LIVRO- Direito de Família - Luciana Faisca Nahas

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    UnisulVirtual

    Palhoça, 2014

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    Direito de

    Família

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    Créditos

    Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul

    Reitor Sebastião Salésio Herdt

     Vice-Reitor Mauri Luiz Heerdt

    Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de ExtensãoMauri Luiz Heerdt

    Pró-Reitor de Desenvolvimento InstitucionalLuciano Rodrigues Marcelino

    Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos

    Valter Alves Schmitz Neto

    Diretor do Campus Universitário de TubarãoHeitor Wensing Júnior

    Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis

    Hércules Nunes de Araújo

    Diretor do Campus Universitário UnisulVirtualFabiano Ceretta

    Campus Universitário UnisulVirtual

    Diretor Fabiano Ceretta

    Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e ArtesMarciel Evangelista Cataneo (articulador)

    Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios eServiços

    Roberto Iunskovski (articulador)

    Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e AgroindústriaDiva Marília Flemming (articuladora)

    Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social Aureo dos Santos (articulador)

    Gerente de Operações e Serviços AcadêmicosMoacir Heerdt

    Gerente de Ensino, Pesquisa e ExtensãoRoberto Iunskovski

    Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos DidáticosMárcia Loch

    Gerente de Prospecção MercadológicaEliza Bianchini Dallanhol

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    Livro didático

    UnisulVirtual

    Palhoça, 2014

    Designer instrucionalLuiz Henrique Queriquelli

    Direito de

    Família

    Luciana Faísca Nahas

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    Livro Didático

    Ficha catalográca elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

    Copyright ©UnisulVirtual 2014

    Professora conteudistaLuciana Faísca Nahas

    Designer instrucional

    Luiz Henrique Queriquelli

    Projeto gráco e capa

    Equipe UnisulVirtual

    Diagramadora

    Noemia Mesquita

    RevisoraDiane Dal Mago

    ISBN978-85-7817-675-4

    Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por

    qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

    342.16N14 Nahas, Luciana Faísca

    Direito de família: livro didático/Luciana Faísca Nahas ; design

    instrucional Luiz Henrique Queriquelli. – Palhoça : UnisulVirtual,2014.

    216 p. : il. ; 28 cm.

    Inclui bibliograa.ISBN 978-85-7817-675-4

    1. Direito de família – Brasil. I. Queriquelli, Luiz Henrique. II. Título.

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    Sumário

    Introdução  | 7

    Capítulo 1Introdução ao Direito de Família  | 9

    Capítulo 2Casamento  | 41

    Capítulo 3União estável  | 111

    Capítulo 4Parentesco  | 149

    Capítulo 5 Alimentos  | 181

    Capítulo 6Tutela e curatela  | 201

    Considerações Finais  | 211

    Referências  | 213

    Sobre a Professora Conteudista  | 215

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    Introdução

    Caro acadêmico,

    Este livro tem por objetivo orientar o estudo da unidade de aprendizagem Direitode Família, por meio da apresentação de conceitos, princípios e diretrizes doDireito de Família atual.

    Este material está dividido em seis capítulos, a m de facilitar a melhorcompreensão dos diferentes institutos do Direito de Família.

    No primeiro capítulo, iremos introduzir esse ramo jurídico, identicando o seuobjeto de estudo. Ainda nesse capítulo, apresentaremos um breve históricoda família ocidental, a m de compreender a origem dos institutos jurídicosno Direito de Família desde a antiguidade, passando pela Idade Média e pelaIdade Moderna, até chegar aos dias atuais. Esse histórico terá dois momentos

    principais: o histórico ocidental geral, focado na civilização greco-romana, e umhistórico especíco no Direito brasileiro, o qual abrangerá o estudo das previsõeslegais e constitucionais.

    O segundo capítulo tem como objetivo o estudo do casamento, especialmente

    a sua natureza jurídica, os seus objetivos, os elementos para existência, osrequisitos para validade e os seus efeitos. Entre os requisitos, serão estudadasas formalidades do casamento, desde a habilitação até a efetiva celebração.Posteriormente, serão estudados os efeitos pessoais e patrimoniais do

    casamento, especialmente os regimes de bens. E, por m, serão analisadas ashipóteses de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, e seus reexos.

    No terceiro capítulo será feito um estudo das uniões de fato, especialmente aunião estável, o concubinato e as uniões de pessoas do mesmo sexo. Da mesma

    forma que no capítulo anterior, serão analisados os seus objetivos, a sua natureza

     jurídica, os elementos para sua conguração os seus efeitos. Questões comodeclaração de união estável e contrato de convivência serão apresentadas aoacadêmico. Ainda, terá como foco o estudo dos efeitos pessoais e patrimoniais

    da união estável. E, nalmente, o capítulo encerra com as questões atinentes àdissolução da união estável.

     A partir do quarto capítulo, passaremos ao estudo das relações de parentesco.

    Nesse capítulo, serão apresentadas as distinções entre parentesco civil,consanguíneo e por anidade, nos diferentes graus e nas linhas reta e colateral.

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     A questão da possibilidade de parentesco socioafetivo também será objetode análise, com base em entendimento doutrinário e jurisprudencial. Aindanesse capítulo, haverá especial destaque às relações de liação, com o

    estudo da presunção de paternidade, reconhecimento de lhos e suasdecorrências, como o poder familiar, a guarda e as visitas, bem como ousufruto e administração dos bens dos lhos menores.

    O quinto capítulo destina-se exclusivamente ao estudo dos alimentos. Nesse

    capítulo, serão apresentados os pressupostos para concessão dos alimentos,a natureza jurídica e as características dessa obrigação, bem como a lei queregulamenta o procedimento especial para requerimento dos alimentos.

    O último capítulo destina-se ao estudo dos chamados institutos de proteção

    dos incapazes, a tutela e a curatela. Será feita a distinção entre tutela ecuratela, o prazo, as obrigações do tutor e curador, e as demais questõeslegais pertinentes.

     Agora, é hora de organizarmos o nosso tempo e de adentrarmos nouniverso do Direito de Família.

    Bom estudo!

    Prof.ª Luciana Faísca Nahas

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    Seções de estudo

    Habilidades

    Capítulo 1

    Introdução ao Direito de Família

    Seção 1: Conceito de família: elementos essenciais

    Seção 2: Histórico do Direito de Família

    Seção 3:  A família no Brasil

    Seção 4: Reexos das mudanças constitucionaisna ordem jurídica brasileira

    Seção 5: Princípios do direito de família

    • Reetir criticamente sobre as relações familiares.

     • Extrair conclusões sobre a constitucionalidadedas normas estudadas.

     • Detectar contradições entre conceitos e decisões judiciais.

     •  Argumentar e demonstrar novos conceitos epossibilidades dentro do direito familiar.

     • Identicar e resolver problemas inerentes àaplicação prática das normas jurídicas de família

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    Capítulo 1

    Seção 1Conceito de família: elementos essenciais

    O Direito de Família é o ramo do Direito que regulamenta as relações familiares,especialmente a formação e reconhecimento das entidades familiares, e osefeitos pessoais e patrimoniais dessas entidades. Assim, para que se possa

    compreender o alcance do Direito de Família, faz-se necessário compreenderprimeiramente o signicado da palavra família.

     Ao se falar em família, logo se pensa nos laços mais estreitos que existem entre osindivíduos. É a célula base da sociedade, a primeira comunidade na qual se insere

    o ser humano. Situa-se numa posição intermediária entre a sociedade e o indivíduo,portanto, a sua caracterização depende da conjunção do seu lado social e individual.

    Nesse desiderato, não é possível identicá-la sem o equilíbrio entre o ponto de vistaindividual daqueles que a compõem e o reconhecimento social do fenômeno.

     A palavra família, no entanto, contém diversos signicados.

    Conforme o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa “Família.[Do lat. Famigeru] S. f. 1. Pessoas aparentadas, que vivem, emgeral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os lhos. 2.Pessoas do mesmo sangue. 3. Ascendência, linhagem, estirpe.4. Hist. Nat. Unidade sistemática ou categoria taxionômicaconstituída pela reunião de gêneros ans [Em botânica as

    famílias se caracterizam, em geral, pela terminação –áceas,como, p. ex., em acantáceas; em zoologia pela terminação –ídeos, como em formicarídeos.] 5. P. ext. Grupo de indivíduosque professam o mesmo credo, têm os mesmos interesses, amesma prossão, são do mesmo lugar de origem, etc.: a famíliacatólica; a família paulista. 6. Fig. Categoria, classe: O novomaterial para acondicionamento é da família dos plásticos. 7.Gram. Conjunto de vocábulos que têm a mesma raiz. 8. Genét.Conjunto de gêneros ans. 9. Sociol. Comunidade constituídapor um homem e uma mulher, unidos por laço matrimonial, epelos lhos nascidos dessa união.10. Sociol. Unidade espiritual

    constituída pelas gerações descendentes de um mesmo tronco,e fundada, pois, na consanguinidade. 11. Sociol. Grupo formadopor indivíduos que são ou se consideram consanguíneos unsdos outros, ou por descendentes dum tronco ancestral comum eestranhos admitidos por adoção. 12. Tip. Designação tradicionalde conjunto de tipos que apresentam as mesmas característicasbásicas. 13. Bras., MG, MT e RS. Filho ou lha: “falei-lhe emcasamento ... porque os pais devem tomar isso a si para bem desuas famílias; não acha?” (Visconde de Taunay, Inocência, p. 52).(DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2010).

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    Direito de Família

     Apesar de não haver uma denição estanque, é possível identicar critérios,variáveis, conforme a cultura e a época de cada sociedade, para delimitaçãode sua constituição. Assim, para que se possa compreender as modicaçõessofridas no conceito de família na sociedade ocidental, na qual nos inserimos, é

    importante realizar um estudo histórico da família e sua regulamentação jurídica.

    Seção 2Histórico do Direito de Família

     A m de compreender a família, como objeto de estudo do Direito de família, seráfeita uma breve análise da sociedade ocidental, desde a Antiguidade até os dias

    atuais, sem a pretensão de esgotar o assunto, apenas de introduzir noções gerais. A análise se iniciará na Antiguidade, tendo como base a civilização greco-romana;

    em relação ao período da Idade Média até o século XIX, o estudo terá comobase a Europa Ocidental, com especial atenção para o período do século XVIII àRevolução Francesa e suas consequências.

    2.1 Família na antiguidade

    O estudo da organização familiar da Antiguidade será feito tendo como base olivro A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges (2006). Nessa obra, o autor relataa organização da família centrada na gura do homem – pater familias - com

    submissão da mulher e dos lhos à sua autoridade. E nem poderia ser diferente,considerando que na Antiguidade as mulheres sequer tinham o reconhecimento

    como cidadãs. A sociedade democrática greco-romana era composta apenaspelos homens livres. A Família, como menor núcleo social, era a entidade mínimae o pater familias a autoridade máxima, tendo, inclusive, momentos com poderesde vida ou morte sobre os membros da sua família. A vida familiar era centradaem torno dos cultos religiosos dos antepassados (deuses lares), sendo o patriarcatambém a autoridade religiosa máxima, responsável por esses cultos.

    Todos se reuniam em torno do culto a seus ancestrais. Nesse momento histórico,não se admitia que um homem não tivesse descendentes, pois sem lhos,não haveria quem continuasse os cultos familiares aos ancestrais. Conformedestaca Coulanges (2002, p. 53), os antigos julgavam que a felicidade do morto

    não dependeria da conduta do homem durante a vida, mas daquela de seusdescendentes em relação a ele depois de sua morte. Por isso era essencial, paraos mortos, que a sua descendência nunca se extinguisse. As leis atenienses eromanas cuidavam expressamente da questão, de forma a impedir a extinção de

    uma família e, portanto, de seu culto doméstico.

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    Capítulo 1

    Portanto, a formação de núcleos familiares tinha como função a geração de lhos,descendentes que garantiriam a tranquilidade no pós-morte. Mas um problemase colocava – a certeza ao homem de que os lhos gerados são seus. Há umbrocardo latino antigo que diz: mater semper certa est; pater semper incertus

    est  (a mãe é sempre certa; o pai é sempre incerto). Em uma sociedade cujademocracia era centrada nos homens, a certeza da paternidade somente poderiavir de uma forma: a garantia de que a mulher com quem se relacionavam não tem

    relações com outro homem.

     A solução dessa questão é dada pelo matrimônio solene: ato público, formal, noqual a sociedade reconhece que a partir daquele momento aquelas duas pessoasestão unidas, devendo se respeitar a delidade e a exclusividade das relaçõessexuais, como forma de garantir a certeza ao homem da paternidade dos lhos

    gerados. Em razão disso também, era essencial que a mulher, ao se casar, ainda

    fosse virgem, para que não houvesse qualquer risco de outro homem ter afecundado. Interessante também que, se a mulher não pudesse gerar lhos, poderiaser devolvida, para que o homem pudesse, portanto, casar com outra mulher.

     As solenidades do casamento, descritas por Coulanges (2002), são cheias desimbologias, envolvem ores, proclamação pública e formal do aceite (como

    símbolo da publicidade), o carregar da noiva no colopelo noivo (simbolizando que agora a mulher deixou afamília do seu pai e pertence a do seu marido), o jogararroz, entre outras.

    Resumidamente, podemos identicar as seguintes características na família antiga:

     • Matrimonial: casamento como forma de constituição pública esolene da família.

     • Patriarcal: organização da sociedade familiar tendo o marido(patriarca) como chefe da família, com autoridade sobre esposa e

    lhos. • Fidelidade: exigência importante do casamento, a m de garantir

    a legitimidade dos lhos gerados.

     • Filhos legítimos: a geração de lhos não era uma opção, masuma obrigação.

    No Direito Romano,admitia-se o casamentocum mano ou sine mano,de forma que poderia cardeterminado se a mulher

    passaria ou não a pertencerà família do marido.

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    Direito de Família

    2.2 A família na Idade Média

     A principal mudança de paradigmas da Antiguidade para a Idade Média foi agrande inuência social da Igreja Católica. Interessa-nos, em especial, a inuênciada religião nas relações familiares e no próprio casamento.

     A religião católica inuenciou boa parte das relações sociais na Europa Ocidental

    na Idade Média, e sua doutrina teve grande inuência nas organizações familiares. A Igreja, por meio de seus mandamentos, dogmas e princípios, instituiu ocasamento religioso como um sacramento religioso.

    No século XVI, o concílio de Trento (1543-1563) rearmou a obrigatoriedade docasamento religioso para união conjugal, e geração de lhos, e o seu desrespeitoera considerado pecado. O casamento religioso é por regra indissolúvel, somentea morte pode por m (o que Deus uniu o homem não separa.)

     Ainda que os fundamentos religiosos da Antiguidade e da Igreja Católica sejamdistintos, o casamento manteve várias de suas características, e a sua funçãoprimordial é a geração de lhos legítimos, exclusivamente por meio das relaçõessexuais, garantindo ao homem a necessária certeza da paternidade.

    Da mesma forma, o casamento religioso católico é extremamente solenee permeado por símbolos: casar de veste branca (pureza), o véu da noiva(submissão), a solenidade pública com armação da vontade perante Deus e acomunidade (publicidade).

     As principais características da família na Idade Média:

     • Matrimonial: casamento religioso católico como forma deconstituição pública e solene da família.

     • Patriarcal: organização da sociedade familiar tendo o marido(patriarca) como chefe da família, com autoridade sobre esposa elhos.

     • Fidelidade: exigência importante do casamento, a m de garantir alegitimidade dos lhos gerados.

     • Filhos legítimos: a geração de lhos não era uma opção, mas umaobrigação.

     • Indissolubilidade: o casamento não pode ser dissolvido pelavontade das partes.

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    Capítulo 1

    2.3  A família moderna: a Revolução Francesa e sua inuênciano Direito de Família

     A mudança de poder ocorrida entre o m da Idade Média e a Idade Modernatambém trouxe inuências nas relações familiares e na sua regulação. Nosso

    foco especial são as relações familiares, portanto,

    simplicaremos ao máximo essa transição de poder,sem a pretensão de esgotar o assunto.

    Da descentralização da Idade Média, passou-se àunicação dos Reinos, sob o fundamento do poderabsoluto da monarquia, dos reis escolhidos por Deus.Com o tempo, a reação social do poder absolutocomeçou por meio de pensamentos contratualistas,com a defesa de que o poder dos governantes não

    vem de Deus, mas sim do próprio povo, que por meio de um “contrato social”passa parcela de seu poder aos governantes, esses, em contrapartida, deveriamrespeitar direitos mínimos. Essa ideologia contratualista, por m, resultou naRevolução Francesa, que depôs monarquia e clero, para que, por m, o povoassumisse o poder, regulamentando, por uma Assembleia Constituinte, a m deformar a Constituição, como instrumento formador do Estado de Direito, eregulamentador de sua estrutura, desde a distribuição dos poderes até os direitosfundamentais mínimos que devem ser respeitados.

    Nesse contexto do liberalismo, tendo a Constituição como instrumento

    regulamentador do Estado, não havia interferência nas relações privadas. Porém,com a ruptura do Estado formado com a Igreja, ocasamento não poderia mais ser visto como atoreligioso, mas civil. Assim, os Estados passarama organizar a sua legislação civil, e dentro dessaorganização se inclui o casamento. Na Françade Napoleão, em 1804, foi editado o Code Civile,resgatando fundamentos do Direito Romano, e tendo

    três pilares – Contratos, Propriedade e Matrimônio.

    Em relação ao matrimônio, era o pilar base dafamília regulamentada pelo Direito Civil. Dessa forma,somente o casamento formava a família legítima,

    capaz de gerar lhos legítimos. Essa estrutura familiartinha o poder centralizado no marido como chefe de

    família, e o casamento como instituição monogâmica, tendo a delidade comoum dos seus deveres, consequentemente, a presunção de paternidade emrelação aos lhos nascidos de sua esposa.

     A partir desse momento, passamos a estudar a mudança da família no Brasil,formado como Estado independente no ano de 1822.

    O relato histórico aqui feito éextremamente simplicado,pois não é a intenção destaobra. Indicamos o estudodas obras de Rousseau,Locke, Sieyes, entre outros,os quais indicam a transiçãopara a formação da teoriaConstitucional.

    O liberalismo defendia aexistência de limitações aopoder do Estado em respeitoà individualidade e liberdadedo ser humano. Dessaforma, as Constituiçõesdesse período, de umaforma geral, tinham comopreocupação maior aregulamentação da forma degoverno e de seu exercício,

    bem como a proteçãodos direitos do indivíduo,especialmente para limitar opoder de atuação do Estado.

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    Direito de Família

    Seção 3 A família no Brasil

    3.1 Antes da Constituição de 1988

     A partir da sua independência e reconhecimento como Estado autônomo, viu-

    se a necessidade de uma ordem fundada em uma Constituição. A primeiraConstituição foi no ano de 1824, ainda no período do Brasil Império.

     As Constituições brasileiras de 1824 e 1891 podem ser enquadradas, dentro dateoria constitucional, como constituições liberais. Existem controvérsias quanto à

    classicação da Constituição de 1824 como liberal, pois regulava uma sociedademonárquica, escravista e agrária. No entanto, mesmo não implantando todos os

    ideais do liberalismo, não se pode negar a forte inuência liberal na sua elaboração,como se verá a seguir, razão pela qual se optou em classicá-la dessa forma.

    3.1.1 Constituição de 1824

    Essa Constituição, outorgada por Dom Pedro I, foi fortemente inuenciada peloliberalismo, razão pela qual limitava-se a regulamentar a formação do Estado e osdireitos fundamentais individuais e políticos. A única menção que a Constituição de

    1824 faz à família diz respeito exclusivamente à Família Imperial, e ainda assimsomente o fez pois importava na organização da forma de governo do país, que eramonárquico hereditário. Nos moldes do pensamento liberal dominante na época,não se admitia tamanha intervenção do Estado nesses aspectos do indivíduo.

    Isso não signica que não havia regulamentação jurídica a respeito da Família.Essa Constituição instituiu a religião católica apostólica romana como religião

    ocial do Brasil, nos moldes do artigo 5o do texto

    constitucional. Dessa forma, incumbia DireitoCanônico regulamentar às questões referentes aocasamento e suas consequências. Portanto, asquestões relativas ao casamento se regiam pelo

    Direito Canônico.

    3.1.2 Constituição de 1891

     A Constituição de 1891 foi a primeira do Brasil República. Houve a necessidadede substituição da anterior, ideologicamente discordante da nova situação política

    do Brasil, já que as regras do Império não serviam para a nova ordem.

     Apesar de manter o casamentocatólico como regra, foi editadoo Decreto 181, em 24 de janeirode 1890, regulando outras formasde celebração, já que o Estado,mesmo adotando a religião Católicacomo ocial, garantia a liberdade deculto privado de outras religiões.

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    Capítulo 1

    Entre as principais alterações, é possível destacar a implantação do federalismono Estado republicano, sob a forma presidencialista de governo. Adota o sistemade tripartição dos poderes, abandonando a divisão quádrupla anterior. A novaConstituição esforça-se em extinguir todos os vínculos de ligação com o Império, e

    toma medidas como a destituição de títulos de nobreza e a separação expressa doEstado com a Igreja. E é justamente neste aspecto em que aparece a única mençãoa um instituto familiar, o casamento, quando em seu artigo 72, § 4 o destaca que A

    República somente reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

    3.1.3 Código Civil de 1916

    Sob a regência desta Constituição, foi elaborado o Código Civil de 1916, Lei n° 3.701de 01 de janeiro de 1916, regulamentando as questões familiares da época. Issoporque, em consonância com a ideologia liberal, à Constituição incumbia

    regulamentar a atuação do Estado e as suas limitações perante os direitos individuaisdos cidadãos. À legislação ordinária incumbia a regulamentação dos demais direitose deveres. O Código Civil tinha status de “constituição do direito privado”

    O Código Civil de 1916 era essencialmente patrimonialista, mesmo ao tratar das

    relações de família. A família, conforme o Código Civil de 1916, caracterizava-sepor ser entidade formada exclusivamentepelo matrimônio civil. A família era entãomatrimonial, patriarcal, com diferença entre

    lhos legítimos e ilegítimos.

    Matrimonial

     A família formava-se exclusivamente pelo casamento. Ainda que formalmente

    houvesse a ruptura com o casamento religioso católico, é possível identicarno casamento civil a inuência ideológica desse. Para compreensão doentendimento jurídico de casamento, cita-se o conceito de Lafayette Pereira,autor da época:

    O casamento é acto [sic] solemne [sic] pelo qual duas pessoas

    de sexo dierente [sic] se unem para sempre, sob a promessarecíproca de delidade no amor e da mais estreita communhão[sic] da vida. Legitimar a procreação [sic] da prole, envolvendono véo [sic] do direito a relação physica [sic] dos dous [sic]sexos, é certo, um dos principaes [sic] intuitos do casamento;mas o m capital, a razão de ser dessa instituição, está nessaadmirável identicação de duas existências, que confundindo-se uma na outra, correm os mesmos destinos, sorem [sic] dasmesmas dores e compartem, com egualdade [sic], do quinhãode felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida.(LAFAYETTE, 2004, p. 29-30)

    O Direito de Família regulava ocasamento (arts. 180 a 329), as relaçõesde parentesco (arts. 330 a 405), a tutela,a curatela e a ausência (arts. 406 a 484).

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    Direito de Família

    Patriarcal

    O patriarcado é uma das principais características do modelo vigente, com asubordinação da mulher e dos lhos ao comando do pater familias. Não haviaigualdade entre os cônjuges, cabendo ao varão a administração da sociedade

    conjugal, seja em relação ao patrimônio, bem como em relação às própriasdecisões que envolvem a família. A autonomia feminina era mínima. A descriçãofeita por Lafayette (2004), em sua obra Direitos de Família, deixa bem claro opensamento predominante na época sobre a centralização do poder do marido:

    Não poderia a sociedade conjugal subsistir regularmente se opoder de dirigir a família e reger-lhe os bens não estivesseconcentrado em um só dos cônjuges. [...] Dessa necessidaderesultou a formação do poder marital, cuja denominação provémde ter sido elle [sic] exclusivamente conferido ao marido, como o

    mais apto pelos predicados do seu sexo para exercê-lo. Omarido gura na scena [sic] jurídica debaixo de três caracteres:como chefe da sociedade conjugal; como sócio com direitosseus, e nalmente, como representante da mulher em tudo quediz respeito aos direitos e interesses particulares della [sic].(LAFAYETTE, 2004, p. 107, grifo nosso).

     Ainda, possuía o marido direito de exigir obediência da mulher, que deveria

    moldar suas ações pela vontade do marido, escolher o domicílio conjugal,representar a mulher, entre outros (arts. 233 a 255 do Código Civil de 1916).

    Isso porque parte da capacidade da mulherdeslocava-se para o marido, constituindo-a em

    estado de incapacidade, conforme expresso no

    artigo 6º, inciso II do Código Civil, que regulava aincapacidade relativa:

     Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1),ou à maneira de os exercer: [...]

    II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.[...]

     A mulher casada nem mesmo poderia exercer prossão remunerada sem aautorização do marido, conforme artigo 242 do mesmo texto legal.

     Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):

    I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento damulher (art. 235).;

    II. Alienar, ou gravar de onus real, os imóveis de seu domínioparticular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, nº II, III,VIII, 269, 275 e 310).;

    Essa era a redação original dotexto do código civil, atualizado noano de 1962. Portanto, consultea redação original do Código Civilde 1916 para localizar esse artigo.

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    Capítulo 1

    III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.;

    IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.;

    V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.;

    VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, anão ser nos casos

    indicados nos arts. 248 e 251.;VII. Exercer prossão (art. 233, nº IV).;

    VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheaçãode bens do casal. Art. 243. A autorização do marido pode sergeral ou especial, mas deve constar de instrumento público ouparticular previamente autenticado.

    Filhos legítimos

    Consagrando a família matrimonial, havia uma distinção no tocante aos lhos

    havidos durante o casamento – os chamados lhos legítimos – e os havidos forado casamento, ou lhos ilegítimos. Essa diferenciação possuía efeitos pessoaise patrimoniais regulados nos artigos 337 a 367, sendo expressamente vedada a

    possibilidade de reconhecimento de lhos incestuosos e adulterinos.

    Os lhos ilegítimos poderiam ainda ser diferenciados entre aqueles derivados derelações entre pessoas impedidas de casar, como os lhos adulterinos, que seriamos havidos de relações extraconjugais de pessoas casadas, e os lhos incestuosos,

    havidos entre pessoas da mesma família, impedidos de contraírem matrimônio,como ascendentes ou colaterais em segundo grau. Ainda, havia os lhos naturais,

    que seriam os havidos de relações entre pessoas livres, não impedidas de casar.

    Patrimonial

    Outros elementos, no entanto, servem para identicar a família nesse período.Tendo por base uma sociedade eminentemente agrária, o casamento era vistocomo um negócio, uma forma de transmissão de propriedade e de procriação. Os

    casamentos eram combinados entre os patriarcas de cada família, sem a escolhaafetiva por parte dos noivos, na maioria dos casos.

     A escolha do cônjuge, na maioria das vezes, dava-se em razão da melhor uniãopatrimonial. No momento de se acertar o casamento, o

    pai da noiva oferecia um dote ao noivo. O dote, ou oregime matrimonial dotal, existiu desde os tempos decolônia, sendo mantido pelas leis republicanas, comoo Código Civil de 1916, que fazia expressa menção ao

    regime dotal. Essa estrutura matrimonial também reetiauma forma de manutenção de um certo status social, segregando classes pormeio da solenidade.

    O regime dotal eraprevisto nos arts. 278 a311 do Código Civil de1916 e não foi mantidopelo Código Civil de 2002.

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    Direito de Família

    Percebe-se que mesmo havendo o rompimento formal com o catolicismo, forammantidos os mesmos princípios e fundamentos do direito canônico em relação aocasamento no direito civil legislado. Não havia mais o reconhecimento de efeitos peloEstado ao matrimônio religioso, mas toda solenidade de impedimentos, habilitação

    e celebração foi mantida. Não houve alteração na essência. Esse fato conrma queo rompimento havido com a Igreja foi tão somente do ponto de vista formal. Nãosomente foi mantido o dogma do casamento indissolúvel, como também o da liaçãolegítima, originária do casamento. Isso porque a população, em sua maioria, manteveos costumes decorrentes dos ensinamentos católicos, e a família socialmente aceita,

    neste primeiro momento, continuou a ser a originada do casamento. Assim, a novaordem, para que fosse legítima, não poderia se afastar da sociedade.

    O constitucionalismo liberal foi perdendo sua força com o passar do tempo, até

    mesmo em razão da decadência do liberalismo. O Estado passou a modicar-

    se e intervir nas relações entre os particulares nas relações que entendessenecessárias. Era o nascimento do Estado Social. Os direitos que devem serprotegidos pelo Estado não são mais somente os direitos individuais, políticos,

    mas também os sociais, entre eles o direito à proteção à família.

    3.1.4 Constituição de 1934

    No Brasil, a transformação do Estado liberal para o Estado social teve comomarco importante a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. A

    Constituição de 1934 possui traços do chamado Estado Social, e foi fortemente

    inuenciada pela Constituição de Weimar.

    No período compreendido entre a primeira e segunda Guerra Mundial surgiu

    a República de Weimar (1919 a 1933), destacada da Alemanha derrotada. A

    Constituição desse Estado, em razão de sua preocupação com a igualdade

    material, por meio do estabelecimento de direitos sociais e da busca pela garantia

    democrática, destacou-se historicamente, apesar se registrar um antecedente na

    Constituição mexicana de 1917 (LOIS, 2001, p. 94/96).

    Foi nesta Constituição que surgiram as primeiras menções de proteção à Família,até então inéditas no constitucionalismo pátrio. Foi dedicado um Título à Família,Educação e Cultura, no qual um Capítulo inteiro se dedicava a Família, nosseguintes termos:

    CAPÍTULO I

    Da Família

     Art. 144 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, estásob a proteção especial do Estado.

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    Capítulo 1

    Parágrafo único – A lei civil determinará os casos de desquite ede anulação do casamento, havendo sempre recurso ex ofcio,com efeito suspensivo.

     Art. 145 – A lei regulará a apresentação pelos nubentes de provasde sanidade física e mental, tendo em atenção às condiçõesregionais do país.

     Art. 146 – O casamento será civil e gratuita a sua celebração.O casamento perante ministro de qualquer conssão religiosa,cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes,produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamentocivil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dosnubentes, na vericação dos impedimentos e no processo daoposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja eleinscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. Alei estabelecerá penalidade para a transgressão dos preceitoslegais atinentes à celebração do casamento.

    Parágrafo único – Será também gratuita a habilitação para ocasamento, inclusive os documentos necessários, quanto o

    requisitarem os juízes criminais ou de menores, nos casos de sua

    competência, em favor de pessoas necessitadas.

     Art. 147 – O reconhecimento dos lhos naturais será isento dequaisquer selos ou emolumentos, e a herança que lhes caiba,cará sujeita a impostos iguais aos que recaiam sobre a doslhos legítimos.

     A proteção do Estado à família limitava-se à união matrimonial indissolúvel,

    casamento esse que também poderia ser religioso, com efeitos civis. Assim erao modelo familiar adotado pelo Código Civil de 1916 (matrimonial, patriarcal,hierarquizado, patrimonial). A família, reconhecida e amparada pelo direito, era aentidade constituída por meio do casamento, sendo os lhos oriundos dessse.

     A Constituição de 1934 trouxe ainda o reconhecimento de outros direitos que,ainda que não diretamente direcionado ao aspecto familiar, trouxeram importantesalterações, as quais, sem dúvida, reetiram no contexto social familiar. Entre eles,destaca-se a conquista gradual da igualdade pelas mulheres, consolidando-se

    de forma considerável, com a concessão de direitos políticos às mulheres. Nesse

    período, começou a transformação, ainda gradual, do patriarcado.

    Para um estudo da evolução da proteção constitucional dos direitos das mulheres no

    Brasil recomenda-se a leitura da seguinte obra:

    BIANCHINI, Alice. As (des)igualdades jurídica e política entre os sexos no direito

    constitucional brasileiro. 1994. 350 f. Dissertação de Mestrado. (Ciências Humanas)

    – UFSC, Florianópolis, 1994.

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    Direito de Família

     A independência feminina reetiu diretamente na estrutura familiar. A conquistada igualdade social foi lenta, e especialmente tímida neste momento. O legisladorconcedeu às mulheres, individualmente, a conquista de alguns direitos, como oimportante direito ao voto. Mas a sua posição na entidade familiar, em especial

    no matrimônio, permaneceu por muito tempo ligada ainda ao patriarcado, ou seja,uma posição secundária, limitada. A evolução jurídica nesse aspecto foi lenta,não acompanhando o ritmo das transformações sociais.

    3.1.5 Constituição de 1937

    Pouco durou a constituição de 1934, sendo substituída quando, após um golpede Estado de Getúlio Vargas, foi instituído o Estado Novo, e a constituiçãodemocrática já não servia mais. As principais alterações foram nos conceitospolíticos e administrativos da organização do Estado, e redução de alguns

    dos direitos individuais e políticos. Em relação aos novos direitos - os direitossociais, conquistados em 1934, as alterações não foram tamanhas. A proteção àfamília, nesse sentido, foi mantida, com pequenas alterações (como a retirada dapossibilidade de efeitos civis aos casamentos religiosos), em um capítulo especíco:

    Da Família

     Art. 124 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, estásob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serãoatribuídas compensações na proporção dos seus encargos.

     Art. 125 – A educação integral da prole é o primeiro dever e o

    direito natural dos pais. O Estado não será estranho a este dever,colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a suaexecução ou suprir as deciências e lacunas da educação particular.

     Art. 126. Aos lhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, alei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles osdireitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais.

     Art. 127 – A infância e a juventude devem ser objeto de cuidadose garantias especiais por parte do estado, que tomará todas asmedidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e moraisde vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades.

    O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventudeimportará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação,e cria ao Estado o dever de provê-las de conforto e dos cuidadosindispensáveis à sua preservação física e moral. Aos paismiseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção doEstado para a subsistência e educação de sua prole.

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    Capítulo 1

    3.1.6 Constituição de 1946

     A Constituição de 1946 foi gestada imediatamente no período pós-guerra, coma queda dos regimes totalitários. Era o momento emque os Estados, entre eles o brasileiro, visavam à

    consolidação e ao resgate da democracia, abaladapelos regimes anteriores, por meio da ampliação da

    garantia dos direitos individuais, sem esquecer a

    manutenção dos direitos sociais. A nova Constituiçãorecuperou o princípio federativo e restabeleceu asliberdades, que não poderiam mais ser cerceadas por

    qualquer expediente autoritário.

    Em relação à Família foi dedicado um Capítulo inteiro:

    CAPÍTULO IDa Família

     Art. 163 – A família é constituída pelo casamento de vínculoindissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.

    § 1o – O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. Ocasamento religioso equivalerá ao civil se, observados os

    impedimentos e as prescrições de lei, assim o requerer ocelebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato

    inscrito no registro público.

    § 2o – O casamento religioso, celebrado sem as formalidadesdeste artigo, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for

    inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante aautoridade competente.

     Art. 164 – É obrigatória, em todo o território nacional, aassistência à maternidade, à infância e a adolescência. A leiinstituirá o amparo das famílias de prole numerosa.

     Art. 165 – A vocação para suceder em bens de estrangeiroexistentes no Brasil será regulada pela lei brasileira e embenefício do cônjuge ou de lhos brasileiros, sempre que lhesnão seja mais favorável a lei nacional do de cujus.

     A família continuou centrada no casamento civil com vínculo indissolúvel, eretornou a possibilidade, já prevista na Constituição de 1934 e suprimida na de

    1937, de registro civil do casamento religioso.

    O Brasil enviou soldadospara combater na Europa

    os regimes totalitáriosnazistas e facistas. Coma vitória da aliança do

     Atlântico e derrubada dessesregimes, foram elaboradasnovas Constituições parao restabelecimento daDemocracia abalada.

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    Direito de Família

    3.1.7 Estatuto da Mulher Casada e sociedade de fato

    Em 27 de agosto de 1962, foi editada a Lei 4.121, dispondo sobre o “Estatutoda Mulher Casada”. A intenção dessa norma foi conferir maior independência àsmulheres – seja em relação à capacidade civil, revogando a norma do código civil

    que a tornava incapaz, seja conferindo certa autonomia na administração de partesdos bens. Apesar da referida lei ainda manter características patriarcais, pois a

    direção da sociedade conjugal ainda era centrada no homem, amenizou a situaçãoda mulher casada, conferindo ao menos parcial independência em seus atos.

    Entre as alterações mais importantes do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62)

    está a exclusão da mulher casada do rol dos relativamente incapazes do artigo

    6º; houve a manutenção do marido como chefe da família, mas a incluiu como

    colaboradora; e excluiu do rol de atos que não poderia praticar sem autorização o

    exercício de prossão e aceitar tutela ou curatela ou outro múnus público; atribuia ela o papel de colaboradora no exercício do pátrio poder. Não se concretizou

    a igualdade, porém, houve o reconhecimento de alguns direitos antes vedados à

    mulher casada, amenizado o patriarcado.

    Outro aspecto em que as mudanças sociais chocavam com as disposições

    legais e dogmas religiosos está relacionado à família de fato, constituída sema celebração do casamento, apenas no plano fático. Essa união informal não

    poderia ser considerada como Família pelo ordenamento jurídico, em razão daexpressa menção constitucional com o matrimônio. Tratava-se de uma realidade,

    mas o legislador insistia em ignorar, na tentativa de desestimular esse tipo deconduta, contrária aos “bons costumes”.

    No entanto, mesmo sem regulamentação legal, os relacionamentos informaistornaram-se cada vez menos rejeitados socialmente, ao ponto da problemática

    ser levada ao Poder Judiciário, a m de resolver os conitos gerados.

    Como não poderiam ser reconhecidas como entidade familiar, o Judiciário

    teve que fazer uma manobra jurídica, a m de não prejudicar as pessoasque conviveram em um relacionamento similar ao casamento, equiparandoa uma sociedade de fato, já que havia impedimento constitucional para oreconhecimento como Família.

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    Capítulo 1

     Após inúmeras decisões a respeito, foi editada a Súmula 380, do Supremo TribunalFederal, publicada em 11 de maio de 1964, com o seguinte teor: “comprovada aexistência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

    3.1.8 Constituição de 1967 e Emenda n. 1 de 1969

    Em 1964, houve um golpe de Estado no país, de cunho predominantementemilitar. Isso se autointitulou de “revolução”, com intuito de assumir um PoderConstituinte Originário, e não buscar legitimação no Congresso, como se observa

    no preâmbulo do Ato Institucional n° 1, de 9 de abril de 1964. Em seguida, apósvárias emendas e atos institucionais, foi outorgada a Constituição de 1967. E,logo em seguida, em 17 de outubro de 1969, houve a promulgação da EmendaConstitucional nº 1. No entanto, “a Emenda n° 1, de 1969, tornou-se de fato

    a nova Carta, adaptando os vários atos institucionais e complementares.”(BONAVIDES, 2004, p. 447).

    Em relação à família, a ordem constitucional manteve a tradição consagradaanteriormente de dedicar um artigo a sua proteção. O artigo 167, na redação

    original da Constituição de 1967, alterou-se para 175, na redação da EmendaConstitucional nº 1, promulgada em 17/10/1969.

     Art. 167 – A família é constituída pelo casamento e terá direito àproteção dos Poderes Públicos.

    § 1o- O casamento é indissolúvel.§ 2o – O casamento será civil e gratuita a sua celebração. Ocasamento religioso equivalerá ao civil se, observados os

    impedimentos e as prescrições de lei, o ato for inscrito noregistro público, a requerimento do celebrante ou de qualquerinteressado.

    § 3o – O casamento religioso celebrado sem as formalidadesdo parágrafo anterior terá efeitos civis, se, a requerimento docasal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitaçãoperante a autoridade competente.

    § 4

    o

     - Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, àinfância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais.

    Não houve, portanto, nenhuma mudança signicativa na ordem jurídica emrelação à família, que continuou sendo exclusivamente formada por meio docasamento indissolúvel.

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    Direito de Família

    3.1.9 Lei do Divórcio

    Mudança realmente signicativa ocorreu com a Emenda Constitucional nº 9, de29/06/1977, que constitucionalizou a possibilidade de dissolução do vínculoconjugal por meio do Divórcio. Foi aprovada a proposta do Deputado Nelson

    Carneiro, nos seguintes termos:

     Art. 1o – O § 1o do art. 175 da Constituição Federal passa avigorar com a seguinte redação: [...]

     Art. 175 [...]

    § 1o O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casosexpressos em lei, desde que haja prévia separação judicial pormais de três anos.”

     Art. 2o. A separação, de que trata o § 1o do art. 175 da Constituiçãopoderá ser de fato, devidamente comprovada em juízo, e pelo

    prazo de cinco anos, se for anterior à data desta Emenda.

    Essa proposta signicou mais um rompimento material do casamento civil com ocasamento religioso. Logo após a Emenda Constitucional, foi editada a Lei 6.515, de26 de dezembro de 1977, a Lei do Divórcio, regulamentando as causas, os prazos e

    os procedimentos para a dissolução da sociedade conjugal e do casamento.

     À época de sua edição, a Lei determinava um prazo mínimo para o casamento dedois anos para separação, essa somente seria concedida se houvesse uma das

    causas determinadas na lei, imputada culpa a um dos cônjuges – chamada de

    conduta desonrosa, doença grave de um dos cônjuges, ou se houvesse separaçãode fato por mais de cinco anos. E somente após três anos da separação poderiaser requerido o divórcio, como causa extintiva da relação conjugal.

    Ou seja, ainda que pudesse ser dissolvido o casamento, não signicava que eraapenas pela vontade das partes. Havia prazos e motivos a serem apreciados peloEstado por meio do Poder Judiciário.

    Mesmo ante esse avanço legislativo relacionado à família, ainda havia um clamorna sociedade brasileira pelo reconhecimento de outras formas de formação da

    entidade familiar, não vinculadas ao matrimonio, civil ou religioso. Quebrou-se umdos dogmas, mas ainda restava outro a ser quebrado, mais forte, o da vinculaçãoda família ao casamento.

    3.1.10 A família após a Constituição de 1988

     A Constituição de 1988 efetivamente alterou a concepção do Estado brasileironos mais diversos aspectos, mudando paradigmas da ordem jurídica que a

    antecedeu, e não foi diferente em relação à Família.

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    Capítulo 1

    Já no preâmbulo identicamos as principais características do texto constitucional:a formação de um Estado Democrático, garantidor de direitos sociais e individuais,da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento e da justiça, comovalores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. O

    seu primeiro artigo também não deixa por menos: designa como fundamentos daRepública Federativa do Brasil a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoahumana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político,destacando que todo poder emana do povo, que o exerce diretamente ou pormeio dos seus representantes eleitos.

    Entre os objetivos fundamentais da República estão a construção de umasociedade livre, justa e solidária, a garantia de desenvolvimento nacional, a

    erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, e a promoção do bem de

    todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

    formas de discriminação, conforme o artigo terceiro.

    O artigo quinto da Constituição garante, em seus setenta e sete incisos, osdireitos e garantias fundamentais, especicamente os direitos e deveres

    individuais e coletivos. Destaca-se a igualdade plena entre todos, especialmenteentre homens e mulheres, a legalidade, a liberdade de pensamento, de crença, deconsciência e de expressão, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra eimagem das pessoas, entre outros, alguns já conhecidos pela sociedade, outros

    conquistados durante a evolução social.

     No meio de todas essas mudanças inclui-se a proteção à família. Há no TítuloVIII, da Ordem Social, um Capítulo destinado à Família, à Criança, ao Adolescente

    e ao Idoso, o Capítulo VII. Seguindo a tendência de democratização, igualdade,dignidade, pluralismo, abertura e ausência de discriminação, o artigo 226 daConstituição mudou o perl da família constitucionalmente protegida.

     Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção doEstado.

    § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

    § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

     § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida aunião estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

    devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

    § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidadeformada por qualquer dos pais e seus descendentes.

     § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal sãoexercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

    § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, apósprévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressosem lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

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    Direito de Família

    § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.(Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

    § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana eda paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisãodo casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionaise cientícos para o exercício desse direito, vedada qualquer formacoercitiva por parte de instituições ociais ou privadas.

    § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa decada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir aviolência no âmbito de suas relações.

    O constituinte não apresentou um conceito do que seria a família, porém,expressamente aumentou a abrangência da proteção, ao excluir do caput  a

    menção ao matrimônio. Este não deixou de ser previsto, mas foi colocado emparágrafos, ao lado de outras entidades familiares. Para o objetivo do nossotrabalho, a Constituição não diferencia o signicado de “família” e de “entidadefamiliar”, que serão utilizados como sinônimos. No entanto, no momento da

    promulgação da Constituição, alguns autores zeram diferenciação a nosso verdescabida, armando que família seria somente decorrente do casamento, e queentidade familiar é protegida, mas é inferior à família.

     A ausência de conceituação da família dentro do corpo da Constituição foi, sem

    dúvida, uma opção do constituinte. A limitação anterior impediu a conexão dasConstituições anteriores com a sociedade, em razão da inexibilidade, sendonecessária alteração do texto para acompanhar as mudanças comportamentaisem relação à família.

     A norma que regula a proteção à família na Constituição de 1988 é, sem dúvida,

    aberta, ao garantir, no caput  do art. 226, a proteção àfamília como base da sociedade, sem delimitar a qual

    família, tampouco denir o que é família, deixando ao

    intérprete a tarefa de conceituá-la. Assim, possibilitou aproteção de novas formas de conjugalidade, não advindasexclusivamente do casamento civil ou religioso.

     A aceitação de outras entidades familiares como objetode proteção jurídica, especialmente Constitucional, trouxe

    à sociedade brasileira um alívio. De qualquer forma, mesmo havendo aberturaconceitual no caput , os incisos do referido artigo zeram menção à proteção de

    grupos especícos de entidades familiares, não centrados exclusivamente nocasamento, a m de impor normatividade e condicionar o intérprete a aceitarsituações especícas. A seguir será feita uma breve análise dessas entidades,sem a pretensão de esgotar o tema.

    Uma normaconstitucional aberta éaquela que apresentauma denição amplae permite umainterpretação de grandeamplitude.

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    Capítulo 1

     A primeira entidade familiar protegida é a decorrente do casamento, porém, sema exclusividade antes reservada. A Constituição menciona a forma civil, comcelebração gratuita, e prevê a possibilidade do casamento religioso gerar efeitoscivis, nos termos da lei ordinária. Dessa forma, mantém a tradição já consagrada

    no constitucionalismo pátrio.O destaque, no entanto, está na consagração da igualdade entre os cônjuges.Esse preceito constitucional reetiu diretamente na legislação ordinária, uma

    vez que até então ainda era válida a norma do código civil que dispunha sobre aadministração da sociedade conjugal pelo cônjuge varão, ainda que amenizadapelo Estatuto da Mulher casada.

     A conquista da igualdade jurídica entre os cônjuges na administração dasociedade conjugal demonstra que, nalmente, houve o reconhecimento eproteção pela Constituição de uma mudança social. A elevação ao patamar

    constitucional demonstra um rompimento total do constituinte com a concepçãodesigual e patriarcal de sociedade conjugal. Há uma harmonia constitucional: aigualdade constitucional entre os cônjuges é fundamental para o alcance dosvalores supremos descritos no preâmbulo.

    Contudo, o impacto jurídico e social foi gerado com o parágrafo terceiro daConstituição, que reconheceu expressamente como entidade familiar a união livreentre homem e mulher, com objetivo de constituir família. Mesmo que já houvesse

    a abertura do conceito no caput , o referido parágrafo destacou a proteção ao quedenominou união estável.

     A união estável está ao lado do casamento, não havendo hierarquia entre as

    entidades familiares.

    Um dos principais argumentos para existência de hierarquia foi a utilização da

    expressão “entidade familiar”, o que suscitou debates, após a promulgação da

    constituição, sobre a existência ou não de hierarquia entre as “famílias” originadas do

    casamento e as “entidades familiares” originadas da união estável, conforme levantado

    em nota anterior. Outro fundamento para a hierarquia entre casamento e união estável

    seria a parte nal do parágrafo terceiro, o qual dispôs que a lei facilitará a conversão em

    casamento. Totalmente descabida essa diferenciação. Não há hierarquia entre união

    estável e casamento – todas são entidades familiares, ou famílias. Não há porque se

    diferenciar ou hierarquizar família – a proteção constitucional é exatamente a mesma.

    Evidentemente que a formação é diferenciada, já que o casamento pressupõediversas formalidades e solenidades, e a união estável depende da conguraçãode uma situação fática. Contudo, embora não se assemelhem quanto à origem,

    merecem igual proteção como família que são.

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    Direito de Família

    O respeito ao pluralismo e à igualdade são fundamentos da SociedadeConstitucional, sendo inadmissível qualquer discriminação.

    Outra inovação do texto constitucional foi a introdução expressa da proteçãoà família monoparental, formada pela comunidadede um dos pais e os lhos. Nesta entidade familiarnão há um casal, ou uma sociedade conjugal, mas

    somente um adulto, viúvo, solteiro, separado,divorciado, e sua prole. O conteúdo dessa norma

    pôs m à exclusão da proteção como famílias deagrupamentos, em que não há conjugalidade.

     Além das mudanças previstas no art. 226, outras importantes e efetivas

    mudanças trazidas pela Constituição de 1988 estão no art. 227:

     Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurarà criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, àprossionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdadee à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela EmendaConstitucional nº 65, de 2010)

    [...]

    § 6o Os lhos, havidos ou não da relação do casamento, ou poradoção, terão os mesmos direitos e qualicações, proibidasquaisquer designações discriminatórias relativas à liação.

     A prioridade absoluta concedida às crianças e aos adolescentes como dever daFamília, da Sociedade e do Estado trouxe uma mudança de enfoque de sua posição

    familiar em relação aos pais: deixam de ser objeto de direito para se tornaremsujeitos de direitos. Dessa forma, altera-se inclusive o objetivo do poder familiar, poisos pais possuem mais deveres do que direitos sobre a pessoa dos lhos.

    Harmonizando a Família com a nova ordem plural, equipararam-se os lhos detodas as origens, não havendo mais que se fazer a distinção entre legítimos eilegítimos, naturais, adulterinos ou adotivos. Não há mais ligação do status delho ao relacionamento dos pais, pois todos são amparados igualmente, inclusiveos adotados. A verdade biológica cede lugar à proteção igualitária dos lhos.

    Para saber mais sobre esseassunto, consulte a obra:LEITE, Eduardo de Oliveira.Famílias monoparentais.São Paulo: Revista dos

     Tribunais, 1997.

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    Capítulo 1

    Seção 4Reexos das mudanças constitucionais naordem jurídica brasileira

    O impacto das mudanças trazidas com o texto constitucional sobre a família foiimediato e abalou toda a ordem jurídica infraconstitucional. Estava em vigor àépoca o Código Civil de 1916, editado ainda sob a égide da Constituição liberalde 1891, com bases patrimonialistas e patriarcais.

    Em relação à família, possuía uma visão diretamente ligada ao casamentosolene como única forma de constituição de família, mais preocupado com a

    transmissão e administração do patrimônio do que com a proteção dos seusmembros. Mantinha ainda a visão patriarcal da família, com a mulher dependente

    do marido e os lhos somente legítimos se oriundos do casamento. A Constituição de 1988 rompeu denitivamente esses dogmas, instituindo umanova ordem em relação à família. Esse rompimento teve efeito imediato, tirandoa ecácia das normas que contrariassem os preceitos constitucionais. O CódigoCivil de 1916, já obsoleto na parte de direito de família, tornou-se inecaz em

    muitos dispositivos.

    Todos os dispositivos do Código Civil de 1916, de índole patriarcal, que previam

    a desigualdade entre os cônjuges na administração da sociedade conjugal, eos que diferenciavam o exercício do poder familiar, foram excluídos da ordem

     jurídica brasileira, que rompeu, ao menos formalmente, com todas as diferençasentre os gêneros. Também os artigos que distinguiam a liação sofreram esses

    efeitos. Ou seja, a ruptura paradigmática foi tão grande que mais de 60 artigos doCódigo Civil foram revogados ou derrogados.

    No entanto, algumas matérias novas introduzidas pela Constituição, como a

    união estável e a família monoparental careciam de regulação, mas nem por issodeixaram de ser imediatamente adotadas.

     A união estável já tinha precedentes judiciais, como a súmula 380, que foiutilizada de início, mesmo cando muito aquém dos anseios da nova ordem

    familiar. Após alguns anos, foram editadas leis ordinárias regulamentando amatéria. Em 29 de dezembro de 1994 foi aprovada a Lei 8.971, regulando a

    sucessão e o direito a alimentos do companheiro, e em 10 de maio de 1996, a Lei9.278, a qual regulou o § 3º da Constituição Federal.

    Já havia um projeto de Código Civil tramitando no Congresso, desde 1975. Aopção por leis ordinárias para regular a matéria introduzida pela Constituição foiapenas a maneira mais rápida e ecaz, mesmo que insuciente, de solução daausência de regulação da união estável.

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    Direito de Família

    4.1 Código Civil de 2002

    Finalmente, em 10 de janeiro de 2002 foi publicada a Lei 10.406, instituindo oCódigo Civil Brasileiro. Mesmo sendo posterior à Constituição, o Código nãocorrespondeu às expectativas dos operadores do direito, não conseguindocompreender a grandeza da proteção constitucional à família.

    Por ter iniciado a tramitação em 1975, sob a égide de outros princípiosconstitucionais, o Código Civil não conseguiu uma harmonização plena com ospreceitos da nova Constituição. Sem dúvida, algumas emendas foram feitas, a mde tentar adaptá-lo aos novos paradigmas familiares, mas não foram sucientes,

    porque foram pontuais e não sistemáticas.

     A união estável mereceu um Título inteiro, mas com singelos cinco artigos,o que deixou a desejar, mesmo que se compreenda que é uma situação

    predominantemente fática, e que excesso de regulação poderia engessar umainstituição factual. De qualquer forma, o Código aproximou os efeitos da uniãoestável com os efeitos do casamento, em especial no que diz respeito ao regimede bens, deveres decorrentes da união, alimentos e parentesco.

    No entanto, na parte referente à sucessão da companheira, houve uma distinçãoevidente e desproporcional, já que a Constituição não faz distinção entre asentidades familiares.

    Efeitos patrimoniais de uma união estável

    Por muito tempo os efeitos patrimoniais de uma união estável eram reduzidos em

    relação ao casamento no âmbito do Direito de Família. Atualmente as relações não

    eventuais entre homem e mulher constituem união estável, regulada nos artigos

    1.723 a 1.726 do Código Civil. Não se pode armar que a união estável é instituto

    equivalente ao casamento, pois possuem origens diversas. O casamento se origina

    de um ato solene e formal, gerador de um vínculo jurídico, e a união estável decorre

    de um fato contínuo, perceptível socialmente. No entanto, o tratamento dispensado

    pela legislação de família torna semelhantes os efeitos. Por ser uma entidade familiar

    envolvendo a conjugalidade, algumas características devem ser perceptíveis nessas

    uniões. Devem ser contínuas, públicas e duradouras, e estar imbuídas do intuito deconstituir família, ou seja, compartilhar uma vida em comum. Dessa forma, decorre que

    os envolvidos, denominados companheiros, assumem entre si deveres similares aos do

    casamento, ou seja, de lealdade ou delidade e de mútua assistência moral e material.

     A semelhança atual com o matrimônio ainda prescreve que pessoas impedidas de

    casar não podem constituir união estável, a m de evitar conitos entre os institutos,

     já que os impedimentos matrimoniais são de ordem pública e visam a evitar a união

    de pessoas que desrespeitariam alguns fundamentos do direito de família, como a

    monogamia e a proibição do incesto.

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    Capítulo 1

     A única diferença nessa seara entre o casamento e a união estável é que pessoas já

    casadas não podem casar sem antes dissolver juridicamente o vínculo matrimonial

    anterior, mas é permitido que pessoas casadas juridicamente, mas separadas de fato,

    ou seja, que não mais convivem, podem formar uma união estável reconhecida. Emrelação aos efeitos patrimoniais, as uniões estáveis atualmente estão praticamente

    equiparadas ao casamento, salvo pequenas peculiaridades. O artigo 1525 prevê

    a aplicação no que couber do regime de bens de comunhão parcial, e ainda a

    possibilidade de escolha de regime diverso. Ou seja, aos bens adquiridos durante

    uma união estável deve ser dispensado tratamento equivalente ao casamento, não

    havendo mais que se falar em comprovação de esforço comum. A união estável

    também gera parentesco por anidade com os parentes do companheiro, da mesma

    forma que o casamento. Os companheiros, portanto, são ligados pelos laços de

    anidade com os ascendentes, descendentes e irmãos do outro, conforme o artigo

    1595 do Código Civil. E na questão de alimentos também há uma equivalênciaentre os direitos dos cônjuges entre si e dos companheiros, quando existir direito

    a tal prestação. A igualdade de tratamento jurídico dispensado à união estável

    e casamento somente é rompida no direito sucessório, pois existe diferença de

    tratamento hereditário ao cônjuge e aos companheiros. No entanto, sem entrar no

    mérito da discussão, deve-se reconhecer que há previsão de direitos hereditários aos

    cônjuges e aos companheiros, o que é inconstitucional e despropositado. Se, por

    um lado, no Direito de Família a união estável e o casamento caminham juntos no

    que diz respeito a alimentos, regime de bens, dissolução, no Direito Sucessório há

    uma tentativa de desvalorizar a companheira, com regras sucessórias diferenciadas e

    discriminatórias (ver artigos 1790 e 1829 do CC).

    Outro aspecto familiar inovador deixado de lado está relacionado à famíliamonoparental, que sequer foi mencionada no Código Civil.

    De qualquer forma, independente dos reexos diretos da mudança constitucional

    na legislação ordinária, não há como se negar a evidente alteração da concepçãode família antes aceita, ante a abertura constitucional. A Constituição inuenciadiretamente em toda ordem civil, não se limitando às regulações legislativasinfraconstitucionais.

    Dessa forma, conhecer o que é Família na ordem jurídica brasileira vai muito

    além de estudar as concepções da legislação ordinária. Conforme se destacouno início deste capítulo, para se ter uma noção do que é família, é necessário

    contextualizar na sociedade e no tempo, por ser uma realidade dinâmica.

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    Direito de Família

    O desao atual se encontra em reconhecer quais os limites interpretativos dotexto constitucional ante a realidade jurídico-social brasileira, para que se possadenir o que é família, e quais os modelos de entidades familiares que podem serobjeto de amparo legal, já que a abertura da norma constitucional não signica

    omissão. Como característica do fenômeno de constitucionalização do direitocivil, ensina Gustavo Tepedino (2004, p. 18):

    Pode-se dizer, portanto, que na atividade interpretativa o civilistadeve superar alguns graves preconceitos, que o afastam deuma perspectiva civil-constitucional. Em primeiro lugar, não sepode imaginar, no âmbito do direito civil, que os princípios dedireito constitucional sejam apenas princípios políticos [...] emsegundo lugar não se pode concordar com os civilistas que seutilizam dos princípios constitucionais como princípios gerais dedireito. [...] No caso dos princípios constitucionais, esta posição

    representaria uma subversão da hierarquia normativa. [...] Emterceiro lugar, no que tange à técnica interpretativa, não podeo operador manter-se apegado à necessidade de regulaçãocasuística, já que o legislador vem alterando a sua forma de

    legislar, preferindo justamente as cláusulas gerais.

    Para tanto, é necessário um estudo da mudança paradigmática no conceitode família advindo da Constituição, aliada a uma interpretação concretista da

    constituição, na busca da conformação com a realidade que a circunda.

    4.2 A concepção atual de família

    Por meio da análise da evolução do tratamento legal-constitucional dispensado

    à família, foi possível constatar que sua a concepção legal acompanhou astransformações sociais ocorridas, mesmo que em um ritmo mais lento, de formaa estender a proteção às novas manifestações de entidades familiares aceitaspela sociedade.

    O ponto culminante da evolução legal-constitucional foi o artigo 226 daConstituição Federal, norma aberta que garante a proteção constitucional previstano caput  à família, sem conceituá-la nem restringi-la.

     A sociedade ocidental por muito tempo aceitou como único modelo familiarlegítimo o patriarcal fundado no casamento solene, indissolúvel e sacralizado,predominante até o início do século XX. No Brasil, esse foi o modelo vigente atéa Constituição de 1988, mesmo amenizado em relação à dissolução do vínculo,

    desde a Emenda Constitucional 9/77.

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    Capítulo 1

    Gradativamente, conforme se operavam as mudanças sociais, também ocasamento foi mudando o seu perl. Questões patrimoniais deixaram de serprioritárias, e o instituto foi se tornando cada vez menos um negócio paraconstituição de família e transmissão de patrimônio, e mais uma opção dos

    noivos na busca da realização individual. O casamento passou a se realizar emrazão do amor e do afeto.

    Como exemplo da alteração do caráter patrimonial, pode-se citar o exemplo

    do regime dotal, previsto no Código Civil de 1916, que foi caindo em desuso

    com o tempo, ao ponto do Código Civil de 2002 sequer mencioná-lo.

     A alteração do perl do casamento, e dos relacionamentos em geral, acarretounovo enfoque da comunidade familiar, antes voltado para a aceitação externa e

    conveniência social, para uma busca interna e conveniência individual.

     A independência feminina reetiu diretamente na transformação. As mulheressairam do seio doméstico para o trabalho externo, propulsionaram tambémalteração na questão da subordinação ao marido e da educação dos lhos. Aliás,o número de lhos do casal também foi afetado pela mudança na divisão detarefas do casal, sendo imperativa a sua redução.

     Ainda, houve um desprendimento Igreja/Estado que atingiu diretamente aestrutura jurídica brasileira do casamento, na segunda metade do século XX,

    culminando na admissibilidade do divórcio como causade dissolução do vínculo conjugal em 1977, como o

    rompimento material do casamento civil com o religioso,aliado ao posterior reconhecimento constitucional deproteção a outras entidades familiares pela Constituiçãode 1988.

    Com a nova ordem constitucional, desfez-se a exclusividade do matrimônio,e a pluralidade teve garantido o seu espaço. Destaca-se, especialmente, oreconhecimento de efeitos jurídicos às famílias de fato, de pessoas de sexo

    diverso, ou seja, aquelas geradas no seio da sociedade independentemente deuma solenidade jurídica para a constituição de um vínculo.

     Analisando as importantes mudanças na questão familiar advindas daConstituição de 1988, não há como se negar a mudança paradigmática ocorrida.

     A velha família patriarcal e matrimonial, fundada em preceitos ético-religiosos,cedeu lugar à liberdade e pluralidade de entidades familiares. Houve exibilizaçãono direito de família, que, ao invés de delimitar as entidades familiares

    constitucionalmente amparadas, oportunizou aos cidadãos a liberdade de opção.

    O rompimento formaldo Estado com aIgreja em relação aocasamento se deu coma Constituição de 1891.

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    Direito de Família

    Por muitos anos o Direito de Família foi ligado a tabus e preconceitos. Ocasamento indissolúvel, a legitimidade advinda exclusivamente do casamento,a diferenciação entre lhos, a desigualdade entre homens e mulheres dentro efora da sociedade conjugal buscavam tolher e engessar o comportamento social,

    desestimulando o comportamento que não considerava adequado.

    Porém, ao fazê-lo, o legislador não só não evitou as mudanças de costumessociais, como também, de maneira perversa, penalizou as pessoas que nãose conformavam ao seu modelo, tolhendo-lhe direitos e desrespeitando a sua

    individualidade.

    O novo paradigma familiar, proposto pela Constituição, é aberto e inclusivo. Nãoestá moldando a família conforme os parâmetros que entende conveniente, mas

    deixa ao intérprete a tarefa de concretização, conforme a vivência social. Oscritérios para inclusão familiar não estão na Constituição, mas sim na avaliaçãodo caso concreto.

    Todas essas mudanças, potencializadas ao longo do tempo, transformaram o

    perl da família brasileira no século XXI. Sendo plural, aberta e inclusiva, restaao intérprete o estudo dos critérios que levarão a identicar qual é a famíliaconstitucionalmente protegida, por meio da análise dos parâmetros atuais aceitospela doutrina e sociedade nacional, sem perder de vista a Constituição.

    4.3 Família com base no afeto - ambiente de realização

    individual da pessoa A família do século XXI, conforme já armado, é plural e multifacetária, aocontrário do modelo familiar ocidental aceito até início do século XX. Uma dasmolas propulsoras dessa mudança foi a busca pela realização do indivíduo. Afamília deixa de ser uma entidade que objetiva a procriação e a transmissãode patrimônio para se tornar o local de busca pela realização individual do ser

    humano. Há uma repersonalização no aspecto civil-familiar. Houve um alargamento conceitual de Famíliatrazido pela Constituição de 1988, voltado muito mais à

    proteção da dignidade do ser humano, que deixou deser mero partícipe da entidade, mas sim o objetivo geralda sua formação. O paradigma do casamento, sexo eprocriação não servem mais para identicar um vínculointerpessoal digno de proteção.

     As uniões conjugais de uma forma geral têm como nalidade constituírem umlaço familiar que lhes proporcione assistência afetiva, moral e patrimonial. Enessa busca pela realização como ser humano, as famílias, hoje, já não são vistasde forma homogênea.

     A dignidade humana éum atributo essencial dohomem enquanto pessoa,

    isso é, do homem em suaessência, e está previstono inciso III, do art. 1º daConstituição da RepúblicaFederativa do Brasil.

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    Capítulo 1

     A conjugalidade também foi afetada pelo novo perl de família: além de seremconcebidas novas formas, os relacionamentos duram o tempo condizente coma existência do afeto. Esse fato, porém, não tira a característica de permanênciadessas instituições; quando se originam, evidentemente não se pensa no m,

    almeja-se que seja eterna; mas, já que prevalece hoje o anseio individual do serhumano na busca pela sua felicidade, são eternas enquanto duram, como diria opoeta Vinícius de Moraes em seu célebre Soneto da Felicidade.

    Como consequência dessa dissolução de relacionamentos conjugais e formação

    de novos relacionamentos, as formações familiares decorrentes do parentesco,em especial a liação, sofrem transformações. A cada novo casamento ourelacionamento podem ser gerados novos lhos, que serão acrescidos aoseventuais lhos de relacionamentos anteriores, convivendo com irmãos unilaterais

    ou ainda com lhos do novo cônjuge ou companheiro de seus pais, que não são

    seus irmãos.

    O parentesco está previsto nos artigos 1.591 a 1.595 do Código Civil de 2002, com

    o seguinte teor:

     Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas

    que estão umas para com as outras na relação de

    ascendentes e descendentes.

     Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal,

    até o quarto grau, as pessoas provenientes de um sótronco, sem descenderem uma da outra.

     Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme

    resulte de consanguinidade ou outra origem.

     Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de

    parentesco pelo número de gerações, e, na colateral,

    também pelo número delas, subindo de um dos parentes

    até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o

    outro parente.

     Art. 1.595 Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos

    parentes do outro pelo vínculo da anidade.§ 1o O parentesco por anidade limita-se aos

    ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge

    ou companheiro.

    § 2o Na linha reta, a anidade não se extingue com a

    dissolução do casamento ou da união estável.

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    Direito de Família

     Ainda, há a ligação do parentesco por anidade com os parentes do cônjuge oucompanheiro, que não se extinguem na linha reta, nem mesmo após a dissoluçãodo casamento ou da união estável. A cada novo casamento ou união estável, vãose somando o número de sogras e sogros, bem como enteados e enteadas.

     A essa teia complexa de relacionamentos ainda soma-se a família monoparental,em que não há um casal, mas sim somente um dos pais e seus lhos.

     A procriação também não é mais considerada como um requisito essencial para a

    existência de um relacionamento conjugal.

     Assim, o novo paradigma familiar está centrado no afeto e na solidariedade comoforma de constituição. A família está voltada para realização afetiva individual deseus membros, como forma de realização da sua dignidade.

    Seção 5Princípios do Direito de Família

     A mudança paradigmática trazida pela Constituição de 1988 elevou oDireito de Família ao patamar constitucional, sendo possível se falar em

    constitucionalização do direito de família. Assim, toda leitura do Direito deFamília atual se inicia a partir da Constituição Federal, de forma que esses

    princípios devem permear a compreensão, proteção e regulamentação dasfamílias, especialmente se considerarmos que a norma constitucional que amparaa família é aberta e inclusiva.

     Além dos princípios constitucionais gerais, como os princípios da Dignidadeda Pessoa Humana, da Igualdade e da Liberdade, que possuem reexosespecícos no Direito de Família, é possível identicar princípios especícos dosrelacionamentos familiares: princípio da afetividade, da solidariedade, do melhorinteresse da criança, da convivência familiar, pluralidade, entre outros. 

    Sobre tais princípios especícos dos relacionamentos familiares, consulte as

    seguintes obras:

    LOBO, Paulo. A nova principiologia do direito de família e suas repercussões.

    Disponível em .

    PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais dos Norteadores do

    Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2012. 2a. Ed.

    http://www.marcosehrhardt.adv.br/index.php/artigo/download/30http://www.marcosehrhardt.adv.br/index.php/artigo/download/30

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    Capítulo 1

    Para nosso estudo, escolhemos alguns desses princípios, que, a nosso ver, compõemo eixo central principiológico do qual derivam os demais princípios. São eles:

     • princípio da dignidade;

     • princípio da igualdade; • igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal;

     • igualdade entre os lhos;

     • igualdade das relações familiares;

     • princípio da liberdade;

     • princípio da afetividade;

    • prioridade absoluta da criança e adolescente (ou melhor interesseda criança e do adolescente).

    5.1 Princípio da dignidade

    O princípio da dignidade da Pessoa Humana, reconhecido na Constituição daRepública Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º, inciso III:

     Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

    fundamentos:

    [...]III – a dignidade da pessoa humana

    Esse princípio coloca o ser humano como o centro da proteção jurídica.

    Dessa forma, a família deve servir como instrumento para a realização

    desse princípio: a busca pela felicidade.

    É inerente à condição humana, podendo ser considerado um valor espiritual e

    moral, gerando respeito mútuo entre as pessoas, especialmente no direito à vidaprivada, à honra, à imagem, à busca pela felicidade.

    5.2 Princípio da Igualdade

    O princípio da Igualdade tem como fundamento geral o artigo 5o da ConstituiçãoFederal, em seu caput : “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

    País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

    propriedade [...].”

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    Direito de Família

    No direito de família, esse princípio da igualdade gera efeitos em dimensõesespecícas, como a igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal, aigualdade entre os lhos e a igualdade das entidades familiares.

    5.3 Igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal

     Até o advento da Constituição de 1988, havia desigualdade entre os homense mulheres em seus papéis na sociedade conjugal. A estrutura familiar erapatriarcal, de forma que o marido era o chefe da família. O texto constitucional

    expressamente trouxe a igualdade entre os cônjuges, e por consequênciatambém a igualdade entre os pais em relação aos lhos, ndando com opatriarcado legal: Art. 226 [...] § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedadeconjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

    5.4 Igualdade entre os lhos

     A relação entre os lhos, até a Constituição de 1988, era marcada peladiferenciação entre os lhos legítimos e ilegítimos, e também entre os lhos

    consanguíneos e adotivos. O texto constitucional acabou totalmente com essadistinção, de forma a ser possível armar que todos os lhos são absolutamenteiguais, independentemente de sua origem.

     Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurarà criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,

    o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, àprossionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdadee à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela EmendaConstitucional nº 65, de 2010)

    § 6º - Os lhos, havidos ou não da relação do casamento, oupor adoção, terão os mesmos direitos e qualicações, proibidasquaisquer designações discriminatórias relativas à liação.

    5.5 Igualdade das relações familiares A igualdade estende-se também aos relacionamentos familiares considerados sob

    a perspectiva da dignidade – família como ambiente de realização da dignidade dapessoa humana – de forma que a igualdade individual estende-se à igualdade entre

    os relacionamentos, não havendo hierarquia entre as entidades familiares. Dessaigualdade derivam outros princípios, como a liberdade de escolha de entidadefamiliar, e também o princípio da pluralidade de relacionamentos familiares. Assim,ainda que possuam naturezas jurídicas diversas, todas as entidades familiares são

    amparadas constitucionalmente, sem hierarquia ou preferência.

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    Capítulo 1

    5.6 Princípio da liberdade

    O princípio da liberdade está assentado no preceito constitucional segundo oqual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei” (artigo 5º, inciso II, Constituição da República Federativa do Brasil

    de 1988), além de estar garantida a