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Livro Das Sombras

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Introdução

Foi numa Sexta-feira.... Dessas tristes, chuvosas e vazias, que eu coloquei em minha mochila, alguma roupa, um velho isqueiro e um livro em branco com uma caneta dentro, (livro que mais tarde se tornou meu caderno de magia, onde eu rascunhava meus sonhos) e parti mais uma vez rumo ao horizonte... O horizonte é um país bonito, de longe é sempre belo e dá vontade de tocá-lo. Fico imaginando se a terra é mesmo redonda, ou se há em algum lugar um enorme abismo com uma placa escrita: “Fim do Mundo”. Mesmo sem saber, é o lugar mais fácil de chegar, porque não existe mapa para lá. Tudo que se tem a fazer é ir caminhando, por aí, sempre para frente... Quando pequeno, sempre ouvia as pessoas grandes dizerem: “Você deve ampliar seus horizontes”, mas nunca entendia ao certo a frase. “Como horizontes, se só há um? E se só há um, como pode ser meu?” Cogitava eu... Mas naquela sexta-feira eu parti pela estrada. Estradas são seguras, elas sempre vão dar em algum lugar, por mais estranho que seja o mesmo. Sentia-me feliz de não estar no mar... Porque o mar não é como a terra, as terras têm dono, os homens as marcam como marcam o gado, fazem nela estradas, casas, cidades, mas o mar não. O Mar é de ninguém, não se pode fazer estradas por ele, e a vida da gente é mais ou menos assim, como o mar... A gente passa sem deixar pegadas, no grande oceano da história! Fui contra o tempo, caminhando ao som do vento e vi meu país se esconder atrás de mim, vi as terras ficarem mais verdes, o gado banhado de arroios, e sol se enterrar nas lagoas como lívida flama a bailar no horizonte. Eu via a cada noite as estrelas brotarem no céu como espigas, se aproximando de mim como se fossem cair, numa chuva de algodão...

Sim! Onde o mar é mais salgado é que homens são mais doces. E foram esses homens, amorosos e gentis que humildemente me acolheram em sua terra. E no seu mar, glacial e adocicado foi que afoguei as minhas mágoas que eu trouxe de minha terra das Sombras.

Não, eu não era mais o mesmo. Minha pele mudara de cor, o meu cabelo desbotara, e os meus olhos agora refletiam o azul, silencioso, profundo e infinito do mar. Aos poucos me transformei em horizonte. Relembrando, quase sempre, as caravelas espanholas a chegar... A desbravar as terras do sul do mundo!

Sentia que era hora de voltar para o meu povo, e contar aos companheiros tudo que vi e ouvi, como eram as terras do horizonte e o que tinha lá, além do fim do mundo. Que lá fora do meu ninho, havia um novo mundo a desbravar, talvez houvesse alguém a me esperar, que eu passei a vida inteira procurando.

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Ah! Como são medíocres e enfadonhos os homens tolos. Recusam-se o seu conforto abandonar, e não sabem que a liberdade tem seu preço! Têm medo da chuva, do sol e do mar, e vivem em seus iglus a se esconder com medo de que o sol lá fora os queime. Mas a chuva, o sol e o mar, foram feitos pra se admirar e não para se temer. Acho que Deus fez o mundo sorrindo...

De uma feita decorei um verso de Luiz Otaviano: “Quem passou pela vida em branca nuvem E em plácido repouso adormeceu; Quem não sentiu o frio da desgraça, Quem passou pela vida e não sofreu, Foi espectro de homem - não foi homem, Só passou pela vida - não viveu.” Sim, a dor que incomoda é a dor que desacomoda. Sem a dor cabal da adversidade o homem nada é. Acham que têm poder e não podem voar se quer meio metro do chão.

Mas poder é uma coisa que a gente acredita que tem. Se pensarmos que somos bons ou maus, assim o seremos. Mas os homens não são assim, eles vivem a contar moedas, pois, pensam que destarte serão felizes. Falam sempre de futuro, de negócios e do novo programa de TV.

As moedas dão a eles uma sensação enganosa de poder, mas não muda o que eles são. Um homem só pode ser chamado homem, quando for ele mesmo em qualquer lugar. O seu maior adversário é ele mesmo e nunca conseguirá fugir de si.

Somos ossos, cinza e pó, temos apenas aquilo que não perderemos com a morte, tudo o mais é ilusão.

Talvez eu não seja um homem de poder, sei que sou um Dom Juan conquistador de desgraças. Porque as desgraças que coleciono não fazem de mim um amargurado, fazem de mim mais feliz e maduro.

O homem é um conquistador em potencial, nasceu com esse gênio descabido e tresloucado. Mas quando ele se põe a conquistar tesouros, os seus navios naufragam no oceano da história, porque ele é pequeno de mais pra caber na eternidade, e tudo que é matéria decompõe. Mas o homem que conquista a outro homem, nunca naufraga, pois há sempre mais universos a conquistar. Pois estou certo de que o amor é a mais nobre das riquezas que nos foram dadas!

Eu? Desculpem não me apresentei, me chamo Augusto, mas podem me chamar de “Dom”. Dom alguma coisa... Pode ser Juan ou Quixote, um conquistador de qualquer coisa, podem ser corações, ou moinhos de vento.

Que importa não é o engenho da conquista... É naquilo que acreditas que tu és!

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Índice: Alma em Luto: O Palhaço Mistérios O Lírico O Ilusionista O Primeiro Panteísta Desarmonia Catástase Necrodulia Eu Reações Adversas A Dádiva Acabamento Isomeria Efígie Penumbra Versos Feodérmicos Labirinto Verso aos Romanos Poslúdio Alma em Flores: Recreio Converso Dilema À Ma(r) Divisão Soneto à Alvorada Soneto à Saudade O Carteiro e o Poeta Sobre o Tempo Paisagismo Canção à Alvorada A Chuva Uma Mulher... O Jangadeiro Ensaios: Tempos Modernos A Palavra Intrusão Indispensável Provérbio dos 4 Silêncios Máximas Exílicas

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Alma em Luto... “Eu sou dúvida que é minha única certeza”

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O Palhaço

A angustia que hoje em mim se pasma É antiga e já doce companheira, É a razão pela qual a vida inteira Eu passei a vagar como um fantasma E foi dela, minha febre rotineira, Que extrai tudo de belo e encantado Que inventei no meu caderno empoeirado Uma aquarela de sorriso e brincadeira E hoje, quando ao quarto me recolho A guardar os meus narizes de borracha O meu rosto no espelho é o mais sem graça. E há no meu sorriso uma ironia Há um destino que me traça e eu não escolho: É essa mágoa que me enche de alegria.

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Mistérios Se os pecados contra Deus são finitos, Porque o seu castigo é eterno? Criaria ele a mim o inferno, Eu, a obra prima de seu mito? E que Deus é este que criou todos os seres E os fez inferiores? Deus ingrato! Que me deu a consciência dos meus atos Pra depois me arrepender de todos eles. E dentro em mim a fantástica trindade Inquire-me: “Filho, o que é a liberdade, O Saber, o amor, a virtude e o deletério?” E esse Deus me responde com tristeza: “Ah! Tu entendes a beleza do mistério, Mas não sabes o mistério da beleza...”

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O Lírico Tarde, corro a janela, pálido esqueleto... Sudorese, intoxica-me a existência, A desrealização e a abstinência De existir, num universo absoleto... Alma inquieta, não durmo a vinte noites, A pena do meu canto é a flor deserta É a solidão da angustia, a chaga aberta Que sangra aos desromânticos açoites. Espantalho da mágoa, eu sou o rouxinol Que canta num mundo vazio e sem sol E num triste lirismo se perde no breu. E a cada porta que eu abro Se apaga em mim um candelabro No imenso castelo do eu.

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O Ilusionista Aqueles que me vêem sempre a rir Com o meu cigarro amargo e rotineiro Os meus gestos prepotentes no cinzeiro Não podem imaginar o que eu vivi Que quando faço versos eu primeiro Idealizo nos meus sonhos a amargura E ponho no papel a alma escura Que eu escondo a chorar no meu banheiro! E eu disfarço essa dor nas aparências, Esse câncer a me comer, essa doença, Essa ânsia endoidecida de morrer! E é então que como um bruxo ilusionista Na alegria fingida dos coristas Eu invento o truque falso de viver!

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O Primeiro Panteísta — Pai, não vá agora, me aperte a mão — Sussurrou o jovem triste junto a cama — Filho a vida é bela, vive e ama Tome esta rosa, que o mundo inteiro é vão! A natureza têm seu fôlego, respiração... E essa rosa, meu filho, é o que me resta — Disse isso o velho pai, sobre a floresta E suspirou, deixando a flor cair ao chão! E o jovem abraçado ao pai chorando Plantou aquele olhar sereno e brando De seu pai com aquela flor cheia de brilho... E toda noite, da floresta grandiosa Parecia se ouvir dentro da rosa A alma de um pai clamando o filho!...

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Desarmonia Noite. Ouço o rufar dos segundos, Como cordas vibram-me as veias, Sinto em febre o solfejo, as colcheias Que se escapam da boca dos mudos Sinto um eco vazio onde moro Em tudo que toco um triste compasso E até a estrada, o caminho onde passo É luto, é sombra, é um salmo inodoro Na areia de mim eu derramo o passado Do meu coração de vidro quebrado Que tudo que sobra da vida é ausência E esse metrômano olhar inumano... Com que harpejas em meu piano O ultimo acorde da existência.

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Catástase

Cai a noite tenebrosa e fria, Tremo de febre, convulso ao vê-la. Desvanecido namoro estrelas, Soluço a morte, névoa sombria. Eu, licnóbio em dislexia... Cleptomaníaco do conhecimento, Fenótipo do material momento E sua leptológica fonopsia. Temo, a humanidade em ação, Dos sentimentos a inumação... O zoozoílico parasitismo. Carrego, metabólicas enzimas, A placenta de todas as ruínas, Exílio de todos os abismos.

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Necrodulia As mais puras rosas negras encantadas, Os mais risonhos jardins radioativos... Da piogênese inflamada de mortos vivos À real corte necrotérica das fadas. A ninfomania pantogâmica do afeto Da humanidade —esta gestante embriagada, Leptossômica, a vagar na madrugada, Deflorada, a comer seu próprio feto, E a enfermidade global, me incita a ira. A verdade universal é a mentira... No orgasmo hemospérmico da terra, O seu vômito necrófilo e orgíaco Oferece um calor paradisíaco Na paz apocalíptica da guerra.

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Eu Eu, o vil elétron inexpugnável, O periclitante anfitrião da elegia, O mágico arquiteto da anomalia, De mim, autor e réu irrevogável. O Deus que deu a luz as negras pombas Na escuridão cavernal platônica, Da inverbial “epzeusse homônima” Mago, —o orfanato das sombras— Se espelho em mim como então maquina O Quimotripsinogênio a tripsina... Do verso —mastigo a sinsinesia, Da morte — Os vergéis anisantos, Os orexígenos corpos brancos Que hei de comer e morrer um dia.

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Reações Adversas A dor “antimatérica” dos novos fatos A divisão da luz, do tempo da energia Acelera-me o miocárdio em ataxia Numa eletro-náusea convulsiva de impactos. E a cada novo pôr-do-sol semântico Eu respiro esse carbônico universo, Desoxigenado, ideológico e perverso Que há de corroer a alma dos românticos. Náusea, este estado me é quizila, A potréia desta gente dá-me vertigem, E de mim o mundo inteiro se exila, Estou farto destas terras de fobia, Marear irei por águas virgens No mar negro onde dorme a poesia.

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A Dádiva

Finarei quando insano eu sentir Que a existência ignóbil e vazia, For maior que a pouca alegria De amar, e a mim mesmo eu trair. Procurando encontrar o sentido Que o mercado do mundo não tem pra vender. Como se em mim houvesse existido Alguma coisa maior que viver. Algum sentido maior que a amargura De ouvir-se existente num mundo sem tom... Onde a flor da desgraça, em eterna candura, É a ultima nota, e o meu único som... Pois a mágoa é sem fim e a alegria não dura, E a descrença é o meu único dom.

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Acabamento Um dia acordarei, e bem de manhã Ao findar o teatro, no cair do pano, Harpejarei dissonante meu piano, Difluirei ultimo beijo em minha irmã Gêmea -A saudade- que meus dias consumia E partirei, solipso e impenitente, Com o sorriso triste de quem mente E a descrença amarga de quem cria. Tendo o descaso como doce companheiro, Lastimará à plataforma o timoneiro: "Entrai, meu filho, no navio da nostalgia!" E ao embarcar neste enlevo derradeiro, D'outro lado me dirá um marinheiro: "Eis aqui mais um órfão da poesia!"

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Isomeria Ouço átomos em atrito Na simetria existencial Érebo, insano mal, Neurologicamente maldito. Uma eutimia inversa Sinto; num mundo sarcófago. Espiritualmente claustrófobo Estou; derrisória dispersa. E pergunto da vida o porquê: Resposta desespero ao sublime... Eis o que a faz dividida! A sintética volição de ser: Nisso a busca humana se define... Eis o sentido da vida!

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Efígie Candeia de fogo, lua de prata, Que por sombras escuras teu vulto voa E a voz do silêncio –teu grito ecoa– Teu gládio inflamado a vingança mata. Egrégio amuleto, o sol do porvir Que em terras sombrias se faz mensageira Do império das trevas tu és cavaleira, E eu canto, eu vivo, eu morro por ti. E porque idolatro teu traje opulento, Que a negra presença me causa tormento; Ficto os meus olhos rutilam a chama –Tênue cordão de laço infrato– ...Caia o anel ...Quebre-se o prato, Que à meia-noite a voz me chama.

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Penumbra

É tarde, nas ruas vazias... E os gritos ao silêncio expostos, O clamor da alma dos mortos Vai ao eco das colinas frias. É tarde, com lua apagada... E o bando de aves do norte, Rumando ao vale da morte –Negro pássaro da madrugada– É tarde, a humanidade dorme... Do escuro se torna uniforme, Se lança ao engodo lendário, Das trevas –sábio doutor– Da sombra –invisível senhor– Que conduz seu rebanho ao calvário.

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Versos Feodérmicos Amiúde esse pleonasmo de porfia Que eu escrevo a dezessete primaveras Troca a magnificência das quimeras Pelo canto catabólico da ironia. Os versejos de amor são ecnefia, São cores unidas que o branco farão E eu prego em sermão na minha poesia O amor do arco-iris que faz divisão. Em videonasofibrofaringoscopia Me Infiltra a existência à agonia Do intrínseco amor hematofago e seco. E hei de deixar pra toda uma raça Uma gota de riso em cada desgraça... Uma gota de sangue em cada soneto.

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Labirinto

(Soneto Acróstico) Volto para trás, pois penso, E para frente vou, pois vivo, Jamais me enganei, pois sirvo, O fardo que a mim é denso. Quando, quem e porquê? Ultrapasso o muro da ilusão E penetro a sombra da então Macabra origem de meu ser. Não posso encontrar-me, assim Ao encontrar-me, sinto perder-me, O Perder faz encontrar-me, Seguindo sempre; sendo assim O buscar então em perder-me Único modo de encontrar-me

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Verso aos Romanos

Fim das horas, a taça do infinito se espedaça, O que eu levo da existência para a treva? Se até o que o berço dá a tumba leva E a caminho da morte a vida passa? Ah! O Sol desta quimera está sem graça A álgebra da mágoa é um “X” absoluto, O céu dos meus amores é amargo e bruto E o acre desse fel me descompassa. O que sou eu no relógio da eternidade? A eternidade é um demônio que me espera É sufocante e toda vez que eu penso nela O coração salta-me a boca em ansiedade. Me desvairo, tenho ataques epilépticos de poesia Pego um maço de cigarro e inalo inteiro E ao decepar as suas favas no cinzeiro Eu vejo as cinzas dos meus ossos nele um dia. Captólio de ruínas trago em memória, O Flagício dessas mãos de pederasta Com que mancharam de sangue os biblioclastas As páginas translúcidas da história. Malditos! Os donos desse mundo são covardes O inferno deu-lhes ouro e uma sentença, Deu-lhes boca com palavras de eloqüências, E a flamar o coração no mar do hades. Inquisidores, devassos e malquistos, Vós que nas igrejas pedis dinheiro Sois fariseus, filhos de Judas tesoureiro, Vós sois os mesmos que cuspiram a cruz de Cristo! Vós que da hóstia sacra fazeis mercado, E roubais... Fazeis comércio da fé alheia Vós sois o Judas a fugir da santa ceia Por 30 pratas entregar a alma ao diabo! Não! O meu Cristo não é este que está à venda Sobre os vitrais dos carros e em camisetas E nos gasofilácios a pedir gorjetas, Nos palácios de Sodoma, vossas tendas...

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O meu Cristo é metafísica inodora É como o ar que não se vê e a gente sente É a compaixão a sangrar dentro da gente, É a nostalgia a gritar dum Deus que chora. É equóreo, é a explosão das supernovas, Implexo e icástico, um iconoclasta, A Biotaxia universal, e isso já basta Em argumento de existência a sua prova! Mas os homens deste mundo nunca mudam São mesquinhos, avarentos mercenários, E as belas mãos a erguer o santo sudário São as mesmas que castigam e que usurpam! “Ave César! Os que vão a morte vos saúdam” Que nós somos o espetáculo da platéia Num suspiro de arte quase atéia Somos gládios da esperança que se afundam! Vingai, Oh Deus! Nosso sangue nu e fecundo, Que o flagelo de nossa carne fria e fraca Seja o refrão da liberdade e seja a marca Da beleza e da virtude deste mundo!

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Poslúdio Quando a ultima estrela houver esvaído, E a minha flor desbotar ao vento, E exorcizar meu sentimento O anjo da dor - derradeiro cupido - Que eu doe o sangue das veias, O sonho construa de um dia, As vidas tornar tão cheias Que a minha se torne vazia, Que ela se torne uma elegia Pra que o mundo inteiro aprecie e leia! E se a saudade bater por aqui Pedir para entrar e quiser me ver, Não chorem se lembrei de partir... Perdoem se esqueci de viver!

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Alma em Flores...

“Não importa quanto frio está lá fora, será sempre primavera dentro de mim”

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Recreio Sirene... E logo se dispersam as crianças Como pombas de um olhar ingênuo e puro! Ah! E de pensar que elas são o meu futuro... Eu rio de mim mesmo com esperança. Rogo a Deus que me ensine temperança Mas não há paciência sem desgraça E como Jó, Deus me faz vil e sem graça Pra que eu tenha um amanhã com mais bonança Me maldigo, quase sempre, e agradeço Pela honra de existir que eu não mereço E como aquelas crianças distraídas Há um riso dentro em mim que não se quebra, Há um pássaro mudo que celebra Dentro de mim o recreio da vida!

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Converso...

(Soneto a quatro mãos, com meu pai: Manoel Antônio de Almeida Jr)

Eu revolvia a espuma dos sete mares, Eu fora o filho da fumaça dos vulcões, Que nas blasfêmias dormia e repousava, Eu fora aquele que bradava uns mil trovões. No lamaçal vastos pântanos – a festa Eu fora a chuva nas enchentes culminantes, Eu fora o vento ao pé do fogo nas florestas, Eu fora a brasa das colinas cintilantes; Mas veio a água das montanhas reluzentes E um relâmpago rasgou dentro de mim Brilhou a luz da labareda, chama ardente, Na fumaceira toda lama se perdeu, No mar das vozes a blasfêmia tem seu fim No fim da noite um novo dia renasceu

Julho de 2002

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Dilema

Amo-te, de uma forma singela e arisca, Amo-te assim, branda e suavemente, O amor é dor e dói dentro da gente, O amor é a chama, a paixão é sua faísca. Esse estranho amor que sintetiza tudo No silêncio —Voz da sabedoria O silêncio é a melhor sinfonia Por ser a voz de tudo quanto é mudo. Mas sinto desvairar dentro de mim Uma paixão energúmena e sem fim É uma vontade de gritar que me agonia É a velha dor então dilemática: O que é o amor, senão matemática? O que é a paixão, senão poesia?

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À Ma(r) Chove... Lá fora o céu chora de alegria, A lágrima de Deus molha a calçada... E a flor da minha vida ressecada Se orvalha de encanto e fantasia. Ah! A existência é mesmo um fado triste E o teu olhar Marina é o meu afago, É tudo de beleza quanto eu trago, É a ultima candura que me existe! Que me importa te perder se eu nada tenho? Que me importa te ganhar se eu não sou teu? Porque és tão divina e eu sou ateu É que eu te amo Marina meu mar sem fim, Porque és o riso que passeia dentro de mim E essa dor dentro de ti a andar sou eu!

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Divisão Dor e se parte a existência dividida Como a alma e o átomo, a dispersão luminosa A orgânica humana e as mil nebulosas, Como arado divide a terra, é assim a vida! Não é diferente o milagre de viver... O meu amor é como um chão fecundo, É como o equador que divide o mundo, É como a rosa que cai pra renascer. É verdade, meu amor, saudade existe Pra mostrar que a história é bela quando é triste E o amor se faz mais puro na demora. Que o meu amor por ti se desenlace, Seja a ave que só chora se o sol nasce E o arco-íris que só nasce se o céu chora!

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Soneto à Alvorada Acorda minha flor bela e canta! E chora o teu pranto desumano... E faça-se tua lágrima oceano Que lave a minha alma e a torne santa. Pois há no teu cantar pureza tanta! Tão ínclita e límpida, plácida e crua... Que a glória dos céus passa a ser tua Quando o meu ao teu olhar se encontra Ah! O teu riso lindo perdoa o pecado, É vívido e meigo, assente e sagrado... Me cinge de luz fantasia e me enleva Posto que os olhos são espelho da alma Se num delíquio teus olhos se empalmam Minh’alma chorando padece na treva!

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Soneto à Saudade Se os olhos não vêem, não sente o coração Como explica-se então a saudade? Se até meu estomago de angustia se invade E meus ossos suspiram teus vultos ausentes... E quando a mim vens e me beijas contente O mesmo excídio, insulso e antigo Saqueia a minh’alma e carrega consigo Estilhaços de mim em seu bolso indigente Saudade... Porto da mágoa, isonte desdita, Catacumba dos sonhos, a ausência infinita, Desterro da alma ao exílio sem fim. Saudade... A vida passastes a minha procura E és o fantasma, o cancro sem cura Da infinda saudade que eu sinto de mim.

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O Carteiro e o Poeta

(Ao meu amigo e Doutor da alma, No sul do atlântico, Alexandre Gabiatti)

No acre das horas no inverno profundo Eclipsou-se a eclosão da tua candura No ácido perro dessa terra escura, O grão do teu olhar fez-se fecundo A obsecrar eu vaguei por esse mundo, Sob o rude fascismo que o interpreta, Eu fui o teu carteiro e tu foste meu poeta Irmão aventureiro e pai segundo! Se eu levo dessa vida uma saudade, Um motivo de esperança, uma virtude... É da tua mão gentil essa ternura! Que fostes para mim na flor da idade, No tétrico astral da juventude... A estrela que no céu brilhou mais pura!

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Sobre o Tempo O tempo… O tempo é triste, É o indivisível solvente absoluto Que tudo transmuda, transvia, transplanta Translada o místico significado das coisas Desnuda, deslaça, desmancha, desfaz... (Des)solidifica a muralha dos sonhos no país do desejo O tempo… O tempo não perde tempo, É o tresloucado mar Que naufragou o navio da história Narcisando o mistério, Transumanando a virtude, E deseternizando o eterno... O tempo… O tempo é um passa-tempo, É o carcereiro do mundo Costurando sonhos nas nuvens da alma Insípido e descolorido... E no cata-vento das horas, Das ruas, das flores, da vida... Tudo que sobra é silêncio e saudade

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Paisagismo Foi assim... O teu cabelo era o Sol que trazia sentido a nau dos meus dias Que se embebia no mar azul dos teus olhos... E a lágrima que caia deles, era como um milhão de Tsunamis que escorriam pela praia do teu rosto, deslizando até o cais da tua boca... E dentro de mim uma orquestra inteira explodia em mil vibrações e cada célula do meu corpo celebrava a vida, regidas por um único maestro: —O teu olhar.

Curitiba, Agosto de 2006

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Canção à Alvorada Te vejo de longe, Além desta fonte, Ao lindo horizonte Almejo sorrir. Os mais belos montes... Sorrindo pra mim, E mesmo que eu conte Parecem sem fim. Te vejo distante, No sol ofuscante, E sempre prestante, Almejo sorrir. Teu rosto brilhante... É fogo incessante Que num só instante Me pode partir. E eu que era errante, Com riso constante, Me sinto importante E almejo sorrir. Cantando contente... Teu riso inocente, Vivendo o presente Sem medo ao porvir. Anel transparente, Eterno indulgente, Que até o mais carente Almeja sorrir. Teu canto imponente... Não há ser vivente, Nem alma existente, Que vai destruir.

Page 38: Livro Das Sombras

A chuva A chuva lava tudo... A terra, a serra, a guerra... O sangue na espada O rei, o réu, o mudo... A chuva lava tudo... A flor, a fauna, o feto, As pegadas na areia, O assoalho da memória... As gotas enchem o copo vazio d’alma O céu se veste em cinza e declara luto! A chuva lava tudo... A fibra, a febre, a fome, O poste, a pista, a peste, A roupa suja do passado... E lava a estrada, o estrume, o estranho Agasalho da inocência, Os retalhos do amor O espantalho dos sonhos O infrato galho da ausência O Verbo é inumado na enxurada E com ele os desencantos, os desencontros A desculpa, o descuido, o descaso... A cortesia do sorriso finjido A chuva lava e leva A terra aquilo que é da terra, Ao pó o que é do pó, Ao homem o que é do homem.

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Uma Mulher... A Beleza não é fundamental, Estética não é fundamentalismo! É preciso que haja algo de imortal em tudo isso, Um imaterial tesouro que não venha corroer no fim das horas. Na riqueza e na pobreza nossa de cada dia! É meramente preciso que ela tenha a alma infinita em verdade, Que seja simples, como é simples o pardal das igrejas! Que seja sábia, olhos experientes, castos...Escondido detrás de óculos estudiosos... Os olhos mais misteriosos que o mistério dos buracos negros, e as civilizações perdidas no oceano... Que ela seja sensível, como o algodão do outono... Que ela seja doce, como a água dos ribeiros orvalhados. Que ela seja pura, como a chama que fere o aço da espada. Que seja ela quem me faça chorar de tanta candura! Que saiba molhar o sorriso com lágrimas na entrega da rosa... Platonicamente amorosa, dramaticamente shakespereana, misticamente egípcia, Eloquentemente grega, mas de alma Judia. Que seja silenciosa, mas de olhar barulhento como bateria de Samba... Não é preciso que seja a mais bela, a boa aparência esconde quase sempre a soberba. E é nas adegas mais sórdidas que se encontram os vinhos mais nobres! Que seja eternamente inspiradora do riso (ou do pranto) Uma namoradora da lua... E por fim, se nada mais restar, seja bela. Como é belo o lírio, o rio, o céu, o mar... E que eu a saiba amar, Como o castrate ama o canto que o castra... Perdidamente (sem me perder) Num abandono de tudo... E de mim mesmo.

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O Jangadeiro

Sou do mar e no mar eu me criei São os ventos e as ondas, minha lei! A vida e o vento são irmãs da mesma ilha Ambas mudam subitamente a direção, E o rastro do meu veleiro ao mar, em vão Se apaga atrás de mim a cada milha. Voar... É pra isso que ao mundo o homem vem, Pra traçar no mar da historia o seu caminho Que no barco da existência vai sozinho, Pois, que, as “terras do mar” são de ninguém. Sou do mar e no mar eu me criei São os ventos e as ondas, minha lei! Sou Jangada desbotando o meu destino! E como corta o imenso azul essas jangadas Eu passo a vida apagando essas pegadas... Que nas águas eu deixei de peregrino! Desenho sonhos nas areias do meu cais Olhando as ondas lavar os meus desenhos, Os meus moinhos de vento, os meus engenhos... Que o mar leva pra si e não voltam mais! Sou do mar e no mar eu me criei São os ventos e as ondas, minha lei! Passo... Passo... Como o rio... A rua, a rosa, e a rede Que eu lanço sobre o mar do meu futuro; As bolhas triste que lamentam-se no escuro, E as maresias que descascam as paredes. Sei bem que nada trouxe a esta vida E o que tenho é o que onda leva e traz, Que o caminho que na água o homem faz É só uma sina que passou e foi vivida... Sou do mar e no mar eu me criei São os ventos e as ondas, minha lei!

(Chuy, Janeiro de 2008)

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Intervalos...

“A Poesia é o ambulatório da alma, a cardiologia metafórica”.

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Tempos Modernos Eu inauguro estes mefíticos versos Ao novo século (das sombras ou das luzes) Aos megalomaníacos habitantes do “húmus” Que ao “húmus” hão de voltar... Eu inauguro estes versos ao desfuturado futuro Amétrico, insípido e anósmico, como estes versos. Eu inauguro estes versos ao novo Ao antigo mundo que evolui pra trás. Ao autismo opcional À pantofobia ao outro, À indigência da alma, mendiga e devassa Capitalizando desejos e subnutrindo infinitos Eu inauguro estes versos a mim Que assisto ao mundo e me calo... A mim... Melangástreo, insalubre, sórdido e lázaro... Qual lívido cigarro tragado em luxúria. A mim, fragata ancorada do eu, Arganéu que apodrece na arfagem das horas. Eu, que tenho repudiado versos livres... Mitomaníaco, que tenho mentido sobre a verdade E dito a verdade embeido em prozac. A mim, autópsiolatra e ateu, Que na falta de um Deus, criei um para matar em seu nome. A mim, que por não ter do que desistir, Sou indigno de existir! E por fim, inauguro estes versos a ti, Meu hipócrita irmão, que lês meus versos ruminando ódio Ou a ti, que apaixonado lês, Pensando ser de amores os meus versos... A todos nós que temos sido mesquinhos! Cacófagos dicionaristas, metalingüísticos frustrados... Que inventamos as paixões de proveta E nos laboratórios de metafísica comercializamos a emoção Á nanosentimentologia humana, E a abstinência tecnológica de nós, A quem temos chamado: “Necessidade”.

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A palavra

Lua, Alvorada, Estrela, Estrada, Rua Nua,Verdade, Deletério, Liberdade, Mistério. Bem supremo, Nau sem remo, Temperamental Linha horizontal De um traço, Compasso; O laço profundo Doma o mundo, Espaço infinito Mais que um mito Atrito, vivência, Valia, tendência, Néctar, freqüência, Gota de oceano, Anjo desumano, Astro em formação Sonho, canção... Decalque da ilusão, Sombra destoante Acorde dissonante, Sol na escuridão. Força, fogo, Jogo e razão, Portal de marfim, Rainha do sem fim, Traje rico e fino, Sacro, divino; Doce amor fraterno. Truque do eterno, Deusa do destino.

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Intrusão Indispensável Porque decidir? Vamos indecidir, Chega dessa dependência, viva a independência, Esse intuito impreciso, é preciso inevitar o inevitável, Incidir, indicar, inculpar o culpado, o inculto...Incompatibilizar o ímpio, o indeferível, É preciso amar o inacostumado, o inolvidável, e indulgenciar toda essa indignidade indisciplinada... É preciso endireitar essa insípida, intolerante e indisfarçável indocilidade humana ...E infeccionar o impossível

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Provérbio dos 4 silêncios

Após o silêncio adâmico há quatro lastimáveis silêncios sendo, destarte, o ultimo o mais macambúzio deles: O Silêncio inodoro que há no olhar dos que se matam O Silêncio de Deus que desbota no olhar dos cegos O Silêncio medíocre dos justo que fecham a boca E o Silêncio do mundo perante a desgraça dos homens. Ilha de Santo Amaro, 27 de março de 2007

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Máximas Exílicas I O infinito não é longe demais pra quem acredita. II O único modo de crescer é questionar as suas verdades. III Ser feliz nem sempre é estar alegre, a descrença é uma forma de sorrir IV O poeta é o trem, a paixão o maquinista, e quem sabe o vapor a inspiração. V A melhor forma de entender uma verdade é expermenta-la empiricamente. VI Tenho apenas duas certezas nessa existência que me tornam exuberantemente feliz: Uma, sou o mais miserável de todos os homens, outra, a certeza de que eu posso qualquer coisa. VII Os Poetas não se fartam de Poesia, mas, a Poesia está farta dos Poetas VIII Poetas e suas fadas não podem fazer mágica alguma, o único truque deles é a capacidade de sonhar e isso em si já é um milagre. IX O amor é como a luz morta das estrelas que viaja pelo espaço, a estrela do amor já não existe, mas meus olhos ainda crêem no seu brilho. X Eu sou sincero em dizer que minto, mas sempre minto ao ser sincero XI Perto dos homens e longe da humanidade, revolucionários têm admiradores, nunca companheiros.