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LIVRO JAYME PAVIANI Interdisciplinaridade - Conceitos e distinções(2008,131p)

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Lucio
Sello
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Interdisciplinaridade conceitos e distinções

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Presidente: Nestor Perini

Vice-presidente: Roberto Vitório Boniatti

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Reitor: Prof. Isidoro Zorzi

Vice-reitor: Prof. José Carlos Avino

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Prof. José Clemente Pozenato

Coordenador da Educs: Renato Henrichs

CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS

Flávio Gianetti Loureiro Chaves Gilberto Henrique Quissini

Jayme Paviani José Clemente Pozenato (Presidente)

José Luiz Piazza José Mauro Madi

Luiz Carlos Bombassaro Paulo Fernando Pinto Barcellos

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Jayme Paviani

Interdisciplinaridade

conceitos e distinções

2a edição revista

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© de Jayme Paviani Capa: Carla Luzzatto Revisão: Ivone Polidoro Lima Editoração eletrônica: Formato Artes Gráficas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul

UCS - BICE - Processamento Técnico

P338i Paviani, Jayme Interdisciplinaridade : conceitos e distinções / Jayme Paviani. - 2.ed. rev. -

Caxias do Sul, RS : Educs, 2008. 128 p. ;21 cm. Apresenta bibliografia. ISBN 978-85-7061-469-8 1. Interdisciplinaridade-Teoria. 2. Educação - Filosofia.

3. Educação-Interdisciplinaridade. I. Título.

CDU : 372.01

Índice para o catálogo sistemático: 1. Interdisciplinaridade - Teoria 372.01 2. Educação - Filosofia 37.01 3. Educação - Interdisciplinaridade 372

Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Márcia Carvalho Rodrigues - CRB 10/1411

Direitos reservados à:

EDUCS - Editora da Universidade de Caxias do Sul Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 - CEP 95070-560 - Caxias do Sul - RS - Brasil Ou: Caixa Postal 1352 - CEP 95001-970 - Caxias do Sul - RS - Brasil Telefone / Telefax: (54) 3218 2100 - Ramais: 2197 e 2281 - DDR (54) 3218 2197 Homepage: www.ucs.br - E-mail: [email protected]

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Sumário

Capa – Orelha - Contracapa

Apresentação / 7

Disciplinaridade e interdisciplinaridade

1. Conceito e distinções preliminares / 13 2. Relações de uma única realidade / 21 3. A gênese e a multiplicação das disciplinas / 25 4. Princípios da interdisciplinaridade / 39 5. Níveis e tipos de disciplinaridade / 49 6. Ações interdisciplinares / 55 7. Pedagogia interdisciplinar / 63

Educação, universidade e interdisciplinaridade

1. Universidade e interdisciplinaridade / 73 2. Experiências interdisciplinares na pós-graduação / 79 3. A função interdisciplinar na Filosofia / 89 4. Interdisciplinaridade e auto-organização / 97 5. Educação e interdisciplinaridade / 105 6. O humano como motivo disciplinar/ 119

Referências / 125

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Apresentação

Antes de explicitar as bases epistemológicas da interdisciplinaridade, é preciso "passar a limpo" a noção de interdisciplinaridade como fenômeno pedagógico e científico. O enfoque principal a ser tratado aqui é a experiência interdisciplinar e não o conceito em si de interdisciplinaridade, que pode se manifestar sob outros nomes. O fenômeno que se procura examinar ocorre na investigação científica, no ensino e no exercício profissional. Trata-se de ações de ensino e de pesquisa que podem ser designadas de interdisciplinares. Portanto, é preciso deixar claro, desde o início, que o objetivo fundamental destes ensaios não é o de defender o uso desse termo/conceito, mas o de esclarecer suas referências e possíveis significados.

Nem todos os filósofos, cientistas e pedagogos acreditam no conceito de interdisciplinaridade assim como é definido geralmente. Além disso, a interdisciplinaridade pode ser praticada sem ser assim nomeada. Há também os que pretendem praticá-la e, de fato, nada produzem de interdisciplinar. O problema que se estuda não está apenas na noção de interdisciplinaridade, mas no estatuto do conhecimento, nas divisões, classificações, sistematizações e nos modos de produção e de transmissão do conhecimento.

Se, de um lado, a interdisciplinaridade pode significar uma estratégia de flexibilização e integração das disciplinas, nos domínios do ensino e da produção de conhecimentos novos, da pesquisa, de outro lado, ela pode tornar-se um mal-entendido, especialmente quando é assumida como uma meta ou solução absoluta e autônoma, anulando totalmente a existência das disciplinas. Na realidade, a verdadeira interdisciplinaridade é uma defesa das

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disciplinas e não sua eliminação. Ela pode oferecer a compreensão, o limite e a função exata e adequada das disciplinas.

A verdadeira interdisciplinaridade realiza a articulação dos saberes, pois não é possível alcançar a ciência, a episteme, sem considerar que o conhecimento é igualmente um fazer, uma techne, e um agir, uma fronesis. O trabalho científico e pedagógico inter-relaciona tipos diferentes de conhecimentos. Conhecer pode consistir em identificar as causas de algo, a causalidade que movimenta a organização do conhecimento, mas isso implica saber tomar decisões, optar por ações possíveis, avaliar e, igualmente, saber agir dentro de padrões éticos aceitos pela sociedade.

Muitos projetos designados interdisciplinaridades são realizados nas instituições de ensino e de pesquisa, mas nem sempre essas experiências são efetivamente interdisciplinares. Entretanto, essas experiências ocorrem em escala cada vez maior e torna-se necessário descrevê-las, analisá-las e interpretá-las. Na realidade, as práticas interdisciplinares estão dispersas e têm níveis e graus diferentes. Por isso, a explicitação dessas experiências é urgente para poder demonstrar a verdadeira e a falsa interdisciplinaridade.

Apesar de manifestações interdisciplinares desde a origem da atividade filosófico-científica e da distribuição dos conhecimentos em disciplinas, hoje, a ela se aliam novos fenômenos interdisciplinares intimamente ligados à formação profissional, ao desenvolvimento dos processos cognitivos e da linguagem. Observam-se tais fenômenos no emprego de novos conceitos epistemológicos como os de complexidade e de emergência.

A pergunta sobre a natureza e os modos de efetivação da interdisciplinaridade talvez possa ser respondida a partir dos princípios de unidade e multiplicidade, de continuidade e descontinuidade, de identidade e diferença, de partes e do todo. Nesse sentido, a interdisciplinaridade pode ser explicada por teorias epistemológicas como é o caso da teoria sistêmica da auto-organização, ou ela mesma pode tornar-se uma teoria pedagógica e epistemológica.

A redução da interdisciplinaridade a um simples arranjo entre disciplinas ou à mera colaboração entre professores, sem um exame de suas implicações epistemológicas e metodológicas, transforma sua prática num modismo intelectual, ou, ainda, numa inútil

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justaposição de atividades. O que pode ser um fenômeno fundamental do conhecimento e dos saberes pode vir a ser ignorado ou mal-interpretado.

Contudo, a noção de interdisciplinaridade é recente. Sua história é breve se levarmos em conta a realização de congressos e a publicação de livros e artigos sobre o assunto. Pode-se, aproximadamente, datar o início dos estudos e da institucionalização do conceito de interdisciplinaridade na década de 70. Desde os acontecimentos de maio de 68, especialmente na França, reivindicam-se atividades pedagógicas interdisciplinares. Nesse sentido, aparece o papel de liderança da filosofia, como demonstram os anais dos congressos realizados e a criação de comissões ministeriais para estudar a questão. Nomes como os de Jacques Bouveresse, Jacques Derrida, Pierre Bordieu e François Gros estão envolvidos. Na Inglaterra, a área de ciências toma a iniciativa de realização de projetos e cursos sobre o assunto. Nos congressos internacionais aparecem nomes como de Jean Piaget, Georges Gusdorf, François Guattari. Alguns desses eventos tiveram o apoio da Unesco.

Mais ou menos, nessa época, no Brasil, alguns estudiosos divulgam as ideias sobre o assunto e apresentam as primeiras contribuições. Entre outros nomes destacam-se os de E. Portela, I. C. A. Fazenda, H. Japiassu, U. Zilles. Mais recentemente surgem novos estudos sobre a interdisciplinaridade no Ensino Fundamental e Médio e nos cursos de graduação e de pós-graduação.

O primeiro ensaio examina as relações entre disciplinaridade e interdisciplinaridade. A noção de disciplina é o ponto central da interdisciplinaridade e das demais relações.

O segundo ensaio investiga as relações entre interdisciplinaridade, universidade, filosofia e educação. As experiências de ensino e de pesquisa interdisciplinares passam necessariamente pelas condições institucionais.

Estes estudos pretendem contribuir para o esclarecimento do conceito de interdisciplinaridade e mostrar as possibilidades de uma teoria da interdisciplinaridade. Querem igualmente chamar a atenção sobre a necessidade de rigor científico no uso do termo e na prática do ensino e da pesquisa. Pretende evitar o perigo de transformar a interdisciplinaridade num modismo, num conceito

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vazio, numa prática equivocada. A superficialidade prejudica o entendimento do fenômeno, e o desgaste conceituai só aumenta a confusão da vida acadêmica constantemente em luta entre a tradição e a renovação.

Agradeço ao Prof. Dr. Carlos Pimenta, da Universidade do Porto, Portugal, que confiou na minha contribuição ao organizar um congresso internacional sobre a interdisciplinaridade. Agradeço o incentivo da Profa. Ms. Corina Dotti que me convidou a proferir uma conferência sobre o assunto, quando possuía muito mais dúvidas do que hoje, sobre a função da interdisciplinaridade; ao Prof. Dr. Silvio Paulo Botomé, que aceitou minha parceria num pequeno livro sobre a interdisciplinaridade e à Profa. Dra. Ruth Gauer que me convidou a ministrar, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, da PUCRS, a disciplina "Epistemologia da Interdisciplinaridade".

Jayme Paviani

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Disciplinaridade e Interdisciplinaridade

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Conceito e distinções preliminares

A interdisciplinaridade não é qualquer coisa que nós tenhamos que fazer. É qualquer coisa que se está a fazer quer nós queiramos ou não. Nós estamos colocados numa situação de transição para um novo momento das relações cognitivas do homem com o mundo e os nossos projetos particulares não são mais do que formas, mais ou menos conscientes, de inscrição nesse movimento. A interdisciplinaridade surge assim como algo que se situa algures entre um projeto voluntarista, algo que nós queremos fazer, que temos vontade de fazer e, ao mesmo tempo, qualquer coisa que, independentemente da nossa vontade, se está inexoravelmente a fazer, quer queiramos quer não. (POMBO, 2004).

Significados de uso do termo interdisciplinaridade:

• teoria epistemológica; • proposta metodológica; • troca conceituai, teórica e metodológica; • aplicação de conhecimentos em outra disciplina; • colaboração entre professores; • manifestação da crise na educação; • manifestação da crise na formação profissional; • solução para o excesso de disciplinas; • solução para problemas científicos complexos.

Lugares da interdisciplinaridade: • na escola: planejamento institucional;

organização curricular;

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• na universidade: planejamento institucional; organização curricular;

programas de pesquisa; programas de ensino; • na profissão: métodos de intervenção.

O que é a interdisciplinaridade? O uso indiscriminado do termo no ensino, na pesquisa, no exercício profissional, nos meios de comunicação, em congressos e seminários, em subtítulos de obras científicas, aponta para múltiplos significados e, em consequência, para nenhum significado preciso aceito pela comunidade de professores e pesquisadores.

O sentido etimológico da palavra (com seus prefixos pluri ou multí, inter e trans) pouco contribui para seu esclarecimento. Entretanto, a partir dos usos em voga, é possível apontar significados de interdisciplinaridade. Em síntese, a interdisciplinaridade pode ser vista como uma teoria epistemológica ou como uma proposta metodológica. Também como uma modalidade de aplicação de conhecimentos de uma disciplina em outra. Igualmente, como modalidade de colaboração entre professores e pesquisadores ou simplesmente como um sintoma de crise das disciplinas, do excesso e da fragmentação de conhecimentos, da especialização que perde a visão do todo.

De fato, a interdisciplinaridade parece consistir num movimento processual, na efetivação de experiências específicas e que surgem da necessidade e da contingência do próprio estatuto do conhecimento. Isso, em parte, explica a ausência de um conceito mais elaborado e aceito pela comunidade dos cientistas. Explica, igualmente, a existência de definições vagas e inconsistentes do fenômeno.

A origem da interdisciplinaridade está nas transformações dos modos de produzir a ciência e de perceber a realidade e, igualmente, no desenvolvimento dos aspectos político-administrativos do ensino e da pesquisa nas organizações e instituições científicas. Mas, sem dúvida, entre as causas principais estão a rigidez, a artificialidade e a falsa autonomia das disciplinas, as quais não permitem acompanhar as mudanças no processo pedagógico e a produção de conhecimentos novos. Disso decorre que a interdisciplinaridade,

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reconhecido o fenômeno, impõe-se, de um lado, como uma necessidade epistemológica e, de outro lado, como uma necessidade política de organização do conhecimento, de institucionalização da ciência.

Afirmar simplesmente que a interdisciplinaridade é um modo de produção ou reconstrução do conhecimento científico, na perspectiva de uma realidade complexa, é uma descrição pouco esclarecedora. Dizer que a reconstrução de sínteses disciplinares pode unificar campos de pesquisa não esclarece totalmente o conceito. É necessário explicitar a lógica do conhecimento científico e as condições político-administrativas das instituições de ensino, para dar conta do fenômeno da interdisciplinaridade.

Imaginar que a interdisciplinaridade consiste na criação de novas ciências ou disciplinas é uma ambição desmesurada e uma simplificação utópica. Relacionar a interdisciplinaridade ao conceito de revolução científica, no sentido de Kuhn, é uma hipótese muito pretensiosa. Afirmar, finalmente, que as relações interdisciplinares não possuem relevância epistemológica, pois desde sempre as disciplinas estão numa relação mútua, é desconhecer o estado atual do conhecimento científico e das questões pedagógicas.

Podemos distinguir duas etapas principais na produção do conhecimento científico: (a) a sistematização (organização) de conhecimentos e (b) a produção de conhecimentos novos. Nessas duas etapas que correspondem à pesquisa e ao ensino, a interdisciplinaridade realiza-se de modo diferente. A pesquisa tende a ser, desde a origem, interdisciplinar. Já no ensino, a interdisciplinaridade tem a função de corrigir a compreensão equivocada da natureza das disciplinas, entendidas como "formas sócio-institucionais de produção de conhecimentos, tributárias de uma história, mediante as quais o conhecimento científico se organiza, se desenvolve, se avalia, se controla e se transmite". (MATTEDI; THEIS, 2002, p. 78). Nesse caso, a interdisciplinaridade teria o objetivo de mediar as divisões e as fragmentações das disciplinas, e de aproximar os saberes, via transdisciplinaridade, entre a ciência, a arte, a religião, a moral, o senso comum.

Assim, o uso inadequado e superficial do conceito de disciplina é uma fonte de equívocos e de dificuldades. As disciplinas

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dependem do progresso da ciência. No entanto, elas, por tradição escolar, apresentam uma tendência conservadora e uma falsa autonomia. As disciplinas, quando se tornam partes fixas e inflexíveis dos currículos, imobilizam os avanços científicos e pedagógicos. O mesmo se pode afirmar dos manuais que mostram a autonomia dessa ou daquela disciplina, como se elas pudessem ser legitimadas e justificadas independentemente das necessidades sociais e do progresso das teorias científicas.

Mas a questão não é simples. Paradoxalmente, o conceito de interdisciplinaridade só pode ser explicitado de um modo interdisciplinar. Exige a interferência da lógica, da filosofia, da história e de outras disciplinas. Seu âmbito de referência pode ser descrito de múltiplos modos. Pode-se, por exemplo, considerar as seguintes perspectivas:

a) a natureza do objeto de estudo ou o problema de pesquisa; b) a atividade de diversos professores voltados para um objeto de

estudo ou de diversos pesquisadores para a solução de um problema de pesquisa a partir de diversas disciplinas;

c) a aplicação de conhecimentos de uma disciplina em outra ou de um domínio profissional em outro.

Em vista disso, não é demais reforçar a ideia de que a interdisciplinaridade realiza-se em cada situação de modo peculiar e pressupõe integração de conhecimentos e de pessoas, de unidades e de sínteses de conhecimento ou de "conteúdos", do uso ou da aplicação de teorias e métodos e da colaboração (princípio de cooperação) entre professores ou pesquisadores.

Para entender a interdisciplinaridade, é necessário considerar novas categorias epistemológicas como a de complexidade e de emergência. A ciência e a tecnologia atuais, especialmente na área das ciências da vida, projetam possibilidades de um futuro humano cujas estruturas pedagógicas tradicionais não conseguem mais acompanhar. O conhecimento já não se move de modo linear entre causa e efeito, mas segundo o modelo circular e de auto-organização. O caráter sistêmico da ciência projeta uma nova

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organização para os cursos de graduação e para o funcionamento das escolas e das universidades. O novo estatuto do conhecimento não pode ser anulado pelos entraves burocráticos e pela falta de visão do futuro.

Costa (1999) postula a necessidade de buscar uma "classificação razoável" das numerosas disciplinas. O exame das inter-relações das disciplinas, segundo ele, passa por diversos obstáculos. Um deles, talvez o mais notável, é o da classificação das ciências. As ciências progrediram muito, e qualquer tentativa de classificar todas elas de modo completo, nítido e exato acha-se de antemão condenada ao fracasso. Costa ainda afirma: "As ciências encontram-se permanentemente em modificação, como se fossem organismos vivos, de maneira que as classificações perdem, seguramente, suas razões de ser." (1999, p. 35). Todas as classificações, desde as de Aristóteles, Bacon, Comte até as tentativas mais recentes, não refletem a realidade processual das ciências e das disciplinas.

Numa classificação razoável, Costa (1999) agrupa as ciências em ciências formais e ciências fatuais ou reais. As primeiras compõem-se das lógicas e das matemáticas. As segundas incluem todas as demais ciências. Essa distinção parece relevante, na medida em que a interdisciplinaridade entre as ciências pode variar em relação às ciências puras, independentes da experiência, e as ciências empíricas, que podem ser subdivididas em ciências naturais e ciências humanas. As ciências formais podem estar presentes em todas as ciências. Portanto, a formalidade lógica e matemática pode ser um elemento de interdisciplinaridade que merece um estudo específico.

As relações entre as ciências ocorrem em diferentes níveis, desde os lógico-formais até os aspectos materiais ou de "conteúdo". As ciências em geral e, especialmente, as ciências que têm como objeto o humano, são determinadas por aspectos doutrinários, ideológicos e culturais. Dentre seus pressupostos encontram-se crenças e valores (humanistas, socialistas, liberais, etc), que interferem nas dimensões éticas e políticas da interdisciplinaridade.

Pressupõe-se, desse modo, uma flexibilidade que possa abranger o avanço das ciências. Costa conjectura sobre o futuro das ciências e das disciplinas atuais, dizendo o seguinte:

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Duas delas, a física e a biologia, tremendamente matizadas, deverão subsistir; as demais reduzir-se-ão a elas. A biologia encampará as ciências humanas e as revolucionará com auxílio da física. Esta última dedicar-se-á às leis e teorias que regulam o universo, quer em suas partes, quer no seu todo. Os organismos, por oposição às coisas, serão investigados pela biologia. Em porvir longínquo, talvez, a biologia se converta em capítulo da física. (1999, p. 36).

A organização das ciências e das disciplinas pressupõe distintas racionalidades científico-pedagógicas. Há nelas uma transversalidade entre o epistemológico e o pedagógico que se entrecruzam e definem horizontes e fronteiras entre as disciplinas. Daí o trabalho de mediação da interdisciplinaridade para encurtar o distanciamento entre os conhecimentos nos processos de pesquisa e de ensino.

Pode-se ainda acrescentar, dentro dessa caracterização, que existem teorias que se situam além dos limites de uma disciplina. O ensino que não reconhece o caráter processual e, portanto, contingente e limitado dos conhecimentos teóricos tende a transformá-los em conhecimentos doutrinários ou ideológicos Por isso, a interdisciplinaridade não é um fim que deve ser alcançado a qualquer preço, mas uma estratégia, uma razão instrumental, uma mediação entre a unidade e a multiplicidade, entre as partes e o todo.

A produção científica e pedagógica avança graças às distinções, definições, classificações, mas também graças ao esforço de sistematizações. Assim, a organização de uma disciplina e a estruturação de um currículo são resultados do trabalho multi e interdisciplinar. Por isso, a simplificação do fenômeno da interdisciplinaridade, além de destituí-la de seu caráter de complexidade e de espaço de emergência, a reduz a uma moda, a um mito, a um slogan pedagógico, a um obstáculo para o verdadeiro entendimento das ciências e das disciplinas.

O conceito de interdisciplinaridade exige um permanente esforço racional e crítico. Não existem fórmulas nem modelos de interdisciplinaridade. De nada adianta afirmar que a interdisciplinaridade envolve integração de educadores, interação de disciplinas, etc, se não se explicita em que consiste essa integração e de que modo essa interação é viabilizada. Definições que exprimem

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intenções e desejos não são suficientes para um trabalho com resultados. As atividades interdisciplinares não se limitam a estabelecer arranjos e justaposições externas. Ao contrário, exigem procedimentos detalhados e coerentes que atingem a estrutura lógica dos programas de ensino e de pesquisa. Igualmente, de nada adianta afirmar que a interdisciplinaridade reside no diálogo entre conhecimentos, pois ela, antes de tudo, é uma categoria de ação.

A função da interdisciplinaridade é a de atender à necessidade de resolver problemas pedagógicos e científicos novos e complexos, dentro de uma determinada concepção de realidade, de conhecimento e de linguagem. Os vínculos entre as ciências e as disciplinas, em qualquer caso, sempre são parciais e auto-organizativos, pois dependem de pressupostos lógicos v ontológicos.

Para cada ação interdisciplinar é necessária a explicitação de um processo teórico e metodológico. Sent a superação das simplificações e sem o reconhecimento de que as relações não-lineares da realidade empírica e da sociedade fornecem hoje o cenário dos processos de investigação científica, não é possível praticar a interdisciplinaridade.

Pode ser realizada a interdisciplinaridade na escola, na universidade e no exercício profissional. No primeiro caso, requer um planejamento institucional v uma organização curricular adequada. No segundo caso, além do planejamento institucional e da organização curricular, exige uma atenção especial na elaboração das ementas dos programas de ensino e dos projetos de pesquisa. Finalmente, a interdisciplinaridade pode ser praticada na atuação profissional, especialmente quando se requer a busca e a sistematização de conhecimentos provenientes de diversas áreas do conhecimento para resolver problemas reais.

Pode-se dizer do processo interdisciplinar o que Maturana diz da explicação científica. Esta não só descreve e explica a experiência, como ela mesma se torna uma experiência. Se "uma explicação é uma reformulação de uma experiência aceita como tal por um observador (que pode ser a mesma pessoa que a propôs), de acordo com certos critérios de aceitabilidade adotados por ele ou ela" (2001, p. 162), então a interdisciplinaridade é o próprio motor dialético de todos os tipos de conhecimento. A lógica do conhecer implica uma

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biologia do conhecer: o investigador observa-se no próprio ato de observar a realidade. A realidade é o nome que é dado ao argumento explicativo da experiência. E isso ocorre de tal modo que a distinção entre ilusão e percepção sempre é a posteriori.

Disso decorre que o entendimento da interdisciplinaridade pressupõe uma nova ontologia e uma nova concepção das questões epistemológicas e da linguagem. Fazer interdisciplinaridade, portanto, é acompanhar o processo do conhecimento e da linguagem nas organizações e na institucionalização da ciência e da educação.

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Relações de uma única realidade

Se questionados, a maioria dos cientistas diria que trabalha sobre problemas. Quase ninguém pensa em si mesmo como trabalhando sobre uma disciplina. (LENOIR, 2003).

Disciplinaridade e suas relações

• multidisciplinaridade - junto, coordenação; • interdisciplinaridade - entre, combinação; • intradisciplinaridade - dentro, assimilação; • transdisciplinaridade - além, fusão, holismo.

As interações entre as disciplinas e as atividades docentes podem ser designadas de diversos modos indicados pelos prefixos inter, trans, multi. Esses prefixos têm pouca validade quando não se submetem à crítica da concepção tradicional de disciplina, pois em cada situação apontada por eles sempre há algo comum a todos, a existência da disciplina. Assim, a questão central reside na disciplina e nas múltiplas relações e dimensões que ela pode assumir. Portanto, adjetivar um programa de ensino, um projeto de pesquisa ou qualquer ação pedagógica ou científica de multi, de inter, de intra e de transdisciplinar pode ser puro nominalismo, um simples atribuir novo nome para um conceito antigo.

Em vista disso, o uso desses prefixos (multi, inter, intra, trans) junto ao termo disciplina necessita ser justificado. A multidisciplinaridade parece não oferecer problemas de compreensão. Qualquer currículo é composto de diversas disciplinas. Quanto à intradisciplinaridade, apesar de indicar um fenômeno importante,

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o das citações internas de uma disciplina em relação à outra, em geral não é mencionada nem estudada. Observa-se uma confusão maior no uso dos termos inter e transdisciplinaridade, às vezes, como sinônimos, outras vezes com múltiplos e variados significados. Na realidade, ainda nem efetivamos as possibilidades da interdisciplinaridade e, no entanto, falamos, com certo abuso do termo, na transdisciplinaridade.

A condição epistemológica da transdisciplinaridade, numa primeira definição, reside na possibilidade de ultrapassar o domínio das disciplinas formalmente estabelecidas e, numa segunda definição, consiste na possibilidade de estabelecer uma ponte entre os saberes. Isto é, entre a ciência, a arte, a religião, a política, etc. Além de transcender as relações internas e externas de duas ou mais disciplinas, a transdisciplinaridade aponta para a exigência de uma maturidade intelectual, para uma espécie de sabedoria em que se põem em contato a ciência com a vida, as manifestações éticas e estéticas, os valores e as normas sociais.

A transdisciplinaridade, conforme Guattari, deve tornar-se "uma transversalidade entre a ciência, o social, o estético e o político". (1992, p. 23). Enquanto a interdisciplinaridade prioriza o nível lógico do conhecimento, a transdisciplinaridade é sustentada por evidentes fundamentos ético-políticos. Exemplo clássico disso são os problemas do meio ambiente e da ecologia. Nesses casos, o simples encontro entre disciplinas é insuficiente. Somente a transdisciplinaridade desloca o entrecruzamento de domínios amplos, como o social, o político, o ético, o estético. A transdisciplinaridade vai além das relações intra e interdisciplinares e transforma a estrutura interna das disciplinas, às vezes, para organizar uma nova ciência.

A transdisciplinaridade é uma ação de abertura e de "fusão" de disciplinas e até de ciências que envolvem pesquisadores e comunidades científicas, com objetivos de produzir conhecimentos novos e de integrar teorias e métodos de investigação para buscar soluções de problemas complexos. Seu objetivo é o de impedir que o ser humano e a natureza sejam reduzidos a simples estruturas formais, a teorias e procedimentos metodológicos superados pelo desenvolvimento. Nesse sentido, a transdisciplinaridade reconhece, em relação a um determinado problema, as contribuições científicas,

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filosóficas, artísticas, religiosas e míticas, conforme Carta de Transdisciplinaridade, Convento da Arrábida, Portugal, 1994.

A transdisciplinaridade nem sempre se distingue com nitidez da interdisciplinaridade. As iniciativas de trabalho científico que originam novas ciências ou disciplinas, que agrupam professores e instituições em torno de modelos teóricos, em muitos casos, resultam do trabalho interdisciplinar. É o caso da bioética, do biodireito, da cibernética e de outras experiências científicas recentes. A reunião de pesquisadores e de programas de pesquisa de diferentes áreas, na busca de solução de problemas científicos novos, pode criar condições para o surgimento de uma disciplina ou de uma ciência. Enquanto a interdisciplinaridade promove o intercâmbio teórico e metodológico, a aplicação de conhecimentos de uma ciência em outra, a transdisciplinaridade, na prática, propõe o rompimento de paradigmas e modelos das disciplinas acadêmicas, tendo em vista as novas exigências da sociedade.

Observando as práticas desenvolvidas nas instituições na atualidade, não é possível deixar de advertir que a transdisciplinaridade, assim como é proposta em muitos casos, não está totalmente livre do perigo de um holismo vazio, vago, generalista, que impede de perceber a existência de unidades mínimas que constituem o núcleo duro de cada ciência on disciplina.

Algumas áreas do conhecimento, como a Pedagogia, a Medicina, ou mais recentes, como as Ciências do Esporte, a Administração de Empresas, surgem, ao mesmo tempo, do esforço multi, inter, e transdisciplinar natural ao conhecimento científico e às exigências pedagógicas.

A história da ciência mostra como processos de pesquisa que obtiveram êxito tendem a formar novas ciências ou disciplinas e novas comunidades científicas. O intercâmbio lógico-epistemológico, metodológico e socioinstitucional é necessário para buscar soluções para os problemas de pesquisa. Considerando que as disciplinas existem em função da necessidade de solução dos problemas científicos, é natural que os conhecimentos não permaneçam presos em modelos pedagógicos.

A transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade não têm o objetivo de controlar arbitrariamente as ciências ou as disciplinas,

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na expressão de Morin (2001, p. 135) "como a ONU pretende controlar as nações". Nem devem ser vistas apenas como fenômenos meramente positivos. A transdisciplinaridade, segundo Morin, pode radicalizar os princípios da matematização e da formalização e, desse modo, enclausurar a nova disciplina ou ciência. A hipoformalização do princípio de unidade resulta de um fazer transdisciplinar que não corresponde à concepção contemporânea de ciência, especialmente quando esse fazer sofre a influência de paradigmas ou modelos que determinam e controlam o conhecimento externa e metafisicamente. (MORIN, 2001, p. 135-140).

A transdisciplinaridade, saudada como um "remédio" para o excesso de complexidade relativa às concepções ontológicas da realidade e às concepções gnosiológicas do conhecimento e da linguagem, tem sua compreensão e sua operacionalização prejudicada, com algumas exceções, no mais das vezes, no patamar das intenções. Por isso, é conveniente, antes de estabelecer um espaço transdisciplinar, realizar todos os recursos interdisciplinares.

Assim, mais do que nomenclaturas, a disciplinaridade, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são arranjos que descrevem e explicam a realidade, que esclarecem as interações entre o conhecimento e a realidade, entre a ciência e a cultura, entre a ciência e a tradição, entre a ciência e a tecnologia e entre outras manifestações sociais e históricas. Contra o excesso de especialização, de fragmentação, essas formas de interação buscam novas formas de saber e de conhecer. O desafio reside não apenas na realização de um diálogo intelectual, mas na tentativa de instaurar uma nova mentalidade científica, uma civilização democrática que propicie a paz entre os homens.

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A gênese e a multiplicação das disciplinas

Esta dispersa multiplicidade de disciplinas é hoje ainda apenas mantida numa unidade pela organização técnica de universidades e faculdades e conserva um significado pela fixação das finalidades práticas das especialidades. (HEIDEGGER, 1969).

Significados do termo disciplina: • ciência ou matéria de ensino; • unidade ou ramo do conhecimento; • programa de ensino; • estudo de uma ou mais teorias; • estudo de autores; • indicação formal de tópico de estudo.

Definições de disciplina: • unidade básica isolada; • unidade do projeto curricular; • unidade de uma área de conhecimento.

História da disciplinaridade: • as disciplinas e o pensamento grego; • as disciplinas e o surgimento da universidade; • as disciplinas e a ciência moderna; • as disciplinas e a fragmentação atual do conhecimento.

As disciplinas estão ligadas à história da filosofia, da ciência, da escola e da universidade. As disciplinas são sistematizações lógicas, epistemológicas e político-administrativas,

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que podem assumir nas organizações institucionais curriculares diversos objetivos e finalidades.

As disciplinas podem alcançar diversos objetivos: a) sensibilizar o aluno para o estudo de determinada questão; b) organizar e transferir conhecimentos; c) treinar habilidades ou competências profissionais. O modo de lidar com as disciplinas permite dar ênfase à formação da pessoa ou à execução de certas atividades; pode formar especialistas ou profissionais com visão geral; pode dedicar-se ao desenvolvimento do conhecimento e do pensamento; pode insistir na formação comunitária e afetiva dos indivíduos e, ainda, buscar outras metas.

Para alcançar seus objetivos, as disciplinas assumem naturalmente uma dimensão institucional na qual se entrecruzam os conhecimentos científicos e tecnológicos, a estrutura e o funcionamento das escolas e universidades, as condutas pedagógicas, a cultura e as necessidades da sociedade.

Os termos ciência e disciplina, às vezes, são usados como sinônimos. Todavia, é oportuno distingui-los. Entende-se por ciência um tipo de saber, qualificado como científico, em vista de seus processos metodológicos, e definido por alguns como "crença verdadeira justificada", pois a ciência lida com proposições justificadas. As ciências são, entre outras possíveis de serem assim designadas, a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Geografia, a História, a Economia, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Linguística e, para alguns, até a Filosofia, embora possa ser, segundo alguns, distinta da ciência empírica.

As disciplinas podem ser definidas como sistematizações ou organizações de conhecimentos, com finalidades didática e pedagógica, provenientes das ciências e, em circunstâncias especiais, de outros tipos de saberes.

O conceito de disciplina varia segundo os autores e as respectivas teorias. Podemos encontrar diferentes significados de disciplina. Assim, Pombo destaca três sentidos: a) a disciplina é entendida como um ramo do saber: a Matemática, a Física, a Psicologia, etc, que pode abarcar subdisciplinas; b) a disciplina é apenas um componente curricular: Química Inorgânica, Ciências do Ambiente, etc, que pode surgir e desaparecer segundo os interesses e as

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circunstâncias; c) a disciplina é um conjunto de normas que regulam determinada atividade ou comportamento de grupo. (2004, p. 43-66).

Os diversos significados do conceito de disciplina podem ser esclarecidos, para fins operacionais, examinando, em cada caso, seu significado a partir do contexto de uso. Assim, o termo disciplina, às vezes, designa uma área de conhecimento, como Física ou Psicologia; outras vezes indica o estudo de uma teoria, por exemplo, "A teoria de Piaget"; ainda outras vezes, aponta para o estudo de tópicos, como, por exemplo, "O romance de Machado de Assis". O termo disciplina também pode ser um mero nome formal como "Cálculo Diferencial Integral I, II, III". Observa-se, igualmente, que os currículos nem sempre usam os mesmos critérios para relacionar e nomear as disciplinas. Na realidade, a organização curricular, ao relacionar as disciplinas, pressupõe áreas de conhecimento, linhas de pesquisa, estudo de obras e autores, atendimento de objetivos e definições de perfis de egressos.

O atual fenômeno do excesso de disciplinas possui uma evidente relação com os avanços científicos e tecnológicos e com a complexidade da vida contemporânea. O ponto de vista ontológico das concepções de realidade e as perspectivas da nova modalidade de entender o fenômeno do conhecimento e da linguagem humana produzem efeitos nas estratégias de formação de cidadãos e de profissionais e, consequentemente, na organização dos cursos e dos meios didáticos e pedagógicos.

Esse cenário explica, na atualidade, por que as disciplinas, esses "distritos do saber" ou "núcleos de conhecimentos centralizados", nem sempre acompanham os processos de evolução da ciência. O estágio avançado de auto-organização do conhecimento não pode submeter-se, como afirma Portella, à substância declaratória, aos argumentos de autoridade, ao mero controle disciplinar.

Entretanto, a ideia de disciplina é consagrada de tal maneira, e nisso reside o paradoxo, que a própria questão da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade é ainda debatida "no interior de uma hegemonia disciplinar, isto é, sob os auspícios do especialista ou do expert". (PORTELLA, 1992, p. 6). Por isso, antes de examinar os conceitos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, é necessário investigar a origem, a natureza e a função do sistema disciplinar.

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a) Razões, motivos e contextos

As disciplinas, via de regra, são arranjos lógicos e político-administrativos que atendem a padrões de racionalidade de uma dada situação histórica. O problema está em que a disciplina, conceito que reflete interesses de diversas ordens e/ou necessidades práticas, com o tempo, tornou-se um modelo auto-suficiente e distante das concepções de realidade e de conhecimento científico.

Uma mesma disciplina pode ter distintas origens e motivações e ser ministrada com diversos "conteúdos" e perspectivas teóricas. A disciplina, como vimos, organiza-se em função de estruturas curriculares e da formação de profissionais. No entanto, não poucas vezes, no âmbito da universidade, a mesma disciplina é ministrada com diferentes programas de ensino, sem que se possam considerar essas experiências interdisciplinares. Prova disso são os diferentes manuais de uma mesma disciplina.

Para Kuhn (1975), os manuais, quando não bem-elaborados, contribuem para a formação da chamada "ciência normal", distinta da "ciência extraordinária". Eles educam para uma formação científica dogmática e, em geral, repetem as realizações científicas do passado. Desse modo, a dialética entre as ciências e as disciplinas pode ser investigada em sua gênese de modo histórico e sistemático. A multiplicação das disciplinas, sem dúvida, pode ser explicada a partir de causas lógicas, antropológicas, mas também sociológicas e de economia política.

A ciência pode ser definida, de modo lógico, como um conjunto de enunciados acerca de determinado objeto de investigação, e também de modo antropológico, como uma atividade que envolve pessoas, prédios, orçamentos, políticas, etc. Também pode ser definida de modo histórico ou como fato cultural. Nessas perspectivas, a origem de uma disciplina apresenta razões de natureza distintas.

O conhecimento puro não passa de uma ilusão. Bacon (1973), no início da Idade Moderna, demonstrou que observar é conhecer, conhecer é poder. Faz-se ciência com problemas, teorias, métodos, conceitos, emoções, desejos, interesses, sempre em consonância com as condições de cada época. Por isso, todos esses aspectos precisam ser considerados quando se tenta visualizar a história das disciplinas, descobrir as causas e os motivos que estão na sua origem.

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O conhecimento produzido tende a se padronizar, uniformizar, como qualquer produto cultural. Nesse sentido, as disciplinas reproduzem o conflito entre a tradição e a renovação, entre o conhecimento e a ignorância. As ações e decisões presentes nos atos de produzir, sistematizar, conservar, aplicar, divulgar conhecimentos ultrapassam os limites dos enunciados lógicos. Em vista disso, não poucas vezes, a disciplina permite que a ciência se transforme em doutrina e em ideologia.

A necessidade de distinguir e classificar os conhecimentos, dependendo das circunstâncias, muitas vezes é complementada por uma dimensão moral, de autoridade e de obediência. Nesse sentido, o termo disciplina, usado nos currículos, esconde em suas origens semânticas um sentido de norma, de punição, de formação intelectual, emocional e física. O conceito de disciplina traz marcas que ultrapassam o puro ensinar ou aprender, contém a ideia ou a ação de disciplinar, isto é, de sujeitar o discípulo a receber ensino de alguém, de aprender certos "conteúdos", memorizar noções, definições, datas, nomes, teses, teoremas. Nesse caso, o conceito de disciplina mistura conhecimentos com a necessidade de seguir a orientação da autoridade pedagógica. Na realidade, a escola, durante muito tempo, impôs normas e com elas justificou prêmios e castigos. A disciplina, no sentido de organização dos conhecimentos e de exercício de obediência, pode transformar-se num modo de formar sectários ou revoltados, de transformar a ciência em doutrina. Mesmo hoje, apesar das grandes mudanças na concepção de ciência, ainda encontramos professores que adotam uma teoria e a seguem como se fosse um dogma.

Mas o fenômeno da gênese e da multiplicação das disciplinas não se limita às estruturas curriculares e políticas universitárias, ele é mais amplo. Pode-se encontrar nesse fenômeno um esforço multi e interdisciplinar, característica que desaparece no momento em que a disciplina se consolida. Traços disciplinares e interdisciplinares podem ser demonstrados em qualquer sistematização de conhecimento. Assim, a multi e a interdisciplinaridade não são eventos apenas da atualidade, mas são uma condição constante do conhecimento teórico em seus diversos estágios de desenvolvimento.

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b) A história das disciplinas

Na Grécia antiga, por obra dos sofistas, dos primeiros cientistas e historiadores e especialmente de Platão e de Aristóteles, teve início a divisão do conhecimento em disciplinas. Antes mesmo de uma delimitação entre filosofia e ciência, surgem distintas áreas de conhecimento teórico. A Academia fundada por Platão possui diretoria, estatuto, orçamento, salas de aula, biblioteca, e cada professor, sua "disciplina": Spêusito e Xenócrates ensinam filosofia; Teeteto, matemática; Eudóxo, matemática e astronomia, e Aristóteles, retórica.

Platão, nos diálogos Menon e República, distingue e caracteriza o conhecimento da doxa e da episteme. Faz constantes referências à medicina e à matemática, áreas que aparecem como autônomas. Critica a retórica dos sofistas. Mostra a existência de discursos falsos e verdadeiros. Insiste na importância do método para se fazer uma verdadeira ciência.

Aristóteles divide as ciências em teóricas e práticas. Nos Segundos analíticos, a ciência apodítica é, ao mesmo tempo, conhecimento das causas, das razões, das explicações dos fatos, dos comportamentos. O conhecimento hipotético e probabilístico da ciência indaga o quê e o porquê de certo estado de coisas. Já nos primeiros passos de um processo interdisciplinar, Aristóteles aproveita, em seus estudos, termos e conceitos da geometria.

Além da ciência apodítica, demonstrativa, e da ciência da inteligência, pouco detalhada por ele, há a ciência dialética exposta nos Tópicos. As diferenças entre essas ciências são de caráter epistemológico e metodológico. Certas diferenças constituem a identidade de cada discurso científico, de cada tipo de racionalidade.

Aristóteles, como Platão, valoriza a questão do método. Diz que é um elemento importante para diferenciar os conhecimentos da Lógica, da Física, da Ética, da Retórica e da Poética. Observa-se, igualmente, em sua obra, o esboço de áreas de conhecimento, como as da Biologia, da Economia, da História, da Psicologia.

Aristóteles insiste na necessidade de toda multiplicidade de saberes fundamentar-se na ciência unitária do saber das causas. Essa concepção, sem dúvida, marca profundamente a ciência ocidental até os fins da Idade Média. Nem a ideia de revelação do Cristianismo, segundo Zilles (1974), consegue romper esse ideal de

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unidade. Ao contrário, a concepção aristotélica serve de modelo à teologia. Desse modo, opera-se uma forma de interdisciplinaridade entre filosofia e teologia.

O antigo ideal da unidade da ciência persiste no século XII, depois de tentativas seculares de conciliação e de afastamento entre os sistemas aristotélico e neoplatônico, e inclusive depois da criação das escolas dos mosteiros ou das catedrais e da universidade.

A universidade nasce da reunião de professores e de estudantes e não de disciplinas. A integração intelectual, numa dimensão sociopolítica e religiosa, dá origem à universitas magistrorum ou universitas scholarium. A reunião e a cooperação entre indivíduos, a comunidade de vida e de interesses antecedem a interação entre disciplinas. A universitas não se define pelas "matérias estudadas", mas pelo conjunto de mestres e alunos corporativizados dentro de escolas. (ULLMANN, 2000, p. 98-105). Um aspecto que interessa ao espírito interdisciplinar é o estreito intercâmbio internacional entre professores e alunos, condição relevante da produção científica até hoje.

Na universidade medieval, a Faculdade de Artes ensina o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). A formação profissional é garantida pelas Faculdades superiores: Teologia, Direito e Medicina.

A consolidação organizacional das primeiras universidades e a diversificação do cursus universitário contribuem para uma crescente diferenciação interna das disciplinas, o que permite aumentar a eficiência do ensino e da aprendizagem. (SCHRADER, 2002, p. 59-64). Atende-se também ao surgimento de novas carreiras. Aparece, desde então, uma relação evidente entre o mapa das disciplinas e a estrutura administrativa das universidades.

A expansão das universidades medievais favorece a formação de disciplinas especialmente no interior da ciência jurídica e da ciência médica. Proveniente do modo de pensar greco-romano, o direito especializa-se em direito romano e direito canônico. A medicina propõe dois âmbitos: o da cirurgia e o da clínica. O fenômeno da interdisciplinaridade, quase imperceptível, começa a existir, embora, nesse instante, a ação de classificar predomine sobre a ação de integrar os conhecimentos, especialmente nos estudos jurídicos, médicos e teológicos.

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Schrader (2002) fala em diferenciações internas e externas das disciplinas. A diferenciação externa é uma exigência de especialização das áreas de conhecimento; na medicina, por exemplo, há a divisão entre cirurgia, oncologia e psiquiatria. As necessidades sociais comparecem conjuntamente com o processo lógico e metodológico que sustenta as disciplinas.

A diferenciação interna depende do desenvolvimento lógico do conhecimento. Esse fenômeno aumentou sua intensidade na modernidade. Para ilustrar essa tendência, podemos, entre outros exemplos, mencionar a sociologia que se subdivide em disciplinas como sociologia da educação, sociologia da cultura ou sociologia jurídica, etc. Essas repartições são mediadas por conceitos e métodos comuns, dando origem a uma espécie de interdisciplinaridade natural e direta.

A diferenciação externa e interna possibilita o entendimento melhor das mudanças estruturais e intelectuais nos primeiros séculos de universidade. Uma concepção de ciência e uma determinada imagem do mundo sustentam a organização da universidade em torno de princípios que estão na base tanto dos currículos quanto da estrutura administrativa. Quando as concepções de ciência ou de disciplina e de estrutura organizacional não avançam no mesmo ritmo e na mesma direção, ocorrem crises, ora de caráter pedagógico-científico, ora de caráter institucional. No Renascimento, por exemplo, a universidade, presa a uma visão tradicional superada, vive em descompasso com os avanços científico, intelectual e cultural. Prova disso é que o Humanismo não surgiu dentro da universidade.

Na Idade Moderna, a ciência adquire um novo perfil. As contribuições de Galileu, Kepler, Copérnico, Bacon e Descartes desafiam a velha estrutura acadêmica. O desdobramento de novas áreas científicas e a consagração do método empírico produzem a necessidade de considerar, ao mesmo tempo, o conjunto dos conhecimentos e a autonomia das ciências.

Descartes adverte:

Se alguém quiser investigar a sério a verdade das coisas não deve escolher uma ciência particular: estão todas unidas entre si e dependentes umas das outras; mas pense apenas em aumentar a luz natural da razão, não para resolver esta ou aquela dificuldade de escola,

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mas para que, em cada circunstância da vida, o intelecto mostre à vontade o que deve escolher, (s/d. p.12-13).

A essa recomendação, Descartes acrescenta:

Em breve, ficará espantado de ter feito progressos muito superiores aos de quantos se dedicam a estudos particulares e de ter obtido não só tudo o que os outros desejam, mas ainda coisas mais elevadas do que as que se podem esperar, (p. 13).

Nessas palavras, encontra-se uma manifestação a favor da interdisciplinaridade, da unidade da ciência como sabedoria, mesmo na multiplicidade de suas formas.

Diante da multiplicação de disciplinas, Heidegger, em 1929, ao ingressar na Universidade de Freiburg, afirma em sua preleção:

Os domínios das ciências distam muito entre si. Radicalmente diversa é a maneira de tratarem seus objetos. Essa dispersa multiplicidade de disciplinas é hoje ainda apenas mantida numa unidade, pela organização técnica de universidades e faculdades e conserva um significado pela fixação das finalidades práticas das especialidades. Em contraste, o enraizamento das ciências, em seu fundamento essencial, desapareceu completamente. (1969, p. 22).

Na perspectiva do pensamento heideggeriano: a) nenhum ponto de vista das ciências ou disciplinas possui hegemonia sobre o outro. A Física não é superior à História, nem a Matemática é mais rigorosa do que a Filologia; b) as ciências ou disciplinas, enquanto tais, referem-se ao mundo, à realidade, buscam explicar os entes e nisto são conduzidas por um comportamento humano. Essas reflexões, de caráter ético e epistemológico, todavia, não excluem as forças econômicas que determinam o status e a orientação ideológica das disciplinas.

O desenvolvimento da ciência moderna é acompanhado pela permanente multiplicação de disciplinas, de departamentos e currículos acadêmicos. A história da ciência e a epistemologia já não dão conta da complexidade teórica e dos métodos científicos. Novas disciplinas, programas de pesquisa e unidades administrativas, com nomes híbridos, apontam para a existência de divisões e para uma

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possível afinidade entre os diferentes tipos de conhecimento. Historiadores, linguistas, filósofos, juristas, químicos, físicos, antropólogos e outros pesquisadores "invadem" objetos de pesquisa que tradicionalmente não pertenciam ao seu domínio; usam métodos de outras ciências; servem-se das mesmas teorias; enfraquecem os argumentos a favor da autonomia e da eficácia das disciplinas consolidadas pela tradição. Enfim, a multiplicidade de disciplinas se, às vezes, tem como causa caprichos de uns e de outros, e interesses corporativistas, ela também, outras vezes, é sintoma de mudança, de revolução na organização dos conhecimentos que têm origem em problemas pedagógico-epistemológicos.

c) A formação de disciplinas hoje

O conceito de ciência hoje, como tudo, está em crise. Ainda estamos tentando esclarecer a ideia de unidade da ciência. Os processos de investigação científica são múltiplos. Fala-se em ciências, no plural.

Assim, a heterogeneidade da ciência oferece um conjunto de consequências para a vida acadêmica. As expressões e classificações: "ciências exatas", "ciências humanas" ou "ciências da natureza e da cultura", já não correspondem ao estado atual da produção científica.

As demarcações do que seja científico e não científico tornam-se mais rigorosas e, portanto, complexas. Desse modo, o estabelecimento de disciplinas também exige novos critérios abertos ao processo de auto-organização do próprio conhecimento e da sociedade. A emergência e a complexidade dos saberes propõem novos desafios.

Já não se pode, por exemplo, falar em ciência e tecnologia como dois estágios distintos e separados. A tecnociência é uma nova modalidade de conhecimento. Diante disso (da tecnociência), a instrumentalização do processo de investigação é tão importante quanto a teoria. Certas hipóteses de pesquisa não podem ser projetadas e executadas sem a sua corporificação material. Nesse sentido, a tecnociência propõe uma revisão das relações entre teoria e método.

Até recentemente, era comum a ideia de que a teoria domina o conhecimento científico. Textos de Kuhn, Hanson, Feyrabend, Duhem, Popper e de outros enfatizam a importância da teoria. Entretanto, Lenoir mostra que essa tendência, de certo modo, deixou em

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segundo plano a "prática técnica e social" da produção de conhecimentos, "uma vez que a observação e a prática foram reconhecidas como dependentes da teoria, e uma vez que a experimentação tenha sido despida de qualquer papel crucial para a escolha de teorias". (2004, p. 37). Ele adverte que esses aspectos parecem não contribuir para o crescimento do conhecimento. Nossa época, acrescenta Lenoir, a partir especialmente das posições de Ian Hacking, em Representing and intervening, investiga com as técnicas e os experimentos disponíveis e não tendo sempre como ponto de partida a teoria explícita.

Em síntese, nem sempre a "observação está sobrecarregada de teoria". Observar certamente depende de teorias, de ideias, mas se "o feixe de teorias sobre o qual repousa a observação não estiver entrelaçado com os fatos sobre o assunto que se investiga, tal observação não é sobrecarregada de teoria". (2004, p. 38). Além disso, na investigação contribuem, ao mesmo tempo, as práticas técnicas e as práticas sociais. A complexidade que existe na natureza não pode ser simplificada. Os pesquisadores tentam simplificá-la produzindo fenômenos puros nos laboratórios. Todavia, a noção de fenômeno, segundo Hacking (1983), é "evento ou processo digno de nota, publicamente discernível, que ocorre regularmente sob circunstâncias definidas", e permite afirmar que fenômenos não são descobertos, mas criados. Esse criar, sem dúvida, pressupõe um conjunto de ideias e de práticas difíceis de serem anotadas de modo objetivo e completo.

A importância da teoria não pode ser absolutizada. É também necessário destacar o processo de ver, observar, experimentar. Nesse sentido, em todos os casos, a efetivação ou a mediação da teoria pelos fatos e fenômenos depende do desenvolvimento de habilidades e competências cognitivas, sociais e políticas. O trabalho teórico da ciência lida com conhecimentos, informações, ideias, mas também com habilidades, decisões, escolhas, critérios e normas. Os processos de produção científica não são uniformes, ao contrário, a heterogeneidade da ciência é demonstrada a toda hora.

Em consequência do novo cenário, são necessários novos critérios para definir e estabelecer disciplinas e currículos. A disciplina não pode ser reduzida a uma simples sistematização de conhecimentos produzidos. Também é necessário ter consciência de que a passagem do evento científico para o evento pedagógico está

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impregnada de elementos lógicos, socioantropológicos, político-administrativos e ético-estéticos que nem sempre se podem observar e explicitar no trabalho de organização curricular.

Fazer e aprender ciência hoje requer novos espaços e modalidades de aprendizagem, e isso implica uma revisão do conceito tradicional de disciplina. As disciplinas, mais do que nunca, são ordenamentos lógicos e políticos de informações ou de conhecimentos. Na realidade, os aspectos econômico-políticos envoltos na sua constituição, via de regra, são ignorados ou postos de lado pelos consumidores do produto pedagógico. Estabelecer o âmbito e os limites de uma disciplina, julgar seu lugar na hierarquia de um currículo são tarefas que incorporam práticas sociais e institucionais. Nesse sentido, Foucault (1972), ao analisar o processo de formação da clínica médica, no século XIX, mostra que a disciplina é uma formação discursiva, conceito que ele analisa em a Arqueologia do saber.

Lenoir, em Instituindo a ciência, explicita um conjunto de características das disciplinas. Algumas delas chamam a atenção e podem ser comentadas:

1. As disciplinas são "infra-estruturas da ciência corporificada" antes da existência de departamentos, sociedades de profissionais e livros didáticos. (2004, p. 65). De fato, costuma-se afirmar que o departamento é a unidade mínima da estrutura universitária, pondo em segundo plano a existência das disciplinas. Ao contrário, a disciplina está na origem dos departamentos, dos programas de ensino, das políticas de prestígios e privilégios dentro de um determinado quadro de maior ou menor status social.

2. As disciplinas ajudam cientistas, pesquisadores e professores a organizarem e a estruturarem relações em "contextos particulares institucionais e econômicos". (2004, p. 65). Cientistas e professores, sem suas disciplinas no mundo acadêmico, perdem sua identidade. De fato, as disciplinas servem "para distribuir status", para "fundar especialidades e habilidades", para "demarcar hierarquia entre os especialistas". (2004, p. 65). Elas também oferecem esquemas de ação, de juízo e de percepção para o desenvolvimento do conhecimento, da cognição e da comunicação. As estruturas lógicas

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das disciplinas estão dimensionadas por relações de poder e de autoridade que, muitas vezes, se tornam obstáculos para a integração entre as próprias disciplinas.

3. As disciplinas são "mecanismos institucionais para regular as relações de mercado entre consumidores e produtores de conhecimento". (2004, p. 65). É comum ver as disciplinas como unidades básicas das estruturas escolares, mas já não é comum prestar atenção aos interesses da economia política presente na organização disciplinar e curricular. A expressão "construção social do conhecimento" também pode ser entendida nesse sentido.

Diante do exposto, a interdisciplinaridade não depende apenas de boa vontade, de intenções e propostas externas, mas das condições científicas, sociais e institucionais. Sem prestar atenção às relações entre poder e conhecimento, é difícil estabelecerem-se padrões interdisciplinares produtivos.

Além disso, as disciplinas podem se originar de programas de pesquisa ou por influências externas de diferentes ordens. Isso significa que não são necessários mitos fundadores ou grandes individualidades para explicar a origem de uma disciplina. Elas podem nascer de um conjunto de relações socioeconômicas e culturais e de habilidades e competências cognitivas ou políticas. As condições epistemológicas não são as únicas na constituição de uma disciplina, também estão presentes os interesses dos indivíduos e as forças da economia política.

A formação de disciplinas pressupõe saber negociar critérios epistemológicos e de economia política. Trata-se de uma luta de autoridade científica, pedagógica ou de prestígio pessoal e político para impor, excluir, incluir, consagrar determinado tipo de conhecimento em forma disciplinar. Assim, disciplinas são impostas, eliminadas, modificadas, transferidas por interesses de grupos, por visão larga ou estreita dos assuntos acadêmicos, às vezes deixando de lado os critérios éticos e epistemológicos.

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Princípios da interdisciplinaridade

É comum a todos os significados de princípio o fato de ser o primeiro termo a partir do qual algo é ou é gerado ou é conhecido. (ARISTÓTELES, Livro V, 1)

Princípios da interdisciplinaridade: • unidade e multiplicidade; • continuidade e descontinuidade; • complexidade e emergência.

Dentre as razões que justificam epistemologicamente a interdisciplinaridade, encontram-se os princípios da unidade e da multiplicidade, da continuidade e da descontinuidade, da unidade e da multiplicidade (do todo e das partes) conjuntamente com os problemas da emergência e da complexidade do conhecimento.

Basta recordar que desde Platão, sob a influência de Sócrates, o conceito está ligado à compreensão do todo. Ele pode ser visto como a manifestação da totalidade do múltiplo. Entretanto, na contemporaneidade, opera-se com o conceito diferenciador e não com o conceito único e genérico. Durante muito tempo, cultivou-se o conceito único, por exemplo, de arte, de cultura, de educação. Hoje, a diferença define a identidade e não mais o contrário.

Além disso, as teorias são construídas por conceitos e proposições. Sem a análise conceituai e análise das proposições das teorias e, ainda de seus pressupostos epistemológicos, é impossível perceber sua relevância e aplicação na solução dos problemas científicos. Nesse sentido, a interdisciplinaridade, enquanto teoria

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epistemológica ou enquanto procedimento metodológico, requer a explicitação dos conceitos e, igualmente, o esclarecimento dos princípios que lhe dão coerência.

a) Unidade e multiplicidade

O princípio da unidade e da multiplicidade pode ser aplicado às sistematizações e produções de conhecimento. A mediação do uno e do múltiplo pode ser considerada como um movimento interdisciplinar. A busca de unidade na multiplicidade de formas e níveis de conhecimento cria uma tensão contínua e favorável ao progresso do conhecimento teórico, aciona o processo da investigação que não pode perder a unidade lógica (racional) apesar da multiplicidade de suas manifestações.

Mesmo o debate sobre a existência de uma única ciência ou de múltiplas ciências, retomado na modernidade pelo Círculo de Viena, tem como base o princípio da unidade e da multiplicidade. Assim, conceitos fundamentais, teorias e métodos podem ser comuns a diversas ciências, apesar das especificidades epistemológicas e metodológicas de cada uma. Nenhuma disciplina ou ciência possui autonomia suficiente para realizar de modo pleno e exclusivo o ideal de unidade. As mudanças conceituais, as transferências teórico-metodológicas, comuns entre as disciplinas, articulam as esferas do conhecimento, da linguagem e da realidade, mostram que a multiplicidade dos níveis e dos graus de conhecimento conserva uma unidade fundamental.

A unidade e a multiplicidade estão igualmente presentes nas interações entre as ciências e suas múltiplas disciplinas. O objetivo da interdisciplinaridade não é o de diminuir ou de retirar a especificidade das ciências ou disciplinas, mas de possibilitar elos comuns no intercâmbio entre os conhecimentos e a realidade. O ato de conservar e superar as diferenças na identidade do conhecimento significa a própria vida do saber científico.

Se as diversas sistematizações de conhecimento exigem coerência, a produção de conhecimentos novos, tendo como base sistematizações dos conhecimentos já produzidos, exige igual coerência. Em todas as modalidades de conhecimentos, o pesquisador e o

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professor não podem perder de vista o jogo contínuo da unidade e da multiplicidade.

Também na aplicação dos conhecimentos para a solução de problemas, em projetos de pesquisa, de ensino ou profissionais, o conflito entre a unidade e a multiplicidade se faz presente. As atividades de produção de conhecimentos e de intervenção profissional são de natureza distinta, e tais atividades buscam coerência também na unidade de conhecimentos.

Sem o princípio da unidade e da multiplicidade, não seria possível a mediação interdisciplinar. É esse princípio que permite distinguir entre uma boa interdisciplinaridade e uma má interdisciplinaridade. A verdadeira interdisciplinaridade permite resultados novos que não seriam alcançados sem esse esforço comum e, desse modo, modifica a natureza e a função das disciplinas tradicionais. Nesse sentido, o esforço interdisciplinar pode desenvolver a especificidade de um conhecimento teórico e, ao mesmo tempo, praticar o intercâmbio de conceitos, de teorias e de métodos. Nesse caso, ocorre uma verdadeira integração e participação das partes.

A má interdisciplinaridade é a aproximação externa de pesquisadores. Apesar de trabalharem conjuntamente, cada um se dedica somente à sua especialização. Essa justaposição é incapaz de indagações que ultrapassem os domínios tradicionais das disciplinas, não elabora novas técnicas nem cultiva uma conduta que possibilite uma "ecologia de ideias". Em outras palavras, a má interdisciplinaridade não age conforme o espírito dialético da unidade e da multiplicidade. Cada atividade de pesquisa ou de ensino fecha-se em si, mesmo quando projetos distintos se voltam para o mesmo objeto.

A função da interdisciplinaridade é estender uma ponte entre o momento identificador de cada unidade básica de conhecimento e o necessário corte diferenciador. Não se trata de uma simples deslocação de conceitos ou de empréstimos teóricos e metodológicos, mas de uma recriação conceituai e teórica. Para que isso aconteça, é preciso superar os esquemas dos dualismos, por exemplo, entre sujeito e objeto, fato e valor, etc. A investigação científica que acompanha as reflexões epistemológicas dá-se conta de que a ciência é uma construção racional e aberta, na qual o mundo do sensível e o mundo do inteligível não se excluam, a explicação científica

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é em grande parte explicação da própria explicação, como ensinam, entre outros, os autores da autopoíese.

As teorias científicas constituem-se processualmente na unidade e na multiplicidade de possíveis aberturas ao real. Nesse sentido, é possível mencionar exemplos em domínios distintos como o Direito, o Serviço Social, o Turismo, o Meio Ambiente, isso sem falar das transformações profundas na área das ciências biológicas, agrárias, médicas, etc.

Diversas teorias jurídicas podem ser utilizadas para descrever e explicar a norma jurídica e suas consequências, desde as concepções nominalistas, voluntaristas, racionalistas, liberais, socialistas, auto-organizativas, etc. Elementos jusfilosóficos, históricos e socio-econômicos integram instituições como as da pessoa jurídica, da validade e da eficácia jurídica, das relações entre direito e Estado, direito e moral, etc. Observa-se nas teorias jurídicas, embora em graus diferentes, que elas são formadas por conhecimentos provenientes da filosofia, da economia, da sociologia, da história, etc. Há nelas uma determinação de unidade e ao mesmo de multiplicidade que lhes dá coerência e eficácia.

O Serviço Social e o Turismo, áreas científicas de formação recentes, são exemplos de busca de autonomia epistemológica e metodológica. Para se afirmarem como domínios autônomos, precisam de teorias próprias. Necessitam construir unidades novas de conhecimento a partir de outras matérias, como economia, sociologia, educação, administração, etc. Fica claro, no entanto, que o desenvolvimento de teorias e métodos próprios, em cada nova área de conhecimento, passa pela transformação de múltiplos conhecimentos em unidades logicamente fundadas.

A convergência de perspectivas epistemológicas e metodológicas diferentes, na constituição de um intercâmbio científico constante, capaz de atender às necessidades sociais e solucionar problemas graves da sociedade, é a razão da própria existência do conhecimento teórico. Os conceitos fundamentais constituídos de múltiplos elementos precisam de uma base lógica comum capaz de integrá-los teoricamente. Nos casos de áreas novas de conhecimento, a multiplicidade de pontos de vista nem sempre alcança a unidade e a autonomia desejadas. Sem unidade teórica, a

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multiplicidade é apenas um conjunto de partes isoladas e desordenadas. A unidade sem multiplicidade reduz a realidade a um estado inerte, esconde a complexidade processual dos problemas científicos.

b) Continuidade e descontinuidade

As ciências na tradição insistiam no caráter contínuo dos eventos ou fenômenos. As ciências contemporâneas pressupõem o caráter descontínuo dos fatos. As pesquisas de Claude Lévi-Strauss são um exemplo de descoberta de espaços ou momentos diferenciais, isto é, de uma realidade descontínua.

Em decorrência disso, o conceito único, genérico (de arte, de educação, de língua, de cultura, etc), é substituído pelo conceito diferenciador. Entretanto, a existência da descontinuidade da observação científica não anula a continuidade do real. Dizer que o conhecimento científico é descontínuo significa afirmar que ele progride de fato em fato, de aspecto em aspecto. Porém, se, de um lado, a ciência descreve, analisa e explica os eventos, os fenômenos de modo isolado, de outro, o discursivo teórico, as leis e teorias se caracterizam por uma certa continuidade ou universalidade. Assim, o problema do contínuo e do descontínuo inaugura uma nova condição epistemológica que a interdisciplinaridade deve considerar. As possibilidades de projetos centralizados numa concepção de realidade descontínua para darem conta de problemas singulares contextualizados (cada um no seu tempo e espaço), constituídos de diferenças e de identidades, presenças e ausências, e para não caírem em formalismos inadequados, precisam da intervenção interdisciplinar.

Os movimentos de continuidade e de descontinuidade do conhecimento científico também se relacionam às discussões em torno da existência de uma única ou de várias ciências. O debate sobre a continuidade e a descontinuidade do conhecimento científico remete às relações entre ontologia e epistemologia. Trata-se de saber se a realidade é algo fixo, imóvel ou algo em permanente estado de devir, e se a realidade é dada como uma totalidade ou de modo fragmentário.

Outro aspecto das relações entre continuidade e descontinuidade está na reflexão epistemológica sobre os fundamentos científicos permanentes e os processos metodológicos que se adaptam às

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situações novas. Enquanto o nível metodológico é operacional, o epistemológico indaga pelas condições de possibilidade de conhecer e conhecer a totalidade do real.

O exemplo da linguística, fundada por Saussure, permite observar que ela só adquiriu um estatuto científico com a descoberta da descontinuidade dos fatos linguísticos, com a constatação de que a língua é feita de oposições. Os progressos posteriores da própria linguística e de suas disciplinas derivadas, como a sociolinguística e a psicolinguística, demonstram que a língua pode ser vista como um sistema de signos, e também como reunião de significações que ultrapassam qualquer estrutura formal.

A investigação científica, graças ao ver como de Wittgenstein, nas Investigações filosóficas, ao observar metódico, capta diferenças elementares nos fenômenos que não são homogêneos, embora isso somente seja possível devido a um sentido de identidade e de continuidade que os liga. A interdisciplinaridade pode encontrar no descontínuo uma continuidade lógica e ontológica. A lógica relacionai implica uma dialética entre o contínuo e o descontínuo, que pode ser demonstrada no processo da percepção, assim como foi descrito por Merleau-Ponty em A fenomenologia da percepção. No entanto, deve-se recordar de que o movimento entre descontinuidade e continuidade depende do projeto de interdisciplinaridade que um paradigma ou uma teoria é capaz de levar a efeito.

A própria complexidade crescente nas inter-relações que invadem as ciências e as disciplinas se explica pelo princípio da descontinuidade e da continuidade. Sem a análise desses postulados, é impossível atualmente constituir a metalinguagem da ciência e da pedagogia.

c) A noção de emergência

Congresso internacional sobre interdisciplinaridade, realizado, em agosto de 2002, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, com 20 cientistas das mais diversas áreas (teologia, filosofia, teoria da literatura, física, biologia e matemática), examinou o significado e as possibilidades de relações complementares entre as ciências e as disciplinas. Só a efetivação das inter-relações das

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ciências pode solucionar problemas científicos complexos, como, por exemplo, a proposta de decifrar o genoma humano. De fato, um empreendimento como esse requer a associação e a colaboração de biólogos, químicos, estatísticos, etc. Aliás, como ocorre com a busca de solução de outros problemas científicos.

Os pesquisadores presentes no congresso, entre outros aspectos, observaram que, via de regra, a investigação interdisciplinar, oficial, reunindo especialistas em torno a um mesmo objetivo científico, com projetos individuais, na mesma instituição, não produz conhecimentos propriamente "novos", mas apenas conhecimentos esperados. Essa forma de interdisciplinaridade, na melhor das hipóteses, não produz avanços científicos inéditos, surpreendentes, nem para os cientistas nem para os financiadores. Em vista disso, torna-se difícil para a comunidade acadêmica justificar despesas com milhões de dólares sem resultados satisfatórios.

Uma alternativa possível é a de realizar um projeto de interdisciplinaridade capaz de produzir o novo, articulando diversas disciplinas, prevendo na medida do possível resultados imprevisíveis e impossíveis de serem alcançados isoladamente.

Esse empreendimento interdisciplinar pressupõe o diálogo entre disciplinas no terreno comum dos conceitos fundamentais, das teorias e dos métodos compartilhados e a disponibilidade de gastos financeiros e de tempo em projetos que não garantem resultados seguros ou positivos.

Tendo presentes esses pressupostos, os congressistas da Universidade de Stanford dispuseram-se a realizar uma experiência interdisciplinar em torno precisamente do tópico "emergência", seguindo cada um, à risca, as regras básicas propostas para o debate, enfrentando ao máximo a complexidade de cada disciplina, com o objetivo de oferecer o máximo de acesso aos estudiosos de outras disciplinas. Nesse caso, o esforço individual foi substituído pelo esforço de auto-organização intelectual do grupo. Realizada a experiência, entre outras conclusões, tornou-se evidente para os cientistas a existência de questões básicas comuns, especialmente de caráter epistemológico. A prática interdisciplinar demonstrou que o domínio no qual os especialistas podem se concentrar e comunicar é o das questões epistemológicas.

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E, dentro das questões epistemológicas, o grupo inovou ao atribuir menos poder ao papel do observador externo e ao rever o conceito de agente humano. Parece ser mais adequado possuir um maior grau de ceticismo do que aquele atribuído a esse agente pela maioria das disciplinas. A crise do papel do observador externo tem uma evidente relação com os conceitos de emergência e de fenômeno (no sentido de mostrar, aparecer). Nas disciplinas tradicionais, os fenômenos parecem fascinar o pesquisador, mas, de fato, esses fenômenos são construídos. O impacto dos fenômenos sobre os observadores é o mesmo impacto da observação que altera o fenômeno. O conhecimento teórico é uma co-emergência do fenômeno e de seu observador.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade tem suas raízes em questões epistemológicas básicas, como as do perceber em geral e do observar científico e nas relações entre crenças e cultura. Os observadores são produtos da própria percepção. Sob esse enfoque, a filosofia fenomenológica de Husserl e de Merleau-Ponty chama a atenção para aspectos relevantes que foram desenvolvidos, hoje, por autores como Maturana e Varela e que estão na base de uma teoria sistêmica de auto-organização do conhecimento. No ato de aparecer não há nenhuma prioridade entre os horizontes e os fenômenos de um sobre o outro, os eventos e seus contextos se misturam. O documento elaborado pelo Grupo de Stanford afirma:

Como qualquer outro objeto emergente, o universo só surge da existência virtual para a realidade depois de ser observado. Isso não significa, porém, que um observador cria o universo. Quer dizer apenas que as propriedades de um observador precisam ser consistentes com as propriedades dos objetos observados. (FOLHA DE S. PAULO, 2002, p. 6).

Os fenômenos observados trazem em si as marcas do observador e tornam-se objetos. Pode-se reconstruir a história desses objetos. Todos os fenômenos emergentes são temporários. A dialética entre o emergente (indeterminado) e o determinado encontra-se na gênese do conhecimento. É necessário notar que, nesse nível da emergência, surge também o entrelaçamento de outras questões e dimensões como a do divino ou do transcendente, das interações

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entre natureza e cultura, sustentadas pelo pensamento inovador ou conservador, dependendo das inter-relações das disciplinas levadas a diante pela liberdade e pela coragem de pesquisar e ensinar sem necessariamente obter resultados previstos e imediatos. Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade busca realmente o "novo". Fora disso, ela não passa de um novo arranjo didático.

d) A noção de complexidade

O princípio de complexidade anda junto com o de emergência. Um remete a outro. A complexidade é um conceito que procura expressar as múltiplas faces da realidade. A realidade não é mais percebida como um objeto inerte, mas como processo, devir, doação, construção. Por isso, o princípio da complexidade remete às inter-relações entre as partes e o todo, a continuidade e a descontinuidade.

A complexidade manifesta-se em diferentes níveis. Esses níveis recursivos, sem considerar a precedência de um sobre outro, podem ser descritos qualitativa e quantitativamente.

Sob o ponto de vista estrutural, podem-se destacar as principais relações de um fato ou fenômeno:

a) as relações internas (as partes da organização) que constituem um determinado objeto, em sua realidade efetiva, enquanto depende do modo de ver do pesquisador;

b) as relações externas que constituem os elementos comuns de dois ou mais objetos e que dependem também de um nível semântico de percepção ou de interpretação do pesquisador;

c) o significado do objeto constituído de elementos reunidos num todo (nível perceptivo);

d) o significado das relações entre objetos (nível reflexivo).

Relativamente às mudanças conceituais, teóricas e metodológicas, distinguem-se momentos essenciais como:

a) o da existência de elementos ou de propriedades que se manifestam isoladamente;

b) o da existência de elementos ou de propriedades que se manifestam a partir da totalidade, pois vão além da soma das partes.

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A interdisciplinaridade não é apenas a integração de um conjunto de relações entre as partes e o todo, mas também uma descoberta de propriedades que não se reduzem nem ao todo nem às partes isoladas. Em seu nível mais alto, é uma modalidade de relação que, sem eliminar as contribuições individuais das disciplinas, as integra num único projeto de conhecimentos.

A complexidade exige flexibilidade. O processo de determinação e de indeterminação de cada ciência ou disciplina, enquanto sistema de conhecimentos, faz com que tanto a organização como a produção teórica estejam abertas ao seu "meio ambiente", às necessidades da sociedade e às condições atuais da ciência. O conceito de complexidade propõe um novo conceito de autonomia às ciências e às disciplinas. Seus limites tornam-se ao mesmo tempo horizontes que se refazem permanentemente, segundo os objetivos e as condições epistemológicas e metodológicas de cada programa de pesquisa ou de ensino.

As ciências, as disciplinas, como qualquer organismo vivo ou autômato artificial, enfrentam os conflitos dialéticos da ordem e da desordem e, desse modo, passam pelos processos negativos de desgaste e positivos de auto-organização, de acordo com a liberdade e o desenvolvimento complexo e emergente do conhecimento teórico. Como qualquer instituição, renovam-se ou desaparecem. O que torna uma disciplina um sistema aberto é seu caráter interdisciplinar. Toda disciplina define-se somente em relação a outras disciplinas.

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Níveis e tipos de interdisciplinaridade

A maior contribuição de Kuhn para o remapeamento da cultura foi ele ter nos ajudado a ver que os cientistas naturais não têm um acesso especial à realidade ou à verdade. Ele colaborou pra desmantelar a hierarquia entre as disciplinas, a hierarquia que data desde a imagem da linha dividida de Platão. (RORTY).

Níveis de interdisciplinaridade: • troca de conceitos entre duas ou mais disciplinas; • intercâmbio teórico entre disciplinas; • intercâmbio metodológico entre disciplinas; • transferência de conhecimentos de uma para outra disciplina.

Tipos de interdisciplinaridade: • interdisciplinaridade geral, regional; • interdisciplinaridade teórica, prática, constitutiva ou

cooperativa; • interdisciplinaridade determinada pelo objeto (ciência do

homem); • interdisciplinaridade determinada pelo método (estudo de caso).

A interdisciplinaridade não é um fenômeno homogêneo, linear, uniforme. Ao contrário, ela se efetiva em níveis e graus diferentes. Não existe um modelo único e predeterminado de ação interdisciplinar. Cada nível depende de situações concretas. Zilles observa que a interdisciplinaridade

poderá ser de caráter geral (cibernética, semiótica) ou regional. Essa última poderá ser teórica (filosofia, teologia) ou prática (investigação

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industrial: economistas, sociólogos, etc), constitutiva (a matemática na física e na astronomia) ou cooperativa (paleontologia, genética, etc. no estudo do fenômeno da evolução), determinada pelo objeto (ciência do homem) ou pelo método. (1974, p. 16).

Essa classificação permite visualizar a complexidade do fenômeno do conhecimento hoje. Na realidade, passa-se da ontologia da determinação do real (aristotélica, kantiana) para a indeterminação, com reflexos imediatos na ordem do conhecimento. Na medida em que se reconhece a força criativa do imaginário, na construção do real das ciências sociais e humanas, produz-se uma nova concepção de organização dos conhecimentos científicos e dos conhecimentos científicos em relação às outras formas de saber.

A percepção do homem contemporâneo passou e passa por uma mudança cultural graças aos impactos dos meios de comunicação, do desenvolvimento científico e tecnológico. Não apenas são elaborados novos conceitos, mas igualmente são produzidas novas "imagens", que exigem novas habilidades e competências cognitivas. Em relação ao conhecimento operacional, por exemplo, além de saber distinguir, definir, classificar, que desde os gregos caracterizam nosso modo de pensar, exige-se cada vez mais saber arquivar, processar, recuperar, armazenar, etc. Novos códigos digitais traduzem os conceitos, as imagens que, por sua vez, estão ligadas a uma maior, embora ainda insuficiente, compreensão do cérebro humano.

Diante desses horizontes de aceitação da teoria do caos e do espaço sideral, o saber científico evolui para novas formas. Imagens eletrônicas, telefone, cinema, rádio, televisão, computador, discos compactos, fax e outros instrumentos entram em contato com os esquemas lógicos e cognitivos, fornecendo ao homem um novo sentido e poder de controle sobre as ações, as informações. A tecnologia já não é mais um simples produto da ciência, mas condições de possibilidade operacional e facilitadora. A natureza e a quantidade de informações rompem com as fronteiras das disciplinas, modificam os critérios epistemológicos que estão na base das disciplinas e propõem novos arranjos lógicos.

Não é necessário recordar que a interdisciplinaridade pode ser determinada ora pelo sujeito da investigação, ora pelo objeto

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investigado. Em cada caso, as bases epistemológicas são essencialmente as mesmas. Na realidade, não é o sujeito nem o objeto que tornam uma atividade pedagógico-científica interdisciplinar, mas os aspectos processuais da atividade.

a) O núcleo duro das ciências

A interdisciplinaridade não elimina as ciências e as disciplinas fundamentais, apenas derruba seus falsos muros. Existem estruturas mínimas de conhecimento que constituem e caracterizam as matérias como a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Geografia, a História, a Economia, a Psicologia, a Sociologia, a Linguística e a Filosofia. Em cada uma dessas ciências, encontram-se conhecimentos básicos, uma organização lógica ou estrutural mínima. Sem conhecimentos básicos de Física ou de História, não é possível produzirem-se conhecimentos no domínio da Física, da História. Isso vale para todas as ciências. De fato, as disciplinas, no sentido histórico, surgem primeiramente desses conhecimentos básicos e têm a finalidade de permitir que, a partir deles, desenvolvam-se novos conhecimentos e conhecimentos integrados com outras ciências ou disciplinas.

A Medicina, o Direito, a Engenharia, a Pedagogia são áreas de longa tradição, constituídas de conhecimentos provenientes das diversas ciências ou matérias. É significativo que nos manuais essas áreas sejam definidas como uma arte e uma ciência. Um manual de Anatomia ou de Teorias da Administração articula conhecimentos de Biologia, de Química, ou de Economia, de História, de Filosofia, etc. Existem ciências que se originam de áreas de conhecimento tradicionais ou de áreas novas que, por sua vez, se constituem de outras disciplinas. Assim, é possível constatar a existência de núcleos duros de conhecimento que identificam e distinguem as ciências, as disciplinas e as áreas de conhecimento.

b) Mudanças conceituais, teóricas e metodológicas

A ciência paradoxalmente nem sempre é vista de modo científico. Às vezes, como a religião, para os não-cientistas, oferece

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verdades ou artigos de fé. A ciência, de fato, faz-se com conhecimento hipotético, portanto, apenas válido. Além disso, ela é ação coletiva e produto histórico. Prova disso são as mudanças conceituais na história da ciência, descritas por Kuhn (1975).

A interdisciplinaridade pode se originar do comércio de conceitos. A formação e a transformação dos conceitos constituem um trabalho, às vezes, longo e difícil. Conceitos como os de ordem, de força, energia, pulsão, de matéria, de mente podem atravessar os domínios da física, da metafísica e instalarem-se na psicanálise ou em outras disciplinas. Um conceito como o de autopoiesis, proposto por Maturana e Varela (1997), pode ser recriado e aproveitado por Luhmann (1998), para explicar as relações sociais e a organização jurídica. Essas mudanças conceituais são, sem dúvida, uma forma de interdisciplinaridade básica.

Não apenas o conceito, mas também teorias e métodos passam de uma ciência ou disciplina para outra. Tais procedimentos já são encontrados em Platão e Aristóteles. Os conceitos científicos estão sempre ligados às teorias científicas. As mudanças conceituais são a base lógica e epistemológica da interdisciplinaridade. Há uma relação de coerência entre a multiplicidade das manifestações científicas e a complexidade dos problemas a serem investigados. O avanço da ciência depende mais do pensamento divergente do que do pensamento convergente. Nesse sentido, a interdisciplinaridade é condição necessária e ocorre antes de qualquer processo de ensino, embora, como afirma Bombassaro, a mudança conceituai kuhniana não seja usual na concepção de ciência. (1995, p. 37-60).

Um exemplo de método que, via de regra, provoca e exige uma atividade interdisciplinar é o estudo de caso. Basta tomar um modelo de estudo de caso para observar o nível de exigência de múltiplos conhecimentos.

c) As aproximações externas

As mudanças conceituais também podem ser provocadas por aproximações externas, falsas ou verdadeiras. Um dos falsos modelos de interdisciplinaridade, apontados por Zilles, é o da justaposição de diferentes disciplinas: "Se se quiser buscar uma síntese, a solução não

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será simplesmente aditiva, mas integradora." (1974, p. 120). Nesse caso, realiza-se apenas uma soma de resultados ou de pontos de vista sobre o mesmo objeto ou problema. Cada disciplina continua intocável, não sofre nenhuma interferência em sua estrutura interna. Esse procedimento reúne ciências e disciplinas a serviço de finalidades artificiais, sem uma interação teórica e metodológica.

d) As aplicações de conhecimentos

Uma das formas de interdisciplinaridade mais eficazes é a da aplicação de conhecimentos de uma disciplina em outra. A medida que cresce a complexidade dos problemas científicos que exigem soluções, também aumenta a esfera de conhecimentos necessários e que podem ser aplicados em outras ciências e disciplinas. Assim, conhecimentos de Geografia podem ser úteis em História; de Linguística, em Filosofia da Linguagem; de Antropologia, em Matemática e de Matemática, em qualquer disciplina, etc.

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Ações interdisciplinares

Estou chamando de ações nulo o que fazemos em qualquer domínio operacional que geramos em nosso discurso, por mais abstrato que possa aparecer. Assim, pensar é agir no domínio do pensar, andar é agir no domínio do andar, refletir é agir no domínio do refletir, falar é agir no domínio do falar, bater é agir no domínio do bater, e assim por diante, e explicai cientificamente é agir no domínio do explicar científico. (MATURANA, 2001 ).

Ações interdisciplinares: • na produção de conhecimentos novos; • na sistematização de conhecimentos produzidos; • na intervenção profissional; • na elaboração dos programas de ensino; • na realização de projetos de pesquisa.

A interdisciplinaridade pode ser realizada na produção de conhecimentos novos, na sistematização de conhecimentos já produzidos, nas atividades de ensino, na elaboração de conferências, na organização de manuais didáticos de ensino, na atuação profissional. Merece uma atenção especial na elaboração dos projetos de pesquisa e dos programas de ensino.

a) Atividades de ensino

Uma conferência, uma lição, uma revisão bibliográfica, um quadro teórico são formas de sistematização de conhecimentos; portanto, uma reorganização e aplicação de conhecimentos e não uma modalidade de produção de conhecimentos novos. Pode-se

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dizer que a sistematização é modalidade preliminar de produção científica, pois, sem conhecimentos já produzidos, não é possível delimitar e formular com clareza que tipo de conhecimentos novos é necessário produzir. Desse modo, a sistematização é, por natureza, uma tarefa interdisciplinar, pois ela reúne conhecimentos de diversas áreas em torno de um problema ou princípio norteador.

A noção cartesiana de ciência como edifício, hoje, é substituída pela imagem de rede. A sistematização de conhecimentos não é um simples colocar isso ou aquilo em seu lugar, mas um entrelaçar de informações e resultados obtidos em benefício da formulação objetiva de hipóteses (novas) de pesquisa, de encaminhamento de problemas de ensino ou de formação profissional. Dessa forma, a sistematização de conhecimentos é naturalmente um processo interdisciplinar. Ela consiste em articular de maneira coesa e coerente conhecimentos existentes, de origens diferentes, em torno de um problema real ou virtual. Ela é necessária nas atividades de ensino e de pesquisa.

A sistematização de conhecimentos no ensino é um complemento da pesquisa e uma preparação para novas pesquisas. O professor é o especialista que ensina ao aluno como acessar informações, como ir às fontes, como delimitar e formular problemas, como aplicar os resultados dos conhecimentos. Essas ações implicam lidar com diversas ciências e disciplinas. Só assim os objetivos pedagógicos podem ser alcançados.

Lyotard, em A condição do pós-moderno, mostra que o cientista precisa de um destinatário que possa, por sua vez, ser um remetente, que seja um parceiro. Caso contrário, a verificação do seu enunciado torna-se impossível por falta de um debate crítico. Ele escreve: "A verdade do enunciado e a competência do enunciador são assim submetidos ao assentimento da coletividade de iguais em competência. É preciso, assim, formar iguais." (1986, p. 45-46). A sistematização de conhecimentos tem, portanto, a função de preparar interlocutores capazes de entender a linguagem científica e até de aplicá-la na busca de solução a determinados problemas.

A sistematização que se limita a uma disciplina, isto é, que ignora as interações de disciplinas, via de regra, acaba sendo um simples resumo (um mero processo imanente). Não produz conhecimentos

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novos. Sistematizar é integrar conhecimentos de diferentes disciplinas em função de uma finalidade científica ou didática. Não basta justapor dados e informações. É preciso um fio condutor que lhes forneça coerência. Não se podem identificar fontes, fazer levantamentos, selecionar, enfim, articular algo sem um projeto teórico.

b) Atividades de pesquisa

As teorias científicas, sendo enunciados universais, vão além das ciências particulares. As teorias ultrapassam os limites das disciplinas. Quando Popper afirma que "a objetividade dos enunciados científicos reside na circunstância de eles poderem ser intersubjetivamente submetidos a teste" (1975, p. 46), de certo modo aponta para um quadro interdisciplinar. Se a objetividade do conhecimento científico provém da coerência lógica (de um nível lógico de interdisciplinaridade), o fundamento dessa objetividade está na experiência intersubjetiva, na aprovação e aceitação da comunidade científica (de um nível psicoantropológico de interdisciplinaridade).

A ciência nasce da tentativa de resolver problemas científicos. A produção do conhecimento responde às necessidades da sociedade ou às questões que desafiam a curiosidade intelectual humana. Popper, em Lógica das ciências sociais, escreve: "Se é possível dizer que a ciência, ou o conhecimento, 'começa' por algo, poder-se-ia dizer o seguinte: o conhecimento não começa de percepções ou observações de coleção de fatos ou números, porém, começa, mais propriamente, de problemas." (1978, p. 14).

A resolução de um problema não depende apenas dos conhecimentos dessa ou daquela ciência ou disciplina, mas de conhecimentos que permitem formular hipóteses adequadas e adiantar possíveis conhecimentos novos. Segundo Popper,

cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou, examinando logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarando talvez mais corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos. (1978, p. 14).

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As condições reais que favorecem a produção de conhecimentos são ao mesmo tempo epistemológicas, metodológicas e institucionais. Além de um determinado nível de racionalidade, requerem-se acordos entre pesquisadores e grupos de pesquisa que favoreçam o surgimento de alternativas novas de solução de problemas científicos. Implica um conjunto de elementos, desde condutas e decisões individuais e coletivas até definições e teorias. Nem a ideia de ciência nem a ideia de realidade enquanto referência são absolutas. Ao contrário, a ciência é um fenômeno de nossa experiência, resultado de operações que geram uma ideia de realidade graças principalmente à nossa cultura e experiência.

A solução de problemas científicos requer processos teóricos que implicam um saber agir e fazer. Em alguns casos, exige também a possibilidade de experimentação. É o caso das tecnociências. Mas, formulados o problema e as hipóteses e articulado o conhecimento produzido, dentro de procedimentos metodológicos coerentes e necessários, a produção de novos conhecimentos é uma tarefa interdisciplinar. Assim, a produção de conhecimentos novos situa-se num solo mais amplo e anterior ao das disciplinas, ou seja, interdisciplinar.

c) Intervenção profissional

A interdisciplinaridade realiza-se também no exercício profissional. A distinção entre área de conhecimento e atuação profissional implica tipos diferentes de interdisciplinaridade na pesquisa e na intervenção profissional. O profissional, para interferir na realidade, busca conhecimentos em diversas áreas e não apenas numa determinada ciência ou disciplina. O médico, por exemplo, não lida apenas com o corpo de um indivíduo, mas com uma pessoa portadora de desejos, aspirações, valores, etc. Necessita de conhecimentos de diversas disciplinas, embora ele atue dentro de uma determinada especialidade.

Nas atividades profissionais, a diferença de ação entre área de conhecimento e atuação profissional nem sempre é explicitada pelos profissionais. Na maior parte das vezes, a articulação entre os conhecimentos e a ação profissional é feita de modo espontâneo e intuitivo.

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Ainda existem cursos superiores que confundem, na organização curricular, o estudo dos conhecimentos teóricos com a aplicação desses conhecimentos na atividade profissional.

Alguns cursos superiores podem preparar universitários para o exercício de diversas especialidades profissionais, tendo como base uma cultura científica unitária, integrada. Nesse caso, um leque amplo de disciplinas dá conta dos conhecimentos teóricos atualizados e anteriores à sua possível aplicação. Outros cursos tendem a aproximar os conhecimentos teóricos e os conhecimentos práticos, ignorando as possíveis formas de interdisciplinaridade com outras áreas de conhecimentos.

A interdisciplinaridade é condição básica para uma formação profissional flexível e adequada para o exercício de novas profissões, especialmente nos dias de hoje. Uma área de conhecimento tende a se constituir a partir de uma certa autonomia teórica. A atuação profissional, dentro de padrões elevados de formação científica, depende da elaboração de métodos adequados de intervenção e da busca e articulação de conhecimentos em mais de uma área teórica. O bom desempenho de um administrador, por exemplo, precisa, além de qualidades pessoais, de conhecimento de Matemática, de Economia, de Direito, de Psicologia, de Sociologia e de outros. Por isso, a formação profissional pressupõe ação interdisciplinar, primeiro, na aquisição de conhecimentos, isto é, na sua formação científica e intelectual e, depois, na aplicação de conhecimentos na solução de problemas ligados à profissão.

d) Elaboração de programas de ensino

Um dos modos práticos e eficazes de alargar as fronteiras das disciplinas consiste na elaboração de programas de ensino abertos, flexíveis, interdisciplinares. Os programas de ensino podem ser desenvolvidos a partir da busca de soluções a problemas científicos reais ou virtuais, de interesse pedagógico. Podem ensinar como articular conhecimentos produzidos em favor do esclarecimento de um problema, e mostrar a função das teorias e de como os conhecimentos de diversas ciências ou disciplinas podem contribuir para a solução de problemas ou para o esclarecimento de questões.

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O conhecimento científico não deve perder suas características (científicas) ao passar para o plano pedagógico. Cabe ao professor a tarefa de ensinar ao estudante as possibilidades de acesso aos resultados da pesquisa e o acesso à linguagem científica. Lyotard, em O pós-moderno, afirma que o expert ensina inicialmente o que sabe. Depois, à medida que o estudante melhora sua competência, ele (o expert) coloca esse estudante a par do que ele (professsor) não sabe, mas busca saber. Desse modo, o estudante é introduzido na dialética do pesquisador (1986, p. 47). E isso só pode ser efetivado, elaborando programas de ensino abertos às necessidades da aprendizagem e relacionando os processos de sistematização do conhecimento segundo as exigências que os originaram e as necessidades da sociedade.

Um programa de ensino pode ser ministrado e administrado por diversos professores. Assim, os pressupostos, os métodos e os "conteúdos" estanques, imóveis, auto-suficientes das disciplinas passam a ser realmente inter-relacionados. Efetivam-se as trocas teóricas e conceituais. Nesse sentido, para se criar uma nova mentalidade científica, é apropriado prestar atenção às recomendações de Popper aqui mencionadas. Ele afirma a necessidade de estudar problemas e não disciplinas (s/d., p. 95-97). Os problemas ultrapassam as fronteiras das disciplinas. E a ideia de que as disciplinas existem por si mesmas, distinguíveis entre si pela matéria que investigam, para Popper, é um resíduo da época em que se acreditava que qualquer teoria precisava partir de uma definição de seu próprio conteúdo. De fato, nenhuma ciência, como a Física, a Química ou a Arqueologia, a História, etc, existe por si mesma. As divisões e subdivisões do conhecimento surgem de contingências históricas. A dialética da unidade e da multiplicidade sustenta uma tensão natural no interior das próprias disciplinas, graças aos movimentos de sistematização e de produção de conhecimentos.

Um problema de pesquisa reconstruído para fins pedagógicos, ligado a uma disciplina, exige para sua solução conhecimentos de diversas áreas. Por essas razões, os programas de ensino abertos, em vez de reproduzirem a experiência de um mundo dividido, podem se tornar modelos de ação interdisciplinar.

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e) Elaboração de programas de pesquisa

O pesquisador individual, isolado em seu laboratório ou na biblioteca, tende a desaparecer. Em vista disso, os projetos de pesquisa requerem a participação de grupos de pesquisadores, sem que isso implique desatenção com a especialidade de cada um. As relações de mútua cooperação epistemológica interna nas ciências ou nas disciplinas e entre os pesquisadores e os cientistas são uma necessidade natural.

A interdisciplinaridade dos programas de pesquisa pode variar segundo a natureza de cada projeto. Em certos casos, existem macroteorias, como a teoria do agir comunicativo, de Habermas, ou a teoria da sexualidade, de Foucault, que facilitam a pesquisa interdisciplinar. Essas teorias servem para trabalhar com fatos empíricos a partir de diferentes perspectivas científicas. Podem ser usadas em diversos campos do saber. Em outros casos, as microteorias, próprias de uma determinada ciência ou disciplina, descrevem e explicam problemas específicos, embora também possam ser enriquecidas com contribuições de áreas afins.

A existência de teorias epistemológicas paradigmáticas, como a da auto-organização, c de teorias mais simples ou mais complexas, com correspondentes processos metodológicos, determinam formas variadas de interdisciplinaridade na pesquisa. De um modo ou outro, quase todos os projetos na sua constituição epistemológica são interdisciplinares. Se a função das teorias e dos métodos científicos é desfazer as crenças do senso comum e de justificar as crenças verdadeiras; permitir a experiência da observação de fatos empíricos e submeter à crítica outros sistemas de enunciados, enfim, resolver problemas científicos, não há motivos para um projeto de pesquisa se enclausurar numa visão única.

Para epistemólogos, como Lakatos, a ciência pode ser considerada como uma formação contínua e uma sucessão de programas de investigação. Toda ciência, sendo anterior às divisões das disciplinas, funda-se na articulação das partes e do todo, da unidade e da multiplicidade. Os critérios da demarcação científica, portanto, não estão fora, fundam-se na natureza e nas características dos programas de pesquisa.

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O caráter interdisciplinar dos projetos de pesquisa também depende das políticas científica e administrativa. Nesse sentido, eles podem ser classificados na seguinte ordem: permanentes, temporários e ocasionais. Os permanentes estão geralmente ligados a institutos de pesquisa. Os temporários surgem da associação de pesquisadores de diferentes áreas (sociologia, direito, história, etc), para investigar um problema que exige uma complementação teórica e metodológica. Alguns exemplos desse tipo de programa de pesquisa são os que investigam as formas de violência ou o uso de drogas na sociedade atual. Os ocasionais podem servir para confirmar ou não hipóteses de uma determinada área ou ciência.

O rigor científico não impossibilita o diálogo nem a tomada de decisões no percurso da própria investigação. Ao contrário, as trocas epistemológicas e éticas são necessárias. Pimenta constata que "há um defasamento informativo entre especialistas das diversas ciências" e, igualmente, uma "opacidade léxica", pois "cada ciência tem sua terminologia própria, as suas formas de raciocinar, por vezes até a utilização de diferentes lógicas". Assim, é natural que os projetos de pesquisa interdisciplinares enfrentem dificuldades que devem ser gradualmente superadas.

A estrutura lógica do conhecimento, as formas linguísticas, os modelos teóricos e as escolhas metodológicas, ao lado das políticas administrativas e financeiras, oferece obstáculos especialmente quando não existe uma cultura interdisciplinar e quando as incertezas se aliam à falta de coragem e de criatividade.

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Pedagogia interdisciplinar

Se à ciência é essencial o ensino, quer-nos também parecer que ao ensino é essencial a investigação. (POMBO).

Experiências de interdisciplinaridade: • as estratégias de O. Godard; • os princípios de F. Wallner; • as estratégias das ciências ambientais; • seminários interdisciplinares; • estudo de caso.

As iniciativas interdisciplinares precisam ser planejadas, pois raramente obtêm resultados positivos quando conduzidas de modo impensado. Exigem uma ação estratégica que objetive as intenções. Os objetivos, as definições conceituais, os tipos de ação, o contexto institucional, tudo requer previsão. A integração, a cooperação e as inter-relações de conhecimentos dependem de procedimentos a serem adotados.

Na literatura sobre o assunto, podem ser identificadas e selecionadas propostas de ação interdisciplinar, algumas válidas para as atividades de ensino e outras para as atividades de pesquisa. Refletir sobre essas experiências pode ser um modo de esclarecer e de aprofundar o conceito de ação interdisciplinar. Pode igualmente ser uma maneira prática de evitar modismos e equívocos pedagógicos e científicos.

a) As estratégias de Godard

A forma de interdisciplinaridade de Godard abrange, ao mesmo tempo, aspectos epistemológicos, metodológicos, institucionais

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e comportamentais. Mattedi e Theis (2002, p. 81-82) apresentam a proposta interdisciplinar de Godard que, em linhas gerais, pode ser resumida da seguinte maneira:

A primeira estratégia consiste na escolha de um problema comum que permita o intercâmbio e a integração entre os pesquisadores.

A segunda consiste na delimitação do problema; na identificação das operações metodológicas das diferentes disciplinas; no planejamento e na divisão do trabalho conforme as previsões do programa de pesquisa.

A terceira consiste na constituição de um referencial descritivo, de informações e de memória comuns, expandindo ao máximo a parte comum de recursos técnicos e científicos das disciplinas em relação à coleta e ao tratamento dos dados.

A quarta consiste na interação organizada da evolução das questões comuns coordenadas pelos procedimentos disciplinares, embora fique evidente a insuficiência, nesse processo, da solução monodisciplinar.

A quinta consiste na integração de uma metalinguagem teórica unificada.

A sexta consiste na definição de um novo campo de pesquisa que pode dar lugar à gênese de uma nova disciplina.

b) Os princípios de Wallner

A partir do projeto "Formação de redes e contradição", Wallner (1995, p. 85-96) apresenta sete princípios de interdisciplinaridade típicos do realismo construtivista. Para essa proposta, os conceitos teóricos explícitos devem ser apresentados na concretização do projeto. Por isso, vê-se na obrigação de renunciar à primazia teórica. Os princípios são os seguintes:

O primeiro é o da auto-organização. Esse princípio tem as funções de fundamentação da ciência, da ética científica e da relação da ciência com a sociedade. Não há uma fundamentação última da ciência. A ética da ciência, apesar de debatida hoje, ainda é uma temática urgente e que não pode ser simplesmente entregue a instâncias extracientíficas. O modelo de auto-organização impede que a praxis científica seja separada da praxis social.

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O segundo princípio é o da solução do problema da interdisciplinaridade por meio da aprendizagem social. Se a ciência for considerada um campo de aprendizagem social, contra a visão tradicional em que os temas são impostos e o método preestabelecido, resolve-se com uma justificativa supra-individual o problema interdisciplinar.

O terceiro princípio é o de estranhamento mediante a modificação das condições de argumentação. Trata-se de abandonar as expectativas de fundamentação de determinadas estratégias, métodos ou argumentos de pesquisa. O estranhamento (a retirada de determinado argumento de seu contexto) substitui a fundamentação epistemológica da ciência.

O quarto princípio concebe a ciência como meio de comunicação em oposição à sua suposta função solucionadora de problemas ou descobridora da verdade. Os grupos de pesquisa auto-organizados comunicam seus procedimentos de pesquisa em uma linguagem comum. A ciência é um empreendimento racional que pode ser aperfeiçoado. Ela abandona o conceito de verdade e o ponto de vista de um saber absoluto.

O quinto princípio é o da abertura frente a outros grupos de pesquisa e da disponibilidade em refletir sobre os fins e as estratégias da pesquisa.

O sexto princípio é o da contradição, no sentido hegeliano. Ao contrário da concepção unitária da ciência, a contradição garante, ao mesmo tempo, a cooperação e a autonomia dos parceiros na pesquisa, e promove a responsabilidade perante o todo. A contradição é o princípio de criação e não de deficiência. O mundo e a realidade podem ser descritos de diferentes formas.

O sétimo princípio é o da formação de redes em vez da simples unificação. As tentativas de busca de unidade do saber, como a da Enciclopédia de Hegel e a da teoria da unidade do Círculo de Viena, fracassaram. O conceito de formação de redes permite aos pesquisadores refletir os procedimentos metodológicos e epistemológicos a partir de sua própria ação e questionar a cientificidade do conhecimento. A formação de redes igualmente garante a síntese de realizações de determinados grupos de pesquisa, em relação aos debates sobre os procedimentos sociais. Finalmente, esse princípio assume as funções de legitimação e de crítica da teoria da ciência.

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Sem dúvida, esses princípios propostos por Wallner enquadram-se em determinada concepção filosófica e ideológica, que deve ser considerada quando se pretende aplicá-los de modo direto ou indireto. A mesma observação vale para todas as propostas interdisciplinares. Evidencia-se, assim, o caráter epistemológico do conceito de interdisciplinaridade.

c) As estratégias das ciências ambientais

As estratégias de organização e de funcionamento do ensino e da pesquisa da ecologia e das ciências ambientais servem como exemplos de ação interdisciplinar. Há, nessa área, um inegável avanço de integração interdisciplinar e institucional. Observam-se, primeiramente, professores e pesquisadores de diferentes departamentos atuando em conjunto. Os alunos, quando são profissionais ligados às questões ambientais, têm interesse no aprimoramento técnico e são, de fato, um elo de harmonia e convergência. O resultado dessa ação integrada, que reúne institutos e núcleos de pesquisa possui condições de diagnosticar problemas específicos, oferecer cursos de extensão rápidos, assessoria técnica, tanto para a solução de problemas quanto para o fortalecimento da educação ambiental.

As disciplinas escolhidas a partir de objetivos claros formam unidades teóricas e metodológicas interdisciplinares de estudo coerentes sem dar preferência a esta ou àquela disciplina. Cabe primazia aos conhecimentos que contribuem científica e socialmente para alcançar as metas propostas e resolver os problemas existentes. Portanto, um elevado número de disciplinas colabora para a solução desses problemas com seus conhecimentos sobre a vida humana, a natureza, a sociedade. Os interesses particulares deslocam-se para o atendimento das necessidades da sociedade.

A colaboração entre professores e alunos e os padrões de funcionamento da organização permitem a formação de uma nova cultura universitária, integrada com a sociedade, com os meios de comunicação, com a socialização dos conhecimentos. Um único sentido referencial perpassa os discursos e as práticas de professores e estudantes.

As experiências interdisciplinares da ecologia revelam um novo imaginário acadêmico, um comportamento coerente com as

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responsabilidades éticas e científicas dos pesquisadores. A consciência interdisciplinar mostra ao profissional que a formação científica plena é aquela que assume sua especialidade sem ignorar os demais conhecimentos específicos. Desse modo, a interdisciplinaridade impõe-se como conduta e como compreensão dinâmica das ciências e das disciplinas. Os problemas epistemológicos e metodológicos passam a ser vistos com mais agudeza e atitude crítica. As disciplinas não são mais blocos estanques e autônomos: o biológico, o sociológico, etc. Ao contrário, seus limites são deslocados, e os conflitos ideológicos entre a visão tecnicista e a humanista, superados. Na realidade, os problemas científicos passam a ser examinados também como problemas políticos. Nesse contexto, desaparecem os falsos dualismos entre teoria e prática.

A ecologia e as ciências ambientais desenvolvem novos conceitos e concepções científicas. O conceito de desenvolvimento sustentável é um exemplo, apesar dos equívocos que seu uso pode causar quando não se esclarecem seus elementos constituintes.

Constata-se, igualmente, que o profissional formado nesses programas das ciências ambientais interdisciplinares está apto para atuar em diversos projetos ou direções.

Experiências interdisciplinares como essa, às vezes, isoladas nas instituições acadêmicas, outras vezes, inexistentes em termos sociais, são relevantes para a criação e a institucionalização de uma nova mentalidade científica e pedagógica, necessária para atender às exigências da sociedade atual. O pesquisador incapaz de um relacionamento interpessoal, sem consciência das dificuldades epistemológicas, fechado nas fronteiras artificiais de seus conhecimentos, dominado pela estrutura rígida da universidade enfrenta obstáculos no desenvolvimento da pesquisa, na integração curricular do ensino e na realização de qualquer projeto interdisciplinar.

d) Seminários interdisciplinares

Entre as experiências disciplinares pode-se encontrar a realização de seminários. Colet, em Enseignement universitaire et interdisciplinarité, de 2002, comenta experiências de interdisciplinaridade em diversas universidades do mundo. Apesar de experiências que

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não foram ou não são relatadas, algumas delas apresentam propostas concretas de efetivação de atividade interdisciplinar. Existem mais ações interdisciplinares no Ensino Fundamental do que no Ensino Superior. Em parte, essa ausência é natural, pois o ensino universitário começou a ser pesquisado principalmente na segunda metade do século XX.

Entre as atividades pedagógicas universitárias interdisciplinares, destaca-se o modelo de seminário interdisciplinar. Ele pode ser efetivado considerando os seguintes passos:

a) condições institucionais efetivas de intercâmbio entre

professores e alunos; b) delimitação e formulação do problema de pesquisa ou de

estudo; c) apresentação das contribuições de diferentes disciplinas para

a busca de solução do problema de pesquisa ou esclarecimento do objeto de estudo;

d) identificação dos pontos de convergência e de divergência entre os enfoques disciplinares;

e) análise de soluções e de sínteses e definição de novas propostas de problemas de estudo.

O modelo de seminário rompe com o ensino magistral, com a simples exposição de teorias, e permite articular os conhecimentos produzidos nas diversas áreas do conhecimento, além de visualizar as necessidades de novos conhecimentos.

e) Estudo de caso

O método de estudo de caso também é adequado para a efetivação de atividade interdisciplinar. Permite com naturalidade convocar diferentes abordagens disciplinares a respeito do caso em questão, tanto em relação aos estudantes ou profissionais envolvidos quanto em relação às disciplinas ou ciências que podem contribuir para sua elucidação.

No estudo de caso, o princípio da integração interdisciplinar atende à necessidade do saber integrado para alcançar a compreensão do fenômeno em sua totalidade. Isso vale tanto para fins de

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pesquisa quanto para fins de ensino. A grande vantagem dessa estratégia, em relação a outros processos, como experimentos, pesquisa histórica, estudo de documentos, é a natural intervenção das diversas áreas do conhecimento.

Segundo Yin (2001), no estudo de caso, podem-se usar múltiplas estratégias como a exploratória, a descritiva ou explicativa. Tudo depende de tipos de pesquisa: experimento, arquivo, etc. O importante é a relação do problema de pesquisa e seu contexto. Também se pode observar, nesse procedimento, a integração das dimensões teórica e metodológica. Podem captar, numa única percepção, o conjunto das variáveis, as várias fontes de dados e as diversas perspectivas teóricas.

Um estudo de caso significativo, válido, via de regra, não se limita a um determinado ponto de vista científico ou disciplinar. Ele exige um entendimento completo do caso exemplar, sob o mais amplo enfoque teórico e metodológico possível. Diversas teorias podem intervir desde que seja de modo coerente, e diversos tipos de análise e de interpretações também.

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Educação, universidade e interdisciplinaridade

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Universidade e interdisciplinaridade

La Crisis estructural se instaura cuando la sociedad y la universidad divergen y andan a distinto compás, generalizándose actitudes inconformes que empiezan a poner en tela de juicio todo lo que antes parecia aceptado, indagando de cada institución y de cada forma de conducta si contribuye a que las cosas permanezcan tal cual son o si, por el contrario, contribuye a que se alteren de acuerdo a las novas aspiraciones. (RIBEIRO). Cada nova disciplina ocupa sua casa, consagrando por via administrativa a sua separação, de corpo e de bens, relativamente ao saber no seu conjunto. (GUSDORF).

A fragmentação do conhecimento ocorre juntamente com a fragmentação da produção, com a divisão do trabalho e com a estruturação e hierarquização das organizações que, por sua vez, andam paralelas às organizações sociais e políticas.

Nesse cenário, a interdisciplinaridade, vista na perspectiva epistemológica e institucional, é um recurso de mediação dialética entre análise e síntese do conhecimento, entre divisão e uniformização, tradição e renovação das organizações. A interdisciplinaridade impõe-se objetivamente contra o excesso de padronização e de institucionalização administrativas.

Quando se tem presente que o conhecimento é administrado e não apenas ministrado, é fácil perceber as relações entre as sistematizações do conhecimento e a estrutura universitária. O esforço interdisciplinar, hoje, é uma tentativa de superação da organização escolar tradicional.

A estrutura e o funcionamento da universidade surgiu da divisão e da classificação das ciências e das disciplinas. Por isso, para atender à

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necessidade do trabalho interdisciplinar, torna-se necessário reformar a estrutura da universidade. A plena realização da interdisciplinaridade requer uma nova organização universitária, adequada às exigências das necessidades sociais e históricas de nossa época.

O processo produtivo, em geral, e do conhecimento científico, em especial, exige uma objetivação institucional capaz de mediar e de efetivar as exigências da cultura e da época. Em outros termos, os projetos interdisciplinares requerem uma relativização das estruturas, uma desburocratização dos processos de ensino e de pesquisa, dos padrões de currículos e dos modelos de departamentalização. A interdisciplinaridade não pode ser plenamente praticada na sala de aula, nos laboratórios, sem a flexibilização da estrutura e do funcionamento da universidade.

A estrutura e o funcionamento da universidade sempre estiveram ligados à organização das ciências e das disciplinas. A universidade reflete desde as suas origens medievais essas divisões e classificações. As unidades do conhecimento formaram e determinaram, durante um longo tempo, uma mesma e invariável organização universitária no mundo. Somente hoje as universidades começam a oferecer perfis diferentes. O lema do momento é o seguinte: a complexidade do conhecimento exige a simplificação das universidades.

O linguista e cientista Wilhelm von Humboldt, que está na origem da Universidade de Berlim, em 1810 contribuiu decisivamente para a consolidação do atual modelo de universidade. Ele influenciou a transformação da expressão universitas litterarum para uma nova concepção da unidade da ciência, fundamentada na filosofia, considerada scientia scientiuram. Devido a essa nova percepção de ciência, a universidade perde sua vocação enciclopédica e passa a ser concebida e planejada na perspectiva da pesquisa. Humboldt vê a ciência como um projeto que jamais se alcançará plenamente, como algo que exige um permanente investigar. Assim, surge a ideia de universidade como lugar de unidade e de entrelaçamento entre ensino e pesquisa, apesar de o ensino ser o objetivo principal da escola de nível médio e de a universidade ter como objetivo o ensino ligado à pesquisa.

Entretanto, esse modelo de universidade, sob os impactos da sociedade globalizada e do desenvolvimento da ciência e da

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tecnologia atuais, encontra-se em crise. Uma das manifestações dessa crise reflete-se em debates e polêmicas sobre os objetivos e as funções (cursos, programas, serviços, assessorias, etc.) da universidade, sobre o peso da estrutura e da organização da universidade (faculdades, institutos, centros, departamentos, etc.) e, ainda, sobre a multiplicidade desordenada de disciplinas e atividades acadêmicas.

O critério de divisão das unidades universitárias em Ciências Exatas, Ciências da Natureza, Ciências Sociais, Ciências Humanas, Ciências Aplicadas, etc. traduz as relações entre a organização dos conhecimentos e a estrutura universitária. A nomenclatura usada para designar as áreas científicas é a mesma da organização administrativa. Ocorre que os conhecimentos evoluem mais rapidamente do que a estrutura administrativa, e isso cria entraves à ação de professores e pesquisadores. A estrutura departamental não dá conta da multiplicidade de disciplinas, especialmente daquelas que surgem nas fronteiras dos conhecimentos. Novas áreas de conhecimento ficam a descoberto, não têm lugar assegurado. Projetos científicos avançados, por esses mesmos motivos, são postos de lado.

Nesse contexto, algumas disciplinas surgem por necessidade, outras por modismos e invenções artificiais. Lorenz B. Puntel afirma que, de acordo com a Associação Universitária Alemã (Deutscher Holchschulverband), existem nas universidades alemãs mais de 4.000 disciplinas (cfe. "A universidade alemã: tradição, situação crítica atual, perspectivas", conferência pronunciada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2002, Porto Alegre). O mesmo certamente pode ser observado no sistema universitário brasileiro. A universidade atual, fortemente voltada para as necessidades da sociedade, sucumbe às exigências do mercado e aos seus interesses passageiros. Nessa situação, a fragmentação excessiva da ciência é uma das causas da desagregação da universidade. Esse mesmo ciclo inflacionário faz com que as disciplinas clássicas, aquelas que estão na base dos conhecimentos teóricos, sejam muitas vezes postas em segundo plano, cedendo lugar aos conhecimentos fugazes.

A universidade encontra-se num processo de "babelização" dos conhecimentos. Especialistas de mesma disciplina às vezes têm dificuldades de se entender, especialmente em relação aos resultados.

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Diante disso, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade traduzem a necessidade indispensável de encontrar princípios e vínculos de unidade entre as diferentes ciências e disciplinas.

A multidisciplinaridade pode ser entendida como o estudo, ao mesmo tempo, de um objeto de uma única disciplina por diversas disciplinas. Um problema próprio das ciências jurídicas pode ser investigado pela Economia, pela Filosofia, pela Sociologia. A língua, por exemplo, pode ser investigada pela Linguística, mas pode também ser estudada pelo entrecruzamento das contribuições da Filosofia, da Sociologia, da Economia, etc. Em geral, isso é feito sem mecanismos que permitam um contato direto entre uma disciplina e outra, pois todas elas se encontram locadas nos respectivos departamentos. Desse modo, a pesquisa e o ensino sobre um problema não encontram espaço para os enfoques interdisciplinares. São dificultadas as possibilidades de intercâmbio de conhecimentos.

A prática da interdisciplinaridade exige mudanças na atual estrutura estanque da universidade. Recomenda-se em discursos a necessidade de interdisciplinaridade, mas os currículos, os programas de ensino, as unidades administrativas, as diretrizes políticas da instituição são os maiores obstáculos à sua realização. O intercâmbio lógico e epistemológico de conceitos e métodos, por exemplo, resultado da lógica formal ou da linguística, é difícil de ser assumido nas ciências jurídicas, de gestão, etc. O mesmo ocorre com a interdisciplinaridade, que consiste na aplicação de conhecimentos de uma ciência ou disciplina para outra, como a aplicação de conhecimentos de engenharia na medicina.

Um grau ainda de maior dificuldades de interdisciplinaridade é o da geração de novos conhecimentos, isto é, na integração de projetos de pesquisa e de oferecimento de programas de pós-graduação. Os exemplos de intervenções da matemática na física, dos estudos de letras em relação à cultural regional, no aproveitamento da teoria do caos na arte, entre outros, ilustram as dificuldades criadas não pelos pesquisadores, mas pelos gestores acadêmicos despreparados para a descoberta do novo e, em última análise, para entender o futuro da universidade.

A inter e a transdisciplinaridade são processos de integração que ocorrem fora dos muros das unidades administrativas. Diversas

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experiências inter e transdisciplinares acontecem nas universidades, não por decisão de seus dirigentes, mas por imperativos da realidade, pela necessidade de acompanhar os avanços científicos e tecnológicos e de possuir uma compreensão coerente e atualizada do homem e do mundo.

Na realidade, as articulações entre realidade, linguagem e conhecimento produzem um nível de complexidade racional, que determina novas condições epistemológicas e metodológicas, por consequência, nas condições de organização. Essas condições podem, em parte, ser assumidas com programas de ensino mais flexíveis, sem criar artificialmente novas disciplinas e, igualmente, simplificando e adaptando a estrutura universitária. Sem o apoio de uma administração e de uma estrutura flexível, portanto o ideal da interdisciplinaridade jamais será alcançado completamente.

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Experiências interdisciplinares na pós-graduação

As matérias científicas são com muita frequência ensinadas, mais como corpos de conhecimento do que como método universal de enfrentar e abordar questões. (DEWEY, 1990).

Uma das maneiras de entender a interdisciplinaridade consiste em examinar como ela se manifesta nas experiências universitárias. O conceito de interdisciplinaridade torna-se compreensível quando faz referência a algo concreto. Por isso, descrever e analisar as dificuldades e as virtudes da experiência interdisciplinar, a partir de casos, é útil e necessário para esclarecer o conceito. Dentre as muitas experiências que podem ser estudadas, é possível selecionar algumas que ocorrem no campo da pós-graduação, portanto, em atividades integradas de ensino e de pesquisa.

a) Uma experiência em educação

Um dos primeiros programas de pós-graduação interinstitucional realizado no Brasil, com a supervisão da Capes, é o resultante do convênio entre a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e a Universidade de Caxias do Sul (UCS), nos anos de 1992 a 1995, com o oferecimento dos cursos de mestrado e de doutorado em educação, turma única. A sede da experiência interinstitucional foi a Universidade de Caxias do Sul. Essa experiência pioneira no âmbito de cursos de pós-graduação fora da sede foi essencialmente uma experiência interdisciplinar.

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Tendo participado dessa iniciativa como professor e como um dos coordenadores, junto com o Prof. Dr. Silvio Paulo Botomé, da UFScar, pude acompanhar, participar dos e avaliar os objetivos, as políticas, as ações científico-pedagógicas e os resultados. Penso que é relevante refletir sobre alguns aspectos dessa proposta, especialmente os aspectos epistemológicos e político-administrativos.

Essa experiência demonstrou, na prática, alternativas de abertura de novos caminhos de acesso à pós-gradução, de strito senso, e, igualmente, à possibilidade de novas estratégias de titulação e de qualificação de novos professores e de qualificação institucional. O sistema de pós-graduação brasileiro, sem dúvida, um dos sistemas de pós-graduação qualificados em termos internacionais, pode, a partir dos resultados dessa experiência pioneira, encontrar meios e estratégias para solucionar a falta de pós-graduados em certas áreas do território nacional.

Participaram dessa experiência, como alunos, dezoito professores universitários selecionados, de diferentes universidades. Dez deles como alunos do curso de mestrado e oito como alunos do curso de doutorado em educação. Os mestrandos/doutorandos eram provenientes das áreas da Matemática, Engenharia, Pedagogia, das Letras, Medicina, Enfermagem, Educação Física, Educação Artística e Filosofia.

Por sua vez, os professores doutores do programa de pós-graduação, permanentes e convidados, provinham de diferentes áreas de conhecimento e de campos de atuação profissional e também de diversas universidades brasileiras (UFScar, PUCSP, PUCRS, USP, UFRGS, UCS). Também participaram professores estrangeiros. As atividades pedagógicas consistiam em preleções, seminários, oficinas, grupos de estudo, conferências, pré-defesas de trabalhos escritos, orientação individual, orientação em grupos, apresentação de relatórios de leituras, provas escritas, redação de resenhas, redação de artigos científicos, organização de encontros e congressos, visitas a bibliotecas e realização de cursos na Universidade Federal de São Carlos.

As disciplinas semestrais, reagrupadas em grandes unidades de ensino, ministradas e administradas em módulos, sempre com a presença de dois ou mais professores, tinham como critério orientador a busca de solução de problemas. A modalidade tradicional de oferecimento de cinco ou seis disciplinas ministradas

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isoladamente foi substituída por um programa de aprendizagem único. O programa de ensino, em parte predefinido pelos professores e, em parte, proposto conforme as necessidades manifestadas no decurso dos trabalhos, permitia o envolvimento de diversos interesses acadêmicos.

As sessões de orientação de estudo e de redação da dissertação e da tese eram semanais, em forma de seminário, e, caso necessário, com orientação individual ou em pequenos grupos. O exame dos problemas de pesquisa, de elaboração teórica e metodológica das dissertações e das teses procurava alcançar dois objetivos básicos: aspectos pedagógicos e aspectos epistemológicos.

Os seminários especiais consistiam em leituras de textos básicos e na redação de diferentes gêneros de textos científicos (como relatórios, resenhas, artigos, ensaios, etc). Também, nessas sessões, eram analisadas e comentadas as implicações institucionais dos estudos realizados, como atualização da biblioteca, aquisição de computadores, organização de eventos científicos (simpósios, congressos, etc), publicação de artigos, resenhas e livros.

Os objetivos do curso de mestrado foram debatidos e avaliados constantemente. Em síntese, eram os seguintes: a) preparar professores universitários; b) preparar pesquisadores; c) preparar administradores de projetos de pesquisa e de programas de ensino.

O curso de doutorado, além desses objetivos, dava predominância à função de formar pesquisadores e cientistas. Desse modo, o programa de pós-graduação, além de titular e qualificar os indivíduos, dava ênfase à necessidade de qualificar a instituição e contribuir para a integração das atividades pedagógicas e epistemológicas da pós-graduação e com as metas e as atividades dos cursos de graduação e a política de pesquisa dos departamentos.

As preleções e os seminários do primeiro semestre letivo, num processo interdisciplinar, iniciaram com um exercício de definição do termo liberdade e de uma figura geométrica. O exercício a que foram submetidos professores (alunos do curso), alguns com notável experiência docente, serviu para mostrar as dificuldades de definir e de conceituar. As múltiplas definições permitiram preparar um seminário para problematizar conceitos, proposições, definições, integradas respectivamente a determinadas teorias relevantes nas áreas de conhecimento de cada mestrando ou doutorando.

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Os seminários seguintes aprofundaram o estudo da formação de conceitos, considerados sob os pontos de vista lógico, psicológico, sociológico, cognitivo, político e até corpóreo, evidenciando como um conceito depende de definições e do discurso. Para alcançar essas metas, foram usados textos selecionados e foram convidados professores especialistas de diversas disciplinas. Desde as primeiras semanas, começaram a se evidenciar trocas e mudanças conceituais entre os participantes provenientes de diferentes disciplinas.

Para completar essa primeira unidade de ensino, os professores propuseram que todos os participantes esclarecessem, a partir de sua área de conhecimento, o conceito de função. Assim foram examinados os conceitos de função em matemática, em linguística, em sociologia, em antropologia, etc. Não se tratava mais do conceito de conceito, mas do uso de um conceito com significados diferentes e comuns nas diversas teorias científicas. Esse exercício, além de mostrar as dificuldades de comunicação existentes entre as disciplinas e os especialistas, mostrou como os mesmos conceitos podem ser usados com um sentido único ou com sentidos aproximados, e como pode ocorrer empréstimo de conceitos entre os domínios científicos.

Nas sessões seguintes, por necessidade de cada mestrando e doutorando, engenheiro ou linguista, psicólogo ou educador, começou-se a cultivar o hábito de explicitar o significado dos termos técnicos dos enunciados. Assim, o conceito de função, bem como outros conceitos básicos passaram a ser empregados em lógica, matemática, antropologia ou linguística com suas características comuns e diferenciadoras, sempre explicitadas.

As preleções e os seminários mostraram com clareza a importância das questões epistemológicas, metodológicas e pedagógicas. Em cada semana, as análises e as interpretações de texto, as oficinas e os exercícios em laboratório abriram um novo leque de questões interdisciplinares, ligadas aos interesses científicos e profissionais de cada participante. Entre os problemas mais relevantes apareceram os de natureza do conhecimento científico, da linguagem científica, do conceito de realidade, de mundo, de ambiente, de situação, de tempo, de espaço, de história, de racionalidade, etc. E, naturalmente, os de ensinar e de aprender e, ainda, do planejamento pedagógico necessário.

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Também mereceu destaque especial o encaminhamento de estudo sobre a delimitação e formulação do problema de pesquisa, sobre os modelos teóricos e os processos metodológicos. Houve igualmente uma aproximação e uma distinção entre problemas de pesquisa e problemas de ensino, a função das teorias e dos métodos científicos na pesquisa e no ensino. Com o tempo, a prática da interdisciplinaridade adquiriu uma naturalidade, especialmente em relação às mudanças conceituais, ao redimensionamento das teorias e ao uso de métodos científicos. A lógica, a filosofia, a estatística e outros conhecimentos e tecnologias passaram a ser vistos pelos participantes como exigências indispensáveis para o aprofundamento das questões científicas e pedagógicas.

Essa experiência interdisciplinar de pós-graduação, sob a liderança do professor Silvio Paulo Botomé, durou quatro anos e desenvolveu-se em etapas sucessivas e complexas, com evidentes resultados positivos. Todavia, falta ainda uma descrição e uma análise de todos seus aspectos. Isso exigiria, sem dúvida, um longo e minucioso estudo. Por ora, fica o registro do essencial.

a) Letras e Cultura Regional

O Programa de Pós-graduação em Letras e Cultural Regional teve início em agosto de 2002, na Universidade de Caxias do Sul, após diversas diligências propostas pelos órgãos governamentais que tiveram dificuldades de entender o caráter interdisciplinar da proposta. Sem a concentração em "Letras", a ideia de um estudo que relacione as letras e a cultura regional não teria obtido aprovação. Foi necessário situar o curso numa área consagrada, a de Letras e, posteriormente, demonstrar como seriam redimensionadas a literatura e a língua na perspectiva da cultura regional.

A cultura regional tem na língua e na literatura, em conexão com os estudos de história, sociologia, economia, filosofia e outros, dois núcleos básicos de investigação. A língua, traço antropológico fundamental, e a literatura, manifestação de totalidade dos saberes de uma comunidade, são fontes inesgotáveis de pesquisa de crenças, valores, comportamentos, ideias, organizações, instituições, sucessos e fracassos. As pesquisas no campo da imigração,

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da colonização, da sociolinguística e da dialectologia, acrescidas das manifestações literárias são material indispensável para o exame crítico da identidade e das diferenças que caracterizam uma região, no contexto nacional e internacional.

A investigação interdisciplinar de problemas que envolvem as categorias da modernidade, da cultura, da região, da regionalidade, revela uma maneira inteligente de compreender e de contribuir para o desenvolvimento da comunidade, especialmente na época da globalização. A necessidade de uma perspectiva universal (científica) na análise e na interpretação do regional, a elaboração de teorias que expliquem o fenômeno da cultura em seus múltiplos aspectos somente serão levadas adiante pela visão interdisciplinar. Um programa assim desafia professores e estudantes, pois os convoca a elaborarem novas teorias capazes de descrever, analisar e interpretar os processos culturais. A tarefa ultrapassa o simples levantamento de dados, de informações, de elaboração de novos diagnósticos. Trata-se de compreender o que somos dentro dos horizontes largos de nosso tempo, articulando, na unidade do problema de pesquisa, a multiplicidade de suas manifestações.

Redimensionar o estudo das letras, sob o enfoque da cultura regional, é muito mais do que uma delimitação metodológica. É condição epistemológica de possibilidade de análise dos problemas regionais inseridos no universal. Essa delimitação, mais do que um esquema didático, é a espinha dos estudos interdisciplinares que criam visibilidade ao verdadeiro perfil, ao jeito de agir e fazer de um grupo, num retrato de corpo inteiro, porém enquadrado no cenário nacional e internacional.

Os desafios da globalização e da internacionalização, em todas as suas formas e consequências, assumem aspectos peculiares em cada região e comunidade. Sem perceber as relações dialéticas entre o regional, o nacional e o internacional, as partes e o todo, os fragmentos e a totalidade, não se pode compreender a natureza do que ocorre no mundo. Identificar as mediações da rede que determina a cultura hoje é, sem dúvida, uma condição necessária para poder entendê-la. Afinal, não se pode perder de vista que o conceito de cultura designa o lugar onde se desenvolve a atividade criadora do ser humano. Nesse sentido, pertence à cultura, quase que

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por essência, ser regional. E, esse fenômeno não poderá ser investigado a não ser ultrapassando os falsos muros das disciplinas.

b) Ciências Criminais

A proposta do curso de Mestrado em Ciências Criminais, da PUCRS, muito mais do que multidisciplinar é interdisciplinar. Seus objetivos consistem não apenas na unificação dos fundamentos comuns das disciplinas que constituem o currículo, mas exigem também trocas e mudanças conceituais que se movimentam dentro de distintas teorias e métodos de pesquisa. No caso específico desse curso de mestrado, os problemas relativos à violência, por exemplo, implicam uma investigação interdisciplinar que, em certos casos, pode ser designada de transdisciplinar.

O curso apresenta uma clara interação e um entrelaçamento de teorias e métodos que envolvem, ao mesmo tempo, as ciências jurídicas, as ciências sociais e as ciências médicas. A interdisciplinaridade, portanto, resulta tanto do objeto de investigação, o problema da violência, quanto das condições teóricas e metodológicas de investigação. A realização da proposta tem sua base na estrutura curricular, nas linhas de pesquisa do corpo docente e discente e alcança sua concretização maior nos programas de ensino e nos projetos de pesquisa.

A intradisciplinaridade começa no interior de cada disciplina, especialmente quando seus programas de ensino são abertos a outros enfoques. Continua na aprovação conjunta dos programas de ensino, caracterizados previamente como interdisciplinares. Continua igualmente nos programas de pesquisa que, em determinadas circunstâncias, ultrapassam os conhecimentos institucionalizados das disciplinas e, por isso, ensaiam um esforço transdisciplinar.

A proposta possui como princípios de ação a integração e o intercâmbio entre professores e alunos e a flexibilização e articulação entre os saberes, sejam eles científicos ou não.

O problema da violência pode ser investigado sob múltiplos pontos de vista. Poder-se-ia afirmar, como exemplo, que a visão jurídica assume sua vocação social e histórica em contato direto com os avanços na área psicobiológica e médica. Isso exige um

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rompimento crítico com as teorias jurídicas formais em favor de uma visão auto-organizativa do fenômeno social. Por sua vez, os conhecimentos científicos envolvidos, especialmente os das ciências médicas, sociais que dão ênfase especial aos pressupostos éticos e epistemológicos, não podem excluir os conhecimentos jurídicos.

Ensinar e investigar problemas científicos numa perspectiva inter e transdisciplinar pressupõe uma nova conduta e mentalidade científica e pedagógica, como também um apoio institucional absolutamente novo, pois as universidades não estão adaptadas às exigências de atividades acadêmicas que ultrapassam as estruturas disciplinares.

As teorias e as metodologias de diversas áreas estão disponíveis à ação interdisciplinar. Sem essa abertura, não se realiza o objetivo do curso de uma visão das relações sociais como uma rede complexa em que se manifesta a criminalidade em seus aspectos ideológicos, políticos, administrativos, cujos conflitos entre os interesses particulares e coletivos, entre as normas e os fatos, no processo democrático, prejudicam o papel do Estado e os direitos civis e políticos dos cidadãos.

A articulação entre as linhas de pesquisa dos docentes, entre os projetos de dissertação dos estudantes e entre os programas de ensino é necessária em qualquer curso de pós-graduação, muito mais profundamente quando a proposta, como nesse caso, é interdisciplinar. As diversas linhas de pesquisa, como: 1) político-criminal, Estado e limitação do poder punitivo; 2) relações entre violência e cultura; 3) transtornos psiquiátricos e violência, são completadas por disciplinas de caráter geral e instrumental e, ainda, por disciplinas específicas para cada linha de pesquisa. Assim, Antropologia Social, Criminologia, Fundamentos de Psiquiatria, Teoria Geral do Delito, Penologia, acrescidas de disciplinas como Epistemologia da Interdisciplinaridade, preparam uma base interdisciplinar para desenvolver estudos opcionais situados dentro de cada área de pesquisa.

A proposta inter e transdisciplinar do curso adota as seguintes diretrizes: a) escolha de professores provenientes de áreas ligadas aos objetivos do Curso de Mestrado, com experiência, competência e produção científica aberta ao diálogo interdisciplinar; b) elaboração de currículo e de programas de ensino flexíveis, capazes de permitir e facilitar o intercâmbio interdisciplinar; c) realização de eventos

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científicos e pedagógicos que favoreçam o desenvolvimento de uma mentalidade aberta às novas lógicas de acesso à realidade; d) integração dos projetos de pesquisa dos professores e dos projetos de dissertação dos estudantes com as linhas de pesquisa do curso de Mestrado.

A investigação da violência é um exemplo de exigência de atividade interdisciplinar. Nenhuma das ciências e disciplinas mencionadas dá conta da questão separadamente. Na realidade, as ciências envolvidas também não dispensam a contribuição de outras disciplinas. A violência é um elemento intrínseco ao fato social e não um mero resquício de uma ordem bárbara. Nenhuma sociedade está absolutamente livre de sua presença e de seus efeitos. Isso vale para o passado como para o presente, tanto para os grandes centros urbanos quanto para pequenos lugares isolados. As variáveis que constituem o fenômeno da violência são tantas e resultam de tantas causas, que somente um conhecimento interdisciplinar pode descrever e analisar seus elementos sem perder a visão do todo. Desde os aspectos filosóficos até os criminais, isto é, as concepções do humano, da sociedade, da vida não podem ser captadas por um pensamento ou conhecimento singelo. Problemas socioeconômicos, político-jurídicos exigem o cultivo do conhecimento complexo, do conhecimento ético e técnico, estratégico e comunicativo. E, como o conhecimento complexo não se reduz a uma ciência ou disciplina, seu padrão de eficácia somente pode ser a inter e a transdisciplinaridade.

O curso de Mestrado em Ciências Criminais, da PUCRS, ainda em período de consolidação, presta-se para o estudo e exame de outras propostas interdisciplinares. Ele possui a característica de ter escolhido um problema de pesquisa que facilita o trabalho de integração teórica e de pesquisadores. Ele pode se tornar um exemplo de experiência interdisciplinar e, dependo do nível de aprofundamento, transdisciplinar.

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A função interdisciplinar da Filosofia

Somente se nos voltarmos para o já pensado seremos convocados para o que ainda está para ser pensado. (HEIDEGGER). Os filósofos podem, em primeiro lugar, contribuir para o discurso sobre a modernidade, à luz do qual as sociedades complexas alcançam uma compreensão melhor de sua situação no passado e no presente. Em segundo lugar, dado que a filosofia tem estreita relação tanto com a ciência quanto com o senso comum, os filósofos têm condições de efetuar uma crítica das patologias sociais, quais sejam, por exemplo, os sofrimentos mais ou menos ocultam que advêm dos processos de comercialização, burocratização, legalização e cientificação. Por fim, os filósofos podem reivindicar para si uma especial competência para analisar as questões de injustiça política e, em particular, dessas "chagas ocultas" que são a marginalização social e a exclusão cultural. A filosofia e a democracia não só partilham as mesmas origens históricas como também, de certo modo, dependem uma da outra. (HABERMAS).

A filosofia ocupa uma função interdisciplinar primordial ao esclarecer os pressupostos epistemológicos das ciências e ao examinar, numa perspectiva ética, os resultados e as consequências da pesquisa. A filosofia tem sua razão de ser ligada estreitamente às condições de possibilidade do conhecimento teórico e prático (que, por sua vez, no sentido aristotélico, também é teórico). As bases racionais e operacionais de teorias e de métodos científicos têm algo de filosófico. Nesses termos, a filosofia é hipo e intradisciplinar e não apenas inter e transdisciplinar. Não fosse assim, seria uma disciplina igual a outras.

A filosofia promove o diálogo interdisciplinar, no sentido de incentivá-lo, mas primeiramente estabelecendo as condições

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ético-epistemológicas das relações entre as disciplinas. Desde que os processos dialéticos, analíticos e hermenêuticos se efetivam como modalidades dos atos de conhecer, de conceber a realidade e do discurso sobre ela, por mais distintas e distantes que se encontrem as disciplinas, eles partem desses fundamentos lógicos comuns.

A filosofia tem a vocação histórica de pensar os entes em sua totalidade e de criticar as fragmentações do saber. A multiplicidade de saberes e de orientações científicas leva a uma crise de compreensão da realidade.

Husserl, na Krisis, demonstra que a crise das ciências atuais consiste no esquecimento do humano, da intersubjetividade, do mundo da vida. Habermas, na Teoria do agir comunicativo, mostra positivamente que a filosofia pode pensar as questões da verdade, da racionalidade, em estreita relação com a pesquisa experimental. De certo modo, ciência e filosofia vivem conjuntamente as mudanças conceituais, pois a inseparabilidade epistemológica dos dois domínios é algo natural.

Um exemplo da função interdisciplinar da filosofia é o próprio esclarecimento epistemológico do conceito de interdisciplinaridade. Não cabe à física ou à sociologia, por exemplo, descrever e justificar práticas interdisciplinares. Essa tarefa envolve uma ação metacientífica. Na realidade, as relações entre teorias e métodos, com seus respectivos paradigmas, ultrapassam os limites de qualquer ciência ou disciplina. Nessas complexas relações, sem dúvida, entram aspectos psicológicos, sociólogos, linguísticos, político-administrativos, mas, antes de tudo, elas têm sua base no solo da lógica, da ontologia, da gnosiologia, da ética e da estética.

Sob o ponto de vista histórico, a filosofia dá origem às ciências, e as ciências produzem tecnologia. Sob o ponto de vista sistemático atual, estes três momentos: filosofia, ciência e tecnologia, determinam-se mutuamente, aliás, como a tecnociência o demonstra. A ciência propõe desafios à filosofia; a tecnologia torna-se indispensável à investigação científica, a filosofia questiona as condições de cientificidade dos resultados obtidos e, nesse giro sistêmico autoprodutivo, cada modalidade de conhecimento desempenha sua função. As relações entre filosofia, ciência e tecnologia deixam de ser lineares, adquirem circularidade e complexidade.

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Nessa perspectiva, a função interdisciplinar da filosofia ganha nova visibilidade frente às novas investigações biogenéticas e as dúvidas crescentes que se projetam sobre o futuro da natureza humana. A biologia, a antropologia, a psicanálise e outras ciências invadem o terreno dos sistemas filosóficos tradicionais e obrigam a filosofia a repensar seus conceitos metafísicos sobre Deus, o homem e o universo.

A filosofia grega reunia numa única perspectiva a totalidade do saber. Os sistemas teóricos de Platão e de Aristóteles funcionavam como uma moldura da totalidade desses conhecimentos, apesar de, no seio desses mesmos sistemas, terem-se originado as distinções e as separações entre filosofia e ciência.

Na Idade Moderna, com Descartes e Bacon, tem início a cisão entre a filosofia e a ciência moderna. A visão cosmológica da episteme grega é substituída pelo modelo antropológico moderno que origina os movimentos do empirismo, do racionalismo, do iluminismo e do idealismo. O método científico adquire status de problema central. A modernidade busca o "novo" e a superação da tradição. O humanismo, especialmente na literatura, deixa suas marcas com as ideias de progresso, de indivíduo, de experiência, de poder político, de liberdade, de estado, de pacto social, etc. Copérnico, Galileu, Newton, Leibniz, entre outros, inauguram a ciência moderna. O novo empreendimento da ciência experimental, lado a lado com a descoberta do Cogito, impõe novas relações entre a filosofia e a ciência, apesar de a ideia de um saber unitário perdurar durante alguns séculos.

A filosofia continua sendo vista como sistema capaz de abarcar todo o saber nas épocas de Leibniz, Kant e Hegel. Leibniz como filósofo e cientista descobre o cálculo infinitesimal e aprofunda questões ontológicas. Kant escreve as famosas críticas, mas também ensina geografia e outras matérias, dentro de uma visão integrada. Seu intento era fundamentar o uso da razão no conhecimento da realidade; procurar critérios de demarcação entre o que podemos conhecer de modo legítimo, sem dogmatismo e falsas pretensões. Hegel insiste na integração de todos os conhecimentos num único sistema. Todos os conhecimentos das ciências ocupam seu lugar na Enciclopédia das Ciências Filosóficas.

O acelerado desenvolvimento das ciências e a multiplicação das disciplinas na contemporaneidade coincidem com as tentativas de

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superação da metafísica, isto é, com a eliminação da pretensão de explicar toda a realidade e a realidade na sua totalidade. A razão única dá lugar a múltiplas manifestações de racionalidades. A unidade da razão na multiplicidade de suas vozes, na expressão de Habermas (1989), aponta para a complexidade que tomou conta da vida atual.

Após as rupturas no cerne do pensamento da tradição, especialmente provocadas por Nietzsche, Marx, Freud e das ciências, muitas escolas (ou movimentos) como a do Neopositivismo, da Filosofia Analítica, da Escola de Viena, da Escola de Frankfurt, da Fenomenologia, do Existencialismo, da Filosofia da Cultura (Foucault) e do Pragmatismo Americano tornam problemático o discurso da função da filosofia frente à ciência e à vida contemporânea.

Às rupturas da explicação filosófica associam-se as novas condições da filosofia universitária, o exercício da profissão de professor de filosofia, como qualquer outra profissão, embora a filosofia, também apareça como um modo de vida em casos esporádicos. Em outras circunstâncias, a filosofia, sendo um tipo de interrogação que está presente na gênese e na constituição do conhecimento teórico, expulsa dos currículos escolares, tende a despontar em todas as ocasiões em que se exige rigor e profundidade de argumentação, nas mais diversas áreas do conhecimento. Esse pensamento camuflado aparece com outro nome: teoria disso ou daquilo. Toda vez que se busca coerência ou que se quer legitimar e justificar os conhecimentos ou simplesmente criticar os paradigmas científicos, a filosofia renasce.

Hoje, como nos tempos de Platão, é difícil distinguir o filósofo do sofista e do político. Persistem as dificuldades de definir e de distinguir o que seja a filosofia, pois ela não cessa de se misturar com a poesia, com a literatura, com a arte, com a religião, com as teorias científicas. Se algumas vezes, a filosofia é reduzida a exercícios terapêuticos ou de limpeza de linguagem, ainda são numerosos os filósofos que se ocupam com as grandes questões do ser, do universo, da natureza, de Deus e do homem. Assim, num panorama de feliz conturbação intelectual e científica, a filosofia abre caminhos para as investigações científicas ou percorre os mesmos caminhos que foram desbravados pela ciência. De um modo ou de outro, sua presença direta ou indireta, é uma exigência das condições de possibilidade do próprio conhecimento. Por isso, pode-se afirmar que,

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antes de qualquer estudo psicológico ou psicanalítico, a filosofia tentou explicar as relações entre a consciência e o mundo. Antes das explicações físicas e biológicas, ela especulou sobre a origem da vida e do universo.

Os conflitos entre os sistemas filosóficos reafirmam, mesmo negativamente, a função interdisciplinar da filosofia relativamente. Não se trata de eleger a filosofia como "rainha das ciências" nem de lhe atribuir a função de fundamentação de todo conhecimento teórico ou de reconhecer sua tarefa de árbitro dos resultados da investigação científica. Essas tarefas tradicionais atribuídas à filosofia, embora tenham contribuído no passado para determinar a produção científica, hoje estão objetivamente superadas.

É preciso dar-se conta de que a atividade filosófica assume nesse momento outro papel. Habermas lembra que Kant introduziu um novo modo de fundamentação na filosofia, a fundamentação transcendental voltada para as condições a priori da possibilidade da experiência. A fundamentação filosófica não parte da ideia de uma derivação a partir de princípios, mas da "ideia de que podemos nos certificar do caráter insubstituível de determinadas operações intuitivamente executadas desde sempre segundo regras". (1989, p. 17-18). Kant, ao definir a missão da filosofia dessa maneira, valendo-se de fundamentações transcendentais da teoria do conhecimento, levou seu formalismo racional a conceber a filosofia como "juiz supremo perante a cultura em seu todo".

Habermas examina as posições filosóficas de Hegel, Marx, Wittgenstein, Heidegger, Rorty, Popper, e de outros, para os quais a filosofia tem a função de "indicar um lugar" para as ciências. Ele conclui que isso de indicar o lugar deve ser substituído pela tarefa de "guardar um lugar", especialmente "para teorias empíricas com fortes pretensões universalistas, que são objeto de arremetidas sempre renovadas das cabeças produtivas em cada disciplina". (1989, p. 30).

Mas, a função da filosofia de vigia de lugar e de intérprete não vale para todas as ciências. É apenas relevante para "aquelas que procedem reconstrutivamente", aquelas que partem "do saber pré-teórico de sujeitos que julgam, agem e falam de maneiras competentes", aquelas que caracterizam "sistemas epistêmicos da tradição cultural" e precisam aclarar "os fundamentos presumidamente

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universais da racionalidade da experiência e do juízo, da ação e do entendimento mútuo linguístico".(HABERMAS, 1989, p. 30). Nessa perspectiva, a filosofia pode cooperar com a ciência na elaboração de sua racionalidade, desde que não tenha pretensões fundamentalistas. Pode cooperar com as ciências empíricas estabelecendo conexões entre a epistemologia, a teoria dos atos de fala, as teorias da argumentação informais ou naturais, as éticas cognitivistas, a psicologia do desenvolvimento da consciência moral, as teorias da ação e outros aspectos. É evidente que esse leque de exemplos pode ser estendido, desde que a filosofia não abandone as pretensões de totalidade prática e teórica, sob pena de deixar de ser filosofia.

A ciência atual elabora, sem intervenção da filosofia, suas esferas de racionalidade. O marxismo e a psicanálise, a própria literatura, e outras manifestações da oralidade e da arte podem conter elementos filosóficos, porém sem a ajuda explícita de uma reflexão filosófica. O aprofundamento da investigação científica acaba introduzindo, muitas vezes, sem o apoio explícito do filósofo, questões filosóficas, questões que ultrapassam os limites e os procedimentos da investigação empírica. Dito de outra maneira, há uma filosofia na própria investigação teórica da ciência.

A filosofia, ao abandonar a função de juiz, desenvolve o trabalho de justificação e de fundação no interior da própria ciência, assumindo, em sua orientação para a totalidade, "o papel de intérprete voltado para o mundo da vida". A filosofia pragmática e a filosofia hermenêutica podem conferir "autoridade epistêmica à comunidade daqueles que cooperam e falam uns com outros". (HABERMAS, 1989, p. 33).

Essa posição de Habermas também pode ser observada em relação aos desafios e riscos de uma genética liberal, ao denunciar os avanços da biogenética que tornam os organismos vivos e naturais cada vez mais manipuláveis. (2004, p. 23-92). A psique humana é reduzida a instâncias experimentais, objeto de manipulação científica e tecnológica. As relações entre o humano e a natureza, cujos domínios perdem a aura de mistério, de enigma, de algo impenetrável, contribuem para a transformação dos conceitos de humanidade e de natureza. Esses conceitos são dissolvidos, não apenas de seu caráter metafísico, mas até em suas condições empíricas. Tudo

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depende dos "genes" e não da vontade e da inteligência de cada ser humano. O desejo é biologicamente dominado.

Para Habermas (2004), o preço dessa manipulação biogenética é excessivamente alto. O homem não possui mais controle de si mesmo, perde a autonomia e, desse modo, o entendimento universalista da moral é substituído pelo controle genético. O ético deixa seu lugar ao genético. Isso tudo traz consigo um conjunto de consequências relativamente aos conteúdos metafísicos e religiosos tradicionalmente consagrados. A ideia de educação torna-se menos importante do que as ideias de intervenções biogenéticas. A formação da identidade moral do indivíduo passa a depender de mudanças no código genético. A identidade sexual e psíquica, considerada "espontânea" até hoje, também pode ser atingida pela manipulação científica. Diante da possibilidade de modificarem-se as "disposições naturais" do humano, questiona-se como deverá ficar a autocompreensão do homem, e qual o significado de conceitos como os de dignidade, de autonomia, de liberdade.

Essas questões põem em confronto a ciência e a filosofia. Confronto que exige mudanças de concepção e de argumentação dessas disciplinas. Esse estado de alerta mostra que ciência e filosofia necessitam repensar seus objetivos e métodos. Mas, nem todos os filósofos reagem negativamente a esses novos problemas. Zizek, por exemplo, mostra que os avanços biogenéticos não negam a filosofia, mas apenas propõem novos problemas filosóficos. Para ele, se não podemos mais defender os conceitos de dignidade, de autonomia e de liberdade, talvez esses conceitos não passem de mitos, de fantasias que são necessários superar, limpar com as pesquisas mais avançadas da ciência. (ZIZEK, 2003, p. 4-8).

Zizek provoca os pensadores cristãos com o seguinte argumento: se a alma é imortal não pode ser manipulada pelos resultados biogenéticos. Igualmente, mostra que mesmo a solução de problemas de doença com diagnósticos adequados deixa em aberto problemas psicológicos e filosóficos. Alguém poderá, por exemplo, transferir a outro o conhecimento técnico-científico sobre a doença grave desse para que, no momento oportuno, o médico possa tomar as devidas providências, provocar, por exemplo, sua morte, mas, nesse caso, ele jamais poderá se libertar do fato de que "eu sei que o Outro sabe" a verdade sobre

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minha doença ou o meu fim. A farmácia poderá oferecer auto-estima engarrafada; no entanto, eu continuo sabendo que a auto-estima depende de remédios e não de mim. Exemplos como esses nos permitem concluir que, no lugar de lamentar a perda da liberdade, da autonomia, da dignidade, é preferível adquirir consciência de que com a biogenética podemos perceber que nunca tivemos esse ideal de autonomia, dignidade e liberdade. O problema, portanto, não está apenas nos avanços da biogenética, mas no contexto social das relações de poder no qual ela funciona.

A função interdisciplinar da filosofia ganha novas dimensões. Vale recordar, segundo Puntel (2002), que a filosofia, antes de tudo, é um discurso teórico universal e não um discurso de caráter particular, como o das ciências. Wittegenstein, no Tratactus, define o discurso teórico como o discurso que diz como as coisas são, de maneira factual e necessária, e não como as coisas devem ser. O discurso teórico articula a verdade. Nesse sentido, uma das diferenças entre filosofia e ciência e, portanto, uma das possíveis conexões entre ambas, é a particularidade do discurso científico e a universalidade do discurso filosófico. Assim, na investigação científica, pode pulsar, de modo implícito ou explícito, o pensamento filosófico. Todas as vezes que se fala em natureza, em genes, em ambiente, em história, em sociedade, ou em qualquer um desses conceitos definidores de um âmbito de uma disciplina científica, a filosofia está pressuposta.

Nem o indivíduo nem a ciência nem a sociedade e a humanidade podem se libertar das questões filosóficas que formam ou tecem o logos humano. Estamos sempre oscilando entre a eidos, forma, e o puro pháinestai, fenômeno. A filosofia lida com a teoria, sem esquecer o senso comum, motivo suficiente para ela exercer uma função interdisciplinar. Sem passar pelos conceitos de realidade, de conhecimento e de linguagem, não é possível estabelecer critérios de cientificidade. Desde o início, e hoje mais do que nunca, as fronteiras entre filosofia e ciência estão em crise; por isso, a função interdisciplinar da filosofia em relação às disciplinas científicas é ao mesmo tempo de caráter epistemológico e cada dia mais de interesse ético-político.

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Interdisciplinaridade e auto-organização

Luhmann, tomando de empréstimo elementos de Maturana e de outros, flexibilizou e estendeu a tal ponto os conceitos básicos de sua teoria do sistema, que eles se tornaram aptos a portar um paradigma filosófico em condições de concorrer. A ideia de um processo mundial realizando-se através de diferenças, entre sistema e mundo ambiente, coloca de escanteio as premissas ontológicas comuns de um mundo do ente racionalmente ordenado, de um mundo de objetos representáveis, referindo-se a sujeitos do conhecimento, ou de um mundo de estados de coisas existentes e representáveis por intermédio da linguagem. (HABERMAS).

A teoria sistemática da auto-organização ou a teoria sistêmica autopoiética possui características próprias da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade. A verdadeira disciplina é um sistema aberto, uma organização que tende a se auto-organizar segundo as necessidades curriculares e pedagógicas. Sob essa perspectiva, a organização de uma disciplina e também de um currículo pode adequar-se ou não à teoria da auto-organização. Tudo depende das relações internas e externas das disciplinas.

Lebrun, em obra organizada por ele e por Gonzales e Pessoa, Auto-organização: estudos interdisciplinares (1996), oferece, no título e, depois, no subtítulo, uma relação explícita entre auto-organização e interdisciplinaridade. Uma forma, segundo ele, é antes de tudo organizada quando produz a si própria e, por isso mesmo, pode ser interdisciplinar. Lebrun, depois de mostrar as dificuldades de definir o conceito de auto-organização, aponta duas características básicas: a) a reestruturação de uma forma ou organização, ao longo de um processo, deve-se ao próprio processo;

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b) essa reestruturação só depende em grau menor do intercâmbio com o ambiente ou da presença de uma instância superior. (1996, p. 4).

Embora essa definição implique um número razoável de consequências, é possível destacar, entre elas, que, na perspectiva de Lebrun, mesmo que a auto-organização tenha um caráter de criação, ela permanece um processo, pois nem sempre há uma correspondência entre o conceito de auto-organização e de autoprodução ou de autopoíese. Os significados do prefixo auto não são claros. O prefixo pode suscitar diversas questões semânticas.

Os estudos coordenados por Lebrun e outros, sobre o conceito de auto-organização na lógica, na matemática, nas ciências computacionais, nas ciências naturais e comportamentais, na linguística, na administração, nas ciências sociais e na produção artística, apontam para um conjunto rico de elementos, uma complexidade na ordem do conhecimento e da realidade, que nos permite entender melhor as diferenças e as semelhanças entre organismos vivos e organizações sociais. As disciplinas, como organizações e instituições, também se caracterizam por um conjunto de elementos que se interligam de modo independente, dependente ou por justaposição, assumindo um estado de equilíbrio ou desequilíbrio em relação às forças que perpassam as relações entre educação, formação, universidade, ciência, tecnologia, necessidades sociais, interesses individuais.

As disciplinas, umas mais que outras, vivem uma relação dialética de acomodação, de assimilação, de atualização entre os interesses da institucionalização e seus ambientes. Podemos falar num núcleo fundamental da disciplina, num apoio ou equilíbrio que evita sua decomposição, e também numa multiplicidade de elementos variáveis, mutáveis. Nesse sentido, a disciplina, vista como uma auto-organização, é um processo que requer certa duração. Ela não surge de repente. Igualmente, para ser coerente com sua finalidade, ela deve ser capaz de absorver as contribuições de conhecimentos novos fornecidos pelo ambiente. Há, portanto, um jogo circular, uma lógica de atualização que depende de uma racionalidade sistêmica ao mesmo tempo aberta e fechada.

Se é possível explicar os organismos vivos, as línguas naturais, a composição musical, etc, como sistemas auto-organizados, pode-se, igualmente, entender as disciplinas (a Biologia, a Linguística, a Teoria Musical, etc.) como auto-organizações ou sistemas

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autopoiéticos. Não é somente o social que pode ser visto como uma organização formal ou informal, mas também as teorias sociológicas, as teorias de gestão ou de ações estratégicas. O fenômeno da auto-organização, portanto, encontra-se não só no objeto de investigação, mas também nos processos epistemológicos e metodológicos que investigam esse objeto. Nesse sentido, a teoria sistêmica de auto-organização possui uma universalidade epistemológica. Ela mesma, sendo teoria, para não sucumbir ao reducionismo, à aplicação simplória, pode ser vista como auto-organizativa. Trata-se de processo sistêmico que depende de uma racionalidade dialética capaz de mediações e, por isso, sujeito às condições de um saudável relativismo.

As relações entre interdisciplinaridade e a teoria sistêmica de auto-organização precisam ser objetivadas, pois as disciplinas não são entes autopoiéticos por necessidade, mas apenas por decisão. Maturana e Varela, no prefácio De máquinas e seres vivos: autopoíese -a organização do vivo, chamam a atenção sobre o uso do termo autopoíese para explicar os organismos vivos. (1997, p. 20, 46). As ideias de sistema, de organização, de estrutura, de autopoíese possuem antecedentes na história das ideias e dos conceitos, embora todo conceito forme, com o tempo, seu núcleo fundamental.

O ser vivo é um sistema autopoiético molecular. Não se pode dizer o mesmo do fenômeno social. Por isso, é necessário proceder a distinções esclarecedoras. Maturana, por exemplo, afirma que a ideia de organização define a identidade de classe de um sistema, mas somente a estrutura a realiza como um caso particular de classe. A identidade do sistema é estabelecida na organização e não na estrutura. (1997, p. 20-21).

Independentemente das semelhanças e dessemelhanças entre auto-organização e autopoiética e da sua aplicação às disciplinas, pode-se explicitar algumas características básicas. O ser vivo possui a noção central de autonomia; uma disciplina também precisa ter sua adequada autonomia. Nos organismos vivos, a organização mínima pressupõe uma identidade circular, autoprodutiva. Na organização das disciplinas, essa organização mínima, de caráter lógico-epistemológico, depende de igual modo das contribuições de conhecimento novo de outras áreas do saber. Assim, o uso do conceito de autopoíese assume características próprias em cada domínio.

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As teorias da auto-organização e da autopoíese provocam uma revisão da teoria dos sistemas inicial. Desloca-se igualmente da área do biológico para o âmbito das ciências sociais, humanas e jurídicas. Porém, nesses casos, a autopoíese cumpre, como diz Varela, um papel metafórico. Faz-se necessário, então: primeiro, distinguir o sistema da auto-organização do sistema autopoiético; segundo, definir como cada um desses enfoques dispõe ao seu modo os conceitos que podem ser utilizados literal ou simplesmente por continuidade. Também é necessário não esquecer que se trata de conceito datado e não existe uma teoria autopoiética unificada. (MATURANA; VARELA, 1997, p. 53-54). Ainda é possível observar que a autopoíese é uma biologia do conhecer e, nesse sentido, pode explicitar os fenômenos da inter e da transdisciplinaridade.

A epistemologia da autopoíese, na perspectiva da história da filosofia, vem integrar, na circularidade, os fenômenos cognitivos e linguísticos, os modos básicos de conhecer analítico, dialético e hermenêutico. A prática da análise lógica não exclui os processos dialéticos e hermenêuticos. Ao contrário, esses processos ganham suas especificidades exatamente quando vistos na totalidade. Circularidade, totalidade, emergência e complexidade são conceitos que, ao lado de outros, servem para explicar os conceitos de auto-organização, de autopoíese e de inter e transdisciplinaridade.

A ideia de sistema está na origem dos conceitos de auto-organização e de autopoíese. Bertalanffy, em 1945, com sua obra Teoria de sistemas, desencadeia uma grande influência que, partindo da Biologia, invade a Cibernética, de Norbertt Wiener; a Ecologia de Uexküll e Weiszäcker; a Sociologia e o Direito de Niklas Luhmann, a Neurofisiologia de Maturana e Varela; a Física de Lee Smolin; a Química de Prigogine e, ainda, a Medicina, a Psicologia, a Administração e outras áreas do conhecimento.

Cirne-Lima (2003) afirma que a auto-organização, a autodeterminação que tipifica a ideia de sistema contemporâneo, tem origem na antiga causa sui da metafísica clássica. Para ele, a Teoria de Sistemas e a auto-organização são herdeiras intelectuais de Platão, Plotino, Proclo, Agostinho, Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Espinosa, Fichte, Schelling e Hegel. Na realidade, Bertalanffy dedica seu

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livro a Nicolau de Cusa, Leibniz e Goethe. Nesse sentido, a ideia de sistema, de auto-organização, está próxima da noção de dialética.

Cirne-Lima e Rohden, em Dialética e auto-organização, definem sistema nos seguintes termos:

Sistema é um processo circular que, embora sob o aspecto energético seja aberto para o meio ambiente, sob o aspecto estrutural e organizacional é fechado sobre si mesmo, que é estável, que se retrodetermina (feed back), se realimenta, se recompõe e se reorganiza de maneira plástica a partir de seu meio ambiente, que exerce seletividade em suas interações para com este, que em muitos casos se replica ou reproduz, que, quando afastado de seu ponto de equilíbrio, em muitos casos, engendra novas formas de organização e de comportamento, as quais se inserem num processo de evolução que é regido pela lei de coerência universal (seleção natural). (2003, p. 27-28).

Essa definição é detalhadamente analisada. Ela implica condições filosóficas evidentes. Entre elas pode-se mencionar a importância da contingência. Assim, o Universo ou qualquer sistema auto-organizativo não pode ser deduzido a priori de princípios. Ou melhor, na auto-organização, o elemento a priori conjuga-se com o a posteriori. Daí a relevância da criatividade em qualquer processo auto-organizativo. Novamente, essas características podem ser comparadas e aplicadas àquelas que constituem uma disciplina científica.

Para ilustrar as semelhanças entre a organização de uma disciplina e a teoria da auto-organização, pode-se se deter no sistema autopoiético do direito, apresentado por Severo Rocha, Schwartz e Clam, no livro Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito. (2005). Os autores apresentam, de modo conciso, a teoria autopoiética de Luhmann.

Severo Rocha oferece uma breve e densa introdução ao desenvolvimento da teoria jurídica no início do século XXI. Entre os pressupostos de sua sistematização, destaca-se a concepção de que o Direito e o político estão relacionados estreitamente com as formas de sociedade em que se vive. A política está relacionada com o Estado, os governos, os partidos políticos, os grupos de pressão, os sindicatos. Todas essas relações ocorrem no tempo e estão em consonância com novos imaginários sociais e com formas diversas de conceber a realidade. (2005, p. 11).

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Na modernidade, não se podem mais admitir as concepções medievais e metafísicas de Direito natural, eterno, imutável, indiferente às transformações sociais. O Direito, numa sociedade indeterminada, precisa ser Direito positivo. (2005, p. 13). O Direito positivo, derivado de uma situação histórica, da decisão política, assume uma teoria jurídica normativista, ligada fortemente à noção de Estado. É o que ocorre com a teoria jurídica de Kelsen, em pleno processo de globalização. Entretanto, essa tendência normativa acarreta atualmente dificuldades epistemológicas. Em outros termos, a epistemologia do neopositivismo analítico tende a ser contraposta pela epistemologia construtivista que privilegia as características da sociedade atual ou por outras tendências epistemológicas, porém ainda não satisfatórias para a compreensão do fenômeno jurídico.

A crítica do normativismo pressupõe uma hermenêutica capaz de pensar o fenômeno do Direito em todos os seus aspectos. Essa capacidade hermenêutica desenvolve-se em diversas maneiras na atualidade.

O normativismo analítico de Kelsen, influenciado por Kant e pela escola analítica (da primeira fase), insiste no uso de uma linguagem rigorosa. Assim, a teoria pura do Direito separa-se da metafísica, da moral, da política, da religião e quer ser uma "ciência do direito". Graças aos avanços da Lógica e das ciências da linguagem (Semiótica, Semântica, Pragmática), a teoria do Direito analítica, depois de Kelsen, apoia-se na jurisprudência de Herbert Hart e no realismo jurídico de Alf Ross. Mas, a simples análise lógica da linguagem e o esclarecimento lógico dos conceitos não permitem uma crítica política do Direito, uma compreensão socioeconômica do Direito, das relações entre o Direito e a sociedade. Somente um processo hermenêutico pode explicitar o sentido da norma jurídica, das regras e dos princípios jurídicos.

A hermenêutica jurídica de longa tradição, sistematizada por Schleiermacher e Dilthey, reformulada por Gadamer, sob a influência de Heidegger, e acrescida de outros estudos, como os de Betti, especialmente na área do Direito, somada a outras contribuições, como as da investigação filosófica da linguagem comum de Austin e Wittgenstein, pode superar o normativismo jurídico. Na realidade, faz-se necessário distinguir entre as teorias da interpretação e as filosofias hermenêuticas na interpretação dos textos e da realidade.

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O pensamento hermenêutico pode estar associado ou não ao pensamento pragmático voltado para as práticas sociais. Assim, Hart, leitor de Benthan e criticado por Dworkin, interpreta as normas a partir das chamadas "regras secundárias" e, ainda, pretende superar as definições fundadas nas categorias de gênero e espécie. Quer examinar as relações direito e moralidade, força e sociedade, sem ver a jurisprudência feita de signos puros. Insiste no Direito como instituição social, fenômeno cultural e no seu contato com a moral e a justiça. Na mesma perspectiva das influências dos estudos semióticos, Dworkin e especialmente Landowski querem ir além do atomismo semiótico-semântico.

Superado o sistema jurídico fechado do normativismo, no qual uma norma se explica em relação apenas à outra, e depois do movimento hermenêutico que atribui uma função mais decisiva aos juizes e advogados graças à interpretação, a sociologia sistêmica de Luhmann propõe uma nova maneira de interpretação jurídica, sem deixar de lado as contribuições de diversas disciplinas contemporâneas, tais como a epistemologia construtivista, a linguística pragmática, as ciências cognitivas.

Observação e interpretação, informação e comunicação estão na base da teoria dos meios de comunicação do Direito. A teoria neo-sistêmica permite uma superação da semiótica normativa, de matriz analítica. Habermas complementa a sociologia de Parsons, aprofundando aspectos filosóficos com sua teoria do agir comunicativo e sua ética do discurso. A questão da verdade, do consenso, do discurso, e mais a chamada virada linguística, propiciam um novo panorama de compreensão do fenômeno social e comunicacional. Inserido nesse contexto, porém, indo além, Luhmann inspirado na dialética hegeliana, como Habermas em Kant, acentua a questão da diferença, da fragmentação, da singularidade e não tanto do consenso e da identidade. Revê o problema da ação e da decisão de M. Weber e do sistema de Parsons.

Em síntese, Luhmann vai além de Kelsen, de Hart e, como Reale, também propõe três dimensões para a estrutura jurídica, tendo como base uma explicação da sociedade como sistema social, graças à comunicação que depende da linguagem e de suas funções, diferenciações e estruturas. Afirmam Rocha et al.:

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Toda teoria dos sistemas se caracteriza por manter determinado tipo de relações com o meio ambiente. A teoria da diferenciação afirma que somente os sistemas são dotados de sentido, sendo que o ambiente é apenas uma complexidade bruta, que a ser reduzida faz parte de um sistema. É o sistema a partir da dinâmica da diferenciação que constrói o sentido. (2005, p. 36).

A partir de categorias aplicadas à ideia de sistema, tais como o operacionalmente fechado e o cognitivamente aberto, Luhmann assume a temática da comunicação e, em sua fase mais atual, acrescenta a teoria autopoiética para compreender e explicar o fenômeno jurídico. Desse modo, pensa aquilo que não podia ser até então pensado, pois o sistema autopoiético é simultaneamente aberto e fechado. A produção da diferença e as noções de risco (lugar da contingência) e de paradoxo permitem ver o direito de modo mais dialético, complexo, a partir de uma epistemologia circular e não mais linear.

Rocha cita Teubner, segundo o qual, nessa perspectiva, o Direito assume novas características. Primeiro, a auto-referência que aponta uma indeterminação do Direito. Ele não pode ser controlado de modo puramente externo, seja pelo Direito natural, divino ou pela autoridade. Sua validade nasce das decisões que estabelecem sua validade. Segundo, a imprevisibilidade do Direito implica sua contínua mutação estrutural e sua funcionalidade. Terceiro, a circularidade essencial do Direito alcança seus níveis hierárquicos remetendo-os dos mais altos aos mais inferiores, "uma norma processual tenderá a decidir o conflito posto ao sistema jurídico". (2005, p. 89).

Essas menções gerais permitem visualizar uma nova concepção teórica do Direito. Apontam novas categorias e bases epistemológicas, dentro de uma orientação decisivamente inter e transdisciplinar. As questões que indagam o que é Direito e Não-Direito, ou que tipo de Direito é possível numa sociedade transnacionalizada, ganham uma compreensão mais adequada a partir dos processos de autopoiesis dos sistemas sociais. Como bem observa Clam, a teoria de Luhmann tem uma movimentação, uma engenhosidade, e, quiçá, genialidade, atrelada pela obstinação à interdisciplinaridade. (2005, p. 95).

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Educação e interdisciplinaridade

Todo conceito, inclusive o de ser, necessita para ser pensado basear-se em algo. "Algo" é a abstração extrema da realidade diferente do pensamento; nenhum processo mental ulterior o pode eliminar. (ADORNO, 1985).

É possível examinar os sentidos pragmático-semânticos da expressão "os desafios da educação na era da interdisciplinaridade" e, paradoxalmente, concluir que esses significados só podem ser explicitados de modo interdisciplinar. Esse enunciado possui a virtude de se auto-explicar. Os desafios da educação enunciados são os que se relacionam com a era da interdisciplinaridade. Assim, a expressão "desafios da educação" é delimitada e, ao mesmo tempo, esclarecida pela expressão "era da interdisciplinaridade". Pressupõe-se que existem desafios próprios de nossa época.

A época da interdisciplinaridade, a nossa, propõe alguns obstáculos inéditos para a educação. A análise dos elementos que constituem o enunciado como um todo requer um olhar atento para as partes: para o simples e o complexo, para o mundo institucionalizado e o mundo das vivências e das experiências individualizadas. Por isso, sem perder o aspecto geral que transparece no título, talvez seja adequado, para alcançar objetividade e comunicação, proceder por etapas, operando distinções, exercendo a dialética da diferença contra a tendência de apenas identificar.

Os desafios da educação começam no conceito de educação. Constitui um desafio saber como se pode ou devemos entender o conceito de educação. Nessa tarefa de esclarecimento, dois níveis podem ser levados em conta: a) o teórico (socioantropológico e

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filosófico), que indaga como o conceito surge nos hábitos das sociedades, na totalidade das normas e dos procedimentos cultivados próximos da moralidade, dos modos de produção e dos valores sociais; b) o científico-pedagógico (das diversas ciências envolvidas na ação educacional), que indaga pelos modos de efetividade da educação, como ela se realiza em vista de determinados fins.

Hoje, com frequência, fala-se de um tipo de desafio da educação: mencionam-se o fenômeno das permanentes mudanças (quase sempre sem nenhum detalhamento), a superação das formas tradicionais de transmissão de conhecimentos (sem explicitar o que há de essencial ou de secundário na ideia de transmissão), a oposição entre a educação tradicional e a escola atual (ignorando as características e os contextos dessas características) e outras características, isto é, repetem-se as afirmações sem uma rigorosa análise dos conceitos. Chega a ser cansativo, por exemplo, ouvir a repetição de que o ensino verbalista deve dar lugar à construção de conhecimentos. No entanto, essas afirmações repetidas por si nada esclarecem, pois elas não explicitam o contexto social e histórico das explicações, das tentativas de reformulação da experiência educacional. Sabe-se que desafios da educação são dificuldades e problemas próprios da atualidade, que as teorias e as práticas pedagógicas devem resolver. E sabemos, também nesse caso, que, para caracterizar o contexto, o conceito de interdisciplinaridade não pode ser simplesmente alegado. Para que o conceito de interdisciplinaridade possa orientar os sentidos dos desafios atuais da educação, ele precisa ser explicitado e efetivado.

Os desafios da educação são permanentes, próprios de cada época ou situação social e histórica. O ato de educar, na sua origem e natureza, envolve processos de transformação e, por isso, como processo implica uma concepção que pressupõe dificuldades naturais. Assim, sem retroceder aos gregos que, em assuntos de educação e de formação, estabeleceram nossos primeiros passos, já no século XVIII, para escolhermos um exemplo, D'Alembert afirmava que por pouca atenção que se dê aos acontecimentos, aos costumes, às obras e até às conversas, nos meados do "século em que vivemos", o século XVIII, "é muito difícil passar desapercebida a extraordinária mudança que, sob múltiplos aspectos, ocorreu em nossas

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ideias, mudança essa que, por sua rapidez, parece prometer-nos uma ainda maior". A constatação de D'Alembert, pesadas as circunstâncias, vale para a educação de outras épocas e, portanto, ainda hoje. Por isso, falar simplesmente em mudança não caracteriza a nossa época. Não basta repetir slogans, é necessário analisá-los em seus detalhes.

Os desafios da educação na modernidade assumem um caráter de ruptura. A Revolução Industrial, a Revolução Francesa e o Iluminismo introduzem, no cenário social e histórico, o conceito de ruptura. Depois de Kant e de Hegel, a ruptura será interpretada pelo pensamento de Marx, de Nietzsche e de Freud, (para citar os nomes apontados por Foucault). Ela não cessa de se multiplicar nos mais diversos âmbitos da cultura e da civilização. O Iluminismo, por exemplo, se, de um lado, é superado pelo que se convencionou chamar de pós-moderno, de outro lado, o ideal iluminista, em certas circunstâncias, ainda não foi alcançado. Vivemos ainda na menoridade, isto é, somos incapazes de servirmo-nos do entendimento sem a orientação de outrem, como adverte Kant. O problema ideológico apontado por Marx e a moral dúbia do aperfeiçoamento, denunciada por Nietzsche, ressoam ainda em nossos conflitos culturais. Em outros termos, estamos numa época em que coexistem camadas históricas de diversas épocas. Avançamos nos séculos, não porém de modo linear e homogêneo.

Para estabelecerem-se horizontes que nos permitem entender os desafios da educação hoje, podemos nos deter, por um instante, em Horkheimer e Adorno, nas páginas da Dialética do esclarecimento, e ler, no prefácio, o seguinte: "A humanidade, em vez de adentrar em uma situação verdadeiramente humana, afunda em um novo tipo de barbárie". Depois das grandes catástrofes do século XX (as guerras mundiais, os campos de concentração nazistas), mesmo que a ciência e a tecnologia tenham avançado fantasticamente e mesmo que os meios de comunicação tenham tornado a Terra uma aldeia, a educação parece tornar-se cada vez mais impotente no sentido de preparar ou orientar o homem no mundo ou simplesmente para adaptá-lo às novas determinações sociais geradas pelo processo de globalização e de reprodução das próprias diferenças e rupturas sociais. A educação entra em crise diante das imposições

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objetivas e contraditórias do contexto social e não apenas devido à insuficiência e à multiplicidade das teorias e dos métodos pedagógicos.

Dentre muitos aspectos de interesse pedagógico, pode-se ficar concentrado num exemplo, o da crise dos conceitos de autoridade, de tradição e de valores. Gadamer e Arendt, cada um à sua maneira, mostram como o conceito de autoridade se entrecruza com os conceitos de tradição e de religião, que, hoje, apresentam novos vínculos, fundados em novos tipos de racionalidade, novos processos de racionalização que governam as relações humanas.

A partir de referências como essa, a educação não mais pode ser examinada e compreendida como fenômeno isolado. Mais do que nunca, o econômico, o social e o político, como o ético e o estético e o religioso efetivam as complexas camadas das relações educacionais. Essa mesma rede de inter-relações é dimensionada pelos modos de produção da sociedade e de comunicação, e de interpretação da realidade mediática, com caraterísticas próprias de nossa época. O avanço da ciência e da tecnologia, com consequências na auto-organização educacional, assumem proporções inéditas na História. Por isso, um dos desafios da educação consiste em poder entendê-la e considerá-la além da perspectiva de âmbito educacional. A educação precisa ser examinada a partir de perspectivas internas e externas, da diversidade dos saberes e das teorias da ação, além das disciplinas, num real esforço inter e transdisciplinar.

Com o surgimento da ideia de interdisciplinaridade nos anos 70, começou-se a pensar as relações entre a educação e a interdisciplinaridade. Mas, aqui, é preciso evitar o perigo de considerar a interdisciplinaridade como uma mera associação de disciplinas. Na realidade, a educação exige a integração dos saberes, isto é, um autêntico empreendimento inter e transdisciplinar. Quando se emprega o termo educação no sentido formal, como um processo consciente, programado, que envolve conhecimentos, habilidades, competências, crenças e valores, e não apenas simples instrução ou mera formação profissional, os conhecimentos científicos e os auxílios tecnológicos são importantes, mas não formam o núcleo fundamental do processo educativo. Não há educação sem as dimensões éticas e política. Por isso, a educação consiste essencialmente

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num processo de integração de saberes, desde os cognitivos até os do gosto e da moralidade.

O conceito de interdisciplinaridade pode ser entendido como uma maneira de integração entre as ciências e entre as disciplinas, e a transdisciplinaridade como a integração das formas de conhecimento: o mito, o místico, o religioso, o artístico, o científico e o empírico. Os conceitos de multi, inter, intra e transdisciplinaridade pretendem explicar múltiplas experiências de contato de conhecimentos e de saberes. Nesse entrecruzamento, três esferas de problemas apresentam-se na interação entre educação e inter e transdisciplinaridade.

O primeiro enfoque pressupõe uma nova maneira de conceber a ciência, a qual, por sua vez, implica uma nova maneira de conceber as disciplinas e as interações entre elas.

O segundo refere-se aos processos de ensino e aprendizagem que resultam das próprias contribuições científicas e tecnológicas e da experiência social e histórica.

O terceiro âmbito de questões, ligado aos dois anteriores, aponta para o processo de globalização da contemporaneidade, em seus diversos níveis e graus, para a divisão dos países entre ricos e pobres, e para o surgimento de novas maneiras de entender a realidade e novas epistemologias que usam os conceitos de complexidade e de emergência.

Assim, os conceitos epistemológicos de inter e de transdisciplinaridade permitem-nos examinar as condições do ensino, das teorias e dos sistemas educacionais hoje. Não se trata propriamente de apresentar propostas, programas ou projetos determinados externamente para resolver os problemas da multiplicidade de disciplinas, do distanciamento entre elas. A inter e transdisciplinaridade operam-se naturalmente como condição atual da investigação científica e da ação pedagógica.

Pensar a integração entre as ciências e as disciplinas, refletir sobre as fronteiras de novas disciplinas é uma ação de segunda ordem, de caráter epistemológico. A integração de disciplinas e de saberes efetiva-se, por exigência natural, numa primeira ordem, no próprio processo de conhecer. A inter e a transdisciplinaridade não surgem de uma decisão externa, de um mero ato de vontade, ao contrário, elas nascem da necessidade de apreensão do objeto ou do problema de pesquisa.

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a) O excesso de conhecimentos

O excesso de conhecimentos científicos (novos) é um desafio para os programas de ensino e de aprendizagem. Quanto mais conhecimento é produzido tanto mais é preciso providenciar sua organização e divulgação. As disciplinas são modos de sistematização dos conhecimentos. Esse procedimento socioantropológico de institucionalização dos conhecimentos reflete a tensão entre a tradição e a renovação. Essa tensão, bem-administrada, conserva vivo o processo de conhecer; porém, quando o conflito entre o conhecimento produzido e a ignorância desaparece, a disciplina perde seu significado histórico e sua função lógica.

Nos dias atuais, torna-se cada vez mais evidente que a resposta aos problemas científicos e didáticos exige também conhecimentos que transcendem os da ciência. Portanto, o excesso de conhecimentos científicos sem um cuidado com os fins da educação, com um comportamento ético adequado, não é suficiente para encontrar respostas aos desafios que nos cercam. A educação ecológica, por exemplo, requer conhecimentos formais, mas não se limita a uma ou duas disciplinas nem se restringe aos conhecimentos científicos. Ela requer condutas e ideais. Precisa lidar com políticas, hábitos, valores que dependem de ideologias, de doutrinas, de crenças. O ensino não pode limitar-se às informações dos textos científicos: a aprendizagem consiste na transformação das informações em conhecimentos, e conhecimentos implicam hábitos, condutas, competências.

Os programas de ensino abertos, processuais e não dogmáticos, em torno de problemas reais ou virtuais (de finalidade pedagógica), articulam a dialética do conhecimento produzido e do conhecimento não-produzido, isto é, pressupõem a mútua determinação entre ignorância e sabedoria, tanto em relação ao desenvolvimento teórico (da pesquisa) quanto à aplicação dos conhecimentos.

Espera-se que o ensino aponte alternativas como solucionar problemas em vez de expor conteúdos ou informações descontextualizadas. Para alcançar esses objetivos, é necessário buscar os conhecimentos produzidos onde se encontram, possivelmente em diversas áreas do conhecimento e não apenas numa única disciplina. Dito de outro modo, a sistematização dos conhecimentos em torno de um

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objeto de estudo, tendo em vista a aprendizagem, é naturalmente inter e transdisciplinar por exigência científica e pedagógica.

Uma educação permanente, como se exige hoje, pressupõe que a aprendizagem se transforme em uma auto-aprendizagem desde o período escolar, para poder perdurar no período profissional. E um dos modos eficazes de educação permanente reside no estudo das teorias a partir de referências concretas. Nessa perspectiva, vale o ensinamento de Aristóteles que há muitos séculos afirmou: "As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as." Isso só é possível se o ensino estiver aberto a todas as possibilidades de conhecimentos e não preso a disciplinas fechadas, compartimentadas que impedem perceber a complexidade dos objetos ou problemas de estudo.

A inter e transdisciplinaridade, ao quebrar os muros das disciplinas, formam espíritos abertos, democráticos que cultivam o respeito ao Outro. A própria escola e a universidade não mais aparecem como instituições possuidoras do monopólio do ensino e da aprendizagem. Como bem observa Pombo (1993), a expansão dos conhecimentos dá origem às disciplinas de fronteiras, como a sociolinguística, o biodireito e às interdisciplinas, como a engenharia genética, a bioquímica, ou às interciências, como as ciências cognitivas. Exigem-se, hoje, flexibilidade das disciplinas, pretensamente autônomas, e possibilidade de novas sistematizações de conhecimentos. Essa flexibilidade permite, desse modo, uma compreensão mais adequada da natureza hipotética dos conhecimentos científicos.

O desenvolvimento dos conhecimentos, ao provocar o surgimento de novas disciplinas, exige integração e cooperação entre os professores, articulação entre os programas de ensino. Por isso, a constituição de disciplinas e a definição de programas de ensino passam a depender de critérios epistemológicos e não apenas de definições político-administrativas.

b) Formação geral, básica e profissional

O excesso de conhecimentos reflete-se na organização curricular. Em primeiro lugar, aparecem novas disciplinas ao lado de centenas de disciplinas que são ministradas e administradas nas

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universidades hoje. Em segundo lugar, a luta de espaço entre as disciplinas acaba, em muitos casos, pondo em segundo plano as disciplinas de formação geral e básica em benefício das disciplinas de formação profissional. Os currículos que insistem na formação profissional - em como se faz isso ou aquilo, qual a melhor estratégia para alcançar as metas imediatas da profissão - acabam pondo de lado o que é essencial no saber, as questões filosóficas, históricas, os aspectos metacientíficos e as condições necessárias para promover o bem-estar do homem e da sociedade.

Outro argumento a favor do necessário equilíbrio entre a formação básica e profissional está no modo de entender a especialização. A atividade profissional de formação científica necessita de conhecimentos transversais; o especialista centrado apenas numa direção fechada prejudica sua própria especialidade. A época do especialista formado num único tipo de conhecimento já passou. Ortega y Gasset, na obra La rebelion de las massas, mostra que o especialista nem é sábio nem ignorante. Na realidade, é "um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade, é um sábio". (1970, p.173-174). O especialista na atualidade é aquele que possui ao mesmo tempo conhecimentos gerais, básicos e específicos.

A complexidade do conhecimento e também a complexidade dos fatos exigem conhecimentos específicos e conhecimentos que sustentam e justificam os conhecimentos específicos. O fenômeno da inter e da transdisciplinaridade aponta o entrelaçamento e a integração dos conhecimentos que não eram necessários em outras épocas para resolver os problemas e que, em geral, encontravam-se numa ou noutra disciplina. O surgimento de novas ciências e disciplinas provoca um excesso de divisões, de fragmentações. Mostra, ao mesmo tempo, a expansão dos conhecimentos e a necessidade de novas sistematizações de conhecimento, para fins de pesquisa e de ensino. O princípio da unidade e da multiplicidade dos saberes funda e legitima a formação profissional exigida nos dias de hoje.

Sendo o pedagógico um campo de ações gerais (morais, deliberativas) e de ações científicas, e não uma simples soma de atos cognitivos, nenhum currículo pode ser apenas multidisciplinar. Ele precisa ser inter e transdisciplinar. A formação que abarca

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conhecimentos básicos e profissionais precisa ser também inter e transdisciplinar. Os níveis de formação geral, básica e profissional não são meras etapas artificialmente propostas que pressupõem, depois de realizada a primeira etapa, passar para a segunda. Ao contrário, o geral e o básico precisam estar integrados ao profissional. O entrelaçamento circular deve predominar sobre o linear. O complexo e o simples, o emergente e o tradicional devem andar juntos. A multi, a inter, a intra e a transversalidade das disciplinas residem no movimento contínuo de integração dos conhecimentos teóricos e das práticas numa espiral que abarca ao mesmo tempo o particular e o universal. O currículo de um curso pode ser visto como uma macrodisciplina ou como um único programa de aprendizagem.

Diante dessa perspectiva, a utilização somente de critérios político-administrativos para elaborar um programa de formação profissional é algo totalmente inadequado. Os verdadeiros critérios são os epistemológico-pedagógicos, isto é, os que surgem do interior do processo de ensino-aprendizagem e das necessidades sociais e morais. A imagem da escada, de degraus que nos levam a um determinado ponto, é ambígua. A verdadeira imagem é a da rede: o campo de ação integrado num único movimento sistêmico. Não se passa pelas disciplinas como se sobe ou desce uma escada. As disciplinas são nós de um único processo que nos permite captar e interpretar a realidade em devir, em transformação. Um currículo, portanto, é composto por áreas de conhecimento, de disciplinas que acompanham o surgimento, o desenvolvimento das ciências e de critérios de aceitabilidade que estabelecem o ordenamento de condutas a alunos e professores (como no caso do sentido das expressões "disciplina militar" ou "disciplina escolar" ainda sutilmente presentes no conceito de disciplina).

Essa visão implica teorias e condutas pedagógicas coerentes com a natureza da ciência e capazes de atender aos interesses e às necessidades do indivíduo, do cidadão e da sociedade. A efetivação dessas metas exige que o currículo se caracterize por um continuum que começa em cada disciplina e acaba abarcando -as num todo. O problema está na concepção e no uso meramente instrumental das disciplinas. Esse problema, por sua vez, não é isolado, mas liga-se à concepção setorizada da estrutura e do funcionamento da universidade.

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c) Especialização e transversalidade

Entre os desafios atuais da educação superior, encontra-se o fenômeno da especialização. Segundo Pombo (1993), esse fenômeno alcançou, na segunda metade do século XX, dimensões alarmantes com consequências ambíguas. De um lado, constata-se o progresso da ciência e da tecnologia e, de outro lado, a perda de compreensão dos objetos ou dos problemas de investigação. As centenas de cursos superiores não são suficientes para atender a um número elevadíssimo de especializações.

Em relação aos especialistas, é significativa a constatação do físico Oppenheimer que afirma que hoje já não são mais os reis e os filósofos que não sabem matemática, mas os próprios matemáticos não conhecem parte da matemática. Os linguistas e os economistas, como acontece em outras áreas, dividem-se conforme a especialidade. Até na filosofia os analíticos e os continentais ignoram-se mutuamente.

A especialização nasce, em grande parte, segundo Pombo, de uma perspectiva metodológica de exigência analítica que, desde os gregos até Descartes e Galileu, é adotada e que consiste no método de "dividir o objeto de estudo para estudar finalmente os seus elementos constituintes e, depois, recompor o todo a partir daí". (2004, p. 123). Para ilustrar isso basta citar o exemplo emblemático do átomo. No início, o átomo era aquilo que não tinha parte. Depois, com a especialização, descobriu-se que o átomo é composto de elementos. Desse modo, a ciência, em seu percurso histórico, não só se multiplica, mas ganha complexidade. Quanto mais se aprofunda a análise de algo, mais se revela a complexidade do objeto ou do problema analisado. E isso ocorre de tal modo que as ciências e as disciplinas já não dão conta do objeto.

Além disso, a especialização não atende às exigências culturais da atividade científica contemporânea. A institucionalização do trabalho científico e das organizações de ensino e pesquisa, que surgiram com a tendência da especialização, também não corresponde mais às necessidades da sociedade atual. Nesse cenário, como sugere Popper, em Conjecturas e refutações (s.d.), em vez de estudar disciplinas, é preciso estudar problemas.

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A resolução de problemas, quase sempre, ultrapassa os limites das disciplinas constituídas. Para resolver problemas científicos, é preciso buscar conhecimentos em mais de uma disciplina. Nesse novo enquadramento, o método de ensinar e pesquisar, a partir de problemas, requer um encaminhamento da especialização para uma atividade disciplinar transversal. A sistematização dos conhecimentos produzidos frente à produção dos novos conhecimentos necessários, quando exercida a partir de problemas científicos, adquire critérios epistemológicos mais seguros do que a simples delimitação disciplinar dos conhecimentos. O critério da sistematização não é o âmbito dessa ou daquela disciplina, mas as necessidades exigidas pela solução do problema.

Popper, em A Lógica das ciências sociais (1978), mostra que a oposição entre nosso conhecimento e nossa ignorância representa duas teses que não se excluem. Ao contrário, só de modo aparente se contradizem, pois, se de um lado, hoje conhecemos mais do que em outras épocas, se aumentamos de modo considerável nosso conhecimento, de outro lado, a cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, descobrimos a necessidade de novos conhecimentos. Em outros termos, à medida que crescem os conhecimentos também aumenta nossa ignorância. Há uma relação fundamental entre conhecimento e ignorância, entre o que se pode de outra maneira afirmar, entre sistematização de conhecimentos já produzidos e a necessidade de produzir novos conhecimentos. A chave dessa relação está no conceito de problema científico real ou de problema científico de caráter pedagógico. Para Popper não há nenhum conhecimento sem problema. A tensão entre o conhecimento e a ignorância está no fato de que não há nenhum problema sem conhecimento e nenhum problema sem ignorância. Portanto, o ponto de partida, para Popper, é sempre um problema e não a simples observação. (1978, p. 13-15).

Essa posição epistemológica tem consequências na organização dos programas de ensino das disciplinas, pois a busca de possíveis soluções para determinados problemas pressupõe a sistematização de conhecimentos produzidos, disponíveis em diversas ciências e disciplinas, não apenas limitados ou exclusivos de uma disciplina.

Nesse aspecto, sob o ponto de vista das condições epistemológicas, em harmonia com as condições pedagógicas, o ensino que adota

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a estratégia da problematização parece ser mais realista quanto à formação profissional, pois essa modalidade de ensino parte necessariamente de uma visão disciplinar transversal. Não se restringe a expor os conhecimentos de uma disciplina ou de um conjunto de disciplinas, mas de organizar programas de ensino em torno de problemas científicos e de caráter pedagógico que correspondem às necessidades da sociedade e aos interesses dos estudantes. Não se ensinam disciplinas, mas como lidar com os conhecimentos produzidos e os conhecimentos não-produzidos, como usar as teorias existentes e as não-existentes na explicação dos fenômenos. Assim, a inter e a transdisciplinaridade surgem antes de tudo como um estilo pedagógico, um modo de proceder, e não apenas como uma proposta teórica. Esse procedimento procura integrar, em sínteses particulares ou gerais, os conhecimentos das áreas do saber.

O desafio da fragmentação das disciplinas e da especialização manifesta-se no permanente surgimento de novas ciências, de interdisciplinas e de disciplinas de fronteiras, que correspondem às exigências da complexidade do mundo em que vivemos. As soluções estão no processo epistemológico e metodológico, nos modos de ministrar e de administrar os conhecimentos. A nova concepção de ciência exige revisão das estruturas escolares e universitárias, atualização pedagógica dos processos de investigação científica e adaptação das novas tecnologias de informação e comunicação. A pedagogia nasce naturalmente dos processos de sistematização e de produção científica e não de decisões externas, às vezes arbitrárias, puramente "técnicas" e ideológicas.

d) Ciência e educação

É relativamente fácil refletir sobre as relações entre ensino, pesquisa e formação de profissionais. Mais complexo é pensar as relações entre a ciência e a educação, entre ciência, formação social, política e ética do cidadão. A passagem e a integração entre ciência, educação e sociedade não se realiza de modo espontâneo. Nesse entrecruzamento de domínios, os graus e os tipos de habilidades e competências postos em ação apresentam uma complexidade que somente estudos detalhados podem evidenciar.

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Também não se pode atribuir simplesmente às instituições de ensino a ideia de que novos empregos dependem de profissionais competentes, formados por elas, sem responsabilizar igualmente a organização da sociedade. Por isso, como afirma John Dewey, "é necessário fazer uma distinção entre ciência como atitude e método e ciência como corpo de conhecimentos". (1990, p. 57). Embora não se possam separar os dois aspectos, é necessário enfrentar as determinações mútuas explícitas e implícitas entre ciência e educação. Se a educação envolve valores, normas, crenças, convicções, entre outras coisas, é necessário examinar quanto os conhecimentos e a cultura científica afetam a educação e quanto a educação pode orientar a formação científica. Conhecimentos científicos sem a correspondente educação formam técnicos, mas não cidadãos.

Como dizem Adorno e Horkheimer: "No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade." (1985, p. 21). A educação pode evitar a "teorização" e a "ideologização" profissional. Para isso, ciência e educação precisam ser mediadas por políticas que garantam a ambos os domínios condições adequadas de realização. Os avanços da ciência quase sempre resultaram da integração de disciplinas e de saberes diferentes. Prigogyne (1996), Prêmio Nobel de Química de 1977, diz que "assistimos ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas, idealizadas, mas nos põe diante do mundo real, uma ciência que permite que se viva a criatividade humana como expressão singular de um traço fundamental comum a todos os níveis da natureza".(1996, p. 14). Essa nova ciência implica naturalmente novas concepções pedagógicas.

Hoje, mais do que no passado, ciência e educação formal determinam-se mutuamente tanto em relação aos seus processos quanto aos seus "conteúdos". Por sua vez, essas novas relações produzem novas condutas e valores e intensificam o caráter ético da ciência e da educação. Além disso, as transformações conceituais da ciência e da educação não ocorrem de modo indiferente às transformações sociais e históricas que abarcam a vida dos cidadãos. Nessa perspectiva, ciência e educação não podem ser vistas como dois pólos, mas como uma única realidade de duas faces.

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Os movimentos de integração e desintegração sempre se efetivam em todos os domínios do saber, da educação e da sociedade.

Portanto, na era da interdisciplinaridade, Vaideaunu (1992) constata que nunca como hoje os conteúdos de ensino foram confrontados com tantas exigências e pressões. Multiplicaram-se as fontes de informação, e o mundo contemporâneo deve respostas relativas ao meio ambiente, ao bem-estar e à paz dos povos e a outras necessidades que transcendem os limites das disciplinas tradicionais. Os problemas sociais, a globalização em suas diversas formas, o desenvolvimento tecnológico e o poder da mídia têm relação direta com as formas de aprendizagem. Hoje, as informações fora da escola cresceram de tal modo que as disciplinas tradicionais e os comportamentos educacionais se encontram diante de novos dilemas: trabalhar com que tipo de informação? É demasiadamente superficial e enganador afirmar que basta ensinar as formas de acesso às informações. Como transformar informações em ações e conhecimentos? Questões como essas abrem novas perspectivas na busca de soluções para os atuais desafios da educação. Exigem uma nova postura diante do conhecimento científico-pedagógico.

Mais do que nunca ensinar é criar condições para o aprender, para deixar o estudante aprender, criar condições de autonomia intelectual e científica. Nesse sentido, os ritos escolares, como exames, avaliações, pré-requisitos, começam a adquirir outras funções no processo de ensino. Paulatinamente, com a inter e transdisciplinaridade mudam as conexões curriculares e também as relações institucionais.

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O humano como motivo interdisciplinar

As condições da existência humana - a própria vida, a natalidade e a mortalidade, a mundanidade, a pluralidade e o planeta Terra -jamais podem explicar o que somos ou responder a perguntas sobre o que somos, pela simples razão de que jamais nos condicionamos de modo absoluto. (ARENDT, 1981).

O humanismo, no sentido estrito, não pode ser considerado uma filosofia nem uma teoria científica. Só indiretamente o humanismo implica um conteúdo filosófico e, em determinadas circunstâncias, impregna com suas ideias uma teoria. O humanismo, no sentido pleno, é uma doutrina, isto é, um conjunto de ideias e de ideais que servem para nortear a ação. Dito isso, pode-se indagar como o humanismo pode ser um elo interdisciplinar, como pode interferir na lógica do conhecimento científico? A resposta, nada simples, remete para a constituição dos conceitos fundamentais e das teorias e dos métodos, os quais não se reduzem a elementos exclusivamente lógicos, e para os aspectos éticos e ideológicos de toda produção e aplicação de conhecimentos.

O humanismo ou qualquer sistema doutrinário pode desempenhar a função interdisciplinar intrometendo-se na formação dos conceitos, introduzindo ou modificando os elementos internos do conceito, e fornecendo uma orientação ética e ideológica à produção e à aplicação dos conhecimentos teóricos.

O humanismo pode igualmente estabelecer o diálogo entre a ciência e a cultura, essa enfraquecida, cada dia mais, pelo processo de globalização. Não se pode esquecer que o humanismo está próximo daquilo que se convencionou chamar de cultural geral ou de

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humanidades. No entanto, o que deve ser evitado, com lucidez e urgência, é o falso conflito entre visão humanista e visão tecnológica, pois, antes de se constituírem dois pólos em conflito, são uma única realidade. A tecnologia, quando considerada na plenitude do conceito, é uma forma de humanismo ou anti-humanista, como acontece com a ciência e a arte.

a) A interferência conceituai e a função ética

A doutrina humanista afirma sua fé no ser humano e orienta as ações para tornar a vida humana mais digna, justa e feliz. Não sendo a ciência atividade neutra nem separada da História e dos interesses humanos, as relações entre ciência e humanismo podem se instalar nos elementos constitutivos, internos e externos, dos conceitos e, em decorrência, nas categorias usadas nos processos de investigação científica e nos procedimentos didático-pedagógicos. Os conceitos constituem-se de elementos, alguns internos e outros externos. Os elementos externos podem ser comuns a dois ou mais conceitos. Os elementos internos ou específicos pertencem ao conceito visto como unidade. De fato, nenhum conceito existe isoladamente; os conceitos, como os grãos de uva, vêm em forma de cacho. Mais exatamente, numa visão mais atualizada, os conceitos formam redes. Por exemplo, na concepção grega, os elementos animalidade e racionalidade constituem o conceito de ser humano. A racionalidade pertence ao gênero humano, a animalidade é comum ao conceito de homens e ao conceito de animal.

Para ilustrar isso, pode-se tomar, de um assunto aparentemente técnico como o sistema tributário, o conceito de tributo, e refletir sobre ele. O tributo em geral pode ser conceitualmente dividido em taxa e imposto. O conceito de imposto constitui-se de elementos como (a) prestação tributária em dinheiro, (b) de caráter geral e (c) obrigatório, (d) que o poder público exige direta e indiretamente de cada particular, (e) em benefício coletivo, (f) para atender à administração. Essa definição não é a única nem a mais atualizada; entretanto, ela mostra o processo conceituai no qual se pode introduzir, de modo expresso, um sentido ético-político humanista na elaboração do conceito de tributo O objetivo de atender às despesas

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do governo pode ser redimensionado pela finalidade de benefício coletivo. Em outros termos, o tributo pode ser conceituado a favor ou contra o homem, depende dos significados que ele articula.

A legislação tributária e as teorias do Direito Tributário estão ligadas ao ordenamento jurídico nacional e internacional e refletem as concepções de um sistema liberal, neoliberal, socialista, ou modos de produção, etc. Se é verdade que o Direito Tributário é resultado de relações econômicas, sociais, políticas e culturais de um tipo de sociedade, então cria-se a possibilidade de um espaço para indagar sobre a justeza das decisões e os acertos na aplicação dos recursos financeiros, especialmente nos conflitos entre o Estado, a máquina administrativa e as necessidades dos cidadãos. Em consequência, é legítimo perguntar se o imposto serve ou não aos interesses coletivos e examinar os motivos que levam um sistema tributário proporcionalmente a valorizar mais o trabalho do que o capital especulativo, etc. À medida que se avança na análise, mais se esclarecem as implicações de valores e ideais humanistas ou não nas definições jurídicas e políticas que envolvem os sistemas tributários.

Diante do exposto, o humanismo, sendo doutrina, pode ser visto como motivo interdisciplinar. Motivo indica aquilo que move ou influencia uma atividade, fornece direção (e não apenas método) a um processo. Nessa perspectiva, a conduta humanista interfere no conteúdo mais do que no aspecto formal da investigação científica. Mexe com a dialética entre a vontade e os desejos e não apenas na inteligência das formalizações e do pesquisador.

Se o demonstrado é válido, o humanismo (em sua realização histórica positiva ou negativa) possui, além da função interdisciplinar, a dimensão transdisciplinar. Para entender isso basta retornar ao começo de tudo, à primeira forma de humanismo, a paideia grega.

A paideia, como os studia humaniora de Roma e do Renascimento, não pode ser reduzida a um único enfoque ou ponto de vista. Trata-se de um conceito vasto, mas que designa a formação do homem grego. É sinônimo de cultura, enquanto esse conceito abarca a totalidade das manifestações e formas de vida de um povo. O humanismo explicita o sentido e os fins do homem grego ou do homem de qualquer época da História humana. Como ideal, é movimento, ideário, utopia, condição factual do humano que tudo abarca e envolve,

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desde as teorias até os métodos de pesquisa. Por isso, o humanismo histórico, demasiadamente metafísico, não está livre do fracasso. Ele reflete as contradições da teoria e da prática, da razão e da técnica, da vivência e das normas sociais, da natureza e da cultura.

Aqui não estamos falando do choque entre humanismo e barbárie nem do humanismo utópico, mas do humanismo como motivo interdisciplinar, da pragmática da razão pura prática, da proeminência do humano sobre as coisas, de uma visão antropológica da técnica, das relações entre ciência e democracia, ciência e reconhecimento do Outro. Por isso, qualquer investigação científica interfere nas relações entre vida e natureza, entre bem-estar e ordenamento social. Por mais formais e autônomas que sejam as teorias, sempre possuem um espaço de sentido.

Na realidade, toda elaboração e ação científica, decisão ou explicação de um procedimento implica objetivos, e esses, efetivados, expressam valores que podem "salvar" o homem ou simplesmente torná-lo um "instrumento" a serviço de uma causa externa. Se isso é evidente nas ciências sociais e humanas, também se aplica às ciências naturais. Assim, como um estudo linguístico, por mais formal e lógico que seja, não poderá separar a língua da realidade social e histórica, também as demais teorias científicas mexem de diversas formas com a experiência humana. Pode-se investigar uma língua e esquecer aqueles que a falam, ignorar o papel da escrita e da oralidade na construção da imagem do homem e do mundo. Pode-se trabalhar com uma teoria e esquecer que ela é resultado da observação humana sobre o próprio ato de conhecer. Até a matemática, no desenvolvimento de seus raciocínios, não pode ignorar as mediações hermenêuticas.

b) Cultura e condição humana

Para entender as relações entre cultura e condição humana, é preciso esclarecer alguns equívocos históricos. Com a ascensão do racionalismo cartesiano, com o ideal do pensamento claro e distinto na época contemporânea, especialmente com alguns filósofos do século XX, tornou-se comum uma atitude negativa em relação ao humanismo. O avanço das ciências formais e da filosofia neopositivista e as guerras mundiais contribuíram para aumentar a

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desconfiança em relação ao humanismo. Autores, entre eles Heidegger, recusam-se a atribuir significado filosófico ao conceito de humanismo. Esquecem-se, no entanto, que o humanismo latino nasce ligado ao texto, à palavra, à comunicação escrita. Só se pode interrogar o ente com a palavra. É preciso o discurso para expressar o sentimento do mundo. Enfim, o processo histórico no qual se manifesta a realidade é feito de elementos tradicionalmente ligados aos ideais humanistas. Mesmo os conflitos de poder, as lutas de classe, a escravidão, os genocídios coletivos e outros malefícios são expressões negativas, ambíguas de anti-humanismos.

O retorno ao saber e não apenas ao conhecimento teórico passa necessariamente pelo solo humanista da cultural geral. A cultura geral ou a capacidade de se entender a si e aos outros é o verdadeiro lastro que sustenta os conhecimentos científicos e as práticas profissionais. O estudo das humanidades implica positivamente valorização dos direitos fundamentais do homem, descoberta das relações profundas entre a sensibilidade e a inteligibilidade. Não se trata de nostalgia nem de lamento frente ao desenvolvimento tecnológico. Ao contrário, a tecnologia sem as humanidades e as mais altas expressões do espírito humano é vazia, nada tem a comunicar.

A cultural geral não significa "saber tudo", mas possibilidade de compreensão da época em que vivemos e a compreensão de nós mesmos e dos outros. É educação da sensibilidade e da inteligência, formação da vontade e da capacidade de decidir. A cultura humanista, em seus verdadeiros termos, é uma ponte natural entre o ensino e a pesquisa, a tradição e o futuro, o social e o histórico.

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Nestes ensaios, Interdisciplinaridade: conceitos e distinções, Jayme Paviani investiga as relações entre disciplinaridade e interdisciplinaridade. A noção de disciplina é o ponto central de formação, integração e transformação de disciplinas. Mostra igualmente que o ensino e a pesquisa interdisciplinar passam necessariamente pelas condições institucionais. Chama a atenção sobre as relações entre interdisciplinaridade, universidade e educação. A interdisciplinaridade não é vista como uma solução fácil para os problemas pedagógicos, mas como um fenômeno provocado pela complexidade crescente dos conhecimentos científicos e tecnológicos e dos saberes em geral.

Paviani desenvolve os estudos num viés crítico, reflexivo, sugestivo, sem pretensões programáticas. Observa que a interdisciplinaridade pode ser praticada sem ser nomeada e que também é possível designar projetos de ensino como sendo interdisciplinares, porém sem se efetivarem realmente. O autor cita Olga Pombo que afirma ser a interdisciplinaridade não algo que se tenha que fazer, mas que se faz, quer se queira quer não. Não é um projeto voluntarista, mas condição do próprio conhecimento que nasce das relações entre o homem e o mundo, e do arranjo de novas relações cognitivas.

Jayme Paviani é licenciado em Filosofia, Bacharel em Direito e Doutor em Letras. Desenvolve estudos sobre filosofia grega e contemporânea nas áreas da Epistemologia, Filosofia da Educação, Filosofia da Arte e Filosofia da Linguagem. Ex-professor da Unisinos e da PUCRS, leciona atualmente no Curso de Filosofia e nos Programas de Pós-Graduação em Letras e Cultura Regional da Universidade de Caxias do Sul. Na mesma Universidade, é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação. Dentre suas publicações recentes, destacam-se: Formas de dizer: questões de método, conhecimento e linguagem (1996); Filosofia e método em Platão (2001); Estética mínima (2.ed. em 2002); Ensinar; deixar aprender (2003); Platão e a República (2003); Problemas de filosofia da educação (7.ed. em 2005); Cultura, humanismo globalização (2.ed. em 2006); Conhecimento científico no ensino (2007). Organizou diversos livros em parceria. Publica artigos em periódicos científicos. Publicou também o volume As palavras e os dias (reunião de seis livros de poemas) e O pomar e o pátio (crônicas), em 2002.

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A interdisciplinaridade é um evento permanente no campo da pesquisa. No domínio do ensino,

é um processo contínuo de integração, formação e transformação de disciplinas. Pode ser vista como

um pressuposto epistemológico e uma condição pedagógica. Ela pode ser praticada sem ser

mencionada. Enquanto os cientistas trabalham concentrados na busca de soluções para problemas

científicos relevantes, os professores enfrentam os desafios dos conflitos e das relações

entre as diferentes disciplinas.