134

Livro Guerreiro Ramos

Embed Size (px)

Citation preview

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:45 Page 1

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 2

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 3

  • RAMOS, Guereiro

    Uma introduo ao histrico da organizao racional do trabalho.

    / Guereiro Ramos. - Braslia : Conselho Federal de Administrao,

    2008.

    132 p.

    Tese apresentada ao concurso para provimentos em cargos da

    carreira de Tcnico de Administrao do quadro permanente do

    Departamento Administrativo do Servio Pblico -1949 enquadrada

    na seo IOrganizao, item a da letra a, das instrues do referido

    concurso.

    Republicao do original publicado em 1950.

    1- Eficincia industrial. 2- Sociologia industrial. I-Ramos, Alberto

    Guereiro. II- Conselho Federal de Administrao. III- Ttulo.

    CDU 306.36

    2009, Conselho Federal de Administrao (CFA)

    proibido a duplicao ou reproduo deste volume, ou de parte do

    mesmo, por quaisquer meios, sem autorizao expressa do CFA.

    Endereo para contato:

    Conselho Federal de Administrao (CFA)

    SAUS, Quadra 1, Bloco L, Edifcio CFA

    70070-932 Braslia (DF)

    1 Edio (2009) 2.500 exemplares

    Projeto grfico e diagramao:

    Via Brasilia

    Superviso:

    Renata Costa Ferreira

    Impresso:

    Artes Grficas e Editora Pontual LTDA - EPP

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 4

  • PARA

    Rmulo de AlmeidaOttolmy StrauchJorge LacerdaEfran Toms BAbidias NascimentoJos Leite LopesJlio S

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 5

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 6

  • Uma Introduo ao Histrico daOrganizao Racional do Trabalho

    (Ensaio de sociologia do conhecimento)

    Tese apresentada ao concurso para provimentos em cargosda carreira de Tcnico de Administrao do Quadro Perma-nente do Departamento Administrativo do Servio Pblico 1949 Enquadrada na Seo I Organizao, item a daletra a, das Instrues do referido concurso.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 7

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 8

  • Werkleute sind wir: Knappen, Jnger, Meister, und bauendich, du hohes Mittelschiff..Gott, du bist gross.

    RAINER MARIA RILKE

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 9

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 10

  • 11

    PREFACIO .......................................................................................13

    APRESENTAO.............................................................................15

    PARTE I PLANO E JUSTIFICAO .....................................................17

    PARTE II DESENVOLVIMENTO..........................................................19CAPTULO IO TRABALHO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS ..........................21CAPTULO IIOS PRECONCEITOS ANTI-TRABALHISTASNA ANTIGUIDADE ..................................................................29CAPTULO IIIO trabalho na Idade Mdia e no Renascimento .....................35CAPTULO IVA RACIONALIZAO IN STATU NASCENDI..............................43CAPTULO VO AMBIENTE RACIONALIZADOR.............................................47CAPTULO VIO SISTEMA TAYLOR ................................................................53CAPTULO VIIO SISTEMA FORD ...................................................................63CAPTULO VIIIA METODOLOGIA DA ORGANIZAO EMEMERGNCIA .........................................................................69CAPTULO IXA RACIONALIZAO DO TRABALHO NAALEMANHA............................................................................73CAPTULO XA FISIOLOGIA E A PSICOLOGIA APLICADASAO TRABALHO........................................................................79CAPTULO XIA RACIONALIZAO DA ADMINISTRAOPBLICA.................................................................................85CAPTULO XIIA SOCIOLOGIA DO TRABALHO .............................................101

    PARTE III CONCLUSES.................................................................117

    BIBLIOGRAFIA ..............................................................................119

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 11

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 12

  • 13ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    PREFACIO

    Ao republicar o presente livro Uma introduo ao Histrico daOrganizao Racional do Trabalho de autoria de Alberto Guerreiro Ramos,o CFA Conselho Federal de Administrao, pretende apresentar sociedade, e em especial a todos os que se interessam pela Cincia daAdministrao uma ferramenta de desenvolvimento e progresso para opas, um trabalho focado na inovao.

    Esse livro no recebeu modificaes do seu contedo original, omesmo que foi publicado em 1950, e, com toda certeza, vai revolucionaros meios acadmicos modernos. Apesar de ter sido escrito com foco emuma administrao federal do passado, quando os profissionais e tcnicosextraiam o saber administrativo dos modelos americanos, o livro ser degrande contribuio para os dias atuais. Alberto Guerreiro Ramos semprepropunha algo diferente e inovador, e exatamente isso que os leitorespodero conferir nessa obra.

    O autor foi tambm de grande importncia para a elaborao doante projeto original, feito para discusso pelos associados da ABAP Associao Brasileira de Administrao Pblica em 1965 e que serviu defundamento terico para a redao da Lei 4769/65 que regulamentou aprofisso de Administrador e criou os Conselhos Federal e Regionais deAdministrao. Aps ampla discusso entre a categoria, Guerreiro Ramos,- ento Deputado Federal - acrescentou diversas alteraes quemelhoraram o texto antes de apresent-lo ao Congresso Nacional.

    No livro que ora relanado, vale destacar os captulos I Trabalhonas Sociedades Primitivas; II Os Preconceitos Anti Trabalhistas naAntiguidade ; III O Trabalho na Idade Mdia e no Renascimento eIV A Racionalizao in statu faciendi por serem de suma importnciapara o entendimento crtico estabelecido nos captulos que se seguem.No se v nos livros de Teoria Geral da Administrao tamanhafundamentao terica.

    A crtica aos humanistas da administrao, psiclogos esocilogos das correntes das Relaes Humanas, Comportamentalista e,at mesmo, Estruturalista esto bem colocadas, culminando com as

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 13

  • 14 GUERREIRO RAMOS

    propostas de modelos experimentados na estrutura administrativa federalda poca.

    No sem razo que o autor quando descreve seu pensamento diz, portanto perfeitamente justificvel o nosso procedimento. De um lado,porque a sntese deve suceder logicamente anlise; de outro lado,porque uma viso de conjunto da Organizao Racional do Trabalhocontribuir para aqueles que a aplicam se tornem conscientes daslimitaes histricas da referida tecnologia.

    O Conselho Federal de Administrao coloca disposio do mundoacadmico a republicao dessa obra e acredita que ser de grande valiapara os que estudam a Administrao. Como lembrete final, importanteler a continuidade desse grande pensador Guerreiro Ramos em outro livroA Nova Cincia das Organizaes, onde o autor trata da Teoria daDelimitao dos Sistemas Sociais, onde prope um novo modelo alocativode recursos e analisa criticamente o mercado sem regras, que acarreta ocaos da economia que estamos passando nesse momento de turbulnciaem todos os mercados do mundo.

    Boa leitura a todos!

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 14

  • 15ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    APRESENTAO

    com muita satisfao que o Conselho Federal de Administraorepublica o livro Uma Introduo ao Histrico da Organizao Racionaldo Trabalho de autoria de Alberto Guerreiro Ramos, acreditando que estaobra ter grande relevncia para os tericos comprometidos com asmudanas e que escrevem livros para o ensino e o desenvolvimento daCincia da Administrao no Brasil.

    O livro que trata da Teoria Geral da Administrao e no recebeumodificaes em seu contedo original desde que foi publicado pelaImprensa Nacional no ano de 1950, uma homenagem do SistemaCFA/CRAs a Guerreiro Ramos.

    O autor nasceu em 1915, em Santo Amaro da Purificao, naBahia , e faleceu em 1982. Guerreiro Ramos foi autor de altarelevncia no campo das Cincias Sociais no Brasil e no mundo. Erapolmico, criativo, crtico, porm pro ativo, pois sempre propunhaalgo diferente. Ele inovou ao tratar da anlise do modelo mecnicotaylorista/fordista, to usual na poca. J em 1943, comoAdministrador (Tcnico de Administrao) ingressou no serviopblico no DASP Departamento Administrativo do Servio Pblico e,em 1945 prestou concurso pblico apresentando como tese o estudo agora republicado em livro Uma introduo ao Histrico daOrganizao Racional do Trabalho. Homem de grande culturatambm escreveu dez livros e numerosos artigos que foram traduzidosem ingls, francs, espanhol, japons e chins.

    Alberto Guerreiro Ramos desenvolveu trabalhos importantes nasreas de Sociologia, Cincia Poltica e Administrao e sempre apresentougrande interesse poltico. Foi delegado do Brasil na XVI Assemblia Geralda ONU, tendo participado da Comisso de Estudos Econmicos. Na reaacadmica realizou trabalhos de destaque e foi o primeiro professorbrasileiro a ministrar aulas no primeiro curso de Administrao naFundao Getlio Vargas, no Rio de Janeiro. Outra obra de sua autoria, ANova Cincia das Organizaes Uma Reconceituao da Riqueza dasNaes, foi considerado nos Estados Unidos como a melhor obra deCincias Sociais nos anos 80.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 15

  • 16 GUERREIRO RAMOS

    Ao republicar esse livro, o Sistema Conselho Federal deAdministrao e Conselhos Regionais de Administrao que representamos 27 estados brasileiros - busca contribuir para o desenvolvimento e adivulgao da Cincia da Administrao, em atendimento a misso devalorizar a profisso de Administrador. Pretende ainda resgatar um autorimportante para a histria da Administrao no Brasil, divulgar sua obranos meios acadmicos e prestigiar o escritor que, nos primrdios do sculoXX, ofereceu importante legado no campo de estudo da Administrao.

    Conhecendo a histria para administrar o futuro.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 16

  • 17ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    PARTE I

    PLANO E JUSTIFICAO

    As teses que tm sido apresentadas nos anteriores concursos paraa carreira de Tcnico de Administrao, acrescidas das numerosaspublicaes patrocinadas pelo D. A. S. P., constituem, em conjunto, umrepositrio de indicaes e informaes utilssimas sobre os aspectosfundamentais da tcnica de administrao. Principalmente graas aoesforo de seus autores, as novas idias sobre a racionalizaoadministrativa foram debatidas e divulgadas, em nosso meio, de maneiraacessvel ao grande pblico interessado nessas questes. Elas so, porassim dizer, um verdadeiro patrimnio do Servio Pblico brasileiro.

    Examinando-se, porm, esta abundante literatura, observar-se-,nela, a ausncia de qualquer estudo sobre a evoluo da OrganizaoRacional do Trabalho.

    Animados pelo intuito construtivo de contribuir para um acrscimopositivo daquele acervo, decidimos empreender o presente estudo,intitulado Uma Introduo ao Histrico da Organizao Racional doTrabalho, contrariando a tendncia do menor esforo, que seria a deseguir rotas j exploradas.

    , portanto, perfeitamente justificvel o nosso procedimento. Deum lado, porque a sntese deve suceder logicamente anlise; de outrolado, porque uma viso de conjunto da Organizao Racional do Trabalhocontribuir para que aqueles que a aplicam se tornem conscientes daslimitaes histricas da referida tecnologia.

    O plano da presente tese concretiza-se nos seguintes tpicos queconstituiro captulos da Parte II:

    I O trabalho nas sociedades primitivas;II Os preconceitos anti-trabalhistas na Antiguidade;III O trabalho na Idade Mdia e no Renascimento.IV A racionalizao in statu nascendi;V O ambiente racionalizador;

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 17

  • 18 GUERREIRO RAMOS

    VI O sistema Taylor;VII O sistema Ford;VIII A metodologia da organizao em emergncia;IX A racionalizao na Alemanha;X A fisiologia e a psicologia aplicadas ao trabalho;XI A racionalizao da administrao pblica;XII A sociologia do trabalho.

    Esta ordenao pareceu-nos a mais adequada ao objetivo desta teseque o de mostrar que a Organizao Racional do Trabalho conseqncia de um longo processo de secularizao, no transcurso doqual apareceu, tardiamente na civilizao ocidental, uma atitude laica doesprito humano, em face da natureza e da sociedade.

    Com efeito, nos captulos I e II, pretendemos ter evidenciado que ocarter tradicional e sagrado das sociedades pr-modernas nopossibilita o desenvolvimento de uma racionalizao do trabalho. Nocaptulo III, em que estudamos o trabalho na Idade Mdia e noRenascimento, tivemos em vista assinalar o choque de duas tendnciashistricas antinmicas e, no captulo IV, focalizamos a superao destechoque, pelo surto de uma nova atitude do esprito humano, em face danatureza e da sociedade. A configurao ntida e definitiva desta atitude demonstrada no captulo V. Do captulo VI em diante, acompanhamosa evoluo da Organizao Racional do Trabalho, propriamente dita.

    Na Parte III, encontram-se as concluses da tese, sob forma de itens.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 18

  • 19ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    PARTE II

    DESENVOLVIMENTO

    preciso, no atual perodo de transio, utilizar o crepsculointelectual que domina nossa poca e no qual todos os valores epontos de vista aparecem em sua genuna relatividade.

    Karl Mannheim, Ideologia y Utopia. Fondo de Cultura Econmica Mxico. 1941. Pg. 75.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 19

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 20

  • 21ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO I

    O TRABALHO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS

    Signalons dabord que la stabilit est l trait l plus caractristique detoutes ls formes de culture primitive, ceci em raison de la simplicit et dumanque de variet de la technique. Moins on introduit dinnovations dansune culture et plus elle a tendance demeurer uniforme.

    Richard Thurnwald, LEconomie Primitive. Payot. Paris. 1937. Pg.349.

    When I said that primitive society is all of a piece, I meant that thereis in primitive society an estimate linking of all social activities. For example,the anthropologist who sets out to study tribal economics finds that hecannot understand them unless he also find out about the kinshipstructure, the religious system, the technology, land tenure and other socialstructures. In fact, from whichever angle he approaches such a communityin the field he finds that he cannot understand any single aspect of itoutside and apart from the context provided by the rest. As regards theindividual himself, his activity in these various single social fields is entirelydetermined by his position in all of them. In our society our business orworkaday life is very little affected, for example, by our religious life; indeed;we need have no religius life. But the primitive cannot be an atheist if bewave, he would be unable to take up any other social role. In hisexperience, the social field is one. He cannot go out of any part of itwithout going out of all it.

    Adam Curle, Incentives to work, in Human Relations Vol. II. No. 1.Pg. 43 1949.

    O trabalho nas sociedades modernas uma atividadeinstitucionalizada. algo que tem uma existncia substantiva,perfeitamente ntida. Na maioria dos pases do mundo ocidental suaexistncia to concreta que se materializa em reparties especializadasno seu tratamento. Alguns pases possuem museus do trabalho, edifciosonde se abriga, por assim dizer, a representao coletiva do trabalho equase por toda parte est em vigncia um direito do trabalho.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 21

  • 22 GUERREIRO RAMOS

    Tudo isto est a indicar que o trabalho assumiu no presente estdioda evoluo humana uma importncia decisiva, como fator bsico daposio do homem na sociedade e, at certo ponto, no universo1.

    Esta compartimentalizao do trabalho, entretanto, um fatorelativamente recente. Nem, sempre ele constitui uma esfera decisiva dasociedade. Nem sempre ele foi nitidamente perceptvel, como em nossosdias. necessrio, pois, compreender a historicidade deste fato, porque s luz desta compreenso se poder explicar o aparecimento da organizaoracional do trabalho, no fim do sculo XIX. Tal ocorrncia o resultado de umlongo processo histrico e no de uma causalidade ou de uma invenoinopinada.

    Nada melhor para introduzir o estudioso na pista certeira dacompreenso deste fenmeno que acompanhar o desenvolvimento da

    1 o que explica, em parte, o aparecimento dos partidos trabalhistas. oportuno, guisa defundamentao do que se disse, transcrever estas pginas de Peter F. Drucker (The Future ofIndustrial Man), sobre o homem sem trabalho: O desempregado, sobretudo, desintegra-sesocialmente. Perde as habilidades que tinha, a moral que ostentava, torna-se aptico e insocial.O desempregado a princpio pode ser mais amargo; o ressentimento ainda, uma forma departicipao da sociedade, embora negativa. Logo, porm, para o desempregado, a sociedade setorna demasiado irracional e incompreensvel at para a revolta. Fica perturbado. Sente-seameaado. Passa a resignado e por fim mergulha numa apatia que como que uma morte social.Durante os perodos crepusculares de alta atividade nos negcios e altos desempregos quecaracterizam os pases industriais num passado recente, qualquer estudioso de questes sociaiscom experincia, seria capaz de descobrir dentro uma multido, de uma cidade industrial, numatarde de sbado, os desempregados crnicos. No vestiam necessariamente com mais pobrezado que os outros; no pareciam mais subalimentados do que a maioria dos operrios empregadosda multido. Tinham, porm, um ar iniludvel de perturbadao, de homens derrotados eperseguidos por uma fatalidade cega que os distinguia tanto como se eles pertencessem a outraraa. E assim num certo sentido. Em torno deles levantou-se uma muralha invisvel, separando-os da sociedade, que os proscreveu. No s os desempregados; a sociedade sentiu essa muralha.O intercmbio social entre os empregados e os desempregados gradualmente cessou.Freqentavam botequins diferentes, diferentes casas de jogo, quase no se casavam entre si e, emgeral, permaneciam separados. No h pginas mais trgicas e mais espantosas em toda aliteratura a respeito do desemprego crnico, do que as que contam a destruio, por ele causada,na comunidade mais indispensvel ao homem: a famlia. Muitas famlias completamentedesempregadas mantiveram sua coeso e fora social. Mas, raramente, uma famlia, em partedesempregada, continuou a ser uma comunidade em funcionamento. Pai desempregado, filhosempregados, irmos desempregados, irm empregada ficavam separados por uma muralha demtua suspeita e incompreenso, que nem o amor, nem a necessidade conseguiam destruir. Seh necessidade de outras provas da significao social do desemprego, temo-las na jogatina a quese entregavam os desempregados, em todos os pases industriais. A popularidade das apostas defutebol e corrida de cachorros, na Inglaterra, ou do jogo dos nmeros, nos Estados Unidos, nose explica pelo desejo dos desempregados de ganhar algum dinheiro da nica maneira possvel.O desempregado sabia to bem que podia perder, quanto qualquer articulista caturra que fizesseclculo das probabilidades. Mas a sorte cega e irracional lhes parecia a nica fora ativa destemundo e desta sociedade. S a sorte vale. E as apostas de futebol ou os jogos dos nmeros lhespareciam a nica conduta racional, numa sociedade sem outra razo de ser, sem significao,sentido, funo e poder integrativo. (Cr. A Guerra e a Sociedade Industrial, pgs. 139-141,traduo brasileira de The Future of Industrial Man, de Peter F. Drucker, Epasa, Rio, 1944).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 22

  • 23ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    idia do trabalho nos vrios estdios da evoluo do ocidente, embora demaneira sumria.

    O estdio mais rudimentar da sociedade aquele a que que se temconvencionado chamar primitivo ou, como querem os socilogos norte-americanos, de pr-letrado2. Esta etapa , indisfaravelmente, comuma todas as civilizaes. Muitas destas, alis, permanecem ainda nesta fase,compondo o panorama daquilo a que W. Pinder chamariacontemporaneidade do coetneo3.

    Em tais sociedades pr-letradas o processo de individualizao dotrabalho se apresenta in statu nascendi. O trabalho a algo difuso,coextensivo totalidade da vida social. Tem observado os antroplogosque freqentemente no se encontra nas sociedades primitivas umapalavra especfica para designa-lo. A sociedade primitiva , como diz A.Curlem, inconsutil, isto , feita de uma s pea. Economia, arte, religio,moral e magia se mantem em estreitssima interdependncia funcional,resultando disto obscuridade existencial de cada uma delas.

    Todavia, destas vrias esferas da vida social a que mais de perto serelaciona com o trabalho evidentemente a economia. Alis, isto aconteceno s nos estdios rudimentares, como nos mais desenvolvidos da evoluosocial, economia e trabalho se desenvolvem, de maneira interdependente.

    O carter da economia primitiva, refrao que do carter genricoda sociedade, no permite que o trabalho se desprenda das outrasatividades. Dois aspectos da economia primitiva interessa-nos ressaltaraqui: a idia de lucro e a concepo do trabalho.

    2 Trmo proposto por Ellsworth Faris. (The Nature of Human Nature, McGraw-Hill Book Co. Inc. NewYork and London 1937). Escreve E. Faris, s pginas 252 e 253 deste livro: Preliterate seems afar better word. It is neutral, connoting no reflection of inferiority, and is, therefore objective anddescriptive. Moreover, it may well be that the introduction of a written symbolic language is thechief differentiation between the culture of city-dwellers and those who belong to the Lowersocieties. But wether this be true or not, it is evident thatnone of the peoples we include in theterms savage and primitive possesses a developed, written language. This is not because suchpeoples cannot learn to read and write. Missionaries and teachers have proved that letters are notimpossible to them. They have simply no had the opportunity to learn. They are not literate, norilliterate. They are preliterate.

    3 Para maior desenvolvimento deste tema, vide: Wilhelm Pinder, El Problema de ls Generacionesna Historia del Arte de Europa. Editorial Losada, S. A. Buenos Aires 1946. Tambm: L. L.Schcking The Sociology of Literaty Taste. Kegan Paul, Trench, Trubner & Co. Ltd. 1944. London.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 23

  • 24 GUERREIRO RAMOS

    Na sociedade pr-letrada, o processo de produo e de criao debens est orientado pela tradio e pelo costume. Nela no se compaginaa idia do lucro. Produz-se para a satisfao de relativamente restritasnecessidades de nvel elementar. Tal economia tem sido chamada, por isso,de subsistncia. A produo dos bens se organiza rigidamente, em basesnaturais, diferenciando-se as tarefas segundo o sexo e a idade. H assimatividades femininas, atividades masculinas, atividades da juventude, damaturidade e da velhice.

    Acresce ainda que as funes sociais (os status) distribuem-se conformea distribuio etria e dos sexos. Quer dizer: , sobretudo, a condiobiolgica do indivduo que lhe determina a funo e a posio na sociedade.

    No carece o indivduo de competir para adquirir um statusdeterminado, ou seja, ascender verticalmente na hierarquia social, porque,para usar a terminologia de Sorokin, a sociedade pr-letrada imvel. Aambio de lucro s se justifica quando o capital o instrumento da ascensosocial do homem. Nas sociedades primitivas, ordinariamente auto-suficientese homogneas, a capitalizao no teria nenhum papel, para nada serviria,at porque, nelas, os instrumentos para conseguir prestgio so de outranatureza: s vezes, a bravura, outras a argcia e at um defeito fsico oupsicolgico. Os neurticos, por exemplo, em algumas destas sociedades sorespeitados como entes portadores de foras sobrenaturais.

    A acumulao de utilidades se faz, certamente; mas com o objetivode constituir reservas para o consumo futuro ou para serem dadas outrocadas (no comerciadas). Os Swahili acumulavam milho e farinha demandioca, que guardavam em sacos de peles de cabras. Nossos ndiostupinamb conservavam, durante muito tempo, carne de animais,pssaros e peixes e razes, pelo processo de moqucao. Certa farinha demandioca duraria at um ano sem se estragar4. Por outro lado, a trocano feita com o objetivo de lucro, mas para satisfazer necessidades5.Confirmando os resultados de vrias pesquisas antropolgicas, verificaFlorestan Fernandes que, entre os Tupinamb, o princpio fundamental da

    4 Cf. FLORESTAN FERNANDES, A Organizao Social Tupinamb, Instituto Progresso Editorial S. A. So Paulo. 1949. pg. 83.

    5 L commerce primitif, affranchi du dsir de gagner de largent et nayant pour objet que dobtenirdirectement les biens dont on a besion ou envie nous parat premire vue manquer de ce quiconstitue pour nous lessence mme du commerce: le profit (cf. Richard Thurnwald, LEconomiePrimitive. Payot. Paris 1937. pg. 192).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 24

  • 25ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    economia consiste na produo do estritamente necessrio ao consumoe, ainda, que a acumulao de utilidades como tcnica de racionalizaodos meios de produo e de coleta era completamente desconhecida6.

    No quer isto dizer que no processamento das trocas os indivduosno considerem a equivalncia dos valores dos bens trocados. A idia dereciprocidade muito viva na conscincia dos povos primitivos. Mas,ento, o critrio de valor dos bens no objetivo e abstrato como no atocomercial tpico; subjetivo e individual. Ocasional, muitas vezes um meiode atrair grupos inimigos a fim de ataca-los, a troca, entre os primitivos,no constitui uma fonte de reservas e de recursos capaz de aumentar aautonomia ou o poder do homem.

    A inexistncia da idia de lucro na conscincia do pr-letrado tambm perceptvel no seu estilo de trabalho. Inicialmente, deve-seobservar que ele no distingue um tempo destinado ao cio, de um tempodestinado ao trabalho, - o que quer dizer que o trabalho nesta etapa davida social ainda no se coagulou em estilos independentes. Todo trabalho prazer e criao. uma espcie de atividade oriunda de um forte instintode vida. Por isto no necessrio nenhum incentivo, nenhuma pressoexterna para que o primitivo trabalhe7.

    O aparecimento do instituto do contrato de trabalho s se registra,ulteriormente, quando as relaes sociais se secularizam: No existe nasociedade primitiva algo semelhante ao que chamamos de mercado detrabalho porque, nela, o trabalho no se aluga, nem se vende. Umexemplo esclarece o assunto: o mutiro. Entre os tupinamb, quandoalgum precisava realizar uma tarefa que demandasse ajuda comoderrubar matas e arrotear terras, chamava em seu auxlio os vizinhos.Florestan Fernandes, resumindo um texto de Evreux, informa8:

    Todos trabalham cooperativamente nas roas de um Thuyaue duranteuma ou duas manhs. Levantam-se ao romper do dia e almoavam. Osdiversos grupos familiares partiam cantando para o servio. Quando o sol

    6 Cf. FLORESTAN FERNANDES op. cit. pg. 83.7 Sobre o tema, cf. Adam Curle. Incentives to Work (in Human Relations, A Quarterly Journal of

    Studies towards the Integration of the Social Sciences Vol. II. No. 1 1949). Vide tambm FancisL. K. Hsu, Incentives to Work in Primitives Communities, (American Sociological Review, Vol. 8.No. 6. December 1943).

    8 Op. cit. pg. 120.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 25

  • 26 GUERREIRO RAMOS

    ficava muito custico, mais ou menos pelas dez horas, interrompiam ostrabalhos. Depois, caulnavam na maloca do dono das roas.

    A compensao propriamente dita esclarece o socilogo paulista assumia a forma de prestao recproca de servio; por isso, teriaocorrido antes ou se processaria posteriormente.

    Tal sistema o que Richard Thurnwald chama de trabalhosolicitado9. Nenhum vizinho se recusa ao convite de outro, do contrriocometeria uma afronta. Por outro lado, sabe que a ajuda prestada serresgatada sob a mesma forma, na ocasio em que dela necessitar. Econfirmando o que ocorria entre os Tupinamb, escreve Thurnwald:

    Quando algum precisa abater uma rvore ou transport-la para delafazer uma canoa, o chefe para quem o trabalho feito fornece aostrabalhadores uma merenda composta de porco assado, de inhame cozido,de cco fresco, de acar e de nozes de btele. Durante todo o trabalho,realizam-se ritos mgicos. No a obra propriamente que se remunera, maso gasto de energia que ele implicou. Os esforos recepcionais recebem umarecompensa de ordem emocional: festas, danas10.

    No se aplica na estimao do trabalho o clculo, elementocaracterstico das relaes comerciais. Tampouco, realiza-se o trabalhoconforme a lei do menor esforo. Na realizao de suas tarefas, o primitivoemprega, muitas vezes, grande energia e tempo, que a ns pareceriamdesnecessrios. Todos conhecemos o gosto que tm os povos primitivospelas decoraes, muitas de difcil elaborao. At em objetos de usofreqente como armas ou utenslios elas so registradas, muitas vezestornando o manejo de tais objetos mais penoso. que o trabalho dosprimitivos, impregnado de magia, como observa Thurnwald,11 supera oquadro de um relacionalismo estritamente econmico.

    Com efeito, a aplicao de procedimentos nacionais na execuo dotrabalho uma idia que a mentalidade primitiva constitucionalmente

    9 Le principe est que laide prte, disons pour la construction dune maison, soit paye lapremire ocasin dune aide analogue, par celui qui en a bnfici: cest ce que nous appellonsle travail sollicit. Le mme principe joue la chasse ou la pche et dans l cas o un villageen aide um autre au travail du jardinage (Thurnwald, op. cit. Pg. 274).

    10 Op. Cit. Pg. 274.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 26

  • 27ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    incapaz de assimilar. Toda a tarefa est submetida a regras e preceitosmgicos, que no devem ser violados. Acredita-se, mesmo que o bom xitode qualquer trabalho depende mais da observncia daquelas normas do queda atividade humana. Em muitas sociedades pr-letradas em que as fainasagrcolas so consideradas femininas, toda vez que os homens as realizamdevem vestir-se com trajes de mulher. Muitas vezes, necessrio manter osegredo dos ritos mgicos do trabalho e, por esta razo, certas indstriasdesaparecem de uma regio, pelo simples fato de terem desaparecido asfamlias nelas especializadas.

    certo que muitos procedimentos tcnicos tm sido encontradosentre os povos naturais (Vierkandt), mas parece que eles a surgem, nopor um esforo inventivo deliberado, plenamente consciente de si e simcasualmente. O acaso o tcnico, nestas circunstncias12.

    A mentalidade primitiva incompatvel com a tcnica, aracionalizao econmica do trabalho. Esta, como se sabe, supe arenovao incessante dos processos de trabalho, tendo em vista a maioreconomia das energias humanas e das matrias-primas e o maioraperfeioamento dos produtos. Implica, assim, uma mudana incessanteem pleno desacordo com a estabilidade caracterstica da economiaprimitiva. tradio compete quase exclusivamente fixar as necessidades

    11 La place quoccupe le travail dans la vie des peuples primitive est trs diferente de celle quiloxxupe dans notre monde moderne. Il ne sagit plus dune marchandise mise sur le march,mais dune activit mise an oeuvre pour soi-mme ou pour autrui dans le but aobtenir un resultatimmdiat et non de gagner sa vie. Cest pour cette raison que le primitif aborde sa tche dans umesprit entirement different du ntre. Il laccomplit, en rgle gnrale, non sous une pressionextrieure, delle que la ncessit dexcuter un contrat ou sous le contrle direct dun chef, mais son gr et suivant sou inclination du moment. Cependant, mme dans ce cas un ne saurait direquil chappe entirment une certaine ncessit car, dans tout ce quil ehtreprend en vue de seprocurer de la nourriture il est bien evident quil existe un rapport direct entre le travail et lersultat desire (Thurnwald, op. cit. pg. 272).

    12 Sobre a tcnica do primitivo, diz Jos Ortega y Gasset: La tcnica que llamo del azar, porque elazar es en ella el tcnico, el que proporciona el invento, es la tcnica primitiva del hombre pre eproto-histrico y del actual salvaje se entiende, de los grupos menos avanzados , como losVedas de Ceiln, los Semang de Borneo, los Pigmeos de Nueva Guinea y Centro Africa, losaustralianos, etecctera.

    - Como se presenta la tcnica a la mente de este hombre primitivo? La respuesta puede ser aquisobremanera taxativa: el hombre primitivo ignora su propia tcnica como tal tcnica; no se daucenta de que entre sus capacidades hay una especialsima que le permite reformar la naturalezaen el sentido de sus deseos (Ensimismamiento y Alteracin, Espasa Calpe Argentina S. A. BuenosAires. 1939, pgs. 130-131).

    13 ... le travail des primitifs... est tout imprgn de magie. Presque partout et plus particulimentechez les peuples de culture moyenne et suprieure nouns voyons la magie accompagnerlaccomplissement du tavail et assurer son succs. Les indgenes pensent, dune part, que lescrmonies magiques alderont la nature dans des oprations telles que la chasse, la pche, la

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 27

  • 28 GUERREIRO RAMOS

    humanas e os modos de satisfaze-las13. Assim, qualquer tentativadeliberada de criar necessidades ou de alterar os processos de satisfaodas mesmas se afigura sacrlega e ofensiva aos mores. Focalizando estaaverso da mentalidade primitiva s inovaes, Thurnwald expe asextremas precaues que se tomam quando se tem de adotar umainovao. preciso diz ele que se promova uma espcie de adooda novidade pelo grupo. Para produzir todos os seus efeitos, no bastaque as descobertas tenham sido realizadas por tal ou tal indivduo; necessrio, ainda, que elas sejam elevadas pelo grupo categoria detradies culturais e a mesma observao se aplica adoo de qualquertrao de uma cultura estrangeira, de sua arte, de seus conhecimentos, deseus costumes, de suas instituies14.

    Inrcia emocional, desconfiana, apreenso impedem o desen-volvimento da racionalizao do trabalho nas sociedades pr-letradas. Ofato, porm, tem uma razo profunda que explicada pelo antroplogoAdam Curle15 deste modo:

    Talvez seja errado dizer que os primitivos no desejam mudar. maiscorreto dizer que eles no conhecem a mudana. Isto por que seu prpriomodo de vida um emaranhado de observncias rituais que d s vriasatividades no apenas sanes sobrenaturais que se reforam mutuamente,mas tambm que atualmente relaciona os indivduos com o cosmos e nestelhes d um lugar. Alterar um processo de caa quase alterar a relao dosol com a lua. Tal coisa inconcebvel. Mas se acontece que por intermdiode uma agncia externa, alguma mudana forada numa sociedadeprimitiva, ento a estrutura total se desintegra, desde que a mudana deuma parte afeta o todo. A interrelao do ritual, do folclore, das atitudes edas atividades tcnicas ser perturbada. O esforo comum, a moralidade, asartes e o senso social desaparecero, em conseqncia.

    croissances des plantes, la reproduction de animaux, etc. et dautre part ils croient quelles sontncessaires la reussit dun travail personnel, comme la construction dun canot ou dune maison.Chez les plus avancs des primitifs, ces crmonies trouvent une application chacune des phasesde la vie des plantes cultives. Notons quelles ne sont pas sans importance pratique car ellesexercent une grande influence en systmatisant, en ordonnant, en contrlant le travail. Ellesentranent par contre une grande somme de travail suplementaire et en apparence, inutile. Lemagicien est lexpert que lon consulte en toutes circonstances et le contrleur que dominementalement le travail et les ouvriers (Thurnwald, op. cit. Pg. 273).

    14 Thurnwald, op. cit. Pgs. 349-350.15 Op. cit. pg. 43.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 28

  • 29ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO II

    OS PRECONCEITOS ANTI-TRABALHISTAS NA ANTIGUIDADE

    Desde los tiempos humanos ms primitivos aparece una vida de ha-zaas personales, em sua relaciones con el medio ambiente material y ani-mal, frente a otra oscura y dura, dedicada a un continuo trabajoproductivo, necesario para satisfacer las necesidades de la existencia.

    J. A. Hobson, Veblen, Fondo de Cultura Economica. Mxico, 1941, pg.60.

    Cest un des caracteres essentiels de lconomie antique quil y ait eudes tres humains traits comme des choses, que lindustrie ait dispos ainsi que le grand propritairi, bien entendu dun capital de chair et dunoutillade de muscles.

    Henri Berr, Avant-Propos de Lconomie Antique, de autoria de J. Tou-tain, pg. XXII. Paris, 1927.

    Les veritables valeurs humaines, pour les crivains grecs, sont les va-leurs de contemplation, de connaissance libre et dsintress. Entre la con-templation et le travail manuel, le conflit est absolu, lopposition invincible.Le travail nest pas une activit vraiment humaine. Il alourdut lme, la rendsemblable la matire.

    Etienne Borne e Fanois Henry, Le Travailet LHomme, Descle deBrouwer, Paris. 1937, pg. 28.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 29

  • 30 GUERREIRO RAMOS

    O desprezo do trabalho, especialmente do trabalho muscular, tem aevidncia de um axioma justificado pelo consentimento universal1. Em todasas sociedades letradas ou pr-letras, ele se tem verificado e Thorstein Veblen,impressionado com este fato, elaborou uma teoria da diferenciao social, cujaidia bsica , precisamente, a de que a vida ociosa , por toda parte, um dossignos mais evidentes das classes sociais superiores.

    A etnografia e a histria parecem dar indiscutvel legitimidade a estaformulao genrica de Thorstein Veblen.

    Em sua obra, a Teoria da classe ociosa, o famoso socilogo e eco-nomista norte-americano distingue duas etapas originrias da sociedade2:a do selvagem e a do brbaro. Na primeira, o estado de pobreza, o ca-rter extremamente rudimentar da cultura torna necessrio o trabalho doshomens e das mulheres. Esto neste estdio, segundo Veblen, os povospacficos e sedentrios, entre os quais a propriedade individual no umacaracterstica dominante do sistema econmico.

    Nas comunidades brbaras, aparece o instinto precatrio que pro-move a distribuio diferencial das tarefas entre os indivduos. De modogeral, forma-se uma classe ociosa, que se incumbe das tarefas honorriascomo a guerra e o sacerdcio, e uma classe industriosa, que se encarregadas ocupaes servis.

    A quase unanimidade dos etngrafos atesta, com efeito, um es-tado de rapina entre os povos de organizao social rudimentar. Des-taca-se a a figura do lutador ou do guerreiro que defende o territrio eo gado. E como quem trabalha no tem tempo para treinar-se no ofciodas armas imputa-se-lhe uma certa inferioridade social. E deste modo escreve Flausino Trres vai formando-se aquela concepo do tra-balho normal que encontramos plenamente elaborada na Repblica dePlato e no Gnesis: o trabalho degrada quem pratica; por isso, os quetrabalham formam uma classe parte; mas no a ela que cabe a di-reo da sociedade; para mandar no se pode ter as mos manchadaspor certos ofcios....3

    1 Cf. ETIENNE BOROE et FANOIS HENRY, Le Travail et L'Homme. Descle de Brouwer. Paris, 1937,pg. 31.

    2 Cf. FRANCISCO AYALA, Historia de la Sociologa. Editorial Losada. Buenos Aires. 1937, pg. 146.3 Cf. FLAUSTINO TORRES, Civilizaes Primitivas. Cosmos Lisboa. 1943, pg. 149.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 30

  • 31ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    O mesmo testemunho oferece o etnlogo alemo Richard Thurn-wald4 que registrou entre povos pastores e caadores a tendncia a viverda rapina e da pilhagem e a considerar desclassificado o trabalho ordin-rio, especialmente a agricultura.

    To persistente, porm, este desprezo do trabalho que ainda emnossos tempos ele se apresenta, umas vezes ostensiva, outras velada-mente, parecendo, assim, indicar que o desfavor atribudo ao trabalhomanual e comandado5 no um caracterstico passageiro mas insepar-vel de qualquer sociedade estratificada. o a que induz toda uma srie deestudos de natureza sociolgica, desde Karl Marx a Edmond Goblot eMaurice Halbwachs.

    Todavia, uma conjugao de fatores deu, em nosso tempo, umaalta categoria moral ao trabalho emancipando-o, por assim dizer, do avil-tamento em que permaneceu na Antiguidade e na Idade Mdia.

    H estreita relao entre a concepo que uma poca faz do traba-lho e o grau de evoluo de seus procedimentos ergolgicos. Assim a apli-cao da cincia na organizao das foras de trabalho s se torna possvelde maneira sistemtica, na medida em que se opera aquele desavilta-mento. Por conseguinte, muitas transformaes histricas devero ocor-rer para que se torne possvel a elaborao de uma cincia do trabalho.

    Na histria da Antiguidade, confirma-se a mesma condio do tra-balho acima referido. Herdoto, reportando-se ao costume grego de atri-buir ao trabalho uma acepo oprobriosa, escreve6:

    4 "L'activit du chasseur ou du berger ne peut tre appele travail, aussi, lorsque l niveau de vies'amliore, ont-ils tendence vivre de rapines ou de trafic ou, dans certains cas, comme nous lvoyons au Soudan, se lancer dans de vraies incursions but commercial; ailleurs encore l travaildu sol est reserve aux femmes etrangres et aux prisonniers de guerre" (R. Thurnwald, op. cip. Pg.279).

    5 "Cette dfaveur qui s'attache au travail manual et au travail command n'est d'ailleurs pas un traitcaractristique de la bourgeoisie franaise moderne; il se recontre partout a il y a des castes oudes classes. Tout superiorit de rang social se traduit et s'exprime par le pouvoir de so faire serviret cela moins pour s'eviter de la peine que pour marquer son rang. Car il faut qu'il soitreconnaissable et, s'il se peut, au premier coup d'oil. En chine, les ongles du mandarin, aussi longque ses doigts, ces ongles soigns, souples, transparentes, spirals, sont une preuve manisfestequ'il ne fait rien de ses mains. N'est-ce pas aussi pour signifier qu'il ne s'abaisse pas aux travauxserviles que notre bourgeois porte un costume avec lequel ils seraient impossibles? Il prouve lebsoin de faire savoir, la simples inspection, qu'il n'est pas un manoeuvre, un homme de peinequi dtermine la profesin? N'est-ce pas plutt la profesin qui classe?" (Edmond Goblot, LaBarrire et le Niveau, Flix Alcan. Paris. 1930, pg. 45).

    6 HERDOTO, II, 167 (citado em Etienne Borne e F. Henry, op. cit. pgs. 30 e 31).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 31

  • 32 GUERREIRO RAMOS

    No saberia afirmar se os Gregos tomaram este costume dos Egp-cios, porque eu o encontro estabelecido entre os Trcios, os Citas, os Per-sas, os Ldios; em uma palavra, porque entre a maior parte dos brbarosos que aprendem as artes mecnicas e at seus filhos so consideradoscomo os ltimos cidados; ao contrrio, estimam-se como mais nobresaqueles que no exercem nenhuma arte mecnica e principalmente aque-les que se consagram profisso das armas. Todos os Gregos so criadosnestes princpios, particularmente os Lacedemnios: todavia excetuo osCorintios que fazem muito caso dos artesos.

    V-se assim, por este trecho de Herdoto, que a idia infamante dotrabalho foi universal na Antiguidade. justo, por conseguinte, tomarcomo representativo desta fase do Ocidente o caso grego.

    A atrofia dos procedimentos ergolgicos que se registra na Grciae em todo o mundo antigo representa o correlato necessrio do sistemade escravido, justificado por uma filosofia social generalizada que en-contra em Aristteles o seu mais claro expositor, e segundo a qual a vidahumana verdadeiramente superior a contemplativa.

    O dualismo metafsico, que consagra a oposio entre o intelecto ea matria, legitimava a estratificao social vigente nas cidades gregas.

    A escravido se justifica no pensamento grego como uma decor-rncia da hierarquia dos valores. O escravo verdadeira mquina viva, vo-cacionalmente destinado a obedecer. Faz parte da comunidade domsticajuntamente com os outros bens, objetos e animais, e carece da tempe-rana, da coragem e da justia, virtudes nobres, possuindo apenas as vir-tudes de um bom instrumento.

    luz desta filosofia social, o trabalho torna-se desprezvel, bem comas aplicaes materiais da cincia. Especialmente por este motivo, no se de-senvolve na Antiguidade, nem a tcnica do trabalho, nem o maquinismo.

    Henri Berr examinou bem esta questo. Acentua este historiadorque progressos decisivos foram realizados na tcnica durante a idade dapedra e dos metais. Contudo entre estes tempos recuados em que a uten-silagem fundamental da vida econmica se constituiu de uma srie de in-

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 32

  • 33ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    venes maravilhosas e o perodo das mquinas, por que razo, perguntaHenri Berr, permaneceu estacionria a intelligence fabricatrice?

    E explicando a razo deste fenmeno, escreveu7:

    A organizao social pode, em certos momentos, pelos progressosda tcnica verbal, pelas tcnicas ilusrias, de origem religiosa, m-gica, pelo poder conservador da tradio, do esprito corporativo, entra-var o jogo deste instinto de mecnica, formado no indivduo ao contatoda natureza e de que se beneficia a organizao social: mas a escravi-do, sobretudo, parece-nos, que preciso incriminar aqui. Ela no so-mente ofereceu aos problemas tcnicos uma soluo cmoda(paresseuse), como fez desprezar o trabalho normal como ocupaosocial... Dada essa escravido, no houve, no podia haver, na antigui-dade, maquinismo, nem salariado organizado.

    Na Grcia e em Roma, a filosofia social ento vigente se nutria narealidade social contempornea e vice-versa. Xenofonte considerava asartes mecnicas infamantes, pois elas minam os corpos dos que as exer-cem, forando-os a permanecer sentados, a viver na sombra e, s vezes,a ficar perto do fogo. Plato coloca os arteses em ltimo lugar em suacidade ideal. Em sua Poltica, Aristteles declara que nenhum arteso sercidado. A palavra banausos (arteso) mesmo, informa Pierre MximeSchul8 sinnimo de desprezvel e se aplica a todas as tcnicas.

    Parafraseando H. G. Wells, pode dizer-se que as civilizaes antigasforam edificadas sobre o ser humano barato e degradado.

    7.Cf. J. Toutain, L'conomie Antique La Renaissance du livre. Paris. 1927, pgs. XXII-XXIII. 8.Op. cit. pg. 11.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 33

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 34

  • 35ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO III

    O TRABALHO NA IDADE MDIA E NO RENASCIMENTO

    For though the development of economic rationalism is partly dependenton rational technique and law, it is at the same time determined by the abilityand disposition of men to adopt certain types of practical rational conduct.When these types have been obstruced by spiritual obstacles, the developmentof rational economic conduct has also met serious inner resistance. Themagical and religious forces, and the ethical ideas of duty based upon them,have in the past always been among the most important formative influenceson conduct (Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism,George Allen & Unwin Ltd. London. 1948, pginas 26-27).

    The medieval theorism condemned as a sin precisely that effort toachieve a continuous and unlimited increase in material wealth whichmodern societies applaud as meritorious, and the vices for which hereserved his most merciless denunciations were the more refines and subtleof economic virtues (R. H. Tawney, Religion and the Rise of Capitalism.Penguin Books. England, 1942, pg. 39).

    A Idade Mdia transformou radicalmente a idia antiga do trabalho,o qual adquire, nesta etapa da histria do Ocidente, um valor asctico. Otrabalho no corrompe a alma e o corpo, como se proclamava no mundoantigo mas, ao contrrio1, prepara a primeira para a vida contemplativa eao segundo d ocupao, livrando-o dos apetites inferiores.

    So Bento inclui em suas regras a necessidade do trabalho e SantoAgostinho combate certos monges africanos que afirmam haverincopatibilidade entre o trabalho e a vida monstica.

    Este reconhecimento do valor interior do trabalho produziu,entretanto, efeitos sociais muito restritos. No plano metafsico,

    1 Referindo-se civilizao medieval, escrevem Etienne Borne e Franois Henry: ... le travail prenantune valeur religieuse entre dans la vie humaine, il sert mettre dans une vie personnelle desvaleurs de sacrifice et de dtachement; l'agriculteur, l'ouvrier ont leurs fins personnelles et ne sontplus des instruments anims; le travail ne sert plus seulement dispenser des inquitudes de laviequelques prdestins la vie speculative ou la vie hroique, il a un sens interieur et prend placedans une vie intrieure (Le Travail et L'Homme, Descle de Brouwer. Paris. 1937, pg. 48).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 35

  • 36 GUERREIRO RAMOS

    proclamava-se a dignidade do trabalho, mas no plano social ocorria ocontrrio. Os mesmos preconceitos gregos se difundiram nas sociedadesmedievais. Nelas ocorria, portanto, um singular conflito entre a conscinciae a existncia. interessante observar, em confirmao disto, que a ordemdas classes na Idade Mdia , por assim dizer, uma concretizao doestado Platnico.

    Em sua cidade ideal, Plato coloca os sbios no primeiro lugar, osguerreiros, em segundo, e os artesos, no ltimo, o que umaantecipao da constituio tripartida da sociedade medieval.

    E para maior acordo com o pensamento grego, esta constituiotripartite das sociedades se pretende definitiva, uma ordem imutvel eeterna. Cada uma destas partes da sociedade constitui uma raa dehomens (a raa de ouro, a raa de prata, a raa de ferro e bronze) e tema sua moral prpria2.

    Este quietismo social da Idade Mdia assume decisiva importnciano condicionamento da tica do trabalho. Visto como a posio e afuno do indivduo na sociedade resultam de designio da vontade dedivina, no se pode conceber a idia de fazer do trabalho um instrumentode asceno social3 . Um servo no pode tornar-se nobre, j porque huma diferena de virtudes entre um e outro, j porque a mera posse dariqueza no lhe daria acesso nobreza. O homem, portanto, devetrabalhar para se manter dentro do seu compartimento social e as sobrasdo seu trabalho devem ser convertidas em esmola. Esta idia do sustentoacomodado a cada estamento , como assinala Werner Sombart, acaracterstica siva da economia medieval.

    2 Cf. PLATO, A Repblica, Livro III (Platon, La Repblique, Librairie Garnier Frres. Paris. 1936, pg.118).

    3 Las classes no son em primer trmino hechos economicos, sino hechos vitales y espiritueles. Laclase supone el honor de clase, el deber de la clase, el derecho de clase y la solidaridad en todaslas cosas sociales. Aqui tiene su ms firme apoyo el hombre que pertenece a una clase. Perotambim la economia estaba determinada por aquelios hechos vitales y espirituales (Pablo LuisLandsberg, La Edad Media y nosotros. Revista de Occidente. Madrid, 1925, pgs. 38-39). estamesma imobilidade social assinalada por Groethuyaen: Hacerse rico es mucho peor que ser rico.El rico no es culpable, por decirio as, de su riqueza. La divina Providencia le h hecho lo que es.Aunque la riqueza siempre encierra em si grandes peligros para el cristianiano, no es el ser ricoen cuanto tal un pecado. Quien es rico por su casa puedo apelar a Dios. Dios quiso que fuese rico.Los nuevos ricos, por el contrario, son todos pecadores. Han querido su riqueza: se han hecho as mismos lo que son. La Concincia Burguesa. Fondo de Cultura Economica. Mxico. 1943, pg.334).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 36

  • 37ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    A eficincia, a economia de esforo humano, mediante odesenvolvimento da tcnica do tabalho no teria sentido efetivo num tipode organizao economica como este. O mvel desta economia seria aprosperidade, noo que no se compagina numa sociedade imvel. Aassimilao da idia de progresso4 se verificar muito tardiamente entreos povos europeus.

    Havia ainda nesta poca um impedimento para o progresso datcnica do trabalho; era a persitncia da oposio entre as profissesliberais e as profisses mecnicas, entre a arte e a natureza.

    O nobre, na sociedade medieval, se orgulha de no trabalhar, comoo guerreiro da cidade antiga5. Henri Pirenne informa que a idia antiga dotrabalho indigno do homem se reencontra na cavalaria.

    A dominao da natureza, atravs da aplicao de um saber tcnico,equivaleria a uma atitude hertica. Como a ordem social, a ordem naturalno deveria ser perturbada, porque havia uma autoridade divinasuprema6 que dispunha dos meios para intervir nas leis naturais.

    Dentro destes marcos, o trabalho se organizava socialmente de maneiraestvel. No podia ser objeto de um aperfeioamento tcnico. Dentro de cadacorporao, o processo produtivo obedece a regras mais ou menos fixas.Descrevendo-as, assinala Wilbert E. Moore7: Em termos gerais, funcionavampor meio de um regulamento interno do trabalho dos manufatores e do

    4 J. HUIZINGA, assinala este aspecto com rara felicidade. Diz ele, referindo-se ao mundo medievale Antiguidade: Ces priodes ent toujours cru que le but aunquel il fallait tendre et les moyenspour y arriver taient solidement et simplemnt dtermins. Le but, nous l'avons dit, s'appelait,presque toujours redressement, retour l'ancienne perfection, la puret d'antan. L'idal taitrtrospectif. Et non seulement l'idal, mais les moyens pour y arriver. Cette mthode s'talaitclairemente devant les yeux et consistait reconqurir et pratiquer nouveau l'antique sagesse,l'antique beaut, et l'antique vertu des sicles passs - ce regard de l'humanit tourn silongtemps vers l'ancienne perfectin a chang d'orientation depuis Bacon et Descartes(Incertitudes. Librairie de Medicis. Paris, 1939, pgs 38 e 40). Vale descartar, ainda, estas palavrasde Erich Kahler: ... la ideia de un progresso del gnero humano surge solamente em el sigloXVII. Para la Antiguedad, la edad de oro reside em el passado y no en el futuro. La idea demutacin era repulsiva e intolerable a los antiguos, que consideraban al tiempo como el enemigode la humanidad. Si se llega a admitiria era slo en el sentido de mutacin o cambio recurrente,cclico, lo qual equivalia al principio de la eternidad cclica (Historia Universal del Hombre, Fondode Cultura Economica. Mxico. 1943, pg. 411).

    5 Cf. ETIENNE BORNE e FRANOIS HENRY. Op. cit. pg. 50.6 Cf. ALFRED VON MARTIN, Sociologia del Renacimiento. Fondo de Cultura Economica. Mxico.

    1946, pg. 44.7 WILBERT E. MOORE, Industrial Relations and the Social Order. The Mcmillan Co. New York. 1946,

    pgs. 16-17.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 37

  • 38 GUERREIRO RAMOS

    monoplio externo dos servios e da produo contra os estranhos. O controleda qualidade do trabalho dependia antes do regulamento da associao do queda presso externa atravs da competio do mercado. Estes regulamentoseram fortemente tradicionais, muitas vezes levados a extremos que nos parecemhoje ridculos. Uma ateno particular era dada especialmente forma e fonteda matria-prima, ao processo de produo, forma de instrumentosempregados e qualidade, antes que as mercadorias fossem colocadas nomercado. Estes regulamentos podem ter resultados em benefcios econmicospara os consumidores, no mnimo pela padronizao da qualidade, mas eramclaramente planejados para acautelar os interesses dos membros dascorporaes, preservando a sua uniformidade. Um novo processo tcnico quepermitisse ao homem produzir melhor um produto ou o mesmo produto emmenos tempo, era considerado imprprio e sua introduo tomada como sinalde deslealdade ao grupo. Regulando o abastecimento da matria-prima, aquantidade e o tipo de produo, o preo e o mtodo de distribuio, o sistemade corporao estabelecia uma vida econmica equilibrada.

    Tal o sistema de organizao emprica e tradicional do trabalhocuja incompatibilidade com a organizao racional do trabalho foiclaramente posta em evidncia po Taylor.

    Seria excesso de ambio pretender seguir o desenvolvimento datcnica do trabalho com detalhe histrico. Para tanto, no haveria mesmo,entre ns, fontes suficientes ou disponveis. A fim contornar obstculosdesta ordem, historiadores, como Jacob Burckhardt, e socilogos, comoMax Webwer8, tm recorrido ao procedimento construtivo do tipo-ideale que consiste em extrair de um determinado conjunto de fatosrecorrentes uma ordem conceitual abstrata.

    Entre a Idade Mdia e a data em que F. W. Taylor cria a OrganizaoCientfica do Trabalho medeia um sem-nmero de ocorrncias de difcilcaptao e que preparam o ambiente para aquela criao. Uma partedesta distncia histrica se identifica tpico-idealmente como oRenascimento, a primeira cisura social e cultural9 que produz o trnsitoda Idade Mdia Idade Moderna.

    8 Cf. GUERREIRO RAMOS, A Sociedade de Max Weber, in Revista do servio Pblico. Agosto esetembro de 1946.

    9 Cf. ALFRED VON MARTIN. Op. cit. pg. 18.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 38

  • 39ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    O Renascimento representa, na Europa, o aparecimento de umexplosivo que se encarrega de vencer a inrcia de um mundo que pareciadefinitivo em sua arquitetnica estabilidade. A este explosivo podechamar-se a ratio por oposio traditio.

    A ratio , assim, o instrumento que serviu para emancipar o indivduo datradio ou para erradicar o medo do sagrado; em suma, um instrumento desecularizao.

    Com o Renascimento, inicia-se o processo fundamental de secularizao,a transformao da ordem social da Idade Mdia, fundada na santidade datradio e nos sentimentos humanos, em uma ordem social fundada nacalculabilidade dos atos humanos e na objetividade racional. Transformaosem a qual no se desenvolveriam aquelas instituies (a economia monetriae a indstria) que constituem os pressupostos funcionais de uma tcnica dotrabalho, de base cientfica.

    As sociedades anteriores s conheceram o trabalho como criao earte, como atividade pela qual a vontade humana assimilava a matria quedominava em proveito da comunidade10.

    Surge, porm, agora, a fora do trabalho, o trabalho mercadoria,objetivo da especulao, da contabilidade e da cincia.

    Interpretando o pensamento de Fernando Tnnies, escreve J. Leif11,focalizando o estado de secularizao que, na terminologia do socilogoalemo, se chama estado societrio ou sociedade:

    A abstrao e racionalizao constituem, com efeito, a essnciamesma da sociedade. Nada ou quase nada de orgnico ou afetivo subsistenas relaes societrias. No estado de sociedade, no somente os indivduosso estranhos uns aos outros, mas ainda a separao e a oposio dos bensengendram infalivelmente entre eles a hostilidade e a inimizade. As relaesdos homens so tais que ningum ceder a outra pessoa seja o que for, semestar seguro de receber, em troca, um valor pelo menos igual quele que lhefoi cedido e isto, no porque algum lao afetivo o liga ao objeto que possue,

    10 Cf. J. LEIF, La Sociologie de Tnnies. Presses Universitaires de France. Paris. 1946, pg. 60.11 Cf. J. LEIF, Op. cit., pgs. 67-68.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 39

  • 40 GUERREIRO RAMOS

    mas em virtude de uma igualdade matemtica da vontade refletida, queseria absurdo, para um esprrito racional querer negar. No existe aquirelao intma com os objetos e com as pessoas. Da provm o carterabstrato e quantitativo do trabalho e da arte. Tudo reflexo, clculo,especulao, deciso, aspirao ao poder e ao domnio. A atividade e a vidasocietria so comrcio, no verdadeiro sentido da palavra.

    O que se configurou nestas palavras foi a categoria sociolgicachamada por Ferdinand Tnnies de sociedade (Gesellschaft), por oposio comunidade (Gemeinschaft). Mas esta categoria se realiza plenamenteno plano histrico, sobretudo a partir do Renascimento. Alfred VonMartin, descrevendo o Renascimento Italiano, informa12:

    O vnculo social no est mais constitudo por um sentimentoorgnico de comunidade (de sangue, de vizinhana ou de servio), maspor uma organizao artificial e mecnica, desligada das antigas forasda moral e da religio, e que, com a ratio status, proclama o laicismoe a autonomia do Estado. Esta arte do Estado, to objetiva, e sempreconceitosque atua atento s distintas situaes que se podemapresentar, e segundo os fins a realizar, tem por base um mero clculodos fatores disponveis. uma poltica metdica em absoluto,objetivada e carente de alma. Assim o sitema da cincia e da tcnicado stato.

    A antiga oposio entre a arte e a natureza desapareceu, bem assima temerosa atitude humana em face da ltima. esta uma transformaode importncia capital para o avano do progresso da tcnica, em todaacepo, inclusive a do trabalho. O saber tcnico13 s se constitui quandoo homem se liberta do medo sagrado de intervir no mundo natural.

    como um eco retardado que ressoa a voz de Petraca (1304-1374) e Arioso (1474-1533), quando protestam contra a fabricao deplvora, esta imitao funesta e impia do raio que os antigos diziaminimitvel.

    12 Cf. A. VON MARTIN. Op. cit., pg. 31.13 ... la ciencia positiva moderna es el impulso ilimitado, esto es, no limitado por una necessiad

    especial, antes bien, aprobado por el ethos y por la voluntad que empuj a la burguesia, vidade subir, a tratar de dominar la naturaleza em todas em todas las formas (Mas Scheler, Sociologiadel saber. Revista de Occidente Argentina. Buenos Aires. 1947, pg. 123).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 40

  • A nova vontade de poder escreve Alfred Von Martin14 se exprime,tcnica e econmica, como vontade para a transformao produtiva decoisas (Scheler). O homem deixa de ser o fim da dominao e converte-seem meio. Agora quando aparece a idia do aproveitamente e exploraoda fora de trabalho (que, em ateno a esta finalidade, se declara livre), aocontrrio da Idade Mdia, em que aquela relao de submisso envolvia, aomesmo tempo, um dever de proteo por parte do senhor. A nova cincianatural e a nova tcnica servem vontade de poder econmico e intelectualcomo expresso das novas tendncias racionais e liberais, opostas s velhastendncias conservadoras. O fim novo da vontade, que a economiamonetria fez possvel, tem agora um novo saber como base para aemancipao e como instrumento na luta pelo poder, que agora uma lutapara a dominao da natureza, fundada no conhecimento das leis. Anova cincia da natureza tambm produto desta atividade de empresa queno mais se conforma com os fatos dados pela tradio nem com oreconhecimento das submisses queridas por Deus, mas considera tudocomo objeto de um tratamento racional. No s no sentido terico, emconsiderao ao mtodo cientfico que no admite nada esteja garantido,como tambm no da aplicao do conhecimento. O pensador burgus,engenheiro por natureza, faz uma rpida aplicao prtica nas cinciastcnicas. Deseja-se saber para intervir na natureza; trata-se de entender ascoisas para domin-las e realizar os objetivos de poder propostos. E porquesomente com a nova concepo naturalista do mundo se podia chegar adominar tecnicamente a natureza, porque s esta nova concepo cientficaburguesa realizava a funo social de prestar os servios necessrios de acordocom as exigncias da nova classe em ascenso, ela se converteu emdominante.

    Sob o influxo desta nova mentalidade, inicia-se, na Europa, oprocesso de racionalizao em todas as esferas da vida humana.

    No que concerne trabalho, este processo de racionalizao significauma gradativa liquidao dos preconceitos contra as profisses mecnicasdo que ir resultar a aplicao sistemtica da cincia ao trabalho.

    41ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    14 Op. cit., pgs. 47-48.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 41

  • Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 42

  • 43ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO IV

    A RACIONALIZAO IN STATU NASCENDI

    Siltt que jai eu acquis quelques notions gnrales touchant laPhysique, et que, commenant les prouver en diverses difficultsparticulres, jai remarque jusquo elles peuvent conduire..., jai cru queje ne pouvais les tenir cahes, sans pcher grandement contre la loi quinous oblige procurer, autant quil est en nouns, le bien general de tousls hommes. Car elles mont fait voir quil est possible de parvenir desconnaissances qui soient fort utiles la vie, et quau lieu de cettephilosophie spculative, quon enseigne dans les coles, on en peut trouverune pratique, par laquelle connaissant la force et ls actions du feu, deleau, de lair, ds astres, ds cieux et de tous ls outres corps qui nousenvironnent, aussi distinctement que nous connaissons ls divers mtiersde nos artisans, nous l pourrions employer, en mme faon tous lsusages auxquels ils sont propres, et ainsi nous rendre comme matres etpossesseurs de la nature.

    Descartes, Discours de la Mthode, citado em Pierre Mxime Schul,Machinisme et Philosophie. Flix Alcan. 1938. pgs. 36-37.

    Que la connaissance de la nature et de ss lois pusse amener, nonseulement en accepter linvitable necessite (ce qui est le point des vuede anciens), mais la transformer, voil la grande ide qui contient emgermes la morale du second Faust et lIndustrialisme moderne.

    Pierre Mxime Schul, Machinisme et Philosophie, Librairie Flix Alcan.Paris. 1938, pgina 33.

    Os sistemas de racionalizao, que se constituram a partir de Taylor,no so criaes abruptas, mas se precipitaram de um ambiente scio-cultural que se formou muito lentamente. Eles so conseqncia lgica deuma radical transformao da atitude do esprito humano em face danatureza e da sociedade.

    Inicialmente, o homem se emancipa do quietismo, segundo o qualo mundo um cosmo, um todo ordenado conforme um plano, um

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 43

  • 44 GUERREIRO RAMOS

    conjunto que se move tranqilamente em obedincia a leis e ordenaeseternas1. Uma das manifestaes desta emancipao o crescenteprogresso das cincias do mundo fsico, particularmente da fsica. Aaplicao da cincia no assenhoramento das foras naturais, tendo emvista objetivos utilitrios, o correlato de uma atitude que no se encaixano sistema medieval.

    A natureza, para o homem medieval2, considerada como fonte detentaes que o conduzem ao pecado, como uma causa de sujeio aoselementos inferiores. O novo tipo de homem3, porm, pretende transformarestes elementos inferiores em instrumentos, em meios de realizao de finshumanos, do bem-estar e da satisfao dos seus interesses.

    Leonardo de Vinci (1452-1519), por exemplo, um filho desses tempos,no hesita em se proclamar engenheiro, numa certa carta a Ludovico L Moree, de fato, ocupou-se ativamente dos trabalhos de canalizao do Arno. Oseu entusiasmo pela mecnica leva-o a escrever este louvor4:

    ... mecnico o conhecimento que nasce da experincia, cientfico,o que nasce e termina no esprito... mas parece-me que so vs e cheiasde erro as cincias que no nascem da experincia: me de toda certeza,e que no terminam por uma experincia definida... A cincia da mecnica

    1 La idea central, la clave que nos abre la inteligencia del pensamiento, de la visin del mundo y dela filosofia en la Edad Media, es la creencia de que el mundo es un cosmos, un todo ordenado conarreglo a un plano, un conjunto que se mueve tranquilamente segn leyes y ordenaciones eternas,las cuales, nacidas con el primer principio de Dios, tienen tambin en dios su referencia final (PabloLus Landsberg, La Edad Media y Nosotros. Revista de Occidente. Madrid. 1925, pg. 18).

    2 This Law of Nature is no revolutionary, world-transforming theory, which has been newlydiscovered by human reason, like the Natural Law of the Enlightenment, or the modern theoriesof the State and of Society; it is a conservative, organic, and patriarchal conception of the Law ofNature, which is under the protection of the Church, and is only entirely intelligible to theilluminated Christian reason, even although, in itself, it proceeds from pure reason. It is rather arationalism which quiets the mind with accepted truths, which can be supported by definiteproofs, than one of critical iniciative and reform. The world order is based upon reason, it is true,but this basis is not human reason but Divine; it is objective, not subjective. That, too, only explainswhy it unites itself so easily with supernaturalism and with the ecclesiastical mysticism of grace.(Ernst Troeltsch, The Social Teaching of the Christian Churches. Vol. I. The Macmillan Company.New York. 1949. pginas 305-306).

    3 La manifestacin ms clara de este proceder utilitario de la razn es la herramienta, la mquina(mechane) que sirve para el dominio y exploracin de la materia. La razn interpreta las leyes dela naturaleza en la forma que corresponda mejor al tratamiento mecnico, que es la de lacausalidad mecnica. Este orden de ideas es diametralmente opuesto a la visin del mundo,esencialmente religiosa, vlida hasta el final de la Edad Media, que basaba todo el ser en laexistencia y no en el procedimiento y el propsito. Esa imagen del mundo lo muestra como unsistema reposado y armonioso que corresponde a la ajustada forma organica del cuerpo humanoy la criatura viviente en general. (Erich Kahler, Historia Universal del Hombre. Fondo de CulturaEconomica. Mxico. 1943, pg. 414).

    4 Cf. PIERRE MXIME SHUL, Machinisme et Philosophie. Flix Alcan. Paris. 1938, pgs. 26-27.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 44

  • 45ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    o paraso das cincias matemticas, porque com ela se chega aos frutosdas matemticas....

    Um texto mais antigo (De re aedificatoria, Florena, 1485) de LeonBaptiste Alberti refere-se tcnica de maneira entusistica, considerando-aem expediente que permite furar os rochedos, atravessar as montanhas...resistir aos transbordamentos do mar e dos rios limpar os pntanos, construiros navios5. Em 1580, Conrad Dasypodius publica em Estrasburgo uma obrachamada: Heron mechanicus, seu de mechanicis artibus que trata dasmquinas como instrumentos de economizar o trabalho. Em De Subtilitate,editado em Lyon, em 1569, Jernimo Cardan, que considera Arquimedesmaior gnio que Aristteles, faz o elogio das mquinas.

    Um dos mais destacados representantes deste novo humanismo Francisco Bacon (1561-1626) que, em De Augmentis, preconiza ser oobjetivo do moralista o de fornecer armas vida ativa e no o deescrever no cio coisas para serem lidas no cio. este mesmo Baconque escreve, em Cogitata et Visa que as tcnicas progrediram atransformaram o mundo, enquanto os problemas filosficospermaneceram no mesmo ponto durante sculos; e em Parasceue, queelas devem ser estudadas ainda que paream mecnicas e pouco liberais.

    Um outro contemporneo de Bacon d uma contribuio decisiva paraa transformao do esprito humano: Galileu (1564-1642). So numerosas assuas descobertas e observaes. Particularmente interessante, do ponto de vistaem que nos colocamos, o estudo do trabalho muscular do fsico italiano,descrito por Leon Walther, nestas palavras: Impressionado, especialmente como fenmeno da fadiga, acreditou encontrar sua explicao no fato de terem oscorpos grave tendncia a mover-se para baixo e no para cima. A asceno emuma escada , pois, contrrio s leis naturais, e acarreta a fadiga. Mas porqueh fadiga, tambm, na descida prolongada pela mesma escada? Galileumodifica a a sua explicao: ele admite que os msculos se fatiguem porqueno tem que mover to somente seu peso, mas tambm o peso do esqueleto(do corpo todo algumas vezes, no caso das pernas). O corao, ao contrrio infatigvel porque no move seno a prpria massa6.

    5 Cf. PIERRE MXIME SHUL, op. cit. pg. 25.6 Cf. LON WALTER, Tchno-Psychologia do Trabalho Industrial. Comp. Melhoramentos de So Paulo.

    1929. Pg. 13.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 45

  • 46 GUERREIRO RAMOS

    Descartes (1596-1650) elaborou at uma concepo mecnica doscorpos que la nature seule compose. No h diferena entre estes corpose ls machines que font ls artisans, segundo o filsofo. Baillet, seubigrafo, informa que Descartes pretendia fundar uma Escola de Artes eOfcios. Escreve Baillet, em La Vie de M. Descartes (1691: Ss conseilsalloient faire btir, dans le collge Royal et dans dautres lieux quonaurait consacrez au Public, diverses grandes salles pour ls artisans; destiner chaque salle pour chaque corps de mtier; joindre chaquesalle un cabinet rempli de tous les instrumens mchaniques ncessairesou utiles aux Arts quon y devoit enseigner; faire des fonds suffisans,non seulement pour fournir aux dpenses que demanderaient lesexpriences, mais encore pour entretenir ds Matre ou Professeurs, dontle nombre aurait tgal celui ds Arts quon y aurait enseignez. CesProfesseurs devoient entre habiles en Mathmatiques et en Physique, afinde pouvoir repondr toutes les questions des Artisans, leur rendre raisonde toutes coses, et leur donner du jour pour faire de nouvelles dcouvertesdans ls Arts.ils ne devoient faire leurs leons publiques que les Ftes et lsDimanches aprs vpres, pour donner lieu tous ls gens de mtier desy trouver, sans faire tort aux heures de leur travail7.

    O esforo construtivo de que so representantes estes grandesespritos desencantou8 a natureza. Dele resultou a soluo do conflito,patente, no mundo antigo e apenas velado na Idade Mdia, entre a artee a natureza e que abriu a pista de moderno industrialismo.

    7 Cf. Pierre Mxime Shul. Op. cit. pgs. 28-29.8 Ello es que hacia 1540 stn de moda en el mundo las mecnicas. Esta palabra, consta, no

    significa entonces la ciencia que hoy ha absorbido ese trmino que aun no existia. Significa lasmquinas y el arte de ellas. Tal es el sentido que tiene todava en 1600 para Galileo, padre de laciencia mecnica. Todo el mundo quiere tener aparatos, grandes y chicos, tiles o simplesmentedivertidos. Nuestro enorme Carlos, el V, el de Mhlberg, cuando se retira a Yuste, en la ms ilustrebajamar que registra la historia, se leva en su formidable resaca hacia la nada slo estos doselementos del mundo que abandona: relojes y Juanelo Turriano. Este era un flamenco, verdaderomago de los inventos mecnicos, el qye construye lo mismo el artificio para subir aguas a Toledo de que aun quedan restos que un pjaro semoviente que vuela con sus alas de metal por elvasto vaco de la estancia donde Carlos, ausente de la vida, reposa. (Jos Ortega y Gasset,Ensimismamiento y Alteracin. Espasa Calpe Argentina, S. A . Buenos Aires Mxico. 1939,pgs. 150-51).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 46

  • 47ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO V

    O AMBIENTE RACIONALIZADOR

    The factory system not only brought to industrial workers a new andrigorous type of industrial discipline; it also uprooted the older intellectualperspective and social attachments of mankind, which had been built upover tens of thousands of years of human experience.

    Harry Elmer Barnes, Society in Transition, Prentice-Hall Inc. New York.1941, pg.14.

    Any general character, from the best to the worst, from the mostenlightened, may be given to any community, even to world at large, by theapplication of proper means; which means are to a great extent at the commandand under the control of those who have influence in the affairs of men.

    Robert Owen, A New View of Society. London. 1817, pg. 19.

    A chamada Revoluo Industrial no um acontecimento inopinado elimitado por datas precisas. A quase unanimidade dos estudiosos deste assuntoafirma ter ela comeado no fim do sculo XVIII. No s, alis, quando se tratade estabelecer a data inicial da Revoluo Industrial, que se cai no terreno daimpresio. Tambm, quando se trata de dizer em que ela consiste. No hdvida, porm, de que a expresso Revoluo Industrial se refere principalmentea uma radical transformao da cultura material do Ocidente. At 1750, osprincipais implementos da utensilagem humana j tinham sido elaboradosdesde a idade da pedra e dos metais. Os meios de comunicao, at aqueladata, eram os mesmos do tempo de Abraho. Os habitantes dos lagos da Suae do norte da Itlia j possuam, h dez anos antes da metade do sculo XVIII,a mesma tcnica industrial conhecida nesta poca. Certas tcnicas demanufatura de tecidos, a maioria dos animais domsticos, as principais frutas,os cereais j eram conhecidos desde a idade da pedra.

    A organizao social e econmica at aquela data eracomparativamente rudimentar. Estavam ainda vista os estamentos1. Os

    1 A palavras estamento, oriunda do castelhano, tornou-se habitual no linguajar dos socilogosbrasileiros. Sobre seu sentido, escreve Morris Ginsberg (Manual de Sociologia, Editorial Losada.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 47

  • 48 GUERREIRO RAMOS

    Estados recm-egressos do feudalismo constituam territrios, mais ou menosisolados uns dos outros. A atividade econmica ainda transcorrida em basesagrrias e prevaleciam as relaes pessoais entre o empregador e empregado.

    A Revoluo Industrial o teste mais decisivo da atitude laica dohomem ocidental diante da natureza. Mediante a mquina, ele a submetee a conforma. Mas resulta da utilizao extensiva das mquinas umaprofunda desintegrao das estruturas da sociedade europia. As cidadesindustriais se multiplicam e nelas se aglomeram massas jamais vistas atento. De 1800 para 1900, a populao da Europa duplica.Gradativamente a produo a domiclio e o sistema da produo parceladaso superados pelas fbricas. Uma grande mobilidade social se registraneste perodo. A formao dos centros industriais promove osdeslocamentos de populaes, atradas por melhores condies de vida.O progresso crescente da tecnologia das distncias estreita ainterdependncia dos Estados.

    As instituies sociais, entretanto, as tradies, os costumes; emsuma, aquele repertrio de elementos que constituem a cultura nomaterial resiste mudana. Esta resistncia a matriz dos problemassociais que se agravam medida que se desenvolve a tecnologia2.

    Como seria lgico esperar, a resposta que o homem desta poca daos problemas sociais que defronta de carter racional. Amadurece nelea idia de aplicar o mtodo cientfico no tratamento dos problemas sociais.

    Buenos Aires. 1942, pgina 147): os estamentos (em alemo, estande): so os estratos sciascuja posio est definida pela lei e pelo costume. Encontram-se, com variaes, quase em todoponto da Europa continental do velho regime e tambm do mundo antigo. As categorias so, emtodas as partes, quase as mesmas. Na capa superior, encontram-se os nobres-governantes edefensores do Estado, - e os sacerdotes, em seguida vem os mercadores, os artesos e oscamponeses, cada um deles com deveres e funes mais ou menos claramente definidas, efinalmente toda a variedade dos servos. As classes altas retm numerosos privilgios como ajurisdio privada e imunidades, como a iseno de tributos. O nascimento decide da categoriae da posio. Os indivduos ascendem de categoria, ocasionalmente, mediante enobrecimento,por exemplo, e a Igreja recruta tambm seus membros, s vezes dos estratos inferiores. Mas emconjunto, cada estrato se recruta entre seus prprios membros e a ascenso depende da boavontade das categorias superiores. Na Europa o sistema estamental surgiu gradualmente, emregra geral, do feudalismo e conservou suas ordens at fins do sculo XVIII, especialmente asubordinao hierrquica e a dependncia. Vide tambm Guerreiro Ramos, A Sociologia deMax Weber, in Revista do Servio Pblico. Agosto e setembro de 1946. Pg. 129 e segs.

    2 The enormous and unprecedent gulf between machines and institutions is, then, the outstandingaspect of our type of civilization. All the special social problems which we shall deal with in thisbook (problemas da sociedade em transio) are but secondary and subordinate manifestationsof the major social problem of our era, namely, the gulf between our marvelous mechanicalequipment and the economic and political institutions through which we attempt to control it(Harry Elmer Barnes, Society in Transition. Prentice-Hall Inc. New York. 1941, pgs. 2-3).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 48

  • 49ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    E as cincias naturais lhe oferecem um molde para a constituio destanova cincia que procura.

    Morelly, por volta de 1755, escreveu o seu Cdigo da Natureza emque preconizava a formao e o treinamento tcnico do trabalhador.Antecipando Taylor, recomendava que cada um deve ter um trabalho deacordo com a sua habilidade3.

    A idia de que a prpria sociedade pode ser organizadaracionalmente4 se formula cada vez mais nitidamente no sculo XIX einspira o desenvolvimento do que se pode chamar de ambienteracionalizador. neste ambiente que lana suas razes o movimento daracionalizao do trabalho.

    Muitos filsofos do sculo XIX j tinham percebido claramente anecessidade da elaborao de disciplinas cientficas no apenas para seremaplicadas na organizao da sociedade, como tambm na organizaodo trabalho.

    Saint-Simon (1760-1825), em obra de 1819, intitulada LOrganisateur prope um Governo constitudo de trs cmaras: a da Inveno, a do Examee uma terceira, dita cmara Executiva, constituda de lderes industriaiscapitalistas e banqueiros. Em sua obra de 1821, (L Systme Industriel),prope que se cometam as funes de governo a um grupo de cientistasque conduzam os negcios da sociedade de maneira cientfica.

    Inspirado nas cincias naturais, Saint-Simon imagina a fisio-poltica, cujo objetivo seria a direo cientfica da sociedade. A filosofiado sculo XIX tem que organizar, dizia ele, numa de suas antecipaesmais claras da planificao, seno da racionalizao do trabalho.

    Mais do que a intuio, a idia clara de uma organizao racionaldo trabalho se encontra formulada no sculo XIX. O prprio Saint-Simonse detm a recomendar o que hoje se chamaria de orientao

    3 Cf. Joyce Oramel Hertzier, The History of Utopian Thought. The Macmillan Company. New York.1926. pg. 188.

    4 Sobre este tema, vide Francisco Ayala, Histria de la Sociologia. Editora Losada S. A. Buenos Aires.1947. Tambm de Hans Freyer, Soziologie als Wirklichkeitswissenscfht (Leipzig e Berlim, 1930) eEinlaitung in die Soziologie (Leipzig, 1931).

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 49

  • 50 GUERREIRO RAMOS

    profissional e Charles Fourier (1772-1837) , neste particular, umverdadeiro precursor.

    Muito de bizarro e extravagante se registra na obra de Fourier, mas elepode ser considerado um dos espritos que mais decisivamente contriburampara a formao do ambiente racionalizador. Suas reflexes mais importantesa ressaltar so as que se referem falncia das instituies, dos costumes edas tradies vigentes em sua poca. Fourier percebeu nitidamente anecessidade de reconstruir a sociedade, cuja estrutura se tornara arcaica ourgida em face das transformaes tecnolgicas. Inspirado em Newton, quehavia descoberto a lei de atrao do universo material, e em Leibnitz quedesenvolveu o pensamento do fsico ingls, elaborou uma cincia natural dasociedade, segundo a qual existe no mundo do esprito, uma lei fundamental,que se chama lei da atrao passional.

    Em sua terminologia, as paixes so impulsos naturais da criaturahumana. A sociedade, contrariando a manifestao das paixes, torna-secausa dos vcios e da anormalidade. Em si mesmas, elas no so nocivas. Oque preciso reorganizar a sociedade a fim de ajust-la naturezafundamental do homem. Com o nome de falange, imaginou um ambienteideal para o homem, no qual as paixes desfrutando de perfeita liberdade,poderiam combinar harmoniosamente e funcionar em benefcio dasociedade. As suas indicaes mais importantes pertinentes ao campo datcnica do trabalho, podem ser resumidas nas seguintes palavras de Hertzler5:

    Ele pretendia adaptar a ocupao inclinao e capacidade dotrabalhador. Preconizava que o trabalho deve ser sempre uma fonte deprazer. Percebeu que na sociedade existente o trabalho se tinha tornadorepelente antes que atrativo; assim as melhores energias eramdesperdiadas antes que utilizadas. No havia nenhuma tentativa de ajustaa capacidade tarefa, nenhuma oportunidade era dada aos jovens paradescobrir em que direo seu talento os levava, nem para se treinaremnum trabalho adequado s suas paixes... Na falange, nenhum trabalhodeveria ser montono, pois todos fariam o que desejassem. Cada umdeveria executar as tarefas, de acordo com suas propenses. Assim, aproduo aumentaria, porque o trabalho se tornaria dignificado e atrativo,

    5 Cf. HERTZLER. Op. cit. pgs. 201-202.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 50

  • 51ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    uma vez que os indivduos fariam o que gostavam de fazer e trabalhariamcom quem estimavam.

    Merece um lugar de destaque entre estes epgonos do movimentoracionalizador a figura de Robert Owen (1771-1857). Em sua obra,formula-se com clareza uma teoria perfeitamente enquadrada na novaestrutura lgica do universo6.

    A natureza humana no , para Robert Owen, uma entelequia, umacategoria esttica e absoluta, mas alguma coisa precria e sujeita amanipulao. Ele abre a pista da orientao profissional, uma das vigasmestras da organizao racional do trabalho, e do que tem sidoatualmente chamado de sociologia industrial.

    significativo que a obra principal de Owen tenha o ttulo de ANew View of Society. A ele expe sua teoria da natureza humana e asua experincia de organizao racional do trabalho em New Lanark.

    Salienta o socialista ingls que o carter do homem principalmentepr-fabricado pelos seus predecessores. Suas idias, hbitos, crenas lheforam dadas pela tradio. Nunca o homem pode formar seu prpriocarter. Owen, entretanto, em suas obras, afirma o princpio revolucionriode que atravs da manipulao das circunstncias possvel governar edirigir a conduta humana. Na obra referida, prope um sistema nacionalde formao do carter.

    No hesitando em chamar a criatura humana de vital machine,capaz de ser aperfeioada, by being trained to strength and activity,Owen preconiza um novo tipo de direo (management). Aos gerentesde sua poca, dirige-se nestes termos3:

    Quando adquirirdes um conhecimento correto destas (asmquinas vivas), de seu curioso mecanismo, de seus poderes de auto-ajustamento; quando os principais processos mais adequados puderemser aplicados aos seus variados movimentos, vs vos tornareis conscientesde seu real valor e ficareis prontamente inclinados a voltar os vossos

    6 MRIO LINS, A Transformao da Lgica Conceitual da Sociologia. Rio. 1947. Pg. 18.7 Cf. ROBERT OWEN, A New View of Society. London. 1817. Pg. 73.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 51

  • 52 GUERREIRO RAMOS

    pensamentos mais freqentemente das mquinas inanimadas para asanimadas; descobrireis que as ltimas podem ser facilmente treinadas edirigidas para fornecer um grande incremento do ganho pecunirio,enquanto podereis derivar delas um lucro alto e substancial.

    Estas idias foram aplicadas por Owen em seu famoso experimentoem New Lanark. A ele introduziu processos de treinamentos de operrios,reduziu horas de trabalho, aboliu o emprego de crianas menores de 10anos, suprimiu os castigos, por notificaes e advertncias. Percebendo ainfluncia dos fatores indiretos do trabalho (o que um postulado darecente sociologia industrial), fez construir habitaes higinicas para seusoperrios e gastou elevada quantia na edificao de uma escola. Esteempreendimento foi coroado de grande sucesso, que, alis, no se repetiuem sua tentativa de construir uma comunidade modelo, em NovaHarmonia, nos Estados Unidos.

    De qualquer modo, na obra de Robert Owen, no se pode deixar dereconhecer, em estado embrionrio, a idia da racionalizao do trabalho.

    Em 1839 apareceu na Europa um livro que se intitula Organisation du Travail. Seu autor, Louis Blanc (1813-1882), se preocupaespecialmente com a organizao social do trabalho, tendo por objetivosupresso do individualismo, da propriedade privada e da competio.Todavia, a expresso organizao do trabalho, utilizada por Louis Blanc,mostra que sua poca j no repugna a idia que ela encerra.

    Com efeito, Taylor um contemporneo de Louis Blanc.

    Project2:Layout 1 6/3/2009 14:46 Page 52

  • 53ORGANIZAO RACIONAL DO TRABALHO

    CAPTULO VI

    O SISTEMA TAYLOR

    L Prsident Je pense que vous avez dit, Monsieur Taylor, quelorganisation scientifique est dans une large mesure un tat desprit.

    M. Taylor LOrganisation scientifique ne peit exister sil nexisteem mme temps un certain tat desprit... llide de paix droitremplacer lancienne ide de guerre entre ouvriers et patrons. Il fautdonc quoutre ce changement de mantalit, les uns et les autres enveinnent sefforcer de faire dpendre tous leurs actes de faits prciset de renseignements exacts... Tout acte doit tre base sur la scienceexacto et non dpendre comme autrefois de connaissancesaproximatives ou de suppositions.

    Expos devant le Comit spcial de la Chambre desreprsentants in LOrganisation Scientifique dans lIndustrieAmricaine, par La Socit Taylor. Dunod. Paris. 1932. pg. II).

    Le dbut de lorganization scientifique, il la dit maintes fois, at une revolution spirituelle. (Robert Brure, Relations Industrielles,in LOrganisation Scientifique dans lIndustrie Amricaine, par laSocit Taylor. Dunod. Paris. 1932. Pg. 577).

    F. W. Ta