direito ao descanso, que já foram tratados neste capítulo, os mesmos são fundamentais ao equilíbrio e saúde físicos e psíquicos do ser humano, sendo fundamentais inclusive ao desempenho da própria atividade laborativa.

Soares (2009, p. 37) comenta que a tutela à existência da pessoa resulta na valorização de todas as atividades que a pessoa realiza, ou pode realizar, tendo em vista que tais atividades são capazes de fazer com que o indivíduo atinja a felicidade, exercendo, plenamente, todas as faculdades físicas e psíquicas. Além disso, a felicidade é, em última análise, a razão de ser da existência humana.

O dano existencial e indenização correspondente já têm reconhecimento judicial pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO AUTOR EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 13.015/2014. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. DANO EXISTENCIAL. CARACTERIZAÇÃO. JORNADA DE TRABALHO EXCESSIVAMENTE LONGA E DESGASTANTE. Ao pretender se apropriar do conceito de existência, para envol-vê-lo no universo do dever de reparação, o jurista não pode des-considerar os aspectos psicológicos, sociológicos e filosóficos a ele inerentes. A existência tem início a partir do nascimento com vida - para alguns, até antes, desde a concepção -, e, desse momento em diante, tudo lhe afeta: a criação, os estímulos, as oportunidades, as opções, as contingências, as frustrações, as relações interpessoais. Por isso, não pode ser encarada sim-plesmente como consequência direta e exclusiva das condições de trabalho. Responsabilizar o empregador, apenas em decor-rência do excesso de jornada, pela frustração existencial do empregado, demandaria isolar todos os demais elementos que moldaram e continuam moldando sua vida, para considerar que ela decorre exclusivamente do trabalho e do tempo que este lhe toma. Significaria passar por cima de sua história, para, então, compreender que sua existência depende tão somente do tempo livre que possui. É possível reconhecer o direito à reparação, quando houver prova de que as condições de trabalho efetiva-mente prejudicaram as relações pessoais do empregado ou seu projeto de vida. E mais: reconhecido esse prejuízo, é preciso so-pesar todos os elementos outrora citados, como componentes da existência humana, para então definir em que extensão aquele fato isolado – condições de trabalho – interferiu negativamente na equação. Há precedentes. Na hipótese, o Tribunal Regional consignou que a imposição de jornada excessiva constitui gra-ve violação de direitos trabalhistas, não obstante, concluiu que esse fato não é capaz de ensejar o reconhecimento automático do dano alegado, e, por consequência, o dever de indenizar. De-cisão em consonância com a jurisprudência desta Corte. Inci-dência da Súmula n. 333 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST-AIRR-1079-67.2010.5.20.0006. Rel. Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão. DEJT 06.03.2017).INDENIZAÇÃO POR DANO ExISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO ExTENUANTE. O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimo-nial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à so-ciedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de tra-balho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em de-corrência da conduta ilícita do empregador. O Regional afirmou,

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com base nas provas coligidas aos autos, que a reclamante labo-rava em jornada de trabalho extenuante, chegando a trabalhar 14 dias consecutivos sem folga compensatória, laborando por diversos domingos. Indubitável que um ser humano que trabalha por um longo período sem usufruir do descanso que lhe é asse-gurado, constitucionalmente, tem sua vida pessoal limitada, sen-do despicienda a produção de prova para atestar que a conduta da empregadora, em exigir uma jornada de trabalho deveras ex-tenuante, viola o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, representando um aviltamento do trabalhador. o enten-dimento que tem prevalecido nesta corte é de que o trabalho em sobrejornada, por si só, não configura dano existencial. Todavia, no caso, não se trata da prática de sobrelabor dentro dos limites da tolerância e nem se trata de uma conduta isolada da emprega-dora, mas, como afirmado pelo Regional, de conduta reiterada em que restou comprovado que a reclamante trabalhou em di-versos domingos sem a devida folga compensatória, chegando a trabalhar por 14 dias sem folga, afrontando assim os direitos fundamentais do trabalhador. Precedentes. recurso de revista conhecido e desprovido. (TST-RR-1034-74.2014.5.15.0002. Rel. Ministro José Roberto Freire Pimenta. DJ 13.11.2015).DANO MORAL. DANO ExISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉ-RIAS. DURANTE TODO O PERíODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, x, da Constituição Federal, a lesão causa-da a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, “consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela consti-tuição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.” (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tute-la da dignidade da pessoa humana. revista dos Tribunais, são Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem ele-mentos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causali-dade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o di-

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reito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a reclamada deixou de con-ceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da reclamante. Assim, face à conclusão do Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de indenização, resulta violado o art. 5º, x, da Carta Magna. Recurso de revista conhe-cido e provido, no tema. (TST-RR-727-76.2011.5.24.0002. Rel.Ministro Hugo carlos scheuermann. DJ 28.06.2013).

Segundo Garcia (2015), a ocorrência de danos existenciais ambientais ain-da é um tema pouco enfrentado pela doutrina, tratando-se de paradigma a ser construído pela jurisprudência e merecedor de especial atenção.

Para Leite e Ayala (2012), o dano moral ambiental também se manifesta como um dano reflexo (ou ricochete), referente a degradação ambiental causada individual ou coletivamente à pessoa, comunidade ou sociedade, gerando abalo emocional, desgosto e depressão capazes de abalar a normalidade da vida, toma-da por sentimentos negativos decorrentes da degradação ambiental.

Ainda segundo Garcia (2015), além do aspecto imaterial do dano moral ambiental, soma-se o dano ambiental existencial, que se configura, igualmente, um dano reflexo originário, direta ou indiretamente, da degradação ambiental. Todavia, o dano existencial difere nos reflexos e nas formas como se manifesta na vida do individuo ou da coletividade. No caso do dano ambiental existencial, os reflexos percebidos pela coletividade ou por um único indivíduo assumem uma intensidade maior, pelo fato que comprometem o modo de ser e de viver.

Os ofendidos passam a ter que lidar com uma verdadeira crise existencial, em que se questiona a atividade laboral, o local onde residem, os planos de vida, a criação dos filhos, colocando-se em questão a própria existência, deslocando a normalidade da vida do indivíduo, forçando-o a adotar uma forma degradada de existência, danificando sua dignidade (SATRE, 1997).

Fica clara a necessidade de estabelecimento de limites legais claros a in-trodução das tecnologias no ambiente laboral, devendo o ordenamento jurídico, enquanto instrumento social, acompanhar a evolução da sociedade. o desenvol-vimento tecnológico é uma realidade incapaz de retroceder, cada vez mais são inseridas novas ferramentas, que se mal utilizadas, podem permitir uma invasão na vida pessoal, no direito ao descanso e lazer do trabalhador e até mesmo perpe-trar danos permanentes, prejudicando seus relacionamentos sociais e familiares e degradando sua qualidade de vida.

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8. Considerações finais.

Diante de todo o exposto, parece-nos autorizado concluir que o excesso de conectividade nas relações de trabalho está ligado diretamente ao volume de la-bor a ser desenvolvido diariamente. Os meios informatizados – vinculados a uma atividade de trabalho – ainda que, potencialmente, possam estabelecer maior fle-xibilidade na rotina do trabalhador, ampliam, sobremaneira, a possibilidade de fiscalização do trabalho diário do mesmo. Neste sentido, o novel inc. III, do art. 62 da CLT, acrescido pela Lei 13467/2017, está em claro descompasso com a realidade tecnológica atual.

É preocupante a amplitude conceitual do labor em regime de teletrabalho estabelecida pelo citado inc. III, do art. 62 da CLT, uma vez que hermético e de contornos confusos, fomentando, em matéria de restrição de direitos, apenas a insegurança jurídica. Entende-se, para os efeitos deste estudo, que o conceito de teletrabalho está indissociavelmente à rotina de trabalho à distância e ao uso dos meios de tecnologia da informação e comunicação, mas não pode ter seus contor-nos estratificados, engessados, tampouco implica em falta de controle presumido da jornada de trabalho pelo tomador de serviços.

o empregado que atua em regime de teletrabalho tem o direito fundamen-tal à sadia qualidade de vida no seu meio ambiente de trabalho, tem direito a des-canso e lazer; direito à desconexão, direitos estes que não podem ser suprimidos pela Lei 13.467/2017. A norma do inc. III, do art. 62 da CLT, além de desconec-tada da realidade, é claramente inconstitucional.

As novas tecnologias revolucionaram o mundo do trabalho, possibilitando novos esquemas de organização. O lado positivo é o de trazerem novas possibili-dades de flexibilização, como a de poder trabalhar à distância e facilitar as comu-nicações em grupo. Mas elas também têm o potencial de dissolver as fronteiras entre a vida pessoal e a vida profissional. O desenvolvimento tecnológico é uma realidade incapaz de retroceder, cada vez mais são inseridas novas ferramentas, que se mal utilizadas, podem permitir uma invasão na vida pessoal, no direito ao descanso e lazer do trabalhador e até mesmo perpetrar danos permanentes, danos existenciais prejudicando seus relacionamentos sociais e familiares e degradando sua qualidade de vida.

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teLetraBaLHo no BrasiL: anÁLise crÍtica da regULamentaÇÃo estaBeLecida PeLa Lei 13.467/2017

Jorge cavalcanti Boucinhas Filho1

1. introdução

A legislação Brasileira preocupa-se, há muito com a situação do empre-gado que não exerce as suas funções fora do estabelecimento do empregador. A redação original do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, que data dos idos de 1943, asseverava textualmente que “Não se distingue entre o traba-lho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”. O trabalho em domicílio da época era, inquestionavelmente, uma exceção à regra. O usual, e de certa forma esperado, era o trabalho realizado no ambiente do empregador, com os instrumentos deste e em horário fixo por ele determinado.

Desde então a tecnologia revolucionou, de forma inimaginável, as relações de trabalho. A popularização do computador e a evolução da informática e o advento da rede mundial de computadores e dos smart phones impactaram subs-tancialmente a forma como o trabalho é desempenhado. se o trabalho à distância ainda não pode ser considerado a regra, é inquestionável que ele se tornou uma realidade cada vez mais presente na nossa realidade quotidiana.

No início da década atual, durante o governo do Partido dos Trabalhado-res, mais precisamente em dezembro de 2011, o legislador editou a Lei 12.551 que, com seus dois únicos artigos, mudou substancialmente o entendimento en-tão vigente acerca dos regimes de sobreaviso e prontidão e acerca da validade de e-mails e outros documentos eletrônicos como prova de jornada de trabalho. Em razão do advento da norma em questão, alterou-se a Súmula 428 do Tribunal superior do Trabalho. A nova redação do verbete acertadamente evidenciou que o simples fato de determinado trabalhador manter consigo celular, bip, pager ou qualquer instrumento telemático ou informático fornecido pela empresa não caracteriza regime de sobreaviso. Conclusão diversa, além de injustificada sob o ponto de vista hexegético, teria o único condão de inibir o fornecimento desses aparelhos, que na maioria dos casos beneficia o trabalhador. A alteração acertou também ao considerar em sobreaviso o empregado que à distância e submetido 1 Professor de Direito Trabalhista na Fundação Getúlio Vargas EAESP-FGV. Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB SP (2019-2021). Vice-Presidente da Comissão de Di-reito do Trabalho do Instituto dos Advogados de são Paulo (IAsP). Mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Universidade de Nantes, França. Ocupante da Cadeira n. 21 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chama-do para o serviço durante o período de descanso.

Em texto publicado logo após a alteração do verbete, fizemos questão de alertar para o fato de uma leitura apressada dessa passagem poder conduzir à equi-vocada conclusão de que sempre que o empregador mantiver contato pelo celular com o trabalhador fora da jornada de trabalho, esse tempo seria pago como de sobreaviso (1/3 do valor da hora normal). Evidenciamos, na ocasião, que se o empregador contata pelo sistema de telefonia móvel determinado empregado e faz uma áudio-conferência que dura 1 hora, não se estará diante de situação de sobre-aviso, mas de uma hora de trabalho efetivo, prestado à distância. Houve prestação efetiva de serviços por “meio telemático e informatizado de comando, controle e supervisão”. Esse tempo deveria, portanto, ser pago como de serviço efetivamente prestado acrescido, naturalmente, do adicional de horas extras, por se tratar de situ-ação fora da jornada regular de trabalho, e eventualmente do adicional noturno2.

A norma em questão era exemplo claro de intervenção do Estado nas rela-ções entre particulares para tutelar aquela considerada mais fraca. Escrevemos, na ocasião, ser crucial que uma interpretação da nova legislação de forma a im-pedir o uso dos meios telemáticos para hiperexploração do trabalhador, evitando com isso que a possibilidade de feitura de trabalho a partir de sua própria residên-cia (ou de outro local distante dos olhos do empregador/ superior hierárquico), sendo, para o trabalhador, sua liberdade, não se tornasse sua escravidão3.

Com o fim do governo do Partido dos Trabalhadores e a adoção de uma agenda acentuadamente liberal, mudaram substancialmente o direcionamento que havia sido dado à questão.

o legislador não alterou a regra do caput do artigo 6º, que estabelece que veda qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empre-gador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego, e a de seu pa-rágrafo único, segundo a qual “os meios telemáticos e informatizados de coman-do, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. E sem fazê-lo optou por não mais sujeitar o teletrabalhador ao capítulo da CLT que trata das limitações de jornada e do pagamento pelo trabalho extraordinário, 2 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Teletrabalho: Interpretação da Lei 12.551 de Forma a Impedir a Superexploração do Trabalhador. revista Magister de Direito do Traba-lho, v. 51, p. 5-24, 2012.3 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Teletrabalho: Interpretação da Lei 12.551 de Forma a Impedir a Superexploração do Trabalhador. revista Magister de Direito do Trabalho, v. 51, p.24, 2012.

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o que põe por terra, todas as construções doutrinárias e jurisprudenciais feitas sobre horas extraordinárias e de sobreaviso, e a regulamentar a figura de forma a deixar todas as questões ao regramento estabelecido pelas partes em contrato, limitando ao máximo a possibilidade de intervenção do estado nessas questões.

Não foram poucas as vozes a sustentar a ineficácia da inserção de um inciso III ao artigo 62 da CLT e dos artigos 75-A à 75-E no texto Consolidado. Não é esse, contudo, o propósito desse texto. O texto ora apresentado é analítico e descritivo e não doutrinário. Não se presta a apresentar argumentos para a não aplicação das novas regras, mas a demonstrar como elas destoam do que foi feito em outros países.

2. conceito de teletrabalho

Não obstante semanticamente o epíteto teletrabalho se identifique com o epí-teto trabalho à distância, pois o prefixo tele designa distância e não tela como se poderia equivocadamente imaginar, juridicamente vem se atribuindo às duas pala-vras conotações distintas, embora muito próximas. Trabalho à distância, segundo a acepção que se vem dando ao tema, seria o gênero do qual são espécies o trabalho em domicílio e o teletrabalho. Qualquer trabalho realizado de forma que o controle das atividades do empregado seja feito a partir de um ponto distante daquele em que é realizado caracteriza a hipótese de trabalho à distância. É possível, portanto, concluir que o fator determinante para a caracterização dessa forma de trabalho é a distância entre o empregado e a pessoa responsável pelo controle de sua atividade e não o fato de essa ser realizada ou não em espaço físico do empregador.

A distinção entre teletrabalho e trabalho em domicílio é bastante sutil. o teletrabalho consiste no trabalho realizado à distância em que o controle da ati-vidade se dá com auxílio dos instrumentos de telemática, como a internet e os sistemas de telefonia. O trabalho em domicílio é aquele realizado na ou a partir da residência do empregado, no qual o controle da sua atividade não é feito dia-riamente mediante contato direto entre empregado e empregador, mas de forma esporádica, mediante visitas ou por ocasião da entrega da produção.

Em alguns casos as figuras se confundem. Se o trabalho é realizado com o uso dos sistemas de telemática, a partir da própria residência do empregado, estar-se-á diante de hipótese de teletrabalho e de trabalho em domicílio. Não se pode, entretanto, descartar a hipótese de o trabalho ser realizado com o auxílio da telemática em local distinto do domicílio do empregado. É o que se verifica, por exemplo, quando determinada empresa mantiver local distinto de sua sede para que os trabalhadores tenham acesso a computadores disponibilizados para suas tarefas sem a presença física de superiores, que permaneceriam na sede da empresa e controlariam seus subordinados utilizando também meios telemáticos. Nessa hipótese haveria teletrabalho, mas não trabalho à domicílio.

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Tampouco se pode descartar a hipótese de o trabalho ser realizado no do-micílio do empregado sem ser controlado mediante a utilização de meios telemá-ticos como se verifica, por exemplo, no caso de uma costureira empregada que produza em sua casa e entregue a produção semanalmente. Tem-se na hipótese trabalho em domicílio, mas não teletrabalho.

A Lei 13.467 disciplinou o teletrabalho, estatuindo que “Considera-se te-letrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. A despeito de o trabalho externo, como se verá no próximo item, receber o mesmo tratamento legal que o teletrabalho, o legislador teve o cuidado de evidenciar que as duas figuras não devem ser confundidas. O texto também deixa transparecer que ha-vendo instrumentos de comunicação que apesar de não informatizados permitam a realização do trabalho, estar-se-á diante de uma situação de teletrabalho.

E mais. o legislador, claramente preocupado com situações que pudessem descaracterizar o regime, evidenciou que “O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”. Fal-tou, contudo, esclarecer que essa assertiva vale, naturalmente, para o trabalhador que comparece à empresa apenas para reuniões com periodicidade mensal ou quinzenal ou semanalmente para entregar suas tarefas, mas nunca, jamais para o trabalhador que precisa comparecer todo dia no início e no final da jornada. Esse, por mais que realize suas tarefas à distância com o uso de tecnologia da informação e de comuni-cação, jamais poderá ser considerado um teletrabalhor. Trata-se, em verdade, de um trabalhador que tem a sua jornada controlada no momento do comparecimento ao es-tabelecimento do empregador. A regra geral do mercado de trabalho, não a exceção.

A escolha do legislador brasileiro mostrou-se bastante distinta da do italia-no. com efeito, ao regulamentar o chamado lavoro agile, com o declarado objetivo de aumentar a competitividade e facilitar a conciliação dos tempos de vida e de trabalho, os redatores da Lei italiana n. 81 de 22 de maio de 2017, definiram o tele-trabalho como a forma de executar a relação de trabalho subordinada estabelecida por acordo entre as partes, mesmo com formas de organização por fases, ciclos e objetivos e sem restrições precisas de tempo ou local de trabalho, com o possível uso de ferramentas tecnológicas para a realização da atividade de trabalho.

cuidaram também, de forma similar ao brasileiro, de esclarecer que o de-sempenho do trabalho é executado, em parte dentro das instalações da empresa e parcialmente fora sem uma localização fixa, dentro dos limites da duração máxima das horas de trabalho diárias e semanais, decorrentes da lei e da negociação coletiva.

Ao esclarecer que o desempenho do trabalho é executado, em parte dentro das instalações da empresa e parcialmente fora sem uma localização fixa, dentro

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dos limites da duração máxima das horas de trabalho diárias e semanais, decorren-tes da lei e da negociação coletiva o legislador italiano a um só tempo evidenciou que o comparecimento do teletrabalhador a sede do empregador não descaracteriza o contrato de trabalho, como que o teletrabalhor está sujeito aos limites de jornada estabelecidos para as demais modalidades de execução do contrato de trabalho.

3. da não submissão do teletrabalho ao regime de limitação de jornada

Para justificar o regramento dado ao teletrabalho, a exposição de motivos apre-sentada pela câmara dos Deputados assevera que “o que se objetiva com a inclusão do teletrabalho em nosso substitutivo é estabelecer garantias mínimas para que as empresas possam contratar sob esse regime sem o risco de a Inspeção do Trabalho autuá-las ou a Justiça do Trabalho condená-las por descumprimento das normas tra-balhistas, ao mesmo tempo em que se garante ao empregado a percepção de todos os direitos que lhes são devidos”4. Diante da clareza da assertiva, não resta dúvida que a preocupação do legislador era com o passivo trabalhista que o teletrabalho eventualmente gerava para os empregadores e a insegurança que isso pode ocasionar.

A escolha do dispositivo a ser modificado para atingir o objeto antes apre-sentado não poderia, contudo, ser pior.

Primeiramente é preciso destacar que os trabalhadores externos e os gesto-res foram excluídos do regramento atinente à duração do trabalho (artigo 62, I e II) por razões bastante distintas daquela que justificou a exclusão do teletrabalhador. Segundo Mozart Victor Russomano, o legislador celetista tirou vendedores pracis-tas, viajantes e todos quanto trabalham em serviços externos sem horários contro-lados o direito à remuneração por horas extraordinárias porque “existe a impos-sibilidade de se verificar o número de horas efetivamente trabalhadas e por haver obrigatoriedade de o empregado labutar mais ou menos horas, sendo êle o árbitro de sua atividade”. Em relação aos gestores, justificou Russomano a sua exclusão do controle de jornada afirmando que por estarem eles investidos de um manda-to e necessitarem muitas vezes para o fiel desempenho desse mandato e de suas atribuições, seria razoável que trabalhassem fora das horas normais. Aduz ainda Russomano ser isso inerente às suas funções e que eventual prejuízo econômico que tivesse ficaria coberto por um salário sensivelmente superior ao dos demais5.

ora, o teletrabalhador pode, perfeitamente, ter a sua jornada controlada. A natureza de suas tarefas e da fidúcia nele depositada não justifica a sua exclusão da relação dos que se sujeitam a limitação e controle de jornada. A razão de o tele-trabalhador não ter a sua jornada controlada não é, portanto, similar às dos demais 4 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961 5 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 4ª edição. Vol. I, Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1957, p. 164.

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incisos do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho. Analisando novamente o relatório da Câmara dos Deputados é possível identificar a assertiva de que “adoção do teletrabalho em nosso País já é uma realidade e a sua adoção pela gama enorme de órgãos do poder público mencionados, órgãos de todos os Poderes da República” 6.

ora, a maioria dos teletrabalhadores dos Poderes da república tem a sua remu-neração estabelecida por tarefa, figura que existe desde que a Consolidação das Leis do Trabalho entrou em vigor e que é disciplinada no capítulo dedicado à remuneração, não no capítulo dedicado à duração do trabalho. Com efeito, estatui o artigo 78 da Consolidação das Leis do Trabalho que “Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa ou peça, será garantida ao trabalhador uma remuneração diária nunca inferior à do salário mínimo por dia normal da região, zona ou subzona”.

Ora, fosse o desejo do legislador estipular que o teletrabalho deverá ser regulamentado por tarefa, deveria ele ser disciplinado no capítulo III e não no capítulo II da Consolidação das Leis do Trabalho. Corroborando a tese de que o legislador quis, em verdade, estipular que o teletrabalho será sempre realizado por tarefa e não por tempo à disposição encontra-se no novel artigo 75-C, que determinará que deverá ser especificado no contrato individual de trabalho do empregado quais as atividades que ele deverá realizar.

A escolha legislativa feita no Brasil mostra-se bastante distinta da de outros países que também regulamentaram recentemente a matéria. Na Itália, o artigo 19 da Lei de 22 de maio de 2017, estabeleceu expressamente que o acordo relativo ao chamado lavoro agile deve ser estipulado por escrito e identificar os tempos de des-canso do trabalhador, bem como as medidas técnicas e organizacionais necessárias para garantir a desconexão do trabalhador do equipamento de trabalho tecnológico.

Na Espanha, por sua vez, a despeito de inexistir uma legislação detalha-da acerca do teletrabalho, é bastante citado o julgado AS 2016, 99, da STSJ de Castilla y León, de 3 de fevereiro de 2016, considerado pioneiro em esclarecer as bases do controle empresarial em situações de teletrabalho, que manteve con-denação de empresa no pagamento de horas extras em razão inexistir controle algum sobre a jornada de um teletrabalhador. No julgamento em questão, de nada adiantaram os argumentos da empresa de que por se tratar de uma presta-ção de serviços com conexão remota e desde o domicílio do empregador não se implementou controle nem registro algum para não interferir no direito funda-mental à intimidade e inviolabilidade de domicílio do empregado7. Tampouco adiantaram as alegações de que a plena liberdade de organização e autonomia do trabalhador desde seu domicílio tornariam possível estabelecer qual seria exata-mente a sua jornada de trabalho e lhe impor limites. 6 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961.7 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, pp. 438-439.

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4. Formalidades e alteração

Por se tratar da exceção e não regra, o legislador atribuiu ao teletrabalhador alguma solenidade para a sua formalização. Com efeito, estatui o artigo 75-C da Consolidação das Leis do Trabalho, que “a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado”.

Nesse ponto a escolha do legislador brasileiro se aproxima da do italiano que também exige forma escrita para a contratação do lavoro agile. O artigo 19 da Lei de 22 de maio de 2017, estabelece-se expressamente que o O acordo rela-tivo ao chamado “lavoro agile” deve ser estipulado por escrito para fins de regu-laridade administrativa e prova, e regula a realização do trabalho realizado fora das instalações da empresa, também no que diz respeito às formas de exercício do poder de gestão do empregador e das ferramentas utilizadas pelo trabalhador.

A diferença entre os dois modelos é que no tupiniquim, a rigidez que a exigência de contratação escrita poderia gerar é apenas aparente. Com efeito, os parágrafos do mesmo dispositivo se encarregam de conferir ao empregador a possibilidade de modificar unilateralmente o regime de trabalho de teletrabalho para presencial, exigindo, para tanto, que ele garanta ao empregado um prazo de transição mínimo de quinze dias. É o que se subsume do artigo 75-C, §2º, segundo o qual “Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição míni-mo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual”.

Há, contudo, nesse ponto um mau uso da técnica legislativa que põe por terra o intuito do legislador. com efeito, a lei torna imperioso o registro em adi-tivo contratual. E todo aditivo contratual, por essência, é uma forma de contrato e pressupõe, por conseguinte, um acordo de vontade. Logo, a modificação não poderá ser feita unilateralmente pelo empregador. Em verdade, a má utilização da técnica legislativa abre espaço para que o empregado exerça seu direito de resistência à modificação opondo-se ao aditivo contratual ou mesmo invocando a regra do artigo 468 que não permite modificações no contrato de trabalho que não sejam bilaterais ou que, ainda que bilaterais, causem prejuízo ao empregado.

Chega a ser curioso que o legislador tenha exigido no § 1o mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual, para a alteração entre regime presencial e de teletrabalho, mas tenha permitido que o caminho inverso fosse feito unilateralmente pelo empregador.

Na Espanha, por sua vez, estabeleceu-se no III Acuerdo para el Empleo y la Negociación Colectiva 2015/2017 o caráter voluntário e reversível do teletra-balho, tanto para o trabalhador quanto para a empresa8. 8 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digita-

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5. instrumentos usado pelo empregado

A Consolidação das Leis do Trabalho, após o advento da Lei 13.467, es-tabelece, no artigo 75-D, que “as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da in-fraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”. O escopo do legislador brasileiro claramente foi evitar qualquer tipo de dirigismo estatal e valorizar a autonomia da vontade.

Também quanto a esse ponto a solução brasileira dista bastante da italiana. Ao afirmar no artigo 19 da Lei n. 81, de 22 de maio de 2017, que “O empregador é responsável pela segurança e bom funcionamento das ferramentas tecnológicas atribuídas ao trabalhador para o desempenho da atividade de trabalho”, o legis-lador italiano deixou bem claro que na Itália os instrumentos necessários para a realização do teletrabalho também são fornecidos pelo empregador.

Uma curiosidade da legislação brasileira é que, em seu firme propósito de evitar a criação de passivo para as empresas, o legislador estipulou, no parágrafo único do artigo 75-D que “As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado”.

A afirmação em questão é redundante e desnecessária. Ora, se o contrato es-tipular que os equipamentos são do empregado não se há utilidade a ser analisada. Se estipular que os equipamentos são do empregador, trata-se de flagrante hipótese de instrumento de trabalho, que não poderá jamais integrar a remuneração por for-ça do quanto estatuído no artigo 458, §2º, I da Consolidação das Leis do Trabalho.

6. normas de saúde e segurança no trabalho

Um dos preceitos mais criticáveis da reforma trabalhista é seguramente o no-vel artigo 75-E da Consolidação das Leis do Trabalho, que estatui que “O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. Em mais uma flagrante tenta-tiva de afastar qualquer forma de dirigismo estatal e de evitar preceitos que pudessem resultar no aumento de passivo para os empregadores que optarem pelo teletrabalho, o legislador limita as obrigações do empregador a instruir o empregador. A utilização da expressão “de maneira expressa e ostentiva” pouco contribui para amenizar as críticas e para evitar futuros litígios. Muito pelo contrário, é possível imaginar demandas em que se discuta se as instruções dadas pelo empregador foram ou não expressas e ostensivas.

A solução imaginada pelo legislador para evitar essas discussões, dada no pa-rágrafo único do mesmo artigo, aparentemente seria a subscrição, pelo empregado,

les. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, pp. 436-437.

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de termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. A utilidade prática deste termo é bastante questionável. A uma porque, como sabido, um empregado que necessita de uma fonte de renda para ga-rantir a subsistência própria e de sua família assinará qualquer papel que lhe seja apresentado pelo empregador. Imaginar que isso é o bastante para prevenir proble-mas com acidentes de trabalho e doenças profissionais beira a ingenuidade. A duas porque ela em nada contribui para solucionar problemas relacionados, por exem-plo, com acidentes provocados pela má qualidade dos equipamentos fornecidos pelo próprio empregador. E mais ela simplesmente substitui a obrigação do empregador de fornecer Equipamentos de Proteção Individual e Coletivo e de fiscalizar o seu efetivo funcionamento, própria da prestação de serviços em seus estabelecimentos, pela subscrição de um termo afirmando que seguirá as instruções do empregador que poderão, é bem verdade, ser insuficientes, pouco claras ou inadequadas.

Solução diversa foi a adotada pela já mencionada lei italiana, contempo-rânea da reforma trabalhista. No artigo 21 da Lei n. 81, de 22 de maio de 2017, estabelece-se, a um só tempo que: 1. O empregador garante a saúde e a segurança do trabalhador que executa o serviço em modo de teletrabalho e, para esse fim, entrega ao trabalhador e ao representante de segurança dos trabalhadores, pelo menos uma vez por ano, uma notificação por escrito em que identificou os riscos gerais e os riscos específicos associados ao método específico de execução da relação de trabalho. 2. O trabalhador é obrigado a cooperar na implementação das medidas preventivas preparadas pelo empregador para enfrentar os riscos relacionados com a execução do serviço fora das instalações da empresa.

A intervenção estatal destinada a garantir a saúde e a proteção do trabalha-dor não termina, contudo, por aí. O artigo 23 da mesma lei estabelece, por sua vez, que o contrato de teletrabalho sujeita-se as mesmas regras de saúde e segurança destinadas às demais formas de trabalho realizadas no local da prestação de servi-ços, que o trabalhador tem direito à proteção contra acidentes de trabalho e doen-ças ocupacionais devido a riscos ligados ao trabalho realizado fora das instalações da empresa e que o trabalhador tem direito à proteção contra acidentes de trabalho ocorridos durante a viagem normal de ida e volta entre o local de residência e o escolhido para a realização de trabalhos fora das instalações da empresa.

Na Espanha ficou estabelecido no precedente AS 2016, 99, da STSJ de Castilla y León, de 3 de fevereiro de 2016, considerado pioneiro em esclarecer as bases do controle empresarial em situações de teletrabalho, que os trabalhadores à distância terão os mesmos direitos que os que prestam seus serviços no centro de trabalho da empresa e terão direito a uma adequada proteção em matéria de saúde e segurança no trabalho9.

9 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales.

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7. Igualdade de tratamento com trabalhadores que prestam serviços em estabelecimento do empregador

A legislação brasileira não teve o cuidado de reafirmar a igualdade de traba-mento entre o teletrabalhador e os trabalhadores que prestam serviços no estabe-lecimento do empregador. Poder-se-á argumentar que esse reforço argumentativo é desnecessário diante da clareza da regra geral de isonomia prevista no artigo 5º, caput da constituição Federal. A verdade, contudo, é que as mudanças implemen-tadas no artigo 461, caput da Consolidação das Leis do Trabalho abrem margem para que se cogite pagar salário para o teletrabalhador distinto do que é pago para o empregado que presta serviços na sede e com instrumentos do empregador.

Com efeito, a nova redação do artigo 461 estabelece que “ Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mes-mo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”. Ora, o teletrabalhador não presta serviços para o empregador no mesmo estabelecimento que os seus colegas de empresa. A nova redação do artigo que disciplina a isonomia salarial permite, portanto, pelo menos a partir de interpretação literal, que se pague menos ou mais para o teletra-balhador do que o que é feito para o trabalhador que se ativa na sede da empresa.

Mais adequada é, a nosso sentir, a solução dada pela legislação italiana. Consoante artigo 20 da Lei 81, de 22 de maio de 2017, o teletrabalhador tem direito a tratamento econômico e regulatório não inferior ao total aplicado, na implementação das convenções coletivas para trabalhadores que executam as mesmas tarefas exclusivamente dentro da empresa. O mesmo dispositivo asse-gura ainda ao teletrabalhador o direito à qualificação profissional e a certificação periódica das habilidades relativas.

Solução similar foi adotada na Espanha pela RD 3/2012, de 10 de fevereiro de 2012, que inseriu um no Estatuto dos Trabalhadores um artigo 13.1 segundo o qual terá tratamento de trabalho a distância o que for exercido predominantemente no domicilio do trabalhador ou em lugar livremente escolhido por ele, de modo alterna-tivo ao desenvolvimento presencial no centro de trabalho da empresa. Não obstante a legislação seja criticada por não fazer referência à utilização das tecnologias da informação, como orienta o Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, de 2002, o preceito parte, consoante María Elisa cuadro Garrido, de uma proclamação genérica da igualdade de direitos dos trabalhos a distância com os trabalhadores internos, não obstante suas disposições sejam excessivamente imprecisas10.

Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, pp. 438-439.10 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, p. 435.

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Demais disso, a igualdade de direitos legais e convencionais dos teletrabalhado-res e trabalhados comparáveis que prestem serviços nas instalações do empregador foi afirmado no III Acuerdo para el Empleo y la Negociación Colectiva 2015/201711 e no já mencionado precedente AS 2016, 99, da STSJ de Castilla y León, de 3 de fevereiro de 2016, no qual restou consignado que os trabalhadores à distância terão os mesmos direitos que os que prestam seus serviços no centro de trabalho da empresa12.

8. Poder de controle e disciplinar

A Lei 13.467 não introduziu regras sobre o exercício do poder diretivo pelo empregador. No artigo 21 da Lei 81, de 22 de maio de 2017, chamado Pote-re di controllo e disciplinare, o legislador italiano estatuiu que o acordo relativo ao teletrabalho regulamenta o exercício do poder de controle do empregador so-bre o serviço prestado pelo trabalhador fora das instalações da empresa, devendo identificar a conduta, ligada à execução do desempenho do trabalho fora das instalações da empresa, que dá lugar à aplicação de sanções disciplinares.

Percebe-se que, nesse ponto, foi a legislação italiana que caminhou no sentido de valorizar a autonomia da vontade e limitar o garantismo estatal. A des-peito do silêncio da Lei 13.467, o Brasil apresenta no artigo 6º, caput e parágrafo primeiro, regra sobre o exercício do poder diretivo do empregador.

Ora, ao afirmar a ausência de distinção entre o trabalho realizado no estabe-lecimento do empregador e o realizado a distância, desde que estejam caracteriza-dos os pressupostos da relação de emprego e enfatizar que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e super-visão do trabalho alheio”, o ordenamento jurídico brasileiro determina a incidência nos contratos de teletrabalho de todas as regras imperativas estatais e coletivamen-te negociadas atinentes ao exercício do poder diretivo do empregador.

Na Espanha a grande preocupação em matéria de controle empresarial é com a invasão da vida privada do trabalhado. A dificuldade identificada pela doutrina espanhola reside justamente em estabelecer o grau de transparência no trabalho que o empregador possa exigir e seus limites para que não sejam viola-dos direitos da personalidade do trabalhador13.

11 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, pp. 436-437.12 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, pp. 438-439.13 CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2018, p. 437.

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9. Considerações finais

As reflexões apresentadas neste texto evidenciam que a regulamentação do teletrabalho no Brasil acompanha, efetivamente, uma tendência a mundial a re-conhecer que o trabalho à distância realizado por meios telemáticos é uma reali-dade da qual não devem descuidar os ordenamentos jurídicos. Isso não significa, contudo, que as escolhas feitas pelo legislador brasileiro estejam acompanhando a tendência dos demais países.

Em data bastante próxima da publicação da Lei 13.467, a Itália regulamen-tou o lavoro agile de forma consideravelmente mais protetiva do que a adotada no Brasil. Além de consagrar a regra de medição do trabalho e estipulação da re-muneração com base no tempo à disposição do empregador, o legislador italiano garantiu ao teletrabalhador isonomia salarial com quem exerce a mesma funções dentro da empresa e atribui ao empregador a responsabilidade pela observância das regras de saúde e segurança do local de trabalho.

Solução similar foi adotada na Espanha pela RD 3/2012, de 10 de fevereiro de 2012, que inseriu um no Estatuto dos Trabalhadores um artigo 13.1 segundo o qual terá tratamento de trabalho a distância o que for exercido predominante-mente no domicilio do trabalhador ou em lugar livremente escolhido por ele, de modo alternativo ao desenvolvimento presencial no centro de trabalho da empre-sa, proclamando genericamente a igualdade de direitos dos trabalhos a distância com os trabalhadores internos nas empresas.

No Brasil, diferentemente, a regulamentação foi bastante lacônica atri-buindo à autonomia da vontade de empregado e empregador a regulamentação das principais regras, permitindo, inclusive, que, a partir de uma interpretação literal do artigo 461 da CLT, pague-se ao teletrabalho menos do que se paga ao trabalhador que presta serviço na sede da empresa por trabalho de igual valor.

Referências Bibliográficas

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Teletrabalho: Interpretação da Lei 12.551 de For-ma a Impedir a Superexploração do Trabalhador. revista Magister de Direito do Trabalho, v. 51, p. 5-24, 2012.

CUADROS GARRIDO, María Elisa. Trabajadores Tecnológicos y Empresas Digitales. Na-varra: Editorial Aranzadi, 2018.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 4ª edição. Vol. I, Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1957.

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traBaLHo intermitente

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contrato de traBaLHo intermitente: DIREITO EUROPEU, LEgISLAÇÃO BRASILEIRA E JUrisPrUdência PÁtria (Primeiros casos)

Lorena de Mello Rezende Colnago1

1. introdução

Após 13 de julho de 2017 com a publicação da Lei n.º 13.467 a polariza-ção em torno de sua redação não faz mais sentido no mundo jurídico, uma vez que posta a norma com previsão de vigência em 11 de novembro de 2017, nos resta viabilizar a melhor aplicação possível a fim de pacificar os conflitos do capital versus trabalho, visando o maior e melhor equilíbrio social extraído da norma, a partir de uma interpretação jurídica humanizada.

Feitas essas considerações, sem aprofundar na crítica quanto à timidez da re-forma quanto ao tratamento de temas importantes que são realidade no mundo do trabalho, uma vez que a lei posta representou muito mais a oscilação histórica do conflito em questão, dessa vez com perda considerável aos direitos dos trabalhadores, em especial no que diz respeito à possibilidade de um contrato individual sobrepor-se a uma norma coletiva – art. 444, parágrafo único, da CLT, pós alteração legislativa.

Para melhor entender o trabalho intermitente, novidade legislativa, ana-lisaremos um de seus precursores no direito europeu tendo por escolha a legis-lação da Espanha, Reino Unido, Portugal e Itália. Feitas essas considerações, passaremos a entender o alcance o trabalho intermitente e sua diferença teórica e pragmática para o trabalho eventual e avulso, analisando o que a reforma traba-lhista normatizou em termos desse novo instituto, bem como os primeiros casos judicializados desde a reforma trabalhista em novembro de 2017 a maio de 2019.

A presente pesquisa utilizou o método dedutivo, com pesquisa de dados legislativos, doutrinários e jurisprudenciais, sem se ater a um marco teórico espe-cífico, pois a finalidade do artigo foi analisar a novidade quanto ao instituto bra-sileiro do trabalho intermitente na tentativa de traçar suas bases teóricas iniciais.

1 Doutoranda em Processo do Trabalho (USP 2019-2021). Mestre em Processo (UFES, 2008). Pós-graduada em Direito do Trabalho (individual e coletivo), Processual do Trabalho e Previdenciário (UNIVES, 2006). Foi membro da Comissão de Adaptação do PJE – Grupo Requisitos (2016). Professora. Juíza do Trabalho (TRT2).

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2. trabalho intermitente do direito europeu

Trabalho intermitente espanhol: trabajo discontinuo o el contrato de fijos discontinuos

Na Espanha o contrato descontínuo é um tipo de trabalho a prazo inde-terminado, que se realiza de modo cíclico, com repetição em datas certas, dis-tinguindo-se dos contratos eventuais pela incerteza ou extraordinariedade do serviço que envolve os contratos eventuais, ou ainda os contratos temporários. Estima-se que atualmente sejam mais de duzentos mil trabalhadores espanhóis submetidos a esses contratos para postos de trabalho que não existem por todo ano, mas em datas certas como no verão, em especial em hospedagens e zonas onde o turismo é mais forte por alguns meses no ano.2

Os espanhóis apontam a segurança de ser chamado a cada vez que a ativida-de volte a existir como vantagem desse tipo de contrato para o trabalhador. Essas convocações ocorrem por ordem de antiguidade do trabalhador, podendo nos me-ses ou períodos de inatividade terem outro emprego ou ocupação. Para as empresas essa seria uma modalidade vantajosa na medida em que o empresário tem a certeza de uma turma fixa e já treinada de empregados para seus períodos sazonais. E, para se evitar a fraude há o contrato escrito, distinguindo-se a modalidade do contrato temporário, porque esse serve para um evento incerto, enquanto o contrato fixo descontínuo somente é celebrado para meses daquela atividade econômica, se o evento é certo e o contrato é temporário há a caracterização de fraude. 3

Critica-se a característica dos empregados espanhóis evitarem a busca de emprego nos meses em que não há trabalho. Em termos de salário e horas, os contratados por um contrato fixo descontínuo tem dos mesmos direitos que os trabalhadores fixos da empresa.4

o Estatuto dos Trabalhadores regulamenta essa modalidade contratual no art. 16, no capítulo da duração do trabalho:

Artículo 16. Contrato fijo-discontinuo.1. El contrato por tiempo indefinido fijo-discontinuo se concer-tará para realizar trabajos que tengan el carácter de fijos-discon-tinuos y no se repitan en fechas ciertas, dentro del volumen nor-mal de actividad de la empresa.

2 Cf. SALINAS, Mariano. El contrato del verano: el fijo discontinuo. cerem – escue-la associada a La Universidad rey ruan carlos. Disponível em: <https://www.cerem.es/blog/el-contrato-del-verano-el-fijo-discontinuo>. Acesso: ago. 2017.3 GoBIErNo DE EsPANHA. ministerio de empleo y seguridad social. Guía La-boral - Los contratos de trabajo: modalidades e incentivos. Disponível em: <http://www.empleo.gob.es/es/Guia/texto/guia_5/contenidos/guia_5_12_1.htm> . Acesso set. 2017.4 Ibid SALINAS.

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A los supuestos de trabajos discontinuos que se repitan en fechas ciertas les será de aplicación la regulación del contrato a tiempo parcial celebrado por tiempo indefinido.2. Los trabajadores fijos-discontinuos serán llamados en el orden y la forma que se determine en los respectivos convenios colectivos, pudien-do el trabajador, en caso de incumplimiento, reclamar en procedimiento de despido ante la jurisdicción social, iniciándose el plazo para ello des-de el momento en que tuviese conocimiento de la falta de convocatoria.3. Este contrato se deberá formalizar necesariamente por escrito en el modelo que se establezca y en él deberá figurar una in-dicación sobre la duración estimada de la actividad, así como sobre la forma y orden de llamamiento que establezca el conve-nio colectivo aplicable, haciendo constar igualmente, de manera orientativa, la jornada laboral estimada y su distribución horaria.4. Los convenios colectivos de ámbito sectorial podrán acordar, cuando las peculiaridades de la actividad del sector así lo justifi-quen, la celebración a tiempo parcial de los contratos fijos-dis-continuos, así como los requisitos y especialidades para la con-versión de contratos temporales en contratos fijos-discontinuos.5

Há previsão de negociação coletiva com os entes sindicais – convenios colectivos – para a celebração entre empresa e trabalhador do contrato parcial, ou seja, dependendo da característica do setor econômico de atuação as entida-des sindicais podem criar normas coletivas prevendo contrato fixo descontinuo a prazo temporário, porém, com requisitos objetivos e possibilidade de conversão de contrato temporário para fixos descontínuos. A inexistência dessa negociação coletiva e assinatura de acordos e convenções – na nomenclatura brasileira – im-plica a caracterização da fraude para esse tipo de contratação.

“Durante los gobiernos del PP, el año 2000 representa un «oasis» de estabili-dad normativa estatutaria. El ET sólo va a ser modificado en una ocasión, con moti-vo de la aprobación de la ley de acompañamiento de los Presupuestos para el 2001 207, y con un alcance menor.”6 De fato, nessa época o art. 32 alterou o art. 16.1 ET, substituindo a obrigação do empresário de apresentar antes o contrato às oficinas de emprego por um dever de mera comunicação da ocorrência desse contrato.

5 GoBIErNo DE EsPANHA. Agencia Estatal Boletin Oficial Del Estado [ES]. real Decreto Legislativo 2/2015, de 23 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores.Ultima atualizacion publicada El 13/05/17. Disponível em: < https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2015-11430> . Acesso set. 2017.6 GoBIErNo DE EsPANHA. ministerio del trabajo y assuntos sociales.Estudio in-troductorio: veinticinco años de vigencia y de câmbios. Disponível em: <http://www.empleo.gob.es/es/sec_leyes/trabajo/estatuto06/Ap1y2Estatuto.pdf> . Acesso em: set.2017.

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trabalho intermitente no reino Unido: trabalho “zero hora”

A expressão “contrato de zero hora” — tradução livre do artigo 27A do Employment Rights Act 1996 da Inglaterra – com características de inexis-tência de garantia de prestação de serviços e de recebimento de salário.7

O contrato a zero hora no Reino Unido é aquele que impõe a disponibilida-de do trabalhador 24 horas por dia, outorgando as cláusulas e condições contra-tuais ao empregador, deixando o empregado em uma situação muito vulnerável e instável, pois o empregado pode ficar por vários dias sem ser convocado e receber salário, e a empresa sequer necessitará despedi-lo. Por outro lado, tra-balhadores da saúde argumentam que esse é um excelente tipo de contrato para aqueles que pretendem ingressar no mercado de trabalho, pois podem significar um sinônimo de liberdade e bom rendimento, pois a solução permite a continui-dade dos estudos. 8

Há quatro anos, menos 1% dos trabalhadores afirmava ter como fonte única de rendimentos um contrato de zero horas; hoje, eles representam 2,3% da força de trabalho do país – cerca de 700.000 pessoas -, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas britânico (oNs, na sigla em inglês). As mulheres, os jovens com menos de 25 anos e os idosos com mais de 65 anos são os perfis mais comuns sob esse sistema, de acordo com o oNs. Emprega-dos com contratos precários que trabalham, em média, 25 horas por semana e ganham cerca de 7 libras por hora (ou pouco mais de 32 reais), enquanto o salário mínimo é de 6,50 libras (ou qua-se 30 reais).9

Estima-se que o trabalho a zero hora tenha saltado de cento e um mil para novecentos e cinco mil no primeiro trimestre de 2017 na Inglaterra, enquanto a taxa de desemprego caiu para 4.7% no mês de março contra uma redução salarial de 0,4% em janeiro, comparando-se com o mês anterior (dezembro de 2016).10

7 HIGA, Flávio da Costa. Reforma trabalhista e contrato de trabalho intermitente. con-sultor Jurídico, opinião, 8 de junho de 2017. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2017-jun-08/flavio-higa-reforma-trabalhista-contrato-trabalho-intermitente#_ftn13>. Acesso em: set. 2017.8 SAHUQUILLO, Maíra R. Trabalhadores ultraflexíveis. eL PaÍs. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/01/internacional/1430504838_853098.html>. Aces-so em: set.2017.9 SAHUQUILLO, Maíra R. Trabalhadores ultraflexíveis. eL PaÍs. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/01/internacional/1430504838_853098.html>. Aces-so em: set.2017.10 Reforma trabalhista: como é o “trabalho intermitente” e quais suas consequências nos países onde já existe – infomoney. Disponível em: < http://www.infomoney.com.br/carreira/

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trabalho intermitente em Portugal

O Código do Trabalho de 2009 foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, tendo entrado em vigor em 17/02/2009 em Portugal, trazendo o regramento do trabalho intermitente no art. 157 ao art. 160.11 Antes dele, o ordenamento jurídico portu-guês havia previsto o exercício intermitente da prestação de trabalho, desta feita limitado ao âmbito do contrato de trabalho dos profissionais do espetáculo, por meio do art. 8.º da Lei n.º 4/2008.12

O primeiro ponto de destaque é que a fixação da atividade descontínua da empresa ou de intensidade variável para a fixação do modelo intermitente, bem como a proibição do uso desse trabalho como temporário ou com termo resoluti-vo; trata-se de um contrato de trabalho a prazo indeterminado:

Artigo 157.ºAdmissibilidade de trabalho intermitente1 - Em empresa que exerça actividade com descontinuidade ou inten-sidade variável, as partes podem acordar que a prestação de tra-balho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade. 2 - O contrato de trabalho intermitente não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário.

A doutrina portuguesa explica que apenas uma empresa que exerça ativi-dade com descontinuidade (interrupções), decorrente de descontinuidade natural (por exemplo o defeso para a pesca ou o inverno), ou intensidade variável (flutu-ações), como empresas de moda com coleções outono-inverno/primavera-verão, v.g., ou ainda agências de viagens ou ainda hiper-mercados que enfrentam picos de atividade em feriados, poderá utilizar do trabalho intermitente. 13

Portugal regulamentou essa modalidade de contrato a prazo indeterminado como um contrato solene (art. 158 do Código de Trabalho), pois o mesmo deve

clt/noticia/6785478/reforma-trabalhista-como-trabalho-intermitente-quais-suas-consequen-cias-nos-paises>. Acesso em: set. 2017.11 PORTUGAL. Código de Trabalho. Disponível em: < https://www.unl.pt/sites/default/files/codigo_do_trabalho.pdf. >Acesso em: mai. 2019.12 MARTINS, André Almeida - O trabalho intermitente como instrumento de flexibilização da relação laboral: o regime do Código de Trabalho. Leiria: Instituto Politécnico de Leiria – Escola Superior de Tecnologia e Gestão, 2012. pp. 66-97. Comunicação apresentada no “i congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais, 2009”. ISBN 978-972-8793-39. Disponível em: < https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/772/1/artigo2.pdf>. Acesso em: mai. 2019.13 cArNEIro, Joana. A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontinuo. revista Questões Laborais: Editora Coimbra, ISSN 0872-8267, N.. 35-36, p. 203-245, 2010. Disponível em: <https://docplayer.com.br/48835253-A-relacao-la-boral-cimentada-na-seguranca-do-emprego-atraves-do-trabalho-descontinuo.html>. Acesso em: maio. 2019, p. 204-205.

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ser celebrado por escrito, pois sem essa formalidade o contrato será tratado como “sem período de inactividade”, ou seja, o tempo intercalado do trabalho será contado como tempo à disposição do empregador, pois nesse país o mínimo da contratação é o período ininterrupto de seis meses completos no ano e o tempo anterior ao chamado não pode ser menor que 20 dias, constituindo uma contra ordenação grave – em Portugal as contra ordenações são equiparáveis às multas administrativas brasileiras, porém com características penais.14

A preterição da formalidade de indicação do número de horas no cTI é uma invalidade formal, que transforma este negócio jurídico especial num contrato sem período de inactividade. Por outro lado, o trabalho intermitente pressupõe um mínimo de atividade: a in-dicação de um período de actividade inferior a seis meses a tempo completo determina que o contrato passe, ope legis, a ter o conteú-do mínimo fixado no art. 159º, n.º2 (de acordo com o n.º3, do art. 158º), do cT. ou seja, se as partes estabelecerem uma semana de actividade efectiva, o contrato passa a ter a duração mínima fixada na lei; se não for fixado nenhum período de actividade considera-se o contrato como não sujeito ao período de intermitência.15

retomando a chamada, o contrato intermitente português pode ser a pra-zo certo de alternância e à chamada, porém essa não pode ser menor do que 20 dias entre a chamada com aceite, pois o código não estipulou período diverso para o aceite e a prestação efetiva do trabalho, o que possibilita ao trabalhador a organização de sua vida particular e ao empregador a organização da atividade econômica. os artigos do código de Trabalho Português são silentes quanto às ausências nessa subseção do trabalho intermitente, assim, ante a lacuna aplica-se o regime das faltas da subseção xI do Código do Trabalho (art. 248 a 257).

o tempo descontínuo do trabalho para o intermitente de Portugal é remu-nerado conforme a convenção coletiva, mas em sua ausência com “ 20% da retri-buição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição”

14 “[...] a abordagem sancionatória não tem de ser monocolor, podendo fazer todo o sentido, como em muitos casos faz, a adopção de um regime sancionatório misto, que conte tanto com crimes, como com contra-ordenações, combinando e articulando as duas espécies de infracções em ordem a garantir uma tutela tão eficaz quanto pos-sível.” PEDRAZZI, Cesare, “Relazione di sintesi”, in: L’Illecito Penale Amministrativo: Verifica di un Sistema, Padova, CEDAM, 1987, p. 205.15 cArNEIro, Joana. A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do tra-balho descontinuo. revista Questões Laborais: Editora Coimbra, ISSN 0872-8267, N.. 35-36, p. 203-245, 2010. Disponível em: <https://docplayer.com.br/48835253-A-relacao-laboral-cimentada-na-seguranca-do-emprego-atraves-do-trabalho-descontinuo.html>. Acesso em: maio. 2019, p. 218.

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(art. 160, I, do Código do Trabalho)16, o que o diferencia do contrato a zero hora do Reino Unido. Em Portugal também há pagamento de férias e gratificação na-talina na proporção média do que foi pago nos últimos 12 meses entre os valores do período de efetivo trabalho e do período de espera (remuneração de 20% na ausência de estipulação coletiva), há permissão legal expressa de qualquer outra atividade para o período de inatividade do trabalhador, mantendo-se os direitos e garantias fundamentais do contrato que não impliquem a contra-prestação traba-lho efetivo, tudo sob pena de incidência na contra-ordenação.

Divergindo de parte da doutrina brasileira17 que foi se formando quanto ao trabalho intermitente e apesar da menção ao modelo de Portugal, não se pode dizer que o trabalho intermitente brasileiro é influenciado por esse modelo, pois como se perceberá, em Portugal há limitações maiores quanto ao tempo mínimo de trabalho e a fixação de pagamentos no período de inatividade, que afastam a legislação da península de nossa regulamentação pátria, como se observará.

trabalho intermitente na itália: “Lavoro intermittente o a chiamata”

Na Itália o contrato a chamada ou intermintente tem origem no Decreto Legislativo n. 276/2003, substituído pelo Decreto Legislativo n. 81/2015 (art. 13 e seguintes). O contrato a chamada é um contrato que se pode utilizar a qualquer hora desde que a frequência não seja predeterminável. Trabalhadores de entreteni-mento, telefonistas, seguranças - “guardiani”- , recepcionistas são frequentemente contratados por essa moralidade contratual. o contrato de trabalho intermitente pode ser estipulado: para as necessidades identificadas pelas convenções coletivas, também com referência ao desempenho dos serviços em períodos predeterminados durante a semana, mês ou ano; no caso de pessoas com menos de 24 anos, desde que preveja o limite temporal para a idade dos 25 anos de idade, ou com mais de 55 anos.18 Talvez possa-se afirmar que essa prática impulsione a empregabilidade do jovem, em especial quanto ao primeiro emprego que é um grande problema na Europa inteira, mas também do adulto que está chegando na 3ª idade, o idoso, porém essa afirmação ainda carece de um estudo mais aprofundado.

o trabalho intermitente no sistema italiano pode ser estipulado por perío-dos predeterminados dentro de um ano, mês ou semana, conforme o combinado

16 PORTUGAL. Código de Trabalho. Disponível em: < https://www.unl.pt/sites/default/files/codigo_do_trabalho.pdf. >Acesso em: mai. 2019.17 Por todos NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. Contrato de trabalho intermitente na reforma trabalhista brasileira: contraponto com o modelo italiano. revista do tribunal re-gional do trabalho da 15ª região: Campinas, n. 51, p. 127-148, 2017, p. 131.18 ITALY. Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali. contratto di lavoro intermit-tente o a chiamata. Disponível em: <https://www.cliclavoro.gov.it/NormeContratti/Contrat-ti/Pagine/Contratto-di-lavoro-intermittente-o-a-chiamata.aspx>. Acesso em: mai. 2019.

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entre as partes por meio de um contrato coletivo (negociação coletiva), sendo os casos omissos regulamentados pelo decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais. Observe-se que há um limite de quatrocentas jornadas em 3 anos, a fim de que o contrato intermitente não se transforme em contrato a prazo indeterminado (art. 13, §3º do Decreto n. 81/2015).

Há vedações para o contrato a chamada na Itália, a primeira que se ob-serva é a decorrente do §5º do art. 13 do Decreto n. 81/2015 que enuncia a inaplicabilidade do regramento para a administração pública, mas há também o §1º do art. 14 que veda a substituição de trabalhadores em greve, a contratação intermitente em empresas que tenham se utilizado da dispensa coletiva nos seis meses anteriores. A dispensa coletiva na Itália pode ser de dois tipos a do art. 4 da Lei n. 223/1991 refere-se a empregados que são colocados em mobilidade e, na impossibilidade de readmissão de todos pelo empregador, este pode optar pela dispensa coletiva. Já o art. 24 também da Lei n. 223/1991 versa sobre a dispensa coletiva fundamentada na necessidade de redução de pessoal.19

Há ainda a vedação de contratação intermitente para unidades produtivas nas quais tenha havido suspensão do trabalho ou redução do horário de trabalho em regime de cassa integrazione guadagni (os que recebem um benefício legal da seguridade social italiana para complementação do salário) 20, que atinjam trabalhadores que exercem as mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente (art. 14 do Decreto n.º 81/2015).

A solenidade também é uma realidade no contrato a chamada, conforme se extrai do art. 15 do Decreto n.º 81/201521, pois o mesmo deve ser celebrado por escrito, prevendo os períodos de chamada, atividade e inatividade, tempo do pré-aviso, garantia da disponibilidade do trabalhador, formas e modalidades com as quais o trabalhador terá direito de solicitar o chamado não realizado pelo empregador e a prestação de serviço, bem como as medidas de segurança ine-rentes à atividade exercida, formas e meios em que o empregador pode exigir o trabalho e avaliar o desempenho do trabalhador; período, modalidade e forma do pagamento; se há ou não indenização de disponibilidade.

19 ITALY. Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali. Circolare n. 27/2013. Disponível em: <http://www.dplmodena.it/MLcir27-13Intermitt.pd>. Acesso em: mai 2019.20 ITALY. Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali. Circolare n. 27/2013. Disponível em: <http://www.dplmodena.it/MLcir27-13Intermitt.pd>. Acesso em: mai 2019.21 ITALY. Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali. D.Lgs. 15 giugno 2015, n. 81: disciplina organica dei contratti di lavoro e revisione della normativa in tema di man-sioni, a norma dell’articolo 1, comma 7, della legge 10 dicembre 2014, n. 183. Disponível em: <https://www.cliclavoro.gov.it/Normative/Decreto_Legislativo_15_giugno_2015_n.81.pdf>. Acesso em: mai. 2019.

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sendo essas as principais características do contrato intermitente ou a cha-mado italiano, aponta-se que esse modelo foi a grande inspiração para o regra-mento brasileiro22

3. trabalho intermitente brasileiro

Diferente dos modelos europeus apresentados, o trabalho intermitente é uma figura nova para o direito do trabalho pátrio. Assemelha-se em seu regra-mento ao trabalhador avulso que se ativa sob escalação, porém difere dele porque engloba um período de aceite – três dias – e, caso o aceite seja descumprido pelo empregado injustificadamente, haverá uma multa a ser paga no prazo de 30 dias no importe de 50% sobre o valor que receberia naquele dia de trabalho, caso tivesse comparecido à empresa.

o não aceite não importa ausência de subordinação, porque a ideia é man-ter o vínculo com o empregado. o trabalho em outras empresas com contratos intermitentes ou a indeterminados também não descaracteriza a condição de em-pregado. É o que se extrai do art. 452-A da CLT:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebra-do por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mí-nimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimen-to que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. § 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comuni-cação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. § 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. § 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remunera-ção que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. § 5º O período de inatividade não será considerado tempo à dis-posição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o em-pregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração;

22 NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. Contrato de trabalho intermitente na reforma trabalhista brasileira: contraponto com o modelo italiano. revista do tribunal regional do trabalho da 15ª região: Campinas, n. 51, p. 127-148, 2017, p. 140-145.

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II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais. § 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo. § 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previ-denciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e forne-cerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

A semelhança com o trabalho avulso se faz devido à escalação e ao cálculo do pagamento em horas do salário, porém no caso do avulso não há contrato de emprego como no trabalho intermitente e nem mesmo a multa contratual.

O interessante dessa lei é a previsão necessária de um contrato escrito entre as partes e a dação ao empregado de direitos inerentes a um contrato de trabalho a pra-zo indeterminado (férias com 1/3, 13º salário, adicionais e repouso semanal remu-nerado), sendo a distinção realizada na quantidade de dias em que o trabalhador se ativa na empresa, além da ausência de previsão legal de pagamento de horas extras. Observa-se que o art. 443 da CLT foi alterado para acrescentar o trabalho intermi-tente no seu parágrafo terceiro, como nova modalidade de prestação de serviços.

Observa-se que o vínculo empregatício indeterminado para o trabalho in-termitente aparenta uma contradição lingüística, pois o conceito de empregado conjugado dos artigos 2º e 3º da CLT importa na habitualidade do trabalho, sem-pre analisada sob o viés da continuidade, prevalecendo na jurisprudência pátria, com raras exceções, a ideia de que o trabalho duas vezes na semana, por exem-plo, não implica vínculo de emprego, salvo se realizado por anos ininterruptos.23

Sob essa perspectiva evolucionista da jurisprudência pátria, o trabalho intermitente é uma subespécie de contrato de trabalho a prazo indeterminado (art. 451 da CLT). À semelhança da legislação estrangeira, em especial os estu-dos espanhóis, separa-se o trabalho intermitente do trabalho eventual a partir da extraordinariedade (necessidade produtiva circunstancial ou pontual) do evento

23 Por todos. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Diarista que trabalhou por 12 anos na mesma casa tem vínculo de emprego reconhecido. Notícias. Processo: RR-502-08.2012.5.01.0246. 06/04/2015. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/diarista-que-trabalhou-por-12-anos-na-mesma-casa-tem-vin-culo-de-emprego-reconhecido>. Acesso: set. 2015.

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empresarial a que esse contrato submete-se. Se o evento é repetido e previsível o contrato de trabalho existente tem vínculo empregatício, embora do tipo inter-mitente. E mesmo que o contrato seja verbal, embora a lei não o reconheça dessa forma, se presentes as características da periodicidade do evento a que é convo-cado o trabalhador, têm-se a configuração do vínculo de emprego intermitente – princípio da primazia da realidade, art. 9º da CLT.

Ultrapassado o conflito do vínculo de emprego, e adentrando no mérito das cláusulas contratuais, a normativa que estipula uma multa ao trabalhador em razão de sua ausência injustificada deve ser interpretada sob o víeis da alteridade contratual – o risco da atividade econômica é de responsabilidade do emprega-dor, art. 2º da CLT. O direito civil deve ser aplicado subsidiariamente, art. 8º da CLT, para resolver os problemas advindos da ausência de sinalagma para a recusa do empregador em aceitar o empregado.

Toda prestação contratual pelo princípio do sinalagma deve conter outra correspondente e equivalente, sob pena de gerar um desequilíbrio contratual. As-sim, se o empregado aceita a proposta de trabalho e falta injustificadamente, pode o empregador lhe cobrar uma multa de 50%, mas não há obrigação correspondente para o empregador que oferece o emprego e após o aceite do empregado o retirar.

Nesses casos a razoabilidade impõe-se aos julgadores. O princípio da boa-fé contratual foi expressamente previsto no art. 421 do Código Civil – teoria geral dos contratos – e, portanto, deve-se aplicar ao caso concreto em cotejo com o art. 478 do Diploma civil para os casos em que o empregador retira o trabalho após o aceite:

Art. 478 - Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de aconteci-mentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

o devedor nesse caso é o empregado. A disciplina contratual nos apre-senta tanto no diploma civil como no do consumidor (art. 6º, inciso V, da Lei n.º8.078/90), a necessidade de coibir-se e evitar as clamadas clausulas de onera-ção excessiva de uma parte em detrimento da outra, mormente nos contratos de adesão, sendo o contrato de emprego um deles.

Conforme o art. 479 do Código Civil evita-se a resolução – e nesse caso há uma modalidade de justa causa do empregador – oferecendo-se ao réu, no caso empregador Reclamado modificar eqüitativamente as condições do contrato. Po-dendo-se optar pela exclusão da multa ou alteração equitativa de obrigações, ou seja, inserção de multa equivalente ao empregador ofertante do trabalho, a fim de evitar a onerosidade excessiva (art. 480 do CC).

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Além disso, as regras sobre proposta e aceite também podem ser interpretadas à luz da teoria geral dos contratos, pois o texto celetista é omisso, salvo quanto à multa aplicada ao empregado. A respeito do tema temos as seguintes regras do Direito civil:

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo sufi-ciente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.(...)Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tar-de ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imedia-tamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta.Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:I - no caso do artigo antecedente;II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;III - se ela não chegar no prazo convencionado.Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

A doutrina civilista é ampla quanto aos debates acerca do aceite, retirada de proposta e indenização por perdas e danos quando a resposta chega tarde ao proponente – empregador – vinda do trabalhador – aceitante.

No caso do contrato de emprego intermitente, o empregador – proponente – é obrigado a avisar imediatamente ao empregado que a sua aceitação chegou tardiamente, sob pena de responder ao empregado por perdas e danos, conside-rando a disposição expressa da lei sobre a permissão da pluralidade contratual. O empregado pode ter deixado de aceitar outra proposta, ainda que menos vantajo-sa, para realizar o trabalho cuja aceitação chegou tardiamente.

o Brasil volta dois séculos para integrar o seu Direito do Trabalho ao Di-reito civil, com a vantagem do novo código civil privilegiar a função social dos

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contratos e da propriedade – construção legislativa que tem origem brasileira no Estatuto da Terra, art. 4º, de 1964, pioneiro nessa regulamentação -, a boa-fé contratual objetiva, a socialidade e a eticidade.

O legislador ordinário permaneceu silente quanto à extinção contratual, e, diante dessa lacuna, aplicam-se as mesmas regras sobre resolução, resilição e rescisão contratual previstas na norma celetista para o empregado a prazo inde-terminado, ou mesmo sobre o distrato.

Também nada observou quanto aos direitos conquistados a partir dos atores sociais – sindicatos – por meio de negociações coletivas. E, nesse ponto, os direito concedidos aos trabalhadores submetidos ao contrato de emprego indeterminado, aplicam-se integralmente ao contrato de trabalho intermitente – PLR, percentuais de adicional noturno, cesta básica, plano de saúde, etc. – seguindo um princípio de coerência interna do sistema, pois extrai-se do art. 7, caput e inciso xxVI, da CF conjugado com o art. 611-A da CLT o princípio da primazia da negociação coletiva sobre a legislação, respeitadas as disposições mínimas constitucionais e as vedações decorrentes do art. 611-B da CLT, incluindo os defeitos e nulidades do negócio jurídico, neles incluída regra da não discriminação, salvo a inclusiva.

A alteração da modalidade contratual intermitente para indeterminado con-tínuo apesar de não previsto deve ser observada, por analogia com a legislação espanhola. Abrindo-se uma vaga de trabalho contínuo o empregado intermitente deve ter a preferência para ocupá-la na medida em que já está amplamente testado para as tarefas cotidianas, não devendo submeter-se ao contrato de experiência.

E, nesse quesito, mesmo que a legislação reformada não tenha previsto essa modalidade de contrato para o vínculo intermitente, por se tratar de um tipo de contrato a prazo indeterminado, cumpre ao intérprete extrair da norma o máximo de possibilidades que ela pode produzir a partir de uma interpretação sistemática.

Observa-se ainda que o trabalho intermitente não substitui o subordinado típico e nem mesmo pode ser associado à terceirização, e diferente da alteração realizada pela reforma trabalhista na lei da terceirização deixando ao arbítrio das partes o pagamento de salário equivalente ao do empregado típico da tomadora de serviços, no caso do trabalho intermitente, o importe salarial não pode ser inferior ao salário mínimo hora ou ao dos empregados que realizem as mesmas funções na empresa que contrata esse tipo de trabalhador, independente do con-trato desse trabalhador paradigma da isonomia ser perene ou intermitente.

Essa isonomia não é a mesma do art. 461 da CLT. Mas será que a equipa-ração salarial pode ser aplicada ao trabalhador intermitente? considerando outro trabalhador intermitente ou ainda um empregado típico, o valor de sua hora de trabalho, a mesma atividade/função, qualificação e produtividade, não há veda-ção legal para essa equiparação. O legislador ordinário, evitando a complexidade

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da matéria equiparação, preferiu a isonomia ou igualdade salarial para a proteção desse novo tipo contratual.

No ordenamento pátrio não houve o esclarecimento do referencial para a fixação do contrato de trabalho intermitente, ele é uma exceção ao art. 452 da CLT que considera a prazo indeterminado os contratos que se sucederem dentro de seis meses outro contrato a prazo determinado, pois a natureza contratual do novo instituto requer a realização de períodos de trabalho intercalados com pe-ríodos de não trabalho, havendo uma lacuna legislativa quanto ao referencial da intermitência: o trabalho e sua natureza ou a atividade empresarial.

Ante a inexistência de vedação legal, e considerando a liberdade de atos, salvo as proibições legais, art. 5, inciso II, da CF/88, inicialmente pode-se enten-der que o trabalho intermitente brasileiro pode ser utilizado em qualquer ativida-de empresarial descontinua, ou em atividades contínuas com picos irregulares de trabalho, com muito cuidado para que o contrato de trabalho intermitente não se torne um meio de fraudar as normas trabalhistas, art. 9 da CLT.

4. Primeiros julgados sobre o trabalho intermitente

O primeiro caso de trabalho intermitente judicializado ocorreu em Minas Gerais perante a 4ª Vara de Coronel Fabriciano com ajuizamento em 21/09/2018 sob o n.º 0010454-06.2018.5.03.0097. A petição inicial foi distribuída sob o pro-cedimento sumaríssimo, em sentença o juiz de primeiro grau entendeu primeira-mente pela constitucionalidade do novo contrato, apesar da existência das ações direitas de inconstitucionalidade quanto ao tema tramitando sob o n.º 5806, 5826, 5829, 5950 perante o Supremo Tribunal Federal sem decisão até aquele momen-to (22/08/2018) – e também até o momento deste artigo -, julgando improcedente o pedido de dano moral por ofensa à dignidade humana do trabalhador, sendo reformada pela Primeira Turma do Tribunal regional do Trabalho de Minas Ge-rais, para considerar o contrato nulo sob o seguinte argumento:

[...] entende-se o contrato de trabalho intermitente como sendo uma contratação Assim sendo, essa modalidade de contrato, porexcepcional, em atividade empresarial descontínua.ser atípi-ca e peculiar, assegura aos trabalhadores patamares mínimos de trabalho e remuneração, devendoentão ser utilizada somente para situações específicas. In casu, analisando o contrato de trabalho de Id.d140d84, verificou-se que o reclamante foi contratado pela reclamada Magazine Luiza em 21/11/2017 para o cargo de assistente de loja, em atividades típicas, permanentes da empresa, quais sejam, recepcionar o cliente na loja, conferir produtos e fazer pacotes, efetuar procedimentos de entrega de produtos adquiridos pelo site, contar, conferir e

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zelar pelo estoque de produtos da loja, entre outras. Nesse sentido, a Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, por meio desua Comissão 3, redigiu a tese 28 da 19ª coNAMAT, por meio da qual entende que o regime de caráter intermitente é incompatível com a demanda permanente, contínua ou regular ou para substituir posto de trabalho efetivo.24

Assim, utilizando como fonte doutrinaria o enunciado produzido no en-contro bienal de juízes do trabalho em âmbito nacional – CONAMAT. A primei-ra turma entendeu pela constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, porém em razão de sua utilização em atividades contínuas da empresa, reconhe-ceu sua nulidade. A empresa reclamada embargou a decisão sob o argumento de que utilizou a contratação intermitente para uma “Liquidação Fantástica” em 4 e 5 de janeiro em razão do aumento “drástico de vendas”, mas seu recurso foi conhecido e desprovido porque seus argumentos ensejavam a modificação da decisão que deveria ser realizada por meio de interposição de recurso próprio. O recurso de revista interposto pela empresa não foi conhecido, e o processo en-contra-se em processamento do agravo de instrumento para o Tribunal Superior do Trabalho sem decisão até o momento, prevalecendo o entendimento expresso no acórdão da 1ª Tuma do TrT mineiro.25 Observe-se que, tecnicamente, se a 1ª Turma entende que o recurso tem caráter reformador, incompatível com o art. 897-A da CLT, que se presta a corrigir o erro material, além da omissão e con-tradição, o caso seria de não conhecimento do recurso e não de desprovimento, porque o mérito não chegou a ser analisado ante a falta de adequação.

O segundo caso de utilização do conceito de trabalho intermitente pelo Poder Judiciário Trabalhista foi julgado em 10/04/2019, pelo Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso do Sul, acórdão da 2ª Tuma nos autos processo n.º 0024356-91.2016.5.24.000626, não se trata propriamente de um caso de trabalho intermitente, pois o cerne da demanda foi o conflito quanto à existência de vín-culo trabalhista de um instrutor do sENAI, porém, os desembargadores enten-deram por bem enquadrar o vínculo de emprego do instrutor que tinha períodos contínuos e descontínuos de trabalho na modalidade prevista no art. 443,§3º e

24 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. Acórdão nos autos do processo n.º 0010454-06.2018.5.03.0097. 1ª Turma. Des. rel. José resende chaves Júnior. DJe 29/10/2018. Disponível em: < https://pje-consulta.trt3.jus.br>. Acesso em: mai. 2019.25 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. andamento e consulta do processo n.º 0010454-06.2018.5.03.0097. Disponível em: < https://pje-consul-ta.trt3.jus.br>. Acesso em: mai. 2019.26 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO. andamento e consulta do processo n. 0024356-91.2016.5.24.0006. Disponível em: < https://pje.trt24.jus.br/consultaprocessual>. Acesso em: mai. 2019.

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art. 452-A da CLT, inserido pela Lei n.º 13.467/2017. Ocorre que a aplicação retroativa da norma é vedada por lei – art. 6º da Lei de Introdução das Normas Brasileiras, Decreto-Lei n.º 4657/42 -, havendo norma processual civil que veda a decisão surpresa, art. 10 do CPC, que pode ser aplicável ao Processo do Tra-balho por compatibilidade com o art. 769 da CLT. Interessante ler a íntegra do fundamento da 2ª Turma do TRT 24 para aplicação da norma:

[...] na verdade o contrato sempre existiu, o que a Lei fez foi ape-nas reconhecer a sua existência, e tendo a decisão que reconhece o vínculo de emprego natureza declaratória constitutiva, seus efeitos, retroagem à data em que o labor foi prestado. Por conseguinte, os efeitos de natureza econômica apenas se tornam exigíveis com a publicação da sentença que, no caso concreto, ocorreu em plena vigência a nova norma que, repito, apenas reconheceu o que sempre existiu, não se podendo cogitar de aplicação retroativa da Lei nova, mas de aplicação as situações reconhecidas em sua vigência.

O mais interessante do acórdão foi a pesquisa realizada pelos julgadores, que remonta ao contrato descontínuo da Espanha, além da fixação de um concei-to para o trabalho intermitente como o trabalho prestado de modo descontínuo em certos dias da semana, do mês ou do ano, ou em determinadas épocas, depen-dendo de eventos que apenas acontecem nessas ocasiões como carnaval, festividades de finais de ano, temporadas de férias, trabalho prestados para conjuntos musicais em shows de finais semana, trabalho de garçons em clubes e outros estabelecimentos que apenas funcionam em finais de semana ou feriados ou certo períodos, não existindo a necessidade de que o trabalhador fique de for-ma integral, todos os dias, à disposição do empregador.

Além disso a 2ª Tuma também entendeu que a prestação de serviço é necessá-ria “enquanto e quando ocorrem esses eventos, embora muitas vezes aquele que a contrata tenha uma atividade permanente, donde se conclui que a intermitência não está ligada ao tipo de atividade empresarial”27, em oposição ao entendimento da 1ª Turma do TRT 3 (Minas Gerais), que fixou o conceito de contrato intermitente na atividade empresarial ocasional, entendendo que na atividade permanente o con-trato não seria possível enquanto a 2ª Turma do TRT 24 entendeu que ocasional é o trabalho que pode se dar em atividade permanente, ou não, da empresa. Esse processo também está sendo objeto de recurso de revista, pendente de decisão.

Assim, até que o Tribunal Superior do Trabalho manifeste-se para uni-formizar o entendimento, há jurisprudencialmente a fixação de dois parâmetros

27 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO. andamento e consulta do processo n. 0024356-91.2016.5.24.0006. Disponível em: < https://pje.trt24.jus.br/consultaprocessual>. Acesso em: mai. 2019.

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para a existência de um contrato de trabalho intermitente a partir da interpretação do art. 443,§3º e art. 452-A da CLT atual: a própria natureza do trabalho que se repete ocasionalmente independente da atividade empresarial, e, a atividade em-presarial que deve ser de intercalada por períodos descontínuos ante a omissão legislativa quanto ao referencial a ser considerado para.

conclusão

O conceito de flexissegurança pode ser extraído da Diretiva 21 da União Européia, que pretende promover a flexibilização das relações de trabalho com-binada com a segurança, procurando modernizar o Direito do Trabalho para o Século xxI. A flexisegurança nesse sentido, seria uma terceira via entre o mode-lo americano de total desregulamentação e regulamentação protetiva do emprego surgida no modelo de Constitucionalização dos Direitos Sociais, iniciado pela Constituição mexicana de 1917 até a brasileira de 1988, de outro. 28

A reforma da Espanha foi inspirada no conceito de flexissegurança da Di-retiva Européia para conter a crise desde 2008, porém, o que se encontra nesses países é a redução paulatina das taxas de desemprego com uma vertiginosa queda da qualidade de vida de seus cidadãos. Nesses termos, a crise econômica que assolou o país desde 2015 seguida pela crise política e legislativa têm promovido mudanças na legislação trabalhista e tentativa de alteração na legislação previ-denciária, motivada pelo mesmo conceito de flexissegurança.

O Reino Unido é marcado pelo liberalismo que se reflete em sua legisla-ção, regulamentando um contrato de trabalho a “zero hora” sem maiores preocu-pações e com menores interferências do Estado, observando-se que a realidade, especialmente da Inglaterra, é muito distinta na medida em que a tradição deixa o cidadão o mais livre possível, havendo um sindicalismo bastante forte para realizar toda a proteção necessária ao trabalhador.

A reforma de Portugal restringiu bastante o trabalho intermitente ao tempo, mas também fixou na atividade empresarial que tem interrupções a baliza para esse tipo de contratação. Na Itália, a legislação é mais ampla, apesar de preferir atividades efetivamente ocasionais e de interrupção, a utilização desse contrato para jovens e idosos, protegendo o mercado de trabalho dos cidadãos adultos entre 25/54 anos, permitindo uma ampla regulamentação do contrato por meio de negociações coleti-vas, e residualmente deixando ao Ministério do Trabalho deles o dever de conter os excessos, antes mesmo da judicialização. Observa-se que o contrato a chamada ita-liano também só pode ser utilizado com o limite máximo de 400 jornadas em 3 anos.

28 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Flexissegurança nas relações de trabalho. Que bicho é esse? revista trabalhista (Rio de Janeiro), v. 25, p. 49-53, 2008.

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A formalidade é uma tendência de todas essas legislações, inclusive da legislação pátria, pois o contrato intermitente é um contrato especial de emprego a prazo indeterminado, que surge para fazer frente ao desemprego, reinserindo as pessoas, ainda que paulatinamente, no mercado de trabalho, mas também permi-tindo a utilização do tempo livre para outras atividades produtivas ou de capaci-tação, sendo uma preocupação que vai surgindo na doutrina o tempo descontinuo de trabalho, que pode ser remunerado ou não, dependo da opção do legislador.

Para que esse conceito não vire sinônimo de desregulamentação pura e simples haverá necessidade do intérprete concretizá-lo da melhor forma possível à luz dos princípios e valores constitucionais, mas também de toda riqueza nor-mativa do ordenamento pátrio – uno e indivisível.

o direito comparado como fonte do direito do trabalho, pode e deve, ser utilizado na interpretação desse novo instituto trabalhista – art. 8º, caput, da CLT –, bem como todas as normas civis inerentes ao aceite como fonte subsidiária para a interpretação dos problemas que poderão surgir com a aplicação do con-trato de trabalho intermitente, como os primeiros julgamentos vem realizando. O debate doutrinário e judicial apenas foi iniciado ante o reduzido tempo da nova legislação e da necessidade de amadurecimento do instituto. Há apenas dois jul-gados paradigma que entram em conflito quanto ao referencial da intermitência, um fixando-o na atividade empresarial de interrompida pelo tempo e outro nos intervalos de trabalho dentro da atividade empresarial permanente.

Cerrar os olhos aos fatos não ajuda ao Direito que influencia e sofre inge-rência de outros ramos – economia, sociologia, filosofia, etc. No Brasil, não só as leis produzem o direito, mas também a doutrina e a jurisprudência, mormen-te após a inserção de institutos como súmulas vinculantes e precedentes vincu-lantes, além da natural produção de norma decorrente das decisões judiciais. A reforma trabalhista de 2017 é fruto do movimento pendular mundial entre as ideologias liberais e sociais, que se alternam nos governos e legislações, ora com maior, ora com menor proeminência. O futuro do ordenamento pátrio trabalhista ainda não está estabilizado. Cumpre ao intérprete, ao jurista e aos profissionais que produzem o Direito encontrar o equilíbrio entre essas duas forças antagôni-cas para restabelecer a paz social e estabilidade tão almejadas.

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contrato de traBaLHo intermitente: PossiBiLidades interPretatiVas em desFaVor

do seU Uso na modaLidade “VaLe-tUdo”

Ana Cláudia Nascimento Gomes1

1. apresentação do tema:

Passados poucos meses da exitosa publicação da vigorosa obra A Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Pro-curadores do Trabalho e Advogados Trabalhistas, coordenada com brio pelos Doutores Rosemary de Oliveira Pires, Lutiana Nacur Lorentz e Arnaldo Afonso Barbosa,2 onde apresentamos algumas considerações prefaciais sobre o deno-nominado “contrato intermitente”,3 fomos convidadas à nova articulação sobre este novo instituto do Direito Individual do Trabalho; convite o qual aceitamos com muita honra; mas, também, com algum receio.

Com honra, pelo conhecido brilhantismo jurídico dos coordenadores; bri-lhantismo que certamente conduzirá a novo sucesso editorial. Com receio, pelo fato de se ter transcorrido tão curto lapso temporal daquele nosso primeiro artigo sobre o tema; interstício que nos impede colacionar aqui as novidades doutriná-rias e jurisprudenciais que ansiávamos apresentar (na medida em que, escancare-mos, gostaríamos de ver o “contrato intermitente” ser devidamente enquadrado em termos de equidade e de dignidade do trabalhador);4 e, por outro lado, nos

1 Doutora em Direito Público (2015) e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas (2001), títulos concedidos pela Universidade de Coimbra (Faculdade de Direito). Pós-Graduada em Direito do consumidor e Direito do Trabalho. Procuradora do Trabalho em Minas Gerais (Ministério Públi-co do Trabalho/PRT 3ª Região), aprovada em 1º Lugar Geral (em Provas e em Provas e Títulos, 2005). Professora Concursada da Faculdade de Direito da PUCMINAS/Belo Horizonte (2002). 2 PIRES, Rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Nacur; BARBOSA, Arnaldo Afonso, A Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procu-radores do Trabalho e Advogados Trabalhista, Ed. RTM, Belo Horizonte, 2019. 3 GOMES, Ana Cláudia Nascimento Gomes, “O Contrato de Trabalho Intermitente no Direito Comparado e na Lei 13.467/2019: no ‘vale-tudo’ e no ‘tudo-pode’ do Brasil”, in A Reforma Trabalhista ..., cit., pág. 271-278. 4 Aliás, é de bom alvitre apontar que se encontra na pauta do Plenário do STF do mês de junho de 2019, a ADI 5826, ajuizada pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de serviços de combustíveis e Derivados de Petróleo – FENEPosPETro, onde a consti-tucionalidade do contrato intermitente é questionada. Todavia, acredita-se que, em face da requerente não ser uma confederação, nos termos do art. 103 da Constituição, a Corte não adentrará ao mérito da controvérsia constitucional.

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compele, de certo modo, a revisitar, repetindo e corroborando, algumas das nos-sas primeiras impressões sobre esse “diabólico” contrato de trabalho.

Como é cediço, o “contrato intermitente” foi conceituado no art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e disciplinado no art. 452-A desse di-ploma.5 Foi apresentado ao “mundo jurídico” do trabalho nacional como “A solu-ção” do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho, dada a sua larga possibilidade de uso pelos empregadores, de forma recorrente e indeterminada.

5 “Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressa-mente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para presta-ção de trabalho intermitente.§ 3o - Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (NR).“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. § 1o - O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. § 2o - Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3o - A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. § 4o - Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. § 5o - O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6o - Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais. § 7o - O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo. § 8o - O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9o - A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”

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Com efeito, as estatísticas governamentais apontam que praticamente 10% (dez por cento) das vagas criadas no ano de 2018 referem-se a esta nova modalidade de vínculo empregatício,6 sendo que as vagas ofertadas, em sua larga maioria, vol-tadas àquelas que independem de profunda capacitação técnica (tais como atenden-tes de lojas e mercados e repositores de mercadorias)7 e que têm alta rotatividade; isto é, tem-se voltado justamente para aqueles trabalhadores que, em geral, mais carecem de proteção jurídica do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário.

A despeito disto, a celebração do contrato intermitente não conduz, ipso facto, à geração de emprego e renda, porque, em realidade, não representa mais do que uma proposta de trabalho futuro, a tempo fracionado. De igual modo, também não implica, inexoravelmente, tempo de trabalho efetivo do trabalhador, para fins previdenciários.

Tentemos, pois, cogitar algumas soluções jurídicas para o “maquiavélico” regime jurídico do contrato intermitente; os quais possam dar justa resposta às precisas qualificações do Professor Doutor João Leal Amado a este iníquo pacto laboral. Segundo ele, trata-se de uma “despudorada mercantilização do labor humano”; de uma “mercadorização do trabalho e desvalorização da pessoa que há em cada trabalhador, em homenagem a interesses patrimoniais”; porque, “a versão brasileira do contrato de trabalho intermitente ameaça converter o con-trato de trabalho – em princípio, um contrato de atividade, que tem por objeto a prestação de uma atividade laboral -, num contrato de inatividade”.8

Mas, será que a perniciosidade do regime jurídico do contrato intermitente permite solução algo equânime? Vejamos.

2. o contrato intermitente na reforma trabalhista de 2017: institucionalização ultrapermissiva e sem limites legais.

o Brasil optou por uma modelagem ultrarradical e liberal do contrato in-termitente: instituiu-se aqui um tipo ultrapermissivo desse contrato. Na Lei 13.467/2017, levou-se a último termo a máxima de flexibilização do trabalho: são ilimitadas as hipóteses legais de sua utilização (salvo para os aeronautas, única

6 “Brasil cria 115.898 novos postos de trabalho em abril, aponta Caged”, in Portal Ministério do Trabalho, https://veja.abril.com.br/economia/quase-10-das-vagas-abertas-no-brasil-sao-para-trabalho-intermitente/, acesso em maio de 2019. Publicado em 23 jan. 2019. 7 In. CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS (CAGED); Lei N. º 4.923/65; Sumário Executivo; abril de 2019. 8 AMADO, João Leal, “Contrato de Trabalho Intermitente: uma aposta falhada em Portu-gal, um sucesso perverso no Brasil”, in PIRES, Rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Na-cur; BARBOSA, Arnaldo Afonso, A Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Advogados Trabalhista, Ed. rTM, Belo Horizonte, 2019, p. 41-52.

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expressa exceção!!); são ilimitados os empregadores que podem por ele contratar; são ilimitados os empregados que por ele podem se subordinar; são ilimitados o tempo de trabalho e o tempo de duração desse contrato; flexibilizou-se – no sentido de fragmentou-se - , a forma de pagamento dos direitos laborais respectivos; etc. E o mais grave, flexibilizou-se, coisificando, o próprio sujeito do Direito do Tra-balho: o trabalhador acabou sendo convertido em mera mercadoria,9 cujo valor econômico será estritamente atribuído conforme as “leis da oferta e da procura”.

Com efeito, o legislador nacional ignorou e lateralizou princípios e regras constitucionais e normas internacionais de tutela jurídica do trabalhador, os quais têm raízes profundas na construção dos próprios direitos universais e fundamen-tais do homem-trabalhador (Declaração de Filadélfia de 1944; Declaração Uni-versal dos Direitos do Homem de 1948; etc.); tais como: princípio da proteção do empregado; princípio da valorização do trabalho humano; garantia de percep-ção mínima do salário mínimo mensal, mesmo para quem aufere remuneração variável; princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica; garantia de proteção social do trabalhador nos casos de infortunística e contagem de tempo de serviço, dentre outras balizas humanísticas que restringem a autonomia e a liberdade contratual plena. resultado de uma visão absolutamente parcial das questões afetas ao mundo do trabalho.

Isto porque, o legislador nacional optou pelo modelo jurídico de contrato intermitente mais prejudicial ao trabalhador, considerando, nessa ótica, um ma-lus genus: o contrato de trabalho denominado de “zero-hora”. Neste paradig-ma, é absolutamente dispensável o estabelecimento de um quantum mínimo ga-rantido de prestação laboral pelo empregado; ou, ainda, da execução de jornada mínima semanal ou mensal e nem, de igual modo, do recebimento de valor cor-respondente, ao final do mês, ao salário-mínimo legal, profissional ou normativo.

Portanto, trata-se de um falso contrato de atividade, já que vazio em ter-mos de obrigação de dação de trabalho (um paradoxo jurídico), desvirtuando integralmente a natureza do contrato de trabalho, no qual a prestação laboral está pressuposta como uma “realidade”; mas, não é uma mera “expectativa”. Aliás, refere-se à principal obrigação do empregador, pressuposta à obrigação de pa-gamento da contraprestação pecuniária, mormente ao se tratar de remunerações variáveis (Constituição, art. 7º-VII).

Nessa ótica, o regime do contrato de trabalho intermitente não oferece guarida remuneratória mínima nenhuma ao trabalhador, garantindo-lhe apenas o pagamento do “valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabe-lecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não” (CLT,

9 Em radical oposição à Declaração Relativa aos Fins e Objetivos da OIT, item I-a.

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art. 452-A-caput); isto é, proporcionalmente ao tempo efetivamente laborado. Assim, o contrato intermitente não tem como obrigação principal do empregador a dação de trabalho e nem obriga o empregador ao pagamento do valor corres-pondente ao salário mínimo mensal.

Logo, impõe-se ao empregado situação extremamente prejudicial em termos de posição na relação jurídica bilateral, com total imprevisão quanto ao momento do trabalho e ao quantum salarial a ser percebido ao final do mês. Daí a insegu-rança quanto à sua própria subsistência e de sua família, fazendo letra morta da ga-rantia constante do art. 7º-VII da Constituição10 e das características inerentes ao salário mínimo (finalidade satisfativa mínima de direitos sociais, além das caracte-rísticas de periodicidade e persistência), constantes das Convenções 95 (que trata da proteção do salário) e 131 da OIT (que trata da fixação de salários mínimos, ratificada pelo Brasil em 1983);11 estas dotadas, no mínimo, de supralegalidade normativa, consoante a jurisprudência assentada do sTF.12 Nem se argumente que o contrato intermitente tem a “vantagem” do trabalhador poder assumir essa condi-ção com vários outros empregadores, haja vista que, em regra, também o contrato de trabalho “padrão” não tem como característica a exclusividade.

Ainda, conforme aduzido, o contrato intermitente flexibiliza direitos de natureza essencialmente cominatória e que não poderiam ser desnaturados em meros percentuais calculados sobre o salário horário/diário/semanal/mensal au-ferido. Bens jurídicos de tutela da saúde e da convivência social e familiar são ultrajados com a quitação amiúde de férias e repousos semanais remunerados; sem falar que as férias anuais foram convertidas discriminatoriamente para os empregados intermitentes em períodos de mera suspensão contratual (CLT, art. 452-A-§9º), ao contrário do que se verifica nos demais contratos de trabalho. Desse modo, o contrato de trabalho intermitente desqualifica legalmente as férias e os repousos semanais; direitos assegurados pela Constituição para muito além de sua vertente patrimonial (gozo de férias anuais; arts. 7º - xVII; preferencial-mente aos domingos, art. 7º-xV).

10 7º- VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável. Não se olvide que o art. 7º -IV garante e compromete a finalidade do salário mínimo (“salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”).11 Decreto Legislativo n. 110, de 1982; Decreto n. 89.686, de 22 mai. 1984. Estipula tal convenção internacional.12 Tese adotada pelo STF, em repercussão geral admitida. V. RE 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe n. 104, de 05 jun. 2009.

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Fatores outros robustecem a iniquidade do regime jurídico do contrato intermitente, seguindo a trilha da lógica ultraliberal de mercantilizar a própria dignidade da pessoa do trabalhador. Vejamos:

a) Não houve vedação legal à utilização do contrato intermitente em ativida-des regulares e permanentes do empreendimento ou, por outra via, ele também não foi limitado exclusivamente às atividades empresariais descontínuas. A utilização do contrato intermitente está aberta a todos os tipos de atividades empresariais, independentemente de sua intermitência, alternância temporal ou provisoriedade. É cabível nas atividades empresariais contínuas, permanentes, duradouras, etc., salvo aeronautas (para não se esquecer daquela única exceção legal!!).

o contrato intermitente não tem limitação circunstancial ou subjetiva, pela ótica do empregador. Dessa forma, pode-se afirmar que houve pela Reforma Trabalhista inclusive violação ao princípio da igualdade em seu sentido material, pois empresas dotadas de forte capacidade econômica poderão fazer uso desse pacto precário da mesma forma e em iguais condições das pequenas e médias empresas, acirrando ainda concorrências desleais.

b) Também não houve impedimento legal à contratação de trabalhadores não intermitentes em paralelo com trabalhadores intermitentes, para o exercício de funções idênticas. Assim, é possível que se venha a constatar doravante que o contrato intermitente seja utilizado como forma de fazer verdadeira progressão contratual empresarial, se não for utilizado para a substituição de toda a mão de obra do empregador. Assim, poder-se-á pensar que se inicia uma relação empre-gatícia como um simples “empregado intermitente”; para, depois, passar a ser um “empregado” (quiçá, em experiência); e, por fim, um “empregado na moda-lidade indeterminada” (se vagas sobrarem a esta figura!).

De fato, pasmem, não há vedação legal para que contrato de trabalho in-termitente seja conjugado com os demais tipos de pactos laborais, sendo mesmo ultrajante pensar na figura do empregado intermitente com “contrato de experi-ência”. Não suficiente, depois da liberalização da terceirização na atividade-fim pelo STF (ADPF 324, Rel. Roberto Barroso; RE 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux), é possível mesmo antecipar a figura do “terceirizado intermitente por prazo indeterminado” nas atividades regulares, permanentes e finalísticas do tomador de serviço; a ser utilizado como trabalhador de “segunda categoria”; porém, legi-timada esta pelo Direito positivo.

c) No contrato intermitente, como determinado por lei, são absolutamente gratuitos e desconsiderados os períodos intercalares de não-trabalho ou de inati-vidade, mesmo em situação nítida de plantão (“aguardando-se ordens do empre-gador”, como é a regra do art. 4º da CLT); e, isto, aliás, independentemente de sua proporção em relação ao tempo consumido na efetiva execução do trabalho

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convocado. A obrigação do empregador envolve exclusivamente a contrapresta-ção pelo tempo efetivo de serviços, em termos estritamente práticos.

considerando, ainda, que o contrato intermitente não detém todas as regras e que lhe são aplicáveis regras outras próprias da legislação do trabalho, inciden-tes sobre a relação de trabalho em geral; e, levando-se em conta que a Reforma Trabalhista de 2017 ainda eliminou o pagamento das horas in itinere (CLT, art. 58-§2º),13 resta evidente a perniciosidade dessa jornada, em comparação com os demais contratos de trabalho, nos quais se incluem na jornada de trabalho o “tempo à disposição”: o padrão-regular por prazo indeterminado; o contrato de trabalho temporário; o contrato de trabalho a tempo parcial; etc.

Além disso, o fato de o empregador poder fracionar ao máximo a jornada de trabalho – inclusive por horas – situação, aliás, desconhecida no Direito Com-parado -, tem-se que se trata de um contrato que coloca o empregado intermitente numa situação paralela a de insumo empresarial; podendo despender todo um dia de trabalho entre horas de itinerário para o trabalho e horas de plantão e, ao final, auferir valores indignos para um dia voltado para o trabalho.

d) Ademais, a lei também não condicionou o recurso à contratação de in-termitentes na qualidade de ultima ratio empresarial, por exemplo, em situações de efetiva crises econômicas setoriais ou calamitosas, as quais, pelo princípio da excepcionalidade, pudessem ser eventualmente proporcionais ao uso desse contrato laboral de roupagem superprecária. Também não houve limitação para admissões que representassem acréscimo no número de empregados, a exemplo da Lei 9.601/1998 (contrato de trabalho por prazo determinado).14

Por outro lado, a Lei 13.467/2017 também não previu, como dever legal e compensação social pela utilização do contrato intermitente, por exemplo, a necessidade de contratar outros tantos empregados por contrato indeterminado após certo lapso temporal (“cota legal compensatória”). Também os emprega-dores intermitentes foram dispensados de contribuir com alíquotas majoradas para o financiamento do Programa de Seguro-desemprego, em decorrência da maior rotatividade de mão de obra provocada pela figura em questão (o que se-

13 Art. 58. §2º - O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de traba-lho, por não ser tempo à disposição do empregador. 14 “Art. 1º As convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão instituir contrato de trabalho por prazo determinado, de que trata o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, independentemente das condições estabelecidas em seu § 2º, em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento, para admissões que representem acréscimo no número de empregados.”

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ria, inclusive, impositivo, à luz do art. 239-§4º da constituição).15 Ao reverso, flexibilizou-se o direito constitucional constante do art. 7º-II, garantido a todos os trabalhadores, urbanos e rurais, estando os trabalhadores intermitentes arbi-trariamente alijados desse benefício social.

e) Agregue-se que, em termos previdenciários, o contrato de trabalho inter-mitente também praticamente exclui o trabalhador dos benefícios da proteção so-cial ou, em outras palavras, impõe exclusivamente a ele o ônus de complementar as contribuições para se ver acobertado pela Previdência social e ter seu tempo de serviço contabilizado para fins de aposentadoria, inclusive com o prejuízo de seu próprio sustento (art. 452-§8º da CLT), já que é desconhecida a origem das receitas salariais para tal complementação.

f) Não bastante, a Lei 13.467/2019 também olvidou em fixar que, em deter-minadas situações fáticas (incremento do setor econômico, v. g.) ou, diante de em-pregados que estejam em específicas condições (tais como, gestantes; acidentados do trabalho; cipistas; etc.), o contrato de trabalho intermitente converter-se-ia em contrato de trabalho indeterminado comum. Também não determinou essa sanção (“conversão em contrato indeterminado”) quando a contratação intermitente se demonstrasse abusiva ou leviana, em fraude à lei ou aos instrumentos normativos, como forma de obstar a aquisição de direitos; ou, ainda, como prática antissindical. Também não foi imposta tal conversão quando, por exemplo, percebe-se que o contrato intermitente fora utilizado em substituição a um contrato a prazo indeter-minado, na medida em que o empregado é ordinária e recorrentemente convocado.

g) Ademais, considerando-se ainda a literalidade da Lei 13.467/2017, o contrato de trabalho intermitente afigura-se (ou pretende-se) ser admissível mes-mo para o cumprimento de ações afirmativas no mercado de trabalho (cotas le-gais: art. 93 da Lei 8.213/1991 no caso da pessoa com deficiência, e art. 429 da CLT, no caso do aprendiz). Ora, na medida em que não impõe ao empregador a obrigação principal de dação de trabalho ao empregado; e, mesmo assim, este está registrado em fichas funcionais e na CTPS (“contrato celebrado por escri-to”, art. 452-A-caput da CLT), resta hialino que o contrato intermitente poderá ser utilizado como um paradoxal instrumento legal de fraude à própria lei e à Constituição (arts. 7º - xxxVI e 227 da CR/88; Convenção 111 da OIT). As finalidades das políticas de ações afirmativas no mercado de trabalho, como ins-trumentos de “efetiva participação, em condições equânimes e mais justas, na vida econômica, social e cultural” das pessoas portadoras com deficiência16 e 15 Art. 239 - § 4º. O financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei.16 V. STF. RMS 32.732 AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe n. 148, de 01 ago. 2014.

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dos aprendizes, podem restar totalmente ignoradas. Bisonhamente, o contrato de trabalho intermitente permite o cumprimento de cota legal sem efetiva inclusão no mercado de trabalho.

h) Isto tudo, evidentemente, sem olvidar a expressa ultraflexibilização dos próprios direitos laborais específicos, tais como: a redução pela metade do aviso prévio indenizado; da indenização do FGTS; a exclusão arbitrária dos empre-gados intermitentes da percepção de seguro-desemprego; a impossibilidade de contagem de tempo previdenciário acaso a remuneração não atinja o mínimo mensal equivalente a um salário mínimo; etc.

os fatores agravantes do regime iníquo do contrato intermitente, citados anteriormente, decorrem da intencional falta de limitação legal da reforma Tra-balhista de 2017. O objetivo foi certamente, e de forma implícita, secundarizar (em primeiro momento) e eliminar (em segundo momento) o contrato de trabalho padrão do Direito do Trabalho, por prazo indeterminado e com jornada padrão de 44 (quarenta e quatro horas semanais). Com isto, eliminar da contraprestação laboral o pagamento de “tempos à disposição” e de outros direitos trabalhistas de fonte constitucional e legal.

Na essência, aliás, o contrato de trabalho intermitente nem poderia ser con-siderado um legítimo pacto laboral, inserido no complexo normativo de regras e princípios do Direito do Trabalho (estes decorrentes da constituição e dos Tra-tados Internacionais de Direitos Humanos); não obstante ele o seja formalmen-te, por verdadeira imposição legal da Lei 13.467/2017. A uma porque, frise-se, conforme aduzido, não há obrigação contratual para o empregador de dação de trabalho (o contrato, conforme a reforma Trabalhista, se aperfeiçoa, pasmem, independente deste, sendo que a anotação em CTPS afiguraria uma situação de “stand by” laboral – direito de ficar em “stand by!”); a duas, porque a des-proteção trabalhista e previdenciária que implica ao empregado desmascara a própria intenção declarada da lei.

Nas balizas fixadas na Reforma Trabalhista, o contrato de trabalho intermiten-te é meramente um cadastro formal de reserva de trabalhadores, os quais ficam no aguardo do direito potestativo do empregador de convocá-los ou não. O ônus para o empregador na celebração de vários contratos de trabalho intermitente é diminu-to, tendo em vista que os valores pertinentes às verbas rescisórias (de aviso prévio indenizado e indenização sobre o saldo do FGTS) foram desonerados pela metade. o risco inerente à atividade empresarial, no que tange às obrigações trabalhistas, foi transferido para o empregado, parte frágil da relação empregatícia e do Direito do Trabalho; porém, agora, convertido em verdadeiro objeto de poder empregatício.

Não suficiente, o elemento essencial ao contrato de trabalho (como gênero) - a onerosidade – também é apenas potencial: ela só se concretizará na medida em que o empregado for convocado (aí sim, convertendo-se, temporariamente,

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em verdadeiro trabalhador subordinado); e, mesmo assim, indignamente, poderá ser aferida em valor inferior ao salário mínimo mensal, fixado nacionalmente.

Por isto aquela constatação, lançada em nosso primeiro artigo, já aqui mencionado, no sentido de que contrato de trabalho intermitente possibilita “em-prego sem trabalho; trabalhador sem renda e emprego sem inclusão social”.

3. Algumas soluções interpretativas para um regime jurídico mais justo e equânime para o contrato intermitente: uma “contrarreforma”17 pela hermenêutica jurídica.

Ao antever o desequilíbrio implícito do “contrato de trabalho intermitente” nas posições jurídicas entre empregador e empregado intermitentes, conforme o contexto laboral em que é inserido ou praticado, podemos também pensar em algumas soluções jurídicas interpretativas, as quais possam preencher as lacunas intencionalmente deixadas pelo legislador e, assim, efetivamente enquadrá-lo como um contrato de Direito do Trabalho.

a) Garantia de pagamento de salário mínimo mensal assegurado, como cláusula contratual não escrita de Ordem Pública (Código Civil, art. 2.035, parágrafo único):18

O STF já teve oportunidade de reconhecer a perniciosidade do pagamento de salário mínimo proporcional. No julgamento RE 340.599-3/CE, Relator Minis-tro Sepúlveda Pertence, afirmou a Corte que “(…) a partir da Constituição de 1988 (art. 7º, IV, c/c 39, § 2º - atual § 3º), nenhum servidor - ativo ou inativo - pode-rá perceber remuneração (vencimentos ou proventos) inferior ao salário mínimo, mesmo quando se tratar de aposentadoria com proventos proporcionais”. Salientou nesse julgado o Ministro Ayres Britto que, “para admitir que o servidor, mesmo se aposentando proporcionalmente, pudesse receber abaixo do mínimo, teríamos de trabalhar com a categoria jurídica nova, absurda, a do submínimo; quer dizer, o mínimo já é o piso abaixo do qual não se admite absolutamente nada”.19

Com essa ótica, pode-se interpretar o Ordenamento Jurídico como im-pondo, necessariamente, o pagamento do salário mínimo mensal, como cláusula contratual não escrita e de ordem Pública. 17 O termo “contrarreforma trabalhista” é utilizado por: OLIVEIRA, Marcos Paulo da Silva Oliveira; TEODORO, Maria Cecília Máximo; “A Contrarreforma Trabalhista e o Contrato Inter-mitente”, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 39, dezembro de 2018, pág. 176-186. 18 Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da en-trada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordi-nam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.19 STF. RE 340.599-3/CE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. DJe de 28 nov. 2003.

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Se por um lado, tal interpretação poderá colocar o juiz numa incômoda posição de um legislador-positivo”; por outro lado, poderá instigar o próprio legislador a ins-titucionalizar uma jornada de trabalho semanal mínima (a exemplo do que acontece na grande maioria dos países que adotaram esse modelo contratual),20 como forma de garantir sempre um determinado quantum de trabalho ao empregado intermitente ou a respectiva remuneração, de modo que a contratação de trabalhadores nessa modalidade precária seja algo realmente adequado e proporcionais aos fins visados.

b) como hipótese interpretativa substitutiva à anterior, garantia de jornada se-manal mínima – porém, flexível -, de 25 (vinte e cinco) horas semanais, por aplicação analógica do art. 58-A da CLT21 e, como cláusula não escrita de Ordem Pública:

Ora, para que o contrato a tempo parcial não perca a sua finalidade jurí-dica e seja também inteiramente substituído pelo contrato intermitente, deve-se guardar as devidas balizas. Nesse sentido, enquanto o contrato a tempo parcial volta-se para o desempenho de uma jornada reduzida, o contrato intermitente (aqui, como verdadeiro contrato de Direito do Trabalho) deve voltar-se exclusi-vamente para as situações efetivas de intermitência da atividade e, portanto, para uma jornada flexível por natureza de sue próprio contexto legal e objetivo. Assim também garante-se ao trabalhador intermitente um quantum mínimo de jornada (e, portanto, de salário); em prol da segurança jurídica e da sua subsistência.

c) Inviabilidade de se utilizar o contrato intermitente para cumprimento de cota legal, por se configurar “fraude à lei” de efetiva inclusão no mercado de trabalho.

ora, aqui não se carece de interpretação muito profunda. Na medida em que o contrato de trabalho intermitente representa um “limbo jurídico”; um “stand by laboral”; tem-se ser absolutamente imprestável para que os empregadores se desincumbam do cumprimento de sua cota legal afeta às pessoas portadoras de deficiências e aos aprendizes (além de outras, conforme vier a dispor a lei ou os instrumentos normativos aplicáveis). A inclusão no mercado de trabalho requer efetiva inclusão no meio ambiente do trabalho, com real e plena experimentação laboral, a fim de realmente dar guarida ao princípio da não-discriminação próprio ao Direito do Trabalho, à constituição e a à Convenção 111 da OIT.

d) Caracterização de dumping social, com a respectiva condenação em sede de obri-gações cominatórias e de danos morais individuais e sociais, caso se afira que o contrato intermitente tenha sido utilizado como prática precarizante ou de concorrência desleal.

20 GOMES, Ana Cláudia Nascimento Gomes, “O Contrato de Trabalho Intermitente no Direito Comparado e na Lei 13.467/2019: no ‘vale-tudo’ e no ‘tudo-pode’ do Brasil”, in A Reforma Trabalhista ..., cit., pág. 271-278. 21 Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

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Evidentemente, que aqui se está cogitando no princípio da função social da propriedade e das imposições legais que ela condiciona ao empregador (constituição, art. 170-III). O tratamento favorecido que a Constituição impõe para as empresas de pequeno porte pode sim obstar que sejam elas prejudicadas, por exemplo, por concor-rência trabalhista desleal, representada pela substituição de empregados das empresas de grande porte por trabalhadores intermitentes. ou ainda, que se comprove que o contrato intermitente tenha sido celebrado como mecanismo para obstar a fruição de direitos legais ou convencionais. As situações coletivamente precarizantes poderão eventualmente ser caracterizadas em investigações cíveis conduzidas pelo Ministério Público do Trabalho e, nelas ou em ações civis públicas propostas, pleitear-se conde-nação em danos individuais e sociais pelas lesões em sede de dumping social.22

e) conversão do contrato intermitente em contrato indeterminado acaso se verifique se ele fora desvirtuado para aplicação em atividades empresariais “não intermitentes”, como cláusula não escrita de Ordem Pública.

De igual modo, a fim de que o contrato do trabalhador temporário (Lei 6.19/74) não a perca a sua finalidade jurídica, é importante impor as respectivas balizas espa-ciais ao contrato de trabalho intermitente, de modo que ele não usurpe campos fáticos especialmente destinados à utilização de outras modalidades contratuais do Direito do Trabalho. Assim, a vocação do contrato analisado não pode, pura e simplesmente, prestar-se como contrato de trabalho padrão (inclusive em substituição progressiva do contrato de trabalho a tempo indeterminado). Do mesmo modo, não pode se voltar ao aniquilamento do espaço normativo do contrato de trabalho do trabalhador tem-porário, que é aquele, segundo a lei, “prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal per-manente ou à demanda complementar de serviços” (art. 2º da Lei 6.019/74).

Nessa medida, se a hipótese fática que motivou a contratação do trabalhador intermitente é aquela que, por lei, deve ser preenchida por trabalhador temporário; ou, mais grave, se deveria ser mesmo um contrato a tempo indeterminado, dada a natureza ordinária e perene das atividades exercidas pelo trabalhador, deve o contrato de trabalho intermitente ser convertido em contrato de trabalho a tempo indetermina-do, como sanção jurídica decorrente de cláusula não escrita de Ordem Pública.

Recentemente, aliás, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região pro-feriu acórdão nesse sentido, representando um importantíssimo precedente juris-prudencial na matéria, verbis: 22 A exemplo do que tem acontecido com outros empregadores, em caso de dumping so-cial por outras razões, como intermediação de mao de obra (merchandage). V. “MPT ajuizou ação contra o grupo Guararapes, dono da Riachuelo, por várias irregularidades trabalhistas na contratação de terceirizados”; in https://mpt.jusbrasil.com.br/noticias/498842077/nota-de-esclarecimento, acesso em 08 jun. 2019.

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NULIDADE DA CONTRATAÇÃO NA MODALIDADE IN-TERMITENTE. (....). Ao exame. O contrato de trabalho pelo regime intermitente foi introduzido nos artigos 443 e 452-A da denominada Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a qual foi elaborada com o objetivo primordial de simplificar e modernizar as relações de trabalho, sem que, com isso, haja precarização do emprego, como restou amplamente divulgado pela mens legisla-toris. A nova lei definiu o contrato de trabalho intermitente como sendo aquele em que “a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de presta-ção de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”. Diante de tal redação, entende-se o contrato de trabalho intermitente como sendo uma contratação excepcional, em ati-vidade empresarial descontínua. Assim sendo, essa modalidade de contrato, por ser atípica e peculiar, assegura aos trabalhadores patamares mínimos de trabalho e remuneração, devendo então ser utilizada somente para situações específicas. In casu, analisando o contrato de trabalho de Id. d140d84, verificou-se que o reclaman-te foi contratado pela reclamada Magazine Luiza em 21/11/2017 para o cargo de assistente de loja, em atividades típicas, perma-nentes e contínuas da empresa, quais sejam, recepcionar o cliente na loja, conferir produtos e fazer pacotes, efetuar procedimentos de entrega de produtos adquiridos pelo site, contar, conferir e ze-lar pelo estoque de produtos da loja, entre outras. Nesse sentido, a Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, por meio de sua Comissão 3, redigiu a tese 28 da 19ª CONAMAT, por meio da qual entende que o regime de caráter intermitente é incompatível com a demanda permanente, contí-nua ou regular ou para substituir posto de trabalho efetivo. Ve-jamos: “No caso do contrato de trabalho intermitente: “é ilícita a contratação para atendimento de demanda permanente, contínua ou regular de trabalho, dentro do volume normal de atividade da empresa”; é ilegal substituir posto de trabalho efetivo (regular ou permanente) pela contratação do tipo intermitente; não pode o empregador optar por essa modalidade contratual para, sob tal regime, adotar a escala móvel e variável de jornada; acaso con-tratado na modalidade da intermitência, o trabalhador tem direito subjetivo à convocação, sendo ilícita sua preterição ou a omissão do empregador (Enunciado n. 90 da 2ª Jornada).” Entende-se, portanto, que o trabalho em regime intermitente é lícito de acordo com a nova legislação, todavia, deve ser feito somente em cará-ter excepcional, ante a precarização dos direitos do trabalhador, e para atender demanda intermitente em pequenas empresas, sobre-tudo, não podendo ser utilizado para suprir demanda de atividade

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permanente, contínua ou regular. Não é cabível ainda a utilização de contrato intermitente para atender posto de trabalho efetivo dentro da empresa. (...)23

f) Imposição ao empregador intermitente de cumprir todas as obrigações legais no ato de contratação do trabalhador intermitente, quando do seu registro em cTPs:

ora, se pretende a reforma Trabalhista que o empregador intermitente seja figura de Direito do Trabalho, no ato da contratação do trabalhador (doravante, empregado), o deve ser, em integrais termos, a partir do registro na carteira de trabalho deste. Assim, as obrigações alusivas a exames médicos; treinamentos sobre segurança no trabalho; obrigações de qualificação previstos em instrumen-tos normativos, etc. devem ser impostos aos empregadores intermitentes, em igual medida, independentemente da confirmação da atividade laboral a poste-riori. Certamente isto imporá ônus contratuais que também conduzirão a uma contratação de intermitentes de forma mais comedida, razoável e proporcional.

A despeito das soluções jurídicas interpretativas aqui inicialmente cogita-das como forma de verter o contrato de trabalho intermitente como um “pacto la-boral equilibrado” e com harmonia ao princípio norteador do Direito do Trabalho (o princípio da proteção do tra balhador),24 há algumas dificuldades práticas que as envolvem e as podem tornar irreais.

A uma, o fato de que, após a reforma Trabalhista, o acesso à Justiça do Tra-balho restou desproporcionalmente onerado e, com isto, efetivamente obstado. o tema já está em apreciação pelo STF, na ADI 5766/DF, Relator Ministro Roberto Barroso, proposta pela Procuradoria-Geral da República.25 Ora, se já se afigura, na atualidade, irrazoavelmente arriscado para o trabalhador hipossuficiente (em

23 TRT 3ª Região - PROCESSO n. 0010454-06.2018.5.03.0097 (ROPS), Relator Desem-bargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Julgamento em 29 out. 2018. 24 DRAY, Guilherme Machado, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Ed. LTR, São Paulo, 2015.25 ADI 5766/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Julgamento suspenso, com vista: “Decisão: Após o voto do Ministro roberto Barroso (relator), julgando parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, para assentar interpretação conforme a constituição, consubs-tanciada nas seguintes teses: “1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários. 2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (I) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integra-lidade; e (II) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias. 3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento, e após o voto do Ministro Edson Fachin, julgando integralmente procedente a ação, pediu vista antecipada dos autos o Ministro Luiz Fux. Ausentes o Ministro Dias Toffoli, neste julgamento, e o Ministro Celso de Mello, justificadamente. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2018”.

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geral) ingressar com ação na Justiça do Trabalho (inclusive, pela possibilidade de pagamento de honorários periciais e honorários sucumbenciais, mesmo se benefi-ciário de justiça gratuita); o que dirá para o trabalhador intermitente, que terá que se submeter a tais ônus processuais para perceber valores por vezes muito módi-cos, próprios da jornada de trabalho hiperfragmentada desse pacto.

Cogita-se, por exemplo, de um trabalhador intermitente que, crendo ter direito ao adicional de insalubridade, fica sucumbente no objeto da perícia judi-cial. Ora, ao final da lide, ele poderá se encontrar numa situação econômica ainda mais agravada. Além disso, considerando que as parcelas do trabalho intermi-tente são pagas amiúde ao longo da execução laboral, mesmo estando a CTPS devidamente assinada, o empregado sempre poderá estar naquela situação de “stand by laboral”, a qual, por si só, já o obsta, por temor de não ser novamente convocado pelo respectivo empregador, acaso proponha uma ação na Justiça do Trabalho para perceber parcelas que restarão impagas após a prestação laboral.

Isto é tanto verdadeiro que, a despeito da Lei 13.467/2017 já ter mais de 18 (dezoito) meses de vigência, ainda temos dificuldades para localizar sentenças e acórdãos trabalhistas sobre o tema do contrato de trabalho intermitente.

A duas, porque, de fato, todas as propostas interpretativas têm como fina-lidade, ao fim e ao cabo, alterar o regime jurídico normatizado pelo legislador.

A despeito de pessoalmente consideramos que ainda estamos a cogitar de so-luções totalmente compatíveis com o exercício legítimo da jurisdição (jurisdictio, na medida em que dizer o Direito aplicável é poder-dever próprio dos juízes), com a sis-tematicidade e com a integralidade própria do sistema normativo (que, em tese, não são admitidas lacunas jurídicas); é fato que, por ótica diversa da nossa, poder-se-á afirmar que, agindo como proposto, estarão os juízes a substituírem ilegitimamente a vontade do legislador, criando imposições e barreiras legais que foram intencio-nalmente olvidadas por aquele Poder dotado de legitimidade democrática direta e constitucionalmente vocacionado para a criação normativa com efeitos erga omnes.

Para quem se alinha a esta vertente doutrinária (certamente mais favorável à manutenção da característica ultraliberal do regime do contrato intermitente), as únicas soluções jurídicas adequadas seriam, por um lado, a nulidade do pacto intermitente, quando desconforme com a lei expressa; ou, por outro, não o sendo nulo, mas havendo descumprimento de obrigações contratuais por parte do res-pectivo empregador, a sua rescisão contratual motivada (rescisão indireta, nos termos do art. 483 da CLT), com pagamento de eventuais danos morais.

Este debate, entretanto, sobre o maior (ou menor) papel de criador do Di-reito que devam exercer os juízes perante as lides, entretanto, não é exclusivo de temas afetos ao Direito do Trabalho.

Pensamos, entretanto, que há muito o juiz deixou de ser aquela autoridade acéfala, “boca que pronuncia as palavras da lei”.

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Assim, mesmo que o sTF não reconheça inconstitucionalidades no regime legal do contrato intermitente (possibilidade que consideramos diminuta, contu-do); tal fato, todavia, não impedirá que os tribunais do trabalho e, em especial, o Tribunal superior do Trabalho (como tribunal com competência precípua para a interpretação do Direito Material e Processual infraconstitucional), possam, pelo uso da hermenêutica jurídica, da analogia, da aplicação dos princípios ge-rais do Direito, etc. considerar integrantes daquele regime cláusulas e condições implícitas, derivadas do princípio da proteção do trabalho; na medida em que foi desejo expresso do legislador colocá-lo no âmbito normativo do Direito Positivo do Trabalho. E neste, data maxima venia, reina em absoluto o princípio tuitivo.

Contra este dado jurídico, acreditamos, nenhum jurista será capaz de discordar.

4. conclusão

cediço que o regime jurídico do contrato intermitente, nos termos institu-cionalizados pela Reforma Trabalhista de 2017, precarizou o Direito do Traba-lho nacional.

Tentamos aqui propor algumas soluções interpretativas para barrar o avan-ço degenerativo deste contrato sobre todo o ramo jurídico laboral. Porque, afinal, como apregoa o velho ditado: “Quando em Roma, aja como os romanos”. ora, se resolveu estar no Direito do Trabalho o contrato intermitente, deve agir como tal; isto é, sempre em conformidade com o princípio da proteção do trabalhador.

Neste âmbito normativo, concessa venia, “não vale tudo”!

Referências Bibliográficas

- AMADO, João Leal, “Contrato de Trabalho Intermitente: uma aposta falhada em Portugal, um suces-so perverso no Brasil”, in PIRES, Rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Nacur; BARBOSA, Ar-naldo Afonso, A Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Advogados Trabalhista, Ed. RTM, Belo Horizonte, 2019, p. 41-52;

- CORREIA. Henrique. MESSA. Élisson (Coord.), A Reforma Trabalhista e seus Impactos, Ed. JusPodivm, 2018, Salvador;

- CORREIA. Henrique. MESSA. Élisson, Manual da Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017: O que mudou?, Ed. JusPodivm, 2018, Salvador;

- DRAY, Guilherme Machado, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Ed. LTR, São Paulo, 2015;

- GOMES, Ana Cláudia Nascimento Gomes, “O Contrato de Trabalho Intermitente no Di-reito Comparado e na Lei 13.467/2019: no ‘vale-tudo’ e no ‘tudo-pode’ do Brasil”, in PIrEs, Rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Nacur; BARBOSA, Arnaldo Afonso, A Reforma

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Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Advogados Trabalhista, Ed. RTM, Belo Horizonte, 2019, pág. 271-278;

- OLIVEIRA, Marcos Paulo da Silva Oliveira; TEODORO, Maria Cecília Máximo; “A Con-trarreforma Trabalhista e o Contrato Intermitente”, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 39, dezembro de 2018, pág. 176-186;

Ainda os seguintes documentos públicos:

- CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS (CAGED); Lei N. º 4.923/65; Sumário Executivo, abril de 2019;

- MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. “MPT ajuizou ação contra o grupo Guararapes, dono da Riachuelo, por várias irregularidades trabalhistas na contratação de terceirizados”; in https://mpt.jusbrasil.com.br/noticias/498842077/nota-de-esclarecimento, acesso em 08 jun. 2019;

- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 5766/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Julgamento suspenso; ADI 5826, Rel. Min. Edson Fachin; RE 340.599-3/CE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RMS 32.732 AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello; RE 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso.

- TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª Região - PROCESSO n. 0010454-06.2018.5.03.0097 (ROPS), Rel. Des. José Eduardo de Resende Chaves Júnior.

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contrato de traBaLHo intermitente: Uma anÁLise a Partir da PersPectiVa de

conFigUraÇÃo do dano eXistenciaL

Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos1

i. introdução

Entre as alterações implementadas pela Lei 13.467/2017, o contrato de tra-balho intermitente, regulado pelo art. 443, §3º da CLT2, apresenta-se como um dos principais instrumentos de precarização das condições de trabalho na atualida-de, estruturado para assegurar a redução de custos e de riscos do capital e otimizar o modo de produção capitalista por intermédio da acumulação flexível3.

Tal modalidade contratual rompe com a lógica operacional do contrato de em-prego típico, além de desnaturar o atributo da assunção dos riscos do empreendimento pelo empregador, uma vez que o trabalhador em contrato intermitente compartilha os riscos do negócio com seu empregador, sendo acionado para o trabalho somente para atender às demandas de mercado e às oscilações das atividades empresariais sazonais.

Os efeitos dessa mercantilização do trabalho são indiscutíveis, com destaque para a imprevisibilidade salarial, circunstância que dificulta o planejamento econô-mico e a possibilidade de assunção de compromissos pelo trabalhador; a perda da identidade de classe e a sensação de não pertencimento, em razão da fragmentação da prestação de serviços; a falta de segurança no trabalho, diante do estranhamento

1 Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília UNB. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Espe-cialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau-lo e em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade de Brasília – UNB. Professora do Programa de Mestrado do UDF - Centro Universitário. Assessora da Ministra do Tribunal superior do Trabalho Delaíde Alves Miranda Arantes. 2 Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamen-te, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. [...]3.º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017). 3 Este artigo sintetiza, em parte, as reflexões assentadas na Tese de Doutorado intitulada “Dano existencial nas relações de trabalho intermitentes: reflexões na perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno”, defendida em 09/11/2018, na Faculdade de Direito da Uni-versidade de Brasília – UNB, por Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos, sob orientação da Professora Gabriela Neves Delgado.

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inevitável com o meio ambiente de trabalho e o maquinário a ser operado; o afas-tamento de uma real possibilidade de aposentadoria, diante da insuficiente ou ine-xistente contribuição previdenciária; a redução de direitos básicos, como o direito ao intervalo intrajornada e interjornada, ao descanso semanal remunerado, à licença maternidade, ao seguro desemprego; enfim, o aviltamento de direitos que tem as-sento constitucional e que constituem direitos fundamentais dos trabalhadores.

A falta de perspectiva de uma relação duradoura e estável de trabalho im-pede que o trabalhador em contrato intermitente faça planos futuros, que projete alternativas de desenvolvimento profissional, por meio de cursos de capacitação e formação em diversos níveis, ou que firme projetos que sejam socialmente ou materialmente valorosos para si próprio e sua família.

sem perspectiva de carreira, sem estabilidade para projetar o futuro, sem iden-tidade de classe, com salários menores, o trabalhador em contrato intermitente sofre profundamente com a precarização das condições de trabalho, condição passível de danos patrimoniais, mas que também pode provocar danos extrapatrimoniais, com reflexos profundos na existência obreira. É que o trabalhador submetido ao contrato intermitente tem intensificada a percepção de trabalho sem sentido, motivado uni-camente pela necessidade de sobrevivência, envolto em sofrimento e humilhação.

A insegurança sobre as condições de trabalho criadas por essa modalidade contratual afeta as suas relações sociais e familiares, sobretudo porque o traba-lhador intermitente vive uma angustia permanente pela incerteza do chamado, um tempo de espera que acarreta intenso comprometimento da sua subjetividade – um tempo de inteira disponibilidade, que acarreta violação ao direito cons-titucional de limitação da jornada de trabalho (compreendida como tempo de execução do trabalho e tempo de disponibilidade), nos termos do art. 4º da CLT.

Essa verdadeira sujeição pessoal pode implicar numa disponibilidade ili-mitada do tempo do empregado em favor do empregador, condição contratual que viola o direito a uma jornada de trabalho constitucional, podendo inclusive acarretar danos ao projeto de vida do trabalhador e à sua vida de relações, os denominados “danos existenciais”4.

Diante dessa constatação, pretende-se apontar as possíveis repercussões que o con-trato de trabalho intermitente pode acarretar ao projeto de vida e à vida de relações do sujeito trabalhador, comprometendo o conceito constitucionalizado do trabalho digno.

ii. o conceito constitucional de trabalho digno: o sujeito trabalhador como destinatário de um patrimônio material e imaterial de direitos

O trabalho que produz bens materiais e imateriais para satisfazer as necessida-des do ser humano é também produtor da própria humanidade, forma de expressão 4 Art. 223-B, da Lei 13.467/2017.

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e criação do ser humano, responsável pela construção da sua identidade e fator de reconhecimento. No entanto, a exploração capitalista também faz do trabalho fator de negação das potencialidades humanas, degradação da subjetividade e alienação.

Na perspectiva do direito ao trabalho inserido no sistema capitalista – no qual se reconhece a possibilidade de exploração do trabalho alheio juridicamen-te regulado - a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito não admite o trabalho enquanto sujeição pessoal, mas sim como um direito, isto é, “vantagem protegida juridicamente”, o que exclui a possibilidade, ao menos do ponto de vista jurídico, de prestação de trabalho servil ou na condição análoga ao escravo – situa-ções consideradas marginais à luz do Direito e inscritas, portanto, na ilegalidade5.

o enquadramento do trabalho digno como direito fundamental afasta a viabilidade jurídica de reconhecimento de hipóteses de trabalho exercido em condições indignas. No Estado Democrático de Direito, o trabalho constitui di-reito fundamental, sendo assim, as hipóteses de sujeição pessoal não são admiti-das pelo ordenamento jurídico, embora a realidade fática da exploração humana em condições degradantes persista no sistema capitalista6.

A garantia de um patamar civilizatório de direitos fundamentais trabalhis-tas é condição para alcançar a condição de dignidade no trabalho, destacando-se, nesse sentido, a importância da constitucionalização do Direito do Trabalho.

A Constituição de 1988 assegurou uma amplitude normativa e vinculan-te ao princípio da dignidade humana para além da esfera meramente individual, alçando a pessoa humana ao centro do ordenamento jurídico. Desta forma, “a dignidade humana traduz, na Constituição Federal de 1988, a ideia de que o valor central da sociedade está na pessoa, centro convergente dos direitos fundamen-tais”7. Expressa como fundamento da matriz constitucional, a dignidade huma-na constitui “princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico brasileiro”8.

A matriz constitucional de 1988 consagrou um plexo de direitos fundamen-tais que resguarda o patrimônio material e imaterial do trabalhador, construindo uma rede de proteção ao indivíduo que vive do trabalho, como consequência do papel central que a pessoa humana, com sua dignidade, ocupa, no paradigma do Estado Democrático de Direito.

Pode-se afirmar que constituem direitos fundamentais da pessoa humana aqueles que “são inerentes ao universo de sua personalidade e de seu patrimônio moral, ao lado daqueles que são imprescindíveis para garantir um patamar civi-5 DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da Repú-blica e Direitos Fundamentais. São Paulo: LTr, 2012, p. 64-65. 6 Idem. p. 29.7 DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2012, p. 75.8 Idem. Ibidem.

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lizatório mínimo inerente à centralidade da pessoa humana na vida socioeconô-mica e na ordem jurídica”9.

os direitos fundamentais são protegidos, pela sua essencialidade, contra qualquer tentativa de erradicação do Texto Constitucional, por meio da garantia prevista no art. 60, § 4.º, IV, que dispõe: “não será objeto de deliberação, a pro-posta de emenda tendente a abolir IV – os direitos e garantias individuais” 10.

São exemplos de direitos individuais e coletivos constitucionalmente assegura-dos, imprescindíveis para garantir o patamar civilizatório mínimo pugnado pelo Estado Democrático de Direito, os elencados no Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individu-ais e coletivos) e no capítulo II (Dos Direitos sociais), ambos do Título II, da consti-tuição Federal. Uma inovação da Constituição de 1988 foi a inclusão de uma proteção específica aos direitos fundamentais trabalhistas, por intermédio do disposto no art. 7.º e seus incisos, entre os direitos sociais elencados no capítulo II, do Título II.

Quanto ao patrimônio moral da pessoa humana, a sua proteção está asse-gurada no art. 5.º, V e x, do Capítulo I, Título II, da Constituição, que especifica a honra, a imagem, a intimidade e a vida privada como direitos fundamentais juridicamente protegidos pela constituição.

o desrespeito aos diretos fundamentais materiais e imateriais dos traba-lhadores resta evidenciado pelas flagrantes inconstitucionalidades apresentadas no texto da Lei 13.467/2017 - violações constitucionais que estão sendo discuti-das em ações que tramitam perante o supremo Tribunal Federal11.

o teor das mudanças aprovadas pela referida lei atenta contra princípios fundamentais do Direito do Trabalho, notadamente o Princípio da Proteção, es-vaziado por diversos dispositivos, que ignoram a desigualdade das partes ineren-te aos contratos de trabalho e a proibição de retrocesso social prevista no caput do art. 7.º, da constituição Federal. A reforma trabalhista resultou numa ofensi-va neoliberal que distorceu todo o sistema de proteção legal trabalhista erigido ao longo do século xx, fruto da luta dos trabalhadores e da construção evolutiva de direitos alcançada pelo Estado Democrático de Direito.

A inclusão da modalidade de contrato intermitente no ordenamento jurí-dico pátrio resultou em rebaixamento da proteção social e no esgarçamento do conceito de trabalho digno, acarretando lesões ao patrimônio material e imaterial dos trabalhadores, destacando-se nesse artigo especialmente os danos ao projeto de vida e à vida de relações. 9 DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela, Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com comentários à Lei 13.467/2017. 1.ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 33.10 Idem. Ibidem.11 Especificamente sobre a inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, cita-se a ADI 5806 e a ADI 5826, interpostas perante o Supremo Tribunal Federal e, até o momento, aguardando julgamento.

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iii. conceito e caracterização do contrato intermitente

Se a exploração do trabalho é da essência do capitalismo, que tudo trans-forma em mercadoria, as tentativas do sistema de baratear o custo da força de trabalho e ampliar seus lucros incluem a adoção de novas formas de contratação, com a possibilidade de regulação do tempo de trabalho, redução dos períodos de descanso e supressão do tempo de disponibilidade, mediante ajuste de toda a dinâmica contratual às exigências produtivas do mercado. Nesse contexto surgi-ram variados instrumentos de flexibilização como o banco de horas, o contrato de trabalho a tempo parcial e o contrato de trabalho intermitente.

o vínculo de trabalho tradicional, estabelecido pela lógica patronal do modo de produção capitalista, pressupõe contar com a energia de trabalho pro-porcional a uma média de produção preestabelecida, compatível com uma jor-nada de trabalho predeterminada. Para o trabalhador, essa sistemática implica na limitação parcial da disponibilidade do seu tempo despendido no ambiente de trabalho, para atender a um interesse que não é seu.

O contrato de trabalho na modalidade de emprego constitui o padrão bá-sico de contratação das sociedades ocidentais. A reciprocidade é um conceito chave do contrato de emprego típico, por se tratar de um contrato sinalagmático, no qual existem obrigações para ambas as partes – o empregado vende a força de trabalho e o empregador lhe paga o salário12. Portanto, há obrigações e direitos recíprocos e preestabelecidos.

Tal modalidade de contratação possibilita ao trabalhador planejar sua vida em função do trabalho, programando o seu dia-a-dia para o desenvolvimento de suas relações sociais e projetando o seu futuro, tanto pela perspectiva de desen-volvimento de uma carreira, quanto pela possibilidade de investimentos de longo prazo na sua formação e na aquisição de bens, sendo que tal condição se dá em razão da previsibilidade dessa modalidade contratual, que estima tanto o tempo disponível, o tempo de execução e a contraprestação. Do lado empresarial, o con-trato de trabalho típico permite ao empregado integrar-se à dinâmica empresarial, o que aumenta o grau de fidúcia, o engajamento subjetivo e a qualidade do serviço.

Dados do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da UNI-CAMP – CESIT - apontam a precariedade das relações de trabalho atípicas, re-conhecendo que constituem “vínculos mais frágeis quando comparados com os contratos por tempo indeterminado”. Alguns indicadores confirmam essa carac-terística como, por exemplo, o tempo de duração do contrato de trabalho. Em 2016 foram registrados aproximadamente 66 milhões de contratos de trabalho,

12 CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do trabalho: curso e discurso. 2.ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 127-144.

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entre ativos e inativos, até 31 de dezembro. Desse número, apenas 21% dos con-tratos típicos estão entre 0 a 5,9 meses de duração, entretanto, em relação aos atípicos, o índice de contratos de curta duração chega a 70%.13

Em relação ao rendimento do trabalho, a partir de dados do RAIS 2015, os vínculos atípicos de emprego se relacionam às piores remunerações do trabalho, em comparação com os contratos típicos. Nas faixas salariais inferiores (até 0,5 sa-lário mínimo, de 0,5 a 1 salário mínimo e de 1 a 1,5 salário mínimo), a participação dos trabalhadores em vínculos atípicos é relativamente maior do que a daqueles contratados por tempo indeterminado. A soma das três primeiras faixas salariais, mais inferiores, resulta em um índice de 43% dos trabalhadores com contrato por tempo indeterminado, contra 50,8% dos trabalhadores com vínculos atípicos14.

Quanto ao perfil do trabalhador contratado pela modalidade atípica, os mais jovens e os que têm menor escolaridade são maioria, comparativamente ao perfil dos contratados por prazo indeterminado. Em relação ao sexo, a presença de mu-lheres é maior nos vínculos flexíveis do setor público, constituindo o dobro do per-centual de homens em valores absolutos. setores relacionados à saúde, educação e assistência social costumam ter intensa participação feminina, o que explica, em parte, a maioria relatada. O emprego típico, com contrato por prazo indeterminado, é 60% masculino, Em termos relativos, 86% dos contratos formais masculinos são por prazo indeterminado, enquanto os femininos são 76%. 15.

o contrato de emprego típico é o padrão regulatório do trabalho humano preponderante no ordenamento jurídico brasileiro desde a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. Entretanto, não obstante a precariedade das condições de trabalho derivadas das modalidades contratuais atípicas, a Lei 13.467/2017 introduziu novas formas de contratação ao ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para o contrato intermitente.

o contrato de trabalho intermitente é seguramente uma modalidade con-tratual que aprofunda a dinâmica de flexibilização dos direitos trabalhistas, rom-13 KREIN, José Dari; ABíLIO, Ludmila; FREITAS, Paula; BORSARI Pietro; CRUZ, Regi-naldo. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In: KrEIN, josé Dari, GIMENEZ, Denis Maracci, SANTOS, Anselmo Luis dos (coord.). Dimensões críti-cas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018, pág., 100-101. Dis-ponível em http://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2018/04/LIVRO-Dimens%C3%B5es-Cr%C3%ADticas-da-Reforma-Trabalhista-no-Brasil.pdf. Acesso em 17/06/2018.14 KREIN, José Dari; ABíLIO, Ludmila; FREITAS, Paula; BORSARI Pietro; CRUZ, Regi-naldo. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In: KrEIN, josé Dari, GIMENEZ, Denis Maracci, SANTOS, Anselmo Luis dos (coord.). Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018, pág., 100-101. Disponível em http://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2018/04/LIVRO-Dimens%C3%B5es-Cr%C3%AD-ticas-da-Reforma-Trabalhista-no-Brasil.pdf Acesso em 17/06/2018.15 Idem.

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pendo com a lógica do contrato de trabalho clássico, subordinado, por tempo indeterminado e com jornada constitucional.

Para Augusto César Leite de Carvalho, o contrato de trabalho intermiten-te consiste em verdadeira modalidade de trabalho a chamada, no qual há um “tempo de permanente disponibilidade, agravado pela incerteza quanto ao valor mínimo de remuneração que justificava, até esta quadra histórica, o estado de sujeição”. A adoção generalizada desta condição de contratação transfere ao trabalhador “o risco da oscilação natural da demanda permanente de serviços, que é risco inerente à atividade econômica”16.

Sobre os efeitos da flexibilização do tempo de trabalho como forma de precarização, Patrícia Maeda destaca a existência de “vantagens para o empre-gador”, como a melhoria na organização do trabalho, a intensificação da produ-tividade por hora, a redução dos índices de sindicalização e de absenteísmo. Os benefícios prometidos com essa modalidade de contrato, como a possibilidade de flexibilização de horários de trabalho, podem ser plausíveis para profissionais de alta qualificação e altos salários. No entanto, a autora destaca que os benefícios se mostram secundários diante da generalização dessa forma de contratação que, via de regra, “significa insegurança e baixa remuneração para o trabalhador”17.

Para Joana Nunes Vicente, o contrato de trabalho intermitente é “uma mo-dalidade contratual flexível cujo traço estrutural fundamental se prende com a descontinuidade da prestação de trabalho, isto é, com a alternância de períodos de actividade e de inactividade laboral”18. Segundo Francesca Collumbu, trata-se de uma “subespécie” da relação de emprego na qual “o trabalhador oferece a própria atividade de maneira descontínua, conforme as necessidades produtivas ou de serviço, do empregador”19.

o contrato de trabalho intermitente rompe com as características do vín-culo de emprego tradicional, pois, além de se afastar do conceito de empregado típico, criando uma verdadeira antinomia do trabalhador que “é e não é” empre-gado ao mesmo tempo, subverte o próprio conceito de empregador, estabelecido no art. 2º da CLT, na medida em que o empregador passa a compartilhar os riscos da atividade empresarial com o empregado, sujeitando-o às oscilações da atividade empresarial sazonal, exposto às flutuações de mercado, de maneira a repassar para o trabalhador os riscos do negócio, acionando-o na medida em que houver demanda de trabalho.16 CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do Trabalho: curso e discurso. 2.ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 425.17 MAEDA, Patrícia. A era dos Zero Direitos: Trabalho Decente, Terceirização e Contrato Zero-hora. São Paulo: LTr, 2017, p. 138.18 Idem. Ibidem.19 Idem. Ibidem.

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Maurício Godinho Delgado discorre sobre a “teoria da assunção de riscos do empreendimento ou do trabalho”, na qual o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e sua execução20.

Também conhecida por “alteridade (alter: outro – i – dade: qualidade, isto é, qualidade do outro)”, a teoria transfere para somente uma das partes – o em-pregador – todos os riscos inerentes ao empreendimento, ficando o empregado livre de assumir prejuízos ou perdas sentidas pela atividade empresarial.21 Essa característica, específica do empregador, é compartilhada com o empregado no contrato de trabalho intermitente, uma vez que o trabalhador passa a se sujeitar às demandas e oscilações do mercado, sendo chamado para execução do serviço somente para atender aos interesses empresariais.

o contrato de trabalho intermitente, nesse sentido, além de não se coadu-nar com o artigo 2º da CLT, que atribui os riscos do negócio exclusivamente ao empregador, afronta o art. 5º, xxIII, da Constituição Federal, ignorando a fun-ção social da propriedade, ao admitir que a empresa passe a se orientar apenas pelo objetivo de lucro, sem qualquer preocupação social.

rompe, ainda, com a temporalidade estabelecida no modo de produção capitalista, que instituiu uma bipartição entre tempo de trabalho (subordinado) e tempo livre (de inatividade), materialização da sistemática que validou a troca do tempo de disponibilidade previsível por salário fixo – tempo homogêneo. A pre-valência dessa oposição entre tempo de trabalho e tempo livre isola o tempo de execução do contrato de trabalho do tempo de vida, consagrando juridicamente a “ficção econômica” de um trabalho separável da vida do trabalhador22.

o contrato de trabalho intermitente constitui uma terceira espécie de tem-po - um tempo heterogêneo23, uma zona cinzenta que não se caracteriza nem como tempo de trabalho nem como tempo livre. Um tempo de espera, de angús-tia, no qual o trabalhador não se desconecta, não pode desenvolver planos, não tem certeza de futuro, nem de ocupação, nem de remuneração.

o comprometimento da vida de relações e do projeto de vida do empre-gado contratado pela modalidade de contrato intermitente, submetido à inteira disponibilidade de seu empregador e sem remuneração, pode acarretar dano exis-tencial. A importância do limite à jornada de trabalho no contrato intermitente,

20 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª.ed. são Paulo: LTr, 2019, p. 494.21 Idem, p. 496.22 SUPIOT, Alan. Transformações do Trabalho e futuro do Direito do Trabalho na Euro-pa. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 95-107.23 A referência a um terceiro tipo de tempo, denominado “heterogêneo”, é feita por Supiot. Nesse sentido, consultar: SUPIOT, Alan. Transformações do Trabalho e futuro do Direito do Trabalho na Europa. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 96 a 146.

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estabelecido pelas normas internacionais de proteção ao trabalhador pela cons-tituição Federal e pela CLT, extrapola o direito individual do trabalhador, pois compromete o projeto de sociedade desenhado pela constituição e a efetividade do direito fundamental ao trabalho digno.

O contrato de trabalho intermitente afasta cada vez mais a perspectiva de uma sistemática que rompa com a separação binária de tempo de trabalho e tem-po de vida, de maneira que o tempo de trabalho seja considerado tempo de vida e o trabalho adquira significado de trabalho vivo, cheio de sentido, no qual o trabalhador se reconheça e se dignifique. O contrário sensu, por meio do contrato intermitente, essa “subespécie”24 de contrato de emprego, a sombra do trabalho sem sentido transborda para a vida do trabalhador fora do trabalho, afetando o seu tempo livre, o seu projeto de vida e a sua vida de relações.

IV. Conceito e características do dano existencial

O reconhecimento da existência de valores imateriais assegurados consti-tucionalmente como o direito fundamental à vida, à liberdade, à saúde, à honra, à imagem, à intimidade, ao nome, entre outros de igual importância, faz com que o desrespeito ou violação a quaisquer desses valores acarrete lesão à dignidade humana – valor reconhecido universalmente – o que fundamenta a defesa da possibilidade de reparação do dano moral ou extrapatrimonial.

O dano extrapatrimonial, uma vez incorporado definitivamente pela doutrina e reconhecido pelo ordenamento jurídico, encontrou campo fértil no Direito do Tra-balho, tendo em vista que as relações laborais são propensas a abusos cometidos em nome do denominado direito potestativo do empregador. sobre o conceito de dano moral, xisto Tiago de Medeiros Neto apresenta definição ampla, segundo a qual:

“dano moral ou extrapatrimonial consiste na lesão injusta e rele-vante ocasionada a determinados interesses não-materiais, sem equivalência econômica, porém concebidos e assimilados como valores e bens jurídicos protegidos, integrantes do leque de pro-jeção interna (como a intimidade, a liberdade, a privacidade, o bem-estar, o equilíbrio psíquico e a paz) ou externa (como o nome, a reputação e a consideração social), inerente à persona-lidade do ser humano (abrangendo todas as áreas de extensão da sua dignidade), podendo também alcançar os valores e bens extrapatrimoniais reconhecidos à pessoa jurídica ou a uma cole-tividade de pessoas.25

24 COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasi-leira. Revista dos Tribunais. vol. 984/2017, p. 277 – 301, Out/2017. DTR\2017\6429, p.277.25 MEDEIROS NETO, xisto Tiago. Dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2007, p. 56.

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Entre as espécies de dano extrapatrimonial possíveis encontra-se o dano existencial. No confronto entre as características do dano moral e o dano existen-cial, Matteo Maccarone considera que o dano moral é essencialmente um “sen-tir”; o dano existencial é mais um “fazer”, ou melhor, um “não mais poder fazer”. Enquanto o dano moral tem sua natureza no “interior” da pessoa, ao aspecto emocional, afetivo, o dano existencial refere-se ao “exterior”, o tempo e espaço da vítima. No dano moral, considera-se a dor, as angústias; no dano existencial, a questão é a “reviravolta forçada da agenda do indivíduo”26.

O dano existencial vincula-se sempre a um “fazer ou não fazer”, a uma mudança de hábito ou de atitude da vítima diante das consequências de um ato lesivo perpetrado por terceiro e que frustra o projeto original de vida do indiví-duo vitimado. Na jurisprudência nacional emprega-se genericamente a expressão “dano moral” para indenizar todas as situações de danos extrapatrimoniais.

No Brasil, Flaviana Rampazzo Soares contribuiu significativamente para a construção do conceito de dano existencial, identificando-o como “uma alteração prejudicial, juridicamente relevante e involuntária, total ou parcial, permanente ou temporária, em uma ou mais atividades da rotina da vítima, que contribuía à sua realização pessoal”27.

Um ambiente de trabalho altamente competitivo, precarizado e com di-reitos desrespeitados ou rarefeitos é o palco ideal para que o trabalhador sinta os efeitos dos abusos em forma de danos existenciais, que comprometem o seu futuro, o seu projeto de vida e a sua vida de relações.

A eficiência do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo deriva do aumento e da intensificação da exploração máxima da força de trabalho. As empresas utilizam práticas como a dispensa desmotivada de empregados mais antigos e a admissão de outros novos a um baixo custo, muitas vezes estagiários ou terceirizados que, na esperança de um dia integrarem o quadro de emprega-dos efetivos, não medem esforços para se mostrarem eficientes e produtivos, chegando ao limite da sua resistência. Somam-se a essas ameaças, estratégias organizacionais que objetivam assegurar maiores lucros, como a flexibilização

26 MAccAroNE, Matteo. Le imissione. Tutela reale e tutela della persona. Milano: Giuffrè, 2002. p. 77-78: [“Il danno morale è essenzialmente um ‘sentire’, il danno esistenziale è piuttosto un ‘fare’, (cioè un non poter più fare, um dover agire altrimenti). L’uno attiene per sua natura al ‘dentro’, alla sfera emotiva; l’altro concerne ‘il fuori’, il tempo e lo spazio della vitima. Nel primo è destinata a rientrare la considerazione del pianto versato, degli affanni; nell’altro l’attenzione per i rovesciamenti forzati dell’agenda”], apud ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Dano existen-cial: A tutela da dignidade da pessoa humana., p. 32 In: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/doutrinas/DANO%20ExISTENCIAL.doc.> Acesso em: 05/05/2018.27 SOARES, Flaviana Rampazzo. Danos Extrapatrimoniais no Direito do Trabalho. são Paulo: LTr, 2017, p. 119.

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e a desregulamentação de direitos, a intensificação do ritmo de produção e o aumento de metas e responsabilidades dos trabalhadores que levam, entre outras coisas, ao adoecimento28.

A preservação do tempo para o convívio social e a possibilidade de de-senvolvimento pessoal do ser humano devem ser asseguradas com o respeito aos direitos constitucionalmente consagrados aos trabalhadores. Para ricardo Antunes, a luta pelo direito ao trabalho em tempo reduzido e pela ampliação do tempo fora do trabalho, o chamado “tempo livre”, sem redução de salário deve estar articulada à luta contra o sistema de metabolismo social que transforma o “tempo livre” em “tempo de consumo”, no qual o trabalhador se exaure no consumo desprovido de sentido, “coisificado e fetichizado”, ou ainda, em tempo para “capacitar-se” para melhor competir no mercado de trabalho29.

As novas formas de exploração do trabalho no modo de produção capita-lista, implementadas pelo neoliberalismo, cada vez mais comprometem a vida de relações do trabalhador, invadindo a sua esfera privada, seja com a ocupação do tempo livre para o convívio familiar e o exercício de atividades fora do trabalho, seja com violações do direito à sua integridade física e moral que repercutem no cotidiano e no projeto de futuro dos indivíduos, destacando-se entre essas novas formas de exploração a modalidade de contrato de trabalho intermitente.

V. dano existencial no contrato de trabalho intermitente

Para resguardar o indivíduo de toda e qualquer forma de violação de direi-tos que atinja a sua esfera patrimonial e moral, a constituição Federal, irradiando para o ordenamento jurídico infraconstitucional a lógica decorrente de seus fun-damentos, estabeleceu princípios e regras de proteção que proporcionam ao su-jeito trabalhador o direito à reparação integral dos danos causados a sua pessoa.

A responsabilidade pelos danos existenciais ocasionalmente sofridos pelo trabalhador no desempenho de suas funções e que acarretem prejuízos à sua vida de relações e ao seu projeto de vida decorre de uma leitura alargada do direito à re-paração integral dos danos morais, estabelecido no art. 5º, V e x, da Constituição Federal, da densificação do conteúdo essencial do direito fundamental ao trabalho digno e do arcabouço principiológico estabelecido pelo Texto Constitucional.

os efeitos do contrato intermitente no projeto de vida e na vida de rela-ções do trabalhador são evidentes, tendo em vista que o trabalhador só consegue

28 BARRETO, Margarida: BERENCHTEIN Netto; PEREIRA, Lourival Batista. Do as-sédio moral à morte de si: significados sociais do suicídio no trabalho. São Paulo: Gráfica e Editora Matsunaga, 2013, passim.29 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Editora Boitempo, 2009, p. 173-176.

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“organizar e programar a sua vida extraprofissional se conhecer previamente, não apenas quantas, mas também quais as horas do dia, os dias da semana e as semanas do ano em que está obrigado a trabalhar” 30.

No trabalho intermitente, de acordo com André Martins de Almeida, a su-bordinação “se estende à esfera privada do trabalhador e, sobretudo, implica um esbatimento da fronteira entre tempo de trabalho/tempo de descanso, não sendo despropositada a afirmação de que haverá momentos que poderão ser caracteri-zados como tempo de terceiro tipo”. 31

Entre as várias outras consequências danosas para o trabalhador, Maurício Godinho Delgado destaca que o pagamento do tempo de trabalho efetivo atinge não somente o valor do salário, mas compromete parcelas e garantias próprias do contrato de trabalho, como o pagamento do tempo à disposição, dos intervalos in-trajornadas e interjornadas, dos descansos semanais remunerados e dos descansos em feriados. Dessa forma, se o empregado em contrato intermitente não cumpre uma jornada de trabalho “padrão diária, semanal ou mensal do contrato”, o que corresponde a oito horas diárias, 44 horas semanais e 220 mensais - computados os descansos remunerados, o trabalho se torna desvalorizado, precário e barato32.

Além dos efeitos imediatos, a longo prazo o contrato de trabalho intermi-tente colaborara com a perspectiva de quebra do sistema de proteção social, uma vez que, diante da propalada crise da Previdência Social, o Estado só aumenta as exigências de tempo de serviço e de idade para aposentadoria, enquanto, de outro lado, se precariza o contrato de trabalho, tornando impossível para o trabalhador adquirir as condições necessárias para o cumprimento dos requisitos “tempo de serviço”, “tempo de contribuição” e “idade”.

A alta rotatividade decorrente dessa forma de contratação é incompatível com a estabilidade necessária para o preenchimento das condições para a aposentadoria, o que parece apontar para a gestação de uma geração de indivíduos, homens e mulheres trabalhadoras, sem perspectiva de aposentadoria, uma geração de pessoas sem fonte de renda na velhice: a precarização de hoje terá efeito no futuro da sociedade.30 LEITE, Jorge. Direito do Trabalho na Crise - Relatório Geral. Temas de Direito do Trabalho, Direito do Trabalho na Crise. Poder Empresarial, Greves Atípicas - IV Jorna-das Luso-Hispano-Brasileiras de Direito do Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 33. Disponível em: <https://biblionet.fd.unl.pt/Opac/Pages/Search/Results.aspx?Databa-se=10406_GERAL&SearchText=AUT=%22IV%20Jornadas%20Luso-Hispano-Brasilei-ras%20de%20Direito%20do%20Trabalho,%20Coimbra,%201986%22>.31 MARTINS, André Almeida. O trabalho intermitente como instrumento de flexibilização da relação laboral: o regime do Código de Trabalho de 2009. In: I Congresso Internacio-nal de Ciências Jurídico-Empresariais. Disponível: em <https://iconline.ipleiria.pt/bitstre-am/10400.8/772/1/artigo2.pdf> Acesso em: 15/03/2018. Grifos acrescidos.32 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18.ª ed. são Paulo: LTr, 2019, p. 673.

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O afastamento do trabalhador do sistema de proteção social poderá impedir o gozo de benefícios previdenciários como o seguro desemprego, o auxílio do-ença e o auxílio acidente. Há que se avaliar a constitucionalidade de uma forma de contratação que não assegure o direito a um salário mínimo previsto na Cons-tituição como contraprestação pelo serviço e como benefício previdenciário...

Além da incompatibilidade jurídica apontada, há também consequências so-ciais e econômicas para toda a sociedade, decorrentes da adoção dessa modalidade contratual. se admitido o alastramento do contrato de trabalho intermitente de forma indiscriminada, substituindo a mão-de-obra regular, vislumbra-se o empobrecimen-to da população, com o aumento da miséria e da criminalidade como consequência da redução da renda. De outro lado, a diminuição do poder de compra acarretará rebaixamento da arrecadação e, consequentemente, a redução dos investimentos pú-blicos em obras e programas sociais, causando evidente retrocesso social.

Por todo o exposto, o contrato de trabalho intermitente apresenta caracte-rísticas incompatíveis com o ordenamento jurídico pátrio, não se coaduna com os preceitos estabelecidos pela matriz constitucional de 1988 e acarreta prejuízos ao indivíduo e à sociedade brasileira.

Para estudo realizado pelo CESIT, o contrato intermitente “coloca o traba-lhador em uma condição de alta instabilidade, incerteza e insegurança sobre sua própria reprodução social” 33. A regulação jurídica do tempo de trabalho e do tempo à disposição do empregador e a garantia de um patamar mínimo remune-ratório são imprescindíveis para obstar que as exigências produtivas necessárias à produção just in time levadas ao extremo nessa modalidade contratual não re-sultem no esgarçamento do sistema social de proteção construído pelo Direito do Trabalho ao longo de sua evolução histórica.

As características do contrato de trabalho intermitente rompem com o para-digma de trabalho prestado mediante subordinação jurídica e ressuscitam o trabalho prestado mediante sujeição pessoal, modelo teoricamente superado desde os primór-dios do liberalismo econômico. chamado a trabalhar a qualquer dia, a qualquer hora, e dependente economicamente do empregador, o empregado em contrato intermi-tente retorna ao regime de servidão, “é instrumentalizado por completo, ou aviltado em sua dignidade, se lhe falta autonomia, verdadeira autonomia, para contratar sua força de trabalho de outro modo, que não seja mediante o trabalho intermitente”34.

33 KREIN, José Dari; ABíLIO, Ludmila; FREITAS, Paula; BORSARI Pietro; CRUZ, Reginaldo. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In: KREIN, josé Dari, GIMENEZ, Denis Maracci, SANTOS, Anselmo Luis dos (coord.). Di-mensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018, pág., 108. Disponível em http://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2018/04/LIVRO-Dimens%-C3%B5es-Cr%C3%ADticas-da-Reforma-Trabalhista-no-Brasil.pdf Acesso em 17/06/2018.34 CARVALHO, Augusto César Leite de. Princípios de Direito do Trabalho sob a pers-

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A regulação judicial dos abusos decorrentes do contrato intermitente pode constituir em uma grande contribuição da Justiça do Trabalho para conformação dessa nova modalidade contratual aos ditames da constituição e das normas e trata-dos internacionais trabalhistas e de direitos humanos. seguramente, o rompimento do conceito de trabalho digno implementado pelo contrato de trabalho intermitente exige do Poder Judiciário uma interpretação jurídica que assegure civilidade à nova figura instituída, com o respeito aos direitos fundamentais constitucionalizados.

O reconhecimento da possibilidade de indenização dos danos existenciais experimentados pelos trabalhadores que se ativam na modalidade de contrato de trabalho intermitente se apresenta como forma de limitação, pelo Poder Ju-diciário, dos abusos empresariais que violam direitos assegurados pela matriz constitucional de 1988 e desconstroem o direito fundamental ao trabalho digno.

VI. Considerações finais

As novas modalidades contratuais implementadas pela reforma Traba-lhista da lei n. 13.467/2017 intensificaram a exploração do trabalhador, com des-taque para a inclusão, na CLT, da modalidade de contrato intermitente.

A proteção jurídica dos direitos fundamentais materiais e imateriais dos trabalhadores, estabelecidos pela constituição brasileira, no entanto, não pres-cinde da possibilidade de reparação ou indenização dos danos causados aos tra-balhadores resultantes de novas modalidades contratuais abusivas.

O reconhecimento do dano existencial decorrente das violações de direitos que causem danos ao projeto de vida e à vida de relações dos trabalhadores e a pos-sibilidade de indenização pode contribuir para a densificação do conceito de trabalho digno e para assegurar a proteção integral ao patrimônio imaterial dos trabalhadores.

Nesse sentido, o reconhecimento do direito à reparação por lesões que acarretem dano existencial aos trabalhadores intermitentes pelo Poder Judiciário pode constituir um caminho para a limitação dos abusos empresariais e para a ga-rantia do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana – especialmente o direito fundamental ao trabalho digno.

Referências Bibliográficas

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o contrato de traBaLHo intermitente como Forma de diLUiÇÃo

dos direitos traBaLHistas.

cristiane rosa Pitombo1

1. introdução

O presente artigo tem como escopo fazer uma análise do contrato de tra-balho intermitente, como uma das novas figuras de trabalho trazidas pela Refor-ma Trabalhista (Lei n. 14.467/2017), nos artigos 443 e 452-A da CLT. A nova modalidade de contrato de trabalho, é importada do Reino Unido, sendo uma incorporação do instituto europeu, o contrato de zero horas.

Diante de seu caráter precarizante, demonstrado por pesquisas em diversos países que adotaram o modelo de contrato de trabalho em questão, o trabalho intermitente tenta desnaturar conceitos basilares do Direito do Trabalho, como a habitualidade na prestação de serviços como requisito do contrato de trabalho, a noção de jornada e de remuneração, consectários de um contrato de trabalho.

A Lei n. 13.467/2017 regulamentou o contrato de trabalho intermitente, com o intuito de diluir direitos trabalhistas e submeter os trabalhadores a situação de vulne-rabilidade diante do empregador, descaracterizando a relação de emprego ao retirar requisitos como a habitualidade, visto que nessa modalidade contratual o trabalhador labora de forma eventual, e a onerosidade, pois da forma como posta o empregado vai ter que suporta junto com o empregador o ônus do empreendimento.

Nesse contexto, o presente estudo demonstrará que o contrato de trabalho inter-mitente descaracteriza a relação de trabalho e traz sérios prejuízos aos trabalhadores.

Para tanto, objetiva-se, num primeiro momento, tendo em vista que o tra-balho intermitente ser uma novidade para o ordenamento pátrio, realizar o estudo dos requisitos que caracterizam a relação de emprego.

Em seguida, analisaremos a regulamentação da legislação brasileira em re-lação ao contrato trabalho intermitente, cotejando-o com os requisitos necessários para a formação da relação de trabalho, em especial com os requisitos da habitua-lidade na prestação de serviço e da onerosidade. A pesquisa se utilizou da metodo-logia dedutiva, por meio de pesquisa bibliográfica e legislativa e jurisprudencial.

1 Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário UDF- Brasília – DF. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Processus-DF. Especia-lista em Direito, Estado e Constituição pela Faculdades Integrada da União Educacional do Planalto Central. Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho. e-mail: [email protected].

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2. o contrato de trabalho no brasil

As relações de trabalho podem ser entendidas como toda relação jurídica con-substanciada no trabalho humano2, e possuem como espécie a relação de emprego, que pode ser compreendida como toda a relação jurídica em que se vislumbra a caracteriza-ção do vínculo empregatício, formalizada por meio de um contrato de trabalho.

O contrato de trabalho nada mais é que a materialização de uma relação trabalhistas. Gustavo Filipe Barbosa Garcia3 conceitua o contrato de trabalho como sendo “o negócio jurídico em que o empregado, pessoal natural, presta serviços de forma pessoal, subordinada e não eventual ao empregador, receben-do, como contraprestação, a remuneração”.

Presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores do vínculo de emprego, quais sejam, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade, teremos consubstanciada uma relação de emprego entre as partes da relação compreendida.

Antes de abordar os requisitos que caracterizam uma relação de emprego, afim explorar melhor o conceito de tal relação, necessário se faz a delimitação dos sujeitos existentes nesse tipo de relações jurídica analisados sob a ótica dos artigos 2º e 3º da CLT.

O artigo 2º, caput, da CLT conceitua que empregador “é toda a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”.

Do disposto no referido artigo pode-se concluir que a figura do emprega-dor é aquela que admite e coordena a prestação de serviço, assume os riscos da atividade, do empreendimento, o ônus negocial.

Contudo, para se entender quem estará do outro lado na figura do empre-gado nos socorremos do disposto no artigo 3º, caput, da CLT, que dispõe “con-sidera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Diferente do que ocorre na figura do empregador, o empregado se restringe apenas à pessoa física ou natural que presta serviços ao empregador, tem-se que

2 Acerca da diferenciação existente entre relação de trabalho e relação de emprego, Maurício Godinho Delgado em sua obra Curso de Direito do Trabalho explica que: “a relação de trabalho tem caráter genérico; refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão re-lação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.) traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual”. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15ª Ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 295.3 GArcIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Ed. rio de Ja-neiro. Forense. 2017. p. 159.

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essa prestação de serviços dar-se-á de forma pessoal, habitual e onerosa, median-te o pagamento de salário.

Portanto, tem-se que os requisitos que caracterizam uma relação de empre-go, que se consubstancia por meio de um contrato de trabalho, são:

6. o empregado sempre será uma pessoa física;7. pessoalidade, que significa que o serviço deve ser prestado de forma

pessoal pela pessoa do empregado, não sendo admitido, em regra, que o empre-gado envie outra pessoa para prestar o serviço, objeto do contrato de trabalho;

8. habitualidade, esse serviço deve ser dar de forma não eventual, ou seja, a prestação de serviço deve se desenvolver de forma habitual;

9. subordinação, na prestação de serviço o empregado segue as regras determina-das pelo empregador, é o empregador que determina como se dará a prestação do serviço;

10. Onerosidade, o empregado trabalha de forma remunerada, pois o ônus do empreendimento apenas deve ser suportado pelo empregador.

Dessa forma, a relação de emprego é uma relação jurídica pautada no tra-balho humano, estabelecida de forma bilateral entre dois sujeitos, empregado e empregador, onde preenchidos determinados requisitos se caracteriza a relação de emprego que se materializa mediante a celebração de um contrato de trabalho.

Assim para que se exista um contrato de trabalho, os requisitos da relação de emprego devem ser observados, o que não ocorre na modalidade do contrato de tra-balho intermitente, onde se há uma prestação de serviço de forma pessoal, eventual, subordinada e o empregado divide com o empregador os riscos do empreendimento.

3. o contrato de trabalho intermitente regulado pela lei n. 13.467/2017

3.1. Definição de trabalho intermitente seguindo a lei n. 13.467/2017

O trabalho intermitente adotado no Brasil com a reforma trabalhista (Lei n. 13.467/17), embora seja uma novidade para o nosso ordenamento jurídico, já é uma prática recorrente em diversos outros países. Ele é mais conhecido como lavoro intermittente, na Itália, e como zero hour contract no Reino Unido, inclu-sive onde surgiu na década de 19904.

A Lei n. 13.467/2017 a regulamenta o trabalho intermitente no Brasil. Tal moda-lidade de trabalho nada mais é do que a incorporação do instituto europeu acima citados.

O trabalho intermitente está regulamentado pelos artigos 443 e 452-A da CLT. Sendo que a referida modalidade de trabalho possui sua previsão legal e conceituação no artigo 443 e sua regras disciplinadas pelo artigo 452-A da CLT.

4 Previsto no art. 27ª do Employment Rights Act de 1996 – informação extraída de COL-NAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente – trabalho “zero hora” – trabalho descontínuo. In: Revista da LTr, São Paulo, ano 81, n. 9, Set/2017, p. 1087.

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Acerca da possibilidade de contratação na modalidade de contrato intermi-tente e do conceito do referido contrato, dispõe o artigo 443 da CLT:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017)§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).

A previsão do contrato de trabalho intermitente, se divorcia com a lógica dos contratos de trabalho anteriormente previstos na Consolidação das Leis do Trabalho – o contrato de trabalho verbal e o contrato de trabalho por escrito – pelo fato de que em tais modalidades de contrato sempre há a observância dos requisitos da relação de emprego previstas no artigo 3º da CLT5, quais sejam a prestação de serviço de forma pessoal, subordinada, não eventual, e onerosa.

Acerca do conceito do contrato intermitente Amary cesar Alves6 traz a seguinte definição:

contrato de trabalho intermitente é modalidade contratual bila-teral e celetista, com prestação de serviço não eventual e em ra-zão da necessidade de trabalho descontínua, mas comum e cor-riqueira para o empregador que não pode antever, na admissão do empregado, quando se dará e por quanto tempo demandará a prestação laborativa, que é sui generis em relação à previsão de sua duração, marcada pela incerteza do momento exato da necessidade do trabalho e das interrupções, e não pelo número reduzido de horas trabalhadas em um dia, semana, ou mês.

O texto legal define o contrato de trabalho intermitente como a prestação de serviço de forma eventual, onde haverá alternâncias de períodos de prestação de ser-viço e de inatividade, vindo a conflitar com o disposto no artigo 3º da própria CLT.

Acerca dessa desarmonia legal Antonio Umberto de Souza Junior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto7 entendem:5 Art. 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 9 set. 2018.6 ALVES, Amauri Cesar; SOUZA. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurí-dica In: Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Ano xxIx, n. 346, Abril/ 2018, p. 36 e 37.7 SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO,

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Uma nova figura – e de certo modo enigmática – que traz certa perplexidade, pela ruptura de paradigmas no âmbito do Direito do Trabalho, é o trabalho intermitente. Segundo o §3º do art. 443 da CLT, o trabalho intermitente é um contrato de trabalho sem continuidade. Como expressamente aponta o art. 3º da CLT, a continuidade (ou não eventualidade) é um dos elementos es-senciais que compõem os contratos de trabalhos típicos. Agora, cria-se um contrato de trabalho com pessoalidade, subordinação e onerosidade, mas sem continuidade.

referente ao período de inatividade do contrato de trabalho intermitente, cabe ressaltar, que há no § 5º do artigo 452-A, da CLT a disposição expressa-mente de que no período em que o empregado não estiver prestando serviço ao empregador, tal período não será considerado como tempo à disposição, podendo aquele neste período prestar serviços a outros tomadores de serviços, o demostra o carácter precarizante da modalidade de contratação. O conflito existente entre o contrato de trabalho intermitente e os requisitos da relação de emprego como a habitualidade e a onerosidade será abordado em tópico específico.

3.2. regulamentação e análise critica sobre o cotrato de trabalho intermitente

Ainda sobre a Lei n. 13.467/2017, que promoveu a regulamentação do contrato de trabalho intermitente o fez em apenas um único artigo, o art. 452-A8 que dispõe:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser cele-brado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabele-cimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comuni-cação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. (Incluído pela Lei n.

Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017, p. 166.8 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compila-do.htm>. Acesso em: 09 set. 2018.

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13.467, de 2017).§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remunera-ção que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 5º O período de inatividade não será considerado tempo à dis-posição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o em-pregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).I - remuneração; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).III - décimo terceiro salário proporcional; (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).IV - repouso semanal remunerado; e (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).V - adicionais legais. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).§ 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo em-pregador. (Incluído pela Lei n. 13.467, de 2017).

Destaca-se apenas a alguns pontos da legislação supracitada, tendo em vis-ta que o objetivo do presente estudo é abordar e demonstrar o caráter precarizante do contrato de trabalho intermitente.

No tocante a regulamentação do contrato de trabalho intermitente, cabe ressaltar que este dever se dá de forma escrita, contendo o valor da hora de traba-lho, nunca inferior ao valor horário do salário mínimo ou à remuneração devida aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

Salienta-se que a previsão do caput do artigo 452-A da CLT, garante a isonomia salarial ao trabalhador intermitente, pois entre este e o demais trabalha-dores da empresa não pode haver distinção salarial.

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sendo o contrato de trabalho intermitente uma modalidade de trabalho que alterna períodos de atividade e inatividade na prestação de serviço, os §1º ao §5º do artigo 452 da CLT disciplinam como se dará essa prestação de servido de forma alternada.

Uma das atecnia da legislação trabalhista está nos §2º e §3º do artigo 452 da CLT que coloca o trabalhador intermitente como um trabalhador autônomo, pois traz a previsão de que este não está obrigado a aceitar a oferta de trabalho intermitente, sendo que tal recusa não configura insubordinação. Percebe que o legislador não observou a lógica do Direito do Trabalho no tocante às relações de emprego em diversos dispositivos que regulamentam o contrato de trabalho in-termitente, colocando-o ora como trabalhador autônomo, ora como empregado.

Outro ponto, talvez o de maior crítica, é o §5º do artigo 452 da CLT que dispõe que o período em que o trabalhador intermitente não estiver trabalhando não será con-siderado como tempo à disposição do empregador. Tal dispositivo transfere para o tra-balhador o ônus do empreendimento, o que vai na contramão da lógica justrabalhista.

Por fim, e não menos importante, a legislação destaca quais serão as par-celas as quais o trabalhador intermitente fara jus a receber, quais sejam, remune-ração; férias proporcionais com adicional de 1/3; décimo terceiro proporcional; repouso semanal remunerado; FGTS proporcional e adicionais legais.

A lei não tinha necessidade de discriminar quais são as parcelas trabalhistas as quais o trabalhador intermitente tem direito a receber, visto que como sendo o contrato de trabalho intermitente uma modalidade de contrato de trabalho, como o contrato de trabalho por tempo determinado, ou o contrato de trabalho por tempo indeterminado, por certo que aquele trabalhador fará jus as mesmas verbas traba-lhistas que estes trabalhadores submetidos a outras modalidades contratuais.

4. a diluição de direitos trabalhista por meio do contrato de trabalho intermitente e a consequente mercantilização do trabalho

Percebe-se que o trabalho intermitente está regulamentado de forma diame-tralmente oposta a dois institutos de suma importância para o Direito do Trabalho, que são a noção de jornada de trabalho e a noção de remuneração, tendo em vista que o trabalhador intermitente não terá como se programar em relação a sua jorna-da laboral, nem tão pouco prever qual será sua remuneração em um determinado mês de trabalho, ou se até mesmo terá remuneração em um determinado mês.

A figura do contrato de trabalho intermitente não considera dois requisitos para que se tenha configurada a relação de emprego, quais sejam, o requisito da habitualida-de e o requisito da onerosidade. referente a distorção que a legislação tenta promover em relação aos conceitos de jornada e salário, ressalta Mauricio Godinho Delgado9:9 DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no

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o contrato intermitente, nos moldes em que foi proposto pela Lei da Reforma Trabalhista – caso lidas, em sua literalidade, as regras impostas no por esse diploma legal –, busca romper com dois direitos e garantias justrabalhistas importantes, que são estrutura central do Direito do Trabalho: a noção de duração do trabalho (e de jornada) a noção de salário.A noção de duração de jornada de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do empregado em face de seu empregador, pres-tando serviços efetivos ou não (caput do art. 4º da CLT). A Lei n. 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito um novo: a realidade do tempo à disposição do empregador, porém sem efeitos jurídicos do tempo à disposição.Igualmente a noção de salário sofre tentativa de desnaturação pela Lei da Reforma Trabalhista: conceituando como parcela contra-prestativa devida e paga pelo empregador a seu empregado em virtude do contrato de trabalho, a verba salarial pode ser unidade de tempo (salário mensal fixo – o tipo mais comum de salário), por unidade de obra (salário mensal variável, em face de certa produção realizada pelo obreiro), ou por critério misto (denomi-nado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de cálculo).

Acerca do requisito da onerosidade, da forma como posta na legislação, o trabalho intermitente transfere os riscos da atividade econômica e do empre-endimento para o trabalhador, tendo em vista que ele só será convocado para prestar seus serviços, nos momentos em que há grande fluxo no estabelecimento empresarial, violando o princípio da alteridade. Conclusão também exposta por Gustavo Filipe Barbosa Garcia10 em relação a essa modalidade de trabalho:

No trabalho intermitente a jornada de trabalho é normalmente móvel e mais flexível, permitindo que o empregado receba apenas pelo tempo de labor efetivamente prestado, deixando ao emprega-dor a definição do período que será laborado em cada dia e época.Entretanto, trata-se de uma sistemática que pode gerar certa inse-gurança ao trabalhador, não permitindo saber se será convocado para prestar serviços, ou por quanto tempo, o que resulta no des-conhecimento de qual será o valor do seu salário a ser recebido e no desconhecimento do verdadeiro nível remuneratório mensal.Na prática, a medida pode gerar a transferência ao empregado, que é a parte mais vulnerável da relação jurídica, dos riscos da atividade econô-mica e do empreendimento desenvolvido, que por natureza devem ser do empregador, por ser o titular dos meios de produção (art. 2º da CLT).

Brasil: com os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 154-155.10 GrAcIA. Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista: análise crítica da Lei 1.3467/2017. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 137.

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situação semelhante ao contrato de trabalho intermitente, foi enfrentada pelo Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2011, no caso do julgamento do RR-9891900-16.2005.5.09.000411, em sede de ação civil pública, de relatoria da ministra Dora Maria da Costa. Concluiu-se pela invalidade da jornada móvel e variável, pois, conforme condição prevista em contrato de trabalho, o empregado permanecia em uma sala dentro do estabelecimento empresarial aguardando ser chamado para trabalhar. Eis a fundamentação do acórdão:

Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mí-nimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contra-tação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movi-mento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que dis-

11 RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIáVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas des-pesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 9891900-16.2005.5.09.0004, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 23/02/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011). Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/consulta-unificada>. Acesso em: 09 set. 2018.

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ciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. (destaque acrescido).

O próprio Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou acerca dessa tentativa de o empregador transferir os riscos do empreendimento para o traba-lho, considerando-a ilegal, pois é a empresa quem deve suportar tal encargo.

Acerca da flexibilização do requisito da habitualidade, tem-se que tal ques-tão, em relação à jornada móvel variável já foi decida pelos Tribunais Trabalhis-tas Pátrios. Acerca da jornada móvel variável Patrícia Maeda12, destaca:

Assim, a dignidade limitada à expressão do próprio direito man-tém-se no contexto do capitalismo, em que o trabalho humano não é mercadoria, objeto de venda e compra no mercado. Nesse contexto caso, “desmercantilizar” o trabalho significa invalidar a jornada móvel e variável prevista contratualmente, pois esta afasta a aplicação de normas protetivas ou dos direitos funda-mentais trabalhistas. Esse limite não emancipa, uma vez que o trabalho continua sendo uma mercadoria, mas não podemos ig-norar que os direitos sociais, sobretudo os direitos trabalhistas, são resultado de conquista de uma classe trabalhadora. Permitir a redução de direitos tem o potencial de tornar o trabalho huma-no uma mercadoria comum, não qualificada, em desconsidera-ção ao ser humano que o exerce.

Ainda referente ao requisito da habitualidade, tem-se que a relação de tra-balho deve se desenvolver de forma continua ser perpetuando no tempo afim de consagra o princípio da continuidade da relação de emprego, de aplicabilidade certa nos contratos de trabalho por prazo determinado, regra geral no Direito do Trabalho, pois possibilita uma maior integração do trabalhador com o seu ambiente de traba-lho. Acerca do princípio da continuidade Eneida Melo correia de Araújo13, ressalta:

Em decorrência do Princípio da continuidade, consagrado no Direito Internacional do Trabalho, mediante inúmeras normas constantes de recomendações e convenções, a regra geral é que as partes celebram contratos sem determinação de prazo. Compreende-se que o contrato por prazo indeterminado traz uma perspectiva de permanência, de integração na empresa e possibilidade de profissionalização do emprego.

12 MAEDA, Patrícia. A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora. São Paulo: LTr, 2017, p. 129. 13 ARAÚJO. Eneida Melo Correia de. O contrato de trabalho intermitente: um novo contrato?. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Ano 84, n. 1, jan. a mar. LEx MAGISTER: 2018. p.352.

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Como se se percebe, não bastasse seu caráter precarizante, a modalidade de contrato de trabalho intermitente, numa tentativa legislativa de diluir direitos trabalhistas, o que conflita com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os princípios da valorização do trabalho e da existência digna, com os ditames da justiça social e com a vedação da mercantilização do trabalho humano.

A dignidade da pessoa humana deve ser vista como a norma que funda-menta e valida todo o sistema jurídico brasileiro vigente. A constituição Federal, em seu artigo primeiro14, coloca a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da república Federativa do Brasil, princípio base que deve ser ob-servado por todo o ordenamento jurídico.

referente a incorporação do princípio da dignidade da pessoa humana na constituição Federal como um dos fundamentos da república Federativa do Brasil, Mauricio Godinho Delgado15 salienta:

A constituição brasileira, como visto, incorporou o princípio da dignidade da pessoa humana em seu núcleo, e o fez de ma-neira absolutamente atual. Conferiu-lhe status multifuncional, mas combinado unitariamente todas as suas funções: função, princípio e objetivo. Assegurou-lhe abrangência a toda a ordem jurídica e a todas as relações sociais. Garantindo-lhe amplitude de conceito, de modo a ultrapassar sua visão estritamente indi-vidualista em favor de uma dimensão social e comunitária de afirmação da dignidade da pessoa humana.

Tem-se, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser visto como uma garantia que deve ser assegurada a todo ser humano, devendo ser considerado tal princípio como o epicentro de todo o sistema jurídico. carlos Henrique Bezerra Leite16, corrobora, também, com tal entendimento ao dispor:

o epicentro de todo o ordenamento jurídico brasileiro é o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III), razão pela qual não há necessidade de muito forço intelectivo para demonstrar que tal princípio alcança em cheio o direito do trabalho, pois todo tra-balhador (ou trabalhadora) é, antes de tudo, uma pessoa humana.

14 Constituição Federal: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-cao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 set.2018.Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...). III - a dignidade da pessoa humana; 15 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017. p.41.16 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2017. p.88.

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Do princípio da dignidade da pessoa humana deriva o princípio da cen-tralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica. Por tal princípio o ser humano deve ser colocado no centro da vida socioeconômica e do ordenamento jurídico, devendo as normas jurídicas convergirem para sua proteção, afim de evitar mercantilização do trabalho.

Acerca do princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconô-mica e na ordem jurídica, Mauricio Godinho Delgado17 sustenta:

(...) reportando-se ao objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, apta a assegurar a plena dignidade da pessoa humana, supõe, evidentemente, que não se trate, no País, o ser humano, o trabalhador, ou trabalhadora e o trabalho como simples mercadorias; ao inverso, eles devem ocu-par a centralidade da vida socioeconômica e da ordem jurídica.

Da forma como está regulamentado na CLT o contrato de trabalho intermiten-te fere a dignidade humana do trabalhador e coloca o trabalho como uma mercado-ria, o que é vedado pela ordem jurídica vigente, por contrariar princípios basilares de nosso ordenamento jurídico como o princípio da dignidade da pessoa humana e da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica.

A nova modalidade de trabalho em comento, também viola princípio da vedação do retrocesso social, um importante instrumento na proteção e preserva-ção dos direitos sociais, implícito nas normas expressas da Constituição Federal, como defende José Joaquim Gomes canotilho18:

o princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de emprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo in-constitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial.

Pelo princípio da vedação do retrocesso social, evita-se a criação de nor-mas jurídicas que visem a piora das condições já estabelecidas pelo ordenamento jurídico, o que traduz um verdadeiro retrocesso social, como no caso da inserção

17 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017. p.45.18 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. reimp. Coimbra: Almedina, 1999, p. 327.

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do contrato intermitente em nosso sistema jurídico trabalhistas brasileiro. Em re-lação ao princípio da vedação ao retrocesso social, Mauricio Godinho Delgado19 o explica da seguinte maneira:

Propugna essa diretriz que a ordem jurídica encontra-se obstada a criar ou ratificar normas e institutos que concretizem ou insti-guem a piorar ou degradação do patamar civilizatório atingido, em certo momento histórico, pelas condições sociais caracteri-zadoras de certa sociedade e Estado. Pelo princípio, em sínte-se, proíbe-se a criação ou ratificação de normas jurídicas que propiciem o retrocesso social em determinada sociedade civil e sociedade política.

o contrato de trabalho intermitente surge como uma tentativa de diluir os di-reitos trabalhistas, referente a essa condição precarizante em que o trabalho inter-mitente coloca o trabalhador, bem sintetizam Antonio Umberto de Souza Junior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto20:

Entretanto, não há nenhuma garantia mínima de salário ou de número de horas trabalhadas no texto legal. Neste aspecto, o que poderia ser uma ideia interessante torna-se um instrumento com grande perspectiva de precarização. Ao trabalhador intermiten-te restará, como concebido o seu regime jurídico na norma em foco, desempenhar o papel similar ao dos pedintes de rua, men-digando por horas de trabalho a seus diversos patrões ocasionais que possam garantir-lhe, com sorte, alguns trocados.

Patrícia Maeda21, em estudo apresentado em sua obra “A era dos zero direitos: trabalho decente, terceirização e contrato zero-hora”, ainda, destaca que pesquisas demonstraram no Reino Unido que os trabalhadores submetidos ao contrato de zero hora experimentaram diversos tipos de abuso como: baixos salários; subempregos; insegurança salarial; impacto nas famílias; lacunas de di-reitos trabalhistas; abusos no trabalho (exploração e maus tratos).

Dessa forma, pode-se concluir que a regulamentação do contrato de traba-lho intermitente como posta pela legislação trabalhista, foi utilizado como uma forma de diluir os direitos trabalhistas e fere não apenas normas contidas no diploma trabalhista, como também fere os ditames constitucionais, bem como as normas internacionais voltadas para a proteção do trabalho humano.

19 DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017. p.98/99.20 SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Op. Cit., 2017, p. 177.21 MAEDA, Patrícia. Op. Cit., 2017, p. 124.

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5. conclusão

O presente trabalho científico, após a análise da legislação e experiência do contrato de trabalho intermitente em outros países, bem como a análise da compatibilidade principiológica do Direito do Trabalho, os requisitos da relação de emprego, com essa nova modalidade de trabalho, conclui-se que o contrato de trabalho intermitente brasileiro tem a mesma matriz que o modelo europeu (contrato de zero-hora), ou seja, a alternância entre períodos de prestação de ser-viço e de inatividade (não remunerada). Porém, no ordenamento jurídico pátrio não existe qualquer finalidade precípua de incentivar a inserção de trabalhadores vulneráveis no mercado de trabalho, tendo em vista que tal prática leva a preca-rização da mão de obra de trabalho.

O contrato de trabalho intermitente não se compatibiliza com os requisitos de uma relação de trabalho, que é consubstanciada por meio de um contrato de trabalho. A referida modalidade contratual não observa o requisito da habituali-dade da prestação de serviço e flexibiliza o requisito da onerosidade, numa clara tentativa de diluir os direitos trabalhistas.

A modalidade de trabalho intermitente no Brasil se mostra precarizante por mercantilizar o trabalhador e por transferir-lhe o risco do negócio, além de não garantir uma renda mínima para o obreiro. Assim, a modalidade em comento conflita com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os princípios da valorização do trabalho e da existência digna, com os ditames da justiça social e com a vedação da mercantilização do trabalho humano.

A regulamentação do contrato de trabalho intermitente como posta pela legislação trabalhista, por meio da Lei n. 13.467/2017, foi utilizado como uma forma de diluir os direitos trabalhistas e fere não apenas normas trabalhistas, como também fere os ditames constitucionais, bem como as normas internacio-nais voltadas para a proteção do trabalho humano.

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traBaLHador HiPersUFiciente

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a noVa caracteriZaÇÃo dos emPregados gestores a Partir da Lei 13.467/17

sabrina Zein1

1. da delimitação dos empregados gestores a partir da estruturação dos processos produtivos

Desde o início do século xx é possível identificar a figura de alguns em-pregados com características diferenciadas, os quais reuniam incumbências de controle de tempo e quantidade de produção, atuando como representantes dos patrões no ambiente fabril. Enquanto estes tinham o monopólio de todos os co-nhecimentos a respeito do trabalho e percebiam remuneração distinta, os ope-rários da produção percebiam sua remuneração de acordo com a quantidade de peças que produziam, ficando alheios à cadeia como um todo2.

Posteriormente, com base na cultura toyotista, o operador passa a ter que atuar no processo como um todo, utilizando-se da colaboração (cooperação) e sen-do multifuncional, assumindo o líder a incumbência da gestão motivacional, vol-tada a obter o engajamento dos colaboradores para o alcance das metas impostas.

Nesse contexto houve a estruturação de processos produtivos, sempre pau-tada pela desigualdade, mas que propiciou o surgimento de algumas funções específicas para trabalhadores que, apesar de não serem detentores do capital, são instados a atuar em representação daqueles no sentido de buscar a concretização dos fins do negócio e em algumas situações até participam do lucro, a exemplo daqueles mencionados por Hayek3:

o recente crescimento do monopólio resulta em grande parte de uma colaboração intencional entre o capital organizado e o tra-balho organizado, em que grupos privilegiados de trabalhadores compartilham dos lucros do monopólio em detrimento da comu-nidade e, em especial, das camadas mais pobres: os empregados nas indústrias menos organizadas e os desempregados.

Entre o final do século xx e o início do século xxI delimita-se uma nova for-ma de acumulação do capital, a da sociedade hipermeritocrática, na qual as rendas

1 Advogada, mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba.2 WEIL, Simone. A Racionalização. 23 de fevereiro de 1937. In: BOSI, Ecléa (Org). Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão. Tradução de Therezinha G.G. Langlada. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 152-153.3 HAYEK, Friedrich Von. O caminho da servidão. Tradução de Anna Maria Capovilla, José ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. Rio de Janeiro: Vide Editorial, 2013, p. 234-235.

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mais altas são fruto do trabalho, principalmente dos altos executivos ou emprega-dos gestores4. Esta nova configuração é decorrente da necessária separação entre propriedade e gestão, bem como é fruto do desenvolvimento planificado dos grupos empresariais transnacionais5 e do fortalecimento da indústria financeira6.

Nessa nova divisão do trabalho, evidencia-se, portanto, a nítida concentração do capital nas mãos de uma minoria, que visa multiplicá-lo em favor de seus empre-gadores, o que impulsiona o aumento mais intenso das disparidades sociais.

O desenvolvimento planificado coloca cada etapa da cadeia produtiva em uma localidade no cenário mundial, o que demanda uma descentralização da alocação do poder, ou seja, cada unidade da empresa precisa tem um responsável, um gestor.

Outrossim, muitas vezes esse gestor precisa ter a disponibilidade para acompanhar a mobilidade com que rapidamente uma unidade de produção des-loca-se integralmente de um local para outro em busca de melhores incentivos fiscais, custos diferenciados, etc.

A segregação referida acima (entre propriedade e gestão) conduziu ao surgi-mento de “novas classes de administradores” compostas por executivos e gerentes das empresas, que mais do que nunca passam a cumprir com suas tarefas de organização7.

2. Da compreensão dos empregados gestores à luz da teoria do capital humano

A delimitação desses altos empregados também tem fundamento na teo-ria do capital humano (passagem do valor do trabalho para o reconhecimento e investimento no capital humano), que foi consagrada pelo economista Theodore William Schultz8, em chicago, através do aperfeiçoamento dos preceitos da escola clássica de economia. O capital humano direciona o investimento para o

4 PIKETTY, Thomas. O capital no século xxI. Tradução Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 258-259.5 CHESNAIS, Fraçois. A Mundialização do Capital. São Paulo: xamã, 1996, p. 72-109.6 DUMÉNIL, Gérard. LÉVY, Dominique. O neoliberalismo sob a hegemonia norte-a-mericana. In: CHESNAIS, Fraçois (Org). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatami. São Pau-lo: Boitempo, 2005, p. 84.7 DUMÉNIL, Gérard. LÉVY, Dominique. O neoliberalismo sob a hegemonia norte-a-mericana. In: CHESNAIS, Fraçois (Org). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatami. São Pau-lo: Boitempo, 2005, p. 85.8 Ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1979, pela análise do papel do investimen-to em capital humano para o desenvolvimento econômico, conforme relação de ganhadores disponível em: http://www.estadao.com.br/infograficos/conheca-todos-os-premios-nobel-de economia,economia,234884. Acesso em 15/05/2015.

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próprio trabalhador, distanciando-se daquele binômico clássico de sujeição do trabalho ao capital9:

A característica do capital humano é que ele é parte do homem. É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital por-que é uma fonte de satisfações futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas. onde os homens sejam livres, o capital huma-no não é um ativo negociável, no sentido em que possa ser vendido. Pode sem dúvida ser adquirido no mercado, mas por intermédio de um investimento no próprio indivíduo. Segue-se que nenhuma pessoa pode separar-se a si mesma do capital humano que possui. Tem de acompanhar, sempre, seu capital humano, que o sirva na produção ou no consumo. (SCHULTZ, 1973, p. 53). 10

A teoria do capital humano seria uma explicação para evolução da qualifica-ção e condição dos empregadores gestores, especialmente porque estes se tornaram um investimento para muitos dos proprietários que dependem de sua atuação para o desenvolvimento dos seus negócios, a exemplo das transnacionais planificadas.

Como a acumulação do capital ocorreu de maneira exacerbada não é pos-sível ao(s) seu(s) detentor(es) cuidar(em) da extensão de seu patrimônio, bem como da execução de seus negócios, sendo imprescindível a nomeação de profis-sionais de confiança para executar a gestão de seus empreendimentos. Igualmen-te, o desenvolvimento planificado das empresas transnacionais, citado acima, com sedes e divisões ao redor do mundo, exige dos proprietários a escolha de empregados aptos à gerenciar as atividades em cada um dos locais onde se loca-lizam fases do processo de produção.

Registre-se, também, as situações daqueles que detém os recursos financeiros e os meios de produção adequados, mas não possuem o conhecimento técnico (know how) necessário ao desenvolvimento do negócio, o que demanda a contratação de em-pregados altamente especializados para dar seguimento às atividades empresariais.

Ainda, a tecnologia e a intensificação dos meios de difusão da informação em tempos globalizados demandaram a contratação de profissionais para criação de soluções de informática afetas a estas intensas demandas.

Invocando e aplicando ao presente estudo o ditado popular de que “o olho do dono é que engorda o boi”11, acertada a afirmação de que são necessárias dire-9 LÓPEZ-RUIZ. Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo. Capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007, p. 195-197.10 SCHULTZ, Theodore W. o capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio da Janeiro: Zahar, 1973, p.53.11 “Um dos ditados mais usados pelos empresários é justamente o que dá título a este artigo: “o olho do dono é que engorda o boi”. E é também, pela forma como interpreta boa parte dos empresários, um dos que mais atrapalha a gestão eficiente de uma empresa.

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trizes diretivas efetivas, a serem aplicadas e fiscalizadas no intuito de se alcançar os objetivos (de produtividade e lucro) traçados pelos empresários. Nesta esteira, não há como o(s) proprietário(s) tomar(em) conta de todos os seus negócios, sendo necessária a contratação de profissionais que trabalhem como “o olho do dono”.

Assim, surge a necessidade de eleger ou contratar pessoas com conheci-mento técnico para ocupar funções estratégicas à consecução dos negócios. É exatamente aqui que se inserem os chamados empregados ocupantes de cargos de gestão. Tais empregados se caracterizam, ainda, pela expertise em alguns ra-mos do conhecimento.

3. Os empregados gestores e o princípio da autonomia da vontade

A caracterização dos empregados ocupantes de cargo gestão suscitou poucos estudos na esfera acadêmica do direito, mas é objeto de análise por outros ramos da ci-ência, como a administração, a economia e a psicologia. Ademais, também retrata dis-cussões rotineiras nos tribunais, levando-se em conta a Justiça do Trabalho brasileira.

Para tanto, além da compreensão da liberdade mitigada que envolveu o desenvolvimento do trabalho, é importante também a assimilação de alguns as-pectos envolvendo a questão (dali decorrente) da autonomia da vontade na re-lação de emprego, especialmente para se verificar a incidência desta quanto ao referidos trabalhadores diferenciados.

As relações de trabalho modernas e pós-modernas, como bem se desta-cou acima, foram desenvolvidas sob um cenário de exploração do trabalho pelo capital, de onde se extrai a conclusão de que não há como se atribuir ao liame empregatício características contratuais plenas quanto às manifestações de von-tade, pois o ponto de partida das partes (des)envolvidas é diametralmente oposto.

Tampouco, é possível enquadrar a relação de emprego como negócio ju-rídico, especialmente na realidade brasileira, a qual não permite ao empregado a plena liberdade volitiva12.

No âmbito da relação de emprego e também em outras relações que se desenvolveram de forma desiquilibrada por séculos, a vontade contratual sofreu

Tentei, sem êxito, descobrir a origem deste ditado. Mas por ter encontrado mais a versão que diz “o olho do dono é que engorda o cavalo” desconfio que este seja o ditado original. A al-guém, em um dado momento da história, pareceu mais próprio trocar o animal. Provavelmente um pecuarista. Mas independente do quadrúpede, o sentido é óbvio: nenhum interesse seria su-perior ao do proprietário de um negócio quando se fala em preservá-lo e melhorá-lo e, para tal, estar sempre por perto, “vigiando”, seria essencial. Provavelmente, o conceito da época se refe-ria à presença física, forma pela qual ele ainda é interpretado pelas pessoas.”(TEMP, 2011, dis-ponível em http://www.luiztemp.com.br/index.php?idmateria=3672, acesso em 15/04/2015).12 BARACAT, Eduardo Milléo. A Boa-Fé no Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 260-261.

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limitações advindas de normas de ordem pública. Pertinente invocar o conceito de “contrato-opressão”, que retrata a oposição entre o legítimo e ilegítimo, em razão do respaldo jurídico, ou seja, o poder é soberano, mas a regulamentação assegura os aspectos atinentes à proteção dos que se sujeitam a ele13.

Nesta esteira, as imposições econômicas demandaram a crescente e progres-siva intervenção estatal14, que se manifestou através da criação de normas que objetivam a paridade jurídica nas relações contratuais, tutelando o hipossuficiente. Tratou-se de impor um dirigismo contratual15 ao liberalismo desenfreado com o objetivo de tentar parear as partes envolvidas. A relação de emprego brasileira foi moldada, portanto, à luz desse preceito, consagrado pela Constituição Federal de 1988, que trouxe um rol de direitos e garantias sociais aos trabalhadores.

As principais consequências da globalização para à organização do trabalho estão, justamente, nas tendências de descentralização dos processos produtivos (fle-xibilização) e no alargamento do campo das terceirizações, oriundas das tendências neoliberais que vem sabotando o dirigismo e a solidariedade que deveriam informar as relações de emprego. Assim, a partir do Século xxI, passam a ocorrer frequentes pressões de desregulamentação, sob a influência desse ideário neoliberal globalizado.

Insertos neste cenário, onde se reconhece uma autonomia da vontade mi-tigada, e uma relação que não se enquadra na acepção contratual autônoma clás-sica16, demandando proteção legislativa específica, existem alguns empregados que não se amoldam às regras gerais (de proteção), mas que também não equiva-lem economicamente e integralmente à figura do empregador.

A ideia de que não há subsunção à regra geral (de proteção à relação totalmen-te desequilibrada) surge da conjugação da análise de alguns dispositivos legais, bem como de sua aplicação no campo prático do direito, somada a uma possível visão de 13 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 26. ed. São Paulo: Graal, 2013, p. 276-277.14 VENosA, silvio de salvo. Direito civil. Teoria Geral das obrigações e Teoria Geral dos Contratos. v. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 374.15 “O rompimento com o liberalismo clássico, pelo reconhecimento de que a livre concor-rência ou a liberdade de trabalhar não garantiram o acesso de todos aos bens e serviços de que necessitavam, insta o poder público a reagir intervindo no domínio econômico em situações tais como a fixação de preços, obrigação de contratar, imposições de conteúdo. Os princi-pais reflexos que o dogma do voluntarismo estabeleceram passam a ser quebrados por um dirigismo contratual restritivo da livre estipulação de cláusulas contratuais, da livre criação de novos tipos contratuais em prol de uma tipicidade estabelecida pela legislação imperativa cogente.” COUTINHO, Aldacy Rachid. Autonomia Privada na Perspectiva do Novo Código civil. In: o Impacto do Novo código civil no Direito Brasileiro. coordenação de José Af-fonso Dallegrave Neto e Luiz Eduardo Gunther. São Paulo: LTr, 2003, p.80.16 Foram analisados marcos da teoria de Adam smith para o desenvolvimento da teoria do capital humano. ANTUNES, Ana Cristina. CUNHA, Miguel Pina e. capital humano e capital psicológico. In: GONÇALVES, Sônia P. (Coord). Psicossociologia do trabalho e das organizações. Princípios e práticas. Lisboa: Pactor, 2014, p.102.

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que a autonomia privada seria, na prática e ainda que parcialmente, exercida quando da contratação desses empregados. Não obstante, permanece, ainda que de forma mais branda, a subordinação jurídica típica da relação de emprego17.

4. dos empregados gestores na sociedade e no direito do Brasileiro

Não se olvide, contudo, que a sociedade brasileira perpetua há anos a de-sigualdade, onde surge a crítica à meritocracia18 que informa a qualificação ou a escolha desses empregados diferenciados.

17 Neste sentido: “ALTO EMPREGADO. VíNCULO DE EMPREGO. É cediço que o alto empregado tem subordinação mais branda que o empregado comum. Ainda assim, subsiste a subordinação que caracteriza o vínculo de emprego. Logo, não comprovada autonomia pela tomadora de serviços que reconhece a prestação, ônus que lhe compete (arts. 818 da CLT e 333, II do CPC), devido o reconhecimento do vínculo. Recurso da reclamada ao qual se nega provimento.” (TRT 2ª R.; RS 00792-2009-023-02-00-1; Ac. 2010/0721871; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Antero Arantes Martins; DOESP 13/08/2010; Pág. 667 – grifos nossos).“VíNCULO EMPREGATíCIO. DIRETOR COMERCIAL. ALTO EMPREGADO. Evidenciado nos autos que a prestação de serviços do reclamante na função de diretor comercial da reclamada ocorreu nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, impõe-se o reconhecimento da relação de emprego, ainda que o vínculo entre as partes tenha sido celebrado com outra qualificação formal, tendo em vista a aplicação do princípio da primazia da realidade sobre a forma. A situação fática retratada pelo contexto probatório evidencia que o reclamante se enquadrava na condição que a jurisprudência e a doutrina trabalhista convencionaram de qualificar como alto empregado, caracterizado pelo desem-penho das atividades profissionais com extensos poderes de gestão e comando, ocupando cargos que demandam uma fidúcia excepcional em relação ao seu empregador, com posicionamento hierárqui-co de relevante destaque na estrutura da empresa, normalmente em setores estratégicos. contudo, tal situação não afasta a sua condição de empregado, independentemente da natureza de seu cargo ou mesmo do nível remuneratório em relação aos demais empregados comuns, mormente quando evidenciada a subordinação jurídica em relação aos sócios da empresa. Como corolário, também lhe deve ser atribuídos os mesmos direitos advindos da relação de emprego, ainda que com algumas exceções (V. G., horas extras, art. 62, II, da CLT).” (TRT 3ª R.; RO 423-06.2011.5.03.0150; Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira; DJEMG 22/05/2013; Pág. 64 – grifos nossos).18 O sociólogo Jessé Souza, autor da obra “A ralé brasileira”, entende que a meritocra-cia não é legítima porque somente aquela parcela minoritária da população com acesso à formação é que se privilegia dessa forma de promoção, replicando-se as desigualdades em suas bases originárias: “Segundo essa ideologia, a desigualdade é ‘justa’ e ‘legítima’ quando reflete o ‘mérito diferencial dos indivíduos. (...).o que é escondido pela ideologia do mérito é, portanto, o grande segredo da dominação social moderna em todas as suas manifestações e dimensões, que é o ‘caráter de classe’ não do mérito, mas das precondições sociais que permitem o mérito, Desde que se demonstre que o acesso ao conhecimento útil e, portanto, à dignidade do trabalho útil e produtivo – que é também a base da noção de sujeito racional e livre – exige pressupostos desigualmente distribuídos por pertenci-mento de classe, ou seja, por privilégios de nascimento e de sangue – como qualquer sociedade pré-moderna –, e não decorrentes de mérito ou talento individual, então podemos criticar toda a desigualdade social produzida nessas condições como ‘injusta’ e ‘ilegítima’.” (SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira. Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 113-115).

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Alguns cidadãos brasileiros, trabalhadores, sequer terão acesso aos meios que lhe propiciem alguma valorização específica da sua mão de obra, de onde se vislumbra a importância de alguns programas sociais19 de formação.

O sociólogo Jessé Souza, autor da obra “A ralé brasileira”, entende que a meritocracia não é legítima porque somente aquela parcela minoritária da po-pulação com acesso à formação é que se privilegia dessa forma de promoção, replicando-se as desigualdades em suas bases originárias:

Segundo essa ideologia, a desigualdade é ‘justa’ e ‘legítima’ quando reflete o ‘mérito diferencial dos indivíduos. (...)o que é escondido pela ideologia do mérito é, portanto, o grande se-gredo da dominação social moderna em todas as suas manifestações e dimensões, que é o ‘caráter de classe’ não do mérito, mas das precon-dições sociais que permitem o mérito, Desde que se demonstre que o acesso ao conhecimento útil e, portanto, à dignidade do trabalho útil e produtivo – que é também a base da noção de sujeito racional e livre – exige pressupostos desigualmente distribuídos por pertencimento de classe, ou seja, por privilégios de nascimento e de sangue – como qualquer sociedade pré-moderna –, e não decorrentes de mérito ou talento individual, então podemos criticar toda a desigualdade social produzida nessas condições como ‘injusta’ e ‘ilegítima’.20

É possível afirmar, portanto, que os empregados que obtém condições con-tratuais diferenciadas decorrentes de sua especialização técnica, especialmente àquela voltada à estrutura produtiva em que se inserem, ou de outros critérios de formação, são oriundos, em sua maioria de uma classe média alta com acesso à instrução e aperfeiçoamento, constituindo-se em sua minoria de pessoas oriundas da classe economicamente mais fragilizada21.

De acordo com Marcio Pochmann, que realizou estudos sobre a classe mé-dia brasileira, “a enorme flexibilidade quantitativa na gestão do trabalho exige providências à centralização da formação, intermediação e oferta de benefícios aos trabalhadores”, especialmente porque os crescentes movimentos de tercei-rização, bem como o aumento do trabalho temporário contribuem para escassez da mão-de-obra qualificada no Brasil22.

19 A exemplo do PROUNI – Universidade para todos, vigente nos termos da Lei 11.096 de 13 de janeiro de 2005.20 SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira. Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 113-115.21 SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira. Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 113-115.22 PocHMANN, Marcio. Nova classe Média? o trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 78-84.

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Importante esclarecer que o presente estudo está centrado nos emprega-dos exercentes de gestão ordinária, restando excluídos pela delimitação do objeto aqueles trabalhadores cujo modus operandi de contratação é diferenciado, a exem-plo dos atletas profissionais23 ou artistas, em relação aos quais o diferencial está nos talentos pessoais desenvolvidos, pouco importando a origem socioeconômica.

Assim, com base no raciocínio desenvolvido é possível afirmar que os empregados ocupantes de cargos de gestão ou funções estratégicas na empresa são aqueles que por sua formação técnica, expertise comercial ou conhecimento do próprio negócio são nomeados ou contratados para exercer atividades direta-mente ligadas à consecução dos fins da empresa, representando plenamente os interesses do empregador.

Retratam, em verdade, a expressão da nominada teoria da longa manus24, segundo a qual:

(...) ao recorrer aos serviços do preposto, o empregador está pro-longando sua própria atividade. o empregado é apenas o instru-mento, uma longa manus do patrão, alguém que o substitui no exercício das múltiplas funções empresariais, por lhe ser impos-sível desincumbir-se pessoalmente delas. Ora, o ato do substi-tuto, no exercício de suas funções, é ato do próprio substituído, por que praticado no desempenho da tarefa que a ele interessa e aproveita — pelo que a culpa do preposto é como consequência da culpa do comitente.25

Por certo que além dessa característica específica de representação, tam-bém é necessário que o empregador deposite sua confiança no trabalho do referi-do empregado. Todavia, cada vez mais raro no mercado de trabalho atual o liame contratual formado exclusivamente pela confiança, muito embora seja impres-cindível a soma deste sentimento à melhor qualificação para ocupação daquele posto de trabalho diferenciado26.

23 Cuja tutela especial se dá pelas Leis 9.615, de 24 de março de 1998 e Lei 12.395 de 16 de março de 2011, dentre outras e retrata um cenário muito específico que ocorrem as relações laborais.24 Expressão em latim que significa a longa mão, a extensão das mãos do empregador, que representa a delegação de poderes deste para com os empregados da sua alta confiança.25 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 245.26 somente as empresas que ainda não se adequaram aos preceitos modernos de gestão e governança corporativa é que ainda perpetuam relações exclusivamente pautadas na con-fiança sem uma preocupação específica com a formação técnica do empregado. Igualmente, importante destacar que essa formação técnica muitas vezes precisa ser fomentada ou subsi-diada pelo empregador, daí porque cada vez mais comuns contratos com cláusulas de perma-

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Merece registro, ainda, o aspecto de que quando se traz a formação técnica como elemento de caracterização, a mesma tem que ser especificamente voltada aos fins da estrutura produtiva do empregador27. Essa confiança existente entre os altos empregados e os empregadores (proprietários, sócios, acionistas) deve ser integral, transparente e pautada na boa-fé e seus deveres anexos de conduta.

Eduardo Milléo Baracat afirma que “a boa-fé é fonte de deveres jurídicos para as partes, mesmo antes da celebração do contrato de trabalho, durante a execução e mesmo após a extinção”28, situação que encontra hipótese cheia de aplicação nas relações entre empregadores e altos empregados, pois estes assumirão a incumbência de representarem aqueles perante a coletividade de subordinados. É possível invocar a previsão da cláusula geral aberta do artigo 42229, do código civil30 como funda-mento jurídico para a referida relação de emprego (envolvendo altos empregados).

os preceitos da governança corporativa31, que se desenvolveram a partir das últimas duas décadas do século xx, também subsidiam a afirmação de que deve existir plena confiança entre os empregadores e seus gestores empregados (altos empregados), especialmente para que possam ser atingidas as metas estra-tégicas e os compromissos com a captação de recursos32:

“(...) ‘Governança Corporativa é uma prática empresarial resul-tante de preceitos jurídicos e políticas societárias e financeiras com objetivos que vão desde captar recursos para as empresas

nência (luvas) para que aquele empregado qualificado não seja absorvido pela concorrência.27 Essa especificação se faz importante, pois o empregado só assume real importância à consecução dos fins da empresa quando sua qualificação está ligada a isto.28 BARACAT, Eduardo Milléo. A Boa-Fé no Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 267-269.29 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.”30 A aplicação subsidiária ao direito trabalho pode ser defendida sob o fundamento do ar-tigo 8º, da CLT. E “permite uma ressistematização do microssistema trabalhista pela atuação do juiz do trabalho, conformando a regra aplicada ao caso concreto aos princípios constitu-cionais e de Direito do Trabalho. Incumbe à doutrina e jurisprudência trabalhistas, todavia, sistematizar a aplicação da boa-fé no Direito do Trabalho, de modo que se garanta a segu-rança jurídica necessária à sociedade.” (BARACAT, Eduardo Milléo. A Boa-Fé no Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 268-269).31 ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: funda-mentos, desenvolvimento e tendências. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 337-339.32 segundo o Instituto Brasileiro de Governança corporativa (IBGc) governança cor-porativa: “É o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, Conselho de Administração, diretoria, auditoria independente e conselho Fiscal.As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.” (BORGERTH, 2007, p. 67).

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ou cumpri suas metas estratégicas até a preocupação de, em lon-go prazo, gerar valor para os acionistas e para a própria socieda-de. Aponta, ainda, que esses objetivos devem ser permeados por práticas éticas e por uma política de respeito e transparência aos direitos da sociedade como um todo’.33

Nítida, portanto, a imbricação do tema com a transparência, lealdade e boa-fé que deve embasar a citada relação entre os gestores empregados e os dirigentes estatutários, para que consiga atender as exigências da governança corporativa.

No contexto atual ainda, especialmente em razão da edição da Lei Anti-corrupção (Lei 12.846/201334, aplicável às empresas), não basta que o alto em-pregado tenha formação e experiência diferenciadas, sendo necessária a empatia plena, a relação de mútua confiança entre gestores e empregadores, bem como a atuação no sentido de elaborar, divulgar e cuidar do cumprimento de regras éticas de conduta da empresa.

5. dos empregados gestores na cLt: alterações advindas com a Lei 13.467/17

Em termos legislativos, mesmo após a edição da Lei 13.467/17, há poucos dispositivos acerca do tema, podendo ser elencado como principal, a partir de então, o artigo 444, parágrafo único35, da CLT, que fixou dois critérios objetivos para distinguir alguns trabalhadores e lhe conceder maior autonomia negocial:

a) perceber remuneração mínima equivalente ao dobro do teto de rendi-mentos da Previdência Social;

33 BrAGA, Gilberto. Governança corporativa. rio de Janeiro: Faculdades IBMEc, cur-so MBA, 2005 (Transparências de aula). Apud: BORGERTH, Vania Maria da Costa. SOx: entendendo a Lei Sarbanes-Oxley: um caminho para a informação transparente. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 68.34 O artigo 1º da Lei 12.846/2013 preceitua “esta lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administra-ção pública, nacional ou estrangeira.”, de modo que a atuação dos altos empregados, sob a delegação de poderes dos empregadores deve ser ética, correta, sob pena da pessoa jurídica vir a ser responsabilizada pelas condutas corruptas adotadas (SANTOS, José Anacleto Abdu-ch. BERTONCINI, Mateus. COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei anticorrupção. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.), situação na qual se verificou uma importância ainda mais significativa na confiança (boa-fé) entre as partes. 35 Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

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b) possuir diploma de nível superior.Importante balizar que os empregados aqui estudados, ainda que com a

edição do parágrafo único do artigo 444, da CLT, são certamente hipossuficien-tes quando comparados aos seus empregadores, detentores de capital.

Logo, quando da afirmação contida acima acerca de que tais empregados sujeitam-se a um tratamento diferenciado mesmo antes e principalmente a partir do referido marco legal não se está a defender, em hipótese alguma, que estariam em equanimidade com o empregador ou que seriam “hiperssuficientes”36.

Não necessariamente todos os trabalhadores que se enquadram na faixa objeti-va prevista pelo legislador retratam efetivamente aqueles altos executivos que equiva-lem ao empregador nos ditames para consecução dos fins da atividade empresarial37.

O fato é que o critério objetivo trazido pelo legislador valida uma realidade de trabalhadores que não se equiparam a grande maioria de pessoas que emprega sua força produtiva (ou seu capital humano, sob o viés de William Schultz38, explicitado acima). Assim, demandam um tratamento diferenciado dentro de sua condição diversa, até mesmo, decorrência lógica da melhor interpretação e apli-cação do princípio da isonomia39.

Nesta esteira, quando o legislador autorizou estes altos empregados a ne-gociarem sobre os direitos previstos no artigo 611-A40, da CLT, concedeu-lhes 36 Expressão utilizada no parecer que encaminhou a versão final do Substitutivo ao Proje-to de Lei 6.787/2006 que se transformou na Lei 13.467/2017, quando aprovado e sancionado.37 DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p.159-160.38 SCHULTZ, Theodore W. O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio da Janeiro: Zahar, 1973, p.53.39 “o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem do que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por estarem abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 12-13).40 A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quan-do, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial; VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;

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maior autonomia negocial.Este olhar destacado não exclui, contudo, do nosso ponto de vista esse tra-

balhador do rol de direitos e garantias mínimas asseguradas a todo cidadão brasi-leiro, mas sim traz interpretação própria (adequada) sobre alguns desses direitos, embasado em uma presunção do sistema de contrapartida. Vale dizer que o cri-tério objetivo da remuneração diferenciada já se traduz em vantagem na relação de emprego para que alguns direitos sejam relativizados para esses empregados.

Na linha da autonomia negocial o legislador reformador trouxe à CLT, através de seu artigo 507-A, a previsão expressa da possibilidade de celebração de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos dos altos empregados41.

O reconhecimento dos meios privados de solução de conflitos está diretamente relacionada à vantagem presumida em que se encontram os empregados gestores, a qual normalmente se traduz em altas remunerações; condições agregadas ao contrato

VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; Ix - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e re-muneração por desempenho individual; x - modalidade de registro de jornada de trabalho; xI - troca do dia de feriado; xII - enquadramento do grau de insalubridade; xIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; xIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; xV - participação nos lucros ou resultados da empresa. § 1º No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta consolidação. § 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico. § 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo. § 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito. § 5º os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos. 41 Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.

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(moradia, veículo, telefone celular, segurança pessoal especializada, planos de saúde com cobertura total; etc.); programas de bonificação e premiação; bem como regula-mentos de participação nos lucros diferenciados dos demais; dentre outras vantagens.

os novos dispositivos não podem, contudo, ser interpretados de forma di-vorciada daqueles já existentes, a exemplo do artigo 62, II, da CLT42, que esta-belece que aqueles empregados que exercem cargo de gestão não têm direito às regras de duração da jornada previstas no texto celetista. Ademais, esclarece que os chefes de departamentos ou filiais e os diretores estão sujeitos à exceção ali previstos, sendo compreendidos como ocupantes de cargos de gestão.

Todavia, referidas disposições não podem ser lidas em isolado, pois o mesmo ar-tigo celetista traz em seu parágrafo único a exigência do pagamento de uma gratificação de função, de no mínimo quarenta por cento, como condição à exceção prevista em seu inciso segundo43, justamente na linha da contraprestação adequada acima mencionada.

Assim, o empregado que tenha efetivas atribuições de gestão não terá controle de jornada, tampouco terá a aplicação dos tempos máximos e mínimos ali previstos. Essa é a interpretação que se consolidou, ao longo dos anos, a respeito de tema tão pouco estudado, conforme já asseverado acima, espacialmente porque tal trabalha-dor teria uma condição remuneratória, dentre outras, diferenciada dos demais.

Além do artigo 62, há também o artigo 224, parágrafo 2º, da CLT que au-menta a carga horária mais benéfica de seis para oito horas dos bancários quando do exercício de “funções de direção, fiscalização, Chefia e equivalentes, ou que desempenham outros cargos de confiança” 44, mediante o pagamento de uma gratificação de função de pelo menos um terço do salário padrão.

Tais dispositivos não esclarecem quais seriam os exatos aspectos objetivos que ensejariam sua aplicação, fazendo menção apenas à nomenclatura dos cargos ocupados, remanescendo um campo bastante fértil para o Poder Judiciário45.42 “Art. 62. Não se compreendem no regime deste capítulo: (...) II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equipa-ram, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.”43 “Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados men-cionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento)”.44 “Art. 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de trinta horas de trabalho por semana. (...)§ 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, fiscali-zação, Chefia e equivalentes, ou que desempenham outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo”.45 Quanto ao artigo, 224, parágrafo segundo da CLT o Tribunal Superior do Trabalho

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Contudo, considerando o raciocínio já esposado acima, o critério para dis-tinguir tais empregados estaria, diretamente, atrelado à importância que exercem na estruturação da cadeira produtiva e, principalmente, ao atingimento dos fins do empreendimento. Assim, o simples pagamento de uma contraprestação dife-renciada não pode ser compreendido como fator que justifique tratamento distin-to para empregados ocupantes de um cargo de gestão.

No que se refere ao artigo específico para os bancários, em que pese o legislador ter feito menção expressa à “direção, fiscalização, chefia e equiva-lentes”46, a aplicação prática de tal dispositivo nas estruturas bancárias, bem como sua interpretação nos tribunais pátrios, é muito distante dos gestores, altos empregados ora analisados. A maior parte das estruturas do setor financeiro faz uso do artigo 224, parágrafo 2º, da CLT, para se imiscuir do pagamento de horas extras, realizando o pagamento de gratificação de função nos termos ali exigidos para quase que a integralidade de seus empregados.

No direito comparado é possível identificar legislação semelhante à brasi-leira em Portugal, onde o código do Trabalho trata dos empregados dirigentes, cuja característica principal está no fato dos “mesmos poderem exercer o poder de direção sobre outros trabalhadores que cabe ao empregador”47.

Além da exceção quanto à jornada e do pagamento da gratificação de função, em moldes semelhantes ao direito brasileiro, o código de Trabalho português prevê a possibilidade “de um despedimento por inadaptação com maior facilidade do que os outros trabalhadores (art. 374.º, n.º2)” e também possibilita ao empregador a recusa na reintegração desses empregados por se tratar de uma relação de confian-ça48. O contrato de experiência também tem previsão diferenciada, mais longa, em razão da natureza especial da contratação e da função a ser desenvolvida.

Apesar da pouca regulamentação, o mais relevante acerca desses altos empre-gados é justamente o fato de serem os responsáveis, na maior parte dos casos, pela

editou entendimento sumulado no sentido de que o enquadramento fica condicionado à veri-ficação das reais atribuições fáticas – Súmula 102, I, do C. TST.46 Neste aspecto, destaco convicção pessoal de que o artigo 224, §2º, da CLT deveria sim retratar os gestores e altos empregados bancários, para os quais a jornada não poderia ultrapassar o limite de oito horas diárias, tendo em vista as características muito peculiares da atividade. Desta feita o artigo 62, inciso II, da CLT não encontraria pertinência no que se refere a relação de emprego no âmbito bancário. Todavia, referida opinião é diversa daquela consolidada na jurisprudência brasileira, conforme se verifica das Súmulas 102 e 287, do Tribunal Superior do Trabalho, que acabou por sedimentar o artigo 224, §2º, da CLT como intermediário em relação ao artigo 62, II, da CLT.47 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Alme-dina, 2010, p. 204-205.48 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito do Trabalho. 2. ed. Coimbra: Alme-dina, 2010, p. 204-205.

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manutenção da cultura organizacional49 da empresa, bem como pelo atingimento de todos os objetivos, metas e parâmetros de produtividade fixados. Não obstante, ainda, o alcance da finalidade precípua de qualquer empreendimento: o lucro.

Por fim, a verificação deve ser levada a efeito em cada caso no sentido de se perquirir o papel daquele empregado na estrutura do empreendimento, pois se ele realmente for detentor de formação e remuneração destacadas e atuar na gestão do negócio, provavelmente terá um espaço um pouco maior para a manifestação da au-tonomia da vontade ou, ainda, na negociação de algumas das condições da relação de emprego, o que justifica a previsão do artigo 444, parágrafo único, da CLT.

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49 “Cultura é o resultado de um complexo processo de aprendizagem de grupo que é apenas parcialmente influenciado pelo comportamento do líder. Mas se a sobrevivência do grupo estiver ameaçada em razão de elementos de sua cultura estarem mal-adaptados, é, em última instância, função das lideranças em todos os níveis da organização reconhecer e fazer algo em relação a essa situação. É nesse sentido que liderança e cultura estão conceitualmen-te entrelaçadas.” (SCHEIN, Edgar H. Cultura organizacional e liderança. Tradução Ailton Bomfim Brandão. São Paulo: Atlas, 2009, p. 11).

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a reForma traBaLHista e o “HiPersUFiciente”

Arnaldo Afonso Barbosa1

rosemary de oliveira Pires Afonso2

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (…).CF, 1988.Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:(...) XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; (…).CF, 1988.

1. introdução

Aos empregados portadores de diploma de nível superior e que percebem salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a que se refere o parágrafo único do art. 444 da CLT posto pela legis-lação reformista, a doutrina jurídico-trabalhista passou a qualificar de “hipersuficientes”.

Parecendo-nos essa classificação um tanto estranha e mesmo chocante nas searas do Direito do Trabalho em que, tradicionalmente e por fundamentos rea-listas, os empregados são acreditados hipossuficientes, procuramos neste estudo, sob a mirada da validade lógica e constitucional, aprofundar a exegese daquele dispositivo legal e, assim, iluminar um pouco mais o possível sentido da nomi-nada hipersuficiência daqueles empregados.

2. o art. 444 da cLt e seu caput: a abundância verbal desnecessária.

Como ponto de partida, fixemo-nos nas razões da inserção sistemática da norma desse parágrafo único no encanecido art. 444 da CLT, sabidamente tis-nado pela falta de clareza e precisão, a despeito das exigências postas pela Lei

1 Doutor em Direito pela UFMG. Professor Adjunto da Faculdade de Direito do UFMG. Advogado. 2 Doutora em Mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Direito pela Universidade La Sapienza (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC. Professo-ra da Pós Graduação da Faculdade Milton campos. Desembargadora do TrT da Terceira região.

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Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1.998 que, no ímpeto reformista, poderiam ter sido plenamente atendidas.

Diz o art. 444 da CLT:

“Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contra-venha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coleti-vos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”

Ao dizer que “as relações contratuais de trabalho” podem ser “objeto de livre estipulação das partes interessadas”, o caput do artigo segue com a desne-cessária abundância verbal.

Se se tratam de “relações contratuais”, evidente que seja livre a estipulação de suas cláusulas e condições, remetendo o intérprete ao conhecido e incontestá-vel princípio da liberdade de contratar, “na sua tríplice expressão de liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro contratante e da liberda-de de determinar o conteúdo do contrato”3.

o caput excede ainda desnecessariamente ao dizer que a validade das li-vres estipulações contratuais depende de sua conformidade com as normas re-lativas à proteção ao trabalho, aos contratos coletivos aplicáveis e às decisões das autoridades competentes, pelo suposto de serem normas consideradas hierar-quicamente superiores às emanadas das vontades das partes acordantes, com as quais devem estas se conformar4.

Melhor fundamentando, entendemos que normas “de proteção ao traba-lho” com as quais as livres estipulações negociais devem se conformar são, em princípio, todas as normas de Direito do Trabalho, uma vez que a própria razão da existência desse ramo especial do Direito é a proteção do trabalho ou, como diz a Constituição Federal, é a melhoria das condições sociais dos trabalhadores (art. 7º). sendo assim, estipulações normativas individuais ou coletivas não terão mesmo validade se suprimirem ou reduzirem essa proteção.

Pelo consagrado princípio hermenêutico da prevalência das normas mais fa-voráveis aos empregados5, corolário imediato daquele sentido primordial e básico 3 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 7-8.4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2011, p.7.5 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4ª. ed. ampl. e atual. rio

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do Direito do Trabalho constitucionalmente garantido, as estipulações dos contratos coletivos nem sempre se devem considerar superiores às dos acordos individuais do trabalho e, pela mesma razão, nem sempre todas as decisões das autoridades compe-tentes, inclusive judiciais, prevalecem sobre as disposições dos contratos individuais. Prevalecerão, sempre e sobre todas as demais, as que mais promoverem a melhoria da condição social dos empregados (art. 7º da CF). Essa a aplicação, aliás, da hierar-quia das fontes tradicionalmente posta na doutrina juslaborista, em atenção ao prin-cípio retro mencionado e dando o caráter progressista da proteção aos empregados.

3. a inserção do parágrafo único no art. 444 da cLt.

Não foi por certo uma preocupação de ordem lógica ou sistemática que con-duziu o legislador a inserir nesse desnecessário art. 444 o parágrafo único em causa.

Conduziu-o, por certo, razões e interesses ideológicos do momento. Ao manter a disposição de que as relações contratuais de trabalho podem ser

objeto de livre estipulação das partes interessadas, reafirma-se a contratualidade no campo das relações de emprego, visão assumida tradicionalmente pela generalidade da doutrina e da jurisprudência trabalhistas, contando-se uns poucos que a questio-nam, fundamentadamente, pondo-as como ato jurídico e não como negócio jurídico contratual, o que, se fosse aceito, evitaria o desmonte que ora se presencia com a propagada prevalência do negociado sobre o legislado, sem muitas barreiras6.

Por outro lado, o citado dispositivo reafirma no próprio seio da legislação do trabalho, a nova direção que se pretende imprimir nas relações por ele regidas: não mais a livre estipulação das condições do trabalho promotoras da melhoria das condições sociais dos trabalhadores, mas simplesmente a livre estipulação das condições do trabalho, respeitados praticamente apenas os direitos dos traba-lhadores já expressamente enumerados nos diversos incisos do art. 7º da consti-tuição Federal, nada avançando na proteção progressiva dos empregados.

4. a “livre estipulação” prevista no parágrafo único do art. 444 e seu confronto com o art. 611-a e art. 611-B da cLt.

Apesar da denunciada intenção de inserir o parágrafo único no art. 444 da CLT, temos que as obscuridades e imprecisões do seu caput acabaram por con-

de Janeiro: Renovar, 2010, p. 76.6 PIRES, Rosemary de Oliveira. A contratualidade trabalhista: seu caráter ideológico e revisão crítica no pós-moderno. Tese de doutorado na Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, 2011. Nesse sentido, discute a classificação da relação de emprego, retirando-lhe do campo da contratualidade (negócio jurídico, cujos efeitos obrigacionais são estabelecidos pelas partes) para inseri-la no conceito de ato jurídico (manifestação de vontade, cujos efeitos obrigacionais não são estabelecidos pelas partes, mas pela lei).

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taminar a clareza, a precisão e, sobretudo, a coerência da disposição contida no referido parágrafo único, foco deste estudo.

segundo ele:

“A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos cole-tivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limi-te máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”

As hipóteses previstas no art. 611-A estão enumeradas em quinze incisos tão somente exemplificativos, importa alertar, já que o caput se refere a “outras” hipóteses a que seu comando pode se estender:

“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo do trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;II – banco de horas anual;III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a con-dição pessoal do empregado, bem como identificação dos car-gos que se enquadram como funções de confiança;VI – regulamento empresarial;VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas perce-bidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;X – modalidade de registro de jornada de trabalho;XI – troca do dia de feriado;XII – enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jor-nada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;XIII – (Revogado);XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.

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Entendemos que o parágrafo único do art. 444 diz, em primeiro lugar, que são livres as estipulações entre empregador e empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o li-mite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a propósito da matéria dos diversos incisos do art. 611-A, “entre outras” como já salientado.

Essas “outras” hipóteses não indicadas expressamente no art. 611-A são todas as hipóteses que os “contratantes” poderiam desejar, com exceção somente das listadas nos diversos incisos do art. 611-B, assim escrito:

“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);IV - salário mínimo;V - valor nominal do décimo terceiro salário;VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;VIII - salário-família;IX - repouso semanal remunerado;X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;XI - número de dias de férias devidas ao empregado;XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante in-centivos específicos, nos termos da lei;XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho pre-vistas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;XIX - aposentadoria;XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do emprega-dor;XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de tra-

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balho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalha-dores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do traba-lhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que de-vam por meio dele defender;XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essen-ciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segu-rança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”.

Os empregados referidos no parágrafo único do art. 444 e seus emprega-dores poderão, pois, estipular livremente todas as condições de trabalho que lhes aprouver, só não podendo suprimir ou reduzir os direitos enumerados nos trinta incisos do art. 611-B. Os direitos enumerados nesses incisos, salvo os indicados nos incisos I, xxIV, xxIx e xxx, repetem os direitos assegurados nos diversos incisos do art. 7º da constituição Federal. Por mais que desejasse o legislador, tais direitos não poderiam mesmo ser reduzidos ou suprimidos pelas livres esti-pulações de empregados e empregadores.

Em segundo lugar, entendemos que o parágrafo único do art. 444 diz que as livres estipulações das condições de trabalho firmadas pelos empregados neles referidos e seus empregadores, aplicam-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta consolidação, “com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos”.

Nessa parte, o parágrafo estende a prescrita eficácia e preponderância das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho sobre a lei (art. 611-A),

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às livres estipulações dos acordos individuais de trabalho sobre as convenções coletivas e os acordos coletivos de trabalho.

ora, sendo as normas dos acordos individuais de trabalho preponderantes ou superiores às normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de tra-balho (art. 444, parág. único), e sendo estas últimas preponderantes ou superiores às normas legais (art. 611-A), conclui-se que pretendeu o legislador afirmar que as normas dos acordos individuais de trabalho preponderam ou são superiores também às normas legais. Não será difícil demonstrar que a preponderância ou prevalência prescrita nas normas desses articulados arts. 611-A e 444 são insanas logicamente, além de afrontarem abertamente a constituição.

É logicamente certo que as normas que dispõem sobre a posição hierár-quica de outras normas do ordenamento – se superiores ou inferiores umas em relação a outras - só podem ser normas superiores àquelas sobre as quais ela dispõe. A norma legal do art. 611-A dispõe sobre a posição hierárquica superior das normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho em relação às normas legais.

Assim, a norma do art. 611-A é hierarquicamente superior às normas das con-venções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho. ora, sendo a norma legal do art. 611-A hierarquicamente superior às normas das convenções coletivas e dos acor-dos coletivos de trabalho, não poderia ser, ao mesmo tempo, norma hierarquicamente inferior às normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho.

No entanto, a norma legal do art. 611-A, ao dispor que as normas das con-venções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho são superiores às normas legais, diz que são superiores a si mesma. Como não é possível logicamente que algo seja e não seja ao mesmo tempo, a norma do art. 611-A, dizendo-se superior e inferior às normas das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho, ao mesmo tempo, padece de insanidade lógica. É teratológica.

Na mesma insanidade ainda se aporta pela análise lógica da norma do pa-rágrafo único do art. 444, sempre partindo do princípio de que as normas que dispõem sobre a posição hierárquica de outras normas do ordenamento – se su-periores ou inferiores umas em relação a outras - só podem ser normas superiores àquelas sobre as quais ela dispõe.

Pela norma legal do parágrafo único do art. 444, as normas dos acordos indivi-duais de trabalho prevalecem sobre as normas das convenções e dos acordos coletivos de trabalho. Ora, pelo art. 611 essas normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho prevalecem sobre as normas legais. Ergo, as normas dos acordos individuais do trabalho prevalecendo sobre as normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho, prevalecem também sobre as normas legais.

Assim sendo, a norma do parágrafo único do art. 444 seria superior às normas dos acordos individuais de trabalho por dispor da superioridade dessas

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normas em relação às das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho e, ao mesmo tempo, inferior às normas desses acordos individuais de trabalho por serem estas superiores às normas legais.

Em suma, tanto quanto a norma do art. 611-A, a do parágrafo único do art. 444 padece de insanidade lógica, porque não é inteligível se pretende ser verda-deira e falsa ao mesmo tempo. (!)

Esta seria a nova ordem hierárquica das normas trabalhistas na hipóte-se contemplada pelo parágrafo único do art. 444 da CLT: para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência social, imperam, primeiro, as normas dos acordos individuais do trabalho; abaixo delas, as normas dos acordos coletivos de trabalho (art. 620 da CLT); abaixo destas, as normas das convenções coletivas e, finalmente, abaixo de todas elas, as normas legais do trabalho.

Como as tais livres estipulações desses acordos individuais, ao que diz o parágrafo único do art. 444, preponderam sobre “os instrumentos coletivos” e têm “prevalência sobre a lei”, deixam praticamente de importar os limites que lhes foram impostos pelo caput do art. 444, ou seja, contrariedade “às disposi-ções de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

reparamos, que é igual o âmbito de validade material das insanas normas dos arts. 611-A e 444, parágrafo único. Abrange todas as hipóteses enumeradas exemplificativamente nos numerosos incisos do art. 611-A, excluindo-se desse âmbito a possibilidade de reduzir ou suprimir os direitos enumerados nos diver-sos incisos do art. 7º da constituição, a maioria deles repetida nos mais numero-sos ainda incisos do art. 611-B, e uns poucos outros, infraconstitucionais, sobre os quais a redução ou a supressão são maculados pela ilicitude (incisos I, xxIV, xxIx e xxx do art. 611-B).

Já o âmbito de validade pessoal das insanas normas desses artigos é diver-so. Pelo art. 611-A são acolhidas todos e somente os empregados e empregadores alcançados pelas normas das convenções e dos acordos coletivos de trabalho, quaisquer que sejam suas categorias profissionais e econômicas. Pelo parágrafo único do art. 444, são acolhidos todos e somente os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Observa-se a imprecisão do parágrafo único do art. 444 ao circunscrever esse âmbito para acolher tão somente os já empregados, pois diz já do empregado que percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do regime Geral de Previdência social, não de quem não é emprega-do e do qual, portanto, não se pode dizer que percebe tal ou qual salário.

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Embora se possa interpretar diferentemente o artigo abstraindo-se da im-portância da forma exterior dos textos7, importa nesse contexto de luta ideoló-gica aberta contra a proteção do trabalho, evidenciá-la inclusive em pormenor que tal, como fruto apressado de intentos incompatíveis com a vigente ordem constitucional, a ser sustentado na sequência.

5. A inversão da ordem hierárquica das normas do ordenamento vigente: o princípio da legalidade posto ao chão.

A mais desaforada invectiva contra a Constituição perpetrada pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, parece ter sido a pretensão realmente simplória de inverter ab-surdamente, por via legislativa, a ordem hierárquica das normas do ordenamento vigente.

Essa pretensão se revelou com muita clareza e desassombro justamente no art. 611-A e no parágrafo único do art. 444, aqui em especial exame. Por aquele, acima das leis em sentido formal o legislador ordinário plantou as convenções e os acordos coletivos de trabalho. Por esse último, acima não só das convenções e acordos coletivos de trabalho, mas também acima da própria lei em sentido formal, o legislador plantou os acordos individuais de trabalho.

Inversão que, em tempos outros poder-se-ia chamar subversão, sendo capaz de se constituir razão suficiente para golpes, perseguições, processos criminais, até mesmo torturas e execuções, parece não ter ainda sacolejado suficientemente as instituições encarregadas de velar pelo fiel cumprimento da Constituição.

Entretanto, promovemos, em estudo específico, a defesa de consabidos e consagrados princípios constitucionais desafiados pela norma do art. 611-A8.

Contra essa inversão da ordem hierárquica das normas do ordenamento jurídico, procuramos, no referido estudo, ainda que sumariamente, apontar os di-versos princípios ofendidos pela referida norma: o princípio essencial do Direito do Trabalho, qual seja o da proteção, consubstanciado em sede constitucional pelo direito da melhoria progressiva das condições sociais dos trabalhadores; o princípio dele decorrente da incidência, no caso de concurso de normas, inclusive constitucionais, da prevalência daquela mais favorável ao trabalhador; o princí-pio democrático da soberania popular que é exercida através das leis elaboradas pelos representantes eleitos pelo voto e não por trabalhadores, empregadores e respectivos sindicatos; o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei etc.9

7 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14ª. ed. rio de Janeiro: Florense, 1994, p. 107.8 PIRES, Rosemary de Oliveira; AFONSO BARBOSA, Arnaldo. A prevalência do ne-gociado sobre o legislado: algumas reflexões quanto à constitucionalidade do art. 611-A da CLT. Belo Horizonte:RTM, 2018.9 Idem, pp. 47 e segs.

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Para não ir além de um simples exemplo, vejamos como a famigerada preponderância dos acordos individuais de trabalho ainda que sobre apenas as convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho agride os dois primeiros princípios constitucionais acima indicados.

Observe-se que o “não preponderarão” do parágrafo único do art. 444 foi enun-ciado de forma incondicional, ou seja, em qualquer caso, esses acordos individuais de trabalho poderão contrariar as normas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho. É lógico que o “não preponderarão” remete à hipótese de as normas dos acordos coletivos e das convenções coletivas de trabalho sobre a matéria dos quinze incisos do art. 611-A e “outras”, forem mais favoráveis aos empregados, caso em que não serão eficazes em face de normas in pejus para os empregados esti-puladas nos acordos que houverem celebrado livremente com as empresas.

Vê-se como o reformador pretende quebrar aqui, no que concerne à matéria dos quinze incisos do art. 611-A e “outras” não reveladas, o cerne do Direito do Trabalho e o consectário princípio da prevalência da norma mais favorável ao em-pregado, de ineludível extração constitucional (art. 7º), pois o que passa a prepon-derar, segundo o parágrafo único do novo art. 444, é a norma do acordo individual de trabalho, repetimos, mesmo nos casos em que for menos favorável ou desfavo-rável ao empregado, mesmo que suprima ou reduza a sua “condição social”.

O parágrafo único do art. 444 pretende é garantir a prevalência da nego-ciação individual quando ela é menos favorável ao empregado do que seria a aplicação da negociação coletiva ou a lei, garantindo o prejuízo do trabalhador.

6. Os efeitos da definição de hipersuficiência contra o trabalhador.

Por todo o exposto, constata-se que a análise empreendida do envelhecido caput do art. 444 e de seu mal inserido e concebido parágrafo único, cobre de sobra-das razões a doutrina jurídica ao designar de hipersuficientes os empregados porta-dores de diploma de nível superior que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

com efeito, esses empregados, diferentemente dos demais e segundo a lógi-ca dos textos normativos, são considerados livres para estipular suas condições de trabalho com os empregadores, preponderando suas livres estipulações tanto sobre as convenções coletivas e sobre os acordos coletivos de trabalho como sobre a pró-pria legislação do trabalho, inclusive, por consequência lógica, sobre a própria Lei n. 13.467/2017. Livres estipulações com força de lei? Não; com força acima da lei, com força constitucional. A empregados com um tal poder, ainda que na prática não tenham poder real para estipular em seu próprio favor as condições do trabalho em que irão se consumir, só podem ser considerados hipersuficientes.

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Claro que a chamada hipersuficiência não tem sentido ontológico, pois não concerne às pessoas humanas dos empregados em si mesmas. Nem a lei da refor-ma trabalhista autorizaria esse entendimento, pois os empregados, quaisquer que sejam seus títulos bacharelescos e altos salários, são pessoas humanas realmente iguais em natureza.

Assim, todos os empregados, independentemente de suas acidentalidades sociais ou culturais, não são nem hipossuficientes nem hipersuficientes, pois são qualificativos que desigualam as pessoas quando, por serem iguais em natureza, são igualmente autossuficientes no que os distinguem como pessoas de outros entes, ou seja, que os caracterizam por sua corporalidade, sua consciência refle-xiva e sua liberdade10. Em suma, a hipersuficiência não iguala os que são por natureza iguais, mas diferencia-os e é justamente em razão de uma certa diferen-ça, que não a ontológica, que a doutrina apelida as pessoas referidas no parágrafo único do art. 444 de hipersuficientes.

É no sentido econômico que se diz que os empregados são, em geral, hi-possuficientes, ou seja, dependentes economicamente do capital alheio para au-ferir as rendas necessárias à sua sobrevivência11.

Na verdade, diz Maranhão reportando-se às origens mesmo do direito do trabalho: “a situação de dependência econômica da grande massa trabalhadora, resultante do liberalismo e da consequente revolução industrial, constituiu uma das causas, senão a principal, do aparecimento do direito do trabalho”.12

Como expõe Russomano:

“A desigualdade econômica entre o empregador e o empregado desnive-la, em tese e de fato, a relação de trabalho e tende a escravizar o segundo ao primeiro. O equilíbrio da relação empregatícia só se torna realizável com o levantamento do nível de existência do obreiro. A lei trabalhista tenta, precisamente, obter esse desnivelamento jurídico em favor do em-pregador, a fim de que se igualem, pela força irresistível da lei, aqueles que são desiguais pela força sedutora da fortuna (Gallart Folch)”.13

10 AFONSO BARBOSA, Arnaldo. A pessoa em direito: uma abordagem crítico-construti-va referenciada no evolucionismo de Pierre Teilhard de Chardin. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2006, pgs. 562 e segs.11 “Esta feição singularíssima do trabalho humano em regime de dependência de outrem é que justifica, por outro lado, a proteção especial dispensada pelo Estado aos trabalhadores”. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 13ª. ed. rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 10.12 MARANHÃO, Délio. In SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Se-gadas. Instituição de Direito do Trabalho, vol. I, 11ª. ed., São Paulo:LTr, 1991, p. 235.13 RUSSOMANO, Mozart Vitor. O empregado e o empregador no direito brasileiro. 7ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 83.

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Dizer que não são mais hipossuficientes os empregados portadores de di-ploma de nível superior que percebem salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, soa irônico. E exageradamente irônico dizer que, em virtude dessas condições, passaram à classe dos empregados hipersuficientes, expressão que, sob a visada da História, conteria uma verdadeira contradictio in terminis.

Óbvio que a dependência econômica não se dissolve com a obtenção de um diploma de nível superior14 e nem com a graça de um relativamente elevado salário. Talvez sejam condições que até agravam o laço de dependência econô-mica do empregado, agora preocupado em manter ou melhorar ainda mais seu nível de vida, postulando a mesma ou superior atenção para a necessidade de proteção que é dispensada pelo Direito do Trabalho.

Vale lembrar, finalmente, que a Constituição Federal, em seu art. 5º., es-tabelece regra isonômica de todos perante a lei, enquanto que, particularmente, o art. 7º, xxxII, não permite distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos o que, sabemos, também se encontra consa-grado na Convenção n. 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão (DECRETO N. 62.150, DE 19 DE JANEIRO DE 1968), podendo atrair a invocação do controle de convencionalidade a ser apreciada em sede judicial.15

Aguardemos como a doutrina e a jurisprudência caminharão, pois desses rumos tomados dependerá a higidez do Direito do Trabalho em sua fundamental função protetiva, na missão civilizatória de harmonizar as relações entre o capital e o trabalho humano.

7. conclusões

Este estudo foi motivado pela necessidade de esclarecer o sentido do qua-lificativo da “hipersuficiência” atribuído aos empregados portadores de diploma de nível superior que percebem salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o que nos levou ao estudo do parágrafo único do art. 444 da CLT onde teve sua origem.

Pela análise simplesmente filológica e lógica da norma desse parágrafo único, constatamos que as normas dos acordos individuais de trabalho prepon-14 A propósito dos bacharéis, Barros lembra o fenômeno antes cunhado de “proletariza-ção dos intelectuais”, que teria desencadeado, desde antes ou depois da I Guerra Mundial, a necessidade de serem esses profissionais também incluídos sob a proteção do Direito do Trabalho. BArros, Alice Monteiro de. curso de Direito do Trabalho.15 A respeito, cf. PIrEs, rosemary de oliveira. o controle de convencionalidade. In: PI-RES, Rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Nacur; BARBOSA, Arnaldo Afonso (coord.). A Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procu-radores do Trabalho e Advogados Trabalhista, Ed. RTM, Belo Horizonte, 2019.

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deram não somente sobre as normas das convenções coletivas e dos acordos co-letivos de trabalho, mas também sobre leis, inclusive, por ser lei, sobre a própria Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, sendo logicamente insana por agredir o princípio da não contradição.

Abstraindo-se da sua invalidade pela insanidade lógica e, não fosse por esta, pelas diversas razões de inconstitucionalidade que a maculam, a norma jus-tifica plenamente o qualificativo de hipersuficientes aos empregados a que se refere, dado o poder desmedido atribuído às livres estipulações dos acordos indi-viduais firmados pelos empregados, superior mesmo aos poderes do próprio Le-gislativo. Falsa ou irônica hipersuficiência lógica e jurídica, pois, mas afastadas pela igualdade natural das pessoas, a hipersuficiência ontológica e, pela patente realidade social, a hipersuficiência econômica.

Referências Bibliográficas

AFONSO BARBOSA, Arnaldo. A pessoa em direito: uma abordagem crítico-construtiva referenciada no evolucionismo de Pierre Teilhard de Chardin. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2006.

BARROS, Alice Monteiro de Barros. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2001.

MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Florense, 1994.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2011.

PIRES, Rosemary de Oliveira. A contratualidade trabalhista: seu caráter ideológico e revisão críti-ca no pós-moderno. Tese de doutorado na Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, 2011.

PIRES, Rosemary de Oliveira; AFONSO BARBOSA, Arnaldo. A prevalência do negociado sobre o legislado: algumas reflexões quanto à constitucionalidade do art. 611-A da CLT. Belo Horizonte: RTM, 2018.

PIrEs, rosemary de oliveira. o controle de convencionalidade. In: PIrEs, rosemary de Oliveira; NACUR, Lutiana Nacur; BARBOSA, Arnaldo Afonso (coord.). A Reforma Tra-balhista (Lei n. 13.467/2017) na visão dos Magistrados do Trabalho, Procuradores do Tra-balho e Advogados Trabalhista, Ed. RTM, Belo Horizonte, 2019.

RUSSOMANO, Mozart Vitor. O empregado e o empregador no direito brasileiro. 7ª. ed., rio de Janeiro: Forense, 1984.

SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4ª. ed. ampl. e atual. rio de Janeiro: Renovar, 2010.

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criaÇÃo das FigUras do traBaLHador aUtÔnomo e do

emPregado HiPersUFiciente PeLa Lei 13.467/17

Antonio Capuzzi1

1. introdução

As alterações promovidas pela Lei n. 13.467/17 são fruto da oscilante rea-lidade econômica pela qual passa o Estado Brasileiro, tendo por escopo facilitar as formas de contratação de trabalhadores, de modo a suprir as necessidades empresariais emergentes. A nova legislação flexibilizatória objetiva adaptar o Direito do Trabalho ao interesse do setor econômico-produtivo-empresarial, so-prando “novos ares” nas relações trabalhistas vindouras.

o cerne do direito do trabalho sofre significativo abalo, posto que a legis-lação social até então direcionada ao trabalhador e à valorização do labor huma-no canaliza esforços para a prestigiar a livre iniciativa empresarial. Não é demais lembrar que tanto o valor social do trabalho como a livre iniciativa gozam do mesmo prestígio na constituição Federal, com respaldo no art. 1o, inciso IV e, nessa medi-da, a opção legislativa em restringir ou ampliar direitos dos trabalhadores, contanto que não se altere aqueles dispostos constitucionalmente, há de ser, bem ou mal, legí-tima, nos moldes do parágrafo único do art. 1o e art. 2o, da carta magna.

A nova lei, ao adotar um modelo flexibilista do Direito do Trabalho, pretende demonstrar que uma norma laboral pode ser aceita socialmente em um período, mas rejeitada em outro, mormente em época de crise e desemprego como a que vivemos2.

Nesse contexto e dentre as diversas mudanças promovidas pela Lei n. 13.467/17, denominada de “Reforma Trabalhista”, houve a positivação de al-guns requisitos para a regular contratação do trabalhador autônomo até então inexistentes em nosso ordenamento jurídico, bem como a criação da figura do trabalhador hipersuficiente.

Importa pontuar que o presente artigo não se respalda em discurso po-lítico, tendo o único objetivo de estabelecer balizas para dar cumprimento às novas figuras, sob a batuta de argumentos jurídicos.

1 Palestrante. Professor de Direito e Processo do Trabalho. Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo UDF.2 NAscIMENTo, Amauri Mascaro. curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas de trabalho. 26a ed. são Paulo: sarai-va, 2011, p. 271.

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2. Trabalhador Autônomo X Empregado Hipersuficiente

Não há que se confundir a figura do trabalhador autônomo disposta no art. 442-B, CLT3, com a do empregado hipersuficiente positivada no art. 444, parágrafo único, da CLT4.

A própria nomenclatura indica distinção entre ambos, ou seja, um é au-tônomo em sua acepção estrita, de forma que desenvolve labor por conta pró-pria e assume os riscos da atividade desenvolvida. Como consectário lógico, não detém vínculo de emprego com o contratante de seu serviço.

A autonomia goza de contornos próprios, podendo o prestador organizar o labor com ou sem o concurso de outrem, e definir o modo e tempo de presta-ção laboral sem a intervenção daquele que se reveste como credor do trabalho5. Isso não descura a subordinação suave6 que possui o prestador dos serviços para com seu contratante.

Por sua vez, o trabalhador hipersuficiente é aquele “muito” suficiente, quer dizer, detém qualidade que oportuniza se sobrepor a uma gama de traba-lhadores. ordinariamente, o termo hipersuficiente é direcionado à figura do empregador, que possui os meios de produção para o desenvolvimento do tra-balho pelo empregado e, para tanto, assume os riscos da atividade econômica.

A nomenclatura hipersuficiente é inadequada para parte da doutrina, pois as figuras do hipersuficiente e do autossuficiente são associadas à figura do empregador, como ensina o professor cesarino Júnior7:

“Do ponto de vista econômico, os homens se dividem em pro-prietários e não proprietários, isto é, ricos e pobres. Aos não pro-prietários, que só possuem sua força de trabalho, denominamos

3 Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades le-gais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta consolidação.4 Art. 444, Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo apli-ca-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do regime Geral de Previdência social.5 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3a ed. São Paulo. LTr, 2005, p. 532.6 orlando Gomes citado por Paulo Emílio ribeiro de Vilhena in Cf. obra citada, p. 533.7 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito Social: teoria geral do direito social, direito contratual do trabalho, direito protecionista do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. Página 32 apud Vanderlei Pascoal Moraes. Alcance do princípio da irrenunciabilidade dos direitos do trabalho. Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo”. Faculdade de Di-reito de Presidente Prudente. 2003, p. 22.

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hipossuficientes. Aos proprietários de capitais, imóveis, mercado-rias, maquinaria, terras, chamamos auto-suficientes. Os hipossu-ficientes está, em relação aos auto-suficientes, numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer viver sua família, do produto de seu trabalho. Ora, quem lhes oferece oportunidade de trabalho são justamente os auto-suficientes (...). Há uma troca entre os bens excedentes dos ricos e os serviços dos pobres. Mas há ainda uma outra categoria, a dos hipersuficien-tes. Estes são auto- suficientes em posição econômica superior. Os auto-suficientes estão, em relação aos hipersuficientes, numa situação de hipossuficiência relativa, pois podem ser eliminados da concorrência pelo hipersuficiente.”

Não obstante a crítica exposta, neste artigo será utilizada a nomenclatura em debate.

A partir da vigência da “Reforma Trabalhista”, o conceito de hipersufi-ciente migra legalmente, nos moldes do parágrafo único do art. 444, da CLT, para a figura do empregado, desvelando objetivamente critérios para a sua de-finição, a saber:

1) deter diploma de nível superior; 2) auferir mensalmente salário igual ou superior a duas vezes o limite má-

ximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.A característica que singulariza o trabalhador hipersuficiente é a sua con-

dição de empregado, diversamente do que ocorre com o trabalhador autônomo. A despeito de possuir, presumidamente, subordinação atenuada, este tra-

balhador desfruta de expressiva autonomia privada individual, pois ao ajustar cláusulas contratuais com seu empregador, a lei atribui-lhes a mesma eficácia outorgada àquelas provenientes da autonomia coletiva (art. 7º, inciso xxI, da cF). Positiva-se presumida paridade de partes (empregado e empregador), pres-tigiando a manifestação livre da vontade em uma relação que se supõe desigual, especialmente no momento da estipulação inicial dos preceitos contratuais.

o professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia argumenta que da previsão do art. 7º, inciso xxI, e do art. 8º, inciso VI, ambos da CF, é possível extrair que so-mente é permitido flexibilizar in pejus direitos do trabalhador hipersuficiente através de regular negociação coletiva, de modo que o estatuído no art. 444, da CLT, estaria restrito às negociações que não afrontem a lei e a negociação coletiva da categoria8. Para tanto, promove a leitura do artigo citado à luz do Texto Cons-titucional, utilizando-se da figura da interpretação conforme a Constituição9.

8 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista. 2a ed. salvador. Editora: Jus-podvim, 2017, p. 143.9 Cf. GARCIA. Obra citada, p. 143.

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Data máxima vênia, a figura da intepretação conforme a Constituição não tem incidência no caso, posto que sua aplicação resultará em violação ao texto expresso do artigo e direcionará a aplicação de seu conteúdo em sentido diame-tralmente oposto à proposta legislativa originária10.

Com efeito, o art. 444 retrocitado assenta que a livre estipulação incide sobre as hipóteses do art. 611-A (negociação coletiva) com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos. Assim, a contratação equipara-se à lei e prepondera sobre o que dispõe instrumentos coletivos, nos limites das matérias tratadas no art. 611-A, do Texto Celetista.

Alicerçada na lei, emerge a presunção de que o trabalhador melhor re-munerado e portador de diploma de nível superior, identifica-se como sufi-ciente e, portanto, deve possuir tratativa diversa da gama de trabalhadores que com ele não se identificam sob o aspecto de deter menor tutela estatal e sindi-cal. Nessa linha de raciocínio a lição do insigne mestre José Martins catharino11:

“De qualquer sorte, por força mesmo da igualdade perante a lei (CF, art. 153, parágrafo 1o), os altos empregados, francamente subordinados e melhor remunerados, não devem ser tratados da mesma maneira que os simples empregados, intensamente su-bordinados e pior retribuídos. A proteção legal deve ser diver-sificada, segundo o princípio: mais e melhor proteção na razão direta do grau de subordinação. Sem isso, o Direito do Trabalho contradiz-se consigo próprio, pois converte-se em instrumento agravante de desigualdade, adotando um conceito abstrato de empregado, “individualista”, artificial, involutivo e anti-social”.

Contudo, há limites constitucionais para a negociação individual, e nes-sa ordem de ideias, alinho-me a Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima, quando aduzem que “(...) há que se ob-servar que, naquelas matérias em que a Constituição exige negociação coletiva, como nos incisos VI (redução temporária de salário e jornada), XIII (jornada de trabalho), XIV (turno ininterrupto de revezamento), do art. 7o, o legislador ordinário não tem poder para dispor”12. Portanto, em tais questões não há a possibilidade de se negociar individualmente, sob pena de nulidade do ato de disposição de vontade do trabalhador, a teor do art. 9º, da CLT.

Anexa à negociação individual equiparada a coletiva, a legislação reserva a faculdade de fixação de cláusula compromissória de arbitragem entre traba-10 Fundamentos extraídos da ADI 4.277 / DF. Disponível em www.stf.jus.br.11 CATHARINO, José Martins. Compêndio de direito do trabalho. 2a ed. são Paulo: sa-raiva, 1981. Página 211.12 LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA Francisco Péricles Rodrigues Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017. p. 59.

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lhador hipersuficiente e seu empregador, com o fito de sanar eventual conflito entre as partes. Referida cláusula consiste em espécie do gênero convenção de arbitragem na qual as partes comprometem-se a entregar à arbitragem os conflitos porventura surgidos do contrato de trabalho (art. 4º, da Lei n. 9.307/96).

A pactuação dar-se-á por disposição do empregado ou através de sua aquies-cência expressa vertida por escrito no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira (art. 507-A, da CLT c/c art. 4º, parágrafos 1º e 2º, da Lei n. 9.307/96). Decerto que a adesão deve ser livre, ausente qualquer elemento que vicie o negócio jurídico, vedada ainda a imposição compulsória da arbitragem (art. 51, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor c/c art. 8º, caput, da CLT).

Atento aos ensinamentos do professor Homero Batista Martins da silva, im-portante destacar tênue distinção entre a possibilidade de negociação individual equiparada à coletiva e a instituição da cláusula compromissória de arbitragem. Para aquela, a lei exige que o trabalhador aufira rendimento superior ao dobro do teto da Previdência cumulada com a detenção de diploma de nível superior, ao passo que para esta exige somente o recebimento de salário excedente ao dobro do teto citado13.

3. Prestação de serviços

O Código Civil de 2002 abandonou a nomenclatura “locação de serviços” para designar como “prestação de serviços” o contrato em que um trabalhador autônomo coloca à disposição do contratante sua atividade laborativa. A altera-ção serviu para distinguir efetivamente a “locação de coisas” da “locação de serviços”, e justifica-se, eis que a Declaração de Filadélfia de 194414 afirma que um dos princípios fundamentais da organização internacional do trabalho é o de que o trabalho não é uma mercadoria.

O art. 593, CC, dispõe que toda prestação de serviço não regida pela CLT ou por lei específica será disciplinada pelas normas civilistas, sendo certo que a nova figura do trabalhador autônomo por estas é abrangida.

Trata-se de contrato bilateral do qual emergem prestações para ambas as partes, ou seja, prestação de atividade do trabalhador e remuneração por aquele que dela se utiliza, de modo que a comutatividade surge na equivalência de tais prestações, ou seja, existem direitos e deveres mútuos.

13 SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo. Edi-tora Revista dos Tribunais, 2017. p. 97 e 98.14 DECLARAÇÃO REFERENTE AOS FINS E OBJETIVOS DA ORGANIZAÇÃO IN-TERNACIONAL DO TRABALHOA Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes:a) o trabalho não é uma mercadoria; (...)

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os elementos essenciais do contrato de prestação de serviços são: 1) objeto da obrigação;2) remuneração pela atividade prestada;3) consentimento bilateral.o objeto é a atividade contratada por escrito ou verbalmente, ainda que o

art. 595, CC, faça expressa menção a contrato “assinado”15. A informalidade justifica-se, pois grande parte das contratações de serviços são efetuadas median-te acerto verbal, não sendo demais destacar que o art. 112, CC, dispõe que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Valoriza-se o consensualismo entre as partes, dispensando qualquer forma escrita ou externa solene16.

De igual modo, deverá haver remuneração pela atividade prestada, pois o art. 594, CC, preceitua que toda a espécie de serviço ou trabalho lícito pode ser contratada “mediante retribuição”17.

4. cumpridas por este todas as formalidades legais

o primeiro requisito estabelecido no art. 442-B, CLT, é o de que o trabalhador autônomo, para que possa ser regularmente contratado, deve preencher as formali-dades dispostas na legislação reguladora do labor para o qual será contratado. Assim é porque o artigo é patente ao prever a locução “cumpridas por este”, disposição que, claramente, refere-se ao trabalhador. Desse modo, a título de exemplo, o trabalhador que pretende prestar serviços de engenharia deve possuir habilitação para tanto, sob pena de exercer ilegalmente a profissão (art. 6º, alínea “a”, da Lei n. 5.194/6618).

o valor pago pelo contratante ao prestador dos serviços caracteriza-se como verba alimentar e, portanto, irrepetível. contudo, a ele não é dado pleitear valores devidos ao profissional de engenharia que regularmente exerce a profissão, visto que o parágrafo único do art. 606, do CC, veda o pagamento de valores quando a proibição de prestar os serviços for oriunda de lei de ordem pública19.

15 Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.16 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 586.17 Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. (g.n.). Em sentido contrário, Enunciado n. 541, do Conselho da Justiça Federal: o contrato de prestação de serviço pode ser gratuito.18 Art. 6º Exerce ilegalmente a profissão de engenheiro, arquiteto ou engenheiro-agrônomo:a) a pessoa física ou jurídica que realizar atos ou prestar serviços público ou privado reserva-dos aos profissionais de que trata esta lei e que não possua registro nos Conselhos Regionais;19 Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfa-ça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normal-mente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte,

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E as leis que regem o exercício de profissões como engenheiros, advoga-dos, cirurgiões-dentistas, médicos, enfermeiros, etc., consubstanciam-se como de ordem pública, eis que os parâmetros nelas definidos para o regular exercício da profissão não são facultativos, envolvendo o interesse público em resguardar a sociedade da atuação de profissionais não qualificados para o mister20. Dessa feita, não há que se perquirir se o prestador age de boa ou má-fé, bem como não há de se avaliar a conduta do contratante e eventual enriquecimento ilícito em seu favor.

o art. 606, caput, CC, permite o pagamento de uma compensação razoável ao trabalhador autônomo quando, ainda que não possua habilitação legal ou não ob-serve algum preceito legal, do labor tiver advindo benefício ao contratante.

Nesse caso, o artigo é claro: o trabalhador deve ter agido de boa-fé, visando a lei beneficiar os que se ativam na economia informal, tais como técnicos de informática não diplomados21. Nessa quadra, alinho-me ao posicionamento de Arnaldo Rizzardo22, quando diz que “se, exclusivamente nas profissões não reguladas por lei, resultar algum benefício para a parte contratante, e desde que comprovada a sua qualidade e utilidade, é possível arbitrar-se alguma retribuição, como está permitido no final do art. 606” (g.n.).

5. com ou sem exclusividade

O labor sob a modalidade de prestação de serviços autônomo poderá dar-se com ou sem exclusividade ao contratante. Define-se como exclusivo o que é in-compatível com outra coisa ou que seja capaz de excluir outras possibilidades23.

Ao contrário das críticas que a figura positivada tem recebido de parte dos operadores do Direito, penso não haver problema na vinculação exclusiva tra-balhador-contratante.

Isso porque a figura do trabalhador autônomo exclusivo não é nova no orde-namento jurídico. Exemplo disso é o representante comercial vinculado a um repre-sentado (art. 31, parágrafo único, da Lei n. 4.886/6524) e, recentemente, o transpor-tador autônomo de cargas agregado (art. 4º, parágrafo 2º, da Lei n. 11.442/0725).

o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé.Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública.20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. Volume I. 19a ed. Forense: Rio de Janeiro. 2001. p. 67 a 70.21 Exemplos retirados de: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volu-me 3: contratos e atos unilaterais. 11a ed. São Paulo: Saraiva: 2014. p. 692.22 Cf. RIZZARDO, obra citada, p. 594.23 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Michaelis. http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/exclusivo/24 Art. 31, Parágrafo único. A exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos. (Redação dada pela Lei n. 8.420, de 8.5.1992)25 Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua

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Em ambos os casos, a atividade laboral é direcionada apenas a um contra-tante, contudo sem afetar a autonomia do trabalhador no direcionamento do ser-viço e seu consequente risco. As figuras da exclusividade e subordinação não se baralham, vez que como bem registra Célio Goyatá26, a exclusividade não guarda nexo com a subordinação inerente ao contrato de emprego, posto que, mesmo neste, a regra é pela pluralidade simultânea de empregos.

O trabalhador contratado sob tal condição enquadra-se como um autôno-mo economicamente dependente daquele que contrata os seus serviços, como prevê o art. 11.1, do Estatuto do Trabalhador Autônomo Espanhol27. Ao mesmo tempo em que lhe é dado coordenar o modo como desenvolverá seu labor, no que emerge a autonomia laboral, também lhe é imposta a dependência econômica daquele que é o credor do serviço, de modo que, ainda que fluida, verifica-se a subordinação. Nesse passo, autonomia e subordinação se entrelaçam28 a ponto de o Direito captar tal fenômeno como forma de presumir que o trabalhador se encontra em posição desfavorável em relação ao contratante e, consequentemen-te, na troca de prestações constante proveniente do tráfico social laborativo29.

A conexão autonomia-subordinação aloca o trabalhador na categoria de “autônomos de segunda geração”, que se enquadra como uma espécie do gêne-

posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclu-sividade, mediante remuneração certa.RECURSO ORDINáRIO. TRANSPORTADOR AUTÔNOMO. VíNCULO EMPREGATíCIO. INO-CORRêNCIA. A Lei 11.442/2007 possibilitou que empresas, inclusive aquelas cujo objeto social seja o transporte de cargas, contratem motoristas autônomos para a realização dos serviços junto aos transpor-tadores autônomos de carga (TAC), estabelecendo-se entre ambos uma relação de natureza estritamente comercial. O artigo 4º da referida lei reconhece dois tipos de transportadores autônomos de cargas: o “agregado” e o “independente”. No primeiro caso, o transportador coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, dirigido por ele próprio ou por alguém indicado por ele, a serviço do contratante, com exclusividade e recebendo remuneração certa. No segundo, ele realiza o transporte de carga de forma eventual e sem exclusividade, recebendo por frete ajustado para cada viagem. Não há vínculo empre-gatício entre as partes em nenhuma das hipóteses, na forma do artigo 4º, parágrafo 5º, da referida lei. (TRT-1 - RO: 00111646220155010040, Relator: FLAVIO ERNESTO RODRIGUES SILVA, Data de Julgamento: 15/02/2017, Décima Turma, Data de Publicação: 31/03/2017)26 citado por Paulo Emílio ribeiro de Vilhena in Cf. obra citada, p. 532.27 Artículo 11. Concepto y ámbito subjetivo.1. Los trabajadores autónomos económicamente dependientes a los que se refiere el artículo 1.2.d) de la presente Ley son aquéllos que realizan una actividad económica o profesional a título lu-crativo y de forma habitual, personal, directa y predominante para una persona física o jurídica, denominada cliente, del que dependen económicamente por percibir de él, al menos, el 75 por ciento de sus ingresos por rendimientos de trabajo y de actividades económicas o profesionales .28 BULGUERONI, Renata Orsi. Trabalho Autônomo Dependente: experiências italiana e espanhola e a realidade brasileira. Dissertação de Mestrado em Direito do Trabalho e seguri-dade Social. Universidade de São Paulo. 2011. p. 45.29 Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de, obra citada, p. 516.

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ro trabalho autônomo clássico30. Registre-se que um mínimo de subordinação sempre haverá, posto que esta é uma característica inerente a todos os contra-tos pactuados, revelando-se em maior intensidade no contrato de emprego31.

Pretendendo-se afastar a condição de autônomo do trabalhador, a subordina-ção jurídica deve restar demonstrada revelando a posição e a disposição das partes, prestador e contratante, no negócio encetado. A partir disso, verifica-se a determi-nabilidade das prestações contratuais, a saber: quê, como, quando e quanto fazer32.

Portanto, possível sustentar que o art. 442-B, CLT, contempla duas espé-cies de trabalhadores:

1) autônomos clássicos ;2) autônomos economicamente dependentes.

6. De forma contínua ou não

o art. 442-B, CLT, também dispõe que o trabalho autônomo poderá ocor-rer de forma contínua ou não.

Contínuo é o que se caracteriza pela ausência de interrupção, aquilo que é constante ou que se repete a intervalos regulares33.

A Lei complementar n. 150/15, que disciplina o trabalho doméstico, oferta o sig-nificado de continuidade nas relações de trabalho. Diz o art. 1º da citada lei: “Ao empre-gado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subor-dinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei”.

De posse de tal previsão, contínuo é o labor prestado por mais de dois dias durante o lapso de sete dias. É dizer, trabalhados três dias ou mais, o labor é contínuo.

Todavia, a definição extraída da lei citada não se reveste proveitosa para a fi-nalidade de enquadrar o trabalhador como autônomo ou não, dado que o exercício do labor pode ocorrer de modo contínuo ou não, exceto para auxiliar no enquadramento daquele em clássico ou economicamente dependente, como se verá posteriormente.

De qualquer forma, depreende-se que a contratação autônoma nos moldes do art. 442-B, CLT, não se aplica à relação contratante e prestador de serviços no âmbito doméstico, sob pena de esvaziar a definição de continuidade prevista no art. 1º, LC 150/15 e, consequentemente, o potencial reconhecimento de vínculo de em-prego doméstico. Inaplicável, dessa feita, a autorização de uso de normas celetistas para o centro do labor doméstico e/ou de diaristas (art. 19, LC 150/1534).30 Cf. BULGUERONI, Renata Orsi, artigo citado, p. 46.31 Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de, obra citada, p. 518.32 Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de, obra citada, p. 523.33 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Michaelis.http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/cont%C3%ADnuo/.34 Art. 19. Observadas as peculiaridades do trabalho doméstico, a ele também se aplicam

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Assim sendo, a presença do elemento continuidade na relação autônomo-contra-tante é incapaz, por si só, de projetar a relação de autônoma para subordinada. Isso porque o desenvolvimento de atividades pelo trabalhador autônomo economicamente dependente notabiliza-se pela integração daquelas à estrutura empresarial contratante35.

7. Parâmetros para o enquadramento do trabalhador autônomo como economicamente dependente através das balizas do art. 442-B, CLT

Em vista do exposto, dois são os elementos básicos cumulativos para a caracterização do trabalhador como economicamente dependente, a saber:

1) dependência econômica; e2) trabalho preponderantemente prestado para um contratante durante três

ou mais dias durante o lapso de sete dias.Para definir objetivamente se há ou não dependência econômica, à mín-

gua de base legal em nosso ordenamento jurídico, é de bom alvitre importar o disposto no art. 11.1, do ETA, que preceitua que economicamente dependente é aquele que aufere 75% dos seus rendimentos de apenas um contratante. o art. 8º, caput, da CLT36, não alterado pela “Reforma Trabalhista”, autoriza, expres-samente, o uso do direito comparado em tal situação.

No aspecto, pontuam Nahas, Pereira e Miziara que “o autônomo ora regula-mentado pelo legislador brasileiro assemelha-se em muito com a figura do “TRADE” do direito espanhol, expressão que designa o trabalhador autônomo economicamente dependente, conforme se extrai do Estatuto do Trabalhador Autônomo espanhol”37.

Com isso, afirma-se que há presunção de dependência se o labor do autô-nomo é desenvolvido exclusivamente a um contratante. De outro norte, não há presunção se o prestador ativar-se em prol de uma pluralidade de contratantes.

No tocante à continuidade, a definição do que é labor contínuo previsto no art. 1o, da LC 150/15, deve servir como norte a parametrizar o enquadramento do traba-lhador como economicamente dependente. o posicionamento guarda respaldo legal na analogia (art. 4o, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro38).

as Leis n. 605, de 5 de janeiro de 1949, no 4.090, de 13 de julho de 1962, no 4.749, de 12 de agosto de 1965, e no 7.418, de 16 de dezembro de 1985, e, subsidiariamente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943.35 Cf. BULGUERONI, Renata Orsi, artigo citado, p. 49.36 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüi-dade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.37 NAHAS, Thereza; PEREIRA, Leone; MIZIARA, Raphael. CLT Comparada Urgente – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 276.38 Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os

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Portanto, caso o trabalhador se ative por três dias ou mais durante a sema-na, poderá ser alocado na condição de dependente economicamente.

É importante destacar que o conceito de dia, no particular, deve respeitar o período de 8 horas, à luz do art. 7º, inciso xIII, da CF. Por assim ser, o autônomo poderá prestar os serviços durante 2 dias de 8 horas ou 4 dias de 4 horas que, sob o critério da continuidade, não se avaliará o labor para fins de seu enquadramento ou não na categoria de economicamente dependente.

A distinção entre trabalhador autônomo clássico e trabalhador autônomo economicamente dependente não acarreta reflexos na relação de direito material mantida entre prestador de serviços e contratante. Isso dimana da ausência de legis-lação atribuindo direitos superiores àquele tido como economicamente dependente.

sob o aspecto processual, também nada se altera, pois o novo dispositivo celetista não afetará o modo como se distribui o ônus probatório das partes em processo judicial39.

Por se tratar de fato constitutivo do seu direito, negada a prestação dos serviços pelo réu, caberá ao autor que pleiteia o reconhecimento do vínculo a de-monstração dos elementos ensejadores da formação do liame empregatício (art. 818, inciso I, da CLT – Lei 13.467/17).

De outra banda, invocando o réu a autonomia do prestador dos serviços, caberá a ele demonstrar o fato impeditivo que obsta a formação do vínculo de emprego entre as partes (art. 818, inciso II, da CLT – Lei 13.467/17).

costumes e os princípios gerais de direito.39 Por todos: DIREITO DO TRABALHO. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINáRIO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. ADMISSÃO DA PRESTA-ÇÃO DE SERVIÇOS. ÔNUS DA PROVA DO RÉU. AUSêNCIA DOS REQUISITOS PER-TINENTES AO VíNCULO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURADO.I -Os requisitos caracterizadores da relação de emprego encontram-se previstos nos artigos 2o e 3o da CLT, quais sejam, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade, subordinação e assunção dos riscos da atividade pelo empregador. II - O liame empregatício e o trabalho autônomo possuem em comuns muitos dos requisitos legais, sendo traço distintivo fundamental entre essas modalidades de trabalho a subordinação do empregado ao patrão. III - Em regra, é do Autor o ônus de provar a existência de vínculo empregatício, por constituir em fato constitutivo do seu direito, conforme dispõem os artigos 818 da CLT e 373, inciso I, do CPC. IV - Porém, admitida pela Ré a prestação de serviços, contudo em modalidade diversa da relação empregatícia, incumbe a esta o ônus de provar o alegado fato impeditivo ao direito vindicado, nos termos do inciso do II do referido di-gesto processual civil. V - No caso, dessume-se do acervo probatório que, de fato, o trabalhador ativava- se de modo autônomo, consoante Contrato de Prestação de Serviços e as notas fiscais constantes dos autos. VI - Desse modo, caberia ao Autor produzir prova robusta para demonstrar o alegado período clandestino, bem como a existência de subordinação jurídica, encargo do qual não se desvencilhou, razão pela qual fica mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego. VII - Recurso Ordinário do Autor improvido. (Pro-cesso: RO - 0001036- 75.2016.5.06.0341, Redator: Sergio Torres Teixeira, Data de julgamento: 30/08/2017, Primeira Turma, Data da assinatura: 06/09/2017)

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a partir da explanação acima, teremos a partir de 11.11.17, o trabalho autônomo sob as seguintes espécies na legislação:

1) Autônomo não exclusivo que trabalha de forma não contínua; 2) Autônomo não exclusivo que trabalha de forma contínua;3) Autônomo exclusivo que trabalha de forma não contínua; 4) Autônomo exclusivo que trabalha de forma contínua.

8. trabalhador autônomo X Pejotização

Dentre as críticas direcionadas à previsão do art. 442-B, CLT, a que re-puto de maior destaque é a de que a positivação de parâmetros para a contratação regular do trabalho autônomo abrirá portas para o que doutrina e jurisprudência denominam de pejotização.

A pejotização conceitua-se como uma espécie de “(...) fraude às relações de emprego, por meio da qual o real empregador procura eximir-se das suas obrigações trabalhistas mediante a imposição, aos empregados, da constituição de pessoa jurídica para a prestação dos serviços objeto do contrato de trabalho, porém, com a manutenção dos requisitos típicos da relação de emprego, masca-rada por um contrato comercial de prestação de serviços”40(g.n.).

Data máxima vênia, não há similitude entre a contratação de um traba-lhador autônomo e a “contratação” de empregado por meio da instituição de pessoa jurídica. E por um simples fato: o trabalhador autônomo vincula-se ao prestador de serviços através de sua pessoa física.

Portanto, para que fique claro: não existe pejotização lícita, posto que a sua pretensão é impedir a aplicação dos preceitos celetistas à relação de emprego (art. 9º, da CLT).

9. conclusão

À guisa de conclusão, data vênia, discordo do argumento doutrinário de que, na prática, o preceito do art. 442-B, CLT, não terá eficácia41.

o novo dispositivo terá aplicabilidade prática especialmente quando o Juiz do Trabalho se deparar com uma relação laboral autônoma prestada com exclusividade e continuidade, fato que, antes da Reforma, poderia reforçar o seu convencimento na declaração de vínculo de emprego entre as partes contratantes.

40 TRT-2 - RO: 00007592520145020411 SP 00007592520145020411 A28, Relator: SID-NEI ALVES TEIxEIRA, Data de Julgamento: 17/06/2015, 8ª TURMA, Data de Publicação: 23/06/2015.41 LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles Rodrigues Marques de. Reforma Trabalhista: entenda ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017. p. 58.

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A partir do novel artigo celetista, dessume-se que não mais é dado ao Juiz valer-se dos elementos continuidade e exclusividade para assessorá-lo no reco-nhecimento do liame empregatício.

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emPregado HiPersUFiciente e negociaÇÃo indiVidUaL

rodrigo Fortunato Goulart1

A reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional (Lei n.. 13.467/2017) inseriu alguns dispositivos na CLT que contemplam a possibilidade de o trabalhador negociar diretamente com a empresa o seu contrato de trabalho. Para que isso ocorra, e seja considerado válido e eficaz, empregado deve possuir “diploma de nível supe-rior” e “perceber salário mensal igual ou acima de duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. Vejamos a novel redação:

CLT / Art. 444.Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste arti-go aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível supe-rior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o li-mite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

sem dúvidas o artigo contempla a possibilidade de maior liberdade para as partes na negociação do contrato de trabalho. Equiparou-se a figura do (“alto”) empregado e do empregador no mesmo patamar de negociação.

Trata-se de uma opção no mínimo ousada do legislador e paradigmática para o Direito do Trabalho, porque concede ao empregado, individualmente con-siderado, o “poder” de negociar banco de horas, intervalo intrajornada, aplicação do adicional de insalubridade, prêmios de incentivo, modalidade de registro de jornada, etc., conforme autorizado no novo art. 611-A da CLT.

Dentre todas as alterações da CLT2, esta, sem dúvida, talvez seja a mais emblemática porque atinge em cheio o núcleo da proteção social, traçando uma nova “categoria” de trabalhador, considerado “empregado hipersuficiente” (ape-1 Advogado trabalhista. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/PR, defendeu, no dou-torado, a tese “Trabalhador autônomo hipossuficiente e a necessidade de reclassificação do contrato de emprego”, que foi transformada no livro “trabalhador autônomo e contrato de Emprego” (2012), publicado pela Editora Juruá, de Curitiba. www.fortunato-goulart.adv.br / E-mail: [email protected] A exemplo: “Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as for-malidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.” Comentário: se caracterizados os ele-mentos do vínculo empregatício, o art. 442-B não prevalece diante do contrato realidade. Na colisão entre forma e conteúdo, o conteúdo sempre se sobrepõe à forma. In: SILVA: Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma trabalhista. São Paulo: RT, p. 68.

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sar da nomenclatura apresentar evidente contradição). Fato é que, se considerada constitucional, a lei passará a pressupor plena capacidade formal de negocia-ção (igualdade entre contratantes), baseados em critérios circunstanciais (fatores econômicos/escolaridade do trabalhador).

Críticas não faltam para este novo artigo da CLT, pois o legislador inaugu-rou um novo instituto jurídico, aquele em que a condição socioeconômica e/ou a formação cultural/educacional da parte pode determinar o regime contratual aplicável. Sob o ponto de vista da teoria contratual clássica, os critérios eleitos são, no mínimo, absurdos, data vênia.

Vejamos porque a condição socioeconômica, por si só, não é capaz de determi-nar o regime jurídico aplicável no Direito Privado, em especial, no Direito do Trabalho.

Há décadas juristas se perguntam sobre qual seria a natureza jurídica do contrato de trabalho e o que justificaria a intervenção estatal nas relações entre patrões e empregados. E ao se depararem com as péssimas condições sociais dos trabalhadores explorados na Europa do final do Séc. xIx, não tardou para que os estudiosos defendessem, à época, que o alvo da proteção social no contrato seria o trabalhador “miserável”, “carente”, ou seja, a intervenção estatal residiria no fato do empregado depender financeiramente do seu empregador para sobreviver.

Entretanto, a teoria da dependência econômica foi descartada no início do Século xx. Não obstante o esforço dos estudiosos, a tese não conseguia justi-ficar a situação, por exemplo, do empregado que possui mais de uma ocupação para sobreviver (fato comum nos dias atuais). Mesmo considerando que esta era a regra do Século xIx e início do Século xx, a problemática de se estipular a dependência (econômica) como critério de aplicação do Direito do Trabalho é que ela se baseia em uma situação “metajurídica”.

Para Rojo, uma prestação de serviços realizada sob subordinação e depen-dência, será certamente regida pelas normas protetoras e pelos princípios parti-culares do Direito do Trabalho.3 o mesmo pode acontecer, segundo o autor, na-quelas prestações laborais efetuadas mediante subordinação jurídica, porém, sem dependência econômica (como, por exemplo, o herdeiro de uma grande fortuna que trabalha por mera distração). Esse fato não afastaria que a tutela jurídica jus-trabalhista seja destino de ampla proteção legal, porque, segundo o autor, o cri-tério de atuação do Direito do Trabalho é jurídico e não meramente econômico.

ou seja, a noção de dependência é outorgada à pessoa trabalhadora não pela sua condição financeira, mas pela sua situação de subordinação jurídica no contrato de trabalho (vínculo obrigacional, decorrente do contrato). A noção de

3 ROJO, Eduardo Caamaño. La Parasubordinación o Trabajo Autonomo Economica-mente Dependiente. El Empleo en Las Fronteras del Derecho del Trabajo. Revista Laboral Chilena, diciembre 2004, p. 61 et seq. (Parte 1) y enero de 2005, p. 68 et seq. (Parte 2).

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dependência é, segundo o entendimento predominante, uma noção jurídica (le-gal), e que, a rigor, desconsidera o estado socioeconômico da pessoa.

Tal condição, contudo, não deixa de ser contraditória, pois se o Direito do Trabalho foi erigido com base em lutas, resistências e péssimas condições sociais, não seria lógico pensar que a chave de acesso à proteção, aquela em que se revela a existência de um contrato de trabalho, não demonstrasse de modo preciso quem são os indivíduos em posição de hipossuficiência.

Sem dúvida é paradoxal esta compreensão dominante, porque demonstra que as condições socioeconômicas da parte e a importância do objeto contratado para a satis-fação das necessidades existenciais do ser humano não influenciam o regime jurídico aplicável. Mas se era justamente as péssimas condições de vida da classe operária e a ausência de possibilidade de o trabalhador fazer sua vontade por si mesmo que justifi-cou o surgimento do Direito do Trabalho, porque aparentemente os critérios de acesso à proteção social (art. 3º. CLT) são baseados em juízos essencialistas e objetivos?

É preciso compreender, segundo ricardo Marcelo Fonseca, que a “subor-dinação” do trabalhador preexistia à regulamentação do contrato de trabalho, e o direito positivo, diante de uma situação de “subordinação” já existente, acabou traçando os limites formais para definir até onde essa subordinação poderia ser exercita licitamente (denominando-a de “subordinação jurídica”), in verbis:

A subordinação, portanto, não foi inventada, mas foi apenas regulamentada. Melhor dizendo, ela foi “domesticada” precisa-mente pela introdução de um conceito jurídico-formal, o de “su-bordinação jurídica”, para que pudesse circular sem constrangi-mentos numa relação jurídica calcada num modelo contratual, onde as premissas da autonomia da vontade são constituintes. 4

Mas se no início das primeiras legislações protetivas a “subordinação” era uma qualidade quase indissociável da condição social da classe trabalhadora, ou seja, a ideia de “estar sob as ordens do empregador sem a possibilidade de nego-ciação contratual”, também é verdade que atualmente esta característica pode ou não estar presente na relação de emprego. Em outras palavras, se a compreensão de “trabalhador protegido” no Século xIx (empregado) estava intimamente liga-da com a ideia da “subordinação”, quando esta refletia de modo fiel e visível as características socioeconômicas das partes e a imposição unilateral de vontade, no Século xxI este traço encontra-se diluído, apagado, e muitas vezes ausente.

Dentro de uma concepção positivista, o desafio e os esforços da doutrina sempre foram no sentido de encontrar um requisito objetivo (uma outra noção “jurídica” para o fenômeno) que pudesse refletir com precisão as condições so-

4 FoNsEcA, ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direi-to à sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2001, p. 138.

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cioeconômicas e, por sua vez, a ausência de autonomia de vontade do trabalha-dor. Porém, isso não se revela uma tarefa simples em um mercado de trabalho altamente complexo e heterogêneo.

Não obstante, por mais que a incidência das normas tutelares no direito co-dificado tradicionalmente seguissem um critério objetivo que pudessem refletir as características subjetivas do(s) contratante(s) para a definição da sua posição de inferioridade, a condição socioeconômica da parte em particular, por si só não é capaz de determinar o regime jurídico aplicável no Direito Privado.5

Desde o início de vigência das primeiras legislações protetivas, estas são endereçadas a uma determinada categoria de pessoas. As noções de “credor” ou “devedor” atendem à situação circunstancial de um indivíduo em uma relação bilateral; porém, os conceitos de “empregado”, “consumidor” ou “locatário” le-vam em consideração a posição estrutural no mercado.6 Enquanto a noção de “credor” ou “devedor” considera uma falha conjuntural no mercado (situação na qual um devedor é débil devido à ocasião), a noção “empregado” aprecia uma posição permanente, ou seja, estrutural.7

Dito de outra forma, não importa se a pessoa é rica ou pobre, se é ou não pai de família, se é jovem ou idoso, se está desempregada, se possui bens, se tra-balha por necessidade ou por mero deleite; não importa sua origem, escolaridade, conta bancária, ou nome negativado; para o Direito do Trabalho sempre foram desprezados os fatos circunstanciais ou concretos de cada indivíduo em particu-lar na determinação do regime jurídico contratual.

Nesse caminhar, o art. 444 parágrafo único, inserido pela Lei 13.467/17 é alvo de severas críticas. Adotar a novel concepção sob o viés circunstancial seria o mesmo que afastar a incidência do código de Defesa do consumidor para o Advogado que pretende fazer um financiamento imobiliário; ou excluir a aplica-ção da Lei do Inquilinato a um alto Executivo que deseja alugar um imóvel; ou não conceder o Descanso Intrajornada e o 13º. Salário por que o empregado é herdeiro de família rica.

O critério eleito pelo legislador (dependência via econômica/nível de esco-laridade), data vênia, não é jurídico, mas socioeconômico e sua aplicação ocasio-nará verdadeira revogação da proteção jurídico-trabalhista para empregados com maiores salários, em clara afronta ao princípio da isonomia, vez que empregados com salários menores ficarão, em tese, protegidos pela CLT.

5 Prova disso é a mesma garantia de proteção ao inquilino que aluga uma segunda casa ou o empregado que consegue um segundo posto de trabalho. 6 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. são Paulo: revista dos Tribunais, 1998. p.140.7 Ibidem, p. 140-141.

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A situação aventada pelo art. 444 parágrafo único poderá causar distorções entre trabalhadores da mesma empresa. Imaginemos duas pessoas que trabalham para a mesma companhia em situações financeiras absolutamente díspares: po-deriam ter ou não direito à negociação com o empregador. considerando o cri-tério eleito pela reforma trabalhista (negociação direta), o grau escolar poderia excluir, então, o direito ao recebimento de horas extras para o alto empregado que recebe mais de quinze salários mínimos por mês; não ocorrendo o mesmo, porém, em relação ao segundo empregado, com o mesmo salário, mas sem curso superior, mesmo tendo vários anos de empresa e ampla experiência.

sobre as falhas em referidos critérios, destacou Delgado:

Há problemas, entretanto, nessa formulação teórica (depen-dência econômica). Inegavelmente, o critério que ela incorpora origina-se de uma reflexão acerca do padrão genérico típico à relação trabalhador/empregador na moderna sociedade indus-trial. contudo, ainda que o critério econômico acima consig-nado tenha irrefutável validade sociológica, ele atua na relação jurídica específica como elemento externo, incapaz, portanto, de explicar, satisfatoriamente, o nexo preciso da assimetria poder de direção/subordinação. De par com isso, a assincronia eco-nômico-social maior ou menor entre os dois sujeitos da relação de emprego não necessariamente altera, em igual proporção, o feixe jurídico de prerrogativas e deveres inerente ao poder em-pregatício (com sua dimensão de direção e subordinação).8

A tentativa de saída da crise de regulação por que passa o Direito do Trabalho via dependência econômica, tese seguida pela legislação atual de países europeus, re-torna aos entendimentos propostos em 1913 pelo professor francês Paul Cuche9. se-gundo cuche, para que o obreiro pudesse ser considerado em situação de dependên-cia (econômica), era necessário reunir duas condições: a primeira é que ele deveria obter, através do trabalho, o seu único ou principal meio de subsistência, e a segunda, é que a prestação laborativa necessitaria ser utilizada regularmente e integralmente pelo empregador, fato que remonta a noção de absorção do trabalho na organização produtiva da empresa. Porém, referido critério fora descartado no final de década de 1920 pois era de difícil aplicação operacional. A dependência (via subordinação jurí-dica) prevaleceu, por ser muito mais simples e de evidente visualização.

Fato é que os critérios escolhidos pelo legislador acabam por desvalorizar o trabalho humano como um todo, eis que podem deixar em uma situação de não-di-8 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 282-283.9 CUCHE, Paul. Le rapport de dépendance, élément constitutif du contrat de travail. Revue critique de législation et de jurisprudence, 1913. p. 412.

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reito determinados tipos de trabalhadores. Haveria, desse modo, dois contratos sob a mesma natureza: um “negociado” e outro “não-negociado” para iguais situações, sob a sombra do empregador (pois é o empregador quem determina o valor salarial do empregado). Tal raciocínio remonta a ideia de “quanto maior a dependência, maior proteção; quanto menor dependência, menor a proteção”. A concepção, contudo, é falha, na medida em que se torna difícil mensurar, no cotidiano da realidade empre-sarial, de qual tomador de serviços dependerá mais ou menos o prestador. Sob a pers-pectiva econômica, a lei trabalhista tradicionalmente não estabelece maior ou menor proteção em virtude do rendimento do trabalhador, salvo raras exceções.10

Infelizmente o legislador desconsiderou o enorme interesse não-patrimo-nial em debate (a valorização do trabalho humano), preocupando-se, exclusiva-mente, com a “liberdade negocial”, um verdadeiro retorno ao Século xIx.

É certo que o Direito precisa acompanhar as transformações sociais, incor-porar novos valores e atender os anseios da população, caso contrário, perderá sua eficácia e sua principal missão, que é estabilizar os agentes sociais, por isso, mudanças são necessárias e importantes.

Mas para se resolver esta problemática, é preciso questionar se o modelo vigente, definido a partir de características de uma classe, poderia ser substituído por uma nova classificação, emergindo a condição de inferioridade não a partir dos traços gerais comuns a determinados grupos (ou condição econômica/nível escolar) mas, sim, da qualidade essencial do bem contratado. A identificação do bem contratado sobre o qual recai o Direito constituído ou transmitido pelo contrato, centrado no valor social do trabalho na ordem econômica, este sim, é que foi deixado de lado na Reforma trabalhista.

O legislador desconsiderou, na caracterização do regime jurídico a ser apli-cado, a importância do objeto da contratação, o trabalho humano. o Direito do Trabalho foi construído sob a égide patrimonialista, estruturado em um contrato marcado pela autoridade do empregador e pela obediência do empregado. Mas dentro da lógica constitucional, o Direito está investido de objetivos mais elevados, não meramente patrimoniais, sendo que eventual mudança nos padrões produtivos não deve ser condenada com métodos neoludistas, mas incorporadas à sociedade.

No entanto, diante da hegemonia econômica – regra geral – dos tomadores de serviço, referidas transformações jamais poderão justificar a desvalorização do trabalho humano, ou seja, modificado o padrão de produção, o Direito con-tinuará cumprindo seu objetivo constitucional de atender a dignidade humana, 10 Tome-se como restrição incomum o art. 62, II da CLT no qual estabelece uma redução de direitos (supressão de horas extras) na garantia de uma maior remuneração (gratificação, art. 62, parágrafo único, CLT). Esta previsão legal sinaliza que os superiores (normalmente com maior remuneração) teriam, em tese, menor proteção, ou seja, uma proteção mitigada conforme a situação do empregado em razão de um ganho econômico maior.

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impondo limitações à ordem econômica diante dos valores sociais do trabalho.11 Conforme destaca Eros Roberto Grau, a valorização do trabalho não pode, uma vez posta como fundamento da ordem econômica e social, ser caracterizada como mera expressão de filantropia.12 A existência de leis que não correspondam, efe-tivamente, a uma valorização de trabalho prestado, apresenta-se como injustifi-cável privilégio, contribuindo para o agravamento das desigualdades.13 Por isso, ao lado do crescimento econômico e das transformações ocorridas e aquelas que ainda estão por vir, não se pode deixar de lado a justiça social. Somente desse modo segue-se no caminho de um bem-estar igualitário para a sociedade.

Sem a proteção social do Direito do Trabalho, consubstanciada na valoriza-ção do labor humano, não existe cidadania. segundo robert castel, o trabalho é o principal fundamento da cidadania. Para o professor francês, “a produção de cada um numa produção para a sociedade” é o princípio da cidadania social. É o ponto médio concreto sobre o qual se constroem direitos e deveres sociais, responsabilida-des e reconhecimento, ao mesmo tempo que sujeições e coerções”14. com base no artigo 35 da Constituição Espanhola/1978, na qual dispõe que “todos os espanhóis tem o dever de trabalhar e o direito ao trabalho”, Zapirain aduz que o trabalho, como direito de cidadania, tem conotação diferente daqueles outros direitos considerados fundamentais, tais como a educação, a moradia, a saúde, etc.15 Muito além da pes-soa estar incluída socialmente por usufruir direitos individuais e sociais, e participar da condução dos destinos da sua pátria, o trabalho é o elo que traz o indivíduo ser reconhecido como cidadão. O labor faz com que a pessoa se valorize moralmente e socialmente, além de ganhar o respeito de todos os demais membros da comunidade.

A igualdade (formal) do cidadão perante a lei – pilar do Estado Liberal – proibia o legislador de estabelecer tratamento diversificado às diferentes posições sociais. se, por um lado, tal situação permitiu eliminar os injustos privilégios

11 “É de todos sabido a necessidade de mudanças na nossa legislação trabalhista para adaptação ao panorama de globalização econômica e mercado competitivo, quer no plano individual quer no coletivo. Tais alterações hão de apreciar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, insculpidos no art. 1º. incisos III e IV da Lei Suprema de 1988, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. In: SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da. Descentralização Produtiva: O Trabalho Parassubordinado. Revista LTr, São Paulo, vol. 68, n.. 11, p. 1343-1350, nov./2004. p. 1347-1348. 12 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 219.13 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Estudos de Direito Econômico, v. 2, t. 2, Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1996. p. 376.14 CASTEL, Robert. As Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Trad. Iraci. D. Poleti. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 580-581.15 LANDULFO, Domenico Antonio. Dimensões do Direito do Trabalho. são Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Direito), Universidade de São Paulo. p. 170.

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medievais remanescentes, por outro, fez emergir todas as diferenças substanciais e reais. Se estas existiam na Idade Média, por força da lei, também se fizeram presentes no Estado Liberal de Direito, com a finalidade de mantê-lo neutro e imperturbável diante do que ocorria nos contratos.16

As regras em vigor a respeito do contrato clássico entram, então, em crise. os princípios disseminados no liberalismo decorrente da revolução Francesa17 de 1789, máxime liberalismo econômico, na concepção formalista da vontade, juntamente com os dogmas da liberdade contratual, autonomia da vontade, e obrigatoriedade dos contratos, se chocam com as novas formas de contratação em massa. A posição social do contrato começa a ganhar força em contraponto às ideias liberais clássicas.

o princípio da liberdade contratual consistia na ampla escolha das partes em contratar (ou não), aliada à liberdade de eleição dos contratantes a respeito do conteúdo ou forma do acordo. os particulares eram livres para debaterem dentro de um plano hipotético de igualdade em quais condições iriam compor o contrato. Por sua vez, o princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) determinava que o pacto fosse ligado estritamente naquilo determina-do pelas partes, vinculando-as. Os dois eram resultantes de um princípio maior, a autonomia da vontade. Esse princípio, fundamental no contrato, “foi introduzido nas codificações de base romanista no início da Idade Moderna, atingindo seu apogeu com o Código de Napoleão e incrementada nas demais codificações com o advento da era contemporânea”18. A vontade era soberana, fato que concedia às partes o poder de determinar o conteúdo contratual. O Estado fixava apenas alguns limites, que eram restritos ao interesse geral, aos bons costumes e à lega-lidade (objeto lícito), dentre outros. As partes, consideradas (ao menos formal-mente) livres e iguais, se vinculavam à avença, sem qualquer tipo de intervenção externa. O conteúdo contratual somente poderia ser modificado pelos próprios contratantes, por meio de aditamento. ressalva Noronha que:16 PIMENTA, Jose Roberto Freire; PORTO, Lorena Vasconcelos. Instrumentalismo subs-tancial e tutela jurisdicional civil e trabalhista: uma abordagem histórico-jurídica. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, Belo Horizonte, v. 43, n.. 73, p. 85-122, jan./jun.2006. p. 98.17 Revolução Francesa: conjunto de acontecimentos ocorridos entre 1789 e 1799, que alteraram a conjuntura econômica, política e social da França, influenciando todo o mundo ocidental. É considerada por historiadores como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea, pois extinguiu a servidão e os direitos feudais e proclamou o ideal de “Li-berdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité). In: ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História – história geral e história do Brasil. 4. ed. São Paulo: ática, 1995. p. 186.18 MANDELBAUM, Renata. Contratos de Adesão e Contratos de Consumo. são Paulo: RT, 1996. p. 14.

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É certo que mesmo nos contratos do século xIx a igualdade das partes não impedia que a mais forte determinasse o conteúdo do contrato, mas ainda havia a negociação, o mais fraco ainda podia fazer ouvir a sua voz – e até ser atendido, aqui ou ali, nas suas pretensões. Foi apenas após a massificação do contrato que a po-sição do mais fraco ficou visivelmente descoberto, e até então não tanto pela impossibilidade de conseguir a inclusão de cláusulas divergentes ou padronizadas, como pelo fato de que tal massifica-ção permitiu que eles, os mais fracos, adquirissem consciência de que eram eles que constituíam a massa, que estavam igualados na “desgraça” – o que facilitava sua reação coletiva.19

Percebeu-se, com o tempo, que a “liberdade” para exercer seu ofício, tão desejada na revolução Francesa, permitiu uma nova forma de dominação aos me-nos favorecidos: ao invés de libertar o sujeito, o escravizou, no sentido de inserir o trabalhador como simples coisa, mercadoria, e não como um cidadão. se o trabalho livre era considerado como uma das maiores conquistas do indivíduo, o Estado não deveria intervir. No entanto, tal liberdade não permitia ao empregado recusar uma longa jornada de trabalho quando estabelecido pelo seu empregador, pois uma das principais características sociais da nova classe operária era necessitar do trabalho para sobreviver, diante da ausência de demais posses. Portanto, uma nova forma de produção e um novo meio de comercialização exigiram novas estruturas jurídicas, fato que ensejou o repensar do Direito das obrigações. segundo orlando Gomes:

As transformações políticas e econômicas reclamaram o recondi-cionamento de instrumentos jurídicos clássicos, na tentativa de os adaptar à nova realidade social. (...) Compreendeu-se a necessida-de de criar novos instrumentos e vai-se percebendo que é preciso reelaborar os princípios e rever os conceitos. É que esses princí-pios e conceitos se formularam sob a presidência de um pensa-mento que refletia a ordem econômica liberal e individualista.20

As mudanças socioeconômicas e, consequentemente, as mudanças no pla-no jurídico e filosófico, passaram a retorquir o dogma absoluto da autonomia da vontade, demonstrando que o princípio da igualdade não era real, e que a existência de diferenças entre as partes, notadamente as diferenças econômicas, demonstravam que o contrato servia, muitas vezes, em uma forma de dominação e não de libertação. 19 NoroNHA, Fernando. Princípios dos Contratos (autonomia privada, boa-fé e justiça contratual) e cláusulas abusivas. São Paulo, 1990. Tese (Doutorado em Direito), Universi-dade de São Paulo. p. 96.20 GoMEs, orlando. Contrato de Adesão – condições gerais dos contratos. são Paulo: RT, 1972. p. 39.

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Não há dúvidas que o novo art. 444, parágrafo único da CLT, fere direitos fundamentais da Carta Política de 1988 porque cria trabalhadores de segunda ca-tegoria, com proteção jurídica diminuída. Não há como estabelecer, em âmbito individual, negociação direta entre empregado e empregador, diante da completa ausência de sistema de freios e contrapesos no contrato. o antigo brocardo “não se negocia o que não se tem” nunca esteve tão em voga: sem garantia de emprego, não há dúvidas que não restará ao empregado (com ou sem alto salário) nenhuma possibilidade de negociação contratual, diante da completa disparidade de forças.

como sabido, no contrato, o empregado é um ser individual que, isolada-mente, não é capaz de produzir ações em impacto comunitário frente à empresa; por outro lado, a empresa, esta sim, naturalmente um ser coletivo cujas ações tem aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla, possui eficácia e peso para impor sua vontade contratual.

Assim, sob o ponto de vista dos direitos fundamentais, conclui-se que não pode haver regime jurídico diferenciado em virtude da escolaridade ou nível sa-larial, pois a opção política do legislador constituinte de 1988 é a dignidade hu-mana, inerente a qualquer pessoa trabalhadora. Desse modo, considera-se que o novo parágrafo único do art. 444 da CLT é inconstitucional, pois fere direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, ao reduzir a prote-ção social e jurídica a determinados empregados, em violação direta do caput e incisos I, xxx e xxxII do artigo 7º e, especialmente, o inciso xxxII do art. 7º da constituição, que proíbe “distinção entre trabalho manual, técnico e intelectu-al ou entre os profissionais respectivos”, bem como, a Convenção n. 111 da OIT.

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terceiriZaÇÃo

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asPectos oBJetiVos e reLeVantes soBre terceiriZaÇÃo e o conteXto do institUto

JUnto ao direito do traBaLHo

ricardo Pereira de Freitas Guimarães1

A terceirização não nasceu num simples “piscar de olhos”, ou mesmo como intenção própria das empresas, mas através de uma necessidade mundial econô-mica oriunda da desverticalização do sistema estrutural das empresas com o aban-dono do “taylorismo e fordismo” – formas de trabalho excessivamente mecânicas e repetitivas que agregavam unidades de repetição de trabalho no interior da em-presa, manutenção de estoque e centralização de tarefas – passando a vigorar o “toyotismo” - forma de trabalho descentralizada e horizontal, sem manutenção de estoque, com empregados funcionalmente universais, operações mais compactas, início de efetiva preocupação com a saúde do trabalhador - ou seja, começa a se observar o término da fase ”big is beautiful”, passando a prevalecer como uma tendência de mercado a fase “small is beautiful”. Essa técnica de produção, mi-nimizando custos, recebeu diferentes denominações pelo mundo, como “just in time”, “kaizan” e “kanbam” que sintetizam o projeto de melhoria contínua.

Então, como técnica produtiva, a terceirização não é um instituto do direito do trabalho e sim tema afeto a administração de empresas, que, contudo, possui imbricações e gera efeitos nas relações de emprego.

Nessa nova era, a empresa competitiva é aquela cujo produto final apresen-ta as seguintes características:

1) funcionalidade suprimindo a necessidade a ser atendida;2) qualidade comparativa em relação aos produtos concorrentes; 3) um preço tal que o cliente esteja disposto a pagar. (final das reservas de

mercado, a nacionalidade do produto, importando o atendimento dos pontos acima). As empresas sofrem, portanto, de um modo geral, um impacto tecnológico

e se deparam com o acirramento da competitividade do mercado hoje global, transformando suas realidades, restando apagadas inúmeras formas de proces-sos produtivos. Nasce desse contexto, a idéia da terceirização, palavra que tem sua origem na ciência da administração de empresas, e assim foi chamada pela

1 Doutor, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor convidado da Fundação Getúlio Vargas (GVLAW) no curso de especialização em Direito Empresarial do Trabalho e da do curso de pós-graduação em direito e processo do trabalho da PUC-SP (COGEAE). Conselheiro da Associação dos Ad-vogados de São Paulo (AASP). Eleito para ocupar a cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, palestrante e autor de livros e artigos jurídicos.

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transferência de parte da execução de serviços – que em regra não é inerente ao núcleo de trabalho da empresa - permitindo assim a centralização das forças em-presariais na efetiva atividade preponderante por ela desenvolvida. contudo, não trouxe em seu bojo a solução plena para as necessidades econômicas e sociais das empresas, carregando consigo alguns inconvenientes naturais, e entre eles, as intermináveis demandas trabalhistas, que nesse escopo da terceirização, tiveram seu crescimento desde 1994 em mais de 90% (noventa por cento).

referida forma de transferência de serviços teve sua efetiva inserção na legislação nacional, e primeiramente de forma isolada na esfera pública, através do decreto lei 200/67 (cunho administrativo), em especial o seu artigo 10º e a lei 5645/70, previsões que nas palavras do ilustre Professor Godinho “eram uma indução legal à terceirização das atividades meramente executivas, e opera-cionais na administração pública”. Observe-se que o parágrafo 7º, do artigo 10º do decreto lei 200/67 dita:

“Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, co-ordenação, supervisão e controle com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a admi-nistração procurará desobrigar-se da realização material de ta-refas executivas, recorrendo, sempre que possível, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempe-nhar os encargos de execução”.

Referido decreto, contudo, não revelou a extensão da terceirização auto-rizada pela administração pública, ou seja, qual o grupo ou tarefas, atividades e funções que poderiam ser desenvolvidas de tal forma, relatando apenas em seu texto a vaga expressão “tarefas executivas”. De forma diversa, a lei 5645/70 dando maior extensão às hipóteses de terceirização, exemplificou de forma ex-pressa, algumas hipóteses possíveis de terceirização em seu artigo 3º, que dita:

“As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, opera-ção de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato” (observe-se que são todas atividades de apoio, atividades instrumentais, atividades – meio).

No campo privado, apenas em 1974, com a lei do trabalho temporário (lei 6019/74) – que permite a terceirização por tempo limitado - bem como já na década de 1980, com a edição da lei 7.102/83 foi introduzida de forma defi-nitiva na legislação privada a terceirização com o trabalho terceirizado do vigi-lante bancário (permitindo a continuidade da contratação terceirizada), alterada posteriormente pela lei 8.863/94 que estendeu a possibilidade de terceirização a vigilância patrimonial de qualquer instituição de estabelecimento público ou

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privado, segurança de pessoas físicas, e transporte de qualquer tipo de carga, alterando a lei 7102/83 nesse aspecto.

Após isso, temos a lei 8036/90, que tentou reunir numa mesma fórmula conceitual o terceiro, empregado e o empregador através de uma relação trilate-ral, ou seja, considerando de certa forma a terceirização, conforme se observa no seu artigo 15º, parágrafo 1º, quando a lei utiliza a denominação “empregador”, porém não se vale da denominação “empregado”, e sim, trabalhador, o que por si já demonstra a dificuldade de absorção pelo próprio ordenamento jurídico da figura do prestador de serviço terceirizado.

Contrário ao leque de opções de terceirização dada à administração pública pelo decreto lei 200/67 e 5645/70, e já com um certo progresso, o TST – Tribunal Superior do Trabalho - editou em 1986 o Enunciado de n. 256 (forma de fixação pelo TST de uma corrente de jurisprudência), revisto em dezembro de 1993 pelo Enuncia-do 331, que permitia apenas a terceirização de serviços temporários e de vigilância.

Após tal fato, em 1988 observamos a previsão constitucional (artigo 37,II parágrafo 2º) impedindo a admissão por entes estatais de trabalhadores sem a realização de concursos públicos, tornando referido Enunciado impróprio quanto as empresas públicas, forçando o TsT a revisitar o então Enunciado, hoje súmula.

Hoje, verificamos a seguinte redação sumular:

Enunciado 331:“I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo o caso de trabalhador temporário”.II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa in-terposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da adminis-tração pública direta, indireta ou fundacional (artigo 37, II da CF).III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei 7.102/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade–meio do to-mador, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta”.IV – o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do to-mador de serviços quanto aquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das funda-ções públicas, das empresas públicas, e das sociedades de eco-nomia mista, desde que hajam participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

O texto da Súmula respondeu a algumas das críticas que lhe eram reserva-das, somando as hipóteses das leis 200/67 e 5645/70 (conservação e limpeza e atividades – meio), até então só permitida para o trabalho temporário e de vigi-

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lância, bem como acolheu a vedação constitucional de contratação de servidores sem a formalidade do concurso público.

A “Empresa interposta”, nos termos do Inciso I da Súmula acima desta-cada, diz respeito aquela empresa inserida na cadeia produtiva apenas e exclu-sivamente para desvirtuar a relação direta existente. Noutras palavras, a relação é direta entre o terceiro e o tomador, contudo há uma empresa interposta com o objetivo de desvirtuar a relação direta, seja para obtenção de economia, seja para suprimir direitos, seja para afastar a aplicabilidade e reconhecimento de uma categoria com maiores vantagens.

o item II da súmula, na nossa ótica, e com todo respeito, criou uma corti-na de fumaça de proteção ao Estado em detrimento dos direitos do empregado, pois ao tempo que parece respeitar a constituição federal, desprestigia de forma injustificada os direitos e garantias fundamentais e os direitos sociais presentes na constituição ao realizar um juízo de preponderância de forma apriorística, quando na verdade, deveria ser realizado apenas no caso concreto.

Tal fato é destacado, pois não são poucos os administradores governamen-tais que contratam sabendo que não podem contratar, sabendo que estão contra-tando empregados, contudo, por força dessa interpretação equivocada, acabam por se esconder das obrigações de uma relação de emprego apenas e tão somente em razão de ser o estado o contratante, deixando o trabalhador sem os direitos elementares garantidos pelo texto constitucional.

Apesar da ausência de poder vinculante, A súmula do TsT tentou esclare-cer o efetivo contraponto entre terceirização lícita e ilícita, que parece ser (segun-do o TsT) permitida, portanto lícita, em quatro situações, quais sejam: contrato temporário, contrato de serviços de vigilância, contratos de conservação e limpe-za e serviços especializados ligados à atividade meio da empresa.

Concluiu-se com isso, que à terceirização das atividades elencadas na Sú-mula seriam reconhecidas como lícitas, porém tal fato não excluiria a responsa-bilidade do tomador de serviços por eventuais encargos trabalhistas devidos ao empregado pela empresa contratada (inciso IV do Enunciado 331 do TST) para efetuar a prestação dos serviços.

Com o ingresso da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência depois de 120 dias de sua publicação (art. 6º), realizada em 14.07.2017, a terceiri-zação novamente sofreu alterações, seja pela própria alteração da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como das leis Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, sob o fundamento de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Admitiu-se de forma diversa das linhas traçadas pelo próprio TST, a trans-ferência pela contratante (tomadora) da execução de todas e quaisquer de suas atividades desenvolvidas, inclusive a dita principal, à pessoa jurídica de direito

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privado prestadora de serviços, superando a distinção vinculada a atividade meio e atividade fim do item III da Súmula do TST.

Ponto relevante diz respeito ao fato de que a possibilidade de terceirizar toda e qualquer atividade encontra barreira intransponível de licitude na hipótese em que tenha sido desempenhada a terceirização apenas e tão somente para afastar eventual relação de emprego entre tomador e prestadores de serviços, por força da aplicação do artigo 9º da CLT. Noutras palavras, a terceirização deve significar em seus estritos termos terceirização de serviços e não interposição de mão de obra para exploração de qualquer trabalhador, daí a necessidade constante no artigo 5 -B da lei 6.019/74, com redação nova da lei 13.429/2017 em exigir a especificação do serviço a ser prestado.

Observe-se a necessidade da empresa prestadora de serviços possuir ca-pacidade econômica (artigo 4-A da lei 6.019/74) e deve ser pessoa jurídica de direito privado, afastando-se outras formas de constituição empresarial para a hipótese. Deve remunerar e dirigir o trabalho dos seus trabalhadores (leia-se em-pregados) por força de lei, com exigências para o funcionamento de igual forma constantes em lei, e com igualdade de tratamento de seus empregados aos em-pregados da tomadora quanto o serviço for prestado na sede da tomadora, como identidade de alimentação, atendimento médico, transporte, atendimento médico e treinamento se necessário, além de instalações sanitárias, de medidas de prote-ção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço. A equivalência salarial depende de acordo entre prestadora e tomadora.

O Supremo Tribunal Federal fixou em tese de repercussão geral: “O ina-dimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não trans-fere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93” (Pleno, RE 760.931/DF, DJe 02.05.2017).

Em decisão posterior, avaliando expressamente os termos da novel legislação trabalhista, o Supremo Tribunal Federal (ADPF 324 E RE 958.252) em agosto de 2018, por maioria, decidiu expressamente pela possibilidade ampla, ou seja, asse-verou que toda empresa por terceirizar sua atividade meio e sua atividade dita fim.

os fundamentos dos votos foram amplos e em diversas direções, podendo ser apresentado os seguintes pontos como destaque:

1) a ausência de comprovação de que a terceirização é fator precarizante do trabalho;

2) a necessidade de se assegurar a livre iniciativa e a livre concorrência; 3) A Constituição Federal não impõe a adoção de um modelo específico de

produção. A Constituição Federal não veda a terceirização; 4) a anterior ausência de norma que proíba a terceirização em qualquer dos

seus limites, e agora, a existência de uma norma que permita a terceirização sem qualquer limite.

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Além dos fundamentos, importante destacar que a decisão possui efeito imediato e erga omnes, valendo para toda sociedade.

o efeito da decisão pode ser objeto de críticas, contudo, não pode ser igno-rado ou desobedecido pela sociedade ou pelos magistrados. oportuno destacar, que apenas e tão somente observada alguma fraude poderá existir a descaracteri-zação da terceirização, com o reconhecimento da relação de emprego direto entre tomador e prestador na forma do artigo 9º da CLT que dita:

“art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos pre-ceitos contidos na presente Consolidação”.

concLUsÃo

Observa-se então, que o tema terceirização não é novidade na seara do direito do trabalho, tendo sido objeto de inúmeras discussões doutrinárias, le-gislativas e no próprio escopo da concretude, em casos concretos submetidos ao judiciário, condições geradoras de suas atuais definições. Ao longo desses debates, dados foram levantados, avanços nas formas das relações de trabalho se apresentaram, campos profissionais representativos acabaram por demonstrar esse fenômeno como precarizador das relações de emprego; e de outro lado, a singularidade de certas formas de prestação de serviço e a elevada tecnicidade exigem em certos modelos de trabalho a terceirização sob pena de inviabilizar o negócio.

Não há uma verdade única quanto a terceirização e seus desdobramen-tos, mas parece haver uma única verdade latente no nosso sentir: A terceirização não poderia ser tratada de forma idêntica para todas as formas de prestação de serviço. Isso é um fato que parece ser inafastável. Uma decisão ou uma lei que exija num momento histórico como o atual de reinvenção histórica das formas de trabalho um único tratamento, ao tentar tratar de forma igual a todos, tratará a todos sem isonomia.

Alguém sempre será prejudicado!

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da Precariedade À dignidade: Primeiras LinHas de

interPretaÇÃo constitUcionaL Para Um noVo regime de terceiriZaÇÃo

Cyntia Santos Ruiz Braga1

1. introdução: a marginalidade na fragmentação de responsabilidades e riscos

Quando se reflete sobre terceirização, indaga-se a trajetória da atividade econômica, sobre quais necessidades sociais urgiram para justificar que o traba-lhador deixasse de ser um empregado direto, para ser um empregado de uma em-presa terceira, ou seja, fora da estrutura econômica e contratual daquela empresa que continua sendo a principal consumidora de bens e serviços e, que, muitas vezes, é a única que detém a informação de um plano estratégico de crescimento, um mapeamento de riscos físicos, econômicos e jurídicos.

sobre a trajetória, é fato que a teoria desenvolvida por Allan Fisher, colin Clark e Jean Fourasti que divide a atividade econômica em três setores (DELAU-NAY, 1992), o primário (extração de matérias-primas), o secundário (indústria) e o terciário (serviços) foi radicalmente modificada pelo entrelaçamento destes setores, pois as atividades industriais se mesclaram intimamente com atividades de serviços, promovendo novas alianças estratégicas que culminaram na terceirização.

Pode-se dizer que a terceirização foi necessária para que empresas de seto-res diversos, pudessem, cada uma, realizar serviços ou produzir bens específicos, de acordo com sua estratégia e especialidade de negócio, visando competitivida-de da indústria moderna, garantindo a capacidade de formar articulações eficien-tes com o setor de produtos ou serviços especializados (AMADO, 2010).

No entanto, quando analisamos as cadeias produtivas globais e a intensidade sobre a utilização da terceirização que elas promoveram2, verificamos que, indepen-dentemente de a terceirização ser uma forma de contrato ou uma maneira de organi-zação de negócios, o trabalhador não é visto como capital ou lucro, mas como custo.1 Mestranda em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp). Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa “O trabalho além do direito do trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral”, da Faculdade de Direito da Univer-sidade de São Paulo (FDUSP). E-mail: [email protected] No entendimento da Fecomércio –SP: “A Federação observa que a terceirização faz parte da organização produtiva das companhias há muito tempo e que a atividade se inten-sificou com a abertura da economia e a maior inserção das empresas brasileiras nas cadeias produtivas globais”. (FECOMERCIO-SP, 2017).

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ora, sendo custo, automaticamente, tudo o que o trabalhador representa, ou seja, todos os direitos que o mesmo detém, são outorgados a outra empresa, distinguindo-se o bônus do trabalho do ônus denominado trabalhador. Nessa linha, afirma-se que “[...] a terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação jus trabalhista que lhe seria correspondente” (DELGADO, 2011, p. 426).

Prosseguindo nesse raciocínio, torna-se pueril qualquer discurso no sentido de que o crescimento da capacidade de competitividade mediante flexibilidade foi acom-panhado de sustentabilidade e proteção, independentemente do vínculo empregatício.

Na verdade, na cisão do conhecido sistema industrial e diante do plura-lizado e flexível sistema de produção terceirizado, as normas de segurança do trabalho escapam ao controle público nas formas de trabalho descentralizados.

À luz da primazia da realidade, os custos, por desconsiderá-los ou suspen-dê-los, são transferidos aos próprios trabalhadores terceirizados, na medida em que muitos são os que trabalham empregando a própria força de trabalho ou de um grupo de ex trabalhadores da tomadora/contratante que se tornam sócios e constituem a nova empresa terceirizada, a qual assume riscos sem os dominar, sejam eles financei-ros ou os que atentam contra a própria saúde dos que executam a atividade laboral.

Em um momento que é caracterizado pelo tempo da técnica e das tecnologias; da reinvenção dos métodos, da simplificação do complexo e da complexificação do simples (FELICIANO, 2017), aquela empresa que antes era única, hoje está fragmen-tada em diversas empresas terceirizadas e quarteirizadas, as quais empregam inúme-ros trabalhadores que perderam a noção do que produzem (alienação), qual categoria profissional pertencem (desregulamentação) e quais riscos ocupacionais serão inten-sificados pela ausência de prevenção e precaução (poluição labor ambiental).

se antes, o cNAE (código Nacional de Atividade Econômica) constante no contrato social do empregador, permitia identificar a categoria profissional do trabalhador e associar quais doenças eram mais comuns naquele segmento, graças a um sistema informatizado com o antigo Ministério do Trabalho que cruzava com os dados de afastamentos e respectivos cID (código Internacional de Doenças), hoje, temos a terceirização excessiva da cadeia produtiva ou terceirização integral que culmina em atividades alienadas de significado e risco, assim como repetitivas quanto a manutenção de incertezas financeiras para o trabalhador.

No meio ambiente de trabalho terceirizado, a associação do empregado tercei-rizado com precariedade, fragilidade e vulnerabilidade à acidentes, conforme apon-tam as estatísticas (KOURY, 2018)3, provém da exclusiva necessidade mutante da

3 De fato, no Relatório 2012 da Estatística de Acidentes no Setor Elétrico (Disponível em http://www.funcoge.org.br/csst/relat2012/indexpt.html, acesso em 11.02.2014), elabora-do pela Fundação COGE6, restou constatado que o número de acidentes com empregados das terceirizadas é bem maior do que aquele registrado entre os empregados contratados diretamente pelas empresas do setor elétrico.

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atividade econômica da empresa, como expressão de sua livre iniciativa, adaptando-se o homem ao posto de trabalho disponibilizado e não o posto de trabalho ao homem.

Diante das consequências dos acidentes do trabalhador terceirizado, ques-tiona-se se existe a harmonização prevista no art. 170 da Constituição Federal do Brasil, entre a função social da empresa e a livre iniciativa, a fim de assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, garantindo a cidadania do trabalhador no ambiente laboral.

A terceirização pessoal ou de serviços, que pressupõe a utilização de pes-soal externo na estrutura organizacional da empresa-contratante, sob admissão e subordinação da empresa contratada, é fruto da fragmentação ou cisão, inclusive, da atividade principal, antes de propriedade da empresa tomadora/contratante.

Na reforma trabalhista, a terceirização pessoal alcançou a atividade-fim4, e tal como uma linha de produção, ocorre por parte do trabalhador, a perda a re-dução ou a ausência do controle sobre o próprio trabalho (alienação).

Fragmenta-se a atividade produtiva de tal forma a alienar-se o sujeito do sentido de seu trabalho porque a preocupação é com a possibilidade de se repetir ciclos de produção com eficiência (esforço repetitivo), ainda que, pela utiliza-ção de turnos de longa jornada, e pausas insuficientes para o descanso, intra e interjornadas (sobrecarga), numa situação de instabilidade contratual (incerteza), justamente porque a rotatividade de empregados terceirizados é muito superior ao de empregados não terceirizados .

A incerteza da duração do contrato de trabalho gera a ausência de inves-timento em treinamento, inclusive para fins de melhor capacitação visando a proteção da saúde do trabalhador.

O ambiente terceirizado é conhecido por sua precariedade porque o lucro é ob-tido entre o custo de produção (pessoas) e o preço cobrado pelo serviço. Nesta restrita margem, há menos investimento para métodos, treinamentos e técnicas de proteção.

Assim, o ambiente terceirizado é caracterizado pelo risco (seja ele proveito ou criado), na sua mais nova modalidade, ou seja, o risco não investigado, seja porque a empresa contratante é a única que domina o macro ambiente técnico (e a terceira executa exclusivamente a atividade especializada, numa esfera diminuta), seja por-que os riscos ocupacionais não são mensurados integralmente, sequer pela empresa tomadora que outorgou a outras o risco do negócio com a saúde humana.

Este cenário de inúmeros empregadores buscando o lucro que antes era de apenas uma única empresa, e ao mesmo tempo, disseminando riscos físicos, químicos e biológicos, sequer compreendidos pelo trabalhador, caracteriza a so-ciedade de risco lecionada por Beck:

4 Trouxe nova redação ao art. 4º-A da Lei 6.019/74.

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[...] desde a manutenção das instalações, até a proteção dos equi-pamentos, com a despadronização da jornada e do local de tra-balho faz-se a transição do sistema sócio industrial unificado de trabalho de jornada integral, vitalício, organizado de modo fabril e associado com a ameaçadora eminência de desemprego em direção a um sistema pontuado por riscos e descentralizado, de subempregos flexíveis e plurais, no qual já não existirá o proble-ma do desemprego (no sentido da falta de um posto de trabalho).[...] em contraste com todas as épocas anteriores (incluindo a sociedade industrial), marcada fundamentalmente por uma ca-rência: pela impossibilidade de imputar externamente as situ-ações de perigo. [...] a modernidade acabou assumindo também o papel de sua antagonista – da tradição a ser superada, da força da natureza a ser controlada. Ela é ameaça e promessa de isen-ção da ameaça a que ela mesma gera. (BECK, 2016, p. 275).

As características do ambiente e do trabalhador terceirizado, notadamente como fatores de contribuição para a intensificação dos acidentes de trabalho, são relacionadas com a forma como a terceirização se materializa no Brasil, especial-mente pelas Leis 13.429/2017 e 13.467/2017. Afinal, verifica-se que o trabalha-dor terceirizado se caracteriza por executar quaisquer atividades transferidas pela empresa tomadora/contratante, inclusive a atividade principal.

Segundo as referidas leis, o empregador do terceirizado deveria ser a pes-soa jurídica de direito privado com capacidade econômica compatível com a execução do serviço terceirizado. No entanto, a despeito do trabalhador terceiri-zado não receber o mesmo salário e não deter os mesmos direitos que o trabalha-dor registrado diretamente pela empresa tomadora/contratante para executar as mesmas atividades, é o recordista no ajuizamento de ações trabalhistas que têm, como principal pedido, a cobrança de verbas rescisórias inadimplidas. conjectu-ra-se se as empresas terceirizadas, de fato, são financeiramente idôneas.

Note-se que a economia da empresa terceirizada com a inobservância quanto a isonomia salarial ou quanto aos direitos típicos dos trabalhadores dire-tos da tomadora, resultado de um processo mundial de deterioração das condi-ções de trabalho5, não foram suficientes para viabilizar sequer o adimplemento contratual e rescisório de empregados terceirizados.

Via de regra, no caso brasileiro e, também, em estudos internacionais, para efeito de preservação da saúde, segurança e higiene, o trabalhador terceirizado se ca-

5 Pesquisas científicas no Japão permitem afirmar que trabalhadores não regulares ou temporários têm aumentado, e os trabalhadores regulares são persuadidos a aceitar condições de trabalho empobre-cidas/deterioradas sob pena de serem substituídos por estes trabalhadores não regulares ou temporários. Assim, o mercado de trabalho japonês tem sofrido diminuição quanto ao comprometimento com a duração do contrato de trabalho, cada vez mais temporário e flexível. (WATANABE, 2017).

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racteriza por não ter o mesmo padrão de instalação adequada a prestação de serviço, comparando-se ao trabalhador registrado diretamente pela contratante/tomadora6.

Seja quanto ao atendimento médico e ambulatorial, existente nas depen-dências da contratante, seja quanto ao treinamento adequado, fornecido pela con-tratada, quando a atividade o exigir, ou pelas mesmas condições sanitárias do contratante, ou pelas mesmas medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho, apenas serão as mesmas conferidas ao trabalhador registrado pela em-presa contratante, se existir uma das seguintes situações:

a) se houver disposição contratual; b) se o posto do trabalhador terceirizado estiver nas dependências da con-

tratante/tomadora ou; c) se a quantidade de trabalhadores terceirizados representar número igual

ou superior a 20% dos empregados da contratante. Pode-se dizer que o princípio da isonomia é facultado às empregadoras

(tomadora e terceirizada) e não ao empregado e, conclui-se que, a segurança, a higidez e a saúde não são sopesadas porque o meio ambiente terceirizado não é criado para o homem, mas para viabilizar um posto de trabalho. O emprego terceirizado não é criado sob o prisma de um emprego com capacidade de reali-zação financeira e de significado para o trabalhador, proporcionando uma saúde mental e física, mas para viabilização da atividade produtiva competitiva.

o trabalhador é adaptado à necessidade deste posto de trabalho especiali-zado, gerando uma incompatibilidade entre o respeito à integridade física e psi-6 several studies and reviews have found an association between precarious employment and adverse health outcomes, decreased job satisfaction and suboptimal psychosocial work environment (4-6). Temporary employees tend to have less education about the work place, more stressful/heavier work load, and a greater tendency to work when sick (5). Temporary employees are also likely to be repetitively new at their workplace (i.e., to have a short job tenure) which is a known risk factor for occupational injuries (7). Several reviews have been published regarding different dimensions of precarious employment and mainly self-reported health outcomes (5, 6, 8, 9). However, a systematic review of precarious employment and its association to a welldefined and objective outcome such as occupational injuries is highly relevant and lacking. (KORANYI I, 2018) – Tradução livre: Vários estudos e revisões encon-traram uma associação entre emprego precário e resultados adversos na saúde, diminuição da satisfação no trabalho e ambiente de trabalho psicossocial inadequado (4-6). Empregados temporários tendem a ter menos educação sobre o local de trabalho, carga de trabalho mais estressante / mais pesada e uma maior tendência para trabalharem quando estão doentes (5). Empregados temporários também tendem a ser repetitivamente novos em seu local de traba-lho (ou seja, ter um mandato curto), que é um fator de risco conhecido para lesões ocupacio-nais (7). Várias revisões foram publicadas sobre diferentes dimensões do emprego precário e, principalmente, sobre os resultados de saúde auto referidos (5, 6, 8, 9). No entanto, uma revisão sistemática de emprego precário e sua associação a um resultado bem definido e ob-jetivo, lesões é altamente relevante e inexistente.

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cológica do homem, como extensão da personalidade, em nome da manutenção da atividade econômica.

Nesse sentido, Maeno et al. (2006, p. 03):

A alta prevalência das LER/Dort tem sido explicada por trans-formações do trabalho e das empresas, cuja organização tem se caracterizado pelo estabelecimento de metas e produtividade, considerando suas necessidades, particularmente de qualidade dos produtos e serviços e aumento da competitividade de mer-cado, sem levar em conta os trabalhadores e seus limites físicos e psicossociais. (MAENo et al., 2006, p. 03).

A ausência de limitações de ordem formal e material (FELICIANO, 2007), na terceirização, tal como viabilizada pela reforma trabalhista, privilegia a livre iniciativa, a negociação individualizada e flexível do trabalhador, retornando a nefasta figura do “marchandage” (mercancia de trabalho humano).

Os reflexos quanto aos direitos previdenciários acidentários são irrefutá-veis devido aos altos índices de subnotificação7, a dificuldade de estabeleci-mento de nexo entre a atividade do terceirizado e sua relação com a doença do trabalhador, assim como a própria não utilização dos benefícios previdenciários seja pela rotatividade que impede a condição de segurado, seja porque nem mes-mo a estabilidade previdenciária é estabelecida a ponto de conferir ao trabalha-dor uma estabilidade pós identificação de doenças ocupacionais.

Em razão da maior ofensa ao art.169 da CLT, a empresa que “aluga a mão de obra terceirizada”, desconhece a relação entre a doença do trabalho ou doença profissional e o trabalho. Muitas vezes por deter um CNAE muito diverso do que tem sido apurado pelo Ministério da Previdência Social, no que tange ao nexo epidemiológico, inexiste a presunção de nexo entre a atividade desempenhada com o trabalho terceirizado.

A inversão do ônus da prova ou presunção pró trabalhador é inaplicável, mais uma vez, porque o CNAE da empresa prestadora não reflete os riscos apon-tados pelo CNAE da empresa contratante/tomadora e, com isso, o NTEP não permite a inversão do ônus da prova (art. 21-A, parágrafo 2º. Da Lei 8213/91) relacionando o CID da doença do trabalhador e o trabalho executado.7 conforme informações do boletim que comparou dados de acidentes do trabalho ocor-ridos em 2013 e, teve como objetivo, auxiliar o leitor e usuário a compreender a fragilidade do atual modelo de notificações - utilizando, para isso, duas fontes: a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE e o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), do Ministério da Previdência - um dos maiores problemas enfrentados de acordo com a análise dos técnicos é a subnotificação de acidentes no trabalho que, por sua vez, expõe a fragilidade no processo de notificações. Outro problema apontado no boletim é a disparidade de resultados existente entre os estados, considerando que as regiões Sudeste e Sul apresentam resultados significativamen-te melhores que os apresentados pelos estados Norte e Nordeste. (MAIA, SAITO, et al., 2015).

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Logo, as estabilidades não são caracterizadas conforme o art. 118 da Lei 8.213/91 e, posteriormente, postos de trabalho não são exigidos para readaptar estes trabalhadores sequelados. Estes não fazem partes de quotas e são refugados pela empresa contratante que feriu sua integridade física.

Estamos diante dos que estão, com suas respectivas famílias, à margem dos benefícios previdenciários (aposentadoria por invalidez, auxílio acidente, auxílio doença previdenciário, pensão por morte) e que terão imensa dificuldade para so-breviver no mercado de trabalho devido a perda da condição de segurado, descuido e inadimplemento das contribuições previdenciárias e seus infortúnios do trabalho.

A empregabilidade destes trabalhadores terceirizados doentes ou aciden-tados é, também dificultada, porque não são aprovados em exames admissionais posteriores à identificação de suas lesões.

Ademais, o trabalhador terceirizado sofre com o inadimplemento de recolhi-mentos fundiários, previdenciários e descoberto de um acompanhamento médico ocupacional assertivo, e compõe o índice de autores de reclamações trabalhistas que tutelam verbas rescisórias, dano moral, perda de uma chance, pensionamento material, dano estético, estabilidades, além de serem excluídos de tratamentos mé-dicos custeados pelas empresas terceirizadas e contratantes (tomadoras).

A economia de uma empresa que justificou a terceirização no inicio da formação do contrato de trabalho, é sufragada pela solidarização dos prejuízos para a sociedade. Afinal, não apenas a terceirizada assume a responsabilidade do pagamento destes danos, como a contratante, e a própria sociedade, com o aumento da utilização do serviço de saúde pública.

A terceirização é um mecanismo administrativo que responde aos anseios das empresas, especialmente, quando buscam novas formas de competitividade e gestão frente a crise produtiva e econômica brasileira.

Todavia, em contrapartida, a descentralização produtiva e a flexibilização das relações trabalhistas geram diversos prejuízos sociais.

O trabalhador acidentado na terceirização não está só. A família do trabalhador sequeleado terceirizado, notadamente quando se trata do arrimo de família ou de pai de família, encontra-se também na miserabilidade e na ausência de assistência social.

A crise financeira assola estas famílias que, por vezes, desenvolvem estra-tégias de sustento e sobrevivência através de ilegalidades. o Estado nega prote-ção com a frágil e precária responsabilização empresarial do trabalhador tercei-rizado, e a sociedade paga este preço, através do aumento de ilegalidades como estratégias de sobrevivência, da ausência de recolhimento de impostos, além da sobrecarga do serviço público, notadamente de saúde.

A doutrina se preocupa com as responsabilidades pelas consequências da terceirização:

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Quando o empresário transfere a terceiros a execução de parte da sua atividade, deve atuar com bastante diligência, escolhendo criteriosamente empresas que tenham capacidade técnica, eco-nômica e financeira para arcar com os riscos do empreendimen-to, sob pena de ficar caracterizada a culpa “in contraendo” ou culpa “in eligendo”. Deve também, fiscalizar com rigor o cum-primento do contrato de prestação de serviços e a observância dos direitos trabalhistas dos empregados da contratada, especial-mente o cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, para não ver caracterizada, por sua omissão, a culpa “in vigilando”. (OLIVEIRA, 2008, p.398).

Diversas são as dicotomias do ambiente de trabalho terceirizado, onde en-contramos: o maior déficit econômico (remuneratório) e a menor efetividade de proteção legal (flexibilização = desregulamentação legal); a maior jornada e os menores descansos anuais (férias), semanais (dois empregos) e diários (horas extras); a maior produção (ser produtivo por repetição) e o menor sentido (frag-mentação identitária coletiva e imprevisibilidade de carreira individual); o menor custo à empresa (baixos salários para a terceirizada, baixos investimentos para tomadora) e o maior custo à sociedade devido a quantidade de acidentes e mortes que promovem aumento do custo previdenciário através de pensionamentos e aumento do custo saúde através de tratamentos e medicamentos da rede pública.

Não é mistério concluir que o trabalhador terceirizado é o mais excluído do trabalho decente é o mais incluído no trabalho precário, comparado ao traba-lhador não terceirizado.

O cenário é da marginalidade avançada, pois:

Hoje, os trabalhadores – especialmente os terceirizados – vagam no espaço e no tempo. Vão e voltam passando do emprego ao de-semprego, ao subemprego e a um novo emprego, numa relação de permanente curto-circuito. É difícil identificá-los e reuni-los, pois o sindicato não tem a mesma plasticidade (VIANA, 2004, p. 228).

A precarização ocorre porque o processo de terceirização amplifica e ins-titucionaliza a instabilidade e a insegurança promovendo, de um lado, as sub-contratações de trabalhadores e, de outro lado, o recuo estatal da regulação do mercado de trabalho e da proteção social.

A fragmentação, segmentação dos trabalhadores, heterogeneidade, individua-lização, fragilização do coletivo, informalização do trabalho, crise sindical, a ideia de perda de direitos, a degradação das condições de saúde e de trabalho, conformam as características da precarização (THEBAUD-MONY & DRUCK, 2007, p.30).

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2. O primeiro combate à precariedade e a valorização do princípio da isonomia (proteção material)

No Estado Democrático de Direito, a cidadania, a dignidade da pessoa hu-mana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa não se coadunam com a existência de acidentes, muito menos, com as fragilidades e riscos intensificados com a economia operacional do sistema de terceirização.

Dentro de uma proibição legal e constitucional de retrocesso social, a inte-gridade física, a segurança do trabalhador no ambiente de trabalho terceirizado, é um direito do trabalhador cidadão, que não poderia ser marginalizado, o que é defendido internacionalmente:

[...] com a Saúde Ocupacional pela OIT/OMS, ao usar termos como prevenção, proteção, riscos, adaptação, visando a intervir na saú-de dos trabalhadores. E, o paradigma da causalidade dos agravos à saúde dá-se pela precedência das condições de trabalho, numa visão a-histórica e descontextualizada das relações econômicas, po-lítico-ideológicas e sociais que influem nos nexos entre trabalho e saúde-doença. [...] dentro de uma abordagem das relações trabalho saúde-doença da ideia cartesiana do corpo como máquina, o qual expõe-se a agentes/fatores de risco [...] conforme características empiricamente detectáveis, mediante instrumentos das ciências fí-sicas e biológicas (LACAZ, 2007, p. 03).

A fim de equilibrar a relação patológica que se estabeleceu, resolvendo a dificuldade de aplicação de nexo técnico entre a doença e o labor terceirizado, diante da falta de informação quanto aos riscos, a ausência de treinamento efi-ciente para proteção da integridade física e mental, tornando o ambiente laboral terceirizado o mais suscetível à acidentes e doenças, nada mais coerente que a caracterização da responsabilização pela tese da responsabilidade objetiva e soli-dária quando se está diante do trabalhador terceirizado sequelado.

Consequentemente, aplica-se a inversão do ônus da prova para que o em-pregador comprove o que fez a fim de resguardar a inviolabilidade da integridade física e mental do trabalhador.

O Código Civil reserva os artigos 927, 932 e 942 para regular o tema. O caput do artigo 942 determina a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorrem para o ato ilícito que causa danos à vítima, e o seu parágrafo único deixa claro que a aludida responsabilidade solidária abrange todas as pessoas designadas no artigo 932, inclusive o empregador ou comitente em relação ao seu preposto.

A legislação celetista consolidada já regulava esse tema, através do seu artigo 455. Não se trata de matéria estranha, mas de aplicação dos art. 7º, caput e incisos xxII e xxIII e art. 1º, inciso III, da CF/88.

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Cita-se, ainda, os artigos 16 da Lei 6019/74, art. 8º da Lei 12.023/2009 e o art. 8º da Convenção 167 da OIT.

Em relação às Normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria 3.214/1978), releva-se que o princípio de isonômica prote-ção de saúde dos trabalhadores terceirizados e regulares é garantido pelas NR-4 (item 4.5), NR-5 (item 5.46 e 5.50), NR-9 (item 9.6.1), NR-10 (item 10.13.1 e 10.13.2), NR-32 e NR-33.

Fato é que, não importando o tipo de vínculo, o trabalhador terá no eventual pedido de reparação por ato ilícito, um cunho eminentemente civilista (artigo 950 do código civil), não se tratando a hipótese do descumprimento direto do contrato de trabalho pelo empregador ou pelo tomador dos serviços, ou mesmo de respon-sabilidade subjetiva frente à terceirização, mas de dano identificado na saúde do trabalhador, lesão corporal ou perturbação funcional que lhe causou morte, perda ou redução, permanente ou temporária, parcial ou total para a capacidade do trabalho.

Diante do exposto, a responsabilidade objetiva e solidária retira da socie-dade o ônus dos acidentes de trabalho, promovidos pelo bônus de economia das empresas que diminuíram seu custo operacional, se beneficiando financeiramen-te em detrimento da saúde de trabalhadores terceirizados.

Em um cenário de retrocesso legal, fomentada por paradigmas liberais, forçoso é concluir que:

[...] a dignidade possui uma dimensão dúplice, que se manifesta enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, [...]. (SARLET, 2007, p. 376).

Em tempos de crise contra os direitos humanos e garantias mínimas de dignidade, poderíamos nos espelhar no artigo 1º da Lei Fundamental da Alema-nha, de 1949 que aduz que “a dignidade do homem é inviolável. respeitá-la e protegê-la é dever de todo o poder estatal”.

Nesse sentido, fazemos as seguintes proposições para eficácia deste respeito: a) Uma releitura do ordenamento jurídico brasileiro quanto a forma de

reconhecer a solidariedade de todas as empresas envolvidas na cadeia produtiva, ao invés da subsidiariedade;

b) Alterar a responsabilização subjetiva para a responsabilização objetiva a fim de lograr maior proteção à saúde do trabalhador e seu meio ambiente;

c) Equilibrar o princípio da dignidade humana e do valor social do trabalho e da função social da propriedade, com a redução dos riscos inerentes ao trabalho para promo-ver o meio ambiente de trabalho equilibrado e humanizado (Art. 225 e Art. 7º, xxII, CF);

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d) Promover a isonomia obrigatória entre o trabalhador terceirizado e o empregado efetivo, não apenas no refeitório ou no ambulatório, mas quanto ao meio ambiente saudável, seguro e higiênico, quanto ao valor econômico e social do trabalhador terceirizado. “A consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política.” (DWORKIN, 2005, p. Ix);

e) Ressignificar o valor do trabalho como garantia de uma democracia moderna conforme o art. 6 do Protocolo de San Salvador porque tratar a ativida-de laboral como mercadoria é desfiliar a classe trabalhadora de seu valor social (WACQUANT, 2008), permitindo o acúmulo social para uns, aumentando pri-vação econômica para outros (salários precários);

f) Legitimar o governo, de forma a demonstrar igual consideração pelo desti-no de todos os cidadãos sobre os quais afirma seu domínio e aos quais reivindica fi-delidade (DWORKIN, 2005), uma vez que os terceirizados são os novos excluídos, os que operam na periferia do mercado formal, são os expulsos do mercado proteti-vo de trabalho para o mercado flexibilizado, deixando o Estado de os representar; e

g) Promover a redução dos riscos ao invés da monetização e socialização das perdas em matéria de saúde ao trabalhador e meio ambiente seguro e hígido ao trabalhador.

3. O segundo combate à precariedade e a valorização do princípio da solidariedade (proteção material).

O desemprego estrutural, a privação social, os conflitos étnicos ou raciais aumentam num mundo globalizado que deixa de ser tão coeso, homogêneo, igua-litário, pacífico e, sobretudo, democrático (WACQUANT, 2017, p. 167).

Enquanto a desigualdade e a marginalidade avançam, as empresas frag-mentam seus ciclos produtivos, alteram-se as formas de subordinação, legiti-mam-se as flexibilizações jurídico-laborais que buscam reduzir o direito do tra-balho a uma abordagem contratual e patrimonialista, refugando ou olvidando o dado ambiental. Isola-se o homo laboris do seu contexto para erigir uma rede tuitiva8, frágil e ilusória.8 Conforme explica Chaves Júnior (2019), o princípio tuitivo em que o Direito do Trabalho se estrutura viabiliza uma hermenêutica que se conduz para diminuir no plano jurídico, o dese-quilíbrio inerente ao plano fático ou da realidade do contrato de trabalho, e por isso, possui três grandes dimensões interpretativas: norma mais favorável; condição mais benéfica e in dubio pro misero. Importante dizer que este princípio se manifesta em quase todos os demais princí-pios do Direito do Trabalho e por isso hoje se fala em “contrato hiper-realidade que pretende também desvelar a realidade potencializada na direção algorítmica e atualizada no trabalho concreto, configurando, assim uma perspectiva, não propriamente anti-contratualistsa, senão pós-contratualista da relação de emprego sob o impacto das novas tecnologias.”(Fonte: http://pepe-ponto-rede.blogspot.com/2019/04/contrato-hiper-realidade-e-direito-do.html).

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Ora, o meio ambiente terceirizado, estatisticamente, é mais precário, seja pela fragmentação/perda de informações quanto aos riscos químicos, físicos e biológi-cos9 colidindo com o princípio da informação, seja pela rotatividade elevada de tra-balhadores inviabilizando treinamentos e correções conforme programas de SST.10

A terceirização sofre, juridicamente, uma espécie de encarceramento por diferenciação11 porque se trata com mais tolerância (flexibilização) e descaso (negociado sobre o legislado) o meio ambiente do trabalho terceirizado, segundo as leis 13.467/2017 e 13.429/2017.

Releva-se que o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado não é privilégio dos trabalhadores celetistas que se vinculam ao empregador tomador. Trabalhadores terceirizados, autônomos, prepostos do empregador e sócios, tra-balhadores que partilhem o meio ambiente laboral também titularizam aquele di-reito, pela sua condição de ser humano, conforme o artigo 225, caput, da CF/88.

O art. 170 da Constituição Federal garante a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica brasileira, convergindo para a dignidade da pessoa humana (fundamentos da República Federativa do Brasil: artigo 1º, IV), assim não é mais o vínculo empregatício a relação jurídica de base que sustenta os interesses difusos ou coletivos12, mas o local de prestação de trabalho, nessa linha citamos o ponto 82, da “Comissão 6 Teletrabalho. Contrato de trabalho intermitente. Contrato de trabalho a tempo parcial. Terceirização.”, do Enunciado Aglutinado no 13, da 2ª Jor-nada de Direito Material e Processual do Trabalho, 9 e 10/10/2017, da ANAMATRA:

82. TERCEIRIZAÇÃO: MEIO AMBIENTE DO TRABALHO A responsabilidade solidária do contratante quanto à elabora-ção e implementação do programa de prevenção de riscos am-

9 Padovani descreve os serviços de limpeza e conservação como sendo um serviço básico realizado por empresas terceirizadas que utilizam de uma mão de obra precária e negligente no tocante a segurança e saúde dos trabalhadores. (PADOVANI, 2009).10 Como expõe Pelatieri e Marcolino et al (2018, p. 35): Segundo diversos estudos acadê-micos, os terceirizados ainda estão mais sujeitos a acidentes de trabalho que os não terceiri-zados (CUT, 2011; LAURENTYS, 2012; ARAÚJO JÚNIOR, 2014; AQUINO et al., 2016). Um incremento no número de terceirizados sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Instituto Nacional do seguro social (INss), pois a maioria desses trabalhadores não possui convênio médico. Em suma, a “fatura” da redução dos custos empresariais com a terceiriza-ção indiscriminada recai sobre o Estado e os trabalhadores.11 Como expõe Wacquant (2008), Claude Faugeron em seu livro “La derive pénale” (1995), estabelece uma distinção frutífera entre o que ele chama de “encarceramento de segu-rança”, que visa a impedir indivíduos considerados perigosos de causar danos; o “encarcera-mento de diferenciação”, destinado a excluir categorias sociais consideradas indesejáveis; e o “encarceramento de autoridade” cujo propósito é, principalmente, reafirmar as prerrogativas e os poderes do Estado. (WACQUANT, 2008, p. 95).12 Vide art. 81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.

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bientais, de acordo com o disposto na norma regulamentadora 9 (NR-9), independe da qualidade do vínculo de trabalho dos obreiros, decorrendo da simples presença de trabalhadores no local, visto que o meio ambiente e as questões de saúde e segu-rança no trabalho englobam todos os trabalhadores cujas ativi-dades laborais sejam prestadas em favor do mesmo tomador, de forma isonômica, sem qualquer distinção, independentemente do vínculo laboral. (ANAMATRA, 2018, p. 44).

Além disso, a aplicação do art. 225, parágrafo 3º, da CF c/c art. 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81 na interpretação sistemática do artigo 4º-C da Lei 6.019/74, com a redação dada pelo art. 2º da Lei 13.467/17, preconiza uma responsabilidade objetiva e solidária da contratante tomadora que independe de localidade, a proteção à saúde do trabalhador terceirizado sob pena de lhe ferir o princípio da isonomia.

Assim, os juízes, e todos os demais operadores da lei, sendo instrumentos não apenas de pacificação social, mas, numa visão radicalmente constitucional, instru-mentos jurisdicionais da vontade concreta do povo, numa acepção contemporânea, se destinam a atender, garantir e proteger a efetivação dos direitos sociais atingidos e demonstrados nos conflitos judiciais, seja de trabalhadores terceirizados ou não.

A vontade concreta do povo é, entre outras, sua subsistencia digna, e o processo judicial, promove este diálogo democrático que busca a primazia da realidade, identificação de suas lesões, aplicação de correções e distribuição de uma responsável cooperação, obtida além da mera interpretação literal e grama-tical, além da mera subsunção do fato concreto à norma.

os direitos sociais fundamentais precisam ser efetivamente protegidos, numa concepção de prestação jurisdicional razoável, pois o escopo primordial é salvaguardar direitos realizaveis no caso concreto e basilares da humanidade, entre eles, a saúde.

A saúde é um direito constitucional de maior e fundamental importância. Um direito a ser protegido para todos os trabalhadores, e uma obrigação para todas as empresas que dominam a gestão do negócio, não importando o tipo de vínculo, a forma de contrato, mas o grau de dependência e a relação de poder entre empresa e trabalhadores.

A qualidade de “direito” implica, em tese, a coexistência de um direito de agir (art. 75 do CC/16).

os operadores da lei, sejam eles advogados, procuradores, promotores ou juizes, não se limitam ao contraditório formal, mero contraditório processual, mas tem o poder de viabilizar adequadamente um contraditório substantivo, co-laborativo que pressupõe inteligência e criatividade para que a jurisdição signi-fique sensíveis avanços, não limitados a silogismos lógicos incapazes de influir nas necessidades do conflitos demonstrados mas, o de garantir sistemicamente e harmoniosamente, imperativos constitucionais e irrenunciáveis de proteção.

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Assim sendo, a tutela processual de segurança jurídica e de exequibilidade dos di-reitos, sempre deve permitir que a responsabilidade objetiva e solidária retire da sociedade o ônus dos acidentes de trabalho, promovidos pelas empresas que diminuíram seu custo operacional em detrimento da terceirização social da saúde de seus trabalhadores.

4. Conclusão: a terceirização que não socializa riscos, mas viabiliza meio ambiente equilibrado (proteção processual)

Richard Claude dizia que “[...] a efetividade ou proteção processual é ape-nas outro aspecto do conteúdo do Direito [...]” (CLAUDE, 1976, p. 39), o que significa dizer que o acesso à Justiça, sendo uma ferramenta de “proteção proces-sual” (sinônimo de acesso adequado à tutela jurisdicional mediante ações e re-médios legalmente predispostos) ― é o fator que assegura, para além das meras proclamações, a satisfação dos conteúdos valiosos imanentes aos demais direitos fundamentais (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 12-13).

Em um momento da história em que tudo é privatizado e, porque não dizer, mercadorizado, tem-se que verificar até que ponto a prestação jurisdicional é produto de submissão ou programa de compliance do poder legislativo e executi-vo, não importando o quanto contrariem princípios constitucionais fundamentais ou, um poder da sociedade que equilibra as diferentes esferas sociais, que exerci-ta uma espécie de controle de qualidade redacional e jurídica do parlamento com a constituição e tratados internacionais de direitos humanos.

se resta aos operadores da justiça que se amoldem a uma interpretação gramática-literal de leis, aprisionados por um sentimento de falsa segurança que permite que sejam amordaçados por um raciocínio conformativo da vontade dos poderes executivo e legislativo, ainda que galgando um déficit de efetividade dos direitos humanos sobretudo os de 2ª e 4ª geração, a robotização da justiça está a um pequeno passo de se concretizar.

ora, a dinâmica processual evoluiu com a concepção da cooperação de todos os envolvidos numa lide13, com a prestação jurisdicional que vai além de mera realização de pacificação social, numa visão radicalmente constitucional de instrumentalização jurisdicional da vontade concreta do povo e a partir de uma acepção contemporânea de atendimento à efetivação dos direitos fundamentais atingidos e demonstrados nos conflitos judiciais. Logo, não se pode retroceder.

Enquanto a cooperação ideal (material e processual) não ocorre, ao se al-mejar a garantia dos direitos fundamentais, a contratação terceirizada de traba-lhadores não pode ser chancelada judicialmente se não houver: 13 O Código de Processo Civil de 2015, através do art. 6º prevê que: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

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a) a efetiva transferência da execução de atividades para a empresa presta-dora de serviços, em consonância com o objeto contratual;

b) a execução autônoma da atividade pela empresa prestadora, nos limites do contrato de prestação de serviço;

c) a capacidade econômica da empresa prestadora, compatível com a execu-ção do contrato, sob pena de configurar uma intermediação ilícita prevista no art. 9º da CLT e a modificação do vínculo da terceirizada para tomadora do serviço.

É por objetivar-se a disponibilização dos meios jurídicos hábeis a obter do Estado-juiz um provimento de afirmação compatível com as pretensões in-justamente frustradas e exequível “sub imperii” (FELICIANO, 2008), que o esvaziamento estrutural verticalizado das empresas não pode ser aplicado irres-tritamente conforme o caput e parágrafo 1º do artigo 4º-A da Lei 6.019/1974 (que autorizam a transferência de quaisquer atividades empresariais, inclusive a atividade principal da tomadora, para empresa de prestação de serviços).

Na cisão do conhecido sistema industrial e, diante do pluralizado e flexível sis-tema, temos uma terceirização integral, de descentralização excessiva da cadeia produ-tiva que gera os subempregados caracterizados pela flexibilização de direitos em total retrocesso legislativo, pela manutenção de incertezas materiais/financeiras e pela pri-vatização dos riscos que o trabalho oferece à saúde física e psicológica do trabalhador.

A precariedade e marginalidade deste tipo de contrato é constatável pro-cessualmente e é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro (art. 7º, I, CF/88 e arts. 3º e 9º, CLT), pois implica na violação do princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 5º, § 2º; 6º; 170 e 193, todos da CF/88 e Constituição da OIT) (ANAMATRA, 2018, p. 42-48).

Citando Kant, cumpre-nos refletir o que queremos, pois:

[...] tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por outra qualquer coisa equi-valente; pelo contrário, o que está acima de todo o preço, e por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dig-nidade [...]. Esta apreciação dá, pois, a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a santidade (KANT, 1964, p. 98).14

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14 Grifos do original.

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disciPLina JUrÍdica traBaLHista contemPorÂnea da terceiriZaÇÃo:

reFLeXões PÓs-reForma traBaLHista e decisões do stF

Silvia Teixeira do Vale1

rodolfo Pamplona Filho2

Murilo c. s. oliveira3

1. introdução

O debate sobre o modo de organizar a atividade econômica sempre foi estrutural no Direito do Trabalho e envolto em controvérsias, notadamente pelo regime de responsabilidade e enquadramento sindical dos trabalhadores envol-vidos. A decisão empresarial de delegar atividades, serviços ou tarefas na sua cadeia produtiva - o que se tem denominado como terceirização – persiste como questão polêmica e insegura no âmbito jurídico constitucional trabalhista.

As Leis 13.429 e 13.467 de 2017 e as decisões do Supremo Tribunal Fede-ral (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 324/DF e no Recurso Extraordinário (RE) n. 958.252 indicaram o rumo da amplís-sima terceirização, contudo as controvérsias, polêmicas e dúvidas permanecem diante dos demais preceitos da ordem constitucional e seus princípios do valor social do trabalho, igualdade e não-retrocesso social.

Este texto propõe-se examinar os elementos e o suporte que caracterizam a ideia e os efeitos jurídicos da terceirização no Brasil, no recorte da extensão das atividades terceirizadas. Apresenta as inovações legislativas pertinentes sobre o objeto da terceirização e comenta criticamente as decisões do STF sobre a vali-dade da terceirização da atividade fim.

1 Mestra em Direito pela UFBA, Doutora em Direito do Trabalho pela Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo. Juíza do Trabalho da Quinta Região.2 Professor Titular de Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador – UNI-FACS e Professor Associado III da Universidade Federal da Bahia. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro e Presi-dente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Juiz do Trabalho da Quinta Região.3 Professor Adjunto da UFBA em Direito e Processo do Trabalho, Especialista e Mestre em Direito pela UFBA, Doutor em Direito pela UFPR, Membro do Instituto Baiano de Di-reito do Trabalho – IBDT. Juiz do Trabalho na Bahia.

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2. aspectos conceituais e conjunturais sobre a terceirização

O entendimento da terceirização acopla-se à compreensão das mudanças no mundo do trabalho, que podem ser resumidas na ideia de pós-fordismo4. o cerne desta conjuntura de mudanças nas relações de trabalho corresponde a uma diminuição intensa do caráter protetivo do Direito do Trabalho e suas regras imperativas. Defende-se que o pós-fordismo forja um forte ataque ao contrato de trabalho em três sentidos (OLIVEIRA, 2009, p. 43): no interno, exigindo a flexibilização dos direitos e garantias dos empregados; no externo, retirando a proteção ou regulamentação da relação de trabalho, por meio da precarização; no misto, expulsando seus trabalhadores do quadro da empresa para relocá-los em empresas prestadoras de serviço, mediante a terceirização.

A terceira estratégia de enfraquecimento do contrato de trabalho, recor-rentemente designada como terceirização, é muito priorizada pelo toyotismo e se fundamenta em argumentos de ordem técnica que sustentam uma maior e melhor produtividade, a partir desta forma organizativa da produção. Alega-se que a transferência de funções e atividades não relacionadas com a atividade-fim (denominadas de atividades-meio) resulta em melhor qualidade, porque esta atividade será delegada a uma empresa terceirizada tecnicamente especializada para a função e, consequentemente, importará em maior produtividade, eis que a empresa que terceiriza concentrará suas energias na atividade-fim.

Há, ainda, a vantagem de que uma empresa pequena, como são normalmente as prestadoras de serviços, pode controlar e fiscalizar mais intensamente seus traba-lhadores, reduzindo os custos. Argumenta-se que, com a terceirização, há diminui-ção de custos e, em decorrência, diminuição dos preços, favorecendo o consumo.

Nesses termos, a terceirização5 caracteriza-se pela presença de um in-termediário entre o trabalhador e a empresa que usufrui dos serviços deste6.

4 Por pós-fordismo entende-se o padrão produtivo flexível, descentralizado e cooptador, bem ilustrado no modelo de trabalho da Toyota.5 Rodrigues Pinto apresenta uma apropriada crítica ao vocábulo: “O neologismo, embora tenha sido aceito com foros de irreversível, não expressa, por via de nenhuma das derivações, a idéia que pretende passar, ou porque a empresa prestadora de serviço não é um terceiro e sim parceiro, no sentido de contratante direto com a empresa tomadora, nem os empregados de cada uma são terceiros perante elas, ou porque a atividade de apoio não é obrigatoriamente terciária, podendo ser secundária ou até mesmo primária” (PINTO, 1997, p. 143).6 Valentin Carrion expressa, nestes termos, o conceito: A terceirização é o ato pelo qual a empresa produtora, mediante contrato, entrega a outra empresa certa tarefa (atividades ou serviços não incluídos nos seus fins sociais) para que esta a realize habitualmente com em-pregados desta; transporte, limpeza e restaurante são exemplos típicos. Quando não fraudu-lenta é manifestação de modernas técnicas competitivas (CARRION, 2004, p. 295). Já para Rodrigues Pinto, a terceirização é um contrato de prestação de serviços de apoio empresarial,

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Arion Romita anota que se trata de “vocábulo não dicionarizado, neologismo bem formado, portanto aceitável, construído a partir de terciário, forma erudita, equivalente à popular terceiro” (ROMITA, 1992, p. 57).

É corrente na doutrina a conceituação de terceirização como “transferên-cia de segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém de maior especialização na atividade transferida” (PINTO; PAMPLONA, 2000, p. 500). Do ponto de vista dogmático, trata-se, porém, de uma forma de intermediação de mão de obra, de grande utilização na sociedade contemporânea, consistente na contratação por determinada empresa, de serviços de terceiros, para as suas atividades meio.

A terceirização, em verdade, se operacionaliza por meio de um contrato civil de prestação de serviços, constituindo-se, portanto, na utilização de um con-trato previsto no velho código civil baseado na autonomia individual da vontade - a igualdade das partes é um dogma básico do Direito Civil tradicional - na seara do direito individual do trabalho.

Constata-se, portanto, uma dissociação da figura do empregador, porque existe um que admite e assalaria e outro que dirige os serviços7.

Rodrigo Carelli explica que a terceirização não se coaduna com o forneci-mento de trabalhadores ou terceirização de mão de obra, mas citando a Ciência da Administração, define como “a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta ati-vidade terceirizada com sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal” (CARELLI, 2004, p. 44).

Evidencia-se que a terceirização compreende uma estratégia externalizan-te. com efeito, repassar para outro ente a responsabilidade pela prestação de um serviço é uma tentativa de, no plano da forma jurídica, tentar repassar a respon-sabilidade pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias dos seus trabalhadores. Da mesma forma, a terceirização possibilita um regime de diferenciação entre os empregados diretos e os terceirizados, confirmada pela distinta representação

um novo termo para o fenômeno: contrato de apoio empresarial ou contrato de atividade de apoio (1997, p. 144).7 É este o conceito de Maurício Godinho Delgado: “Para o Direito do Trabalho terceirização é fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a esse os laços trabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação de trabalho trilateral em face da con-tratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza as atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceiri-zante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora do serviço, que recebe a prestação do labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. (DELGADO, 2008, p. 407).

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sindical e, inclusive, com parâmetros salariais incompatíveis. Propicia, então, o surgimento de pequenas empresas ao redor da tomadora, normalmente sem idoneidade, incorrendo, geralmente, no inadimplemento dos créditos trabalhis-tas. Enfim, a terceirização garante o contínuo recebimento de força de trabalho, contudo sem os custos e a proteção da relação de emprego direta com o tomador.

Visando o máximo aproveitamento, esta reengenharia produtiva reduz não só o estoque de peças, mas também o estoque de trabalhadores diretamente con-tratados, ao ponto de se considerar que “a fábrica tende a se tornar uma mera gerenciadora de mão de obra, num movimento inverso ao dos tempos fordistas. É o que alguns vêm chamando de empresa vazia” (VIANA, 2002, p. 781). Em verdade, o fenômeno da externalização ou out-sourcing representa o intento do paradigma pós-fordista em fugir das obrigações trabalhistas, a partir de novas formas de trabalho fomentadas pela descentralização produtiva.

Esta descentralização produtiva constitui o leque de possibilidades de ter-ceirização (delegação de atividades-meios) e de subcontratação (delegação de atividades-fins). Às vezes, a descentralização praticada significa apenas a presta-ção do serviço de fornecimento de mão de obra.

Como consequência dessa externalização, a clássica relação de identidade entre Direito do Trabalho e trabalhador resta dissociada, haja vista que consi-derável número de trabalhadores situados nestas novas formas de trabalhar não mais podem ser considerados como empregados da empresa principal, porque distantes do conceito tradicional de trabalho subordinado. Alian supiot denuncia:

Esta evolución há llevado, en general, a las empresas a limitarse a sua actividade principal y a encargar a outras todas lastareas anexas. Al igual que el recurso al trabajo autónomo, la empresa dependienteplantea al Derechodeltrabajo dos series problemas de naturaleza diferente: eldel fraude social, que consiste em interpo-ner una sociedadpantalla entre untrabajador y suverdadera empre-sa; y el de laverdaderaexternalización de dependencia técnica o económica respecto de outra empresa (SUPIOT, 1999, p. 56-57).

Entretanto, todos esses argumentos omitem a real fórmula de redução de custo. É bastante paradoxal que um serviço específico e realizado por uma em-presa especializada seja oferecido por preços menores do que se fosse realizado por trabalhadores não-especializados, pois o trabalho especializado é, normal-mente, mais caro do que o simples. A redução de custos é explicada pela redu-ção da contraprestação salarial, uma vez que a empresa terceirizada emprega trabalhadores dispersos, distintos e isolados, utilizando-se práticas de sonegação de direitos trabalhistas e previdenciários, e, principalmente pelo pagamento de salários inferiores aos praticados na empresa que terceiriza.

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Além desses problemas, a terceirização representa o enfraquecimento da ca-tegoria e dos sindicatos de trabalhadores, pois dificulta a organização associativa. No sistema jurídico brasileiro, o enquadramento sindical é definido pela ativida-de econômica predominante da empresa, que implica dizer que os trabalhadores terceirizados não têm direitos às vantagens coletivas praticadas nas empresas to-madoras dos serviços, pois seu vínculo não é com esta empresa que terceiriza o serviço, no qual ele trabalha, mas sim com uma terceira, que comumente tem como atividade econômica a prestação de serviços ou locação de mão de obra.

Portanto, o modelo terceirizante é nitidamente anti-sindical e prejudicial ao trabalhador, criado com o intuito de reduzir salários e enfraquecer os sindi-catos. Nesse sentido, “a quebra do movimento operário se explica pela terceiri-zação. Foi ela a arma secreta que o capitalismo (re)descobriu ou (re)inventou. Ela permite resolver a contradição entre a necessidade do trabalho coletivo e a possibilidade de resistência coletiva” (VIANA, 2002, p. 789).

Parece ser essa uma conclusão inarredável.

3. as mudanças da reforma trabalhista sobre a terceirização

A despeito das esparsas previsões legais – vide Leis 6.019/74 e 7.102/83 – sobre terceirização, prevalecia a orientação jurídica firmada pelo entendimento jurisprudencial do Tribunal superior do Trabalho (TsT). Inicialmente, o Enun-ciado n. 256, datado de 1986, estabelecia a regra da vedação da terceirização, assim dispondo: “Salvo nos casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74, e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interpos-ta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços”.

Logo depois em 1993, o TST, revendo a posição anterior, terminou por ad-mitir a terceirização, restringindo-a aos serviços considerados como “meios”, con-forme Súmula 331. De fato, o inciso III dessa Súmula, ao admitir a terciarização em “atividade-meio”, acabou “sucumbindo” à ampla utilização fática do instituto, passando a tomar como parâmetro de legalidade um conceito que não é jurídico, mas sim da economia e da Teoria Geral da Administração, consistindo, a priori, no exercício de atividade não coincidente com a finalidade social da empresa.

À época, havia corrente doutrinária que já defendia a falta de sentido nesta limitação da terceirização à atividade-meio. Era essa a posição de Sérgio Pinto Martins:

Não se pode afirmar, entretanto, que a terceirização deva se res-tringir a atividade-meio da empresa, ficando a cargo do adminis-trador decidir tal questão, desde que a terceirização seja lícita, sob pena de ser desvirtuado o princípio da livre iniciativa contido no artigo 170 da Constituição. A indústria automobilística é exemplo

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típico de delegação de serviços de atividade-fim, decorrente, em certos casos, das novas técnicas de produção e até da tecnologia, pois uma atividade que antigamente era considerada principal pode hoje ser acessória. Contudo, ninguém acoimou-a de ilegal. As costureiras que prestam serviços na sua própria residência para as empresas de confecção, de maneira autônoma, não são consideradas empregadas, a menos que exista o requisito subor-dinação, podendo aí ser consideradas empregadas em domicílio (art. 6º da CLT), o que também mostra a possibilidade da terceiri-zação da atividade-fim (MARTINS, 1996, p. 99-100).

Tal proposta, antecipada por Sérgio Pinto Martins, foi concretizada pelas Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 que, dentre várias questões estabelecidas na regulamen-tação da terceirização, eliminou a distinção entre atividade fim e meio como critério de validação da terceirização. O art. 4-A da Lei 6.019/74 conceitua terceirização como: “a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas ativi-dades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado presta-dora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

Neste conceito, as empresas poderão valer-se da terceirização em “par-cela” e/ou “quaisquer atividades”, permitindo-se a terceirização nas atividades meios e fins, caracterizando-se uma terceirização total. O cenário fático-jurídico esboçado permitirá empresas “sem empregados”, mas com trabalhadores tercei-rizados ou com alguns empregados e outros terceirizados na mesma função/ati-vidade, em clara ofensa ao princípio constitucional da isonomia.

Aparentemente, o terceirizado (empregado da contratada) terá um contrato de trabalho regido pela CLT, com a proteção trabalhista. Contudo, a terceiriza-ção total representa, nas entrelinhas, a mudança da representação sindical dos trabalhadores, uma vez que estes deixam de ser representados pelo sindicato da empresa tomadora e passam a ter representação diluída em diversos sindicatos de prestadores de serviços (“terceirizados”).

Por decorrência, será perceptível que aqueles terceirizados que trabalham em um banco na função típica de bancários não serão mais os beneficiários das vantagens coletivas obtidas pelo sindicato dos bancários. Ou seja, a dissocia-ção da categoria econômica advinda da terceirização exclui os trabalhadores das categorias mais fortes (justamente aquelas que conseguem mais direitos) e os coloca em sindicatos mais frágeis, em claro rebaixamento de direitos sindicais.

Percebe-se, então, que há imediatamente uma exclusão das vantagens normati-vas, não obstante o trabalhador terceirizado exercer uma função que, se não houvesse a terceirização, lhe garantiria as mencionadas vantagens. Há, também, uma dispersão da categoria de prestadores de serviços que dificulta a formação ou o fortalecimento de um sindicato que possa representar e pleitear melhoria nas condições de trabalho.

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Exatamente por impactar as categorias historicamente mais fortes (bancá-rios, petroquímicos, entre outros), a terceirização agora irá se dirigir aos empre-gados com maiores salários. Em outras palavras, as classes médias assalariadas até então distantes dos efeitos deletérios da terceirização serão afetadas profun-damente, com significativas perdas de direitos e condições mais favoráveis.

Somente neste aspecto de permitir a terceirização da atividade-fim, ter-se-ia duas grandes contradições entre a proposição legislativa e o sistema constitucional juslaboral brasileiro. A primeira se daria diante do princípio da isonomia e igual-dade – garantia constitucional pétrea insculpida no art. 5º – o que não validaria o tratamento jurídico para trabalhadores que na mesma atividade e, até mais gro-tescamente, na mesma função tivessem tratamento trabalhista distinto apenas por força das práticas de terceirização na atividade-meio. Neste ponto, vale ressaltar a atual perspectiva jurisprudencial de concretizar a isonomia contra os expedientes de terceirização que atentem ao valor jurídico da igualdade de tratamento para sujeitos nas mesmas condições, como se percebe na OJ 383 do TST:

383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONO-MIA. ART. 12, “A”, DA LEI N. 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. A con-tratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n. 6.019, de 03.01.1974.

Sobre o tema da igualdade, a nova regra (art. 4-C da Lei 6.019/74) inicia afirmando a igualdade entre empregados e terceirizados nas dependências da to-madora. Contudo, curiosamente qualifica como “facultativa”a isonomia salarial, como estipulado no §1º deste artigo. Isto porque o referido dispositivo declina que “contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos emprega-dos da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo”. Ora, ao condicionar a isonomia salarial ao aceite das empresas, a legislação simplesmen-te perdeu a cogência e fica condicionada à graciosidade patronal, ou seja, sequer necessitaria ficar prevista na lei reformada.

O segundo problema situa-se no campo do princípio constitucional do não-retrocesso social. Explícito no caput do art. 7º da constituição, precisamente no trecho “são direitos dos trabalhadores, além de outros que visem a melhoria da sua condição social”, a dimensão trabalhista do princípio constitucional da

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vedação do retrocesso social impede que o sistema brasileiro adote medidas le-gislativas que piorem a condição do trabalhador, como é o caso desta medida de terceirização total. Isto porque os direitos fundamentais são envoltos na preten-são de não retrocesso, uma vez que, sendo caracterizados pelos ordenamentos fundamentais (indispensáveis), não podem ser suprimidos. Com base nesta efi-cácia vedativa do retrocesso social, José Affonso Dallegrave Neto já considerava inconstitucional a terceirização da atividade-fim:

“[…] pode-se asseverar que qualquer projeto de lei que vise per-mitir a terceirização de atividade-fim, já nascerá com a pecha da inconstitucionalidade. É flagrante a sua ofensa ao Princípio da Isonomia, pois irá tratar de forma desigual trabalhadores em igual função e trabalho que prestam serviço para um mesmo setor. Ademais, considerando que a ordem jurídica já havia re-gulada a matéria, ainda que precariamente por meio da Lei n. 6.019/74 e da Súmula 331 do TST, permitindo a terceirização somente na atividade-meio da empresa tomadora, a mudança de regra, in pejus ao trabalhador, ofende o Princípio do retrocesso Social” (DALLEGRAVE NETO, 2016, p. 85-86).8

Sob o ângulo pragmático, sabe-se que poucos trabalhadores têm coragem de reclamar contra o prestador de serviços, caso continuem trabalhando em favor deste tomador. De nada adianta a previsão legal da solidariedade, se inexistem meios de se garantir que um trabalhador reclame contra uma empresa (justamente aquele se que beneficia do seu labor) sem que haja perseguição ou discriminação posterior.

Por hipótese, até um advogado terceirizado de um grande escritório de advocacia terá temor em reclamar contra seu tomador, em virtude do receio de perder sua ocupação. Lamentavelmente, a dissociação empregador/tomador dos serviços gerada pela terceirização permite situações recorrentes de insucesso de reclamações trabalhistas sem execução efetiva, pela falta da inclusão do tomador dos serviços. Logo, a terceirização por si só já agrega mais obstáculos e dificul-dades na responsabilização do tomador dos serviços.

Diante das intensas mudanças da legislação que franqueou totalmente a terceirização, o que contrasta com a Súmula 331 do TST, a questão se torna ainda mais complexa visto em virtude da ratio das decisões do sTF proferidas nas a ADPF n. 324/DF e o RE n. 958.252.

8 Relembre-se que o artigo 7º, I da CRFB/88 não foi regulamentado, realidade que leva doutrina e jurisprudência majoritárias (OJ n. 427 da SDI-1, por exemplo) a permitirem a de-núncia contratual vazia, acarretando no medo de o trabalhador com vínculo de trabalho vivo acionar o Poder Judiciário trabalhista.

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4. as decisões do stF sobre a terceirização

Mesmo antes da reforma trabalhista, foi movida Ação de Descumprimen-to de Preceito Fundamental (ADPF), sob alegação que as decisões da Justiça do Trabalho, ao restringirem a terceirização de parte das atividades realizadas por diversas empresas, com fundamento na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, violam o art. 1º, IV, da constituição da república, que arrola, como fundamento da república Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Estariam ofendidos, segundo o autor da ADPF, os preceitos fundamentais de liberdade de contratação, a legalidade e a livre concorrência (art. 5o, caput e II, e art. 170, IV, da CR).

As questões de admissibilidade desta ADPF foram, de modo incomum9, superadas pelo voto da maioria dos Ministros do sTF, que também refutaram as preliminares de ausência de especificação das decisões impugnadas, apesar de não terem sido indicadas objetivamente quais decisões proferidas pela Justiça do Tra-balho estariam descumprindo preceito fundamental; a prefacial de não cabimento de ADPF para invalidar súmula ou orientação jurisprudencial e também a alegação de que pendia de julgamento no Supremo Tribunal Federal o recurso extraordinário com agravo 713.211/MG, que tramitava sob o rito da repercussão geral e tinha como tema justamente a liberdade para se terceirizar qualquer atividade nas empresas.

No dia 30/08/2018, o Supremo Tribunal Federal, julgando a ADPF n. 324/DF e o RE n. 958.252, por maioria de votos (7 a 4), fixou a seguinte tese de re-percussão geral:

1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratan-te e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: I) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e II) responder subsidiariamente pelo descum-primento das normas trabalhistas, bem como por obrigações pre-videnciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.

restaram vencidos os Ministros Edson Fachin, rosa Weber, ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Nesta assentada, o Relator, Ministro Barroso esclareceu que a presente decisão não afeta automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada.9 Conforme pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria Geral da República, parte autora não detinha legitimidade, haja vista que não representa os interesses de uma categoria específica, o que atrai a sua ilegitimidade ativa ad causam para ingressar com Ação de Descumpri-mento de Preceito Fundamental. Ou seja, a decisão específica sobre legitimidade restou contrária à anteriores decisões do STF, em especial a “representatividade da categoria em sua totalidade” nos termos ADI 1.486-MC/DF. Rel.: Min. MOREIRA ALVES. 19/9/1996.DJ, 13 dez. 1996.

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No que diz respeito às razões apresentadas pelos ministros, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Mores, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia, em defesa da constitucionalidade da terceirização da ati-vidade-fim, restou consignado na decisão que a perpetuação da ilegalidade da terceirização da atividade principal viola os caros princípios constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência e, sobretudo, da segurança jurídica, pois não havia qualquer impedimento legal quanto à terceirização da atividade-fim.

De fato, não havialei específica proibindo a terceirização em atividade-fim no Direito brasileiro. Ao revés, a Lei n. 6.019, já em 1974, até passou a permitir a terceirização em atividade-fim, desde que a atividade seja temporária.

com todas as vênias possíveis, o argumento lançado não se sustenta em um cenário de hermenêutica constitucional pós-positivista (SARMENTO, 2006, p. 56-57), no qual princípios possuem normatividade, vinculam entidades públi-cas e particulares e arejam a legislação, independentemente de lei os ratificando.

Trazendo a análise, por comparação, para o debate acerca da ausência de lei no caso do uso de algema. Observando-se o próprio rol de súmulas vinculan-tes do Supremo Tribunal Federal, lê-se no verbete de número 11:

só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado10.

Percebe-se claramente, pelo teor literal da indigitada súmula, que o Su-premo Tribunal Federal criou critérios para o uso de algemas (somente em casos de resistência), fez alusão à conceito jurídico indeterminado (fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia), estabeleceu formalida-de não prevista formalmente em lei (justificada a excepcionalidade por escrito), inclusive considerando ilícito administrativo, civil e penal, passível de punição (sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autorida-de e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado).

Tais critérios não constam de qualquer lei expressamente positivada, mas a Corte Maior, em sua constituição plenária, ao analisar e julgar o HC 91952, com decisão publicada no DJe de 19/12/2008, cuja relatoria coube ao Ministro Marco Aurélio, invocou os princípios da não-culpabilidade e afirmou que do princípio

10 Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220. Acesso em 30/04/209.

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do Estado Democrático decorre “o inafastável tratamento humanitário do cida-dão, na necessidade de lhe ser preservada a dignidade”, que igualmente encerra conteúdo principiológico.

É dizer, o Supremo Tribunal Federal, ao resolver um caso concreto que deu origem à súmula vinculante, a partir da interpretação de princípios e sopesa-mento destes, criou formalidade sequer observada em Lei e estabeleceu parâme-tros para o uso de algemas, inexistentes até então.

Em 2011, os Ministros da Excelsa Corte, ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental n. 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. O relator das ações, Ministro Ayres Britto, argumentando que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor, concluiu que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qual-quer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Percebe-se, assim, que invocando o princípio da não discriminação, a Suprema Corte acresceu significado ao artigo do Código Civil, que igualmente não possui pre-visão legal específica para casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo.

No julgamento da ADPF n. 54, igualmente sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio de Melo, o supremo Tribunal Federal decidiu que o aborto de feto anencéfalo não é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do código Penal.

Inicialmente se lê na aludida decisão que o Estado brasileiro é laico, sen-do, portanto, impermeável aos argumentos religiosos. Concluindo seu voto, o Min. Marco Aurélio consignou importantes entendimentos, que nortearam oito dos ministros votantes da Corte: “está em jogo o direito da mulher de auto-de-terminar-se, de escolher, de agir de acordo com a própria vontade num caso de absoluta inviabilidade de vida extrauterina. Estão em jogo, em última análise, a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres” 11.

Ou seja, por meio do indigitado julgado, a Suprema Corte descriminalizou a hipótese de aborto de feto anencéfalo, também sem previsão em norma estatu-ída pelo Legislador.

11 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954. Acesso em 30/04/2019.

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Percebe-se, somente pela singela e rápida análise da súmula vinculante n. 11 e de mais dois acórdãos proferidos em Ações de Descumprimento de Precei-tos Fundamentais, que a Excelsa Corte, a despeito de lei específica para autorizar ou não autorizar determinada conduta humana, opta por aplicar uma nova herme-nêutica aos princípios constitucionais, atribuindo-lhes normatividade.

Se o Órgão Maior do Poder Judiciário atribui normatividade aos princípios e caminha no sentido de uma interpretação pós-positivista, por que, então, justifi-car a possibilidade da terceirização em atividade-fim na ausência de lei específica vedando a conduta patronal?

Talvez a resposta seja encontrada na própria Corte, que reconhece a fun-damentalidade dos direitos sociais à moradia12, à saúde13, atribuindo-lhes jus-ticiabilidade (ABRAMOVICH; COURTIS, 2011), mas no que toca ao direito fundamental social ao trabalho e todos os incisos presentes no artigo 7º da cons-tituição Federal de 1988, a diretriz é em sentido oposto, encontrando-se nesse particular um Tribunal bem conservador e muito cauteloso.

Perceba-se, por exemplo, que, por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribu-nal Federal decidiu que, nos casos de Planos de Dispensa Incentivada – os chamados PDIs –, é válida a cláusula que dá quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego, desde que este item conste de Acordo coletivo de Trabalho e dos demais instrumentos assinados pelo empregado. Eis o acórdão:

Direito do Trabalho. Acordo coletivo. Plano de dispensa incentiva-da. Validade e efeitos. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação am-pla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusi-vamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações in-dividuais de trabalho. como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, xxVI, pres-tigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos con-flitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organi-zação Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e

12 ARE 908.144-AgR, rel. min. Edson Fachin, j. 17-8-2018, 2ª T, DJE de 27-8-2018.13 ADI 1.931, rel. min. Marco Aurélio, j. 7-2-2018, P, Informativo 890.

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convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os pla-nos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercus-são geral, da seguinte tese: ‘A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado’” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Bar-roso, DJe 29.05.2015)14.

Igualmente, julgando Ação Direta de Inconstitucionalidade, a corte su-prema atribuiu constitucionalidade à Lei n. 11.901/2009, que permite a jornada de 12 horas de trabalho, por 36 horas de descanso, para os bombeiros civis. Na oportunidade, por maioria, os ministros entenderam que a norma não viola pre-ceitos constitucionais, pois, além de não ser lesiva à sua saúde ou a regras de medicina e segurança do trabalho, é mais favorável ao trabalhador15.

Ao examinar a supressão das horas in itinere por meio de acordo coletivo de trabalho, no qual o Tribunal de origem entendeu pela invalidade da norma coletiva, uma vez que o direito às horas in itinere seria indisponível em razão do que dispõe o art. 58, § 2º, da CLT, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela sua validade, como se observa na seguinte decisão:

o acórdão recorrido não se encontra em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta Corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da vonta-de no âmbito do direito coletivo do trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos traba-lhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo co-letivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade profe-

14 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu-do=290618. Acesso em: 30/04/2019.15 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-19/stf-julga-constitucional-jorna-da-12x36-bombeiro-civil. Acesso em: 30/04/2019.

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rida pela entidade sindical.Registre-se que a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, xIII e xIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da consti-tucionalmente estabelecida. Não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoa-bilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de ma-nifestação de vontade válida da entidade sindical.4. Registre-se que o requisito da repercussão geral está atendido em face do que prescreve o art. 543-A, § 3º, do CPC/1973: “Ha-verá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”.5. Diante do exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC/1973, dou provimento ao recurso extraordinário para afas-tar a condenação da recorrente ao pagamento das horas in itinere e dos respectivos reflexos salariais. Após o trânsito em julgado, oficie-se à Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, encaminhando-lhe cópia desta decisão para as devidas providên-cias, tendo em conta a indicação do presente apelo como repre-sentativo de controvérsia (STF, RE 895.759/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, decisão monocrática, DJe 13.09.2016).

Nessa ordem de análise, muito antes da Lei n. 13.467/2017 colapsar a pos-sibilidade de acesso às horas in itinere, permitir o regime compensatório intitu-lado 12x36 de forma ampla, sem mediação sindical e à revelia da autorização do extinto Ministério do Trabalho e Emprego, mesmo quando em havendo atividade insalubre, e do escancaramento do menoscabo aos direitos constitucionais do tra-balhador, estatuído pela permissão do assim chamado “negociado sobre legisla-do”, a Suprema Corte brasileira já havia flexibilizado as normas trabalhistas nessa mesma diretriz e agora vai exatamente no mesmo sentido do Estado-Legislador.

Isto porque ao permitir, de forma retroativa à referida Lei, a terceirização em atividade-fim, ao argumento positivista de inexistência de Lei a proibir a prática em-presarial, olvidando-se a Corte de todo o aparato constitucional que atribui normati-vidade ao valor social do trabalho, que vincula a livre iniciativa (artigo 1º, IV) e que toda a ordem econômica (artigo 170) é fundada na valorização do trabalho humano, para após ser observada a livre iniciativa e que a primeira tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social e guiada pelo princípio da função social da propriedade. É nesse sentido que Bocorny, reflete:

A valorização do trabalho humano, esclareça-se, não somente importa em criar medidas de proteção ao trabalhador, como foi

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destacado nos Estados Sociais. [...] o grande avanço do signifi-cado do conceito que se deu no último século foi no sentido de se admitir o trabalho (e o trabalhador) como principal agente de transformação da economia e meio de inserção social, por isso, não pode ser excluído do debate relativo às mudanças das estru-turas de uma sociedade. Assim, o capital deixa de ser o centro dos estudos econômicos, devendo voltar-se para o aspecto, talvez subjetivo, da força produtiva humana (BOCORNY, 2003, p. 42).

Nunca é demais recordar que o valor social do trabalho, na perspectiva da ordem objetiva em que os valores foram modernamente assimilados pelo Estado constitucional, esprai seus efeitos para entidades públicas e particulares, vincu-lando todos os Poderes da República, máxime o Poder Judiciário, ao qual cabe direcionar seus julgados de acordo com o valor previsto constitucionalmente, maximizando o seu conteúdo e dando-lhe concretude por meio de ações que pos-sam dignificar o trabalho e o trabalhador. Na síntese de Jailton Araújo:

“o valor social do trabalho detém uma acepção que deve nor-tear a atuação das instituições público-jurídicas, estabelecen-do metas implícitas e/ou expressas que tenham como objetivo culminar com a imperiosidade de realização do trabalho como instrumento de emancipação e cidadania. Dessa forma, qualquer ação contrária ao valor social do trabalho é ilegítima, uma vez que impede a realização dos valores que formatam a sua centra-lidade” (ARAÚJO, 2017, p. 115).

Nas anotações para voto oral, o Ministro Barroso, relator da ADPF 324, que teve seu voto seguido por outros seis Ministros, pontuou que a constituição “não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvi-mento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização”. Mas, “a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece cri-térios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança”16.

Saliente-se, no entanto, que o TST tem desenvolvido em sua jurisprudência, balizas seguras para a identificação da atividade finalística de um ator econômi-co. Atividade-fim é aquela que pode ser visualizada como integrada à dinâmica pro-dutiva do tomador dos serviços (RR 267-89.2013.5.06.0012, de relatoria do Ministro José Roberto Freire Pimenta, julgado em 09/12/2015), intrínseca ao seu objeto so-cial (E-RR 1320-60.2012.5.06.0006, de relatoria do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, julgado em 03/12/2015) e, por isso mesmo, indispensável à consecução deste (AIRR 541-27.2010.5.01.0035, de relatoria do Ministro Luiz Philippe Vieira

16 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI286649,31047-STF+jul-ga+constitucional+terceirizacao+de+atividadefim. Acesso em: 30/04/2019.

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de Mello Filho, julgado em 25/06/2014), abrangendo os serviços e funções nos quais se consuma a vocação do negócio, bem como todas aquelas atividades relacionadas com etapas (prévias ou posteriores) essenciais ao sucesso global da atividade econô-mica (RR 85740-44.2001.5.04.0004, de relatoria do Ministro Lelio Bentes Corrêa, julgado em 03/08/2011), compondo a essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e clas-sificação no contexto empresarial e econômico (AIRR 1829-47.2013.5.03.0003, de relatoria do Ministro Mauricio Godinho Delgado, julgado em 24/09/2014).

Também assinalou o Ministro Barroso, que “a terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou des-respeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações”.

Não obstante tais ponderações, por ocasião do parco debate estabelecido na época em que rapidamente tramitava o projeto que redundou na Lei n. 13.467/2017, o DIEESE emitiu nota técnica sobre os impactos da terceirização no Brasil. E, considerando somente o ano de 2014, os dados obtidos revelam que a taxa de ro-tatividade descontada é duas vezes maior nas atividades tipicamente terceirizadas (57,7%, contra 28,8% nas atividades tipicamente contratantes); nas atividades tipi-camente terceirizadas, 44,1% dos vínculos de trabalho foram contratados no mes-mo ano, enquanto nas tipicamente contratantes, o percentual foi de 29,3%; 85,9% dos vínculos nas atividades tipicamente terceirizadas tinham jornada contratada en-tre 41 e 44 horas semanais. Já nos setores tipicamente contratantes, a proporção era de 61,6%; os salários pagos nas atividades tipicamente terceirizadas fora da região sudeste eram menores, o que reforça as desigualdades regionais. o percentual de afastamentos por acidentes de trabalho típicos nas atividades tipicamente terceiri-zadas é maior do que nas atividades tipicamente contratantes - 9,6% contra 6,1%. Os salários nas atividades tipicamente terceirizadas eram, em média, 23,4% menor do que nas atividades tipicamente contratantes (R$ 2.011 contra R$ 2.639)17.

É dizer, a terceirização, mesmo nos moldes permitidos pela súmula n. 331 do TST, acarretava extremada desigualdade regional, ofensa ao princípio da isono-mia, em relação aos empregados contratados diretamente pelo tomador de serviços e os que lhe prestam serviços de forma intermediada. A nota técnica igualmente demonstra o que já se constata empiricamente: os empregados terceirizados traba-lham mais, ganham menos e sofrem mais acidentes de trabalho. ou seja, ao revés do quanto pontuado pelo Ministro Barroso, a terceirização é sim uma forma de precarização do trabalho humano e isso é constatado estatisticamente.

O Relator da ADPF n. 324-DF, também asseverou oralmente que “em um momen-to em que há 13 milhões de desempregados e 37 milhões de trabalhadores na informali-17 Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.html. Acesso em: 01/05/2019.

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dade, é preciso considerar as opções disponíveis sem preconceitos ideológicos ou apego a dogmas”. Diante desta assertiva, seria os princípios constitucionais do valor social do trabalho, proteção do trabalhador e não-retrocesso social “dogmas” ideológicos?

No julgamento da referida ação não se analisou o conteúdo ou sequer a força normativa do valor social do trabalho. os sete Ministros indicados ao norte apenas focaram os seus respectivos votos na ofensa à livre iniciativa e na ausência de Lei ou previsão constitucional que proibisse a terceirização em atividade-fim.

Lamentavelmente, não foram analisados os argumentos sempre trazidos pela doutrina trabalhista, no sentido de que a terceirização em atividade-fim precariza o trabalho humano, conduzindo-o à mera mercadoria e custo, que deve ser diminuído pelas empresas, para que estas possam se transformar em corporações mais compe-titivas. Também não se analisou o conteúdo protetivo previsto na carta Política de 1988, que em seu artigo 7º, caput estabelece uma marcha progressista de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Ao revés disso, permitiu-se que a venda da força de trabalho humano ficasse ao sabor da lógica de mercado, em franco menoscabo à diretriz do Estado Social e exaltação aos argumentos que ficariam muito bem empre-gados em um cenário positivista e de um Estado sob a égide liberal.

O argumento de que a liberação da terceirização irrestrita gerará mais em-pregos, posto que estes são os disponíveis no mercado, gera uma falsa afirmação de que realmente se deseja a diminuição do desemprego. Isso porque não há qual-quer pesquisa assegurando que a lógica de menos direitos ensejará mais postos de trabalho, o que parece até óbvio, já que ao mínimo sinal de crise econômica, normalmente se pensa como primeira solução a diminuição de postos de trabalho e isso é estimulado quando as cessações contratuais se tornam mais baratas.

Ao revés do quanto dito e pretendido pelo discurso de “menos direitos gerarão mais empregos”, segundo a Organização Internacional do Trabalho, em decorrência da eclosão da crise econômica e da recessão das suas economias, muitos países introduziram medidas de diminuição da proteção tanto do trabalho formal, quanto do trabalho informal e flexibilizado, com o objetivo de alavancar o crescimento econômico, no entanto, tais medidas não obtiveram êxito, e contri-buíram para o aumento do trabalho vulnerável, em condições precárias.

a análise do relatório da relação entre a regulamentação do tra-balho e os indicadores-chave do mercado de trabalho, como o desemprego, sugere, no entanto, que a redução da proteção dos trabalhadores não se traduziu na diminuição do desemprego. Na verdade, as conclusões deste relatório sugerem que as mudanças mal concebidas que enfraquecem a legislação de proteção do emprego muito provavelmente serão contraproducentes para o emprego e a participação no mercado de trabalho, tanto a curto como a longo prazo (OIT, 2019).

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A última Reforma Trabalhista brasileira, operada em 2017, liberou irres-tritamente a terceirização, e tal medida era apontada como uma realidade inevi-tável, para que as empresas locais pudessem se adaptar ao padrão internacional e, assim, se tornar mais competitivas. No entanto, o resultado de tal medida foi inverso ao pretendido, vez que o desemprego, além de não diminuir, ainda au-mentou18, demonstrando-se estatisticamente que a flexibilização da proteção tra-balhista não é capaz, por si só, de acarretar mais empregabilidade.

5. Ainda mais insegurança jurídica

Argumentou-se na sessão de julgamento da ADPF n. 324, que os crité-rios estabelecidos pela súmula n. 331 do C. Tribunal Superior do Trabalho era vacilante, mas a decisão da Corte Suprema não trouxe mais segurança jurídica, pois desde o dia 30/08/2018 o Supremo Tribunal Federal fixou a tese alhures indicada, mas até agora só houve publicação da ata, não tendo sido publicado o acórdão, persistindo algumas dúvidas ao sul esclarecidas.

Há necessidade de publicação do acórdão para que a tese fixada vincule as decisões em curso?

o supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou formalmente sobre a modulação dos seus efeitos. contudo, por ter repercussão geral, a decisão tem efeito vinculante e se aplica imediatamente a todos os processos em trâmite na Justiça do Trabalho.

Veja-se que os artigos 489, § 1º, IV e 927 do Código de Processo Civil não deixam alternativa aos magistrados e tribunais inferiores, senão seguir as decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.

A questão agora é saber se haverá ou não modulação de efeitos dessa deci-são e se a suposta modulação poderá ser realizada por meio de embargos de de-claração19. A modulação de efeitos de decisões proferidas pelo supremo Tribunal Federal é facultativa e mais comumente discutida em questões fiscais (SCAFF, 2019), nas quais se aponta a existência de conflito entre a Lei n. 9.868/99, que dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, e o Código de Processo Civil de 2015.

Enquanto o artigo 27 da Lei n. 9.868/99 exige quórum qualificado (maioria de 2/3 dos membros), o Código de Processo Civil nada dispõe a esse respeito.

18 https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/02/27/desemprego-sobe-para-12-em-ja-neiro-diz-ibge.ghtml. Acesso em 01/05/2019.19 Sobre essa possibilidade, o esclarecedor artigo de Ravi Peixoto, disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-abr-15/ravi-peixoto-stf-modular-efeitos-embargos-declaracao. Acesso em: 01/05/2019.

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Assim, é possível sustentar que o silêncio do código de Processo civil neste particular não deve ser entendido como uma concordância com a Lei n. 9.868/99, mas sim como um sinal de superação da lei anterior e que, agora, o quórum qua-lificado é desnecessário nessa questão.

A verdade é que, embora o Supremo Tribunal já tenha debatido o tema diversas vezes, até o momento inexiste uma decisão clara e objetiva sobre o quórum necessário para a modulação de efeitos de uma decisão que versa sobre constitucionalidade de lei ou atos normativos.

Uma outra indagação que se obtém a partir da fixação da tese no julgamen-to da ADPF n. 324-DF, diz respeito aos limites da terceirização em atividade-fim. Ou seja, se é possível às empresas brasileiras estabelecer qualquer tipo de organização e divisão do trabalho humano, ainda há alguma restrição a partir do ordenamento jurídico?

De partida, afirma-se que o Supremo Tribunal Federal afastou a possibi-lidade de julgar quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade que lá tramitam (ADI 5695, ADI 5685, ADI 5686, e a ADI 5687, todas sob a relatoria do Minis-tro Gilmar Mendes), buscando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 6.019/74, e sua nova redação, estabelecida a partir da Lei n. 13.467/2017, o que enseja a conclusão de que muita discussão ainda está por vir.

A maioria dos ministros se manifestou no sentido de respeitar a coisa jul-gada, sem prejuízo de efeitos futuros, porém, a decisão final foi a de que a ques-tão deverá ser tratada em eventuais embargos de declaração, pois não era objeto do julgamento naquele momento.

o supremo Tribunal Federal não falou sobre a mera intermediação de mão de obra, já que ambas as ações versavam sobre a inconstitucionalidade das deci-sões que se guiavam pela redação da súmula 331 do TST.

6. conclusões

Não há dúvidas da urgência e necessidade da regulamentação da terceiriza-ção, sobretudo diante das circunstâncias concretas de menores salários, maiores jor-nadas e mais acidentes entre os terceirizados. Também a difícil distinção entre ati-vidade-fim e atividade-meio, criada pela Súmula 331 do TST, em razão da omissão de outrora do legislador em disciplinar a matéria, demandava um regramento para a questão da terceirização no Brasil. No entanto, a regulamentação editada franqueou a terceirização para todos os setores e atividades da empresa, sugerindo que, dora-vante, as empresas não mais tenham empregados, mas que, conforme necessidade, aluguem seus trabalhadores perante as empresas “especializadas” em terceirização.

Com advento das Leis 13.429 e 13.467 de 2017, a legislação infraconstitu-cional franqueia a terceirização total, entendida como terceirização daquilo que

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anteriormente se chamava de atividade-fim, haja vista que, para a atividade-meio já se admitia a terceirização. Essa terceirização total acarretou uma série de ou-tros problemas para o sistema trabalhista. Além da medida de desproteção social, existem dúvidas sobre a situação de enquadramento sindical, isonomia normati-va e igualdade de regimes e direitos para trabalhadores na mesma atividade.

As decisões STF na ADPF n. 324/DF e no RE n. 958.252, igualmente, não aclararam a situação. Ao contrário, surgem novas questões tortuosas e dú-vidas. A ratio destas decisões indica que a corte suprema prossegue em uma linha conservadora, do ponto de vista da proteção dos direitos sociais, todavia adota uma linha progressista em decisões dos direitos individuais. Disto extrai-se que os direitos sociais não têm tanto valor na atual linha jurisprudencial do STF, cuja axiologia vem privilegiando a livre iniciativa. Entretanto, em razão da pouca profundidade das questões trabalhistas enfrentadas nas citadas decisões do Supremo, espera-se que o tema volte e seja mais aprofundado especialmente em virtude das ações de constitucionalidade pendentes de julgamento sobre o tema.

Neste ponto, é urgente desvelar que o problema da terceirização refere-se, no âmago, ao conceito de empresa e sua atividade, o que vem sendo trabalhado a partir da limitada dicotomia atividade-fim e atividade-meio. Nesta linha, é preciso reforçar a racionalidade protetiva do juslaboralismo de que a empresa que recebe trabalho hu-mano, independentemente das formas jurídicas desta prestação laboral, deve responder juridicamente pelos direitos trabalhistas daqueles que lhe prestaram seus serviços. Des-tarte, é inconteste a necessidade de regular a terceirização no Brasil, sobretudo para se garantir o projeto político constitucional de proteção e valor social do trabalho.

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neoconstitUcionaLismo e o noVo CROWD WORK

José Affonso Dallegrave Neto 1

1. Pós-positivismo e neoconstitucionalismo

Chegamos ao atual estágio Pós-positivista, expressão que esclarece uma época que superamos o Positivismo Jurídico, tão funcional aos interesses da bur-guesia liberal da Modernidade. se na quadra moderna positivista prevaleceu o direito como conjunto de normas que legitima os interesses de dominação da classe que detém o poder, agora, na Pós-Modernidade, é necessário um sistema jurídico aberto, que dê conta das amplas diversidades e singularidades advindas da atual sociedade hiperconsumista, fragmentada, digitalmente controlada, e lí-quida em seus desejos, relações e comportamentos.

Na observação de Daniel sarmento2, o Direito pós-moderno é avesso à abs-tração de conceitos e axiomas (evidências), preferindo o concreto ao abstrato, o pragmático ao teórico. Apesar de estar fundamentado na produção exclusiva das normas pelo Poder Público, o Direito passa abrir espaço para o reconhecimento das fontes privadas das normas, estimulado, sobretudo, pelo processo de globalização. Além de abandonar a ideia de ordenamento jurídico completo, exaustivo e pretensa-mente coerente (próprio do positivismo que o antecedeu), o Direito contemporâneo pretende-se mais flexível e adaptável às contingências da vida, quando comparado ao modelo coercitivo e sancionatório que prevaleceu até pouco mais da metade do século xx3. Assim, ao invés de impor ou proibir condutas, o Estado prefere ne-gociar, induzir e incitar comportamentos, tornando mais ‘suave’ o seu direito (soft law)4, enfatizando, todavia, a concretização dos direitos fundamentais.

Registre-se que a ideia de sistematizar o conhecimento se consolidou no período da Modernidade dentro do seu obsessivo escopo de tudo racionalizar e classificar (sólida e objetivamente), sobretudo sob a influência de Descartes e Kant. Prevaleceu, então, a ideia de sistema Jurídico fechado e sem lacunas. se no Positivismo da Idade Moderna o direito confundia-se com o próprio texto da lei, 1 Advogado; Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná; Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa (FDUNL); Professor da PUC/PR e da Escola da Magistratura do Paraná; Membro da ABDT – Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da JUTRA – As-sociação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho.2 sArMENTo, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 40-42.3 É controvertido estabelecer um marco temporal que enceta a era Pós-Moderna. De nossa parte o início dessa nova quadra ocorreu após a segunda Guerra Mundial e, com maior força, a partir dos movimentos populares de 1968.4 sArMENTo, Daniel. Obra citada, p. 40-42.

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sobressaindo a interpretação literal, agora, no Pós-positivismo da Idade Pós-mo-derna5, a melhor interpretação não é a gramatical, mas a sistêmica; aquela que busca nos princípios e valores da constituição o embasamento para a solução dos casos concretos, conforme se vê da ementa do supremo Tribunal Federal:

“A interpretação mais prestante na ordem jurídica do texto constitu-cional é a interpretação sistêmica. Quer dizer, eu só consigo desven-dar os segredos de um dispositivo constitucional se eu encaixá-lo no sistema. É o sistema que me permite a interpretação correta do texto”. (STF, MS n. 27931, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 27/03/2009).

Na observação de canaris6, todo sistema requer uma ordem racional e uma unidade que seja capaz de reconduzir as múltiplas singularidades a poucos princípios constitutivos; uma totalidade coordenada. Assim como no sistema solar, que os planetas orbitam em torno do sol (Estrela Maior), no ordenamento jurídico os microssistemas (direito do trabalho, de família, penal, civil, tributário, processual, etc) giram em torno da constituição Federal. Dito de outro modo: todos os ramos jurídicos devem se alinhar ao eixo (axio e principiológico) da Lei Maior, sob pena de inconstitucionalidade e invalidade.

Se na Idade Moderna o modelo era hermético, sólido e objetivo agora, na Pós-Moderna, o direito se vê premido a abrir-se cada vez mais, a fim de dar conta dos interesses líquidos e subjetivos que se multiplicam progressivamente diante de um cenário globalizado, plural, digital e hiperconsumista. Nessa direção observa Bittar:

“os tradicionais paradigmas que serviram bem ao Estado de Direito do século xIx não se encaixam mais para formar a peça articulada de que necessita o Estado contemporâneo para a execução de políti-cas públicas efetivas. Assim, perdem significação: a universalidade da lei, pois os atores sociais possuem características peculiares não divisáveis pela legislação abstrata; o princípio da objetividade do direito, que o torna formalmente isento de qualquer contaminação de forças políticas, quando se sabe que toda a legislação vem for-mulada na base de negociações políticas e partidárias”.7

Após a Segunda Guerra Mundial sobreveio a força do Estado Democrático do Direito (ou Estado Constitucional), em que as esferas de poder (públicas e 5 Apesar de controvertido, o termo “pós-modernidade” é utilizado por nós para represen-tar o período civilizatório atinente o Pós-2ª Guerra, sobretudo a partir dos protestos de 1968, em que os rebeldes pediam nas ruas mais liberdade, democracia e respeito à alteridade.6 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. 2a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 10/12.7 BITTAr, Eduardo c. B. O direito na pós-modernidade. Revista Sequência, n 57, pág. 146. Dez. 2008.

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privadas) passaram a se enquadrar aos valores materiais escolhidos pelos repre-sentantes do povo, tendo como norte o solidarismo e concretização dos direitos fundamentais. Um dos empurrões, que alavancou essa transição de paradigma, foi causado pela trágica decepção do Estado Legal Nazista. Ao serem julgados pelos milhões de assassinatos, os nazistas defenderam-se dizendo “que estavam simples-mente cumprindo as leis aprovadas pelo Parlamento de Nuremberg”. Esse fatídico leading case foi mais do que suficiente para modificar a base positivista (de que a aplicação da lei depende apenas de critérios formais e da vontade do seu agente competente) para agora se preocupar também com a moral e a justiça social.

Com destaque para Ronald Dworkin, em cima da jurisprudência norte-ame-ricana, e logo em seguida Robert Alexy, atuando sobre a jurisprudência do Tribu-nal Constitucional Alemão, consolidou-se a sensível reação (ao positivismo), dando nova coloração ao sentido de princípio. Agora não mais significando apenas o início (ou origem neutra) de alguma coisa, mas com sentido vinculante, peso e dimensão8.

Surge, pois, uma nova forma de interpretar o ordenamento, conferindo máxima efetividade aos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que contempla o pluralis-mo social, político e das fontes jurídicas. Eis o Pós-positivismo, que alguns chamam de neoconstitucionalismo! Desta expressão destaca-se o prefixo neo para significar o novo viés ou leitura do constitucionalismo9; uma ordem capaz de estimular o cumprimento das promessas da Modernidade, primando pelo interesse coletivo e pela vinculação eticamente compromissada. o novo constitucionalismo deve ter por alvo o alcance da tão sonhada – quiçá utópica – sociedade livre, justa e solidária10.

se antes do neoconstitucionalismo o operador jurídico aplicava o direito apenas pela subsunção dos fatos à norma abstrata (premissa menor e maior), ago-ra o silogismo cede espaço para a ponderação concreta. Há, pois, uma espécie de filtragem constitucional que busca a construção de uma democracia atenta à força normativa dos princípios da Constituição. Nesse processo, observa Alexy, primeiro identificam-se os valores e princípios que irão incidir ao caso concreto, 8 MArTINs, ricardo Marcondes. Neoconstitucionalismo. Enciclopédia Jurídica da PUCSP. Fonte: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/134/edicao-1/neoconstitucionalismo.9 Se na era moderna prevaleceu o Estado Legislativo de Direito, onde os poderes públi-cos eram conferidos e exercidos como mera expressão formal da lei. A partir das Revoluções norte-americana e francesa tivemos o início do Constitucionalismo; modelo em que o poder estatal passou a ser disciplinado por um conjunto de normas supremas, derivadas de um texto único e escrito, cuja produção segue um procedimento específico e mais complexo que as demais fontes de direito. Após a segunda Guerra sobreveio o Neoconstitucionalismo. 10 MARANHÃO, Ney Stany Morais. Pós-modernidade versus Neoconstitucionalismo: um debate contemporâneo. Pág. 68. A propósito, reza o art. 3º da constituição: “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Valores simbolizados pelas cores da bandeira trazida pela Revolução Fran-cesa de 1789. A liberdade é azul, a igualdade branca e a fraternidade vermelha.

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depois vem a apuração e balanceamento de seus pesos em relação à satisfação da medida e, por último, a enunciação de uma regra (que determinará a sua imple-mentação, a partir da ponderação dos valores)11.

Pode-se dizer que na quadra do pensamento positivista uma regra jurídica vi-gente e válida (e não ressalvada) era sempre aplicada à situação fática. A partir do pensamento neoconstitucionalista tornou-se necessário investigar se a aplicação desta regra encontra justificativa à luz dos valores e princípios proeminentes da ordem cons-titucional. Dito de outro modo: é preciso que, doravante, o operador proceda à uma ponderação proporcional ao caso concreto12, prestigiando os valores e princípios de maior peso para aquela situação particular, tendo em vista a efetividade dos direitos fundamentais e a lógica do razoável, na feliz expressão de Recasens Siches13.

Aqui vale recordar o embate travado entre dois juristas do modelo anglo-saxôni-co. De um lado Herbert Hart, considerado um positivista moderado, e de outro ronald Dworkin, um neoconstitucionalista. O duelo de argumentos foi explícito e publicado em suas últimas (e respectivas) edições bibliográficas. Houve, basicamente, duas crí-ticas principais de Dworkin em relação ao conceito de Direito utilizado por Hart. A primeira foi que ele só reconhecia a força das regras jurídicas, sem maior preocupação com a moral ou princípios constitucionais. Para Dworkin, os princípios “possuem uma dimensão que as regras não têm (a dimensão do peso e da importância)”14.

A segunda crítica referiu-se ao poder discricionário do juiz. Se para Hart o julgador tem amplo poder para aplicar seu entendimento, sem qualquer vinculação axiológica (preponderando apenas o seu insight), pela visão crítica de Dworkin um juiz só terá permissão para mudar uma regra de direito, quando em sintonia com algum princípio. Mas não um princípio qualquer (“caso contrário nenhuma regra estaria a salvo”), mas somente os de maior peso (ou importância). Logo, adverte Dworkin, o critério não pode depender de meras “preferências pessoais do juiz, se-lecionadas em meio a um mar de padrões extrajurídicos”, pois se fossem também “não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma” 15. 11 ALExY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. por Virgílio Afonso da silva. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 594.12 Segundo Barroso, apesar de conceitos próximos, a razoabilidade é mais usada para o controle dos atos normativos, enquanto a proporcionalidade para o controle dos atos que derivam do direito administrativo (aferição dos atos de concretização). BARROSO, Luís roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. (Pós-modernidade, teoria cótica e pós-positivismo). revista de Direito Administrativo. rio de Janeiro, 225: 5-37, jul/set. 2001, pág. 29-30.13 Em relação à expressão de Luis Recasens Siches, consultar a sua obra Experiência Jurídica, Naturaleza de la Cosa e Lógica Razonable. Unam, México: Fondo de Cultura Económica, 1971.14 DWorKIN, ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. são Paulo: Martins Fontes, 2002, pág. 42.15 DWorKIN, ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. são Paulo:

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Um pouco antes de sua morte (ocorrida em 1992), Herbert Hart fez questão de redigir um “pós-escrito” de sua polêmica obra: “O conceito de Direito”. Ali reconhe-ceu algumas críticas recebidas, sobretudo as advindas do colega Ronald Dworkin:

“Mas eu desejo, sem dúvida, confessar neste momento que disse demasiadamente pouco no meu livro sobre o tópico do julga-mento e do raciocínio jurídico e, em especial, sobre os argu-mentos retirados daquilo que os meus críticos designam como princípios jurídicos. concordo, neste momento, que constitui um defeito deste livro a circunstância de os princípios apenas serem abordados de passagem”.16

2. capitalismo de plataforma e produtos disruptivos

O fenômeno da globalização, imerso numa economia capitalista aberta, apro-ximou culturas diferentes, antes distantes agora intensamente relacionadas por trocas comerciais, mercado de trabalho, visitas turísticas, comunicação em tempo real e inter-câmbio. O Direito há que apresentar regulação justa e jurídica para a circulação (nacio-nal e internacional) de bens, serviços e pessoas. O olhar apenas nacionalista, sectário e padronizado deve agora ser incrementado (quiçá substituido) pelas lentes da diver-sidade cosmopolita e de um discurso de respeito à alteridade. Quem diria que um dia:

- a China comunista seria nosso principal parceiro econômico do Brasil? - os homossexuais iriam organizar um movimento LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgê-neros) capaz de exigir voz, respeito e resposta do Direito ao combate dos crimes de homofobia? - teríamos uma classe de consumidores mais crítica e conscien-te, ao ponto de exigir que os produtos comercializados sejam ecologicamente sustentáveis? - iríamos fazer compras, trabalhar, ostentar, conversar e namo-rar de modo virtual e massificado, através de aplicativos bai-xados pela internet?

Eis algumas demandas da nova realidade e seus arranjos contemporâne-os! O Direito precisou (e ainda precisa) dar respostas a estas e outras velozes mudanças de comportamento e valores. Para tanto, foi necessário romper com o fracassado modelo positivista que partia exclusivamente de normas abstratas, divorciadas das questões sociológicas e culturais. Também desmoronou a con-

Martins Fontes, 2002, pág. 60.16 HArT, Herbert. O conceito de direito. 2ª. edição com um Pós-escrito editado por Pe-nelope Bulloch e Joseph Raz. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 1994. Versão em português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, págs. 321-322.

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cepção de um direito autopoiético, cujo sistema jurídico pretendia reproduzir seus elementos de forma condicional e baseado em sua autorreferencialidade17.

somente após a segunda Guerra Mundial é que o novo e atual paradigma da linguagem consolidou sua fratura com a noção linear de unidade totalitária. Dora-vante, o conhecimento se produz a partir de relações intersubjetivas. Contudo, ainda que aberta e dissipada não se pode ignorar que ainda persiste a necessidade de um núcleo duro que sustente não só a produção do saber como também nossas relações éticas. Ao nosso crivo, este esteio (ou base necessária) é constituído pelos postula-dos de proteção universal dos Direitos do Homem, previstos nas Declarações Inter-nacionais que atuam como patamar mínimo civilizatório18, e também a salvaguarda da dignidade do homem, fortemente contemplados na Escola Neoconstitucionalista que visa realizar as garantias fundamentais (artigos 5º a 11 da CF/88).

A atual Pós-Modernidade necessita, mais do que nunca, do aprimoramento de um sistema jurídico aberto e permeável, capaz de atender a multiplicidade de posicionamentos, a mutação de valores, relações de poder e suas acomodações (internas e globalizadas)19, sem perder de vista a concretização dos direitos fun-damentais. Eis aí a tônica e o suporte para as demais tópicas cambiantes, flutuan-tes, relativas e plurais da sociedade em movimento. Apenas nesse eixo de tutela e dignidade é que se justificam os velhos e novos direitos, inclusive aqueles que re-presentam o novo mundo do trabalho diante do atual capitalismo de plataforma.

Registre-se que o capitalismo é um sistema marcado por três reconhecidas fases. A primeira denominada comercial (século xV a xVII), a segunda indus-trial (séculos xVIII e xIx), e a terceira denominada capitalismo financeiro, a qual teve início no contexto globalizado (a partir do século xx). 17 Não se ignore que esta concepção (autopoiética) desenvolvida por Luhmann, desde os anos 60, trouxe uma positiva renovação paradigmática em comparação à concepção mais fechada do positivis-mo dogmático, ao permitir melhor visão de certos fenômenos, como o da autolimitação e da unidade, e seus emparelhamentos com outros sistemas. Para Luhman, os sistemas autopoiéticos detêm “a capaci-dade de produzir relações consigo mesmos, e de diferenciar essas relações perante as do seu ambiente”. Contudo, ainda que nesta concepção o ordenamento jurídico seja cognitivamente aberto e permeável a certos acontecimentos, ele é, ao mesmo tempo, estrutural e operativamente fechado, implicando “con-tinuidade de confirmações generalizantes”, conforme assinalou CLAM, Jean. A autopoiese no direito. Tradução: Caroline Graeff. In: “Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito”, pág.90, In: ROCHA, Leonel Severo. SCHWARTZ, Germano. CLAM, Jean. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, pág. 90. Os comentários se baseiam na obra de Niklas LUHMANN: Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. São Paulo: Vozes, 2016, pág. 30.18 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Centralidade mundial, conflitos ideológicos e limites. Reflexão a partir do projeto transmoderno de Dusse. Publicado no Jota, em 19 de março de 2019. Seção Opinião e Análise. Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/ar-tigos/centralidade-mundial-conflitos-ideologicos-e-limites-19032019.19 LIMA, Newton de Oliveira. Direito e diversidade na Pós-Modernidade. Artigo publicado na Revista Jus Vigilantibus em 29/09/2008. Fonte: https://www.diritto.it/pdf_archive/26777.pdf.

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No atual cenário conjuntural há dois elementos novos. O primeiro está no binô-mio: financeirização e mundialização do capital. O segundo está no surgimento da eco-nomia sob demanda, com ênfase na intermediação eletrônica e imersa no capitalismo de plataforma. A propalada inovação ou teoria disruptiva constitui fenômeno, em que o lançamento de um novo produto ou serviço altera o paradigma de consumo. Geralmen-te, o produto disruptivo se inicia com um pequeno empreendimento inovador (startup), apresentando algumas (ou todas) destas características: simplicidade de uso; acesso fácil e abrangente; e novidade conceitual com valor tecnológico agregado. Além disso, é funda-mental que a novidade esteja ligada a um aplicativo conectado à internet. Não se ignore, aliás, a crescente mania mundial do esquisito homem pós-moderno em ficar interagindo em seu smartphone20. Este novo comportamento também afeta as relações de trabalho.

3. o surgimento do crowd work

Cada vez mais, empregadores estão usando a chamada ̀ nuvem humana` para a realização de suas necessidades pessoais e profissionais. Trata-se do crowd work (trabalho de multidão); serviço prestado completamente à distância em resposta às solicitações recebidas online, envolvendo pessoas de qualquer lugar do mun-do. Como exemplo, mencionem-se as microtarefas realizadas pelas plataformas virtuais de serviços, com destaque para a israelense Fiverr; a americana Amazon Mechanical Turk; e a australiana Freelancer. Na observação de Klaus Schwab, que se notabilizou pela descrição da Indústria 4.0, as atividades profissionais são sepa-radas em “atribuições e projetos distintos”, e em seguida lançadas em uma “nuvem virtual de potenciais trabalhadores, localizados em qualquer lugar do mundo”. 21

Na observação de André Zipper, o crowd work constitue uma categoria ímpar diante de suas quatro caracteristícias simultâneas:

a) relação triangular online entre a empresa da plataforma, o trabalhador da multidão e os requerentes (clientes da plataforma);

b) conexão direta entre o requerente do serviço e o trabalhador, via plataforma; c) prestação de trabalho pessoal; d) descontinuidade das relações promovidas pela plataforma, sendo curta

e específica a relação entre requerente e trabalhador22.

20 Conforme pesquisa feita pela Dscout em 2017, um usuário gastava, em média, 2,42 horas por dia e tocava 2617 vezes a tela do seu telefone. Número que tende a aumentar pro-gressivamente. Fonte: Gazeta do Povo. Curitiba. Edição semanal de 9 a 15 de dezembro de 2017. Fonte www.gazetadopovo.com.br.21 scHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. Título original: “The forth Industrial Revolution”. 1ª ed. 2ª. imp. São Paulo: Edipro, 2017, pág. 53. 22 ZIPPErEr, André Gonçalves. A multiterceirização e a subordinação jurídica. Biblio-teca da PUC/PR, Curitiba 2018. Tese de doutoramento, pág. 145.

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Geralmente, os trabalhadores são mulheres na faixa de 30 anos e com es-colaridade mediana, chamados de “provedores” que recebem valores em torno de US$ 2,00 por hora. Como exemplo, cite-se o serviço de tradução, pesquisa, ou revisão de texto estrangeiro; também a confecção de currículo, ilustração ou logomarca; a composição de jingles; consultoria jurídica ou financeira; dicas de negócio; conversação ou aula particular de língua estrangeira; edição de vídeo institucional, locução ou photoshop. Tarefas realizadas mediante comprovante de pagamento online. Entre os clientes mais famosos, que se utilizam dessas plataformas estão o Google, Intel, Facebook, AOL, NSA, Telekom, Honda, Pa-nasonic, Microsoft, NBC, Walt Disney e Unilever.

No início era comum o chamado outsourcing; contratação de produtos e serviços de terceiros com o objetivo de reduzir custos e ganhar tempo. Nesta mo-dalidade, as empresas assumiam o projeto como um todo, a exemplo da filmagem e edição integral de um evento. Posteriormente, percebeu-se que o crowdsour-cing era ainda mais vantajoso, seja porque nele se pode fragmentar o projeto em microtarefas a serem realizadas por diversos profissionais, seja porque os preços ficam ainda mais baratos em face da concorrência e pela promessa de entrega em prazos mais exíguos. Difundido nos EUA, o modelo ganhou força nos últimos anos e muitos países, a exemplo da Alemanha, mas ainda não decolou no Brasil.

Registre-se que o crowdsourcing nos remete a duas palavras crowd (nu-vem, multidão de interessados) + sourcing (distribuição ou terceirização de tare-fas). consiste, pois, em tomar a prestação de um serviço, tradicionalmente reali-zado por um único trabalhador, e descentralizá-lo indefinidamente, envolvendo um maior número de interessados na forma de convocação23. Trata-se de um modelo de criação e/ou produção que conta com a mão-de-obra e o conhecimen-to compartilhados no propósito de desenvolver soluções e produtos.

Dentro do gênero (economia sob demanda) temos duas espécies: a) o crowd work;e b) o trabalho sob demanda por meio de aplicativos. No primeiro há uma plataforma que terceiriza microtarefas para uma multidão de conectados em qualquer lugar do mundo, a exemplo da contratação de tradutores ou reviso-res de textos. No segundo modo de trabalho (sob demanda mediante aplicativos), o trabalhador atua em âmbito territorial e a plataforma não se limita a distribuir tarefas, mas interferir na seleção e no padrão da força de trabalho, como ocorre com montadores de móveis, cozinheiros ou motoristas do Uber24. 23 HoWE, Jeff, The rise of Crowdsourcing, Wired, junho, 2006. Fonte: https://www.wired.com/2006/06/crowds/.24 ARAÚJO, Wanessa Mendes de. Reflexões sobre a subordinação jurídica na era da Economia sob demanda. In: Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. Coord: Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues, José Eduardo de Resende Chaves Junior. São Paulo: LTr, 2017, pág. 182. A palavra Sharing Economy significa Econo-

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Uma novidade curiosa neste campo é o chamado “goleiro de aluguel”, aplicativo que disponibiliza a locação de um atleta cadastrado, mediante o paga-mento de R$ 30,00 a hora (aproximadamente), em valor a ser pago mediante car-tão de crédito ou boleto. Pode-se dizer que agora acabou o problema do grupo de amigos que sofria para encontrar alguém disposto a atuar na posição de goleiro. É só informar o local e a data que o contratado vai até lá se se somar aos amigos peladeiros (contratantes). Eis mais ums modalidade de “uberização” inserida na Gig Economy, modelo colaborativo em que trabalhadores se dispõem a executar tarefas ou projetos de curta duração. Registre-se que o termo gig foi cunhado na década de 1920 por músicos de jazz; uma abreviação da palavra engajamento (engagement) . Assim, ao se apresentarem em bares e pubs, era (e ainda é) co-mum convocar, de última hora, músicos profissionais disponíveis para o trabalho de free lancers em um projeto breve e específico.

Por outro lado, não se pode enquadrar qualquer negócio de plataforma como disruptivo ou oriundo da economia compartilhada, mas apenas aqueles em que há uma cooperação desinteressada e simétrica entre os protagonistas. Ana Frazão traz três modelos que estão sob o guarda-chuva desta Sharing economy25. Dentre aqueles que têm no seu núcleo relações:

a) sem natureza lucrativa, baseado apenas na troca de favores, ações solidárias ou de cooperação; facilitadas por um aplicativo ou meio virtual (site, blog, rede social); b) de natureza lucrativa, entre pares com igual poder de barganha, facilitadas por um aplicativo ou meio virtual (site, blog, rede social);c) de natureza lucrativa, protagonizados por um agente empresarial, cujo papel de controle vai muito além de um mero facilitador;

É fácil observar que apenas nos dois primeiros modelos (“a” e “b”) podere-mos falar em cooperação plena, sendo que o terceiro constitui uma dupla relação jurídica: de trabalho (entre o agente contratante e o trabalhador), e de consumo (entre a plataforma e o usuário do serviço). Neste sentido, observa Ana Frazão, se a eficiência dos novos negócios decorrer da sonegação de normas sociais – es-pecialmente do Direito do Trabalho e do consumidor – estaremos diante de um sério problema, a exigir esforço concentrado na busca de soluções regulatórias condizentes com a “primazia da realidade sobre a forma e da necessária corres-pondência entre poder empresarial e responsabilidade”26.

mia de compartilhamento (to share significa compartilhar).25 FRAZÃO, Ana. Economia do compartilhamento e tecnologias disruptivas. Jota Info. Publicado em 14/06/2017. Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-do-compartilhamento-e-tecnologias-disruptivas-14062017.26 FRAZÃO, Ana. Idem. Ibidem.

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Eis a nova dimensão da economia em que os prestadores de serviço deixam de ser empregados, protegidos pela lei (CLT), para se tornarem autônomos, fre-elancers ou intermitentes, quando contratados para tarefas específicas e sob de-manda27. conforme atesta a homepage Verdi (do Sindicato dos Serviços Unidos Alemão), os chamados trabalhadores da nuvem estão tomando conta do mercado de trabalho da Alemanha. Lamenta-se, contudo, que esta modalidade esteja longe da desejada concepção de pleno emprego, aproximando-se mais de uma ocupação efêmera, descartável, ou mesmo de um subemprego com dumping de preço.

Na lógica deste crowd work verifica-se um superpoder conferido ao contra-tante. sem qualquer ônus ou regulação prévia, o tomador escolhe a oferta de tarefa com o menor valor e o prazo mais curto, podendo, ainda, rejeitar o trabalho realizado que reputar inadequado. O trabalhador enjeitado não poderá contestar essa decisão e ainda corre o risco de ficar estigmatizado no ranking da rede. Em muitos casos, as próprias plataformas suspendem ou excluem os trabalhadores piores avaliados.

4. novas formas de trabalho remunerado

As recentes alterações na legislação trabalhista (mundo afora) criaram al-gumas figuras intermediárias de proteção. São novas modalidades de contratação com tutela moderada, a exemplo do teletrabalho, do parassubordinado28 e do con-trato intermitente (chamado pelo direito inglês zero-hour contract). Nesta espécie, o empregador contrata um grupo de trabalhadores para permanecer à sua disposi-ção em eventuais chamadas. Pode-se dizer que esses trabalhadores intermitentes são empregados “stand-by”, vez que ficam em suas casas (com o whatsapp liga-do), aguardando uma convocação que, muitas vezes, sequer se concretiza29.

No campo da retipificação dos contratos de trabalho, importa conciliar os interesses de todos interlocutores sociais. Na prática, contudo, o que se vê é uma substituição da noção de pleno emprego para subemprego, reduzindo-se o valor retributivo e o rol dos direitos trabalhistas. Exemplifique-se com outras modalida-des negociais: job-sharing30, consórcio de empregadores rurais31, terceirização e

27 O empregado intermitente também é protegido pela CLT, mas de forma precária, con-forme se vê do artigo 452-A, da CLT. 28 Registre-se que na Itália o lavoro parasubordinato encontra-se previsto no art. 409, item 3, do Código de Processo Civil.29 Não há qualquer certeza, previsão ou garantia de convocação nesta modalidade de trabalho. O trabalhador tem sua Carteira de Trabalho anotada, porém só recebe salário e 13º proporcionais aos valores e períodos que foi acionado. Em relação às férias, o trabalhador nada receberá, sendo consideradas como tais apenas o período destinado a um descanso annual, ocasião em que o empregador deixa de acionar o empregado intermitente.30 Registre que na Itália o job-sharing encontra-se previsto expressamente na Lei n. 30/03.31 Consórcio de empregadores rurais — previsto no art. 25-A da Lei n. 10.256/01 — consiste

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trabalho a tempo parcial32, dentre outros. A atual moldura legal que define vínculo de emprego surgiu a partir do modelo fordista industrial. ocorre que, com as mu-danças que se seguiram nos paradigmas toyotista e uberista, ao operador do direito do trabalho se impôs a releitura destes requisitos legais33. Dito de outro modo: os pressupostos do vínculo de emprego deverão ser reinterpretados, sob pena das no-vas formas de trabalho ficarem (todas elas) excluídas da proteção da lei trabalhista, conforme se vê da decisão do Tribunal do Trabalho do Espírito santo:

“Parassubordinados. Torna-se cada vez maior a dificuldade do operador do direito apurar a relação de emprego, em especial o traço característico consagrado pela doutrina tradicional, a subordinação jurídica, frente aos novos contornos das relações econômicas e jurídicas advindas da pós-modernidade.” 34

Nos últimos tempos também cresceu a execução do trabalho à distância, fragmentado, remunerado por resultado útil, digitalizado e monitorado pelo uso da telemática. Importa esclarecer que esta expressão (telemática) nasceu da com-binação da telecomunicação com a informática. Assim, são exemplos: a internet, a intranet, a webcam, o celular, o Skype, o WhatsApp, o Viber, a teleconferência, o Msn, dentre outros. são, pois, todos os serviços de transmissão de informação a distância (texto, imagem e som) que se utilizam da telecomunicação (telefo-nia, digitalização, fibras óticas, satélite) e da Informática (PCs, softwares, redes). Exemplo disso é a regulação do teletrabalho previsto no artigo 75-B da CLT, considerado como tal toda “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Nas relações de trabalho intermediadas por aplicativos, o código-fonte e os algo-ritmos de comando representam a estrutura contratual que, muitas vezes, apontam para

na união de empregadores rurais, pessoas físicas, com a finalidade única de contratar trabalhadores rurais, que anotam a CTPS e respondem de forma solidária em relação às obrigações trabalhistas. Trabalho intermitente — trata-se de um contrato por prazo indeterminado com cláusula de intermi-tência. Essa cláusula prevê o revezamento de períodos de trabalho e períodos de inatividade, sendo o empregado retribuído em função do tempo e do volume de trabalho efetivamente prestado.32 Part-time ou trabalho a tempo parcial, caracterizado pelo trabalho em jornadas reduzi-das de até 30 horas semanais, recebendo salário e demais direitos de forma proporcional ao número de horas em comparação aos colegas que trabalham em tempo integral na mesma função. Inteligência do art. 58-A da CLT.33 Registre-se que a relação de emprego contém cinco requisitos legais. Quatro decorrem diretamente do art. 3º da CLT — pessoa física, serviços não eventuais, sob dependência e percepção de salário —, e um deriva do art. 2º da CLT — prestação pessoal do serviço.34 (Tribunal Regional do Trabalho do Espírito SantoRT 17ª R.; RO 00571.2006.131.17.00.1; Ac. 7986/2008; Rel. Cláudio A. Couce de Menezes; DOES 27/08/2008; Pág. 7).

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uma dimensão de subordinação jurídica35. E, assim, por mais que o contrato de trabalho declare uma relação autônoma, caso fique demonstrado que os algoritmos do código-fonte vinculam o modus operandi do trabalhador, será aplicado o pricípio da prevalência da realidade, afinal code is law36. É, pois, o exemplo dos motoristas submetidos às dire-tivas do sistema operacional do Uber. A propósito, Sidnei Machado observa que o saldo desse século é que “o critério da subordinação para qualificar o contrato de trabalho ficou atrofiado”, criando um grande fosso entre regulação e proteção social:

“o novo modelo deve, agora, incorporar as múltiplas formas de trabalho pessoal, as quais devem receber uma sistematização normativa coerente com a autonomia controlada. Essa proposta deve ser pensada como uma regulação ampla, como um horizon-te da política interpretativa e normativa.”.37

Não por acaso a OIT editou, há mais de uma década, na 95ª conferência Mundial de 15 de junho de 2006, a Recomendação n. 198 sobre Relação de Tra-balho. A partir dela, os Estados-membros devem formular e aplicar uma política nacional destinada a examinar, esclarecer e adaptar a legislação pertinente com a finalidade de garantir uma proteção efetiva aos trabalhadores. Em junho de 2015, a conferência Internacional do Trabalho (cIT), aprovou outra recomendação de n. 204 relativa à transição da economia informal para formal; mais um passo importante para alcançar seu objetivo maior: trabalho digno e decente. o jurista Américo Plá Rodriguez lembra, a propósito, que o princípio de proteção não constitui obstáculo às mudanças exigidas pelos tempos, pois a “sua própria ma-leabilidade lhe permite manter a substância mesmo que tudo o mais se mude” 38.

35 SILVA, Tiago Falchetto. O elemento regulador do ciberespaço, o código-fonte, e-Dis-covery e o Contrato-Realidade Virtual na Sociedade de Informação. In: Tecnologias disrup-tivas e a exploração do trabalho humano. Coord: Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues, José Eduardo de Resende Chaves Junior. São Paulo: LTr, 201Pág. 328. 36 A máxima contemporânea code is law traduz a ideia de que existe um agente regulador oculto, mas real. Trata-se do código-fonte dos aplicativos, que determina e condiciona a inte-ração dos sujeitos com o mundo virtual.37 como se vê, o debate acerca do novo conceito de subordinação jurídica não pode se dissociar da evolução doutrinária, experimentada pelo direito comparado e pelo mundo do trabalho. Por outro lado, não se ignore a astúcia do ideário neoliberal que, aproveitando-se do anacronismo dos requisitos legais da relação de emprego, pretende deformar o Direito do Tra-balho, sobretudo em sua tentativa de esvaziar a proteção jurídica dos trabalhadores. MACHA-Do, sidnei. O critério do contrato de trabalho. In: Reforma trabalhista e sindical: o direito do trabalho em perspectiva. Homenagem a Edésio Franco Passos. São Paulo: LTr, 2005. p. 55.38 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução: Wagner Gi-glio. 3. ed. 2000, 2. tir. 2002. p. 82. Registre-se que a 1. ed. foi escrita em 1978.

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5. o precariado e a precarização do trabalho

A lei trabalhista de proteção ao trabalhador nasceu no final do século xIx como forma de aplacar os conflitos sociais, que se instauravam em face das tensões provoca-das pela Revolução Industrial. Nesta época de gritante e injusta exploração do trabalho, o sistema capitalista cedeu espaço para as primeiras leis protetivas ao trabalhador.

Posteriormente, com o desenvolvimento da economia e a consolidação do Estado do Bem-Estar, a legislação social tornou-se mais ampla. Esta tendência per-durou até o final da década de 1970. A partir de então, com a introdução da ideo-logia neoliberal, a iniciativa privada passou a adotar postura de produção e organi-zação de trabalho mais flexíveis. Registre-se que a palavra “flexível” nos remete, a priori, à noção de algo positivo, complacente e tolerante. contudo, no campo das relações de trabalho, a expressão aparece como algo negativo à classe trabalhadora. Se antes havia uma legislação sólida que a protegia, doravante tornou-se líquida e regida pelos interesses do mercado e do capital. Direitos antes conquistados foram revogados mundo afora, sobretudo a partir da década de 1990 e até hoje. Tudo em nome da competitividade e de uma suposta modernização da empresa. Some-se a isso a ansiedade imposta por um Mercado integralmente conectado e globalizado que ignora fusos horários e limites de jornada, ao impor decisões em tempo real de seus gerentes e subalternos por meio de um trabalho full time e exaustivo.

Nas últimas duas décadas verificaram-se sensíveis Reformas Trabalhistas no velho continente: Na Alemanha, conhecida como Plano Hartz (iniciada em 2003); em Portugal (em janeiro de 2012); na Espanha (decreto assinado em 2012); e na França (em vigor a partir de agosto de 2016). Nos quatro casos, os índices de oferta de emprego ficaram aquém do esperado. Tal fato reforça a conclusão de que a redução de desempregados combate-se com o aquecimento da economia.

O afrouxamento exagerado da legislação trabalhista precariza o trabalho e reduz o exército de consumidores, fato que contribui para aumentar a estagnação econômica. A fim de comprovar essa ilação, trago o exemplo do setor bancário aqui do Brasil, país onde os banqueiros obtiveram lucros altíssimos nos últimos anos ao mesmo tempo em que substituíram os postos de emprego pelo incremen-to da tecnologia. Veja esta notícia:

“Bancos em 2016: concentração e lucro elevado mesmo com reces-são. Cinco maiores instituições respondem por 87% das operações de crédito no Brasil. Apesar disso, em todas houve fechamento de postos de trabalho, com mais demissões do que contratações”. 39

39 Redação Rede Brasil Atual. RBA. Matéria publicada em 17/04/2017, 19h41. Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2017/04/bancos-em-2016-concentracao-e-lu-cro-elevado-mesmo-com-recessao-2.

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O Brasil seguiu a mesma pauta europeia de flexibilização, conforme se vê nas medidas legislativas que afetaram os contratos de trabalho, iniciadas no Go-verno Fernando Henrique Cardoso. Posteriormente, em novembro de 2017, sobre-veio nova e abrupta reforma Trabalhista40. Ao invés de alterações pontuais, desta vez o legislador exagerou na dose, modificando mais de uma centena de dispositi-vos. Não bastasse isso, a nova lei criou inúmeros mecanismos de intimidação para o trabalhador que pretenda ajuizar ações judiciais em busca do pagamento de seus direitos41. Mais que simples alterações, houve precarização das relações de traba-lho, conforme revela pesquisa realizada com as empresas de São Paulo:

“Para 70% das empresas de SP, Reforma Trabalhista não é gran-de incentivo a contratações e investimentos. Pesquisa da Fiesp mostra que apenas 22,2% dos empresários paulistas acreditam que a reforma incentiva muito a ampliar os investimentos e as contratações de empregados”.42

De minha parte tenho séria preocupação com este cenário jurídico e conjun-tural, a começar pela hegemonia cibernética que, sem qualquer pudor, despreza o valor do trabalho humano. A Inteligência Artificial veio para se sobrepor à figura do homem, prejudicando-o naquilo que lhe é relevante: o emprego como fonte de subsistência. creio que o avanço tecnológico deve ser conciliado com uma pauta de inclusão e dignidade ao ser humano, sob pena de nos tornarmos autofágicos. Neste sentido, se de um lado o investimento nesta área deve ser bem acolhido, de outro também deve ser regulamentado com base nos princípios constitucionais já mencionados. o legislador não deve hesitar quando se trata de por alguns limites éticos ao mercado de trabalho diante da automação, conforme já o fez, uma única vez, em relação à proibição do abastecimento dos combustíveis através de bombas self-service (medida legal isolada que protegeu o emprego dos frentistas43).

O professor do Collège de France, Alain Supiot, observa que todos os re-cursos humanos estão envolvidos na guerra da competitividade, tendo a lei tra-40 Trata-se da Lei 13.467/17.41 Segundo a jurista portuguesa Redinha, a flexibilização das normas trabalhistas implica emprego precarizado, medida que deixa de se confinar a um reduto marginal ou esporádico de mão-de-obra “para invadir a zona do emprego estável ou permanente” REDINHA, Maria regina Gomes. A relação laboral fragmentada. Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pág. 71.42 Matéria publicada na InfoMoney com Bloomberg, em 28 de abril de 2017. Fonte: http://www.infomoney.com.br/carreira/clt/noticia/6402750/para-das-empresas-reforma-tra-balhista-nao-grande-incentivo-contratacoes-investimentos.43 Refiro-me ao art. 7º., xxVII, da Constituição Federal de 1988. Lamenta-se que até agora apenas os postos de gasolina tenham sido atingidos pela proteção do mercado de tra-balho em face da automação (Lei 9956/2000). Outros ramos como, por exemplo, o bancário, deveria ter legislação equivalente.

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balhista se deslocada do contexto de Estado total para o do Mercado total44. Para o catedrático francês não se pode ignorar dois significativos fenômenos decor-rentes da globalização:

a) extinção das fronteiras do comércio e livre circulação dos ca-pitais, acirrando a competição das legislações nacionais; b) revolução digital que autoriza a desterritorialização do traba-lho e cria novas técnicas de gestão fundadas na programação (e não mais na obediência) dos trabalhadores;

Diante destes fatores, supiot aponta para duas tendências opostas acerca do futuro das regras trabalhistas. A primeira, de orientação transformista, con-siste em submeter o recurso humano à eficiência econômica como um elemento numérico que se deve vergar (se possível sem quebrar) às exigências do mercado total. A segunda, de orientação reformista, pretende inserir a justiça social (e não o mercado) no coração do debate político mundial, buscando submeter o poder regulamentador das normas ao princípio de democracia em detrimento da gover-nança apenas econômica (e sua ideia única de sobrevivência)45.

em tom de conclusão

Verifica-se larga distância entre a vontade manipulada e a vontade real da maioria que anela do Estado a edição de eficientes normas-tarefas no intento de superação, dignidade e emancipação social. A propósito da implicação desse qua-dro conjuntural nas relações de trabalho, Francisco Rossal traz a seguinte análise:

“As conquistas sociais são duramente castigadas por uma ide-ologia que chama de competitividade e eficiência a tarefa de manter as margens de lucro a qualquer preço. Trata-se de um discurso muito bem montado, que é realizado sob a falsa aparên-cia da evolução quando, na verdade, traz uma nova era de con-centração de riqueza, retirando das classes sociais mais pobres em benefício dos mais ricos”.46

44 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Trad. Antonio Monteiro Fernandes. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: 2016, pág. LxVIII. 45 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Trad. Antonio Monteiro Fernandes. Funda-ção Calouste Gulbenkian. Lisboa: 2016, pág. Lxx a LxxIV (Prefácio à Terceira Edição de 2016)46 ARAÚJO, Francisco Rossal de. O direito do trabalho e o ser humano. Revista LTr n. 62, São Paulo: Setembro/98, p. 1178. “Os operadores jurídicos, continuam apegados às ve-lhas fórmulas de Direito patrimonial, não percebendo que essa nova realidade transforma o trabalho em um bem escasso e que sua distribuição não pode ser feita unicamente pelas leis do mercado”, complementa o magistrado.

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Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor algumas tarefas, transformando-se em força ativa, caso exista “a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida”, observa Hes-se47. Nesta conjuntura, resta saber se a manutenção do modelo de constituição Dirigente, adotado pelo constituinte brasileiro de 1988, compõe mecanismo efi-ciente de concretude das garantias fundamentais. Será esta a sua missão diante das ameaças provenientes da hegemonia econômica neoliberal e o avassalador capitalismo de mercado total?

Para responder esta indação uma última reflexão merece ser sublinhada à luz da nova cultura pós-moderna que se apresenta avessa a qualquer verdade sólida ou dogmatismo metafísico. o atual Neoconstitucionalismo que reforça a força normativa da constituição acaba se convertendo no último bastião ou âncora de sustentação dos direitos fundamentais; fundamento último para a com-preensão do poder, das relações e dos difusos valores da sociedade.

Ao longo do século xIx e até o fim da Segunda Guerra mundial evidenciou-se insuficiente a construção meramente individualista dos direitos fundamentais. Não há liberdade para aquele que não dispõe de recursos mínimos, daí a importân-cia dos direitos sociais e das prestações positivas do Estado enaltecidas nos moldes da Democracia substantiva e das constituições Dirigente48. O cenário de desigual-dade e de ausência de emancipação social não se modificaram a ponto de dispen-sarmos o estatuto compromissário e programático que prestigia a concretude das garantias fundamentais, nelas incluídas os direitos sociais e trabalhistas. Ao con-trário, o que se vê há uma gritante e discrepante distribuição de renda. De acordo com a análise da Oxfam (Relatório 2019), 26 pessoas possuem atualmente a mesma riqueza que os 3,8 bilhões que compõem a metade mais pobre da humanidade49.

Por outro lado, observa-se que o mercado se sobrepõe a toda vida social, a qual fica sintetizada numa relação de custo/benefício, esvaziando o espaço para a reivindicação de direitos sociais, o que leva ao “enfraquecimento da cidadania”50. No meio dessa tensão de valores encontra-se a comunidade legislada: o povo brasi-leiro. Será que nesta dialética histórica somos protagonistas ou meros coadjuvantes? 47 HEssE, Konrad. A força normativa da constituição. Título do original: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: sérgio Antonio Fabris Editor. 1991, p. 18 e 19. 48 FoNsEcA, ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência. Lapidação dos Direitos Humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2006, pág. 60.49 Fonte: oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/2019_Bem_Publico_ou_Riqueza_Pri-vada_pt-BR.pdf?utm_source=site&utm_medium=social&utm_campaign=davos2019_da-vos2019-leads-site&utm_content=visitantes-site&utm_term=botao-baixe_botao-baixe_cpc_botao-site_baixar.50 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica política e direito. Análise das maze-las causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 319.

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A força normativa de uma constituição tem como requisito não só os ele-mentos sociais, políticos, e econômicos dominantes, mas também, nas palavras de Hesse, a incorporação do “estado espiritual de seu tempo”51. ocorre que na atual era pós-moderna, ao mesmo tempo em que nos deparamos com uma sociedade em transição de valores, costumes e anseios, verificamos uma espécie de ameaça e deboche à constituição cidadã, advindos dos neoliberais que pretendem impor a facilitação do capital especulativo, a supressão de direitos sociais e um novo modelo constitucional remendado e transfigurado. Ainda não conseguiram!

E como ficam as novas relações de trabalho fragmentadas, em especial o crowd work, diante desse novo cenário?

Não se pode ignorar que uma legislação reguladora desta nova modali-dade de trabalho se impõe. Algo intermediário entre o empregado subordinado (celetista) e o prestador de serviço autônomo. Pode-se dizer que o trabalhador de plataforma é um parassubordinado, vez que presta o serviço de acordo com as di-retrizes, prazo e preço do contratante, diferenciando-se do autônomo que guarda maior protagonismo em relação a esses itens.

O atual Direito do Trabalho foi edificado sob os moldes de um capitalismo industrial, sendo que hoje o capitalismo imperante é o do mundo digital e das plataformas. Para Alain Supiot tivemos, com as primeiras leis trabalhistas (fim do século xIx), o avanço social de estabelecer a liberdade formal de trabalhar, princípio ligada “à noçao de trabalho abstracto, de trabalho objecto de negócio”. Hoje, observa o professor de Nantes, o emprego assalariado em tempo completo é algo cada vez mais raro, impondo-se inaugurar um novo “princípio da igualda-de de tratamento a favor dos trabalhores atípicos”, cedendo-se, pois, à tentação quantificadora do mercado que reduz o sujeito a um mero custo ou unidade nu-mérica52. Para Zipperer, a tutela deve atender aos direitos de personalidade do trabalhador, a exemplo da sua “reputação online” decorrente do sistema de ava-liação das plataformas, ou mesmo o “direito à portabilidade das informações”53.

De nossa parte, além desses aludidos direitos de personalidade, os traba-lhadores parassubordinados, a exemplo do motorista do Uber ou do tarefeiro de plataforma (crowd work), devem ter uma proteção legal em torno de quatro itens:

a) piso remuneratório digno; b) gratificação natalina;

51 HEssE, Konrad. A força normativa da constituição. Título do original: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: sérgio Antonio Fabris Editor. 1991, p. 20.52 SUPIOT, Alain. Crítica ao direito do trabalho. Tradução de António Monteiro Fernan-des. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekain, 2016. p.340, 342 e 352.53 ZIPPErEr, André Gonçalves. A multiterceirização e a subordinação jurídica. Biblio-teca da PUC/PR, Curitiba 2018. Tese de doutoramento, pág. 243.

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c) indenização por tempo de serviço; d) limitação de jornada. E nem se diga que isso é inviável para tais moda-

lidades disruptivas. As jornadas extenuantes podem ser evitadas, via algoritmo, com o próprio

bloqueio do sistema cada vez que o trabalhador exceder um número “x” de horas. A gratificação de fim de ano (equivalente a um 13º salário) e a indenização por tempo de serviço podem ser pagas do mesmo modo que são aos representantes comerciais autônomos ou aos empregados domésticos (valores embutidos no pa-gamento mensal ou anual). Quanto à necessidade de um piso, trata-se de um va-lor-hora mínimo para a execução das tarefas, evitando-se assim o odioso e avil-tante dumping de preço. É fundamental assegurar uma contraprestação mínima (um valor-hora proporcional ao do Salário Mìnimo), que observe o dia normal de trabalho (de 8 horas), o acréscimo de 50% para o que exceder disso, e um blo-queio do sistema operacional para quem ultrapassar o limite de 12 horas ao dia.

Por certo, algumas vozes irão criticar essa proposta de regulação do traba-lho parassubordinado, sob o argumento de que irá onerar o custo do consumidor e inibir a autonomia do trabalhador. Não penso assim. Infelizmente, a sanha lu-crativa do ofertante e o desespero social do trabalhador fazem desaparecer qual-quer bom senso ou preocupação com o que é razoável no campo de proteção ao trabalho. A legislação trabalhista nasceu com este propósito regulador, o qual persiste, com maior razão, nos dias de hoje. Não por acaso temos assistidos a tantos acidentes de trabalho; esgotamentos e síndromes de burnout; acidentes de trânsito e tantos outros adoecimentos advindos do trabalho ilimitado. Existe algo que se chama “poupança forçada” ou mecanismos que assegurem previsibilidade e segurança para a dinâmica da vida.

Nessa esteira, importa regular as relações de trabalho (inclusive do labor de plataforma). Não se trata de uma regulamentação minuciosa como a do empregado celetista, mas um mínimo que garanta dignidade. A área da economia comporta-mental vem se alargando no estudo científico da suscetibilidade e da vulnerabili-dade do homem, sobretudo quando se está em jogo a satisfação de seus desejos e necessidades de subsistência. Logo, uma intervenção trabalhista mínima, que as-segure jornada razoável de trabalhado (ainda que com boa margem discricionária); gratificação natalina (que também agrada os comerciantes na tradição de fim de ano); indenização para a dispensa injustificada; e um piso digno de contraprestação são, pois, medidas regulatórias que se impõem para o bem de todos. Nas palavras de Wandelli, é preciso que toda forma de trabalho seja capaz de assegurar, em ter-mos jurídico e solidário, “patamares de acesso a bens, respeito e estima sociais que permitam diversificadas formas de vida digna daqueles que vivem do trabalho”54.

54 WANDELLI, Leonardo. O direito do trabalho como direito humano e fundamental:

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A nossa ordem jurídica constitucional contém dispositivos que dão susten-tação para esse desiderato. Seja a valorização do trabalho humano como princí-pio, a dignidade como fundamento, e a concretização dos direitos fundamentais (sociais e trabalhistas) como objetivo. Inteligência dos artigos primeiro, quinto, 170 e 193 da Constituição da República. Para tanto, deve-se prestigiar a concep-ção substantiva do (neo)constitucionalismo, que valoriza os princípios proemi-nentes, a força da constituição Dirigente e o valor da dignidade humana.

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ZIPPErEr, André Gonçalves. A multiterceirização e a subordinação jurídica. Biblioteca da PUC/PR, Curitiba 2018. Tese de doutoramento, pág. 145.

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terceiriZaÇÃo de atiVidades emPresariais e intermediaÇÃo de Pessoas traBaLHadoras

José Eduardo de resende chaves Júnior1

1. introdução

A reforma trabalhista vem de permitir a terceirização na atividade principal da empresa. Na mesma linha, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 30 de agosto de 2018, apreciando o tema 725 de repercussão geral, vencidos os Minis-tros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, fixou a seguinte tese: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

A Suprema Corte houve por bem, assim, priorizar a faticidade da terceiri-zação, em detrimento de sua validade jurídica e jurisprudencial, superando a tese da distinção entre atividade-meio e atividade-fim, distinção essa que havia sido estabilizada pelo Colendo Tribunal do Superior do Trabalho, desde a fixação da Súmula 256, editada em 1986, a partir da interpretação das leis do contrato tem-porário (Lei 6.019/1974) e dos serviços de vigilância (Lei 7.102/1983).

O STF, por outro lado, deixou claro que não se manifestava sobre a nova re-gulação, a partir das Lei das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, o que abre ensejo para que a doutrina construa uma interpretação sistemática, do ponto de vista jurídico e constitucional, a respeito desse recurso de gestão de organização do trabalho humano.

A partir da Reforma Trabalhista e da supra-referida fixação da tese 725 de repercussão Geral, cumpre, pois, à doutrina trabalhista a difícil tarefa de proceder à reconstrução de alguns de seus marcos teóricos sobre o fenômeno de organização do trabalho denominado outsourcing ou terceirização, a fim de adaptá-los a essa nova realidade jurídica.

Essa reflexão não é uma idiossincrasia do Direito do Trabalho brasileiro. Nos Estados Unidos da América, é justamente esse o debate do momento, só que em sentido oposto ao que verificamos aqui. Lá a preocupação é justamente em regular de forma mais tuitiva a subcontratação de trabalhadores, como se viu na polêmica envolvendo o recente caso Dinamex2, em que o tradicional método 1 José Eduardo de resende chaves Júnior, é Doutor em Direitos Fundamentais, Profes-sor Adjunto do IEC-PUCMINAS, Desembargador do TRT-MG, Presidente da União Ibe-ro-Americana de Juízes - UIJ e Diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho - IPEATRA.2 30 abril 2018 - in tHe sUPreme coUrt oF caLiFornia - DYNAMEx OPERATIONS WEST, INC., Petitioner, S222732 v. Ct.App. 2/7 B249546 THE SUPERIOR

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Borello, em vigor desde 19893, foi substituído, e com efeito retroativo (sic), pelo método ABc, menos rigoroso para o reconhecimento do vínculo de emprego.

2. terceirização de atividade empresarial e intermediação de Pessoas trabalhadoras

A Lei 13.429/2017, que antecedeu por alguns meses a reforma trabalhista, alterou a redação do artigo 1º da Lei 6.016/1974, para regular as relações de trabalho tanto nas empresas (I) de trabalho temporário e como naquelas de (II) prestação de serviços. Institui-se, pois, a partir de então, uma dicotomia bem clara entre duas atividades empresariais.

A primeira, consiste na atividade empresarial de intermediar a contratação de pessoas trabalhadoras, para atender (I) à necessidade de substituição transi-tória de pessoal permanente ou à (II) demanda complementar de serviços (artigo 2º, caput, da Lei 6.019/19744).

Por outro lado, cria-se a possibilidade de transferência de qualquer ativi-dade da empresa - até mesmo de sua atividade principal - à empresa de prestação de serviços, que possua capacidade econômica compatível com a execução des-sas atividades transferidas (artigo 4º-A da Lei 6.019/19745).

Essa distinção é bem marcada também em relação à empresa beneficiária, denominada empresa contratante de umas de suas atividades empresariais(artigo 5-A da Lei 6.019/19746), ou, na hipótese de intermediação, de empresa toma-dora de trabalho temporário(artigo 5º da Lei 6.019/20177).

Dessa forma, percebe-se bem que, em sede do trabalho temporário, tem-se uma outorga legal, restrita e por tempo determinado, para a intermediação de

COURT OF LOS ANGELES COUNTY, Los Angeles County Respondent; ) Super Ct. No. BC332016 CHARLES LEE et al., Real Parties in Interest.3 S. G. Borello & Sons, Inc. v. Department of Industrial Relations (1989).4 Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. (Redação dada pela Lei n. 13.429, de 2017).5 Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017).6 Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017).7 Art. 5º Empresa tomadora de serviços é a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário com a empresa definida no art. 4º desta Lei. (Redação dada pela Lei n. 13.429, de 2017).

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pessoas trabalhadora, ao passo que na esfera das empresas de prestação de ser-viço cuida-se da terceirização das atividades empresariais da empresa tomadora - tanto na atividade-meio, como na atividade-fim e principal.

É essencial, pois, captar a preocupação da mens legis - que evidentemente transcende a mera mens legistoris - em cuidar dessa distinção fundamental entre a ter-ceirização de atividade empresarial e a intermediação de pessoas trabalhadoras.

A intermediação das pessoas há de se dar, evidentemente, de forma restrita e limitada às hipóteses exceptivas expressamente prescritas em lei, porquanto se forem estendidas, de forma ampla e irrestrita, passam a configurar a odiosa mer-cantilização do trabalho humano, prática condenada universalmente, até mesmo pelo anexo aderente - Declaração da Filadélfia - à Constituição da Organização Internacional do Trabalho, preceito esse que fundamenta e justifica a própria existência desse referido organismo internacional.

É importante ressaltar, nessa ordem de idéias, que a transferência da ativi-dade, para efeitos trabalhistas, seja ela meio, fim, inerente ou principal, há de se operar de forma ampla e total, sem qualquer ingerência ou direção no trabalho da pessoa contratada pela empresa de prestação de serviço, por parte da empresa que promove a transferência da atividade.

Nem se alegue que tal não seria possível na realidade produtiva, pois é isso exatamente o que ocorre em vários formas de divisão e organização da pro-dução, como, por exemplo, entre as (I)montadoras de automóveis e a indústria de fabricação de pneus e as (II)indústrias de auto-peças. Também se verifica tal transferência de atividade quando se contrata um (III)serviço de licença de uso e manutenção de software, nos casos de (IV)arranjos de pagamento previstos pela Lei 12.865/2013, na (V)vigilância e transporte de valores e, ainda, no (VI)transporte de cargas ou nas (VII)atividades de asseio e conservação. Em outras palavras, nesse caso o que a tomadora contrata é apenas o produto ou resultado final da atividade econômica e não a intermediação de pessoa.

A direção do trabalhador por parte de outrem que não o empregador só é possível, portanto, em sede restrita da intermediação do trabalhador por meio de empresa de trabalho temporário. Essa é, aliás, a única explicação exegética plausível para que a alteração promovida pelas leis 13.429/2017 e 13.467/2017 consagrasse a mencionada distinção entre as empresas de (I)trabalho temporário e aquelas de (II) prestação de serviço.

se houvesse o legislador permitido a intermediação indiscriminada de traba-lho humano, não haveria sentido prático, muito menos jurídico, a sustentar a referida distinção entre as atividades empresarias previstas na Lei 6.016/1974, pois a empre-sa de prestação de serviço poderia, evidentemente, exercer a tanto atividade de inter-mediação de trabalho temporário, como a de intermediação do trabalho permanente.

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Do ponto de vista dogmático, isso fica muito claro também pela manutenção da redação dada ao parágrafo primeiro do referido artigo 4-A da Lei 13.429/2017, pela Lei 13.467/2017, que dispõe expressamente que cabe à empresa terceirizada, e não à contratante, a direção do trabalho de seus empregados 8.

Em se permanecendo na prática e na realidade do trabalho, seja de modo patente, seja de maneira indireta, latente, virtual ou dissimulada a direção do trabalho ou ingerência na atividade laboral por parte da contratante, fica evidente que não há transferência efetiva e real da atividade econômica, mas, sim, puro délit de marchandage, como capitulado no artigo L8231-19 do código do Tra-balho francês, que pode perfeitamente incidir nessa hipótese para integração do ordenamento brasileiro, como autorizado pelo art. 8º da CLT.

A ratio decidenti traduzida nos votos orais proferidos em Plenário por oca-sião da fixação da já referida Tese 725 do STF são no sentido de que a terceiri-zação se justifica, sim, como tendência contemporânea da produção de especia-lização de atividades, não como estratégia para rebaixar o valor da remuneração dos trabalhadores. A Ministra Carmen Lúcia foi enfática e chegou a afirmar que se a terceirização se dissimular como estratégia de precarização ou violação da dignidade do trabalho “há o Poder Judiciário para impedir os abusos”10.

A transferência da atividade empresarial tem como fundamento científico e econômico da organização do trabalho otimizar a especialização das atividades, com o intuito de ganhar produtividade. É importante registrar, contudo, a distinção pro-dutividade de produção. Produtividade é a capacidade, a potencialidade de produzir de forma mais eficiente e sustentável, por meio da especialização ou do uso de novas tecnologias. Aumentar a produção aumentando a carga e a jornada de trabalho não significa aumentar a produtividade, senão precarizar condições de trabalho e renda.

3. a transição da disciplina ao controle

o Direito do Trabalho tradicional foi construído tendo em consideração uma sociedade disciplinar (FOUCAULT), da fábrica, do capitalismo industrial, 8 Art. 4º-A. (...) § 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. (grifo nosso). 9 “article L8231-1Le marchandage, défini comme toute opération à but lucratif de fourniture de main-d’oeuvre qui a pour effet de causer un préjudice au salarié qu’elle concerne ou d’éluder l’application de dispositions légales ou de stipulations d’une convention ou d’un accord collectif de travail, est interdit.” (A mercan-tilização, definida como qualquer operação de fornecimento de trabalho com fins lucrativos que resulte em prejuízo salarial ao funcionário a quem se relaciona ou que evite a aplicação de disposições legais ou estipulações de um contrato ou de um contrato coletivo de trabalho, é proibida) (tradução livre).10 Publicação virtual do STF, disponível em http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDeta-lhe.asp?idConteudo=388429&caixaBusca=N acesso em 16 set 2018.

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em que havia a necessidade da disciplina individual do corpo do trabalhador. A linha de produção necessitava de uma disciplina horária para não ser interrom-pida. Essa disciplina haveria de ser individualizada, pois os postos de trabalho eram individualizados e específicos. A busca pela produtividade linear impunha esse tipo de organização disciplinar do trabalho.

Mas não já podemos mais pensar a regulação do trabalho humano a partir dessa perspectiva do inicio do século passado. Já estamos em transição para a sociedade do controle (DELEUZE), do empreendimento em rede, na qual dis-pensa-se a especificação individual do trabalho. É necessário apenas o controle coletivo e estatístico dos trabalhadores, para ajustar a oferta à demanda.

Na sociedade disciplinar, segundo Foucault, a disciplina dos corpos pelos poderes, por meio da vigilância, passa a ser mais rentável do que a punição. A vi-gilância acabava internalizando a auto-disciplina do cidadão e do trabalhador. A vigilância é sempre mais eficiente, abrangente e até possui maior economicidade, do que o ato de punição11.

A disciplina se espraiou do poder político para os poderes econômicos e privados, ela se estende do cidadão, do Estado, da prisão para a família, para a escola, para a religião e até para as correntes científicas.

A fábrica é a tradução na esfera da produção da sociedade disciplinar12. A disciplina é desdobrada no plano da produção, por meio da organização taylorista, da linha de produção, que estabelece um vínculo linear no trabalho, que se internali-za subjetivamente no operário, como estratégia de disciplina ética, de vigilância. A potencialidade de a interrupção individual do trabalho interditar a linha de produção sobrecarrega, no indivíduo, a responsabilidade pela produção coletiva. com isso di-minui-se sobremaneira a necessidade de aplicação do ato de punição.

11 “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que reali-zam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação.” FOUCAULT,1987, p. 164.12 “A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião “só abrirá as portas à entrada dos operários, e depois que houver soado o sino que anuncia o reinicio do trabalho”; quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de en-trar; no fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao guarda suíço da fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e “cabalas”); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho: A ordem e a polícia que se deve manter exigem que todos os operários sejam reunidos sob o mesmo teto, a fim de que aquele dos sócios que está en-carregado da direção da fábrica possa prevenir e remediar os abusos que poderiam se intro-duzir entre os operários e impedir desde o início que progridam.” FOUCAULT,1987 p. 169.

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Esse sistema é desdobrado juridicamente para o modelo de vigilância la-boral, por meio do contrato de trabalho subordinado, no inicio do século xx. A disciplina ganha, assim, sua potência jurígena, de forma a diminuir a necessidade da aplicação do ato ineficiente de punição.

Mas, por outro lado, com a evolução da sociedade industrial, sobretudo com a cri-se estrutural deflagrada em 1973, em virtude da elevação do preço do petróleo, o padrão de acumulação taylorista perde sua eficácia. Seja pela intensificação da concorrência, em plano planetário, seja pelo aumento dos vínculos de solidariedade sindical, solidariedade essa que se vê beneficiada tanto pelo modelo de indivíduo-protagonista na produção linear - por fortalecer sua capacidade de prejudicar o potencial de produção - como pela consolidação de uma outra ética social, de luta de classe dos não proprietários.

Para o capitalismo da grande indústria a crise é o cenário ideal e necessário para a superação do padrão de acumulação rígida, que, aliás, já havia se iniciado nos 50 no Japão. Do taylorismo/fordismo a produção da grande indústria desloca-se para o modelo ohnista/toyotista, em que a produção linear e vertical é substituída por uma concepção mais reticular e horizontal, de forma de diminuir a potência relativa do trabalhador, individualmente considerado, de paralisação do sistema produtivo.

É certo que outros fatores foram decisivos para o sucesso do sistema da acu-mulação flexível, como exemplo, o sistema just in time, mas aqui a preocupação é focar mais na questão da potência disciplinar do trabalho, justamente para realçar o trânsito da disciplina ao controle no plano da relação jurídica de emprego.

Na sociedade do controle, as chamadas tecnologias disruptivas, que emer-gem com força no século xxI, potencializam a capacidade relativa de se flexibi-lizar a acumulação do capital, seja na perspectiva da regulação territorial, seja no plano da produção ou até na esfera do ordenamento jurídico trabalhista.

Estamos em transição para o capitalismo das relações, no qual a acumula-ção é baseada na captura do produto da cooperação social, como resultado do in-cremento da socialização da produção, principalmente pela atividade produzida pelas redes sociais e plataformas econômicas13.

Nesse contexto, o capital apropria-se do “commons”, do conhecimento tá-cito e codificado da comunidade em rede e acaba por capturar as energias de emancipação que eclodem em meio à colaboração produtiva.

Deleuze14 de maneira bem perspicaz, quase premonitória, já em 1990, havia identificado o início dessa viragem, dessa torção topológica e de certa maneira 13 LUCARELLI & FUMAGALLI (2007): 117-133.14 A descrição da sociedade do controle aparece em dois textos publicados originalmente em francês, em 1990, o primeiro deles numa entrevista concedida ao filósofo e cientista político italiano Antonio Negri. Esses dois textos são publicados em português em 1992: Conversações, 1972-1990 / Gilles Deleuze, tradução de Peter Pál Pelbart, pela Editora 34. Controle e Devir (entrevista a Antonio Negri, 1990) pp. 209 - 218; Post-scriptum sobre as sociedades de controle, pp. 219 - 226.

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sutil, da «sociedade da disciplina», para a «sociedade do controle». Para Deleuze, Napoleão marca o final da transição da sociedade da soberania, que tinha por fina-lidade (I) açambarcar e (II) decidir sobre a morte, para a sociedade da disciplina, cujos objetivos passam a ser (I) organizar a produção e (II) gerir a vida15.

A despeito de a iconografia da sociedade do controle haver sido vislum-brada por Deleuze, ele próprio defende que Foucault já descrevera a sociedade disciplinar como aquilo que já não éramos, já estávamos deixando para trás16. E essa nova sociedade é digital, antes que analógica e substitui a fábrica pela em-presa, transformando a solidariedade em concorrência, essa última transposta da esfera do capital para o coração do trabalho17.

Nesse novo mundo da economia, reconstroem-se as subjetividades dos trabalhadores, até mesmo na esfera do poder diretivo; não se trata mais de iden-tidades, assinaturas, senão de senhas, cifras e códigos. são amostras e bancos de dados. Os indivíduos tornam-se divisíveis, ‘dividuais’, passíveis de replicação virtual. Não são necessárias palavras de ordem, seja na organização do trabalho, seja na organização da resistência sindical18.

Estatui-se o capitalismo da ‘sobre-produção’, com a produção deslocada para os países periféricos; não se compram mais matérias primas e se vendem produtos acabados. Inverte-se a lógica: compram-se produtos e vendem-se ser-viços. O poder empresarial se expressa mais pela tomada do poder acionário, do que pela formação da disciplina do trabalho; mais por fixação de cotações na bolsa, por IPos, do que por redução de custos da produção.

O poder empregatício descola-se da disciplina corporal e do tempo de tra-balho, para o controle da alma e do marketing19.

Ao controle já não interessa o confinamento dentro da fábrica, dentro de uma jornada fixa, dentro de uma disciplina linear, de um vínculo jurídico estável ou até mesmo de uma assiduidade, mas, sim, de um vínculo etéreo, pós-contra-tualista, pós-materialista, sonho de liberdade, mas que engendra agenciamentos compromissários, dívidas continuamente diferidas, endividamento recorrente, por meio de afetação apenas virtual.

A troika da União Europeia propôs a flexi-seguridade, mas não se trata mais disso, senão de flexi-liberdade, a liberdade dúctil, a autonomia enredada, antes que reticular ou compartilhada - parassubordinada.

No controle, a produção é compatível com vínculos precários, intermiten-tes, plugados, on line, virtuais. São conexões heterogêneas, sem identidade, simi-15 DELEUZE, Gilles 1992, p. 219.16 DELEUZE, Gilles 1992, p. 215-216.17 DELEUZE, Gilles 1992, p. 221.18 DELEUZE, Gilles 1992, p. 222.19 DELEUZE, Gilles 1992, p. 224.

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laridade ou homogeneidade, esvaziando o art. 511, § 4º da CLT. Singularidades produtivas, que se opõem às individualidades e coletividades. Mais relevante que o contexto social, é o hipertexto cultural.

A disciplina opera de forma individualizada sobre o trabalhador. O contro-le preocupa-se mais com aspectos estatísticos, coletivos da subsunção do traba-lho alheio. Reforça-se a liberdade individual e limitada do trabalho, com flexibi-lização da disciplina, mas com incremento do controle coletivo. Dissolvem-se os laços de solidariedade da categoria, suas identidades, potencializam-se as di-ferenças e singularidades da multidão (Espinosa-Negri) que trabalha.

A distinção entre as sociedades da disciplina e a do controle é gradual e quantitativa. Antes que qualitativa é dialética e materialista; envolve a passagem da quantidade à qualidade, per saltum de estados quânticos.

Para uma melhor compreensão, parece útil construir uma tabela gráfica e indica-tiva de tal transição, tendo sempre presente que as duas formas de sociedade co-exis-tem, imbricam-se, comunicam-se e se ricocheteiam, não em circularidade, mas de uma forma evolutiva, espiralada. Não se contrapõem necessariamente, justapõem-se e se sucedem no tempo, de maneira pendular, em variações ora gradativas, ora emergentes:

sociedade da disciplinaFoUcaULt

sociedade do controledeLeUZe

Referências 1. Final Séc. xVIII2. Vigiar e Punir

1. Final Séc. xx2. Post-Scriputm sobre a so-ciedade do controle

Características 1. Analógico2. Durável3. Estabilidade 4. Jornadas delimitadas5. Tempo Linear6. Máquinas Energéticas7. Disciplina individual8. Ajuste da produtividade in-dividual9. captura do tempo de tra-balho e da produtividade dos trabalhadores10. subsunção formal do tra-balho11. subordinação Jurídica

1. Digital2. Descartável3. Precariedade4. Continuum intermitente5. Tempo real 6. Máquinas Cibernéticas7. controle estatístico8. Abundância de trabalho disponível9. Captura das externalidades positivas da rede (da coope-ração social e dos conheci-mentos da comunidade)10. Subsunção pós-real do trabalho11. Alienidade reticular

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ícones 1. Fábrica2. Assinatura3. Confinamento4. Fidúcia5. A toupeira

1. Empresa2. cifra – senha3. Endividamento4. Inovação - disrupção5. A serpente

Finalidade 1. Produção2. corpo

1. consumo2. Alma e mente

Quadro sinóptico elaborado pelo autor

4. terceirização e aplicação dos instrumentos coletivos

A terceirização de atividades empresariais, nos termos da regulação atual, enseja um complexo debate que envolve a aplicação dos instrumentos normati-vos das empresas de prestação de serviço, já que a reforma trabalhista não trata de forma expressa a respeito da incidência dos instrumentos coletivos, sobretudo na hipótese de transferência das atividades principais da empresa contratante.

A empresa de prestação de serviço, ao imiscuir-se nas atividades da con-tratante, suscita na realidade da prestação laboral uma série de situações de em-bricamento fático e jurídico, que desafiam uma análise casuísta de cada cenário.

Vejamos de que maneira se pode verificar esse imbricamento, isso numa conjuntura de terceirização autêntica, ou seja, considerando-se que a transferên-cia de atividade não encubra qualquer hipótese de intermediação de pessoas tra-balhadoras ou a dissimulação da subordinação por parte da contratante, fora das hipóteses previstas para o trabalho temporário, como se viu.

Num primeiro cenário a atividade transferida pela contratante possa ser materiali-zada num produto palpável, mas que esse produto não seja o produto final da contratan-te, como, por exemplo, na hipótese da indústria automobilística e a indústria de pneus, ou na hipótese de contratação de serviço de licença de uso e manutenção de software.

Um segundo cenário é aquele em que a atividade transferida seja mate-rializada num produto, produto esse que consista justamente no produto final da empresa contratante, como por exemplo, na hipótese de empresas de facção.

O terceiro cenário se dá quando a atividade transferida não possa ser materia-lizada num produto palpável, senão numa atividade em si, mas atividade-meio, como por exemplo no asseio e conservação e na vigilância e transportes de valores.

O quarto cenário seria aquele em que se transfere uma atividade da contratan-te, não traduzida em produto palpável, senão em atividade em si, e esteja inserida como sua atividade-fim ou principal. Nesse cenário o leque de possibilidades é bem amplo, apenas para exemplificar com as formas de terceirização mais contemporâ-neas, citam-se os casos de call centers e o de arranjo de pagamento, previsto na

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Lei 12.865/2013, esse último, em que contratantes do sistema financeiro (bancos, cooperativas de crédito e empresas de cartões de crédito) transferem parte de suas atividades para empresas chamadas instituições de pagamento.

No primeiro e no terceiro cenário a extensão dos instrumentos coletivos da categoria dos trabalhadores da contratante é problemática, uma vez que nessas hipóteses a delimitação das categorias profissionais é menos problemática, preva-lecendo o entendimento - por extensão não por subsunção - da tese consagrada nas Súmulas 37420 e 11721 do TST, porquanto nesses dois cenários a diferencia-ção entre as categorias profissionais da contratante e da empresa de prestação de serviço não é feita pela lei, senão pela própria autonomia da organização sindical.

Já no contexto dos segundo e quarto cenários, a situação é bem diferente, pois nesses casos há um entrelaçamento de tal ordem entre as categorias profissionais, que torna extremamente complexa a incidência, de forma subsuntiva e segura, do critério da especificidade ou de afinidade para distinguir entre as categorias profissionais dos empregados da contratante e aqueles da empresa de prestação de serviço, já que am-bos laboram na esfera da atividade principal da empresa que transfere sua atividade.

Nesse sentido, nos termos do artigo 571 da CLT22, o critério da similaridade ou conexão ganha força, sobretudo após a Constituição de 1988, que flexionou os parâmetros de enquadramento sindical. o sTF, é verdade, a despeito de haver consi-derado constitucional o quadro de atividades e profissões previsto pelo artigo 577 da CLT, deixou claro que tal enquadramento não é vinculante, mas apenas referencial23.

20 Súmula n. 374 do TST. NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGêNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial n. 55 da SBDI-1) Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instru-mento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.21 Súmula n. 117 do TSTBANCáRIO. CATEGORIA DIFERENCIADA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Não se beneficiam do regime legal relativo aos bancários os empregados de estabelecimento de crédito pertencentes a categorias profissionais diferenciadas.22 CLT, Art. 570. Os sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou profissionais, eepecíficas, na conformidade da discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere o art. 577 ou segundo ae subdivisões que, sob proposta da Co-missão do Enquadramento Sindical, de que trata o art. 576, forem criadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e comércio.Parágrafo único - Quando os exercentes de quaisquer atividades ou profissões se constituí-rem, seja pelo número reduzido, seja pela natureza mesma dessas atividades ou profissões, seja pelas afinidades existentes entre elas, em condições tais que não se possam sindicalizar eficientemente pelo critério de especificidade de categoria, é-lhes permitido sindicalizar-se pelo critério de categorias similares ou conexas, entendendo-se como tais as que se acham compreendidas nos limites de cada grupo constante do Quadro de Atividades e Profissões.23 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 21.305/DF

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Vale acrescentar, ainda, que a produção contemporânea é transversal em rela-ção à organização sindical tradicional, o que cria uma série de incongruências quando se pretende optar por um critério muito rígido de enquadramento. o enquadramento estatalista acaba tendo mais relevância para efeitos administrativo da corporação do que para sua eficácia de representação legítima e adequada categoria profissional.

A dificuldade do enquadramento em sede da terceirização de atividade principal da empresa está retratada até mesmo na própria legislação, que optou pelo silêncio eloquente a respeito, mantendo apenas a definição dogmática de enquadramento para as empresas de trabalho temporário, como está expresso no artigo 3º da Lei 6.019/197424.

As perplexidades decorrentes da alta fluidez e diversificação da organiza-ção produtiva contemporânea torna rapidamente obsoletos quaisquer critérios rígidos e estatalistas de enquadramento, ensejando, assim, adoção de um critério menos formalista e que esteja atento à realidade da produção. A primazia da rea-lidade, aliás, é um dos princípios reitores do Direito do Trabalho.

Nesse sentido, uma empresa de prestação de serviço ao passar, por meio de transferência organizacional da produção, a exercer a atividade principal de outra empresa, acaba se imiscuindo, naturalmente, ainda que de maneira informal, na própria categoria econômica da contratante. Há jurisprudência de nossa mais Alta Corte Trabalhista no sentido de que se a empresa passa a executar atividade diferente daquela de seu enquadramento formal, não pode por esse motivo impor os instrumentos normativos atinentes a tal enquadramento protocolar25.

4.1. Joint employment

Nessa ordem de idéias, passa-se, então, a um regime de joint employment, ou mais precisamente, de joint employee, de empregado compartilhado, do ponto

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 17/10/1991 -Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 29-11-1991 PP-17326 EMENT VOL-01644-01 PP-00093RTJ VOL-00137-03 PP-01131.24 Art. 3º - É reconhecida a atividade da empresa de trabalho temporário que passa a integrar o plano básico do enquadramento sindical a que se refere o art. 577, da Consolidação da Leis do Trabalho.25 RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ENQUADRAMENTO SINDICAL. TERCEIRIZAÇÃO. Se a empregadora presta serviços variados em processos de terceiriza-ção e opta por filiar-se a sindicato que desenvolve atividade econômica específica, como é o da construção pesada, o fato de ela desenvolver outra atividade (a intermediação de mão-de-obra em fábrica de fertilizantes, onde empregou o reclamante) impede que possa impor aos respectivos empregados o enquadramento na categoria, para eles estranha, dos trabalhadores da construção pesada. Entre os males da unicidade sindical não se inclui o de impedir que o empregador adapte sua nova atividade preponderante à categoria econômica pertinente, sempre que tal se fizer necessário. (RR-54900-80.2004.5.04.0122, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Julgamento: 28/04/2010, 6ª Turma, Publicação: DEJT 07/05/2010)

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de vista da categoria profissional. Joint Employment é uma doutrina construída pela jurisprudência trabalhista dos Estados Unidos, que prevê a existência de um contrato de trabalho compartilhado, informalmente, quando o trabalhador de-sempenha uma função que, simultaneamente, beneficia duas ou mais empresas.

Em geral, a teoria do joint employment é concebida em três situações:(I) quando existe um acordo entre empresas para compartilhar os serviços do em-

pregado (Slover v. Wathen, 140 F. 2d 258 - C.A. 4; Mitchell v. Bowman, 131 F. Supp.);(II) quando uma empresa atua direta ou indiretamente no interesse de outra

ou outras empresas em relação ao trabalhador (Greenberg versusArsenal Buil-ding Corp., et al., 144 F. 2d 292 - C.A. 2);

(III) quando as empresas não estão completamente desassociadas em rela-ção ao emprego de um empregado em particular e podem ser consideradas como compartilhando o controle do empregado, direta ou indiretamente (Dolan v. Day & Zimmerman, Inc., et al.,65 F. Supp. 923 - D. Mass. 1946)26.

Essa teoria parece perfeitamente compatível com a dogmática brasileira. O trabalhador que exerce habitualmente função transferida da atividade principal da contratante, passa a gozar do status jurídico do vínculo empregatício com-partilhado entre as empresas que se beneficiam conjuntamente de seu trabalho.

Por um lado, o princípio constitucional da isonomia impõe o tratamento igualitário a todos aqueles que se encontrem numa mesma situação fática de trabalho, o que nos conduz à extensão das condições jurídicas de trabalho dos empregados da contratante aos da empresa prestadora de serviços. Por outro, o princípio da norma mais favorável ao empregado, induz, da mesma forma, a ex-tensão, por conglobamento, dos direitos trabalhistas aos terceirizados.

Nesse sentido, o outsourcing é concebido e observado juridicamente, como mera ferramenta de gestão. A nova organização produtiva irradia-se por meio de um processo aparentemente paradoxal, de concomitante expansão e fragmen-tação, ou seja, com incorporação de campos econômicos adjacentes, mas com incremento da especialização operativa.

Tal prática induz, na esfera do direito, uma forma especial de contrato-re-alidade, de maneira a suscitar a vinculação jurídica empregatícia compartilhada, que congloba o status jurídico mais benéfico ao trabalhador.

Nesse novo ambiente de produção, mais estendido e especializado, cabe ao trabalhador, ali inserido habitualmente, apenas colaborar para não embaraçar o fluxo produtivo. Essa nova organização do trabalho imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores, que prescinde, em muitos casos, do sistema clássico de disciplina individualizada (próprio da sociedade disci-

26 Cfr. US Code of Federal Regulation, 29 - Labor: §791.2 Disponível em https://www.law.cornell.edu/cfr/text/29/791.2 acesso em 20 set 2018.

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plinar (FOUCAULT)27, privilegiando o controle coletivizado e estatístico dos trabalhadores, característico da sociedade do controle (DELEUZE)28.

É importante sublinhar que a idéia do empregado compartilhado aperfei-çoa-se independentemente da declaração de desconstituição formal do contrato de trabalho e incide apenas no campo trabalhista, sem afetação necessária nas esferas civil, empresarial, administrativa ou mesmo previdenciária. Não se cogita de terceirização ilícita, tampouco de necessidade de retificação da carteira de tra-balho do empregado. Similar e correlato à figura do grupo econômico trabalhista, o instituto do joint employment tem inflexões restritas e internas ao âmbito da autonomia científica e jurídica do Direito do Trabalho.

A doutrina do joint employment é um concerto jurídico que, a par de ga-rantir o (I)exercício da livre iniciativa, a (II)flexibilidade de gestão e o (III)foco empresarial nas atividades mais estratégicas, não se descura dos preceitos constitu-cionais de isonomia, de proteção ao trabalho humano e de progressividade social.

Assim, seja pela intrusão contratual na categoria da empresa contratante, seja pela via do joint employment, no contexto dado à reforma trabalhista à ter-ceirização, parece que o mais adequado juridicamente é a extensão das normas mais benéficas da categoria da atividade transferida aos trabalhadores da empresa de prestação de serviço, nos segundo e quarto cenários aventados anteriormente.

4.2. Do Salario Equitativo

É importante refutar, nos cenários nos quais se vislumbra a extensão das normas coletivas da categoria profissional dos empregados da contratante aos empregados da empresa de prestação de serviço, o caráter não impositivo do salário equitativo entre tais trabalhadores, ao fundamento de que nos temos do § 1º do artigo 4-C29 da Lei 6.019/1974, trata-se de mera faculdade das empresas.

27 “A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião “só abrirá as portas à entrada dos operários, e depois que houver soado o sino que anuncia o reinicio do trabalho”; quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de en-trar; no fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao guarda suíço da fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e “cabalas”); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho: A ordem e a polícia que se deve manter exigem que todos os operários sejam reunidos sob o mesmo teto, a fim de que aquele dos sócios que está en-carregado da direção da fábrica possa prevenir e remediar os abusos que poderiam se intro-duzir entre os operários e impedir desde o início que progridam.” FOUCAULT,1987 p. 169.28 DELEUZE (1992) in Post-scriptum sobre as sociedades do controle, p. 219 e seguintes 29 Art. 4º-C (...) § 1º contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da

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Isso porque a livre disposição contratual é a regra, não só no Direito do Tra-balho, que aderiu expressamente à corrente contratualista - como está manifesto no artigo 444 da CLT - mas sobretudo em sede da contratação civil entre empresas.

ora, se tal liberdade é a regra, violaria o preceito de hermenêutica jurídica - segundo o qual não há na norma disposições inúteis - a inserção de determinada cláusula contratual em detrimento de uma miríade de outras.

Note-se que o permissivo legal é dirigido às empresas - contratante e con-tratada - não ao empregado. A partir da perspectiva contratualista do Direito do Trabalho brasileiro cogitar-se de cláusulas contratuais envolvendo terceiro, sem a intervenção do próprio, mais do que em atecnia, resultaria em enorme perplexidade.

O que se compreende, de forma sistemática, a justificar tal preceito de lei é justamente a necessidade de permissivo expresso para a adoção do salário equitativo, em todas as hipóteses de terceirização da atividade empresarial, sem que isso possa denotar qualquer ilação ou indicativo de dissimulação de uma relação de emprego encoberta, senão como norma orientada ao princípio da progressividade social.

Em outras palavras, o que tal preceito busca é estender a todos os quatro cenários de transferência de atividade mencionados a faculdade, sim, do salário equitativo. Uma espécie de norma de estímulo, com garantia à empresa, a que proceda à melhoria das condições dos trabalhadores terceirizados, sem que com isso esteja configurada a terceirização ilícita.

Assim sendo, em face das considerações trazidas à análise, poderíamos traçar o seguinte quadro esquemático dos cenários de terceirização e a possibili-dade de extensão ou não, das normas autônomas coletivas:cenário atividade ou

Produtoatividade

Principal ou meioinstrumento normativo

1º Produto acessório Principal Não extensão2º Produto principal Principal Extensão3º Atividade Meio Não extensão4º Atividade Principal Extensão

Quadro sinóptico elaborado pelo autor

5. compliance da terceirização

O capitalismo é um sistema dinâmico que vive de várias contradições in-ternas. Ele se funda na lógica da premiação do risco, mas, na realidade, valo-ra efetivamente é a estabilidade econômica e a segurança jurídica e, ao mesmo tempo, depende cada vez mais do mercado financeiro global, que é regido por

contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (grifo nosso).

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um complexo sistema de apostas voláteis nas bolsas de valores, muita das vezes orientado por algoritmos de redes neurais, cujos padrões de investimento nem sempre são claros nem mesmo para os próprios programadores desses sistemas.

Diante dessa palpitante, instável e paradoxal busca pelo equilíbrio finan-ceiro, os grandes investidores, mais do que nunca, se guiam por indicadores de sustentabilidade e solidez, numa sociedade cada vez mais líquida.

Aferir esses critérios, na tradição de opacidade da produção, opacidade essa que tem por objetivo principal tentar obter algum diferencial ou vantagem em relação aos concorrentes, passa a ser uma tarefa cada vez mais complexa. É justamente nesse cenário - e não na perspectiva de uma visão punitivista - é que o conceito de compliance ganha muita importância econômica e estratégica.

Compliance é, pois, concebido como uma série medidas programáticas no âmbito da empresa para atestar e efetivar a observância de normas legais e re-gulamentares, princípios éticos, prescrições internacionais do negócio. Em certa medida é a demonstração de que a energia da produção econômica e os direitos humanos não são necessariamente incompatíveis entre si.

A grande diferença entre compliance e fiscalização é que essa última é um processo que se dá de forma externa, estatal e punitivista. Compliance é um programa de autogestão, privado e com intuito pedagógico e de sustentabilidade da empresa.

Um empreendimento com compliance social e trabalhista traz um valor adicional à empresa no mercado. É um valor que tem duplo viés: (I)de marke-ting institucional, agregando valor à marca, bem assim um viés de (II)solidez econômica, uma espécie de blindagem contra potenciais e inesperados passivos trabalhistas ocultos ou de difícil aferição.

Nesse cenário de opacidade da produção, é importante que se implemente medidas internas, não só de cumprimento das leis, mas também de medidas de sustentabilidade ambiental e social. Daí emerge, obviamente, a necessidade de se criarem protocolos de compliance trabalhista.

Dentre eles, as regras de compliance atinente à externalização das ativida-des da empresa são cada vez mais importantes. A cadeia produtiva nem sempre é visível para os investidores, pois o sigilo dessas informações é até mesmo uma necessidade estratégica na concorrência empresarial. o grau de consistência da compliance do uso do trabalho na cadeia produtiva é um handicap cada vez mais decisivo na avaliação dos mercados financeiros.

A doutrina do joint employment, nesse sentido, é um instituto jurídico que dá mais transparência e segurança, além de tornar mais objetiva e calculável a análise e avaliação dos prós e contras da transferência das atividades da empresa. É um norte mais flexível, mas ao mesmo tempo palpável, para se estabelecerem regras de compliance na terceirização trabalhista.

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6. conclusões

A reforma trabalhista passou a regular as relações triangulares no Direito do Trabalho do Brasil, a partir da dicotomia entre a terceirização das atividades empre-sariais e a intermediação de pessoas trabalhadoras. A primeira exercida pelas em-presas de prestação de serviço e a segunda pelas empresas de trabalho temporário.

A intermediação de trabalho está restrita às hipóteses previstas pelo artigo 2º da Lei 6.019/2017, pelo prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, ou seja, só é admissível para atender à (I)necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou (II)à demanda complementar de serviços.

A terceirização de atividades empresariais pressupõe a transferência da direção e controle do trabalho relativo à atividade transferida da empresa con-tratante para a empresa de prestação de serviço.

Na sociedade do controle (DELEUZE) evidentemente que a idéia de con-trole cibernético tende a substituir a noção clássica de subordinação, mais co-nectada ao modelo de uma sociedade disciplinar (FOUCAULT).

A extensão dos instrumentos coletivos aos empregados da empresa de prestação de serviço pode ocorrer, a partir do grau de inserção da empresa de prestação de serviço na atividade principal da empresa contratante.

A idéia do vínculo de emprego compartilhado aperfeiçoa-se independen-temente da declaração de desconstituição formal do contrato de trabalho e incide apenas no campo trabalhista, sem afetação necessária nas esferas civil, empresa-rial, administrativa ou mesmo previdenciária.

Similar e correlato à figura do grupo econômico trabalhista, o instituto do joint employment tem inflexões restritas e internas ao âmbito da autonomia cien-tífica e jurídica do Direito do Trabalho.

A doutrina do joint employment é um concerto jurídico que, a par de garantir o (I)exercício da livre iniciativa, a (II)flexibilidade de gestão e o (III)foco empresa-rial nas atividades mais estratégicas, não se descura dos preceitos constitucionais de isonomia, de proteção ao trabalho humano e de progressividade social.

A instituição de regras efetivas e transparentes de compliance trabalhista das prá-ticas de outsourcing, além de agregar valor à marca da empresa, sinaliza solvabilidade econômica, do ponto de vista das relações de trabalho, para o mercado de investimentos.

Referências Bibliográficas

cHAVEs Jr, J. E. r. O Direito do Trabalho e as Plataformas Eletrônicas in rocHA, c. J. Consti-tucionalismo Trabalho e as Reformas trabalhistas e previdenciária São Paulo: LTr, 2017 (pp. 357-366).

DELEUZE, Gilles Conversações, 1972-1990 – trad. Português Peter Pal Pelbart – são Paulo: Editora 34, 1992.

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EMEDIATo, G. et. al. Prestação de serviços a terceiros e figuras associadas: análise face à nova regulamentação - Brasilia: Gráfica Movimento, 2017.

FOUCAULT, Michel Vigiar e punir: nascimento da prisão - tradução de Raquel Ramalhete - Petrópolis: Vozes, 1987.

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TREADWELL, Trishanda et alli. The current status of the joint-employer doctrine New Orleans, LA: American Bar Association, 2017 Disponível em https://www.americanbar.org/content/dam/aba/events/labor_law/2017/03/eeo/papers/treadwell_paper_eeo.authcheckdam.pdf. Acesso em 22 set 2018.

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terceiriZaÇÃo na administraÇÃo PÚBLica: JUrisPrUdência do sUPremo triBUnaL FederaL

e decreto 9.507/2018

Gustavo Filipe Barbosa Garcia1

1. introdução

O tema a ser analisado neste estudo é sobre a terceirização no âmbito da administração pública, especialmente quanto aos seus limites e à responsabilida-de dela decorrente.

Cabe examinar a matéria considerando as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito da terceirização, bem como o Decreto 9.507/2018, que dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da admi-nistração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

É importante verificar, assim, em quais situações a terceirização é considerada lícita, bem como as possíveis consequências para o ente público tomador do serviço.

2. considerações sobre a terceirização

A terceirização pode ser entendida como a transferência da execução de certas atividades da empresa tomadora (ou contratante) a empresas prestadoras de serviços.

Terceirização tem o sentido de prestação de serviços a terceiros.Adotando-se o atual critério legal, terceirização é a transferência feita pela

contratante (tomadora) da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de servi-ços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

o trabalhador, assim, presta serviços ao ente tomador, mas mantém relação jurí-dica com a empresa prestadora de serviços. A relação passa a ser triangular ou trilateral, pois na terceirização o empregado da empresa prestadora presta serviços ao tomador2.

1 Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Univer-sitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.2 cf. GArcIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 399-420.

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Entre o empregado e o empregador (empresa prestadora de serviços) verifica-se a relação de emprego, decorrente do contrato de trabalho (art. 442, caput, da CLT).

O vínculo entre o tomador (que terceirizou alguma de suas atividades) e a empresa prestadora deriva de outro contrato, de natureza civil ou comercial, cujo objeto é a prestação de serviços.

A terceirização revela uma situação diferenciada, sabendo-se que tradicio-nalmente a relação jurídica de emprego é bilateral, tendo como sujeitos apenas o empregado e o empregador, que também é o tomador do serviço prestado.

Como se sabe, a terceirização é fenômeno verificado com grande frequên-cia nos dias atuais, como forma de diminuição de custos, prestação de serviços com maior eficiência, produtividade e competitividade, que são objetivos inten-samente buscados em tempos de globalização3.

O sistema jurídico estabelece certas diretrizes quanto à terceirização, visando a tutelar as garantias inerentes à relação de emprego, de forma a preservar o valor constitucional do trabalho (arts. 1º, inciso IV, 170, caput, da constituição Federal de 1988), em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III).

3. Parâmetros atuais da terceirização

A Lei 13.429/2017 alterou dispositivos da Lei 6.019/1974, que dispõe so-bre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. A Lei 6.019/1974 foi posteriormente modifica-da pela Lei 13.467/2017.

Assim, a Lei 6.019/1974 passou a reger as relações de trabalho na em-presa de trabalho temporário, na empresa de prestação de serviços e nas res-pectivas tomadoras de serviço e contratante (art. 1º, com redação dada pela Lei 13.429/2017).

Conforme o art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017, considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua ati-vidade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Com isso, a terceirização, entendida como prestação de serviços a tercei-ros, passa a ser entendida como a transferência feita pela contratante da execução

3 cf. MArTINs, sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 22: “O objetivo principal da terceirização não é apenas a redução de custos, mas também trazer maior agilidade, flexibilidade e competitividade à empresa. Esta pretende com a terceirização a transformação de seus custos fixos em variáveis, possibilitando o melhor aproveitamento do processo produtivo, com a transferência de numerário para aplicação em tecnologia ou no seu desenvolvimento, e também em novos produtos”.

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de quaisquer de suas atividades, inclusive a sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços.

Admite-se de forma expressa a terceirização de forma ampla, ou seja, de quais-quer das atividades da contratante (tomadora), inclusive de sua atividade principal.

Logo, ficou superada a distinção entre atividades-fim e atividades-meio, anteriormente adotada pela jurisprudência, como se observava na Súmula 331, item III, do TsT.

Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de re-percussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (STF, Pleno, RE 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 30.08.2018).

o supremo Tribunal Federal também julgou procedente o pedido em ar-guição de descumprimento de preceito fundamental (em que se questionou a constitucionalidade da interpretação adotada em reiteradas decisões da Justiça do Trabalho que restringiam a terceirização com base na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho) e firmou a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à con-tratante: I) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e II) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1991”. O relator esclareceu que a referida decisão não afeta automaticamente os proces-sos em relação aos quais tenha havido coisa julgada (STF, Pleno, ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.08.2018).

Ainda assim, entende-se que a intermediação de mão de obra não é ad-mitida, por resultar em fraude ao vínculo de emprego com o efetivo empregador (art. 9º da CLT) e em violação ao valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV, da constituição da república), o qual não pode ser tratado como mercadoria.

Desse modo, a terceirização deve envolver a prestação de serviços e não o fornecimento de trabalhadores por meio de empresa interposta. Portanto, defen-de-se o entendimento de que os referidos serviços, na terceirização, normalmente devem ter certa especialidade4.

4 cf. MANNrIcH, Nelson. A modernização do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 117: “Quando se fala em atividade econômica, não há vinculação, necessariamente, à ideia de lucro, mas de produção de bens e serviços. Daí a necessidade de a empresa con-tratada possuir certa especialidade, uma atividade definida, nos termos do contrato social. Inexistindo tal atividade, ou, quando, ao contrário, uma infinidade de objetos aparece no con-trato social, há indícios de mera intermediação ilegal ou tráfico de mão de obra, especialmen-te se houver finalidade lucrativa. A ilegalidade não decorre diretamente de expressa vedação

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Isso é confirmado pelo art. 5º-B da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017, ao prever que o contrato de prestação de serviços deve conter a qualificação das partes, a especificação do serviço a ser prestado, o prazo para realização do serviço, quando for o caso, e o valor.

Portanto, a empresa prestadora não pode prestar serviços genéricos, pois não se admite a terceirização, pela empresa contratante (tomadora), de atividades sem especificação.

A empresa prestadora de serviços (contratada) é considerada a pessoa jurí-dica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei 6.019/1974).

A empresa prestadora de serviços a terceiros, assim, não pode ser pessoa física, nem empresário individual, devendo ser necessariamente pessoa jurídica.

o trabalho humano, protegido constitucionalmente, não pode ser objeto de intermediação, nem ter tratamento semelhante ao de mercadoria, sob pena de afronta ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana5.

Assim, a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços (art. 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974).

A parte final desse dispositivo legal expressamente permite a chamada terceirização em cadeia, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa toma-dora. A rigor, essa hipótese pode se distinguir da quarteirização, na qual certa empresa é contratada para administrar e gerir os diversos contratos de prestação de serviços mantidos pela empresa contratante.

O empregador do empregado terceirizado é a empresa prestadora de ser-viços. Logo, esta contrata, remunera e dirige o trabalho realizado pelos seus em-pregados, ou seja, exerce o poder de direção (arts. 2º e 3º da CLT). Vale dizer, a subordinação jurídica do empregado terceirizado existe em face da empresa prestadora de serviços (e não do tomador ou contratante).

Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante (art. 4º-A, § 2º, da Lei 6.019/1974). Essa ausência de vínculo de emprego entre a empresa tomadora e os empregados da empresa prestadora de

legal, mas, indiretamente, do nosso sistema jurídico, seja do conceito de empregador, que não se ajusta ao de tráfico de mão de obra, seja do conceito de empregado (art. 3º da CLT), devendo-se considerar, também, o art. 9º, da CLT”.5 cf. Declaração de Filadélfia, da Organização Internacional do Trabalho (OIT): “I – A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, prin-cipalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria” (In: SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 23).

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serviços, evidentemente, pressupõe que a terceirização tenha sido feita em con-sonância com as exigências legais.

A empresa prestadora de serviços, como empregadora, mantém contrato de tra-balho com os seus empregados, mas estes laboram na empresa tomadora (contratante). O poder de direção, assim, deve ser exercido pela empresa prestadora de serviços em face de seus empregados, embora estes laborem na empresa contratante (tomadora). Desse modo, os referidos empregados são juridicamente subordinados à empresa pres-tadora de serviços e não à tomadora. A remuneração dos empregados terceirizados também é devida pela empresa prestadora de serviço, por ser a empregadora.

os requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros são previstos no art. 4-B da Lei 6.019/1974, acrescentada pela Lei 13.429/2017.

4. terceirização na administração pública

O art. 37 da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998, dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Conforme o art. 37, inciso II, da Constituição da República, também com redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, sendo ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A regra, portanto, é a exigência de concurso público na administração, não se admitindo a terceirização em fraude a essa exigência constitucional. Tanto é assim que a não observância dessa previsão implica a nulidade do ato e a punição da autori-dade responsável, nos termos da lei (art. 37, § 2º, da Constituição Federal de 1988)6.

Como explicita a Súmula 331, item II, do TST, a “contratação irregular de tra-balhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988)”, justamente em razão da ausência de prévia aprovação em concurso público7.

6 Cf. Súmula 363 do TST: “A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II, e § 2º, somente lhe confe-rindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalha-das, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.7 cf. MArTINs, sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 128.

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Apesar disso, segundo a previsão da Orientação Jurisprudencial 383 da subseção I de Dissídios Individuais do Tribunal superior do Trabalho:

“Terceirização. Empregados da empresa prestadora de serviços e da tomadora. Isonomia. Art. 12, ‘a’, da Lei n. 6.019, de 03.01.1974 (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa inter-posta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o di-reito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, ‘a’, da Lei n. 6.019, de 03.01.1974”.

Portanto, se a contratante (tomadora) tiver empregados próprios (contrata-dos diretamente) e empregados terceirizados (contratados pela empresa presta-dora) exercendo as mesmas funções, em idênticas condições, tendo em vista a in-cidência do princípio da igualdade (art. 5º, caput, da constituição da república), deve-se aplicar o mesmo patamar remuneratório e de outros direitos trabalhistas a ambos os tipos de empregados, para que não haja tratamento discriminatório entre trabalhadores (art. 3.º, inciso IV, art. 5º, inciso xLI, e art. 7º, incisos xxx, xxxI e xxxII, da Constituição Federal de 1988).

Ademais, conforme a Orientação Jurisprudencial 321 da SBDI-I do TST, em relação a período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, na contratação ilegal de trabalhadores, por empresa interposta, salvo serviços de vi-gilância e trabalho temporário nos termos da lei, forma-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços, mesmo sendo a administração pública.

No regime da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional 1/1969, a primeira investidura em cargo público é que dependia da aprovação em concurso público8, não havendo, na época, essa mesma exigência quanto ao emprego público, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

O art. 37, inciso xxI, da Constituição da República estabelece que ressal-vados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e aliena-ções devem ser contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos ter-mos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e eco-nômica que sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações9.

8 cf. DI PIETro, Maria sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 581.9 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 26. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São

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No plano infraconstitucional, o Decreto-Lei 200/1967 dispõe sobre a orga-nização da administração federal, estabelece diretrizes para a reforma adminis-trativa e dá outras providências.

Conforme o art. 10 do referido diploma legal, a execução das atividades da administração federal deve ser amplamente descentralizada10.

Desse modo, para melhor se desincumbir das tarefas de planejamento, co-ordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração deve procurar se deso-brigar da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que pos-sível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução (art. 10, § 7º, do Decreto-Lei 200/1967)11.

A aplicação desse critério está condicionada, em qualquer caso, aos dita-mes do interesse público e às conveniências da segurança nacional (art. 10, § 8º, do Decreto-Lei 200/1967).

A Lei 5.645/1970 estabelecia diretrizes para a classificação de cargos do serviço civil da União e das autarquias federais. Nos termos do art. 3º, parágrafo único, do mencionado diploma legal, as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas deveriam ser de preferência objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-Lei 200/196712. o mencionado dispo-sitivo, entretanto, foi revogado pela Lei 9.527/1997.

A administração pública, nos editais de licitação para a contratação de ser-viços, pode exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocializa-ção do reeducando, na forma estabelecida em regulamento (art. 40, § 5º, da Lei 8.666/1993, incluído pela Lei 13.500/2017). O Decreto 9.450/2018 institui a Po-lítica Nacional de Trabalho no âmbito do sistema Prisional (Pnat) para permitir

Paulo: Malheiros, 2001. p. 255-256.10 Cf. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 538.11 Cf. CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 48: “Verifique-se que em nenhum momento se fala em fornecimento de pessoal, o que seria até mesmo absurdo atualmente, em face da exigência constitucional de concurso público para a inserção de trabalhador na Administração. Vê-se que se trata claramente de terceirização, cessão de tarefas ou serviços a serem realizados autonomamente por empresas capacitadas tecnicamente (especializadas). Assim, houve a previsão de terceirização pelo Dec.-lei n. 200/67, e não de fornecimento de trabalhadores”.12 Cf. CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. A terceirização das relações laborais. são Paulo: LTr, 1996. p. 119: “Atente-se para o fato de que a descrição contida na Lei n. 5.645/70 tem caráter meramente exemplificativo, embora todas elas se constituam em atividades-meio, atividades de apoio”.

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a inserção das pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional no mundo do trabalho e na geração de renda.

De forma mais específica e recente, o Decreto 9.507/2018 dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União (art. 1º).

Ato do Ministro de Estado deve estabelecer os serviços que serão prefe-rencialmente objeto de execução indireta mediante contratação (art. 2º do De-creto 9.507/2018).

Não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços:

I - que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;

II - que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;

III - que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção;

IV - que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal (art. 3º do Decreto 9.507/2018).

os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam os inci-sos acima podem ser executados de forma indireta, sendo vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.

Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e con-sentimento relacionados ao exercício do poder de polícia não serão objeto de execução indireta.

Nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista controladas pela União, não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários, exceto se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:

I - caráter temporário do serviço; II - incremento temporário do volume de serviços; III - atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais

atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente;

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IV - impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se in-sere (art. 4º do Decreto 9.507/2018). Trata-se de exceção que, por fazer menção a preceitos genéricos, pode dar margem a questionamentos.

As situações de exceção a que se referem os incisos I e II podem estar rela-cionadas às especificidades da localidade ou à necessidade de maior abrangência territorial.

os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as atribuições da contratante devem atuar somente no desenvolvimento dos servi-ços contratados.

Não se aplica a vedação do art. 4º do Decreto 9.507/2018 quando se tratar de cargo extinto ou em processo de extinção.

o conselho de Administração ou órgão equivalente das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deve estabelecer o conjunto de atividades que são passíveis de execução indireta, mediante contratação de serviços.

Embora o Decreto 9.507/2018 estabeleça certa disciplina delimitadora quanto à execução indireta de serviços da administração pública federal, observa-se nítida ampliação quanto à admissão da terceirização nesse âmbito, notadamen-te quando se compara com as previsões do Decreto 2.271/1997, o qual foi revoga-do (art. 17 do Decreto 9.507/2018). A interpretação conforme a Constituição da República, assim, impõe que se observe a exigência de aprovação prévia em con-curso público para a investidura em cargo ou emprego público (art. 37, inciso II).

É vedada a contratação, por órgão ou entidade da administração pública fede-ral direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de eco-nomia mista controladas pela União (art. 1º do Decreto 9.507/2018), de pessoa jurí-dica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que tenham relação de parentesco com: detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou pela contratação; ou autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade (art. 5º do Decreto 9.507/2018). Tra-ta-se de proibição que tem como fundamento os princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública (art. 37, caput, da constituição da república).

Para a execução indireta de serviços, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas pú-blicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, as contratações devem ser precedidas de planejamento e o objeto será definido de forma precisa no instrumento convocatório, no projeto básico ou no termo de referência e no contrato como exclusivamente de prestação de serviços (art. 6º do Decreto 9.507/2018).

os referidos instrumentos convocatórios e os contratos podem prever padrões de aceitabilidade e nível de desempenho para aferição da qualidade esperada na prestação dos serviços, com previsão de adequação de pagamento em decorrência do resultado.

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Merece destaque a previsão do art. 7º do Decreto 9.507/2018, no sentido de ser vedada a inclusão de disposições nos instrumentos convocatórios que per-mitam: a indexação de preços por índices gerais, nas hipóteses de alocação de mão de obra; a caracterização do objeto como fornecimento de mão de obra; a previsão de reembolso de salários pela contratante; a pessoalidade e a subordi-nação direta dos empregados da contratada aos gestores da contratante.

Os contratos de que trata o Decreto 9.507/2018 devem conter cláusulas que (art. 8º do Decreto 9.507/2018):

I - exijam da contratada declaração de responsabilidade exclusiva sobre a quitação dos encargos trabalhistas e sociais decorrentes do contrato;

II - exijam a indicação de preposto da contratada para representá-la na execução do contrato;

III - estabeleçam que o pagamento mensal pela contratante ocorrerá após a comprovação do pagamento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o Fundo de Garantia do Tempo de serviço (FGTs) pela contratada relativas aos empregados que tenham participado da execução dos serviços contratados;

IV - estabeleçam a possibilidade de rescisão do contrato por ato unilateral e escrito do contratante e a aplicação das penalidades cabíveis, na hipótese de não pagamento dos salários e das verbas trabalhistas, e pelo não recolhimento das contribuições sociais, previdenciárias e para com o FGTS;

V - prevejam, com vistas à garantia do cumprimento das obrigações tra-balhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra: a) que os valores destinados ao pagamento de férias, décimo ter-ceiro salário, ausências legais e verbas rescisórias dos empregados da contratada que participarem da execução dos serviços contratados serão efetuados pela con-tratante à contratada somente na ocorrência do fato gerador; ou b) que os valores destinados ao pagamento das férias, décimo terceiro salário e verbas rescisórias dos empregados da contratada que participarem da execução dos serviços con-tratados serão depositados pela contratante em conta vinculada específica, aberta em nome da contratada, e com movimentação autorizada pela contratante;

VI - exijam a prestação de garantia, inclusive para pagamento de obriga-ções de natureza trabalhista, previdenciária e para com o FGTS, em valor cor-respondente a cinco por cento do valor do contrato, limitada ao equivalente a dois meses do custo da folha de pagamento dos empregados da contratada que venham a participar da execução dos serviços contratados, com prazo de valida-de de até noventa dias, contado da data de encerramento do contrato;

VII - prevejam a verificação pela contratante, do cumprimento das obri-gações trabalhistas, previdenciárias e para com o FGTS, em relação aos empre-gados da contratada que participarem da execução dos serviços contratados, em especial, quanto:

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a) ao pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal re-munerado e décimo terceiro salário;

b) à concessão de férias remuneradas e ao pagamento do respectivo adi-cional;

c) à concessão do auxílio-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde, quando for devido;

d) aos depósitos do FGTS; e) ao pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos emprega-

dos dispensados até a data da extinção do contrato.Na hipótese de não ser apresentada a documentação comprobatória do

cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o FGTS de que trata o inciso VII, a contratante deve comunicar o fato à contratada e reterá o pagamento da fatura mensal, em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação esteja regularizada (art. 8º, § 1º, do Decreto 9.507/2018).

Na hipótese prevista no § 1º do art. 8º do Decreto 9.507/2018, e em não havendo quitação das obrigações por parte da contratada, no prazo de até 15 dias, a contratante poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos empregados da contratada que tenham participado da execução dos serviços con-tratados (art. 8º, § 2º, do Decreto 9.507/2018).

o sindicato representante da categoria do trabalhador deve ser notificado pela contratante para acompanhar o pagamento das verbas referidas nos § 1º e § 2º do art. 8º do Decreto 9.507/2018.

O pagamento das obrigações de que trata o § 2º do art. 8º do Decreto 9.507/2018, caso ocorra, não configura vínculo empregatício ou implica a as-sunção de responsabilidade por quaisquer obrigações dele decorrentes entre a contratante e os empregados da contratada.

os contratos de prestação de serviços continuados que envolvam disponi-bilização de pessoal da contratada de forma prolongada ou contínua para conse-cução do objeto contratual devem exigir: apresentação pela contratada do quan-titativo de empregados vinculados à execução do objeto do contrato de prestação de serviços, a lista de identificação destes empregados e respectivos salários; o cumprimento das obrigações estabelecidas em acordo, convenção, dissídio co-letivo de trabalho ou equivalentes das categorias abrangidas pelo contrato; a re-lação de benefícios a serem concedidos pela contratada a seus empregados, que deve conter, no mínimo, o auxílio-transporte e o auxílio-alimentação, quando esses forem concedidos pela contratante (art. 9º do Decreto 9.507/2018).

A administração pública não se vincula às disposições estabelecidas em acordos, dissídios ou convenções coletivas de trabalho que tratem de: pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa con-tratada; matéria não trabalhista, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei,

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tais como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários; preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade.

A gestão e a fiscalização da execução dos contratos compreendem o conjun-to de ações que objetivam: aferir o cumprimento dos resultados estabelecidos pela contratada; verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e traba-lhistas; prestar apoio à instrução processual e ao encaminhamento da documentação pertinente para a formalização dos procedimentos relativos a repactuação, reajuste, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, aplicação de sanções, extinção dos contratos, entre outras, com vistas a assegurar o cumprimento das cláusulas do con-trato a solução de problemas relacionados ao objeto (art. 10 do Decreto 9.507/2018).

A gestão e a fiscalização acima indicadas competem ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usu-ário e, se necessário, pode ter o auxílio de terceiro ou de empresa especializada, desde que justificada a necessidade de assistência especializada (art. 11 do Decreto 9.507/2018).

Será admitida a repactuação de preços dos serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, com vistas à adequação ao preço de mercado, desde que: seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos para os quais a proposta se referir; e seja demonstrada de forma analítica a variação dos componen-tes dos custos do contrato, devidamente justificada (art. 12 do Decreto 9.507/2018).

o reajuste em sentido estrito, espécie de reajuste nos contratos de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, consiste na aplicação de índice de correção monetária estabelecido no contrato, que deve retratar a varia-ção efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais (art. 13 do Decreto 9.507/2018).

É admitida a estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedi-cação exclusiva de mão de obra.

Nas hipóteses em que o valor dos contratos de serviços continuados seja preponderantemente formado pelos custos dos insumos, pode ser adotado o rea-juste de que trata o art. 13 do Decreto 9.507/2018.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista controladas pela União devem adotar os mesmos parâmetros das sociedades privadas naquilo que não contrariar seu regime jurídico e o disposto no Decreto 9.507/2018 (art. 14).

Nesse sentido, cabe à lei estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tribu-tários (art. 173, § 1º, inciso II, da constituição da república)13.13 A Lei 13.303/2016 dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade

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5. responsabilidade do tomador do serviço

Na terceirização, contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra con-trato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal (art. 5º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

Assim, reitera-se a previsão de que a contratante (tomadora) pode tercei-rizar quaisquer de suas atividades, inclusive a sua atividade principal, perdendo relevância a distinção entre atividades-fim e atividades-meio.

É vedada à contratante (tomadora) a utilização dos trabalhadores em ativi-dades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços (art. 5º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974).

A empresa contratante (tomadora) é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de servi-ços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias deve observar o disposto no art. 31 da Lei 8.212/1991 (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974).

Trata-se do entendimento que já prevalecia nas hipóteses de terceirização lícita, como se observa na Súmula 331, item IV, do TST14, com a seguinte re-dação: “IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empre-gador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

Ou seja, quem terceiriza certas atividades tem os deveres de escolher em-presa prestadora de serviços idônea e de acompanhar o correto cumprimento dos preceitos trabalhistas.

Havendo o descumprimento dos direitos do empregado, o responsável principal é o empregador, no caso, a empresa prestadora de serviços. caso esta não tenha condições patrimoniais de satisfazer esses direitos trabalhistas, o to-mador passa a responder de forma subsidiária, em razão até mesmo do risco que assume por ter decidido no sentido da terceirização de suas atividades, deixando de contratar empregados para exercê-las diretamente.

de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.14 cf. MArTINs, sergio Pinto. Comentários à CLT. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 404: “O inciso IV do Enunciado 331 do TST menciona que há responsabilidade subsidiária do tomador em relação ao inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte daquele que terceiriza suas atividades”.

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Como a responsabilidade é subsidiária, mas não solidária, há necessidade de cobrança, primeiramente, da empresa prestadora de serviço, por ser esta a em-pregadora. Se esta não tiver bens suficientes é que a empresa contratante (toma-dora) passa a responder pelos direitos do empregado terceirizado, o que dificulta a celeridade e a efetividade na satisfação do crédito trabalhista.

6. responsabilidade da administração pública

Ainda quanto à responsabilidade na terceirização, cabe verificar a hipótese em que o contratante (tomador) é ente da administração pública.

A respeito do tema, a Lei 8.666/1993, que dispõe sobre licitações, assim prevê:

“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, pre-videnciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos en-cargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Admi-nistração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis” (redação dada pela Lei 9.032/1995).

Nos casos de terceirização de serviços em que a administração pública figure como tomadora, o dispositivo legal em questão afasta a responsabilidade desta quanto aos encargos trabalhistas, mesmo nas hipóteses em que a empresa prestadora dos serviços deixa de cumpri-los.

O Supremo Tribunal Federal decidiu ser válida essa previsão legal, ao julgar procedente o pedido formulado na Ação Declaratória de Constitucionalidade 16-9/DF, tendo como objeto o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, conforme a seguinte ementa:

“Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a ad-ministração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos traba-lhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal n. 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade jul-gada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal n. 8.666, de 26 de ju-nho de 1993, com a redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995” (STF, Pleno, ADC 16/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 09.09.2011).

O STF confirmou o referido entendimento, no sentido de ser vedada a res-ponsabilização automática da administração pública, só cabendo a sua condenação

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se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos (Pleno, RE 760.931/DF, Redator p/ ac. Min. Luiz Fux, j. 30.03.2017).

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em 26 de abril de 2017, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “o inadimplemento dos encargos traba-lhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter soli-dário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 02.05.2017).

No mencionado julgado, sobre terceirização no âmbito da administração pública, nota-se que o STF indicou a possibilidade de terceirização mais ampla, entendendo-se como superada a distinção entre atividade-fim e atividade-meio15.15 “Recurso extraordinário representativo de controvérsia com repercussão geral. Direito Constitucional. Direito do Trabalho. Terceirização no âmbito da administração pública. Súmu-la 331, IV e V, do TST. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93. Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de postos de trabalho e atendimento das de-mandas dos cidadãos. Histórico científico. Literatura: economia e administração. Inexistência de precarização do trabalho humano. Respeito às escolhas legítimas do legislador. Precedente: ADC 16. Efeitos vinculantes. Recurso parcialmente conhecido e provido. Fixação de tese para aplicação em casos semelhantes. 1. A dicotomia entre ‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é im-precisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mun-do. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e ter-ceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007). 2. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada à Administração Pú-blica por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos trabalhadores. 3. Histórico científico: Ronald H. Coase, ‘The Nature of The Firm’, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método se-gundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício. 4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo organizacional de de-sintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor,

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A Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa públi-ca, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no art. 77, também prevê que o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, fiscais e comer-ciais resultantes da execução do contrato.

A inadimplência do contratado quanto aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à empresa pública ou à sociedade de economia mista a responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de Imóveis.

Ainda assim, é possível dizer que a exclusão da responsabilidade da admi-nistração pública aplica-se quando esta cumpre as normas sobre licitações, fisca-lizando o contrato administrativo firmado com a empresa prestadora dos serviços.

adotando a função de ‘arquiteto vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’. 5. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (I) aprimoramento de tarefas pelo aprendizado especializa-do; (II) economias de escala e de escopo; (III) redução da complexidade organizacional; (IV) redução de problemas de cálculo e atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais precisa de custos e maior transparência; (VI) estímulo à competição de fornecedores externos; (VII) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações estruturais; (VIII) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (Ix) maior eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes; (xI) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou maté-rias-primas; (xII) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos; (xIII) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xIII) não comprometimento de recursos que poderiam ser uti-lizados em setores estratégicos; (xIV) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da constituição), deve empregar as soluções de merca-do adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei n. 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: ‘o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empre-gados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabi-lidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93’” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 12.09.2017).

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Nessa linha, pode-se defender que, conforme o caso concreto e as suas peculiaridades, excepcionalmente, é possível a responsabilização do ente público tomador dos serviços terceirizados, quando houver fundada demonstração de que incorreu em dolo ou culpa na fiscalização contratual.

Quanto ao tema, em consonância com a Súmula 331, item V, do TST: “V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiaria-mente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fisca-lização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemen-to das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.

7. conclusão

A terceirização altera o parâmetro tradicional do vínculo de emprego, ao inserir a presença do ente tomador do serviço, tornando a relação jurídica trilateral.

Na atualidade, a terceirização é considerada a transferência feita pela con-tratante (tomadora) da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

A terceirização de serviços pela administração pública, por sua vez, apre-senta certas peculiaridades, tendo em vista a exigência constitucional do concur-so público.

Mais recentemente, o Decreto 9.507/2018 passou a dispor sobre a execu-ção indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Conforme entendimento firmado pelo STF, o inadimplemento dos encar-gos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993.

Portanto, em se tratando de terceirização pela administração pública, esta só pode ser responsabilizada se houver prova inequívoca de sua culpa na fiscali-zação do contrato de prestação de serviços.

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