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Participantes do Nespi que compõem este livro: Maria Cristina Cacciamali Professora Titular do Departamento de Economia, da Faculdade de Economia, Ad- ministração e Contabilidade da Universida- de de São Paulo e Presidente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciências da Integração da América Latina da Univer- sidade de São Paulo (Prolam/USP). Mestre, Doutora e Livre-Docente em Economia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutora pelo Massachusetts Institute of Technology. Maria De Fátima José-Silva Professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM). Psicóloga, Espe- cialista em Saúde Hospitalar, Doutora em Ciências da Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo. Vladimir Sipriano Camilo Professor da Fundação Santo André. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Natalia Nunes Ferreira-Batista Professora do Departamento de Econo- mia, da Faculdade de Economia, Adminis- tração e Contabilidade da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Doutora em Economia pela Universidade de são Paulo. Rosana Aparecida Ribeiro Professora da Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fábio Tatei Bacharel em Economia pela Universida- de de São Paulo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciências da Integração da América Latina. Jackson William Rosalino Graduando em Economia pela Universi- dade de São Paulo. ISBN - 978-85-98156-38-5 A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XXI: O CASO DO BRASIL A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XXI: O CASO DO BRASIL Maria Cristina Cacciamali Vladimir Sipriano Camillo Natália Nunes Ferreira-Batista Maria de Fátima José-Silva Rosana Aparecida Ribeiro Jackson William Rosalino Fábio Tatei O livro A construção da igualdade de gêne- ro e de raça na América Latina do século XXI: o caso do Brasil é resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Nespi com apoio do CNPq, apresentando uma coletânea de ensaios centrados sobre o tema das diferen- ças e das diferentes formas de discriminação no mercado de trabalho. Nesse sentido, os autores almejam analisar as causas, as con- seqüências e a evolução em anos recentes, assim como avaliar as políticas públicas que visam combater fenômenos como a discrimi- nação racial e por gênero, o trabalho infantil e a desigualdade de renda. Este livro se apre- senta como uma leitura imprescindível para os cidadãos interessados no melhor enten- dimento das dificuldades que afligem nossa sociedade. O Nespi - Núcleo de Estudos e Pesqui- sas de Política Internacional. Estudos Inter- nacionais e Políticas Comparadas – USP/ CNPq foi criado em 2005 para fomentar a produção de trabalhos científicos de caráter interdisciplinar, sobretudo, no campo da avaliação de políticas públicas e das diferen- tes interfaces da integração regional da Amé- rica Latina. Entre os temas pesquisados nos últimos três anos destacam-se relações de co- mércio, programas de promoção à indústria, desenvolvimento de processo de informali- dade e avaliação de programas de promoção à saúde, de crédito popular, erradicação do trabalho infantil, combate ao trabalho força- do e discriminação de gênero, raça e ao mi- grante e processos de informalidade. Os pesquisadores do Núcleo utilizam-se de metodologias comparativas e interdiscipli- nares aplicadas, por meio de estudos de caso ou abordagens histórico-estrutural, princi- palmente, em diferentes países da América Latina, para verificar as tendências, o com- promisso social com metas de justiça social e a probabilidade de sucesso de diferentes intervenções públicas ou privadas.

livro desigualdade entre generos e raça no brasil

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Articles on discrimination in the Brazilian labour market by sex and colour of the skin. The book deals with income distribution too.

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Participantes do Nespi que compõem este livro:

Maria Cristina Cacciamali

Professora Titular do Departamento de Economia, da Faculdade de Economia, Ad-ministração e Contabilidade da Universida-de de São Paulo e Presidente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciências da Integração da América Latina da Univer-sidade de São Paulo (Prolam/USP). Mestre, Doutora e Livre-Docente em Economia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutora pelo Massachusetts Institute of Technology.

Maria De Fátima José-Silva

Professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM). Psicóloga, Espe-cialista em Saúde Hospitalar, Doutora em Ciências da Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo.

Vladimir Sipriano Camilo

Professor da Fundação Santo André. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Natalia Nunes Ferreira-Batista

Professora do Departamento de Econo-mia, da Faculdade de Economia, Adminis-tração e Contabilidade da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Doutora em Economia pela Universidade de são Paulo.

Rosana Aparecida Ribeiro

Professora da Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fábio Tatei

Bacharel em Economia pela Universida-de de São Paulo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciências da Integração da América Latina.

Jackson William Rosalino

Graduando em Economia pela Universi-dade de São Paulo. ISBN - 978-85-98156-38-5

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A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XXI:O CASO DO BRASIL

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Maria Cristina CacciamaliVladimir Sipriano CamilloNatália Nunes Ferreira-BatistaMaria de Fátima José-SilvaRosana Aparecida RibeiroJackson William RosalinoFábio Tatei

O livro A construção da igualdade de gêne-ro e de raça na América Latina do século XXI: o caso do Brasil é resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Nespi com apoio do CNPq, apresentando uma coletânea de ensaios centrados sobre o tema das diferen-ças e das diferentes formas de discriminação no mercado de trabalho. Nesse sentido, os autores almejam analisar as causas, as con-seqüências e a evolução em anos recentes, assim como avaliar as políticas públicas que visam combater fenômenos como a discrimi-nação racial e por gênero, o trabalho infantil e a desigualdade de renda. Este livro se apre-senta como uma leitura imprescindível para os cidadãos interessados no melhor enten-dimento das dificuldades que afligem nossa sociedade.

O Nespi - Núcleo de Estudos e Pesqui-sas de Política Internacional. Estudos Inter-nacionais e Políticas Comparadas – USP/CNPq foi criado em 2005 para fomentar a produção de trabalhos científicos de caráter interdisciplinar, sobretudo, no campo da avaliação de políticas públicas e das diferen-tes interfaces da integração regional da Amé-rica Latina. Entre os temas pesquisados nos últimos três anos destacam-se relações de co-mércio, programas de promoção à indústria, desenvolvimento de processo de informali-dade e avaliação de programas de promoção à saúde, de crédito popular, erradicação do trabalho infantil, combate ao trabalho força-do e discriminação de gênero, raça e ao mi-grante e processos de informalidade.

Os pesquisadores do Núcleo utilizam-se de metodologias comparativas e interdiscipli-nares aplicadas, por meio de estudos de caso ou abordagens histórico-estrutural, princi-palmente, em diferentes países da América Latina, para verificar as tendências, o com-promisso social com metas de justiça social e a probabilidade de sucesso de diferentes intervenções públicas ou privadas.

Ficha Catalográfica elaborada pela Seção de Tratamento da Informação da Biblioteca Prof. Achille Bassi- Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação – ICMC/USP.

Cacciamali, Maria Cristina C333c A construção da igualdade de gênero e de raça na América Latina do século XXI: o caso do Brasil / Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva. São Carlos : Suprema Gráfica e Editora, 2008. 216 p. ISBN – 978-85-98156-38-5 1. Brasil – História. 2. América Latina – História. I. José-Silva, Maria de Fátima. II. Título.

ISBN 978-85-98156-38-5

9 7 8 8 5 9 8 1 5 6 3 8 5

A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XXI: O CASO DO BRASIL

Organizadoras Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva

OS AUTORES

Cacciamali, Maria CristinaUniversidade de São Paulo - USP

Camillo, Vladimir SiprianoFundação Santo André - FSA

Ferreira-Batista, Natália NunesUniversidade de São Paulo – USP/RP

José-Silva, Maria de FátimaUniversidade Federal de São Paulo –UNIFESP/EPM

Ribeiro, Rosana AparecidaUniversidade Federal de Uberlândia - UFU

Rosalino, Jackson WilliamUniversidade de São Paulo – USP

Tatei, FábioUniversidade de São Paulo - USP

SUMÁRIO

PREFÁCIO ..............................................................................................................................9Rosana Aparecida Ribeiro

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................11

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................15Maria Cristina Cacciamali e Maria de Fátima José-Silva

ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS, DIMINUIÇÃO DO GRAU DE DISCRIMINAÇÃO? .............................................................................................................27

Maria Cristina Cacciamali e Jackson William Rosalino

HIATO SALARIAL ENTRE HOMENS E MULHERES MIGRANTES ...............................53Natalia Nunes Ferreira Batista e Maria Cristina Cacciamali

POBREZA, TRABALHO INFANTIL E PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA .........................81Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei e Natália Nunes Ferreira Batista

FAMÍLIAS POBRES MONOPARENTAIS SOB A RESPONSABILIDADE DE MULHERES NEGRAS, PRESENÇA DE TRABALHO INFANTIL E ALCANCE DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIAS DE RENDA ...................................................................................... 115

Maria Cristina Cacciamali e Fábio Tatei

REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ENTRE 2001 E 2006 NAS MACRO-REGIÕES BRASILEIRAS: TENDÊNCIA OU FENÔMENO TRANSITÓRIO? ................................................................................................................. 139

Maria Cristina Cacciamali e Vladimir Sipriano Camillo

MAGNITUDE DA QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL DE 2001 A 2006: UMA ABORDAGEM REGIONAL POR TIPOS DE RENDA ............................... 173

Maria Cristina Cacciamal e Vladimir Sipriano Camillo

POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS NA BUSCA DE MAIOR A IGUALDADE .....................................................................................................................195

Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva e Fábio Tatei

GLOSSÁRIO .......................................................................................................................216

CONTENTS

PROLEGOMENON ................................................................................................................9Rosana Aparecida Ribeiro

FOREWORD .........................................................................................................................11

INTRODUCTION.................................................................................................................15Maria Cristina Cacciamali and Maria de Fátima José-Silva

WAGES GAP REDUCTION DECREASES THE DISCRIMINATION’S? ..........................27Maria Cristina Cacciamali and Jackson William Rosalino

WAGE GAP AMONG MEN AND WOMEN MIGRANTS ...............................................53Natalia Nunes Ferreira Batista and Maria Cristina Cacciamali

POVERTY, CHILD LABOR AND BOLSA FAMÍLIA PROGRAMME ...............................81Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei and Natália Nunes Ferreira Batista

BLACK WOMEN FAMILIES, CHILD LABOUR AND THE PERFORMANCE OF CASH TRANSFERS PROGRAMMES .......................................................................................... 115

Maria Cristina Cacciamali and Fábio Tatei

BRAZILIAN INCOME CONCENTRATION DIMINUTION DURING THE 2000’S: TENDENCY OR TRANSITORY? ...................................................................................... 139

Maria Cristina Cacciamali and Vladimir Sipriano Camillo

BRAZILIAN INCOME DECLINING DURING THE 2000’S: SIZE BY REGION AND INCOME SOURCES...........................................................................................................173

Maria Cristina Cacciamal and Vladimir Sipriano Camillo

PUBLIC POLICIES AND AFFIRMATIVE ACTIONS TOWARD EQUAL OPPORTUNITIES ..............................................................................................................195

Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva and Fábio Tatei

GLOSSARY .........................................................................................................................216

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PREFÁCIO

Rosana Aparecida Ribeiro

Em pleno século XXI persistem no Brasil graves mazelas como a po-breza, as desigualdades de rendimento entre gêneros, raças e regiões, além de uma triste mácula que é o trabalho de crianças. Essa realidade se perpetua em meio a um cenário de “desenvolvimento” entendido simplesmente como avanço da acumulação capitalista.

Entretanto, se olharmos com atenção especial o conceito de desenvol-vimento formulado pelo premiado economista indiano Armatya Sen, teremos dificuldade de assegurar que nosso país atingiu elevado grau de desenvolvi-mento. No dizer de Sen (1999)1, o desenvolvimento se baseia na promoção de liberdades substantivas, que incluem capacidades elementares como, por exemplo, ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a doença, a morte prematura, a incapacidade de saber ler e fazer cálculos arit-méticos, bem como ter direitos civis básicos e políticos.

Essas liberdades substantivas se constituem em meio e fim do desen-volvimento. Na presença delas, as pessoas reúnem os requisitos necessários para escolher um modo de vida realmente digno de valorização. Na ausência delas, o indivíduo é considerado pobre. Assim, a pobreza não é identificada simplesmente a partir de um nível insuficiente de renda. Na verdade, o baixo nível de renda, para esse economista, é resultante e não fator explicativo da pobreza.

Desse modo, a difusão das liberdades substantivas é chave para emer-gência da condição de agente, que corresponde a alguém que age e ocasiona mudanças e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos.

Essa breve incursão pelas idéias de Armatya Sen decorre das reflexões que o livro organizado por Maria Cristina Cacciamali e Maria de Fátima José-Silva nos instiga, na medida em que nos brinda com ricos estudos so-1 SEN, Amaertya. K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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bre nossas principais mazelas. Ao honroso convite para escrever este prefácio soma-se a feliz constatação de que os autores dos diversos capítulos deste livro se guiam pelo mesmo horizonte da obra do economista indiano.

A construção da igualdade de gênero e de raça na América Latina do século XXI: o caso do Brasil articula a pobreza, as desigualdades de rendimento por gênero, raça e região, e o trabalho de crianças com a trajetória de nosso “desenvolvimento”, bem como aponta os limites das mudanças de alguns in-dicadores de desigualdade, tal como a queda recente do índice de Gini. Esta obra também contém reflexões sobre as políticas públicas necessárias para a superação desses males que tanto nos atormentam. O livro realça que a ob-tenção de uma maior igualdade entre as pessoas exige a promoção das capaci-dades básicas por meio de ações coletivas. Noutras palavras, a constituição de políticas públicas ancorada numa concepção abrangente de pobreza é decisiva para apontar que a principal prioridade em nossa busca pelo desenvolvimento nacional deve ser a promoção da igualdade de oportunidades para todos. Fa-zemos coro com os autores deste livro na defesa de políticas públicas que im-pulsionem uma efetiva melhoria nas condições de vida de todos os brasileiros que estão distantes da possibilidade de usufruir das liberdades substantivas, sobretudo a mulher negra.

Esta obra se constitui numa leitura fundamental para os acadêmicos envolvidos nas temáticas abordadas nos diversos capítulos, mas também se revela importante para os nossos policy-markers e militantes dos movimentos sociais comprometidos com um mundo melhor.

Convido os leitores para uma imersão nesta obra que, ao descortinar a gravidade de nossa situação socioeconômica e os limites das mudanças re-centes, nos provoca um sentimento de incômodo que pode ser transposto para uma postura de mobilização e luta pelo pleno desenvolvimento de nosso país.

Rosana Aparecida Ribeiro Uberlândia, novembro 2008.

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APRESENTAÇÃO

Desde os anos de 1990, o Brasil se constitui em um palco de aplica-ção de novas tecnologias de políticas sociais, auferindo o reconhecimento e recebendo os aplausos das instituições multilaterais. Entre muitos programas sociais que foram bem sucedidos no País, podemos destacar, as campanhas de combate ao vírus do HIV, as ações de erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado, a superação do desafio da pobreza por meio de transfe-rências de renda, com ou sem condicionalidades, o programa Bolsa-escola, a reestruturação do Sistema Público de Emprego, entre outros programas.

Apresentamos por meio da organização desta publicação um conjunto de resultados das políticas sociais implementadas neste século no Brasil que derivam do desenvolvimento de pesquisas realizada no Núcleo de Estudo e Pesquisa de Política Internacional - Estudos Internacionais e Políticas Públicas (NESPI), vinculado à Faculdade de Economia, Administração e Contabilida-de da Universidade de São Paulo (FEAUSP), registrado na Universidade de São Paulo (USP) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.1

O desenvolvimento da pesquisa Desigualdade entre gêneros e raça no Brasil – Um estudo sobre o custo social da discriminação da mulher negra no mercado de trabalho, sob a qual foram elaborados os estudos que ora se apre-sentam, contou com o apoio do CNPq e foi efetivada em três etapas.

A primeira compreendeu a análise da literatura sobre o tema e a ge-ração de estudos adicionais. A investigação sobre a situação social da mulher negra e seu entorno foi efetuada em dois níveis, seguindo uma análise com-parativa com a situação do homem branco, homem negro e mulher branca e no âmbito de resultados amplos da política pública. Estudaram-se para a década de 2000 três aspectos: a desigualdade salarial entre sexos e raças, entre os empregados com carteira de trabalho assinada e não assinada, e entre sexos e a situação de migração, com o intuito de analisar o grau de discriminação e de segregação; o atendimento pelo Programa Bolsa-Família de famílias pobres e de famílias pobres chefiadas por mulheres negras e o seu efeito sobre as res-pectivas incidências de trabalho infantil; o perfil da distribuição de renda do 1  A pesquisa concorreu ao Edital MCT/CNPq 02/2006 – Universal e foi contemplada.

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trabalho por sexo e raça e as causas da diminuição do grau de concentração da distribuição de renda na década de 2000.

A segunda etapa consistiu de um seminário, realizado no dia 13 de maio de 2008 denominado de Programas e ações para a promoção social da mulher reunindo pesquisadores e organizações representativas dos movimentos sociais das mulheres negras, para discutir os resultado da pesquisa e ponderar sobre um conjunto de propostas de políticas públicas. O principal objetivo do seminário, além de retornar os resultados da pesquisa para o grupo social interessado, foi o de envolvê-lo na discussão a fim de incorporar outras diretrizes, sugestões adicionais e desenhos de programas e ações de políticas públicas.

O referido Seminário foi realizado no dia 13 de maio de 2008 na Sala da Congregação da FEA/USP entre 9:30 e 16:30 por meio do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Política Internacional - Estudos Internacionais e Po-líticas Comparadas (Nespi-CNPq/USP) e contou com o apoio da FEAUSP e do PROLAM – USP e do CNPq. As atividades foram conduzidas pela equipe técnica deste projeto com o apoio administrativo de Adriana Miranda e Erminda Lopes. Participaram como expositores: Rosana Ribeiro (Univer-sidade Federal de Uberlândia), Terezinha Bernardo (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Márcia de Paula Leite (Faculdade de Educação - Uni-camp) e Maria José de Almeida Lima (Secretaria de Cidadania da Prefeitura de Sorocaba); e como observadores e debatedores as seguintes organizações: Geledés Instituto da mulher negra, Eliana Custódio - coordenadora executi-va, Ceert - Centro de estudos das relações do trabalho e desigualdades, Mér-cia Consolação Silva, Quilombhoje Literatura, Esmeralda Ribeiro (Editora), Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares – Unipalmares, Maria Célia Malaquias, Afropress - Agência de Informação Multiétnica, Dojival Vieira e União Brasileira de Mulheres - UBM, Solange Aparecida Carneiro. A todos os participantes, os nossos agradecimentos pela sua generosidade na sugestões fornecidas. Agradecemos também a Cassiano Reinert Novais dos Santos e a Luciane Bombach, o primeiro por compor a equipe até a realização do semi-nário e a segunda pela inestimável ajuda na organização do seminário.

A terceira etapa da investigação tratou de entrevistar gestores e par-ticipantes de programas bem sucedidos na promoção da mulher negra a fim de verificar insuficiências, e congregar as suas demandas e suas sugestões de ação. Nesse sentido, a cidade de Salvador/BA destaca-se pelas entidades e movimentos sociais direcionados a grupos discriminados, em especial os afro-descendentes. Agradecemos de sobremaneira a colaboração de Rosangela Malaquias nas primeiras etapas da pesquisa sobre políticas públicas orientadas

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aos afro-descendentes e, na fase da pesquisa de campo na cidade de Salva-dor, a Mirian Gomes Conceição e Luiz Chateaubriand Cavalcanti dos Santos (UFBA), Maria Nazaré Mota de Lima (Ceafro), George Roque Braga Oliveira e Daniela do Santos (Instituto Steve Biko) e Luciane e Clarissa (Semur). Esses movimentos sociais visam, em geral, reforçar a qualidade do ensino escolar dos jovens negros e a consciência de sua identidade racial, por meio do maior conhecimento sobre suas raízes históricas; assim como a maior inserção da população negra no mercado de trabalho.

Constatou-se nessa ida a campo que parte das entidades representa-tivas de movimentos sociais na defesa da mulher e/ou do negro sofre com a escassez de financiamento para a continuidade e/ou expansão de suas ativi-dades, o que, por sua vez, também reduz a abrangência de suas ações. Assim, a ação do Estado, em todos os níveis de governo, é vital para o combate às desigualdades. Em nível federal, a Secretaria Especial de Políticas para as Mu-lheres (SPM) e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), ambas criadas em 2003, têm a missão de articular com Ministérios, Secretaria estaduais e municipais a inclusão dos recortes, respec-tivamente, de raças e de gênero, no desenho e na implementação de todas as políticas públicas.

Maria Cristina Cacciamali e Maria de Fátima José-Silva São Paulo, outubro de 2008

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INTRODUÇÃO

Maria Cristina Cacciamali e Maria de Fátima José-Silva

Propaga-se de maneira mais intensa, em nível mundial, depois dos anos de 1990, uma cultura de respeito aos direitos humanos e de maior moni-toramento ao seu cumprimento. Essa tendência reforça e, ao mesmo tempo, circunscreve as ações dos movimentos sociais em busca de maior tolerância às diversidades e que combatem as práticas de discriminação. No campo do exercício do trabalho, por exemplo, entre os 30 artigos da Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos, o artigo XXIII que afirma: Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho, está lon-ge de ser considerado. Informações e estudos, em nível planetário, expõem, continuamente, o tratamento díspar enfrentado pelas mulheres e/ou pelos negros no mercado de trabalho. Além de, muitas vezes, esses grupos serem re-legados à segregação em determinadas ocupações nesse mercado de trabalho, por exemplo, o serviço doméstico, para as mulheres, e as atividades braçais, para os homens negros.

A rigidez para romper as desigualdades de gênero e raça nas diferentes sociedades levou o Banco Mundial a instituir um grupo de estudo para anali-sar esses temas no âmbito das Metas de Desenvolvimento do Milênio, aprovadas pela Assembléia das Nações Unidas em 2000. 1 O Banco apresenta, então, um relatório contendo informações que comprovam a elevada desigualdade social das mulheres no mundo, manifestada pela sua subrepresentação políti-ca, elevadas taxas de evasão escolar e de desemprego, e expressivo hiato salarial perante os homens de mesmas características produtivas ou mesmas carac-terísticas pessoais. Por outro lado, estudos realizados nos países mais pobres, 1  As Metas  de Desenvolvimento  do Milênio  (MDM)  surgem da Declaração  do Milênio  da Assembléia  das Nações Unidas aprovada pelos 189 estados membros no dia 8 de setembro de 2000. Essa Declaração busca sin-tetizar as metas sociais estabelecidas de acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais ocorridas na década de 1990, por exemplo, sobre os temas de meio ambiente, desenvolvimento social, direito das mulheres e racismo, entre outras.

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revelam que o maior investimento em capital humano das mulheres reflete-se em queda da desnutrição e mortalidade infantil, além de maior probabilidade de que seus filhos freqüentem o sistema escolar.2

Apesar de ser proeminente em países mais pobres, o problema da de-sigualdade também é frequente nos países mais desenvolvidos, como aqueles que pertencem a União Européia (UE). Contudo, este problema não é igno-rado e a UE possui um órgão especial para abordar o assunto, a Comissão para Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades. A Comissão apresenta ações nos campos de inclusão e proteção social; mais e melhores empregos; ocupação no exterior; questões relacionadas com a deficiência; direitos do tra-balho; pensões; seguro e saúde no trabalho; tendências sociais e demográficas; o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização; Fundo Social Europeu; e o Apoio financeiro para o emprego e a solidariedade social. Entre essas aborda-gens da UE, destacamos as políticas de igualdade de gênero e aquelas a favor da diversidade e não discriminação.

A participação e a representação igualitária para todos os cidadãos são consideradas como umas das condições necessárias para que a UE alcance seus objetivos de crescimento. Apesar da desigualdade de gênero persistir nos paí-ses comunitários, verificam-se avanços importantes nessa superação graças às estratégias que garantem que homens e mulheres são iguais perante a lei. Ade-mais, é reforçada a perspectiva de gender mainstreaming, que visa apresentar e valorizar as preocupações, necessidades e anseios das mulheres na concepção e implementação das políticas; assim como a aplicação de medidas específicas para se combater a desigualdade.

Considerada como a principal arma da UE contra o tratamento de-sigual das pessoas, a legislação de combate à discriminação foi elaborada em 2000, com o objetivo de garantir o tratamento igualitário para todos os cida-dãos e trabalhadores da comunidade, seja no local de trabalho ou nos serviços de educação, saúde, e outros, independente de suas diferenças raciais, étnicas, religiosas, deficiências, orientação sexual ou idade. Além do amparo legal, a UE coopera com organizações da sociedade civil que representam grupos discriminados, realiza campanhas de divulgação que promovem os benefícios da diversidade no mercado de trabalho e na sociedade, além de treinamentos em atividades anti discriminação.

Vinculado a esses crescentes esforços, o ano de 2007 marcou o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, campanha que pretende sensibilizar as pessoas da UE para os seus direitos à igualdade de tratamento e isenta de discriminação, além de promover o debate acerca dos benefícios da

2 WORLD BANK. Gender equality and the Millennium development goals. World Bank, 2003.

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diversidade, tanto para a sociedade como para os indivíduos. Segundo infor-mações da Comissão Européia, foram realizados mais de 430 ações nacionais e 600 eventos para 400 mil pessoas, além de outros 328 milhões de cidadãos sensibilizados por meio de publicações em jornais e revistas.3 Ademais, foram realizadas diversas pesquisas e estudos sobre o tema, como as que abordam as causas e conseqüências da multi-discriminação na UE,4 e manuais para coleta e mensuração de dados sobre a discriminação.5

* * *O desenvolvimento da pesquisa Desigualdade entre gêneros e raça no

Brasil – Um estudo sobre o custo social da discriminação da mulher negra no mer-cado de trabalho partiu incialmente da necessidade de se estudar a importância e a evolução dos fatores intervenientes na determinação das desigualdades de salário no mercado de trabalho e, na sequência, de se verificar a efetividade das políticas sociais para trilharmos um caminho de menor desigualdade - para pobres, homens e mulheres, em especial, para mulher negra - ao longo do tempo. Assim, os principais resultados alcançados por esta equipe de pes-quisa foram organizados em 7 artigos.

O estudo Estreitamento dos diferenciais de salários, diminuição do grau de discriminação? buscou medir a discriminação no mercado de trabalho brasileiro, entendida como o pagamento sistemático de salários maiores ao homem branco em relação às mulheres e aos negros. Para isso, utilizou-se a metodologia de Oaxaca que decompõe o diferencial de salários em duas ou três partes.

O primeiro componente consiste na diferença dos interceptos, mede os diferenciais de rendimentos devido às características específicas dos traba-lhadores segundo o sexo/raça/condição de migração, independente das ca-racterísticas do trabalho e de seus atributos produtivos. O segundo termo é a parte da diferença de salários devida à valoração diferenciada do sexo/raça/condição de migração. Se a diferença dos coeficientes for positiva, veri-fica-se maior valoração dos homens/brancos/não migrantes. Somando-se este segundo termo ao primeiro, obtêm-se uma medida para a remuneração não condicionada às características do trabalho e aos atributos pessoais, conhecida na literatura como grau de discriminação.

3  Pesquisa do Eurobarómetro aponta que 37% dos europeus eram conscientes do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos.4  O estudo também apresenta uma série de recomendações práticas para o melhor jeito de tratar a discrimina-ção. EUROPEAN COMISSION. Tackling multiple discrimination: practices, policies and laws. Luxemburgo: Office for official publications of the European Communities, 2007.5 EUROPEAN COMISSION. European handbook on equality data. Luxemburgo: Office for official publica-tions of the European Communities, 2007.

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O terceiro termo representa os diferenciais de rendimentos do trabalho relativos à dotações distintas de atributos pessoais entre os grupos - homens e mulheres/brancos e negros/não migrantes e migrantes. Assim, o grupo mais bem dotado de algum atributo valorizado pelo mercado, por exemplo, anos de escolaridade ou anos de experiência no mercado de trabalho, perceberá um salário mais elevado. Essa última porção corresponde à parcela do diferencial de rendimento do trabalho que pode ser considerada justificável aos critérios do mercado.

Os diferenciais entre sexos e raças foram abordadas no âmbito do mer-cado de trabalho stricto sensu, ou seja, apenas entre os empregados com car-teira de trabalho assinada e sem carteira de trabalho assinada, ou no mercado de trabalho estrito, no componente de assalariados registrados – formal – e de assalariados não registrados – informal. Esse recorte foi utilizado para isolar tanto os efeitos derivados das práticas de discriminação dos responsáveis por domicílios que contratam os serviços de empregados domésticos, quanto das decorrências da discriminação em domicílios e/ou empresas quando se utili-zam da prestação de serviços de trabalhadores por conta própria.

Os resultados indicam que, entre 2002 e 2006, o hiato entre o salá-rio observado e aquele a ser pago, na ausência de discriminação, manteve-se relativamente estável para homens negros e mulheres brancas, e diminuiu expressivamente para as empregadas negras – 6 e 5 pontos percentuais para aquelas com carteira de trabalho assinada e sem carteira de trabalho assinada, respectivamente (Tabela 1). Ressaltamos que o componente de discrimina-ção, independente do trabalhador participar do mercado de trabalho formal ou informal, aumentou entre 2002 e 2006, exceto para as mulheres brancas. Não obstante o decréscimo que ocorreu para as mulheres brancas, devemos ratificar que esse grupo mantem o maior grau de discriminação, seguido do grupo das mulheres negras e dos homens negros (Tabela 2).

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Tabela 1 - Hiato entre o salário observado e o salário a ser recebido na ausência de discriminação. Brasil. 2002-2006

Grupos 2002 2006MBCC 22,5% 22,6%

HNCC 53,6% 44,6%

MNCC 83,8% 69,6%

MBSC 15,3% 17,6%

HNSC 65,9% 59,0%

MNSC 81,5% 65,1%

HBCC: Homem branco com carteira de trabalho assinada; MBCC: Mulher branca com carteira de trabalho assinada; HNCC: Homem negro com carteira de trabalho assinada; MNCC: Mulher negra com carteira de trabalho assinada; HBSC: Homem branco sem carteira de trabalho assinada; MBSC: Mulher branca sem carteira de trabalho assinada; HNSC: Homem negro sem carteira de trabalho assinada; MNSC: Mulher negra sem carteira de trabalho assinada.

Tabela 2 - Decomposição de Oaxaca. Brasil. 2002-2006

Salário/hora

observado

Salário/hora

observado

com peso do

homem branco

Percentual

devido à

discrimnação

Percentual

devido à

diferença de

dotações2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006

HBCC 3,77 5,17

MBCC 3,08 4,22 4,12 5,60151% 144% -51% -44%

75% 77% 25% 23%

HNCC 2,45 3,58 2,78 4,01 25% 27% 75% 73%

MNCC 2,05 3,05 3,00 4,27 55% 57% 45% 43%

HBSC 2,74 3,88

MBSC 2,38 3,30 3,00 4,19172% 153% -72% -53%

70% 74% 30% 26%

HNSC 1,65 2,44 1,85 2,75 19% 22% 81% 78%

MNSC 1,51 2,35 2,10 3,14 48% 52% 52% 48%

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

20

* * *O estudo Hiato salarial entre homens e mulheres migrantes indicou que,

de maneira geral, a mulher migrante encontra-se em situação ainda mais des-vantajosa do que o homem migrante, quando comparada à população não migrante, exceto na região Sudeste, justamente onde se concentra a maior parte dos migrantes do país.

Além desse resultado, o estudo, por meio dos microdados da Pnad de 2005, indica que o mercado de trabalho brasileiro não é segregado em termos da condição de migração dos trabalhadores, exceto, novamente, para a região Sudeste onde o índice de dissimilaridade de Duncan aponta, particularmente para as mulheres, a existência de segregação ocupacional entre os migrantes. No entanto, a segregação constatada na região Sudeste diminui, sensivelmen-te, ao aplicarmos o controle por anos de escolaridade. Esse comportamento fornece indícios de que a principal motivação da migração para a região Su-deste é a busca de uma colocação específica no mercado de trabalho, associada ao nível de instrução dos migrantes e, não apenas, à obtenção de maior valo-ração dos respectivos atributos pelo mercado de trabalho.

* * *As barreiras enfrentadas pela mulher negra se disseminam para além

das dificuldades individuais e, não raro, repercutem na qualidade de vida de sua própria família. Assim, no trabalho denominado de Famílias pobres mono-parentais sob a responsabilidade de mulheres negras, presença de trabalho infantil e alcance dos programas de transferências de renda, analisaremos, especialmente, a condição das mães negras dentro de famílias sem a presença de cônjuge e que apresentam ao menos um filho com idade até 15 anos.

De acordo com os dados da Pnad de 2006, a Tabela 3 indica que, entre as famílias biparentais, ou seja, aquelas formadas por pai e mãe, o homem é predominante quando se trata de ser o responsável pela família, totalizando 92,4% do total desse grupo. Por outro lado, entre as famílias monoparentais – sem a presença de um dos cônjuges – ocorre o inverso, 91% dessas famílias encontram-se sob a responsabilidade de mulheres, das quais 40,3% são bran-cas e 50,8% são negras. Tal informação é relevante por uma série de motivos, mas a principal razão pode ser resumida pela presença não constante de uma figura paterna, ou materna, no dia-a-dia da criança, uma vez que a mãe deverá trabalhar para sustentar a família.

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Tabela 3 - Distribuição de domicílios segundo sexo e raça da pessoa de referência, e tipo de família. Brasil 2006

Sexo e raçaBiparental Monoparental

Nº. de domicílios % Nº. de domicílios %

Homem branco 7.398.888 44,9 120.497 3,5

Homem negro 7.823.087 47,5 191.377 5,5

Mulher Branca 533.553 3,2 1.401.071 40,3

Mulher Negra 722.629 4,4 1.765.395 50,8

Total 16.478.157 100,0 3.478.340 100,0

Fonte: Elaboração dos autores. IBGE – PNAD 2006.

Ademais, entre as famílias monoparentais, observa-se a posição frágil das mulheres negras perante as brancas entre as famílias monoparentais. Ape-sar da idade média das mulheres brancas e negras, mães brancas possuem, na média, nível de escolaridade superior ao das mães negras - 8,2 contra 5,9 anos. Diferencial que se desvela fortemente na renda domiciliar per capita, R$ 417 das famílias chefiadas por brancas, em relação aos R$ 206 das famílias chefia-das por mães negras (Tabela 4). As dificuldades das mães negras também se refletem no mercado de trabalho, apresentando menores taxas de participação e ocupação, e maiores taxas de desemprego perante as mães brancas.

Tabela 4 - Características da pessoa de referência do domicílio, segundo sexo e raça, e tipo de família. Brasil 2006

Indicadores médios

Família biparental Família monoparental

IdadeAnos de

estudo

Renda domiciliar por

pessoaIdade

Anos de

estudo

Renda domiciliar

por pessoa

Homem branco 40,7 7,7 513,71 44,5 6,8 447,44

Homem negro 40,1 5,4 253,12 45,3 5,1 279,71

Mulher Branca 37,5 8,6 550,96 39,4 8,2 417,56

Mulher Negra 36,7 6,6 278,61 39,3 5,9 206,28

Total 40,2 6,6 380,50 39,8 6,8 303,58

Fonte: Elaboração dos autores. IBGE – PNAD 2006.

Por fim, observamos a evolução dos programas de transferências de renda federais e a incidência de trabalho infantil nas famílias monoparentais chefiadas por mulheres negras (Gráfico 1). Em 2004, 39,3% das famílias com crianças chefiadas por mães negras, eram beneficiadas por algum programa de

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transferência de renda, enquanto em 2006, o percentual se eleva para 45,7%, um crescimento de 6,4 pontos percentuais. Destrinchando pelo tipo de pro-grama coletado pela PNAD, observamos o crescimento do recebimento da Bolsa-Família em 3,4 pontos percentuais, do BPC (Benefício de Prestação Continuada) em 1,1 pontos, e de outros programas em 3,7 pontos percen-tuais.

Gráfico 1 – Evolução da distribuição dos programas de transferências de renda e incidência de trabalho infantil nos domicílios chefiados por mulheres negras,

segundo tipo de família

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Monoparental 2004 Monoparental 2006 Biparental 2004 Biparental 2006

Algum programa Bolsa Família PETI BPC Outros Trabalho infantil

Fonte: Elaboração própria. IBGE – PNAD 2004/2006.

A exceção ocorre no recebimento do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que apresenta queda de 0,8 pontos percentuais. Con-tudo, essa redução representa um aspecto importante, uma vez que ao mesmo tempo houve redução do uso de trabalho infantil nessas famílias, que passou de 9,3% para 8,8%. O mesmo comportamento de distribuição dos progra-mas de transferência de renda se repete para as famílias biparentais chefiadas por mães negras, mas com menor magnitude e com um agravante, a incidên-cia de trabalho infantil cresceu 0,2 pontos percentuais.

* * *O estudo Pobreza, trabalho infantil e Programa Bolsa Família analisa

o impacto do programa de transferência de renda com condicionalidades do governo federal, Bolsa-Família, sobre a incidência de trabalho infantil e a fre-qüência escolar das crianças, duas opções que se encontram intrinsecamente correlacionadas no caso dos jovens. A justificativa desta proposta relaciona-se à constatação de que não há evidências de redução significativa no trabalho infantil entre as crianças das famílias pobres, o que sugeriria a necessidade de

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aprimoramento desses programas. É reconhecido que a redução da pobreza requer investimentos para a elevação do estoque de capital humano dos mais pobres e, sobretudo, requer esforços para romper a reprodução intergeracio-nal da reprodução da pobreza.

Entretanto, os mais pobres, brancos ou negros, especialmente os me-ninos, se vêem obrigados a ingressar no mercado de trabalho precocemente, para complementar a renda familiar ou garantir sua própria sobrevivência, não raro alocando o tempo em detrimento dos estudos e, conseqüentemen-te, deteriorando as suas oportunidades futuras de auferir renda mais elevada. Ademais, os jovens, em geral, e aqueles de poucos anos de escolaridade, em particular, ocupam postos de trabalho de menor qualificação, recebendo sa-lários baixos, perpetuando, assim, a sua condição de pobreza. Os programas de transferência de renda com condicionalidades - freqüência escolar, atendi-mento médico, entre as condições mais freqüentemente utilizadas, o Progra-ma brasileiro contempla esses critérios - focalizados na população mais pobre, contribuem para romper a armadilha da pobreza entre gerações, na medida em que garantem um nível mínimo de renda de subsistência para as famílias pobres e resguardam a obtenção de capital humano de seus beneficiários.

Sob a ótica da teoria econômica, os programas de transferência de renda provocam um efeito renda puro na tomada de decisão da família sobre o uso do tempo das crianças entre trabalho, escola e lazer. Considerando essas últimas opções como bens de luxo, a teoria econômica afirma que o seu con-sumo aumentará mais que proporcionalmente com a elevação da renda fami-liar. Ou seja, à medida que os ganhos da família se elevam, os seus membros poderão alocar maior tempo para o lazer ou estudo, sem prejuízo ao mínimo necessário para a sua subsistência. Essas considerações implicariam diminui-ção do trabalho infantil entre as famílias pobres quando recebem renda por meio de transferências públicas.

As estimativas alcançadas por este estudo, empregando a técnica de probit bivariado em microdados da Pnad 20046, corroboram resultados apre-sentados por esta equipe em trabalhos anteriores, sobre o comportamento e os determinantes do trabalho infantil e a freqüência escolar das crianças. Entre as principais evidências destacamos: a cor das pessoas – pais e filhos – não é determinante para a ocorrência de trabalho infantil ou para o atendimento escolar; a elevação da renda familiar e de níveis de escolaridade impactam positivamente para a redução do trabalho infantil; pais ocupados em traba-lhos informais tendem a utilizar mais a força de trabalho de suas crianças,

6  Neste ano, a Pnad coletou dados que permitem a avaliação de programas de transferência de renda e incidência de trabalho infantil.

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no entanto, apresentam algumas evidências positivas para a freqüência esco-lar; os rapazes mais velhos das famílias apresentam maiores probabilidades de estarem ocupados, mas o sexo dos jovens não apresenta influência para a freqüência escolar; e quanto maior o tamanho da família, maior a probabi-lidade de haver trabalho infantil e não atendimento escolar. Por outro lado, com relação aos impactos do Programa Bolsa-Família, os resultados indicam que o programa impacta positivamente para elevar o atendimento escolar das crianças, mas é incapaz de reduzir a incidência de trabalho infantil. Ressalta-mos que o combate ao trabalho infantil não é uma das metas do programa, entretanto, alguns aprimoramentos do Programa Bolsa Família (PBF), bem como a ampliação da jornada escolar, contribuiriam para a erradicação do trabalho infantil.

* * *A importância da manutenção dos programas públicos de transferên-

cia de renda e, sobretudo, a relevância da dinâmica do mercado de trabalho para diminuir a alta concentração de renda e criar um ambiente favorável para a superação da pobreza foi confirmada nos estudos Redução da desigualdade da distribuição de renda entre 2001 e 2006 nas macro-regiões brasileiras. Tendência ou fenômeno transitório? e Magnitude da queda da desigualdade de renda no Brasil de 2001 a 2006: uma abordagem regional por tipos de renda. No primeiro estudo analisaram-se as contribuições de três fontes de renda: trabalho, trans-ferências públicas e aposentadorias e pensões, para a queda da desigualdade na distribuição da renda domiciliar nacional e das cinco macrorregiões. A renda do trabalho constituiu-se na principal fonte de renda para a redução do índice de concentração entre o período de 2001 a 2006, principalmente entre 2001 e 2004. A contribuição das transferências públicas, por exemplo, as transferências do Programa Bolsa Família, é expressiva para a redução das desigualdades, ao longo do período como um todo, particularmente, para as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte-urbana, apesar dessas transferências ocuparem parcela relativamente pequena na composição da renda domici-liar, cerca de 4% para o Brasil. As aposentadorias e pensões ocupam parcela expressiva da renda domiciliar total, aproximadamente 20%, mas há forte concentração de seus benefícios que incide sobre a desigualdade da distribui-ção dos salários do mercado de trabalho. A despeito do perfil concentrado, as aposentadorias e pensões mostraram-se importantes, especialmente para as regiões Sul e Sudeste, contribuindo com 17% para a queda do grau de desi-gualdade da distribuição da renda domiciliar per capita total.

Ratifica-se, assim, a importância do mercado de trabalho para con-duzir a política distibutiva, sem deixar de lado, medidas de transferência de

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renda para os mais pobres que ou residem em localidades onde o mercado de trabalho é estreito e pouco dinâmico ou não dispõem de atributos e/ou não têm tempo para adquirí-los para inserirem-se no mercado de trabalho.

O segundo estudo buscou dimensionar a magnitude da queda da de-sigualdade, entre 2001 e 2006, com o propósito de se avaliar o efeito dessa di-minuição sobre a renda domiciliar per capita dos mais pobres e o aumento de bem-estar que propiciou. A queda da desigualdade na distribuição de renda, na primeira década do século XXI, é atípica frente ao período compreendido entre 1960 e 2000 e gerou entusiasmo e expectativas de continuidade entre os especialistas. Contudo, os resultados obtidos para a realidade nacional e regional, quando desagregamos a distribuição da renda para grupos decíli-cos da população, mostrou mudanças incapazes de promover uma mudança estrutural na distribuição de renda domiciliar, como era de se esperar, de-vido ao curto período de tempo. Inúmeros domicílios, principalmente, dos décimos de renda inferiores, encontram-se endividados e os acréscimos de renda decorrentes da queda da desigualdade representam ganhos diminutos em termos de bem estar.

* * *A partir dos resultados alcançados, dos seminários realizados e da in-

vestigação de campo junto às entidades representativas dos movimentos so-ciais, apresentamos em Políticas públicas e ações afirmativas na busca de maior igualdade um conjunto de programa e ações públicas que permitem enfrentar a desigualdade social e o desafio da discriminação no mercado de trabalho para mulheres e negros e minimizar os efeitos deletérios de tal prática. Entre as várias propostas, destacamos a importância de programas e/ou ações que contemplem as seguintes dimensões: o combate à informalidade, pois consi-deramos imprescindível, a extensão do sistema Público de Seguridade Social para garantir a coesão social, e a universalização dos direitos sociais; a presta-ção de serviços públicos de saúde que, no atendimento universal, considerem critérios de diferenças genéticas; a manutenção da política ativa de salário mínimo; a difusão mais equitativa da tecnologia entre ramos de atividade e entre porte de firmas para diminuir as diferenças salariais; a capacitação con-tinuada, especialmente para as mulheres; a oferta de serviços educacionais de melhor qualidade para as crianças e jovens, incluindo a extensão da jornada escolar; a definição de cotas para jovens de escolas públicas no ensino técnico e superior; a oferta de serviços de capacitação para gestores públicos, de tal forma a compreenderem e aplicarem os critérios de gênero e raça na prática da política pública; a utilização da mídia para valorizar a identidade e a auto-estima das mulheres e negros; e a implementação de maior visibilidade, de

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difusão de informações sobre os programas públicos de inclusão social e de acesso à cidadania, além de disseminar, sistematicamente, as boas práticas e produtos resultantes dos processos de avaliação.

Maria Cristina Cacciamali e Maria de Fátima José-Silva São Paulo, Outubro de 2008.

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1 ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS, DIMINUIÇÃO DO GRAU DE DISCRIMINAÇÃO?

Maria Cristina Cacciamali e Jackson William Rosalino

Os estudos sobre práticas de discriminação, que ocorrem no mercado de trabalho brasileiro, tomam um caráter sistemático a partir do final dos anos de 1990, estimulados por, pelo menos, dois motivos. O primeiro reporta-se à maior preocupação das agências multilaterais na defesa dos direitos humanos no trabalho. Distintos órgãos e programas das Nações Unidas reforçam essa vertente, por meio, por exemplo, da Declaração dos Princípios e Direitos Fun-damentais no Trabalho, de 1998, da Organização Internacional do Trabalho, da Declaração do Milênio das Nações Unidas aceita por 186 países em 2000 e/ou da Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância das Nações Unidas, em Durbin em 2001. O segundo motivo prende-se à maior organização e visibilidade dos movimen-tos sociais de mulheres e, especialmente, negros que expõem as desigualda-des entre os brancos e outras etnias/raças da população e demandam ações afirmativas para superá-las como, por exemplo, cotas no ensino superior e no mercado de trabalho. Essas tendências implantaram o tema das relações entre exclusão social e discriminação de gênero e raça ao debate público e suscitaram o fomento de políticas sociais voltadas ao acesso e à criação de oportunidades de inclusão social para esses grupos. A necessidade de subsidiar essas ações, por outro lado, provocou a ampliação dos estudos e a geração de informações sobre essa questão.

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Desde os primeiros recenseamentos nacionais, de 1872 e de 1890, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - investiga a cor da população. O Censo de 1872 enumera, inclusive, o contingente de popula-ção escrava. Nos Censos Demográficos do século XX, apenas aquele de 1970 não dispõe dessa variável. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD - , por outro lado, desde 1987 inclui nos levantamentos anuais a coleta de dados sobre a cor/raça/etnia da população. Essa variável á investi-gada, portanto, regularmente nas estatísticas nacionais, sendo apreendida em cinco grupos - branca, preta, parda, amarela e indígena - segundo o critério de autodeclaração de cor.

Esse estatuto de coleta de informações permite acompanhar as caracte-rísticas sócio-econômicas dos diferentes grupos da população brasileira segun-do a sua autodeclaração de cor e, nesse âmbito, podemos analisar a evolução das desigualdades sociais. Ressaltamos, entretanto que, embora essa classi-ficação, segundo o senso comum, possa aproximar a divisão da população brasileira por raças ou por etnias, contestamos essa visão. Em primeiro lugar porque embora o fenótipo de uma pessoa possa remeter a uma determinada categoria de cor e/ou herança genética, do ponto de vista genético, esse fato tem uma alta probabilidade de não se verificar. Em segundo lugar, no Brasil, diferentemente de outros países como, por exemplo, os Estados Unidos, em nenhum momento ou lugar confirmou-se a institucionalização de classifica-ção e/ou segregação por raça e/ou a proibição de casamentos interraciais. No Brasil, a mestiçagem se constitui em uma expressiva característica demográfica e estabeleceu-se como uma ampla prática social. Assim, acreditamos que mes-tiços de diferentes origens, não apenas de ascendência africana, mas também indígena, devam predominar na população brasileira. A autodeclaração, nessa situação, pode resultar na sobrestimação da desigualdade inter-racial, basta que mestiços de elevado status social e/ou alta renda tendam a autodeclarar-se de brancos ao invés de pardos.

O objetivo do presente artigo, guardadas as considerações apresenta-das, é o de analisar quatro grupos da população, a saber, homens brancos, ho-mens negros, mulheres brancas e mulheres negras – mantendo como padrão de referência o homem branco, com relação a três aspectos: a desigualdade salarial, o grau de discriminação no mercado de trabalho e a evolução desses indicadores. As estimativas são realizadas por meio dos microdados da Pesqui-sa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) para os mercados de trabalho formal e informal, ou seja, para os empregados com carteira de trabalho assi-

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nada e sem carteira de trabalho assinada, componentes típicos do mercado de trabalho. Esse recorte foi utilizado para isolar os efeitos derivados das práticas de discriminação dos responsáveis por domicílios que contratam os serviços de empregados domésticos e/ou decorrentes da discriminação em domicílios e/ou empresas quando demandam a prestação de serviços de trabalhadores por conta própria.

O tema exposto foi desenvolvido em cinco seções, além desta intro-dução. A primeira seção consiste de uma revisão teórica sobre o tema, na qual selecionamos um conjunto de autores que discorrem sobre a discriminação salarial por sexo e raça/cor/etnia. Na segunda seção apresentamos indicadores selecionados para os grupos e mercados de trabalho considerados e descreve-mos as variáveis componentes do modelo. A seção seguinte contém a meto-dologia de Oaxaca empregada neste estudo e na quinta seção analisamos os resultados obtidos. Finalmente, passamos às considerações finais.

1. A TENDÊNCIA DE ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS SA-LARIAIS POR SEXO E RAÇA

A literatura especializada aponta para o estreitamento dos diferenciais salariais entre sexos e entre cor/etnia/raça em diferentes regiões do mundo, inclusive no Brasil.

Blau & Kahn, por exemplo, estudam, para 22 países, por meio de mi-crodados, as causas da diminuição do hiato salarial entre homens e mulheres, para o período de 1985 e 1994, e concluem pela primazia de duas razões: o estreitamento da estrutura salarial da força de trabalho masculina e menor oferta líquida de mulheres no mercado de trabalho. 1 Os dois fatores, mas principalmente o primeiro, encontra-se circunscrito às instituições do mer-cado de trabalho de cada país, especialmente com relação aos mecanismos de negociação coletiva. Assim:

“Since it is likely that labor market institutions are responsible for an important portion of international differences in wage inequality, the inverse relationship between the gender pay gap and male wage inequality suggests that wage-setting mechanisms, such as encompassing collective bargaining agreements that provide for relatively high wage floors, raise the relative pay of women, who tend to be at the bottom of the wage

1 BLAU, Francine D., KAHN, Lawrence M. Understanding  international differences  in  the gender pay gap. Journal of Labor Economics, 2003, vol. 21, n.º 1. The University of Chicago.

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distribution in all countries. Consistent with this view, we find that the extent of collective-bargaining coverage in each country is significantly negatively related to the gender gap. Overall, our results provide strong evidence that wage-setting institutions have important effects on the gender pay gap and some evidence of the impact of the market forces of supply and demand as well.”

No caso dos Estados Unidos, O’Neil avalia a tendência da discrimina-ção por sexo entre a década de 1950 e meados da década de 1980. 2 Na meta-de da década de 1950, o hiato salarial entre mulheres e homens era de 31%, alargou-se para 35% em princípio da década de 1960, atingiu 37% no início da década de 1970 e declinou para 33%, em 1982. Em 1950, as mulheres na força de trabalho desse país tinham completado 1,6 anos de estudo a mais do que os homens, mas, em 1979, essa diferença desapareceu, o que alargou o hiato salarial para 7 pontos percentuais a favor dos homens. Adicionalmente, entre 1952 e meados de 1960, o diferencial de experiência no trabalho entre homens e mulheres - medido como tempo no emprego – ampliou-se, o que contribuiu para o aumento do hiato em dois pontos percentuais a favor dos homens. Entre 1963 e 1981, o tempo médio no emprego das mulheres cres-ceu em relação ao tempo médio dos homens. O estreitamento do hiato sala-rial, a partir de meados da década de 1970, segundo a autora, provavelmente refletiu o aumento da experiência das mulheres mais jovens.

O´Neil apresenta ainda dois fatores adicionais que podem explicar a evolução do hiato salarial, particularmente, a partir de 1969. O primeiro é a elevação do desemprego que, pela maior incidência sobre as mulheres, alargou o hiato a favor dos homens. O outro é a depressão dos salários dos trabalha-dores menos experientes, um resultado do influxo na força de trabalho de mulheres mais velhas menos experientes e de uma coorte expressiva de tra-balhadores originários do período do baby boom. Esse acréscimo de oferta de força trabalho aumentou o ganho dos mais velhos, homens mais experientes em relação aos homens mais novos, e, provavelmente, também aumentou os ganhos dos homens relativamente àqueles das mulheres. Os ganhos das mu-lheres em relação aos homens não aumentaram até o final da década de 1970, apesar da experiência das mulheres aumentar, mesmo lentamente. O aumen-to da força de trabalho provavelmente se constituiu em um fator inibidor.

2 O’NEIL, June. The trend in the male-female wage gap in the United States. Journal of Labor Economics, v. 3, n. 1, parte 2: Trends in women’s work, education, and family building. Janeiro, 1985, pág. 91-116. University of Chicago Press.

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Com relação à década posterior, os anos de 1980, O’Neil considera muitos fatores como, por exemplo, o aumento da experiência no emprego das mulheres mais jovens e das matrículas das mulheres em instituições de ensino superior entre 1975 e 1980. Assim, conclui O’Neil, as funções de homens e mulheres no mercado de trabalho podem estar convergindo implicando redução do hiato salarial entre os sexos.

Quanto ao hiato salarial entre brancos e negros nos Estados Unidos, Neal & Johnson especificam um modelo de equação salarial que, entre outras causas, atribui a diferença salarial à diferença de qualificação entre os dois grupos da população.3 Os autores concluem que:

“While our results do provide some evidence of current labor markets discrimination, our primary finding is that large skill gaps between blacks and whites are important determinant of the black-white wage differences. Future research on the black-white wage gap should focus on the obstacles black children face in acquiring productive skill.”

Carneiro, Heckman & Masterov, também investigam, para o período de 1990 a 2000, nos Estados Unidos, as relações entre qualificação e discrimi-nação para explicar o hiato salarial entre brancos e outros grupos étnicos. 4 Os autores concluem que, exceto para a população negra, o hiato salarial deve-se a fatores pré-mercado:

“For all minorities but black males, adjusting for the ability that minorities bring to the market eliminates wage gaps. The major source of economic disparity by race and ethnicity in U.S. labor markets is in endowments, not in payments to endowments.”

A superação do hiato salarial terá maior probabilidade de sucesso com a implementação de programas educacionais e profissionais ao invés de meras ações afirmativas, exceto para os homens negros. Isto posto, os autores en-Isto posto, os autores en-caminham a sua proposta:

3 NEAL, Derek A. & JOHNSON, William R. The Role of Premarket factors in black-white wage differences. The Journal of Political Economy, vol. 104, n.º 5, outubro de 2006. Pág. 869-895.4 CARNEIRO, Pedro, HECKMAN,  James  J. & MASTEROV, Dimitriy V. Labor market discrimination and racial difference in premarket factors. Journal of Law and Economics, vol. XLVIII, abril 2005. The University of Chicago.

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This evidence suggests that strengthened civil rights and affirmative action policies targeted at the labor market are unlikely to have much effect on racial and ethnic wage gaps, except possibly for those specifically targeted toward black males. Policies that foster endowments have much greater promise. On the other hand, this paper does not provide any empirical evidence on whether the existing edifice of civil rights and affirmative action legislation should be abolished. All of our evidence on wages is for an environment in which affirmative action laws and regulations are in place.”

Para o Brasil, Barros, Franco & Mendonça avaliam a contribuição da discriminação por sexo e cor/etnia/raça para a redução do grau de desigual-dade da remuneração do trabalho e da renda per capita entre 1995 e 2005, utilizando os microdados da PNAD em três tipos de segmentos - espacial, setorial e formal e informal. 5 De acordo com os autores, em 2005, homens com as mesmas características observáveis e inseridos no mesmo segmento do mercado de trabalho que as mulheres recebiam remuneração 56% maior. Esse diferencial declinou 2 pontos percentuais entre 2001 e 2005. Ainda com relação a 2005, brancos, com as mesmas características observáveis que pre-tos e pardos, ou seja, o grupo denominado de negros, e inseridos no mesmo segmento do mercado de trabalho, recebiam remuneração 11% maior. O di-ferencial da remuneração por cor/etnia/raça também declinou 2 pontos per-centuais entre 2001 e 2005, porém a sua contribuição para a redução no grau de desigualdade da remuneração e renda per capita foi maior. Controlando as características dos trabalhadores e o segmento do mercado de trabalho ao qual eles pertencem, os autores verificam que houve também um declínio no diferencial de remuneração por segmentos espaciais - Unidades Federativas; Regiões metropolitanas; municípios de médio e pequeno porte; e áreas urba-nas e rurais. Ainda controlando as características dos trabalhadores, consta-tou-se que houve queda na disparidade da remuneração entre os setores de atividades. Apenas para a segmentação formal e informal não ocorreu queda do diferencial em remuneração.

A redução nas imperfeições do mercado de trabalho, isto é, a diminui-ção da discriminação e da segmentação do mercado de trabalho, contribuiu para a redução da desigualdade na distribuição dos rendimentos do trabalho e

5  BARROS, Ricardo  Paes  de,  FRANCO,  Samuel, MENDONÇA, Rosane. Discriminação  e  segmentação no mercado de trabalho e desigualdade de renda no Brasil. Texto para Discussão, n.º 1288. IPEA: Rio de Janeiro, julho de 2007.

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da renda per capita. A redução do coeficiente de discriminação e a diminuição do grau segmentação contribuíram, respectivamente, com cerca de 10% e 25% para a menor concentração na distribuição da remuneração do trabalho e com 4% e 14%, respectivamente, para a diminuição do grau de desigualda-de na distribuição da renda per capita.

Biderman & Guimarães decompõem os determinantes que afetam a desigualdade salarial de mulheres e negros utilizando as PNADs de 1989 e 1999. Os autores efetuam a análise para os setores de alimentos, couro e cal-çados, vestuários, bens de capital e telemática. O objetivo desse estudo é o de verificar a existência de uma diferença estatisticamente significante entre os resultados para o conjunto da força de trabalho e para os setores selecionados da atividade econômica. Biderman & Guimarães concluem que o principal determinante do hiato salarial que atinge as mulheres é a discriminação no mercado de trabalho, enquanto que para os homens negros o agente primor-dial se constitui na defasagem de escolaridade, ou seja, um fator pré-mercado de trabalho, ao passo que, para as mulheres negras, o hiato decorre de ambos os fatores, isto é, da discriminação e da defasagem na escolaridade. 6

Bohnenberger, em estudo de 2005, avalia a existência e a evolução da discriminação por sexo e cor/etnia/raça no mercado de trabalho brasileiro, em cada uma das cinco regiões do país, entre os anos de 1992 e 2001, e conclui que a discriminação contra mulheres é mais resistente do que a discriminação contra os negros. As mulheres negras estão na pior situação, pois sofrem dis-criminação tanto de sexo quanto de cor. A região Nordeste apresenta maior incidência de discriminação por sexo, ao passo que a região Sudeste exibe maior discriminação por cor/etnia/raça. Os resultados de Bohnenberger in-dicam que a discriminação por sexo diminuiu ao longo do período estudado e tende a diminuir. 7

Crespo & Reis estudam como os efeitos associados às características das coortes de nascimento, do ciclo de vida e do período influenciaram a parcela do diferencial salarial entre raças/cor/etnias, devido ao termo de dis-criminação entre os períodos de 1987 a 2002. 8 De acordo com os autores, o 6  BIDERMAN, Ciro, GUIMARÃES, Nadya Araújo. Desigualdades, discriminação e políticas públicas. Uma análise a partir de setores selecionados da atividade no Brasil. In: Maria Helena Santana Cruz, Amy Adelina Coutinho de Faria Alves. (Org.). Feminismo, Desenvolvimento e Direitos Humanos. Aracaju: REDOR/NEPI-MG/UFS/FAP-SE, 2005, p. 31-60.7  BOHNENBERGER, Roger. Uma análise regional da discriminação de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro - 1999 a 2001. 2005. Dissertação  (Mestrado em Economia de Empresa)  - Universidade Católica de Brasília. Brasília.8  CRESPO, Anna Risi Vianna, REIS, Maurício Cortez. Decomposição do componente de discriminação na desigualdade de rendimentos entre raças nos efeitos  idade, período e coorte.  In: Encontro da ANPEC, 2004, Natal. Encontro da ANPEC, 2004.

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efeito coorte etária passa a ser praticamente constante para as gerações nascidas a partir da década de 1950. O efeito da idade mostra que o componente de discriminação é maior para os trabalhadores mais novos do que para os mais velhos, o que está de acordo com o esperado, pois à medida que o empregador disporia de mais informações sobre a qualidade do trabalho de seu emprega-do, de sua produtividade, haveria uma tendência de redução da discrimina-ção salarial. O efeito período permite concluir que, a partir de 1996, há uma tendência de queda no termo de discriminação contra a força de trabalho negra. Crespo & Reis ressaltam, porém, que a interpretação dessa evidência não pode ser conclusiva devido ao grande número de mudanças na economia brasileira durante o período.

Em outro artigo, Matos & Machado examinam os diferenciais no rendimento, levando em conta a discriminação por sexo e cor/etnia/raça uti-lizando os microdados da PNAD de 1987 a 1999. De acordo com as autoras, o termo de discriminação entre homens brancos e negros diminuiu. Entre homens brancos e mulheres brancas, o termo sofreu poucas mudanças, apre-sentando tendência ascendente. 9 Conforme as autores, tal evolução deve ser analisada com prudência, uma vez que, na decomposição, o que aumenta é o peso do diferencial não explicado e não o valor do diferencial em termos absolutos. Com relação a homens e mulheres negras, Matos & Machado mos-tram que o diferencial não explicado, isto é, o termo de discriminação cai, porém, em valores absolutos, há um aumento no diferencial de rendimento a favor dos homens negros. Entre mulheres brancas e negras, há um aumento no diferencial em valores absolutos em decorrência de fatores não explicados, visto que o diferencial relativo ao retorno aos anos de escolaridade diminuiu. O termo de discriminação entre homens brancos e negros diminuiu.

Por fim, Oliveira & Rios-Neto estudam a tendência da desigualdade salarial da força de trabalho feminina no Brasil, segundo cor/etnia/raça, du-rante as décadas de 1980 e 1990. 10 Os autores concluem que a hipótese de que o hiato salarial por cor/etnia/raça é determinado por diferenças individu-ais e ocupacionais confirmou-se, mas as hipóteses de crescentes retornos aos anos de escolaridade e à demanda por mão-de-obra qualificada não se susten-taram, o que resultou na ampliação do hiato salarial entre trabalhadores com alta e baixa qualificação. Comprovou-se, em várias dimensões do mercado

9  MATOS, Raquel Silvério, MACHADO, Ana Flávia. Diferença de rendimento por cor e sexo no Brasil (1987-2001). Econômica, Rio de Janeiro, v. 8, n.º 1, p. 5-27, junho 2006.10  OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo, RIOS-NETO, Eduardo Luiz Gonçalves. Tendências da Desigualda-de Salarial para Coortes de Mulheres Brancas e Negras no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 36, n.º 2, pág. 205-236, abril-junho 2006.

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de trabalho, o status mais baixo das mulheres negras em relação às mulheres brancas. Segundo os autores:

É desapontador ver a estagnação do hiato salarial por raça entre as mulheres nos últimos anos e não detectar qualquer indicação de futura reversão desta tendência, dado que as tendências das coortes não são significativamente diferentes, mesmo estando convergindo seus níveis educacionais. Todos os outros indicadores apontam para o fato de que diferentes padrões de características ocupacionais e diferentes retornos destas características por raça são determinantes neste fracasso das mulheres negras em converter os ganhos educacionais em ganhos salariais. Portanto, não é razoável inferir um progresso real em direção à igualdade racial. E assim é possível concluir como se inicia o artigo: no final dos anos 1990, mais de um século após a abolição formal da escravidão no Brasil, a situação das mulheres negras ainda se caracteriza por uma posição desfavorecida no mercado de trabalho. Dadas a longa persistência desta situação e a falta de evidências de uma reversão potencial, a discriminação deve ser considerada como um fator determinante dos diferenciais de raça no Brasil. Não somente a discriminação, mas as barreiras a uma inserção justa no mercado de trabalho.

2. INDICADORES DO MERCADO DE TRABALHO POR SEXO E RAÇA

Em 2006, a população total do Brasil era de pouco mais de 187 mi-lhões de pessoas, 89,6 milhões se encontravam ocupadas, 8,2 milhões procu-ravam emprego e 58,5 milhões eram economicamente inativas. Inicialmente, observa-se que, nos dois anos considerados, a taxa de atividade e a taxa de ocupação são maiores para os homens o que conduz a uma taxa de desocu-pação menor para as mulheres. Esse fato torna-se mais marcante quando se verifica que as diferenças entre sexos são maiores do que aquelas devido à raça/cor/etnia. Assim, a taxa de atividade dos homens brancos e negros é similar, do mesmo modo que a taxa de ocupação, a diferença mais relevante é encon-trada na taxa de desemprego. Entre as mulheres brancas e negras constata-se o mesmo comportamento (Tabelas 1 e 2).

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Tabela 1 - Indicadores do Mercado de Trabalho. Brasil 2006

Mercado de Trabalho Indicadores (%)

Empregados Desocupados PEA PIA Taxa de atividade

Taxa de ocupação

Taxa de desocupação

Homens

Brancos 25.428.848 1.538.028 26.966.876 36.950.236 73,0 68,8 5,7

Negros 25.741.458 1.950.304 27.691.762 37.783.624 73,3 68,1 7,0

Total 51.565.275 3.509.880 55.075.155 75.326.459 73,1 68,5 6,4

Mulheres

Brancas 20.112.770 2.156.981 22.269.751 41.647.820 53,5 48,3 9,7

Negras 17.548.125 2.503.580 20.051.705 38.614.127 51,9 45,4 12,5

Total 37.990.100 4.700.347 42.690.447 80.957.152 52,7 46,9 11,0

Total

Brancos 45.541.618 3.695.009 49.236.627 78.598.056 62,6 57,9 7,5

Negros 43.289.583 4.453.884 47.743.467 76.397.751 62,5 56,7 9,3

Total 89.555.375 8.210.227 97.765.602 156.283.611 62,6 57,3 8,4

Fonte: IBGE - Microdados PNAD 2006. Elaboração própria PEA: População Economicamente Ativa, ou seja, a soma dos empregados e desocupados; PIA: População em Idade Ativa, isto é, pessoas de 10 ou mais anos de idade; Taxa de atividade: É a percentagem da PEA em relação à PIA; Taxa de ocupação: É a percentagem das pessoas empregadas em relação à PIA; Taxa de desocupação: É a percentagem das pessoas desocupadas em relação à PEA; População negra, neste caso, representa a soma de pessoas de cor negra e parda

Para efeitos deste estudo, a análise da questão da discriminação por sexo e cor/etnia/raça será realizada entre os trabalhadores empregados do setor privado não agrícola, com idade igual ou superior a 25 anos. Na amostra são considerados apenas os empregados com e sem carteira de trabalho assinada, nesses últimos, também estão incluídos os empregados sem declaração de car-teira de trabalho, são ainda excluídos os empregados dos ramos de atividade agrícola, administração pública e serviço doméstico. Igualmente, são elimina-dos da amostra os registros sem declaração de idade, sem declaração de renda do trabalho, cor e anos de escolaridade. Esses filtros resultam em um total de pouco menos do que 23,9 milhões de empregados.

De acordo com a Tabela 2, observa-se que os homens brancos são o grupo que apresenta o menor percentual trabalhando sem carteira de trabalho assinada, ao passo que as mulheres negras mostram maior percentual traba-lhando na informalidade. Homens negros e mulheres brancas exibem um per-

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centual de trabalhadores no mercado de trabalho informal muito semelhante, porém superior àquela registrada pelos homens brancos11 (Tabela 2).

Tabela 2 - Empregados por sexo e cor/etnia/raça segundo registro em carteira de trabalho. Valores absolutos e relativos. Brasil 2006

Homem branco Homem negro Mulher branca Mulher negra Total

Sem carteira de trabalho assinada

1.548.235 1.616.959 1.373.577 1.176.470 5.715.241

19,8% 24,9% 23,6% 31,3% 23,9%

Com carteira de trabalho assinada

6.268.756 4.865.685 4.440.608 2.576.840 18.151.889

80,2% 75,1% 76,4% 68,7% 76,1%

Total 7.816.991 6.482.644 5.814.185 3.753.310 23.867.130

Em 2002, entre os homens com carteira de trabalho assinada, os bran-cos eram 61,6% e os homens negros eram 38,4%. Em 2006, sob esse mesmo aspecto, o mercado de trabalho se recompõe apontando diminuição do per-centual de homens brancos (56,3%) e aumento da participação dos homens negros em pouco mais do que 5 pontos percentuais. Nessa mesma direção, as mulheres apresentaram menor recomposição no mercado de trabalho. Em 2002, as mulheres brancas ocupavam, no total das mulheres com carteira de trabalho assinada, um percentual equivalente a 66,4%, quatro anos depois, a sua participação declinara em 2,6 pontos percentuais. (Tabela 3).

Tabela 3 - Distribuição dos empregados por sexo e cor/etnia/raça, segundo registro em carteira de trabalho. Valor relativo por registro em carteira de trabalho. Brasil 2002 e 2006

Com carteira de trabalho assinada

Sem carteira de trabalho assinada

2002 2006 2002 2006Homem branco 61,6 56,3 54,7 48,9Homem negro 38,4 43,7 45,3 51,1Mulher branca 66,4 63,3 55,5 53,9Mulher negra 33,6 36,7 44,5 46,1

Fonte: Vide tabela 1

Entre 2002 e 2006, em todos os grupos - homens brancos, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras - houve aumento no percentual de empregados que possuem carteira de trabalho assinada. Todos os grupos apresentaram crescimento em pontos percentuais parecidos, com exceção das

11  A  título  de  precisão,  esclarece-se  que  estamos  considerando  como  participantes  do mercado  de  trabalho informal apenas o grupo de empregados sem carteira de trabalho assinada.

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mulheres brancas para as quais quase não houve alterações. O aumento dos celetistas indica um aumento na formalização da atividade econômica (Tabela 3).

O comportamento do mercado de trabalho, entre 2002 e 2003, se-gundo sexo e cor/raça/etnia indica dois fatos. O primeiro é que a absorção de negros – homens e mulheres - aumentou tanto no mercado de trabalho formal quanto informal. O segundo fato é que o status do negro no mercado de trabalho elevou-se, na medida em que, entre os empregados com carteira de trabalho assinada, os negros – as mulheres e, especialmente, os homens - aumentaram a sua participação frente aos brancos; e considerando o total de empregados, entre os negros diminuiu o peso relativo daqueles inseridos no mercado de trabalho informal - entre os empregados sem carteira de trabalho assinada (Tabelas 3 e 4).

Tabela 4 - Distribuição dos empregados por sexo e cor, raça e etnia, segundo registro em carteira de trabalho. Valor relativo por sexo. Brasil 2002 e 2006

Homem Branco

Homem Negro

Mulher Branca

Mulher Negra

2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006Com carteira de trabalho

assinada 77,9 80,2 72,7 75,1 75,7 76,4 66,3 68,7

Sem carteira de trabalho assinada 22,1 19,8 27,3 24,9 24,3 23,6 33,7 31,3

Fonte: Vide Tabela 1

A Tabela 5 mostra que, no período considerado, dois indicadores do mercado de trabalho, praticamente, não se alteraram: idade média dos ocupa-dos e horas médias trabalhadas. O primeiro se relaciona à oferta abundante de mão-de-obra jovem e mais qualificada, que mantém o padrão etário de ingres-so no mercado de trabalho. O segundo reflete a tendência de expandir técnicas intensivas em capital e de empregar mão-de-obra de maior qualificação, o que permite expandir a produtividade, mantendo praticamente o mesmo número de horas médias trabalhadas por semana em cada grupo considerado.

As alterações dos indicadores se situam na ampliação dos anos de es-colaridade média em todos os grupos e no decréscimo da renda média do trabalho principal. Quanto à escolaridade, destacam-se duas situações. Os empregados negros sem carteira de trabalho assinada, em média, apresentam defasagem elevada de anos de escolaridade – 6,4 vs 9,1 anos na média dos em-pregados. As mulheres brancas e negras, conforme evidências já constatadas por inúmeras pesquisas, mantêm escolaridade média superior à dos homens,

39

embora não traduzam esse acréscimo em pagamento superior ao dos homens (Tabela 5).

O salário real caiu para os brancos e subiu para os negros, sendo que as mulheres brancas com carteira de trabalho assinada apresentaram a maior queda entre 2002 e 2006, ao passo que as mulheres negras sem carteira de tra-balho assinada exibiram a alta mais forte (Tabela 5). De modo geral, a renda média do trabalho principal aumentou em termos nominais de 30,4%, mas em termos reais caiu 3,4%, devido à inflação de 34,9% medida pelo INPC, entre 2002 e 2006.

Tabela 5 - Indicadores médios das características produtivas e dos rendimentos dos empregados. Brasil 2002 e 2006

Idade Anos de estudo

Renda mensal do trabalho

principal

Horas trabalhadas por semana

Salário hora Variação real no salário

2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006

HBCC 37,9 37,9 8,7 9,4 1.051,4 1.364,7 45,8 45,2 5,8 7,6 -3,8%

HNCC 36,9 37,0 7,2 8,0 597,9 837,4 46,6 45,7 3,3 4,7 3,8%

HBSC 39,8 40,6 8,0 8,4 792,4 1.036,8 45,1 44,1 4,9 6,3 -3,0%

HNSC 37,6 38,0 5,8 6,4 425,3 581,1 46,3 44,9 2,5 3,6 1,3%

MBCC 36,6 36,8 10,1 10,7 742,3 975,3 41,3 41,7 4,5 6,0 -2,6%

MNCC 36,6 36,7 8,5 9,3 442,1 627,9 42,2 42,0 2,6 3,9 5,3%

MBSC 38,3 38,5 9,2 9,8 528,0 670,4 37,2 36,7 3,8 5,0 -5,9%

MNSC 36,8 36,8 7,5 8,4 302,4 439,9 37,2 37,0 2,5 3,2 7,8%

Total 37,5 37,5 8,4 9,1 725,1 945,3 43,8 43,3 4,2 5,6 -3,4%

Fonte: Vide Tabela 1Doravante, consideraremos a seguinte nomenclatura: HBCC: Homem branco com carteira de trabalho assinada; MBCC: Mulher branca com carteira de trabalho assinada; HNCC: Homem negro com carteira de trabalho assinada; MNCC: Mulher negra com carteira de trabalho assinada; HBSC: Homem branco sem carteira de trabalho assinada; MBSC: Mulher branca sem carteira de trabalho assinada; HNSC: Homem negro sem carteira de trabalho assinada; MNSC: Mulher negra sem carteira de trabalho assinada.

À maior escolaridade corresponde ganhos crescentes no emprego, consoante com a expectativa teórica, embora essa tendência de aumento seja bem menor até por volta de 8 anos de estudo, o que corresponde ao ensino fundamental completo (Gráfico 1). Esse comportamento reflete as mudan-ças na estrutura do mercado de trabalho nas duas últimas décadas quando houve expressivo aumento do número de trabalhadores com pelo menos o ensino fundamental completo. O movimento, impulsionado pelas políticas de ampliação das matrículas no ensino fundamental e médio, junto às exi-gências por mão-de-obra mais qualificada, decorrente das rápidas mudanças

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tecnológicas, faz com que os salários dos trabalhadores sem ao menos o ensino fundamental completo sofra um nivelamento por baixo.

Gráfico 1 - Salário/Hora médio por anos de estudo - empregados com carteira de trabalho assinada. Brasil 2006

25

20

25

15

20

10

15HBCC

MBCC

HNCC

MNCC

5

10

0

5

Anos de estudoFonte e Observações: Vide tabela anterior.

Gráfico 2 - Salário/hora médio por anos de estudo - empregados sem carteira de trabalho assinada. Brasil 2006

18

Salário/Hora médio por anos de estudo - empregados sem carteira de trabalho assinada Brasil 2006 - Fonte: PNAD

16

18

12

14

8

10 HBSC

MBSC

HNSC

MNSC

4

6

0

2

Anos de estudoFonte e Observações: Vide Tabela 5.

A simples diferença salarial, como constatada por meio da Tabela 5, não permite estabelecer o grau de discriminação entre grupos, uma vez que essa diferença pode estar associada ao menor nível educacional – na compara-

41

ção entre brancos e negros – e/ou à menor experiência de trabalho por parte do grupo supostamente discriminado, o que refletiria formas discriminatórias pré-mercado.

Para observarmos quanto dessa diferença de rendimentos se deve à discriminação e quanto se deve às capacidades pessoais dos indivíduos, va-mos decompor a diferença dos logaritmos dos salários/hora, estimados por grupos que considerem sexo, raça e posição na ocupação, em duas parcelas. A primeira parcela refere-se à diferença de rendimentos derivada das diferenças nas características produtivas. Assim, por exemplo, o fato de um grupo auferir em média ganhos menores que outro poderia estar inteiramente relacionado à características produtivas inferiores, por exemplo, menos anos de estudo, experiência de trabalho, etc... O diferencial de salários médios, nessa situação, não conteria nenhum componente discriminatório, ao contrário, a diferença seria o resultado de valorações que ocorrem no âmbito do mercado de traba-lho. A segunda parcela corresponde à discriminação propriamente dita. Nesse caso, considerando-se que os retornos estimados para as características produ-tivas são os mesmos para homens e mulheres, brancos ou negros, não have-ria explicação econômica para um determinado grupo perceber salários, em média, menores. Realizamos essa decomposição através do método proposto por Oaxaca, método que é amplamente utilizado na literatura especializada, permitindo comparações com outros estudos.

3. O MÉTODO OAXACA

Considere a seguinte equação de salário hora:

iii ZW µβ += ´)ln(onde:

iW : é o salário/hora observado para o indivíduo “i”;

'iZ : é o vetor de características individuais;β : é o vetor de coeficientes;

iµ : componente aleatórioEstimando a equação, segue:

^´)ln( iii ZW β=

Considere o grupo 0, isto é, aquele que não sofre discriminação com-parado a um grupo “j”. Fazendo o diferencial, obtemos:

^^

000 ´´)ln()ln( jjj ZZWW ββ −=−

Somando e subtraindo ^

0´βjZ :

42

^^

00

^

0

^

0

^^

000 ´)ln()ln(´´´´)ln()ln( ββββββ ∆−∆=−⇒−+−=− jjjjjjj ZZWWZZZZWW

(1)^^

00 ´)ln()ln( ββ ∆−∆=− jj ZZWW

onde ^

0

^^

0 ´´´

βββ −=∆

−=∆

i

iZZZ

Portanto, o primeiro termo da equação (1), ^

0βZ∆ , corresponde a di-ferenças nos salários em decorrência de atributos da produtividade, ao passo que o segundo termo, ^

´ β∆− iZ , representa a parcela decorrente de outras cau-sas, entre as quais, a discriminação. 12

4. DIFERENÇAS SALARIAIS POR SEXO E COR/ETNIA/RAÇA SEGUNDO OS MERCADOS DE TRABALHO FORMAL E INFOR-MAL

Estabelecemos o modelo de equação salarial log-lin composto pelas variáveis explicativas que se encontram expostas no Quadro 1.13

Quadro 1 - Variáveis explicativas que compõem a regressão.

Caracterrísticas pessoais

Experiência

Experiência2

Anos de estudo

Anos de estudo2

Região

Norte

Nordeste

Sul

Centro-Oeste

Ramo de atividadeIndústria

Comércio e serviços

Outras atividades

Categoria de ocupação

Ciências e artes - Ocupação

Técnicos - Ocupação

Vendedores e prestadores de serviços - Ocupação

Produtores de bens e serviços e de reparação - Ocupação

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

12  Aplicamos  o método  de Oaxaca  em  duas  etapas,  ou  seja,  os  efeitos  referentes  ao  intercepto  estão  sendo captados pelo segundo termo.13  Os autores, neste modelo, entendem que todo o desemprego é involuntário devido a práticas de discrimi-nação e/ou segregação ou à questões de segmentação. Não aplicaram, portanto, o ajustamento de Heckman na equação salarial, relembra-se que os coeficientes estimados, neste caso, são maiores.

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Ressaltamos que as dummies “Sudeste (Região)”, “Dirigentes em geral (Categoria de Ocupação)” e “Atividades Sociais e Pessoais (Ramo de Atividade) foram suprimidas para eliminar o problema de perfeita multicolinearidade.

A análise do retorno da experiência ao salário revela que é maior para os homens do que para as mulheres e dos brancos com relação aos negros, o que não necessariamente deve-se à discriminação, pois podem haver outros fatores influenciando este diferencial, por exemplo, escolaridade, experiência, categoria de ocupação, ramo de atividade, entre outros14. No quesito retorno à experiência, o grupo de Homens brancos com carteira de trabalho assinada encontra-se na melhor posição, pois obtém os maiores retornos, ao passo que o grupo Mulheres negras sem carteira de trabalho assinada situa-se no extre-mo oposto. Destaca-se a situação da mulher negra no mercado de trabalho, pois o mercado não valoriza o aumento da escolaridade desse grupo, impli-cando retornos extremamente baixos, especialmente para as empregadas sem carteira de trabalho assinada. Nota-se ainda, que entre 2002 e 2006, o retorno da experiência não se alterou de maneira significativa (Tabela 6).

Tabela 6 - Taxa de retorno à experiência - %

Expe

riên

cia HBCC MBCC HNCC MNCC HBSC MBSC HNSC MNSC

2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006

5 2,9 2,8 1,4 1,7 2,7 2,3 1,0 0,9 2,5 2,4 1,2 1,0 1,6 2,3 0,2 0,3

10 2,5 2,4 1,3 1,5 2,3 2,0 0,9 0,8 2,2 2,0 1,1 1,0 1,4 1,9 0,2 0,3

15 2,1 2,1 1,1 1,3 1,9 1,7 0,8 0,7 1,9 1,7 0,9 0,9 1,2 1,6 0,2 0,3

20 1,7 1,8 0,9 1,1 1,5 1,4 0,7 0,6 1,5 1,3 0,8 0,9 1,0 1,2 0,2 0,3

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

O retorno dos anos de escolaridade ao salário é também mais elevado para os homens do que para as mulheres, assim como, para os brancos do que para os negros, independente da existência de registro na carteira de trabalho. Destaca-se a queda generalizada da taxa de retorno dos anos de escolaridade ao salário/hora, em virtude do aumento da escolaridade da população em

14 As taxas de retorno à experiência e aos anos de escolaridade são obtidas calculando-se a derivada parcial da equação de salários, com relação às respectivas variáveis, ou seja, dada a equação de salários, obtemos as derivadas parciais com relação à experiência e anos de estudo:

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4. DIFERENÇAS SALARIAIS POR SEXO E COR/ETNIA/RAÇA SEGUNDO OS MERCADOS DE TRABALHO FORMAL E INFORMAL

Estabelecemos o modelo de equação salarial log-lin composto pelas variáveis explicativas que se encontram expostas no Quadro 1.20

Quadro 1 - Variáveis explicativas que compõem a regressão.

Ressaltamos que as dummies “Sudeste (Região)”, “Dirigentes em geral (Categoria de Ocupação)” e “Atividades Sociais e Pessoais (Ramo de Atividade) foram suprimidas para eliminar o problema de perfeita multicolinearidade.

A análise do retorno da experiência ao salário revela que é maior para os homens do que para as mulheres e dos brancos com relação aos negros, o que não necessariamente deve-se à discriminação, pois podem haver outros fatores influenciando este diferencial, por exemplo, escolaridade, experiência, categoria de ocupação, ramo de atividade, entre outros21. No quesito retorno à experiência, o grupo de Homens brancos com carteira de trabalho assinada encontra-se na melhor posição, pois obtém os maiores retornos, ao passo que o grupo Mulheres negras sem carteira de trabalho assinada situa-se no extremo oposto. Destaca-se a situação da mulher negra no mercado de trabalho, pois o mercado não valoriza o aumento da

20 Os autores, neste modelo, entendem que todo o desemprego é invluntário devido a práticas de discriminação e/ou segregação ou à questões de segmentação. Não aplicaram, portanto, o ajustamento de Heckman na equação salarial, relembras-se que os coeficientes estimados, neste caso, são maiores. 21 As taxas de retorno à experiência e aos anos de escolaridade são obtidas calculando-se a derivada parcial da equação de salários, com relação às respectivas variáveis. Ou seja, dada a equação de salários, obtemos as derivadas parciais com relação à experiência e anos de estudo:

iii ZW ´)ln(

)estudo de anos(2estudo de anos

)ln(

)(exp2exp

)ln(

54

32

i

i

W

eriênciaeriência

W

Experiência

Experiência2

Anos de estudo

Anos de estudo2

Norte

Nordeste

Sul

Centro-Oeste

Indústria

Comércio e serviços

Outras atividades

Ciências e artes - Ocupação

Técnicos - Ocupação

Vendedores e prestadores de serviços - Ocupação

Produtores de bens e serviços e de reparação - OcupaçãoFonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

Car

acte

rrís

ticas

pe

ssoa

isR

egiã

oR

amo

de

ativ

idad

eC

ateg

oria

de

ocup

ação

44

todos os níveis, o que levou à estabilização e, até mesmo, em certos casos, à diminuição dessa taxa (Tabela 7).

Tabela 7 - Taxa de retorno à escolaridade - %

Anos

de

estu

do HBCC MBCC HNCC MNCC HBSC MBSC HNSC MNSC

2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006

4 3,3 2,0 0,3 -0,9 4,2 2,5 1,0 -0,8 5,1 3,5 2,2 2,9 5,5 3,8 4,3 2,2

8 9,4 8,2 7,9 6,5 8,3 7,3 7,3 5,2 9,5 6,8 7,3 6,7 7,2 6,6 7,5 6,0

11 13,9 12,9 13,6 12,0 11,4 10,9 12,0 9,6 12,8 9,4 11,2 9,4 8,6 8,8 10,0 8,8

15 19,9 19,1 21,3 19,4 15,4 15,8 18,3 15,6 17,3 12,7 16,3 13,2 10,3 11,7 13,2 12,5

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

Para o ano de 2002, a dummy Indústria para Ramo de atividade não foi significante a 5% para o grupo dos homens negros sem carteira de trabalho assinada. Para o ano de 2006, a dummy Ciências e Artes para a categoria de ocupação não foi significante para o grupo das mulheres negras com carteira de trabalho assinada. A variável Anos de estudo não foi significativa a 5% para o grupo dos homens brancos sem carteira de trabalho assinada. Por fim, ainda com relação ao ano de 2006, a variável Experiência ao quadrado não obteve significância a 5% para o grupo das mulheres negras sem carteira de trabalho assinada (ver Apêndice).

De acordo com o Quadro 2, para os homens brancos com carteira de trabalho assinada, a Indústria é a atividade que apresenta o retorno mais elevado ao salário hora, assim como a ocupação de Ciências e Artes. A região Sul oferece o maior retorno aos salários para o grupo dos homens brancos sem carteira de trabalho assinada, enquanto a região Centro-Oeste favorece mais três grupos de mulheres: negras com carteira de trabalho assinada, brancas sem carteira de trabalho assinada e negras sem carteira de trabalho assinada. Os grupos restantes obtêm maior favorecimento para os seus salários na região Sudeste. As atividades de maior retorno englobam a Indústria e Outras ativi-dades. Particularmente, deve-se destacar que as mulheres negras sem carteira de trabalho assinada encontram maior retorno ao salário hora nas atividades de Educação, saúde, serviços sociais e pessoais. As ocupações que possuem maior contrapartida ao salário são Ciências e Artes e Dirigentes em Geral.

45

Quadro 2 - Síntese dos resultados das regressões. Brasil 2006

Experiência (sinal)

Experiência2

(sinal)

Anos de estudo (sinal)

Anos de estudo2 (sinal)

Região (com melhor

retorno)

Atividade (com melhor

retorno)

Ocupação (com melhor

retorno)

HBCC Positivo Negativo Negativo Positivo Sudeste Indústria Ciências e Artes

MBCC Positivo Negativo Negativo Positivo Sudeste Outras Atividades

Dirigentes em Geral

HNCC Positivo Negativo Negativo Positivo Sudeste Indústria Dirigentes em Geral

MNCC Positivo Negativo Negativo Positivo Centro-Oeste Outras Atividades

Dirigentes em Geral

HBSC Positivo Negativo Positivo Positivo Sul Outras Atividades

Ciências e Artes

MBSC Positivo Negativo Negativo Positivo Centro-Oeste Outras Atividades

Dirigentes em Geral

HNSC Positivo Negativo Positivo Positivo Sudeste Outras Atividades

Ciências e Artes

MNSC Positivo Negativo Negativo Positivo Centro-Oeste

Educação, saúde, serviços sociais e pessoais

Dirigentes em Geral

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

A Tabela 8 mostra que, entre 2002 e 2006, no mercado de trabalho formal, o hiato salarial entre os homens brancos e as mulheres brancas per-maneceu praticamente inalterado, enquanto, em relação aos demais grupos, houve diminuição do diferencial salarial. No mercado de trabalho informal, verifica-se o mesmo comportamento entre os homens brancos e as mulheres e homens negros, entretanto, com relação às diferenças entre os homens bran-cos e as mulheres brancas, verifica-se o aumento do diferencial dos salários médios.

Tabela 8 - Hiato entre os salários observados com relação ao homem branco

Grupos 2002 2006MBCC 22,5% 22,6%HNCC 53,6% 44,6%MNCC 83,8% 69,6%

MBSC 15,3% 17,6%HNSC 65,9% 59,0%MNSC 81,5% 65,1%

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

Apesar do hiato entre os salários/hora observados ter diminuído para praticamente todos os grupos, ao aplicar a metodologia de Oaxaca para se

46

determinar a composição que é devida à discriminação e aquela que advém das diferenças de dotações, verificou-se que a parcela referente à discrimina-ção aumentou (Tabela 10). Para o grupo Mulheres brancas com carteira de trabalho assinada, o percentual devido à discriminação é de 144%, em 2006, e o percentual devido à diferença de dotações é igual a 44%.

Tais valores foram calculados da seguinte forma:

2

21

ABAAX

−−=

Onde X representa o percentual devido à discriminação; 1A é o salário/hora da MBCC; 2A é o salário/hora observado da MBCC e B é salá-rio/hora observado do HBCC.

2

1

ABABY

−−=

Onde Y representa o percentual devido à diferença de fatores.Para transformar tais valores em números absolutos, isto é, analisá-los

com sinais positivos, adotamos o seguinte cálculo:

)()()(

YABSXABSXABSZ

+=

Onde Z representa o percentual devido à discriminação em valores absolutos.

)()()(

YABSXABSYABSW

+=

Em que W representa o percentual devido à diferença de fatores em valores absolutos e ABS representa o valor absoluto do número em questão.

Para as mulheres brancas com e sem carteira de trabalho assinada, nota-se que caso seus atributos fossem valorizados similarmente aos do ho-mem branco, ou seja, caso não houvesse discriminação no mercado de tra-balho, elas deveriam receber mais do que eles. O percentual do hiato salarial devido à discriminação para mulheres brancas com e sem carteira de trabalho assinada deveria ser, em números absolutos, 77% e 74%, respectivamente no ano de 2006 (Tabela 9).

47

Tabela 9 - Decomposição de Oaxaca. Brasil 2002-2006

Salário/hora observado

Salário/hora observado com peso

do homem branco

Percentual devido à discrimnação

Percentual devido à diferença de

dotações

2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006

HBCC 3,77 5,17

MBCC 3,08 4,22 4,12 5,60151% 144% -51% -44%

75% 77% 25% 23%

HNCC 2,45 3,58 2,78 4,01 25% 27% 75% 73%

MNCC 2,05 3,05 3,00 4,27 55% 57% 45% 43%

HBSC 2,74 3,88

MBSC 2,38 3,30 3,00 4,19172% 153% -72% -53%

70% 74% 30% 26%

HNSC 1,65 2,44 1,85 2,75 19% 22% 81% 78%

MNSC 1,51 2,35 2,10 3,14 48% 52% 52% 48%

* Em números absolutos

Finalmente, a Tabela 10 mostra que o hiato entre o salário pago e o sa-lário a ser recebido na ausência de discriminação declinou significativamente para mulheres negras. Os outros grupos não apresentaram mudança brusca.

Tabela 10 - Hiato entre o salário observado e o salário a ser recebido na ausência de discriminação. Brasil 2002-2006

2002 2006MBCC 34% 33%

HNCC 13% 12%

MNCC 46% 40%

MBSC 26% 27%

HNSC 12% 13%

MNSC 39% 34%

Fonte: Vide Tabela 1. Elaboração própria

Verificamos que, no setor formal, o maior hiato diz respeito às mulhe-res negras seguidas das mulheres brancas e por último os homens negros. O mesmo padrão é encontrado para o setor informal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo é o de analisar o grau de discriminação e sua evolução entre os anos de 2002 e 2006 no mercado de trabalho formal e in-formal. Para isso, consideramos dois grupos padrão para os quais não existia discriminação: homem branco com carteira de trabalho assinada e homem branco sem carteira de trabalho assinada. A partir disso, foram examinados

48

grupos que podem ser alvo de práticas discriminatórias: homens negros, mu-lheres brancas e mulheres negras.

Os resultados produzidos indicam que, entre 2002 e 2006, o mercado de trabalho brasileiro manteve práticas de discriminação. O componente da discriminação, segundo as nossas estimativas, é maior para as mulheres bran-cas, seguidas pelas mulheres negras e pelos homens negros, evidências que concordam com os resultados apresentados por Bohnenberger e por Bider-man & Guimarães, entre 1992 e 2001 e 1989 e 1999, respectivamente. 15 Os resultados desses últimos autores mostram que o hiato salarial entre os bran-cos, homens e mulheres, decorre, principalmente, devido à discriminação; enquanto o hiato salarial entre homens brancos e negros, independente do registro em carteira, tem como causa principal a defasagem nas dotações de atributos produtivos, fatores prévios ao mercado de trabalho. O hiato salarial para as mulheres negras resulta de ambos os fatores, isto é, defasagem de seus atributos e discriminação, resultado que vem ao encontro dos resultados deste artigo. Tais evidências estão de acordo com o observado na Tabela 10, visto que o maior hiato entre salário observado e salário a ser recebido na ausên-cia de discriminação é maior para as mulheres negras, seguidas das mulheres brancas e, finalmente, os homens negros.

Embora, sem controlar atributos individuais, o hiato entre os salários dos grupos discriminados tenha diminuído, exceto para as mulheres brancas, o componente referente à discriminação aumentou entre 2002 e 2006. A diferença entre o salário observado e aquele a ser pago na ausência de dis-criminação manteve-se relativamente estável, caindo bruscamente somente para as mulheres negras. Ou seja, o mercado tendeu a reduzir hiato entre os salários observados e a aqueles a serem pagos na ausência de discriminação tendo em vista a maior homogeneidade dos atributos produtivos da popula-ção, entretanto, o componente percentual devido à discriminação aumentou. Em termos absolutos, o componente da discriminação diminuiu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BIDERMAN, Ciro, GUIMARÃES, Nadya Araújo. Desigualdades, discrimi-nação e políticas públicas. Uma análise a partir de setores selecionados

15  BOHNENBERGER, Roger. 2005, op.cit. E BIDERMAN, Ciro, GUIMARÃES, Nadya Araújo. 2005, op.cit.

49

da atividade no Brasil. In: Maria Helena Santana Cruz, Amy Adelina Coutinho de Faria Alves. (Org.). Feminismo, desenvolvimento e direitos humanos. Aracaju: REDOR/NEPIMG/UFS/FAP-SE, 2005, p. 31-60.

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BOHNENBERGER, Roger. Uma análise regional da discriminação de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro - 1999 a 2001. 2005. Disser-tação (Mestrado em Economia de Empresa) - Universidade Católica de Brasília. Brasília.

CARNEIRO, Pedro, HECKMAN, James J. & MASTEROV, Dimitriy V. La-bor market discrimination and racial difference in premarket factors. Journal of Law and Economics, vol. XLVIII, abril 2005. The University of Chicago.

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O’NEIL, June. The trend in the male-female wage gap in the United States. Journal of Labor Economics, v. 3, n. 1, parte 2: Trends in women’s work, education, and family building. Janeiro, 1985, pág. 91-116. University of Chicago Press.

OAXACA, Ronald. Male-female wage differentials in urban labor markets. International Economics Review. Vol. 14. n.º 3, 1973, p. 693-709.

50

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51

APÊNDICE

RESULTADOS DAS REGRESSÕES POR SEXO E COR/ETNIA/RAÇA

Coeficientes da regressão

Ano de 2006

Empregados com carteira de trabalho assinada Empregados sem carteira de trabalho assinada

Brancos Negros Brancos Negros

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

Constante 1,18670 1,32552 1,17749 1,37224 1,06556 1,08314 0,81082 1,22859

Cara

cter

rístic

as

pess

oais

Experiência 0,03090 0,01979 0,02540 0,00940 0,02703 0,01103 0,02602 0,00324

Experiência2 -0,00033 -0,00023 -0,00028 -0,00009 -0,00034 -0,00006 -0,00035 -0,00001

Anos de estudo -0,04222 -0,08234 -0,02401 -0,06710 0,00102 -0,00773 0,00860 -0,01487

Anos de estudo2 0,00779 0,00920 0,00607 0,00742 0,00421 0,00464 0,00361 0,00466

Regi

ão

Norte -0,17103 -0,10349 -0,13411 -0,06267 -0,19717 -0,19992 -0,13963 -0,02630

Nordeste -0,30599 -0,22322 -0,23010 -0,17555 -0,39512 -0,32425 -0,37324 -0,31080

Sul -0,06685 -0,05337 -0,04393 0,00422 0,01513 -0,03593 -0,02418 -0,08639

Centro-Oeste -0,05082 -0,07489 -0,02054 0,00496 0,00576 0,01465 -0,01113 0,01450

Ram

o de

at

ivida

de

Indústria 0,14840 0,10538 0,04558 0,00970 0,05301 -0,01620 -0,14120 -0,32742

Comércio e serviços 0,00703 -0,05061 -0,03091 -0,08918 0,00705 -0,10297 -0,12723 -0,29489

Outras atividades 0,08353 0,14908 0,04022 0,04845 0,05909 0,11483 0,01702 -0,01426

Cate

goria

de

ocup

ação

Ciências e artes - Ocupação 0,03161 -0,07517 -0,00232 -0,02175 0,04372 -0,01836 0,16966 -0,17150

Técnicos - Ocupação -0,27821 -0,31633 -0,28355 -0,27414 -0,10428 -0,34059 0,02876 -0,26542

Vendedores e prestadores de serviços - Ocupação

-0,65410 -0,57009 -0,65545 -0,52837 -0,70441 -0,59805 -0,44734 -0,54538

Produtores de bens e serviços e de reparação - Ocupação

-0,55310 -0,67887 -0,51245 -0,57463 -0,60382 -0,78425 -0,30811 -0,62560

Significância conjunta - F 4,2E+05 3,2E+05 1,9E+05 1,1E+05 6,7E+04 6,4E+04 5,3E+04 4,5E+04

R2 ajustado 0,50 0,52 0,37 0,39 0,39 0,41 0,33 0,37

Erro padrão da estimação 0,54 0,50 0,49 0,44 0,69 0,64 0,60 0,60

Observações 6.268.756 4.440.608 4.865.685 2.576.840 1.548.235 1.373.577 1.616.959 1.176.470

ln(Wm) - média 1,64 1,44 1,28 1,12 1,35 1,19 0,89 0,85

Wm - média 5,17 4,22 3,58 3,05 3,88 3,30 2,44 2,35

Fonte: IBGE - PNAD. Microdados 2006. Elaboração Própria Os números em negrito não são significantes a 5%.

52

Coeficientes da regressão

Ano de 2002

Empregados com carteira de trabalho assinada Empregados sem carteira de trabalho assinada

Brancos Negros Brancos Negros

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

Constante 0,87664 0,99436 0,61511 0,87167 0,58451 0,85716 0,54951 0,70832

Cara

cter

rístic

as

pess

oais

Experiência 0,03230 0,01614 0,03071 0,01107 0,02794 0,01320 0,01829 0,00240

Experiência2 -0,00038 -0,00018 -0,00039 -0,00011 -0,00031 -0,00013 -0,00022 -0,00001

Anos de estudo -0,02677 -0,07313 0,00187 -0,05267 0,00635 -0,02918 0,03713 0,01028

Anos de estudo2 0,00752 0,00953 0,00507 0,00785 0,00555 0,00641 0,00220 0,00406

Regi

ão

Norte -0,25617 -0,15967 -0,19072 -0,14778 -0,19069 -0,27487 -0,22788 -0,14989

Nordeste -0,39243 -0,34547 -0,30827 -0,30823 -0,46501 -0,49226 -0,42092 -0,42430

Sul -0,12189 -0,09980 -0,04432 -0,06176 -0,04287 -0,07904 -0,07476 -0,13826

Centro-Oeste -0,11181 -0,11833 -0,10215 -0,09649 -0,05405 -0,14653 -0,15067 -0,11000

Ram

o de

at

ivid

ade

Indústria 0,10389 0,13044 0,09217 0,01147 0,10415 -0,14597 0,00165 -0,24806

Comércio e serviços 0,00753 -0,03740 0,05912 -0,12476 0,01748 -0,13291 -0,04523 -0,26906

Outras atividades 0,07979 0,17365 0,14685 0,00971 0,06758 0,18384 0,09711 0,08656

Cate

goria

de

ocup

ação

Ciências e artes - Ocupação

0,00533 -0,05844 0,11138 -0,04680 -0,08651 -0,06865 0,06558 -0,09353

Técnicos - Ocupação -0,33158 -0,32397 -0,33720 -0,27689 -0,16903 -0,17815 0,02083 -0,24929

Vendedores e prestadores de serviços - Ocupação

-0,69284 -0,58918 -0,64010 -0,47380 -0,69003 -0,60577 -0,63738 -0,45943

Produtores de bens e serviços e de reparação - Ocupação

-0,58455 -0,70991 -0,47544 -0,59004 -0,61775 -0,64322 -0,44403 -0,54941

Significância conjunta - F 4,1E+05 3,0E+05 1,3E+05 8,5E+04 7,6E+04 6,4E+04 3,8E+04 3,4E+04

R2 ajustado 0,53 0,55 0,37 0,41 0,42 0,45 0,31 0,35

Erro padrão da estimação 0,57 0,53 0,52 0,47 0,72 0,66 0,67 0,66

Observações 5.486.345 3.604.511 3.420.473 1.824.515 1.552.973 1.156.024 1.286.880 925.454

ln(Wm) - média 1,33 1,12 0,90 0,72 1,01 0,87 0,50 0,41

Wm - média 3,77 3,08 2,45 2,05 2,74 2,38 1,65 1,51

Fonte: IBGE - PNAD. Microdados 2002. Elaboração Própria Os números em negrito não são significantes a 5%.

53

2 HIATO SALARIAL ENTRE HOMENS E MULHERES MIGRANTES1

Natalia Nunes Ferreira Batista e Maria Cristina Cacciamali

INTRODUÇÃO

A participação da mulher como provedora da renda familiar aumen-tou sensivelmente a partir dos anos de 1970. A inserção feminina no mercado de trabalho ocorre sem uma re-definição institucional ou nas práticas do quo-tidiano dos papéis entre os sexos na sociedade e na família. A mulher continua exercendo de maneira plena as atribuições de reprodução e manutenção da família - responsável pela criação dos filhos, bem-estar dos demais membros da família, manutenção e administração da vida quotidiana. Justamente de-vido à sobrecarga de papéis que a mulher continua a exercer na família, a decisão de participar do mercado de trabalho leva em consideração múltiplos aspectos das relações familiares e torna-se mais complexa do que a tomada de decisão masculina.

A literatura especializada sobre o tema, dependendo do período em que o estudo foi realizado, destaca determinantes para analisar e explicar a crescente presença da mulher na força de trabalho. Por exemplo, Leme & Wajnman, em artigo publicado em 1999, analisam para um período de 20 anos (1977-1997), por meio dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios da Fundação IBGE (Pnad), a importância entre queda da fecun-

1 As primeiras versões deste artigo foram apresentadas sob a denominaçãp de Diferencial de salários entre homens e mulheres segundo a condição de migração.

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didade e a proporção de mulheres como chefes de família. 2 Scorzafave & Menezes-Filho, em publicação de 2001, estudam a situação conjugal e a idade , por meio de dados da Pnad e da Pesquisa Mensal de Emprego da Fundação IBGE (Pme) para o período de 1982 a 1997. 3 O determinante comum a todas as análises que apresenta grande relevância em todos os trabalhos sobre o tema diz respeito ao aumento da escolaridade: Matos e Machado (2006) mostram que desde 1979 as mulheres apresentam sistematicamente mais anos de estudo em relação aos homens.4

No entanto, o maior número médio de anos de escolaridade das mu-lheres, uma vez inseridas no mercado de trabalho, não se traduz em remu-neração média maior em relação àquelas recebidas pelos homens. O estudo de Machado, Oliveira e Wajnman de 2005 mostra que, na última década, o hiato salarial por sexo diminuiu, entretanto os homens, em média, ainda ga-nhavam 60% a mais do que as mulheres.5 Apesar da lista de trabalhos sobre o tema Diferencial de rendimentos segundo sexo/gênero ser extensa, notamos ausência de referências na literatura brasileira sobre esse tema no âmbito do contexto migratório.6 Existiriam razões para que a diferença de rendimento entre homens e mulheres fosse distinta entre a população migrante e aquela não migrante?

Entre as hipóteses que nos levaram a investigar a questão acima, men-cionamos pelo menos três. A migração conduz os indivíduos a uma inserção no mercado de trabalho do local de destino onde a valoração dos atributos pessoais e produtivos pode ser distinta daquela atribuída no local de origem. Por outro lado, a existência de estruturas ocupacionais distintas entre regiões pode induzir migrantes e não-migrantes – homens e mulheres - a acessarem o

2 LEME, Maria  Carolina  & WAJNMAN,  Simone.  Efeitos  de  período,  coorte  e  ciclo  de  vida  na participação feminina no mercado de trabalho brasileiro, 1999, mimeo.3  SCORZAFAVE, Luiz Guilherme & MENEZES FILHO, Naércio Aquino. Participação Feminina no Mercado de Trabalho Brasileiro: Evolução e Determinantes. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 441-478, 2001.4  MATOS, Raquel S. & MACHADO, Ana Flávia. Diferencial de rendimentos por cor e sexo no Brasil (1987 – 2001). Econômica, Rio de Janeiro, v. 8, n.1, junho, 2006. 5  MACHADO, Ana Flávia, OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo de e WAJNMAN, Simone. Sexo frágil? Evidências sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro. Série estudos do trabalho, Coletânea Gelre. São Paulo: Organização Gelre, 2005.6  Entre outros, vejam-se, por exemplo, BARROS, Ricardo Paes de, CORSEUIL, Carlos Henrique Leite, SAN-TOS, Daniel. A natureza da inserção feminina e dos diferenciais por gênero no mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo. Mercado de Trabalho conjuntura e análise. Texto para discussão no. 13, IPEA, Rio de Janeiro: IPE, 2000. BRUSCHINI, Cristina. Gênero e trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistência da discriminação? (Brasil: 1985/1995). In: Rocha, M. I. B. (org) Trabalho e gênero – mudanças permanências e desa-fios, ABEP, Nepo, Cedeplar. São Paulo: Editora 34, 2000. OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo. Indicadores da Segregação ocupacional por sexo no Brasil. XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, 1998.

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mercado de trabalho de forma diferenciada. Paralelamente à diversidade dos mercados de trabalho regionais, também devemos considerar que a motivação para os deslocamentos podem ser distintas entre os sexos.

Oliveira e Jannuzzi, em 2004, publicam um artigo em que, mediante os microdados da Pnad, analisam as motivações de migrar para homens e mulheres. Segundo os autores, a razão preponderante para os homens é a busca por trabalho, enquanto para as mulheres o principal fator diz respeito à necessidade de acompanhar a família. Para homens e mulheres, essa diferença interfere tanto na decisão de trabalhar, uma vez instalados no local de destino, quanto na definição dos valores dos salários de reserva respectivos.7 Chaves, por sua vez, nesse mesmo ano, estuda o estado conjugal da mulher ao migrar, para os estados da federação de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, por meio do Censo Demográfico de 1991. A autora mostra que a maioria das mulheres que migram solteiras se insere em um contexto de migração fami-liar, uma vez que se deslocam junto com o chefe do domicílio. 8 Nem sempre as mulheres que migram acompanhadas, ou ainda aquelas que se deslocam por motivos diferentes aos relacionados ao trabalho, direcionam-se a destinos onde os seus atributos serão mais bem avaliados.

Isso posto, podemos afirmar que especificidades da migração femini-na trazem elementos adicionais para a análise do hiato salarial entre homens e mulheres. Microdados da Pnad de 2005 apontam que, de modo geral, a discrepância entre os rendimentos de homens e mulheres é maior entre os migrantes do que entre os não migrantes, exceto em três estados da Região Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde a maior diferença salarial ocorre entre homens e mulheres da população não migrante. 9

O desenvolvimento da análise desse tema, neste trabalho, foi estrutu-rado em três seções, alem desta introdução. Na primeira seção apresenta-se revisão sintética da literatura especializada brasileira sobre o tema. A segunda seção ilustra, por meio dos microdados da PNAD, as relações entre os dife-renciais de rendimento e o processo migratório nas cinco grandes regiões do país. A terceira aponta os resultados da decomposição da diferença salarial e

7  OLIVEIRA, Kátia Fernandes de & JANNUZZI, Paulo. Motivos para a migração no Brasil: padrões etários, por sexo e origem/destino. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, 2004.8  CHAVES, Maria de Fátima Guedes. Migração feminina: familiar ou autônoma? Observações sobre as mulhe-res que migram solteiras e separadas. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP, Caxambu/ MG, 2004.9  Estamos utilizando o conceito de migrante para os indivíduos que residem em uma Unidade da Federação distinta daquela do seu nascimento,  independente do  tempo de  residência. Na área urbana as mulheres não migrantes ganham em média 22,3% a menos que os homens não migrantes. Entre a população migrante de idade superior a 24 anos, essa discrepância é de 33,5% em detrimento da mulher.

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o indicador de segregação do mercado de trabalho para homens e mulheres e para migrantes e não migrantes. Por fim tecem-se as considerações finais.

1. O TEMA DA DISCRIMINAÇÃO E DA SEGREGAÇÃO OCUPA-CIONAL NA LITERATURA SOBRE DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS

Entre 1970 e 1990, a população economicamente ativa (PEA) femini-na cresceu 260% contra apenas 73% da masculina, e apesar da queda signifi-cante verificada no diferencial de salário durante a primeira metade da década de 90 os dados da PNAD de 2005 indicam uma discrepância de aproximada-mente 20% em favor dos homens.10

Em linhas gerais, a literatura especializada atribui a desigualdade de salários a duas razões: discriminação no mercado de trabalho ou segmentação no mercado de trabalho. A discriminação no mercado de trabalho caracteriza-se quando os empregadores/recrutadores de mão-de-obra valorizam de for-ma diferente, com base em critérios subjetivos, a mesma qualificação e/ou os mesmos atributos produtivos dos trabalhadores. A segmentação do mercado de trabalho, por sua vez, define-se pela situação em que trabalhadores com o mesmo potencial de atributos produtivos percebem sistematicamente salários distintos. Essa última situação ocorre, principalmente, por dois motivos ou devido à heterogeneidade das firmas – tecnologia, tamanho, proporção de capital ou a estrutura do mercado do produto que permite a formação de mercados internos de trabalho, entre outros - ou aos aspectos institucionais – legislação trabalhista, barreiras ao exercício de determinadas ocupações, en-tre outras.

Assim, podemos agrupar os estudos sobre diferenciais de salário entre sexos em duas categorias distintas que refletem o embate teórico que existe na literatura sobre esse tema. Na primeira categoria, incluímos os trabalhos que, com base na teoria do capital humano, enfocam a discriminação como o fator determinante desse diferencial, enquanto os estudos que compõem o segundo grupo privilegiam os modelos de segmentação e se apóiam, por exemplo, na existência de barreiras ocupacionais segundo o sexo. 11

10  ARAÚJO, Verônica Fagundes; RIBEIRO, Eduardo Pontual. Diferenciais de salários por gênero no Brasil: uma análise regional. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 33, n.2, abr-jun 2002. Segundo os autores, em 1990, o rendimento médio do trabalho feminino correspondia a 57% do masculino e, em 5 anos, essa diferença caiu para 41%.11  Observamos que existem centenas de trabalhos empíricos baseados no referencial teórico do capital humano, os pioneiros foram Blinder (1973) e Oaxaca (1973). No caso da segmentação, em termos de mensuração econo-métrica, o papel da diferença da estrutura ocupacional masculina e feminina ganha destaque na explicação dos diferencias de salário entre os sexos. 

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Na literatura brasileira, a importância da segmentação ocupacional na explicação do diferencial de salário entre os sexos ainda é escasso e controver-so. Autores como Soares e Oliveira utilizam indicadores de segregação, esti-mados pela proporção de mulheres em grupos distintos de ocupações, para defender que a segmentação ocupacional responde por parcela expressiva do diferencial salarial entre homens e mulheres.12 As autoras, assim como outros pesquisadores que sustentam a relevância da segregação ocupacional na ma-nutenção do hiato salarial entre homens e mulheres, argumentam que, apesar dos avanços observados na década de 1990, as mulheres ainda inserem-se em um leque ocupacional mais estreito e concentram-se no setor de serviços, especialmente, em ocupações do serviço doméstico, ocupações de escritório e de serviços públicos de saúde, educação e administração pública. 13 Dessa maneira, segundo Soares & Oliveira, o aumento da taxa de atividade das mulheres contribuiu para maior diversificação do mercado de trabalho, mas não se refletiu na desconcentração do trabalho feminino das atividades tradi-cionalmente exercidas pelas mulheres.

Por outro lado, Barros, Ramos & Santos, em publicação de 1995, aplicaram a técnica de decomposição não paramétrica, em microdados da Pnad do período de 1981 a 1989, e concluíram que, apesar da estrutura ocu-pacional bastante diferenciada entre homens e mulheres, praticamente a to-talidade da diferença salarial observada entre sexos deve-se a discriminação.14 Os autores argumentaram que, a simples ocorrência de uma alocação diferen-ciada de homens e mulheres, entre as ocupações, não caracteriza a segregação ocupacional por sexo, na medida em que os dois grupos podem estar alocados em ocupações diferentes, mas de remunerações similares. 15

Araújo & Ribeiro, em 2002, por meio de dados da PNAD de 1995, atualizaram o trabalho de Barros, Ramos & Santos e incorporaram a análise por região. Os resultados reafirmaram que a discriminação salarial verificada entre homens e mulheres é intra-ocupacional e que as maiores taxas de discri-minação são encontradas nas regiões Sul e Sudeste. Araújo & Ribeiro também constataram que a segregação ocupacional estava presente em todas as regiões,

12 SOARES, Cristiane, Os impactos das novas tecnologias no emprego, gênero e qualificação nas atividades de escritório. Niterói: UFF, 2001, mimeo; SOARES, Cristiane & OLIVEIRA, Sonia. Gênero, estrutura ocupacional e diferenciais de rendimentos. Econômica, Rio de janeiro, vol. 6, n.1, junho, 2004.13  Sobre o processo de feminização no mercado de trabalho consultar Kon (1999) e Soares (2001).14  BARROS, Ricardo Paes; RAMOS, Lauro, SANTOS, Eleonora. Gender differences in Brazilian labor markets: investment in women’s human capital. Chicago: University of Chicago, 1995.15  Os autores utilizam o termo “discriminação alocativa” para indicar a distribuição diferenciada de homens e mulheres na estrutura ocupacional.

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mas mostrava-se favorável às mulheres pois contribuía para a redução da di-ferença salarial.16

Seguindo a metodologia proposta por Brown, Moon & Zoloth, que introduzem a contribuição da segmentação ocupacional à tradicional decom-posição de Oaxaca e Blinder, Ometto, Hoffman & Alves, em estudo publica-do em 1999, analisaram os mercados de trabalho dos estados de Pernambuco e São Paulo.17 Os resultados mostram que a segregação ocupacional entre homens e mulheres está presente apenas em São Paulo, mas a discriminação intra-ocupacional ocorre nos dois estados.18

Uma parte da dificuldade de se constatar a existência, ou não, da se-gregação ocupacional entre homens e mulheres, deve-se à composição e à aplicação dos índices selecionados nos testes pertinentes. Em síntese, a escolha da população base e a classificação ocupacional são os principais pontos dos procedimentos metodológicos que determinam os resultados. A escolha da população base afeta os resultados das análises em nível nacional, pois pode haver uma variação em sua composição ocupacional e na razão de sexo que impactam nos resultados. Por outro lado, o nível de detalhamento da classi-ficação ocupacional selecionada para a análise também é determinante dos valores obtidos para os índices de segregação, pois as medidas são sensíveis ao número de categorias utilizadas e os resultados indicam que quanto mais agregados os grupos ocupacionais, menor é o grau de segregação ocupacional estimado. Com relação ao uso das classificações ocupacionais, Barros, Ramos & Santos (1995), Araújo & Ribeiro (2002) e Oliveira (1998) utilizaram a estrutura ocupacional presente na Pnad, enquanto Ometto, Hoffman & Al-ves (1999) elaboram classificação própria. Esses últimos autores adotam a hierarquia da razão de sexo em listas de ocupações e, segundo os valores dessa razão, agregam-nas em cinco grupos. Assim, ao mesmo tempo em que a utili-zação de uma estrutura ocupacional existente, por exemplo, a Pnad, facilita a comparação entre os índices obtidos em diversos trabalhos, o estreito leque de categorias ocupacionais pode obscurecer a segmentação ocupacional.

O índice de segregação mais utilizado na literatura é o índice de dis-similaridade de Duncan & Duncan (D).19 Este indicador de segregação ocu-

16  ARAÚJO, Verônica Fagundes; RIBEIRO, Eduardo Pontual (2002), op. cit.17  OMETTO, Ana Maria Hermeto, HOFFMANN, Rodolfo, ALVES, Marcelo Correa. Participação da Mulher no mercado de trabalho: discriminação em Pernambuco e São Paulo. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, jul/ set, 1999.A autora utiliza dados da PNAD de 1981 a 1990, excluindo-se os anos de 1982 e 1986.18  BROWN, Randal S, MOON, Marilyn, ZOLOTH, Barbara S. Incorporating ocuupational attachment in stud-BROWN, Randal S, MOON, Marilyn, ZOLOTH, Barbara S. Incorporating ocuupational attachment in stud-ies of male-female earnings differentials. Journal of Human Resources, vol. 15, 1980. 19  Apesar de apresentar problemas para a comparação de populações ao  longo do tempo, pois não se capta 

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pacional por sexo é interpretado como a proporção de mulheres ou homens que teriam que trocar de ocupações de maneira que a razão de sexo de cada ocupação fosse igual à razão de sexo no total da força de trabalho, ou seja, para eliminar a segregação ocupacional. Os valores assumidos pelo índice de dis-similaridade D variam de 0 a 100, quando não há diferença nas distribuições ocupacionais de homens e mulheres ou quando se apresenta uma segregação completa, respectivamente.

2. MIGRAÇÃO E DIFERENÇA SALARIAL ENTRE HOMENS E MU-LHERES

Antes de abordarmos as principais questões referentes à diferença sala-rial, segundo o sexo e a migração, faz-se necessário explicitar o conceito de mi-grante que utilizamos neste trabalho. Segundo as recomendações das Nações Unidas, a conceituação de migração requer um recorte espacial e temporal. 20 No entanto, devido aos objetivos deste estudo, empregamos apenas o recorte espacial para diferenciar a população migrante da não migrante. A unidade da federação (UF) de nascimento constituiu-se no critério adotado para separar a população migrante da não migrante. Consideramos migrante a pessoa que em 2005 residisse em uma UF distinta daquela em que nasceu. Os resultados indicaram que, aproximadamente 82% da população migrante da amostra efetuaram o deslocamento há pelo menos 10 anos. 21

A ausência do recorte temporal para a caracterização do migrante nes-te trabalho justifica-se por dois motivos. Em primeiro lugar, segundo as nos-sas estimativas, a distribuição da população masculina e feminina de acordo com o tempo de residência não difere muito (Apêndice A). Dessa maneira, consideramos que os fatores temporais que interferem na diferença salarial entre homens e mulheres - heterogeneidade dos trabalhadores, a discrimina-ção e a segmentação do mercado de trabalho, por exemplo - encontram-se igualmente distribuídos na população migrante. Em segundo lugar, ao utili-zar o conceito de migrante por UF de nascimento, este trabalho, para efeitos de comparação, compatibilizou-se com a literatura especializada que analisa o diferencial de renda entre migrantes e não migrantes.

mudanças na estrutura ocupacional, o fato de ser  invariante, sob transformações multiplicativas da razão de sexo, o torna útil para comparar períodos que apresentam diferentes taxas de participação feminina na força de trabalho.20  NAÇÕES UNIDAS, IV Métodos de medición de la migración interna, New York: Nações Unidas,1972.21  O restante da população migrante divide-se em 9% que se deslocaram até 4 anos atrás e 10%, entre 5 e 9 anos.

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Tendo como base o conceito de migrante acumulado22, a população migrante brasileira, segundo a Pnad, era de aproximadamente 30 milhões de pessoas, em 2005, desses, 88,6% localizavam-se em áreas urbanas. Não se verificou discrepância na participação dos migrantes na população segun-do o sexo, mas sim quanto à distribuição geográfica. Os dados da Tabela 1 mostram que mais da metade dos migrantes na área urbana encontram-se na região Sudeste, a população migrante que reside na área rural distribui-se de maneira mais homogênea pelo território brasileiro.

Tabela 1 - Participação da população migrante segundo o sexo por região. Brasil e Regiões, 2005.

Área Rural Área UrbanaRegião Mulher Homem Mulher Homem

Norte 24,2 26,3 8,9 10,0

Nordeste 20,4 20,0 12,7 12,5

Sudeste 24,5 22,9 52,2 51,2

Sul 12,4 11,1 10,9 10,8

Centro Oeste 18,6 19,7 15,3 15,5

% População Total 10,6 11,1 17,7 17,1

Fonte: Pnad 2005. Elaboração própria

Conforme esperado, os fluxos migratórios ocorrem dos estados mais pobres para estados mais ricos. A Tabela 2 mostra que mais da metade dos migrantes que se encontram na região Sudeste tem como origem a região Nordeste. Ainda assim, os movimentos migratórios locais - entre estados da mesma região - são predominantes em todas as regiões.

Tabela 2 - Distribuição dos migrantes por região de origem. Brasil e Regiões, 2005.

Região Destino

Origem Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste Brasil

Norte 24,13 4,22 1,30 1,60 5,99 4,59

Nordeste 45,85 67,58 51,59 9,74 37,39 46,32

Sudeste 14,03 22,84 32,77 34,71 29,89 29,54

Sul 8,19 2,38 10,81 51,13 13,45 14,24

Centro Oeste 7,79 2,98 3,53 2,81 13,29 5,31

Brasil 9,36 11,94 52,63 10,75 15,33 100,00

Fonte: Pnad 2005. Elaboração própria

Do ponto de vista econômico, os indivíduos migram devido à expec-tativa de que o seu padrão de vida - emprego e renda - no local de destino seja

22  Ou população não natural da Unidade de Federação.

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melhor. Por esse motivo, a mobilidade espacial ocupa um lugar de destaque na redistribuição da mão-de-obra e, conseqüentemente, na reordenação dos diferenciais de renda nacional. Contudo, apesar da extensão territorial e do volume do fluxo migratório – 6 milhões de pessoas ou 3,2% da população brasileira em 2005, segundo a PNAD - a literatura econômica brasileira apre-senta lacunas a respeito da análise sobre as relações entre migração e diferen-ciais de salários regionais, assim, ainda não dispomos de evidências robustas de que a migração corrobore para estreitar as diferenças de renda regionais/territoriais. 23

O trabalho de Santos Júnior, Menezes Filho & Ferreira (2005) mostra que os homens migrantes são positivamente selecionados em relação tanto a população de origem quanto àquela de destino. Os autores concluem, então, que o fluxo de trabalhadores mais produtivos dos estados mais pobres para os mais ricos pode colaborar para a permanência das diferenças inter-regionais de renda no país. 24 Recentemente, Avelino contestou os resultados de Santos Júnior, Menezes-Filho & Ferreira argumentando que o mercado de trabalho local das diferentes regiões, ao requerer mão-de-obra de qualidade e tipos de habilidades distintas, pode avaliar de maneira diferenciada as características observáveis de migrantes e não migrantes. 25 Dessa maneira a população mi-grante desloca-se porque visualiza que seus atributos podem ser mais bem avaliados em outra localidade e, não necessariamente, por que é positivamen-te selecionada.

Os estudos econômicos que comparam os rendimentos entre migran-tes e não migrantes no Brasil, até agora, centralizaram-se no diferencial de salários da população masculina, mesmo porque a delimitação dos determi-nantes do deslocamento feminino é mais complexa. No entanto, os salários de migrantes e não migrantes também apresentam diferenças positivas entre mulheres. Dados da Pnad de 2005, para a população em idade ativa, mostram que, enquanto os homens migrantes ganhavam em média 20% a mais que

23  Santos Júnior, Menezes-Filho & Ferreira (2005) apresentam resultados pouco robustos para a relação positiva entre migração e velocidade de convergência entre a renda dos estados brasileiros, e Cançado (1999) não constata nenhuma relação entre estas duas variáveis. 24  Utilizando dados da Pnad de 1999, os autores partem de uma equação de rendimentos onde a situação de migração dos indivíduos é mensurada através da inclusão de uma variável dummy. Ao constatar a significância e o sinal positivo desta variável em duas equações diferentes (a primeira comparando com os não migrantes no local de destino e a segunda com os não migrantes que permaneceram no local de origem) os autores apontam que os migrantes são positivamente selecionados.25 AVELINO, Ricardo Rezende Gomes, Self-selection and impact of migration on earnings,  São Paulo:  IPE, 2007, mimeo. O autor mostra que, ao incluir uma dummy para capturar a condição de migração, Santos Junior e colaboradores não conseguem capturar a diferenciação dos coeficientes das variáveis observáveis que apontam a avaliação distinta que o mercado de trabalho faz dos atributos observáveis dos migrantes e não migrantes.

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os não migrantes, no caso das mulheres esta diferença a favor das migrantes chegava a 15%26.

O fato da vantagem salarial dos homens migrantes sobre os não mi-grantes ser maior que a observada entre as mulheres, implica que, também entre a população migrante, o diferencial de renda entre sexos é favorável à população masculina. Percebe-se ainda que, nesse caso, a discrepância é maior que a verificada na população não migrante. A Tabela 3 traz os diferenciais brutos do salário/ hora de homens e mulheres migrantes, de 25 anos ou mais, inseridos em atividades não agrícolas e que residem em áreas urbanas.

Os dados mostram que o diferencial de salários entre migrantes e não migrantes reduz-se bastante quando focalizamos apenas as atividades não agrícolas em áreas urbanas, embora se mantenha positivo. O diferencial de salário entre homens e mulheres é maior entre a população migrante, exceto na região Sudeste. Os dados também mostram que a maior discrepância sala-rial entre homens e mulheres que residem no mesmo estado em que nasceram acontece no Sudeste, e a menor na região Norte.

Tabela 3 - Diferença Salarial segundo sexo e condição de migração. Brasil, 2005.

por região – em R$/ hora

Diferença salarial*Homem Mulher Por sexo Migrantes

Região Não migrante Migrante Não

migrante Migrante Não migrante Migrante Homem Mulher

Norte 4,79 6,61 4,40 4,74 0,39 1,87 -1,82 -0,34

Nordeste 4,60 7,45 3,86 5,33 0,74 2,12 -2,85 -1,47

Sudeste 8,12 6,47 6,18 5,12 1,94 1,35 1,65 1,06

Sul 7,33 9,10 5,48 6,28 1,84 2,82 -1,77 -0,80

Centro Oeste 7,05 9,14 5,46 7,24 1,59 1,90 -2,09 -1,78

Brasil 6,95 7,27 5,38 5,57 1,57 1,70 -0,33 -0,19

Obs: *Sinal positivo: vantagem do homem ou do não migrante; *Sinal negativo: vantagem da mulher ou do migrante. Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

O diferencial de rendimentos entre migrantes e não migrantes conti-nua sendo sistematicamente maior para a população masculina do que para a feminina. Devido a particularidade da região Sudeste onde, exclusivamente, os não migrantes ganham mais que os migrantes, essa desvantagem, da situ-ação da mulher em relação ao homem, entre os migrantes, contribui para a menor discrepância salarial por sexo. As informações da Tabela 3 apontam 26  Refere-se ao conceito de migrante por UF de nascimento, e inclui trabalhadores agrícolas e não agrícolas das áreas rurais e urbanas

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que, ao aplicar o recorte da condição de migração sobre a questão do dife-rencial de salários por sexo, surgem vários pontos que necessitam ser melhor esclarecidos.

Primeiramente, com relação ao diferencial de salários por sexo na po-pulação migrante, podemos estabelecer dois caminhos de investigação alter-nativos: ou as mulheres migrantes possuem características produtivas menos vantajosas que os homens migrantes; ou as mulheres migrantes têm as suas características observáveis subavaliadas no mercado de trabalho do local de destino em relação aos homens migrantes, vis à vis a situação das mulheres não migrantes perante os homens não migrantes.

Em segundo lugar, a situação da região Sudeste, onde se concentra mais da metade da população migrante do país, somada ao fato de ser a única localidade onde o diferencial de rendimento por sexo é menor para a popula-ção com origem em outros estados introduzem a questão da inserção ocupa-cional dos migrantes por sexo. Nesse caso, o mercado de trabalho é segregado não apenas por sexo, mas também por origem? Ou dito de outra maneira, além de homens e mulheres terem estruturas ocupacionais diferenciadas, tam-bém existiria discrepância da distribuição ocupacional de migrantes e não migrantes, mesmo entre indivíduos do mesmo sexo?

Para responder a essas questões recorremos a duas técnicas: a decom-posição das equações de salários dos grupos migrantes/ não migrantes e ho-mens/ mulheres por meio da aplicação do método de Oaxaca; e o cômputo do índice de dissimilaridade de Duncan & Duncan para captar a existência de segregação por sexo e condição de migração.

3. A CONSTRUÇÃO DO ÍNDICE DE SEGREGAÇÃO E DA DE-COMPOSIÇÃO DO DIFERENCIAL DE SALÁRIOS

Entre as causas que podem contribuir para o hiato salarial entre ho-mens e mulheres, independente da condição de migração, podemos eviden-ciar três fatores intervenientes: a diferença de produtividade dos indivíduos, a discriminação devido a valoração diferenciada de características produtivas idênticas e a segmentação do mercado de trabalho - quando as ocupações não podem ser igualmente acessadas pelos indivíduos, apesar de serem igualmente qualificados. Nesta seção, aplicamos a decomposição de Oaxaca para estimar o impacto dos dois primeiros fatores e estimamos o índice de dissimilaridade de Duncan & Duncan para captar a existência e o grau da segregação ocupa-cional, segundo os sexos e a situação de migração. Na análise da segregação ocupacional, utilizamos o agrupamento de ocupações do trabalho principal, referenciado a um período de uma semana de acordo com a Pnad. Ao todo,

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consideramos 9 grupos ocupacionais: dirigentes, profissionais das ciências e das artes, técnicos de nível médio, trabalhadores de serviços administrativos, trabalhadores dos serviços, vendedores e prestadores de serviço do comércio, trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção, membros das forças armadas e ocupações mal definidas ou não declaradas. A equação de rendimentos foi calculada somente com o salário por hora do trabalho principal e todos os cálculos dizem respeito à área urbana e aos tra-balhadores não agrícolas de idade igual ou maior a 25 anos.

Após a estimação das equações de rendimentos do trabalho, através do procedimento de Heckman27, iniciamos a análise do diferencial de salários. A diferença salarial entre homens/ mulheres, migrantes/ não migrantes é então decomposta entre os atributos pessoais - produtivos ou não, características do posto de trabalho e características não observadas diretamente.28 Reformulan-do, então, a equação de rendimentos estimada, obtém-se:

imimimmi Ww εθα ++= ∑ln (m = 1, 2)(2)onde : ∑∑∑ += mimimimimimi ZXW δβθ - agrega as variáveis observáveis

referentes aos atributos pessoais e às características do posto do trabalho.Neste trabalho, o indicador m pode ser tanto o sexo, quando realiza-

mos a decomposição salarial entre homens (m=1) e mulheres (m=2); quanto a condição de migração, no caso da análise do diferencial de salário entre não migrantes (m=1) e migrantes (m=2).

O procedimento da decomposição de Oaxaca parte sempre de pares de equações para obter o diferencial de rendimentos. Nesse caso, haverá duas diferenças a serem calculadas (por sexo e por condição de migração), mas que são calculadas da mesma maneira:

Diferencial de salário: ∑∑ −+−+−=− )()()(lnln 2112122121 iiiiiiii WWWww θθθαα

(2.1)O diferencial possui três componentes. O primeiro deles, )( 1 tαα −

que constitui a diferença dos interceptos, mede os diferenciais de rendimentos devido às características específicas dos trabalhadores segundo o sexo/con-

27  O procedimento de Heckman trata do problema de seletividade amostral, quando a pessoa sem remuneração não está inserida no mercado de trabalho por opção, pois seu salário reserva é maior que o salário em vigor no mercado. Neste caso, para obter estimativas consistentes, é preciso corrigir o viés da seleção. A equação estimada do salário/ hora é dada por : iiii ZXw εδβα +++=ln . Onde: w é a renda do trabalho principal por hora dos indivíduos, X

i  é  o  vetor  das  variáveis  explicativas  das  características  individuais  e Z

i  é  o  vetor  das  variáveis 

relacionadas ao posto de trabalho.28  A exposição completa da técnica pode ser obtida em Oaxaca (1973).

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dição de migração, independente das características do trabalho e de seus atributos produtivos.

O segundo termo, )( 1 tiitiW θθ −∑ , é a parte da diferença de salários que se deve à valoração diferenciada do sexo/condição de migração. Se a diferença dos coeficientes for positiva, evidencia que existe maior valoração dos homens ou da situação de não deslocamento geográfico (não migrantes) em detri-mento da mulher ou da experiência migratória. Esse termo testa as diferenças dos coeficientes estimados das variáveis explicativas em função do sexo e da migração. Somando-se este segundo termo ao primeiro, obtêm-se uma medi-da para a remuneração não condicionada às características do trabalho e dos atributos pessoais, conhecida na literatura como “discriminação”.

Finalmente, o terceiro termo, ∑ − )( 11 tiii WWθ , representa os diferenciais de rendimentos do trabalho relativos a dotações distintas dos atributos pesso-ais de homens e mulheres/ não migrantes e migrantes. Assim, quem for mais dotado em algum atributo valorizado pelo mercado, por exemplo, anos de escolaridade ou de experiência no mercado de trabalho, perceberá um salário mais elevado. Essa é a porção do rendimento do trabalho que é considerada justificável.

A maioria dos trabalhos econômicos que trata da diferença de rendi-mentos entre migrantes e não migrantes, mensura essa discrepância exclusi-vamente pela inclusão de uma variável dummy na equação estimada a fim de classificar a amostra entre esses dois grupos. No entanto, esse procedimento capta apenas a diferença referente ao intercepto, esquecendo-se de que o im-pacto das variáveis explicativas também pode ser distinto de acordo com a condição de migração do indivíduo.

Para avaliarmos melhor o quebra-cabeça das relações entre migração, discriminação e diferença salarial por sexo, estimamos, primeiro, a equação de rendimento para homens e mulheres de acordo com a condição de migração, na seqüência, aplicamos a decomposição de Oaxaca. Devido à particularidade da região Sudeste, a estimação para essa região foi realizada separadamente do restante do país. Assim, ao todo, estimaram-se 8 equações.

A Tabela 4 traz os resultados da diferença salarial entre homens e mulheres segundo a condição de migração. A vantagem salarial, conforme esperado, é do sexo masculino, independente da condição de migração e da área territorial, e a decomposição permite a realização de uma análise mais apurada, pois desmembra a diferença salarial em componentes justificáveis e de discriminação.

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Tabela 4 - Decomposição de Oaxaca - Diferencial de salários por sexo. Brasil, 2005

Diferença imputável a:Brasil sem SE Sudeste

Não migrante Migrante Não Migrante Migrante

Atributos (A) -0,1 19,8 4,7 10,6

- Dotação (D) -2,8 2,0 1,8 10,9

- Coeficientes (C) 2,7 17,8 2,9 -0,3

Deslocamento da constante (U) 21,3 10,7 21,6 16,3

Diferencial bruto (B = D+C+U) 21,2 30,5 26,3 26,9

Diferencial ajustado (E = C+U) 24,0 28,5 24,5 16,0

Dotação - % total (D/B) -13,21 6,56 6,84 40,52

Discriminação - % total (E/B) 113,21 93,44 93,16 59,48

Vantagem Homem Homem Homem Homem

Obs.: *Valores positivos do diferencial ajustado indicam a vantagem da categoria base (homens) e valores negativos, o contrário. Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

Os resultados mostram que, na maioria dos casos, a dimensão do di-ferencial ajustado mantém a vantagem masculina, devido ao deslocamento na constante. 29 Nesse caso, a vantagem salarial dos homens em relação às mu-lheres deve-se a fatores intervenientes que não estão relacionados nem com as características do trabalho, nem com os atributos produtivos dos trabalhado-res. No caso da diferença salarial por sexo para a população migrante residente na região Sudeste, os resultados indicam um peso elevado para o diferencial dos atributos produtivos entre homens e mulheres com desvantagem para as mulheres. Por outro lado, mesmo apresentando uma magnitude pequena, o sinal negativo, obtido nesse mesmo diferencial para o componente de diferen-ça dos coeficientes, indica que o mercado de trabalho da região valora melhor as características das mulheres migrantes em relação aos homens também mi-grantes. Em contrapartida, nas demais regiões, o hiato salarial entre homens e mulheres migrantes se mantém pela valoração inversa: o mercado de trabalho do local de destino valora os atributos dos homens migrantes muito acima dos atributos das mulheres migrantes.

Um aspecto importante diz respeito à controvérsia sobre a inclusão da ocupação na equação de rendimentos que foram estimadas. As dummies para a ocupação indicam que as diferenças obtidas aqui estão sendo controladas pela possível diferença intra-ocupacional, ou seja: a discrepância verificada nos salários entre homens e mulheres em uma dada ocupação. Entretanto, a parcela da diferença salarial por sexo que se deve à distribuição diferente dos grupos na estrutura ocupacional não é captada pelo segundo e nem pelo

29  Exceção para a amostra nacional – sem contabilizar o Sudeste – da população migrante.

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terceiro termo da decomposição de Oaxaca, estando incluída no primeiro termo da diferença das constantes. 30 Por esse motivo, calculamos o índice de dissimilaridade.

A construção do índice de dissimilaridade pressupõe dois compor-tamentos: os indivíduos migrantes são igualmente produtivos aos não mi-grantes; e o mercado de trabalho valora os dois grupos de maneira idêntica. Caso esses comportamentos não se verifiquem, resta analisar a parcela que diz respeito à segregação ocupacional. Caso houver distinção na distribuição da estrutura ocupacional de homens e mulheres migrantes e não migrantes, sur-girá alguma discrepância no diferencial salarial por sexo entre os dois grupos.

Para analisar se homens e mulheres migrantes se inserem no mercado de trabalho local de maneira distinta em relação ao grupo correspondente não migrante, calculamos o índice de dissimilaridade de Duncan & Duncan tanto para a segregação por sexo quanto para a segregação por condição de migração. Esses indicadores são obtidos mediante a expressão:

(1) 21 .100.

1∑

=

=

J

j TT

ZZD jj

Sendo:J = número total de ocupaçõesZj = número de indivíduos do grupo de análise na ocupação jZ = número de indivíduos do grupo de análise ocupados na força de

trabalho totalTj = número de indivíduos do grupo de comparação na ocupação jT = número de indivíduos do grupo de comparação ocupados na força

de trabalho totalAssim, o índice D nos fornece a porcentagem da força de trabalho

que deve mudar de ocupação para permitir a correspondência perfeita entre a razão dos dois grupos em cada ocupação e a taxa total de participação do gru-po de análise na força de trabalho. No caso do índice de dissimilaridade por sexo, obtivemos a proporção de indivíduos que deve mudar de ocupação para que a razão de sexo permaneça constante entre as ocupações nas populações migrante e não migrante. Por sua vez, o índice D por condição de migração aponta a parcela de pessoas que precisam mudar de ocupação para que a razão

30  Vale  apontar  que Brown  e  colaboradores  (1980)  criticam  a  inclusão da  variável  referente  à  ocupação nas equações de rendimento, pois a ocupação, segundo os autores, é uma variável endógena ao processo de deter-minação salarial.

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entre migrantes e não migrantes seja a mesma ao longo da estrutura ocupacio-nal, tanto de homens quanto de mulheres.

Pela expressão acima, percebe-se que quanto maior for o valor de D mais segregado é o mercado de trabalho. O índice D pode assumir valores compreendidos entre 0 e 100. D será igual a zero quando ocorrer a perfeita integração dos dois sexos e/ou das duas condições de migração nas ocupa-ções, ou seja, quando homens e mulheres e/ou migrantes e não migrantes inserirem-se da mesma maneira na estrutura ocupacional. Por outro lado, D é igual a 100 quando a segregação é total, ou seja, a estrutura ocupacional é totalmente especializada para homens e para mulheres ou para migrantes e não migrantes.

Os resultados presentes na Tabela 5 mostram que, de maneira geral, a segregação por sexo é mais acentuada que a segregação por condição de migração. Para todo o Brasil, estima-se que mais de 36% da força de trabalho necessitaria ser realocada para que a participação de homens e mulheres nas diversas ocupações fosse equiparada à participação total. No caso específico da população migrante, apenas nas regiões Norte e Sudeste, a discrepância da razão por sexo na estrutura ocupacional é mais elevada do que a discrepância entre a população não migrante.

Tabela 5 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D). Brasil 2005 Diferença por sexo Diferença por migração

Região Não migrante Migrante Homem Mulher

Norte 36,42 38,93 7,05 4,83

Nordeste 34,04 32,81 11,37 6,87

Sudeste 36,44 39,75 14,55 20,88

Sul 39,48 35,18 6,51 6,76

Centro Oeste 39,06 38,42 7,04 7,19

Brasil 36,14 37,69 5,31 11,08

Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

Entre os índices obtidos para a segregação de migrantes no mercado de trabalho local, novamente chama a atenção a discrepância da região Sudes-te perante as demais regiões do país. Nesse caso, o índice de dissimilaridade das mulheres migrantes e não migrantes na estrutura ocupacional local é re-lativamente elevado, devido, particularmente, à elevada concentração de mu-lheres em atividades do serviço doméstico. No caso masculino, os migrantes concentram-se em ocupações de serviços e de produção. Quanto às demais regiões, as regiões Sul e Centro-Oeste apresentam menor grau de segregação entre migrantes e entre os sexos, enquanto o mercado de trabalho do Norte e

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Nordeste, aloca de maneira mais segmentada, entre os migrantes, os homens do que as mulheres vis à vis a população não migrante.

Vale lembrar que o indicador de segregação aponta apenas quanto é distinta a distribuição das ocupações entre migrantes e não migrantes. O ín-dice não permite verificar se os migrantes ou os não migrantes estão inseridos em ocupações que, na média, remuneram menos, nem se a origem da pessoa levanta barreiras para o acesso a determinadas ocupações. Contudo, consta-tamos que a possibilidade de inserção ocupacional relaciona-se com os anos de escolaridade do indivíduo. Ao aplicar o controle de anos de escolaridade, verificamos que o índice de Duncan diminui ainda mais e que, na maioria das regiões, ocorre maior segregação ocupacional entre os migrantes mais escola-rizados. 31 (Tabela 6)

Tabela 6 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D) por condição de migração – controlado por escolaridade. Brasil 2005

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro OesteEscolaridade Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

0 anos 2,75 4,90 7,92 10,61 7,30 4,82 9,71 8,75 11,87 5,64

1 - 4 anos 7,34 5,92 6,62 6,78 2,89 2,94 5,92 3,30 9,92 4,22

5 - 8 anos 6,25 5,23 10,96 6,39 3,86 3,18 5,23 9,14 5,51 8,54

9 - 11 anos 9,21 5,37 9,10 7,43 8,05 14,76 11,60 10,69 11,31 11,08

12 ou + anos 11,46 6,48 11,66 6,87 6,18 9,63 11,47 11,98 8,51 8,47

Total 7,05 4,83 11,37 6,87 14,55 20,88 6,51 6,76 7,04 7,19

Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

De maneira geral, os baixos valores obtidos para o índice D relativi-zam a importância de se considerar a diferença da inserção ocupacional - de homens e mulheres migrantes em relação à população não migrante no mer-cado de trabalho local - como uma das possíveis explicações para a maior di-vergência salarial por sexo, estimada para a população migrante. Ainda assim, a situação da região Sudeste merece destaque devido aos valores estimados, relativamente altos frente aos das demais regiões.

O elevado índice de segregação total32, entre a população migrante e não migrante, região Sudeste, aponta que as diferenças observadas entre os salários de homens e mulheres migrantes, devem ser abordadas respeitando as especificidades desse mercado de trabalho. Por esse motivo, calculamos tam-bém a decomposição de Oaxaca para o diferencial de salário por condição de migração.

31  A exceção são os casos da população feminina no Nordeste e a masculina no Sudeste e Centro Oeste.32  Sem aplicação do controle de escolaridade (tabela 4).

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Tabela 8 - Decomposição de Oaxaca - Diferencial de salários por migração. Brasil 2005

Diferença imputável a:Brasil sem SE Sudeste

Homem Mulher Homem Mulher

Atributos (A) -43,2 -23,3 47,7 53,8

- Dotação (D) -14,7 -9,2 12,4 13,5

- Coeficientes (C) -28,5 -14,1 35,3 40,3

Deslocamento da constante (U) 15,0 4,3 -36,9 -42,2

Diferencial bruto (B = D+C+U) -28,2 -19,0 10,8 11,6

Diferencial ajustado (E = C+U) -13,5 -9,8 -1,6 -1,9

Dotação - % total (D/B) 52,13 48,42 114,81 116,38

Discriminação - % total (E/B) 47,87 51,58 -14,81 -16,38

Vantagem migrante migrante migrante migrante

Obs.*Valores positivos do diferencial ajustado indicam a vantagem da categoria base (não migrantes), e valores negativos, o contrário.Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

Percebe-se que a vantagem salarial da população migrante é bem me-nor na região Sudeste do que no resto do país, tanto para os homens quanto para as mulheres. Mais ainda, esse ganho estreito baseia-se nas característi-cas específicas dos migrantes - homens e mulheres - e não em sua dotação produtiva ou ainda na valoração superior que o mercado de trabalho local faz de seus atributos. Dessa maneira, a menor vantagem salarial do homem migrante na região Sudeste contribui para o menor diferencial de salário em relação às mulheres migrantes em relação aos não migrantes. Por outro lado, no restante do país, os migrantes apresentam atributos produtivos superiores aos da população não migrante e o mercado de trabalho local precifica melhor seus atributos em relação à população local. A valoração dos atributos dos migrantes no mercado local é tão maior comparada com a valoração dada à população local que leva a superar, com grande margem, a vantagem que lhe conferem as suas características específicas. Assim, a maior discrepância dos salários entre homens e mulheres migrantes vis à vis os não migrantes deve-se, praticamente, à melhor avaliação dos atributos dos homens migrantes pelo mercado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da desagregação do diferencial de salários, segundo a con-dição de migração da população, indicou que, de maneira geral, a mulher migrante encontra-se em situação ainda mais desvantajosa do que o homem migrante quando comparada à mulher não migrante. No entanto, a exceção a

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essa regra é a região Sudeste, justamente onde se concentra a maior parte dos migrantes do país.

Este estudo suscita várias questões e, nem todas, ainda, estão devida-mente respondidas, mas, perante os resultados obtidos, determinados com-portamentos podem ser vislumbrados. Primeiramente, percebe-se que o mer-cado de trabalho brasileiro não é segregado em termos da condição de migra-ção dos trabalhadores. Ainda assim, é importante ressaltar que o indicador de Duncan para a região Sudeste, particularmente, no caso das mulheres, aponta a existência de segregação ocupacional dos migrantes nessa região.

Nesse caso, estamos nos defrontando, não apenas com uma discre-pância da participação por sexo na estrutura ocupacional, mas também com uma segregação, entre migrantes e não migrantes, tanto no mercado feminino quanto no masculino. No entanto, ao aplicar o controle por anos de estudo, a segregação observada, entre migrantes e não migrantes, na região Sudeste se dilui. Esse resultado evidencia que tanto mulheres quanto homens deslocam-se para a região Sudeste - ou mesmo intra-região - nem tanto para auferir ganhos pela maior valoração dos atributos presentes nesse mercado, mas sim para inserirem-se em ocupações específicas, devido ao grau de instrução que possuem.

Em segundo lugar a pergunta básica, referente ao diferencial de salá-rios por sexo na população migrante, perante a população não migrante, era a seguinte: a desvantagem da mulher migrante em relação ao homem migrante devia-se às suas características produtivas ou à subavaliação de suas caracterís-ticas observáveis pelo mercado de destino?

A resposta a essa questão deve ser desenvolvida sob dois contextos, um para a região Sudeste, onde a diferença salarial por sexo é menor entre a população migrante do que a não migrante, e outro para as demais regiões do Brasil, onde ocorre o contrário.

As estimativas realizadas mostram que, no caso do Sudeste, a menor diferença salarial por sexo na população migrante deve-se ao fato de as ca-racterísticas específicas de homens e mulheres migrantes serem menos hete-rogêneas do que aquelas observadas na população não migrante. Ou seja: o mercado de trabalho da região Sudeste diferencia menos homens e mulheres migrantes dos não migrantes, independente dos atributos produtivos.

No que se refere à diferença de atributos produtivos, os homens mi-grantes se sobressaem em relação às mulheres, contudo, o sinal negativo da diferença do coeficiente estimado indica que, na região Sudeste, o mercado sobrevaloriza as características observáveis das mulheres migrantes em rela-

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ção aos homens. 33 Nas demais regiões, a maior diferença salarial por sexo ocorre entre a população migrante. Nesse caso, o principal motivo deve-se à sobreprecificação, verificada no mercado de trabalho de destino, dos atribu-tos dos homens migrantes em relação aos atributos das mulheres migrantes, enquanto entre a população não migrante, as mulheres dispõem de atributos produtivos mais elevados do que os homens, embora o mercado de trabalho valorize os atributos masculinos acima dos femininos. No caso da população migrante, os homens apresentam melhor situação do que as mulheres nas três parcelas da decomposição do diferencial de salário: atributos, valoração do mercado e características específicas.

33  No resto do país ocorre o contrário.

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Apêndice A

Distribuição da população migrante de acordo com o tempo de residência. Brasil 2005

Tempo de residência na UFHomem Mulher

até 4 anos 9,7 8,4

5 à 9 anos 10,6 10,6

10 anos ou mais 79,7 81,0

Total 100,0 100,0

Fonte: PNAD 2005. Elaboração própria.

Apêndice B

Descrição das variáveis presentes na estimação da equação de salários

1) Variáveis dependentes:-Equação de seleção (Heckman): variável dummy que indica se o in-

divíduo trabalha ou não. Assume valor 1 para aqueles que trabalham e zero em caso contrário.

-Equação de rendimentos: logaritmo da renda do trabalho principal na semana de referência por hora dos indivíduos.

2) Variáveis das características individuais ou familiares:-Escolaridade: variável contínua que indica o grau de instrução da pes-

soa através do número de anos de estudo pertencente ao intervalo [0,17].-Experiência no mercado de trabalho: a proxy utilizada neste trabalho

refere-se à idade da pessoa descontada dos anos pré-escolares.-Experiência ao quadrado: deve-se à aplicação da forma quadrática

“minceriana” que sugere que a contribuição do capital humano adquirido no próprio mercado de trabalho cresce a taxas decrescentes.

-Escolaridade x experiência: variável responsável pela mensuração da capacitação da pessoa (tanto para encontrar um emprego quanto para auferir rendimentos mais elevados).

-Cor: variável dummy que indica a cor da pele da pessoa. Assume valor nulo para as pessoas denominadas brancas e amarelas e valor 1 para as deno-minadas pretas, pardas ou indígenas.

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-Responsável: variável dummy que indica a posição familiar da pes-soa. Assume valor 1 para os que são responsáveis pela família e zero em caso contrário.

-Casado: variável dummy que indica a situação conjugal. Assume va-lor 1 para os que possuem cônjuge e zero em caso contrário.

-Filhos: variável dummy que indica se o individuo possui ou não fi-lhos. Assume valor 1 para os que possuem filhos e zero em caso contrário.

-Rendimento do não trabalho: total de renda advinda de fontes que não o trabalho.

3) Variáveis das características do posto de trabalho:Ocupação: foram utilizadas dummies para 9 grupos ocupacionais:Ocupação 1 = dirigentesOcupação 2 = profissionais das ciências e das artesOcupação 3 = técnicos de nível médioOcupação 4 = trabalhadores de serviços administrativosOcupação 5 = trabalhadores dos serviçosOcupação 6 = vendedores e prestadores de serviço do comércioOcupação 7 = trabalhadores da produção de bens e serviços e de repa-ração e manutençãoOcupação 8 = membros das forças armadas Ocupação 9 = ocupações mal definidas ou não declaradas-Posição na ocupação: foram utilizadas dummies para empregado com

carteira, funcionário público, empregado sem carteira, trabalhador domésti-co com carteira, trabalhador doméstico sem carteira, conta própria e empre-gador. Devido ao problema de colinearidade, a dummy referente à posição empregado com carteira foi omitida da estimação. Em cada um destes casos, a variável dummy assumiu valor 1 quando a pessoa encontra-se na posição especificada e zero em caso contrário.

-RMSP: dummy que indica o local de residência do indivíduo, assume valor 1 para a região metropolitana e zero para as demais localidades.

-Área Metropolitana: dummy que indica o local de residência do in-divíduo, assume valor 1 para a região metropolitana e zero para as demais localidades.

-Região/ Estados: dummy que indica o local de residência do indiví-duo, assume valor 1 para a regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro

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Oeste. Na regressão da região Sudeste foram incluídas variáveis dummy para os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

Apêndice C

Resultados da equação de salários por sexo e condição de migração. Brasil Urbano – não agrícola. 2005

VariáveisHomem Mulher

Não migrante Migrante Não migrante Migrante

Seleção - Probit

Anos de estudo 0,04426** 0,03740** 0,06536** 0,06536**

Experiência 0,05707** 0,03524** 0,03029** 0,03029**

Exp. ao quadrado -0,00072** -0,00053** -0,00046** -0,00046**

Anos est. * exp. -0,00046** -0,00026** -0,00062** -0,00062**

Cor -0,04535** -0,01259** 0,09499** 0,09499**

Responsável fam. 0,39805** 0,51158** 0,75159** 0,75159**

Casado -0,20553** -0,14639** -0,19373** -0,19373**

Filhos 0,06293** 0,05172** 0,01752** 0,01752**

Região Norte 0,10068** 0,01705** -0,09175** -0,09175**

Região Sul 0,26728** 0,26227** 0,18826** 0,18826**

Região Centro Oeste 0,18280** 0,13970** 0,15503** 0,15503**

Região metropolitana 0,07648** -0,08987** 0,34995** 0,34995**

Rendimento do não trabalho -0,00007** -0,00004** -0,00018** -0,00018**

Constante 0,92162** 1,35927** 0,69891** 0,69891**

Salário/hora

Anos de estudo 0,03873** 0,05398** 0,05092** 0,06152**

Experiência 0,02970** 0,03917** 0,02437** 0,02303**

Exp. ao quadrado -0,00033** -0,00045** -0,00024** -0,00021**

Anos est. * exp. 0,00087** 0,00073** 0,00036** 0,00028**

Cor -0,11191** -0,11127** -0,09533** -0,14017**

Ocupação 2 0,17365** 0,18180** 0,00962** 0,07967**

Ocupação 3 -0,19946** -0,16429** -0,23755** -0,25637**

Ocupação 4 -0,49585** -0,50036** -0,43988** -0,45359**

Ocupação 5 -0,74548** -0,77838** -0,59601** -0,63103**

Ocupação 6 -0,59998** -0,55592** -0,60885** -0,55407

Ocupação 8 -0,55883** -0,57140** -0,82070** -0,70041**

Ocupação 9 -0,17796** -0,11738** 0,14427** 0,24801**

Funcionário público 0,22565** 0,30273** 0,18130** 0,30792**

Empregado sem carteira -0,23668** -0,20295** -0,15679** -0,08564**

Trab. doméstico com carteira -0,21488** -0,30484** -0,15891** -0,08430**

Trab. doméstico sem carteira -0,29001** -0,24551** -0,31536** -0,16040**

Conta própria -0,13745** -0,07743** -0,09316** 0,00233**

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Empregador 0,20977** 0,24825** 0,23336** 0,28605**

Região Norte 0,16902** 0,21303** 0,23908** 0,19450**

Região Sul 0,31213** 0,25743** 0,34232** 0,31692**

Região Centro Oeste 0,32474** 0,27319** 0,34347** 0,31610**

Região metropolitana 0,05852** 0,12231** 0,13461** 0,23646**

Constante 0,54645** 0,39683** 0,33346** 0,29006**

Nº observações = 10.400.000 2.986.947 8.723.170 2.368.916

Nº obs. censuradas = 91.991 24.939 349.189 115.805

Wald chi2 (22) = 8.570.000 3.130.000 6.630.000 2.230.000

Prob > chi2 = 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000

* A região Sudeste foi excluída desta amostra** significância a 5%* significância a 10%

Região Sudeste Urbana – não agrícola

VariáveisHomem Mulher

Não migrante Migrante Não migrante Migrante

Seleção - Probit

Anos de estudo 0,03737** 0,04310** 0,08341** 0,06909**

Experiência 0,05447** 0,04786** 0,04047** 0,02776**

Exp. ao quadrado -0,00082** -0,00067** -0,00055** -0,00043**

Anos est. * exp. -0,00042** -0,00064** -0,00143** -0,00134**

Cor 0,10929** -0,02819** 0,12096** 0,17777**

Responsável fam. 0,45086** 0,00649 0,15211** 0,44182**

Casado 0,00957** -0,01130 -0,28938** -0,13592**

Filhos 0,09695** -0,08940** -0,07173** 0,07148**

Rio de Janeiro 0,08625** -0,01114* 0,25850** -0,05703**

Espírito Santo 0,12015** 8,60307 -0,04665** -0,46344**

Minas Gerais 0,05409** 0,21299** 0,00976** -0,42335**

Região metropolitana 0,08196** 0,08673** 0,14557** 0,19583**

Rendimento do não trabalho -0,00010** -0,00017** -0,00007** 0,00008**

Constante 1,07101** 1,61233** 1,04233** 1,28010**

Salário/hora

Anos de estudo 0,04747** 0,03211** 0,05884** 0,04653**

Experiência 0,03370** 0,03099** 0,02820** 0,01272**

Exp. ao quadrado -0,00037** -0,00037** -0,00026** -0,00010**

Anos est. * exp. 0,00081** 0,00078** 0,00027** 0,00040**

Cor -0,14223** -0,10904** -0,10219** -0,11921**

Ocupação 2 0,15804** 0,22239** 0,05552** 0,10594**

Ocupação 3 -0,17929** -0,27376** -0,25050** -0,21939**

Ocupação 4 -0,50658** -0,63680** -0,49994** -0,49507**

Ocupação 5 -0,75351** -0,86181** -0,62988** -0,65601**

Ocupação 6 -0,58843** -0,78838** -0,62157** -0,69822**

80

-0,79457** -0,73872**

0,18496** 0,36957**

0,12047** 0,12028**

Empregado sem carteira -0,25579** -0,29659** -0,16725** -0,14775**

Trab. doméstico com carteira -0,02273** -0,18496** -0,12406** 0,00863**

Trab. doméstico sem carteira -0,32353** -0,41717** -0,15892** -0,04623**

Conta própria -0,08256** -0,15114** -0,00289** -0,05429**

Empregador 0,16736** -0,04516** 0,25460** 0,11770**

Rio de Janeiro -0,15676** -0,08431** -0,10127** -0,03648**

Espírito Santo -0,12893** -0,12671** -0,12265** -0,05370**

Minas Gerais -0,17786** -0,14688** -0,21663** -0,13523**

Região metropolitana 0,12148** 0,05936** 0,19625** 0,12774**

Constante 0,77021** 1,139323** 0,554683** 0,9763364**

Nº observações = 10.000.000 3.458.690 8.034.514 2.738.792

Nº obs. censuradas = 70.914 25.514 217.508 65.580

Wald chi2 (22) = 9.210.000 2.390.000 7.360.000 1.510.000

Prob > chi2 = 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000

** significância a 5%* significância a 10%

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3 POBREZA, TRABALHO INFANTIL E PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA1

Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei e Natália Nunes Ferreira Batista

O objetivo deste trabalho é o de analisar o impacto do programa de transferência de renda do governo federal Bolsa-Família sobre a incidência de trabalho infantil e a freqüência escolar das crianças, duas opções que se encontram intrinsecamente correlacionadas no caso dos jovens.2 A justifica-tiva desta proposta relaciona-se à constatação de que apesar do aumento dos gastos sociais no Brasil, e de sua efetividade, no curto prazo, no combate à pobreza crônica, não há evidências de redução significativa no trabalho in-fantil entre as crianças das famílias pobres, o que sugeriria a necessidade de aprimoramento desses programas.

A redução da pobreza e a sua erradicação são temas habituais em de-bates a respeito do desenvolvimento humano, ao mesmo tempo em que a própria conceituação de pobreza é objeto de discussão.3 É reconhecido que reduções de pobreza apenas podem ser obtidas mediante a elevação da renda dos mais pobres que, inerentemente, demanda investimentos para a elevação 1 Versões anteriores deste estudo foram apresentadas sob a denominação de Impactos do programa bolsa família federal sobre o trabalho infantil e a freqüência escolar.2  Para efeitos deste estudo, consideramos trabalho infantil qualquer forma de ocupação exercida pela popula-ção entre 5 a 15 anos de idade, seja ela remunerada ou não, inclusive o trabalho para consumo próprio, enquanto freqüência escolar se refere às crianças, com idade entre 7 a 15 anos, matriculadas na rede de ensino.3 No conceito mais utilizado entre economistas, pobreza representa a insuficiência de renda do indivíduo e/ou de sua família. Contudo, diversos autores sugerem que o termo deveria compreender não apenas a questão de baixos rendimentos, mas uma maior gama de necessidades, como insuficiências materiais e de oportunidades. Esse  tema é  tratado, por  exemplo,  em CHAMBERS, Robert. What  is poverty? Who asks? Who answers?  In: Poverty in Focus. What is poverty? Concepts and measures. Brasília: IPC, December, 2006.

do estoque de seu capital humano. Entretanto, a população de baixa renda se vê obrigada a ingressar no mercado de trabalho precocemente, para com-plementar a renda familiar ou garantir sua própria sobrevivência, não raro alocando o tempo em detrimento dos estudos e, conseqüentemente, deterio-rando as suas oportunidades futuras de auferir renda mais elevada. Ademais, essa parcela da população ocupa postos de trabalho de menor qualificação, recebendo salários baixos, perpetuando, assim, a sua condição de pobreza.

Destarte, o combate à pobreza pede ações específicas capazes de rom-per essa armadilha entre gerações, dentre as quais, destacamos o papel dos programas de transferências focalizadas de renda. Voltadas para as famílias carentes, o cerne dessas políticas é eliminar e/ou amenizar, a curto prazo, as dificuldades acarretadas pela condição de pobreza. Ao promover a transferên-cia direta de renda com condicionalidades – freqüência escolar, atendimento médico, entre as condições mais freqüentemente utilizadas – os programas enfrentam dois aspectos que caracterizam a reprodução do ciclo da pobreza entre gerações: garantem nível mínimo de renda de subsistência para as famí-lias pobres e resguardam a obtenção de capital humano de seus beneficiários.

Adicionalmente, a importância da redução da pobreza, além dos as-pectos morais, prende-se ao fato de que estudos revelam que, em nível macro, a pobreza é um dos fatores que explica o baixo crescimento econômico dos países da América Latina, de modo que a sua eliminação ou mesmo simples redução apresentaria efeitos positivos para o crescimento e desenvolvimento da nação.4

Sob a ótica da teoria econômica, os programas de transferência de renda provocam um efeito renda puro na tomada de decisão da família sobre uso do tempo das crianças entre trabalho, educação e lazer. Considerando que esses últimos podem ser considerados como bens de luxo, a teoria econô-mica afirma que o seu consumo aumenta mais que proporcionalmente com a elevação da renda familiar. Ou seja, à medida que os ganhos da família se elevam, os seus membros poderão alocar maior tempo para o lazer ou estudo, sem prejuízo ao mínimo necessário para sua subsistência. Essas considerações implicariam diminuição do trabalho infantil das famílias pobres.

Assim, a análise dessas questões será efetuada em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira descreve a evolução e os desenhos dos principais programas de transferência de renda no Brasil. A segunda seção consiste na revisão ampliada e aprofundada da bibliografia sobre o tema, elaborado a partir de três eixos: determinantes da ocorrência

4 PERRY,  Guillermo  E.;  ARIAS,  Omar  S.;  LÓPEZ,  J.  Humberto;  MALONEY, William  F.;  SERVÉN,  Luis. Poverty reduction and growth: virtuous and vicious circles. Washington DC: The World Bank, 2006.

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do trabalho infantil nas famílias mais pobres; determinantes da alocação do tempo das crianças entre trabalho, escola e lazer; e resultados da avaliação dos programas de transferência de renda, com condicionalidade e sem condicio-nalidade, implementados no Brasil e no exterior. Em seguida, a terceira seção apresenta a metodologia e base de dados utilizadas neste trabalho, enquanto os resultados são apresentados na quarta seção. Por fim, tecemos as conside-rações finais.

1. O EMPREGO CRESCENTE DOS PROGRAMAS DE TRANSFE-RÊNCIA DE RENDA NO ÂMBITO DA POLÍTICA SOCIAL

Desde o final do século passado, em praticamente todos os países do mundo, os Programas de Proteção Social5 tornam-se mais atraentes politica-mente do que a ampliação nos Sistemas de Seguridade Social6 para combater as desigualdades de renda e a pobreza, por dois motivos. O primeiro é o aumento no número de excluídos do Sistema de Seguridade Social, como o aumento no número de desempregados de longa duração que perdem o bene-fício do seguro desemprego, ou o maior número de famílias, crianças e jovens pobres, especialmente nos países em desenvolvimento, além de, muitas vezes, o aumento da desigualdade na distribuição de renda. O segundo é o reconhe-cimento por parte da comunidade científica, técnica e política de que, embora o crescimento econômico sustentável, a estabilidade macroeconômica e a boa governança sejam fundamentais para reduzir a pobreza, são fatores insufi-cientes. A pobreza é identificada como um fenômeno multidimensional que necessita de um conjunto de programas microeconômicos integrados para a sua superação, alem de contar com condições macroeconômicas favoráveis.

Os programas de transferência de renda se caracterizam por um con-junto de singularidades perante os programas tradicionais dos sistemas de se-guridade social, mostrando-se adequados para fins de desenvolver programas de promoção humana. Em primeiro lugar, os programas de transferência de renda outorgam maior controle aos pobres sobre as suas tomadas de decisão 5  Envolvem um conjunto de benefícios colocados à disposição pelo Estado, empresas, famílias ou organizações, ou pela combinação desses, para reduzir múltiplos aspectos da pobreza de indivíduos ou famílias, por exemplo, desempregados de longa duração, mães sem cônjuge, idosos, crianças e jovens de famílias pobres, entre outros.6  Abarca  a  proteção  contra  riscos  da  velhice,  doença,  acidente,  desemprego,  entre  outros,  de  trabalhadores inseridos de forma registrada no mercado de trabalho que contribuem compulsoriamente para tal fim. A confi-guração do Sistema Público de Seguridade Social é representada por dois modelos: bismarckiano e beveridgeano. O Sistema que, depois da segunda guerra mundial se expande em praticamente todos os países ocidentais, emite sinais de crise financeira e de desgaste político a partir dos anos de 1970, devido a um conjunto de fatores tais como aumento do valor e do número de benefícios, envelhecimento da população, desequilíbrio crescente entre o número de inativos e de contribuintes ao Sistema, mudanças nas relações trabalhistas, e a cristalização de uma imagem de desvio de focalização, desperdício e ineficiência do Sistema de Seguridade Social.

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por meio de mecanismos de mercado, uma vez que a ação pública ocorre pelo lado da demanda, provendo suporte direto para os beneficiários, ao invés de acontecer pelo lado da oferta de serviços sociais. Em segundo lugar, os programas priorizam a acumulação de capital humano, via educação e saúde, especialmente para crianças e jovens, com o objetivo de romper ciclo inter-geracional da pobreza. Esse tipo de intervenção, em terceiro lugar, apresenta vantagens consideráveis, como baixos custos de transação; reorientação de desequilíbrios de informação, pois as famílias são melhores informadas sobre si mesmas do que o governo; melhor focalização do que programas de cunho universal; e maior flexibilidade para alterações de beneficiários e benefícios. Em quarto lugar, a característica de flexibilidade deste tipo de programa re-cai sobre a adequação continuada entre objetivos políticos e as restrições do orçamento público, na medida em que a transferência de renda não está ins-tituída como um direito social, podendo ser suspenso a qualquer momento. Em quinto lugar, o Programa se constitui em uma rede de seguridade em momentos de crise econômica, por exemplo, desemprego em massa devido à reestruturação produtiva ou acidentes climáticos, apresentando maior poten-cial de alcançar impactos significativos no bem estar dos beneficiários, devido aos seus efeitos multiplicadores locais sobre as comunidades.

Nesses termos, nos últimos anos e, em especial, na América Latina, os programas de transferência de renda constituem-se numa política efetiva de combate a pobreza, ao se focar para a população mais carente e apresentar condicionalidades que beneficiam a proteção e o acúmulo de capital humano, por meio da obrigatoriedade de presença no sistema escolar e atendimento médico disponível. A eficiência dos instrumentos de Proteção Social é ob-servada em muitos estudos empíricos, mostrando que os programas voltados à educação e saúde obtiveram sucesso, aumentando a freqüência à escola e diminuindo as taxas de mortalidade infantil, morte de mulheres no parto e índices de desnutrição de crianças.7 Os mesmos resultados são observados em programas de transferência de renda com condicionalidade que, em geral, visam aumentar a freqüência à escola e o aproveitamento escolar, além de melhorar comportamentos de prevenção à saúde. Na América Latina, essa modalidade de programa se expande na última década, atingindo em 2006, 14 milhões de famílias, em especial no Brasil, México e Argentina.8

7  BOUILLON, César Patricio & TEJERINA, Luis. Do we know what works? A systematic  review of  impact evaluations of social programs in Latin America and the Caribbean. Working paper, Inter-American Develop-ment Bank, Sustainable Development Department, November 2006.8  BOUILLON, César Patricio & TEJERINA, Luis, 2006, op.cit.

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No Brasil, a partir de 1994, inicia-se um programa de transferência de renda condicionada à freqüência escolar.9 Criado pelo governador Cristó-vam Buarque no Distrito Federal, o programa Bolsa-Escola distribui benefí-cio mensal no valor de um salário mínimo para as famílias que mantêm suas crianças no sistema escolar. Em 1998, o Programa beneficia 26 mil famílias, uma cobertura aproximada de 80% do público-alvo potencial de famílias com renda por pessoa inferior a meio salário mínimo – R$ 75,00, na época. Graças ao seu sucesso e reduzido custo, o Bolsa-Escola passa a ser aplicado em diversos municípios do país, no entanto, a ineficácia na implantação, execu-ção e monitoramento do Programa, faz com que os objetivos propostos não sejam plenamente atingidos.10

Em 2001, consolidando experiências municipais e objetivando o com-bate à evasão escolar e trabalho infantil entre as famílias carentes, o governo federal lança o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação – Bolsa-Escola ou Programa Bolsa-Escola Federal.11 O programa passa a agre-gar as famílias com crianças de idade entre 6 e 15 anos, matriculadas em estabelecimentos de ensino que apresentem freqüência escolar de 85% ou mais. O limite de renda por pessoa da família é definido pelo Poder Executivo em cada exercício e o valor pago é de R$ 15,00 por beneficiário, com até três beneficiários por família.

Posteriormente, em 2003, o poder executivo federal reúne um con-junto de programas de transferência de renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimen-tação, Auxílio-Gás, e Cartão-Alimentação) sob o Programa Bolsa-Família (PBF).12 Beneficiando-se da existência do Cadastro Único (CADÚNICO),13 atualmente o PBF é o maior programa de transferência de renda no Brasil,

9 A Constituição Federal do Brasil de 1988 introduz e dinamiza ações de assistência social no âmbi-to do Sistema Público de Seguridade Social, entre as quais se destacam a universalização da saúde, da previdência rural e a ampliação da cobertura ao idoso e portador de deficiência. O Sistema, a partir dos anos de 1990, não incorpora outras modalidades de programas orientados para o fortalecimento da cidadania, por exemplo, programas de renda mínima, ou assistencial a grupos vulneráveis, não obstante as disposições da Constituição Federal. A prática da política pública passa a enfatizar Pro-gramas de Proteção Social.10  Em  geral,  os  programas  aplicados  em  outros municípios  atendem  a  uma  pequena  parcela  da  população pobre, transferem valores monetários insignificantes no impacto sobre a pobreza – quando não substituídos por alimentos, gás de cozinha e outros –, além de descontinuidade. LAVINAS, Lena & BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. Combater a pobreza estimulando a freqüência escolar: o estudo de caso do Programa Bolsa-Escola do Recife. Dados., Rio de Janeiro, v. 43, n. 3, 2000.11  Criado pela Lei n°. 10.291, e regulamentado pelos decretos n° 3.823/01 e 4.313/02.12  Instituído por meio da Lei n. 110.836, de 9 de janeiro de 2004 e posteriormente regulamentada pelo Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro de 2004.13  O CADÚNICO é criado em 2001 pelo Decreto nº. 3.877 com o objetivo de aumentar a eficiência do gasto so-cial do governo federal ao integrar informações à respeito dos beneficiários dos programas federais existentes.

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destinado às famílias que dispõem de baixos recursos, prevendo contrapar-tidas de acompanhamento da saúde e estado nutricional das gestantes e dos filhos, matrícula e 85% de freqüência escolar de crianças na idade entre 7 e 15 anos, e a participação em programas de educação alimentar. Em outubro de 2008, o PBF transfere às famílias pobres – renda familiar por pessoa até R$ 120,00 – o valor de R$ 20,00 para cada criança entre 0 e 15 anos de idade, até o limite de três benefícios por família; além de um benefício variável no valor de R$ 30,00 para cada jovem de 16 e 17 anos que freqüenta a escola – limitado a dois benefícios por família.14 Além desse benefício variável, as famílias extremamente pobres – renda por pessoa até R$ 60,00 – têm direito ao recebimento de um benefício fixo, no valor de R$ 62,00.

Paralelamente, em 1996 é instituído o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), primeiro programa de transferência de renda em nível federal. Implantado inicialmente nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, o programa compreende a realização de ações sócio-educativas e de cidadania realizadas, em grande parte, por organizações do terceiro setor. O objetivo do PETI é o de retirar crianças e adolescentes entre 7 e 15 anos do trabalho perigoso, penoso, insalubre e degradante, além de sua manutenção na escola e na Jornada Ampliada. Com a Portaria GM/MDS nº. 666 de 28 de dezembro de 2005, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o PETI passa a abranger apenas as famílias com renda por pessoa superior a R$ 120,00,15 sendo que famílias com renda inferior ao piso deverão ser atendidas pelo Programa Bolsa-Família. Ademais, o programa amplia a ilegibilidade de crianças a serem atendidas, incluindo toda a população com idade inferior a 16 anos, em diversas situações de trabalho.16 O valor do benefício mensal em 2008 é de R$ 40 por criança ocupada, residentes em áreas urbanas,17 e R$ 25 para crianças ocupadas nas áreas rurais, sem limites de inclusão de crianças/adolescentes por família se estiverem trabalhando.18 Em contrapartida, além da retirada do trabalho, as crianças beneficiadas devem apresentar freqüência

14  Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, http://www.mds.gov.br/, consultado em outubro de 2008.15  O Decreto nº. 5.749, de 11 de abril de 2006 altera o teto do PBF para R$ 120,00.16  O PETI também passa a compor o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e a contemplar a Política Nacional de Assistência Social ao fomentar o pacto entre estado e sociedade civil para garantir amplos direitos à criança e ao adolescente.17  O programa considera como área urbana as capitais, regiões metropolitanas e municípios com mais de 250 mil habitantes.18  Através do Fundo Nacional de Assistência Social ao Fundo Municipal/Estadual de Assistência Social, o PETI também distribui R$ 20,00 por criança ou adolescente, destinado à Jornada Ampliada, desde que seus cadastros estejam identificados no CADÚNICO.

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mínima de 85% na escola e em Ações Socioeducativas e de Convivência (Jor-nada Ampliada).

2. RACIONALIZAÇÃO E ARGUMENTOS TEÓRICOS

A literatura especializada internacional freqüentemente registra a po-breza como principal causa para a persistência do fenômeno no mundo,19 pois a família faz uso do trabalho da criança apenas quando a sua renda não é suficiente para manter um nível mínimo de qualidade de vida.20 Contudo, di-versos estudos destacam a complementaridade e importância de outros fatores na determinação de sua ocorrência.

No Brasil, dentre outros, Maria Cristina Cacciamali & Fábio Tatei apresentam evidências de que a probabilidade de incidência no trabalho in-fantil é maior entre as famílias chefiadas por trabalhadores por conta-própria, principalmente aqueles do setor agrícola.21 Ademais, os autores apontam que a participação de jovens e crianças no mercado de trabalho está estreitamente relacionada aos níveis de educação dos pais, de modo que quanto mais es-colarizados, maior será a sua preferência pela escolarização mais elevada dos filhos. Por sua vez, Natália Nunes Ferreira Batista & Maria Cristina Caccia-mali apontam que famílias migrantes recém chegadas ao Estado de São Paulo também mostram maior probabilidade de trabalho infantil e de adolescentes e, independentemente de sua condição de migração, mulheres sem cônjuges responsáveis por famílias também apresentam maior probabilidade de traba-lho infanto-juvenil.22 Avançando nessa direção, Cacciamali, Batista & Tatei utilizam um probit bivariado para analisar o efeito do status ocupacional dos pais sobre a incidência de trabalho infantil e freqüência escolar das crianças no Brasil em 2005.23 Os resultados corroboram os estudos anteriores, indicando que a maior parte da diferença observada na probabilidade de ocorrência de trabalho infantil e na freqüência escolar deve-se justamente às características

19 BASU, Kaushik. Child labor: cause, consequence, and cure, with remarks on international labor standards. Journal of Economic Literature, volume 37, n.3, 1999, p. 1083-1119.20  Vejam-se, entre outros: CERVINI & BURGER (1991); NEPO (1998); KASSOUF (1999); SILVEIRA, AMARAL & CAMPINEIRO (2000).21 CACCIAMALI, Maria Cristina & TATEI, Fábio. Trabalho infantil e o status ocupacional dos pais. Revista de Economia Política, vol. 28, no. 2, p.269-290. São Paulo, 2008.22  BATISTA, Natália N. F. & CACCIAMALI, Maria Cristina. Migração familiar, trabalho infantil e ciclo inter-geracional da pobreza no Estado de São Paulo (Familial Migration, Child Labor and Poverty Trap in the State of São Paulo), 2008 (processo de arbitragem).23  CACCIAMALI, Maria Cristina; BATISTA, Natália N. F.; TATEI, Fábio. Padrões familiares de utilização de trabalho infantil e de freqüência escolar. 2007, mimeo.

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intrínsecas da situação ocupacional por conta própria dos responsáveis da fa-mília.24

Por sua vez, a avaliação dos programas de transferência de renda apre-senta resultados positivos, especialmente quando o seu desenho prevê condi-cionalidades, como veremos adiante.

César Patricio Bouillon e Luis Tejerina, resenham 51 trabalhos que tratam de 47 programas de proteção social na América Latina e Caribe.25 Todos os trabalhos foram selecionados por empregarem um processo de ava-liação que utiliza o estimador diferença-em-diferenças comparando, entre as famílias participantes e não-participantes, as mudanças na variável objeto da intervenção antes e após a implementação dos programas.26 Dentre os prin-cipais resultados observados pelos autores, destacam-se maior freqüência das crianças à escola, maiores gastos familiares no consumo alimentar, redução da natalidade e mortalidade infantil, e diminuição do número de crianças ocu-padas ou de horas dedicadas ao trabalho, no caso dos programas que prevêem freqüência diária integral da criança na escola. Igualmente, Sudhanshu Han-da e Benjamin Davis analisam diversos estudos que abarcam programas de transferências de renda com condicionalidade executados na América Latina: Bolsa-Escola/Bolsa-Família (Brasil), Familias en Acción (Colômbia), PRAF II (Honduras), PATH (Jamaica), Progresa/Oportunidades (México) e RPS (Nica-rágua).27 Os autores observam que, em geral, os programas conseguem atingir suas metas básicas, como melhorar a freqüência escolar e saúde das crianças nas famílias beneficiadas.28

Por sua vez, Suzanne Duryea e Andrew Morrison analisam os impac-tos do Superémonos – programa de transferência de renda condicional na Cos-ta Rica – sobre a freqüência e rendimento escolar das crianças, e incidência

24 PSACHAROPOULOS & ARRIAGADA (1989); NÉRI & THOMAS (2000); SCHWARTZMAN (2001); PARI-KH & SADOULET (2005).25  BOUILLON, César Patricio & TEJERINA, Luis, 2006, op.cit.26  A estimação é realizada por meio da equação: (Y1–Y0)–(Yc1–Yc0), na qual Y é a variável objeto, o sobrescrito c corresponde ao grupo de controle e os subscritos 1 e 2 equivalem aos períodos respectivos. Os estudos, entretan-to, podem apresentar metodologias distintas quanto à escolha do grupo de controle, dependendo da natureza da pesquisa e dos dados disponíveis: emparelhamento baseado no escore de propensão (propensity matching score); variáveis  instrumentais  (instrumental variables);  casualização  (randomization)  ou planejamento  experimental (experimental design).27 HANDA, Sudhanshu & DAVIS, Benjamin. The experience of conditional cash transfers in Latin America and the Caribbean. Development Policy Review. Overseas Development Institute, vol. 24(5), pp. 513-536, 09. 2006.28  Contudo, ressaltam que, em países de baixa renda, não é possível afirmar que esses programas sejam a solução ideal ou sustentável para se elevar o capital humano e reduzir a pobreza no longo prazo, na medida em que investimentos adicionais em educação e serviços de saúde de qualidade são necessários.

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de trabalho infantil.1 Para tanto, os autores utilizam três métodos empíricos:comparação simples de médias, regressão probit e propensity score matching. Os resultados obtidos indicam que o programa é eficaz em elevar o atendimento escolar das crianças de famílias beneficiadas, enquanto os impactos positivos sobre o desempenho escolar são menos significantes.2 Por outro lado, o estudo não encontra evidências de redução na ocupação das crianças de famílias be-neficiárias. Apesar do combate ao trabalho infantil não ser alvo do programa, os autores apontam evidências de que programas de transferência de renda, complementados por intervenções adicionais, reduzem significativamente o trabalho infantil.3

O mesmo argumento é sustentado por Fábio Veras Soares, que reafir-ma a importância das condicionalidades nos programas de transferências de renda ao apontar estudos que indicam que o Programa Bolsa-Escola aumen-ta a freqüência escolar mas não reduz o trabalho infantil, enquanto o PETI atinge esses dois objetivos. A diferença nos resultados se deve ao fato do PETI oferecer atividades extracurriculares para manter as crianças ocupadas ao lon-go do dia, reforçando as evidências que a ampliação da jornada escolar ou a introdução de atividades extra-classe são eficientes para reduzir a ocorrência de trabalho produtivo das crianças.4

Nesse sentido, Simon Schwartzman avalia os impactos de programas sociais voltados à educação, em particular o Programa Bolsa-Escola, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (PNAD) de 2003.5 O autor contesta o critério de focalização desse programa, pois beneficia crianças que já estão na escola, principalmente estudantes do ensino fundamental, ao invés de atender crianças e adolescentes que não participam do sistema escolar ou que estão em programas especiais de volta à escola.6 Ele ressalta ainda que

1 O Superémonos  é  um  programa  que  oferece mensalmente  cupom  de  alimentação  no  valor  de  10.000,00 colones (aproximadamente US$ 30,00), pagos durante 10 meses às famílias pobres, sob a condição de que todas as crianças no domicílio, com idade entre 6 a 18 anos, freqüentem a escola. DURYEA, Suzanne & MORRISON, Andrew. The effect of conditional transfers on school performance and child labor: evidence from an ex-post impact evaluation in Costa Rica. Working Paper 505. Washington: Inter-American Development Bank, 2004.2  Jovens com idade entre 13 e 16 anos.3  Os autores citam as atividades extra-classes do PETI, e as visitas de agentes comunitários, intervenções nutri-cionais e seminários de saúde do PROGRESA.4 SOARES, Fábio Veras. Conditional cash transfers: a vaccine against poverty and inequality? One Page. Inter-national Poverty Centre, outubro, 2004.5 SCHWARTZMAN, Simon. Education-oriented social programs in Brazil: the impact of Bolsa Escola. Artigo submetido na Global Conference on Education Research in Developing Countries  (Research  for Results on Education), Global Development Network. Prague: IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. 2005.6  Segundo Schwartzman, atender as crianças entre 5 e 6 anos e entre 14 e 17 anos seria mais importante. O primeiro grupo não é atendido pelo sistema escolar, pois o ensino pré-escolar não é universal, enquanto para o segundo grupo, renda adicional seria importante, visto a elevada evasão da escola nessa coorte etária.

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não é possível afirmar que a maior freqüência escolar possa estar relacionada à condicionalidade imposta pelo programa, uma vez que os jovens que não comparecem à escola não fazem parte do público-alvo do programa e das es-tatísticas. Por outro lado, o programa mostra focalização adequada de acordo com o critério de renda, sendo mais significativo para as famílias mais pobres, apesar do viés rural, uma vez que as famílias mais pobres se concentram em áreas urbanas. Schwartzman ainda apresenta os resultados da correlação entre a freqüência escolar e o trabalho infantil que, contrário do esperado, indica que as crianças beneficiárias do programa trabalham mais. Segundo o autor, esse comportamento é justificável, pois as famílias beneficiadas são as mais po-bres e, portanto, necessitam da renda proveniente do trabalho de suas crianças para se sustentarem. Desse modo, Schwartzman sustenta que as crianças não deixam de ir à escola porque trabalham, mas sim por problemas do próprio sistema escolar, como escolas não acessíveis e baixa qualidade do ensino.

Eliana Cardoso & André Portela Souza, por outro lado, analisam os impactos dos programas de transferência de renda sobre a freqüência escolar e o trabalho infantil, com base no método econométrico de emparelhamento baseado no escore de propensão (propensity matching score method), empre-gando os microdados do Censo brasileiro de 2000.7 O estudo revela que os programas de transferência de renda não apresentam efeitos significantes sobre a incidência de trabalho infantil, mas sim sobre a freqüência escolar. Ou seja, os programas aumentam as chances das crianças pobres estudarem, mas não reduzem as chances de estarem ocupadas. Isso se dá porque, provavelmente, ocorre apenas uma alteração no tempo alocado entre estudo e trabalho, consi-derando que os benefícios pagos pelos programas são insuficientes para incen-tivar o abandono da ocupação. Ademais, os resultados de Cardoso & Portela de Souza apontam que as transferências reduzem a proporção de crianças que só trabalham e aquelas que não estudam nem trabalham; e aumentam a proporção de crianças que apenas estudam, e que estudam e trabalham. Contudo, não são encontradas evidências que condicionam diretamente o pagamento de benefícios com a redução do trabalho infantil.

Na mesma linha de raciocínio, Andréa Rodrigues Ferro & Ana Lúcia Kassouf avaliam o impacto do Programa Bolsa-Escola sobre o trabalho in-fantil. Para fazer essa análise, as autoras utilizam dois modelos econométricos empregando os dados da PNAD de 2001: um modelo probit ponderado cuja variável dependente binária é a criança estar trabalhando ou não; e um modelo de mínimos quadrados ponderados, considerando as horas semanais traba-

7  CARDOSO, Eliana & SOUZA, André Portela. The impact of cash transfers on child labor and school at-The impact of cash transfers on child labor and school at-tendance in Brazil, Working Papers 0407, Department of Economics, Vanderbilt University, 2004.

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lhadas como variável dependente.8 As autoras apontam que os programas de transferência de renda não estabelecem a contrapartida das crianças não estarem trabalhando, mas como exigem a freqüência escolar, isso por si já reduz o tempo disponível para que elas se ocupem no mercado de trabalho. Ademais, o Programa Bolsa-Escola atinge indiretamente essa questão, pois a renda oriunda do programa substituiria, de certo modo, a renda proveniente do trabalho. Desse modo, da mesma forma que Cardoso & Souza Portela, Ferro & Kassouf concluem que o Programa Bolsa-Escola é eficiente na re-dução da jornada de trabalho das crianças, em especial para aqueles de áreas rurais. Contudo, os resultados são inconclusivos com relação à decisão da família de inserir suas crianças no mercado de trabalho.

Um dos mais recentes esforços para o estudo do impacto dos pro-gramas de transferências de renda é realizado pelo CEDEPLAR em parceria com a SCIENCE – Associação Científica, que desenvolveram e executaram a Pesquisa de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa-Família (AIBF) na qual foram coletadas informações pertinentes para a análise de diferenciais entre famílias beneficiárias ou não do programa. Os tópicos pesquisados envolvem dados sobre consumo familiar, saúde, educação e trabalho dos integrantes da família.9 Resultados preliminares da pesquisa indicam que as famílias bene-ficiadas pelo Programa Bolsa-Família apresentam impacto positivo sobre seus gastos de consumo, maior percentual de crianças que estudam e menor evasão escolar, e maior participação dos adultos no mercado de trabalho.10

Em resumo, a literatura especializada indica que os programas de transferência de renda são eficazes ao atender aos mais pobres e elevar a assi-duidade escolar e médica no curto prazo. No entanto, ainda não há evidências consistentes sobre a eficácia dessas políticas no combate ao trabalho infantil sem a garantia de ações complementares na oferta de serviços de educação e saúde com qualidade.

8  FERRO, Andrea Rodrigues & KASSOUF, Ana Lúcia. Avaliação do impacto dos programas de Bolsa Escola sobre o trabalho infantil no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.35, p.417, dezembro, 2005.9  A amostra de 15.240 domicílios  – dos quais 4.435  são beneficiários do PBF  (grupo de  tratamento), 4.941 nunca  receberam  algum  tipo  de  benefício  (grupo  de  comparação),  e  os  demais  são  beneficiários  de  outros programas – é representativa para três grandes regiões do país (Nordeste; Norte e Centro-Oeste; Sudeste e Sul). As informações foram coletadas no período de 24/10/2005 a 05/12/2005, em 269 municípios de 24 estados. Veja-se em CEDEPLAR. Primeiros resultados da análise da linha de base da pesquisa de avaliação de impacto do Programa Bolsa Família. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, maio, 2007.10  Entretanto, ao utilizar os dados da AIBF, Andrade, Chein e Ribas  (2007) verificam que os programas de transferência de renda no Brasil não apresentam efeitos significativos sobre o status nutricional das crianças com idade entre 6 a 60 meses, seja para o país como um todo, seja para os recortes regionais. Para tanto, os autores estimam o efeito médio do programa sobre os indicadores antropométricos de altura e IMC por idade, a partir do método de propensity score matching para as famílias do grupo de tratamento e comparação.

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3. METODOLOGIA E BASE DE DADOS

Para este trabalho utilizamos como base os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004, que inclui o suplemento es-pecial sobre Educação, segurança alimentar, e acesso a transferências de renda e programas sociais. Consideramos apenas os domicílios classificados como par-ticulares, excluindo-se os domicílios coletivos. Analisamos os dados, segundo os estratos de renda domiciliar por pessoa, excluída a renda proveniente de programas sociais. Em seqüência, reduzimos a amostra para conter apenas os domicílios com crianças entre 5 e 15 anos de idade, para analisar a incidência ou não de trabalho infantil, no entanto, a estimativa englobará crianças entre 7 à 15 anos devido a obrigatoriedade de freqüência escolar ocorrer apenas no ensino fundamental. O modelo contemplará ainda a subdivisão espacial de acordo com as grandes regiões - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste - e as áreas censitárias de domicílio - urbano e rural.

A PNAD 2004 não fornece dado acerca do valor da renda familiar derivada dos programas sociais, portanto, utilizaremos a metodologia empre-gada por Fábio Veras Soares, Sergei Soares, Marcelo Medeiros e Rafael Guer-reiro Osório (2006) para obtermos uma estimativa.11

Existem várias maneiras de modelar econometricamente a determina-ção do trabalho infantil que depende, particularmente, das hipóteses sobre a tomada de decisão da família no que concerne a alocação do tempo do menor. Nesta pesquisa, assim como em estudos realizados anteriormente, optamos pelo uso da técnica do probit bivariado que apresenta a característica de não impor qualquer formato específico para a tomada de decisão, mas de supor que as duas opções se relacionam entre si de alguma maneira. 12 O procedi-mento refere-se à definição de dois probits univariados estimados conjunta-mente, permitindo que os resíduos de cada uma das regressões possam estar correlacionados.13 A forma estimada do probit bivariado é dada por:11  SOARES, Fábio Veras; SOARES, Sergei; MEDEIROS, Marcelo; OSÓRIO, Rafael Guerreiro. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, nº. 1228. Brasília: IPEA, outubro de 2006. Esclarecemos que a informação é obtida a partir da desagregação da variável juros de caderneta de poupança e de outras aplicações, dividendos e outros rendimentos que recebia normalmente no mês de refe-rência. A partir das respostas dos domicílios serem beneficiários ou não de programas sociais, os autores sugerem que essa variável seja separada em três: renda de juros, renda do BPC-LOAS e renda de outras transferências do governo. Essa divisão é selecionada em virtude do valor fixo pago aos beneficiários do BPC-LOAS de um salário mínimo, ou R$ 260 em 2004, o que facilita a sua decomposição. Assumimos, além disso, que os valores recebidos de outros programas de transferência de renda não ultrapassam a soma de R$ 260. Com essas informações é possível realizar uma desagregação relativamente confiável da variável renda fornecida pela PNAD, pois qualquer rendimento extra, que não se encaixe nas duas categorias anteriores, é atribuído à variável renda de juros.12  Veja-se, por exemplo, CACIAMALI, Maria Cristina; BATISTA, Natália Ferreira & TATEI, Fábio, 2007, op.cit.13  Para maiores detalhes sobre o probit bivariado ver WEEKS, Melvyn & ORME, Chris. The statistical relation-The statistical relation-

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),1,1,0,0(~),(),(

1)()(0)()(

0 0; se 1 X

0 0; se 1 X

21

21

21

21

22*

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11*

1 111*

contrário caso

contrário caso

BVNCov

VarVarEE

YYYY

YYYY

iiiiiii

iiiiiii

X1 e X2 representam os vetores explicativos referentes às crianças e pes-soas de referência.14 Por sua vez, a primeira variável binária indica se a criança está matriculada na escola ou não, no momento da aplicação do questionário da PNAD; enquanto a segunda variável binária informa se a criança apresenta qualquer forma de ocupação na semana da entrevista. A escolha simultânea dessas duas opções implica quatro resultados diferentes e excludentes entre si: só estuda (Y1i = 1 e Y2i = 0), estuda e trabalha (Y1i = 1 e Y2i = 1), só trabalha (Y1i = 0 e Y2i =1) ou nenhum dos dois (Y1i = 0 e Y2i = 0).

Se as duas decisões são correlacionadas, os erros dos dois modelos não são independentes entre si ( 0),( 21 ≠= iiCov µµρ ) e a probabilidade de uma opção depende da probabilidade da outra, sendo determinadas conjuntamen-te. Por outro lado, caso 0=ρ as escolhas de estudo e trabalho não têm relação entre si e os probits não precisam ser estimados conjuntamente. Além dos coeficientes 1β e 2β , o probit bivariado fornece também a estimação da probabilidade prevista das quatro combinações possíveis apontadas anterior-mente. Com base nessas estimativas, obtidas separadamente, por exemplo, para famílias com crianças beneficiárias do PBF – primeiro tipo – e para aquelas famílias que não são beneficiárias – segundo tipo –, calculamos a diferença entre a probabilidade de trabalhar e estudar das crianças nestes dois tipos de família.

4. IMPACTOS DO PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA SOBRE O TRA-BALHO INFANTIL E A FREQÜÊNCIA ESCOLAR

No Brasil, em 2004, existiam 51 milhões e 800 mil domicílios par-ticulares, dos quais cerca de 8,69 milhões são classificados em situação de pobreza, com renda por pessoa de até R$ 100. No restante de nosso traba-lho, para efeitos de cálculo da renda por pessoa, deduzimos os rendimentos oriundos de programas de transferência de renda do total da renda domiciliar.

ship between bivariate  and multinomial  choice models. Cambridge Working Paper in Economics nº. 99-12. Department of Applied Economics, University of Cambridge, 1999.14  Definições das variáveis encontram-se no apêndice 1

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Nesse sentido, o número de famílias pobres se eleva para 9 milhões e 445 mil domicílios, o que significa que pouco mais de 752 mil domicílios passam a se situar acima da linha de pobreza com o recebimento de benefícios. Ou seja, os programas federais de transferência de renda reduziram o percentual de domicílios considerados pobres cerca de 8%.

Por sua vez, a população de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 15 anos é de 37,9 milhões, das quais 2,7 milhões exercem algum tipo de trabalho, representando 7,3% do total dessa faixa etária, enquanto 1,2 mi-lhões de jovens com idade escolar – 3,9% – não freqüentam o sistema escolar. Assim, dos jovens com idade entre 7 a 15 anos temos que 88,3% apenas estudam, 7,8% estudam e trabalham, 1% só trabalham, e 2,9% não estudam nem trabalham (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição da população com idade entre 7 a 15 anos, segundo participação no mercado de trabalho e sistema escolar. Brasil 2004.

Estuda Não estuda TotalNão trabalha 27.515.539 917.755 28.433.294

% 88,27 2,94 91,22

Trabalha 2.439.127 298.253 2.737.380

% 7,83 0,96 8,78

Total 29.954.666 1.216.008 31.170.674

% 96,10 3,90 100,0

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.

Com relação aos domicílios, 23 milhões apresentam pelo menos uma pessoa entre 5 a 15 anos entre os seus moradores, constatando-se a ocorrência de trabalho infantil em 2,1 milhões deles – 9,4% do total, e o não atendimen-to escolar de ao menos uma criança em 1,7% dos domicílios. Nesse recorte, 6,8 milhões (29,8%) apresentam renda familiar por pessoa inferior a R$ 100, dos quais 3,6 milhões são beneficiárias do Bolsa-Família, representando pou-co mais da metade dos domicílios pobres (53,4%). É interessante notar que, segundo a tabela 2, há um conjunto de domicílios pobres que mesmo sem receber benefícios, não empregam o trabalho de suas crianças para comple-mentar a renda familiar.

95

Tabela 2 - Distribuição dos domicílios pobres com crianças com idade entre 5 a 15 anos, segundo incidência de trabalho infantil e recebimento do Bolsa-Família. Brasil 2004.

Sem trabalho infantil Com trabalho infantil TotalNão recebe Bolsa-Família 2.884.854 323.478 3.208.332

% 41,91 4,70 46,61

Recebe Bolsa-Família 3.004.591 670.926 3.675.517

% 43,65 9,75 53,39

Total 5.889.445 994.404 6.883.849

% 85,55 14,45 100,00

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.

O Quadro 1 apresenta uma síntese dos resultados estimados pelo pro-bit bivariado para a amostra total,15 ratificando os resultados apresentados pela literatura especializada.16 A probabilidade de incidência de trabalho infantil é maior entre meninos, aumentando com a idade da criança, o tamanho da família, o fato do domicílio localizar-se na área rural, o chefe do domicílio estar ocupado informalmente e o seu cônjuge também estar em alguma forma de ocupação. Por outro lado, a pessoa de referência do domicílio ser homem, o aumento da escolaridade – tanto dos pais como das crianças – e da renda familiar agem contra o fenômeno.

15  Os resultados completos das estimações podem ser conferidos no apêndice 2.16  FREIJE, Samuel & LOPEZ, Calva Luis. Child labor, school attendance,and poverty in México and Venezuela. El colegio de Mexico, Centro de Estudios Económicos. 2001 (mimeo). 

96

Quadro 1 - Impacto das variáveis sobre a incidência de trabalho infantil e freqüência escolar. Brasil 2004.

Variáveis Estudar Trabalharsexo_pr + –idade_pr + NScor_pr NS NSest_pr + –dum_sc – +dum_cp NS +dum_ep NS +dum_ot NS +dum_ds - –sexo_fi NS +idade_fi – +cor_fi NS NSest_fi + –ocup_cj + +tam_fam – +rd_dm_pc + NSbf + +Rural - +Norte - +Nordeste NS +Sul - +Centro Oeste - +

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.+ : efeito positivo para a ocorrência do fenômeno;- : efeito negativo para a ocorrência do fenômeno;NS: não significante, sem efeito sobre o fenômeno.

No entanto, o resultado mais interessante se revela no coeficiente po-sitivo para a variável Bolsa-Família, indicando que ser beneficiário do Progra-ma eleva as chances de incidência de trabalho infantil nos domicílios pobres. Contudo, é necessário ressaltar que o combate ao trabalho das crianças não faz parte do escopo do Programa, sem contar que seus beneficiários comu-mente se constituem de famílias pobres que necessitam da renda oriunda do trabalho de suas crianças para garantir sua sobrevivência.

Com relação à freqüência escolar, observamos que o tamanho da fa-mília e o aumento na idade da criança afetam negativamente o atendimento escolar, enquanto elevações na escolaridade dos pais e das crianças, da renda domiciliar per capita, bem como o recebimento do Bolsa-Família aumentam as chances da criança freqüentar a escola.

Em termos geográficos, temos que, com exceção do Nordeste, em to-das as demais regiões as crianças entre 7 e 15 anos apresentam probabilidades menores de estudar que as crianças da mesma faixa etária que residem no

97

Sudeste. Quanto a probabilidade de trabalhar, têm-se que estar fora da região Sudeste amplia esta possibilidade.

A tabela 3 apresenta as probabilidades estimadas para cada uma das possíveis combinações entre as opções de estudar e trabalhar dos jovens. Ob-servamos que entre os domicílios pobres, 85% dos jovens apenas estudam, 1,7% apenas trabalham e 9,1% estudam e trabalham. Por outro lado, há 4,1% de chances dos jovens se apresentarem em situação marginalizada, fora tanto do sistema escolar como do mercado de trabalho.

Tabela 3 - Probabilidades estimadas para a incidência de trabalho infantil e freqüência escolar. Brasil 2004 (em %).

Só estuda 85,0

Estuda e trabalha 9,1

Só trabalha 1,7

Não estuda nem trabalha 4,1

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.

A seguir, os quadros 2 e 3 apresentam o sumário dos resultados do pro-bit bivariado para os recortes geográfico e censitário. Em relação à estimação obtida para a amostra total, não houve alterações nos sinais dos coeficientes, ou seja, os efeitos positivos ou negativos de cada uma das variáveis do modelo para a incidência de trabalho infantil e a freqüência escolar não são conflitan-tes de acordo com a localização do domicílio. Destarte, as mudanças ocorrem no nível da significância dos coeficientes, isto é, variáveis que influenciam a ocorrência dos fenômenos analisados para a amostra total podem deixar de ter esse papel para recortes distintos, e vice-versa.

98

Quadro 2 - Impacto das variáveis sobre a incidência de trabalho infantil e freqüência escolar, segundo área censitária. Brasil 2004.

Variáveis Trabalhar EstudarUrbano Rural Urbano Rural

sexo_pr - - + NS

idade_pr - NS + NS

cor_pr NS NS - NS

est_pr - - + +

dum_sc + + - -

dum_cp + + NS -

dum_ep + + NS NS

dum_ot + + NS NS

dum_ds NS NS - NS

sexo_fi + + + NS

idade_fi + + - -

cor_fi NS NS NS NS

est_fi - - + +

ocup_cj + + + +

tam_fam + + - -

rd_dm_pc NS - + NS

Bf + + + +

Norte NS + NS NS

Nordeste + NS NS +

Sul + + - NS

Centro Oeste + + - NS

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.+: efeito positivo para a ocorrência do fenômeno;–: efeito negativo para a ocorrência do fenômeno;NS: não significante, sem efeito sobre o fenômeno.

O recorte censitário analisa os domicílios segundo sua localização cen-sitária – urbano e rural. Nesse sentido, observamos que nos domicílios em áreas urbanas a elevação da idade dos pais passa a influenciar negativamente a incidência do trabalho infantil, enquanto a renda domiciliar per capita não apresenta impactos sobre o fenômeno. Ressaltamos que o estudo analisa ape-nas domicílios com renda per capita inferior a R$ 260,00, ou seja, é esperado que se a amostra considerasse os demais domicílios, o papel da variável renda seria mais evidente. Com relação ao atendimento escolar, duas variáveis pas-sam a ser significantes: cor da pessoa de referência e sexo da criança. O sinal negativo da variável cor indica que pais que se auto-identificam como negros ou pardos apresentam menor probabilidade de enviar seus filhos para a escola, enquanto o fato da criança ser do sexo masculino eleva essa probabilidade.

99

Por sua vez, os domicílios localizados em áreas rurais passam a apre-sentar um maior número de variáveis que não influenciam a freqüência es-colar das crianças, como a renda domiciliar per capita, o sexo e idade da pessoa de referência. A variável Bolsa-Família mostra que ser beneficiário do programa continua ampliando as possibilidades da criança trabalhar e estudar independente da área censitária em que ela se encontra.

Quadro 3 - Impacto das variáveis sobre a incidência de trabalho infantil e freqüência escolar, segundo regiões geográficas. Brasil 2004.

VariáveisEstudar Trabalhar

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

sexo_pr NS + + NS NS - - - - -

idade_pr + + + NS NS NS NS NS NS NS

cor_pr NS NS NS NS NS NS NS NS NS NS

est_pr + + + NS + - - - - -

dum_sc - - NS - NS NS + NS NS +

dum_cp NS NS NS NS NS + + + + +

dum_ep NS NS NS NS NS + + + + NS

dum_ot NS - NS NS NS NS + + + +

dum_ds NS - NS NS NS NS NS NS NS NS

sexo_fi NS NS + NS NS + + + + +

idade_fi - - - - - + + + + +

cor_fi NS NS NS NS NS NS NS + NS NS

est_fi + + + + + - - NS NS NS

ocup_cj + + NS NS + + + + + +

tam_fam - - - - - + + + + +

Rd_dm_pc NS + + + NS NS - NS NS +

bf + + + NS + NS + + NS NS

rural - NS - NS NS + + + + +

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.+: efeito positivo para a ocorrência do fenômeno;–: efeito negativo para a ocorrência do fenômeno;NS: não significante, sem efeito sobre o fenômeno.

Ademais, as principais diferenças nas estimações por grandes regiões geográficas em relação ao resultado obtido para o Brasil se referem à signifi-cância das variáveis (Quadro 3). No que diz respeito às diferenças do impacto de ser ou não beneficiário do Bolsa-Família nas grandes regiões geográficas te-mos que apenas no Nordeste e Sudeste o programa afeta tanto a probabilidade de estudar quanto de trabalhar (ambas positivamente). Nas regiões Norte e Centro Oeste as crianças beneficiárias do programa tem maiores possibilida-des de estudar, mas não interfere nas chances de trabalhar. A região Sul é a

100

única onde o programa Bolsa Família não traz nenhum impacto tanto sobre a probabilidade de estudar quanto de trabalhar.

Calculamos o impacto de mudanças marginais nas variáveis explicati-vas xk sobre as quatro probabilidades obtidas na estimação do probit bivaria-do: só estuda, estuda e trabalha, só trabalha ou nenhum dos dois. Os efeitos marginais (as variações percentuais da probabilidade do evento ocorrer quan-do uma determinada variável é independente e modificada) são calculados a partir dos coeficientes estimados

1β e

2β . Estamos interessados particular-

mente no efeito marginal da variável bolsa-familia sobre quatro probabilida-des obtidas no probit bivariado. Como esta variável é discreta, o efeito mar-ginal mede a diferença entre a probabilidade da criança participar ou não do programa.17 A Tabela 4 apresenta o efeito marginal da variável Bolsa Família, por área censitária e as grandes regiões.

Tabela 4 - Efeito marginal para as possíveis combinações entre estudo e trabalho, segundo área de situação censitária e grandes regiões (em %).

Só estuda Estuda e Trabalha Só trabalha Não estuda nem trabalhaBrasil

Rural 1,32 4,02 * -1,36 * -3,98 *

Urbano 1,15 * 1,01 * -0,14 * -2,02 *

Total 1,36 * 1,37 * -0,24 * -2,49 *

Regiões

Norte 3,47 * 0,36 -0,50 * -3,33 *

Nordeste 1,59 ** 2,21 * -0,36 * -3,45 *

Sudeste -0,14 1,61 * -0,04 -1,44 *

Sul -0,86 1,34 0,03 -0,50

Centro Oeste 2,32 ** 0,30 -0,31 * -2,30 *

* Significativo ao nível de confiança de 1%.** Significativo ao nível de confiança de 5%.*** Significativo ao nível de confiança de 10%.Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria.

Os dados acima qualificam o resultado obtido pela estimação do pro-bit bivariado, onde se encontrou que a participação da criança no programa aumenta tanto a probabilidade dela estudar quanto de trabalhar. No entanto, os resultados obtidos da combinação dos dois probits estimados conjunta-mente mostram que um dos méritos do programa é a queda não desprezível da ociosidade das crianças. Um dos maiores efeitos do programa Bolsa-família

17 Já quando a variável é continua, o efeito marginal mede em quanto muda a probabilidade quando há um aumento de uma unidade desta característica, por exemplo, um ano a mais de estudo.

101

é a redução de 2,50% (Brasil) na probabilidade da criança não estudar e nem trabalhar. Esta redução chega a 4% quando se trata da área rural. Em relação às regiões geográficas, constata-se uma redução da ociosidade de aproximada-mente 3,5% no Norte e Nordeste do país.

As chances da criança sair da atividade trabalhadora ou da ociosidade e somente estudar também existe. A tabela 4 mostra que de maneira geral, no Brasil, a chance da criança somente estudar aumenta em 1,36% se ela participar do programa, mas na área rural do país esta probabilidade não é significativamente diferente de zero. Em termos regionais o maior impacto do programa na possibilidade da criança só estudar ocorre na região Norte (3,5%), seguida do Centro Oeste (2,3%) e do Nordeste (1,6%).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As estimações realizadas neste trabalho corroboram os resultados apre-sentados por diversos estudos sobre o trabalho infantil e a freqüência escolar das crianças, dos quais destacamos:

– A cor das pessoas – pais e filhos – não é determinante para a ocor-rência de trabalho infantil ou para o atendimento escolar;

– Elevações da renda familiar e de níveis de escolaridade apresentam resultados positivos sobre os fenômenos estudados;

– Pais ocupados em trabalhos informais tendem a utilizar mais a força de trabalho de suas crianças, no entanto, apresentam algumas evidências po-sitivas para a freqüência escola;

– Os rapazes mais velhos das famílias apresentam maiores probabili-dades de estarem ocupados, mas o gênero dos jovens não apresenta influência para a freqüência escolar;

– Quanto maior o tamanho da família, maiores as chance de haver trabalho infantil e não atendimento escolar.

Com relação aos impactos do Programa Bolsa-Família, os resultados indicam que o programa é eficiente em atingir um de seus objetivos funda-mentais – elevar o atendimento escolar das crianças. Por outro lado, é incapaz de reduzir a incidência de trabalho infantil, fenômeno perverso intrinseca-mente relacionado com o menor atendimento escolar entre crianças de fa-mílias pobres. Ressaltamos que o combate ao trabalho infantil não é uma das metas do programa, entretanto, alguns aprimoramentos do PBF atacariam, indiretamente, esse fenômeno.

Primeiramente, o PBF poderia reproduzir ações de sucesso já existen-tes, como a Jornada Ampliada oferecida pelo PETI, período extracurricular

102

em que o aluno tem oportunidade de participar de atividades artísticas, cultu-rais, esportivas, profissionalizantes e de reforço pedagógico, de modo que são reduzidas as horas que as crianças poderiam dedicar ao trabalho. Assim, ao se elevar o número de horas em que as crianças permanecem na escola, tem-se, conseqüentemente, uma redução das horas disponíveis para o trabalho, além de fornecer uma formação mais ampla para os jovens.

Ademais, considerando que famílias beneficiárias do PBF possuem, em geral, rendas extremamente baixas, de modo que rendimentos provenien-tes do trabalho das crianças são muitas vezes essenciais para a sobrevivência delas e de seus familiares, e que a dificuldade de acesso as escolas, em especial nas áreas rurais, são fatores que favorecem a maior incidência de trabalho infantil, simples e incipientes transferências de recursos não são capazes de erradicar essa problemática.

Portanto, no curto prazo as condicionalidades do Programa são uma forma eficiente de se criar externalidades positivas, contudo, é vital que se rea-lizem, em conjunto, ações complementares de melhorias da oferta de serviços escolares e saúde, além de políticas de geração de emprego, renda e capacita-ção para os pais, ou seja, investimentos sustentáveis para elevação do capital humano e redução da pobreza no longo prazo.

103

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106

APÊNDICE 1

Descrição das variáveis utilizadas no Modelo Probit Bivariado– sexo: binária que assume valor 1 (um) se a pessoa é do sexo masculi-

no e 0 (zero) para o feminino;– idade: idade da pessoa;– cor: binária que assume valor 1 (um) quando a pessoa é negra ou

parda, e 0 (zero) se branca;18

– estudo: representa os anos de escolaridade completos da pessoa;- dum_cc: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência é ocupada no

trabalho principal com carteira assinada;- dum_sc: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência é ocupada no

trabalho principal sem carteira assinada;- dum_cp: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência é ocupada no

trabalho principal como conta-própria;- dum_ep: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência é ocupada no

trabalho principal como empregador;- dum_ds: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência está desem-

pregada ou economicamente inativa;- dum_ot: assume valor 1 (um) se a pessoa de referência é ocupada no

trabalho principal em algum outro tipo de ocupação.19

– ocup_cj: binária que assume valor 1 (um) se o cônjuge trabalhar, e 0 (zero), caso contrário;

- tam_fam: indica o número de membros do domicílio, excluindo-se as relações de dependência de agregado, empregado doméstico e pensionista;

– rd_dom_pc: referente ao valor do rendimento domiciliar per capi-ta, desconsiderado os valores recebidos por programas de transferências de renda.

– bf: binária que assume valor 1 (um) se o domicílio é beneficiário do Programa Bolsa-Família, e 0 (zero), se não.

– Rural: assume valor 1 (um) se o domicílio encontra-se na área rural, e 0 (zero), se não.

18  As pessoas que se auto-identificaram como indígenas foram inclusas no grupo “negros e pardos”, enquanto aquelas que se auto-identificaram como amarelos foram agregadas no grupo “brancos”.19  Essa variável agrega as posições de ocupação: funcionário público; militar; trabalhador doméstico; trabalha-dor para consumo próprio; e não remunerado.

107

– Norte: assume valor 1 (um) se o domicílio encontra-se na região Norte, e 0 (zero), se não.

– Nordeste: assume valor 1 (um) se o domicílio encontra-se na região Nordeste, e 0 (zero), se não.

– Sul: assume valor 1 (um) se o domicílio encontra-se na região Sul, e 0 (zero), se não.

– Sudeste: assume valor 1 (um) se o domicílio encontra-se na região Sudeste, e 0 (zero), se não.

OBS: a extensão fi significa que a variável refere-se a criança e a exten-são pr diz respeito a pessoa de referência.

108

APÊNDICE 2

Tabela A1 - Estimações do probit bivariado. Crianças entre 7 a 15 anos - Brasil 2004

Variáveis Coef. Std. Err. Sign.Trabalharsexo_pr -0,27343 0,03096 *

idade_pr -0,00137 0,00113

cor_pr 0,00151 0,03006

est_pr -0,03562 0,00385 *

oc_sc 0,18297 0,04012 *

oc_cp 0,52709 0,03425 *

oc_ep 0,66286 0,07492 *

oc_ot 0,24215 0,04554 *

oc_ds -0,03814 0,04571

sexo_fi 0,44709 0,02268 *

idade_fi 0,22150 0,00719 *

cor_fi 0,02637 0,03041

est_fi -0,02037 0,00696 *

ocup_cj 0,43157 0,02385 *

tam_fam 0,04342 0,00590 *

rd_dm_pc -0,00016 0,00020

bf 0,09085 0,02364 *

rural 0,66172 0,02489 *

Norte 0,11665 0,03808 *

Nordeste 0,12307 0,03224 *

Sul 0,24807 0,04004 *

Centro Oeste 0,18300 0,04442 *

_cons -4,74445 0,10335 *

Estudarsexo_pr 0,10846 0,03220 *

idade_pr 0,00557 0,00125 *

cor_pr -0,04384 0,03364

est_pr 0,04385 0,00430 *

oc_sc -0,20216 0,04123 *

oc_cp -0,02954 0,03879

oc_ep 0,01492 0,10630

oc_ot -0,05490 0,04949

oc_ds -0,10905 0,04485 *

sexo_fi 0,03158 0,02469

idade_fi -0,23640 0,00765 *

cor_fi -0,03145 0,03397

est_fi 0,19564 0,00827 *

109

ocup_cj 0,10880 0,02809 *

tam_fam -0,06677 0,00635 *

rd_dm_pc 0,00093 0,00023 *

bf 0,30343 0,02786 *

rural -0,08257 0,03103 *

Norte -0,07940 0,04117 **

Nordeste 0,03952 0,03540

Sul -0,15549 0,04594 *

Centro Oeste -0,08379 0,04766 **

_cons 3,42614 0,10415 *

athrho -0,22426 0,01972 *

rho -0,22057 0,01876

No. Obs 30.288P (1,0) 89,94

P (1,1) 5,61

P (0,1) 0,61

P (0,0) 3,85

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria. * Significativo ao nível de confiança de 1%.;** Significativo ao nível de confiança de 5%.;*** Significativo ao nível de confiança de 10%.

110

Tabela A2 - Estimações do probit bivariado, segundo áreas de situação censitária. Crianças entre 7 a 15 anos - Brasil 2004

VariáveisUrbano Rural

Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign.

Trabalharsexo_pr -0,23075 0,03386 * -0,42714 0,07389 *

idade_pr -0,00368 0,00141 * 0,00248 0,00192

cor_pr 0,00806 0,03648 -0,00719 0,05280

est_pr -0,03674 0,00430 * -0,04225 0,00836 *

oc_sc 0,18534 0,04681 * 0,25998 0,07776 *

oc_cp 0,41424 0,03981 * 0,71826 0,07068 *

oc_ep 0,63877 0,08905 * 0,76749 0,13789 *

oc_ot 0,21263 0,05125 * 0,32109 0,09489 *

oc_ds -0,02109 0,04947 -0,14789 0,10902

sexo_fi 0,34955 0,02745 * 0,63425 0,03955 *

idade_fi 0,20837 0,00925 * 0,24511 0,01178 *

cor_fi 0,04750 0,03670 -0,01360 0,05426

est_fi -0,01766 0,00865 ** -0,02649 0,01218 **

ocup_cj 0,32158 0,02887 * 0,63416 0,04669 *

tam_fam 0,04368 0,00732 * 0,04592 0,01024 *

rd_dm_pc 0,00030 0,00025 -0,00090 0,00037 **

bf 0,09251 0,02936 * 0,08994 0,04065 **

Norte 0,04780 0,04592 0,24358 0,07343 *

Nordeste 0,15525 0,03661 * 0,09726 0,06457

Sul 0,10298 0,04962 * 0,54252 0,07774 *

Centro Oeste 0,15882 0,04972 * 0,24848 0,09212 *

_cons -4,42181 0,12647 * -4,71652 0,18708 *

Estudarsexo_pr 0,13240 0,03571 * -0,01486 0,08058

idade_pr 0,00757 0,00150 * 0,00068 0,00236

cor_pr -0,09000 0,03904 ** 0,07696 0,06617

est_pr 0,04693 0,00475 * 0,02421 0,01072 **

oc_sc -0,14848 0,04857 * -0,37052 0,08668 *

oc_cp 0,01096 0,04511 -0,17639 0,08412 **

oc_ep 0,03534 0,13160 -0,05399 0,18685

oc_ot -0,02366 0,05585 -0,13874 0,11301

oc_ds -0,08831 0,04922 *** -0,16884 0,11745

sexo_fi 0,06081 0,02912 ** -0,03433 0,04745

idade_fi -0,24890 0,00911 * -0,21271 0,01410 *

cor_fi -0,00303 0,03905 -0,11131 0,06895

est_fi 0,20753 0,00988 * 0,17009 0,01531 *

ocup_cj 0,10863 0,03347 * 0,12468 0,05306 *

tam_fam -0,08212 0,00759 * -0,03344 0,01142 *

111

rd_dm_pc 0,00110 0,00027 * 0,00032 0,00045

bf 0,28145 0,03314 * 0,37945 0,05038 *

Norte -0,07213 0,04796 -0,03457 0,08480

Nordeste 0,01251 0,04024 0,12734 0,07626 ***

Sul -0,20074 0,05235 * 0,08153 0,09989

Centro Oeste -0,11676 0,05333 ** 0,07961 0,11009

_cons 3,47998 0,12309 * 3,36031 0,20217 *

/athrho -0,18591 0,03300 * -0,18591 0,03300 *

rho -0,18379 0,03188 -0,18379 0,03188

No. Obs = 23.798 6.490

Wald chi2 (42) = 2.932 1.825

Prob. > chi 2 = 0,0000 0,0000

Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria. * Significativo ao nível de confiança de 1%. ** Significativo ao nível de confiança de 5%. *** Significativo ao nível de confiança de 10%.

112

Tabela A3 - Estimações do probit bivariado, segundo regiões geográficas. Crianças entre 7 a 15 anos - Brasil 2004

Variá

veis

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste

Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign.

Trabalhar

sexo_pr -0,22117 0,07926 * -0,34248 0,04731 * -0,16266 0,06940 ** -0,37268 0,09764 * -0,16581 0,09541 ***

idade_pr -0,00423 0,00267 0,00064 0,00165 -0,00200 0,00286 0,00032 0,00355 -0,00184 0,00407

cor_pr -0,06480 0,07608 0,02158 0,04535 -0,07705 0,06911 0,15250 0,10316 -0,00378 0,08571

est_pr -0,03481 0,00935 * -0,03279 0,00602 * -0,03304 0,00861 * -0,03282 0,01279 * -0,05144 0,01131 *

dum_sc 0,12518 0,10895 0,22184 0,06765 * 0,11734 0,08579 0,09500 0,12041 0,33687 0,11247 *

dum_cp 0,38835 0,09478 * 0,56709 0,06049 * 0,39044 0,07080 * 0,62069 0,08929 * 0,56054 0,10194 *

dum_ep 0,50423 0,18487 * 0,77922 0,12163 * 0,67384 0,16790 * 0,77251 0,22153 * 0,34698 0,24220

dum_ot 0,17726 0,11700 0,21192 0,07724 * 0,29952 0,09318 * 0,33561 0,13017 * 0,26779 0,13789 **

dum_ds -0,15406 0,13129 -0,06919 0,07663 0,08908 0,08736 -0,07261 0,13202 0,04017 0,14358

sexo_fi 0,50579 0,05624 * 0,45124 0,03436 * 0,38025 0,05235 * 0,50167 0,06809 * 0,37326 0,07337 *

idade_fi 0,24194 0,01659 * 0,22157 0,00996 * 0,22107 0,02066 * 0,20222 0,02506 * 0,19984 0,02696 *

cor_fi -0,04495 0,07806 0,04801 0,04571 0,16858 0,06974 ** -0,07079 0,10654 -0,12978 0,08802

est_fi -0,04626 0,01675 * -0,04816 0,01017 * 0,01637 0,01788 0,03472 0,02454 0,02945 0,02531

ocup_cj 0,44700 0,05953 * 0,51880 0,03661 * 0,26184 0,05502 * 0,53041 0,07369 * 0,16788 0,07607 **

tam_fam 0,04486 0,01242 * 0,04213 0,00871 * 0,04269 0,01501 * 0,06212 0,02108 * 0,03924 0,02221 ***

rd_dm_pc -0,00036 0,00050 -0,00098 0,00034 * 0,00043 0,00045 0,00048 0,00054 0,00179 0,00063 *

bf -0,01041 0,05670 0,12371 0,03643 * 0,19900 0,05701 * 0,11474 0,07085 -0,00122 0,07748

rural 0,78796 0,05944 * 0,50367 0,03735 * 0,60433 0,06507 * 1,01673 0,07091 * 0,68808 0,08683 *

cons -4,54141 0,24502 * -4,54342 0,15191 * -4,98605 0,27199 * -4,99307 0,33819 * -4,49666 0,32910 *

113

Tabela A3 - Estimações do probit bivariado, segundo regiões geográficas. Crianças entre 7 a 15 anos - Brasil 2004 Continuação

Variá

veis

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste

Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign. Coef. Std. Err. Sign.

Estudar

sexo_pr -0,06545 0,07765 0,13890 0,04996 * 0,19700 0,07213 * 0,16330 0,10458 0,07539 0,10769

idade_pr 0,00697 0,00277 ** 0,00596 0,00188 * 0,00793 0,00311 * -0,00148 0,00405 0,00651 0,00445

cor_pr -0,05639 0,07943 -0,04558 0,05339 -0,08835 0,07241 -0,04863 0,11569 0,10864 0,09515

est_pr 0,04415 0,00929 * 0,04977 0,00702 * 0,04721 0,01005 * 0,01583 0,01415 0,05006 0,01262 *

dum_sc -0,26836 0,09942 * -0,23306 0,07438 * -0,12230 0,08448 -0,40636 0,12116 * 0,03623 0,11643

dum_cp -0,10652 0,09162 -0,06065 0,06978 -0,10834 0,08177 -0,03039 0,11624 0,15036 0,11653

dum_ep 0,14455 0,21974 -0,11114 0,17202 -0,17481 0,24064 0,22216 0,32390 0,19923 0,34155

dum_ot -0,10463 0,11323 -0,14783 0,08554 *** 0,06261 0,11145 -0,12921 0,14904 0,09758 0,15378

dum_ds -0,09910 0,11787 -0,26696 0,07790 * 0,01682 0,09482 0,02228 0,13516 0,06882 0,13198

sexo_fi -0,02123 0,05538 0,01205 0,03926 0,12783 0,05593 ** 0,10779 0,07616 -0,05360 0,07996

idade_fi -0,15780 0,01678 * -0,24284 0,01124 * -0,28996 0,01888 * -0,29346 0,02598 * -0,24214 0,02703 *

cor_fi 0,10125 0,07925 -0,04459 0,05328 -0,08374 0,07264 -0,05235 0,11814 0,01331 0,09850

est_fi 0,13563 0,01854 * 0,21508 0,01271 * 0,21679 0,01912 * 0,24334 0,02776 * 0,17787 0,02753 *

ocup_cj 0,14914 0,06079 ** 0,09851 0,04543 ** 0,08106 0,06216 -0,02689 0,08952 0,20630 0,09545 **

tam_fam -0,06760 0,01301 * -0,06486 0,00961 * -0,06539 0,01542 * -0,10781 0,02332 * -0,06215 0,02365 *

rd_dm_pc 0,00068 0,00052 0,00075 0,00039 *** 0,00094 0,00050 *** 0,00151 0,00071 ** 0,00113 0,00069

bf 0,30261 0,06223 * 0,38983 0,04216 * 0,23705 0,06574 * 0,06458 0,08558 0,31564 0,09024 *

rural -0,14650 0,06592 ** -0,03770 0,04740 -0,23027 0,07508 * 0,03358 0,09859 -0,07799 0,11120

cons 2,65183 0,23691 * 3,46643 0,15983 * 3,84847 0,24161 * 4,42416 0,35278 * 3,12920 0,34572 *

/athrho -0,23047 0,04339 * -0,17704 0,03028 * -0,33636 0,04737 * -0,21247 0,06138 * -0,26378 0,06455 *

rho -0,22647 0,04116 -0,17522 0,02935 -0,32422 0,04239 -0,20933 0,05869 -0,25783 0,06026

No. Obs = 4.674 11.757 7.301 3.598 2.958

Wald chi2 (44) = 991 2.631 909 852 451

Prob. > chi 2 = 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000

* Significativo ao nível de confiança de 1%. ** Significativo ao nível de confiança de 5%. *** Significativo ao nível de confiança de 10%. Fonte: IBGE – PNAD (2004). Elaboração própria

115

4 FAMÍLIAS POBRES MONOPARENTAIS SOB A RESPONSABILIDADE DE MULHERES NEGRAS, PRESENÇA DE TRABALHO INFANTIL E ALCANCE DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIAS DE RENDA

Maria Cristina Cacciamali e Fábio Tatei

A figura da família representa um papel vital na vida das pessoas. É nela que são definidas as dimensões mais básicas de segurança e de integração social. Ademais, a confiança depositada na família é tal que se trata da primei-ra instituição para a qual se recorre em momentos de dificuldades ou crises, como problemas de saúde, educação, violência e no mercado de trabalho. Por outro lado, as famílias também são extremamente vulneráveis a essas situações externas geradoras de insegurança, acarretando tensões que podem resultar em problemas internos, como separações, divórcios, violência familiar, entre outros.

Esse caráter dual das famílias – primeira fonte de assistência das pes-soas em momentos difíceis e, ao mesmo tempo, uma das principais atingidas por essas mudanças – tornam vital os esforços em se conhecer melhor as ca-racterísticas dessa instituição para a elaboração de políticas sociais específicas para protegê-las da desintegração familiar e da redução de sua capacidade

116

como instituição amortecedora de crises, como assinalado por Carvalho e Almeida.1

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar os indicadores sócio-econômicos das famílias pobres no Brasil,2 e das pessoas que se identifica-ram como seus principais responsáveis (chefes), de modo a verificarmos as características que diferenciam as famílias monoparentais e biparentais, bem como daquelas chefiadas por homens e mulheres, brancos e negros e, portan-to, propor políticas específicas voltadas para esses casos. Assim, este trabalho encontra-se estruturado em três seções, além desta introdução e das conside-rações finais.

Na primeira seção apresentamos uma compilação de trabalhos que analisam a questão da família, com ênfase na atual realidade latino-americana. Em especial são abordados os estudos que evidenciam as piores condições enfrentadas por tipos específicos de famílias, no caso, as monoparentais che-fiadas por mulheres, e que, portanto, justificariam uma atenção especial das autoridades responsáveis no sentido de se atentar para a necessidade de polí-ticas públicas direcionadas para elas. Por sua vez, a segunda seção apresenta um conjunto de dados sócio-econômicos sobre as famílias pobres com filhos moradoras no Brasil, tabulados a partir dos microdados da PNAD de 2004 e 2006,3 bem como indicadores referentes às pessoas consideradas chefes des-sas famílias. As informações são apresentadas segundo os recortes de tipo de família – monoparental ou biparental – e do sexo e cor do responsável pela família. Assim, constata-se que, mesmo entre as famílias que se encontram no estrato inferior de renda, elas apresentam características distintas e enfrentam tratamentos desiguais, principalmente aquelas chefiadas por mães sem côn-juge.

De modo a tornar mais clara como as piores condições enfrentadas pelas famílias mais pobres se refletem na qualidade de vida dos filhos jovens, a terceira seção expõe a distribuição de famílias que apresentam casos de crian-ças que estejam trabalhando em alguma forma de ocupação, e as que não estão matriculadas no sistema escolar. Ademais, analisam-se o atendimento dessas famílias pelos programas federais de transferência de renda com con-dicionalidades, os quais são concebidos com o objetivo de aliviar as péssimas

1  CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de & ALMEIDA, Paulo Henrique de (2003). “Família e proteção social”. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 109-122.2  Para  este  trabalho,  consideramos  como  famílias  pobres  aquelas  que  possuem  renda  domiciliar  per  capita mensal no valor até a metade do salário mínimo vigente na época da pesquisa, R$260,00 e R$350,00 em 2004 e 2006, respectivamente.3  A escolha dos anos de 2004 e 2006 se deve ao fato de serem as únicas pesquisas com dados acerca dos progra-mas de transferência de renda do governo federal.

117

condições enfrentadas pelas famílias que se situam no quadro de pobreza ex-trema e, ao mesmo tempo, promovem o combate ao trabalho infantil, a eleva-ção da matrícula escolar e dos cuidados básicos com a saúde. Por fim, tecemos as nossas considerações finais.

1. FAMÍLIA MONOPARENTAL, POBREZA E AÇÃO PÚBLICA

A abordagem teórica sobre a instituição social Família é abordada pela literatura especializada, sobretudo no campo de conhecimento da demogra-fia, sociologia ou da sociologia econômica que buscam analisar como os di-ferentes tipos de composição e de organização familiar afetam e são afetados por aspectos sócio-econômicos.4 Os estudos de Irma Arriagada, por exemplo, com base em famílias da América Latina no final do século XX, trazem aná-lises de como a modernização acarreta alterações na estrutura familiar e no papel desempenhado pelos diversos membros.5 Utilizando dados de diver-sas pesquisas nacionais, esses trabalhos mostram crescente heterogeneidade – como o aumento de domicílios sem núcleo familiar (apenas um morador)6 e de famílias que não possuem filhos –, maior participação de mulheres no mercado de trabalho e responsáveis pelo domicílio, e redução do tamanho médio das famílias. Igualmente, se observa diferenças entre as conceituações mais tradicionais e modernas de família nos organismos públicos voltados para tratar desse tema, o que gera, inclusive, em instituições cujas atividades se sobrepõem, como, por exemplo, um órgão encarregado da questão da mulher e outro específico para a família, sendo que o mesmo tema é abordado no primeiro órgão. 7

Em outra análise sobre as famílias da América Latina, Marcelo Me-deiros de Souza alerta para a importância de se conhecer as características

4  Ver, entre outros: HUMPHRIES, Jane (1999). “Special issue on the family: introduction”. Cambridge Journal of Economics, vol. 23, No. 5. Oxford: Oxford University Press, setembro; MILARDO, Robert M. (2000). “The decade in review”. Journal of Marriage and the Family, vol. 62, No. 4. Minneapolis: National Council on Family Relations, novembro; e SALLES, Vania & TUIRÁN, Rodolfo (1996). “Mitos y creencias sobre vida familiar”. Revista Mexicana de Sociología, vol. LVIII, No. 2. Cidade do México:  Institute of Social Research, National Autonomous University of Mexico, abril-junho.5  ARRIAGADA, Irma (1998). “Políticas sociales, familia y trabajo en la America Latina de fin de siglo. Revista de la Cepal, Nº 65. Santiago: CEPAL; ARRIAGADA,  Irma  (2001). “Familias  latinoamericanas: diagnóstico y políticas públicas en los inicios del nuevo siglo”. Series Políticas Sociales Nº 57. Santiago: CEPAL; e ARRIA-GADA, Irma  (2002). “Changes and  inequality  in Latin American families”. Cepal Review, No. 77. Santiago: CEPAL, agosto.6  A despeito de suas diferenças, trataremos famílias e domicílios como sinônimos neste trabalho.7  Maiores  detalhes  da  necessidade  de  uma  definição  de  políticas  para  famílias  em  BOGENSCHNEIDER, Karen (2000). “Has family policy come of age? A decade review of the State U.S. family policy in the 1990s”. Journal of Marriage and the Family, Vol. 62, No. 4, novembro.

118

das famílias para a elaboração de políticas sociais. O autor destaca que os impactos de programas sociais não se restringem aos beneficiários individuais, mas são redistribuídos entre todos os membros de sua família.8 Desse modo, dependendo da estrutura familiar, o programa poderá gerar, indiretamente, externalidades positivas à sociedade. Por exemplo, ações que oferecem cuida-dos para crianças pequenas e, portanto, possibilitam que as mães retornem ao mercado de trabalho. Isso acarreta aumento do rendimento familiar e, conseqüentemente, reduz a necessidade do uso de trabalho infantil para com-plementar renda, o que, por sua vez, possibilita que essas crianças retornem ao sistema escolar e que se reduzam os efeitos da reprodução intergeracional da pobreza.

Medeiros também aponta que o conhecimento das características das famílias pode ser utilizado como critério de focalização de políticas públicas, pois, levando-se em conta as diversas estruturas e peculiaridades das famí-lias podem ser encontradas vulnerabilidades distintas entre elas. Ademais, as próprias famílias podem ser consultadas para a concepção, execução e con-trole de políticas. Estudos realizados na Bolívia (ANAYA, 1997) e Colômbia (TELLEZ, 1997) apontam para o sucesso de experiências de descentralização do sistema escolar, com pais e membros da comunidade local – inclusive es-tudantes – participando da administração.

Por sua vez, é crescente a maior atenção dada para os casos mais espe-cíficos de famílias como aquelas chefiadas por mulheres sem cônjuge.9 Irene Galeazzi apresenta as piores condições dessas mulheres, que sozinhas precisam sustentar a família e ao mesmo tempo cuidar de filhos pequenos.10 A auto-ra analisa empiricamente os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE e SEADE na região metropolitana de Porto Alegre entre os anos de 1993 a 2000. Os resultados apontam que as desigual-dades que essas mulheres enfrentam, não apenas no mercado de trabalho, mas na sociedade em geral, afetam negativamente sua qualidade de vida, uma vez que as mulheres enfrentam elevadas taxas de desemprego e a renda do trabalho principal constitui em até 80% do total de sua renda familiar, o qual, por sua vez, apresenta níveis significativamente mais baixos que a renda 8  SOUZA, Marcelo Medeiros Coelho  de  (2000).  “A  importância  de  se  conhecer melhor  as  famílias  para  a elaboração de políticas sociais na America Latina”. Texto para Discussão, No. 699. Rio de Janeiro: IPEA.9 Por exemplo: APPLETON, Simon (1996). “Women headed households and household welfare: an empirical deconstruction for Uganda”. World Development, Vol. 24, No. 12, p. 1811-1827; KENNEDY, Eileen & PETERS, Pauline (1992). “Household food security and child nutrition: the interaction of income and gender of house-hold heads”. World Development, Vol. 10, No. 8; e VARLEY, Ann (1996). “Women heading households: some more equal than others”. World Development, Vol. 24, No. 3, p. 505-520.10  GALEAZZI, Irene Maria Sassi (2001). “Mulheres trabalhadoras: a chefia da família e os condicionantes de gênero”. Revista Mulher e Trabalho. Porto Alegre.

119

de famílias chefiadas por homens. Ademais, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres chefes de família se propagam para seus dependentes, normalmente crianças e jovens.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Ana Maria Goldani ressalta a importância de indicadores sobre desigualdade de gênero nas famílias brasi-leiras.11 A autora parte do pressuposto de que a discriminação de gênero afeta a qualidade de vida dos membros da família que depende, especialmente, do tempo disponível que as mulheres podem dedicar à rotina familiar e que é prejudicada pela dupla jornada feminina entre a vida profissional e os afaze-res domésticos. Nesse sentido, a autora emprega dados da Pesquisa de Padrão de Vida da Fundação IBGE, realizada entre 1996 e 1997, e aponta que as mulheres trabalham, em média, 61 horas por semana perante 46 horas dos homens, ou seja, uma jornada extra de trabalho de 15 horas em relação aos seus cônjuges masculinos. Ademais, a situação é ainda pior para as mulheres negras, que apresentam uma jornada extra de 17 horas contra 11 horas a mais das mulheres brancas.

Como alternativa para integrar a questão do gênero nas políticas públicas, Goldani sugere um sistema de indicadores de desigualdade como instrumento metodológico na elaboração das ações públicas. O sistema de in-dicadores proposto pela autora abrange quatro grandes áreas: Produção Inter-na ou Reprodução (tarefas exercidas no âmbito familiar); Produção Externa ou Trabalho Remunerado (indicadores profissionais); Redes Sociais e Apoios Familiares (Atividades com demais parentes e a Comunidade); e Poder de Decisão (responsável pelas decisões na família).

A relevância de indicadores que abordem a qualidade de vida das famí-lias nas quais as mulheres são as principais responsáveis também é ressaltada por Solange Sanches. A partir de dados da PED das regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo em 1999 e 2000, a autora observa que as desigualdades que afetam as mulheres no mercado de trabalho se reproduzem na qualidade de suas famílias, sobretudo, aquelas que são as responsáveis pela família e, portanto, as principais provedoras pelo seu sustento, já que se observa que o diferencial de salários entre homens e mulheres apresenta a mesma tendência na renda familiar.12 Além disso, o estudo identifica que mesmo nas situações em que a renda familiar aumenta, tal aumento é menor ou nulo para as famílias chefiadas por mulheres; e nos

11  GOLDANI, Ana Maria (2000). “Famílias e gêneros: uma proposta para avaliar (des)igualdades”. In: Anais do XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Caxambu.12  SANCHES,  Solange  (2002).  “As  condições  sociais  básicas  das  famílias  chefiadas  por  mulheres”. Revista Mulher e Trabalho, V. 2, p. 151-157, Porto Alegre.

120

casos de queda da renda familiar, esta é mais aguda nos domicílios com res-ponsáveis femininas.

Entretanto, considerar apenas o sexo do chefe da família pode apre-sentar resultados não convincentes. Em estudo sobre as famílias de Costa Rica e El Salvador, Sarah Gammage afirma que observar apenas se o responsável pela família é homem ou mulher não é a medida ideal para se analisar como o gênero dessa pessoa afeta a probabilidade de suas famílias serem pobres, principalmente devido à constatação de que as famílias pobres chefiadas por mulheres são sobre-representadas.13 Apesar de reconhecer que a correlação entre pobreza e chefia de família varia em razão do local analisado, a autora propõe que é melhor considerar como famílias chefiadas por mulheres aquelas em que estas são as principais provedoras pelo sustento da família, em termos de renda.14

A despeito disso, para reforçar a justificação de políticas públicas vol-tadas para famílias com características específicas,15 o trabalho de Maria No-vellino analisa os Censos Demográficos do Brasil de 1991 e 2000, e encontra uma relação direta entre o aumento da proporção de famílias chefiadas por mulheres que não possuem cônjuge – e a feminização da pobreza,16 fenômeno no qual as mulheres tornaram-se mais pobres perante os homens.17 Por sua vez, o estudo de Richard Gelles aponta para o elevado índice de violência infantil observado entre as famílias pobres chefiadas por mulheres, em geral, associadas com o estresse acarretado pelas dificuldades oriundas da pobreza. Em contraste, a violência contra crianças em famílias chefiadas por homens aparentemente não tem correlação com o nível de renda familiar.18

13  GAMMAGE,  Sarah  (1998).  “The gender dimension of household poverty: is headship still a useful con-cept?”. Washington DC: International Center for Research on Women (mimeo).14  Tal diferença também é abordada por BUVINIC, Mayra & GUPTA, Geeta Rao (1997). “Female-headed house-“Female-headed house-holds  and  female-maintained  families:  are  they worth  targeting  to  reduce poverty  in developing  countries?”. Economic Development and Cultural Change, Vol. 45, No. 2, janeiro, p. 259-280.15  Simon Appleton e Paul Collier sugerem que políticas públicas que não sejm transferências de renda podem apresentar melhores  resultados.  Isso  porque  transferências  baseadas  no  sexo  podem  gerar  problemas,  já  que as mulheres podem não reter o controle sobre a renda recebida. Ver: APPLETON, Simon & COLLIER, Paul (1992). “On gender targeting and public transfers”. Center for the Study of African Economies, Universidade de Oxford, maio.16  Conceito originalmente sugerido por Diane Pearce ao observar o aumento do número de famílias pobres chefiadas por mulheres. Ver PEARCE, Diane (1978). “The feminization of poverty: women, work, and welfare”. Urban and Social Change Review, No. 11, p. 28-36.17  NOVELLINO, Maria Salet Ferreira (2005). “Chefia feminina de domicílio como indicador de feminização da pobreza  e políticas públicas para mulheres pobres”.  In: Seminário As Famílias e as Políticas Públicas no Brasil, Belo Horizonte.18 GELLES, Richard  James  (1989).  “Child  abuse  and  violence  in  single-parent  families:  parent  absence  and economic deprivation”. American Journal of Orthopsychiatry 59(4), p. 492-501.

121

2. CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DAS FAMÍLIAS COM CRIANÇAS NO BRASIL

Segundo tabulações dos microdados da Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílios (PNAD), em 2006 o Brasil apresenta um total de 54,7 milhões de domicílios particulares, dos quais 37,9 milhões – ou 69,3% – mostram ao menos um filho morador. Desse subgrupo, 12,8 milhões são considerados pobres,19 sendo que 76,1% dessas são biparentais, ou seja, famí-lias com filhos que apresentam pai e mãe moradora; enquanto 23,9% – 3,1 milhões de domicílios – são monoparentais, apresentando o pai ou a mãe. Destacamos que tal distribuição pouco se altera para as famílias não pobres, entretanto, considerando que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, em especial as negras, se disseminam para além das dificuldades individuais e, não raro, repercutem na qualidade de vida de sua própria família, passaremos a analisar as características das famílias pobres segundo os recortes de sexo e cor do chefe do domicílio.20

A Tabela 1 indica que, entre as famílias biparentais, a predominância é de o homem ser o responsável pelo lar, totalizando 92,7% do total desse grupo. Por outro lado, entre as famílias monoparentais – sem a presença de cônjuge – ocorre o inverso, 91,8% dessas famílias são chefiadas por mulheres, das quais 29,9% são brancas e 61,9% são negras. Tal informação é relevante por uma série de motivos, mas a principal pode ser resumida pela falta de uma presença constante da figura paterna ou materna, no dia-a-dia da crian-ça, uma vez que a mãe, ou pai, deverá trabalhar para sustentar a família. Em relação as dados de 2004, nota-se o aumento da participação das mulheres como chefe da família, respectivamente 0,8 e 2,7 pontos percentuais, entre as famílias monoparentais e biparentais.

19  Para o valor do rendimento domiciliar por pessoa utilizado neste  trabalho são descontados os benefícios pagos pelos programas de transferência de renda seguindo metodologia proposta por SOARES, Fabio Veras et al (2006). “Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade”. Texto para Discussão, No. 1228. Brasília: IPEA.20  Para facilitar a leitura, a partir deste momento omitiremos a palavra “pobre” para caracterizar as famílias analisadas.

122

Tabela 1 - Distribuição de domicílios segundo sexo e raça da pessoa de referência, e tipo de família. Brasil 2004 e 2006

Responsável pelo domicílio

2004Monoparental Biparental

Nº de domicílio % Nº de domicílio %

MulherBranca 846.967 31,1 131.319 1,5

Negra 1.626.493 59,8 276.622 3,1

HomemBranco 79.580 2,9 2.877.594 32,5

Negro 167.476 6,2 5.565.130 62,9

Total 2.720.516 100,0 8.850.665 100,0

Responsável pelo domicílio

2006Monoparental Biparental

Nº de domicílio % Nº de domicílio %

MulherBranca 915.355 29,9 205.427 2,1

Negra 1.897.641 61,9 508.625 5,2

HomemBranco 63.758 2,1 3.029.566 31,1

Negro 189.146 6,2 6.005.904 61,6

Total 3.065.900 100,0 9.749.522 100,0

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

No tocante à localização dos domicílios, na Tabela 2 observamos que estes se encontram, preferencialmente, em áreas urbanas. Dado que, em 2006, 15,8% do total de domicílios com filhos no Brasil se encontram nessas áreas, observamos a sobre-representação das famílias mais pobres chefiadas por ho-mens nas zonas rurais. Destarte, nota-se o elevado percentual de domicílios chefiados por homens em áreas rurais e que, inclusive, vem aumentando para os negros, e para as mulheres negras de famílias biparentais, desde 2004.21

Tabela 2 - Distribuição relativa de domicílios em áreas rurais, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 11,8 8,2 10,2 8,0

Negra 15,2 6,9 14,6 10,8

HomemBranco 33,9 33,2 21,8 32,5

Negro 28,3 35,9 32,9 36,2

Total 15,5 33,7 14,5 33,2

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

21  Consideramos, neste trabalho, pessoas negras aquelas que se auto-identificaram na PNAD como pretas ou pardas.

123

O recorte por regiões geográficas expõe que, em 2006, as famílias chefiadas por homens e mulheres negras são sobre-representadas no Norte e Nordeste, enquanto há sobre-representação de famílias chefiadas por brancos na região Sudeste, independente do tipo de família (Tabela 3). Tais resulta-dos indicam a maior concentração de famílias pobres e negras localizadas nas regiões menos abastadas do país, nas quais predominam mercados de traba-lho estreitos e periféricos, simultaneamente, com formas de organização que operam de forma não tipicamente capitalista, prevalecendo empregos não-registrados, trabalhos por conta-própria, serviços domésticos e a mão-de-obra familiar sem remuneração.22

22  Ressalte-se  que  a  categoria  cor  refere-se  a  auto-declaração,  assim  a  predominância  de  brancos  nas  regiões Sudeste e Sul pode estar superestimada.

124

Tabela 3 - Distribuição relativa de domicílios por grandes áreas geográficas, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

Mulher

Branca

Norte 5,3 5,8 5,4 8,0

Nordeste 30,4 37,8 29,9 33,8

Sudeste 41,9 31,9 40,2 36,0

Sul 16,8 16,8 17,5 16,6

Centro-Oeste 5,6 7,7 7,0 5,5

Negra

Norte 10,9 12,5 10,8 16,0

Nordeste 51,6 54,6 49,4 48,2

Sudeste 27,2 22,1 28,6 25,6

Sul 4,0 4,5 4,6 4,9

Centro-Oeste 6,3 6,2 6,7 5,3

Homem

Branco

Norte 5,6 5,5 5,7 6,0

Nordeste 41,5 36,3 28,5 35,0

Sudeste 29,9 34,2 34,7 33,4

Sul 19,0 18,7 20,0 19,8

Centro-Oeste 4,0 5,3 11,0 5,8

Negro

Norte 13,9 12,7 16,0 12,6

Nordeste 51,7 55,5 52,1 53,2

Sudeste 23,2 22,1 21,1 23,3

Sul 3,9 3,9 5,9 4,7

Centro-Oeste 7,3 5,9 4,9 6,2

Total

Norte 9,2 10,2 9,4 10,7

Nordeste 44,7 48,9 43,2 46,8

Sudeste 31,5 26,2 31,8 26,9

Sul 8,4 8,9 8,9 9,6

Centro-Oeste 6,1 5,7 6,7 6,0

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

As tabelas 4(a) e 4(b) reforçam essa constatação ao mostrar que os chefes de famílias homens, predominantemente, estão ocupados como conta-própria e empregados sem carteira de trabalho assinada, enquanto as mulhe-res se concentram nas ocupações de trabalhadoras domésticas, com ou sem carteira de trabalho assinada, independentemente do tipo de família. Res-guardada as devidas proporções, os responsáveis por famílias biparentais vis-à-vis às monoparentais apresentam maior percentual de estarem ocupados em ocupações de melhor qualidade, como empregados com carteira assinada, empregadores e funcionários públicos.

125

Tabela 4(a) - Distribuição da posição de ocupação do trabalho principal das mulheres responsáveis pelo domicílio, segundo cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Mulher responsável pelo domicílio2004 2006

Monoparental Biparental Monoparental Biparental

Branca

Empregado com carteira de trabalho assinada 14,9 12,6 18,3 15,7

Funcionário público 3,7 2,9 3,5 2,0

Empregado sem carteira de trabalho assinada 19,5 17,8 13,7 14,2

Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 6,8 8,9 8,1 5,7

Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 26,3 17,1 27,8 25,3

Conta própria 21,5 27,6 21,3 26,1

Empregador 0,3 1,1 0,5 0,8

Trabalhador para o próprio consumo 6,8 8,9 6,7 7,3

Não-remunerado 0,2 3,0 0,1 3,0

Negra

Empregado com carteira de trabalho assinada 10,9 9,9 12,9 13,3

Funcionário público 4,1 4,5 3,4 4,7

Empregado sem carteira de trabalho assinada 14,2 12,3 14,9 11,7

Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 5,1 3,9 5,8 4,2

Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 30,4 25,7 30,1 27,6

Conta própria 27,4 31,6 23,1 26,6

Empregador 0,6 1,5 0,3 0,8

Trabalhador para o próprio consumo 6,6 8,0 9,1 10,4

Não-remunerado 0,6 2,7 0,3 0,7

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Destacamos o elevado percentual relativo de mulheres responsáveis por famílias biparentais em ocupações não remuneradas e para o próprio con-sumo. Tal resultado sugere que, apesar de se identificarem como as responsá-veis pela família, essas mulheres não são as principais provedoras pelo sustento da família. Ademais, observa-se, em geral, maior participação dos responsá-veis de famílias nos empregos formais entre 2004 e 2006.

126

Tabela 4 (b) - Distribuição da posição de ocupação do trabalho principal dos homens responsáveis pelo domicílio, segundo cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Homem responsável pelo domicílio2004 2006

Monoparental Biparental Monoparental Biparental

Branco

Empregado com carteira de trabalho assinada 21,5 27,0 18,2 29,5

Funcionário público 3,5 1,9 0,0 2,0

Empregado sem carteira de trabalho assinada 13,1 24,9 14,2 21,9

Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 0,0 0,6 2,0 0,6

Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 2,4 0,5 1,8 0,7

Conta própria 52,9 40,3 48,3 39,0

Empregador 1,5 1,9 1,5 2,7

Trabalhador para o próprio consumo 4,2 2,7 11,9 3,3

Não-remunerado 1,0 0,1 2,1 0,3

Negro

Empregado com carteira de trabalho assinada 20,0 22,8 14,8 26,2

Funcionário público 1,2 1,9 2,7 2,0

Empregado sem carteira de trabalho assinada 22,8 27,9 28,2 26,9

Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 0,6 0,7 0,4 0,6

Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 0,4 0,7 0,7 0,6

Conta própria 44,8 41,3 44,1 38,0

Empregador 1,7 1,2 2,4 1,6

Trabalhador para o próprio consumo 8,4 3,3 6,8 3,9

Não-remunerado 0,0 0,1 0,0 0,1

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

No recorte por posição de ocupação, independente do tipo de família, os homens apresentam maiores taxas de participação e ocupação, e menores taxas de desocupação em relação às mulheres (Tabela 5). Por outro lado, ao compararmos por tipo de família, observamos que os homens responsáveis por famílias biparentais apresentam taxas de participação e ocupação, assim como de desocupação, muito superiores a de seus pares de famílias mono-parentais, reforçando o papel destes como os principais provedores de renda para sustentação de sua família. Para as mulheres, os indicadores pouco se

127

alteram de acordo com o tipo de família, apesar de, assim como para os ho-mens, as taxas serem maiores nas biparentais.

Tabela 5 - Indicadores de mercado de trabalho dos chefes de domicílios, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

Mulher

Branca

Taxa Participação 60,3 59,3 59,2 55,8

Taxa Ocupação 51,3 47,2 50,2 45,7

Taxa Desocupação 14,8 20,4 15,2 18,1

Negra

Taxa Participação 63,8 64,8 62,7 63,2

Taxa Ocupação 55,2 51,5 54,6 53,3

Taxa Desocupação 13,4 20,5 12,9 15,6

Homem

Branco

Taxa Participação 66,7 90,8 70,9 90,9

Taxa Ocupação 61,9 85,8 68,4 85,5

Taxa Desocupação 7,2 5,5 3,5 5,9

Negro

Taxa Participação 71,9 92,5 68,8 92,0

Taxa Ocupação 65,6 88,1 66,1 88,0

Taxa Desocupação 8,8 4,8 3,9 4,4

Total

Taxa Participação 63,2 90,6 62,3 89,4

Taxa Ocupação 54,8 85,6 54,3 84,5

Taxa Desocupação 13,3 5,5 12,8 5,5

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Os resultados dos indicadores de mercado de trabalho relacionados com determinadas características pessoais dos chefes de família denotam comportamentos demográficos e/ou sociais. Por exemplo, de acordo com a Tabela 6, observamos que os chefes de famílias que apresentam a maior idade média são homens e se encontram nos domicílios monoparentais, enquanto as mulheres responsáveis das famílias biparentais possuem a menor idade mé-dia. Ademais, verificamos uma acanhada elevação da idade média dos respon-sáveis pelas famílias biparentais no período de 2004 a 2006 – com exceção das mulheres negras – enquanto para as monoparentais se observa a redução da idade média – exceção dos homens negros.

128

Tabela 6 - Idade média do chefe de domicílio, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 45,9 38,5 45,9 39,5

Negra 45,6 39,2 45,2 37,9

HomemBranco 55,9 40,6 53,9 40,7

Negro 55,0 40,4 55,1 40,6

Total 46,6 40,4 46,2 40,5

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Por sua vez, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho são contraditórias com relação à sua maior escolaridade perante os homens, como se observa na Tabela 7. Igualmente, os brancos possuem maio-res anos médios de estudo que os negros, assim como os chefes de famílias bi-parentais em relação aos chefes de famílias monoparentais. Assim, temos que as mulheres brancas de famílias biparentais apresentam a maior escolaridade média – 5,5 anos, enquanto os homens negros das famílias monoparentais apresentam os menores níveis médios de escolaridade – 2,7 anos. Um aspecto positivo é que para todos os casos se verifica a elevação da escolaridade média de 2004 para 2006.

Tabela 7 - Anos médio de estudo do chefe de domicílio, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 4,3 5,0 4,9 5,5

Negra 3,6 4,4 4,0 5,0

HomemBranco 3,0 4,2 3,3 4,8

Negro 2,3 3,3 2,7 3,7

Total 3,7 3,7 4,2 4,1

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Da mesma forma, os diferenciais de escolaridade não se desvelam to-talmente no rendimento domiciliar per capita (Tabela 8). Entre as famílias monoparentais observa-se a maior renda per capita entre os homens brancos, R$117, enquanto as mulheres negras se encontram no extremo oposto, com renda de R$98, a despeito de elas apresentarem escolaridade média superior aos homens – brancos ou negros. Desse modo, os resultados estão de acordo com estudos que apontam para a heterogeneidade da qualidade do ensino e

129

os menores retornos à educação das mulheres em relação os homens, espe-cialmente no caso das negras. Entretanto, ressalva-se que os rendimentos do responsável pela família são apenas um dos componentes do total da renda domiciliar e apenas um estudo específico de análise da renda do trabalho po-deria corroborar tal correlação.

Tabela 8 - Renda domiciliar per capita média, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (valores em R$ de setembro de 2006)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 90,32 89,65 111,20 105,93

Negra 79,89 79,94 98,25 102,27

HomemBranco 88,98 84,80 117,05 105,59

Negro 88,30 77,43 107,28 95,05

Total 83,99 80,04 103,12 98,93

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Por sua vez, os rendimentos das famílias biparentais apresentam uma distribuição mais semelhante ao da escolaridade média das pessoas de referên-cia, na medida em que as famílias chefiadas por mulheres brancas apresentam a maior renda, R$106, e as famílias chefiadas por negros possuem a menor renda, R$95. Todavia, o nível de rendas dessas famílias é inferior em relação às monoparentais – com exceção das mulheres negras – mesmo com médias de anos de estudo superiores.

Verificamos, com relação à presença de crianças moradoras no domicí-lio, isto é, filhos com idade até 15 anos, que as famílias biparentais apresentam um número médio de filhos superior ao das famílias que possuem apenas o pai ou a mãe (Tabela 9). No tocante ao sexo e cor/etnia/raça do respon-sável pelo domicílio, notamos que os brancos tendem a apresentar menor número de filhos que os negros, enquanto domicílios sob a responsabilidade de mulheres têm maior média de filhos que aqueles chefiados por homens. Ademais, verifica-se uma pequena queda do número médio de filhos entre 2004 e 2006, com exceção das famílias biparentais sob a responsabilidade de mulheres brancas.

130

Tabela 9 - Número médio de filhos com até 15 anos de idade moradores no domicílio, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 2,1 2,1 1,9 2,2

Negra 2,1 2,3 2,0 2,2

HomemBranco 2,2 2,2 1,7 2,1

Negro 2,0 2,4 1,9 2,3

Total 2,1 2,3 2,0 2,2

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

3. A INCIDÊNCIA DE TRABALHO INFANTIL, NÃO ATENDIMEN-TO ESCOLAR E OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NAS FAMÍLIAS POBRES

A seção anterior apresenta evidências das piores condições enfrentadas pelas famílias pobres chefiadas por mulheres – especialmente as que contam com mães negras sem cônjuge – em relação àquelas chefiadas por homens. Destarte, nesta seção analisaremos se as piores condições enfrentadas por essas famílias se propagam para seus descendentes, em termos do uso do trabalho das crianças para complementar a renda familiar e, conseqüente redução do tempo dedicado à escola. Além disso, observaremos a cobertura dessas famí-lias por programas de transferência de renda com condicionantes, oferecidas pelo governo federal.

Desse modo, a Tabela 10 apresenta o percentual de domicílios que possuem pelo menos um filho com idade de 5 a 15 anos em alguma forma de ocupação. Assim, a incidência relativa de trabalho infantil é maior entre as famílias sob a responsabilidade de homens. No entanto, a ocorrência do fenômeno é superior nas famílias biparentais vis-à-vis as monoparentais sob a responsabilidade de mulheres brancas e homens negros, ocorrendo o inverso para as famílias chefiadas por mulheres negras – para os homens brancos o diferencial é mínimo. Desse modo, a desestruturação familiar, aparentemen-te, só pode ser considerada como um determinante na utilização de crianças como força de trabalho no caso de domicílios sob a responsabilidade de in-divíduos que comumente se confrontam com as piores condições, no caso as mulheres negras sofrem a discriminação racial e de gênero, tanto pré como pós-mercado de trabalho.

131

Tabela 10 - Domicílios com incidência de trabalho infantil, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 5,8 5,4 5,0 6,7

Negra 8,1 7,4 7,5 7,0

HomemBranco 7,9 9,6 9,5 9,4

Negro 11,4 11,8 10,1 11,1

Total 7,6 10,8 6,9 10,3

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Entre 2004 a 2006 verifica-se a queda do percentual de domicílios que apresentam trabalho infantil, com exceção das biparentais chefiadas por mulheres brancas e das monoparentais chefiadas por homens brancos. Tal elevação se contrapõe à redução de famílias com crianças não matriculadas no sistema escolar (Tabela 11), sugerindo que o sistema educacional não é capaz de manter as crianças nas escolas ou ocupá-las com atividades extracurricula-res em suas horas vagas. Outra hipótese é que o custo de oportunidade dessas crianças freqüentarem a escola seja superior, de tal modo que a renda oriunda do trabalho das crianças é essencial para a sobrevivência dela e de seus fami-liares. Todavia, analisar as diferenças e os determinantes do trabalho infantil para essas famílias desvia-se do escopo deste trabalho.

Conforme já assinalado, o atendimento escolar das crianças apresenta resultados mais promissores no período 2004-2006, uma vez que para todos os casos observa-se a diminuição do percentual de famílias que apresentam algum filho em idade escolar que não está matriculado no sistema escolar. Contudo, os dados da Tabela 11 reforçam os problemas acarretados pela au-sência da figura do pai ou da mãe no cotidiano das crianças, haja vista que as famílias monoparentais apresentam percentuais superiores de filhos que não estão matriculados na escola – com exceção das mulheres brancas – especial-mente no caso dos domicílios chefiados por homens. Por outro lado, entre as famílias biparentais se nota que aquelas chefiadas por negros, homens e mulheres, estão em piores condições em relação às famílias brancas.

132

Tabela 11 - Domicílios com crianças de idade escolar que não freqüentam a escola, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 4,3 5,4 3,1 3,7

Negra 6,8 6,2 6,2 5,7

HomemBranco 9,9 4,0 7,7 3,4

Negro 14,2 5,5 10,3 4,2

Total 6,6 5,0 5,5 4,0

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Nesse ponto, iniciamos a análise dos programas de transferências de renda federais: Programa Bolsa-Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC)23, e Outros Programas.24 Em 2006, 52,4% dos domicílios po-bres são atendidos por algum programa federal de transferência de renda ante 48,2% em 2004, ou seja, há uma expansão da cobertura desses programas para famílias carentes. Grande parte desse aumento se deve à ampliação do atendi-mento do PBF, o maior programa de transferência de renda do Brasil, como pode ser observado na Tabela 12. À exceção das mulheres brancas das famílias monoparentais e dos homens brancos daquelas biparentais, os demais casos apresentam crescimento de domicílios atendidos pelo Programa. As famílias biparentais apresentam maiores chances de serem beneficiadas que aquelas monoparentais – com exceção daquelas sob a responsabilidade das mulhe-res negras – e tal diferença é, especialmente, maior para os homens brancos responsáveis por domicílio, de 16,4 pontos percentuais. Da mesma forma, verificamos que os domicílios sob a responsabilidade de pais e mães negros, vis-à-vis a seus pares brancos, são os principais beneficiados pelo PBF.

23  Destinado a idosos e/ou deficientes incapacitados para a vida profissional, de famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo vigente.24  Engloba  todos  os  demais  programas  sociais  do  governo  federal,  estadual  ou municipal,  que  não  foram considerados nos conjuntos anteriores.

133

Tabela 12 - Domicílios beneficiados pelo Programa Bolsa Família, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 34,8 36,6 34,4 39,1

Negra 42,7 42,8 45,4 43,8

HomemBranco 23,1 42,9 24,4 40,8

Negro 32,5 48,4 34,7 51,1

Total 39,0 46,2 40,9 47,2

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Apresentando tendência contrária se encontram o PETI e o BPC. A despeito da menor abrangência desses programas – devido a atenderem pú-blicos-alvo mais restritos – observa-se a redução dos domicílios beneficiados entre 2004 e 2006. No caso do PETI, contudo, essa redução representa um aspecto importante, uma vez que ao mesmo tempo houve uma queda geral da incidência domicílios que utilizam trabalho infantil. O caso destoante são as mulheres brancas de famílias biparentais, nas quais se elevam tanto o uso da força de trabalho das crianças como o percentual de domicílios atendidos pelo PETI (Tabela 13). Por outro lado, as famílias monoparentais chefiadas por homens negros apresentam a menor cobertura do programa, apesar de serem um dos principais utilizadores de trabalho infantil, logo, uma atenção especial deveria ser voltada para esses casos.25

Tabela 13 - Domicílios beneficiados pelo PETI, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 2,3 0,3 1,1 1,8

Negra 2,5 2,0 1,5 2,1

HomemBranco 1,6 2,4 1,3 1,6

Negro 2,3 2,6 0,7 1,6

Total 2,4 2,5 1,3 1,6

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

25  No caso do PETI destacamos o papel da Jornada Ampliada implementada nas escolas como um importante fator de restrição ao trabalho infantil. Trata-se de um período extracurricular em que o aluno tem oportunidade de participar de atividades artísticas, culturais, esportivas, profissionalizantes e de reforço pedagógico, de modo que são reduzidas as horas que as crianças poderiam dedicar ao trabalho.

134

Com relação ao BPC, apenas as famílias monoparentais chefiadas por mulheres brancas apresentam elevação do percentual de beneficiados entre 2004 e 2006. Dado que PNAD não fornece informações a respeito de pes-soas com deficiência incapacitante para a vida profissional, o programa pode ser analisado apenas por sua condicionalidade de renda familiar per capita. Destarte essa limitação, notamos que os principais domicílios beneficiados são chefiados por mulheres e, em geral, as famílias dos negros se sobressaem em comparação às famílias beneficiadas dos brancos.

Tabela 14 - Domicílios beneficiados pelo BPC, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 6,4 3,7 7,1 3,6

Negra 6,9 5,7 6,6 4,3

HomemBranco 6,0 4,7 3,1 3,6

Negro 6,0 4,4 5,1 3,6

Total 6,7 4,5 6,6 3,6

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

Por fim, a tabela 15 indica uma forte expansão de outros programas assistencialistas em relação a 2004. O crescimento é especialmente marcante para as famílias chefiadas por mulheres brancas, as principais beneficiadas por estes programas. Por outro lado, as famílias chefiadas por homens são as que apresentam os menores percentuais de atendimento, sobretudo os responsá-veis brancos das monoparentais e negros das biparentais.

Tabela 15 - Domicílios beneficiados por Outros Programas de transferência de renda, segundo sexo e cor da pessoa de referência e tipo de família (em %)

Responsável pelo domicílio

2004 2006Monoparental Biparental Monoparental Biparental

MulherBranca 2,2 0,9 6,6 6,3

Negra 2,9 3,2 6,3 6,5

HomemBranco 0,4 1,4 2,3 5,3

Negro 2,7 2,0 4,4 5,0

Total 2,6 1,9 6,2 5,2

Fonte: IBGE. Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD 2004 e 2006.

135

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências empíricas abordadas neste trabalho apontam para a maior fragilidade das famílias mais pobres chefiadas por mulheres em relação àquelas chefiadas por homens, especialmente naquelas que não possuem um cônjuge. Os resultados corroboram os estudos de Goldani (2000), Galeazzi (2001), Sanches (2002) e Novellino (2005), que assinalam as desigualdades existentes em famílias chefiadas por mulheres no Brasil que se encontram na condição de pobreza, além de serem reflexos das piores condições enfrentadas por elas no mercado de trabalho. Posto isto, tal vulnerabilidade não é desper-cebida pelo poder público, pois, observa-se uma crescente incorporação da perspectiva do gênero e da cor na elaboração de políticas sociais.

Contudo, tais ações ainda se mostram incipientes no tocante as polí-ticas de proteção da instituição família. Assim, recomendam-se medidas es-pecíficas que busquem aliviar as carências enfrentadas por grupos discrimina-dos – mulheres e negros – e que, especialmente, reforcem o papel da família como uma forma de proteção social. Nesse aspecto, salientamos três ações importantes: manter os programas públicos de transferência de renda com condicionalidades, com ênfase no atendimento à saúde e escolar das crianças; prover escola em turno integral para crianças e adolescentes; e criar programas de empoderamento para propiciar maiores oportunidades aos adultos como cidadãos e no mercado de trabalho ou em programas de emprego e renda.

Ademais, como, tradicionalmente, os chefes de família são os princi-pais provedores pelo sustento de seus dependentes, elaborar ações de combate ao tratamento desigual a mulheres e negros no mercado de trabalho é uma al-ternativa indireta de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e de seus fa-miliares. Desse modo, salientam-se as ações que promovem a maior e melhor inserção de grupos discriminados no mercado de trabalho, como a ampliação de oportunidades de capacitação e treinamento focalizando a mulher e, quan-do necessário, as especificidades da mulher negra; a expansão de processos de educação continuada; e a incorporação de programas de sensibilização e de valorização do emprego da mulher junto ao setor empresarial, assim como da geração de maior número de oportunidades para realizar programas de capacitação em todos os níveis.

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139

5 REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ENTRE 2001 E 2006 NAS MACRO-REGIÕES BRASILEIRAS: TENDÊNCIA OU FENÔMENO TRANSITÓRIO?

Maria Cristina Cacciamali e Vladimir Sipriano Camillo

O objetivo do presente estudo é analisar as mudanças na distribuição domiciliar da renda por pessoa no Brasil, entre 2001 e 2006, de acordo com o tipo de renda e a macro-região do país. Estudos recentes apontam que o grau de desigualdade na distribuição de renda no Brasil, medido pelo coeficiente de Gini, reduziu-se no período mencionado. Entre 2001 e 2004, a diminuição é mais expressiva, o índice de Gini declina de 0,59 para 0,57. 1 Em função da queda mais acelerada da desigualdade no período mencionado, a análise que fizemos contempla dois sub-períodos, 2001 e 2004 e 2004 e 2006. Para analisar a queda da distribuição de renda, construímos, na primeira seção,

1  Dentre esses estudos mais recentes, podem ser mencionados: SOARES, Sergei Suarez Dillon. Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004. Texto para Discussão nº1166. Brasília: IPEA, fevereiro de 2006; HOFFMANN, Rodolfo, Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil em cinco regiões entre 1997 e 2004, Econômica, Rio de Janeiro: v. 8, nº1, p. 55-81, junho de 2006; FERREIRA Francisco H. G. et al, Ascensão e queda da desigualdade de renda no Brasil. Econômica. Rio de Janeiro: v.8, nº1, p. 147-171, junho de 2006; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota técnica. Brasília: IPEA, agosto 2006; SOARES, Sergei Suarez Dillon ;VERAS, Fabio; MEDEIROS, Marcelo e OSÓRIO, Rafael. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão nº 1228. Brasília: IPEA, outubro de 2006.

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uma base teórica a partir da literatura nacional, desde o debate acalorado dos anos de 1970, até os estudos mais recentes. 2

No Brasil, podemos sistematizar a literatura econômica sobre a dis-tribuição de renda desde o final dos anos de 1960. A literatura mais recente, retoma a interpretação dos anos de 1970 e 1990, atribuindo a principal causa da concentração de renda à iníqua distribuição de capital humano, apreen-dida sob forma de escolaridade e experiência laboral. Em contraposição, nos anos de 1960 e 1970, predominam análises de cunho keynesiano e kaleckiano que associam o comportamento da distribuição pessoal à distribuição funcio-nal da renda. Abordagens mais recentes, ademais, introduzem outros aspectos sociais relevantes, por exemplo, a discriminação de gênero e raça no mercado de trabalho, a segmentação regional e a importância das transferências públi-cas, principalmente aquelas realizadas no âmbito do Programa Bolsa Família.

Na segunda seção, formaliza-se a técnica matemática da decompo-sição utilizada, por tipo de renda e região, e apresentam-se as considerações metodológicas, com o propósito de identificar possíveis limitações e princi-pais virtudes. A principal limitação identificada refere-se à incapacidade da técnica de estabelecer conexões causais. A principal virtude consiste na sua capacidade de levantar potenciais variáveis candidatas à explicação da variação da desigualdade de renda no período. Aliás, ainda nesta seção, especificam-se as variáveis utilizadas neste estudo, a respectiva fonte - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2001 a 2006 - e a sua aplicação para as macro-regi-ões brasileiras - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. 3

Na terceira e última seção, examinam-se os resultados das decompo-sições regionais – ou seja, o coeficiente de participação relativa de cada fonte de renda, o coeficiente de concentração de cada uma delas e o resultado total - permitindo identificar as principais fontes ou tipos de renda associados com a redução dos coeficientes regionais de Gini. Uma vez identificadas as princi-pais fontes de renda que contribuem para a queda dos coeficientes regionais

2 Estamos considerando textos clássicos, entre outros, LANGONI, Carlos Geraldo. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico no Brasil: uma reafirmação. Ensaios Econômicos EPGE, nº7. Rio de Janeiro FGV-EPGE,1973; FISHLOW, Albert. A Distribuição de renda no Brasil. In: TOLIPAN, Ricardo e TINELLI, Arthur Carlos (orgs.). A controvérsia sobre a distribuição de renda e o desenvol-vimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1978; BACHA, Edmar Lisboa. Hierarquia e remuneração gerencial. In: TOLIPAN, Ricardo e TINELLI, Arthur Carlos (orgs.), op.cit.3 Para  a  região  Norte,  consideram-se  apenas  os  domicílios  urbanos,  porque  na  PNAD  de  2001 não há informação sobre toda a população dessa região. Embora essa falta de informação pudesse se  transformar num grande problema metodológico, notou-se que a análise com apenas os dados urbanos sobre renda e população ajudam a avaliar parcialmente a hipótese sobre convergência das distribuições de renda entre as áreas urbanas e rurais.

141

de Gini, sintetizam-se os resultados. Por fim, nas considerações finais, discu-timos a interação dos resultados.

1. CAUSAS DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL

Os estudos sobre a distribuição de renda no Brasil expandem-se a partir da década de 1970. Gandra, ao analisar em perspectiva histórica esses estudos, propõe que sejam classificados em dois grupos: estudos da década de 1970 e estudos da década de 1990, períodos que o autor denomina de, respectivamente, a controvérsia de 70 e o pensamento hegemônico dos anos 90. 4 Esse agrupamento permite identificar a evolução do debate sobre as causas da elevada concentração da renda brasileira.

Na literatura especializada dos anos de 1970, o crescimento econô-mico, a distribuição funcional e a distribuição pessoal da renda compunham um recorte teórico que, sob a inspiração keynesiana ou kaleckiana, eram ana-lisados em conjunto. O declínio do valor real do salário mínimo, a partir da instauração do regime militar, é apontado por vários autores como o fator determinante do aumento do grau de desigualdade na distribuição da renda, entre 1960 e 1970.5

Fishlow, por exemplo, seguindo uma abordagem keynesiana, entende que o aumento do salário mínimo pode propagar impulsos capazes de elevar os demais salários e promover uma melhor distribuição de renda. 6 Segundo esse autor, a política econômica, entre 1964 e 1967, impede o crescimento do salário mínimo e do salário médio, em virtude dos reajustes abaixo da inflação do salário mínimo e do salário base das diferentes categorias profissionais e/ou devido à ausência de barganha salarial, sustada pelo regime militar. Assim, o aumento do grau da desigualdade da distribuição pessoal da renda, nos anos de 1960, é aderente à diminuição da participação relativa dos salários e au-mento da massa de lucro no período, ou seja, é consistente com o aumento da desigualdade funcional da renda.

Nessa direção, Paulo Renato de Souza e Paulo Baltar, de um lado, e Roberto Macedo e Manuel Enriquez Garcia, travam um debate emblemáti-4  No primeiro grupo destacam-se os estudos de LANGONI (op. cit.); FISHLOW (op.cit.) e BACHA (op. cit.), enquanto no segundo, notam-se os estudos coordenados por Ricardo Paes de Barros, por exemplo: Os determi-nantes da desigualdade no Brasil. Texto para Discussão nº 377, Rio de Janeiro: IPEA, 1995.5  Veja-se  uma  resenha  sobre  o  tema  em  CACCIAMALI, Maria  Cristina.  Pode  o  salário  mínimo  balizar  a estrutura salarial das firmas? Argumentos a favor da política ativa do salário mínimo, In: Paulo Baltar, Cláudio Dedecca e  José Dari Krein.  (Org.). Salário mínimo e desenvolvimento. Campinas:  Instituto de Economia da UNICAMP, 2005, p. 147-162.6  FISHLOW, Albert. A Distribuição de Renda no Brasil.  In: TOLIPAN, Ricardo e TINELLI, Arthur Carlos (orgs). A Controvérsia sobre a Distribuição de Renda e o Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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co. 7 Os dois primeiros autores, partindo de enfoque marxista-estruturalista, argumentam que, no Brasil, o salário mínimo determina o salário da mão-de-obra não qualificada do núcleo tipicamente capitalista da economia - da indústria. Constitui-se, portanto, em um parâmetro, tanto para a hierarquia salarial das empresas, quanto para as remunerações dos trabalhadores não qualificados que se inserem nas atividades do setor informal. 8 Assim, para Souza e Baltar, a contenção do salário mínimo durante o regime militar, im-plica ampliação da dispersão salarial no período e aumento da concentração funcional e pessoal da renda.

Roberto Macedo e Manuel Enriquez Garcia contestam o papel redutor do salário mínimo durante esse mesmo período.9 Os autores, utilizando-se do modelo de Lewis, defendem que o salário de subsistência é o determinante da taxa básica de salário da economia que evolui acompanhando o índice de cus-to de vida. Na década de 1960, o salário mínimo institucional foi reajustado abaixo dos índices de custo de vida, tornando-se inoperante. De acordo com essa linha de interpretação, o salário mínimo, nessas circunstâncias, perde as suas atribuições e a sua relevância de indicador de salário básico da economia. Assim, a diminuição do salário mínimo apenas redunda na diminuição do número de ocupados com essa remuneração. 10

Outra racionalização para o aumento no grau de desigualdade na dis-tribuição pessoal da renda, nos anos de 1960, baseada na elevação da con-centração funcional da renda foi elaborada por Bacha.11 O autor centra-se no comportamento da estrutura ocupacional e salarial das grandes empresas no

7  SOUZA, Paulo Renato & BALTAR, Paulo. Salário Mínimo e a Taxa de Salário no Brasil. Pesquisa e Planeja-mento Econômico. Rio de Janeiro:vol.9,n.3,1979.8 De acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho, o setor informal é o con-junto das empresas familiares operadas pelos proprietários e seus familiares, ou em sociedade com ou-tros indivíduos. São unidades produtivas que não são constituídas como entidades legais, separadas de seus proprietários e que não dispõem de registros contábeis padrão. O setor informal, sob a ótica da ocupação, é definido como o conjunto de trabalhadores inseridos nessa forma de organização da produção que inclui proprietários, a mão-de-obra familiar e os ajudantes assalariados (OIT, 1993). Define-se o setor formal, por oposição, como o conjunto de empresas, organizações organizadas sob relações capitalistas, de produção e juridicamente, bem como seus respectivos trabalhadores. 9  MACEDO, Roberto & GARCIA, Manuel Enriquez. Salário mínimo e a taxa de salários no Brasil: comentá-rio. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro: vol.10, n.3, 1979.10  Diferentes testes empíricos apóiam a hipótese de que os reajustes do salário mínimo determinam os demais salários da economia, sejam eles aproximados pelos salários medianos reais da indústria, dos serventes do setor da construção civil, dos empregados com carteira assinada ou dos empregados não qualificados com carteira assinada, registrando elasticidade salário mínimo/salário selecionado, que variam de 0,50 a 0,90. Veja-se uma resenha, entre outros, em CACCIAMALI, Maria Cristina, 2005, op.cit.11  BACHA, Edmar  Lisboa. Hierarquia  e  remuneração  gerencial.  In:  TOLIPAN, Ricardo  e  TINELLI, Arthur Carlos (orgs), op. cit.

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período. A política salarial implementada pelas grandes empresas, na presença de elevada taxa de crescimento econômico e ausência de regulação distributi-va no mercado de trabalho, origina exacerbada desigualdade salarial entre as ocupações gerenciais e aquelas de produção direta. Em um ambiente de alta competição para atrair mão-de-obra qualificada, as empresas de maior porte tem condições de arcar com maiores remunerações, principalmente para seus gerentes. Dessa maneira, apoiando-se na sua posição diferenciada no merca-do, indicada pelo maior poder de monopólio, a alta hierarquia das firmas es-tabelece seus vencimentos para além da produtividade marginal do trabalho, abocanhando parcela dos lucros.

No início da década de 1970, a análise de Langoni sobre o aumento do grau de desigualdade na distribuição da renda, não considera o compor-tamento da distribuição funcional da renda, privilegiando a metodologia e o argumento econômico mais freqüentemente utilizado nas décadas poste-riores: o individualismo econômico e a teoria do capital humano. O autor conclui que a concentração de renda, no Brasil, da década de 1960, deriva predominantemente da incapacidade do sistema educacional brasileiro de produzir trabalhadores qualificados na proporção demandada pela crescente industrialização. 12 Ademais, reinterpretando Kuznets, Langoni afirma que o aumento da concentração da renda, neste período, é esperado, tendo em vista o aumento da heterogeneidade estrutural do setor produtivo brasileiro. Segundo Kuznets, a concentração da renda aumenta nas fases iniciais do de-senvolvimento econômico, reduzindo-se quando a estrutura produtiva apre-sentar predominantemente setores de maior produtividade. 13

Assim, sob essa ótica, a manter o processo de crescimento econômico, a concentração de renda é um fenômeno passageiro, típico de uma economia em processo de reestruturação produtiva e desenvolvimento. Nos setores de atividade de maior produtividade, a distribuição pessoal da renda dependerá ainda mais da escolaridade dos trabalhadores.

Analisando os estudos realizados a partir dos anos de 1990, nota-se a influência da abordagem neoclássica de Langoni, baseada na teoria do capital humano, abandonando-se quaisquer relações com a distribuição funcional da renda.

12  Além da escolaridade, Langoni insere no modelo econométrico, a variável idade como proxy da experiência, obtendo resultados robustos, que ratificam a sua opção pelo poder explicativo do capital humano.LANGONI, Carlos Geraldo. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico no Brasil: uma reafirmação. Ensaios Eco-nômicos EPGE, n.7, Rio de Janeiro, FGV-EPGE, 1973.13  KUZNETS,  Simon.  Economic  growth  and  income  inequality. American Economic Review,  v.  45,  nº  1, 1955.

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Na década de 1990, Barros e co-autores ampliam e complementam o modelo langoniano. Em artigo de 1995, Barros e Mendonça, identificam teoricamente e empiricamente os determinantes da desigualdade de renda no Brasil, principalmente da desigualdade salarial.Os autores destacam como determinantes da desigualdade três fatores: segmentação no mercado de tra-balho brasileiro, por exemplo, segundo ramo de atividade, formal-informal e regional; discriminação por cor e gênero; e experiência no mercado de traba-lho e a escolaridade do trabalhador, associados ao capital humano. A segmen-tação por ramo de atividade explica 15% da desigualdade salarial brasileira, indicando a participação da heterogeneidade da estrutura produtiva brasileira nesse processo de desigualdade. A segmentação formal-informal é responsá-vel por apenas 1% da desigualdade salarial brasileira, embora os diferenciais salariais entre trabalhadores formais e informais não sejam desprezíveis. Com relação à segmentação regional, os autores concluem que explica entre 2 e 5% da desigualdade salarial, muito provavelmente porque os diferenciais salariais entre os trabalhadores com qualificações similares não foram tão elevados. 14

Os resultados de Barros e Mendonça para a discriminação de cor e gê-nero, indicam participações relativamente pequenas na desigualdade salarial brasileira, da ordem de 2% para a primeira variável e 5% para a discriminação de gênero. A experiência do trabalhador no mercado de trabalho explica 5% da desigualdade salarial, enquanto sua experiência na empresa explica 10%, indicando maior impacto do tempo na empresa sobre os diferenciais de salá-rios. O determinante da desigualdade salarial de maior impacto é a escolarida-de, que explica de 35 a 50%. Esse último resultado alinha-se aos resultados de Langoni da década de 1970. Dessa forma, as evidências empíricas de Barros e Mendonça (op. cit.), embora tenham incluído outros determinantes da de-sigualdade de renda no Brasil, enfatizam o papel da distribuição desigual de capital humano nesse processo, remetendo a discussão sobre a desigualdade de renda para a oferta de trabalho.15

Barros e Mendonça, em parceria com Henriques, elaboram um estudo no ano de 2000 que concorda com as principais conclusões do pensamento hegemônico da década de 1990. Nesse estudo de 2000, os autores identifi-cam o fator heterogeneidade educacional como principal determinante da desi-gualdade salarial brasileira, sendo responsável por 39,5% dessa desigualdade. Segundo os autores, as diferenças educacionais entre os trabalhadores brasi-leiros são reveladas pelo mercado de trabalho, mostrando que os trabalha-dores mais escolarizados apresentam maior produtividade e auferem salários 14  BARROS, Ricardo Paes de & MENDONÇA, Rosane. Os determinantes da desigualdade no Brasil.Texto para Discussão nº 377. Rio de Janeiro:IPEA, julho de 1995.15  BARROS, Ricardo Paes de & MENDONÇA, Rosane, 1995, op. cit.

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maiores. Além de identificarem a escolaridade como o principal determinante da desigualdade salarial no Brasil, os autores também apontam problemas permanentes do sistema educacional brasileiro que reforçam a concentração de renda, principalmente, o relativo atraso educacional, estimado em uma década.16

Outro estudo dos anos de 1990 se combina com os resultados ante-riores. Ferreira utiliza as evidências empíricas de Barros e Mendonça e cons-tata que a escolaridade é o principal determinante da distribuição de renda no Brasil. Segundo o autor, os anos de estudos explicam entre 33 e 50% a desigualdade total, embora, outras causas devam ser citadas, por exemplo, os efeitos da segmentação e da discriminação. Além dos resultados empíricos, Ferreira constrói um modelo teórico para explicar a persistência da desigual-dade de renda no Brasil. Esse modelo contém uma característica de dinâmi-ca intergeracional que retroalimenta a desigualdade nacional. Essa retroali-mentação inicia-se com uma elevada desigualdade educacional que gera uma elevada desigualdade de renda. Essa desigualdade de renda, ao criar grupos populacionais de rendas baixas, também promove uma desigualdade de poder político. Essa desigualdade de poder político perpetua a desigualdade educa-cional, uma vez que os grupos populacionais de rendas baixas não conseguem alterar as decisões políticas que podem favorecê-los, como a expansão de es-colas públicas de qualidade.Dessa forma, o circuito de retroalimentação se completa, com as diferenças educacionais gerando desigualdade de renda e desigualdade de poder político, impedindo que esse circuito seja interrompi-do. Para por termo ao fenômeno, Ferreira propõe a expansão e melhoria dos gastos públicos com educação, focalizando-os.17

Mais recentemente, a literatura nacional tem se dedicado à investiga-ção das causas da queda da concentração pessoal de renda no início do século 21, após 2001. Além dos resultados que incorporam parte das discussões dos anos 1970 e 1990, também ocorre a inclusão de outras variáveis determi-nantes da variação da concentração, como alguns gastos sociais, derivados do Programa Bolsa Família e previdenciários - aposentadorias e pensões. A introdução dessas variáveis expande o número de determinantes da variação da concentração de renda, sem romper com a literatura anterior, ampliando

16  BARROS, Ricardo Paes de, HENRIQUES, Ricardo e MENDONÇA, Rosane. Pelo fim das décadas perdidas: educação e desenvolvimento sustentado no Brasil. In: HENRIQUES, Ricardo (org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.17  FERREIRA, Francisco H.G. Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou hete-rogeneidade educacional? In: HENRIQUES, Ricardo (org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro:IPEA, 2000.

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as conexões causais. Essas conexões aparecem numa série de estudos que uti-lizam técnicas matemáticas de decomposição.

Soares decompôs a variação da concentração da renda domiciliar bra-sileira no período de 1995 a 2004, com destaque para o período pós-2001, concluindo que o mercado de trabalho explica 75% da queda da concentra-ção pessoal de renda, decorrentes da participação da renda do trabalho. As transferências públicas do Programa Bolsa Família também tem importância, contribuindo com 27% no período de 2001 a 2004, indicando a sua relevân-cia para a redução da desigualdade de renda no Brasil. 18

Hoffmann, utilizando a mesma técnica de decomposição de Soares, obtém resultados similares para algumas regiões brasileiras, com destaque para as transferências públicas no Nordeste, que contribuem significativa-mente para a redução da concentração de renda pessoal dessa região. Para as demais regiões analisadas, Hoffmann obteve resultados que indicam a renda do trabalho como o principal tipo de renda envolvido com a redução da con-centração.19

Ferreira, em parceria com Leite, Litchfield & Ulyssea, efetuam uma série de decomposições da desigualdade de renda brasileira. Dentre os prin-cipais resultados, destacam-se as contribuições da escolaridade e da discri-minação por cor. Em 2004, as diferenças educacionais entre os responsáveis pelo domicílio explicam 38% da desigualdade total, enquanto a variável cor explica 11%. Contudo, apesar da elevada capacidade explicativa da educação, houve uma redução de sua participação no período compreendido entre 1981 e 2004, indicando redução nos retornos da escolaridade. Os 11% explicados pela cor, embora sejam relativamente reduzidos, são significativamente maio-res do que outros resultados encontrados na literatura nacional, resultado que permanece inalterado entre 1981 e 2004. Considerando a participação das fontes de renda na desigualdade total, os autores identificam, em 2004, que a renda do trabalho contribui com 67% e as aposentadorias e pensões com 18%. Diante dos resultados obtidos para a escolaridade, discriminação e apo-sentadorias, os autores concluem que, para o período entre 1993 e 2004, houve redução da importância dos retornos da educação e queda na desigual-dade dos grupos raciais, acompanhadas de maior focalização das transferên-cias públicas.20

18  SOARES, Sergei Suarez Dillon. Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004. Texto para Discussão nº 1166. Brasília: IPEA, fevereiro de 2006.19  HOFFMANN, Rodolfo. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil em cinco regiões entre 1997 e 2004. Econômica. Rio de Janeiro: v.8, nº1, junho de 2006.20 FERREIRA, Francisco H.G.; LEITE, Phillippe G.; LITCHFIELD, Julie A. & ULYSSEA, Gabriel, 2006, op.cit.

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A importância das transferências públicas para a redução da concen-tração de renda brasileira após 2001, torna-se um objeto específico de análise. Soares, Veras, Medeiros e Osório analisam a contribuição de determinados programas públicos de transferências para a redução da desigualdade da dis-tribuição de renda, concluindo, por meio de decomposição, que o Benefício de Prestação Continuada, o Programa Bolsa Família e as aposentadorias e pensões no piso, contribuem, respectivamente, com 7%, 21% e 32% para a redução da desigualdade no período de 1995 a 2004. A principal causa para que essas transferências públicas contribuíssem para a redução da desigualda-de é a correspondente diminuição de seus coeficientes de concentração, in-dicando ampliação da focalização desses gastos públicos. Os autores, a partir desses resultados positivos, propõem maior cobertura.21

Em estudo institucional, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-da (IPEA) também analisa a contribuição das transferências públicas para a redução da desigualdade no período de 2001 a 2004, concluindo que as aposentadorias e pensões no piso, o Benefício de Prestação Continuada e as transferências de renda do Programa Bolsa Família contribuem, juntos, com 30% da redução total. Esse resultado para as transferências públicas, segundo o IPEA, sugere maior efetividade do sistema de proteção social. O estudo também analisa a contribuição de outros fatores para a redução da desigual-dade no período. Dentre esses fatores, destacam-se a escolaridade, a produ-tividade do trabalho e a segmentação regional,que contribuem com 16, 18 e 11%, respectivamente. O conjunto de resultados apresentados pelo estudo indica que as políticas sociais que transferem renda, a qualificação da força de trabalho e a integração dos mercados de trabalho contribuem para a queda da desigualdade no período de 2001 a 2004.22

2. FORMALIZAÇÃO DA DECOMPOSIÇÃO DAS VARIAÇÕES DOS GINI’S REGIONAIS E NACIONAL

A técnica matemática utilizada baseia-se em cálculo diferencial. Para construir o cálculo diferencial, iniciamos com a seguinte identidade:

k

G ≡ Σ Y. C (1) 1

21  SOARES, Sergei Suarez Dillon ; VERAS, Fabio; MEDEIROS, Marcelo e OSÓRIO, Rafael Guerreiro. Progra-mas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão nº1228.Brasília:IPEA, outubro de 2006.22  INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota Técnica. Rio de Janeiro:IPEA, agosto de 2006.

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A partir da identidade (1), nota-se que o coeficiente de GINI (G) é idêntico ao somatório do produto de dois coeficientes (Y e C) dos tipos de renda (k) selecionados. O coeficiente Y mede a participação relativa de cada tipo de renda selecionada na renda domiciliar por pessoa. O coeficiente C mede o grau de concentração de cada um desses tipos de renda. Portanto, a partir da identidade (1), pode-se decompor o GINI de uma região da seguinte forma:

k

G t-1 ≡ Σ Y t-1 . C t-1 (2) 1

k

G t ≡ Σ Y t . C t (3) 1

Como as decomposições do GINI serão construídas, inicialmente, para os anos de 2001 a 2004, insere-se estes anos nas identidades (2) e (3).Contudo, depois também serão inseridos o sub-período de 2004 a 2006 e o período de 2001 a 2006 para as decomposições com o período completo. Portanto, serão três decomposições, sendo duas para dois sub-períodos (2001 a 2004 e 2004 a 2006) e uma para o período completo (2001 a 2006). A partir das identidades (2) e (3) torna-se possível efetuar o primeiro cálculo diferencial:

k

∆G ≡ G2004 - G2001 ≡ Σ (Y2004. C2004 - Y2001. C2001) (4) 1

A identidade (4) indica a contribuição de cada tipo de renda para a variação do GINI. Essa contribuição pode ser decomposta em duas partes a partir da variação dos coeficientes Y e C:

k

∆G ≡ Σ (C2004. ∆Y + Y2001. ∆C ) (5) 1

k

∆G ≡ Σ (C2001. ∆Y + Y2004. ∆C ) (6) 1

149

Nas identidades (5) e (6) nota-se que as variações dos coeficientes da renda (∆Y) e da concentração (∆C) permitem mensurar a participação desses dois coeficientes (Y e C) na variação do GINI. Contudo, as combinações dessas variações contidas nas duas identidades geram resultados diferentes. Diante dessas diferenças, pode-se escolher com qual identidade a decompo-sição será construída ou, (...) para evitar a questão de escolher arbitrariamente uma delas, é razoável utilizar a média aritmética das duas 23. Ao se utilizar a média dos coeficientes Y e C, obtemos a seguinte identidade:

k

∆G ≡ Σ (C*. ∆Y + Y*. ∆C) (7)

1

As médias aritméticas dos coeficientes de concentração (C*) e de ren-da (Y*) da identidade (7) atuam como um critério tradicional de ponderação que evita resultados mais extremos obtidos pela escolha de uma ou outra identidade, no caso, as identidades (5) ou (6). Ainda na identidade (7), nota-se que a variação do GINI pode ser decomposta em duas partes para cada tipo de renda: uma parte indicará a participação da variação de cada tipo de renda (C*.∆Y); a outra parte indicará a participação da concentração de cada tipo de renda (Y*.∆C). Essas duas partes (efeito renda e efeito concentração) podem ser melhor interpretadas por meio de uma última manipulação algébrica:

k

∆G ≡ Σ [(C*-G*)∆Y + Y*. ∆C] (8) 1

A identidade (8) gera resultados mais coerentes para o efeito renda [(C*-G*) ∆Y] e para o efeito concentração (Y*.∆C). Essa coerência pode ser notada, por exemplo, no efeito renda [(C*-G*)∆Y]; um crescimento na par-ticipação relativa de um tipo de renda k contribuirá com a redução do GINI desde que o coeficiente médio de concentração (C*) dessa renda k seja menor que o coeficiente médio do GINI (G*).

Dessa forma, a identidade (8) permite decompor a variação do GINI em dois efeitos: a) efeito-renda [(C*-G*)∆Y] e b) efeito-concentração (Y*∆C). Esses dois efeitos indicam a contribuição das participações relativas das rendas e dos seus coeficientes de concentração na variação do GINI.

As propriedades matemáticas da técnica de decomposição apresentada não permitem identificar conexões causais entre as variáveis selecionadas e a desigualdade de renda. Sendo assim, cabe uma consideração de natureza me-23  HOFFMANN, Rodolfo.Transferências de Renda e a Redução da Desigualdade no Brasil em Cinco Regiões entre 1997 e 2004. Econômica. Rio de Janeiro: v.8, nº1, p.60, junho de 2006.

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todológica: essa técnica de decomposição pertence a um grupo de exercícios matemáticos, e embora estes exercícios não permitam identificar as causas do comportamento da desigualdade, eles permitem levantar uma série de potenciais candidatos. 24

A decomposição da variação dos GINIs foi construída para Brasil e cinco macro-regiões brasileiras - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oes-te, nos sub- períodos de 2001 a 2004 e 2004 a 2006 por três fontes (tipos) de renda, utilizando-se os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios (PNAD). Os tipos de renda são: trabalho - inclui as rendas de todos os trabalhos (primário, secundário, etc); aposentadorias e pensões; e transfe-rências públicas de renda (que incluem juros e dividendos). Cabe destacar que a distribuição aqui analisada refere-se a distribuição da renda domiciliar.

Para a região Norte, considera-se apenas a área urbana, com o propó-sito de se avaliar a hipótese de convergência de distribuição de renda entre as áreas urbanas e rurais. O sub- período de 2001 a 2004 foi escolhido por apresentar elevada redução da concentração de renda no Brasil. Essa elevada redução está descrita na literatura nacional.

As variáveis utilizadas para construir as decomposições são: partici-pação relativa de cada tipo (fonte) de renda na renda domiciliar por pessoa total; e coeficiente de concentração de cada tipo de renda construído segundo a distribuição por domicílios. Dos três tipos de renda analisadas, o tipo juros não foi possível desagregar do tipo transferências públicas de renda. Deste conjunto, três mostraram-se significativas: trabalho, transferências públicas de renda, incluindo a parcela de juros, e pensões e aposentadorias. Utilizar a variável juros como indicador das transferências públicas, justifica-se porque a maioria das rendas contidas nessa variável da PNAD possuem proximidade com as transferências.

A análise a seguir contará com o apoio de dezenove tabelas. Nove con-têm as variáveis com as quais as decomposições foram construídas, as demais apresentam as próprias decomposições. A última tabela constitui um esforço de síntese dos resultados das decomposições para os dois sub-períodos e para o período completo. Todas essas tabelas apresentam os resultados principais.

24  FERREIRA, Francisco H.G.; LEITE, Phillippe G.; LITCHFIELD, Julie A. & ULYSSEA, Gabriel. Ascensão e Queda da desigualdade de renda no Brasil, Econômica. Rio de Janeiro: v.8, nº1, p.165, junho de 2006. Grifos nossos.

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3. RESULTADOS DAS DECOMPOSIÇÕES PARA BRASIL E MA-CRO-REGIÕES

A participação da renda do trabalho no Brasil, assim como em outros países, representa, em 2001, 75% e, em 2004, 74% da renda por pessoa do-miciliar. Deve-se atentar para a expansão do trabalho urbano e metropolitano que tende a elevar a renda monetária, portanto, a renda domiciliar por pessoa. Nos anos de 2001 e 2004, as regiões Norte (urbana) e Centro-Oeste apresen-tam participações da renda do trabalho nas respectivas rendas domiciliares por pessoa superiores à média nacional, atingindo nos dois anos considerados, cifras maiores que 80%, enquanto, dentre todas as regiões, o Nordeste se situa no extremo oposto, mostrando indicadores da ordem de 73 e 70% respecti-vamente. (Tabela 1)

Tabela 1 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Renda Domiciliar per Capita e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2001 2004 2001 2004

Brasil 0,75 0,74 0,56 0,54

Norte 0,83 0,82 0,56 0,53

Nordeste 0,73 0,70 0,62 0,59

Centro-Oeste 0,81 0,81 0,59 0,58

Sudeste 0,74 0,72 0,53 0,51

Sul 0,74 0,73 0,55 0,52

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Analisando o grau de desigualdade da distribuição da renda do traba-lho, no sub- período considerado, verifica-se a redução do índice de Gini na-cional de 0,56 para 0,54. Contudo, mesmo com tal redução, a desigualdade na distribuição da renda no Brasil se mantém muito elevada frente aos padrões internacionais, inclusive quando cotejado com economias de nível de renda por pessoa similar. Esse grau de concentração agrava-se nas regiões Nordeste e Centro-Oeste que superam o grau de desigualdade nacional, atingindo coefi-cientes de 0,59 e 0,58 em 2004, respectivamente. As maiores quedas relativas no grau de desigualdade, entre 2001 e 2004, ocorrem nas regiões Sul, Norte (urbano) e Nordeste, enquanto, nesse último ano, os menores coeficientes de desigualdade ocorrem nas regiões Sudeste e Sul (0,51 e 0,52, respectiva-mente), indicando um conjunto de características positivas nos mercados de trabalho dessas regiões, maior dinamismo, maior organização institucional e melhores oportunidades de emprego, trabalho e renda.

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Nas regiões Norte (urbana) e Centro-Oeste, a maior participação da renda do trabalho na renda domiciliar por pessoa pode ser atribuída a dois fatos. Na primeira região, os microdados contemplam apenas a região urba-na, na segunda região o elevado contingente de empregados públicos majora a renda do trabalho. Em 2004, a região Centro-Oeste apresenta o segundo maior grau de desigualdade na distribuição de renda, cabendo ao Nordeste a primeira posição. Esses resultados podem ser conferidos ao diferencial de qualificação de mão-de-obra e de rendimentos entre o mercado de trabalho urbano e rural.

Além de representar a maior parcela de renda domiciliar por pessoa, a renda do trabalho, também, consiste no tipo de renda que mais contribui para a redução do grau de desigualdade. Para a realidade nacional, a importância da renda do trabalho na redução da desigualdade na distribuição de renda é de 64,04% (Tabela 2). Esses valores são maiores nas regiões Norte (urbano) e Sudeste, com cifras de 72,64% e 70,38%, respectivamente, em virtude da importância do mercado de trabalho urbano nas duas regiões. A única macro-região que apresenta participação da renda do trabalho muito abaixo do resul-tado nacional é a Centro-Oeste, sugerindo a ocorrência de menores mudanças alocativas em seu mercado de trabalho.

Entre os efeitos renda e concentração, da decomposição da variação do índice de Gini, o segundo efeito é mais significativo, inclusive, em virtude de sua maior magnitude. A baixa participação do efeito-renda mostra que, além da participação relativa por tipos de renda variar pouco, o grau de de-sigualdade da distribuição da renda domiciliar é pouco reativo às mudanças relativas de renda.

Tabela 2 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2001 a 2004 2001 a 2004 2001 a 2004

Brasil -0,20 -63,84 -64,04

Norte -0,27 -72,37 -72,64

Nordeste -1,20 -67,68 -68,88

Centro-Oeste 0,00 -54,10 -54,10

Sudeste 0,20 -70,58 -70,38

Sul 0,03 -64,35 -64,32

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

As rendas originárias dos programas de transferências públicas - Bolsa Família, LOAS, PETI e Auxílio-Gás -, acrescidas da parcela de juros, consti-

153

tuem o segundo tipo de renda analisado. Relembramos, conforme enunciado anteriormente, que a magnitude da parcela de juros é muito pequena perante as transferências públicas de renda, em virtude de sub-registro da PNAD. Dessa forma, esse agregado será considerado uma proxy do tipo de renda associado à transferência pública de renda.

A estimativa para o Brasil indica que as transferências de renda ocu-pam uma parcela relativamente pequena de renda domiciliar por pessoa, am-pliando-se, entre 2001 e 2004, de 1% para 2% (Tabela 3).A macro-região Nordeste apresenta o maior crescimento das transferências públicas, passando de 1% para 3%, contribuindo expressivamente para elevar a participação das rendas desse tipo na renda domiciliar por pessoa no agregado. Esse resultado é compatível com a expansão de alguns programas de transferências de renda na região, principalmente do Programa Bolsa Família que aloca, em 2004, aproximadamente metade dos seus recursos para o Nordeste em 2004. 25 As macro-regiões Norte (urbana), Centro-Oeste e Sudeste apresentam as me-nores participações nas transferências públicas, ficando abaixo do resultado nacional, enquanto, a região sul, em 2004, se situa, depois do Nordeste, em termos de importância (Tabela 3).

Tabela 3 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2001 2004 2001 2004

Brasil 0,01 0,02 0,56 0,18

Norte 0,01 0,01 0,43 0,02

Nordeste 0,01 0,03 0,28 0,09

Centro-Oeste 0,01 0,01 0,61 0,10

Sudeste 0,01 0,01 0,67 0,36

Sul 0,02 0,02 0,67 0,47

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Com relação ao grau de desigualdade, nota-se que, em 2001, as trans-ferências públicas mostram elevado grau de concentração da ordem de 0,56, igualando-se ao grau de desigualdade da renda do trabalho. Nesse mesmo ano, as três regiões de maior nível de renda por pessoa - Centro-Oeste, Sudes-te e Sul – mostram, perante as demais regiões, os coeficientes de desigualda-de mais elevados, 0,61, 0,67 e 0,67, respectivamente, superando expressiva-

25 CACCIAMALI, Maria Cristina & TATEI, Fábio. Uma análise regional do atendimento aos mais pobres: os programas de transferência de renda, (mimeo), 2007.

154

mente o índice agregado. Por outro lado, as macro-regiões Norte (urbana) e Nordeste expõem, em 2001, as menores desigualdades, coeficientes de 0,43 e 0,28, respectivamente, sugerindo transferências de renda de valores menos desiguais nos programas assistenciais das regiões mais pobres. No sub-período analisado, o grau de desigualdade das transferências de renda é abruptamente reduzido em todas as regiões, com menor intensidade nas regiões Sul e Su-deste (Tabela 3). Essa redução abrupta associa-se a ampliação da cobertura de alguns programas de transferências públicas, como o Bolsa Família, por exemplo.

Tabela 4 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2001 a 2004 2001 a 2004 2001 a 2004

Brasil -4,30 -21,41 -25,71

Norte -8,51 -13,20 -21,71

Nordeste -27,30 -14,16 -41,46

Centro-Oeste -3,25 -22,58 -25,83

Sudeste -0,05 -16,09 -16,14

Sul 0,17 -10,12 -9,95

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Analisando os efeitos renda e concentração, as transferências públicas contribuem com 25,71% para a queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa agregada, principalmente em função do efeito-concentração. Este resultado se reproduz em todas as macro-regiões, exceto o Nordeste onde o principal efeito para reduzir o grau de desigualdade é o efeito-renda, in-dicando uma forte ampliação das transferências nessa região entre 2001 e 2004. As macro-regiões Sudeste e Sul apresentam menor contribuição das transferências de renda na redução dos respectivos coeficientes de grau de desigualdade, confirmando que as transferências estão sendo alocadas, prio-ritariamente, para as macro-regiões de menores rendas por pessoa, como a Norte e Nordeste (Tabela 4).

155

Tabela 5 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade

2001 2004 2001 2004

Brasil 0,20 0,21 0,54 0,53

Norte 0,14 0,14 0,51 0,50

Nordeste 0,23 0,24 0,59 0,61

Centro-Oeste 0,14 0,14 0,59 0,56

Sudeste 0,22 0,24 0,52 0,51

Sul 0,22 0,22 0,55 0,51

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

As aposentadorias e pensões ocupam uma parcela expressiva da renda domiciliar por pessoa agregada, atingindo 21% em 2004, mantendo-se estável no sub-período analisado. As menores participações regionais ocorrem para as macro-regiões Norte (urbana) e Centro-Oeste, refletindo a característica de se constituírem em mercados de trabalho relativamente recentes, visto cons-tituírem-se nas regiões de ocupação mais recente. O grau de desigualdade das aposentadorias e pensões nacionais se reduz no período, embora ainda mos-trem coeficientes elevados, especialmente no Nordeste. Nessa última região, inclusive, o coeficiente de desigualdade se eleva no sub- período, refletindo, em parte, o elevado grau de desigualdade salarial da região, que se reflete nas aposentadorias e pensões, especialmente do setor público. Excetuando-se o Nordeste, todas as regiões mostram reduções dos graus de desigualdades, em-bora o nível dos indicadores ainda se situe, em 2004, em patamares elevados (Tabela 5).

Tabela 6 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2001 a 2004 2001 a 2004 2001 a 2004

Brasil -0,34 -8,30 -8,64

Norte -0,12 -4,96 -5,08

Nordeste 0,24 11,45 11,69

Centro-Oeste 0,04 -19,46 -19,42

Sudeste -0,65 -10,68 -11,33

Sul -0,08 -25,27 -25,35

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

156

As aposentadorias e pensões contribuem com 8,64% para a redução da desigualdade de renda domiciliar brasileira. A macro-região Sul apresenta a maior contribuição das aposentadorias e pensões na redução de sua desigual-dade de renda domiciliar, contribuindo com aproximadamente um quarto (25,35%), e a menor contribuição ocorre na macro-região Norte (urbana), que contribui apenas com 5,08%. Os resultados indicam diferentes compor-tamentos entre as regiões do país, por exemplo, a distribuição desigual da co-bertura da legislação trabalhista no país, a incipiência do mercado de trabalho na região Norte e a desigualdade dos valores dessas transferências.

Tabela 7 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade

2004 2006 2004 2006

Brasil 0,74 0,74 0,54 0,53

Norte 0,82 0,81 0,53 0,52

Nordeste 0,70 0,71 0,59 0,59

Centro-Oeste 0,81 0,79 0,58 0,58

Sudeste 0,72 0,72 0,51 0,51

Sul 0,73 0,73 0,52 0,52

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Para o segundo sub-período de 2004 a 2006, nota-se que a queda do Gini sofre uma redução em seu ritmo, para Brasil e macro-regiões

Todas as macro-regiões brasileiras mantêm o grau de desigualdade de 2004. A participação relativa da renda do trabalho oscila relativamente pou-co nesse segundo sub-período, mantendo-se ao redor dos 74% para Brasil e maioria das macro-regiões. Para a macro-região Norte (urbana) a renda do trabalho atinge, em 2006, uma participação de 81%, típica de mercados de trabalho urbanos.

157

Tabela 8 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2004 a 2006 2004 a 2006 2004 a 2006

Brasil -0,21 -39,02 -39,23

Norte -1,60 -79,02 -80,62

Nordeste 0,50 -36,31 -35,81

Centro-Oeste 9,48 18,85 28,33

Sudeste 0,00 17,26 17,26

Sul -0,11 -32,77 -32,88

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Na decomposição do Gini, destaca-se a macro-região Norte (urba-na), com uma contribuição de 80,62% para queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa. Para Brasil e demais macro-regiões, a renda do traba-lho apresenta uma contribuição menor em relação ao sub-período de 2001 a 2004. A contribuição da renda do trabalho no sub-período de 2004 a 2006 se reduz, simultaneamente, à redução na queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa nacional e regional. Ressaltamos o efeito-concentração positivo e um efeito-renda nulo na região Sudeste que propiciam argumentos contrários à continuidade do declínio do grau de desigualdade na distribuição de renda em termos agregados, visto a sua importância no total da renda e do emprego no Brasil.

Tabela 9 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade

2004 2006 2004 2006

Brasil 0,02 0,02 0,18 0,13

Norte 0,01 0,03 0,02 0,02

Nordeste 0,03 0,04 0,09 0,09

Centro-Oeste 0,01 0,02 0,10 0,12

Sudeste 0,01 0,02 0,36 0,28

Sul 0,02 0,02 0,47 0,39

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

A participação relativa das transferências públicas na renda domiciliar por pessoa mantém-se relativamente reduzida para o sub-período de 2004 a 2006, apresentando elevação pronunciada para a macro-região Norte (ur-

158

bana) e Centro-Oeste, atingindo, em 2006, 3 e 2% da renda domiciliar por pessoa, respectivamente. A macro-região Nordeste mantém-se como a região de maior participação relativa, com um percentual de 4%. Com relação ao grau de desigualdade na distribuição das transferências, notam-se reduções para Brasil, Sudeste e Sul, indicando maior cobertura do Programa Bolsa Fa-mília nessas regiões . Contudo, a diminuição do grau de concentração desse tipo de renda – transferências públicas - ocorre num ritmo inferior à queda do sub-período anterior de 2001 a 2004.

Tabela 10 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2004 a 2006 2004 a 2006 2004 a 2006

Brasil -17,27 -6,71 -23,98

Norte -69,41 -0,44 -69,85

Nordeste -24,93 -1,21 -26,14

Centro-Oeste 177,76 -22,90 154,86

Sudeste -7,53 -11,14 -18,67

Sul -2,97 -10,05 -13,02

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

A decomposição do Gini das transferências públicas indica que para Brasil esse tipo de renda participa com 23,98% para queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa, um resultado próximo de sua participação no sub-período anterior de 2001 a 2004. O destaque na decomposição é a macro-região Norte (urbana), contribuindo com 69,85% para a queda do Gini regional, superando o Nordeste que, no sub-período anterior, manteve a maior contribuição. As macro-regiões Sudeste e Sul, como era de se esperar, pois não se constituem no foco prioritário da pobreza no Brasil, continuam com contribuições relativamente menores, embora superiores ao sub-período anterior.

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Tabela 11 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2004 2006 2004 2006

Brasil 0,21 0,21 0,53 0,51

Norte 0,14 0,14 0,50 0,52

Nordeste 0,24 0,23 0,61 0,58

Centro-Oeste 0,14 0,16 0,56 0,59

Sudeste 0,24 0,23 0,51 0,48

Sul 0,22 0,22 0,51 0,48

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

As aposentadorias e pensões apresentam variações relativamente pe-quenas em suas participações na renda domiciliar por pessoa, com relação ao sub-período anterior, mantendo-se ao redor de 21% para Brasil, atingindo a maior participação de 23% para a macro-região Sudeste. A maior elevação relativa ocorre para o Centro-Oeste, que atinge 16% em 2006. O Norte (ur-bano) apresenta a menor participação, com um percentual de 14%. O grau de desigualdade das aposentadorias e pensões se reduz para Brasil, Nordeste, Sudeste e Sul, num ritmo anual maior do que no primeiro sub-período de 2001 a 2004, indicando os efeitos da redução das aposentadorias e pensões para os beneficiários mais recentes do sistema de seguridade social.

Tabela 12 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2004 a 2006 2004 a 2006 2004 a 2006

Brasil 0,08 -33,77 -33,69

Norte 0,08 43,86 43,94

Nordeste -1,77 -35,06 -36,83

Centro-Oeste -5,74 -286,87 -292,61

Sudeste 0,51 -67,01 -66,50

Sul -0,23 -46,10 -46,34

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Na decomposição da desigualdade das aposentadorias e pensões desta-cam-se as macro-regiões Sudeste e Sul, com taxas de 66,5% e 46,34%, respec-tivamente. Na macro-região Norte as aposentadorias e pensões contribuem

160

para a elevação da desigualdade. O resultado para Brasil fica abaixo de todas as macro-regiões.

Tabela 13 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2001 2006 2001 2006

Brasil 0,75 0,74 0,56 0,53

Norte 0,83 0,81 0,56 0,52

Nordeste 0,73 0,71 0,62 0,57

Centro-Oeste 0,81 0,79 0,59 0,59

Sudeste 0,74 0,72 0,53 0,51

Sul 0,74 0,73 0,55 0,52

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Para o período como um todo, os resultados da participação relativa da renda do trabalho, conforme esperado, mostram um perfil de estabilidade na composição da renda nacional e regional domiciliar por pessoa, típica de um determinado padrão de distribuição funcional e familiar de renda. O pe-ríodo completo de 2001 a 2006 é curto quando se esperam mudanças estru-turais na distribuição de renda de uma economia como a brasileira, que apre-senta, historicamente, poucas inflexões distributivas. O grau de desigualdade de 2006 da renda do trabalho declina para o Brasil e a macro-região Norte (urbana) quando comparado a 2004, permanecendo constante para as demais macro-regiões, conduzindo a uma redução na queda da desigualdade de ren-da do trabalho. Dessa forma, o ritmo da queda da desigualdade da renda do trabalho menos intenso, sub-período de 2004 a 2006, implica arrefecimento da tendência à diminuição do grau de desigualdade da distribuição da renda domiciliar por pessoa. As macro-regiões Nordeste e Centro-Oeste continuam, em 2006, apresentando os maiores graus de desigualdade da renda do traba-lho, mantendo coeficientes de 0,59 e 0,57 respectivamente.

161

Tabela 14 - Participação Relativa da Renda do Trabalho na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2001 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2006

Brasil -0,30 -55,51 -55,81

Norte -0,47 -73,31 -73,78

Nordeste -0,83 -56,35 -57,18

Centro-Oeste -0,21 -58,17 -58,38

Sudeste -0,10 -53,24 -53,34

Sul -0,03 -54,10 -54,13

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

A decomposição da queda da desigualdade de renda ao longo do perí-odo, como não poderia deixar de ser, apresenta, a exemplo do comportamen-to nos dois sub-períodos, a renda do trabalho como o principal tipo de renda associado a essa queda. Contudo, para a realidade nacional, a importância da renda do trabalho reduz-se quando comparada ao sub- período imediatamen-te anterior, contribuindo com 55,81% para a queda da desigualdade nacional entre 2001 e 2006. Nesse último período, a renda do trabalho aumenta a sua importância no declínio da desigualdade nas macro-regiões Norte e Centro-Oeste, em relação ao sub-período de 2001 a 2004, apesar do pequeno aumen-to. Em decorrência da redução do ritmo de queda da desigualdade de renda do trabalho, o efeito-concentração entre 2001 e 2006, também diminui para a renda do trabalho.

Tabela 15 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2001 2006 2001 2006

Brasil 0,01 0,02 0,56 0,13

Norte 0,01 0,02 0,43 0,02

Nordeste 0,01 0,04 0,28 0,09

Centro-Oeste 0,01 0,02 0,61 0,12

Sudeste 0,01 0,01 0,67 0,28

Sul 0,02 0,02 0,67 0,39

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Com relação as transferências públicas, nota-se uma elevação em sua participação na renda total, dobrando em 2006 para as macro-regiões Norte

162

e Centro-Oeste, apontando a expansão da cobertura dos programas públicos de transferência de renda, particularmente, do Programa Bolsa Família. A desigualdade na distribuição das transferências públicas sofre redução para Brasil e macro-regiões Sudeste e Sul, embora as quedas não tenham sido tão acentuadas como no sub- período de 2001 a 2004. As menores desigualdades na distribuição das transferências públicas continuam ocorrendo para as ma-cro-regiões Norte e Nordeste.

Tabela 16 - Participação Relativa das Transferências Públicas na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-Concentração Efeito-Total2001 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2006

Brasil -6,09 -19,13 -25,22

Norte -14,88 -16,10 -30,98

Nordeste -24,65 -10,99 -35,64

Centro-Oeste -9,02 -29,37 -38,39

Sudeste -0,77 -16,24 -17,01

Sul -0,06 -11,01 -11,07

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

A participação das transferências públicas na queda da desigualdade de renda permanece praticamente constante para Brasil no período de 2001 a 2006, mas aumenta para a maioria das macro-regiões, exceto a macro-re-gião Nordeste, que apresentava, no sub- período de 2001 a 2004, a maior participação das transferências públicas na queda da desigualdade de renda. A elevação da participação das transferências públicas na queda da desigual-dade de renda ocorre, no período de 2001 a 2006, em função do crescimento da participação relativa da renda das transferências públicas, indicado pelo efeito-renda.

163

Tabela 17 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Renda Domiciliar por Pessoa e Grau de Desigualdade no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiões% Renda Domiciliar Grau de Desigualdade2001 2006 2001 2006

Brasil 0,20 0,21 0,54 0,51

Norte 0,14 0,14 0,51 0,52

Nordeste 0,23 0,23 0,59 0,58

Centro-Oeste 0,14 0,16 0,59 0,59

Sudeste 0,22 0,23 0,52 0,48

Sul 0,22 0,22 0,55 0,48

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

As aposentadorias e pensões alteram relativamente pouco suas partici-pações relativas na renda total em 2006, permanecendo em 21% para Brasil. A desigualdade na distribuição de renda das aposentadorias e pensões no pe-ríodo de 2001 a 2006 sofre redução significativa nas macro-regiões Sudeste e Sul, numa taxa superior à do sub-período anterior de 2001 a 2004. Para Bra-sil, a redução também é significativa quando comparada com a desigualdade de 2004. Apesar das reduções na desigualdade, as aposentadorias e pensões continuam concentradas em 2006.

Tabela 18 - Participação Relativa das Aposentadorias e Pensões na Variação do GINI no Brasil e Macro-regiões

Brasil e Macro-regiõesEfeito-Renda Efeito-

Concentração Efeito-Total

2001 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2006

Brasil -0,25 -16,60 -16,85

Norte 0,05 4,10 4,15

Nordeste 0,00 -5,78 -5,78

Centro-Oeste * * *

Sudeste -0,76 -27,20 -27,95

Sul -0,16 -31,94 -32,10

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior* Os resultados da Decomposição da Renda das Aposentadorias e pensões na Macro-região Centro-Oeste, não foram robustos.

As aposentadorias e pensões contribuem com 16,85% para a queda da desigualdade de renda domiciliar por pessoa no período de 2001 a 2006, superando a sua participação no sub-período de 2001 a 2004. As macro-re-giões Sudeste e Sul apresentam contribuições maiores, atingindo as cifras de

164

27,95% e 32,1 %, respectivamente, fruto, conforme apontado anteriormen-te, de maior institucionalização desses mercados de trabalho regionais.

Tabela 19 - Síntese dos Resultados das Decomposições para os dois períodos (2001-2004 - 2004-2006) e para o período (2001-2006)

Renda do Trabalho Transferências Públicas Aposentadorias e Pensões

Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total Efeito-Total

Brasil eMacro-regiões

2001 a 2004

2004 a 2006

2001 a 2006 2001-2004 2004-2006 2001-2006 2001-2004 2004-2006 2001-2006

Brasil -64,04 -39,23 -55,81 -25,71 -23,98 -25,22 -8,64 -33,69 -16,85

Norte -72,64 -80,62 -73,78 -21,71 -69,85 -30,98 -5,08 43,94 4,15

Nordeste -68,88 -35,81 -57,18 -41,46 -26,14 -35,64 11,69 -36,83 -5,78

Centro-Oeste -54,10 28,33 -58,38 -25,83 154,86 -38,39 -19,42 -292,61 -1,95

Sudeste -70,38 17,26 -53,34 -16,14 -18,67 -17,01 -11,33 -66,50 -27,95

Sul -64,32 -32,88 -54,13 -9,95 -13,02 -11,07 -25,35 -46,34 -32,10

Fonte: elaborado pelos autores a partir das metodologias descritas no seção anterior

Sintetizando os resultados das decomposições, observamos que a contribuição da renda do trabalho, para a queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa, no sub-período de 2004 a 2006, é menor do que no sub-período anterior de 2001 a 2004. A renda do trabalho reduz sua contri-buição, enquanto a queda da desigualdade no segundo sub-período também se reduz. Apenas a macro-região Norte (urbana) apresenta elevação na contri-buição da renda do trabalho para a queda da desigualdade regional, atingindo um percentual de 80,62% em 2006. A contribuição da renda do trabalho ao longo de 2001 e 2006 diminui, em função do comportamento do segundo sub-período, de 2004 a 2006.

As transferências públicas apresentam, para Brasil, uma contribuição praticamente constante nos dois sub-períodos e no período completo, situ-ando-se próxima ao patamar de 25%. A maioria das macro-regiões apresenta uma elevação na contribuição das transferências, quando os dois sub-perío-dos são comparados.Para o período completo também ocorre elevação para a quase totalidade de regiões, excetuando-se a macro-região Nordeste que perde participação contributiva, perdendo sua colocação de destaque obtida no pri-meiro sub-período de 2001 a 2004.

No segundo sub-período de 2004 a 2006 as aposentadorias e pensões expandem a participação na queda da desigualdade de renda domiciliar por pessoa, atingindo 33,69% para Brasil. As macro-regiões Sudeste e Sul tam-bém se destacam nesse segundo sub-período. Para o período completo de

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2001 a 2006, nota-se que a contribuição das aposentadorias e pensões para Brasil dobram, em relação a 2001 a 2004.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura brasileira sobre distribuição de renda intensifica-se a par-tir da década de 1970, sob uma ótica macroeconômica, passando por um período de arrefecimento na década de 1980, até atingir posições teóricas mi-croeconômicas, hegemônicas, na década de 1990. Mais recentemente, na pri-meira metade de 2000, passa-se a discutir a queda da desigualdade pessoal de renda, trazendo para o debate as transferências públicas de renda como deter-minantes dessa redução. Os aspectos macroeconômicos da distribuição, por outro lado, principalmente aqueles ligados à distribuição funcional da renda, continuam não sendo abordados, enquanto a posição teórica hegemônica da década de 1990, centrada na microeconomia, continua predominando, enfa-tizando os investimentos em capital humano, e seus efeitos sobre o mercado de trabalho, como fatores determinantes para a redução da desigualdade na distribuição da renda.

Este trabalho tem como objetivo verificar a importância dos diferentes tipos de renda – trabalho, transferências públicas de renda e aposentadorias – na diminuição do grau de desigualdade da renda domiciliar por pessoa. Os resultados obtidos, por meio dos microdados da PNAD, indicam que a renda do trabalho se constitui, como era de se esperar, no principal tipo de renda associado com a diminuição da desigualdade, representando, em 2006, 74% para a média agregada, atingindo cifras ligeiramente superiores a 80% para as macro-regiões Norte (urbana) e Centro-Oeste e valores próximos a 70% para o Sul e Sudeste. A despeito da diminuição do índice de Gini da renda do trabalho, ressaltamos que esse indicador ainda mostra elevado grau de desigualdade, da marca de 0,53, em 2006.

Os resultados da decomposição da renda domiciliar por pessoa indi-cam o mesmo padrão, para os dois sub-períodos analisados (2001 a 2004 e 2004 a 2006): a renda do trabalho é o principal tipo de renda que contribui na redução do grau de desigualdade da distribuição de renda tanto do agrega-do quanto das cinco macro-regiões. Essa contribuição é maior para o sub-pe-ríodo de 2001 a 2004, reduzindo-se de 2004 a 2006, tornando-se similar para Brasil e maioria das macro-regiões no período completo de 2001 a 2006. As macro-regiões Norte (urbana) e Sudeste mostram a principal contribuição da renda do trabalho no sub-período de 2001 a 2004, sugerindo a importância das mudanças do mercado de trabalho urbano na redução da desigualdade, por exemplo, o aumento da oferta de mão-de-obra mais escolarizada, dimi-

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nuição dos diferenciais de anos de escolaridade entre os trabalhadores, redun-dando no estreitamento dos diferenciais de salários.

Os resultados alcançados merecem dois comentários adicionais. O primeiro é que, em função da técnica matemática utilizada, era esperado esse resultado, uma vez que a renda do trabalho representa cerca de três quartos da renda domiciliar por pessoa. Em segundo lugar, embora o mercado de trabalho se constitua em um forte candidato na explicação da redução da de-sigualdade, não se pode, a partir do modelo matemático adotado, afirmar que apenas esses fatores estejam envolvidos com a redução das desigualdades.

As transferências públicas de renda – Bolsa- Família, LOAS, PETI e outros – ocupam parcela reduzida da renda domiciliar por pessoa, atingindo para o Brasil, em 2006, apenas 2%. A única macro-região que amplia, no período, a sua participação relativa de forma significativa é o Nordeste, atin-gindo 4% em 2006. Esses resultados indicam baixa participação das transfe-rências de renda na composição da renda nacional e regional, considerando a magnitude da pobreza nacional. Para a macro-região Nordeste reconhece-se a primordialidade do Programa Bolsa Família, pois, em 2004, do total de recursos alocados pelo governo federal para esse programa, aproximadamente metade foi transferido para aquela região.

O grau de desigualdade da distribuição das rendas transferidas pelos programas governamentais, em 2001, mostra-se elevado, atingindo um coefi-ciente de 0,56 para o agregado, indicando o maior valor do Benefício Vitalí-cio frente às demais e escassas transferências. Entretanto, a ampliação dos pro-gramas, especialmente do Programa Bolsa Família, conduz à queda abrupta do coeficiente no sub-período de 2001 a 2004, atingindo para o agregado, em 2004, o patamar de 0,18. No segundo sub-período de 2004 a 2006 o grau de desigualdade das transferências públicas cai numa taxa significativamente me-nor em relação ao primeiro sub-período, mesmo assim, no período completo de 2001 a 2006, o coeficiente é da ordem de 0,13 para Brasil. Ao decompor a queda da desigualdade da renda domiciliar por pessoa, nota-se que os pro-gramas analisados contribuem com mais de um quarto (25,71%) na redução do grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar por pessoa em nível agregado no sub-período de 2001 a 2004, ampliando regionalmente sua contribuição de 2004 a 2006, atingindo 66,5% na região Sudeste. A maior contribuição das transferências, no sub-período de 2001 a 2004, se verifica na macro-região Nordeste. Para o período completo de 2001 a 2006 a con-tribuição das transferências públicas na redução da desigualdade mantém-se praticamente constante para Brasil, atingindo 25,22%, mas o Nordeste perde participação relativa enquanto a região Centro-Oeste amplia a sua parcela.

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Chamamos atenção para o fato de que, neste estudo, assim como em outros, o tipo de renda transferências públicas agrega a parcela de juros recebida pelas famílias, entretanto, devido à sub-declaração desta parcela na PNAD, a supe-restimação da renda referente às transferências é diminuta.

As aposentadorias e pensões ocupam parcela expressiva da renda do-miciliar no Brasil, representando no agregado um quinto (21%), represen-tando um tipo de renda relevante para a análise do processo redistributivo. Contudo, o grau de desigualdade dessa fonte de renda mantém-se elevado nos dois sub-períodos, apesar da queda mais acentuada entre 2004 e 2006, revelando transferências de valor menores e menos desiguais depois da Refor-ma da Previdência Pública Social. Na medida em que essa transferência de renda se encontra vinculada à remuneração do trabalho acumulado pregresso, como deve ser, e não ao combate da pobreza, e que a concentração de renda do trabalho mostra elevado grau de desigualdade, a contribuição deste tipo de renda para a redução do grau de desigualdade da renda domiciliar por pessoa é da ordem de 8,64% no sub-período de 2001 a 2004 e 33,69% de 2004 a 2006. A maior contribuição ocorre na macro-região Sul no primeiro sub-pe-ríodo, como era de se esperar, pela maior cobertura da legislação trabalhista e seguridade pública social e o menor grau de concentração dos salários dos empregos pregressos, representando pouco mais de um quarto (25,35%). No período de 2001 a 2006 a macro-região Sul continua se destacando com as aposentadorias e pensões, atingindo uma participação de 32,1%.

Comparando os principais resultados alcançados por este estudo com a literatura nacional mais recente fazemos duas observações. A primeira ratifi-ca a identificação da renda do trabalho como a principal fonte de renda asso-ciada à queda da desigualdade ao longo de todo o período e nos dois sub-perí-odos analisados. A segunda reforça o instrumento das transferências públicas de renda para fins redistributivos, especialmente, o impacto inicial quando da ampliação do programa de transferência de renda por meio do programa Bol-sa Família. Esses programas se constituem em instrumentos complementares ao comportamento do mercado de trabalho nesse processo. Reconhecemos, ainda, dois pontos adicionais. O primeiro refere-se ao papel das mudanças do mercado de trabalho para redução do grau de desigualdade. O segundo diz respeito à articulação de argumentos macroeconômicos e microeconômicos para compreender a redução do grau de desigualdade na distribuição de ren-da. Comparando também os resultados do sub-período de 2001 a 2004 com os do período de 2001 a 2006, nota-se que no segundo sub-período, a renda do trabalho perde participação relativa na explicação do grau de desigualdade, embora continue predominante, permitindo a ampliação das aposentadorias e das transferências públicas. Sendo assim, as aposentadorias e outras trans-

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ferências públicas, por exemplo, o Benefício Continuado, mostram-se como importantes instrumentos redistributivos de longo prazo.

Na primeira década do século vinte e um, distintos fatores vêm con-tribuindo para uma trajetória, mais consistente, do que nas décadas passadas, no sentido de estabelecer um perfil mais equânime de distribuição de renda. Dentre esses fatores, devemos mencionar a política de crescimento do salário mínimo, o crescimento do emprego em regiões periféricas do Brasil e em setores intensivos em mão-de-obra e os programas de transferências de renda analisados neste trabalho. Devemos considerar, entretanto, que o movimen-to de redução do coeficiente de desigualdade ocorre depois de um período longo, um quarto de século, de baixo dinamismo da economia e, depois de dez anos, de estagnação com estabilidade de preços. A diminuição do grau de desigualdade se verifica pelo aumento da participação na renda total dos estratos inferiores e da diminuição da participação dos estratos superiores. Desde os anos de 1980, verificam-se baixo nível e incipiente difusão territorial de investimentos em capital físico, energia e toda sorte de infra-estrutura - e humano - qualidade incipiente do ensino fundamental, baixa cobertura do ensino médio, técnico e de terceiro grau . Fatos que comprometem, não ape-nas o nível e a qualidade dos investimentos da década de 2000, quando seria desejável manter o processo de desconcentração de renda, como, principal-mente, o aumento e a disseminação da produtividade, restringindo, no futuro próximo, a criação de empregos de maior produtividade, melhor qualidade e a ascensão da renda do trabalho com menor dispersão. O Brasil corre o risco de cair em uma armadilha de baixo investimento em projetos de tecnologia avançada, criação de empregos de baixa produtividade e qualidade, baixos salários e menor dispersão de salários.

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6 MAGNITUDE DA QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL DE 2001 A 2006: UMA ABORDAGEM REGIONAL POR TIPOS DE RENDA

Maria Cristina Cacciamal e Vladimir Sipriano Camillo

No Brasil, no primeiro lustro do século XXI, constata-se a tendência à queda do grau de desigualdade pessoal da renda. Diante dessa evidência, este estudo motiva-se pela seguinte questão: qual a magnitude dessa queda e quais foram seus impactos sobre o bem-estar social das famílias brasileiras? Para tentar responder essa pergunta, a metodologia adotada reúne um conjunto de argumentos extraídos do debate nacional recente sobre o tema, apresentado de forma estilizada, combinado com estimativas dos perfis de distribuição de renda, de acordo com as seguintes fontes: renda domiciliar per capta total; ren-da do trabalho; renda das aposentadorias e pensões e renda das transferências públicas, contendo o Programa Bolsa Família. A seleção destes tipos de renda deve-se à sua importância na composição da renda domiciliar e à sua respon-sabilidade pela diminuição do grau de desigualdade do período. O recorte dos dados, segundo as macro-regiões brasileiras, por outro lado, se justifica, ainda que insuficiente para dar conta das múltiplas espacialidades nacionais, pela necessidade de conferir maior número de evidências sobre o comportamento e a evolução da desigualdade da renda pessoal nessas regiões.

Os argumentos empregados no debate travado recentemente sobre a magnitude da queda da desigualdade de renda, podem ser agrupados em três

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abordagens, segundo a importância conferida à redução do grau de desigual-dade.A primeira entende que a magnitude da queda é intensa, ocasionando forte redução da pobreza, implicando ganhos de bem-estar social (Barros et alii, 2006; Hoffmann, 2006), a segunda abordagem reconhece que a redução da desigualdade é significativa, mas incapaz de promover mudança estrutural da distribuição de renda no Brasil (Dedecca, 2006), finalmente, o terceiro posicionamento afirma que o estreitamento do grau de desigualdade na distri-buição de renda “nada tem de substancial” (Salm, 2006).1 A controvérsia es-tabelecida suscita a necessidade de se investigar de forma mais pormenorizada a magnitude de tal queda da desigualdade de renda. O desafio metodológico consiste em estabelecer parâmetros com os quais se possa avaliar essa magni-tude. Dentre os parâmetros possíveis, esse estudo utiliza as variações absolutas dos decis com seus respectivos ganhos reais de renda. Essa combinação das variações absolutas com os ganhos monetários reais, embora insuficiente para se avaliar o bem-estar social de forma ampla, fornece indícios exploratórios sobre os efetivos impactos da redução do grau de desigualdade da distribuição pessoal da renda sobre o bem estar das famílias, não visualizados nos índices de GINI adimensionais.

Antecipamos que os resultados da desagregação por decis mostram variações percentuais não desprezíveis quando comparadas a um histórico nacional de persistência do grau de concentração de renda, mas no geral es-sas variações pouco expandem a renda real das famílias situadas nos estratos inferiores da distribuição de renda. As mudanças significativas para os grupos de menor renda ocorrem para a renda das transferências públicas das macro-regiões Norte e Nordeste, indicando o crescimento desses benefícios sociais. Para os demais estratos de renda, nota-se um padrão: as variações dos decis inferiores (primeiro, segundo e terceiro) são decimais, indicando certa rigidez na distribuição, restringindo as possibilidades de ampliar de forma substanti-va e acelerada o crescimento da renda das famílias mais pobres.

1.ABORDAGENS RECENTES SOBRE A MAGNITUDE DA QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL

Após aproximadamente quatro décadas de persistência de uma dis-tribuição de renda rígida, a economia brasileira passa a conviver, a partir de 1  Barros, Ricardo Paes et. alii. A Importância da Queda Recente da Desigualdade para a Pobreza. Brasília: IPEA, 2006, v.2., p. 331 a 353 ; Hoffmann, Rodolfo. Queda da Desigualdade da Distribuição de Renda no Brasil de 1995 a 2005 e Delimitação dos Relativamente Ricos em 2005. Brasília: IPEA, 2006, v.1, p. 93 a 105 ; Dedecca, Cláudio Salvadori. A Redução da Desigualdade no Brasil: uma estratégia complexa. Brasília: IPEA, 2006, v.2, p.. 299 a 330 ; Salm, Cláudio. Sobre a Recente Queda da Desigualdade de Renda no Brasil: uma leitura crítica. Brasília: IPEA, 2006, v.2 ,p.. 279 a 297.

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2001, com uma queda mais acelerada na desigualdade de renda, embora ain-da persista uma elevada concentração de rendimentos2. Essa queda acelerada tem sido analisada na literatura nacional, gerando algumas abordagens diver-gentes. Essas abordagens divergentes, embora ainda não se constituam em uma controvérsia robusta, podem ser, de forma estilizada, agrupadas em três grupos. O primeiro grupo, representado por Barros et alii, 2006 e Hoffmann, 2006, defende que a magnitude da queda na desigualdade de renda no perío-do de 2001 a 2005 foi elevada e gerou impactos sobre a pobreza. Barros (op. cit) é, nesse grupo, o autor que mais enfatiza a correlação da desigualdade de renda com a pobreza, afirmando que “em decorrência do acentuado crescimento na renda dos mais pobres, os graus de pobreza e de extrema pobreza declinaram ao longo do último quadriênio (...)”. Utilizando uma linha de pobreza de R$ 162,59 e de extrema pobreza de R$ 81,29, Barros op. cit. concluiu que o nú-mero de pobres caiu em 3,8 milhões e o de extremamente pobres foi reduzido em 5,6 milhões, passando a representar, respectivamente, 34,1% de pobres em 2005 e 13,2% de extremamente pobres nesse mesmo ano. O acentuado crescimento na renda dos mais pobres, conforme afirmam alguns autores, por exemplo, Barros e colaboradores, encobre o real poder de compra das linhas de pobreza utilizadas, ou seja, é possível sair da linha de pobreza e continuar com um padrão de vida muito reduzido, em função desse valor ser insuficien-te para a manutenção da qualidade de vida e do bem-estar social.

Outra metodologia utilizada por Barros et. alii. (op. cit) para justificar a velocidade da queda da desigualdade de renda no Brasil é a comparação com outras economias. Comparando o grau de redução da desigualdade de renda no Brasil de 2001 a 2005 com outras 74 economias na década de 1990, nota-se que “(...) menos de ¼ foi capaz de reduzi-lo a uma velocidade superior à alcançada pelo Brasil (...).” Essa comparação internacional desconsidera as diferenças entre os GINIs dos países comparados, dificultando a visualização do caso brasileiro, uma vez que um número significativo dos países utilizados na análise comparativa estava na década de 1990, numa posição de coeficiente de desigualdade melhor do que a brasileira. Apesar dessa velocidade suposta-mente elevada, a desigualdade de renda no Brasil levará mais de duas décadas para se aproximar das desigualdades das economias similares (Paes de Barros et. alii., 2006). A magnitude da queda atinge, para o autor, uma proporção tal que o crescimento da renda dos pobres decorrente da distribuição é asso-

2  As séries históricas da desigualdade de renda no Brasil indicam que o GINI de 2005 é o menor das últimas três décadas, atingindo 0,566. (Barros et alii. A Queda Recente da Desigualdade de Renda no Brasil. In:Barros, Ricardo  et  alii.(orgs) Desigualdade  de Renda  no Brasil:  uma  análise  da  queda  recente.Brasília:  IPEA,  2006).Contudo, esse resultado não fornece uma dimensão efetiva da magnitude da redução da desigualdade de renda no Brasil, tampouco em suas regiões.

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ciado a um “processo de crescimento com equidade”. Essa suposta trajetória de crescimento com eqüidade ratifica a posição de uma elevada magnitude na queda da desigualdade de renda no Brasil e um “acentuado crescimento na renda dos segmentos mais pobres”. (Barros et alii, 2006)

Hoffmann entende que a magnitude da queda da desigualdade de ren-da no Brasil no período de 2001 a 2005 é proporcional à elevação da desigual-dade na década de 1960 que tanto chamou atenção na literatura da época.

Essa redução de 2,8 pontos percentuais em quatro anos pode parecer pequena, mas cabe assinalar que o valor absoluto de sua intensidade anual é semelhante ao do crescimento de 8 pontos percentuais do índice de Gini do rendimento da PEA no Brasil, na década de 1960 que mereceu grande destaque na literatura sobre distribuição de renda e no debate público. (Hoffmann, 2006)

Contudo, o crescimento da concentração de renda na década de 1960 chamou a atenção não apenas pela sua intensidade, mas também porque mos-trou que é possível para uma economia subdesenvolvida apresentar uma ele-vação na sua concentração de renda, mesmo depois de ter atingido um pata-mar tão elevado de desigualdade. Hoffmann, utilizando uma linha de pobreza de R$ 100 reais verifica que “o número e a proporção de pobres e também o número e a proporção de ricos diminuíram de 2001 a 2004”. Em 2001 eram 38,1 milhões de pessoas pobres no Brasil, passando para 35,15 milhões em 2004. Apesar da redução do número de pobres, o autor constata (embora não priorize na sua análise) que “o rendimento médio de toda a população perma-nece praticamente o mesmo em 2001 e 2002, cai em 2003, recupera-se par-cialmente em 2004 e cresce 6,2% em 2005”. Analisando os rendimentos dos estratos populacionais, Hoffmann detecta sua evolução no período de 2001 a 2005. Em 2001 os 20% mais pobres (quinto mais pobre, segundo o autor) tinham uma renda média de R$ 51,1 reais por domicílios, passando para R$59,3 reais em 2004. Esse acréscimo de R$8,2 reais sugere uma expansão de bem-estar social reduzida. Os 10% mais ricos apresentavam uma renda média de R$2057,5 reais em 2001 e experimentaram uma redução (modesta) para R$1911,9 reais em 2004. A magnitude dessas variações dos estratos parece não compatibilizar-se com a magnitude da variação da pobreza.

O segundo grupo de interpretações sobre a magnitude da queda da desigualdade de renda no Brasil contém o estudo de Dedecca, que admite a importância da queda da desigualdade, mas considera que “(...) os avanços são ainda muito limitados, e podem ser facilmente revertidos em razão do seu baixo impacto sobre o perfil estrutural da distribuição de renda familiar”. Esse

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“perfil estrutural” foi descrito pelo autor por meio dos decis da distribuição da massa de rendimentos familiares per capta, que indicaram que os decis inferiores não aumentaram suas participações relativas de 1995 a 2005. Esse resultado sugere que não houve uma mudança distributiva significativa para as populações de baixa renda representadas nesses decis inferiores. Dedecca também analisa a evolução do rendimento real dos decis e é possível notar que de 2002 a 2005 houve reduções de rendimentos reais para o primeiro, sexto e nono decis, indicando certa “(...) deterioração dos níveis de rendimentos da população brasileira”. Essa “deterioração ocorre porque a elevação de certos rendimentos passa a ser obtida... com a redução do de outros”. Sendo assim, o autor nota que o padrão médio de renda familiar não sofre significativas alterações, comprometendo o poder de compra da população nacional. Ain-da analisando os decis da distribuição do rendimento real familiar per capta, Dedecca conclui que a recuperação da renda familiar em 2005 “... não se restringiu às famílias em condições de pobreza ou mais próximas a ela, o que permite considerar que a queda recente da desigualdade não deve ter estado relacionada a um determinante, mas a um conjunto mais amplo” 3. Dessa forma, o autor minimiza o poder de redução da pobreza por parte da queda na desigualdade de renda verificada. Depois de desagregados os decis, De-decca é enfático: ”o processo parece estar se estabelecendo sem a observância de uma elevação do padrão médio de bem-estar da sociedade”. Esse padrão médio de bem-estar social depende da evolução efetiva e significativa da renda dos decis inferiores e intermediários.

Com uma postura mais critica, Salm insere-se no terceiro grupo de interpretações sobre a magnitude da queda da desigualdade de renda no Bra-sil no período recente. O autor entende que “a queda em torno de 4% nada tem de substancial, principalmente se levarmos em conta os níveis absurdamente elevados de concentração de renda de que padecemos”. Além de compreender que a magnitude da queda é relativamente reduzida, Salm questiona a direção de causalidade entre a desigualdade e a pobreza (estabelecida pelos autores do primeiro grupo de interpretações), propondo uma inversão de causalidade por meio de uma pergunta provocativa: “por que não inverter os termos da proposição e em vez de dizer, como conseqüência da queda da desigualdade redu-ziram-se a pobreza e a extrema pobreza, dizer, como conseqüência da queda na pobreza e da extrema pobreza reduziu-se a desigualdade”? Essa inversão de cau-salidade contém uma preocupação mais estrutural com o processo de desen-volvimento econômico brasileiro, que passa, segundo Salm, pela elevação da produtividade e pelo crescimento econômico como formas de superação dos 3  Esses determinantes da queda da desigualdade serão explorados mais adiante nesse estudo, uma vez que estão associados com a magnitude da queda da desigualdade.

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elevados patamares de desigualdade de renda. Naturalmente que a produtivi-dade e o crescimento econômico podem auxiliar no combate à desigualdade de renda, desde que sejam repassados para os vários níveis salariais.

Também é importante considerar que a literatura nacional mais recen-te tem estabelecido algumas associações entre a distribuição de renda e o con-sumo dos domicílios por estratos de renda. Nota-se uma desigual distribuição de renda domiciliar e consumo no Brasil. A desigualdade de consumo entre as famílias, em 2003, fica evidente: enquanto os 20% mais pobres conso-mem R$142,59 reais, os 10% mais ricos atingem a cifra de R$2403,18 reais. Além dessa desigualdade de consumo, os 20% mais pobres apresentam, nesse mesmo ano, déficit orçamentário de R$ 70,14 reais e os 10%mais ricos um superávit de R$587,57 reais4. O déficit orçamentário familiar dos 20% mais pobres aumenta em comparação ao déficit de 1996, além do rendimento real dessas famílias ter reduzido R$ 16,10 reais, numa clara indicação de perda de poder de compra. Para os 50% mais pobres a trajetória de consumo e déficit orçamentário é similar5

Desagregando o consumo familiar per capta brasileiro em alguns itens que compõem a estrutura orçamentária, nota-se que as famílias pertencentes aos 20% mais pobres expandiram relativamente pouco os seus gastos no perí-odo de 1996 a 2003, apresentando uma estrutura de consumo típica de famí-lias de baixa renda, com predominância de gastos com alimentação e vestuá-rio. A magnitude do crescimento do consumo familiar desse estrato de renda pode ser notada pelos seguintes dados: em 1996 os gastos com alimentação foram de R$ 45,85 reais, contra R$ 46,90 em 2003; os gastos com saúde, educação e serviços pessoais passaram de R$ 11,81 reais para R$ 11,83 reais em 2003; com bens de consumo duráveis essas mesmas famílias gastaram R$ 8,65 reais em 1996 e R$ 12,3 reais em 2003. Para os 50% mais pobres, a es-trutura de consumo também apresenta uma variação relativamente reduzida, indicando um poder de compra limitado. Os 10% mais ricos apresentaram, em 2003, um consumo de bens duráveis menor do que 1996. 6

Os três grupos de interpretações sobre a magnitude da queda da desi-gualdade de renda no Brasil (um entusiasta, outro moderado e o último críti-co) e os dados sobre consumo das famílias brasileiras, permitem a construção de uma síntese teórica também estilizada: o entusiasmo do primeiro grupo de análise precisa ser ponderado pelas evidências que sugerem que a magnitude 4  Dados extraídos de: Diniz, Bernardo P. Campolina et alii. As Pesquisas de Orçamentos Familiares no Brasil: gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Brasília: IPEA, v.2, 2007. Os autores utilizaram como base de dados as Pesquisas de Orçamentos Familiares de 1987-1988; 1995-1996 e 2002-2003.5 Op. cit.6 Op. cit.

179

da queda da desigualdade não foi tão elevada, tampouco pode ser associada de forma robusta com a elevação expressiva do bem-estar. A crítica do terceiro grupo também precisa ser ponderada a ponto de reconhecer parte do avanço sócio-econômico decorrente da queda da desigualdade.

Para que a magnitude dessa queda no período de 2001 a 2006 pos-sa ser analisada com outras evidências, serão desagregadas, na próxima parte desse estudo, as distribuições de quatro tipos de renda envolvidos com esse processo de queda da desigualdade. Além de desagregar esses tipos de renda, serão construídas evidências empíricas sobre rendas médias por decis, com o propósito de avaliar possíveis ganhos de bem estar derivados da elevação da renda. Como critério exploratório de mensuração do bem estar das famílias, também se calcula o índice proposto por Sen.

2.DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL E MACRO-REGIÕES: UMA DESAGREGAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA POR DE-CIS

Com o propósito de se avaliar empiricamente a magnitude da queda da desigualdade de renda no Brasil no período de 2001 a 2006, a metodologia adotada consiste em desagregar por decis quatro tipos de renda (renda domi-ciliar per capta total, renda do trabalho, aposentadorias e pensões e transferên-cias públicas). Essa opção metodológica baseia-se nos resultados da literatura nacional que têm apontado, principalmente, a renda do trabalho e as trans-ferências públicas (como o Bolsa Família) como determinantes imediatos da queda da desigualdade de renda verificada de 2001 a 2004.7

Os exercícios de decomposição freqüentemente utilizados na literatu-ra nacional têm mostrado que as mudanças na distribuição das rendas do tra-balho e domiciliar total estão associadas ao mercado de trabalho, que também mudou. Dentre as possíveis mudanças do mercado do trabalho destacam-se a diminuição dos hiatos salariais e educacionais. Os hiatos entre as remune-rações regionais também diminuem, atenuando as clássicas diferenças entre capitais e interior. Contudo, essas mudanças nos mercados de trabalho nacio-nal e regional parecem não ter gerado uma clara trajetória de convergência das rendas regionais. Das transferências públicas o Bolsa Família ganha destaque, principalmente por ter contribuído significativamente para a redução da de-sigualdade na macro-região Nordeste. Alguns impactos das mudanças nos mercados de trabalho nacional e regionais, como também do Bolsa Família, podem ser visualizados nos decis a seguir.

7  Parte dos textos que compõem essa literatura estão citados no rodapé número 3 desse estudo.

180

Tabela 1 - Distribuição da Renda Domiciliar per Capita Total

Distrib. Brasil 2001

Brasil 2001

Brasil 2006

Brasil 2006

Var. 2006-2001

Norte 2001

Norte 2001

Norte 2006

1º Decil 0,75 0,75 1,048 1,048 0,298 0,96 0,96 1,367

2º Decil 2,76 2,01 3,57 2,522 0,512 3,23 2,27 4,121

3º Decil 5,68 2,92 6,986 3,416 0,496 6,19 2,96 7,639

4º Decil 9,68 4 11,359 4,373 0,373 10,08 3,89 11,77

5º Decil 14,25 4,57 16,643 5,284 0,714 15,01 4,93 17,041

6º Decil 20,08 5,83 22,87 6,227 0,397 20,65 5,64 23,55

7º Decil 27,46 7,38 30,571 7,701 0,321 28,01 7,36 31,257

8º Decil 37,46 10 40,76 10,189 0,189 37,85 9,84 41,451

9º Decil 53,05 15,59 55,938 15,178 -0,412 52,81 14,96 56,53

10º Decil 100 46,95 100 44,062 -2,888 100 47,19 100

Soma 100 100 100

Gini 0,56 0,52 -0,04 0,55

Distrib. Norte 2006

Var. 2006-2001

Nordeste 2001

Nordeste 2001

Nordeste 2006

Nordeste 2006

Var. 2006-2001

Sudeste 2001

1º Decil 1,367 0,407 0,6 0,6 0,797 0,797 0,197 0,87

2º Decil 2,754 0,484 2,21 1,61 2,742 1,945 0,335 3,25

3º Decil 3,518 0,558 4,64 2,43 5,603 2,861 0,431 6,62

4º Decil 4,131 0,241 7,74 3,1 9,318 3,715 0,615 10,62

5º Decil 5,271 0,341 11,76 4,02 13,872 4,554 0,534 15,61

6º Decil 6,509 0,869 17,02 5,26 19,695 5,823 0,563 21,79

7º Decil 7,707 0,347 23,44 6,42 27,05 7,355 0,935 29,58

8º Decil 10,194 0,354 32,03 8,59 36,223 9,173 0,583 40,18

9º Decil 15,079 0,119 45,93 13,9 50,36 14,137 0,237 56,35

10º Decil 43,47 -3,72 100 54,07 100 49,64 -4,43 100

Soma 100 100 100

Gini 0,51 -0,04 0,61 0,57 -0,04

Distrib. Sudeste 2001

Sudeste 2006

Sudeste 2006

Var. 2006-2001 Sul 2001 Sul 2001 Sul 2006 Sul 2006

1º Decil 0,87 1,226 1,226 0,356 0,86 0,86 1,292 1,292

2º Decil 2,38 3,956 2,73 0,35 2,86 2 3,902 2,61

3º Decil 3,37 7,608 3,652 0,282 5,75 2,89 7,504 3,602

4º Decil 4 12,197 4,589 0,589 9,49 3,74 11,731 4,227

5º Decil 4,99 17,555 5,358 0,368 14,25 4,76 17,039 5,308

6º Decil 6,18 24,068 6,513 0,333 20,14 5,89 23,491 6,452

7º Decil 7,79 32,178 8,11 0,32 27,66 7,52 31,746 8,255

8º Decil 10,6 42,718 10,54 -0,06 37,69 10,03 42,107 10,361

9º Decil 16,17 58,186 15,468 -0,702 53,02 15,33 57,254 15,147

10º Decil 43,65 100 41,814 -1,836 100 46,98 100 42,746

Soma 100 100 100 100

Gini 0,53 0,5 -0,03 0,56 0,51

181

Distrib. Var. 2006-2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2006

Centro-Oeste 2006

Var. 2006-2001

1º Decil 0,432 0,81 0,81 1,053 1,053 0,243

2º Decil 0,61 2,7 1,89 3,263 2,21 0,32

3º Decil 0,712 5,31 2,61 6,203 2,94 0,33

4º Decil 0,487 8,6 3,29 9,918 3,715 0,425

5º Decil 0,548 12,56 3,96 14,211 4,293 0,333

6º Decil 0,562 17,48 4,92 19,503 5,292 0,372

7º Decil 0,735 23,87 6,39 26,15 6,647 0,257

8º Decil 0,331 32,94 9,07 35,222 9,072 0,002

9º Decil -0,183 48,34 15,4 49,691 14,469 -0,931

10º Decil -4,234 100 51,66 100 50,309 -1,351

Soma 100 100

Gini -0,05 0,59 0,57 -0,02

Fonte: elaboração dos autores a partir dos microdados das PNADs de 2001 e 2006

Antes de analisar os decis das distribuições selecionadas, cabe uma consideração metodológica: os decis foram construídos para distribuições de renda domiciliares, ou seja, para cada tipo de renda analisado distribuiu-se a renda total considerando o total de domicílios, ao contrário da distribuição por pessoa, geralmente utilizada na literatura . Essa forma de distribuição ocorre em função da preocupação com as famílias em seu conjunto.

A tabela 1 contém os graus de desigualdade de renda domiciliar per capta total (medidos pelo coeficiente de Gini) e os decis, para Brasil e suas cin-co macro-regiões.Em termos relativos, a maior queda da desigualdade ocorre na macro-região Sul, passando de um Gini de 0,56 em 2001 para 0,51 em 2006 (em termos relativos essa queda atinge 8,93%) 8. A maioria das macro-regiões apresenta reduções de desigualdade abaixo da realidade nacional.As quedas absolutas dos Ginis são similares para quase todas as regiões, aproxi-mando-se de 0,04. A macro-região Centro-Oeste apresenta a menor queda da desigualdade em termos relativos e absolutos.

Com relação ao primeiro decil em 2006, nota-se que apenas o Nor-deste não atinge uma participação superior a 1%.Nota-se que as variações ab-solutas dos nove decis não atingem sequer 1%, indicando variações decimais.O menor crescimento absoluto do primeiro decil ocorre para o Nordeste, atingindo uma variação de 0,2% em relação à renda domiciliar total da região.Aliás, a macro-região Nordeste combina uma baixa variação do primeiro decil

8  Calcular a variação percentual do Gini requer certa cautela em termos de magnitude, uma vez que o coefi-ciente de Gini é um indicador adimensional, e sendo assim, não fornece uma medida direta de magnitude. Para compensar parcialmente essa limitação, mais adiante nessa seção serão descritos os valores monetários reais por decis.

182

com um elevado coeficiente de Gini de 0,57. Para se ter um parâmetro de magnitude e bem-estar social, o rendimento médio das pessoas desse primeiro decil em 2004 fica em R$ 45 reais.9. A macro-região Nordeste apresenta a menor variação em ponto percentual nesse primeiro decil, combinada com o maior coeficiente de Gini de 2004 (0,58).

O último decil (10% mais ricos) para Brasil indica que a renda domi-ciliar per capta total apropriada por esses domicílios reduz-se de 46,95% para 44,06% em 2006. Nas macro-regiões a trajetória do último decil é semelhan-te à realidade nacional, mas o Nordeste e Centro-Oeste (conforme seus Ginis já mostravam) mantém-se como as regiões que apresentam em 2006 a maior participação do último decil na distribuição da renda domiciliar per capta total, com taxas de 49,64% e 50,31% respectivamente. As reduções de parti-cipação relativa do último decil indicam que os domicílios com maior renda (o que não os torna necessariamente ricos!) tiveram perdas de rendimentos. Contudo, em termos de bem-estar social, em função de possuírem um nível de renda relativamente elevado, essa redução não parece ter influenciado sig-nificativamente o padrão de consumo desse decil.

A variação de renda do segundo decil ocorre em escala inferior a 1%, de forma análoga a variação do primeiro decil, sugerindo que os domicílios “mais pobres” não foram significativamente favorecidos pela queda da de-sigualdade.Aliás, em termos absolutos, quase todos os decis não atingiram sequer uma variação percentual de 1%. A parcela da renda apropriada pelo segundo decil no Brasil e nas cinco macro-regiões em 2006 é similar, próxima dos 2,5%, sugerindo um comportamento regional convergente com o com-portamento nacional.

Os decis intermediários situados entre os 20% mais ricos e 20% mais pobres apresentam as maiores variações em termos absolutos, sugerindo que o movimento de desconcentração de renda intensificado em 2001 não se concentrou nos decis inferiores (embora esses últimos tenham crescido, em termos relativos, mais que os decis intermediários), ao contrário, parece ter ocorrido de maneira “pulverizada” entre quase todos os decis. Comparando as estruturas de distribuição de renda nacional com as cinco macro-regiões, nota-se que a quase totalidade dos decis não chega a apresentar diferenças maiores que um ponto percentual.

9  Esse dado sobre a renda real do primeiro decil foi extraído de Dedecca, 2006 op. cit. construído pelo autor para uma distribuição de renda familiar per capita. A mensuração do bem-estar social não é tarefa fácil, uma vez que os próprios conceitos dependem de um conjunto amplo de melhorias socioeconômicas e políticas e não apenas da renda. Nesse estudo, será usado como indicador de bem-estar social o poder de compra adicional gerado pela variação de renda dos decis e o índice de Sen.

183

Tabela 2 - Distribuição da Renda do Trabalho Domiciliar per Capita Total

Distrib. Brasil 2001

Brasil 2001

Brasil 2006

Brasil 2006

Var. 2006-2001

Norte 2001

Norte 2006

Norte 2006

1º Decil 0,75 0,75 0,945 0,945 0,195 0,94 1,227 1,227

2º Decil 2,65 1,9 3,332 2,387 0,487 0 3,865 2,638

3º Decil 5,68 3,03 6,754 3,422 0,392 0 7,313 3,448

4º Decil 9,72 4,04 11,377 4,623 0,583 0 11,337 4,024

5º Decil 13,58 3,86 15,339 3,962 0,102 0 16,672 5,335

6º Decil 19,69 6,11 21,782 6,443 0,333 0 22,216 5,544

7º Decil 27,26 7,57 29,718 7,936 0,366 0 30,027 7,811

8º Decil 37,69 10,43 39,81 10,092 -0,338 0 40,628 10,601

9º Decil 53,37 15,68 55,167 15,357 -0,323 0 55,842 15,214

10º Decil 100 46,63 100 44,833 -1,797 0 100 44,158

Soma 100 100 100 100

Gini 0,56 0,53 -0,03 0,56 0,52

Distrib. Var. 2006-2001

Nordeste 2001

Nordeste 2001

Nordeste 2006

Nordeste 2006

Var. 2006-2001

Sudeste 2001

Sudeste 2001

1º Decil 0,287 0,61 0,61 0,645 0,645 0,035 0,89 0,89

2º Decil 2,638 2,24 1,63 2,555 1,91 0,28 3,27 2,38

3º Decil 3,448 4,75 2,51 5,349 2,794 0,284 6,68 3,41

4º Decil 4,024 7,59 2,84 8,879 3,53 0,69 10,33 3,65

5º Decil 5,335 11,54 3,95 13,51 4,631 0,681 15,56 5,23

6º Decil 5,544 17,03 5,49 19,153 5,643 0,153 22,1 6,54

7º Decil 7,811 21,41 4,38 24,832 5,679 1,299 29,88 7,78

8º Decil 10,601 30,37 8,96 33,461 8,629 -0,331 40,6 10,72

9º Decil 15,214 44,87 14,5 47,855 14,394 -0,106 56,72 16,12

10º Decil 44,158 100 55,13 100 52,145 -2,985 100 43,28

Soma 100 100 100

Gini -0,04 0,62 0,59 -0,03 0,53

Distrib. Sudeste 2006

Sudeste 2006

Var. 2006-2001 Sul 2001 Sul 2001 Sul 2006 Sul 2006 Var. 2006-

2001

1º Decil 1,204 1,204 0,314 0,9 0,9 1,212 1,212 0,312

2º Decil 3,909 2,705 0,325 2,97 2,07 3,893 2,681 0,611

3º Decil 7,911 4,002 0,592 5,82 2,85 7,773 3,88 1,03

4º Decil 11,506 3,595 -0,055 9,21 3,39 10,894 3,121 -0,269

5º Decil 17,143 5,637 0,407 14,21 5 16,405 5,511 0,511

6º Decil 23,767 6,624 0,084 20,56 6,35 23,007 6,602 0,252

7º Decil 31,678 7,911 0,131 28,06 7,5 30,923 7,916 0,416

8º Decil 42,183 10,505 -0,215 38,47 10,41 41,247 10,324 -0,086

9º Decil 57,526 15,343 -0,777 54,03 15,56 56,792 15,545 -0,015

10º Decil 100 42,474 -0,806 100 45,97 100 43,208 -2,762

Soma 100 100 100

Gini 0,51 -0,02 0,55 0,52 -0,03

184

Distrib. Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2006

Centro-Oeste 2006 Var. 2006-2001

1º Decil 0,79 0,79 0,969 0,969 0,179

2º Decil 2,64 1,85 3,1 2,131 0,281

3º Decil 5,35 2,71 6,11 3,01 0,3

4º Decil 8,32 2,97 9,86 3,75 0,78

5º Decil 12,13 3,81 13,245 3,385 -0,425

6º Decil 17,39 5,26 18,662 5,417 0,157

7º Decil 24,09 6,7 25,588 6,926 0,226

8º Decil 33,38 9,29 34,893 9,305 0,015

9º Decil 49,1 15,72 49,919 15,026 -0,694

10º Decil 100 50,9 100 50,081 -0,819

Soma 100 100

Gini 0,59 0,57 -0,02

Fonte: elaboração dos autores a partir dos microdados das PNADs de 2001 e 2006

A distribuição da renda do trabalho descrita na tabela 2, apresenta resultados muito próximos da distribuição da renda domiciliar per capta total da tabela anterior, porque a renda do trabalho ocupa, em 2006, mais de 70% da renda domiciliar total10. A desigualdade de renda cai em todas as regiões, mas permanece num patamar elevado. Em 2006, as macro regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentam os maiores coeficientes de desigualdade, próximos a 0,60, sugerindo a existência de mercados de trabalho muito desiguais em suas remunerações com possíveis estruturas ocupacionais díspares. As macro-regiões Norte (urbana) e Sul apresentam os menores coeficientes de desigual-dade em 2006, sugerindo a possibilidade de que seus mercados de trabalho metropolitanos tenham reduzido suas desigualdades salariais.Em 2006, o pri-meiro decil das macro-regiões Nordeste e Centro-Oeste ocupa menos de 1% da renda do trabalho, aproximando-se da realidade nacional. O quinto decil da macro-região Norte-urbana apresenta uma das maiores variações absolutas no período, expandindo sua participação em 0,82%.Embora os dois últimos decis do Brasil e das cinco macro-regiões tenham perdido participação rela-tiva, num movimento compatível com a redução da desigualdade de renda, nota-se que seus percentuais são muito similares para a realidade nacional e para as macro-regiões Norte-urbana, Sudeste e Sul, atingindo aproximada-mente 15% para o nono decil e 44% para o último. Essa similaridade pode estar sugerindo que os mercados de trabalho dessas regiões, principalmente os metropolitanos, assemelham-se na remuneração dos trabalhadores mais qualificados.

10  A participação elevada da renda do trabalho na renda domiciliar total é uma característica da PNAD. Essa participação elevada decorre, dentre outros fatores, da subestimação da renda do capital.

185

Tabela 3 - Distribuição da Renda das Aposentadorias e Pensões Domiciliares per Capita

Distrib. Brasil 2001

Brasil 2001

Brasil 2006

Brasil 2006

Var. 2006-2001

Norte 2001

Norte 2001

Norte 2006

1º Decil 0,47 0,47 0,553 0,553 0,083 0,7 0,7 0,7

2º Decil 2,83 2,36 2,801 2,248 -0,112 3,06 2,36 2,757

3º Decil 5,39 2,56 5,672 2,871 0,311 5,61 2,55 5,755

4º Decil 9,46 4,07 8,989 3,317 -0,753 9,29 3,68 9,499

5º Decil 17,01 7,55 18,624 9,635 2,085 17,01 7,72 14,043

6º Decil 22,27 5,26 24,368 5,744 0,484 26,06 9,05 25,377

7º Decil 29,54 7,27 31,683 7,315 0,045 32,79 6,73 32,345

8º Decil 38,34 8,8 42,992 11,309 2,509 43,07 10,28 40,872

9º Decil 53,9 15,56 58,442 15,45 -0,11 56,31 13,24 56,694

10º Decil 100 46,1 100 41,558 -4,542 100 43,69 100

Soma 100 100 100

Gini 0,54 0,51 -0,03 0,51

Distrib. Norte 2006

Var. 2006-2001

Nordeste 2001

Nordeste 2001

Nordeste 2006

Nordeste 2006

Var. 2006-2001

Sudeste 2001

1º Decil 0,7 0 0,18 0,18 0,142 0,142 -0,038 0,73

2º Decil 2,057 -0,303 1,16 0,98 0,936 0,794 -0,186 3,21

3º Decil 2,998 0,448 2,98 1,82 2,909 1,973 0,153 6,67

4º Decil 3,744 0,064 6,87 3,89 6,479 3,57 -0,32 12,18

5º Decil 4,544 -3,176 10,98 4,11 10,113 3,634 -0,476 16,83

6º Decil 11,334 2,284 15,54 4,56 16,058 5,945 1,385 22,32

7º Decil 6,968 0,238 29,06 13,52 28,121 12,063 -1,457 30,62

8º Decil 8,527 -1,753 36,6 7,54 39,251 11,13 3,59 41,08

9º Decil 15,822 2,582 49,3 12,7 53,785 14,534 1,834 57,42

10º Decil 43,306 -0,384 100 50,7 100 46,215 -4,485 100

Soma 100 100 100

Gini 0,52 0,01 0,59 0,58 -0,01

Distrib. Sudeste 2001

Sudeste 2006

Sudeste 2006

Var. 2006-2001 Sul 2001 Sul 2001 Sul 2006 Sul 2006

1º Decil 0,73 0,848 0,848 0,118 0,71 0,71 1,16 1,16

2º Decil 2,48 3,377 2,529 0,049 2,61 1,9 3,281 2,121

3º Decil 3,46 5,982 2,605 -0,855 5,91 3,3 6,013 2,732

4º Decil 5,51 13,675 7,693 2,183 11,2 5,29 14,077 8,064

5º Decil 4,65 18,461 4,786 0,136 15,64 4,44 19,094 5,017

6º Decil 5,49 24,985 6,524 1,034 20,6 4,96 25,352 6,258

7º Decil 8,3 34,192 9,207 0,907 28,65 8,05 35,508 10,156

8º Decil 10,46 45,503 11,311 0,851 37,89 9,24 46,59 11,082

9º Decil 16,34 61,913 16,41 0,07 53 15,11 60,942 14,352

10º Decil 42,58 100 38,087 -4,493 100 47 100 39,058

Soma 100 100 100 100

Gini 0,52 0,48 -0,04 0,55 0,48

186

Distrib. Var. 2006-2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2006

Centro-Oeste 2006

Var. 2006-2001

1º Decil 0,45 0,73 0,73 0,544 0,544 -0,186

2º Decil 0,221 2,75 2,02 2,374 1,83 -0,19

3º Decil -0,568 4,87 2,12 4,478 2,104 -0,016

4º Decil 2,774 10,15 5,28 7,368 2,89 -2,39

5º Decil 0,577 15,17 5,02 15,341 7,973 2,953

6º Decil 1,298 18,75 3,58 19,957 4,616 1,036

7º Decil 2,106 23,88 5,13 25,331 5,374 0,244

8º Decil 1,842 31,51 7,63 33,33 7,999 0,369

9º Decil -0,758 44,84 13,33 46,036 12,706 -0,624

10º Decil -7,942 100 55,16 100 53,964 -1,196

Soma 100 100

Gini -0,07 0,59 0,59 0

Fonte: elaboração dos autores a partir dos microdados das PNADs de 2001 e 2006

A distribuição da renda das aposentadorias e pensões descrita na tabela 3 mostra o elevado grau de concentração desse tipo de renda, com resultados que se aproximam da distribuição da renda do trabalho (da tabela 2 anterior), indicando que os rendimentos previdenciários guardam alguma relação com o funcionamento dos mercados de trabalho nacional e regionais. Em 2006 as maiores desigualdades de renda ocorrem para as macro-regiões Nordeste e Centro-Oeste, que atingem coeficientes de 0,58 e 0,59 respectivamente.As menores desigualdades são apresentadas pelas macro-regiões Sudeste e Sul, atingindo coeficientes idênticos de 0,48.As variações do primeiro decil são ín-fimas, quando comparadas com as variações do primeiro decil das rendas an-teriormente descritas (domiciliar total e do trabalho). Apenas a macro-região Sul apresenta no primeiro decil uma participação pouco superior a 1%. No Nordeste a participação é pequena, atingindo 0,14%. Para a quase totalidade das regiões os decis inferiores mostram variações absolutas decimais, sugerin-do certa rigidez na distribuição dos benefícios previdenciários.Essa possível rigidez também pode ser visualizada no comportamento do segundo e quarto decis nacionais, que apresentam reduções no período de 0,11% e 0,75%, respectivamente, ou seja, os domicílios que recebem menores benefícios pre-videnciários têm uma participação em queda.Essa queda dos decis inferiores ocorre em todas as cinco macro-regiões.

187

Tabela 4 - Distribuição da Renda das Transferências Públicas Domiciliares per Capita

Distrib. Brasil 2001

Brasil 2001

Brasil 2006

Brasil 2006

Var. 2006-2001

Norte 2001

Norte 2001

Norte 2006

1º Decil 4,15 4,15 8,058 8,058 3,908 2,92 2,92 8,114

2º Decil 8,13 3,98 17,978 9,92 5,94 8,22 5,3 18,35

3º Decil 12,03 3,9 27,623 9,645 5,745 15,66 7,44 27,728

4º Decil 15,43 3,4 35,077 7,454 4,054 21,9 6,24 38,877

5º Decil 18,32 2,89 46,743 11,666 8,776 24,5 2,6 48,169

6º Decil 20,89 2,57 53,581 6,838 4,268 31,45 6,95 61,666

7º Decil 23,99 3,1 59,38 5,799 2,699 37,43 5,98 70,932

8º Decil 28,67 4,68 64,344 4,964 0,284 41,71 4,28 79,301

9º Decil 37,48 8,81 70,015 5,671 -3,139 52,6 10,89 86,423

10º Decil 100 62,52 100 29,985 -32,535 100 47,4 100

Soma 100 100 100

Gini 0,56 0,13 -0,43 0,43

Distrib. Norte 2006

Var. 2006-2001

Nordeste 2001

Nordeste 2001

Nordeste 2006

Nordeste 2006

Var. 2006-2001

Sudeste 2001

1º Decil 8,114 5,194 6,65 6,65 7,008 7,008 0,358 2

2º Decil 10,236 4,936 15,73 9,08 15,746 8,738 -0,342 4,47

3º Decil 9,378 1,938 23,82 8,09 24,816 9,07 0,98 7,04

4º Decil 11,149 4,909 30,43 6,61 34,492 9,676 3,066 9,29

5º Decil 9,292 6,692 36,08 5,65 43,823 9,331 3,681 10,83

6º Decil 13,497 6,547 41,7 5,62 53,637 9,814 4,194 12,76

7º Decil 9,266 3,286 47,11 5,41 65,917 12,28 6,87 15,28

8º Decil 8,369 4,089 51,17 4,06 76,259 10,342 6,282 19,95

9º Decil 7,122 -3,768 56,01 4,84 83,247 6,988 2,148 31,38

10º Decil 13,577 -33,823 100 43,99 100 16,753 -27,237 100

Soma 100 100 100

Gini 0,02 -0,41 0,28 0,09 -0,19

Distrib. Sudeste 2001

Sudeste 2006

Sudeste 2006

Var. 2006-2001 Sul 2001 Sul 2001 Sul 2006 Sul 2006

1º Decil 2 7,258 7,258 5,258 1,72 1,72 5,236 5,236

2º Decil 2,47 15,695 8,437 5,967 3,94 2,22 10,933 5,697

3º Decil 2,57 21,291 5,596 3,026 5,78 1,84 16,35 5,417

4º Decil 2,25 30,986 9,695 7,445 8,54 2,76 23,386 7,036

5º Decil 1,54 36,619 5,633 4,093 10,68 2,14 28,522 5,136

6º Decil 1,93 41,868 5,249 3,319 14,34 3,66 34,281 5,759

7º Decil 2,52 46,679 4,811 2,291 17,87 3,53 39,833 5,552

8º Decil 4,67 51,068 4,389 -0,281 22,16 4,29 45,942 6,109

9º Decil 11,43 57,601 6,533 -4,897 30,08 7,92 52,667 6,725

10º Decil 68,62 100 42,399 -26,221 100 69,92 100 47,333

Soma 100 100 100 100

Gini 0,67 0,28 -0,39 0,67 0,39

188

Distrib. Var. 2006-2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2006

Centro-Oeste 2006

Var. 2006-2001

1º Decil 3,516 2,27 2,27 7,281 7,281 5,011

2º Decil 3,477 5,4 3,13 15,592 8,311 5,181

3º Decil 3,577 7,86 2,46 24,539 8,947 6,487

4º Decil 4,276 12,39 4,53 34,01 9,471 4,941

5º Decil 2,996 14,47 2,08 48,026 14,016 11,936

6º Decil 2,099 17,41 2,94 56,086 8,06 5,12

7º Decil 2,022 19,82 2,41 62,057 5,971 3,561

8º Decil 1,819 28,33 8,51 68,12 6,063 -2,447

9º Decil -1,195 38,96 10,63 71,827 3,707 -6,923

10º Decil -22,587 100 61,04 100 28,173 -32,867

Soma 100 100

Gini -0,28 0,61 0,13 -0,48

Fonte: elaboração dos autores a partir dos microdados das PNADs de 2001 e 2006

A tabela 4 mostra a distribuição da renda das transferências públi-cas, que inclui, principalmente, o Bolsa Família e o Benefício de prestação continuada. A queda da desigualdade dessa fonte de renda é elevada para a realidade brasileira e regional. A maior queda relativa ocorre para a macro re-gião Norte-urbana que atinge um coeficiente de desigualdade próximo a zero (0,02). A segunda maior queda relativa ocorre na macro-região Centro-Oeste, passando de um coeficiente de 0,61 em 2001 para 0,13 em 2006.O primeiro decil em 2006 mostra participações similares para Brasil e maioria das ma-cro-regiões, situando-se entre 7% e 8% (exceto para o Sul que obtém 5,2%). O último decil das macro-regiões Sudeste e Sul apresenta menores reduções relativas, deixando-as com os maiores coeficientes de desigualdade, superiores a desigualdade nacional. A queda abrupta das desigualdades nas transferências de renda sugere que os rendimentos de alguns programas sociais (como o Bolsa Família, por exemplo) podem estar atingindo os domicílios de menor renda com maior intensidade.

189

Tabela 5 - Renda Média Domiciliar Total (R$) por Decis e Índice de Bem Estar de Sen

Macro-Regiões 2001 - 2006

Distrib. Norte 2001 Norte 2006 Var. % Nordeste 2001

Nordeste 2006 Var. % Sudeste

2001Sudeste

2006

1º Decil 112,74 171,68 52,28 71,4 105,05 47,13 110,72 170,31

2º Decil 244,15 307,09 25,78 170,99 216,39 26,55 285,63 353,08

3º Decil 306,2 431,76 41,01 224,39 295,38 31,64 422,57 499,07

4º Decil 414,66 476,26 14,86 266,8 331,2 24,14 541,82 612,06

5º Decil 499,94 593,48 18,71 333,97 428,13 28,19 691,45 756,75

6º Decil 618,69 742,97 20,09 420,21 504,32 20,02 867,29 918,03

7º Decil 748,16 809,83 8,24 498,44 587,02 17,77 1092,16 1146,71

8º Decil 1004,51 1076,01 7,12 658,9 785,13 19,16 1487,81 1513,67

9º Decil 1442,3 1516,68 5,16 992,61 1064,74 7,27 2242,69 2196,88

10º Decil 3813,74 3711,25 -2,69 2948,97 3200,17 8,52 5455,11 5414,42

Renda Média **

Domiciliar 920,54 983,69 6,86 658,62 751,73 14,14 1319,69 1358,1

Índice de Sem * 414,24 482,01 16,36 256,86 323,24 25,84 620,25 679,05

Macro-Regiões 2001 - 2006

Distrib. Var. % Sul 2001 Sul 2006 Var.% Centro-Oeste 2001

Centro-Oeste 2006 Var.%

1º Decil 53,82 182,77 267,46 46,34 117,47 170,59 45,22

2º Decil 23,61 321,28 388,13 20,81 232,19 293,3 26,32

3º Decil 18,10 458,46 558,89 21,91 334,55 419,03 25,25

4º Decil 12,96 542,97 633,25 16,63 414,64 514,09 23,98

5º Decil 9,44 677,3 802,51 18,49 528,26 633,1 19,85

6º Decil 5,85 833,59 924,73 10,93 670,72 766,79 14,32

7º Decil 4,99 1022,56 1161,66 13,60 868,66 991,58 14,15

8º Decil 1,74 1343,17 1495,69 11,36 1218,59 1363,64 11,90

9º Decil -2,04 1908,56 2077,01 8,83 1907,47 2074,11 8,74

10º Decil -0,75 4655,35 4734,46 1,70 5461,5 5581,43 2,20

Renda Média **

Domiciliar 2,91 1194,64 1304,39 9,19 1175,28 1280,64 8,96

Índice de Sem * 9,48 525,64 639,15 21,59 481,86 550,67 14,28

Fonte: elaboração dos autores a partir dos microdados das PNADs de 2001 e 2006* o índice de Sen é calculado multiplicando-se a renda média domiciliar por 1 menos o Gini da região. Embora a mensuração do Bem Estar seja mais complexa, o índice utilizado permite ponderar a renda média pelo grau de desigualdade da renda** Todas as rendas foram deflacionadas pelos deflatores construidos por CORSEUIL e FOGUEL (2002). Esses deflatores podem ser encontrados no IPEADATA

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A tabela 5 mostra a renda média por decis das cinco macro-regiões, além da renda média domiciliar total e o índice de Sen. Em 2001 a menor renda média domiciliar do primeiro decil ocorre no Nordeste (R$ 71,4) e a maior encontra-se no Sul (R$182,77). As macro-regiões Norte-urbana, Su-deste e Centro-Oeste apresentam, no primeiro decil, rendas médias próximas, de R$112,74, R$110,72 e R$117,47, respectivamente.Em 2006 essas rendas crescem e atingem R$171,68, R$170,31 e R$170,59, respectivamente para as três macro-regiões. Em termos monetários esse crescimento da renda gera aproximadamente R$60 adicionais em cinco anos, permitindo que anual-mente a renda desse primeiro decil dessas três macro-regiões (Norte-urba-na, Sudeste e Centro-Oeste) aumentasse, em média, apenas R$12 mensais. Supondo um domicílio nesse decil com quatro pessoas, a renda adicional por pessoa atinge R$3 mensais ao ano e consequentemente aumenta alguns centavos diários.

O crescimento relativo da renda média do segundo decil é menor do que do primeiro decil para todas as macro-regiões, oscilando de 20,8% no Sul até 26,55% no Nordeste. O crescimento monetário real desse segundo decil é próximo ao crescimento do primeiro decil, situando-se perto de R$ 65 (exceto para o Nordeste que cresceu R$45). Dividindo esses acréscimos para as pessoas dos domicílios, chega-se a pouco mais de R$3 mensais ao ano. O crescimento monetário real das rendas médias do terceiro ao sexto decil, das cinco macro-regiões, situou-se entre aproximadamente R$ 51 (para o Sudeste no sexto decil) e R$125 (para o Norte urbano), gerando aumentos de R$ 13 até R$31mensais ao ano por pessoa, respectivamente. Em termos relativos, a macro-região Sudeste apresenta o menor crescimento das rendas médias do terceiro ao sexto decil. A macro-região Nordeste obteve as maiores taxas de crescimento das rendas médias do quarto ao sexto decil.

Todas as macro-regiões apresentam crescimento relativo do primeiro ao sétimo decil superior ao crescimento da renda média domiciliar total. A menor renda média domiciliar total (do Nordeste) apresenta a maior taxa de crescimento do período (14,14%). O Sudeste obtém a menor taxa de cresci-mento (2,9%) da renda média domiciliar e em termos monetários reais essa mesma renda cresce apenas R$38 no período, gerando um crescimento médio domiciliar per capta anual de aproximadamente R$9,5 mensais. As macro-re-giões Sul e Centro-Oeste atingem um crescimento da renda média domiciliar total muito similar, atingindo, no período, acréscimos de R$ 110 e R$ 105, respectivamente. Contudo, ao se ponderar as rendas médias domiciliares to-tais pelos coeficientes de distribuição regionais (Ginis), obtém-se o índice de Sen, que indica que a renda real domiciliar das cinco macro-regiões perde

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aproximadamente metade de seu poder real de compra, em decorrência das elevadas desigualdades de renda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A queda da desigualdade de renda de 2001 a 2006 ocorre numa velo-cidade incomum para o padrão de distribuição de renda familiar brasileiro, cristalizado nas últimas três décadas pela persistência de uma elevada con-centração. Contudo, apesar dessa velocidade inesperada, não se pode afirmar com robustez que tal queda é acentuada, pois compará-la com as décadas anteriores, em que a desigualdade manteve-se rígida, não fornece um parâ-metro de magnitude adequado. A desigualdade de renda elevada pode ter criado algum tipo de “inércia” capaz de distorcer a real magnitude da queda ocorrida. O entusiasmo se justifica pela inflexão na trajetória da desigualdade, que não pode ser confundida com uma mudança estrutural na distribuição de renda nacional e regional, pois o poder de compra das famílias decorren-te da queda da desigualdade não ocorre na proporção necessária para que o bem-estar social se expanda significativamente. Aliás, é preciso considerar que inúmeras famílias dos decis inferiores apresentam déficits orçamentários e a renda adicional decorrente do processo de desconcentração não será suficiente para equilibrá-los.

Os decis inferiores da distribuição de renda domiciliar per capta mu-dam numa escala não desprezível, mas decimal. Por definição matemática, uma mudança decimal só pode gerar resultados significativos caso o montante sobre o qual incida seja elevado. Seria no mínimo exagerado afirmar que a renda domiciliar per capta brasileira encaixa-se nesse caso de montante eleva-do. Naturalmente que uma variação decimal pode expandir alguns reais fun-damentais para aquisição de um bem ou serviço essencial para alguma família do decil inferior, ou até tirá-la da faixa de pobreza pré estabelecida, mas uma qualidade de vida ampla e efetiva depende de mudanças maiores na estrutura de consumo das famílias brasileiras. Os decis da distribuição da renda do trabalho mostram que os mercados de trabalho nacional e das cinco macro- regiões selecionadas têm passado por algumas mudanças no período, mas com uma renda média crescendo pouco. Uma mudança distributiva combinada a rendimentos médios que crescem pouco, não pode ser classificada como uma mudança de porte na estrutura dos mercados de trabalho nacionais.

Os decis da distribuição de renda das aposentadorias e pensões tam-bém mostram certa rigidez que impede a expansão mais acelerada dos decis inferiores, comprometendo a distribuição mais igualitária dos rendimentos previdenciários. Esses rendimentos permanecem concentrados, próximos da

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concentração de renda domiciliar per capta total, ou seja, os benefícios previ-denciários que representam uma parcela superior a 20% da renda domiciliar permanecem concentrados, dificultando a aceleração da queda da desigualda-de de renda nacional e regional.

Os decis da distribuição de renda das transferências públicas foram os que mostraram as maiores variações, embora essas transferências representem uma parcela de aproximadamente 2% da renda domiciliar. Essas variações indicam que algumas políticas públicas, como o Bolsa Família ou o Benefício de prestação continuada, podem estar auxiliando na redução da desigualdade. Contudo, os decis não permitem que se visualizem o grau de cobertura e a focalização de tais benefícios.

O crescimento monetário dos decis inferiores, para todas as macro-regiões analisadas, indica aumentos entre R$3 e R$9,5 mensais por pessoa no período. O poder de compra decorrente desses aumentos não é capaz de ele-var substancialmente a qualidade de vida das pessoas e dos domicílios. Uma série de bens e serviços essenciais para a elevação do padrão de consumo e do bem- estar social está distante dessas rendas médias contidas nos decis inferiores.

Em suma, nota-se que a magnitude da queda da desigualdade de ren-da nacional e regional não foi capaz, como era de se esperar nesse curto prazo analisado, de alterar significativamente o padrão de bem-estar social brasileiro medido pelo consumo familiar. Políticas sociais com impactos no curto prazo sobre a distribuição podem ser combinadas com políticas macroeconômicas de longo prazo, tais como a expansão da produtividade do trabalho e o cres-cimento do rendimento médio dos mercados de trabalho nacional e regional. Naturalmente que essas políticas sociais e macroeconômicas se potencializam num ambiente de crescimento econômico mais acelerado.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Ricardo Paes de et alii. A importância da queda recente da desi-gualdade para a pobreza. Brasília: IPEA, v.2, 2006.

BARROS, Ricardo Paes de et alii (orgs). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2006.

CACCIAMALI, Maria Cristina & CAMILLO, Vladimir Sipriano. Redução da desigualdade da distribuição de renda entre 2001 e 2006 nas ma-cro-regiões brasileiras: tendência ou fenômeno transitório? Economia e Sociedade (no prelo), 2008.

CORSEUIL, Carlos Henrique e FOGUEL, Miguel N. Uma sugestão de de-flatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE. Rio de Janeiro: IPEA, Texto para Discussão nº 897, 2002

DEDECCA, Cláudio Salvadori. A redução da desigualdade no Brasil: uma estratégia complexa. Brasília: IPEA, v.2, 2006.

DINIZ, Bernardo P. Campolina et alii. As pesquisas de orçamentos familiares no Brasil: gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Brasília: IPEA, v.2, 2007.

HOFFMANN, Rodolfo. Queda da desigualdade da distribuição de renda no Brasil de 1995 a 2005 e delimitação dos relativamente ricos em 2005. Brasília: IPEA, v.1, 2006.

IBGE. Microdados das PNADs de 2001 e 2006.

IPEADATA. Deflatores de rendimentos da PNAD. Disponível em: www.ipe-adata.gov.br. Acesso em 14/3/08.

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7 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS NA BUSCA DE MAIOR A IGUALDADE

Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva e Fábio Tatei

O período posterior à Constituição Federal de 1988 marca o fortale-cimento de inúmeros e multifacetados movimentos sociais na busca de maior participação política para definir prioridades e volume de recursos a serem aplicados nas políticas públicas. Entre as inúmeras demandas para elevar as condições sociais e a ampliação dos serviços públicos em todos os níveis de governo, todos os movimentos empunharam a bandeira de propiciar o acesso às políticas públicas de novos segmentos sociais. No Brasil, conforme ilustra-do por inúmeros estudos, as décadas de 1980 e de 1990 marcam um período de avanço jurídico-institucional na democratização das políticas públicas e no acesso aos serviços públicos, mas, paradoxalmente, também constituiu-se em um momento de elevada desfiliação do estatuto do trabalho e do Sistema Público de Seguridade Social.1 Ademais, a adesão às diretrizes da política

1  CACCIAMALI, Maria Cristina. A desfiliação do estatuto do trabalho na década de 1990 e a  inserção dos ocupados que compõem as  famílias de menor renda relativa.  In:  José Paulo Chahad; Paulo Picchetti.  (Org.). Mercado de Trabalho no Brasil. Padrões de comportamento e transformações institucionais. 1 ed. São Paulo: LTr, 2003, v. 1, p. 247-284. CACCIAMALI, Maria Cristina. Desgaste da legislação laboral e ajustamento do mercado de trabalho no Brasil nos anos 90. In: Posthuma, A. (Org.). Abertura e ajuste do mercado de trabalho no Brasil. Políticas para conciliar os desafios do emprego e competitividade. 1 ed. São Paulo: Editora 34, 1999, v. 1, p. 207-232. CACCIAMALI, Maria Cristina; JOSÉ- SILVA, Maria de Fátima. Empleo y Seguridad Social: otra década perdida en el mercado de trabajo de América Latina. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, Vene-zuela, v. 11, n. 3, p. 117-127, 2005. CACCIAMALI, Maria Cristina. Informalidade, flexibilidade e desemprego - necessidade de regras e de políticas públicas para o mercado de trabalho e o exercício da cidadania. Geousp,

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pública internacional na busca do desenvolvimento humano, na redução das desigualdades econômicas e sociais e na promoção da mulher, inclusive, como forma privilegiada de reduzir as desigualdades, ganham maior espaço no de-bate público e na agenda política brasileira.

A organização política das mulheres negras, embora fosse idealizada desde o final dos anos de 1970, configura-se de maneira explícita e visível apenas em meados dos anos de 1980. 2 Até então, as militantes negras par-ticipavam do Movimento Negro Unificado e do Movimento de Mulheres, feminista. A motivação na constituição de um movimento com espaço polí-tico próprio derivou da constatação de que os movimentos acima não con-templavam nem os seus interesses específicos e nem lhe permitiam imprimir diretrizes mais próximas às suas demandas, pois as negras não alcançavam posições de liderança, a despeito de seu protagonismo atuante de luta e de resistência, desde o período escravista e o pós-abolição. Em comum, mulheres brancas e negras militaram por creches, moradia, diminuição do custo de vida, movimentos de favelas, entre outros.3

O movimento das mulheres negras ganha espaço para protagonizar as suas demandas e se organiza para participar da IIIa Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001. A Articulação das Organizações das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) agrega Ongs, no momento 24, de distintas regiões do Brasil, representativas de movimentos de mulheres negras. A sua fundação data de setembro de 2000 com o objetivo de pautar princípios e demandas das mulheres negras para essa Conferência. Depois desse evento, a Articulação dedica-se ao monitoramento das recomendações e do Plano de Ação, bem como à formulação de estratégias de desenvolvimento inclusivo para o Brasil,

FFLCH - USP, São Paulo, v. 10, p. 77-90, 2001. CACCIAMALI, Maria Cristina. Processo de informalidade, fle-xibilização das relações de trabalho e proteção social na América Latina. Cadernos PUC - Economia, São Paulo, n. 11, p. 111-142, 2001. CACCIAMALI, Maria Cristina. Globalização e processo de informalidade. Economia e Sociedade (UNICAMP), IE - UNICAMP, São Paulo, v. 2000, n. julho, p. 153-175, 2000.2 Nunca é demais relembrar que, no período pós abolição, as mulheres negras constituíram-se no centro da  família  sendo responsáveis pelo  sustento  familiar. Veja-se o histórico do movimento de mulheres negras em Nzinga – Coletivo e Mulheres Negras -, criado em 1983 por Lélia Gonzalez; de Maria Mulher criado em 1987, em Porto Alegre; Coletivo de mulheres negras da Baixada Santista, criado em 1985, ou vejam-se mais informações em http://www.leliagonzalez.org.br/. Outra referência indispensável sobre o tema é BARRETO, Raquel de Andrade. Enegrecendo o feminismo ou femini-lizando a raça. Narrrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez, Dissertação de Mestrado em História Social da Cultura, Departamento de História Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005. 3  WERNECK, Jurema. Incorporação das dimensões de gênero,racial e étnica nas ações de combate à pobreza e desigualdade: uma visão da AMBB. Articulação das Organizações das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB): Rio de Janeiro, 2006.

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centradas na proteção e na promoção dos direitos; na geração de oportunidades no mundo do trabalho na cidade e no campo; na igualdade de tratamento na vida e no respeito à diversidade humana, sem racismo, sexismo, lesbofobia ou classismo, seja para o Brasil ou para a América Latina.4

O eixo de mobilização entre as Ongs que compõem a Articulação constitui-se na aceitação de que o racismo é o principal ingrediente que origi-na as condições de vida adversas desse gupo da população. A atuação brasileira na Conferência das Américas Contra o Racismo, a Xenofobia e Intolerâncias Cor-relatas, realizada em Santiago, em 2001, influenciou a adoção desse discerni-mento junto à maior parte das entidades representativas latino-americanas e sulca a condução da atuação do movimento de mulheres negras dessa região na definição das políticas públicas, nas reivindicações dirigidas à mídia e, no cenário internacional, às agências multilaterais como, por exemplo, a Organi-zação das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho e o Banco Mundial, entre outras.

Os movimentos ganham maior reconhecimento quando, em 2003, no âmbito do governo federal, são constituídas duas secretarias especiais direta-mente vinculadas à presidência da república. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com o objetivo de estabelecer inicia-tivas contra a desigualdade racial no Brasil por meio do acompanhamento e coordenação de políticas de diferentes ministérios e órgãos do governo federal para a promoção da igualdade;5 e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), criada também em 2003, voltada ao enfoque da igualdade de tratamento para as mulheres.

1. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚ-BLICAS NA DISCRIMINAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

No esteio do acúmulo de experiência provocado pela crescente parti-cipação no cenário político, nacional, regional e internacional, a AMNB, em julho de 2007, elaborou um documento denominado Dossiê da situação da mulher negra brasileira que foi apresentado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Esse relatório analisa a inserção da mulher negra em várias dimensões da so-ciedade brasileira, a saber: educação, saúde, violência, trabalho, renda e po-breza, religião, meio ambiente, participação nos espaços de poder e a imagem e a representação das mulheres negras na comunicação, e, dado o diagnóstico

4  Veja-se o histórico da Associação em http://www.amnb.org.br/index.htm5  A Secretaria é estabelecida através da Medida Provisória No. 111, de 21 de março de 2003, data em que se celebra o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

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alcançado, propõe um conjunto de princípios e diretrizes que pautam a atu-ação dos movimentos socais das mulheres negras, assim como a implementa-ção de um conjunto de políticas públicas pertinentes.

Dentre os itens mais importantes, podemos identificar demandas po-líticas, por exemplo: exigir do estado brasileiro o desenvolvimento de ações para o combate ao racismo institucional em todas as esferas do poder público, incorporar as dimensões de gênero e raça nas políticas públicas desde o pla-nejamento, implementação e avaliação, instar políticas de ação afirmativas, garantir a laicidade do Estado e garantir a liberdade de culto religioso de matriz africana. No campo político, o documento também dispõe de um conjunto de recomendações dirigidas à Comissão Interamericana de Direi-tos Humanos, demanda maior atuação dessa Comissão no Brasil, inclusive, maior monitoramento das ações do governo brasileiro nessa matéria.

Além dessa dimensão, o dossiê elenca reivindicações que pretendem ampliar a seguridade social da mulher negra e aponta a necesidade de mudan-ças na atuação da mídia com relação à questão racial. Em relação ao primeiro aspecto mencionado, as recomendações são: ampliar a abrangência do Siste-ma Público de Seguridade Social para as mulheres negras, implantar o Sis-tema Especial de Inclusão Previdenciária, melhorar a qualidade dos serviços públicos, reduzir a mortalidade materna desse grupo da população e outorgar a imediata titularização das comunidades remanescentes de Quilombos.

O segundo aspecto – o papel da mídia na sociedade brasileira - é alvo de críticas pelos autores do documento. A comunicação tem um papel central na formação de valores de uma sociedade e, no Brasil, ao invés de contribuir para a disseminação de uma cultura de tolerância, os meios de comunicação reforçam o preconceito na sociedade. A mídia banaliza o sexismo e o racismo, e reproduz, correntemente, estereótipos e estigmas sobre a mulher e, particu-larmente, sobre as mulheres negras. Esse comportamento e atuação da comu-nicação acarreta danos à afirmação da identidade racial e sexual, deprime a autoestima e a valorização social.

Por outro lado, esse documento da AMNB parte de uma pauta mais completa e abrangente de reivindicações organizada sob a liderança da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, e pela Casa de Cultura da Mulher Negra - que não compõem a AMNB – que veio a público em junho de 2005. Esse documento foi produzido pelo Encontro Nacional Olhares da Mulher Negra Sobre Marcha Zumbi +10, por meio da agregação de propostas apresentadas pelos Grupos de Trabalho instalados durante o evento. Segundo esse relatório, a agenda política exposta:

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representa ... a soma de documentos produzidos nos últimos anos pelo movimento de mulheres negras, movimento negro, movimento feminista e pelo próprio governo, pois todos significam uma construção de mais de uma década de reflexões e propostas que as mulheres utilizarão no cotidiano das lutas em seus estados e municípios, com vistas a sensibilizar, aglutinar e mobilizar as mulheres para a Marcha Zumbi+10.6

O documento subdivide-se em 11 seções, a saber: Princípios e dire-trizes, Enfrentamento à pobreza, Habitação e infraestrutura, Trabalho, Saúde da Mulher Negra: Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Violência contra a Mulher e Segurança Pública, Educação, Mulher Negra e acesso ao Poder, Cultura e Comunicação. Entre essas, destacaremos as seções e as propostas que se di-rigem de maneira mais próxima à questão da discriminação da mulher negra no mercado de trabalho.

Na seção Princípios e diretrizes, os participantes do Encontro compre-endem que o atual governo tem propostas de combate ao racismo, todavia não possui propósitos. Nesse contexto, os participantes exigem maior compromisso do governo com relação a um conjunto de aspectos institucionais, tais como: a implementação de políticas públicas voltadas para a redução das desigualda-des, adotando recorte transversal de gênero, classe, raça/etnia, geração, orien-tação sexual e deficiência; o reconhecimento efetivo do Estatuto da Igualdade Racial, apoiando o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial; o es-tabelecimento de mecanismos que permitam a participação real e igualitária das mulheres negras nas instâncias de decisão de todos os níveis de governo; o fortalecimento dos organismos específicos dos direitos e de políticas públicas para as mulheres, dotando-os de infra-estrutura, equipe técnica profissionali-zada e recursos financeiros, segundo alocação prevista nos Planos Plurianuais, Leis de Diretrizes Orçamentárias e Orçamentos Anuais; a capacitação de ser-vidores públicos nessa área; a confirmação de que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados; a inclusão como violação dos direitos humanos de atos de abuso aos direitos das mulheres e meninas; a garantia por parte do governo do cumprimento dos tratados e convenções internacionais firmados pelo governo brasileiro; a adoção das recomendações contidas nas declarações e plataformas de ação das conferên-cias da Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1992;7 e por fim, o

6  Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e a Casa de Cultura da Mulher Negra. Documento do Encontro Nacional, junho de 2005. A marcha foi realizada no dia 22 de novembro de 2005 em Brasília. http://www.contee.org.br/secretarias/etnia/materia_12.htm, consulta em julho de 2008.7  O item refere-se, especialmente, à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1994, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida

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reconhecimento da contribuição dos movimentos feministas e de mulheres negras para a construção e o fortalecimento da democracia.

Nas seções relativas ao Enfrentamento da pobreza e Habitação e infra-estrutura, o documento, depois de realizar diagnósticos sobre os respectivos temas, enfatiza a necessidade de alcançar maior abrangência no atendimento público às mulheres responsáveis por famílias monoparentais, especialmente na zona rural, e a necessidade de investimentos em saneamento para prevenir a alta incidência de leishmaniose e febre amarela, e outras recrudesceram, como a dengue, a difteria a tuberculose.

O tema do Trabalho constitui-se em uma seção extensa e prioritária no âmago do documento da Rede e da Casa de Cultura. Entre as reivindicações que são apresentadas no relatório, fizemos um conjunto de recortes que jul-gamos mais importantes. Inicialmente destacamos a demanda de se garantir a representação das mulheres nas Comissões Municipais e Estaduais e Federal de Trabalho e Renda, com o fito de participarem da seleção e do desenho de políticas públicas nesse campo da política econômica e social, o que indica a consciência desse movimento da necessidade de maior participação política. Na sequência, ressaltamos uma demanda comum ao movimento feminista: a garantia no que tange à criação de creche no local de trabalho.

O direito fundamental no trabalho de não discriminação na ocupação é valorizado no momento em que os autores do documento reclamam pela execução de ações afirmativas para efetivar esse direito e para combater o de-semprego que é substancialmente maior entre as mulheres negras. O combate à discriminação pode favorecer-se por meio da divulgação obrigatória e pe-riódica das informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED), recebidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, classificadas por sexo e raça/etnia/cor, verificando-se a função, cargos de chefia e salário, de tal forma a permitir monitoramento sistemático do mercado de trabalho e dos hiatos de salário e de mobilidade ocupacional.

Ademais, a seção Trabalho endereça um conjunto de ações públicas para a promoção social das jovens negras e, assim, busca romper o cículo in-

como Convenção de Belém do Pará, de 1994, as Convenções 100/53, 103/66 e 111/58 da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT), e garantir a soberania nacional nos acordos comerciais, tais como: ALCA, União Européia/Mercosul e nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), além do Acompanhamento do Tratado Internacional (empresas que assinaram o Global Compact da ONU). Quanto às conferências da ONU, o documento cita todas desde 1992. Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio, 1992), Direitos Humanos (Viena, 1993), População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), IV Conferência Mundial sobre as Mulheres ( Beijing , 1995), Contra o Racismo, a Xenofobia e  Intolerâncias Correlatas  (Durban, 2001), Protocolo Facultativo à CEDAW, 2002.

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tergeracional da reprodução da pobreza. Por exemplo, o documento enfatiza a necessidade de combater o trabalho infantil das meninas negras no serviço doméstico, de estender todos os direitos trabalhistas ao emprego doméstico, de prover o acesso ao crédito de mulheres inseridas no serviço doméstico, em atividades pesqueiras. O relatório também indica, nesse campo, a intervenção pública para elevar a qualidade da educação e para estender a capacitação pro-fissional para mulheres em situação de risco social ou pessoal8, em especial, as jovens negras, por meio da utilização dos recursos do FAT e provendo bolsa de estudos, inclusive para as adolescente negras infratoras, em regime semi-aberto; dispõe a respeito da cobertura da legislação trabalhista aos aprendizes e estagiários; recomenda a realização de programas para o primeiro emprego e a utilização de cotas para a entrada de jovens negras no mercado de trabalho; e reclama a realização de programas que financiem o empreendedorismo juve-nil, possibilitando o surgimento de empresárias negras. Ademais, pretende-se ainda estabelecer campanhas de conscientização contra o assédio sexual e a exploração de jovens negras.

O documento apresenta um capítulo específico para a trabalhadora rural. Reivindica-se, nesse caso, a implementação de programas específicos de capacitação, realização de programas de geração de emprego e renda, acesso ao crédito, acesso à propriedade da terra e a realização de ações que promovam o aumento da auto-estima.

2. INTERVENÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS NA CIDADE DE SAL-VADOR - BAHIA

A cidade de Salvador/BA, originando diversas entidades que apóiam o movimento negro, feminista e de homosexuais, travestis e transgêneros, em especial, a mulher negra, constitui-se em um importante referencial para a apreeensão de boas práticas no que tange às propostas dos movimentos sociais e das intervenções que se dirijam a enfrentar o desafio de sobrepujar o precon-ceito e a discriminação.

Em sua maioria, os movimentos de defesa dos interesses da população negra objetivam reforçar a qualidade do ensino escolar dos jovens negros, bem como da consciência de sua identidade racial, através do maior conhecimento sobre as suas raízes históricas. Dentre várias entidades, destacamos os esforços do Instituto Steve Biko que iniciou as suas atividades, em 1992, por meio de um curso pré-vestibular para jovens negros de baixa renda, pioneiro no Brasil, e que, atualmente, mantém projetos com o objetivo de formar uma liderança

8  Citam-se egressas do sistema penal, portadoras de doenças crônicas, pesqueiras, indígenas, encarceradas, por-tadoras de deficiência, lésbicas, de baixa renda e na terceira idade.

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negra, entre outros. Mesmo não sendo tão numerosas, as entidades que tra-tam da inserção de grupos discriminados no mercado de trabalho são igual-mente relevantes. O Ceafro, programa do Centro de Estudos Afro- Orientais da Universidade Federal da Bahia, apresenta cursos profissionalizantes voltados para jovens negros, além de implementar ações de conscientização e de forma-ção de educadores da história e cultura afro-brasileira e africana.

Apesar da importância dessas organizações sociais, a maioria padece da dificuldade de obtenção de recursos para a continuidade e/ou expansão de suas atividades, conseqüentemente, abarcam um público-alvo menor que o ideal. Nesse sentido, ratifica-se a extrema importância do papel do Estado no combate à discriminação. Um caso exemplar é a formação da Secretaria Municipal da Reparação (Semur), na cidade de Salvador, que tem a missão de articular com as demais secretarias municipais a inclusão do recorte racial em todas as políticas públicas implementadas na cidade.9 Assim, reconhece-se, oficialmente, que a maioria da população, formada sobretudo por negros e mestiços, não desfruta das mesmas oportunidades e tratamentos da minoria branca ou de cor mais clara.

A seguir apresentamos as principais atividades das entidades e órgãos estudados, agrupadas de acordo com suas características gerais: conscientiza-ção, educação, formação de educadores, saúde, cultural e profissionalizante.

Conscientização

Entre as boas práticas preconizadas, a conscientização das pessoas para a questão do tratamento desigual de gênero e cor/raça/etnia constitui-se em parte vital do processo de combate à discriminação. Graças às ações das Se-cretarias Especiais, criadas para essa causa, os órgãos públicos introduziram o enfoque de gênero e cor/raça/etnia em seus programas de intervenção. Nes-se sentido, entre os principais projetos da Seppir encontram-se o Programa de Fortalecimento Institucional para Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE); a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR); e o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR); ações que aderem tanto às pressões internacionais exercidas por Ongs e agências multilaterais que se configuram como o com-

9  Apesar de  ser um órgão municipal,  as articulações do Semur não  se  restringem à cidade de Salvador. Por exemplo,  a  Secretaria  realiza  convênio  com  a  Fundação  Cultural  Palmares,  Universidade  Federal  da  Bahia, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ministério da Saúde, Ministério Público Federal, Organizações da Sociedade Civil, Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional  (DFID), e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

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promisso do governo federal na busca da eliminação da desigualdade racial no país.

Por sua vez, a SPM concebe o Programa Pró-Equidade de Gênero, com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades entre homens e mu-lheres nas organizações públicas e privadas, por meio da conscientização e sensibilização dos dirigentes e trabalhadores, assim como a inserção de boas práticas de gestão em prol da igualdade de gênero no mercado de trabalho. As organizações que aderem ao programa preenchem uma ficha perfil e a partir dela é elaborado o Plano de Ação a ser implementado em dois eixos: Gestão de Pessoas e Cultura Organizacional. Posto isso, as empresas recebem o Selo Pró-Equidade de Gênero que identifica seu comprometimento com o comba-te à discriminação e a promoção da igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Igualmente, a Semur apresenta o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) 10 em Salvador, que visa capacitar os gestores públicos para a promoção da igualdade racial e a formação de bancos de dados com o recorte racial nos diversos setores da administração pública. O Programa envolve diversas Secretarias que desenvolvem iniciativas voltadas para um modelo de gestão municipal que valorize e priorize a diversidade racial. Atu-almente, os esforços da Secretaria estão concentrados no projeto Selo da Di-versidade Étnico-Racial no Mercado de Trabalho, uma iniciativa da Coordena-ção de Promoção Empresarial com a colaboração do Semur que reconhece as empresas, entidades sindicais e organizações da sociedade civil que investem na promoção da diversidade racial e de gênero no mercado de trabalho. Em contrapartida, os participantes receberão gratuitamente assessoria especiali-zada e treinamento em Gestão da Diversidade, além de poder utilizar o Selo em anúncios publicitários e mostrar à sociedade o seu compromisso com a diversidade étnico-racial.

O Programa Mulher e Ciência, por sua vez, objetiva estimular a re-flexão e a produção científica sobre as questões de gênero e feminismo no país, assim como a participação das mulheres nas áreas de ciências e carreiras acadêmicas. Instituído inicialmente pela SMP, e Ministério da Ciência e Tec-nologia (MCT) atualmente, o programa conta com 3 incentivos: um edital de pesquisa para a produção de estudos das relações de gênero, mulheres e fe-minismos; o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, voltado para redações de estudantes do Ensino Médio, além de trabalhos científicos e monográficos

10  O Racismo  Institucional  consiste  de mecanismos  institucionais  que  fazem  com  que  brancos  e  negros,  e homens e mulheres com a mesma condição social e os mesmos anos de estudo recebam tratamentos diferentes em órgãos públicos como hospitais e escolas.

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de estudantes do ensino superior e pós-graduandos; e o Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa – Pensando Gênero e Ciências, que estimula o ma-peamento e análise de estudos sobre a questão das mulheres, além de propor medidas e ações que contribuam para a promoção das mulheres nas ciências e carreiras acadêmicas.

Destacam-se, também, na cidade de Salvador, as ações da Ceafro. En-tre as principais, as ações de persuasão na mídia pretendem difundir temas que os meios de comunicação contam com pouco financiamento para tra-tar, como campanhas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes e de combate ao trabalho doméstico infantil. A realização de eventos, por sua vez, pretende contribuir para a formação de técnicos e dirigentes de organizações que incorporem a raça-gênero no planejamento institucional das respectivas organizações.

O Instituto Steve Biko, por outro lado, na mesma cidade, mantém projeto de formação de jovens em direitos humanos na luta anti-racista. Essa ação desenvolvida em parceria com o Ministério da Justiça, desde 2001, visa fortalecer a luta contra o racismo na Bahia, por meio da formação para jovens negros na perspectiva de que eles sejam agentes multiplicadores dessa propos-ta, possibilitando, assim, o surgimento de uma nova geração de cidadãos mais comprometidos com o respeito às diferenças.11

Educação

Nessa área de intervenção, destacam-se as ações afirmativas desenvol-vidas pelo Instituto Steve Biko na cidade de Salvador. Criado em 1992, o curso pré-vestibular é voltado para estudantes negros de baixa renda e oferece todas as disciplinas exigidas nos exames vestibulares, além de um curso de formação política ministrado na disciplina Cidadania e Consciência Negra (CCN), con-siderada o grande diferencial do Instituto. Trata-se de um programa de for-mação político-cultural que tem como fundamento de proposta pedagógica a elevação da auto-estima do aluno mediante o resgate de sua ancestralidade, do seu senso de pertencimento étnico e da ampliação do seu conceito de cidadania.

Em anos recentes, foram elaboradas ações com objetivos mais especí-ficos como o Projeto OGUNTEC, criado em virtude da constatação do baixo percentual de alunos negros nos cursos superiores de exatas. Trata-se de um programa de fomento à Ciência e Tecnologia, dirigido para estudantes ne-11  O curso proporciona aos alunos a discussão de temas relacionados à cidadania, direitos humanos, ancestra-lidade e diversidade cultural, através de palestras, dinâmicas e atividades como o teatro e a música, de forma a facilitar a contextualização dos temas e a divulgação dos conteúdos.

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gros de escolas públicas estaduais, possibilitando-lhes reforço nas principais disciplinas ligadas às áreas científicas e tecnológicas. O Projeto Mentes e Portas Abertas (POMPA), por outro lado, foi elaborado em parceria com uma bolsis-ta afro-americana do Programa Fulbright, com o objetivo de apoiar o ingresso de jovens negros universitários em carreiras do setor público e do terceiro setor e formar lideranças mais efetivas que atuem em defesa dos direitos de suas comunidades.12

Com relações às instituições de ensino superior de Salvador, desde 2003, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) reserva 40% de suas va-gas para estudantes negros oriundos de escola pública, enquanto a UFBA introduziu as cotas raciais em 2005.13 Muitos dos alunos cotistas pertencem a famílias carentes e enfrentam dificuldades para continuar os estudos. Nesse sentido, a Semur inicia projeto de apoio à permanência de estudantes cotistas nas instituições de ensino superior, oferecendo bolsa-auxílio no valor de R$ 280,00, além de acompanhamento sócio-educacional para a promoção edu-cacional e social dos cotistas. Ademais, a UFBA incentiva a participação dos alunos cotistas em pesquisa, monitoria de disciplinas e trabalhos administra-tivos, por meio do Programa Permanecer.

Formação de educadores

Diante da Lei Federal 10.639/03, que instituiu o ensino obrigatório da História e Cultura da África e dos afro-descendentes na grade curricular do Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas e privadas, surge a necessi-dade de se formar educadores qualificados para ministrar a nova disciplina.

Nesse contexto, a Seppir apresenta o projeto A Cor da Cultura, que dissemina o patrimônio cultural afro-brasileiro para escolas públicas do ensi-no fundamental por meio de conteúdos audiovisuais e impressos, além de um endereço na internet que aprofunda os temas abordados.

Seguindo os mesmos passos, o Ceafro, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação e Cultura de Salvador (SMEC), elaborou diretrizes curriculares para a implementação da Lei Federal, além de produzir kits de materiais didáticos. Ademais, a entidade promove o Projeto Escola Plural, vol-tado para a formação de educadores para a inclusão da temática história e

12  Diferentemente dos demais projetos do Instituto Steve Biko, o POMPA é direcionado a alunos que já cursam o ensino superior, a partir do 4º semestre do curso.13  Há reserva de 43% das vagas para alunos egressos da escola pública, dos quais 85% são direcionados para negros  e  pardos,  enquanto  15%  são  para  os  alunos  de  qualquer  etnia  ou  cor; mais  2%  total  de  vagas  para descendentes de índios.

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cultura do negro no currículo escolar, bem como a formação de especialistas em educação e desigualdades raciais, com ênfase em raça e gênero.

Por sua vez, o Projeto Gênero e Diversidade na Escola (SPM), pretende formar professores públicos do Ensino Fundamental para a abordagem das temáticas de gênero, sexualidade e igualdade étnico-racial. Em 2006, o curso piloto foi oferecido em seis municípios14 e estruturado em duas partes: 30h aulas presenciais e 170h de atividades à distância. O objetivo da capacitação é oferecer aos profissionais instrumentos para apreender a lidar em sala de aula com a temática proposta.

Saúde

O ano de 2004 marca a realização do primeiro Seminário Nacional de Saúde da População Negra, bem como o início das ações da Seppir com o Mi-nistério da Saúde em todos os níveis e instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS), pela promoção da igualdade, em especial para a superação dos fato-res que determinam ou condicionam a maior vulnerabilidade da população negra. A SPM, por outro lado, apresenta o Plano integrado de enfrentamen-to da feminização da epidemia de AIDS e outras DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis), que norteia as ações em todos os níveis de governo para a promoção da saúde sexual e reprodutiva, guardando as diferentes necessidades das mulheres. Entre as ações estratégicas do Plano, destacam-se: ampliação da cobertura e garantia de acesso a insumos de prevenção, a serviços de saúde de qualidade, à informação e ações educativas sobre DST, realização de oficinas de apoio e qualificação de gestão para estados, municípios e movimentos so-ciais para mulheres; e a implementação de um Sistema Nacional de Informa-ções sobre a violência contra a mulher.

Por sua vez, o Semur oferece ações voltadas para a saúde da população negra por meio de feiras de saúde em bairros tidos como quilombos urbanos, além de seminários com o objetivo de capacitar os técnicos da ouvidoria para acolher e encaminhar as queixas relativas às vítimas de racismo e racismo ins-titucional; discutir o estabelecimento de um fluxo para as denúncias de racis-mo no atendimento da saúde, além de sensibilizar a ouvidoria para identificar as denúncias na perspectiva do racismo institucional.

Cultural

As ações empenhadas na valorização do patrimônio histórico-cultural dos afro-brasileiros são alardeadas como preservação de símbolos da identi-

14  Os municípios escolhidos são: Dourados, Maringá, Niterói, Nova Iguaçu, Porto Velho e Salvador.

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dade nacional, bem como constituem-se em instrumentos para a promoção de uma consciência negra. Assim, a Seppir institucionaliza o Dia Nacional do Samba e inicia ações de preservação das comunidades quilombolas através do projeto Quilombos no Brasil. Atuações parelhas são promovidas pelo Semur mediante o Programa Quilombos Urbanos, política pública de reconhecimento e titulação de territórios negros, inicialmente rurais que, devido à urbaniza-ção crescente, foram absorvidos por cidades. O Ceafro mantém em parceria programa similar para os quilombos urbanos do estado da Bahia - Programa Trocas Quilombolas, com iniciativas pelo direito a terra e acesso à educação, saúde, trabalho nessas comunidades.

Ademais, o Semur apresenta o Programa de preservação do patrimônio cultural, ambiental e religioso afro-brasileiro, um mapeamento dos 1.159 ter-reiros de candomblé na cidade de Salvador, com informações sobre localiza-ção, nome do dirigente, nação a qual pertence, ano de fundação e fotos.

Outra iniciativa do Semur, o Observatório da discriminação racial e da violência contra a mulhe,r opera em regime de plantão durante o Carnaval e reúne serviços de prevenção e atenção à violência racial e contra as mulheres, reforçando o compromisso da Prefeitura com a promoção da igualdade racial e de gênero.

Profissionalizantes

Uma das principais atividades do Ceafro é seu curso profissionalizante, que oferece qualificação profissional direcionada a jovens encaminhados por organizações do movimento negro de Salvador. Elaborado em parceria com o Instituto Affonso Afrânio Ferreira (IAAF), o projeto oferece cursos nas áreas de tecnologias de redes e internet, composto de aulas teóricas e práticas. Ade-mais, o projeto impulsiona a reflexão sobre as políticas de inserção da juventu-de negra no mercado de trabalho através de ações junto ao empresariado local e a agências governamentais.

Outra importante iniciativa desse Centro é o projeto Ampliando di-reitos e horizontes, voltado para jovens entre 16 e 18 anos de idade que sobre-vivem do trabalho doméstico. Esse projeto é desenvolvido de forma interdis-ciplinar em dois módulos: formação básica e formação para liderança.15 Uma das metas do projeto é o de contribuir na inclusão do trabalho doméstico no

15  O curso compreende blocos de disciplina na área de cidadania com o estímulo à auto-estima, a consciência crítica, o espírito cooperativo e de solidariedade, direitos trabalhistas, profissionalizante com a qualificação e ampliação profissional, através da formação técnica, com aulas sobre novas tecnologias domésticas, puericultura e higiene, confecção de alimentos, limpeza e conservação, informática, recepção; e um bloco com disciplinas na área de educação com o desenvolvimento das linguagens oral e escrita e linguagem matemática.

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elenco das políticas públicas, prevenir e erradicar o trabalho infantil domés-tico, garantir os direitos dessas trabalhadoras bem como enfrentar o assédio sexual.

Por sua vez, o Instituto Steve Biko apresenta o BikoAgiliza, um pro-grama de formação de jovens para o primeiro emprego distribuído em duas modalidades – Mobilizadores Sociais Dee Jay’s e Cultura Hip-Hop. O curso é elaborado através do Consórcio da Juventude com apoio do Ministério do Trabalho.

Do lado das iniciativas promovidas por órgãos públicos, devem ser mencionadas ainda as ações de incentivo ao empreendedorismo negro, como a organização de feiras quinzenais para divulgar e promover os trabalhos de empreendedores afro-descendentes da Associação de Cultura e Arte, com ge-ração de emprego e renda para essas pessoas, e os programas de capacitação de jovens para o mercado de trabalho, elaborado em parceria com o Instituto de Responsabilidade e Investimento Social (Íris). Com aulas oferecidas por instru-tores do Senac, o curso capacitou 60 alunos afro-brasileiros em um primeiro momento, divididos em duas turmas, com aulas de consultoria de vendas, telemarketing, atendimento ao público, etc.16

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos diagnósticos produzidos pela equipe desta pesquisa, do Seminário e das Oficinas de trabalho realizadas, e do estudo de campo de-senvolvido na cidade de Salvador, recomendamos um conjunto de programa e ações públicas não excludentes. Classificamos as propostas em conjuntos; mercado de trabalho, micro e pequenas empresas, capacitação, mídia, extensão da jornada escolar, sistema de cotas no ensino superior e técnico, e visibilidade e transparência dos programas.

Entre todas as proposições, julgamos da maior importância priorizar a manutenção do dinamismo do mercado de trabalho simultaneamente com a sua organização institucional, a fim de propiciar um ambiente favorável à inclusão social e à diminuição da desigualdade e da discriminação. Assim, em primeiro lugar, propomos incentivar a prática do emprego com registro no mercado de trabalho, reduzindo a informalidade, de tal forma a introduzir no Sistema de Seguridade Social, e em outras políticas públicas de cunho universal, os grupos que apresentam maior probabilidade de discriminação:

16  Segundo os entrevistados, os primeiros jovens formados por este curso de capacitação enfrentaram dificulda-des de inserção no mercado de trabalho. Mesmo com a promoção do debate público, como a palestra Inserção de jovens afro-descendentes no mercado de trabalho houve resistência dos potenciais empregadores parceiros do programa.

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entre os estratos de menor renda, as mulheres, brancas e negras, e os homens negros. O quadro de informalidade reduz a probabilidade de mobilidade as-cendente dos trabalhadores, especialmente nas micro e pequenas empresas, que oferecem poucas oportunidades de incorporação de capital humano, seja sob a forma de capacitação ou de acúmulo de experiência no mercado de trabalho. Nas cidades menores, as relações de trabalho podem tender a situa-ções degradantes, na medida em que a fiscalização tributária, previdenciária e trabalhista é reduzida, quando não, inexistente, e, muitas vezes, mantém in-teresses estreitos com os empresários locais, restringindo, entre outros efeitos deletérios, a livre organização sindical, e sustentando práticas que agridem os direitos fundamentais no trabalho.

O estreitamento das rendas entre grupos da população requer também medidas administrativas e institucionais adicionais no mercado de bens e de trabalho. Por exemplo, é urgente estabelecer maior abrangência da fiscalização considerando estratos de valor, ramos de atividade e distribuição territorial, utilizando tecnologias de informação, atuando conjuntamente nas três esferas - tributária, previdenciária e trabalhista – e ampliando o número e a capacita-ção dos fiscais, inclusive sobre os critérios de aplicação e da gestão das políticas públicas no que diz respeito à transversalidade de gênero e raça. Esse enfoque, ademais, deve ser incorporado pela priorização de programas, alocação de recursos e a sua aplicação pelo Sistema Público de Emprego, Trabalho e Ren-da (Spter), Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger) e Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes).

Sob a ótica institucional, três aspectos devem ser reforçados: a garantia da livre associação dos trabalhadores para conduzirem negociações salariais sistemáticas; a manutenção da política de salário mínimo, pois a elevação da base salarial da economia tende a conter o aumento dos demais salários da estrutura salarial e contribui para o estreitamento do diferencial de salários; o terceiro aspecto é dar voz a um maior número de entidades representati-vas dos movimentos sociais de mulheres, negros, homossexuais, travestis e transgêneros, em diferentes órgãos e níveis de governo, ampliando o dialogo, antecipando demandas e delineando programas e ações pertinentes.

Soma-se aos aspectos anteriores, a necessidade da difusão de uma cul-tura de elevação do nível tecnológico para ampliar a produtividade do traba-lho nas micro e pequenas empresas de todos os ramos de atividade, que pode contribuir para estreitar as desigualdades salariais. Assim, é importante manter a política capilarizada de acesso ao crédito para esse estrato de empresas, por exemplo, o Proger e o Bndes, contudo, considerando, entre as recomenda-ções, a introdução de tecnologias mais produtivas. Assim como contribui para

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esse objetivo, a diminuição da informalidade nas micro e pequenas empresas e a elevação da capacitação da força de trabalho. Com relação ao primeiro aspecto, salientamos que empresas que atuam dentro do marco legal e que adotam a divisão de trabalho entre a gestão e a produção, apresentam maior probabilidade de firmarem contratos de médio e longo prazo com clientes e fornecedores, obterem crédito e investirem em capital físico, organizacional e humano, criando ambientes de maior produtividade. Quanto à capacitação dos empregados de micro e pequenas empresas, destacamos que, uma das formas de superar a restrição de escala e de custo, é a de participarem na modalidade de consórcio junto a entidades fornecedoras de capacitação. Em se tratando de capcitação, não podemos deixar de mencionar que a primeira etapa para efetivar de forma eficiente e eficaz programas de capacitação profis-sional é a produção de egressos de qualidade do ensino fundamental e médio, ou seja, é da maior urgência melhorar a qualidade da escolaridade pública e produzir maior homogeneidade no conhecimento dos egressos do sistema público de ensino, de tal forma a permitir o desenvolvimento de cursos de ca-pacitação profissional de qualidade e larga abrangência e estreitar, entre raça, gênero e estratos de renda, as diferenças de conhecimento, operacionalização e de atitudes frente ao exercício da maioria das ocupações do mercado de trabalho.

As informações produzidas neste estudo confirmaram os resultados de outros estudos quanto à maior resistência da discriminação de sexo no mercado de trabalho, entre os empregados com carteira e sem carteira de trabalho assinada, com relação ao homem negro. Uma das formas de superar o preconceito contra a mulher - no mercado de trabalho e na vida política - é a utilização da mídia para valorizar a identidade e a auto-estima das mulhe-res, principalmente das mulheres negras, empregando para tal fim, de forma sistemática, distintos veículos midiáticos. A auto-estima da população negra, ademais, pode ser fortalecida pelo incentivo à produção de obras literárias e artísticas e pelo apoio à sua divulgação e, no caso das vítimas de abuso domés-tico, serviços de assistência jurídica e psicossocial, e a realização de oficinas de auto-ajuda para resgatar a auto-estima ferida dessas mulheres devem ser reforçados em número e qualidade.

Para além dessas ações de conscientização, valorização e apoio, o pro-pósito de propiciar maior mobilidade vertical no mercado de trabalho para as mulheres pode ser impulsionado por meio da maior incorporação de capital humano via sistema escolar e/ou mercado de trabalho, muitas vezes limitada pela família e/ou pela empresa que favorece o homem e a ideologia da maior responsabilidade do homem provedor. A ampliação das oportunidades de ca-pacitação, e, quando necessário, focalizando as especificidades das mulheres

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negras, deve ser permanente, seja na condição de estudante mediante está-gios e cursos complementares, como na condição de profissional por meio de oportunidade de ingresso em processos de educação continuada. Não se pode deixar de mencionar, devido à alta incidência de atos de violência doméstica contra a mulher, a necessidade de serviços de apoio às mulheres que foram alvo de violência doméstica e sexual, por exemplo.

A disponibilidade de tempo da mulher para o trabalho amplia-se, as-sim como a qualidade do uso do seu tempo eleva-se por meio do apoio do sistema escolar público. Inicialmente, os serviços públicos de atendimento à criança devem ser ampliados para acolher a maior parte da faixa etária pré-es-colar. Segundo estudos especializados, a jornada eficiente e eficaz para o desen-volvimento adequado das atividades didáticas deve contemplar no mínimo 6,30 horas diárias, recomenda-se portanto, a ampliação da jornada escolar para crianças e adolescentes. Essas medidas, além de possibilitarem a partici-pação da mulher no mercado de trabalho, aumentam as possibilidades futuras da criança e do jovem por meio do adensamento da incorporação de capital humano e ainda reduzem a probabilidade de trabalho infantil e juvenil.

O emprego de cotas no ensino superior das instituições públicas como instrumento de política pública deveria ser estendido para as escolas técnicas de nível médio e de terceiro grau tecnológico. A utilização desse instrumento, quando for utilizado, deve focalizar estudantes da escola pública de famílias em situação de vulnerabilidade. Esse critério abrangerá a maior parte da po-pulação negra pobre, grupo que deve ser alvo das políticas de promoção social. A população que freqüenta escolas privadas dispõe das condições materiais e sociais para candidatar-se em igualdade de condições a uma vaga nas insti-tuições públicas ou privadas de nível superior. O acesso a uma vaga de nível técnico ou superior deve ocorrer mediante processo de seleção específico para candidatos cotistas, contemplar os melhores colocados até o preenchimento da cota, guardada a nota de corte de cada curso. O acesso a uma vaga privada, caso o aprovado componha uma família em situação de vulnerabilidade, pode ser confirmado, como já é usual, por meio do Prouni.

O Programa de cotas, bem sucedido na UFBA, mostra que essas me-didas isoladas são insuficientes para os alunos cotistas. Muitos abandonam o curso por falta de recursos financeiros para a sua manutenção, outros en-frentam dificuldades devido a déficits de conhecimentos. A superação dessas limitações foi enfrentada pela UFBA por meio de duas medidas adicionais: o Programa Permanecer que atribui bolsas para a realização de atividades de pes-quisa, monitoria ou administrativos na universidade durante o período extra-classe e cursos de apoio e reforço em idioma inglês, expressão e comunicação

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em português e atividades de socialização e inclusão acadêmica. Representan-tes dos movimentos negros propuseram cotas para negros no sistema escolar e no mercado de trabalho. Essa última proposta não teve aceitação unânime por três motivos. O primeiro refere-se ao estigma que pode ser criado sobre os profissionais negros e a ampliação das tensões raciais. O segundo refere-se à dificuldade de estabelecer a categoria raça negra no Brasil, na medida em que a miscigenação é a principal característica da sociedade brasileira. O critério para se candidatar a uma vaga de cota é a autodeclaração, procedimento que incentiva práticas de risco moral. O terceiro motivo no que se refere à educa-ção técnica e superior é a necessidade de priorizar a qualidade do ensino fun-damental e de segundo grau de tal maneira a democratizar as oportunidades para os estratos mais pobres.

Por fim, a visibilidade e a difusão de informações sobre os programas públicos de inclusão social e de acesso à cidadania, assim como a dissemi-nação capilar dos resultados das avaliações realizadas sobre os programas e a defesa de boas práticas, devem compor o quotidiano da realização das polí-ticas públicas. A igualdade de oportunidades e a maior inclusão social passa obrigatoriamente pelo acesso à informação do tipo, objetivo e conteúdo dos programas e das ações que estão sendo oferecidos nos vários órgãos e níveis governamentais, pelo terceiro setor e/ou pelo setor privado.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CEAFRO,http://www.ceafro.ufba.br/main/default.asp

GONZALEZ, Lélia, http://www.leliagonzalez.org.br/.

INSTITUTO STEVE BIKO, http://www.stevebiko.org.br/

REDE FEMINISTA DE SAÚDE, DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS RE-PRODUTIVOS, http://www.redesaude.org.br/

SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/

SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir/

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WERNECK, Jurema. Incorporação das dimensões de gênero, racial e étnica nas ações de combate à pobreza e desigualdade: uma visão da AMBB. Arti-culação das Organizações das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB):

Rio de Janeiro, 2006.

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ANEXO

Composição da Articulação das Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)ACMUA - Associação Cultural de Mulheres Negras/RSAMMA Psique e Negritude/SPCaces/RJCasa da Mulher Catarina/SCCEDENPA - Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará Composição da AMNB em 2002:Coletivo de Mulheres Negras Esperança Garcia/PICRIOLA/RJEleekó/RJFala Preta! Organização de Mulheres Negras/SPGeledés -Instituto da Mulher Negra/SPGrupo de Mulheres Negras Malunga/GOIalodê - Centro de Referencia da Mulher Negra/BAIFARADAH/PIIROHIN/DFIMENA- Instituto de Mulheres Negras do Amapá/APKilombo/RNMãe Andreza/MAMaria Mulher - Organização de Mulheres Negras/RSNzinga/BHSACI - Sociedade Afrosergipana de Estudos e Cidadania

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Glossário

Instituição - grupo, coletivo ou mesmo entidade política.Democracia racial – construção ideológica para manter as diferenças

interraciais, pois freia as demandas dos negros por igualdade racial. A expli-cação para as diferenças entre raças consiste em justificar que as diferenças devem-se em virtude dos estratos sociais e de renda, e não devido a cor/et-nia/raça.

Raça – nas ciências sociais a denominação de raça não se vincula a bases biológicas, mas à construção e significação social que a sociedade atribui ao termo, e que implica tratamento desigual e diferenciado motivado pela cor da pele ou fenótipo.

Racismo – recusa a admitir a unicidade e a unidade essencial da es-pécie humana, o termo indica que cada espécie se encontra imutavelmente dividida em sub-espécies ou raças, acreditando que existe uma superioridade racial.

Racismo Institucional - consiste de mecanismos institucionais que fa-zem com que brancos e negros, e homens e mulheres com a mesma condição social e os mesmos anos de estudo recebam tratamentos diferentes em órgãos públicos como hospitais e escolas.

Gênero – categoria que indica a divisão por sexo (masculino/femini-no) ou por associações de cunho psicológico. Pode ser entendido como um princípio de classificação de papéis sociais culturalmente estabelecidos para o masculino e para o feminino.

Políticas Públicas – ações de Estado orientadas por objetivos que refle-tem ou traduzem demandas sociais ou intereses de determinados grupos.

Capa, Projeto Gráfico e Diagramação:Mauricio Salera ([email protected])Correção Ortográfica, Gramatical e Normalização:Cássia Roberta Alves Vieira ([email protected])