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Rosângela Branca do Carmo Rafaella Naves Lopes Carvalho EDUCAÇÃO RURAL MEC / SEED / UAB 2014

Livro Educação Rural

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Apostila Fundamental para compreensão da educação rural

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Rosngela Branca do CarmoRafaella Naves Lopes CarvalhoEDUCAO RURALMEC / SEED / UAB2014Andrade, Maria Jos NettoA553mMetodologia de pesquisa em educao / Maria Jos Netto Andrade, Betnia Maria Monteiro Guimares, Gilberto Aparecido Damiano. 2ed. rev. ampl. So Joo del-Rei, MG : UFSJ, 2012.99 p.ISBN 978-85-8141-036-4Especializao em Educao Empreendedora.1. Educao - Metodologia de pesquisa I. Guimares, Betnia Maria Monteiro II. Damiano, Gilberto Aparecido III. Ttulo.CDU: 001.8:37Reitora Valria Helosa Kemp Coordenadora NEAD/UFSJ Marise Maria Santana da Rocha Coordenador UAB Carlos Alberto RaposoComisso Editorial:Betnia Maria Monteiro GuimaresFbio de Barros SilvaFrederico Ozanan Neves (Presidente)Geraldo TibrcioJos do Carmo Toledo Jos Luiz de OliveiraLeonardo Cristian Rocha Maria do Carmo Santos Neta Maria Rita Rocha Carmo Marise Maria Santana da Rocha Rosngela Branca do Carmo Terezinha LombelloEdioNcleo de Educao a DistnciaComisso Editorial - NEAD-UFSJCapaEduardo Henrique de Oliveira Gaio/Luciano Alexandre PintoDiagramaoAluzio Srgio da SivaSUMRIOPra comeo de conversa... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07Unidade 1O MODELO FORMAL DE ENSINO NO MEIO RURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Unidade 2 A PROPOSTA DA EDUCAO DO CAMPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27Unidade3MEMRIASEREPRESENTAESDEPAISDOMEIORURALSOBREA ESCOLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51Pra final de conversa... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93PRA COMEO DE CONVERSA...Prezado(a) Estudante: Sejabem-vindo(a)disciplinaEducaoRuraldocursodePedagogiadaUniversidade FederaldeSoJoodel-Rei-UFSJ,queseroferecidaadistncia,mascomatividades presenciais a serem realizadas nos polos.EstaumadisciplinacujoobjetivoprincipalpromoverdiscussessobreaEducao Ruraleseuspercursoshistricos,dialogandocomasperspectivasfreireanas.Alm disso,adisciplinapropequeo(a)aluno(a)reflitasobresuasprticaseexperincias, possibilitando seu crescimento.Observa-se que inmeros so os desafios presentes na Educao do Campo, principalmente em um sistema em que muitas so as limitaes impostas, em que no h valorizao do homemedeseucontextolocal,ondehumasimplestransposiodoensinoformale urbano para o meio rural.Lembre-se de que ser professor (a) exige dedicao, compromisso e dilogo, para que o processodeformaodosujeitoeaconstruodeseuconhecimentosejamediadode forma que no reproduza nem legitime as desigualdades sociais.Assim, nessa disciplina pretendemos refletir sobre teoria e prtica, de forma que sejamos sujeitos ativos na construo do nosso prprio conhecimento. Para isso, utilizaremos de vrios recursos e atividades na plataforma de aprendizagem do curso, sem deixar de lado as reflexes pessoais que serviro de suporte para que nossos dilogos aconteam.As Autoras71 O MODELO FORMAL DE ENSINO NO MEIO RURALObjetivos1) Apresentar o percurso histrico da Educao Rural no Brasil.2) Identificar e analisar o modelo formal de ensino no meio rural.81.1O modelo formal de ensino no meio ruralAhistriadaEducaoRuralnoBrasilmarcadaporduasformasdeorganizaobem distintas, que refletem de maneira marcante a posio social sobre a identidade do homem do campo. Aorganizaomaisfacilmenteidentificadaequesemantmaolongodoprocesso educacionalcaracteriza-sepelaimplantaodoensinoruraltendopormoldesaescola formaladotadanoscentrosurbanos.Umasegundaperspectiva,deabordagemmais recente, pauta-se na adoo de prticas e propostas pedaggicas especficas do universo rural,comsuascomplexidadessociais,polticas,econmicaseculturais.Essaformaou mododepercepodaeducaoruraltemnosaberdohomemdocamposuabasede sustentao.Entretanto, o resgate da identidade do homem do campo atravs da educao permanece, emmuitaslocalidades,comoumautopiaaserperseguidapormuitoseducadoresque conhecemepresenciamodescasocomquesemprefoitratadoohomemdocampo (entenda-se esse homem no sentido mais amplo, sem discusses de gnero ou idade) . Otemadaeducaoruralpoucodifundidocomoreadepesquisae deformao,sejaemcursosdeGraduao,sejanaPs-Graduao[...]. Na perspectiva das pesquisas e das polticas educacionais so marcantes epermanentesamarginalizaoeodesinteressepelaeducaorural, geralmenteconsideradaquestodemenorimportncia,tantopelo governofederalquantopelasuniversidadesecentrosdepesquisa (WERLE, 2007, p. 10).Entretanto, outros caminhos vm sendo traados paraaeducao ruralno Brasil,como apontam Caldart (1997), Arroyo, Caldart e Molina (2008) e Souza (2006). Essa histria da educao rural pode ser bem entendida a partir do que afirma Arroyo na apresentao do livro de Maria Antonia de Souza (2006):Deesquecidaemarginalizadaarepensadaedesafante.Estapoderiasera travessiaquevemfazendoaeducaodospovosdocampo.Umpercurso instigante para a pesquisa e a refexo terica, para as polticas pblicas e a ao educativa (p. 9).Nombitodadiscussosobrenovaspropostasparaaeducaorural,identifcam-seos protagonistasdessemovimentoderenovaoeducacional:ossujeitosdocampoe/oudos movimentossociais.Elesindagamequestionamsuarealidade,aocontrriodaspolticas 9unidadepblicas,dosmodelospedaggicosemmoda,dossetoresagrriosfavorecidosemesmode grande parte dos educadores urbanos (ARROYO apud SOUZA, 2006). Observa-se,ento,queaescolarural,maisamplamentecompreendidacomoEducaodo Campo,constitui-senumespaopropciopararefexessobreinterdisciplinaridade,uma vezqueoprpriocampocaracteriza-seporumadiversidadecultural,socialeeconmica. (SOUZA, 2006, p. 24).A histria da escola rural veicula-se, de maneira contundente, com a histria da organizao da sociedade brasileira, visto que, desde o perodo de sua colonizao at o incio do sculo XX, a populao do Brasil era predominantemente rural. O campo oferecia as riquezas a que poucos tinhamdireito,masondegrandepartedapopulaovivia(aproximadamente75%atpor volta de 1920 (CAVALCANTE, 2003).Aeducaoformalpermaneceu,durantetodooperodocolonial,destinadaaosflhosdas elitesagrriasqueseformavamnoscolgiosjesutas,onderecebiamoscontedosclssicos (Gramtica, Humanidades, Retrica, Filosofa, Teologia), propcios para que desempenhassem, no futuro, cargos pblicos, ou seguissem o sacerdcio ou a advocacia.Os jesutas foram expulsos do Brasil em 1759 e, com eles, a perspectiva de um alcance maior daeducaoformal.Decertaforma,foinecessria,nessasituao,queseimprovisassem, emdiversosambientes,oportunidadesdeensino,mesmoquedecarterinformal,paraque asnecessidadeseducativasdapopulaofossemmantidas.ComoafrmaCavalcante(2003) citando Gaio Sobrinho (2000),Nombitodadiscussosobrenovaspropostasparaaeducaorural,identifcam-seos protagonistasdessemovimentoderenovaoeducacional:ossujeitosdocampoe/oudos movimentossociais.Elesindagamequestionamsuarealidade,aocontrriodaspolticas pblicas,dosmodelospedaggicosemmoda,dossetoresagrriosfavorecidosemesmode grande parte dos educadores urbanos (ARROYO apud SOUZA, 2006). Observa-se,ento,queaescolarural,maisamplamentecompreendidacomoEducaodo Campo,constitui-senumespaopropciopararefexessobreinterdisciplinaridade,uma vezqueoprpriocampocaracteriza-seporumadiversidadecultural,socialeeconmica. (SOUZA, 2006, p. 24).110A histria da escola rural veicula-se, de maneira contundente, com a histria da organizao da sociedade brasileira, visto que, desde o perodo de sua colonizao at o incio do sculo XX, a populao do Brasil era predominantemente rural. O campo oferecia as riquezas a que poucos tinhamdireito,masondegrandepartedapopulaovivia(aproximadamente75%atpor volta de 1920 (CAVALCANTE, 2003).Aeducaoformalpermaneceu,durantetodooperodocolonial,destinadaaosflhosdas elitesagrriasqueseformavamnoscolgiosjesutas,onderecebiamoscontedosclssicos (Gramtica, Humanidades, Retrica, Filosofa, Teologia), propcios para que desempenhassem, no futuro, cargos pblicos, ou seguissem o sacerdcio ou a advocacia.Os jesutas foram expulsos do Brasil em 1759 e, com eles, a perspectiva de um alcance maior daeducaoformal.Decertaforma,foinecessria,nessasituao,queseimprovisassem, emdiversosambientes,oportunidadesdeensino,mesmoquedecarterinformal,paraque asnecessidadeseducativasdapopulaofossemmantidas.ComoafrmaCavalcante(2003) citando Gaio Sobrinho (2000),[...]membrosdeoutraordemreligiosa,seminaristasouprofessoresleigos tornaram-seprofessoresnasfazendas:continuavaaseroferecidasem qualidade, mas, certamente semelhante anterior nos seus objetivos e mtodos (p.40).A educao rural no Brasil passou por todo o sculo XIX sem a merecida ateno por parte das autoridades. Somente com a Lei de 15 de outubro de 1827, em seu artigo primeiro, nota-se um aceno para a realidade do campo, ao afrmar que em todas as cidades, vilas e lugarejos mais populososhaverescolasdasprimeirasletrasqueforemnecessrias,sendoessaaprimeira enicaleisancionadaemtodooperodocolonial(FARIAFILHO,2000).Obviamente,ela fracassou, pois no havia estrutura econmica, social, poltica e tcnica que desse sustentao s 20 escolas criadas em todo o territrio nacional, ou seja, quanto mais longnqua a localidade, mais raramente chegariam recursos para a escola. Dopontodevistahistrico,asociedadebrasileirapercebeuanecessidadedeumaeducao ruralapartirdosanos19101920,quandodointensodeslocamentodapopulaodocampo paraoscentrosurbanos,emvirtudedoprocessodeindustrializao.Comoexemplosdesse processo,podem-secitarainstalaodeimportantespolosindustriaisemSoPaulobem como a implantao de fbricas txteis e da companhia Belgo-Mineira em Minas Gerais, para 11unidadeaexploraosiderrgica(LEITE,2002).Particularmente,essesestadosatraamapopulao rurcola, o que levou ao surgimento do Ruralismo Pedaggico. O objetivo desse movimento era, a priori, adaptar a escola s condies do homem do campo e,consequentemente,mant-loemsuaregiodeorigem.Narealidade,adefesadaproposta pedaggica do Ruralismo Pedaggico, feita pelos agroexportadores com apoio de setores da elite urbana, do movimento nacionalista e do movimento catlico do incio do sculo, via na permanncia do homem no campo a manuteno da riqueza agrcola e a conteno da exploso dos problemas sociais nas cidades. Vrias medidas foram tomadas no perodo do Ruralismo PedaggicocomoobjetivodeconjugarosinteressesnacionalizantesdoMinistrioda Educao aos projetos regionalistas vigentes, como[...] a) a criao do Fundo Nacional do Ensino Primrio (FNPE), cujos recursos seriam dedicados apenas construo de prdios escolares; b) a fundao do Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP), pea-chave das polticas educacionaisoriundasdoMinistriodaEducao;c)aimplantaoda Radiodifuso Rural; d) a criao do Conselho Nacional de Educao Primria (CNEP); e, fnalmente, e) a realizao da governista Conferncia Nacional de Educao [...] com vistas a comprovar [...] as precrias condies do ensino elementar agrcola (MENDONA, 2007, p. 47).Embora o processo migratrio tenha se tornado signifcativo, em 1930, dois teros da populao continuavanocampo.Calazans,CastroeSilva(1985a)afrmamque,poressemotivo,as desigualdadessociaisentreaspopulaesurbanaeruralseacentuaram,poisalegislao trabalhistaeeducacionaltinhapreocupaescomaprimeira,enquantoqueasegunda continuavadesprovidadenecessriaspossibilidadesdeensinoescolar.Eraumapopulao analfabeta, subalimentada, exposta a graves endemias e com um nvel de renda sem qualquer amparo da poltica social (p. 178).Tal cenrio permaneceu at a dcada de 1930, pois, conforme Leite (2002), prevaleceram, at ento, a sociedade e o Estado oligrquico, com todas suas caractersticas e formas tradicionais de exerccio de poder, no promovendo rupturas signifcativas entre os setores agrrio e industrial (p. 60).NogovernodeGetlioVargas,atradioescolarsemanteve,eaescolaruralpermaneceu relegada ao esquecimento, tendo como nica ao a criao, em 1937, da Sociedade Brasileira de Educao Rural. Seu objetivo seria preservar a arte e manifestaes folclricas rurais, bem como proporcionar a expanso do ensino. Porm, por trs desse objetivo legtimo, escondia-se o princpio ideolgico da disciplina, do civismo e da docilidade ao Estado.112Algumas iniciativas pontuais para a educao rural foram tomadas a partir da dcada de 1940, mas continuavam com o objetivo central de fxar o homem ao campo. Contudo, essa prerrogativa no se concretizou porque o xodo rural continuou crescendo, e as aes desenvolvidas serviram paraidentifcarumoutrosrioproblemaparaoensinorural:asdefcinciasdaformaode professores, sobretudo do 1 Grau (CALAZANS; CASTRO ; SILVA, 1985a, p. 181). Durante dcadas,essefoiumdospontospolmicosdaimplantaodeprogramasepolticasparaa educaorural,pois,almdadifcilpermannciadoprofessornalocalidade,somava-se ausncia de condies de trabalho, de salrios dignos e lacunas na formao profssional para a prtica docente.Retornando ao perodo em questo, destaca-se a criao da Comisso Brasileiro-Americana de Educao Rural das Populaes Rurais (CBAR) em 1945, que, em consonncia com polticas de aliana Brasil Estados Unidos, tinha como metas a implantao de projetos educacionais para o meio rural e o desenvolvimento de centros campestres, onde se realizavam atividades de treinamento de professores com vistas formao tcnica dos rurcolas, assim como debates, seminrios,encontroseimplantaodeClubes AgrcolaseConselhosComunitriosRurais (MENDONA, 2007, p. 70). Por questo de segurana nacional os debates giraram em torno da educao como parte integrante do projeto de expanso e desenvolvimento nacional mais do que, propriamente, sobre as condies de vida da populao rural (LEITE, 2002). Ainterfernciadeinstituiesamericanasnaorganizaodospropsitos,contedoeaes paraaeducaoruralvinhasobortulododesenvolvimentodopas.Sobtalsituao, Souza (2006) cita que a extenso rural foi um dos caminhos idealizados para a transformao dostrabalhadoresdocampobrasileiro.Umcaminhocujofocoeraoassistencialismoauma populao carente (p. 54).Em 1948, foi criada em Minas Gerais a Associao de Crdito e Assistncia Rural (ACAR), posteriormentedenominadaEmpresadeAssistnciaTcnicaeExtensoRural(EMATER), sob o patrocnio da American International Association for Economic and Social Development (AIA), com o intuito de captar recursos tcnicos e fnanceiros para o campo e coordenar projetos de extenso rural.Essasiniciativasgovernamentais,assimcomooutrasaposteriori,propunham-seasuprira difculdadedogovernofederalemrealizaraesquealcanassemtodooterritrionacional, pois os servios pblicos no possuam verbas nem recursos humanos para atender populao 13unidaderural e suas demandas. Os meios utilizados para cumprir a tarefa de atendimento populao foram, como apontam Calazans, Castro e Silva (1985), [...]colaboraocomentidadesouorganizaeslocaispblicaseprivadas; realizaes isoladas para efeitos de demonstrao ou experincia; convnios com entidades estrangeiras para determinados servios e atividades abrangendo somenteumaspectodaquesto,porexemplo:organizaescooperativas, formao de lderes etc. (p. 180).As parcerias realizadas com entidades nacionais e internacionais caracterizaram-se por atender s populaes rurais em suas demandas consideradas negativas para a imagem do Brasil, como a subnutrio, as doenas e a suposta ignorncia do homem do campo. Na verdade, tal imagem vinha para justifcar a desqualifcao do sujeito rural para atividades sociais mais signifcativas ebemremuneradasnascidades.Essesujeito,segundoaspropostasextensionistasdapoca, precisava ser protegido e assistido. Para alcanar esse intuito, as propostas valeram-se da escolaridade informal (LEITE, 2002, p. 34).Dentre as infuncias das polticas externas para a Educao Rural, nos moldes extensionistas, a Associao Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (ABCAR) foi responsvel pela adaptao de programas americanos ao territrio brasileiro. Como afrmam Calazans, Castro e Silva (1985),[...]QuantoABCAR,nohaviapreocupaodetestarprograma,apenas adapt-lo ao Brasil ao longo da experincia extensionista [...] Talvez seja a ABCARocasomaisextremodetransplantecultural,deadoopassivade pacotes vindos da metrpole (p. 194).Entretanto, os programas surgidos nas dcadas de 1930 e 1940 apresentam aspectos que ainda hoje caracterizam as investidas educacionais para a educao rural, como o desconhecimento daorigemdossujeitosdocampo,ausnciadeparticipaodasinstituiesenvolvidasnas decises e inadequao das polticas s demandas das escolas no meio rural.Apartirdoreconhecimentodaimportnciadocampodospasesemdesenvolvimento,a UNESCO,em1947,apresentouindicaesparaotrabalhopedaggiconaeducaorural, priorizando o ensino de tcnicas agrcolas no ensino fundamental. Muitos textos oriundos dessa organizaosugeriamumolharcuidadoso,sobretudoparaquestesrelativasscondies sanitrias e de educao, inclusive para a escolarizao de adultos (WERLE, 2007, p. 11).Asdcadasde1950e1960caracterizaram-sepeloaumentodomovimentomigratriodo 114homemdocampoembuscademelhorescondiesdevida.ConformeSouza(2006),nesse perodo, praticamente 50% da populao brasileira vivia no campo, [...] prova de que no seria um programa educacional que manteria a populao no campo, mas sim um projeto de nao que priorizasse os cidados brasileiros fatoquenoocorreu,umavezqueomovimentointernacionaldocapital ditou as regras nacionais (p. 54).Sobainfunciadessasperspectivasinternacionais,em1952,ofcializou-seacriaoda CampanhaNacionaldeEducaoRural(CNER),subordinadaaoDepartamentoNacionalde Educao,doMinistriodaEducao(MEC),quetinhacomoobjetivo[...]substituiruma culturaporoutra,medianteeducaodebase,instrumentodeaculturaodepopulaes (CALAZANS, CASTRO e SILVA, 1985, p. 194).A CNER foi desenvolvida, inicialmente, em determinada rea do municpio de Itaperuna, Estado doRiodeJaneiro,escolhidapelaproximidadecomacapitalfederaleporservitalparaseu abastecimento. A experincia ali desenvolvida, depois estendida para todo o territrio nacional, acabou repetindo frmulas de ensino, ideologia das propostas monopolistas e, novamente, calou os segmentos rurais, impedindo a articulao da educao com sua realidade vivida. esclarecedor ressaltar que os pequenos grupos rurais sem representatividade trabalhadores sem-terra,arrendatrios,boias-friaseoutrosnotinhamvezenemvozfrentesdecises comunitrias,vistoqueessasdeveriamsergerais,coletivas,enoparaoatendimentode segmentos isolados (LEITE, 2002, p. 37).A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional n4.024, de 1961, no trouxe avanos para a Educao Rural, pois, com a poltica de municipalizao de ensino implantada, as escolas rurais viam-se sujeitas aos parcos recursos fnanceiros e humanos oriundos das prefeituras municipais. Nesse contexto de deteriorao da educao rural e, consequentemente, do homem do campo, frmou-se um espao propcio para o surgimento de movimentos populares, como os Centros Populares de Cultura (CPC) e o Movimento Educacional de Base (MBA), ligados a partidos deesquerdaecomsustentaoideolgicanotrabalhodesenvolvidopelasligascamponesas, sindicatos e ao pastoral de bispos da igreja catlica (SOUZA, 2006, p. 54).Outras iniciativas foram tomadas no sentido de oferecer ao homem do campo condies de vida eidentidadeprpria,pormeiodeaeseducativasesociaiscomoGruposde Alfabetizao de Adultos e Educao Popular, movimentos de luta pela permanncia na terra e contra a sua 15unidade15expropriao . Tal movimentao em favor do homem do campo culminou com a aprovao do Estatuto da Terra em 1963 (LEITE, 2002, p. 40).OEstatutodaTerraoriginouprogramascomvistasacolonizarreaspoucodesenvolvidas pormeiodeassentamentos.Emboraoperodofosseconturbadoporcontadoregimemilitar implantado no Brasil em 1964, vrias propostas de educao popular para o campo comearam a surgir, baseadas, sobretudo, nas ideias de Paulo Freire. Neste contexto, o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetizao) , criado pela Lei 5.379 de dezembro de 1967, no campo das polticas educacionais e na perspectiva da alfabetizao de adultos, tanto em reas urbanas quanto rurais, trouxe esperanas para a populao do campo. Porm, mesmo com boas intenes, tentou educar os cidados sem considerar as peculiaridades decadaregiobrasileira,inibindoprogressossociaismaisamplos.Infelizmente,pareceque oresultadodoMOBRALnofoipositivo,poisoanalfabetismodapopulaopermaneceu crescente.Do ponto de vista da legislao educacional brasileira, as Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional4.024de1961,e5.692,de1971,promulgadasnoperodomilitar,notrouxeram avanosparaaeducaorural.OrespeitospeculiaridadesregionaispreconizadosnaLei 5.692/71 no incorporou as demandas fundamentais dos campesinos, pela contnua ausncia de recursos humanos e materiais didticos satisfatrios. Outro aspecto que se concretizou pela Lei 5.692/71 com relao educao rural foi o processo demunicipalizaodosistemadeensinode1Grau,deixandoclaroqueaescolaruralseria sempre uma sombra da escola urbana, seguindo seus projetos e tendncias. Almdamunicipalizao,asescolasruraispassaram,desde1975,pelaimplantaoda nucleao (agrupamento) das mesmas. Esse agrupamento das escolas rurais isoladas em uma escola mais central, geralmente localizada num distrito ou municpio, recebeu, e ainda recebe, crticas severas por parte das famlias que sentiram a difculdade de acompanhar a vida escolar dos flhos,alm da preocupao com a distncia que as crianas e adolescentes percorrem para chegar escola (SOUZA, 2006).O processo de nucleao de escolas rurais no exclusivo do Brasil, uma vez que esse modelo surgiunosEUAemmeadosdosculoXIXefoiaplicadocomdiferentesnomenclaturasem 116pases diferenciados como Costa Rica, ndia, Ir, Colmbia, Canad e Lbano. Segundo Ramos (1987), a justifcativa para a nucleao baseia-se em dois princpios: 1) proporcionar igualdade de oportunidades educacionais para alunos da zona urbana e rural; 2) minimizar os custos de funcionamento, otimizando os recursos disponveis nas escolas (p.20).NoBrasil,aideiacomeaaganharespaoapartirde1975comacriaodoProjetode Cooperao TcnicaeFinanceiraEstado/Municpio(Pr-municpio)eposteriormentecomo Projeto Integrado de Apoio do Pequeno Produtor Rural (Pr-Rural).O Brasil presenciou nos anos de 1960 e 1970 a ascenso do regime militar e a abertura do pas ao capital e aos modelos estrangeiros de desenvolvimento, sobretudo os norte-americanos. No que se refere educao, registra-se a ao da Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional(USAID),quevisavaasubsidiarrecursosnecessriosefetivaodeaesno mbito educacional. Nesse processo, a interferncia dos acordos entre o Ministrio da Educao brasileiro (MEC) e a agncia norte-americana, conhecidos como MEC-USAID, ocorre tambm na escola rural, entre outras formas, pela importao do modelo de nucleao norte-americano, iniciado no Brasil em 1976, no Paran, logo aps em Minas Gerais (1983), Gois e So Paulo (1988).Com o declnio do regime militar, consequentemente, tais interferncias sofreram interrupes, umavezqueainjeodecapitalestrangeironoapresentavaomesmovolumeobservado anteriormente, em decorrncia da crise vivenciada pelo prprio modo de produo capitalista. No entanto, experincias como a nucleao das escolas rurais persistiram, pois se apresentavam comoalternativasfnanceiramenteviveisaoscofrespblicos,pelaeconomiaderecursos humanos e infraestruturais, o que poderia se traduzir em economia de gastos.Embora a nucleao, como se observou anteriormente, pressupusesse a melhoria da qualidade de ensino e a igualdade de condies para a escola rural frente urbana, esse processo foi (e )criticado,poisretiraoalunodoseuambienteimediatoatravsdeumarededetransporte formada para conduzi-lo at o ncleo e padroniza a oferta de educao nos estabelecimentos.Paraosresponsveispelaimplantao,osprincipaisobjetivosdanucleaosoaumentara possibilidade de oferta progressiva e integrada do ensino fundamental e mdio, facilitar a ao dacoordenaopedaggica,racionalizarousoderecursosdidtico-pedaggicos,promover maiorefcinciadagestoescolar,racionalizaraofertadosservioseducacionais,reduziro nmero de escolas e salas de aula isoladas e melhorar a qualidade de aprendizagem.17unidadeSegundo Brando (1983), as escolas rurais nucleadas, neste sentido, so um modelo, mas falta ainda muito para se alcanar o ideal e idealizado (p.113).Fernandes, Cerioli e Caldart (2008, p.50) afrmam[...] no serem a priori contra a juno de escolas menores em uma maior (em alguns lugares chamadas de nucleao de escolas), desde que observadas algumascondies:queistonorepresenteumdeslocamentomuitogrande para as crianas, especialmente as menores (centros de educao infantil, por exemplo, devem ser necessariamente prximos s famlias); que estas escolas sejam no prprio meio rural; que haja efetiva melhoria das condies de infra-estrutura e de qualifcao dos profssionais da educao envolvidos; e que a organizao curricular seja planejada de modo a incluir uma efetiva relao dos alunos com sua comunidade de origem.A nucleao escolar apresenta, segundo Scher (1996), inmeras vantagens: o atendimento aos alunos por srie, que facilitou o trabalho do professor em sala de aula, o aumento das relaes sociaisentreosalunos,acapacitaodosprofessoresparaatuaremumassrie,maior racionalizaonaprestaodosserviosdeapoio.Anucleao,porm,tambmapresenta desvantagens,taiscomooafastamentodosalunosdassuascomunidades,dassuasrazes,o seu deslocamento por meio de transporte, a necessidade de constante manuteno das estradas vicinais e a decorrente elevao dos custos. Observa-se, ento, que[...]aqualidadedeensino/aprendizagemfcageralmentecomprometida pela difculdade de construir condies adequadas ao bom desenvolvimento profssional. Uma das medidas adotadas para elevar a qualidade das escolas foi a criao de plos de concentrao de alunos, professores, equipamentos, materiaiseserviosdeapoiomdico-odontolgico-aschamadasescolas nucleadas (SCHER, 1996,p. 23).Deacordocomabibliografaconsultada,percebe-sequeexistemmuitasvantagense desvantagens quanto nucleao de escolas. Porm, h uma necessidade de consenso entre o poder pblico e a populao local, a fm de no prejudicar o processo de ensino - aprendizagem.Enfm, o balano que se faz da educao no perodo militar e, consequentemente, com relao educao rural, revela que[...]osistemaescolarcontroladopelaideologiadacasernalimitou-seaos ensinamentosmnimosnecessriosparaagarantiadomodelocapitalista-dependente e dos elementos bsicos de segurana nacional (LEITE, 2002, p. 53).118Comomovimentocrescentepelademocratizaonadcadade1980ecomoobjetivode erradicar o analfabetismo que dava mostras de problema incurvel na sociedade brasileira, foi apresentado o Plano Setorial de Educao, Cultura e Desportos para 19751979 e 19801985, quepossibilitoubasesideolgicase flosfcaspara implantao de projetos especiais parao campo como o PRONASEC (Programa Nacional de Aes Socioeducativas e Culturais para o Meio Rural) o EDURURAL.EssequadrodaEducaoRuralpermaneceatoIIIPlanoSetorialdeEducao,Culturae Desportos (PSECD), implementado para o perodo de 1980-1985, que reivindicava a melhoria dacondiodevidaedeensinodohomemdocampo,enfatizandoaexpansodoensino fundamentalcomvistasdiminuiodaevasoerepetnciaescolar.Esseplanoapresentou aspectos para a valorizao do modo de vida dos campesinos e de seu trabalho.Oreferidoplanorecomendavaavalorizaodaescolarural,otrabalhodo homem do campo, a ampliao das oportunidades de renda e de manifestao cultural do rurcola, a extenso dos benefcios da previdncia social e ensino ministrado de acordo com a realidade da vida campesina (LEITE, 2002, p. 50).Alguns pontos cruciais para a implantao e fortalecimento para a educao rural desse plano foram desconsiderados, como a formao especfca dos professores para atuao no meio rural, a adequao do material didtico e as instalaes fsicas precrias. Emmuitasescolasnoexistiamsequercadeirasparasentareescrever,isso quando no funcionavam na casa das professoras ou em galpes improvisados, enfrentando situaes ainda mais adversas, ditadas pela insufcincia de espao, equipamento prprio, iluminao e isolamento. As escolas rurais geralmente funcionavam em lugares pequenos com capacidade mxima para 25 alunos. Eramlugaresacanhadoscomapenassalaseumbanheiro,ondeoprofessor dividia o grupo em dois ou mais e atendia em horrios sucessivos, reduzindo o horrio de permanncia do aluno na escola. Geralmente, essas instalaes no recebiam qualquer auxlio no sentido de sua manuteno, era total a carncia dematerialdidtico,nemsequerexistiagizparadaraula(CAVALCANTE, 2003, p. 24).J ao fnal do regime militar, instalou-se no Nordeste o EDURURAL, que se desenvolveu de 1980a1985emparceriacomoGovernoFederal,aUniversidadeFederaldoCearecom fnanciamentodoBIRD.Esseprogramapretendiaalterarosconceitossobreeducaorural, criticando os currculos urbanos introduzidos na zona rural e, a partir da, criar uma autonomia pedaggicademodoavalorizarotrabalhodeprofessoresealunos,enfatizandoarealidade campesina (LEITE, 2002, p. 50).19unidade 1Narealidade,aescolaruralmantmaorganizaodoensinodisssociadodocontextoatos dias atuais. Muito pouco foi pensado e realizado no sentido de privilegiar a identidade prpria e a qualidade do ensino rural; o que tem sido feito a sua adequao ao ensino urbano formal.Para se conhecer o contexto da educao rural, preciso reconhecer que seus sujeitos foram, historicamente,negligenciadospelosdebateseducacionais.Essessujeitos,dopontodevista humano, ainda no esto visveis e permanecem desqualifcados em aspectos bsicos de suas vidas, como a cultura, a linguagem e a educao que tm sido impostas, por diferentes governos, de forma domesticadora e atrelada a modelos econmicos perversos (CALDART, 2008, p. 151). Os sujeitos da educao rural na histria social do pas tm recebido denominaes de carter pejorativo, que os designam como atrasados, preguiosos, ingnuos, incapazes. Torna-se, portanto, primordial reconhec-los como sujeitos criadores de seu espao, com signifcativo pertencimento ao mundo social. Skliar (2003), referenciando os sujeitos da educao que esto fora da lgica escolar, afrma queO outro j foi sufcientemente massacrado. Ignorado. Silenciado. Assimilado. Industrializado.Globalizado.Cibernetizado.Protegido.Envolto.Excludo. Expulso.Includo.Integrado.Enovamenteassassinado.Violentado. Obscurecido.Branqueado.Anormalizado.Excessivamentenormalizado.E voltou a estar fora e a estar dentro (p. 29).Ao ser exposto a um modelo de domesticao, o sujeito se massifca, acomoda-se, aceita, sem relutar, as perspectivas a ele impostas, perde a esperana na vida e na sociedade e deixa de ser sujeito para tornar-se objeto, adaptando-se a padres diversos, perdendo sua identidade.Entretanto, os sujeitos da educao rural trazem em si marcas de suas experincias e histrias devida,luta,adversidadesqueostornamcriativosecuriosos;porisso,buscamnaescola oentendimentodesuarealidade(mesmoque,depoisdefrequent-la,sefrustrem).Essa perspectiva do sujeito da educao rural leva a uma valorizao maior do contexto do campo, como afrma Arroyo (2008)1 , pelo reconhecimento desse local como espao de democratizao, de construo de movimentos sociais e de projeo de sujeitos coletivos, que se constituem nos aspectos sociais, culturais, ticos e polticos (p. 12).1AutilizaodaexpressoEducaodoCampotrazidaporCaldart(1997)eporArroyo(2008).Notexto preparatrio da I Conferencia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo, realizada emGois, em julho de 1998, Arroyo (2008) esclarece o uso dessa expresso, em substituio expresso educao rural relevante, pois a primeira prope uma refexo mais ampla sobre educao no meio rural, tendo por objetivo incluir, nesse cenrio, o conjunto de trabalhadores e trabalhadoras do campo, sejam camponeses ou os diversos tipos de assalariados vinculados vida e ao trabalho no meio rural. Essa discusso envolve os aspectos sociais e culturais dos grupos que lutam por sua sobrevivncia no campo (p.25).20No entanto, mesmo reconhecendo a importncia dos sujeitos da educao rural, segundo Ferrari(1991apudCAVALCANTE,2003),aspolticaspblicasparaaescolarizaodas populaesruraismostramseufracodesempenhoouodesinteressedoEstadocom respeito educao rural. O modelo de educao que vigora nas escolas formais do campo data dos anos 30 do sculo XX e se baseia em projetos de modernizao do campo patrocinados por organismos de cooperao norte-americana e difundidos pelo sistema de assistncia tcnica e extenso rural (CALAZANS, 1993). Essesistemaeducativo,aindahojeexistentenonossopas,idealizadonomodode vidaurbano,desconsiderando-seaspeculiaridades,conhecimentosevaloresdomeio rural.A escola ruraltem sido vista como contexto educativo de baixa qualidade em que predominamprticaspedaggicasdescontextualizadas,faltamrecursosmateriaise profissionais preparados,eseucurrculoecalendrioacompanhamomodelodeescola urbana. Por isso, torna-se necessrio conhecer essa escola e olhar mais atentamente para as mazelas no seu entorno. ALeideDiretrizeseBasesdaEducaon9.394,de1996,noartigo28,IncisosI,IIe III, contempla algumas especificidades da educao rural, como se pode observar em seu texto: Na oferta de educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensino promovero as adaptaes necessrias sua adequao s peculiaridades da vida rural e de cada regio, especialmente: I-contedoscurricularesemetodologiasapropriadassreais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II-organizaoescolarprpria,incluindoadequaodocalendrio escolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas; III-adequaonaturezadotrabalhonazonarural(BRASIL,1996,Art. 8.).Anlises como as de WERLE (2007) e CAVALCANTE (2003) feitas sobre a escola rural tm reafirmado a inadequao aos sujeitos, que reside na organizao da escola com base nos modelos urbanos. Sabe-se que as populaes rurais demandam uma escola rural diversa, que atenda ao estilo de vida do homem do campo e, ao mesmo tempo, o prepare para o enfrentamento de outros contextos sociais.A escola rural pode propiciar ao aluno reflexes sobre sua vida e um olhar crtico sobre umaestruturadedesigualdadesededivisoentrehomenscultosdacidadee 21unidade 1homens incultos roceiros. Se acertarem essa diferenciao, os alunos do meio rural acabaro por acreditar no seu desvalor, na sua incapacidade, e assim,[...] falam de si como os que no sabem e do doutor como o que sabe e a quem devem escutar. Os critrios de saber que lhe so impostos so os convencionais (FREIRE, 1987, p. 50). Nomeiorural,asdificuldadesacentuam-seconsiderando-sequeosprofessorestm salrios irrisrios, condies precrias de trabalho, nenhuma formao especfica para o trabalho com a realidade do campo. 2 Cavalcante (2003) analisa a formao e a funo do professor na escola rural, observando queVriosautoresafirmamqueescolasunidocenteseramconsideradas inferiorespelofatodeoprofessortrabalharcomvriassries simultaneamente e de no ter recebido formao especfica para realizar essatarefa.Ressalta-setambmque,namaioriadasvezes,oprofessor tambm funcionava como merendeira, quando a escola recebia merenda escolar, e que a merenda era capaz de triplicar a presena dos alunos na escola (p. 25).Decertomodo,asdemandasdeeducaonocamposoculturalmentemaiscomplexas doqueasdacidade,oquecontrariaaobservaodequeomundoruralsimplesem suascaractersticasenecessidadeseducacionais.Aeducaoruraldeveria,inclusive, perderoqualificativoruralparaserapenaseducaoeeducaododilogocoma diversidadeculturaleaspeculiaridadessociais.Aeducaoruraldeveriaserpensada comooportunidadedeofertaaohomemdocampodeperspectivassociais,culturais, polticas e econmicas da sociedade da diferena, da diversidade (BRANDO, 2003).Para as famlias do meio rural, a escola um dos principais instrumentos de preparao para a ida cidade e ao trabalho urbano. Aescolaolugarqueincutenacrianaenoadolescenteprincpios devidaevaloresdecondutaparaosquaisapenasaeducaofamiliar insuficiente.Naescolaoalunoaprendeparasercivilizado(paraser sabedor dos princpios da vida na cidade, ou da vida regida pela cidade) (BRANDO, 1983, p. 244).2De acordo com o Plano Nacional de Educao do II CONED de 1997, estados como a Paraba pagavam aos professoresestaduaiscomMagistrio,quelecionavamnomeiorural,umsalrio-basedeR$37,00.Esse quadro apresentava-se, sobretudo, nos estados da regio Nordeste.22Por outro lado, a escola que se pensa para o campo precisa ser feita com seus sujeitos de modo que seu principal objetivo seja ensinar para que as pessoas possam viver no campo econheceraspectosgeraisdasociedadebrasileira,deformacrticaefundamentada.O projeto educativo dessa escola deve ter identidade prpria, mas vinculado a processos de formao mais ampla e com questes formais do currculo. Como afirma Caldart (2008),A escola do campo tem que ser um lugar onde especialmente as crianas eosjovenspossamsentirorgulhodestaorigemedestedestino;no porqueenganadossobreosproblemasqueexistemnocampo,mas porque dispostos e preparados para enfrent-los, coletivamente (p. 157).A construo de um projeto educativo para as escolas do meio rural dialoga com os sujeitos e suas demandas, reconhecendo, em princpio, que so sujeitos da prpria educao, de sua prpria libertao, considerando tambm a cultura como matriz de formao do ser humano (CALDART, 2008, p. 155). Porm, autores como Brando (1983), Cavalcante (2003) e Leite (2002), a partir de relatos colhidosemsuaspesquisas,ressaltamafaltadesseprojetoeducativoeaprecariedade estrutural e pedaggica da maioria das escolas rurais do Brasil:Livre por momentos a cada dia do trabalho de produzir bens, durante o ano letivo, a criana vive na escola o rido trabalho de reproduzir saber, foradequalquersituaoemqueistovenhaaserumatarefacoletiva desejada e agradvel (BRANDO, 1983, p. 246).Emmuitasescolasnoexistiamsequercadeirasparasentareescrever, issoquandonofuncionavamnacasadasprofessorasouemgalpes improvisados,enfrentandosituaesaindamaisadversas,ditadaspela insuficinciadeespao,equipamentoprprio,iluminaoeisolamento (CAVALCANTE, 2003, p.69)[...]oespaodefalanaescolapreenchidopeloespaodosilncio.A espontaneidade, pela obedincia passiva. O aluno s fala quando solicitado pelaprofessora.Esta,porsuavez,sfalaparadarordensaserem executadas. No h lugar para histrias de vida, troca de experincias o dilogo ameaa a disciplina (LEITE, 2002, p. 86).Asdificuldadesanteriormenteapresentadas,aliadasprecariedadedematerial, isolamentodosprofessores,distanciados(eesquecidos)doscursosdeatualizao, faltadeincentivodospais,dificuldadesdeacessoescola,delocomooetransporte escolar acarretam aos alunos do meio rural um baixo rendimento e evaso escolar, com perspectivas de escolarizao inferior ao 4o ano do Ensino Fundamental.23unidadePortanto, o modelo de escola rural que tem predominado no Brasil, constitudo, na maioria dos casos, por classes multisseriadas, a cargo de professores com formao deficiente e condiesprecriasparalecionar,subtraidoeducandodireitosbsicos,concernentesa todo cidado. Apesar da precariedade de polticas pblicas consistentes para a educao rural, observa-se, nas ltimas dcadas, um esforo concentrado dos movimentos sociais para a construo de alternativas educacionais que retratem os [...]diferentessujeitosdocampo,doseucontexto,suaculturaeseus valores, sua maneira de ver e de se relacionar com o tempo, a terra, com o meio ambiente, seus modos de organizar a famlia, o trabalho, seus modos desermulher,homem,criana,adolescente,jovem,adultoouidoso;de seus modos de ser e de se formar como humanos (ARROYO, 2008, p. 14).Os estudos sobre educao rural, e mais especificamente sobre as escolas do meio rural, no Brasil, vm se diversificando, ao abordarem temas como o currculo, a adequao do calendrio escolar ao calendrio agrcola e s experincias na rea de alfabetizao, dentre outras. Porm, no basta indicar a situao dessas escolas. preciso tambm dar voz aos sujeitosqueasmantmvivas,retir-losdoesquecimento,faz-losvistosnoprocesso educacional. Demo (1987) concebe o termo rural como referncia ao contexto ambiental e cultural davivncianocampo,enquantoqueagrcolarefere-seproduoeconmica.Para Demartini (1988), esse conceito pode ser ampliado, levando-se em considerao a posse, ou no, pelos sujeitos do campo, dos meios de produo e, de maneira especial, da terra, assim como a sua posio ocupada no sistema de relaes sociais da produo.A educao no meio rural tem-se apresentado como um dilema para famlias de agricultores que,emmuitoscasos,seveemimpelidosatrocarsuasterrasesuavidanocampopor subempregosnasperiferiasdascidadesembuscadaescola,quepodesignificaruma oportunidade de emprego assalariado para os filhos. Ribeiro (1985) ressalta que,[...]mesmoparaasfamliasqueenviamseusfilhosparaaescolarural, oensinofeitoatravsdestaescolanoospreparaparapermanecerem naterra.Todaapolticaparaaeducaoruraltem-serestringidoa oferecer um arremedo da escola urbana, que, nem habilita os filhos dos agricultores para dar continuidade s lides dos pais, nem os qualifica para os empregos urbanos (p. 3).124Taisproblemasestruturaisapresentamoutrosagravantesdenaturezapedaggica, comocartilhaselivrosdidticosdescontextualizadosdocontextorural,comatividades dissociadas do cotidiano do aluno. Segundo Cavalcante (2003),As cartilhas eram escritas para as escolas urbanas, sem considerar o saber do campons, e mantinham atividades inadequadas ao meio rural, como reconheciam algumas professoras, pois no havia muita preocupao em adapt-las quilo que seria de maior interesse (p. 25).Outras anlises relacionadas s escolas rurais do Brasil confirmam que a maioria dessas escolasaindafuncionacomclassesmultisseriadas,trazendoaoprofessoreaosalunos condies precrias de estudo. Essa precariedade se agrava ainda mais se relacionada formao do professor. Cavalcante (2003) discute a formao e a funo do professor na escola rural trazendo questes relevantes.Maia (1983, apud CAVALCANTE, 2003) observa que as famlias provenientes do meio rural, aliadas aos professores, promovem a maior valorizao do tempo destinado ao trabalho de crianas e adolescentes do que do tempo destinado escola e ao estudo:[...] devido necessidade de trabalharem para ajudar as suas famlias, as professoras no assinalavam as suas faltas a no ser que ultrapassassem umperodode60dias[...]issosedavanosporqueasprofessoras compartilhavamtambmdasmesmascondiesdevida,necessitando, comcertaperiodicidade,trabalharemnaroa,como,principalmente, evitavam a constatao oficial de que a classe funcionava com um nmero inferior a 25 alunos, o que poderia provocar a sua extino (p. 28).Arepresentaodotrabalhoparaohomemdocampotemumaconotao,noapenas financeira ou social, pois para o homem rural, o trabalho fundamental no seu quadro de valores. Cavalcante (2003, p.80) salienta ainda que[...] o conceito de trabalho aqui utilizado no apenas o que remunerado, qualificado,extradomiciliar,aquelequetemvalordemercado,quecria produtoscambiveis,mastambmasatividadesno-remuneradasou no-qualificadas e at mesmo as tarefas domsticas. Aquestodotrabalhoinfantilcompreendidanocomoformadeexplorao,masde obrigao familiar que deve ser cumprida. Desde muito pequenas, as crianas aprendem osserviosprpriosdocampo,assimcomoosserviosdomsticos,dividindo,ento,o tempodotrabalhocomotempodaescola.Essaduplajornadadeatividades,percebida 25unidadecomo normal pelos pais, compromete a aprendizagem das crianas, pelo cansao e pelo esforo dispensado em trabalhos rurais ou domsticos.Norestadvidadequeotrabalhodacrianaemdetrimentoda frequnciaescolaaparecenumcontextodepauperizaodafamlia. Sendoassim,percebemosqueaorganizaoescolarnoconsideraum aspecto fundamental: o fato de que, na verdade, o aluno da escola rural, antes de mais nada, um trabalhador, inserido no processo de produo desde a mais tenra idade. Logo, a sua disponibilidade para as atividades escolares sensivelmente reduzida (CAVALCANTE, 2003, p. 28).Apesardetodaadificuldadeeprecariedadedoensinoemescolasrurais,podemos perceberereafirmarqueaeducaovistapelamaioriadospaiscomoumaformade os filhos escaparem das privaes e dificuldades da vida no campo. Para Griffiths (1980),A escola moderna no se originou em qualquer tentativa de comunidades ruraisparamelhorarsuaprpriamaneiradevida.Foiintroduzidapor estrangeiros,corposreligiososougovernoscoloniais,esuaprimeira consequncia econmica foi atrair alguns jovens mais inteligentes para o servio amanuense e outros empregos de escritrio. Persiste esta tradio, sendoimprovvelquetalsituaosemodifiqueenquantootrabalho agrcolanooferecermelhoresresultadosfinanceiros,estabilidadee conforto do que os empregos de escritrio (p. 44).Vale,ento,reafirmarqueossujeitosdaeducaoruraltmsidocompreendidos,ao longodahistriasocial,comoindivduosdemenorvalia.Essessujeitossadquirem representatividade quando so necessrios mo de obra no campo ou como instrumentos polticos em perodos eleitorais. A construo da identidade desses sujeitos pressupe a lgica da invisibilidade, ou seja, embora fisicamente presentes nos lugares educativos, no possuem suas especificidades reconhecidas.Assim,ossujeitosdocampopermanecemausentesdahistriadesuaprpriacultura, pois tm sua linguagem, sua origem social, seus saberes, desqualificados em nome de um pretensoconhecimentohegemnico,legitimadopelasociedade.Narealidade,percebe-seasutilomissodaspeculiaridadesdocampo,porqueexistemmecanismosoficiaise tolerveis de excluso dos sujeitos, bastando analisar os processos de avaliao, o currculo, os decretos e as leis que adotam a perspectiva do sujeito homogneo na educao (SKLIAR, 2003, p. 19).Contudo,emboraessecenriodeinadequaestenhapredominadonahistriada educao brasileira percebe-se um movimento contrrio, a partir da abertura poltica, no 126sentido de contextualizar a educao e compreender os sujeitos do campo como agentes de sua construo histrica. Esse movimento reflete em reformas pedaggicas que parecem j no suportar o abandono, a distncia, o descontrole. (SKLIAR, 2003, p. 23).ATIVIDADE1.ApartirdahistriadaEducaoRural,enumereasprincipaisdificuldades encontradas pelos professores em sua prtica pedaggica.2.Quaisascaractersticasdomodeloformaldeensinoutilizadonocampo,com relao ao currculo, relao professor-aluno, estrutura fsica das escolas?27 272 A PROPOSTA DA EDUCAO DO CAMPOObjetivos1) Analisar a proposta da Educao do Campo.2) Relacionar a Educao do Campo com as perspectivas freireanas para a alfabetizao..282.1. A proposta da Educao do CampoALeideDiretrizeseBasesdaEducaoNacionaln9.394,de1996,buscouminimizar odescompassoentreeescolaurbanaeaescolaruralaodeterminarqueoensino fundamental, sob a responsabilidade dos municpios, dever adequar-se s peculiaridades locais, inclusive climticas e econmicas, a critrio do respectivo sistema de ensino [...] (BRASIL, 1996). Vrias iniciativas governamentais e no governamentais para a educao rural podem ser listadas a partir da LDB 9.394, de 1996. Conforme Souza (2006), no plano governamental, podemsercitados:1)ProgramaEscolaAtiva,baseadonaEscuelaNuevanaColmbia, implantadoem1975edesenvolvidonosestadosnordestinosem1997,paraclasses multisseriadas. 2) O Programa de Alfabetizao Solidria, com incio no ano de 1996, com ametadediminuirosndicesdeanalfabetismonasregiesNorteeNordestedoBrasil, tendo depois se estendido s regies Centro-oeste e Sudeste. 3) O fortalecimento da poltica de nucleao das escolas rurais, projeto muito polmico em reas de assentamento.Aindaconformeaautora,asiniciativasnogovernamentaisquesedestacameque remontam a perodos anteriores LDB 9.394/96 so 1) em meados da dcada de 1960, chega ao Brasil a experincia das Escolas Famlia Agrcola (EFAs), com mais de 200 centros distribudospeloterritrionacional.Operododeestudodosjovensduradoisanose compreendecursosdeiniciaoprofissionalparaapecuriaeagricultura;2)asCasas Familiares Rurais (CFR), que desenvolveram, por intermdio da Pedagogia da Alternncia, aes educativas entre 1989 e 1990; 3) a experincia educacional do Movimento dos Sem Terra, fundamentada numa proposta humanista e crtica da educao, em assentamentos e acampamentos.Tais iniciativas encontram-se baseadas em princpios educativos advindos de movimentos popularesereceberaminflunciasdeteoriasdaaprendizagemsociocultural.Pode-seafirmarquesoexperinciasconcebidastendoporbaseoinsucessodaspropostas formaisparaaeducaorural.Poressemotivo,oconceitodeeducaoruraltorna-se insuficiente para comportar a complexidade da educao destinada ao homem do campo. Aviabilidadedeumapropostaquecontemplasseasinmerasexignciasedemandas docamposeoriginouhmenosdeumadcadanoEncontroNacionaldeEducadoras eEducadoresdaReformaAgrria,em1998,realizadoemLuzinia,EstadodeGois. 29unidade 2Embora fortemente vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, a educao do campo tem ganho espaos diversos de discusso e estudos. Portanto,asubstituiodaexpressoeducaoruralporeducaodocampo significamaisdoquesimplesmenteumaalteraosemntica,masumaressignificao socioeducacional.Aocomentaremessamodificao,Fernandes,CeriolieCaldart(2008, p.27)observamquesetornanecessrioreconheceraslutassociaiseculturaisdos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivncia deste trabalho (o trabalho campons). Aeducaodocampoabrange,almdoscamponeses,umsignificativonmerode trabalhadores e trabalhadoras que foram excludos do processo de escolarizao durante a histria educacional brasileira, como os indgenas, os quilombolas e outros grupos que mantm vnculos com o campo.Essapropostadeeducaodocampocorrespondeaodesafio,jdiscutidoporoutros movimentospopularesapartirdadcadade1960,deseimplementaremescolascom um projeto poltico-pedaggico vinculado s causas, aos desafios, aos sonhos, historia e cultura do povo trabalhador do campo (FERNANDES; CERIOLI ; CALDART, 2008. p. 27). AoseanalisarapropostadaEducaodoCampo,percebem-seinflunciastericasde diferentes autores, como Adorno, Apple, Arroyo, Gadotti e Giroux. Porm, para as anlises desta pesquisa, recorreu-se ao referencial terico-crtico de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido, publicada em 1970, que influenciou experincias de alfabetizao de jovens e adultos, sobretudo em reas rurais e perifricas em todo o mundo. A educao do campo tem, na experincia educativa do MST, sua referncia mais significativa e conhecida no contexto brasileiro. Embora esta pesquisa no tenha o objetivo de discutir talmovimentooumesmoteceranlisessobreele,necessrioassinalarquemuitodo quesetemdiscutidoeproduzidonoMSTsobreeducaofundamenta-senasideiasde Paulo Freire, sobretudo em Pedagogia do Oprimido e sua proposta para a alfabetizao de jovens e adultos, ressaltando-se [...] em especial as reflexes sobre os temas geradores e sobre uma concepo de educao dialgica e problematizadora (SOUZA, 2006, p. 87).Como proposta para identificar as aproximaes entre a pedagogia freireana e a Educao doCampo,foramidentificadascincotemticasquepermeiam,tantoaobradeFreire quanto os textos produzidos sobre a Educao do Campo: o conceito de educao; a prtica 30pedaggica; a funo da escola; o mtodo de alfabetizao e a funo e formao docente.ApropostadaEducaodoCampotraz,emprimeirolugar,anecessidadedeesclarecer oprprioconceitodeeducao.Paraosestudiosos,defensoreseorganizadoresda proposta,comoArroyo,CaldarteMolina(2008),Souza(2006)eLeite(2002),dentre outros, a educao entendida como um processo de formao humana, que [...] constri refernciasculturaisepolticasparaaintervenodaspessoasedossujeitossociais narealidade,visandoaumahumanidademaisplenaefeliz(FERNANDES;CERIOLI; CALDART, 2008. p. 23). Comoseobservouanteriormente,aEducaoRural,hojetratadacomoummovimento mais amplo de Educao do Campo, busca visibilidade e legitimidade frente sociedade que, durante dcadas, a marginalizou. Vrias foram as tentativas assistencialistas que, ao longo da histria, tentaram manter o homem do campo na total conscincia alienante. Freire (1987, p.31) afirma que Osopressores,falsamentegenerosos,tmnecessidade,paraquea suagenerosidadecontinuetendooportunidadederealizar-se,da permannciadainjustia.Aordemsocialinjustaafontegeradora, permanente desta generosidade que se nutre da morte, do desalento e da misria.Durante muitos anos, os campesinos foram tratados como indomados, tendo a educao formal urbana a tarefa de dom-los aos princpios da sociedade civilizada. A educao foiutilizadaparaesseprocessodesubalternizaoporintermdiodasescolasrurais moldadas conforme a organizao do sistema tradicional e formal de ensino. Volta-se, ento, a assinalar que os problemas enfrentados pelas escolas rurais revelam o descaso comaeducao:infraestruturadeficienteeprofessoresdesqualificados;currculoe calendrioescolarinadequadosaocontextorural;ausnciadevnculoscomprojetos pedaggicos inovadores; alienao s demandas dos camponeses e de seus movimentos e lutas; e ausncia de polticas de valorizao da vida no campo (FERNANDES; CERIOLI ; CALDART, 2008. p. 39).Todosessesobstculosaodesenvolvimentodaeducaoruraldemonstramquea concepoquenorteouosprogramasgovernamentais,emesmonogovernamentais, reproduziu a educao bancria, que disciplina o sujeito condicionando-o ao silncio e subservincia (SOUZA, 2006, p. 37). 31unidade 2Assim, as escolas rurais refletiam, e muitas ainda refletem, as caractersticas da educao bancria, descontextualizada. A realidade, como afirma Freire (1987), foi entendida como algo parado, esttico, compartimentado e bem comportado, com [...] contedos que so retalhosdarealidadedesconectadosdatotalidadeemqueseengendramemcujaviso ganhariam significao (p. 57).Oshomensformadosnessaperspectivabancria,imposta,historicamente,populao rural, tornam-se facilmente adaptveis e ajustados, meros depositrios dos conhecimentos. Desse modo, Caldart (2008) e Freire (1987) observam que,Almdenoreconheceropovodocampocomosujeitodapolticaeda pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeit-lo a um tipo de educao domesticadora e atrelada a modelos econmicos perversos (p.151).Seunimojustamenteocontrrioodecontrolaropensareaao, levandooshomensaoajustamentoaomundo.inibiropoderdecriar, de atuar. Mas, ao fazer isto, ao obstaculizar a atuao dos homens, como sujeitos de sua ao, como seres de opo, frustra-os (p. 65).DopontodevistadaEducaodoCampo,osujeitodaaprendizagemestdiretamente ligado ao seu ambiente social, que constitudo de especificidades, diversidades e direitos. Ossujeitossoconcretos,histricos,tratadoscomogentenaescola[...]Essesmesmos sujeitos vo escola, lutam pela educao com o mesmo rosto erguido (ARROYO, 2008, p. 77).AEducaodoCamporessignificaafunodaescola,incorporandootrabalhocomo princpioeducativo,apartirdorealaprticasocialdossujeitosopontoinicialpara aaprendizagemdoconhecimento.Nessesentido,omovimentoPorUmaEducaodo Campo apresentou, em sua I Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo emLuzinia/GO,emjulhode1998,odocumento,assinadopelaCNBB,MST,UNICEF, UNESCOeUnB,noqualassumemocompromissodeVincularasprticasdeEducao Bsica do Campo com o processo de construo de um projeto popular de desenvolvimento nacional (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2008, p.161). Emboraaarticulaocomarealidadevividasejaumacondiobsicaparaaeducao do campo, no se prope a ruptura com o saber formal acumulado. O projeto da educao docampoprivilegiaacontextualizaomasofazpropondoareflexo,odilogoea incorporao ou superao desses saberes. 32Umprojetodeeducaobsicadocampotemdeincorporarumaviso mais rica do conhecimento e da cultura, uma viso mais digna do campo, o que ser possvel se situamos a educao, o conhecimento, a cincia, a tecnologia,aculturacomodireitoseascrianasejovens,oshomense mulheres do campo como sujeitos desses direitos (ARROYO, 2008, p. 82).A Educao do Campo fundamenta-se na valorizao do homem e seu processo histrico, considerando as relaes estabelecidas e as prticas educativas ocorridas em diferentes ambientes, como a famlia, a escola e o trabalho. A aquisio e a produo de conhecimentos nos grupos ocorrem pelo questionamento da realidade e pelo processo de dialogicidade. EssapropostaeducacionalsecoadunacomavisoproblematizadoradeFreire(1987) sobreaeducao,emqueoshomensinstigadospeladvidabuscamasuperaoda percepo mgica ou ingnua que dela tenham (p. 74).Umdosinstrumentospedaggicosmaisimportantesnaconstruodessapropostade Educao do Campo o currculo. Para Fernandes; Cerioli ; Caldart (2008), o currculo deve contemplar um ambiente educativo que englobe as diversas dimenses da formao humana,quefocalizeinformaesatualizadasequearticuleossaberesaotrabalhona terra (p. 56-58). Desse modo,o currculo transforma-se num espao de luta, de denncias e de alternativas para o homem do campo, pois nele que tem incio a dimenso dialgica (FREIRE, 1987, p. 83).As relaes sociais estabelecidas no contexto do campo permitem a organizao curricular pautadaemquatroeixostemticos,segundoSouza(2006,p.47):organizao(regras, dilogoerespeito);comunidade(experincias,objetivosediferenas);participao (poder propor, mudar e autonomia) e estratgias/resistncias (alternativas para produo e negociao com os governos). O currculo deve, ainda, trabalhar com temas geradores que emergem da realidade e que tenha definidos os objetivos para as unidades temticas (FREIRE, 1987, p. 88). Caldart(2008)enfatizaapropostafreireanarealandoqueossujeitosdocampono apenasreproduzem,mastambmconstroemconhecimento,reconhecendo-se,ento, princpios de diversas vertentes pedaggicas, como[...] pedagogia do oprimido na sua insistncia de que so os oprimidos os sujeitos de sua prpria educao, de sua prpria libertao, e tambm na insistncia na cultura como matriz de formao do ser humano.33unidade 2[...]pedagogiadomovimento,compreendendoadimensofortemente educativadaparticipaodaspessoasnomovimentosocialouno movimento das lutas sociais e no movimento da histria [...][...] pedagogia da terra, compreendendo que h uma dimenso educativa na relao do ser humano com a terra: terra de cultivo da vida, terra de luta, terra ambiente, planeta (CALDART, 2008, p.155)A Pedagogia da Alternncia torna-se, tambm, uma matriz pedaggica importante para a Educao do Campo, pois compreende a escola em relao a diversos tempos, ou seja, o tempo escola e o tempo comunidade (SOUZA, 2006, p. 97). Embora a Educao do Campo reafirme a importncia da prtica educativa em diversos espaos, a escola representa um importante vnculo do conhecimento formal. Entretanto, como se observou antes, a escola ruralmanteve-seaserviodosinteressesdoEstadoaolongodahistriaeraramente privilegiouohomemdocampoeseussaberes.NapropostadaEducaodoCampo,a escola precisa [...] interpretar esses processos educativos que acontecem fora, fazer uma sntese, organizar esses processos educativos em um projeto pedaggico, organizaroconhecimento,socializarosabereaculturahistoricamente produzidos [...] (ARROYO, 2008, p. 78). Apartirdanovaperspectivasobreaescola,elaampliaoseusentidoruralparao sentido do campo. A escola rural, ao privilegiar a ao educativa, unicamente, mnemnica edesarticuladadosaspectosculturais,econmicosesociaisdascomunidadesdomeio rural,prejudicaaprticadialgica,poisestaumaconcepoque,implicandouma prtica,somentepodeinteressaraosopressores,queestarotomaisempazquanto mais adequados estejam os homens ao mundo (FREIRE, 1987, p. 63). A escola do campo tem sua prtica pedaggica direcionada para a construo de atitudes democrticas,taiscomo as experincias de educadores que se desafiam atrabalharnas escolas rurais e inovam o trabalho pedaggico em sala de aula (SOUZA, 2006, p. 46). O sentido da prtica pedaggica na escola do campo assume a proposta de humanizao e estabelece com os sujeitos um dilogo permanente. Ao se falar em prtica, reporta-se ao conceito de Freire (1987), que afirma ser a mesma um processo de reflexo e ao dos homens sobre o mundo para transform-lo (p. 38).TendocomorefernciaapropostapedaggicadoMST,querepresenta,deforma consistente, a perspectiva da Educao do Campo, a prtica deve estar articulada a uma teoria da aprendizagem que considere a experincia de vida das crianas fora da escola. 34Precisamosincorporarasliesdaeducaopopularnavidadaescola, no jeito de ensinar e de aprender. Pensar em como fazer para dentro da escolaasalternativaspedaggicasquevmsendoproduzidastambm fora dela. Precisamos tambm analisar com cuidado todas as experincias e toda a discusso sobre renovao no Brasil e no mundo (SOUZA, 2006, p. 56). Dentre tantas demandas da populao do campo, aquela que sempre esteve na pauta das discussesdoseducadoreseeducadorasenvolvidoscomessemovimentorefere-se alfabetizao.O documento organizado durante a I Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo traz, entre seus Desafios e Propostas de Ao, a importncia da luta para que toda a populao do meio rural tenha acesso educao (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2008, p.167) Otextodomesmodocumentoressaltaaalfabetizaodejovenseadultoseaformao dos alfabetizadores como pontos cruciais para o desenvolvimento do campo como espao deconstruoconscientedosaberevalorizaodotrabalhocampesino.Segundoos movimentos que apoiam a proposta, a primeira ao efetiva no que se refere alfabetizao de jovens e adultos deve ser a de[...]demonstrarindignaodiantedoaltondicedeanalfabetismo epressionarparaqueogovernobrasileiroassumaaDcadada Alfabetizao, em homenagem a Paulo Freire, proposta pela UNESCO, na perspectiva do projeto popular (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2008, p. 27). Omtododealfabetizaoconcebidoparaaaprendizagemdejovenseadultosfoi, inicialmente, utilizado no trabalho do Movimento de Educao de Base, sobretudo durante oprocessodeconflitossociopolticosinternosiniciadosapartirde1964.Adotou-seo princpio das prticas alfabetizadoras de Paulo Freire, centrado na concepo libertadora de educao, em que o homem, a partir do conhecimento, do debate e da conscientizao desuasituao,temcondiesdetransform-laporqueomtododePauloFreire, fundamentalmente,ummtododeculturapopular:conscientizaepolitiza(FREIRE, 1987, p. 21).A alfabetizao de jovens e adultos, tendo como base a proposta dos temas geradores, reala asnecessidadesconcretasdohomemdocampo,suasatividadescotidianasevivncias. 35unidade 2Esse princpio aplicado tambm na alfabetizao de crianas. Freire (1987) alerta sobre o trabalho minucioso de investigao dos temas geradores especficos de cada contexto, pois,pelaspalavrasselecionadas,inicia-seoprocessodereflexoeconscientizao(p. 97).Para o MST, esses temas geradores ligam-se a questes como reforma agrria, eleies, o papel da escola no assentamento, sade, higiene nas famlias, a participao das mulheres e crianas no trabalho produtivo, a cooperao agrcola como alternativa para a produo (SOUZA, 2006, p. 94).A partir dessa premissa, o MST realou as necessidades do homem do campo, que orientam os objetivos do processo de alfabetizao:Terdomnio/conhecimentodoassentamento,dosaspectosgeraisdo mesmo, na questo da organizao, do trabalho realizado, na participao/envolvimentonosacontecimentos,programas,reunies,contatoscom aslideranasdoassentamento;conheceremantercontatosinformais comcadaumesobrecadaumdosanalfabetos,paraquepercebama preocupaoemalcanarosobjetivospropostos;terconhecimentodo seutrabalho,dosmomentosdelazer:oquegostam,oquepensam,o que os preocupa, o que esperam aprender (MST, 1994, p. 5, apud SOUZA, 2006, p. 89).Comrelaoprticaalfabetizadoraemsi,aalfabetizaocomprincpiosfreireanos requerocontatocomdiversosmateriaisescritosqueforneceroaosalunossubsdios paraaaprendizagemdoscdigoslingusticoscomotambminformaesquepossam desencadeardiscussesedebatessobretemascontextualizados.Assim,comosugere Freire (1987), que se utilize como recurso didtico a leitura e discusso de jornais, artigos de revistas, captulos de livros. Segundo Souza (2006, p. 89), a proposta de alfabetizao da Educao do Campo incorpora ainda, [...] o uso de rtulos, embalagens de produtos, panfletos, calendrios e smbolos diversos.Noprocessodealfabetizao,oseducadoreseeducadorasdesempenham,ento,papel fundamentalparaaconcretizaodeumprocessolibertador,problematizadorda Educao do Campo. De forma mais ampla, o educador e educadora do campo pautam sua prticanodilogo,nodesafio dareconstruodo conhecimento,poisnoomitemdos educandos o saber formal e sistematizado, mas o reelaboram coletivamente. Como reala Freire (1987),36[...] o educador j no o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, educado, em dilogo com o educando que, ao ser educado, tambm educa. Ambos,assim,setornamsujeitosdoprocessoemquecrescemjuntose em que os argumentos de autoridade j no valem (p. 68). Os contedos tornam-se importante instrumento para a prtica dos educadores, na medida em que so construdos e reelaborados em consonncia com as propostas da educao do campo.preciso,portanto,reconheceraimportnciadoscontedosedaformaodo docente. Freire (1999), ento, norteia a prtica pedaggica cotidiana em trs dimenses: adocnciapartilhadacomoeducando,oensinocomoproduodeconhecimentoeo ensino como especificidade humana.Aconcepodialgicaqueorientaapropostafreireanaincorporaessasdimenses, pressupondoaparticipaodocenteemtodososmomentosdoprocessodeensino-aprendizagem,emborasereconheaque,paraeles,sejaumdesafio,[...]poisesto habituados s decises oriundas das instncias governamentais e foram formados sem a clareza do que ser sujeito do ato educativo (SOUZA, 2006, p. 106).Embora a funo do professor seja de vital importncia para a educao, reafirma-se que h inmeras dificuldades ao exerccio da sua docncia. Essas dificuldades tornam-se mais graves no meio rural, em que os problemas enfrentados vo desde a baixa remunerao salarial, em comparao a de professores do meio urbano, at as precrias condies de trabalhoeaformaodeficiente.Inclusive,aindaencontram-se,nasescolasdocampo, muitos professores ainda leigos ou sem formao em cursos superiores que lhes ofeream conhecimentofundamentadodasespecificidadesdaeducaodohomemdocampo (FERNANDES; CERIOLI ; CALDART, 2008. p. 37).Como afirma o documento final da I Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo (GO, 1998), com relao formao dos educadores e educadoras do campo,AEducaodoCampodeveformaretitularseusprprioseducadores, articulando-os em torno de uma proposta de desenvolvimento do campo edeumprojetopoltico-pedaggicoespecficoparaassuasescolas. AEscolaqueformaas/oseducadoras/oseducadoresdeveassumira referncia de uma nova pedagogia (ARROYO; CALDART ; MOLINA, 2008, p. 162). Somenteumolharmaisatentosobreaformaocontextualizadadoseducadorese educadorasdocampopodeproporcionar,defato,umaeducaolibertadora,poisna 37unidade 2prticapedaggicaqueresideahistriaconcretadaeducao.Enquantoaspolticas pblicas para a educao do meio rural forem traadas sem o conhecimento, a experincia eaparticipaodosseussujeitos(professores,alunos,famlias),aeducaorural permanecermarginalizadanasociedade.Freire(1999)sintetizaafunocentralda prtica docente, assinalando que, [...]quandovivemosaautenticidadeexigidapelaprticadeensinar-aprender,participamosdeumaexperinciatotal,diretiva,poltica, ideolgica,gnosiolgica,pedaggica,estticaetica,emqueboniteza deve achar-se de mos dadas com a decncia e com a seriedade (p. 26).Sobessepontodevista,asuniversidadese,especificamente,oscursosdeformao docente devem promover discusses sobre a formao, a escola e o professor do campo e que as polticas pblicas para a educao se fundamentem no dilogo com os sujeitos a que se destinam. Nesse sentido, este trabalho de pesquisa buscou atravs de representaes de sujeitos do meio rural, especificamente dos pais dos alunos que frequentam a escola rural,resgatandosuasmemriascomoobjetivodeidentificarasimagens,asideiase osconceitosdossujeitospesquisados.Paramelhorcompreenderaformaodessas representaes,apresenta-se,aseguir,umabreverevisotericaacercadaTeoriade Representaes Sociais.ATIVIDADE1.Como se originou a propostade Educao do Campo?2.QuaisascontribuiesdePauloFreireparaaEducaodoCamponareada alfabetizao?393MEMRIAS E REPRESENTAES DE PAIS DO MEIO RURAL SOBRE A ESCOLAObjetivos1) Apresentar as representaes de famlias do meio rural sobre a escola.2) Identificar e analisar as representaes das famlias, a partir de categorias temticas..403.1. Memrias e representaes de pais do meio rural sobre a escolaNesta unidade, apresentaremos os resultados de pesquisa realizada junto s famlias do meio rural em seu tempo e no tempo dos prprios filhos com o intuito de enriquecer os estudos sobre o tema. Para isso, foram realizadas entrevistas com algumas famlias de um distrito de So Joo del-Rei, em Minas Gerais. Osdadosobtidosnasrespostasdossujeitos(conceitoseimagens,sobreaescolarural) foramagrupadosemcategoriastemticas,deacordocomasdimensesdassuas representaes. Moscovici(1978,p.32)afirmaqueAscategoriaseostemasajudam-nosaisolarea generalizar, combinando discursos muito individualizados,... A respeito da categorizao Rangel (1997) comenta queAscategorias,ousopr-estabelecidas,orientandoasanlises,ouso formadas aps, pelo agrupamento de idias com caractersticas comuns. Assim, a categorizao se faz, seja por atender a um sistema de classificaes previamenteestabelecido,sejapordescobri-lo,comoresultadodeuma organizao analgica e progressiva dessas caractersticas (p.150).As respostas obtidas permitiram identificar os seguintes enfoques temticos: lembranas dos pais referentes escola rural, prticas pedaggicas na escola do meio rural e papel da escola na formao do sujeito.Categorias temticasLembranas dos pais referentes escola ruralAsinformaescoletadasjuntosfamliascomrelaoslembranasreferentes escolanomeioruralrevelaramnosavalorizaodaescoladosfilhoscomotambm apresentaram aspectos relevantes do prprio processo de escolarizao que fez parte de suas vidas. As ideias principais identificadas nas representaes daescola no meio rural revelaram,ento,osaspectoscomunsepredominantesqueseapresentamnasanlises que se seguem.Observou-se que as recordaes dos pais incluem obstculos enfrentados, como o prprio caminho para a escola, os materiais didticos utilizados, a merenda e a estrutura fsica da 41unidade 3escola.Algunsandavammuitoparachegarescola,apouacavalo,poisresidiamem stiosafastados.Essadificuldade,segundoeles,acabavaporprejudicaraconcentrao nasaulas.Ocaminhoera,eainda,ngrime,commuitalamanoperododaschuvase muita poeira no calor.Eu ia a p pra iscola para istud porque era muito longe. Sujava os p de poeira porque s tinha um chinelo de couro. A minha me viu que no dava pra continu assim e me mando mor na casa de uma tia que era mais perto (Me de alunos do segundo e quarto anos).Antigamente,aescolaeralongedecasa.Tinhaqueandarap epassarpertodalagoa.Minhamemorriademedodenis desobedec e nad escondido (Me de aluno do quarto ano).Agentetinhaqueandap,embaixodosolquente,dechuva. Imagina cheg na escola e t cabea pra aprend. Nis s pensava emvoltpracasa.Ah...quandochuvianisnoiano,faltavaat das aula (Me de aluno do quarto ano).Outroobstculorecorrentenasfalasdospaisentrevistadosdizrespeitomerendada escolaque,segundoeles,ounoeraoferecida,ou,quandoissoacontecia,aqualidade era ruim. Assim, muitos levavam a merenda de casa. Contudo,a merenda era considerada umdosmomentosmaisesperadosdodiaparaaquelesquetinhamemcasasomentea alimentao necessria para a sobrevivncia.A merenda era muito ruim. Dava comida pra gente e a comida tinha gostodebarro,deterramolhada.Agenteficavadoidopraaula acabarprairimborapracasaalmo(Medealunodoterceiro ano).Nisnotinhamerenda.Iaimboracomfome,andavamuitocom fome at cheg em casa (Me de aluno do quarto ano).Nis no tinha merenda na escola. Into levava de casa o que tinha nos imbornal que a me fazia. Levava saquinho de arroz, de acar, farinha e fub...(Me de aluno do segundo ano)42Na escola no tinha merenda, a gente ficava com fome. Quando dava merenda, dava dor de barriga na gente (Me de aluno do terceiro ano).Adificuldadeempossuiromaterialescolarparaessespaiseragrande.Deformageral, reutilizavam cadernos de irmos mais velhos, mas a prtica mais comum era a de fazerem cadernos com folhas de papel grosso, obtidas na mercearia, ou com famlias mais abastadas, e costuradas a mo pelas mes. A improvisao marcava o cotidiano escolar em todos os momentos da aprendizagem.Agentenotinhacaderno,lpis,borracha,caneta.svezes juntava papel de po na casa do patro pra juntar as folhas e faz caderno(Me de aluno do terceiro ano).Minha me juntava papel de po e costurava. No tinha materiais, notinhalpisenotinhaborrachaenemcaderno.Nisusava carvopraiscrevepedaodechineloprasborracha(Mede aluno do terceiro ano).As crianas escreviam em papelo e quando furavam o papelo as professora ficava brava. L no tinha apontador tinha era faca pra apont o lpis (Me de alunos da segundo e quarto anos).As memrias desses eventos mostram-se dolorosas para os entrevistados, pois expressam umacondiosocialinferior,comprecariedadesignificativaderecursos,queos acompanhou durante a vida. Esses pais no escondem a frustrao pela baixa escolaridade eodesejo,semprelatente,deviremparaacidadeecontinuaremosestudosque,por necessidade, foram abandonados para que pudessem reforar a mo de obra familiar. Meumaiorsonhoeraistud...viaaprofessoraequeriasiguala ela. Mas tive de par na quarta srie pra ajud o pai na lavoura. Eu queria s professora (Me de aluno do quarto ano).Apesar de todas dificuldade, queria continu na escola... meus pais disseram pra eu par porque tinha de olh os irmo mais novo pros dois trabai...(Me de aluno do quarto ano)43unidade 3Numfaistantotempoassim...Eulargueiaiscolaporquemeupai arranjouumnamoradopramim...amigodafamliaenisacab casando... Eu quis volt a istud mais com os filho... (Me de alunos da segundo e quarto anos)A figura do professor era muito respeitada. Na comunidade, as duas principais referncias de conduta e de exemplo eram o padre e o professor, papis que se confundiam no dia a dia, pois ambos serviam de conselheiros, confidentes e educadores. Entretanto, tamanho respeito se transformava em sentimentos de medo e represso.A professora Dona Ana Maria era muito respeitada.... quando nis chegavanaescola,nistomavabenodela,comonossospais mandava.EradomesmojeitocomoPadreAlmir...(queDeuso tenha. (Me de aluno do quarto ano).Omundoeradiferente.Nisaprendiadesdepequenoarespeit osmaisvio.Niscomportavadireitinhonaiscola,namissa,em casa. Quando a gente fazia istrepulia a me mandava a gente pedi desculpa para a professora(Av de aluno do terceiro ano).Teveumaveisqueeunoqueriaficarnaiscolademedoda professoraporquenofiztarefa.Chorei...choreiatfazxixinas roupa! Sabe o que ela feis? Falou pra turma toda e me deixou assim at o fim da aula que vergonha!(Me de aluno do terceiro ano).Aordemeramantidapelosprofessorescomprticasrigorosasdedisciplina.Embora parea contraditrio, a figura do professor confidente e amigo se limitava aos espaos de convvio social, como a igreja, as festas e a praa. Na escola, os mesmos se valiam de castigos fsicos em diversas situaes. Muitas falas revelaram essa ambiguidade de sentimentos.As professoras eram bravas. Elas xingava a gente, batia, mas trazia presente pra mim (Me de aluno do quarto ano).Asprofessoraseramboazinhas,maselasbatiamnagenteporque agentefaziaumpoucodebaguna(Medealunodosegundoe quarto ano).44As professoras eram bravas, davam canetada na cabea e 200 cpia (Me de aluno do segundo ano).As professoras eram muito boa gente e de veis em quando a gente fazia piquenique. Eu s no gostava quando puxava a minha oreia (Av de aluno do terceiro ano).svezesela(aprofessora)mecolocavadecastigoeficavabrava comigo porque ela ensinava as coisa certa e eu fazia as coisa errada (Me de aluno do primeiro ano).Quando algum aluno fazia baguna, a professora batia de vara e no tinhapacinciacomagente.Eramuitosofrido(Medealunodo quarto ano).Euapanhavamuitocomrguademadeira....(Medealunodo quarto ano)As recordaes positivas por parte desses pais dizem respeito, sobretudo, s brincadeiras com os colegas e a algumas prticas pedaggicas dos professores, como ler histrias ou realizaratividadesesportivas.Asbrincadeiraseramastradicionais,comopularcorda, subir em rvores, brincar de pique, de fazer bichos com legumes, ou seja, valendo-se dos recursos disponveis e do contexto natural, exercitavam a criatividade e socializavam-se com os colegas, pois muitos moravam longe uns dos outros.Nisbrincavadesubiremrvore,decavalinhodepauedepique esconde.Ameihoradaescolaeraorecreio.Nisbrincavaem frente a escola(Me de aluno do segundo ano).A gente brincava muito! Juntava as menina pra brinc de um lado eosmeninodeoutro.Aprofessoraficavadelonge,solhando. Quando chovia era ruim porque tinha que fic na sala (Me de aluno do terceiro ano).Os poucos materiais de consumo trazidos pela professora, como lpis de cor, giz de cera, cola,tesourasepapeiseramsocializadosportodoserepresentavammomentosldicos de aprendizado.45unidade 345As mesas era pra dois alunos junto. Eu dava graas a Deus quando tinha lug pra assent (Me de aluno do terceiro ano).Eu lembro o dia que cheguei na escola e vi o quadro negro. Quando a professora come a pass a materia eu achei to bonito! Um lug quedavapratodomundov.Devezemquando,elapedianossa ajudaedeixavaiscrevnoquadroouapag(Medealunodo terceiro ano).Lembro que quem chegava primeiro pegava os mei lug. Eu corria porquenoqueriasentnocho.Tambmqueriasentpertodo quadro (Me de aluno do segundo ano).Os melhor dia de aula era quando a professora levava lpis de cor ougizopragentefazdesenhoecolori.Notinhamuitos,mais nis dividia entre a gente. Nessa hora, era uma falao danada, uma algazarra, a gente se divertia.... ( Me de aluno do quarto ano)Prticas pedaggicas da escola no meio ruralA escola no meio rural repete prticas pedaggicas do ensino formaldos centros urbanos. Embora os sujeitos vivam em contextos sociais diversos, o contedo e a forma de ensino soosmesmos.Ossujeitosdaescolaruralprocuramadaptar-seaomodeloformalde ensino,maspermanecem,concomitantemente,vivendoerealizandoasatividades cotidianas prprias do trabalho rural. Deformageral,quandoindagadossobreasprticaspedaggicasdosprofessores,os entrevistados afirmam no perceberem diferenas nas atividades desenvolvidas em sala de aula, no seu tempo de escola e no tempo de seus filhos. Essas permanecem focadas em habilidades de cpia, resoluo de exerccios e memorizao.Novejomuitadiferenanoscadernodomeufilhono.Elefais exercciodecpia,ditado,respondequestionriodasmatria.... (Me de aluno do terceiro ano)46Quando istudei a professora tomava tabuada e leitura. A professora dos menino faz igual, a diferena que hoje tem livro pra l (Me de alunos do segundo e quarto anos).Os pais, pela baixa escolaridade, auxiliam os filhos de acordo com o que sabem. Para isso, repetem em casa as atividades praticadas em sala de aula e incentivam a realizao das tarefas.Asfamliasconfiamnoconhecimentodosprofessoresenoquestionamsuas prticas. Assim como eles, ensinam os filhos o respeito pela autoridade do professor.O jeito que eu tenho pra ajud tomando a lio de casa, perguntando sefeistarefaepedinopratatenonaaula.Euistudeipoco n?(Me de aluno do terceiro ano.)Quando tem folha sobrano em casa eu copio os exerccio e ele refaz tudo. A professora fal outro dia na reunio que era pra faz assim (Me de aluno do segundo ano).Mesmo quando ela chega cansada da iscola eu fao sent pra istud. Marco hora e tudo. No posso ajud muito porque istudei poco. Falo assim pra ela: fia, se oc quer s alguma coisa ouve sua professora, ela sabe, formada pra isso (Me de aluno do terceiro ano). As relaes hierrquicas so estabelecidas pela escola e jamais questionadas pelos pais. O professor, como se observa nas falas acima, detm o conhecimento, e aos filhos e famlias cabeaobedincia.Aformamontonacomqueoscontedossotrabalhadoslevaos alunosadificuldadesraramentesuperveis.Almdesseesquemaescolar,somam-seas dificuldadesvivenciadasemcasa,comoausnciadematerialdeleitura,conhecimentos complementarespropiciadaspeloambientefamiliar(muitasresidnciasnopossuem nem mesmo televiso) e, tambm, o tempo gasto nas atividades domsticas.Meufiotcommuitadificuldadeemmatemtica,principalmente emgeometria.Eunoseioqueisso,nuncatinhaouvidofal. Pergunteipraprofessoraseelapudiaajudeelafalouquese sobrasseumtempinhodepoisdaaula...maselenopodefic depois da aula porque precisa ir pra roa ajud nis (Me de aluno do quarto ano).47unidade 3Oscontedosensinados,foiobservadoanteriormente,sopr-determinadospela Secretaria Municipal de Educao, que faz um planejamento nico para todas as escolas, tantoparaasescolasdomeiourbanoquantoparaasdomeiorural.Comoospaisno possuemconhecimentosobreosdiferentestemas,limitam-seadiscutircomosfilhos assuntosdocotidiano.Assim,umadificuldadeapresentadapelospaisdizrespeito realizao de tarefas para casa. As pesquisas solicitadas pelos professores frequentemente, voltam sem serem feitas devido ausncia de material de consulta ou mesmo de biblioteca na escola.Euficocomocoraopartidoquandovempesquisaprafazem casa. Meu neto fica nervoso, no qu ir pra escola sem tarefa (Av de aluno do terceiro ano).Aquinotembiblioteca,nemlivroquedprascriana.Euacho que importante todas as matria da escola mas eu no sei... nis conversamuitosobreoutrascoisa:ahorta,oscolega,aescola...( Me de aluno do terceiro ano)Algumas mudanas so percebidas pelos pais quando as crianas contam novidades sobre o dia a dia na escola, como a utilizao de vdeos, leitura de livros e revistas em sala, mas, para eles, o que importa o ensino. Meufilhotemnaescolaoquenotememcasa.Assistefilme,l livro,escrevemuito...Euachooensinodehojemeiquedomeu tempo. Pode t coisa diferente, t mais recurso mais o que importa o ensino (Me de aluno do segundo ano).Quemderativesseessastecnologianomeutempodeescola.Era sgiz,quadroecadernoquandonistinha...Naescolaelesto ensinando de tudo que jeito (Me de aluno da terceiro ano).Para as famlias, uma das principais mudanas ocorridas na escola no meio rural, no caso dessacomunidade,foiaextinodasclassesmultisseriadas.Aaprendizagemnessas classesprejudicada,segundoosentrevistados,porqueoprofessorsedivideentre turmasecontedosdistintos.Osprpriosalunos,frequentemente,ficavamconfusosna 48sala. Assim, os pais elogiam a presena de um professor por turma na escola, e, inclusive, do professor de Educao Fsica. Conforme os pais entrevistados, em classes seriadas, o professor se dedica mais aos alunos, prepara melhor suas aulas e os filhos tm um ensino mais aprofundado.Antestinhapoucacrianamasumaprofessoratinhaquedar contadetodomundojunto.Agoratemmaiscrianamasuma professorapracadasrie.Agenteficavaolhandoproquadroeas veis confundia as matria porque a professora dividia o quadro em dois e cada lado era de uma srie. Quando faltava uma professora, logoqueaescolaaumentou,aoutraficavacorrendodeumasala pra outra (Me de alunos do segundo e quarto anos).A aula que minha filha mais gosta de Educao Fsica, v que luxo! Quando a escola era pequena tinha umas 15 criana, de tudo que tamanho na mesma sala pra mesma professora. Tinha dia que era difcilpraelaajud....euacabeiaprendenocoisaqueeradesrie pra frente (Me de aluno do terceiro ano).Aquestodaavaliaoescolartambmaparecenasfalasdossujeitos.Elessesentem recompensadosquandoosfilhostrazemosboletinscomboasnotas.Noinciodoano letivo, a escola convoca uma reunio de pais em que explica os procedimentos de avaliao e os deveres dos responsveis, instruindo-os a acompanharem o calendrio de provas e as matrias. Noinciodoanotevereuunio.Adiretorafalqueospaisdevem acompanh os estudo dos filhos. Eu acho certo, por isso eu sempre olho os caderno, tomo lio. J falei que no quero saber de caneta vermelha nas provas e boletim (Me de aluno do terceiro ano).Outrodiaaprofessoramechamounaescola.Eujsabiaqueera porcausadasnotanoltimobimestre.Eletirounotaruimem portugus,geografiaehistria.Quandochegueiemcasadeiuma coa nele. De agora pra frente vou tom lio nas vspera das provas (Me de aluno do terceiro ano).49unidade 3As representaes das famlias sobre a avaliao baseiam-se nas experincias que tiveram na escola. Essas prticas serviam como instrumento de classificao e de marginalizao dos alunos. Os sentimentos relatados ao se recordarem dos momentos avaliativos na escola revelam ansiedade, desconforto e revolta. Ao mesmo tempo, os pais reforam prticas de controle, pois acreditam que o aprendizado acontece quando h rigor de disciplina.As prova que os aluno fais na escola mais difcil que as nossa mas hoje a vida mudou e preciso saber mais! Eu chorava sempre que tinha prova na escola, ainda mais quando era prova oral. Se a gente errasse a professora punha nis de castigo de costa pra turma(Me de aluno do terceiro ano).Eu tenho vergonha at hoje do que aconteceu comigo. A professora era bem brava e nos dia de prova colocava a gente longe, num podia nemolharprolado.Quandovinhaentregaranota,quemtirava menosde5ficavacomumchapudeburro.Depoisnasada,os outro ficava gritando:Burra! Burra! (Av de aluno do terceiro ano) Papel da escola no meio rural na formao do sujeitoA escola para as famlias um lugar quase sagrado, onde residem o conhecimento, a boa educao, os instrumentos que possibilitaro aos filhos a insero social que seus pais no tiveram. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, os pais sabem a importncia da escola na vida dos filhos. Os filhos crescem, portanto, ouvindo dos pais, a todo momento, afirmativassobreopapeldaescolaemsuasvidaseincorporamessaposioemseu discurso.A escola d condio pra ser algum. Eu sempre falo pra eles: olha comoamet,lavanoroupaprafora...ocstemqueserdiferente (Me de aluno do terceiro ano).Aescolaimportanteporqueelestemqueterbomemprego...a escolahojeboa,temmerendaboa,professorbom,livro,no como no meu tempo, n?(Me de aluno do quarto ano).50A escola de hoje ensina muito mais. No meu tempo era devagar... eu no gosto de falar mal da escola. Acho que os pais que incentiva os filho em casa j consegue que os filho saia melh na escola. A escola fais seu papel... (Me de aluno do terceiro ano)... eu no sei ensin do jeito que a escola ensina, as coisa que ele vai precispravidadele.Digosemprepraelequesemaescola,hoje eu no seria enfermeira. O pai sempre compara nosso trabalho, diz que eu posso faz outras coisa, ele no, porque no estudou (Me de aluno do terceiro ano).Ofuturoprofissionaldeseusfilhosesuatranquilidadefinanceirasodefinidospela importncia que o estudo tem em suas vidas: quanto maior o grau de instruo, maiores as oportunidades de serem realizados, enquanto cidados.Elediz que vais mdico. A eu faloque ele vai t que istud mais que os outro porque mdico profisso difcil... ele diz que se f mdico vai compr casa melh, carro, eu fico torceno pra isso (Me de aluno do quarto ano).Desde pequenina ela qu s professora. Vive imitando as professora dela. Um dia, ela me perguntouoqueeuachavadelaistudpraprofessoraeeudissequeumaprofisso muito bonita mais que tem que istud muito (Me de aluna do segundo ano).Ainflunciadaescolanocotidianomaisfacilmentepercebidanascrianaseemsuas brincadeirascomosvizinhos,irmosmenoreseamigosinvisveis.Abrincadeirade aulinha para as meninas a reproduo mais clara das relaes estabelecidas na escola: relaes hierrquicas. Elas ensinam aos irmos menores contedos que eles nem mesmo aprenderam. Reaproveitam leituras, apagam exerccios para serem refeitos, que constam de treinamento de leituras, cpia de frases e pequenos textos e exerccios feitos em aula.Elagostadebrincdeaulinha.Temumquadropequeno.Fica imitandoaprofessora,aindamaisquandotbrava.Chamaa atenodoirmozinho,riscadecanetavermelha,mandaeleno quadro resolv continha... (Me de aluna do segundo ano).51unidadeAs coleguinha sofre nas mo dela quando brinca de aulinha. Manda elas copi um monte de veis os nome, as palavra, as leitura... (Me de aluna do terceiro ano)Atopaientranabrincadeiradeaulinhadela.Aelarepetetudo que a professora faz, as matria, os xingamento. bom que ela rev a matria e estuda ao mesmo tempo (Me de aluna do terceiro ano).Geralmente,ospaissintetizamsuasexpectativasatravsdaaprendizagemdaleitura, daescritaedoclculo,considerandoessescontedoscomoosmaisimportantespara ocotidianodosfilhos.Ospaisatribuemaesseaprendizadomaisdoqueumaspecto mecnico do aprendizado da lngua; eles o concebem como forma poltica de proteger-se em contratos e escrituras, realizar negociaes de produtos e entender melhor manuais de instrues de produtos utilizados nas lavouras.Umdadointeressantequeserefereorganizaodasfamliasdizrespeitoaosfilhos. Emborasejarecorrente,naliteratura,aquestodotrabalhoinfantilcomopartedo cotidiano das comunidades rurais e embora ainda seja natural na comunidade estudada, observa-se que os pais no o impelem aos filhos.Todas as famlias entrevistadas permitem que seus filhos se dediquem aos estudos, pois, como veremos no prximo captulo, a escola vista como caminho natural para a mudana no estilo de vida desses sujeitos. Mesmo num universo que apresenta inmeras limitaes de ordem pedaggica e material, a escola ainda representa para essas famlias a porta de entrada para a sociedade urbana.Quandoeutavanaescola,bemqueeuqueriacontinuar...masera outros tempo. Minha me quis que eu casasse. Eu no, no mesmo, meu sonho que minha filha continue os estudo na cidade porque eu quero v ela doutora! (Me de aluno da terceira srie).Na escola da cidade, meus filho vo ter condio de ser melhor que nis. L eles vo aprend a iscrev e l memo e vo arrum imprego sem precis queim a cabea de sol a sol (Me de aluno da terceira srie).352Para os filhos, as tarefas cotidianas da sala de aula complementam seus trabalhos dirios. Comoresidemnopovoado,noencontramproblemasnodeslocamentoparaaescola. Consideramaescolaboa,queosensinaaler,escreverecontar.Algunsdemonstram interesse em vir para a cidade, a fim de continuar os estudos, mas dependem das condies e interesse dos pais.Porisso,podemosafirmarquemuitodoquepensamosfilhossobreaescolanomeio ruralpartedasimagens,conceitoserepresentaesdesuasfamlias.Sendoassim, buscou-se identificar os significados predominantes em cada enfoque temtico, os quais permitiram caracterizar dimenses das representaes: atitude, informao e campo de representao.As dimenses da representao- atitude, informao e campo de representao- podem seridentificadasnasrespostasdossujeitosdapesquisaatravsdosncleoscentraisde sentido reconhecidas atravs das ideias predominantes. A atitude revela o ponto de vista dos sujeitos, favorvel ou desfavorvel, frente ao objeto da representao: no caso desta pesquisa, a escola no meio rural. A informao refere-se ao conhecimento formado pelos sujeitos, em seu grupo social, acerca do objeto. Finalmente, ocampoderepresentaocompostodeumncleocentralemqueseencontramos significadosmaisexpressivos(portanto,aquelesqueseapresentamnasideiasmais comuns e frequentes no conjunto das falas dos sujeitos) e esquema perifrico no qual se encontram as ideias e significados complementares ao ncleo atribudos pelos sujeitos ao objeto darepresentao: os pais,os sujeitos e aescolarural.Essas dimenses interagem entre si, so coerentes, complementam-se e se reforam.Com essas referncias, as anlises evidenciam:Atitude frustao despreparo inferioridade afeto respeito desejo de ascenso social esperana53unidadeInformaoAinformaoencontra-senaorganizaodoconhecimentodossujeitossobreaescola rural, podendo-se, nos dados obtidos nas falas dos sujeitos, verificar que a sua informao sobre a escola rural corresponde as ideias que se apresentam no campo de representao, ou seja, no ncleo e no esquema perifrico.Campo de representaoNo campo de representao encontra-se, essencialmente, no ncleo central, a concepo (o significado) da escola rural, como espao